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RAPHAEL RODRIGUES VIEIRA FILHO
OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA)
NO SÉCULO XIX
DOUTORADO: HISTÓRIA SOCIAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
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RAPHAEL RODRIGUES VIEIRA FILHO
OS NEGROS EM JACOBINA (BAHIA)
NO SÉCULO XIX
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
DOUTOR EM HISTÓRIA SOCIAL sob a
orientação da Professora Doutora Márcia Barbosa
Mansor D’Aléssio.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
SÃO PAULO
2006
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Aos meus pais Raphael e Izabel, pela vida.
A Edineide, meu grande amor e minha vida, pelo
amor, carinho e cuidado de todas as horas.
Aos meus pais baianos, José Cupertino e Edna,
pelo apoio.
A minha irmã Cândida, pelo incentivo.
Aos sobrinhos Renoir, Pablo, Jonas, Pedro,
Juliana, Aníbal, Danilo, Júlia e Luísa, para
que não se esqueçam jamais de nossos
antepassados afro-brasileiros.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a Deus.
A concretização deste sonho só foi possível graças à
colaboração de muitas pessoas às quais agradeço, neste momento:
À Prof
a
. Dr
a
. Márcia Mansor D’Aléssio, por ter aceito a
orientação nesta reta final.
À Prof
a
. Dr
a
. Maria Odila Leite da Silva Dias, pela orientação
do princípio desta pesquisa, colaborando sobremaneira para o
resultado final do trabalho.
Aos professores do programa de História da PUCSP e colegas do
curso de Pós-Graduação, ajudando com suas aulas e sugestões não
apenas meu amadurecimento intelectual, mas também o aprofundamento
no tema escolhido. A Betinha, secretária do programa de História,
pela colaboração nos vários momentos.
Aos Profs. Drs. Jaime Rodrigues e Enio José da Costa Brito,
pelas valiosas sugestões feitas na qualificação. E também ao Prof.
Dr. Paulino de Jesus Cardoso, ao Prof. Luiz Henrique Blume e à
Profa. Vanicléia Silva Santos, pela leitura atenta das primeiras
versões dos textos e discussões em torno dos principais problemas,
contribuindo para a melhora da versão final desta tese.
Aos bibliotecários, funcionários e demais pesquisadores das
inúmeras instituições em que pesquisei, principalmente aos do
Arquivo Público de Salvador, Bahia, com os quais convivi e de quem
recebi a colaboração, tornando agradável o árduo trabalho de
pesquisa.
Aos bolsistas e voluntários que trabalharam nesta pesquisa,
especialmente: Clara e Lílian, no APEBA; Fabrícia, em Morro do
Chapéu; Sthel, em vários arquivos da região de Jacobina; e Lauro e
Renoir, na elaboração e digitação dos bancos de dados.
A Edineide, por tudo.
Aos colegas e amigos da UNEB, especialmente às professoras e
aos professores do DCH IV – Jacobina, que possibilitaram meu
afastamento. Agradeço, também, a PPG/UNEB pela concessão de bolsa,
garantindo minha qualificação acadêmica.
RESUMO
O presente trabalho tem como objeto as populações negras
da região de Jacobina, Bahia, no século XIX. Existe uma
bibliografia, bastante difundida no sertão baiano, afirmando a
não existência de negros no interior. Esses autores apóiam-se
nos preceitos de incompatibilidade entre pecuária e escravidão
e também na forte presença indígena, que se miscigenou com os
colonizadores brancos. Partindo de diversos corpos
documentais, tais como: Correspondências enviadas ao
Presidente de Província por Juízes e Câmara Municipal, Falas
dos Presidentes de Província, Documentos Digitalizados pelo
Projeto Resgate, Livros de Registro contendo Registros de
Compras, Vendas e Doações, Procurações e Registros de Cartas
de Liberdade, Processos Crimes e Cíveis, além de documentos
publicados no final do século XIX e início do século XX nos
Annaes da Arquivo Publico da Bahia, Annaes da Bibliotheca
Nacional e Documentos Historicos da Bibliotheca Nacional e
autores do século XIX e início do século XX, foram levantados
dados sobre as populações negras e sua inserção na região,
contrariando a bibliografia citada acima. Foram trabalhados, a
partir de informações colhidas nos recenseamentos da população
do século XVIII e XIX, aspectos da composição populacional
geral da região de Jacobina. Foi também trabalhado a
configuração específica regional da população de escravizados,
tais como: sexo, cor/etnia, idade, utilizando como fonte os
Registros de Compras, Vendas e Doações e Procurações. As formas
de conquista da liberdade ficaram expressas nos Registros de
Cartas de Liberdade de Jacobina e Morro do Chapéu,
consultados. Esses documentos nos legaram além de preços,
sexo, idade, cor/etnia, as formas desse tipo conquistas,
estando envolvidos outros aspectos que somente o valor
monetário nessas transações. Nos Processos Crimes e Cíveis foi
possível verificar como as conquistas de um pouco mais de
autonomia eram negociadas e expressaram-se em momentos e
situações diversas.
ABSTRACT
This study aims the black populations of the region of
Jacobina, Bahia, in the 19
TH
century. There is a bibliography,
widely spread in the countryside of Bahia, which states the
nonexistence of blacks men in the countryside. These authors
are based on the principles of incompatibility between cattle
breeding and slavery and also on the strong indigenous
presence, which mixed with the white settlers. Based on
several documents collection, such as: Correspondences sent to
the President of Province by Judges and City Congress,
Speeches of the Presidents of the Provinces, digitalized
documents by “Resgate” Project, Books of Registration
containing Registrations of Purchases, Sales and Donations,
Procurations and the recordings of Letters of Freedom, Crime
and Civl Lawsuits, besides the documents published at the end
of the 19
TH
century and beginning of the 20
TH
century in the
Annals of National Library and Historic Documents of the
National Library and authors of the 19
TH
century and beginning
of the 20
TH
century. Were raised data about the black
populations and their insertion in the region, contrary to the
bibliography mentioned above. Features of the general
population composition of the region of Jacobina were studied,
based on information taken from the census of the population
in the 18
TH
and 19
TH
century. The specific regional
configuration of the slave population, such as: sex,
color/ethnicity, age, using as source the Registrations of
Purchases, Sales and Donations and Procurations. The ways
freedom was conquered were expressed in the recordings of
Letters of Freedom of Jacobina and Morro do Chapéu, consulted.
These documents brought besides prices, sex, age,
color/ethnicity, the ways of these types of conquers, and
other features involved beyond the monetary value of these
transactions. In the Crime and Civil Lawsuits it was possible
to verify how the conquers of a little more autonomy were
traded and expressed in moments and diverse situations.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Mapa da produção da Comarca da Jacobina – 1850...90
Quadro 2 – População de Jacobina por Freguesia (1770-1774)..95
Quadro 3 – Mapa do Município, Distritos de Paz e os
respectivos Quarteirões e dos Habitantes desta Comarca de Sto.
Antonio de Jacobina – 1836..................................96
Quadro 4 - Mapa descritivo do Município de Jacobina........100
Quadro 5 – Processos Crime de Jacobina depositados no APEBA 102
Quadro 6 – Envolvidos Qualificados por Processo............103
Quadro 7 – Origem, Cor e Sexo - Registro de Compras, Vendas e
Doações – Jacobina (1808-1885).............................108
Quadro 8 – Registros de Compras, Vendas e Doações de
Escravizados – Por faixa etária - Jacobina (1808-1885).....110
Quadro 9 – Número total de escravizados envolvidos em
procurações (1875-1887)....................................127
Quadro 10 – Procurações outorgadas por local de poderes
concedidos (1875-1887).....................................129
Quadro 11 – Relação de escravos do inventário de José Bento
Dantas Coelho..............................................193
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAPEBA Anais do Arquivo Público do Estado da Bahia
AAPEBA Annaes do Archivo Publico do Estado da Bahia
APEBA Arquivo Público do Estado da Bahia
AN Arquivo Nacional
ABN Annaes Biblioteca Nacional
BCEB Biblioteca Central do Estado da Bahia
BN Biblioteca Nacional
DHBN Documentos Historicos da Bibliotheca Nacional
FMMC Fórum Municipal de Morro do Chapéu
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...............................................11
1 – APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO: OS NEGROS E A COLONIZAÇÃO DA
REGIÃO DE JACOBINA .........................................37
1.1 – A Implantação da Colonização na região de Jacobina..44
1.2 – Contestações e Resistência..........................57
2 – JACOBINA: POPULAÇÃO E NEGROS NO SÉCULO XIX..............84
2.1 – Números da escravização em Jacobina................105
2.2 – O Tráfico nas procurações..........................126
3 – A CONQUISTA DA LIBERDADE...............................138
3.1 – Poucos registros, muitas Histórias.................142
3.2 – Os valores das Conquistas..........................150
3.3 – A Expressão dos Valores das Cartas de Liberdade....159
3.4 – Outros Valores Envolvidos..........................169
4 – AS AUTONOMIAS POSSÍVEIS................................176
4.1 – Eclosão da Raiva...................................179
4.2 – Experiência Comercial..............................186
4.3 – Vontades, Sentimentos e Sofrimentos................194
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................207
6 – FONTES E REFERÊNCIAS...................................212
6.1 – Fontes.............................................213
6.2 – Referências........................................217
7 – ANEXOS.................................................232
APRESENTAÇÃO
12
APRESENTAÇÃO
Quando se chega a Jacobina, a primeira impressão é de se
estar em uma cidade bastante antiga com seus casarões e
igrejas a dar cor às pequenas e estreitas ruas calçadas de
pedras. Estas mesmas ruas, ao serpentear os morros, abrigam
casas cada vez menores e se equilibrando nas encostas,
denotando um núcleo urbano antigo e desigual.
Acabara há pouco tempo uma pesquisa sobre a construção da
identidade dos afro-brasileiros de Salvador vista através da
festa do carnaval e procurava por tipos de manifestações
culturais em Jacobina
1
. Buscava novos temas, mas não fugindo
do objeto preferencial de minhas pesquisas: os
afrodescendentes e seu cotidiano de festas e lutas.
Em conversas com colegas professores mais antigos do
Campus IV Jacobina da Universidade do Estado da Bahia, era
desestimulado a trabalhar com esse tema, pois afirmavam
existirem poucos afrodescendentes na cidade, sendo sua única
1
VIEIRA FILHO, Raphael Rodrigues. A re-africanização do Carnaval de
Salvador: a re-criação do espaço Carnavalesco. 1995, 228 f.
Dissertação (Mestrado em História Social) - PUCSP, São Paulo, 1995.
13
expressão a “Marujada”
2
, e até mesmo esta brincadeira estava
desarticulada, sem uma sede fixa e com problemas para suas
apresentações anuais. Uma pergunta ficou latente em mim: por
que havia poucos afrodescendentes na cidade? Ou por que todos
acreditavam existirem poucos afrodescendentes na cidade?
A segregação espacial em Jacobina foi construída ao longo
dos vários séculos de ocupação urbana, deixando sempre os
piores lugares às populações empobrecidas e sem prestígio
social, constituída em sua grande maioria de
afrodescendentes
3
, algo comum nas cidades brasileiras. Porém a
singularidade reside na objeção da própria existência desta
parcela da população, decorrendo daí toda uma série de
desatendimentos como: locais próprios para moradia, saneamento
básico, educação, postos de trabalho, etc.
Ao se andar pela cidade, fica patente uma diversidade de
ocupação urbana, captada pelo estranhamento de um olhar vindo
de fora, pois os habitantes locais, e principalmente as
elites, já haviam incorporado e internalizado esta
contradição, tornando-a naturalizada. Se era refutada a
presença dessa população negra na cidade, mais ainda sua
2
Manifestação popular de origem brasileira com fortes influências
européia e africana, na cidade de Jacobina, celebrada e fomentada
por três famílias de negros, desde o século XIX. Para maiores
informações, ver MIRANDA, Carmélia Aparecida. Um olhar sobre a Festa
da Marujada em Jacobina. 1999. 176 f. Dissertação (Mestrado em
História Social) - PUCSP, São Paulo, 1999.
3
O conceito ‘afrodescendente’ será utilizado neste trabalho em
consonância com as discussões preparatórias para a Conferência
Mundial Contra o Racismo, em 2001, correspondendo a todas as pessoas
descendentes ou multiplicadoras das estruturas culturais africanas,
vítimas de discriminações.
14
contribuição na construção socioeconômica e até mesmo do
núcleo urbano jacobinense.
Aqui cabe uma pequena explicação: sou paulistano, nascido
na periferia, e migrante instalado, naquele momento, havia
dois anos em Salvador. Concursado para lecionar Metodologia do
Ensino e da Pesquisa em História, nunca havia estado na região
para onde fui designado. Nas viagens para fora de Salvador,
tinha ido para o litoral, ou no máximo para Serrinha, região
sisaleira, distante mais ou menos 180 quilômetros da capital
baiana.
Nas ruas estreitas do centro ou no
Campus
da UNEB,
observavam-se pessoas com feições mestiças, denunciando a
descendência européia pelos olhos claros, pele queimada pelo
sol inclemente do sertão; algumas com traços característicos
das miscigenações com indígenas, cabelos negros, muito lisos e
olhos amendoados; encontrava também afrodescendentes, mas
poucos, pouquíssimos, podendo ser classificados pelo senso
comum de pretos.
Nas ruas mais íngremes, nos bairros mais afastados e nos
dias de feira, sexta e sábado, os personagens eram diferentes
e as feições mais bronzeadas, acobreadas, amorenadas e outras
expressões cunhadas ao longo dos anos para fugir do
preconceito racial, e denotando uma população predominante de
afrodescendentes.
Jacobina é conhecida como a Cidade do Ouro, por isso,
conforme já havia lido e estudado na bibliografia levantada,
15
parti da seguinte premissa, presente na historiografia
tradicional:
onde houve exploração de ouro ou qualquer tipo de
mineração deveria ter havido pessoas escravizadas
, pois de
acordo com Ordem Régia do período colonial, para estabelecer-
se, o minerador deveria provar ter disponível doze escravos.
Aqui cabe uma pequena explicação. Utilizo a expressão
escravizado
para dar uma conotação histórica, pessoal e humana
aos homens e mulheres, pois só a palavra
escravo
não tem tal
abrangência. Além disso, o termo escravizado pressupõe uma
idéia de movimento
escravizado
x
escravizador
- diferente do
termo já cristalizado e naturalizado -
escravo
.
4
As leituras posteriores, principalmente sobre Minas
Gerais
5
e sobre a Ilha de Desterro
6
, subvertem esse pensamento,
4
Jaime Rodrigues utiliza o termo escravizado para designar a
experiência do tráfico imposta aos africanos capturados até seu
embarque, passando de traficante a traficante. (RODRIGUES, Jaime. De
costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico
negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Cia.
das Letras, 2005. Especialmente Parte I).
5
Ver principalmente SLENES, Robert. Os múltiplos de porcos e
diamantes: a economia escrava de Minas Gerais no século XI. Estudos
Econômicos, São Paulo, v. 18, n. 3, p. 449-495, 1988; GUIMARÃES,
Carlos Magno; REIS, Liana Maria. Agricultura e escravidão em Minas
Gerais (1700/1750). Revista do Departamento de História –
FAFICH/UFMG, Belo Horizonte, n. 1(2), p. 85-99, jun. 1986; IRVIN,
James R.. Escravidão e trabalho em sistema de plantation. Revista do
Departamento de História – FAFICH/UFMG, Belo Horizonte, n. 6, p. 5-
14, jul. 1988; SILVA, Vera Alice Cardoso. Da bateia à enxada:
aspectos do sistema servil e da economia mineira em perspectiva,
1800-1870. Revista do Departamento de História – FAFICH/UFMG, Belo
Horizonte, n. 6, 47-68, jul. 1988; CAMBRAIA, Ricardo de Bastos;
MENDES, Fábio Faria. A colonização dos sertões do leste mineiro:
políticas de ocupação territorial num regime escravista (1780-1836).
Revista do Departamento de História – FAFICH/UFMG, Belo Horizonte,
n. 6, p. 137-150, jul. 1988.
6
Paulino Cardoso é um dos incentivadores desses trabalhos. CARDOSO,
Paulino de Jesus Francisco. Negros em Desterro: experiências das
populações de origem africana em Florianópolis, 1860/1888. 2004, 269
f. Tese (Doutorado em História Social) - PUCSP, São Paulo, 2004.
16
pois esta bibliografia, mais atualizada e embasada em
pesquisas empíricas bastante sólidas, mostra nas áreas
destinadas à agricultura e à pecuária, não diretamente ligadas
à produção para exportação, um considerável número de pessoas
escravizadas e muitas vezes superior ao número de escravizados
empregados na mineração.
Slenes, analisando a obra de Martins Filho e Martins,
concorda com eles quanto ao aumento do número de escravizados
em Minas Gerais em meados do século XIX, porém diferem nas
explicações sobre os motivos desse incremento.
7
Para os
Martins, a economia mineira do século XIX estava voltada para
o consumo local, e também havia muita terra e poucos
habitantes, desestimulando o mercado de mão-de-obra livre,
forçando os senhores à dependência de trabalhadores escravos.
Para Slenes, dois fatores foram decisivos para o aumento do
número de escravos:
1) a existência em Minas de uma economia extrativa
e agropecuária significativa, orientada para
mercados fora da província [...]; 2) o alto preço
de produtos importados para Minas.
8
Neste primeiro momento de procura por um tema, minhas
leituras resumiam-se aos clássicos e aos corógrafos locais.
PENNA, Clemente Gentil. Escravidão, liberdade e os arranjos de
trabalho na Ilha de Santa Catarina nas últimas décadas de escravidão
(1850-1888). 2005, 153 f. Dissertação (Mestrado em História) - UFSC,
Florianópolis, 2005.
7
SLENES, R. Os múltiplos de porcos..., op. cit, p. 448.
8
SLENES, R. Os múltiplos de porcos..., op. cit, p. 449.
17
Porém um questionamento permanecia: – De onde vieram todas
essas pessoas negras? Pois nas obras lidas eles não apareciam.
Uma hipótese era a vinda dessa população, em momento
posterior à abolição ou às suas vésperas, com o advento da
Companhia de Mineração de Jacobina, fundada em 1887 e exibindo
gloriosa a fama de empregar somente trabalhadores livres,
desde sua fundação. Mas isto não explicaria toda a exclusão
atual e a invisibilidade imposta a esta fração significativa
da população.
Iniciei a construção de um novo trabalho de pesquisa com
o projeto: “A cidade como espaço da diversidade cultural”,
cujo objetivo era verificar como a diversidade e as
contradições vistas na organização espacial e nas ruas,
principalmente nos dias de feira, foram construídas. Neste
mesmo semestre, comecei a lecionar a disciplina História da
Bahia.
Na disciplina, lemos e fichamos uma série de trabalhos
cujo tema principal era o sertão baiano. Falo no plural pois
este trabalho foi realizado ao longo de quatro meses com
alunos nas disciplinas de História da Bahia I e História da
Bahia II, e também alunos voluntários dispostos a conhecer um
pouco mais sobre as particularidades do sertão, engajados no
projeto de pesquisa acima mencionado
9
.
9
Apesar de as pesquisas nas bibliotecas e centros de pesquisa terem
sido realizadas exclusivamente por mim, colegas como Erivaldo
Fagundes, Daniel Francisco, Gilmário Brito, Jaime Baratz, Jerônimo
Jorge e Wilson Mattos, entre outros, ajudaram muito com dicas e
sugestões de textos, centros de pesquisa e bibliotecas para este
18
Particularmente sobre Jacobina e região, foram
encontrados poucos trabalhos
10
. As obras enumeradas, de uma
forma geral, foram escritas por corógrafos muito mais
preocupados em exaltar os grandes ‘homens de bem’, muitas
vezes seus parentes, fundadores das dinastias sertanejas,
algumas ainda hoje dominando os cargos executivos,
legislativos e judiciários das terras ‘descobertas’ por eles
mesmos, nos séculos passados
11
.
Minha intenção, neste texto de apresentação, não foi
desvendar os objetivos desses escritores. Em meados da década
de 50 e início da de 60 do século XX, esta situação começava a
ser questionada pelos movimentos populares daquele momento.
Portanto os escritos eram pragmáticos e tinham endereço certo,
subsidiar os ataques aos movimentos sociais organizados,
principalmente aqueles de viés mais à esquerda reivindicadores
de terra para os trabalhadores rurais.
paulistano professor recém-concursado e inexperiente na
Historiografia do Sertão Baiano.
10
COSTA, Affonso. Minha terra: Jacobina de antanho e de agora. In:
Congresso Brazileiro de Geographia, 5., 1916, Salvador. Annaes do 5º
Congresso... Salvador: Imp. Official do Estado, 1918. p. 235-319;
COSTA, Affonso. Guedes de Brito, o povoador
.
Anais do Arquivo
Público da Bahia, Salvador: Imprensa Official do Estado, 1952, v.
32; BRANDÃO, Maria de Azevedo; CARDOSO, Alice Marcelino (Org.).
Jacobina: passado e futuro. Jacobina: ACIJA, 1993; LEMOS, Doracy
Araújo. Jacobina, sua história e sua gente. Jacobina: Grafinort,
1995.
11
Entre esses autores, destaco: QUEIROZ, Claudionor de Oliveira. O
Sertão que eu conheci. Salvador: Fundação Cultural do Estado da
Bahia, 1985; LIMA, Dante de. Mundo Novo: nossa terra, nossa gente.
Salvador: Contemp, 1988; BOAVENTURA, Eurico Alves. Fidalgos e
vaqueiros. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1989.
NEVES, Juvenal. [1991] Vilarejo: a vila do Bom Sossego. Salvador:
Gov. do Est. Da Bahia, 2001. FREITAS, Edith Alves de A.; SILVA, José
Freitas de. História da Freguesia Velha de Santo Antônio: Campo
Formoso. 2. ed. atual. e amp. Salvador: Sec. da Cultura e Turismo,
2004.
19
De nossa parte, atuando enquanto grupo, após as leituras
das obras, produzimos questionamentos geradores de projetos de
pesquisa, concorrendo a bolsas de iniciação científica e,
posteriormente, monografias de final de curso.
Essas discussões propiciaram também a ressignificação do
projeto “A cidade como espaço da diversidade cultural”,
moldando novos caminhos, preocupado com a abertura de
perspectivas temáticas e com o fechamento de hipóteses e
problemáticas estruturantes gerais
12
.
Esses encaminhamentos foram cobertos de êxito e logo na
primeira submissão, concorrendo ao Edital de seleção de
bolsistas PIBIC/CNPq e PICIN/UNEB 1996/97, o projeto recebeu
duas cotas de bolsas para alunos de iniciação científica. Isto
fortaleceu nosso grupo e surgiram novos alunos voluntários
interessados em ingressar no mundo da pesquisa.
A atual pesquisa é o desdobramento desse projeto geral e está
vinculada a uma proposta política de estudar os afrodescendentes
no sertão baiano, os quais a bibliografia baiana mais tradicional
diz não existirem e a bibliografia mais recente não se preocupou
12
Destaco as pesquisas de SAMPAIO, Moises. et al. O coronelismo na
Chapada Diamantina e Piemonte (1880-1930). Jacobina: FFPJ/UNEB,
1997; SANTOS, Vanicléia. Trocas culturais na Micareta de Jacobina
(1919-1960). 1998. 78 f. Monografia (TCC em História) - UNEB,
Jacobina, 1998; SAMPAIO, Fabrícia. Os fanáticos da Gruta. 1997. 67
f. Monografia (TCC em História) – UNEB, Jacobina, 1997; GAMA, Maria
Sandra. Sociedade União dos Artistas Jacobinenses. 2001. 93 f.
Monografia (Especialização em Teoria e Metodologia da História) –
UEFS, Feira de Santana, 2001; SANTOS, Márcia Adriana Alves dos
Santos. Coqueiro: Uma Comunidade Negra no Sertão Baiano. 1999. 38 f.
Monografia (TCC em História) - UNEB, Jacobina, 1999; entre outros.
20
em tratar, por estar essencialmente ligada a aspectos do litoral e
à experiência da agroindústria exportadora.
O projeto inicial surgiu dos questionamentos propiciados
pela leitura das obras sobre o sertão baiano, sobre a
escravidão e de um inventário transcrito encontrado em um
arquivo particular, apontando uma série de escravizados
classificados de uma forma não usual
13
.
Nos processos de inventário lidos por mim até então,
referentes a Salvador e Recôncavo, os escravizados aparecem
listados pela ordem decrescente de valor. No documento
transcrito encontrado no Arquivo Particular da Família
Barberino, eles pareciam estar em uma ordem aleatória, porém
ao transcrevê-lo percebi um padrão, os escravizados estavam
listados sempre: um homem, uma mulher e crianças; novamente um
homem, uma mulher e crianças; e depois idosos e outras
crianças, denotando um padrão de família nuclear.
Esse fato levou-me a questionar primeiro os autores e
suas afirmações de não haver afrodescendentes escravizados no
sertão e também aqueles preconizando a não existência de
famílias entre os escravizados. O segundo grupo, falava da
inexistência de família escrava, ou de sua efemeridade
ocasionada pela própria transitoriedade da escravidão.
13
Arquivo Particular Família Barberino. Testamento e Inventário da
Sra. Roza Cândida d’Antas, de 24/10/1852, transcrito por Amado
Barberino [provavelmente no início do século XX].
21
As explicações para a falta de negros no sertão estão
baseadas na bibliografia utilizando a literatura sobre as
aventuras dos bandeirantes e suas incursões pelo sertão, onde
não eram utilizados escravizados negros e também na afirmação
da incompatibilidade da pecuária com a escravidão e
conseqüentemente com os negros.
No debate travado na esquerda brasileira sobre a presença
de relações feudais no Brasil, existem também adeptos do
antagonismo entre escravidão negra e pecuária. Jacob Gorender
cita os argumentos de Nelson Werneck Sodré sobre o Nordeste
sertanejo: “geram-se relações feudais no pastoreio, pela sua
incompatibilidade com o trabalho escravo”
14
.
E ainda:
Foi a separação entre o pastoreio e a agricultura,
na área açucareira, que motivou o aparecimento, em
primeiro lugar, de uma área em que o escravismo não
encontraria vigência. Essa área, a do pastoreio
sertanejo, definiu as suas linhas ainda no século
XVI.
15
Menos enfático Alberto Passos Guimarães aponta apenas os
motivos da “dispensa” de trabalho escravo a pecuária,
destacando:
14
SODRÉ, N. W.. Formação... Apud GORENDER, Jacob. O escravismo
colonial. 3. ed., São Paulo: Ática, 1980. p. 414.
15
Id., loc. cit.
22
[...] a ausência do proprietário, a impossibilidade
de vigilância contínua e direta, o número reduzido
de braços necessários, enfim o próprio sistema de
produção.
16
Gorender, nas páginas seguintes, preocupa-se em trazer
documentos e fontes para embasar sua argumentação provando
exatamente o contrário, ou seja, a forte presença de mão-de-
obra escrava na pecuária sertaneja
17
. Calcula o rendimento das
boiadas, compara com os pagamentos de foro e com tudo isso
“fica descartada [...] qualquer idéia sobre a vigência de um
quadro feudal na pecuária nordestina”
18
.
A coleta de dados ia avançando e surgiam questionamentos
levando a novas pesquisas e novos questionamentos, porém o
principal eixo articulador desta pesquisa é a busca pelas
várias formas de autonomia escrava. No conjunto das fontes
pesquisadas e no decorrer de séculos, ela aparece fortemente
em todos os conjuntos documentais e em todos os momentos.
Conforme Maria Helena Machado:
Conceitos como os de resistência e autonomia entre
escravos têm sido reiteradamente apontados como
núcleos centrais para a reconstituição de uma
história preocupada em reverter as perspectivas
16
GUIMARÂES, A.P.. Quatro séculos... Apud GORENDER, Jacob. O
escravismo..., op. cit., p. 415.
17
GORENDER, Jacob. O escravismo... O Capítulo 20 é dedicado ao
“Escravismo na Pecuária”.
18
GORENDER, Jacob. O escravismo..., op. cit. p. 426.
23
tradicionais e integrar os grupos escravos em seus
comportamentos históricos, como agentes
efetivamente transformadores da instituição.
19
Esta historiografia tradicional sobre a escravidão,
citada por Maria Helena Machado, estava muito mais preocupada
com esquemas explicativos gerais e totalizantes e também em
definir um processo de formação da nação brasileira. Existiam
aproximações e afastamentos nesses trabalhos da chamada
historiografia tradicional.
Não é minha intenção fazer uma longa exposição sobre a
historiografia clássica da escravidão, mas apenas discorrer um
pouco sobre estas diferenças nos autores das várias décadas
até 1980, e posteriormente, sobre uma historiografia mais
recente.
Conforme o estudo de Diana Berman Pinto
20
, Oliveira
Vianna, herdeiro dos intelectuais do IHGB, estava preocupado
com a definição da formação social do Brasil. Tendo como
principal pressuposto a superioridade do elemento branco sobre
os elementos indígena e negro, para a construção de uma noção
de progresso, tendo como modelo as nações européias, denotando
19
MACHADO. Maria Helena P. T. Em torno da autonomia escrava: uma
nova direção para a História Social da Escravidão. Revista
Brasileira de História, v. 8, n. 16, p. 143-160, mar./ago. 1988. p.
144.
20
PINTO, Diana Berman Correa. A produção do novo e do velho na
historiografia brasileira: debates sobre a escravidão. 2003. 109 f.
Dissertação (Mestrado em História) - PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2003.
p. 19-21.
24
uma forte influência do chamado racismo científico do século
XIX em suas propostas.
Descreveu, em seus escritos, os tipos brasileiros –
sertanejo, matuto e o gaúcho – utilizados até nossos dias como
estereótipos em várias expressões artísticas e até nos meios
intelectuais. A influência do positivismo fica patente nas
análises do autor sobre a formação da diversidade humana e as
leis de desenvolvimento social influenciadas pelo clima.
Sérgio Buarque de Holanda trabalha com a noção de
continuidade da herança lusitana, porém tem o mérito de
enfatizar, em seus estudos, os múltiplos vínculos da vida
real, além de incorporar a vida material e o cotidiano das
populações excluídas do centro do poder.
21
Caio Prado Júnior, na década de 30 do século XX, também
inovava as interpretações marxistas, propondo uma análise
levando em conta não só a estrutura do sistema econômico
montado e voltado para a exportação, mas também as
contradições regionais e sua inserção ou não nesse sistema.
Caio Prado Júnior vislumbrou uma população ligada à
agricultura de subsistência, aos ofícios citadinos, pequenos
negócios e outros, enfim, todos brancos pobres, mestiços ou
libertos, perseverando nas franjas do sistema capitalista
agroexportador, numa constante tensão em busca da
21
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo:
Cia. das Letras, 1999.
25
sobrevivência diária. Seus escritos formaram, conforme Maria
Odila Leite da Silva Dias:
Em vários sentidos uma obra pioneira pelo grau de
elaboração do processo dialético, cuidadosamente
trabalhado na perspectiva histórica de análise das
conjunturas regionais do Brasil.
22
Contrariando os estudos historiográficos daquele momento,
herdeiros de todo um ranço positivista, baseado no discurso de
homogeneização da população e dos costumes brasileiros, Sérgio
Buarque de Holanda e Caio Prado Junior valorizam as
especificidades regionais, as diferentes formas de organização
do trabalho, as coisas miúdas do cotidiano das populações.
Estes autores abriram horizontes lentamente explorados por
vários historiadores de gerações posteriores.
O professor Sérgio Buarque assim estabelece as bases de
suas análises:
Para estudar o passado de um povo, de uma
instituição, de uma classe, não basta aceitar ao pé
da letra tudo quanto nos deixou a simples tradição
escrita. É preciso fazer falar a multidão imensa
dos figurantes mudos que enchem o panorama da
História e são muitas vezes mais interessantes e
22
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Impasse do Inorgânico. In:
D’INCAO, Maria Ângela (Org.). História e ideal: ensaios sobre Caio
Prado Júnior. São Paulo: Ed. UNESP: Brasiliense, 1989. p. 379.
26
mais importantes do que os outros, os que apenas
escrevem a História.
23
Gilberto Freire também se mostra preocupado com o
processo de formação da nação brasileira, mas seu principal
objeto não era a estrutura econômica ou o sistema produtivo e
sim os “valores essenciais da cultura”. Portanto, para este
autor, o Brasil não é apenas uma continuidade de Portugal:
Portugal, criador de tantos povos, hoje
essencialmente portugueses em seus estilos de vida
mais característicos, e o Brasil, país onde esse
processo de alongamento de uma cultura antiga numa
nova, em mais vasta que a materna, atingiu sua
maior intensidade.
24
Gilberto Freire estava preocupado com os problemas da
jovem república brasileira, e legados desde a colonização,
entre eles a miscigenação, era sua maior preocupação. Em seus
estudos baseados no culturalismo de Franz Boas, ele não
descarta as explicações marxistas, acrescento aspectos
psicofisiológicos:
No Brasil, as relações entre os brancos e as raças
de cor foram desde a primeira metade do século XVI
23
Apud DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Política e sociedade na
obra de Sérgio Buarque de Holanda. In: CANDIDO, Antonio (Org.).
Sergio Buarque de Holanda e o Brasil. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 1998. p. 11.
24
FREYRE, Gilberto. Prefácio. In:________ O mundo que o português
criou: aspectos das relações sociaes e de cultura do Brasil com
Portugal e as colônias portuguesas. Rio de Janeiro: José Olympio,
1940. Disponível em: <http://bvgf.fgf.org.br/portugues/obra/livros
/pref_ brasil/o_mundo.htm>. Acesso em 15 mar. 2000.
27
condicionadas, de um lado pelo sistema de produção
econômica – a monocultura latifundiária; do outro,
pela escassez de mulheres brancas, entre os
conquistadores[...] Na zona agrária desenvolveu-se,
com a monocultura absorvente, uma sociedade
semifeudal - uma minoria de brancos e brancarões
dominando patriarcais, polígamos, do alto das
casas-grandes de pedra e cal, não só os escravos
criados aos magotes nas senzalas como os lavradores
de partido, os agregados, moradores de casas de
taipa e de palha[,] vassalos das casas-grandes em
todo o rigor da expressão.
25
Dessa forma, o sistema patriarcal foi o centro difusor de
uma sociedade moldada para ser democrática, abrangente e
miscigenada. Unem-se, assim, às preocupações de Gilberto
Freire, a miscigenação e a formação do Brasil.
Segundo Diana Pinto, a produção historiográfica da década
de 70 do século XX recupera a discussão do sentido da
colonização e as explicações estruturantes, baseadas na
“teoria estática proposta por Althusser”:
A tese do sentido da colonização de Caio Prado Jr.
teve ampla repercussão, e podemos encontrar seus
25
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família
brasileira sob o regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro: Maia
& Schmidt, 1933. Disponível em: <http://bvgf.fgf.org.br
/portugues/obra/livros/pref_brasil/casa grande.htm> Acesso em 15
mar. 2000.
28
sinais nos textos de autores como Celso Furtado,
Otávio Ianni e Fernando Novais.
26
Todos esses autores têm em comum a procura de uma explicação
cuja centralidade estaria em um Sistema Colonial baseado na
exploração do trabalho escravo e articulado, de forma mais ampla,
ao comércio ultramarino e à acumulação mercantil européia.
A historiografia mais recente tem como diferencial a
perspectiva de olhar o escravizado como sujeito ativo de sua
história, proporcionando trabalhos sobre:
[...]organização do trabalho e da vida escrava, a
problemática da constituição e quebra da família
entre cativos, a gestação de uma cultura escrava, a
questão do liberto no mundo escravista e o destino
da mão-de-obra escrava.
27
É um panorama diferente da historiografia produzida até a
década de 70 do século XX, quando a pessoa escravizada era
vista apenas como mão-de-obra dentro de um sistema.
Alguns desses estudos procuram singularizar as formas de
conquista da autonomia, portanto tratando-a como a liberdade
em si. Entre estes, encontram-se aqueles preocupados com as
liberdades coletivas, ou seja, os movimentos de revoltas,
formação de quilombos e outras formas de lutas de grupos.
Outros interessam-se pela busca de uma melhor convivência com
26
PINTO, Diana Berman Correa. A produção..., op. cit., 2003. p. 35.
27
MACHADO, Maria Helena P. T.. Em torno da autonomia escrava..., op.
cit., p. 145.
29
a condição de escravizado, atendo-se às conquistas do dia-a-
dia.
Entre os estudos particularizando a busca de uma
autonomia coletiva, ou seja, tendo como objeto os escravizados
procurando uma cultura independente da dos senhores, está a
historiografia tematizando as revoltas e a formação dos
quilombos a mais diversificada, tanto do ponto de vista
metodológico como do objetivo dos autores.
Palmares, lugar idílico, foi objeto de estudo de vários
militantes afrodescendentes como Edson Carneiro, Abdias do
Nascimento, Walter Passos e Clovis Moura. Estes autores
escreveram de uma perspectiva hoje batizada ‘desde dentro para
fora’, ou seja, aproveitam suas experiências para construir
suas pesquisas com um olhar militante. Além dos citados acima,
Décio Freitas, em sua missão de encontrar um verdadeiro herói
nacional para inspirar os brasileiros nas lutas contra a
ditadura do regime militar instalado em 1964, pesquisou e
escreveu o clássico
Palmares – A Guerra dos Escravos
. Tais
estudos têm em comum uma apurada pesquisa empírica e o
objetivo de servir de base para as discussões e a auto-
afirmação do Movimento Negro e dos Movimentos Populares das
décadas de 70 e 80 do século XX
28
.
28
CARNEIRO. Edson. O quilombo de Palmares. 3. ed. Rio de Janeiro:
Conquista, 1974; NASCIMENTO, Abdias do. O quilombismo. Petrópolis:
Vozes, 1980; PASSOS, Walter. Bahia: terra de quilombos. Salvador:
Ed. do Autor, 1996; MOURA, Clovis. Rebelião da Senzala: quilombos,
insurreições, guerrilhas. 3. ed. São Paulo: Ciências Humanas, 1981;
FREITAS, Décio. Palmares: A guerra dos escravos. 3. ed. Rio de
Janeiro: Graal, 1981.
30
Estudos mais recentes procuram singularizar as
experiências dos negros insurgidos contra as agruras da
escravização, procurando uma outra experiência de vida. João
José Reis e Flávio dos Santos Gomes, citando apenas dois
pesquisadores, trabalharam com formas coletivas de combater a
escravidão
29
.
Também existem estudos preocupados em caracterizar a
autonomia econômica dos escravizados, visando inseri-los em um
sistema econômico ou em um dos ciclos econômicos. Esta visão
da autonomia vista como uma possibilidade econômica, a chamada
brecha camponesa, preconiza a inserção dos grupos escravizados
como responsáveis por uma parte importante do fornecimento de
artigos de primeira necessidade, basicamente alimentos.
Tais mantimentos eram excedentes das roças de
subsistência outorgadas pelos senhores dentro das
plantations
como parte de sua bondade ou o chamado paternalismo
patriarcalista, direito adquirido pelos escravizados, ou para
amainar os ânimos dos escravizados, evitando assim fugas e
revoltas.
Em qualquer das hipóteses de produção desse excedente, os
estudos mais citados vão na direção de apregoar uma ligação
29
REIS, João José. A rebelião Escrava no Brasil: A história do
levante dos Malês (1835). São Paulo: Cia. das Letras, 1986 ;Gomes,
Flávio dos Santos. História de Quilombolas, Mocambos e Comunidades
de Senzala no RJ – séc. XIX. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1995
31
entre esses escravizados e os pequenos agricultores do
presente
30
.
Autores como Maria Odila Leite da Silva Dias também
creditam tal possibilidade ao que ocorria na cidade de São
Paulo, como a comercialização de alimentos e outros
mantimentos essenciais à vida cotidiana, e os arranjos
cotidianos para sobrevivência, eram exercidos por senhoras
brancas empobrecidas e seus escravos. Este pequeno comércio
assegurava o abastecimento onde os grandes comerciantes não
estavam presentes ou não tinham interesse
31
.
Em algumas oportunidades, essas agências só eram
possíveis burlando-se o fisco e conseguindo comercializar os
gêneros sem pagamento dos impostos, garantindo um preço mais
acessível à população em geral. Quando esses negócios eram
praticados exclusivamente por escravos, os produtos podiam ter
origem em pequenos furtos ou descuidos dos senhores
32
.
Como já enfatizei antes, até a década de 70 do século XX,
os estudos sobre as populações africanas e seus descendentes
30
CARDOSO, Ciro Flamarion. A brecha camponesa no sistema escravista.
In: ________ Agricultura, escravidão e capitalismo. Petrópolis:
Vozes, 1979, p. 133-154.
31
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo
no século XIX. 2. ed. rev. São Paulo: Brasiliense, 1995. Cap.
Padeiras e quitandeiras, p. 68 passim.
32
Sobre a origem duvidosa das mercadorias, ver DIAS, Maria Odila
Leite da Silva. Quotidiano..., op. cit., p. 159. Ver, sobre roubos
praticados por escravos e comerciantes de pequenas vendas como
receptores, SAINT-HILAIRE, Auguste de. [1830] Viagem pelas
Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais.. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1975, p. 40; e, SAINT-HILAIRE, Auguste de. [1833] Viagem
pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil., Belo Horizonte:
Itatiaia, 1974. p. 138.
32
estavam muito mais voltados para explicações teóricas gerais
sobre o sistema colonial ou a organização da exploração e da
administração colonial, desta forma as pesquisas empreendidas
tinham como foco principal os modelos teóricos estruturantes
das explicações macro, deixando de fora a “dinâmica interna da
sociedade”
33
.
Alguns trabalhos recentes têm-se preocupado em mostrar a
importância das populações negras para regiões específicas do
sertão baiano, tendo como base esta nova perspectiva apontada
por Maria Helena Machado. Assim, trabalhos como o de Maria
Cristina Pina, para a Chapada; Mônica Duarte Dantas, para
região do baixo Itapicuru; José Ricardo Moreno, para a região
de Bom Jesus da Lapa; Maria de Fátima Pires e, principalmente,
os de Erivaldo Fagundes, para região do Sertão de Cima –
Caetité, Vitória da Conquista e Região da Chapada Velha –,
mostraram a dinâmica relação das populações afrodescendentes e
suas peculiaridades regionais
34
.
33
MACHADO, Maria Helena P. T. Em torno da autonomia escrava... op.
cit., p. 144.
34
PINA. Maria Cristina. Santa Isabel do Paraguassú: cidade, garimpo
e escravidão nas lavras diamantinas, século XIX. 2000. 110 f.
Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade do Estado
da Bahia, Salvador, 2000; DANTAS, Mônica Duarte. Fronteiras
movediças: relações sociais na Bahia do século XIX. 2002, 295 f.
Tese (Doutorado em História Social) - Universidade do Estado de São
Paulo, São Paulo, 2002.; MORENO, José Ricardo. Escravos, quilombolas
ou meeiros? 2001. 158 f. Dissertação (Mestrado em História Social) -
Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2001; PIRES, Maria de
Fátima. O crime na cor: a experiência escrava no alto sertão da
Bahia – Rio de Contas e Caetité – 1830-1888. 1999, 255 f.
Dissertação (Mestrado em História Social) - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 1999; e FAGUNDES, Erivaldo. Uma
comunidade sertaneja: da sesmaria ao minifúndio. Salvador: EDUFBa:
UEFS, 1998.
33
Minha pesquisa tenta retomar essa dinâmica interna de uma
região acessória não participante direta da exploração para
exportação, portanto com uma dinâmica social e econômica
diferente da região do litoral baiano com sua economia e
sociedade, voltadas para a Europa. Também retoma a discussão
sobre escravidão em regiões não exportadoras, já citadas em
páginas atrás.
Mesmo com uma forte vocação para a exploração mineral –
Jacobina é conhecida como “Cidade do Ouro” e na região
registraram-se várias minas de diamantes e outros minerais –,
quando de sua elevação ao patamar de Cidade, em 1886, ela
recebe o nome de “Agrícola Cidade de Jacobina”.
Lutas veladas ou explícitas pela autonomia, formas de
burlar o sistema para conseguir mais autonomia, concessão de
autonomia relativa como forma utilizada pelos senhores para
manter uma certa paz brotaram dos arquivos e fazem parte desta
pesquisa, além de todas as estratégias de conquistas de
liberdade através das alforrias gratuitas ou pagas.
Por vezes, essa autonomia se corporifica apenas na
concessão de uma mobilidade espacial maior, ou na
possibilidade de montar uma casa independente da do senhor,
casar e/ou constituir família, ou mesmo de negociar sua
produção, caracterizado na historiografia como o “viver sobre
si”, mas já eram grandes conquistas.
Além dessas várias formas de procura da autonomia e da
liberdade, esta pesquisa também foi movida por questionamentos
34
surgidos da leitura da bibliografia ou dos documentos, levando
a novos autores ou novos conjuntos documentais.
No primeiro capítulo, trabalho com a História de
Jacobina, dando ênfase à presença dos afrodescendentes. Começo
das primeiras informações sobre a região, indo até o século
XIX, quando se concentra o maior corpo documental desta
pesquisa.
Para tanto, utilizei documentos digitalizados pelo
“Projeto Resgate - Bahia” do Arquivo Ultramarino da Torre do
Tombo, documentos manuscritos e impressos do Arquivo Nacional
e do Arquivo Público do Estado da Bahia, assim como
informações tabuladas de uma bibliografia específica sobre o
sertão baiano.
Consultei a biblioteca do Instituto de Estudos
Brasileiros – IEB da USP e a seção de obras raras da
Biblioteca Mário de Andrade, ambas em São Paulo, além de
várias bibliotecas em Salvador, como a do Instituto Geográfico
e Histórico da Bahia, Biblioteca Central da UFBA e Centro de
Estudos Baianos.
Procurava pelos viajantes excursionistas da região de
Jacobina. Desvendar como se deu a conquista do território da
Jacobina e as resistências encontradas pelos europeus para
implantar seu patrimônio civilizatório na região, constitui o
objetivo, além de tentar encontrar vestígios dos negros nestas
obras e documentos.
Para a construção do texto, foram retomados vários
35
clássicos como Antonil, Felisberto Freire, Saint-Hilaire e
autores mais recentes como Eurico Alves Boaventura, utilizando
sobretudo seus apontamentos com referência às rotas das
boiadas sertanejas, à exploração do ouro e às notas sobre a
região. Foram encontradas várias pessoas negras nas mais
diversas situações e envolvidas em diversos arranjos
produtivos, nos primeiros currais de gado, nas minas, no
transporte de mercadorias e resistindo contra as intervenções
das autoridades em seus quilombos.
O segundo capítulo tem como foco a região de Jacobina e
os negros no século XIX. Foram explorados os números contidos
nos diversos levantamentos populacionais realizados na região
e também séries documentais específicas, como: os registros de
Compras, Vendas e Doações e as Procurações contidos nos livros
de registros dos diversos tabeliões de Jacobina, com a
finalidade de mostrar a quantidade de negros integrando a
população de Jacobina e região.
No terceiro capítulo, são explorados os registros das
Cartas de Liberdade inscritos nos Livros de Registro dos
Tabeliões de Jacobina e também as Cartas de Liberdade do
Tabelionato de Morro do Chapéu. A intenção foi procurar saber
como foi possível a conquista da liberdade pelos cativos da
região e quais os valores envolvidos, monetários ou não. O
paternalismo envolvendo as relações entre escravizado e senhor
ficou marcado neste conjunto documental, mas também foi
possível verificar as formas utilizadas pelas populações
negras para tentar reconstruir suas vidas, após as
36
experiências da escravidão.
No quarto capítulo, utilizo como fontes principais as
informações encontradas nos Autos de Processos Crimes e Cíveis
de Jacobina guardados no Arquivo Público do Estado da Bahia e
no Arquivo Público Municipal de Jacobina. Nelas foi possível
reconstruir um pouco do cotidiano das populações negras na
região na busca de mais autonomia.
Foi um grande desafio lançar mão da metodologia da
descrição densa, proposta por Cliford Geertz
35
e também
utilizada na historiografia por Sidnei Chalhoub
36
. Com ela
pretendia mostrar, a partir das histórias contidas nos
documentos, as possibilidades de autonomia das populações
afrodescendentes e dos escravizados, em especial na região de
Jacobina, urgidas no cotidiano da relações.
35
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro:
Zahar, 1978.
36
Essa metodologia foi proposta principalmente em CHALHOUB, Sidney.
Visões da liberdade. São Paulo: Cia da Letras, 1990.
Capítulo 1
APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO:
OS NEGROS E A COLONIZAÇÃO DA REGIÃO DE
JACOBINA
38
APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO: OS NEGROS E A
COLONIZAÇÃO DA REGIÃO DE JACOBINA
Foi fraco, entretanto, perceber-se, no
sertão, o curso do sangue negro. Porque do
pastoreio cuidaram o índio domesticado, o
mestiço, filho do homem branco com a índia,
abroquelados no bravio dos sertões distantes
e ermos, exilados do mundo agitado,
distanciados da censura, pelos longos
parênteses afogueados dos horizontes vazios e
silenciosos
1
.
A afirmação acima reproduz a idéia vigente no sertão
nordestino sobre sua gênese populacional, qual seja: a da
influência dominante dos indígenas sobre os outros grupos
constituintes da população sertaneja
2
. Apesar de publicado em
1
BOAVENTURA, Eurico Alves, Fidalgos e vaqueiros, Salvador: Centro
Editorial e Didático da UFBA, 1989. p. 76
2
Essa ver site: TERRA BRASILEIRA. O Povo sertanejo. Disponível em:
<http://www.terrabrasileira.net/indigena/contatos/sertanejo.html>.
Acesso em: 06 de jul. 2002.
39
1989, Eurico Boaventura escreveu seu texto na década de 50 do
século XX, porém traz toda uma linguagem do século XIX
3
.
Existe uma versão sobre o início de Jacobina como núcleo
urbano, aqui transcrita sucintamente, usando como base os
depoimentos e linguagem de alguns moradores da cidade na faixa
etária de 60 a 70 anos, colhidos em 1997
4
. Meus comentários
estão entre colchetes:
No começo [antes da chegada dos colonizadores], existiam,
na região, muitos índios Payayas, sendo o mais influente um
velho cacique chamado Jacó, cuja companheira era uma zelosa e
sábia mulher, conhecida como Bina. Quando os brancos chegaram
às Serras, foram muito bem recebidos pelo casal e seu grupo,
que aconchegaram e davam abrigo a todos os sertanistas e
missionários, excursionando pela região.
Os exploradores [no século XVI e início do XVII], em suas
viagens de levar ou trazer gado e procurar por riquezas
minerais, e também os religiosos sempre passavam pelas terras
de Jacó e Bina, tornando-se um local de encontro e repouso dos
vaqueiros e viajantes, em geral, vindos do litoral para o
sertão e vice-versa.
3
BOAVENTURA, Eurico Alves, Fidalgos e vaqueiros... op. cit.
4
Depoimentos exploratórios realizados como parte do “Curso de
História Oral: Técnicas e Usos”, ministrado pelo professor Dr.
Daniel Francisco dos Santos, realizado na UNEB/DCH-IV, Jacobina,
1997, para os bolsistas PIBIC, PICIM e alunos voluntários envolvidos
em pesquisas.
40
A união dos nomes e a forma de pronunciar e falar
rapidamente, bem ao jeito brasileiro de suprimir, encurtar,
unir e até modificar, transformou a pousada de Jacó e Bina, em
“Jacobina”. Rapidamente os religiosos resolveram implantar
Missões e os vaqueiros, seus currais na região. Do bom
relacionamento, logo começaram os primeiros casamentos e a
implantação definitiva dos brancos na região. Um pouco depois,
exploradores fizeram as primeiras excursões e implantaram as
minas. [Final do séc. XVII, quando se inicia a exploração do
salitre na região].
A base dessa versão foi repetida pela totalidade dos
entrevistados, independente dos locais de moradia, faixa
etária e grau de escolaridade. Parece uma forma já
cristalizada na memória coletiva da cidade desde muito tempo.
Affonso Costa, em memória apresentada no 5º. Congresso
Brasileiro de Geografia realizado em Salvador em 1916, já
falava nessa versão contada como experiência remota, ganhando
estatuto de verdade entre a população local
5
.
A concepção de pequena proporção de negros e da povoação
do sertão através da miscigenação de brancos e indígenas foi
forjada desde meados do século XIX, com o indianismo na
literatura, mas também vai beber em outras fontes do século
XX, como democracia racial, lida de forma pragmática por parte
5
COSTA, Affonso. Minha terra:
Jacobina de antanho e de agora. In:
Congresso Brazileiro de Geographia, 5., 1916, Salvador. Annaes...
Salvador: Imp. Official do Estado, 1918. p. 235-319.
41
da intelectualidade baiana. As bases teóricas deste
raciocínio, portanto, são híbridas.
A revalorização do antepassado indígena funcionou como um
amálgama para cimentar a coesão de um grupo bastante disperso
e com cismas internas avolumadas e graves. Nos embates e
reivindicações dos coronéis com a administração do Estado,
estas idéias ganharam corpo e foram absorvidas ao longo do
tempo.
Alves Boaventura, no texto citado anteriormente, reflete
bem toda uma tendência de parte da bibliografia que tem o
sertão como objeto. Os trabalhos destes escritores procuravam
muito mais justificar uma situação instalada há séculos,
representada pela concentração cada vez maior das terras nas
mãos de poucos grandes latifundiários, a exploração da mão-de-
obra rural e seu êxodo para as cidades, sem, entretanto,
historiá-las. Porém elas também reforçam o pensamento, já
enraizado nos sertões, da pequena quantidade ou inexistência
de negros fora do litoral e do Recôncavo.
Afirmações como a de Boaventura continuam a dominar o
cenário das produções sobre os núcleos urbanos do sertão
baiano. Os autores estão sempre à procura dos grandes
proprietários das sesmarias e suas comitivas, fundando
fazendas, ou pequenos núcleos urbanos, com o passar do tempo,
transformados em cidades.
Alguns desses novos corógrafos, utilizando Felisberto
Freire como fonte quase exclusiva de pesquisa, confundem
42
locais e até mesmo os donatários das vastas porções das terras
doadas nas sesmarias. Este capítulo pretende dar visibilidade
às populações negras da região de Jacobina, invisíveis nesses
relatos, mostrando a ocupação do sertão e em quais trabalhos
ou funções inseriam-se essas pessoas escravizadas, ou após a
conquista de suas liberdades.
Um dos primeiros autores a chamar minha atenção para
ajudar a desconstruir essa imagem de invisibilidade da
população negra no sertão foi Luiz Mott. Em um pequeno texto,
ele fala de quatro pessoas processadas pelo Santo Ofício, no
século XVIII, na região de Jacobina
6
. Todos tinham em comum o
fato de serem negros.
O vigário da freguesia de Santo Antônio, padre João
Mendes, iniciou um sumário de culpa em 1745, movido contra
três escravizados: Mateus Pereira Machado, dezesseis anos,
escravo de Veríssimo Pereira; Luiz Pereira de Almeida, vinte
anos, escravo de D. Antonio Pereira de Almeida; João da Silva,
conhecido como Curto, trinta anos, natural da Costa de Luanda;
e um afrodescendente livre, José Martins, vinte e cinco anos,
casado. A principal acusação era portarem “bolsas de
mandinga”, os hoje chamados patuás
7
.
Esse artigo chamou minha atenção pela autonomia relativa
dos escravizados envolvidos nesse auto da Inquisição, expresso
6
MOTT, Luiz Roberto de Barros. Quatro mandingueiros de Jacobina na
Inquisição de Lisboa. Afro-Ásia, Salvador, n. 16, p. 148-160, 1995.
7
Id., ibid., p. 154-155; 152.
43
pela grande mobilidade dos acusados, conforme as declarações
contidas nos documentos transcritos, pois todos percorriam
distâncias relativamente grandes para se encontrarem. Tinham,
também, relações de amizades muito próximas, apesar de viverem
em locais longínquos e os escravizados serem de senhores
diferentes.
Outro ponto, bastante instigante foi o fato de um dos
réus ser qualificado como liberto, ou seja, antes da segunda
metade do século XVIII, já existia na região de Jacobina a
possibilidade de conquistar a liberdade.
O questionamento de como esse escravizado tinha alcançado
sua liberdade e o trânsito livre numa região extrema de
colonização naquele momento motivou a pesquisa nos conjuntos
documentais sobre a apropriação do território pelos europeus e
de como foram trazidos os primeiros africanos e seus
descendentes para a região.
A pergunta inicialmente posta sobre a autonomia dos
escravizados foi a semente de outros questionamentos,
sobretudo após a leitura das obras dos autores como Eurico
Boaventura, pois a movimentação dos acusados pela Inquisição,
conforme o artigo de Luiz Mott, contrastava com a falta ou
fraqueza do “elemento negro” afirmada por essa bibliografia
8
.
8
Este tipo de trabalho continua fazendo muito sucesso nas cidades do
sertão, com publicações esgotadas nas primeiras semanas de seu
lançamento. Um pequeno exemplo disso são as obras de: LIMA, Dante
de. Mundo Novo: nossa terra, nossa gente. Salvador: Contemp, 1988;
QUEIROZ, Claudionor de Oliveira. O Sertão que eu conheci. Salvador:
Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1985.
44
Outros autores, já citados na Apresentação
9
, e mesmo Luiz
Mott afirmavam a grande concentração de afrodescendentes em
regiões distintas do sertão nordestino
10
. Porém, para a região
de Jacobina, nada ainda havia sido pesquisado sobre isto.
Iniciamos, portanto, esta parte procurando responder: Como os
negros chegaram ao sertão das Jacobinas? Quais as motivações
para a escolha da região de Jacobina?
1.1 A IMPLANTAÇÃO DA COLONIZAÇÃO NA REGIÃO DE JACOBINA
As terras, desabitadas ou não, deveriam cumprir seu
ideal: servir bem à sua majestade real e seus súditos
escolhidos. Portanto, nem bem a região foi percorrida pelos
9
PINA, Maria Cristina. Santa Isabel do Paraguassu: cidade, garimpo
e escravidão nas lavras diamantinas, século XIX. 2000. 110 f.
Dissertação (Mestrado em História Social) - Universidade do Estado
da Bahia, Salvador, 2000; DANTAS, Mônica Duarte. Fronteiras
movediças: relações sociais na Bahia do século XIX. 2002, 295 f.
Tese (Doutorado em História Social) - Universidade do Estado de São
Paulo, São Paulo, 2002; MORENO, José Ricardo. Escravos, quilombolas
ou meeiros? 2001. 158 f. Dissertação (Mestrado em História Social) -
Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2001; PIRES, Maria de
Fátima. O crime na cor: a experiência escrava no alto sertão da
Bahia – Rio de Contas e Caetité – 1830-1888. 1999, 255 f.
Dissertação (Mestrado em História Social) - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 1999; e FAGUNDES, Erivaldo. Uma
comunidade sertaneja: da sesmaria ao minifúndio. Salvador: EDUFBa:
UEFS, 1998.
10
Só para citar algumas destas obras: MOTT, Luiz Roberto de Barros.
Piauí colonial: população, economia e sociedade. Teresina: Projeto
Petrônio Portella/Fundação Cultural do Estado do Piauí, 1985; MOTT,
Luiz Roberto de Barros. Sergipe del Rey: população, economia e
sociedade. Aracaju, FUNDESC, 1986.
45
primeiros exploradores do sertão, dando notícias de suas
riquezas naturais, alguns até omitindo informações das tribos
nativas ali instaladas, a administração colonial em Salvador
passou a preocupar-se com a organização de doação dessas
terras, adotando o sistema de concessão de sesmarias. A
ocupação mais fácil era com a criação de gado.
Já em 1609 foi feita uma concessão na região de Jacobina
a Antonio Guedes:
[...] nas cabeceiras das suas terras toda a m
s
.
houver entre os R
os
. Inhambupe e Itapicurú, e para o
Sertão 10 leg
s
. med
as
. Rumo dir
to
. Com todas as
pontas, enseadas, matos, agoas e m
s
. pertenças
11
Em outras concessões feitas a Antonio Guedes de Brito e
seu pai, Antonio de Britto Correia, evidenciam-se outros
acidentes geográficos da região, como as cabeceiras ou os Rios
Jacuípe e Itapicuru, aparecendo como balizas demarcatórias, ou
peões
, como citados nos documentos, dos limites das terras a
eles concedidas.
Ainda em outras concessões, principalmente de Belchior da
Fonceca, Francisco Dias D´Avila, Padre Antonio Pereira, Manoel
Velho de Miranda e Garcia D´Avila, também aparecem topônimos
como “peões” demarcatórios pertinentes à região.
11
ARQUIVO NACIONAL (AN), Códice 155, Fundo: Tesouraria da Fazenda da
Província da Bahia, livro 1, p. 68.
46
Na carta concedida a Bernardo Vieira Ravasco, irmão do
famoso Padre Vieira, e identificado como grande criador de
gado vacum, conforme carta de 07 de junho de 1655, registrada
no 6
o
Livro de Provisões Reais, encontrei a seguinte menção:
Dónde acaba a dada de Luiz de Figr.do., na larg.a
della p.ª de Norte, encostadas á Serra da Jacobina,
p.la. p.te. de Oeste, as quaes se contarão d’onde
acaba a m.ma. dada de Luiz de Figr.do. q. começa
d’onde o p.e. Antº Pereira se introdusio sem leg.º
do Gov.º, e caso não sejão capazes de cultura as 10
leg.s. confrontadas, serão tomadas em q
l.
q
r.
p.te. da
Serra e Campos, q. junto á ellas se acharem pela
p.te. de Oeste, correndo sempre encostada á Serra
p.ª a p.te. do Rio de S. Francisco, e m.s. a q. além
das 10 leg.s. ped.as. houver até o R.o de S.
Fran.co. p.ta. p.te. de Oeste na m.ma. Serra da
Jacobina, q. se achar desde as 1as. Aldeias do
Gentio, vizinhas á mesma Serra até o Rio de S.
Francisco, com todas as agoas, campos;
12
O padre Antonio Pereira recebeu uma concessão de terras
na região de Jacobina por carta do dia 02 de janeiro de 1659
13
.
As sesmarias privilegiavam os mais abastados e as pessoas
com boas relações com os administradores, porém no documento
12
AN. Códice 155, Fundo: Tesouraria da Fazenda da Província da
Bahia, livro 1, p. 20.
13
AN. Códice 155, Fundo: Tesouraria da Fazenda da Província da
Bahia, livro 1, p. 27
47
não havia garantia de estarem essas terras desocupadas de
indígenas e grupos aquilombados, tampouco os donatários
asseguravam uma efetiva ocupação realizada por eles próprios.
Na maior parte das vezes, esta ocupação era realizada por
pessoas de total confiança dos donatários, que deixavam os
encargos e perigos de sobreviver nas terras inóspitas e
negociar com os grupos autóctones a cargo desses prepostos.
Alguns vaqueiros e posseiros eram mestiços ou brancos
pobres, sem nenhum prestígio em Salvador para obter sesmarias
junto às autoridades reais, e que partiam rumo ao sertão para
"tentar a vida", protegidos pelos senhores de terras aos quais
deviam o foro anual. Assim, iam ampliando as áreas
agricultáveis e de pastagens no sertão.
Pedro Calmon descreve a utilização do gado, por Garcia
D´Avila, como principal elemento de penetração rumo ao sertão:
Os outros sertanistas se apossavam do país com
tropas de guerrilheiros; êle o empalmou, com as suas
boiadas. O rebanho arrastava o homem; atrás dêste, a
civilização. A terra ficava à mercê da colonização:
êle a inundou de gados, em marcha incessante para o
interior. Aqueles animais levavam nas patas os
limites da capitania. Dilatavam-na
14
.
A estratégia de primeiro ocupar as terras com gados,
fazer melhorias e posteriormente tratar dos documentos de
14
CALMON, Pedro. História da Casa da Torre: uma dinastia de
pioneiros, Rio de Janeiro: José Olympio, 1939. p. 39.
48
doação também era utilizada por outros potentados na mesma
época, causando inclusive várias disputas, principalmente
entre os Guedes de Brito e os Garcia D’Avilla.
A implantação do gado foi acolhida como um benefício para
a colonização das terras sertanejas e para a coroa, porém para
os indígenas era uma outra forma de expulsão, pois os grupos
nativos sertanejos não conheciam esse animal estranho, além de
causar danos à microecologia local e, conseqüentemente, ao
modo de vida dos grupos autóctones ligados a ela.
O cérebro da Casa da Torre, apelido dado ao padre Antonio
Pereira por Pedro Calmon
15
, provavelmente utilizava os mesmos
métodos adotados pelo cabeça da casa que:
[...] com suas boiadas escolhia caminhos
apropriados para constituir toscos currais, onde
deixava, em cada um deles, um casal de escravos
encarregados de zelar por dez novilhas, um touro e
um casal de eqüinos.
16
As terras doadas ao Padre Antonio Pereira, já estavam
efetivamente ocupadas por um seu escravo, também chamado
Antonio, e há muito tempo radicado no sertão, provavelmente na
própria região, pois conhecia a localização e a língua dos
grupos nativos, além de saber os caminhos por onde transitar e
formas mais adequadas de sobrevivência nas matas sertanejas.
15
CALMON, Pedro. História da..., op. cit., p. 38
16
BAHIA, Secretaria do Planejamento, Ciência e Tecnologia da.
Diagnóstico Parâmetro para Avaliação do PDRI: Irecê, Salvador: CEPA-
Centro Estadual de Planejamento Agricola, 1984. p. 64.
49
Os donatários não enfrentavam, eles mesmos, o calor e a
seca da caatinga, muito menos as dificuldades da agricultura e
pecuária ou os diversos contatos, às vezes não amistosos, com
os índios. Este trabalho foi feito pelos negros escravizados
deixados pelos grandes donatários para cuidar dos currais e
demais interesses dos senhores. No caso do crioulo Antonio
citado acima, ele ainda aprendeu a língua dos nativos e
exercia uma grande influência sobre os grupos nativos.
O autor anônimo do
Roteiro do Maranhão a Goiaz
17
, deixou
grafado esse costume sertanejo da construção dos primeiros
currais em locais ermos:
Levantada huma caza coberta pela maior parte de
palha, feitos huns curraes, e introduzidos os
gados, estão povoadas tres legoas de terra, e
estabelecida huma fazenda[...] Em cada huma fazenda
destas, não se ocupão mais de dez, ou doze
escravos, e na falta delles os mulatos, mistiços, e
pretos forros, raça de que abundão os Sertões da
Bahia, Pernambuco, e Siará, principalmente pelas
visinhanças do Rio de S. Francisco.
18
Segundo Flávio Rabelo Versiani, o absenteísmo era uma
prática comum no século XIX e foi observado por Saint-Hilaire
em várias partes do Brasil. Esta forma de administrar as
17
ROTEIRO do Maranhão a Goiaz pela Capitania do Piauhi (1780).
Revista Trimensal do Instituto Historio Geographico Brasileiro, Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, T. 62, parte 2, 1900. p. 60-161.
18
ROTEIRO do Maranhão a Goiaz..., op. cit., 1900, p. 88.
50
propriedades rurais proporcionava uma autonomia enorme aos
africanos e seus descendentes envolvidos na produção agrícola
sertaneja
19
.
O caso de Antonio mostra a autonomia conquistada por
esses negros no sertão, pois os senhores ficavam a muitas
léguas de distância das propriedades rurais, favorecendo, além
da autonomia, a conquista da amizade e do respeito das
lideranças indígenas e também dos poderes locais. Porém, em
uma troca de dirigentes da administração, isto também poderia
ser um ponto negativo.
Uma portaria do governador Alexandre de Souza Freire de
1668, referente às indisposições e disputas territoriais entre
os Garcia D´Avilla e os Guedes de Brito, trouxe outra
informação apontando contatos entre as populações nativas e
negras. Nesse documento, o crioulo Antonio: “grande lingua, e
mui obedecido dos gentios”, escravo do Padre Antonio Pereira
da família Garcia D´Avila e possuidor de sesmaria na região de
Jacobina, foi citado como um dos principais responsáveis por
incitar os ataques dos indígenas contra as propriedades dos
Guedes de Brito
20
.
O registro enaltece o poder de convencimento exercido por
Antonio sobre os grupos autóctones da região. Fica evidente
19
VERSIANI, Flávio Rabelo. Os escravos que Saint-Hilaire viu.
Revista História Econômica e Economia de Empresas, ABPHE, v. 3, n.
1. 2000. Disponível em: <http://historia_demografica.
tripod.com/bhds/bhd37/versaint.pdf> acesso em 12 dez. 2004.
20
DOCUMENTOS HISTÓRICOS da Bibliotheca Nacional (DHBN), Rio de
Janeiro, v. 7, P. 380.
51
também a credibilidade do escravizado junto aos indígenas,
induzindo-os inclusive a atacar vários currais pelo sertão
adentro até as beiras do Rio São Francisco.
Borges de Barros toca no tema de afrodescendentes
aliciando as populações indígenas para lutas contra os
colonizadores europeus:
As resoluções regias considerando livres os
selvicolas, apezar de seu rigorismo não tinham
applicação pratica: e entre os dictames da Justiça,
raras vezes efficiente neste particular e a acção
dos catechisadores e dos Sertanistas e bandeirantes
só uma solução se lhes afigurava plausivel: a
revolta.
[...] já então insuflada pelos negros dos
mocambos.
21
A escravização de índios estava proibida desde 1570 por
Ordem Régia de D. Sebastião. Apesar das sucessivas reedições,
os indígenas continuaram a ser escravizados, na região de
Jacobina, até o século XIX, quando encontrei cartas de
liberdade de escravizados “tapuias”
22
.
21
ANNAES do Archivo Publico do Estado da Bahia (AAPEBA), anno 3, v.
4 e 5, Bahia: Imprensa Official do Estado, 1919, p. 174.
22
A proibição de escravização de índios também foi tema de uma Lei
de 1587, reafirmada com um Alvará de 1611 e no Regimento enviado
junto com o Governador Geral do Maranhão e Grão-Pará de 14/04/1655
entre outros. Cf. PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios
escravos: os princípios da legislação indigenista do período
colonial (séc. XVI e XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.).
História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
52
Pelas reedições, fica muito clara a intenção dos poderes
reais portugueses em reafirmar a liberdade dos indígenas. Isto
também denuncia a desobediência sistemática às várias Leis,
Decretos e Regimentos pelos súditos nas colônias. Neste embate
jurídico, estavam sendo prejudicadas as populações autóctones,
sempre sujeitas aos trabalhos compulsórios e às vicissitudes
da escravização até o século XIX.
Menos de um século das primeiras entradas passarem na
região, as terras “das Jacobinas”
23
já eram utilizadas
principalmente como local de engorda e descanso de gado, a
forma mais fácil de cumprir a cláusula de ocupação presente
nas cartas de concessão das doações de terras do sertão
baiano.
Segundo Antonil, as boiadas vindas do Piauí, Pernambuco,
Barra de Iguaçu, Parnaguá e rio Preto iam quase todas para a
Bahia “por lhes ficar melhor caminho pelas Jacobinas, por onde
passam e descansam”
24
.
Em tempos de seca, as boiadas vindas desses lugares eram
vendidas “nas Jacobinas” onde permaneciam por seis, sete ou
até oito meses para, só depois de novamente engordarem, serem
enviadas para seu destino final, podendo ser o porto de
Cachoeira ou a “Cidade da Bahia”. Neste momento, já se
23
Os textos mais antigos se referem à região como “as Jacobinas” ou
“as serras das Jacobinas”. Ver nos anexos as várias figuras
representando a região em vários séculos.
24
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil, 3. ed., Belo
Horizonte: Itatiaia, São Paulo: USP, 1992. p. 200.
53
revelava a característica comercial do núcleo urbano de
Jacobina.
Apenas para lembrar, em condições normais de criação
extensiva, um pecuarista precisa deixar um boi no pasto para
chegar ao ponto de abate, pelo menos durante trinta e seis
meses. Príncipe Maximiliano fala explicitamente que, nas Minas
Gerais, os fazendeiros só colocavam as vacas para cruzar com
quatro anos
25
. Portanto a estada deste gado em Jacobina era
perfeitamente viável, do ponto de vista dos costumes de trato
com o gado, naquele momento.
Antonil teve sua obra publicada pela primeira vez em
1711, mas as informações devem ter sido colhidas no final do
século XVII, antes da criação da vila em 1720
26
. De qualquer
forma alguma experiência de organização administrativa já
estava sendo tentada na região, quando Antonil recolheu suas
informações.
A freguesia de Santo Antônio de Jacobina data de 1682,
porém sua sede foi erigida onde hoje é a cidade de Campo
Formoso, local conhecido no passado como Jacobina Velha. A
freguesia de Santo Antônio da Villa de Jacobina foi criada
somente em 1758, desmembrada da anterior Freguesia de Santo
Antônio de Jacobina, passando a ser denominada Freguesia Velha
25
WIED-NEUWIED, Príncipe Maximiliano. Viagem ao Brasil. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1989.
26
Carta Régia de 5 de agosto de 1720.
54
de Santo Antônio de Jacobina. Mas as confusões entre as duas
permaneceram até o século XIX.
Em consulta aos livros de registros eclesiais da região,
deparei em suas aberturas com “Freguesia da Villa Velha de
Santo Antonio de Jacobina” ou “Freguesia de Santo Antonio de
Jacobina Velha” ou, ainda, “Freguesia Velha de Santo Antonio
de Jacobina” ocasionando imprecisões para os pesquisadores
atuais. Muito provavelmente, esta profusão de nomes parecidos
causava problemas também aos párocos e outros administradores
daquela época, pois isso tudo provocava uma enorme indefinição
dos limites de cada uma delas.
A sede da vila foi transferida em 1724, do povoado
fundado junto à Missão de Nossa Senhora das Neves do Sahy,
onde havia sido instalada em 1722, para a Missão do Bom Jesus
da Glória
27
. Segundo os documentos, a transferência foi
realizada para facilitar o controle dos garimpeiros, das minas
auríferas e contentar os moradores não dispostos a sair de
suas residências distantes vinte e duas léguas ou até mais da
sede do juizado
28
. Mas os limites da Vila implantada não
ficaram estabelecidos de forma clara em nenhum desses
documentos de criação.
27
A Igreja da Missão na cidade de Jacobina é ainda preservada nas
suas características originais e foi tombada pelo Patrimônio
Histórico, permanecendo como marco da ação franciscana e das
primeiras investidas dos colonizadores na região.
28
Conforme cartas citadas por COSTA, Affonso. Minha terra..., op.
cit., p. 239-241; e, ainda, em SILVA, Ignacio Accioly de Cerqueira
e. Memórias historicas e politicas da Provincia da Bahia. Salvador:
Imp. Official do Estado, 1925. v.2. p. 351-359.
55
Existem documentos denunciando uma briga jurídica entre
os principais donatários da região e os habitantes quanto à
questão da instalação da sede da Vila, do Juizado e pagamento
de impostos. Mas isto também não lança nenhuma luz ou traz
conhecimentos sobre os limites da Vila.
Os primeiros desmembramentos territoriais começaram antes
de decorridos trinta anos de fundação da Villa de Jacobina. “A
comarca de Jacobina ao principio era assás vasta, porêm foi
coarctada por occasião da creação das do Rio-de-Contas e de
Centocé.”
29
.
Quando a Ouvidoria de Jacobina foi criada em 10 dezembro
de 1734, estavam sob sua jurisdição, além da Vila de Jacobina,
a de Nossa Senhora do Livramento das Minas do Rio das Contas,
as Minas Novas e partes de Serro Frio, que passaram
posteriormente a ser comarcas autônomas.
Na prática, tudo fora da jurisdição da comarca da Bahia e de
Sergipe, era comarca de Jacobina, e a partir daí, sua área vai
sendo desmembrada.
Jacobina foi, no século XVIII, um dos maiores
municípios da província. Seu primeiro
desmenbramento ocorreu em 1746, quando se emancipou
a Freguesia de Urubu de Cima, com sede na atual
Paratinga. No século XIX, três novos municípios se
29
SAINT-ADOLPHE, J. C. R. Milliet de. Diccionario geographico
historico e descriptivo do Império do Brazil. Paris: J. P. Aillaud,
1845. Verbete: Jacobina.
56
emanciparam de Jacobina: Monte Alegre (1857), hoje
Mairi; Morro do Chapéu (1864); e Riachão do Jacuípe
(1878).
30
A atual configuração do município data de meados de 1980,
quando acontecem as mais recentes emancipações de distritos e
criação de novos municípios, obedecendo às indicações e
interesses dos “chefes políticos da ocasião”
31
.
Provavelmente Antonil falava de uma vasta região, indo do
local da atual cidade de Morro do Chapéu, passando pela atual
cidade de Jacobina até a atual cidade de Senhor do Bonfim,
região com uma grande quantidade de terras destinadas às
invernadas
32
, hoje ainda reservadas para pastagens com vários
locais de aguadas e nascentes de diversos rios.
Affonso Costa, falando dos rios banhando a região de
Jacobina, destaca:
As aguas não são com a abundância quase demasiada
que se registam nas matas, porque as condições
meteorológicas que a tais terras presidem, tiram-
lhes a caracteristica dessas proveitosas vantagens.
Todavia, as aguas que as regam são bastantes á
30
AZEVEDO, Paulo Ormindo de. Jacobina e a Chapada Diamantina. In:
BRANDÃO, Maria de Azevedo; CARDOSO, Suzana Alice Marcelino (Org.).
Jacobina: passado e presente. Jacobina: ACIJA, 1993. p. 21.
31
Para uma informação mais detalhada dos desmembramentos ver: BAHIA,
Governo do Estado da. Atlas do Estado da Bahia. Salvador: Seplantec
- Sec. do Planejamento, Ciência e Tecnologia/Centro de Planejamento
da Bahia-CPB, [1976?], s/d.
32
Local de pastagem e água abundante, onde o gado descansa e
reengorda após uma longa viagem, antes de ser enviado para o mercado
consumidor.
57
satisfação dos muitos milhares de cabeças de gados
que enchem os taboleiros, como ás necesidades das
plantações nas catingas distantes.
33
Foi reforçada, por Affonso Costa, a principal atividade
de Jacobina: a pecuária.
1.2 CONTESTAÇÕES E RESISTÊNCIA
Antônio Guedes de Brito, ao fazer a declaração de seus
bens e da administração de suas sesmarias ao magistrado
Sebastião Cardoso de Sampaio em 1677
34
, fala da abertura de
estradas “pelo norte” entre os rios Jacuípe e Itapicuru até
Jacobina e daí até Cachoeira à procura de lugares para
estabelecer seus currais.
À medida que a margem baiana do São Francisco ia
sendo aproveitada, se tornava maior a distância da
cidade do Salvador e seu recôncavo, onde existiam
os principais consumidores de gado. A condução
deste, beirando o São Francisco até a foz, e daí
acompanhando o oceano, ficava cada vez mais penosa
33
COSTA, Affonso. Minha terra..., op. cit., p. 260.
34
Declaração de Antônio Guedes de Brito feita em 1677. Apud COSTA,
Affonso. Guedes de Brito, o povoador. Anais do Arquivo Público da
Bahia, Salvador: 1952. v. 32. p. 323
58
e demorada; impunha-se a serventia de caminho mais
rápido.
35
A abertura dos novos caminhos era obrigação dos senhores das
sesmarias. E os traçados destes caminhos procuravam a rota mais
curta para a volta ao centro irradiador, desenhando-se triângulos
onde o litoral, os rios e os novos caminhos eram seus lados.
Declara ainda o donatário Guedes de Brito que só no
estabelecimento de uma das estradas, a do Itapicuru até o rio
São Francisco, gastou
[...] três anos e sete meses, com cincoenta cavalos
para os comboios, e trinta e cinco negros, os
melhores de sua família e de grandes préstimos.
36
A visão de pessoas para serem gastas nos trabalhos
propiciava também a idéia de reposição rápida da peça nos
casos de castigos em excesso, o que parece estar ligado ao
momento de montagem do conjunto de mecanismos interligando
comercialmente o Brasil colonial, a África e a Europa. Esta
triangulação propiciou a deportação forçada de milhões de
pessoas da África para serem vendidas como mercadoria nas
Américas e outras partes do mundo.
Não só os trabalhadores escravizados encarregados dos
árduos serviços de abrir estradas eram
gastos
na região de
35
ABREU, João Capistrano de. Capítulos de história colonial: 1500-
1800 & Os Caminhos antigos e o povoamento do Brasil. (1924).
Brasília: Ed. UnB. 1982. p. 243-244.
36
Apud COSTA, Affonso. Guedes de Brito, o povoador. Anais do Arquivo
Público da Bahia. Salvador, 1952. v. 32. p. 325.
59
Jacobina, em fins do século XVII. Atos de castigo em excesso
foram cometidos por responsáveis pela Fábrica de Salitre de
sua Majestade, em funcionamento até o final do século XVII,
denotando uma falta de cuidado com o patrimônio do rei:
Sobre o negro de Sua Magestade, que Deus guarde,
que morreu, examinará Vossa Mercê com toda a
particularidade, se a causa da sua morte foi o
castigo que lhe deu o fabricante, e achando ser
assim, porá Vossa Mercê em arrecadação o seu valor,
por não ser justo, que a Fazenda Real o perca.
37
A preocupação maior não era com relação à salubridade do
trabalho no salitre, ou aos excessivos castigos impostos aos
trabalhadores, ou à punição do culpado pela morte do negro,
mas com o ressarcimento dos cofres públicos, pois o negro era
propriedade de sua majestade, o rei.
Portanto os escravizados não passavam de itens para serem
exauridos nos trabalhos e contabilizados nas despesas gerais.
Neste episódio em especial, Antonio Guedes de Brito pleiteava
o abatimento de suas dívidas pelos serviços públicos
prestados, além de todos os dispêndios normais da construção
civil, os afrodescendentes consumidos eram “os melhores de sua
família”, portanto tinham maior valor agregado.
Segundo o mesmo Chalhoub, os escravizados “oscilavam
entre a passividade e a rebeldia”, para os autores estudiosos
37
DHBN, v. 40, p. 150.
60
da perspectiva da coisificação. Mas “[...] a violência da
escravidão não transformava os negros em seres ‘incapazes de
ação autonômica’”
38
.
O historiador Walter Passos afirma em seu livro
Bahia,
Terra de Quilombos
:
Em meados do século XVI chegaram os primeiros
escravizados à colônia lusitana. Já nestes recuados
anos, cativos escapavam aos senhores e embrenhavam-
se nas matas e sertões.
39
Alguns autores atribuem a esse momento de revolta e fuga
a única forma do escravizado deixar de ser coisa e exprimir
sua humanidade
40
, ou seja, o escravizado só se torna humano no
momento de exprimir sua raiva, sua agressividade. Esta posição
de revolta se contrapõe à posição de submissão extrema do
escravo-coisa
41
.
A própria escolha de fugir e juntar-se a um quilombo
deveria ser uma decisão bastante difícil, retratando toda
humanidade do escravizado, pois o indivíduo deveria refletir
sobre os caminhos e rumos disponíveis, uma coisa inerente à
38
DHBN, v. 40, p. 42
39
PASSOS, Walter de Oliveira. Bahia terra de quilombos. Salvador:
Edição do Autor, 1996. p. 4.
40
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 3. ed. São Paulo: Ática,
1980. p. 65; CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das
últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Cia da Letras,
1990. p. 41.
41
ver SILVA, Eduardo; REIS, João José. Negociação e conflito: a
resistência negra no Brasil escravista, São Paulo: Cia. Das Letras,
1989.
61
vida de todo ser humano nestes momentos cruciais, pois seria
uma trilha sem volta. Uma vida nova e incerta poderia começar.
O sucesso na fuga e o engajamento ao quilombo transformariam
totalmente sua vida, principalmente seu estatuto social: de
escravizado, ele seria agora um foragido – um negro fujão.
As serras sempre foram ótimos lugares para esconderijos de
escravizados procurando a almejada liberdade, seja pela
dificuldade de acesso para os inexperientes dos caminhos locais,
seja pela melhor equalização de defesas contra agressores. Além
disso, as serras de Jacobina ainda somavam, a favor dos
afrodescendentes, os grupos indígenas revoltosos, no período,
aliados estratégicos contra os conquistadores brancos. Só para
lembrar, na Serra da Barriga foi erguido o mais temido e famoso
quilombo do período Colonial, o de Palmares.
Na consulta a documentos referentes ao século XVII, são
inúmeros os casos nos quais o desejo de autonomia total do
escravizado foi traduzido nas fugas e estruturação de
quilombos, e como este anseio pode ser considerado um dos
fortes motivos para ocupação do sertão, tanto por parte dos
escravizados fugitivos como por parte das autoridades,
tentando coibir estes empreendimentos.
Os documentos dos Capitães-Mores do Sertão atestam a
existência de Quilombos na Região de Jacobina, já no século
XVII. Os
Annaes do Arquivo Público do Estado da Bahia
transcreve várias cartas de patentes, como a de:
MANOEL BOTELHO DE OLIVEIRA venceu os mocambos de
Papagayo, Rio do Peixe e Gamelleira em Jacobina.
62
Obteve o cargo de Capm-mór desses districtos por
ter emprestado 22.000 cruzados de sua fazenda para
a creação da Casa da Moeda.
42
A carta de patente citada acima foi transcrita do livro
de cartas dos anos de 1678 a 1688. Segundo os dicionários do
século XVIII e XIX, mocambo era “habitação feita nos Mattos
pelos escravos pretos fugidos no Brasil”, ou “habitação, que
fazem os pretos fugidos nos Mattos, chamada por outro nome,
Quilombo”, ou ainda “vivenda feita pelos negros fugidos no
Brazil”
43
.
Além do título acima, encontrei transcritos nos mesmos
Annaes
, porém publicadas no ano anterior, as cartas dos anos
de 1703 a 1712, entre elas a seguinte do ano de 1705:
[...] porquanto Damiam Cosme de Faria, Capm. Mór
das Entradas dos Mocambos, e negros fugidos dos
districtos ‘que ha de toda a serra da Jacobina, e
Caraquanha athê o Ryo de S. Francisco’, se passa
para o districto da Parnahyba, por cuja razam fica
vago o dito posto: o convem ao serviço de V.
Magestade que Deus guarde e bem commum dos
42
AAPEBA, anno 4, v. 6 e 7. Bahia: Imprensa Official do Estado,
1920. p. 203.
43
SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portugueza.
Lisboa: Typ. Lacerdina, 1789; SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario
da lingua portugueza, recopilado dos vocabularios impressos. Lisboa:
Typ. Lacerdina, 1813; PINTO, Luiz Maria da Silva. Diccionario da
lingua brasileira. Ouro Preto: Typ. De Silva, 1832; VIEIRA, Frei
Domingos. Grande diccionario portuguez ou Thesouro da lingua
Portugueza. Porto: Editores Ernesto Chardron e Bartholomeu H. de
Moraes, 1873.
63
moradores daquellas partes provello em pessoa de
vallor, intelligencia e pratica nos mesmos
districtos: respeitando eu a boa informação que o
Capm. Mór Antonio de Almeida Velho, Administrador
do Salitre, me fez da de Domingos Netto Pinheiro
Capm. Mór das Entradas de outros districtos há mais
de sete annos, em que se empregou no serviço de S.
Magestade com zelo e satisfaçam e executando
pontualmente todas as ordens que se lhe
encarregarão.
44
Portanto a região de Jacobina constituiu-se, desde as
primeiras tentativas de colonização européia da região, em um
local de preocupação dos administradores para garantir a faixa
de terra como território livre de impedimentos à expansão da
criação de gados e/ou cata de minerais preciosos.
A documentação dos juizes municipais de Jacobina, até
meados do século XIX, apresenta vários casos de escravizados
tentando a fuga como um caminho possível de conquistar a
sonhada liberdade, e a região de Jacobina parece ser de grande
atração para conseguir este intento
45
.
Nomeando seguidos capitães, as autoridades tentavam
impedir a ocupação das várias serras pelos escravizados
fugidos. Estas terras precisavam ser guardadas e guarnecidas,
44
AAPEBA, anno 3, v. 4 e 5. Bahia: Imprensa Official do Estado,
1919. p. 226.
45
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA (APEBA). Seção: Colonial e
Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2430.
64
mas este desejo dos administradores parece não ter surtido o
efeito desejado. Existia também um forte impedimento aos
avanços dos colonizadores europeus: os grupos indígenas.
Além dos grupos negros que procuravam sua liberdade,
também os grupos nativos batalhavam, não obtê-la, mas por
garanti-la e isto se contrapunha às diretivas da colonização
portuguesa. Borges de Barros relata formas de aproximação,
amizade e solidariedade entre os grupos nativos e grupos
afrodescendentes no sertão baiano.
Em um texto falando das rebeliões indígenas nos dois
primeiros séculos de penetração do sertão, ele assegura que:
Ao elemento indigena alliava-se um outro de não menos
importancia: os negros fugidos ao captiveiro, os quaes
se aquilambavam nos recessos das mattas.
46
A mesma repressão aplicada contra os nativos era
empregada aos escravizados fugidos. Algumas das expedições de
entradas para o sertão eram organizadas para combater os
nativos e também os mocambos, como a de 1619, chefiada por
Antonio de Araújo e João de Mendonça:
A entrada era não apenas aos Índios, mas também a
‘desfazer um couto ou mocambo (como lhe na terra
chamam) que os escravos fugitivos tinham feito
46
AAPEBA, anno 3, v. 4 e 5. Bahia: Imprensa Official do Estado,
1919, p. 174.
65
naquele sítio’. Baixaram 200 pessoas que se
colocaram na Aldeia do Espírito Santo.
47
Algumas ordens dos governadores são bastante explícitas
quanto a este duplo objetivo, mas com o tempo tentou-se
utilizar os indígenas contra os negros:
Porquanto convem que Francisco Rodrigues capitão do
campo do districto desta cidade, vá com oito
soldados e dezessis indios a dar em uns mocambos de
que tem noticia [...]
48
Assim como esta ordem, existem semelhantes espalhadas ao
longo de todo o século XVII.
As vicissitudes da repressão recaíam sobre as populações
negras e indígenas de Jacobina da mesma forma e às vezes até
com o mesmo repressor utilizado pela administração central.
Ficaram documentados, esses indícios, nas patentes dos
capitães-mores “das Entradas e Mocambos, e Negros fugidos”,
Damiam Cosme de Farias e Domingos Netto Piuheyn
49
.
Existe também a informação de alguns mocambos destruídos
no final do século XVII, como a citação na patente conferida a
Manoel Botelho de Oliveira
50
.
Além desses, foram também
47
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa:
Liv. Portugalia; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1945. t. 5,
p. 270.
48
DHBN, n. 7, p. 118
49
AAPEBA, anno 4, v. 6 e 7. Bahia: Imprensa Official do Estado,
1920, p. 226.
50
AAPEBA, anno 4, v. 6 e 7. Bahia: Imprensa Official do Estado,
1920, p. 203. (o livro citado refere-se aos anos de 1678 a 1688).
66
encontrados documentos falando de várias entradas contra os
mocambos no início do século XVIII, na região de Jacobina
51
.
No início do século XIX, foram descobertas novas minas de
ouro na comarca de Jacobina, mas para explorá-las era preciso
a destruição de dois “Quilombos de negros que existiam
naquelas paragens”
52
.
O fato de grupos de escravizados, procurando uma vida
autônoma em relação aos colonizadores europeus, ocuparem
territórios no sertão, com aquiescência dos grupos indígenas,
foi bastante documentado.
Gilberto Freire constata a adaptabilidade dos quilombos em
oposição aos grandes latifúndios, quando fala das diferentes
formas de ocupação das terras brasileiras e exploração da floresta
tropical:
A floresta tropical, devastada pelo colonizador
português no interesse quase exclusivo da
monocultura da cana ou da Metrópole faustosa, era
um obstáculo enorme a ser vencido pela colonização
agrária do Nordeste. O colonizador português venceu
tão poderoso inimigo, destruindo-o. O colonizador
negro, não: venceu-o, em parte, adaptando-se à
floresta, em parte adaptando a floresta às suas
51
ANNAES da Biblioteca Nacional (ABN), v. 10, 1882-1883, P. 308
passim.
52
Ofício do ouvidor da Comarca de Jacobina, José da Silva Magalhães
de 10 de dezembro de 1801, In: ABN, v. 36, 1914. p. 475.
67
necessidades de evadido da monocultura escravocrata
e latifundiária.
53
Na região de Jacobina, segundo Walter Passos, existiram
vários Quilombos. Além dos já citados, ele destaca: Morrinhos,
Cruz das Almas e Charada, no atual município de Várzea da
Roça; Lajes dos Negros e Mucambinho, no município de Campo
Formoso; Gruta dos Palitos, em Saúde; Barra dos Negros,
Vereda, Veredinha e Velame, em Morro do Chapéu
54
.
Existem na região, além das comunidades e locais citados,
as comunidades de Coqueiros, no município de Mirangaba;
Itapura, mais conhecido como Mocambo dos Negros, no município
de Miguel Calmon; e Tijuaçu, no município de Senhor do Bonfim,
todas elas instaladas no alto de serras, e mesmo ainda hoje o
acesso a algumas delas é difícil, a não ser parte de Tijuaçu
que fica na beira de uma auto-estrada bastante movimentada, a
BR-116, cujo curso atual foi estabelecido em fins da década de
50, do século XX.
Segundo Borges de Barros, uma das principais provas da
colonização baiana no lado Ocidental da região do São Francisco
foi “a repressão dos negros aquilombados”, empreendida e
financiada pelas autoridades coloniais. Ainda corre na Justiça
53
FREYRE, Gilberto. A Cana e a Mata. In:________. Nordeste: aspectos
da influencia da canna sobre a vida e a paizagem do nordeste do
Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1937. Disponível em:
<http://prossiga.bvgf.fgf.org.br/portugues/obra/livros/nordeste
/3cap_cana _e_mata.htm>. Acesso em: 15 mar. 2000.
54
PASSOS, Walter de Oliveira. Bahia terra de quilombos. Salvador:
Edição do Autor, 1996.
68
um processo do Ministério Público para desapropriação,
delimitação, demarcação e entrega de título de posse definitiva
das terras ocupadas pela Comunidade Negra de Rio das Rãs, Bom
Jesus da Lapa, BA
55
.
Os negros fugidos recuperados perdiam não só sua
autonomia maior, pois eram presos, como também perdiam o
direito de reconstruírem seus laços comunitários, pois eram
separados de suas famílias, assim como ocorria com os
indígenas sobre os quais se aplicavam a Guerra Justa.
A repartição do botim autorizada pelo Governador Diogo
Luiz de Oliveira da entrada realizada no primeiro quartel do
século XVII, chefiada por Affonso Rodrigues Adorno, enumera
várias pessoas que:
[...] se forão entregando aos soldados que forão na
dita jornada as pessoas que cada hum delles coube,
[...] na forma seguinte: a saber[...] Antonio
Saraiva, morador no dito Peroassú, recebeo huma
India por nome Paula, e hua rapariga por nome
Genebra;[...] Domingos Gonçalve, morador no Acupe,
recebeo hua negra por nome Violante; Antonio Pavão,
recebeo hum negro por nome Diogo, morador no
Peroassú[...]
56
55
BRASIL, Tribunal Regional Federal (7.Vara da Justiça Federal da
Bahia). Ação Ordinária Nº. 93.12284-3, Apelante: Advocacia Geral da
União, apelado: Bial Agropecuária Ltda.
56
SILVA, Ignácio Acioly de Cerqueira e. Memórias históricas..., op.
cit., v. 2., p. 74.
69
As vicissitudes e adversidades do cativeiro imposto nas
entradas de preamento, incursões ao sertão em busca de grupos
indígenas para escravização, e nas guerras contra os
quilombos, uniam os indígenas e os afrodescendentes,
possibilitando as revoltas e ataques conjuntos:
Os da Serra de Tiúba uniram-se aos negros e
assaltaram o Rio S. Francisco, encontrando
resistencia em Felizardo Ribeira Lisboa.
57
Os contatos entre os indígenas da região e
afrodescendentes parecem ter ocorrido desde as primeiras
entradas. Algumas expedições religiosas exploradoras do sertão
baiano e com passagem comprovada por Jacobina traziam em sua
composição, além de europeus e índios mansos, os negros.
Segundo Serafim Leite a expedição do frei Rafael Cardoso
tinha como um dos participantes um afrodescendente, muito
entendido do sertão: os jesuítas
Dirigiam-se aos montes das ‘Jacuabinas’, que se
estendem ao norte por 40 léguas, notáveis pelo
número dos seus Tapuias em número de 80 Aldeias. Ao
chegar às Jacobinas, vieram muitos Índios ao seu
encontro para os saüdar sem darem mostras de
receio, antes com satisfação. Falavam língua
diversa, que sabia um negro que os Padres levavam
consigo.
58
57
AAPEBA, anno 3, v. 4 e 5. Bahia: Imprensa Official do Estado,
1919. p. 175.
58
LEITE, Serafim. História da Companhia..., op. cit., p. 271.
70
A penetração chefiada pelo padre jesuíta Jacob Roland e o
teólogo João de Barros, foi batizada como
Missão das
Jacobinas
, passou por “São Pedro do Saguipe, em seguida Nossa
Senhora de Nazaré do Itapicuru, aldeia de Maracaçará, Jacobina
e Sapoia.”
59
.
Essas missões religiosas itinerantes parecem ter seguido
o rastro das entradas de preamento, em busca de mão-de-obra
para os engenhos. Os sacerdotes tentavam aproximação com os
grupos nativos não conhecidos do sertão, buscando, quando
possível, anteciparem-se aos leigos nos “descobrimentos” e
primeiros contatos, evitando assim as capturas e posteriores
vendas e escravizações no litoral. A utilização de
afrodescendentes servindo de “língua” parece freqüente nesses
primeiros tempos de colonização.
Um indício de contato anterior, entre afrodescendentes e
grupos autóctones sertanejos, é uma carta do Conde de
Atouguia, governador geral no ano de 1654, para o Sargento
Pedro Gomes a respeito de:
[...] dous negros que fugiram do gentio para nós,
um que há muitos annos estava mettido com elles, e
outro que agora levou nesta ultima occasião [...]
60
Recomendando que se:
59
FRANCO, Tasso. Serrinha: A colonização portugueza numa cidade do
sertão da Bahia. Salvador: EGBA: Assembléia Legislativa do Estado da
Bahia, 1996. p. 23.
60
DHBN, v. 3, p. 224.
71
Faça logo toda a diligencia por estes negros, e os
remetta a esta praça com summa brevidade, porque
serão mui importantes para as noticias e
disposições da jornada que se intenta.
61
Eles tornavam-se fundamentais porque poderiam prestar
informações a respeito da região e da localização dos grupos
indígenas, pois a “jornada intentada” eram as várias campanhas
de Guerras Justas organizadas contra os nativos do sertão.
O mais instigante, neste documento, foi a presença de
afrodescendentes aceitos e respeitados pelos grupos indígenas
nesse momento da colonização, explicitando uma certa
movimentação pelo sertão, atestando uma autonomia de ir e vir.
Além dessas expedições dirigidas por religiosos, outras
incursões esquadrinharam a região em foco, procurando por
grupos indígenas revoltosos.
No regimento do Ajudante Luiz Álvares de 21 de dezembro de
1657, para a transferência e instalação dos Payaya para as
Serras do Orobó, assim aparece a convocação do crioulo Antonio:
[...] marche logo com os vinte e cinco Soldados que
se lhe tem nomeado, e levando em sua companhia os
Principaes dos Payayases, e o crioulo Antonio
Pereira escravo do Padre Antonio Pereira como
lingua, e pratico [...]
62
61
DHBN, v. 3, p. 224.
62
DHBN, v. 4, p. 57.
72
As funções de guias e línguas exercidas por esses
escravizados certificam uma forma de autonomia bastante
vantajosa para os envolvidos, pois os colonizadores
portugueses não se arriscavam pessoalmente nas excursões para
aprender a comunicar-se com grupos possivelmente hostis. E
para o escravizado garantia um poder de barganha bastante
considerável, podendo ser um capital acumulado útil no momento
de libertação, ou mesmo em outras negociações.
O crioulo Antonio apareceu em outros vestígios, ele pode
ser inclusive um dos dois negros citados pelo Conde de
Atouguia. Mas sua principal atuação documentada foi como guia
da fracassada expedição de Domingos Barbosa Calheiros em 1657,
de fim trágico, pois os Payaya abandonaram a entrada após
terem atacado os guardas do acampamento
63
.
O governador acusa o crioulo Antonio de não indicar o
caminho certo para os combatentes chegarem até os grupos
indígenas contra os quais deveria aplicar-se “Guerra Justa” e
posterior escravização. Acusa-o também de tomar excessivos
cuidados para não despertar a atenção dos guerreiros inimigos,
recomendando não atirar com armas de fogo e não deixando os
soldados tirarem mel para alimentarem-se. Estas atitudes
despertaram minha atenção para o papel exemplar deste
63
Acioly Silva transcreve o Assento do Governador Alexandre de Souza
Freire, de 1669, relatando os “terríveis estragos” feitos pelos
indígenas desde o começo do século. (SILVA, Ignácio Acioly de
Cerqueira e. Memórias históricas..., op. cit., v.2., p. 30 passim).
73
personagem na malfadada penetração para combater os grupos
indígenas revoltosos
64
.
Por um lado, pode indicar uma dissimulação: os guerreiros
Payaya destacados para acompanharem o Capitão mor Domingos
Barboza Calheyros, junto com o “crioulo” do Padre Antonio
Pereyra, podiam ser os mesmos atacantes das posições
portuguesas. Sabendo disso, o crioulo apenas ‘passeou’ pelas
serras e não delatou os prováveis companheiros indígenas da
excursão, pois isto seria muito ruim para ele, afinal o
trágico desfecho da expedição para os guardas, poderia ter
acontecido com Antonio.
Talvez os grupos revoltosos não fossem, contudo, os mesmos
acompanhantes das tropas e o crioulo sabia onde os grupos
sediciosos estavam escondidos, mas simplesmente não queria
denunciar seus fornecedores de farinha e outros mantimentos.
Posso ainda conjeturar a possibilidade de o crioulo saber onde
ficavam as aldeias e não denunciar os locais de provável
refúgio provisório no caso de um desentendimento com o senhor
ou administrador, em uma fuga reivindicatória em busca de maior
autonomia, ou contra sua restrição.
Por outro lado, pode apenas demonstrar um excessivo medo
das represálias dos guerreiros confederados contra sua família
no incipiente e impotente povoado em formação, ou apenas
64
As conjecturas seguintes são frutos de leituras em vários
documentos e obras que tratam das estratégias de fugas e liberdades
de escravizados.
74
contra seu local de moradia, onde talvez já tivesse acumulado
algumas reses fruto da ‘sorte’
65
.
Essa forma de remuneração já é utilizada no sertão desde
o estabelecimento dos primeiros currais e assim foi detalhada
no
Roteiro do Maranhão a Goiaz
, escrito provavelmente em 1780:
O uso inalteravel nos Sertões de fazer o vaqueiro
sua a quarta parte dos gados que cria, sem poder
entrar nesta partilha antes de cinco annos, não só
faz que os dittos vaqueiros se interessem como
senhores, no bom trato das fazendas; mas faz tambem
que com os gados que lucrão, passem a estabelecer
novas fazendas.
66
A forma e a capacidade dessa acumulação de pecúlio
propiciada por essa modalidade de remuneração remetem à uma
das possibilidades de conquista de liberdade no sertão, talvez
utilizada por José Martins, acusado na inquisição, já citado
no texto
67
.
As autoridades administrativas utilizavam africanos e
descendentes para repressão aos grupos indígenas e grupos
indígenas contra quilombos e mocambos, porém isto não diminuía
65
Nome dado à forma de remuneração paga em rês, uma em cada 4 ou 5
nascidas, para o vaqueiro encarregado de um curral ou boiada.
66
ROTEIRO do Maranhão a Goiaz pela Capitania do Piauhi (1780).
Revista Trimensal do Instituto Historio Geographico Brasileiro, Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, v. 62, 1900. p. 89.
67
MOTT, Luiz Roberto de Barros. Quatro mandingueiros..., op. cit.,
p. 150 passin.
75
a solidariedade e a amizade construídas com o tempo de
convívio.
Frei Angelo de Santo Alberto religioso do Carmo, revela
um desses casos de solidariedade, entre os dois grupos, para
colaborar na recuperação da autonomia e liberdade perdidas.
Relatando sobre a fuga de cinco casais de sua missão de
São Gonçalo do Salitre para a fazenda Sargento, de propriedade
da Casa da Torre, ele diz ter conseguido apreender um dos
fugitivos, porém “João das Brotas e mais três negros[...]
levarão o Indio e me ultrajarão de palavras”
68
.
João das Brotas e seus companheiros estavam cumprindo
ordens de seu superior, João de Araujo Costa, o procurador da
Casa da Torre da região, porém eles devem ter cumprido as
ordens com mais afinco pela amizade construída ao longo do
convívio com o índio resgatado.
Os casais, provavelmente, fugiram da Missão por não
concordar com os trabalhos exigidos deles na condição de
aldeados e foram procurar melhores condições de vida em outras
paragens na companhia de pessoas de confiança e amigos com
quem podiam contar, como na oportunidade do resgate, mas o
religioso não concordava em ver seu rebanho minguar, por isso
as reclamações. Esta também era uma forma de autonomia,
procurar a melhor condição de trabalho. Mesmo sendo
68
Carta de Fr. Angelo Alberto e Manoel Caetano Lopes de Lavre, a El-
rey. In: AAPEBA, anno 3, v. 4 e 5. Bahia: Imprensa Official do
Estado, 1919. p. 98-99.
76
compulsório, existiam espaços de reivindicações e os
escravizados construiam estes momentos de negociações.
Existem documentos, já no século XIX, denotando contatos
mais íntimos entre afrodescendentes e indígenas. Em uma
devassa ocorrida no começo do século XIX na Missão do Bom
Jesus da Glória, em Jacobina, alguns dos aldeados, ou seus
companheiros e companheiras, foram qualificados como “cabra,
mamaluco, preto crioulo, pardo e pardo preto
69
.
Essa foi mais uma estratégia de sobrevivência dos
afrodescendentes sertanejos, ocupando terras das aldeias e
garantindo terrenos para o plantio de suas próprias roças no
terreno destinado somente aos indígenas. Esta escolha também
possibilitava uniões e casamentos, além da garantia de uma
prole livre e protegida pelo estatuto das Missões.
Ficam evidentes na documentação, além da política de
estado de desestabilizar e desorganizar os modos de vida dos
grupos autóctones, ações para não permitir a instalação de
grupos quilombolas na região.
As terras, tiradas dos autóctones, deveriam ser
destinadas prioritariamente aos colonos portugueses, portanto
não poderiam ser locais de refúgios dos grupos indígenas
aguerridos ou das populações dos quilombos. O sertão deveria
ser uma extensão do modo de vida do branco europeu, já
instalado no litoral.
69
APEBA. Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2430.
77
Uma das formas de implantação de colonizadores, mais
destacada na bibliografia para a região, foi aquela propiciada
pela extração mineral. Desde o fim do século XVII, já havia
notícias da descoberta de ouro nas serras de Jacobina
70
, o que
provocou uma nova fase de colonização na região, trazendo mais
pessoas escravizadas para trabalharem na coleta de ouro e,
posteriormente, na de diamantes, sobretudo no século XVIII
71
.
Em plena febre do ouro nas Minas Gerais e com o
Nordeste em clima de agitação, outra notícia correu
o Brasil: haviam sido descobertas novas minas, ainda
mais ricas, em Jacobina, na Bahia. Sebastião
Pinheiro Raposo, o descobridor delas em 1718,
conseguiu extrair 135 quilos de ouro num único dia
de trabalho. Não demorou para que tivesse muita
companhia. Ali os mineradores começaram a extrair
mais de uma tonelada de ouro por ano, reproduzindo
em escala menor a ocupação das Minas Gerais, com uma
diferença: como estas minas eram mais próximas do
litoral, os problemas de abastecimento eram menores
e as facilidades de contrabando, principalmente para
Salvador, maiores.
72
70
Existem notícias de ouro na região desde a bandeira de Gabriel de
Souza Soares em 1590 (cf. AAPEBA, anno 3, v. 4 e 5. Bahia: Imprensa
Official do Estado, 1919. p. 32).
71
Descoberta feita por Pedro Barbosa Leal, oriundo de Salvador para
explorar os montes de Pirararé e a serra de Jacobina em 1696 (Cf.
SILVA, Ignácio Acioly de Cerqueira e. Memórias Históricas..., v. 2,
nota 28).
72
CALDEIRA, Jorge. O ouro e o território (1700-1750). In: CALDEIRA,
Jorge et. al. Viagem pela História do Brasil. São Paulo: Cia. das
Letras, 1994. CD-ROM.
78
Quando Pedro Barbosa Leal passou por Jacobina a caminho
das Minas do Rio de Contas, em 1725, encontrou setecentas
(700) bateas e fez arrecadação de 4.428 oitavas de ouro,
referente ao
quinto
73
.
Alguns documentos encontrados na pesquisa trazem
informações sobre os afrodescendentes envolvidos com a
mineração de ouro na região de Jacobina no século XVIII, e
talvez este grupo populacional tenha realmente crescido
favorecido por esta atividade, porém os dados são esparsos,
não sendo possível a construção de nenhuma série.
Na inquirição do jovem Mateus Pereira Machado, é
registrada sua transferência para a vila de Jacobina, mas ele
era natural de São José da Pororoca e exercia a função de
mineiro
74
. Isto quer dizer que a possibilidade aberta pela
exploração das minas de ouro na região trouxe o senhor de
Mateus e, conseqüentemente, o escravizado.
Em 1754, nas justificativas dos gastos da Casa de
Fundição de Jacobina, o Intendente Geral do Ouro, Wenceslao
Pereira da Silva, informou os gastos de 1$200 contos com
“dinh
r
que dei aos negros, que conduzirão o cofre, 2 caixões
em que vierão livros, e bilhetes”
75
. Ou seja, haviam negros,
73
COSTA, Affonso. Minha terra..., op. cit., p. 272.
74
MOTT, Luiz Roberto de Barros. Quatro..., op. cit., p. 151.
75
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO. Officio do Intendente Geral do Ouro
Wencesláo pereira da Silva, remettendo as contas das despezas da
Casa de fundição de Jacobina. 28 de julho de 1754. Caixa 8, doc.
1227-1230. In: BRASIL, Ministério da Cultura. Projeto Resgate –
Bahia, 1998. 23 CD-ROM.
79
não estando especificado se escravizados, mas havia fortes
indícios de serem livres, trabalhando no transporte de
mercadorias a serviço da Casa de Fundição de Jacobina. Esta
função de levar e trazer mercadoria fica explicitada nos
depoimentos dos ‘mandingueiros’ estudados por Luiz Mott
76
.
Da relação de objetos trazidos da costa para Jacobina
constam três (3) livros comprados de Antonio Gomes da Silva e
talvez transportados pelos negros citados acima. Quiçá um
desses livros era para o registro dos “Contractos dos direitos
do Escravos” empregados nas Minas de Jacobina conforme
determinava a Ordem Real n. 168
77
. Este livro preenchido com os
dados dos escravizados, apesar de ter sido citado também em
outros documentos, não foi encontrado em nenhum arquivo,
pesquisado por mim ou por Albertina Lima Vasconcelos.
78
Um registro deixa ainda mais evidente o emprego de negros
na mineração na região de Jacobina no século XVIII. O Conde
dos Arcos em um ofício, de 10 de setembro de 1754, remetido
para Lisboa, assim esclarece a descoberta de um diamante:
Feito o termo de declaração procedeu o mesmo
Ouvidor (de Jacobina) a fazer exame na tal pedra
com officiaes da Caza de fundição estabelecida
naquella Villa, que affirmarão ser diamante
76
MOTT, Luiz Roberto de Barros. Quatro..., op. cit., p. 150 passim.
77
AN, Códice 538, Fundo: Relação da Bahia, Código do fundo: 83.
78
VASCONCELOS, Albertina Lima. Ouro: conquistas, tensões, poder,
mineração e escravidão – Bahia do século XVIII. 1998, 339 f.
Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da UNICAMP, Campinas, 1998.
80
legitimo e ter o pezo de onze grãos e hum quarto;
com esta noticia foi chamado à prezença do Ouvidor
o tal preto e fazendo-se-lhe pergutas
judicialmente, confessou haver achado aquella pedra
em huma xapada, que faz verternte para o Rio do
Payayá grande no meyo do comprimento da Serra para
a parte de Leste, o qual sitio fica dentro do
continente daquellas minas (Jacobina).
79
O documento acima remete para a discussão sobre se o
‘preto’ citado era escravizado ou um homem livre. Pelos
indícios do próprio documento, parece tratar-se de um livre.
Não existe a menção de um senhor a acompanhá-lo no depoimento.
Existe outro documento da mesma época citando nominalmente “2
escravos que foram seqüestrados [...]”
80
.
Segundo Ramos Tinhorão, para os portugueses e suas
colônias, a partir do século XV, “[...] o negro mais
caracteristicamente africano passaria a ser sempre o preto”
81
.
Portanto o descobridor do diamante em Jacobina poderia até ser
um africano, mas todas as informações levam a concluir pelo
estatuto de livre ou liberto da pessoa em questão.
As preocupações de inscreverem as terras do sertão de
Jacobina como desertas e aptas para serem conquistadas foram
79
ANNAES da Bibliotheca Nacional (ABN), v. 31, 1909, p. 156.
80
ABN, v. 31, 1909, p. 112.
81
TINHORÃO, José Ramos. Os negros em Portugal: uma presença
silenciosa. Lisboa: Ed. Caminho, 1988. In: Quando o negro passou a
ser preto... Disponível em: <http://www.portugal-linha.pt
/opiniao/CAlexandrino/cron5I.html>. Acesso em: 26 fev. 2006.
81
paulatinamente construídas desde as primeiras informações
sobre o sertão, e ficam muito claras nas ‘Relações’ prestadas
pelos párocos sertanejos, em meados do século XVIII:
Também pela parte do nascente confina esta
freguezia do Jerimuabo com a freguezia de Nossa
Senhora da Nazareth da Villa do Itapicurú de sima,
da qual foy desmembrada em o anno de 1718 por
Alvará de Sua Real Magestade. Pelo sul confina com
a de S.Anna do Tucano, e tambem com a da Jacobina
Velha, mediando entre esta da Jerimuabo e a da
Jacobina Velha hum dilatado certão dezerto, em que
se diz ha mais de trinta legoas despovoadas.
82
Com o declínio da mineração de ouro nas proximidades de
Jacobina no final do século XVIII, o núcleo urbano mostra uma
dinâmica já incorporada desde as primeiras experiências de
implantação da colonização européia, a vocação para o
comércio. Porém, em algumas localidades específicas da região,
esta decadência provocou um êxodo populacional muito grande,
compensado pelo aumento da população onde novas minas foram
descobertas.
A idéia de despovoamento e campos livres vai ser retomada
nos vários livros de corógrafos sobre a origem de cidades
baianas em geral. Eles falam dos primeiros habitantes como
82
PEREIRA. Padre Januário José de Souza. Relação da Freguezia do
Jerimuabo. Prestada em 29 de dezembro de 1757. In: ABN, v. 31, 1909.
p. 230.
82
‘descobridores’ ou ‘desbravadores’ de locais vazios e
inóspitos
83
.
Essa também parece ser uma expectativa do final do século
XIX e começo do XX, falando do sertão em geral e do baiano em
particular, como território vazio devido à extinção dos grupos
indígenas, como local apto para receber novas populações
européias, estimulando a migração para essas áreas
“despovoadas”
84
.
As produções historiográficas mais recentes demonstram a
perpetuação dessa visão colonizadora, não permitindo voz às
populações não brancas. Indígenas e escravizados lutaram
juntos pela concretização do sonho da autonomia, pela sua
conquista ou sua garantia, buscando locais para consubstanciar
suas aspirações de liberdade, ocupando o território antes da
invasão dos colonizadores europeus.
Alguns desses não brancos foram também empregados para
garantir a ordem e manutenção desses locais vazios. Em uma
carta patente de 16 de maio de 1800, foi nomeado “Valentim
Barbosa Vianna Capitão da companhia dos homens pardos d’Agua
Branca, annexa ao Terço das Ordenanças da Villa de Jacobina,
83
Entre esses autores destaco: QUEIROZ, Claudionor de Oliveira. O
Sertão que eu conheci. Salvador: Fundação Cultural do Estado da
Bahia, 1985; LIMA, Dante de. Mundo Novo..., op. cit., 1988;
BOAVENTURA, Eurico Alves, Fidalgos e vaqueiros..., 1989.
84
Existem algumas iniciativas para convencer os imigrantes a irem
para o sertão baiano, sendo a mais importante é a Lei Provincial
2.604, de 28/06/1888, e também os artigos de Durval Vieira de
Aguiar, publicados primeiramente no Diário da Bahia e,
posteriormente, reunidas em livro: AGUIAR, Durval Vieira de.
Descrições práticas da Província da Bahia. Salvador: Tip. Do Diário
da Bahia, 1888.
83
posto que vagara por fallecimento de Lucianno Coelho da
Silva”
85
.
“No termo de prizão habito e tonsura feito ao reo Ignacio
da Silva Pimentel homem pardo”
86
, acusado de participar da
Conjuração Baiana, é possível identificar quem eram os
chamados pardos para Jacobina neste período:
Me respondeo que o seo nome he Ignacio da Silva
Pimentel, que he soldado granadeiro do Segundo
Regimento de linha desta Praça, natural de
Jacobina, solteiro, alfaiate, filho de pai
incognito, e da preta Antonia Francisca das Chagas
[...]
87
O destino de Ignácio não ficou bem esclarecido, se prisão
perpétua ou degredo para África, porém fica elucidado quem
eram os pardos para as forças policiais e região de Jacobina.
Depois dessa caracterização geral da região de Jacobina e
dos locais onde populações negras eram empregadas até o final
do século XVIII, vou ater-me ao século XIX, quando o núcleo
urbano desponta como centro abastecedor.
85
ABN, v. 36, 1914, p. 488.
86
ABN, v. 45, 1923, p. 156.
87
ABN, v. 45, 1923, p. 156.
Capítulo 2
JACOBINA: POPULAÇÃO E NEGROS
NO SÉCULO XIX
85
JACOBINA: POPULAÇÃO E NEGROS NO SÉCULO XIX
A região de Jacobina funciona como centro comercial desde
tempos muito remotos. Antonil destaca a região como local de
recebimento de boiadas vindas “[...] desde o Piauí até a barra
de Iguaçu, e de Parnaguá e rio Preto”
1
. E, nos tempos de seca
ficavam ali para descansar e ganhar peso.
As pessoas encarregadas dos transportes das boiadas, os
chamados passadores, também eram encarregadas de levar
mercadorias para seus locais de origem. Aliado às necessidades
de abastecimento dos diversos núcleos mineradores, isto gerou,
a oportunidades para Jacobina subsistir como pólo de
abastecimento regional.
O declínio da exploração do ouro na região, no final do
século XVIII, não foi empecilho, para o desenvolvimento local,
uma vez que, em substituição ao ouro, foram abertas minas de
diamantes.
1
ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil, 3. ed. Belo
Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1992. p. 200.
86
Afonso Costa, analisando as primeiras décadas de
exploração do ouro na região, assim comenta sobre o comércio:
[...] era o empório de todo o movimento expedidor
de fazendas, miudezas e ferragens para os sertões
de Baía, Goiás e Piauí, disfrutando a extensiva
nomeada de que frúe ainda agora pela seriedade
irrepreensível de seu trato.
2
Antonio Ângelo Fonseca também destaca o comércio como
grande vocação da cidade de Jacobina desde sua fundação,
passando pelo período de exploração mineral, seguindo até os
dias de hoje
3
.
Sua localização privilegiada é um dos principais
fatores concorrendo para isso. As rotas abertas nos séculos
XVII e XVIII, ligando os centros produtores aos de consumo,
principalmente de gado, cruzavam a região, oferecendo
condições necessárias à implantação de casas comerciais.
Passavam ou iniciavam, em Jacobina, caminhos para: o
litoral, Cachoeira e Capuame; Chapada Diamantina, sul do
Estado da Bahia, Caetité e Rio de Contas; norte, Juazeiro e
Villa da Barra; e Goiás e Norte de Minas Gerais. Assim, a
região firmou-se como entreposto comercial
4
.
2
COSTA, Affonso. Minha terra:
Jacobina de antanho e de agora. In:
Congresso Brazileiro de Geographia, 5., 1916, Salvador. Annaes...
Salvador: Imp. Official do Estado, 1918. p. 295.
3
FONSECA, Antonio Ângelo Martins. Poder, crise regional e novas
estratégias de desenvolvimento: o caso de Jacobina/Bahia. 1995. 206
f. Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade e
Arquitetura e urbanismo–FAU/Universidade Federal da Bahia, Salvador.
1995. p. 120.
4
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA (APEBA), Seção: Colonial e
Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2430.
87
Já foi mencionado, no capítulo anterior, que se encontrou
registros de vários negros envolvidos em funções ligadas ao
transporte de mercadorias, mineração, à pecuária e também ao
pequeno comércio, até o século XVIII. Só a título de
lembrança, Antônio, escravo do padre Antônio Pereira, cuidava
dos rebanhos de seu senhor. O preto forro José Martins
mantinha, com sua esposa Luiza, parda, uma casa de negócios
onde se encontraram os outros acusados, de um processo
inquisitorial, de portar as bolsinhas de feitiço assim como os
outros envolvidos estavam na mineração ou nos trabalhos com a
pecuária
5
. Mas quantas pessoas comporiam esta população negra
no século XIX em Jacobina?
Em resposta a uma representação do Capitão-Mor Manoel
Soares da Rocha, questionando a obrigatoriedade de talhar e
vender bois na Vila de Jacobina, a Câmara Municipal de
Jacobina, em 1829, justifica a necessidade dos bois pela
existência de diversos moradores e os vários serviços por eles
prestados, no núcleo urbano:
Profesores, homens muzicos, homens negociantes de
fazenda, seccas com lojas abertas, existem
Alfaiates, sapateiros, ferreiros, carpinteiros,
latoeiros, pedreiros, marcineiros, taberneiros e
taberneiras com vendas abertas, existem mulheres
5
MOTT, Luiz Roberto de Barros. Quatro Mandingueiros de Jacobina na
Inquisição de Lisboa. Afro-Ásia, Salvador, n. 16, p. 148-160, 1995.
88
que se empregão em cozer, açar, fiar, e fazer louça
prêta [...]
6
.
E continua falando dos arredores:
[...] que no arrredor desta Villa há muito pôvo, na
vizinhança de hum quarto de legoa, meia legoa e
legoa.
Provara que todo este pôvo se deve sustentar em
carne de vacca, pois que nesta Villa não há pescado
de qualidade alguma, não se cortão carneiros, nem
cabrictos, nem capados.
Provará que tendo consideração a tudo isto a Camara
Municipal desta Villa estabeleceo por sua justa
postura, que diariamente se talhasse huma rêz ao
publico e fosse vendida a carne pelo preço que seos
donos pudessem conseguir.
7
No dia 9 de novembro de 1837, o juiz de Direito Angelo
Moniz da Sª. Ferraz envia uma relação de vários itens em
resposta ao pedido do presidente da província. Nele é possível
observar o variado número de artigos produzidos em Jacobina:
algodão, feijão, milho, arroz, cevada, café e ainda:
[...] azeite de côco, e de mamona, sola, coiros, de
diversas qualidades, panos de algodão, redes e
cobertas, Dôce de diferentes qualidades, e alguma
6
APEBA, Seção: Colonial e provincial, Série: Governo, Câmara de
Jacobina, Maço: 1327.
7
Id., ibid.
89
madeira, os quaes forão consumidos n’este, e
exportados para diversos lugares.
8
Além desses frutos da terra, também existiam outras
atividades produtivas da região:
Existem n’esta comarca os seguintes
Estabelecimentos de Industria 435 Fazendas de
creação de gado de diferentes qualidades; 56
Engenhocas de fazer assucar, raspaduras, agoardente
de Cana; um grande numero de Estabelecimentos de
fabricar farinha de Mandioca; 8 Lavras de ouro; um
Moinho de moer Trigo. Não me foi possivel obter o
numero de braços livres, escravos, empregados
n’estes Estabelecimentos, devendo á este respeito
notar, que duas terças partes dos Escravos
existentes n’esta Comarca, ahi laborão, e que a
maior somma dá producção d’este terreno é o
resultado do emprego de braços livres.
9
O destaque para a produção realizada pela maior parte de
braços livres é uma informação bastante esclarecedora, porém
faltou dizer como era composta essa camada de trabalhadores.
A imprecisão com relação aos trabalhadores da agricultura
empregados na região continua em outros documentos
apresentados pelos Juízes de Jacobina.
8
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, Série: Correspondência ao
Presidente de Província, Fundo: Juízes, Maço: 2430.
9
Id., idid.
90
No Mapa de gêneros produzidos na Comarca, datado de 25 de
fevereiro de 1850
10
, mas sem assinatura de seu elaborador,
foram encontrados os seguintes números:
Quadro 1 – Mapa da produção da Comarca da Jacobina - 1850
Gado Vaccum 1.200
Doce caxeta 1.400
Exportações
Couros 1.600
Gado Vaccum 510
Arrobas de sabão de sebo 96
Carradas de Az.
e
de mamona e côco
150
Æ
s
de Feijão 430
Ditos de Milho 910
Alq
s
de Far
a
de mandioca
1.670
Carradas de G
e
de canna 1.890
Centos de Rapadura 4.230
Gêneros q
vem ao
mercado
Arrobas de Assucar 1.680
D.as escravas na mesma 150
Pessoas livres q se occuppa na lavoura
Não posso
calcular
Fonte: APEBA, Seção: Colonial e Provincial, Série:
Correspondência ao Presidente de Província, Fundo: Juízes,
Maço: 2432 (Mappa da Industria da Comarca de Jacobina).
Uma das explicações para a bibliografia dar pouca
importância à população negra da região parece estar na
pequena proporção de escravizados que aparece nos documentos,
em relação aos trabalhadores livres.
Nos censos realizados ao longo do século XIX, esta
pequena população de escravizados também é destacada. Análises
mais atentas, da mesma documentação têm mostrado a existência
de uma quantidade muito grande de não brancos em Jacobina,
10
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, Série: Correspondência ao
Presidente de Província, Fundo: Juízes, Maço: 2432.
91
porém esta população não teve sua descrição detalhada, e, às
vezes, até mesmo sua caracterização, foi deturpada.
Segundo os estudiosos da população brasileira, existiram
três períodos distintos da demografia nacional: o primeiro é
chamado de pré-estatístico, indo da colonização até meados do
século XVIII e contendo números compostos apenas por
estimativas, mas geralmente aceitos pelos demógrafos. O
segundo período é chamado de proto-estatístico, indo de meados
do século XVIII até o primeiro Censo geral da população em
1872. E o terceiro período é chamado de era estatística,
iniciado com o Recenseamento de 1872 e indo até os nossos
dias, contendo dados obtidos por uma base metodológica,
possibilitando a elaboração de quadros estatísticos
comparativos em várias categorias, em vários momentos através
dos vários anos.
O primeiro Censo demográfico geral do Império brasileiro
data de 1872, sendo, portanto, importantíssimo, pois inicia uma
série histórica com aplicação de uma metodologia largamente
pensada e utilizada, em suas bases, até nossos dias.
Foi instituído pelo decreto 4.856 de 1871, fixando as
seguintes regras:
Será feito por meio de boletins ou listas de família,
em que se declare, a respeito de cada pessoa: o nome, o
sexo, a idade, a cor, o estado civil, a naturalidade, a
nacionalidade, a residência, o grau de instrução
primária, a religião e as enfermedades aparentes.
Também se declarará a relação de parentesco ou de
92
covivência de cada pessoa com o chefe da família e a
respeito das crianças de 6 a 15 anos se notará se
frequentam ou não a escola.
11
Segundo Jane Oliveira, o diferencial do Censo de 1872
estava na introdução da condição civil, que “[...]
cristalizava a clivagem de uma sociedade formada por homens
livres e escravos”
12
. Este quesito foi incorporado ao censo
graças aos debates e às políticas voltadas para a questão da
escravidão, ocorridos no último quartel do século XIX.
Era a partir da questão da escravidão que, naquele
momento, a sociedade brasileira se interrogava
sobre suas possibilidades de coesão, seus riscos de
fratura e seus rumos no futuro.
13
Esse Censo suscitou vários questionamentos. Em primeiro
lugar, por instituir a ambigüidade entre cor e raça, pois
apresenta apenas para classificação de cor/etnia: brancos,
pretos, pardos e caboclos. Apesar de as orientações instruírem
o registro das diversas tribos e as línguas faladas por elas,
no final todos foram englobados na categoria caboclos.
Outra crítica bastante pertinente é com relação os
recenseadores. A maior parte dos dados foi recolhida por
11
AZEVEDO, Aloysio Villela. O Recenseamento... apud OLIVEIRA, Jane
Souto de. Brasil mostra a tua cara: imagens da população brasileira
nos censos demográficos de 1872 a 2000. Rio de Janeiro: Escola
Nacional de Ciência Estatística, 2003. p. 11.
12
OLIVEIRA, Jane Souto de. Brasil mostra a tua cara... op. cit., p.
11.
13
Id., loc. cit.
93
párocos das freguesias ou pelo Chefe de Polícia local, porém
não existiu nenhum tipo de treinamento para a aplicação dos
questionários. O próprio despreparo da população é deixado
claro no Censo, pois no quesito instrução foi incluída apenas
o indicador de alfabetizado ou não.
Aplicado pelo pároco católico, o quesito religião perdia
o sentido, pois existia uma lei no código criminal punindo os
cultos de qualquer outra religião que não fosse a oficial do
Estado. Portanto o quesito só apresentava as opções:
católicos
e
acatólicos
.
Outro quesito, aplicado no recenseamento de 1872, também
reflete mais uma das questões candentes da época, como a
nacionalidade
, remetendo ao momento de instituição de
políticas de imigração para substituição da mão-de-obra
escrava.
O Censo foi realizado conforme as recomendações do
Congresso Internacional de Estatística de São Petersburgo, em
1872, indicando uma uniformização de quesitos em todos os
recenseamentos mundiais e do qual participaram representantes
brasileiros.
Para Jacobina, só restaram os dados republicados em
1949
14
, portanto não é possível verificar como foi realmente
realizado o recenseamento na região. Segundo os dados desta
14
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Características Demográficas do Estado da Bahia. Rio de Janeiro:
Serviço Gráfico do IBGE, 1949.
94
publicação, o CENSO de 1872 apresentou um total de 17.327
pessoas livres, sendo classificados como brancos 6.044
(34,88%) e 11.283 (65,12%) registrados numa categoria genérica
chamada “outra”. Existiam, ainda, 1.255 escravizados não
estando especificadas a cor ou origem. Portanto a população
total era de 18.582, sendo somente 6,75% de escravizados
15
.
Quem eram essas pessoas qualificadas como “outro”?
A categoria
outros
, contabilizados para a região de
Jacobina, não constava nos formulários oficiais e parece
refletir uma vontade de não mostrar ou admitir a quantidade de
pessoas de origem/descendência africana no conjunto da
população em geral, pelos organizadores da compilação de 1949.
Vejamos como eles aparecem nas várias informações
populacionais encontradas nos documentos.
A administração portuguesa, com vários objetivos
diferentes, já solicitava estimativas populacionais para seus
representantes locais. Os párocos das diversas freguesias
foram encarregados de fornecer informações sobre a população,
no final do século XVIII.
15
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Características... op. cit., p. 303.
95
Quadro 2 - População de Jacobina por Freguesia – 1770 e 1774
ano Freguezia Fogo
s
Almas
Santo Antônio da Jacobina
287 2212
Santo Antônio da Villa de
Jacobina
321 3120
Santo Antônio da Villa do
Urubu de Cima
362 3425
Santo Antônio da Villa N.S.
do Livramento do Rio de
Contas
663 3223
Sant’Anna do Caitite
147 1018
Santusé
243 2023
S. Antonio do Pambú
93 1019
N. S. do Bom Sucesso
286 1982
S. Francisco das Chagas na
Villa da Barra do Rio Grande
290 2026
N. da Conceição do Rio Pardo
288 1924
1774
TOTAL 2989 21972
Comarca
do Sul
ou da
Jacobina
1779
TOTAL
24103
Fonte: Annaes da Bibliotheca Nacional (1910, v. 32, p. 289;
480 passim.)
É possível observar, nos títulos dos que são chamados
Mappas de todas as Freguezias que pertencem ao Arcebispado da
Bahia
e
Mappa da enumeração da gente e povo desta Capitania da
Bahia
, a preocupação da administração pública em saber
detalhes da população, mas na publicação final não estão
incluídos os números das categorias inicialmente solicitadas.
Nota-se a não informação do número de fogos da Comarca de
Jacobina para o ano de 1779, assim como de muitos outros itens
constantes dos títulos.
Outra coisa chamando atenção na contagem do ano de 1775
foi a discrepância entre o número total de fogos e aquele
96
publicado desmembrado por freguesia. Existe uma diferença de
nove fogos.
Quadro 3 - Mapa do Município, Distritos de Paz e os
respectivos Quarteirões e dos Habitantes desta Comarca de
Sto. Antonio de Jacobina – 1836
Fonte: APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes,
Maço: 2430.
O Mapa acima foi elaborado pelo Juiz de Direito Ângelo
Moniz da Sª. Ferraz. Nota-se a utilização do termo
Indígena
para designar tanto libertos como escravos na listagem, apesar
de a proibição de escravização de indígenas estar estabelecida
na legislação vigente no período.
A primeira lei proibindo explicitamente a escravização de
indígenas é datada de 1570, porém ela exigia do indígena a sua
adaptação à sociedade colonial para ter direito à liberdade.
Em 1611, sob o domínio espanhol de Felipe II, foi reafirmado o
direito à liberdade dos índios nas colônias. Este direito vai
ser ratificado pela administração do império português em 1680
e, posteriormente, pelo Marquês de Pombal, em 1758
16
.
16
VILLASBÔAS, Hariessa Cristina. Mineração em terra indígena. Rio de
Janeiro: CETEM: MCT: CNPq: CYTEC: UIA, 2005. p. 5 passim.
97
Dom João VI, em 1808, continua a autorizar as Guerras
Justas contra tribos específicas brasileiras, e consentindo
sua escravização. Com a proclamação da Independência, foram
revogadas as autorizações. Um ato adicional de 1834 passava a
obrigação de zelar pelos indígenas para a Assembléia Geral e o
Governo, devendo propiciar a catequese das tribos. Porém não
autorizava escravizar os indígenas
17
.
Conforme outros documentos consultados não foi encontrado
esse número de indígenas na região de Jacobina, tudo parece
indicar a intenção do Juiz em falar de homens nascidos na
região. Não existem, citados no mapa, crioulos ou pardos,
designação comum para os descendentes de africanos nascidos no
Brasil. Conforme outros documentos consultados eles – crioulos
e pardos – são maioria absoluta.
Outro Juiz de Direito da Villa de Jacobina, em 25 de
fevereiro de 1850, informa o seguinte para o Presidente da
Província:
Já não existem Indios n’esta commarca havendo em
outro tempo, a Missão do Sahy, e a de Nosso Senhor
Bom Jesus junto d’esta Villa. Não me consta que
existão [como dito] Indio bravio, e os aldeiados
perderão já seo caracter primitivo, por que essa
raça misturam-se completamente com as outras, que
possuimos.
18
17
VILLASBÔAS, Hariessa Cristina. Mineração ..., op. cit. p. 6
passim.
18
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2433.
98
A contagem da população parece ter sido uma preocupação
constante das autoridades locais, em meados do século XIX. Um
regulamento censitário de 1846 mandava contar a população de
oito em oito anos, mas somente em 1850, junto com uma nova
determinação de controle do Registro de Nascimentos e Óbitos,
foi marcado o recenseamento para 1852.
Vários protestos e revoltas aconteceram em diversas
localidades sertanejas do Nordeste, principalmente em
Pernambuco, pois existia o medo de esse Censo e os registros
civis servirem para escravizar “a gente de cor”. Este
movimento obrigou as autoridades a recuar e só realizar
efetivamente o censo de 1872
19
.
A administração local de Jacobina, porém, forneceu várias
informações sobre a população na década de 50 do século XIX,
mas com poucos detalhes. Encontrei alguns ofícios externando
esta inquietação de contar a população.
Em carta datada de 20 de agosto de 1852, o juiz municipal
de Jacobina, José Antonio Rocha Vianna informa ao Presidente
da Província da Bahia a existência de vinte e duas mil almas,
no município, não enviando maiores detalhes. Em ofício de 09
19
Sobre as várias revoltas contra as leis 797 e 798 de 1851, ver
SECRETO, Maria Verônica. Sem Medidas: revoltas no Nordeste contra as
medições imperiais. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/
congresso2003/Textos/Abphe_2003_105.pdf> Acesso em: 15 dez. 2005;
PALACIOS, Guillermo. A Guerra dos Maribondos. Disponível em:
<http://www.estadonacional.usp.br/noticias/seminarios/Realizados/3
forum/Texto_Forum_03.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2005; e OLIVEIRA,
Maria Luiza Ferreira de. O Ronco da Abelha. In: Revista Almanack
Brasiliense, n. 1, maio 2005. Disponível em: <http://www.almanack.
usp.br/PDFS/1/01_informe_4.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2005.
99
de maio de 1853, o mesmo juiz informou o não envio do mapa com
a população, pois “[...] nem mesmo os Parochos me souberão
dar...”
20
.
O mesmo juiz municipal enviou, em 12 de fevereiro de
1856, um ofício com a descrição do município com sua divisão
em distritos e trazendo a informação da população em cada um
deles. Os cinco distritos de Jacobina tinham uma população
total de 39.305 pessoas livres e 2.660 pessoas escravizadas
21
.
A discrepância, para maior, com relação à população em
1872 pode ser creditada ao não fracionamento territorial de
Jacobina no ano de 1856. Tanto Morro do Chapéu como Monte
Alegre foram contados como distritos do município e, no ano do
censo, já estavam emancipados. Tirando esses dois distritos,
os números do censo de 1856, mais condizentes com os de 1872,
são os seguintes: 16.985 pessoas livres e 1.100 escravizados.
A proporção de escravizados era de 6,47% ligeiramente menor do
que em 1872. Esse Mapa também não trouxe informações
detalhadas sobre cor e origem da população.
20
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2432.
21
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2433.
100
Quadro 4 - Mapa descritivo do Município de Jacobina
Numero de
Freguezias
Extensão de
cada huma
Popula
ç
ão de
cada huma
5
Norte
a Sul
Este
a
Oeste
Livre
Escrava
Posiçã
o de
cada
huma
Nas
cim
ent
os
Obi
tos
Santo
Antônio de
Jacobina
14
legoas
28
legoa
s
8530 760
Sul
Doeste
267 96
S.S.
Coração de
Jesus do
Riachão
6 “ 10 “ 5340 150 Sul 233 46
Saude 7 “
28
3115 190
Fica
ao
Norte
137 43
Morro do
Chapéo
34 “
32
8450 740
Sul do
este
Monte
Alegre
16 “
20
13870 820 Sul 447 190
Fonte: APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes,
Maço: 2433.
A freguesia de Monte Alegre, segundo o mapa de 12 de
fevereiro de 1856, apresentava uma população de 13.870 pessoas
livres e 820 escravizados totalizando 14.690 habitantes, com
5,91% de pessoas submetidas ao cativeiro. A de Morro do Chapéu
apresentava uma população total de 9.190 pessoas, sendo 8.450
de livres e 740 de escravizadas, ou 8,05% da população
contada.
Em 19 de janeiro de 1857, já havia se consumado a
separação do distrito de Monte Alegre, passando a unir-se ao
de Camisão, e, no mapa enviado pelo Juiz municipal, Jacobina
contava com 19 mil almas, porém a carta não apresenta maiores
detalhes
22
.
22
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2433.
101
Fazendo uma análise do crescimento da população na
província da Bahia entre 1770 e 1890, Kátia Mattoso assim
ressaltou Jacobina:
O destaque ficou com a imensa comarca de Jacobina,
que compreendia o Agreste e o Sertão, atravessando
o rio São Francisco. A população local experimentou
crescimento de 2.933%, enquanto na comarca da Bahia
ele foi de 566%, na de Ilhéus de 506% e na de Porto
Seguro de 200%.
23
A existência de uma expressiva proporção de não brancos
em Jacobina já havia chamado minha atenção quando andava pela
feira, periferia e ao iniciar as pesquisas, lendo os sessenta
e três processos crimes enviados para Corte de Apelação, em
Salvador e posteriormente guardados no Arquivo Público do
Estado da Bahia, classificados como pertencentes a Jacobina.
Neles, contei 451 pessoas envolvidas como réus, testemunhas,
vítimas, testemunhas informantes e informantes. Destes somente
69 pessoas (15,30%) apresentaram a qualificação de cor.
23
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia, século XIX: uma província no
Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. p. 88.
102
Quadro 5 – Processos Crime de Jacobina depositados no APEBA
Anos Quantidade
1842 – 1847 04
1853 – 1855 06
1857 – 1860 05
1864 – 1865 05
1866 – 1870 04
1871 – 1875 08
1876 – 1880 11
1883 – 1885 10
1886 – 1888 10
TOTAL 63
Fonte: Elaborado com dados do APEBA, Secção Judiciária.
Do total dos qualificados, no quesito cor ou origem, oito
(11,60%) foram qualificados como brancos; cinco (7,24%) foram
qualificados como cabras; cinqüenta e dois (75,36%) dos
envolvidos eram pardos; apenas um foi qualificado como preto;
outro como cabra preto; e dois como crioulos.
Desses envolvidos, 67 (sessenta e sete) pessoas
funcionaram como testemunhas. Apenas 2 (duas) foram réus e
somente eles foram qualificados nos processos dos anos
posteriores a 1860, nos anos de 1873 e 1884, respectivamente.
Nos anos anteriores a 1860, as qualificações aparecem com
mais freqüência. Nos 16 (dezesseis) processos correspondentes
ao período entre 1842 e 1860, foram envolvidas 132 (cento e
trinta e duas) pessoas e destas somente as já citadas 67
(sessenta e sete) testemunhas tiveram sua cor ou origem
grafadas nos processos.
103
Quadro 6 – Envolvidos Qualificados por Processo
Ano
Processo
s
Pardo Cabra Cabra Preto Branco
1842
181 1
1847
141
1850
16
1854
14 4
1855
26 1
1857
17
1858
19 1
1859
251 1
1860
142 1
Totais
11 53 5 1 8
TOTAL GERAL 67
Fonte: Elaborado com dados do APEBA, Secção Judiciária.
A qualificação não aparece para todas as testemunhas de
um mesmo processo, levando-me a pensar em uma qualificação
seletiva, para as pessoas envolvidas presentes nos
acontecimentos, mas desconhecidas da comunidade ou do
escrivão, do juiz ou da pessoa encarregada do processo no
momento de tomada dos depoimentos. Muitas vezes, era um juiz
em exercício quem presidia os inquéritos, ou seja, um
vereador, geralmente o mais votado, quem assumia essa função.
Outra possibilidade é o processo ter passado por vários
escreventes. Em um processo de 1855, todas as cinco
testemunhas eram do mesmo lugar, Sítio do Brejo, mas somente
duas testemunhas foram qualificadas no quesito cor, uma branca
e uma parda, pelo primeiro juiz, as outras três testemunhas
não receberam qualificação neste quesito.
Os processos estudados vieram para a Corte de Apelação,
por iniciativa de qualquer uma da partes. Neles, os julgados
104
em primeira instância eram apelados ou apelavam, mas não
compareciam fisicamente. Portanto os processos pesquisados não
correspondem à totalidade dos crimes ocorridos na região para
o período.
Nos relatórios, acompanhando as Falas dos Presidentes de
Província, encontram-se dados referentes aos principais
delitos ocorridos nas Comarcas. No ano de 1854, ocorreram
quatro homicídios em Jacobina, mas nenhum criminoso foi
capturado
24
, não existindo qualquer vestígio desses processos
nos arquivos consultados. Somente restaram dois processos de
Crimes de Responsabilidade, quando uma autoridade não procedeu
nos termos da Lei.
Sobre a população de escravizados, utilizei como fonte
vários conjuntos de documentos para desvendar como era
constituída esta parcela importante da população, que podem
ser a ponta do iceberg de uma comunidade negra da região,
mostrando números e contestando as informações do Relatório do
Juiz de Direito Ângelo Moniz da Sª. Ferraz, de 1836.
24
WANDERLEI, João Maurício. Falla recitada na abertura da Assembléa
Legislativa da Bahia. Bahia (Salvador): Typ. A. Olavo a França
Guerra e Comp., 1855. Mappa dos homicídios, tentativas de mortes,
suicídios, e capturas de criminosos.
105
2.1 NÚMEROS DA ESCRAVIZAÇÃO EM JACOBINA
Nos livros de Registro de Notas dos Cartórios de
Jacobina, guardados no Arquivo Público do Estado da Bahia, foi
possível coletar informações dos Registros de Escrituras de
Compra, Venda e Doação de escravizados desde o ano de 1808 até
1885. Existem 47 (quarenta e sete) livros cobrindo o período
acima, deles, somente no livro de número 45, do Tabelião
Agerico Francisco de Moraes, não foram encontrados este tipo
de registros
25
.
Nos Livros citados acima, foi possível identificar 464
(quatrocentos e sessenta e quatro) transações. Foram anotados
nos registros: data, nome do comprador, nome do vendedor, nome
do escravizado, valor, aspectos da compra e local da compra.
Também foram assinaladas minúcias sobre a qualificação do
escravizado: idade, origem, cor, onde era empregado; e
detalhes sobre o registro: quem pagou o imposto e selos, etc.
Desse conjunto, foi possível caracterizar 254 (55,22%)
homens e 206 (44,78%) mulheres, de todas as faixas etárias, e
apenas quatro registros não apresentaram condições de
identificação dos envolvidos. Quatrocentos e nove registros
continham qualificações dos escravizados de origem ou cor.
25
Ver relação nos Anexos.
106
Esses dados são importantes para futuras pesquisas
comparativas com outras regiões da Bahia, para termos um
quadro do sistema escravista como um todo no estado, mas
também são importantes para tentar esboçar uma resposta para
os questionamentos surgidos páginas anteriores.
Provavelmente, o número de pessoas escravizadas
comercializadas nas Jacobinas foi superior ao conjunto
coletado, pois nem a numeração nem a datação dos livros
consultados são contínuas. A transferência dos livros sem o
cuidado devido e a ação do tempo, não barrada por iniciativas
de preservação, tem contribuído para destruir o restante do
acervo documental do sertão baiano. Porém, mesmo assim, é
possível a obtenção de dados importantes para ajudar a
esclarecer como era composto o conjunto de escravizados da
região.
Existe um registro de pais e filhos negociados juntos,
porém não são especificados dados sobre os filhos, portanto
contei somente os pais. Somente foram anotadas 30 (trinta)
pessoas escravizadas negociadas duas vezes, e, entre estes, 5
(cinco) voltaram para o antigo proprietário ou seus parentes.
Na maioria desses casos, o revendedor obteve lucros.
Antonio Ferreia Dias e seu irmão Guilhermino Ferreira da Silva
compraram, de Ivo de Souza e Silva, Filomena,
escravinha
cabra
, com 3 anos, em 27 de outubro de 1860, por 90$000. Dois
anos mais tarde, em 15 de fevereiro de 1862, venderam-a por
107
300$000, para João Arquiláo de Miranda, no registro a idade
anotada foi de 8 anos
26
.
José Theodoro Jacobina vendeu a Leocádia Saturnino Loubo,
Joanna, pardinha, em 30 de dezembro de 1839, por 100$000 réis.
Em 17 de outubro de 1840, ele recomprou a mesma criança por
400$000 réis
27
. Neste caso, um arrependimento muito grande deve
ter ocorrido, pois senão como explicar o pagamento de 300$000
réis para obter a menina novamente?
Trezentos e sessenta e quatro pessoas (79,13%)
transacionadas foram qualificadas com as designações
identificadas como sendo de descendentes de africanos nascidos
no Brasil, a maior parcela do total. Dentro desse grupo de
escravizados nacionais, os cabras apareceram em 133 registros,
correspondente a 28,91% do total geral ou 36,54% dos
nacionais. Os qualificados como crioulos, em suas diversas
tonalidades de cores como crioulo preto, crioulo pardo e mesmo
crioulo cabra, foram lançados em 130 registros, equivalentes a
28,26% do total ou 35,71% dos nacionais.
26
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 26, p.
31v; e n. 27, p. 25.
27
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 10, p.
84; e n. 13, p. 12v.
108
Quadro 7 – Origem, Cor e Sexo –
Registro de Compras, Vendas e Doações – Jacobina (1808–1885)
Origem Cor M. F
GERAL
NENHUM NENHUM
25 26 51
51
ANGOLA
033
AFRICANO
20 14 34
AFRICANO
PRETO
101
CONGO
1 0 1
MINA
101
NAGÔ
0 2 2
UÇA
101
43
ACABLOCADO
1 1 2
CABRA
71 58 129
PARDO
CABRA
1 2 3
FUSCA
7310
CRIOULO
61 56 117
CRIOULO
PRETO
7310
CRIOULO
CABRA
0 2 2
CRIOULO
PARDO
101
MAMELUCO
1 0 1
MESTIÇO
224
MULATO
4 3 7
PARDO
MULATO
202
PARDO
40 26 66
PARDO
CABRA
101
PRETO
5 4 9
364
TAPUIA (?)
112
02
TOTAL POR CATEGORIA
254 206
460
Fonte: APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina.
(OBS: Neste quadro, foram utilizados os termos encontrados nos
documentos).
Outros registros apresentaram mais categorias
identificadas como nacionais, entre eles os classificados como
pardos, figurando em 69 (sessenta e nove) casos,
correspondendo a 15% do total ou 18,96% dos identificados como
brasileiros.
109
No grupo de nacionais, ainda estão incluídas dez pessoas
qualificadas como fuscas, equivalendo a 2,17% do total ou
2,75% dos nacionais; nove qualificados como pretos,
correspondendo a 1,96% do total ou 2,47% dos nacionais; e
mulatos, que apareceram em sete casos (1,52% do total ou 1,92%
dos nacionais). Também estão incluídos registros de duas
pessoas acabocladas, quatro mestiços e um mameluco.
Os escravizados, declarados somente pela cor preta e sem
origem, apresentaram, nos próprios registros, outras
referências sobre sua naturalidade, e todos eram da região,
e/ou com a filiação conhecida, tornando assim possível serem
identificados como nacionais.
Os homens com idade entre 21 e 50 anos formam o maior
grupo com registros das comercializações com cento e quarenta
e sete indivíduos, (31,96% do total). As mulheres na mesma
faixa etária formam o segundo maior grupo com cento e treze
registros, equivalendo a 24,56% do total. Também pude
constatar um grande número de crianças e jovens
comercializados.
Setenta e dois meninos de até 10 anos foram envolvidos
nas transações (15,65% do total). As meninas foram contadas em
número de setenta e cinco (16,30% do total). Os jovens de 11
até 20 anos corresponderam a vinte e um (4,56%) e as jovens
totalizaram dez registros (2,17%). Os idosos ou pessoas com
mais de 50 anos tiveram pouco peso nos registros, aparecendo
apenas catorze (3,04% do total) homens e oito mulheres
(1,74%).
110
Quadro 8 – Registros de Compras, Vendas e Doações
de Escravizados – Por faixa etária – Jacobina (1808–1885)
Fonte: APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina
Dos dez escravizados qualificados como fusca, sete eram
do sexo masculino, oito eram moradores da Freguesia de Nossa
Senhora da Saúde, distrito de Jacobina, e dois da sede,
Jacobina. Todos foram transacionados entre 1872 e 1880. Nove
foram registrados como do serviço de lavoura e seis tinham
idades entre 9 e 22 anos.
Os registros de comercialização de crianças do ano de
1808 até 1850 somaram setenta e cinco (75) e de 1851 até 1885,
último ano deste tipo de lançamento, somaram 72 (setenta e
dois) indivíduos; os jovens entre 11 e 20 anos foram incluídos
nas transações, até 1850, em cinco registros e após 1851, em
26 (vinte e seis) registros. Conforme determinava a Lei
111
Imperial nº 2.040, de 1871, os filhos de mulheres escravizadas
nascidos após sua promulgação seriam livres, mesmo assim
encontrei dois registros de crianças envolvidos nas transações
comerciais em 1880 e seus senhores declaravam suas idades de
aproximadamente oito para nove anos.
Os registros mostram a lógica do mercado de escravizados
na região. Os homens e mulheres no auge da idade produtiva
foram os mais presentes nas transações, por serem os mais
desejados para a produção. As crianças e adolescentes talvez
fossem a garantia de um investimento para o futuro e também de
produção imediata apesar de pequena, pois eles também eram
empregados em diversas funções.
Cruzando as informações de qualificação de origem e cor
com as de faixa etária, observamos que o maior grupo de
pessoas escravizadas, com suas transações registradas, era o
de crioulos homens na faixa etária entre 21 e 50 anos,
representando quarenta e cinco pessoas (9,78% do total).
Nos registros, foram encontradas poucas negociações
envolvendo mais de um escravizado, chamando a atenção para o
registro de venda realizada em 03/02/1808 por João Luiz Motta
e sua esposa Elena Góes de Carvalho a seu filho, o Padre José
Antonio de Carvalho e Mattos, envolvendo sete pessoas
escravizadas, entre outros bens
28
.
28
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 02, p.
6v.
112
O Coronel Pio Lopes Cezar vendeu, ao alferes Ludvico José
de Abreu, em 18 de fevereiro de 1842 um escravizado chamado
Bertholdo, crioulo preto, por 400$000 réis. Seis meses depois,
em 17 de agosto de 1842, seu procurador, Manoel Fulgencio de
Figueiredo, foi ao cartório para registrar a venda de mais
seis escravizados. Entre eles, a menina Flora, por 200$000
réis, um casal de velhos, Manoel e Catarina por 300$000 réis
cada, e ainda o crioulo Luiz, por 400$000 réis, outro crioulo,
Salvador, por 300$000 réis e também a mulata Sigmunda por
500$000 réis, perfazendo um valor total de 2.000$000, dois
contos de réis
29
.
No mesmo ano de 1842, foram registradas 32 (trinta e
duas) transações, a segunda maior quantidade encontrada no
período pesquisado (1808 até 1885). Os valores da venda de Pio
Lopes a Ludvico José apresentaram-se superiores à média obtida
nas outras transações, para o mesmo ano.
Os escravizados homens adultos tiveram média de 379$333
réis, as mulheres adultas 328$666 réis e as meninas tiveram
média de 260$000 réis. Não foram considerados os idosos, pois
os desta venda foram únicos no ano em questão. No registro,
esta discrepância está justificada, pois “[...] estando o
vendedor muito individado com o comprador este aceita os
escravos como parte do pagamento”
30
.
29
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 13, p.
90; e n. 13, 110v.
30
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 13,
110v.
113
Manoel Fulgencio de Figueiredo apareceu em vários
registros de transações, como vendedor ou doador em mais sete
casos, e como comprador em mais nove lançamentos, além de
figurar como procurador em muitas outras negociações
31
. Seu
posto de Comandante Superior, talvez atestasse sua
honestidade, possibilitando figurar tantas vezes nos
registros.
Ainda no ano de 1842, Manoel Fulgencio, figurou como
procurador de Bento Jose de Carvalho, vendendo três
escravizados em momentos diferentes. O primeiro foi em 03 de
janeiro de 1842, vendendo a Manoel José Marques o crioulo
preto Pedro, por 500$000 réis
32
. Além de Pedro, Manoel José já
havia comprado dois escravizados, Faustino e Lauterio em 1839,
e o africano Alexandre, em 1860 e não aparece como vendedor em
nenhuma transação
33
.
As outras duas vendas foram feitas ao mesmo comprador
Jerônimo José da Silva, uma do crioulo preto Manoel, pelo
valor de 400$000 réis, em 20 de maio de 1842; e a outra em 12
de dezembro de 1842, do cabra Domingos, pelo valor de 500$000
31
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 10, p.
54, 60v, 82v; n. 11, p. 27v; n. 12, p. 72v; n. 13, p. 16v, 74v, 78v,
99v, 110v, 135, 190; n. 14, p. 20, 26v; n. 15, p. 52; n. 16, p. 65v;
n. 17, p. 42; n. 17a, p. 24v, 41v, 42v, 75v; n. 19, p. 28, 29; n.
20, p. 63; n. 23, p. 75v.
32
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 13, p.
78v.
33
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 10, p.
31, 46.
114
réis
34
. Jerônimo aparece, também, em mais quatro compras em
momentos diversos
35
.
Além do procurador e vendedor, outras instigantes
referências aparecem nos três registros, junto com a
qualificação dos escravizados:
“[...] que fugitivo vagava pela fazenda Catinda do
Moura do domínio delle comprador...”
36
As formas de controle na propriedade de Bento José não
eram tão rígidas, pois esses três escravizados parecem ter
criado uma estratégia de mudança de trabalho, ou de garantia
de unidade e proximidade do grupo. A estratégia de fugir e
ficar próximo da propriedade de outro senhor indica uma
possibilidade de garantia de continuar próximo aos seus
amigos, evitando a quebra dos laços comunitários.
A atuação de um procurador já denuncia o absenteísmo. A
mãe de Bento José, Ignacia Francisca Freire, faleceu em 09 de
março de 1843, tinha feito seu testamento em 17 de março de
1841, deserdando sua outra filha. Provavelmente ela estava
doente ou precisando dos cuidados do filho em seu sítio Olho
D’Água, distante da Villa
37
.
34
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 13, p.
99 e 135.
35
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 14, p.
17v; n. 16, p. 51; n. 19, p. 41, 48.
36
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 13, p.
78v, 99 e 135 (pela ordem que aparecem no texto).
37
APEBA, Seção: Judiciária, Testamentos: Ignacia Francisca Freire,
ref. 03/1388/1857/02.
115
Existiam mecanismos de controle na própria sociedade como
a Resolução do Conselho Geral da Província mandando apreender
os escravos “q’sahissem fora da Cidade, Villas, e Povoaçoens”.
O Juiz João Alexandre de Andrade Silva e Freitas tinha dúvidas
sobre sua aplicação, comunicando-as em ofício de 15 de
fevereiro de 1830
38
. A principal dúvida era com referência a
como identificar se a pessoa era ou não escrava e no caso de
ser liberto:
A dispposição do d.º art.º 2 puramente recahe
sempre na hypothese de q’o aprehendido hé
escravo; mas não mostra o efficaz meio p’ onde
dêva, ou possa o Juiz attribuir q’esse
aprehendido he captivo, ou livre...
Como se conservarão pessoas prezas na Cadêa
pela simples prezumpção de serem captivas, sem
haver cabal certeza de captiveiro,
sustentando-as o Juizo, sem haver quem depois
pague essa dispeza?
39
Aproveitando-se da ausência de seu senhor, os três
homens, procuraram outras oportunidades fugindo e fixando-se
próximo do seu antigo local de moradia, evitando uma chamada
para perto de seu senhor, ausente da região, ou a venda em
separado para locais distantes uns dos outros.
38
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2430.
39
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2430.
116
O expediente utilizado pelos escravizados citados,
aproxima-se dos padrões de fugas-reivindicatórias citadas por
Eduardo Silva e João José Reis:
As fugas reivindicatórias não pretendem um
rompimento radical com o sistema, mas são uma
cartada – cujos riscos eram mais ou menos
previsíveis – dentro do complexo
negociação/resistência.
40
Essas fugas já eram esperadas pelos senhores e serviam
como uma advertência contra maus-tratos ou uma forma de
efetivamente garantir alguma conquista de autonomia relativa
já enraizada nos costumes entre o grupo de escravizados e os
senhores locais.
O mais instigante nesses casos foi a utilização do mesmo
expediente por pessoas diferentes em meses diferentes,
apontando um contato entre o grupo. Após a conquista do
desejado por um deles os outros seguiram os mesmos passos.
Estava garantida a continuidade da vida comunitária para esse
pequeno grupo.
No inventário de Manoel José Marques, falecido em
29/05/1866, Pedro, então com 50 anos, aparece arrolado entre
os 28 escravos. Outro escravizado, Lauterio, crioulo pardo
comprado por Manoel José em 1839, com 20 anos, aparece na
40
SILVA, Eduardo; REIS, João José. Negociação e conflito: a
resistência negra no Brasil escravista, São Paulo: Cia. das Letras,
1989. p. 63 passim.
117
relação com 46 anos, mas qualificado como mulato. Eleuterio,
como está registrado, vai conquistar a liberdade, em 03 de
janeiro de 1867, alguns meses após o falecimento de seu antigo
senhor
41
.
Um dos motivos da escolha de fugir e ficar vagando pela
Fazenda Caatinga do Moura parece estar na composição do
plantel explicitado no inventário: foram relacionados, além de
Pedro e Eleoterio, mais dois homens Mallaquias com 40 anos e
José de 30 anos, um homem de 80 anos, três meninos entre até
10 anos, perfazendo um total de oito homens. Todas as outras
vinte pessoas arroladas eram mulheres, uma com 60 anos, oito
com até 10 anos e onze entre 12 e 35 anos
42
.
Guilhermina, fusca do serviço de lavoura, no inventário
registrado como cabra, conquistou sua liberdade mediante o
pagamento de 620$000, um lucro de 20$000 réis para José Marques
de Carvalho, cabeça de casal de Maria Marques de Carvalho,
herdeira habilitada
43
. Além de todas elas, ainda pertencia a
Manoel a escrava Luiza, que conquistou sua liberdade em 1853
44
.
Os escravizados, no total de 10:525$000 réis, no
inventário de Manoel José Marques, não eram nem metade do
41
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 30, p.
70.
42
APEBA, Seção: Judiciária, Inventários, Partilha Amigável: Manuel
Jose Marques, ref. 02/619/1073/13.
43
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 35, p.
46.
44
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 22, p.
34.
118
valor avaliado só para as 1.150 cabeças de gado vacum de
criar, 23:000$000 réis. Foram arrolados, ainda, sete posses ou
metades de terra em várias Fazendas, todas próximas a Caatinga
do Moura; três engenhos cobertos de telhas, porém um
“detriorado”; uma roça no Bom Jardim; casas cobertas de telhas
na Fazenda Caatinga do Moura; uma no sítio do Rossado, parte
de morada e uma casa de morada por acabar, na Vila de
Jacobina
45
.
O expediente de fugir para garantir a permanência no local
escolhido pela pessoa escravizada, também foi utilizado por
Margarida, moça africana. No registro de Compra e Venda passado
por Carolina da Costa e Oliveira ao comprador Manoel Vaz de Góes,
está expresso: “escrava fugida para a Villa de Jacobina”
46
.
Margarida empreendeu uma fuga de mais de muitas léguas
com destino a Vila de Jacobina. E por que fez isto? A
explicação pode estar em outros registros de compra. Doze anos
antes, em 27 de janeiro de 1847, Manoel Vaz de Góes comprou
Joanna, africana, de “Dona Carolina da Costa e Oliveira
moradora na Villa Coml de Lençóis”
47
. Não foram encontrados
outros registros, mas é possível uma grande amizade entre as
duas escravizadas, surgida em outros tempos, ou até mesmo na
viagem, ou mesmo algum laço de parentesco que as unia.
45
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 22, p.
34.
46
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 25a, p.
50v.
47
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 19, p.
02.
119
Existem dois períodos de picos de registros de compras,
vendas e doações que são de 1839 a 1848, concentrando 50,4% do
total de transações com números expressivos de 225 (duzentos e
vinte e cinco) registros; e de 1855 a 1863, com 120 (cento e
vinte) registros (27% do total).
Nos registros de Compra, Venda e Doação, não existem
informações detalhadas sobre os compradores, somente seus
nomes foram registrados, porém em pesquisas nas Listas
Nominais dos Fogos de 1842
48
, Lista Geral dos Cidadãos
Qualificados Jurados pela Junta Revisôra para o anno de 1863
49
e na Lista dos Cidadãos Qualificados Votantes pela junta
Municipal da Villa de S. Antonio de Jacobina, para o ano de
1878
50
, foi possível identificar nominalmente 182 (cento e
oitenta e dois) dos compradores, ou seja 80,89% das transações
foram para compradores da região. A informação é bastante
pertinente, mostrando uma comercialização local dos
escravizados, neste primeiro período.
Se retirarmos 15 (quinze) mulheres não identificadas na
lista de fogos, teremos somente 28, (12,45%) das transações
feitas por pessoas não identificadas nas listas. Não estar
identificado na lista não representa não ser da região, pois
homens solteiros, mas ainda residentes com seus pais, podem
não estar na lista de fogos. As mulheres não estão nas listas
48
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2431.
49
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2434.
50
ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE JACOBINA (APMJ), Livro de
Qualificação dos Votantes (1878-1880).
120
de votantes e nem dos qualificados jurados, por impedimentos
legais.
O incremento no número de registros nos dois períodos
pode ser explicado pelo maior número de livros preservados,
mas fatores econômicos também podem ter afetado os negócios
sertanejos, propiciando este maior número de registros.
Tomando como base os estudos para Salvador, os dois
períodos citados encontram-se próximos a uma fase de
recuperação econômica, que vai de 1842 até 1865
51
.
A descoberta de diamantes na Chapada impulsionou a
economia da capital gerando novas oportunidades mercantis, com
negócios direcionados para a exportação deste novo produto
mineral. A documentação específica sobre Jacobina apresenta
informação sobre as descobertas de jazidas minerais na região.
Em oficio encaminhado em 20 de agosto de 1852 ao
Presidente da Província, o Juiz de Direito da Comarca, José
Antonio Rocha Vianna, informa:
Os produtos mineraes que há néssa Comarca são
n’este Municipio, e na Freguezia d’esta Villa ouro,
em qualquer parte, o ferro no lugar das Figuras em
abundancia, salitre na Tabúa e Jacaré, tem
51
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava em Salvador,
1811/1860. Salvador: Corrupio, 1988. p. 42 passim. Sobre economia
baiana no século XIX ver também ALMEIDA, Rômulo. Traços da História
Econômica da Bahia no último século e meio. Revista de Economia e
Finanças. Salvador, ano 4, v. 4, n. 4, p. 60-77, 1952.
121
aparecido diamantes na Freguezia do Morro do
Chapéo.
No Municipio da Villa Nova tem minas de ouro no
lugar dos Milagres, e, na cordilheira de Serras,
que ahi passa, tem aparecido tambem diamantes.
52
Portanto, mesmo sem a pujança do século XVIII, ainda
existiam muitos locais de mineração, conseqüentemente mineiros
necessitando de víveres para compor o ‘saco’ semanal
53
.
Encontrei, também, alguns documentos referindo-se à
instalação de novas criações de “gado cavallar” em lugares
impróprios, gerando uma postura para adequar os interesses de
todos
54
. Isto pode indicar uma retomada da criação de cavalos e
mulas para o trabalho direto nas minas ou transporte de
mercadorias para elas.
O aumento da exploração mineral necessitava de um
incremento da produção de víveres necessários à sobrevivência
dos trabalhadores das minas. Jacobina, como pólo produtor e
distribuidor de gado e outros alimentos, deve ter-se
beneficiado com isto, gerando a necessidade de novos braços
para os trabalhos nas propriedades rurais e também na cidade.
52
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2432.
53
Mantimentos necessários para uma semana de trabalho nas minas,
como era carregado em saco, ganhou esse nome.
54
APEBA, Seção: Colonial e provincial, série Governo, Câmara de
Jacobina, Maço 1328 (1837-1856).
122
Os registros apresentaram 134 (59,6%) pessoas adultas
sendo comercializadas; 57 (25,3%) registros foram de crianças;
trinta (13,3%) dos envolvidos eram idosos; e quatro (1,8%)
pessoas tinham entre 11 e 20 anos. Portanto, mais da metade
das pessoas escravizadas, envolvidas nas transações, eram de
indivíduos no auge da vida produtiva.
O segundo período de maior número de registros, de 1855 a
1863, parece estar ligado a fatores muito diferentes. Este
intervalo foi precedido de uma grande seca na região desde
1852.
Dos compradores para esse segundo período – 1855 a 1863 –
, foram reconhecidas noventa (75%) pessoas, doze foram
mulheres as negociantes (10%), e dezoito dos fregueses não
foram identificados, correspondendo a 15% dos registros de
compra, venda e doação do período.
Em justificativa ao presidente da província, de 19 de
fevereiro de 1858, dando conta das poucas remessas de gado
para o abastecimento da Capital e sobre a carestia dos
alimentos enviados, assim relata a Câmara de Jacobina:
Quanto ao 1
o
., he de parecer que a elevação dos
preços dos generos, tenha sido pela falta das
chuvas q’ a dois annos não produz regularmente;
sendo a farinha de mandioca a principal alimentação
da grande massa do povo.
Quanto ao 2
o
.; que tem havido diminuição na
produção dos gados, tanto pela imregularida [sic]
123
das chuvas, como por cauza da peste que a annos
percegue a criação.
Quanto ao 3
o
.; que a carestia se nota em todos os
lugares deste Município.
Quanto ao 4
o
.,; que as cauzas que concorrem para
carestia e diminuição, são as que ficão mencionadas
no segundo.
55
A crise na produção de gêneros com perda de safras e a
diminuição dos rebanhos pode ter levado a uma reestruturação
produtiva na região, causando um deslocamento da mão-de-obra
para outros setores da economia e, conseqüentemente, para
outros senhores.
Outra explicação plausível reside no aumento do preço dos
gêneros de primeira necessidade, provocando o aumento do custo
de manutenção dos escravizados, levando, assim, os senhores
menos abastados a se desfazerem de seus escravizados menos
produtivos. Estas conclusões são baseadas no acúmulo de
doações, neste período, dezenove ao todo, principalmente de
crianças e jovens – realizadas por parentes mais velhos, tias
e avós em sua maioria.
Foram registradas vendas de quarenta e sete crianças até
dez anos; dezesseis pessoas com idades entre 11 e 20 anos;
oito idosos; e um escravizado aleijado, perfazendo um total de
55
APEBA, Seção: Colonial e provincial, série Governo, Câmara de
Jacobina, Maço n. 1328 (1857-1882).
124
setenta e duas (60%) do total de cento e vinte pessoas
registradas com valores.
As pessoas mais citadas no total dos registros de
negociações foram: José Theodoro Jacobina, figurando em sete
vendas, uma doação e quatro compras; Justiniano Cezar
Jacobina, apareceu em quatro vendas e cinco compras; Manoel
Joaquim de Carvalho, inscrito em quatro vendas, duas doações e
sete compras; José D’Antas Bento Coelho, incluído em cinco
vendas, quatro compras e duas vezes como doado
56
; José
Rodrigues Costa do Brasil, registrado em quatro vendas e cinco
compras; e Guilhermino Soares da Rocha, em cinco vendas e nove
compras.
Algumas pessoas apareceram muitas vezes em registros de
compras, mas não nas de vendas, como: Eduardo Dias de Moraes,
inscrito em cinco registros; Carlos Lopes Cezar, com seis
compras; o vigário Theotonio Barboza Miranda, com dez compras;
e Francisco Annes Barboza, com treze compras e nenhuma venda.
Todos eles tinham em comum não comprarem mais de dois
escravizados da mesma pessoa. Este padrão me levou a pensar
neles como ligadas ao tráfico dentro da própria região ou
província, porém, no próprio conjunto de Registro de Compra,
Vendas e Doações, esta idéia já não se sustenta e não se
dispõe de outros documentos para tal comprovação.
56
doado é o termo jurídico para designar aquele que recebe uma
doação.
125
Carlos Lopes Cezar, aparece como parte interessada no
Inventário de Fabriciano da Rocha Cezar, em 1866, e de Galdina
Cândida da Rocha Cezar, em 1847. De Theotonio Barboza Miranda,
localizei o inventário e o testamento no ano de 1870.
Francisco Annes Barboza também era da região, tendo seu
inventário realizado em 1861. Só aparece como vendedor em
quatro registros, um em 1839, dois em 1847 e um em 1857.
Carlos Lopes César foi casado com Galdina Cândida da
Rocha César falecida em 08 de setembro de 1844
57
. No
inventário, foram arrolados oito escravizados, sendo:
Francisco, cabra, mais ou menos 50 anos; Luiz, africano,
velho; Joaquim, cabra, 15 anos; Claro, cabra, 13 anos;
Rogério, pardo, 4 anos; Elena, parda, 24 anos; Maria,
africana, velha; e Ignez, parda, sem indicação de idade. Maria
foi comprada em 1843, por 200$000 réis e revendida em 12 de
outubro de 1847, para Maria do Nascimento, por 150$000 réis
58
.
Theotonio Barboza Miranda, apesar de aparecer em dez
registros como comprador, só foi vendedor em alguns
documentos: comprou Theodoria em 05 junho de 1844, de Carlos
da Silva Cardozo, por 400$000 e a vendeu para Joaquim da Silva
Cardozo, em 17 de outubro de 1844, pelo mesmo valor
59
; comprou
ainda Belchior, em 26 de março de 1856, de Anna Roza Candida
57
APEBA, seção: Judiciário, Testamento e Inventários, ref.
03/1086/1555/07.
58
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 13, p.
190; e Livro, n. 19, p. 50.
59
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 16, p.
14v ; e Livro, n. 16, p. 33.
126
do Rego, por 770$000 e o revendeu em 08 de janeiro de 1859,
para Antonio de Paula Montenegro, por 1:000$000 réis
60
.
As mulheres apareceram muito mais como vendedoras do que
como compradoras, e a maioria vendeu um ou dois escravizados.
Uma parte delas citadas como viúvas, sendo raras as inscritas
como compradoras de dois ou mais escravizados. Isto leva a
crer na desarticulação das propriedades produtivas
remanescentes de casais separados pela morte, vendendo-se
tanto a propriedade como os meios de produção, os escravizados
e os equipamentos. A única exceção foi Maria da Glória, filha
de Manoel Fulgencio de Figueiredo, aparecendo como compradora
em três registros, além de receber duas doações.
2.2 O TRÁFICO NAS PROCURAÇÕES
Nos livros de registros, existem também os assentos das
procurações para venda de escravizados fora da vila e comarca.
Estes documentos também são formas de cercear a autonomia dos
escravizados, funcionando como uma espécie de castigo para o
escravizado rebelde, pois o tirava do convívio comunitário
construído.
60
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 23, p.
74; e Livro, n. 25a, p. 24v.
127
Foram identificados 123 (cento e vinte e três) casos de
escravizados ou procuradores diferentes nessa documentação,
entre 1875 e 1887. Algumas pessoas escravizadas aparecem mais
de uma vez em registros diferentes. Existem procurações
explicitando o local e, em seguida, a expressão “e outras”,
embora juridicamente isto pudesse ser contestado, é como está
registrado na documentação.
Quadro 9 - Número total de escravizados
envolvidos em procurações (1875-1887)
Ano Escravizado
s
1875 15
1876 05
1877 04
1878 12
1879 10
1880 49
1881 06
1882 11
1883 05
1884 01
1885 02
1886 02
1887 01
Total 123
Fonte: APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de
Jacobina. (ver relação nas referências).
Entre os vários procuradores nomeados, encontrei o sr.
Eduardo Dias de Moraes, qualificado como negociante, sendo
mencionado com poderes para qualquer tipo de negociação para a
Cidade da Bahia, sobre seis escravizados de cinco
proprietários diferentes.
Alguns escravizados apareceram mais de uma vez em
registros diversos, denotando uma falta de interessados na
compra do escravizado, ou a falta de atributos ou, ainda,
algum outro motivo não especificado nos registros.
128
Apareceram, também, negociantes especializados no comércio
de “carne humana” da Corte do Rio de Janeiro, em várias
procurações aparecem grupos de procuradores: Vasconcellos
Espinola e Cia, Augustos de Vasconcellos de Bitencourte e
Benvindo de Souza Moura; Domingos Alves Guimarães Cutia, Amaral
e Sancto, Bastos e Souza, e Duarte Fonceca e Companhia;
Euclides José Ramos e Cia. e José Moreira Velludo. A atuação
deste último ficou notória em livro de Sidney Chalhoub
61
.
Com a proibição do tráfico internacional de escravizados
em 1850, mas sistematicamente desrespeitada até pelo menos o
final daquela década, setores da economia dependente do
trabalho escravo, principalmente os plantadores de café em
expansão no Sudeste, foram levados a equacionar o problema da
mão-de-obra no Brasil. Enquanto o debate acirrava-se, os
preços dos escravos subiam.
O fluxo das transferências interprovinciais de
escravizados e dentro das próprias províncias cresceu muito
depois da efetivação da Lei de 1850, alimentado pela crise nos
setores produtivos do Nordeste, principalmente o açucareiro,
pois a mão-de-obra migrava para setores produtivos novos, com
maiores investimentos.
Os donos das propriedades rurais, e mesmo alguns da
cidade, viam na venda de seus escravos ociosos uma forma de
61
CHALHOLB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas
décadas da escravidão na corte. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. p.
43 passim; e p. 161 passim.
129
diminuir os prejuízos. Talvez esta tenha sido a lógica pensada
pelos senhores da região outorgantes das procurações: vender
seus escravos pelo melhor preço possível, não importando onde.
Quadro 10 – Procurações outorgadas
por local de poderes concedidos (1875-1887)
Local dos Poderes concedidos
Cidade
da BAHIA
Cidade da
Cachoeira
Cidade de
Feira de
Sant’Anna
Província
Bahia
Ano
REGIÃO
ou
t
Só ou
Ou
t
Ou
t
Corte Do Rio
de Janeiro
Império
Totais
1875 4 3 2 2 4 15
1876 1 3 1 5
1877 1 3 4
1878 8 1 2 1 12
1879 3 1 1 4 1 10
1880 26 4 1 11 1 2 4 49
1881 3 3 6
1882 3 8 11
1883 4 1 5
1884 1 1
1885 2 2
1886 1 1 2
1887 1 1
35 4 4 4 2 1 21 1 Totai
s
37
39 8 3 22
9 5
12
3
Fonte: APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina.
O quadro mostra uma forte concentração de procurações
estabelecidas com poderes para a Cidade do Salvador, com
trinta e nove outorgas; em segundo lugar, para a própria
região, com trinta e sete; em terceiro, para a província da
Bahia, com vinte e duas; depois, para a Corte, nove; cidades
de Cachoeira e Santo Amaro, com oito; para todo o império com
cinco; e por último, para Feira de Santana, com três.
Alguns senhores passavam procurações para várias pessoas
e locais diferentes, como Raymundo José Ferreira, morador da
130
Freguesia da Saúde, que instituiu seis procurações. Uma foi
para instituir o Capitão Pedro Barreto de Araújo e Ricardo
Barreto de Araújo, seus procuradores na Freguesia de Santo
Antônio das Queimadas, com poderes para negociarem a venda de
Cypriano, preto de quarenta anos, solteiro, natural de
Jacobina, filho de Joanna, profissão vaqueiro,
em 05 de março
de 1884
62
.
As negociações eram lentas arrastando-se por vários meses
até serem concluídas com êxito. Outra possibilidade era a de
o(s) procurador(es) ficar(em) de posse do escravizado. Este
trabalho propiciava ao outorgado auferir ganhos extras na
transação. No dia 12 de janeiro de 1885, Raymundo José volta
ao cartório para passar nova procuração para Ricardo Garcia de
Araújo, com poderes para apenas assinar escritura de venda de
Cypriano, na Freguesia de Queimadas, termo da Vila Nova da
Rainha, BA
63
.
Nas outras duas procurações, as possibilidades de mudança
na vida de dois escravizados ficaram expressas. Victorino,
preto, solteiro, com onze anos de idade, filho de Maria, e
Vicente, também preto, solteiro, com quinze anos de idade,
filho de Ritta, ou foram negociados na Cidade da Bahia, sob
responsabilidade da Rocha Reis e Companhia ou foram para a
Corte do Rio de Janeiro sob responsabilidade de Domingos Alves
62
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 40, p.
40v.
63
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 38, p.
25.
131
Guimarães Cotia, Amaral e Sanctos, Bastos e Souza, e Duarte
Fonceca e Companhia. As duas procurações foram feitas no mesmo
dia 12 de abril de 1880. Isto indica a existência de uma rede
bem articulada para negociação de escravizados, com
possibilidades de comercialização em lugares diferentes
64
.
As outras duas procurações foram concedidas a Antonio
Ferreira Dias e Galdino Cezar de Moraes, com poderes para
negociação na Vila de Santo Antônio de Jacobina. Uma tem a
mesma data de 12 de abril de 1880, envolvendo Ritta, fusca,
escrava solteira, filha de Joanna, e seus quatro filhos:
Alexandrina, fusca de onze anos, João, ingênuo, Joaquim,
ingênuo e Maria, ingênua
65
.
A outra é de 12 de julho de 1880 envolvendo Bárbara,
preta, 28 anos, solteira, do serviço de lavoura, e acompanhada
de cinco filhos ingênuos Catharina, Thereza, Joaquina,
Alexandre e Benedicto; e também a escravizada Josepha, preta,
dez anos, solteira, igualmente filha de Bárbara. Os outorgados
foram Antonio Ferreira Dia e Galdino Cezar de Moraes, com
poderes só na Vila de Jacobina
66
.
Nas duas procurações, ficou enunciada a obediência ao
decreto n. 1695 de 15 de Setembro de 1869, que estabelecia:
64
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 40, p. 2
65
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 40, p.
2, 2v.
66
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 38, p.
13.
132
Art. 2
º
Em todas as vendas de escravos ou sejam
particulares ou judiciaes é prohibida, sob pena de
nullidade, separar o marido da mulher, o filho do
pai ou mãi, salvo sendo os filhos maiores de 15
annos.
67
O dispositivo acima também fez parte da chamada Lei do
Ventre Livre, nº 2.040 de 28 de setembro de 1871, estando em
seu parágrafo 5º a seguinte redação:
No caso de alienação da mulher escrava, seus filhos
livres, menores de doze anos, a acompanharão,
ficando o novo senhor da mesma escrava sub-rogado
nos direitos e obrigações do antecessor.
68
Ficou também expresso, nas procurações, como funcionavam
as vendas: para atender ao mercado regional de escravizados
eram oferecidos ou o especialista em trabalhos especificamente
regionais, como o vaqueiro, ou pessoas com conhecimentos na
agricultura regional, mulheres e seus filhos, para serem
utilizados na produção de víveres para subsistência ou
voltados para o mercado interno regional.
A compra de escravizados jovens e mulheres, no sertão,
também serviu de investimento, para salvaguardar algum bem,
67
Conforme transcrito em carta do Juiz de Órfãos de Jacobina, Luiz
Rodrigues Nunes, de 19/02/1870, APEBA, Seção: Colonial e Provincial,
fundo: Juízes, Maço: 2435.
68
BAHIA, Governo do Estado da. IRDEB - História e Cultura. Lei do
Ventre Livre. Bahia História e Cultura - Disponível em:
<http://www.irdeb.ba.gov.br/bahiahistoriadocVentreLivre.htm>. Acesso
em 11 de dez. 2004.
133
considerando as cíclicas crises baianas, com a vantagem de
utilização dos serviços enquanto o jovem crescia.
Para o mercado da Cidade do Salvador ou da Corte do Rio
de Janeiro, eram encaminhados, como escravizados, homens
jovens e vigorosos, com possibilidade de adaptação tanto aos
trabalhos domésticos como aos citadinos ou mesmo na função de
ganhador, como, ainda, nas lavouras de café do Sudeste em
expansão.
Os senhores outorgantes das procurações de vendas de
escravizados procuravam proteger seu capital de um futuro cada
vez mais próximo, quando acabaria de vez a escravidão.
Apostavam na já anunciada morte desse comércio cada vez mais
restrito pelas várias leis, resoluções e tributação. Depois da
Lei de 1851, abolindo o tráfico internacional, a Lei n. 2.040,
de 28 de setembro de 1871, foi a mais temida pelos senhores de
escravos, por estabelecer a gradual abolição do
elemento
servil
.
Ela veio atender às várias reivindicações e pressões do
movimento abolicionista, pois tratava em vários aspectos da
liberdade dos cativos, incluindo a garantia do ventre livre e
reconhecendo o direito ao pecúlio, um expediente já utilizado
largamente, para compra da própria alforria, tirando do senhor
a prerrogativa da libertação. Segundo Sidney Chalhoub a lei
foi uma conquista dos escravizados:
O texto final da lei de 28 de setembro foi o
reconhecimento legal de uma série de direitos que
os escravos haviam adquirido pelo costume e a
134
aceitação de alguns objetivos das lutas dos
negros.
69
A Lei também não descontentava de todo os senhores,
garantindo o recebimento do valor do escravizado, e também
assegurava o direito à propriedade e, em tese, à escravização,
pelo menos naquele momento. Ela também instituiu um fundo
destinado à manumissão de escravizados, composto pela
arrecadação de partes de vários impostos.
Existem procurações também para pessoas especializadas no
recebimento de valores devidos aos poderes públicos, tais como
salários, ressarcimento de taxas e outros. Entre elas,
encontrei várias para recebimento dos valores das cartas de
liberdade passadas pelos juízes de Órfãos na qualidade de
presidente do Fundo de Emancipação:
[...] por virtude do Artigo quarenta e dous do
Regulamento que baixou com o Decreto numero cinco
mil cento e trinta e cinco de treze de Novembro de
mil oito centos setenta e dous.
70
A resolução citada acima, 5.135, de 13 de novembro de
1872, regulamentou as regras de utilização do Fundo de
Emancipação para a libertação dos escravos. Nela foram
reeditadas as disposições da obrigatoriedade de matrícula para
uma classificação das pessoas a serem alforriadas.
69
CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade..., op. cit., p. 159.
70
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 36, p.
46.
135
Nos textos das procurações, aparecem os critérios
estabelecidos pela classificação acima citada, para elaboração
das listas exigidas. Das seis pessoas ex-escravizadas citadas
nas procurações, todas eram casadas com pessoas livres e foram
apresentados seus antigos números de matrícula.
Eram cinco homens, todos ligados às atividades rurais,
quatro “da lavoura” e um vaqueiro; e uma mulher cozinheira. A
idade dos homens variava de 24 a 66 anos e a da mulher era de
49 anos. Todos foram qualificados como de “boa aptidão”. Dois
homens foram qualificados como pretos, dois como pardos e um
como fusco, sendo a mulher qualificada como preta.
Conforme Ato do Governador, em 10 de junho de 1876, foi
destinado para Jacobina um total de 4:124$626 réis. A soma das
procurações relatando essas conquistas de liberdade no ano de
1876 chegou a 2.860$000, portanto restou um montante de
1.264$626 réis para a comissão local do Fundo distribuir no
ano seguinte. Foram encontradas outras procurações, porém
esporádicas, ao longo do tempo, de mulheres casadas com homens
livres e, finalmente, de crianças de pais livres ou libertos.
Foram libertados pelo Fundo de Emancipação, em audiência
de 18 de abril de 1881, seis pessoas: Os três filhos de
“Benedicta, liberta, casada com Benedicto, já liberto na 1ª.
Distribuição”; Valentina, por R
e
460$000, de 19 anos; e Benta,
por R
e
450$000, 17 anos, pertencentes a Maria Izabel de
Carvalho, e José, por R
e
600$000, 13 anos de Cândida Angélica
Rego; Felix, 48 anos, casado com mulher livre, por R
e
700$000,
de Francisco Felix Vieira; e João, de Felicia Martiniana da
136
Encarnação, casado com mulher livre, 28 anos de idade, por R
e
800$000
71
.
Formalmente, essas famílias agora podiam ficar juntas.
Mas, pelos indícios apresentados no conjunto dos documentos,
eles já partilhavam uma vida comunitária e familiar, muito
antes desta formalização.
Na audiência para distribuição da sexta cota do Fundo de
Emancipação, em 30 de abril de 1885, foram passadas as cartas
de liberdade para: Maria da Felicidade, casada com homem
livre, de 42 anos, com filhos ingênuos, classificada na junta
anterior, por R
e
350$000; João, casado com mulher livre, de 34
anos, com filhos menores, por R
e
480$000; Antonio, 45 anos,
casado com mulher livre e com filhos menores, por R
e
520$000;
Josépha [sic], 18 anos, casado com mulher livre e sem filhos,
por R
e
500$000
72
.
Os juízes tinham um árduo trabalho, equacionar os valores
recebidos, com a classificação na ordem da lei e, ainda,
convencer os senhores a aceitar os valores. Isto tudo
acontecia em uma audiência especialmente marcada. Como se nota
nas procurações, o Estado não cumpria sua parte, deixando de
pagar aos senhores, tornando o trabalho do juiz ainda mais
penoso.
71
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2437,
Quadro de emancipação pelo Fundo 1881.
72
APEBA, Seção: Colonial e Provincial, fundo: Juízes, Maço: 2437,
Mappa da audiência do Fundo de emancipação 1885.
137
Por esses dados, nota-se a diminuição dos valores de uma
distribuição para outra, e, quanto mais próximo de 1888,
menores são os valores.
Capítulo 3
A CONQUISTA DA LIBERDADE
139
A CONQUISTA DA LIBERDADE
Em 27 de abril de 1858, Anna Gertrudes Theodolina
Botelho, através de seu procurador Francisco Luciano Coelho,
inicia uma ação para anular a carta de liberdade de cinco
pessoas: José, Benedicto, Luiz, Benedicta e Rosalina.
Nas alegações iniciais, ela argumenta:
Provará que de vinte cinco de Agosto de mil
oitocento e cincoenta e cinco em diante, epocha em
que ella Authora e seu marido levados por espirito
de caridade passarão uma carta de liberdade
condicional aos réos, estes se auzentarão logo de
casa gabando-se que erão fôrros e livres e jamais
quiserão tornar a servir a ella Authora e dar-lhe
obediencia de escravos, a despeito de todos os
meios brandos que para isso empregou [...]
1
As justificativas da senhora mostram o significado de
desobediência e de liberdade: não prestarem os serviços para a
ex-senhora, vangloriar-se da situação de liberto e, o mais
importante, ausentarem-se.
1
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA (APEBA), Seção: Judiciário,
série: Libelo Cível, ref. 41/1456/4.
140
Nos Termos de Contrariedade, estão expressas as
justificativas dos escravos:
Provarão que os Reos ainda depois do fallecimento
de seo Patrono servio a Authora sua Patrona até que
ella vendêo a Fazenda – Olho d’Agoa, em que morava
na Freguezia da Saude, e mudou-se para esta Villa.
Provarão que os Réos nunca deixarão de ser
obediente a Authora sua patrona; pois que o terem-
se auzentado de sua companhia foi effeito do mêdo
de serem vendidos, e não des obedecia.
2
Todas as testemunhas arroladas confirmam as alegações de
desobediência, inclusive uma delas fala de uma solicitação da
senhora para os libertandos comparecerem à presença da
senhora, lida para todos os escravos pelo inspetor do
quarteirão. Eles alegaram ir lavar roupas para apresentarem-se
e nunca apareceram.
Em 22 de novembro de 1858, o juiz profere a sentença,
anulando a carta de liberdade. Em 07 de março de 1859 A
liberta Quiteria Francisca Freire, mãe de Benedicto, entra com
o pedido de apelação, mesmo decorrido o prazo legal,
justificando só ter tido essas notícias naquele momento, pois
vivia longe da Vila de Jacobina, na capital da província e “da
estimação em que cada hum póde ter sua liberdade”. O juiz
aceita as alegações de Quitéria, contrariando todas as regras
de procedimentos judiciais.
2
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 41/1456/4.
141
Ela produz novas provas, consegue alvará de soltura para
todos os homens envolvidos, as mulheres nunca chegaram a ser
presas, mas não fica evidente no documento se por estarem
evadidas ou se por força de um acordo com a ex-senhora.
No final, a carta é confirmada com sua cláusula de
servidão até a morte da proprietária, e os escravizados
obrigados a jurarem obediência à senhora, porém conseguem
permanecer juntos e na área de terras gerida por eles mesmos.
Além disso, o processo mostra a liberta Quitéria como uma
pessoa bastante articulada e sabedora dos trâmites legais,
pois foi pessoalmente com um advogado solicitar a apelação.
Moveu pessoas conhecidas para testemunhar favoravelmente
e, mesmo longe, conseguia enviar os documentos exigidos nos
prazos legais estabelecidos. Compareceu ao Tribunal de
Relação, com seu advogado. E ainda, se mostrou uma boa
negociadora, pois deve ter sido ela que convenceu Anna
Gertrudes a desistir de abrir outro processo solicitando o
recurso de parte da sentença, provavelmente a parte que
confirma a carta de liberdade condicional
3
.
Isso tudo deixa claro o que era liberdade para aquelas
pessoas: era poder ir aonde quisessem, trabalhar para quem
quisessem e no momento em que quisessem. As próximas páginas
serão dedicadas às cartas de liberdade.
3
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 26/921/14.
142
3.1 POUCOS REGISTROS, MUITAS HISTÓRIAS
Os Livros de Notas também são outro conjunto de
documentos trazendo importantes dados e informações sobre os
escravizados da região das Jacobinas: as Cartas de Liberdade.
Este tipo de documento, sem dúvida, era o de maior importância
para a vida dos escravizados.
Vejamos os registros de Cartas de Liberdade de Morro do
Chapéu, na região de maior percentagem de escravizados em sua
população, no levantamento de 1856, já apresentado
anteriormente.
Os números são eloqüentes e podem exprimir
particularidades regionais importantes, instigando pesquisas e
revelando dados novos. Utilizando as proporções de porcentagem,
eles passam a ter um poder de persuasão ainda maior. Servindo-
me dos registros de Cartas de Liberdade da cidade de Morro do
Chapéu, preservados no Livro A, guardado no Primeiro Cartório
do Fórum da cidade, mostrarei um pouco desse fascínio.
Desses registros, 13,33% não apresentaram origem nem cor.
Do total com registro de origem e cor, apenas 7,69%
apresentaram as duas classificações, 30,77% apresentaram
apenas cor e de 61,54% foi registrada origem. Dos registros
com especificação de cor, 60% foram qualificados como pardos.
Daqueles assinalando apenas origem, 88,88% foram qualificados
como crioulos e apenas 11,12% eram africanos.
143
Como nos outros conjuntos de documentos sobre Jacobina,
os africanos tinham pouca expressão, numérica, no conjunto da
população de escravizados.
Quanto ao sexo, 80% das pessoas conquistando a liberdade
eram mulheres, contra 20% de homens. As crianças e jovens
representaram 40% dos libertandos. Entre as pessoas do sexo
masculino, as crianças e jovens representaram 33,33%, e, entre
as de sexo feminino, 41,66% eram da faixa etária de 0 a 20
anos.
Mesmo considerando que os dois últimos parágrafos foram
apenas um pequeno exercício introdutório e não uma análise
estatística aprofundada, apesar de diminuto, este conjunto
possibilita saber um pouco mais sobre as lutas e estratégias
de conquistas de liberdade, em Morro do Chapéu.
O tempo foi bastante cruel para com essa documentação e
só foi preservado o Livro A, contendo registros de 1837 a
1848, graças à utilidade dos outros conjuntos de registros. No
momento da pesquisa, o oficial do cartório recebeu um pedido
de certidão de registro de escritura exatamente do livro
utilizado.
A conquista da liberdade foi mediante pagamento em 7
casos, correspondendo a 46,66%. Faustina, qualificada como de
cor clara, com 40 anos, pagou a menor quantia registrada, no
valor de 102$000. O maior valor, 400$000 réis, foi
desembolsado por João, africano, em 26/11/1842. A média geral
foi de 251$142 réis, sendo que a média encontrada para os
144
homens foi de 315$500 réis e para as mulheres, de 225$400
réis, cobrindo um período de 1841 até 1847. Para estes anos,
existem inúmeros registros de cartas com valor expresso.
Comparando os valores das conquistas de liberdade com os
encontrados por Maria José de Souza Andrade, observa-se o
enquadramento de Faustina no grupo “maior com ofício sem
doença”, na tabela elaborada pela pesquisadora, sendo a média
obtida de 190$000, ou seja, a libertanda despendeu pouco mais
da metade do valor vigente em Salvador, no mesmo ano de 1842
4
.
Comparando com o valor de 328$750, média coletada nos
Registros de Compras, Venda e Doações para Jacobina
5
, para a
mesma faixa etária de Faustina e ano, ela pagou menos de um
terço do valor obtido para a região. A proximidade com seu
senhor desde muito tempo, ela foi deixada de herança para
Francisco de Paula Fideliz, e a “gratidão pelos serviços
prestados”
6
, podem explicar essa diferença do valor
encontrado.
A menina Joanna, crioula, sete anos, conquistou sua
liberdade pagando 200$000 réis. Na carta, existe apenas a
citação de “falecimento dos donos anteriores”
7
. O valor obtido
pela profª. Maria José Andrade, para a mesma faixa etária, foi
4
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava em Salvador,
1811-1860. Salvador: Corrupio, 1988, Tabelas 10, 10.1, 11, 11.1, p.
207-214.
5
ver nos anexos.
6
FÓRUM MUNICIPAL DE MORRO DO CHAPÉU (FMMC), Livro A, p. 132
7
FMMC, Livro A, p. 138
145
de 176$666 réis
8
, ou seja, pagou um sobrevalor de mais de 13%.
Para o mesmo ano e faixa etária obtive, nos registros de
Venda, Compra e Doações, a média de 260$000 réis, ou seja, ela
desembolsou 30% menos que a média de valor obtido para
Jacobina.
O valor registrado na carta de liberdade do africano
João, 400$000 réis, em 26 de novembro de 1842, para sua
senhora Tereza de Jesus Maria
9
, foi maior que o obtido por mim
nos Registros de Compras, Venda e Doações para Jacobina e na
Tabela de Maria José Andrade
10
. O valor parece refletir uma das
condições impressas na carta, mas estas não ficam de forma
nenhuma esclarecidas no documento, nem existe qualquer pista
para sua solução. A condição expressa foi: “serão libertos os
filhos de Felippe”. Quem era Felippe? Um parente, amigo ou
compadre? A proximidade de um pequeno núcleo urbano
possibilitava um registro assim, sem os nomes ou qualquer
indicativo das pessoas envolvidas. Ou será uma forma de burlar
a lei e deixar os “filhos de Felippe” na mesma condição de
escravizados? Não encontrei nenhuma pista nos outros conjuntos
de fontes para ajudar na elucidação deste caso.
Os casos de maior e menor valor foram registrados no ano
que concentra o maior número das liberdades, 1842, com quatro
8
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava..., op. cit.,
p. 207-214.
9
FMMC, Livro A, p. 191.
10
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava..., op. cit.,
p. 207-214.
146
registros (26,66%), em Morro do Chapéu. Quatro também foi o
número de casos, nos quais a liberdade foi conquistada com a
condição de servir em vida, não tendo nenhum caso com
pagamento, e condição de servidão.
Os valores das mulheres apresentam números muito
discrepantes. A menina Joanna, crioula, cor cobre, de sete
anos, conquistou sua liberdade pelo valor de 200$000 réis,
enquanto o preço pago por Faustina, cor clara, de quarenta
anos, foi de 102$000 réis, ou seja, quase a metade.
Isso parece refletir uma tendência, para a região, a
valorização das mulheres jovens com mais anos de trabalho
produtivo pela frente, além de poder tornarem-se reprodutoras.
Os valores também podem refletir outras
nuances
como a
intimidade construída entre os envolvidos nas cartas.
Outros motivos de conquista da liberdade também são
expressos nesse conjunto de Cartas, tais como: bons serviços,
ou motivo semelhante como gratidão pelos muitos anos de
serviços prestados; amor de criação; presente de casamento da
escrava; ou o senhor recebeu outra escrava no mesmo valor.
Esses motivos instigam novos olhares sobre as relações
entre escravizados e senhores. Existe um registro, de 01 de
janeiro de 1843, no qual a escravizada, o nome está ilegível,
de dezessete anos, crioula, conquista sua liberdade como
147
presente de casamento de seu senhor, José de Souza de
Carvalho
11
.
Essa conquista parece-me embasada em uma relação de
íntima proximidade construída entre a escravizada e a família
do senhor, pois ficou estabelecida a condição de a libertanda
continuar servindo na casa da família.
O amor também foi o motivo da conquista da carta de
Liberdade de Arcangila, crioula, de três anos de idade,
registrada em 26/06/1841. Sua senhora, Eugenia da Silva Lemos,
deixou, de alguma maneira, expresso seu amor e a menina recebe
do senhor José de Souza Bispo a carta, “como premiação pelo
falecimento da mulher Eugenia [...] que tinha muito amor pela
escrava”
12
.
A menina foi entregue a Antonio, escravo do Alferes
Antonio Ferreira, encarregado de sua criação. Esta
possibilidade leva a pensar na existência de grupos afro-
brasileiros de parentesco ou convivência envolvendo
escravizados de diferentes senhores.
Os laços eram extremamente fortes, possibilitando a saída
da menina da casa de seu ex-senhor para viver com outras
pessoas. Qual será o grau de parentesco entre a menina e
Antonio? Se não eram parentes, quais seriam seus elos? Estes
questionamentos ficaram sem respostas.
11
FMMC, Livro A, p. 216
12
FMMC, Livro A, p. 120
148
Foi possível ao menino Candido também construir uma
relação de trocas sentimentais intensas com sua senhora,
Thereza Jesus Maria, levando à conquista de sua liberdade e a
de sua mãe Clara, crioula, em 16 de fevereiro de 1838
13
.
Esse amor ficou expresso nesse documento ambíguo, pois
apesar de enunciar em seu bojo a condição de propriedade do
senhor, enquanto concedente da liberdade, sobre o escravizado,
este passava a ser devedor desse favor pelo resto de sua vida
ao senhor ou senhora, expressa também formas surdas de
resistência dentro do sistema escravista, às vezes construída
com cuidados e carinho.
A própria carta de liberdade pode ser pensada como uma
instituição que explicita o caráter contraditório da escravidão
moderna e o paternalismo senhorial. O senhor considerava-se o
dono do escravizado, portanto a liberdade era uma dádiva, para
ele. O escravizado usava todos os recursos disponíveis para
conseguir sua alforria, e neste sentido, ela era uma conquista.
O desenvolvimento do paternalismo no Velho Sul,
isto é, o desenvolvimento de um senso de direitos e
deveres recíprocos entre senhores e escravos,
implica num consideral espaço de vida, no qual os
escravos pudessem criar família estáveis,
desenvolver uma rica comunidade espiritual e gozar
de conforto físico.
14
13
FMMC, Livro A, p. 38
14
GENOVESE, Eugene D., 1993, apud RIBEIRO JÚNIOR, Florisvaldo Paulo.
De batuque e trabalhos: resistência negra e a experiência do
149
A lógica da carta de liberdade apresentava mais claramente
essa contradição baseada na mentalidade do sistema. A
possibilidade de liberdade levava o escravizado a uma postura
mais obediente e dócil perante o senhor. Por outro lado, esta
possibilidade também gerou novas formas de convivência e
alianças no sentido de garantir a conquista da liberdade
15
.
Para conquistar a liberdade, todas as possibilidades
oferecidas pelo escravismo eram usadas, como no caso da menina
parda Eremaria, de 12 anos, oferecendo como pagamento de sua
liberdade outra pessoa, Maria Clara, em registro de 13 de
abril de 1838
16
.
É incitante, esse documento revelando a lógica da
escravidão moderna ocidental, pois uma menina de doze anos
conseguiu recursos para comprar uma outra pessoa escravizada.
Isto reforça, também, a escravidão como sistema. Como em casos
anteriores, existe a possibilidade do concurso dos pais,
parentes, padrinhos ou amigos terem ajudado, mas isto não
ficou expresso no documento.
Em outros, o sistema é questionado, como na Carta de 05
de maio de 1842, da menina Joanna, de sete anos, crioula, cor
cobre, pela qual, após o falecimento de seus antigos senhores,
cativeiro – Uberaba, 1858-1901. 2001, 192 f. Dissertação (Mestrado
em História Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2001. p. 53.
15
LARA, Silvia Hunold. ‘Blowin’ in the Wind: E. P. Thompson e a
experiência negra no Brasil: Projeto História, São Paulo, n. 12,
out. 1995.
16
FMMC, Livro A, p. 49.
150
conquista sua liberdade mediante o pagamento do valor de sua
avaliação, 200$000 réis, após ser destinada como parte da
herança de José Pedro de Souza.
3.2 OS VALORES DAS CONQUISTAS
Os registros de cartas de Liberdade de Jacobina
apresentaram um conjunto de 502 pessoas conquistando sua
liberdade das mais variadas formas, entre 1807 e 1887. Os
detalhes sobre as pessoas envolvidas nestas cartas são poucos
e esparsos, assim como as qualificações apresentam desafios
metodológicos para o pesquisador envolvido com este conjunto.
Optei por trabalhar com as classificações apresentadas nos
documentos, inclusive mantendo a grafia, questionando-os na
medida do possível.
O caráter de concessão feita pelo senhor da carta de
alforria foi contestado por pesquisas específicas com esse
tipo de fonte. Enidelce Bertin chama a atenção:
Os escravos conheciam os meios de obter a liberdade
e, quando podiam, os usavam, embora nos documentos
151
isso desapaeça para apenas se enaltecer a atitudo
dadivosa dos senhores.
17
Por exemplo: o conjunto apresenta alguns registros de
pessoas, que possibilita saber sua origem. Aparecem
explicitamente grafados africanos de várias partes do
continente: Angola, Auça, Gege, Mina e Ussa (Haussá).
Também aparecem registros com qualificações sabidamente
utilizadas para designar escravizados nascidos no Brasil,
classificação confirmada pela idade, pais conhecidos ou outras
informações no próprio registro, tais como cabra, crioulo,
pardo e mulato.
A qualificação de uma mesma pessoa difere em registros
diferentes, denunciando uma falta de padronização para o
sertão.
Guilhermina é qualificada como
fusca
e do serviço de
lavoura no registro de sua carta de liberdade
18
, e, na partilha
amigável de José Marques de Carvalho
19
, foi registrada como
cabra.
Estevão foi comprado por Justiniano César Jacobina, em
18 de novembro de 1858, como
cabra
e foi revendido para
Herculano José Almeida, em 21 de maio de 1859, como
pardo
20
.
17
BERTIN, Enidelce. Alforrias na São Paulo do século XIX: liberdade
e dominação. São Paulo: Humanitas: FFLCH/USP, 2004. p. 35.
18
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 35, p.
46.
19
APEBA, Seção: Judiciária, Inventários, Partilha Amigável: Manuel
Jose Marques, ref. 02/619/1073/13.
20
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 25a, p.
14; e n. 25, p. 26.
152
Existe uma pequena quantidade de registros qualificando
os libertandos pela origem e cor. A maior quantidade é de
mulatos pardos, aparecendo em vinte registros, apareceram
também grafados nos registros crioulo cabra, crioulo preto,
mestiço cabra.
A pequena quantidade de registros contendo origem e cor
possibilitou pensar na existência de uma forte acentuação das
maiores características como dístico da pessoa qualificada. Ou
seja, os de origem conhecida foram qualificados, quase
exclusivamente, por esta marca característica de identidade,
chamada no século XIX de nação, como, por exemplo, as várias
designações de regiões de captura e/ou exportação, na África.
Entre os nascidos no Brasil, a maior parcela foi
qualificada como crioulo, aparecendo em uma quantidade muito
grande de registros, 109, correspondendo a 21,71% do total.
Também apareceram registros pautando a qualificação na escala
de cores normalmente utilizada para os afrodescendentes, mas
podendo indicar também uma mistura de outros ingredientes.
Existem alguns trabalhos sobre o Sudeste, especialmente
nas zonas cafeeiras, levando em consideração as designações de
mulato, pardo e crioulo. Em alguns deles, as pesquisas
observam, nestas qualificações, indício de dísticos do grau de
mestiçagem, de quantas gerações a pessoa estava distante da
153
África, o grau de brasilidade ou a quantas gerações conquistou
sua liberdade
21
.
Na carta registrada em 16 de novembro de 1825, Luiz
Correia de 16 anos foi qualificado como cabrinha, sua mãe
Angélica era de Angola, muito provavelmente seria qualificada
como preta, mas isto não aparece no registro
22
. De Angola
também era Anna, mãe de Ursula, mulatinha de 3 anos, com carta
de liberdade registrada em 07 de janeiro de 1851
23
.
No registro de 03 de novembro de 1818, aparece Maria,
mulatinha, filha de Antonia, cabra
24
. O mesmo padrão
apresentado no registro de 15 de fevereiro de 1819,
assinalando a conquista de liberdade de Francisco, mulatinho,
filho de Maria, cabra
25
. Também no registro de 11 de abril de
1832 de Felício, mulatinho, de 5 para 6 anos, filho de
Thomazia, qualificada como cabra
26
. E ainda no registro de 06
de dezembro de 1859 de Maria, mulatinha, filha de Maria,
classificada como cabra
27
.
21
MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da
liberdade no Sudoeste escravista, Brasil Século XIX. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1998. p. 94.
22
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 4, p.
49v.
23
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 21, p.
25v.
24
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 3, p.
67.
25
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 3, p.
69v.
26
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 7, p.
93.
27
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 26, p.
3.
154
Algumas vezes, a mesma qualificação da mãe foi repetida
para seu filho, como no registro de 27 de outubro de 1825 de
Izabel, crioulinha de 10 anos, e de sua mãe Anna, crioula
28
, ou
ainda de Zacharias, mulatinho, filho de Ritta, mulata
29
. Devido
ao pequeno volume de registros trazendo a qualificação das
mães e filhos, não foi possível trilhar este caminho e fazer
outras assertivas, no sentido de desvendar os padrões de
qualificação no quesito cor, sobre as pessoas que conquistaram
sua liberdade em Jacobina.
Nos registros de compras, vendas e doações, já citados
anteriormente, também não foi possível fazer qualquer
afirmação sobre esses indícios de proximidade e distância da
África, pois, seguindo a metodologia utilizada pelos trabalhos
da Região Sudeste, em todos os designativos de cor foram
encontradas mães escravas, somente em um registro de criança
crioula foi mencionada a existência de mãe liberta, mas em
nenhum dos registros foi apontada a qualificação da mãe, nem
com referência à origem, tampouco de cor.
Voltando ao conjunto das cartas de liberdade de Jacobina,
setenta e nove (15,74%) pessoas não foram qualificadas nem no
quesito cor, nem no quesito origem. Cento e noventa e uma
pessoas (38,05%) apresentaram registra da a origem,
28
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 5, p.
94v.
29
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 7, p.
89.
155
considerando crioulo e mulato como origem. Cento e noventa e
oito (39,44%) foram registradas somente com cor, enquanto
trinta e três pessoas (6,77%) apresentaram origem e cor.
Entre qualificados com as várias cores utilizadas para os
afro-brasileiros, os pardos tiveram uma grande representação
entre os libertandos, sendo noventa e oito que corresponde a
42,24% do grupo com cor e 19,52% do total de registros de
pessoas. Mas os cabras, cento e seis indivíduos, foram a maior
parcela representando 45,69% dos registros com cor 21,11% do
total dos registros.
Os pretos, ou vinte e uma pessoas, representaram somente
9,05% dos qualificados com cor, 4,18% do total geral. Outras
cores aparecem também nesse arco-íris como parda trigueira,
fusca e cabra claro, porém sem expressão no quadro geral
30
.
As origens das pessoas que buscam a liberdade são também
diversificadas, aparecendo muitas possibilidades de
qualificação nos registros. Os nacionais formam maioria, e os
crioulos, entre este grupo de nacionais, foram cento e onze
equivalendo a 49,33% dos registros com origem declarada e a
22,11% do total, seguido dos mulatos, com setenta e sete,
correspondendo a 34,22% dos registros contendo origem e a
15,34% do total geral.
30
As porcentagens deste parágrafo são do total de registros com cor,
ou seja origem e cor somado, perfazendo um total de 232 (duzentos e
trinta e dois indivíduos).
156
Somando esses aos registros dos escravizados qualificados
no quesito cor, mas sem dúvida brasileiros, como os pardos 98
(19,52%) e cabras 106 (21,11%), foi obtido um total de 78,08%
de todos os registros, um número bastante expressivo para os
brasileiros, em detrimento dos africanos.
Apenas trinta e seis africanos, conquistaram sua
liberdade, o que corresponde a 16% dos registros com cor e
7,17% do total geral. Entre esse grupo, os qualificados
genericamente de “africano” foram dezessete registros,
equivalendo a 7,55% dos qualificados com origem e 3,39% do
total.
Utilizando novamente, como termo de comparação, as
pesquisas de Maria José de Souza Andrade
31
, existe uma
disparidade muito grande com relação à composição da população
de escravizados em Salvador e no sertão baiano. Em Salvador,
os africanos são maioria na totalidade do período compreendido
entre 1811 e 1888, porém tendo um decréscimo populacional após
1850, graças à proibição do tráfico internacional.
Nos registros sobre Jacobina, eles não aparecem com
presença tão marcante. Tanto nas Cartas de Liberdade como nos
Registros de Compra, Venda e Doação, eles apresentam-se em
números muito inferiores ao de nacionais.
O fato de Andrade utilizar como base de dados os
registros de testamentos e eu estar utilizando os registros de
31
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava..., op. cit.
157
notas pode ter ocasionado essa discrepância, porém em outros
conjuntos de fontes também os africanos figuram como minoria,
ou nem aparecem.
Continuando com os indícios encontrados nas Cartas de
Liberdade de Jacobina, observou-se que as mulheres foram
maioria absoluta, representando 59,36%, equivalendo a duzentos
e noventa e oito pessoas a conquistarem a liberdade entre 1807
e 1887, mas não são tantas como nos registros de Morro do
Chapéu.
Quanto às formas de conquista da liberdade, esta foi paga
em cento e noventa registros (37,84%). Citando como motivo o
amor do senhor pelo ex-escravizado ou por tê-lo criado como
filho, foram cento e onze pessoas (22,11%). Entre estas,
quatro eram africanos, representando 11,11% do total do seu
grupo. As cartas de liberdade não citando motivos representam
16,93%, correspondendo a oitenta e cinco casos.
32
Existem ainda dezoito (3,58%), registros onde as
conquistas foram pagas, mas também revelam o amor ou os bons
serviços. Motivos de fé espiritual também foram citados, tais
como “Por Amor de Deus” ou “Por esmola” aparecendo em vinte e
um casos (4,19%); e ainda motivos menos expressivos, no total
geral representando, somados, vinte e quatro registros (4,78%).
Quanto às condições das libertações expressas nos
registros das Cartas de Liberdade, em duzentas e noventa e
32
Nos anexos existe um quadro com o resumo desses dados.
158
três (58,37%) registros não existe nenhuma cláusula imposta
para a conquista da liberdade. Em cento e setenta e quatro
(34,66%) registros existe a condição de servir ao senhor ou
outra pessoa. Outras condições impostas representam apenas
6,97%, correspondendo a trinta e cinco dos registros.
Cruzando os dados de imposição de condição com os motivos
expressos, foram obtidos dados próximos dos já apresentados
nos estudos sobre liberdade de escravizados, como, por
exemplo: a maioria dos registros apresentando condição de
servidão e citando como motivo da libertação o amor de criação
foi conquistado por meninos (17); seguido de mulheres (16),
meninas (12) e homens (11), também aparecem adolescentes
(três) e idosos (dois homens e três mulheres).
As mulheres foram maioria no grupo com cláusula de
servir, mas não expressos os motivos (21), seguidas das
meninas (10), dos homens (7), meninos (6) e adolescentes (3
meninos e 1 menina). São também maioria (58) mulheres, no
grupo que conquista a liberdade mediante pagamento de alguma
quantia, mas sem cláusula de servidão; mas foram seguidas de
perto pelos homens (55). As meninas (17), as idosas (dez), os
meninos (nove), os idosos (cinco) e dois adolescentes, um de
cada sexo, também pagaram por sua liberdade.
O grupo em conquista de sua liberdade, mas tendo cláusula
de servir, foram seis pessoas todas do sexo masculino sendo
três adultos, um adolescente e dois meninos. No grupo com
condição de servir cujo motivo da liberdade expresso na carta
eram os bons serviços, chamou a atenção o número de mulheres
159
adultas, 25 de um total de 41. Alias, em quase todos os
grupos, as mulheres adultas apareceram em maior número.
Entre os identificados como africanos, 35 conquistaram
sua liberdade, 16 homens e 19 mulheres. Doze (34,28%) tiveram
cláusula de servidão até a morte do senhor ou outra pessoa,
sendo oito homens. Dezoito (51,43%) pagaram algum valor para
conquista de sua liberdade, sendo dez mulheres e oito homens.
Os valores pagos por esses africanos podem ajudar a
entender essa química da formação do preço para a conquista da
liberdade, cruzando com os motivos da libertação expressos nas
Cartas de Liberdade. Isto possibilitou desvendar outras coisas
expressas nas cartas, além da letra morta de sua redação.
3.3 A EXPRESSÃO DOS VALORES DAS CARTAS DE LIBERDADES
Voltando às quantias desembolsadas para a conquista da
liberdade, as fontes para Jacobina indicam as mesmas
características do que ocorreu em Morro do Chapéu, ou seja,
existem discrepâncias das importâncias pagas nas cartas de um
mesmo ano e das faixas etárias e também entre elas e outros
conjuntos de fontes, indicando estarem em jogo outros valores
nas negociações, além dos monetários.
160
A africana Benedicta, com idade entre 60 e 70 anos, pagou
para conquistar sua liberdade o valor de 50$000 a seu senhor,
Theofilo da Cunha e Araújo, e a sua esposa Anna Maria do
Espírito Santo na carta registrada em 05 novembro de 1857,
mas, além do valor monetário, eles deixaram grafado, na Carta
de Liberdade, que também haviam recebido bons serviços da
libertanda
33
.
Não encontrei, para o mesmo sexo, ano e faixa etária,
nenhuma outra transação nos registros de compras, vendas e
doações. No ano de 1856, existem dois registros de homens
idosos com valor médio de 225$000 réis, ou seja, cerca de
quatro vezes mais que o valor pago por Benedicta. Na Tabela
elaborada por Maria José de Souza Andrade, já citada
anteriormente, também não existem dados para o mesmo ano e
faixa etária, mas o valor médio apurado para o ano de 1856 foi
de 300$000, ou seja, seis vezes aquele desembolsado por
Benedicta
34
.
Esse preço bem abaixo do mercado pode ser explicado pelos
bons serviços prestados e pela amizade provável construída em
vários anos de convivência. Talvez fosse o pecúlio angariado e
economizado por toda uma vida, além, é claro, de um grande
capital investido em carinhos e mimos aos senhores.
33
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 24a, p.
23.
34
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava..., op. cit.
161
No ano de 1841, em 23 de novembro, a africana Joanna
conquistou sua liberdade pagando a Maria Roza das Mercês o
valor de 100$000 réis, que explicitou na carta: “sem nenhuma
condição”
35
. O valor médio encontrado na Tabela de Maria José
foi de 320$000 réis
36
para a faixa etária de “maior”, próxima
do valor médio encontrado por mim para mulher adulta no mesmo
ano – 339$666 réis; e de 225$000 réis, se Joanna fosse
considerada como “velha”, pois no registro não existe esta
informação.
A quantia efetivamente paga para conquista de sua
liberdade foi inferior a um terço da média da Tabela para
Salvador e também para Jacobina, nos registros de compras,
vendas e doações.
A explicação para isso não está na Carta de Liberdade,
mas nos Registros de Compras, Vendas e Doações. Neles, Joanna
aparece em uma negociação registrada em 31 de março de 1841,
entre o vendedor, senhor Alexandrino Saturnino do Rego, e
Maria Roza, compradora, que pagou o valor de 100$000 réis pela
escravizada
37
, que seria libertada em novembro do mesmo ano.
Parece ter havido algum tipo de acordo para propiciar as
condições da libertação, talvez aqueles oito meses de trabalho
ou nem mesmo isto, deixando-se apenas passar o tempo para
35
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 13, p.
76v.
36
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava..., op. cit.
37
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 13, p.
40v.
162
lavrar a Carta de Liberdade, após a compra, talvez fictícia.
Nesse ano, ainda não havia entrado em vigor a lei que
possibilitava ao escravo negociar sua liberdade diretamente
com seu senhor.
Esses acordos entre pessoas amigas, confidentes e
utilitárias na conquista de liberdade foram possíveis graças
aos contatos propiciados pela mobilidade da autonomia relativa
conquistada no cotidiano.
Algumas Cartas de Liberdade registradas trouxeram
expressa, nos motivos da libertação, a indicação de ter sido
considerado nas negociações da conquista de liberdade algo
muito além de valores monetários. Os valores muito menores
daqueles praticados no mercado, concorrem com mais força para
esta afirmação.
O registro da Carta de Liberdade, de 20 de setembro de
1824, do crioulo Bonifácio, contém, expresso pelo senhor
Alexandre Gonçalves, o motivo da libertação “[...] recebeu a
metade de seu valor de 180$000 réis que foi 90$000 réis”
38
.
Em carta registrada em 19 de agosto de 1852, passada ao
cabra Vicente, Anna Patrícia de Jesus deixou lavrado o
seguinte:
[...] o forro pelo valor de 500$000 r, ficando
250$000 r por esmola, e pelos bons serviços
38
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 5, p.
87.
163
prestados, e depois de meo falecimento meos
herdeiros lhe darão prazo o restante do valor.
39
A senhora toma a metade do valor na sua terça, como
pagamento de seus “bons serviços prestados” e o restante da
quantia o escravizado pagou após a morte da senhora, já
liberto. Nesses casos, como em outros, o valor menor expresso
reflete a condição da conquista da liberdade: de servir até a
morte do senhor ou outra pessoa indicada por ele.
No caso da carta registrada em 02 de março de 1859, por
Josefa Copertina dos Reis Santos, à cabra Marianna, de
cinqüenta anos, não há nenhuma cláusula de servidão e deixou
grafado o seguinte:
[...] por que esta escrava já me tenha prestado
serviços e agora me pede á sua liberdade
offertando-me a quantia de 100$000 por seo resgate,
os aceitei e promptamente por isso dando-lhe
quitação da dita.
40
O valor médio encontrado por mim nos Registros de
Compras, Vendas e Doações, para o mesmo ano foi de 1.116$666
réis, ou seja, a senhora aceitou um valor menor que 10% do
praticado na região. A falta de indicação de bons serviços ou
do amor não impediu o “promptamente”, tornando patente a
brevidade das negociações e da aceitação da quantia. Esta
39
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 22, p.
1.
40
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 25, p.
14.
164
expressão e o valor muito menor sugerem uma relação de
cumplicidade e companheirismo forjada ao longo do tempo e
expressa na carta pelos valores monetários menores. Neste
caso, a rápida negociação também pode sugerir um péssimo
relacionamento, mas a opção da senhora seria a venda, mesmo
por valor inferior ao praticado na libertação.
No mesmo ano de 1859, dia 01 de agosto, foi registrada a
Carta da crioula Ignacia. Seu senhor expressa textualmente:
[...] por della ter recebido duzentos mil réis,
perdoando-lhe eu os outros duzentos mil réis pelos
muito bons serviços que me tem dado.
41
Nesta, a liberdade foi conquistada utilizando como
estratégia os serviços prestados com esmero, fazendo tudo com
muito cuidado, procurando atender aos gostos dos senhores
durante anos, o que ficou expresso na carta: “bons serviços
que me tem dado”. Esta expressão também parece ter funcionado
como uma carta de apresentação para prestações de futuros
serviços a outras pessoas.
A certidão extraída dos autos do inventário de Antonio de
Oliveira Bastos, apresentada pelo preto Antonio, nação Ussa,
para registrar sua liberdade em 19 de dezembro de 1821
42
,
destaca as intenções de seu antigo senhor, propondo a
coartação de, além de Antonio, mais três escravizados pela
41
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 25A, p.
39.
42
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 4, p.
15.
165
metade de sua avaliação dando quatro anos para quitação de
seus valores. No caso de Antonio foi coartado por 60$000 réis.
Os escravizados conseguiram conquistar a confiança e as
vantagens foram respeitadas na negociação com o testamenteiro
de seu antigo senhor.
Antonio José Barboza também expressa suas motivações na
carta registrada em 03 de setembro de 1834, referente a
Thereza, trinta e quatro anos, nação Mina “[...] obrando com
todos os deveres com obediencia com seos senhores [...]”
43
.
Conquistou, assim, sua liberdade por 200$000 réis, um valor
inferior à média encontrada para Salvador, na tabela de Maria
José de Souza Andrade – 273$333 réis
44
.
Os bons serviços prestados por Izabel, mulata, a Felippa
Roza de Jesus, lhe proporcionaram a conquista de sua liberdade
e, ainda, a de sua filha Vicência, pelo módico valor de 30$000
réis, conforme a carta registrada em 29 de julho de 1837
45
. Nos
registros de compras, vendas e doações de Jacobina, duas
escravizadas meninas foram comercializadas no ano de 1838
46
,
com valor médio de 250$000 réis, enquanto, na tabela elaborada
por Maria José, a média foi de 177$500 réis, para o mesmo ano
e faixa etária
47
.
43
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 8, p.
23v.
44
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava..., op. cit.
45
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 9, p.
15.
46
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 9, p.
63; n. 10, p. 27.
47
ANDRADE, Maria José de Souza. A mão-de-obra escrava..., op. cit.
166
Entre os “bons serviços”, provavelmente estavam presentes
o guardar os segredos, o compartilhamento no cuidado dos
filhos e o companheirismo dos dias e anos passados lado a
lado, enfim, as trocas sentimentais sedimentadas pelo tempo
longo das conversas e tarefas realizadas em conjunto.
As negociações travadas entre Ignacia Maria de Jesus e a
mestiça Marianna, registradas em 20 de abril de 1841, trouxe,
além dos 100$000 combinados para a conquista da liberdade pela
escravizada, outras possibilidades de leitura. A senhora tinha
consciência da pequena quantia combinada, muito abaixo da
média praticada no mercado, porém expressa os bons serviços e
ainda o acerto feito, pouco comum:
[...] pelos bons serviços que me tem prestado,
prometo-lhe a liberdade por 100$000 réis somente,
vallendo ella muito mais[...] convencionou-se de
trabalhar-me uma semana e duas para sí até pagar-
me[...]
48
A conquista da liberdade parece ter sido difícil, mas
acabou por garantir à senhora a prestação de serviços e à ex-
escravizada a liberdade plena sem desembolsar qualquer
quantia. A negociação pareceu plenamente favorável à
libertanda, mas também o era para a senhora passando a não
mais ter responsabilidades sobre vestimenta, abrigo,
alimentação e saúde de Marianna.
48
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 12, p.
78.
167
A carta de alforria, um documento feito pelo senhor ou à
sua ordem, expressava a vontade do senhor, e, mesmo existindo
uma negociação, o senhor continuava com a propriedade. O
senhor reafirmava o sistema paternalista, pois ele podia impor
sua vontade e reafirmava a dependência de uma pessoa em
relação à outra. O escravizado deveria, mesmo depois de
liberto, prestar certos serviços ao senhor, e às vezes isto
ficava formalizado nas cartas.
Na carta de liberdade registrada no dia 14 de fevereiro
de 1844, o africano José apresenta seu documento de conquista
de liberdade, trazendo um fato inusitado. Após uma breve
descrição feita pelo seu senhor, o Padre Francisco Gomes de
Araújo, falando da compra do escravizado na Cidade da Bahia,
ainda moleque em 1824, e deixando-o forro em uma das cláusulas
de seu testamento, este revela: “[...] mas elle antes quis dar
o seo dinheiro, o valor de 1.600$000 réis”
49
. O pagamento
monetário parece ter sido questão de honra para o africano.
A importância desembolsada por José é quatro vezes a
média encontra para a mesma faixa etária e ano nos Registros
de Compras, Vendas e Doações, e cinco vezes a média da Tabela
de Maria José para Salvador. Poderia o seu senhor estar
passando por dificuldades financeiras e ter sido ajudado por
José, companheiro de pelo menos vinte anos de convivência.
49
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 15, p.
38v.
168
Provavelmente, entre um afazer e outro, o Padre elogiou
José, argumentando sobre suas qualidades e o valor inestimável
do serviçal, abrindo alguma possibilidade de negociação e da
oferta generosa de José. A benevolência e a caridade deveriam
ser uma das coisas ensinadas arduamente pelo padre aos seus
escravos, e neste momento José mostrou o aprendizado. A
vontade e a bondade, características do paternalismo,
inverteram-se, neste caso: José “quis dar o seo dinheiro”.
O paternalismo [...] fora caprichosamente
preservado no interior da relação senhor-escravo –
na realidade um estratagema de controle senhorial,
mas utilizado pelos escravos em proveito próprio.
50
José não foi o único a desembolsar valor maior que o
normal, na carta de liberdade registrada em 25 de setembro de
1815. Domingos José Cardozo, senhor de Romualdo, cabra oficial
de ferreiro, declara:
[...] o dito escravo pagou 296$000 r, dinheiro que
recebeu do falecido pai do senhor Domingos José
Cardozo o Tenente João Chrisostomo (e sua mãe é
Joanna Baptista d'Aguiar).
51
A média dos valores das cartas de liberdade no ano de
1815, excetuando-se essa em questão, foi de 125$000 réis, ou
50
BERTIN, Enidelce. Alforrias na São Paulo do século XIX: liberdade
e dominação. São Paulo: Humanitas: FFLCH/USP, 2004, p. 20
51
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 3, p.
41.
169
seja, menos da metade da quantia registrada para a conquista
de liberdade de Romualdo.
Às vezes, os ajustes foram difíceis e obrigaram os ex-
escravizados a desembolsar quantias superiores àquelas
praticadas pelo mercado na conquista da liberdade. Quais foram
as reais bases das negociações?
Alguns registros trouxeram indícios da presença muito
marcante de várias pessoas concorrendo para a conquista da
liberdade do escravizado. Isto não explica totalmente, mas
pode ser uma pista para se entender os pagamentos muito acima
do valor de mercado pela conquista da tão sonhada liberdade.
3.4 OUTROS VALORES ENVOLVIDOS
Somando todas as cartas com valores, independentemente
dos motivos expressos ou quem financiou a liberdade, obtive
duzentas e uma conquistas de liberdade mediante qualquer
importância, divididas da seguinte forma: cento e três não
continham detalhes sobre quem as financiou; vinte e três foram
os pais, padrinhos ou outros familiares que assumiram as
despesas da libertação; cinqüenta e cinco escravizados pagaram
alguma quantia por sua própria conquista de liberdade, onze
tiveram seus valores descontados nas terças de seus antigos
170
donos; nove tiveram mais de uma pessoa como benfeitores de sua
liberdade, concorrendo muitas vezes o próprio libertando com
parte das despesas.
Todas as alforrias conquistadas tinham um custo, seja
monetário, seja em serviços prestados, expresso ou não nas
cartas registradas. Este indício de várias pessoas ajudando
monetariamente na conquista da liberdade, e, ainda, as
inscrições de vários libertos apresentando, aos cartórios de
registros, cartas de liberdade de outras pessoas, levam a
pensar na existência de vínculos comunitários, desnudando
também laços familiares muito fortes entre as populações
negras da região de Jacobina.
A primeira indicação disso aparece nas Cartas de
Liberdade escritas por Maria de Araujo de Oliveira, passadas
em 23 de março de 1809, registrando a conquista de liberdade
de Rumão
52
e Gerarda
53
, ambos crioulos e filhos de Luzia e
Matheos, escravos já falecidos. As quantias monetárias não
foram expressas em nenhum dos dois registros, porém foram
inscritos ao longo do texto, outros valores.
Na de Rumão está escrito “[...] recebeu de seus padrinhos
e de outras pessoas certa quantia e pelos bons serviços e pelo
amor que tinha da criação”. Na de Gerarda, apareceram palavras
quase iguais “[...] recebeu de seos pais e padrinhos certa
52
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 2, p.
21.
53
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 2, p.
22.
171
quantia, pelos bons serviços e pelo amor que tinha de
criação[...]”.
O amor de criação era uma das motivações mais declaradas
no conjunto das cartas, não sendo este o único estímulo, pois
os bons serviços e a quantia paga também ajudaram na decisão
da senhora. Foi instigante observar uma variedade de pessoas
concorrendo para realização do esperado sonho da conquista da
liberdade para Rumão e Gerarda. Era comum os padrinhos pagarem
a conquista de liberdade de seus afilhados no Recôncavo, mas
outras pessoas também se envolveram na causa para ajudar
nesses dois casos.
A senhora, Maria de Araujo de Oliveira, mesmo depois da
morte de seus escravizados, Luzia e Matheos, aguardou o tempo
necessário para a comunidade completar o valor acertado,
provavelmente com os pais do casal de libertandos, respeitando
os acordos celebrados anteriormente, demonstrando a
legitimidade do grupo perante a senhora.
No dia 30 de junho de 1810, foi registrada a conquista de
liberdade do mulatinho Jerônimo, de oito anos, resgatado do
domínio do Sargento-Mor João Gomes da Silva, que “[...]
recebeu 100$000 réis de Luis Alvares Barbosa, avô legitimo do
mulatinho [...]”, ficando ainda expressa na carta a condição
do menino permanecer “[...] nas mãos dos avós Luis Alvares
Barbosa e Anna Maria para acabar de criar”
54
.
54
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 2, p.
38.
172
Em 22 de maio de 1867, foi registrada a carta de
liberdade de Maria, de domínio de Herculano José D’Almeida,
expressando o seguinte:
[...] recebi de minha escrava Felicidade 100$000
réis pela liberdade de sua filha Maria, em virtude
disso póde o Senhor Reverendo Padre Justiniano
Baptizar a dita cria por fôrra como se nascesse de
ventre livre.
55
O Reverendo Justianiano da Rocha Cezar foi o apresentante
da carta e provavelmente o intercessor nas negociações pela
libertação da menina Maria na pia batismal, por valor abaixo
do praticado. Esta estratégia, de pagar a libertação dos
filhos e continuar escravizado, parece ter sido bem difundida
na região.
Existiram vários casos semelhantes onde os pais ou avós
desembolsaram suas economias para financiar a liberdade de
seus parentes. As possibilidades eram muito maiores, pois os
valores a serem desembolsados eram menores.
Era também costume os próprios senhores concorrerem com
parte ou todo o valor de libertação da primeira criança
nascida sob seu domínio. Foram encontrados cento e onze casos
em que o motivo da liberdade expresso foi o amor de criação,
por ter criado ou ser a primeira cria.
55
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 30, p.
74.
173
Os laços consangüíneos também estiveram presentes, como
no registro de 14 de agosto de 1815. O Senhor Domingos
Ferreira da Cruz recebeu 55$000 réis, pela libertação de João,
mestiço de seis anos, de João Ferreira, irmão do menino
56
.
Roza Joaquina Teixeira, senhora de Ciriaca, uma fusca de
cinqüenta e oito anos, recebeu a “[...] quantia de 100$000
réis [...] pela mão de seo filho Raphael Miguel Arcanjo”, em
carta registrada em 17 de agosto de 1880
57
.
Os filhos também tinham cuidados com seus pais,
trabalhando para dar-lhes a sonhada liberdade. Esse caso fecha
o círculo: os pais pagavam a libertação dos filhos,
considerando não só as francas possibilidades de menores
quantias necessárias para libertação das crianças, mas a
concorrência de outras pessoas, na outra ponta, após conseguir
acumular a importância precisa, o filho negociava e resgatava
a liberdade dos pais. Apesar do duro sistema escravista, as
relações familiares e comunitárias estavam presentes e eram
buscadas para preservar não só as pessoas como algo mais, um
patrimônio cultural construído ao longo do tempo.
Em 1º de outubro de 1866, compareceu ao cartório de notas
Raimundo José Ferreira para fazer seu testamento. Após as
exposições habituais, ele passou as cláusulas de seu
testamento. Na sexta, encontra-se:
56
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 3, p.
38v.
57
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 37, p.
15.
174
Em sexto lugar disse que já tendo passado Carta de
liberdade a uma sua cria de nome Porfirio, com a
condição de acompanhar a elle Testador em quanto
vivo, agora ratificava e pelo grande amor que lhe
tem deixa, para ser tirado de sua terça, vinte
novilhas vacas escolhidas das melhores, duas partes
de terra na Fazenda denominada Formiga, no lugar
chamado Rato Branco, trezentos mil reis, em
dinheiro, e um cavallo escolhido dos milhores, e
finalmente sahira tão bem de sua terça a quantia
que for precisa para pagar os direitos Nacionais,
relactivamente a este legado, assim mais, disse que
depois de seo fallecimento fica forra a escrava de
nome Maria Mai da referida cria no valor de
quinhentos mil reis, que tão bem sahirá de sua
terça.
58
O amor havia levado o testador a deixar uma parte de suas
posses para Porfírio e a liberdade de sua mãe. Uma
possibilidade é a mãe do liberto ser a nova companheira de
Raimundo, ou até mesmo ser o pai biológico do menino, mas isto
não fica esclarecido no testamento.
Em dezoito de maio de 1866, o Tenente Coronel Manoel
Joaquim de Carvalho e Silva também compareceu ao cartório para
registrar seu testamento. Entre as cláusulas, encontra-se:
58
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 29, p.
77.
175
Em sexto lugar disse que de sua terça tão bem sairá
a quantia de duzentos mil reis por quanto forrou o
mulatinho Henrique, como consta da carta que passou
em deseceis de outubro de mil oitocentos quarenta e
quatro, tendo então de idade sete mezes, o qual
mulatinho fica desde já fôrro e livre sem condição
alguma// Em setimo lugar disse, que deixa para esse
mulatinho Henrique dez novilhas de dous annos, das
melhores que houver na occazião, e terá o mesmo
valor, que tiver o mais gado
59
Não foi declarado amor ao mulatinho, mas as novilhas
devem ter servido para um começo importante para a vida de
Henrique.
O paternalismo, nesses casos, ficou evidente, pois os
senhores querendo proteger “suas crias” deixaram, após sua
morte, bens generosos para eles, além da liberdade.
59
APEBA, Seção: Judiciário, Livros de Notas de Jacobina, n. 30, p.
48.
Capítulo 4
AS AUTONOMIAS POSSÍVEIS
177
AS AUTONOMIAS POSSÍVEIS
O período posterior à implantação da Villa de Jacobina,
em 1722, foi marcado pela ação dos mineradores. Isto foi
destacado na pequena bibliografia existente sobre a cidade e
também nos documentos oficiais da criação e posterior
reimplantação no local atual da cidade. Porém, as atividades
ligadas ao pequeno comércio, pastoreio e agricultura não
desapareceram; pelo contrário, renovaram-se e ampliaram-se.
A solidariedade e a aproximação dos não brancos parecem
ter desaparecido, mas a autonomia relativa, principalmente no
tocante aos deslocamentos pela região, continua possível para
os afrodescendentes.
No processo movido pelo padre João Mendes em Jacobina e
pelos inquisidores do Santo Ofício, foi possível, através dos
depoimentos de 34 testemunhas e de denúncias, descobrir as
funções das bolsas dos chamados “mandingueiros” naquele
momento do século XVIII, pois livravam “quem as usa do ferro e
facas”. Falava João da Silva especificamente da sua
considerando-a como “sendo a que trazia boa para livrar do
gentio”. Também João da Silva, conforme denúncia de Tereza
178
Maria, gabava-se de sua bolsinha, pois era a melhor de todas
“para se livrar do gentio”
1
.
Todos os envolvidos têm relações próximas, são amigos ou
pelo menos conhecidos, e pela quantidade de testemunhas
arroladas, a mobilidade de todos eles aparece de forma muito
clara.
Outro ponto bastante instigante é constatar a presença de
um preto forro, e além disso, casado com uma parda, envolvido
neste caso. Ela já havia conquistado sua liberdade, constituiu
família e ainda possibilitava a reunião de várias pessoas em
sua casa. Ou seja, os laços comunitários eram reproduzidos ali
na sua residência. Rugendas observou nas reuniões dos grupos
populacionais negros:
Dir-se-ia que após os trabalhos do dia, os mais
bulhentos prazeres produzem sobre o negro o mesmo
efeito que o repouso. À noite, é raro encontrarem-
se escravos reunidos que não estejam animados por
cantos e danças; dificilmente se acredita que
tenham executado, durante o dia, os mais duros
trabalhos, e não conseguimos nos persuadir de que
são escravos que temos diante dos olhos.
2
1
MOTT, Luiz Roberto de Barros. Quatro Mandingueiros de Jacobina na
Inquisição de Lisboa. Afro-Ásia, Salvador, n. 16, p. 148-160, 1995.
p.154/155 e 152 passim.
2
RUGENDAS. João Maurício. Viagem pitoresca através do Brasil. apud
GIANI, Luiz A.. Olhos nos olhos do desenhista Rugendas: música e
afeto na família escrava. In: Revista Espaço Acadêmico, Maringá, n.
44, jan. 2005. Disponível em: <http://www.espacoacademico.
com.br/044/44cgiani.htm> acesso em 13 jan. 2005.
179
As considerações anteriores servem para estabelecer um
fato: as populações negras da região gozavam de uma grande
autonomia espacial, o direito de ir e vir não era cerceado
pelos senhores e, muitas vezes, suas ocupações os obrigavam a
longos deslocamentos, como no caso de Antonio, escravo do
Padre Antonio Pereira, no século XVII. Mas vamos para onde
existem documentos mais abundantes, o século XIX.
4.1 ECLOSÃO DA RAIVA
Em agosto de 1888, acontece um fato, nos arredores de
Jacobina, cuja leitura de uma das formas de autonomia salta
aos olhos.
O Capitão Francelino Ferreira de Oliveira encontra, em um
dos cercados de sua Fazenda Medeiros, um garrote. Primeiro,
tenta persuadir o animal a sair, não consegue. Resolve ir até
a estrada próxima e pedir ajuda a um transeunte, de nome
Guilhermino, para executar o trabalho. O companheiro de
Guilhermino, João Marcolino da Silva, ao chegar a uma elevação
180
da estrada, avistou o cercado e “conhecio q’ o garrote erá da
sua entrega, teve de voltar para tomar procidencias”
3
.
João Marcolino, conhecido como João de Marco, ao chegar
ao cercado, encontra o Capitão Francelino batendo no garrote
com um pau. Ele apresenta-se para retirar o garrote, dizendo
que o animal era “de sua entrega” e pede para o Capitão não
bater mais no bicho. Responde o capitão: “Darei n’elle até por
cima de V.”
4
.
Nesse momento, os depoimentos diferem muito, o Capitão,
em sua Carta de Denúncia, diz que João de Marco: “porompeo em
injurias contra o dito queixoso, e entre ellas deo-lhe as
apithdões de – patife, bandalho”
5
, ofensas negadas por João de
Marco.
Em sua carta, apresentando seu Auto de Defesa, ainda
esclareceu mais “dizendo que elle [o capitão] não erá capaz
para tanto que se estava fiado na sua cor branca, que mais
branco erá papel”
6
. Até este ponto, nenhuma das narrativas do
caso encontra discordância ou ponto de divergência, a não ser
a Carta de Denuncia, já citada acima.
3
Essa narração é um resumo feito a partir da leitura das peças do
processo crime 33, 1158, 11. Arquivo Público do Estado da Bahia
(APEBA), Seção Judiciário, Processos Crime, Estante 33, Caixa 1158,
documento 11.
4
APEBA, Seção Judiciário, Processos Crime, Estante 33, Caixa 1158,
documento 11.
5
APEBA, Seção Judiciário, Processos Crime, Estante 33, Caixa 1158,
documento 11. Carta de Denúncia, p. 2.
6
APEBA, Seção Judiciário, Processos Crime, Estante 33, Caixa 1158,
documento 11. Auto de Defesa Escrita de João Marcollino, p. 5
passim.
181
Na continuação dos acontecimentos, apareceram as maiores
divergências, tanto dos envolvidos diretamente como das
testemunhas.
Algumas testemunhas de acusação, Benedicto José de
Oliveira e José Custodio Pinheiro, juraram ter ouvido o
queixado, João Marcollino,
[...] chamar o queixozo branquinho de merda, branco
é papel que se limpa o cú com elle, borra cirolla,
mas não ouvio o queixado chamar o queixozo patife
nem bandalho.
7
Essas testemunhas foram declaradas, pelo procurador do
queixado, todas dependentes do queixozo, pois eram “alugados”
em sua propriedade ou trabalhavam para sua sogra.
O Capitão insiste, presente nas inquirições às
testemunhas, em perguntar “se o queixado não apeiou do cavallo
e puchou por uma faca?” Fato respondido positivamente pelas
testemunhas de acusação, mas nas inquirições do procurador de
João Marcollino, o Alferes Pedro da Silva Cardozo, ficou
esclarecido por Guilhermino José “que o queixado apeou-se do
cavallo e buscou por uma faca para fazer cigarro.”
8
Uma pequena pausa para relembrar o mote deste trabalho: a
autonomia. Essas pessoas se disseram “alugados”, ou seja,
7
APEBA, Seção Judiciário, Processos Crime, Estante 33, Caixa 1158,
documento 11. p. 15 e 15v; p. 16v e 17.
8
APEBA, Seção Judiciário, Processos Crime, Estante 33, Caixa 1158,
documento 11. p. 15v; p. 17.
182
trabalhavam para o Capitão ou sua sogra, mas sua consciência
também estava a serviço dos interesses do empregador, pois
responderam às inquirições de forma a incriminar o réu.
Estavam também alugadas sua autonomia e solidariedade. E as
formas de inserção no mercado ainda permanecem as mesma,
decorrido poucos meses após a Abolição.
A estratégia da defesa foi de alegar a não declaração das
ofensas de “bandalho, patipe, branquinho de merda e borra
ciroullas”, tentando também contextualizar o “mais branco é
papel”, porém “o primeiro supplente do Juiz Municipal em
exercicio o cidadão José Antonio Valois Coutinho”, condena
José Marcollino “[...] em um mez de prizão, e multa
correspondente a metade do tempo e nas custas”.
9
As alegações de apelação e os debates anteriores
transcorreram em torno das declarações de “branquinho de
merda” e do “mais branco é papel que se limpa [...] com ele”.
O procurador do queixado, alferes Pedro da Silva Cardozo, nas
suas alegações de apelação, não considerou estas expressões
como ofensas, pois elas não podem:
[...] expor ao odio ou disprezo publico; tambem é
crime de injuria, o attribuir a alguem vagamente,
isto, e sem factos especificados, crime ou vicios,
bom assim tudo que possa prejudicar a reputação
alheia, e até o dirigir a outrem palavras, gestos
9
APEBA, Seção Judiciário, Processos Crime, Estante 33, Caixa 1158,
documento 11. Sentença, p. 24v-26.
183
ou signaes reputados insultantes na opinião
publica.
10
O processo ao qual me estou referindo, deu entrada em
agosto de 1888, portanto alguns meses após a Lei de 13 de Maio,
libertando os escravos em todo o país, porém nas pesquisas
foram encontradas muitas pessoas envolvidas em outras ocasiões,
garantindo ou cerceando a autonomia dos escravizados.
Uma dessas pessoas envolvidas que aparece em outros
documentos, foi o Alferes Pedro da Silva Cardozo. Ele apareceu
nos registro de cartas de liberdade, libertando dois de seus
escravizados, Eliza e Pureza, em 8 de janeiro de 1887, e
justificando seu ato “em nome de Deus, para ficar quites com a
Thezouraria de Fazenda”
11
.
As contradições dos simpáticos às causas emancipacionistas
estão presentes no Alferes Pedro da Silva, ou seja, defendia os
afrodescendentes perante a justiça, mas manteve pessoas
escravizadas em sua casa, até os debates abolicionistas ficarem
extremados e a Lei de 13 de maio já se tornar um fato eminente.
O mesmo Alferes apresentou a carta de liberdade de
Juliana, passada em 20 de janeiro de 1863. Foi localizado, em
outros processos, como defensor de outros acusados pobres e
também doou, em sete de junho de 1883, a quantia de Rs.
10
APEBA, Seção Judiciário, Processos Crime, Estante 33, Caixa 1158,
documento 11. Alegações de Apelação, p. 27 passim.
11
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 43, p.
59.
184
90$000, referente às custas de processos nos quais havia
funcionado como defensor público para o Fundo de Emancipação
12
.
Também funcionou como procurador de Anna Guilhermina de
Miranda, atuando no processo de ofensas físicas praticadas
contra sua escrava Ursula, em processo no ano de 1883
13
.
Fez tudo isso talvez para compensar os erros da juventude
ou o remorso quando, em busca do lucro fácil obtido nas
negociações de carne humana, comprou no dia 4 de outubro de
1858, uma menina de nome Serapiana, do sr. Rodosino Pinto da
Fonceca, por Rs. 590$000 e a vendeu em 27 de dezembro do mesmo
ano por Rs. 1.000$000
14
. Ou era apenas uma transação comercial
e ele especializara-se em defender negros, pobres e
escravizados ou era muito religioso.
Depois disso tudo, pelo menos uma forte simpatia por
essas pessoas tenha nascido nele, achando, portanto, normal
João Marcolino pagodear do Capitão Francelino, alcunhando-o de
“branquinho de ...”.Talvez, também, fossem comuns na cidade
essas expressões, portanto passariam despercebidas pelo juiz.
Ou, ainda, o Capitão era de um grupo político contrário ao
procurador, portanto podia ser chamado de “patife e borra
ciroullas”.
12
APEBA, Seção: Colonial e provincial, Série: Governo, Câmara de
Jacobina, Maço: 1330.
13
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 40, p.
38v.
14
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 25a, p.
10 e 18v.
185
O suplente de Juiz descartou as ofensas de “bandalho,
patife e borra ciroullas”, mas o maior peso para seu veredicto
foi o acusado gabar-se, “perante pessoas no mercado da feira
da Freguezia do Riachão, deste termo”, de suas declarações na
primeira audiência do Juízo de Jacobina.
O juiz sentiu-se ofendido pela descrição detalhada dos
fatos ocorridos, feita por João Marcollino, com todas as
palavras proferidas e transcritas no processo, além disso ele
também, provavelmente, sentia-se branco como papel.
O Juiz em exercício, neste caso, foi o vereador mais
votado, sua renda presumida na lista de votantes de 1878 era
de 800$000 réis o dobro da maioria dos outros elegíveis,
criador, assim como o queixoso, Capitão Francelino Ferreira de
Oliveira. Isto deve ter pesado, também, na hora do julgamento.
Portanto as relações entre os grupos
étnicos/raciais/cromáticos na região de Jacobina não eram tão
amistosas como se pressupunha e os ânimos estavam acirrados
naquele momento, logo após a Abolição.
Foi a Abolição a desencadeadora dessas desarmonias?
A meu ver, a resposta é negativa. Haviam coisas mais
profundas no relacionamento entre os grupos populacionais,
ocasionando tais desavenças. Talvez a Abolição tenha apenas
dado coragem para João Marcolino expressar-se, pois os
sentimentos de raiva contra os brancos, naquele momento de
explosão, foram soltos e ecoaram daquele cercado para os
tribunais.
186
Não consegui localizar mais nenhum vestígio de João
Marcolino, nem mesmo no processo apareceu sua certidão de
prisão e soltura, porém esta sua atitude de enfezamento e
denúncia ficou nos processos do tribunal. Talvez tenha-lhe
rendido um mês de prisão e o dispêndio de suas economias, mas
deve ter valido a pena contar a história na Feira, junto de
seus companheiros de bar e cavalgada.
4.2 EXPERIÊNCIA COMERCIAL
O costume de mulheres e seus escravizados negociarem
gêneros alimentícios é bastante antigo nas aglomerações
urbanas do Brasil colonial e imperial. Para Maria Odila Leite
da Silva Dias, esta atividade era exercida pelas mulheres,
pois “roceiros, quitandeiros, vendilhões eram atribuições com
conotações pejorativas, de menosprezo social”
15
.
Em Jacobina, esse padrão permanece. Grupos específicos de
comunidades negras, freqüentando a feira, tanto como
vendedores como consumidores, chama a atenção ainda hoje, por
sua forte presença e costumes diferentes, tanto na chegada à
15
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo
no século XIX. 2. ed. ver., São Paulo: Brasiliense, 1995. p. 52-53;
ver também FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória: cotidiano e
trabalho da mulher em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro:
José Olympio; Brasília: EDUNB, 1993. p.34 passim.
187
feira, como na forma de comercialização, assim como na
estrutura e organização da produção, comercialização e
produtos específicos oferecidos aos compradores da região.
16
A região parece estar acostumada com mulheres, vendendo
miudezas, alimentos prontos e gerenciando negócios como também
com comerciantes afrodescendentes nestas funções, pelo menos,
desde o século XIX. Na documentação a seguir analisada, ficou
expressa essa forte presença.
Jacinta Izabel do Espírito Sancto, em 2 de agosto de
1847, estava na casa de José Fernandes, comercializando sua
canjica. Manoel José Fernandes ofereceu o produto a Vitorino
Alves dos Reis, e, pegando a canjica, não tinha como comê-la,
então pega um pavio. Jacinta Izabel reclamou comentando o
custo, três vinténs pelo pedaço. Vitorino declarou pagar
quatro.
17
Ao saírem, houve uma pequena discussão, a vendedora tira
o chinelo e atira na direção de Vitorino, este se desvia e
arremete contra Jacinta com uma faca. O resultado foi a morte
de Jacinta.
16
O grupo de comerciantes de Coqueiros foi tema de uma pesquisa de
Iniciação Científica de Márcia Adriana Alves dos Santos, ex-aluna do
curso de História e ex-bolsista PICIM/UNEB no projeto “A cidade como
espaço da diversidade cultural” e gerou uma monografia de final de
curso no ano de 1999.
17
relato baseado no processo de Revista Crime, réu: Vitorino Alves
dos Reis. In: APEBA, Seção: Judiciário, série: Crimes, ref.
18/621/1.
188
Não foi possível saber o final da história, pois o
processo está incompleto, mas o apelo comunitário envolvendo
pares neste pequeno comércio ficou bastante explícito. Das
cinco testemunhas, duas foram qualificadas como crioulos e
três como pardos. Dois presenciaram o fatos, os outros
ouviram
dizer
por terceiros presentes.
Maria Odila Leite da Silva Dias, assim falou desse
pequeno comércio, para o contexto de São Paulo:
No comércio ambulante coexistiam escravos de ganho,
alugados ou que se alternavam no serviço doméstico
de suas proprietárias, com forros e brancos pobres,
roceiros, caipiras, que gravitavam em torno das
casinhas e vias de acesso às pontes da cidade [...]
a troca em vinténs, tomando feições que trancendiam
o nível puramente econômico para se revestir do
sentido cerimonial de um ritual comunitário.
18
No Livro de Notas número 22, página 11, registro do dia
27 de outubro de 1852, escrito pelo Tabelião Luiz Gonzaga da
Maya, do acervo guardado no Arquivo Público do Estado da
Bahia, seção Judiciária, encontrei o registro de uma doação
muito estimulante, para a pesquisa, trazendo uma mulher
gerenciando uma casa de negócio e também de um negro
trabalhador neste setor.
18
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder..., op. cit.,
p. 157-159.
189
Nele, o pardo Ramiro, escravo da falecida Roza Cândida
d´Antas Fulgencio, recebido em legítima pelo filho da defunta,
José Bento d´Antas Coelho, conquista sua alforria, através
dessa doação com a seguinte justificativa:
[...] foi o pardo Ramiro a quem a Mãi do
Supplicante tinha em grande estimação negociando em
loja de porta aberta em a caza a praça da Feira já
hoje propriedade do Supplicante[...]
19
A conquista da liberdade, então, tem como maior
justificativa as aptidões do ex-escravizado no comércio de
porta aberta de propriedade de sua antiga dona em um ponto
comercialmente importantíssimo e provavelmente muito
lucrativo.
Talvez as atividades do estabelecimento estivessem a
cargo do próprio Ramiro, encarregado de todas as atividades,
portanto com uma autonomia relativamente grande. Isso tornava-
o indispensável para o herdeiro da casa comercial. Porém foram
impostas condições para a libertação, destacando mais ainda o
tino comercial de Ramiro:
[...] a continuar a morar com o supplicante,
negociando como até agora na propria caza em que
está, e que ahy o supplicante o tomará por sócio no
negocio, entrando elle nos lucros e prejuizos como
mieiro, e quando por morte do liberto que não tem
19
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 22, p.
11.
190
nenhum herdeiro, ficar para o supplicante os bens
que então possuir como em paga da alforria.
20
A sociedade oferecida parece um prêmio pelos bons
serviços prestados por Ramiro durante a gestão de Roza Cândida
na loja da praça da Feira, porém a cláusula colocando o
próprio doador como beneficiário no caso de morte do ex-
escravizado pareceu estranha, ou seja, Ramiro trabalharia,
acumularia bens, mas com sua morte eles voltariam a seu antigo
senhor.
Essas cláusulas nos remetem ao caráter de contrato da
escravidão extrapolando até seus limites. Além disso, o
paternalismo fica explicitado nas condições posteriores da
liberdade. O ex-escravo devia a obrigação de trabalhar com o
ex-senhor e instituí-lo como herdeiro, em compensação, o ex-
senhor deveria proteger o ex-escravo.
A cláusula, porém, foi questionada pelo curador do
libertando e revista no próprio registro antes das assinaturas
e do ato consumado, ficando Ramiro senhor de seus bens e
podendo dispor deles em testamento a quem bem entendesse.
O registro também deixou expressa a autonomia
conquistada, no tempo de escravizado, por Ramiro que conseguiu
acumular bens e até construir uma casa de morada na entrada da
Vila onde morava, nos tempos de cativo:
20
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 22, p.
11.
191
Mas por que no tempo do cativeiro o dito Doado
tinha feito huma morada de caza na entrada d’esta
Villa, que chama do seo dominio, mas que na fórma
da Lei he propriedade do Cazal do Pai do Doadôr,
declarou este que visto como o liberto ficava
isento da ultima condição elle seo primeiro senhor
lhe não tomava a caza, mas declarava que esta fazia
d’esde já parte da Sociedade com o doadôr sem que
elle doado liberto podesse por si somente em tempo
algum vender a dita caza, por que só poderia fazer
se o doador libertante consentisse na venda
assignando ambos na Escriptura.
21
Apesar da existência legal do pecúlio do escravizado só
ter sido formalizada com a lei de setembro de 1871, o registro
expõe este uso costumeiro de acumulação de bens como rotineiro
na região, apesar de ter sido contestado pelo primeiro dono do
ex-escravizado. Porém, no segundo momento, explicita o caráter
paternalista nesta relação, o ex-senhor de Ramiro e pai do
atual senhor José Bento, como dádiva, abre mão de um bem em
favor de seus protegidos, cumprindo o papel de chefe familiar.
O documento deixa a entender também uma certa
independência relativa para o comércio, de que o escravo
Ramiro gozava. Autonomia perdida no ato da alforria com uma
cláusula de proibição de negócios fora da sociedade. Além
21
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 22, p.
11v.
192
disso, a casa construída com os lucros dessas atividades
ficava agora para a sociedade. Como bom negociador Ramiro
sabia abrir mão de certos detalhes para conquista de um bem
maior.
A doação da liberdade, ao invés de restituir, parece ter
tomado a liberdade de Ramiro obrigado a ir morar com seu novo
sócio e ex-senhor, perdendo parte também de seus pecúlios,
pois sua pequena propriedade passou a ser da sociedade. Mas o
preço pareceu razoável, pois ele passou a comercializar em uma
casa onde agora era sócio e poderia obter e acumular novos
lucros, talvez superiores aos auferidos com suas atividades
fora da loja. Isto também trazia responsabilidades novas, pois
os eventuais prejuízos também seriam divididos.
A estratégia de José Bento D’Antas Coelho foi de
“premiar” Ramiro com sua liberdade, recompensando sua
fidelidade à mãe do doador. Tornou-o devedor deste grande
passo na vida do ex-escravizado.
O ex-senhor tentou conquistar a confiança de Ramiro
oferecendo sociedade na casa de negócios. Isso implicava,
também, lucros para José Bento, mas ele queria garantias da
fidelidade exigindo a vinda de Ramiro para perto de seus
olhos, morando na mesma casa, e impedindo os negócios
autônomos efetuados fora da sociedade.
Normalmente, acontecia o inverso: o escravizado saía das
vistas de seu senhor, conseguia dinheiro suficiente, voltava e
comprava sua liberdade. Este tipo de conquista subverte
193
totalmente o padrão e nos leva a pensar em todas as
possibilidades de negociações para manter a autonomia relativa
ou conquistar a desejada liberdade.
Alguns anos depois, em 22 junho de 1864, ocorreu o
distrato, extinguindo a sociedade entre os cônjuges José Bento
D’Antas Coelho e Maria Ermiliana D’Antas, e o liberto Ramiro
José de Figueiredo
22
. Neste momento, a conquista é total.
No inventário de José Bento Dantas Coelho, iniciado em 22
de julho de 1867
23
, na relação dos bens dados a inventariar,
não apareceu nada lembrando atividades comerciais, tampouco
isto foi mencionado alguma atividade ou casa comercial. Foram
arrolados os seguintes escravizados:
Quadro 11 – Relação de escravos do inventário
de José Bento Dantas Coelho
NOME COR IDADE OFÍCIO VALOR
Gervazio Pardo 23 anos Oficial de
sapateiro
700$000
Innocencio Pardo 8 anos Não mencionado 400$000
Francisco Pardo 15 anos Não mencionado 500$000
Fidelis Pardo 5 meses Não mencionado 50$000
Pacifica Parda 5 meses Não mencionado 50$000
Florência Parda 40 anos Não mencionado 400$000
Selidonia Parda 23 anos Não mencionado 500$000
Secundina Parda 9 anos Não mencionado 300$000
Dulcelina Parda 3 anos Não mencionado 150$000
TOTAL GERAL 3.050$000
Fonte: APEBA, Seção: Judiciária, Testamentos, ref.
02/662/1121/18.
O valor total dos escravizados representou algo em torno
de 45% do total do monte mor, foi calculado em 6.803$200 réis,
22
APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina, n. 30
23
APEBA, Seção: Judiciária, Testamentos, ref. 02/662/1121/18.
194
revelando um forte investimento na mão-de-obra. Porém chamou
minha atenção o fato de que, dos nove escravizados do plantel,
sete são crianças ou jovens, apesar de contar entre os bens do
casal duas propriedades na área rural.
Não é possível saber o final desse caso, não foi
encontrado mais nenhum registro ou documento sobre Ramiro para
ajudar a completar este quebra-cabeça. O desaparecimento de
Ramiro das fontes pode indicar sua saída de Jacobina e efetiva
liberdade para praticar suas habilidades de negociante em
outro local, mas isto são apenas suposições.
4.3 VONTADES, SENTIMENTOS E SOFRIMENTOS
Em 4 de novembro de 1875, Joanna Maria do Espírito Sancto
compareceu à presença do Juiz Delegado suplente em exercício,
Manoel Febronio Javaly, para denunciar “Henrique, escravo de
domínio do portuguez Manoel Joaquim”, pelo crime de
defloramento cometido em sua filha, Benedicta Maria de Jesus
24
.
Depois de realizado o exame de Corpo de Delito, pelas
parteiras Anna Gertrudes da Conceição das Neves e Thereza
Maria de Jesus, foi constatado o defloramento. Mas não
24
APEBA, Seção Judiciário, Processos Crime, Estante 4, Caixa 143,
documento 17, ref. 4/143/17.
195
constataram violências no ato, só pelas informações da
ofendida
25
.
Nos autos de perguntas à ofendida, ela contou o caso
ocorrido em “um dia de domingo, que no passado fez oito dias”.
Ela estava indo pegar água na fonte com seu irmãozinho João no
Sitio Angico onde morava, quando foi
[...] aggredida por Henrique, escravo do portuguez
Manoel Joaquim, e ahi o dito escravo agarando ella
respondente arrasto-a para d´entro do matto,
derribando no chão, e d´ella se servio a força
brutal dizendo mais o mesmo escravo n´essa ocazião
que se ella critasse elle a matava.
26
Segundo a ofendida, o irmão e mais uma vizinha de nome
Cândida tinham sido as únicas pessoas testemunhas do ato, pois
o irmão ficou na beira da fonte, junto com o pote, e Cândida
viu quando saíram do mato e a acompanhou até sua casa, porém
ela não disse nada do acontecido para a mulher
27
.
O réu foi intimado, para comparecer no dia 25 de novembro
de 1875, assim como Antônio José, Cândida, casada com Luiz
caboclo, Francisca de Silvino, Juvêncio de tal, Manoel Bóbó e
Manoel Alvez, todos moradores no sítio Angicos, como
25
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Corpo de Delito realizado na ofendida, p. 10.
26
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas feitas a ofendida, p. 10v.
27
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas feitas a ofendida, p. 11.
196
testemunhas. O réu não compareceu. Seu senhor nomeia um
procurador, Febronio Serapião Bentevy, para representá-lo no
processo.
A primeira testemunha, Manoel Alves de Souza, de quarenta
anos, lavrador, solteiro, morador no sítio Angicos, disse:
[...] que um dia de sábado chegou o réu muito
satisfeito da prizão de Pedro de tal dizendo o
mesmo réo que há um anno que pelejava com duas
moças, uma já tinha se cazado e a outra Benedicta
digo e a outra offendida de nome Benedicta, filha
da queixoza Joanna [rendado], e que agora é que
tinha vencido, pois já tinha servido por muitas
vezes da dita menina.
28
O caso chama a atenção, pois, no depoimento, ficou
marcada a mobilidade espacial de Henrique, conquistada junto
ao seu senhor ou por obrigação de suas funções. No Auto de
Qualificação, em 22/12/1875, revelou ser vaqueiro, além disso,
disse ser filho de Delfina, ter nascido na freguesia de
Jacobina, e ter “vinte e sete a vinte oito anos”. No mesmo
ato, como disse ser escravo, foi nomeado Fibronio Serapião
Bentivy como seu curador.
29
No mesmo dia, aconteceu o depoimento de Cândida Maria do
Espírito Santo, 22 anos, que vivia do serviço doméstico, era
28
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas as testemunhas, p. 29v.
29
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas as testemunhas, p. 32.
197
casada, natural da Freguesia da Vila de Jacobina e residente
no Sítio Angicos. Respondeu:
[...] que vindo de sua roça com seu marido Luiz
Bento de Carvalho, encontrara o réo com Benedicta
filha de Joanna conversando na beira do rio do
mesmo sitio Angicos, não tendo prezenciado o facto
constante da queixa e sim ter ouvido dizer por sua
Avó Cicilia de tal que Benedicta hia para caza de
Henrique, menos que Henrique devesse nada a ella.
30
Apesar de dizer viver de serviços domésticos, a
testemunha vinha da roça com o marido, ou seja, também ajudava
nas atividades agrícolas. É importante também assinalar outros
sinais de autonomia na vida do vaqueiro Henrique: fazer seus
horários de trabalho, ter possibilidade de morar em uma casa
só sua, constituir família. Ficou evidente, no depoimento de
Cândida, o mal conceito atribuído a Benedicta:
[...] ouvio dizer por uma Tia da offendida de nome
Joanna que aquella não era mais honesta, e qu do
homem que morava na caza della de nome Pedro é quem
havia a offendido.
31
O curador do réu percebendo uma brecha por onde poderia
embasar sua defesa, pergunta se a ofendida e a mãe não moravam
com José Pedro e se não tinha sido ele o ofensor de Benedicta.
30
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas as testemunhas, p. 33 e 33v.
31
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas as testemunhas, p. 34
198
A testemunha declarou “que sabe pela boca da tia e mais
pessoas como bem seja Joaquim doce, e João filho de Antonio de
tal”
32
.
A rudeza e brutalidade do fato ocorrido não invalidam as
perspectivas de leitura das informações colhidas. Outras
testemunhas confirmam a versão de Cândida, e, sobre a
moralidade de Benedicta: Francisca Roza da Silva, de trinta
anos, conhecida como Francisca de Sibirino, vivendo de
lavoura, moradora no sítio Angicos; Manoel Ferreira de Souza,
trinta e dois anos, vivendo de lavoura, solteiro, natural e
morador do sítio Angicos
33
.
Antonio José de Oliveira, com trinta e sete anos, que
vivia de lavoura, casado, morador do sítio Angicos, natural da
Cidade de Estância, província de Sergipe, engrossou o caldo
das autonomias de Henrique. Em seu depoimento no dia 28 de
dezembro de 1875, ele declarou:
[...] estando em sua caza no sitio Angicos no dia
29 de setembro, proximo passado, chegara em sua
caza Victorina amazia de Henrique réo prezente
queixando-se que este lhe tinha deitad para fóra de
caza, para deitar Benedicta offendida que o réo
prezente havia deflorado.
34
32
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas as testemunhas, p. 34v.
33
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas as testemunhas, p. 35; p. 36v.
34
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas as testemunhas, p. 41.
199
Henrique já tinha constituído família e, mais uma vez,
suas vontades são expressas, pois mandou embora sua antiga
amásia para colocar em seu lugar uma mulher mais jovem.
Juvêncio José dos Santos, vinte e oito anos, que vivia de
lavoura, casado, morador no sítio Angicos, natural da
freguesia da Vila de Jacobina, também confirmou não só os
detalhes dos atos de Henrique e Benedicta, pois teria sabido
destes diretamente pelo escravizado, como também o interesse
de Henrique em Cicília, já casada. Mais uma vez, as vontades
de Henrique aparecem no documento.
Disse mais, que no dia em que Henrique lhe contara
que tinha servido da menor Benedicta, lhe mostrou a
cirola cheia de sangue e a ponta da camiza, assim
elle testemunha pode acreditar.
35
No interrogatório de Henrique, no dia 4 de janeiro de
1876, ele informou um desentendimento com José Pedro, por este
já o ter prendido a mando do seu senhor, Manoel Joaquim, e sua
satisfação em saber da prisão, naquela ocasião, de José Pedro.
Porém este, em vingança, mandou fazer aquela queixa contra
ele. Este parece ser um caso de uma briga entre um escravizado
e um capitão do mato.
Henrique, apesar de ter sido preso a mando do senhor em
uma ocasião passada, devia ser muito importante para os
negócios de Manoel Joaquim da Silva, pois este mobilizou
35
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas as testemunhas, p. 45.
200
muitos recursos para livrar seu vaqueiro do risco de prisão.
Solicitou novas testemunhas, fez uma petição de ajuntada de
uma Inquirição de Testemunhas produzidas pelo justificante,
assinou pessoalmente ofícios. Enfim, cuidou de todos os
detalhes possíveis para livrar seu vaqueiro.
Henrique, por seu turno, deve ter-se empenhado para
conseguir convencer suas testemunhas a se deslocarem para
Jacobina e depor a seu favor. Companheiros de trabalho e
vizinhos foram depoentes. Alguns se mostraram solidários a
Henrique, outros apenas relataram o que
ouviram dizer
, bem nos
moldes de preservação da cultura oral.
Nos autos, nenhuma nova informação foi acrescentada. São
três novas testemunhas e, depois, mais três convocações de
testemunhas já ouvidas, não sendo acrescentado nada ao
processo.
O caso foi encerrado com o despronunciamento
36
de
Henrique, em 29 de março de 1876, pois a mãe de Benedicta não
conseguiu provar a menoridade da ofendida. Mas o juiz fez um
despacho chamando a atenção para o fato de ter realmente
acontecido um crime de estupro e não de defloramento, mas,
como não existiam as provas de idade de Benedicta, foi negada
inclusive a apelação.
36
APEBA, Seção: Judiciário, série: Libelo Cível, ref. 4/143/17, Auto
de Perguntas as testemunhas, p. 98.
201
A conquistada mobilidade espacial, garantia de moradia
fora das vistas do senhor, possibilidade de constituir família
e garantia de uma vida minimamente autônoma pode transparecer
uma face branda da escravidão sertaneja, levando a
entendimentos equivocados e possibilitando até uma
interpretação de benevolência dos senhores. Mas é necessário
também observar, nos próprios casos, a crueldade das relações
escravistas, onde um homem podia dispor do outro para
satisfazer todas as suas vontades.
Em 25 de abril de 1862, foi aberto um processo na Comarca
de Jacobina, julgado de Villa Nova da Rainha, pois “á força de
barbaros castigos applicados por Sinfronio Simões Ferreira, no
preto escravo de nome Damião, fallecêra este no dia 22 d’este
mez victima”
37
. No auto de qualificação Sinfronio, declarou ter
vinte cinco anos, disse ser capitalista, casado.
A primeira testemunha ouvida foi o alferes João Felix
Martins, solteiro, de 30 anos, natural do termo da Vila Nova,
e residente na Fazenda Chumbado e criador e proprietário.
Sobre os castigos, ele declarou:
[...]principiarão depois que se tirou o leite na
Fazenda, as oito horas do dia, mais ou menos e
durarão ate as onze horas ou meio dia, sendo que os
castigos forão aplicados nas nadegas extendendo-se
ate o quadril, alem de alguns pontapez que o
37
APEBA, Seção: Judiciário, série: Apelação Crime, Estante: 18,
Caixa: 621, documento: 4, ref. 18/621/4.
202
contundirão no pescoço e pé do ouvido[...] aplicou
no mesmo escravo para mais de mil chicotadas.
38
Declarou ter aconselhado Sinfronio a levar o escravizado
para ser castigado na Villa, e descreveu como o velho Damião,
de mais de oitenta anos, tinha ficado depois dos castigos.
Disse, ainda, que o vaqueiro Ventura e ele declarante foram os
primeiros a atender o escravizado e levá-lo para sua casa,
pois “depois d’esses castigos elle não se podia conter em pé,
ficando prostado”
39
.
Os tratamentos das feridas foram minuciosamente
descritos, mas seu efeito foi inócuo, pois:
[...] as feridas nunca forão curadas, e que de seo
corpo, ou antes das mesmas feridas sahia grande
numero de bichos, sendo que elle testemunha com
suas proprias mãos tirou não menos de uma xicra de
bichos, sendo que durante esse mesmo tempo o
escravo não se podia movêr, tendo em cada um dos
quartos um tampo de carne podre, cahidas, deixando
ver uns buracos muito feios.
40
Esclareceu também como foi encontrado o escravizado no
dia de sua morte, com sinais de enforcamento, estando com um
38
APEBA, Seção: Judiciário, série: Apelação Crime, ref. 18/621/4. p.
4.
39
APEBA, Seção: Judiciário, série: Apelação Crime, ref. 18/621/4. p.
5.
40
APEBA, Seção: Judiciário, série: Apelação Crime, ref. 18/621/4, p.
5v.
203
cabresto em volta do pescoço, mas este passava por um juazeiro
com duas voltas. Pelo estado de saúde de Damião, ele não
poderia ter feito isso. Sinfronio, presente à audiência,
contesta a maior parte do depoimento.
A segunda testemunha, Bernardino José de Senna, vaqueiro,
trinta e cinco anos, casado, sabia ler. Trouxe mais algumas
informações:
[...] na Fazenda Chumbado, elle testemunha vio com
effeito o reo presente estar castigando o escravo
Damião, por motivo de ter este lhe dado uma
cacetada[...] e que se elle mesmo se enforcou, elle
testemunha ignora, podendo esntretando affirmar,
que nenhum sinal havia de enforcamento, pois o
mesmo escravo não tinha os olhos arregalados, em
lingua de fora, vendo-se apenas um pequeno sinal
onde estivera a corda [...]
41
Os castigos físicos eram permitidos na escravidão
ocidental com certos limites. Em 10 de junho de 1835, foi
promulgada uma lei punindo com mais rigor os crimes dos
escravos contra administradores, feitores, seus senhores e
suas famílias.
As provas do suicídio de Damião são contestadas. As
outras testemunhas apenas confirmaram as informações dadas até
aquele momento. No depoimento da sétima testemunha, Nizianzeno
41
APEBA, Seção: Judiciário, série: Apelação Crime, ref. 18/621/4, p.
8v.
204
Leôncio Figueiredo, quarenta e três anos, casado, tudo ficou
menos nebuloso:
[...] tudo isso provinha de caçuadas feitas por
João Felix Martins, tractando de indispôr o dito
escravo Damião contra seo senhor Simphronio Simões
Ferreira, dizendo-lhe que elle já havia envenenado
ao seo senhor Coronel Antonio da Silva Duarte, para
assim[...] poder casar-se com a mulher viuva do
fallecido, querendo agora assassignal-a para
apoderar-se de seos bens e hir-se imbora e que o
dito escravo por ser muito ignorante acreditou em
semelhantes caçoadas e dirigio-se para o curral da
fazenda onde estavão, e onde tinha a certeza que o
accusado havia chegar, e ahy depois de esperal-o
deu-lhe trez cacetadas.
42
Depois desse testemunho, outros ainda declararam as
mesmas coisas, dizendo ainda nunca terem visto intrigas entre
o casal e também atestando a boa índole do senhor. O réu é
despronunciado e a decisão foi recorrida pelo promotor, não
foi possível saber a data, pois a página está sem condições de
leitura.
É apensado ao processo um novo recurso. Nas Alegações do
Recorrido em 26 de maio de 1862, com oito páginas manuscritas,
frente e verso, o acusado defende-se declarando ser vítima de
42
APEBA, Seção: Judiciário, série: Apelação Crime, ref. 18/621/4, p.
26
205
um complô para matá-lo. Segundo as alegações, os mentores
dessa trama foram os sobrinhos do falecido Comandante Superior
Antonio da Silva Duarte, envolvendo, além de Damião outros
antigos escravizados do comandante, entre eles Joaquina
insuflando os outros contra ele, por mando de Manoel
Nascimento Silva Torres
43
.
Nos depoimentos perante o júri, em Jacobina, Manoel
Longuinho de Souza, vinte anos, casado, vivia de criar gados,
declarou:
[...] que as pancadas dadas pelo escravo no
accusado forão motivadas por brigas, por causa de
leite. Declarou mais a testemunha que attribue
tambem as cacetadas ao facto de ter vindo um
moleque da casa do accusado, gritando que este
queria assassinar a Dona Maria, sua mulher com uma
faca.
44
O começo dessa história foi trágico e o final esperado,
Sinfronio é absolvido pelo júri em 4 de julho de 1862, e
passado o alvará de soltura. Esta última declaração de Manoel
Longuinho, chamou a atenção para o comprometimento do
escravizado com sua senhora. Damião, um velho de oitenta anos,
queria proteger sua senhora, mesmo contra o vigor de um jovem
de 25 anos. Esta tentativa lhe custou a vida.
43
APEBA, Seção: Judiciário, série: Apelação Crime, ref. 18/621/4, p.
29-37
44
APEBA, Seção: Judiciário, série: Apelação Crime, ref. 18/621/4, p.
61v.
206
A violência subjacente ao sistema escravista, no
entanto, não se restringe à consideração do
monopólio da força detido pela camada senhorial
[...]
Considera-se a sociedade escravista como produtora
de uma ampla rede de cotrole social, capaz de
combinar o argumento da força com outros mecanismos
de dominação.
45
Os sofrimentos e a morte do velho Damião foram causados
pelo seu desejo de proteger e ajudar sua senhora. Não foram
encontrados outros documentos para sustentar a hipótese de
rebelião contra o réu, mas de qualquer forma, nos depoimentos
ficou a informação de que duas escravizadas ainda continuavam
escondidas na propriedade do sobrinho do Capitão Antonio da
Silva Duarte, antigo senhor dos escravizados.
45
MACHADO. Maria Helena Pereira de Toledo. Crime e escravidão:
trabalho, luta e resistência nas lavouras paulistas 1830–1888. São
Paulo: Brasiliense, 1987. p. 17.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
208
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho procurou diminuir a invisibilidade das
populações negras no sertão das Jacobinas. Seu objetivo foi
mostrar a partir de pesquisas embasadas em várias séries
documentais aquilo visto todas as sextas e sábados nas feiras
da cidade, a pujança de uma população ativa e trabalhadora.
A invisibilidade foi sendo construída ao longo de vários
anos, tendo conseqüências funestas para uma grande parcela da
população, não podendo nem mesmo reconhecer-se ou conhecer seu
passado e a contribuição de seus antepassados para construção
da cidade.
Em 1998, visitando uma comunidade rural afrodescendente
das cercanias de Jacobina, chamou minha atenção a preocupação
com a reforma das casas. Era uma comunidade grande e antiga
com algumas ruas amplas, uma praça, campo de futebol no
centro, mas as casas de taipas estavam sendo desmontadas e
construídas novas casas de alvenaria. A casa do morador mais
velho ficava próximo à grande praça.
Nossa conversa foi muito instigante, pois ele contou uma
parte da história da formação da comunidade. Ela era muito
209
antiga, desde antes da Abolição, e os primeiros casais de
moradores instalaram-se ali e começaram a plantar café e
banana, sendo que esta última ainda domina a lista de produtos
plantados na comunidade.
Os casais eram ‘crioulos’ livres e tinham chegado à
região, convidados pelo comprador dos terrenos, oferecidos
gratuitamente aos outros, em troca da companhia e trabalho
comunitário. Até o momento da conversa, uma parcela do terreno
era plantada comunitariamente e seus frutos vendidos na feira
de Jacobina, sendo os rendimentos distribuídos para todos.
Em determinado momento, perguntei por que aquela agitação
em torno da reforma das casas e se a safra havia sido boa. A
resposta foi muito elucidativa sobre o tratamento dado aos
afrodescendentes da região.
Todos estavam reformando suas casas, pois a eletricidade,
depois de 20 anos passando por cima de seus terrenos, para
servir à sede de uma fazenda à frente, finalmente chegaria até
suas casas. Isto ocorrera só depois da eleição de um
vereador
representante dos negros
, conforme explicou o entrevistado.
A invisibilidade condenou as pessoas de uma comunidade
inteira à não usufruir dos confortos proporcionados pela
eletricidade. Lutar contra a invisibilidade, construída
historicamente, proporciona ações concretas como esta.
O fio condutor desta pesquisa foi a busca das populações
negras. Detive-me na leitura das entrelinhas e algumas
informações difusas encontradas em diversos documentos sobre a
210
implantação da pecuária e as minerações no início da
colonização até o final do século XVII, para encontrá-los em
diversos momentos e situações.
Foram encontrados, na região, negros nas mais diversas
conjunturas, libertos, escravizados e livres, cuidando de
roças, trabalhando como mateiro, trabalhando na mineração,
exercendo sua religiosidade, imersos em comunidades
quilombolas, lutando ao lado de indígenas ou até contra eles.
Para saber como era constituída esse grupo foi
necessário, primeiro, saber sua quantidade e qual seu real
impacto na população da região. Os documentos sobre a contagem
dos moradores da região são vagos, mesmo recorrendo ao
Recenseamento de 1872. Mesmo assim, foi possível saber um
pouco mais sobre a construção da invisibilidade. Apagar as
marcas deixadas por esta população tem sido uma das formas de
excluí-la, desde as primeiras tentativas de organização
administrativa no sertão.
Utilizando documentos os mais diversos, tais como
Documentos e Cartas da Câmara Municipal e dos Juizes de
Jacobina, Processos Cíveis e Crimes e Maços dispersos da
Polícia, Secas e Registros Cartoriais guardados no Arquivo
Público do Estado da Bahia, consegui ter uma idéia de como foi
organizada a exploração da mão-de-obra escrava na região, como
se constituía este grupo e também como foi possível a
negociação para as conquistas cotidianas do escravizado,
tornando sua vida menos penosa, e também como se dava a
conquista da liberdade.
211
Nos Livros de Registro dos diversos cartórios de
Jacobina, foram assentadas Cartas de Liberdade, conquistadas
por 503 pessoas, assim como, em outros trabalhos, as mulheres
representaram a quantidade mais expressiva.
O envolvimento e o sentido de proteção mútua também
ficaram registrados nos documentos cartoriais, existindo
alguns apontamentos de doações de bens para antigos
escravizados. Também nos processos crimes, isto ficou exposto,
quando escravizados buscaram proteger sua senhora.
Muitos documentos deixaram transparecer a astúcia de
homens e mulheres para conseguir um pouco mais de autonomia e
passar dias mais felizes. Estas conquistas podiam significar
grandes passos na vida da pessoa escravizada. Um dia a menos
de trabalho para o senhor podia ser a oportunidade de uma
poupança para uma futura conquista da liberdade pessoal ou de
um ente querido.
Deste trabalho também ficaram inúmeros questionamentos,
mas as pequenas picadas, aqui abertas serão trilhadas por
muitos outros jovens pesquisadores, entusiasmados pelo tema.
6 - FONTES E REFERÊNCIAS
213
6.1 FONTES
IMPRESSAS CONTENDO TRANSCRIÇÕES DE DOCUMENTOS:
ANNAES do Archivo Publico, ano 2, v. 3, Bahia: Imprensa
Official do Estado, 1918.
ANNAES do Archivo Publico, ano 3, v. 4 e 5, Bahia: Imprensa
Official do Estado, 1919.
ANNAES do Archivo Publico, ano 4, v. 6 e 7, Bahia: Imprensa
Official do Estado, 1920.
ANNAES do Archivo Publico, ano 7, v. 11, Bahia: Imprensa
Official do Estado, 1923.
ANNAES do Archivo Publico, v. 21, Bahia: Imprensa Official do
Estado, 1932.
ANNAES do Archivo Publico, ano 22, Bahia: Imprensa Official do
Estado, 1933.
ANNAES da Bibliotheca Nacional, v. 32, Rio de Janeiro: 1910.
ANNAES da Bibliotheca Nacional, v. 68, Rio de Janeiro: 1949.
DOCUMENTOS HISTORICOS da Bibliotheca Nacional, Rio de Janeiro:
Bibliotheca Nacional, 1928. v. 3; v. 4; v. 7.
DOCUMENTOS HISTORICOS da Bibliotheca Nacional, Rio de Janeiro:
Bibliotheca Nacional, v. 40, 1938.
Revista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, 1846.
t. 8.
214
FONTES MANUSCRITAS
Arquivo Público do Estado da Bahia
Relação de Tabeliões e Livros de Jacobina
TABELIÃO RESPONSÁVEL
ANO N
o
.
VICENTE MAURICIO DE OLIVEIRA
1795 1898? 1
FRANCISCO CAETANO FIGUEREDO
02/11/1807 09/12/1813 2
FRANCISCO CAETANO FIGUEREDO
02/12/1813 14/09/1820 3
JOSÉ RODRIGUES COSTA DO BRAZIL
15/09/1820 13/12/1826 4
MIGUEL ALVARES PEREIRA
1824 1825 5
JOSÉ RODRIGUES COSTA DO BRAZIL
13/04/1826 06/02/1828 6
SINFRONIO OLIMPIO DE FIGUEREDO
1830 1833 7
SINFRONIO OLIMPIO DE FIGUEREDO
1833 1837 8
SINFRONIO OLIMPIO DE FIGUEREDO
1837 1838 9
NICANDRO ALBINO LOPES
1838 1842 10
SINFRONIO OLIMPIO DE FIGUEREDO
1839 11
SINFRONIO OLIMPIO DE FIGUEREDO
1840 1841 12
NICANDRO ALBINO LOPES
1840 1844 13
SINFRONIO OLIMPIO DE FIGUEREDO
1841 1842 14
SINFRONIO OLIMPIO DE FIGUEREDO
1843 1845 15
NICANDRO ALBINO LOPES
1844 1845 16
NICANDRO ALBINO LOPES
1845 17
EZEQUIEL RODRIGUES COSTA DO BRAZIL
1845 1847 17A
SINFRONIO OLIMPIO DE FIGUEREDO
1846 1847 18
EZEQUIEL RODRIGUES COSTA DO BRAZIL
1847 1848 19
EZEQUIEL RODRIGUES COSTA DO BRAZIL
1848 1852 20
LUIS GONZAGA DO MAYA
1850 1852 21
LUIS GONZAGA DO MAYA
1852 1854 22
LUIS GONZAGA DO MAYA
1854 1856 23
LUIS GONZAGA DO MAYA
1856 1858 24
VALENTIM DOS REIS SANTIAGO
1857 1858 24A
LUIS GONZAGA DO MAYA
1858 1861 25A
VALENTIM DOS REIS SANTIAGO
1858 1859 25
VALENTIM DOS REIS SANTIAGO
1859 1861 26
VALENTIM DOS REIS SANTIAGO
1861 1863 27
LUIS GONZAGA DO MAYA
1861 1863 28
VALENTIM DOS REIS SANTIAGO
1863 1867 29
LUIS GONZAGA DO MAYA
1863 1868 30
JOSÉ JOAQUIM DE VALOIS COUTINHO
1863 1885 31
PEDRO DA SILVA CARDOSO
1868 1870 32
LUIS GONZAGA DO MAYA
1869 1872 33
BRAULIO JOSÉ TEIXEIRA
1870 1871 34
BRAULIO JOSÉ TEIXEIRA
1871 1872 35
BRAULIO JOSÉ TEIXEIRA (PROCURAÇÕES)
1875 1889 36
BRAULIO JOSÉ TEIXEIRA
1878 1881 36A
LUIS GONZAGA DO MAYA
1880 1884 37
AGERICO FRANCISCO DE MORAES (PROCURAÇÕES)
10/02/1880 22/08/1885 38
AGERICO FRANCISCO DE MORAES
1880 1886 39
LUIS GONZAGA DO MAYA (PROCURAÇÕES)
10/04/1880 31/01/1889 40
BRAULIO JOSÉ TEIXEIRA
30/08/1881 09/02/1884 41
LUIS GONZAGA DO MAYA
26/09/1884 29/07/1889 42
BRAULIO JOSÉ TEIXEIRA
11/02/1884 13/01/1890 43
AGERICO FRANCISCO DE MORAES
02/10/1885 23/09/1891 44
AGERICO FRANCISCO DE MORAES
28/04/1887 12/12/1899 45
215
Seção: Colonial e provincial, série Governo, Câmara de
Jacobina, Maço n. 1328.
Seção: Colonial e provincial, série Governo, Câmara de
Jacobina, Maço n. 1329.
Seção: Colonial e Provincial, série Governo, Câmara de
Jacobina, Maço n. 1330.
Seção: Colonial e Provincial, série Governo, Presidente de
Província, Correspondências, Maço n. 2430.
Seção: Colonial e Provincial, série Governo, Presidente de
Província, Correspondências, Maço n. 2431.
Seção: Colonial e Provincial, série Governo, Presidente de
Província, Correspondências, Maço n. 2432.
Seção: Colonial e Provincial, série Governo, Presidente de
Província, Correspondências, Maço n. 2433.
Seção: Colonial e Provincial, série Governo, Presidente de
Província, Correspondências, Maço n. 2434.
Seção: Colonial e Provincial, série Governo, Presidente de
Província, Correspondências, Maço n. 2435.
Seção: Judiciário, Processos Crime, ref. 33/1158/11.
Seção: Judiciário, Processos Crime, ref. 26/921/14.
Seção: Judiciário, Processos Crime, ref. 18/621/1.
Seção: Judiciário, Processos Crime, ref. 18/621/4.
Seção: Judiciário, Processos Crime, ref. 41/1456/4
216
Seção: Judiciário, Testamento e Inventários: Jacobina:
Galdina Cândida da Rocha César, 03/1086/1555/07
Ignacia Francisca Freire, ref. 03/1388/1857/02
José Bento D’Antas Coelho, ref. 02/662/1121/18
Partilha Amigável: Manuel Jose Marques, ref. 02/619/1073/13
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HOMENSMULHERES
ADULTOS
CRIANÇAS
ADOLECENTES
IDOSOS ADULTOS CRIANÇAS
ADOLECENTES
IDOSOS
ANO
T
O
T
A
L
N
Valor Médio
N
Valor Médio
N
Valor Médio
N
Valor Médio
N
Valor Médio
N
Valor Médio
N
Valor Médio
N
Valor Médio
1808 7
3 150 2 55 2 110
1819 1
1 110
1828 5
1 132 1 132 1 132 1 132 1 132
1831 1
1 80
1832 1
1 180
1833 1
1 150
1837 2
1 120 1 100
1838 3
1 500 2 250
1839 20
11 369,27 1 280 1 500 2 202,5 3 416,66 2 250
1840 13
5 360 1 400 4 387,5 2 320 1 60
1841 24
10 405 2 250 10 339,67 2 200
1842 32
15 379,33 4 252,5 1 300 1 300 8 328,75 2 260 1 300
1843 12
4 350 3 233,33 2 505 2 375 1 200
1844 26
11 344,55 1 400 3 266,66 8 390,75 2 235 1 40
1845 22
11 389,64 6 227,5 1 240 3 358,66 1 50
1846 21
7 412,86 5 231 6 379,33 3 250
1847 36
13 466,85 2 300 1 400 1 100 14 371,43 5 298
1848 19
5 310 6 288,33 4 450 4 302,5
1849 3
3 410
1850 11
6 415 1 150 1 450 3 335
1851 9
3 316,66 3 180 1 140 2 387,5
1852 6
2 350 2 440 2 325
1853 5
2 500 1 530 2 400
1854 3
3 491,66
1855 8
3 600 2 250 2 450 1 700
1856 17
6 734,16 2 350 2 785 2 225 3 529,33 2 690
1857 13
2 560 4 582,5 1 1300 3 766,66 3 466,66
1858 17
3 1116,66 2 850 1 800 3 933,33 5 528 2 1050 1 100
1859 21
6 977,5 3 616,66 1 700 6 1116,66 5 512
1860 20
6 941,66 5 375 1 1000 4 1072,5 3 213,33 1 575
1861 10
3 783,33 2 750 2 1000 1 500 1 650 1 500
1862 10
1 300 3 726,66 5 456 1 300
1863 4
1 1100 1 100 2 450
1864 2
1 500 1 500
1865 2
1 600 1 300
1866 4
2 550 1 180 1 800
1867 3
2 750 1 300
1868 3
1 900 1 200 1 600
1869 4
1 150* 1 200 1 600 1 600
1870 3
1 550 2 550
1872 4
1 400 1 600 1 200 1 300
1873 1
1 200
1874 1
1 900
1875 1
1 700
1876 1
1 700
1877 1
1 300
1878 1
1 400
1879 3
2 825 1 500
1880 7
1 500 2 500 2 800 1 400 1 500
1881 1
1 255
1882 1
1 200
1885 1
1 450
Totais
447
148 17109,47 65 9533,82 22 9911,66 12 2234,16 110 16463,73 72 11115,15 10 5157 8 1182
Média Geral
115,6045 146,6742 450,53 186,18 149,6703 154,37708 515,70 147,75
Fonte: APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina
234
VALORES REGISTRADOS NAS CARTAS DE LIBERDADE – JACOBINA
H O M E N SMULHERES
CRIANÇAS
ADOLECENTES
ADULTOS IDOSOS
CRIANÇAS
ADOLECENTES
ADULTOS IDOSOS
ANO
T
O
T
A
L
N V L N V L N V L N V L N V L N V L N V L N V L
1807 1 1 100
1809 1 1 60
1810 2 1 1 200
1811 3 2 50 1 90
1812 2 2 88,5
1813 1 1 120
1814 1 1 40
1815 5 1 55 3 182 1 100
1816 2 1 180 1 45
1817 1 1 70
1819 2 1 45 1 50
1820 1 1 60
1821 2 2 55
1823 1 1 115
1824 3 2 87 1 150
1825 3 1 40 1 50 1 60
1826 4 2 155 1 40 1 150
1827 2 1 35 1 110
1830 4 2 250 1 40 1 200
1831 3 1 150 1 200
1832 2 1 200 1 120
1834 2 1 80 1 200
1835 3 2 180 1 800
1837 3 1 600 1 30 1 65
1838 1 1 220
1839 5 1 200 2 325 1 370 1 300
1840 3 1 57 1 600 1 110
1841 7 4 292,5 3 216,66
1842 3 1 120 1 200 1 60
1844 3 1 100 1 1600 1 250
1845 3 1 500 1 29 1 250
1846 1 1 300
1847 3 1 450 2 160
1848 3 1 600 1 25 1 350
1849 1 1 400
1850 1 1 420
1851 3 2 540 1 80
1852 3 1 140 2 500
1853 2 2 225
1854 2 1 100 1 350
1855 1 1 600
1856 2 1 170 1 700
1857 3 1 100 1 100 1 50
1858 1 1 350
1859 5 2 525 3 333,33
1860 2 1 300 1 1240
1861 3 2 1000 1 1000
1862 8 3 1083,33 1 700 1 500 3 376,66
1863 10 2 150 3 1100 2 125 1 500 3 490
1866 6 1 100 2 650 3 500
1867 4 1 200 1 700 1 100 1 350
1868 5 1 200 1 250 3 703,33
1869 5 1 600 4 412,5
1870 6 1 1200 3 466,66 1 350 1 400
1871 5 2 600 1 100 1 100 1 150
1872 2 1 400 1 620
1878 1 1 100
1879 2 2 550
1880 3 2 350 1 100
1881 7 3 600 4 427,5
1882 2 2 245
1883 2 2 205
1884 4 1 200 3 266,66
1885 5 4 296,25 1 50
1886 4 4 213,73
1887 1 1 450
Totais 197 14 1500 2 1800 64 16531,49 5 1302 20 2134 3 800 79 15440,14 10 1430
Média Geral 107,1429 900 258,3045 260,4 106,7 266,6667 195,4446 143
Fonte: APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina.
235
CARTAS DE LIBERDADE POR MOTIVOS EXPRESSOS, IMPOSIÇÕES DE CONDIÇÕES
DA CONQUISTA DA LIBERDADE, SEXO E FAIXA ETÁRIA – JACOBINA (1807-1887)
Totais
Gerais
Bons
Serviços
Pagamento
de alguma
quantia
Pagamento e
Bons
Serviços
Por Amor
de Deus ou
Esmola
Por ter
Criado ou
ter amor
Outros
motivos
Não
citando
motivos
Condição
Expressa
na Carta
H M T
Faixa
Etária
H M T H M T H M T H M T H M T H M T H M T
TOTAL
GERAL
34 43 77 Criança 0 0 0 9 17 26 1 1 2 2 3 5 13 13 26 1 3 4 8 6 14
2 3 5 Adoles. 0 0 0 1 1 2 0 0 0 0 0 0 1 2 3 0 0 0 0 0 0
76 112 188 Adulto 7 18 25 55 58 113 4 9 13 1 3 4 3 8 11 0 3 3 6 13 19
6 17 23 Idoso 0 3 3 5 10 15 0 1 1 0 0 0 0 1 2 1 2 3 0 0 0
Sem
condição
118 175* 293* Totais 7 21 28 70 86 156 5 11 16 3 6 9 17 24 41 2 8 10 14 19 33
294
25 24 49 Criança 0 1 1 2 0 0 0 0 0 0 1 1 17 12 29 0 0 0 6 10 16
6 4 10 Adoles. 1 1 2 1 0 1 0 0 0 0 0 0 1 2 3 0 0 0 3 1 4
33 70 103 Adulto 7 25 32 3 0 3 0 0 0 1 4 5 11 16 27 4 4 8 7 21 28
6 6 12 Idoso 3 3 6 0 0 0 1 0 1 0 0 0 2 3 5 0 0 0 0 0 0
Condição
de Servir
em vida
70 104 174 Totais 11 30 41 6 0 6 1 0 1 1 5 6 31 33 64 4 4 8 16 32 48
174
6 4 10 Criança 0 0 0 4 0 4 0 0 0 0 1 1 2 1 3 0 1 1 0 1 1
0 2 2 Adoles. 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 2 0 0 0 0 0 0
8 12 20 Adulto 0 1 1 1 5 6 0 0 0 3 2 5 0 1 1 3 2 5 1 1 2
2 1 4 Idoso 1 0 1 0 1 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1
Outras
condições
16 19 35 Totais 1 1 2 5 5 10 1 0 1 3 3 6 2 4 6 3 3 6 1 3 4
35
209
Totais 204 298* 503* 19 52 71 81 91 173 7 11 18 7 14 21 50 61 111 9 15 24 31 54 85
503
Fonte: APEBA, Seção: Judiciária, Livros de Notas de Jacobina.
OBS: Existe um registro com casal e filhos, contei somente os pais e os filhos como
não estão mencionados quantidade de homens e mulheres não foram contados nas
crianças mas foi contado o registro no total geral.
236
Cartograma 1 – MAPA DA BAHIA DESTAQUE
TERRITÓRIO DE JACOBINA 1720
Fonte: BAHIA, Governo do Estado da. SEI - Superintencência de
Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Evolução territorial e
administrativa do Estado da Bahia: um breve histórico.
Salvador: SEI, 2001. Mapa da Bahia, 1720.
237
Cartograma 2 – MAPA DA BAHIA DESTAQUE
TERRITÓRIO DE JACOBINA 1752
Fonte: BAHIA, Governo do Estado da. SEI - Superintencência de
Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Evolução territorial e
administrativa do Estado da Bahia: um breve histórico.
Salvador: SEI, 2001. Mapa da Bahia, 1752.
238
Cartograma 3 – MAPA DA BAHIA DESTAQUE
TERRITÓRIO DE JACOBINA 1827
Fonte: BAHIA, Governo do Estado da. SEI - Superintencência de
Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Evolução territorial e
administrativa do Estado da Bahia: um breve histórico.
Salvador: SEI, 2001. Mapa da Bahia, 1827.
239
Cartograma 4 – MAPA DA BAHIA DESTAQUE
TERRITÓRIO DE JACOBINA 1889
Fonte: BAHIA, Governo do Estado da. SEI - Superintencência de
Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Evolução territorial e
administrativa do Estado da Bahia: um breve histórico.
Salvador: SEI, 2001. Mapa da Bahia, 1889.
240
Cartograma 5 – MAPA DA BAHIA DESTAQUE
CAMINHOS DE GADO (SÉCULOS XVII E XIX)
E ACIDENTES GEOGRÁFICOS
Fonte: BAHIA, Governo do Estado. A inserção da Bahia na
Evolução Nacional – 1ª Etapa: 1850 – 1889. Salvador: Sec. do
Planejamento, Ciências e Tecnologia; Fundação de Pesquisas,
1978. v. 1.
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