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NILDA DA SILVA PEREIRA
A ÉTICA ENQUANTO PRÁXIS NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA:
UM ENSINO EM QUESTÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
São Paulo
2006
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO
A ÉTICA ENQUANTO PRÁXIS NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA:
UM ENSINO EM QUESTÃO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção de título de
MESTRE em Educação: Currículo, sob
a orientação do Professor Doutor Mário
Sérgio Cortella.
NILDA DA SILVA PEREIRA
São Paulo
2006
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BANCA EXAMINADORA
DEDICATÓRIA
Às companheiras e aos companheiros do
grupo TEZ que “matam um leão por dia”
para construir o movimento negro no
Estado de Mato Grosso do Sul.
A todas e a todos que lutam contra a
exclusão, opressão e marginalização das
pessoas.
Ao meu pai, Prisilino Pereira da Silva, que
sonhou com seus filhos e filhas
estudados.
AGRADECIMENTOS
Ao Programa Bolsa da Fundação Ford coordenado no Brasil pela Fundação Carlos
Chagas e gerenciado por uma grande equipe: Fúlvia Rosemberg, Maria Malta
Campos, Regina Pahim Pinto, Ida Lewkovicz, Meire B. Lungaretti, Raquel Ribeiro da
Silva, Rosângela R. Freitas, Maria Luisa Santos Ribeiro, Márcia Caxeta, Leandro
Feitosa Andrade e Luiz Antonio F. de Souza.
Às educadoras do CEI ZEDU que não têm medo de crescimento pessoal e
profissional.
Ao professor Mário Sérgio Cortella pela sua dedicação e orientação.
Aos professores Alípio Casali e Jesus Eurico de Miranda Rescigno pela militância
na Filosofia da Libertação e pelas preciosas críticas.
A Arnor Ribeiro pela paciência na revisão
Aos professores e às professoras que me ajudaram a ser militante e profissional
mais qualificada: Alípio Casali, Branca Jurema Ponce, Mere Abromowicz, Mário
Sérgio Cortella, Antônio Chizzotti, Maria Malta Campos, Ana Maria Saul e Sérgio
Haddad.
Aos amigos e amigas que muito me ajudaram a construir esta dissertação: Lucimar
Rosa Dias, Bartolina Ramalho Catanante, Paulo Edyr Bueno de Camargo, Eliany M.
Salvatierra, Lucélia Guimarães, José Luiz Feijó Nunes, Valter Martins Giovedi, Maria
de Lourdes Rosa Carbone, Dina Maria da Silva, Fabiano Maisonnave, Maria do
Socorro C. Coelho e Íris Amaral de Souza.
À minha mãe Elvira Clara, às minhas irmãs Silvana, Suely (Tuca) e Valdete, minhas
sobrinhas Paloma e Pollyanna e ao meu grande companheiro Arnor Ribeiro.
RESUMO
O objetivo da pesquisa foi investigar a ética como conteúdo curricular e
práxis de ensino na educação infantil. A investigação possibilitou apontar e avaliar
as dificuldades, limitações e sucessos das práticas do ensino de ética no espaço
escolar de crianças pequenas.
A idéia de pesquisar ética na educação infantil surgiu porque algumas escolas
infantis do Estado de Mato Grosso do Sul desenvolvem com suas crianças
projetos e aulas sistematizadas que englobam cidadania e reflexão sobre valores.
Aulas que abordam assuntos como violência, cuidado com o meio ambiente e com
o Outro, trânsito, fome, discriminação racial e de gênero são comuns nesses
estabelecimentos de ensino. Essas tentativas demonstram certas preocupações
com os problemas enfrentados no cotidiano. A realização do trabalho se deu num
centro de educação infantil (CEI), em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
A investigação teve abordagem qualitativa. Trata-se de um estudo de caso,
com observação direta participante. Centramos a investigação respondendo às
seguintes inquietações: por que se ensina ética no CEI?; o que é o ensinar ética
para o grupo de educadoras?; como está estruturado o ensino de ética no CEI?;
como se dá na prática o ensino de ética? quais são as dificuldades enfrentadas?;
e como as educadoras resolvem essas dificuldades?
Depois de saber o porquê e como a equipe do CEI ensina ética,
analisou-se criticamente o trabalho. A dissertação foi concluída com algumas
considerações que serão devolvidas para o grupo do CEI através de reuniões de
estudo.
Palavras-chave:
ensino, ética, currículo e educação infantil.
ABSTRACT
The main objective of this research was investigating the ethic as a
curricular content and praxis of teaching in the infantile education (kindergarden).
The investigation made possible to point out and evaluate the difficulties,
limitations and successes in the ethic teaching practice in the scholar place of
small children.
The idea of researching ethic in the infantile education came out due to
some schools in Mato Grosso do Sul state develop with their children educational
projects and systemic classes related to citizen and values reflection. Classes
about violence, environment care and each other care, traffic, hungriness and
racial and or gender discrimination are common in these teaching establishments.
These attempts show certain worries with problems managed daily. The fieldwork
took place in an Infantile Education Center (CEI) in Campo Grande, Mato Grosso
do Sul.
The investigation had a qualitative approach; it is a case study with direct
and participative observation. We centered the investigation answering to some
unrest: Why is ethic taught at CEI? What is teaching ethic to a group of teachers?
How is it structured ethic teaching at CEI? How is the ethic teaching in the
practice? What are the problems faced? How do the teachers deal with these
difficulties?
After knowing why and how the CEI staff teaches ethic, we analyzed
critically the work. We enclose our work making some considerations that are
going to be passed to the CEI group in study meetings.
Key-words:
teaching; ethic; curriculum; infantile education.
Não consigo também aceitar a
idéia da escola como uma instituição
fadada a ser mecanismo de
manutenção das estruturas sociais
hierárquicas predominantes na
sociedade capitalista, branca e
patriarcal. Pelo contrário, acredito
que dentro dela há espaços para a
luta e isentar-se dessa luta significa
abrir mão de poder fazer a diferença
na vida de um número significativo
de pessoas.
Valter Martins Giovedi
(companheiro do mestrado)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................. 9
1. A ÉTICA E O CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO...................... 21
1.1. DENÚNCIA À VIOLÊNCIA NO CURRÍCULO................................. 21
1.2. HISTÓRIA DO ENSINO DE ÉTICA NO BRASIL............................ 29
2. ÉTICA, ENSINO, PRÁXIS E CURRÍCULO................................................ 41
2.1. CONSTRUÇÃO DE VALORES PELAS CRIANÇAS........................ 43
2.2. A ÉTICA ENQUANTO PRÁXIS CURRICULAR................................ 55
2.3. ESPECIFICIDADE DO ENSINO DE ÉTICA.......................................78
3. REPRESENTAÇÃO, TEORIA E PRÁTICA DO ENSINO DE ÉTICA........ 86
3.1. CONCEPÇÃO DAS EDUCADORAS SOBRE ENSINO DE ÉTICA..87
3.2. CONTEÚDOS E SISTEMATIZAÇÃO.................................................96
3.3. PRÁTICA PEDAGÓGICA................................................................ 104
3.4. PROCESSOS E RESULTADOS.......................................................115
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................125
REFEERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................129
9
APRESENTAÇÃO
Em minha adolescência comecei a participar do Movimento Eclesial de Base, no
qual discutíamos a importância de a igreja fazer opção pelos pobres. Fizemos várias
leituras da Teologia da Libertação e passamos a defender uma liturgia mais politizada.
Entrei no segundo grau, no magistério, ainda menina, na década de 1980. Àque-
la época li o livro Batismo de sangue, de Frei Betto (Carlos Alberto Libânio Christo) e
Pedagogia do oprimido, do professor Paulo Freire. Frei Betto e Paulo Freire foram os
principais responsáveis pela minha entrada na militância política e por eu ter buscado
melhor formação na minha vida profissional. Eles me despertaram o interesse de sair
do senso comum, de acreditar e lutar por uma sociedade mais justa. Passei a me indig-
nar com o capitalismo. Procurei o Partido dos Trabalhadores para militar. No PT consi-
dero que tive boa formação política.
O pesquisador Paulo Freire me despertou o interesse pela leitura. Seus textos
são reflexivos e apaixonantes. Passei a gostar de ser professora. Logo fui lecionar na
educação infantil e acabei me aperfeiçoando na área. No magistério tive a disciplina
Filosofia da Educação que me motivou a fazer vestibular para Filosofia. Enquanto cur-
sava Filosofia, atuava na educação infantil.
No final de minha graduação, a escola onde eu trabalhava acrescentou no currí-
culo da 5ª à 8ª série a disciplina Filosofia. Fui chamada para lecioná-la. Foi bom cons-
truir uma metodologia de trabalho. Discuti com os colegas e as colegas da graduação e
me lembro que eles e elas me disseram para que eu tivesse o cuidado de não trans-
formar as aulas de filosofia em história da filosofia. Então me embasei em Dermeval
10
Saviani, no livro Educação: do senso comum à consciência filosófica (1986). E as-
sim construímos na escola um currículo de filosofia que até hoje, passados 14 anos,
existe. Mais tarde trabalhei com crianças de 2 a 12 anos. Foi uma experiência muito
boa.
A partir disso, a preocupação central de meu trabalho, como educadora, sem-
pre foi levar aos alunos e às alunas a possibilidade de refletirem sobre os problemas
sociais. De acordo com minha vivência como professora de filosofia e de educação in-
fantil, como militante e com a formação de docentes, percebia que ainda são limitados
os trabalhos com filosofia nas escolas.
Mesmo quando os movimentos de mulheres, indígenas, negros e negras, ho-
mossexuais e transgêneros, sem-terra e outras organizações sociais lutam buscando
de fato sua cidadania, os professores e as professoras timidamente levam à sala de
aula discussão sobre a exclusão social. O ensino nas escolas brasileiras fica a parte do
processo social, desvinculando-se da realidade. As reflexões sobre valores morais, ex-
clusão, gênero e raça eram e ainda são pouco apreciadas pelos docentes e pelas do-
centes.
Acredito que a escola pode intervir adotando a ética, ou filosofia moral, como re-
flexão necessária para ajudar a resgatar valores morais aparentemente perdidos, como
justiça, honestidade, solidariedade e o respeito ao outro, bem como despertar alu-
nos(as) para o exercício da cidadania.
No início do mestrado eu não tinha intenção de pesquisar o ensino de ética na
educação infantil. Pretendia investigar a ética como conteúdo curricular das séries inici-
ais do ensino fundamental. Eu sabia que algumas escolas em Mato Grosso do Sul de-
senvolviam projetos que englobavam cidadania. Trabalhos de temáticas como violên-
cia, drogas, fome e discriminação eram comuns nesses estabelecimentos de ensino.
Mesmo se esses projetos fossem organizados e ainda não estivessem num programa
mais sistematizado, eram considerados tentativas importantes. Essas escolas demons-
tram certa preocupação com os problemas cotidianos.
Acredito que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997), ao incorpo-
rar o ensino de ética, abrem discussões, orientam professores e professoras, o que
11
possibilita à escola inclusão e reflexão sobre os valores morais em seu currículo. Era
diante dessa possibilidade que pretendia investigar a ética como conteúdo curricular
das séries iniciais do ensino fundamental. A investigação me permitiria apontar e avaliar
as dificuldades, limitações e sucessos das práticas do ensino de ética nas séries iniciais
do ensino fundamental.
Mas, como já tinha participado de capacitações sobre a importância do ensino de
ética na educação infantil e acompanhado, como coordenadora de projetos especiais,
num CEI (Centro de Educação Infantil) em Campo Grande (Mato Grosso do Sul), minha
cidade, uma iniciativa de aula de cidadania em que se incluía a ética, numa reunião
com meu orientador Mário Sérgio Cortella fiz uma indagação que considerava meio
suspeita. Disse para o Mário Sérgio: “Prô, posso te fazer uma pergunta? E se eu pes-
quisar uma escola de educação infantil onde trabalhei e participei da capacitação das
professoras?” Para minha surpresa, ele me respondeu com firmeza: “Não há proble-
mas! Você capacitou e quer ver os resultados. Você vai fazer um estudo de caso. Isso
será relevante porque é na infância que se deve começar a formação dos valores.”
Fiquei contente. Saí muito feliz pela avenida Angélica rumo à avenida Jaguaré.
Eram 18 horas e São Paulo estava insuportável: quente, barulhenta e congestionada.
Tudo aquilo não me perturbava, pois havia achado caminho palpável para realizar a
minha pesquisa no Centro de Educação Infantil José Eduardo Martins Jallad (CEI Ze-
du), em Campo Grande, vinculado à Secretaria de Estado de Gestão Pública (Seges),
do governo de Mato Grosso do Sul.
O CEI Zedu foi criado dia 31 de outubro de 1983, com a finalidade de prestar
serviços de assistência social, pedagógica, educativa, física, alimentar e de saúde aos
filhos e filhas dos servidores e servidoras lotados nas secretarias, fundações, agências
e outros órgãos públicos estaduais localizados no Parque dos Poderes, sede adminis-
trativa do governo de Mato Grosso do Sul, afastado do centro de Campo Grande. O
Zedu atende crianças menores de 7 anos e funciona no período em que mães e pais
estão trabalhando.
Atualmente a maioria dos funcionários e funcionárias do estado trabalha seis ho-
ras, das 7h30min às 13h30min. Esse horário é seguido pelo CEI. Somente os filhos e
12
filhas dos servidores e servidoras que ocupam cargo de chefia permanecem oito horas
no CEI extensão (unidade II).
O Centro de Educação Infantil fica no Parque dos Poderes. Em volta dos prédios
administrativos do parque há muito verde e variedade de animais silvestres soltos pela
mata. Perto do Parque dos Poderes, do outro lado da rua, há uma unidade ambiental: o
Parque Estadual do Prosa, onde está instalado o Centro de Reabilitação de Animais
Silvestres (Cras). É normal para nós e para as crianças ver capivaras, tatus, tamandu-
ás-bandeira, quatis, lobinhos, tucanos, araras, sabiás etc. Enquanto ficamos no Parque
dos Poderes, mantemos contato direto com a natureza. É um lugar bonito, com ar puro.
O CEI tem boa infra-estrutura para atender 321 crianças. Em todas as 16 salas
de aula, que englobam a sede e a extensão, há armários, banheiros, mesas, cadeiras e
colchões. O pátio é espaçoso, com gramado, parquinho e piscina. Enquanto as crian-
ças ficam no centro, recebem atendimento de psicologia, fonoaudiologia, medicina e
odontologia. Contam com serviços de nutrição e assistência social.
As salas dos berçários bebês de 4 meses a 2 anos de idade - são atendidas
por cinco professoras. Três professoras atendem crianças de 2 e 3 anos. Duas profes-
soras lecionam a alunos e alunas de 6 anos. Uma docente atende crianças de 6 a 7
anos. Totalizam-se 65 professoras habilitadas para lecionar na educação infantil, além
de um professor de Educação Física, uma professora de Artes e outra de Música.
Na sede (unidade I) do CEI Zedu há uma coordenadora pedagógica, seis zelado-
ras, duas secretárias, uma atendente e seis cozinheiras. A extensão, por ser menor,
tem uma coordenadora, quatro cozinheiras, uma atendente, uma secretária e duas ze-
ladoras. As duas unidades funcionam no Parque dos Poderes.
Há o conselho de pais e mestres que ajuda a organizar o CEI. As aulas da e-
ducação infantil funcionam quatro horas por dia e no tempo restante as professoras
cuidam da higiene, alimentação e descanso das crianças.
Metodologia O professor Mário Sérgio Cortella (meu orientador) e eu optamos por
fazer um estudo de caso porque eu já tinha trabalhado como coordenadora de projetos
especiais no CEI Zedu e sabia que lá havia um caso com a ética, um caso raro, um a-
13
contecimento especial e relevante ao ensino público brasileiro. A equipe pedagógica
desenvolvia projetos relacionados ao ensino de ética. A experiência das professoras do
Zedu despertou minha atenção também porque era a primeira escola infantil pública na
qual se propuseram a entender sobre ética e trabalhar esse tema com crianças. Neste
estudo de caso, me restringi a estudar o ensino da ética para crianças do CEI, na faixa
etária de 3 a 7 anos de idade.
O estudo dessa experiência, que hoje se pode chamar de um belo caso, ajudará
educadores e educadoras em seus futuros trabalhos com a ética dentro da escola. A
pesquisa não se resumiu ao que deu certo. Foram apontadas as dificuldades para sa-
ber em que é possível melhorar o trabalho. Muitas professoras (as prôs, como dizem
carinhosamente as crianças) constantemente perguntavam: “Será que estamos agindo
certo?” Essa preocupação que presencie no cotidiano da escola me alegrava. Sabia
que as docentes realmente estavam convencidas da importância de suas ações peda-
gógicas e principalmente da necessidade do ensino reflexivo.
A concepção sobre ética, o material didático e a prática pedagógica no Centro de
Educação Infantil Zedu é um caso atípico, porém muito representativo. Pode-se recorrer
ao estudo dessa experiência como respaldo teórico e prático para implantação ou para
melhorar o ensino de ética na escola, principalmente com crianças tão pequenas.
O estudo foi desenvolvido em sete salas de aula, com 16 professoras, duas co-
ordenadoras pedagógicas e com a ex-diretora do CEI, Rosana Monti Henkin. Observei
e participei do cotidiano do Zedu. Acompanhei as aulas, as reuniões de estudo e plane-
jamento das aulas. Entrevistei as professoras e as coordenadoras e a ex-diretora. Ana-
lisei documentos: projetos didáticos, planejamentos anuais e diários, além de material
de estudo. Observei como esses suportes foram organizados no contexto escolar. Co-
nheci o conteúdo de estudo, participei das reuniões de estudo da equipe e dialogamos
muito sobre o trabalho desenvolvido. A troca foi intensa e a aprendizagem também.
A minha postura de pesquisadora foi de sujeito-observador. “Mergulhei” no espa-
ço pesquisado, considerando e procurando entender o contexto cultural e social em que
está inserida a prática educacional do grupo do CEI Zedu. Fiquei atenta para as limita-
ções e para as riquezas das ações. Em nenhum momento deixei de considerar as pro-
14
fessoras e as coordenadoras como sujeitos históricos, produtoras de conhecimento,
tendo, assim, limites e esclarecimentos em suas produções.
Ao explicar-lhes sobre a pesquisa, esclareci que todas as ações relacionadas ao
ensino de ética seriam importantes para o estudo. As minhas interferências seriam de
pleno respeito à realidade e ao trabalho desenvolvido. Dito isso, percebi que as profes-
soras agiram naturalmente, sem medo de errar. Dessa forma, durante toda a pesquisa,
eu e as educadoras mantivemos a postura de discutir as dificuldades. Aproveitamos os
erros e as inseguranças para construir práxis mais elaborada. Partilhando das experi-
ências, dialogando sobre a prática, discutindo possibilidades, produzimos mais um pou-
co de conhecimento em relação ao ensino de ética. As elaborações se deram com cui-
dado e no meio de campos de desejos, com anseio de construir um bom ensino - um
ensino presenciador da ética.
Com essas características, classifiquei a investigação como uma abordagem
qualitativa, um estudo de caso, com observação direta participante. Centrei a investiga-
ção para responder às seguintes inquietações:
por que se ensina ética no CEI ?;
o que é o ensinar ética para o grupo?;
como está estruturado o ensino de ética no CEI ? - os conteúdos relaciona-
dos à ética estão inclusos numa proposta sistematizada ?;
como se dá na prática o ensino de ética? ; e
quais são as dificuldades enfrentadas e as tentativas para solucionar os pro-
blemas?
Depois de saber o porquê e como a equipe do CEI ensina ética, fiz análises e crí-
ticas do trabalho. As nossas considerações serão devolvidas para o grupo do CEI atra-
vés de reuniões de estudo.
Tal finalidade centrou-se na procura de respostas ou comprovação para as se-
guintes hipóteses:
a escola aborda valores numa perspectiva moralista;
15
as professoras trabalham valores morais isolados de um projeto mais amplo
sobre ética;
o ensino de ética segue a perspectiva dos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCNs);
a maioria das dificuldades enfrentadas no ensino de ética se dá devido à falta
de fundamentação teórica.
Primeiros contatos Em 2004 reuni-me com a direção e as coordenadoras do Zedu,
expondo que a pesquisa teria objetivo de investigar a ética como conteúdo curricular no
CEI. Enfatizei que a pesquisa apontaria acertos e erros. Elas gostaram da idéia e ar-
gumentaram que a pesquisa ajudaria o grupo do CEI a melhorar o trabalho de cidada-
nia e ética. Disseram que seria interessante publicar o trabalho para divulgar e
compartilhar a experiência do grupo. Pediram que eu retornasse-lhes meus estudos
sobre o trabalho do CEI porque eles poderão ajudar na avaliação de seus projetos de
ética.
A pesquisa aconteceu em três salas de aula da unidade I (sede), com crianças
de 3 a 6 anos, e em quatro salas de aula da unidade II (extensão), com alunos e alu-
nas de 3 a 7 anos.
Reuni com as professoras das salas. Discuti com elas o processo da pesquisa e
perguntei se elas se oporiam à observação dos seus trabalhos. Todas professoras gos-
taram da idéia e me perguntaram se precisariam planejar aulas específicas para eu as-
sistir. Informei-lhes que deveriam continuar com suas atividades normalmente. Fizemos
uma discussão do que são valores, ética e moral. Elas me relataram alguns procedi-
mentos pedagógicos em relação à discussão e reflexão dos valores. Algumas professo-
ras me colocaram que às vezes têm dúvidas se seus procedimentos são coerentes e
acabam agindo com o bom senso.
No segundo semestre de 2004, iniciei a pesquisa indo às salas de aula para me
apresentar algumas professoras já me conheciam - e conversar com as crianças so-
bre o que era uma pesquisa e dizer que gravaria tudo que elas e as professoras falas-
sem na aula. Mostrei o gravador e como ele funcionava. Pedi para as crianças falarem,
16
gravei e as coloquei para ouvirem as suas próprias falas. Ficaram encantadas com o
aparelho. Também mostrei meu caderno de anotações e afirmei que durante a aula eu
sempre escreveria nele as suas falas e atitudes. Expliquei a alunas e alunos que eu
participaria da roda
1
e das atividades.
Observação - Fui para a observação sabendo o que pretendia descobrir. Eu já tinha
elaborado as hipóteses e estava com os objetivos da pesquisa definidos. Outra coisa
que ajudou muito foi ter feito, junto ao orientador, o plano de pesquisa e o “esqueleto”
da dissertação antes de iniciar e concluir o trabalho de campo. “[...] A observação [...]
não deve ser uma busca ocasional, mas ser posta a serviço de um objeto de pesquisa,
questão ou hipótese, claramente explicitado [...] (grifo nosso)” (LAVILLE; DIONNE,
1999, p. 176).
Comecei as observações gravando e anotando tudo. Minha participação foi uma
grande interação com as aulas, com as crianças e com as professoras.
Se, em ciências humanas, os fatos dificilmente podem ser considerados
como coisas, uma vez que os objetos de estudo pensam, agem e rea-
gem, que são atores podendo orientar a situação de diversas maneiras,
é igualmente o caso do pesquisador: ele também é um ator agindo e
exercendo sua influência (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 33).
Houve alguns momentos em que fiz intervenções nas aulas. Isso foi interessante.
Professoras e crianças ficaram bem mais próximas e muito mais à vontade comigo. A
minha presença tornou-se bem mais natural nas salas de aula e em todo o espaço do
CEI. Observei também as reuniões de estudo do grupo. Esses momentos ocorrem uma
vez por semana, em cada unidade. A cada 15 dias todas as professoras da sede e da
extensão se reúnem para estudos.
1
As professoras utilizam a roda. As crianças fazem um circulo ou meia-lua para conversas e explicações
de um conteúdo e de uma atividade. Tudo se resolve na roda. As discussões, os problemas e a busca de
soluções, tudo acontece na roda.
17
Depois de ter feito as observações, pedi para as professoras responderem a al-
gumas questões que foram formuladas anteriormente por mim e pelo orientador, pro-
fessor Mário Sérgio Cortella.
Você diferencia ética de valores morais? Por quê?
Por que você trabalha a ética na sua sala de aula?
Como você trabalha a ética com seus alunos e alunas?
Você notou mudanças de atitude das crianças depois que começou a tra-
balhar com a ética na sala de aula? Caso sim, cite algumas.
Quais são as dificuldades de operacionalização do ensino de ética? Colo-
que as suas frustrações e dúvidas.
Como você tem resolvido essas dificuldades?
A entrevista às coordenadoras foi embasada nos seguintes questionamentos:
por que a escola teve a idéia de trabalhar ética na escola?;
como foi iniciado esse trabalho?;
os conteúdos relacionados à ética estão inclusos numa proposta sistema-
tizada?;
qual é a importância da ética para você?;
quais são as dificuldades de operacionalização do ensino de ética?;e
como o grupo tem resolvido essas dificuldades?
Por fim, entrevistei a ex-diretora do CEI Zedu, Rosana Monti Henkin. O conteúdo
das perguntas foi o mesmo do questionário direcionado às coordenadoras. Usei o
questionário como base, mas não me fechei somente nele. Acrescentei outras pergun-
tas para obter melhores esclarecimentos. Nesse caso, poderia classificar essas entre-
18
vistas como entrevistas parcialmente estruturadas. Houve flexibilidade nas questões
propostas.
Aproveitei todas as visitas à escola para obter os materiais escritos: regimento,
planejamentos, listagem dos conteúdos programáticos, atividades das crianças etc. Co-
nheci os conteúdos das reuniões de estudo e participei delas.
Análise dos dados - Facilitou-me fazer os relatórios das aulas, das reuniões e, enfim,
do dia observado. Como eu ficava com medo de o gravador falhar, fiz anotações das
aulas e de tudo que ocorria no espaço de pesquisa. Houve momentos em que eu não
fazia anotações porque tinha de participar, mas não perdi nenhum conteúdo para análi-
se. Sempre deixava o aparelho gravando, mesmo que não fosse utilizar as informa-
ções. Tudo que eu via era coletado. Me fartei de dados!
Mas que fazer com tantos dados? Na hora da análise e sistematização surgiu o
desespero. O que fazer com tudo isso? A minha inexperiência como pesquisadora apa-
receu e falou alto!
As categorias estavam colocadas, mas percebê-las iluminando os da-
dos da pesquisa na tentativa de se compreender o fenômeno, exige que
o pesquisador adote a postura de se afastar da empiria, do mundo con-
creto e do dia a dia (sic!), ao mesmo tempo em que procura confrontá-
los com o referencial teórico. Ou seja, a consciência crítica sendo exer-
citada (CATANANTE, 1999, f. 48).
Na minha visão eu teria que jogar tudo aquilo que coletei no texto dissertativo.
Para tentar resolver o conflito, conversei com colegas que já tinham feito mestrado, li
algumas dissertações e fui achando o rumo.
Depois de conversar com meu marido, Arnor da Silva Ribeiro, e com as minhas
amigas doutorandas, Bartolina Ramalho Catanante e Lucimar Rosa Dias, tomei a deci-
são de escrever as questões do cotidiano observado, que fossem de maior relevância,
e comentar de acordo com o referencial teórico e minhas concepções contidas nos ca-
pítulos 1 e 2.
19
Foi uma boa estratégia, porque a partir daí a escrita deslanchou. Embora seja di-
fícil julgar e dar parecer, estamos aí, na tentativa. Só sei que pouco sei, e o que sei
quero dividir. Pode ser que eu tenha me equivocado em alguns julgamentos. Afinal,
quem sou eu nisso tudo? Uma mera professora militante, com alguma experiência de
trabalhar filosofia com crianças. Só isso!
Organização dos capítulos - O primeiro capítulo discute a ética no contexto educacio-
nal. Juntei nele a denúncia da violência comum nas escolas brasileiras e a trajetória da
ética no currículo oficial (a história do ensino de ética no Brasil). Apontei a ética como
sendo uma práxis possível na busca da construção de uma sociedade mais humana.
O capítulo 2 é especificamente sobre ética, ensino, práxis e currículo, nos quais
se insere a construção dos valores morais nas crianças. Para isso me embasei nas
pesquisas de Jean Piaget e do psicólogo Yves de La Taille. Eles nos ajudam a entender
como as crianças constroem as regras e mostram que podemos intervir no processo de
construção moral. O trabalho de ética na escola é uma possibilidade importante na for-
mação das crianças e ajuda na construção de valores. Fazemos algumas críticas a Pia-
get, porém elas não invalidam a sua importância no processo de entendimento da for-
mação do juízo moral na criança.
A seguir comecei a estudar a ética enquanto práxis curricular que aborda o ensi-
no e o currículo voltados às práxis reflexiva e crítica. Nessa seção, tendo como referên-
cia o filósofo Enrique Dussel e o educador Paulo Freire, fiz defesa da ética e do ensino
que acredito.
A análise da pesquisa no CEI Zedu está no terceiro capítulo. Descrevi o que vi,
senti, constatei e paralelamente desenvolvi críticas ao ensino de ética da instituição.
Nesse último capítulo está a representação, teoria e prática pedagógica do ensino de
ética no Zedu. Aponto os avanços. Destaco pontos que considero problemáticos sem-
pre dando sugestões de mudanças.
A escola e as atividades são muito dinâmicas. O cotidiano está impregnado de
conteúdo histórico. A realidade concreta é múltipla e nela existem variados sujeitos que
podemos identificar e necessariamente fazer as análises.
20
O CEI não é neutro. Os sujeitos se disputam politicamente. Há embate peda-
gógico e discordâncias da prática e teoria que eu tentei descrever. O cotidiano é de-
marcado pela subordinação, participação e rebeldia. O ensino de ética é construído na
trama permanente da contradição. Ao mesmo tempo em que o CEI é reprodução ideo-
lógica, esboça uma transformação. O confronto se exerce no cotidiano que só é perce-
bido quando vivenciamos a concreticidade da escola.
Percebi que a práxis do CEI está justamente na construção de um currículo di-
ferenciado. As aulas de cidadania e de ética fazem parte da não-reprodução, portanto
acredito que elas são elementos de insubordinação. São construções difíceis. Como
disse em entrevista professora e ex-diretora do CEI, Rosana Monti Henkin, quando se
pensa diminuição de gastos, exonera-se a professora da disciplina Cidadania.
Concluo, nas considerações finais, retomando alguns pontos que considero for-
tes e importantes no ensino de ética na instituição. Enfatizo as dificuldades e suas cau-
sas. Sem a pretensão de saber tudo ou de arrogância, reforço as sugestões.
21
1. A ÉTICA E O CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO
Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção.
Ensinar exige:
rigorosidade metódica; pesquisa;
respeito aos saberes dos educandos;
criticidade;
estética e ética;
corporeificação das palavras pelo exemplo;
risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de
discriminação; reflexão crítica sobre a prática; e
reconhecimento e a assunção da identidade cultural.
2
Abordamos neste capítulo as violências física e simbólica vivenciadas pelos alunos
e alunas nas escolas brasileiras. As atitudes violentas são pouco discutidas entre educa-
dores e educadoras. O espaço escolar pode ser lugar de produção e reprodução da vio-
lência. A intervenção ética contribui para que repensemos nossos valores e práticas que
muitas vezes são arbitrários.
Em seguida retomamos a história do ensino de ética no Brasil: a indicação da éti-
ca, pelo Ministério da Educação, às escolas brasileiras. Fazemos críticas ao ensino cen-
trado nos Estudos dos Problemas Brasileiros, Educação Moral e Cívica e aos PCNs (Pa-
râmetros Curriculares Nacionais). Apontamos os problemas. Deixamos sempre claro a
ética que queremos.
1.1 . DENÚNCIA À VIOLÊNCIA NO CURRÍCULO
A maioria dos educadores e educadoras, quando pensa e discute a violência na
escola, muitas vezes refere-se a determinados alunos e alunas como pessoas relacio-
nadas à formação de grupos que fomentam o repasse de drogas, brigas e depredação
dos espaços públicos. É com essa visão que muitos dirigentes e muitas dirigentes de
2
Usaremos como epígrafe os subtítulos da obra Pedagogia da autonomia (2005), de Paulo Freire,
distribuído em todos os capítulos da dissertação. Temos a concepção freiriana de ensino como referência
em nosso trabalho.
22
escola tomam atitude arbitrária de envolver a Polícia no espaço educacional. Esses po-
liciais amedrontam as crianças e às vezes as tratam com violência. Oportuno citar, sob
esse aspecto, o relato da pesquisadora M.A. Klébis (2000) sobre o que ocorreu num
estabelecimento de ensino.
Uma determinada escola pública recebeu a denúncia que alguns alunos
estavam levando “droga” para ser distribuída dentro da escola. A diretora
comunicou o fato à Polícia Militar que determinou a averiguação da de-
núncia imediatamente. Justamente neste dia, uma 5ª série estava em aula
vaga no pátio devido à falta de um professor. Eram alunos cuja faixa etá-
ria se concentrava entre 10 a 12 anos. Com a chegada da Polícia Militar
na escola, a Diretora solicitou à inspetora de alunos que chamasse os
meninos para a sala de vídeo, dizendo aos mesmos que eles iriam assistir
a uma projeção. Em hipóteses alguma os alunos deveriam saber que os
policiais estavam na escola. Na sala de vídeo, os alunos foram submeti-
dos a uma revista pelos policiais, ficando apenas de cuecas. Como se não
bastasse, passaram pelo constrangimento de terem que abaixar a cueca,
ficando de cócoras (procedimento usado nos presídios para detectar a
presença de drogas no ânus). A Diretora argumentou, em resposta à re-
volta dos pais, que sua intenção era a de proteger os alunos contra as
drogas que poderiam estar circulando pela escola, bem como descobrir os
culpados (Apud Menin, 2002, p. 97-98).
Depois desse acontecimento, Klébis fez questionamentos a professores e profes-
soras.
Você acha que a Diretora agiu bem chamando os policiais? Justifique.
Ela diretora deveria permitir que os policiais revistassem os meninos? Jus-
tifique.
Você acha que este era o papel dos policiais? Justifique.
Tiveram os pais motivos para se revoltarem? Justifique.
Se você fosse aluno desta escola, o que pensaria? (2000, p. 36 apud
MENIN, 2002, p. 98)
As respostas foram as seguintes:
[...] na primeira questão, dos trinta professores das três escolas, foram a
favor da diretora: 27% da primeira escola, 56% da segunda e 90% da ter-
ceira escola. Os professores a favor da ação da diretora apontaram que
era preciso manter a ordem, proteger os alunos a qualquer custo, e a polí-
cia era o órgão competente para esse tipo de investigação e controle
(MENIM, 2002, p. 98).
23
O fato instiga as seguintes perguntas: para quem é a escola?; e que relação a
escola tem com os alunos? Esse exemplo nos mostra que os e as estudantes não têm
nada a ver com a escola. São marginalizados, violentados e desprotegidos. Não há,
nesse caso, responsabilidade socialmente comprometida de educadores e educadoras
e nem da escola em relação a alunos e alunas. Há uma grande ausência de zelo e
uma espécie de morte moral, física e intelectual.
A morte física ou cultural do filho é a alienação pedagógica. O filho é mor-
to no ventre da mãe pelo aborto ou pelo ventre do povo pela repressão
cultural. Esta repressão, é evidente, se realizará sempre em nome da li-
berdade e com os melhores métodos pedagógicos (DUSSEL, 1977a, p.
97).
A professora de uma escola onde fizemos discussão sobre ética nos disse que,
quando foi trabalhar num estabelecimento municipal de ensino, pediu a Deus forças para
ser professora. Perguntamos por quê. Ela respondeu: “Eu preciso de forças para lutar
contra a morte dos alunos e alunas” - a morte pela fome, pelo desprezo e pela ignorância.
Falta à escola compromisso moral. A não-aceitação do Outro
3
nega a possibilidade
da luta pela libertação do oprimido. Como nos disse o professor doutor Mário Sérgio Cor-
tella, nas aulas de Educação Brasileira, da Pós-Graduação Educação: currículo, da PUC-
SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), entre o nascimento e a morte existe
vida. Essa vida precisa ser cuidada, precisa de ética e estética, e é isto que vem faltando
à nossa escola: um olhar, um sentido que inclua o Outro marginalizado, desprezado e
negado num ensino mesclado entre o poder branco e o poder europeu.
Há nos espaços escolares outro tipo de violência que é pouco entendido e anali-
sado, mas que oprime e elimina a pessoa tanto quanto a violência física. São ações con-
sideradas normais na prática educativa.
Dois exemplos desse outro tipo de violência dimensionam o que acontece em es-
colas brasileiras. Um caso foi constatado no Estado de São Paulo pela professora Maria
Cecília Carareto Ferreira.
3
O Outro é definido pela Filosofia da Libertação como a vítima, o marginalizado, o excluído, o oprimido.
24
Eu estava tentando buscar um espaço para matricular uma criança com
Síndrome de Down de uma comunidade rural, que fica distante 60 km da
zona urbana da cidade (sic!). Nos anos iniciais essa criança foi assistida
pela Saúde através de uma Kombi escolar que a levava às terapias. Pos-
teriormente ela fez educação infantil, a pré-escola, na prefeitura. Como a
escola de 1ª a 4ª não era ainda municipalizada, ela deveria ser matricula-
da na 1ª série do ciclo inicial da escola do Estado, por isso eu fui conhecer
a escola e a professora. Conversando, inicialmente, com a diretora, fiquei
muito bem impressionada com as referências da professora. Era formada
e tinha um alto conceito na sala de aula e perante a direção, considerada
como competente. E eu fui ver como era o estilo da sala, como ela traba-
lhava, até para preparar essa professora para receber a Síndrome de
Down na escola. Na minha primeira observação, descobri que ela organi-
zava a classe da seguinte forma: ela tinha dado uma adequação às cate-
gorias do Platão, ela tinha dado uma modernizada, ela introduziu valorati-
vamente quatro filas, na classe só cabiam 4 filas. Ela organizou uma fila
de diamantes, uma de ouro e outra de prata, e evidente que bronze e ferro
para ela eram muito valorizados para a população que ficava na 4ª fila, a
do latão (grifos da autora). Aos alunos que ficavam, durante a semana, na
fila dos diamantes, ela dava o privilégio de não assistirem [às] aulas às
sextas-feiras. Eles folgavam sexta, sábado e domingo. Com isso ela teria
mais tempo para trabalhar com o latão. E sobre o latão, ela falou na minha
frente, com registro e tudo: “vocês não servem para nada, só servem
mesmo para pôr no lixo”. Isto para uma fila que tinha (sic!) cinco crianças.
Imaginem o que significa isso. E eu tinha que encomendar, reservar e in-
cluir uma Síndrome de Down, que eu tinha trabalhado um bom tempo na
pré-escola, lá, nessa escola. Como seria chamada a fila dessa criança?
Latão era pouco, devia ser o lixo. Agora chegou o lixo na sala de aula (O-
LIVEIRA, 2004, p. 140-141).
O segundo exemplo desse mesmo tipo de violência acontece nas escolas do Es-
tado de Mato Grosso do Sul. Uma companheira de trabalho assumiu uma sala de primeira
série em escola da periferia de Campo Grande. Antes de começarem as aulas, na primei-
ra reunião de professoras e professores, com as listas de alunos e alunas nas mãos, o
professor de Educação Física perguntou: “Quem ficou com os ‘bugrinhos’?” Olharam os
nomes e contaram que ela, a professora nova, tinha ficado com os alunos índios. Todos e
todas juntos lhe falaram: “Ixe! Você que ficou com os ‘bugrinhos’?!” As aulas começaram
e ela foi para sala de aula ansiosa para conhecer os meninos índios.
Em sala, a professora se deparou com a seguinte situação: eram três crianças ín-
dias, uma com mais ou menos 12 anos e as outras duas entre 8 e 10 anos de idade. Es-
sas crianças de forma nenhuma interagiam. Não falavam, não brincavam e não gesticula-
vam na sala de aula. Quando a professora perguntava algo diretamente para elas, os dois
25
menores choravam e somente o mais velho respondia. Parecia que eles não existiam na
sala, nada falavam e nada faziam. Mas todos os dias lá eles estavam, sentadinhos, no
mesmo lugar. Entrava ano, saía ano, eles lá, sempre na primeira série daquela escola que
nem de perto sonhava com a humanização. Os “bugrinhos podiam até incomodar, mas
naquela escola nada faziam para romper com a violência contra eles. A minha amiga não
continuou na escola e, provavelmente, os meninos saíram da escola ou ainda estão lá, na
primeira série, sem entender o que estão fazendo com eles.
A violação do outro, além de ser física, é simbólica. A violência simbólica na esco-
la está no cotidiano. É fomentada pelas atitudes arbitrárias e autoritárias de educadores e
educadoras. As metodologias pedagógicas não respeitam e não dão possibilidades de
humanização a educandas e educandos.
Nas escolas há uma imposição de práticas que transmitem saberes com caracte-
rística totalitária e de forma autoritária. Educadores e educadoras nem sempre sabem o
porquê de tantas regras. Elas são simplesmente ditas e dificilmente construídas com cri-
anças e jovens. As regras não são justificadas; são impostas, impedem a participação e
construção de combinados para melhor convivência diária do grupo.
Ao mesmo tempo há longa distância entre escola, alunos e alunas. Nela faltam
cuidado e tolerância. O currículo escolar brasileiro é militaresco, preconceituoso, racista e
sem afetividade. Não demonstra preocupação com o Outro.
A violência simbólica age silenciosamente, sem que as pessoas sintam. Não per-
cebemos porque ela é sutil e dissimulada. Seu conteúdo é ideológico, hegemônico, “legí-
timo” e pertence a uma classe que tem o domínio econômico numa determinada socieda-
de. Sua perpetuação se dá por meio de imposição e reprodução da cultura dominante.
Assim cidadãos e cidadãs são dominados e não se opõem ao seu opressor, porque não
se percebem como vítimas deste processo. Ao contrário, o oprimido considera a situação
natural e inevitável.
Segundo os sociólogos Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, “todo poder de
violência simbólica, isto é, poder que chega a impor significações e a impô-las como legí-
timas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua
força própria, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força” (1970, p. 19). Os
26
símbolos são instrumentos de integração social. Aparelhados de conhecimento e comuni-
cação, eles fomentam o consenso social que contribui fundamentalmente para reprodu-
ção da ordem social. Isso, argumenta Bourdieu (2004c, p. 10), garante “a integração ‘lógi-
ca’ [e] é a condição da integração ‘moral’ ”.
A escola é um mundo em que se circulam símbolos impostos. Reproduzir esses
símbolos significa reproduzir forças. Todo poder impõe as forças como legítimas as for-
ças são reais, materiais. O símbolo é representação de forças. Esses símbolos são sutis,
aparentemente ingênuos.
Essas representações de força foram discutidas nas aulas dos professores Alípio
Casali e Mário Sérgio Cortella sobre a temática currículo, cultura e violência. O currículo
não é neutro e nem descontextualizado da filosofia do poder. Quando a escola impõe sig-
nificações como “há democracia racial no Brasil”, isso chega como afirmação. Não se fo-
mentam discussões, questionamentos e debates sobre as desigualdades raciais na soci-
edade brasileira.
A escola tem símbolos impostos: carteiras, quadros, lugares determinados, exa-
mes, filas e a disposição do espaço físico. Há uma dominação com idéias e valores. O
filósofo e epistemólogo Michel Foucault (2004, passim) nos lembra que há constante vigia
e punição, pois determinados lugares individuais tornam possível o controle dos alunos e
das alunas. Nos espaços escolares funcionam máquinas de ensinar, de vigiar, de hierar-
quia, de classificação e recompensas. O psicólogo Yves de La Taille compartilha da idéia
de que essa é a moral dos tristes, é uma moral triste.
[...] Nada é mais letal para moralidade do que sempre lhe atribuir um as-
pecto negativo, represá-la na proibição e no castigo, interpretá-la como
exclusiva imposição de limites para si e para os outros [...] Viver a morali-
dade, não apenas como infeliz contenção de desejos, mas como parte in-
tegrante da personalidade, é dar-lhe uma dimensão existencial na qual o
homem pode contemplar-se com sereno orgulho [...] A moral verdadeira-
mente humana pede muito mais do que conhecer e introjetar um certo
número de regras (LA TAILLE, 2002, p. 44).
Bourdieu e Passeron explicam que toda ação pedagógica é obviamente uma vio-
lência simbólica enquanto imposição por ter poder arbitrário, um arbitrário cultural. Essa
arbitrariedade se dá porque não é necessária.
27
A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um gru-
po ou de uma classe como sistema simbólico é arbitrária na medida em
que a estrutura e as funções dessa cultura não podem ser deduzidas de
nenhum princípio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando u-
nidas por nenhuma espécie de relação interna à “natureza das coisas” ou
a uma “natureza humana” (1970, p. 23).
Existem infinitas formas de conduzir que são naturais. Os códigos sociais não
seriam necessários. A sociedade altera-se pela relação de força porque os seres hu-
manos lutam pela sobrevivência e disputam espaços. A vida social se constitui primei-
ramente em relações de força. O direito é o contrato social, ou seja, é um pacto para
pôr lei. Constitui-se pactualmente para dar reforço à fo rça.
As sociedades de classes têm ordem econômica que reproduz as desigualdades
e o direito exerce a força para manter a hegemonia de uma classe. Então o direito é ao
mesmo tempo equalização de direito e de reprodução das desigualdades. Ele dissimula
devido ao interesse em jogo.
Dessa forma a linguagem é arbitrária. Ela é refeita para manter a força. Discursos
são apropriados para pôr em prática os interesses que estão em jogo. Há sempre uma
virada lingüística. Muitas vezes na história do Brasil a direita autoritária assumiu o discur-
so da esquerda para esvaziar as lutas. Palavras como justiça social, qualidade, igualdade
e eqüidade são exemplos disso. São usadas em muitos discursos, porém dão a elas ou-
tros sentidos.
Perceber esse jogo, os interesses da classe dominante, a violência simbólica pre-
sentes nas práticas diárias, requer formação mais elaborada. Em toda intencionalidade
educativa deveria haver preocupação com a integridade humana. As pessoas precisam
de cuidado, para que sua dignidade aflore e dê sentido a suas próprias vidas. O currículo
escolar precisa oferecer aos alunos e alunas formação bem mais ampla da que se propõe
atualmente. A educação que se pretende eficaz nesse sentido é necessariamente respal-
dada pela formação política, ética e técnica.
A inserção à prática pedagógica de aspectos que valorizem a formação política
pode levar ao educando e à educanda a compreensão das relações de poder estrutur a-
das na sociedade. Isso lhes facilita o entendimento dos processos ideológicos nos níveis
28
cultural, político e econômico e lhes possibilita criação de novas formas de conduzir e de
organizar a vida.
A intervenção ética possibilita investigação da moral, os valores assimilados na
nossa formação e questionamentos sobre sua fundamentação nos contextos culturais.
É importante não confundir valores morais com ética. Enquanto os valores morais são
um conjunto de normas e regras que regulamenta as atitudes e as relações das pesso-
as de uma determinada sociedade; a ética é a filosofia moral que possibilita reflexão,
problematização e interpretação dos significados dos valores morais. A intervenção éti-
ca possibilita investigação da moral, os valores assimilados na nossa formação e ques-
tionamentos sobre sua fundamentação no contexto cultural. Ética é principio, funda-
mento dotado de postura filosófica reflexiva, crítica e atuante sobre a moral.
Na formação não se pode esquecer de que é preciso capacitações constantes pa-
ra melhorar o lado profissional. É de seu trabalho que o profissional e a profissional da
educação garantem o sustento e dá qualidade à vida material. Nessa perspectiva o co-
nhecimento técnico e aqui não se trata de tornar a escola tecnicista - proporciona a alu-
nos e alunas o saber científico fundamental na formação profissional.
A formação ampla dá poder à pessoa de ater -se para construção da democracia,
evitar os estereótipos sociais, dar novos significados à sua existência, consolidar a cid a-
dania, erradicar a alienação e a servidão enraizadas na cultura, que só interessam ao
grupo hegemônico.
Freud escreveu a Einstein “[...] que seriam inúteis os propósitos para eliminar as
tendências agressivas dos homens” (1997, p.71). Eliminar totalmente as tendências
agressivas, segundo Freud, é uma ilusão, mas pode-se tentar desviá-las. “Tudo o que
estabelecer laços afectivos entre os homens deve actuar contra a guerra” (1997, p. 72).
Freud acrescenta que “tudo o que estabelece importantes elementos comuns entre os
homens desperta tais sentimentos de comunidade, identificações. Neles se baseia, em
grande parte, a estrutura da sociedade humana” (1997, p. 72).
Depois de ler os trabalhos de Freud, constata-se que, com relação às discussões
nas aulas dos professores Alípio e Mário Sérgio, se pensar basta eu ser feliz, cai-se no
abismo, num grande buraco. Podemos ser menos infelizes, mas para isso temos que nos
29
propor a construir uma sociedade mais justa. Assim podemos conseguir uma vida melhor,
embora, nos alerta o filósofo Enrique Dussel,
cada processo de libertação (hoje vivemos o de 50% da humanidade só
no processo de libertação feminina) consegue um “êxito” (sua obra), mas
é preciso ter consciência crítica: não é um bem perfeito, é só um bem his-
tórico. A sociedade perfeita é logicamente possível mas empiricamente
impossível. O bem supremo é uma idéia regulativa (um sistema sem víti-
mas) mais empiricamente impossível. Então, não serve para nada? Serve
para nos ajudar a criticar a dominação atual e descobrir as vítimas presen-
tes, mas não para tentar a realização histórica do bem supremo - o “co-
munismo” de Marx como “Reino da Liberdade” também era uma idéia re-
gulativa e não uma “etapa histórica”. Por isso tudo, se é o “bem” é finito,
se é impossível fazer um bem perfeito, então a ética nos ensina a estar
atentamente críticos na luta permanente[…] O “bem” , como fruto da prá-
xis da libertação, é êxito de uma empresa difícil, árdua, que sempre se
opõe a forças superiores, às estruturas dos que exercem o poder do bem
vigente e tradicional. Por isso a sua obra é fruto das quatro virtudes car-
deais levadas ao paroxismo: fortaleza inabalável, temperança incorruptível
e disciplinada (chegando a suportar a tortura sem delação nenhuma por
parte do refém substitutivo), prudência inteligente da factibilidade diante
de forças sempre maiores, e justiça que não negocia contra toda a espe-
rança diante da vítima indefesa (2002, p. 571).
De acordo com Dussel, a vida em comunidade precisa de argumentação e
consenso. A ética é uma construção histórico-cultural que busca o acordo e, em to-
das as linguagens, ela tem de priorizar a vida. Mais que isso: a vida é um fundamen-
to.
1.2. HISTÓRIA DO ENSINO DE ÉTICA NO BRASIL
Para descrever sobre a indicação da ética no currículo oficial optamos em fazer
breve apanhado sobre a política vigente no momento da escrita desta dissertação. Trata-
se das políticas neoliberais que orientaram as reformas curriculares na América Latina e
logicamente no Brasil.
O neoliberalismo nasceu depois da Segunda Guerra Mundial como oposição ao
estado intervencionista e de bem-estar social
4
. Essa nova orientação política propõe nova
4
É o welfare state. “A maioria das economias capitalistas experimentou no pós-guerra um crescimento
econômico sem precedentes, aliado à expansão de programas e sistemas de bem -estar social. Para a mai-
30
lógica mundial de mercado e se solidifica, principalmente na década de 1970, como forte
corrente do pensamento na história da humanidade.
As exigências neoliberais de se ter uma sociedade aberta criticam o estado prove-
dor porque a busca da igualdade social leva à servidão e assim o estado -providência não
seria capaz de garantir liberdade econômica e política, a competição e a capacidade cria-
tiva dos cidadãos e das cidadãs. Para os neoliberais seria impossível governar e manter a
democracia num estado sobrecarregado.
A intervenção do Estado deve estar orientada para tudo que favoreça em-
presas: menor controle, redução da tributação, principalmente sobre in-
vestimento e capital, subsídio e créditos para investimento em P&D [pes-
quisa e desenvolvimento]. Só assim haveria crescimento e o crescimento
do setor privado é a melhor forma de combater a inflação. O que melhor
deveria fazer o Estado, então, seria restringir-se a aumentar os lucros das
empresas” (DRAIBE; HENRIQUE, 1988, p. 59).
Era preciso diminuir a participação sindical e política da sociedade civil. A socie-
dade e o sistema político teriam menos forças nas decisões governamentais. O poder
administrativo receberia menor controle dos processos políticos. Em síntese, as idéias
neoliberais pressupõem
privatizar empresas estatais e serviços públicos, por um lado; por outro,
“desregulamentar”, ou antes, criar novas regulamentações, um novo qua-
dro legal que diminua a interferência dos poderes públicos sobre os em-
preendimentos privados. O Estado deveria transferir ao setor privado as
atividades produtivas em que indevidamente se metera e deixar a cargo
da disciplina do mercado as atividades regulatórias que em vão tentara
estabelecer (MORAES, 2001, p. 35).
Na forma de organização do trabalho se prega o fim do trabalho clássico, com salá-
rios definidos pelos acordos coletivos e emprego fixo. Busca-se a individualização da re-
muneração, terceirização, autonomia individual de produção, o auto-emprego e a contra-
tação flexível. Não importa se o trabalhador tem carteira assinada. É preciso que ele seja
qualificado e tenha emprego, seja capaz de se auto-sustentar. O mercado precisa de
pessoas livres, autônomas, flexíveis, plurais, criativas, autocríticas e qualificadas.
oria dos analistas ocorreu uma parceria bem sucedida entre a política social e a política econômica, susten-
tada por um consenso acerca do estímulo econômico conjugado com segurança e justiça social” (DRAIBE;
HENRIQUE, 1988, p.54).
31
O processo de globalização defendido pelos neoliberais exige que as sociedades
capitalistas intensifiquem a produção porque,
em grande parte, esta globalização se dá por mudanças na economia, na
informática e nas comunicações, que aceleram a produtividade do traba-
lho, substituindo trabalho por capital e desenvolvendo novas áreas de alta
produtividade (como, por exemplo, o software que permitiu a criação, rela-
tivamente em pouco tempo, de super-milionários - sic! - como Bill Gates,
com uma companhia de alcance mundial como a Microsoft). Estas mu-
danças que redefinem as relações entre as nações implicam em uma alta
mobilidade do capital via intercâmbio internacional, mas também através
da velocidade de realização e investimentos de curto prazo e alto risco.
Há uma enorme concentração e centralização de capitais de produção em
nível internacional. (CARNOY et al., 1993 apud TORRES, 2002, p. 118).
A globalização não é social; é puramente econômica e monetarista. Ela não é hu-
manizada; exclui homens e mulheres. O SER humano é pouco considerado. A mundiali-
zação globaliza a pobreza e a miséria. Houve aumento mundial de desempregados.
Segundo o professor Antonio Chizzotti, do Programa de Educação:currículo, PUC-
SP, “a dualização de ‘integrados’ e ‘excluídos’ é vista pelos neoliberalistas como normal
nas sociedades ‘competitivas’ ”. Acrescenta o professor, em uma de suas aulas: há um
apartheid social nos países em desenvolvimento. Esta divisão social está fundamentada
pela ideologia meritocrática do individualismo competitivo que sustenta a luta pela eficiên-
cia. Complementamos a fala de Chizzotti com Pedro Goergen:
No contexto do sistema econômico neoliberal, ocorre um distanciamento
cada vez maior entre os grupos que colhem às fartas os frutos do desen-
volvimento cientifico tecnológico (sic!) e aqueles que ficam à margem do
caminho condenados à fome e à miséria” (2005, p. 6).
Assim a noção de cidadania é descartada. O discurso neoliberal faz mais referên-
cia a consumidores e consumidoras do que a cidadãos e cidadãs.
Como fica a educação diante desse processo político? O receituário neoliberal é
reorientar os gastos públicos e as políticas sociais. Deve-se reduzir despesas com em-
presas estatais, favorecendo privatizações, evitar desperdícios, diminuir a participação do
Estado nos setores sociais, como educação e saúde.
32
Nos programas de ajuste estrutural do FMI (Fundo Monetário Internacional) e
Banco Mundial existem algumas prioridades para modernizar as sociedades. Nelas está a
necessidade de investir e expandir a educação básica (Conferência Mundial de Educação
para Todos, de Jomtiem, na Tailândia, 1990). Para que as pessoas não fiquem fora da
educação, foram criados no Brasil, na década de 1990, programas como o Educação pa-
ra Todos.
Mas nesse caso é valorizada somente a educação básica. O ensino universitário
não entra no programa. Observa-se grande credenciamento de faculdades particulares
por todo o país. “O ensino médio, portanto, é a etapa final de uma educação de caráter
geral que situa o educando como sujeito produtor de conhecimento e participante do
mundo do trabalho” (PCNs, 2002, p. 20,). Maria Olinda Noronha alerta que
este foco no ensino “básico” é justificado porque considera-se que este
nível de ensino representa o momento em que os indivíduos podem ad-
quirir as ferramentas mínimas necessárias para participarem no mercado
moderno como consumidores e produtores eficientes e competitivos
(2002, p. 87).
Na proposta pedagógica neoliberal, a escola não deve ser somente transmissora
de conteúdos. Os alunos e os alunas precisam “aprender a aprender; aprender a fazer;
aprender a conviver juntos; aprender a ser” (UNESCO
5
, 1996 apud NORONHA, 2002, p.
85). É necessário dinamizar, democratizar o ensino e valorizar o indivíduo. Deve ser res-
peitado o interesse do educando e da educanda porque eles são sujeitos, o centro da e-
ducação. Observou Anísio Teixeira já na década de 1960:
[...] podemos perceber a nova finalidade da escola, quando refletimos que
ela deve hoje preparar cada homem para ser um indivíduo que pense e
que se dirija por si, em uma ordem social, intelectual e industrial eminen-
temente complexa e mutável (1968, p. 36).
O capitalismo neoliberal precisa de pessoas com conhecimento de novas ciên-
cias e técnicas criativas, estimuladas para as descobertas autônomas, a fim de desen-
volver ainda mais a tecnologia. Baseada nesses princípios, a educação centrada no
aluno e na aluna favorece essa iniciativa e sugere grande exaltação à individualidade.
5
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
33
O investimento no “indivíduo” tem como matriz a abordagem do capital
humano que preconiza, entre outras coisas, que o acesso aos bens e ser-
viços “básicos” entre eles, a educação torna os pobres mais eficientes,
competitivos e produtivos. Observa-se que a abordagem economicista é
transferida do campo da análise econômica de mercado e aplicada de
modo mecânico no campo da cultura. O indivíduo, a partir desse enfoque,
precisa, de modo permanente, desenvolver livremente, de preferência u-
sando seus parcos recursos e muita criatividade, estratégia de sobrevi-
vência auto-sustentada e solidária (NORONHA, 2002, p. 87).
Percebe-se que o neoliberalismo usa discursos renovados, comerciais e tecnicistas
dos Estados Unidos que aparentemente implicam idéia de cidadania. Nesse caso, a edu-
cação é reforço para manutenção das sociedades capitalistas. O investimento é mera-
mente de intenção comercial e mercadológica. Não se priorizam formações política e filo-
sófica. Educandos e educandas não conseguem analisar criticamente a realidade e muito
menos investir na sua transformação porque lhes faltam subsídios teóricos para isso.
Depois da Ditadura Militar no Brasil, psicólogos e pedagogos traçaram o novo
perfil de aluno e aluna. Transformaram os ambientes escolares em minilaboratórios de
experimentações: o jovem e a jovem precisariam aprender a partir de experiências. A
disciplina não se resumia à obediência da escola tradicional. A sala de aula pod eria ser
barulhenta, movimentada, alegre e sem pressões. Era importante que os interesses dos
alunos e alunas estivessem em primeiro lugar e “nunca podemos dizer não para o alu-
no”, dizia uma professora de Didática. Aprendemos isso quando fizemos o antigo Ma-
gistério, na década de 1980. Eram obrigatórias leituras sobre aprendizagem centrada
no estudante.
Nesse contexto foi criada a Lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional (LDB) - e mais tarde se deu a construção dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs): ensino médio, pelo Ministério da Educação, que juntos têm como
princípios estabelecer uma educação equilibrada para todos os estudantes com as se-
guintes perspectivas:
a formação da pessoa, de maneira a desenvolver valores e compe-
tências necessárias à inte gração de seu projeto individual ao projeto da so-
ciedade em que se situa;
34
o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensa-
mento crítico;
a preparação e a orientação básica para a sua integração no mundo
do trabalho, com as competências que garantam seu aprimoramento profis-
sional e permitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção
no nosso tempo;
o desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de
forma autônoma e crítica, em níveis mais complexos de estudos ( 2002, p.
22).
São variadas as criticas feitas aos PCNs. Segundo o professor Chizzotti, o docu-
mento tem uma leitura a-histórica, não se refere ao processo histórico de luta de classe,
que explica as desigualdades sociais que permanecem no contexto socioeconômico.
Contribui para o mascaramento das contradições que emergem do processo de reprodu-
ção do modelo da sociedade ao não revelar a natureza e a contraposição histórica exis-
tentes entre os diferentes interesses encontrados nos atuais conflitos sociopolíticos de
classes e transmite uma concepção conservadora de sociedade.
Chizzotti aponta ainda uma “mistura” teórica entre Piaget e Vigotsky. O documento
não trabalha as diferenças epistemológicas das teorias no que diz respeito às concepções
subjacentes de homens e mulheres, mundo e sociedade. Há nos PCNs um caráter sincré-
tico da terminologia. Presenciam-se metodologia e práticas pedagógicas que vão desde a
pedagogia tradicional, passando pela pedagogia renovada, pedagogia progressista, pelo
sociointeracionismo e algumas abordagens com preocupações pós-modernas.
Os PCNs abordam uma sociedade excludente, mas não coloca que isso é forma-
do e mantido pelo capitalismo e pelo seu processo globalizante. Percebemos um discurso
da busca de sobrevivência neste sistema. Os educandos e educandas devem ser inseri-
dos no processo produtivo e aprender a viver nesta sociedade. O documento propõe que
“o currículo deve contemplar conteúdos e estratégias de aprendizagem que capacitem o
aluno para a vida em sociedade, a atividade produtiva e experiências subjetivas” (2002, p.
28).
No ensino médio percebemos forte dualismo entre educação humanista, base ge-
ral, e o ensino profissionalizante (técnico). Isso é ruim. Seria ideal que o jovem e a jovem
35
brasileira não precisassem se preocupar com o trabalho nessa fase da educação. Eles
receberiam, assim, formação geral humana e deixariam a formação profissional para o
período universitário.
Nesse sentido, na educação básica, a sala de aula seria espaço, centro de exce-
lência, de formação constante, onde durante o processo escolar os alunos e as alunas
aprenderiam matemática, línguas, ciência, lidariam com informática para ajudar no seu
cotidiano, realizariam pesquisas, constatariam resultados, formariam consciência moral,
questionariam valores, atitude, política, meio ambiente e discutiriam desigualdades raciais
e sociais, as drogas, exploração sexual, consumismo e a violência.
A prática reflexiva dos problemas da sociedade fornece bagagem de esclarecimen-
to sobre como está estruturada a realidade em seus aspectos político, econômico e soci-
al, determinando melhor postura perante os obstáculos.
Os alunos e alunas precisam ter consciência de sua própria realidade com baga-
gem que lhes permitam criticar o universo cultural, buscar posicionamentos que pressu-
põem elaboração de ações coerentes e refletidas.
O nível inicial da escola elementar [...] deveria desenvolver sobretudo a
parte relativa aos “direitos e deveres”, atualmente negligenciada, isto é, as
primeiras noções do Estado e da sociedade, enquanto elementos primor-
diais de uma nova concepção do mundo que entra em luta contra as con-
cepções determinadas pelos diversos ambientes sociais tradicionais, ou
seja, contra as concepções que poderíamos chamar de folclóricas
(GRAMSCI, 2001, p.37).
Antonio Gramsci ajuda a entender que a realidade não obedece apenas aos câno-
nes da economia. A hegemonia pode ser construída a partir de reforma cultural, política e
ideológica. A escola ocupa espaços importantes na construção da hegemonia, ajuda a
população a se elevar nos aspectos cultural e moral. O Estado tem a possibilidade de ser
ético e democrático.
Na parte introdutória dos PCNs fica claro que eles são só referência para auxiliar
no trabalho de professores e professoras. Ao mesmo tempo houve o cuidado de que to-
das as escolas recebessem os Parâmetros e que os docentes e as docentes os estudas-
36
sem. Foram variadas capacitações que o MEC (Ministério da Educação) promoveu em
todo o Brasil. A capacitação denominada Parâmetros em Ação
6
é exemplo disso.
Vários autores apontam que o documento descreve autonomia, mas o MEC não
criou possibilidades a professores, professoras e comunidade escolar de construir seu
próprio currículo. Apelidados por muitos educadores e educadoras como Pacotão do
MEC, os PCNs foram criticados de ser um “controle pedagógico” do governo a todas as
escolas do país.
O documento cita que se devem respeitar as diversidades culturais locais, mas o
governo pouco estimula a participação da comunidade escolar na construção dos seus
próprios parâmetros, para que se possa resolver, pelo menos em parte, os imensos confli-
tos que há na comunidade escolar. A falta de fomentação da participação no campo edu-
cacional é uma das características negativas dos Parâmetros.
Para que ocorra participação seria fundamental a criação de condições de ca-
pacitação dos educadores e das educadoras, porque
a construção de uma nova cultura política radicalmente democrática re-
quer um conjunto de aprendizados capazes de transformar as atitudes, os
valores, os comportamentos e a ética arraigados no Estado e na socieda-
de, resultantes da socialização promovida pela cultura política que hege-
monizou a tradição histórica brasileira. Portanto, a abertura de novas for-
mas de canais de participação requer a mediação da educação, de uma
prática pedagógica explícita, capaz de propiciar o necessário processo de
mudança de atitudes, valores, mentalidades, comportamentos, procedi-
mentos, tanto por parte da população como daqueles que estão no interior
do aparelho estatal (PONTUAL, 2000, f. 4).
Depois de termos percorrido esse caminho, pode-se agora centrar na ética em si. A
educação não-ética do período da Ditadura Militar (1964 a 1985) serviu para transmitir
normas prontas e doutrinárias em nosso País. É emblemático nesse sentido o Decreto de
1969, que validou os Estudos dos Problemas Brasileiros e Educação Moral e Cívica.
A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem
como finalidade: a defesa do princípio democrático, através da presença
6
“O programa Parâmetros em Ação [...]” teve como objetivo “[...] apoiar e incentivar o desenvolvimento
profissional [...]” de educadores e educadoras articulado “[...] com a implementação [...]” dos PCNs.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica, Brasília. Ensino fundamental. Disponí-
vel em: <http://www.mec.gov.br/sef/sef/paramaca.shtm>Acesso em: 13 abr. 2006.
37
do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à libe r-
dade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus; a preservação, o
fortalecimento de valores e a projeção de valores espirituais e éticos da
nacionalidade; o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de
solidariedade humana; o culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, in s-
tituições e aos grandes vultos de sua história; ... o culto à obediência à lei,
da fidelidade ao trabalho, e da integração na comunidade; (...). (LEPRE,
2001, p.71-72 apud MENIN, 2002, p. 94).
Esse tipo de intervenção não possibilitou a crítica, reforçou o sistema opressor, a-
judou na preservação da submissão e foi incapaz de fornecer elementos necessários à
reflexão sobre os valores morais daquele período histórico. Estabeleceu principio moral
autoritário, repressor, que fortalecia a sociedade dividida em classes e a opressão gerada
por ela.
Outra forma de atuação que não leva à ética (e tem acontecido nas escolas bras i-
leiras) é uma prática meio laissez-faire (deixem fazer, deixem passar) em relação aos va-
lores. Cada professor ou professora tem concepções diferenciadas sobre entendimento
do que é certo, bom e justo. Por exemplo, uma professora pode considerar necessário
realizar debate em sala de aula com seus alunos e alunas, enquanto outra não aceita ne-
nhum tipo de pronunciamento em suas aulas.
Desse modo, concepções opostas não possibilitam um código moral na escola.
Tudo é relativo. O que é certo para uma; é errado para outra e, no meio desta confusão, a
reflexão dos valores torna-se impossível. Não existe regra estabelecida.
Uma posição relativista em educação de valores pode permitir, como po-
demos constatar, um vale-tudo na educação, em que valores e contrava-
lores podem coexistir e nem sempre serem fruto de reflexão ou de sua
clara adoção. Podem, numa mesma escola, ser encontrados professores
que incentivam a competição entre os alunos ancorando-se no fato de que
na sociedade atual predomina o “cada um por si” ou o “vence o mais for-
te”, outros defendendo a cooperação e a solidariedade para a construção
de uma sociedade melhor, e outros, ainda, completamente indiferentes a
essas questões e que consideram a moral como um assunto particular
(MENIN, 2002, p. 95).
As sociedades contemporâneas desenvolveram tecnologias altamente avançadas.
Aperfeiçoamentos genéticos, meios de comunicação fabulosos - televisão, telefone fixo,
38
celular móvel, internet, rádio, fax, telão etc. Mas, paralelo a isso, não existe política de
acesso a esses bens, além de faltar tolerância e o pleno exercício da cidadania. Miséria,
racismo, preconceito e discriminação do Outro sobrepõem-se à alteridade.
Quando quatro jovens foram questionados sobre o porquê de terem ateado fogo
num índio pataxó
7
que dormia em um ponto de ônibus em Brasília, responderam: “Acha-
mos que ele era mendigo.” Em mendigo pode-se pôr fogo, porque é alguém à parte de
sua existência e pode ser tratado violentamente pelas instituições ou pelas pessoas. “De
modo geral, penso que as pessoas estão em crise ética, e essa crise tem reflexos nos
comportamentos morais. A imoralidade não deixa de ser tradução de falta de projetos, de
desespero existencial ou de mediocridade dos sentidos dados à vida”, afirma o psicólogo
Yves de La Taille (DREYER, PORTAL APRENDE BRASIL).
A busca de reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores
morais, ou seja, a ética, deve ser constante a todos os cidadãos e cidadãs. É preciso que
as pessoas sejam incentivadas desde criança.
Os adultos dizem continuamente às crianças que devem se compo rtar
bem, mas nunca discutem com elas o que é o bem; pedem-lhes que di-
gam a verdade, mas nunca falam com elas acerca do que é verdade. E
não só não discutem com as crianças, como também não concebem es-
paços para que elas conversem a respeito [...] (SANTIAGO, 1999, p. 31)
O pensamento filosófico, mesmo em sentido restrito, está incluso na vida das pes-
soas pela necessidade diária de convivência, de existência e de relação. Ampliar esse
pensamento é dar significado à reflexão sobre a problemática humana, negando valores
opressores do capital, da ordem, do pragmatismo, do consumo e da supremacia militar.
É interessante romper, estabelecer marco de ruptura no repasse de valores este-
reotipados da sociedade capitalista, que vem perdendo a moralidade diante de um TER
dissimulado. Os educadores e as educadoras devem mostrar às crianças que a vida é
valor fundamental. Pensando em questões do bem-viver e do SER, é possível evitar as
futilidades e podar o pensamento apenas utilitário. Podemos vivenciar, com alunas e alu-
nos, princípios de honestidade e solidariedade.
7
O índio pataxó Galdino Jesus dos Santos morreu queimado no dia 20 de abril de 1997.
39
Precisamos de uma ética que questione e rediscuta os valores no contexto social.
A escola é espaço privilegiado para difundir tais princípios. Ela deve incluir no seu currícu-
lo questões sobre ética e cidadania. O conteúdo dessa ética deve ser a vida. O princípio
fundamental da ética é
o princípio da obrigação de produzir, reproduzir e desenvolver a vida hu-
mana concreta de cada sujeito ético em comunidade. Este princípio tem a
pretensão de universalidade. Realiza-se através das culturas, motivando-
as por dentro, assim como aos valores ou às diversas maneiras de cum-
prir a “vida boa”, a felicidade, etc. Mas todas estas instâncias nunca são o
princípio universal da vida humana. O princípio penetra todas elas, inci-
tando-as à sua auto -realização. As culturas, por exemplo, são modos par-
ticulares de vida, modos movidos pelo princípio universal da vida humana
de cada sujeito em comunidade, a partir de dentro. Toda norma, ação, mi-
croestrutura, instituição ou eticidade cultural têm sempre e necessaria-
mente como conteúdo último algum momento da produção, reprodução e
desenvolvimento da vida humana em concreto (DUSSEL, 2002, p. 93).
A ética que se busca deve respeitar a vida das pessoas que sofrem, pois é a partir
dela (da ética) que podemos lutar pela libertação. Enquanto educadores e educadoras
não aceitarem o diferente, o excluído, como alguém que é igual e lhes pertence e terem
comprometimento com esse SER, o currículo que de fato eduque estará distante.
O sistema educacional brasileiro hoje, de forma geral (porque há educadores e e-
ducadoras lutando por uma educação humanizadora), não tem a verdadeira intenção e-
ducacional. Ele leva à desumanização e contribui para manutenção da opressão das pes-
soas com necessidades especiais, pobres, mulheres, negras, indígenas, homossexuais e
transgêneros.
A criação dos Temas Transversais dos PCNs, no final da década de 90 do século
XX, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, mostrou a preocupação do
Ministério da Educação em buscar saídas para a ruptura de questões que não possibili-
tam cidadania, dignidade e ressalta a importância da ética nas nossas escolas.
A ética interroga sobre a legitimidade de práticas e valores consagrados
pela tradição e pelo costume. Abrange tanto a crítica das relações entre
os grupos, dos grupos nas instituições e perante elas, quanto a dimensão
das ações pessoais. Trata-se portanto de discutir o sentido ético da convi-
vência humana nas suas relações com várias dimensões da vida social: o
ambiente, a cultura, a sexualidade e a saúde (1997, p. 30).
40
O trabalho com a ética dentro da escola não se dará com a criação de uma disci-
plina específica e nem pela transversalidade. Mas os Temas Transversais dos PCNs são
documentos importantes para o trabalho com ética na escola. Eles podem ser os únicos
documentos teóricos acessados por professores e professoras. Dão noção, orientam e
possibilitam o início de discussão e de trabalho com a ética.
Com todas as críticas feitas aos Parâmetros, mesmo sendo temas transversais, e
não princípio fundamental de trabalho, ou seja, a necessidade de construir ambiente éti-
co, com projeto de trabalho em toda a escola, há de se considerar os PCNs importantes
no processo da educação brasileira. Isso fica claro se compararmos as citações feitas do
documento que regulamentava o ensino das disciplinas Moral e Cívica e Estudos dos
Problemas Brasileiros na década de 1960 com as indicações do trabalho sobre ética na
década de 1990. Nesse caso, se professores e professoras se embasam nos Temas
Transversais como um dos componentes curriculares, isso pode ser um pequeno avanço
para o ensino brasileiro.
Sabemos que Todos na Escola e a formulação dos PCNs não representam univer-
salização e democratização do ensino. “Se a escola quiser ser fiel à sua origem e voc a-
ção democrática, ela terá de se ajustar ao novo papel de educadora universal e princi-
palmente das crianças de famílias socialmente excluídas” (SINGER, 1996, p.14).
Tal afirmativa significa que não se deve deixar como está. É necessário que se
busquem as possibilidades, contrapor as impossibilidades defendidas por grupos hege-
mônicos. Saber o que se quer é logicamente procurar recursos para rejeitar o discurso
renovado e demagógico do capitalismo. Propõe-se, com a nossa cultura popular, a liber-
tação do povo. A escola pode, e muito, contribuir com esse processo. A cultura não será
mumificada, como escreveu Antonio Gramsci, porque existirá nela elementos antiopresso-
res.
41
2. ÉTICA, ENSINO, PRÁXIS E CURRÍCULO
Ensinar exige:
consciência do inacabamento;
o reconhecimento de ser condicionado;
respeito à autonomia do ser do educando;
bom senso;
humildade, tolerância e luta em defesa dos
direito dos educadores;
apreensão da realidade;
alegria e esperança;
a convicção de que a mudança é possível; e
curiosidade.
Paulo Freire Pedagogia da autonomia
Na primeira subseção deste capítulo procuraremos entender como a criança cons-
trói ou é construído nela o juízo moral (a construção de valores). Optamos em estudar
Jean Piaget, o criador da psicologia genética, que pesquisou os processos do pensamen-
to infantil. Em 1932, publicou na França Le jugement moral chez l’enfant (O juízo moral
na criança), obra pioneira que explica a formação da consciência moral nas crianças de 3
a 12 anos de idade.
Lembramos que nosso referencial teórico está em Dussel e Freire, mas, como
estamos dissertando sobre ética na infância, não podemos nos afastar de Piaget por-
que ele, dentro dos limites da epistemologia genética, se preocupou em explicitar a cri-
ança em relação aos valores morais: como acontece na criança o juízo moral.
Piaget tratou exclusivamente dos processos endógenos da criança. Não quere-
mos afirmar que ele desconhece os exógenos. Ao contrário, estamos afirmando que se
ateve mais aos aspectos endógenos. O interesse de Piaget se limitou a saber e explicar
como a criança constrói internamente a inteligência, linguagem, comportamento e o jul-
gamento moral. Ele concentrou seus estudos no desenvolvimento interno da criança.
Jean Piaget abriu espaços para reflexão sobre a gênese da moralidade humana.
Suas pesquisas dão elementos para persistir na possibilidade de que a ética pode ser
trabalhada desde a educação infantil.
42
O pesquisador pouco escreveu sobre pedagogia ou metodologia de ensino. O mais
importante é aproveitar dele a análise de que as formas autoritárias de imposição de re-
gras não levam a uma prática reflexiva. O escritos sobre o juízo moral na criança são im-
portantes na perspectiva de que a moral pode ser discutida desde a infância. Essa obser-
vação piagetiana é considerada avanço na história da reflexão sobre moralidade.
Outro autor que contribui para o aprofundamento dessa temática é o professor
Yves de La Taille, do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo). La Tail-
le ajuda a entender melhor Piaget e muito acrescenta sobre o desenvolvimento do pen-
samento moral na criança.
À medida do possível introduzimos algumas críticas dos filósofos Enrique Dussel,
Adolfo Sánchez Vázquez e Marilena Chauí, além do professor Paulo Freire. Esses pes-
quisadores e a filósofa Marilena Chauí pensaram a transformação social por pessoas que
são sujeitos e construtoras da sua própria realidade histórica.
Na segunda parte do capítulo defendemos um currículo voltado à práxis reflexiva
e crítica (a ética enquanto práxis curricular). Trata-se da ética que acreditamos. Para es-
crevê-la aproveitamos as atividades do mestrado. Aprendemos muito com leituras, deba-
tes e discussões. As aulas de professores e professoras da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), as intervenções de alunos e alunas de pós-graduação
da instituição, as leituras propostas, assim como os trabalhos, nos respaldaram
teoricamente, facilitando a construção deste capítulo.
Ao longo do capítulo definimos que para nós ética é principio, fundamento dotado
de uma postura filosófica reflexiva crítica. A moral é procedimento valorativo que consi-
dera as tradições culturais e a sociedade. O eu significado, função e validade variam
historicamente e em diferentes sociedades.
A ética é todo um processo de reflexão sobre essas regras e normas. A função
da ética é acompanhar filosoficamente a moral. Por isso a ética pode explicar e influir
na moral de uma realidade. A atuação da ética está no plano filosófico - pode ajudar na
busca de novos rumos morais para as sociedades. Princípios ético e moral não podem
caminhar separadamente.
43
A ética entra como possibilidade de construção de uma práxis transformadora. Não
devemos colocá-la como “salvadora da pátria. Mas ela pode nos ajudar para que o currí-
culo brasileiro seja menos violento e a realidade escolar seja mais humanizada. Neste
momento, isso são utopias necessárias que nos impulsionam a lutar por uma escola e por
uma sociedade melhores.
Por último, discutimos a especificidade do ensino de ética. Definimos neste item o
que é, para nós, o ensinar ética. Negamos que o ensino de ética seja especificamente
voltado ao desenvolvimento das habilidades do pensar e ao ensino de educação moral e
civismo. Aproveitamos para citar algumas aulas que podem propiciar melhor entendimen-
to sobre diferentes concepções e práticas pedagógicas em relação ao ensino de ética.
2.1. CONSTRUÇÃO DE VALORES PELAS CRIANÇAS
Para Piaget (1994, p. 23), “toda moral consiste num sistema de regras, e a essên-
cia de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas
regras”. O bem é produto da cooperação e não do dever que vem da coação moral que
as pessoas adultas exercem sobre a criança. Para isso é necessário entender que a coo-
peração se introduz pela “[...] autonomia [que] só aparece com a reciprocidade, quando o
respeito mútuo é bastante forte, para que o indivíduo experimente interiormente a neces-
sidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado” (PIAGET, 1994, p. 155).
A moral do bem é a do respeito mútuo e da autonomia. Essa moral é conduzida no
campo da justiça, no desenvolvimento da igualdade, constitutiva da justiça distributiva e
da reciprocidade. Neste caso é evidente para Piaget (1994, p. 239-243) que, em nossas
sociedades, a moral comum que dirige as relações dos adultos entre si é exatamente a da
cooperação. Os exemplos de ambientes aceleram o desenvolvimento da moral infantil. A
autoridade coerciva não pode ser fonte de justiça, porque o desenvolvimento da justiça
supõe autonomia.
Para entendermos bem essa construção moral, iniciamos assinalando que em Pia-
get a consciência da regra na criança começa com a anomia correspondente à fase em
44
que a criança pequena não segue regras coletivas. Os interesses da criança nesse mo-
mento são motores, simbólicos e individuais. A regra não é coercitiva. Nessa fase houve a
constatação de que, nas brincadeiras (jogos de regra), as crianças não se prenderam às
regras; usaram os objetos dos jogos de forma fantasiosa. Com as bolinhas de gude, por
exemplo, as crianças brincavam de comidinha, as amontoavam na cavidade do sofá e
assim por diante.
Esse primeiro estágio, analisou Piaget (1994, p. 33), é “[...] puramente motor e indi-
vidual, no decorrer do qual a criança manipula as bolinhas em função de seus próprios
desejos e de seus hábitos motores”. Ao observar crianças de três anos, o pesquisador
percebeu que na brincadeira geralmente não há regras.
O segundo estágio é o da heteronomia, etapa em que a criança se mostra interes-
sada pelas atividades coletivas e com regras. Em função do egocentrismo, a regra para a
criança é tida como sagrada. Num jogo, por exemplo, só pode seguir a regra que lhe foi
ensinada. Se houver qualquer modificação na regra, ela entende que é uma transgres-
são, uma falta grave. Piaget, analisando crianças de 4 a 6 anos de idade, observou que
elas só aceitam inovação das regras se a pessoa adulta propor. É inaceitável inventar ou
inovar as regras entre elas. Ainda, nesse estágio, as crianças jogam cada uma por si,
sem se preocupar com os parceiros. Elas não controlam os jogadores e nem procuram
vencê-los. “[...] ‘Ganhar’ [o jogo] significa, simplesmente, conseguir, por sua própria conta,
bater nas bolinhas visadas” (PIAGET, 1994, p. 57).
De acordo com Piaget, no último estágio a criança alcança alguma autonomia. É
capaz de regulamentar a partida do jogo obedecendo às suas regras. Nesse momento, se
estabelece uma real cooperação entre os jogadores e as jogadoras. Se houver acordo
entre as partes, podem mudar as regras do jogo. As crianças de 7 a 12 anos, na pesqui-
sada de Piaget, passam por essa fase. Primeiro elas têm necessidade de controlar, unifi-
car e, muitas vezes, de variar as regras dos jogos. Depois as crianças codificam as regras
nos seus pormenores.
Este último ponto nos conduz a um segundo indício de união da autono-
mia com o verdadeiro respeito à lei. Modificando as regras, isto é, torna n-
do-se legisladora e soberana nessa democracia que sucede, por volta dos
dez, onze anos, à gerontocracia anterior, a criança toma consciência da
razão de ser das leis. A regra torna-se, para ela, condição necessária do
45
entendimento. Para não trapacear, diz Ross, é preciso aprender as re-
gras e depois deve-se jogar como se manda [ = é preciso aceitá-las]”. A
regra mais justa, sustenta Gros, é aquela que reúne a opinião dos jogado-
res, porque [então] não podem trapacear” (PIAGET, 1994, p. 64).
Piaget, ao pesquisar as concepções morais, o juízo moral das crianças heterôno-
mas, percebeu nelas um realismo moral
8
(grifo do autor) porque, primeiramente, elas con-
sideram que é boa toda ação que atesta uma obediência à regra ou aos adultos; é mau
todo ato que não ocorre conforme as regras. “[...] O bem se define rigorosamente pela
obediência” (PIAGET, 1994, p. 93). A criança interpreta a regra ao pé da letra, não perce-
bendo o seu verdadeiro espírito. No final o julgamento se dá pelas conseqüências da a-
ção e não pela intencionalidade do praticante da ação. O realismo moral ocasiona con-
cepção objetiva da responsabilidade.
A criança em fase do realismo moral julga mais culpado alguém que tenha
quebrado dez copos sem querer do que alguém que somente tenha que-
brado um durante uma ação ilícita. Vale dizer que julga pelo aspecto exte-
rior da ação - o fato de ter quebrado muito ou pouco - e não pela intencio-
nalidade da mesma (LA TAILLE, 1992, p. 52).
No realismo moral o dever é essencialmente heterônomo, ou seja, acrescenta Yves
de La Taille (1992, p. 52), “a heteronomia, agora expressa pelo realismo moral, corres-
ponde a uma fase durante a qual as normas morais ainda não são elaboradas, ou reela-
boradas pela consciência”. A criança não consegue ainda entender a função social das
normas. O dever significa mera obediência às leis estabelecidas e impostas pelos adultos.
A coação adulta, mesmo não sendo de cunho autoritário, provoca realismo moral
na criança. As exigências dos adultos em relação aos limites, como estabelecer horários
para dormir, comer, não estragar os objetos, cuidar da higiene e outras coisas que co-
bramos das crianças provocam o realismo moral, ou seja, aceitação passiva das ordens.
Mesmo que sejamos adversários da coação, sempre damos ordens que são incompreen-
síveis para as crianças. Importante lembrar que o realismo é efetivo e próprio do pensa-
8
Piaget chama de “ [...] realismo moral a tendência da criança em considerar os deveres e os valores a
eles relacionados como subsistentes em si, independentemente da consciência e se impondo obrigatori-
amente, quaisquer que sejam as circunstâncias às quais o indivíduo está preso” (1994, p. 93).
46
mento espontâneo infantil. O realismo moral resulta também do pensamento espontâneo
(realismo infantil) e da coação exercida pelas pessoas adultas.
Nesse caso, adultos e adultas devem agir em relação às regras, não exigindo ob e-
diência passiva das crianças. É necessário discutir as regras, sempre fazer compreender
o porquê das ordens, em lugar de impô-las categoricamente. Deve-se apresentar para as
crianças os fatos sob a luz da cooperação, como ajudar a professora, ensinar o amigo,
agradar alguém - mostrar a razão de ser das ordens, porque as crianças não as compre-
endem por si próprias. De acordo com Piaget, se as ordens forem recebidas e aplicadas
pela criança antes de serem realmente compreendidas, naturalmente darão lugar a uma
moral heterônoma, com sentimento de pura obrigação e remorsos em caso de violação
dessas leis. Supõe-se
[...] que crianças que colocaram a justiça retributiva acima da justiça dis-
tributiva são aquelas que seguem o ponto de vista da coação adulta, en-
quanto as que preferem a igualdade à sanção são aquelas às quais as r e-
lações entre crianças (ou mais raramente as relações de respeito mútuo
entre adultos e crianças) levaram à melhor compreensão das situações
psicológicas e a julgar segundo um novo tipo de normas morais (PIAGET,
1994, p. 204).
O pesquisador Jean Piaget argumenta que há “[...] dois planos no pensamento mo-
ral” da criança. O primeiro trata-se do “[...] pensamento moral efetivo [...]”, ligado à “exp e-
riência moral”. É constituído na ação e permite à criança avaliar os atos de outrem que lhe
interessam diretamente. O segundo plano é o da moral teórica que afasta da ação imedia-
ta, um processo de reflexão, quando a criança é chamada a avaliar os atos de outra pes-
soa “[...] que não lhe interessam diretamente [...]”, ou quando é conduzida a pensar “[...]
sua própria conduta, independente da ação atual” (1994, p. 139). Nesse sentido, o pen-
samento moral teórico da criança poderia obedecer a princípios provenientes da hetero-
nomia e da responsabilidade objetiva como também seguir princípios de origem do respei-
to mútuo ou da moral da interiorização e da responsabilidade subjetiva.
Isso se explica porque, acredita Piaget, a reflexão moral teórica se compõe de to-
mada de consciência progressiva do pensamento concreto ou da atividade moral em si.
[...] Tomar consciência não consiste simplesmente em projetar luz sobre
noções já completamente elaboradas. A tomada de consciência é uma re-
47
construção, e, portanto, uma construção original sobrepondo-se às con s-
truções devidas à ação. Como tal, está necessariamente em atraso sobre
a atividade propriamente dita [...] Em conseqüência, se o realismo moral,
que temos notado entre seis e oito aproximadamente (não podíamos, ali-
ás, descobri-lo antes dos seis anos, porque os pequenos não compreen-
dem suficientemente as histórias empregadas), corresponde a alguma re-
alidade na própria atividade moral, não é no decorrer destes mesmos a-
nos que será necessário procurá-lo, mas bem antes: a responsabilidade
objetiva pode muito bem, de fato, estar ultrapassada há muito tempo no
plano da ação e subsistir, todavia, no plano do pensamento teórico. Aliás,
vimos exemplos de crianças que julgavam as histórias que lhes contáva-
mos de acordo com os princípios da responsabilidade objetiva, mas que
nos comunicavam, ao mesmo tempo, recordações pessoais avaliadas
muito corretamente segundo os critérios da responsabilidade subjetiva
(1994, p. 141).
Podemos dizer que a reflexão teórica sofre deformações na sua própria constru-
ção. O realismo moral na criança é muito mais sistemático no plano teórico do que na a-
ção. Quando as crianças raciocinam no plano verbal, elas já enfrentaram e venceram difi-
culdades colocadas pela inteligência prática.
É preciso, evitando “cair” totalmente em Kant (mais adiante propomos melhor dis-
cussão sobre isso), argumentar que a consciência moral é produto de longos processos
de desenvolvimento da humanidade. “[...] Nem as normas lógicas nem as normas morais
são inatas na consciência individual. Sem dúvida, encontramos, mesmo antes da lingua-
gem, todos os elementos da racionalidade e da moralidade” (PIAGET, 1994, p. 296). A
compreensão de nossa obrigação moral e as avaliações pessoais que fazemos são sem-
pre de acordo com as normas sociais. As leis e as normas não nascem com as pessoas.
O cidadãos e cidadãs absorvem noção e consciência do seu desenvolvimento histórico,
logicamente numa sociedade previamente estruturada. A consciência recebe fortes de-
terminações das relações morais vigentes. Como produto histórico-social, a consciência
moral de homens e mulheres está sempre sujeita a constantes desenvolvimentos e mu-
danças. Não dá para analisar a construção da consciência moral considerando somente
sua formulação subjetiva, no interior e no individual. A pessoa concreta individual é social
e a consciência moral se forma nessa relação. Nesse caso a consciência heterônoma e a
consciência autônoma não são absolutas. Nenhuma consciência é absolutamente livre e
incondicionada.
48
Só uma consciência pura, de um ser ideal, não de homens concretos, po-
deria gozar de uma autonomia absoluta. Mas a consciência como a mo-
ral em geral - pertence a homens reais que se desenvolvem historicamen-
te. Também a consciência moral é um produto histórico; algo que o ho-
mem cria e desenvolve no decurso de sua atividade prática e social
(VÁZQUEZ, 2003, p. 187).
Em relação ao sentimento de justiça, Jean Piaget observou que as crianças pe-
quenas confundem a lei e a autoridade com a justiça. Elas têm idéia de uma justiça ima-
nente, ou seja, todo ato considerado ilícito deve inevitavelmente ser castigado. Para os
pequenos e as pequenas a natureza é também responsável por castigá-los. La Taille
descreve que nesse caso a natureza é cúmplice das pessoas adultas. Existe para as cri-
anças uma “[...] mecânica universal [...]” que funciona “[...] sempre que algum crime é co-
metido; e o castigo aplicado é sempre uma severa sanção expiatória”
9
(1992, p. 53-54). A
maioria das crianças pequenas entre seis e sete anos fez a opção pela sanção expiatória
em vez da sanção por reciprocidade
10
. Isso se explica porque em relação à noção de ju s-
tiça a criança apresenta a fase da heteronomia.
Há duas noções distintas de justiça. Uma é retributiva, que favorece a proporcio-
nalidade entre ato e ação:
No campo da justiça retributiva, toda sanção é admitida como perfeita-
mente legítima, necessária e constituindo mesmo o principio da moralida-
de: se não puníssemos a mentira, seria permitido mentir etc. [...] A criança
deste estágio coloca a necessidade da sanção acima da igualdade. Na
escolha das punições, a sanção expiatória tem primazia sobre a sanção
por reciprocidade [...] (PIAGET, 1994, p. 236- 237).
9
Numa sanção expiatória o culpado tem que ser castigado severamente. Essa repressão, descreve Pia-
get (1994, p. 161), não tem “[...] nenhuma relação entre o conteúdo da sanção e a natureza do ato san-
cionado”. A qualidade do castigo é estranha ao delito. O que importa “[...] é que haja proporcionalidade
entre o sofrimento imposto e a gravidade da falta” cometida. Por exemplo, a criança derrama leite sobre a
mesa. A mãe bate na criança em vez de pedir à criança que limpe a mesa. Com esse sentido, a sanção
expiatória tem caráter arbitrário.
10
A sanção por reciprocidade não precisa de castigo doloroso. É necessário que a pessoa se conscienti-
ze dos seus erros e solucione o problema. Se uma criança quebra um vaso de flores na escola, ela deve
trazer outro para colocar no lugar daquele que foi quebrado. “A repreensão então, não precisa mais de
um castigo doloroso para ser reforçada: reveste toda sua intensidade na proporção em que as medidas
de reciprocidade fazem compreender ao culpado o significado de sua falta” (PIAGET, 1994, p. 162). Essa
medida comporta também elementos de sofrimento, porque, às vezes, é acompanhada de abo rrecimen-
tos materiais que resultam da ruptura do elo de solidariedade.
49
Torna-se justo todo o ato que pune e não recompensa um culpado ou é dosado na
proporção exata a uma falta ou mérito. O outro tipo de justiça, a distributiva, define-se pe-
la idéia de igualdade. Dizemos que uma instituição é justa quando não favorece uns a
custa de outros. A justiça distributiva pode ser convertida em noções de igualdade ou de
eqüidade. “A reciprocidade se impõe, com efeito, à razão prática, como os princípios lóg i-
cos se impõem, moralmente, à razão teórica” ( PIAGET, 1994, p. 238).
A noção de retribuição é mais ligada à coação adulta. Geralmente se presencia fa-
tores de obediência e transcendência cuja moral da autonomia tende a eliminá-los. Para a
maioria das crianças pequenas, as sanções são justas e necessárias e quanto mais seve-
ras melhor, pois, se a criança for devidamente castigada, não rescindirá as normas. Sabe-
rá cumprir o seu dever. Em média, entre meninas e meninos maiores, observou-se que a
expiação não consiste numa necessidade moral. Nas pesquisas essas crianças optaram
pelas medidas de reciprocidade. Foi observado que entre as pessoas adultas subsiste a
idéia do castigo expiatório como “recolocação da ordem”. Essa atitude é muito forte nas
relações sociais e familiares. É importante esclarecer que as sanções expiatórias e as por
reciprocidades estão no domínio da justiça retributiva.
O conceito de justiça distributiva apareceu nas crianças maiores. Veja como esta
constatação se deu, conforme explicam Piaget e sua equipe de pesquisadores e pesqui-
sadoras.
Para os pequenos, a necessidade da sanção prevalece a ponto que a
questão de igualdade não se coloca. Para os maiores, a justiça distributiva
tem primazia sobre a retribuição, mesmo depois da reflexão sobre o con-
junto dos dados em confronto. É verdade que encontramos os dois tipos
de respostas em qualquer idade, se bem que em proporções variáveis.
Mas é muito natural que a evolução do juízo moral, sobre um assunto tão
delicado, seja menos regular que o de um juízo simplesmente de consta-
tação, dada a multiplicidade de influências possíveis. Num ambiente onde
se pratica a punição em alta dose e onde uma regra rígida pesa sobre as
crianças, estas, admitindo que não se tenham revoltado interiormente,
admitem, por muito tempo, que a sanção tem primazia sobre a igualdade.
Numa família numerosa, onde a educação moral está assegurada pelo
contágio dos exemplos, mais do que por uma vigilância constante dos
pais, a idéia de igualdade poderá desenvolver-se muito mais cedo. Por-
tanto, não poderia tratar-se de estágios claros, em psicologia moral (PIA-
GET, 1994, p. 203).
50
A criança começa seu processo de moralização pela heteronomia, momento em
que ela inicia o desenvolvimento da noção de respeito. A criança pequena ama mãe e
pai, admira-os e submete-se às suas ordens, despertando o sentimento de obrigatorie da-
de e tendo assim respeito unilateral. Com o tempo a criança alcança a autonomia
11
. É
fundamental saber que imposições de regras e a sanção não possibilitam a autonomia
moral.
Para a criança ser autônoma, deve-se compreender as razões das regras e criar o
hábito de avaliá-las. A autonomia é conquistada pela cooperação - fonte crítica de valo-
res construtivos e de respeito mútuo com e pela autoridade. A ausência da autoridade
adulta provoca na criança o não-entendimento das necessidades das regras e a deixa
sem noção de limites. Autoridade sem posicionamentos autoritários é essencial ao desen-
volvimento moral da criança porque provoca o respeito mútuo e conseqüentemente a au-
tonomia da criança.
A moral da consciência autônoma não tende a submeter as personalida-
des a regras comuns em seu próprio conteúdo: limita-se a obrigar os indi-
víduos a “se situarem” uns em relação aos outros, sem que as leis de
perspectiva resultantes desta reciprocidade suprimam os pontos de vista
particulares (PIAGET, 1994, p. 295).
A autonomia se dá em ambiente de respeito mútuo, de cooperação, discussão e
reflexão. Possibilitando esses meios, a criança terá oportunidade de escutar, aprende a
organizar seus argumentos e compreender as outras pessoas. É respeitando e exigindo
que sejam respeitados que alunos e alunas constroem sua autonomia. As regras por meio
de obediência passiva nunca propiciam reflexão necessária para um julgamento moral
autônomo.
Portanto, se nos fosse necessário escolher, no conjunto dos sistemas pe-
dagógicos atuais, aqueles que melhor corresponderiam aos nossos resul-
tados psicológicos, procuraríamos orientar nosso método no que chama-
mos o “trabalho em grupos” e o self-government [Relatório sobre os Pro-
cessos de Educação Moral, apresentado ao V Congresso Internacional de
Educação Moral em Paris, em 1930]. Propalado por Dewey, Sanderson,
11
Segundo Piaget, muitos adultos não alcançaram a autonomia. Não se deve esquecer de que a auto-
nomia nunca é alcançada em sentido absoluto devido a seu caráter social. Isso significa, no nosso en-
tendimento, que o processo da compreensão moral não acontece de forma natural. Haveria nesse caso
necessidade de intervenção pedagógica que possibilitaria constante reflexão sobre a moral.
51
Cousinet e pela maioria dos promotores da “escola ativa”, o método de
trabalho em grupos consiste em deixar as crianças prosseguir (sic!) sua
pesquisa em comum, seja em “equipes” organizadas, seja simplesmente à
vontade, por aproximações espontâneas. A escola tradicional, cujo ideal
se tornou, pouco a pouco, preparar para os exames e para os concursos
mais que para a própria vida, viu-se obrigada a confinar a criança num
trabalho estritamente individual: a classe ouve em comum, mas os alunos
executam seus deveres cada um por si. Este processo, que contribui,
mais que todas as situações familiares, para reforçar o egocentrismo es-
pontâneo da criança, apresenta-se como contrário às exigênc ias mais cla-
ras do desenvolvimento intelectual e moral. É contra este estado de coi-
sas que reage o método de trabalho em grupos: a cooperação é promovi-
da ao nível de fator essencial do progresso intelectual. É inútil dizer, aliás,
que esta inovação só tem algum valor na medida em que a iniciativa é
deixada às crianças na condução mesma de seu trabalho: complemento
da “atividade” individual (por oposição à repetição passiva que caracteriza
o método livresco) a vida social só poderia ter sentido na escola, em fun-
ção da renovação do próprio ensino (PIAGET, 1994, p. 300-301).
A educação não deve ser somente das crianças, mas também de professores e
professoras. A indagação ética pode permitir a educadores e educadoras, bem como às
crianças, reflexão sobre os fundamentos do comportamento moral. Piaget abre espaço
para isso. A moral pode ser discutida. Há na criança capacidade de maravilhar e questio-
nar. Podemos desde cedo estimular esse potencial.
Enquanto relatávamos os estudos de Piaget, haviámos feito algumas críticas. Pre-
tendemos agora centralizá-las de forma mais completa. As observações que serão feitas
não invalidam o que consideramos positivo. O pesquisador nos chama para uma constan-
te reflexão sobre as regras, que elas não sejam colocadas autoritariamente para as crian-
ças e que as crianças não as obedeçam somente por medo da coação. A compreensão e
a discussão das regras são importantes.
Jean Piaget trabalha com a moral formalista de Kant. Isso torna as teorias piageti-
anas sobre a moral um pouco limitadas. A cooperação, tendo como referência Piaget, é
um método com características do imperativo categórico de Kant: é a pura forma que se
fundamenta na máxima do “eu devo”. A cooperação é um dever, uma forma pura, alta-
mente necessária para se viver em sociedade e é um método para que a pessoa alcance
autonomia. O conteúdo da cooperação é o dever da cooperação, ou seja, é cooperação
em si.
52
O bom em Kant é a obrigação daquilo que se cumpre pelo dever. “O ‘formal’ em
moral é a obrigação de realizar um ato perfeito, seja qual for o seu conteúdo” (DUSSEL,
2002, p. 173). O bom é bom por si só. É bom pelo simples fato de querer. Não importa o
tipo de ação. O que importa é a boa vontade. O bom é absoluto, deve ser algo incondicio-
nado, sem nenhuma restrição. Independente de quaisquer circunstâncias e ação realiza-
da, visa ao dever pelo dever (imperativo categórico).
A boa vontade não é boa pelo que possa fazer ou realizar, não é boa por
sua aptidão para alcançar um fim que nos propuséramos; é boa só pelo
querer, isto é, é boa em si mesma. Considerada por si só, é, sem compa-
ração, muitíssimo mais valiosa do que tudo o que poderíamos obter por
meio dela (KANT apud VÁZQUEZ, 2003, p.165).
Segundo o filósofo Kant, a consciência moral rege a vida prática. A consciência uti-
liza-se de princípios racionais que orientam a ação humana. A razão prática encaminha
ações humanas à vida e nos possibilita a autonomia moral tão apreciada por Piaget.
A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos.
Se a razão prática tem o poder para criar normas e fins morais, tem tam-
bém o poder para impô-los a si mesma. Essa imposição que a razão prá-
tica faz a si mesma daquilo que ela própria criou é o dever. Este, portanto,
longe de ser uma imposição externa feita à nossa vo ntade e nossa cons-
ciência, é a expressão da lei moral em nós, manifestação mais alta da
humanidade em nós. Obedecê-lo é obedecer a si mesmo. Por dever, da-
mos a nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral e por
isso somos autônomos (CHAUI, 1994, p. 345).
A filósofa Marilena Chaui (1994, p. 346) escreve que Kant trabalha com três máxi-
mas morais que exprimem a incondicionalidade dos atos realizados por dever. A primeira
“[...] afirma a universalidade da conduta ética [...] A ação por dever é uma lei moral para o
agente.” Todas as pessoas racionais devem seguir “[...] como se fosse uma lei inquestio-
nável, válida para todos em todo tempo e lugar. A segunda máxima afirma a dignidade
dos seres humanos como pessoas[...]” e a nossa ação deve tratar a humanidade sempre
como um fim e nunca como um meio. Na terceira é “[...] a vontade que age por dever
[instituindo] um reino humano de seres morais porque racionais [...], dotados de uma von-
tade legisladora livre ou autônoma”. Nesse sentido há uma diferenciação ou divisão “[...]
entre o reino natural das causas e o reino humano dos fins”. Esse pensamentio kan-
53
tiano desconsidera que somos homens e mulheres dotados de historicidade e cultura. A
nossa vontade subjetiva é determinada pela realidade social. O dever, ressalta Chauí
(1994, p. 347), é “o acordo pleno entre nossa vontade subjetiva individual e a totalidade
ética ou moralidade” (vontade objetiva cultural).
Se a racionalidade é a base para o sentimento da obrigatoriedade, como fica o in-
teresse, o querer? La Taille analisa: “[...] No que diz respeito ao ‘princípio determinante da
vontade’, que Piaget parece incluir na sua concepção de moral, os mesmos problemas
encontrados pela filosofia de Kant permanecem na teoria de Piaget” (1992, p. 72).
Sou jogador de pôquer e preciso de dinheiro; aparece uma ocasião durante
a qual sei que posso trapacear sem ser visto e, assim, ganhar o dinheiro de
que preciso, mas sei também e reconheço que é moralmente errado agir
desta forma. Aqui há um conflito: meu interesse (ganhar dinheiro) e um ideal
de honestidade. Trapacearei? É impossível afirmar com certeza que não,
evocando apenas minhas convicções racionais. Serei honesto simplesmen-
te porque estou racionalmente convencido de que agir dessa forma é seguir
o bem ou seja, porque minha convicção de que ser honesto é o bem trans-
formar-se imediatamente numa obrigação? É difícil afirmar que a Razão te-
nha tal força. Ela comparece, sem dúvida, como condição necessária: avali-
ação racional do ideal de honestidade, do valor da reciprocidade etc. Mas
não é condição suficiente: saber não é necessariamente querer (LA TAILLE,
1992, p.72).
Outra crítica a Piaget se deu por seus estudos terem se voltado para os aspectos
cognitivos da criança. Os cognitivistas consideram que a inteligência é plástica, modificá-
vel e, partir daí, se desenvolvem métodos para melhorar o desempenho da criança.
O “atraso” mental, a deficiência na aprendizagem, o fracasso escolar, a
“síndrome de privação cultural” (negatividade das vítimas) podem receber
então outro diagnóstico e, sobretudo, outro tratamento pedagógico. Trata-
se de uma certa incapacidade intergeracional da mediação da aprendiza-
gem: do dar uma certa capacidade ativa à nova geração. Deve -se então
intervir na modificabilidade cognitiva estrutural, modificando o seu poten-
cial de aprendizagem. O conhecimento depende da adaptação do edu-
cando, como também da sua auto-imagem, da abertura à mudança, do
sentimento de competência, do domínio de sua impulsividade, da supera-
ção dos bloqueios. A pessoa adaptada age com segurança; o “atrasado”
age com insegurança (DUSSEL, 2002, p. 432).
Entende-se então que problemas como pobreza, apatia dos pais e perturbações
emocionais podem ser resolvidos com bons métodos de aprendizagem. A ação educativa
54
melhora o desempenho intelectual da criança e pode corrigir as funções deficientes que
caracterizam a estrutura cognoscitiva. Dussel (2002, p. 434) acrescenta em sua crítica
que “[...] os psicólogos do desenvolvimento [...]” - Piaget, Kohlberg, Vygotsky e Feuerstein
são cognitivistas [...]” não só porque tratam a inteligência, mas porque eles querem “[...]
melhorar, corrigir ou desbloquear a performance intelectual (teórica ou moral)” das crian-
ças .
Os cognitivistas não pensam em transformar a realidade social, nem promover no
educando e na educanda consciência ético-crítica. É ético-crítico o processo de identificar
a vítima e transformar a ordem vigente. No contexto ético-crítico está a produção, repro-
dução e o desenvolvimento da vida. No campo da transformação social a educação sem
a consciência ético-crítica não é autêntica. Deve ficar claro para as crianças que somos
sujeitos históricos e construtores do mundo. As estruturas morais, sociais e políticas são
obras humanas e todas as pessoas podem participar da construção social. Deve ser pre-
senciada no meio educacional uma lógica ética em que a pessoa não seja alijada de seus
direitos de viver. A exclusão de pessoas não pode ser considerada natural pelas crianças.
O Outro deve fazer parte da nossa preocupação. Esse é o bem maior. É com esse senti-
do que Paulo Freire alertou em seus trabalhos: seria impossível a educação de pessoas
sem que os educandos e as educandas se eduquem no processo de sua libertação.
Na educação não precisamos de métodos fabulosos para melhorar o desempenho
psíquico de alunos e alunas porque “toda educação possível parte da ‘realidade’ na qual o
educando se acha” (DUSSEL, 2002, p. 437). É na objetiva situação que se toma consci-
ência. Educadores e educadoras devem possibilitar a alunos e alunas que eles descu-
bram sua real condição e os ensinem a interpretar a realidade criticamente. “[...] Ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou
a sua construção (FREIRE, 2005, p. 47).
A aplicação do principio ético-crítico se dá, observou Dussel (2002, p. 383), pela
“[...] própria comunidade constituída pelas vítimas que se auto-reconhecem como dignas
e afirmam como auto-responsáveis por sua libertação [...]” Os conteúdos teórico e peda-
gógico não podem se desvincular da prática pedagógica. Propõe-se que os conhecimen-
55
tos trabalhados nas instituições escolares sejam relevantes e significativos para a forma-
ção de alunos e alunas.
2.2. A ÉTICA ENQUANTO PRÁXIS CURRICULAR
Quando iniciamos as leituras sobre as teorias da reprodução, conhecidas também
como teorias reprodutivistas, parecia-nos que qualquer tentativa educacional seria mera-
mente reprodução. No primeiro momento, mesmo com nossa longa militância, tivemos a
sensação de que não há o que fazer. O que fizemos até agora na educação teria sido tu-
do em vão. Não conseguíamos visualizar, ou nos parecia que não havia na escola um
ser revolucionário. Sentimos certa angústia diante de nossa pré-constatação.
No decorrer das aulas do mestrado, passamos a entender que, principalmente na
década de 1970, as teorias que explicavam a reprodução foram fundamentais para ajudar
educadores e educadoras a examinar criticamente suas próprias idéias acerca dos efeitos
da educação. As teorias reprodutivistas nos mostraram como a educação estava atrelada
às reproduções das relações sociais. Os autores do reprodutivismo criticaram duramente
as práticas pedagógicas adotadas pelas instituições de ensino e isso foi necessário para
que não fôssemos ingênuos e ingênuas nas nossas lutas na escola e não caíssemos no
senso comum.
O pensamento reprodutivista define a escola como transmissora da cultura domi-
nante e as desigualdades fomentadas por ela não são somente no plano econômico. Da
mesma forma que as pessoas que detêm ou herdam o capital econômico sempre se sa-
em melhor, acontece o mesmo em relação ao capital cultural.
A influência do capital cultural se deixa apreender sob a forma da relação,
muitas vezes constatada, entre o nível global da família e o êxito escolar
da criança. A parcela de “bons alunos” em uma amostra da quinta série
cresce em função da renda de suas famílias (BOURDIEU, 2004a, p. 42).
Essa cultura é aplicada pela escola sem considerar a divisão de classe e as ou-
tras diferenças. Os valores, os habitus de uma classe, são referências para serem segui-
56
dos pelos pobres e servem para aprimorar mais ainda os que possuem o capital econômi-
co. A escola valoriza a cultura erudita. Os pobres são considerados menos sábios.
Age na escolarização um processo de propriedade simbólica, capital cultural que é
preservado e distribuído pela escola. O sistema escolar produz e reproduz formas de
dominação. Os conhecimentos, os educadores, as educadoras e a organização curricular
são determinados pelo processo hegemônico.
A maioria de educadores e educadoras que fez leitura marxista contesta essa visão
funcionalista e economicista, que pensa a educação como principal fator de crescimento
econômico e de riqueza. Esses professores e professoras criticam a sedimentação edu-
cacional em relação ao emprego e ao trabalho. Negam o discurso de que a educação o-
portuniza a igualdade social, eliminando a gritante diferença de classe, principalmente
pelo esforço e investimento individual, não perdendo de vista que o conhecimento e a ha-
bilidade, de acordo com essa visão, têm valores econômicos que podem ser negociados
por salários no competitivo mercado de trabalho.
Essa definição tipicamente funcionalista das funções da educação, que
ignora a contribuição que o sistema de ensino traz à reprodução da es tru-
tura social, sancionando a transmissão hereditária do capital cultural, en-
contra-se, de fato, implicada, desde a origem, numa definição do “capital
humano” que, apesar de suas conotações “humanistas”, não escapa ao
economicismo e ignora, dentre outras coisas, que o rendimento escolar da
ação escolar depende do capital cultural previamente investido pela famí-
lia e que o rendimento econômico e social do certificado escolar depende
do capital social - também herdado - que pode ser colocado a seu serviço
(BOURDIEU, 2004b, p. 74).
Depois dessas considerações é bom lembrar da teoria do capital humano, surgida
na década 1960, por Theodore W. Schultz, que não apresentava grande preocupação
com os objetivos culturais da educação. Para Schultz a educação é um capital que propi-
cia rentabilidade e crescimento econômico.
O que está implícito é que, além de realizar esses objetivos culturais, al-
gumas espécies de educação podem incrementar as capacitações de um
povo na medida do seu trabalho e da administração dos seus negócios e
que tais incrementos podem aumentar a renda nacional (SCHULTZ, 1973,
p. 82).
57
Era então necessário pais, mães, estudantes, instituições e governos investirem
na educação formal, em força de trabalho qualificada. Quanto maior fosse o nível de es-
colaridade das pessoas, melhor seria o desenvolvimento econômico de um país, porque
garantiria qualidade, maior produtividade no mercado e melhores salários para os traba-
lhadores. Seria importante que as pessoas investissem na sua formação porque assim
elas teriam como negociar bom salário no mercado de trabalho. Schultz estudou e levan-
tou o custo de formação do capital pela educação.
Na prática da teoria do capital humano há o entendimento de que, com elevação
do conhecimento da população, diminuição da marginalidade e das desigualdades, me-
lhoram as relações sociais e pode haver justa distribuição de posição social. Frigotto
(2002, p. 92) esclarece que “o capital humano é função de saúde, conhecimentos, hábi-
tos, disciplina, ou seja, é expressão de um conjunto de elementos adquiridos, produzidos
e que geram [...] a ampliação da capacidade de trabalho e, portanto, de maior produtivi-
dade”.
Para haver desenvolvimento tecnológico e crescimento econômico mais eficientes
é necessário investir em recursos intelectuais. A escola é espaço fundamental para dis-
seminar essa intelectualidade. O discurso do desenvolvimento tecnológico é assimilado
pela escola sob a justificativa de que a pessoa precisa estar qualificada para o mercado
de trabalho. A maior propósito é formar bons profissionais para assumir a demanda do
mercado.
A adoção de um saber meramente utilitário - as técnicas do como fazer - são re-
presentações ideológicas e hegemônicas determinantes na ação e no pensamento. Dis-
cussões e debates políticos são substituídos pelo discurso da eficiência técnica. O de-
sempenho acadêmico, de controle e eficiência técnica, não problematiza o conhecimento
curricular porque não discute o conteúdo do conhecimento. O que é ensinado na escola e
a prática de criticar esse conteúdo não são preocupações presentes nesse modelo.
O enfoque na tradição da socialização, cujo maior interesse é explorar as normas e
os valores sociais transmitidos pela escola, peca porque não questiona o contexto político
e econômico em que estão inseridos os valores e como eles se tornam dominantes. O
conhecimento está amarrado à distribuição cultural e ao poder econômico. As escolas
58
usam o conhecimento formal e informal para “preparar” as pessoas. O incentivo ao co-
nhecimento puramente técnico é um exemplo de como os países capitalistas investem
para se manter no poder e maximizar o lucro.
Economia industrializada requer produção de elevados níveis de conhecimento
técnico para manter o aparelho econômico funcionando eficientemente. A escola recebe a
importante função de contribuir para a maximização. Esse tipo de sistema econômico é
organizado de tal forma que possa criar apenas determinada quantidade de empregos e
ainda assegurar elevadas taxas de lucro para as empresas.
A idéia de que o trabalhador, ao investir na sua formação, pode tornar-se capitalis-
ta é ilusória.
Classe operária e classe burguesa só podem se reproduzir em conjunto
na reprodução das próprias relações sociais de produção. Não se trata de
processos separados e autônomos, mas ao contrário de uma reprodução
da separação e do conflito.
Essa reprodução das relações sociais de produção se efetua essencial-
mente na própria produção. A separação da força de trabalho dos meios
de produção, separação que define o operário, impede-o radicalmente de
tornar-se um capitalista porque o salário corresponde exatamente à re-
produção da força de trabalho. Ele não tem materialmente nenhum meio
de acumular o capital. Esta separação que o define é, por sua vez, a con-
dição de sua reprodução enquanto operário.
Permanece que o aparelho escolar contribui também com sua parte para
reproduzir as relações sociais de produção na medida em que:
1. contribui para a formação da força de trabalho;
2. contribui para a inculcação da ideologia burguesa (BAUDELOT; ES-
TABLET, 1973, p. 112-113).
Pierre Bourdieu, Roger Establet, Baudelot e Louis Althusser esclarecem que as te-
orias sociológicas positivistas indicam a função social da educação na sociedade industri-
al, o que seria garantir coesão moral. Os positivistas defendem a necessidade de cida-
dãos e cidadãs compartilharem das mesmas idéias e hábitos. Os seguidores do positivis-
mo defendem a escola como um dos melhores lugares para assegurar o controle social. A
educação serve para adaptar as pessoas à nova realidade social do mundo industrial,
59
garantir a sua ordem e assim poderia garantir que houvesse menos conflito nos sistemas
social e industrial capitalistas.
Isso aconteceria, segundo Althusser, porque a escola é um dos Aparelhos Ideoló-
gicos do Estado (AIEs)
12
. A instituição escolar tem métodos de garantir a reprodução
ideológica. Nela se aprende algumas técnicas e elementos de “cultura científica” que são
utilizados nos diferenciados postos da produção.
Porém, ao mesmo tempo, e junto com essas técnicas e conhecimentos,
aprendem-se na escola as “regras” do bom comportamento, isto é as con-
veniências que devem ser observadas por todo agente da divisão do tra-
balho conforme o posto que ele esteja “destinado” a ocupar; as regras de
moral e de consciência cívica e profissional, o que na realidade são regras
de respeito à divisão social -técnica do trabalho e, em definitivo, regras da
ordem estabelecida pela dominação de classe. Aprende-se também a “fa-
lar bem o idioma”, a “redigir bem”, o que na verdade significa (para os fu-
turos capitalistas e seus servidores) saber “dar ordens”, isto é, (solução
ideal) dirigir-se adequadamente aos operários etc...
Enunciando este fato numa linguagem mais científica, diremos que a re-
produção da força de trabalho não exige somente uma reprodução de sua
qualificação mas ao mesmo tempo uma reprodução de sua submissão às
normas da ordem vigente, isto é, uma reprodução da submissão dos ope-
rários à ideologia dominante por parte dos operários e uma reprodução da
capacidade de perfeito domínio da ideologia dominante por parte dos a-
gentes da exploração e repressão, de modo a que eles assegurem tam-
bém “pela palavra” o predomínio da classe dominante (ALTHUSSER,
2001, p. 58).
De acordo com Althusser, qualquer formação social produz e reproduz os meios
de produção e a força de trabalho. A escola é um aparelho eficiente para isso, porque ela
educa as pessoas desde criança. Prepara pessoas para funções pré-estabelecidas pela
sociedade capitalista.
Os sistemas educacionais das sociedades capitalistas adotam o discurso da neu-
tralidade, mas essa neutralidade está justamente no processo de se ter responsabilidades
despolitizadas sobre a realidade social. Há uma suposta neutralização. A reivindicação da
12
Os AIEs são instituições distintas e especializadas que têm função ideológica de garantir a coesão,
reprodução e divulgação de valores da classe dominante. A ideologia representa a relação imaginária
dos indivíduos com suas condições reais de existência. É dotada de existência material porque ela existe
sempre na prática do AIE e, dessa forma, a ideologia se materializa nos AIEs. A ideologia é um meca-
nismo de interpelação dos indivíduos como sujeitos. A pessoa, desde quando nasce, é sempre sujeitada
aos processos ideológicos.
60
neutralidade ignora o fato de o conhecimento presente nas instituições escolares perten-
cer a um universo de conhecimentos ideologicamente propagado pelo setor dominante.
Entende-se que não existe neutralidade na escola, no conhecimento e nas pessoas que
educam. O currículo é a expressão das relações sociais e de poder. A saturação ideológi-
ca possibilita às pessoas acreditar que são participantes neutras na “neutra” instrument a-
ção da escolarização, enquanto, ao mesmo tempo, esses modelos atendem a interesses
econômicos e ideológicos específicos que lhes são ocultados.
Em Ideologia e currículo, obra sobre a reprodução educacional, Michael W. Apple
afirma que o currículo oculto produz e reproduz a hegemonia. “Ensinam um currículo ocul-
to que parece singularmente adequado a manter a hegemonia ideológica da maioria das
classes que detêm o poder nessa sociedade” (1983, p. 69). O currículo não é tão descui-
dado, já que a escola é um espaço de dimensão cultural. O ambiente escolar não só pre-
serva como distribui cultura. A escola é um espaço fértil para o aumento da dominação
ideológica. Há na escola uma construção social que não valoriza as experiências e outros
conhecimentos de alunos, alunas, professoras e professores.
Porém Apple, ainda em Ideologia e currículo, nos mostra que além da reprodução
há caminhos para seguir.
O conceito de reprodução pode levar a uma suposição de que não exista
(e talvez não possa existir) nenhuma oposição significativa a esse poder.
Não é este o caso. A luta contínua por direitos democráticos e econômi-
cos empreendida por operários, pobres, mulheres, negros, índios, latinos
e outros serve de forte alerta para a possibilidade e a realidade de ação
concreta” (1983, p. 238).
Seguindo as referências de Antonio Gramsci, Apple alertar que os educadores e
educadoras não poderiam deixar de se filiar às organizações polí ticas para modificar os
programas institucionais. Há necessidade de participar ativamente contra a hegemonia.
Devemos tomar partido, irmos à defesa dos direitos de estudantes, professores e profe s-
soras e das pessoas oprimidas. Não podemos ser tão neutros e neutras. No campo do
currículo, pela sua potencialidade de construção, de produção de significados e sentidos,
é permitido objetivarmos e agirmos em função da transformação das relações de poder.
61
Temos que ter posição e, segundo Apple, não há escolha, a não ser estarmos comprome-
tidos e comprometidas.
Para Gramsci, o senso comum não se baseia em reflexões filosóficas. Não tem
argumentos científicos. São concepções incoerentes da realidade que não proporcionam
a consciência crítica. O senso comum, infelizmente, é a concepção mais difundida nas
classes subalternas. Nessa concepção encontramos passividade, submissão intelectual,
falta de autonomia e de consciência do real funcionamento da sociedade. Essa forma de
pensamento, ocasional e desagregada, é uma imposição capitalista para que a classe
subalterna permaneça na ignorância da sua real situação e não busque meios de luta pa-
ra transformar a sociedade. O pensamento do povo fica fragmentado e por isso é difícil ter
visão universal de mundo, atualizada e evolutiva.
É interessante como Gramsci interpretou a sociedade. O pensador marxista italiano
constatou que a classe pobre tem uma concepção de mundo precária, dotada de senso
comum, mas que essa situação poderia mudar porque há no senso comum um núcleo
sadio que ele chama de bom senso, extraído das experiências e observações que o povo
tem da realidade. Isso possibilita um certo convite à refl exão filosófica. Mas o problema é
que essa noção filosófica é ainda precária, incubada e desagregada porque o núcleo en-
contra-se acobertado pela ideologia dominante.
Para trabalhar o bom senso existente no senso comum é preciso recorrer à filosofia
da práxis que se constrói como crítica ao universo cultural existente, o que proporciona
maior coerência e homogeneidade à consciência. A construção da filosofia da práxis é um
processo demorado, constante, que, desenvolvendo-se em crítica ao senso comum, bus-
ca responder aos problemas do momento histórico, elabora novo pensar e supera a do-
minação burguesa.
Mas para isso acontecer é necessário acreditar que todas as pessoas podem ser
educadas para a ação social.
É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo
muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma deter-
minada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais
e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente que todos
os homens são “filósofos”, definindo os limites e as características desta
62
“filosofia espontânea”, peculiar a “todo o mundo”, isto é, da filosofia que
está contida (GRAMSCI, 2004, p. 93).
Homens e mulheres, enquanto sujeitos da sua própria história, são dotados de
intelectualidade. Sendo assim, filosofam na construção de uma nova hegemonia. A he-
gemonia é o conjunto das funções de domínio, direção moral e intelectual exercido por
uma classe social dominante. Os trabalhadores constroem sua hegemonia quando tomam
consciência de sua real existência, reconhecem a filosofia da práxis como teoria orienta-
dora, lutam e implantam um novo sistema ideológico, político e econômico.
A construção de uma consciência de mundo própria exige necessárias reformas
moral e intelectual. Uma nova direção nos campos cultural e social. O avanço cultural dos
homens e das mulheres exploradas elimina o senso comum estruturado na sociedade
burguesa e cria uma filosofia coerente. Os movimentos cultural e moral devem ser ligados
à política e aos part idos políticos.
O conceito de hegemonia é amplo no momento em que é analisado nos planos e-
conômico, político, cultural e ideológico. As análises de Gramsci apontam para importante
compreensão global. O pensador italiano elaborou suas teorias analisando os contextos
históricos de diversas sociedades e épocas.
Constatamos que as teorias reprodutivistas, como foi enfatizado anteriormente,
mesmo encaradas como pessimistas, nos deram elementos críticos para entender a teo-
ria da dominação e os processos de reprodução. As teorias reprodutivistas serviram, de
certa forma, de base para formulação de nova proposta de luta na educação. Partimos
do princípio de que, mesmo que o currículo tenha forte controle ideológico, devido à he-
gemonia de quem detém o poder, é evidente a necessidade de construir outra lógica he-
gemônica diferentemente da capitalista. Se quisermos uma escola democrática, temos de
lutar por uma sociedade realmente democrática. Não da democracia utilizada para as
manobras políticas e militares, mas sim a democracia que luta contra todo o processo de
exclusão tão forte em nossa sociedade.
Apple, 20 anos depois de escrever Ideologia e currículo, se mantém crítico e é
considerado um dos mais importantes formuladores e defensores da pedagogia crítica.
63
Ele traça o perfil de luta dentro da escola, valoriza, com muito otimismo, as tentativas de
pessoas ou grupos organizados no processo de transformação da escola. Segundo o
pesquisador, essas pessoas oferecem importantes bases para um trabalho contra-
hegemônico. Nos chama para luta a todo instante. Em Repensando ideologia e currículo,
capítulo 2 da obra Currículo, cultura e sociedade, Apple nos alerta que temos de preo-
cupar com as ameaças do “[...] populismo autoritário [...]” (2002, p. 48) da direita que usa
o discurso da democracia para renovar o liberalismo e se fortalecer no poder. Exemplo
disso é a invasão do Iraque pelo governo dos Estados Unidos que, em nome da demo-
cracia, faz horrores, eliminando as pessoas e desconsiderando os valores humanos. Os
processos democráticos que estão hoje nas escolas foram conquistas de educadores e
educadoras que, sempre preocupados com uma melhor educação, precisavam garantir
princípios de cooperação, participação e de tomada de decisão.
Os educadores e as educadoras das instituições escolares não compactuam que
as desigualdades sejam naturais. Estabelecem estratégias de lutas contra a política nor-
mativa que enquadra os currículos no processo hegemônico estabelecido somente por
uma classe, que é rica, branca e machista. Diante disso, trabalhando com as referências
levantadas em Ideologia e currículo, devemos, professores e professoras, tomar posição
em defesa dos direitos estudantis. Cabe-nos, educadores e educadoras, trabalhar consci-
entemente para modificar os programas institucionais que impõem limites à vida e à esp e-
rança de muitas pessoas nesta sociedade.
Depois de ter feito necessárias análises críticas ao currículo oculto, em Ideologia
e currículo, Apple, no livro Escolas democráticas, desta vez em parceria com James A.
Beane, continua preocupado com a qualidade política do currículo. Apple e Beane ressal-
tam que o currículo oculto possibilita às pessoas discussão, debate e aprendizagem de
aspectos importantes sobre justiça, poder, dignidade e auto-estima (2001, p. 26). Sobre o
currículo oculto, Henry Giroux, outro autor fundamental da pedagogia crítica, argumenta
que a prática oriunda desse currículo não deve eliminar a esperança de reforma educa-
cional. “Ao contrário, o currículo oculto deve ser visto como oferecendo um possível dire-
cionamento para análise da mudança educacional” (1997, p. 67). O educador e a educa-
dora comprometidos com o combate à exclusão, além de lutar por uma escola democráti-
64
ca, procuram mudar as estruturas que geram as desigualdades sociais na sociedade ex-
cludente.
Outro aspecto importante em Apple, nos seus escritos atuais, são as discussões
sobre raça. Educadores e educadoras que lutam, segundo o pesquisador, por uma escola
democrática devem considerar a diversidade cultural e construir, a partir dela, aspectos
que amenizem as desigualdades raciais. Pois, além da pobreza, há outro diferencial, que
é de raça e de gênero, o qual a escola deve considerar e propor debates que possibilitem
o combate ao racismo e ao sexismo.
O autor observa que os aspectos dominantes não são somente de classes. É pre-
ciso considerar que questões de raça e de gênero fazem parte da hegemonia. O processo
econômico é respaldado pela ideologia machista e racista. O controle e construção do
currículo passam pela dominação de classe, raça e gênero. Não dá para considerar so-
mente as relações de classe numa sociedade racista e machista como a dos EUA e logi-
camente a brasileira.
A preocupação com o saber, com o conhecimento repassado pela escola, com o
acesso aos bens culturais e com um currículo capaz de ajudar no processo de uma soci-
edade mais humana e menos excludente faz com que educadores e educadoras avaliem
e reavaliem práticas individuais e coletivas. Existem muitas pessoas na escola comprome-
tidas com a causa educacional e, conforme Apple, não é fácil a luta por um currículo dife-
renciado daquele das forças dominantes. Professores e professoras democráticos vivem
em tensão por querer o melhor para alunos e alunas.
Se nós temos um currículo sob as forças dominantes e pretendemos levar para a
escola, para nossos estudantes, um conhecimento significativo, o nosso papel é descons-
truir o conhecimento produzido pela cultura dominante e ajudar na construção de um ou-
tro saber em que os menos privilegiados da nossa sociedade possam participar como su-
jeitos e com sua real identidade.
Queremos intervir nesse debate afirmando que a escola é um território de
luta e que a pedagogia é uma forma de política cultural. Em ambos os ca-
sos, queremos defender o argumento de que as escolas são formas soci-
ais que ampliam as capacidades humanas, a fim de habilitar as pessoas a
intervir na formação de suas próprias subjetividades e a serem capazes
de exercer poder com vistas a transformar as condições ideológicas e ma-
65
teriais de dominação em práticas que promovam o fortalecimento do po-
der social e demonstrem as possibilidades da democracia. Queremos ar-
gumentar a favor de uma pedagogia crítica que leve em conta como as
transações simbólicas e materiais do cotidiano fornecem a base para se
repensar a forma como as pessoas dão sentido e substância ética às suas
experiências e vozes. Não se trata de um apelo a uma ideologia unificado-
ra que sirva de instrumento para a formulação de uma pedagogia crítica;
trata-se, sim, de um apelo a uma política da diferença e do fortalecimento
do poder, que sirva de base para o desenvolvimento de uma pedagogia
crítica através das vozes e para as vozes daqueles que são quase sempre
silenciados. Trata-se de um apelo para que se reconheça que, nas esco-
las, os significados são produzidos pela construção de formas de poder,
experiências e identidades que precisam ser analisadas em seu sentido
político-cultural mais amplo (GIROUX; SIMON, 2002, p.95-96).
Podemos afirmar que a pedagogia crítica valoriza a cultura popular, a luta contra a
cultura dominante. Possibilita formulação de visão política. A pedagogia crítica é determi-
nante na construção do conhecimento e da aprendizagem. Não reduz o ensino ao aspec-
to técnico-instrumental. O conhecimento é, portanto, determinado pela realidade concreta,
ou seja, determina o que é importante ser aprendido, que conhecimento vale mais, o que
significa saber algo, que direção devemos tomar e o que nos dignifica enquanto pessoas.
“A educação baseada em uma pedagogia crítica procura questionar de que forma pode-
mos trabalhar para a reconstrução da imaginação social em benefício da liberdade huma-
na” (GIROUX; SIMON, 2002, p. 99).
É com essa atitude que temos de crer em possibilidades de construir outra eticida-
de
13
. Paulo Freire nos auxilia muito nisso. Freire não tem uma definição criteriosa em re-
lação à ética. Mas, como Dussel, suas obras são também basicam ente escritos éticos. A
indignação com o sistema de opressão, a raiva que sente Freire em relação às injustiças
a que são submetidos os “esfarrapados do mundo” (FREIRE, 2004, p. 31), sua luta contra
a educação bancária
14
e sobretudo a construção de uma pedagogia da resistência aos
13
Dussel define eticidade como totalidade prática de um sistema estruturado de ações e relações sociais.
“[...] É a totalidade concreta do mundo, do horizonte cultural” (2002, p. 633).
14
Paulo Freire utiliza a expressão educação bancária para definir um ensino que não valoriza alunos e
alunas como sujeitos capazes de construir saberes. A pedagogia da educação bancária é um ato de
depositar, de transferir, de impor saberes. Educandos e educandas funcionam como arquivo em que
professores e professoras depositam conteúdos acríticos.
66
processos de opressão no Brasil e na América Latina são, sem dúvida, preocupações
éticas.
A ética de Freire está justamente na construção teórico-prática para a libertação
dos oprimidos, dos excluídos. Ele crê em possibilidades de construir a lógica de uma
ética universal do ser humano, que condena a exploração da força de trabalho e as ati-
tudes racistas, fundamentalista e sexistas. “Nenhuma pedagogia realmente libertadora
pode ficar distante dos oprimidos [...]” (2004, p. 41). No nosso entendimento, essa atitu-
de é fundamentalmente ética e inseparável da prática política.
Freire acredita numa práxis autêntica, que crie tensão em relação aos valores es-
tabelecidos, que seja dotada de reflexão e ação, empenhada na transformação e na su-
peração da sociedade opressora. “[...] Cabe [aos oprimidos] realmente lutar por sua liber-
tação juntamente com os que com eles em verdade se solidarizam, precisam ganhar a
consciência crítica da opressão [...]” (FREIRE, 2004, p. 37-38).
Educação como ato político, sem a pretensão de transformar a realidade sozinha,
tem responsabilidade ética, afronta as práticas de exploração, discriminação de gênero,
raça e classe - atitudes opressoras que levam à miséria. Essa educação torna -se liberta-
dora. É compartilhando deste princípio que a pedagogia do oprimido implica dois momen-
tos distintos.
O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e
vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação; o segundo,
em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser
do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de per-
manente libertação (FREIRE, 2004, p. 41).
Paulo Freire define que o despertar da consciência crítica se dá com um processo
educativo de conscientização. Homens e mulheres só podem ser conscientes à medida
que conhecem. O conhecimento desperta o comprometimento com a própria realidade. A
conscientização é formada quando se nota a percepção ingênua sobre a realidade. Tendo
elementos para analisar as causas da opressão, as pessoas tornam-se conscientes, se
responsabilizam pelo social e lutam pela transformação dessa realidade.
Entender que realidade é criação humana, saber como se estabelecem os proces-
sos de opressão das vítimas e adquirir noção de que podemos transformar essa realida-
67
de, porque a sociedade é mutável, forma a práxis da luta: ação-conscientização-
transformação-libertação. Inserindo-se criticamente na história, cidadãos e cidadãs tor-
nam-se sujeitos construtores e reconstrutores da realidade.
Paulo Freire, que desde a década 1970 denunciava a opressão capitalista e pro-
punha a pedagogia do oprimido, admite que a participação de alunos e alunas numa
relação dialógica acrescenta elementos para elaboração do conhecimento. A produção
se dá através da articulação entre os saberes popular, crítico e científico, mediados pe-
la experiência de mundo. A construção do conhecimento é coletiva, e esse conheci-
mento é relevante e significativo para alunos (as), educadores e educadoras. É a cons-
trução coletiva da pedagogia crítica: ter como princípio o respeito à identidade cultural
de alunos e alunas, produção, apropriação do conhecimento relevante, significativo,
compreensão e transformação da realidade, compreensão de que ensinar é ensinar e
aprender, estimular a participação, a criatividade, a curiosidade de educandos e edu-
candas, democratização das relações na escola, participação comunitária na escola,
resgate da identidade do educador e da educadora, além da valorização da cultura po-
pular. O professor Paulo Freire (2001, p. 83) disse, numa entrevista à professora Ana
Maria Saul, na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), que o conhe-
cimento não deve “ser feito através do depositar informações para os alunos [e alu-
nas]”. Por isso, ele repudiava a pedagogia bancária e propunha uma pedagogia crítico-
dialógica.
A prática educativa deve ser pautada pela ética. Ensinar exige autonomia, crítica,
bom senso, convicção de mudanças, rejeição à discriminação. Enfim, tudo que leva à
construção ética. Em Freire “[...] o ato de educar é sempre um ato ético. Simplesmente
não há como fugir de decisões éticas, desde a escolha de conteúdos até o método a
ser utilizado ou a forma de relacionamento com os alunos” (STRECK; et al., 2004, p.
10).
No espaço escolar cabe a ética como práxis educativa, que atua sempre com e-
lementos críticos. Ela é necessária para que as pessoas repensem filosoficamente a sua
própria prática.
A ética aparece, pois, como uma reflexão crítica sobre a moralidade. Mas
ela não é puramente teórica. A ética é um conjunto de princípios e dispo-
68
sições voltados para a ação, historicamente produzidos, cujo objetivo é
balizar as ações humanas.
A ética, portanto, pode e deve ser incorporada pelos indivíduos, sob a
forma de uma atitude diante da vida cotidiana, capaz de julgar criticamen-
te os apelos acríticos da moral vigente (CASALI, 2001, p. 119).
Toda explicação teórica deve ter a condição prática como referência. A atividade teó-
rica só ganha sentido se intencionalizada pela prática. A prática humana torna-se signifi-
cativa com a teoria. A ética não teria razão de ser se não pudesse intervir na prática. A
presença da ética no cotidiano se realiza por meio de intervenção na prática humana.
Repensar filosoficamente a prática é trazer a ética para as nossas vidas porque a
reflexão crítica possibilita a construção de prática mais elaborada. É o que chamamos de
práxis. “A práxis, a ação, é a atualidade e manifestação do ser do homem” (WEISS 1967
p.99-153 apud DUSSEL, 1977b, p. 92) e da mulher no mundo. Essa atitude deve ter o
compromisso social de produzir uma nova realidade e por isso, nos alerta Kosik (2002, p.
222), “a práxis [...] não é atividade prática contraposta à teoria; é determinação da exi s-
tência humana como elaboração da realidade”.
A práxis social que leva à produção de uma nova realidade é revolucionária. Não é
qualquer práxis; é um tipo de práxis intencional na vida social. É intencional porque tem
planos ou objetivos pré-estabelecidos. O sistema intencional da práxis se caracteriza co-
mo reflexivo, com intenção e objetivos previamente traçados. Essa prática se opõe a uma
práxis cega, opaca, sem projetos e sem sujeito consciente. "Denominamos assim a práxis
reflexiva, em oposição à práxis cega, inconsciente (inintencional), que não pode ser apli-
cada a um objetivo, projeto ou intenção prévios” (VÁZQUEZ, 1977, p. 318).
Se agimos com projetos e objetivos traçados é porque temos finalidades, quere-
mos alcançar um resultado e neste caso o resultado é fundamental e importante. O que
conta é o resultado que almejamos. Se traçamos projetos, atuamos na sua realização e
prevemos resultados. Nesse caso o resultado é muito importante. O que é importante na
atividade prática é o resultado. A materialização da ação é o que fica. A ação humana se
efetiva de três formas, nos lembra o professor Antônio Joaquim Severino (2001, p. 47-62).
69
Prática produtiva - É o agir que garante a sobrevivência da pessoa. Por
exemplo, homens e mulheres, na nossa sociedade, para se manter e conservar suas vi-
das materiais, trabalham, garantindo alimento, vestuário etc.
Prática política - Homens e mulheres produzem sociabilidade para viver
em comunidade. A vida é social e dessa maneira as pessoas estabelecem relações para
existir na sociedade e conviver um com o outro. Pessoas constroem história. Coletiva-
mente fazem as coisas acontecerem. No plano político sempre está posto relação de inte-
resse e poder. Exemplo dessa prática é a formação das cidades, dos Estados Nacionais e
a criação das regras básicas de como interagir nesses espaços políticos e sociais, não
esquecendo que neles há sempre jogo de interesse, de disputa e poder.
Prática simbolizadora - Vivendo em sociedade, as pessoas criam sistemas
de representação da realidade. São os símbolos que dão significado às coisas e ga ran-
tem intercomunicação no grupo social. Os objetos e situações concretas são codificados,
interpretados e recriados pelas pessoas. A subjetividade garante a ampliação simbólica.
Desse modo, os objetos e experiências internalizados são representados mental-
mente sem precisar da presença material. Ou seja, as representações mentais substituem
os objetos do mundo real. Os conceitos dos objetos construídos socialmente são repre-
sentações mentais que fazem mediação entre a pessoa e o mundo. Exemplo disso é que
uma pessoa não precisa mostrar um gatinho para que a outra saiba o que é realmente um
gato, pois existe uma linguagem comum a todos do mesmo grupo social. Há aí uma cons-
tituição cultural sobre o gato, que é comum às pessoas do mesmo grupo.
A educação atua nos planos simbólico, produtivo e social. Ela é objetivada pela in-
tenção de inserção das pessoas na sociedade. A prática educativa aborda e investe no
desenvolvimento das mulheres e dos homens. A educação é mediação da sociabilidade
que garante inclusão das novas gerações no universo social.
O sistema da práxis utilitária imediata, que podemos chamá-lo de senso comum,
possibilita a orientação, a familiarização das pessoas no mundo, mas não proporciona a
compreensão da realidade. Essa práxis fragmentada e unilateral é respaldada pela divi-
são do trabalho e pela divisão da sociedade em classes. Constitui o mundo da pseudo-
concreticidade, que pertence ao mundo dos fenômenos externos e não da essência. É a
70
práxis fetichizada - formas ideológicas dos objetos fixados - do mundo aparente e não-
real. Faltam elementos para compreender a fundo os fenômenos e isso torna a essência
inatingível. Kosik (2002, p. 22-24) entende que “a destruição da pseudoconcreticidade”
como forma de alcançar o universo da concreticidade se efetua com crítica revolucionária
da prática humana; pensamento dialético que faz a pessoa enxergar o mundo real; e rea-
lização da verdade. A verdade é a descoberta da “coisa em si”, a essência, a estrutura da
realidade, num processo sócio-histórico-cultural. O mundo é criação humana. Homens e
mulheres dialeticamente realizam a própria verdade.
É interessante perceber que “a destruição da pseudoconcreticidade significa que a
verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para sempre, mas que ela se
faz; logo, se desenvolve e se realiza” (KOSIK, 2002, p.23). A pseudoconcreticidade (o real
imediato) não é falsa; só não é completa. Tem-se entendimento parcial do real
15
. Esta-
mos sempre no processo de pseudoconcreticidade para concreticidade. Nunca temos cla-
reza de tudo. Nas nossas elaborações mentais há sempre algo para ser entendido com
maior complexidade. O mesmo acontece em relação à passagem da pseudoconcreticid a-
de para a concreticidade. No mundo da práxis humana nos encontramos sempre em con-
creticidade, pseudoconcreticidade e vice-versa. Se pensamos bem, temos falhas ao co-
nhecer algo. Mas o que foi ou é conhecido tem um momento em que poderá ser negado.
Essa postura faz parte da investigação dialética que considera a contradição. Há no co-
nhecimento a possibilidade de transformação. O que é conhecido pode ser reiterado, am-
pliado ou negado. Como argumenta Karel Kosik, “o conhecimento dialético da realidade
não deixa intactos os conceitos no ulterior caminho do conhecer [...]” (2002, p. 50).
Se somos produtores da realidade social, podemos mudá-la de modo revolucioná-
rio. A ética entra como grande aliada nessa ação. A ética no campo da práxis revolucioná-
ria nos ajuda a compreender a totalidade
16
do sistema moral, valores e normas de uma
15
Comentário do doutorando Marcos Lara numa aula de Fundamentos Filosóficos de Currículo, leciona-
da pela professora doutora Branca Jurema Ponce, Programa de Pós-graduação em Educação: currículo,
PUC-SP.
16
A totalidade não é entendia como soma das partes e dos fatos. Conforme observa Karel Kosik, no livro
Dialética do concreto (2002, p. 41), “a posição da totalidade, que compreende a realidade nas suas
íntimas leis e revela, sob a superfÍcie e a casualidade dos fenômenos, as conexões internas, necessá-
rias, coloca-se em antítese à posição do empirismo, que considera as manifestações fenômenicas [sic!] e
casuais, não chegando a atingir a compreensão dos processos evolutivos da realidade. Do ponto de vista
71
realidade. A ética é práxis porque ela oferece elementos para a reflexão sobre o agir das
pessoas em sociedade.
A práxis é construída pela ação mais elaborada. Isso significa que a atitude passa
por mediações teórica e prática, transformando o agir em dimensões criadoras e trans-
formadoras. A ação sem os componentes de execução e reflexão é pragmática. Só se
constitui de técnica mecânica. A teoria separada da prática é contemplação que se torna
ineficaz diante da realidade concreta. “[...] A prática como práxis é pensada numa pers-
pectiva crítica e emancipadora, pois visa à construção de um estágio melhor de vida”
(SEVERINO, 2001, p. 46). É com essa pretensão que cabe a ética como práxis. Faz sen-
tido na construção do objeto educacional constar a organização de um currículo voltado à
formação ética.
O princípio ético como reflexão sobre o agir moral das pessoas explica o sentido da
existência histórico-social humana. A reflexão exige comprometimento com as mediações
históricas e tem referências socioeconômicas, políticas e culturais. No campo educacional
a ética firma o compromisso de contribuir para que o conhecimento seja construtor de ci-
dadania. Parte do princípio de que “não pode ser considerada moralmente válida nenhu-
ma ação que degrade o homem em suas relações com a natureza, reforce sua opressão
pelas relações sociais ou consolide a alienação subjetiva” (SEVERINO, 2001, p. 95).
A ética deve ser intencional à medida que queremos construir uma sociedade dife-
rente. A ética enquanto práxis intencional deve ser procurada em seu resultado. O resul-
tado deve ser de transformação. Caso contrário, seria proclamação de valores morais e
não-éticos.
Embora os problemas teóricos e práticos morais sejam diferenciados, eles não são
totalmente separados. A reflexão moral, a investigação moral, tem como função investigar
o bom. Acreditamos plenamente que o bom deve sempre atuar na total afirmação da vida.
O bem é a máxima reprodução da vida no sentido de direitos e aquisição do ali-
mento, da moradia, vestimenta, da saúde e da educação. A vida em sua maior plenitude
da totalidade, compreende-se a dialética da lei e da casualidade dos fenômenos, da essência interna e
dos aspectos fenômenicos [sic!] da realidade, das partes e do todo, do produto e da produção e assim
por diante”.
72
descarta a miséria, a falta de cidadania, de alimento que enfrentam milhões de pessoas
pelo mundo. A opção é pelos que sofrem, os excluídos - o Outro ou a vítima do sistema,
do mundo capitalista, que precisa excluir para que uma minoria centre renda e poder. Es-
sa atuação é necessária porque a exploração marginaliza a pessoa, desumanizando e
tornando-a meramente escrava deste sistema.
Nesse sentido, aceitar e perceber o Outro é não se conformar e buscar um proces-
so educativo, já “[...] que a própria palavra ‘educação’ significa conduzir para um lugar
diferente daquele em que se está” (CORTELLA, 2003, p. 50). Essa condução deve ser
feita com muito zelo e cuidado. Não podemos achar que nossa cultura e valores são me-
lhores que os do educando e da educanda. Relação pedagógica libertadora pressupõe
dedicação.
O empenho consistente em uma visão de alteridade permite identificar
nos outros (e em nós mesmos!) o caráter múltiplo da Humanidade, sem
cair na armadilha presunçosa de tachar o diferente como sendo esquisito,
excêntrico, esdrúxulo e, portanto, assimilar a postura prepotente daqueles
que não entendem que se constituem em um dos arranjos possíveis do
ser humano, mas não o único ou, necessariamente, o correto (CORTEL-
LA, 2003, p. 51).
Lutar pela libertação é lutar pela vida, pelo sujeito ético. A vida é o conteúdo da
ética, nos ensina Enrique Dussel. Toda tese desenvolvida por Dussel é uma defesa
sobre ética. Em suas obras encontramos pressupostos teóricos importantes que respal-
dam nossa luta pela libertação:
Encontramo-nos diante de um fato massivo da crise de um “sistema-
mundo” que começou a se formar há 5.000 anos, e está se globalizan-
do até chegar ao último rincão da Terra, excluindo, paradoxalmente, a
maioria da humanidade. É um problema de vida ou morte. Vida humana
que não é um conceito, uma idéia, nem um horizonte abstrato, mas o
modo de realidade de cada ser humano concreto, condição absoluta da
ética e exigência de toda libertação (DUSSEL, 2002, p. 11).
A ética para Dussel nasce no momento em que surge a vida humana, o ser co-
munitário, o sujeito ético e, já que o conteúdo da ética é a vida, o principio obrigatório
da ética é o da produção, reprodução e desenvolvimento da vida de cada sujeito ético
em comunidade. A ética deve ser do cotidiano e em favor da libertação do povo excluí-
73
do no horizonte mundial. A ética da libertação rompe com a tradição de exclusão co-
mum na história da humanidade e nos sistemas atuais. “A tarefa da ética é justamente
descrever a estrutura ética que o homem vive em sua situação histórica vulgar e impen-
sada” (DUSSEL,1977b, p. 40).
Lo ético no se rige por las normas morales, por lo que el sistema vigen-
te indica como bueno; se rige por lo que el pobre reclama, por las nece-
sidades del oprimido, por la lucha contra la dominación, las estructuras,
las relaciones establecidas por el <<príncipe de este mundo>>
17
(DUS-
SEL, 1986, p. 61-62).
Nesse aspecto, a exclusão, a morte da maioria das vítimas do sistema-mundo
exige uma ética da vida, ou seja, necessita de libertação e esse é o caminho que a éti-
ca deve tomar. A libertação exige a criticidade ética. É a partir da crítica que o oprimido
percebe a sua real condição e busca comunitariamente a libertação.
Em Dussel a moral tem outra lógica das morais que tradicionalmente estudamos.
Para ele, a moral formal é uma construção comunitária que respeita e considera o argu-
mento, reconhece a pessoa afetada como sujeito ético, busca consenso racional intersub-
jetivo formulando criticamente normas, procedimentos válidos dos participantes da comu-
nidade.
[...] A função ética da norma básica da moral formal é fundamentar e apli-
car concretamente as normas, juízos éticos, decisões, enunciados norma-
tivos ou diversos momentos da ética material. Sem o cumprimento da
norma básica da moral formal, as decisões éticas não ganham “validade”
comunitária, universal: poderiam ser fruto do egoísmo, solipsismo ou auto-
ritarismo violento (DUSSEL, 2002, p. 203).
É necessário comportamento de consenso moral, princípio moral com validade
intersubjetiva, com pretensão universal e acordado racionalmente pela comunidade de
comunicação (relações intersubjetivas das pessoas). A formalidade moral da razão dis-
cursiva é consensual e a sua validade é sustentada pelo consenso intersubjetivo. Nos
pressupostos da ética da libertação, os enunciados normativo e valorativo são críticos,
17
Dussel refere-se ao processo de dominação e opressão, ao dominador, aos poderosos da estrutura
moral, política, socioeconômica do nosso mundo: “El pecador, el <<rico>>, el dominador es el <<envia-
do>> del príncipe de este mundo para institucionalizar su reinado; es decir, las estructuras históricas del
pecado como <<relación social>>” (1986, p. 35).
74
podendo questionar os discursos morais válidos, discutindo enunciados valorativos vi-
gentes. Pode a ética crítica argumentar com pretensão de validade científica.
Quem argumenta com pretensão de validade prática, a partir do re-
conhecimento recíproco como iguais de todos os participantes que por is-
so mantêm simetria na comunidade de comunicação, aceita as exigências
morais procedimentais pelas quais todos os afetados (afetados em suas
necessidades, em suas conseqüências ou pelas questões eticamente re-
levantes que se abordam) devem participar facticamente na discussão ar-
gumentativa, dispostos a chegar a acordos sem outra coação a não ser a
do argumento melhor, enquadrando esse procedimento e as decisões
dentro do horizonte das orientações que emanam do principio ético-
material já definido
(DUSSEL, 2002, p. 216).
Com enunciado crítico desenvolvem-se projetos reais e possíveis. Os enunciados
podem ser normativos e argumentativos discursivos anti-hegemônicos, valorativo crítico e
anti-hegemônico no processo da opressão capitalista. O princípio moral formado de inter-
subjetividade atenta-se pela reprodução da vida, isto é, busca da autoconservação, segu-
rança institucional, que garantem a reprodução da vida humana.
Para fechar a nossa compreensão sobre a ética da libertação proposta por Dussel,
podemos dizer que o fundamento da ética compartilha os seguintes momentos que são
essenciais e inseparáveis:
Ético-material - A vida humana é o conteúdo da ética. “Toda norma, ação, micro-
estrutura, instituição ou eticidade cultural têm sempre e necessariamente como conteúdo
último algum momento da produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana em
concreto” (DUSSEL, 2002, p. 93). Buscar a afirmação da vida da vítima, do oprimido ou
excluído é compromisso ético. O aspecto material da ética é a vida concreta das pessoas,
considerando-se a produção da vida em total respeito aos aspectos físico, histórico-
cultural, ético, estético, místico-espiritual. É na vida concreta e no ambiente comunitário
(relações reais e objetivas das pessoas) que o real atualiza-se como verdade prática e,
nesse sentido, atenta-se para a razão prático-material.
Moral-formal Como descrevemos antes, esse momento é “[...] procedimental, da
validade moral intersubjetiva e comunitária, que se cumpre a partir da simetria dos partici-
75
pantes afetados; é o âmbito do exercício da razão discursiva referente a enunciados nor-
mativos com pretensão de validade universal” (DUSSEL, 2002, p. 238).
Factibilidade ética - Momento da operacionalidade, definição e determinação ética
de uma norma, ação, ato, instituição, sistemas de eticidades. Analisa o que se pode fazer
e decide o que é necessário ser feito. “A exigência propriamente ética em última instância
se ocupa daquilo que se deve fazer deonticamente: obriga a fazer aquilo que não-pode-
deixar-de-ser-feito a partir das exigências da vida e da validade intersubjetiva moral”
(DUSSEL, 2002, p. 270).
O ato que realiza os princípios ético-material, moral-formal e factibilidade ética é o
bom. A factibilidade compreende o momento de síntese do material da ética e do momen-
to formal da moral. Realiza-se concretamente pelo ato. No ato está a responsabilidade
ética que atua honestamente na busca da produção, reprodução e desenvolvimento da
vida, tendo a ética como princípio, o desenvolvimento da vida em todos os seus aspectos,
com conteúdo (dimensão material) que afirma a universalidade material, com a verdade
prática, a validade intersubjetiva da razão discursiva (dimensão formal) e, se temos a ne-
cessidade de transformar os sistemas para que se pense a favor da vida, é necessário
pensar estratégias e ter certeza para exercer uma ação. Temos realmente a certeza se
isso vai trazer as mudanças necessárias? É fundamental saber até que ponto uma tática
política traz efeito importante. Não podemos nos prender a uma ação se ela não for efi-
caz. Desse modo pensamos a mudança. Pensa-se a tática (factibilidade ética).
O factível ético: o acordado é julgado em sua factibilidade pela razão ins-
trumental e estratégia: o factível, possível técnica, economicamente, etc.,
é demarcado pelos princípios material e formal, e realizado com factibili-
dade ética, processo de “aplicação” ou realização operada pelo ato, pela
instituição ou pelo sistema de eticidade: o “bom” (DUSSEL, 2002, p. 238).
A ética da libertação respeita cada pessoa como sujeito. “Cada sujeito ético da
vida cotidiana [...] é um sujeito possível da práxis de libertação [...]” (DUSSEL, 2002, p.
519). As vítimas ou os que se solidarizam com as vítimas realizam diariamente ações,
constroem normas, organizam instituições ou transformam sistemas de eticidade. A éti-
ca da libertação é uma ética do cotidiano.
76
Ao iniciar as leituras sobre a ética da libertação, de Enrique Dussel, pudemos en-
tender que a individualidade pregada pela filosofia clássica impende que busquemos a
libertação. As pessoas em geral são educadas para ser passivas e não entender como se
dá o processo de dominação. A tradição de crítica sempre foi evitada porque dela gera
“bagunça” ou “desconforto” na escola. Por outro lado, Freire nos explica que temos “[...]
medo da liberdade [...]” (2004, p. 33). Esse medo nasce com uma educação militaresca,
dentro e fora da escola. Entendemos que a educação e a escola não devem ter respon-
sabilidade de resolver os problemas da sociedade, mas devem estar preocupadas com o
rumo que a sociedade vai tomar e saber que cidadãos e cidadãs querem construir.
Sabendo que o currículo não é neutro e nem descontextualizado da filosofia do
poder, é fundamentalmente importante sempre perguntarmos para quem se destina o cur-
rículo e o como deve ser em função da formação que acreditamos. Essa formação exige a
reflexão, ou seja, ser sempre capaz de refletir a prática pedagógica, o cotidiano da escola,
o debate e o estudo - desvelamento teórico: desvelar as teorias que estão por trás das
práticas. Desse modo, poderemos voltar à prática e ter nossas ações modificadas.
Na perspectiva de currículo crítico-emancipador, cabe à escola a libertação, a pa r-
ticipação, a criticidade, o comprometimento, a escrita da própria história, reflexão da práti-
ca, busca teórica, a geração de alternativa de ação, negociação, transformação e outros
fatores. Essa escola é comprometida e preocupada com o Outro. A ética da Filosofia da
Libertação dá, num passo decisivo, validade crítica da razão libertadora. Tratamos de
uma nova ética, que refuta a ética clássica burguesa, em que o ser se perceba no não-ser
(a pessoa excluída, marginalizada e oprimida). Uma ética necessária, da qual emerge a
cultura popular e promove a transformação. E, no lugar de pessoas desprezadas, surja
possibilidade de uma humanidade como sujeito de sua própria existência e história. Cabe
à pedagogia do oprimido tar efa de contribuir para formação da consciência dos povos
que, no contexto mundial e na política global, estão na condição do não-ser.
São vários os autores que buscam essa ética. Giroux e Simon argumentam a favor
de uma pedagogia crítica, que na sua essencialidade fornece base para se repensarem
as formas como as pessoas dão sentido e substância ética às suas e xperiências e vozes.
Eles defendem uma política da diferença e do fortalecimento de uma pedagogia crítica
77
através das vozes e para as vozes daqueles que são quase sempre silenciados. A peda-
gogia crítica atua no terreno da cultura popular, não despreza a voz e as experiências dos
oprimidos.
A partir dessa revisita à pedagogia crítica, podemos afirmar que a escola pod e
buscar meios para desenvolver trabalhos relacionados à ética.
Uma vez que a intencionalização de nossa prática histórica depende de
um processo de significação simultaneamente epistêmico e axiológico,
são imprescindíveis as referências éticas do agir e a explicitação do rela-
cionamento entre ética e educação.
A moral é uma experiência comum à humanidade. A sensibilidade moral
possibilita que os sujeitos avaliem suas ações, geralmente como boas ou
más, lícitas ou ilícitas, corretas ou incorretas.
A ética se apresenta como área de investigação filosófica para explicitar
nossa sensibilidade moral e mostrar seus fundamentos (SEVERINO,
2001, p. 91-92).
As pessoas adultas podem discutir com as crianças o que é o bem, a verdade, a
solidariedade. Destacamos isso porque a criança é cidadã e deve vivenciar a cidadania. É
preciso criar espaço para essas discussões desde a educação infantil. Uma mãe de uma
criança de quatro anos nos contou que, quando seu filho chorava e as pessoas falavam
que homem não chora, ele rapidamente secava as lágrimas e parava de chorar. Depois
de assistir às aulas de Cidadania (cidadania nessa escola engloba pluralidade cultural,
meio ambiente e ética), a moça que cuida dele repetiu a habitual frase. Ele respondeu,
sem enxugar as lágrimas e incisivamente: “Chora sim! Chora quando está com saudades
da mãe, quando machuca e quando está triste.” A escola tinha recentemente trabalhado
gênero com as crianças da educação infantil.
[...] O currículo não é o veículo de algo a ser transmitido e passivamente
absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura.
O currículo é, assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual
os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação, recria-
ção e, sobretudo, de contestação e transgressão (MOREIRA; SILVA,
2002, p.28).
78
Ninguém cede espaço para desenvolvermos uma pedagogia crítica. Temos de nos
propor a essa construção. Criar um currículo democrático envolve conflitos e controvér-
sias. Devemos fazê-lo por nossas próprias iniciativas.
Na pesquisa que realizamos sobre o ensino de ética com as crianças pequenas, as
professoras apontaram angústia, mas ficaram felizes com os acertos. A escola arrisca,
erra e acerta ao mesmo tempo e o grupo não pára de buscar novas formas de trabalho,
novas construções.
Depois de tantos estudos e preocupações com a educação, ainda temos muito que
lutar por um currículo democrático dentro da escola. Quando teremos uma escola real-
mente transformadora, juntamente com uma sociedade preocupada com o ser humano?
Apple e Freire nos ensinam que não nos dão espaço para fazer escolas democráticas.
Temos de fazê-las imediata e rebeldemente. Se cremos em outras possibilidades, deve-
mos aplicá-las. O que nos deixa felizes é que muitos militantes, professoras, professores
e teóricos da educação já vêm fazendo isso.
2.3. ESPECIFICIDADE DO ENSINO DE ÉTICA
A moral tradicional compartilha da exclusão do Outro e com isso está sempre a
serviço de beneficiar determinada classe, grupo, setor etc. É uma moral que obedece
sempre a forças hegemônicas, que não valoriza a participação crítica do povo no pro-
cesso social. As normas, as leis, as regras são determinadas de cima para baixo, não
permitindo manifestação das pessoas que obrigatoriamente terão que segui-las.
Toda moral deve ser construída sob reflexão crítica e prioritariamente preocu-
pada com a vida. Moral e ética não podem ser separadas. A moral deve ser construída
com o principio ético de cuidar da vida. Esse cuidado significa que, segundo Dussel,
toda ética deve se ater a produzir, reproduzir e desenvolver a vida. O conteúdo da ética
é a vida respeitada no seu mais alto grau de existência, ou seja, a vida precisa de boas
condições materiais (alimento, saúde, moradia, saneamento etc.) e espiritual (educa-
ção, acesso aos bens culturais etc.).
79
Ética é princípio, fundamento dotado de postura filosófica reflexiva e crítica. Mo-
ral é procedimento valorativo inserido nos processos culturais de uma sociedade. De-
pendendo das necessidades reais de uma realidade concreta, moral e ética historica-
mente podem ser mudadas.
Entre a moral e a ética há uma tensão permanente: a ação moral busca
uma compreensão e uma justificação crítica universal, e a ética, por sua
vez, exerce uma permanente vigilância crítica sobre a moral, para refor-
çá-la ou transformá-la (CASALI, 2001, p. 120).
A máxima de toda ética deve ser a produção integral da vida e é neste principio
ético que a moral deve ser construída. Para isso são essenciais o argumento, a critici-
dade, acordos e consensos de homens e mulheres participantes da comunidade.
Se olhamos com o ponto de vista da moral tradicional, na qual fomos educados,
essa moral nos parecerá utópica. Mas a moral que defendemos requer a concretização
de um novo sistema econômico, social e político. Ela não pode ser descontextualizada
de uma eticidade que não protege a vida. As práticas econômica, política e social de
um povo devem ser dotadas de total preocupação nesse aspecto. São as utopias que
nos trazem o desejo de querer mudar e construir algo novo. Embora sabemos que a
ética em si não signifique a salvação da moral. A ética não garante o progresso moral
da humanidade, mas nos possibilita contestar a moral estabelecida e buscar transfor-
mação.
Constatamos hoje a presença da ética em variados debates sobre tradições cul-
turais que colocam a vida de crianças, mulheres e homens em risco. Este é um dos pa-
péis da ética: ajudar que a humanidade seja mais atenta no seu desenvolvimento histó-
rico-cultural.
Deve ter ficado claro que, na nossa concepção sócio-histórica, homens e mulhe-
res são sujeitos da história que transformam sua realidade e constituem sua própria
humanidade. Defendemos que o ensino de ética tenha como referência primordial a
vida. Sendo assim, o que impede a produção, reprodução e o desenvolvimento da vida
humana, encaramos como problema que necessita de solução.
Temos necessidade coletiva de resolver problemas da realidade porque há vi-
das em jogo, vidas em risco, há impedimento que a vida seja desenvolvida. E a ética
80
enquanto práxis nos impulsiona à construção de uma sociedade menos excludente,
opressora, violenta e injusta como a nossa:
[...] o ponto de partida deve se situar nas condições reais de existência
dos homens. É com base na realidade dos homens que podemos en-
tender seu processo de vida real, bem como as representações por eles
produzidas (LOMBARDI, 2005, p. 43).
É através da nossa vivência concreta que podemos refletir e criticar os proble-
mas que atingem a humanidade. A reflexão, explica Saviani, exige de nós sistematiza-
ção, radicalidade e visão de conjunto (1986, p. 24) em relação aos problemas que en-
frentamos. A reflexão exigida pela ética pauta as questões sociais e não centra especi-
ficamente nos aspectos individuais.
Para ser objeto da filosofia, um problema não pode ser definido apenas
por necessidades de caráter subjetivo. Se este fosse o único critério pa-
ra determinar o caráter problemático de um assunto, estaríamos diante
de uma infinidade de temas, todos igualmente dignos de serem toma-
dos como objeto de reflexão filosófica (SILVEIRA, 2001, p. 150).
Porém a subjetividade também é importante e deve ficar claro que
a ação pedagógica é, com efeito, uma ação concreta, que se realiza
em condições concretas, reconstruindo-as e reconstruindo-se nelas, pa-
ra reconstruir toda a realidade num certo âmbito de alcance. Isso só é
possível mediante uma permanente e crítica articulação de suas parcia-
lidades culturais, institucionais, com as determinações individuais singu-
lares que operam essa ação intersubjetiva, e com as determinações
mais universais (macroestruturais) que aí também operam, ainda que
de modo mais mediato (CASALI, 2001, p. 118).
Segundo Alipio Casali,
[...] a educação é moral (particular) e é ética (universal), na medida em
que, como moral, é um movimento de conservação cultural, ao mesmo
tempo em que, como ética, é uma possibilidade e um impulso à tran s-
formação (p. 122).
Opomos ao Programa de Filosofia para Crianças idealizado pelo professor a-
mericano Matthew Lipman (1990, p. 80-81). O pesquisador defende que a investigação
ética nas escolas seja educação para os valores cívicos e produção de crianças racio-
nais através do fortalecimento de habilidades do raciocínio, como trabalhar com a ana-
81
logia, fazer interferência a partir de premissas isoladas, usar a lógica, construir hipóte-
ses etc.
Nessa mesma tendência filosófica encontra-se o professor Josep Maria Puig, da
Universidade de Barcelona, que defende a transversalidade do ensino de ética e valo-
res. Veja um dos exemplos de atividade sobre ética e valores: exercício de role-playing
(dramatização por meio da qual assumimos e trocamos papéis) sugerido pelo professor
Puig (1998, p. 81-82).
O que fazemos com os mendigos?
Em nossa cidade vemos com freqüência muitos mendigos que pedem
esmola às pessoas que passam pela rua. Todo o mundo se queixa de
que eles incomodam e sujam a cidade.
Durante este mês, foram tantas as queixas dos cidadãos, que a prefei-
tura decidiu enviar a maioria dos mendigos da cidade para o bairro dos
Jardins, para viverem ali. Quando os vizinhos souberam da notícia, a-
borreceram-se muito e declararam que não queriam ‘pobres’ em seu
bairro. Para tratar o assunto, a prefeitura convocou uma reunião para
esta tarde. Da reunião participaram:
o presidente da Associação de Vizinhos do Bairro dos Jardins;
um menino que está sem trabalho e sempre pede esmola na porta
do mercado;
uma senhora velha, também pobre;
o representante da prefeitura.
Repartam os papéis e façam a representação da reunião. Pensem que
devem buscar argumentos para convencer os demais em suas opini-
ões.
Presidente da Associação: “nem você nem seus vizinhos querem que
os mendigos vivam em seu bairro.”
Menino: “você quer mostrar para todos que tem direito a um lugar onde
viver.”
Senhora: “faz muitos anos que você pede esmola nas ruas e é indife-
rente ao que se decida na reunião. O que a incomoda muito é que os
vizinhos não querem que viva neste bairro.”
Representante da prefeitura: “você tem de convencer o presidente da
Associação de que os pobres precisam viver no bairro dos Jardins e
tem de exigir dos pobres que respeitem os vizinhos. Além disso, você
82
sabe que a prefeitura é quem manda e, portanto, você pode decidir (gri-
fo nosso).
Indicação para o professor: introduzir o tema mediante perguntas tais
como: você já viu alguma vez um mendigo? O que os mendigos fazem?
Por que fazem isso? O que você pensa sobre eles? Gostaria que fos-
sem seus vizinhos? Por quê?, etc. Trata-se basicamente de desenvolver
a breve apresentação que aparece na ficha e terminá-la com a exposi-
ção do caso a ser encenado. O professor assinala qual é a situação e
os personagens que neles intervêm, solicitando voluntários que queiram
encenar os papéis. A fim de facilitar a representação, podem-se comen-
tar em grupos as razões que cada personagem tem para pensar e atuar
daquela maneira (por exemplo: por que acha que o presidente da Asso-
ciação de Vizinhos pensa dessa maneira? E se na reunião mudassem
de opinião, o que diria seus vizinhos? etc.).
(Autora: Xus Martín García)
O que vale, na aula exemplificada, é o poder da argumentação, razão. A discus-
são se fechou nas questões colocadas. Pobres e ricos podem dividir “fraternalmente” o
mesmo espaço. O mais importante é que uns respeitem aos outros. O mendigo tem
direito de viver no bairro dos Jardins sem importunar e nem ser incomodado pelos mo-
radores. Esse tipo de leitura leva alunos e alunas a crer que é natural a existência de
ricos e pobres numa sociedade. Sendo assim o que nos resta é respeitar as diferenças
econômicas e sociais das pessoas.
No nosso pressuposto, o ensino de ética não se centra no desenvolvimento de
habilidades de raciocínio ou cognitivas das crianças para que aprendam a se comportar
na sociedade. A centralidade não é o aprendizado do pensar, a razão em si e nem dis-
cussões de temas sobre valores morais (amizade, honestidade, cooperação, amor etc.)
isolados, como aprendíamos nas aulas de catequese, algo do tipo: “Hoje nós vamos
aprender a ser honestos ou como se deve agir para sermos pessoas bondosas.
É inútil sonhar com paz, respeito e solidariedade enquanto a sociedade
permanecer dividida em classes sociais de ricos e miseráveis, de cultos
e ignorantes, de empregados e desempregados. Com isso, tocamos o
ponto nevrálgico em que se cruzam a ética do indivíduo e a ética da jus-
tiça social (GOERGEN, 2005, p. 89-90).
A divisão de classe, a opressão capitalista e outros males da sociedade, como
racismo, sexismo, fundamentalismo, enfim, o que também nos oprime servem de con-
teúdo. A criança consegue desenvolver reflexões, criticar a sociedade em seus aspec-
tos socioeconômico e político, além de ser militante na sua transformação. Nas aulas
83
de ética os problemas reais do oprimido trazem o esclarecimento da estruturação políti-
ca, social e econômico da realidade e desencadeia a conscientização. Por exemplo,
numa aula em que levamos uma reportagem de telejornalismo sobre o trabalho escravo
de crianças nas carvoarias do Estado de Mato Grosso do Sul, discutimos com os alunos
e as alunas não só a situação em si, mas também o que leva ao trabalho escravo: o
contexto sociopolítico e econômico do Brasil, desemprego, fome, falta de escola de
qualidade, egoísmo e o não-cuidado com o Outro.
Após essa discussão, nós professoras e alunos (as) - visitamos uma carvoaria,
o que nos causou extrema indignação. O calor dos fornos era insuportável, a fumaça
não permitia respirar. Pense no horror! Ali estavam a fome, a miséria, o escampado e o
mais alto grau de falta de cidadania.
Nas aulas sobre trabalho infantil nas carvoarias, temas como solidariedade, justi-
ça, solidariedade, cidadania etc. tornam assuntos obrigatórios. Buscamos abordar es-
ses temas fazendo leitura do mundo real em que vivemos.
Em outra turma a discussão era sobre o racismo que a nação brasileira desen-
volveu em relação a pessoas negras e índias. Depois de uma palestra sobre o tema
com educadoras dos movimentos negro e indígena, com variados relatos de atitudes
racistas e de termos lido sobre o assunto em sala de aula, os alunos e as alunas queri-
am saber, constatar se no shopping da cidade (Campo Grande Mato Grosso do Sul)
havia empresários e empresárias, funcionários e funcionárias negros. Elaboramos ma-
terial de questionamento e as crianças foram a campo.
Por meio da enquete, contamos que das 60 pessoas lojistas do shopping, uma
era negra e as únicas funcionárias negras eram somente as da limpeza. As crianças
perguntavam: A senhora(or) tem funcionária(o) negra(o) que atende na loja? A
resposta era quase sempre a mesma: Sim, na limpeza!
Não realizamos a sondagem nas lojas grandes, como Americanas, Carrefour,
Riachuelo, C&A e Pernambucanas porque seria difícil para as crianças pequenas da-
rem conta de tamanha demanda. Depois da enquete, entramos em contato com a im-
prensa, que divulgou o resultado à popul ação.
A atividade foi demorada, exigiu das crianças autonomia, respeito à opinião do
outro, escutar, investigar, argumentar, elaborar material de investigação, fazer crítica e
84
exercitar o raciocínio lógico. Enfim, tudo isso numa atividade sobre um dos problemas
da sociedade brasileira. Com essa atividade desenvolveram-se habilidades e valores
importantes de convivência social. Não precisamos determinar que tipo de comporta-
mento as crianças devem ter em relação à discriminação racial. Com a leitura do rea l,
elas mesmas reelaboraram valores, elaboraram conceitos próprios e com aceitação das
diferenças raciais. Não foi preciso centrar e nem criar situações fictícias para desenvol-
ver as habilidades mentais.
Nesse caso, o ensino de ética recebe a dinâmica proposta por Saviani (1989, p.
79-81): “O ponto de partida seria a prática social [...]”, que é problematizada, instrumen-
talizada e elaborada com sentido na transformação social. As aulas exigem estudos,
leituras, pesquisas, tempo para planejamento e articulação que envolva o corpo escolar
no projeto de ensino. O trabalho de ética na escola é construção diária.
Sentimos prazer em citar nesta dissertação práticas realizadas pelas monitoras
num centro de educação infantil (CEI), em Campinas, São Paulo. Essas monitoras, que
não tinham nem o ensino médio completo, participaram da capacitação promovida pelo
Centro de Estudos das Relações do Trabalho e da Desigualdade (Ceert). O projeto reali-
zado pelo CEI foi denominado Educar para a Igualdade Racial.
Uma das atividades do projeto foi um desfile de penteados. O objetivo do trabalho
foi chamar atenção da comunidade para a temática e fazer com que as crianças melho-
rassem a auto-estima. As monitoras convidaram os cabeleireiros e cabeleireiras do bairro,
que arrumaram as crianças com penteados afros. Montaram uma passarela e as crianças
desfilaram com os cabelos arrumados. As mães e alguns pais que se envolveram com a
arrumação do desfile estavam na platéia. Mães e pais já tinham participado de palestras
com as seguintes temáticas: como vive o negro hoje; o negro no mercado de trabalho; e o
negro e a escola.
Sobre os resultados alcançados, a monitoras relataram que
as crianças negras, os meninos negros que não eram penteados na hora
da higiene, e as meninas negras também, muitas vezes passavam o dia
sem ter seu cabelo penteado, passaram a exigir e solicitar das monitoras
que penteassem seus cabelos. As demais monitoras passaram a perceber
o quanto isto era importante para a criança. Pois percebemos isto, na rea-
85
ção, no dia-a-dia, a motivação das crianças (SANTOS; JESUS, 2003, p. 4-
9).
A cobrança das crianças para serem tocadas, penteadas, para ficarem bonitas,
mostra que valeu a pena desenvolver atividades que identificaram o valor das diferenças
e o valor da beleza negra. Fortaleceu-se a auto-estima das crianças. As professoras mu-
daram de postura, percebendo que as crianças negras, assim como as não-negras, preci-
sam de tratamento acalantado e terno, pois sentem falta de toque. Propostas como essa
são simples e ricas ao mesmo tempo. Antes dessa atividade, eram penteadas apenas as
crianças não-negras. As professoras geralmente acham difícil pentear cabelos crespos.
Há crianças negras que vão para o CEI com tranças e cabelos amarrados. As professoras
acabam mantendo-os do jeito que estão. Às vezes, os cabelos dos alunos e das alunas
negros são curtos e as professoras acham que não precisam ser penteados.
Ainda que lentamente, a busca de alternativas pedagógicas tem melhorado a prá-
tica curricular brasileira. Sabemos que essas tentativas não dão garantia de resolver os
variados problemas enfrentados pelas escolas. Se acreditamos em outra sociedade, em
que as relações possam ser mais humanas e a violência e a exclusão sejam pelo menos
menores, temos de criar instrumentos capazes de contestar e de propor transformações
no espaço escolar.
Romper as amarras reais e concretas da nossa realidade exige muita luta. As rup-
turas são dolorosas, difíceis e exigem que tracemos ações bem planejadas. É por isso
que temos de sonhar com um mundo melhor. Este sonho nos alimenta. Cremos que so-
nhar pela humanização pressupõe ações concretas no campo da desumanização. Quem
luta sonha. Martin Luther King disse em discurso no dia 28 de agosto de 1963: “Não, não,
nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão
rolem abaixo como águas de uma poderosa correnteza [...] Eu tenho um sonho [...]”
(PORTAL AFRO). Nós temos um sonho.
86
3. REPRESENTAÇÃO, TEORIA E PRÁTICA DO ENSINO DE ÉTICA
Ensinar exige:
segurança, competência profissional e generosidade;
comprometimento;
compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo;
liberdade e autoridade;
tomada consciente de decisões;
saber escutar;
reconhecer que a educação é ideológica;
disponibilidade para o diálogo; e
querer bem aos educandos.
Paulo Freire Pedagogia da autonomia
Neste último capítulo analisamos como o Centro de Educação Infantil José Eduar-
do Martins Jallad (CEI Zedu) em Campo Grande, administrado pelo governo de Mato
Grosso do Sul, por meio da Secretaria de Estado de Gestão Pública (Seges), construiu
sua relação com a ética. Ao colocarmos como é concebido, organizado e desenvolvido o
ensino de ética na instituição, fomos fazendo análises, discussões e críticas sobre o tra-
balho desenvolvido pelas educadoras do centro.
A primeira parte desta seção é dedicada a destacar o ensino de ética na concep-
ção das educadoras do CEI. Entendemos então por que e como começaram a ensinar
ética às crianças. Consecutivamente, desenvolvemos as críticas sobre as ações e os pro-
cessos.
Descrevemos como as profissionais do Zedu sistematizam o ensino de ética. Mos-
tramos e analisamos questões relacionadas à organização, seleção dos conteúdos e
planejamento das aulas.
Em seguida discutimos a prática pedagógica das educadoras em relação ao ensino
de ética. Vivenciamos na sala de aula conflitos, crises e êxtases dos acertos na constru-
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ção do ensinar ética. Tentamos pôr em debate, por meio do nosso parecer e diálogo com
a literatura, as aulas de ética desenvolvidas pelas professoras. Finalizamos com algumas
observações sobre os processos e resultados do ensino de ética no CEI Zedu.
3.1. CONCEPÇÃO DAS EDUCADORAS SOBRE ENSINO DE ÉTICA
A professora Rosana Monti Henkin assumiu em janeiro de 2003 a direção do CEI
Zedu. Graduada e pós-graduada (especialização) em História na PUCRS (Pontifícia Uni-
versidade Católica do Rio Grande do Sul) e militante do PT, ela havia trabalhado na Co-
ordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Mulher, órgão vinculado ao governo de
Mato Grosso do Sul. No Partido dos Trabalhadores, Rosana sempre foi responsável pela
formação política. Como diretora do CEI, a professora teve a idéia de implantar aulas es-
pecíficas sobre cidadania.
Vimos a necessidade. Primeiro porque as crianças ficavam o dia inteiro no
Zedu. Só chegavam à noite a casa, muitas vezes dormindo. Saíam muito
cedo para o CEI e acabavam não recebendo orientação familiar básica
sobre os valores. Percebemos que as atitudes das crianças eram violen-
tas, sem respeito, preconceituosas. Achamos que tinha que fazer um tra-
balho nesse sentido. Então começamos com o projeto das aulas de cida-
dania que trabalhavam questões de relacionamento entre os colegas,
meio ambiente, diferenças de raça, de gênero, para que as crianças sou-
bessem desde pequenas e acostumassem a lidar com as pessoas, respei-
tando as suas diferenças. Ajudar, de certa forma, a mudar atitudes da
própria família.
18
Rosana Henkin começa as negociações com a Secretaria de Gestão Pública
de Mato Grosso do Sul (Seges), pasta responsável pela administração do CEI Zedu. A
proposta foi aceita e começou o processo de estruturação para acrescentar no currículo
mais uma área de trabalho. Iniciou-se então a definição do perfil da educadora para tra-
balhar cidadania com as crianças.
Primeiro tinha que ter uma professora que dominasse bem essa área.
Que tivesse conhecimento na área de cidadania e filosofia. Para fazer o
18
Rosana Monti HENKIN. Entrevista em 25 de fevereiro 2005, como ex-diretora do CEI Zedu.
88
trabalho não podia ser qualquer pessoa, com qualquer formação. Tinha
que ter formação específica para fazer isso. Porque se tratava de um re-
corte. É uma aula diferente. Exigia também conhecimento diferenciado. E
aí começamos! Montamos o projeto das aulas.
19
No início de sua gestão no Zedu, ela dirigiu o CEI até julho de 2004, Rosana Hen-
kin percebeu que as professoras não tinham formação adequada para trabalhar os conte-
údos das aulas de cidadania. Faltava às profissionais formação política. Elas não cons e-
guiriam trabalhar um assunto tão crítico que exigia visão de mundo mais elaborada.
Mesmo assim, em nenhum momento a ex-diretora acreditava que isso seria culpa das
professoras. Havia falhas na formação. Conta ela que na primeira reunião de mães e pais
entrou numa das salas de aula e se deparou com tudo “arrumadinho e perfeitinho”, porém
com decoração estereotipada. Havia na parede da sala uma árvore com flores rosas em
que estavam escritos os nomes das meninas. Os nomes dos meninos estavam nas flores
azuis. Muitas vezes Rosana se deparava com professoras falando algumas frases pre-
conceituosas do tipo: “Aquele negrinho de cabelo ruim”; “menina tem que sentar de per-
nas cruzadas”; ou “feche as pernas que você está parecendo moleque”.
O trabalho de cidadania passou por definição coletiva. Os conteúdos principais e i-
niciais foram relacionados aos seguintes temas: meio ambiente (o todo ambiental - água,
lixo, terra, plantas, animais, ser humano, trânsito); discriminação, preconceito contra ne-
gros, índios, gordinhos, idosos etc.; diferenças de gênero e de raça; pessoas portadoras
de deficiências físicas, mentais, auditivas, visuais etc.; consumismo; e direito da criança.
No campo da ética inseriram-se assuntos ligados à solidariedade, trapaça, mentira, co o-
peração, respeito ao outro, perdão, tolerância, paciência, generosidade, ajuda e formas
educadas de tratar as pessoas.
As professoras poderiam indicar, para as aulas de cidadania, temas de acordo
com os problemas apresentados. No momento das aulas, as docentes não podiam fazer
planejamento e nem outras atividades. Tinham de assistir às aulas com as crianças. Iam,
aos poucos, se familiarizando com o tipo de discussão e de planejamento.
19
Rosana Monti HENKIN. Entrevista, 25 fev. 2005.
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Enquanto a professora da disciplina Cidadania trabalhava os conteúdos citados, as
professoras das salas desenvolviam com as crianças, no primeiro semestre, amplo proje-
to sobre meio ambiente e no segundo semestre priorizavam o projeto sobre gênero e ra-
ça. A elaboração dos projetos ficou por conta das coordenadoras e professoras. Elas re-
ceberam orientação de outros profissionais para montar os projetos. Para o tema raça,
além de participarem de um curso de 60 horas oferecido pelo grupo TEZ - Trabalho Estu-
dos Zumbi, de Campo Grande, entidade do movimento negro, receberam ajuda específica
para elaborar o projeto. No tocante a gênero, a Coordenadoria Especial de Políticas Pú-
blicas para a Mulher deu toda a assistência. Na área de meio ambiente, quem ajudou foi a
equipe da Coordenadoria da Educação Ambiental da Sema (Secretaria de Meio Ambiente
e Recursos Hídricos de Mato Grosso do Sul).
Rosana Henkin disse que participar das aulas seria importante para que as profes-
soras absorvessem conhecimentos e usassem a mesma linguagem da professora de Ci-
dadania. Se as professoras assim não procedessem, as crianças poderiam entrar em
conflito. As aulas de cidadania eram dadas de forma muito dinâmica. Para trabalhar so-
bre a discriminação a portadores de deficiência, por exemplo, a professora leu livros infan-
tis que explicavam o que era uma pessoa portadora de necessidades especiais, levou
educandos e educandas com necessidades educacionais especiais para a escola, fize-
ram passeios juntos, brincaram, cantaram, fizeram teatro e, enfim, criaram uma convivên-
cia com o outro grupo.
Paralelo às aulas de cidadania, as professoras se capacitavam. Em 2003 e 2004
as professoras e as coordenadoras receberam palestras e participaram de cursos sobre
meio ambiente, raça, gênero, ética e trânsito. Foram a seminários e simpósios sobre edu-
cação infantil dentro e fora de Mato Grosso do Sul. As docentes se revezaram para parti-
cipar dos eventos pedagógicos.
No CEI são garantidas 10 horas de estudos mensais. As sessões são organizadas
pelas coordenadoras e os temas são decididos ou sugeridos pela equipe. As coordenado-
ras convidam pessoas para dar palestras. Também fazem-se leituras de livros, textos e
documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), o Plano Estadual de
Educação, além artigos em periódicos. Discutem-se os temas. As sessões acontecem
90
em cada unidade durante a semana. A cada 15 dias os grupos das unidades I (sede do
CEI Zedu) e II (extensão do CEI Zedu) se encontram para aprender e trocar idéias sobre
novos temas. Geralmente é nesse momento, de reunião das professoras das unidades I e
II, ambas em Campo Grande, que as palestras acontecem. Sempre aos sábados pela
manhã. O embasamento teórico das professoras foi e é adquirido nessas atividades. Boa
parte do suporte teórico sobre ética se deu nas sessões de estudo.
Tudo isso foi realmente importante porque, no ano de 2005, a professora de Cida-
dania, Jamile Garcia Hadid, foi cortada por contenção de gastos e as aulas de cidadania
ficaram por conta das professoras de sala. Jamile continuou na escola, só que agora co-
mo professora de sala. Ela assumiu uma das salas de crianças com cinco anos.
A partir dessas colocações, podemos perceber uma forma interessante de montar
novo projeto de ensino. Quando diretora, Rosana Henkin, que iniciou o processo das au-
las de cidadania e ética, teve a preocupação de contratar uma professora qualificada e
experiente. Henkin considerou que havia falha na formação das educadoras em relação
às questões políticas e filosóficas. Depois disso, conseguiu envolver o grupo de quatro
formas: participação nas aulas de cidadania; capacitações constantes; garantia das ses-
sões de estudos; e a construção coletiva dos conteúdos por meio dos projetos.
Percebemos que há coletividade no desejo de ética na escola. A vontade de ter é-
tica no currículo não era somente da ex-diretora, mas também das outras educadoras.
Rosana Henkin conseguiu que o grupo, mesmo que ainda pouco, se munisse teo-
ricamente. A tática funcionou porque as educadoras passaram a considerar importante
desenvolver trabalho de cidadania na instituição. Com isso, as aulas de cidadania ga-
nharam força. Henkin soube fazer bem a articulação. Distribuiu poder e fortaleceu seu
projeto. Aliás, Rosana é muito lembrada pelo grupo de professoras, devido ao seu poder
de exercer a democracia, argumentação e preocupação constante com a capacitação
das educadoras.
Nas entrevistas, as professoras relatam que as crianças pequenas são cidadãs e
estão, no seu dia-a-dia, vivenciando todo o social. As crianças desde pequenas devem
ser trabalhadas no sentido da ética.
91
A ética é importante para todos nós. O mundo precisa prestar mais aten-
ção na questão da ética. É muito importante naquilo que a gente faz. Em
todo momento da vida da gente a ética deve estar presente, principalmen-
te dentro de uma sala, com crianças que estão em formação, crianças que
estão formando conceitos, valores. É de 0 a 6 e 7 anos que a criança co-
meça a construir [...] Não adianta eu querer lembrar disso lá na frente.
20
As aulas de cidadania receberam das professoras e da coordenadora a mesma
importância dos conteúdos da base comum. “Trabalhar com os valores, com a ética, é tão
importante quanto trabalhar com matemática e português”, disseram as educadoras. O
saber deve ser amplo e “a escola é o espaço privilegiado das crianças durante anos; elas
crescem lá dentro. Não se pode supor que só se vai ensinar uma parte dos conhecimen-
tos, deixando de lado o civismo, a moral e a ética”, analisa o professor do Instituto de Psi-
cologia da USP (Universidade de São Paulo), Yves de La Taille (CORTELLA; LA TAILLE,
2005, p. 109).
A ética recebe importância no sentido de repensar as ações individuais e a mu-
dança social. “Trabalhar ética no ensino faz com que repensemos valores excludentes.
Pois a operacionalização da ética é um desconstruir para construir novos valores que dig-
nificam a vida humana”, afirmam as professoras Ana Paula Carlino e Márcia Teodoro.
21
Destacamos como positiva a preocupação das educadoras de não querer que as
crianças sejam tão somente “educadinhas” e “boazinhas” no sentido de respeitar as re-
gras estabelecidas. Percebemos uma preocupação com a vida, em eliminar os valores
que tiram a dignidade da pessoa.
A equipe parte do principio de que não educamos seres humanos só para terem
conhecimento, mas para que melhorem cada vez mais enquanto cidadãos e cidadãs.
Para isso deve haver reflexão nas atitudes. O objetivo se fundamenta no fato de que se
devem construir estratégias curriculares e pedagógicas que levem as pessoas a ter auto-
nomia moral que as torne críticas. Os seres humanos devem vivenciar a cidadania refe-
20
Maria Auxiliadora Rosa Pires de S. SANCHES, coordenadora do CEI Zedu. Entrevista, 25 fev. 2005.
21
Entrevista, 25 fev. 2005.
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rendada nos princípios democráticos da justiça, da participação ativa e comunitária, além
da igualdade e da eqüidade.
Precisamos repensar, questionar valores negativos que estão enraizados na socie-
dade, como discriminação, violência, exclusão e injustiças. Acreditamos ser a ética fun-
damental na construção e formação de nossos educandos e educandas.
Na escola nos deparamos com a riqueza da diversidade, onde cada indi-
víduo traz consigo uma história de vida e, conseqüentemente, uma forma
diferente de pensar e agir, que se faz presente no convívio em grupo. Di-
ante dessa gama de representação de valores (princípios, regras, cren-
ças, proibições...) devemos oportunizar o pensar e refletir sobre tais com-
portamentos, sendo eles manifestados de modo positivo (respeito ao ou-
tro, solidariedade, compartilhamento etc.) e negativo (discriminação, injus-
tiça, exclusão etc.).
22
As educadoras acreditam que o ensino de ética é importante porque auxilia as cri-
anças a pensar sobre suas ações. A idéia é fazer com que alunos e alunas tomem, de
forma processual, consciência dos valores que permeiam o universo social e possam a
optar pelo melhor para si e para outras pessoas. Os estudantes e as estudantes, quando
questionados, são levados a pensar suas atitudes e buscam novos valores que nos tor-
nam seres humanos melhores. As atitudes reflexivas ajudam a buscar melhor convívio,
com respeito e sem preconceito. A ética possibilita boa formação dos cidadãos e das ci-
dadãs, facilitando-lhes percepção de seus direitos sem eliminar os deveres.
Desenvolve-se o ensino de ética como instrumento de reflexão de valores sociais e
aquisição de novos valores, novos conceitos que poderão mudar nossa postura na socie-
dade.
Trabalho com a ética porque sou uma agente transformadora. É papel do
educador e da educadora mostrar, questionar e refletir com seus alunos e
alunas, para que possamos viver e conviver num mundo mais justo, mais
fraterno, onde o ser humano saiba respeitar e ser respeitado.
23
A equipe está constantemente preocupada com os conceitos estereotipados que
as crianças aprenderam numa sociedade em crise ética: individualismo, preconceito, con-
22
Professora Jamile Garcia HADID. Entrevista, 25 fev. 2005.
23
Professora Maria Luíza da SILVA. Entrevista, 25 fev. 2005.
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sumismo, exclusão e discriminação. Se quisermos mudar essa lógica social, as atitudes e
os valores devem ser trabalhados com as crianças pequenas. Mostramos para elas a rea-
lidade e levantamos questionamentos acerca dos comportamentos que moldam ações de
homens, mulheres, homossexuais e transgêneros nos micro e macrocosmos sociais.
As crianças disseram que os índios são preguiçosos. A professora quis saber por
que alunos e alunas achavam isso. Foram planejadas aulas que desmistificavam esse
(pré)conceito. A professora não se preocupou com o número de aulas para o assunto.
Preparou as aulas conforme a necessidade da turma. No final perguntou para a turma:
“Será que o índio é realmente preguiçoso?” Alguns conceitos já haviam mudado. As cri-
anças tinham visto as índias e os índios produzindo na terra, lidando com as roças, visi-
tando e vendo os terena
24
produzindo alimentos para comercializar, acompanhando mu-
lheres índias indo para o trabalho e outras fazendo vasos de cerâmica para vender na
cidade.
As educadoras do CEI Zedu acreditam nas mudanças de atitudes. Sabem que é
algo complicado porque os valores foram construídos sob concepções preconceituosas, e
a criança, ainda que pequena, assimilou boa parte desses tabus. A ética é sempre refle-
xão necessária sobre os valores negativos aprendidos a partir da vivência na sociedade.
É buscando nova mentalidade que nos tornamos melhor socialmente. A preocupação
com o outro é constante nas intervenções das professoras.
Nesse sentido, o zelo com o meio ambiente, do qual somos parte, é importante em
suas múltiplas vertentes. Mas não são apenas os recursos naturais que precisam de cui-
dado. Precisamos cuidar do nosso ambiente social, das nossas relações e ter cuidado
com o próximo. Isso também é meio ambiente. Queremos um ambiente onde todos vivam
bem, com condições de ter vida boa: índios, negros, brancos e outros povos. Um mundo
sem ou pelo menos com menor exclusão, sem situações de discriminação, sejam elas
econômica, política e/ou social. Numa definição ampla, temos de nos preocupar com a
24
Etnia indígena de Mato Grosso do Sul. Os terena atualmente vivem em cidades, separados ou em
aldeias, e na área rural (em aldeias). As famílias que vivem no campo, no Interior de Mato Grosso do Sul,
plantam, colhem e vem à Capital, Campo Grande, vender seus produtos. Em Campo Grande existe um
estabelecimento específico para o comércio de seus produtos. Se quisermos uma boa pimenta, milho e
feijão verdes, frutas etc., é bom comprar “lá nas índias”, dizem as pessoas campo-grandenses. O comér-
cio é feito basicamente por mulheres e faz parte da tradição da cidade.
94
sociedade. Entenda-se sociedade como parte do meio ambiente. Devemos cuidar para
que as pessoas e todos os outros seres não vivam mal.
As professoras compreendem que a presença da ética no CEI é capaz de mudar
atitudes, criar valores que possibilitem introjeção de novos conceitos. Há nas docentes
forte crença de que a ética vai trazer mudanças e não se percebe a aquisição de novos
valores pelas crianças e pelas próprias docentes. Isso acaba frustrando as professoras.
Para as educadoras, “a maior dificuldade é desconstruir uma postura para adquirir outra”.
Apontamos que o ensino de ética possibilita reflexão crítica de valores tidos socialmente
como fundamentais e que muitas vezes oprimem pessoas. No entanto, sabemos que
um ato absoluta ou perfeitamente “bom” é empiricamente impossível [...]
Todo ato é aproximativamente “bom” dentro de um marco de possibilida-
des onde muitos tipos de atos são possíveis. O marco do permitido (até o
devido) eticamente é imenso, mas tem critérios e princípios precisos. [...]
Dentro deste marco é possível uma tolerância ativa, respeitosa, democrá-
tica, não rigorista (DUSSEL, 2002, p. 282).
Como já nos posicionamos antes, a ética não é garantia de que uma sociedade
seja plenamente boa. Se é que existe essa sociedade boa! Mas a ética ameaça a ordem
estabelecida e possibilita a libertação. O marco comentado por Dussel, deve ser definido
com radicalidade. Atacar o que causa opressão, exclusão e miséria de uma sociedade.
Para as professoras o bem é ter uma sociedade mais justa, com menos exclusão,
com respeito ao próximo. As educadoras preocupam-se com a sociedade e demonstram
inquietação com os rumos que a humanidade tem tomado. Embora elas tenham apontado
que o trabalho é difícil e exigente, porque mexe com conceitos arraigados na cultura. De-
ve-se levar a criança a pensar sobre o assunto e fazer com que ela própria se repense.
No caso antes citado neste capítulo, a professora mostrou e provou para as crianças que
índio e índia não são preguiçosos. A docente possibilitou vivências reais para as crianças
perceberem seus preconceitos, além dos preconceitos das mães e dos pais, o que é
uma realidade. Nesse sentido, observa o professor Mário Sérgio Cortella:
[...] a questão central da ética é a formação de comunidades, e não de a-
grupamentos. E isso vale para o conjunto da vida no planeta, não é algo
só nosso. [...] Acho que comunidade é convivência com objetivos comuns,
relações de reciprocidade e mecanismos de autopreservação. É claro que
o conflito é inerente à convivência, mas o que não pode existir, que é típ i-
95
co do agrupamento, é confronto. Afinal de contas, o conflito é divergência
de postura, mas visando à continuidade da relação. O confronto é a busca
da anulação do outro, é típico da relação que pressupõe “eu de um lado e
eles de outro”. Já o conflito é inerente (CORTELLA; LA TAILLE, 2005, p.
34).
Há nas educadoras o desejo de mudança social e não somente mudança individu-
al. As pessoas são construtoras do social, podem mudar o real. São capazes de criar um
novo mundo porque outras sociedades são possíveis. A ética é um instrumento de luta
podendo ajudar nessa empreitada.
A grande importância de se trabalhar ética é de que as crianças aprendam
a questionar as atitudes, as regras, os combinados, tudo que a sociedade
estabelece. Não simplesmente aceitar por aceitar. Mas, se aceitar, saber
por que está aceitando. Se não, por que também não está aceitando. A-
prender a respeitar o outro, a outra, as diferenças. Lidar com essas dife-
renças e se enriquecer com essas diferenças.
25
Nos posicionamentos das educadoras percebemos o raciocínio de que a sociedade
é opressora e excludente, mas pode-se viver nela se tivermos consciência de nossos di-
reitos e deveres. Se empenharmos bem nosso papel de cidadãs e cidadãos, a sociedade
pode ser boa.
A transformação social, segundo a equipe do CEI Zedu, pode ocorrer com mu-
dança de atitude das pessoas. Apesar de defenderem mudanças sociais, as educadoras
não discutem a luta de classe, a exclusão, a marginalização e a opressão como elemen-
tos necessários à existência do capitalismo. Quando algumas educadoras falam em ex-
clusão, elas pensam na pobreza, na discriminação, na marginalização e na violência, po-
rém não conseguem fazer leitura politizada. Elas acreditam que, se formos mais compa-
nheiros, companheiras, solidários e tivermos diálogo, compaixão com o outro e a outra,
basta para que a sociedade fique melhor. Poderemos, assim, viver mais tranqüilos e cer-
tamente mais felizes. Não está claro para elas que “a ‘libertação’ é um ato histórico e não
um ato de pensamento, e é efetivada por condições históricas [...]” (MARX; ENGELS,
1991, p. 65).
25
Ana Paula Feitosa Bagliotto NÁGLIS, coordenadora no CEI Zedu. Entrevista, 25 fev. 2005.
96
A opressão compreendida nos contextos histórico, sociopolítico e econômico não
é, ainda, de modo geral, uma leitura feita pelas educadoras do CEI. Essa ingenuidade
pode ser superada à medida que elas comecem a aprofundar e intensificar os estudos. A
precariedade da leitura impede que elas vão à essência do problema, desmistificando o
real e não ficando apenas na aparência. Toda leitura dos problemas da nossa realidade
merece análise crítica e sócio-histórica.
3.2. CONTEÚDOS E SISTEMATIZAÇÃO
Como já vimos, o ensino de ética foi iniciado nas aulas de cidadania por uma pro-
fessora especificamente contratada para isso. Com a saída da docente Jamile Garcia Ha-
did, as aulas foram garantidas no currículo e assumidas pelas professoras de sala, que
elaboraram, juntamente com as coordenadoras, o plano anual específico em que constam
todos os conteúdos de ética que devem ser trabalhados em cada turma.
Os conteúdos são selecionados levando-se em conta sua importância e
necessidade, partindo sempre da realidade das crianças. Alguns dos con-
teúdos são previamente selecionados e outros conforme constatação da
urgência de se trabalhar na sala um determinado conteúdo.
26
Exemplo de conteúdos de ética selecionados no CEI Zedu
DISCRIMINAÇÃO
Aspecto físico: biotipo (gordo, magro, usa óculos, jeito de falar
e outros).
Idoso.
PNEEs [portadores de necessidades educacionais especiais].
Étnico-racial.
Respeito às diferenças.
Respeito mútuo.
26
Professoras Jamile Garcia HADID, Hélia dos Vargas SANTOS e Esmilce Esther Larreira KAFURI. Entre-
vista 25 fev. 2005.
97
Respeito às diferenças de gênero.
RESPEITO AO OUTRO
Respeito mútuo.
AUTONOMIA
Perante a atividade.
Cuidado com os materiais e com seus pertences.
Responsabilidades pelos atos.
Ter iniciativa.
Estimular a independência.
Ter opinião própria (não ser maria vai com as outras sic!).
JUSTIÇA
Despertar a virtude de dar a cada um aquilo que é de seu
direito.
Respeitar e lutar pelos direitos do ser humano.
SOLIDARIEDADE
Ensinar a dividir.
Compartilhar.
Preocupar-se com a situação do outro.
Amar ao (sic!) próximo.
GANÂNCIA
Não querer ganhar sempre.
Não ser muito ambicioso.
Não ter desejo de ter tudo somente para si.
FORMAS EDUCADAS DE TRATAR AS PESSOAS
Atitudes de boas maneiras: cumprimentar, pedir desculpas,
falar por favor, agradecer, pedir licença...
Cuidar da higiene do corpo e do meio ambiente: na escola, na
rua, lugares públicos, em casa, nas festas e outros.
98
INVEJA
Estimular a criança [a] não ter desejo de cobiça ou querer possuir o
bem alheio.
ORGANIZAÇÃO DO AMBIENTE
Cuidar do ambiente que (sic!) estiver presente: sala de aula,
parque, salão, rua, igreja...
Cuidado e zelo pelos materiais, objetos, mobiliários do
ambiente.
Preservar os bens de uso comum.
REGRAS E COMBINADOS
Estabelecer as regras necessárias para conviver bem.
As regras devem ser claras e discutidas com todas as
crianças.
Fazer os combinados coletivamente.
AGRESSIVIDADE
Vivenciar situações onde (sic!) as crianças percebem (sic!) a
importância do não bater (sic!), chutar, morder, empurrar...
Destacar a importância de utilizarmos em nossas ações a
conversa e o diálogo no cotidiano.
TOLERÂNCIA
Respeitar o direito de agir, pensar e sentir de modo diferente
do nosso.
Aprender [a] desculpar, admitir e respeitar opiniões contrárias
a sua (sic!).
PERDÃO
Proporcionar momentos onde (sic!) as crianças possam
dramatizar algumas situações reais e tenham a necessidade
de pedir perdão.
Na convivência diária, solicitar que a criança peça perdão ao
99
colega ou outras pessoas quando necessário.
TRAPAÇA
Estimular a criança a não tirar proveito de uma determinada
situação que prejudica (sic!) o outro.
Não enganar o outro para benefício próprio.
Mentir para se beneficiar.
HONESTIDADE
Despertar a necessidade de ser íntegro.
Honradez, dignidade, confiança...
MENTIRA
Despertar na criança a prática de falar a verdade.
A mentira constante pode virar uma prática.
27
Observamos que a maioria dos conteúdos foi colocada com referência negativa,
por exemplo: mentira em lugar de veracidade. Sugerimos que eles sejam mencionados
pela positividade.
Outra questão que merece destaque é que as educadoras trabalham ética por
temas e alguns deles são enfatizados e trabalhados na sala de aula de forma apolítica.
Mas já percebemos nova concepção na construção do ensino de ética. Está surgindo
um outro olhar do grupo:
Não queremos roda de crianças para discutir “respeito ao outro” ou
“palavras mágicas”. Devemos partir da realidade que temos e vivemos.
Por exemplo, temos que discutir sobre as crianças do Pantanal que le-
vantam de madrugada para catar minhoca no lamaçal, com lama até o
pescoço, para vender [a turistas pescadores] e não morrerem de fo-
me.
28
De um ano (2005) para o outro (2006) observamos algumas mudanças em relação
à concepção do que é ensinar ética. Entendemos que é importante cobrar das crianças
27
Lista de conteúdos sobre ética e cidadania, elaborada pela equipe do CEI Zedu sob o título Ética.
28
Ana Paula Feitosa Baglioto NÁGLIS, coordenadora no CEI Zedu. Discussão feita em março de 2006.
100
as “palavras mágicas” (pedir por favor e licença, agradecer etc.). O problema é se o tra-
balho de ética se resumir apenas a isso.
As professoras organizam o plano anual contendo objetivos e conteúdos de cada
sala. Veja, por exemplo, o quadro do ano 2004 para o infantil II (extensão do CEI Zedu),
crianças de 3 a 4 anos.
OBJETIVOS CONTEÚDOS RECURSOS METODO-
LÓGICOS
AVALIAÇÃO
Ø
Refletir sobre os
valores e as nor-
mas que re
gem as
condutas huma-
nas.
Ø Questionar sobre
os valores negati-
vos que estão en-
raizados na soci-
edade como: vio-
lência, inclusão
29
,
discriminação, in-
justiça.
Ø Repensar valo
res
excludentes.
Ø Buscar novos va-
lores que signifi-
cam (sic!) a vida
humana.
Ø Discriminação.
Ø Respeito ao ou-
tro.
Ø Autonomia.
Ø Justiça.
Ø Solidariedade.
Ø Ganância.
Ø Formas educa-
pessoas.
Ø Inveja.
Ø Organização do
ambiente.
Ø Regras e com-
binados.
Ø Agressividade
30
.
Ø Tolerância.
Ø Perdão.
Ø Trapaça.
Ø Honestidade.
Ø Mentira.
Ø Dobraduras.
Ø Teatros.
Ø Passeio/visitas.
Ø Pesquisa em revis-
tas, livros e ou
tros
materiais escritos.
Ø Produção de pai-
néis.
- Coletivos.
- Individuais.
Ø Vídeo.
Ø Músicas.
Ø Brincadeiras.
Ø Histórias.
Ø
Pintura, desenhos
(livres e com interfe-
rência).
Ø Entrevistas.
Ø Reconto.
Ø Construção c/ suca-
tas.
Ø Elaboração de ál-
buns e livros.
Ø Deverá ser con-
da observação e
diferentes con-
textos.
29
Entendemos que a palavra “inclusão” como designação de valor negativo é imprópria para a coluna de
objetivos inserida no quadro. Acreditamos que o vocábulo “exclusão” é o mais apropriado.
30
Devemos cuidar para não entrar em contradição. “Agressividade” não cabe no objetivo de buscar no-
vos valores que dêem significado à vida.
101
Os conteúdos realmente sofrem alterações no decorrer do ano. Eles são acresci-
dos de acordo com nível e necessidade de cada turma. À medida que as educadoras vão
construindo os trabalhos vão elucidando melhor os conteúdos e os objetivos. As professo-
ras descrevem a metodologia das aulas no plano diário. Elas planejam no CEI, uma vez
na semana, todas as aulas que serão lecionadas semanalmente. Antes de desenvolver
as aulas, as professoras discutem com as coordenadoras os planejamentos. É o momen-
to em que elas acrescentam idéias, avaliam se a atividade será realmente interessante e,
se preciso for, mudam a metodologia. As aulas são planejadas sempre na semana anteri-
or à do dia da aula. A prática de discussão é intensa no grupo. As resoluções dos proble-
mas se dão coletivamente. As docentes estão sempre trocando idéias. As coordenadoras
atentam-se para que o grupo tenha objetivos comuns.
As aulas de ética acontecem uma vez por semana; as aulas de cidadania duas ve-
zes. Como a ética é um conteúdo de cidadania, fica um dia para ética e outro para assun-
tos mais gerais. Por exemplo, projeto sobre o trânsito. Entender como funciona um semá-
foro não é especificamente assunto da ética. Embora num estudo mais abrangente sobre
o trânsito caiba a ética, porque por trânsito entende-se espaço de animais, pedestres, mo-
toristas e seus veículos carros, caminhões, motocicletas, motociclos, bicicletas, triciclos,
tudo o que transporta pessoas, objetos etc. A caoticidade do trânsito prejudica e põe em
risco a vida. Não podemos nos esquecer de que trânsito também é meio ambiente.
O plano de aula é bem detalhado pela equipe de docentes. As professoras fazem
planejamento no momento em que as crianças estão nas aulas de Arte, Educação Física
e de Música. São três horas de elaboração dos planos de aula. Há a preocupação de dei-
xar claro o que vai fazer e como será feito.
Transcrevemos um dos planos
31
criados pela professora de Cidadania para discutir
a discriminação.
Objetivo da aula - Fazer a criança perceber que a discriminação do outro
maltrata e exclui.
31
O plano foi transcrito do caderno de planejamento de aula da professora Jamile Garcia HADID.
102
Conteúdo da aula Discriminação.
Metodologia - Ler a história do patinho “feio” (dar maior ênfase na parte
que o patinho foi embora porque ninguém o reconheceu como par). Fazer
uma roda e questionar as crianças se foi legal os patinhos e os outros bi-
chos maltratarem o patinho diferente (o patinho “feio”) só porque ele era
diferente. Explicar que os bichos, as plantas e as pessoas são diferentes e
devem ser respeitados na sua diversidade. Salientar que a discriminação
é ruim porque machuca e maltrata as pessoas. Ouvir o que as crianças
têm a dizer sobre o assunto.
Atividades - Depois da conversa, expor na roda fotografias de pessoas
idosas, gordas, magras, brancas, índias, negras, asiáticas etc. Salientar e
discutir as diferenças, as igualdades entre elas, fazendo com que as cri-
anças percebam que as diferenças identificadas não tornam homens e
mulheres inferiores e nem superiores uns aos outros. É importante ressal-
tar para elas que as pessoas devem viver em paz com suas diferenças. A
diversidade é importante porque garante a riqueza das espécies. Como
seria o mundo se as coisas fossem todas iguais? Já pensou se você o-
lhasse para as flores e elas fossem somente dálias? E se olhássemos [pa-
ra] os colegas e eles tivessem a mesma cor, formato de olhos, altura e
peso? Como seria o mundo sem o colorido, sem as diferenças e diversi-
dades? Ressaltar que chamar a pessoa gordinha de “gorda baleia, saco
de areia” ofende e fere, como aconteceu com o patinho diferente, que era
chamado de feio da estória. Perguntar para alunos e alunas se eles lem-
bram como a patinho se sentiu, ou mesmo o que ocorre com as pessoas
que são discriminadas como ele foi.
Dramatizar a história do patinho “feio”.
Pedir para as crianças recortarem figuras de pessoas, plantas e animais
diversificados para fazer um cartaz sobre a diversidade. Escrever no car-
taz frases que valorizem a diversidade humana.
Fazer novamente a dramatização, mudando o nome da estória para o “pa-
tinho belo”, de forma que tudo fique ao contrário. O “patinho feio” torna-se
“patinho bonito”, valorizando a sua diferença, e recebendo cuidados e o
carinho dos outros bichos.
Propor para as crianças desenharem o patinho e os outros animais ami-
gos, sem discriminar uns aos outros.
Apresentar para as turmas menores o teatro sobre o patinho “feio” às a-
vessas.
Avaliação - Observar a reação das crianças em relação às aulas propo s-
tas. Se for necessário deve-se planejar outras atividades sobre o assunto.
103
O conteúdo acima foi elaborado para as turmas de 5 a 7 anos. Numa dessas tur-
mas as crianças chamavam um aluno de “gordo baleia, saco de areia”. Ele chorava senti-
damente! Passou a não querer ir mais à escola. Esse aluno era uma criança alegre, co n-
versava, levava violão para a escola e cantava com a sua turma. Era carinhoso com todos
e todas. Mas, quando lhe faziam esse tipo de desrespeito, ele ficava atordoado. Não pa-
rava de chorar e deixava as professoras em pânico. Nessa turma a professora desenvol-
veu variadas aulas que enfatizavam o respeito às diferenças entre as pessoas.
As aulas foram elaboradas para trabalhar uma especificidade. Era preciso sensibi-
lizar as crianças sobre o problema. Porém, isso não impediria que a abordagem fosse
mais ampla porque há outros processos de discriminação em nossa sociedade que mere-
cem estudos aprofundados. Surge, muitas vezes, uma crise quando afirmamos que as
crianças pequenas podem participar de estudos mais aprofundados da realidade. Mas,
“por outro lado, não há outro mundo, a interação é o terreno em que a criança se desen-
volve. As crianças participam das relações sociais, e este não é exclusivamente um pro-
cesso psicológico, mas social, cultural, histórico” (KUHLMANN, 2003, p. 56-57). As rela-
ções sociais fazem parte da vida da criança. Ela não vive num outro mundo. A sua auto-
nomia, a identidade, o desenvolvimento pessoal e social são adquiridos juntamente com o
conhecimento do mundo e com a ampliação de seu universo cultural.
Observamos que a professora de Cidadania tinha mais instrumentos para planejar
e lecionar as aulas. “Jamile era um furacão!”, exclamavam as colegas professoras. As
atividades eram bem dinâmicas, ricas e diversificadas. Ela se dedicava somente às aulas,
tem boa formação, é habilitada em Pedagogia, Filosofia, especializada em Didática e Psi-
copedagogia, além de dispor de tempo para maior planejamento. Jamile podia percorrer a
cidade para arrumar recursos e materiais importantes para as aulas. Sua criatividade era
imensa. A docente se vestia de palhaço, se pintava, criava materiais, encenava e esgota-
va todas as possibilidades para alcançar os objetivos das aulas. Ela conta que em algu-
mas salas teve de trabalhar muitas vezes o mesmo assunto. Houve um caso em que utili-
zou muitas dinâmicas e não via mudanças na turma. Tentou, até esgotar as possibilida-
des. Demorou para as crianças darem as primeiras respostas de independência. O conte-
údo era autonomia. “Tinha que atender à necessidade daquela turma”, disse a professora.
104
Com a ajuda da Jamile, a prática e a experiência das aulas, mesmo que ainda se-
jam incipientes, vão aos poucos apontando saídas para as professoras melhorarem os
projetos de ensino de ética, que exigem delas dedicação. As educadoras pensam e re-
pensam estratégias para as aulas. Procuram meios para abordar determinados assuntos
sem que passem ou ditem valores aprendidos como certos na trajetória de suas vidas.
Para que a aula não tenha cunho moralista, é necessário, de um lado, saber o que se a-
borda e, do outro, pensar o que vai ser ensinado às crianças.
O conflito, o medo de questionar mal e tomar atitude errada - o que se deve fazer e
como deve ser feito - são preocupações constantes no cotidiano das professoras. Todas
elas demonstraram certa insegurança nesse sentido. Embora haja esse obstáculo, as e-
ducadoras do Zedu estão todas envolvidas no trabalho. Sexta-feira, por exemplo, é dia de
as crianças levarem brinquedos de casa para o CEI, para trocar, emprestar e dividir com
os colegas.
3.3. PRÁTICA PEDAGÓGICA
Uma das coisas que chamou nossa atenção é a organização da equipe de profes-
soras para dar as aulas de ética. Depois que as docentes planejam, começam a arreca-
dação ou elaboração de materiais para o trabalho com os e as estudantes. Como em ca-
da sala de aula há no mínimo duas professoras com mais tempo para planejar, essa atri-
buição fica mais tranqüila. Enquanto uma fica com as crianças, a outra pode melhorar os
recursos que serão utilizados.
Nas sete salas em que observamos as atividades impressas, os fantoches, fanta-
sias, os livros das estórias que seriam contadas, as roupas dos teatros, enfim, o que iria
ser usado na aula, estavam bem preparados. Na maioria das vezes, à hora da aula, as
professoras se transformam, vestem fantasia de palhaço, de bruxa, de guri, princesa, can-
tam, dançam com bastante alegria. Quando não se fantasiam, levam para o ambiente es-
colar coisas atrativas aos pequenos e pequenas, como rosas coloridas, pintainhos, coe-
lhos, brinquedos diferentes do cotidiano, fazem passeios, recebem visitas etc.
105
As aulas começam e terminam com a roda. É o momento da sistematização quan-
do se iniciam e fecham-se as reflexões, as discussões, problematiza-se e interpreta o sig-
nificado dos valores morais.
Durante as reflexões, todas as hipóteses ou idéias apresentadas são ou-
vidas, compartilhadas e discutidas uma a uma. Sempre iniciamos nossas
aulas em roda (grifo nosso). São feitas as apresentações, discussões e
reflexões preliminares, nas quais as crianças expressam suas idéias, curi-
osidades, dúvidas e sentimentos a respeito do conteúdo a ser trabalhado.
Nas aulas garantimos o estabelecimento de vínculos do assunto abordado
com as situações vivenciadas pelas crianças no cotidiano, dando-lhes o-
portunidade de registrar suas idéias através do desenho, escrita e drama-
tização.
Possibilitamos aulas prazerosas utilizando estratégias diferenciadas, co-
mo leitura de histórias infantis, realização de dinâmicas, peças teatrais
com fantoches ou pessoas, com cenários variados, visualização de filmes
educativos, documentários, dramatizações, aulas-passeio, brincadeiras e
entrevistas, fazendo uso de variados recursos didáticos.
Por ser uma aula bastante interativa, em que a participação de cada um é
incentivada e valorizada, com metodologias diferenciadas, desperta certa
curiosidade por parte das crianças que esperam ansiosamente pela pró-
xima aula.
32
É visível a interação entre professoras, alunos e alunas. Há riqueza metodológica.
A criatividade chama a atenção. As docentes trabalham de forma que as crianças se sin-
tam muito à vontade.
Oportuno relatar, nesse sentido, uma das aulas com crianças de 4 anos de idade.
As professoras levaram para a sala de aula uma caixa-surpresa
33
cheia de brinquedos
(rodos, bonecas, máquina de lavar roupa, vassouras, fogões, panelinhas, carrinhos, bolas
etc.) e pediram para as crianças adivinharem o que havia dentro. Após o momento da a-
divinhação, a professora tirou da caixa, primeiro uma boneca negra e disse. “Quem gosta
de brincar com bonecas?” A maioria respondeu que gostava. Um aluno, o Fedro
34
afir-
32
Professora Jamile Garcia HADID. Entrevista, 25 fev. 2005.
33
Nas salas de aulas da educação infantil há sempre uma caixa, do tipo “xerox”, com tampa, encapada,
colorida, para fazer a hora da surpresa. As crianças e as professoras esporadicamente levam surpresa
para a turma e pedem que o grupo adivinhe o conteúdo: brinquedo, bombons, pirulito etc.
34
Os nomes de registro das crianças foram preservados, substituídos pelos seguintes nomes fictícios:
Fedro, Eros, Atena, Flora e Inajá.
106
mou: Eu não brinco de boneca. Só gosto de brincar com carrinhos.” Uma das professo-
ras quis saber por quê. Ele respondeu: “Boneca é de mulher e carrinho é de guri.” A pro-
fessora perguntou para as crianças o que elas achavam da fala do colega. Alguns guris
disseram que brincavam com bonecas e outros não. A professora continuou a indagação
de forma bem provocativa: “O que acontece se os guris brincarem com bonecas e as gu-
rias com carrinhos?” “Nada!”, alguns responderam. Mas, o mesmo aluno falou: “Se guri
brincar com bonecas vira guria. “É mesmo?”, indagaram mais dois colegas. As professo-
ras lançaram novamente a pergunta para a turma. “Será, gente, se mulher brincar com
carrinho vira guri e homem brincar com boneca vira guria?” A maioria afirmou que não.
Mas Fedro continuou insistindo. “Vira sim! É claro que vira! Eu não brinco!”
As professoras pediram para o Eros, um dos guris que disseram que brincava de
boneca, segurar a boneca como se a estivesse ninando. Ele pegou a boneca e a colocou
no seu colo. Todos cantaram uma canção de ninar para ele fazer a boneca “dormir”. De-
pois da canção, as professoras perguntaram para as crianças: “E daí? Vocês acham que
o Eros virou menina depois que brincou com a boneca?” Todos e todas responderam:
“Não, ele não virou guria!”
As professoras continuaram a aula tirando da caixa um carrinho e perguntou quem
brincava de carrinho. Todos e todas responderam que sim. Então a professora passou o
brinquedo para a turma que estava na roda e todas as crianças o manipularam. “O carri-
nho é para quem brincar?”, perguntou uma das professoras, vendo que não houve conflito
entre as meninas. As crianças responderam: “Para guris e gurias!” As professoras conti-
nuaram pegando os outros brinquedos, mostrando-os para as crianças e fazendo as
mesmas indagações que as docentes fizeram sobre bonecas.
Após as crianças terem manipulado todos os brinquedos que estavam na caixa-
surpresa, as professoras perguntaram como era em casa, se os pais ajudavam nos afaze-
res domésticos. A maioria disse que não. As professoras escutaram as falas das crianças
e discutiram com elas a importância de sempre dividir as tarefas, porque, se os pais não
ajudarem as mães, elas ficam cansadas e não seria justo para com a mulher. Uma meni-
na, a Atena, falou: “Prô, meu pai quando chega a casa fica deitado assistindo à televisão
107
e minha mãe fica trabalhando. Meu pai é preguiçoso mesmo!” As professoras, de novo,
indagaram o grupo: “O que vocês acham dessa atitude?”
A discussão foi proveitosa. As crianças e as professoras deram exemplos de ho-
mens que não são tão machistas e contribuem para que a sociedade seja menos patriar-
cal. A Flora, por exemplo, disse que o pai dá banho nela, cozinha e arruma seus cabelos.
Uma das professoras contou que o marido colabora em casa. A troca teve uma imensa
riqueza.
No final da aula as professoras deixaram as crianças manipular os brinquedos. As
crianças ficaram alvoroçadas com tantas novidades. Mas observamos que o Fedro conti-
nuou sem ser convencido. Em nenhum momento ele tocou nas bonecas ou em outro
brinquedo convencionalmente dito de meninas. Mas as professoras não insistiram porque
esse conteúdo seria trabalhado em outras aulas ao longo do ano.
A finalização da aula se deu com uma nova roda. As professoras retomaram com
as crianças a principal discussão. As crianças concluíram a aula com a seguinte afirma-
ção: “Hoje aprendemos que menina e menino podem brincar com bonecas.”
Observamos que o conflito maior, em relação às bonecas, foi dos meninos. As me-
ninas não verbalizaram nada em relação aos carrinhos, tratores e bolas. Mas nas brinca-
deiras elas sempre preferiam as bonecas. As professoras conversaram com os pais e as
mães das crianças sobre o trabalho que estavam desenvolvendo e descobriram que o pai
do Fedro, que tem um filho pequeno portador de necessidade especial, cozinha, lava e
limpa a casa para a esposa cuidar do bebê. Esse pai é motorista de uma das secretarias
do Estado de Mato Grosso do Sul.
À época da pesquisa, iniciada no segundo semestre de 2004, o pai Eros não parti-
cipava das tarefas domésticas. O trabalho doméstico ficava por conta de sua esposa que
trabalhava na mesma secretaria com ele, com a mesma carga horária. Esse pai é veteri-
nário, com doutorado na França. A solidariedade estabelecida no trabalho doméstico, no
caso dos pais de Fedro, e, ao contrário, a falta de partilha do trabalho doméstico na famí-
lia de Eros mostraram que o assimilado pelos dois alunos não era produto das relações
especificamente de casa, mas sim de todo o processo de construção social.
108
A aula que resultou nessa análise foi realizada em setembro de 2004. Depois disso
as professoras continuaram planejando os conteúdos sobre gênero e somente no final do
ano, em dezembro, Fedro pegou pela primeira vez uma boneca para brincar. As profes-
soras continuaram discutindo, criando outras dinâmicas de aula, interferindo nas brinca-
deiras e propiciando ambiente para que alunos e alunas pudessem dividir as mesmas ta-
refas.
Observamos que as professoras ficaram ansiosas e inseguras em relação à atitude
de Fedro. Ele insistiu contundentemente que menino não podia brincar com boneca e isso
acabou deixando as professoras sem muita ação. Foi por meio das discussões que elas
se acalmaram e tiveram paciência para desenvolver outras metodologias.
As professoras esbarram na inexperiência, na falta de compreensão histórica da
realidade e de estudos mais elaborados. A formação política precária interfere no traba-
lho. Compreender as problemáticas postas nas relações de gênero na nossa sociedade
requer mais estudos. São entendimentos que podem ser adicionados à leitura e releitura
da sociedade, do mundo. Como argumenta a professora Olinda Maria Noronha (2002, p.
97), “é do reconhecimento da totalidade como sendo expressão mesma da realidade
complexa que deriva a possibilidade do conhecimento da realidade”. Essa análise leva
em consideração “[...] o campo da compreensão das ‘diferenças’, das multiculturas, do
diverso [e] das subjetividades individuais [...]” (p. 97). Dessa forma, conclui-se que é
(...) o conhecimento da totalidade que permite à parte reconhecer -se; é
em sua relação com o que é universal que as diferenças culturais supe-
ram seu caráter secundário; é no coletivo que se realizam as subjetivida-
des. Não reconhecer esta dialeticidade é servir ao jogo da acumulação
flexível, que, ao conferir pretensa autonomia aos sujeitos, decreta sua ex-
clusão e os culpabiliza por ela (KUENZER, 2000, p.149 apud NORONHA,
2002, p. 97-98).
As professoras, fora das aulas específicas de ética, retomam os conteúdos do te-
ma com alunos e alunas. Elas citam questões das aulas de ética e de cidadania para re-
lembrar as crianças das reflexões e discussões.
Em todos os momentos necessários, ensinamos as crianças a ser com-
panheiras, solidárias, respeitar as pessoas e ficar atentas às suas ações
em qualquer ambiente. Em dias fixados na nossa grade de horário, ga-
rantindo o trabalho com os conteúdos, os quais permitam reflexão sobre
109
os nossos valores, ampliamos nosso senso de responsabilidade, toman-
do aos poucos consciência de nossas ações, aprendendo a ter discerni-
mento e agir eticamente, fazendo boas escolhas, tanto individual como
coletivamente.
35
Quando uma criança agredia a outra, ouvíamos sempre as professoras falarem:
“Você está igual ao Pott do teatro? Será que você e o Pott estão agindo bem, batendo no
colega? Vamos lembrar o que aconteceu com o Pott Pott?” A história do urso Pott Pott foi
contada na aula de ética e depois dramatizada. O urso batia nos colegas e nas colegas e
acabou ficando sem amigos e amigas. Mas depois se revê e procura os colegas para
conversar. Eles o perdoam e se tornam amigos dele novamente. Essa forma de trabalhar
atitudes, que as professoras denominam de valores positivos, despertou atenção das cri-
anças que pedem para as docentes contarem novamente a história do Pott Pott. As edu-
cadoras contam e solicitam que as crianças pensem sobre seus atos. “Será que estamos
agindo certo quando maltratamos alguém?”
Segundo as educadoras do CEI, as intervenções buscam propiciar trabalho voltado
à construção da autonomia, reflexão sobre os valores e normas, construção ou recons-
trução de determinados comportamentos, pensamentos, expressões e outras mentalida-
des. Na prática educativa persiste o desenvolvimento de uma metodologia por meio da
qual todos os educandos e as educandas tenham oportunidade de participar, questionar,
expressar suas idéias, sentimentos, sugerir possíveis caminhos e soluções diante dos
problemas e/ou vivências apresentados no grupo.
Para as crianças pequenas é necessário usar recursos fantasiosos. O teatro é va-
lioso instrumento educacional e é indiscutível o caráter pedagógico da arte teatral. Porém
devemos tomar cuidado para não ensinar ética como uma transmissão de noções do bem
e do mal. Não deixar que nossos princípios e atitudes sejam instrumentos para modelar
a criança. Sermos modelos pressupõe-se que os alunos e as alunas não são sujeitos his-
tóricos capazes de transformar a realidade. Se somos modelo, para que ensinar ética? As
ações das professoras e dos professores seriam suficientes para orientar as “boas” atitu-
35
Professoras Danúbia Basame MELGAREJO e Jane Regina Soares BOIARENCO. Entrevistas, 25 fev.
2005.
110
des das crianças. Quem somos nós para ser modelo de alguém? Esse tipo de pensamen-
to é moralista e autoritário. Ensinar ética não é ensinar uma moral. Isso já discutimos no
capítulo 2.
A direção do CEI Zedu está preocupada em criar situações que levem a críticas,
reflexões e exijam que as crianças projetem isso na sua prática. Ética e valores fazem
parte do projeto pedagógico do Zedu. “[...] Cabe à escola a tarefa (que não é exclusiva
dela, nem é exclusiva de um ou outro professor) de lidar com esses temas de maneira
exemplar como prática coletiva”, explica o professor e filósofo Mário Sérgio Cortella
(CORTELLA; LA TAILLE, 2005, p. 106). Seguindo essa idéia, a escola inquieta-se e in-
quieta os outros com relação ao consumismo, cinismo, atalhamento do processo de vida,
ao desrespeito e assim por diante. A instituição escolar lida com as virtudes e com as for-
ças intrínsecas que emanam dignidade.
Encontramos contradições no CEI Zedu. Um grupo de professoras, juntamente
com as coordenadoras, tem a preocupação de não reproduzir valores tidos como certos,
estereotipados, doutrinários, prontos, acabados, que não levam à autonomia, à visão
crítica e não trazem mudanças de atitudes das crianças e muito menos ajudam a cons-
truir nova sociedade. Sabem que
todo mestre deve ensinar mais do que o simplesmente já dado anteri-
ormente; deve ensinar de maneira crítica o modo como isso foi alcan-
çado; não transmite o tradicional como tradicional, mas revive as condi-
ções que o tornaram possível como novo, como único, como criação
(DUSSEL, 1977b, p. 133).
Mas no dia-a-dia algumas professoras ensinam ética numa perspectiva doutriná-
ria e às vezes até moralista, o que nos leva a constatar que no grupo há pessoas com
níveis diferenciados de compreensão sobre o ensino de ética, mesmo com o esforço
das coordenadoras e de outras docentes, que, antes de trabalhar qualquer conteúdo ou
planejar suas aulas, cuidam para não reforçar valores arbitrários. Esse procedimento
ocorre por meio de consulta a colegas ou na reunião de estudo do grupo. Há cuidado
das coordenadoras em fomentar as discussões, incentivar os estudos e proporcionar
capacitações. Mesmo assim não são todas que conseguem desenvolver boa criticidade
111
com alunos e alunas do CEI. Falta compromisso maior de algumas colegas!”, recla-
mam algumas professoras.
As professoras nos relataram que, quando se deparam com situações que não
sabem como resolver, tomam atitude discutindo com as coordenadoras e com as cole-
gas. Em diálogo conosco uma professora contou um fato que ilustra bem uma decisão
encontrada quando não se sabe resolver um problema que preocupa.
Todos os dias o menino riscava a parede. Todos os dias eu falava com o
guri que não devia sujar a parede da escola porque estraga, fica suja e o
ambiente é de todos etc, etc, etc. Nada resolvia! Um dia eu fiquei injuriada
e falei para ele: “Eu já lhe falei que não pode fazer isso e você continua
fazendo. Sabe de uma coisa?! Vá lá na lavanderia e peça à zeladora Nei-
de um pano, um balde e uma bucha.” O menino foi e pegou o que eu tinha
mandado. Pus água no balde, peguei sabão e ordenei que ele limpasse
os riscos que ele tinha feito. Ele limpou. E a partir daí nunca mais sujou a
parede. Fiz a roda, discuti o problema com as crianças. Expliquei-lhes o
porquê da minha decisão. Falei para as crianças que o balde ficaria na
sala e, se alguém sujasse, iria, também, limpar.
A professora ficou em dúvida se tinha agido certo. Consultou suas colegas. Elas
não aprovaram sua atitude. Segundo as companheiras, ela tinha humilhado e exposto o
aluno. A professora se sentia culpada. Quando nos viu nos consultou. Esclarecemos que
ela usou uma sanção por reciprocidade.
Com esse caso, podemos perceber duas questões. Primeiro que essa professora
agiu pelo seu bom senso. E acertou na sua atitude. Em segundo, faltou a ela e às colegas
maior estudo de como as crianças constroem as regras. Não dominar a teoria faz com
que as professoras se sintam inseguras no ensino de ética. Surgem daí as dificuldades de
operacionalizar, não evitando, evidentemente, frustrações, dúvidas e desmotivações.
Questionada sobre as dificuldades, uma das professoras afirmou:
Acredito que há falta de leitura que fundamente o trabalho consciente,
pois muitos professores e professoras já trabalham a ética no seu dia-a-
dia, mas não saem do senso comum, não se questionam, não fazem uma
reflexão maior. É preciso trabalho constante, sempre retomado. Às vezes
fica cansativo, desgastante. Acabamos ficando sem muitas estratégias e,
quando buscamos compartilhar com os colegas, eles estão mais perdidos,
porque nem buscam a leitura para sair do senso comum.
112
Sim, a equipe precisa melhorar teoricamente. O estudo pode ser intensificado. Boa
parte do grupo tem consciência de sua deficiência. É com essa finalidade que as profes-
soras e coordenadoras encontram-se durante a semana para aprimoramento teórico e
pedagógico. O ensino de ética é novo para as professoras, que têm consciência dos seus
inacabamentos. Sabem que devem dominar mais o assunto. “Na verdade, o inacabamen-
to do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamen-
to. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente” (FREIRE,
2005, p. 50). O grupo tem coragem e vontade de trabalhar um assunto difícil, com pouco
material para se embasar e não há outras experiências para trocar.
Devemos nos atentar, cuidar, porque acreditar que se trabalha ética pela imposi-
ção de valores, deixar à livre escolha, num relativismo moral, no qual tudo é apenas que s-
tão de opinião, portanto, tudo é válido, cada um fazendo a seu modo, é um erro. Primeiro
porque ética, pela sua virtude filosófica, nunca foi e nem poderá ser imposição de valores
morais. Ensinar ética de forma não sistematizada não garante que o conjunto da escola
compactue da mesma linguagem e acaba deixando que cada professor e/ou professora
desenvolva segundo sua concepção. Sendo assim, não há estudo sobre o assunto. O
grupo não consegue tirar suas dúvidas. As defasagens teóricas vão se acumulando e as
orientações são precárias.
Sabemos que no Brasil a maioria das universidades não se preocupa com a for-
mação direcionada à ética. Saímos da univers idade com pouco ou quase nada de enten-
dimento de filosofia moral. Uma professora ou um professor precisam se aprimorar regu-
larmente. Devem ter cuidado, dar constante manutenção a seu pedagógico.
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres
se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando,
reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me
indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo edu-
co e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e co-
municar ou anunciar a novidade (FREIRE, 2005, p. 29).
Professor e professora que ensinam ética devem estar atentos aos estudos. Discu-
tir com o grupo e procurar soluções coletivas possibilitam que as aulas sejam boas.
113
O corpo docente do CEI Zedu vai aos poucos chegando a uma sistematização
mais elaborada sobre o ensino de ética. Existe sistematização em relação ao trabalho,
que não fica a cargo de uma professora, mas sim do grupo. Há na equipe algo que con-
sideramos essencial no trabalho de grupo. As pessoas não são individualistas, relativistas
e nem é acidental o ensino de valores e de ética.
A maioria das regras no CEI surge por meio de combinados
36
. Eles são elaborados
e discutidos no início do semestre. Na roda as professoras propõem para as crianças a
construção das regras. “O que devemos fazer para que o nosso trabalho dê certo? Como
devemos agir no parque, no refeitório, na sala de aula, na hora do descanso?” As crian-
ças se posicionam e as professoras anotam suas falas e depois colocam as sugestões
num cartaz para serem lidas e relembradas diariamente. As regras levantadas são discu-
tidas. Por exemplo, uma das regras dita na sala do infantil III: “Usar o banheiro um de
cada vez.” As professoras imediatamente questionaram: “Por que não podem ir várias
pessoas ao banheiro juntas?” As respostas foram também anotadas.
No cotidiano vão surgindo novas regras e o grupo da sala acrescenta no cartaz, ou
como dizem, nos combinados. Quando as regras são desrespeitadas, a turma debate na
roda e encaminha soluções para o caso. Às vezes as crianças são ”cruéis” e dizem coisas
do tipo “quem não obedecer vai ficar de joelhos atrás da porta”. Como essa é uma atitude
que não pode ser executada e nem aceita, as professoras intervêm contrariamente.
Essa regra “coloca a criança no ridículo, expõe a criança. Não trabalhamos dessa
forma. Temos de colocar a criança para refletir suas atitudes e não maltratá-la”, observa a
professora do CEI Zedu, Maria da Glória Campeiro Silva. As professoras explicam para
as crianças que antigamente usava-se esse castigo, mas hoje sabemos que não é a me-
lhor forma. Existem outros meios de sanção que levam a pensar sobre os atos. Afastar a
criança da brincadeira quando ela não está respeitando os combinados seria, por exem-
plo, uma idéia melhor. Entretanto, tal atitude só poderia ser tomada se já tivessem con-
36
Os combinados geralmente são utilizados na educação infantil como conjunto de regras necessárias à
convivência de todos na escola. Mas cada escola os elaboram de uma forma. Às vezes eles são escritos
num cartaz pelas professoras e ditados para as crianças seguirem. Nesse caso não seriam combinados;
seriam um jeito de impor regras às crianças.
114
versado várias vezes com as crianças sobre a sua ação desrespeitosa, após ter explicado
para elas por que não deveriam agir daquele modo.
Há certas regras que são indiscutíveis porque, se violadas, colocam a vida em ris-
co, desrespeitam a vida e a dignidade da pessoa. Se não estabelecemos alguns princí-
pios e limites, caímos no relativismo moral. “Assim, as crianças apenas entram em conta-
to com adultos que lhes propõem incessantes discussões, sem nunca colocarem o que é
certo e o que é errado” (LA TAILLE, 2002, p. 101).
Não nos custa insistir. As regras devem ser claras, transparentes e discutidas in-
cessantemente pelo grupo. Colocar limites e conversar sobre elas, clarear o permitido e o
proibido não é autoritarismo e muito menos permissividade ou relativismo moral; é traba-
lhar valores dentro da responsabilidade e da autonomia. “Em resumo, essa associação
entre limites e justificativas racionais prepara a conquista da autonomia, que pressupõe
justamente uma apreensão racional dos valores e das regras” (LA TAILLE, 2002, p. 100).
Se o problema é de comportamento e não se consegue resolvê-lo com a turma, le-
va-se o caso à psicóloga, que chama mães e pais para que poss am tomar outras atitudes.
Houve caso de crianças precisarem de atendimento terapêutico. A psicóloga faz o enca-
minhamento para a terapeuta do convênio médico dos funcionários públicos do Estado de
Mato Grosso do Sul.
Trabalhar as regras num processo mais democrático tem dado certo porque as cri-
anças sentem necessidade de falar, se organizar, opinar e debater sobre esses procedi-
mentos. Uma mãe falou: “Professora, esse negócio de fazer os combinados foi ótimo.
Agora lá em casa, ou quando vamos sair, fazemos sempre os combinados e minha filha
se esforça bastante para cumpri-los e cobra de mim para que eu cumpra também. Agora
tudo tem que ter combinado.”
As educadoras do CEI Zedu traçaram esse caminho. Precisam estudar mais sobre
regras, valores, moral e ética. O rumo seguido é frutífero. Só falta redimensionar, aumen-
tar o tempo dos encontros para estudo e centrar mais os temas. Fazer leituras mais con-
sistentes e talvez planejar melhor o tempo.
As crianças são felizes na escola. São sábias, têm argumentos e críticas. As pro-
fessoras conversam bastante com alunos e alunas. Isso lhes possibilita crescimento. As
115
professoras aprendem com os estudantes e as estudantes. O CEI Zedu é verdadeiramen-
te uma escola onde se aprende, sofre, descobre, cria, se frustra e chora. Crescer tem cer-
tas exigências.
3.4. PROCESSOS E RESULTADOS
Os estudos promovidos pela direção e coordenação do CEI Zedu, mesmo que se-
jam ainda insuficientes, garantiram que as professoras tivessem o mínimo de fundamen-
tação teórica para trabalhar ética com as crianças. As leituras, as constantes capacita-
ções, as discussões, as palestras fizeram com que as educadoras enfrentassem as pri-
meiras aulas e dessem continuidade à proposta. As coordenadoras, por meio de leituras,
discussões, palestras e estudos mais sistematizados, vão munindo as professoras con-
forme as dificuldades e necessidades.
A garantia do sucesso da proposta é, em boa parte, devido à persistência do est u-
do coletivo. O convencimento de que era e é possível elaborar um currículo em que a éti-
ca tenha peso considerável no meio de tantos conhecimentos (linguagem, ciências natu-
rais, sociologia e matemática) levou o CEI e ter prática diferenciada.
As educadoras enfrentaram o novo ensino com garra e “se viraram para dar conta”.
O mais interessante é que esse dar-conta é feito com muito entusiasmo. Não funciona
como “mais um conteúdo que temos que dar”. Ao contrário, enfrenta-se esse desafio de
forma responsável, surgindo daí a preocupação de fazer bem feito, de persistência, tanto
das professoras como das crianças. Buscam-se variadas metodologias para que a criança
não seja gananciosa, desrespeitosa, injusta, tenha autonomia, crítica e, enfim, que reflita,
discuta, interprete os significados dos valores morais de nossa sociedade.
As professoras sabem que o trabalho com ética em sala de aula possibilita mu-
dança de postura, não no sentido de a criança “ser boazinha”, que faz tudo o que lhe de-
terminam, mas que a criança tenha o hábito de refletir, discutir, interpretar uma moral que
discrimina, exclui e não zela pela vida. As posturas podem ser repensadas. Cria-se espa-
ço para construção de nova lógica moral. Porque a ética, ao explicar a moral, influencia a
116
moral. As professoras almejam uma moral cujos valores sejam cuidar bem da vida em
comunidade. As educadoras dizem que alunos e alunas, quando questionados, são leva-
dos a repensar suas atitudes e buscar novos valores, o que nos tornam seres humanos
melhores.
As crianças, pós-introdução do trabalho de cidadania e ética, se propuseram a aju-
dar, dividir e compartilhar mais unas com as outras e cobram solidariedade dos amigos e
das amigas. As professoras relataram que há maior respeito mútuo entre crianças e pro-
fessoras. A autonomia das crianças perante as atividades aumentou a responsabilidade
pelos atos e opiniões. Os alunos e as alunas melhoraram seu conhecimento e têm mais
habilidade de crítica.
A todo momento percebemos alguma criança lembrando a outra coisas
que nós professoras temos trabalhado, como respeito à natureza, despe r-
dício de alimento ou água (exemplo, “coleguinha”, professora “fulana”, não
fechou a torneira) [e] respeito aos combinados de sala.
37
Várias pessoas do grupo relataram que o desenvolvimento do trabalho ajudou as
crianças a melhorar a auto-estima. O caso mais citado foi o da Inajá, uma criança com
ascendências indígena e negra. Inajá toda vez que saía de casa ficava horas e horas se
arrumando frente ao espelho. Depois de ter participado do projeto de raça, gênero e etnia,
um dia, junto com sua mãe, na hora de sair de casa, ela pegou suas coisas e foi saindo. A
mãe perguntou: “Ué, você não vai se arrumar?” A filha rapidamente respondeu: “Eu já sou
bonita de qualquer jeito! Não precisa eu ficar me arrumando tanto.” O trabalho com os
conteúdos de ética e valores, ao mesmo tempo em que a turma se conscientiza, faz com
que a criança se identifique, se goste e valorize sua própria identidade.
As crianças, mães e pais, em sua maioria, chegavam ao CEI pela manhã e não
cumprimentavam ninguém. As professoras elaboraram aulas sobre cortesia, respeito e
questionaram porque devemos cumprimentar, despedir, agradecer etc. As docentes afir-
maram que “as pessoas gostam de ser bem tratadas e, assim, o dia fica bom”. Essas re-
gras são consideradas pelas professoras como positivas e devem ser estimuladas nas
crianças.
37
Jane Regina Soares BOIARENCO. Entrevista, 25 fev. 2005.
117
Como o grupo do Zedu não trabalha somente com ética, nas aulas de cidadania
cabe abordagem sobre regras e valores. Desde que as regras sejam acordadas e con-
sensuadas pela comunidade, não vemos nenhum problema nessa atitude. Mas algumas
professoras não diferenciam moral de ética. No momento das aulas, essas docentes aca-
bam fazendo confusão entre ética e moral.
Percebemos essa confusão numa das falas das professoras. “Às vezes acontece
de trabalhar ética sem estar no planejamento. O momento pede intervenção. Quando
uma criança joga comida pelo refeitório, por exemplo, paramos, sentamos e refletimos
sobre a atitude inadequada. Valorizamos e incentivamos as atitudes positivas.” Explica-
mos anteriormente que não é papel da ética ensinar como a pessoa deve agir individu-
almente e muito menos transmitir certas noções particulares de bem e mal. A ética contri-
bui para que orientemos nossas ações, mas não dita o que devemos fazer a todo o mo-
mento, embora tenhamos o entendimento de que na sociedade há normas, regras, valo-
res e, tendo como base a ética, podemos refletir sobre eles, discuti-los, interpretá-los e
mudá-los.
No entanto estamos cientes que na educação infantil temos de trabalhar valores,
intervindo de forma prática na mudança de postura de educandos e educandas. Não se
pode, por exemplo, aceitar que as crianças deixem sobrar alimentos exageradamente e
nem esparramem comida pelo chão como vinham fazendo. As professoras precisavam
saber que, se colocar muita comida no prato das crianças, elas não conseguem comer
tudo. Quilos e mais quilos de alimentos seriam jogados no lixo. São valores acordados
pela comunidade e não pensados no plano individual.
Ainda nesse aspecto chamamos atenção para não cairmos numa dificuldade que
sempre aparece nos ensinos de ética, um mal-entendido de
[...] que o ensino de ética, para não cair num receituário, pode, justamen-
te, pender para um relativismo no qual qualquer ação imaginada possa
ser justificada.
Pressupor que cada um possa ensinar noções de bem e de mal a partir de
suas próprias experiências pessoais traz uma dificuldade paralisante: co-
mo ensinar as noções de bem e de mal considerando que estas noções
são contaminadas pelas experiências pessoais? [...] (SILVA, 2004, p. 55).
118
Essa é uma preocupação necessária porque a maioria das propostas de aula de é-
tica compartilha de que ética é ensinável a partir de uma ou outra razão e de conceitua-
ções pessoais, individuais, do que é bom ou ruim. Ou então de obter somente respostas
para a seguinte pergunta: como devo agir perante os outros? Há pessoas da equipe do
CEI que demonstram essa preocupação. No estágio atual do desenvolvimento do ensino
de ética no Zedu é complicado para todas as professoras terem essa noção bem definida.
Há no grupo vários níveis de entendimento. Existem educadoras que discutem o ensino
de ética com mais apropriação do que as outras.
O que deve ficar claro para o grupo é que os valores a serem estimulados são
aqueles que não reproduzem as práticas que maltratam e não levam dignidade à pe s-
soa. A ética não é puramente teórica; ela atua criticamente sobre a moralidade, aju-
dando pessoas na coletividade a traçarem outros caminhos. A moral, nesse sentido,
não pode deixar de ter pretensão de universalidade, cuja obrigação é de produzir, re-
produzir e desenvolver a vida.
A forma pela qual o CEI Zedu trabalha o ensino de ética, de acordo com as dificul-
dades vivenciadas na prática diária da escola e os conteúdos mais universais da realida-
de social (meio ambiente, fome, consumismo etc.) é importante. Desse modo, a criança
que está em formação compartilha de uma visão mais elaborada que lhe possibilita
compreensão da realidade e o desenvolvimento da consciência crítica, não ficando redu-
zida a uma ótica fragmentária do cotidiano, que fecha a pessoa em si mesma. Simulta-
neamente é necessário que a criança se lembre de práticas fundamentais em seu cotidia-
no. São as cobranças (“palavras mágicas”) de que pode resolver seus problemas sem
bater, morder, beliscar. Além dessas, há outras atitudes que devem ser relembradas às
crianças, tais como cuidados diários com a higiene do corpinho e do ambiente, saber
compartilhar com os outros, lidar com o egocentrismo próprio da infância, entre outros
comportamentos.
A escola é uma instituição que, pelo fato de ter como principal tarefa pro-
mover uma adequada apropriação do mundo pelos educandos, deve ser
capaz de deliberadamente apropriar-se de sua própria construção. Trata-
se de uma autocrítica e um antifetichismo radical que se impõem (CASA-
LI, 2001, p. 122-123).
119
Sob o ponto de vista da totalidade concreta, podemos elaborar uma metodologia
fundamental para compreensão da realidade. As educadoras e educadores da educação
infantil não podem deixar de trabalhar o conhecimento do mundo e da vida de forma con-
testadora e crítica. Portanto,
[...] a educação simplesmente não tem como ignorar, muito menos evitar,
as determinações universais decorrentes da totalidade de relações huma-
nas. Ao mesmo tempo, é função da educação também repensar critica-
mente seu próprio padrão cultural, as formas de produção dos indivíduos
e as formas das determinações macroestruturais da economia, da política
e da cultura mundiais. (CASALI, 2001, p. 122).
Relembramos que educação ética, comprometida com a universalidade e a moral,
enquanto fenômeno particular, atua no “desenvolvimento das potencialidades dos edu-
candos, cada um em sua irredutível singularidade, em tensão dialética com as potenciali-
dades coletivas de seu grupo (parcialidades) e de toda a humanidade (universalidade)”
(CASALI, 2001, p. 122). Indo a essa direção, a práxis pedagógica exige o máximo de cui-
dado e zelo.
Por pedagógica, entende Dussel a proximidade pai-filhos, mestre-
discípulo, onde (sic!) convergem a erótica e a política porque é através
da relação pai-filho, mãe-filho, que se colocará (sic!) as bases das rela-
ções irmão-irmão e homem-mulher (erótica).
A criança que cresce num lar é educada para fazer parte da comunidade
política. E a criança que nasce numa cultura cresce para formar um lar.
A pedagógica se ocupa não só da criança, do filho, do discípulo, mas
também da juventude e do povo na escola. Desde que o homem é ho-
mem, existe já esta vivência fundamental que é a de se transmitir das
gerações adultas às jovens, a cultura acumulada, através de sistemas
pedagógicos, que vão desde os mais simples até aos mais complexos
de hoje (REGINA, 1992, p. 106).
Continua o filósofo Jesus Eurico Miranda Regina:
A veracidade anti-ideológica (sic!) é a atitude fundamental pedagógica on-
de (sic!) se descobrem os enganos do sistema e da negação ou destrui-
ção daquilo que tal sistema introjetou no povo, para que se possa realizar
a construção afirmativa da exterioridade cultural (1992, p. 109).
120
A pedagogia não pode “matar” as crianças (os filhos) pela alienação e pela repres-
são cultural, como nos alertou o filósofo Enrique Dussel no capítulo 1 desta dissertação.
Nunca podemos nos esquecer de que na pedagogia deve constar a obrigação de produ-
zir, reproduzir e desenvolver a vida concreta de cada sujeito ético em comunidade. Esse é
o sentido da ética, que também faz parte de uma pedagogia que educa, zela e cuida de
gente.
Outro que a equipe do CEI Zedu percebeu, mas ainda não conseguiu desatar,
é a incongruência entre escola e família. A forma de trabalhar valores está sempre diver-
gindo. Num caso de briga entre crianças, que um bate no outro, os envolvidos foram in-
centivados a tentar resolver o conflito com intervenção da professora. No final, aquele
que bateu pediu desculpas para o agredido e prometeu que não ia mais fazer aquilo. O
amigo aceitou o pedido de desculpas e foram brincar juntos. Chegando a casa, a criança
que apanhou contou para a mãe. A mãe mandou que, no dia seguinte, revidasse, batendo
também no colega, ordenando que o filho não poderia ficar perto ou brincar com o garoto
que o agrediu.
É comum esse tipo de orientação da família. A criança chega a casa arranhada,
mordida. Mães e pais ficam furiosos. E no seu ímpio de raiva entrevêem com a razão do
toma--- ou adotam sempre a Lei de Gerson. O filho ou a filha deve levar vantagem
sempre.
Falta ao CEI, nesse específico, criar, nas reuniões com mães e pais, situações que
esclareçam sobre como a equipe trabalha conteúdos de ensino, organizar oficinas, deba-
tes e palestras com as famílias que propiciem entendimento do trabalho e estabeleçam
diálogo franco entre educadoras, mães e pais, acreditando, viabilizando e defendendo
duas idéias fortes defendidas pela pesquisadora Fúlvia Rosemberg:
a busca na educação infantil (e não apenas por meio da ou pela edu-
cação) de igualdade de oportunidades para as crianças; isto é, espe-
ra-se, deseja-se, luta-se para que a EI não produza ou reforce desi-
gualdades (econômicas, raciais, de gênero);
a adoção uma concepção ampla de educação, aberta, indo além dos
modelos que aqui conhecemos, de educação escolar; isto é, uma con-
cepção de educação em acordo com a nova maneira de olhar a crian-
ça pequena que se está construindo no Brasil, como ser ativo, compe-
121
tente, agente, produtor de cultura, pleno de possibilidades atuais, e
não apenas futuras (2005, p. 77).
Podemos convencer a família de que a educação infantil é comprometida com a
criança, porque pais e mães só passam a confiar na escola à medida que a escola pe r-
ceba que o cuidado, a atenção e o acolhimento estão impreterivelmente presentes nos
seus objetivos educacionais. A família só fica tranqüila se entende que educar pressupõe
cuidado. Ora, como pode educar sem cuidar? Se educamos estamos cuidando, zelando
e também protegendo.
Ouso dizer que só uma sociedade que teve escravos poderia imaginar
que as tarefas ligadas ao corpo e a atividades básicas para a conservação
da vida - alimentação, higiene seriam feitas por pessoas diferentes da-
quelas que lidam com a cognição! Só uma sociedade que teve escravos
expressão máxima da desigualdade -, que teve seu espaço social dividido
entre a casa-grande e a senzala, poderia separar essas duas instâncias
da educação e entender que cuidar se refere apenas à higiene, e não ao
processo integrado, envolvendo a saúde, os afetos e valores morais
(KRAMER, 2003, p. 78).
Já que no CEI Zedu as dificuldades são resolvidas no grupo, os problemas são
levados às reuniões. Ali buscam -se as soluções. Cabe pôr em pauta o que gera crise
entre família e escola. Aprofundar nisso é enfrentar um problema que aflige há tempo as
educadoras e certamente pais e mães.
A troca é essencialmente importante para o grupo. Mas algumas educadoras a-
cham que o obstáculo maior é quando não se enxerga que há problemas para resolver.
No grupo umas lêem, pesquisam, estudam mais do que outras e têm visão mais amplia-
da. As docentes que estudam mais ficam meio indignadas com algumas posturas, com
alguns deslizes cometidos pelas colegas. Elas observam a linguagem do senso comum
das outras e se frustram com isso.
Mas é preciso que, no nosso entendimento, quem consegue ter uma visão mais
ampliada de mundo e de trabalho, seja capaz de ter paciência histórica com as outras e
fomentar subsídio para que o grupo sempre melhore. Não devemos nos irritar com a outra
colega porque achamos que sua compreensão é ingênua e às vezes precária.
122
Nas minhas relações com os outros, que não fizeram necessariamente as
mesmas opções que fiz, no nível da política, da ética, da estética, da pe-
dagogia, nem posso partir de que devo “conquistá-los”, não importa a que
custo, nem tampouco temo que pretendam “conquistar-me”. É no respeito
às diferenças entre mim e eles ou elas, na coerência entre o que faço e o
que digo, que me encontro com eles ou com elas (FREIRE, 2005, p. 135).
A antiga professora de Cidadania do CEI Zedu, Jamile Garcia Hadid, alerta para
essa compreensão. Segundo ela, no decorrer de nossa trajetória de vida e na academia
não somos incentivados e estimulados a pensar, refletir ou questionar sobre as coisas.
Somos apenas receptoras e receptores. Diante dessa realidade, para desenvolvermos
trabalho realmente voltado ao pensamento e à reflexão constante em nossa prática diária,
exige-se de nós, educadores e educadoras, efetiva mudança de postura. Esse exercício
deve ser desenvolvido a cada dia. Tal procedimento não é fácil. Sabemos que para ocor-
rer mudança demanda certo tempo.
As desconstruções e construções exigem tempo e espera. Devemos acolher as co-
legas com suas histórias e, a partir disso, elaborar projetos de aprimoramento juntas (os),
mesmo que o outro e a outra estejam em diferente estágio de conhecimento. Ninguém
sabe tudo, como também ninguém não sabe nada. O que temos são conhecimentos dife-
renciados. Quando o projeto é do grupo, o que sabemos deve ser compartilhado e o que
não sabemos deve ser assimilado coletivamente.
A inexperiência das professoras em relação ao ensino da ética prejudica um pouco
o trabalho. Mas é normal e aceitável. Lidam com uma área nova. Não encontram referên-
cias e nem materiais didáticos específicos para desenvolver suas aulas. Dar aula de ética
para criança não é fácil. Porém não é impossível. As professoras disseram que estão se
enriquecendo com a experiência. Como disse a coordenadora Ana Paula Náglis, “o traba-
lho vai melhorando a cada ano. Este ano (2005) está bem melhor do que o ano passado e
no ano que vem será melhor ainda”.
Sim, a cada dia as visões vão melhorando porque há empenho em qualificar o en-
sino de ética no CEI. As construções são feitas pelas necessidades de mudança. Nas a-
valiações do grupo essas necessidades sempre aparecem. Pensam-se estratégias de
mudança com objetivo de tornar o trabalho melhor.
123
Concluindo este capítulo, tocamos em alguns pontos que já tínhamos levantado
como hipóteses e que acabaram sendo confirmados na investigação.
A maioria das dificuldades enfrentadas no ensino de ética se dá devido à falta de
fundamentação teórica. Esta suposição foi confirmada porque, apesar de as professo-
ras participarem de capacitações, elas ainda não têm estudo aprofundado sobre filoso-
fia moral e nem sobre o processo de construção de valores pelas crianças.
As professoras não são formadas em Filosofia e isso dificulta o aprofundamento do
grupo. Terão de fazer algumas leituras que seriam desnecessárias se tivessem formação
filosófica sistemática. Não estamos afirmando que quem é formado em Filosofia está dis-
pensado de estudar sobre o ensino de ética. Julgamos que um filósofo ou uma filósofa
não precisaria se apropriar de alguns conceitos básicos porque já os assimilou no decor-
rer de seus estudos e da sua profissão.
A ausência de domínio da teoria leva à comprovação de outra hipótese: a escola
aborda valores numa perspectiva moralista. Embora a orientação didática dada nas
reuniões e as discussões não partam dessa perspectiva, acontece no plano individual,
como prática na sala de aula, a atitude moralista de abordar valores.
Esbarramos novamente na defasagem teórica. Algumas professoras comparam
o ensino de ética com educação moral, ou seja, ensinam os valores morais que elas
particularmente consideram positivos. Constatamos que essas professoras não diferen-
ciaram moral de ética. Com esse posicionamento, observamos a seguinte orientação na
sala de aula: não devemos falar palavrão porque é feio. Quem falar vai ficar de castigo.
Não se discutiu com as crianças o que é feio, por que é feio. Também não se falou so-
bre desrespeito às pessoas - os significados dos xingamentos e da ofensa em relação a
outros seres humanos.
Os estudos precisam ser mais orientados e aprofundados em relação ao ensino
de ética. O grupo pode planejar capacitações constantes com as professoras sobre o
assunto e solicitar profissionais para assessorar e orientar seus estudos em relação à
ética.
Quanto à suposição de que o ensino de ética segue a perspectiva dos Parâme-
tros Curriculares Nacionais (PCNs), não obtivemos comprovação porque tudo partiu
124
de necessidades reais de discutir gênero e raça no CEI. Foi depois de ter estruturado o
trabalho que o grupo do Zedu começou a estudar os PCNs, cujos textos tornaram-se
mais um material para consulta, embora algumas educadoras discordem da forma pela
qual os Parâmetros abordam os valores, descontextualizada do real.
As educadoras constroem juntas dois grandes projetos de cidadania: um sobre
meio ambiente; e outro sobre gênero, raça e etnia. Por meio dessas iniciativas, as pro-
fessoras trabalham os aspectos éticos. Além dos projetos, elas selecionaram coletiva-
mente outros conteúdos de ética para trabalhar com as crianças. Assim, não compro-
vamos a hipótese de que as professoras trabalham valores morais isolados de um pro-
jeto mais amplo sobre ética.
A pesquisa mostrou a luta das educadoras na construção de um ensino de ética.
Comprometidas com o seus fazeres pedagógicos e com as crianças, as coordenadoras,
as docentes e a diretora constroem no dia-a-dia práxis voltada ao bem-estar dos alunos
e das alunas. As aulas de cidadania e de ética formalizam essa transformação.
Para manter o ensino de ética com as crianças, as educadoras tentam romper o
senso comum, estudando, capacitando, discutindo e renovando criativamente a metodo-
logia de trabalho. Trabalhar ética com crianças tão pequenas requer esforço imenso. As
professoras, mesmo com pouca formação sobre o ensino de ética, se organizam na cole-
tividade para dar conta do conteúdo. E conseguem desenvolver o trabalho. Elas sabem
que podem avançar, qualificar e tornar o ensino brasileiro melhor. Por isso aceitaram o
desafio de lecionar cidadania e ética.
As docentes organizam os conteúdos, as aulas, enfim, todo o trabalho. Destaca-
mos os sucessos, os desafios, as frustrações, as alegrias e as várias dificuldades enfren-
tadas pelo grupo.
O grupo do CEI tem uma sistematização coletiva e almeja continuar o ensino de
ética na instituição. Há problemas. As educadoras têm consciência da maioria deles e
tentam solucioná-los. Lidam com os erros, as divergências, frustrações e os acertos,
como em qualquer proposta em construção.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisar uma proposta e fazer uma dissertação não são tarefas fáceis. Durante a
elaboração do trabalho sentimos certo medo e ânsia de avaliar uma experiência como a
do Centro de Educação Infantil José Educardo Martins Jallad (CEI Zedu). Ao entrarmos
no mestrado não dominamos a escrita científica e quase nada sabemos sobre pesqui-
sa. Para nós dos movimentos sociais é ainda mais complicado porque temos o hábito
da denúncia, da fala, da defesa oral e não da escrita e da pesquisa. Essa é uma defa-
sagem histórica que não resolvemos nas poucas aulas de metodologia científica das
quais participamos. Nossa pesquisa e análise podem ter equívocos e falhas. A nossa
inexperiência afeta a compreensão sobre a elaboração acadêmica.
Mas, como disse o professor e filósofo Mário Sérgio Cortella, “é caminhando que
fazemos caminhos”. Começamos a caminhar rumo à pesquisa e obtivemos grandes
aprendizagens sobre como pensar e redefinir o problema, planejar uma pesquisa, fazer
pesquisa de campo, dialogar com a literatura, colocar e defender as idéias, sempre
questionando se realmente havia coerência o que estavámos defendendo no texto e se
nosso estudo tinha relevância social.
A pesquisa nos possibilitou aprofundar as leituras, pensar teoricamente sobre o
ensino de ética, rever as posições e entender que as construções são sempre difíceis e
que exigem de nós completa dedicação. É nosso desejo que este trabalho contribua
para construção de uma história diferente da que vivemos.
Retomamos alguns pontos que consideramos forte e importantes no ensino de
ética da instituição que pesquisamos. Depois abordamos os problemas e sugerimos
126
algumas mudanças. Advertimos que a educação infantil tem algumas especificidades
que devem ser consideradas por nós da área de filosofia.
O ensino de ética no Zedu começou rompendo com a tradição de que cidadania
e ética são ensináveis por todas as pessoas que trabalham na escola. Portanto, não há
necessidade de aulas e nem de profissionais específicos para operacionalizá-lo. Rosa-
na Henkin, ex-diretora do CEI Zedu, percebeu logo que a idéia de tema transversal não
funcionava. Era preciso professora habilitada, sistematização, espaço e tempo para dar
as aulas e bom planejamento. “Como uma professora sem nenhum preparo poderia
lecionar ética?”, indagava Rosana.
Inicialmente houve bom investimento em capacitação das professoras de sala. A
professora de cidadania ajudava nesse aspecto. As aulas de cidadania passaram a ser
aceitas por todo o grupo como necessidade. As atividades seriam uma possibilidade de
repensar valores, fontes de questionamentos e reflexões para se viver num mundo mais
justo e fraterno. Há no grupo a preocupação de transformação social e não meramente
individual, local, embora seja difícil para a equipe discutir e abordar isso de forma politi-
zada.
A metodologia e os recursos são ricos. As professoras buscam novas constru-
ções, sempre. Para ensinar ética na infância devemos utilizar recursos diversos como
dramatizações, histórias infantis, brincadeiras e outros itens. Os conteúdos não são fe-
chados. São trabalhados de acordo com as necessidades do momento e de forma uni-
versal. As coordenadoras subsidiam as professoras nas aulas de ética. O entrosamento
da equipe é bom. Embora algumas professoras sejam mais exigentes que outras.
As regras são elaboradas com participação das crianças. Utilizam os combina-
dos, discutem e buscam soluções conjuntas. As crianças são autônomas, alegres e par-
ticipativas. Cobram postura antiagressora das colegas e dizem que determinada atitude
precisa ser levada à aula de cidadania.
Pontos que merecem ser repensados - A ausência das aulas da professora da displi-
na Cidadania com todas as turmas do Zedu prejudicou a sistematização do trabalho. A
127
professora garantia boa qualidade das aulas, fomentava as discussões e ajudava na
preparação de material para estudo da equipe.
A dedicação das profissionais é ampla. O ensino de ética é mais uma entre tan-
tas atividades das educadoras. Mesmo assim, os estudos sobre ética podem ser mais
direcionados. Os problemas apontados no capítulo 3, como abordagem moralista de
valores por parte de algumas professoras, as inseguranças para dar as aulas de ética,
os conflitos sobre as abordagens, confusão entre ética e valores morais, não saber so-
bre a construção de valores pelas crianças, a tendência de ensinar os valores partindo
do ponto de vista pessoal sobre o bem e o mal. Esses obstáculos ocorrem basicamente
por falta de fundamentação teórica. Existem outras dificuldades (por exemplo, os confli-
tos entre colegas, pais e mães) que poderão ser superadas à medida que vão sistem a-
tizando e construindo o trabalho.
Chegamos à conclusão de que o ensino de ética no CEI Zedu não está mais a-
vançado porque falta boa orientação em relação aos estudos. Se o grupo tivesse capa-
citações sistemáticas e pautasse melhor as leituras, recebesse subsídio de profissionais
de filosofia, o ensino poderia estar mais avançado.
Porém, a manutenção de currículo diferenciado se firmou pelos poucos estudos
sobre ética que a equipe realizou. A nossa intenção foi mostrar as construções, os pro-
blemas, afirmar as coisas boas e sugerir através das críticas buscando sempre um bom
trabalho.
Há problemas que aparecem no ensino de ética que devem ser debatidos em re-
lação à linha ou tendência de ensino e não por falta de fundamentação teórica. No iní-
cio das análises da pesquisa houve uma certa confusão. Não sabíamos se algumas
atitudes de desenvolvimento do ensino de ética eram por opção ou por falta de leitura
sobre a área em questão. As discussões estabelecidas pela equipe nos levou a enten-
der que no CEI Zedu fica complicado saber qual é a opção de ensino de ética do grupo.
Ainda não existe na equipe a compreensão sobre tendências teóricas de ensino.
Ainda no terceiro capítulo mostramos algo sobre posição e postura. Algumas e-
ducadoras demonstram enfoques sócio-histórico e crítico, embora a maioria não consi-
ga definir uma posição mais politizada sobre o ensino de ética. Não podemos então a-
128
firmar que a atitude moralista é uma opção de trabalho. Essas posturas aparecem tam-
bém por falta de fundamentação. Uma opção requer estudos mais elaborados. As op-
ções são sempre fundamentadas teoricamente. Não é esse o caso da maioria das e-
ducadoras do Zedu.
Finalizamos este texto com a poesia A Canção dos Homens, que expressa a nos-
sa atual utopia moral e ética.
Quando uma mulher, de certa tribo da África, sabe que está grávida,
segue para a selva com outras mulheres e juntas rezam e meditam até
que aparece a “canção da criança”.
Quando nasce a criança, a comunidade se junta e lhe cantam a sua
canção.
Logo, quando a criança começa sua educação, o povo se junta e lhe
cantam sua canção.
Quando se torna adulto, a gente se junta novamente e canta.
Quando chega o momento do seu casamento a pessoa escuta a sua
canção.
Finalmente, quando sua alma está para ir-se deste mundo, a família e
amigos aproximam-se e, igual como em seu nascimento, cantam a sua
canção para acompanhá-lo na "viagem".
Nesta tribo da África há outra ocasião na qual os homens cantam a
canção.
Se em algum momento da vida a pessoa comete um crime ou um ato
social aberrante, o levam até o centro do povoado e a gente da comu-
nidade forma um círculo ao seu redor. Então lhe cantam a sua canção.
A tribo reconhece que a correção para as condutas anti-sociais não é o
castigo; é o amor e a lembrança de sua verdadeira identidade.
Quando reconhecemos nossa própria canção já não temos desejos
nem necessidade de prejudicar ninguém.
Teus amigos conhecem a "tua canção" e a cantam quando a esque-
ces.
Aqueles que te amam não podem ser enganados pelos erros que co-
metes ou as escuras imagens que mostras aos demais.
Eles recordam tua beleza quando te sentes feio; tua totalidade quando
estás quebrado; tua inocência quando te sentes culpado e teu propósi-
to quando estás confuso.
Tolba Phanem
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