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Leandra Domingues Silvério
Assentamento Emiliano Zapata: trajetória de lutas de trabalhadores na
construção do MST em Uberlândia e Triângulo Mineiro (1990-2005).
Mestrado em História Social
PUC/SP
São Paulo
2006
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2
Leandra Domingues Silvério
Assentamento Emiliano Zapata: trajetória de lutas de trabalhadores na
construção do MST em Uberlândia e Triângulo Mineiro (1990-2005).
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em História, área de concentração: História
Social, sob a orientação da Professora
Doutora Yara Aun Khoury.
História Social
PUC/SP
São Paulo
2006
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Banca Examinadora
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4
À Célia Rocha Calvo, pelo incentivo e
contribuição no projeto de pesquisa que iniciou
essa dissertação; pelos belos anos de
amizade, em que tive o privilégio de conhecer a
delicadeza, a sensibilidade e a ternura que um
ser humano é capaz.
5
Agradecimentos
Nesses anos de reflexão muitos foram os que me ajudaram na
elaboração desse trabalho, pessoas que de uma forma ou de outra estão
presentes nessas páginas, as quais desejo agradecer:
À minha família: meus pais que sempre me apoiaram e torceram por mim;
agradeço pelo amor, dedicação e pela educação sustentada em valores que
hoje, me fortalecem diante das dificuldades da vida. À minha irmã pela
disposição e ajuda em tudo que precisei nesses anos de mestrado, os e-mails
e telefonemas encurtaram a nossa distância.
Aos Trabalhadores Rurais Sem Terra, companheiros de luta, homens e
mulheres, que foram fundamentais na realização deste trabalho; sem suas
histórias de vida e de lutas nada disso seria possível.
Ao Adelar Pizetta e Vanderlei Martini, companheiros de luta e admiráveis
militantes da reforma agrária, que me trouxeram confiança e alegria em um
momento difícil.
Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da
PUC/SP, pela oportunidade de conhecer outra realidade, agradeço pelas aulas
e reflexões, em especial, ao professor Maurício, professora Estefânia,
professora Heloísa e professora Olga, que leram meus textos e me deram
sugestões importantes.
À professora Yara Aun Khoury pela orientação na pesquisa e elaboração
do trabalho.
Ao CNPq pela bolsa de estudo que me possibilitou realizar mais essa
etapa da vida acadêmica.
6
Ao amigo Paulo Machado, pela amizade irreverente, pela acolhida em
sua casa nos meus primeiros dias em São Paulo e pela companhia nessa
cidade maravilhosa.
Ao amigo Edeílson, companheiro de luta, mesmo fazendo o mestrado em
diferentes universidades, compartilhamos as alegrias e dificuldades de nossos
estudos; agradeço pela força, pelas observações no primeiro texto que
consegui fazer, pela confiança e pelas conversas sempre muito agradáveis.
À Vania Vaz que encontrei no mestrado e nas belezas de São Paulo
tornou-se minha amiga, amizade que levarei para o resto da vida; valeu pelas
conversas, pela leitura de meus textos, sugestões e pelos alegres momentos
em Londrina.
Aos amigos Adilson e Cris Helou, que sempre me respeitaram, agradeço
pelos momentos vividos tão intensos e agradáveis, muitos vinhos, cervejas,
calorosas conversas, em que criamos nossos laços de amizades.
Aos amigos Carol, Débora e Marcelo, pela companhia e diversão em São
Paulo.
Ao Tião, a quem sou grata pelo empréstimo do gravador.
Ao Joelson, por participar dos momentos alegres e tristes desses
intensos anos de mestrado; anos que estamos construindo a história de uma
vida em comum, compartilhando projetos e sonhos. Agradeço imensamente
pela belíssima e relaxante viagem que fizemos, pelas contribuições, opiniões
na elaboração deste trabalho e pela disposição na impressão de inúmeras
cópias deste texto e de tantos outros feitos e refeitos, valeu!!!
7
Resumo
Esta dissertação reflete acerca da trajetória de lutas de trabalhadores
rurais Sem Terra na construção do MST no município de Uberlândia e
Triângulo Mineiro no período de 1990 a 2005.
Neste sentido, o trabalho busca evidenciar como e de que maneira
trabalhadores do assentamento Emiliano Zapata, constituído em 1999 no
município de Uberlândia, foram se constituindo nesses anos em uma força
social e política por meio dos modos que foram se forjando como Sem Terra no
cotidiano do acampamento, assentamento ou fora deles, mediados pelos
ideários políticos e de organização do MST. Refletindo sobre modos como na
luta pela terra resistem à dominação que assume configurações diversas; e
como essa resistência se constitui impregnada de tensões e ambigüidades.
No diálogo com os trabalhadores procurei compreender os significados
atribuídos às experiências nas lutas pela terra que os trabalhadores foram
construindo e vivendo ao longo dos últimos seis anos. Na experiência vivida
hoje, busquei apreender nas narrativas como interpretam e tratam as
experiências passadas, ou seja, apreender como esses olhares sobre o
passado sofrem as influências de um presente vivido como tensão. Pensando
as narrativas como práticas sociais, atos interpretativos que descortinam
maneiras como esses trabalhadores compreendem a realidade, identificam-se
entre si e identificam forças dominantes às quais resistem e enfrentam.
Refletindo sobre a trajetória de lutas pela terra desses trabalhadores,
problematizando os modos de vida e de lutas, buscando os significados das
experiências sociais vividas que se instituem como memória; conhecendo
esses trabalhadores e o que incorporam de histórias e memórias reconhecidas
como versões autorizadas da realidade social em disputa na correlação de
forças políticas.
Deste modo, compreendendo como os trabalhadores se modificam e se
politizam nas experiências sociais de luta pela terra, nas quais se tornam
enunciadores de novas expressões e práticas.
8
Abstract
This dissertation contemplates concerning the path of rural workers
landless in the construction of MST in the municipal district of Uberlândia and
Triângulo Mineiro in the period from 1990 to 2005.
In this sense, the work search to evidence as and that it sorts things out
workers of the settlement Emiliano Zapata, constituted in 1999 in the municipal
district of Uberlândia, they were if constituting on those years in a social and
political force through the manners that were if forging as Landless in the daily
of the encampment, of the settlement or out of them, mediated by the political
ideas and of organization of MST. Thinking about manners as in the fight for the
earth resist to the dominance that assumes several configurations; and as that
resistance it is constituted impregnated of tensions and ambiguities.
In the dialogue with the workers I tried to understand the meanings
attributed to the experiences in the fights for the earth that the workers went
building and living along the last six years. In the experience lived today, I
looked for to apprehend in the narratives as they interpret and they treat the last
experiences, in other words, to apprehend as those glances on the past suffer
the influences of a present lived as tension. Thinking the narratives as social
practices, interpretative actions that ways pull the curtain as those workers
understands the reality, they identify amongst themselves and they identify
dominant forces to which resist and they face.
Thinking about the path of fights for those Landless Workers,
problematizing the life manners and of fights, looking for the meanings of the
social experiences lived that are instituted as memory; knowing those workers
and what incorporates of histories and memoirs recognized as authorized
versions of the social reality in dispute in the correlation of political forces.
This way, understanding as the workers modifies and they become
politically aware in the social experiences of fight for the earth, in the ones
which if they turn enunciators of new expressions and practices.
9
SUMÁRIO
Considerações Iniciais: a história desta dissertação, reflexões sobre........................... 10
Capítulo I: “Emiliano Zapata”: a cidade e a terra no horizonte das migrações............. 36
Capítulo II: “O sonho deu ter meu lugar, deu falar assim: daqui eu num saiu mais”:
outros desafios...............................................................................................................
92
Capítulo III: “Porque a terra sozinha somente a terra também não
compensa”......................................................................................................................
134
Considerações Finais..................................................................................................... 164
Fontes Pesquisadas....................................................................................................... 167
Referências Bibliográficas............................................................................................. 169
Anexos............................................................................................................................ 175
10
Considerações Iniciais:
A História desta dissertação, reflexões sobre.
Há tempos reflito sobre o sentido desse trabalho; por quê e para quê
estudar trabalhadores e trabalhadoras pobres do campo e da cidade?
Na academia procuro o real interesse das pessoas sobre o que esses
trabalhadores pensam, sentem e fazem. Qual o sentido e importância que dão
para a vida que se faz por esses trabalhadores (as)? Qual acepção em torno
do estudo que realizo ao longo dos últimos anos, ou seja, qual a importância e
qual a dimensão da pesquisa? Serve para quem? Na realidade, quem se
interessa por tudo isso?
Sob a tensão de escrever minha dissertação e a pressão que isso gera,
participei de um seminário na Escola Nacional Florestan Fernandes
1
no mês de
março de 2005. Fui pensando que iria me deparar com as mesmas questões
importantes que perpassam o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
do Brasil - MST e o Coletivo Nacional de Formação
2
deste Movimento.
Questões relacionadas ao estudo sobre a conjuntura política, social e
econômica do país e mundial, bem como linhas de atuação a serem
1
Escola do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil - MST inaugurada em 23
de janeiro de 2005, localizada em Guararema - SP, construída pelos próprios trabalhadores
(as) do Movimento. Por alguns anos foram enviados grupos de pessoas de vários
assentamentos e acampamentos de todos estados do país para construírem desde o tijolo feito
de solo-cimento às plantas dos jardins. Uma proposta que intercalou o trabalho técnico com
horas de estudos científico. Uma escola que prima: “(...) pelo estudo científico e reflexão da
prática política e organizativa dos membros e da organização - MST e contribuir na elaboração
de táticas e estratégias de ação nas diferentes áreas.” Coletivo da direção da Escola. In:
Documento interno do Movimento, ano 2005. A Escola está aberta, para além de seus
militantes, às pessoas de outros Movimentos sociais, como as que compõem o Movimento da
Via Campesina – uma organização que reúne vários Movimentos nacionais e internacionais
que lutam pela justiça social e pelos direitos dos trabalhadores (as), sendo que a articulação no
Brasil é formada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), MST, Movimentos dos
Atingidos por Barragens (MAB), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Comissão
Pastoral da Terra (CPT), Pastoral da Juventude Rural (PJR), Federação dos Estudantes de
Agronomia do Brasil (FEAB). Como consta na Revista Sem Terra de março/abril do ano de
2005, na Escola: “(...) deverão ser ministrados os seguintes cursos: Administração
Cooperativista, Pedagogia da Terra, Saúde Comunitária, Planejamento Agrícola, Técnicas
Agro-industriais, Gestão em Cooperativas e Associações, História, Economia e Ciências
Sociais, além de outros envolvendo as diversas áreas do conhecimento. Os professores que
lecionam na Escola vêm, em sua maioria, das universidades conveniadas ao Movimento e
escolas técnicas. Também contribuem na atividade amigos e simpatizantes do MST”.
2
Grupo de pessoas responsáveis por planejar e garantir a realização dos cursos com o
objetivo de formação política ideológica dos participantes do MST.
11
desenvolvidas como formação política e ideológica e de estratégia de luta do
Movimento. Mas para minha admiração nesse encontro vi e presenciei a força
desse Movimento e sua capacidade de reflexão e amadurecimento.
Presenciei a aproximação dos estudos acadêmicos com esse Movimento;
ouvi que a busca por saídas para as dificuldades e impasses de um sistema
político e econômico hegemônico está também no entendimento da luta dos
trabalhadores na perspectiva da cultura. Isto é, no seminário em questão, a
problemática do debate orientou-se na perspectiva de se entender e considerar
que uma organização social é composta por indivíduos com histórias de vida e
de lutas diferentes, com semelhanças ou não, em que cada um vem para o
MST trazendo suas experiências sociais, seus conflitos, contradições,
vivências, seu modo de pensar, agir e trabalhar e juntos vão organizando o
Movimento social, forjando ações em grupo, enfrentando tensões, limites e
desafios das ações coletivas.
Neste seminário os trabalhadores do MST procuravam compreender
circunstâncias complexas que levam algumas pessoas a desistirem da luta
deste Movimento não mais como “desvios ou baixo nível de consciência”
3
dos
trabalhadores sobre a luta, mas como limites, desafios e contradições
relacionados ao modo de pensar e viver de cada Sem Terra. Ponderou-se as
limitações e divergências entre os trabalhadores como sendo a maneira como
cada trabalhador enxerga as questões do cotidiano da luta a partir das suas
experiências e vivências e assim, enfrentam as dificuldades de se constituir em
um grupo social que, essencialmente, implica em novas relações e
experiências sociais e históricas que são compartilhadas e vividas como
tensões.
Os trabalhadores do MST refletiram neste seminário sobre as dificuldades
de ordem política, psicológica e física dos militantes nas suas atividades de
estudo e de organização política e prática do Movimento. Diante dos desafios
do cotidiano, a questão posta no seminário, entre tantas, era como começar,
primeiramente, entender as limitações e reações de cada militante antes da
hipótese, por exemplo, de excluí-lo da luta. Deste modo, o primeiro dia do
seminário, por exemplo, foi dedicado ao debate sobre: “As relações humanas
3
Expressões usadas pelos trabalhadores do MST para caracterizarem as pessoas que não
aderem às normas e ideários políticos do Movimento.
12
no processo de formação de militantes”, os trabalhadores narraram situações
de pressões e impasses, refletindo sobre as dificuldades na formação de
militantes diante das complexas relações sociais estabelecidas no MST. Na
minha vivência com esse Movimento
4
percebo que estas preocupações e estes
debates tornaram-se fundamentais para esses trabalhadores em movimento.
Muito instigante foi perceber no debate falas e posicionamentos dos
militantes e a diversidade sendo aflorada e, nesse momento, rico foi observar
as diferentes reações e o esforço individual ou no grupo de reflexão, para
entender e saber lidar com diversas situações vividas no cotidiano e
compreendê-las como resultados das pressões do sistema capitalista. Em
especial, naqueles dias vi o discurso do respeito à diferença tornar-se prática e
ser real.
Debater sobre estas questões naquele espaço me chamou a atenção para
a possibilidade de que o uso do conhecimento e de ponderações mais
sistemáticas pautadas por um diálogo entre experiências social e reflexão
teórica, poderiam ajudar aquelas pessoas a sistematizarem e problematizarem
as narrativas dos trabalhadores no sentido de refletir sobre as dificuldades dos
Sem Terra na luta pela Reforma Agrária na visão do MST.
Em um outro momento, especificamente, no dia 09 de abril de 2005 a
Escola Nacional do MST preparou o I Encontro de Professores Amigos do
MST, convidando diversos educadores, militantes e amigos (as) do Movimento
de todos os estados para ouvir suas propostas de cursos, ementas e
metodologias de ensino para os educandos e educadores da Escola. A
intenção nessa proposta era de construir aberturas nos espaços da Escola e
possibilitar interação entre as múltiplas experiências e práticas sociais.
O MST com sua Escola Nacional Florestan Fernandes busca divulgar para
a sociedade, entre outros, seu intuito no fortalecimento e aprimoramento de
seus cursos de formação política, dialogando as experiências dos
trabalhadores com a reflexão teórica. Neste sentido, procura realizar
juntamente com outros educadores/apoiadores do Movimento vários cursos
abordando diferentes temáticas, por exemplo, procuram trabalhar e estudar
4
Os trabalhadores promovem debates neste sentido nos diversos espaços do Movimento
conhecidos como Setores de atividades; são eles: Formação Política, Relações Humanas,
Gênero, Produção, Saúde, Educação, Cultura e entre outros.
13
assuntos sobre a realidade brasileira e mundial, lendo e estudando as obras e
idéias de grandes intelectuais brasileiros ou não.
Muitos desses cursos, mesmo antes da inauguração da Escola Nacional,
os trabalhadores do MST junto a outros conseguiram realizar dentro de
algumas universidades brasileiras
5
. É importante ressaltar que também
conseguiram que trabalhadores do MST cursassem medicina
6
na Escola
Latinoamericana em Havana Cuba. Essa interação e esforço de educadores
que apóiam o MST e não almeja lucros financeiros, representam os
compromissos destes profissionais com a transformação da realidade social,
histórica do país.
No caso do I Encontro de Professores na Escola do MST observei a
presença de inúmeros economistas dando suas opiniões e fazendo suas
análises da realidade, outros do Serviço Social, Sociologia, área de Língua
Portuguesa, Pedagogia, Psicanálise, Psicologia Social, Assistência Social,
Jornalismo e Comunicação, Filosofia, Educação, Dramaturgo da Companhia do
Latão, História da Arte, Cineastas, Médicos, Arquitetos - Paisagistas, Teoria da
Literatura, Terapeutas, Geografia, Funcionários Técnicos da educação,
estudantes de Letras e de Comunicação e especialistas em várias áreas,
profissionais da rede pública de ensino médio e fundamental; observei que a
área de História estava pouco representada. Embora saiba que há muitos
historiadores (as) com esse compromisso, para além do compromisso e do
trabalho realizados na sala de aula que também é um espaço e uma forma de
luta.
A idéia de trazer para esse texto a experiência vivida nestes seminários é
no sentido de explicitar minha compreensão sobre nossos compromissos
profissionais e com o mundo em que vivemos. Penso que a História social,
pode também ajudar a construir o diálogo entre os muitos grupos sociais desse
5
A Universidade Federal de Uberlândia - UFU aceitou a proposta do MST e da Via Campesina
de um curso de quatro módulos realizados no período de férias da universidade nos anos de
2003 e 2004. O Curso de nome “Realidade brasileira a partir dos grandes pensadores
brasileiros” caracterizou-se como curso de Extensão Universitária, em que teve a participação
de professores desta universidade, bem como de outras universidades para ministrar os temas.
Alunos e técnicos da UFU também tiveram vagas como educando neste curso.
6
No dia 20/08/2005 ocorreu no teatro Karl Marx, em Havana/Cuba a cerimônia de formatura da
primeira turma de graduação em medicina da Escola Latinoamericana de Medicina. Formaram-
se 1.610 médicos de 28 países, entre eles, 11 trabalhadores e trabalhadoras rurais do MST.
Fonte: (Boletim Informativo do Letraviva/MST, ano 2005).
14
país com suas diversas experiências sociais, atentando-se para a pluralidade
de projetos, expectativas e perspectivas construídas pelos trabalhadores.
Desenvolvendo nosso trabalho e nossas pesquisas sobre o processo social e
histórico que modela modos de vida, no sentido de compreender e trabalhar
com cultura no âmbito da História social.
7
Neste sentido, acredito ser importante a participação e envolvimento de
historiadores e historiadoras nas lutas sociais, não necessariamente como o
assíduo militante do MST e não necessariamente no MST, mas em todos os
lugares sociais nas suas diferentes e múltiplas formas de expressão. Assim,
buscando o diálogo entre experiências e pontos de vistas, construindo uma
universidade aberta e plural, que emerge da sociedade e pensa sobre ela.
Como historiadora comprometida com a realidade social, atenta as
múltiplas culturas em seus significados e peculiaridades na transformação dos
processos sociais e históricos da contemporaneidade, tem sido minha opção
refletir sobre os Movimentos sociais de luta pela terra no Brasil, em especial, o
MST, no sentido de reafirmar sua importância e presença social, ainda
desqualificadas e desvalorizadas pelos interesses políticos hegemônicos.
Desta maneira, considero que muito há que se fazer e contribuir na construção
de outras versões sobre a luta dos trabalhadores Sem Terra, que se faz
urgente.
Com essas primeiras impressões sobre estes seminários do MST começo
as páginas dessa dissertação referindo-me às impressões que foram
fundamentais e que fizeram surgir em um momento de desestímulo com os
dilemas e caminhos trilhados na pesquisa acadêmica, um novo ânimo e
motivação para continuar minha proposta de trabalho no mestrado da PUC/SP
na busca de construir o presente texto.
Essa proposta de trabalho e pesquisa forjou-se na empolgação de dois
anos de pesquisa de iniciação cientifica no programa do CNPq, a qual se
desdobrou no ano de 2003 no trabalho de monografia
8
e que me levou nesse
7
FENELON, Déa Ribeiro; MACIEL, L. A. et all. (orgs.). Muitas Memórias, Outras Histórias. São
Paulo: Olho d’Água, 2004.
8
SILVÉRIO, Leandra Domingues. Campo/Cidade: Encantos, Experiências e Trajetórias de
Trabalhadores no município de Uberlândia (1970-2003). Monografia, UFU, 2003. Trabalho este
que trouxe as trajetórias de vida de trabalhadores (as) pobres migrantes na cidade de
Uberlândia, localizada no Triângulo Mineiro, discutindo suas expectativas e frustrações e o
caminho de volta para o campo como integrantes do MST.
15
mesmo ano a propor à PUC/SP um projeto de pesquisa para o Mestrado em
História Social na Linha de pesquisa: Cultura e Trabalho.
O projeto do mestrado foi aceito e de início a idéia era continuar
aprofundando a pesquisa do curso de graduação, ou seja, realizando
entrevistas com os trabalhadores Sem Terra do acampamento de nome
Emiliano Zapata localizado em Uberlândia e por meio do diálogo entre as
experiências sociais destes trabalhadores e a reflexão teórica, buscar
compreender os significados da trajetória de lutas pela terra dos trabalhadores
em Uberlândia.
Especialmente para o curso de mestrado o objetivo era problematizar
focando as questões referentes ao universo do trabalho e no decorrer do curso,
como quase sempre ocorre, essa proposta de estudo, ainda confusa, foi sendo
mais bem compreendida e aperfeiçoada.
O meu interesse em discutir na academia o tema sobre os trabalhadores
rurais Sem Terra e suas trajetórias de vida e de lutas foi se forjando desde
minha primeira aproximação com os Movimentos de Trabalhadores Sem Terra
com uma visita em 1997 a um assentamento organizado não pelo MST, mas
sim pelo Movimento de Libertação dos Sem Terra - MLST, localizado no
município de Campo Florido no Triângulo Mineiro. A visita fazia parte das
atividades do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de
Uberlândia – UFU; foi um dia marcante na minha vida, porque pude conhecer
de perto a realidade daqueles trabalhadores.
Ainda no ano 1997, participei da Marcha Nacional pelo Emprego e pela
Reforma Agrária
9
organizada pelos trabalhadores do MST, contudo, considero
que meus laços com o MST efetivamente se estabeleceram no ano de 1999
quando a “Marcha Popular pelo Brasil: em defesa do Brasil, da democracia e
do Trabalho” chegou à cidade de Uberlândia. Saindo do Rio de Janeiro com
destino à Brasília, a Marcha passou por inúmeras cidades deste país,
provocando diversas reações da sociedade e das instituições governamentais.
Até a cidade de Uberlândia nenhum governo municipal havia impedido a
entrada ou causado algum constrangimento aos marchantes, mas nessa
cidade as coisas se complicaram e ficaram tensas. O então prefeito de
9
Nesta Marcha, milhares de pessoas apoiadoras do MST engrossaram suas fileiras em
Brasília, protestando contra a política neoliberal do Governo de Fernando Henrique Cardoso.
16
Uberlândia, Virgilio Galassi do Partido Progressista Brasileiro (PPB), tentou
impedir a entrada da Marcha, mas os marchantes resistiram e entraram,
ocupando os prédios da Universidade Federal no campus da Educação Física,
para ali fazer seu alojamento para refeições e descanso. Em cada cidade que
passavam os militantes da Marcha paravam alguns dias para se comunicarem
com a população local no intuito de divulgar seus objetivos e os porquês das
lutas pela reforma agrária e urbana.
Naquele tempo cursava História na UFU e, ali, vivia meus conflitos e
embates políticos diante de uma geração de estudantes que em sua maioria
apáticos frente à realidade de injustiças sociais e econômicas deste país.
Nesse processo vivido inquietava-me estas e outras questões, principalmente,
indignava-me os horrores cometidos contra os trabalhadores (as) rurais Sem
Terra no país e na América Latina. Eram tempos recentes, por exemplo, dos
massacres de crianças, mulheres e homens do campo pela América Latina.
Exemplos desses massacres ocorreram em Chiapas no México em 1998,
quando o governo mexicano
10
, em represália às ações do Exército Zapatista de
Libertação Nacional (EZLN) assassinou indígenas simpatizantes do EZLN em
Vergel. No Brasil o massacre dos trabalhadores acampados na fazenda Santa
Elina, localizada no município de Corumbiara em Rondônia, no dia 9 de agosto
de 1995. Chacina esta que foi e ainda é divulgada em sites da internet, jornais,
livros, revistas e boletins informativos por inúmeros Movimentos sociais e Ong’s
que lutam pela punição dos criminosos. Como informa um dos boletins virtuais
e quinzenais produzidos pelo MST chamado Letraviva
11
:
“Foram 194 policiais, inclusive 46 da Companhia de Operações Especiais (COE)
e outro tanto de jagunços e guachebas fortemente armados. Homens foram
executados sumariamente, mulheres foram usadas como escudos por policiais e
jagunços, 355 pessoas foram presas e torturadas por mais de vinte e quatro
horas seguidas e o acampamento foi destruído e incendiado com todos os
parcos pertences dos posseiros. O acampamento foi atacado de madrugada com
bombas de gás que a todos sufocava, especialmente as crianças. O tiroteio era
10
Muitas foram as ações violentas do governo mexicano para atingir e eliminar as ações do
EZNL, desde que o mesmo saiu da clandestinidade em 1994; violência como a de 1995
quando da invasão do governo mexicano às comunidades indígenas.
11
Site www.mst.org.br, News Letter Letra Viva.
17
ensurdecedor. Naquele dia morreram onze pessoas, inclusive a pequenina
Vanessa, de apenas seis anos”.
12
Eram também tempos recentes de outro massacre em Eldorado dos
Carajás, no Pará, no dia 17 de abril em 1996. Um massacre de cenas
chocantes de intolerância, prepotência e abuso de poder da Polícia Militar.
Massacre também muito divulgado, que a Comissão Pastoral da Terra assim
narra:
“(...) resultou na morte, pela Polícia Militar, de 22 sem-terra e um PM,
aproximadamente 40 pessoa feridas e várias desaparecidas (dados ainda
parciais) é a 13ª que acontece naquele Estado, totalizando 86 pessoas
assassinadas nos últimos 10 anos. A maior chacina ocorreu em 29 de dezembro
de 1987, em Serra Pelada, Paraupebas, com a morte de 30 pessoas. De 1986
até hoje, no Brasil, ocorreram 33 chacinas na área rural, resultando em 197
mortes. O massacre aconteceu entre as 16 e 18 horas, na Rodovia PA 150, a 10
quilômetros da sede do município de Eldorado do Carajás, quando
aproximadamente 1.500 sem-terra - homens, mulheres e crianças - acampados
da Fazenda Macaxeira, município de Curionópolis, caminhavam em direção a
Belém, reivindicando a desapropriação da área. Com a justificativa de
desobstruir a rodovia, o governo do Estado enviou uma tropa da Polícia Militar
que disparou contra os sem-terra, causando o massacre”.
13
Vivendo momentos históricos do nosso país com o levante no campo
vivido e construído pela reação e movimento dos trabalhadores Sem Terra, na
minha compreensão, eu não podia deixar passar a chance de conhecer a
organização daqueles trabalhadores na Marcha que passava por Uberlândia. O
que, para mim, era algo inusitado e que a sociedade uberlandense deveria
voltar suas atenções, passava quase em branco, por exemplo, dentro da
Universidade.
Naqueles dias da Marcha em Uberlândia fui praticamente acampar com os
Sem Terra que entraram na cidade; passei a conviver e tomar conhecimento
das lutas pela terra também na perspectiva daqueles trabalhadores,
12
Letraviva. 09/08/05. Site: www.mst.org.br
13
Comissão Pastoral da Terra - CPT /Nacional, no site: www.cpt.org.br, ano 2005.
18
conhecendo outras versões da realidade vivida e construída por eles. O que
me levou a envolver-me com a maior proposta daquela Marcha que era o
fortalecimento do Movimento da Consulta Popular (CP)
14
. Eu e outras pessoas
junto com os militantes do MST da regional do Triângulo Mineiro formamos o
primeiro núcleo de estudo e atividade da Consulta Popular em Uberlândia.
Após algum tempo esse núcleo se desfez e seus militantes seguiram
caminhos diferentes na luta social. Eu me envolvi cada vez mais com o MST na
região de Uberlândia e Triângulo Mineiro, mais especificamente,
acompanhando e trabalhando com o acampamento de nome Emiliano Zapata,
localizado no município de Uberlândia. No decorrer dos anos fui me
aproximando e passei a atuar no Setor de Formação Política do Movimento.
Fui vivendo intensamente as tensões e os conflitos do cotidiano de um
acampamento e de outras lutas do MST, com as alegrias, tristezas, conquistas
e emoções que aqueles trabalhadores exerciam em prol da organização do
MST na região do Triângulo Mineiro e vivendo os dilemas e felicidades da vida
acadêmica.
Assim, nessas experiências vividas foram criando as possibilidades e a
vontade de desenvolver estudos e pesquisas acadêmicas sobre a realidade e a
luta dos trabalhadores Sem Terra, discutir realidades que eu vivia
cotidianamente; pensando no meu compromisso como historiadora atenta ao
ensino e à pesquisa.
Neste sentido, fiz a pesquisa na graduação e minha proposta e intenção
no curso de mestrado era fazer novas discussões em torno das relações
sociais de trabalho mediadas pelos modos de viver de trabalhadores rurais
Sem Terra. No meu entender a categoria Trabalho poderia ser discutida sobre
outros pontos de vistas daqueles abordados sobre as questões de
reestruturação produtiva e as desregulamentações do Trabalho no final dos
anos 70 e início dos 80 e seus impactos políticos e econômicos na
contemporaneidade.
14
A Consulta Popular surgiu em 1997 em Itaici com a reunião de centenas de trabalhadores
do campo e da cidade com o objetivo de intensificar as lutas sociais na perspectiva de construir
um projeto político e econômico de caráter popular para o Brasil. A Consulta Popular era
também organizadora da Marcha em questão. Sobre o Movimento da Consulta Popular ver, em
especial, as cartilhas: nº 10: “Um passo à frente na Consulta Popular” e nº 6: “Assembléia dos
lutadores do povo”. Todas as publicações da Consulta Popular ver site:
www.cidadenet.org/consultapopular.
19
Sob esta perspectiva começou a me instigar a reflexão sobre o universo
do Trabalho por meio da vivência dos trabalhadores
15
Sem Terra engajados no
MST e que formaram o acampamento de nome Emiliano Zapata no município
de Uberlândia no Triângulo Mineiro, ou melhor, como e em que medida a
História Social faz e poderia trazer contribuições para esse debate?
16
Fundamentalmente em uma perspectiva de historiografia
17
que no diálogo com
os trabalhadores almeja depreender as experiências sociais, as histórias de
vida e trajetórias de homens e mulheres que lutam pelos seus direitos e
sobrevivem às imposições sócio-econômicas, políticas e culturais do sistema
capitalista.
Uma História que busca conhecer a experiência social vivida por homens
e mulheres, como experiência de luta expressa como sentimentos,
necessidades, expectativas, pensamentos políticos e como prática; que busca
compreender essa experiência dialogando com pessoas, entendendo suas
narrativas como práticas sociais que se forjam na experiência vivida
impregnada de tensões e conflitos. Uma História que procura entender como
as pessoas interpretam o mundo em que vivem; as problemáticas que vivem,
suas perspectivas futuras, valores morais, políticos, econômicos e culturais e a
consciência de si mesmos.
Para além do que já foi escrito sobre os trabalhadores, conhecê-los por
eles mesmos, buscando evidenciar os modos de vida e de lutas forjados por
esses trabalhadores vivenciando experiências que se instituem como memória;
conhecendo esses trabalhadores e o que incorporam de histórias e memórias
reconhecidas como versões autorizadas da realidade social em disputa na
correlação de forças políticas. Neste sentido, trabalhando com a memória como
campo de disputas e como instrumento de poder, busquei perceber como
história e memória se articulam na experiência social vivida e nas
15
Neste trabalho optei por dirigir-me aos sujeitos mulheres e homens como trabalhadores. As
palavras em muitos momentos aparecem no gênero masculino, mas não significa
desconsiderar as mulheres e sim, uma opção da escrita.
16
Sobre novos olhares sobre o mundo do Trabalho na perspectiva da História social ver os
trabalhos de Telma Lessa Sales. Experiência de João Ferrador em Tempos de reestruturação
produtiva; VW Anchieta – SBC, Dissertação de Mestrado, Programa de Estudos Pós-
graduados em História, PUC/SP, 2000. Ver também o texto: Trabalhadores em tempo de
reestruturação produtiva: Volkswagem São Beranado do Campo 1980-1998. In: Revista
Virtual historicidade - Departamento de História da Universidade de Pouso Alegre-MG.
17
Ver texto: FENELON, Déa Ribeiro. Cultura e História social: historiografia e pesquisa. In:
Revista Projeto História 10 História e Cultura. São Paulo: Educ, 1993.
20
problemáticas que o historiador se propõe a estudar. Memórias se instituem e
circulam, são apropriadas e se modificam na experiência social vivida e cabe
ao historiador desvendar mecanismos e dimensões desse processo.
18
Imbuída dessas questões comecei meu mestrado e avalio que por algum
tempo me senti perdida com relação aos primeiros objetivos da pesquisa,
porque achava que iria encontrar alguma teoria nova sobre a categoria
Trabalho nas novas disciplinas do curso de mestrado. Dessa maneira, buscava
algo e não percebia que esse algo apareceria no próprio jeito escolhido de se
fazer a pesquisa. Nesta trajetória que procuro refazer nessas páginas meu
tema de pesquisa foi se recompondo junto com minhas inquietações, dúvidas e
fui percebendo que não era buscar o mundo do Trabalho ou argumentos
teóricos novos, prontos e acabados sobre esta categoria, mas pensar nas
questões afloradas por meio dos procedimentos da pesquisa que sempre
privilegiaram a construção de narrativas pautadas no diálogo entre as
experiências sociais e a reflexão teórica.
Sob esta perspectiva elaborei um possível e pequeno roteiro para iniciar o
trabalho de construir as entre - vistas com os trabalhadores Sem Terra
escolhidos do acampamento Emiliano Zapata. Durante as entrevistas o diálogo
construído com os trabalhadores aflorou questões sobre as várias dimensões
de sua vida cotidianamente vivida. Assim, abrindo-me mais para as leituras
realizadas nas disciplinas do curso de mestrado sobre cultura, memória,
trabalho, cidades e Movimentos sociais, meu trabalho foi se compondo e sendo
instigado, em especial, por algumas perguntas referentes às perspectivas dos
trabalhadores do Emiliano Zapata sobre processo de migração pelo país, sobre
a luta pela conquista da terra, pensando como as experiências sociais vão
compondo perspectivas de futuro.
No diálogo com os trabalhadores algumas questões fluíram no seguinte
sentido: como foi para esses trabalhadores sair do campo e ir para a cidade?
Porque e quais as motivações na escolha de Uberlândia? Porque voltaram
para o campo? Como e em que condições voltaram? O que esperam da vida
no campo? Como se organizam e planejam o cotidiano? Quais as dificuldades
18
KHOURY, Yara Aun. Muitas Memórias, Outras Histórias: cultura e o sujeito na história.
In: FENELON, Déa Ribeiro; MACIEL, Laura Antunes et all. (orgs.). Muitas Memórias, Outras
Histórias. Ed. Olho d’ Água, São Paulo, 2004, p. 116-138.
21
e empecilhos encontrados no morar na cidade e/ou no campo? Como é morar
em um acampamento de Sem Terra? Quais as perspectivas ao ser assentado
na terra? E quais são as limitações? Como é o cotidiano no assentamento e no
acampamento? O que é e quais as diferenças de se trabalhar na cidade e/ou
no campo? Quais as mudanças de comportamento? O que é ser um assentado
na atual conjuntura social, econômica e política? O que eles esperam da
reforma agrária? O que é para eles a reforma agrária? Que perspectivas de
futuro esses trabalhadores constroem com a possibilidade dela?
Neste sentido, abrindo-me mais para as narrativas e o que elas iam me
indicando fui percebendo questões a serem exploradas e uma outra
problemática passou a compor minha proposta de trabalho. As questões
levantadas indicavam a importância de se compreender como os trabalhadores
do Emiliano Zapata vivem e se organizam, isto é, a intenção e o objetivo da
dissertação passaram a ser os modos como homens e mulheres de diferentes
lugares e que viveram um intenso processo de deslocamentos pelas regiões do
país, construíram e viveram as lutas pela conquista da terra, dando significados
e constituindo o Movimento social, o MST, no município de Uberlândia e nessa
trajetória como foram construindo junto a outros o MST no Triângulo Mineiro,
pensando sobre suas trajetórias de lutas pela terra como lutas pela própria
vida. Entendendo que estas lutas estão fortemente marcadas e ganham
significados nos dilemas, impasses, conquistas, alegrias, festas e sofrimentos
da luta pelo direito à terra.
Procurei focar o trabalho nos trabalhadores e por meio de suas narrativas
discutir suas trajetórias de lutas pela terra na/pela qual foram construindo o
MST em Uberlândia e região do Triângulo Mineiro, evidenciando como foram
adquirindo consciência de si mesmos e se politizando nas experiências sociais
vividas como tensões.
Deste modo, a problemática que envolve esta dissertação é a reflexão que
evidencia como e de que maneira trabalhadores do grupo do Emiliano Zapata
foram se constituindo em uma força social e política por meio dos modos que
foram se forjando como Sem Terra no cotidiano do acampamento, do
assentamento ou fora deles, mediados pelos ideários políticos e de
organização do MST. Envolve a reflexão sobre modos como na luta pela terra
22
resistem à dominação que assume configurações diversas; e como essa
resistência se constitui impregnada de tensões e ambigüidades.
Ao lidar com narrativas que são únicas procurei compreender os
significados atribuídos às experiências nas lutas pela terra que os
trabalhadores foram construindo e vivendo ao longo dos últimos seis anos. Na
experiência vivida hoje, busquei apreender como interpretam e tratam as
experiências passadas, ou seja, busquei apreender como esses olhares sobre
o passado sofrem as influências de um presente vivido como tensão. Pensando
as narrativas como práticas sociais, atos interpretativos que descortinam
maneiras como esses trabalhadores compreendem a realidade, identificam-se
entre si e identificam forças dominantes às quais resistem e enfrentam.
19
As questões discutidas nessa dissertação foram amadurecendo e sendo
constituídas, considero que desde as primeiras entrevistas que realizei nos
anos de 2001 e 2003 com alguns trabalhadores, ainda, no tempo de
acampamento Emiliano Zapata, buscando trazer à tona a vivência da luta como
acampado e as expectativas criadas em torno do viver na cidade,
principalmente, em Uberlândia. As muitas questões levantadas por eles
naquela época instigaram-me a realizar outras e novas entrevistas no
mestrado, que foram possíveis nos meses de março e abril do ano de 2005.
Neste sentido, optei por trabalhar privilegiando, nessa dissertação, as
entrevistas feitas no ano de 2005. A escolha de cada trabalhador surgiu do
interesse por aqueles que estiveram desde o primeiro dia e primeira ocupação
de terra do grupo que fundou o acampamento Emiliano Zapata há seis anos. A
intenção era de reavivar a lembrança da vida e das lutas dos primeiros
trabalhadores que começaram e resistiram na luta pela terra.
Na lida com as entrevistas encontrei algumas dificuldades tanto no sentido
de compreender os procedimentos de análise e reflexão teórica no uso da fonte
oral, como pelo fato de ter me afastado do convívio quase diário com esses
trabalhadores. Meus estudos no mestrado exigiram meu afastamento
geográfico da região do Triângulo Mineiro e de atuação política em Uberlândia,
o que gerou muitas dúvidas na construção da pesquisa e desenvolvimento do
trabalho. Na minha compreensão, estudar e mudar-me para São Paulo foi uma
19
Idem.
23
retirada de cena que poderia não ser entendida pelos trabalhadores com os
quais dialogava.
O afastamento em determinados momentos pesou também pelo fato de
carregar em minha memória um acontecimento marcante: uma trabalhadora
Sem Terra, durante uma conversa, havia me indagado o que eu fazia na
universidade; ao responder ela me disse: “É estudar a desgraça dos outros!”.
Com o tempo estas questões foram acomodando-se e com o devido
distanciamento ficaram mais claras e não tão pesadas. Estar na academia
estudando o MST era também uma forma de luta. Escolher refletir sobre o
processo amplo de luta dos trabalhadores pela terra, buscar compreender os
significados históricos dessa luta de classes no Brasil focalizada no
assentamento Emiliano Zapata para mim era enfrentar outras abordagens no
âmbito da historiografia e enfrentar igualmente minhas próprias limitações no
exercício do oficio do historiador.
Sob este olhar meu retorno para Uberlândia para fazer as entrevistas para
a pesquisa foi envolvido por muitos sentimentos e, talvez, o maior deles foi a
satisfação por estar pisando nas terras conquistadas a duras penas e
sofrimentos por parte daqueles trabalhadores.
Neste meu retorno os trabalhadores que, até então, estavam acampados,
viviam o processo de desapropriação de três fazendas em Uberlândia. São as
fazendas: Bebedouro, Água Limpa e Santa Luzia acerca de 40 Km do
perímetro urbano. Nessas três áreas assentaram-se as famílias que estavam
mais tempo acampadas por toda a região do Triângulo Mineiro, sendo que os
trabalhadores do acampamento Emiliano Zapata não foram todos para a
mesma fazenda devido ao fato de terem sido desapropriadas em períodos
diferentes e as extensões territoriais de cada uma não comportarem todas as
famílias do mesmo grupo, tendo que ser redistribuídas pelas fazendas.
Desta maneira, planejei e me organizei para as visitas aos
assentamentos, as quais por várias vezes foram suspensas, devido ao fato dos
assentamentos serem de difícil acesso. É escassa a disponibilidade de ônibus
que atenda a população do campo por parte da prefeitura municipal de
Uberlândia, o que dificulta o deslocamento até as áreas. Com o escasso
tempo para a realização do mestrado (24 meses) não tive condições de visitar
todos três assentamentos a tempo.
24
Na minha preocupação de apreender dimensões da experiência vivida
narrada pelos próprios trabalhadores, a escassez do tempo tornava-se um
limite a transpor: estabelecer contato com as pessoas e ir construindo um clima
agradável
20
que possibilite uma troca fértil; conviver com os entrevistados o
máximo possível para melhor entender essa experiência social requer tempo,
habilidade e um ir-e-vir durante um período de que não dispunha. Morando
distante do lugar da pesquisa de campo, mesmo já conhecendo todos os
trabalhadores entrevistados, senti algumas limitações. Passei a entender
melhor o significado e a importância do convívio e da observação do
pesquisador na produção e análise das entrevistas. Ao aperfeiçoar minha
compreensão de que a pesquisa se constrói no diálogo entre entrevistado e o
entrevistador.
O tempo do mestrado não é um tempo em que se vive somente para o
estudo, mas também para o trabalho, família, casamento, doenças,
dificuldades e preocupações de ordem emocional e financeira, isto é, vive-se. É
fundamentalmente um tempo de dois anos em que se revê, entre tantas coisas,
a própria pesquisa e militância, refletindo sobre abordagens, escolhas,
enquanto se vive.
Sob esta perspectiva, fui aprofundando leituras de uma bibliografia que
contribuiu para compreender e lidar com essas dificuldades e limitações.
Principalmente, fui compreendendo que ao privilegiar a fonte oral meu trabalho
seria uma construção conjunta entre o entrevistado e entrevistador, na qual
ambos estão inter - relacionando e colocando questões um para o outro,
levantando problemas e apontando idéias. Ambos estão se refazendo e
reelaborando os olhares sobre os acontecimentos.
Dessa maneira, compartilhando com Alessandro Portelli
21
, os textos
produzidos são resultados de diálogos buscando igualdade da troca de pontos
de vistas; é um trabalho de co-autoria. Neste sentido, e por assim
compreender, minha opção nunca foi por uma metodologia técnica e modelar
no sentido de questionários pré-estabelecidos; a percepção é de que a
20
Sobre a relação entre entrevistado e entrevistador ver: PORTELLI, Alessandro. “Forma e
significado na História Oral. A pesquisa como um experimento em igualdade”. In: Revista
Projeto História, São Paulo, n.14, fev., pp. 7-24, 1997.
21
Idem.
25
entrevista, seguindo seus propósitos, flua dentro de um diálogo, buscando
entendê-la e explicá-la na dinâmica social, histórica.
A alteração da minha primeira proposta de pesquisa foi se dando no
próprio percurso dos estudos e reflexões teóricas em diálogo com a realidade
empírica em que pude compreender melhor meus objetivos e interesses com
esse trabalho.
Neste sentido, o modo de pensar a História como experiência social e
cultural como todo modo de vida e os procedimentos da pesquisa como um
diálogo entre teoria e realidade empírica, compartilho com autores como
Richard Hoggart, E. P. Thompson, Raymond Williams, Stuart Hall, construtores
do que chamamos hoje Estudos Culturais na perspectiva de alguns ingleses.
Esse grupo a partir de meados dos anos 50 contribuiu na transformação dos
estudos sobre cultura e sociedade.
Nesta direção a sociedade passou a ser abordada e pensada também na
perspectiva da cultura, em um questionamento da noção de racionalidade
construída no ocidente que marcou a escrita e a linguagem da História e de
outras áreas do conhecimento. Os Estudos Culturais provocaram um repensar
de conceitos buscando entendê-los e abordá-los na perspectiva de sua
historicidade. Dessa maneira, somos alertados para os significados históricos e
culturais das abordagens e dos olhares políticos dos quais partimos.
É notório que o conceito de cultura é polêmico e alvo de várias discussões
e neste trabalho busquei pensá-lo como todo o modo de vida e de luta dos
sujeitos. Evitando lidar com um conceito fechado e abstrato de cultura, procuro
estar aberta às múltiplas interpretações que os trabalhadores do Emiliano
Zapata fazem dessa experiência vivida e construída por eles em meio às
pressões e limites do Movimento social.
No decorrer do mestrado foi de muita importância participar e assistir os
Seminários Temáticos do Programa do Mestrado, em especial, o Seminário:
“Estudos Culturais: historicidade e abordagens”, ministrado pela professora
Maria Antonieta Antonacci, no qual pude ler e inteirar-me de alguns dos
movimentos históricos em que emergiu o conceito de cultura.
Para além, de entender cultura como modo de vida dos sujeitos, entender
também como foi possível o surgimento de reflexões sobre os modos como
viviam os trabalhadores, o que faziam, o que pensavam em uma época de
26
transformações em torno das acepções sobre classe, trabalhadores e a
esquerda, com os movimentos de revisão e questionamentos das teorias
reducionistas e economicistas sobre o marxismo na segunda metade do século
XX. Para mim, abriram-se outras possibilidades de interpretação e
conhecimento sobre teorias que há algum tempo eu vinha trabalhando, embora
na realidade não compreendesse de forma clara o movimento histórico e
político em que se desenrolaram. Pressuponho ainda ter muito o que entender,
pois nunca abarcamos tudo e a experiência histórica também se transforma.
Por isso, melhor dizer que comecei a entender a historicidade da própria
historiografia.
Richard Hoggart um dos expressivos pensadores dos Estudos Culturais
em seus dois volumes do livro: “As Utilizações da Cultura”, também auxilia
minha reflexão ao realizar, em seus estudos, “exames detalhados dos
aspectos mais significativos da vida moderna”
22
. Na primeira obra reflete sobre
a permanência, na vida da classe trabalhadora, de elementos (atitudes)
antigos. Já na segunda obra, discute como elementos da vida cotidiana e
contemporânea influenciam os trabalhadores a desempenharem atitudes
diferentes ou adaptar com as novas as antigas atitudes.
Hoggart na perspectiva de abordar as alterações nos comportamentos das
pessoas e de observar como atitudes novas são incorporadas em outras que já
existem, passando a coexistir em uma mesma pessoa, lançou luzes, novas
abordagens e novos olhares conjuntamente com Raymond Williams, Stuart
Hall e Thompson. Com a contribuição fundamental de todos eles a cultura
passou a ser questionada e trabalhada como elemento importante para se
compreender os movimentos dos trabalhadores. Apontando a perspectiva de
se pensar e lidar com os trabalhadores, se fazendo como sujeitos das e nas
lutas cotidianas.
Nessa direção Thompson
23
chama a atenção para se pensar os
trabalhadores se formando como classes no processo histórico, para se pensar
as classes como relações, bem como para se refletir sobre as formações
históricas da consciência. Lendo Stuart Hall podemos situar-nos melhor nos
22
HOGGART, Richard. As utilizações da cultura. V.2, Lisboa, Editorial Presença, 1973.
Tradução: Maria do Carmo Cary.
23
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária. 3 v. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
27
propósitos da formação do Centro de Estudos Culturais na Inglaterra, espaço
privilegiado desses debates.
“Nossas indagações sobre cultura – e eu não tentarei oferecer nenhum tipo de
definição compreensiva do termo – tinham a ver com as mudanças no modo de
vida de sociedade e grupos e com as redes de significado que indivíduos e
grupos usam para dar sentido a, e para comunicar-se uns com os outros: o que
Raymond Williams chamou de modos totais de comunicação – que sempre são
modos totais de vida, a obscura encruzilhada onde a cultura popular se cruza
com a cultura erudita, aquele lugar onde o poder atravessa o conhecimento ou
onde os processos culturais antecipam a mudança social (...) estas eram nossas
preocupações. A questão era, onde estudá-las? (...) Estudos Culturais, onde
quer que existam, refletem a base que muda rapidamente, de pensamento e de
conhecimento, de argumento e de debate, de uma sociedade e de sua própria
cultura. É uma atividade de auto-reflexão intelectual. Opera dentro e fora da
Academia (...)”.
24
Na pesquisa bibliográfica percebi que fazem parte do rol de intenções e
preocupações de inúmeros estudiosos nas áreas de Ciências Humanas e
Sociais, temáticas envolvendo Organizações, trabalhadores e Movimentos
sociais pelo viés político e sócio-econômico. Dentro dessa gama de produções
bibliográficas os olhares e abordagens voltados para os mecanismos
econômicos, de certa maneira, não têm relevado as experiências sociais.
Pouca produção ou preocupação sobre a vivência, sobre os significados das
experiências sociais dos sujeitos que constroem cotidianamente os
Movimentos sociais. Produções que parecem indiferentes aos modos em que
vivem os trabalhadores, como os mesmos reelaboram as ações políticas,
econômicas e culturais construídas por eles ou dirigidas a eles, ou mesmo não
se dedicam a consciência que esses sujeitos têm de si mesmos.
Em muitas dessas produções bibliográficas as análises sobre a realidade
histórica restringem-se, muitas vezes, a critérios sistêmicos e quantitativos
correndo os riscos da homogeneização, enfrentando pouco a complexidade e
24
HALL, Stuart. “Race, culture, and comunications: looking backward and forward at cultural
studies”, em STOREY, John (ed.) WHAT IS CULTURAL STUDIES?, London: Arnold, 1996, p.
336-343. Tradução: Helen Hughes e Yara Aun khoury.
28
diversidades históricas por meio das quais se constrói a realidade. Por outro
lado, encontramos também uma tendência bibliográfica que ao falar dos
Movimentos sociais do campo e da cidade busca analisar e focar a realidade
somente a partir dos grandes líderes e as ações organizativas. No dizer de
Fenelon:
“(...) a preocupação de acompanhar as realizações apenas de lideranças e dos
segmentos ativistas do proletariado, obscureceu o exame da vivência de outros
homens, mulheres e crianças e negligenciou forças culturais importantes
incluindo aí a vida em família, os hábitos e costumes sociais dos diversos
segmentos da população, a religiosidade e seu peso na formação das tradições,
as festividades populares, as experiências enfim, do viver no campo e na cidade
em época de transformação e, sobretudo, os momentos mais importantes da
configuração do se definir a dominação social e seus desdobramentos, em
construir outros elementos do viver, seja nos hábitos de morar, de se alimentar,
se divertir e expressar suas peculiaridades, para construir novas estratégias de
governo dos indivíduos, na formação do homem dócil e domesticado necessário
ao mundo moderno, agora como fruto da racionalidade capitalista.” (FENELON,
1991:12).
A pouca expressividade de uma perspectiva historiográfica que busca
problematizar os movimentos histórico, social e cultural, construído, vivido e
experimentado pelos sujeitos não é uma novidade, mas a busca desse
caminho tem tendido a crescer, quando as pesquisas se voltam para um
diálogo aberto com a realidade. Este pode se tornar ainda mais fértil quando se
investe em um diálogo entre as áreas do conhecimento. Nas leituras que fiz
constatei interesses e produções em torno das discussões que apontei no
campo da História social. Uma luta que vem a cada dia fortalecendo-se, por
exemplo, com as produções de inúmeros estudiosos da História social na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Entre estas leituras, algumas ajudaram-me a construir meu próprio
caminho como a leitura da tese de Maria Elsa Markus
25
, a qual trabalha com
experiências vividas de trabalhadores migrantes na luta pela terra, mediados
25
MARKUS, Maria Elsa. Trabalhadores Sem Terra: “Somo nóis que o Movimento”, 2002,
orientação: Dra. Yara Aun Khoury, Programa de Estudos Pós-Graduados em História, PUC/SP.
29
pelo MST, no Estado de Mato Grosso, no período compreendido entre 1995 a
1999. Este trabalho foi de grande inspiração para minhas reflexões, sobre os
procedimentos de pesquisa na construção das fontes e uso das narrativas de
trabalhadores Sem Terra e militantes.
Dulcinéia Pavan
26
problematiza as experiências vividas por mulheres
trabalhadoras assentadas em Promissão – SP. Na perspectiva de discutir a
construção da reforma agrária pelos caminhos femininos, Pavan pesquisa como
mulheres assentadas em Promissão/SP vivem e tratam a experiência de luta
pela terra. Um trabalho que para, além disso, contribuiu pela trajetória
acadêmica e de militância da autora ajudando-me a refletir os supostos
impasses dessa natureza.
A dissertação de Rogério Sottili
27
trouxe elementos para pensar como
abordar e utilizar as fontes impressas pelo MST, bem como fontes produzidas
por outros sobre o Movimento e o mais importante, pensar e problematizar a
fonte imagética. Sottili por meio de fotos produzidas pelo MST publicizadas pelo
Jornal Sem Terra, pelo fotografo Sebastião Salgado e pelo jornal Estadão sobre
a luta dos Sem Terra, analisa essas imagens como campo de disputas sociais,
construindo os significados sobre o Movimento, ora afirmando sua importância
histórica, ora desqualificando, como um Movimento de baderneiros e ladrões.
Nesse trabalho, o autor relaciona os discursos dessas três fontes, interpretando
essas imagens como instrumentos dessa luta política. Sottili chama nossa
atenção para o poder da imagem e da sua construção sensibilizando-nos para
os compromissos que assumimos ao lidar com os temas da
contemporaneidade, sempre marcado pelo olhar e o posicionamento político de
quem escreve.
Na dissertação de Luzia Marcia Resende Silva
28
sobre os trabalhadores
em luta pelo direito à terra no Triângulo Mineiro, pude conhecer melhor as
histórias anteriores de vida de trabalhadores numa região, que eu mesma
26
PAVAN, Dulcinéia. As Marias Sem Terras - Trajetória e Experiências de Vida de Mulheres
Assentadas em Promissão-SP 1985-1996, 1998, orientação: Dra. Yara Aun Khoury. Programa
de Estudos Pós-Graduados em História, PUC/SP.
27
SOTTILI, Rogério. MST: A Nação além da cerca a fotografia na construção da imagem e da
expressão política e social dos sem - terras, 2004, orientação: Yara Aun Khoury. Programa de
Estudos Pós-Graduados em História, PUC/SP.
28
SILVA, Luzia Marcia Resende. Os Trabalhadores em Luta Pela Terra no Triângulo Mineiro:
1989/1996, 1996, orientação: Dra. Yara Aun Khoury. Programa de Estudos Pós-Graduados em
História, PUC/SP.
30
trabalho. Foi relevante, para mim, por reconhecer interpretações de
trabalhadores que me são familiares, como militante do MST na região; eu os
conheci também na luta cotidiana.
Outra tese lida foi de João Kruger
29
que analisa as problemáticas vividas
por trabalhadores Sem Terra nas “relações e a convivência no assentamento
do MST em Itapeva”, buscando discutir, principalmente, na perspectiva das
ações coletivas. Kruger trabalhando sob outra perspectiva não priorizando as
fontes orais trouxe contribuições para eu perceber diferenças de abordagens
no trato com a fonte oral.
Vagner José Moreira
30
lidando com as histórias de vida de trabalhadores
rurais Sem Terra no município de Sumaré-SP, interpreta os significados do ser
e do fazer-se de sujeitos como Sem Terra, pesquisando elaborações e
reelaborações de valores, normas morais, imagens, entre outros, “tensionados
nas vivências na roça, na cidade e na terra”. Pensando estas questões este
trabalho contribuiu no sentido de entender o uso da fonte oral.
Aberta ao diálogo com outras áreas do conhecimento, algumas leituras
chamaram-me atenção. Certos estudos sobre as experiências sociais de
sujeitos que se colocam em luta pela terra ainda se restringem a uma História
atenta a dimensões sociais do cotidiano em uma perspectiva descritiva.
Algumas tendências começam a explorar esse cotidiano em sua dimensão
política.
Em outras áreas do conhecimento como a Ciências Sociais vale também
ressaltar um trabalho que se mostra mais aberto a uma tendência política. Uma
leitura que me interessou foi o livro de Maria Aparecida Moraes Silva
31
: “A luta
pela terra: experiência e memória”
32
. O diálogo deu-se pela proposta de
29
KRUGER, João. “A Força e a Beleza Brotam da Terra”, 2004, orientação: Dra. Denise
Bernuzzi de Sant’Anna. Programa de Estudos Pós-Graduados em História, PUC/SP.
30
MOREIRA, Vagner José. “Trabalhadores na luta pela terra campo e cidade: valores,
memórias e experiências de trabalhadores rurais Sem Terra. Sumaré - 1980-1997”, 1997,
orientação: Yara Aun Khoury. Programa de Estudos Pós-Graduados em História, PUC/SP.
31
Silva é mestre e doutora em Sociologia do Desenvolvimento pela Université de Paris I
(França), com pós-doutorado e livre-docência na UNESP.
32
Esse livro faz parte da Coleção Paradidáticos que pela proposta pedagógica pode atingir um
número maior de leitores que se familiarizam com o tema das experiências sociais dos Sem
Terra. Uma coleção editada pela UNESP, no livro em questão encontra-se: “(...) os autores da
Coleção aceitaram o desafio de tratar de conceitos e questões de grande complexidade
presente no debate científico e cultural de nosso tempo, valendo-se de abordagens rigorosas
dos temas focalizados e, ao mesmo tempo, sempre buscando uma linguagem objetiva e
desprentensiosa” p. 5. Ainda pela mesma autora ver discussão sobre o Trabalho no texto: “Se
31
reflexão da autora sobre as experiências sociais dos trabalhadores Sem - Terra
na perspectiva do como vivenciam as tensões da luta pela terra.
Baseando-se em narrativas das pessoas que lutam pelo direito à terra, a
autora foge das análises sobre os trabalhadores rurais organizados em
Movimentos sociais moldadas pela imagem da mídia, como criminosos e como
aqueles que perturbam a ordem ou por outro lado, apenas vítimas do sistema
capitalista. Foge ainda de análises que buscam explicar o MST e denunciar as
incoerências dos sujeitos na perspectiva de anulá-lo ou de lhe retirar a
legitimidade. Há certa abertura para o debate com a perspectiva da História
social, no sentido de problematizar viveres urbanos e rurais. Nas palavras de
Silva busca-se: “(...) trazer à tona uma nova dimensão da experiência
vivenciada por homens e mulheres que lutaram e ainda lutam pela terra”.
Oportuna também foi a leitura do livro na área de geografia de João
Edmilson Fabrini
33
que busca refletir sobre os assentamentos de trabalhadores
Sem Terra como sendo o espaço e o território construídos pelos sujeitos que
passam a ter consciência de si como trabalhadores rurais em luta pela terra,
mesmo depois de conquistá-la. Discute as peculiaridades de cada
assentamento com projetos específicos mediados pelas trajetórias de vida dos
assentados na dinâmica social vivida.
A leitura deste livro é importante para pensar sobre as condições de vida
dos trabalhadores na fase do assentamento, no sentido de dialogar sobre as
semelhanças nas trajetórias de vida de trabalhadores assentados neste país. A
leitura contribuiu para problematizar as narrativas dos meus entrevistados que
agora se encontram assentados.
Por outro lado, com relação a outros olhares e abordagens acadêmicas,
na pesquisa bibliográfica me deparei com o livro: Da luta pela terra à luta pela
vida: entre os fragmentos do presente e as perspectivas do futuro, de Eliane
Brenneisen
34
. Esta leitura perturbou-me e colocou-me indagações sobre uma
eu pudesse eu quebraria todas as máquinas”. In: ANTUNES, Ricardo; SILVA, Marira A. M.
(orgs.). O Avesso do Trabalho. Editora Expressão Popular, 2004.p. 29-78.
33
FABRINI, João Edmilson. Assentamentos de Trabalhadores Sem Terra: Experiências e Lutas
no Paraná. Cascavel, PR, EDUNIOESTE, 2001. O autor é doutor em Geografia e dedica seu
trabalho ao conhecimento das experiências das lutas pela terra dos trabalhadores pobres no
Estado do Paraná.
34
Socióloga e doutora em Ciências Sociais pela PUC/SP.
32
escrita que dicotomiza o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
entre os militantes e os assentados, com a finalidade, ou pelo menos foi assim
que me pareceu, de denunciar supostas divergências desqualificando e
desautorizando a luta e os trabalhadores do MST. A inquietação com essa
leitura pode ser explicitada nos trechos a seguir em que Brenneisen, ao
separar quem é quem na dinâmica social vivida, assim enuncia a luta do MST:
“Os fatos que temos relatado demonstram a incompatibilidade entre o projeto
organizacional do MST e o projeto de vida da base e o quanto a maneira que
tem-se dado a interferência das lideranças nos assentamentos rurais tem sido
prejudicial às famílias de agricultores. A postura adotada pelo MST junto aos
assentamentos, além de prejudicial ao grupo do ponto de vista organizacional e
da democratização das relações sociais no campo, tem-se mostrado totalmente
inócua aos seus intentos. Por mais que se tenham somado esforços nesse
sentido, a prática tem mostrado a mais completa inutilidade deles, pois o desejo
das famílias tem sido mantido e essas experiências desmanteladas(...)”.
(BRENNEISEN, 2004:77).
“(...) ao mesmo tempo que o MST se constitui, incontestavelmente, num
movimento de importância crucial (reconhecido até mesmo pelos setores
estatais) principalmente por colocar o tema da reforma agrária na agenda
política do país, tem exorbitado da sua atuação, quando procura fazer dos
pobres da terra um instrumento de uma causa socialista que passa ao largo de
seu universo sóciocultural e, conseqüentemente, de seus projetos de vida”.
(BRENNEISEN, 2004:135-136).
Compreendo que não se trata de dicotomizar a prática social e cultural de
luta dos trabalhadores que dão forma e existência ao que chamamos de MST
seja, pelos seus militantes e os ditos trabalhadores da “base do Movimento”,
os acampados e assentados. Mas sim, depreender os processos em que os
trabalhadores encaminham suas lutas na perspectiva do movimento social
vivido, como processos contraditórios, impregnados de conflitos e
ambigüidades. Muito mais pensar o MST na sua complexidade para buscar os
diversos significados dados pelos seus integrantes, pensar no movimento das
pessoas que de forma geral dão os tons do MST, evidentemente deixando
33
claro nossa posição política, mas, não julgando esse processo como
verdadeiro ou falso ou separando o MST daqueles que o constrói em um
processo em que há aceitação ou não de um ideário político.
Imbuída dessas leituras e refletindo sobre as questões afloradas dessa
bibliografia trabalhada, busquei explorar minha problemática no diálogo com os
trabalhadores do grupo Emiliano Zapata, atenta aos significados das
experiências sociais. Sobre esses trabalhadores é importante ressaltar
algumas questões: são trabalhadores que possuem uma extensa trajetória de
migração pelo território brasileiro na busca pela sobrevivência com qualidades
e condições melhores de vida, sendo esta uma referência básica para esses
trabalhadores que se expressa em suas interpretações, projeções e lutas pela
terra.
No processo de migração João Moura dos Santos, 57 anos, saiu do
nordeste e foi para o Paraná, depois foi para São Paulo e em seguida foi para
Uberlândia. No Paraná casou-se com Eva Lima dos Santos, 52 anos, que
também entrevistei, nascida em São José da Pedra Dourada em Minas Gerais
e aos dezessetes anos foi para o Paraná junto com o marido e passou a fazer
também o mesmo processo de migração. Teresa Pacheco do Carmo, 47 anos,
nascida em Patos de Minas migrou para Belo Horizonte, depois para Brasília e
Goiás, onde teve sua primeira participação em ocupação de terra organizada
pela igreja católica que freqüentava, indo depois para Uberlândia. Jonas Batista
Nunes, 51 anos, nasceu em Abadia dos Dourados em Minas Gerais mudou-se
para Uberlândia depois foi para o Maranhão, passou por Mato Grosso, Brasília
e depois voltou para Uberlândia. Em Uberlândia Jonas Batista Nunes casou-se
com Teresinha Gomes Nunes, 48 anos, que também entrevistei, quando
solteira foi para Goiás passando pelas cidades de Paraúna e Morrinhos.
Os trabalhadores com os quais dialoguei, na trajetória de migração iam
para os estados citados e por falta de emprego e qualificações profissionais
exigidas nas cidades não conseguiam emprego fixo e com garantias ao
trabalhador, quando surgia algum trabalho era serviço de curta duração,
temporário nas fazendas do município ou mesmo nas cidades, serviços estes
conhecidos entre os trabalhadores como pequenos “bicos”.
As experiências de trabalho de Jonas Batista Nunes, Teresa Pacheco do
Carmo e Teresinha Gomes Nunes são representativas das experiências de
34
muitos outros, Jonas trabalhou grande parte da vida como ajudante geral,
como mesmo diz: “de qualquer coisa que aparecia”, o que pode indicar, por
exemplo, na construção civil, como ajudante de pedreiro, no Maranhão Jonas
trabalhou como tratorista, em Brasília como marceneiro; Teresa Pacheco do
Carmo trabalhou sua infância e adolescência em Belo Horizonte como
doméstica, em Brasília como secretária, depois em outro estado na lavoura de
café, também trabalhou na cozinha de restaurante e em Uberlândia conseguiu
emprego em uma empresa de ônibus municipal como cobradora até ter
problemas de saúde e ser demitida. Teresinha Gomes Nunes no Goiás sempre
trabalhou nos serviços da roça nas plantações e colheitas no período de safras,
em Uberlândia conseguiu emprego na prefeitura e foi trabalhar na rodoviária da
cidade passando por diversos setores da empresa e depois trabalhou por
pouco tempo em uma fábrica de confecção de roupas.
Desta forma, eu optei por focar neste trabalho a realidade e trajetórias de
vida e lutas de alguns trabalhadores, os quais nos seis anos de luta pela terra
mediada pelo MST atuaram nessa organização em várias instâncias de
coordenação, todos eles em algum momento nesses anos foram escolhidos
como coordenadores pelos outros trabalhadores do acampamento para
assumir e representá-los na direção local, regional e estadual do Movimento.
No momento das entrevistas Jonas Batista, Teresa Pacheco e João Moura
estavam na coordenação do assentamento.
Neste sentido, foquei o trabalho na trajetória de lutas dos trabalhadores
que foram para o assentamento realizado na fazenda de nome Santa Luzia, a
qual foi renomeada de assentamento Emiliano Zapata. Nas outras áreas
desapropriadas os trabalhadores celebraram suas conquistas dando outros
nomes, como Canudos que, para além da homenagem à história de luta da
população de Canudos no final do século XIX, traz também na memória dos
trabalhadores os dias de lutas do acampamento de Canudos, localizado no
município de Santa Vitória/ Triângulo Mineiro; a terceira área passou a ter o
nome de Flávia Nunes
35
em uma homenagem a uma menina que aos oito anos
35
Ao longo dos anos Flávia começou a participar da dinâmica social e política do grupo
ajudando outras crianças com reforço pedagógico-escolar no Setor de Educação do
Movimento. Após seis meses de sofrimento, Flávia faleceu. Este fato abalou toda comunidade,
principalmente, pela maneira como tudo aconteceu. De acordo com a mãe de Flávia foram
35
de idade acampou com seus irmãos e seus pais - Jonas Batista Nunes e
Teresinha Gomes Nunes escolhidos para as entrevistas - dando início à sua
história na luta pela terra dentro do acampamento Emiliano Zapata e aos
quatorze anos, em junho de 2004, veio a falecer vítima de um câncer na perna.
Desta maneira, as questões deste trabalho foram abordadas em três
capítulos. No primeiro capítulo: “Emiliano Zapata”: a cidade e a terra no
horizonte das migrações, reflito sobre as hesitações, decisões, ações e reações
dos trabalhadores do Emiliano Zapata pela conquista da terra na região de
Uberlândia e Triângulo Mineiro, na perspectiva da correlação de forças políticas
que movem essa região.
O segundo capítulo: “O Sonho deu ter o meu lugar, deu falar assim: daqui
eu num saiu mais: outros Desafios”, por meio do modo como interpretam e
apresentam os novos desafios e as dificuldades da condição de assentados,
procuro perceber o que são, para eles, questões importantes, cruciais e
urgentes no cotidiano de lutas engajados no MST. Assim, quais significados e
sentimentos sobre os resultados de seis anos de luta e em que medida, para
eles, a luta continua. Discuto os momentos do acampamento e do
assentamento não somente como a concretização de um espaço físico, como
também espaço político que se faz no dia-a-dia, pensando esses espaços como
lugar de tensões e desafios.
Terceiro capítulo: “Porque a terra sozinha somente a terra num compensa”,
reflito sobre como as experiências cotidianas nas lutas pela terra mediadas
pelos ideários do MST vão transformando os trabalhadores do Emiliano Zapata,
evidenciando como se tornam portadores de novas expressões e práticas.
Pensando sobre como a trajetória de lutas pela terra modifica suas vidas e suas
acepções sobre a realidade vivida. Busco interpretar os significados
reelaborados pelos trabalhadores sobre a luta, o MST e a reforma agrária.
“Há idéias e modos de vida com as sementes da vida (...)”.
(Raymond Williams).
negligência e inexperiência dos médicos que acompanharam sua filha, para ela, Flávia poderia
estar viva se tivesse melhores profissionais e atendimento hospitalar.
36
Capítulo I
“Emiliano Zapata”: a cidade e a terra no horizonte das migrações.
“Aí foi quando eu recebi o convite pra entrar pro Movimento
Sem Terra naquela época (...)”. (Jonas Batista Nunes).
A vinda de trabalhadores pobres migrantes de cidades e estados em
busca de condições melhores de trabalho e de vida por muitos anos,
principalmente, os anos 70, manteve um elevado índice na cidade de
Uberlândia localizada no Triângulo Mineiro. Índice que em determinados anos
declinou, embora esta cidade seja conhecida como a cidade que tanto atraiu e
de certa forma ainda atrai trabalhadores em busca de sobrevivência.
Muitos destes trabalhadores migrantes e pobres viveram e continuam a
viverem sob condições precárias nos bairros da periferia, fazendo pequenos
trabalhos que não lhes garantem renda fixa e suficiente para sustentarem suas
famílias. Revivendo um ciclo de pobreza e dificuldades, muitos destes
trabalhadores ficam por longos períodos desempregados ou mesmo nem
conseguem emprego.
Buscando perspectivas de sobrevivência em abril de 1999 alguns desses
trabalhadores que migraram para Uberlândia conheceram a possibilidade de
seguirem outra trajetória de vida e de luta quando, militantes do MST,
estabelecidos em Uberlândia no intuito de organizar os trabalhadores pobres e
desempregados para a luta pela terra, reuniram e propuseram à alguns destes
trabalhadores a ocupação em uma fazenda da região.
Vindos de diferentes lugares com necessidades e motivações variadas,
movidos por entusiasmos e desilusões, um grupo de aproximadamente
36
150
36
É importante dizer que a exatidão nos números das famílias ocupantes da terra não fez parte
de minhas preocupações, pois o interesse foi muito mais na maneira como os trabalhadores
lembraram dos companheiros que fizeram a ocupação. Para alguns os números são 150, para
outros em torno de 250 famílias. Na trajetória de ocupações de latifúndios, despejos e novas
ocupações, o número de pessoas do grupo de trabalhadores rurais Sem Terra do Emiliano
Zapata chegou a alguns períodos a aproximadamente 250.
37
famílias constitui dimensões do Movimento dos Sem Terra no município de
Uberlândia no Triângulo Mineiro.
Como esses trabalhadores narram hoje essa experiência? Como se veem
nesse processo? Como se identificam e se reconhecem como força social em
luta e em formação? Que problemáticas apontam, hoje, como mais urgentes?
No diálogo com esses Sem Terra na busca de apreender os significados que
atribuem à experiência de luta construída ao longo dos seis últimos anos, a
vida presente dá contornos a esse passado e vice-versa. Nos modos como
narram forças e perigos enfrentados; como expressam carências, expectativas,
formas de organização em meio a tensões e disputas, é possível delinear
maneiras como sua consciência se constitui na luta; como esses trabalhadores
se politizam nas experiências vividas em tensão, na qual certas conquistas
desdobram-se em novos problemas, expressando-se em conflitos e disputas
internas ao grupo e frentes às pressões e limites da própria dominação.
O trabalhador João Moura dos Santos relembrando o início da luta assim
se expressou:
“(...) Preparamo pra nós fazer a primeira ocupação. Aí foi quando batizou o nome
daquele acampamento como Emiliano Zapata. Aí nós fomo e ocupamo essa
fazenda São Domingos (...)”.
37
João Moura dos Santos nos possibilita pensar sobre uma possível
cartografia das lutas expressas nos conflitos, impasses, negociações, alegrias,
emoções e conquistas desses trabalhadores que cotidianamente constroem o
MST em Uberlândia e pela região do Triângulo Mineiro.
Emiliano Zapata foi o nome escolhido para “batizar” o grupo de
trabalhadores no processo de ocupação da primeira fazenda de nome São
Domingos. No que se refere ao nome é interessante refletir como o mesmo
contribui para a identificação e para tornar pública suas lutas marcando a união
desses trabalhadores como um grupo social em movimento na luta diária pela
democratização do acesso à terra, ou seja, na perspectiva do MST Movimento
social em que se engajaram, na luta diária pela reforma agrária.
37
João Moura dos Santos. 30/03/05.
38
Indagar sobre como surgem e são construídos os momentos entre os
trabalhadores para a escolha do nome do acampamento e assentamento, é
pensar nos significados de importância e fundamentação que isto dará ao
grupo, porque o nome escolhido passa a ser referência na construção da
imagem e do sentimento de pertencimento ao acampamento do MST. Em um
breve levantamento sobre os vários nomes dos acampamentos/assentamentos
pelo país, observamos que os mesmos são sempre de pessoas com histórias e
trajetórias de lutas pela justiça e igualdade de condições sociais e em muitos
casos pessoas que morreram nessa luta.
Alguns desses nomes e histórias tornaram-se públicos em noticiários e
documentários feitos pelos meios de comunicação de massa ou de veículos de
informações de organizações e entidades sociais ligados aos setores da igreja
engajados nas lutas sociais, os partidos políticos de esquerda, Movimentos
sociais, universidades e outros. Mártires que passam a ser motivos de debates
como, por exemplo, o Movimento Zapatista que na segunda metade da década
de 90 fez o levante no México da causa indígena e com isto muitos foram os
documentários sobre a realidade social e política no México e a origem daquele
Movimento e os assuntos que o envolvem, inclusive, seu nome. Falando sobre
o Movimento Zapatista a imprensa nacional e internacional explorou o assunto,
principalmente, focada no sujeito Sub-Comandante Marcos, a maior expressão
pública deste Movimento, recuperando também a história do revolucionário
Emiliano Zapata.
Histórias e nomes simbólicos como esse passam também a ser
conhecidos pelos trabalhadores Sem Terra em suas reuniões, cursos,
palestras, assembléias e nos momentos de estudo sobre a História das lutas
sociais da humanidade, na perspectiva de estarem antenados ao seu tempo,
envolvidos politicamente com as lutas libertárias da América e do mundo.
Emiliano Zapata foi o nome que correu mundo e inspirou muitos Movimentos
sociais, como os trabalhadores do Triângulo Mineiro.
Histórias de pessoas que ao serem relembradas e homenageadas nos
acampamentos, assentamentos e na luta pela terra em suas várias formas de
manifestações como: festas, encontros, seminários, cursos, ocupações de
terras e de prédios públicos, místicas, marchas pelas rodovias, jejuns e greves
de fome, acampamentos nas capitais, acampamentos diante de bancos,
39
vigílias, manifestações nas grandes cidades e outras mais, ultrapassam
fronteiras dos tempos e espaços, ganhando também outros e novos
significados, marcando e registrando também outros viveres.
Hoje ao se falar, por exemplo, em Emiliano Zapata para determinado
segmento da sociedade no município de Uberlândia, pode-se ter a
possibilidade de debate não somente da história de vida e de luta do mexicano
Emiliano Zapata e o atual Movimento zapatista, como também trazer e reavivar
a memória sobre a história dos trabalhadores rurais Sem Terra engajados no
MST da região que ousaram desafiar a força política dominante.
“(...) Mas naquela época, o pessoal num tinha muita tática assim pra ocupação
(...) Hora que nós chegamo, chegamo assim por volta das três horas da manhã.
Aí começou a clarear o dia, nós começamo a tirar as madeira pra fazer as
barracas, aí começou encostar aqueles caminhão (...) e ameaçando a gente, né?
Essa daqui essa daqui num dá, daqui um bocado já chegou também umas
viaturas de polícia lá e chegou mais e mais camioneta e fecharam nós mesmo
(...)”.
38
Diante da inexperiência dos primeiros dias de inserção na luta pela terra,
sem muita “tática”, como diz João Moura dos Santos, os trabalhadores que se
uniram na proposta da ocupação de terra estavam começando a lidar com o
jogo da negociação, resistência, impasses políticos, estratégias e saídas para
os conflitos surgidos no cotidiano da luta construída pelos trabalhadores Sem
Terra, que entre outros, são conflitos e tensões expressos no confronto entre
eles e os proprietários das fazendas e a polícia, ou seja, o Estado capitalista
que garante a propriedade privada como um princípio do direito.
Vivendo a luta pela terra em uma região fortemente marcada pela
presença de latifúndios e do poder econômico e político dos seus grandes e
médios proprietários rurais foram difíceis os momentos das ocupações de
terras pelos trabalhadores do grupo Emiliano Zapata. Os proprietários rurais
atentos às ações destes trabalhadores, Como diz João Moura, “fechando” e
“ameaçando”, tratavam logo de repreendê-los de várias formas, principalmente,
pedindo na Justiça a reintegração de posse da propriedade ocupada. Quando
38
João Moura dos Santos.
40
sem a concessão da liminar de reintegração e somente amparados pelos
funcionários da fazenda e jagunços contratados para proteger as fazendas,
muitos fazendeiros, como conta João Moura dos Santos, surpreendiam os
trabalhadores poucas horas da ocupação e diante disso o inesperado poderia
acontecer.
Essas ações e reações significam e representam os interesses e as forças
política destes dois grupos em disputa pela terra, ou seja, os fazendeiros de um
lado e os trabalhadores Sem Terra do outro. Com o apoio da polícia ou não,
muitos fazendeiros da região do Triângulo Mineiro armaram-se e agiram, e
ainda o fazem, principalmente, na região do Pontal do Triângulo, na tentativa
de defender o que consideram um direito, suas propriedades privadas e, para
isso, usando de todos os recursos legais ou não. Os trabalhadores
convencidos de que estavam exercendo um direito “ter terra para trabalhar”,
naquela época buscavam, como ainda hoje, o assentamento em uma fazenda
considerada improdutiva, a qual pela Constituição Da República Federativa do
Brasil é passível de desapropriação para fins de reforma agrária.
Dessa forma, o processo de ocupação da fazenda São Domingos em abril
de 1999, indica o possível clima tenso e violento que se gerou, somando-se as
fileiras dos acampamentos de Sem Terra e conflitos por terra naquela época
em construção pelo país. Os trabalhadores Sem Terra no Triângulo
polemizaram e reforçaram as problemáticas envolvendo a disputa pela posse
da terra, a qual há alguns anos vem despontando com a organização de
trabalhadores
39
pobres do campo e mesmo das cidades dessa região que se
engajam em Movimentos sociais. João Moura assim relembra e explica o
processo vivido na primeira ocupação do grupo do Emiliano Zapata que
representa a correlação de forças e as tendências de projetos em disputa:
“(...) É no mesmo dia, quase na mesma hora que nós chegamo, as três horas da
manhã quando as sete horas eles, esse povo [os policiais] já tava lá, infernizando
nós. Deixou nós fincar nenhum pau pra fazer barraco. [os policiais]: ‘Ah! Pra
vocês voltar é pra vocês sair daqui, que vocês, porque essa fazenda aqui não,
aqui num pode Sem Terra ocupar não, vocês pode sair’. E nós tentando resistir,
39
Ver sobre este assunto a dissertação de Luzia Marcia Resende Silva. Os Trabalhadores em
Luta Pela Terra no Triângulo Mineiro: 1989/1996. PUC/SP, 1996.
41
tentando, tentando mais num dava. Aquele que começava a engrossar com ele
[os policiais], ele descia a lenha, sujeito grande assim (inaudível) (...). Apanhou!
Alguém apanhou e num foi pouco não, muita gente apanhou, inclusive, tinha uma
mulher, uma senhora lá, que tava lá esperando, tava barriguda pra ganhar nenê
e aí a mulher começou a passar mal, né? Começou a passar mal lá, foi nossa
lavada foi ela (...) Aí já juntou duas coisas: a mulher passando mal, eles [os
policiais] aí começou entreter eles um pouco, né? Comoveram um pouquinho,
deixou nós um pouco mais sossegado. Aí já veio o caminhão [caminhão da
polícia ] pegou os trem e jogou em cima do caminhão e trouxe pro Zumbi dos
Palmares (pausa) “.
40
João Moura narra a tensão vivida por ele e os outros evidenciada no
processo de resistência e negociação, o qual pode significar o ganho de
aprendizagem sobre a prática da luta pela terra. Interessante observarmos
como, hoje, João reelabora a negociação como resultado, principalmente, do
fato de ter uma mulher grávida, que segundo ele, “foi a lavada” evitando um
confronto que para além das violências física e psicológica que sofreram,
poderia ter resultado em mortes de muitos homens, mulheres e crianças.
Neste sentido, entendendo as ações cotidianas nos anos de luta desses
trabalhadores diante das reações dos proprietários rurais da região, juntamente
e respaldados pela polícia, podemos pensar em uma multiplicidade de pessoas
que em movimento se identificam em situações comuns, reforçam laços de
lutas, com perseveranças e desistências, forjando a experiência dos
trabalhadores Sem Terra do Emiliano Zapata no Triângulo Mineiro. No
cotidiano de esperanças, alegrias, tristezas, perdas, conquistas, embates,
desgastes políticos, nos despejos e nas novas experiências ao longo de outras
ocupações que prosseguiram eles se constituem como Sem Terra. Alguns não
desistiram da terra no primeiro conflito e continuaram suas lutas.
Multiplicidades de experiências que indicam o processo de territorialização
41
dos trabalhadores do MST no Triângulo Mineiro.
Esses trabalhadores que ousaram construir a luta até esse momento,
enfrentaram processos de deslocamentos de seus estados, cidades e campos
40
João Moura dos Santos. 30/03/05.
41
Ver livros: FERNANDES, Bernardo Mançano. MST: formação e territorialização. São Paulo,
Hucitec,1996 e STEDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: a
trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo, ed. Perseu Abramo, 2000.
42
de origem, evidenciando experiências de vida onde circularam por grandes,
médios e pequenos centros urbanos e com muitas dificuldades e privações
para sobreviverem na busca por realizarem seus desejos de conquistar uma
vida com qualidade e melhores condições.
É importante entender quem são esses trabalhadores, de onde vieram, e
o que sempre buscaram nas trajetórias de migração que marcam suas vidas
até a conquista da terra. Em suas andanças pelo país chegaram à Uberlândia,
o maior centro urbano, comercial e industrial do Triângulo Mineiro, muitos
trabalhadores migraram sob as expectativas criadas pelas promessas de bons
empregos e rendas. Promessas estas sempre divulgadas e trabalhadas,
principalmente, pela imprensa local, regional e, por que não dizer nacional
42
,
como sendo uma cidade receptiva, democrática, do crescimento econômico e
com boas perspectivas econômica e social para seus habitantes e, inclusive,
para os que em busca de emprego para lá se dirigissem.
José Otenildo Pinto integrante do grupo do Emiliano Zapata em entrevista
no ano de 2001 narrou como surgiu o interesse em ir para Uberlândia e como
criou expectativas sobre um futuro melhor nesta cidade, assim José Otenildo
dizia:
“(...) me imigrei pra Uberlândia nos anos noventa com a vinda da, mais assim a
televisão influiu muito na nossa região, falava Uberlândia tinha muito emprego
era fácil de, a sobrevivência era fácil, então, me empolguei muito e vim pra
Uberlândia, cheguei nos anos noventa. Na realidade os anos noventa tava bom
mesmo, dinheiro, serviço, emprego, eu comecei a trabalhar em Uberlândia com,
comecei a trabalhar como, com um empreiteiro, mais conhecido como gato, e daí
pra frente, depois nós dois não deu certo, aí eu parti pro individual, fui trabalhar
por minha conta até nos anos (...) noventa e sete. Aí em noventa e sete, aí já
tava muito ruim pra mim, que eu num conseguia emprego, tava muito difícil pra
mim, aí eu procurei um outro tipo de serviço por fora, nas fazendas, cheguei a
trabalhar em algumas fazendas”.
43
42
Ver sobre Uberlândia e suas aparentes qualidades de vida em uma matéria da Revista: Veja,
ano 1994, dezembro.
43
Jose Otenildo Pinto. Entrevista concedida à autora em 2001.
43
Em Uberlândia o crescimento industrial e econômico tem aparecido na
história dessa cidade via os meios de comunicação de massa como palavra de
ordem do discurso da classe econômica e politicamente dominante. O que
contribuiu para a atração de trabalhadores vindos do nordeste, sul, centro-
oeste e sudeste do país e, principalmente, migrantes dentro do próprio Estado
de Minas Gerais como é o caso dos trabalhadores entrevistados. Muitos destes
vieram, por exemplo, do Vale do Jequitinhonha como é o exemplo de José
Otenildo Pinto, outros de Lagoa Formosa, Patos de Minas, Abadia dos
Dourados, São José de Pedra Dourada.
Vale ressaltar brevemente alguns aspectos sobre a trajetória de migração,
de vida e expectativas de alguns dos trabalhadores Sem Terra do Emiliano
Zapata. Neste sentido, as experiências sociais de Jonas Batista Nunes são
representativas destes deslocamentos na procura de emprego e melhores
condições de vida, assim como também José Otenildo Pinto que, influenciado
pela imagem de uma cidade economicamente próspera criada e propalada via
imprensa televisiva e escrita, para Uberlândia se aventurou transformando e
construindo os caminhos de sua vida.
Jonas Batista Nunes nascido em uma fazenda no município de Abadia
dos Dourados no Estado de Minas Gerais, próxima a Uberlândia, no dia
quatorze de abril de mil novecentos e cinqüenta e quatro, aos nove anos
migrou para Uberlândia com seus pais. Como narrou a ida para Uberlândia foi
motivada, principalmente, pela preocupação de seus pais em dar estudos aos
filhos. Jonas cresceu e passou alguns anos em Uberlândia e ao falar sobre sua
passagem por lá e como trabalhava diz que: “Naquela época eu trabalhava
assim esse tipo podia ser qualquer um servicinho que aparecesse na minha
frente, que desse pra um de menor trabalhar eu trabalhava. Num tinha, era
assim ajudante de alguma coisa, né? Ajudante de alguma coisa, sempre assim
um biquinho ali, um outro biquinho pra lá (...)”.
Jonas passou a infância e a adolescência vivendo, trabalhando em
precárias condições e usando a expressão “biquinho”, uma linguagem comum
aos trabalhadores pobres da periferia, fez serviços diversos pela cidade. Ou
seja, fazer “bicos” muitas vezes diz respeito, como é o caso das pessoas
entrevistadas, aos serviços de ajudante na construção civil ou outros como
ajudante de cozinha em restaurantes, no setor eletricista, têxtil ou como
44
empreiteiros - pessoas que intermedeiam serviços entre empregador e
trabalhadores pobres da periferia, nas palavras de José Otenildo Pinto os
chamados “gato”. Esses “bicos” dos quais o dinheiro que conseguem lutam
para sobreviver, são classificados pela sociedade como trabalho informal,
sendo temporários e sem renda fixa.
Jonas Batista Nunes quando adulto deixou seus pais e iniciou o seu
próprio processo de migração na busca constante de sobrevivência indo direto
para o Estado do Maranhão, por lá trabalhou dois anos na fazenda como
tratorista, depois voltou para Uberlândia e casou-se com a entrevistada
Teresinha Gomes Nunes e tiveram quatro filhos, sem emprego fixo e sob
dificuldades financeiras e privações diversas, escolheu tentar a vida com a
família em Brasília, lá começou a trabalhar em uma marcenaria, porém como
Jonas ressalta:
“(...) Estava indo bem, já estava montando uma marcenaria pra mim foi àquela
cacetada do Collor foi aproximadamente [anos] 90, num sei se foi 90 ou 89 e
aquilo me arrasou, que de repente toda aquela clientela que eu tinha pra
trabalhar que me dava serviço fechou as portas, eu fiquei sem ter o que fazer lá
pagando aluguel caro, aí foi quando eu resolvi voltar pra Uberlândia (...)”.
44
De volta a Uberlândia Jonas continuou no serviço de marcenaria, devido
aos planos políticos para a economia do país que afetou negativamente a
classe trabalhadora, não conseguiu manter o negócio: “(...) Até [ano] 94
quando veio, quando o Fernando Henrique foi eleito, veio o plano real foi
novamente a minha ruína, outra vez num consegui nada era, eu consegui
trabalhar até 99 com muita dificuldade mesmo só pra sobreviver (...)”. Sem ver
melhoras nas condições de vida deixou a família em Uberlândia e foi para o
Estado do Mato Grosso para trabalhar novamente na fazenda de seu irmão,
onde também não conseguiu adaptar-se e voltou novamente para Uberlândia:
“(...) eu voltei, eu falei: ‘Não! Realmente num é por aí’. Aí foi quando eu recebi o
convite pra entrar pra Movimento Sem Terra naquela época”.
Na trajetória de migração e muitos retornos para Uberlândia Jonas Batista
Nunes em um determinado momento deparou-se com o convite e a
44
Jonas Batista Nunes.
45
possibilidade de entrar para o Movimento dos Sem Terra. Essa afirmação de
Jonas leva-nos a refletir sobre os significados de sua trajetória e quais foram as
motivações, lembranças e sentimentos que o encorajaram nessa proposta, o
que nos provoca a apreender os elementos e possibilidades que contribuíram
na construção de expectativas sobre o futuro, ou seja, um futuro em que
pudesse voltar para o campo na condição de assentado da reforma agrária.
Jonas também traz as possibilidades de se pensar quais os projetos e planos
vão sendo imaginados e construídos para uma vida em um campo que vai se
configurando diferentemente daquele campo que um dia viveu no passado.
Jonas ao falar sobre as dificuldades da família, rememora os tempos
quando o pai fazia de um tudo para conseguir alimentar os filhos, indicando os
possíveis elementos e circunstâncias que o influenciou na construção de um
outro tipo de projeto para sua vida e de sua família e assim explica os passos
dos caminhos de um futuro em construção:
“(...) meu pai como era um homem de roça eu dei conselho pra ele, né? Falei
vai pra lá [para a chácara de sua madrasta] pro senhor mexer com aquilo lá e
tocar aquele negócio lá aquele pedacinho de terra, aí ele falou: ‘Não! Mas eu
num posso deixar a prefeitura porque eu tenho que aposentar daqui uns tempos
coisa, eu perco meu tempo de serviço’, aí eu falei: ‘Não! Isso num vale nada, vai
lá! Qualquer coisinha que o senhor plantar é melhor que isso aqui’ (...) Aí ele foi,
passado mais ou menos um ano, eu falei: ‘Vou lá ver meu pai, um ano, um ano
e pouco, vou ver o quê que está acontecendo lá com ele. Aí quando eu cheguei
lá, quando eu encontrei com ele no caminho ele vinha com a, tinha matado uma
porca muito grande vinha com a, carregando nas costas, assim, uma banda que
eles falam, né? Uma banda da porca e vinha até com a cabeça baixa assim e
quando eu encontrei com ele no caminho da chácara, ele só conseguiu me ver
quando eu cheguei bem pertinho dele, eu cumprimentei ele, ele falou: ‘Espera
um pouquinho que vou ali entregar essa banda de porca e já estou voltando’. Aí
quando eu cheguei na casa lá, a gente vê que quando mata porco, assim,
geralmente é uma festa, né? Ainda mais uma porca grande do tamanho, o
pessoal lá amolando faca preparando pra cortar carne, acendendo fogo, aquele
assim, ficou um ambiente alegre. Ainda eu falei: ‘Pois é meu pai o tempo que o
senhor viveu na cidade eu nunca lembro do senhor ter comprado pelo menos
um quilo de carne de porco, o dinheiro do senhor nunca deu pro senhor comprar
46
um quilo de carne de porco, agora, aí nada, nada tem aí uns aproximadamente
uns cem quilos de carne, trabalhando o senhor nunca conseguiu comprar um
quilo’. É aí ele falou assim: ‘Vem cá pra você ver uma coisa’, aí ele foi lá tinha
mais três porcas no chiqueiro, aquilo era a meia, né? Mais quer dizer, um e
meio era dele, né? Mostrou lá um mandiocal que ele tinha plantado grande já
produzindo, tinha mandioca, tinha, ele pegava umas rocinhas a meia, né? Que a
chácara era pequena num dava, mas ele pegava umas rocinhas a meia do
pessoal ali e tinha lá vinte volumes de arroz na dispensa, uns dez de feijão, o
paiol cheio de milho. Então, a fartura era muito grande, ele falou assim: ‘Aqui
pode comer vinte, trinta pessoa que num faz diferença agora eu tenho fartura’. E
na época que ele viveu na cidade era uma miséria, a gente passava muita fome,
eu, meus irmãos, meus irmãos menores nós passamos muita dificuldade na
cidade, então, isso foi também um dos motivos que me motivou vim pro
Movimento dos Sem Terra, que eu acredito, todavia acreditei que se tivesse um
pedacinho de terra a gente poderia ser bem melhor a vida”.
45
Na maneira como Jonas Batista narra traz os elementos que o
influenciaram na decisão de entrar para o MST, elementos que ganham
significados e importância ao evidenciar a forte ligação que possui com a roça,
com o trabalho do campo apreendido nas suas experiências do passado vivido
com seus familiares. Elementos estes também marcados pela valorização e
reconhecimento dos resultados daquele trabalho, que indica a possibilidade de
no futuro ter fartura, prosperidade econômica que leva a prosperidade social,
na qual poderá ter uma vida com dignidade.
Fazendo suas ponderações utilizando-se das impressões e sentimentos
sobre a possibilidade do retorno do seu pai para o campo, explorando como
essa possibilidade apareceu e como foi vivida por ele, mais do que isso,
lembrando de um passado de muitas privações com uma pobreza que afetava
sua família, nos sensibiliza para o sofrimento e frustrações que isto acarretou
para sua própria vida, que passou a ser dedicada para a superação das
misérias por meio de planos, projetos e decisões para que um dia pudesse ver
e sentir o que não viveu no passado. Na maneira como Jonas se expressa,
voltar para a roça significa e simboliza não somente o lugar de lembranças do
45
Jonas Batista Nunes.
47
passado, como também o lugar de novas relações humanas e de trabalho,
novos modos e costumes baseados na solidariedade e no esforço humano.
Diante desses sentimentos conseguimos apreender as motivações na
decisão de Jonas para entrar nesta luta que se fortaleceu com algumas
circunstâncias:
“Aí foi quando eu recebi o convite pra entrar pra Movimento Sem Terra naquela
época (...) Aí num era nem um militante do Movimento Sem Terra, era uma
pessoa que tinha sido convidada, aí ele falou: ’Olha! Me chamaram pra eu ir pra
lá e lá pra fazenda Colorado, Zumbi dos Palmares’, falou: ‘Oh! Lá é o seguinte:
eles me convidaram pra ir pra lá, diz que numa semana as terras saem (...) Já
estava começando o novo acampamento (...) Tinha o acampamento velho que
era do Zumbi dos Palmares e estava começando um Zapatinha novo lá, os
primeiros passos, engatinhando. Aí eles me falaram pra mim assim: ‘vamos pra
lá!’, que essa pessoa que tinha sido convidada lá numa semana (...)”.
46
O sentimento e a interpretação de Jonas sobre aqueles tempos são
expressos e rememorados com muitas impressões da época vivida. Época na
qual, ainda sem experiências dos percalços da luta criou expectativas sobre um
breve e imediato assentamento, processo no qual as coisas não seriam tão
difíceis:
“(...) Eu aceitei com naturalidade. Com o pessoal nas reuniões eu comecei a
entender como que era, como que funcionava né? Que eu vi os ânimos das
pessoas, do pessoal do acampamento, animado em fazer a ocupação, né? Todo
mundo falava que, naquela época era ocupar uma terra improdutiva e a gente
ganhava a causa aqui? O Incra desapropriava se a fazenda fosse improdutiva,
mas aí quando eu cheguei, a primeira ocupação que a gente fez, eu senti que a
coisa num era bem assim, que a gente foi despejado no mesmo dia”.
47
Ao saber que o assentamento não era imediato e a passagem pelo
assentamento Zumbi dos Palmares era um passo na preparação efetiva e real
da ocupação de uma outra terra daquele grupo que se formava, Jonas e outros
46
Idem.
47
Idem.
48
sob impacto dos desdobramentos políticos e práticos da ocupação começaram
a se inteirar das disputas do poder econômico e político que envolvem a
questão da luta pela terra, começaram a perceber a complexidade do
processo.
Dessa forma, as dimensões da luta, do enfrentamento que é necessário
exercer cotidianamente vão ficando claros na experiência que se constrói
cotidianamente. Com o engajamento os trabalhadores, como Jonas Batista
Nunes, começam a perceber o quanto a luta é longa, exigindo força, coragem,
audácia e convicção no que se propuseram.
A construção da ocupação da fazenda São Domingos, como João Moura
dos Santos contou, também foi reelaborada e narrada por Jonas Batista Nunes
que assim diz:
“(...) F
oi em 99, mês de abril, aí o pessoal já me ajudou, ajuntou uma turma lá aí
já foi ajudar cortar madeira, fincar o barraco tal e naquele dia mesmo eu já tava
com o barraquinho pronto, né? O pessoal lá do acampamento ajudou, ajudou
buscar os bambus, não! Não! eu achei muito bom, né? A união, as pessoas
emprestaram as ferramentas pra fazer os barracos, o pessoal ajudando, ajudou a
cobrir, né? Fizemos os barraquinhos. Aí que eu fui, comecei a entender,
participar das reuniões que nós tínhamos que fazer uma outra ocupação, nós
estávamos massificando pra ocupar uma fazenda, que aquela ali [assentamento
Zumbi dos Palmares] era do outro
acampamento que eles tinham conquistado,
nós íamos conquistar a nossa agora, aí fomos lá pra ocupar aquela fazenda São
Domingos (...)”.
48
A atitude de união, a capacidade de solidariedade e de ajuda mútua para
com aqueles que estavam chegando e integrando o grupo para lutar pela terra,
para Jonas, foi o que sustentou sua decisão e lhe deu confiança para ficar ali,
diante do inusitado e da falta de conhecimento sobre os passos a seguir para o
futuro acampamento. Jonas começou a apreender, por exemplo, a prática que
é característica dos trabalhadores organizados em Movimentos, isto é, ir
juntando muitas famílias para a ocupação da terra - dinâmica conhecida entre
eles como “massificação”.
48
Jonas Batista Nunes.
49
Se analisarmos as narrativas de João Moura e de Jonas Batista sobre o
processo de resistência e negociação na ação do despejo da fazenda ocupada
São Domingos, compreendemos que os trabalhadores viveram sentimentos
diversos e hoje reelaboram com diferentes pontos de vistas.
Para Jonas, aquele momento de tensão e conflito significou:
“Olha! Pra mim foi, eu achei assim como se fosse uma diversão, eu gostei muito
daquele movimento, daquele (...) espécie de um confronto lá com a polícia. O
pessoal lá, que aqui na cidade o povo tem muito medo de polícia, né? E lá não, a
gente via o pessoal enfrentando a polícia. Num estava com medo, ninguém tinha
medo igual tinha na cidade. Então, aquilo pra mim, aquelas negociações, aquele
confronto eu achei muito bom aquilo, gostei. Aí quando foi, alguém falou sobre
isso na cidade, ah! lá em casa a família ficou preocupada. Diz que eles estavam
matando gente tal, mas era só sensacionalismo. Aí meu irmão foi lá me buscar
no outro dia, falou assim: ‘você é doido rapaz entrar num trem desse? O povo
está achando que você tinha tomado tiro, que você estava morto’. Falei: ‘não! Lá
é diversão. Eu gostei muito daquilo lá’. Foi uma coisa pra mim, foi como se eu
estivesse divertindo, né? Gostei muito daquele movimento, daquele trem e num
voltei pra Uberlândia não. Ele [irmão de Jonas] falou assim: ‘você num vai
desistir disso, larga disso rapaz, você é louco! você vai tomar um tiro aí rapaz!’, e
tal. Falei: ‘não! Num tem nada disso não’. Continuei, e estou até hoje. Passamos
por várias etapas aí tal, já aí seis anos, esse mês agora faz seis anos, faz agora
em abril comecinho de abril”.
49
As ameaças e riscos de morte, o confronto, a incerteza no desfecho da
situação, o abalo emocional da família, tudo isso, pareceu-me que aflorou em
Jonas o sentimento de desafio e de coragem. Por meio das experiências do
presente Jonas olha para o passado e a experiência vivida atribuíndo-lhes o
significado de diversão. O que pode indicar que aos poucos foi forjando a
consciência sobre aquele tempo e seus momentos, reelaborando os
sentimentos como satisfação pela ousadia e resistência, em que se fortalecem
mutuamente no enfrentamento do inusitado e dos medos. Apontando para as
possibilidades de naquelas ações construídas nos espaços das disputas e da
correlação de força, os trabalhadores do Emiliano Zapata reivindicam o foco
49
Idem.
50
das atenções por parte daqueles que, até então, os ignoram ou não os
reconhecem exercendo o que consideram como um direito, impondo suas
presença os trabalhadores do Emiliano Zapata vão desestabilizando centros de
poder convencionais.
O primeiro confronto que levou ao despejo das famílias foi uma
experiência que para uns significou e representou o fortalecimento nos seus
propósitos; já para outras famílias significou e indicou a hora de deixarem a luta
pela terra trilhando outros caminhos. Aqueles que permaneceram seguiram em
frente.
“(...) Aí fomo organizar pra outra ocupação, aí pouco prazo, acho que uns trinta
dia, por aí, organizamo de novo e entramo em outra fazenda é a Palma da
Babilônia. E ali nós entramo (...) aí tinha uma outra (...) um outro Movimento que
tava (...) que tava ocupa (...) tinha ocupado a Babilônia 2. Era duas fazenda em
parelha, Babilônia 1 e Babilônia 2. Então eles tava lá na dois e nós ocupamo a
um. Ah! mais agora aí encresparam com nós (inaudível) falou [os trabalhadores
do outro Movimento]: ‘Não! Vocês tem que sair daí, tem que sair daí, nós
ocupamo a dois, mas a um também é nossa, vocês saem’. Entramo em conflito
com eles e o bicho pegou também”.
50
Os trabalhadores do Emiliano Zapata fizeram outra ocupação na fazenda
de nome Palma da Babilônia no município de Uberlândia, no enfrentamento
dessa ocupação viveram as tensões de uma outra problemática presente
naquela região, principalmente nos anos 90, que evidencia as disputas e
diferenças na complexidade da luta política pela terra.
A luta pela terra no Triângulo Mineiro
51
é marcada pela atuação de
diferentes Movimentos Sociais, que vão surgindo no decorrer das disputas pela
terra. Atualmente existem nessa região: Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra do Brasil (MST); Movimento Libertação dos Sem Terra (MLST);
Movimento Luta pela terra (MLT); Movimento Terra, Trabalho e Liberdade
(MTL). Por divergências na concepção política e de como deve ser a prática do
Movimento muitos trabalhadores entram em disputas internas levando a
50
João Moura dos Santos.
51
Sobre a trajetória de trabalhadores Sem Terra nesta região ver a dissertação de Luzia Marcia
Resende Silva. Os Trabalhadores em Luta Pela Terra no Triângulo Mineiro: 1989/1996.
PUC/SP, 1996.
51
fragmentação dos grupos. Assim, muitos trabalhadores deixam os
acampamentos e fazem outros com novas regras e projetos, evidenciando uma
multiplicidade de perspectivas na condução da luta pela terra.
Diante desta realidade os desdobramentos da ocupação da fazenda
Palma da Babilônia assim foi narrada por João Moura dos Santos:
“(...) Eles [MLST] segurava de um lado e nós segurava de outro. Se entrar aqui
nós queima. Eles [MLST] falou: ‘sai é pra sair’ (...), Falei [João]: ‘num sai não!
Mas se passar pra cá nós queima vocês também’. E o bicho pegou. (...) Depois
aí na época era militante nosso, era o Huli, né? Era o Huli. Então, o Huli entrou
em negociação com eles, que ele tinha bastante já treino lá do Rio Grande do
Sul, né? Era treinado lá e entrou negociou e pelejou (...) E negociou com eles,
deu prazo pro outro dia, pediu prazo até pro outro dia pra nós desocupar. E
desocupamos e voltou pra Zumbi de novo.”
52
Na época da ocupação pelos trabalhadores do MST na fazenda Palma da
Babilônia, o MLST estava atuando na região e tinha ocupado a mesma fazenda
Palma da Babilônia 2. Palma da Babilônia era um latifúndio que se dividia em
duas partes e foi ocupado pelos trabalhadores do MST e do MLST.
João Moura analisa este acontecimento e nos possibilita apreendermos
um intenso conflito gerado entre eles, pois nenhum Movimento queria de início
sair da fazenda, mantendo a resistência e o conflito entre as famílias.
Diferentemente de outras situações em que os trabalhadores ocupantes de
terra ficam em estado de alerta com relação à repressão da polícia e do
proprietário da fazenda organizando esquemas de segurança dentro e fora do
acampamento, ali naquele momento, para além dessa tensão, também viveram
a tensão desencadeada pelas atuações dos próprios trabalhadores Sem Terra,
que radicalizaram cada um no seu lado.
Tal acontecimento nesta região indicou a existência de divergências
políticas entre os Movimentos sociais ou mesmo divergências internas entre os
trabalhadores de um mesmo grupo social, o que evidencia a complexidade das
relações sociais. Os Movimentos e Organizações sociais não são construídos e
vividos de forma harmônica, e sim são processos construídos e vividos como
52
João Moura dos Santos. 30/03/05.
52
tensão, com tendências e ambigüidades e com os mesmos objetivos de luta
pela terra são mediados por projetos políticos e de organização social
diferentes em disputa.
Desta forma, as disputas vão aparecendo e sendo afloradas na própria
dinâmica e constituição social dos Movimentos Sociais, ou seja, sujeitos de
diferentes lugares e trajetórias de vida e de lutas com tradições culturais
diferentes, muitas vezes pessoas com experiências de outras e múltiplas
militâncias, seja na igreja, sindicato, ong’s, Movimentos Sociais que nesse
processo compõem diversos interesses políticos e partidários. O que pode
indicar a existência nos Movimentos de luta pela terra de trabalhadores com
escolhas políticas outras, as quais influem no cotidiano do grupo e da
comunidade, compondo uma complexidade de forças que incidem sobre o
Movimento social evidenciando tendências em disputa.
Assim, faz-se necessário compreender os Movimentos Sociais e abordá-
los sob esta outra perspectiva, refletindo sobre como as diferenças existentes
entre os trabalhadores contribuem, por exemplo, para propostas alternativas de
projetos de assentamentos rurais no que se refere à sua organização social e
política; como ainda as diferenças contribuem para a diversidade de propostas
de organização, viabilização e geração de renda com diferentes planos para
gestar as cooperativas dos assentados, as quais podem primar ou não, pelo
trabalho individual dentro dos lotes; como as diferenças de pensamentos e
práticas políticas trazem como possibilidades posições mais radicais ou não,
diante das ações e política do Estado com relação aos Planos Nacionais de
Reforma Agrária-PNRA.
Nas palavras de João Moura, a situação de tensão vivida na Palma da
Babilônia foi resolvida por meio da habilidade política de um militante membro
da direção do MST vindo do Rio Grande do Sul, o qual com mais experiências
pôde orientar os trabalhadores a negociarem optando pela retirada da fazenda,
retornando para o assentamento Zumbi dos Palmares. João Moura analisa e
pondera suas impressões sobre o militante Huli que possuía mais “treino”,
evidenciando que o MST organiza os trabalhadores iniciantes na luta também
por meio da atuação e conhecimento daqueles com mais experiências e
habilidades políticas.
53
Estes trabalhadores - militantes deslocando-se pelo país afora na intenção
e com função definida de ajudar a construir o MST em diferentes lugares,
dirigindo e intervindo nas negociações e escolhas das ocupações de terra,
acampamentos e assentamentos, possuem um importante papel ao levar
experiências de negociações políticas de diferentes lugares com costumes e
modos diferentes. O que vai consolidando uma densa rede de acúmulo de
modos de se conduzir a luta pela terra.
João Moura dos Santos ao falar sobre os momentos de impasses e
dificuldades na Palma da Babilônia lembra da participação em especial de um
destes militantes, indicando o aprendizado obtido, em especial, nessa
experiência compartilhada. Aprendizado que se evidencia quando João Moura
dos Santos narra uma outra e recente experiência de divergências entre os
Movimentos de luta pela terra na região no ano de 2004, ano em que foram
assentados. João Moura narra:
“(...)
Com os próprios trabalhadores e nós num queria e nós nunca quis, por
exemplo, ter assim entrar em conflito com eles, nunca, sempre negociando. Até,
inclusive, essa família que tá aí, eles ainda não saíram e ficaram temando,
teimoso, mas nós mesmo nós não tiramo eles assim a força pra não entrar em
conflito com eles (...) Nós vamo no diálogo, até no dia que não resistirem e
mudarem
”.
53
Neste sentido, João Moura dos Santos utilizando da mesma expressão
“negociação”, indica como nas experiências sociais vividas os trabalhadores
vão forjando novas atitudes que explicitam a capacidade e a abertura para o
diálogo, a conversa, a maneira de propor caminhos. O que pode indicar o
aprendizado na prática do enfrentamento dos dilemas político da luta pela terra
nesses seis anos, em que o trabalhador entre outros pode repensar
cotidianamente suas práticas, seus valores, seus costumes e suas idéias. A
consciência que adquire sobre os percalços da luta e as ponderações sobre os
modos de agir que causam melhores resultados se fazem na experiência
cotidiana, na qual se politiza.
53
Idem.
54
Porém, a predisposição para o encaminhamento do diálogo e da
negociação do impasse gerado no confronto entre os próprios trabalhadores no
fato narrado por João Moura dos Santos, faz-se em um processo tenso e
ambíguo, no qual as contradições, os retrocessos de posições políticas
também evidenciam-se na própria linguagem, como observamos na seguinte
fala de João Moura dos Santos:
“Os problemas aqui acho que pra começar ali acho que nós tivemo um
probleminha quando nos chegamo [na fazenda Santa Luzia já desapropriada]
tinha outras famílias em cima aqui, moravam, tinha um outro acampamento
assim do lado (...) Ele era o ML, MLT, que eles foram uns invasores, eles foram
usurpadores, que no caso, nós tinha pedido a vistoria dessa fazenda há cinco
anos atrás e, então, o Incra falava pra nós que nós tinha que não ocupar aqui
essa área, porque se nós ocupasse ia atrasar o processo, o encaminhamento do
processo (...) também nós não ocupamo, ficamo esperando deixar que ele
[INCRA] avalie daí foi saiu a desapropriação dessa fazenda [Santa Luzia] saiu. Aí
esses invasores vieram aproveitaram a oportunidade vieram ficar ali, aqui dentro
aí nos chamou eles lá em Uberlândia no Fórum Social de Uberlândia e discutimo,
levamo uns par de dia discutindo com eles até que nós fizemo um acordo que
eles ia desocupar aqui. Desocuparam mais ficou umas quatro ou cinco família e
ali persistindo, temando ali, né? Temando, ‘Ah! Eu num saiu, num saiu’, Aí foram
saindo um, aí outra, no fim resta uma família só quer dizer que acho que desse
problema nós tamo livre que essa família sozinha (inaudível) desse problema
tudo livre (...)”.
54
João Moura dos Santos traz algumas das contradições e tensões no
processo de construção da luta entre os próprios trabalhadores ao identificar
trabalhadores Sem Terra de outro Movimento Social, com expressões como
“invasores de terra” e “usurpadores”. Estas expressões hegemônicas utilizadas
pelos opositores da reforma agrária trazem muitos significados, entre eles, a
desqualificação e descaracterização do direito reivindicado pelos próprios
trabalhadores Sem Terra, qual seja, a posse da terra improdutiva via ocupação
da terra. Ao definir os outros trabalhadores como o fez João Moura, o mesmo
traz a possibilidade da depreciação dos outros trabalhadores, sentido este
54
João Moura dos Santos.
55
contra o qual João Moura e seus pares lutam, indicando que não são simples
termos lingüísticos, a expressão ocupação de terra é uma disputa entre os
trabalhadores dos Movimentos Sociais de luta pela terra e a classe ruralista,
uma luta que se trava em várias dimensões, inclusive, uma luta jurídica.
O termo “ocupação” é uma questão fundamental para os trabalhadores
Sem Terra, sendo uma luta pela própria identidade do que é ser Sem Terra e
pela identidade do Movimento a que pertence. Os trabalhadores entendem que
afirmar a ocupação de terra, ao contrário de invasão é um termo que traz os
significados sociais e político dos objetivos da reforma agrária como um direito
à vida, um processo pelo qual primam pela prática e consciência de sempre
dizerem ocupação da terra. Dessa forma, a fala de João Moura evidencia que
naquele momento os trabalhadores se viram em campos opostos, disputando a
mesma terra e o direito de estarem corretos.
Eva Lima dos Santos também trouxe suas impressões do fato acontecido
expressando o que pensa daquela situação complicada vivida no início do
assentamento, em que os trabalhadores estavam como adversários: “É isso
daqui é meio difícil, né? Fica uma coisa difícil de resolver, porque é próprio
companheiro, né?Trabalhador contra trabalhador num tem é difícil”.
Diante desta avaliação lhe perguntei como se resolvem conflitos dessa
magnitude e assim respondeu-me: “Aí é com tempo, né? Com tempo resolve,
que nem esse daqui, nós resolveu com o tempo”. Assim continuei: “Mas
fazendo o quê durante o tempo?”:
“Foi pedindo o pessoal do INCRA, né? Que orientasse eles pra sair, pra nós num
entrar em conflito com eles, foi isso que nós fizemo, pedindo o pessoal pra ajudar
e conversando com eles, conversando com as pessoas pra que eles enxergasse
a realidade que eles ia conseguir chegar lá e eles acabou que entendeu, né?
Muitos saíram só tem um agora, sem precisar de nós ir lá subir fazer conflito com
ninguém entre trabalhador com trabalhador, porque é ruim demais”
.
55
Estas narrativas evidenciam a iniciativa desses trabalhadores para
solucionar a tensão gerada sem cometerem as mesmas atitudes do passado
no confronto com os próprios trabalhadores na fazenda Palma da Babilônia. A
55
Eva Lima dos Santos.
56
avaliação de Eva L. Santos indica a consciência do desgaste político na falta
do diálogo e, confiantes que a fazenda era posse dos trabalhadores do
Emiliano Zapata, preferiram que o INCRA mediasse a saída das famílias do
outro Movimento. Atitudes estas que nos dão a noção da consciência adquirida
nas experiências vividas no processo ambíguo da correlação de forças que
compõe e caracteriza a região do Triângulo Mineiro.
Atualmente os Movimentos se apresentam mais unidos mesmo com
divergências em suas diretrizes políticas, sinalizando para um amadurecimento
e fortalecimento político na região. Hoje é possível presenciar, por exemplo,
com a realização do Fórum Social Local, encontros entre os Movimentos de
luta pela terra e sociedade, em que os Movimentos Sociais fazendo suas
avaliações procuram respeitar os outros que consideram como companheiros
de luta. Permanecendo cada um com suas linhas, princípios e práticas
políticas. A tendência são desdobramentos menos conflituosos a partir do
respeito e do diálogo.
Nos processos de ida e de volta com os despejos, retornar para o
assentamento Zumbi dos Palmares possui muitos significados para os
trabalhadores do Emiliano Zapata, dentre os quais, João Moura explicita:
“(...) Voltamo novamente pra esse Zumbi dos Palmares, que na verdade era o
primeiro acampamento aqui do Triângulo. Então, ali pra nós era nossa casa, né?
(...) Terra nossa, terra do MST. Então, eles acolhia nós assim que fosse
necessário, por isso nós voltava pra lá”.
56
A história do assentamento Zumbi dos Palmares, um lugar de acolhida
para os trabalhadores do Emiliano Zapata foi o primeiro acampamento e
assentamento do MST no município de Uberlândia, começou na madrugada do
dia 28 de janeiro de 1998. Com a ocupação da fazenda de nome Colorado por
aproximadamente quarenta e oito famílias. Fazenda esta localizada a 30 Km do
perímetro urbano de Uberlândia e com 547 hectares. Diferentemente do
Emiliano Zapata este acampamento conseguiu rápido o assentamento,
permanecendo o nome de Zumbi dos Palmares.
56
João Moura dos Santos.
57
A preparação e organização dos trabalhadores para a ocupação da
fazenda Colorado assim foi reelaborada por João Moura dos Santos:
“Nós fez ocupação, a primeira, inclusive. Essa era a primeira ocupação do MST
no Triângulo Mineiro (...) Aí nós se organizamo aqui na cidade, lá na casa do
Chico. Daí nós organizou e nós foi fazer aquela ocupação lá do Zumbi
(inaudível), da fazenda, como que é? Não! Que é Zumbi dos Palmares é nome
do (...) Depois mudou o nome (...) Mudou o nome da fazenda (...) E ficamo
acampado lá (...) Aí eu fiquei acampado lá é seis meses acampado. Mas tava
demorando demais, a gente que num tinha assim bem costume assim, ficou (...)
Daí também, tava apurado lá em casa [em Uberlândia], e num tava dando certo
não! Falei assim: ‘não! Eu vou largar, largar essa (...) Largar o Movimento aqui, o
Movimento não! (...) Largar esse acampamento aqui, [vou] voltar pra casa, vou
embora’, aí fui embora. Aí que cheguei em casa, aí, quando foi uns oito meses,
aí saiu a desapropriação da fazenda lá, né? Saiu, e o pessoal ganharam a
fazenda. Aí quando eles ganhou a fazenda eu falei: ‘não! Mais puxa! Foi rápido,
foi rápido e eu perdi por pouco eu perdi, ué! Num tá certo não!’. Aí ficava na
cama, deitava na cama, virava pra lá, virava pra cá (...) [Na frase a seguir João
expressa o que estava pensando na época]: ‘Já era pra eu ter ganho meu lote, aí
agora esquentei a cabeça e (...) Larguei e agora saiu a fazenda’. E fiquei
naquela, aí foi quando completou um ano o pessoal tornou a sair pro Frente de
Massa, que era pra fazer juntar outra turma pra fazer outra ocupação (...) Aí eu
falei: ‘opa! Agora eu num vou (...) Perdi essa, agora, essa segunda, eu num vou
perder não!’ (...) Fiquei em contato é sempre eu andava lá, que eu tinha os amigo
lá, né? Sempre eu tava voltando lá, e também tinha na época, tinha a secretaria [
o MST organiza uma central, uma secretaria em cada região em que está
organizado], né? E aí, levou pouco prazo também, isso aí, tava com um
pouquinho prazo também, um ano sai, retornei de volta (...) Um ano, não! foi
quatro meses, quando eu sai de lá, eu sai com, era oito meses, com dois, com
um, saiu, com seis meses. Eu retornei de novo fizeram Frente de Massa, eu falei:
‘bom! Agora eu vou entrar firme falei: olha! Já que eu perdi essa primeira, agora,
eu vou entrar firme falei: enquanto num sair meu lote eu num vou desistir da
luta’(...)”.
57
57
Idem.
58
Os sentimentos sobre os desdobramentos deste processo para João
Moura foram muitos, pareceu-me que o sentimento de quase ter conquistado a
terra, de ter perdido sua chance por pouco, por impaciência foi o que
prevaleceu e o convenceu da necessidade e perseverança de continuar na luta
pela terra. De tal forma, munido de contatos com os trabalhadores do MST,
como o seu companheiro “Chico” - militante do MST na região que se tornou no
decorrer dos anos uma das direções no Triângulo Mineiro e também assentado
no Zumbi dos Palmares - voltou a procurar o Movimento e participou da
ocupação da fazenda São Domingos e a partir daí manteve-se firme na luta por
longos e intensos seis anos.
No assentamento Zumbi dos Palmares os trabalhadores organizaram
mais uma tentativa de ocupação:
“(...) Fomo nós organizar novamente pra outra ocupação, porque nós tinha
necessidade (...) Nós num podia parar, desistir (...) Nós num podia desistir mais.
Porque nós tinha necessidade de nós manter nosso acampamento numa área e
num tava dando certo. Toda hora que nós ia tava dando esses problemas. Nós
não ia desistir, aí nós se organizamo, eu acho que um mês ou dois tornou
organizar, aí já conseguimo organizar 250 família”.
58
Sem perspectivas de emprego e de uma vida com qualidade na cidade os
trabalhadores criaram expectativas e projetaram um futuro de viver novamente
na roça e do trabalho do campo. Expectativas essas que para muitos a cada
dia iam se fortalecendo parecendo-me ser em determinado momento de suas
vida a única solução descartando a possibilidade de abandonar a luta.
Desta maneira, acreditando nas suas expectativas os trabalhadores para
preparem uma ocupação de terra ponderam uma série de fatores necessários,
dentre os quais, fazem o levantamento na região escolhida de dados sobre a
extensão territorial das fazendas e dados políticos que as envolvem buscando
listar fazendas que sejam mais possíveis de serem desapropriadas. Ou seja,
por ser grande propriedade rural passível de reforma agrária
59
e que não está
58
Idem.
59
Pela Constituição Da República Federativa do Brasil, no Título VII Da Ordem Econômica e
Financeira, Capítulo III: Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, o Artigo 184
rege: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não cumpre sua função social, mediante previa e justa indenização em títulos
59
cumprindo sua função social
60
como rege a Constituição Da República
Federativa do Brasil.
“Aí nós já tava em 250 família, aí tinha um latifúndio muito grande, 16 mil alqueire
nós sabia que lá dentro tinha terra devoluta, nós se preparamo e entramo ali
naquele da fazenda Douradinho. Entramo lá e mais o bicho [o proprietário da
fazenda] era muito poderoso, cheio de dinheiro, já entrou com reintegração de
posse. Imediatamente já veio a Justiça, ele em cima pá, pá negociando daqui,
negociando dali, nós num teve mais jeito de segurar (...)”.
61
Com a ocupação de outra fazenda de nome Douradinho de imediato
sentiram a reação do proprietário, ou seja, um homem influente e com poder de
negociação na Justiça, levou a outro despejo as famílias do Emiliano Zapata.
Esse outro momento de tensão vivido com mais uma ocupação e mais uma
liminar de reintegração de posse e a relação política que isso envolve é
recomposto pela memória, lembrado e contado por eles de maneiras
diferentes.
Para Jonas Batista Nunes, o processo de despejo da fazenda Douradinho
e suas causas se deram da seguinte maneira:
“(...) Vem outro despejo da fazenda Douradinho, que quem despejou nós foi o
Incra, num foi a polícia, num foi o dono da fazenda, num teve liminar e nem nada.
O Incra naquela época diz que tinha que fazer a vistoria na fazenda pra
da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte
anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. §1 º As
benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. § 2º o decreto que declarar o
imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação
de desapropriação. § 3 º Cabe à lei complementar estabelecer procedimentos contraditórios
especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação (...)§ 4 º O orçamento
fixará anualmente o volume total da dívida agrária, assim como o montante de recursos para
atender ao programa de reforma agrária no exercício. § 5 º São isentas de impostos federais,
estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de
reforma agrária.” P. 113 Arts. 184 a 187.
60
De acordo com a Constituição Da República Federativa do Brasil o Artigo 186, do Capítulo
III: Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, Título VII, rege: “A função social é
cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de
exigências estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e
adequado; III – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio
ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV –
exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. P. 113. Arts. 184
a 187.
61
João Moura dos Santos. 30/03/05.
60
desapropriar, mas não fazia a vistoria com a fazenda ocupada, se quisesses que
o Incra, pela lei, né? Negócio da lei lá, pro Incra fazer a vistoria, nós tínhamos
que sair de dentro da fazenda. E nós saiamos pro Incra fazer a vistoria. Falou
que em dois meses nós retornarmos pra dentro da fazenda de novo. Só que
nesses dois meses levou quatro meses e meio. Depois de quatro meses e meio
o Incra deu o laudo como a fazenda dando produtivo. Nós num tínhamos
nenhuma chance de retornar pra dentro de novo, tivemos que ocupar outra
fazenda. Nessa época nós estávamos numa área (...) Como que fala? Uma área
neutra, nós estávamos lá na beira do rio. Nós podia ficar na beira da estrada ou
na beira do rio né? Aí nós achamos melhor ficar na beira do rio, passamos quatro
meses e meio”.
62
Neste momento da entrevista buscando saber mais sobre a correlação de
forças políticas, perguntei a Jonas:
E você acha que essa ação do Incra teve
alguma influência do latifundiário? Como que foi? Como que você vê isso?
Você fala que o Incra decretou que a terra era produtiva, teve alguma
negociação?”.
63
Jonas Batista assim me respondeu: “Teve, teve, porque a gente até hoje
num entende porque que deu produtiva. Que sendo que as terras todo mundo
tinha conhecimento que era improdutiva. A gente acha que houve um (...) teve
fraude”.
64
Para Jonas Batista Nunes o despejo da fazenda Douradinho em especial
foi motivado pela ação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), ou seja, o Incra tem como responsabilidade a vistoria nas fazendas
para decretar ou não, laudo de improdutividade e como se refere Jonas
seguindo a Lei Federal o Incra não faria a vistoria com a fazenda Douradinho
ocupada. Jonas ao falar sobre isto, faz menção à realidade da Medida
Provisória - MP 2.027-38
65
editada no dia 4 de maio de 2000, pelo ex-
presidente da República Fernando Henrique Cardoso.
62
Jonas Batista Nunes.
63
A autora em entrevista.
64
Jonas Batista Nunes.
65
A Medida Provisória 2.027.38 editada em maio de 2000 no Governo de Fernando Henrique
Cardoso: “(...) inclui sete parágrafos ao artigo 2º da Lei 8.629, que determina ser passível de
desapropriação a propriedade rural que não cumprir a função social prevista no artigo 9º. Um
dos parágrafos incluídos impede que a propriedade rural ocupada seja vistoriada ou
desapropriada nos dois anos seguintes à sua desocupação; e outro exclui do Programa de
Reforma Agrária do Governo Federal o participante de conflito fundiário ou de invasão de
61
De acordo com essa MP terra ocupada por trabalhadores não é vistoriada
e nem desapropriada para fins de reforma agrária. Logo, uma medida
repressiva do Estado brasileiro, o qual é forjado por meio da disputa na
perspectiva da correlação de forças e tendências de projetos políticos e sócio-
econômicos entre os trabalhadores Sem Terra e os proprietários rurais. Neste
sentido, a MP significa para os trabalhadores Sem Terra a lentidão e
dificuldade no processo de desapropriação de fazendas que realmente sejam
improdutivas.
Uma medida que mesmo com seu caráter repressivo e de tentativa de
inibir as ações dos Movimentos sociais de luta pela terra, não foi revogada na
gestão do atual governo do presidente da República Luis Inácio Lula da Silva.
Aliás, a MP foi bastante reforçada no início de seu mandato pelo ministro do
Desenvolvimento Agrário Miguel Rosseto, o qual para responder a pressão da
bancada ruralista no Congresso exigiu que se cumprisse a MP e que o Estado
garantisse o direito à propriedade privada aos latifundiários.
Algumas das inúmeras ações que se espera de um governo de esquerda
do Partido dos Trabalhadores, nas várias instâncias do Poder Legislativo,
Executivo e Judiciário em prol de um efetivo plano de reforma agrária como,
por exemplo, a revogação dessa MP não foi defendida. Diante da realidade de
recrudescimento da violência por parte dos latifundiários com cenas, por
exemplo, de pistoleiros fortemente armados nas suas fazendas, divulgadas em
rede nacional de televisão e impressa no ano de 2003, o ministro Miguel
Rossetto argumentava a necessidade de evitar os conflitos agrários. Segundo
o ministro as ocupações de terra serviam para estimular a violência no campo,
por isso, esta é uma medida que deveria e foi mantida.
A MP criada pelo governo do ex-presidente da República Fernando
Henrique Cardoso
66
na tentativa de desmobilizar as ações dos Movimentos
prédio público”. (grifos meus). In: (www.comciencia.br). É importante ressaltar que essa MP foi
editada antes da Emenda Constitucional que alterou as regras em relação ao dispositivo (MP)
usado pelo Poder Executivo, ou seja, com as alterações da Emenda Constitucional, desde
2001 as Medidas Provisórias: “(...) não precisam mais ser reeditadas e ficam em vigor por
tempo indeterminado, até que uma outra MP a revogue ou o Congresso Nacional a rejeite,
sendo que as MPs não "trancam" mais a pauta do Congresso, já que não têm prazo para
serem votadas”. Fonte: (www.comciencia.br).
66
Um dos principais objetivos do ex-presidente da República Fernando H. Cardoso com a MP
2.027-38 era frear o número de ocupações de terra. Nos seus quatro primeiro anos de governo,
de acordo com a Comissão Pastoral da Terra, as ocupações de terra chegaram a 599 no ano
de 1998.
62
sociais contribuiu para burocratizar o processo de Reforma Agrária. Tentou-se
atingir e enfraquecer os trabalhadores pode - se dizer na sua primeira forma de
luta, ou seja, a ocupação dos latifúndios. Por meio das ocupações de terra os
trabalhadores criam possibilidades da luta cotidiana, na qual os trabalhadores
se fazem novos e outros sujeitos. De acordo com Fernandes:
“A cada realização de uma nova ocupação de terra, cria-se uma fonte geradora
de experiências, que suscitará novos sujeitos, que não existiriam sem essa ação.
A ocupação é a condição de existência desses sujeitos. Ao conceber a ocupação
como fato, esses sujeitos recriam continuamente a sua história. Não concebê-la
é não ser concebido. Com a ocupação, cria-se a condição nova para o
enfrentamento. Na realização da ocupação, os sem-terra sem, ainda,
conquistarem a terra, conquistam o fato: a possibilidade da negociação.”
(FERNANDES, 1998:25).
As ações do Estado continuam reforçando a imagem de que a ocupação
de terra é a geradora de violência no campo, logo são os trabalhadores rurais
os causadores da violência, ao contrário de se democratizar o debate sobre o
que realmente gera a violência. Isto é, o sistema de concentração fundiária e
de modelo de modernização para produção agrícola, baseado em grandes
projetos tecnológico e de mecanização do campo. Modelo esse que há tempos,
notadamente nos anos 70, gerou o processo de exclusão e migração do campo
para cidade com o empobrecimento de milhares de pequenos produtores
rurais.
Produtores que diante das difíceis condições das políticas agrícolas
implantadas pelos governos dos militares perderam empregos sejam eles
arrendatários, parceiros e entre outros, outros deixaram o campo acreditando
em condições melhores nas cidades que cresciam com as indústrias, ou
aqueles que para pagar dívidas assumidas com as dificuldades de
financiamento e crédito do Estado para o campo naquela época, foram
obrigados a vender suas terras. Processo que representou e significa a
violência contra os trabalhadores do campo e nesse ciclo de exclusão muitos
desses ou mesmo seus filhos e netos, desde os anos 80 na busca pela
qualidade e condições de vida continuaram e reassumiram a luta pela
63
retomada da terra no país, lutando por uma questão que nunca se resolveu, a
reforma agrária. Sobre este contexto José Graziano da Silva analisando a crise
agrária brasileira assim se refere:
“(...) E a crise agrária brasileira (...) já estava desde o início dos anos sessenta
ligada a uma liberação excessiva de população rural. Eram milhares de
pequenos camponeses que, expulsos do campo, não conseguiam encontrar
trabalho produtivo nas cidades. Daí os crescentes índices de migração, de
subemprego, para não falar na mendicância, prostituição e criminalidade das
metrópoles brasileiras (...) O fato é que a expansão da grande empresa
capitalista na agropecuária brasileira nas décadas de sessenta e setenta foi
ainda muito mais acelerada do que em períodos anteriores.” (SILVA, 2001: 12).
Construindo uma história de sofrimento, coragem e de conquistas e
reformulações dos conceitos sobre os direitos, muitas gerações, frutos também
dessa época, escrevem as memórias e histórias desse país, como o fazem os
trabalhadores do Emiliano Zapata. Trabalhadores que entre tantas trajetórias
passaram também por outros tipos de acampamentos, isto é, viveram meses
acampados na beira do rio, lá por quatro meses perderam famílias que
desistiram da luta, como também organizaram novas famílias e também
reconquistaram antigas, promoveram toda infra-estrutura básica e necessária
para uma nova ocupação.
“Aí chegamo lá nesse rio Uberabinha, era um local assim muito ermo, né? Sem
(...) Num tinha água, num tinha luz, ficou assim muito difícil. Aí nós perdemo
muitas famílias naquela época, mais da metade do nosso povo foi embora. Nós
ficamo lá umas 70 a 80 famílias (...)”.
67
Na beira do rio viveram sob condições adversas de quando voltavam para
o assentamento Zumbi dos Palmares, já que depois dos despejos, de certa
maneira indo para o assentamento Zumbi dos Palmares conseguiam
sobreviver em melhores situações, ou pelo menos, estavam em território
conhecido e seguro.
67
João Moura dos Santos.
64
Para João a beira do rio, além dessas condições era um local ermo e ao
dialogar com Jonas Batista Nunes: “(...) Nessa época nós estávamos numa
área (...) como que fala? Uma área neutra, nós estávamos lá na beira do rio
(...)”. Percebemos que o acampamento provisório na beira do rio representou,
entre tantos, significados, a manutenção das expectativas e disposição para
conquistar os sonhos e projetos do futuro, o que estimulava a resistência
destes trabalhadores.
Porém, este tipo de acampamento pode indicar um lugar e uma
manifestação que não surte grandes pressões política e social, ou seja, os
trabalhadores Sem Terra, como os do Emiliano Zapata, quando acampam em
rodovias ou na beira de rio muitas vezes ficam praticamente abandonados pelo
poder público, já que ali não incomodam tanto. O fato em si, isto é, a ocupação
da terra e o acampamento, não tomam a mesma dimensão política de uma
ocupação e acampamento em uma fazenda que ameaça e afeta diretamente o
poder do fazendeiro, assim, dentro dessa correlação de forças os
acampamentos na beira do rio podem levar meses sem nenhuma solução.
Os trabalhadores do Emiliano Zapata que continuaram persistindo fizeram
outra ocupação na fazenda de nome Garupa e ali enfrentaram um dos
momentos mais difíceis de suas trajetórias de lutas. Como narra Teresa
Pacheco do Carmo:
“(...) E desse conflito que teve da beira do rio pra Garupa, entendeu? Aí que teve
um conflito meio feroz. Foi uns dez dias a polícia rondando e eles tiveram quase
que um conflito mesmo, quase que com o próprio fazendeiro, né? A coisa lá num
foi lá, foi bem, bem rasgado lá na garupa (...)”.
68
Resistindo duramente às investidas da polícia e do fazendeiro nos
primeiros dias da ocupação e no transcorrer do tempo de acampamento, os
trabalhadores do Emiliano Zapata conseguiram ficar por onze meses na
fazenda Garupa, portanto, lá foi o primeiro acampamento em que os
trabalhadores puderam fortalecer-se cotidianamente como acampados rurais
Sem Terra e firmaram-se como Movimento dos Sem Terra na região do
Triângulo Mineiro. Processo também lembrado por João Moura dos Santos:
68
Teresa Pacheco do Carmo.
65
“(...) Ocupamo aquela fazenda Garupa e fomo pra lá, chegamo lá, quando foi,
chegamo as três horas da manhã, quando foi sete, sete horas da manhã já
encheu de polícia. Num sei como que esse pessoal veio tão rápido assim,
encheu mais encheu de polícia mesmo. Daí o cara já falou: ‘Aqui agora é o
seguinte’, a polícia falou: ‘Aqui não entra e não sai mais, enquanto nós num
resolver esse problema não vai entrar ninguém, num vai sair’. E nós tinha vindo
com um bocado de caminhão de gente mais tinha ficado alguns pra trás lá, né?
Inclusive tinha ficado o caminhão da alimentação tinha ficado pra trás, mas só
que eles não sabia que era que se tivesse fechado, mais aí nós num ia agüentar
não! Aí o bicho pegou. Aí os caminhão vinha, alguns companheiro vinha de carro
pra chegar a polícia já fechava eles, num deixava chegar. Aí nós foi negociando,
negociando e resistindo, resistindo aí no fim aí a polícia abriu mão. Falou [a
polícia]: ‘Então beleza’. Largou nós lá, quieto sossegado. Aí nós ficamo lá, né? Aí
o fazendeiro o Marcos Paulo muito poderoso, entrou com a reintegração de
posse bem na época que o Fernando Henrique tinha dado a emissão de posse
da fazenda pra nós. Que a fazenda era super improdutiva, Fernando Henrique
mandou a reintegração, quando ele [o proprietário da fazenda] soube que nós
pegou na mão, ele entrou, ele pediu a, a (...) (pausa). Pediu a reintegração
novamente. Aí já entrou a Polícia Federal e tal e briga dali e briga daqui e nós
num agüentou também desistimo (...) Onze meses. Aí nós voltamo, tornamo
voltar pro Zumbi dos Palmares de novo (...)”.
69
Os trabalhadores neste acampamento enfrentaram muitas pressões do
proprietário da fazenda e na dinâmica da luta e de enfrentamento político com
o poder público foram se aperfeiçoando, compreendendo e incorporando a
linguagem e prática do universo da luta pela terra. Universo este construído na
perspectiva do Movimento social, isto é, envolvendo-se com as orientações de
outros estados ou regiões do MST seja por meio de militantes designados para
dirigir a luta ou encontros e reuniões, os trabalhadores do Emiliano Zapata
incorporando este ideário construíram a partir do modo de ser e agir de cada
trabalhador práticas próprias características do MST no Triângulo Mineiro.
Começaram ali naquela época, de forma mais contundente as reuniões
com as autoridades judiciais nos assuntos sobre os conflitos agrários do
69
João Moura dos Santos.
66
Estado de Minas Gerais, com o delegado de polícia e com autoridades do
INCRA, assim passando a lutar também no campo jurídico pelo o que
consideravam um direito.
Como narra Teresinha Gomes Nunes:
“(...) Aí nós fomo pra Garupa, aí na Garupa nós ficamo um ano lá, a fazenda foi
desapropriada, né? O juiz, depois o juiz fez, o Militão fez uma bagunça lá. Tinha
eu sei que tinha a fazenda já toda arrumada chegou a vim até os créditos e tudo
de repente o fazendeiro entrou de novo com reintegração de posse virou aquela
bagunça. Eu sei [que] acabou que ele assinou o despejo o juiz falou que nós
teríamos que sair da fazenda. Aí nós saimo da fazenda e viemo aí pro Zumbi dos
Palmares veio, foi o despejo. Nós negociamo, até na época eu tava na frente lá
da coordenação, tava junto, então, eu ajudei também, né? Na negociação. Mais
num foi possível, o pessoal resistiu, mas num foi possível. Aí nós fomo pro Zumbi
dos Palmares voltou lá pra chácara do Chico, né? Foi! Ficou na fazendinha do
Chico até nós arrumar outro lugar pra nós. Aí nós fomo pra lá, nós ficamo lá com
o Chico mais ou menos um mês, acho que de vinte dias a um mês, aí nós ficamo
lá (...)”.
70
Aprendendo a lidar e se relacionarem com autoridades do poder público,
os trabalhadores sentiram as dificuldades na luta também no sentido da
desigualdade diante do poder público e jurídico com as liminares de
reintegração de posse. Representando um processo em que prevaleceu a
influência e o poder, seja ele econômico e político, do proprietário da fazenda
junto a União.
Um processo em disputa que expressou, como ainda hoje, a realidade da
relação de forças políticas na região do Triângulo Mineiro em torno da luta e
dos conflitos pela posse da terra deixando os trabalhadores também na
expectativa de uma solução jurídica. Jonas Batista Nunes avaliando em
especial o acampamento na Garupa diz:
“É lá a Garupa foi o judiciário mesmo, né? O judiciário foi contra nós pela
influência da fazendeirama da redondeza. E eu acho que mais pelo fato do
fazendeiro ser maçônico. Aí o pessoal maçônico ajunta todo mundo pra causa
70
Teresinha Gomes Nunes.
67
deles. Nesse caso aí, eu sei que no meio desse processo o maçônico tem muita
força na sociedade, principalmente, no meio dos ricos, né? E aqueles
fazendeiros da região ali da redondeza dizem que num queria pobre no meio
deles, era o boato que eles num tinha, num queria, eles eram contra essa a
desapropriação da fazenda, porque num queria essa pobreza no meio deles lá.
Ela outra vez, também outros problemas foi o Incra, também era um dos
culpados, porque lá chegou sair decreto de desapropriação, estava em
negociação, nós passamos lá onze meses, só que o fazendeiro falou muitas
vezes pra nós: ‘Quem está enrolando vocês é o Incra, não sou eu, porque se o
Incra me pagar eu desocupo a fazenda amanhã pra vocês, assim que o Incra me
pagar o que foi negociado, mas o Incra não me paga como que eu vou entregar’.
Aí como o tempo foi passando, o Incra enrolando, enrolando, o fazendeiro nunca
que recebia as tal da TDA’s não eram liberadas, o fazendeiro mudou de idéia e
entrou com ação. Aí o judiciário deu causa a favor do (...) Aí foi na época do
governo do Fernando Henrique isso foi 2000 e deu ganho de causa pro
fazendeiro. O Helito Militão, lá de Belo Horizonte, ele assinou e aí como a PM
não podia, que naquela época tinha o problema que do Itamar [Itamar Franco,
ex-governador do Estado de Minas Gerais] que não deixava a PM bater no Sem
Terra, então, a PM estava fora, o Itamar não permitia que a PM fizesse o
despejo. Aí eles puseram a Polícia Federal, quem despejou nós da Garupa foi a
Polícia Federal”.
71
Jonas Batista também com um aguçado senso crítico e visão política traz,
como os outros, elementos e circunstâncias importantes e significativas sobre
os interesses políticos e sociais na região do Triângulo Mineiro.
Jonas ressalta a influência e características de toda, o que ele chama de
“fazendeirama” e as condições que pesam para a somatória das forças
políticas e, diga-se de passagem, econômica que na complexidade do jogo de
interesses políticos, ganha vantagens quem possui mais poder aquisitivo. Tais
questões indicam que os proprietários rurais, tendo inclusive organizado na
região o Sindicato Rural de Uberlândia (SRU), sempre se colocaram contra as
ocupações de terra, unindo-se contra a desapropriação da fazenda Garupa e
ao que isso poderia representar. Uma união que usando de muitos recursos
legais ou não, significava manter o poder dos fazendeiros da região.
71
Jonas Batista Nunes.
68
O desfecho do acampamento da fazenda Garupa que sob disputa judicial
colocou em confronto o proprietário da fazenda de nome Marco Paulo Teixeira
e os trabalhadores Sem Terra, foi de certa maneira acompanhado pela
imprensa local e assim abordado por um dos Jornais de Uberlândia:
“A ordem de reintegração de posse da fazenda ao proprietário Marco Paulo
Teixeira foi emitida pela Justiça Federal, em Belo Horizonte, após uma disputa
judicial que já dura um ano. Os Sem Terra apontam que a terra é improdutiva e
dizem que o Incra deu parecer sobre o assunto. O dono da gleba tenta mostrar
na Justiça que a fazenda é produtiva. Esta é a primeira vez que a Polícia Federal
em Uberlândia é chamada para fazer uma reintegração de posse de terra. Caso
a reunião de hoje termine sem solução, Bortolato [delegado - chefe da Polícia
Federal] ressalta que vai cumprir a ordem. A unidade uberlandense não dispõe
de homens suficientes para promover a desocupação. ‘Mas nós podemos
requisitar em outro lugar’. Assegurou”.
72
Na imprensa local as questões sobre o acampamento na fazenda Garupa
mostravam-se tensas e em disputa no campo jurídico, mas de certa forma a
imprensa abordava as decisões da Justiça de maneira polida como podemos
observar. De acordo com outra matéria do mesmo jornal: “O advogado Luiz
Eduardo Klovza, representante do fazendeiro, frisou que esperava uma saída
tranqüila. Ele disse que como parte do acordo para a reintegração, Teixeira
garantiu que as 17 crianças que estudam em Tapuirama continuarão tendo
escola até o final do ano (...)”
73
. Dando a entender a disposição do proprietário
em negociar a saída dos trabalhadores Sem Terra.
Contrariando as posições do proprietário da Garupa declaradas nos
jornais da imprensa uberlandense, os trabalhadores do Emiliano Zapata se
queixaram e declararam outras conjecturas sobre o processo tenso gerado
com a morosidade da Justiça em definir a situação da fazenda Garupa.
Apontando que os trabalhadores acampados sentiram outros tipos de pressões
72
Jornal de Uberlândia: “Correio”. Matéria Intitulada: “PF aguarda reunião sobre Fazenda
Garupa”, na página: Segurança, editorial de 23/11/2000.
73
Jornal de Uberlândia: “Correio”. Matéria Intitulada: “Acordo põe fim à ocupação da fazenda
Garupa Sem Terra começaram a deixar ontem a propriedade e vão para assentamento na BR -
365”, na página: Segurança, editorial de 25/11/2000.
69
políticas através de coerções, ameaças e intimidações, como podemos
observar na fala de João Moura dos Santos:
“(...) Antes da Polícia Federal esse fazendeiro [Marcos Paulo proprietário da
Garupa] tinha mandado três capanga lá pra fazenda, três capanga, três
pistoleiros, né? Pistoleiro armado que era pra tentar tirar nós, bicho [os
pistoleiros] ficava dando tiro por ali ameaçando um, ameaçando outro. [os
pistoleiros diziam]: ‘Vocês saem daqui! Que nossa ordem aqui é pra matar, nós
vai matar vocês, porque nós tem arma e tem dinheiro e nós vai matar e vocês
saem, saem’. Aí nós falou: Não! Arruma estratégia pra eles e falei assim: ‘São
três, nós arruma estratégia’. Nós reuniu lá falou: ‘Deixa eles, nós vai chamar eles
numa reunião que daí, desse jeito nós vai dá conta, aí vai um lá, nós vai dá conta
de ficar aqui’. [os trabalhadores disseram para os pistoleiros]: ‘Porque vocês
estão ameaçando nós de morte, nós não vai dá conta, agora nosso superior ali tá
pedindo pra que você vai lá pra nós acertar de que jeito que nós vamo sair, se
nós sai hoje, se nós sai amanhã, se vocês vai pagar um caminhão pra nós, se
num vai’. E aí os caras foram, mas foram na hora, aí já tava armada a estratégia,
né? Quando o cara chegou e começou, começaram a conversar aí foi chegando
um que nem tava assim numa roda assim mais de 200 pessoas, aí nós fomo já
um lá da segurança já pegou já tirou as armas lá dele, né? Aí já amarramo ele
com as mãos pra trás, os três. Fomo lá na casa pegamo mais arma, lá tinha
bastante armas, munições, tinha mais ou menos uns cinco quilos de munições
de tudo quanto é tipo, nós pegamo, aí amarramo eles com as mãos pra trás. Nós
tinha uma caçamba lá na época era dum acampado, botamo os três em cima da
caçamba, uma mulher de um que tava, tinha uma mulher, a mulher nós num
amarrou não, botou na cabine no meio assim trouxemos eles. Falamo assim,
falou pra eles: ‘Olha! nós num vai fazer nada com vocês, mas nós vai levar vocês
é pra cadeia que vocês são criminosos, vocês são criminosos, bandidos,
criminoso nós vamo levar vocês é pra cadeia’. Aí trouxe eles pra ali perto da (...)
É da penitenciária ali. Quando chegou ali, tava quase chegando ali, eles pediu
pelo amor de Deus pra tudo quanto é santo que soltasse eles ali, que num
levasse eles lá pra aquele cadeião não, que ia ficar ruim demais pra eles. Beleza!
Que soltasse eles ali, beleza! Nunca mais voltava lá pra mexer com nós, nem
nada e acabou e beleza pura! E falamo: ‘Não! Então tá certo! Nós vamo
desamarrar os homens’. Desamarrou, eles pulou do carro e vazou. Aí eles foram
embora e pronto. Aí foi na época que aí a Polícia Federal entrou em ação
70
querendo tirar, já que não conseguiu tirar com os bandido, conseguiu aí veio a
Polícia Federal (...)”.
74
Para além das questões que incidiam fora do acampamento, os
trabalhadores viviam complicadas situações dentro da fazenda com a ofensiva
do proprietário, mediante represálias os trabalhadores também partiram para o
contra-ataque, representando um perigoso jeito de se tentar fazer justiça. Sem
a proteção do Estado os trabalhadores arquitetaram soluções para
preservarem suas vidas, o que muitas vezes levou a climas tensões e
violentos. Situações complicadas e semelhantes como essas acontecem em
muitos estados do país em que a disputa pela terra se faz presente, acabando
em alguns exemplos, em chacinas e assassinatos de trabalhadores dirigentes
e coordenadores do Movimento nas matas, rodovias, acampamentos e
assentamentos, crimes que em raríssimos casos são divulgados pelos meios
de comunicação de massa.
O acontecimento narrado por João Moura dos Santos virou caso de
polícia e nas páginas sobre Segurança no jornal Correio, o mesmo fato ganhou
outra dimensão e impacto:
“A sede da Fazenda Garupa, localizada na altura do Km 175 da BR- 452, foi
invadida anteontem por dois homens, armados com armas de fogo e facas, que
alegaram ser membros do Movimento dos Sem Terra (MST). Eles retiraram à
força um caseiro e um vigia e os levaram para o bairro Dom Almir, deixando-os
em frente a Colônia Penal Jacy de Assis. Da colônia, o caseiro Antônio Carlos
dos Santos, 44 anos, e o vigia Miguel Gonçalves, 34 anos, acionaram a Polícia
Federal e disseram que se encontravam na sede quando os homens chegaram.
Eles os coagiram, os colocaram dentro de um caminhão e os levaram. ‘Eles
estavam armados com armas de fogo e facas’, declararam os dois homens à
polícia (...)”.
75
O modo como o jornal se refere à disputa dentro da fazenda ocupada
usando de termos como “invasão”, coação, “retirar à força”, deu ao processo
74
João Moura dos Santos.
75
Jornal de Uberlândia: “Correio”. Matéria Intitulada: “Sem - Terras ocupam sede de fazenda
na BR 452, caseiro e vigia da propriedade foram retirados à força e deixados na porta da
Colônia Penal”, na página: Segurança, editorial de 04/11/2000.
71
outra leitura, apontando um tom agressivo e ameaçador somente por parte dos
trabalhadores. Dessa forma, o jornal assumiu a versão dada pelos supostos
caseiro e vigia da fazenda, apesar de ressaltar a tentativa de contato com o
Movimento e sem respostas deixaram recado na secretária eletrônica do MST.
Neste caso, a fazenda Garupa tornou-se um símbolo de disputa de força e
poder, em que os fazendeiros da região não admitiam perder. Sentindo-se
fortalecidos e respaldados pelas as ações do governo, com suas leis e Medidas
Provisórias (MP 2.027-38), as quais representavam claramente um dos
empecilhos, na época do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso,
para com o processo de reforma agrária na perspectiva dos Movimentos
sociais de esquerda. Ao mesmo tempo, os trabalhadores do Emiliano Zapata
declaravam para a sociedade toda disposição em lutar pela terra. Como
observamos em outra matéria do jornal da cidade:
“As lideranças do Movimento dos Sem Terra (MST), que coordenam as 110
famílias de trabalhadores que ocupam a fazenda Garupa, em Uberlândia,
afirmam que vão resistir à ordem de reintegração de posse, emitida pela Justiça
Federal do Belo Horizonte. Elas alegam que não tem para onde ir e que só
sairão se o Incra arrumar uma outra área para o MST”. Segundo Ivan Dias da
Silva, 32 anos, Tchê, um dos coordenadores do acampamento, o Incra e o
Ibama, órgãos responsáveis pela análise do caso, emitiram laudos que apontam
a improdutividade da terra. Ele salienta que os sem-terra já ocupam a área desde
o ano passado. ‘Nós estamos plantando e nossas crianças estão estudando e
Tapuirama’(...)”.
76
A complexidade e as disputas políticas que envolvem a questão agrária é
uma realidade que se arrasta por longas décadas, mantendo privilégios da
classe ruralista nesse país. Classe esta que agiu como no exemplo narrado
pelos trabalhadores na fazenda Garupa e, hoje continuam agindo em outros
estados do país com violência ao se armarem contra os trabalhadores rurais
ocupantes de terras. Atitudes como aquelas do proprietário da fazenda Garupa
na defesa de sua fazenda acabam, em alguns casos, saindo do controle e com
uma grande probabilidade de tragédias e mortes.
76
“Correio”, Matéria Intitulada: “Acampados não querem deixar a propriedade”. Página:
Segurança, editorial de 23/11/2000.
72
Sob esta perspectiva as análises feitas por Jonas, Teresinha e João nos
oferecem oportunidades para refletirmos sobre a região do Triângulo Mineiro,
principalmente, no que se refere ao campo e às políticas governamentais ou
não para o mesmo que vem incentivando e mantendo a estrutura fundiária
brasileira.
A região em questão é marcada pelo poder econômico e político de
grandes e médios proprietários rurais, sejam eles filiados ou não, ao Sindicato
Rural de Uberlândia ou à Associação Brasileira dos Criadores de Zebu. Sobre
a região incidem também o poder de empresas transnacionais ligadas ao
campo e integradas ao modelo de produção e comercialização do agronegócio,
como estão também integrados a esse modelo os proprietários rurais
particulares. Uma dessas grandes empresas é a Monsanto com sede em
Uberlândia, e alvo de muitos protestos de trabalhadores e Movimentos sociais,
outras empresas também como a Cargill, Sygenta e Agrocena estão pela
região.
Os trabalhadores rurais Sem Terra do Emiliano Zapata, bem como
trabalhadores de outros Movimentos sociais como MLST, MLT entre outros,
sujeitos e construtores da história da luta pela terra, com suas lutas e pressões
políticas trouxeram como possibilidade a denúncia pública da incidência de
terras sem produção na região do Triângulo Mineiro, como também exigiram o
cumprimento da lei
77
, isto é, desapropriação de terras que não estejam
cumprindo sua função social. Assim, exercendo e fazendo garantir o direito de
possuírem terras para delas tirar suas rendas, exigiram o direito de viver com
dignidade como garante a Constituição Da República Federativa do Brasil.
Por meio da luta esses trabalhadores provocaram a sociedade regional e
local a debater sobre a existência de latifúndios, mesmo que produtivos, sob
domínio econômico e político de uma única pessoa ou mesmo sob domínio de
grandes grupos econômicos e financeiros. Os trabalhadores nas suas lutas
estão também denunciando a existência de terras improdutivas servindo de
77
De acordo com a Constituição Da República Federativa do Brasil, no Título VII Capítulo III:
Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, o Artigo 185 rege: “São insuscetíveis de
desapropriação para fins de reforma agrária: I – a pequena e média propriedade rural, assim
definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II – a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas
para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social”.
73
especulação financeira e, assim sendo, nada têm a haver com a sua função de
ser um bem e patrimônio da humanidade; isto é, com a função de sustentar o
homem com igualdade de condições e justa distribuição de renda.
Na disputa por projetos e modelos econômicos, sociais e de produção do
campo que se faz cotidianamente entre os Movimentos sociais de esquerda e
as forças de direita em movimento nesse país, há opiniões contrárias sobre o
papel e importância do agronegócio. O que se constata é que o agronegócio
tem contribuído em grande parte para o insucesso dos pequenos produtores
rurais, constituindo em uma realidade em que muitos desses pequenos
proprietários de terra chegam à falência e passam a integrar muitas vezes o
horizonte das migrações do campo para a cidade. Na realidade o agronegócio
tem se mostrado uma política voltada para os grandes e médios proprietários
de terras e produtores visando o mercado de exportação, com boas garantias
de financiamentos e créditos agrícolas por parte de sucessivos governos que
lhes garantem a produção.
O debate sobre a importância do agronegócio está presente em vários
espaços políticos e de várias maneiras é publicizado para sociedade. De
acordo com o material de leitura e estudo produzido pela Organização
internacional dos Movimentos sociais de luta pela terra conhecida por Via
Campesina, o agronegócio assim é analisado:
“(...) no Brasil, a expressão foi utilizada pelos fazendeiros, por intelectuais das
universidades e, sobretudo, pela imprensa para designar uma característica da
produção rural. Eles denominaram de agronegócio aquelas fazendas modernas,
que utilizam grandes extensões de terra, que se dedicam à monocultura, ou seja,
que se especializam num só produto, utilizam alta tecnologia, mecanização, às
vezes irrigação, pouca mão-de-obra, e por isso falam com orgulho que
conseguem alta produtividade do trabalho, com baixos salários, com uso
intensivo de agrotóxicos, com
uso de sementes transgênicas e, na maior parte
dos casos, produzem para a exportação, em especial, cana de açúcar, café,
algodão, soja, laranja, cacau, e fazem
pecuária intensiva (...) Mas o que há de
novo nesse tipo de fazenda? (...) é o mesmo tipo de modo de produção que foi
utilizado durante a Colônia (...) muda-se apenas do trabalhador escravizado para
o trabalhador assalariado e passam a usar técnicas modernas de mecanização e
agrotóxicos. Todo restante continua igual. (...) utilizando o trabalhador
74
assalariado, os estudos revelam que são os menores salários pagos a
trabalhadores brasileiros, em comparação com os salários pagos pelas indústrias
e pelo comércio”.
78
Esse modelo de produção em que pese gerar alguns empregos, também
pode excluir outros tantos homens do campo que perdem seus postos de
trabalho ao serem substituídos pelas máquinas. Situações que entre outras
compôs uma realidade no campo, intensificada nos anos 70, que levou muitos
produtores à miséria econômica e social ao perderem suas terras, seu trabalho
e seu direito de produzir sendo obrigados a vender e deixar suas terras.
Homens que intensificaram o processo de migração do campo para
cidade e que, hoje, resultado dessa época e geração de deslocamento em
busca de uma vida com qualidade e melhores condições, esses homens saem
em busca e lutam para reconquistarem seu espaço e território nas regiões de
origem ou mesmo em lugares em que possam exercer conhecimentos do
passado e de seus antepassados no cultivo da terra. Evidentemente não na
mesma condição de antes, agora, como assentados da reforma agrária.
Todo esse processo de migração e de exclusão social gerada pelas
péssimas condições ou mesmo a inexistência de emprego nas grandes cidades
intensificou a luta e retomadas das terras perdidas, luta esta que sem um
profundo e amplo debate social acaba caindo, para além de interesses políticos
e má fé, na ignorância social, que somada a negligência do poder público e
abuso de parte da mídia, acabam rotulando e taxando de desordeiros,
marginais, preguiçosos e ladrões trabalhadores que partem para as ocupações
de terras improdutivas.
Em meio às estas questões os trabalhadores Sem Terra do acampamento
Emiliano Zapata nas suas lutas cotidianas obtiveram conquistas e perderam
muitas vezes na Justiça o direito de continuarem acampados, sofrendo vários
despejos. Nas lembranças os sentimentos aflorados foram de vulnerabilidades
perante o poder jurídico.
Teresa Pacheco do Carmo assim se expressou:
78
II. A natureza do agronegócio no Brasil. 1. O que é o agronegócio. In: A natureza do
agronegócio no Brasil. Cartilha da Via Campesina Brasil. Maio de 2005.
75
“Não! Aí teve o despejo lá na, aí foi um despejo que saiu da Garupa, aí foi
aquele despejo mais sem graça, né? Ninguém, nós já ia era lá pro lote do Chico
que num tinha lugar. Nós ganhamo a Garupa num dia a tarde, quando foi outro
dia, 8 horas da manhã, veio a liminar de despejo, né? Foi uma coisa que até hoje
nós num conseguiu entender o quê que aconteceu, entendeu? Aí eu lá da
Garupa num (...) o despejo foi aquele despejo sem graça, todo mundo ficou
desorientado, né? Porque a fazenda já era nossa e de repente veio o despejo
(...) Sem motivação de nada sabe? Que saiu, saiu assim aquela coisa esquisita,
sem pé, sem cabeça, aquela coisa que você num entende o quê que está
acontecendo”.
79
Jonas Batista Nunes narra:
“O processo de despejo foi o dos piores que podia existir pra nós, porque a gente
quando considerava que ia ser assentado naquela fazenda [fazenda Garupa],
faltando muita pouca coisa pra desapropriação da fazenda, de repente a gente
se vê diante de um despejo. Foi muito triste, ficou pior de tudo. Nós num
tínhamos nem pra onde ir, eles [a Polícia Federal] queriam pôr a gente numa
área de lixão lá pro lado do Morumbi, bairro Morumbi em Uberlândia (...)”.
80
Diante da decepção com a notícia do despejo veio o impacto da solução
apresentada pela Polícia Federal
81
. Jonas narra indignado como se deu o
processo de negociação e saída das famílias:
“(...) Aí nós fomos lá pra ver o lugar, num tinha água, encostado na favela lá,
num tinha água, tinha lixo, cheio de urubu lá, bicho morto, né? Mal cheiro,
totalmente inviável, era um local que eles queriam colocar a gente naquela área
encostado no favelão do Morumbi, não, do Almir e o pessoal num quis falou:
‘Não!’ (...). Eles [a Polícia] só despejaram, se vira [disse a polícia], eu vou levar
vocês pra lá e dali vocês se viram, vocês num são quadrados. Aí quando nós
chegamos naquela área lá, que nós foi lá pra ver a área, não tem condição da
gente vim não. Isso aqui nem cachorro vive num lugar desse. Lugar pior que
79
Teresa Pacheco do Carmo.
80
Jonas Batista Nunes. Entrevista concedida à autora em abril de 2005.
81
A Polícia Federal foi designada para fazer cumprir a ordem de reintegração de posse e
despejo dos acampados. Nesta época, ano 2000, o governador do Estado de Minas Gerais
Itamar Franco havia decretado que a Polícia do Estado não se envolveria em conflitos por
despejo de áreas ocupadas cabendo, se fosse o caso, a intervenção da Polícia Federal.
76
podia imaginar. Aí aquilo era uma humilhação, né? Nós estávamos
completamente humilhados, quer dizer, levar a gente para um lugar daquele lá,
se nem água tinha lá, nem água tinha, água tinha que levar era em caminhão
pipa. Aí o Chico falou: ‘não! Vai lá pro meu lote lá no Zumbi dos Palmares, se
vocês quiserem ir pra lá’, o Chico era assentado. Aí foi pro lote do Chico, cinco
famílias de, nós tínhamos começado com 128 famílias, sobrou cinco, aí deu
desânimo geral pleno mês de dezembro vindo o natal, depois ano novo e fomos
despejados em 25 de novembro (...) ”.
82
Os trabalhadores buscavam terra para trabalhar e o Estado ofereceu o
local de depósito do lixo da cidade, um lugar degradante, “nem cachorro fica”,
um lugar onde se jogam os restos da sociedade, inabitável, sem qualquer infra-
estrutura. A solução foi levar para o lixo aqueles que estão sujeitos à miséria, à
falta de saneamento básico, moradia, educação, sistema de saúde, emprego,
alimentação, lazer e diversão com os projetos políticos e econômicos
dominantes. Não sendo reconhecido como direito a luta desses trabalhadores
por essas necessidades básicas, pois na sua forma de manifestação, a
ocupação e acampamento de lona preta, mexem com o conceito liberal de
propriedade privada, que até então é tido pelo Estado de Direito como algo
intocável, mesmo que mantenha e reproduza a desigualdade social e
econômica.
Ir para o lixão não representava nenhuma possibilidade de melhora no
padrão de vida, ao contrário, pelas suas condições provavelmente sofreriam
com doenças e coisas do gênero. Indo para aquele lugar os trabalhadores não
realizariam o desejo de um futuro próspero no cultivo da terra.
O despejo lembrado e contado pelos trabalhadores foi sentido por cada
um de maneira diferente, trazendo as possibilidades de frustrações,
decepções, tristezas, desânimo ou mesmo o fortalecimento político nos
propósitos da luta. Para muitos trabalhadores as experiências vividas, sejam
elas dos momentos de tensão, conflito e de alegria, tranqüilidade, acirra a
disposição para a luta pela terra, porque passam a lidar e conhecer outras
possibilidades para enfrentar as desigualdades sociais. Já outros trabalhadores
também conscientes dos desafios, optam por outros caminhos que não da luta
82
Jonas Batista Nunes.
77
pela terra para superação de suas dificuldades e deixam os acampamentos e
seguem outros caminhos e trajetórias de outras lutas.
Eva Lima dos Santos fala sobre os conflitos vividos com as ocupações e
despejos e os confrontos com os fazendeiros respaldados e mediados pela
polícia:
“O maior conflito que a gente viveu foi lá na fazenda Garupa, né? (...) Não! Mais
teve outro, não! Num foi esse que foi o maior, o maior foi o da fazenda São
Domingo, né? O da fazenda São Domingos, porque aí chegou e os fazendeiros,
foi os fazendeiros com a polícia, né? Não deixou as pessoa montar nem os
barraco aí montaram os barracos nas estradas num deixou nem as pessoas
acabar de chegar aí tiraram as pessoas, né? A pulso prenderam alguns, essa
Ana Paula mesmo que nós tava acabando de comentar ganhou nenê de oito,
sete mês do choque que levou, né? Durante o acampamento do despejo aí ela
ganhou o nenê de oito mês, nasceu no mesmo dia, ela passando mal as polícia
num queria nem levar [para o hospital] aí o menino dela nasceu de oito mês com
o susto que ela levou (...) Aí foi esse que foi o maior conflito que teve, né?”.
83
Vivendo esses temores e frustrações Eva Lima dos Santos foi crescendo
na consciência do que ela e os outros trabalhadores estavam realizando. Sobre
a ocupação e a reação da polícia, que mais uma vez surpreendeu os
trabalhadores, ao lhe perguntar se sentiu medo Eva narra:
“Não! teve medo, mas na hora a gente, o medo passou a ter coragem, né? A
coragem que a gente tinha que lutar que nós tava numas trezentas pessoas mais
ou menos, muita criança e a gente tinha que lutar e nós tinha e meus meninos
mesmo tinha ficado pra fora num tinha chegado ainda. Eles tinha ficado no
acampamento com o resto da mudança que nós tava mudando da beira do rio
pra ir pra fazenda Garupa que foi a ocupação da fazenda Garupa e a gente tinha
ficado. O restante que a polícia cercou aí eles ficaram acampado oito dia a
polícia ficou acampada oito dia [os policiais] montou acampamento na frente da
portaria do acampamento [dos trabalhadores] (...) Pra num deixar entrar e nem
sair (...) Aí só saia tinha que revistar os carro aí foi indo (...) Nós conseguimo pelo
fundo, nós conseguimo entrar o resto do pessoal, mas quando eles [os policiais]
via que pessoal tava entrando eles descia correndo com os cachorro com as
83
Eva Lima dos Santos.
78
coisas das pessoas, aí nós descia, cercamo também e os companheiro
conseguiu entrar tudo pelos brejos, tudo pelos fundos, entrou todo mundo e as
mudanças ficou pra trás, o caminhão foi preso, foi pra delegacia com as coisas,
roubaram tudo nossas coisas dentro do caminhão foice, enxada, machado, faca,
mas aí depois nós conseguimo ficar nessa fazenda (...) Mas foi maior conflito foi
esse, né?”.
84
Eva Lima dos Santos expressa seus sentimentos diante daqueles
momentos como coragem para enfrentar a polícia e segurança por ter ali
muitos trabalhadores juntos na mesma situação. Interessante perceber na
maneira como os trabalhadores do Emiliano Zapata se expressam como vão
contando os caminhos escolhidos e construídos para resistirem e lutarem pela
conquista da terra. Ou seja, Eva nos possibilita entendermos as estratégias e
manobras utilizadas por eles, quando diz que entraram “tudo pelos brejos,
pelos fundos”, como os trabalhadores criaram formas para entrarem na
fazenda driblando os policiais, conseguindo após muitas tentativas e
frustrações acamparem e se fortalecerem construindo cotidianamente a
identidade de Sem Terra.
Sobre os conflitos e ameaças que sofreram em todos os momentos da
luta Eva Lima dos Santos pondera que, “O mais difícil é você lidar com a polícia
e o jagunço, porque esses daí são complicados, né? Porque a polícia são os
verdadeiros os mais perigoso que se torna pra gente e o jagunço, né? Porque
vem pra matar que é mando do fazendeiro eles são pagos pra aquilo, né?”
Ao relembrar o despejo da fazenda Garupa e o conflito vivido, Eva traz
como significativo e selecionado por sua memória o seguinte:
“Foi difícil, foi doloroso deixar tudo que a gente tinha pra trás, com um ano você
consegue muita coisa, né? Deixar tudo pra trás de novo, tudo plantadinho deixar
(...) Já! tinha hortaliça, tinha arroz, tinha milho, tinha mandioca, nós deixou tudo
plantadinho. Vem pro velho assentamento Zumbi dos Palmares, tinha que ficar
no lote do companheiro que é o Chico e lá nós ficou quase cinco meses aí viemo
ocupar a fazenda FERUB”.
85
84
Idem.
85
Idem.
79
Eva L. Santos reelabora as dificuldades causadas pelo impacto do
despejo, expressando o sentimento de dor e tristeza e o mais significativo,
deixar na fazenda todo resultado do trabalho realizado no cultivo da terra, esta
que pensavam já ter conquistado. Pareceu-me que o dinheiro naquele
momento era importante, mas não quanto a roça plantada que trouxe a
possibilidade concreta do trabalho e da renda, portanto, a possibilidade de ter
um futuro com melhoras na condição de trabalho e de vida, um futuro projetado
a partir do que viu sendo construído no cotidiano vivido na comunidade do
acampamento com outras relações sociais e de trabalho.
Jonas Batista Nunes expressa seu sentimento sobre o processo vivido da
seguinte maneira:
“Aí o Chico falou: ‘Não! Vai lá pro meu lote lá no Zumbi dos Palmares, se vocês
quiserem ir pra lá’. O Chico era assentado, aí foi pro lote do Chico, cinco famílias
de (...) Nós tínhamos começado com 128 famílias, sobrou cinco. Aí deu
desânimo geral, pleno mês de dezembro vindo o natal, depois ano novo e fomos
despejados em 25 de novembro (...) Desistiu né? Diante do grau de dificuldade
que era, você já pensou? Nós tínhamos começado com 128, nós estávamos na
beira do rio com 128 famílias, 128 cadastro quando nós fomos pra Garupa, 128
para retornar pra fazenda Douradinho. Quando o Incra deu laudo de produtivo na
Douradinho houve uma desistência em massa. Praticamente lá na beira, no rio
sobramos com umas 40 quarenta e poucas famílias e nós ocupamos a Garupa.
Quando nós fomos despejados, nós estávamos com trinta e cinco famílias, nós
ficamos onze meses na Garupa com (...) no final nós tínhamos 35 famílias. Era
exatamente as 35 que ia ser assentada naquela fazenda, aí depois desse
despejo nós retornamos pro Zumbi dos Palmares com 5 famílias (...)”.
86
Em meio a tantas dificuldades os trabalhadores viram seus companheiros
saindo do acampamento e cientes da importância e da pressão que o maior
número possível de barracos de lona preta em um acampamento gera no
poder público, era como se os trabalhadores vissem todo o esforço e
possibilidade de conquistarem a terra se desfazendo, o sonho da terra, a cada
desmobilização, ficava mais distante. Assim Jonas Batista Nunes se
expressou:
86
Jonas Batista Nunes. 02/04/05.
80
“(...) Aí nós ficamos lá e como dizem começar tudo de novo, começar da estaca
a zero. Que nós já tínhamos naquela época um ano de luta praticamente, quase
um ano, não! Tinha mais de um ano! De abril de 99 até novembro de 2000, um
ano e meio, tudo perdido. Tudo, tudo por água abaixo, tudo aquilo que nós
tínhamos feito em um ano e meio, nós tínhamos voltado pra (...) Estava a zero.
Aí começar tudo de novo (...) E a luta continuou! O pessoal não desanimou não,
partiu pro Frente de Massa (...)”.
87
As famílias que ficaram decidiram continuar e enfrentaram outros tempos
difíceis da reorganização da luta. Partiram para o trabalho, para a organização
de mais famílias, trabalho este que Jonas identifica como partir “pro Frente de
massa”, isto é, a prática de convencer trabalhadores a entrarem para o MST e
organizarem a ocupação de terra. Um trabalho de responsabilidade maior
dentro do Movimento de um setor de atividades chamado de Setor Frente de
Massa. Contudo, busca-se envolver outros setores, por exemplo, formação
política, finanças, produção na organização da ocupação da terra, todos com
suas respectivas funções visando politizar a luta cotidiana e a capacidade de
organização que garante a segurança e os argumentos dos trabalhadores
perante a sociedade e o poder público.
Os momentos difíceis daqueles tempos foram relembrados também por
Eva Lima dos Santos; sob sua perspectiva política falou de quando
reorganizaram a luta em uma dolorosa e surpreendente resistência e
persistência:
“(...) Teve época que nesse assentamento só agüentou as pontas porque ficou
quatro família, cinco família quando nós foi despejado, ficou cinco família. Essas
cinco família falou: ‘Nós num vai sair e nós vai levantar o Zapata, nós vai juntar
gente e vamo fazer ocupação’. Aí ficou, nós foi pro lote do Chico, chegou lá, nós
foi cinco família (...) Aí quando nós num conseguimo fazer Frente de Massa e
juntar quase ninguém, nós pedimo o reforço. O apoio ao Sem Teto lá do Dom
Almir. Nós pedimo o Sem Teto e com o Movimento, num sei se foi lá da APR foi
umas pessoas que ajudou nós aí juntamo aquele povo lá da Macaúba, né? Foi
vieram um bocado e nós conseguimo fazer a ocupação da FERUB, mas na
87
Idem.
81
realidade de família mesmo, nós num tinha nem dez família no acampamento era
tudo apoio [pessoas simpatizantes da luta pela terra que ajudam o MST]. Aí
depois que nós conseguimo que tava tudo tranqüilo que já tinha passado uns
três a quatro meses, num teve despejo, tava indo bem aí foi que o pessoal [as
famílias que desistiram do acampamento] voltou pro acampamento. Então, aí se
nós num fizesse isso, num tinha o Zapata hoje. Se nós também tivesse desistido
e fosse embora num tinha o Zapata, mas nós aguentamo as pontas e com essas
cinco família nós conseguimo levantar o acampamento. Daí a pouquinho o
acampamento tava chenhinho e todas essas ocupações que nós temo hoje e
todos esses assentamentos que outros companheiros foram assentados junto
com nós, né? Aí é isso que a gente fica satisfeito”.
88
Assim narra João Moura dos Santos:
“(...) Aí completamos aí 80 famílias e viemo ocupamos aquela fazenda FERUB
lá, ocupamo e ficamos lá, aí nós tinha esse processo, uma esperança desses
três áreas, essas três áreas aqui”.
89
Os trabalhadores como Eva Lima dos Santos e João Moura dos Santos,
hoje, ao relembrarem aqueles momentos ponderam que escolheram e
tomaram as decisões corretas ao ficarem na luta diante daquelas situações
delicadas com tantas privações e péssimas condições devido à série de
ocupações de terra e despejos imediatos e dos acampamentos sem infra-
estrutura adequada e digna. Eva L. dos Santos traz a perseverança de cinco
famílias que restaram para manter o acampamento Emiliano Zapata e ao
reavivar a memória e contar esta trajetória expressa seu sentimento de
satisfação, de prazer em saber que a coragem e a força daqueles tempos a
levaram a alcançar seus objetivos.
Neste sentido, Jonas Batista Nunes diz:
“E a luta continuou! O pessoal não desanimou não, partiu pro Frente de Massa, o
Aguinaldo foi trabalhar com a gente lá e animar o pessoal. Daquelas cinco
famílias foram vindo mais alguns foi pra nove, pra treze né? Nós chegamos mais
ou menos naquela ocupação da FERUB com oitenta quase oitenta pessoas aí
88
Eva Lima dos Santos.
89
João Moura dos Santos.
82
com os apoios, com os estudantes que estavam fazendo o estágio de vivência
com nós que ajudou muito, mais o pessoal que deu apoio nós conseguimos o
seguinte, nós analisamos o seguinte que se (...) A gente analisou toda a
sacanagem que o Incra e jurídico fez conosco desde da Domingos, a Douradinho
na Garupa, não adianta nós vamos ocupar uma área pública. Porque nós vamos
forçar as autoridades a arrumar uma área pra nós, agora eles vão arrumar,
porque tudo que nós fizemos eles nos sacaniaram, fizeram sacanagem com a
gente. Então, nós vamos entrar numa área, vamos entrar na FERUB que nós
vamos obrigar a prefeitura dá jeito na nossa proposta. O Zaire [prefeito de
Uberlândia eleito no ano 2000] naquela, ele estava no direito de tomar posse,
quando, no dia que o Zaire tomou posse no outro dia nós entramos na FERUB.
Já entrou [o prefeito] na prefeitura com o problema, se era uma área da
prefeitura, nós estávamos lá. Agora vocês se viram, nós não queremos essa
área, porque se entra numa área vinha a Emenda Provisória, se entrou na área
só depois de dois anos vem a vistoria. Então, nós não queremos essa aqui, nós
entramos nessa aqui e vocês arrumam outra pra nós, a política era essa. Que se
nós entrássemos de todo jeito nós perdíamos, na lei nós perdíamos de todo
jeito”.
90
Frente à realidade política, percebemos que os trabalhadores repensaram
as estratégias de luta e ação na região com relação às ocupações das terras.
Propuseram um movimento e uma ação conjunta com os apoiadores político do
MST na cidade de Uberlândia. Pelo que podemos observar o papel dos
apoiadores dos Movimentos sociais é de extrema importância, porque também
fazem parte da construção das lutas ao auxiliarem no cumprimento de planos e
estratégias dos trabalhadores. Os apoiadores podem contribuir com
alimentação e outros materiais necessários para a luta, têm importância pela
pressão e representatividade política e jurídica, como também pela influência e
capacidade de inserção nos meios de comunicação de massa, ou seja, tudo
que possa fortalecer e preservar a vida dos trabalhadores nos embates do
cotidiano.
No caso, os apoios dos trabalhadores do Emiliano Zapata na região e no
período dessas ocupações eram basicamente: o Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto de Uberlândia (MTST); o Sindicato dos Funcionários Técnicos da
90
Jonas Batista Nunes.
83
Universidade Federal de Uberlândia (SINTET/UFU); o Sindicato dos
Trabalhadores na Indústria de Alimentação de Uberlândia (STIAU); Sindicato
dos Metalúrgicos de Uberlândia; Sindicato dos Trabalhadores em Educação de
Uberlândia (SIND-UTE); Animação Pastoral no Meio Rural (APR); Associação
dos docentes da Universidade Federal de Uberlândia – ADUFU; Estudantes
Secundaristas e Universitários - muitos destes universitários realizam estágios
de vivência em acampamentos e assentamentos nos períodos de ocupação de
terra - e o apoio dos amigos e amigas do MST (pessoas simpatizantes da luta e
assim reconhecidas pelos trabalhadores do MST).
Diante da realidade e a força política dos trabalhadores e da classe
ruralista - classe esta que se fortalecia com a MP 2.027-38, em que proibia a
vistoria e desapropriação de fazendas ocupadas por dois anos consecutivos - a
estratégia dos trabalhadores do Emiliano Zapata foi pressionar diretamente e
de outra maneira o poder público.
No caso, os trabalhadores estavam exigindo e pressionando os
governantes para que se cumpra o que está na lei, isto é, terra improdutiva que
não cumpre sua função social deve ser desapropriada para fins de reforma
agrária, driblando e resistindo as Medidas Provisórias e os recursos utilizados
pelo Estado, mostrando que as leis são criadas na perspectiva da disputa e
tendências de projetos de governo. Dessa forma, para os trabalhadores não
estava interessante ou prático ocupar diretamente as fazendas improdutivas.
A estratégia pensada visou ocupar em janeiro de 2001 uma fazenda de
posse da prefeitura municipal de Uberlândia, a Fundação Educacional Rural de
Uberlândia (FERUB), a 22 Km do perímetro urbano de Uberlândia. Uma
ocupação que levantou outras problemáticas, quais sejam, o abandono da
fazenda por parte da prefeitura, sem o aproveitamento social cabível, como
também colocou em xeque os políticos eleitos ao obrigá-los a revelarem os
reais interesses de suas promessas de campanhas eleitorais, já que uma delas
era contribuir com os Movimentos sociais.
Nessa correlação de forças políticas e de disputas, entre tantas ações dos
ruralistas, no segundo semestre do ano 2000 foi publicado no jornal Correio de
Uberlândia os esforços dos ruralistas filiados a Associação Brasileira dos
Criadores de Zebu (ABCZ) e ao Sindicato Rural de Uberlândia (SRU) na
criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar as
84
irregularidades cometidas no processo de reforma agrária tendo como alvo o
INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
No jornal Correio em matéria intitulada: “ABCZ e SRU querem CPI no
Incra, Ruralistas de Uberlândia participam de manifesto em Brasília”, os
ruralistas, dizendo após quatro anos de trabalho, apresentavam à Câmara o
pedido de CPI. De acordo com essa matéria do jornal Correio:
“Hoje a ABCZ e o Sindicato Rural de Uberlândia participam de uma manifestação
em Brasília, para instauração de uma CPI para investigação do INCRA. Segundo
o presidente da ABCZ, Rômulo kardec de Camargo, a entidade teve participação
nas investigações de atos ilícitos ocorridos nos últimos cinco anos no projeto de
reforma agrária no país. Rômulo Kardec lembrou que o Movimento Nacional dos
Produtores (MNP), criado para defender a classe contra os abusos nas questões
agrárias, nasceu na sede da ABCZ, em março de 1997. Mais tarde, o MNP
transformou-se na Comissão de Política Fundiária da Confederação Nacional da
Agricultura (CNA), que acompanhou, em cinco estados, as audiências públicas
contra o Incra e o MST (...) O presidente do Sindicato Rural de Uberlândia (SRU)
Paulo Roberto Andrade Cunha, diz (...) ‘Vamos a Brasília apoiar a abertura da
CPI contra o Incra. Não podemos permitir que o governo gaste dinheiro
desapropriando fazendas que continuarão improdutivas. O que queremos é ver o
dinheiro público bem empregado, ou seja, tornando o campo produtivo e seguro’.
Finaliza”.
91
Parece-nos evidente que nesses anos de disputa pela terra, seja ela por
todo território nacional ou em regiões como o Triângulo Mineiro, ocorreu a
organização dos ruralistas contra os processos de reforma agrária. Para isso,
buscam na justiça criminalizar ou identificar possíveis atos ilícitos em órgãos
responsáveis pela desapropriação de fazendas improdutivas e nos Movimentos
sociais de luta pela terra.
Os pedidos de CPI e as pressões dos ruralistas sejam do Triângulo
Mineiro, bem como de outras regiões e estado do país, ganharam forças ao ser
criada e instalada no ano de 2003 a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito -
CPMI da terra, a qual concluiu no ano de 2005 seu relatório final. Esta CPMI
teve como presidente o senador Álvaro Dias do Partido da Social Democracia
91
Jornal de Uberlândia: “Correio”. Editorial de 07/11/2000.
85
Brasileira (PSDB-PR) e foi encabeçada pela bancada ruralista no Congresso
Nacional. Em um vai e vem de relatórios finais foi reprovado o texto do relator
da CPMI deputado João Alfredo do Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL/CE)
e aprovado o relatório elaborado por integrantes da classe ruralista, que de
acordo com o jornal Brasil de Fato:
“Os parlamentares ruralistas da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI)
da Terra conseguiram o que mais queriam: a criminalização dos trabalhadores
que lutam por um pedaço de terra para sobreviver. Dia 29 de novembro, a
bancada ruralista aprovou, por 12 votos a 1, o relatório paralelo do deputado
Abelardo Lupion (PFL-PR) como texto final da comissão, instalada em dezembro
de 2003. Antes disso, o relatório do deputado João Alfredo (Psol-CE) - relator da
CPMI - foi rejeitado pela CPMI da Terra, por 13 a 8. O documento de Lupion
sugere a aprovação de um projeto de lei que considere crime hediondo a
ocupação de propriedade privada e pede o enquadramento da ocupação como
ato terrorista. Além disso, solicita ao Ministério Público (MP) o indiciamento de
José Trevisol e Pedro Christóffoli, ex-diretores da Associação Nacional de
Cooperativas Agrícolas (Anca), e Francisco Dal Chiavon, diretor da
Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab).
92
A velha disputa de força e de poder político e econômico em torno da
questão da terra ganhou várias dimensões, uma delas no campo jurídico. Na
luta de classes que se trava, os trabalhadores Sem Terra e os ruralistas
disputam também juridicamente, lutando por aquilo que consideram seus
direitos respectivamente. Neste sentido, as ações e reações dos trabalhadores
Sem Terra foram colocadas pela CPMI da terra em 2005, como caso de polícia,
crime hediondo e com o termo “ato terrorista”, o qual na contemporaneidade
configura-se em algo complexo e polêmico, a CPMI conceituou e qualificou os
trabalhadores dos Movimentos de luta pela terra no Brasil como criminosos e
terroristas. Evidenciando o processo de tensão e conflito vivido pelos
trabalhadores na luta pela terra.
Diante das diversas formas de pressões políticas, como o pedido da CPI
contra o órgão responsável pela reforma agrária apoiado pela ABCZ e o SRU -
Uberlândia no ano 2000, os ruralistas do Triângulo Mineiro evidenciaram e
92
Jornal Brasil de Fato. Editorial de 05/12/2005. Ed. 144.
86
marcaram massiva presença. Fato que não intimidou os trabalhadores Sem
Terra do acampamento Emiliano Zapata, bem como outros Movimentos de luta
pela terra da região, que não cessaram suas formas de manifestações e
resistências, como aponta Jonas Batista Nunes:
“(...) Improdutiva, só tinha um lado que tinha escola, nós entramos na FERUB
veio a imprensa, jornal tal coisa Sem Terra na FERUB área da prefeitura. A
gente foi lá tirou uma equipe pra ir lá, o juiz chamou a gente de burro que nós
não podíamos entrar numa área pública, que aquilo lá nunca ia sair pra reforma
agrária, aí nós falamos: ‘Não! Nós não queremos essa área, nós queremos que
vocês arruma outra área pra nós, nós vamos ficar lá até vocês arranjar outra
área’ . O Juiz sei lá um tal de Wagner falou assim que ia pôr tudo quanto é força
policial que tivesse PM, isso foi escrito na liminar na cópia do documento da
liminar da PM, Polícia Federal, polícia num sei das quantas, até o exército se
fosse preciso eles iam pôr pra tirar nós de lá. Que aquela área era pública e nós
num podíamos ficar. Aí nós começamos a negociação com a prefeitura, o Zaire
era uma pessoa assim, o Zaire Resende é um prefeito como diz o ditado: ‘nem
num fede e nem cheira’, como diz o outro: ‘não vou mandar bater em vocês não,
mas também num vou fazer nada por vocês, vou enrolar vocês’, essa era a
política do Zaire. Aí nós ficamos lá três anos, mais de três anos, nós ficamos de
janeiro de 2001 até dezembro de 2003 (...)”.
93
Muitos governos não exploraram toda a extensão territorial da fazenda
(FERUB) posse da prefeitura de Uberlândia, no período da ocupação dessa
fazenda pelos trabalhadores do Emiliano Zapata, o prefeito anterior à Zaire
Rezende do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) foi Virgílio
Galassi (PPB). Os sucessivos governos da prefeitura de Uberlândia não
investiram no potencial de atividades produtivas da Fundação, que poderia
trazer significativos retornos sociais para a população da região. Diante da
inexistência efetiva de projetos sociais, somente a escola rural esteve em
funcionamento, atendendo parte da população do campo. Escola esta que
após a ocupação e acampamento na Fundação pelos Sem Terra, também
atendeu os filhos dos trabalhadores do Emiliano Zapata.
93
Jonas Batista Nunes.
87
Podemos perceber que nesses quatro anos de acampamento, o
sentimento de pertencimento ao grupo, ao Movimento de luta pela terra,
mediado pelo MST nos seus valores, idéias e costumes foi construído com o
jeito de cada trabalhador que permaneceu ou que foi aderindo a causa da luta
pela terra posteriormente.
No período de acampamento na FERUB o grupo de trabalhadores viveu
outras experiências, não passou mais por nenhum despejo devido à correlação
de forças políticas da situação e da época. Pois o prefeito Zaire Resende que
nas palavras de Jonas “nem num fede e nem cheira”, era da coligação
partidária: Partido dos Trabalhadores (PT)/Partido Comunista do Brasil (PC do
B) e PMDB, partido este que na região apoiava os Movimentos sociais os tendo
como base eleitoral, então, apostava na prática do diálogo e da democracia.
O prefeito em questão, Zaire Resende, com suas secretarias sociais não
incentivava e nem usava da violência física para resolver os problemas e
conflitos por terra no município de Uberlândia; evidentemente a prefeitura
entrou com o pedido de reintegração de posse da FERUB, mas diante das
resistências dos trabalhadores Sem Terra, partiu para a negociação: mediando
com o Estado a possibilidade de assentamento dos Sem Terra. Os
trabalhadores conquistaram também nessa negociação com o prefeito alguns
benefícios como ambulância no acampamento, cestas básicas e uma parte da
Fundação para plantação de subsistência.
Em luta a estratégia política dos trabalhadores do Emiliano Zapata de
ocupar a FERUB, uma área pública, gerou um impacto e agitação política na
cidade e região, os poderes públicos: municipal e estadual foram obrigados a
voltar suas atenções para as reivindicações dos trabalhadores. Neste sentido,
a estratégia mobilizou outros trabalhadores Sem Terra de outro Movimento
(MTL) que também decidiram ocupar outra parte da FERUB, somando a
pressão política dos trabalhadores Sem Terra sobre os poderes públicos.
De início ocorreram algumas divergências entre os próprios trabalhadores,
diante do fato da prefeitura lançar para os trabalhadores as responsabilidades
sobre a morosidade no atendimento de suas reivindicações, ou seja, alegando
dificuldades pelo número de trabalhadores a serem atendidos na Fundação. O
que não ganhou expressão política: os trabalhadores dos dois Movimentos
compreenderam que era o momento de se fortalecerem e de se unirem na
88
pressão política. Ambos os Movimentos realizaram reuniões com seus
trabalhadores em seus respectivos acampamentos e entre si para chegarem a
consenso, definirem regras políticas no convívio e para somarem forças nas
manifestações públicas.
Desta forma, a FERUB na região de Uberlândia tornou-se território e
expressão da luta pela terra, com as bandeiras dos dois Movimentos hasteadas
na entrada dos respectivos acampamentos, marcando e evidenciando a
presença dos trabalhadores rurais em luta, exigindo seus direitos.
Passados longos quatro anos de expectativas na FERUB os trabalhadores
do Emiliano Zapata foram organizando outros acampamentos na região e
vivendo na condição de acampados rurais. Como narra João Moura dos
Santos:
“Ah! Lá dentro foi, teve muito momento bom, lá nós fazia muitas festas, nós fazia
barracão grande, nós fazia assim, quase todo sábado fazia uns pagode, aí nós
dançava e nós tomava cerveja, dançava com churrasco, mas também tinha os
momentos ruim, teve muitos momento ruins, os companheiro ficava doente até
que conflito ali não aconteceu (...) Não num teve, inclusive, aquela área era mais
direcionada pela prefeitura né? (inaudível) Então, não teve esse problema de
conflito com a polícia, nem nada. Andou tendo um conflitosinho ali com a
prefeitura com o motivo da alimentação, né? Na época ela [a prefeitura] dava
uma cesta, dava uma cesta pra cada um acampado e tentou cortar a cesta e foi
lá levar a camioneta avisar nós que cortou a cesta. O povo se revoltou e falou:
‘Não! Então, deixa esse carro aqui pra nós’, falou: ‘Enquanto num trouxer a
cesta, num leva o carro uai!’. Pronto aí foi, entramo em negociação com a
prefeitura: então, por causa disso também, não eu [o prefeito] mando as cestas e
vocês devolve o carro, beleza?! (inaudível) paz! né? Foi bom.”
94
Apesar da situação difícil da espera e vivendo em condições precárias, o
viver na FERUB foi uma experiência constituída de momentos de festas,
estudos, encontros, cursos, negociações, tristezas, dilemas, confrontos,
alegrias; experiência esta de um viver em comunidade e em luta, o qual
possibilitou o amadurecimento político
.
94
João Moura dos Santos.
89
Neste sentido, outros aspectos da ocupação e acampamento na FERUB
foram interessantes e importantes para os trabalhadores Sem Terra, isto é, a
construção de relações sociais com parte da sociedade, na convivência com
outros moradores dos arredores, com os motoristas e passageiros dos ônibus
intermunicipais e rurais, nas caronas da cidade para o acampamento e vice-
versa, no cotidiano com os pais e funcionários da escola da Fundação e entre
outros. Assim, foram ganhando apoio ou não, foram descortinando para outras
pessoas a realidade do acampamento, da luta e dos sonhos de ser assentado.
Nessa convivência, nas conversas foram se apresentando para parte da
sociedade, foram colocando no dia-a-dia o que são, o que pensam, como agem
e reagem.
Nesses anos de acampamento foram negociando o assentamento com os
poderes públicos e compreendendo a dinâmica da realidade política, como
indica Jonas Batista Nunes:
“(...) Enrolar vocês, essa era a política do Zaire, aí nós ficamos lá três anos, mais
de três anos, nós ficamos de janeiro de 2001 até dezembro de 2003 é que saiu a
Água Limpa, mas ficou mais gente [mais gente para ser assentada], saiu [o
assentamento na fazenda Água Limpa], mas tinha outra parte [de pessoas
acampadas], que num tinha pra onde vir. Nós éramos umas 38 famílias que
estava na FERUB, foi 17 pra Água Limpa. Enfim, uma outra parte ficou lá [na
FERUB] aguardando uma outra área [de assentamento], esperando uma outra
área. Mas eu mesmo saí de lá em dezembro de 2003, fui pra Água Limpa (...) Aí
foi que onde eu tive que afastar um pouco da luta, né? Assim uns dias, uns
tempos, uns meses por causa do problema que eu tive com a Flávia [filha de
Jonas], né? O problema de câncer, ela entrou em tratamento e tal, até que ela
veio a falecer. E eu retornei agora pra essa área aqui [a fazenda Santa Luzia].
Que já tinha sido, ainda num estava desapropriada essa aqui, foi no mês de (...)
Em outubro de 2004 nós viemos pra cá (...)”.
95
Depois de três anos, os trabalhadores conseguiram a primeira área de
assentamento com a desapropriação da fazenda Água Limpa. Fazenda esta
que durante os processos de ocupações e denúncia para o poder público da
95
Jonas Batista Nunes.
90
existência de terras para fins de reforma agrária, também havia sido apontada
e reivindicada para assentamento.
Os trabalhadores no processo de assentamento na fazenda Água Limpa
negociaram entre eles que algumas famílias fossem para a fazenda Água
Limpa e, depois, surgidas dificuldades no processo de adaptação ou algum
transtorno, elas poderiam ser remanejadas para outro assentamento, como o
caso da família Nunes que com a morte de Flávia Nunes afastou-se um tempo
retornando posteriormente para o assentamento feito na Santa Luzia.
Se não bastasse a vida difícil e dura da luta exercida cotidianamente, nos
meses de realização de seus sonhos de ser assentado e ser possível a
prosperidade de sua família, Jonas e Teresinha sofreram com a doença e o
falecimento de sua filha mais nova. Um momento doloroso para essa família
que mesmo assim, buscou superar a dor e a tristeza e continuaram lutando
pelo assentamento.
João Moura dos Santos assim expressou seu sentimento sobre as
desapropriações das fazendas:
“Ocupamos aquela fazenda FERUB lá ocupamo e ficamos lá, aí nós tinha esse
processo, uma esperança desses três áreas, essas três áreas aqui (...) Nós
sabia, era a fazenda Água Limpa, a Bebedouro e essa aqui a Santa Luzia (...)
Quatro anos na FERUB, mas com esperança nessas outras áreas (...) Foi onde
saiu, aí saiu aqui [fazenda Santa Luzia] pra nós o assentamento, nossa! vixe
Maria! Eu fico alegre demais, satisfeito. Pequena a fazenda! mais deu pra dividir,
não dava pra ficar todo mundo, todo o Zapata numa área. Só que até foi ruim pra
nós, que a gente era acostumado com o povão tudo junto aqui, né? Tudo junto,
nós queria que ficasse todo mundo, continuasse junto ali, mas aí num deu, né?
Aí dividiu 24 pra aqui, 24 pra Bebedouro, 15 lá pra Água Limpa. Num deu
totalmente aí completou com o povo do Canudos e do Zagaia”.
96
Na fazenda Santa Luzia com aproximadamente 576 hectares foram
assentadas vinte e quatro famílias, cada família conquistou 24 hectares. De
acordo com dados oficiais do INCRA, considera-se que na região Sudeste, no
96
João Mora dos Santos.
91
Estado de Minas Gerais o módulo fiscal
97
máximo em hectares é 70, o mínimo
é 5 ha e o mais freqüente é 30 ha. Dessa forma, os trabalhadores do
acampamento Emiliano Zapata ficaram abaixo do módulo fiscal mais freqüente.
Dentre as famílias assentadas na fazenda Santa Luzia estão as mais
antigas por vontade das mesmas. Foram assentadas algumas famílias
daquelas cinco que resistiram ao último despejo da fazenda Garupa no ano
2000, como exemplo, a família Moura, Nunes e Carmo.
Nas conversas informais com os trabalhadores eles contaram-me que o
maior desejo deles era que no assentamento da fazenda Santa Luzia
permanecesse o nome Emiliano Zapata, porque de certa maneira, ali,
reuniram-se os companheiros que iniciaram e construíram a trajetória de seis
anos como trabalhadores Sem Terra do acampamento Emiliano Zapata - MST.
Argumento este que foi aceito de comum acordo com os outros trabalhadores
assentados nas outras fazendas.
Assim, conquistada a terra os trabalhadores colocaram-se em movimento
para organizar o assentamento. Enfrentando novas alegrias, dificuldades e
expectativas.
97
O módulo fiscal é uma referência estabelecida pelo INCRA, que define a área mínima
suficiente para prover o sustento de uma família de trabalhadores rurais. Ele varia de região
para região, e é definido para cada município a partir de vários fatores, como a situação
geográfica, a qualidade do solo, o relevo, as condições de acesso ao local, entre outros
aspectos.
92
Capítulo II
“O Sonho deu ter meu lugar, deu falar assim: daqui eu num saiu
mais”: outros desafios.
“É! Viver no assentamento a pessoa tem de ser uma pessoa que goste mesmo,
que veio pra lutar mesmo, que é! (...) Ama o MST pra poder ficar, porque difícil é.
Se a pessoa num tiver boa vontade e num souber lutar num consegue, num
continua não, ele pára, né? Aí ele num vai seguir certo, mas se a pessoa tiver
persistência e encarar a luta ele vence, as terras ele consegue. Isso é uma coisa
que todos que veio, que ficou na luta mesmo, eles tão tudo assentado. São três é
assentamento que saiu (...) Que é Água Limpa, Bebedouro e aqui o Zapata. Que
aqui é o Zapata, daqui é um pedaço do, é a metade do outro Zapata que tá na
Água Limpa, né? Porque foi dividido um pouco foi pra lá, outro pouco ficou pra
cá. E trouxe dos outros acampamento mais famílias, aquelas famílias mais
antigas, tinha igual tem o Zagaia, que tem famílias aqui [assentamento Emiliano
Zapata] do Zagaia, tem no Bebedouro tem família que é do, que é ali do
Eldorado, né? Do acampamento, tem família lá de Canudos. Então, fez assim
englobou tudo, né? As pessoas, as famílias todas pra assentar aquelas mais
antigas”.
98
Os trabalhadores do acampamento Emiliano Zapata organizados no
Movimento do MST, há seis anos em luta pela terra, conquistam três
assentamentos no Triângulo Mineiro. Durante esses anos foram construindo a
luta na região por meio da formação de muitos outros acampamentos e o
primeiro deles foi o Emiliano Zapata.
Com a organização da militância e de outras famílias de trabalhadores
pobres de muitas cidades da região do Triângulo Mineiro, desde 2000 os
trabalhadores vêm ocupando terras e fundando outros acampamentos como,
por exemplo: Canudos, Roseli Nunes, no município de Santa Vitória, Eldorado
dos Carajás no município de Uberlândia, Zagaia no município de Sacramento e
Irmãos Naves entre os municípios de Uberlândia e Araguari. Seguindo um
98
Teresinha Gomes Nunes.
93
critério interno do MST e uma prática de tempos dentro dos acampamentos de
Sem Terra deste Movimento, os trabalhadores do Emiliano Zapata aprovaram o
assentamento, primeiramente, das famílias há mais tempo acampadas na
expectativa da conquista da terra.
Dentro de um acampamento as privações são inúmeras fazendo com que
a vida se torne difícil e para tanto, como indica Teresinha Gomes Nunes é
preciso determinação, força e coragem, dentre estas privações, outros
trabalhadores apontam aquela que exige mais paciência, qual seja, a condição
de morar debaixo da lona preta: nos dias de chuvas os transtornos são muitos,
a chuva molha tudo o que possuem, o piso do barraco sendo de terra batida
vira barro; outros dias de calor insuportável, outros de frios intensos ou mesmo
tudo isso no mesmo dia, assim correndo riscos de doenças e mortes com as
intempéries climáticas, que agravam quadros de saúde muitas vezes debilitada
devido ao cansaço e alimentação nem sempre adequada.
Muitas outras questões e dilemas do cotidiano e experiências de um
acampamento são sugeridos pelos trabalhadores do Emiliano Zapata,
principalmente, aquelas emergidas, por exemplo, da convivência entre pessoas
de hábitos e costumes diferentes. É preciso, em muitos momentos, abrir mão
de vontades e do que consideram certo, porque isso pode gerar desavenças,
intrigas, brigas, mal entendidos, provocando momentos de tensão e idéias
contrárias. Neste sentido, os trabalhadores procuram superar ou amenizar
esses problemas para que seja possível a continuidade do acampamento e de
uma vida comunitária que poderá levar a conquista da terra.
A trajetória de lutas destes trabalhadores é construída no cotidiano, festas,
confrontos, mortes, alegrias e dilemas, nas experiências, no trabalho. Em
várias das situações vividas os trabalhadores independentes do acampamento
a que pertencem são convidados a se unirem e a lutarem pelas necessidades
postas no dia-a-dia e pelos objetivos, criando uma identificação e
pertencimento ao Movimento do MST. Como indicado nas narrativas dos
trabalhadores, se um acampamento precisa da ajuda e do apoio de outros
trabalhadores de acampamentos diferentes, há a união, há ajuda mútua,
solidariedade entre os acampados. Neste sentido, as lutas realizadas por estes
trabalhadores ganham significados no próprio trabalho diário destes
trabalhadores, ou seja, a luta é o trabalho.
94
O que podemos perceber é que para a construção desta vida em
comunidade é necessário dividir tudo que chega até eles através de doações e
campanhas de arrecadação de alimentos, roupas, calçados, seguindo algumas
regras e normas, por exemplo, com relação à alimentação, sendo o leite
insuficiente para todos, prioriza-se as crianças. Com essa prática vai se
construindo uma outra sensibilidade no trato com o ser humano em que os
sentimentos de solidariedade e cooperação se fortalecem.
Neste sentido, Teresinha Gomes Nunes narra:
“Então, o assentamento foi assim no geral e aí todos eles, então, foi com a luta
mesmo, porque a pessoa é que persiste ele consegue. É nós concordamos
[concordaram em assentar outras famílias de outros acampamentos], porque
sempre nas lutas que tinha, eles vinha e ajudava, né? Igual aqui, quando vinha
despejo pra um acampamento ajuntava os outros acampamento vinha e ajuntava
tudo e formava aquele grupo, aquelas famílias pra poder segurar as fazendas,
pra num deixar que as fazendas fosse, vim reintegrações de posse. Que às
vezes a luta era nossa, a fazenda, o fazendeiro já tinha desistido, mas sempre
ele criava assim algum empecilho sobre assim (...) Não! Não! Não! Aqui todos as
famílias aceitaram. É aqui a fazenda foi entregue numa época, veio, todo mundo
concordou com essa outras famílias dos outros acampamento vim, todo mundo
concordou. Foi da concorda que reuniu todo mundo, fez uma assembléia
conversou com, foi perguntar de um por um pra as famílias que estava, se
concordaria e todos os acampamentos que teve, né? Que tava os pré-
assentamentos todos eles concordou em vim. Que o Zapata sempre foi o mais
antigo, né? É o que a militância maior tá é no Zapata, né? Então, o Zapata
ajuntou com os outros também que entrou [no assentamento], igual Canudos,
que é Zagaia. Então, esses, reuniu tudo, né? Então, os coordenadores da
regional e aí foi aonde que entrou em concórdia com tudo. Aí trouxe também
essas famílias, que são pessoas também igual a nós, que precisa, pessoas que
tão na espera muito tempo, né?”.
99
Para tudo que envolve a comunidade é planejado um esquema de
organização em que se discuti e delibera sobre todas as questões no grupo,
isto é, entre todas as pessoas do acampamento, como indica Teresinha Gomes
99
Idem.
95
Nunes através de reuniões e assembléias, prevalecendo a opinião da maioria.
Privações, cooperações, embates e dilemas, que pressupõe uma dinâmica
construída em anos de luta que, por exemplo, no momento do assentamento
contribuiu para se buscar o entendimento entre os trabalhadores.
Dessa maneira, é um modo de construir a vida nas suas relações sociais
e do trabalho que está constantemente provocando e mexendo com opiniões,
valores, com a cultura e maneiras de ver a realidade de cada trabalhador. Uma
vida que como todas outras não pressupõe um processo harmônico, mas sim,
que coloca como desafio a superação dos desentendimentos e os limites
humanos para trilhar os caminhos e os desejos escolhidos por esses
trabalhadores.
Após os três assentamentos os trabalhadores vão organizando a vida
comunitária, assim dando continuidade a construção do MST na região, pois
este não se fecha ao acampamento e depende do sucesso dos assentamentos
que são conquistados. No período de organização interna dos assentamentos,
ao mesmo tempo, as famílias que ficaram na lista de espera e os militantes
assentados continuam os trabalhos do Setor de Frente de Massa, trabalho este
de conquistar outros trabalhadores para continuarem os acampamentos já
existentes e formar outros, indicando um movimento dinâmico e constante.
Sobre a organização do assentamento João Moura dos Santos narra:
“A organização aqui dentro do assentamento, aqui, nós assim, organiza em
grupos, né? Então nós somos vinte e quatro famílias e ali a gente dividiu em três
grupos de oito cada um. E esses oito, esses grupos se reúne, a coordenação na
quarta feira. E na quinta feira nós reúne os grupos e nós encaminha alguma
coisa que tiver que encaminha, né? (...) É seis horas da tarde nós fazemos a
reunião da coordenação (...) Só os coordenadores. Aí depois nós tira algum
ponto aí, alguma coisa que tiver certa ou errada e mandamos, quinta nós
reunimos os grupos e discutimos dentro dos grupos pra ver se está tudo certo
(...)”.
100
A estrutura organizativa do assentamento Emiliano Zapata está muito
ligada às maneiras do acampamento, seguindo práticas e costumes
100
João Moura dos Santos.
96
incorporados durante este período, isto é, as famílias foram divididas em três
grupos para melhor conduzirem e democratizar os assuntos relacionados à luta
e ao cotidiano do assentamento. De modo geral os trabalhadores Sem Terra
que assumem as causas na perspectiva do MST costumam identificar esses
núcleos dentro dos acampamentos e assentamentos como “núcleo de base” e
no assentamento Emiliano Zapata foi definido pelos trabalhadores que cada
núcleo seria composto de oito famílias, implementando uma orientação
política
101
que é encaminhada para todos os estados do país onde o MST está
organizado, sendo que cada núcleo possui um coordenador e uma
coordenadora.
A coordenação de núcleos dos acampamentos e assentamentos é
conferida sempre para um homem e uma mulher, o que pressupõe o incentivo
e a abertura à participação da mulher nas várias formas de lutas, já que
almejam construir novas relações de gênero modificando o perfil de mulheres
que, até então, não têm o costume de participar em assuntos tidos como “coisa
de política” ou que ainda vivem submissas as decisões de maridos, pais e
irmãos.
No debate que acontece dentro do Movimento social construído por esses
trabalhadores, a mulher está a cada dia construindo seus espaços tornando-se
um símbolo forte dentro dos acampamentos e assentamentos do MST.
Evidenciando a preocupação do MST nos processos de politização de todos,
buscando práticas que possam provocar as mulheres para a integração na luta,
assim fazendo com que elas se reconheçam como sujeito de sua própria
trajetória
102
. Sobre estas posições, seus impactos e o aprendizado adquirido
nestas experiências de reuniões, cursos, marchas, entre outros, Teresinha
Gomes Nunes narra como se vê hoje, após longos anos de atuação dentro do
Movimento:
(...) Mudei, mudei, mudei muito, mudei assim, porque de primeiro eu num tinha
coragem de chegar nos lugares, né? Sair nos lugares encarar as pessoas e falar
101
Sobre o MST e sua luta ver: MORISSWA, Mitsue. A História da luta pela terra e o MST. São
Paulo: Expressão Popular, 2001.
102
Sobre trajetória de lutas das mulheres no MST, ver: a dissertação de PAVAN, Dulcinéia. As
Marias Sem Terra. Trajetória e Experiência de vida de mulheres assentadas em Promissão-SP,
1985-1996. Dissertação de mestrado em História Social, PUC/SP, 1998.
97
e tal assim e hoje não, hoje eu num tenho vergonha chegar e conversar com a
pessoa, explicar o quê que é. No começo eu tinha vergonha, mas hoje em dia eu
num tenho não, eu fui aprendendo, né? Nos cursos que eu fui fazendo, assim fui
tendo a noção, conhecendo e aprendendo e passando pra outras pessoas.
Então, eu acho que eu mudei muito. Até em parte assim de comunicar com as
pessoas melhorou”.
103
A organização dos núcleos de base, dentre seus significados, pode indicar
que para esses trabalhadores assim se organizado socialmente estão
experimentando a capacidade de realizarem e conduzirem suas vidas, por
meio também da prática de reuniões, do diálogo, em que o debate sobre a
realidade empírica, na perspectiva da política, economia, sociedade, lutas e as
atividades referentes ao cotidiano do acampamento/assentamento que
vivenciam, são elementos fundamentais para a forma como reagem no
cotidiano. Compondo os modos como se fazem sujeitos na e da luta pela terra
conquistada, incorporando ideários do Movimento, ao mesmo tempo reagindo e
dando respostas, também envolvidos pelas memórias e histórias reconhecidas
como versões autorizadas da realidade social.
Os modos como os trabalhadores buscam construir o MST na região do
Triângulo Mineiro são múltiplos; buscando se fortalecerem dentro da relação de
forças políticas seguem organizando novas famílias para outras ocupações de
terras e acampamentos. Indicando que também estão atentos a várias
questões do cotidiano os trabalhadores no Movimento preocupam-se com a
dinâmica social e política dos assentamentos conquistados, buscando
organizar e formar núcleos entre os trabalhadores na perspectiva de promover
o estudo e debates sobre a realidade vivida pelos trabalhadores, preparando-
se para a complexidade do campo político.
Os estudos realizados nos núcleos de trabalhadores dentro dos
acampamentos e assentamentos são orientados por cartilhas produzidas pelos
militantes do MST. Em 2001, no esforço do Movimento na construção e
sustentação da luta, os militantes - dirigentes do Setor de Formação Política do
Movimento no Estado de Minas Gerais elaboraram cartilhas, ou como chamam
103
Teresinha Gomes Nunes.
98
“Caderno do Núcleo”, para todos os núcleos existentes em acampamentos e
assentamentos do estado; esses cadernos traziam a seguinte proposta:
“(...) Estamos chegando até vocês com o primeiro caderno elaborado para os
núcleos. Este material é resultado de várias discussões feitas em nível estadual
e nacional, sendo destinado a todas as famílias acampadas e assentadas do
MST em Minas Gerais, tendo como objetivo unificar os debates do Movimento no
Estado. Nesse caderno vocês encontrarão conteúdos de formação e informações
para duas reuniões. Essa primeira edição traz: análise de conjuntura, texto de
estudo sobre a situação da agricultura, transgênicos, além de informes sobre as
atividades a serem realizadas. Deverá ser utilizado nas reuniões de
coordenação, núcleos, equipes e setores. Assim como ser lido e debatido com
toda nossa companheirada. Estamos trabalhando no intuito de que mais essa
publicação do MST seja mensal, pois a realidade em que vivemos é muito
complexa e dinâmica, o que exige um esforço coletivo. Pois se quisermos triunfar
de fato como um povo que luta, resiste e sonha, deveremos estar sempre
preparados para os desafios que virão. Por isso, esperamos que os
companheiros e companheiras façam um bom uso desse caderno. Desejamos a
todos e todas um bom estudo, boas reuniões e boas lutas!”
.
104
As práticas e os diversos modos de organização dos trabalhadores podem
ser percebidos antes e após a ocupação da terra, no acampamento, no
assentamento, quando fazem diversas assembléias e reuniões para discutirem,
analisarem e planejarem suas lutas e seu cotidiano. Costumes estes que foram
lembrados por Teresinha Gomes Nunes ao se referir à realização da
assembléia para deliberar a forma e a prioridade de assentamento das famílias
acampadas na região do Triângulo Mineiro. As assembléias também são
momentos de discussões e de deliberações dos assuntos importantes
discutidos e encaminhados nos núcleos de base, os quais de acordo com João
Moura dos Santos, no assentamento Emiliano Zapata, reúnem-se todas as
quintas-feiras com hora marcada.
Explicando sobre os valores primordiais que basearam a formação desses
núcleos no assentamento Emiliano Zapata, Teresa Pacheco do Carmo narra
também sua funcionalidade da seguinte maneira:
104
Documento interno do MST - MG: Caderno do Núcleo - n º 01, 2001.
99
“(...) É três núcleos de afinidade, que são vinte quatro família pra ser assentada
na fazenda, então, foi dividida em três núcleos. Cada núcleo com oito famílias,
sendo que essas famílias vão ser assentadas todas no local só, serem vizinhas.
Tipo um é, como que eu posso dizer o nome, núcleo é (...) Ah! O núcleo de
afinidade. Os que têm mais afinidade é amizade, não que a pessoa: ‘ah! Aquele
fulano é bom pra trabalhar, ele trabalha bem’, num é nada disso. É afinidade de
amizade um com o outro, né? De ser companheiro. Que às vezes pode (...) Num
é muito esperto pra trabalhar, mas ele é um bom companheiro, né? Então, às
vezes, confunde uma coisa com a outra. Que afinidade é isso: é conhecimento é
confiança, um com o outro. Então, a fazenda vai ser dividida em três parte, cada
núcleo vai ficar em uma parte.”
105
Conquistando seu espaço no assentamento como coordenadora de um
núcleo Teresa traz à tona significados ligados aos sentimentos e a consciência
sobre o papel de cada trabalhador no assentamento diante da relação de força
política, bem como de sua construção, constituindo-se em experiência social.
Evidenciando a consciência que possui da importância de todos trabalhadores
e de se manter o respeito às condições e aos limites de cada assentado, isto é,
expressando que o modo de organização e definição de como devem ser as
coisas na comunidade do assentamento, deveriam ser fundamentados nos
sentimentos de confiança um no outro, sentimentos que podem se estabelecer
entre eles nos anos de luta e convivência. Esse sentimento pareceu-me
imprescindível para se manterem como comunidade do MST e que procuram
praticá-los, mesmo tendo consciência de que não é fácil.
Estas questões colocadas por Teresa podem levar-nos à reflexão sobre o
tempo em que vivemos, no qual para muitas pessoas valores como confiança,
companheirismo e solidariedade não são considerados importantes ou não são
ressaltados com tamanha ênfase como ela o faz. O que me levou a pensar nas
relações e nos interesses estabelecidos no complexo campo da política
envolvendo a sociedade contemporânea, prevalecendo muitas vezes a
intolerância e insensibilidade.
105
Teresa Pacheco do Carmo. 23/03/05.
100
A dinâmica social construída pelos trabalhadores do Emiliano Zapata e
outros trabalhadores do MST é marcada por várias manifestações e atividades,
em que os mesmos procuram discutir e denunciar os problemas de
desigualdades e exclusão social, por exemplo, em suas passeatas, marchas,
atos públicos, entre outros. Buscando desenvolver novos valores e novas
relações entre homens, mulheres e crianças, sugerindo que buscam uma vida
em comunidade em que as relações não visem somente a perspectiva
econômica, como também os aspectos humanitários, com base na
solidariedade.
O ideário político e os valores que fundamentam o Movimento podem ser
encontrados e analisados nos materiais de estudo e leitura produzidos pelo
MST. Nesses materiais apresentam-se aos trabalhadores experiências de
outros assentamentos como sendo as muitas possibilidades de como se
organizar. Neste sentido, e de acordo com uma das cartilhas do MST faz-se
necessário entre outros primar por:
“Os assentamentos devem ser exemplos de que é possível organizar a
sociedade de outra forma, onde os trabalhadores sejam donos do seu próprio
destino. Mostrando capacidade em organizar o mundo econômico, mas também
mostrando novas relações sociais, como companheirismo, solidariedade, espírito
de sacrifício”.
106
Estas questões sobre as relações sociais apontadas nas cartilhas do MST
compreendidas na perspectiva de que a dinâmica social é constituída por meio
de tensões e ambigüidades, indicam que a experiência social desses
trabalhadores é marcada por momentos de conflitos, acordos, divergência,
tolerância e intolerância entre si; o que não implica afirmar que não procuram
construir no cotidiano homens e mulheres com novas práticas e expressões e
que se identifiquem como comunidade, mas entendendo o processo e
experiências sociais em suas ambigüidades.
Neste sentido, há que se considerar que as relações humanas são
baseadas nas contradições sociais e históricas que podem ser afloradas em
106
CONCRAB. Sistema Cooperativista dos Assentados. Caderno de Cooperação Agrícola n º
5, 1998, p.17.
101
muitos aspectos. Explicitando algumas contradições, durante minhas visitas ao
assentamento, pude observar algo bastante interessante, quando os
trabalhadores ainda estavam definindo os nomes dos grupos ou como queiram
os “núcleos de afinidades”; tomei conhecimento por parte de Teresa Pacheco
do Carmo do nome de seu núcleo: “Esperança”, o único nome definido até
aquele momento. “Esperança” pode indicar, dentre tantos porquês e
significados, aqueles ligados aos processos em que vivem e constroem suas
vidas em que a cada dia vão forjando expectativas e esperanças de terem o
seu lugar, seu espaço, sua terra.
Nas nossas conversas informais Teresa contou que estavam na
esperança da regularização definitiva da posse do assentamento e que, ali,
todos pudessem conviver bem. Esta última observação também foi feita por
Eva Lima dos Santos, que ao referir-se sobre o que espera do futuro, narra o
seguinte:
“A minha maior preocupação que eu tenho é de nós realizar um assentamento
bem tranqüilo, um assentamento sem que seja, igual nós tinha um sonho de
fazer um assentamento modelo, mas não vai ser modelo, mas que seja melhor,
que num dê trabalho pro Movimento, né? Seja um assentamento mais (...) Seja
assim, um povo mais compreensivo, né? Num seja um assentamento de gente
agressivo, gente igual tem muitos assentamentos, né? O que nós deseja pra aqui
é isso”.
107
Ao Teresa contar-me o nome do seu núcleo da maneira como o fez,
pareceu-me indicar também a esperança no fim de possíveis conflitos entre os
próprios trabalhadores, o que se reafirmou com Eva Lima dos Santos. Conflitos
estes que nas suas narrativas decidiram não aprofundar, apenas apontar. Na
realidade, tensões e desarmonias aparecem e são narradas de maneiras
diferentes. Como observei, por exemplo, quando Teresa no momento de
contar-me um determinado desentendimento entre os assentados, frisou-me:
“Aí eu dei a idéia de colocar o nome Esperança”.
Essas são algumas circunstâncias, limites e nuanças que o pesquisador
lida ao trabalhar com entrevistas e narrativas construídas na perspectiva do
107
Eva Lima dos Santos.
102
diálogo e que me parecem exigir cautelas, sensibilidade política e ética para
com aqueles que nos propomos a dialogar sobre suas trajetórias e
experiências sociais. Ou seja, como ler e interpretar o que foi expresso de
diferentes formas e sentido pelo entrevistador também de diferentes maneiras.
O que estará nas entrelinhas, nos ditos e não ditos, mas sentido e percebido.
O cotidiano de lutas dos trabalhadores é construído sob consensos e
polêmicas com, por exemplo, discordâncias ou não, na maneira como são
conduzidos os assuntos pelos trabalhadores indicados para coordenarem o
acampamento/assentamento. Nesses impasses os trabalhadores do MST
procuram reavaliar atitudes e revezar coordenadores, coordenadoras e
dirigentes do Movimento, o que pode apontar a existência de climas tensos e
idéias contrárias, mas que não impedem a luta destes trabalhadores pelo
mesmo objetivo, a terra, ao contrário suscita e constrói o cotidiano e o
Movimento dando sua forma e seus significados.
O cotidiano vivido pelos trabalhadores do Emiliano Zapata na perspectiva
das dinâmicas de organização sugere, de certa maneira, um impacto na vida e
no modo de ser desses trabalhadores. No enfrentamento das muitas e
diferentes dificuldades vividas pelos trabalhadores no acampamento e que se
estendem para o assentamento, Teresa Pacheco do Carmo narra:
“(...) Porque muita direção deixa a desejar, deixa às vezes acontecer coisa aí que
leva o nome do Movimento aí pra televisão pra mídia, por falta de saber o quê
que ele está (...) Eu acho o que ele está dirigindo, eu acho o seguinte quando
acontece, igual aconteceu aqui, o pessoal estava, sabe? Num sei coisa mínima,
mas que, pra mim, pode se tornar uma coisa grande, igual o pessoal tava
mexendo ali no milho do homem ali antes do homem colher (...) É mexendo ali,
eu fui uma das primeiras que falei. ‘É da outra fazenda’. Eu falei: ‘olha gente!’
Falei pra coordenação: ‘Eu acho isso muito ruim, porque é o seguinte isso aqui é
um assentamento, nós devemos fazer boa vizinhança, que nós vamos viver aqui
é pro resto da vida, nós num vamos desocupar isso aqui não! Que isso aqui num
vai ser desocupado, nós vamos viver pro resto da vida e tem uma coisa pra, esse
homem aí é muito rico, dinheiro pra ele tem, né? Pra ele ir pra televisão e
falar:’Ô! O pessoal do MST, os ladrões do MST estava roubando minha fazenda
lá, está roubando meus milhos’. Então, pra quê jogar o nome do Movimento à
103
toinha assim na mídia, no lixo, porque isso é jogar no lixo à toa, sem motivos,
né? Aí uns ficaram contra mim e falaram e tal, eu falei: ‘Não!’(...)”.
108
As narrativas de Eva Lima dos Santos e Teresa Pacheco do Carmo
pareceram-me bastante sugestivas no sentido de refletir sobre o processo das
lutas nas suas desarmonias, atitudes e pensamentos contrários, do embate
entre modos e pontos de vistas diferentes dos trabalhadores de compreender e
encaminhar a vida e suas relações dentro do MST. Trabalhadores de diferentes
costumes e conhecimentos sobre a vida e de como orientá-la com base em
valores morais, éticos, religiosos, políticos, entre outros, vivendo todos no
mesmo lugar, buscam juntos dar unidade aos seus discursos e práticas a fim
de alcançar suas expectativas projetadas para o futuro. O que pressupõe viver
cotidianamente o processo das lutas confrontando-se com ambigüidades e
tendências sejam elas internas ou externas sobre diferentes formas de
construir e lidar com o acampamento ou assentamento.
Eva Lima dos Santos narrando suas preocupações apontou a
necessidade se construir um modelo ideal de assentamento, no modo como se
expressou apontou muitas questões, dentre elas, se considerarmos a cobrança
da sociedade sobre os trabalhadores em Movimentos sociais de luta pela terra
é notório que ainda há resistências e falta do debate social e esclarecimentos
políticos em torno das problemáticas vividas pelos trabalhadores, por exemplo,
nos assentamentos. No que se referem aos assentamentos, muitos podem cair
no descrédito da sociedade, quando não conseguem produzir na terra,
dificultando o apoio social à luta de muitos outros trabalhadores.
Neste sentido, o universo que é composto pela imagem dos trabalhadores
assentados, pelos resultados e impactos de assentamentos rurais
109
nas
cidades próximas, passa ser de extrema importância para a sobrevivência dos
assentamentos. Todas as questões do cotidiano desses trabalhadores tornam-
se alvo de olhares e opiniões; por isso, qualquer desavença, brigas, atitudes
108
Teresa Pacheco do Carmo.
109
Sobre os impactos econômicos, sociais e culturais nas cidades próximas de assentamentos
da reforma agrária e como os mesmos podem contribuir para a construção da imagem e o
reconhecimento dos assentados pela sociedade, ver o trabalho realizado por: SÉRGIO, Leite,
HEREDITA, Beatriz, MEDEIROS, Leonilde [et.al.]. Impactos dos Assentamentos: Um Estudo
sobre o Meio Rural Brasileiro. São Paulo, ed. UNESP, 2004.
104
dos assentados podem não ser entendidas na mesma perspectiva da
comunidade do assentamento que busca o entendimento entre si por meio de
normas e regras internas. Nesse processo e na perspectiva de muitos
trabalhadores, nesta luta muitas atitudes podem levar a impopularidade e
fortalecimento de preconceitos para com os trabalhadores em suas localidades,
como também ao preconceito de modo geral ao processo político e complexo
da proposta da reforma agrária.
Refletindo sobre a fala de Eva Lima dos Santos, podemos buscar o
exemplo da questão problemática de venda de lotes por parte de alguns
assentados, algo condenável pela sociedade e pelo Movimento social. Para a
sociedade leiga a venda de lotes é somente uma questão de malandragem e
de trabalhadores oportunistas, desmerecendo a luta de tantos outros, que
ficam a mercê de insuficientes planos políticos de governo para viabilizar o
sucesso dos assentados da reforma agrária. Ao contrário, de se buscar as
motivações, as expectativas, limites e soluções dos trabalhadores assentados
e pequenos produtores rurais no país diante das dificuldades de se manterem e
sobreviverem no campo tem sido prática do senso comum por falta de debate
político ou influência de contrários e diferentes projetos políticos e tendências,
taxar todos trabalhadores na luta pela terra de vagabundos e de não terem real
interesse em terra para trabalhar. Assim, as tensões políticas e o processo
contraditório sejam eles dentro do próprio Movimento ou fora dele, sob os quais
vivem os trabalhadores acampados e assentados não são entendidos nas suas
dimensões políticas complexas e ambíguas.
Dessa maneira, essas complexidades envolvendo a comunidade do
assentamento que também integram e são frutos da sociedade em geral,
indicam a importância de se organizar a vida nos novos lugares, construindo
seu território, encaminhando soluções; por exemplo, para as questões da
habitação, produção, saúde, educação, trabalho e tantas outras atividades
dentro do
assentamento Emiliano Zapata, gerando assim expectativas nos
próprios trabalhadores sobre modelos ideais de assentamentos que serão
respeitados e valorizados perante a sociedade.
“Ah! A organização já, né? Já dividiu os três grupos já tem, já fez a
Associação, né? Já tem os presidentes, já tem todos os secretários, já tem
tudo, já tirou tudo, já tá tudo organizado. Só está esperando mesmo o Incra
105
bater o martelo (...)”.
110
Nesta fala é possível termos a noção da ansiedade
desses trabalhadores; terem a Associação dos assentados registrada,
confirmada, têm uma série de significados, dentre os quais, apontar a
organização e a disposição dos trabalhadores para com os projetos sociais e
de produção no assentamento que poderão ser financiados pelo governo ou
entidades sociais. Para o INCRA é fundamental a definição da forma de
organização social dos assentados, seja em cooperativas, associação, ou
mesmo, a opção pelo individual. Isto representa os primeiros passos para a
definitiva regularização e legalização da posse da terra para os trabalhadores.
Para os trabalhadores do MST também é muito importante que os
assentados definam de forma consciente e com entendimento político a melhor
estrutura organizativa para eles, a qual na perspectiva do Movimento a nível
nacional deve se buscar ou priorizar a forma de Cooperação, pois assim sendo
aumentam-se as possibilidades de fortalecimento político. Não importa como
seja, mas que integre valores fundamentados na cooperação, ideário este
encaminhado para todos os acampamentos e assentamentos espalhados pelo
país. De acordo com o Caderno de estudo do MST sobre cooperação agrícola
de número 5, a cooperação é um valor e uma prática importante e possui um
papel fundamental na formação política e social dos trabalhadores, como se vê:
“Para o MST o que importa é que todos os assentados participem de uma
experiência de cooperação, rompendo assim o isolamento. Pois a cooperação
tem como objetivo principal o desenvolvimento da produção. Ela visa contribuir
com o avanço da organização da produção em vista da melhoria da qualidade de
vida das famílias assentadas. Uns podem apenas trocar dias de serviço. Outros
podem comercializar em conjunto. Outros podem ter uma associação de
máquinas. Outros podem ter uma linha de produção em comum. Outros podem
estar em grupos coletivos. Outros podem estar ligados a uma cooperativa.
Outros estão em uma cooperativa totalmente coletiva. Não interessa se a
produção é individual ou coletiva, pois a forma da cooperação é secundária. O
fundamental é o ato de cooperar”.
111
110
Teresinha Gomes Nunes.
111
Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil - CONCRAB. Caderno de
Cooperação Agrícola n º 5- ‘Sistema Cooperativista dos Assentados’. 2
a
edição, junho de 1998,
pp.48-49.
106
Essas questões vão se configurando de diferentes maneiras no grupo de
trabalhadores do Emiliano Zapata. Neste sentido, valores como cooperação e
união entre os trabalhadores para superarem determinadas dificuldades e se
consolidarem como assentados da reforma agrária pertencentes ao MST pela
região do Triângulo Mineiro, assim podem ser observadas na fala de João
Moura dos Santos:
“É acho que, porque nós somos organizado, que nem eu te falei, né? Nos três
núcleos, e ali nós tira, tem todos os setores funciona. Funcionando todos os
setores e sempre umas dificuldadizinha tem, inclusive, o Setor de Produção nós
tiramo um projeto aí, fomo executar o projeto, mas o projeto ficou atrasado.
Chegou em dezembro, final de dezembro até janeiro. Então, nós plantamo tudo,
executamo o projeto, mas num deu muito bom, né? Chegou atrasado, mesmo
assim foi suficiente pra a gente garantir nosso alimento (...) Tranqüilo aí através
desse projeto (...) Com o projeto acho que quatro meses, cinco meses ele ainda
tá mantendo [a alimentação das famílias] Plantamo e colhemo e tamo colhendo.
Agora, isso, vamo pegar em cereais, tirar vinte por cento pro um outro
acampamento e esse que sobrar a gente vai comendo tranqüilo (...) Não! Não!
Dando pra tirar pra vender não! só pra sustento (...) Dentro desse projeto aí nós
plantamo, feijão, milho, arroz, mandioca, né? E amendoim, quiabo, jiló, batata
doce, abóbora, miudeza toda, né? Legumes (...)”.
112
A organização e a cooperação entre as famílias nos núcleos de afinidade
contribuem para melhor prover as atividades cotidianas do assentamento e
passam a ser vividos como valores que sustentam os trabalhadores nas lutas
do Movimento que constroem. Dessa maneira, João Moura nos oferece a
oportunidade para entendermos a proposta política e social dos acampamentos
e assentamentos do MST que ao estabelecerem novas relações e normas de
convivência, procuram construir outros projetos de produção da terra e também
projetos nos aspectos da educação, cultura, saúde, formação política,
comunicação, alternativos aos projetos criados pela sociedade objetivando
somente lucros financeiros. Nessa dinâmica social visam fortalecer também
outros acampamentos e futuros assentamentos, a perspectiva da luta e seus
112
João Moura dos Santos.
107
resultados são ampliados estendendo-se aos seus pares, compartilhando
perspectivas de futuro.
Nos acampamentos e assentamentos as tendências e divergências entre
os trabalhadores são referentes a vários aspectos da organização da vida
social e econômica, como também geradoras de debates e polêmicas entre os
acampados/assentados. Neste sentido, o entendimento sobre as formas de
cooperação e sua importância é uma experiência que vai sendo vivida,
construída e compreendida ou não, nas tensões do cotidiano da luta.
O ato de cooperar discutido pelos trabalhadores do MST em várias
regiões onde está se consolidando, quando analisado sem outros elementos,
associações e experiências do cotidiano, pode trazer interpretações de que
todos trabalhadores buscam somente transformações no campo econômico.
Ao contrário, há também outras preocupações, como observamos nas
narrativas desses trabalhadores e em alguns de seus materiais de estudo, os
quais são destinados aos núcleos de base dos acampamentos e
assentamentos para se debater em reuniões previamente marcada na
comunidade sobre os significados da Cooperação.
Dessa maneira, podemos encontrar as seguintes posições na cartilha
produzida pela Confederação Nacional das Cooperativas da Reforma Agrária -
CONCRAB ligada ao MST:
“(...) a cooperação é um ‘instrumento de luta e cumpre um papel educativo entre
os camponeses’(...) Há que reconhecer então, que as cooperativas tanto podem
servir para fortalecer politicamente o capitalismo, como também pode servir como
instrumento de luta contra o capitalismo (...) Portanto a luta é de resistência à
exploração do capital e das políticas governamentais sobre os trabalhadores (...)
Por outro lado a cooperação dentro do capitalismo deve ter um sentido
estratégico (...) fazer com que os trabalhadores elevem seu nível de consciência
a partir do desenvolvimento de experiências coletivas (...)”.
113
Em um outro material de estudo se discute um possível projeto para a
agricultura, construído na perspectiva do trabalhador pequeno-produtor, a
preocupação é:
113
CONCRAB. Op.cit.1998.
108
“A concepção de mundo neoliberal aconselha o individualismo e afirma que a
liberdade de produção se dará pela competição indiscriminada nos mercados.
Essa concepção de mundo é absolutamente contraria à cooperação e
solidariedade, valores básicos dos pequenos produtores e indispensável para a
vida socialmente partilhada. Portanto, a cooperação agrícola, nas suas mais
distintas formas e adotadas nas mais variada situações, coloca-se não apenas
como potencializadora das forças produtivas mas, sobretudo, como um valor
pessoal e social que se antepõe à degradação do convívio humano, estimulado
pelos valores do individualismo e da competição burguesas(...)”.
114
Essas discussões podem chegar de diversas maneiras dentro dos
acampamentos e assentamentos e os trabalhadores as recebem e reelaboram
também de diferentes formas. Neste sentido, alguns aceitam, outros rejeitam,
outros ficam indiferentes, são preocupações que podem ser aceitas
tranquilamente ou não, podem ser interpretadas de muitas formas, mas o
interessante é como após a concretização do assentamento afloram dúvidas e
posicionamentos sobre a relação de trabalho e as melhores maneiras de
desenvolvê-lo, mesmo tendo praticado algumas experiências no acampamento
ou em outros tempos e lugares. O tempo do assentamento chegou e parte dos
trabalhadores tem ciência que dependem de bons planejamentos e decisões
para a obtenção de renda. Sobre estes posicionamentos e o que fazer, agora,
com a conquista da terra, Jonas Batista analisa e narra o seguinte:
“(...) O pessoal aqui concorda com o sistema de cooperação, de grupo de família,
entende que num é preciso um trator, num é preciso um tanque pra cada um.
Tanque principalmente de leite, no caso pra produção de leite pra cada um, que
nisso tudo pode ser coletivo. Mas, contando que cada um fica dentro do seu lote,
esse que é o conceito que as pessoas têm. O pessoal daqui quer saber: na onde
é o meu lote? Cada um quer saber disso aí, essa parte, esse aqui é meu, esse
terreno, esse lote da parte aqui até lá é meu, isso que a pessoa quer. Mas esse
sistema de cooperação o pessoal aqui já está bem. Entende o que é o sistema
114
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA - MST. “O estímulo a
cooperação agrícola como forma de desenvolvimento social das forças produtivas”. In:
Construindo o Caminho. São Paulo, 1
a
edição, 2001, pp.35-36.
109
de cooperação. É o que eu falo, eu: ‘O nosso assentamento, mas o lote é meu! É
o individual dentro do coletivo, esse é o sistema”.
115
A relação de trabalho e os valores atribuídos aos resultados do sistema de
cooperação indicado por Jonas Batista Nunes, isto é, a função de cada
trabalhador e como deve ser conduzida a plantação na roça do assentamento e
distribuídos os frutos da colheita, assim foi explicitado por João Moura dos
Santos:
“(...) Isso [a plantação e colheita] aí é coletivo, por grupo. Esses grupos, esses
três grupos, cada um deles trabalha é coletivo. Cada grupo é três grupos
coletivos é dividido por grupo (...) Ali, aquilo [os frutos da plantação] ali nós
dividimos [no] mesmo o grupo, nós dividimos em coletivo, mas é como diz! Em
Setores. Por exemplo, naquele amendoim [na roça de amendoim], nós tem
quatro pessoa, o outro no arroz, por exemplo, já tem mais quatro, quer dizer, um
cuida do arroz, outro do amendoim outro (...) já cuida do mandiocal, já cuida da
lavoura de quiabo (...) Aí a gente colhe assim, por quando tá no ponto de colher
a gente colhe. Qualquer um [trabalhador] se tiver disposto ir trabalhar vai lá
trabalha e colhe e traz e guarda (...). É vai colhendo ali e vai guardando, hora
que tiver colhido, que terminar a colheita, vai lá e divide por setor (...) É! os
projetos [projetos futuros com recursos dos créditos fomento do governo] nós
pretende organizar desse mesmo jeito que tá aqui, por grupo. Por exemplo,
grupo 1 fica de um a oito [trabalhadores] e 2º grupo vai pegar de nove a
dezesseis, 3º vai pegar de dezessete a vinte e quatro e ali, quer dizer, que esse
grupo vai ficar morando junto, né? Praticamente vizinho ali, né? Pra ali ter forma
de nós executar um coletivo dentro desses grupos (...)”.
116
Sobre o desejo dos trabalhadores de permanecer cada um nos seus
respectivos lotes, Jonas Batista Nunes pondera e analisa o seguinte:
“Uai! É mais assim o individualismo, né? O pessoal, [eu] acho que ainda não
conscientizou muito assim, a respeito do que seria o coletivo. É aquele
individualismo que a gente já traz ele de desde que nasceu, né? Eu no meu
modo de entender que o pessoal não consegue entender o quê que é um
115
Jonas Batista Nunes.
116
João Moura dos Santos.
110
coletivo. No conceito das pessoas coletivo é trabalhar de mutirão e trabalhar de
mutirão aqui não deu certo, não. Nós tentou assim trabalhar fazer coisa de
mutirão não foi bem sucedido. Então, o pessoal por eles não entender o que é
realmente o coletivo é que o pessoal não tem entendimento assim, mais ampla
do que isso. Eles não consegue entender, eles pensam que o coletivo não é
bom, por causa que confunde um coletivo com coisa de mutirão, mas porém o
pessoal aqui concorda com o sistema de cooperação, de grupo de família (...)”.
117
As expectativas e os planos para o assentamento de muitos trabalhadores
do Emiliano Zapata e o modo como expressam indica um processo vivido de
tensões e ambigüidades, no qual nesses anos de luta vão crescendo na
consciência do como se organizarem. Pois, se antes era somente entrar para o
MST para terem um pedaço de chão para trabalhar, hoje apontam também a
busca de formas de sobreviverem juntos na produção, compartilhando os
benefícios e as dificuldades da produção na terra mediante a realidade de
sobrevivência do assentado e pequeno produtor no país.
Sobre as experiências cotidianas nas quais se politizam nos anos de luta
e de transformações em suas vidas, Jonas ao ponderar sobre a relação de
trabalho e o entendimento dos seus pares sobre a coletivização do
assentamento, aponta para certas diferenças de idéias e projetos de cada
família dentro do assentamento, trazendo para nossa reflexão questionamentos
instigantes. O valor individualista a que ele se refere é construído socialmente e
culturalmente, sendo difícil sua transformação imediata nas perspectivas e
ideário que orientam o MST, o que pressupõe um processo de vivência e
aprendizado longo, talvez de anos, em que a construção diária de novas
relações sociais baseadas na solidariedade, companheirismo e na confiança, é
sentida e vivida por cada um de modo diferente e não ao mesmo tempo e
ritmo.
Teresa Pacheco do Carmo narra sobre o que os assentados pensavam
em produzir na terra: “Uai! Ela vai ser individual cada um fazendo a sua, então,
eu num sei. Muitos aí estão com planos aí de mexer com a banana igual a
gente, mas aí cada um tem seu sonho, né? Na medida do possível, como o
117
Jonas Batista Nunes.
111
Agnaldo disse, na medida do possível tem que ser atendido todos os sonhos.”
Dessa maneira, os desejos, sonhos e expectativas, que vão além da simples
aquisição de um lote de terra, não são homogêneos, assim a decisão do que
plantar e o que realizar na terra conquistada é um processo complexo e de
muitas ambigüidades, mas que os anos de luta ensinaram que é preciso buscar
o melhor planejamento, respeitando de certa maneira experiências sociais e
culturais.
Alguns trabalhadores do Emiliano Zapata na concretização de seus
sonhos e projetos para o cultivo da terra pensam em produzir sozinhos na terra
conquistada. Opções estas que podem indicar que muitos trabalhadores, ainda,
vivem sob noções muito enraizadas de propriedade privada. O que sugere que
a modificação destas noções é um processo cotidiano de construção e
transformação, no qual os ideários do MST, por exemplo, de solidariedade,
companheirismo e cooperação se constituem em desafios impregnados de
tensões.
Deste modo, a concretização do assentamento, do “pedaço de terra” para
os trabalhadores, implica muitas questões, entre elas, a necessidade e a
sensibilização para um novo entendimento de propriedade e de lugar social,
que pode se dar quando experimentam, no cotidiano, outras e novas relações
sociais e de trabalho, mas para se alcançar esse novo entendimento exige-se
tempo.
O processo de construção de novas acepções sobre a propriedade aponta
para um processo vivido como tensão se considerarmos que na sociedade
contemporânea necessidades e condições básicas como casa, trabalho,
saúde, escola são associadas e trabalhadas como resultados e méritos da
ascensão individual, advinda da melhor inserção no mercado de trabalho.
Inserção esta que para alcançá-la são estimulados muitos valores, por
exemplo, a ambição, a competição e o individualismo.
Neste sentido, as limitações no processo de desconstrução de valores
pautados no individualismo, no caso dos trabalhadores do Emiliano Zapata,
podem significar resistência, por exemplo, em abrir mão do sistema e posse
individual do lote, optando por um outro sistema de moradia ou mesmo de
produção, no caso, de imediato aderindo aos sistemas que muitos
trabalhadores chamam de agrovila, coletivo e cooperação.
112
Sob esta perspectiva parece-me importante perceber como nesses anos
de luta esses trabalhadores desenvolvem sentimentos de solidariedade, de
trabalho em grupo, forjando um novo modo de viver a vida e o trabalho rural na
dinâmica histórica contemporânea, com disposição para ajudar quem precisa,
por exemplo, doando parte da produção de alimentos para outros
acampamentos que passam dificuldades, ou mesmo, unindo-se em grandes
marchas pelas rodovias do país e tantas outras, perceber em que medida
atitudes não individualistas aparecem no dia-a-dia. Assim, pensando como as
atitudes antigas de outros tempos incorporam outras atitudes e valores do
presente em que vivem.
118
“Não! Isso aí a gente tem que fazer primeiro o PDA pra a gente estudar como vai
ser todo o sistema. Antes de fazer o PDA a gente não pode fazer praticamente
nada, assim nesse sentido de organizar o sistema de moradia. Uma coisa é
certa, aqui nós vamos trabalhar no sistema de individual, dentro de um coletivo
(...) Seria assim, no caso, o nosso Assentamento, mas porém os lotes são
divididos. Cada um dentro do seu lote, não seria, por exemplo, o sistema de
agrovila, aqui o pessoal não é muito, assim, adepto ao sistema de agrovila
não”.
119
Desta forma, podemos compreender a fala de Jonas quando diz que “o
pessoal” entende o que é o sistema de cooperação, nos sugerindo a ciência de
que não adianta impor um determinado sistema de produção, seja individual ou
no coletivo (grupo) para os trabalhadores. Sendo mais viável e necessário que
os trabalhadores de cada localidade e região criem e dêem formas ao seu
assentamento, formas estas que vão se compondo por meio de trocas de
experiências com trabalhadores de outros assentamentos, trocas estas
realizadas nas reuniões, palestras, cursos, seminários e encontros promovidos
dentro dos acampamentos e assentamentos em que os estudos sobre outras
realidades podem indicar a construção de parâmetros dentro dos quais os
trabalhadores do Emiliano Zapata reagem renovando suas próprias
expectativas sobre o futuro.
118
HOGGART, Richard. As utilizações da Cultura. 2º volume, Lisboa, Editorial Presença, 1973.
119
Jonas Batista Nunes.
113
Estas questões apontam para a possibilidade de que os trabalhadores no
seu próprio tempo e dinâmica vão modificando ou não, os modos morar e
produzir escolhidos no começo do acampamento e depois no assentamento. O
que vai depender das experiências de cada grupo que luta pela terra e para se
manterem nela, depende das experiências do dia- a-dia, da convivência social,
do trabalho, da colheita e comercialização dos produtos, depende do
desempenho daquilo que lhe garantirá a renda para uma melhor qualidade de
vida.
O sistema de agrovila apontado por Jonas Batista Nunes baseia-se em
um modo de se construir as casas, organizar e dispor as famílias no
assentamento juntas, aglomeradas, com suas casas todas próximas uma das
outras em um mesmo lote, compondo uma espécie de vila e reservando uma
parte da terra para a produção, que pode ser individual ou não, dependendo da
opção de cada assentado.
De acordo com Mitsue Morissawa no livro “A História da luta pela terra e o
MST” publicado pela editora Expressão Popular, ligada aos Movimentos
sociais, na perspectiva do MST e como orientação para todos os
assentamentos do país, o sistema de moradia dos assentados deve primar
pela proximidade das casas para a consolidação entre as famílias de um
núcleo social: “O assentamento não é apenas uma unidade produtiva, mas
também um núcleo social. Esse é outro principio importante do MST. O
assentamento, mais do que um lugar de produção, é um centro de convivência,
onde se localizam sonhos, se criam filhos e inclusive se enterram os entes
mortos”. (MORISSAWA: 227).
Sobre estas questões, segundo o documento interno do MST “O que levar
em conta para a organização do assentamento” produzido pela CONCRAB em
abril de 2000, algumas condições do modelo da agrovila, proposto pelo Incra,
dificultaram a vida dos assentados nas regiões Centro Sul, Centro Oeste e
Norte. Uma das grandes reclamações dos assentados é que sendo as casas
no mesmo lote e perto umas das outras os animais interferem no quintal um
dos outros destruindo hortas e outras plantações; outro aspecto é à distância a
percorrer todos os dias da moradia ao lote destinado à produção do
assentamento.
114
Apesar dessas ressalvas as experiências do sistema de agrovila em
muitos assentamentos têm apresentado melhora ao acesso às benfeitorias
sociais como: água, luz, telefone, área de convivência e lazer, escola,
transporte, posto de saúde dentro do assentamento
120
. Pois, os trabalhadores
assentados nesse sistema podem, na relação de forças, se fortalecerem
politicamente já que permanecem unidos tanto no espaço físico como nas
possibilidades de criação de projetos cooperando uns com os outros.
Fortalecendo-se por meio da pressão social e unificação do discurso e da
prática, ao exigirem o que lhes são de direito, isto é, o governo prover com
eficientes políticas agrícolas o bem estar sócio-econômico dos assentados da
política de assentamentos rurais.
Vivendo estes dilemas e desafios, assim Jonas expressa seu sentimento
de estar na terra conquistada:
“Olha! Eu ainda não tive gosto de viver num assentamento, porque a gente está
no pré-assentamento ainda, quer dizer, num é assentamento confirmado. O dia-
a-dia no pré-assentamento eu considero que é a mesma coisa que tivesse no
acampamento, tivesse como um acampado, né? Porque a vida de um pré-
assentado é como se fosse um pré-acampado, porque a gente ainda não
recebeu nenhum crédito nenhum. A gente vive com esses projetinhos da Cáritas
121
. A gente está vivendo aí, ainda está precária a vida, não está assim, ainda
mora em barraco de lona. Então, não tem nada assim, até agora diferente de
acampamento ainda não mudou. Assim, o ânimo mudou, porque a gente agora
está numa terra que a gente considera já nossa, uma conquista nossa. A gente
conquistou a terra, mas só a terra não é suficiente, a gente precisa construir uma
casa, uma moradia. Precisa de comprar animais, comprar galinha, aumentar o
tamanho da área cultivada que a gente planta, que a gente está acostumado a
plantar. Que os projetinhos realmente é muito pequeno é muito pouco dinheiro
que vem pra nós, né? Da pra fazer muito pouca coisa, então, a gente ainda tem
120
Exemplos de pesquisas e estudos realizados sobre a organização das famílias assentadas,
ver tese: João Kruger. A Força e a beleza brotam da terra. PUC/SP, 2004. A tese analisa um
assentamento do MST em Itapeva / SP.
121
A Cáritas Brasileira “(...) faz parte da Rede Caritas Internationalis, rede da Igreja Católica de
atuação social composta por 162 organizações presentes em 200 países e territórios, com
sede em Roma. Organismo da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, foi criada
em 12 de novembro de 1956 e é reconhecida como de utilidade pública federal.
(...) Seus
agentes trabalham junto aos excluídos e excluídas, muitas vezes em parceria com outras
instituições e movimentos sociais. Atualmente, a Cáritas Brasileira tem quatro linhas de ação,
presente em nove regionais
. Fonte: (www.caritasbrasileira.org).
115
que buscar recurso fora, tem que participar na luta, né? Do dia-a-dia do MST. De
forma que ainda a vida do (...) é um sonho ainda que a gente tem de chegar de
viver num assentamento, com a vida mais digna que a gente leva hoje”.
122
Para Jonas e outros, o ânimo é outro, mas ao se remeterem aos
problemas vividos indicam a consciência das imbricações políticas das
precárias condições, que se encontram no assentamento, isto é, ainda a falta
de infra-estrutura e de usufruírem condições e melhora na qualidade de vida.
Assim, as perspectivas do presente que alimentam as expectativas sobre o
futuro são idealizadas, como assim narra Teresa Pacheco Nunes:
“(...) Só que ainda falta a gente estar dentro do lote. Que da gente, pra começar
realmente a trabalhar, a produzir de verdade, que até agora, foi só tipo as
experiências, né? Num foi aquela produção mesmo! Que a gente idealizou e de
fazer mais. Acredito que a hora que a gente for pra dentro do lote aí que a gente,
aí que vai ter um os benefícios realmente (...)”.
123
Segundo Morissawa, mediante estas dificuldades de adaptação ao
sistema de agrovila em determinadas regiões do país, outra organização das
famílias é incentivada, qual seja, os núcleos de moradia, diferindo da agrovila
pelo fato das casas serem construídas nos próprios lotes individuais, mas de
forma a prevalecer a proximidade das moradias, o que é possível no modo
como se corta o assentamento que terá dentro de si vários núcleos, formando
um só núcleo social. Para o MST, com o sistema de agrovila ou núcleo de
moradia criam-se mais possibilidades de união entre os trabalhadores, pois os
mesmos não ficam distantes e isolados nos seus lotes, fato este que
dependendo da prática do cotidiano, os trabalhadores podem ir se afastando
um dos outros e dos assuntos referentes à luta social do MST.
Sob estas perspectivas de organização social do assentamento, ainda
muitas questões sobre a concretude da conquista da terra estavam por ser
resolvidas na época da pesquisa de campo com os trabalhadores do Emiliano
Zapata. Como observamos na fala de Teresinha Gomes Nunes:
122
Jonas Batista Nunes.
123
Teresa Pacheco do Carmo. Entrevista concedida à autora em 30/03/05.
116
“É! Não! A área já está a área praticamente a área é nossa. Então,
praticamente, está pré-assentada. Então, o negócio aí é só o pessoal do Incra vir
pra poder medir, medir os lotes pra poder dividir. Está! Só pegou nisso, que as
fazendas já foi, já é nossa “.
124
Mesmo os trabalhadores do Emiliano Zapata estando nas terras como
assentados, o INCRA não havia feito a distribuição ou demarcação dos lotes.
Permanecendo os trabalhadores em barracos de lona preta, semelhante aos
tempos do acampamento.
Teresa Pacheco do Carmo assim narra:
“Nós estamos assentados sim, só está faltando assinar o contrato que não foi
assinado, mas os nomes já foram, né? Já foram oficializados, legitimados pelo
Incra. O pessoal do Incra já veio aqui já oficializou, né? Agora, ainda não veio
ainda pra assinar o contrato (...) Mas elas [as funcionárias do INCRA
responsáveis para acompanhar o processo de regularização dos assentamentos]
provavelmente elas vão voltar agora, pra poder a gente assinar esses contratos”.
125
A ansiedade advinda da expectativa em torno da oficialização e
legalização do assentamento é muito grande, de tal maneira que os
trabalhadores se munem de todos os argumentos e recursos para evidenciar o
merecimento e o direito de ter resolvido o mais rápido possível o processo
burocrático para se assentar um trabalhador. Um processo burocrático que
envolve inúmeras exigências e normas por parte do governo.
Dentre estas exigências
126
é importante ressaltar algumas como, por
exemplo, todos os documentos pessoais do trabalhador pleiteado precisam
estar em ordem e legalizados, esta norma pode gerar certas dificuldades, pois
muitos trabalhadores pobres nesse país ainda não possuem documentos
pessoais e são migrantes de um estado para outro o que leva certo tempo para
regularizar a situação. Outro critério é a idade mínima necessária de 18 e
máxima de 60 anos, no caso das pessoas com idade acima dos sessenta é
problemático, mesmo sendo dispostos e com saúde para o trabalho, a lei assim
124
Teresinha Gomes Nunes.
125
Teresa Pacheco do Carmo.
126
Esses critérios podem ser encontrados no INCRA, site: www.incra.gov.br.
117
não os reconhecem. No Estado de direito republicano capitalista o que
prevalece é a estimativa da expectativa de vida do indivíduo no país, após 60
anos a pessoa é considerada incapaz produtivamente.
Neste sentido, o Estado não concede a posse do lote para esse perfil de
trabalhador, nem mesmo se a comunidade a qual pertence, no caso, integrada
ao Movimento social, se responsabilize pela produção de seu lote de terra. O
governo dá como solução para esses casos que membros da família do
trabalhador assumam a responsabilidade no assentamento, ou seja, algum
parente é assentado no lugar do trabalhador.
Essa solução por parte do Estado pode provocar situações conflituosas, já
que nem sempre as pessoas que não viveram e enfrentaram as dificuldades da
luta pela terra têm a consciência sobre seu papel, a importância e o significado
da terra conquistada com a luta dos trabalhadores mediada pelo MST, acabam
por vezes vendendo o lote ou mesmo abandonando. Com essa solução outro
conflito é gerado entre os trabalhadores assentados que discordam de tal
exigência e, em muitos casos, resistem ao assentamento de pessoas fora do
cotidiano da luta pela conquista da terra, isso sim é considerado injusto por
parte dos trabalhadores.
Outra exigência do INCRA é que o trabalhador não possua pendências
com a Justiça, seja ela qual for, o que também diante da realidade de exclusão
social e econômica é complexo e precisa ser ponderado. Outro critério é não
possuir nenhuma dívida com as instituições bancárias devido aos empréstimos
financeiros que o futuro assentado poderá realizar.
Alguns trabalhadores do Emiliano Zapata em conversas informais
contaram-me que estavam vivendo uma situação constrangedora. Uma
companheira de longos anos conhecida por todos como dona Iracema, estava
descartada pelas normas do INCRA, por possuir mais de sessenta anos. Nesse
caso um parente assumiria a responsabilidade do assentamento. Os
trabalhadores já haviam buscado muitas negociações com o INCRA para
garantir o desejo de Iracema, o direito de ter o seu lote, mas nada foi acordado.
O mais problemático era a maneira como Iracema estava recebendo a
notícia; depois de tanta luta, esforço, confiança na conquista da terra, para
Iracema não é possível exatamente da maneira como esperava. Encontrei os
trabalhadores preocupados com essa situação, pois Iracema estava em um
118
processo de depressão e tristeza profundo, já não se alimentava e não
conversava com ninguém.
O INCRA até a data das últimas entrevistas (abril de 2005) não havia
liberado os recursos financeiros dos créditos, os trabalhadores não tinham
ainda concretizado o Plano de Desenvolvimento do Assentamento - PDA.
Plano este também de responsabilidade do INCRA, pois é com ele que as
famílias assentadas começam a planejar e executar sua vida econômica e
social na área de assentamento provendo o desenvolvimento da moradia e
geração de renda. Sem sua definição os assentados ficam na espera do corte
em lotes do assentamento e de poder começar realmente a produzir. O PDA
sendo elaborado e implementado contribui para agilizar a assistência e o
acompanhamento técnico por parte do Estado.
Evidentemente, os aspectos embasados nos valores da convivência social
e política, isto é, os modos sobre os quais desejam conviver e encaminhar as
questões do assentamento estão delineados, os trabalhadores sabem de suas
necessidades; mesmo Jonas dizendo que sem o PDA não teriam muito que
fazer; a própria trajetória de lutas e construção desses sujeitos indica a
elaboração e definição do que chamam de PDA, para o qual é necessário o
acompanhamento do Estado na elaboração do planejamento para desenvolver
o assentamento, considerando as necessidades da comunidade no que se
refere à infra-estrutura, o social e o apoio na produção.
Os trabalhadores do assentamento Emiliano Zapata passam, agora, a
enfrentar outros desafios referentes às condições de se sustentarem no campo,
a produção da vida econômica e social depende do sistema e dos acessos aos
créditos rurais destinados aos assentados da reforma agrária. Mediante a
realidade de ineficientes sistemas e planos de créditos que atendam aos
pequenos produtores rurais
127
nas mesmas vantagens dos grandes e médios
proprietários, os trabalhadores organizados lutaram, e ainda lutam, a favor da
melhora e da qualidade das políticas agrícolas do Estado brasileiro.
127
Sobre o sistema de financiamento e créditos aos proprietários rurais em Uberlândia no
período de implementação do projeto modernizador para o campo brasileiro, ver dissertação de
Luciana Lílian de Miranda. “Adeus ao Jeca Tatu”: proprietários rurais de Uberlândia/MG,
vivenciando a política agrícola modernizadora 1960 - 1985. Instituto de História da
Universidade Federal de Uberlândia, 2003.
119
Neste sentido, com as lutas de tantos outros trabalhadores foi criado em
1985 o Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária - PROCERA, pelo
Conselho Monetário Nacional, juntamente com o I Plano Nacional de Reforma
Agrária - PNRA. Programa este já extinto, apesar de existir uma minoria de
assentados com pendências bancárias e com pagamentos que foram
renegociados com o governo em 2004 com prazo até18 anos.
Atualmente os assentados pela política de assentamentos rurais do
governo brasileiro são atendidos pelos créditos
128
de Instalação, que visam o
apoio na alimentação e fomento, com limite estipulado em R$ 2.400,00 e
também visam a aquisição de materiais de construção (habitação) no valor de
até R$ 5.000,00. Outros créditos são direcionados e conhecidos como
Estruturação Inicial e estão dentro do Programa Nacional de fortalecimento da
Agricultura Familiar - PRONAF
129
. Programa este que possui regras com
classificação por grupo e perfil de beneficiários são eles: grupo A; A/C; B; C; D;
E; Grupo Mulher; Grupo Agroindústria; Grupo Florestal; todos eles com limite
de créditos definidos, juros ao ano, rebate/bônus de adimplência, prazos e
carências.
No PRONAF os beneficiários assentados da reforma agrária estão no
grupo A, classificado como Investimento e com limite de R$ 18.000,00, valor
este revisto a partir das negociações exigidas pela Marcha Nacional pela
Reforma Agrária realizada em maio de 2005 pelos trabalhadores do MST.
Sendo que neste grupo estão incluídos também R$ 1.500,00 para assistência
técnica. Existe também o crédito classificado como Custeio inserido no grupo
A/C, liberando até R$3.900,00 sendo que o assentado pode solicitar este
crédito por até três vezes.
Segundo a cartilha do Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA:
“Crédito Subsidiado”, os recursos desses créditos contribuem para começar as
novas condições de vida. Os recursos do financiamento do crédito custeio é
para as despesas gerais de plantio de sementes, adubação, preparo do solo,
alimentação animal e entre outros, como a manutenção dos animais
128
Sobre Créditos rurais ver sites: www.incra.gov.br; www.mda.gov.br.
129
Segue anexos detalhes do PRONAF coletados no site do Ministério do Desenvolvimento
Agrário em novembro de 2005.
120
consumidos no ano
130
. Já os recursos do financiamento do crédito investimento
podem ser aplicados para a recuperação do solo; máquinas e equipamentos;
reformas; construções de galpões, açudes, cercas; energia elétrica e
abastecimento de água; irrigação; animais, entre outros dessa natureza.
Chegou o tempo da conquista da terra para os trabalhadores do
assentamento Emiliano Zapata, contudo, também chegou o tempo de novos
desafios e novas e antigas dificuldades.
No dizer de Jonas Batista Nunes:
“Bom! Após a desapropriação da área, igual eu já falei, a gente continua viver no
mesmo regime se fosse, se tivesse num acampamento, quer dizer, então, seria
agilizar mais rápido esses créditos, pra a gente construir a casa e o PDA. Lógico,
que tem que ser feito o PDA, pra a gente, que fizesse logo rápido, construísse as
casas passasse, deixasse de viver em barraco de lona, construísse uma
residência, uma coisa, uma casa de tijolo, com telha”.
131
O desejo e a necessidade de ter “uma casa de tijolo, com telha” possuem
inúmeros significados, dentre eles, trazem a indignação e o desejo de
transformação das condições em que viveram e ainda vivem. Com as
dificuldades de ter recursos para alimentação, saúde, vestuário, lazer, escola,
entre outros, de imediato poder construir e morar em uma casa com tijolo e
telha representa morar e viver dignamente, ter estabilidade, endereço, fincar
raízes e desenvolver seu território. A casa traz a dignidade perdida e aspirada,
impondo respeito conquistado com o trabalho e luta diários.
Nos anos de acampamento na esperança de ser assentado, os
trabalhadores do Emiliano Zapata forjaram muitas expectativas sobre
condições melhores de moradia, alimentação, de vida. Como aponta Francisco
Jubiano de Freitas as necessidades e vontades são muitas, principalmente,
possuir uma casa com o mínimo de infra-estrutura e saneamento básico, os
mesmos exigidos na cidade, porque lutam por uma vida no campo com
dignidade e sem precariedades:
130
Movimento dos Pequenos Agricultores - MAP. Crédito Subsidiado. As primeiras conquistas
da luta. Cartilha.
131
Jonas Batista Nunes.
121
“(...) Imaginar a gente imagina inté hoje, né? Porque a gente tem uma
imaginação que a gente quer um conforto, né? A gente quer um conforto é o
quê?! É uma casa. Quando a gente fala em casa, a gente (...) Má é uma casa de
sala de visita, é quarto pra cada um daqueles que mora na casa, é cada filho ter
um quarto, ter banheiro, ter assim, esgoto, ter água encanada. Mesmo na roça
má tem que ter água encanada, um tratamento pra essa água, tratamento pra
esse esgoto (...)”.
132
Sobre os significados e as impressões da vida como acampado, sem uma
casa, alimentação adequada, saneamento básico e tratamento médico-
hospitalar, João Moura dos Santos narra:
“Morar num assentamento? Começando pelo um acampamento, mesma coisa,
né? Não é fácil, não é fácil. Assim, até que é divertido, bastante divertido, mas só
que é num é fácil, muita dificuldade. E a gente vem, as barracas da gente é feita
de é muito fraquinha, né? É feita de lona, né? De madeira mesmo, aquelas
madeirinhas fraca. Também, às vezes, quando vem um vento, venta muito,
quando venta muito assim, derruba aqueles barracos pra lá, né? Cai, rasga a
lona e também não tem piso, vira tudo aquele barro, aquela coisa esquisita, num
é fácil. Quando está estiado de sol assim até que é bom, né? Mas se chover é
um problema, fica difícil, mais difícil mesmo, sofre bastante. E outra também que
esquenta muito, começa esquentar assim, o calor demais, a lona esquenta
assim, que fica quase derretendo. E daí, ela, sei lá! Parece que junta, que fica
aquele problema de oxigênio, parece que o oxigênio não anda ali na barraca. E
sempre costuma dar problema de saúde, né?”.
133
Ainda apontando os infortúnios vividos João Moura dos Santos explica:
“(...) Aquele, aí vem dor de cabeça (...) vem assim (...) no meu caso mesmo, eu
já sofri assim dor de cabeça, tontura, né? Depois até veio um problema de
circulação, da circulação já veio problema do coração e coisa que antes eu num
tinha, nem isso aí eu num sofria isso aí, quer dizer, que isso é causado mais pela
barraca de lona, inclusive, até que eu fui de muita sorte que num veio a
complicar tanto que nem já complicou com outros companheiros. Teve
132
Francisco Jubiano de Freitas.
133
João Moura dos Santos. 30/03/05.
122
companheiro que num veio agüentar esse tipo de coisa e vieram a falecer, acho
que uns quatro a cinco companheiro, já durante a trajetória (...) aconteceu que
eles num agüentou e veio a falecer”.
134
O desconforto de se viver sob um barraco em acampamento e
assentamento com a falta de infra-estrutura e de atendimento médico e
hospitalar agrava ainda mais alguns problemas que atingem os acampados. Na
maneira como João Moura dos Santos discute a perda dos companheiros de
luta por doenças, nos sensibiliza para a real necessidade e a urgência das
reivindicações destes trabalhadores na melhora das condições de vida em
acampamentos ou assentamentos.
Os trabalhadores Sem Terra sabendo das possibilidades dos problemas
de saúde, os quais estão sujeitos, por exemplo, sem água tratada e apta ao ser
humano, alimentação equilibrada e adequada, muitos trabalhadores se
preparam organizando o Setor de saúde nos acampamentos e assentamentos.
Embora, eles tenham a consciência que para muitas complicações de saúde o
trabalho do Setor de saúde é ineficaz.
Desta forma, procuram politizar cotidianamente a luta pela terra em várias
frentes, aprofundando o estudo também sobre a medicina preventiva e no
enfrentamento do poder público, abarcam inúmeras reivindicações sobre saúde
pública para melhorar as condições dos trabalhadores e não somente dos Sem
Terra, ou seja, as questões e problemas da saúde pública no país são também
preocupação e motivo de debates e de lutas desses trabalhadores. Que nas
reivindicações e negociações com o poder público exigem melhorias no
sistema único de saúde, exigem atendimento médico e hospitalar eficaz.
Neste sentido, sob as dificuldades enfrentadas dentro do assentamento,
Jonas analisa seus motivos e permanência, ressaltando que ainda são muitas
e estão na expectativa de um futuro melhor:
As dificuldades está tendo uma burocracia muito grande, uma morosidade muito
grande por parte do INCRA. Que a gente está esperando esses créditos desde
de novembro, desde de novembro do ano passado, de 2004, hoje nós já
estamos o quê? Novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, cinco meses e até
134
Idem.
123
agora não saiu nada. É muita burocracia pra você alcançar esses créditos, sabe?
Uma burocracia muito grande e demora muito tempo. A gente quando pensa que
está perto, que agora a gente vai conseguir, inclusive, o dinheiro está depositado
no banco, a gente sabe disso, mas a gente não tem acesso, porque? Justamente
por causa da burocracia, o pessoal do INCRA vir pra fazer os contratos do
assentamento. Já estamos esperando eles descerem na área desde de
novembro, o processo do PDA também era pra ter sido feito já também uns três
a quatro meses atrás. E até agora a gente num tem. Assim, dizem: ‘ah! mês que
vem, outro mês’, aquilo o tempo vai passando, aí estão dizendo, o pessoal aí [os
trabalhadores], diante das dificuldades, que é bem provável que esse ano ainda
num realiza esse PDA não, mas eu acredito que sim, que esse ano tem que sair.
Estamos esperando, agora, estamos bem mais próximo, né? O processo
burocrático e vagaroso do Incra, o Incra sempre diz que num tem funcionário,
num tem sei o quê, então, está desse jeito”.
135
Apesar do ânimo e disposição, a burocracia do Incra atinge os
trabalhadores que se rebelam com a maneira com que o Estado lida com as
questões do processo de reforma agrária no país, indicando a complexidade e
os dilemas que o envolve.
“Uai! O INCRA teria que ter mais equipe de PDA, né? Teria que ter mais, porque
uma equipe só que eles têm pro Estado, aqui é muito demorado, falta de
funcionário que o INCRA tem. Então, o Incra teria que ter, acho que teria que
reestruturar o INCRA, pra que fosse mais positivo nessas ações, porque o nosso
problema é INCRA. É muito lento! É muito devagar e eles afirmam que não tem
funcionário”.
136
Estas análises de Jonas me instigaram a lhe perguntar: “E quais as ações
vocês estão fazendo, a organização do assentamento, do MST pra agilizar
esse processo [de morosidade do INCRA] como que está?”. E assim Jonas me
respondeu:
”A gente não tem feito muita coisa, a gente está indo trabalhando, justamente,
exatamente em registrar a Associação, a nossa está quase já pronta finalmente,
135
Jonas Batista Nunes.
136
Idem.
124
a Associação que a gente tem que registrar, está terminada a formação da
Associação. E a gente está correndo assim atrás do INCRA, exigindo deles que
eles vêm, desce na área pra assinar os contratos, pra fazer os PDA’s, né? E o
quê que a gente tem? Só tem promessa, promessa. Estamos aguardando as
promessas e num pode fazer nada muita coisa além disso também não, que a
gente pode fazer é isso”.
137
Jonas traz à tona uma problemática que tem sido motivo de lutas e
manifestações dos Movimentos sociais
138
do campo, ou seja, se antes da terra
conquistada, a luta era, principalmente, contra o modelo econômico de
governo, a classe ruralista e seus interesses representados na permanência do
latifúndio, depois, no assentamento, para além disto, o foco principal, na
perspectiva da correlação de forças e da disputa política, está também contra
as políticas agrícolas e os órgãos governamentais responsáveis pelos
assentamentos rurais; no sentido de melhorá-los atendendo plenamente as
demandas do pequeno produtor rural.
Mediante a realidade vivida os trabalhadores reagem exigindo a
reestruturação e fortalecimento do INCRA para que esta Instituição favoreça o
pequeno produtor do campo, isto é, reagem com manifestações sejam elas
locais, dentro do assentamento organizando a comunidade para pressionar o
Incra de Minas Gerais a cumprir suas promessas; tendo como propósito atingir
os interesses políticos imbricados nas relações de forças e de classe,
compondo o universo da luta, que agora, para os trabalhadores do Emiliano
Zapata se constrói também sob outras dimensões.
137
Idem.
138 A pauta de reivindicações da última Marcha Nacional pela Reforma Agrária realizada pelo
MST, em maio de 2005, contava com uma série de questões, entre elas a “Reestruturação e
fortalecimento político do INCRA”, requerida a partir de uma avaliação desse Instituto. Para os
trabalhadores do MST é necessária uma reestruturação nas seguintes questões: 1) Vincular o
INCRA à Presidência da República; 2) Contratação de novos servidores (mínimo: 4.500); 3)
Mudanças das Instruções Normativas do INCRA, visando: a) Ampliar a capacidade operativa e
autonomia do INCRA (Presidência e Superintendências). b) Reestruturar o INCRA permitindo
melhoria e agilidade na capacidade operativa interna e, autonomia na execução da reforma
agrária; c) Diminuir a autonomia interna das divisões, visto que trazem lentidão no processo de
agilização da reforma agrária; 4) Os recursos da reforma agrária não devem ser
contingenciados; 5) Subordinar a Procuradoria à Presidência e Superintendências do INCRA.
Como resultados das negociações realizadas entre os dias 17 e 18 de maio do mesmo ano, o
governo concordou em: 1) O Ministério do Planejamento autorizou a contratação de 137
servidores já aprovados em concurso, principalmente agrônomos
.2) Autorizar a realização,
ainda em 2005, de novo concurso para o Incra, com abertura de 1300 vagas. 3) Nova estrutura
organizacional do Incra. Fonte: (www.mst.org.br). Acesso em outubro de 2005.
125
Essas e outras lutas forjadas pelos trabalhadores do Emiliano Zapata
nessa trajetória de conquista da terra e de concretização do assentamento
representam um pólo articulador de forças no grupo do Emiliano Zapata,
configurando-se em maior integração como grupo, em integração coletiva.
Neste sentido, esses trabalhadores viveram muitas tensões nesses anos
de luta e ainda continuam vivendo no enfrentamento de outros e novos
desafios. É notável o afã e a ansiedade que os trabalhadores têm para
começar a plantar da forma como planejaram e sonharam nesses anos de luta.
Como narra Jonas Batista Nunes:
“A área hoje aqui nós estamos produzindo o milho, é mais pra subsistência né?
Pra gente mesmo, não está produzindo pra vender ainda, mais pra subsistência.
Nós temos o milho, mandioca, os companheiros já plantou cana é abóbora,
amendoim, agora plantamos feijão, mas num está muito bem sucedido com o
feijão, porque deu muita vaquinha [praga], vai comprometer um pouco a safrinha
do feijão, mas a companheirada tudo plantou feijão, quase todos, tem bastante
mandioca, milho, essas coisas”.
139
As expectativas de alguns trabalhadores sobre os projetos e maneira de
produzir no assentamento João Moura dos Santos aponta:
“(...) Então, nós já tem um projeto mais ou menos pensado, montando um projeto
de nós plantar a metade de nosso terreno [lote], nós plantar tudo em horta, fruti-
granjeiro (...) No meu grupo horti-fruti-granjeiro e dentro desse aí [projeto de
produção] nós planta fruta, planta bastante frutas e legumes, né? E também
granja porco e galinha, patos, que nós vamo fazer uma granja só de pato
[inaudível] rentável, deve tá oito reais a dúzia de ovo de pato. Então, nós
pretende fazer assim, dessa forma e o restante do terreno nós compra o gado,
também em coletivo, todo o gado em coletivo fica no pasto (...)”.
140
Durante a realização da pesquisa de campo, percebi que as famílias
assentadas estavam com muitas idéias e planejamentos, fatos que apontam a
necessidade de um acompanhamento técnico e político às famílias tanto por
139
Jonas Batista Nunes.
140
João Moura dos Santos.
126
parte do Estado, já que este pode ter, com interesse político, suportes dentro
da economia para gestar o campo, tanto por parte do MST, que é relevante
devido às experiências de mais vinte anos de luta com muitos assentamentos
que conseguiram produzir e garantir renda aos assentados. Acompanhamentos
estes justificados pela possibilidade de existirem famílias que não tenham
conhecimentos suficientes sobre a realidade local de mercado e do que
produzir, encontrando muitos empecilhos sobre o que fazer.
Desta maneira, João Moura e outros, na espera da liberação dos recursos
financeiros por parte do governo fazem seus planos e almejam realizá-los.
Indicando que as vontades e escolhas do que plantar estão fortemente ligadas
às experiências do passado de quando viveram na roça, como também estão
ligados aos anos de luta em que foram conhecendo experiências de outros
assentamentos e da realidade do mercado dos pequenos produtores, da
rentabilidade de determinados produtos e também têm como referência os
anos em que passaram pelas cidades conhecendo as dificuldades e
necessidades da população urbana, aumentado assim as probabilidades e as
idéias do que plantar e do qual negócio montar.
Assim como João Moura, Teresa Pacheco do Carmo com experiência de
cultivo na roça conta o que deseja produzir:
“Vou eu vou mexer com fruta, com fruta, né? É banana, jaca, manga, abacate,
laranja não! Que laranja é dá muita complicação. Mais é esse tipo de coisa aí,
né? Dá menos mão de obra, o mel nós vamos mexer com mel e as galinhas, né?
Porco, mas o forte mesmo vai ser a banana”
.
141
Jonas também fala sobre as perspectivas com o dinheiro dos recursos
para a produção: “(...) A tendência é ampliar é isso, a gente não sabe ainda.
Ah! Tem um projeto de apicultura pra começar aqui vai chegar um projeto (...)”.
142
Sobre a receptividade do projeto de apicultura entre os assentados Jonas
narra:
141
Teresa Pacheco do Carmo.
142
Jonas Batista Nunes.
127
“(...) Então, nós estamos com um projeto de apicultura, já começamos, tem um
pessoal que, o grupo do Zé Marcos, Zé Firmo já tem 24 caixotes, eles já fizeram
curso
143
[organizado pelo MST], eles estão por dentro. Então essa área aqui
conseguiu esse projeto de apicultura pra começar talvez, agora, próximo a
semana que vem”.
144
Os trabalhadores organizam seu cotidiano na busca por superar os
desafios e, assim, eles estão atentos a vários aspectos da luta, que se
expressa em diversas formas de manifestações. Diante destes desafios da
realidade Teresinha G. Nunes diz:
“(...) Tem feijão e milho, eu queria é plantar arroz, porque esses projetozinhos
que vem, que eu queria até falar é os projetos é muito pouco. Então, são projetos
aí pra 24 famílias, trezentos reais pra cada um é muito pouco! É por família é
então eu achei muito pouco, sabe? Pelo tanto que veio muito pouco esses
projetos deles, então, eu acho assim que deveria vim mais, porque nós mesmo
queria plantar arroz, eu queria plantar mais feijão, queria plantar mais milho, mais
porque num tem um adubo, num tem, está faltando adubo, está faltando, né?
Semente de milho até que eu tenho, né? Mais de feijão já num tem, arroz
também eu queria plantar, então tinha de adubar pôr calcário, né? Pra melhorar
mais assim, porque aqui a fazenda tem uns pedaço aí que é muito bom de terra,
mas vai ter uns pedaços aí que já num se sabe como que vai na hora cortar o
local [os lotes para cada família] que vai ficar. Mais isso está um pouco fraco”.
145
Teresinha Gomes Nunes fala das suas vontades, necessidades e do que
lhe falta, como também expressa o que sente ali naquele momento da
entrevista, isto é, uma oportunidade, um espaço para falar e denunciar as
situações precárias. Teresinha se preocupa, porque sabe que a terra precisa
de determinados cuidados que exigem investimentos, aumentando sua
ansiedade.
143
O MST desenvolve cursos profissionalizantes para os trabalhadores, com os recursos
financeiros do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT); são realizados, por exemplo, cursos
sobre Cooperativismo; Fitoterapia; Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; Agente
Comunitário de Saúde; Tratorista e entre outros.
144
Jonas Batista Nunes.
145
Teresinha Gomes Nunes.
128
Diante da relação de dominação e de exclusão do direito de se expressar
a que os trabalhadores estão envolvidos na sociedade contemporânea, as
narrativas dos trabalhadores do Emiliano Zapata são o exercício do direito de
falar; ao expressarem suas interpretações e pontos de vistas, vão construindo
outras versões sobre a realidade que vivem e afirmando suas presenças na
sociedade, alargando “horizontes da história e da memória”
146
, reivindicando e
apontado questões urgentes e cruciais para eles.
Como narra Jonas Batista Nunes:
“(...) A gente tem que está correndo atrás de recurso fora. Porque a gente, hoje,
não consegue viver do que produz aqui. É o que a gente está produzindo aqui,
ajuda assim alguma coisa, por exemplo, o milho, por exemplo, a gente quase
que já vai ter um (...) Poder criar umas galinhas, uns porquinhos, mas assim, pra
a gente, mas num é uma coisa assim que garante uma vida digna, né? Ainda
não”.
147
Nas falas e na expressão corporal desses trabalhadores, pude perceber a
satisfação por estarem neste momento de suas vidas e analisando a realidade
em que se encontram, eles apontam muitas dificuldades e a consciência de
suas necessidades e carências de infra-estrutura, assistência técnica e
financeira. Na correlação de forças política sentem as pressões no cotidiano e
lutam contra essa realidade.
Sobre suas expectativas Teresa Pacheco do Carmo narra:
“Uai! a vida aqui no assentamento ela está, assim, agora eu estou achando ela
tranqüila ela já teve muito agitada né? Mas agora ela está tranqüila é a gente
conseguiu chegar num ponto que a gente queria que era ser, adquirir um pedaço
de terra da gente. Nós conseguimo com muita luta mas, conseguimo. Foi assim
difícil pra gente chegar até aqui, mesmo depois da terra adquirida (...) Mas,
graças a deus, estou sentindo que a coisa está mais tranqüila e pra todos a coisa
em vai se encaminhando. Uns com mais dificuldade, ainda parece que não
conseguiu absorver né? Que está, assim, dentro do seu objetivo, eles ainda não
conseguiu ter a noção do que que aconteceu na vida dele, dentro das luta parece
146
Khoury, op.cit.
147
Jonas Batista Nunes.
129
que ele está assim meio perdido mas, eu já estou tranqüila e consciente daquilo
que eu queria, que era isso aqui. Meu objetivo é agora ir pra dentro do meu lote
né? E produzir, produzir o que a gente der conta, né? Pra sobreviver, dar uma
vida melhor pros filhos”.
148
Avaliando a trajetória de lutas alguns trabalhadores refletem de modo
profundo dando outras dimensões as suas histórias e problemáticas vividas,
avaliando e apontando o que terão que enfrentar no futuro, porém com mais
confiança nos resultados das lutas, com mais serenidade pelo ponto que
conquistaram e se encontram, assim avaliando e agindo vão se constituindo
em uma força social que a cada tempo renova as perspectivas do presente e
do futuro. Teresa Pacheco do Carmo falando dos benefícios e da conquista,
expressa da seguinte maneira:
“(...) Que agora o benefício que eu estou sentindo é o da conquista, entendeu?
Na conquista. Agora, pra eu te falar, os benefícios financeiros, eles ainda não
chegou, né? Ainda não chegou, a gente está se virando com o recurso que vem,
que são duzentos reais por família que veio, agora, do Segurança Alimentar, mas
que a gente com (...) Mexe uma coisa e (inaudível). Mas eu acreditou que a hora
que a gente, que cada um for pro seu lote, que os benefícios vão ser bem mais
do que é agora. Mas a gente acredita que o grande beneficio só de já ter
chegado aqui”.
149
Eva Lima dos Santos compartilhando as expectativas com Teresa
Pacheco do Carmo, narra o que sente e como entende a vida em um
assentamento trazendo muitos significados:
“No assentamento? É uma maravilha, o dia-a-dia a gente levanta vai tratar dos
porco, das galinha. Depois vai pra roça, depois volta pra fazer o almoço é uma
maravilha, né? Pra mim é coisa mais importante, a coisa que eu mais desejava
era morar na roça e não na cidade. Porque eu fui nascida e criada na roça, eu
sai da roça tinha dezessete anos. Aí casei, fiquei na cidade parece que foi dez,
foi doze anos, voltei pra roça de novo (...) Nossa! É muita coisa, é meu sonho tá
realizando. O sonho deu ter meu lugar, deu falar assim: ‘daqui eu num vou
148
Teresa Pacheco do Carmo.
149
Idem.
130
mudar mais’. E eu ter minhas plantação, ter minhas criação o que é minha vida.
Então, aqui a gente tem aquele sonho que não vai mais sair daquele lugar, isso é
o que eu sinto, tá meu sonho realizado e dos meus filhos também. Porque é o
sonho deles nunca foi de trabalhar pra ninguém, sempre teve o sonho de ter seu
pedacinho de chão pra trabalhar seu próprio emprego, porque o que representa
pra gente é isso, né? Porque ali você tem a moradia, além da moradia você tem
o seu emprego, aqui no assentamento você tem o seu emprego, porque o que
você planta você vende, o que você cria você vende, então é o seu emprego,
que você não vai trabalhar pra ninguém” .
150
A volta desses trabalhadores para o campo em uma tensão entre os
prazeres, alegrias, emoções e dilemas, incertezas, conflitos são expressões
das contradições vividas nas experiências das lutas pela terra. Partindo desse
ponto de vista, depreendemos como esses trabalhadores conseguem seguir
confiantes e ainda avaliarem que a volta para o campo é o melhor a se fazer,
quando estão vivendo sob as atuais condições de não terem em definitivo a
emissão da posse da terra, de não poderem suprir de imediato todas as suas
expectativas e organizar-se como assentados. Evidenciando a consciência dos
problemas sócio-econômicos do pequeno produtor na realidade política e
econômica do país, mas para além disto, avaliam e reelaboram suas
experiências por meio de perspectivas de passado e de futuro.
A realidade que se arrasta por vários governos e que a cada ano vem
acirrando os conflitos urbanos e do campo, com a crescente pobreza da
população com a falta de projetos eficazes para moradia, educação, saúde,
emprego, alimentos, arte e inúmeros outros. Por outro lado, esses
trabalhadores estando na luta cotidiana pela terra, somando-se às fileiras pela
desapropriação de inúmeras outras fazendas nesse país, estão construindo e
colocando para a sociedade civil a necessidade de outros projetos. Projetos
estes que para esses trabalhadores começam com a justa distribuição de
terras, portanto, de renda nesse país.
Em meio a tantas tensões a história de lutas dos trabalhadores rurais do
grupo do Emiliano Zapata e todos os momentos vividos ganham significados
únicos nos olhares de cada trabalhador, sendo que estes significados
150
Eva Lima dos Santos. 30/03/05.
131
representam e trazem significados semelhantes para muitos outros
trabalhadores deste país na luta diária pela vida. Desta maneira, ter hoje um
assentamento com o nome de Emiliano Zapata constituído pelas histórias de
vida desses trabalhadores, significa para alguns deles: “Eh! isso pra mim é uma
história, do dia-a-dia que nós viveu é a história, né? Porque teve época que
nesse assentamento, só agüentou as pontas porque ficou quatro família, cinco
família quando nós foi despejado (...)”.
151
Para João Moura dos Santos a terra conquistada pela luta diária significa:
“O assentamento hoje! Isso pra mim significa tudo, tudo. Pra mim é significa que
eu consegui minha moradia de volta, né? Porque eu tinha perdido minha
moradia, eu consegui minha moradia de volta e meu emprego, que eu tinha eu
consegui ele de volta, tanto pra mim quanto pra minha família. E também meus
companheiros que tá lá na luta comigo. Quer dizer que pra mim é tudo, Zapata,
Zapata é tudo na vida é significa isso“.
152
Para João Moura o assentamento representa ter de volta a dignidade
que havia perdido, evidenciando a conquista do direito de viver novamente.
Assim narra Jonas Batista Nunes:
“Agora vamos tocar o barco pra frente, vamos produzir, vamos melhorar nossas
condições de vida e vamos fazer, ainda é um sonho de ser o modelo de Reforma
Agrária no Triângulo Mineiro ainda permanece vivo, ainda tem muita coisa pra
ser feita. Agora que nós estamos começando, agora praticamente, agora que é o
começo né? Que a gente tem a terra, conseguiu conquistar a terra, o chão, tem
muita coisa ainda pra frente, agora, que a gente vai começar, a luta mesmo
começa agora”.
153
Conscientes das dificuldades vividas, os trabalhadores rurais do
assentamento Emiliano Zapata sabem dos desafios dos novos tempos e não
deixando de projetar suas expectativas para o futuro deixam clara a disposição
para continuar nos caminhos escolhidos e assim vão evidenciando a
consciência adquirida nas experiências das lutas cotidianas, em que foram, e
151
Idem.
152
João Moura dos Santos.
153
Jonas Batista Nunes.
132
ainda vão, se constituindo em uma força social. Eva Lima dos Santos também
ao referir-se sobre os novos desafios expressou-se assim:
“Agora que começou é porque a responsabilidade é grande, aí você passou ter
uma responsabilidade, você tem aquele tempo pra pagar, você tem que saber
aplicar os créditos, né? Pra poder num acontecer igual vem acontecendo nos
outros assentamentos (...) Vender lote, né? É porque o que faz vender o lote é
falta de recurso, falta de alimentação. Então, o que nós espera pro nosso
assentamento é que o povo tudo compreenda isso, né? E a hora que começar,
porque a luta começa é onde a pessoa tem que estar bem ciente, né? (...) Ah!
Sendo assentado, ah! Tem, porque se não pular miudinho aí tem que trabalhar
mesmo, saber aplicar os créditos, saber economizar pra num ter, porque se não
passa necessidade”.
154
Estar na terra não significa o fim da luta por ela, ao contrário, significa,
agora, a luta pela permanência na terra e a preocupação de Eva Lima dos
Santos é com aqueles que talvez não consigam se fixar no campo devido à
falta de investimento nas políticas agrícolas. Por isso, esses trabalhadores
lutam pela reforma agrária e seus significados assumem diversas dimensões e
perspectivas. Jonas Batista Nunes falando sobre o que entende da reforma
agrária, expressou-se assim:
“Reforma agrária! Está até escrito aqui na capa revista (risos) ‘É a volta do
agricultor a raiz’ eu acho que num é outra coisa. Se a reforma agrária vai
consertar esse país se realmente fizesse desinchar a cidade resolveria, num vou
dizer que cem por cento, mas creio que, não vou dizer mais 70%, mais 90% da
questão do desemprego ia resolver”.
155
Após conquistarem o pedaço de terra os trabalhadores do Emiliano
Zapata não abandonam o envolvimento e a agitação política exercida pela
reforma agrária no cotidiano de militância no MST. Não abandonam esta luta,
porque sabem e discutem o real plano de reforma agrária que acreditam ser
eficaz e como aponta Jonas Batista Nunes que resolverá em parte os índices
154
Eva Lima dos Santos.
155
Jonas Batista Nunes.
133
de desemprego do país, discutindo sob outro ponto de vista ao focalizar outras
dimensões da necessidade de uma reforma agrária no Brasil. Indicando que,
para ele, esta questão não está somente no campo, mas atento sobre a
realidade contemporânea que afeta as cidades brasileiras, indicando uma
acepção de reforma agrária na relação campo e cidade.
Assim, com as memórias, histórias e trajetória de lutas e de vida dos
trabalhadores do grupo Emiliano Zapata podemos depreender que a reforma
agrária vai além de simples políticas de assentamentos rurais como vêm sendo
realizadas por sucessivos governos com suas prioridades e interesses
políticos, as quais não atingem a questão de fundo, ou seja, a permanência do
modelo de concentração fundiária no país que perpetua o poder de
determinados grupos econômicos e políticos no Brasil contrários a distribuição
de renda.
134
Capítulo III
“Porque a terra sozinha somente a terra também não compensa”.
“(...) Tem que ter a terra, mas tem que ter todo o
acompanhamento deles também pra poder a gente ser
reforma agrária decente, para que ela tenha validade”.
(João Moura dos Santos).
Na luta pela terra os trabalhadores do Emiliano Zapata fazendo-se como
Sem Terra tornam-se, dentre tantas questões, enunciadores de novas
expressões e práticas, compartilhando-as com outros trabalhadores que
participam do mesmo Movimento. Construindo um cotidiano que
fundamentalmente é pensado e planejado pelo viés político, os trabalhadores
organizam-se no enfrentamento de forças políticas dominantes. Isso implica em
mudanças nas acepções da realidade vivida; os embates do dia-a-dia
impulsionam outros modos de pensar, agir e de expressar.
Algumas dessas mudanças podem ser percebidas, por exemplo, na
linguagem usada pelos trabalhadores do Emiliano Zapata quando elaboram
seus argumentos sobre as experiências sociais vividas nesses anos de
militância na luta pela conquista da terra mediada pelo MST; vão construindo
por meio do que vivem e do que se concretiza na realidade, suas próprias
acepções sobre a reforma agrária e da sua importância; assim os
trabalhadores vão indicando a consciência de que a melhora nas condições de
vida vai além da conquista da terra.
Os trabalhadores, relaborando e resignificando a experiência vivida
reforçam o MST, aceitando e o reconhecendo orientações e compartilhando
propostas políticas acumuladas pelo Movimento como algo importante nos
enfrentamentos dos obstáculos tanto na organização dos acampamentos,
quanto dos assentamentos, ou mesmo de outras instâncias que o constituem.
135
Desse modo, homens e mulheres vão dando os contornos e a expressão
política do MST, alimentados por vários símbolos e entre eles, pelas bandeiras
vermelhas, com os símbolos da família, da terra e do trabalho, hasteadas em
todos os territórios dos trabalhadores do Movimento Sem Terra. Elas
demarcam, ali, sua presença e força social e política perante a sociedade.
Nesses anos de luta pela terra os trabalhadores do Emiliano Zapata vão
adquirindo experiência política e social, expressos tanto no trabalho, em várias
dimensões, quanto nas formas de se expressar. Teresinha Gomes Nunes, por
exemplo, atribui ao MST as oportunidades que teve de conhecer outras
cidades, fazer cursos, alargar seus horizontes:
“(...) Lá [acampamento Emiliano Zapata] nós plantamos, né? É ficamos lá. Teve
(...) com muito curso, os cursos que a gente participou né? Eu viajei, quando
nós estávamos em dois mil em dois mil, eu fui pra São Paulo, fui no Curso de
Gênero lá no Cajamar em Jundiaí, fui pra Belo Horizonte, fiquei nove dias em
Belo Horizonte também, sabe? Fui pra lá em Curso, Coronel Fabriciano. Eu
viajei muito, foi muito bom tá! Até na, sobre a experiência que você me
perguntou, a experiência que tive também muito boa foi essa, né? Ter viajado,
conhecido São Paulo, fui na capital, lá fiquei lá onze dias, gostei muito, então,
isso me ajudou muito, aprendi muita coisa com os Cursos, muita coisa mesmo,
né? Até no modo de expressar com as pessoas, né? Falar e tudo, foi muito boa
essa parte (...) Ah! O MST pra mim é uma coisa que foi boa demais, igual eu te
falei, né? Eu consegui meu pedaço de terra através dele, eu ter conhecido
vários, cidades, ter feito Curso, ter convivido com os companheiros, pra mim é
uma cidadezinha que nós tem aqui (risos). Pra mim, o MST é tudo. Eu sou grata
a ele (...)”.
156
Na dinâmica criada pelos trabalhadores do Emiliano Zapata fazendo parte
e se constituindo em um Movimento Social, o MST, vão se transformando no
dia-a-dia; assim vão incorporando novas atitudes e pensamentos aos quais, até
então, se mostravam indiferentes. Vindos de uma trajetória de precariedades e
carências, em relação às condições básicas da sociedade contemporânea,
como moradia, alimentação, lazer, saúde, emprego e educação, quando
entram para a comunidade em luta pela terra, conseguem minimamente
156
Teresinha Gomes Nunes.
136
realizar algumas dessas condições e usufruir delas podem criar expectativas
de melhorias no futuro. Desta maneira, aquilo que traz a possibilidade de obter
aquelas condições, passa a ter importância, como os momentos de estudo nas
reuniões, cursos, assembléias, festas e comemorações forjados dentro dos
acampamentos e assentamentos como também fora deles.
Na experiência de Movimento incorporam e discutem orientações
políticas, ideológicas e de organização dos assentamentos, acampamentos e
da sociedade que esses trabalhadores almejam construir. O próprio Movimento
elabora cadernos de estudo para os núcleos de base, cartilhas, livros, painéis,
boletins informativos impressos ou virtuais, Jornal Sem Terra, por meio dos
quais divulga ideários e informações que vão sendo apropriados e propagados
por esses trabalhadores na vida cotidiana.
Mais interessante é perceber como o ideário político impregna o cotidiano
desses trabalhadores; o modo peculiar como vivem indica a possibilidade do
aprendizado adquirido e compartilhado tanto nos cursos e estudos, como
também nas festas, comemorações, marchas, passeatas, atos públicos;
experiência que também adquirem nos encontros em que outros trabalhadores
militantes vindos de lugares diferentes chegam aos acampamentos e
assentamentos para encaminharem decisões e ações referentes à luta do MST
local ou nacional; experiências que adquirem igualmente na plantação e
colheita da roça, na convivência e conversas cotidianas nos barracos onde
muito se comenta sobre a vida em suas amenidades e lutas, nas relações
sociais, de modo geral, sobre a realidade vivida, nas ocupações de terra, nas
prisões, nas perdas de companheiros que ficam pelos caminhos da luta,
manifestações e ocupações de praças e prédios públicos nas cidades. Enfim,
naquilo tudo que constitui o universo social e político destes trabalhadores.
Essas experiências evidenciam não ser exclusivamente por meio dos
materiais didáticos e político-pedagógicos que, como dizem os trabalhadores, a
“formação política” ocorre; ou seja, a politização desses trabalhadores é
construída na própria dinâmica social constituída por eles.
Neste sentido, no modo como Teresinha Gomes Nunes se expressa, as
viagens se tornaram mais significativas, indicando que com as mesmas veio a
possibilidade de conhecer outros lugares, pessoas e outras realidades.
Situações vividas que proporcionaram outras relações sociais, constituindo
137
outra sociabilidade baseada também em outras perspectivas, como a
solidariedade e o respeito. Desta forma, as experiências e conhecimentos
adquiridos nas vivências destas viagens não se resumem somente um
aprendizado mecânico dentro dos cursos, mas também naquilo que ocorre
nessas ocasiões, ou seja, a oportunidade de conviver, de se comunicar, de
dialogar, negociar e resistir. Estas possibilidades de novas sociabilidades
apontam questões que antes não faziam parte da vida desses trabalhadores e
cujo potencial, ao ser explorado em seus muitos significados, pode ou não,
transformá-los profundamente.
O modo como os trabalhadores do Emiliano Zapata organizam e
relembram diversos assuntos em suas narrativas indica modos como a
consciência crítica e política de muitos trabalhadores vão se ampliando no
próprio jeito de ser Sem Terra. Incorporam novas noções, perspectivas e
posturas sobre si próprios, sobre a luta, a sociedade e as relações políticas e
refazem outras; nesse processo, seu modo de se expressar vai ganhando
novas formas e significados.
Esses trabalhadores ao tempo em que revelam a consciência constituída,
também investem no sentido de transformar imagens desqualificadoras dos
Sem Terra que se divulgam pelas cidades e localidades. Neste sentido,
Teresinha Gomes Nunes narra o seguinte:
“(...) Ainda há muita recriminação, tá! Que se você, assim, muitas vezes, eu num
tenho vergonha de chegar, eu falo mesmo. Mas, eu vou te dar um exemplo, que
esses tempos pra traz eu cheguei num supermercado e eu fui comprar, até eu fui
comprar uns plásticos, uns trem lá. Aí a mulher perguntou: ‘onde você mora?’ Eu
falei: ‘uai! eu moro num assentamento’, ela falou assim: ‘você é Sem Terra?’ Eu
falei: ‘com todo prazer!”. Aí eu senti que ela continuou conversando comigo e
tudo, mas assim, ela sempre me fazendo pergunta [com] aquela cara, sabe?
Assim, que num tava, assim, achou que Sem Terra é bicho de sete cabeça.
Então, aí eu expliquei pra ela, aí eu já entrei com gênero, sabe? Conversei com
ela e expliquei pra ela, porque igual, eu conversando muitas vezes eu consigo, a
pessoa mesmo que ele num queira entender, mas ele vai ter um pouco de
noção. Mas agora, aqueles que num sabe explicar, num sabe, que num tem
138
assim o conhecimento, às vezes, muitas vezes, pode até passar. Mas o pessoal,
ainda tá! ixa! Tem muito preconceito (...)”.
157
Como sugerem os trabalhadores do Emiliano Zapata, ser Sem Terra
implica passar por várias situações embaraçosas. Reagindo a elas os
trabalhadores vão construindo sua força e coragem. Procuram esclarecer o que
são na realidade, como vivem e porquê estão na luta pela terra; buscam
conquistar simpatizantes e aliados; buscam ser respeitados nos seus modos de
viver e ser tratados com dignidade, buscando a aceitação e integração na
sociedade. Sob esta perspectiva as ações, os argumentos passam por
mudanças, indicando que esses trabalhadores reconhecem seu valor e o valor
de sua luta e querem se fazer respeitar como tal.
Os trabalhadores do Emiliano Zapata querem se fazer conhecer e
reconhecer na sociedade do modo como se vêem e agem, fazendo respeitar
seus objetivos e expectativas. Nessa direção, suas práticas e narrativas vão
compondo outros sentidos na memória social, para além daquela versão
autorizada que, principalmente, a mídia constrói sobre eles. Jonas Batista
Nunes tem clareza que a imprensa dificulta a luta dos trabalhadores rurais e a
imagem que a sociedade uberlandense faz deles:
“É eu acho que eles [a sociedade] têm uma visão boa, apóia bem, quando se
sabe, conhece, tem conhecimento do que é nossa luta o pessoal apóia. Agora se
a mídia, se a televisão, seus órgãos da imprensa, por exemplo, ela passasse
uma imagem melhor do Sem Terra, seria muito melhor. Mas, agora, o problema
da sociedade, o que eles sabem, o que é o Movimento Sem Terra é através da
televisão. E nem sempre a televisão passa uma imagem boa dos Sem Terra.
Quer dizer, quase sempre passa uma imagem pior, imagem negativa, eu acho
que esse é o problema maior, entrave é esse”.
158
João Moura dos Santos narra a importância de se apresentarem de
outras maneiras à sociedade, como um instrumento na disputa das forças
políticas: reagir contra a versão da imprensa, ir além, desmistificando imagens
157
Idem.
158
Jonas Batista Nunes. 02/04/05.
139
que esta imprensa constrói e associa a eles, como as “invasões” da
propriedade privada, desordem, violência, é também uma forma de luta.
Na versão hegemônica produzida e mediada por tendências da imprensa,
contrárias à realização da reforma agrária, os trabalhadores Sem Terra são
simplesmente “invasores” da propriedade privada e criminosos. Dessa maneira,
não se discutem horizontes possíveis nessa luta. Agindo assim essa tendência
da mídia acaba por encobrir e desqualificar dimensões da experiência desses
trabalhadores Sem Terra.
Alguns trabalhadores Sem Terra do Emiliano Zapata apontam esse
procedimento da imprensa como um dos responsáveis pelo desconhecimento e
pré-conceito da população em relação aos Sem Terra. Sobre esta questão Eva
Lima dos Santos diz: “Olha! Eles vê os Sem Terras como que fosse uma
pessoa que num prestasse, um bandido, né? Umas pessoas vagabundo, mas
num é assim, agora muitos já enxerga a realidade, mas não! Tem uns que
ainda num enxerga (...)”.
159
Teresa Pacheco do Carmo narrou algumas situações vividas que indicam
a resistência de parte da sociedade de Uberlândia para com os Sem Terra:
“É difícil, que pra quem num entende Sem Terra ele, ele, se você chega na
cidade quando você fala que você está num Sem Terra, as pessoas fica: ‘o quê
que você está fazendo lá? Nem! Aquele pessoal ali é eles mexe nas coisas dos
outros’, entendeu? ‘Então o quê que você está fazendo lá? Isso é perca de
tempo’, eu: ‘Não! Eu falo não! Mas você faz o quê? Isso é cada um é cada um,
né?(...)”.
160
No complexo campo da disputa pela terra os trabalhadores do Emiliano
Zapata indicam o modo como reagem e resistem diante dos procedimentos da
mídia articulada a aos ruralistas, detentores do poder econômico e político na
região por meio da concentração e posse fundiária. Nessa luta de classes João
Moura dos Santos evidencia a importância do diálogo com a sociedade local e
de outras regiões para se fortalecerem politicamente:
159
Eva Lima dos Santos.
160
Teresa Pacheco do Carmo.
140
“Ah! Eu tem (...) Bastante contato na rua por causa desses cereais que eu colhi
aqui desde de lá da Garupa (inaudível). Então, eu saiu pra rua assim de porta em
porta, até que não é tão necessário eu vender assim de porta em porta, porque
eu poderia muito bem entregar no sacolão, mas eu, assim, muito teimoso e pra
quê o Movimento cresça cada vez mais, faço questão de vender de porta em
porta, eu saiu numa casa bato palma lá, sai (inaudível) a família e começo a
oferecer minha verdura e trocar idéia com ele. Eu sinto muito positivo, o povo fica
muito satisfeito lá, elogia bastante, né? Que é muito bom, que continue assim [as
pessoas visitadas dizem] que eu queria ter uma chance dessa pra ele também.
Eu já coloco, então, vai visitar nós, faça uma visita a nós e tal e fica muito
satisfeito, quer dizer, que seria é muito bom isso aí ”.
161
Para trazer à tona e autorizar uma outra versão sobre a luta pela terra, os
trabalhadores do Emiliano Zapata, bem como os outros trabalhadores do MST,
se põem a criar, conquistar e abrir o espaço do diálogo com a sociedade por
meio de muitos e diferentes modos, como João Moura, Eva Lima, Teresa
Pacheco o fazem, valorizando a si próprios e ao seu trabalho.
Podemos observar que os espaços deste diálogo com a sociedade têm
sido construídos pelo trabalho dos próprios trabalhadores do Emiliano Zapata e
de outros trabalhadores do MST pelo país afora, como também pelos seus
apoiadores de vários segmentos da sociedade, pesquisadores e educadores,
alguns Sindicatos como o SINTET-UFU, outros como a Pró-Reitoria de
Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis da UFU (PROEX-UFU) e a
Associações dos docentes da UFU (ADUFU), no caso de Uberlândia.
Esses espaços de diálogo com a sociedade civil contribuem para a
constituição da versão que divulga, debate, conscientiza e autoriza os projetos
sociais e políticos para a educação, cultura, saúde e trabalho alternativos para
o campo, cidade e sociedade, propostos pelos trabalhadores Sem Terra do
MST. Projeto este que para os trabalhadores do Emiliano Zapata, bem como
para outros trabalhadores deste Movimento, começa com a justa distribuição
de renda advinda da distribuição de terra para quem necessita e nela queira
trabalhar. As experiências destes trabalhadores e o modo como organizam a
vida e cotidiano apontam que seus projetos estão além da simples distribuição
161
João Moura dos Santos.
141
de terra. Neste sentido, o trabalho desses trabalhadores se faz em muitas
dimensões e frentes de atuação, como se refere Eva Lima dos Santos:
“(...) Quando a gente ia na rua fazer uma campanha, fazer uma arrecadação pro
povo, eles [a sociedade] falava, né? Demais da conta, hoje você já vê gavando,
hoje você num vê falando. Quer dizer, que com o passar dos anos as pessoas
compreendeu muito, aí quer dizer que o MST trabalhou muito e fez um trabalho
muito bonito que hoje as pessoas já reconhece [e] você vê falando: ‘Sem Terra
não! Eu já vi, elogiei demais os Sem Terra’. Hoje você já num vê mais eles
metendo o porrente no Sem Terra, quase não! Mais de primeiro era duro quando
você saía na rua aí, mas hoje não! Hoje melhorou muito!”.
162
A compreensão por parte da sociedade sobre a luta pela terra e os
Movimentos sociais como uma conquista e fruto de muitos enfrentamentos e
disputas, na correlação de forças políticas, ainda encontra muitas resistências.
O que evidencia um processo árduo para esses trabalhadores Sem Terra em
que o reconhecimento e a legitimidade do que consideram como seus direitos,
ainda requer muita luta, na qual, como indica Eva Lima dos Santos é preciso
forjar vários modos de lidar com o cotidiano no sentido de politizar os
trabalhadores para que se tornem e aprimorem-se como uma força social
conquistando o apoio da sociedade.
Nesse campo de disputas Jonas Batista Nunes fala sobre o apoio de parte
da sociedade em Uberlândia aos trabalhadores Sem Terra, considerando o
seguinte:
“É porque ele num sabe, num tem conhecimento, quem conhece, sabe o que é a
luta do Sem Terra é a favor. Aqui no Uberlândia é um lugar onde o pessoal, o
Sem Terra num tem muita, assim, muito crédito não! Mais em Belo Horizonte, em
Brasília, outros lugares que eu já andei o pessoal dá muito mais apoio do que
aqui em Uberlândia”.
163
Desta maneira, o apoio à luta pela terra passa fundamentalmente pelo
conhecimento, pelo debate e posicionamento da sociedade. Sociedade esta
162
Eva Lima dos Santos.
163
Jonas Batista Nunes.
142
que como sugere Jonas Batista Nunes muitas vezes fica somente com a
perspectiva dos meios de comunicação de massa, que articulados a poderes
hegemônicos na região influenciam as opiniões sociais.
Essa influência midiática sobre a população caracteriza a relação de
força e os trabalhadores do Emiliano Zapata tendo a consciência de seus
impactos reagem para proporcionar mudanças nesse complexo e ambíguo
campo político; a reação vai muito além das conversas com a população no
dia-a-dia; ela se faz por seu modo de vida e de trabalho, não somente na terra;
envolve manifestações, publicações, cursos, encontros, congressos e entre
outros; reagem de várias maneiras expressando o que são, isto é,
trabalhadores em busca de uma vida com mais tranqüilidade social e
economicamente; expressando o que acreditam que as condições de pobreza
de grande parte da população brasileira podem ser superadas com a luta e
conquistas dos trabalhadores, como também expressam pelo o quê estão
lutando, por futuro diferente, justo socialmente e melhor. Desta maneira,
podemos compreender outros trabalhadores Sem Terra que organizam rádios
comunitárias em seus assentamentos, e tantos outros canais de comunicação
alternativos como produção de jornais, livros, marchas pelas rodovias.
Neste sentido, João Moura dos Santos se refere ao apoio da sociedade e
à complexidade e ambigüidades que envolvem o processo da luta pela terra,
pela reforma agrária:
“De forma geral a sociedade apóia o MST, tenho certeza, e até mesmo essa
classe mais média também apóia. Eles num apóia assim, porque, inclusive, que
nem [eu] já ouvi bastante coisa (...) O cara falar (...) chegar a falar pra mim falar:
‘Oh! Não! Mais’ , que nem um cara já falou pra mim (...) “Mais o Sem Terra, eu
sei que o Sem Terra é gente trabalhadora, gente, que tem muita gente boa,
trabalhadora, que quer terra pra trabalhar, mas tem outros que quer pegar a terra
pra poder ele vender a terra, pra poder ganhar dinheiro’. Quer dizer, resumindo,
pra roubar também o fazendeiro, pra roubar, quer dizer é aonde que eles [a
sociedade] é aí que a gente precisa de um trabalho na rua, conscientizar esse
povo pra quê, num é isso, né? Que num é isso. Se o camarada vendeu a terra,
quer dizer, que foi naquela época primeiro do Fernando Herinque, que num tinha
nenhum recurso, jogava lá no meio do mato lá um pedaço de terra, o cara sem
recurso nenhum como é que vai [ter] jeito de tocar essa terra, né? Sem água,
143
sem luz, sem estrada, sem nada lá no meio do mato, tinha que vender mesmo!
Mesma coisa se acontecer hoje, se o Lula num fazer a verdadeira Reforma
Agrária, acho que num vai mudar muita coisa não, só a terra num compensa”.
164
Os anos de luta dos trabalhadores do Emiliano Zapata trouxeram muitas
expectativas e possibilidades, principalmente, sobre grandes mudanças nas
condições de vida. Evidenciando que, para os trabalhadores do Emiliano
Zapata, aquilo que impulsiona e é um meio de lutar e conquistar essas
mudanças, ou seja, o universo social criado como trabalhadores Sem Terra do
MST, ganha importância e torna-se fundamental para os mesmos, como indica
Eva Lima dos Santos:
“(...) A importância do MST é muito grande. Que é uma transformação que tem
no pessoal, né? É uma transformação mesmo, às vezes, tem muitas pessoas
que eles é umas pessoas ignorantes, umas pessoas burro, eles passa a conviver
com o MST, eles muda, né? A gente vê muito disso daí, que a gente já passou
por muitos acampamentos, então, a gente vê as pessoas, eles enxerga, parece
que enxerga melhor. O MST parece que ajuda as pessoa a enxergar é uma coisa
muito boa é um Movimento muito, que eu achei muito bom”.
165
Teresa Pacheco do Carmo falando sobre a importância do MST para os
trabalhadores que lutam pela terra, aponta muitas questões vividas como
tensões e ambigüidades, as quais constituem o cotidiano destes trabalhadores,
ao dizer o seguinte:
Não! O MST, pra mim, ele tem uma importância tanto faz agora, como pra
sempre ele vai, entendeu? A importância dele, pra mim, vai ser pro resto da vida
e num tem, entendeu? Porque eu, a bandeira do, eu posso num respeitar os
dirigentes às vezes brigar com eles, falar o que tiver de falar, mas a bandeira do
MST, essa eu respeito e brigo com qualquer um que queira, entendeu? Jogar o
nome do MST, no lixo, porque igual a bandeira do Brasil, igual o país que a gente
vive, você num viveu (...) Nós vivemos aqui, nós num nascemos aqui? Então,
porque que nós vamos espezinhar o nosso país, brigar e falar mal e tudo? Tem
os seus problemas, mas tudo, nós nascemos e fomos criados aqui é igual o
164
João Moura dos Santos.
165
Eva Lima dos Santos. 30/03/05.
144
MST, se eu vou, se eu estou adquirindo esse bem e estou adquirindo e adquiri
foi graça a bandeira, entendeu? Eu posso até não ter grande respeito e nem
falar, que eu num sou de estar, entendeu? Mas a bandeira eu respeito ela muito
e brigo com qualquer um que desrespeitar, entendeu? E jogar o nome da
bandeira no lixo, o nome do Movimento, porque eu acho o seguinte, você tem
que dar muito valor àquilo que te valoriza. Pode ser as pessoas que está na
frente do trabalho que num sabe dar o valor, né? Ele num sabe nem o quê que
ele está dirigindo na verdade, entendeu? Num sabe nem o quê que ele está
dirigindo, porque muita direção deixa a desejar, deixa às vezes acontecer coisa
aí que leva o nome do Movimento aí pra televisão, pra mídia, por falta de saber o
quê que ele está, eu acho o que ele está dirigindo(...)”.
166
Neste sentido, as diferenças internas não impedem Teresa Pacheco do
Carmo de defender o Movimento; indicando que a importância e o
reconhecimento que os trabalhadores do Emiliano Zapata atribuem ao MST
estão intrinsecamente ligados aos conhecimentos adquiridos e à consciência
forjada nesses anos de vivência. Vivência esta marcada de conflitos,
divergências de pensamentos e orientações entre os próprios trabalhadores
que geram tensões na condução do processo, no qual é preciso tolerância,
resistência e compreensão política daquilo que buscam e das implicações de
suas escolhas. Consciência forjada no compartilhar a luta, na identificação de
seus parceiros, na construção da solidariedade e da confiança em meio a
tensões e ambigüidades. Nesse processo esses trabalhadores se fortalecem
politicamente.
Jonas Batista Nunes aponta as mudanças ocorridas em sua vida depois
que entrou para a luta pela terra mediada pelo MST dizendo o seguinte:
“O que mais mudou, essa mudança em mim quem vê mais é! A gente mesmo
não percebe, às vezes nem percebe, até mudou muito, mas quem vai perceber
muito são as pessoas que conheceu a gente quê que não era, quê que era, mas
o que pra mim, uma coisa que mudou muito é uma coisa que o Movimento me
deu foi aquela coisa de ter medo, né? Hoje, eu não tenho medo, sou uma pessoa
que não tem medo de, assim, eu não tenho medo de passar fome, eu não tenho
166
Teresa Pacheco do Carmo.
145
medo de polícia, eu não tenho medo de fazer luta, né? Hoje eu me orgulho de
participar de tudo, eu acho que uma das grandes mudanças foi essa”.
167
Os espaços de sociabilidades criados, as lutas enfrentadas pelos
trabalhadores do Emiliano Zapata na construção do Movimento (MST) reforçam
a consciência de seus direitos e a confiança em si mesmos. Sentem-se
seguros e aptos para o enfrentamento da árdua realidade social, na
reelaboração e constituição de outras maneiras de organizar o tempo, o
espaço-território, o trabalho, a política, a cultura. Isto também contribui na
conquista do respeito social, quando impõem suas presenças e polemizam,
problematizam a realidade social brasileira nas questões que são cruciais e
urgentes para eles.
Desta maneira, com o sentimento de pertencerem ao MST e ao
expressarem modos como vivem, os trabalhadores vão buscando construir
modos de vida alternativos aos que a sociedade contemporânea impõe como
dinâmica social única para todos. Assim, construindo caminhos alternativos aos
de muitos pobres do país, as experiências sociais e, principalmente, as
conquistas, dos trabalhadores Sem Terra do Emiliano Zapata corroboram para
outros horizontes e possibilidades de saída da miséria e da exclusão que
assolam muitas pessoas no Brasil. Pessoas estas que em muitos casos, para
sobreviverem buscam os mercados da prostituição, a criminalidade, roubos,
narcotráfico e tantos outros meios de sobrevivências que podem indicar a
geração de mais dificuldades e problemas sociais.
Por meio das experiências sociais narradas que trazem significativamente
os olhares, pontos de vistas e a consciência política de cada trabalhador do
Emiliano Zapata sobre suas experiências do passado reinterpretadas à luz das
experiências vividas no presente, podemos compreender o enredo construído
por esses sujeitos sobre suas histórias de vida. Estas carregam as fortes
marcas da luta pela terra no Brasil. Enredos que trazem os modos de vida de
tantos e diferentes tempos seja nas migrações, nos acampamentos e
assentamento, trazendo sentimentos, hesitações, decisões, atitudes e como
também apontam para os modos de vida que criam expectativas sobre o
presente, o passado e o futuro.
167
Jonas Batista Nunes.
146
Desta maneira, podemos buscar os significados das expectativas que
esses trabalhadores projetam para o futuro, o qual, por exemplo, para Jonas
Batista Nunes, entre muitas, é a possibilidade de: “seria uma vida mais digna,
com mais fartura de alimento, uma alimentação mais saudável, melhor
moradia, né?”. Sendo uma fala representativa e compartilhada com outros,
aponta para a expectativa maior desses trabalhadores com a realização da
reforma agrária, que entre tantas questões, sugere a superação de suas vidas
das carências; viver sem a incerteza e a insegurança de não ter com o quê se
alimentar, onde e no quê trabalhar, onde morar, como garantir tratamento
médico e hospitalar se necessário, como garantir educação para os filhos; viver
sem a sensação do sufoco e ansiedade que tanto incomoda e dificulta a vida
destes trabalhadores.
Nesses anos de lutas pelo assentamento, por uma vida melhor, os
trabalhadores do Emiliano Zapata vão criando muitas expectativas sobre o
futuro. Constroem suas histórias de lutas expressas em conquistas, embates,
dificuldades, tensões, ambigüidades e alegrias, e ao narrarem suas trajetórias
relembrando os tempos vividos, as expectativas e vontades, vão apontando
para outros aspectos que compõem a complexidade da realidade política e
socioeconômica da questão da terra, ainda não resolvida nesse país, indicando
outros horizontes, acepções e pontos de vistas sobre a reforma agrária.
Sinalizando para elementos e circunstâncias que explicitam o que esses
trabalhadores do Emiliano Zapata defendem como reforma agrária, o que são e
no que acreditam quando lutam pela terra mediada pelo MST, principalmente
sobre o que esperam alcançar no futuro.
As experiências sociais destes trabalhadores na luta pela terra no
Triângulo Mineiro trazem outros modos para se pensar as questões que
envolvem a reforma agrária não somente naquela região, bem como no país,
principalmente, quando apontam para o questionamento e desmistificação de
pensamentos únicos sobre a reforma agrária, ao sugerirem que esta deveria
ser pensada a partir das diferenças regionais e culturais dos trabalhadores e de
suas respectivas carências, necessidades e desejos. As trajetórias de vida e de
lutas dos trabalhadores do Emiliano Zapata indicam outros caminhos e
elementos importantes para o debate sobre a reforma agrária no país, esta que
por vezes restringe-se às discussões somente como uma questão de política
147
pública, que por vezes generaliza regiões, necessidades e grupos de
trabalhadores com costumes diferentes.
A luta árdua e cotidiana de cada trabalhador Sem Terra do Emiliano
Zapata indica que os mesmos compreendem que apesar de estarem
assentados na terra e vivendo com o sentimento de satisfação e de vitória, a
luta pela terra continua e se refaz o tempo todo. A cada situação vivida
repensam-se estratégias e posições. Nesse processo, os trabalhadores
assumem uma consciência mais clara dos obstáculos da conquista da terra e
da necessidade de irem para o enfrentamento político diante da realidade
sócio-econômica do campo no Brasil. Estão cientes de que conquistar a terra
não basta, “somente a terra não compensa”
168
; há muitos entraves, que
prevalecem no país na disputa de projetos políticos e econômicos que
caracterizam a correlação de forças e tendências políticas no país.
Neste sentido, os projetos políticos para o meio rural, iniciados com os
governos militares e implementados no governo do Presidente Fernando Collor
de Melo e que, principalmente, intensificaram-se no governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, implantaram o que José Graziano da Silva
denominou de “Novo Mundo Rural”
169
: entre seus vários significados, foi o de
entrega da agricultura para o controle, principalmente, do mercado
internacional, gerando muitos impactos nas vidas desses trabalhadores do
campo, sendo o maior deles as dificuldades de sobreviverem em seus locais de
origem, reproduzindo o ciclo das migrações.
Nos últimos anos de implementação desse modo de produção a
agricultura passou a ter significado na perspectiva dos grandes negócios; a
economia agrícola brasileira passou ao controle dos monopólios agroindustriais
do mundo, dificultando, por exemplo, a produção agrícola e a sobrevivência do
pequeno agricultor na perspectiva da agricultura familiar. Apesar de alguns
incentivos para a agricultura familiar por parte do Estado, nesse modelo estes
incentivos são insuficientes para garantir a sobrevivência de todos pequenos
produtores que vivem sob condições adversas nas regiões do Brasil,
aumentando a disparidade econômica. Os trabalhadores do Emiliano Zapata
conhecem estas questões e lutam como assentados e membros do MST sob
168
João Moura dos Santos.
169
Ver estudos de José Graziano da Silva, em especial, Projeto Rurbano.
148
esta realidade, como aponta Jonas Batista Nunes: “A gente tem que está
correndo atrás de recurso fora, porque a gente hoje não consegue viver do que
produz aqui é o que a gente está produzindo aqui ajuda, assim, alguma coisa,
por exemplo, o milho, por exemplo, a gente quase que já vai ter, poder criar
umas galinhas, uns porquinhos, mas assim pra a gente, mas num é uma coisa,
assim, que garante uma vida digna, né? Ainda não!”.
Uma realidade de dificuldades à qual é preciso resistir e lutar, realidade
que agrava e aprofunda os problemas sociais no Triângulo Mineiro como em
muitas outras áreas rurais do país, seja de assentamentos ou não, elevando o
empobrecimento de suas populações, as quais em muitos casos são obrigadas
a abandonar o campo. No caso de assentados da reforma agrária, alguns
vêem como saída vender o lote que conquistaram, sendo essa possibilidade
para alguns trabalhadores do Emiliano Zapata uma realidade preocupante
como se refere João Moura dos Santos:
“Dar as condições financeiras, isso, esse é um grande problema, um dos
grandes problemas dentro dos assentamentos também, se isso não for feito vai,
sei lá! Vai continuar essa venda de lote vai continuar, às vezes até o roubo
mesmo, os Sem Terra que num é roubar, os Sem Terra às vezes ele num rouba
ele vai lá uai! Pegar a vaca lá e mata e mata mesmo, porque a barriga, a barriga,
a barriga vazia ela fala mais alto, né? Vai lá e pega, ele num tá roubando não,
barriga vazia junta um grupo e vai lá e pega lá uma vaca, vai pega lá um
caminhão (inaudível) encher a barriga do povo”.
170
João Moura dos Santos ao falar sobre as dificuldades de sobrevivência
como assentado da reforma agrária, aponta para questões polêmicas e
complexas que surgem em momentos tensos dentro dos acampamentos e
assentamentos com a falta de alimentos, gerando desespero entre os
trabalhadores. Nesses momentos eles reagem e resistem usando dos recursos
que encontram e vêm como solução; assim fazendo infringem regras e normas
da sociedade tidas como certas e intocáveis; para uma parcela pobre da
sociedade, muitas vezes, algumas regras e normas não fazem sentido quando
mantém a desigualdade e exclusão social.
170
João Moura dos Santos.
149
Neste sentido, as lutas destes trabalhadores contra a permanência do
modelo de exploração e de concentração da posse fundiária existentes na
região do Triângulo Mineiro, bem como no país, se fazem sob a disputa de
projetos políticos entre a classe hegemônica - que é complexa pelas alianças
que se fazem com outras forças sociais, pelo respaldo na legislação e políticas
de governo que vão além da questão da terra - e os trabalhadores Sem Terra.
No enfrentamento os trabalhadores Sem Terra em movimento realizam
diversas manifestações, por exemplo, a cada cinco ou seis anos realizam um
Congresso Nacional reunindo milhares de trabalhadores do país para definir
suas atuações, renovando também simbolicamente suas forças na escolha de
uma palavra de ordem que passa a ter uma história: apropriação de termos e
expressões que incorporam novos sentidos também. Atualmente, a palavra de
ordem que estimula os momentos da luta dos trabalhadores é: “Reforma
Agrária: Por um Brasil sem Latifúndio!”
171
. Assim reagindo os trabalhadores se
fortalecem e na disputa se colocam contra o projeto político e econômico que
prioriza somente o mercado externo. Projeto este que para a produção em
larga escala exige e mantém os argumentos da necessidade dos latifúndios
como pólo de produção agroindustrial. A grande propriedade rural nessa
tendência política assume um significado estratégico nas políticas
governamentais, fortalecendo os ruralistas.
Dessa forma, os trabalhadores do Emiliano Zapata lutam pela terra e no
cotidiano vão forjando suas acepções sobre a importância e função da reforma
agrária no Brasil, com a qual acreditam ser possível um futuro de justiça social.
Eva Lima dos Santos narra o quê é a reforma agrária do seguinte modo:
“E a Reforma Agrária é o sonho de todo mundo, né? Num é só da gente é de
todo mundo, que essa Reforma Agrária a gente vê falar desde criança e ela
nunca aconteceu e agora que está acontecendo de verdade. Então, eu tô com 51
anos eu vejo falar da Reforma Agrária direto, mas nunca aconteceu, agora que
está acontecendo, né? Mas assim mesmo acontece se a gente, como se fala? É!
171
Cartilha: “Reforma Agrária: Por um Brasil Sem Latifúndio! 4º Congresso Nacional – MST”,
Brasília (DF), 7 a 11 de agosto de 2000. Está previsto para o segundo semestre de 2006 a
realização do 5º Congresso Nacional do MST.
150
Agitando pra sair, porque por enquanto, ainda, está parado, né? Ainda num está
realizado”.
172
Os trabalhadores ao falarem sobre a reforma agrária trazem as marcas e
impressões dos tempos vividos, trazendo as expectativas em torno da reforma
agrária criadas por eles em anos de experiências de carências e andanças pelo
país. Desta maneira, as práticas e as narrativas dos trabalhadores do Emiliano
Zapata compõem outros sentidos sobre a reforma agrária; a perspectiva da
reforma agrária desses trabalhadores está articulada ao modo de vida e de
lutas, com a organização da vida, do trabalho, mediada pelas orientações do
MST.
Trabalhadores de diferentes regiões do país que nas migrações passaram
a ouvir e a acreditar no futuro melhor com a realização da reforma agrária, mas
que na trajetória pela sobrevivência vão aprendendo e discutindo a reforma
agrária sob a perspectiva da luta de classes e da realidade em que vivem, ou
seja, os trabalhadores como aponta Eva L. dos Santos começaram a entender
que a reforma agrária e o sonho de ter a terra, somente será e é possível com
a reação dos próprios trabalhadores, nos embates e batalhas que fizerem para
conquistá-la e mantê-la. Apontando ainda a consciência de que a reforma
agrária acontece diferentemente para cada trabalhador em tempos diferentes,
concretizada e compreendida a partir das suas experiências vividas, do local e
no modo onde ela é construída por cada trabalhador.
Assim, os significados da reforma agrária para esses trabalhadores estão
naquilo que ela representa como narra João Moura dos Santos:
“A essa reforma agrária é desde que conheci, conheci entendi por gente eu via
falar em reforma agrária lá no Norte, aí eu achava que, falei: ‘mas que (...)
reforma agrária, poxa vida! E era bom demais se ela acontecesse para as
pessoas, essas pessoas que trabalha aí nas fazendas aí (inaudível) você já
pensou pai se nós pegasse uns pedaço de terra pra nós? Tal e coisa’. Eu acho
que reforma agrária pra mim é tudo pra pobreza, tudo que a pobreza merece
tinha que vê era a reforma agrária, mas uma reforma agrária decente, né? Com
saúde, com assistente técnica pra ajudar a gente
produzir, né? E escola, aí sim,
172
Eva Lima dos Santos.
151
a reforma agrária mais decente, com todos os recursos também, porque a terra
sozinha, somente a terra também num compensa, tem que ter a terra, mas tem
que ter todo o acompanhamento deles também pra poder a gente ser reforma
agrária decente pra que ela tem validade, né?”.
173
Anos de história, a questão da terra e da luta dos trabalhadores do
Emiliano Zapata que se somam as tantas outras trajetórias de trabalhadores
que lutaram e, ainda, continuam na luta pelo direito de viver com dignidade,
marcam e dão significados a história de luta dos trabalhadores pela terra no
Brasil. Neste sentido, João Moura dos Santos indica sua acepção de reforma
agrária que, para ele, é a solução para a pobreza que afeta o país, indicando
como nos anos vividos com suas necessidades, situações, relações
construídas e no concreto do assentamento, os trabalhadores do Emiliano
Zapata vão precisando começar a entender não somente da produção,
condição e qualidade da terra, mas precisam compreender e saber lidar com os
mecanismos políticos e institucionais da correlação de forças na qual se
disputa a reforma agrária atualmente no Brasil. Dessa maneira, os
trabalhadores do Emiliano Zapata por meio de suas experiências sociais
cotidianamente vividas vão dando um salto em suas acepções sobre o valor e
importância da luta e da terra que sempre almejaram.
Tantos enfrentamentos, perdas, conquistas, vitórias constituem a
historicidade dessas lutas e, assim, a tão questionada reforma agrária, que é
um direito conquistado e reconhecido na Constituição Federal Brasileira no
Estatuto da Terra lei n º 4.504 de 30-11-1964 como resultado da pressão
política e da luta de inúmeros trabalhadores, ainda hoje é uma disputa e
reivindicação dos trabalhadores do Emiliano Zapata e tantos outros
trabalhadores Sem Terra. Uma reforma agrária com assentamentos com
condições reais de produção e de vida para os assentados, com investimento
na agricultura familiar, com assistência técnica, infra-estrutura, crédito rural,
que realmente financie a produção priorizando um sistema de mercado que
garanta a comercialização de seus produtos para que esses trabalhadores
possam usufruir de uma vida melhor, com trabalho, educação, lazer, saúde e
moradia.
173
João Moura dos Santos.
152
Neste sentido, a viabilidade da distribuição de terra no Brasil com
assentamentos de inúmeras famílias pobres tem sido pauta de discussão e de
disputa na correlação de forças políticas que constitui o Estado brasileiro. Sob
esta perspectiva, desenvolvem-se muitas pesquisas sobre essa problemática e
sob diversos pontos de vistas e abordagens.
No livro de Sérgio, Heredita e Medeiros
174
discutem-se os impactos
positivos sobre a economia, o trabalho, a religiosidade e o lazer em muitas
cidades brasileiras que possuem assentamentos em suas zonas rurais com a
movimentação de pessoas e comércio. Este estudo analisa e aponta, por
exemplo, o quanto os assentamentos estimulam a economia da cidade com a
circulação e comercialização da produção agrícola e artesanal dos assentados
aumentando a oferta de alimentos diversos para a população da cidade, em
contrapartida também aumenta-se por parte dos assentados o consumo de
serviços e comércios oferecidos na cidade, principalmente, na área de saúde e
de lazer. O rápido escoamento da produção dos assentamentos, em muitos
casos, se deve às características que atraem o consumidor da cidade, como
exemplo, alimentos sem agrotóxicos e mais frescos.
Neste sentido, essa movimentação na economia dessas cidades e o modo
de se produzir na terra pelos pequenos produtores assentados em que se
abrem outras possibilidades para o consumidor, têm sido divulgados e
trabalhados pelos trabalhadores do MST também como uma forma de luta
contra o modo de produção do agronegócio e em prol da realização da reforma
agrária no Brasil; lutam propagando e debatendo com a sociedade os aspectos
positivos e a viabilidade do modo de produção da agricultura familiar que
acarreta melhoras na qualidade de vida dos produtores e da sociedade
consumidora.
A constante presença e a consciência dos trabalhadores Sem Terra do
Emiliano Zapata, como de outros, de que é necessário continuar lutando para
garantir o direito à terra e à vida, indicam que os impactos positivos dos
assentamentos rurais referidos, por exemplo, na pesquisa de Medeiros, ainda,
174
Sobre o assunto ver: SÉRGIO, Leite, HEREDITA, Beatriz, MEDEIROS, Leonilde [et.al.].
Impactos dos Assentamentos: Um Estudo sobre o Meio Rural Brasileiro. São Paulo, ed.
UNESP, 2004.
153
não são suficientes para findar a luta destes trabalhadores do MST, a realidade
ainda é de desigualdades e misérias.
Sob esta perspectiva, os trabalhadores do Emiliano Zapata cientes de
suas necessidades analisam com algumas diferenças entre si, o modo como o
Estado reage diante das lutas e pressões políticas dos trabalhadores Sem
Terra nesses anos de trajetória. Estado, este que se constitui nas disputas pelo
poder e na correlação de forças políticas, para a qual faz-se necessário
compreender os mecanismos desta disputa. Teresinha Gomes Nunes assim
narrou o processo vivido e a realidade política do país:
“Olha! Eu acho assim ele [o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva]
ainda deixa pouco, ele está deixando a desejar, ainda alguma coisa. Ele
melhorou muito, fez alguma coisa, deu uma melhorada, mas eu acho que ele
deveria fazer mais, porque em parte, assim, que eu acho assim um pouco, que
eles enrola, né? Enrola um pouco, assim num está (...) aquela coisa, está um
pouco enrolado, está demorando um pouco, mas ele foi bem melhor que o outro
em parte, assim, até das fazendas que ele falou que as terras é, né? Ia dividir,
que ia liberar as terras, mas então, melhorou um pouco, melhorou do Fernando
Henrique pra cá, depois que o Fernando Henrique saiu ele melhorou um pouco,
mas ele tem algo a desejar ainda, poderia fazer mais rápido ainda, né?”.
175
O modo como Teresinha Gomes Nunes se expressa evidencia seu
descontentamento e decepção com o governo do presidente da República Luís
Inácio Lula da Silva, apesar de mencionar o avanço deste governo com relação
às desapropriações de algumas fazendas na região; o que não foi feito no
governo anterior. Na perspectiva crítica Teresinha indica a consciência de que
estas desapropriações, na correlação de forças políticas, fortaleceram os
trabalhadores Sem Terra em luta, contudo, estas ações do governo não a
impedem de cobrar e de avaliá-lo no que se refere à sua lentidão no processo
da reforma agrária. Para esses trabalhadores, os encaminhamentos destas
questões são urgentes e cruciais e nas disputas políticas esse processo ainda
continua “enrolado”, moroso.
175
Teresinha Gomes Nunes.
154
Estas observações de Teresinha evidenciam seu amadurecimento político
e sua compreensão sobre a complexidade política em torno da reforma agrária
e dos vários aspectos que a envolve, sugerindo que, para os trabalhadores
Sem Terra, não é suficiente somente decretar a desapropriação de latifúndios é
preciso investimentos nos assentamentos rurais, planejamento e liberação de
recursos financeiros para a sustentação e produção da agricultura familiar.
Jonas Batista Nunes analisa os últimos anos de lutas e conquistas dos
trabalhadores Sem Terra com relação ao Estado brasileiro de modo diferente:
“Olha! Eu acho que pior que do Fernando Henrique, o Lula, no governo do Lula
foi quando a gente passou as piores crises. Praticamente o Movimento Sem
Terra num tem nada, apesar dessa desapropriação dessa área aqui. Pra
assentar os nossos acampamentos são essas duas área: Zapata e Água Limpa e
essa aqui Santa Lúzia e o Bebedouro, mas também é nessas condições
precárias né? Até hoje!”.
176
Jonas Batista Nunes também expressa sua frustração com o atual
governo, diferentemente de Teresinha, fazendo questão de ressaltar na sua
avaliação, que foi “pior” que o governo anterior. Esta observação possui muitos
significados e direções. Entre elas, aponta o quê, para ele, não se alterou e
avançou com relação à luta do MST, isto é, foram realizadas desapropriações,
porém insuficientes diante do número
177
de famílias de trabalhadores Sem
Terra acampadas na região, sugerindo também a escassez de
desapropriações em outros estados, o que se reforça no sentimento e na
consciência de que o Movimento “praticamente não tem nada”, ainda são
poucas as conquistas. Jonas na visão crítica aponta que desapropriações de
terras sem investimentos e melhorias no processo e condições dos
trabalhadores rurais assentados não avança a luta e não fortalece os Sem
Terra.
As condições precárias que ainda viviam as famílias do assentamento
Emiliano Zapata narradas pelos trabalhadores e mencionadas em outro
176
Jonas B. Nunes. 02/04/05.
177
O MST trabalha com o número de famílias de Sem Terra do censo de 1995: existem por
volta de 4,8 milhões de famílias de trabalhadores Sem Terra no Brasil entre meeiros,
arrendatários, posseiros e outros. Número que pouco se alterou com os assentamentos já
realizados, continuando expressivo.
155
momento, entre outras questões, faziam com que os trabalhadores cobrassem
e exigissem atitudes urgentes ao acesso dos créditos rurais, a
desburocratização do Incra para agilidade nesse processo. Os trabalhadores
desabafaram sobre a morosidade no processo de assentamento das famílias,
das dificuldades de alimentação, saúde, moradia.
Nessa perspectiva os trabalhadores do Emiliano Zapata reagiam,
reafirmando suas formas de lutas e de pressão política sobre o governo de
Lula. Este que os trabalhadores Sem Terra compreendendo que se faz nas
disputas, na correlação de forças políticas, apostaram como sendo a
possibilidade de mais conquistas e fortalecimento para os trabalhadores rurais,
devido à trajetória de militância política de seu representante máximo o Lula.
Como narra Jonas Batista Nunes:
“Olha! Parou a luta né? Teve uma praticamente paralisou, porque a gente
achava que o Lula estava do nosso lado. O pessoal diante das promessas e tudo
achando que ia sair alguma coisa e num saiu nada, então, agora retomar de
novo, igual o pessoal está dizendo aí que muita gente que depois da Marcha
[maio de 2005] o pessoal vai voltar com ânimo bom, partindo pra luta novamente,
porque num saiu nada. Praticamente o governo Lula, pra nós, foi uma decepção
muito grande, quando a gente pensava que agora vai né? Num cumpriu nada (...)
Eu sou da opinião do pessoal, depois da Marcha nós vamos ver, né? Ver se a
Marcha vai, essa Marcha, agora aí, vai injetar um ânimo novo no povo e ver se
anima novamente, porque está muito parado, paralisou mesmo, foi só promessa,
promessa, promessa (...)”.
178
Os trabalhadores, desenvolvendo uma visão crítica por meio das
experiências que estão construindo e vivendo nesses anos, expressam a
frustração com o governo do presidente Lula. Neste sentido, Jonas sugere que
os trabalhadores do MST estão cientes de que este governo não consegue
alterar a correlação de forças políticas por meio de um projeto e de ações que
favoreçam e fortaleçam os Sem Terra, nesse processo não realizará a reforma
agrária como prometida em campanha eleitoral.
Em sua avaliação Jonas aponta que os trabalhadores do MST na
esperança de um posicionamento político do governo com medidas e ações em
178
Jonas Batista Nunes.
156
prol dos Sem Terra, de certa forma moderaram algumas de suas manifestação
políticas. Indicando que os trabalhadores do MST criaram expectativas de que
o governo de Lula os apoiasse, realizando as promessas de campanha
179
eleitoral, na qual o governo de Lula afirmou a meta de assentar 400 mil
famílias
180
de trabalhadores até o fim do seu mandato em 2006. Metas que na
disputa política, não são cumpridas.
Nesse processo Jonas expressou a disposição dos trabalhadores do MST
para a reação, para a cobrança e para a luta na organização de uma grande
manifestação: a “Marcha Nacional pela Reforma Agrária”
181
até a capital do
país, para reivindicar
182
, cobrar um posicionamento político claro e firme do
governo frente às questões da reforma agrária. A realização desta marcha,
como uma reação, como diz Jonas de “partir para luta novamente” é possível
179
Ver II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) no governo do presidente da República
Luis Inácio Lula da Silva.
180
O MST em suas reivindicações questiona o atual governo federal, pois a meta propalada foi
o assentamento de 400 mil famílias de trabalhadores rurais, até o ano de 2006. De uma meta
de 100 mil famílias por ano, o governo afirma ter assentado 60 mil famílias em 2003, número
que o MST discorda, para o Movimento o número não passou de 40 mil famílias. Em 2004 a
meta do governo era de 115 mil famílias e conseguiu chegar a 85.254 mil famílias. Para o ano
de 2005 os números divulgados pelo governo são ainda mais polêmicos: o governo diz ter
assentado 127,506 mil famílias, o MST contrapõe o número de 26,951 mil famílias em projetos
criados no ano de 2005. Para o MST o problema é como o governo contabiliza assentamentos
para o ano de 2005, ou seja, contabiliza projetos anteriores a 2005 e assentamentos em terras
públicas, o que caracterizaria projeto de colonização e não de reforma agrária, pois não se
altera a concentração fundiária. De acordo com Bernardo Mançano, das 245 mil famílias que o
governo diz ter assentado em três anos, somente 25% são frutos de novas desapropriações,
outros 75% são de reordenamento e regularização fundiários e projetos de colonização em
terras públicas. O que na realidade traduz-se: “(...) apenas 26.951 famílias foram assentadas
em projetos criados em 2005, em terras desapropriadas. 31.373 mil famílias foram assentadas
em projetos anteriores a 2005, podendo haver projetos anteriores a 2003, ou seja, durante o
governo anterior. 69.182 mil famílias foram assentadas em terras públicas, ou seja, em projetos
de colonização, sem desapropriação de terras, apenas com a regularização fundiária. Deste
total, 19.979 famílias foram assentadas em projetos criados antes de 2005”. Fonte: (Jornal
Brasil de Fato, online-19/01/2006).
181
A imprensa brasileira voltou sua atenção para a Marcha realizada em maio de 2005: entre
outras questões, foi alvo de críticas de parte da mídia que levantaram suspeitas quanto à
origem dos recursos financeiros dos Sem Terra para realizarem a Marcha devido ao alto grau
de organização e de infra-estrutura. Essa tendência da mídia se surpreendeu, ou indignou-se,
com a capacidade de mobilização e organização dos Sem Terra. Nesta Marcha os
trabalhadores, para além dos aspectos políticos e pedagógicos com horários reservados para o
estudo da realidade política, organizaram um grande esquema e estrutura de cozinha para
alimentação de todos militantes, como também organizaram médicos e ambulância equipada
acompanhando todos trabalhadores.
182
Ver anexo 1: A pauta de reivindicações dos trabalhadores do MST na Marcha de maio de
2005. Ver também anexo 3: “O governo cria linha de crédito exclusiva para assentados da
reforma agrária”, o governo federal sobre pressão dos trabalhadores Sem Terra anunciou em
2005 medidas tomadas, como também assumia outros compromissos, principalmente,
reafirmando a meta de 115 mil famílias assentadas. Como já abordado, o MST e alguns
estudiosos dicordam da política de assentamento do governo e do número de famílias que o
governo diz ter assentado.
157
ser compreendida como fruto de seis anos de enfrentamento, em que os
trabalhadores foram aprimorando a capacidade de enxergar a realidade vivida,
de tomar atitudes, de entender e discutir as conquistas dos trabalhadores na
perspectiva da luta de classes.
Desta forma, Jonas e outros trabalhadores do MST, organizando e
ampliando o horizonte das lutas, fortalecendo-se internamente, nesses anos
realizaram cursos, encontros e debates e não deixaram de fazer as ocupações
de terras, de lutarem, como observamos na realização em todos esses anos do
“abril vermelho”, mês de várias ocupações de terra ao mesmo tempo em todos
os estados que o MST está organizado. Gerando um grande impacto e
agitação na sociedade, no poder público e na mídia.
Teresa Pacheco do Carmo traz outros elementos da realidade política
vivida, apontando também para o sentimento de decepção e como Teresinha e
Jonas, indica outras questões que no governo de Lula não avançaram a favor
dos trabalhadores Sem Terra. Assim Teresa Pacheco se refere:
“Olha! Eu acho que o governo está assim deixando muito a desejar. Aquela
reforma agrária que ele falou, inclusive, no dia que ele foi tomar posse lá,
naquele, coisa lá em Brasília, que eu esqueci o nome, sabe? (...) Que a primeira
coisa que ele ia fazer era a reforma agrária, eu num estou vendo, eu estou vendo
é muito é conflito, morte, né? A reforma agrária mesmo ele só fez propaganda,
ele só fez assanhar os fazendeiros. A verdade que eu estou (...) O que eu tenho
dentro de mim aquela pronúncia que ele falou no dia da posse dele, aí e que em
vem deslanchando aí, ele só fez mesmo é assanhar os fazendeiros. Que os
fazendeiros se armaram, né? Entendeu? E na verdade ele não fez o que era pra
ser (...) Que todo ano sai a promessa, vai assentar cento e quinze famílias e num
vejo nem trinta mil famílias assentada, num vejo nada, né? Faz anos que eu vejo,
todo ano você vai assentar cento e quinze mil famílias, vai assentar num sei
quanto, num sei quando e num estou vendo isso. Tá tem saído algumas coisa,
mas ôh! Do que eu estou sabendo desse ano parece que saiu quatro
assentamentos aqui, né? No Estado de Minas, que é esses dois aqui, né? Que a
Santa Luzia, a Bebedouro, parece que no Vale do Jequitinhonha, né? Eu acho
que é, num é? Entendeu? Eu estou, que está muito fraco pra quem falou que ia
fazer a reforma agrária, está fraco, fraquíssimo. Ele fez foi assanhar os
fazendeiros com isso. Aonde está havendo essa chacina aí de Felisburgo, é
158
matando esse pessoal os apoiadores, né? Eu acho que ele fez foi isso aí, foi
assanhar e fez o pessoal se armou, os fazendeiros se armaram, né? Porque ô!
Tudo que o Fernando Henrique deixou está do mesmo jeito aquela, aquela coisa,
que proíbe aí se você ocupar uma fazenda dois anos, ele falou que ia tirar isso e
não tirou, continua do mesmo jeito, né? Quer dizer que isso já é um grande
empecilho se você ocupar uma fazenda, vai ficar dois anos sem ser vistoriada,
sem nada, parada, então, num compensa, né? Ser ocupada. Então, eu acho que
o Lula num fez, ele pode até estar liberando recurso, alguma coisa assim pros
Movimentos, mas está sendo só um paliativo, a reforma agrária mesmo ele num
está trabalhando com ela sério não”.
183
Os trabalhadores do Emiliano Zapata afirmam a existência de muitos
obstáculos e impasses, ainda mantidos em torno das questões da reforma
agrária. Nas avaliações indicam a desesperança no governo que muitos deles
elegeram, ao mesmo tempo em que cobram e protestam.
Desta maneira, Teresa Pacheco do Carmo se refere às situações
complicadas de violência que ainda ocorrem e que sempre foram alvo de
preocupações, cautela e denúncia por parte dos trabalhadores e apoiadores da
luta pela terra: os assassinatos de trabalhadores rurais, sindicalistas rurais e
dos apoiadores da reforma agrária. Na correlação de forças políticas as lutas e
disputas pela terra se acirram no confronto, em que os ruralistas usando de
seus instrumentos partem para a violência física e psicológica, reunindo
capangas, milícias armadas e um arsenal militar para ameaçar os
trabalhadores e tentar intimidá-los.
No enfrentamento pela posse da terra os Sem Terra ocupam os latifúndios
e os fazendeiros sentindo-se ameaçados, principalmente, quando o governo
decreta a desapropriação das fazendas ou mesmo quando se apresenta aberto
ao diálogo como os Movimentos de Sem Terra, partem para a reação, se
armam para defender suas propriedades e contra os projetos de
assentamentos rurais.
Nesta direção, nos últimos anos os trabalhadores rurais viveram muitos
confrontos com a violenta reação dos latifundiários e com o Estado. Casos
dessa violência, como se refere Teresa, ocorreu em Felisburgo no Estado de
183
Teresa Pacheco do Carmo. 23/03/05.
159
Minas Gerais no dia 20 de novembro de 2004 conhecido como a chacina de
Felisburgo: dezoito pistoleiros
184
invadiram o acampamento dos Sem Terra de
nome “Terra Prometida” assassinando cinco trabalhadores e ferindo a bala
outros doze trabalhadores.
Como aponta Teresa Pacheco do Carmo a violência contra os Sem Terra
e os apoiadores da luta pela terra acirrou-se em Minas Gerais. Uma violência
que cresceu também em outros estados, o Pará nas últimas décadas tornou-se
o estado mais violento com mortes e crimes dessa natureza. No Pará encontra-
se de um lado a apropriação de terras do Estado pelos latifundiários e a
extração ilegal de madeira, de outro lado a luta pela terra e pelos
assentamentos rurais por parte dos trabalhadores; uma realidade exacerbada
nos confrontos, os quais acabam em grande maioria nos assassinatos de
pessoas ligadas a luta pela terra. No dia 12 de fevereiro de 2005 em Anapu
(PA), após muita luta e ameaças de morte, assassinaram a religiosa Dorothy
Stang, caso que teve ampla divulgação e repercussão na mídia nacional e
mundial, o que pressionou o governo federal a encontrar e punir os criminosos.
Para esse crime específico, com a pressão política nacional e
internacional sofrida, o Estado
185
acionou imediatamente as autoridades
policiais que localizou em pouco tempo os assassinos e seus mandantes que
aguardam julgamento; o que não se estende para tantos outros crimes
cometidos há anos contra trabalhadores e apoiadores da luta pela terra, crimes
que continuam sem identificação e punição dos assassinos.
A repercussão do assassinato de Dorothy Stang não intimidou as forças
reacionárias latifundiárias daquela região do Pará, que confiantes na
impunidade exterminaram, logo após a missionária, outros sindicalistas na
mesma região, como o sindicalista Soares da Costa presidente do Sindicato
dos trabalhadores Rurais de Parauapebas e, no mesmo dia, o agricultor
Cláudio Dantas Muniz em Anapu.
186
Muitos outros crimes foram cometidos, por
exemplo, nesses mais de vinte anos de luta do MST e muitos deles nunca
184
Os pistoleiros foram comandados pelo fazendeiro Adriano Chafik Luedy e seu primo Calixto
Luedy, assassinaram os trabalhadores rurais: Iraguiar Ferreira da Silva, Miguel José dos
Santos, Joaquim José dos Santos, Juvenal Jorge da Silva e Francisco Ferreira do Nascimento,
esse último com 73 anos de idade. In: Documento interno do MST.
185
Sobre esse crime, a atuação e pacotes de medidas, com o propósito de conter a
repercussão do fato no exterior, criadas do governo do presidente da República Lula ver: PUC
Viva Revista: Basta de violência e de impunidade. Edição Especial, abril de 2005.
186
Ver: PUC Viva Revista, op.cit, 2005.
160
chegaram ao conhecimento da sociedade, permanecendo a impunidade dos
assassinos acirrando a disputa entre trabalhadores e ruralistas.
Dados da CPI da terra indicam que de 1964 a 2004 foram assassinadas
751 pessoas; de 1984 a 2004 foram assassinados 20 sindicalistas; de 1985 a
2001 96 trabalhadores rurais foram exterminados; 2003 a 2004 ocorreram 58
assassinatos de trabalhadores rurais, desses 23 foram no Pará; na lista de
marcados para morrer são 65 entre sindicalistas, religiosos e trabalhadores
Sem Terra. Há denúncias da existência de cemitérios clandestinos onde
trabalhadores rurais assassinados foram enterrados como indigentes e de
trabalhadores queimados para não deixar provas dos assassinatos.
187
Os latifundiários no Brasil para defenderem suas propriedades privadas
continuam contratando e treinando com armamentos pesados jagunços e
pistoleiros para o enfrentamento, ao tempo que os trabalhadores Sem Terra
também fortalecem sua organização por meio das ocupações, marchas,
campanhas pela punição dos assassinos de trabalhadores rurais, cursos,
encontros, congressos, acampamentos, assentamentos e entre outros.
Sobre a luta pela terra e as dificuldades enfrentadas na realização da
reforma agrária, em entrevista no ano de 2003, José Otenildo Pinto avaliava e
apontava para o futuro dizendo o seguinte:
“Bom! A política do governo a nível de reforma agrária eu estou achando ela
muito difícil, mesquinha, principalmente pro Triângulo Mineiro, vai ser muito
difícil, muito difícil mesmo ocorrer assentamento no Triângulo. Eu acredito que a
reforma agrária deve assentar muitas famílias, mas não no Triângulo. Pelo que
eu percebi a reforma agrária vai sair aí de verdade é nos vales do
Jequitinhonha, Mucuri e uma grande parte ali no vale do Rio Doce. Aqui no
Triângulo eu acho difícil, num digo que num saia não, mais é muito devagar,
que aqui é difícil, a política aqui é forte demais, muito forte contra a reforma
agrária. Então, os lugares mais preferido mesmo do governo que devi sair
mesmo é nessas regiões mais afetada pela pobreza, miséria que deve sair, por
aqui vai ser difícil. Mas mesmo assim, eu num vou perder a esperança, eu vou
continuar”.
188
187
Idem.
188
José Otenildo Pinto. Maio/ 2003.
161
A interpretação de José Otenildo traz muitos significados, principalmente,
a compreensão de que a realidade política é constituída de complexas relações
e interesses, nas quais o Estado e seu governo são disputados. Sob esta
perspectiva, na esperança de conquistar a terra, José avaliava a correlação de
forças políticas no Triângulo Mineiro e no governo de Lula, ciente de que a
força e as pressões políticas dos ruralistas nesta região para impedir o
assentamento de famílias de trabalhadores rurais Sem Terra impõem
limitações e dificuldades nas ações do governo federal em prol da reforma
agrária. Deste modo, diante dessas pressões José Otenildo Pinto apontava que
muito provavelmente o governo atenderia as regiões mais carentes do Estado
de Minas Gerais, sugerindo, de certa forma, que as regiões onde há maior
organização dos fazendeiros a reforma agrária é mais lenta e difícil.
Neste sentido, como sugere José Otenildo, no Triângulo Mineiro, região
de grandes extensões territoriais, os ruralistas sempre se articularam,
principalmente, contra os Sem Terra. Exemplos dessa articulação são as
organizações dos Sindicatos Rurais nos municípios da região, em Uberlândia
SRU foi fundado em agosto de 1948, no Triângulo Mineiro está também a
Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ)
189
, fundada em 1934.
Nestes espaços os ruralistas representando seus interesses, entre outros,
combatem os Movimentos sociais de luta pela terra com meios legais ou não,
articulando um poder sustentado pelas relações baseadas nas inserções
políticas e econômicas.
Nesse enfrentamento os ruralistas de Uberlândia e Triângulo Mineiro
pressionaram e pressionam o poder legislativo, judiciário e executivo contra os
trabalhadores Sem Terra e a reforma agrária no Brasil, por exemplo,
reivindicando e exigindo do Congresso Nacional CPI’s para fiscalizar, policiar e
punir os Sem Terra e os órgãos responsáveis pela reforma agrária; os
ruralistas apoiaram, reivindicaram e não mediram esforços políticos na
implantação do Projeto da Patrulha Rural
190
da Polícia Militar, ou seja, o
189
Entidade nacional, com sede no Parque Fernando Costa em Uberaba/Triângulo Mineiro
desde 1941, maior associação classista do setor pecuário mundial, representante das
reivindicações da classe ruralista, possui mais de 15 mil associados no Brasil e no exterior.
Fonte: (www.abcz.org.br). Acesso em março de 2006.
190
O projeto da Patrulha Rural foi criado há cinco anos com o apoio dos ruralistas do Triângulo
Mineiro pelo major Oliveiros Calixto de Souza Filho, comandante da 10ª Companhia
Independente da Polícia Militar de Ituiutaba/Pontal do Triângulo Mineiro, município pioneiro da
162
patrulhamento rural para vigiar e proteger as fazendas, alegando prevenção e
repressão contra os crimes das quadrilhas de roubos de gado e outros bens,
vale ressaltar que, para além disto, essas Patrulhas Rurais possuem a função
de identificar e punir qualquer movimento suspeito dos trabalhadores rurais
Sem Terra; os fazendeiros dessa região também se organizam contratando
“caseiros”, vigias e em suas mãos colocam armas para defenderem suas
propriedades; desqualificam a luta dos trabalhadores e colocam-se contrários à
reforma agrária via imprensa local, regional e nacional.
Em Uberlândia e região do Triângulo Mineiro os ruralistas sempre
estiveram na disputa do poder público: Prefeitura, Governo do Estado de Minas
Gerais, Senado, Câmara de deputados federais e estaduais e vereadores.
Expressão de um poder articulador e da movimentação dos ruralistas nessa
região foi na última eleição para prefeito de Uberlândia em que se elegeu
Odelmo Leão Carneiro Sobrinho
191
do Partido Progressista (PP)
192
, um dos
latifundiários e bancários mais influentes da região de Uberlândia, sempre
atuante no Sindicato Rural de Uberlândia, entre 1975 até 1990 esteve entre
diretoria, presidência e vice-presidência deste sindicato, como também desde
1982 até 1998 entre a presidência e vice-presidência da Federação da
Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG). Elegeu-se como
prefeito em 2004 com o apoio dos ruralistas, empresários, industriais e políticos
da cidade, com o apoio, por exemplo, do ex-prefeito, também representante da
Patrulha Rural. O major afirma a redução de 80% da criminalidade e violência no campo no
Pontal do Triângulo. O Projeto da Patrulha Rural se estendeu para mais de onze municípios
não somente na região do Triângulo Mineiro, como para outras do Estado de Minas Gerais.
Sendo considerado, pela Polícia Militar, o modelo de redução da violência e criminalidade no
campo foi implantado em outros estados do país. Fonte: (www.netzap.com.br/notícias), acesso
em abril de 2006. Vale ressaltar que nesse período ocorreram muitas denúncias, em alguns
desses municípios, de abusos de autoridade e de poder dos policiais da Patrulha Rural, os
quais estão sob investigação policial e criminal.
191
Odelmo Leão nasceu em Uberaba em 1946, passou por quatro mandatos consecutivos
como deputado federal e de 1985 até 1998 foi vice-presidente da Federação da Agricultura de
Minas Gerais, passou também pela secretaria municipal da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento de Uberlândia de 1989 e 1990 e, em 2003, tornou-se secretário de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento do Estado de Minas Gerais licenciando-se para o cargo de prefeito
de Uberlândia em 2004. Fonte: (
www.uol.noticias.uol.com.br/eleições/eleito/uberlandia), acesso
em abril de 2006.
192
Coligação Partidária para prefeito de Uberlândia nas eleições de 2004: PP; Partido
Democrata Trabalhista (PDT); Partido da Mobilização Nacional (PMN); Partido Trabalhista
Cristão (PTC); Partido Republicano Progressista (PRP); PSDB.
163
classe ruralista, Virgilio Galassi (PPB) e seus aliados
193
, prefeito este que teve
quatro mandatos em Uberlândia.
Desta forma, os trabalhadores do Emiliano Zapata vivendo e construindo a
luta pela terra na dinâmica social e política local, regional e nacional, narram as
experiências vividas e de maneira impressionante trazem o modo como
compreendem e reelaboram a realidade. Apontando, como o faz José Otenildo
Pinto, seus pontos de vistas, suas críticas, acepções sobre a reforma agrária e
as diferentes correlações de forças políticas em que ela se constrói, tanto na
região do Triângulo Mineiro, como também indicam o modo como se constitui a
reforma agrária em outros lugares do país, ou seja, na perspectiva da luta de
classes em diferentes locais, regiões, nos impasses e tensões.
Por fim, esses trabalhadores Sem Terra, do assentamento Emiliano
Zapata, cientes da complexidade e ambigüidade dessa realidade política,
indicam o entendimento de que a “reforma agrária decente” se forja e se
discute nas lutas, tensões, disputas, ambigüidades das relações e interesses
políticos e que não será concretizada a partir, ou somente, por uma lei ou
decreto do Estado. Mas no enfrentamento político cotidiano, na luta e
reivindicação do que consideram seus direitos, na capacidade de se
organizarem e de se imporem, na somatória de forças políticas entre os
trabalhadores em que criam as reais possibilidades da reforma agrária e a
experimentam, construindo uma vida melhor, na relação entre campo e cidade,
em cada conquista de assentamento, trabalho, alimento, diversão, escola,
saúde.
193
Coligação Partidária nas eleições para prefeito de Uberlândia em 1996: Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB); Partido Social Liberal (PSL); Partido Liberal (PL); Partido da Frente Liberal
(PFL); Partido Social democrata Cristão (PSDC).
164
Considerações Finais
A trajetória de lutas dos trabalhadores do Emiliano Zapata constituída em
longos anos com a mediação dos ideários e costumes forjados sob a
perspectiva do Movimento social, o MST, trouxe muitas possibilidades de um
cotidiano com outros e diferentes modos, costumes e valores que foram sendo
incorporados e se constituindo na força social e política desses trabalhadores.
Força esta que a cada dia impulsiona esses trabalhadores a lutarem por aquilo
que acreditam, não desistindo nunca de seus desejos.
De maneira única e peculiar os trabalhadores do Emiliano Zapata vão
dando configuração específica ao que conhecemos por “Sem Terra”, ou seja,
esses trabalhadores foram constituindo o MST na região de Uberlândia. E ao
longo dos anos constituindo o MST no Triângulo Mineiro com muitos
acampamentos e consolidação de assentamentos, bem como conquistando
diversos outros trabalhadores pobres de muitas cidades da região e do país
que para lá se dirigem em busca de melhores condições de trabalho, moradia,
saúde, escolas para os filhos; ou seja, em busca de meios e recursos para uma
vida com dignidade e que ao chegarem nessa região continuam sobrevivendo
em precárias condições, para a decepção de muitos deles.
Dessa maneira, as histórias, trajetórias e memórias desses trabalhadores
trazem como possibilidade para o presente e futuro a permanência e a
necessidade das lutas sociais como uma questão crucial e urgente no
enfrentamento das mazelas, pobreza e disparidades sociais e econômicas que
afligem a sociedade contemporânea brasileira.
As experiências sociais na e da luta pela terra narradas pelos
trabalhadores corroboram a compreensão de que os motivos e soluções para
os problemas, limites e dilemas sociais da realidade urbana e rural do país, não
deveriam ser buscados e focados como frutos do campo ou da cidade, mas
entendendo o modo como esses problemas se constituem na relação entre
campo e cidade, pois estes estão fortemente imbricados seja para as soluções
ou problemas.
Deste modo, discutir os significados da reforma agrária e das lutas
cotidianamente dos trabalhadores para alcançá-la, ganham sentidos e
165
expressão nos modos de pensar, agir e viver que os trabalhadores do Emiliano
Zapata criaram dentro do acampamento e do assentamento, bem como fora
deles, nos modos constituídos em todas as dinâmicas sociais organizadas pelo
Movimento seja na região de Uberlândia ou fora dela.
A trajetória desses trabalhadores trouxe como possibilidade, pensar, a
reforma agrária reivindicada por meio das lutas destes trabalhadores, a partir
da realidade e relações locais vividas por eles. Compreendendo como está
sendo a reforma agrária para eles e como a tratam ao viverem dilemas da
produção dentro do assentamento, quando planejam em grupo o quê e como
plantar pensando os projetos viáveis que comporão o PDA do assentamento;
quando, apesar das dificuldades, eles reagem e produzem na terra com os
recursos que possuem, quando planejam e discutem como vai ser a construção
das casas, suas preferências e vontades, quando sofrem e sentem as dores de
outros trabalhadores que passam por dificuldades dentro da comunidade que
constituíram, experimentando a reforma agrária na terra que conquistaram,
alqueire por alqueire, nas disputas com outros e entre os próprios
trabalhadores.
Os significados da reforma agrária e da terra para muitos dos assentados
do Emiliano Zapata representam os resultados e as recompensas de muitas
lutas, esforços e determinações no enfretamento de longos anos de
dificuldades. Anos estes em que muitos trabalhadores, em vários e diferentes
momentos, desistiram, outros continuaram desde o começo do primeiro
acampamento acreditando que no futuro seria possível conseguir um lote de
terra e dela advirem condições melhores de vida.
A experiência social constituída ao longo dos anos na luta pela terra, a
convicção e disposição para enfrentar os dilemas vividos, para alguns
trabalhadores do Emiliano Zapata, indica o modo como os trabalhadores
começam a atribuir valor, significados ao que vão conquistando na trajetória
das lutas, constituindo-se em força social expressiva. Dessa maneira, os
trabalhadores vão indicando que a reforma agrária e a terra não representam
somente a posse da terra, mas uma volta para o campo em que no processo
das lutas puderam concretizar e adquirir bens não somente no aspecto
material, mas humano, dentro de uma nova conformação histórica que requer
transformação na própria cultura desses trabalhadores.
166
Nos obstáculos da vida na luta pela terra e nas experiências sociais
vividas, os trabalhadores do Emiliano Zapata reelaboram o modo de viver e de
conceber o campo. A volta e a conquista da terra mediada pela formação de
um grupo de trabalhadores que se organiza, compartilha experiências
cotidianas nas quais se politizam e se tornam uma força política e social, é um
processo impregnado de tensões vividas. A luta pela terra mediada pelo MST,
tem significado a reunião de trabalhadores com trajetórias, costumes e visões
sobre a realidade diferentes, constituindo um Movimento não necessariamente
harmônico; pelo contrário unido-se por um mesmo objetivo, vivem um cotidiano
de tensões e ambigüidades; mas ao mesmo tempo nessas lutas desenvolvem
uma visão crítica e articulada, capaz de sustentar o Movimento.
Na construção dessa experiência de luta, diferenças expressivas entre os
integrantes tornam-se alvo das preocupações do próprio MST, que procura
tratá-las nos encontros, cursos e debates para fortalecer e politizar os
trabalhadores sobre os impasses e obstáculos da luta do Movimento.
Vivendo e estudando esse Movimento procurando entender muitas
questões trouxe-me dias de angústias, preocupações, frustrações e muita
emoção, alegria, excitação, bem como entusiasmo no sentido de fazer desse
trabalho um instrumento que possa contribuir de alguma maneira com esses
trabalhadores na construção de um futuro melhor.
Este trabalho chega às suas considerações finais sem uma conclusão
definitiva, porque busquei um trabalho vivido. Assim, a trajetória de lutas dos
trabalhadores do Emiliano Zapata não se finda neste texto, que pretendeu
abordar momentos e memórias de suas vidas que continuam para além desta
escrita. Em uma possível continuação deste trabalho, muitas outras questões
cruciais apenas apontadas, porque fugiam do escopo deste texto, poderão ser
refletidas. Entre elas, buscar as experiências construídas nos anos de
concretização do assentamento Emiliano Zapata, pensado como vão vivendo e
reelaborando as expectativas do presente, como vão realizando e
encaminhando os projetos do PDA, em que relações se constitui o
assentamento.
Enfim, esperamos que este trabalho contribua para se conhecer outros
horizontes e possibilidades da luta pela terra no Brasil; conhecendo sob outros
olhares quem são os trabalhadores que em diferentes regiões lutam para viver.
167
Fontes Pesquisadas
Fontes Orais:
Acervo de entrevistas realizadas pela autora nos anos de 2001, 2003 e 2005.
Todas as entrevistas foram transcritas pela autora.
João Pires de Deus, natural de Lagoa Formosa - MG, nascido em
15/05/1952, casado, migrou para Uberlândia em 22/08/1979; entrevista
concedida no ano de 2001, no acampamento.
Edgar Campos Dutra, natural de Pompel - MG, nascido em 17/01/1938,
casado, migrou para Uberlândia em 1991; entrevista concedida no ano de
2001, no acampamento.
José Otenildo Pinto, natural de Joaima - MG, nascido em 21/11/1954,
divorciado, migrou para Uberlândia em1990; entrevistas concedidas no ano de
2001 e 2003, no acampamento.
Rosana Maria dos Santos Cabral, natural de Uberlândia, nascida em
06/06/1973, casada; entrevistas concedidas nos anos de 2001 e 2003, no
acampamento.
José Firmo da Motta, natural de Lagoa Formosa - MG, nascido em 1948,
casado, migrou para Uberlândia em 1991; entrevista concedida no ano de
2001, no acampamento.
Francisco Jubiano de Freitas, natural de Currais Novos - RN, nascido em
1998, casado, migrou para Uberlândia em 1995; entrevistas concedidas nos
anos de 2001 e 2003, no acampamento e na minha residência
respectivamente.
João Moura dos Santos, natural do Nordeste, nascido em 15/06/1948,
casado, migrou para Uberlândia em 1984; entrevista concedida no ano 2005,
no assentamento.
Teresa Pacheco do Carmo, natural de Patos de Minas - MG, nascida em
15/10/1959, casada, migrou para Uberlândia em 1986; entrevista concedida no
ano 2005, no assentamento.
Teresinha Gomes Nunes, natural de Uberlândia, nascida em 26/09/1957,
casada; entrevista concedida no ano 2005, no assentamento.
168
Eva Lima dos Santos, natural de São José de Pedra Douradas - MG, nascida
em 27/03/1954, casada com João Moura dos Santos, migrou para Uberlândia
em 1984; entrevista concedida no ano 2005, no assentamento.
Jonas Batista Nunes, natural de Abadia dos Dourados - MG, nascido em
14/04/1954, casado com Teresinha Gomes Nunes, migrou para Uberlândia em
1963; entrevista concedida no ano 2005, no assentamento.
Fonte Impressa: Jornal de Uberlândia: “Correio”. Edições: 04/11/2000 e
07/11/2000.
169
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175
Anexo 1: Pauta de reivindicações - Marcha Nacional pela Reforma
Agrária/maio de 2005.
194
Uma comissão de representantes da Marcha Nacional pela Reforma
Agrária entregou nesta terça-feira (03), em mãos, a pauta com as
reivindicações da mobilização ao ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel
Rosseto, e ao presidente nacional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária), Rolf Hackbart. Esse foi o primeiro e o mais importante dos
diversos encontros agendados com representantes do governo para acontecer
durante a Marcha.
Os pontos apresentados no documento se referem ao fortalecimento do
Incra e à situação dos acampamentos e assentamentos, sendo que o
descontigenciamento dos recursos para a Reforma Agrária foi a questão mais
enfatizada durante a reunião. “Nós não aceitamos que os 2 bilhões de reais da
Reforma Agrária vão pagar juros da dívida brasileira”, disse Fátima Ribeiro, da
direção nacional do MST. A verba se refere ao corte no orçamento destinado ao
Ministério para gastos deste ano. Desse montante, somente 400 milhões foram
devolvidos, sendo que a liberão efetiva do recurso se limitou a 250 milhões
até agora. Com isso, a meta do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) de
assentar 400 mil famílias Sem Terra até o fim de 2006 fica inviabilizada.
Nessa questão, o presidente do Incra traçou um cenário pessimista. “Os
recursos para obtenção de terra acaba no mês que vem. Hoje estamos
selecionando terra para não gastar todo o dinheiro”, alertou Hackbart. Mas o
ministro Rosseto está otimista. “Estamos confiantes – e esse é o compromisso
do governo – de assegurar recursos integrais para o cumprimento de todas as
metas do PNRA“.
A pauta
Com relação à reestruturação do Incra, os Sem Terra reivindicam a
vinculação do órgão à Presidência da República, além da contratação de novos
servidores. Para Egídio Brunetto, da direção nacional do MST, durante o
governo FHC o órgão foi sucateado e o novo governo tem a obrigação de
194
Texto retirado na íntegra de www.mst.org.br. Novembro de 2005.
176
fortalecê-lo novamente. “Passamos dois anos e meio de mandato e o Incra está
quase igual. Tem estado que tem um agrônomo para fazer vistoria”, denuncia
Brunetto.
Além disso, a Marcha reivindica que o governo faça um cronograma de
assentamento das famílias acampadas por estado de acordo com as metas do
PNRA. “As famílias do MST não foram efetivamente assentadas nesses dois
anos. Para se ter uma idéia, em 2004, só foram assentadas 11 mil do
Movimento”, disse Jaime Amorim, da direção nacional do MST.
A construção de um novo crédito para a Reforma Agrária e a
universalização da assistência técnica para os assentamentos também foram
discutidos na reunião. O MST denunciou que são raros os casos em que o
agricultor consegue ter acesso aos recursos do Pronaf (Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar).
Na opinião do ministro Rosseto, todos os pontos citados na pauta
dialogam com o fortalecimento de uma Reforma Agrária qualificada para o
Brasil. “A minha expectativa é de que possamos avançar bastante com relação
a esses temas e responder a esse grande sonho de milhares de famílias que
querem trabalhar na terra”.
Na reunião, ficou acertado que nos próximos dias serão negociados os
diversos pontos de reivindicações para que, no começo da próxima semana, o
Ministério se pronuncie oficialmente se vai atender à pauta completa ou não.
Como lembrou Fátima Ribeiro, “a esperança é a última que morre e é por isso
que estamos em uma Marcha pela Reforma Agrária com uma grande
expectativa de que essas 11 mil pessoas que estão caminhando recebam uma
resposta concreta desse governo”.
A previsão é de que a Marcha Nacional pela Reforma Agrária chegue a
Brasília no dia 17 de maio. A mobilização está sendo organizada pelo MST,
CPT (Comissão pastoral da Terra), Via Campesina e Grito dos Excluídos.
Veja abaixo a pauta entregue ao MDA:
O QUE PRECISA SER FEITO PARA AVANÇAR NA REFORMA
AGRÁRIA
Reestruturação e fortalecimento político do INCRA
177
Vincular o INCRA à Presidência da República;
Contratação de novos servidores (mínimo: 4.500);
Mudanças das Instruções Normativas do INCRA, visando:
Ampliar a capacidade operativa e autonomia do INCRA (Presidência e
Superintendências).
Reestruturar o INCRA permitindo melhoria e agilidade na capacidade
operativa interna e, autonomia na execução da reforma agrária;
Diminuir a autonomia interna das divisões, visto que trazem lentidão no
processo de agilização da reforma agrária;
Os recursos da reforma agrária não devem ser contingenciados;
Subordinar a Procuradoria à Presidência e Superintendências do INCRA.
Sobre a situação dos Acampamentos
Apresentar um cronograma de assentamento das famílias acampadas por
Estado e das metas do II PNRA até 2006 (400 mil famílias até 2006), agilizando
a capacidade operativa para aquisição de terras, por meio dos seguintes
instrumentos:
Desapropriação por interesse social em atendimento à Constituição
(incorporar a legislação ambiental e trabalhista);
Atualização e fixação dos índices de Produtividade e Grau de Utilização da
Terra;
Observação: Reunião Nacional com todos os Superintendentes Estaduais
para apresentar os mecanismos e instrumentos para cumprimento das metas.
Garantir o fornecimento de alimentos (quantidade, qualidade e
regularidade) e lonas para as famílias acampadas, garantindo mínimas
condições de sobrevivência;
Cadastrar todas as famílias acampadas;
Liberar recursos para capacitação das famílias durante o período de
acampamento;
Garantir educação básica para as crianças e educação de jovens e adultos
das famílias acampadas;
Descontingenciar o orçamento atual (2bilhões) e suplementar (orçamento
compatível à demanda apresentada no II PNRA) os recursos para reforma
agrária.
178
Sobre a situação dos Assentamentos
Crédito para a Reforma Agrária
Novo Crédito para a Reforma Agrária, considerando:
• i. Desburocratização e subsídio;
• ii. Fonte do Tesouro Nacional;
• iii. Coordenação pelo INCRA;
iv. Linha de Crédito Específico Associativo e/ou Cooperado, não
vinculado ao Teto Familiar, mas nas mesmas condições do PRONAF A, para
Mulheres e Jovens para financiamento de atividades agrícolas e/ou não
agrícolas.
Programa de Agroindústrias:
i. Alocar R$ 15 milhões de reais para o programa de apoio a ações de
segurança alimentar e nutricional (MDS/FBB), para o financiamento de micro-
agroindústrias nos assentamentos.
Programa Florestal para a Reforma Agrária;
PRONAF Infra-estrutura:
• i. Repasse através do INCRA;
• ii. Assegurar 30% dos recursos para os assentamentos;
Assistência Técnica
• Universalizar a assistência técnica para os assentamentos;
Unificar e padronizar os procedimentos de contratação nacionalmente,
realizando os Convênios/contratos diretamente com as entidades
representativas dos trabalhadores (as), vinculando a execução dos serviços de
assistência técnica a estas entidades;
• Regularidade no pagamento dos Convênios;
• Destinar recursos para as entidades executoras, visando:
• i. Pagamento dos encargos sociais;
• ii. Pagamento de taxa de administração;
• iii. Compra de equipamentos e estrutura de transporte;
• iv. Capacitação e qualificação das equipes técnicas;
Redução do nº de famílias por técnico garantindo melhoria do
atendimento. (Para assentamentos pequenos a relação deve ser 1/50 e nos
assentamentos grandes 1/75);
179
Repasse dos recursos de PDA's e PRA's para as entidades executoras da
assistência técnica;
Infra-estrutura
• Energia, água e estradas;
Construção de equipamentos sociais: escolas com educação infantil
(ciranda infantil), posto de saúde, áreas de lazer, lavanderias, refeitórios;
• Saneamento básico;
• Construir nas áreas comunitárias das agrovilas e/ou núcleos de moradia:
praças, parques, jardins e pavimentação;
• Infra-estruturas produtivas
• Semi-árido: recursos específicos para o semi-árido
Programa de Biodiesel: estruturação de unidades piloto;
Projeto Leite- Sul: liberar recursos de implantação e estruturação do
Programa
Pronera: descontingênciar os R$ 14 milhões e ampliar em R$ 40 milhões
de reais para o atendimento de 124 mil novos alunos de EJA.
Questão de Gênero
Incluir no Cadastro do INCRA o nome do homem e da mulher como
titulares do lote;
Ampliação da Campanha de documentação: am pliar o Programa
Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, que hoje possui uma meta
irrisória de 70.000 mulheres documentadas por ano;
Região Amazônica: Adoção do módulo específico para a Amazônica
Legal referente ao mínimo de 100 ha na implantação dos assentamentos;
Renegociação de dívidas:
Nova Resolução para os financiamentos do STN contraídos no período
de 2000 a 2002, para renegociação das dívidas;
Acabar com o aval solidário no PRONAF como forma de resolver
problemas de inadimplência;
• Renegociação e individualização das dívidas de teto II das Cooperativas.
180
Anexo 2: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar -
Pronaf
195
1. O que é o Pronaf?
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)
destina-se ao apoio financeiro das atividades agropecuárias e não-
agropecuárias exploradas mediante emprego direto da força de trabalho do
produtor rural e de sua família.
Obs.: Entende-se por serviços, atividades ou renda não-agropecuários
aqueles relacionados ao turismo rural, à produção artesanal, ao agronegócio
familiar e à prestação de serviços no meio rural, que sejam compatíveis com a
natureza da exploração rural e com o melhor emprego da mão-de-obra familiar.
2. Quem são os beneficiários do Pronaf?
São beneficiários do Pronaf os produtores rurais que se enquadrem nos
grupos a seguir especificados, comprovados mediante declaração de aptidão
ao Programa:
Grupo "A"
- agricultores familiares:
a) assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária que não
contrataram operação de investimento no limite individual permitido pelo
Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (Procera);
b) amparados pelo Fundo de Terras e da Reforma Agrária - Banco da
Terra.
Grupo "B"
- agricultores familiares, inclusive remanescentes de quilombos,
trabalhadores rurais e indígenas que:
a) explorem parcela de terra na condição de proprietário, posseiro,
arrendatário ou parceiro;
b) residam na propriedade ou em local próximo;
c) não disponham, a qualquer titulo, de área superior a quatro módulos
fiscais, quantificados segundo a legislação em vigor;
195
Texto retirado na íntegra de www.mda.org.br. Novembro de 2005.
181
d) obtenham renda familiar oriunda da exploração agropecuária ou não-
agropecuária do estabelecimento;
e) tenham o trabalho familiar como base na exploração do
estabelecimento;
f) obtenham renda bruta anual familiar até R$ 1.500,00, excluídos os
proventos vinculados a benefícios previdenciários decorrentes de atividades
rurais.
Grupo "C"
- agricultores familiares e trabalhadores rurais que:
a) explorem parcela de terra na condição de proprietário, posseiro,
arrendatário, parceiro ou concessionário do Programa Nacional de Reforma
Agrária;
b) residam na propriedade ou em local próximo;
c) não disponham, a qualquer título, de área superior a quatro módulos
fiscais, quantificados segundo a legislação em vigor;
d) obtenham, no mínimo, 80% da renda familiar da exploração
agropecuária e não-agropecuária do estabelecimento;
e) tenham o trabalho familiar como predominante na exploração do
estabelecimento, utilizando apenas eventualmente o trabalho assalariado, de
acordo com as exigências sazonais da atividade agropecuária;
f) obtenham renda bruta anual familiar acima de R$ 1.500,00 e até R$
10.000,00, excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários
decorrentes de atividades rurais;
g) sejam egressos do Grupo "A" ou do Procera e detenham renda dentro
dos limites estabelecidos para este Grupo.
Grupo "D"
- agricultores familiares e trabalhadores rurais que:
a) explorem parcela de terra na condição de proprietário, posseiro,
arrendatário, parceiro ou concessionário do Programa Nacional de Reforma
Agrária;
b) residam na propriedade ou em local próximo;
c) não disponham, a qualquer título, de área superior a quatro módulos
fiscais, quantificados segundo a legislação em vigor;
182
d) obtenham, no mínimo, 80% da renda familiar da exploração
agropecuária e não-agropecuária do estabelecimento;
e) tenham o trabalho familiar como predominante na exploração do
estabelecimento, podendo manter até 2 empregados permanentes, sendo
admitido ainda o recurso eventual à ajuda de terceiros, quando a natureza
sazonal da atividade o exigir;
f) obtenham renda bruta anual familiar acima de R$ 10.000,00 e até R$
30.000,00 excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários
decorrentes de atividades rurais;
Obs.: São também beneficiários e se enquadram nos grupos a seguir
indicados, de acordo com a renda e a caracterização da mão-de-obra utilizada:
I - Grupos "B", "C" e "D" :
- pescadores artesanais que:
a) se dediquem a pesca artesanal, com fins comerciais, explorando a
atividade como autônomos, com meios de produção próprios ou em regime de
parceria com outros pescadores igualmente artesanais;
b) formalizem contrato de garantia de compra do pescado com
cooperativas, colônias de pescadores ou empresas que beneficiem o produto.
- extrativistas que se dediquem à exploração extrativista vegetal
ecologicamente sustentável;
- silvicultores que cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o
manejo sustentável daqueles ambientes;
- aqüiculturas que:
a) se dediquem ao cultivo de organismos que tenham na água seu normal
ou mais freqüente meio de vida;
b) explorem área não superior a dois hectares de lamina d'água ou
ocupem ate 500 m
3
(quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração
se efetivar em tanque-rede.
II - Grupos "C" e "D":
- agricultores, familiares que sejam egressos do Grupo "A" do Pronaf ou do
Procera e detenham renda dentro dos limites estabelecidos para aqueles
grupos, observado que:
a) quando se tratar de mutuários de mutuários do Grupo "A", tenham
recebido financiamentos de investimento naquele Grupo;
183
b) a existência de saldo devedor em operações do Grupo "A" ou do
Procera não impede a classificação do produtor como grupo "C" ou "D".
3. Quem deve fornecer a declaração de aptidão ao Pronaf?
A declaração de aptidão ao Pronaf, que também deve ser assinada pelo
beneficiário do crédito, deve ser prestada por agentes credenciados pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário e será elaborada:
a) para a unidade familiar de produção, prevalecendo para todos os
membros da família que habitam a mesma residência e exploram as mesmas
áreas de terra, devendo ser assinada pelo beneficiário do crédito que
representa a unidade familiar;
b) preferencialmente para a mulher ou companheira, no caso do Grupo
"B";
c) segundo normas estabelecidas pelo citado Ministério.
4. A que pode se destinar o crédito do Pronaf?
Os créditos podem destinar-se a:
- custeio: financiamento de atividades agropecuárias e não-agropecuárias
de beneficiários enquadrados nos Grupos "C" e "D", de acordo com a proposta
de financiamento ou o projeto especifico;
- investimento: financiamento da implantação, ampliação e modernização
da infra-estrutura de produção e serviços agropecuários e não-agropecuários
no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas, de acordo
com projetos específicos.
Obs.: Os créditos para investimento integrado coletivo, com ou sem capital
de giro associado, destinam-se às associações, às cooperativas ou às outras
pessoas jurídicas compostas exclusivamente por beneficiários enquadrados
nos Grupos "C" e "D" e direcionam-se ao (à):
- financiamento da implantação, da ampliação e da modernização de infra-
estrutura de produção e de serviços agropecuários e não-agropecuários;
- operacionalização dessas atividades no curto prazo, de acordo com
projeto especifico em que esteja demonstrada a viabilidade técnica, econômica
e financeira do empreendimento.
5. Como podem ser concedidos os créditos do Pronaf?
184
Os créditos podem ser concedidos de forma individual, coletiva (quando
formalizado com grupo de produtores, para finalidades coletivas) ou grupal
(quando formalizado com grupo de produtores, para finalidades individuais).
6. É necessária a apresentação de garantias para obtenção de
financiamento do Pronaf? Como é feita a escolha dessas garantias?
Sim. Embora de livre negociação entre as partes, as instituições
financeiras devem adotar, preferencialmente, as seguintes garantias:
- crédito de custeio: o penhor de safra, aval ou a adesão ao Programa de
Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro);
- crédito de investimento: o penhor cedular ou a alienação fiduciária do
bem financiado.
7. É necessário registrar em cartório o contrato de arrendamento ou de
similar entre o proprietário da terra e o beneficiário do crédito do Pronaf?
A documentação relacionada ao contrato, quando for o caso, não está
sujeita a exigência de registro em cartório.
8. Quais são os casos em que é vedada a concessão de crédito do
Pronaf?
A concessão de créditos é vedada nos seguintes casos:
- aquisição de animais destinados à pecuária bovina de corte;
- atividades relacionadas com a produção de fumo em regime de parceria
ou integração com indústrias fumageiras.
9. A que se destina a Linha de Crédito de Investimento para Agregação de
Renda à Atividade Rural (Agregar)?
Os créditos do Agregar destinam-se ao financiamento de projetos
individuais, grupais ou coletivos, de interesse de agricultores familiares
enquadrados nos Grupos "C" e "D", que envolvam aplicações em atividades de
beneficiamento, processamento e comercialização da produção agropecuária e
na exploração de turismo e de lazer rural, compreendendo ainda:
- a implantação de pequenas e medias agroindústrias, isoladas ou em
forma de rede;
- a instalação de unidades centrais de apoio gerencial para prestação de
serviços de controle de qualidade do processamento, de marketing, de
aquisição, de distribuição e de comercialização da produção.
10. Quais são as condições dos créditos de custeio?
185
Os créditos de custeio destinam-se aos grupos "C" e "D" e estão sujeitos
às seguintes condições gerais:
Grupo "C"
- Taxa de juros: 4% a.a.
- Prazo de reembolso: até 2 anos, observado o ciclo de cada
empreendimento
- Limites: mínimo de R$ 500,00 e máximo de R$ 2.000,00 por mutuário,
em uma única operação em cada safra, compreendendo em um mesmo
instrumento de crédito todas as lavouras ou atividades que estão sendo objeto
de financiamento, admitida a obtenção de até seis créditos da espécie,
consecutivos ou não, em todo o Sistema Nacional de Crédito Rural.
Observações:
1) É devido desconto no valor de R$200,00 por mutuário em cada
operação, no ato do pagamento da última parcela ou da liquidação antecipada
do financiamento.
2) O limite do crédito de custeio para o Grupo "C" pode ser elevado em até
50% quando os recursos forem destinados a:
- bovinocultura de leite, fruticultura, olericultura e ovinocaprinocultura;
- avicultura e suinocultura desenvolvidas fora do regime de parceria ou
integração com agroindústrias;
- agricultores que estão em fase de transição para a agricultura orgânica,
mediante a apresentação de documento fornecido por empresa credenciada
conforme normas definidas pelas Secretarias de Agricultura Familiar, do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, e de Defesa Agropecuária, do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
- sistemas agroecológicos de produção, cujos produtos sejam certificados
com observância das normas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento;
- famílias que apresentarem propostas de crédito específicas para projetos
de jovens maiores de 16 (dezesseis) anos, que tenham concluído ou estejam
cursando o último ano em centros familiares de formação por alternância ou em
escolas técnicas agrícolas de nível médio, que atendam à legislação em vigor
para instituições de ensino.
Grupo "D"
186
- Taxa de juros: 4% a.a.
- Prazo de reembolso: até 2 anos, observado o ciclo de cada
empreendimento
- Limites: até R$ 5.000,00 por mutuário, em cada safra
11. Quais são as condições dos créditos de investimento?
Os créditos de investimento estão sujeitos às seguintes condições gerais:
Grupo "A"
- Taxa de juros: 1,15% a.a.
- Prazo de reembolso: até 10 anos, aí incluídos os seguintes prazos
máximos de carência:
a) 5 anos, quando a atividade assistida requerer esse prazo e o projeto
técnico comprovar a sua necessidade;
b) 3 anos, nos demais casos.
- Benefícios: desconto de 40% sobre o principal, no ato de cada
amortização ou da liquidação
- Limites: projetos de estruturação inicial: em até duas operações, de
valores entre R$ 4.000,00 e R$ 9.500,00, deduzidos os valores já concedidos a
titulo de adiantamento de custeio associado, observado que:
a) o valor total dos créditos concedidos pode ser elevado para até R$
12.000,00, quando a atividade assistida requerer esse aumento e o projeto
técnico comprovar a sua necessidade;
b) a segunda operação somente poderá ser formalizada se o projeto
apresentar capacidade de pagamento, se a primeira operação se encontrar em
situação de normalidade e se não houver decorridos mais de 3 (três) anos da
data de formalização da primeira operação;
c) o somatório dos créditos concedidos não pode exceder R$ 9.500,00 ou
R$ 12.000,00, conforme o caso.
Obs.: Estão incluídos, nesses limites, os recursos para custeio associado,
os quais não podem exceder 35% do valor do projeto.
Grupo "B"
- Taxa de juros: 1% a.a.
- Prazo de reembolso: até 1 ano, aí incluído o prazo máximo de 6 meses
de carência, podendo o reembolso estender-se em até 2 anos quando o
cronograma da atividade assim o exigir
187
- Benefícios: desconto de 40% sobre cada parcela paga até a data de seu
vencimento
- Limites: R$ 500,00, podendo ser concedidos até 3 empréstimos
consecutivos e não-cumulativos
Grupo "C"
- Taxa de juros: 4% a.a.
- Prazo de reembolso: até 8 anos, aí incluídos os seguintes prazos
máximos de carência:
a) 5 anos, quando a atividade assistida requerer esse prazo e o projeto
técnico comprovar a sua necessidade;
b) 3 anos, nos demais casos.
- Benefícios:
a) bônus de adimplência de 25% na taxa de juros, para cada parcela da
dívida paga até a data de seu respectivo vencimento;
b) desconto, no valor de R$ 700,00 por beneficiário, distribuído
uniformemente entre as parcelas de amortização do financiamento.
- Limites:
a) individual: mínimo de R$ 1.500,00 e máximo de R$ 4.000,00 por
operação, admitida a obtenção de até 3 créditos da espécie por beneficiário,
consecutivos ou não, em todo o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR).
b) coletivo ou grupal: R$ 40.000,00, observado o limite individual por
beneficiário e as demais condições estabelecidas acima.
Observações:
1) Estão incluídos, nesses limites, os recursos para custeio associado, os
quais não podem exceder 30 % do valor do projeto;
2) Os limites do crédito de investimento para o Grupo "C" podem ser
elevados em até 50% quando os recursos forem destinados a:
a) bovinocultura de leite, fruticultura, olericultura e ovinocaprinocultura;
b) avicultura e suinocultura desenvolvidas fora do regime de parceria ou
integração com agroindústrias;
c) agricultores que estão em fase de transição para a agricultura orgânica,
mediante a apresentação de documento fornecido por empresa credenciada
conforme normas definidas pelas Secretarias de Agricultura Familiar, do
188
Ministério do Desenvolvimento Agrário, e de Defesa Agropecuária, do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
d) sistemas agroecológicos de produção, cujos produtos sejam certificados
com observância das normas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento;
e) famílias que apresentarem propostas de crédito específicas para
projetos de jovens maiores de 16 (dezesseis) anos, que tenham concluído ou
estejam cursando o último ano em centros familiares de formação por
alternância ou em escolas técnicas agrícolas de nível médio, que atendam à
legislação em vigor para instituições de ensino.
Grupo "D"
- Taxa de juros: 4% a.a.
- Prazo de reembolso: até 8 anos, aí incluídos os seguintes prazos
máximos de carência:
a) 5 anos, quando a atividade assistida requerer esse prazo e o projeto
técnico comprovar a sua necessidade;
b) 3 anos, nos demais casos.
- Benefícios: bônus de adimplência de 25% na taxa de juros, para cada
parcela da dívida paga até a data de seu respectivo vencimento
- Limites:
a) individual: R$ 15.000,00 por beneficiário
b) coletivo ou grupal: R$ 75.000,00, observado o limite individual por
beneficiário
Observações:
1) Estão incluídos, nesses limites, os recursos para custeio associado, os
quais não podem exceder 30 % do valor do projeto;
2) Os limites do crédito de investimento para o Grupo "D" podem ser
elevados em até 20% quando os recursos forem destinados a famílias que
apresentarem propostas de crédito específicas para projetos de jovens maiores
de 16 (dezesseis) anos, que tenham concluído ou estejam cursando o último
ano em centros familiares de formação por alternância ou em escolas técnicas
agrícolas de nível médio, que atendam à legislação em vigor para instituições
de ensino.
189
12. Quais são as condições dos créditos de investimento integrado
coletivo?
Os créditos destinados a investimento integrado coletivo, com ou sem
capital de giro associado, sujeitam-se às seguintes condições gerais:
- Beneficiários: cooperativas, associações ou outras pessoas jurídicas,
observado que:
a) a pessoa jurídica deve ser formada exclusivamente por agricultores
familiares;
b) o projeto técnico deve demonstrar a viabilidade econômico-financeira do
empreendimento coletivo, assim como o objetivo de integrar os diversos
sistemas produtivos das unidades familiares.
- Taxa de juros: 4% a.a.
- Prazo de reembolso: até 8 anos, aí incluídos os seguintes prazos
máximos de carência:
a) 5 anos, quando a atividade assistida requerer esse prazo e o projeto
técnico comprovar a sua necessidade;
b) 3 anos, nos demais casos.
- Benefícios: bônus de adimplência de 25% na taxa de juros, para cada
parcela da dívida paga até a data de seu respectivo vencimento
- Limites: R$ 200.000,00, observado que:
a) o limite individual por beneficiário participante do projeto é de R$
5.000,00;
b) eventuais recursos para capital de giro associado não podem
representar mais que 35% do valor do financiamento.
13. Quais são as condições dos créditos de investimento do Agregar?
Os créditos ao amparo da Linha de Credito de Investimento para
Agregação de Renda à Atividade Rural (Agregar) sujeitam-se às seguintes
condições gerais especiais:
- Beneficiários: Grupos "C" e "D";
- Finalidades: investimentos, inclusive em infra-estrutura, que visem o
beneficiamento, processamento e comercialização da produção agropecuária
ou de produtos artesanais e a exploração de turismo e lazer rural, incluindo-se:
190
a) a implantação de pequenas e médias agroindústrias, isoladas ou em
forma de rede;
b) a implantação de unidades centrais de apoio gerencial, nos casos de
projetos de agroindústrias em rede, para a prestação de serviços de controle de
qualidade do processamento, de marketing, de aquisição, de distribuição e de
comercialização da produção.
- Taxa de juros: 4% a.a.
- Prazo de reembolso: até 8 anos, aí incluídos os seguintes prazos
máximos de carência:
a) 5 anos, quando a atividade assistida requerer esse prazo e o projeto
técnico comprovar a sua necessidade;
b) 3 anos de carência, nos demais casos.
- Benefícios: bônus de adimplência de 25% na taxa de juros, para cada
parcela da dívida paga até a data de seu respectivo vencimento
- Limites: independentemente dos limites definidos para outros
investimentos ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf):
a) individual: R$ 15.000,00, por beneficiário;
b) coletivo ou grupal: R$ 600.000,00, observado o limite individual por
beneficiário;
c) 30% do valor do financiamento para investimento na produção
agropecuária objeto de beneficiamento, processamento ou comercialização;
d) 30% do valor do financiamento para capital de giro;
e) 15% do valor do financiamento de cada unidade agro-industrial para a
unidade central de apoio gerencial, no caso de projetos de agroindústrias em
rede.
14. Quais são as condições do crédito de investimento do Pronaf-Floresta?
Os créditos ao amparo da Linha de Crédito de Investimento para
Silvicultura e Sistemas Agroflorestais (Pronaf-Floresta), sujeitam-se às
seguintes condições gerais especiais:
- Beneficiários: Grupos "C" e "D";
- Finalidades: investimentos em projetos de silvicultura e sistemas
agroflorestais, incluindo-se os custos relativos à implantação e manutenção do
empreendimento;
191
- Taxa de juros: 4% a. a;
- Prazo de reembolso: até 12 anos, contando com a carência do principal
até a data do primeiro corte, acrescida de 6 meses, limitada a 8 anos;
- Benefícios: bônus de adimplência de 25% na taxa de juros, para cada
parcela da dívida paga até a data de seu respectivo vencimento;
- Limites: até R$ 6.000,00 para beneficiários do Grupo "C" e até R$
4.000,00 para beneficiários do Grupo "D", independentes dos limites definidos
para outros investimentos ao amparo do Pronaf.
Outras informações: Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Anexo 3: Governo cria linha crédito exclusiva para assentados da reforma
agrária. Leia no "Em Questão”.
196
O governo federal criou uma linha de crédito de R$ 100 milhões para acesso
exclusivo dos assentados pelo Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf), na modalidade Pronaf Agroindústria. Os recursos
fazem parte de um conjunto de medidas que serão adotadas para acelerar o
processo de reforma agrária e melhorar as condições de vida nos
assentamentos. O governo ainda reafirmou o compromisso de assentar 400 mil
famílias até o final de 2006.
Outra medida é a criação de um crédito de fomento - destinado a financiar a
compra de tratores, sementes e outros insumos produtivos - para os
assentados, no valor de R$ 2,4 mil por família, e a instituição de uma linha de
financiamento para a melhoria das condições do assentamento. Trata-se do
crédito de recuperação que terá o valor de R$ 6 mil por família assentada. A
taxa de juros será de 1% ao ano, com três anos de carência e o trabalhador
terá o prazo de 10 anos para o pagamento.
Para cumprir a meta para 2005 de assentar 115 mil famílias, o ministro do
Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto vai encaminhar, até 31 de maio, ao
Congresso Nacional um projeto de suplementação orçamentária. Além disso, o
governo vai realizar, este ano, um concurso público para contratação de
196
Texto retirado na íntegra de www.mda.org.br. Novembro de 2005.
192
técnicos, principalmente agrônomos para o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra). O Ministério do Planejamento já autorizou a
contratação imediata de 137 servidores aprovados em concursos.
Qualidade nos assentamentos
Cerca de 80% das famílias que vivem em assentamentos provenientes de
reforma agrária dispõe hoje de assistência técnica adequada e acesso facilitado
ao crédito. Essa realidade é resultado de uma nova política que leva em
consideração a importância da reforma agrária para o desenvolvimento do país.
O investimento do governo federal na qualidade de vida dos assentamentos
trouxe educação, saúde, luz elétrica, habitação, fomento à produção e
preservação do meio ambiente, permitindo a garantia da produtividade e a
geração de renda no campo. No início de 2003, 90% dos assentamentos não
tinham água e 80% não dispunham de luz elétrica.
Uma reforma mais completa permitiu a criação, de 2003 a 2004, de 765
projetos de assentamentos em nove milhões de hectares, área equivalente ao
território de Portugal. Em dois anos mais de 117 mil famílias foram assentadas
beneficiando cerca de meio milhão de brasileiros diretamente. O governo foi
além da distribuição de terras e destinou mais de R$ 1 bilhão para créditos de
investimento e custeio pelo Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf)
para estruturar a produção e a cobertura de eventuais perdas, por meio do
Seguro Agrícola. Com esses recursos, o trabalhador rural compra, por exemplo,
animais ou aplica na formação de pastagem para o gado. Os repasses já
beneficiaram 120 mil famílias assentadas.
Em 2004, 423 mil famílias receberam assistência técnica por intermédio do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o que corresponde a 78% do
total de famílias assentadas, um recorde histórico. Atualmente, 14 estados do
país já dispõem de assistência técnica universalizada em assentamentos de
reforma agrária e a meta do governo é estender para todas as famílias até o
final de 2006.
Outros R$ 62 milhões foram empregados no Programa de Aquisição de
Alimentos, iniciativa do governo federal que consiste na compra de alimentos
de agricultores familiares para distribuição pelo Programa Fome Zero. Para o
crédito de alimentação, fomento e habitação das famílias assentadas foram
193
destinados cerca de R$ 516 milhões. O governo federal duplicou os valores
investidos por família que passaram de R$ 7,7 mil para R$ 16 mil. Mais de 96
mil habitações foram entregues ou estão sendo construídas.
Infra-estrutura
No ano passado, 16.904 famílias tiveram acesso à luz elétrica em 220
assentamentos. Esse público é hoje considerado prioritário dentro dos critérios
do Programa Luz para Todos do Ministério de Minas e Energia. No momento,
estão em execução obras em 77 projetos de assentamentos que vão atender a
mais 5.238 famílias. A previsão do governo é levar energia elétrica para todos
os assentamentos até o próximo ano.
A ampliação do acesso a programas, como o Saúde da Família e o de Agentes
Comunitários de Saúde foi possível devido a inclusão de mais famílias
assentadas no cálculo do Piso de Atenção Básica.
Além disso, o MDA em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa)
investiu no saneamento básico em 50 assentamentos atendendo a 5.710
famílias. Os recursos foram empregados em obras de captação de água e
melhoria a sanitária das habitações.
O governo federal criou ainda o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera) que garantiu - em 2003 e 2004 - o acesso à educação a
116.299 jovens adultos das áreas de reforma agrária. Este ano, a meta em
alfabetizar e garantir ensino nos níveis fundamental e médio para 74.116
jovens, além de manter em sala de aula 10 mil trabalhadores rurais em cursos
profissionalizantes de nível médio e superior.
A preservação ambiental também é prioridade na reforma agrária. Em 2004,
349 projetos obtiveram licenciamento ambiental e outros 719 estão com a
licença prévia. Com a instituição do Projeto de Assentamento Florestal (PAF)
haverá um novo modelo na região Amazônica que vai aliar distribuição de
terras e preservação do bioma.
Direitos Sociais
Hoje com a emissão de 62.482 documentos, trabalhadoras rurais têm acesso
às políticas públicas do governo federal, como os financiamentos disponíveis
para agricultura familiar. O Programa Nacional de Documentação das Mulheres
194
Trabalhadoras Rurais (que inclui carteira de identidade, CPF, certidão de
nascimento e registro no INSS) ultrapassou em 52% a meta de emitir 41 mil
documentos em assentamentos de reforma agrária. O programa foi executado,
em sua maior parte, em sistema de mutirão e também por meio de parcerias
com os ministérios da Justiça, Trabalho e Previdência Social, das Secretarias
Nacionais de Direitos Humanos, de Políticas para as Mulheres, Aqüicultura e
Pesca e Receita Federal.
Existe ainda o trabalho de titulação de comunidades quilombolas que é
fundamental para a solução de conflitos agrários e faz parte da disposição do
governo federal de promover a inclusão social no processo de reforma agrária.
No ano passado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário iniciou o processo de
identificação, reconhecimento e titulação de 116 comunidades. Dois exemplos,
são as comunidades "Bela Aurora" e Paca e Aningal", localizadas no Pará
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