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com o índice de mortalidade de mulheres vítimas de agressões cometidas por seus parceiros.
Os abusos sofridos pelas vítimas, através de facadas e espancamentos, tornam visível o
conjunto das marcas da violência inscrita nos seus corpos. A dimensão da violência física
registrada nos jornais reflete a inversão do significado da violência contra a mulher. Ela não é
mais uma violência que afeta apenas a moral e a honra das mulheres, da família, mas uma
violência que gera danos físicos na vítima de agressão, até no limite, a morte.
Diante dessa dimensão da violência física contra a mulher, as categorias morais
que antes circunscreviam os crimes, deixam de atuar sobre esse fenômeno. Surgem novas
noções que aparecem nos casos de violência contra a mulher, especificamente, nos crimes
passionais, como o ciúme, o amor, e a infidelidade, correspondentes a fatores internos à
família, à relação conjugal. Na trajetória desses crimes passionais, na maioria das vezes,
observam-se as seguintes seqüências: o agressor alegava ter assassinado a parceira devido ao
adultério, à suposta infidelidade conjugal ou ainda pela não aceitação do rompimento do
relacionamento. Esses fatos eram justificados pelo argumento do ciúme, o que era associado
como conseqüência do amor do cônjuge pela vítima.
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Os advogados de defesa alegavam à
legítima defesa da honra ou um crime acidental, muitas vezes movido por um momento de
forte emoção e, na grande maioria dos casos, os criminosos eram absolvidos. Na mesma
reportagem supra citada, o Diário da Manhã divulgou uma seqüência de crimes, desde a
década de 1960:
20 de abril de 1965 - Belgina Marques Rezende, funcionária do
“Cepaigo” [...] desapareceu, depois de ter sido vista dentro de um carro
em companhia de João Alberto Magalhães Borges, fiscal de rendas do
Estado, sobrinho do ex-governador Pedro Ludovico, [...] com quem
mantinha um romance a mais de quatro anos [...] Motivo: ela queria o
rompimento definitivo do romance a fim de se casar com o noivo, que
não era senão o diretor do presídio [...] Após a morte, João Alberto
colocou o corpo no banco traseiro do carro [...] e o jogou dentro do
Ribeirão de Anicuns [...] Cinco meses depois [...] João Alberto,
submetido a dois júris populares, foi absolvido por unanimidade de votos
por inexistência do corpo de delito.
17 de abril de 1967 - Maria Helena Di Simiema Mendonça, funcionária
pública estadual, 24 anos, casada, mãe de dois filhos, morreu pelas mãos
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É interessante perceber que, a partir do momento em que a violência contra a mulher se transforma em ação de
um agente (de força superior) sobre um corpo (identificado a uma força inferior), em que ela passa a estar
localizada na superfície exterior do corpo da mulher, a origem dessa agressão, concomitantemente, será
localizada na interioridade do corpo do agressor. Uma psiquê até então inexistente, passa a ser alegada. Se
pensarmos nos grupos feministas, como dispositivo do social, de denúncia das origens da agressão, até que ponto
não devemos relacioná–los à produção de um novo espaço interior, de uma nova interioridade? Ao tentarem
impor limites entre os corpos, pressuponho que a atuação desses grupos possa estar relacionada a uma
psicologização do social. Pretendo desenvolver esse problema em outro trabalho.