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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA
ALESSANDRO JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA
A INSTRUÇÃO PRELIMINAR PRESIDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
CURITIBA
2006
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ALESSANDRO JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA
A INSTRUÇÃO PRELIMINAR PRESIDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Direito das Relações Sociais,
como requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre, Setor de Ciências Jurídicas da
Faculdade de Direito da Universidade Federal
do Paraná.
Orientador: João Gualberto Garcez Ramos.
CURITIBA
2006
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ALESSANDRO JOSÉ FERNANDES DE OLIVEIRA
A INSTRUÇÃO PRELIMINAR PRESIDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Dissertação apresentada como exigência
parcial para a obtenção do grau de Mestre
em Direito das Relações Sociais pelo
Programa de Pós-graduação em Direito
da Universidade Federal do Paraná.
Aprovada em 15 de março de 2006.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof. Dr. João Gualberto Garcez Ramos
Universidade Federal do Paraná
_____________________________
Prof. Dr. Sergio Cruz Arenhart
Universidade Federal do Paraná
_____________________________
Prof. Dr. Fábio André Guaragni
Agradeço ao professor João Gualberto
Garcez Ramos: orientador, amigo e
incentivador, pelo acompanhamento
incentivo e ensinamentos, sem os quais
não teria sido possível realizar a presente
dissertação.
RESUMO
A instrução preliminar no processo penal pode ser definida como o conjunto de
atividades prévias que caracterizam a busca e coleta de informações, pela
autoridade competente, capazes e suficientes para despertar o juízo de
probabilidade necessário à propositura da ação penal e conseqüente processo. A
legitimidade para a condução (presidência) da instrução preliminar tem despertado
intenso debate nos diversos setores lingüísticos. Uma interpretação atualizada do
texto magno, forte na “roupagem constitucional” dada à Instituição, combinada com a
legislação ordinária e complementar correlata, permite concluir pela capacidade
instrutória do Ministério Público. A tendência mundial do fortalecimento das
atividades investigatórias do órgão ministerial, ante os contemporâneos perfis da
criminalidade organizada, exige a superação de um modelo meramente “policiesco”,
caracterizado pela instrução preliminar como incumbência “exclusivada Polícia de
investigação. Com a atribuição do exercício obrigatório e privativo da ação penal de
iniciativa pública, a Constituição Federal, além de ratificar a posição ministerial como
unidade temática da persecução penal, implicitamente facultou ao Parquet o
acompanhamento e, a fortiori, condução da instrução preliminar; xime quando o
próprio exercício da ação penal, real ou potencialmente, esteja ameaçado,
mormente diante de situações que dificultem ou inviabilizem a investigação policial,
como pode ocorrer, por exemplo, na apuração de delitos envolvendo agentes
policiais e autoridades de relevante influência econômica e política.
Palavras-chave: Direito Penal, Direito Processual Penal, Ministério Público, Polícia,
investigação, instrução preliminar.
ABSTRACT
The preliminary evidence production in penal process can be defined as a set of
previous activities that are characterized by the search and collecting of informations,
executed by the competent authority, capable and sufficient to assure the necessary
judgment of probability to the proposal of the penal sue and consequent penal
process. The conduction legitimacy (presidency) of the preliminary instructions has
raised intense debate over the various linguistic areas. An actualized interpretation of
the Magnus Text, strong on the “constitutional dressing” given to the Institution,
combined with the correlated ordinary and complementary legislation, allows the
conclusion towards the evidence collecting legal capacity of the Public Prosecution.
The world tendency on the strengthment of the investigatory activities of the
Prosecution organ, facing the modern profiles of organized crime, demands an
overcoming of a model merely “police oriented”, characterized by a preliminary
production of evidence as an “exclusive” incumbency of the investigative Police. With
the attribution of the obligatory and private exercise of the penal suit of public
initiative, the Federal Constitution, beyond the ratification of the prosecution position
as the thematic unit of penal pursuing, implicitly has assigned the parquet with the
faculty of the accompaniment and, a fortiori, the conduction of the preliminary
instructions, maxim when the exercise of the crime suit itself, real or potentially, is
being threatened, else yet in face of situations that difficult or make impossible the
police investigation, as may occur, for example, in investigation of crimes that involve
police officers and authorities with relevant economic and political influence.
Key-Words: Criminal Law, Penal Process, Public Prosecution, Police, Investigation,
Preliminary Evidence Production.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 10
2 NOÇÕES OPERACIONAIS.............................................................................. 16
2.1 INSTRUÇÃO PRELIMINAR..........................
.................................................
16
2.1.1 Definição......................................................................................................
16
2.1.2 Nomenclatura ..............................................................................................
12
19
2.1.3 Finalidade e Destinatário .............................................................................
12
22
2.1.4 Instrução Preliminar no Processo Penal Brasileiro......................................
13
25
2.2 VERDADE PRÉ-PROCESSUAL PENAL........................................................
14
27
2.2.1 A Verdade e as Formas Jurídicas, de Michel Foucault................................
15
28
2.2.2 A Verdade na Filosofia Contemporânea......................................................
16
33
2.2.3 Retorno ao Espetáculo Público....................................................................
36
2.2.4 A Verdade como Componente Secundário..................................................
39
2.3 BREVE ESBOÇO HISTÓRICO.......................................................................
41
2.3.1 Origem..........................................................................................................
41
2.3.2 Histórico Constitucional/Legislativo..............................................................
43
2.4 DIREITO COMPARADO.................................................................................
49
2.4.1 Alemanha.....................................................................................................
50
2.4.2 Argentina......................................................................................................
52
2.4.3 Bolívia...........................................................................................................
54
2.4.4 Bélgica..........................................................................................................
54
2.4.5 Chile.............................................................................................................
56
2.4.6 Colômbia......................................................................................................
57
2.4.7 Espanha.......................................................................................................
58
2.4.8 Estados Unidos da América do Norte..........................................................
61
2.4.9 França..........................................................................................................
62
2.4.10 Inglaterra....................................................................................................
66
2.4.11 Itália............................................................................................................
68
2.4.12 México........................................................................................................
69
2.4.13 Paraguai.....................................................................................................
70
2.4.14 Peru............................................................................................................
71
2.4.15 Portugal......................................................................................................
72
2.4.16 Uruguai.......................................................................................................
73
3 PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO..........................
75
3.1 PERMISSIVO CONSTITUCIONAL E LEGAL.................................................
75
3.1.1 Competência Instrutória Originária...............................................................
75
3.1.2 Competência Instrutória Decorrente.............................................................
82
3.2 NOVA CRIMINALIDADE E RESPECTIVO MODELO PERSECUTÓRIO
PENAL...................................................................................................................
87
3.2.1 O Novo Paradigma Criminológico (Criminologia Crítica).............................
87
3.2.2 Crise nos Sistemas Persecutório-penais, Passagem do “Estado
Policiesco” à Ampliação das Atribuições Instrutórias Ministeriais.........................
100
3.2.3 Crítica à Noção de Crime Organizado..........................................................
109
3.3 MINISTÉRIO PÚBLICO/POLÍCIA JUDICIÁRIA – DISTRIBUIÇÃO DA
COMPETÊNCIA INSTRUTÓRIA...........................................................................
115
3.3.1 Interpretação do Artigo 144 da Constituição Federal...................................
115
3.3.2 Situação Jurídica do Inquérito Policial, da Dispensabilidade à
(Não)Exclusividade................................................................................................
121
3.3.3 Análise Principiológica-Constitucional..........................................................
127
3.4 OUTROS CONTRA-ARGUMENTOS DOUTRINÁRIOS.................................
129
3.4.1 Distâncias Geográficas.................................................................................
130
3.4.2 A Falibilidade do Método Histórico de Interpretação....................................
133
3.4.3 Uso Pirotécnico e Seletivo............................................................................
137
3.4.4 A Questão da Imparcialidade.......................................................................
140
3.4.5 O Outro Lado da Imparcialidade..................................................................
143
3.4.6 A Alegada Separação entre as Funções de Investigação e Julgamento.....
145
3.4.7 Falta de Controle..........................................................................................
147
3.4.8 Formação de uma Polícia Paralela..............................................................
150
3.4.9 Necessidade de Emenda Constitucional e Falta de Previsão Legal............
151
3.5 PSEUDO-ARGUMENTOS..............................................................................
153
4 CONCLUSÃO................................................................................................... 160
5 REFERÊNCIAS.................................................................................................
164
9
1 INTRODUÇÃO
A legitimidade (legalidade) do Ministério Público, na presidência (condução)
da instrução preliminar (processual penal) está em amplo debate nos diversos
“setores lingüísticos nacionais”.
Nos periódicos de imprensa a matéria é recorrente, traçando as mais
diversas e antagônicas opiniões, em debate amplo e democrático.
Em base empírica, sem uma precisão estatística, é possível afirmar que tem
prevalecido, nos veículos de comunicação, a tese favorável aos “poderes
instrutórios” do Ministério Público.
1
1
Vide, por exemplo:
AZEVEDO, Solange. Motivo do crime: propina. Época, n. 290, p. 44-46, 08 dez. 2003.
AZIZ FILHO. Estouro na banca. Isto é, n. 1614, p. 39-40, 06 set. 2000.
BANDARRA, Leonardo Azeredo. Investigação pelo Ministério Público. Correio Braziliense, Brasília, n. 1331,
Caderno Direito e 6387, Justiça, p. 03, out. 1999.
BANDARRA, Leonardo Azeredo. Investigação pelo Ministério Público. Correio Braziliense, Brasília, n. 14680,
Caderno Direito e Justiça, p. 01, jul 2003.
CARELI, Gabriela. Gravação perigosa. Isto é, n. 1605, p. 32-33, 05 jul. 2000.
CUNHA, Luiz Cláudio. O mandante. Isto é, n. 1775, p. 32-33, 08 out. 2003.
CUNHA, Luiz Cláudio; DINIZ, Weiller. Vampiro na campanha. Isto é, n. 1809, p. 26-31, 09 jun. 2004.
DINIZ, Weiller. Impressos Digitais. Isto é, n. 1680, p. 41-42, 12 dez. 2001.
FILGUEIRAS, Sonia. A bola de neve. Isto é, n. 1543, p. 26-30, abr. 1999.
FONTELES, Cláudio Lemos. Capacidade investigatória do Ministério Público. Correio braziliense, Brasília, n.
13145, Caderno Direito e Justiça, p. 7, 17 maio 1999.
KRIEGER, Gustavo. A vez dos procuradores. Época, v. 3, n. 117, p. 42-43, 14 ago. 2000.
LIMA, Carlos Fernando dos Santos. Os poderes investigatórios do Ministério Público: o caso Banestado.
Correio Brasiliense, Brasília, Caderno de Direito e Justiça, n. 14890, p. 02, 23 fev. 2004.
MEIRELES, Andrei. Quadrilha de sanguessugas. Época, n. 314, p. 28-31, 24 maio 2004.
MEIRELES, Andrei; KRIEGER, Gustavo. Mãos limas à brasileira. Época, n. 292, p. 30-34, 22 dez 2003.
MIRANDA, Ricardo. Um juiz acima da lei. Isto é, n. 1633, p. 40-41, 17 jan. 2001.
OLIVEIRA, Achiles Benedito de. Itamar vetou e o fez muito bem. Jornal de Brasília, Brasília, n. 6387, p. 02, 27
jul. 1993.
OLIVEIRA, Achiles Benedito de. Polícia e Ministério Público. Correio Brasiliense Brasília, n. 13196, Caderno
Direito e Justiça, p. 02, 05 jul 1999.
OLTRAMARI, Alexandra. Quem precisa de inimigos? Veja, v. 37, n. 21, p. 36-41, 26 maio 2004.
POLICARPO JÚNIOR. Mais perguntas e nenhuma resposta. Veja, v. 37, n. 14, p. 38-43, 7 abril 2004.
PRADO, Antônio Carlos. A guia da cobra. Isto é, n. 1809, p. 52-56, 09 jun. 2004.
PROPATO, Valéria. Dentro de casa. Isto é, n. 1571, p. 30-31, nov. 1999.
RIBEIRO JÚNIOR, Amaury. Começa a devassa. Isto é, n. 1754, p. 32-34, 14 maio 2003.
RIBEIRO JÚNIOR, Amaury. A vez do corregedor. Isto é, n. 1745, p. 32-34, 12 mar. 2003.
ROCHA, Claudionor. A Polícia e o Ministério Público. Correio Brasiliense, Brasília, n. 13182, Caderno Direito
e Justiça, p. 05, 21 jun. 1999.
ROCHA, Leonel, Conexão Libanesa, Isto é, n. 1782, p. 36-38, 26 nov. 2003.
10
Nos meios doutrinários, da mesma forma, muitos têm sido os textos
elaborados e explorados nos debates da vida acadêmica, tais como painéis,
conferências, simpósios, et alii., com opiniões nas mais diversas matizes e sentidos.
2
Discussões corporativas, que serão criticadas em momento oportuno (infra),
movimentam as instituições envolvidas, especialmente Ministério Público e Polícias
(federal e civis).
A dimensão da discussão foi avaliada por René Ariel Dotti:
A discussão em torno dos poderes investigatórios do Ministério Público
assumiu proporções extraordinárias nos mais variados espaços: nos
juízos e tribunais, nos cursos de Direito, nas entidades corporativas, nas
academias jurídicas, na imprensa e, obviamente, entre os profissionais que
atuam nas causas criminais. A literatura nacional já é copiosa e o confronto
das idéias e conclusões é interminável.
3
(grifo nosso)
ROCHA, Leonel. Transporte de dólares. Isto é, n. 1673, p. 24-27, 24 out. 2001.
ROSA, Ana Cristina. A nudez ultrajante. Época, v. 03, n. 132, p. 74-75, 27 nov. 2000.
SILVA, Sonia. Ministério Público poderá coordenar investigações. O Estado de São Paulo, São Paulo, n. 36663,
06 março 1994, p. 29.
VIEIRA, Marceu. Escaparam de Brindeiro. Época, v. 01, n. 49, p. 34-35, abril 1999.
2
A partir da década de 70 o debate intensificou-se. Valter Foleto Santin, na obra: O Ministério blico na
investigação criminal. Bauru: EDIPRO, 2001, p. 251-255, apresenta os seguintes eventos, os quais não exaurem,
nem de perto, os inúmeros que têm ocorrido no território nacional:
Atribuições do Ministério Público no Código de Processo Penal. Anais do Congresso do Ministério Público do
Estado de São Paulo, v. 2, 1971, p.19-32;
Atuação direta e direção efetiva do Ministério Público em todas as fases da persecução penal. Anais do
Congresso do MP, v. 2, p. 71-75;
O Ministério Público como titular de todo procedimento penal. 6
o
Congresso Nacional do Ministério Público,
São Paulo, junho-1985, p. 138-148;
O Ministério Público e a Constituição o Ministério Público deve dirigir a investigação criminal, 7
o
Congresso
Nacional do Ministério Público, Belo Horizonte, abril, 1987, p. 73-76;
Reformulação da Atuação Criminal, Anais do II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1997,
São Paulo, Imprensa Oficial, p. 482-483, 1997;
Da aproximação de um conceito de crime organizado e seus reflexos práticos na atuação do Ministério Público,
Anais do II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1997, São Paulo, Imprensa Oficial, p 564.
A tendência no processo penal moderno, Anais do II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo,
1997, São Paulo, Imprensa Oficial, p 579-586;
O controle da polícia e os crimes cometidos por seus integrantes., Anais do II Congresso do Ministério Público
do Estado de São Paulo, 1997, São Paulo, Imprensa Oficial, p 587-590;
A imprescindibilidade do procedimento investigatório do Ministério Público, 13
o
Congresso Nacional do
Ministério Público, v. 1, tomo I, p. 35-43;
Legalidade na investigação criminal pelo Ministério Público, 13
o
Congresso Nacional do Ministério Público, v.
1, tomo I, p. 19-22.
3
DOTTI, René Ariel. O desafio da investigação criminal. Boletim IBCCRIM, vol. 12, n. 138, p. 08, maio 2004.
11
Como lembra Ela Wiecko Volkmer de Castilho,
4
a tese contrária aos
“poderes instrutórios” do Ministério Público, foi desenvolvida pelo professor Luiz
Alberto Machado, da Universidade Federal do Paraná, apresentada no VI Congresso
Nacional de Delegados de Polícia, em 1996, sob a seguinte ementa:
1. A titularidade constitucional do inquérito policial e da investigação criminal
pela Polícia Judiciária (Federal, na União, e Civil, nos Estados). 2. O
entendimento do princípio constitucional da ampla defesa, pessoal e
técnica, do investigado. 3. O due process of law e o princípio do
contraditório. 4. A vinculação do Ministério Público, como dominus litis
criminal, a inquérito policial ou informações que não tenha produzido. 5. A
conseqüente inconstitucionalidade da absorção, pelo Ministério Público, da
investigação e do processo crime. 6. O ato administrativo vinculado do
inquérito policial e da denúncia. 7. A imprestabilidade da prova coligida pelo
Ministério Público, fora do processo crime, pela aplicação do princípio do
fruto da árvore envenenada (poisonous tree doctrine).
5
O Judiciário constantemente tem sido suscitado a se manifestar sobre a
matéria. De maneira abstrata ou incidental, a questão recorrentemente emerge na
prática forense criminal.
Decisão paradigmática está para ser tomada pelo Pleno do Supremo
Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade, intentada contra
dispositivo da Lei n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, bem como da Lei
Complementar n.º 75 de 20 de maio do mesmo ano, sob a argüição de falta de
atribuição do Ministério Público na condução das atividades inquinadas.
Considerando somente a “cúpula” do judiciário nacional, o Superior Tribunal
de Justiça tem se manifestado positivamente em relação à “competência instrutória”
do Ministério Público, enquanto o Pretório Excelso ainda não firmou posicionamento
definitivo. Saliente-se, no entanto, que a questão ainda não está pacificada e ainda
há amplo espaço para o debate.
4
CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Investigação criminal pelo Ministério Público. Boletim dos
Procuradores da República, v. 1, n. 11, p. 03, mar. 1999.
12
A polêmica não é nova. No Recurso de habeas corpus, sob registro 81.326-
DF, o Ministro-relator Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal, ao exarar o voto-
condutor, apresentou um breve esboço histórico da controvérsia.
Apesar de fundar-se em premissas equivocadas, além de omitir arestos
favoráveis à investigação, inclusive do próprio Ministro-relator, conforme
oportunamente será exposto, vale a apresentação histórica a fim de demonstrar o
impacto que o tema tem causado no cenário político e jurídico nacional:
Voto:
(...) 2. FALTA DE LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Quanto à
falta de legitimidade do MINISTÉRIO PÚBLICO para realizar diretamente
investigações e diligências em procedimento administrativo investigatório,
com fim de apurar crime cometido por funcionário público, no caso
DELEGADO DE POLÍCIA, a controvérsia não é nova. Faço breve exposição
sobre a evolução histórica. Em 1936, o Ministro da Justiça VICENTE RÁO
tentou introduzir, no sistema processual brasileiro, os juizados de instrução.
A Comissão da Segunda Secção do Congresso Nacional do Direito
Judiciário, composta pelos Ministros BENTO DE FARIA, PLÍNIO CASADO e
pelo Professor GAMA CERQUEIRA, acolheu a tese no anteprojeto de
reforma do Código de Processo Penal. (...) Na exposição de motivos do
Código de Processo Penal o Ministro FRANCISCO CAMPOS ponderou
acerca da manutenção do inquérito policial. Leio, em parte, a ponderação:
“... O preconizado juízo de instrução, que importaria em limitar a função da
autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos
crimes e indicar testemunhas, é praticável sob a condição de que as
distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente
superáveis. ...”. Prossigo. A POLÍCIA JUDICIÁRIA é exercida pelas
autoridades policiais, com o fim de apurar as infrações penais e a sua
autoria (CPP, art. 4
o
). O inquérito policial é o instrumento de investigação
penal da POLÍCIA JUDICIÁRIA. É um procedimento administrativo
destinado a subsidiar o MINISTÉRIO PÚBLICO na instauração da ação
penal. A legitimidade histórica para condução do inquérito policial e
realização das diligências investigatórias, é de atribuição exclusiva da
polícia. (...) Com essa orientação, precedente de NELSON HUNGRIA,
neste Tribunal (RHC 34.827). Leio, em seu voto: “... o Código de Processo
Penal ... não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da
competência, ou seja, a substituição da autoridade policial pela judiciária e
membro do M. P. na investigação do crime ... . Até a promulgação da atual
Constituição, o MINISTÉRIO PÚBLICO e a POLÍCIA JUDICIÁRIA tinham
seus canais de comunicação na esfera infraconstitucional. A harmonia
funcional ocorria através do Código de Processo Penal e de leis
extravagantes, como a Lei Complementar 40/81, que disciplinava a Carreira
do MINISTÉRIO PÚBLICO. Na Assembléia Nacional Constituinte (1988),
quando se tratou de questão de CONTROLE EXTERNO DA POLÍCIA CIVIL,
o processo de instrução presidido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO voltou a ser
debatido. Ao final, manteve-se a tradição. O Constituinte rejeitou as
5
MACHADO, Luiz Alberto. Conversa com a polícia judiciária. A & C Revista de Direito Administrativo &
Constitucional v. 01, n. 04, p. 45, Curitiba: Juruá Editora, 2000.
13
Emendas 945, 424, 1.025, 20905, 20.524, 24.266 e 30.513, que, de um
modo geral, davam ao MINISTÉRIO PÚBLICO a supervisão, avocação e o
acompanhamento da investigação criminal. A Constituição Federal
assegurou as funções de POLÍCIA JUDICIÁRIA e apuração de infrações
penais à POLÍCIA CIVIL (CF, art. 144, parágrafo 4
o
). Na esfera
infraconstitucional, a Lei Complementar 75/93, cingiu-se aos termos da
Constituição no que diz respeito às atribuições do MINISTÉRIO PÚBLICO
(art. 7
o
e 8
o
). Reservou-se o poder de requisitar diligências investigatórias e
instauração do inquérito policial (CF, art. 129, inciso VIII). Ainda assim, a
matéria estava longe de ser pacificada. Leio: “... Proposta de Emenda
Constitucional em trâmite no Congresso Nacional brasileiro, relacionada
com a questão do controle externo da atividade policial, ... a de n. 109,
também de 1995, de autoria do Deputado Federal Coriolano Sales, que se
propõe a alterar a redação dos incs. I e VIII, do art. 129, da Constituição da
República. A exemplo da anterior, em 03 de junho de 1997, esta também foi
apresentada à Proposta de Emenda Constitucional 059/95. Com a alteração
da redação do inc. I, do citado art. 129, da Constituição da República, a
Proposta pretende incluir a instauração e direção do inquérito como uma
das funções institucionais do Ministério Público. ... Em março de 1999, o
Senador Pedro Simon apresentou nova Proposta de Emenda
Constitucional, sob o n. 21, acrescentando parágrafo único, ao art. 98, da
Constituição da República, disciplinando que nas infrações penais de
relevância social, a serem definidas em lei, a instrução será feita
diretamente perante o Poder Judiciários, sendo precedida de investigações
preliminares, sob a direção do Ministério Público, auxiliado pelos órgãos da
polícia judiciária.” Prossigo eu. O Tribunal enfrentou a matéria (RE233.072,
NERI DA SILVEIRA). Na linha do Voto que proferiu na ADIn 1.571, o Relator
entendia que o MINISTÉRIO PÚBLICO tinha legitimidade para desenvolver
atos de investigação criminal. Divergi. Leio, em parte, o que sustentei em
meu voto. ... quando da elaboração da Constituição de 1988, era
pretensão de alguns parlamentares introduzir texto específico no sentido de
criarmos, ou não, o processo de instrução, gerido pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO. Isso foi objeto de longos debates na elaboração da Constituição
e foi rejeitado. ... o tema voltou a ser discutido quando, em 1993, votava-se
no Congresso Nacional a lei complementar relativa ao MINISTÉRIO
PÚBLICO DA UNIÃO e ao MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS, em que
havia essa discussão do chamado processo de instrução que pudesse ser
gerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. longa disputa entre o MINISTÉRIO
PÚBLICO, a POLÍCIA CIVIL e a POLÍCIA FEDERAL em relação a essa
competência exclusiva da polícia de realizar os inquéritos. Lembro-me de
que toda essa matéria foi rejeitada, naquele momento, no Legislativo...”
Acompanharam-me os Ministros MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO,
compondo a maioria. Redigi o acórdão. Está na ementa: “... O Ministério
Público (1) não tem competência para promover inquérito administrativo em
relação à conduta de servidores público; (2) nem competência para produzir
inquérito penal sob o argumento de que tem possibilidade de expedir
notificações nos procedimentos administrativos; (3) pode propor ação penal
sem o inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes.
Recurso não conhecido”. A polêmica continuou. O CONTROLE EXTERNO
DA POLÍCIA, concedido ao MINISTÉRIO PÚBLICO pela Constituição foi
regulamentado pela Resolução n. 32/97, do CONSELHO SUPERIOR DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. A Constituição Federal dotou o
MINISTÉRIO PÚBLICO do poder de requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial (CF. art. 129, inciso VIII). A norma
constitucional não contemplou, porém, a possibilidade do mesmo realizar e
presidir inquérito penal. Nem a Resolução 32/97. Não cabe, portanto, aos
seus membros, inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.
Mas requisitar diligência à autoridade policial. Nesse sentido, decidiu a
Segunda Turma (RECR 205.473, CARLOS VELLOSO. Leio a ementa: “... I
– inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade
14
administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público
no sentido da realizão de investigações tendentes à apuração de
infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público
realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade
policial, competente para tal (CF, art. 144, parágrafos 1
o
e 4
o
). Ademais, a
hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância
superior ...” Do Voto de VELLOSO destaco: “... não compete ao Procurador
da República, na forma do disposto no art. 129, VIII, da Constituição
Federal, assumir a direção das investigações, substituindo-se à autoridade
policial, dado que, tirante a hipótese inscrita no inciso III do art. 129 da
Constituição Federal, não lhe compete assumir a direção de investigações
tendentes à apuração de infrações penais ...” Prossigo. (...)
6
Além da mera exposição histórica, o voto exprime parte de algumas razões
doutrinárias que, como citado a pouco, partem de premissas dogmáticas
equivocadas, as quais serão aos paulatinamente rebatidas. Como se não bastasse,
omite jurisprudência favorável, tanto dos demais tribunais, como do próprio Supremo
Tribunal Federal, e o que é pior, omite decisões contrários do próprio Ministro Nelson
Jobim.
Tudo, ao seu tempo, será abordado.
De todo modo, fica assente a problemática apresentada. A “instrução
preliminar presidida pelo Ministério Público”, nó dogmático de tormentosas inserções
que serão, ponto a ponto, enfrentadas a seguir. A antiga controvérsia, ao que tudo
indica, está longe de uma pacificação.
6
Ementa: “A turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para reformar a decisão do STJ que
entendera válida a requisição expedida pelo Ministério Público do Distrito Federal para que o recorrente,
delegado de polícia, comparecesse ao Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial
para ser interrogado em procedimento administrativo investigatório supletivo. Considerou-se que o Ministério
Público não tem poderes para realizar diretamente investigações, mas sim requisitá-las à autoridade policial
competente, não lhe cabendo, portanto, inquirir diretamente pessoas suspeitas da autoria de crime, dado que a
condução do inquérito policial e a realização das diligências investigatórias são funções de atribuição exclusiva
da polícia judiciária. Precedentes citados: RE 233.07d2-RJ (DJU de 3.5.2002) e RE 205.473-AL (DJU de
30.8.99). RHC 81.326-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, 6.5.2003. (RHC-81326).
15
2 NOÇÕES OPERACIONAIS
2.1 INSTRUÇÃO PRELIMINAR
2.1.1 Definição
A instrução preliminar, no processo penal, pode ser definida como a
“atividade estatal da persecutio criminiscujo objetivo “é o de levar aos órgãos da
ação penal os elementos necessários para a dedução da pretensão punitiva em
juízo: inquisitio nihil est quam informatio delicti
7
Marcelo Lessa Bastos define a investigação criminal como “atividade que se
desenvolve com o objetivo de ser descoberta a autoria das infrações penais e serem
recolhidos os elementos necessários à propositura da ação penal correspondente”.
8
Com rigor terminológico peculiar, Aury Celso Lima Lopes Júnior chama de
“investigação/instrução preliminar o conjunto de atividades desenvolvidas
concatenadamente por órgãos do Estado, a partir de uma notícia-crime, com caráter
prévio e de natureza preparatória com relação ao processo penal, e que pretende
7
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2 ed. Campinas: Millennium Editora,
2000, v. 1, p. 152.
8
BASTOS, Marcelo Lessa. A investigação nos crimes de ação penal de iniciativa pública. Papel do Ministério
Público. Uma abordagem à luz do sistema acusatório e do garantismo. Rio de Janeiro: Editora men Júris,
2004.
16
averiguar a autoria e as circunstâncias de um fato aparentemente delituoso, com fim
de justificar o processo ou não-processo”.
9
Para Valter Foleto Santin, a “investigação criminal é atividade destinada a
apurar as infrações penais, com a identificação da autoria, documentação da
materialidade e esclarecimento dos motivos, circunstâncias, causas e
conseqüências do delito, para proporcionar elementos probatórios necessários à
formação da opinio delicti do Ministério Público e embasamento da ação penal”.
10
Por fim, segundo a lição de Rogério Lauria Tucci, a investigação criminal
representa:
(...) um complexo de atos praticados sob a direção dos agentes estatais da
persecução penal, para a colheita de dados e elementos de convicção
indispensáveis à preparação da ação penal, quer, desde logo, instruindo a
denúncia (petição inicial pública) ou a queixa (peça vestibular da privada),
quer, ainda, ofertando ao julgador a base provisória dos fundamentos da
sentença a ser, oportunamente, proferida.
11
Alhures foi definida a instrução preliminar como conjunto de atividades
prévias que caracterizam a busca e coleta de informações, pela autoridade
competente, capazes e suficientes para despertar o juízo de probabilidade
necessário à propositura da ação penal e conseqüente processo.
12
Os elementos utilizados na definição supra não são aleatórios e merecem
algumas considerações, ainda que breves.
O termo “conjunto de atividades”, comum nas diversas definições
apresentadas, vem destacar os atos complexos, não limitados às enumerações
contidas em lei, em rol indiscutivelmente exemplificativo.
9
LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. A crise do inquérito policial: breve análise dos sistemas de investigação
preliminar no processo penal. Revista da Ajuris: doutrina e jurisprudência, v. 26, n. 78, p. 45, jun. 2000.
10
SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. Bauru: EDIPRO, p. 31, 2001.
11
TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, p. 41, 1980.
12
Projeto de Pesquisa apresentado com requisito de ingresso no programa de pós-graduação da Universidade
Federal do Paraná.
17
Pelo contrário, o comportamento exigido é o mais ativo possível. O “passivo”
recebimento de peças informativas deve ser encarado de maneira excepcional. A
reconstituição de fatos pretéritos de natureza criminal, via de regra, é tormentosa.
O atributo “prévio” destaca a instrução preliminar como antecedente
procedimental de eventual processo penal.
A busca e coleta de informações foram resgatadas da doutrina de
inteligência policial que distingue os dois conceitos, de acordo com o acesso público
(coleta) ou não (busca) dos dados obtidos.
O juízo de probabilidade necessário à propositura da ação penal - e
conseqüente processo - relaciona-se ao grau de cognição necessário ao
oferecimento da denúncia.
Por fim, de ser destacado que a instrução preliminar deve ser “presidida”
por autoridade competente. Neste momento, adentra-se no cerne do objeto da
presente, para defender a competência, rectius, atribuição (extraordinária) do
Ministério Publico na busca e coleta direta dos elementos probatórios necessários e
suficientes para o exercício do mister constitucional ministerial, i. e., exercício
privativo da ação penal pública.
Tratando-se de atribuição excepcional, embora de matiz constitucional, a
condução direta da instrução preliminar, pelo parquet, está vinculada ao exercício da
ação penal, vale dizer, a chamada “investigação direta pelo Ministério Público”
somente tem amparo constitucional, quando circunstâncias diversas afetarem, real
ou potencialmente, eventual juízo de cognição necessário ao oferecimento da
denúncia, conforme será desenvolvido adiante.
18
2.1.2 Nomenclatura
Muitas são as denominações utilizadas para designar a atividade
preparatória do processo penal.
No direito pátrio são comuns as expressões: investigação criminal ou
preliminar, atividade policial judiciária e inquérito policial.
No direito internacional também abundam as denominações. Sumario,
diligências prévias ou instrucción complementari na Espanha; indagine preliminare
na Itália; inquérito preliminar em Portugal; vorverfahrem e ermittlungsverfahren na
Alemanha; l´enquete preliminare e l´instruction na França.
13
A expressão de Aury Celso Lima Lopes Júnior, “instrução preliminar”, parece
ser a mais acertada por apresentar maior rigor científico, vale dizer, uma designação
ampla o suficiente para refletir o objeto, em sua totalidade, concomitantemente
restrita o bastante para atender um mínimo de adequação científica. Nas palavras do
autor:
O termo que parece mais adequado é o de instrução preliminar. O primeiro
vocábulo instrução vem do latim instruere, que significa ensinar,
informar. Serve para aludir ao fundamento e à natureza da atividade levada
a cabo, isto é, a aportação de dados fáticos e elementos de convicção que
possam servir para formar a opinio delicti do acusador e justificar o processo
ou não processo. Ademais, faz referência ao conjunto de conhecimentos
adquiridos, no sentido jurídico de cognição. Também reflete a existência de
uma concatenação de atos logicamente organizados: um procedimento. [...]
Ao vocábulo instrução devemos acrescentar outro preliminar para
distinguir da instrução que também é realizada na fase processual. Também
servirá para apontar o caráter prévio com que se realiza a instrução,
diferenciando sua situação cronológica. Etimologicamente, o vocábulo
preliminar vem do latim previsto pré (antes) e liminaris (algo que antecede,
de porta de entrada) – deixando em evidência seu caráter de “porta de
13
LOPES JÚNIOR, A. C. L., Op. cit., p. 45.
19
entrada” do processo penal e a função de filtro para evitar acusações
infundadas.
14
Mas então por que as demais expressões o atendem a um rigor
apofântico?
O termo investigação deriva do latim investigatio, de investigare, e indica um
procedimento de pesquisa por meio do qual vestígios e indícios são rastreados para
esclarecimento de certos fatos.
15
Investigação é uma expressão menos abrangente que instrução, a qual
inclui tanto a investigação policial quanto, v. g., a atividade desenvolvida por um
juízo de instrução. Além disso, foge à coerência falar-se em investigação preliminar
quando não existe uma investigação definitiva.
16
A designação inquérito policial é limitada por circunscrever apenas o
principal instrumento pelo qual, no Brasil, é formalizada a atividade desenvolvida
pela dita Polícia Judiciária. Nada tem de universal, pois poucos são os sistemas
nacionais que incumbem um órgão policial como “gerenciador únicoda instrução
preliminar.
Polícia Judiciária também é uma denominação imprópria. A uma, vincula a
atividade ao órgão nacional de preeminência na realização da instrução prévia; a
duas, a própria nomenclatura “Polícia Judiciária” perdeu a razão de ser com a
Constituição Federal de 1988, que diferenciou a atividade de apuração de infrações
penais e atividade policial judiciária, como será visto.
14
LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Rio de Janeiro:
Editora Lúmen Júris, p. 30, 2001. Cumpre observar que, apesar de defender denominação diversa, o autor rende-
se “à tradição brasileira” para utilizar a terminologia: “investigação preliminar”.
15
TURESSI, Flávio Eduardo. A atuação investigativa do Ministério Público no processo penal. Repertório IOB
de jurisprudência. Vol III, Civil, Processual Penal e Comercial, n. 20, p. 540. 2. quinz. Out. 2003.
16
LOPES JÚNIOR, A. C. L., Op.cit., p. 30.
20
O termo “polícia judiciária” tem origem no Code d’Instruction Criminelle,
quando a polícia judiciária abrangia tantos órgãos policiais, quanto o Ministério
Público e o Juízo de Instrução.
17
Nas palavras de José Barcelos de Souza:
O que realmente justificava a denominação, que hoje, em realidade, não
mais se justificaria senão em razão de se tratar de órgão auxiliar do
Judiciário e do Ministério Público e pelo forte motivo da tradição e do uso
internacional, era a prática de atribuições realmente judiciárias, ou seja, de
julgar infrações penais ou praticar atos processuais típicos do Judiciário.
Foi o que sempre praticou até que os últimos vestígios dessas atribuições
desapareceram com a nova Constituição, que introduziu aquela nova
denominação – Polícia Civil. [...]
Havia, portanto, uma polícia que realmente se podia dizer judiciária, porque
processava e julgava. Essa não mais existe. E era aquilo que a tornava
judiciária, visto que não é nem nunca foi subordinada ao Poder Judiciário.
Dizer, como por vezes se dizia, que era judiciária porque apurava delitos
para o Judiciário julgar, não justificaria o nome, como se pretendia.
18
De fato, apenas para dar um exemplo, antes da Constituição vigente
tínhamos o chamado “processo judicialiforme”, relativo às contravenções penais,
previstas nos arts. 26 e 531 et seq do Código de Processo Penal. Nesta
circunstância, a Polícia não procedia a simples inquérito policial, mas a um processo
propriamente dito.
19
Sob pena de comprometimento da imparcialidade, não cabe ao Judiciário
investigar notitia criminis, logo, “não se justifica a adjetivação judiciária justaposta ao
substantivo polícia”.
20
Oportuno o ensinamento de José Frederico Marques:
(...) a polícia não entrega os delinqüentes aos tribunais, para serem
punidos, e sim para serem processados e julgados. O conceito criticado
atribui, ainda sob a influência do sistema inquisitório, ao Poder Judiciário o
17
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Processual Penal. Vol 1, São Paulo: Saraiva, 1980, p. 198.
18
SOUZA, José Barcelos de. Investigação direta pelo Ministério Público. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, v. 11, n. 44, p. 366-367, jul/set - 2003.
19
Idem, ibidem.
20
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 98-99.
21
poder de punir, o que é errado, pois o direito de punir não é exercido pelos
órgãos jurisdicionais, e sim através deles. Além disso, a polícia entrega o
indiciado, depois das investigações realizadas, ao Ministério Público, e não
aos tribunais. A investigação policial prepara a ão penal de que é titular o
Ministério Público, como bem se observa na regra contida no art. 28 do
Código de Processo Penal.
Outro reparo a fazer é o de que a polícia judiciária, apesar de seu nome, é
atividade administrativa.
21
Por fim, como lembra Marcelo Lessa Bastos, em Portugal, o “equívoco
terminológico” foi devidamente sanado, denominando-se o organismo policial
investigativo de “polícia criminal”.
22
2.1.3 Finalidade e Destinatário
Uma relação jurídica processual não pode ser instaurada sem um suporte
mínimo de elementos válidos.
No processo civil temos toda uma centenária construção doutrinária acerca
dos pressupostos processuais de existência, de validade, além das chamadas
condições da ação.
No processo penal a necessidade de um mínimo lastro probatório e sólida
base empírica é ainda mais evidente, isto porque, como lembra Frederico Marques,
o processo penal se instaura com a propositura da ação que é precedida de uma
fase de pesquisas (informatio delicti), em que se colhem os dados necessários para
ser pedida a imposição da pena.
23
21
MARQUES, José Frederico. Op cit., p. 159.
22
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 100.
23
MARQUES, José Frederico. Op. cit., p. 138.
22
A finalidade da instrução preliminar é, pois, servir ao titular da ação penal,
fornecendo-lhe os elementos de que necessita para a sua propositura.
24
A partir desta primeira finalidade, fica evidente o destinatário da instrução
preliminar. Se a finalidade da prova colhida na “fase investigatória” é servir ao titular
da ação penal no sentido de dotá-lo dos elementos que necessita para ajuizá-la, é
forçoso concluir que o destinatário da “prova” colhida nesta fase procedimental é
exatamente este titular, isto é, o Ministério Público, máxime nos crimes de ação
penal de iniciativa pública.
25
26
Mais do que servir ao Ministério Público, a instrução preliminar como
antecedente da ação penal é um dos cânones do Estado Democrático de Direito.
Nas palavras de Aury Celso Lima Lopes Júnior, um processo penal sem a
investigação preliminar é um processo irracional, uma figura inconcebível segundo a
razão e os postulados da instrumentalidade garantista.
27
Nas abalizadas palavras de Francesco Carnelutti,
28
encuesta preliminar no
se hace para la comprobación del delito sino solamente para excluir uma acusación
aventurada”.
No mesmo sentido Cláudio Lemos Fonteles:
Portanto, fique estabelecido: a investigação preliminar não tem razão de ser
na comprovação do delito assim fosse coerente então que terminada esta
ou teríamos o delito comprovado, ou não comprovado, e qual a razão de ser
da relação processual penal subseqüente, e dizê-la preliminar por quê? -,
24
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 88
25
Idem, p. 89.
26
BATISTA, Weber Martins. Direito Penal e Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 49-50.
27
LOPES JÚNIOR, A. C. L. Op. cit., p. 43. Mais à frente (p. 46): “Por isso, trata-se de uma instrumentalidade
qualificada, pois a instrução preliminar está a serviço do instrumento processo. Nesse sentido pode-se
perfeitamente aplicar a magistral doutrina de CALAMANDREI de que estamos ante uma instrumentalidade
eventual e qualificada, por assim dizer, elevada ao quadrado. É eventual porque predomina nos sistemas
modernos o caráter facultativo da instrução. É de segundo grau porque não é um fim em si mesma, mas um
instrumento a serviço do instrumento-processo.”
28
CARNELUTTI, Francesco. Derecho Procesal Civil y Penal. Trad. Enrique Figueroa Alfonzo. México:Episa, ,
1997, p. 338.
23
mas no impedir a acusação temerária, leviana, desprovida de elementos
concretos, indicadores do fato e sua autoria delituosa.
29
Hélio Pereira Bicudo
30
recorda que o Código de Processo Penal vigente,
editado em 1941, manteve o inquérito policial como processo [sic] preliminar ou
preparatório da ação penal, assim argumentando a Exposição de Motivos:
(...) em favor do inquérito policial, como instrução provisória,
antecedendo à propositura da ação penal, um argumento dificilmente
contestável: é ele uma garantia contra apressados e errôneos juízos,
formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou
antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas
circunstâncias objetivas e subjetivas.
Os motivos exarados o de autoria do então Ministro da Justiça, Francisco
Campos, valendo não deslembrar o conturbado cenário político na época da
promulgação do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3689, de 03 de outubro de
1941).
31
Tudo leva a concluir, portanto, que a instrução preliminar tem dupla
finalidade, é ao mesmo tempo suporte mínimo para a instauração da ação penal,
bem como garantia instrumental do devido processo legal no contexto de um Estado
Democrático de Direito.
29
FONTELES, Cláudio Lemos. Investigação preliminar: significado e implicações. Boletim dos Procuradores
da República. n. 35, março de 2001.
30
BICUDO, Hélio Pereira. A investigação criminal. Revista da Universidade Católica de Campinas. V. 15, n.
34, p. 38, dez. 1971.
31
TAQUARY, Eneida Orbage de Brito. A investigação criminal: atividade exclusiva da autoridade policial.
Revista Jurídica Consulex, ano VII, n. 159, ago. 2003.
24
2.1.4 Instrução Preliminar no Processo Penal Brasileiro
No processo penal brasileiro, a instrução preliminar é atribuída,
primordialmente, a órgãos policiais.
A atribuição é estatuída pela Constituição Federal, no art. 144:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade
de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
[...]
IV – polícias civis;
§ 1
o
A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado
e mantido pela União e estruturado em carreira destina-se a:
I apurar as infrações penais contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática
tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme
segundo dispuser a lei;
[...]
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
[...]
§ 4
o
Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções da polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
(grifo nosso)
Logo será desenvolvida a melhor interpretação do dispositivo, no momento
fica assentado que os órgãos constituídos para, como missão primordial,
desenvolverem a instrução preliminar são, na esfera das respectivas atribuições, as
polícias federal e civil.
O inquérito policial é a forma por excelência da instrução preliminar, o
“instrumental” através do qual é documentada.
25
Apesar da função policial preeminente, autoridades administrativas diversas
da Polícia podem exercer “função investigatória”. É o que reza o parágrafo único do
artigo 4
o
do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 4
o
A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no
território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das
infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de
autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Logo, outras autoridades administrativas também podem (poder-dever)
desenvolver a instrução preliminar.
É o que ocorre, por exemplo, com as Comissões Parlamentares (Mistas) de
Inquérito, processos administrativos disciplinares, apuração de infrações praticadas
por membros do Judiciário ou do Ministério Público, ações fiscais, procedimentos
desenvolvidos no âmbito do Ministério Público, et. alii.
Tantos os procedimentos” (lato sensu) que tenham “finalidade imediata” a
apuração de infrações penais, como pode ocorrer com as CPI’S e procedimentos
(criminais) presididos pelo Ministério Público, quanto os procedimentos cuja
apuração de delitos seja mediata, como ocorre em alguns casos de processos
administrativos disciplinares, ações fiscais, ou ainda nos inquéritos civis públicos
destinados a apurar atos de improbidade administrativa.
Os exemplos são inúmeros e serão desenvolvidos no decorrer do texto, com
especial ênfase a atribuição do Ministério Público na condução de instruções
preliminares, máxime quando presentes certos requisitos ligados à ameaça do
exercício constitucional e privativo da ação penal.
Cumpre, por fim, dentro do conceito (amplo) que foi exposto, destacar que
todos os elementos colhidos por agentes estatais e a mesmo por particulares,
26
envolvidos na apuração de delitos, devem ser considerados instruções
preliminares.
32
Assim, as “investigações”, rectius, instruções preliminares, poderão ser
estatais ou privadas, enquanto desenvolvidas, ou o, por órgão vinculado à
estrutura da administração pública. As primeiras poderão ser ainda, policiais ou
extra-policiais, de acordo com órgão que a conduz (preside).
33
2.2 VERDADE PRÉ-PROCESSUAL PENAL
muito foi revelado (ou desvelado) que, entre as concepções de
verdade e as práticas sociais e políticas, existe uma relação dialética.
Esta relação dialética assume contornos intrigantes quando em análise a
verdade nas formas pré-processuais penais, ou seja, a reprodução dos fatos
pretéritos por intermédio da instrução preliminar e as conseqüências, desejáveis ou
indesejáveis, do (mal) uso que por vezes dela é feito.
O corifeu da tese certamente é Michel Foucault, o qual, como poucos, soube
explorar os obscuros enigmas do saber como forma de exercício de poder.
A filosofia atual, da qual não excluímos o próprio Foucault, tem trilhado uma
concepção peculiar de certa forma inédita, acerca da verdade processual (a simili, a
“verdade procedimental” da instrução preliminar).
32
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 30.
33
Idem, p. 31.
27
Seguir a esteira de Foucault, ensaiar como algumas características da
concepção de verdade podem influenciar alguns atributos das práticas processuais,
é a principal finalidade deste capítulo (operacional).
De fato, a verdade como processo lingüístico, como procedimento em busca
de algo inatingível, a paradoxal “verdade real”, influencia algumas práticas
“processualísticas”, práticas estas que, desde o nascimento do “inquérito” (na
concepção de Foucault), têm na busca da verdade o objetivo principal.
Algumas considerações, no entanto, merecem apontamento.
Foram selecionadas apenas duas caraterísticas marcantes dentro desta
problemática: o retorno ao espetáculo público no processo (penal), renascido após
ter sido enterrado no século XVIII; a possibilidade de verdade como elemento
suficiente para atingir os objetivos (políticos) no “jogo do poder”.
Vale o deslembrar que a expressão “processo”, no presente texto, é
utilizada de maneira ampla, embora basicamente no sentido processual penal, para
incluir a instrução preliminar, onde, aliás, concentram-se as observações.
2.2.1 A Verdade e as Formas Jurídicas, de Michel Foucault
A obra “A verdade e as formas jurídicas”, é constituída por um conjunto de
cinco conferências pronunciadas por Michel Foucault, na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, entre 21 e 25 de maio de 1975, quando procurou
demonstrar “o vínculo entre os sistemas de verdade e as práticas sociais e políticas
onde provêm e onde se investem. Nas palavras de Foucault:
28
Meu objetivo será mostrar-lhes como as práticas sociais podem chegar a
engendrar domínios do saber que não somente fazem aparecer novos
objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer
formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento. O
próprio sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com
o objetivo, ou, mais claramente, a própria verdade tem uma história.
34
(...) O que pretendo mostrar nestas conferências é como, de fato, as
condições políticas, econômicas de existência não são um véu ou um
obstáculo para o sujeito de conhecimento, mas aquilo através do que se
formam os sujeitos de conhecimento e, por conseguinte, as relações de
verdade.
35
Na esteia do autor, entre as práticas sociais em que a análise histórica
permite localizar a emergência de novas formas de subjetividade, as práticas
jurídicas, ou mais precisamente, as práticas judiciárias, estão entre as mais
importantes.
36
E assim conclui seu objetivo: “as formas jurídicas e, por conseguinte,
sua evolução no campo do direito penal como lugar de origem de um determinado
número de forma de verdade”.
37
A partir da empresa de Nietzsche, Foucault revela o lugar privilegiado para o
estudo do conhecimento:
Se quisermos realmente conhecer o conhecimento, saber o que ele é,
aprendê-lo em sua raiz, em sua fabricação, devemos nos aproximar, não
dos filósofos, mas dos políticos, devemos compreender quais são as
relações de luta e de poder. E é somente nessas relações de luta e de
poder na maneira como as coisas entre si, os homens entre si se odeiam,
lutam, procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns sobre os
outros, relações de poder que compreendemos em que consiste
conhecimento.
38
A partir da obra “L´anti Edipe”, de Deleuze e Guatari, tendo por referência a
peça de teatro “O Rei-Édipo”, de Sófocles, Foucaut começa a esboçar maior
concretude em suas análises. Procura mostrar como a tragédia de Édipo representa,
34
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas, 3ed. Rio de Janeiro: Vozes, p. 8.
35
Idem, p. 27. Neste trecho, para além de apresentar um dos objetivos da obra, Foucault critica a concepção
marxista de ideologia.
36
Idem , p. 11.
37
Idem, p. 12.
38
Idem, p. 23.
29
de certa maneira, um determinado tipo de relação entre poder e saber, entre poder
político e conhecimento.
Foucault explicita como na peça teatral inquinada toda a enunciação da
verdade parte de um discurso profético dos Deuses, para o testemunho de pessoas
simples, independente do que o Rei, Édipo, soubesse ou deixasse de saber.
39
Dentre as inúmeras incursões realizadas pelo filósofo, indica ele que a peça Édipo-
Rei é uma espécie de resumo da história do Direito grego, representa uma das
grandes conquistas da democracia ateniense: “a história do processo através do
qual o povo se apoderou do direito de julgar, do direito de dizer a verdade, de opor a
verdade àqueles que o governam”.
40
Este é o “primeiro nascimento” do inquérito, como mecanismo tendente à
“apuração da verdade”, o qual permanecerá esquecido por alguns séculos, para
renascer, como força extraordinário, na Idade Média.
O Direito Feudal, em essência, é caracterizado por uma “ritualização da
guerra”, luta entre as partes em conflito, que poderá acabar com uma transação
econômica, isto é, sem a presença de qualquer “procedimento de inquérito”.
39
Segundo a peça, Édipo manda consultar o deus de Delfos, o rei Apolo, o qual diz: “O país está atingido por
uma conspurcação”. Em seguida Édipo força Creonte a complementar a resposta, que assim é dada: “o que
causou a conspurcação foi um assassinato”. Apolo diz quem foi assassinado: “Laio”, mas se nega a dizer quem
assassinou. Quem complementa a resposta é um mortal, o duplo humano de Apolo, o cego Tirésias que revela à
Édipo: “Foste tu quem matou Laio”. Mas faltava ainda o testemunho do que se passou, do que realmente
aconteceu. O primeiro testemunho é dado por Jocasta: “Vês bem que não foste tu, Édipo, quem matou Laio,
contrariamente ao que diz o advinho. A melhor prova disto é que Laio foi morto por vários homens no
entroncamento de três caminhos”. O testemunho de Jocasta é completado pela Inquietude de Édipo: “Matar um
homem no entroncamento de três caminhos é exatamente o que eu fiz”. Faltava saber somente um detalhe,
provar que Édipo era filho de Laio, pois a predição dos deuses dizia que ele seria morto pelo próprio filho. O
primeiro testemunho é dado pelo escravo Corinto: “Polípio não é teu pai”, é aí que surge outro escravo que havia
fugido após a trama: “Com efeito, dei outrora a este mensageiro uma criança que vinha do palácio de Jocasta e
que me disseram que era seu filho”. Agora se sabia: “Édipo era filho de Laio e Jocasta; ele foi dado a Polípio;
foi ele, pensando ser filho de Políbio e voltando, para escapar da profecia, a Tebas, que ele não sabia que era sua
pátria, que matou, no entroncamento de três caminhos, o rei Laio, seu verdadeiro pai. O ciclo está fechado”.
FOUCALT, Michel. Op. cit., p. 34-37.
40
Idem, p. 54.
30
Nas palavras de Foucault:
No sistema da prova judiciária feudal trata-se não da pesquisa da verdade,
mas de uma espécie de jogo de estrutura binária. O indivíduo aceita a prova
ou renuncia a ela.[...] a prova termina por uma vitória ou por um fracasso [...]
a separação da verdade e do erro entre os indivíduos não desempenha
nenhum papel; existe simplesmente vitória ou fracasso [...] a prova serve
não para nomear, localizar aquele que disse a verdade, mas para
estabelecer que o mais forte é, ao mesmo tempo quem tem razão.
41
Esse sistema desapareceu no fim do século XII e no curso do século XIII,
quando ressurge o inquérito, embora de maneira bem diversa do precursor ocorrido
na Grécia.
O sistema medieval, modelo belicoso, permaneceu conveniente enquanto as
armas e o poder judiciário se concentravam nas mãos dos mesmos indivíduos.
Porém, algumas mudanças ocorreram:
1) os indivíduos não terão mais o direito de resolver, regular ou
irregularmente, seus litígios, deverão submeter-se a um poder exterior;
2) aparece um personagem novo, o procurador; havendo um crime ele se
apresenta como representante de um poder lesado (esse fenômeno permite
ao poder político apossar-se dos procedimentos judiciários);
3) uma nova noção aparece: a infração, o dando não é mais ofensa a
indivíduos mas ao Estado, ao soberano;
4) uma última descoberta: o Estado, ou melhor, o Soberano.
42
Se a principal vítima é o rei, ele (ou o procurador) não pode mais se arriscar
com a vida ou bens cada vez que um crime é cometido. Não é em de igualdade,
como em uma luta entre dois indivíduos, que o acusado e o procurador se
defrontam.
41
FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 61-62. Como exemplos destes procedimentos temos, em primeiro lugar, as
prova sociais, a prova de importância social do indivíduo; havia também as provas do tipo verbal, o indivíduo
acusado devia responder com um certo número de fórmulas; em terceiro lugar as provas “mágico-religiosas” do
juramento; por fim as provas corporais, físicas chamados ordálios.
42
Idem, 65-67.
31
O modelo belicoso é substituído pelo inquérito, o procurador do rei vai
procurar estabelecer, por inquérito, se houve crime, qual foi ele e quem cometeu.
O inquérito, portanto, o é resultado de um progresso na racionalidade,
senão fruto de uma transformação política, uma nova estrutura política que tornou
não possível, mas necessária a utilização desse procedimento no domínio
judiciário, “o inquérito é uma determinada maneira do poder se exercer”.
43
Posteriormente, sem desaparecer o modelo do inquérito, no fim do século
XVIII e início do culo XIX, começa a tomar contornos o que Foucault denomina
“sociedade disciplinar”.
Muito embora Foucault faça referência e desenvolva o que entende por
sociedade disciplinar nas conferências citadas, é em outra obra que a caracteriza e
estuda com maior profundidade, trata-se da obra: “Vigiar e Punir, história da
violência nas prisões”.
44
Nas palavras do filósofo, a sociedade disciplinar caracteriza a era da
“ortopedia social”, idade do controle social. Para tanto, associa o controle social ao
Panopticum, elaborado por Benthan.
Veja-se a definição do próprio Foucault:
O Panóptico de Benthan é a figura arquitetural dessa composição. O
princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma
torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do
anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando
toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior,
correspondendo às janelas da torre; outra, que para o exterior, permite
que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na
torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado,
um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da
torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas
cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em
que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente
visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem
ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da
43
FOUCAULT, Michel. Op.cit., p. 73.
44
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 27ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
32
masmorra é invertido; ou antes, de suas três funções trancar, privar de luz
e esconder só se conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A
plena luz e o olhar de um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente
protegia. A visibilidade é uma armadilha.
45
A sociedade disciplinar é baseada no poder que, operando através de uma
vigilância hierárquica, uma sanção normalizadora e o exame, está em permanente
vigilância sobre o indivíduo, seja na fábrica, no hospital, no hospital psiquiátrico, na
escola, prisão, etc., controlando e adestrando a coletividade.
46
Nas reflexões de Ricardo Marcelo Fonseca:
Eis então a sociedade disciplinar, do modo como aqui nos é apresentada
por Foucault: um complexo aparato institucional formado a partir do século
XVIII no qual os indivíduos são colocados no centro de um sistema de
controle (que isola, classifica, mede, vigia, hierarquiza, pune, premia,
disciplina), de acordo com critérios normalizadores que crescentemente se
espraiam para diversos âmbitos institucionais da sociedade (prisões,
escolas, hospitais, fábricas). Os indivíduos, a partir de então, sofrem uma
incidência de poderes permanentes, constantes e constritivos que não
moldam suas ações, mas, como dito, moldam o modo como eles devem
se constituir em sociedade, ou seja e aqui o ponto nodal -, moldam suas
subjetividades.
47
2.2.2 A Verdade na Filosofia Contemporânea
A noção do inquérito, como mecanismo tendente a apurar a “verdade”, uma
“verdade material ou substancial”, ainda guia as práticas processuais atuais, como
lembra Sérgio Cruz Arenhart:
45
FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 165-166.
46
Para aprofundamento das categorias citadas, vide: FONSECA, Ricardo Marcelo. O poder entre o Direito e a
“Norma”: Foucault e Deleuze na Teoria do Estado. In: Repensando a Teoria do Estado. Belo Horizonte: editora
fórum, 2004.
47
FONSECA, Ricardo Marcelo. Op. cit., p. 265.
33
Ora, partindo-se desse pressuposto, nada mais natural do que eleger, como
um dos princípios essenciais do processo senão a função principal do
processo de conhecimento a busca da verdade substancial. No dizer de
Mittermayer, a verdade é a concordância entre um fato ocorrido na realidade
sensível e a idéia que fazemos dele. Essa visão, típica de uma filosofia
vinculada ao paradigma do objeto, embora tenha todos os seus
pressupostos superados pela filosofia moderna, ainda continua a guiar os
estudos da maioria dos processualistas modernos. Não obstante todas as
lições da moderna filosofia, combatendo duramente essa visão do
conhecimento, o Direito permanece recorrendo a esse paradigma para
explicar sua função e o processo continua apoiando-se nessa vetusta idéia,
para legitimar sua função.
48
Além dos estudos desenvolvidos por Foucault, o qual leva em conta as
estruturas de poder, não se pode esquecer que essa noção de verdade funde-se,
em muito, com a racionalidade cartesiana onde o conceito de provável de ser
descartado por afrontar a estrutura lógica do formal racional.
Esta concepção radical da verdade não passou despercebida pelos
estudiosos do direito, como Calamandrei. Veja-se:
A querela ente os advogados e a verdade é tão antiga quanto a que existe
entre o diabo e a água benta. E, entre as facécias costumeiras que circulam
sobre a mentira profissional dos advogados, ouve-se fazer seriamente esta
espécie de raciocínio: - em todo processo dois advogados, um que diz
branco e outro que diz preto. Verdadeiros, os dois não podem ser, já que
sustentam teses contrárias; logo, um deles sustenta a mentira. Isso
autorizaria considerar que cinqüenta por cento dos advogados são uns
mentirosos; mas, como o mesmo advogado que tem razão numa causa não
tem em outra, isso quer dizer que não um que não esteja disposto a
sustentar no momento oportuno causas infundadas, ou seja, ora um ora
outro, todos são mentirosos.
Esse raciocínio ignora que a verdade tem três dimensões e que ela poderá
mostrar-se diferente a quem a observar de diferentes ângulos visuais.
49
Ainda, Miguel Reale:
Se a verdade, numa síntese talvez insuficiente, não é senão a expressão
rigorosa do real, ou, por outras palavras, algo de logicamente redutível a
uma correlação precisa entre ‘pensamento e realidade’, tomando este
segundo termo em seu mais amplo significado, e não apenas como
48
ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da Tutela inibitória coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
237.
49
CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 121.
34
‘realidade factual’, forçoso é reconhecer que a adequação entre o mundo
dos conceitos e o da realidade, mesmo nos domínios das ciências
consideradas exatas, deixa-nos claros ou vazios que o homem não pode
deixar de pensar. No fundo é esta a distinção Kantiana essencial entre
‘conhecer segundo conceitos’ e ‘pensar segundo idéias’, isto é, acrescento
eu com certa elasticidade ‘pensa segundo conjecturas, o que demonstra
que a conjectura habita no âmago da verdade, por mais que nossa vaidade
de homo sapiens pretenda sustentar o contrário.
50
Resgatando o chamado paradigma da linguagem, vale a citação, ainda, de
dois expoentes da “pós” e “trans” modernidade, respectivamente.
Jürgen Habermas:
Real é o que pode ser representado em proposições verdadeiras, ao passo
que ‘verdadeiro’ pode ser explicado a partir da pretensão que é levantada
por um em relação ao outro no momento em que assevera uma proposição.
Com o sentido assertórico de sua afirmação, um falante levanta a
pretensão, criticável, à validade da proposição proferida; e como ninguém
dispõe diretamente de condições de validade que não sejam interpretadas,
a ‘validade’ (Nültingkeit) tem de ser entendida epistemologicamente como
‘validade que se mostra para nós (Geltung). A justificada pretensão de
verdade de um proponente deve ser defensável, através de argumentos,
contra objeções de possíveis oponentes e, no final, deve poder contar com
um acordo racional da comunidade de interpretação em geral.
51
Enrique Dussel:
Não é simplesmente partindo de uma posição solipsista originária que se
de se chegar ao ‘verdadeiro’, para depois procurar a ‘consensualidade’ por
aceitação intersubjetiva, mas a posição da subjetividade na atualização do
real como verdadeiro [...] foi antes constituída a partir da
intersubjetividade (tanto cerebral, lingüística, cultural como historicamente
[...] mas de maneira formalmente diferenciada (e não confusa e identificada
como no caso de Habermas). Toda atualização do real (verdade) é
sempre intersubjetiva; e toda intersubjetividade (validade) tem “referência” a
um pressuposto veritativo. Mas são categorialmente diferentes. A verdade é
o fruto do processo monológico (ou comunitário) de se “referir” ao real a
partir da intersubjetividade (o enunciado tem assim pretensão de verdade);
a validade é o fruto do processo de procurar que seja aceito
intersubjetivamente aquilo que se considera monologicamente (ou
comunitariamente) como verdadeiro (o enunciado tem assim pretensão de
validade).
52
50
REALE, Miguel. Verdade e conjectura. Nova Fronteira, 1983, p. 17-18.
51
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia, entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1997, vol. I, p. 31.
52
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão.2. ed. Petrópolis: Vozes,
2002, p. 206.
35
Conclui-se, portanto, na base na filosofia atual, com reflexo na doutrina dos
modernos processualistas (basicamente civis, infelizmente!), que o “diálogo,
argumentação e persuasão” são componentes implícitos da noção de verdade.
Depois de todas estas digressões filosóficas e políticas, acerca da
concepção de verdade e saber como reflexo e exercício de poder, o que se
pretende, agora, é ensaiar algumas análises práticas, à luz da atual realidade
brasileira, sob o viés da instrução preliminar.
O que se pretende demonstrar é que a própria noção de verdade-saber-
poder, apresenta importantes reflexos na instrução preliminar. Estes reflexos são de
inúmeras ordens, porém dois deles parecem sobressair: o retorno ao espetáculo e a
verdade “real” tornada secundária.
2.2.3 Retorno ao Espetáculo Público
A atenção da mídia nacional ao desenvolvimento da instrução preliminar
suscita algumas questões de ordem crítica.
Ao relatar as transformações ocorridas no culo XVIII, e começo do século
XIX, Foucault enfoca a extinção da “melancólica festa da punição”:
O cerimonial da pena vai sendo obliterado e passa a ser apenas um novo
ato de procedimento ou de administração. A confissão pública dos crimes
tinha sido abolida na França pela primeira vez em 1791, depois novamente
em 1830 após ter sido restabelecida por breve tempo; o pelourinho foi
supresso em 1789; a Inglaterra aboliu-o em 1837. (...) A punição pouco a
pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar de
espetáculo desde então terá um cunho negativo; e como as funções da
cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a
suspeita de que tal rito que dava um ‘fecho’ ao crime mantinha com ele
afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria,
acostumando os espectadores a uma ferocidade de que todos queriam vê-
36
los afastados, mostrando-lhes a freqüência dos crimes; fazendo o carrasco
se parecer com criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo no último
momento os papéis, fazendo do suplicado um objeto de piedade e de
admiração.
53
Embora Foucault esteja centrando suas análises à execução penal stricto
sensu, a temos como compatível aos argumentos aqui apresentados.
A massificação da comunicação trouxe consigo o retorno do espetáculo ao
processo penal.
Os exemplos que poderiam ser citados abundam:
As sessões das (inúmeras) Comissões Parlamentares de Inquérito
fizeram com que o brasileiro – ao menos os que têm acesso às TV’s por assinatura –
acostumassem-se a assistir a TV Senado ou TV Câmara;
A ênfase dada pelos Telejornais em relação aos “escândalos do
poder”, especialmente os tropeços das autoridades diante das “robustas” provas
apresentadas.
O jornalismo investigativo cresceu expondencialmente em atuação com
slogans do tipo: “Não é a violência que aumentou, foi a imprensa que ampliou sua
cobertura”, seguida de flagrantes de criminalidade;
Tim Lopes, este “super-homem que padeceu no exercício do dever,
cuja morte merece infinito destaque por tombar diante do poder do tráfico, merece
dez minutos no Jornal Nacional, seguido de 10 segundos para comentar a morte de
mais um traficante nos morros do Rio de Janeiro!
Os programas policiais de fim de tarde.
53
FOULCAUT, Michel. Op.cit., p. 12-13.
37
Mais uma das “mitológicas” operações da Polícia Federal
acompanhadas pela imprensa, mesmo que o processo originário esteja coberto por
segredo de justiça (o segredo é de justiça, não de imprensa!).
Além, de muitos, muitos outros exemplos.
Algema policial: R$100,00 (cem reais); salário dio de um policial:
R$1.000,00 (mil reais); viatura policial equipada e ostensiva: R$100.000,00 (cem mil
reais); assistir um político sendo preso e conduzido algemado por um policial em
uma viatura caracterizada: NÃO TEM PREÇO. Têm coisas que o dinheiro não
compra e somente o espetáculo punitivo pode proporcionar.
54
Parafraseando com o texto de Foucault a pouco citado, a confissão pública
retorna ao apogeu, todos esperam uma confissão, mesmo que essa confissão seja
para encobrir os verdadeiros responsáveis, mesmo que seja uma confissão de “mero
crime eleitoral”, mesmo que este ou outro crime seja “sistematicamente praticado no
Brasil” (aliás, os teóricos do Direito Penal ainda não haviam apresentado esta nova
causa supra legal de exculpação!).
O pelourinho está em qualquer lugar, público ou não, onde uma câmera,
“panopticamente” ou “paparazzamente”, possa alcançar.
Em relação aos juízes, ao invés de serem comparados a assassinos, ocorre
uma inversão engraçada: são “ridicularizados” quando, apesar das evidências
demonstradas pela imprensa e com todo o apoio popular, ainda “absolvem os
culpados”. Cada notícia de absolvição ecoa na caixa preta do judiciário que de
tempos em tempos vem à baila, mas aí já estaríamos adentrando no próximo item.
54
Mil desculpas pela linguagem irônica e panfletária. Foi inevitável! Ainda mais que, pouco mais de 24 horas
após termos encerrado a elaboração do presente capítulo, coincidentemente, a Rede Globo apresentou, na edição
do Jornal Nacional de 10 de setembro de 2004, a cobertura completa da prisão dos “Maluf’s”, com direito à
acompanhamento aéreo, algemas, carros caracterizados e o tempero que não poderia faltar: o choro do preso!
38
Antes, porém, uma pequena, mas oportuno observação: o se está
realizando juízo de valor acerca das medidas apresentadas, apenas lançando
alguns fatos à reflexão acerca do objeto de análise, isto é, a relação verdade-saber-
poder, nos diversos instrumentos de instrução preliminar.
2.2.4 A Verdade como Componente Secundário
Associando tudo o que fora exposto, análises “foucaultianas”, as concepções
de verdade, bem como o espetáculo proporcionado pelos veículos de comunicação
de massa, constata-se um fenômeno curioso no meio político: a “verdade” passa a
ser secundária.
Pertinente a observação realizada por Foucault acerca do local privilegiado
para análise do conhecimento: “devemos nos aproximar, o dos filósofos, mas dos
políticos”.
E mais, nas discussões do poder político, a verdade é dispensável.
Ao tratar das concepções filosóficas acerca do poder, uma das conclusões
foi no sentido de que o “diálogo, argumentação e persuasão” são componentes
implícitos da noção de verdade.
Nos debates políticos, ou melhor, nas decisões políticas, em especial na
atualidade (na “era” das CPI’s e “escândalos pré-processuais”), o que acaba
realmente importando não é a verdade em si, mas a possibilidade de verdade, há
quem diga: a verossimilhança. Ou ainda, pretensão de verdade (Habermas) e
pretensão de validade (Dussel).
39
No trato das questões políticas, o que basta é a plausibilidade da acusação,
para aí entrar em jogo o diálogo, a argumentação e a persuasão.
Se, de um lado, as “acusações” totalmente infundadas, são de plano
desconsideradas, as que apresentam um mínimo de fundamento são suficiente para
conseqüências políticas (incluam-se, jurídicas e a fortiori, processuais penais).
Mais uma vez os exemplos são muitos e diários, sequer precisam ser
explicitados.
Basta uma filmagem secreta onde o interlocutor indique o nome de
parlamentar para que a verdade esteja estabelecida. Basta a resposta deste
parlamentar confessando alguns crimes e, abusando de sua capacidade retórica
decorrente da prática de advocacia (criminal), para que o contra-ataque tornem as
alegações verdadeiras, ainda mais se direcionado a quem, sem capacidade retórica,
ainda conta com a antipatia da população e dos demais parlamentares.
Basta um depoimento “convincente” para que verdade esteja estabelecida.
Isto é, as pretensões de verdade e de validade, diriam alguns, a
“possibilidade do verdadeiro”, já são suficientes e necessárias para a ação e juízo
políticos. A instrução preliminar deve estar afastada deste contraditório “pré-
conceito-definitivo”.
O juízo do poder político está respaldado no diálogo, na persuasão, no
embate retórico, a instrução preliminar há de superar a retórica para adentrar em um
mínimo de base empírica veritativa segundo os parâmetros jurídicos consagrados.
40
2.3 BREVE ESBOÇO HISTÓRICO
Uma exposição histórica exauriente demandaria uma pesquisa bibliográfica
que, para além de imprecisa e limitada, carregaria demasiada quantidade de
informações em detrimento do caráter expositivo da presente. Além do mais, cada
Estado soberano apresenta alguma peculiaridade acerca da respectiva instituição
compatível com o Ministério Público, pelo menos em seus contornos gerais.
Por esta razão básica, preferiu-se a apresentação de um breve esboço
histórico, limitada à origem (universal) e desenvolvimento constitucional (nacional)
do Ministério Público.
2.3.1 Origem
Há grande controvérsia acerca da origem do Ministério Público.
Mario Villani, citado por Hugo Nigro Mazzilli, relaciona a origem do Ministério
Público no antigo Egito, em um funcionário real chamado de magiaí, língua e os
olhos do rei, exercendo o papel de castigar os rebeldes, reprimir os violentos,
proteger os cidadãos pacíficos, acolhia os pedidos do homem justo e verdadeiro,
perseguindo o malvado mentiroso; era o marido, a viúva e o pai do órfão; fazia ouvir
as palavras da acusação, indicando as disposições legais que se aplicavam ao caso
e tornava parte das instruções para descobrir a verdade”.
55
55
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 3ed., São Paulo: Saraiva, p. 2, 1996.
41
Existem autores que apontam a “antiguidade clássica” como a origem do
Ministério Público. Paulo Rangel apresenta exemplos defendidos por alguns
doutrinadores: “os éforos de Esparta, os Tesmótatas gregos, ou nos personagens
romanos dos advocati fisci, ou do censor, que era o magistrado a quem competia
zelar pela moralidade pública e fazer o censo dos cidadãos. Havia ainda os
procuradotores caesaris.
56
Porém, como também observa Paulo Rangel, “o que se faz quando se
procuram as raízes do Ministério Público, é tentar identificar funções de fiscalização
de atos ilegais em cargos de agentes da época.”
57
De fato, em qualquer vida societária com um mínimo de organização,
mesmo que não estejam sob a roupagem de Estado, é possível observar um mínimo
de distribuição de tarefas “de cunho coletivo” e a incidência de algum poder
fiscalizatório sob a atividade.
É contra este “lugar comumque a maioria dos autores aponta a origem do
Ministério Público no direito francês, na figura dos procurreurs du roi, que em
vernáculo significa “os procuradores do rei”. Nas palavras de Paulo Rangel:
(...) a origem mais precisa da instituição está no direito francês, na figura
dos procureurs du roi (procuradores do rei), nascendo e formando-se no
judiciário francês. Na França, era vedado que os Procuradores do Rei (lês
gens du roi) patrocinassem quaisquer outros interesses que não os da
coroa, devendo prestar o mesmo juramento dos juízes. Foi a Ordenança de
março de 1302, de Felipe IV, chamado de o Belo, Rei da França, o primeiro
diploma legal a tratar dos Procuradores do Rei. Os reis demonstravam,
através de seus atos, a independência que o Ministério Público tinha em
relação aos juízes, constituindo-se em verdadeira magistratura diversa da
dos julgadores, pois os Procuradores do rei dirigiam-se aos juízes do
mesmo “assoalho” (parquet em francês) em que estes estavam sentados,
porém o faziam de pé. Daí a expressão cunhada ao Ministério Público de
que ele era a Magistratura de pé (Magistratura debout).
58
56
RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. 2ed. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, p. 123, 2005.
57
Idem, ibidem.
42
A figura do “procurador” o passa desapercebida por Michel Foucault, que
nele uma mudança política essencial. Sem resgatar a crítica de seus
comentários, vale a pena a transcrição:
A acumulação de riqueza e do poder das armas e a constituição do poder
judiciário nas mãos de alguns é um mesmo processo que vigorou na Alta
Idade Média e alcançou seu amadurecimento no momento da formação da
primeira grande monarquia medieval, no meio ou final do século XII. Nesse
momento aparecem coisas totalmente novas em relação à sociedade
feudal, ao Império Carolíngio e às velhas regras do Direito Romano.
[...]
2) Aparece um personagem totalmente novo, sem precedente no Direito
Romano: o procurador. Esse curioso personagem, que aparece na Europa
por volta do século XII, vai se apresentar como representante do soberano,
do rei ou do senhor. Havendo crime, delito ou contestação entre dois
indivíduos, ele se apresenta como representante de um poder lesado pelo
único fato de ter havido um delito ou um crime. O procurador vai dublar a
vítima, vai estar por trás daquele que deveria dar a queixa, dizendo: “Se é
verdade que este homem lesou um outro, eu, representante do soberano,
posso afirmar, que o soberano, seu poder, a ordem que ele faz reinar, a lei
que ele estabeleceu foram igualmente lesados por esse indivíduo. Assim, eu
também me coloco contra ele”. O soberano, o poder político vem, desta
forma, dublar e, pouco a pouco, substituir a vítima. Este fenômeno,
absolutamente novo, vai permitir ao poder político apossar-se dos
procedimentos judiciários.
59
Obvio que o senso crítico de Michel Foucault imprime outra visão ao
surgimento do parquet. De qualquer forma fica o registro.
2.3.2 Histórico Constitucional/Legislativo
Superada, então, a questão da origem, e considerando que o Ministério
Público está intimamente ligado à figura estatal, optou-se por uma exposição
legislativa nacional acerca do órgão ministerial. Mais ainda, uma exposição voltada
ao texto constitucional.
58
RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 123-124.
43
Uma exposição objetiva/legislativa tem por fim desviar uma problemática
análise acerca da efetividade, exeqüibilidade, validade e legitimidade das normas
editadas, seja no âmbito ordinário ou constitucional, o que fugiria dos propósitos
formulados na presente, embora se trate de tema deveras desconcertante.
Por outro lado, uma rápida olhada, an passant, pelos diversos textos
constitucionais brasileiros, permite uma visão satisfatória dos avanços e retrocessos
no desenvolvimento da Instituição Ministério Público, cuja ampliação de
competências, rectius, atribuições, parece ter coincidido com os períodos de
reabertura política e redemocratização nacional, até atingir o modelo atual previsto
na Constituição Federal de 1988, embora algumas (equivocadas) interpretações
tenham restringido o alcance hermenêutico da norma constitucional, especialmente
no tocante aos poderes instrutórios do Ministério Público na presidência da instrução
prévia.
As primeiras fontes normativas a serem consideradas, obviamente, são as
“Ordenações Portuguesas”.
As Ordenações Afonsinas, as quais vigoraram de 1446 até 1521, malgrado
exerceram pouca ou nenhuma influência na realidade jurídica brasileira, não traziam
qualquer disposição referente ao Ministério Público.
Nestas ordenações havia o inquérito (onde a inquirição era presenciada pelo
acusado) e a devassa (realizada sem a participação do acusado). Na lição de Valter
Foleto Santin, “a polícia judiciária era exercida por juizes, auxiliados pelos meirinhos,
homens jurados (escolhidos e compromissados) e vintaneiros (inspetores policiais
dos bairros).”
60
59
FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 65-66.
60
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 27.
44
As Ordenações Manuelinas trazem a primeira referência legislativa ao
Ministério Público delimitando as atribuições criminais do Promotor de Justiça. Nas
palavras de Antônio Magalhães Gomes Filho:
61
“tratando-se de crimes públicos, a
formação da acusação competia aos escrivães dos juízos criminais, na falta de
acusadores particulares; essa função, que era meramente supletiva da inércia do
particular, transmitiu-se então aos promotores públicos”.
Nas ordenações Filipinas também constavam atribuições criminais ao
Ministério Público, sob a designação de “Promotor de Justiça da Casa de
Suplicação”, cuja função era requerer todas as cousas que tocam à Justiça, com
cuidado e diligência, em tal maneira que por sua culpa e diligência não pereça”, bem
como “formar libelos contra os seguros, ou presos, que por parte da justiça hão de
ser acusados na Casa de Suplicação pôr acorda da Relação”.
Paulo Rangel cita que “o primeiro texto legislativo, formalmente nacional, de
que se tem notícia e que se refere ao Ministério Público é o diploma de 09 de janeiro
de 1609, que disciplinava a composição do Tribunal da Relação do Brasil, sediado
na Bahia. Nesse Tribunal, o papel de Procurador da Coroa e de Promotor de Justiça
era exercido por um dos dez desembargadores que a compunham, à semelhança do
que ocorria, em Portugal, na Casa de Suplicação”.
62
O Código de Processo Criminal de 1832, primeiro texto legislativo
sistemático do processo penal brasileiro, atribuía ao Promotor de Justiça, no artigo
37: “denunciar os crime públicos e policiais, o crime de redução à escravidão de
pessoas livres, cárcere privado ou homicídio ou tentativa, roubos, calúnias, injúrias
contra pessoas várias, bem como acusar delinqüentes perante os jurados, solicitar a
61
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Ministério Público e acusação penal no sistema brasileiro. Revista
Latinoamericana de Política Criminal, vol. 2, n. 2, Penal y Estado, p. 139. Apud RANGEL, p. 125.
62
RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 125.
45
prisão e punição dos criminosos e promover a execução das sentenças e mandado
judiciais 2
o
); dar parte às autoridades competentes das negligências, omissões e
prevaricações dos empregados na administração da justiça (§ 3
o
).”
63
Em sede constitucional, não foram todas as Cartas Políticas que inseriram
disposições acerca do Ministério Público.
A primeira Constituição brasileira, de 1824, não tratou da Instituição
Ministério Público, limitando-se a tratar do procurador da Coroa e Soberania
Nacional, no art. 48: “No juízo dos crimes, cuja acusação não pertença à mara
dos Deputados, acusará o procurador da Coroa e Soberania Nacional”.
A segunda Constituição brasileira, promulgada em 24 de fevereiro de 1891,
tratou tão somente da nomeação do Procurador Geral da República, rezando, no art.
58, § 2
o
, que: “O Presidente da República designará, dentre os membros do
Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República, cujas atribuições se
definirão em lei”.
O Ministério Público somente passou a ser “institucionalizado
constitucionalmente com a Constituição de 1934, de origem liberal, cujo capítulo
merece menção:
CAPÍTULO VI
DOS ÓRGÃOS DE COOPERAÇÃO NAS ACTIVIDADES
GOVERNAMENTAES
SECÇÃO 1
Do Ministério Público
Art. 95. O Ministério Público será organizado na União, no Districto Federal
e nos Territórios por lei federal, e, nos Estados, pelas leis locaes.
Parágrafo 1
o
. O Chefe do Ministério Público Federal nos juízos comuns é o
Procurador Geral da República, de nomeação do Presidente da República,
63
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro. 2
ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 17-18.
46
com approvação do Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos
estabelecidos para os Ministros da Corte Suprema. Terá os mesmos
vencimentos desses Ministros, sendo, porém, demissível ad nutum.
Parágrafo 2
o
. Os chefes do Ministério Público no Districto Federal e nos
Territórios serão de livre nomeação do Presidente da República dentre
juristas de notável saber e reputação ilibada, alistados eleitores e maiores
de 30 annos, com os vencimentos dos Desembargadores.
Parágrafo 3
o
. Os membros do Ministério Público creados por lei federal e
que sirvam nos juízos communs serão nomeados mediante concurso e
perderão os cargos, nos termos da lei, por sentença judiciária, ou processo
administrativo, no qual lhes será assegurada ampla defesa.
Art. 96. Quando a Corte Suprema declarar inconstitucional qualquer
dispositivo de lei ou acto governamental o Procurador Geral da República
communicará a decisão ao Senado Federal, para os fins do art. 91, n. IV, e
bem assim autoridade legislativa ou executiva, de que tenha emanado a lei
ou o acto.
Art. 97. Os chefes do Ministério Público na União e nos Estados não podem
exercer qualquer outra função publica, salvo o magistério e os casos
previstos na Constituição. A violação deste preceito importa a perda do
cargo.
Art. 98. O Ministério Público, nas justiças Militar e Eleitoral, será organizado
por leis especiais, e terá, na segunda, as incompatibilidades que estas
prescrevem.”
Sob regime ditatorial, a Constituição de 1937 fez poucas referências ao
Ministério Público, perdendo, desta forma, o caráter institucional ao nível
constitucional, sendo tratado em subordinação ao Poder Judiciário:
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
(...) Art. 99. O Ministério Público Federal terá por chefe o procurador geral
da República que funcionará junto ao Supremo Tribunal Federal, e será de
livre nomeação e demissão do Presidente da República, devendo recair a
escolha em pessoa que reúna os requisitos exigidos para ministro do
Supremo Tribunal Federal.
(...) Art. 101 [...]
I – [...]
a) [...]
b) Os ministros de Estado, o procurador geral da República (...)
47
Com a redemocratização brasileira, foi promulgada, em 1946, a quinta
Constituição brasileira, voltando o Ministério Público a ter contornos institucionais em
sede política, in verbis:
TÍTULO III
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Art. 125. A lei organizará o Ministério Público da União junto à justiça
comum, a militar, a eleitoral e a do trabalho.
Art. 126. O Ministério Público federal tem por chefe o Procurador-Geral da
República. O Procurador, nomeado pelo Presidente da República, depois de
aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos com os
requisitos indicados no art. 99, é demissível ad nutum.
Parágrafo único. A União será representada em juízo pelos Procuradores da
República, podendo a lei cometer esse encargo, nas comarcas do interior,
ao Ministério Público local.
Art. 127. Os membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal e
dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais da carreira mediante
concurso. Após dois anos de exercício, não poderão ser demitidos senão
por sentença judiciária ou mediante processo administrativo em que lhes
faculte ampla defesa; nem removidos a não ser mediante representação
motivada do chefe do Ministério Público, com fundamento em conveniência
do serviço.
Art. 128. Nos Estados, o Ministério Público será também organizado em
carreira, observados os preceitos do artigo anterior e mais o princípio de
promoção de entrância a entrância.
Sob os auspícios do golpe militar de 1964, instalando novo regime ditatorial
no país, surge a Constituição de 1967, a sexta do Brasil.
Nela, o Ministério Público voltou a estar inserido no capítulo referente ao
Poder Judiciário. O Parquet perde novamente sua autonomia e volta a subordinar-se
ao Judiciário.
Na Emenda Constitucional n.º 1 de 1969, considerada, materialmente, a
sétima Constituição do Brasil, o Ministério Público restou ainda mais enfraquecido.
Nas palavras de Paulo Rangel:
Na Constituição de 1969 (Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro), o
Ministério Público foi retirado do capítulo referente ao Poder Judiciário e
48
colocado no capítulo referente ao Poder Executivo sem uma posição
constitucional própria que pudesse delinear seu verdadeiro perfil. Com a
Constituição de 1969, o Ministério Público perdeu duas grandes conquistas:
a isonomia de condições de aposentadoria e vencimentos dos magistrados
e a perda de sua independência funcional, que estava subordinado ao
Poder Executivo.
64
Finalmente com a reabertura política e redemocratização nacional, a
Constituição Cidadã de 1988 parece ter atendido aos anseios nacionais por um
Ministério Público forte e independente, tão necessários à proteção da ordem
jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Para atingir a meta constitucional, o Ministério blico requer um rol de
atribuições, expressas e implícitas - incluindo os meios necessários -, tudo para o fiel
desempenho da missão institucional, no que está contido, a fortiori, competência”
para a presidência de instrução preliminar, máxime quando o desempenho da
missão, por motivos diversos, restar ameaçada. Como será abordado em breve.
2.4 DIREITO COMPARADO
O fortalecimento do Ministério Público, como “suporte democrático”, parece
ser uma tendência mundial.
Neste ponto, até uma certa unanimidade entre os que operam, direta ou
indiretamente, com o Direito Internacional. Vide, v. g., a lição de Lenio Streck e
Luciano Feldens:
64
RANGEL, Paulo. Op cit., p. 141.
49
Essa tendência de fortalecimento do Ministério Público permanece hígida no
campo das relações internacionais. Veja-se, a propósito, a conclusão do IX
Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime (Cairo, 1995), no
que recomenda aos Estados membros que considerem a possibilidade de
reforçar a função do Ministério Público, dotando-a de autonomia”. Na senda
dessa resolução, o Presidente da República francesa, M. CHIRAC, nomeou,
em 1997, uma comissão de reflexão sobre a justiça, na qual pedia para que
fossem observadas as modalidades e conseqüências de uma “situação
nova”, na qual o Ministério Público não estaria subordinado ao Ministério da
Justiça nem mesmo hierarquizado.
65
No mesmo sentido Valter Foleto Santin:
No cenário mundial é o Ministério Público quem detém o comando das
investigações preliminares. Ele dirige ou supervisiona ou coordena as
investigações criminais, com exemplos marcantes na Itália, Portugal,
Alemanha, França, México, Colômbia, Peru, Paraguai, Japão e Coréia do
Sul. O reforço da atuação do Ministério Público na investigação criminal,
especialmente o encargo de dirigir a investigação com o auxílio da polícia, é
uma tendência irreversível de toda América Latina, seguindo a orientação
do Projeto de Código Processual Penal-Tipo para llbero-América (arts. 68,
73, 246, 250 e 261). As reformas recentes de vários países da América
(Paraguai, Bolívia, Chile, Província de Buenos Aires) concretizam esta nova
postura processual.
66
Essa tendência é visível nos diversos sistemas jurídicos a seguir
apresentados, onde foi enfocado, em linhas gerais, o papel do Ministério blico
frente à sistemática das respectivas instruções preliminares.
2.4.1 Alemanha
O processo penal (ordinário) alemão apresenta três fases: uma fase
preparatória destinada à investigação e incriminação; uma fase intermediária que
65
STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e constituição: a legitimidade da função investigatória do
Ministério Público. Rio de Janeiro: Forense, p. 18, 2005.
66
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., 228-229.
50
funciona como um controle jurisdicional da proposição da ação penal; e fase do
juízo, onde ocorrem os debates e o julgamento da causa penal.
67
A instrução preliminar é presidida (conduzida) pelo Ministério Público, o qual,
para o desempenho das funções, conta com o auxílio da Polícia.
Não juizado de instrução. A participação judicial restringe-se ao controle
da legalidade das medidas coercitivas (Zwangsmassnahmen) realizadas pela Polícia
e pelo Ministério Público.
68
No exame das medidas é vedado ao juiz examinar a conveniência da
providência solicitada, restringindo-se a aferir a estrita legalidade, ou seja, realiza
mera análise de admissibilidade jurídica.
69
Na instrução preliminar o Ministério Público tem a direção e o controle das
“investigações”, contando com grande autonomia persecutória.
70
Apesar da autonomia, na prática, normalmente o Ministério Público não
exerce, diretamente, uma atividade investigatória, porém emite orientações à Polícia.
Por outro lado, em alguns crimes de maior relevância, como os crimes financeiros ou
com intenso debate público, o Ministério Público pode realizar diretamente as
atividades investigativas.
67
DELMAS-MARTY, Mireille; et alii. Procedura Penali d’Europa. Padova: Cedam, p. 176, 1998.
68
Idem, p. 177-178.
69
COLOMER, Juan-Luis Gomez. El Processo Penal Aleman instroducción y normas basicas. Barcelona:
Bosch Casa Editorial, 1985, p. 72-74.
No original: El Juez Investigador: Dada la organización del processo penal alemán en su fase de bajo la
dirección del Ministerio Fiscal, no existe un Juez Instructor. Pero, dada, a su vez, la suma importancia de
algunas de las medidas que deben acordarse en esta fase, quiere la Ley que el examen acerca de su
admisibilidad sea realizado por un órgano jurisdiccional. Dicho órgano es el Juez Investigador ... A función que
debe cumplir este Juez es limitar-se a examinar si la medida a acordar y practicar por el Fiscal, por él
solicitada, es admisible juridicamente o no... le que vedado, en consecuencia, examinar su conveniencia.”
70
CARVALHO, Paulo Pinto. Uma incursão do Ministério Público à luz do direito comparado: França, Itália,
Alemanha, América do Norte e União Soviética. Ministério Público, Direito e Sociedade. Porto Alegre: Fabris,
p. 96, 1986.
51
De acordo com o artigo 161, inciso II, do Código de Processo Penal Alemão,
os policiais, no exercício das atividades investigatórias, estão subordinados ao
Ministério Público, devendo obediência as suas instruções e ordens materiais.
71
A obediência é tamanha que prefere e precede as ordens emanadas pelos
superiores hierárquicos dentro da estrutura policial.
72
A instrução prévia sob a presidência do Ministério Público é prática antiga na
Alemanha. O modelo foi criado em 1974, em substituição ao juizado de instrução,
através de uma reforma legislativa processual, porém a prática era corrente
73
,
mesmo que praeter legem.
2.4.2 Argentina
Na vizinha Argentina não uma unificação legislativa processual, havendo
códigos de processos penais nacional e provinciais.
O Código Nacional estipula a figura do juiz instrutor como presidente da
instrução preliminar, o qual pode delegar a atribuição ao Ministério Público (art. 196).
Por outro lado, alguns códigos provinciais, como é o caso de Tucumã,
Córdoba e Santiago Del Estero, atribuem a presidência da instrução preliminar ao
Ministério Público.
74
71
SANTIN, Valter Foleto. Op cit., p. 116-117.
72
Idem, ibidem.
73
LOPES JÚNIOR, A. C. L. Op. cit., p. 228.
74
GRINOVER, Ada Pellegrini. Influência do digo de Processo Penal Modelo para Ibero-América na
legislação latino-americana. Convergências e dissonâncias com os sistemas italiano e brasileiro. Revista
Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 1, vol. 1, p. 1/41, janeiro-março/1993.
52
Na capital, Buenos Aires, recente reforma ampliou a atuação do Ministério
Público que, além do exercício da ação penal, passou a dirigir a Polícia e presidir a
instrução preliminar (artigo 56 do Código de Processo Penal da Província de Buenos
Aires).
75
Como aponta a doutrina Argentina, a tendência daquele país é o abandono
do juizado de instrução e a transferência da presidência da instrução preliminar ao
Ministério Público.
76
Valter Foleto Santin,
77
nessa tendência, acredita que um grande passo foi
dado com a Lei 24.826, de 1997, que alterou o artigo 353 do Código Nacional, o qual
prevê a instrução “sumária” a cargo do Ministério blico no caso de prisão em
flagrante delito e entendimento inicial do juiz acerca da desnecessidade da prisão
preventiva.
Em suma, no sistema procedimental argentino, a instrução preliminar fica a
cargo do juiz instrutor e excepcionalmente conduzida pelo Ministério Público, em
qualquer circunstância auxiliados pela Polícia.
78
Como explica Paulo Rangel
79
, “o papel que o Ministério Público exerce nas
investigações de infrações penais na sociedade argentina é ainda muito tímido e,
principalmente, secundário, pois o titular das investigações é o juiz instrutor, que
pode delegar àquele suas funções investigatórias.”
75
DÍAZ, Carlos Alberto Chiara. Nuevo sistema de enjuiciamiento penal em la Provincia de Buenos Aires. In:
Jorge Eduardo Buompadre (coord.). Derecho Penal, Derecho Processual Penal: homenaje a Carlos Alberto
Contreras Gómez. Buenos Aires: abeledo-perrot, 1997, p. 235-237.
76
PEREYRA, Rita Mill de. Juicio oral: nuevo rol de los sujetos procesales. In: Jorge Eduardo Buompadre
(coord.). Derecho Penal, Derecho Processual Penal: homenaje a Carlos Alberto Contreras Gómez. Buenos
Aires: abeledo-perrot, 1997, p. 291-302.
77
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 108.
78
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 78-79.
79
RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 168.
53
2.4.3 Bolívia
A Bolívia ainda mantém uma fase de instrução preliminar conduzida por um
juiz instrutor.
80
E pior, a inicial acusatória tanto pode ser ofertada pelo Ministério Público
(fiscal) como pelo juiz instrutor.
Predomina em todo o processo penal um sistema basicamente inquisitivo,
havendo forte pressão doutrinária e das autoridades bolivianas no sentido de
adequar a legislação processual a um modelo mais garantista.
81
2.4.4 Bélgica
O sistema processual penal belga é regido também pelo juizado de
instrução, sendo o juiz quem detém a competência instrutória da investigação
preliminar.
A ação penal é exercida pelo Ministério Público e a função de julgamento é
exercida por órgão jurisdicional (exceto em relação ao júri), diferente do órgão que
exerceu o juízo de instrução.
82
Encerrada a instrução preliminar, o juiz de instrução encaminha o
procedimento ao Ministério Público, o qual, após desenvolver a opinio encaminha os
autos à câmara do conselho (chambre du conseil), composta por três juízes (art. 127
80
BASTOS, Paulo. Op. cit., p. 80.
81
Idem, ibidem.
54
do Código de Processo Penal Belga-CPPB), que analisam a continuidade do feito
(art. 128 do CPPB).
83
A jurisprudência belga tem reconhecido ao Ministério Público o poder de
presidência da instrução preliminar para o exercício da ação penal.
84
Ocorrida uma infração penal, a Polícia informa imediatamente ao Ministério
Público. Além das informações da Polícia, os funcionários, autoridades e oficiais
públicos têm o dever de comunicar os delitos que tiverem conhecimento (art. 29,
CPPB). O Ministério Público ainda recebe notitias e delatio criminis das pessoas do
povo (art. 30, CPPB).
O “Procurador” pode colher todos os elementos necessários para a
“manifestação da verdade dos fatos”, podendo ouvir o suspeito (inculpé) (art. 35
CPPB) e inclusive realizar busca domiciliar (art. 36, CPPB).
85
Na ocorrência de um flagrante delito, o “Procurador do Rei” (procureurs du
Roi) dirige-se ao local do crime para “armar os processos verbais para a constatação
do corpo de delito, seu estado, as condições do local e para ouvir declarações”,
comunicando ao juiz de instrução (art. 32, CPPB). Nestes casos de flagrante delito, o
juiz de instrução pode praticar atos instrutórios mesmo que o haja pedido do
Ministério Público, nos demais casos este pedido é necessário para a tomada de
providências (art. 59, CPPB).
Com os elementos probatórios decorrentes da instrução preliminar, o
Ministério Público pauta-se pelo princípio da oportunidade para o oferecimento ou
82
DELMAS-MARTY, Mireille, et alii. Op. cit., p. 45.
83
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 93.
84
DELMAS-MARTY, Mireille, et alii. Op. cit., p. 45.
85
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 94.
55
não da ação penal, princípio que, embora sem previsão legal, funda-se no direito
consuetudinário belga.
86
O Ministério Público exerce a fiscalização da Polícia e do juiz de instrução
(art. 279, CPPB), podendo inclusive adverti-los em caso de “negligência” (art. 280,
CPPB). Não obstante, apesar de adstrito ao pedido do Ministério blico, na
instrução preliminar o juiz instrutor pode agir livremente na busca e coleta de
informações julgadas necessárias.
87
2.4.5 Chile
O sistema processual chileno é semelhante ao boliviano, isto é, vinculado ao
juizado de instrução.
Quem preside a instrução preliminar é o juiz instrutor, com o auxílio da
Polícia. Quando julgar presentes os elementos necessários, é o próprio juiz instrutor
quem formula a peça acusatória.
88
O pior é que este mesmo juiz instrutor é quem irá julgar a causa, em
flagrante descompasse com tudo o que se considera conquista processual tocante à
imparcialidade judicial.
O Ministério Público tem inexpressiva atuação, limitado a emissão de
pareceres em alguns recursos, somente podendo iniciar ação penal em alguns
casos restritos, mediante requerimento dirigido ao juiz.
89
86
DELMAS-MARTY, Mireille, et alli. Op. cit., p. 59.
87
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 96.
88
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 81.
89
Idem, ibidem.
56
2.4.6 Colômbia
O processo penal colombiano é dividido em duas etapas, uma fase de
instrução (sumário) e outra de juízo (debate).
São as características do procedimento: instrução secreta e escrita; sumário
presidido pelo Ministério Público; ausência de separação entre as funções
acusatória, de defesa e de julgamento; contraditório limitado na fase do sumário.
90
Como observa Valter Foleto Santin,
91
“há duas instituições que exercem as
funções de Ministério Público nos moldes brasileiros: a Fiscalia Geral da Nação e o
Ministério Público. Ambas instituições têm previsão constitucional”.
A instrução prévia (e a acusação) é atribuição constitucional da Fiscalía
General de la Nación, porém, em alguns crimes específicos, outros órgãos têm a
incumbência da instrução preliminar,
92
a cargo do Ministério Público ou da
Controladoria Geral da República (Controladoria General de la República) conforme
o caso, ou seja, não trata-se de missão constitucional privativa.
Basicamente, a Fiscalía General de la Nación é encarregada de presidir a
instrução preliminar (salvo algumas exceções legais) e exercitar a ação penal.
A Polícia Judiciária é subordinada ao Ministério Público.
93
As funções de acusação, defesa e julgamento são atribuições de órgãos
distintos.
90
GRINOVER, Ada Pellegrini. A instrução processual penal em Ibero-América. O processo em evolução. Rio
de Janeiro: Forense, [s. d.], p. 244-245.
91
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 99.
92
Idem, ibidem.
57
2.4.7 Espanha
No sistema processual penal espanhol, por regra, a instrução preliminar é
conduzida por um juiz, pois naquele sistema vigora o chamado “juizado de
instrução”.
Por outro lado, como menciona Valter Foleto Santin,
94
“ganha espaço a
atuação do Ministério Público na fase prévia à ação penal, a começar pelo juízo
abreviado, em que as investigações são dirigidas pelo Ministério Público (art. 785-
bis, LECRIM)”.
95
Assim, na instrução preliminar, exceto o procedimento abreviado - onde o
Ministério Público preside a instrução - o papel do Parquet é fiscalizar as diligências
desencadeadas pelo juiz de instrução.
O Ministério Público, denominado “Ministério Fiscal”, tem
existência/previsão constitucional como integrante do Poder Judiciário, embora
vinculado ao Poder Executivo.
96
É uma situação sui generis que, segundo alguns, interfere na independência
institucional e inibe a atuação ministerial na instrução preliminar.
Nas palavras de Aury Celso Lima Lopes Júnior:
A atual estrutura do Ministerio Fiscal espanhol não admite de forma
satisfatória a figura do promotor investigador, ou, como eles denominam,
instrucción fiscal, até porque sequer a instituição goza de independência
funcional. Todo o contrário, o Fiscal General Del Estado não é indicado
pelo Governo como atua como uma longa manus do Executivo, levando
para o processo penal uma perigosa contaminação política. Acrescente-se a
isso o fato de existirem uma hierarquia interna e um sistema de instruções
93
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 82.
94
SANTIN, Valter Foleto, Op. cit., p. 104.
95
Ley de Enjuicimiento Criminal.
96
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 66.
58
vinculantes circulares de la fiscalía para que o panorama final fosse
pouco propício para implantar uma instrução preliminar a cargo do MP.
97
Além do papel de fiscalização, o Ministério Público, assim como as partes,
poderá propor diligências na fase de instrução preliminar, as quais poderão ser
novamente pleiteadas na instrução (art. 627, Ley de Enjuicimiento Criminal -
LECRIM) ou no juízo oral (art. 314, LECRIM).
98
Aliás, o sumário, no procedimento penal espanhol, é contraditório, i. e., as
partes podem intervir em todas as diligências e autuações (art. 302, LECRIM).
99
Por
outro lado, as diligências são em regra secretas, cuja divulgação pela parte pode
redundar na aplicação de multa ou, no caso do servidor público, caracterizar crime
de responsabilidade (art. 301, LECRIM). Excepcionalmente o segredo pode ser
estendido às partes (art 302, parágrafo 2
o
), o que não alcança o Ministério Público
(Ministério Fiscal) por não se tratar de parte interessada e sim órgão autônomo de
status constitucional, integrante do Poder Judiciário.
100
Ao término da instrução preliminar no procedimento penal espanhol, duas
possibilidades se abrem: primus, arquivamento (sobreseimiento, art. 634 e 635,
LECRIM), livre ou provisório, total ou parcial (art. 634, LECRIM); secundus,
elaboração da peça de acusação a ser elaborada pelo Ministério blico ou pelo
acusador privado (art. 649, LECRIM).
A possibilidade de ação penal intentada por “qualquer um do povo” é
expressa do sistema de ação popular (sistema de ação penal de iniciativa popular),
adotado pela Espanha.
101
97
LOPES JÚNIOR, A. C. L. Op. cit., p. 205.
98
RUBIO, JoMaria Paz, et alii. Ley de Enjuiciamento Criminal y Ley Del Jurado. 7ed, Madrid: Colex, 1995,
p. 225.
99
Idem, p. 213.
100
Idem, p. 214.
101
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 67.
59
O sistema de ação penal de iniciativa popular pode ser exercido por
qualquer cidadão, independente de ter sido vítima ou o. A propósito, na Espanha,
é até possível que nolo ativo da relação jurídico processual estejam o membro do
Ministério Público, o acusador popular e a vítima habilitada no processo.
102
Em 1988 houve uma tentativa de atribuir a instrução preliminar ao Ministério
Público (seguindo a tendência européia), através de uma alteração na Ley de
Enjuicimiento Criminal introduzida pela LO 78/88.
A referida Lei instituiu o “procedimento abreviado e as diligências prévias
como sistema de instrução preliminar” nos delitos cuja pena privativa de liberdade
não seja superior a 9 (nove) anos.
Contudo, a tradição espanhola do juiz instrutor prevaleceu e o legislador
previu que o procedimento judicial prévio deverá prevalecer sobre o realizado pelo
Ministério Público, evitando investigações paralelas.
Conseqüentemente, a regra geral é a instrução preliminar a cargo do juiz
instrutor e, excepcionalmente pelo “promotor investigador”.
103
104
Além disso, em relação aos delitos “de maior potencial ofensivo”, com pena
abstrata superior a 9 (nove) anos, o papel do Ministério Público permanece à
distância, como mero fiscal do procedimento levado a efeito pelo Juiz Instrutor.
A Polícia, de maneira geral, atua como colaborador da instrução preliminar,
chamado na Espanha de “diligências prévias”. Seja aquela levada a cabo pelo juiz
instrutor (via de regra) e, eventualmente, a cargo do Ministério Público, como visto.
102
LOPES JÚNIOR, A. C. L. Op. cit., p. 204.
103
Idem, p.211-212.
104
BASTOS, Marcelo Lessa, Op. cit., p. 68.
60
2.4.8 Estados Unidos da América do Norte
O processo penal americano é formado, basicamente, por duas fases: a fase
preparatória e a fase do julgamento.
105
A fase preparatória, que interessa ao presente tema, é destinada à
“investigação”, i. e, instrução preliminar, e elaborada tanto pela Polícia quanto pelo
Ministério Público.
As atribuições ministeriais o exercidas em diversas esferas: federal,
estadual, regional e municipal.
106
O Ministério Público Federal trata dos chamados “crimes federais”.
No âmbito federal, o “chefe do Ministério Público é do United States
Attorney General, nomeado pelo Presidente da República mediante prévia
aprovação do Senado. Além do Ministério Público, ainda “chefia” um órgão do Poder
Executivo, que é o Ministério da Justiça (Departament of Justice).
107
Existem noventa e quatro ofícios distritais, chefiados por um representante
do Ministério Público Federal, United States District Attorney.
No âmbito dos Estados-membros, a autonomia legislativa americana
desencadeia um fenômeno em que cada um apresenta suas peculiaridades
processuais, a simili, referente à atuação ministerial processual.
105
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 121.
106
SIMON, John Anthony. Considerações sobre o Ministério Público americano. Revista dos Tribunais, v. 640,
São Paulo, 1989, p. 08.
107
PROENÇA, Luiz Roberto. Participação do Ministério Público no processo civil nos Estados Unidos da
América. In. Antônio augusto de Mello Camargo Ferraz (coord.). Ministério Público: Instituição e Processo.
São Paulo: Atlas-IEDC, 1997.
61
Estão funcionalmente subordinados ao “Ministério Público Federal
americano o Departamento de Repressão às Drogas (Drug Enforcement
Administration), o Birô de Presídios e o FBI.
108
A atuação do Ministério Público, do prosecutor, é bastante efetiva no campo
persecutório penal e conseqüentemente no combate ao crime.
109
Na instrução preliminar, da mesma forma, o promotor americano é bastante
atuante, com amplos poderes investigatórios.
110
Mas para tanto, a atuação
ministerial é exercida em intensa coordenação com a Polícia.
A maioria dos doutrinadores comenta a hipertrofia do Ministério Público
estadunidense, com posição de supremacia inclusive em relação ao Poder
Judiciário.
Para João Francisco Sauwen Filho:
(...) a relutância dos juízes em intervir na atuação do Ministério Público,
motivada sobretudo pela escrupulosa preocupação das autoridades norte-
americanas em resguardar o princípio fundamental da independência dos
Poderes, transformou o Parquet em senhor quase que absoluto da
conveniência e oportunidade da propositura e exercício da ação penal.
111
2.4.9 França
A França é o berço do chamado “juizado de instrução”, muitas vezes (mal)
utilizado por alguns a fim de limitar a interpretação constitucional quanto aos
108
Idem.
109
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 124.
110
PROENÇA, Luiz Roberto. Op. cit., p. 216.
111
SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público Brasileiro e o Estado Democrático de Direito. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999, p. 54.
62
“poderes instrutórios do Ministério Público na instrução preliminar”, conforme será
visto oportunamente.
No sistema processual penal francês, basicamente, após a ocorrência de
algum crime, a Polícia informa ao Ministério Público, o qual aciona o Juizado de
Instrução.
O juiz de instrução, por sua vez, determina o arquivamento ou decide pelo
prosseguimento da acusação; nesta hipótese o Ministério Público sustenta a
acusação perante o Judiciário, que decide a causa por órgão (colegiado) diverso do
juízo de instrução.
A execução é acompanhada pelo Ministério Público e por juízo responsável
pela aplicação da pena.
112
O procedimento penal é composto por três fases básicas: “investigação
prévia” (enquête et poursuite), instrução preparatória (instruction préparatoire) e juízo
(jugement).
113
A magistratura” francesa é composta tanto por juízes (magistrature assise
ou magistrature de siége) quanto por membros do Ministério Público (magistrature
debout ou parquet), sendo permitida a alternância de funções no decorrer da
“carreira”.
114
A Polícia é encarregada de constatar as infrações penais, juntar provas e
buscar autoria, agindo sob as instruções do Ministério blico, para quem tem a
obrigação de informar, imediatamente, a ocorrência de alguma infração penal que
tiver conhecimento (art. 40 do Código de Processo Penal Francês – CPPF).
115
112
DELMAS-MARTY, Mireille; et alii. Op. cit., p. 101.
113
Idem, p. 103.
114
CARVALHO, Paulo Pinto. Op. cit., p. 82-89.
115
DELMAS-MARTY, Mireille, et alii. Op. cit., p. 103.
63
O Ministério blico francês, literalmente o Parquet, dirige a polícia
“judiciária” e preside a instrução preliminar (arts. 12 e 41 do CPPF). A Polícia tem a
obrigação legal de transmitir suas constatações, relatórios e processos verbais (art.
19 CPPF).
Em local de crime, ausente o Ministério Público, quem procede aos
levantamentos prévias é a Polícia, sob as orientações daquele (art. 68, III, CPPF).
A presença de um membro do Parquet em local de crime, o faz presidir os
trabalhos prévios (art. 68, CPPF).
A subordinação funcional é tão intensa que, para a promoção dos oficiais da
polícia há a necessidade de nota favorável do Ministério Público.
116
A polícia se
encontra sob a direção do Procurador Geral que, inclusive, pode determinar
aplicação de sanção disciplinar aos seus agentes.
117
A instrução lato senso está sob o controle do Ministério Público. A instrução
preliminar fica a cargo da Polícia (Judiciária), sob as instruções do Procurador da
República (art. 75, CPPF).
Na verdade, convivem dois sistemas de instrução prévia. O juizado de
instrução, a cargo do juiz instrutor, e outro diretamente presidido pelo Ministério
Público, para apuração de infrações penais de menor gravidade. De qualquer forma,
o juiz instrutor necessita da requisição ministerial para atuação, de modo que,
surgindo fatos novos, alheios ao objeto de requisição, cabe ao juiz instrutor solicitar
uma “requisição supletiva” (réquisitoir supplétif).
118
No juizado de instrução é o juiz de instrução quem procede todos os atos
investigatórios para a descoberta da verdade (art. 81, CPPF). Para iniciar a
116
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 91-92.
117
RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 157.
118
LOPES JÚNIOR, A. C. L. Op. cit., p. 217.
64
instrução, o juiz necessita da requisição do Ministério Público (art. 80, CPPF). Com a
requisição, o juiz colhe pessoalmente as provas, ou delega esta a competência à
Polícia (art. 151, CPPF).
No desempenho de suas funções, o Parquet pode decretar a prisão
temporária do investigado pelo prazo de 24h (vinte e quatro horas), prorrogável por
igual período (art. 63 e 77 do CPPF).
Cumpre salientar, no entanto, que o Ministério Público francês é subordinado
(chefiado) pelo Ministro da Justiça. Esta subordinação, no entanto, é apenas
administrativa e não funcional.
119
Paulo Rangel, após analisar o sistema processual penal francês, assim
desenvolve a tendência daquela ordem jurídica, sob a luz do Estado Democrático de
Direito:
A tendência, assim, é a modificação do sistema do juizado de instrução,
passando-se para o sistema acusatório com o conseqüente afastamento do
juiz da fase de persecução penal pré-processual, locando-se o Ministério
Público no verdadeiro papel, não de titular da ão penal pública, mas,
principalmente, de propulsor direto da investigação criminal, sem
desconsiderar as funções desempenhadas pela polícia de atividade
judiciária, que, na França, como vimos, está subordinada ao Ministério
Público.
120
Apesar da resistência institucional do Judiciário, pois, na lição de Aury Lopes
Júnior, na década de 90, especialmente no ano de 1993, o processo penal francês
seguiu uma linha evolutiva no sentido de dar maior protagonismo ao Ministério
Público na fase “pré-processual”, contudo, a figura do juiz de instrução ainda é
bastante forte e tem resistido às constantes tentativas de diminuir-lhe o poder de
instruir.
121
119
SAUWEN FILHO, João Francisco. Op. cit., p. 56.
120
RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 160.
121
LOPES JÚNIOR, A. C. L. Op. cit., p. 217.
65
2.4.10 Inglaterra
O processo penal inglês desenvolve-se em três fases básicas: preparatória,
intermediária e juízo.
122
A fase que interessa ao presente tema é a fase preparatória que inclui a
instrução preliminar e os atos iniciais de impulso, que são realizados pela Polícia.
Na Inglaterra a ação penal pode ser intentada por qualquer cidadão, pela
vítima, ou pela Polícia.
Na prática, uma inicial acusatória particular é rara, pois normalmente a ação
penal é intentada pela Polícia.
123
A Polícia inglesa, portanto, é a verdadeira dominus litis, nas palavras de
Edmundo Hendler: La policía tiene um amplio poder de actuación, ya que ninguna
autoridad le puede reprochar no haber iniciado alguna causa em particular, y
viceversa”.
124
Somente com a ação penal é que iniciam as atribuições mais efetivas do
Ministério Público, podendo assumir a função acusatória ou sustar o prosseguimento
do feito.
Verifica-se, portanto, que a Polícia exerce importante papel persecutório,
sendo encarregada da instrução preliminar e do exercício da ação penal.
O Ministério Público não apresenta funções investigatórias; a instrução
preliminar é toda desenvolvida pela Polícia, com algumas intervenções judiciais em
tutelas de urgência que exigem manifestação jurisdicional.
122
DELMAS-MARTY, Mireille, et alii. Op. cit., p. 229.
123
Idem, p.218.
124
HENDLER, Edmund S. Sistemas Procesales Penales Comparados: Los Sistemas Nacionales Europeos.
Temas Procesales Comparados. Buenos Aires: Ad Hoc, 1997, p. 283.
66
O Ministério Público é denominado Crown Prosecution Service (Serviço de
Persecução da Coroa).
Até 1985, a persecução penal estava confiada praticamente às Polícias
locais, com a ação penal desenvolvida por juristas recrutados por autoridades, os
denominados prosecuting solicitors.
125
Criado em 1985, o Ministério blico inglês é dirigido pelo Director of Public
Prosecutions e composto por advogados.
126
O “chefe” do Ministério Público é o Attorney General, porém não exerce
qualquer ingerência ou prevalência hierárquica sobre as Polícias dos Condados.
127
Somente em casos excepcionais a instrução preliminar é presidida ou
requisitada pelo Attorney General, máxime aquelas que envolverem a segurança do
Estado.
128
Nota-se, portanto, como menciona Valter Foleto Santin, que “o Ministério
Público inglês é incipiente e com atribuições restritas no processo penal, em virtude
da maciça intervenção da polícia, outros órgãos públicos e da iniciativa privada. É
frágil e dependente do poder político.”
129
Na verdade o Ministério Público inglês não pode ser comparado ao
brasileiro, de matiz continental, diversa do sistema da common law inglesa.
Nas palavras de Fauzi Hassan Choukr: “A estrutura inglesa ainda
desconhece um órgão estatal incumbido da acusação como o MP brasileiro, muito
embora, ainda que de forma tímida, esteja caminhando para sua adoção”.
130
125
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 73.
126
Os advogados são das categorias dos barristers ou solicitors, tratam-se de advogados contratados para a
acusação perante o juízo. DELMAS-MARTY, Mireille, et alli. Op. cit., p. 217-218.
127
SAUWEN FILHO, João Francisco. Op. cit., p. 49.
128
BASTOS, Marcelo Lessa. Op. cit., p. 75.
129
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 120.
130
CHOUKR, Fauzi Hassan. Op. cit., p. 49.
67
2.4.11 Itália
Na Itália, uma reformulação legislativa processual aboliu o juizado de
instrução, passando a instrução preliminar à presidência do Ministério Público, com
auxílio da Polícia.
Na resumida visão de Antônio Nobre Folgado:
O Código de Processo Penal italiano de 1988 eliminou o Juizado de
Instrução. A fase judicial é precedida por investigações por parte do
Ministério Público (“indagini preliminari”), ... que pode realizar diretamente
atos investigativos, ou pode delegar tais atos à polícia judiciária. ... As
investigações preliminares devem ser encerradas com o pedido de
arquivamento, ou exercício da ação penal, dentro de seis meses, ou, em
determinados casos, em um ano da data em que determinada pessoa é
investigada, mas há a previsão de prorrogação do prazo... O Ministério
Público exercita a ação penal com a “richiesta de rivio a giudizio”.
131
Embora a condução da instrução esteja a cargo do Ministério blico, foi
criada a figura do juiz da instrução preliminar (giudice per indagini preliminari),
encarregado de algumas medidas, especialmente cautelares.
A magistratura italiana é composta pela magistratura requerente (Ministério
Público) e magistratura judicante (juízes).
132
A Polícia é auxiliar do Ministério Público na instrução preliminar que dela
pode “dispor diretamente”,
133
inclusive o Procurador-Geral da República é o chefe da
“polícia judiciária”.
Tendo notícia de algum crime, a polícia comunica (sem demora e por
131
FOLGADO, Antônio Nobre. Breves notas sobre o processo penal italiano. Revista da Associação Paulista do
Ministério Público, ano 4, n. 35, p. 36-38, outubro-novembro de 2000.
132
DELMAS-MARTY, Mireille, et alli. Op. cit. p. 430.
133
Art. 327 (Código de Processo Penal italiano): Il pubblico ministero dirige le indagini e dipone direttamente
dela polizia giudiziria.
68
escrito) o Ministério Público, indicando as provas, as atividades realizadas e
entregando a respectiva documentação (art. 347, Código de Processo Penal
Italiano-CPPI).
Com base na notícia, o Ministério Público pode completar diretamente as
diligências ou se valer da Polícia para efetuar as diligências necessárias (art. 370, 1,
CPPI).
2.4.12 México
No México, a instrução preliminar é efetuada pela Polícia, sob a direção do
Ministério Público (art. 8
o
da Lei Orgânica da Procuradoria Geral da República e art.
3
o
do Código Federal de Processo Penal).
Assim, investigação e acusação estão a cargo do Ministério Público, com o
auxílio da Polícia que a ele está subordinada.
134
As características processuais que interessam diretamente à instrução
preliminar o as seguintes: instrução preliminar escrita e secreta com publicidade
restrita às partes; sumário dirigido pelo Ministério Público; ausência de separação
entre acusação, defesa e julgamento; medidas cautelares decididas por um juiz.
135
Como no Brasil, existem os Ministérios blicos Federal (Procuraduria
General de la República) e Estadual (Procuraduria General de Justicia).
Em caráter cautelar, a Procuradoria pode decretar a prisão do indiciado (art.
16, Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos) e conceder liberdade
provisória (art. 20 da Constituição Mexicana).
69
2.4.13 Paraguai
A legislação processual paraguaia sofreu recente alteração. O atual Código
de Processo Penal entrou em vigor em março de 2000.
136
A instrução preliminar é presidida pelo Ministério Público, auxiliado pela
Polícia Nacional. A participação judicial restringe-se ao controle de legalidade e
deliberação acerca de medidas cautelares.
Tendo notícia da ocorrência de algum ilícito, a Polícia paraguaia deve
informar, em até 06 (seis) horas, o Ministério Público e o Judiciário (art. 296, Código
de Processo Penal do Paraguai – CPPp)
As investigações são realizadas sob controle e direção do Ministério Público,
“para reunir ou assegurar com urgência os elementos de convicção e evitar a fuga
ou ocultação dos suspeitos” (art. 296, parágrafo 1
o
, CPPp).
O Ministério Público é livre para praticar todos os atos relacionados com a
instrução preliminar que não necessitem de autorização judicial ou que estejam sob
“reserva jurisdicional”.
um equilíbrio de atribuições entre o Parquet e o Judiciário, os fiscais
(Ministério Público) não realizam atos propriamente jurisdicionais e os juízes não
podem praticar atos de investigação, salvo algumas exceções expressas.
137
134
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 85.
135
GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 244-246.
136
O Código de Processo Penal foi instituído pela Lei 1286, de julho de 1998, teve a sua vacatio legis
prorrogada.
137
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 127.
70
2.4.14 Peru
No Peru, a instrução preliminar é conduzida pelo Ministério Público, com o
auxílio da Polícia.
Composto de três fases - investigação prévia, instrução e juízo - de modo
que as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a entes diferentes.
138
As funções ministeriais peruanas são amplas e, como indica Valter Foleto
Santin, “o seu domínio é total na ação penal, em atuação que começa com a
formação da lei, passa pela prevenção do delito, atinge a investigação prévia e
alcança a persecução penal em juízo e a reparação civil do dano”.
De fato, uma passada de olhos pela Constituição Peruana bem demonstra o
papel do Ministério Público (art. 159), um organismo autônomo, com as seguintes
funções: promover de ofício ou a pedido da parte a ação judicial em defesa da
legalidade e dos interesses públicos tutelados pelo direito; velar pela independência
dos órgãos jurisdicionais e pela correta administração da justiça; representar a
sociedade nos processos judiciais; conduzir, desde o início, a investigação do delito;
exercer a ação penal, de ofício ou por representação da vítima; exercer a iniciativa
para a formação das leis; comunicar ao Congresso ou ao Presidente da República
dos vazios ou defeitos da legislação.
138
Idem, p. 108-109.
71
2.4.15 Portugal
O Código de Processo Penal Português é considerado, por parte da
doutrina, como um dos códigos mais modernos da atualidade.
139
A instrução preliminar é conduzida pelo Ministério Público que, para o
desenvolvimento das atividades investigatórias, conta com o auxílio da Polícia.
140
A participação judicial restringe-se à autorização de medidas cautelares e
presidência de eventual antecipação de provas, realizada sob o crivo do
contraditório.
A figura do juiz instrutor no sistema lusitano é basicamente garantista, como
atesta Aury Lopes Júnior:
Junto ao MP, intervém um juiz da instrução, com a necessária posição de
garante, mas que também é chamado a praticar alguns atos específicos,
que, por sua importância, entendeu o legislador português ser necessária a
sua presença mais ativa. Por isso, classificamos a atuação do juiz em dois
grupos investigação e garantia -, mas destacamos que, apesar da
aparente atividade instrutória do juiz, na verdade o protagonismo é do
promotor e que não existe a figura do juiz-instrutor. Prevalece, claramente, a
postura garantista.
141
142
Assim como ocorre no Brasil e, diferentemente do que ocorre na maioria dos
países europeus, o juiz que participa da instrução preliminar é o mesmo do
julgamento, vale dizer, a participação na fase de instrução preliminar o torna
prevento.
143
139
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 112.
140
A literalidade do dispositivo do Código Lusitano não deixa qualquer dúvida:
“Art. 263 - 1. A direção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal. 2.
Para efeito do disposto no número anterior, os órgãos de polícia criminal actuam sob a direta orientação do
Ministério Público e na sua dependência funcional”.
141
LOPES JÚNIOR, A. C. L. Op. cit., p. 236-237.
142
No mesmo sentido: RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 162.
143
GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 251.
72
A Polícia presta assistência ao Ministério blico na condução da instrução
preliminar, agindo sob direta orientação do órgão ministerial e na sua dependência
funcional (art. 263, Código de Processo Penal Português – CPPP).
144
O Ministério Público pode, ainda, delegar a realização de algumas
diligências investigatórias à Polícia (art. 270, CPPP).
Em Portugal o Ministério blico faz parte do Poder Judiciário, por expressa
previsão constitucional, sendo os membros do Ministério Público denominados
também de magistrados.
145
Encerrada a instrução preliminar, ocorre, em juízo, uma nova fase de
instrução que não se confunde com a antecessora, como explica Manuel Lopes
Maia Gonçalves:
A instrução não é um novo inquérito, mas tão um momento processual
de comprovação.
Trata-se de uma fase dotada de uma audiência rápida e informal, mas oral e
contraditória, destinada a comprovar judicialmente a decisão do MP de
acusar ou não acusar, e que portanto termina por um despacho de
pronúncia ou de não pronúncia.
146
2.4.16 Uruguai
O processo penal uruguaio é dividido em duas etapas, a instrução
(presumário e sumário) e o juízo (debate), podendo ser antecedida de uma instrução
144
REMÉDIO, Alberto Esteves. Sobre o inquérito e o projecto de código de processo penal. Revista do
Ministério Público, cadernos, n. 2, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Lisboa: editorial Minerva,
p. 105-113, 1988.
145
LOPES JÚNIOR, A. C. L. Op. cit., p. 236.
146
GONÇALVES, Manuel Lopes Maia. Código de Processo Penal Português Anotado. 10ed., Coimbra:
Almedina, 1999, p. 542.
73
preliminar sob a presidência da Polícia.
O processo tem fortes traços inquisitivos.
A instrução é escrita e secreta. O presumário é, de certa forma, uma fase de
averiguações, sem contraditório. O sumário é presidido por um juiz, o havendo
divisão entre as funções de acusação, defesa e julgamento, a parte pode solicitar a
produção de provas, que pode ser indeferida. As medidas cautelares são decididas
pelo próprio juízo investigante.
147
Como relata Valter Foleto Santin,
148
“há uma pressão doutrinária e de certas
autoridades uruguaias, no sentido de imprimir maior contraditório ao sistema
processual penal daquele país, com a incumbência instrutória preliminar ao
Ministério Público”.
147
GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 244-245.
148
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 97.
74
3 PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
3.1 PERMISSIVO CONSTITUCIONAL E LEGAL
3.1.1 Competência Instrutória Originária
A primeira consideração a ser realizada é no sentido que a “atribuição
investigatória” do Ministério Público, na presidência da instrução preliminar, decorre
diretamente da Constituição Federal, que é complementada pela legislação
infraconstitucional.
A interpretação dos dispositivos pertinentes, no entanto, superam a mera
literalidade dos textos normativos. Como assinalam Lenio Luiz Streck e Luciano
Feldens, “as funções institucionais acometidas ao Ministério Público não se esgotam
na literalidade mesma do art. 129 da Constituição”.
149
No âmbito constitucional o permissivo decorre da hermenêutica do art. 129
do texto magno, incisos VI e IX, combinados com os arts. 8
o
da Lei Complementar
75/93 e 26, “d”, da Lei 8.625/93.
A Constituição Federal estipula como missão (genérica) do Ministério
Público brasileiro: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
149
STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 06.
75
Em seguida, reza como funções institucionais:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo
as medidas necessárias a sua garantia;
III promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos;
IV promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins
de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição;
V defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas;
VI expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los,
na forma da lei complementar respectiva;
VII exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior;
VIII requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais;
IX exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação
judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
(grifo nosso)
A Lei Complementar n.º 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União),
responsável, entre outras, pelo estabelecimento das atribuições do Ministério Público
(art. 128, § 5
o
, Constituição Federal), estipula:
Art. 8
o
. Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União
poderá, nos procedimentos de sua competência:
I notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de
ausência injustificada;
II requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades
da Administração Pública direta ou indireta;
III requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus
servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades
específicas;
IV – requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V – realizar inspeções e diligências investigatórias;
VI ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as
normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade de domicílio;
VII expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e
inquéritos que instaurar;
VIII – ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público
ou relativo a serviço de relevância pública;
76
IX – requisitar o auxílio de força policial.
(grifo nosso)
Por fim, a Lei Federal 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público), traz dispositivo semelhante:
Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I – (...)
c) promover inspeções e diligências investigatórias.
O que se percebe, da hermenêutica dos dispositivos colacionados, é a
atribuição constitucional e infraconstitucional do Ministério Público na condução
(presidência) da instrução preliminar.
Isso porque, conforme o texto constitucional, o Ministério Público é
acometido de atribuições instrutórias “nos procedimentos administrativos de sua
competência”, “na forma da lei complementar respectiva” (art. 129, VI, CF). Além do
que, no exercício de suas funções, é facultado ao Ministério Público “efetuar
diligências instrutórias” (art. 8
o
, V, LC/75 e art. 26, I, c, L 8.625/93).
Ora, o que é, formalmente, a instrução preliminar presidida pelo Ministério
Público senão um procedimento administrativo de sua “competência”, rectius,
atribuição?
muito está assente que a instrução preliminar é um procedimento
administrativo, seja materializado em inquérito policial, seja em outro desenvolvido
por autoridade competente.
150
São as palavras de João Gualberto Garcez Ramos que, dentre outros
atributos, acentua o caráter administrativo do inquérito policial:
150
Sobre a natureza do inquérito policial vide: RAMOS, João Gualberto Garcez. A tutela de urgência no
processo penal brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 258.
77
O inquérito policial é, também, medida administrativa, porque conduzida
pela autoridade policial que – conforme indica o particípio delegado (de
polícia) transformado em substantivo substitui-se ao Juiz na sua
condução; sem poder jurisdicional, obviamente, mas com um poder
discricionário substancialmente similar àquele.
151
A Lei Complementar 75/93 é, formal e materialmente, uma lei complementar
segundo o processo legislativo constitucional. Qualquer alegação de
inconstitucionalidade beiraria a insanidade jurídica, isto pelo menos os críticos dos
poderes investigatórios do Ministério Público não ousam cogitar.
Da mesma forma, o que são diligências investigatórias senão o exercício
material das atividades consistentes da instrução preliminar, nos moldes vistos nas
diversas definições apresentadas para ditas atividades?
Alguns chegam a mencionar que o permissivo constitucional investigatório
restringe-se à esfera civil, no campo do inquérito civil.
É a opinião, por exemplo, de Antônio Evaristo de Moraes Filho
152
e Rogério
Lauria Tucci, in verbis:
(...) o legislador brasileiro, tanto no plano constitucional, como no
infraconstitucional, estabeleceu, destarte, gritante distinção entre as funções
ministeriais no campo penal e as exercentes em sede extrapenal.
Realmente, regrou o inquérito civil e outros procedimentos correlatos, de
modo a conferir ao Ministério Público a sua realização de forma inquisitiva,
comandando a produção de provas e a colheita de todos os elementos de
convicção indispensáveis à propositura da ação apropriada à “proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos”.
E, de outra banda, definiu, repita-se, com igual clareza, e de maneira
insofismável, as atribuições ministeriais na persecutio criminis, restritas,
apenas, a: a) requisitar diligências investigatórias e a instauração de
inquérito policial, fundamentando, sempre e cumpridamente, a respectiva
proposição; b) acompanhar a tramitação da informatio delicti, realizada pela
autoridade policial; e, c) exercer o controle externo da atividade policial, na
forma determinada em diploma legal pertinente.
153
151
RAMOS, João Gualberto Garcez. Op. cit., p. 261.
152
MORAES FILHO, Antônio Evaristo de. O Ministério Público e o inquérito policial. Revista Brasileira de
Ciências Criminais, n. 19, 1997, p. 105.
153
TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 77-78.
78
O argumento não prospera, pois como ensina Hugo Nigro Mazzilli:
(...) também se incluem investigações destinadas à coleta direta de
elementos de convicção para a opinio delicti, porque se destinados apenas
à área civil bastaria o inquérito civil (inciso III) e o poder de requisitar
informações e diligências não se exaure na esfera civil, atingindo também a
área destinada a investigações criminais.
154
O que fez a legislação infraconstitucional foi dar cabo ao mandamento
constitucional no sentido de explicitar as funções ministeriais.
Além do mais, como interroga Valter Foleto Santin, “para que serviria o
poder de expedir notificação e requisitar informes e documentos para a sua instrução
se o Ministério Público não pudesse instaurar os procedimentos administrativos?”
155
Vale não deslembrar, que cabe ao Ministério Público, por força do mesmo
mandamento constitucional, o exercício de outras funções que lhe forem conferidas,
com a ressalva da pertinência à finalidade institucional e a vedação de
representação judicial e consultoria jurídica de entidades blicas (art. 129, IX,
CF).
156
Como ensina o constitucionalista Clèmerson Merlin Clève:
Nem mesmo uma literal, histórica e restritiva das funções institucionais do
Ministério Público poderia, sem quedar em erro grosseiro, afirmar que as
atribuições prescritas no art. 129 da Constituição Federal são taxativas.
Claro que a cláusula de abertura não é ilimitada, seja do ponto de vista
negativo (há restrições quanto a representação judicial e consultoria jurídica
a entidades públicas), seja do ponto de vista positivo (a função que não está
expressa deve ser adequada à finalidade do Ministério Público).
157
A compatibilidade é evidente.
154
MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 121.
155
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 241.
156
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 460.
157
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Investigação criminal e Ministério Público. Jus navegandi, Teresina, a. 8, n. 450,
30 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5760>. Acesso em 09 nov. 2005, p.
11-12.
79
Como se tem afirmado, a instrução preliminar não é um fim em si mesma
senão um instrumento a serviço da cognição necessária à opinio delicti. “Tem clara
natureza preparatória para o juízo de pertinência da ação penal.”
158
Na lição de Aury Lopez nior, “trata-se de uma instrumentalidade
qualificada, pois a instrução preliminar está a serviço do instrumento-processo”.
159
O autor citado inclusive faz pertinente analogia à obra de CALAMANDREI
160
,
no sentido de que se está diante de uma instrumentalidade eventual e qualificada
elevada ao quadrado, por não ser um fim em si mesma, mas um instrumento a
serviço do instrumento-processo.
Novamente na voz de Clèmerson Merlin Clève:
O atendimento do requisito de compatibilidade com a finalidade institucional
transparece, então, diante da primeira das funções do Ministério Público
prevista pela Constituição, qual seja, a promoção da ação penal de iniciativa
pública, com a qual estabelece clara vinculação.
161
O dispositivo constitucional, de “fechamento hermenêutico”, permite uma
interpretação analógica às funções ministeriais, dentro de uma compatibilidade
funcional.
A compatibilidade teleológica é ainda explicitada por Lenio Streck e Luciano
Feldens, embora antecipando alguns pontos doravante explorados:
(...) VI Como consectário lógico dessa transformação paradigmática
havida na teoria do Estado e do Direito, o Ministério Público, que tem sua
raiz histórica predominantemente conectada ao combate dos crimes que
colocam em risco os interesses das camadas dominantes da Sociedade (via
de regra, a propriedade privada), recebe, inegavelmente, um novo
delineamento jurídico-constitucional a partir de 1988. E não poderia ser
diferente, na medida em que o próprio Poder Judiciário passa ostentar um
158
Idem, p. 13.
159
LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. Op. cit., p. 46.
160
CALAMANDREI, Introduzione allo Studio Sistemático dei Provedimento Cautelari. Padova, CEDAM,
1936.
161
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 13.
80
relevo nunca dantes alcançado, o que pode ser constatado pelos perfis
intervencionistas assumidos pelos Tribunais Constitucionais surgidos nas
democracias contemporâneas a partir do segundo pós-guerra, a ponto, por
exemplo, de o Bundesverfassungsgerich no que viria a ser seguido por
outras Cortes congêneres, como Tribunal Constitucional espanhol – inquinar
de inconstitucional uma lei do parlamento que discriminalizava, sob
determinados pressupostos, o delito de aborto. Principiava-se, assim, por
estabelecer-se marcos delimitadores à liberdade de conformação do
legislador (penal).
VII Para esse desiderato representado pelo compromisso das
instituições de construir um Estado Social (que no Brasil foi um simulacro
até então) o poder constituinte brasileiro, na senda das preciosas lições
dessa tradição inaugurada pelo (neo)constitucionalismo europeu, arquitetou,
no plano institucional, um Ministério Público com garantias similares às do
Poder Judiciário, alcançando, demais disso, a guardião dos interesses
transindividuais da Sociedade e do próprio regime democrático. Conferiu-se-
lhe, assim, as incumbências inscritas no art. 129 da Constituição,
destacando-se, no particular, a de promoção da ação penal pública e a de
controle da atividade policial, o que adviria exatamente como conseqüência
da virada paradigmática decorrente de um novo olhar sob o combate ao
crime. Ou seja, se até então tínhamos um Ministério Público dependente do
Poder Executivo, repassador de provas realizadas por uma polícia sem
independência, era chegado o momento de controlar-se a atuação das
polícias brasileiras.
162
Assim, a legitimidade para a presidência da instrução preliminar “decorre da
nova ordem constitucional e nela deve ser compreendida”.
163
Ainda: “se das
deliberações dos Constituintes não pode ser deduzida a proibição da ação
ministerial no campo investigatório criminal, eis que tal ação decorre, naturalmente,
da interpretação atualizada do texto constitucional vigente, com mais razão o mesmo
ocorrerá quando em questão as deliberações do legislador ordinário.”
164
As funções instrutórias, senão decorrências diretas do texto constitucional,
decorrem dos dispositivos infraconstitucionais transcritos, e não como negar a
pertinência temático-institucional das diligências instrutórias à finalidade buscada
pelo Ministério Público. Além disto, passam longe de se tratarem de representação
judicial ou consultoria jurídica de entidade pública.
Novamente, no ensinamento de Clèmerson Merlin Clève:
162
STRECK, Lenio; FELDENS, Luciano. Op. cit., p 05-06.
163
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 05.
164
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 05.
81
A legitimação do poder investigatório do Ministério Público tem, portanto,
sede constitucional e, no plano infraconstitucional, autoridade própria de lei
complementar. A Lei Complementar n. 75 de 1993 apenas conformou no
plano infraconstitucional o que já podia ser deduzido a partir da leitura da
Constituição. A cláusula de abertura opera um reforço na esfera de
atribuições do Ministério Público, que fica potencializado com a ão do
legislador complementar.
165
3.1.2 Competência Instrutória Decorrente
A competência instrutória do Ministério Público na condução (presidência) da
instrução preliminar decorre, portanto, da melhor hermenêutica dos textos legais,
seja na ordem constitucional, seja na ordem do legislador ordinário e complementar.
Em que pese a atribuição direta (originária), outro argumento ainda pode ser
utilizado no sentido positivo das atribuições ministeriais, vale dizer, um juízo a
fortiori, que da mesma forma corrobora com o posicionamento esposado. Um
argumento, portanto, de ordem indireta, ou seja, decorrente.
De fato, se ao Ministério Público a nova ordem constitucional atribui o mister
de dominus litis, literalmente o “dono da ação penal”, a fortiori, também lhe atribuiu
as condições necessárias para o exercício deste mister, isto é, a condução da
instrução preliminar nos casos em que o exercício da ação penal, real ou
potencialmente, possa estar limitado ou impedido.
Outra não é a lição de Valter Foleto Santin:
O constituinte concedeu a privatividade da ação penal ao Ministério Público
(art. 129, I). A interpretação da ‘ação penal deve englobar a ação penal
165
Idem, p. 12.
82
propriamente dita e as providências antecedentes para permitir o seu
desencadeamento, os atos de investigação criminal.
Se as investigações criminais forem insuficientes para embasar a
denúncia penal, o encargo constitucional será inócuo. É um grande
contra-senso garantir privativamente o exercício da ação penal e impedir o
desempenho de atos investigatórios. A investigação prévia é acessória; a
ação penal, principal. Quem pode o mais (promover a ação penal),
pode o menos (fazer investigação criminal).
166
167
(grifo nosso)
Não monopólio (ou como querem alguns exclusividade) na instrução
preliminar, se cabe ao órgão policial proporcionar elementos de convicção ao
Ministério Público, a este é facultado dar orientações investigativas ou participar
diretamente delas “em função do interesse punitivo do Estado, pois quem pode o
mais, pode o menos”.
168
169
Existem circunstâncias, de diversas ordens que impedem ou dificultam a
atuação da polícia, como se visto adiante, para as quais a atuação ministerial,
cercada das prerrogativas e garantias constitucionais, desponta com maior
eficiência, isto para além de qualquer esdrúxula análise de competição institucional
que tem guiado alguns debates corporativos. Como exemplo destas situações
poder-se-ia citar, com Hugo Nigro Mazzilli, os crimes, em tese, praticados por
policiais (quiçá Delegados de Polícia) ou praticados por “altas” autoridades. Em
suma, nas hipóteses em que a polícia tenha dificuldades ou desinteresse em
conduzir investigações.
170
166
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 240.
167
No mesmo sentido vide: FARIAS, Cristiano Chaves de. A investigação criminal direta pelo Ministério
Público e a inexistência de impedimento/suspeição para o oferecimento da denúncia. Revista do Ministério
Público do Estado da Bahia, v. 8, n. 10, p. 278, janeiro-dezembro 1999.
168
CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Op. cit., p. 04.
169
No mesmo sentido: LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto de. A investigação criminal diante das organizações
criminosas e o posicionamento do Ministério Público. Revista dos Tribunais, fascículo penal, São Paulo, v. 91, n.
795, p. 411-451, janeiro 2002.
170
MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 2ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 144-145.
83
Outra não pode ser a interpretação das atribuições ministeriais sob pena de
ferir de morte a missão constitucional atribuída e subordinar a atuação ministerial à
“eficiência” (ou não) de outro órgão da república, no caso, a Polícia brasileira.
Cumpre não deslembrar que as requisições ministeriais não podem ser
desatendidas pela autoridade policial. É ilógico conceber que o Ministério Público
tenha poderes requisitórios, mas não possa sponte propria desencadear a atividade
que entenda necessária ao desempenha de sua principal função no campo penal, o
exercício da ação penal.
Com retórica interrogativa interessante, Sérgio Demoro Hamilton
complementa a argumentação:
Por que o Ministério Público pode requisitar diligências à autoridade policial
(que, obviamente, não podem ser desatendidas) e não dispõe do poder de,
ele mesmo, realizá-las?
(...) Por que o Ministério Público pode requisitar diretamente provas diversas
(documental, pericial, etc.) mas lhe seria vedada a colheita direta da prova
oral?
Qual a diferença de essência que existe entre aqueles meios de prova,
que todos enumerados no Título da Prova (art. 155 a 250 do CPP)?
(...) De nada valeriam tais poderes, caso o Ministério Público não pudesse,
sponte sua, promover de forma autônoma a investigação necessária
quando a Polícia não se apresente capaz não importa a razão de obter
dados indispensáveis para o exercício de dever afeto à Instituição.
(...) Na verdade, como de fácil compreensão, a Constituição Federal, ao
conferir ao Ministério Público a faculdade de requisitar e de notificar (art.
129, VI), defere-lhe, ipso facto, o poder de investigar, no qual aquelas
atribuições se subsumem.
171
Neste passo, o controle externo da atividade policial nem pode ser utilizado
como contra-argumento, eis que o controle é externo e não alcança o conteúdo do
inquérito policial de maneira direta, nem o juízo sobre a não-abertura de
procedimentos instrutórios, o que limita, em muito, este tipo de controle.
171
HAMILTON, Sérgio Demoro. Temas de Processo Penal. 2ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 212-215.
84
Somente seria possível a tese contra-argumentativa se houvesse um
controle interno, de subordinação funcional, o que é inexistente no sistema nacional,
ao contrário de muitos outros sistemas adotados mundo afora, como visto supra.
Em raciocínio semelhante, absolutamente aplicável à afamada Teoria dos
Poderes Implícitos, de origem estadunidense, no sentido de que, se o constituinte
originário concedeu ao Ministério Público o exercício privativo da ação penal,
implicitamente também concedeu os meios necessários para a consecução de seus
objetivos institucionais.
Ora, a instrução preliminar é o meio para a cognição necessária ao exercício
da ação penal, privativa do Ministério Público. Cercear a possibilidade de condução
direta seria, eventualmente, privar o Ministério Público do exercício da atribuição
constitucional conferida, máxime diante de situações diversas de ineficiência, total
ou parcial, do organismo policial, decorrentes de fatores de inúmeras ordens, como
visto.
Como ensinam os Procuradores da República Aloísio Firmo Guimarães da
Silva, Maria Emília Moraes de Araújo e Paulo Fernando Corrêa:
Importa consignar, outrossim, que a esse mesmo resultado se chegaria,
ainda que não se considerasse explícita a autorização constitucional para a
condução de investigações criminais diretamente pelo órgão do Ministério
Público, invocando-se a Teoria dos Poderes Implícitos, cunhada pela
Suprema Corte norte-americana no julgamento do caso MacCulloch vs.
Maryland, de aplicação corrente no direito constitucional pátrio, segundo a
qual quando o constituinte concede a determinado órgão ou instituição uma
função (atividade-fim), implicitamente estará concedendo-lhe os meios
necessários ao atingimento do seu objetivo, sob pena de ser frustrado o
exercício do munus constitucional que lhe foi cometido.
Por conseguinte, se incumbe ao Ministério Público, privativamente, o
exercício da ação penal de iniciativa pública, é forçoso concluir que estarão
compreendidos entre seus poderes e prerrogativas institucionais o de
produzir provas e investigar a ocorrência de indícios que justifiquem sua
atuação na persecução penal preliminar, instaurando o procedimento
administrativo pertinente (art. 129, VI, da Carta Política), devendo assim
proceder sempre que a atuação da Polícia Judiciária possa revelar-se
insuficiente à satisfação do interesse público consubstanciado na apuração
da verdade real (p. ex., quando ocorrer falta de isenção para apurar
determinada infração penal, haja vista o envolvimento de outros policiais),
85
ou, como assevera Hugo Nigro Mazzilli, a iniciativa investigatória do
Ministério Público é de todo necessário, sobretudo nas hipóteses em que a
polícia tenha dificuldades ou desinteresse em conduzir as investigações”.
172
173
Visão interessante e com certa semelhança apresenta Márcio Antônio
Inacarato:
Temos para nós que “atribuições” são o gênero, a que pertencem quer os
direitos, poderes e faculdades, quer os deveres e obrigações do Ministério
Público no exercício de sua função acusatória no processo penal.
os “poderes” são justamente as faculdades, os direitos d que e deve
dotar o Ministério Público para o bom e eficaz desempenho de sua missão.
“Meios”, finalmente, são os instrumentos que se colocam à disposição do
Ministério Público para o exercício de seus poderes e atribuições.
(...)
Se o Ministério Público é realmente o “dominus litis” – o titular da ação penal
o órgão do “jus acusationis” e do “jus puniendi” do Estado, visando à final
condenação dos culpados, com à unanimidade reconhecem os tratadistas,
forçoso é de se concluir que lhe deveriam ser outorgados todos os
172
SILVA, Aloísio Firmo Guimarães da; ARAÚJO, Maria Emília Moraes de; CORRÊA, Paulo Fernando. Ainda
e sempre a investigação criminal direta pelo Ministério Público. Jus navegandi, Teresina, a. 3, n. 31, mai. 1999.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1054>. Acesso em: 09 nov. 2005, p. 03.
173
No mesmo sentido:
RIBEIRO, Diego Diniz. A intervenção do Ministério Público na investigação criminal: a figura do promotor-
investigador. Boletim IBCCRIM, v. 10, n. 121, dezembro 2002, p. 11. Sendo assim, respaldando-se na teoria
dos poderes implícitos, conclui-se que, se o constituinte atribui a uma determinada instituição uma atividade fim,
também está ele, ainda que implicitamente, lhe outorgando a atividades meio, pois, do contrário, aquela
atividade restaria prejudicada, não passando a disposição legal que a previu de uma determinação vazia e sem
efetividade prática.”
BASTOS, Marcelo Lessa. A investigação nos crimes de ação penal de iniciativa pública. Papel do Ministério
Público. Uma abordagem à luz do sistema acusatório e do garantismo. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris,
2004: “Partindo da premissa de que entre dispositivos constitucionais não pode haver hierarquia, só resta
concluir que têm de conviverem, harmonicamente, os art. 129 e 144 da Constituição (...) Se o Ministério Público
é o único legitimado a exercer a ação penal de iniciativa pública e se este exercício lhe é obrigatório a partir do
momento em que se reúnem no procedimento preparatório as condições da ação e os pressupostos processuais,
por conseguinte, tem que poder colher os meios de que necessita para o desempenho de seu munus constitucional
que, antes de um direito, é um dever que decorre das normas infraconstitucionais que regulam o exercício da
ação de iniciativa pública. (...) o Ministério Público situa-se no processo penal como mero autor da ação, da
mesma forma que um particular pode vir a ser autor de uma ação de natureza civil. Nunca se discutiu que este
particular não possa recolher os elementos necessários ao ajuizamento de sua ação civil. (...) Estando a
investigação ligada por indissolúvel vínculo de finalidade com o exercício da ação penal, esta também, por
tabele, é acometida ao Parquet”. (...) Quem pode mandar fazer implicitamente pode fazer aquilo que pode
mandar. Do contrário, sentido algum haveria em se poder mandar fazer aquilo que, por meios próprios, não se
poderia alcançar.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 327: “Ora, se o Ministério
Público é o único legitimado a exercer a ão penal pública (art. 129, inc. I, da CF), e se a atividade de Polícia
Judiciária, concretizada no inquérito policial, é que irá aparelhar o Parquet para oferecer sua denúncia, é até
mesmo intuitivo que o promotor de Justiça deva dispor de mecanismos técnico-jurídicos que permitam exercer
plenamente a sua atribuição-fim, qual seja, instaurar a persecutio criminis in judicio. Não tivesse expresso na
Constituição e na legislação ordinária, de qualquer sorte tratar-se-ia dos chamados ‘poderes implícitos’.”
86
meios,atribuições e poderes necessários à consecução de seus objetivos.
174
3.2 NOVA CRIMINALIDADE E RESPECTIVO MODELO PERSECUTÓRIO PENAL
O fenômeno “crime” tem sofrido algumas alterações contemporâneas. Seja
em relação à visão de doutrinadores, especialmente no campo da chamada nova
criminologia, seja em relação ao próprio fenômeno em si, com práticas criminosas
bastante diferenciadas, sem precedentes históricos.
Desvendar os principais efeitos destas mudanças no aparelho persecutório
estatal, sob a via da ampliação da atuação do Ministério Público, principalmente da
condução direta da instrução preliminar, é o objetivo deste capítulo.
3.2.1 O Novo Paradigma Criminológico (Criminologia Crítica)
Os estudos criminológicos têm sofrido profundas modificações na
contemporaneidade, superando um (classista) paradigma etiológico para inserções
174
INCARATO, Márcio Antônio. Função do Ministério Público na repressão ao crime atribuições, poderes e
meios de atuação. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 63, n. 462, p. 314, abril 1974.
87
sociológicas de maior envergadura.
Como uma das conseqüências principais decorre um “desvio de atenção”
persecutória dos delitos tradicionalmente praticados por classes subalternas
(basicamente delitos patrimoniais) para os “atos lesivos” praticados por classes
economicamente privilegiadas (criminalidade econômica, política, eleitoral,
ambiental, enfim, da “grande criminalidade organizada”).
Muitos poderiam ter sido os enfoques para o trato e apresentação da
mudança paradigmática criminológica. Ao invés da simples reprodução dos autores
consagrados, preferiu-se uma versão original, vale dizer, “a apresentação da nova
criminologia, sob a via da ética da libertação”.
Embora apresentada de maneira breve, a união entre a criminologia crítica e
filosofia (pura), demonstra contornos inquietantes, mas não de menor interesse.
Enrique Dussel, filósofo argentino, um dos corifeus da transmodernidade,
lançou as bases da denominada “Ética da Libertação”,
175
partindo da realidade de
globalização-exclusão no contemporâneo “sistema-mundo”.
176
Desenvolvendo um viés teórico calcado em seis momentos tópicos, sintetiza
175
O próprio autor intitula-se transmoderno: uma segunda posição, a partir da periferia, que considera o
processo da modernidade como a indicada gestão” racional do sistema-mundo. Esta posição tenta recuperar o
recuperável da modernidade, e negar a dominação e exclusão do sistema-mundo. É, então, um projeto de
libertação da periferia negada desde a origem da modernidade. O problema não é a mera superação da razão
instrumental (como para Habermas) ou da razão do terror dos pós-modernos, mas a superação do próprio
sistema-mundo tal como foi desenvolvido até hoje durante 500 anos. O problema que se descobre é o
esgotamento de um sistema civilizatório que chega a seu fim. A superação da razão cínica-gerencial
(administrativa mundial) do capitalismo (como sistema econômico), do liberalismo (como sistema político), do
eurocentrismo (como ideologia), do machismo (na erótica), do predomínio da raça branca (no racismo), da
destruição da natureza (na ecologia), etc., supõe a libertação de diversos tipos de vítimas oprimidos e/ou
excluídos. É neste sentido que a ética da libertação se define como transmoderna (já que os pós-modernos
são ainda eurocêntricos)(grifo nosso). DUSSEL, Enrique. Op. cit., p. 65.
176
Sistema-mundo para Dussel constitui o sistema inter-regional em sua fase atual, mundial ou planetária,
surgida quando a Europa, até então periférica, substitui o mundo muçulmano-turco e constitui o primeiro
sistema-mundo propriamente dito, colocando a Amerindia como sua primeira periferia, processo iniciado desde
o século XV. Ele usa a expressão “centro” e “periferia” como os horizontes culturais de “mundos de vida”
determinados por seu lugar dentro do sistema-mundo, sendo o centro constituído pelos países do Norte (Europa
Ocidental, Estados Unidos e Japão), estando a China e Rússia em uma posição especial, sendo “o resto”, a
periferia. Trecho baseado e extraído da Tese 1 da obra citada, p. 631.
88
o ato bom como aquele verdadeiro, válido e factível.
177
Imerso em um dos momentos, precisamente ao tratar da nova factibilidade
ética frente aos novos sujeitos históricos, Dussel aborda a questão da violência, e
com ela toda uma gama de categorias, tal como a dicotomia legalidade e
legitimidade de coação.
178
Com a ciência penal e processual penal emerge a figura do operador do
Direito e seu papel, talvez personalizado na figura do “perito”, na linguagem de
Dussel, capaz de desempenhar importante função na “transformação” da
realidade.
179
A grande questão a ser enfrentada (quem sabe respondida, ou ao menos
proposta) é saber: “Quando o Direito Penal torna-se pura violência e passa a
“vitimizar” criminosos?” (O paradoxo “vítima-criminoso” é proposital). É aí que parece
ter lugar a nova criminologia.
177
Conforme apresentação da obra: Na primeira parte (Dussel) aborda uma crítica às morais formais (Kant,
Rawls, Apel, Habermas) a partir de um princípio material ou de conteúdo com pretensão de universalidade: o
dever de produzir, reproduzir e desenvolver a vida humana em comunidade. O princípio da factibilidade ética,
por sua vez, permite que o cumprimento do ato, instituição ou sistema de eticidade possa ter a pretensão de
bondade. Na segunda parte dada a impossibilidade de que o referido ato, instituição ou sistema de eticidade
“bons” possam ter pretensão de perfeição acabada – descobrem-se os que “sofrem” em sua corporalidade
vulnerável a impossibilidade de viver, o fato de serem excluídos. Trata-se das vítimas, no dizer de Marx,
Horkheimer, Benjamim, Nietzshe, Freud ou Lévinas. A partir das vítimas começa propriamente o discurso da
ética da libertação, em seu nível negativo material (devem poder viver), no nível do princípio discursivo crítico
(devem poder participar da argumentação), culminando tudo no princípio crítico negativo de factibilidade: o
princípio-libertação, que inspira as transformações com pretensão de justiça. DUSSEL, Enrique. Op. cit.
178
Idem, p. 544-558.
179
A expressão “transformação” tem uma conotação toda especial em Dussel. Criticando Rosa de Luxemburgo
que contrapõe reforma social e revolução, entendendo como reformista aquele que, pretendendo cumprir com os
princípios revolucionários, caiu na 'adaptabilidade do capitalismo' (p. 536), Dussel acrescenta uma terceira via, a
transformação, conceito onde a noção de revolução estaria contido, senão vejamos in verbis (p. 538/539): “Mas
para a Ética da Libertação, de modo diferente da de Luxemburg, a ão ética contrária à práxis funcional (a que
se cumpre em sistema sem contradição) ou reformista (a que tem consciência e que explicar criticamente as
razões de sua ação conformista) não é a 'revolução' mas a 'transformação'. Isto é de grande importância
estratégica (e até tática) porque, se a ética da libertação tentasse justificar a bondade do ato humano só a partir da
'revolução', exclusivamente, teria destruído a possibilidade de uma ética crítica (ou de libertação) da vida
cotidiana. (...) a transformação crítica de um sistema de eticidade completo (uma cultura, um sistema
econômico, um estado, uma nação, etc.) leva o nome de 'revolução'. 'Transformar é mudar o rumo de uma
intenção, o conteúdo de uma norma: modificar uma ação ou instituição possíveis, e até um sistema de eticidade
completo, em vista dos critérios e princípios éticos ...”.
89
Como visto em apertada síntese, o agir ético pode ser qualificado como
“bom” se for, ao mesmo tempo, verdadeiro, válido e factível, isto é, deve atender,
simultânea e respectivamente, os critérios e princípios material, formal e de
factibilidade.
Assim, dentro de qualquer sistema de eticidade (onde certamente podem ser
incluídos as instituições persecutório-penais), o comportamento (a atitude, a obra, o
ato) deve realizar um componente material que, de maneira ampla, possa buscar (ou
preservar) a produção, reprodução ou desenvolvimento da vida humana.
Ao mesmo tempo deve satisfazer um componente formal, ou de validade, a
partir do reconhecimento recíproco de igualdade entre todos os participantes
afetados, que por isso devem participar simetricamente das discussões
argumentativas, livres de qualquer outra coação que não a do argumento.
Por fim, o ato deve satisfazer o componente da factibilidade, considerando
calculadamente, com racionalidade instrumental (meio-fim), as condições empíricas,
tecnológicas, econômicas, jurídicas, etc., isto é, o ato não precisa ser “perfeitamente
bom”, o que seria impossível, mas “aproximadamente bom”, dentro de um marco de
possibilidade prática.
Paralela à eticidade, a categoria “violência” sempre preocupou os estudiosos
dos “paradigmas societatise, à cavaleiro, dos operadores do Direito. Em corte não
menos arbitrário, senão necessário, a “violência” remonta a noção de autoridade
desenvolvida por Hanna Arendt (partindo da filosofia grega)
180
contraposta à noção
de enforceability do pensamento de Jacques Derrida.
181
A abordagem estaria ainda
mais incompleta sem menção a Marx, para quem, a violência é a “parteira da
180
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: editora Perspectiva, 2002.
181
DERRIDA, Jaques. Force de loi: le fondement mystique de l´autorité. Cardoso Law Review. v. 11. july/aug.
1990. nunbers 5-6. p. 920-1045.
90
história”.
182
De fato, em “O Capital”, Marx defende que a violência é a parteira de
toda velha sociedade prenhe de uma nova”.
183
Na interpretação de Hanna Arendt, significa que as forças ocultas do
desenvolvimento da produtividade humana, na medida em que dependem da ação
humana livre e consciente, somente vêem à luz através de guerras e revoluções.
Continuando com a empresa de Marx, à luz de Hannah Arendt, no âmbito
interno, a violência, ou antes, a posse dos meios de violência, é o instrumento da
classe dominante por meio do qual ela oprime e explora, e toda a esfera da ação
política é caracterizada pelo uso da violência.
184
Hannah Arendt concorda que as guerras e revoluções determinaram a
fisionomia do século XX, mas, por coerência aos seus argumentos, restringe à
violência fora do campo político, e mais, em um campo antipolítico.
185
Para ela, a violência é um “equivalente funcional da autoridade”, assim como
um “salto de sapato feminino pode ser equiparado e definido como martelo”, quando
utilizado para enfiar pregos na parede. “Se a violência preenche a mesma função
que a autoridade a saber, faz com que as pessoas obedeçam –, então violência é
autoridade”.
186
Na verdade, como explica, a noção de autoridade implica na “obediência”
com exclusão de qualquer meio externo de coerção. “Onde a força é usada, a
182
MARX, Karl. O capital: crítica da economia capitalista. Rio de Janeiro: editora civilização brasileira.
183
Idem.
184
ARENDT. Hannah. Op. cit., p. 49.
185
ARENDT, Hannah. On revolution, Penguim Books, Londres. apud DUSSEL, Enrique. Op. cit., p. 544: “Uma
teoria da guerra ou uma teoria da revolução pode somente ser justificação da violência, porém o que é
glorificação ou justificação da violência enquanto tal, já não é política mas antipolítica”.
186
ARENDT. Hannah. Op. cit., p. 140.
91
autoridade em si mesma fracassou”.
187
Jacques Derrida, embora apresente concepção própria, ao opor direito e
justiça enfatiza que o direito é dotado de enforceability,
188
ou seja, possibilidade de
ser aplicado pela força autorizada, uma força que o é somente força física,
exterior, mas também como força interior, sutilmente discursiva ou hermenêutica.
Dussel tem uma visão um pouco diferenciada, que, conforme o ponto de
vista, concilia as concepções apresentadas. Para ele, a violência se restringe à
coação exercida de maneira ilegítima.
Ele reconhece que toda a instituição ou sistema deve dispor de mecanismos
que permitam “canalizar” os que não estiverem dispostos a cumprir os acordos
validamente aceitos.
189
Essa coação, a qual inclui todo o aparato persecutório penal, o pode ser
denominada violência, enquanto permanecer legítima.
187
A autoridade, além da violência, é também incompatível com a persuasão que nesta se pressupõe igualdade
e processo de argumentação, mecanismos incompatíveis com a obediência inspirada na autoridade. Em suas
palavras (p. 129 da obra citada): “Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é comumente confundida
como alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de
coerção; onde a força é utilizada, a autoridade em si mesmo fracassou. A autoridade, por outro lado, é
incompatível com a persuasão, a qual pressupões igualdade e opera mediante um processo de argumentação.
Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. Contra a ordem igualitária da persuasão
ergue-se a ordem autoritária, que é sempre hierárquica. Se a autoridade deve ser definida de alguma forma, deve
sê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão através de argumentos.”
188
DERRIDA, Jaques. Op. Cit. p. 924.
189
É com base nesta necessidade que Dussel apresenta uma contradição perfomativa do anarquismo “O
anarquista argumenta: se todos os membros de uma comunidade fossem eticamente perfeitos, não seria
necessária nenhuma instituição... Toda a instituição luz do sistema perfeito) pode ser interpretada sempre e
inevitavelmente como uma mediação disciplinar, repressora ou perversa (diz o anarquista)... Mas empiricamente,
tenta-se realizar na existência concreta um modelo impossível ... isto leva o utopista a cair em perigosos
irrealismos, num voluntarismo ético, na falta de consideração das condições reais de factibilidade.” (p. 273) “Se
todos os membros de uma instituição forem perfeitos, eticamente, como sonha o anarquista, nenhuma instituição
seria necessária e por isso seriam perversas desde a sua origem. Neste caso, a coação jamais poderia ser
legítima; e coação e legitimidade se oporiam por definição. Mas empiricamente, e dada a impossibilidade de
pressupor uma tal perfeição, a vida humana seria impossível, porque qualquer membro injusto poderia oprimir
pela força os restantes, inocentes e indefesos, e poderia facilmente instaurar a tirania de sua vontade sem
enquadramento institucional possível. O anarquista cai numa contradição perfomativa ao pretender evitar a
coação da instituição possibilitando uma pior coação sem possível defesa, nem participação dos membros
inocentes violentados. Quem poderia limitar, opor-se ou desarmar o membro injusto que usasse a força contra a
comunidade?” DUSSEL, Enrique. Op. cit., p. 545-546.
92
O conflito começa a emergir quando determinados sujeitos cio-históricos,
mais ou menos abrangentes (movimentos ecológicos, anti neoliberalistas, de classe
profissional, da marginalidade econômica, do gênero feminino, da raça não-branca,
etc.) passam a sofrer a incidência de efeitos perversos deste mesmo sistema
institucional (tornam-se vítimas na expressão de Marx). Para eles, ou melhor, contra
eles, a coação, embora continue sendo legal (já que parte do sistema hegemônico),
deixa de ser legítima, ou seja, torna-se pura “manifestação de violência”.
Para um pequeno grupo “dominante”, a coação continua sendo,
simultaneamente, legal e legítima. Para as “vítimas”, permanece legal, mas perde
sua legitimidade.
Nos moldes “gramscinianos”, esta violência, relativa por natureza, se
manifesta crescentemente em uma crise de hegemonia.
A ética da libertação vai se manifestar quando a ordem dominante (Weber)
ou hegemônica (Gramsci) se torna ilegítima. Todavia, não ilegítima para uma
“superestrutura” (Marx), mas ilegítima para “vítimas” que, por definição, são aqueles
que sofrem reflexos perversos (negativos) do sistema.
Para as vítimas, as quais podem assumir feições sócio-históricas das mais
variadas, qualquer coação será pura violência, isto é, uso ilegítimo da força.
A grande questão que, finalmente, salta aos olhos e à mente, é o local em
que se situa o aparato persecutório penal nesta problemática, ou melhor, quando o
uso do Direito Penal, a fortiori, dos aparelhos estatais de persecução, tornam-se
pura manifestação de violência, dando azo a interessante paradoxo: quando o
Direito Penal criminaliza vítimas, quando o Direito Penal torna-se manifestação de
pura violência a ponto de criminalizar comportamentos que partem mais de “vítimas”
do que de “delinqüentes”.
93
O paradoxo demonstra, acima de tudo, que a criminalidade está imersa em
uma problemática, e um estado de coisas, muito maior do que as meras soluções
apresentadas pela estrita dogmática penal.
Antes de se adentrar na questão propriamente dita, mister se faz a
manipulação dos conceitos (operacionais) que foram apresentados adrede.
Como se pode verificar prima facie, a atividade persecutório penal do Estado
é incompatível com a noção de autoridade. Sendo a autoridade a obediência que
exclui a coação e a persuasão, excluído está o aparato persecutório, pois fundado
na coação com vistas à execução das devidas “penas”.
190
As vítimas do sistema, lembrando, aqueles que sofrem os efeitos perversos
das decisões tomadas, são afetadas na produção, reprodução e desenvolvimento de
suas vidas. Em outras palavras, o sistema persecutório penal acaba por afetar a vida
humana em seu momento material, atingindo suas corporalidades vulneráveis,
impossibilitando a vida (lato sensu) pelo fato de serem excluídos.
191
190
Mister uma precisão conceitual, a noção de lei penal de ser a mais abrangente possível, nos moldes
propostos, entre outros, pelos professores E. Raúl Zaffaroni, Alejandro Alagia, Alejandro Slokar e Nilo Batista.
Um conceito de lei penal que abranja: a) as leis penais manifestas (código penal, leis penais especiais,
disposições penais em leis não penais); b) as leis penais latentes que, com qualquer função manifesta não-
punitiva (assistencial, tutelar, pedagógica, sanitária, etc.) habilitem o exercício de um poder punitivo; c) as leis
restantes com função punitiva eventual são leis penais eventuais (ou eventualmente penais): aparecem quando o
exercício do poder estatal ou não-estatal, habilitado por leis que não têm funções punitivas manifestas nem
latentes, eventualmente (em alguns casos) pode ser exercido como poder punitivo, segundo o uso que delas
façam as respectivas agências ou seus operadores (o exercício do poder psiquiátrico, do poder assistencial
concernente a velhos, doentes ou crianças, do poder médico em tratamento dolorosos mutiladores, do poder
disciplinar quando institucionaliza ou inabilita etc.), é paradigmático, a este respeito, o caso da prisão preventiva,
considerado com razão como pena antecipada (e erosão processual da pena). ZAFFARONI, E. Raúl. BATISTA,
Nilo, e outros. Direito Penal Brasileiro: Teoria Geral do Direito Penal. 2ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003
(Registre-se, por oportuno, apenas minha opinião pessoal que ousa discordar dos autores para excluir da
modalidade lei penal eventual, a totalidade dos casos de prisão preventiva, enquadrando-a como norma penal
eventual, somente em circunstâncias de desvio dos fixos e rígidos pressupostos constitucionais e processuais
penais, quando sim, o uso imoderado a qualificaria como verdadeira norma penal) .
191
Note-se que a noção de produção, reprodução e desenvolvimento da vida humana, em Dussel, é uma noção
ampla, conforme se pode extrair de sua Tese 11, na página 636 da obra citada: Então não distinguiremos, no
texto entre uma mera sobrevivência ou reprodução material física (comer, beber, ter saúde) e um
desenvolvimento cultural, científico, estético, místico e ético. Nesta Ética da libertação, as palavras 'produção,
reprodução e desenvolvimento' da vida humana do sujeito ético 'sempre' significam não o vegetativo ou o
animal, mas também o 'superior' das funções mentais e o desenvolvimento da vida e da cultura humana. Indicam
um critério material a priori ou anterior a toda ordem ontológica e cultural vigente. Neste último caso, a
posteriori, desempenha também a função de critério material crítico do juízo ético, do enunciado descritivo ou de
fato, ou da própria ordem cultural ou sistema de eticidade dados como totalidade”.
94
As “vítimas”, da mesma forma, acabam sendo afetadas com base no
momento formal, pois não participaram faticamente da discussão argumentativa. Os
“acordos” ignoram suas qualidades de vítimas.
Aliás, a criminalização secundária, com supedâneo em desvios
proporcionados pelo lado negativo da imprensa de massa (dentre outros fatores),
acaba incutindo uma espécie de “auto flagelação da população marginalizada”, os
quais, ideologicamente manipulados, acabam concordando, de maneira geral, com a
necessidade imperiosa da ampliação de controles estatais (leia-se ampliação do
“Estado de Polícia”) de combate à criminalidade, numa titânica luta contra o “crime
organizado”, na verdade, uma invenção necessária, ou pelo menos, um discurso
desviante oportuno.
192
No que tange à factibilidade, parece ser bastante possível, nos diversos
níveis (inclusive jurídico), a exclusão da criminalidade em relação a certas (restritas)
pessoas e circunstâncias que as tornam mais vítimas que criminosos.
De fato, existem circunstâncias em que o Direito Penal transforma-se em
pura violência, pois acaba afetando em seu momento material (na produção,
reprodução e desenvolvimento da vida) pessoas que, sem acesso ao processo
argumentativo, acabam tendo suas condutas analisadas à luz de princípios e de um
sistema puramente persecutório. Na vala dos criminosos, acabam sendo
“impulsionadas” verdadeiras timas, excluídos, vulneráveis, ou qualquer outro
perverso emblema com que possam ser taxados. Como gados, são marcados e
queimados às brasas dos “antecedentes criminais”.
No outro extremo, práticas verdadeiramente danosas acabam excluídas do
192
Sobre o tema: CIRINO DOS SANTOS. Juarez. Crime organizado in palestra proferida no 1
o
Forum Latino-
Americano de Política Criminal, promovido pelo IBCCRIM, de 14 a 17 de maio de 2002. Riberão Preto,
atualmente disponível na internet: cirino.com.br
95
alcance persecutório penal.
Mas quando o Direito Penal torna-se pura violência? Como descobrir o
elemento divisor entre o criminoso e a vítima? Quando o aparato policial e
persecutório penal (strictu senso) permanece legítimo, que necessário à
manutenção de uma instituição ou sistema? Ou quando ultrapassa esta fronteira
para tornar-se violência?
Não existem respostas seguras. A fronteira (como elemento que
simultaneamente une e separa), situa-se em uma zona cinzenta conhecida e
sempre enevoada.
O Direito Penal pode ser muito mais que um arquipélago de ilicitudes em um
mar de licitudes, mas um importante instrumento em prol de uma ética de libertação.
É aí que surge o papel da nova criminologia com as propostas apresentadas
por seus corifeus.
O papel do perito na transformação da realidade é muito bem traduzido para
o campo da sociologia jurídico-penal de Alessandro Baratta, embora sem esta
intenção imediata e fundado basicamente no materialismo marxista:
A natureza dialética da mediação entre teoria e práxis, que caracteriza este
modelo de ciência social, é a medida do caráter racional do seu
compromisso cognoscitivo e prático. A mediação é dialética quando o
interesse pela transformação da realidade guia a ciência na construção das
próprias hipóteses e dos próprios instrumentos conceituais e, por outro lado,
a reconstrução científica da realidade guia a práxis transformadora,
desenvolvendo a consciência das contradições materiais e do movimento
objetivo da realidade, como consciência dos grupos sociais materialmente
interessados na transformação da realidade e na resolução positiva das
suas contradições e, portanto, historicamente portadores deste movimento
de transformação. Isto significa que, em uma ciência dialeticamente
comprometida no movimento de transformação da realidade, o ponto de
partida, o interesse prático por este movimento, e o ponto de chegada, a
práxis transformadores, estão situados não na mente dos operadores
científicos, mas principalmente nos grupos sociais portadores do interesse e
da força necessária para a transformação emancipadora. [...]
Na atual fase do desenvolvimento da sociedade capitalista, o interesse das
classes subalternas é o ponto de vista a partir do qual se coloca uma teoria
social comprometida, não na conservação, mas na transformação positiva,
ou seja, emancipadora, da realidade social. O interesse das classes
96
subalternas e a força que elas são capazes de desenvolver são, de fato, o
momento dinâmico material do movimento da realidade.
193
Em boa hora, a comunidade jurídico-penal parece estar cada vez mais
atenta para esta realidade, em especial com o advento do chamado paradigma da
reação social, ou do “etiquetamento”, ou ainda labeling approach, em substituição
ao paradigma etiológico. Hoje o centro da discussão no âmbito da sociologia
criminal.
Na precisa síntese zetética de Alessandro Baratta
194
, os criminólogos
tradicionais examinam problemas do tipo “quem é criminoso?”, “como se torna
desviante?”, “em quais condições um condenado se torna reincidente?”, “com que
meios se pode exercer controle sobre o criminoso?” Ao contrário, os autores que se
inspiram no labeling approach, se perguntam: “quem é definido como desviante?”,
“que efeito decorre desta definição sobre o indivíduo?”, “em que condições este
indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?” e, enfim, “quem define quem?”
A mudança de enfoque é realmente paradigmática, pois desloca a atenção
da criminalidade para os processos de criminalização.
Eivado de princípio ético, também a definição que Zaffaroni e Nilo Batista
fugindo da mesmice contida nos manuais tradicionais dão ao Direito Penal e à
função da pena. Para estes autores, o Direito Penal é o ramo do saber jurídico que,
mediante a interpretação das leis penais, propõe aos juízes um sistema orientador
de decisões que contém e reduz o poder punitivo, para impulsionar o progresso do
estado constitucional de direito.
195
193
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do
Direito Penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3ed. Rio de Janeiro: Renvan: Instituto Carioca de
Criminologia, 2002, p. 157-158.
194
Idem, p. 88.
195
ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Op. cit., p. 40.
97
A idéia fica melhor explicitada com o conceito agnóstico e negativo de pena.
Pena é uma coerção, que impõe uma privação de direitos ou uma dor; mas não
repara nem restitui, nem tampouco detém as lesões em curso ou neutraliza perigos
iminentes.
196
Dentro do agir ético, sem sombra de dúvidas, encontra-se a atitude corajosa
de, sem esquecer da criminalidade tradicional, voltar os aparelhos persecutórios à
criminalidade efetivamente responsável por danosidade social relevante, esta sim,
uma “macrocriminalidade organizada”, mormente ao se tratar de crimes de
devastação ecológica, de poderio econômico, crimes políticos, transnacionais, et alii.
Nesta atitude, assume relevo o aparelhamento estatal no combate ao novo
tipo de criminalidade que, na verdade, é mais um novo tipo de ver o crime, ou de
criminalizar (processo de criminalização) que não se restringe à persecução da
pequena criminalidade (as vezes compostas de vítimas e criminosos de acordo
com o paradoxo visto), mas voltada, também e principalmente a “criminosos de
colarinhos brancos”. Repita-se, sem descurar da criminalidade de menor potencial,
que também carrega o mister da persecução.
Na mudança estrutural, por uma série de razões a todo tempo debatidas, há
de ser assegurado o papel ativo de um dos personagens principais da nova política
criminal, a agente privativo da ação penal público, o Ministério Público (brasileiro).
196
O conceito é negativo por duas razões: a) não concede qualquer função positiva à pena; b) é obtida por
exclusão (trata-se de coerção estatal que não entra no modelo reparador nem no administrativo direto). É
agnóstico quanto a sua função, pois confessa não conhecê-la. ZAFFARONI, Eugênio Raul; BATISTA, Nilo. Op.
cit., p. 100. O fato de não dispor, a pena de função conhecida não implica que ela não exista, mas sim que falta
ao poder punitivo legitimidade, imponde-se, portanto, sua redução. No direito penal consegue-se isso com uma
limitação redutora dos pronunciamentos que permitem a passagem de poder punitivo em termos de tempo
mensurável; no direito da execução penal, obtém-se algo semelhante limitando os fatos concretos de sofrimento
nos quais se traduz o exercício real do poder punitivo sobre a pessoa criminalizada. (Idem, p. 300). Uma teoria
agnóstica ou negativa do poder punitivo rompe a alternativa entre os ideólogos do melhoramento e os do
depósito, porque não impõe a tarefa impossível pretendida pelos primeiros nem se compraz com a deterioração
como os segundos: reconhece a realidade operativa do poder punitivo (seleção pela vulnerabilidade) e propõe,
como parte de um esforço jurídico generalizado para sua redução e contenção, a minimização do efeito
deteriorante no processo de sofrimento da pena e, se possível, a oferta de uma oportunidade de redução do nível
de vulnerabilidade (Idem, p. 301).
98
A mudança de enfoque, para além de ética, não caracteriza um “ato violento”
(nos moldes vistos), mas uma perspectiva persecutória verdadeira, válida e factível.
Verdadeira porque a “macro-criminalidade (já imersa na nova visão criminológica) é
a que realmente causa danos coletivos na convivência social; válida pois, para além
de legal é legítima, especialmente se desencadeada pelo Ministério Público, órgão
democrático incumbindo constitucionalmente para ser o intermediário entre a
sociedade e os poderes instituídos; factível, aliás, os órgãos ministeriais m atuado
sobremaneira na inversão criminológica.
Inversão criminológica que, paradoxalmente, é resultado do processo
econômico de globalização.
Nas palavras de Antônio Henrique Graciano Suxberger:
A globalização fenômeno de natureza econômica, compreendido
precipuamente a partir da década de 70 do século XX com as duas quedas
do petróleo e a transformão radical do sistema financeiro delas advinda,
que acabou por alterar o próprio modelo econômico do capitalismo
apresenta duas grandes notas distintivas: a aceleração do processo
tecnológico e o vultuoso aumento da circulação das mercadorias e capitais.
Por conseqüência, observa-se a pronta necessidade de maior rapidez dos
processos decisórios. É nesse quadro que surge o distanciamento entre o
chamado tempo do Direito (por natureza, diferido) e o tempo real (marcado
pela necessária simultaneidade). O campo decisório, portanto, desloca-se
do campo político para o campo econômico. [...]
O modelo globalizador produziu novo tipo de criminalidade aqui sim vale a
expressão criminalidade organizada.
197
Lembre-se, por fim, que não se trata de abandonar a “persecução penal
tradicional”, senão priorizar a atividade contra a criminalidade de “danosidade
exponenciada”, como pondera Lenio Streck e Luciano Feldens.
(...) deve o Estado, paralelamente à atividade que tradicionalmente vem
desempenhar em face de condutas que atentam diretamente contra a vida e
197
SUXBERBER, Antônio Henrique Graciano. O papel do Ministério Público no crime organizado. Revista da
Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Brasília, ano 11, vlume 22,
p. 36-37, jul./dez 2003.
99
a dignidade humana, priorizar o combate aos delitos que colocam em xeque
os objetivos da República, inscrevendo-se nesse rol, dentre outros, os
crimes de sonegação fiscal, a corrupção, a lavagem de dinheiro e os delitos
contra o meio ambiente. [...]
Mudou o Direito Penal. Parece óbvio, portanto, que o Ministério Público,
nesse contexto político normativo, não pode mais ser visualizado do alto e
do longe da tradição penal-processual que se estabeleceu no Brasil nas
últimas seis décadas, a partir de um imaginário liberal-individualista-
normativista forjado no Código Penal de 1940 e no Código de Processo
Penal de 1941. Trata-se, em síntese, de compreender o problema sob um
olhar pós-iluminista, afastando velhas dicotomias que serodiamente
separam Estado e Sociedade, como se o indivíduo fosse um débil a ser
protegido contra a maldade do Leviatã.
198
Tocante à mudança na política de atuação ministerial, estar-se-ia
adentrando já no próximo item.
3.2.2 Crise nos Sistemas Persecutório-Penais, Passagem do “Estado Policiesco à
Ampliação das Atribuições Instrutórias Ministeriais
O sistema persecutório penal está em crise, isto é fato.
199
Como sintetiza Kédyna Cristiane Almeida Silva:
No que concerne à Administração da Justiça criminal, o problema principal
que se formula consiste na ineficácia do sistema para alcançar os fins
sociais que se propõe, e que vão desde a prevenção geral, por meio da
proteção dos bens juridicamente tutelados, até a prevenção especial, que
se inspira nos ideais de (re)integração e (re)ssocializão dos autores de
condutas delitivas. Sem sombra de dúvidas, tanto o Direito Penal como o
Processo Penal passam por uma manifesta crise de legitimidade social. O
modo segundo o qual estão estruturados, por um lado, não atende à
198
STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 05 e 08.
199
Nas palavras de Mireille Delmas-Marty: “De um lado, el Derecho Penal intervensionista y expansionista es
puesto em tela de juicio em el doble plano de la legitimidad y de la eficacia, es decir, tanto em el plano moral de
la adhesión a los valores y a los intereses impuestos por la norma com em el plano operativo de su ejecución.Si
se entiende por crisis el ‘momento de una infernedad caracterizada por un cambio súbito y generalmente
decisivo para bien o para mal’, la reivindicación del derecho a la diferencia y el nothing works son expresivos,
en este momento, del estado de crisis de la justicia penal. A este respecto una solución negociada de los
conflictos parece una solución más fácilmente aceptada que un arreglo impuesto.” DELMAS-MARTY, Mireille.
El processo penal en Europa: perspectivas. Revista del Poder Judicial, n. 37, 2ª época, p. 79-91, marzo 1995.
100
demanda social, que exige políticas públicas mais severas no tocante à
atuação do Estado no combate ao recrudescimento da criminalidade urbana
e, particularmente, da criminalidade organizada.
200
Mais à frente, uma passagem que interessa de maneira mais intensa: “por
outro lado, é preciso ressaltar que os problemas evidenciados no âmbito da
Administração da Justiça criminal extrapolam os limites que concernem ao plano
processual, e que se refere fundamentalmente à ineficiência dos
procedimentos
201
(grifo nosso).
Não que a presidência da instrução preliminar a cargo do Ministério Público
resolva todos os problemas da criminalidade. A propósito, nem se defende, aqui, a
ampla possibilidade instrutória do Ministério Público, senão nos casos em que o
exercício da ação penal encontre barreiras.
Acontece que, diante dos novos perfis da criminalidade, diante do novo
paradigma criminológico, soa como arcaica uma persecução penal baseada em uma
instrução penal conduzida total e exclusivamente pela Polícia.
É uma manutenção imatura do “Estado Policiesco” que sempre predominou
nos sistemas de repressão penal, notadamente quando cingidos em uma ideologia
de preeminência econômica, como visto no item anterior. Nas palavras de Lenio
Streck e Luciano Feldens,
202
“a proteção da propriedade privada figurava como o
ponto central do Direito Penal, fazendo com que a clientela da justiça criminal se
fizesse tradicionalmente representada pela classe baixa, circunstância essa, aliás,
que perdura até os dias atuais.”
Como no panorama traçado por Jeffrey Robinson:
200
SILVA, Kédyna Cristiane Almeida. As políticas criminais contemporâneas: ênfase nas reformas dos sistemas
processuais europeus. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, V. 02, n. 08, p.
101, jul./set. 2003.
201
Idem, p. 102.
202
STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Ob. cit., p. 33, 2005.
101
(...) enquanto vivemos num mundo onde uma filosofia de soberania do
século XVII é reforçada por um modelo judiciário do século XVIII, defendido
por um conceito de combate ao crime do século XIX que ainda está
tentando chegar a um acordo com a tecnologia do século XX, o século XXI
pertencerá aos criminosos transnacionais.
203
A complexidade criminosa exige uma complexidade organizacional no
combate aos criminosos, incompatível com o sistema “meramente” policial. Na
oportuna comparação de Sérgio Habib:
(...)o crime evoluiu, organizou-se, estatizou-se, profissionalizou-se, é dizer,
transformou-se, assumindo novas modalidades, entrelaçando-se, mais das
vezes, numa emaranhada rede de corrupção e de tráfico de influências de
tal sorte que a sua apuração não pode mais ser feita à base da antiga
lupa, senão que por intermédio de lentes possantes e de alta tecnologia,
nem sempre acessíveis à investigação tradicional.
204
A criminalidade violenta é paulatinamente sobrepujada pela “astúcia, pelo
enleio, pelo ardil, pela fraude e pelo artifício, as ruas cedem espaços a infovias,
fazendo do computador e da tecnologia instrumentos do crime, tal como o revólver o
é”.
205
Ou ainda, como observa Arthur Pinto de Lemos Júnior:
O modelo de investigação criminal tradicional não tem alcançado o objetivo
almejado. A situação de uma equipe de dois ou três investigadores de
polícias saírem às ruas em busca de informações sobre o delito, ou a
perniciosa utilização dos gansos (informantes constantes da polícia), é, sem
dúvida alguma, útil para o esclarecimento de delitos sem qualquer
complexidade, tais como alguns assaltos, homicídios, furtos, etc. No
entanto, quando um crime de roubo resulta de uma das atividades de uma
organização criminosa, se se pretende punir os verdadeiros autores do
delito, que se buscar outras alternativas para o trabalho de investigação
criminal.
206
203
ROBINSON, Jeffrey. A Globalização do crime. Tradução de Ricardo Inojosa. Rio de Janeiro: Ediouro, p. 19,
2001.
204
HABIB, Sérgio. O poder investigatório do Ministério Público. Consulex: revista jurídica, v. 7, n. 159, p. 14,
205
FELDENS, Luciano. Sigilo bancário e Ministério Público: da necessária coabitação entre as Leis
Complementares 105/01 e 75/03. Boletim dos Procuradores da República, v. 5, n. 56, p. 12, dezembro 2002.
206
LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto de. Op. cit., p. 412.
102
Isso ganha maior relevância se considerado novo perfil constitucional do
Ministério Público, com o advento da Constituição de 1988. Como no paradoxo
apontado por Lenio Streck e Luciano Feldens:
Paradoxalmente, a grande transformação no papel do Ministério Público no
paradigma do Estado Democrático de Direito verifica-se naquilo que foi a
razão de seu surgimento. Com efeito, atuando como membrana do Poder
Executivo, e servindo-lhe orgânica e politicamente, não é desarrazoado
afirmar-se que no plano da persecução penal a Instituição do Ministério
Público, em seu nascedouro, postou-se ao desempenho de uma função
preponderantemente conectada à proteção dos interesses econômicos das
camadas dominantes da Sociedade. Para tanto, basta-nos examinar sua
trajetória institucional em terra brasilis, onde, até 1988, não passava de um
apêndice do Poder Executivo, propulsor de um Direito Penal de cunho
liberal-individualista.
207
Como foi observado, isso não significa que a presidência da instrução
preliminar a cargo do Ministério blico resolva, em um passe de gica, todos os
problemas da “verdadeira criminalidade globalizada e organizada”.
Evidente que não!
Acontece, porém, que por mais paradoxal que pareça, a complexidade na
persecução penal, ainda exige uma unidade, que pode ser alcançada pelo
dominus litis.
Em outras palavras, a complexidade criminógena, exige uma maior
especialização na detecção e combate para instrumentalização dos aparelhos
persecutórios penais.
Como tem ocorrido em diversas áreas de conhecimento, a especialização,
muitas vezes, provoca detrimento inversamente proporcional na unidade.
É neste sentido que a instituição Ministério Público, renasce como a
unidade necessária da persecução penal, em épocas de especialização
207
STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 19.
103
“criminógena”.
Isso se dá, primus, pela própria missão constitucional do Ministério Público
para onde convergem todas as instruções preliminares. Ora, a instrução preliminar
tem por escopo principal fundamentar a cognição do agente ministerial natural para
a causa penal. Secundus, as garantias e prerrogativas investidas ao Parquet e seus
membros, permitem uma maior “blindagem” contra interesses obscuros, o que, por
uma série de fatores, não é tão evidente nos órgãos policiais.
Vide por exemplo, as principais prerrogativas apontadas por Antônio Araldo
Ferraz Dal Pozzo:
208
vitaliciedade (art. 128, parágrafo 5
o
, a, CF); inamovibilidade (art.
128, parágrafo 5
o
, b, CF), irredutibilidade de vencimentos (subsídios, art. 128,
parágrafo 5
o
, c, CF); independência funcional e o foro por prerrogativa de função;
além das garantias política dos membros do Ministério Público, como a isonomia dos
vencimentos, vedações, promoção e aposentadoria.
A “polícia brasileira” não apresenta a mesma “blindagem institucional”,
importante fato na “cultura da impunidade tupiniquim”, malgrado esforços de muitos
policiais audaciosos.
Defendendo uma atribuição mais ampla e prospectiva, no sentido da
totalidade da instrução preliminar a cargo do Ministério Público, assim escreve Aury
Celso Lima Lopes Júnior:
Atribuir ao Ministério Público o comando da instrução preliminar é a melhor
solução para o processo penal brasileiro, principalmente se levarmos em
conta que o MP no Brasil é independente, gozando das mesmas garantias
da Magistratura. Possui poderes tanto no plano constitucional (art. 129 da
CB), como também no orgânico (especialmente nos arts. 7
o
e 8
o
da Lei
75/93 e art. 26 da Lei 8625/93), para participar da investigação ou realizar
seu próprio procedimento administrativo processual.
209
208
DAL POZZO, Antônio Araldo Ferra. Democratização da Justiça atuação do Ministério Público. Justitia, n.
127, p. 42-49.
104
Não se pode esquecer, ainda, a tendência mundial do fortalecimento das
funções do Ministério Público, na forma referida acima ao tratarmos do Direito
Comparado.
Conforme noticia Edinaldo de Holanda Borges,
210
em setembro de 1991,
realizou-se, na Universidade de Roma - Itália, um Congresso Internacional para a
elaboração de um Código Modelo de Processo Penal para a América Latina,
contando com a presença, dentre outros de Ada Pellegrini Grinover, José Carlos
Barbosa Moreira, Antônio Scarance Fernandes e Carlos Eduardo Vasconcelos.
No art. 68 do referido estatuto, consta que ao Ministério Público é confiado o
exercício da “perseguição penal”, com a presidência da instrução preliminar,
podendo praticar, por si, ou determinar sua prática por funcionários públicos,
qualquer classe de diligências (art. 261).
No referido código ainda a previsão de subordinação funcional da Polícia
ao Ministério Público.
Vale não deslembrar, de forma complementar, a eficiência atual de alguns
instrumentos instrutórios diversos do inquérito policial.
No âmbito federal é o caso, por exemplo, dos procedimentos administrativos
levados a efeito pela Receita Federal, Banco Central, IBAMA e COAF, apenas para
citar os casos mais comuns.
Ora, o que são as ações fiscais realizadas pela Receita Federal,
consubstanciadas nas ditas “Representações Fiscais para Fins Penais” senão a
materialização de uma “instrução preliminar”? Para que precisaria da instauração de
um inquérito policial se o Ministério Público, em algumas circunstâncias,
209
LOPES JÚNIOR, Aury Celso. Op. cit., p. 64.
210
BORGES, Edinaldo de Holanda. O sistema processual acusatório e o juizado de instrução. Boletim Científico
da Escola Superior do Ministério Público da União, v. 02, n. 06, p. 53-54, jan./mar. 2003.
105
principalmente envolvendo conglomerado empresarial de forte poder econômico,
puder valer-se da atuação fiscal que poderá carrear elementos probatório em
relação aos “crimes fiscais”, com idêntica ou maior eficiência?
O mesmo diga-se em relação aos crimes ambientais. Quem melhor que os
servidores habituados com o trato das questões ambientais para carrearem os
elementos preparatórios da ação penal? Para que a necessidade de uma
“intermediação da polícia por intermédio do Inquérito Policial”?
Os crimes contra o sistema financeiro e de “lavagem de dinheiro” então,
envolvendo complexas quebras de sigilos bancários e o menos complexas
análises documentais, prescindem da instauração de Inquérito Policial. Via de regra,
as atuações administrativas do Banco Central e COAF atingem ótimos resultados.
Ninguém pode negar que a atuação destes órgãos caracteriza uma instrução
preliminar.
Não que o trabalho da Polícia seja ineficiente, porém tudo isto leva a
confirmar que o Ministério Público, como destinatário da instrução preliminar e diante
de circunstâncias especiais diversas, é a Unidade necessária para o exercício da
ação penal, podendo administrar situações que demandem coleta de elementos
probatórios, ordinariamente pelos órgãos policiais, extraordinariamente por outras
entidades administrativas ou, ainda, por ele próprio. Quem melhor que o Ministério
Público para, fundamentadamente, decidir sobre estas situações? Afinal, é ele o
destinatário dos elementos colhidos.
Indicando as dificuldades dos órgãos policiais no combate de crimes contra
o sistema financeiro, “lavagem de dinheiro”, entre outros, vale mencionar as
oportunas palavras de Raquel Branquinho P. Mamede Nascimento:
106
O crime organizado ou mesmo aquele praticado de forma isolada, mas que
tenha correlação com evasão de divisas, sonegação fiscal, gestão
fraudulenta ou temerária de instituições financeiras, dentre outros, são
praticados sob as mais elaboradas formas, contando com o auxílio
intelectual de especialistas em informática, economia, contabilidade, etc., o
que torna extremamente difícil aos órgãos estatais encarregados da
investigação a sua elucidação.
No âmbito federal, apenas em final dessa última década a Polícia Federal
estruturou um setor próprio para investigação desses crimes
DCOIE/Divisão de Combate ao Crime Organizado e Inquéritos Especiais,
sendo imprescindível ressaltar que tal Divisão ainda conta com as mais
diversas dificuldades operacionais e estruturais, notadamente no que
concerne ao suporte técnico especializado. Basta dizer que em todo o país,
o Departamento de Polícia Federal conta com menos de dez peritos
efetivamente capacitados a desenvolverem análises mais elaboradas na
área de informática, não obstante efetiva demanda de aprimoramento desse
setor, pois qualquer investigação de crimes de colarinho branco depende do
efetivo apoio técnico apropriado.
211
Nesse aspecto, o projeto de lei que altera o Código de Processo Penal, no
tocante à instrução preliminar, faz alusão expressa no sentido de que, “tratando-se
de infração penal praticada contra o Sistema Financeiro Nacional, a ordem tributária
ou econômica, os elementos de informação serão remetidos pela autoridade
administrativa diretamente ao Ministério Público para as providências cabíveis” (art.
26 do Projeto de Lei).
Não se pode concordar, em hipótese alguma, com as (infelizes) palavras de
Alexandre Abrahão Dias Teixeira,
212
no sentido de que “parece óbvio que só o
delegado de polícia e seus agentes é que tem a habilidade profissional para
promover a investigação, que foram treinados e preparados durante toda uma
vida para este tipo de trabalho”. A afirmação soa absurda. Não se trata de habilidade
individual em relação a algumas questões específicas. Nem delegado, nem promotor
211
NASCIMENTO, Raquel Branquinho P. Mamede. Aspectos investigativos dos crimes contra o sistema
financeiro nacional, de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Boletim dos Procuradores da República, v. 4. n.
42, p. 22-23, outubro 2001.
212
TEIXEIRA, Alexandre Abrahão Dias. A investigação criminal e o Ministério Público. Jus navegandi,
Teresina, a. 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2292>. Acesso
em: 09 nov. 2005. P. 02. Vide também do mesmo autor: As questões relativas ao inquérito e a sua exata visão no
direito brasileiro antes e após a CF/88. Revista da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro EMERJ, v. 5, n.
19, p. 190-196, 2002.
107
estão bem preparados individualmente, trata-se, em verdade, de questões
estruturais e institucionais.
Estas dificuldades estruturais na instrução preliminar a cargo da Polícia,
foram (cientificamente) expostas por Aury Celso Lima Lopes Júnior sob a rubrica
“argumentos contrários”:
É um sistema arcaico e totalmente superado, cuja ineficiência é patente.
Excepcionalmente, em países como a Inglaterra, atendendo às especiais
características sociais, políticas e de estrutura judicial, esse sistema pode
ser considerado como satisfatório. Obviamente não é o caso do Brasil. [...]
Como argumentos contrários, entre muitos outros, apontamos:
a) A polícia é o símbolo mais visível do sistema formal de controle da
criminalidade, e, em regra, representa a first-line enforcer da norma penal.
Por isso, dispõe de uma discricionariedade de fato para selecionar as
condutas a serem perseguidas. Esse espaço de atuação está muitas vezes
na zona cinza, no sutil limite entre o lícito e o ilícito. Em definitivo, não se
deve atribuir à polícia ainda mais poderes (como a titularidade da instrução),
mas sim exercer um maior controle por parte dos juízes, tribunais e
membros do MP. A polícia deve ser um órgão auxiliar e não o titular da
instrução preliminar, pois quanto maior é o controle real dos Tribunais e do
MP sobre a atividade policial, menor é essa discricionariedade, e o inverso
também é verdadeiro.
b) A eficácia da atuação policial está associada a grupos diferenciais, isto é,
mostra-se mais ativa quando atua contra determinados escalões da
sociedade (obviamente os inferiores) e distribui impunidade em relação à
classe mais elevada. Também a subcultura policial possui seus próprios
modelos preconcebidos: estereótipo de criminosos potenciais e prováveis;
vítimas com maior ou menor verssimilitude; delitos que “podem” ou não ser
esclarecidos, etc. O tratamento do imputado é diferenciado, e conforme ele
se encaixe ou não no perfil prefixado, o tratamento policial será mais brando
e negligente ou mais rigoroso. Essa última situação é constantemente
noticiada, em que a polícia, frente ao “perfil do autor ideal daquela
modalidade de delito, atua com excessivo rigor e inclusive age ilicitamente,
para alcançar todos os meios de incriminação (muitas vezes inexistentes).
Assim são cometidas as maiores barbáries, refletindo-se nas elevadas cifras
da injustiça da atuação policial.
c) A polícia está muita mais suscetível de contaminação política
(especialmente os mandos e desmandos de quem ocupa o governo) e de
sofrer a pressão dos meios de comunicação. Isso leva a dois graves
inconvenientes: a possibilidade de ser usada como instrumento de
perseguição política e as graves injustiças que comete no afã de resolver
rapidamente os caos com maior repercussão nos meios de comunicação.
d) O baixo nível cultural e econômico de seus agentes faz com que a polícia
seja um órgão facilmente pressionável pela imprensa, por políticos e pelas
camadas mais elevadas da sociedade. Também é responsável pelo
embrutecimento da polícia e o completo desprezo dos direitos fundamentais
do suspeito, que de antemão é considerado com culpado pela subcultura
108
policial. Por fim, a credibilidade de sua atuação é constantemente colocada
em dúvida pelas denúncias de corrupção e de abuso de autoridade.
213
3.2.3 Crítica à Noção de Crime Organizado
Antes de continuar a exposição, é preciso apresentar um esboço crítico
acerca de uma figura muitas vezes utilizada sem maior rigor conceitual: trata-se do
famigerado “crime organizado”.
Não é recente a teorização acerca da necessidade da existência de inimigo,
ou de inimigos, nas justificações utilizadas pelo discurso político, até mesmo como
aparato ideológico para a manutenção hegemônica institucional. Os exemplos são
abundantes.
O “discurso desviante” provoca duas conseqüências principais, a saber: a
manipulação ideológica da opinião pública e a legitimação de mecanismos
ampliadores poder punitivo do Estado.
Com a hegemonia de determinada instituição (lato sensu), de modo que o
campo político é o cenário por excelência da hegemonia ideológica, naturalmente
são criados mecanismos protetivos para a sua manutenção.
214
Sem dúvida, o discurso do combate aos inimigos, a mascarar dificuldades
conjunturais, constitui um dos principais instrumentos para a manutenção de
213
LOPES JÚNIOR, Aury Celso. Op. cit., p. 48. Cumpre saliente que o autor apresenta algumas vantagens ao
sistema de instrução preliminar presidida pela Polícia. Esta observação é oportuna, pois, muitos autores têm
utilizado as palavras de Aury Lopes Júnior apresentando os pontos positivos da investigação pela polícia e
pontos negativos da instrução pelo MP, levando o leitor a entender que o referido autor seja contrário à instrução
preliminar presidida pelo MP . Ora, quer nos parecer que uma atitude como esta é, para além da estratégia
retórica, no mínimo, antiética.
214
BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do
conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes, 19ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
109
ideologias políticas. É uma constante histórica, para o dizer natural necessidade
de matiz antropológica.
Até mesmo na Bíblia é possível encontrar exemplos marcantes. Jesus Cristo
e, com ele, toda a doutrina cristã, representou imponente inimigo à cultura
(hegemônica) romana, a ponto de “justificar” a crucificação pública. A falta de
mecanismos coerentes para a defesa do despotismo “cesariano” ficou impressa no
combate ao inimigo que podia ser vencido (ao menos materialmente; ao menos
naquela época).
Da mesma forma, com a hegemonia ocidental cristã, o desvio praticado por
sacerdotes da Igreja Católica era transferido para outro inimigo externo, desta feita,
o herege.
No campo macro político, David Dyzenhaus, na sua leitura de Carl Schimitt
acerca do liberalismo, explicitava que, para este, o destino do liberalismo
dependia da intensidade do pluralismo; algumas sociedades poderiam aceitar o
liberalismo como um tipo de superestrutura política porque, de fato, elas têm
populações mais ou menos substancialmente homogêneas; ou pode ser o caso em
que uma sociedade pluralística pode desviar as atenções das políticas internas
enquanto têm, ou podem, criar um inimigo externo, um perigo que atraia a maior
parte da energia política daquela sociedade. Com respeito a esta segunda opção,
ele poderia pensar que não é coincidência que os desafios internos à legitimidade de
ordens particulares liberais democráticas aumentaram quando a Guerra Fria
terminou, uma vez que o grande inimigo externo desapareceu, logo, os inimigos
110
internos tiveram espaço político para se lançarem.
215
Também encontramos exemplos na realidade "tupiniquin". Os inconfidentes
foram os inimigos de uma relação colonial que o mais se sustentava. As
sangrentas ditaduras militares sul-americanas encaravam os comunistas como os
“inimigos da vez”. O argumento da força precedente à força do argumento!
E, assim, poder-se-ia dispensar páginas e páginas exemplificativas: o
holocausto como fruto do inimigo hebreu do nacional socialismo, o terrorismo
muçulmano como inimigo fundamentalista da “guerra contra o terrorismo”, com todo
o paradoxo que a expressão desperta, et alii. Sempre, porém, “sob o véu do
inimigo”, reside uma impotência em enfrentar e, razoavelmente, sustentar
determinadas dificuldades estruturais. Representa, muito mais, um desvio de
atenção de força política.
No discurso político (eleitoral) brasileiro, tornou-se “local comum” as
considerações acerca dos famigerados inimigos da sociedade brasileira. Inimigos
para todos os gostos e todas as crenças, em mediações mais ou menos
abrangentes: o FMI (Banco Mundial, etc.), a neocolonização americana, o crime
organizado, a corrupção nos organismos governamentais, as lutas sociais no campo,
o analfabetismo, a fome (zero), a arbitrariedade policial, a taxa de juros, o spreed
bancário, dentre outros.
215
In verbis: But generally, Schmitt thought that the question of liberalism’s fate depends on the depth of
pluralism. It may be the case that some societies can afford liberalism as a kind of political superstructure
because they in fact have a more or less substantively homogeneous population. Or it may be the case that a
pluralistic society can displace attention from internal politics so long as it has or can manufacture na external
enemy the threat of which attracts most of that society’s political energy. In respect of this second option, he
woud have thought that it is no coincidence that the internal challenges to the legitimacy of particular liberal
democratic orders heightened when the Cold War ended. Once the great enemy without has disappeard, the
enemies within have the political space to make their pitch.” (DYZENHAUS, David. Legality and legitimacy.
Carl Schimitt, Hans Kelsen ad Hermann Heller in Weimar. Oxford:Osford University Press, 1997)
111
Na análise presentemente desenvolvida, merece destaque um inimigo que
está na “moda” dos meios de comunicação: o crime organizado (um excelente
“trampolim político” para qualquer Ministro da Justiça).
O discurso do crime organizado não é exclusividade brasileira, mas uma
tendência mundial.
Com esse estranho fenômeno, lembra João Gualberto Garcez Ramos:
Os países centrais vivem seus dramas como todo mundo. Ao invés de fazê-
lo apenas localmente, discutem-nos em um foro da mídia internacional, que
trata a notícia como um produto a ser moldado e vendido aos interessados.
Freqüentemente, porque o drama vende bem, moldam o problema com
pitadas de histeria. Veja-se o que ocorre hoje com as drogas, o crime
organizado e o terrorismo. Essa histeria, embora não tenha a ver com todo
o mundo, acaba por ser multi-exportada e consumida pelos países
periféricos.
216
Especificamente sobre o crime organizado, observa o citado autor:
Um dos maneirismos mais constantes dos atuais protagonistas, intencionais
ou não, do chamado ‘terrorismo penal’, tem sido a identificação, em todas
as investigações policiais, de ao menos uma organização criminosa. Não sei
se para valorizar o trabalho investigatório como se para tanto fosse
indispensável dar-lhe contornos ‘agathachristianos’ não sei se por
precipitação, mas tem sido muito freqüente que nossos ‘Herules Poirots’
trombem com o crime organizado a cada esquina. Conforme essa nova
forma de ver as coisas, o planeta está tomado de organizações criminosas.
E organizões que se formam para explorar os mais diversos filões do
mundo cão. E não importa se a atividade ilícita seja lucrativa ou não; por
sempre se encontra uma organização criminosa a explorar os lucros da
atividade ou a arruinar-se com ela.
217
Tanto aqui, quanto alhures, não se sabe realmente o conteúdo desta
categoria tão comum no discurso político. Como menciona Eugênio Raúl Zaffaroni,
216
RAMOS, João Gualberto Garcez. A histeria que mata. Disponível
<http://www.cirino.com.br/artigos/jggr/histeria_que_mata.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2005.
217
RAMOS, João Gualberto Garcez. Lavagem de dinheiro e os advogados. Disponível em
<http://www.cirino.com.br/artigos/jggr/lavagem_provocacoes.pdf >. Acesso em: 17 nov. 2005.
112
referindo-se ao crime organizado, trata-se de uma “categoria frustrada, um rótulo
sem utilidade científica, carente de conteúdo jurídico penal ou criminológico”.
218
Os dois grandes expoentes do discurso acerca do crime organizado foram
os Estados Unidos e a Itália.
Nos Estados Unidos, a noção de crime organizado nasce para estigmatizar a
atuação “criminosa” de grupos étnicos, reflexo da “parmediana visão americana
acerca do “outro”.
Referindo-se ao discurso americano, assenta Juarez Cirino dos Santos:
Apesar do caráter mitológico, da ausência de conteúdo científico e da
inutilidade jurídico-penal, o conceito americano de organized crime parece
realizar funções políticas específicas, de incontestável utilidade prática:
legitima a repressão interna de minorias étnicas nos Estados Unidos e, de
quebra, justifica restrições externas à soberania de nações independentes,
como mostra a recente política de intervenção americana na Colômbia, por
exemplo, com o objetivo de impor diretrizes locais de política criminal que,
de fato e na verdade, são formuladas para resolver problemas sociais
internos do povo americano, determinados pela irracionalidade da política
criminal oficial anti-drogas do governo daquele país.
219
O crime organizado italiano, materializado na “máfia”, também oferece
possibilidades analíticas semelhantes o discurso do crime organizado como
inimigo para encobrir bastidores simulados. Porém, por amor à brevidade e para não
fugir dos objetivos propostos, fica apenas o registro do caso americano.
E no Brasil?
No discurso da mídia e da política nacional, o Brasil é excelente “hospedeiro”
na relação parasitária imposta pelo crime organizado, marcado principalmente pelas
desigualdades sociais e pela administração pública corrompida e burocratizada (por
isso ineficiente).
218
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Op. cit.
219
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Crime organizado in Palestra proferida no 1
o
Forum Latino-Americano de
Política Criminal, promovido pelo IBCCRIM, de 14 a 17 de maio de 2002, Ribeirão Preto, SP.
113
A lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas constituiriam o cotidiano de
heróis (no sentido mitológico) pertencentes a organizações “altamente” organizadas
como o PCC e o Comando Vermelho. Nem George Lucas teria tanta criatividade!
Mas o que estaria atrás do véu? Juarez Cirino desvela:
A experiência mostra que a resposta penal contra o crime organizado se
situa no plano simbólico, como espécie de satisfação retórica à opinião
pública mediante estigmatização oficial do crime organizado na verdade,
um discurso político de evidente utilidade: exclui ou reduz discussões sobre
o modelo econômico neoliberal dominante nas sociedades contemporâneas
e oculta as responsabilidades do capital financeiro internacional e das elites
conservadoras dos países do Terceiro Mundo na criação de condições
adequadas à expansão da criminalidade em geral e, eventualmente, de
organizações locais de tipo mafioso. Na verdade, como assinala
ALBRECHT, o conceito de crime organizado funciona como discursos
encobridores da incapacidade política de reformas democráticas dos
governos locais: a incompetência política em face de problemas
comunitários estruturais de emprego, habitação, escolarização, saúde etc.
seria compensada pela demonstração de competência administrativa na luta
contra o crime organizado.
220
Nota-se, portanto, embora não claramente, o desvio de finalidade das forças
políticas, contra um inimigo que não é tão forte como aparenta.
Feitas estas considerações, fica evidente, portanto, que ao se referir a crime
organizado, não se está referindo ao empírico e político uso que se faz do termo,
mas à “verdadeira macrocriminalidade organizada”, na expressão que se utilizou
acima, aquela responsável pelos verdadeiros danos sociais, enfronhada
parasitariamente na estrutura estatal, corrompendo-a, utilizando da influência
econômica e política para intervenções criminosas, mormente para a chamada
“lavagem de dinheiro”, etc.
Esta sim, a ser combatida por modernos meios persecutórios, do qual há de
ser incluir, ativamente, a atuação do dominus litis já na fase da instrução preliminar.
220
CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Op. cit.
114
3.3 MINISTÉRIO PÚBLICO/POLÍCIA (JUDICIÁRIA) DISTRIBUIÇÃO DA
COMPETÊNCIA INSTRUTÓRIA
3.3.1 Interpretação do Artigo 144 da Constituição Federal
A primeira questão levantada, relativa à distribuição de competências
instrutórias entre o Ministério Público e a Polícia, diz respeito à correta hermenêutica
do art. 144 da Constituição Federal.
221
Uma interpretação rápida e literal (por isso mesmo equivocada) do
dispositivo constitucional poderia conduzir a uma conclusão no sentido de que, na
esfera federal, somente à Polícia Federal caberia a condução de instrução preliminar
por meio dos respectivos inquéritos policiais.
Afinal, segundo a literalidade do texto, “à polícia federal incumbe exercer,
com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”.
221
Vale a pena a transcrição dos dispositivos pertinentes:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
(omissis)
IV – polícias civis;
§. 1
o
A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado
em carreira destina-se a:
I apurar as infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da
União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme segundo dispuser a lei;
(omissis)
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
(omissis)
§. 4
o
Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da
União, as funções d polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
115
Porém, ao tratar da função de “apuração de infrações criminais”, o
constituinte em nenhum momento fala em “exclusividade”.
Na verdade, o que fez o constituinte originário foi distinguir duas atividades:
a apuração de infrações penais e o exercício da polícia judiciária (da União).
Os diversos constitucionalistas, quase à unanimidade, concordam que o
constituinte não está adstrito a um rigor lingüístico, mormente de natureza jurídica.
Como explica Clèmerson Merlin Clève, ao tratar da interpretação do citado
dispositivo:
É fato que o sistema é textualmente formulado por legisladores e não por
exímios técnicos em relação jurídica, razão porque não é de se estranhar
que exceções a prescrições constitucionais apresentem-se em catálogos ou
lugares normativos distintos, demandando sensibilidade e atenção ao
intérprete. Neste passo, não é prudente afirmar que o sentido de
determinada disposição isolada é absoluto, ainda que nela sejam utilizados
termos delicados como “sempre”, “nunca”, “privativo”, “exclusivo”, etc. (sic)
222
Infelizmente, a técnica redacional em desconformidade com a precisão
técnica dos conceitos não tem sido a tônica do legislador constituinte originário ou
derivado.
É neste sentido que o constituinte parece ter distinguido os dois conceitos,
até então tratados como sinônimos, ao menos pelos operadores do Direito: “onde a
lei distingue, não cabe ao intérprete confundir!”
223
De fato, doutrinariamente (Direito Administrativo) a instituição polícia é
dividida em polícia administrativa, de segurança e judiciária. A polícia administrativa
222
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 10-11.
223
FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Investigação criminal: Direito Comparado razão ao Ministério Público.
Revista Consultor Jurídico, 01 set. 2005. Disponível em
<http://conjur.estadão.com.br/static/text/37554?display>. Acesso em 05 de outubro de 2005. p. 4.
116
tem por objeto as limitações impostas a bens jurídicos individuais, destinada ao êxito
da administração. A polícia de segurança é responsável pelo policiamento ostensivo.
A polícia judiciária teria como tarefa a investigação criminal.
224
Note-se que nem o exercício da ação penal é exclusivo. Embora a ação
penal pública seja exercida privativamente pelo Ministério Público, o próprio
constituinte previu a possibilidade da chamada “ação penal privada subsidiária”. Se
nem o exercício da ação penal é exclusivo, não haveria razão para um exclusivo
exercício da atividade preparatória dela, vale dizer, a condução de instruções
preliminares.
225
Assim, a exclusividade do texto constitucional opera em relação à atuação
das funções de polícia judiciária (federal) e não para a apuração de infrações
criminais, uma vez que a expressão apenas está inscrita na descrição da referida
função, referente, portanto, tão somente ao inciso IV (isto, mesmo que literalmente).
Ao tratar das atribuições da Polícia Civil, que no sistema brasileiro divide as
atribuições policiais judiciárias com a Polícia Federal, o constituinte não empregou a
expressão “exclusividade”, tudo indicando que a “exclusividade” da Polícia Federal
relaciona-se ao órgão policial judiciária equivalente-estadual, vale dizer, a Polícia
Civil, e não em relação à apuração das infrações criminais.
226
Interpretação diversa, no sentido que a apuração de infrações penais no
âmbito federal, está sob a exclusiva atribuição da Polícia Federal, faria ruir, inclusive,
224
Cf. TORNAGHI, Hélio. Processo Penal. Rio de Janeiro: A. Coelho F. Editor, 1953. p. 256.
225
Conforme preceitua Valter Foleto Santin (embora discordemos da graduação de importância entre o exercício
da ação penal e a condução da instrução preliminar): “Se não ‘privatividade’ ou ‘exclusividade’ no exercício
de poder de maior relevância, a ação penal, inerente à soberania estatal, não é razoável que haja no poder estatal
de menor relevância, a investigação criminal, especialmente porque a fase de investigação é facultativa para o
exercício da ação penal e acesso ao Judiciário se a acusação possuir elementos suficientes da autoria e
materialidade do crime para embasar a denúncia penal (arts. 19, parágrafo 5
o
e 40, do CPP). A Constituição
Federal não condiciona o exercício da ação penal à realização de investigação policial. SANTIN, Valter Foleto.
Op. cit., p. 61.
226
FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Op. cit., p. 04.
117
todos os outros elementos de apuração de infrações penais, alguns até em sede
constitucional, como é o caso, v. g., das Comissões Parlamentares de Inquérito, ou
seja, fugiria de qualquer interpretação razoável do texto constitucional.
Como disse Wagner Gonçalves
227
, interpretação diversa “criaria uma
‘reserva de mercado’ e condição de procedibilidade da ação penal [sic], em benefício
à impunidade”.
A atividade de polícia judiciária, doutrinariamente definida como atividade de
apuração de infrações penais assume outros contornos. Mas, então, o que seria
polícia judiciária para uma correta interpretação constitucional?
Não há outra interpretação além de considerar a atividade de polícia
judiciária como a atividade desempenhada pelas Polícias como apoio (policial) das
atividades desenvolvidas in forum, i. e., da atuação do poder judiciário (e do
Ministério Público) na prática forense criminal, decorrentes, direta ou indiretamente,
do exercício das atividades desenvolvidas nos respectivos processos penais. São
exemplos destas atividades: escolta e guarda de presos em audiências, segurança
das autoridades em eventuais diligências externas, apoio em diligências que
inspirem maiores cuidados em termos de segurança dignatária, entre inúmeros
outros exemplos.
Como ensina Marcellus Polastri Lima:
(...) as funções de polícia judiciária não se refletem necessariamente na
apuração de crimes, cabendo também auxiliar a justiça criminal, fornecer
informações necessárias à instrução e julgamentos de processos, realizar
diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público e cumprir
mandados de prisão, na forma do art. 13 do CPP.
228
227
GONÇALVES, Wagner. Reforma do Código de Processo Penal: anotações sobre investigação criminal.
Boletim dos Procuradores da República, v. 3, n. 30, p. 28, outubro 2000.
228
LIMA, Marcellus Polastri. O Ministério Público pode ou não investigar? Uma análise da recente decisão do
STF. Revista brasileira de ciências criminais, v. 12, n. 46, p. 375, jan./fev. 2004.
118
Neste sentido, ao nível federal, a atuação de apoio da Polícia Judiciária é
exclusividade da Polícia Federal e não pode ser desempenhada pelas forças
policiais de outras esferas de governo.
É este o mandamento constitucional contida na norma epigrafada.
Esta é a exegese empregada por Clèmerson Merlin Clève:
Não é outra a conclusão decorrente da interpretação do dispositivo
constitucional senão a de que a exclusividade conferida à polícia federal se
apenas em relação a outros órgãos policiais, e não em prejuízo dos
demais mecanismos de apuração de infrações penais.
229
230
E, ratificando a fuga de meras interpretações literais, complementa:
Frise-se que não se pretende aqui restringir a interpretação constitucional à
técnica gramatical, olvidando os métodos mais festejados de otimização dos
preceitos superiores. Assim, nem mesmo a regra da exclusividade da polícia
federal deve ser entendida de forma absoluta.
231
No mesmo sentido vide, v. g., a lição de Luiz Alberto David de Araújo e Vidal
Serrano Nunes Júnior:
Merece destacada observação, porém, a dicção do inciso IV do parágrafo 1
o
do art. 144 da Lei Maior, onde se atribui à polícia federal ‘exercer, com
exclusividade, as funções de polícia judiciária da União’. É que, por força do
dispositivo em apreço, a polícia federal ficou impedida de celebrar
convênios com outras entidades policiais para o cumprimento de suas
funções de polícia judiciária.
Assim, quando o Ministério Público, por si, não lograr instrumentalizar-se
para a persecução penal, poderá fazê-lo através da polícia federal, posto
que nenhum órgão policial poderá desempenhar funções de polícia
judiciária da União.
232
Fernando da Costa Tourinho Filho traz ainda outro ponto de vista, sempre no
sentido da não exclusividade:
229
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 9.
230
No mesmo sentido: STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 92-93.
231
Idem, ibidem.
232
ARAÚJO, Luiz Alberto David; Nunes Júnior, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 6
a
ed., São
Paulo: Saraiva, p. 346, 2002. Com a ressalva do entendimento pessoal do subscritor no sentido que a
diferenciação não impõe uma proibição ao Ministério Público Federal de, eventualmente, contar com o apoio de
forças (policiais) estaduais, especialmente as Polícias Militares dos Estados.
119
O preceito constitucional quis, apenas e tão-somente, dizer o que compete à
Polícia Civil. O que o preceito constitucional quis, também, foi excluir
aqueles delegados que não eram de carreira, muito comum nos Estados do
Norte e Nordeste, Cabos e Sargentos da PM, normalmente exerciam as
funções de Delegado de Polícia. Agora não. A função de investigar o fato
típico não mais poderá ser por eles exercida. Se, por acaso, a Constituição
dissesse que tal competência passaria a ser privativa da polícia, o
entendimento seria outro.
233
O citado autor talvez somente tenha se equivocado em enfatizar a região
geográfica onde a (estranha) prática “policial” é comum (Norte e Nordeste). Aqui
mesmo no Paraná a prática era muito habitual até recente data, e o que é pior, as
funções não eram exercidas por policiais militares (sargentos, cabos, soldados, etc.),
e sim por pessoas absolutamente alheias a qualquer serviço policial, muitas vezes
sem remuneração oficial (sabe-se muito bem qual era a fonte de renda), bastando
ser “apadrinhado” do político local.
Nesse contexto, surge com pertinente coerência a classificação apresentada
por Valter Foleto Santin, diferenciando “polícia de investigação” e “polícia
judiciária”.
234
Para o referido autor, pelo novo perfil constitucional, as funções policiais
podem ser denominadas “polícia de segurança pública”, que compreendem as
atividades policiais de prevenção, repressão, investigação, vigilância de fronteiras e
polícia judiciária.
Fugindo da chamada “doutrina tradicional”, que englobaria os dois conceitos,
o novo regramento constitucional passa a distinguir as funções de investigação
criminal (polícia de investigação) e as funções de cooperação e auxílio do Judiciário
e do Ministério Público (polícia judiciária).
De fato, conforme visto ao tratar da nomenclatura da instrução preliminar, o
233
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 176.
234
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 54-56.
120
termo polícia judiciária não tem mais adequação atual, provindo de um tempo em
que a Polícia Judiciária abrangia a atividade policial propriamente dita, bem como as
atividades hoje exercidas pelo Ministério Público e pelo Judiciário.
235
3.3.2 Situação Jurídica do Inquérito Policial, da Dispensabilidade à (Não)
Exclusividade
Existem duas máximas (praticamente) indiscutíveis no sistema persecutório
pátrio: o inquérito policial é dispensável, todavia a polícia é indispensável.
Não dúvidas que qualquer organização social necessita de alguma
entidade incumbida de funções “policiais”.
Mais proximamente, a instrução preliminar, por envolver a reconstituição de
fatos delituosos, necessita, via de regra, de todo um aparato policial. Para além de
uma crítica criminológica, embora em alguns crimes seja rara a necessidade de
manus militaris, como ocorrem nos chamados crimes de colarinho branco, muitas
vezes a criminalidade está vinculada à “possibilidade real de violência (física)”,
sendo necessária uma atividade estatal policial na condução da instrução ou auxílio
“policial judiciário”.
Nas palavras de Paula Bajer Fernandes Martins da Costa:
O mergulho do MP nas atividades de investigação acarreta à instituição
problemas não previstos ou imaginados. Quando necessário o uso da força
física, ou qualquer outro constrangimento na atividade de investigação
busca domiciliar por exemplo -, a instituição precisará, necessariamente,
da autoridade policial e do Juiz. atividades tipicamente policiais e muitas
235
MARQUES, José Frederico. Op. cit., p. 198.
121
vezes imprescindíveis à apuração do crime e da autoria, que não constam
das atribuições de MP. Seus membros não foram e não são preparados
para elas, não se submetem a provas físicas para ingressar na carreira, não
recebem aulas para utilização de armas de fogo. O MP tem poder de
requisição, previsto na Constituição e nas leis. Pode investigar, até mesmo
em função da titularidade da ão penal de iniciativa pública. Mas precisa
da Polícia quando necessário abandonar a compreensão intelectual do
delito, para alcançar o corpo de delito verificado na realidade.
236
Aliás, a relação (jurídica) entre Polícia e Ministério Público é de mútua
necessidade. Nas palavras de Antônio Padova Marchi Júnior e Carolline Scofield
Amaral,
237
“a atuação conjunta do Ministério Público e da Polícia Judiciária é
fundamental ... O Ministério Público precisa da atividade policial porque tem
limitações de ordem funcional, técnica e de infra-estrutura. A Polícia Judiciária, por
sua vez, não raramente precisa escudar-se na autonomia administrativa e funcional
do Ministério Público para melhor desenvolver suas atividades de investigação.”
Por outro lado, conforme dito a pouco, o inquérito policial, na sistemática
nacional, é uma peça dispensável à propositura da ação penal.
Embora não haja previsão expressa neste sentido, a dispensabilidade do
inquérito policial pode ser extraída da exegese dos artigos: 4
o 238
, 12
239
, 28
240
, 39 (§
5
o
)
241
e 46 (§ 1
o
)
242
, todos do Código de Processo Penal.
236
COSTA, Paula Bajer Fernandes Martins da. Sobre a posição da polícia judiciária na estrutura do Direito
Processual Penal brasileiro da atualidade. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 7, n. 26, p. 217-218,
abr./jun. 1999.
237
MARCHI JÚNIOR, Antônio de Padova; AMARAL, Carolline Scofield. (Re)pensando a atribuição
investigatória do Ministério Público: argumentos de ordem constitucional e limites funcionais. Boletim do
Instituto de Ciências Penais, n. 46, ano III, p. 03-05, maio 2004.
238
Art. 4
o
. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas
circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por
lei seja cometida a mesma função.
239
Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.
240
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do
inquérito policial ou de qualquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões
invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecea denúncia,
designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual
então estará o juiz obrigado a atender.
241
Art. 39.(...) Parágrafo 5
o
. O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem
oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de
15 (quinze) dias.
122
A questão já está pacificada, doutrinária e jurisprudencialmente.
De fato, quando o Código de Processo Penal não exclui outras autoridades
da condução de instrução preliminar; quando menciona o acompanhamento do
inquérito na denúncia, como uma possibilidade; quando faz menção ao inquérito “ou”
peça informativa; quando trata da “dispensa” do inquérito em crimes de ação penal
pública condicionada à representação; quando menciona o prazo para oferecimento
da denúncia na hipótese de haver a “dispensa” do inquérito policial. Em todas estas
hipóteses está reiterando que, na sistemática pátria, o inquérito policial, para além
de principal instrumento condutor da instrução preliminar processual penal, é
dispensável.
Ora, sendo dispensável a instrução preliminar através do inquérito policial, e
contando o Ministério Público com atribuições privativas de promoção da ação penal,
e ainda, sendo a ação penal na sistemática nacional cercada pelo princípio da
obrigatoriedade, parece óbvio (lógico e razoável) que o Ministério Público possa
conduzir diretamente a instrução preliminar, máxime quando o próprio exercício
(obrigatório) da ação penal, por circunstâncias diversas, sofrer qualquer influência
que dificulte o “desvelamento” da verdade.
A propósito, muitos são os instrumentos instrutórios prévios diversos do
inquérito policial, acerca dos quais pouquíssima ou nenhuma voz ousa discordar de
sua legitimidade.
São verdadeiras instruções preliminares que, no mais das vezes apresentam
como principal objetivo a apuração de delitos, outros que normalmente trazem à
baila elementos probatórios de natureza criminal, embora apresentem finalidade
imediata extra-penal. São as instruções preliminares extra-policiais.
242
Art. 46 (...) parágrafo 1
o
. Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para
oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação.
123
São exemplos da primeira hipótese, instruções preliminares (extra-policiais)
imediatas ou instruções preliminares (extra-policiais) propriamente ditas:
Procedimentos policiais das casas legislativas;
243
Investigações de delitos praticados por magistrados;
244
Investigações de delitos praticados por membros do Ministério
Público;
245
Inquérito Policial Militar;
246
Investigações praticadas pelo indiciado ou acusado;
247
Investigações procedidas por particulares;
248
Instrução preliminar envolvendo ato infracional;
249
Ao lado dos anteriores, encontram-se procedimentos que, embora não
tenham por roupagem primeira a figura da instrução prévia, por não buscarem a
investigação de fatos delituosos, podem apresentar (e normalmente apresentam)
elementos de cunho probatório penal. São as instruções preliminares (extra-policiais)
mediatas:
Jornalismo investigativo;
250
243
Vide, v.g., o artigo 269 do Regulamento Interno da Câmara dos Deputados.
244
Art. 33 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
245
Art. 18 da Lei Complementar n. 75/93.
246
Código de Processo Penal Militar.
247
Decorrência direta dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, mesmo que mitigada na
fase da instrução preliminar.
248
Com as limitações decorrentes da ausência de múnus público e portanto, ausência dos atributos coercitivos
dos servidores e atos públicos.
249
Vide art. 201, VII do Estatuto da Criança e do Adolescente.
250
Em épocas de liberdade de imprensa, possível apresentar as palavras de Valter Foleto Santin:
“A própria característica do trabalho e comportamento normal do repórter, curioso e insatisfeito com os informes
recebidos, ajuda na descoberta dos fatos... a grande agilidade de locomoção dos jornalistas e amplo acesso às
informações locais, nacionais ou internacionais, tornam o trabalho investigatório muito mais célere e eficiente,
desvendando rapidamente os fatos... A atuação da imprensa na descoberta de irregularidades do setor público é
mundial, com inúmeros exemplos de efeitos positivos do trabalho. SANTIN, Valter Foleto. Ob. cit., p. 176-179.
124
Inquérito civil (especialmente para apuração de ato de
improbidade);
Processos administrativos disciplinares;
Autuações de funcionários sanitários, florestais, ambientais, fiscais e
administrativos de maneira geral;
Isso apenas para citar alguns exemplos.
É evidente que o é necessário chegar ao extremo proposto por José
Barcelo de Souza, no sentido de que “todo mundo pode investigar”,
251
porém,
respeitadas as garantias e prerrogativas constitucionais e legais pertinentes,
inúmeras instruções preliminares “extrapoliciais” são desencadeadas
quotidianamente, sem maiores questionamentos doutrinários ou jurisprudenciais.
Estranho o fato de quando o dominus litis passa a desempenhar a
presidência de instrução preliminar com vistas ao exercício da ação penal, sua
missão constitucional, surjam inúmeras “vozes revoltas” no mundo jurídico.
Mais estranho ainda se observado um fato interessante. Bem analisados os
fundamentos do impedimento do Ministério blico, nota-se um certo esvaziamento
da proibição.
Pelo art. 47 do Codex Processual Penal, o Ministério Público, se julgar
necessário maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos
elementos de convicção, deverá requisitá-los diretamente da autoridade.
Ora, pode pedir, oficialmente, informações à autoridade policial, mas não
pode colher o seu depoimento (interrogatório)?
251
SOUZA, José Barcelos de. Op. cit., p. 363.
Vide ainda do mesmo autor: Notas sobre o projeto referente ao inquérito policial. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, v. 10, n. 38, p. 257-270, abr./jun. 2002.
125
Como questiona Sérgio Demoro Hamilton, qual a diferença que existe entre
estes meios de prova?
252
Um equívoco terminológico precisa ser sanado.
É que o inquérito policial e as diligências investigatórias caracterizam duas
categorias distintas.
O inquérito policial continua sendo instrumento da Polícia para materializar a
instrução preliminar policial. Esta atribuição, condução de inquéritos policiais, é
privativa.
O Ministério Público o tem atribuição para condução de inquéritos
policiais. A uma, se o Ministério Público os conduzisse não mais poderiam ser
qualificados de “policiais”. A duas, o cabe ao Ministério Público sobrepujar a mera
orientação e requisição de diligências e presidir o inquérito policial. O que se
defende é que não vedação ao Ministério blico de conduzir pessoalmente
instruções preliminares (extrapoliciais), sem qualquer intuito de substituição às
autoridades policiais, mas para a garantia do exercício privativo da ação penal.
253
O equívoco de alguns, portanto, o está em afirmar que o Ministério
Público não tem atribuições para condução de inquérito policial, mas que não tem
atribuições para realizar, por intermédio de procedimentos próprios, “diligências
investigatórias”,
254
rectius, presidir uma instrução preliminar própria e autônoma.
252
HAMILTON, Sérgio Demoro. A amplitude das atribuições do Ministério Público na investigação penal.
Revista do Ministério Público/Ministério Público do Rio de Janeiro, n. 6, p. 230, jul./dez. 1997.
253
STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 79.
254
LIMA, Marcellus Polastri. O Ministério Público pode ou não investigar? Uma análise da recente decisão do
STF. Revista brasileira de ciências criminais, v. 12, n. 46, p. 383, jan./fev. 2004.
126
3.3.3 Análise Principiológica-Constitucional
Antes de tudo, considerar as funções instrutórias do Ministério Público ao
lado da missão desenvolvida pela Polícia de investigação, significa atender ao
mandamento constitucional da eficiência na Administração Pública.
Veja-se, por exemplo, a análise pontual de Paulo Gustavo Guedes Fontes,
que remonta inclusive o tema das instruções extra-policiais visto a pouco:
Deve-se ter em mente que a Lei n. 8429/92 autorizou o Ministério Público a
conduzir inquéritos civis para apurar atos de improbidade administrativa.
Existem milhares deles espalhados pelo país, no Ministério Público Federal
e estaduais, em que se apuram atos de corrupção, dispensa indevida de
licitações, superfaturamento, etc., questões complexas do ponto de vista
jurídico para as quais a Polícia nem sempre está preparada. Ao fim dessas
investigações, o membro do Ministério Público dispõe de elementos
suficientes para a propositura de ações civis por atos de improbidade
administrativa. Pois bem, se as provas obtidas no inquérito civil indicarem
também a prática de crime, devem ser consideradas imprestáveis para fins
penais? Estará o procurador ou promotor proibido de ajuizar as ações
penais cabíveis pelo fato de ter realizado as apurações? Estaríamos diante
de um absurdo jurídico e prático, com afronta, inclusive, ao princípio
constitucional da eficiência, que deve pautar todas as esferas estatais.
255
(grifo é nosso)
Outro princípio que nunca pode ser esquecido, embora muitas vezes o seja,
é o da “universalização da investigação criminal”.
Afinal, a segurança pública não é direito e dever de todos?
Monopólio investigativo é característica ligada a Estados tirânicos, ditatoriais,
circunstância incompatível com o Estado Democrático (de Direito).
Nas palavras de Valter Foleto Santin:
A polícia não é o único ente estatal autorizado a proceder à investigação
criminal; não exclusividade. O princípio é da universalização da
investigação, em consonância com a democracia participativa, a maior
255
FONTES, Paulo Gustavo Guedes. O poder investigatório do Ministério Público. Boletim Científico da Escola
Superior do Ministério Público da União, v. 2, n. 8, p. 135, jul./set. 2003.
127
transparência dos atos administrativos, a ampliação dos órgãos habilitados
a investigar e a facilitação e ampliação de acesso ao Judiciário, princípios
decorrentes do sistema constitucional atual. O reconhecimento do
monopólio investigatório da polícia não se coaduna com o sistema
constitucional vigente, que prevê o poder investigatório das comissões
parlamentares de inquérito (art. 58, § 3
o
, Constituição Federal), o exercício
da ação penal e o poder de investigar do Ministério Público (art. 129, I, III e
VI, CF), o direito do povo de participar dos serviços de segurança pública
(art. 144, caput, CF), função na qual a investigação criminal se inclui (art.
144, § 1
o
, I e § 4
o
, CF), o acesso ao Judiciário (art. 5
o
, XXXV, CF) e o
princípio da igualdade (art. 5
o
, caput e I, CF).
256
Ou ainda, em outra passagem, conclui o autor:
Portanto, o Ministério Público tem o direito de efetuar investigações
criminais autônomas, seja por ampliação da privatividade da ação penal,
pelo princípio da universalização das investigações ou do acesso à Justiça
ou direito humano da pessoa ser cientificada e julgada em tempo razoável
(arts. 7
o
e 8
o
, da Convenção Interamericana de Direitos humanos, Pacto de
San José), ou até por força do princípio do poder implícito, tudo em
consonância com o ordenamento constitucional, o Estado Democrático de
Direito, os fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil.
257
O princípio também é implicitamente adotado por René Ariel Dotti, ao
mencionar que a apuração dos crimes não é monopólio da policia, “o delegado
investiga; o agente investiga; o advogado investiga; o perito investiga. Por que não o
Ministério Público?”
258
Voltando ao princípio da eficiência administrativa, não se deve olvidar que a
instrução preliminar presidida pelo Ministério Público e a conseqüente imediação
com os elementos probatórios colhidos, é que melhor atende aos anseios de uma
ação penal cognitivamente qualificada.
O princípio da imediatidade é a via pela qual Clauss Roxin defende a
instrução preliminar a cargo do Ministério Público. Para o professor alemão, segundo
o princípio da imediatidade que domina o processo penal, assim como o juiz
256
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 60.
257
Idem, ibidem.
258
DOTTI, René Ariel. Op. cit., p. 08.
128
depende da instrução contraditória que dirige para proferir uma decisão, o Ministério
Público depende, para formação do juízo de propositura, da coleta direta dos
elementos de sua convicção, não sendo aceitável que não dirija a coleta desses
elementos.
259
Destarte, a participação ativa do Ministério blico na instrução preliminar,
com a condução direta da fase preparatória, por vezes, acarreta, acima de tudo,
melhoria da qualidade da futura ação penal e, conseqüentemente, desemboca na
maior eficiência no desempenho do munus público constitucionalmente atribuído ao
Parquet.
Dentre os co-partícipes e condutores da instrução preliminar, universal por
natureza, o Ministério Público de maneira imediata e a sociedade mediatamente são
os principais interessados, até porque atende ao princípio constitucional da
eficiência, outrora implícito, hoje expresso no texto magno.
3.4 OUTROS CONTRA-ARGUMENTOS DOUTRINÁRIOS
Após apresentar os principais argumentos pelos quais se defende a
atribuição instrutória do Ministério Público, a fim de dar maior consistência
sistemática e coerência à exposição, mostra-se necessária a apresentação de
“contra-argumentos” ao que se tem sustentado para defender o posicionamento
contrário à “instrução probatória ministerial”.
259
ROXIN, Clauss. El Ministério Público en el processo penal. Buenos Aires: AD-HOC, p. 40. Apud:
BORGES, Edinaldo de Holanda. O sistema processual acusatório e o juizado de instrução. Boletim Científico da
Escola Superior do Ministério Público da União, v 02, n. 06, p. 47-56, jan./mar. 2003.
129
Obviamente muitos dos posicionamentos contrários foram rebatidos no
desenvolvimento do texto. É o que ocorre, por exemplo, com a principal
argumentação utilizada, isto é, a falta de atribuições (constitucional e legal) ao
Ministério Público e a (pseudo) exclusividade da instrução preliminar a cargo da
Polícia (Judiciária).
Porém, restam ainda alguns que precisam ser mencionados e,
conseqüentemente, rebatidos.
Este item tem por escopo, desta maneira, fechar sistemicamente a
argumentação para “combater” teses que não foram diretamente afrontadas supra,
para depois, antes ainda da conclusão, apresentar algumas argumentações
discordantes, ou seja, argumentos apresentados correntemente, os quais, muito
embora favoráveis às atribuições ministeriais, não parecem adequadas ou padecem
de algum equívoco doutrinário, conforme será exposto no item subseqüente.
3.4.1 Distâncias Geográficas
Um dos mais frágeis argumentos utilizados para contrariar os poderes
instrutórios do Ministério Público diz respeito às distâncias geográficas dos territórios
nacionais. Como diz o poeta, um país-continental.
Outrora mais recorrente, parece que aos poucos tem sido abandonado, até
mesmo pelos mais fervorosos partidários da tese contrária às atribuições
investigatórias ministeriais.
130
A primeira menção aparece no item IV da exposição de motivos do Código
de Processo Penal, onde, ao rebater a instauração do sistema do juizado de
instrução, o Ministro Francisco Campos assim ponderou:
Foi mantido o inquérito policial como processo preliminar ou preparatório da
ação penal, guardadas as suas características atuais. O ponderado exame
da realidade brasileira que não é apenas a dos centros urbanos, senão
também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o
repúdio do sistema vigente.
O preconizado juízo de instrução, que importaria em limitar a função da
autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos
crimes e indicar testemunhas, é praticável sob a condição de que as
distâncias dentro de seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente
superáveis.
As informações apresentadas são coerentes, contudo, totalmente descabido
apresentá-las como argumentação contrária aos poderes instrutórios do Ministério
Público.
Realmente, as distâncias geográficas nacionais dificultam a ingerência
estatal em diversos campos, incluam-se as questões relativas à segurança pública.
Apenas para citar um exemplo particular. Em julho de 2004, a fim de
combater as contemporâneas formas de escravidão ainda persistentes em solo
pátrio, este subscritor participou diretamente de uma força tarefa, que contou com
auxílio de diversos órgãos, como Força Aérea Brasileira, Ministério do Trabalho,
Ministério Publico do Trabalho e Polícia Federal, para detectar e tomar as devidas
medidas em relação à possível prática delituosa desta natureza na região conhecida
por “Iriri”, ou “Terra do Meio”, na parte central do Estado do Pará (onde alguns
meses mais tarde ocorreu o homicídio da “irmã Dorothy Stang”).
Pois bem, para se chegar ao local, onde foram libertados 84 (oitenta e
quatro) trabalhadores reduzidos à condição de escravo, foi preciso um deslocamento
131
aéreo de 2h (duas horas), partindo do município de Marabá/PA, com “escala” em
São Félix do Xingu, parte em avião, parte em helicóptero.
De fato, o acesso ao local foi muito difícil, exigindo, inclusive, desembarque
à altura em plena Selva Amazônica. Porém, partindo do exemplo tópico, algumas
ponderações podem ser feitas.
260
Primus, a tecnologia de transportes tem reduzido progressivamente as
distâncias geográficas. O que poderia ser considerado de difícil acesso na década
de 40, evidentemente não pode mais ser assim considerado nos dias atuais;
Secundus, a dificuldade do acesso aos locais de ocorrência criminosa são
circunstâncias extraordinárias e as dificuldades que seriam enfrentadas pelo
Ministério Público podem muito bem significar dificuldades de acesso também dos
órgãos policiais. Ao contrário do que muitos pensam, não existem sedes de órgãos
policiais investigatórios (Federal e civis) em todos os municípios brasileiros.
Tertius, defender os poderes instrutórios do Ministério Público não significa
que toda a instrução ficaria a cargo do órgão ministerial, mas, como se tem dito,
somente aquelas situações em que houver, por motivos diversos, perigo real ou
potencial ao futuro e eventual exercício da ação penal, esta sim, atribuição privativa
do Ministério Público. Além disso, como se tem sustentado, “missões policiais”
devem ficar reservadas à polícia, o Ministério Público não é preparado para ações
táticas, contudo, é justamente para auxílios como este que a Polícia torna-se
imprescindível na estrutura persecutória penal.
260
Antes porém um pequeno comentário. Para formação da opinio seria possível valer-se de relatórios
confeccionados pelas demais autoridades presente, em especial na descrição das condições caracterizadoras do
ilícito. Ao contrário, preferiu-se presenciar as circunstâncias para constatar a situação degradante vivida pelos
“trabalhadores escravizados”. Ao invés de ler no relatório que a sensação térmica da região girava em torno de
50
o
C, que a comida era precária, que o acesso era difícil, que as condições eram, enfim, sub-humanas, preferiu-
se constatar pessoalmente a situação. O procedimento seria inválido por isso? Ou pelo contrário, a opinião teria
maior robustez?
132
Cumpre salientar, por oportuno, que a estrutura policial para cobertura de
um espaço territorial abrangente é um fator que corrobora para a imprescindibilidade
dos mecanismos policiais em auxílio às instruções preliminares desenvolvidas e
vem a confirmar o posicionamento favorável à “investigação ministerial”.
É um ponto positivo à instrução preliminar desenvolvida pela Polícia que,
excepcional como tal, não tem o condão de inibir a iniciativa ministerial.
Neste sentido, Aury Lopes Júnior, defensor dos poderes instrutórios a cargo
do Ministério Público, chega a apresentar como vantagem da instrução realizada
pela Polícia “a abrangente presença e atuação policial, que lhe permite atuar em
qualquer rincão do país, dos grandes centros urbanos aos povoados mais
isolados”.
261
Segundo o autor, este teria sido o principal motivo utilizado pelos
legisladores do Código de Processo Penal, para a manutenção do inquérito policial,
pois a realidade brasileira exigiria do juiz de instrução “vários dias de viagem”.
262
Por óbvio, outra é a “realidade brasileira” se comparado ao Brasil de 1940.
3.4.2 A Falibilidade do Método Histórico de Interpretação
Um dos fortes argumentos contrários à “competência instrutória” do
Ministério Público tem sido a argumentação histórica.
O Ministro Nelson Jobim, do Supremo Tribunal Federal, no voto que foi
utilizado para apresentação histórica da controvérsia (vide introdução supra),
261
LOPES JÚNIOR, Aury Celso Lima. Op. cit., p. 49.
262
Iddem, ibidem.
133
procura demonstrar, segundo ele, várias circunstâncias em que o “processo da
instrução presidido pelo Ministério blico” [sic] teria sido debatido e negado ao
órgão ministerial, em sedes constitucional, legislativa e jurisprudencial.
O método histórico o é infalível e se torna frágil diante dos demais
métodos de interpretação.
Como bem critica Friedrich Müller, “as regras de interpretação não podem
ser isoladas como métodos autônomos por si”.
263
Além disso, não existe todo interpretativo que possa ser considerado
mais ou menos adequado, como ensina outro Ministro do Supremo Tribunal Federal,
Eros Roberto Grau:
Quando interpretamos, o fazemos sem que exista norma a respeito de como
interpretar as normas. Quer dizer, não existem aquelas que seriam meta-
normas ou meta-regras. Temos inúmeros métodos, ao desfrute de cada um.
Interpretar gramaticalmente? Analiticamente? Finalisticamente? Isso quer
dizer pouco, pois as regras metodológicas de interpretação teriam real
significação se efetivamente definissem em que situações o intérprete deve
usar este ou aquele método de interpretar. Mas acontece que essas normas
nada dizem a respeito disso; não existem essas regras.
264
Existe ainda outra circunstância que faz ruir o método histórico utilizado
isoladamente. É a lição de Lenio Streck e Luciano Feldens ao tratar da “legitimidade
da função investigatória do Ministério Público”, em confronto com a decisão contrária
do Supremo Tribunal Federal:
Além dessa problemática relacionada à fragilidade de todo e qualquer
método ou cânone utilizado para interpretar, outra razão de ordem
hermenêutica nos impele a discordar da decisão do Pretório Excelso. Trata-
se da velha discussão acerca da dicotomia texto-norma. Expliquemos, pois:
historicamente, a doutrina e a jurisprudência têm passado a idéia de que o
texto “carrega” consigo e exato sentido da norma, assim como se na
vigência do texto estivesse contida a validade da norma. Isto significa cair
263
MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do Direito Constitucional. Porto Alegre: Síntese, p. 68-69, 1999.
264
GRAU, Eros Roberto. A jurisprudência dos interesses e a interpretação do Direito. In João Maurício
Adeodato (org.). Jhering e o Direito no Brasil. Recife: Universitária, 1996, p. 79.
134
em uma espécie de fetichismo da lei. De muito que FRIEDRICH
MÜLLER desvelou essa questão, deixando assentado que a norma é
sempre o produto da interpretação de um texto, e que a norma não está
contida no texto.
265
No mesmo sentido Clèmerson Merlin Clève
266
e Humberto Ávila
267
,
respectivamente: “O texto é universo sobre o qual se debruça o operador jurídico. A
norma, não se confundindo com o texto, é o resultado da operação hermenêutica”.
“A interpretação não se caracteriza como um ato de descrição de um significado
previamente dado, mas como um ato de decisão que constitui a significação e os
sentidos de um texto.”
Assim a norma é sempre produto da interpretação de um texto, não está
contida nele, isto é, o mesmo texto legal pode “produzir” normas distintas.
Independente da situação precedente, o novo papel desempenhado pelo
Ministério Público, aliado ao quadro da problemática “criminógena” atual
268
, ausente
de uma política criminal efetiva, “exige” uma interpretação constitucional favorável à
competência instrutória do Parquet.
Como revela Clèmerson Mèrlin Clève, “a legitimidade das diligências
investigatórias do Ministério Público decorre da nova ordem constitucional e nela
deva ser compreendida”.
269
Em outra passagem, “se das deliberações dos
Constituintes não pode ser deduzida a proibição da ação ministerial no campo
investigatório criminal, eis que tal ação decorre, naturalmente, da interpretação
atualizada do texto constitucional vigente”.
270
265
STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 66.
266
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 02.
267
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 23.
268
Vide supra.
269
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 05.
270
Idem, ibidem.
135
O método meramente histórico “fossiliza o Direito” em uma fusão texto-
norma e provoca decisões distorcidas da realidade vivida.
É o método que mais pode levar a equívocos.
271
Voltando à lição de Lenio Streck e Luciano Feldens.
Portanto, perde força hermenêutica qualquer interpretação que busque no
desenvolvimento histórico da formação de determinado instituto a
construção de uma mens legislatoris ou mens legis. Tal procedimento, de
índole marcadamente historicista, mostra-se antitético com o que
contemporaneamente se entende por hermenêutica. Quer-se dizer, o
historicismo esbarra nos câmbios de paradigma; no caso do Direito, esse
câmbio é evidenciado pelo advento de uma nova Constituição.
A validade do método histórico”, nos termos em que está colocado, poderia
levar o processo hermenêutico à produção de decisões absolutamente
desconectadas da realidade.
272
Por fim, e agora focando somente as palavras exaradas pelo Ministro Nelson
Jobim, há de se considerar que em seu voto foram suprimidos os precedentes
jurisprudenciais favoráveis à “investigação criminal” do Ministério Público.
273
Alguns dos quais, inclusive, do próprio Supremo Tribunal Federal, e o que é
pior, alguns emitidos pelo próprio Ministro Nelson Jobim, a exemplo do precedente
que segue:
Habeas corpus. Processo penal. Sentença de pronúncia. Prova colhida pelo
Ministério Público.
Inocorre excesso de linguagem na sentença de pronúncia que apenas
demonstra a existência de indícios claros e suficientes de autoria e motiva
sucintamente a ocorrência de qualificadora do homicídio e remete ao
Tribunal do Júri a do Júri a solução da questão.
Legalidade da prova colhida pelo Ministério Público. Art. 26 da Lei
8.625/93. Ordem denegada.
274
(grifo é nosso)
271
LIMA, Marcellus Polastri. Op. cit., p. 373.
272
STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Op. cit., p. 69-70.
273
Vide, por exemplo, a jurisprudência colacionada por Lenio Streck e Luciano Feldens na obra citada, p. 72.
274
STF -HC 77.371-3-SP, Segunda Turma, Relator Min. Nelson Jobim, j. 1.09.1998, DJ 23.10.98, p. 04.
136
Na época o Ministro relator, ao tratar do depoimento tomado diretamente
pelo Ministério Público, fundamentou o voto alegando que “a Lei Orgânica do
Ministério Público faculta a seus membros a prática de atos administrativos de
caráter preparatório tendentes a embasar a denúncia.”
Ou seja, ou Sua Excelência mudou de idéia (o que seria salutar, que
poderia/deveria ser expresso neste sentido), ou mudou de assessor/estagiário, ou
ainda, mudou de computador!
3.4.3 Uso Pirotécnico e Seletivo
Voz recorrente nos “críticos-críticos” do Ministério Público e, especialmente,
tocante aos poderes instrutórios, diz respeito ao que pode ser chamado “uso
pirotécnico e seletivo” da instrução preliminar.
A crítica é parcialmente correta.
De fato, infelizmente alguns membros do Ministério Público têm abusado dos
poderes instrutórios, seja no campo da instrução preliminar processual penal, seja
no campo instrutório civil, principalmente através de inquéritos civis por atos de
improbidade.
No início do texto foi possível tecer uma análise crítica acerca do incorreto
reflexo que o mau uso da - e pela - “imprensa pode proporcionar em termos de
garantias do indiciado.
Oportunas as palavras de Paulo Queiroz:
137
Carta a um jovem Promotor de Justiça
Caro Promotor: em resposta às indagações que me fizeste, segue o que
penso a propósito.
Bem sabes que, dentre as relevantes funções que agora exerces, está a de
acusar, tarefa das mais graves e difíceis, por certo. Pois bem, quando
acusares – e tu o farás muitas vezes, pois o teu dever o exige – não
esqueças nunca que sob o rótulo de “acusado”, “réu”, “criminoso” etc.
sempre um homem, nem pior nem melhor do que ti; lembra que nosso crime
em relação aos criminosos consiste em tratá-los como patifes (Nietzsche).
Evita incorrer nessa censura! Acusa, pois, dignamente, justamente,
humanamente!
Lembra que, entre os teus deveres, não está o de acusar implacavelmente,
excessivamente, irresponsavelmente. Se seguires a Constituição, como é
teu dever, e não simplesmente a tua vontade, atenta bem que a tua função
maior reside na defesa da ordem jurídica e do regime democrático (CF, art.
127), e não da desordem jurídica, nem da tirania. E defendê-la significa,
entre outras coisas, fazer a defesa intransigente dos direitos e garantias do
acusado, inclusive; advogá-lo é guardar a própria Constituição, é defender a
liberdade e o direito de todos, culpados e inocentes, criminosos e não
criminosos.
Por isso, sempre que te convenceres da inocência do réu, o vacila em
pugnar por sua pronta absolvição, ainda que tudo conspire contra isso; faz o
mesmo sempre que a prova dos autos ensejar fundada dúvida sobre a
culpa do acusado, pois, como sabes, é preferível absolver um culpado a
condenar um inocente. Ousa, portanto, defender as garantias do u,
ainda que te acusem de mau-acusador, ainda que isso te custe a
ascensão na carreira ou a amizade de teus pares. Assim, sempre que o
teu dever o reclamar, não hesita em impetrar habeas corpus, em recorrer
em favor do condenado, em endossar as razões do réu, e jamais te
aproveita da eventual deficiência técnica do teu (suposto) oponente: luta,
antes, pela Justiça! Lembra, enfim, que és Promotor de Justiça, e não de
injustiça!
E quando te persuadires da correção do caminho a trilhar, segue sempre a
tua verdade, a tua consciência, não cede à pressão da imprensa, nem de
estranhos, nem de teus pares; fiel a ti mesmo, pois quem é fiel a si
mesmo não trai a ninguém (Shakespeare), porque não cria falsas
expectativas nem ilusões.
Trata a todos com respeito, com urbanidade; altivo com os poderosos e
compreensivo com os humildes; lembra que quem se faz subserviente e se
arrasta como verme não pode reclamar de ser pisoteado (Kant).
Evita o espetáculo, pois não és artista de circo nem parte de uma peça
teatral; sereno, discreto, prudente, pois não te é dado
entregares a tais veleidades;
Estuda, e estuda permanentemente, pois não te é lícito o acomodamento;
não esqueças que toda discussão tecnológica encobre uma discussão
ideológica; lê, pois, e aplica as leis criticamente; não olvidas que teu
compromisso fundamental é com o Direito e a Justiça e não só com a Lei;
Não te julgues melhor do que os advogados, servidores, policiais, juízes e
partes, nem melhor do que teus pares;
Não colocas a tua carreira acima de teus deveres éticos nem
constitucionais;
Vigia a ti mesmo, continuamente, mesmo porque onde houver uso de poder
haverá sempre a possibilidade do abuso, para mais ou para menos; antes
de denunciar o argueiro que se oculta sob olhos dos outros, atenta bem
para a trave que te impede de te ver a ti mesmo e a teus erros; lembra que
as convicções são talvez inimigas mais perigosas da verdade que as
mentiras, e que a dependência patológica da sua óptica faz do convicto um
fanático (Nietzsche);
138
Não te esqueças de que, por mais relevantes que sejam as tuas funções, es
servidor público, nem mais, nem menos, por isso diligente, probo,
forte, sê justo!
Cordialmente,
Paulo Queiroz
(Procurador Regional da República)
275
(grifo é nosso)
Os casos isolados são excepcionais e não pode macular a atividade
ministerial. Se na realidade tupiniquim” atividades desviantes fossem sinônimo de
falibilidade, não haveria sequer atividade estatal.
Além disso, na instrução preliminar a cargo exclusivo da Polícia também é
possível observar (talvez em maior grau) o mesmo uso pirotécnico da imprensa e
seletivo de casos especiais.
Basta citar como exemplo o fato de muitas operações, mesmo como
processo de origem crivado de segredo de justiça, são acompanhados “ao vivo” por
veículos de comunicação de massa.
Quanto ao uso seletivo, basta lembrar que na realidade nacional dificilmente
os prazos de inquérito policial são cumpridos. Assim, o uso seletivo é utilizado na
agilização de alguns procedimentos em detrimentos de outros “de menor impacto”.
Em suma, a crítica é desfocada na medida em que se trata de uma
circunstância excepcional e cabível tanto a instrução preliminar a cargo do Ministério
Público quanto a cargo da Polícia.
275
Carta confeccionada pelo Procurador Regional da República Paulo Queiroz, disponibilizada na Rede interna
de Procuradores da República.
139
3.4.4 A Questão da Imparcialidade
Durante muito tempo alegou-se que a condução da instrução preliminar
direta pelo Ministério Público poderia afetar a imparcialidade do órgão ministerial na
cognição relativa à formação da opinio.
Neste sentido o professor Luiz Alberto Machado:
276
“basta o Ministério
Público ter participado (não feito, dirigido) as investigações, para que fique impedido
de atuar no processo crime. Isso porque, em sendo autor, as investigações restariam
imprestáveis, por inconstitucionalidade; e seriam irrecuperáveis, frutos que seriam da
árvore envenenada (poisonous tree).”
A crítica também aparece na obra da Rogério Lauria Tucci:
Ademais e como, embora noutra angulação, igualmente, pontua -, a
“acusação formal, clara e fiel à prova, é garantia de defesa, em Juízo, do
acusado. Espera-se, então, do acusador público, imparcialidade. Tanto que
se permite argüir-lhe a suspeição, impedimento, ou incompatibilidade com
determinada causa penal. É o que se encontra na lei do processo. Dirigir a
investigação e a instrução preparatória, no sistema vigorante, pode
comprometer a imparcialidade. Desponta o risco da procura orientada de
provas, para alicerçar certo propósito, antes estabelecido; com abandono,
até, do que interessa ao envolvido. Imparcialidade viciada desatende à
Justiça.
277
278
A argumentação, no entanto, não merece acolhida.
Como leciona Hugo Nigro Mazzili:
(...) inexiste impedimento para que o promotor que investigou os fatos ou
oficiou no inquérito policial possa ajuizar a conseqüente ação penal ou nela
276
MACHADO, Luiz Alberto. Op. cit., p. 45-59.
277
TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 41.
278
No mesmo sentido: COUTINHO, Jacinto Nélson de Miranda. A inconstitucionalidade de lei que atribua
funções administrativas do inquérito policial ao Ministério Público. Revista de Direito Administrativo aplicado,
n. 2, Curitiba, p. 447-451, 1994; FRAGOSO, José Carlos. São ilegais os “procedimentos investigatórios”
realizados pelo Ministério Público Federal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 37, p. 241, 2002;
VIEIRA, Luiz Guilherme. O Ministério Público e a investigação criminal. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, n. 46, p. 307 e ss, 2004; FERREIRA, Orlando Miranda. Inquérito policial e o Ato Normativo 314
PGJ/CPJ. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 45, p. 257, 2003.
140
oficiar: é pacífico o entendimento segundo o qual a atuação do Ministério
Público, na fase do inquérito policial, tem justificativa na sua própria missão
de titular da ação penal, sem que se configure usurpação da função policial
ou venha a ser impedimento a que ofereça a denúncia.
279
A questão tomou os tribunais até que o Superior Tribunal de Justiça editou a
Súmula de número 234, in verbis: “A participação de membro do Ministério Público
na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o
oferecimento da denúncia”.
Na atualidade a questão tem retornado à baila e volta a ser utilizada por
alguns dos partidários da posição contrária aos poderes instrutórios do Ministério
Público.
Contudo, parte de uma premissa equivocada, qual seja, a situação jurídica
do Ministério Público na relação jurídica processual.
A posição do Ministério Público na relação jurídico-processual é uma
posição sui generis, como já ensinava Carnelutti:
Il pubblico ministero, certamente, è uma parte, al confronto Del giudice; ma
uma parte sui generis; se si dicesse imprópria, questo sarebbe forse
l’aggettivo piú adeguato. L’improprietà esta in questo Che la parte subisce il
provvedimento Del giudice, il quale disponde intorno al suo interesse; ma il
pubblico ministero no è ponto um interessato. Più di uma volta, a propósito
Del confronto tra parte e giudice, io ho ricordato, parafrasandola,uma frase
famosa: partes nascuntur, iudices fiunt. Ora, il pubblico ministero è uma
parte artificiale, non uma parte naturale.
280
Ou ainda, na lição de Frederico Marques:
Não que se falar em imparcialidade do Ministério Público, porque então
não haveria necessidade de um juiz para decidir sobre a acusação: existiria,
aí, um bis in idem de todo prescindível e inútil. No procedimento acusatório,
deve o promotor atuar como parte, pois se assim não for, debilitada estará a
função repressiva do Estado. O seu papel, no processo, não é o de
defensor do réu, nem o de juiz, e sim o de órgão do interesse punitivo do
Estado.
279
MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 166.
280
.CARNELUTTI, Francesco. Principi del Processo Penale. Napoli: Morano Editore, 1960, p. 42.
141
Em segundo lugar, o que caracteriza o conceito de parte não é a
parcialidade ou imparcialidade, e sim a titularidade de direitos próprios em
relação ao conteúdo do processo e a contraposição à função de dirimir o
conflito de interesse e julgar.
281
É claro que ao membro do Ministério Público não cabe uma acusação
destemperada e desmedida no sentido que cabe ao Ministério Público buscar a
aplicação da lei penal a qualquer custo.
Na lição de Paulo Gustavo Guedes Fontes:
(...) a imparcialidade que se exige do membro do Ministério Púbico é aquela
de cunho pessoal (impessoal) proibindo que o acusador seja parente do juiz
ou das partes, seu amigo íntimo ou inimigo capital, etc.; do ponto de vista
funcional, a imparcialidade é incompatível com a função do acusador
público.
282
Tudo isto (e) leva o Parquet a uma situação toda especial que não passou
despercebida aos olhos de René Ariel Dotti, citando Piero Clamandrei, ao prefaciar a
obra de Cândido Furtado Maia Neto:
Em todos os cargos judiciários, o mais difícil, segundo me parece, é o do
Ministério Público. Este, como sustentáculo da acusação, deveria ser tão
parcial como um advogado, e como guarda inflexível da lei deveria ser tão
imparcial como um juiz. Advogado sem paixão, juiz sem imparcialidade, tal é
o absurdo psicológico no qual o Ministério Público, se não adquirir o sentido
do equilíbrio, se arrisca, momento a momento, a perder, por amor a
sinceridade, a generosa combatividade do defensor ou, por amor da
polêmica, a objetividade sem paixão do magistrado.
283
Nas oportunas palavras de Paulo Rangel, “diferente do que muitos pensam,
ou até mesmo diferente do que muitos membros do Ministério Público fazem, a
persecução penal exercida pelo órgão ministerial é feita muito mais em nome dos
281
MARQUES, José Frederico. Op. cit., p. 51.
282
FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Op. cit., p. 02.
283
MAIA NETO, Cândido Furtado. O promotor de justiça e os Direitos Humanos: acusação com racionalidade.
Curitiba: Juruá, 2000.
142
direitos e garantias fundamentais da pessoa humana do que em prol da obtenção,
simples, do resultado favorável da pretensão acusatória.
284
Vale lembrar, ademais, que nas causas de nulidade enumeradas pelo art.
564 do CPP, não há a previsão de impedimento ou suspeição do membro do
Ministério Público, “o que, por mais um motivo, afasta a possibilidade da argüição de
nulidade processual” a participação, a fortiori, condução da instrução preliminar.
285
3.4.5 O Outro Lado da Imparcialidade
A questão da possível imparcialidade do Ministério Público, por vezes
recebe outra crítica que é antagônica ao item anterior, ou seja, a constatação da
parcialidade ministerial.
Alguns críticos partem da premissa que o Ministério Público, por ser parte,
isto é, devida a parcialidade, não pode presidir a instrução preliminar, pois tenderia a
realizar uma “investigação tendenciosa”.
É a posição, por exemplo, de Marco Antônio Azkoul:
Quando a Polícia Judiciária apura uma infração penal, objetivando a busca
da verdade real, dirigida ou presidida por delegados de Polícia, o faz com
imparcialidade ... não podendo haver interferência do Ministério Público
mais do que inadmissível e ilegal ela será suspeita, principalmente se igual
oportunidade não for dada à defesa. [...] Uma das partes não poderá ter
privilégio de ‘orientar’ a prova sem a participação da outra.
286
284
RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 64.
285
LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto de. Op. cit., p. 441.
286
AZKOUL, Marco Antônio. A polícia e sua função constitucional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,
1998.
143
Outros chegam a falar que o Ministério Público, acumulando as funções de
investigar e acusar, transformar-se-ia em um super-poder, com plena desigualdade
entre as partes.
287
A crítica também não tem cabimento.
Preliminarmente, enquanto não for instaurada a ação penal, i. e., na fase na
instrução preliminar, procedimento de cunho “predominantemente” inquisitorial, o
há o que se falar em “parte”, no sentido jurídico-processual do termo.
Como visto no item anterior, a parcialidade ministerial decorre apenas do
fato de ser “parte acusatória” da relação jurídico-processual, não se trata de uma
parcialidade funcional.
Além disso, o qualquer elemento plausível (científico) que aponte para
uma maior isenção do órgão policial. Pelo contrário, muitas práticas policiais
demonstram que as autoridades policiais tendem a justificar (juridicamente) os atos
praticados na instrução preliminar, fator de maior “tendência desvirtuante” do que a
alegada parcialidade do agente ministerial.
Oportuna, novamente, as palavras de Paulo Gustavo Guedes Fontes:
A fragilidade do ... argumento reside no fato de creditar à Polícia, em
detrimento do Ministério Público, real possibilidade de realizar uma
investigação imparcial. Tanto quanto o Ministério Público, os membros da
Polícia são funcional e psicologicamente comprometidos com a persecução
penal. Pela forma prática como intervêm no sistema, protagonizando a luta
por vezes de vida ou morte contra a criminalidade e exercendo a força física
legal, no dizer de Weber, os policiais estariam até menos inclinados a
reconhecer e respeitar os direitos dos investigados.
288
287
GRANZOTTO, Cláudio Geoffroy. Investigação direta pelo Ministério Público: não consonância com a
sistemática do Processo Penal Constitucional. Jus navegandi, Teresina, a. 9, n. 843, 24 out. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7466>. Acesso em: 09 nov. 2005, p. 06.
288
FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Op. cit., p. 03.
144
Ambos, Ministério Público e Polícia são “interessados” na apuração dos
fatos.
Como adverte Clèmerson Merlin Clève,
289
ao mencionar a crítica sob exame,
“a concepção de imparcialidade merece cuidados e deve afastar posições ingênuas
a respeito da natureza humana.”
As autoridades policiais, vale lembrar, não detém as mesmas garantias e
prerrogativas ministeriais, o que os “vulnerabiliza” a eventuais pressões políticas.
“Quando o constituinte conferiu ao membro do Parquet independência funcional
similar à dos juizes, não foi apenas para que possa acusar livre de pressão, mas
também para que possa deixar de acusar, se razão jurídica não houver.”
290
3.4.6 A Alegada Separação entre as Funções de Investigação e Julgamento
Um ponto recorrente nas vozes contrárias aos poderes instrutórios do
Ministério Público, diz respeito a um alegado princípio da separação entre as
funções estatais de investigação, acusação e julgamento.
O princípio tem origem do Direito Francês, o qual, baseado no sistema do
juizado de instrução apresenta contornos totalmente diversos do nacional.
A separação foi insculpida inicialmente no C’ode d’Instruction Criminelle de
1908, pelo qual “quem acusa não instrui e quem instrui não julga”.
289
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 18.
290
FONTES, Paulo Gustavo Guedes. Op. cit., p. 03.
145
Alguns tentaram, artificialmente, transportar esta noção ao sistema pátrio,
substituindo a função desempenhada pelo juiz de instrução, pela Polícia Judiciária. A
analogia não é possível.
Nos países sujeitos ao juizado de instrução, normalmente o Ministério
Público não “investiga” pois ela fica a cargo do juiz responsável, para o qual dispõe
de amplos poderes, podendo decretar prisões, expedir mandados, etc.
No Brasil, nem a Polícia, nem o Ministério Público detêm tais poderes
instrutórios, sempre necessitando de prévia autorização judicial, pois tais poderes
estão adstritos à chamada “reserva jurisdicional”, daí ser incabível a analogia
realizada.
Nos países de juizado de instrução, não qualquer impedimento ou
barreira entre as funções acusatória e investigativa, tanto é que normalmente nestes
países a Polícia age sob a direção e coordenação do Ministério Público, como visto
ao tratarmos do Direito Comparado.
Desta forma, não relação entre a separação das funções de acusação,
instrução e julgamento dos juizados de instrução, com a acusação, investigação e
julgamento, do sistema pátrio.
Acompanhando o mesmo raciocínio, assim conclui Clèmerson Merlin Clève:
O debate constituinte do qual não resultou, entre nós, a adoção do sistema
do juizado de instrução não determinante para solução da questão da
constitucionalidade da atuação do Ministério Público envolvendo a
realização de certas diligências em investigação criminal. Primeiro, pela
ressalva da interpretação constitucional adequada; segundo porque mesmo
que tivesse sido adotado tal modelo, não se impediria a controvérsia
instaurada, que está cingida ao binômio acusação/investigação, e não ao
binômio acusação/instrução.
291
291
CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 13.
146
3.4.7 Falta de Controle
Outro argumento bastante utilizado seria a falta de controle das atividades
ministeriais, transformando-o em uma instituição fiscalizadora, mas não sujeita à
fiscalização, podendo realizar a instrução preliminar a cavaleiro de qualquer direito
ou garantia constitucional, principalmente no tocante ao prazo de instrução.
Vide, por exemplo, Paulo Sérgio Leite Fernandes:
O grande problema da extravagante potencializão do Ministério Público ...
é o quase endeusamento da instituição, dando-se-lhe estrutura
perigosamente afastada do princípio que exige, até no mais simples
comportamento do ser humano em sociedade, a existência de um ser, um
alguém, uma coletividade, um poder qualquer, a lhe cinturar a atividade,
censurando-a externamente. A censura é, certamente, inclusive no plano
psiquiátrico, fenômeno inafastável da consciência. A ausência de censura
conduz à perda dos marcos delimitadores de comportamento adequado.
Transportado isso para o âmbito da instituição, verifica-se que suas
lideranças, nos idos da época em que se desenvolviam os debates sobre a
Constituição de 1988, montaram gigantesca estrutura no Congresso,
obtendo resultado que transformou o Ministério Público em Corporação
ferreamente fechada a investidas externas, de forma a impedir, com certeza
absoluta, qualquer tentativa de se lhe ultrapassar as muralhas.
292
Alguns chegam a mencionar, inclusive, que formar-se-ia uma “ditadura
ministerial”
293
ou a formação de uma instituição super poderosa.
294
O argumento também não merece guarida.
Como todo e qualquer ato estatal, as atividades do Ministério blico estão
sujeitas à eventual apreciação judicial.
Além disso, pelo nosso sistema, as medidas que importem sacrifício de
direitos, somente podem ser deferidas mediante prévio consentimento judicial. É o
292
FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Reforma do Código de Processo Penal: breve análise de anteprojetos
remetidos ao Congresso. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 31, n. 72, p. 81-82, jan./jun. 2001.
293
TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 84.
294
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 3ed., São Paulo: RT, 2004, p. 74.
147
que se verifica nos casos de buscas e apreensões domiciliares, prisões (preventiva e
temporária), monitoramentos telefônicos, quebras de sigilo de dados íntimos (fiscal,
telefônico e bancário), etc.
Até mesmo a formação da opinio está sujeita à esfera judicial, afinal, cabe
ao Judiciário o juízo de recebimento ou não da peça acusatória.
Agora, em relação prazo do procedimento, a tese merece ser parcialmente
acolhida, mas com certas ressalvas.
De fato, alguns membros do Ministério Público têm abusado do poder
instrutório e, por vezes, instruções preliminares são instauradas e instruídas por
prazos prolongados, mantendo suspensa ad perpetuam a “Espada de Dâmocles”,
em flagrante descompasso com as garantias constitucionais.
Porém, para estes casos (excepcionais), continua a disposição dos
interessados a via judicial para a apreciação da razoabilidade do lapso temporal
transcorrido, através do qual, eventualmente os prazos (legais) do Inquérito Policial
poderão ser utilizados como parâmetro analógico.
Por outro lado, a prática cotidiana demonstra que os prazos dos inquéritos
policiais raramente são respeitados. Os constantes pedidos de dilação têm sido a
regra, provocando a mesma situação que se pretende atacar, i. e., o exagerado
transcurso de tempo, sem que qualquer voz atacasse o poder instrutório da
autoridade policial por conta disso.
Por fim, vale lembrar que no âmbito correcional dos diversos Ministérios
Públicos estaduais e do Ministério Público Federal, foram “baixadas” medidas
administrativas para a regulamentação das atividades instrutórias, nos quais a
preocupação com o prazo procedimental tem sido a tônica.
148
Em épocas em que se começava a discutir o controle externo do Judiciário e
Ministério Público, Sérgio Demoro Hamilton apresentou interessantes conclusões:
É de indagar-se: e a Polícia fica sujeita a que controle?
O Ministério Público, quando oferece a denúncia, submete-a ao exame do
judiciário, que pode rejeitá-la (art. 43 do CPP). Quando requer o
arquivamento, cabe ao juiz, como controlador do princípio da
obrigatoriedade da ação penal, examinar se o caso comporta a providência
alvitrada pelo Parquet (art. 28 do CPP). Mesmo nos casos de atribuição
originária, o Procurador-Geral de Justiça não dispõe de poderes absolutos,
que sua decisão de arquivamento das peças de informação fica sujeita a
recurso do legítimo interessado para o Colégio de Procuradores de Justiça
(art. 12, XI, da Lei 8.625, de 12/02/93, LONMP).
Que dizer da chamada ação privada subsidiária da pública, consagrada no
art. 29 do CPP, e que, na atualidade, integra o elenco dos direitos
individuais da Constituição Federal (art. 5
o
, LIX). É outra modalidade de
controle externo a que está sujeito o Ministério Público, quando, não importa
o motivo, o órgão do Parquet não promove, no prazo legal, a ação pública a
que es obrigado. Em tal hipótese, o particular legitimado para agir pode
promover a ação penal, suprindo, assim a inércia do órgão de atuação do
Ministério Público.
A presença do assistente do Ministério Público (art. 268 a 273 do CPP)
surge como outra modalidade de controle externo do Parquet, notadamente
quando apela na hipótese contemplada no art. 598 do CPP. Ali permite-se o
recurso do ofendido ou de qualquer das pessoas enumeradas no art. 31 da
lei processual penal, ainda que nenhuma delas tenha promovido a sua
habilitação como assistente no decurso da ação penal.
295
Hoje, em épocas de Conselho Nacional do Ministério Público o controle
(externo) fica ainda mais evidente.
Outra forma explícita de controle dos atos ministeriais é bem lembrada pelo
ex-Procurador Geral da República, Cláudio Lemos Fonteles. Trata-se do princípio
(constitucional) do promotor natural:
(...) bem assentado ficou a relevância do trabalho investigatório do
Ministério Público, seja em que instância processual for.
A afirmação do princípio do Promotor Natural é o escudo protetivo deste
mister, por sua vez refletindo ... , o Princípio Constitucional da
Independência Funcional.
Assim, porque constitucionalmente dotado de independência funcional –
que não deve traduzir, nem estimular o trabalho solitário, ilhado,
possessivo do membro do Ministério Público em infrutífera contemplação
egocêntrica o membro do Ministério Público tem a plena garantia de ser,
295
HAMILTON, Sérgio Demoro. Op. cit., p. 239.
149
por sua consciência e ciência, aquele que se legitima a definir; segundo
prévios e impessoais critérios de distribuição, o que lhe é posto.
296
Tudo leva a concluir, portanto, pela insuficiência do argumento falta de
controle, principalmente pelos meios legais disponíveis para a proteção de
interesses eventualmente lesados e pela preocupação dos órgãos ministeriais no
“controle” de excepcionais abusos.
3.4.8 Formação de uma Polícia Paralela
Alguns críticos da competência instrutória do Ministério Público afirmam que
a instrução prévia a cargo do Ministério Público acarretaria a formação de uma
“Polícia Paralela”; que ao invés de um maior garantismo na instrução preliminar, a
intromissão ministerial estaria “policializando” o Ministério Público.
De fato, a intervenção ministerial na atividade investigatória deve ser feita
com cautela. Como se tem constantemente dito, o membro do Ministério Público não
tem formação policial, não podendo perder de vista esta limitação.
É para isso que a atividade policial continua imprescindível como eventual
apoio à instrução preliminar desenvolvida no âmbito do Ministério Público.
A instrução ministerial é supletiva e não substitutiva do inquérito policial,
cabível, como dito, nos casos em que o exercício (obrigatório) da ação penal esteja,
real ou potencialmente, ameaçado por razões diversas.
296
FONTELES, Cláudio Lemos. A divulgação do procedimento investigatório: Alcance Criminal? Boletim dos
Procuradores da República, v. 4, n. 43, p. 7, nov. 2001. Vide ainda, do mesmo autor: Reflexões em torno do
Princípio do Promotor Natural. Revista da Escola do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, ano 2,
n. 4, p. 88 e ss, jul./dez. 1994.
150
O Ministério Público não pretende substituir a Polícia, pelo contrário,
depende dela para sua atuação, o que se busca na realidade é apenas a garantia do
pleno exercício da atuação constitucionalmente estipulada.
A alegada (e infelizmente verificada) competição institucional tem que ser
substituída pela idéia de “cooperação institucional”.
Há um claro distanciamento entre Polícia e Ministério Público, em detrimento
dos objetivos comuns. Como diagnostica René Ariel Dotti:
(...) os sistema adotado em nosso País deixa muito a desejar quanto à
eficiência e agilidade das investigações. E o maior obstáculo para alcançar
estes objetivos decorre da falta de maior integração não somente das
categorias funcionais da Polícia Judiciária e do Ministério Público como
também de seus integrantes. Observa-se, lamentavelmente e em muitas
circunstâncias, a existência de um processo de rejeição que parece ser
genético.
297
Ou como prognostica Ela Wiecko Volkmer de Castilho: “Polícia Judiciária e
MP não devem disputar o poder de investigar, mas estabelecer uma conduta
articulada a fim de apurar de modo eficaz as infrações penais, principalmente
aquelas que causam maior dano à sociedade”.
298
3.4.9 Necessidade de Emenda Constitucional e Falta de Previsão Legal
Alguns alegam que a instrução prévia a cargo do Ministério Público
dependeria de uma Emenda Constitucional, e que em razão disso não haveria
297
DOTTI, René Ariel. Ministério Público, Direito e Sociedade. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1986, p.
135-136.
298
CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Op. cit., p. 05.
151
previsão legal para a presidência direta de instrução preliminar.
Na primeira hipótese, argumenta Rogério Lauria Tucci, o qual, após
apresentar as funções constitucionalmente atribuídas ao Ministério Público e à
“Polícia de investigação”, conclui pela falta de atribuição constitucional instrutória ao
Ministério Público e conseqüente necessidade de Emenda Constitucional que
atribuísse tal tarefa.
299
Em outro trecho, respaldando-se na “distribuição das funções estatais”,
conclui:
Em suma, os referenciados regramentos constitucionais determinam,
destacadamente, os campos de atuação de cada uma dessas instituições
estatais atuantes na persecutio criminis, distinguindo entre a atividade
investigatória, atribuída à Polícia Judiciária, e a dela provocatória e
supervisora, concedida ao Ministério Público.
300
Quanto a falta de previsão legal, além do citado Rogério Lauria Tucci,
301
há as ponderações de Antônio Scarance Fernandes:
O avanço do Ministério Público em direção à investigação representa
caminho que está em consonância com a tendência mundial de atribuir ao
Ministério Público, como sucede em Portugal e Itália, a atividade de
supervisão da investigação policial. Entre s, contudo, depende-se ainda
de previsões específicas no ordenamento jurídico positivo, evitando-se
incertezas a respeito dos poderes do promotor durante a investigação.
302
No mesmo sentido as obras de Antônio Evaristo de Moraes Filho
303
e
Guilherme de Souza Nucci.
304
299
TUCCI, Rogério Lauria. Op. cit., p. 74-76.
300
Idem, p. 30.
301
Idem, p. 31-33.
302
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional, 3ed., São Paulo: RT, 2002, p. 254-255.
303
MORAES FILHO, Antônio Evaristo de. Op. cit., p. 105.
304
NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 73-74.
152
Considerando, contudo, que no transcorrer do texto tem-se apresentado
entendimento contrário, diga-se antagônico, no sentido de permissão constitucional
e legal para a presidência de instruções preliminares diretamente pelo Ministério
Público, despiciendo maiores considerações cabendo, tão somente, o registro
destas obras que encerram entendimento contrário, para além das outras que estão
sendo enumeradas no corpo de texto.
3.5 PSEUDO-ARGUMENTOS
Como dito anteriormente, com o objetivo de dar um contorno sistêmico à
exposição, mister apresentar os argumentos que, malgrado favoráveis à autorização
para a instrução preliminar a cargo do Ministério Público, não merecem guarida por
padecerem de algum equívoco em seus pressupostos, por isso pseudo-argumentos.
A linha traçado, agora, fecha-se em um círculo (sistemático). Após a
apresentação da posição favorável aos “poderes instrutórios” do Ministério Público e,
após rebater os argumentos discordantes, eis que é chegada a ora de contrariar
alguns posicionamentos os quais, conquanto favoráveis à posição ativa do Ministério
Público, contrapõem-se aos fundamentos exarados, e, portanto, merecem algumas
considerações.
O primeiro é o de que a maior participação do Ministério Público na instrução
preliminar proporcionaria uma maior celeridade nas investigações.
É o posicionamento defendido, entre outros, por Valter Foleto Santin:
153
A celeridade é um princípio processual buscado incessantemente pelas
normas jurídicas modernas, para permitir o rápido acesso ao Judiciário e o
conseqüente fornecimento da prestação jurisdicional.
Em regra, as investigações policiais são demoradas e ultrapassam
constantemente o prazo legal de 30 dias para a sua conclusão, com
inúmeros e sucessivos pedidos de prazo. A rapidez no desfecho das
investigações ocorre nos casos de prisão em flagrante, dada a exigüidade
temporal para a conclusão dos trabalhos (10 dias).
A demora na elucidação dos fatos dificulta a atividade do Ministério Público
de movimentação da ação penal.
A celeridade da atividade poderá ser alcançada pela aproximação do
Ministério Público aos trabalhos de investigação criminal, possibilitando a
rápida atividade de oferecimento de denúncia e o início da ação penal, com
a conseqüente possibilidade de rapidez e eficiência na prestação
jurisdicional.
305
Não dúvida que a celeridade processual é um valor a ser buscado sem
interrupções.
Também não dúvida que, via de regra, os prazos para conclusão dos
inquéritos policiais são extrapolados através de incessantes pedidos de prorrogação.
Contudo, não nenhuma base empírica para afirmar que a instrução
preliminar a cargo do Ministério Público mudaria este panorama.
A morosidade jurisdicional, a fortiori, das instruções preliminares, decorre
muito mais por dificuldades estruturais do que pela sujeição ativa da atividade. As
dificuldades no quadro de pessoal, tanto do Ministério Público como do Judiciário e
da Polícia, parece ser endêmica na atividade administrativa nacional.
Como se tem defendido, a atuação ministerial, para além de não prescindir
dos mecanismos policiais, de ser encetada em circunstâncias especiais, quando
o exercício da ação penal estiver, por alguma circunstância real ou potencial,
afetado.
No sistema atual, não há qualquer proibição da aproximação do Ministério
Público na instrução encetada pela Polícia, muito pelo contrário, é uma situação até
305
SANTIN, Valter Foleto. Op. cit., p. 260.
154
exortada pelos diversos órgãos ministeriais, além do mais, é até possível a
designação especial do Procurador-Geral para este acompanhamento.
Pelo exposto, o como concordar que a instrução preliminar presidida
pelo Ministério Público, por si só, contribuiria significativamente para a celeridade
das investigações. Ao que tudo indica, a celeridade é proporcionada por fatores
outros, sobre os quais não releva a sujeição passiva.
Outro argumento recorrente é no sentido que a instrução preliminar sob a
responsabilidade exclusiva da Polícia a transforma em dominus litis.
Neste sentido, entre outros, Guilherme Soares Barbosa e Ela Wiecko
Volkmer de Castilho, respectivamente:
(...) se for compreendido que o Ministério Público é um órgão estático, mero
observador e repassador das informações repassadas pela polícia, e
considerando ainda o princípio da obrigatoriedade, ter-se-á uma verdadeira
ditadura da polícia. Esta terá o poder indireto e incontrolável em matéria de
arquivamento, pois colhe a prova que bem entender e o Parquet é obrigado,
com base nesta prova, a oferecer denúncia ou promover o arquivamento.[...]
O Ministério Público e o Poder Judiciário tomam conhecimento do que a
polícia quer e como ela quer.
306
(...) o monopólio da polícia relativamente à investigação e coleta de provas e
indícios criminais. Na prática é a transformação da Polícia em dominus litis.
Sim, porque de nada serve ao MP ter o monopólio da ação penal pública, se
quem decide o quê, como e quando deve ser objeto de ação penal é a
Polícia.
307
O monopólio policial da instrução preliminar não chega a tanto.
O sistema atual permite uma atuação ministerial bastante efetiva na
instrução a cargo da Polícia. Os poderes requisitórios do Ministério Público, mesmo
que realizados a posteriori¸ impedem a dita ditadura da Polícia, afinal, mais cedo
306
BARBOSA, Guilherme Soares. O Ministério Público na investigação criminal. Revista do Ministério
Público/Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, n. 11, p. 137, jan./jul. 2000.
307
CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. Op. cit., p. 03.
155
ou mais tarde, o Ministério Público acaba tendo contato com os elementos
probatórios colhidos.
Agora, tema interessante diz respeito à “não abertura de inquérito policial”.
Neste ponto parece salutar que o “controle externo da atividade policial” tenha nesta
conduta (omissiva) um dos principais eixos de atuação.
De fato, o chamado controle externo da atividade policial tem como fonte
observatória a não abertura de procedimentos instrutórios, esta sim, atividade que
merece apertado controle do Ministério Público.
Assim, os mecanismos existentes dão conta e proíbem a “transformação
da Polícia em dominus litis”. Além do mais, o que se defende não é a transferência
da instrução preliminar da Polícia ao Ministério Público, mas a atividade supletiva
ministerial em casos de ameaça ao exercício da ação penal, nos casos justificáveis
para tal.
O mesmo raciocínio ainda serve para outro argumento, por vezes utilizado e
que merece correção, vale dizer, que a atuação ministerial proporcionaria a
prevenção e correção de falhas no trabalho policial.
Não nenhuma base para afirmar que a instrução preliminar a cargo do
Ministério Público seria de melhor qualidade do que o desenvolvido pela polícia,
qualquer afirmação neste sentido soaria corporativista.
A única certeza é que a instrução preliminar atenderia melhor aos anseios
daquele que exerce a ação penal, pois que diretamente realizada pelo Ministério
Público. É por isso, essencialmente, que a atividade ministerial na condução de
instrução preliminar, para a qual conta com a permissão legal e constitucional, pode
realizar atividade preliminar supletiva.
156
São duas instituições que vivem situações próprias e diferenciadas, cada
uma delas sujeita a mecanismos legais de controle.
O controle externo, por si só, permite a suscitada melhoria do serviço
policial, não havendo relação direta com a presidência da instrução preliminar, ao
menos necessariamente.
Outro elemento argumentativo que merece ser rebatido diz respeito aos
desvios funcionais da Polícia.
Como suscita Arthur Pinto de Lemos Júnior:
Os agentes policiais são muito mais acessíveis à corrupção, não pelo
menor nível cultural, nomeadamente os carcereiros e investigadores de
polícia, como também pelo baixo salário existente.
(...)
Outrossim, como é cediço, a atuação de organizações criminosas
compreende a corrupção de funcionários públicos e, com muita ênfase, a de
policiais civis e militares. De acordo com os estudos fetos pelo sociólogo.
(...)
Se é certa a existência de policiais no meio criminoso organizado, não
dúvidas também que esse quadro real coloca em risco a segurança pública
e os serviços de relevância pública, exigindo por parte do Ministério Público
providências sempre urgentes e rigorosas, notadamente pela inércia
institucional do Poder Judiciário, que na grande maioria das vezes limita-se
a colher informação do crime e enviá-lo ao Setor da Corregedoria da polícia
civil ou militar.
308
A corrupção é um sério problema nas organizações policiais, isto é fato.
Se fosse possível graduar a corrupção no serviço público, seria possível
afirmar que a corrupção policial é a mais torpe e danosa, pois alimenta e é
alimentada por toda uma rede criminosa.
Revoltante tomar conhecimento que, por vezes, parte da contabilidade de
organizações criminosas são “estatisticamente” moldadas para separar o percentual
“normalmente” utilizado para subornos”, especialmente no tocante ao tráfico ilícito
de entorpecentes.
308
LEMOS JÚNIOR, Arthur Pinto, Op. cit., p. 432.
157
Mas aqui cabe a mesma contra-argumentação. Não há relação direta e
necessária entre a instrução preliminar a cargo do Ministério Público e a diminuição
da corrupção policial.
Segundo o entendimento esposado, a mera notícia de algo semelhante
motivaria, por si só, a presidência de uma instrução preliminar a cargo do Ministério
Público, pois neste caso, real ou potencialmente, o exercício da ação penal estaria
ameaçado.
O argumento parte de duas premissas equivocadas que precisam de uma
vez por todas ser banidas da “ideologia extra-policial nacional”.
A primeira é que o Ministério Público é incorruptível. Que é menos suscetível
a corrupção o dúvida, mas que não seria suscetível ao torpe ato, não se pode
afirmar categoricamente.
O segundo é no sentido de que os órgãos corregedores policiais o
omissos.
Aproveitando da experiência profissional deste autor, após mais uma década
de serviço policial, muitos dos quais em trabalho de corregedoria, e após atentas
observações e incursões no serviço fiscalizatório interno das diversas organizações
policiais, pode-se afirmar, categoricamente, o contrário. O combate à corrupção
parece ser também uma grande preocupação interna dos organismos policiais.
Dar voz de prisão a um “colega policial” nunca foi uma experiência
agradável, mas é um ato que, feliz ou infelizmente, não é tão incomum na vida
administrativa policial dos profissionais sérios que via de regra compõem tanto o
quadro policial quanto os quadros do Ministério Público. A experiência profissional
em ambas instituições permite uma posição analítica privilegiada.
158
Na mesma esteira, após o exercício da magistratura castrense, é possível
afirmar que, no caso dos policiais militares, a persecução penal militar chega a ser
sobejamente mais rigorosa que a persecução penal comum.
Não há razão nem espaço para conjecturas corporativas, de lado a lado, que
precisam estar distante de qualquer discurso sincero no âmbito científico.
159
4. CONCLUSÃO
A questão dos poderes investigatórios do Ministério Público tem
demonstrado uma intensa mobilização nos diversos setores nacionais, jurídicos ou
não. Imprensa, meio acadêmico, prática forense criminal, órgãos governamentais e
não-governamentais, nacionais e estrangeiros, enfim, toda uma ria de instituições
envoltas na problemática questão.
As corporações interessadas utilizam-se de meios diversos para fazer
prevalecer os entendimentos pertinentes. Como em um duelo medieval, Ministério
Público e Polícia cavaleiro alguns setores da Ordem dos Advogados do Brasil)
travam aberta “batalha” por poder instrutório.
As discussões corporativas, parciais por natureza, devem ficar alheias a
qualquer texto de cunho científico. Mais uma vez a experiência profissional deste
signatário, que pôde acompanhar, de perto, ambas as instituições nacionais, permite
uma posição privilegiada, talvez mais próxima a uma isenção de animus.
Quanto às questões corporativas, urge uma definição clara da problemática,
seja em termos legislativos, seja em termos jurisprudenciais.
Na doutrina e jurisprudência parece prevalecer a possibilidade investigatória
do Parquet.
O Supremo Tribunal Federal está prestes a decidir um caso emblemático
que poderá vincular todo o Judiciário nacional. Atualmente o quadro está “favorável”
ao Ministério Público em painel de 3X2. Como em uma partida de futebol, muitos
parecem ser os “expectadores a espera do apito final, torcendo a cada gol, diga-se,
a cada voto de um Ministro”.
160
Malgrado o exposto, não dúvida que a legislação constitucional e
infraconstitucional confere poderes instrutórios ao Ministério Público.
Além da competência plena direta, não haveria logicidade em conferir ao
Parquet a atribuição privativa da ação penal pública sem dotá-lo dos meios
necessários para o seu exercício.
Em casos onde o exercício da ação penal pública esteja ou possa estar
afetada, não há sombra de dúvidas que o Ministério Público está dotado de
competências instrutórias.
O amor ao Estado Democrático de Direito não permite outra conclusão.
Circunstâncias diversas existem que podem afetar eventual e futura ação
penal. Pense-se, por exemplo, na apuração de delitos envolvendo agentes policiais,
quiçá Delegados de Polícia, ou envolvendo altas e “influentes” autoridades da
administração blica, mormente no campo estritamente político. Qualquer lógica
ecoaria no comprometimento, ao menos potencial, da instrução policial exclusiva.
A blindagem institucional atribuída ao Ministério Público, o que não ocorreu
(ainda) com os órgãos policiais, permite uma atuação com presumível isenção.
Se a história legislativa nacional não favorece os poderes instrutórios, o
Direito Comparado Contemporâneo, diferentemente, mostra o contrário.
Mundo afora, a instituição Ministério Público tem se fortalecido e
apresentando importantes resultados.
No Brasil, passos importantes foram dados, especialmente na esfera de
tutela coletiva (civil).
Resta uma verdadeira estrutura persecutória penal, onde, aliás, a instituição
Ministério Público historicamente se fortaleceu, a começar pela real definição de
seus poderes instrutórios prévios, mesmo que de maneira supletiva.
161
Não carece uma subordinação hierárquica da Polícia ao Ministério Público,
senão uma subordinação diretiva, afinal, toda a atuação policial visa, mediatamente,
fornecer os elementos de convicção ao agente ministerial natural da causa penal,
nada mais óbvio que possa guiar, ou efetuar pessoalmente, as diligências.
O combate à “nova” criminalidade, assim como o novo paradigma
criminológico, são absolutamente compatíveis com um Ministério Público forte e
atuante na instrução preliminar e definitiva.
A realidade brasileira é farta em exemplos práticos de ótimos resultados da
atuação ministerial nesta fase pré-processual.
A quem interessaria um Ministério Público passivo, mero intermediário entre
a Polícia e o Judiciário, senão aos agentes favorecidos pela impunidade?
O tema ainda está aberto, afora algumas manifestações corporativas,
suspeitas por natureza, existem argumentações coerentes em diversos planos.
Não se pode aceitar as palavras de Rogério Lauria Tucci no sentido de que
as manifestações favoráveis ao Parquet são realizadas tão somente por integrantes
da carreira.
Ora, existem membros do Ministério blico favoráveis e alguns contra os
poderes investigatórios, assim como ocorre entre os diversos operadores do Direito,
nas diversas classes.
Apenas para citar dois exemplos de peso entre advogados, René Ariel Dotti
e Clèmerson Merlin Cléve foram intensamente citados nesta obra como fervorosos
defensores dos poderes investigatórios. O professor Clèmerson, inclusive, segundo
consta, atuará como amicus curiae na ação constitucional interposta.
Destarte, a discussão não é corporativa, mas séria e coerentemente
debatida pelos diversos setores nacionais, sobrepujando o círculo jurídico.
162
Assim, em conclusão, o Ministério Público tem competência para presidir
sua própria instrução preliminar (processual penal) nos casos em que, efetiva ou
potencialmente, o exercício da ação penal esteja ameaçado.
163
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