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MARILITA APARECIDA ARANTES RODRIGUES
CONSTITUIÇÃO E ENRAIZAMENTO DO ESPORTE NA CIDADE
Uma prática moderna de lazer na cultura urbana
de Belo Horizonte (1894-1920)
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
2006
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2
Marilita Aparecida Arantes Rodrigues
CONSTITUIÇÃO E ENRAIZAMENTO DO ESPORTE NA CIDADE
Uma prática moderna de lazer na cultura urbana
de Belo Horizonte (1894-1920)
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do
Programa de Pós-Graduação em História da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do título de Doutor
em História.
Linha de Pesquisa: História Social da Cultura.
Orientadora: Profa. Regina Helena Alves da
Silva
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
2006
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3
Catalogação da Fonte: Biblioteca da FAFICH
981.511 Rodrigues, Marilita Aparecida Arantes
R696c Constituição e enraizamento do esporte na cidade: uma prática
2006 moderna de lazer na cultura urbana de Belo Horizonte (1894-1920) /
Marilita Aparecida Arantes Rodrigues. 2006.
338f.
Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais –
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Orientadora: Regina Helena Alves da Silva
1. Belo Horizonte (MG) – História - Teses. 2. Esportes -.História 3.
Lazer – Belo Horizonte (MG) I. Silva, Regina Helena Alves da. II.
Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas III. Título.
4
Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
Programa de Pós-Graduação
Tese intitulada Constituição e enraizamento do esporte na cidade: uma prática moderna de
lazer na cultura urbana de Belo Horizonte (1894-1920), de autoria da doutoranda Marilita
Aparecida Arantes Rodrigues, analisada pela banca examinadora constituída pelos seguintes
professores:
____________________________________________________________
Profa. Regina Helena Alves da Silva – FAFICH/UFMG – Orientadora
____________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
___________________________________________________________
____________________________________________________________
Profa. Regina Horta Duarte
Coodenadora do Programa de Pós-Graduação em História
FAFICH/UFMG
Belo Horizonte, de 2006
5
Ao meu querido Aclino, pelo apoio e amor incondicional, e pela paciência em ouvir, por um
bom tempo, todos os meus “depois da tese”.
À Sabrina, Larissa e Melina, com quem partilho as alegrias da vida. Vocês são a grande
motivação para todas as minhas ações.
Obrigada por existirem e fazerem a vida valer a pena.
6
AGRADECIMENTOS
À Lena, minha orientadora, meu agradecimento pela acolhida e confiança.
Ao Tarcísio, meu querido amigo, pelas preciosas observações sobre o texto, pela
disponibilidade e estímulo.
À Taís, pelas sugestões na qualificação e pelas facilidades no acesso ao acervo do
Museu Histórico Abílio Barreto.
Ao Raphael, que não só colocou à minha disposição sua pesquisa realizada sobre o
futebol na cidade, como também me auxiliou, com competência, na busca de outras que foram
significativas para este trabalho.
À Maria Lúcia e ao Tonimar, alunos da Faculdade Estácio de Sá de Belo
Horizonte e estagiários no projeto de pesquisa realizado, que comigo se embrenharam pelos
arquivos da cidade à procura de fontes.
À Letícia Julião, com quem aprendi muito sobre Belo Horizonte, por disponibilizar
o seu acervo de pesquisas sobre a cidade, que se encontra na Biblioteca do Museu Histórico
Abílio Barreto.
À amiga Tucha que, como sempre, auxiliou-me, na última hora, pela revisão do
texto e sugestões que deram mais expressão às minhas palavras.
À bibliotecária Terezinha, que, com carinho, dedicação e muitas horas de trabalho,
me auxiliou em todos os detalhes previstos nas normas de uma tese, bem como em todos os
detalhes das referências e fontes utilizadas.
À Aline, pela formatação do texto.
Aos funcionários do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, em especial à
Ivana, pelas sugestões, pelo apoio e pelas boas conversas sobre a história da cidade.
Aos funcionários do Museu Histórico Abílio Barreto, em especial Gilvam, Paulo e
Beatriz, que com presteza me ajudaram na busca de fontes.
Aos funcionários da Biblioteca Central da UFMG, por intermédio da Silvana,
pelas facilidades de acesso à Coleção Linhares.
Aos funcionários da Hemeroteca Assis Chateaubriant.
À professora Isabel, coordenadora do Curso de Educação Física da Faculdade
Estácio de Sá de Belo Horizonte, pelo incentivo e apoio ao projeto de pesquisa que
fundamentou esta tese.
7
À Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, que me concedeu licença dos meus
trabalhos para que eu pudesse me dedicar a esta pesquisa.
Ao CEPE da Faculdade Estácio de Sá de Belo Horizonte, sob coordenação do
Professor Paulo Vitor, que apoiou financeiramente esta pesquisa.
Aos meus colegas de curso que se tornaram amigos, Tito, Kátia, Ilva e Carminha,
pela convivência solidária, pelas sugestões e pelas inúmeras formas de ajuda.
A todos os meus amigos e amigas que me acompanharam e incentivaram na
realização deste trabalho.
8
RESUMO
Este estudo centra-se na discussão sobre a sociabilidade desenvolvida pela relação dos
fenômenos modernos – a cidade, o esporte e o lazer –, focalizando na análise da constituição e
o enraizamento do esporte como uma forma de lazer na cidade de Belo Horizonte e sua
relação na construção da cultura urbana, no período de 1894 a 1920. A intenção foi
acompanhar as iniciativas que permearam a construção do campo esportivo nos seus
momentos inicias. Entre as muitas possibilidades de acesso à cidade, foram utilizadas
diferentes imagens e narrativas sobre o viver social que permitiram, na sua materialidade,
expor a tessitura social daquele período, permitindo uma apreensão ampla e múltipla da
realidade, da qual o esporte e o lazer eram partes integrantes e constitutivas. Dentre elas foram
utilizadas fotografias, jornais, revistas, documentos de arquivos e a literatura. As
investigações foram orientadas na direção da história cultural do urbano. Na constituição do
campo esportivo, foram identificadas diferentes práticas que se apropriaram da cidade e foram
por ela apropriadas, inscrevendo-se em lugares sociais específicos, com funções e finalidades
específicas, organizadas, em sua maioria, pelos setores dominantes da população. Foram
produzidos diferentes sentidos ao esporte na cidade em decorrência dos interesses dos atores a
ele aliados. Desse modo, a cidade foi envolvida por diferentes representações de esporte,
forjadas por esses atores que buscavam legitimar-se na cultura urbana. Mas o que se pode
avaliar dos valores associados tanto ao lazer como ao esporte, no contexto histórico-social da
cidade até 1920, é que, como fenômenos modernos, eles aqui nasceram e se constituíram,
como a cidade, repletos de antagonismos e desigualdades, e não como um lugar por
excelência da realização da cidadania, pois se revelaram como um o privilégio de classe, um
direito de poucos.
9
ABSTRACT
This study is centered on the discussion on the sociability developed for the relation of the
modern phenomena – the city, sport and leisure –, focusing on the analyzes of the constitution
and rooting of sport as a form of leisure in the city of Belo Horizonte and its relation in the
construction of the urban culture, in the period from 1894 to 1920. The intention was to
follow the initiatives that were on the background of the construction of the sportive field in
its initial moments. Among the several possibilities of access to that city, there was use of
many different images and narratives of social life that enabled, in its materiality, the unveil
of that period’s social texture, allowing an ample and multiple apprehension of the reality
which was integrated and constituted partly by sport and leisure. Amongst them there were
photographs, periodicals, magazines, documents of archives and literature. The inquiries were
oriented by urban cultural history. In the constitution of the sportive field it was identified
different practices that appropriated the city and were appropriated by the city, that were
inscribed in specific social places with specific functions and purposes, organized, in its great
majority, by the dominant sectors of the population. Different meanings were attributed for
sport in the city, from the point of view of the actors involved in the field. Therefore, the city
was involved by different representations of sport, forged by these actors who searched to
legitimize it in the urban culture. But what can be evaluated by the values associated with
both leisure as sport in the historical social context of the city up to 1920, it is that, as modern
phenomena, they were born here and they were constituted such as the city, full of
antagonisms and inequalities and not a place par excellence for the accomplishment of
citizenship, for they were revealed as class privilege, as a right of few.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 –
FIGURA 2 –
FIGURA 3 –
FIGURA 4 –
FIGURA 5 –
FIGURA 6 –
FIGURA 7 –
FIGURA 8 –
FIGURA 9 –
FIGURA 10 –
FIGURA 11 –
FIGURA 12 –
FIGURA 13 –
FIGURA 14 –
FIGURA 15 –
FIGURA 16 –
FIGURA 17 –
FIGURA 18 –
FIGURA 19 –
FIGURA 20 –
FIGURA 21 –
FIGURA 22 –
FIGURA 23 –
FIGURA 24 –
Planta Geral da Cidade de Minas, organizada sobre a planta geodésica,
topográfica e cadastral de Belo Horizonte.................................................................
Casa da Chácara do Sapo, no Parque Municipal, que serviu de residência para
Aarão Reis..................................................................................................................
Projeto Geral do Parque.............................................................................................
Projeto de ponte rústica .............................................................................................
Projeto do Cassino .....................................................................................................
Projeto do Quiosque ..................................................................................................
Projeto do Observatório .............................................................................................
Sobrado colonial onde se instalou o Escritório da CCNC e que foi cedido para os
festejos inaugurais do Club Recreativo......................................................................
O circo armado na paisagem da cidade......................................................................
Palacete Steckel..........................................................................................................
Garden-partie no palácio da Liberdade.....................................................................
Teatro Municipal........................................................................................................
Foto de Fernando Esquerdo com sua bicicleta nos trabalhos de construção de
galerias de esgotos no Parque.....................................................................................
Corridas na França no final dos anos 1860................................................................
Pavilhão do Velo Club ..............................................................................................
Ciclistas no Velo Club................................................................................................
Modelo de vestimenta para ciclista............................................................................
O pavilhão do Velo Club na paisagem do Parque Municipal....................................
Foto da raia do Prado Mineiro tendo ao fundo o pavilhão.........................................
Cartão-postal das arquibancadas do Prado Mineiro...................................................
As cocheiras do Prado Mineiro..................................................................................
Sport Club em 1904....................................................................................................
Foto do campo do Athletico, de autoria de Higino Bonfioli......................................
Os jogadores do America em 1912............................................................................
46
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49
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51
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172
175
11
FIGURA 25 –
FIGURA 26 –
FIGURA 27 –
FIGURA 28 –
FIGURA 29 –
FIGURA 30 –
FIGURA 31 –
FIGURA 32 –
FIGURA 33 –
FIGURA 34 –
FIGURA 35 –
FIGURA 36 –
FIGURA 37 –
FIGURA 38 –
FIGURA 39 –
FIGURA 40 –
“Fotografia tirada no Club de Sports Hygienicos, vendo-se senhoras, senhoritas e
cavalheiros da nossa alta sociedade”..........................................................................
Jogos no Club de Sports Hygienicos..........................................................................
Campeonato de box no Pavilhão Variedades............................................................
Anúncio do Colégio Anglo-Mineiro..........................................................................
O “valoroso” Claret Foot-ball Club………………………………………………...
Team do Instituto Claret.............................................................................................
Team do Instituto Claret.............................................................................................
Um dos team do Instituto Claret.................................................................................
Time de basket-ball da Escola Normal .....................................................................
Jogos ingleses modernos representados por bonecos.................................................
Victor Serpa ...............................................................................................................
José Gonçalves – Jogador do Sport Club...................................................................
Primeiros times dos clubes de football Athletico e Villa Nova ................................
Instantâneos no Prado Mineiro na realização da “Taça Bueno Brandão”..................
O match realizado no dia 7 de setembro entre o Athletico Mineiro e o Granbery...
Saída do público depois de um match de football no Prado Mineiro.........................
180
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264
265
12
SUMÁRIO
Apresentação – INTERESSES E CAMINHOS DA PESQUISA.....
Capítulo 1 – CONSTRUINDO A CIDADE, CRIANDO VALORES:
A MODERNIZAÇÃO NA CAPITAL DE MINAS
GERAIS.............................................................................
1.1 DECISÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DE BELO HORIZONTE.................
1.2 OS PASSOS DA COMISSÃO CONSTRUTORA DA NOVA CAPITAL........
1.3 A CIDADE SONHADA PARA SER A CAPITAL.............................................
1.4 CORPOS PROJETADOS.....................................................................................
Capítulo 2 – A REALIZAÇÃO DA CIDADE E SUAS PRÁTICAS
DE LAZER.........................................................................
2.1 A CIDADE SE CONSOLIDA...............................................................................
2.2 AS DIVERSÕES NA CIDADE.............................................................................
2.3 A CONSTITUIÇÃO DO LAZER NAS PRÁTICAS SOCIAIS DA CIDADE.
Capítulo 3 – O ESPORTE NA CIDADE: OS CAMINHOS DAS
PRÁTICAS PROJETADAS.............................................
3.1 O ESPORTE NA CIDADE...................................................................................
3.2 O CICLISMO NO PARQUE................................................................................
3.3 O CICLISMO NO FINAL DO SÉCULO XIX....................................................
3.4 A CRIAÇÃO DO VELO CLUB...........................................................................
3.5 O TURFE NA CIDADE........................................................................................
3.6 O QUE REPRESENTAVA O TURFE NA ÉPOCA...........................................
3.7 A CONSTRUÇÃO DO PRADO MINEIRO........................................................
3.8 PRADO MINEIRO: PROMOVENDO O TURFE NA CIDADE......................
13
32
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135
13
Capítulo 4 – O ESPORTE E AS FORMAS DE APROPRIAÇÃO
NA/DA CIDADE...............................................................
4.1 O FOOTBALL APARECE NOS ESPAÇOS NA CIDADE...............................
4.1.1 O footbal desaparece dos jornais.......................................................................
4.1.2 O football reaparece dos jornais e nos espaços da cidade...............................
4.2 O LAWN TENNIS E CROQUET: A APROPRIAÇÃO DO PARQUE
MUNICIPAL..........................................................................................................
4.3 O SPORT DE PATINS NA PRAÇA DA LIBERDADE....................................
4.4 A LUTA ROMANA: UM ESPETÁCULO NO CINE-TEATRO .....................
4.5 O BOX NO PAVILHÃO VARIEDADES............................................................
4.6 O TIRO NO PAVILHÃO VARIEDADES E O SPORT CINEGÉTICO.........
4.7 NOS LAGOS DO PARQUE, A NATAÇÃO E AS REGATAS.........................
4.8 A GYMNASTICA COMO SPORT NOS CLUBES E NAS ACADEMIAS.....
4.9 MALHA: UM JOGO DA RUA.............................................................................
Capítulo 5 – O ESPORTE E A EDUCAÇÃO DE CORPOS
CIVILIZADOS..................................................................
5.1 A ORIGEM DO ESPORTE COMO FORMA DE EDUCAÇÃO.....................
5.2 A ESCOLARIZAÇÃO DO ESPORTE NA CIDADE........................................
5.3 A EDUCAÇÃO PARA O ESPORTE NA CULTURA URBANA DA
CIDADE..................................................................................................................
Capítulo 6 – O ESPORTE SE CONSOLIDA NA CIDADE.................
6.1 OS PRIMEIROS PASSOS PARA A SUA INSTITUCIONALIZAÇÃO .........
6.2 AS PRIMEIRAS RAÍZES DO FUTEBOL NA CIDADE..................................
6.3 A CRIAÇÃO DA LIGA MINEIRA DE SPORTS ATHLETICOS...................
6.4 O FOOTBALL: O PRIMEIRO JORNAL ESPORTIVO.................................
6.5 O TRENO: UM JORNAL ESPORTIVO E LITERÁRIO.................................
6.6 A LIGA MINEIRA DE DESPORTOS TERRESTRES.....................................
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260
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278
283
14
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................
REFERÊNCIAS.......................................................................................
289
301
13
Apresentação
INTERESSES E CAMINHOS DA PESQUISA
A história do esporte e do lazer na cidade de Belo Horizonte tem sido, nos últimos
anos, um dos meus maiores investimentos de pesquisa. Esse interesse parte da necessidade de,
como professora de História da Educação Física, do Esporte e do Lazer, conhecer a trama de
sentidos e significados que vêm articulando a construção desses fenômenos culturais em
nossa sociedade.
O interesse em estudar a cidade, mais especificamente a cidade de Belo Horizonte, na
busca do entendimento sobre os modos de viver e de se divertir dos seus habitantes, que, por
meio de suas ações no cotidiano, foram constituindo a sua cultura urbana, tem sido motivado,
principalmente, pela necessidade de entendimento da relação entre alguns fenômenos
considerados modernos: a cidade, o esporte e o lazer.
Se buscarmos a gênese desses fenômenos, vamos encontrar, no século XIX, a Europa,
vista como o centro da civilização moderna e “radiadora dos mais altos padrões de civilização
e progresso”
1
. Esse cenário marca uma época de transformações, das quais os campos de
estudo deste trabalho é fruto:
Já é lugar comum pensar o século XIX como um período de transformações
e mudanças, marcado pela explosão científico-tecnológica, pela
consolidação de um estilo burguês de vida, pela emergência das camadas
populares urbanas, pela internacionalização do capitalismo. Embora a maior
parte do globo ainda fosse predominantemente rural, a cidade tornara-se o
palco por excelência dessas inovações.
2
A cidade, nesse período de grande ebulição cultural e especulativa, esteve na mira dos
diferentes saberes, que viam nela os fundamentos do mundo moderno – pensar a cidade era
pensar nos “problemas urbanos”, nas suas conseqüências sobre a população e na forma de
resolvê-los. Dessa forma, a cidade apareceu aos olhos da ciência moderna como um
verdadeiro laboratório de observação e experiência, até o urbanismo legitimar-se como
1
SILVA, 1997, p. 12.
2
PESAVENTO, 1996, p. 379.
14
“ciência da cidade”. Legitimando-se como ciência, o urbanismo “legitima a cidade como
objeto de conhecimento e um novo campo de disputas”.
3
E é nessa “sociedade urbana” que nasce da industrialização e a sucede, num processo
de construção meio real, meio virtual, como caracteriza Henri Lefebvre
4
, que a práxis humana
vai configurando a cidade espaço por excelência para a construção de significados,
expressos em bens culturais.
Como o processo de urbanização das cidades se encontra no cerne das questões
colocadas pela emergência do mundo moderno, elas passaram a ser um espaço de intensa
inserção das transformações trazidas pela revolução industrial.
5
Tanto o esporte como o lazer são vistos, por alguns autores, como fruto dessas
transformações.
O primeiro – o esporte – tem a constituição do seu sentido moderno, dessacralizando o
conceito até então vinculado a funções religiosas e guerreiras, emergindo de transformações
de significados e sentidos do jogo, ocorridas por ocasião da Revolução Industrial européia.
6
Assumindo características tais como, caráter secular dos tempos e dos lugares de seu
exercício, a igualdade das condições de acesso e de competição, a especialização dos papéis; a
racionalização das regras, a organização burocrática e a perseguição dos recordes como
especifica o autor americano Allen Guttmann, o esporte é distinguido como um fenômeno que
pertence à mesma substância das sociedades modernas.
7
George Vigarello avalia que “o
esporte, nascido com a sociedade industrial, restituiria em seus lazeres as marcas mais
específicas dessa sociedade: livre iniciativa, investimento técnico, competitividade
institucionalizada”. Pierre de Coubertin acrescenta, ainda, uma característica mais singular – o
“espírito cavalheiresco” – que seria o “objetivo supremo da atividade esportiva”.
8
Esse sentido
moderno de esporte é constituído por competições físicas institucionalizadas,
democraticamente organizadas, com regras unificadas e encontros planejados. Tendo sua
gênese na Inglaterra industrial, uma Inglaterra que, segundo Vigarello, facilitava encontros de
cidades e era sensível ao desempenho individual, à alternância cotidiana trabalho/lazer, o
3
PECHMAN, 1998, p. 31-32.
4
Para Lefebvre, a sociedade urbana “designa, mais que um fato consumado, a tendência, a orientação, a
virtualidade”. Enuncia-a com um objeto virtual, ou seja, um “objeto possível do qual teremos que mostrar o
nascimento e o desenvolvimento relacionando-os a um processo e a uma práxis”.
(LEFEBVRE, 1999, p. 16,
grifos nossos.)
5
SILVA, 1997.
6
BRACHT, 1993
.
7
GUTTMANN, Allen apud LE DÉBAT, 1982, tradução nossa.
8
VIGARELLO, 2000, p. 8, tradução nossa.
15
esporte, fruto de práticas corporais da aristocracia/burguesia e das classes populares que teve
seu desenvolvimento nas publics schools inglesas, no final do século XVIII e início do século
XIX, é considerado o protótipo da modernidade.
9
O segundo – o lazer – é um fenômeno sociocultural-histórico, produto de
representações individuais e coletivas ocorridas na segunda metade do século XIX – que
tomaram corpo a partir de reivindicações de trabalhadores europeus, especialmente ingleses,
por um tempo de “folga” conquistado sobre o trabalho. O marco da sua constituição como
direito social foi também a industrialização capitalista, apesar de ter sido objeto de reflexão
desde a Antigüidade Clássica.
10
O “aumento do tempo de lazer” propiciou a difusão do esporte – forma inglesa de
ocupação do tempo livre, atividade de “ócio” da aristocracia e da alta burguesia – entre a
população operária e urbana, principalmente em decorrência de conquistas trabalhistas, entre
1870 e 1890, com a redução da jornada de trabalho.
11
A partir de então, esses fenômenos
foram se constituindo como produtos e produtores da cultura urbana da cidade.
12
Estudos sobre os esportes têm mostrado que sua implantação e sua difusão no Brasil
ocorreram com o processo de modernização trazido pela República. Como fenômeno
tipicamente moderno e urbano, a prática esportiva encontrou, no seio das elites brasileiras, um
terreno fértil e foi, aos poucos, incorporando-se aos elementos da constituição das nossas
cidades.
13
Estudos sobre o lazer no Brasil mostram que desde o século XIX as preocupações com
o lazer da população já estavam presentes nos discursos dos engenheiros e sanitaristas
responsáveis pelas reformas urbanas, típicas da modernidade que se queria nele implantar,
que aconteceram em algumas cidades do País.
14
Visto como fenômeno moderno, o lazer foi
marcado, inicialmente, pela urbanização e conquistas sociais, ocorridas nas décadas de 1930,
e sedimentado com o capitalismo da década de 1970, momento em que a palavra lazer
incorpora o nosso vocabulário comum.
15
Esses estudos motivaram a pesquisa sobre o início da penetração dos valores do
esporte e do lazer nos diferentes segmentos populares da cidade. Como existe uma
9
BRACHT, 2002.
10
Esse processo histórico é discutido por Werneck (2000).
11
McINTOSH, 1975; BETTI, 1991.
12
Santos (1997, p. 69) faz a distinção de urbano e cidade: “O urbano é freqüentemente o abstrato, o geral e o
externo. A cidade é o particular, o concreto, o interno”.
13
MELO, 1999; LINHALES, 1996.
14
WERNECK; MELO, 2004.
15
WERNECK, 2003; MARCELLINO, 1987.
16
diversidade de interesses no lazer,
16
procurei privilegiar em minhas análises somente as
manifestações de interesse físico-esportivo presentes na sua cultura urbana.
E falar de cultura urbana é falar do repertório de elementos que mediam e dão
determinadas cargas de valores às relações na cidade – códigos, símbolos ou mesmo
imaginários – que lhes são próprios e que explicam atitudes e comportamentos humanos. Mas
é dizer, também, de fenômenos dinâmicos, de processos de mudanças e continuidades, de
interações e conflitos que acontecem em determinado tempo-espaço da cidade.
17
Para analisar uma história urbana, de uma sociabilidade desenvolvida pela relação dos
fenômenos modernos – a cidade, o esporte e o lazer –, Belo Horizonte é uma cidade que tem
especificidades interessantes para essa análise, pois foi construída como vitrina da
modernidade. Se o esporte e o lazer são, também, expressões dessa modernidade, quando se
juntam, qual o resultado dessa equação?
Assim, o trabalho objetivou analisar a constituição e o enraizamento do esporte como
forma de lazer na cidade de Belo Horizonte e sua relação na construção da cultura urbana no
período de 1894 a 1920.
O período definido abrange o início do planejamento e da construção da cidade, tempo
marcado pela implantação da capital com um esforço na busca do desenvolvimento, da
modernização, e tempo da constituição da cultura urbana e, nela, da prática esportiva
enraizada.
Esses “tempos” despertaram minha atenção para a relação entre a cidade de Belo
Horizonte e o esporte naquele momento histórico, dando origem ao problema desta pesquisa.
Como Belo Horizonte foi construída como “uma das obras simbólicas de maior envergadura
da República em Minas
,
18
uma cidade oficial, idealizada pelo Poder Público para ser a capital
moderna e progressista do Estado de Minas Gerais, teve o esporte, uma prática corporal
moderna, lugar nos hábitos e costumes idealizados para essa cidade? E como a cidade é “coisa
dos homens”, que, com suas ações, vão configurando-a, como o esporte foi se constituindo na
cidade apropriada pelos seus habitantes?
Foi nesse movimento de conformação de uma cultura urbana moderna, de uma cidade
“idealizada” e de uma cidade “vivida” que desenvolvi a pesquisa, acompanhando a
16
Existe uma diversidade de interesses nas vivências de conteúdos culturais no lazer: físico-esportivos, artísticos,
manuais, sociais e intelectuais, segundo a classificação de Dumazedier (1973). Camargo (1989) acrescenta a
esse rol os interesses turísticos.
17
VADERRAMA. Significados de ciudad. Disponível em: http://www.lablaa.org/blaavirtual/letra-
s/signi/1p.htm. Acesso em: 24 maio 2005.
18
JULIÃO, 1996, p. 49.
17
constituição do campo esportivo nas práticas sociais de lazer em Belo Horizonte. Esse
propósito desdobrou-se em perguntas de interesse do trabalho: que representações de esporte
foram produzidas naquele momento em que se constituía a cultura urbana da cidade? Que
práticas eram reunidas em torno do que se denominava “esporte”? Como, quando e onde se
originaram essas práticas? Quem tinha acesso a elas? Que atores sociais foram responsáveis
por organizá-las? As camadas populares também tiveram, de alguma forma, acesso a tais
práticas, já que observamos a história do esporte como diretamente ligada à história das
demandas e realizações das elites? Em que tempo e em que lugar ocorreram as práticas
esportivas e a quais as mulheres tiveram acesso?
Enfrentar questões como essas foi para mim um desafio, uma vez que considero
importante estudar o esporte nesse contexto, pois é um tema pouco explorado na história de
Belo Horizonte e como prática constitutiva de sua cultura, conta também a história da cidade
e de seus habitantes.
Na visão de Marc Augé, o esporte é um objeto privilegiado para o entendimento do
que seria uma verdadeira antropologia de nossas sociedades.
19
Pode ser um espelho no qual se
pode decifrar a especificidade de uma sociedade.
Além disso, como fenômeno social tipicamente urbano e moderno, o esporte é um
elemento hegemônico da “cultura corporal de movimento”,
20
tendo alcançado, ao longo do
século, desenvolvimento promissor, articulado com os processos sociais e políticos que o
engendraram. Na atualidade, em suas diferentes facetas e dimensões, a prática esportiva
encontra-se permeada pela multiplicidade de interesses que constituem as relações humanas,
políticas e econômicas, características do século e da modernidade que o acolhem.
21
Estudos sobre o esporte se inscrevem plenamente na reflexão contemporânea sobre os
papéis, as normas, os interesses, os desafios e os perfis das condutas culturais. Encontro em
Roger Chartier e GeorgesVigarello reflexões interessantes sobre o papel dos estudiosos da
Educação Física no desenvolvimento de estudos históricos sobre o esporte. Segundo os
autores, se pesquisas dessa natureza surgiram na França, numa perspectiva crítica intelectual,
mobilizando instrumentos de análise usados para a compreensão das estratégias disciplinares
(e de seus contrários) ou por estudos das práticas culturais, é porque foram colocadas por
profissionais vindos da Educação Física, preocupados em dar conta, o mais rigorosamente
19
AUGÉ, Marc, apud LE DÉBAT, 1982, tradução nossa.
20
Compreendida como práticas corporais presentes na cultura que são incluídas nos programas de ensino da
Educação Física, tais como esportes, jogos, danças, ginásticas, para citar as mais clássicas.
21
LINHALES, 1996.
18
possível, das determinações não sabidas, não visíveis, que regulavam sua prática e a situavam
em relação a outras. Nesse sentido, “há aí uma inspiração essencial que não deve ser perdida,
mas, ao contrário, aprofundada”.
22
Foi com o intuito de aprofundar esse conhecimento que procurei escrever sobre a
constituição e o enraizamento do esporte na cidade, pois como destaca Clarice Nunes,
o passado interessa, hoje, pela sua permanência no mundo atual. A
contribuição que a história pode trazer para a explicação da realidade em que
vivemos faz com que o historiador parta do presente para o passado,
sabendo-se situado no futuro do passado que estuda. Este retrocesso é
necessário para que ele demonstre não o que aconteceu, mas como a trama
do que aconteceu foi tramada. Nesse sentido, ele constrói a sua versão dos
fatos e participa da história. Logo, a história nos ensina não em função de
erros e dos acertos que devemos aprender a evitar ou assumir na atualidade,
e sim porque aguça a atenção para os rumos diferentes que toma segundo as
intervenções que nela se operam.
23
Para construir os caminhos trilhados neste estudo, algumas possibilidades foram se
constituindo. Entre as muitas possibilidades de acesso à cidade, na busca de traços, pistas,
palavras e discursos que dela falam sobre o seu processo de construção, inicialmente procurei
captar e investigar representações da imprensa sobre a vida cotidiana da cidade, nos seus
primeiros anos, mediante marcas da vida social deixadas por seus moradores, que poderiam
traduzir-lhes os modos de viver e de se divertirem nessa cidade.
Partindo da concepção de que o cotidiano, com tudo que o atravessa,
é vivido e ordenado através de produções discursivas – que tanto exprimem
as diferenças e identidades, a construção dos consensos e a explicação dos
conflitos, os pertencimentos locais e a absorção do global quanto, nessa
objetivação, fornecem aos indivíduos as imagens, motivos, representações
com as quais eles se situam e constroem a sua realidade,
24
procurei diferentes narrativas sobre o viver social que pudessem, na sua materialidade, expor
“os fios, os nós, as costuras da tessitura social”, daquele período.
25
Essas narrativas do
cotidiano poderiam permitir uma apreensão ampla e múltipla da realidade, da qual o esporte e
o lazer eram partes integrantes.
22
CHARTIER R.; VIGARELLO, G., 1982, p. 36, tradução nossa.
23
NUNES, 1996, p. 19.
24
FRANÇA, 2001, p. 8.
25
FRANÇA, 2001, p. 8.
19
Essa multivocalidade na cidade pôde ser ouvida por diversas formas de narrativas,
dentre elas os jornais e as revistas.
26
Essa escolha se deu pelo fato de que a imprensa é um veículo que nos possibilita
compreender melhor a sociedade e os anseios da época, e a imprensa belo-horizontina estava
voltada para os anseios de modernidade da nova capital. Em suas páginas, a sociedade
nascente poderia saciar-se de “sua fome de hábitos e costumes das metrópoles que ofereciam
a referência da modernidade imaginada para a cidade – cuja maior expressão era Paris”.
27
Além disso, a imprensa esteve sempre presente na vida de Belo Horizonte desde o período da
sua construção. O primeiro jornal – o Bello Horizonte – começou a circular em 1895.
E, nesses anseios de modernização, as práticas culturais de lazer, com destaque para os
interesses esportivos, passaram a ser paulatinamente evidenciadas pela imprensa que, além de
relatar detalhes sobre jogos – o que nos possibilita entender que valores estavam a ele aliados
–, foi também um veículo eficaz de projeção e divulgação dessa diversão moderna na cidade.
Essa forma de falar dos jogos pode ter tido, também, como referência a França. Segundo
Georges Vigarello, o interesse de uma nova imprensa francesa, no início do século XX,
cultivava a narrativa esportiva para além de apenas verificar seus resultados, transformando as
provas esportivas em narração, uma maneira especial de dizer e de contar os episódios do
jogo.
28
Mesmo ciente dos limites dessa fonte, uma vez que, naquele momento, a imprensa
possuía um discurso restrito somente a um grupo pequeno que tinha acesso à sua produção e
consumo, não me permitindo uma visão ampliada sobre toda a cidade, a não ser alguns
indícios, busquei recuperar a memória de Belo Horizonte tendo-a inicialmente como fonte de
informação.
Tomei como ponto de partida um dos acervos mais significativos da cidade: a Coleção
Linhares, que faz parte do acervo de obras raras da Biblioteca Universitária da UFMG. A
coleção é formada por um conjunto de exemplares de todas as publicações periódicas –
jornais, revistas, boletins, panfletos – que circularam na cidade durante o período de 1895 a
1954.
29
26
Optei por manter a ortografia original das fontes por entender que a língua também tem sua história.
27
CASTRO, 1997, p. 23.
28
VIGARELLO, 2002, tradução nossa.
29
Coleção formada por Joaquim Nabuco Linhares.
20
A pesquisa poderia ter inúmeros caminhos, mas tomei como trilha inicial a análise da
obra Itinerário da Imprensa de Belo Horizonte: 1895-1954.
30
Busquei nas resenhas elaboradas
por Joaquim Linhares sobre a imprensa belo-horizontina os títulos que pudessem, ao
descortinar a vida cotidiana de Belo Horizonte, dar pistas sobre como se constituíram e
enraizaram o esporte e o lazer na cidade.
Dentre os jornais e revistas especializados na temática em questão, no período
abrangido pela minha pesquisa – 1894 a 1920 –, catalogados no livro por assunto, encontrei
sobre lazer um título especializado em cinema – Pathé Jornal (1920) – e dois em teatro –
Theatro Moderno (1905), O Teatro Alegre (1905). Dentre os esportivos destacam-se O Foot-
Ball (1917) e O Treno (1918).
O período inicialmente analisado na obra de Linhares – 1895-1926 – é assinalado
como a “primeira fase da imprensa belo-horizontina”, caracterizada por jornais de vida
efêmera e produção artesanal.
31
Ampliei a pesquisa até meados da década de 1930, quando a
imprensa se modificou continuamente, ganhando um perfil próprio e moderno de sua segunda
fase, porque havia o interesse de compreender o efetivo enraizamento do esporte na cidade.
Assim, foram encontrados: mais um título sobre cinema – O Cinema (1925); um sobre o
teatro – A Ribalta (1922); e dez sobre o esporte – Minas Sport (1925), Minas Sport (1927),
Vida Sportiva (1927), Gazeta Sportiva (1927), O Pirulito (1928), Gazeta Pequena (1929),
Folha Esportiva (1930) Goal (1930), AMA (1932) e O Esporte (1936).
No lazer, de forma geral, fica claro o papel do teatro no início do século e o
desenvolvimento do cinema a partir da década de 1920. Merecem destaque jornais
especializados em artes, humorísticos, culturais, literários e carnavalescos que não foram
classificados nessa temática. No esporte, especificamente, no final da década de 1910,
aparecem os primeiros jornais especializados, sendo destacado um verdadeiro boom editorial
esportivo no final da década de 1920. Mas houve necessidade, também, de buscar jornais de
outras cidades que falassem de Belo Horizonte no período em que aqui ainda não existia
imprensa, isto é, o ano de 1894.
Assim, à procura das novas experiências sociais e urbanas, características da
modernidade que marcou a criação de Belo Horizonte, deparei com uma diversidade de
periódicos apresentados em vários formatos, de associações de classes, militares, de
30
LINHARES, 1995. Obra que reúne o catálogo de jornais da cidade, elaborada pelo colecionador Joaquim
Nabuco Linhares, e um estudo crítico da professora do Departamento de Comunicação social da UFMG,
Maria Ceres Pimenta Spínola Castro.
31
CASTRO, 1997, p. 21.
21
emigrantes, humorísticos, noticiosos, literários, de operários, estudantes, blocos
carnavalescos, esportivos e de lazer, dentre outros, com temas ligados ao cotidiano, à cultura,
à educação, à política, à economia e à religião, vistos por Joaquim Linhares como “‘folhas ao
vento’, dispersas, efêmeras, modestas, artesanais, que guardam pouca ou quase nenhuma
semelhança com o que hoje conhecemos como ‘imprensa’”.
32
Natércia Viana considera que o estudioso deve ter uma prática investigativa diante do
objeto e, sendo assim, deve reconhecer a importância do detalhe, buscando nos pequenos
fatos grandes revelações. Inspirei-me também nessa visão, uma vez que escolhi os jornais e as
revistas produzidos na cidade como fonte, para encontrar as características da sociedade belo-
horizontina nos anos iniciais da cidade.
33
Iniciei a pesquisa pelos jornais que representavam o
cotidiano vivido na cidade. Foi um trabalho árduo, na busca de traços que pudessem sugerir a
constituição do esporte e do lazer na sua cultura. Intercalava essa pesquisa com jornais
essencialmente esportivos, para me fartar de notícias sobre o tema, tão raras nos anteriormente
pesquisados. As revistas foram muito significativas, por mostrarem representações imagéticas
do cotidiano urbano de Belo Horizonte.
34
32
LINHARES, 1995, p. 25.
33
VIANA, 2003.
34
Os jornais pesquisados foram os seguintes: A Capital, 1898/1902/1913/1921; A Epocha, 1904/1905/1906; A
Epocha 2°, 1909; A Estação, 1897/1899; A Farpa, 1918; A Flor, 1907; A Floresta, 1914; A Folha,
1904/1905/1906; A Folha Acadêmica, 1914; A Gazeta, 1°, 1904/1905; A Gazeta 2°, 1907/1908; A Gazeta,
1914/1915/1923; A Idéia, 1904/1905; A Justiça, 1908/1909; A Luz, 1904; A Moda, 1909; A Noite, 1936; A
Nota, 1915/1916/1918; A Noticia, 1907; A Noticia 2°, 1909; A Noticia 3°, 1913/1914; A Noticia, 1913; A
Noticia, 1920/1936; A Nova Estação, 1936; A Prensa, 1936; A Provincia 1907; A Reação, 1936; A
Renascença, 1936; A República, 1936; A Rua, 1907/1908; A Semana 1°, 1910; A Tarde, 1912/1913; A Tarde
2°, 1914; A Tribuna, 1912/1913; A Vanguarda, 1906/1907/1908/1909/1910/1911/1912/1913/1914; Animus,
1912; Avante, 1924; Bello Horizonte, 1896/ 1898/1899; Bello Horizonte 2°, 1905/1906; Correio da Tarde,
1917/1918; Correio das Locais, 1910/1911; Correio do Dia, 1° 1909/1910; Correio Mineiro, 1927/1929,
Diario da Manhã, 1927; Diario da Tarde 1°, 1910/11; Diario de Minas, 1898; Diario de Minas,
1909/1910/1911/1912/1913/1914/1915/1916/1917/1918/1919/1920/1922; Diario de Notícias,
1907/1908/1909;Diario de Notícias, 1922; Diario do Povo (prospecto); Diario Mineiro 1°, 1906; Diario
Mineiro, 1929; Diario Popular, 1921; Estado de Minas, 1911/1912/1913/1914/1915; Folha do Dia 1o,
1910/1911; Folha do Dia ,1930; Folha Pequena, 1904/1905; Footing, 1921; Floresta Jornal, 1920/1922;
Gazeta de Notícias, 1910; Grito de Minas, 1927, Heliantho, 1902; Jornal da Manhã, 1936; Jornal da Noite,
1936; Jornal de Minas 1°, 1905; Jornal de Minas, 1918/1920/1921; Jornal do Povo, 1899/1900; Jornal do
Povo, 1924; Minas Sport, 1925; Novidades 1919; O Acadêmico, 1929; O Arauto, 1922; O Bohemio, 1906; O
Bogari, 1904; O Chicote, 1916; O Collegio, 1926/1927; O Commercio 1°, 1910; O Commercio 2°, 1913; O
Contemporaneo, 1904; O Confederal, 1907; O Cravo, 1906; O Debate, 1934/1935; O Dia, 1936; O Echo,
1921; O Estado 1°, 1911/1912/1913/1914; O Estado de Minas,1889-1906, O Faísca, 1916, O Festim, 1919; O
Flirt, 1918; O Foot-ball, 1917; O Horizonte, 1925/1927/1931/1933; O Instituto Fundamental, 1917, O Jahú,
1927, O Japecanga, 1918, O Labor, 1905/1906; O Operário, 1900; O Operário, 1903; O Operário,
1920/1921/1922; O Operário, 1928; O Pirolito, 1928/1929; O Prelúdio, 1907; O Propagador Mineiro, 1907;
O Raio X, 1913; O Rebate, 1° 1906; O Reclamo, 1905; O Treno, 1918; Primeiro de Maio, 1912; Quasi!...,
1910/1911; Tribuna do Norte, 1906/1907; Vida Mineira, 1904/1906, Voz da Escola, 1929.
As revistas foram: A Cidade, 1931, A Cidade Vergel, 1927; A Reacção, 1907/1908; A Vida de Minas, 1915; A
Vida Mineira, 1910/1911; As Alterosas, 1916; Horus, 1902; Minas em Foco, 1920; Novo Horizonte,
22
Para ampliar a pesquisa, procurei outros acervos, como a Hemeroteca Pública Assis
Chateaubriand, que possui, também, um número significativo de jornais e revistas da época; a
Biblioteca da Escola de Arquitetura, em especial seu acervo de obras raras sobre Belo
Horizonte; o Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais, que possui obras interessantes
sobre a cidade, em especial a revista Radium (1920/1923) e o Arquivo Público da Cidade de
Belo Horizonte. Neste último, o acervo da Comissão Construtora da Nova capital (CCNC), a
coleção de Relatórios de Prefeitos, apresentados à Câmara Municipal no final de governo, os
mapas e plantas cadastrais de Belo Horizonte, além do banco de teses sobre a cidade, foram
significativos para o entendimento sobre a “cidade oficial” sonhada e edificada.
Além de mobilizar tais fontes, recorri a três obras que me possibilitaram apreender a
vivência cotidiana em Belo Horizonte no período inicial de sua edificação. Para tanto,
agreguei não só as fontes, como também algumas análises de seus autores. Estas são
narrativas de um historiador “oficial” da cidade, de um literato engajado, que viveu, militou e
fez ficção na cidade, e de um cronista que, além de atuar como construtor da cidade, relatou
em colunas jornalísticas a dinâmica das práticas sociais naquele momento.
A primeira, Belo Horizonte: memória histórica e descritiva – História média, do
historiador “oficial” da cidade, Abílio Barreto,
35
é uma obra reconhecida como referência
descritiva do processo de construção da cidade até as solenidades que marcaram a instalação
oficial da capital, com a criação da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Abílio foi um
apaixonado pela cidade que viu nascer e se desenvolver. Mesmo sendo um historiador
autodidata e fazendo uma história à moda positivista, própria do seu tempo, sua obra tem
grande valor, pois é um banco de dados significativo sobre a construção da cidade.
A segunda, é o romance A Capital, de Avelino Fóscolo,
36
publicado em 1903, obra que
nos permite melhor captar as imagens dessa época. Mineiro, de Sabará, o autor cria uma
trama que envolve personagens, cujas trajetórias têm como cenário a nova capital em
1910/1911; Revista de Minas, 1912; Semana Ilustrada, 1927; Vida de Minas, 1915; Vita, 1913/1914; Radium,,
1920/1923.
35
Abílio Velho Barreto (1883-1959), mineiro de Diamantina, veio para Belo Horizonte em 1895 com 12 anos de
idade. Teve empregos humildes no início da vida, depois trabalhou como contínuo numa seção da 9
a
Divisão
da Comissão Construtora da Nova capital, o que lhe permitiu ver de perto o processo de construção da cidade.
A atividade jornalística sempre foi uma constante em sua vida. Colaborou em quase todos os jornais e revistas
publicados em Belo Horizonte e também no Rio de Janeiro e São Paulo, bem como em várias cidades mineiras
e do Brasil. A sua produção literária é variada, incursionando por todos os gêneros literários: poesia, romance,
teatro (ABREU, 1995.)
36
Antônio Avelino Fóscolo (1864-1944) teve sua trajetória de vida pautada por atividades teatrais, jornalísticas,
literárias e políticas. “Provavelmente maçom em sua mocidade, envolvido na luta abolicionista e na causa
republicana, um exemplo de ação radical no período, cuja sede de justiça social o levaria a identificar-se com
os ideais socialistas e depois com o comunismo libertário, em especial”. O romance A Capital é escrito em um
período de rompimento com a República (DUARTE, 1991; LENHARO, 1991, p. 14.)
23
construção. Segundo Regina Horta Duarte, em A Capital, “a cidade é a grande protagonista”.
Nela, Belo Horizonte “é mostrada na miséria que as fachadas não lograram esconder”.
37
Percebe-se, também, um autor crítico com as mazelas republicanas, que critica a sociedade
moderna, a urbanização e a ciência.
E como a crônica é um gênero literário que tão bem ajuda a conhecer o cotidiano de
uma cidade, pela crítica aos seus diferentes aspectos sociais e políticos e pela narrativa
envolvente, em que o cronista procura sempre estar atento não só às questões locais, mas
também à sua relação com as novidades nacionais e mundiais, recorri às crônicas escritas por
Alfredo Camarate,
38
publicadas no Minas Gerais, em 1894, sob o pseudônimo de Alfredo
Riancho.
Merece destaque, também, o jornal O Contemporâneo, de 1894, da vizinha cidade de
Sabará, que contém informações significativas sobre os primeiros fatos relacionados à
mudança da capital para Belo Horizonte, seus projetos e realizações de um período em que
ainda não havia imprensa na cidade.
No acervo do Museu Histórico Abílio Barreto, pude ter acesso não só ao Arquivo
Privado do Abílio Barreto, que possui manuscritos preciosos sobre a memória do esporte na
cidade, como também ao banco de dados coletados por Letícia Julião sobre a história de Belo
Horizonte. A coleção de plantas originais da capital e fotografias de práticas esportivas e
espaços de lazer também foram consultadas. Destaco representações imagéticas das primeiras
manifestações de prática esportiva, como do ciclismo e do futebol.
Foi realizado ainda um levantamento bibliográfico sobre Belo Horizonte que, além de
se constituir uma fonte alternativa de dados, serviu como parâmetro para as informações
obtidas na pesquisa documental, que constou de teses, trabalhos acadêmicos, literatura,
relatórios e fotografias, dentre outros.
Marc Bloch, ao refletir sobre o campo do saber (a história) e aqueles que o animam (os
historiadores), afirma que a história distrai, diverte, seduz a imaginação, “tem prazeres
37
DUARTE, 1991, p. 51.
38
Alfredo Camarate (1840-1904), engenheiro-arquiteto e músico português, chegou a Belo Horizonte no período
da sua construção. Colaborou com os trabalhos da CCNC, sendo encarregado de dar pareceres sobre as plantas
de edificações particulares. Com os pseudônimos de Alfredo Riancho, e Alberto Screw, relatou fatos ligados à
edificação da cidade, ao clima, às condições de salubridade, costumes e vida social, publicados nos jornais
Minas Gerais, O Contemporâneo, A Capital, Bello Horizonte, que o tornaram conhecido como cronista.
Camarate é considerado por Eduardo Frieiro como o primeiro cronista, em data, de Belo Horizonte. Além
disso, era maestro, professor de piano, tocava flauta e compunha peças para piano. Foi organizador da
Corporação Musical Carlos Gomes. (DICIONÁRIO, 1997, p. 67-68; FRIEIRO, 1985, p. 18.)
24
estéticos que lhe são próprios”.
39
Como ele, vejo a pesquisa histórica como o mais estimulante
campo do saber, pois cada documento encontrado desperta prazeres e sabores especiais.
Dessa forma, na pesquisa realizada, busquei utilizar fontes de mais diversas naturezas:
desde jornais da época até documentos armazenados em arquivos, iconografias de Belo
Horizonte, crônicas sobre a cidade, estudos sobre a história de Belo Horizonte, revistas,
enfim, fontes que pudessem contribuir para o alcance do objetivo da investigação.
40
Luciano Faria Filho chama a atenção no sentido de que é prudente que estejamos
atentos para não concebermos que a inteligibilidade do nosso objeto, conhecida por meio do
texto que escrevemos, advém de um somatório de pontos de vistas, concordantes ou
discordantes, apresentados pelo conjunto dos documentos. Nesse caso, muito mais que um
somatório, estaremos diante de documentos que supõem serem interrogados a partir, e do
interior mesmo, de inteligibilidades bastante diferenciadas.
41
Carlo Ginzburg também chama a
atenção para essa questão, tendo em vista que vê a necessidade de se compreender não
somente a fonte em si, mas a “rede interpretativa” sugerida pela fonte.
42
Dessa forma, meu ponto de partida para investigar as relações sociais instituídas na
cidade, onde seus moradores, no decorrer de um tempo histórico, foram deixando marcas que
podem traduzir a maneira como se relacionaram ou constituíram seu modo de vida, no
entendimento da sua participação na construção da cultura urbana, foi orientado na direção da
história cultural.
Diante do reconhecimento da pluralidade da história cultural, em que existem posições
distintas de tratá-la, tomei como referência para esta tese os estudos de Roger Chartier. O
referido autor propõe um conceito de cultura como prática e sugere para o seu estudo as
categorias de representação e apropriação.
Para Chartier, tendo como principal objeto a identificação do modo como em
diferentes lugares e momentos determinada realidade social é construída, pensada, lida, a
39
BLOCH, 1974, p. 14.
40
Entendo de que todo documento é criação. Segundo Jacques Le Goff o “documento não é inócuo. É, antes de
mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que
o produziu, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante
as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura; o
testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados
desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades
históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No
limite, não existe documento-verdade. Todo o documento é mentira”. (LE GOFF, 1992, p. 547-548.)
41
Essas idéias são discutidas por FARIA FILHO, 1996.
42
GINZBURG, 1998.
25
história cultural nos permite reconhecer como textos culturalmente apreensíveis tanto as ações
sociais como as representações sobre o social. Dessa forma,
pode-se pensar uma história cultural do social que tome por objeto a
compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras, das
representações do mundo social – que, à revelia dos atores sociais, traduzem
as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que,
paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou
gostariam que fosse.
43
Assim, a via teórico-metodológica utilizada para realizar a análise histórica parte
inicialmente do entendimento de que a cultura ocupa o lugar de uma instância central e
globalizante que reorienta o olhar sobre o real. Essa postura aborda os sistemas simbólicos de
idéias e imagens de representação coletiva a que se dá o nome de imaginário social.
44
Nessa
perspectiva, o papel do historiador seria o de captar a pluralidade dos sentidos e resgatar a
construção de significados, isto é, a “representação do mundo”.
Assumir essa postura implica admitir que a representação do mundo constitui também
a realidade. Assim, para buscar atingir o “real” por meio de suas representações, deve-se
partir de determinado referencial teórico. Inicialmente, se faz necessário definir o que é
representação.
Etimologicamente, o termo “representação” provém da forma latina repraesentare –
“fazer presente” ou “apresentar de novo”; fazer presente alguém ou uma coisa ausente,
mesmo uma idéia, por intermédio da presença de um outro objeto. Outros sentidos podem ser
adotados como: “apresentar-se perante um tribunal”, “colocar um objeto no lugar de outro”,
“encenar um acontecimento”, “reapresentando-o no presente”. Ao longo da Idade Média,
essas significações foram adquirindo novas conotações, ora teológicas e místicas, ora
43
CHARTIER, 1990, p. 19.
44
O entendimento sobre o Imaginário social é encontrado em Bronislslaw Bazcko como “uma das forças
reguladoras da vida coletiva, porque através dele uma coletividade designa sua identidade, elabora uma certa
representação de si, estabelece a distribuição de papeis e das posições sociais, exprime e impõe crenças
comuns e constrói uma espécie de código de ‘o bom comportamento’”. (BAZCKO, 1986, p. 309.) Maria
Helena Capelato e Eliana Dutra assim o consideram: “Integrando o campo da representação, isto é, exprimindo
a representação o imaginário tem sua existência afirmada pelo símbolo e sua expressão garantida pela
evocação de uma imagem seja ela acionada por palavras, por figuras de linguagem ou por objetos. Quando
uma sociedade, grupos ou mesmo indivíduos de uma sociedade se vêm ligados numa rede comum de
significações, em que símbolos (significantes) e significados (representações) são criados, reconhecidos e
apreendidos dentro de circuitos de sentido; são utilizados coletivamente como dispositivos
orientadores/transformadores de práticas, valores, normas; e são capazes de mobilizar socialmente afetos,
emoções e desejos, é possível falar-se da existência de um imaginário social. Ele se traduz como sistema de
idéias, de signos e de associações indissoluvelmente ligado aos modos de comportamento e de comunicação”.
(CAPELATO ; DUTRA, 2000, p. 229.)
26
políticas. Na Modernidade, a idéia de representação aparece associada a, pelo menos, duas
acepções: a “representação” entendida como objetivação, figurada ou simbólica, de algo
ausente – um ser, animado ou inanimado, material ou abstrato –, e a “representação” definida
como “estar presente em lugar de outra pessoa”, substituindo-a, podendo-se ou não “agir em
seu nome”, na qualidade de seu “representante”.
45
Para Chartier, a análise do trabalho de representação procura identificar as
“classificações e as exclusões que constituem, na sua diferença radical, as configurações
sociais e conceptuais próprias de um tempo ou de um espaço”.
46
O seu conceito de representação
permite articular três modalidades da relação com o mundo social: em
primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que produz as
configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é
contraditoriamente construída pelos diferentes grupos; seguidamente, as
práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma
maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e
uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças às
quais uns ‘representantes’ (instâncias coletivas ou pessoas singulares)
marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da
comunidade.
47
Assim, para ele, a categoria de representação seria o elemento constitutivo de um novo
modelo de história. O conceito de representação possibilita unificar três dimensões
constitutivas da realidade social: as representações coletivas, herdadas de Durkheim e Mauss,
que constituem a matriz das formas de percepção, de classificação e de julgamento; as formas
simbólicas, com as quais os grupos e indivíduos percebem suas identidades; e a delegação
atribuída a um representante.
48
Ciente das críticas a Chartier por um reducionismo culturalista
49
, abraço a sua defesa
de definição de história primariamente sensível às desigualdades na apropriação, por
indivíduos ou grupos, de materiais ou de práticas comuns. Para ele, a apropriação
tal como a entendemos visa à elaboração de uma história social dos usos e
das interpretações, relacionados às suas determinações fundamentais e
inscritos nas práticas específicas que os constroem. Prestar, assim, a atenção
às condições e aos processos que muito concretamente são portadores das
45
Essas idéias são apresentadas por Falcon (2000).
46
CHARTIER, 1990, p. 27.
47
CHARTIER, 1990, p. 23.
48
SILVA, 2000.
49
HUNT, 1989; VAINFAS, 1997; BURKE, 1991, apud CARDOSO, 2000.
27
operações de produção de sentido, significa reconhecer, em oposição à
antiga e história intelectual, que nem as idéias nem as interpretações são
desencarnadas, e que, contrariamente ao que colocam os pensamentos
universalizantes, as categorias dadas como invariantes, sejam elas
fenomenológicas ou filosóficas, devem ser pensadas em função da
descontinuidade das trajetórias históricas.
50
Mas o autor adverte que
a noção de apropriação, utilizada como instrumento de conhecimento, pode
também reintroduzir uma nova ilusão: a que leva a considerar o leque das
práticas culturais como um sistema neutro de diferenças, como um conjunto
de práticas diversas, porém equivalentes. Adotar tal perspectiva significaria
esquecer que tanto os bens simbólicos como as práticas culturais continuam
sendo objeto de lutas sociais onde estão em jogo sua classificação, sua
hierarquização, sua consagração (ou, ao contrário, sua desqualificação).
51
Para Chartier, as percepções do social não são discursos neutros; elas produzem
estratégias e práticas que tendem a impor autoridade. Ao investigá-las, devemos percebê-las
colocadas em um campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em
termos de poder e de dominação.
52
Assim, para a história cultural, tal como a entende
Chartier, as “lutas de representações” têm tanta importância quanto os conflitos econômicos
para a compreensão da organização e hierarquização da estrutura social.
Nesse sentido, como apreender cidade mediante a “leitura da cidade” ou de suas
representações?
Se a “cidade é coisa dos homens
”53
e o “lugar onde o seu usuário inscreve a história do
urbano e preserva a memória do seu repertório coletivo”,
54
pensar a cidade e os caminhos
eleitos para rastrear as condições de “ser urbano” ou de “ser de uma cidade” leva a vários
enfoques de reflexão. Dentre outros, pode-se falar de sua história, das condições materiais ou
econômicas, da organização social e de classes, de características e modos de vida e das
práticas sociais. Assim, os olhares são muitos. Historiadores, economistas, sociólogos,
antropólogos, artistas, geógrafos e outros mais têm dado várias e importantes demonstrações
sobre as condições do “homem cidade”.
55
Dessa forma, “sendo a cidade, por excelência, o
50
CHARTIER, 1995, p.184.
51
CHARTIER, 1995, p.184.
52
CHARTIER, 1990.
53
RAMONEDA, 1994, p. 11.
54
FERRARA, 1996, p. 120.
55
SILVA, 1993, p. 88.
28
‘lugar do homem’, ela se presta à multiplicidade de olhares entrecruzados que, de forma
transdiciplinar, abordam o real na busca de cadeias de significados”.
56
O empenho dos urbanistas em analisar a cidade fez com que a história urbana
ganhasse historicidade, pois uma “história urbana deve ser vista como o esforço de inscrever o
urbano na história como verdade hegemônica e, a partir daí, constituir sua linhagem, sua
historicidade”.
57
Assim, os caminhos deste estudo vão também na direção da história urbana, ou seja,
uma história cultural do urbano.
Diante dessas ponderações, como ler a cidade de Belo Horizonte em um dado
momento?
Entre as muitas possibilidades de acesso a ela, optei por analisar as narrativas e
imagens que dela falam, nas fontes levantadas, o que possibilitou lidar com os imaginários
sociais que seus habitantes puderam construir, ao longo de sua história.
Considerando que a cidade é um espaço por excelência para a construção de
significados expressos em bem culturais e que com isso ela pode ser lida por suas
representações, ao ler Belo Horizonte, pude perceber que o espaço construído da cidade pôde
ser modificado tanto por um projeto político de gerenciamento sonhado, realizado e até
imposto pelos “produtores do seu espaço”, como pela intervenção dos seus habitantes no
cotidiano vivido, que puderam descaracterizar e requalificar o planejado, conferindo-lhe
novos sentidos. Essa análise estaria relacionada à classificação de Marcel Roncayolo, em que
estaríamos diante dos “produtores do espaço”, aqueles “traçam o plano da cidade” – classes
dominantes, elites dirigentes, profissões ligadas à administração da cidade, e diante dos
“consumidores do espaço” –, seus habitantes, atores capazes de modificar, graças às suas
práticas, o sentido atribuído aos objetos e locais urbanos.
58
E para discutir bens simbólicos e as práticas culturais de Belo Horizonte vejo, também
com a ajuda Lucrécia Ferrara, que não podemos perceber as ruas, as praças, as avenidas, as
edificações e os parques da cidade como elementos autônomos, mas como partes de um
conjunto. A cidade é percebida como resultado da atividade desse conjunto que dinamiza suas
estruturas, o contexto urbano, que contribui para o significado da cidade, e toda mudança que
nele acontece implica a alteração do seu significado. Entendida como unidade de percepção, a
cidade é vista como um processo contextual no qual tudo é signo, tudo é linguagem. Mas o
56
PESAVENTO, 2002, p. 9.
57
PECHMAN, 1998, p. 33.
58
RONCAYOLO, 1986.
29
elemento que aciona essa percepção global e contínua e estabelece seleções e relações em um
repertório contextual é o seu usuário, e o uso é sua fala, sua linguagem. Dessa forma, “o uso é
uma leitura da cidade na relação humana das suas correlações contextuais. [...] o usuário
processa a leitura do mutante espaço contextual, ao mesmo tempo, que nele inscreve sua
linguagem: o uso flagra e é flagrado na cidade”. Como signo de si mesmo, encerra em si e
projeta para o contexto um universo de significados.
59
Assim, procurei perceber os vestígios das práticas esportivas em Belo Horizonte
analisando os lugares da cidade em que foram praticadas, que constituem a forma pela qual os
habitantes se apropriaram da cidade. Nesses espaços qualificados, informados pelo uso, pude
ver não só uma Belo Horizonte projetada, mas uma cidade habitada, vivida, socializada e
requalificada .
Essa apropriação feita em ritmos e formas tão diversos como as experiências
cotidianas dos usuários da cidade foi fragmentando a cidade em pedaços e dando origem a
esses “lugares” de práticas esportivas, construídos a partir de relações e experiências
socialmente produzidas. Assim, diz Lucrecia Ferrara, o lugar na cidade
está permeado pelo tempo do espaço social que contracena com a cidade
como espaço físico. Identificar os lugares da cidade supõe perceber o
processo de imagens presentes e passadas que os qualificam e atestam um
modo de apropriação. Essas imagens, geradoras e geradas pelo imaginário,
constituem os elementos de identificação dos lugares, porém são signos,
representações, mediações de formas de relações do homem com o espaço.
Entendê-las é indispensável para reconhecer os lugares e a sua história.
60
Mas, ao analisar essa apropriação dos espaços pelo uso, não deixei de destacar a
tensão proposta por Chartier
entre as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades e os
constrangimentos, as normas, as convenções que limitam – mais ou menos
fortemente, dependendo de sua posição nas relações de dominação – o que
lhe é possível pensar, enunciar e fazer.
61
59
FERRARA, 1996, p. 119-120.
60
Segundo Lucrecia Ferrara, a “geração dos lugares da cidade é uma atividade informal acionada pelo
imaginário contido no repertório cultural dos habitantes de um lugar; a apropriação e a criação dos lugares é
uma manifestação perceptiva entendida como forma de gerar informação acionada pelo reservatório de
imagens contido em um repertório cultural ou em um imaginário. A apropriação corresponde a uma atividade
que torna clara a dimensão experiencial do imaginário, libertando-o daquela inefabilidade com que o
contemplou o saber comum e, sobretudo, mostrando-o como um real objetivo e concretamente realizado”.
(FERRARA, 2000, p. 123-124.)
61
CHARTIER, 1994, p.106.
30
Considerando as representações sobre o esporte que circulavam naquela época na
imprensa, aliadas a uma prática moderna, higiênica e que propiciava, principalmente,
divertimento, procurei realizar uma análise sobre a sua presença na cidade sonhada por seus
edificadores e na cidade apropriada por seus habitantes. É importante destacar que essas duas
análises não podem ser vistas como dois momentos distintos, pois há uma tensão constante
entre o projetado e o praticado, que se constituem num movimento único na construção
cultural da cidade.
Assim, o trabalho foi organizado em seis capítulos. No primeiro – Construindo a
cidade, criando valores: a modernização na capital de Minas Gerais – procurei inicialmente,
partindo das representações construídas sobre a cidade que deveria ser e parecer moderna, no
final do século XIX, entender os meandros do seu processo de criação analisando como ela
foi idealizada, os passos de sua edificação e a racionalidade desejada para os corpos que nela
habitariam. Diante do projetado, foi analisado no segundo – A realização da cidade e suas
práticas de lazer – que cidade vai se realizando pelas suas formas de habitação e produção do
espaço, indicando como suas práticas sociais projetadas e valorizadas como forma de lazer
foram se constituindo. A ênfase foi dada, no terceiro – O esporte na cidade: os caminhos das
práticas projetadas –, para os espaços projetados para práticas esportivas que faziam parte da
sua planta “oficial” – o velódromo para a prática do ciclismo e o hipódromo para o turfe –,
analisando essa escolha, o papel dos membros da Comissão Construtora na sua organização e
sua participação na cultura da cidade.
A partir do quarto capítulo, a análise se volta para a cidade apropriada por seus
habitantes. Dessa forma, nesse capítulo – O esporte e as formas de apropriação na/da cidade
– acompanhei o aparecimento de diferentes práticas que receberam a denominação de esporte
e as suas diferentes formas de apropriação na/da cidade, que foram modificando a cidade,
criando os “lugares” do esporte. Mas para que o esporte pudesse se consolidar na sua cultura
urbana da cidade, foi preciso educar os corpos para a sua prática e para a sua organização
social, como destacado no quinto capítulo – O esporte e a educação de corpos civilizados. As
representações sobre a pratica esportiva, produzidas tanto na cultura urbana como na cultura
escolar, foram “estratégias” que contribuíram para a reordenação da cidade e nela a
conformação do campo esportivo. Nesse processo, a consolidação e o enraizamento do
esporte na cultura urbana da cidade está apresentada no sexto capítulo – O esporte se
consolida na cidade.
31
Procurei, assim, dar visibilidade aos primórdios da cidade e nela o esporte e o lazer,
acompanhando o movimento de constituição do campo esportivo na sua cultura urbana.
Com a realização deste trabalho, fica a sensação de missão cumprida, mas ainda
envolta no desejo de aprofundar questões que seriam relevantes para o entendimento da
relação desses fenômenos com a cidade. Ainda há muito o ser analisado, mas tenho certeza de
que este trabalho pode ser o ponto de partida para outras histórias. Como muito pouco se tem
escrito sobre a história do lazer e esporte na cidade, espero que este estudo possa instigar o
alargamento desse campo de investigação.
32
Capítulo 1
CONSTRUINDO A CIDADE, CRIANDO VALORES: A
MODERNIZAÇÃO NA CAPITAL DE MINAS GERAIS
Dizem uns que Bello Horizonte vae bem; dizem outros que vae mal e eu
digo que não vae nem bem nem mal.
Proclamam uns que elle vôa com azas de condor; lamentam outros a sua
morosidade de jaboty; para mim elle nem vôa e nem vae a passos demasiado
vagarosos. Uns dão-lhe o nome de cidade moderna e elegante; outros
chamam-lhe de aldeia; para mim elle não é uma perfeita cidade moderna,
mas também não é uma aldeia: – fico sempre no meio termo, porque Bello
Horizonte esta num meio termo.
Elle tem, não ha negar, alguma cousa de urbs moderna, mas possui também
muita coisa de cidade do interior. Si temos bellas ruas e avenidas alinhadas
rigorosamente, arborizadas, falta-nos, todavia, um bom calçamento e o pó
anda sempre maculando o ar em ondas que apavoram.
Possuimos excellentes installações para agua e exgotto, mas si a agua é
demasiado escassa, ha fatalmente falta de hygiene. Não nos falta uma boa
instalação electrica, mas a tal Usina geradora do Rio das Pedras é uma
vergonha! Temos um bello theatro, mas que é de Companhias?
Dispomos de um parque vasto e formoso que se presta ao SPORT e outros
generos de diversão, mas nem um restaurant ha alli onde se possa tomar um
chop nos dias de verão.
Assim é tudo mais! E daqui a razão de pensarmos que Bello Horizonte não
vai bem nem mal, de que elle não voa e nem vae a passos de jaboty, de que,
finalmente elle não é a urbs moderna nem tambem a aldeia antiga. Nem
tanto para lá, nem tanto para cá. [...].
62
Assinada por Zut, essa crônica é o retrato dos anos iniciais de uma cidade que foi
concebida para ser a capital moderna do Estado de Minas Gerais no final do século XIX. O
mito do progresso e o desejo universal de modernizar as cidades, constituíam a tônica da
época. Ao ser planejada para sediar a capital de Minas Gerais no período de 1894 a 1897,
Belo Horizonte se insere no contexto nacional e mundial das novas experiências sociais e
urbanas que aconteceram naquele final de século.
62
ZUT, 1910, p. 6.
33
Na época, a cidade passou a ser o espaço e o tempo de realização da modernidade, e a
nova capital de Minas Gerais deveria expressar uma transformação do Estado em um Estado
moderno, em consonância com a nova ordem trazida pela República.
Esse desejo de modernização vinha aliado, dentre outros aspectos, a um verdadeiro
repúdio a tudo que estivesse ligado ao antigo regime colonial, representado pela antiga capital
Ouro Preto. Pretendia-se romper com um passado colonial escravista e agrário.
Apesar de todo esse contraste e toda essa exaltação a uma vasta, bela e sadia cidade,
para o povo mineiro, constituía orgulho lembrar o que Ouro Preto representou:
Se Bello Horizonte symboliza o nosso vigor actual de povo que vibra e
espera, Ouro Preto lembra as nossas glórias de um passado que foi longo e
brilhante pelos feitos de nossos maiores e pelos faustos que constituiram o
sublime apogeu de Minas no século dezoito.
Se a nova capital é signal de nossa futurosa industria e commercio, a velha
metrópole, que definha pacientemente, foi e é o padrão de nosso predomínio
colonial, pela exuberância de ouro e diamante. Se Bello Horizonte terá de ser
uma das maiores e mais ricas capitais de nossa Pátria, Ouro Preto já foi o
melhor, mais rico e mais admirável centro intellectual, de todo o Brazil, ao
findar o século de 1700.
Olhemos para o futuro e caminhemos resolutos, porém não esqueçamos
nunca o passado de nossa terra.
63
Minas Gerais deveria possuir uma capital que pudesse atender às necessidades de seus
habitantes, gestada no padrão do que havia de mais moderno na época, livre de problemas de
saneamento, livre de doenças, e que pudesse ser um pólo irradiador de progresso do Estado.
Esse era o discurso dos políticos mineiros que sonhavam a mudança da capital como um novo
símbolo para a República.
64
O desejo e a confiança na idéia do desenvolvimento e ruptura com a herança colonial
já eram, desde a década de 1870, compartilhados por uma parcela específica da inteligência
brasileira. Uma dimensão presente nas interpretações dessa elite nacional era a relação entre a
República que se instaurava e o ideário do progresso, consolidando uma “cultura da reforma”
comprometida com a crença de que a ciência e a técnica seriam fiadoras da organização da
sociedade, em moldes completamente distintos dos que haviam vigorado até então. Nesse
sentido, “técnica e vida urbana conformaram os termos de uma nova civilização brasileira”.
65
63
A NOVA capital..., 1916, p. 1.
64
SILVA, 2003.
65
CARVALHO, 1989, p. 314.
34
Assim, no final do século XIX, o Brasil vivia a “aventura da modernidade”.
66
Esse
processo era revestido de promessas de transformações radicais que visavam a um
rompimento dos laços da sociedade com os moldes tradicionais. A questão urbana foi
marcada por acontecimentos que redefiniram a face do País. A passagem do Império para a
República e a Abolição foram marcos de mudanças que atingiram diferentes dimensões da sua
vida, preparando efetivamente o terreno para um novo sistema, com seu centro de gravidade
não mais nos domínios rurais, mas nos centros urbanos.
67
As cidades se tornaram, então, o foco das atenções reformistas que procuravam
implantar em seus espaços um novo padrão civilizatório. Com isso, o declínio dos centros de
produção agrária foi o fator decisivo da hipertrofia urbana. As cidades, que “outrora tinham
sido como complementos do mundo rural, proclamaram finalmente sua vida própria e sua
primazia”.
68
Os serviços urbanos e os estilos de vida na cidade se aperfeiçoaram.
Com o crescimento das cidades, um novo tipo de vida social se apresentou. Segundo
Sérgio Buarque de Holanda, passou a haver um incentivo do “‘viver por si’, libertando-se dos
velhos laços caseiros”. Essa liberdade se fazia sentir nos espaços públicos das cidades,
tornados locais de sensações e relações que não poderiam ser experimentadas na ordem
familiar moralmente rígida e cujo centro de gravidade se sobrepunha aos domínios rurais.
Assim, a partir de então, as virtudes repousariam no espírito de iniciativa pessoal e na
concorrência entre os indivíduos.
69
Nesse contexto, como resultado das relações de dominação estabelecidas no País,
passou a ser primordial a necessidade de intervenções urbanas que visassem à possibilidade
de criar uma nova imagem de cidade, em conformidade com os modelos estéticos europeus,
pois a Europa era vista como berço de civilização e progresso. Essas intervenções foram
realizadas, tanto no País como na Europa, de forma elitista, não levando em conta as
necessidades reais dos seus habitantes, e sim o capital. Esses modelos permitiam às elites dar
materialidade aos símbolos de distinção relativos à sua nova condição, uma vez que
procuravam afastar da fase visível da cidade – e das vistas do estrangeiro – o populacho
inculto, os desprovidos de maneiras civilizadas, os mestiços. Eram reformas “para inglês ver”.
O princípio organizador das intervenções era a modernização, mas sua principal característica
66
JULIÃO, 1992, p. 11.
67
HOLANDA, 1995, p. 172.
68
HOLANDA, 1995, p. 172.
69
HOLANDA, 1995, p. 144.
35
foi a não-universalidade.
70
Nesse sentido, Regina Silva reforça que
as reformas pensadas durante o século XIX, como a de Paris, justificadas
pelo discurso da competência técnica, serviram para que a burguesia
consolidasse seus espaços nas cidades e para que fossem bem-definidos os
espaços do trabalho, da moradia e do lazer e os lugares daqueles que não
podiam ou não queriam participar desse ‘admirável mundo novo’ urbano e
industrial.
71
A historiografia brasileira tem dado especial destaque às reformas urbanas e à
politização do espaço público. Nas últimas décadas do século XIX, Rio de Janeiro e São
Paulo, pólos da economia nacional, vivenciaram intenso processo de urbanização que alterou
a fisionomia dessas cidades: crescimento populacional, surto industrial, instalação de serviços
de utilidade pública, como energia elétrica, redes de água e esgotos e transportes, dentre
outros. Pereira Passos e Antônio Prado buscaram, com uma reforma urbana, dissipar, pelo
menos em parte, o ar provinciano que caracterizava a atmosfera desses locais.
72
Inúmeras cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo, também promoveram
reformas nos anos iniciais da República, e a urbanização, nesse momento, passou a ser
“entendida como higienização e limpeza para a melhoria das condições de habitabilidade”
73
.
Essa concepção estava carregada de representações no sentido de que havia necessidade de
higiene, porque as cidades se encontravam insalubres, e de limpeza, porque estavam sujas.
No Estado de Minas, ainda mais radicalmente, criou-se uma nova cidade, uma nova
capital, que seria a tradução da modernidade pretendida, em vez de reformar a antiga Ouro
Preto, que não comportaria “as exigências urbanísticas de uma cidade moderna”.
74
1.1 DECISÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DE BELO HORIZONTE
A mudança da capital mineira tem sido um tema recorrente em diversos estudos sobre
Belo Horizonte. Nesses estudos, a cidade como problema e objeto de reflexão tem tido
70
RIBEIRO; CARDOSO, 1996, p. 59.
71
SILVA, 2003, p. 149.
72
DE LUCA, 1999.
73
SILVA, 1997, p. 23.
74
SILVA, 1997, p. 21.
36
diferentes interpretações que têm contribuído com elementos concorrentes na construção do
seu imaginário. Não pretendo aqui fazer novas interpretações sobre a criação da cidade, mas,
a partir de estudos realizados, procuro entender o que foi idealizado para a capital mineira,
para, a partir daí, analisar o esporte como uma das práticas constitutivas de sua cultura.
Nesse sentido, o que se pode avaliar nesses estudos é que a idéia de mudar a capital de
Minas Gerais foi revestida de forte conotação política, como também de fatores econômicos.
Sonhada pelos inconfidentes, esse intento só foi conseguido com o advento da República e a
parcial autonomia adquirida pelos Estados, com o estabelecimento do regime federativo em
1891. As transformações econômicas advindas do desenvolvimento da cafeicultura também
foram significativas.
75
O projeto da nova capital foi gestado em meio a uma crise política interna, na qual
facções diversas disputavam o poder. Era preciso, então, criar uma capital que fosse o centro
político-administrativo capaz de congregar suas elites, garantindo a ordem interna e
preservando a autonomia do Estado perante a nação.
A escolha da localidade foi feita a partir de um estudo minucioso, realizado pela
Commissão d’Estudo das Localidades indicadas para a nova capital..., sob a coordenação de
Aarão Leal de Carvalho Reis,
76
em cinco lugares indicados pelo Congresso Mineiro: Belo
Horizonte, Paraúna, Barbacena, Várzea do Marçal e Juiz de Fora.
77
Esse estudo abrangia
desde o levantamento da planta topográfica até a redação das regras a que as edificações
particulares deveriam obedecer, sob o ponto de vista técnico, estético e higiênico.
78
Esse
documento, que pode ser considerado inovador para o Brasil do final do século XIX,
75
CHIAVARI, 1985.
76
Aarão Leal de Carvalho Reis (1853-1936) era natural de Belém do Pará, filho de família ligada à política.
Estudou na Escola Central do Rio de Janeiro, mais tarde Escola Politécnica, onde se habilitou como
engenheiro-geógrafo (1872), bacharel em ciências físicas e matemáticas (1873), e engenheiro civil (1874). Foi
professor nessa escola, na qual se tornou, em 1880, catedrático de Economia Política, Estatística e Direito
Administrativo. Amigo pessoal de Afonso Pena, foi pessoa de sua absoluta confiança. (Cf. DICIONÁRIO,
1997, p. 222; BARRETO, 1995, v. 2, p. 29.)
77
Segundo Rezende (1974, p. 155), essas localidades foram escolhidas após uma seção extraordinária do
Congresso Legislativo Mineiro, quando foi promulgada uma lei adicional à Constituição – Lei Adicional n.1,
de 28 de outubro 1891. A duas primeiras situavam-se na zona central do Estado, no vale do rio das Velhas,
sendo que a segunda se situava mais ao norte, aproximadamente no centro geométrico do Estado.
78
REIS, 1893. Commissão d’Estudos das Localidades indicadas para nova capital – janeiro a maio de 1893 –
Relatório apresentado a Dr. Affonso Pena (Presidente do Estado) pelo engenheiro Civil Aarão Reis. A
comissão foi composta por Aarão Reis, cinco engenheiros, quase todos egressos da Escola Politécnica do Rio
de Janeiro, e um médico higienista – Dr. José Ricardo Pires. Cada engenheiro ficou responsável por fazer um
minucioso levantamento sobre os locais que haviam sido indicados, pelo Congresso Mineiro, para a nova
capital. Samuel Gomes Pereira foi para Belo Horizonte; Eugênio de Barros Raja Gabaglia para Juiz de Fora;
Luiz Martinho de Morais para Paraúna, na região de Diamantina; José de Carvalho Almeida para Várzea do
Marçal, nas proximidades de São João d’El Rei, e Manuel da Silva Couto para Barbacena, local em que Aarão
Reis instalou o escritório da Comissão.
37
apresentava um conhecimento técnico-científico com referência à cidade e o território, tendo
como suporte o pensamento de mestres franceses.
79
Das cinco localidades, a Várzea do Marçal, nas proximidades de São João del-Rei, foi
a indicada pelo estudo, por possuir “condições topographicas verdadeiramente excepcionaes
para a fundação de vasto e importante centro de população”. Foi seguida pelo Arraial Belo
Horizonte, que também, sob o ponto de vista topográfico e localização geográfica, possuía
boas condições técnicas para a edificação de uma grande cidade.
80
No relatório de Samuel Pereira, engenheiro que analisou Belo Horizonte, os valores
aliados ao sítio eram significativos por
apresentar a localidade, em seus principais lineamentos topographicos, a
bella forma de um vasto e amplo amphiteatro, aberto para o oriente, como
que para receber desde cedo os beneficos raios solares [...]. Esse bello
amphitheatro offerece, sob forma de um dodecagno, superfície superior a
1.900 hectarios e sufficiente portanto para o estabelecimento, em boas
condições hygienicas, de uma população de 190.000 habitantes a razão de
100m
2
por habitante, média mais folgada, como ja dissemos, que as
principais cidades européas e americanas edificadas em condições sanitárias
vantajosas.
81
Ao analisar a composição da representação que aprovou Belo Horizonte por pequena
margem de votos, Maria Efigênia Resende afirma que, mesmo diante das polarizações de
interesses regionais que se mantiveram inalteradas após o estudo e debates, os votos para Belo
Horizonte vieram predominantemente da zona central e do norte do Estado, bem como de
alguns aliados de outras zonas. Votaram contra os representantes da zona da Mata, do sul e do
Triângulo, além de parte da zona dos Campos. O que pesou na escolha, segundo Efigênia, foi
a atuação de Afonso Penna, que parece ter desempenhado “papel decisivo na luta por Belo
Horizonte”. Sua atuação teria sido motivada pela busca do equilíbrio econômico como
condição da unidade política do Estado, posição que ultrapassava os interesses regionais.
82
Diferentes estudos, mesmo apresentando posturas divergentes, vêem a questão da
localização da nova capital mineira como objeto de disputa das forças políticas ou como um
projeto modernização da economia mineira.
83
79
SALGUEIRO, 2001.
80
REIS, 1893, p. 19-21.
81
REIS, 1893, p. 20-21.
82
RESENDE, 1974, p. 149.
83
LE VEM, 1977; PLAMBEL, 1979; JULIÃO, 1992.
38
Assim, no dia 17 de dezembro de 1893, pela Lei n. 3, adicional à Constituição do
Estado, foi escolhido o local para a nova capital, que passaria a se chamar Cidade de Minas.
O nome Cidade de Minas não vingou. Em 1901, o Congresso estabeleceu o nome Bello
Horizonte, dado ao arraial em 1890.
84
A referida lei oficializava o recorte do arraial,
autorizando a divisão dos terrenos em lotes nas suas respectivas funções, a determinação de
terrenos para edificações públicas, as questões de desapropriações, concessão de diversos
serviços a particulares, bases para construções de moradias para funcionários públicos,
concessão de títulos de propriedade para ex-habitantes de Ouro Preto. Para a edificação da
cidade, no prazo de quatro anos, foi constituída uma comissão de engenheiros
85
e técnicos de
reconhecido prestígio no País.
A derrubada do arraial para construir uma cidade moderna simbolizava a tradução da
pretensão republicana: sair do atraso para o progresso.
1.2 OS PASSOS DA COMISSÃO CONSTRUTORA DA NOVA CAPITAL
Organizada pelo Decreto n. 680, de 14 de fevereiro de 1894,
86
a Comissão Construtora
da Nova capital (CCNC) encarregou-se, durante o período de quatro anos, do planejamento e
da construção inicial da nova capital do Estado de Minas Gerais. Instalada no Arraial Bello
Horizonte, antes Curral del-Rei, a partir de 1
o
de março de 1894, conduziu os trabalhos
necessários à construção da cidade até sua inauguração, com a transferência do Poder Público
para a nova capital, em 12 de dezembro de 1897.
A sua missão era implantar os espaços necessários e suficientes para iniciar a cidade,
para a instalação dos primeiros 30 mil habitantes, mas que pudesse comportar, no futuro, até
200 mil habitantes. A comissão foi extinta pelo Decreto n. 1.093, de 3 de janeiro de 1898
87
.
84
BELO Horizonte: bilhete... 1997.
85
Alguns desses engenheiros eram egressos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e da Escola de Minas em
Ouro Preto, como também de escolas no exterior. Segundo Simon Schartzman, o que deu sentido à Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, como também à Escola de Minas e, de certa forma, à Politécnica de São Paulo,
foi “o papel que desempenhou na criação de uma nova linhagem de intelectuais de elite, capazes de pôr em
cheque a cultura estabelecida dos bacharéis e da Igreja, em nome da ciência moderna. A doutrina positivista
deu aos engenheiros a certeza de que tinham o direito e a competência de gerir a sociedade, que se tornaria
melhor e mais civilizada se o poder estivesse em suas mãos”. (SCHARTZMAN, 1987, p. 51.)
86
MINAS GERAIS. Decreto n. 690..., 1895, p. 118-129.
87
MINAS GERAIS. Decreto n. 1.093..., 1899, p. 1.
39
A instituição desse órgão específico, que possuía completa autonomia e era
subordinado diretamente ao presidente da Província, representou, segundo Maria Chiavari, o
fortalecimento do Poder Executivo, substituindo a ação parlamentar pela ação direta de um
órgão técnico-administrativo, ficando o poder decisório concentrado nas mãos do presidente
da Província:
Esse procedimento frisa, paralelamente, uma ruptura com a corrente liberal
que combatia a intervenção do Estado e estabelece uma imposição do
público sobre o privado, no papel atribuído ao Estado de árbitro capaz de
garantir o funcionamento da sociedade capitalista.
88
Essa forma escolhida teve como referência o modelo de organização com o qual
Haussman assumira o comando das operações em Paris. A adoção de um esquema
envelhecido e definido por uma realidade econômica diferente, na percepção de Chiavari,
tinha, naquele contexto, a exigência de concentrar e reorganizar a estrutura do poder, para
que, no tempo estipulado, pudessem realizar “uma obra urbana ‘moderna’, de dimensão sem
precedentes”. Além do mais, o modelo francês apresentava uma solução possível para o
contexto específico de uma estrutura parlamentar administrativa e legislativa jovem e frágil,
na qual a bagagem colonial ainda pesava muito.
89
Os trabalhos da CCNC apresentaram duas fases distintas. A primeira, fase inicial de
planejamento, foi organizada e chefiada pelo engenheiro Aarão Reis.
90
A segunda, fase de
execução das obras de construção da cidade, teve à frente o engenheiro Francisco Bicalho.
91
88
CHIAVARI, 1985, p. 584.
89
CHIAVARI, 1985, p. 584.
90
Na fase inicial, Aarão Reis concebeu a CCNC como um sistema organizado em seis divisões de serviço, com
tarefas especificadas e separadas entre serviços técnicos, administrativos e contábeis. Nesse momento, a Planta
Geral da Cidade já havia sido aprovada e as obras já haviam sido iniciadas, entre elas a construção do Ramal
Férreo ligando o arraial à Estrada de Ferro Central do Brasil e a demarcação de avenidas, ruas e quarteirões.
Aarão Reis permaneceu a frente da CCNC no período de fevereiro de 1894 a maio de 1895, tendo deixado a
comissão por divergência com o governo do Estado, no mandato de Bias Fortes, iniciado em 7 de setembro de
1884. (BARRETO, 1995, v. 2.)
91
Francisco de Paula Bicalho, natural de São João del-Rei (1847- 1919), era engenheiro civil, diplomado em
1871 pela Escola Central, mais tarde Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Antes de ingressar na CCNC, atuou
na construção ferroviária (Estrada de Ferro D. Pedro II) e no serviço de abastecimento de água da cidade do
Rio de Janeiro. Bicalho ficou à frente da CCNC de maio de 1895 a janeiro de 1898, período em que a CCNC
passou por uma reforma, reduzindo seu quadro de pessoal e reorganizando as divisões de serviço. Merece
destaque a organização da 3
a
divisão, especificamente criada para cuidar dos serviços municipais, que seria o
núcleo inicial da futura Prefeitura Municipal. Com essa divisão, aumentou o controle do Governo do Estado
sobre a ocupação dos espaços da cidade. Responsável pela execução de inúmeras obras, o período de sua
administração foi caracterizado pelo ritmo intenso de construções, com o assentamento da pedra fundamental
de importantes edifícios públicos, como o Palácio da Liberdade e secretarias, e pela inauguração do Ramal
Férreo. Em dezembro de 1897, logo após a instalação oficial da nova capital, Bicalho solicitou sua exoneração
40
Todo o trabalho da CCNC, baseado no saber técnico dos engenheiros, estava voltado
para a busca da civilização e do progresso, e a cidade a ser construída deveria ser um
monumento que representasse os valores da República que se consolidava. E a modernidade –
expressão artística e intelectual de um projeto histórico chamado “modernização” produzido
pela ordem burguesa capitalista
92
– deveria permear todas as ações, numa encenação repetida
de nouveauté. Com ela aparece a experiência histórica, individual e coletiva do viver em
metrópole.
Para um entendimento sobre os pilares da modernidade, podemos aliá-lo a quatro
eixos estruturantes de significados: o primeiro estaria ligado a uma forma específica de
organização do poder – o Estado Moderno. O segundo é relativo ao mercado e as relações
capitalistas de produção. O terceiro, considerado fundante da modernidade, parte da
contribuição de Max Weber no sentido de que há na cultura ocidental, durante os séculos
XIV, XV e XVI, uma autonomização das esferas da ética, da ciência e das artes, dos
contingentes religiosos e metafísicos. O quarto seria a institucionalização de um critério de
sociabilidade, na qual o sentido é dado pela liberdade individual.
93
Os valores da modernidade possibilitavam, assim, uma constante invenção, em que
tudo poderia ser modificado, como os negócios, a política, o Estado e os indivíduos, nos quais
a consciência de “novo” e mudanças estética impunham-se a todo instante. Assim, a
concepção e a construção de Belo Horizonte foram permeadas de uma simbologia do
moderno, por meio da qual a política e a técnica aspiravam a uma nova racionalidade.
As medidas indispensáveis às cidades modernas, como a salubridade, o saneamento e
o embelezamento, foram evocadas salientando a necessidade de melhorias higiênicas e de
conforto.
Angel Rama diz que “uma cidade, antes de aparecer na realidade, existe como
representação simbólica”.
94
Tendo a cidade sido planejada, produzida em representações,
antes mesmo da escolha do local, é importante ressaltar que, ao se decidirem por um pequeno
arraial dos tempos coloniais, a postura da CCNC, seguindo as decisões do Congresso Mineiro,
foi de destruir totalmente o lugar, desqualificando o que antes ali havia existido, para no
espaço edificar a nova capital, que surgiu sobre as ruínas do velho Curral del-Rei.
do cargo de engenheiro-chefe, fato que ocorreu somente em janeiro de 1898, com a extinção da CCNC.
(DICIONÁRIO, 1997; BARRETO, 1995, v. 2.)
92
Conceito apresentado por Wille Bolle, numa leitura benjaminiana de cidade em Bolle (2000, p. 24).
93
Essas idéias são discutidas por Paula (2000).
94
RAMA, 1985, p. 29.
41
1.3 A CIDADE SONHADA PARA SER A CAPITAL
Para falar de uma cidade de sonho, remeto-me a visão de Walter Benjamin. Segundo
ele, nos “sonhos coletivos” do século XIX – que se materializaram na arquitetura de
construções como as passagens, nas modas e na produção de imagens –, se expressa a
modernidade. São, assim, consciências oníricas do coletivo. As imagens do sonho coletivo
são imagens de desejo, que buscam transcender e dissimular uma realidade insatisfatória. O
transcender está, para Benjamin, a cargo da utopia; dissimular, a cargo do mito. Assim, a
utopia e o mito são partes indissociáveis do sonho coletivo. A primeira aponta para a
salvação, libertando o homem do sempre igual; a segunda é a que impede o advento do
genuinamente novo e impõe a temporalidade do eternamente idêntico. Para Benjamim, o
homem habita uma cidade real e é habitado por uma cidade de sonho. O seu Trabalho das
Passagens resume essa dualidade, e aí ele joga com dois níveis de realidade, a objetiva e a
onírica, e, nesta, a tensão entre a utopia e o mito.
95
Mas o sonho pode ser interpretado, e essa é uma tarefa do historiador. Sua função é
contribuir para despertar o coletivo que sonha. Só o despertar é a consciência realmente
dialética, porque é a síntese do saber do estado de vigília com o saber adquirido durante o
sonho. A ele cabe conhecer e revelar os valores de um período, construindo uma versão sobre
a multiplicidade de sinais emitidos pelo passado.
Assim, como cidade onírica, Belo Horizonte foi idealizada com um traçado urbano
que seguia um esquema do urbanismo em voga na época, pois o sonho utópico era estabelecer
a civilização e a tecnologia avançada do mundo moderno. Nesse sentido, a planta da cidade
foi inspirada em grandes projetos urbanísticos do século XIX, como Paris, de Haussmann;
Washinton D. C., de L’Enfant; e La Plata.
Aarão Reis apresenta a planta geral definitiva, elaborada pela CCNC em março de
1895, para aprovação do governo.
96
Nela, a cidade é dividida em três setores: urbano,
suburbano e rural. Segundo descrição do próprio Reis,
foi organizada a planta da futura cidade dispondo-se na parte central, no
local do actual arraial, a area urbana de 8.815.382 m
2
, divididas em
95
Parto das análises de Rouanet e Peixoto, [s.d.] para o entendimento da imagem dialética da cidade proposta
por Walter Benjamin.
96
Aarão Reis encaminha o ofício n. 26 de 23 de março de 1895, apresentando ao governo as plantas da cidade.
(MINAS GERAIS.... Rev. Geral dos Trabalhos, 1895, p. 59-60.)
42
quarteirões de 120 X 120m, pelas ruas, largas e bem orientadas, que se
cruzam em ângulos retos , e por algumas avenidas que as cortam em ângulos
de 45
o
. As ruas fiz dar a largura de 20 metros, necessária para a conveniente
arborização, a livre circulação de vehiculos, o tráfego dos carris e os
trabalhos da collocação e reparações das canalizações subterrâneas. As
avenidas fixei a largura de 35m, sufficiente para dar-lhes a belesa e o
conforto que deverão, de futuro, proporcionar á população. Apenas á uma
das avenidas – que corta a zona urbana de norte a sul, e que é destinada à
ligação dos bairros opostos – dei a largura de 50 metros, para construil-a em
centro obrigado da cidade e, assim, forçar a população, quanto possível, a ir-
se desenvolvendo do centro para a peripheria. Como convém à economia
municipal , à manutenção da higiene sanitária, e ao prosseguimento regular
dos trabalhos technicos. Essa zona urbana é delimitada e separada da
suburbana por uma avenida do contorno, que facilitará a conveniente
distribuição de impostos locaes, e que, de futuro, será uma das mais
apreciadas bellezas da nova cidade. A zona suburbana, de 24.930.803 m
2
, –
em que os quarteirões são irregulares , os lotes de áreas diversas, e as ruas
traçadas de conformidade com a topographia e tendo apenas 14m de largura
– circunda inteiramente a urbana, formando varios bairros, e é por sua vez
envolvida por terceira zona de 17.474.619 m, reservada aos sítios destinados
á pequena lavoura.
97
Na análise de Maria Chiavari, a escolha de um esquema clássico de barroco tardio se
deu porque esses exemplos eram fáceis de ser encontrados em enciclopédias francesas, muito
divulgadas na época. Essa escolha refletia tanto a formação politécnica e as idéias positivistas
de Aarão Reis como sua interpretação dos objetivos mineiros de fazer uma cidade de porte
monumental para abrigar o poder.
98
Na planta da cidade adotou-se um traçado de malhas ortogonais, com uma dupla
trama, orientado em sentidos diversos: um quadriculado e outro diagonal, ambos tecendo a
rígida regularidade global. O sistema adotado basicamente era desenhado por ruas retilíneas,
que se cortavam em ângulos retos, encerrando quarteirões quadrados semelhantes. A esse
esquema foi sobreposto outro, construído por uma série de diagonais, menos fechado e
formado por longas e largas avenidas. A função das avenidas era estabelecer ligações com
pólos funcionais, facilitar os deslocamentos da população e direcionar o desenvolvimento da
cidade.
Encontro em Chiavari uma explicação de que o plano foi traçado com um rigor
geométrico, não deixando brechas para modificações diante da realidade em que seria
aplicada. “Prova disso é o fato de a cidade começar a ser projetada, antes de ter sido escolhido
o lugar, ou seja, independente dele”.
99
97
MINAS GERAIS... Rev. Geral dos Trabalhos, 1895, p. 59-60.
98
CHIAVARI, 1985.
99
CHIAVARI, 1985, p. 584.
43
Essa concepção fechada de cidade, definida pelo desenho, sem levar em conta outros
fatores que não a própria idealização da cidade, típica do urbanismo europeu, especialmente o
francês, segundo Berenice Guimarães, inspirou o projeto de Aarão Reis no qual
a preocupação central era a concretização de uma cidade projetada, utópica,
cujo processo de ocupação se orientaria por princípios da racionalidade
técnica, sem levar em conta, no entanto, a dinâmica das forças sociais, o que
gerou críticas e trouxe problemas à implementação do modelo.
100
No entanto, outros estudos, como o de Luiz Mauro Passos, analisam que Aarão Reis
não tinha a intenção de construir uma utopia, no sentido de uma ordenação urbana fechada,
estática e totalmente regulada. Em vez disso, em seu plano podem ser reconhecidos aspectos
característicos dos modelos utópicos, tais como o ordenamento geométrico e delimitado do
espaço central da cidade, vinculado à ordenação de sua ocupação. Mas considera que
estes dispositivos são assinalados dentro de uma perspectiva que estava
ausente naqueles modelos, ou seja, seu plano não constitui numa
configuração definitiva e estabelecida de modo completo, mas ao contrário
aberta à transformação e à expansão, porém de modo que estas se dessem
segundo uma ordem, tanto no espaço como ao longo do tempo.
101
Nesse sentido, para Luis Mauro Passos, os dispositivos de ordenação espacial
característicos dos modelos chamados utópicos foram utilizados no plano de Aarão Reis como
recursos instrumentais, e não como uma aplicação desses modelos.
Em seu plano o desejo da ordem, inscrito na soberania da geometria do
desenho, nos limites da área urbana, na previsão da ocupação de espaço
segundo funções e categorias sociais e nas medidas de direção da ocupação
inicial, foi combinado com o reconhecimento e a previsão da mudança e do
crescimento, entendidos como inevitáveis e portadores do progresso. Face às
perspectivas de ameaça que este crescimento continha, posto a amplitude
que assumia as transformações do ambiente urbano do século XIX,
impunha-se a necessidade de uma conduta dirigida pelo Estado, no sentido
de evitar os desvios de curso considerado natural dos processos sociais e
preparar o terreno para sua espontânea floração no sentido da melhor ordem
‘que for sendo possível obter’.
102
100
GUIMARÃES, 1996, p.129.
101
PASSOS, 1996, p. 176.
102
PASSOS, 1996, p. 176.
44
A planta de Aarão Reis pode ser considerada como um “amalgama de elementos de
modelos de construções urbanas do passado”, nos quais se verifica não uma reprodução dos
modelos, mas a aplicação de alguns elementos. Mauro Passos afirma:
Marcada pelo positivismo, sua visão do conhecimento e das organizações
sociais, como resultado de uma evolução gradativa e cumulativa pode estar
na base dos procedimentos que reconhecemos no modo de concepção de sua
Planta Geral da Nova capital.
103
Parece ser esse o procedimento de Aarão Reis na composição da planta da cidade, cuja
concepção é decorrente do acúmulo das realizações e do pensamento relativo às cidades,
aplicados de acordo com a conveniência necessária. Assim numa concepção eclética e numa
visão positivista de conhecimento resultante de processos progressivos e cumulativos, Belo
Horizonte não foi planejada a partir de uma configuração absolutamente definida e
instauradora de uma ordem urbana estática; deixaram-se aspectos abertos a serem definidos
no futuro. Foi projetada assim, conforme uma dimensão temporal, evolucionista, concebida
por etapas.
Em sua primeira etapa de implantação, foi prevista a ocupação de uma área na cidade
por 30 mil habitantes, que compreendia as sete primeiras seções da zona urbana, uma faixa
que era delimitada pelas Avenidas Araguaia (depois Francisco Sales) e Cristóvão Colombo
(em parte hoje designada Bias Fortes), tendo a Avenida Afonso Pena como eixo, que cortaria
a zona urbana no sentido norte-sul e se prolongaria pela VI secção suburbana ao norte
(Lagoinha/Floresta) e pela I suburbana ao sul (Serra/Cruzeiro).
104
De acordo com a planta
aprovada, esse espaço continha 3.639 lotes, que teriam uma distribuição planejada, que
envolvia doação aos proprietários de Ouro Preto, concessão aos funcionários públicos e ex-
proprietários do arraial, ficando parte como reserva do Poder Público.
Uma segunda etapa, relativa a uma base de 200 mil habitantes sobre a qual foi
elaborada a planta geral da cidade, e uma terceira, apenas implícita, uma vez que não foi
definida como tal nos planos, mas que pode ser reconhecida tanto em relação às expectativas
de crescimento para além do limite como pela abertura à expansão que o desenho da planta
indica podem ser identificadas também.
105
103
PASSOS, 1996, p. 176.
104
MINAS GERAIS.... Rev. Geral dos Trabalhos, 1895.
105
PASSOS, 1996.
45
O desejo da ordem planejada na planta de 1895, numa dimensão reguladora imposta
pelo traçado geometricamente estruturado, partia de pressupostos que buscavam disciplinar o
espaço físico, adaptando-o às exigências econômicas e sociais, com a criação racionalizada de
vias de circulação, nas quais a salubridade e a higiene ditavam as regras. A influência médico-
higienista podia ser percebida na elaboração da planta.
106
Mas, além dos espaços físicos, projetava-se, também, a forma de seus habitantes se
fixarem material e culturalmente na cidade. Ao ser criada para atender às demandas da vida
moderna, a cidade deveria promover mudanças profundas na vida social e cultural dos
mineiros. Baseando-se nos exemplos das cidades européias, propunha um novo padrão de
sociabilidade voltado para o espaço público, cosmopolita e urbano. As suas ruas e avenidas,
com suas dimensões monumentais, eram vistas como verdadeiras artérias, apropriadas ao
tráfego, à circulação de mercadorias, da multidão e de veículos.
107
Richard Sennet, ao tratar das cidades planejadas do século XIX, esclarece que na
busca da ordem o individualismo assumia um sentido particular. As cidades
pretendiam tanto facilitar a livre circulação das multidões quanto
desencorajar os movimentos de grupos organizados. Corpos individuais que
transitam pela cidade tornam-se gradualmente desligados dos lugares em que
se movem e das pessoas com quem convivem nesses espaços,
desvalorizando-os através da locomoção e perdendo a noção de destino
compartilhado.
108
Assim, o espaço público – a rua – deveria ser a expressão dos padrões de limpeza, de
beleza e de ordem. Diferente do espaço privado, as pessoas tinham de seguir padrões de
comportamento regidos pelos valores do mundo civilizado. A rua deveria “reunir os atributos
e as condições indispensáveis à saúde, à moralidade e à organização do corpo físico e
social”.
109
Uma das medidas indispensáveis era educar a população e ensiná-la a se comportar de
forma saudável. Era preciso preparar a população para viver numa cidade moderna. E, aí, o
papel de higienistas foi significativo. Foram organizadas várias comissões para realizar
estudos e criar projetos que garantiriam o saneamento básico da cidade.
106
Na época, a medicina, mais especificamente a higiene, foi considerada a ciência mais importante para a
sociedade, uma vez que abrangia questões individuais e sociais ligadas à saúde e à doença, à salubridade, às
questões arquitetônicas, nas quais o saber médico orientava as transformações da sociedade.
107
JULIÃO. 1992, p. 77.
108
SENNETT, 1997, p.264.
109
PECHMAN, 1992, p. 34.
46
Com isso, o espaço urbano necessitava ser traçado conforme uma lógica funcional,
com lugares distintos para habitação, trabalho e diversão.
Como o interesse deste estudo está principalmente voltado para os lugares do esporte e
do lazer, podemos notar que, na cidade sonhada, que seria construída com método, com
racionalidade, e deveria seguir códigos modernos, sua planta apresentava espaços projetados
especificamente para o lazer, como o Parque Municipal, o Hipódromo e o Jardim Zoológico,
além de algumas praças.
FIGURA 1 – Planta Geral da Cidade de Minas, organizada sobre a planta geodésica, topográfica e
cadastral de Belo Horizonte.
Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte (adaptações da autora)
Numa cidade moderna, novos valores deveriam ser projetados como forma de
divertimentos, pois o processo de modernização das cidades trazia, no seu bojo,
representações negativas da cidade antiga, aliadas, principalmente, a argumentos higiênicos.
Assim, a cidade deveria ser equipada com parques, praças e jardins que trariam novas
condições cotidianas para os divertimentos saudáveis.
Dos espaços idealizados especificamente para o lazer no planejamento de Belo
Horizonte, o mais significativo foi o Parque Municipal, que nos seus anos iniciais foi o
47
cenário privilegiado para a realização das primeiras atividades físicas, esportivas e de
diferentes interesses no lazer. O Hipódromo só foi construído em meados da primeira década
do século XX e o Jardim Zoológico, planejado para o espaço onde hoje se encontra o Minas
Tênis Clube, nas imediações do Palácio da Liberdade, acabou sendo construído no Parque
Municipal. A Praça da Liberdade, espaço do poder, foi também espaço de lazer na década de
1910, no qual o footing e a patinação marcaram época.
Construído na área de uma das maiores chácaras da cidade – a Chácara Guilherme Vaz
de Mello, conhecida como Chácara do Sapo, território que mesclava matagal, árvores de
porte e córregos –, margeando a Avenida Afonso Pena, programada para ser a principal
artéria da cidade, o Parque Municipal foi projetado para ser um monumental jardim público
da nova capital.
A decisão sobre sua construção havia sido tomada logo no início dos trabalhos da
CCNC, em março de 1894, quando, após desapropriação do terreno, recebeu como morador o
próprio Aarão Reis.
FIGURA 2 – Casa da Chácara do Sapo, no Parque Municipal, que serviu de residência para Aarão
Reis
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
48
A escolha do terreno se deveu à sua centralidade e, principalmente, como pode ser
observado na foto acima, pelo sítio acidentado, onde poderia ser construído um espaço
pitoresco, belo e útil, segundo valores higienistas da época.
A utilidade de parques no urbanismo moderno é caracterizada pela sua função de
pulmão da cidade. Na visão de Bruno Fortier, circulando através de ruas-artérias, as pessoas
passariam pelos parques respirando seu ar fresco.
110
Segundo Lewis Munford, o século XIX foi, antes de tudo, consciente da função
higiênica e sanitária dos espaços livres. Em decorrência da densidade do habitat nas grandes
cidades, era natural que se valorizasse a necessidade dos espaços livres. “O parque era
entendido não como uma parte integrante do meio urbano, mas como um local de refúgio cujo
valor essencial vinha do contraste com a ruidosa e empoeirada colméia urbana”. Uma de suas
funções era fornecer meios de recreação.
111
Visto como uma alternativa civilizada, o parque deveria fornecer/oferecer atrativos
para a recreação.
A localização do Parque Municipal na planta geral da cidade, encontrava-se delimitada
por quatro grandes avenidas: a Afonso Pena, a da Mantiqueira (atual Alfredo Balena), a
Araguaia (atual Francisco Sales) e a Tocantins (atual Assis Chateaubriant).
Alfredo Camarate, sob o pseudônimo de Alfredo Riancho, descreve o que projetava os
construtores da capital sobre o parque:
O que sei é que a Comissão Construtora da Nova capital projeta um
esplêndido parque, que, com certeza, será citado no mundo estrangeiro;
porque é difícil encontrar-se, em outra parte do mundo, um tão acertado
conúbio da arte com galas da natureza Quem o está planejando é o
jardineiro-paisagista Villon; o homem a quem realmente se deve o magnífico
Jardim do Campo da Aclamação. Mas, em Belo Horizonte, o terreno é
graciosamente acidentado; a água, aproveitada de vários córregos e
nascentes; mais abundantes; o horizonte mais vasto, mais agradável, mais
ameno e, por entre todos esses pródigos dons da natureza mineira, formigam:
cascatas, grutas, ruínas, tanques, coretos, chalets, viveiros, gaiolas, alamedas
frondosas, clareiras; todos os grandes atrativos dos jardins notáveis,
reunindo, num só ponto, os encantos dos Campos Elísios, do Parque
Monceaux, das Butts Chaumont, do Campo de Marte, do Parque
Montsourise de tosos os jardins que se ufana Paris. O nosso parque terá
tudo.
112
110
Essas idéias são apresentadas por Sennett, 1997.
111
MUNFORD, 2002, p. 286.
112
RIANCHO [Camarate], 1985, p.185.
49
Como previa Camarate, o parque da nova capital de Minas Gerais foi notícia no Echo
du Brésil, que foi traduzida e publicada pelo O Contemporâneo.
113
O artigo é iniciado
relatando a escolha do terreno realizada pelo engenheiro Aarão Reis, auxiliado pelo primeiro
engenheiro Hermílio Alves. A forma criteriosa da escolha, bem como a idéia da criação de um
parque anexo aos demais trabalhos de construção da cidade revelava a “esclarecida
competência do infatigável dr. Aarão Reis, que não [conhecia] obstáculos a vencer para seguir
o rumo que traçou a si próprio, o caminho do progresso”.
114
FIGURA 3 – Projeto Geral do Parque
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
113
BELLO Horizonte, 1895, p. 1. O jornal O Contemporâneoo esclarece o local onde foi publicado o Echo du
Brésil.
114
BELLO Horizonte, 1895, p. 1.
50
O projeto foi de responsabilidade do arquiteto-paisagista francês Paul Villon,
115
auxiliar de Glaziou, diretor de Parques e Jardins da Casa Imperial do Rio de Janeiro, de
competência reconhecida tanto no Brasil como na Europa. Com Glaziou, iniciou-se no
paisagismo romântico de influência inglesa, em moda durante o século XIX, em oposição ao
jardim francês, de estrutura geometrizante. No paisagismo romântico, “é a natureza que serve
de inspiração para o artista, que a ornamenta de acordo com sua fantasia”, mas com
discernimento e seguindo regras.
116
Segundo o artigo publicado em O Contemporâneo
o projeto é dos de maior êxito, dos mais felizes por se distanciar do que se
tem visto, do que é commum, porquanto, além de ser original pela novidade,
vem elle a ser , ao mesmo tempo, grandioso pela extensão, e não só apenas
belleza e gosto que constituirão o encanto desse trabalho será elle, realmente,
um logar feerico pela riqueza e variedade de plantações, dos gramados, etc.,
etc.[...] O sr.Villon não se descuidou de coisa alguma, para fazer um trabalho
digno de renome de que elle gosa, e já nos deu a satisfação de podermos
julgar sua obra, porquanto todos os dias passeiamos nas extensas e soberbas
alamedas com que, paulatinamente, se enriquece o parque.
117
O artigo traz, também, uma descrição detalhada do projeto que seria executado em
uma superfície de 60 hectares, em forma de polígono irregular, que possuía nos lados
principais 765 metros de comprimento. Sua entrada principal daria para uma praça, por onde
passariam cinco extensos boulevares, dentre eles a Avenida Afonso Pena, tendo à sua frente o
Palácio do Presidente. Seu interior seria cortado por numerosas avenidas de curvas
harmoniosas, entrecortada por ruas sinuosas de variadas medidas. Com uma superfície de
águas de 35 mil metros, formada por regatos vindos de diversas direções da cidade, ali se
laçariam em quedas d’água, cascatas que formariam lagos, onde surgiriam ilhas, penínsulas,
etc. Esses ribeirões seriam atravessados por sete pontes, dentre as quais duas seriam numa
arquitetura comum e as outras construídas de forma rústica.
115
Paul Villon (Côtes Saint-André/França, 1842 – ? ), arquiteto paisagista, foi discípulo de Alphand, diretor dos
jardins e parques de Paris, e de Dubrel, professor de arborização.Trabalhou em Grenoble, com Meunier et
Rocher Frères, estudando horticultura e arboricultura. Em Marselha, dirigiu as obras do Parque Borely e
trabalhou também na arborização da cidade, com Alphand e Lejourdan. No Brasil, morou inicialmente no
Rio de Janeiro, participando na arborização da Praça da Aclamação (atual Campo de Santana) e da Quinta da
Boa Vista, com Auguste Marie Glaziou. Participou, também, da recuperação dos jardins do Palácio do
Catete. Em Belo Horizonte, veio convidado para ocupar cargo na 4
a
Divisão (Estudos e Preparos do Solo) e
depois na 6
a
Divisão (Arruamentos, Calçamentos, Parques e Jardins) da CCNC. Participou do Planejamento
do Parque Municipal (1894/1897), do projeto e construção da represa no córrego do Acaba-Mundo (1897),
projetou os jardins do Palácio da Liberdade (1898), a Praça da Liberdade (1902). (DICIONÁRIO, 1997, p.
266-267.)
116
COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 1992, p. 19.
117
BELLO Horizonte. O Contemporâneo, 1895, p. 1.
51
FIGURA 4 – Projeto de ponte rústica
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
Assim, todo esse projeto seria
construído de acordo com as regras modernas admitidas nesse gênero de
construção[...]. [Possuiria] um cassino com teatro, restaurante, coreto, ruínas,
/ ? / labirintos, cascatas, fontes naturais e artificiais, grutas, jatos luminosos,
tudo constituindo efeitos admiráveis de sombra e luz.
118
Dentre os arrojados planos, das cinco pequenas e duas grandes quedas d’água, uma
cascata com altura de 6 metros deveria cair sobre o terraço, onde seria construído o Cassino.
FIGURA 5 – Projeto do Cassino
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
118
O Parque. Minas Gerais, Ouro Preto, 23 out. 1897, p.5 apud GRAVATÁ, 1982, p.144-145.
52
E todas as edificações que ali seriam feitas mereceram destaque nos jornais:
O cassino será uma verdadeira tetéia de architectura e gosto pela disposição
interior. Será construído em estylo moderno, elegante, gracioso, contendo
grandes salas de baile e concertos, um theatro para 400 pessoas,
folgadamente. Haverá também um Observatório Metereológico, edificado
em um dos pontos mais altos da cidade, em forma de torre, com 30 metros
dáltura, e donde se poderá dominar a cidade inteira e uma parte dos
arredores a distancia bem longa. Ahi haverá também um coreto (kiosque)
para a música; perto, a casa do administrador e a do guarda.Um como que
tunnel especial para carros será também construído.
119
FIGURA 6 – Projeto do Quiosque
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
119
BELO Horizonte. O Contemporâneo, 1895, p. 1.
53
FIGURA 7 – Projeto do Observatório
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
O autor do projeto procurou valorizar o local oferecendo espaços aprazíveis para o
lazer, além de criar locais específicos para divertimentos valorizados na época como os jogos,
os bailes e o teatro.
Mas como o corpo bronzeado e musculoso deixou, a partir do final do século XIX, de
estar associado somente à “desagradável” idéia de trabalho braçal, de sol a sol, por uma nova
consciência higiênica das cidades, que passou a valorizar o exercício físico sob o lema mens
sana in corpore sano
120
, o projeto do parque também agregou, no seu espaço, o exercício
físico, que era realizado por uma prática moderna do século XIX: o esporte.
120
Lema do poeta satírico romano, Decimus Junius Juvenalis (60 d.C/ 130 d.C.), cuja obra era cheia de frases
que, pela clareza e precisão, passaram à posteridade como proverbiais. (ENCICLOPÉDIA..., 1976, p. 6.590.)
54
Para tanto, o parque contaria com uma raia oval para as corridas de bicyclettes.
121
O
velódromo possuiria 500 metros de circunferência, tendo ao centro fontes luminosas.
122
Dessa forma, se todo o projeto fosse executado à risca, a imprensa relatava que “o
nosso parque [seria] o primeiro da América do Sul”, e que a capital ganharia um poderoso
elemento de higiene e conforto. As representações aliadas aos parques naquele momento
podiam ser percebidas na seguinte nota:
Todos conhecem à saciedade o papel predominante que hoje, em todas as
grandes capitais, representam os parques públicos. A criação destes jardins
constitui uma fonte de gozo, tão necessária ao homem, por ser um reflexo da
própria natureza.
123
Se o parque seria uma fonte de gozo tão necessária ao homem, que corpos foram
idealizados para representar o homem que se queria como habitante desta cidade?
1.4 CORPOS PROJETADOS
Criar uma nova imagem de cidade significava, também, projetar para ela corpos que
representassem esse novo ideal. Para uma cidade símbolo da República em Minas, os valores
ligados à racionalidade, à higiene, à assepsia e à civilidade também deveriam estar
impregnados nos corpos dos cidadãos que habitariam essa cidade.
Para inserir Minas Gerais no tempo da história, seria necessário constituí-la à base de
uma nova era em que, segundo Cynthia Veiga, estava aliada ao
estabelecimento de dimensões racionais no tratamento da propriedade, das
relações de trabalho, das relações sociais e culturais, um sentido novo da
política implicado na tarefa de começar aparentemente do nada, transformar
a região em oficina de trabalho e negócios configurando a concretização
ideal da dimensão de progresso e civilidade, no sentido de reeducar as
pessoas, orientar seus caminhos, ‘acordá-las’ para a modernidade.
124
121
O Parque. Minas Gerais, Ouro Preto, 23 out. 1897, p. 5 apud GRAVATÁ, 1982, p. 145.
122
O jornal O Contemporâneo escreve “Bellodromo”, não sei se por erro ortográfico, por desconhecimento
dessas práticas modernas ou, mesmo, para fazer uma relação com a cidade.
123
O Parque. Minas Gerais, Ouro Preto, 23 out. 1897, p. 5 apud GRAVATÁ, 1982, p. 145.
124
VEIGA, 2002, p. 101.
55
E, para construir essa modernidade sonhada, os idealizadores da nova capital fizeram
do local escolhido – o velho arraial – um “terreno limpo”, um “lugar vazio”, no qual seus
antigos moradores não tinham lugar no novo projeto da cidade, principalmente aqueles cujos
corpos não estavam de acordo com os valores desejados. Avelino Fóscolo assim relata a
transformação então vivida com a construção da nova capital:
Grande parte da população indígena havia imigrado para Venda Nova, com a
morte n’alma, vendo esboroarem-se as suas ilusões, destruída como um
brinco às mãos infantis a capital sonhada.
125
É nas palavras de Avelino Fóscolo, em seu romance A Capital, publicado em 1903,
que podemos captar as imagens dessa época. Fóscolo, em sua narrativa, descreve como os
desprovidos de corpos saudáveis foram tratados para que o local fosse considerado um
ambiente propício para ali se construir uma cidade moderna, higiênica, prazerosa e saudável:
Não olhavam sacrifícios para impor o velho arraial ao conceito público.
Contavam mesmo que em dias vesperais à vinda da Comissão incumbida de
estudar o local, tinham ido ao albergue de uns pobres cretinos, muito magros
e de um amarelo ocráceo, enormes bócios, forçando-os a partir, a abandonar
a triste choupana onde havia decorrido a mísera existência, exilando-os para
sempre qual chaga cancerosa. Foram aos empurrões, lamentando-se numa
queixa dorida, pesarosos, embora prometessem-lhes colocação melhor, lá ao
longe, no desconhecido... Não podiam compreender porque aquela insólita
expulsão do velho arraial onde tinham nascido, vendo desfiar-se o rosário de
suas penas, sem jamais arredar o pé dali como árvores plantadas no solo.
Dessem-lhes embora um palácio, valeria porventura o triste tugúrio –
testemunha da vegetação deles, esburacado, recurvo, quase a tombar, com a
coberta de colmo enegrecida de fumo, onde o vento assobiando em noite
invernosa, fazia-os tiritar e a borrasca zumbindo através das ruínas,
arremessando buquês fosforáceos de raios, jatos d’água, deixava-os imóveis,
mais bestificados ainda com o olhar dos cretinos não alcançando a razão das
tormentas? Tudo lhes fazia saudade e lá do alto, no cimo da montanha,
caminho do desterro, último ponto onde se divisava ainda a aldeia, com os
olhos banhados de lágrimas, o semblante de mártir, opilado, vinculado de
miséria e os enormes bócios a tombarem no peito, causando-lhes fatigante
dispnéia, voltaram-se, fitaram ainda uma vez o velho berço e seguiram
soluçando, numa lástima calma de besta impotente, acossados pelo guia
incumbido da expulsão.
126
Abílio Barreto fala da invenção da existência na cidade do bócio e da cretinice como
males endêmicos, o que a levou ser batizada perversamente de “papudópolis”. No entanto,
125
FÓSCOLO, 1979, p. 97.
126
FÓSCOLO, 1979, p. 81- 82.
56
existia ali um ou outro caso, como há em toda parte. O número reduzido não poderia ser
tomado como índice de endemia. As causas estariam aliadas às condições pessoais de vida das
próprias vítimas.
127
Nessas explicações podemos perceber posturas diferenciadas, que geram um embate
na constituição da imagem da cidade. Assim, essa imagem é conflituosa. Se por um lado
Avelino Fóscolo critica a forma “autoritária” de se fazer a cidade, por outro é destacada a
postura defensiva do historiador (jornalista) Abílio Barreto, ao construir uma história “oficial”
para a cidade.
Essa postura defensiva é percebida também nos escritos de padre Francisco Martins
Dias, pároco do arraial de Belo Horizonte no período da construção da cidade. O que se pode
observar é que, para construir a cidade saudável e livre dos males relatados, Aarão Reis se
mostrava ansioso por ver livre e desimpedido o terreno para os trabalhos da CCNC. Mas em
seu Traços Históricos e Descriptivos de Bello Horizonte, livro que reúne crônicas publicadas
no primeiro jornal da cidade – o Bello Horizonte –, semanário fundado em setembro de 1895
e dirigido por padre Francisco, ele relata:
Mais de uma vez ouvimol-o dizer, é verdade, que não queria nenhum dos
antigos habitantes de Bello Horizonte dentro da área urbana ou suburbana
traçada para a nova cidade, e que tratasse o povo de ir se retirando; mas si,
com effeito, eram esses os planos e o desejo do dr. Aarão, não se realisaram,
porque foram modificados e abrandados; e, como se viu e se vê ainda,
grande parte dos habitantes permaneceu no arraial. Apenas 6 ou 7 famílias se
retiraram para fora do districto e o fizeram espontaneamente; todas as
demais se estabeleceram, umas nas immediações da área suburbana da nova
cidade, e outras conservaram-se mesmo na povoação como acima já
dissemos.
128
Os moradores do antigo arraial, de modo geral, não constituíam um tipo de população
que seria considerada adequada e condizente com a imagem de cidade que se queria cunhar,
pois, na descrição de Fóscolo, eram
uns homens magros, esgrouviados, amarelos, de feições melancólicas, olhos
amortecidos, cabelos mal cuidados, unhas grandes, negras de pó, pés mal
resguardados, como todo o corpo, em vestes insuficientes. As mulheres,
porém, eram bem conformadas em sua maioria, destacando-se, apesar da
singeleza do meio, da carência de arte tão necessária ao aformoseamento,
algumas verdadeiramente belas.
129
127
BARRETO, 1995, p. 275.
128
DIAS, 1897, p. 84.
129
FÓSCOLO, 1979, p. 90.
57
Viver nessa cidade em sua fase inicial de construção representou para muitos uma
aventura, um desafio, não somente no sentido de se estabelecerem e crescer com a cidade,
mas, principalmente, por vivenciar suas necessidades e possibilidades. Para compreender a
atmosfera presente na vida das pessoas naquele tempo, recorro a Camarate, que narra, em suas
crônicas, sua primeira impressão sobre o povoado:
O que, em todo o caso, vi desde logo, é que o bom, hospitaleiro, mas inerte
povo mineiro desta localidade, não se preparou para abrir os braços, com
avidez e desafogo, à inesperada fortuna que lhe entrou pela casa a dentro.
130
Camarate analisa os moradores da cidade mostrando que o “tipo geral deste povo é
doentio. Magros, amarelos, pouco desempenados na maioria; havendo uma grande proporção
de defeituosos, aleijados e raquíticos”.
131
Nessa análise, o cronista diz que essa fisionomia quase geral da população do Arraial
Belo Horizonte desarmonizava-se completamente com a amenidade do clima, com o ar seco e
perpassado quase constantemente pela brisa, bem como com a natureza do solo, que era
magnífica. Com esse cenário fantástico, propício a uma vida saudável, era inconcebível que
ali só existissem corpos de natureza doentia. E Camarate, baseado no saber médico da época,
apresentava o porquê dessa desarmonia:
Por muito pouco que eu entenda de higiene da alimentação, conheço ainda o
suficiente dessa ciência tão querida e explorada dos franceses, para que
possa asseverar, sem medo de engano ou do cochilo científico, que um
regime permanente de feijão e arroz, com algumas raras surtidas pela carne-
de-vento, não pode levar ninguém a ostentar faces rubicundas e bochechudas
[...]. Portanto, a palidez e magreza dos filhos cá da terra, é enfermidade (se é
enfermidade) muito fácil de corrigir, e, neste caso, é que está aplicada
acertadamente a sentença de um célebre médico, que profetiza que, para
séculos vindouros, a higiene há de completamente substituir a medicina.
132
Diferente da crítica de Fóscolo, Camarate, como Abílio Barreto, contribuía em favor
da “imagem oficial” da nova cidade.
Mas, segundo ele, não era só a falta de alimentação que deteriorava os corpos na
cidade. A explicação para “os descambados de costas, os defeituosos, os aleijados e os
130
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 35.
131
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 43.
132
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 44.
58
raquíticos” estava no fato de que as famílias da cidade tinham por hábito casamentos
consangüíneos, para os quais o cronista tinha uma solução:
A inoculação de novos agentes de povoação, disseminará mais as simpatias
que terão mais amplo ensejo de procurarem aclimar-se em terrenos novos e,
nesta forçada mescla, que provocam todas as grandes coletividades, os filhos
e netos do povo de Belo Horizonte hão de vir a ser desempenados, esbeltos e
robustos, e aqui é o caso de dizer: quer queiram, quer não queiram!
133
Isso porque, para criar a civilização inerente a uma grande cidade, mudanças teriam de
ser realizadas. Uma nova e bela cidade requeria novos e belos corpos. A organização social,
cultural e material anterior teria de ser negada, por isso os corpos de seus antigos moradores
não condiziam com a racionalidade desejada para a cidade. O projeto era substituir o povo e
impor novos costumes.
E a grande responsável por realizar essas mudanças, com “ares de educadora”, que
aqui chegou com uma missão pedagógica de quem veio para mudar, para transformar, foi a
CCNC.
134
Avelino Fóscolo descreve a cidade quando os primeiros trabalhos técnicos se haviam
iniciado:
nas velhas ruas cruzavam-se os recém-vindos, os especuladores, como os
denominavam apontando-os com um olhar desconfiado e odioso; a gente da
comissão correndo aos escritórios ao badalar das dez, muito agasalhados em
vestes de lã, compridos casacos, capas à espanhola, botas de meio cano, indo
afanosos, semelhando um povo estranho, de longes terras entre aqueles
patrícios morosos, entorpecidos de frio e de ócio, inativos no seio daquela
natureza tão rica e tão bela.
135
A missão da CCNC na capital pode ser sentida nas palavras de Fábio Nunes Leal, seu
secretário:
Não primam as cidades e povoados de Minas por belezas artísticas de
qualquer espécie: o homem parece até hoje alheio ao instinto do belo, não
aproveitando sequer os encantos de uma natureza tão rica de sublimes no
assentamento dos seus lares: a veia de ouro ou de qualquer minério
industrial, a queda d’agua como força motriz, os gastos espontâneos ou
humos cafeeiro ou a terra sã do milho eis as balisas únicas das preferências
de sua localização no solo fertilíssimo de Minas. O conforto do corpo e o
encanto do espírito não tinham até hoje ainda entrado como fatores nestes
133
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 45.
134
Essa análise da CCNC como grande educadora foi feita por Veiga (2002).
135
FÓSCOLO, 1979, p. 90-91.
59
problemas da vida; a preocupação até estes últimos tempos limitava-se à
garantia daquela que é a independência individual [...]
136
Essa “independência individual” e a forma de localizar-se física e culturalmente na
cidade seriam, aos olhos da CCNC, alguns dos elementos que deviam ser destruídos. O
espaço físico onde seria implantada a cidade era repleto de potencialidades que, aliadas aos
conhecimentos científicos trazidos pela CCNC, fariam daquele local uma cidade nos moldes
que a modernidade queria. Mas o que realmente destoava eram os seus habitantes. Para Nunes
Leal,
a população indígena é toda ella atrophiada e fraca, sem cores, nem alegrias!
Parece que fora transplantada, na véspera da chegada da Comissão para este
arraial, vinda de margens pouco salubres do São Francisco, onde as
cachexias paludosas imperam sem respeito, nem temor á quinina. Não se
concebe, á primeira vista como em logar tão salubre, com todas as condições
higiênicas de primeira ordem, possa ter degenerado uma população destas,
superior talvez a duas mil almas, com tão fortes elementos da vida, tão
excelente clima e solo tão fértil!
137
As análises do secretário da CCNC não foram diferentes das de Camarate.
Analysando, porém, mais detidamente o facto e conhecendo os hábitos e
costumes della, a sordidez da vida, a penúria extrema e sua alimentação, a
falta de resguardo das habitações e o desasseio geral e isso nos próprios
abastados do logar se chega a evidencia, de que a depauperação é
simplesmente o producto da falta de alimentação e dos cuidados higiênicos,
comum, em geral, as classes menos favorecidas da fortuna, por todo o
Brazil.
138
O secretário buscou uma análise não só física dos antigos curralenses, mas também
moral de seus hábitos e costumes:
Não tem saliencia os outros typos, que ainda poderia descrever, mas os
englobo n’um só conceito, que os pinta esgrouvinhados, pálidos, anêmicos e
tristes como doentes; sem alegrias, nem folguedos próprios e naturais, tendo
por único consolo as rezas nas Egrejas, os terços e procissões pelas ruas. A
litteratura não andava por estes sertões. Dáhi a pouca ciência da mocidade
horizontense que, entretanto, honra lhe seja prestada, é morigerada e
trabalhadora, não vivendo em vadiações pelas ruas, nem invadindo os
136
MINAS GERAIS.... Rev. Geral dos Trabalhos, 1895, p. 12.
137
MINAS GERAIS.... Rev. Geral dos Trabalhos, 1895, p. 14.
138
MINAS GERAIS.... Rev. Geral dos Trabalhos, 1895, p. 14.
60
quintais dos vizinhos, apesar de andarem descalços os meninos na quase
totalidade.
139
Assim, consciente do pesado incômodo do passado e confiante no trabalho que seria
realizado pela CCNC na cidade, por um projeto que procuraria, também, a “regeneração” de
corpos doentes, o secretário, já em outubro de 1894, ao fazer um relato sobre o arraial de Belo
Horizonte, já vislumbrava o futuro:
Quem no futuro, cortado já o arraial de largas avenidas, de espaçosas e bellas
ruas, ornadas de palacetes dos mármores do Gandarella, de ajardinamento de
luxo, chácaras de primor, formoso parque etc. ficará tendo lido esta pequena
descripção, surpreendido de ter habitado n’ella uma população tão
mesquinha e não haver, há muitos annos, sido escolhido este arraial para a
construção de uma grande cidade.
140
Inicialmente, entretanto, a população do arraial não aceitava as decisões da CCNC de
forma cordata. Encontro em alguns personagens de Avelino Fóscolo críticas ao progresso que
se buscava para a cidade e para a República. Havia outros, no entanto, que sonhavam com as
possibilidades de que a nova capital poderia lhes oferecer. Mas a resistência contra a CCNC
aparece em alguns personagens, como na fala do Mestre: “É o que se vê agora: violência de
toda a espécie, desde o chefe ao ínfimo empregado... O desrespeito pelo que há de mais
santo”.
141
Aarão Reis procurava projetar e construir a cidade em harmonia com a população,
como revela o ofício enviado à chefia da 6
a
Divisão:
No intuito de manter, por nossa parte, quanto possível, a ordem e a
tranquilidade publicas, dou por muito especialmente recomendado a V. Sa.
bem comprehenderá quanto devemos nos esforçar para não dar pretextos a
desordens e rixas que podem comprometter o regular prosseguimento dos
árduos trabalhos que estamos encarregados.
142
Assim, a missão da CCNC em construir uma grande metrópole – lugar por excelência
do desempenho dos potenciais técnicos – estava aliada não só à necessidade de edificar uma
nova cidade, mas incluir também uma reforma dos corpos e das mentes, pois naquele
139
MINAS GERAIS.... Rev. Geral dos Trabalhos, 1895, p. 15.
140
MINAS GERAIS.... Rev. Geral dos Trabalhos, 1895, p. 15.
141
FÓSCOLO, 1979, p. 93.
142
REIS, 1894, p.6.
61
momento se pregava que “era preciso educar física, intelectual e moralmente o povo para a
nova era”.
143
Essa visão tem sua gênese, a partir do século XVIII, com a ascensão da burguesia
européia, que troxe uma mudança significativa nas concepções de saúde e aparência física.
“Moleza das fibras e fragilidade muscular tornam-se índices de uma falta de rigidez do
caráter”. Com a noção de população como força anônima, o espectro da degenerescência
moral desencadeia temores e, por conseguinte, novos valores são fornecidos aos métodos de
higienizar também os costumes. É a partir daí que o ideal de beleza e de saúde pautado pela
robustez das aparências atinge lugar de destaque.
144
No final do século XIX e início do século XX, as teses higienistas deram grande
importância não só ao tema da higiene racial e corporal, mas também ao da termodinâmica.
145
A concepção de um corpo energético, produtor de energia, por um trabalho conjunto de
órgãos e pulmões passou a vigorar, acreditando-se nesse corpo como transformador da
natureza, fonte produtora e transformadora de riquezas. O que escapasse dessa visão era
sinônimo de degenerescência. Passou a haver, então, uma aversão às experiências
consideradas ociosas, improdutivas, filhas do vício e da fraqueza das vontades.
146
Partindo da idéia de um corpo saudável, limpo, deslocando-se com total liberdade, os
desenhos urbanos previam que as cidades funcionassem assim. Nada podia ser visto de forma
ociosa na cidade, que cada vez mais buscava ser mais arejada e cuja beleza estava
estreitamente associada ao trabalho de regeneração dos espaços e do ar. Campanhas contra
ambientes fechados, em que não circulava o ar, contra os indivíduos pálidos e avessos aos
exercícios respiratórios foram valorizadas. A partir de então, o corpo e a cidade deveriam ser
transformados em verdadeiras usinas que domesticavam os fluidos, canalizando-os, filtrando-
os, acelerando, assim, suas funções produtivas. “A obsessão higiênica e produtivista atinge o
social visível, corpos e espaços, e o invisível, ar e costumes”.
147
Diante da leitura de representações da cidade idealizada, que falam dos sonhos de uma
cidade moderna, construídos pelos produtores do seu espaço, busco, no capítulo seguinte,
143
PECHMAN, 1992, p. 35.
144
SANT’ANNA, 2001, p.107.
145
Os princípios das leis da termodinâmica foram estabelecidos pelo físico francês Sadi Carnot em 1824. A
partir delas, concebe-se o corpo humano como uma “máquina energética”. Não mais o modelo mecanicista,
cuja principal metáfora é o relógio, mas o modelo de energia, ilustrado pelo exemplo da máquina a vapor.
Desde então, o alimento se torna um elemento combustível, que será queimado pelo organismo, resultando
em energia necessária à vida. Assim, torna-se essencial aumentar a quantidade de oxigênio em contato com
os pulmões, fazer do homem um atleta, assimilá-lo a uma usina moderna. (SANT’ANNA, 1996, p. 122-123.)
146
SANT’ANNA, 1996, p. 122-123.
147
SANT’ANNA, 1996, p. 125.
62
representações que falam da cidade que vai sendo construída, realizando-se pelas suas formas
de habitação e produção do espaço, alem de revelar como suas práticas projetadas e
valorizadas como forma de lazer foram se constituindo.
63
Capítulo 2
A REALIZAÇÃO DA CIDADE E SUAS PRÁTICAS DE LAZER
A “montagem” de uma cidade empírica, habitada por homens, uma entidade concreta,
com suas ruas, praças, parques e sistema de transportes, dentre outros, que inclua a cidade dos
sonhos, para a obtenção de uma cidade messiânica, isto é, humana, é o que, para Walter
Benjamin, significa despertar uma consciência dialética. E esse despertar de seu sonho, para a
cidade, significa para o autor, “desencantá-la”.
148
Para “desencantar” Belo Horizonte, é necessário “montar na cidade real a cidade de
sonho”. É ver Belo Horizonte como configuração composta de todos os planos de edifícios,
dos esboços de ruas, dos projetos de parques, de todas as tentativas que não se realizaram.
Assim, neste capítulo, encontram-se informações de como a cidade vai se constituindo, onde
homens habitam a cidade dos homens, contemplando os “sonhos que a sonharam”, mas
deixando esses sonhos de ser mitos, por uma “ação irmã do sonho”
149
. E, como o interesse do
estudo é o esporte como forma de lazer na cidade, as análises apresentadas neste capítulo
foram na direção de como as vivências lúdicas foram se constituindo, o que era valorizado e o
que foi projetado como lazer na cidade nos seus anos iniciais e nos subseqüentes, até a
segunda década do século XX.
2.1 A CIDADE SE CONSOLIDA
A construção da nova capital e as possibilidades que ela ofereceria despertaram
sonhadores e visionários que, segundo Abílio Barreto, vieram como verdadeira torrente
humana, todos com seus haveres e cheios de sonhos. Esse crescente número de recém-
chegados, muitos com a missão de levar a cabo o planejamento e a construção da cidade, aqui
foram se instalando em alojamentos improvisados.
150
148
ROUANET; PEIXOTO, [s.d.].
149
Expressão utilizada por Walter Benjamin, apud ROUANET; PEIXOTO, [s.d.].
150
BARRETO, 1995, v.2.
64
O que se podia ver naqueles anos iniciais era um grande canteiro de obras, agitado
pelas construções, um ar empoeirado nas ruas que iam cortando a cidade e uma grande
especulação na venda de terrenos.
Durante a administração de Aarão Reis, a autonomia da CCNC na execução do seu
projeto foi gradativamente retirada com a entrada de novos interesses políticos. A situação é
caracterizada a partir da mudança política na presidência do Estado, o que culmina no
afastamento de Reis da direção da CCNC, por não aceitar modificações no projeto inicial.
Esse fato, segundo Berenice Guimarães, se deu, por um lado, pela racionalidade técnica que
cercou a elaboração do projeto, um projeto de gabinete, que em momento algum foi
submetido à apreciação das elites políticas. Essa atitude, após mudanças na orientação
política, introduziu negociações não previstas que levaram a modificações que
comprometeram o projeto inicial. Por outro lado, a concepção de um modelo de cidade
administrativo, com exigências preestabelecidas aos seus futuros moradores, criou problemas
que imprimiram uma dinâmica específica ao processo de ocupação do solo.
151
Encontro na obra de Abílio Barreto o seguinte registro:
Correndo célere por toda parte a notícia das rendosas obras que se
encetavam em Belo Horizonte, com perspectivas sedutoras de ganho
abundante e fácil, crescia vertiginosamente a população local, com a
chegada contínua de operários e outros elementos adventícios de ambos os
sexos e de todas as nacionalidades, em maioria italianos, muito turbulentos,
de reputação duvidosa, que iam improvisando cafuas e barracões para suas
moradias, sendo que alguns vadios ficavam mesmo perambulando pelas
ruas, dormindo ao relento, dada a impossibilidade absoluta de encontrarem
abrigo.
152
Nesse processo, a ausência de previsão de um local específico para alojar os
trabalhadores gerou o surgimento de problemas de moradias, quando terrenos públicos foram
invadidos, com a construção de cafuas e barracos em zona nobre, o que levou à necessidade
de mudanças no projeto inicial. Por outro lado, a ocupação de forma desordenada na zona
suburbana, para fugir dos preços e exigências de padrões construtivos da zona urbana, foi
caracterizada não como previra Reis: como uma faixa de ocupação inicial que atingia a
metade da área urbana e 15% da suburbana em relação à definida na Planta Geral, o que
indicava que a ocupação de ambas deveria ser pelo menos de forma distribuída entre ambas.
153
Ele previra uma forma de expansão e desenvolvimento que vai ser modificada pela dinâmica
151
GUIMARÃES, 1996.
152
BARRETO, 1995, v. 2, p. 347.
153
PASSOS, 1996.
65
que se estabelece entre as classes sociais, especialmente entre trabalhadores e governo, em
torno do processo de ocupação do solo.
154
Esse processo, contribuiu para gerar “um dos
principais problemas que, desde o começo impediam a concretização do ideal de ‘cidade
perfeita’”.
155
O Poder Público foi o principal responsável pelo processo de ocupação do solo, pois,
com as desapropriações efetuadas, o Estado se transformou no único detentor das terras da
capital. Ele controlava o acesso aos terrenos, buscando criar uma população definitiva que
representasse o ideal que se queria para capital. Nesse sentido, privilegiou os funcionários
públicos, os proprietários de Ouro Preto e, excepcionalmente, uma parcela dos antigos
moradores de Belo Horizonte, pois nessa população definitiva os antigos habitantes do arraial,
bem como os que trabalhavam na construção da cidade, ou pobres em geral, não se
enquadravam nos padrões desejados.
Esse interesse pode ser observado nas palavras de Francisco Bicalho, citadas por
Abílio Barreto: “Naqueles dias, era grande a afluência de pessoas que ‘por suas condições
sociais e de fortuna’, eram ‘elementos que deveriam ser francamente aproveitados para o
núcleo da população definitiva’”.
156
Os funcionários públicos e os proprietários de Ouro Preto tiveram acesso às
propriedades por meio de sorteio, sendo-lhes possível também a compra de outras, diante das
facilidades de preço e pagamento. Essa população foi favorecida, uma vez que suas casas
foram construídas pelo Estado, cujo valor da construção foi descontado, em longo prazo, de
seus salários.
A área, inicialmente calculada para 30 mil habitantes, continha 3.639 lotes de terrenos
para edificações particulares, dos quais 417 foram reservados para ser vendidos somente no
prazo de 10 anos; 353 para os funcionários públicos; 597 foram doados por lei aos
proprietários de prédios em Ouro Preto; 114 foram concedidos em pagamento a ex-
proprietários de Belo Horizonte. Os 2.158 restantes foram postos à venda, e o governo teve
grandes dificuldades em vendê-los. Segundo Abílio Barreto, A Capital, em sua edição de 10
154
Embora a zona urbana fosse dotada de infra-estrutura, poucas pessoas nela habitavam. Ao contrário, na zona
suburbana, desprovida de serviços e equipamentos, era ocupada por um grande número de trabalhadores. Em
1905, 56% da população vivia na zona suburbana, número que cresceu para 70% em 1912. (GUIMARÃES,
1996, p. 137.)
155
SILVA, 1991, p. 21.
156
Barreto cita as palavras de Francisco Bicalho, ao defender, no seu Relatório de abril de 1896, a venda de lotes
fora de concorrência pública. (BARRETO,1995, v. 2, p. 411.)
66
de junho de 1897, afirmava que, dos 2.518 lotes colocados à venda, apenas 210 haviam sido
vendidos, o que não correspondia à expectativa geral.
157
Como a maioria dos terrenos foi objeto de leilão público, isso definiu o caráter de
seleção da ocupação pelo nível de renda, uma vez que possibilitou a concentração de lotes e a
conseqüente especulação com os preços dos terrenos urbanos. Mas isso foi válido somente
para a zona urbana. A zona suburbana apresentava padrões mais flexíveis de urbanização e,
dada a diferença de preços, foi a que se adensou mais rapidamente. Nesse sentido, “favelas e
sobrados neoclássicos, edifícios públicos monumentais e casario do funcionalismo, ruelas e
grandes avenidas, subúrbio e centro, nascem todos simultaneamente nessa cidade de
contrastes, planejada para ser modelo”.
158
Avelino Fóscolo, em seu romance A Capital, descreve o cotidiano da cidade naquele
momento:
Os trabalhos de terraplenagens estavam bem adiantados, haviam derrocado
casas e as desapropriações tinham sido feitas. Numa das avenidas erguia-se
um edifício novo, de cimento e ferro, ‘à prova de fogo e à prova d’água’,
como repetiam enfaticamente. Aldeias de cafuas desenrolavam-se ás
margens do Leitão, começando em cima e estendendo-se até a barra; do
outro lado, no ribeirão dos Arrudas, dominando a estação, surdia uma
pequena cidade de choupanas, semelhando habitação de térmites vermelhas
e aglomeradas confusamente, onde reinava à noite um bruaá medonho.
159
Em todo esse processo de construção da cidade, podemos perceber, por intermédio de
alguns autores que analisam a sua história, que o seu planejamento em zonas demarcadas
funcionava como instrumento para o controle da cidade, fixando limites que classificavam e
hierarquizavam seu território. Essas concepções destacam que a cidade procurou demarcar
diferenciações sociais para produzi-las e reproduzi-las. Segundo análises de Letícia Julião
sobre a cidade, nos seus anos iniciais, para os habitantes da zona urbana – território que foi se
fazendo elegante e acessível a poucos, com terrenos entregues às leis do mercado –, a cidade
começou a oferecer uma infra-estrutura moderna, onde viviam suas elites, que ali “construíam
suas residências, faziam seus negócios e desfrutavam o seu lazer”. Nos subúrbios, zona
desprovida de planejamento, as camadas mais ínfimas da sociedade viviam em casebres e
cafuas. Além disso,
157
BARRETO, 1995, v. 2, p. 413-414.
158
MOURA, 1994, p. 54.
159
FÓSCOLO, 1979, p. 97.
67
uma longa avenida que circundava a cidade, fixando os limites entre as
zonas urbana e a suburbana. Também ela funcionava como recursos de
comunicação e integração, não entre dois pontos extremos, como as demais,
mas interligando diferentes bairros da cidade. Ao encerrar a área urbana em
um território circular, criava-se o que se pode chamar de uma versão
moderna de fortaleza. Embora, supostamente, não impedisse o acesso à zona
urbana, a avenida do contorno separava a cidade da não cidade, funcionando
como uma fronteira sutil entre a vida urbana e suburbana.
160
Nas palavras de Angel Rama, dentro de cada cidade sempre houve outra cidade,
constituída a partir das representações elaboradas pela elite urbana sobre o espaço e seus
habitantes.
161
De acordo com a experiência histórica de alguns povos, a cidade, a vida e os valores
urbanos deveriam favorecer a prática republicana, que se caracterizava pela ampliação da
cidadania. A República deveria apresentar um regime de liberdades civis, base necessária para
o crescimento da participação política.
162
Mas, em Belo Horizonte, todas as projeções do seu
planejamento estavam afinadas a um projeto republicano conservador, pois foi se constituindo
como uma sociedade hierarquizada e marcada pela segregação social. Ao permitir um poder
disciplinar e proclamar uma vida asséptica e higiênica,
constituía, com certeza, uma cidade ideal para uma sociedade às voltas com
a afirmação capitalista.[...] Uma ordem que tentava formar uma nação, mas
negava a participação política aos setores populares e contrariava, com seus
mecanismos de controle social, os princípios da liberdade e igualdade
proclamados pela lei. Não seria adequada a essa sociedade, que organizava a
esfera pública, deixando à margem os setores populares, uma cidade capital
cujo urbanismo segregava a pobreza para que a elite se apropriasse, com
exclusividade, do espaço público? Mais que isolar, seus espaços abertos, sua
geometria clara e orientadora permitiam ‘iluminar’ a turba urbana, expondo-
a ao conhecimento, a um olhar que vigiava e moldava seu comportamento.
163
Busco essas análises para entender como a cidade foi se constituindo nas suas
diferentes esferas e, mediante estudos de Letícia Julião, pude perceber que Belo Horizonte
não escapou às contradições inerentes ao fenômeno da modernização. Como uma cidade que
foi construída para se tornar símbolo de um esforço emancipatório, ela ostentava, justamente,
aspectos que negavam a civilidade:
160
JULIÃO, 1992, p. 73, 78-79.
161
RAMA, 1985, p. 42.
162
CARVALHO, 2000.
163
JULIÃO, 1992, p. 81-82.
68
Nas suas ruas e esquinas planejadas da capital, a elite belo-horizontina
vivenciou essa modernidade que nascia mutilada, repleta de paradoxos,
fincada em irrealidades [...]. Mas eram experiências que pelo menos se
aproximavam dos sonhos de cidade moderna, ao contrário dos ‘esquecidos’
do progresso, para quem a cidade pouco contou, condenados como estavam
à exclusão quase absoluta dos subúrbios.
164
E essas diferenciações surtiram impactos nas diferentes esferas da sociedade que ia se
constituindo na capital, mas que são destacadas principalmente nas possibilidades de
vivências do lazer. Chama atenção o mais importante espaço para o lazer planejado na cidade,
o Parque Municipal, que já nos seus anos iniciais acabou se transformando em um espaço no
qual era destacada somente uma freqüência elegante.
Muito do que foi planejado para ele acabou não sendo construído por questões
financeiras, como o cassino
165
– do qual apenas a fundação foi executada –, o restaurante, o
observatório metereológico, a ponte artística e o majestoso portão de entrada. Os 555.060
metros quadrados do parque projetados por Aarão Reis sofreram mutilações diversas, com
terrenos cedidos para outras finalidades, ficando o parque, no século XX, reduzido à quarta
parte do projeto original, mas, mesmo assim, ele teve papel de destaque na vida social da
cidade.
Pedro Nava retrata assim essas mutilações:
A invasão foi lenta e sorrateira. Parece que primeiro vieram a Limpeza
Pública, os Esportes Higiênicos, a Faculdade de Medicina e depois os
hospitais São Geraldo, São Vicente, o das Clínica, a Diretoria de Higiene ou
Desinfectório, o Estádio do América, o Instituto do Radium. Eu sei eu? Já
nos meus tempos de Belo Horizonte, isso pelos vinte, seu desmembramento
estava feito e as urbanizações dos Governos Melo Viana e Antônio Carlos
davam-lhe a forma atual e quase definitiva. Digo quase porque não sei o que
virá depois da dentada que ainda abocanhou a lasca do teatro. Para isso
concorreu a indiferença da população.
166
Na época de sua construção, a vida social de Belo Horizonte não apresentava muitos
atrativos para sua população. Camarate não deixa de relatar a monotonia com que se
passavam os dias na capital: “Em Belo Horizonte, a vida continua na sua suave e encantadora
164
JULIÃO, 1992, p. 85.
165
Nos documentos da CCNC encontro um ofício assinado pelo Secretário da CCNC, Fábio Nunes Leal,
encaminhado ao Chefe da 6
a
divisão (arruamentos, parque), datado de 13 julho de 1895, com os seguintes
termos: “O Snr. Dr. Engenheiro Chefe manda-vos recommendar que retireis de serviço do Parque todo o
pessoal que não está nos trabalhos do Snr. [Villon], empregando-os nos [arruamentos] de que se tem maior
urgência, e bem assim, que suspendais as obras do Cassino – logo que estejam promptos os alicerces”.
(LEAL, 1895.)
166
NAVA, 1976, apud COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 1992, p. 27.
69
monotonia, que, como a toadilha dos fados populares, acaba por adormecer nesses meios
sonos, que representam a suprema delícia de dormir acordado”.
167
Os personagens de Avelino Fóscolo, durante várias passagens de sua obra, ansiavam
por alguns “meios de amenizar a vida” nessa cidade. Nas palavras do autor, “as diversões” só
viriam “mais tarde, quando a vitalidade sadia do trabalho produtor” houvesse “concluído a
capital sonhada”.
168
Lená, sua personagem principal, buscava se divertir em “romances,
passeios, bailes, como se buscasse com a esponja dos folguedos apagar a melancolia infiltrada
no coração”.
169
Vivia ansiosa por ver a cidade moderna oferecer-lhe oportunidades diferentes,
pois, na sua construção,
com a mudança das famílias, nem conhecidos tinha já e não podia
relacionar-se facilmente com uma população efêmera, vinda em busca de
lucro e retirando-se decerto com a mesma facilidade. Só mais tarde,
realizada a fantasia da cidade modelo, à irradiação do comércio, à forja
potente da indústria, viriam os habitantes definitivos e, então, abrir-se-ia a
estrada das relações, dos divertimentos familiares, desses meios enfim de
amenizar a vida, desnublando-a de amargas reminiscências. Ela não possuía
nada, por enquanto, a Capital.[...] mas as diversões, a sociabilidade, o que
constitui o prazer, não podiam existir ainda numa população heterogênea e
provisória.
170
Assim, o sonho da diversão estava aliado também a uma cidade que se queria real,
pronta, com uma população mais definida, cujos relacionamentos pudessem ser construídos
na busca do prazer, da alegria e do divertimento. O que se pode observar, entretanto, é que,
mesmo no período do trabalho de edificação da cidade, algumas possibilidades de
divertimentos foram se constituindo.
2.2 AS DIVERSÕES NA CIDADE
Analisar as diversões em Belo Horizonte é buscar compreender que possibilidades de
vivências lúdicas
171
foram nela se constituindo como forma de lazer.
172
Mas, antes de iniciar
167
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 66. (Publicado no Minas Gerais em 6 maio 1894, p. 2.)
168
FÓSCOLO, 1979, p. 134.
169
FÓSCOLO, 1979, p. 85.
170
FÓSCOLO, 1979, p. 101-102.
171
Para o entendimento sobre o lúdico como elemento da cultura Huizinga (1980), em seu Homo Ludens,
apresenta uma referência básica que tem sido criticada por apresentar uma visão idealizada e
70
essa análise sobre as possibilidades de vivências lúdicas ocorridas no passado, é importante
ter o cuidado de não partir de significados atuais sobre o lazer para, por meio desses
conceitos, compreender o passado. Os estudos sobre o lazer são relativamente recentes no
Brasil,
173
e o próprio termo “lazer” somente a partir da década de 1970 passa a fazer parte do
nosso vocabulário corrente.
174
A sociedade urbano-industrial do século XIX procurou romper com a ordem rural
fazendo com que, no espaço urbano, o tempo fosse vivenciado e concebido com uma grande
demarcação entre o tempo de trabalho e o tempo livre.
Esse processo gerou novas formas de vida, e novos costumes foram criados, passando
a existir a necessidade de normatizar o lazer, que foi se constituindo com práticas
diferenciadas pelos sujeitos. Christianne Werneck destaca que, no final do século XIX,
estabeleceu-se uma nova ordem social, na qual as práticas sociais diversas deveriam ser
organizadas e vivenciadas em tempo/espaço próprios, diferentes do dedicado ao trabalho
produtivo. No local do trabalho, disciplinado e sério, não se podia perder tempo, por isso era
inadequado para a vivência de “passatempos improdutivos”. No entanto, o que se observa é
que foi dado como direito ao trabalhador apenas o repouso necessário para a reprodução da
descontextualizada, mas que pode ser completada por Eco (1989) em Huizinga e o Jogo. Werneck (2003, p.
27-28) analisa o lúdico como “uma das essências da vida humana que instaura e constitui novas formas de
viver marcadas pela exaltação dos sentidos e das emoções – misturando alegria e angústia; relaxamento e
tensão; prazer e conflito; regozijo e frustração; satisfação e expectativa; liberdade e concessão; autonomia e
constrangimento; gratuidade e interesse; entrega e privação; renuncia e deleite. Ele pressupõe, a valorização
estética e a apropriação expressiva do processo vivido, e não apenas do produto alcançado.[...] o lúdico é
construído culturalmente e cerceado por vários fatores, tais como normas políticas, regras educacionais,
princípios morais, condições concretas de existência. Por essa razão, o lúdico estabelece relações dialéticas
com o universo das obrigações e varia conforme referências que orientam um determinado grupo social em
diferentes contextos e épocas. [As atividades lúdicas] construídas social e historicamente pela humanidade,
constituem as raízes do lazer, estabelecendo interfaces com as diversas dimensões da vida em sociedade”.
172
A palavra lazer tem sua origem etimológica proveniente do latim licere, que significa ser lícito, ser permitido.
O lazer vem se constituindo por meio de práticas culturais lúdicas diversas produzidas social e
historicamente. Os seus significados têm sido apresentados por diferentes enfoques, existindo controvérsias
nas diversas interpretações. Alguns estudiosos consideram que o lazer existe desde a Antigüidade. (DE
GRAZIA, 1966.) Outros situam-no como fruto das modernas sociedades urbano-industriais
(DUMAZEDIER, 1979.) Além disso, o seu conceito tem sido considerado tendo em vista diferentes aspectos
nos quais os estudiosos da área o têm associado: a) ao tempo, um tempo livre do trabalho e de outras
obrigações (DUMAZEDIER, 1976); b) à atitude, em que o lazer é um estilo de vida (RIESMAN, 1971); c) a
esses dois aspectos, tempo e atitude (MARCELLINO, 1987); d) a tempo/ espaço/ oportunidade da vivência
lúdica, entendida como a construção da alegria pela prática de liberdade (PINTO, 1998), e) a partir de quatro
elementos inter-relacionados: ações/ tempo/espaço/lugar, e conteúdos culturais vivenciado de forma lúdica
pelos sujeitos. (WERNECK, 2003.)
173
A obra de Acácio Ferreira (1959) – O lazer operário – é considerada o primeiro trabalho brasileiro dedicado
ao lazer; no entanto, Werneck, (2003) nos mostra que diversos estudos sistematizados já procuravam refletir
sobre o lazer na primeira metade do século XX, como os de Arnaldo Sussekind (1946) – em especial
Trabalho e Recreação , que apresenta a análise sobre a problemática do lazer. Na maioria dos seus trabalhos
não aparece a palavra lazer, e sim recreação, pois era o termo mais conhecido e empregado na época.
174
MARCELLINO, 1987.
71
força de trabalho, ao passo que, para a burguesia, a oportunidade de vivenciar passatempos
acabou por gerar um novo estilo de vida. Com isso, “o passatempo é visto como estratégia de
poder e distinção social, uma vez que o acesso a determinadas práticas culturais reforçava
ainda mais o status da burguesia”. Os segmentos burgueses dispunham de tempo e recursos
para participar de festas, jogos, espetáculos teatrais, óperas, banquetes, dentre outros
divertimentos nas suas horas de lazer.
175
Já o tempo livre dos trabalhadores, conquistado pela diminuição das horas de trabalho,
foi sempre uma questão polêmica em algumas sociedades desde a Revolução Industrial, pois
não existia garantia de que esse tempo liberado do trabalho fosse preenchido somente por
atitudes consideradas lícitas e conformadas socialmente. Jofre Dumazedier analisa que essa
redução das horas de trabalho com a instauração da jornada de oito horas, acarretando o
aumento do tempo livre, acabou provocando não só inquietude, mas também esperança nos
reformadores sociais, uma vez que se colocava uma questão: “O tempo liberado será utilizado
para o florescimento ou para degradação da personalidade”?
176
O receio era de que as horas de
folga fossem empregadas em atividades que pudessem degradar moralmente à sociedade,
como o alcoolismo, os jogos de azar e a ociosidade, dentre outros vícios, em vez de ocupá-las
com atividades saudáveis, educativas e socialmente úteis. Richard Sennett reforça essa análise
afirmando que, na Europa do século XIX, um dos receios da burguesia não era a presença dos
trabalhadores nos pubs e cafés só para se embebedarem, pois isso destruía o discurso, mas,
sim, quando pares se reuniam nesses locais, sóbrios, para conversar, o que era uma ameaça à
ordem social.
177
Diante disso, no início do século XX, a burguesia buscou exercer controle, até
mesmo, sobre o tempo livre dos trabalhadores, em benefício do próprio trabalho, mediante um
lazer normatizado, controlado e regulado, proporcionando ao trabalhador “a adequada
utilização das suas horas de lazer”.
178
Vejo o lazer não como fruto exclusivo da sociedade urbano-industrial, mas com suas
raízes nas antigas civilizações. Seu processo de constituição foi fundamentado em ações
realizadas em espaço/tempo de produção humana que, influenciando e sendo influenciadas
pelas diferentes esferas da vida social, vêm contribuindo tanto na produção quanto na
reprodução cultural. Assim, as possibilidades de vivências do lazer vêm historicamente se
constituindo ora aliadas ao ócio, ora ao tempo livre, ora à vivência de atividades lúdicas,
175
WERNECK, 2003, p.33.
176
DUMAZEDIER, 1979, p. 21.
177
SENNETT, 1988.
178
SUSSEKIND; MARINHO; GÓES, 1952, p.5
72
conforme o contexto social histórico em que são desenvolvidas. Como elemento da cultura, o
lazer, independentemente dos motivos que o incitam, quer sejam o divertimento, o descanso,
o desenvolvimento pessoal ou a fruição do ócio, dentre outros, vem historicamente se
referindo a práticas culturais diversas, como festas, jogos e divertimentos, organizadas de
forma coletiva pela sociedade.
Mas como o lazer foi se constituindo na cidade de Belo Horizonte e que sentidos
foram a ele atribuídos pelos seus habitantes?
Do período colonial brasileiro ao século XX, a Igreja foi a grande responsável pelas
“boas oportunidades de alegre congraçamento”, podendo ser considerada como uma
“empresária das alegrias do povo”.
179
Em Belo Horizonte, a Igreja também desempenhou
papel de empresária da alegria do povo na época do arraial e no início da construção da
cidade. Alfredo Camarate, em suas crônicas, fala sobre as festas religiosas da Semana Santa,
que eram, naquele momento, um derivativo salutar. Apesar de ser uma localidade
relativamente pobre, suas solenidade religiosas eram realizadas com uma pompa natural e
espontânea, agradável de se ver e de se admirar.
180
Outras festas religiosas também mereceram destaque para o cronista. Descrevendo um
dia de festa no mês de agosto, Camarate inicia o texto queixando-se do esfuziar dos foguetes,
que começava às cinco horas da madrugada, e acrescenta:
Devo começar primeiro por dizer que Belo Horizonte tem andado, estes
últimos dias, num desengaçar de festas religiosas muito edificantes para a
alma; mas muito amoladoras para o corpo. Há três dias que sucede
invariavelmente esta série de cerimônias do culto religioso.[...] os sinos
multiplicam-se como pães na mão do Redentor e toda a população religiosa
e profana salta da cama, os primeiros com preces mastigadas a custo nos
lábios; os segundos murmurando pragas e maldições, capazes de arrepiarem
o próprio diabo caudato e bicornuto.
181
Descrevendo a seqüência que se iniciava com a missa pela manhã, a banda de música
que aparece tocando polcas, marchas, quadrilhas e dobrados em toda a parte até a tarde, na
hora da reza, seguida de procissão, sermão, fogueira e levantamento de mastro embandeirado,
acompanhado de nutridas girândolas de foguetes, Camarate comenta sobre a simplicidade do
trajar das senhoras – que compunham a maior parte dos fieis –, da satisfação dos festeiros, do
179
Adjetivo utilizado por Edmundo (1951), citado por MEDEIROS (1975), p. 16.
180
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 42. (Publicado no Minas Gerais de 1 abr.1894, p. 1-2.)
181
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 137. (Publicada no Minas Gerais de 26 ago. 1894, p.3)
73
gáudio da garotada e da forma comovente e sincera sem-cerimônia com que tudo era
realizado, esclarecendo uma participação de todos “no maior respeito e decência”.
O que chama atenção na crônica em questão é a crítica que Camarate faz à CCNC que,
no seu papel de impor novos valores para a cidade, acabaria por transformar também essas
festas tradicionais:
Disseram-me que o luzido corpo de festeiros, para o ano é quase todo
composto de engenheiros da comissão construtora que, acostumados ao
trânsito e ao nível, vão saber agora de que pau é a canoa! Poderão fazer
muito, enriquecer as festas com desusados esplendores, incorporar nos
cânticos cantores e músicos de primeira plana, mas as festas de Belo
Horizonte perderão o cunho da sua piedosa sinceridade, deixarão de ser as
alegres rondas campesinas, para se transformarem em majestosos bailes, em
que deverão aparecer o amarrotado gibus e a prosaica casaca.
182
As festas da cidade, ainda na passagem do século, também foram descritas por
Avelino Fóscolo, em especial as festas juninas, vivenciadas pelos moradores do subúrbio da
cidade:
Nesse dia, em junho, o contentamento irradiava em tudo.[...] o Leitão, com a
sua cidade de cafuas, formigando num rumor confuso em que o espipocar
das bombas, o guincho dos foguetes e o som de instrumentos músicos se
confundiam com as vozes humanas a festejarem São João, e as fogueiras,
faróis imensos, projetavam luz intensa iluminando os grupos a se removerem
numa colméia estranha. Ali, ao lado um do outro, eles não sentiam o frio –
aguçadas lâminas de vento cortando-lhes a epiderme e continuaram assim,
ate alta noite, invejando de certo aqueles proprietários, mais felizes pela
convivência facilmente criada, encontrando prazer em tudo. E havia algo
de fantástico naquelas figuras vagas, vistas ao longe, a se removerem aos
saltos – sombras anãs – num sabá desconhecido, enrubescidos de luz
sangüínea da fogueira, surdindo e eclipsando-se nas trevas. De quando em
vez, um grito muito alto ecoava como um ululo bárbaro em país conquistado
e um foguete, coriscando, explodia no ar.
183
A descrição de Avelino Fóscolo é sugestiva de que, naquela cidade que se constituía,
as experiências e as possibilidades de vivências lúdicas também iam se diferenciando para os
que habitavam as diferentes zonas da cidade.
As festas foram destacadas também pelo padre Francisco Dias, pároco da cidade.
184
Dias relata sobre o costume de “dignas dioceses” do Brasil intercalarem alguns divertimentos
182
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 140. (Publicada no Minas Gerais de 26 ago. 1894, p. 3.)
183
FÓSCOLO, 1979, p. 137, grifos nossos.
184
DIAS, 1897, p. 56.
74
profanos às festas religiosas para dar-lhes maior solenidade. Dentre os divertimentos
“aprovados”, cita as contradanças, as cavalhadas
185
e os dramas inofensivos à moral, fazendo
uma ressalva de que as touradas,
186
ou curro, seriam sempre reprovadas. Segundo ele, a dança
tinha sua utilidade higiênica e fazia parte da civilização atual, mas poderia tornar-se
inconveniente e fonte de corrupção de costumes, quando feita entre pessoas de diferentes
sexos que não primassem pela seriedade, educação e bons costumes. Comenta da
inconveniência dos bailes carnavalescos promovidos por “moços e rapazes pândegos,
devassos e viciosos”, com o objetivo de expandir paixões e manifestar “afetos indignos e
imorais” e das danças chamadas batuques, onde naufragam muitas “donzelas e raparigas
incautas, se perdem muitos moços e se desencaminham muitos esposos”.
Segundo Francisco Dias, as danças do Curral del-Rei eram simples e inocentes
distrações, promovidas pelos festeiros para o entretenimento por ocasião das festas e nos seus
intervalos. No tocante às cavalhadas, diz não haver inconvenientes, pois proporcionavam ao
público horas de agradável recreio quando bem dirigidas e preparadas. Já o teatro seria uma
verdadeira escola de virtudes religiosas e cívicas, não fosse “sua degeneração atual, que o tem
convergido em verdadeira escola de vaidades, de vícios e de immoralidades”.
187
Para ele o
teatro poderia ser
o mais terrível sorvedouro, onde se submerge a innocencia da incauta e
inexperiente mocidade, que ávida de novidades e de distrações, corre aos
espectaculos, nonde sabe quase sempre, trazendo incendiado no coração o
gérmen de violentas paixões, que hão de martyrisar e bestificar os dias de
sua mocidade, e desgraçar os da velhice.
188
185
Uma descrição genérica sobre as cavalhadas, somente a título de ilustração, pois não se sabe ao certo como
elas eram feitas em Belo Horizonte, é que “apresentavam lances dramáticos: em galope vistoso, defrontavam-
se dois grupos de cavaleiros, vestidos de cores contrastantes, buscando cada qual superar o outro em rapidez
e destreza. Após as primeiras manobras e figurações de conjunto, começavam os jogos, muito variados. Ora
deviam os cavaleiros fisgar com a lança quantas cabeças de massa pudessem, das que estavam fincadas ao
chão, ora precisavam derrubar com tiros de pistola as colocadas no alto de plintos”. (MEDEIROS, 1975,
p.17-18.) Segundo Fernando de Azevedo (1960, p. 286-287), as cavalhadas tinham caráter esportivo da
cavalaria medieval. Foram trazidas pelos portugueses, que as viam como um arremedo de guerra: “As
cavalhadas em que os cavaleiros jogavam alcanzias [bola de barro] e se encontravam com canas, corriam
parelhas, às cabeças, aos pombos, às argolas, ao estafermo, à barquinha, e se adestravam em várias outras
escaramuças, constituíram, durante a história colonial e imperial, um dos mais atraentes exercícios para os
jovens ricos e um dos divertimentos mais caros ao povo, que então despertava extremunhando, de sua
pasmaceira, para assistir a esses memoráveis torneios de origem aristocrática”.
186
As touradas, oriundas da Península Ibérica, no Brasil sofreram adaptações, porém, pelo que parece, nas
representações encontradas, continuavam com o mesmo objetivo – exibição de audácia e agilidade.
(MEDEIROS, 1975, p.17-18.)
187
Duarte (1995, p. 167) esclarece que, no século XIX, as atividades teatrais consistiram em alvo privilegiado de
discursos marcados por intenções pedagógicas e moralizadoras. Invadido por uma lógica utilitarista, o teatro
assumiu papel educativo, que lhe atribuiu a expressão escola viva de costumes.
188
DIAS, 1897, p. 57-58.
75
Mas os teatros que havia em Belo Horizonte por ocasião das festas, segundo Francisco
Dias, não tinham esses inconvenientes, pois só ia à cena peças escolhidas, simples, morais,
religiosas que o povo em imenso apreciava.
189
O velho rancho de tropas existente em frente à
igreja da Boa Viagem já servia de palco para algumas apresentações teatrais, também, quando
aparecia alguma companhia na cidade.
Como as vivências lúdicas são construídas culturalmente, mas podem ser cerceadas
por diferentes fatores, como normas, regras e princípios estabelecidos pelo contexto em que se
inserem, esses fatos indicam um uso moralista em relação a elas. Naquele momento, as
atividades lúdicas vão delineando o sentido da recreação, palavra que, no final do século XIX,
ainda não fazia parte do vocabulário corrente, mas que podia ser percebida por meio dos
termos recreio e jogo, com uma conotação no sentido de manter a ordem, mediante o controle
da disciplina, como mostra Francisco Dias, ao referir-se ao agradável recreio proporcionado
por atividades bem dirigidas e preparadas.
190
Os termos recreio e jogo, aliados a divertimento que alegra, entretenimento, alimento
do espírito, derivativo salutar, distração e gáudio, foram encontrados nas representações de
lazer no período estudado. Eram vistos como benéficos para a sociedade, desde que se
apresentassem de forma moralmente aceita.
A palavra recreação passa a ser empregada em nosso meio somente no século XX.
Vale destacar que o termo recreação tem sido confundido com lazer na sua construção
histórica, Até a primeira metade do século XX, o foco das discussões e das práticas recaía
sobre a recreação e, nos dias atuais, observa-se uma maior valorização do lazer. Ambos foram
constituídos a partir da mesma matriz inicial, como nos mostra Christianne Werneck, ou seja,
ambos se inserem no âmbito das chamadas atividades lúdicas. Mas, na sua construção
189
DIAS, 1897, p. 57-58.
190
Em análise realizada por Werneck (2003, p. 50), para uma compreensão sobre o termo “recreação” em
dicionários do século XIX, a autora indica que, de maneira geral, o sentido etimológico de recreação parece
encaminhar-se para o recreio, para a brincadeira e para o divertimento que alegra, renova e restabelece. Se
analisarmos os significados de recreação no Brasil, podemos perceber, segundo Ysayama (2001, p. 95), que a
origem etimológica do termo pode dar significado a dois usos diferenciados: “o primeiro, proveniente do
latim recreatio, que representa recreio, divertimento, sendo derivado do vocábulo recreare, com o sentido de
reproduzir, restabelecer, recuperar, destacando-se a idéia de que o objetivo da recreação era a
renovação/recuperação para o trabalho” O segundo relaciona o termo com outro sentido e está ligado “à
possibilidade de recriar, criar de novo, dar novo vigor”. O autor destaca que, desde o segundo quartel do
século XIX até meados do século XX as atividades recreativas dirigidas eram trabalhadas mais no sentido da
reprodução cultural.
76
histórica, embora em alguns momentos apareçam como entrelaçados, existem marcas que os
distinguem.
191
Em Belo Horizonte, já no início da construção da cidade, as atenções não estavam
somente voltadas para o trabalho. Os divertimentos também fizeram parte dos interesses da
CCNC. Os ares da modernidade propiciaram o desejo de outros hábitos de lazer.
Esse desejo pode ser percebido nas crônicas de Camarate. Nelas, o cronista destacava
que, apesar do bom estoque com que seus armazéns já contavam e da posse de quase todos de
sua choupana, na cidade ainda faltava um “alimento para o espírito”. Para ele, esse “alimento
para e espírito”, principalmente para as senhoras, eram os
bailes, musicatas e reuniões de todo o gênero; reuniões que se fazem sem
programa, porém que o espírito da mulher substitui vitoriosamente, com
milhares de frivolidades, de belos nadas; mas que ao adormecer, nos deixam
recordações vagas e gratissimas de uma noite deliciosamente passada.
192
Pelo visto, para Camarate, além do divertimento em si, essas atividades estavam
aliadas a um forte sentimento de satisfação renovadora. E o cronista concluiu que, como o
homem veio ao mundo para servir de editor responsável das idéias, caprichos e manias da
mulher, apareceu,
em Belo Horizonte, uma lista cheia de nomes de membros da comissão,
subscrita com o fim de utilizar os momentos de ócio em dar bailes, reuniões,
concertos, naturalmente epilogados por chá com doces e torradinhas, que
nesta especialidade, são as senhoras mineiras mestras sabidas como
nenhumas outras.
193
Assim, apareceu na cidade, dois meses depois de instalada a CCNC, a sua primeira
sociedade recreativa – o Club Recreativo –, construída pelos membros da Comissão
Construtora, segundo nota em O Contemporâneo, de 16 de maio de 1894, jornal da vizinha
cidade de Sabará.
194
A finalidade da sociedade era proporcionar aos sócios
191
Conferir WERNECK, 2003.
192
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 69. (Publicado no Minas Gerais de 10 maio 1894, p. 4.)
193
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 69. (Publicado no Minas Gerais de 10 maio 1894, p. 4.)
194
A iniciativa foi de João Ewerton da Silva Castro. Aprovado o seu estatuto provisório, foi eleita, no dia 10 de
maio de 1984 a seguinte diretoria: Dr. Samuel Gomes Pereira, presidente; Dr. Recenvindo Rodrigues Pereira,
vice-presidente; Luiz Gomes Pereira, 1
o
-secretário; Arthur Rodrigues Lyra, 2
o
-secretário, Júlio César da
Silva, tesoureiro. (CLUB Recreativo. O Contemporâneo, p. 1,16 maio 1894.)
77
meios de diversão, tais como: bailes, jogos de armas, xadrez, bilhares,
representações theatraes, corridas a pé e outros quaisquer que a directoria
julgar de utilidade. Também manter uma sala de leitura para o uso dos
sócios.
195
Voltado para atender a interesses sociais, artísticos, intelectuais e esportivos, o Club
Recreativo seria representativo para seus sócios, que eram pessoas da CCNC e famílias da
elite da cidade, pois proporcionaria às “distinctas famílias de Belo Horizonte agradáveis
passatempos”.
196
O acesso a esses diferentes meios de diversão era restrito a seus associados.
Aqueles que não faziam parte desse grupo seleto, como os trabalhadores da periferia, com
dificuldades de se apropriarem dos espaços públicos da cidade e desfrutar as possibilidades
criadas para a diversão, foram fazendo da rua e do botequim o espaço para o seu lazer.
197
Segundo Abílio Barreto, esse clube realizou lindas festas para a “melhor sociedade do
pachorrento meio horizontino”, que naquele momento nada mais era que um contínuo e
vertiginoso trabalhar de uma legião de homens, com o pensamento voltado para a data fatal –
17 de dezembro de 1897 – em que se deveria inaugurar a cidade.
198
O jornal O Contemporâneo noticiava todas as decisões desse clube. A nota do dia 27
de maio de 1894 já anunciava a primeira festa que seria promovida pelo clube, que
aconteceria no dia 23 de junho seguinte, destacando todos os preparativos necessários à sua
realização.
199
Essa inauguração foi assim noticiada:
Realisou-se no dia 23 do mez ultimamente findo a primeira partida que o
Club Recreativo de Bello Horizonte promettera ao seus associados. Cedido
pelo digno chefe da commissão o edifício em que funcciona o escriptorio
technico, os incansáveis directores dos festejos procuravam ornal-o com
apurado gosto, sendo bello de ver-se a ornamentação interior, feita de
vistosas folhagens, bandeiras, lanternas, emblemas e vários lindos enfeites.
A modéstia das toilettes e a elegância muito se fizeram notar, assim como a
boa ordem que existiu e a abundancia buffet onde o Castro
200
, o correto e
sempre atencioso Castro, não se cansava de atender a todos, sempre risonho
e amável, tendo como valente companheiro o Sr. Julio Cezar de Souza, um
dos mais esforçados batalhadores em prol do nascente club. E enquanto isto,
195
CLUB Recreativo. O Contemporâneo, 16 maio 1894, p. 1.
196
CLUB Recreativo. O Contemporâneo, 16 maio 1894, p. 1.
197
Diferentes notas de jornais que relatam desavenças nos espaços públicos sugerem esses usos.
198
BARRETO, 1995, v. 2, p. 111.
199
O jornal relata: “Em sessão de 23 do corrente foram eleitas diversas commissões, encarregadas de diversos
misteres, cabendo aos srs. Ewerton Castro, Candido de Araújo e Antonio Baptista o encargo de obterem a
musica que deve funccionar nesta primeira festa do futuroso club”. Nessa nota, há um esclarecimento de que,
enquanto ficasse pronto o prédio destinado ao clube, a soirée inaugural seria realizada em uma casa
particular. (CLUB Recreativo. O Contemporâneo, 27 maio 1894, p. 1.)
200
João Ewerton da Silva Castro, membro da CCNC – 3
o
-escriturário. Membro da 1
a
. Divisão (Administração
Geral), armazenista lotado na 2
a
. Seção na administração de Aarão Reis e escriturário da 4
a
. Divisão, na
administração de Francisco Bicalho. (BARRETO, 1995, v. 2.)
78
no salão destinado ás brilhaturas choreographicas, o Quadros,
201
empunhando o bastão de general, ia repetindo, lesto e incansável, o avant
deux , tour de main, promenade, chaîne de dame, à vos places, etc. Tocaram
nesta festa, bastante concorrida e que correu na melhor ordem desejável,
alguns músicos da banda S. Cecília, desta cidade.
202
Em Belo Horizonte, pelo visto no relato acima, os membros da CCNC procuravam
desenvolver na cidade práticas valorizadas pela civilização européia, que eram consideradas
elegantes e de bom gosto. Como não se tinha ainda um espaço para o clube promover suas
atividades, foi cedido o prédio onde funcionavam os escritórios da CCNC.
FIGURA 8 – Sobrado colonial onde se instalou o Escritório da CCNC e que foi cedido
para os festejos inaugurais do Club Recreativo.
Fonte: Albúm Lauro Jacques/ MHAB.
O jornal O Contemporâneo, no mesmo número em que comentava sobre a primeira
festa organizada pelo clube, já noticiava a próxima, que seria realizada no mês seguinte:
201
Benjamim Constant Quadros, Chefe da 2
a
. Divisão (Contabilidade) – Guarda livros. Tinha a seu cargo todo o
serviço financeiro e de contabilidade da CCNC, distribuídos em três seções: 1
a
. de Escrituração Geral; a 2
a
.
Tesouraria; a 3
a
. Tombamento. Posteriormente foi representante da CCNC no Rio de Janeiro. (BARRETO,
1995, v. 2.)
202
CLUB Recreativo. O Contemporâneo, 11 jul. 1894, p. 3.
79
Previno-te que em agosto teremos nossa própria música para estrear na
inauguração do nosso Castelo Provisório, realisando-se um importante baile,
antecedido de boas comédias, monólogos e discursos. Nessa occasião será
hasteado o pavilhão do club. Haverá então magicaturas só usadas no grande
palácio de Lúcifer, isto é, kagado se transformará em nympha de lindos
cabellos e velhos carecas em dandys de boas camadas. Nas proximidades
dessa festa O Contemporâneo terá oito paginas, que talvez sejam poucas
para mencionar o programma phantasmagórico do viso e da dansa dessa
fundanguassúculosa festa do Club Recreativo. Hurrah! Portanto aos valentes
organizadores de taes festejos, que tantos momentos de prazer proporcionam
ás distintas famílias residentes em Bello Horizonte.
203
Mas não era só essa sociedade recreativa que proporcionava os divertimentos na
cidade. O circo e as companhias eqüestres foram atividades que ocasionalmente também
ofereciam horas de prazer e alegria à população belo-horizontina.
204
Como as companhias
deveriam tomar cuidados especiais para garantir uma boa acolhida, necessitavam sempre de
aprovações municipais.
205
E os circos que se apresentavam na capital tinham sempre de
receber aprovação da CCNC.
206
Como na Europa do século XIX, o circo exerceu um grande fascínio na sociedade
belo-horizontina. Os espetáculos circenses representavam uma “atração cultural sedutora,
quase sem concorrentes”. Segundo Regina Horta Duarte, seus anúncios sugeriam promessas
de alegria, de divertimento, de surpresa, de emoção, de beleza, de movimento.
207
Eram
diversões garantidas que não foram convertidas em alvo de discursos pedagógicos e
racionalistas:
Os espetáculos ilusionistas, acrobatas, contorcionistas, homens de físico
hercúleo, anões, domadores, moças lindas e de corpo provocantes exposto
sob as malhas de ginástica tinham como único objetivo divertir e despertar
emoções.[...] Simplesmente cultuava-se o riso, a surpresa e a ilusão.
208
203
CLUB Recreativo. O Contemporâneo, 11 jul. 1894, p. 3.
204
Segundo Duarte (1995), os circos do século XIX, em sua maioria, eram de cavalinhos. Dentre eles, alguns em
suas chamadas e anúncios se apresentavam como a qualidade de companhias ginásticas, além de eqüestres.
Esses nada valiam sem seus números hípicos. O número mais especial dos espetáculos era o que envolvia
esses animais.
205
DUARTE, 1995.
206
Na correspondência n. 595, endereçada ao Chefe da 4
a
divisão, em 11 de maio de 1895, assinada pelo
secretário da CCNC é apresentado o seguinte texto: “De ordem do Snr. D.
or
Engenheiro-Chefe, communico-
vos, para os fins convenientes, que foi deferido, mediante o pagamento de 25,000 [ ] por cada espetáculo,
pagos antecipadamente á 2
a
Divisão, o requerimento em que o Snr. Antonio Manuel pedia permissão para dar
alguns espetáculos de trabalhos eqüestres, competindo á essa Divisão dar a competente guia para o
pagamento á 2
a
, indicar o local para a construção do circo e fiscalisal-o quanto a sua segurança” – CC DA.
11/073. (MINAS GERAIS. Governo do Estado... Correspondência..., 1895.)
207
DUARTE, [s./d.].
208
DUARTE, 1995, p. 167.
80
E na cidade havia interesses por esses espetáculos. Avelino Fóscolo descrevia que, “na
planície, junto ao Parque, a música convidava ao circo”. E essa diversão despertava, também,
envolvimentos de interesse financeiro de moradores da capital, como o seu personagem
Almeida, que “estava metido agora num horror de negócios, tinha duas companhias
trabalhando por conta dele – a de ‘Zarzuela’ e uma ‘Eqüestre’”.
209
Como Belo Horizonte, no seu segundo ano de construção, ainda não possuía casas
públicas de diversões, Abílio Barreto diz que, atraído pela fama da capital que se construía e
pela abundância de dinheiro que por aqui circulava, um artista espanhol, Félix Amurrio,
conseguiu que se construísse um teatro para trazer a sua Companhia de Zarzuelas. O teatro,
chamado Provisório, era uma construção improvisada, térrea, coberta de zinco, sem forro,
despida de qualquer conforto, localizada na Rua Sabará, pouco além do Largo da Matriz.
Segundo Abílio Barreto, a construção do teatrinho partiu dos Sr. Aurélio Lobo e do coronel
Daniel da Rocha, influenciados por Félix Amurrio. No teatro, “não havia frisas e os camarotes
eram pequenos cercados de maneira grosseira, roliça e as cadeiras destes e as da platéia eram
bancos toscos de tábua, tudo forrado com ganga vermelha”. Por ele passaram várias
companhias. Alterando períodos de temporadas e fechamentos, o Provisório construído em
setembro de 1895, funcionou até junho de 1897, período em que foi demolido pela CCNC,
pois sua estética não condizia com a capital moderna que seria inaugurada naquele ano.
210
Camarate chega a representar a sociedade da capital, naquele momento, com “a mão
na maça dos divertimentos” ao relatar, dentre outras ações, uma procura minuciosa por
cantoras da localidade para se apresentarem nas festas de caráter sacro e profano. Com ele
também se poderia perceber que outros interesses eram valorizados como forma de diversão,
ao descrever as suas atividades diárias fora do trabalho:
Enquanto se conspiram estas festas de caráter sacro e profano, eu alterno os
afazeres de redação e colaboração de folhas diárias, com passeios matutinos
e vespertinos e, nas horas intermediárias, passo o tempo... – A dormir?
Perguntarão uns. – A ler? perguntarão outros. – A cismar? acudirá este? – A
comer? Interrogará outro, mais propenso aos prazeres materiais e positivos.
Não senhor: passo o tempo a pintar potes de barro fabricados em Caeté.
211
O passar o tempo pode ser evidenciado por Camarate como um tempo que se escoa,
descompromissadamente, sem obrigações ou deveres. E, para ele, a pintura dos potes era uma
209
FÓSCOLO, 1979, p. 100-101.
210
BARRETO, 1995, v. 2, p. 433-434.
211
RIANCHO [Camarate], 1985, p. 70. (Publicado no Minas Gerais de 10 maio 1894.)
81
atividade extremamente prazerosa e desinteressada, uma vez que sua produção era “vendida”
pelos preços de amáveis agradecimentos, para uma freguesia gratuita.
212
Isso valia para Camarate, que era um engenheiro/arquiteto que colaborava com a
CCNC, além de jornalista. Valeria para os habitantes da cidade que estavam trabalhando na
sua construção? As fontes pouco revelam sobre isso. As notícias esporádicas sobre os circos,
uma forma de acabar com a “pasmaceira” da cidade, destacam freqüências elegantes, mas, na
maioria das vezes, encerravam com “Ao circo, Zé povinho!”.
213
O que se pode perceber é que a cidade, nesse período da sua construção, “sem
conforto e pouco divertida”, tinha poucos atrativos para “quebrar um pouco a monotonia do
viver”.
214
O teatro, o circo, os bailes e as festas religiosas temporárias eram suas possibilidades
de divertimentos, ao lado da troca de visitas e dos refúgios em uma biblioteca – a Sociedade
Literária de Belo Horizonte –, construída pela CCNC, ponto favorito de reuniões de seus
funcionários e demais pessoas letradas do arraial. “Era ali, em sala apropriada, que
comentavam os acontecimentos de cada dia e as novidades que iam pelo mundo. E era ali que
nasciam as iniciativas daqueles dias e daquela gente”.
215
A construção dessa biblioteca partiu do interesse de engenheiros da CCNC, como
Samuel Pereira, José de Magalhães e Fábio Nunes Leal, que em carta dirigida a Aarão Reis,
expuseram os valores de se construir na capital “núcleos das instituições scientíficas e
litterarias, que se lhe serão as glorias do futuro, e o maior estimulo para seu povoamento no
presente”. A proposta seria unir esforços para fundar uma modesta biblioteca, que seria o
início da futura biblioteca da capital e um museu. Citam como exemplo a ser seguido os
Estados Unidos da América, onde o primeiros cuidados de seu povo ao fundar as suas cidades
era “levantar, junto aos templos – as escolas, as bibliotecas e os museus, offerecendo desde
logo aos seus habitantes conforto ao corpo, luz ao entendimento, tranqüilidade á alma”.
216
Assim, a cidade moderna “sonhada” vai se constituindo aos poucos não só numa
cidade real, fruto dos interesses dos produtores oficiais do espaço que procuravam intervir em
212
RIANCHO [Camarate], 1985, p.70-71.
213
Existem poucas referências ao circo na época da construção da cidade. Essas já são do Diario de Minas de
1899, portanto, depois da inauguração da cidade. (COMPANHIA Eqüestre, 1899, p.1.)
214
BARRETO, 1995, v. 2, p. 434.
215
A proposta de criação da Biblioteca partiu de um ofício assinado por Samuel Gomes Pereira, José Magalhães
e Fábio Nunes Leal, encaminhado a Aarão Reis em 27 de agosto de 1984, falando dos propósitos desejados e
convidando-o para ser o presidente honorário. Paralelamente à biblioteca seria criado também um museu,
com a justificativa de que, como na América do Norte, o primeiro cuidado de seu povo, ao fundar suas
cidades, era levantar, nos templos, nas escolas, as bibliotecas e museus que pudessem oferecer aos seus
habitantes,conforto ao corpo, luz ao entendimento e tranqüilidade à alma”, ao aqui imitá-los, gostariam de
também criar essas possibilidades. (BARRETO, 1995, v. 2, p. 185-186, 188.)
216
NOVA capital, 1994, p. 2.
82
todas as esferas da sociedade nascente, propondo práticas sociais em conformidade com os
valores do mundo moderno, já pautadas por segregações que se faziam notar, mas também
numa cidade “real” vivida por seus antigos e novos moradores que, de acordo com seus
interesses, iam se apropriando dos seus espaços e valorizando tanto os velhos, como criando
novos valores.
Os divertimentos na cidade, sempre raros como destacam as notícias dos jornais,
foram se constituindo, nas suas duas primeiras décadas, por meio de circos e companhias
eqüestres, passeios no parque, touradas, teatro, bares, clubes, footings e, posteriormente, o
cinema, mas não como direito de todos, como veremos a seguir.
2.3 A CONSTITUIÇÃO DO LAZER NAS PRÁTICAS SOCIAIS DA CIDADE
Para o entendimento do esporte como uma prática de lazer na cidade, faz-se necessário
o conhecimento de que valores foram sendo aliados aos momentos de diversão e que práticas
se fizeram importantes no cotidiano da cidade.
No período analisado neste estudo, a palavra “lazer” ainda não fazia parte do
vocabulário corrente da cidade, mas encontrei algumas referências em que a palavra, no
plural, foi utilizada. Numa crônica assinada por Pif, publicada no Jornal do Povo, em
dezembro de 1899, o cronista, ao fazer uma crítica ao “povo”, aspira vivenciar somente o
“chic e o indispensável do chic”. Ao dizer “vou agora distrahir lazeres, lançando o meu
jamegão na papelada”, vê o trabalho como forma de afastar-se das possibilidades lúdicas.
217
Outra referência é um livro de prosa e verso, contos e fantasias, uma leitura amena, indicada
para o público feminino, intitulado “Serões e Lazeres”, de Arthur Lobo, publicado em 1906.
218
O sentido do termo é aliado à diversões, mas foi uma palavra pouco utilizada naquela época.
Dentre os espaços para vivências lúdicas, nos anos iniciais da cidade, o circo é citado
como uma atração. Essa forma de divertimento, que parecia destoar da cidade moderna
sonhada, representou um espaço significativo para a diversão dos belo-horizontinos de todas
as classes sociais. Como relatou o cronista, “sempre houve nesta vasta Minas, uma troupe que
217
PIF. Jornal do Povo, 8 dez. 1899, p. 1.
218
LOBO, 1906.
83
se arriscasse a vir até á nossa Capital, offerecer-lhe algumas noites divertidas”.
219
E as notícias
sobre eles destacavam que, “como há muito tempo, não temos aqui diversão alguma, é de se
esperar uma enchente á cunha”.
220
Espetáculos eqüestres, domadores de animais ferozes, cães e cabritos amestrados,
exibições ginásticas em barra fixa, pantomimas e os palhaços eram as atrações mais
anunciadas. Os anúncios dos circos e companhias eqüestres foram manchetes que
despertavam o interesse pelas cambalhotas dos clowns, pelos jogos malabares, pelos
equilibristas da corda bamba, pelo homem que engolia espadas, e pelas pilherias do palhaço.
Toda a propaganda dos espetáculos era lembrada nas crônicas como
anúncios espalhafatosos que por aí voam levando aos extremos da cidade a
nova de mais um sucesso teatral, de mais uma surpresa de los toureros, a
despertar a curiosidade do público com uns dizeres pretensamente
sensacionais; [...] Teremos saudades sim, de todo esse desvario de festas que
nos obriga a malbaratar o dinheiro, bem apreensivos, em verdade, mas que
nos vai amenizando a vida, apagando pequeninas mágoas e ascendendo
pequeninos prazeres...
221
Nos espaços da cidade nascente, a imagem do circo destacava-se na sua paisagem,
como retratado na imagem abaixo.
FIGURA 9 – O circo armado na paisagem da cidade
Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
219
COMPANHIA Eqüestre, 1899, p. 1.
220
DIARIO DE MINAS, 30 jul. 1899, p. 2.
221
CHRONICA, 1904, p. 3, grifos nossos.
84
Nos primeiros anos da capital, os circos costumavam fazer alguns espetáculos em
benefício de algumas instituições, como a Santa Casa, Capelas, Loja Maçônica, etc. Os
cronistas dos jornais, nessas ocasiões, faziam críticas ao imposto que eles tinham de pagar:
O imposto de 50$ por noite de espetáculo de companhia de cavallinhos
passou no Concelho Deliberativo. Lembre-se o sr. dr. Prefeito de que, nesta
capital, há instituições e edificios que se beneficiam com a estada da troupe
e, parece-nos, que nessa occasião, o imposto deve ser perdoado, e oxalá não
seja elle motivo para o nosso povo ter, raramente, o prazer de ver o palhaço e
a bicharada ensinada. Metade da quantia taxada era sufficiente, porque quien
tudo lo quer tudo lo perde...
222
Em alguns espetáculos destacava-se um público formado pelo “que a [...] capital
[tinha] de mais selected e de mais smart.
223
Mas sobre esses espetáculos podiam aparecer
notícias como:
Tendo corrido hontem boatos de que a ordem publica seria perturbuda
(sic)
por
occasião do espectaculo do Circo Zoológico, boatos estes provenientes da
attitude de alguns italianos por causa da pantomima annunciada Os
Garibaldinos, o sr. dr. Chefe de Policia ordenou que não se realisasse o
espectaculo.
224
As narrativas dos jornais
225
referem-se ao interesse que esses espetáculos despertavam
no belo-horizontino, destacando sempre a participação das famílias das elites, mas não
deixando de relatar atitudes descorteses de populares, não condizentes com uma cidade “mais
ou menos civilizada” da época.
226
As tensões nos locais de relações é uma forma de se
perceber, por intermédio da imprensa, a presença popular nos espaços de diversões, uma vez
que ela se pautava somente em destacar as participações da elite em tais eventos.
Como os circos, as companhias tauromáchicas também apareciam na cidade. As
touradas prometiam muita diversão com bois possantes e bravos, que seriam bandarilhados e
pegados à unha
227
pelos hábeis artistas da companhia. Chamadas na imprensa para esses
espetáculos eram uma constante.
222
JORNAL DO POVO, 3 out. 1900, p. 1.
223
DIARIO DE MINAS, 24 ago. 1899, p. 1.
224
DIARIO DE MINAS, 27 ago. 1899, p. 1.
225
Destaco aqui os jornais Diario de Minas (1899), Jornal do Povo (1900), A Epocha (1904) e Diario de
Notícias (1908).
226
DIARIO DE NOTICIAS, 17 jun. 1908, p. 7.
227
“Pegar o touro a unha” era expressão dos expectadores. (A GAZETA, 21 abr. 1907, p. 3.)
85
Dentro de poucos dias estreará nesta capital a importante companhia
touromachica do sr. Rodero, a qual já escolheu o local para o circo, na
avenida Paraná.[...] A toylette dos toureiros é riquíssima, dispondo a
companhia de habilíssimos artistas (A EPOCHA, p. 3, 4 set. 1904).
Para o Colyseu Tauromachico Mineiro, chamamos a atenção do público
desta capital. Hoje se realizará mais uma esplendida corrida que terminará
pela deslumbrante e chistosa pantomima (A EPOCHA, p. 1, 18 set. 1904).
Tais eventos pareciam ser comuns nas festas religiosas desde a época do arraial, as
quais ainda se mantinham na cidade, depois de sua inauguração, sendo destacada sua presença
nos eventos populares. O Jornal do Povo, de 26 de julho de 1900, trazia o seguinte anuncio:
Grandes Festas
Ao Calafate Bello-horizontino!!
Subúrbio progressista e essencialmente saudável desta capital. Todas as
noites novenas para os festejos da Senhora SantÁnna a 29 do corrente.
TOURADAS no sabbado e domingo e á noite CONTRADANÇA. A popular
banda de música do club operário fará ouvir naquelles dias escolhidas peças
do seu repertorio.
Christãos á festa!
NB. – O
(sic)
festeiros pedem ao publico algumas prendas para os costumados
leilões. Os Festeiros: Francisco Manuel de Almeida. Manuel Cardoso.
228
Mas transformar a cidade em num centro cultural privilegiado era o desejo de seus
idealizadores, e já nos seus primórdios suas elites buscavam hábitos e costumes das grandes
metrópoles, que ofereciam a referência da modernidade imaginada para a cidade. Assim, logo
após sua inauguração, em dezembro de 1897, Belo Horizonte foi palco para uma profusão de
sociedades destinadas às reuniões recreativas, artísticas e literárias das famílias ricas em
ascensão. Eram os clubes de estilo inglês, com salões para festas e salas de leitura, salões de
jogos lícitos, construídos por iniciativa de particulares, que mantinham vínculo próximo com
o Poder Público. Dentre essas sociedades, destaca-se o Club das Violetas, criado em 1898,
que promovia periodicamente concertos vocais e instrumentais; o Club Rose, criado no
mesmo ano e presidido pela primeira-dama do Estado, Sra. Esther Brandão; e o Club
Schumann, que organizava concertos vocais e instrumentais.
O Club das Violetas realizava suas “partidas” no palacete do comendador Frederico
Steckel, presidente do clube, situado na Rua dos Guajajaras, que aparece nas notícias dos
jornais sempre muito bem decorado, oferecendo um serviço de buffet irrepreensível.
Destacam-se também as “deslumbrantes toilletes” das senhoras e senhoritas e as casacas
228
JORNAL DO POVO, 26 jul. 1900, p. 3.
86
pretas dos cavalheiros, pois participavam dessas festas a “escol da sociedade”. Mas todo esse
esplendor durou pouco. O Diario de Minas publicou a seguinte nota no dia 31 de janeiro de
1901:
Acabou-se! Todo esforço, todas as lutas, todas as tradições esvairam na
indifferença e na inércia. Acabou-se! O Club das Violetas expirou
dolorosamente [...] As tradições do renascimento litterario e artístico da
capital esvaíram com ele [...].
229
Uma característica encontrada nos belo-horizontinos, principalmente em relação a
divertimentos, era o grande envolvimento com novas promoções, enquanto novidade, mas
esse envolvimento era efêmero, não se enraizava.
Outro clube da época, o Club Rose, possuía as mesmas características do anterior.
Presidido pela primeira-dama do Estado, esse clube realizou “partida inaugural” nos
“magníficos salões do palácio presidencial. Segundo o cronista do Diario de Minas, essa
partida
teve uma concurrencia e um brilhantismo inusitado merecendo a directoria,
sem favor, os mais francos applausos pelo caracter tinamente
(sic)
artístico e
elegante que imprimiu áquela festa. Para ella convergiu tudo o que a
sociedade horizontina possue de mais distincto, os salões foram decorados
com apurado gosto; as galerias e a magnífica escadaria que ligava os dois
pavimentos do palácio eram flanqueadas de massicos de verdura através dos
quaes os globos de luz electrica produziam deslumbrante effeito.
230
Realizando suas promoções com grande pompa, em locais tais como os salões do
Palácio do Governo, do Senado e também do Palacete Steckel, foi também um clube de vida
efêmera.
229
DIARIO DE MINAS, 31 jan. 1901, p. 1.
230
DIARIO DE MINAS, 3 jan. 1899, p. 2.
87
FIGURA 10 – Palacete Steckel
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
A música era cultivada e valorizada nos eventos culturais da cidade. Prova disso foi a
criação da banda Carlos Gomes, desde os tempos do arraial, que tocava nas festividades da
capital. Essa valorização motivou a criação do Club Schumann, em 1904, que promovia
concertos musicais dirigidos pelo maestro Ramos de Lima, quando eram executadas peças
musicais de autores estrangeiros e nacionais. Esses concertos atraíam um público fiel.
Vários outros clubes foram criados na mesma época, como o Elite Club (1901), Ideal
(1902), dentre outros, e uma característica comum entre essas instituições foi o fato de que
foram efêmeras, não se enraizaram na cidade, apesar de seus eventos terem sido considerados
como um combate à pasmaceira que periodicamente assoberbava a capital. Dentre esses
clubes, somente o Club Bello Horizonte, criado em 1904, está até hoje em funcionamento. As
“partidas” dançantes do Bello Horizonte eram notícias em vários jornais, que descreviam sua
decoração, as toilletes elegantes e o buffet servido. O clube foi palco para freqüentes palestras
literárias e, também, assunto de várias crônicas da época.
Seus eventos promoviam noites
de fino prazer, vibrando uma nota de graça, de beleza e de chic em meio a
habitual quietude de nosso meio, ao indiferentismo glacial desta cidade. E o
Club Bello Horizonte nada mais quer fazer que fazer attrair para os seus
88
salões os elegantes de bom gosto que vivem a aturar a displiccencia de uma
cidade que boceja.
231
Encontrei notícias nos jornais da cidade, até 1920, de aproximadamente 30 clubes. A
maioria teve vida efêmera. Eram associações recreativas, culturais, literárias, artísticas,
cívicas e também carnavalescas, com destaque para os Mataquins e os Progressistas.
Representavam a possibilidade aproximação das pessoas, e o contato com hábitos de
civilidade. Mas eram também espaços restritos e seletivos. As crônicas não deixavam de
retratar que
muitos hábitos foram sendo substituídos por outros mais de acordo com a
época atual [...] – O império da valsa, meu amigo, vai decaindo
sensivelmente... e hoje, o que está em dia nas rodas smarts, é o five o’clock,
a palestra literária, etc. [...] Aqui, [...] quem não dança e não recita não é um
gentleman, não é um elegante! Quanto mais piruetas faz um rapaz em uma
sala, quanto mais esbugalha os olhos em um recitativo, mais admirado é!
232
Dentre os clubes criados nesse período encontrei referências ao Club Recreativo
União Operária
233
criado para proporcionar “noites de divertimentos aos associados”, em
dezembro de 1899 e o Club Operario Nacional,
234
que aparece nos jornais, em fevereiro de
1900. Por apresentar uma diretoria diferente do primeiro, parece se tratar de uma outra
instituição. Com sede instalada na Rua Tupinambás, esquina com a Rua Guarani,
235
o Club
Operario Nacional promovia teatro, principalmente infantil, dirigidos pelo coronel Júlio
Pinto,
236
e ainda possuía uma banda que tocava em festividades da cidade. São poucas as
referências a essas instituições, sugerindo também uma vida efêmera.
Mas o que se destacava na cidade era que o projeto civilizatório impunha às elites que
substituíssem suas caipirices pelas novidades provenientes do Rio e São Paulo, para não dizer
da Europa. E esse modernismo, segundo Letícia Julião, foi surgindo em alguns pontos em
que, tradicionalmente, fluía o movimento urbano. Dentre eles, destaca a Rua da Bahia e o
Parque Municipal, que “aglutinavam elementos de civilidade e encerravam as promessas de
231
CLUB BELLO HORIZONTE. Tribuna do Norte, 23 set. 1906. p. 2.
232
UM BAILE .... Diario de Noticias, 14 abr. 1907, p. 1.
233
Faziam parte da sua diretoria: José Alves Pereira, presidente; Manoel da Costa, vice-presidente; Pedro
Verçosa, 1
o
-secretário; Marciano Pereira de Miranda, 2
o
-secretário; Francisco de Paula Matos, tesoureiro e,
como procurador, Abílio Barreto. (JORNAL DO POVO, 11 jan. 1900, p. 3.)
234
Sua diretoria era formada por João Batista da Silva Castro, Octavio Barreto, José Cerqueira, Luiz E. de
Magalhães e Manuel de Oliveira. (JORNAL DO POVO, 21 fev. 1900, p. 2.)
235
JORNAL DO POVO, 26 dez. 1899, p. 3.
236
DIARIO DE MINAS, 22 mar. 1990, p. 1.
89
uma vida em comum, assim como suas mazelas e paradoxos”.
237
A Rua da Bahia,
principalmente na esquina com Avenida Afonso Pena, onde ficava o Bar do Ponto, era o
espaço onde pessoas elegantes transitavam.
O footing foi adotado amplamente na cidade, chegando a se constituir uma de suas
principais atividades sociais. Suas características estavam adequadas à lógica do movimento
que regia o urbanismo moderno em relação à visibilidade. E entre os espaços mais utilizados
para esse “trânsito” encontravam-se a Rua da Bahia e a Praça da Liberdade.
Como a “praça do poder”, a Praça da Liberdade também foi a praça do lazer na década
de 1910, mas um lazer com espaços diferenciados para ricos e pobres. O footing, aos
domingos, realizado ao som da banda de música, separava de um lado rapazes e moças de
famílias e de outro criadas e soldado de polícia.
238
No Parque Municipal, nos anos iniciais da cidade, não se tem notícia de eventos
populares. Ali, também, a elite conseguia privacidade para realizar festas beneficentes,
garden-parties, concertos e comemorações. As garden-parties eram valorizadas, e a
freqüência elegante pode ser observada na foto abaixo.
FIGURA 11 – Garden-partie no Palácio da Liberdade
Fonte: Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.
237
JULIÃO, 1992, p. 90.
238
Esses critérios classistas, citados por Ciro dos Anjos, foram observados em Vago, 2002.
90
Os prazeres do teatro, iniciados desde a época do antigo Curral del-Rei, continuaram
também a fazer parte dos interesses da cidade. O industrial e construtor de edificações
públicas em Belo Horizonte, Francisco Soucasseaux, em novembro de 1899, sugeriu à
Administração Municipal a construção de teatro provisório, que passou a ser conhecido como
Teatro Soucasseaux.
239
Situado entre as Ruas Goiás, Bahia e Avenida Afonso Pena, o Teatro
Soucasseaux, como ficou conhecido, foi decorado pelo artista Bertolino
Machado. Sua instalação ocorreu em um amplo galpão de zinco
convenientemente adaptado, no local onde anteriormente funcionava a
oficina de carpintaria e marcenaria da Comissão Construtora.
240
Inaugurado em 1900, o novo espaço para os lazeres na cidade, situava-se em um ponto
agradável, nos fundos de um jardim feito por Soucasseaux, com um coreto, onde bandas de
música se apresentavam. Apesar de não ser ainda um espaço moderno, digno da capital, ele
representava opções variadas de divertimentos, desde o footing no jardim ao convívio no
botequim e as apresentações de teatro no seu interior. Soucasseaux havia criado, naquele ano,
em companhia de amigos, o Club Dramatico Recreativo.
241
As apresentações de retretas musicais, concertos vocais e instrumentais, cançonetistas
e várias peças teatrais faziam com que o Teatro Soucasseaux conseguisse uma boa
concorrência, o que era “um atestado, mais do que frisante, do valor artístico que [inspirava] a
escól de nossa sociedade”.
242
O crescimento do teatro refletiu na criação de uma coluna destinada a cobrir
espetáculos culturais no jornal A Luz, de 1904, denominada Galeria Artística.
Com a intenção de dotar a capital de um teatro definitivo, o prefeito Bernardo Pinto
Monteiro contratou Soucasseaux, em 11 de novembro de 1901 para executar o
empreendimento no local onde se encontrava o teatro provisório.
243
Com a morte de
Soucasseaux, a construção foi adiada.
239
O contrato entre as partes foi assinado em 18 de julho de 1900. Ao contratante foi concedido provisoriamente
o quarteirão n. 23 da 3
a
. seção urbana. Nele se manteria o Teatro provisório, aproveitando o barracão já ali
construído. (BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Metrópole..., 1993, p. 18.)
240
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Metrópole..., 1993, p. 18.
241
A diretoria do clube era composta por Francisco Soucasseaux, presidente; Arthur Haas, vice-presidente; João
Goursand de Araújo, secretário; Theodoro Lopes de Abreu, 2
o
-secretário; José Xavier Ourivio, tesoureiro;
Octávio Barreto, diretor de orchestra e Arthur Lobo, diretor de cena. (JORNAL DO POVO. Bello Horizonte,
12 jan 1900, p. 3.)
242
A EPOCHA, 4 set. 1904, p. 1.
243
BELLO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Relatório de 1899-1902, p. 54.
91
No Teatro Soucasseaux se apresentaram companhias nacionais e estrangeiras até 26 de
abril de 1906, ano em que se registrou a consolidação do projeto de construção definitiva do
teatro de Belo Horizonte – o Teatro Municipal. O teatro levou três anos para ser construído e,
em outubro de 1909, foi inaugurado.
Construído seguindo o “estylo das construções modernas”, o seu projeto descrito no
Diario Mineiro, de setembro de 1906, comportava 700 expectadores, distribuídos nas
seguintes seções; “20 camarotes com 100 logares; uma galeria nobre com 20; 11 filas de
cadeiras de primeira classe com 176; 5 de segunda, com 48 e uma galeria de segunda, com
100 e gerais”. Possuiria também “salões para recreio, bilhares, restaurante, toilette para
senhoras, etc”. Com isso, o teatro de Belo Horizonte satisfaria “plenamente a exigência do
nosso meio social”.
244
FIGURA 12 – Teatro Municipal
Fonte: BELLO HORIZONTE: bilhete postal.... 1997, p. 94.
Mas o teatro, um edifício “digno” de figurar numa capital moderna, permanecia
fechado quase o ano inteiro, “abrindo-se raramente para dar ingresso aos que alli vão assistir a
umas duas operetas, uns concertos musicais e umas poucas arengas litterarias”. A causa desse
abandono era assim explicada:
244
O NOVO theatro, 1906, p. 1.
92
Bello Horizonte não pode ‘comportar ainda a permanência constante de
companhias que explorem qualquer gênero de diversões e nem haverá
emprezario bastante audacioso que se abalance a manter aqui já não uma
companhia de primeira, mas mesmo de qüinquagésima ordem’.
245
A revista Vita também se posicionava a esse respeito:
[...] Acanhado o Theatro Municipal! Ora ahi esta como se prova facilmente a
difficuldade em se encontrar duas opiniões iguaes. Demasiado grande para o
publico frentador de theatros que temos, é que elle é. Demasiado grande,
porque não temos publico. Sem publico não há movimento e sem
movimento de bilheteria...
Vêm companhias, vão companhia e nos vemos em noite de espectaculo, no
Municipal, as mesmas caras, assentadas nas mesmas cadeiras, enchendo os
mesmos camarotes. O culto da arte em Belo Horizonte tem os seus trezentos
de Gideão.
246
O problema básico, comum em outras cidades, como a própria Capital Federal, como
analisa Jeffrey Needell, era a falta generalizada de interesse permanente e variado por parte
das pessoas pagantes. O público abastado, evidentemente, saía de casa, mas não com a
assiduidade para sustentar mais do que poucas instituições. Tal apatia podia estar relacionada
à tradição ainda arraigada de entretenimentos domésticos que essas famílias promoviam como
encontros regulares com amigos, nos quais a música, os recitais e as danças eram comuns.
“Esse aspecto doméstico da alta sociedade seguramente contribuiu para tornar menos
relevantes muitas instituições públicas”.
247
E em Belo Horizonte o teatro era a grande alternativa cultural, mas isso era para
poucos. A frenqüêcia elegante ao teatro era selecionada pelos preços dos ingressos, pois “não
há duvida que nesses logares o dinheiro é o melhor seleccionador”.
248
E esses poucos não
eram suficientes para manter boas temporadas na cidade.
Outros espaços foram também representativos, como o Theatro Circo Variedades
onde se podia assistir a trabalhos ginásticos, ao cinematógrafo, a boas pilherias e a
pantomimas – e o Parque Paris, pequeno teatro, anexo ao Café e Restaurante Paris, onde se
245
ECHOS. Estado de Minas, 3 dez. 1911, p. 1.
246
VITA, v.1, n.1, jul. 1913.
247
NEEDELL, 1993, p.87.
248
ECHOS. Estado de Minas, 3 dez. 1911, p. 1.
93
apresentavam orquestras, atrizes, operetas e um moderno biógrafo – o precursor do cinema.
249
Nesse espaço surgiu a primeira sala de cinema da capital.
A partir de então, as diversões mais baratas, como o cinema, ganharam terreno na
cidade.
O cinema, cujas fitas, inicialmente, eram acompanhadas de piano e violinos, alguns até
por bandas, teve grande sucesso, o que motivou alguns donos de estabelecimentos a criar
espaços para esse lazer, que era uma nova forma de obter lucros. Assim, algumas salas foram
improvisadas em salões e confeitarias, dentre elas o Cine Colosso, que aparecia na imprensa
para noticiar: “Para curar-se do tédio, comum neste meio insosso, só há na terra um remédio:
Ir ao Cinema Colosso”.
250
E na cidade “o povo vae se habituando a essa espécie de diversão”.
251
“Muito
concorridos vão sendo os cinemas installados na Rua da Bahia”.
252
E essa rua passa a ser o
ponto dileto “para recreio”
253
e de “attração das familias e da boa rapaziada” pois lá se
encontrava “a boa diversão [...] é a nota do dia nas grandes cidades”.
254
Na platéia, era sempre
destacada a freqüência elegante.
A partir de 1910, o cinema passou por uma nova fase, com a criação de salas luxuosas,
ambientes propícios a encontros, à sociabilidade e à visibilidade pública, constituindo-se
como um importante elemento na construção de uma imagem moderna para a cidade e
afirmando-se como um dos principais conteúdos do lazer. Com interesses na obtenção de
lucros, foram criadas também salas não tão luxuosas, destinadas às classes populares, mais
que também ofereciam possibilidades de uma sociabilidade pública visível como nas
demais.
255
Assim, como narra a revista Vita, “ninguém contesta que o cinematografo empolgou
definitivamente o grande publico e é a diversão predilecta de todas as classes sociais”.
256
Mas mesmo com todas essas diferentes possibilidades para diversão, algumas
narrativas revelam uma cidade que só lentamente vai se interessando pela sociabilidade no
249
O biografo é um aparelho especialmente de vistas fixas, mas projetava também algumas cenas animadas, tipo
lanterna mágica. Interessante é que os anúncios diziam: cinematógrafo falante que funcionava da seguinte
forma: projetada a vista ou qualquer chapa, um indivíduo oculto nos bastidores, descrevia em voz alta a
efígie, edifício, monumento ou panorama exibido. (LINHARES, 1995, v. 2, p. 106.)
250
QUASI, 23 out. 1910, p. 1.
251
DIARIO DE NOTICIAS, 1908, p. 1.
252
CINEMATOGRAPHOS, 1908, p. 1.
253
DIARIO DE NOTICIAS, 10 ABR. 1908, p. 2.
254
CINEMATOGRAPHOS, 1908, p. 2.
255
SOSNOWSKI, 1997.
256
VITA, v. 1, n. 4, out. 1913.
94
espaço público. As notícias dos jornais chegavam a mostrar grandes “concorrências” em
espaços de lazer, e pouco tempo depois faziam insistentes apelos para evitar o abandono
deles.
Nessa época, enquanto as elites buscavam cada vez mais oportunidades de se divertir
em teatros, clubes e espaços criados especialmente para esse fim, os divertimentos dos que
não faziam parte desse grupo seleto pareciam acontecer nas ruas, pois era-lhes restrito o
acesso aos espetáculos pagos na cidade. E esses divertimentos eram sempre vistos como caso
de polícia. O jornal Bello Horizonte narra uma violência policial contra alguns indivíduos que
estavam “tocando sanfona e cantando”, uma “inofensiva diversão”, em que soldados da
polícia interviram ordenando que parassem. Como eles negaram obedecer a essa ordem
absurda,
originou-se logo troca de palavras, e o valente cabo, assumindo ares de
mata-mouros, mandou que os soldados espaldeirassem um cidadão inerme,
que estava se divertindo sem incomodar a ninguém. O engraçado é que o
espancado ainda foi preso.
257
Esse tipo de arbitrariedade era uma constante nos divertimentos populares. As
investidas policiais eram contra as classes populares que “vagabundeavam pelas ruas”.
Qualquer comportamento que insinuasse o ócio era visto como vadiagem. As horas de folga
do trabalho, os divertimentos populares e o uso da rua com liberdade eram vistos como perigo
à ordem pública, assim como todas as atividades fora do controle do trabalho. Mas essas
condutas geravam resistências por parte dos setores populares, que buscavam, mesmo sob
cacetetes, o direito à cidade. Reclamações e denúncias eram constantes nos jornais. Era uma
forma de resistir à imposição cultural dos setores dominantes. Existiu aí grande tensão nos
espaços de relação.
De todos os espaços, o botequim era o mais visado, pois representava um território
livre, aparentemente situado fora da ordem dominante, local onde trabalhadores, desocupados
e prostitutas se reuniam segundo suas próprias regras e códigos. Visto como endereço certo da
transgressão pelas elites e autoridades municipais, o que mais os preocupava era que, nesses
espaços, “povo miúdo” podia escapar das malhas do poder. Ali, eles criavam uma espécie de
espaço de igualdade, que no convívio público lhes era negada. Ali também se solidarizavam e
257
VIOLENCIA policial, 1898, p. 1.
95
traziam à luz seus conflitos e identidades. A bebida podia funcionar como um elemento
encorajador.
258
Nos jogos de azar, que passaram a fazer parte da cultura da cidade desde os seus anos
iniciais, essas diferenças também se destacavam. Embora estivessem presentes em todas as
camadas sociais, a repressão aos “jogos do zé-povinho” é que ganhavam a imprensa.
259
Denúncias sobre locais de jogos e reclamações sobre atitudes policiais eram constantes. O
jogo era condenado somente quando estivessem envolvidos trabalhadores e gente pobre – o
“povo miúdo”. Sua proibição tinha dois pesos e duas medidas. Enquanto os jogos das elites
eram vistos como passatempo, eram considerados um delito para o “povo miúdo”.
As críticas do jornal O Operário a essa arbitrariedade policial foram relatadas numa
fina ironia, como se pode observar na descrição, a seguir, de uma perseguição aos jogadores
do “Jogo de bola” em uma “venda” da Lagoinha:
De repente aparece um tal Malta com dois soldados e manda prender os
jogadores. Íamos protestar pela violência, mas ficamos calados, porque
soubemos de um decreto policial concebido nestes termos. O dr. Edgardo
Carlos da Cunha Pereira por graça de Deus e vontade do Presidente do
Estado, Rei da Polícia mineira, ouvidos os delegado e outras pessoas
graúdas, decreta:
Art. 1
o
O bacarat, a roleta e outros jogos da azar ficam reservados para o
honesto recreio dos exmos., senadores e deputados e de quantos gozem de
um rendimento ou ordenado avultado.
Art. 2
o
As loterias, o jogo do bicho, a tombola, etc., são jogos tolerados para
todo o mundo, salvo a intermitente intervenção das autoridades policiais.
Art. 3
o
Todo e qualquer jogo que não seja de azar e que sirva só para divertir
o povo miúdo sem enriquecer nenhum empreiteiro do jogo, é absolutamente
proibido, e os jogadores serão recolhidos à cadeia para contribuir com o
imposto de carceragem ao aumento das rendas do Estado.
Os nossos delegados assim o façam executar.
Hipotecápolis, 14 agosto 1900.
Eu, rei da policia.
260
A crítica da Liga Operária,
261
proprietária do jornal, continuou ferrenha em outros
exemplares:
258
Cf. JULIÃO, 1992.
259
ROLETAS, 1900, p. 2.
260
O OPERÁRIO, 19 ago. 1900, p. 3.
261
“Uma associação de indivíduos de qualquer nacionalidade que professam idéias democráticas e querem
sinceramente contribuir para o melhoramento material, moral e intelectual das classes operarias”. (O
OPERÁRIO, 29 jul. 1900, p. 1.)
96
É fato indubitável que a polícia abre muito um olho sobre os jogadores de
bolas e outros jogos populares e fecha o outro sobre os jogadores do high-
live. Que diabo! Um olho aberto e outro fechado não embelezam muito a
cara policial.
262
O que se percebe é que os jogos praticados pelas elites da cidade eram sempre bem
aceitos e vistos como forma de status, e os praticados pelas camadas populares, como casos de
polícia. Afinal, segundo Letícia Julião,
era uma diversão que figurava na contramão da disciplina e ética do
trabalho, rivalizando com valores caros a uma sociedade em vias de
modernizar-se e que passava a desprezar tudo que não fosse produtivo e útil.
Além do desperdício de horas gastas improdutivamente, o jogo implicava a
troca do ganho obtido, por meio de um salário honesto, pelo risco do lucro
rápido, decidido na sorte, sem o esforço dignificante e inerente ao trabalho.
Era compreensível, assim, o fascínio que exercia nos meios mais populares e
a inquietação que provocava nas classes dominantes.
263
Assim, no lazer, as desigualdades de tratamento entre as diferentes camadas sociais
são, também, decorrentes do modelo imposto no projeto da cidade, que, além de delimitar os
espaços, exclui aqueles que não eram “eleitos” para usufruir os prazeres que a cidade podia
oferecer.
Críticas à jogatina estavam sempre nas notícias dos jornais. Foi decretada uma
verdadeira guerra, cujos alvos eram o jogo do bicho e as casas de jogos. Segundo essas
críticas, a Rua da Bahia havia se transformado no “Principado de Montenegro”. Lá
funcionavam “publicamente nada menos de três roletas bem organizadas, que têm
encarregado de caçar parceiros. Operários, menores, deputados, todos se confraternizam pela
roleta e pela pavuna.
264
Essa guerra estendeu-se por toda a primeira e segunda décadas do
século XX. No jornal A Capital, de abril de 1921, o jogo ainda era destaque:
Enquanto a nossa polícia anda seriamente preoccupada com o jogo do bicho,
na rua da Bahia, destacando diariamente uma legião de soldados para
fiscalizar os banqueiros, o ‘sete e meio, o ‘vinte e um’, o ‘trinta e um’, a
‘pavuna’, a ‘roleta’e etc, campeiam assustadoramente em outros pontos da
cidade, especialmente nos subúrbios.
265
262
O OPERÁRIO, 2 set. 1900, p. 2.
263
JULIÃO, 1992, p. 162-163.
264
A JOGATINA, 1905, p. 1.
265
O JOGO em...1921, p. 2.
97
Assim, pelo exposto neste capítulo, podemos perceber que, como resultado do caráter
excludente do desenvolvimento urbano e a conseqüente desigualdade na apropriação dos
espaços e equipamentos, privilegiando alguns setores em detrimento de outros, na cultura
urbana da cidade vão se revelando universos culturais distintos e conflituosos, mas que
buscavam, cada um a seu modo, o direito à cidade e ao lazer.
Como elemento da cultura, as práticas de lazer vão se constituindo na cidade de
acordo com os interesses de seus moradores, mas fortemente influenciadas pelos novos
valores modernos, como almejava a CCNC. É nesse sentido que, a partir do capítulo seguinte,
passo a analisar os interesses esportivos no lazer, principal objeto deste estudo, a partir das
práticas esportivas que aconteciam nos espaços projetos pela CCNC para a cidade.
98
Capítulo 3
O ESPORTE NA CIDADE: OS CAMINHOS DAS PRÁTICAS
PROJETADAS
Conhecer a constituição e o enraizamento de práticas de esporte
266
na cidade que se
queria moderna, bem como seu papel na sua construção cultural demandou, inicialmente, um
entendimento sobre que espaços foram projetados para práticas esportivas na cidade para, a
partir daí, analisar o que foi posteriormente apropriado e produzido pelos seus moradores.
A cidade idealizada na planta criada pela CCNC criara oportunidades de nela se
praticar esporte, e para isso reservaram-se espaços em locais demarcados especificamente
para a realização de duas modalidades esportivas que tinham, na época, grande repercussão na
Europa, considerada o centro da civilização moderna: o ciclismo e o turfe.
Neste capítulo, construo a trajetória dessas modalidades esportivas na cidade. Mas,
inicialmente, faz-se necessário compreender como essa prática inglesa chegou ao Brasil.
Por volta do final do século XIX, o esporte inglês passou a ser largamente difundido,
propagando-se por todo o mundo ocidental, sendo aceito em sociedades capitalistas e
socialistas, mediante ações de embaixadores, missionários, comerciantes, soldados, militares,
marinheiros, educadores, administradores coloniais e colonos, que passaram a praticá-lo em
seus novos lares, permanentes ou temporários.
267
No Brasil, os filhos das elites que estudavam
na Europa e os imigrantes que para aqui vieram naquele momento tiveram importância
significativa na implantação de várias modalidades esportivas. Nessa difusão, o esporte
passou por mudanças e sofreu interferências dos diversos contextos socioeconômicos,
políticos e culturais que o acolheram.
266
O termo sport foi adotado em muitos países para designar genericamente uma classe de passatempos.
(ELIAS; DUNNING, 1992.) No entender de Grifi (1989), o termo “esporte” é fruto de uma evolução que se
realizou entre os séculos XIII e XIV. Na França, já no século XIII, era usada a palavra desport, que deriva de
depórter, com o sentido de recreação ou jogos – conjunto de meios para transcorrer agradavelmente o tempo.
Também na Inglaterra, no início do século XIV, esse termo manteve o mesmo significado, sendo traduzido
por uma terminologia mais britânica (to sport, disporter, disporteress). Magnane (1969, p. 69) acrescenta que
o inglês devolveu a velha palavra desport – jogo – ao francês, “após ter-lhe feito modificações bastante
profundas, das quais a principal é ter restringido e precisado o sentido, reservando ao plural: sports aos jogos
atléticos submetidos a regras restritas”.
267
McINTOSH, 1975.
99
Como o início da República no Brasil foi um período marcado por crises,
transformações e rupturas, em que a modernidade ditava os caminhos a seguir na busca do
novo, da velocidade e do progresso, em contraposição ao velho, ao tradicional da ordem
colonial anterior, as práticas sociais também deveriam estar ligadas ao conceito de cidade
moderna e de civilização. Exigências morais, higiênicas e estéticas imperiosas se impunham
diante da necessidade de ser e de parecer moderno.
Naquele contexto cultural, o que se valorizava era a saúde, a limpeza e a beleza, cujo
símbolo era “a imagem do corpo humano, utilizado intensamente pela publicidade comercial
ou pela oficial, e apresentado em geral semidespido, jovem, saudável, atlético e impoluto”.
268
Dessa forma, o cuidado com a cultura física e o prazer da prática de jogos recreativos
passou a ser valorizado nos novos tempos republicanos. Educar o corpo e disciplinar hábitos
significava integrar o País no perfil do mundo moderno e civilizado. O desenvolvimento da
prática esportiva foi valorizado como forma de adaptar corpos e mentes à demanda acelerada
das novas tecnologias.
269
Segundo Fernando de Azevedo, foi nesse meio social exacerbado pela inquietação da
vida moderna que se deu, aqui no Brasil, a invasão dos esportes anglo-saxônios, primeiro nas
escolas de origem estrangeiras “donde transbordaram para as associações atléticas”. Esse
desenvolvimento foi rápido, destacando-se, naquele momento, uma “heterocromia entre a
influência impetuosa das associações esportivas e a ação lenta do poder público em favor da
educação física”.
270
A partir de então, o esporte e tudo o que trazia as suas conotações se tornavam, no
entender de Sevcenko,
um dos códigos mais expressivos para estabelecer os signos da distinção
social. Ele surgiu e se impôs como um ritual elitista, revestido de valores
aristocráticos do ócio, do adestramento militar e do sportsmanship
(cavalheirismo, imparcialidade e lealdade) .
271
Ao ser apropriado inicialmente pela burguesia, seria traduzido em termos de
agressividade, competitividade e imperativo da vitória. O seu prestígio garantiu que essas
268
SEVCENKO, 1998, p. 575.
269
SEVCENKO, 1992.
270
AZEVEDO, 1960, p. 293.
271
SEVCENKO, 1998, p. 575.
100
conversões prosseguissem ao longo da escala social, o que permitiu que ele fosse se
popularizando, desde os fins do século XIX até o boom na década de 1920.
272
As análises de Nicolau Sevcenko são sobre o Rio de Janeiro. Mas se a tarefa de uma
história do ou dos esportes é identificar, em cada situação nacional, os lugares e os meios que
trazem essas novas práticas, como nos sugere Chartier e Vigarello,
273
como o esporte foi se
constituindo e se enraizando na cultura de Belo Horizonte?
3.1 O ESPORTE NA CIDADE
A primeira referência que encontro sobre esporte na cidade foi a criação do Club
Sportivo 17 de Dezembro, em 1895. Segundo nota no jornal O Contemporâneo, o clube foi
fundado por um grupo de moços entusiastas “desse apreciado gênero de diversão”. Na sua
diretoria eleita, estavam nomes de engenheiros ligados à CCNC.
274
Abílio Barreto afirma que esse clube tentou lançar práticas de esporte na cidade
realizando corridas de cavalos em uma pista improvisada nas proximidades das Ruas Guarani,
Tamoios e Avenida São Francisco (hoje Olegário Maciel). São poucas as referências a esse
clube, talvez pelo fato de ter tido uma duração efêmera.
275
Para a cidade moderna que se queria construir, os membros da CCNC assumiram a
postura de serem educadores na formação de uma mentalidade para ela, impregnada de idéias
racionais, higienistas e assépticas, na busca da civilidade desejada. Assim, além de
desenharem a cidade, procuravam (re)definir também a trajetória das pessoas, numa tentativa
de propor novas formas de convivência e práticas sociais nas quais as de esporte passam a ser
valorizadas.
Nessa cidade foram projetados espaços próprios para a realização de duas modalidades
esportivas: o ciclismo e o turfe. Nesse sentido, sua planta já previa a construção de um
velódromo no Parque Municipal e um hipódromo na IV secção suburbana. O velódromo foi
construído ainda pela CCNC, mas a construção do hipódromo iniciou-se somente em 1905.
272
SEVCENKO, 1998, p. 575.
273
CHARTER; VIGARELLO, 1982.
274
Faziam parte da diretoria: Dr. Ludgero Dolabela, presidente; Dr. Joaquim Lustosa, vice-presidente; Carlos
Quadros, 1
o
-secretário; Henrique Burnier, 2
o
-secretário, Dr. Américo de Macedo, tesoureiro; Dr. Eduardo
Porto, gerente. (CLUB Sportivo, 1895, p. 2.)
275
BARRETO, 1995, v. 2.
101
3.2 O CICLISMO NO PARQUE
Em Belo Horizonte, o ciclismo foi uma prática esportiva que movimentou a cidade nos
seus primórdios. Ele foi, por um tempo, a sua principal diversão nos fins de semanas e
feriados, como nos conta Avelino Fóscolo, em seu romance A Capital:
Era a principal diversão da afamada Capital. Os ciclistas iam e vinham
percorrendo o vasto circo. Famílias aburguesadas passeavam o seu dissabor;
o chefe encasacado, suando por todos os poros, a mulher de capa, apesar do
calor intenso, e os pequenos metidos numa fatiota de cor viva, com uns
gorros carnavalescos.
276
Fóscolo fala da freqüência elegante no Parque nos anos iniciais, mas não deixa de
mostrar que
em cima, no gradil, o povo ávido de distrações formava uma linha extensa.
A gargalhada franca da multidão estridulava ali à queda de algum ciclista
neófito e frases incompletas, em várias línguas, sobressaindo o italiano,
ecoavam no ar.
277
O interesse pelo ciclismo na cidade teve como grande incentivador o engenheiro que
prestava serviços à CCNC, Dr. Fernando Esquerdo, o primeiro a possuir uma bicicleta em
Belo Horizonte.
Montado em sua bela e admirada maquina Cleveland, aí por voltas de 1896,
ele, franzino, trajado de branco e de botas, pedalava pelas velhas ruas do
arraial, foi o único durante algum tempo, que possuiu bicicleta em Belo
Horizonte.
278
Abílio Barreto, em seus manuscritos, afirma que outras bicicletas foram aparecendo, e
o gosto por esse gênero de esporte foi sendo despertado. Após a inauguração da capital, o
ciclismo tornou-se moda, “fez-se chic” e era “exercitado por moços, velhos, senhoras e
276
FÓSCOLO, 1979, p. 155.
277
FÓSCOLO, 1979, p. 156. É importante ressaltar que no período da construção da cidade, o serviço de
imigração do Estado promoveu, entre 1888/1898, a vinda de 68.622 imigrantes, com grande predomínio de
italianos, sendo que, desse total, 49.459 chegaram ao Estado entre 1894/1897, fase de construção da capital.
(BARRETO, 1895, v. 2, p. 354.)
278
BARRETO. Os esportes antigos na capital II ...[s.d.], p. 1.
102
senhoritas da melhor sociedade”. Possuir uma bicicleta era investimento aristocrático. No
cotidiano da cidade,
principalmente as tardes, pelas ruas poeirentas [...] ou pelos arruamentos e
alamedas do Parque desfilavam os ciclistas de ambos os sexos, com gosto e
elegância, montando as mais modernas máquinas dessa espécie então
conhecida.
279
Abílio acrescenta que o gosto pelo ciclismo na Cidade de Minas chegou a tal ponto
que, em maio de 1898, um cronista do jornal A Capital assim comentou:
É um bom exercicio o que executam os srs. bicicletistas, pedalando a mais
não poder pelas ruas da cidade e nas alamedas do Parque. Alguns fazem até
equilibrio de japonezes alta escola
na livre e delicada machina, que [deslisa]
rapida e sem ruido. As ruas do Parque, porem, são largas e extensas e isso de
pedalar por entre as pernas do publico, tenham paciência [...]!
280
Na foto a seguir fica evidenciado o lugar de destaque ocupado pela bicicleta em meio
às pessoas que posavam sobre um dos feitos da CCNC – a galeria de esgotos – em um
momento comemorativo.
Abílio destaca que Fernando Esquerdo, ao mesmo tempo em que pedalava a serviço da
construção da cidade, lançava ali o ciclismo.
281
279
BARRETO. Os desportes antigos na capital II..., [s.d.], p. 2.
280
BARRETO. Os desportes antigos na capital II..., [s.d.], p. 3.
281
BARRETO, 1995, v. 2.
103
FIGURA 13 – Foto de Fernando Esquerdo com sua bicicleta nos trabalhos de construção de galerias
de esgotos no Parque
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
Mas o que representava esse esporte naquela época?
104
3.3 O CICLISMO NO FINAL DO SÉCULO XIX
O ciclismo, no final do século XIX, despertava grande interesse no País,
principalmente por parte da sua elite, que desejava ver aqui “vulgarizado este útil e
interessante gênero da mais innocente distracção, tão festejada pelas famílias da culta
Europa”.
282
O aparecimento dessa prática só foi possível a partir do momento em que, segundo
Georges Vigarello, Pierre Michaux, em março de 1861, montou uma manivela e dois pedais
sob a roda dianteira da velha draisienne,
283
fazendo surgir a indústria da bicicleta. Com isso,
surgiu também uma nova prática física que para numerosos pedaladores se traduzem, de
inicio, em jogo de equilíbrio ou de acrobacia efetuado no conforto de raras salas arranjadas
adotando o modelo da equitação.
284
Construída para mostrar sua utilidade social como meio de transporte, inicialmente,
por seu custo elevado, a bicicleta não era acessível a todos. Como meio cômodo da rápida
locomoção, a bicicleta foi fazendo parte dos costumes da época, pois era parte integrante do
instrumental da civilização moderna.
Na França, as corridas foram organizadas inicialmente de forma esporádica, mas
chegaram a ser numerosas no final da década de 1860, estruturadas por clubes semelhantes
aos das sociedades de regatas, permanecendo dependente de outros modelos de corridas,
como as de cavalos. O aparecimento da imprensa financiando provas para dar notícias
exclusivas fez surgir uma imprensa especializada, uma das formas de difusão do esporte.
285
Mas como o esporte produz, contraditoriamente, desde a sua origem, efeitos de
distinção e processos de imitação, o que deve conduzir a situar o enraizamento social de cada
prática nos seus deslocamentos e nas suas relações recíprocas, podemos notar que “a
282
CORREIO DO POVO 20 dez. 1896, Porto Alegre, apud LICHT, 2002, p. 23.
283
Nos jornais de Porto Alegre, referenciados por Henrique Licht (2000, p. 31), médico porto-alegrense,
garimpeiro na pesquisa sobre a estruturação do ciclismo no Rio Grande do Sul no período de 1869-1905, são
encontradas referências sobre essa draisienne – primeiro aparelho de locomoção rápida, parecido com a
bicicleta. Criação do alemão Dreise, esse primitivo velocípede foi primeiramente denominado cellifero. Essa
crônica que referencia os primórdios da bicicleta, publicada no Correio do Povo, apresenta datas divergentes
das indicadas por Vigarello, que considera 1855 a época em que dois franceses, Michaux e Lallement,
simples segeiros, reformaram a draisienne, inventando os pedais e fazendo outras modificações.
284
VIGARELLO, 2000, p. 104.
285
VIGARELLO, 2000, p. 104.
105
popularização da bicicleta bem no final de século XIX é tanto mais marcada, quando o
investimento aristocrático se fixa, a partir daí, sobre um novo objeto, o automóvel”.
286
No Brasil, esse esporte teve boa aceitação no final do século XIX, tanto no Rio de
Janeiro quanto em outros Estados. Cito por exemplo o Rio Grande do Sul, cuja história do
ciclismo teria tido início em 1869:
Em Porto Alegre, o sr. Dillon, importador de ‘objetos americanos’ já
dispunha de velocípedes para a venda, e seu filho Alfredo, em São Leopoldo
fazia demonstrações na bicicleta para vender o ‘CAVALO DE FERRO’.
287
Considerado naquele momento como “moderníssimo genero de sport”,
288
o ciclismo
passou a fazer parte das diversões que cresciam em importância para o público das cidades,
em especial para as elites, que se tornaram amadoras desse “interessante genero de sport”,
289
considerado uma das “diversões mais finas, mais elegantes e mais úteis”.
290
Para praticá-lo, os amantes desse divertimento, passaram a criar sociedades para
cultivar a sua prática, como foi o caso de Velo Club em Belo Horizonte.
3.4 A CRIAÇÃO DO VELO CLUB
O esporte moderno, naquela época, tinha o clube como espaço para a sua realização.
Se buscarmos o significado da palavra club, um termo inglês, podemos perceber que ele está
relacionado ao local onde se reúnem cavalheiros. Foi assim que, em 19 de junho de 1898,
tendo à frente o engenheiro da CCNC, Fernando Esquerdo, foi deliberada a fundação do Velo
Club, com a finalidade de desenvolver o gosto pelo esporte e proporcionar distração aos
habitantes da cidade. E os detalhes dessa reunião foram assim descritos por Abílio Barreto:
Tomando a palavra, dr. Fernando Esquerdo expôs a necessidade da fundação
de um clube
desportivo. Terminou convidando o sr. coronel Felipe de Melo,
então comandante da Brigada policial, para dirigir os trabalhos da reunião.
Este, assumindo a presidência, convidou os dr. Fernando Esquerdo e
286
CHARTIER; VIGARELLO, 1982. p. 42.
287
LICHT, 2002, p. 13.
288
JORNAL DO COMERCIO, Porto Alegre, 6 mar. 1895, apud LICHT, 2002, p. 17.
289
CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 20 dez. 1896, apud LICHT, 2002, p. 24.
290
CORREIO DO POVO, Porto Alegre, 01 fev. 1898, apud LICHT, 2002, p. 43.
106
Affonso Pena Junior para secretários. Obtendo novamente a palavra, o dr.
Fernando Esquerdo apresentou à mesa um projeto de estatutos, que foi
entregue a uma comissão para estuda-lo e dar sobre ele o seu parecer.
291
A esse clube estavam aliados nomes de pessoas de grande influência na cidade. Como
novidade, sua criação teve grande destaque na imprensa, que relatava, por meio de crônicas e
notas, os feitos desse grupo pioneiro:
Feliz idéia tiveram alguns moços da nossa sociedade, fundando uma
associação destinada a desenvolver entre nós o gosto pelo sport cyclista.
Muita gente se queixa da falta de diversões nesta capital, de modo que o
Velo-Club vem prehencher uma lacuna sencível, se permitem usar do sediço
chavão. [...]
Quero apenas significar o meu aplauso aos fundadores do Velo-Club, e
trazer à nova associação os votos que faço por seu engrandecimento e
realisação dos fins que se propõe. Que não fique embryonaria idéia, e que
todos os habitantes de Bello Horizonte, cujas condições topographicas tão
admiravelmente se prestam ao sport em questão, concorram para a
consecução do desideratum do Velo-Club.
292
Essa imprensa não deixava de ressaltar os valores do exercício físico que esse sport-
byciclettico proporcionava ao homem moderno, que habitava a cidade moderna, valores
considerados, “deixem passar o neologismo, [...] dos melhores, dos mais higiênicos”.
293
A sociedade foi definitivamente fundada no dia 24 de junho de 1898, em reunião
realizada no salão da Biblioteca, sob a direção de Fernando Esquerdo, com a presença dos
entusiastas desse esporte, quando foi eleita sua diretoria.
294
O jornal Bello Horizonte,
destacando o nome do Velo Club, relatou a realização dessa segunda assembléia do clube,
quando compareceram 26 sócios, que deliberaram pela impressão dos seus estatutos,
apresentados pela comissão designada para estudá-los.
295
Criado o clube, tomaram a decisão de realizar corridas periódicas na pista do Parque.
Sua corrida inaugural foi programada para o dia 25 de julho de 1898, assim representada em
nota de A Capital:
291
BARRETO. Os desportes antigos na capital II..., [s.d.], p. 3-4.
292
K. LOURO, 1898, p. 48.
293
K. LOURO, 1898, p. 48.
294
Dr. Fernando Esquerdo foi eleito presidente; dr. Bráulio Pena, vice-presidente; Affonso Horta de O’Leary, 1
o
-
secretário; Elysio de Campos Melo, 2
o
-secretário e Emydio Rodrigues Germano, tesoureiro. (BARRETO. Os
esportes antigos na capital II... [s.d.], p. 5.)
295
Nesta reunião, foi marcada a 3
a
sessão deste clube para o dia 29 de junho, às 7 horas da noite, com o objetivo
de aprovar o Estatuto. (VELO Club, 1898, p. 2.)
107
Teve logar no dia 25 do corrente, às 4 horas da tarde, a inauguração do Velo-
Club há pouco fundado. No local destinado pela prefeitura para as corridas, a
directoria armou com graça e simplicidade as archibancadas que estavam
occupadas por grande numero de famílias, onde causavam agradabilíssima
impressão as cores variadas de elegantes toiletes. Foi enorme a concurrencia
do povo que cobria as alamedas do Parque que apresentava um aspecto
muitíssimo agradável. Disputaram os 3 pareos que houve diversos
associados vencendo o primeiro – Lucifer, 2
o
Hefeslo e o 3
o
Nelumbro,
tendo sido muito rendosa a venda dos poules. Tocou durante a festa a banda
de policia. Deu um sortão, o Velo Club e desejamos que o mesmo elle faça
todos os domingos.
296
Nos manuscritos de Abílio Barreto foram encontrados mais detalhes dessa festa, que
teve grande repercussão na cidade:
Perante uma concurrencia extraordinária de povo e de pessoas da mais alta
sociedade local, ocupando as arquibancadas do pavilhão com [ ] de taboas e
coberto de [zinco] que o prefeito dr. Adalberto Ferraz mandara logo
construir no local que presentemente fica em frente á fachada do edifício
Sulacap a rua da Bahia e á margem do arruamento do Parque. [...] Muitas
famílias, antes das corridas, passeavam pelos arruamentos do Parque, em
charretes e carros de praça ou a pé, ao passo que os ciclistas, vestidos de
branco, com indumentária apropriada, percorriam a pista em suas máquinas
ainda de tipos diversos.
297
A imagem de cidade moderna, agitada, repleta de pessoas e carros começa a se
mostrar na capital também com o esporte. Nessa imagem se destaca a presença da elite da
cidade, que nesses eventos poderia expressar seu sentimento de distinção com suas
vestimentas elegantes, a exemplo das corridas realizadas na França, referenciadas em imagens
apresentadas por Georges Vigarello.
298
Nas palavras de Abílio Barreto, percebe-se, também, a
presença de “povo” que, sem o destaque da elite, contribuiu para o sucesso inicial das corridas
do clube. Esse sucesso estava aliado, principalmente, às possibilidades de diversão que esse
esporte traria para uma cidade que desconhecia atividades dessa natureza.
Na figura abaixo, apresentada por Vigarello, pode-se perceber espaços diferenciados
para a assistência às corridas e o estilo considerado elegante pela cultura da elite, das
vestimentas.
296
A CAPITAL, 4 ago. 1898, p. 1.
297
BARRETO. Os deportos antigos na capital II..., [s.d.], p. 5.
298
VIGARELLO, 2000, p. 105.
108
FIGURA 14 – Corridas na França no final da década de 1860
Fonte: VIGARELLO, 2000, p. 104-105.
No Velo Club de Bello Horizonte, em seu pavilhão, freqüentado pela elite, o estilo das
vestimentas seguia a moda francesa.
FIGURA 15 – Pavilhão do Velo Club
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto (início do século XX).
109
A imagem das pessoas que freqüentavam o pavilhão revela a sociedade da época
exibindo seus trajes de passeio. Senhores engravatados, de bengala, chapéu e luvas eram
acompanhados por senhoras e senhoritas com saias longas e volumosas, com cabelos presos
por chapéus “elegantes”. As crianças seguiam o padrão “elegante” dos adultos.
A organização das corridas era semelhante à das corridas de cavalo, nas quais os
termos páreos e poules faziam parte do linguajar dessas pessoas. Como as possibilidades de
apostas eram restritas àqueles que possuíam condições para tal, podemos entender as palavras
de Avelino Fóscolo:
O Parque estava bem concorrido nessa tarde e se havia alguma nota alegre, o
riso estridulante e são, vinha de cima, do gradil onde a multidão enfileirada
seguia com olhar curioso e feliz única diversão que lhe fornecia a famosa
cidade.
299
O riso espontâneo, sem reservas, dos espectadores era percebido somente naqueles que
acompanhavam a novidade da cidade do lado de fora, gente do povo, amontoados no gradil do
Parque, pois à freqüência elegante não devia permitir excessos.
O que chama a atenção também é o fato de que os sócios do Velo Club, moços
pertencentes à elite da cidade, tinham o hábito de usar pseudônimos nas corridas.
300
Na primeira corrida, realizada em três páreos, figuraram nomes tais como:
Riograndense, Lúcifer, He feslo, Brasil, Joly, [Lusbel], Nelumbo, Stylla, Bull, o que
despertava grande interesse da assistência. No primeiro páreo, foi vencedor Lúcifer, chegando
o Riograndense em segundo. A poule rendeu 10[$]000. O segundo páreo foi vencido por
Hefesto, chegando Brasil em segundo lugar. A poule rendeu 3[$]000. No terceiro páreo foi
Nelumbo o vencedor, chegando Bull em segundo lugar. A poule rendeu 2[$]500. A renda
total das poules foi de 604[$]000.
301
A segunda corrida foi realizada na semana seguinte, no dia 31
de julho.
302
Nesta e em
corridas posteriores, foram utilizadas máquinas de tipos e velocidades diversas, alugadas,
299
FÓSCOLO, 1979, p. 159.
300
BARRETO. Os desportes antigos na capital II..., [s.d.], p. 8-9.
301
BARRETO. Os desportes antigos na capital II..., [s.d.], p. 7-8.
302
Faziam parte da comissão diretora: juiz de partida, Dr. Fernando Esquerdo; juízes de chegada, Drs. Cícero
Ferreira e Ludgero Dolabela; juízes de raia, Teodoro Lopes de Abreu, Antônio Raimundo [Ivani], Adolfo de
Castro e Alberto Horta; juízes de arquibancadas, drs. Salvador Pinto e Josafá Belo. Correram cinco páreos,
dos quais foram vencedores: do primeiro Guarany, rendendo a poule 4[$]300; do segundo Cid, produzindo a
poule de 8[$]800; do terceiro, Brasil, a poule de 3[$]200; do quarto Cing Mars, cuja poule rendeu 6[$]500;
do quinto, Guarany, com o rendimento de 4[$]000. (BARRETO. Os deportos antigos na capital II..., [s.d.], p.
7.)
110
emprestadas ou de propriedade dos sócios. Somente em setembro do mesmo ano o clube pôde
adquirir bicicletas Cleveland, todas iguais, para que todos pudessem ter igualdade de chances
durante a corrida.
303
FIGURA 16 – Ciclistas no Velo Club
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
Na imagem do Velo Club, nos anos iniciais da cidade, que mostra um grupo de
ciclistas prontos para a partida, podemos notar os modelos variados de bicicleta e a vestimenta
elegante de seus condutores. O pavilhão é destacado ao fundo.
O grande interesse por essas corridas fez com que os seus resultados passassem a ser
utilizados em anúncios de vendas de bicicleta nos jornais, tais como:
Bicycletas Cleveland
Vencedoras em todos os pareos nas ultimas corridas do Velo-Club.
303
Corrida realizada em 18 de setembro de 1898. (BARRETO. Os desportes antigos na capital II..., [s.d.], p. 7.)
111
Depositário nesta cidade
Olympio de Assis.
304
As corridas eram organizadas sempre à tarde, aos domingos e às quintas-feiras, com o
tempo calculado para que terminassem antes do anoitecer, pois a iluminação do Parque não
era suficiente. Só posteriormente a Prefeitura iluminou toda a pista “com arcos voltaicos,
melhoramento que imprimiu maior realce às corridas”.
305
Apesar de Abílio Barreto citar a presença feminina na prática do ciclismo, o que se
pode perceber é que ela acontecia não somente de forma competitiva, mas como uma prática
higiênica moderna, uma forma de divertimento. Nas competições do Velo Club as mulheres
eram somente freqüentadoras assíduas das arquibancadas.
306
As representações, aliadas à prática feminina do esporte em Belo Horizonte, podem
ser caracterizadas na crônica intitulada “Cyclista”, que aparece no Jornal do Povo em 1900:
Brrravô! epatante! Diz um addido de legação, quando vê a donairosa
cyclista, pedatant com um garbo, uma faceirice encantadora, na toilette azul
marinho, os pequeninos pés em sapatinhos couro da Rússia, meias pretas
modelando os jarretes que o addido julga ‘adorables’, o chapeusinho preto
com o tope de uma penna esverdeada, muito gracioso!
O sport, que vae ao Parque, conhece de longe a sua machina scintillando ao
bello sol das manhãs e ela passa... zut! como uma apparição, um sonho,
coroada, bonita, achando divertidíssimo esse prazer, que o seu papae não
considera nada higiênico e resmunga, quando a cyclista regressa afogueada,
rosas nas faces, para almoçar com muito com muito bom appetite.
Á tarde... zut! volta ao Parque e sempre a mesma garridice no seu velo chic,
que todo o sport conhece...
Suas amigas, pacatas burguezasinhas, tem medo de andar naquillo e uma,
experimentando uma vez, ah! foi como se o tufão desencadeasse: rendas,
fitas, saias... em que desordem, e houve gritos, houve sustos.
Brrravô! épatante! diz, sorrindo, o addido de legação que anda a aprender o
cyclismo, afim de ver se pode, nessa volta da alameda, ali onde as frondes
das arvores fazem uma suave penumbra, dizer á cyclista que ela é
304
A CAPITAL, 4 ago. 1898, p. 3.
305
BARRETO. Os desportes antigos na capital II..., [s.d.], p. 10-11.
306
Abílio chega a destacar os nomes das senhoritas belorizontinas que freqüentavam as arquibancadas, tais como:
Rosinha Sigaud, Amália Trompowsky, Coralia e Ordalia Magalhães, [Herenia] Lopes, Maria José Sales,
Eugênia Sales, Catita e Eugênia Speltz, Cesarina, Luiza e Evangelina Cerqueira, Palmyra Gomes, Chiquinha
[Fonseca], Antonietha de Souza, Luizinha Negrão, Clotilde Silveira, Amélia Souza, Maria, Alda e Florentina
Ferraz, Cândida Magalhães Alves, Guiomar e Carlota Pereira e Angélica Nogueira. (BARRETO. Os
desportes antigos na capital II..., [s.d.], p. 10.)
112
simplesmente v’lan na toilette própria, o chapeusinho preto com tope de um
penna esverdeada...
A.
307
Como não foram encontradas fotos de ciclistas belo-horizontinas, encontrei no jornal
A Estação, um jornal de modas parisienses dedicados às senhoras brasileiras que circulou por
assinatura, no Brasil, na época da criação de Belo Horizonte, alguns modelos que podem ter
sido referências para as vestimentas esportivas das ciclistas femininas da cidade.
FIGURA 17 – Modelo de vestimenta para ciclista
Fonte: Jornal A Estação. 30 jun. 1897, a. 26, n. 12, p. 95.
307
A. Perfis:... Jornal do Povo, p. 1, 14 mar. 1900.
113
Se o corpo é um constructo histórico e cultural, ao analisarmos os valores aliados ao
corpo feminino naquele final de século XIX, podemos perceber que as atividades corporais e
esportivas não eram recomendadas para as mulheres, pois eram vistas como prejudiciais à
natureza do sexo considerado frágil. Uma visão biologicista, que se centrava na fragilidade
dos órgãos reprodutores, tinha a preservação para uma maternidade sadia como
necessidade.
308
Mas havia quem enfrentasse isso corajosamente, como a ciclista da crônica
acima. Naquele mundo “até então polarizado quase que exclusivamente pela figuram
masculina”, como afirma Sevcenko, as moças foram aderindo, também, aos hábitos modernos
e desportivos.
309
Como nossa cultura foi fortemente influenciada pelos valores europeus, Witold
Rybczynski diz que na Europa, no século XIX, o lugar correto para as mulheres direitas era
dentro de casa e que a diversão pública era território exclusivo dos homens. As mulheres que
freqüentavam as casas de danças e outros lugares de lazer público, como tavernas, parques de
diversão, cassinos e até salões de música, eram consideradas prostitutas. As mudanças
ocorrerem somente a partir dos meados do século, quando os esportes e as recreações se
transformaram em lazer da classe alta.
310
No Brasil, atento aos valores europeus, a educação da mulher também era voltada
exclusivamente para o espaço do privado, mas as novas práticas de lazer e divertimento que
vão se constituindo em novas necessidades sociais, como as práticas esportivas, trouxeram a
visibilidade das mulheres nos espaços urbanos. Essas aparições públicas eram sempre motivo
de apreensão por parte das famílias, em especial as burguesas, temerosas da desmoralização
feminina diante dessas exibições, que poderiam ser julgadas vulgares e desonrosas. Mas,
segundo Silvana Goellner, além dessa representação, ao contrário, a prática esportiva pode ser
identificada como um dos impulsionadores da modernização da mulher e da sua auto-
afirmação na sociedade.
311
Não foram encontradas outras fontes que sugerissem a presença feminina no ciclismo,
somente as referências de Abílio Barreto sobre o desfile de ciclistas de ambos os sexos em
passeios pela cidade e nas alamedas do parque e a crônica assinada por A. Nesta, a roupa
apropriada, a garridice, os temores do pai, a audácia, a ousadia e a satisfação são registrados
como representações aliadas à prática feminina do ciclismo na cidade.
308
GOELLNER. A produção Cultural..., 2003.
309
SVECENKO, 1992, p. 49.
310
RYBCZYNSKI, 2000.
311
GOELLNER. Bela, maternal..., 2003.
114
Mesmo como prática competitiva masculina, algumas representações aliavam o
esporte a uma valorização do fazer corporal em detrimento do intelectual, como podemos
notar na caracterização do farmacêutico no romance de Avelino Fóscolo:
E parecia ter orgulho naquela ignorância. Ostentava bem patente o seu porte
reto e belo de sportman; conservava na cabeça o boné do ciclista, trajava o
costume dos últimos figurinos. Era um velomaníaco; jamais se envolvera em
medicina; jamais abrira um livro de farmácia. Fazia pílulas para se
enriquecer, apenas, e pouco lhe importava se o doente vivia ou morria: isto
era com o médico. A farmácia mesmo, deixara-a a cargo de um prático que
tomara.
312
As corridas no parque pareciam ser, naqueles anos iniciais, a única manifestação
esportiva da cidade e uma das poucas possibilidades de divertimento. Mas a cidade que se
queria moderna, agitada, feérica, naquele momento ainda não se consolidara na realidade. No
romance de Avelino Fóscolo, fica destacado o que representavam os eventos no parque:
O Parque, [...] prenhe de gente, uns recostados ao gradil, outros buscando a
soledade dos ermos, enquanto outros, boquiabertos, acompanhavam com o
olhar os ciclistas a correrem num movimento incessante de maquinas. Nas
ruas havia raros transeuntes concentrando-se todos no único ponto de prazer.
Ao longe as serras apareciam coroadas de bruma. Flocos róseos, grandes
filões sangüíneos, áureas montanhas de nuvens engalanavam o azul, ao sol
poente, muito tristes, diademando com luz esmaecida os montes e os
edifícios. O multicor das nuvens foi-se esbatendo lentamente em plúmbeo e
os focos elétricos estrelejaram à sombra, subindo melancólica naquela
cidade tão jovem e contaminada já pela tristeza doentria de vetustez.
313
Apesar dos eventos esportivos, a imagem-paisagem que se segue na narração do autor,
exaltando a beleza da natureza do local, mostra-nos um momento significativo que é o pôr do
Sol para descrever o estado de espírito melancólico da vida na cidade. E a visão de Avelino
Fóscolo parece não destoar de outros que narram o cotidiano da cidade. Nas crônicas podem
ser observadas as queixas quanto à monotonia reinante, principalmente nos dias consagrados
ao lazer. Transcrevo a crônica assinada por Pif, publicada no Diario de Minas, que descreve
um dia de domingo na cidade.
O sujeito com cara de enfastiado, apparentando sofrer de uma tristeza de
hepático, entrou no meu escritório e disse: - Sou o domingo bello
horizontino. Tenho a gravidade de um defuncto, a melancholia de um
312
FÓSCOLO, 1979, p. 241.
313
FÓSCOLO, 1979, p. 139.
115
cemitério, o aborrecimento de um discurso de engrossa. Vou a missa, porque
não tenho onde ir. Entro no templo, o velho templo, namorisco as moças,
examino as caras dos devotos, todos de uma [hy]pocondria egual á minha, e
saio. Na rua, o vento me amola, o pó me afflige. Chego ao Grande Hotel: á
mesa do café, alguns deputados de uma circunspecção que entristece,
cochicham frioleiras políticas; outros bocejam, lendo os jornais. Aquillo
irrita-me os nervos, ponho o chapéu e ... rua! Vou ao Restaurant do
Congresso: dois sujeitos, de um sério de quem assiste a sessão fúnebre,
fumam, calados bebendo cerveja. Silencio e pasmacera. Ouço o zumbir das
moscas. Fico danado e desço ao Café Acadêmico: numa mesa, dois sujeitos
ainda, mudos, mordendo a ponta dos cigarros, jogam fleumaticamente o
dominó. Desespero e, de novo, rua! Casas fechadas. Grupos esparsos de
operários passam , conversando, e só distinguo as palavras ‘dinaro’, ‘per la
madona’. [...] Vou flanar no parque. Muita gente, mas todos andando com ar
de fastio, [...]. A musica chora umas walsas sentimentaes. O povo continua a
andar numa besteira hedionda. [...] Cyclistas correm, suam e ... o povo
andando, andando. De repente, vejo toda a gente ir saindo. A noite chega e o
parque mergulha em treva. [...] A banda segue caminho do quartel...
Nisso, um farrancho de guapas mocetonas e um mocinho entraram e o
rapazito deitou o monoculo e o verbo:
– Seu domingo, eu sou o assustado; trago aqui as minhas dilectissimas irmãs:
a polca, a mazurka, a walsa, a quadrilha... que sou eu? Terpsychore
completa... Vamos dançar.
– Seu assustado, então é tudo quanto Belo Horizonte me pode dar? Por Deus
já estou encabulado de só ter este divertimento...
– Que quer o sr., seu domingo? [...] é o que há no mercado...
– Nem um theatro, nem um café com música, nem um prado de corridas...
nada, nada... a não ser o baile e o assustado. [...]
Mas isso será viver? Trabalhar a semana toda e chegar o meu dia e eu não
poder oferecer outra diversão a não ser o assustado?
314
Essas representações refletem a distância que ainda existia da Belo Horizonte
“Cosmopolita” que se queria, que se sonhava para a capital de Minas, da Belo Horizonte
“pueirópolis”, pacata, sem a vida smart daquele tempo. Não seria uma expressão de uma
cultura daqueles seus habitantes? Outras análises ainda se fazem necessárias para essa
resposta, pois naquele período a cidade contava, ainda, com apenas pouco mais de um ano de
vida. Mas, na imagem da cidade, o esporte já trazia a sua marca, como se pode ver na figura
abaixo.
314
PIF. Diario de Minas, 2 jul. 1899, p. 1.
116
FIGURA 18 – O pavilhão do Velo Club na paisagem do Parque Municipal
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto.
O lazer como contraponto do trabalho fez do fim de semana um prêmio. Para a
maioria das pessoas, a vida poderia assumir um ritmo diferente nesses fins de semana. E essa
nova estrutura do tempo afetava não só quando, mas como descansamos. Witold Rybczynski
nos ajuda a entender essa necessidade de se fazer “algo”. Baseando-se em Cherterton, que
escreveu no início de 1900, o autor relata que a palavra lazer era usada para três coisas
diferentes: “A primeira, é poder fazer alguma coisa. A segunda, é poder fazer qualquer coisa.
E a terceira (talvez a mais preciosa) é poder não fazer nada”. Segundo ele, a primeira
definição era a forma mais comum de lazer e a que vinha sofrendo aumento quantitativo
naquele momento.
315
Esse desejo de fazer algo no lazer fez do fim de semana uma busca por diferentes
possibilidades de divertimentos. A prosperidade, cuja conseqüência foi o aumento do
consumo, constituiu um dos valores modernos mais marcantes no lazer, por ter permitido o
consumo de uma grande variedade de bens e de cultura. Passa-se aí a ser incentivado o
interesse pelos jornais, pelas bibliotecas públicas, pelos teatros, pelos consertos, pelas galerias
de arte ou pelos museus, pelos jardins botânicos e, também pelo esporte, que vai fazendo com
que, cada vez mais, seja destacado o fim de semana como a possibilidade para o exercício
físico e os jogos. Não se pode esquecer também de que, no século XIX, houve um incentivo
315
RYBCZYNSKI, 2000, p. 22.
117
ao uso dos parques públicos, pois andar fazia bem ao corpo e acreditava-se que ficar em meio
à natureza melhorava o espírito.
316
Em Belo Horizonte, as possibilidades de divertimento no domingo diminuem bastante
com a interrupção das atividades do Velo Club, como aparece em algumas referências da
imprensa em 1899. O exemplo é a crônica publicada no Diario de Minas:
Suspensos os festejos do mez de Maria, não sabe a população horizontina
aonde deva ir buscar uma diversão menos monótona do que o passeio ao
parque aos domingos. A não ser os namorados que ali se dão entrevistas, este
pobre parque, tão parco de sombras e de folhagens, pouco attractivo
offerece, mesmo quando a banda militar põe ali a estridencia dos metaes e o
estrondo da pancadaria.
Antigamente ainda havia o Velo-Club, cujo pavilhão lá está sofrendo o rigor
dos temporaes; mas os cyclistas exhalaram-se e o parque deixou de
proporcionar aos freqüentadores e visitantes o espetáculo das corridas e dos
palpites do sport.
317
Sem o funcionamento das corridas promovidas pelo Velo Club, o ciclismo era
praticado, no Parque, somente por alguns interessados em aprender esse esporte considerado
de grande valor higiênico na época. Mas a imperícia de alguns e a imprudência de outros
acabavam por provocar atropelamentos de crianças, que por várias ocasiões, em 1899, foram
manchete nos jornais da cidade. Esses fatos foram suficientes para que aparecesse a seguinte
nota no Diario de Minas:
Attendendo aos repetidos desastres que se devem á imperícia ou
imprudência de alguns cyclistas, o dr. Francisco Salles baixou uma portaria
prohibindo terminantemente as corridas de bicycleta no Parque, enquanto
não se reorganizar o Velo-Club ou outra associação que delimite a pista para
as corridas.
318
A ausência do esporte, que tanto movimentava o Parque, aliada à monotonia reinante
na cidade, também mereceu o destaque de Avelino Fóscolo:
O Parque, lá embaixo, deserto, emudecido, desnudado de seu antigo atrativo
– o ciclismo; as avenidas solitárias com raros transeuntes morosos e
tristonhos; a Piedade sempre com o seu panorama monótono de serro
imutável; o canal da grande avenida inacabada, obstruído, já em ruínas no
alvorecer da existência e por toda a parte, como um sudário imenso, a luz
316
RYBCZYNSKI, 2000.
317
CHRONICA. Diario de Minas, 21 maio 1899, p. 1.
318
DIARIO DE MINAS, 14 abr. 1899, p. 1.
118
empalidecida do sol coando-se por entre nuvens, afogando em ondas de
melancolia a capital – envelhecida ao nascer, com a pacatez das velhas
cidades coloniais.
319
O sonho da cidade moderna, após dois anos de sua inauguração, ainda estava longe de
ser concretizado. Nem o ponto que vinha sendo referência identitária da modernidade – o
esporte no Parque – existia mais. Não há referências que esclareçam o fim das corridas, mas
acredito que possam estar relacionadas à saída de Fernando Esquerdo da cidade.
320
O Jornal
do Povo, ao exibir a crônica Bohemios, em 1900, sugere a sua ausência:
Macambusio embora gosando as folgas de domingo na convivência dos
livros, [...] ou dos jornais estrangeiros que contam a vida que estúa la fora,
gloriosamente, venho trazer as minhas saudações aos cyclistas cá da terra, os
quaes, parece-me, desejam reviver o vieux temps do Velo Club, quando a
silhueta de Fernando Esquerdo destacava-se ali na pista, bello typo de árabe,
adorável trocista de binóculo.
321
Essa crônica relata o interesse em reviver os bons tempos do Velo Club, quando era
comandado por Fernando Esquerdo. Outros jornais, como o Diario de Minas, já faziam
referência a ausência do ciclista, desde janeiro de 1899, ao falar sobre o Parque como: “ahi
onde já não se vê a petulante silhueta do Esquerdo, de monóculo, cavalgando o velo”.
322
A partir de então, o clube passou por várias interrupções e retomadas, mas nunca mais
obteve o sucesso dos tempos iniciais. As suas corridas reapareceram aliadas a grandes
comemorações ou a eventos de cunho beneficentes e humanitários como:
Realizam-se hoje as corridas do Velo Club comemorativas do 4
o
centenário e
em benefício da Santa Casa desta capital. O gênero da diversão e o fim
humanitário a que se destina o producto são sufficientes para que hoje á 1
hora tarde esteja repleto o Parque, onde se effectuarão as corridas.
323
A retomada das atividades do Velo Club foi recebida com entusiasmo, pois era o
divertimento domingueiro mais animado e desejado na cidade.
319
FÓSCOLO, 1979, p. 220.
320
Encontro referência no Diário de Minas de 21 de maio de 1899 (CHRONICA, 1899, p. 1), que fala do Velo
Club como um fato antigo, que não mais existia e outra em (PIF. Jornal do Povo, 20 maio 1900, p. 1), que
relata o desejo de reviver os bons tempos do esporte, diferente do que cita Abílio Barreto, de que após 25
agosto de 1898 o Velo Club imprimiu “maior realce ás corridas naquelas e nas tardes subseqüentes, com a
mais perfeita regularidade, até 6 agosto de 1900”. (BARRETO. Os desportes antigos na capital II..., [s.d.],
p. 11, grifo nosso.)
321
PIF. Jornal do Povo, 20 maio 1900, p. 1.
322
BOHEMIOS, 1899, p. 1.
323
FESTAS do centenário, 1900, p. 2.
119
O Velo Club dará, de certo, alguma animação a esse Parque, a que falta
illuminação, como lhe faltam mesas, onde o bom burguez poderia beber um
bock a palestrar.
Algo precisa esta cidade para divertir-se [...].
Se o Velo não offerecer ao povinho essa distração, os domingos bello-
horizontinos terão apenas o esplendor da natureza, mas nem toda gente é
pantheista para achar admirável o espetáculo destas colinas verdejantes
realçadas pelo azul limpo do céu. [...]
Que o Velo se reorganize e tenha o brilho de outrora, dos dias em que os
cyclemen faziam os jogadores perder alguns cobres – é , de certo , o desejo
das senhoritas que, nas tardes domingueiras, vendo o céu tão formoso quanto
ellas, não sabem onde ir matar o tempo.
324
Essa retomada das corridas, inicialmente para eventos beneficentes, despertou o
interesse de se organizar o clube para que ele voltasse a promover corridas no velódromo do
Parque. O Jornal do Povo apresentou a seguinte nota:
Sob a presidência do acadêmico Affonso Penna Junior reuniram-se hontem
no salão do Grande Hotel os sócios do Vello
(sic)
-Club.
Sendo pelo presidente da reunião exposto o fim da mesma, foram em
seguida apresentadas diversas propostas prevalecendo a do sócio Raul
Mendes que manda nomear uma comissão para angariar acções no valor de
30$000.
Uma vez feito isto a comissão deliberará conforme o fundo extincto se
reorganiza o antigo Velo Club ou se funda outro.
325
Há referências de que a reorganização não tenha sido um processo tranqüilo, uma vez
que o Jornal do Povo redigiu a seguinte nota: “Parece que se não houver accordo com a
directoria do Velo Club por parte da commissão, encarregada de reorganisar esta sociedade,
fundar-se-á uma outra com o nome de Velodromo Horizontino”.
326
Não foi possível desvendar
o desenrolar desses fatos, mas o que se pode evidenciar é que Velo Club continuou ativo, pois
os jornais noticiaram eventos do clube no período de junho a agosto de 1900, marcados por
“pouca concurrencia e muitos tombos de cyclistas”.
327
324
PIF, 1900, p. 1.
325
A comissão era composta dos srs. Raul Mendes, E. Cerqueira, dr. Vaz de Lima, Salvador Pinto Junior T. de
Abreu e Affonso Penna Junior. (VELO-CLUB, 1900, p. 2.)
326
JORNAL DO POVO, 26 maio 1900, p. 2.
327
Corrida realizada em 5 de agosto de 1900. ( JORNAL DO POVO, 7 ago.1900, p. 2.)
120
Durante 1901, o nome Velo Clubo aparece mais aliado às corridas de bicicletas que
por várias ocasiões foram realizadas em benefício das obras da Santa Casa.
328
O Diario de
Minas destacava:
Corridas. É provável que no domingo próximo se realise no Parque, ora tão
faltoso de divertimentos, uma corrida de byciclettes, organizada por alguns
rapazes amantes desse gênero de sport. O Programma será organizado
amanhã, á tarde, no Parque. O produto da venda de poules será applicado ás
obras da Santa Casa desta cidade.
329
O convite para essas corridas beneficentes podia aparecer até em forma de versos:
A rir
Ao Parque, o dia convida;
E tolo é quem fica em casa;
Não deixem de ir a corrida
P’r’as obras da Santa Casa!
330
A cidade passou, a partir daí, por mais um período sem corridas organizadas no
Parque. E anúncios de venda de bicicletas aparecem nos jornais:
BICYCLETTA
Vende-se uma em perfeito estado.
Informações nesta redação das 10 ás 4 horas da tarde.
331
Somente em março de 1902, o Diario de Minas noticiava que alguns rapazes amadores
do esporte convidavam seus companheiros para uma reunião que se realizaria no hotel
Tibúrcio, “afim de tratarem do início de uma nova série das antigas e saudosas corridas no
Parque. É uma tentativa digna de applausos.”
332
E a imprensa lembrou o que representavam as corridas do Velo para a cidade, além de
ser sua grande incentivadora:
328
É interessante destacar que estas corridas foram organizadas de forma autônoma, por um grupo de rapazes,
que durante o período de junho de 1901 a agosto de 1901 eram noticiadas no Diario de Minas somente como
Corridas de Bicycletes. Nos meses de agosto e setembro, aparece como título das chamadas para os eventos,
todos em benefício da Santa Casa, o nome Velo Brasil, cuja última corrida foi programada para 22 setembro
de 1901 (VELO Brasil, 1901, p. 1).
329
CORRIDAS, 1901, p. 1.
330
PUNCH, 1901, p. 1.
331
BICYCLETTA, 1902, p. 1.
332
SPORT. Diario de Minas, 30 maio 1902, p. 1.
121
Ao que dizem vão resurgir as bellas tardes de outr’ora no Parque... As ruas
flexuosas do Parque, onde a relva nova dava uma cariciosa impressão de
frescura, enchiam-se de gente, de uma cidade alegre, de senhoritas graciosas,
orgulhosamente seductoras nos vestidos leves e claros de passeio, enquanto
junto ao pavilhão do Velo-Club os apostadores e os ‘sportmen’ discutiam a
corrida que findava e as probabilidades da que viria dahi a pouco, disputando
sobre a agilidade e a resistência dos cyclistas – a primavera da cidade
florescendo em força e graça – que passavam por entre a multidão,
petulantes nas suas camisetas de cores e nos seus triumphos... Era ali a
reunião da sociedade horizontina, feliz de poder desalterar-se em uma tarde
fresca e movimentada, cheia de claridade e de música, da semana monotona
que a cidade arrastava somnolentamente... A fanfarra da Brigada enchia o ar
de harmonias excitantes [...] E as corridas do Velo [...] eram a ‘great
attration’ das formosíssimas tardes da capital mineira. Isso passou como
tantas outras cousas... [...] Anunciam-se de novo corridas no Parque, um
novo Velo toma o logar e as tradições do outro... bom tempo vai ser
lembrado. Cyclistas, a postos!
333
A nova fase do Velo Club também teve uma vida efêmera. Realizou somente cinco
corridas. A primeira foi realizada em 15 de junho, em homenagem ao prefeito Bernardo
Monteiro, ao Coronel Alfredo Vicente Martins e ao dr. Pedro Sigaud. Para o evento o
pavilhão passou por uma reforma. A segunda, em 23 de junho, homenageou a imprensa. A
terceira foi realizada em 6 de julho e a quarta, em 20 de julho, evento em benefício das obras
da Capela do Sagrado Coração de Jesus. A última corrida foi em 10 de agosto de 1902.
334
Depois disso, entrou novamente na inatividade. Com a extinção do Velo Club, as referências
às corridas na cidade, naquele início de século, passam a ocorrer somente em alguns eventos
beneficentes e comemorativos.
335
E o Velo Club, por um bom tempo, foi lembrado nos jornais da época. A cobrança por
incentivos aos divertimentos e à prática esportiva na cidade eram uma constante na primeira
década do século XX. Transcrevo parte da crônica de Abílio Barreto, publicada no jornal
Diario de Noticias em 1907, que descreve, com riqueza de detalhes, as diversões da cidade,
cobrando políticas para o melhor desenvolvimento de suas práticas esportivas e de lazer:
Temos jardins, prados, bondes, luz e algum conforto, mas nos faltam
diversões. Temos meio de vida para o corpo, mas não temos para a alma;
portanto o que necessita o povo, agora, é de diversões. Os domingos, aqui,
são piores [...], as suas tardes são mais tristes[...] e as suas noites[...].O
Theatro municipal, em construção, apesar de parecer a obra de Santa
Engracia, sempre trouxe alguma esperança `a alma do povo, mas quando
333
ECHOS. Diario de Minas, 9 jun. 1902, p. 1.
334
BARRETO. Os deportos antigos na capital II:... [s.d.], p.13-14.
335
Recebeu um grande apoio da imprensa uma corrida realizada em 6 de novembro de 1904, em benefício do
clube carnavalesco Progressista. (A EPOCHA, 6 nov. 1904, p.1.)
122
ficará pronto, eis o que é ainda um mistério. Possuímos um parque vasto e
admirável, esquecido agora, onde já fizera época o saudoso Velo-club, com
suas corridas de bicicletas, animadamente encantadoras. Bom tempo!
Saudoso tempo! Por que não nos dá a Prefeitura outra fase como aquela?
Que lhe falta? O Parque d’agora não é o mesmo daqueles áureos tempos,
com suas árvores, flores, pássaros, lagos, cascatas e bosques? E então!...
Carece de ser banido dali aquele ar de solidão ignota, e para isto não é
bastante a retreta de duas horas impróprias aliás, que ali faz a Lyra Carlos
Gomes aos domingos; mas também a reanimação do parque não depende
senão de boa vontade da Prefeitura e das classes poderosas da capital.
Voltasse para ali o excelente Velo-club, com as suas elegantes corridas;
criassem-se ali jogos esportivos e outros exercícios; fizessem-se concessões
vantajosas a quem se estabelecesse ali com um bom café-restaurante; e
tocasse ali, às terças, quintas feiras e domingo uma das bandas musicais da
capital e veríamos sanadas as lamentações do povo contra a falta de
diversões, contra o tédio e contra a Prefeitura.[...] Aqui fica pois, a idéia, e
que ela se transforme em verdade é um desejo meu e de toda gente da
capital.
336
As notícias sobre o Parque, em 1907, revelam um novo uso para o pavilhão do Velo
Club. A Lira Carlos Gomes passou a utilizá-lo para retretas nos domingos. O interessante é
que, numa notícia do Diario de Noticias, foi encontrada a seguinte solicitação: “[...] destaque
a Prefeitura alguns guardas municipais, com fardamento e distinctivo que faça conhecida essa
qualidade. Nas entradas da Avenida Affonso Penna e rua dos Tamoyos, fiquem dous guardas
para impedir a entrada cyclistas”.
337
Até a década de 1920, foram encontradas somente mais três referências a corridas de
bicicleta. A primeira, em 1908, realizada em quatro páreos, no Parque Municipal, sem
maiores referências, esclarecia somente os prêmios por cada páreo, que seriam: “um par de
abotoaduras”; “uma rica chantellaine”; “um belo alfinete” e “um rico relógio”.
338
A segunda,
em 1915, em um grande festejo popular em benefício do Club dos Progressistas, e a terceira,
em uma quermesse realizada no Parque Municipal, em 1917, que constava do programa
corridas a pé e de bicicletas. Essa última era em benefício das famílias dos reservistas
italianos que haviam ido para a guerra.
É preciso destacar que, nas corridas de bicicletas, a comissão organizadora dos
festejos, havia avisado que “não seriam admittidas bicycletas de fabricação allemã”, por rixas
da guerra. As medalhas para premiação também foram divulgadas. Nas corridas a pé, medalha
de ouro para o 1
o
lugar e de prata para o 2
o
. Nas corridas de bicicletas, para o 1
o
lugar, uma
“grande e artística medalha de ouro”; para o 2
o
, “uma pequena e artística medalha de ouro; e
336
CHRONICA. Diario de Noticias, 22 fev. 1907, p. 3.
337
DIARIO DE NOTICIAS, 6 mar.1907, p. 2.
338
CORRIDAS no parque, 1908, p. 1.
123
para o 3
o
,
uma medalha de prata. O interessante é que, nas provas esportivas, a premiação já
procurava características dessas práticas diferentes das provas como corridas “de saco” e de
“burros”, nas quais os prêmios eram em dinheiro.
339
Ressalta-se que, premiação com medalhas
de ouro, prata e bronze foi instituída nos Jogos Olímpicos de Atenas de 1906.
340
Assim, ao recuperar os caminhos iniciais percorridos pela primeira manifestação
esportiva na cidade, são necessárias algumas considerações.
Fruto dos interesses da CCNC em criar na cidade uma prática social moderna, de
grande repercussão na Europa, o ciclismo em Belo Horizonte não teve o desenvolvimento que
se esperava. Usado inicialmente como forma de sofisticação da vida social da cidade, teve boa
acolhida por parte das elites que, por suas representações, aliadas à distinção social e
principalmente aos valores higiênicos do exercício físico, passaram a valorizá-lo, mas o que
se percebe é que não houve participação popular. Como as corridas no Parque consistiam na
primeira manifestação esportiva da cidade que se constituía, elas foram significativas como
uma das poucas possibilidades de divertimento que se poderiam oferecer. Como novidade,
despertava o interesse de toda a população que, ávida por divertimentos para fugir da
monotonia reinante, se dirigia ao Parque nos fins de semana.
No entanto, como organização esportiva moderna, o ciclismo em Belo Horizonte
apresentou somente uma fase embrionária. Apesar de possuir um espaço próprio – o
velódromo – e buscar se institucionalizar com a criação do Velo Club, naquele momento ainda
não possuía regras específicas, uma vez que usava como referencial os modelos do turfe. Seu
calendário de competições não apresentava uma organização esperada, e a inconstância do
próprio Club fez com que o esporte fosse somente um divertimento esporádico, funcionando
de acordo com interesses a ele relacionados.
E esses interesses podem ser destacados, inicialmente, como os sonhos da CCNC, que
era representada pela figura de Fernando Esquerdo, que procurou criar as bases para o
funcionamento de uma prática esportiva nos moldes modernos, condizente com a cidade
idealizada por ela. Com o afastamento de seu idealizador, o esporte deixa de existir na sua
concepção inicial, passando a funcionar como espetáculos esporádicos organizados pela elite
da cidade e, principalmente, em campanhas beneficentes.
339
CORREIO DA TARDE, 27 dez. 1917, p. 2.
340
Os Jogos Olímpicos de 1906, realizados em Atenas por interesse dos gregos, mesmo com o apoio do COI, foi
considerado posteriormente como torneio extra-oficial. Em 1906 foi construída a primeira vila olímpica,
criada a cerimônia de abertura e a premiação com medalhas de ouro, prata e bronze. “Até então, o vencedor
ficava com a prata e o segundo com o bronze”. Disponível em http://br.yahoo.com/olimpiadas
2004/especiais/1908.php.
124
Como um jogo de apostas realizado nos moldes do turfe, as corridas de bicicletas se
prestaram a essas campanhas, pois despertavam, inicialmente, no público belo-horizontino um
grande interesse, além de ser uma das formas mais eficientes de angariar fundos com fins
humanitários. É preciso ressaltar que o período em que esse esporte existiu na cidade foi
marcado por crises financeiras no governo. O Estado estava sem recursos, pois havia
investido muito na construção da cidade, o que gerou um êxodo de trabalhadores pela falta de
emprego, uma vez que até as construções particulares se tornaram raras.
341
Como, no período, o jornal era um meio de comunicação que mais se aproximava da
população urbana, a imprensa belo-horizontina teve papel importante desde a criação do Velo
Club, divulgando seus eventos, mostrando a eleição de suas diretorias e, principalmente,
incentivando e convocando a população para prestigiar as suas corridas. Esse incentivo foi
vantajoso para o clube e para a própria imprensa, pois, ao divulgar os resultados das corridas e
difundir suas atividades, ela podia colher lucros com anúncios, bem como com o aumento das
vendas dos jornais. Essa relação foi sempre bem explorada por ambas as partes, tendo o clube,
inclusive, homenageado a imprensa em uma das suas últimas realizações.
Assim, como sonho dos “produtores do espaço”, o ciclismo em Belo Horizonte não
chegou a ser efetivamente apropriado pelos habitantes da cidade, tendo, com isso, contribuído
somente para propiciar uma prática de divertimento e imprimir na cidade a imagem do
espetáculo.
3.5 O TURFE NA CIDADE
A primeira tentativa de praticar o turfe em Belo Horizonte foi realizada com os
membros da CCNC, no Club 17 de Dezembro, que realizava corridas de cavalo em uma pista
improvisada. Por esse clube ter tido duração efêmera, o esporte não chegou a ser implantado
efetivamente, mas a idéia havia sido semeada.
Com um local específico reservado pela CCNC na planta da cidade para a construção
de um hipódromo na esplanada, que ficava entre o bairro do Barro Preto e o subúrbio do
Calafate, logo após a inauguração da capital, algumas pessoas que buscavam promover
negócios e divertimentos cogitaram de fundar na cidade um clube de corridas. Segundo Abílio
341
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Relatório 1899/1902, 1902.
125
Barreto, em 2 de janeiro de 1898, em reunião realizada na redação de A Capital, houve a
tentativa de se criar um clube de corridas. Na ocasião, além de elegerem a diretoria, foram
nomeadas duas comissões: uma para conseguir auxílio com o governo e outra para organizar a
sociedade.
342
Embora fosse uma iniciativa aplaudida pela sociedade belo-horizontina e apesar da
boa vontade de seus membros, pessoas de grande influência na cidade, e do interesse da
imprensa, a idéia não foi adiante, sobretudo, pela crise financeira por que passava a Prefeitura
e o Estado, em virtude dos gastos com a construção da capital. Segundo ata lavrada pelo Sr.
Luis Gomes Ribeiro Júnior, foi eleito presidente o capitão Mariano de Abreu. Compareceram
a essa reunião os senhores Eugenio Thibau, Arthur Haas, José Pinto Valente, Alberto
Bressane Lopes, Leopoldo Cesar Gomes Teixeira, dr. Oscar Trompowisky, Miguel Francisco
de Matos, capitão Marianno Ribeiro de Abreu, José Tricoli, Leonardo Guttierrez, Antônio
Alves, Pedro Joaquim de Almeida, José d’Avila Goulart, dr. Olynto Meirelles e dr. João
Proença.
343
Mas a idéia se manteve e outras iniciativas foram se constituindo.
A primeira, destacada por Barreto, refere-se à permissão obtida pelo coronel Júlio
César Pinto Coelho para mandar preparar o terreno destinado ao prado de corridas nas
proximidades do quartel do 1
o
Batalhão da Brigada Policial, ação que não foi a termo.
344
No
entanto, existem evidências de que seu projeto havia sido preparado. Segundo o Jornal do
Povo, de agosto de 1900, sua planta já havia sido preparada para a construção do hipódromo,
aguardando modificações pelo então prefeito.
345
Outra iniciativa foi encabeçada pelo coronel João Alfredo de Athayde, que propôs ao
então prefeito Bernardo Monteiro organizar uma sociedade e construir, no lugar designado na
Planta Geral da capital, um prado de corridas com a capacidade para 4 mil pessoas, tomando
como referência para modelo qualquer um dos existentes na Capital Federal.
346
Em carta endereçada ao prefeito da capital, o coronel João Alfredo expôs as condições
a que estariam sujeitas ao critério da Prefeitura. Dentre elas, comprometia-se a iniciar as obras
de construção do prado de corridas e seus acessórios no prazo de oito meses e concluí-las em
342
Essa reunião foi notícia no Minas Gerais, em NOTICIAS Diversas, 12 jan. 1898, p. 6.
343
BARRETO. Os desportes antigos na capital II..., [s.d.], p. 1. É interessante destacar que Abílio Barreto, em
seu manuscrito Desportos, cita esses mesmos fatos na história do ciclismo, mas o clube de corridas que iria
ser criado, tudo leva a crer, era de cavalos, semelhante ao primeiro clube do turfe do Rio de Janeiro – o Club
de Corridas.
344
BARRETO. Os desportes antigos na capital I..., [s.d.], p. 2.
345
JORNAL DO POVO, 17 ago. 1900, p. 3.
346
ATHAYDE, 1902.
126
um ano, a partir da assinatura do contrato, sujeitando-se à fiscalização de engenheiro nomeado
pela Prefeitura, o qual daria parecer sobre sua segurança e embelezamento antes de sua
inauguração. A Prefeitura deveria conceder gratuitamente, sem ônus algum, por vinte anos, a
área do terreno para sua construção, além da isenção absoluta de todos os direitos e impostos,
quer sejam relativos às corridas ou a outros festejos que ali se realizassem, quer ao
funcionamento de botequins, restaurantes, etc. Caberia à Prefeitura, também, fornecer, livre
de impostos, a água potável necessária e estender até o Prado a linha de bondes, com a
ressalva de que não poderia conceder favores para fins idênticos no mesmo período. O
coronel João Alfredo encerrou dizendo que esperava que o prefeito pudesse ligar “o seu nome
a mais este importante melhoramento, que virá contribuir mais ainda para a prosperidade
desta florescente Capital, que tudo deve a [sua] sabia administração e incansável
patriotismo”.
347
Aceitando a proposta, o prefeito Bernardo Monteiro firmou contrato com o coronel
Athayde, conforme apresenta no seu Relatório anual:
A 7 de maio do corrente anno, firmei com o sr. coronel João Alfredo de
Athayde ou companhia que organizar, contracto para construcção, uso e
goso de um prado de corridas no logar designado na planta geral da cidade,
approvada pelo decreto n.817 de 15 de abril de 1895. O prado terá
capacidade para mais de 5000 pessoas, modelado pelo que houver de
melhor. O contractante obrigou-se a iniciar as obras dentro de 8 meses e a
concluil-as definitivamente dentro de um anno. A planta, guardando todas as
condições technicas, já foi approvada. A Prefeitura consedeu-lhe isenção de
impostos pelo prazo de 5 annos, obrigou-se ainda a fornecer-lhe água
potável necessária e a extender até o local do prado a linha de bonds
actualmente em construção, de modo a funccionar tudo por ocasião da
inauguração do hippodromo. No caso de não lhe ser possível a construção
deste trecho de bonds, dar-lhe-á a Prefeitura o privilégio por 15 annos, para
uso e goso de uma linha de bonds por tracção animal, partindo do ponto mais
conveniente da viação urbana até o referido local, sendo distribuída neste
caso á Prefeitura 3% da renda líquida do tráfego, verificada semestralmente,
podendo ser encampada a dita linha a todo o tempo, pelo preço do
orçamento, que será feito e approvado pela Prefeitura. O terreno tem 19
hectares. Com verdadeiro contentamento, vi organizar-se promptamente
nesta cidade uma sociedade anonyma para execução d’este utilissimo
emprehendimento, tendo sido subscripto todo capital e recolhida uma parte
das chamadas.
348
No ato de assinatura do contrato, estavam presentes: Bernardo Monteiro, prefeito da
capital; Ludgero Dollabela e Pedro Sigaud, diretores de obras da Prefeitura; Henrique Salles;
347
ATHAYDE, 1902.
348
BELLO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Relatório de 1899/1902, 1902, p.55-56.
127
José Benjamin e Cel. João Athayde.
349
No dia seguinte, o Turf Horizontino foi manchete no
Diario de Minas, que detalhou todos os aspectos do contrato, acrescentando que o projeto,
incluindo o perfil da raia e o desenho das arquibancadas, fora confiado a um competente
engenheiro da capital federal cuja “technica de profissional” reunia “habilidade delicada de
fino e entendido sportman. Segundo a nota, o desenvolvimento da pista seria idêntico ao do
Derby Club do Rio,
350
com 1.870 metros de extensão e arquibancadas construídas para 4 mil
pessoas, além dos pavilhões para sócios e para o público, um pavilhão central para a diretoria
e autoridades do Estado convidadas.
351
Com essas referências, o clube mineiro seria
construído no padrão do que existia de mais moderno no País.
Abílio Barreto esclarece que em 17 de maio o coronel Athayde já tinha subscrita
quantia superior a 50 contos para o estabelecimento do prado e que a planta do novo
estabelecimento, trabalho do arquiteto Edgard Nascente Coelho, ficaria exposta na casa
comercial do senhor Narciso Coelho, a partir de 10 de junho de 1902. A partir daí, constituiu-
se a Companhia Anonyma Derby Mineiro. A primeira diretoria tinha como presidente, dr.
Henrique Salles; vice-presidente, dr. José Pedro Drummond; diretor-secretário-gerente,
coronel João Athayde; diretor-tesoureiro, José Benjamin.
352
E sua criação passou a fazer parte
dos sonhos tecidos para a cidade:
Daqui a alguns meses (como é bom sonhar cousas belas!) a cidade,
vigorosamente modificada pelo bond, pela gente nova que virá de toda a
parte com as repartições, com as fábricas, com as fardas do 28
o
, pelos novos
edifícios construídos nas ruas onde o carril electrico levará alma e seiva –
terá nos dias festivos, a feição distincta que o sport imprime aos bairros, aos
dias e as cidades em que impera; a avenida Paraopeba, rasgada largamente
até o prado de corridas, dara passagem aos carros descobertos e aos
cavalheiros galhardos, á representação elegante da urbs a caminho do Derby;
rutilarão ao sol as garridas toilettes das damas, os para-soes de seda
multicores, de tintas álacres, as jóias finas e polidas; e os bonds circularão
cheios de rapazio bohemio e do povo domingueiro, corações flammando em
uns ao influxo de uma manhã clara e bela, palpitando em outros á visão de
uma chegada vencedora, em cuja probabilidade fizeram a fé que a polícia
349
DERBY Horizontino, 1902, p. 1.
350
No Rio de Janeiro, o Derby Club surge no quartel final do século XIX, destacando-se pela organização,
sucesso de público e modernidade implementada. Diferente do Jockey Club, que era o favorito do setor mais
antigo das elites ligado à economia agrícola, o Derby Club estava mais ligado aos novos setores da elite,
como os novos ricos, os emergentes, os intelectuais, os profissionais liberais, os engenheiros, os médicos, os
industriais e os setores urbanos que ganhavam espaço no cenário político nacional. Foi o clube de maior
sucesso naquele período. (MELO, 2001.)
351
TURF Horizontino, 1902, p. 1.
352
BARRETO. Os desportes antigos na capital I..., [s.d.], p. 3.
128
não permitte mais que se faça no bicho [...] Belo Horizonte carece de
emoção e é isso o que trará o Derby... Vibrar, viver!
353
As representações do esporte destacadas nesses sonhos estavam associadas à distinção
que ele poderia trazer não só para aqueles que dele participassem, com suas belas e elegantes
vestimentas, a exemplo dos eventos ingleses e franceses, mas também para a cidade que o
promoveria. O movimento destacado de bondes circulando cheios era um “poderoso índice de
urbanização, transformação tecnológica e ampliação do espaço público”.
354
Destaca-se
também a emoção do jogo de apostas, que teve uma valorização crescente no período, mas
aponta para as apostas no turfe consideradas distintas em detrimento das do jogo do bicho,
que era perseguido pela polícia .
Com o início das obras de nivelamento do terreno agendado para o final do mês de
maio, previam o início das obras de construção em 1
o
de julho e a sua conclusão em fins de
setembro,
355
mas, mesmo diante de todas essas ações e projeções, a iniciativa não foi
concretizada, pois em 9 de dezembro de 1904 foi decretada a caducidade do contrato por falta
de cumprimento de cláusula nele prevista.
356
Nesse mesmo ano, antes mesmo de ser decretada a referida caducidade do contrato,
outro grupo foi organizado com o mesmo objetivo em uma reunião realizada em 27 de agosto
de 1904.
357
O jornal A Epocha informava:
Um grupo de cavalheiros da nossa melhor sociedade pretende fundar nesta
capital uma sociedade sportiva para corridas de cavallos, a qual já conta com
os melhores elementos. Não terá ella ligação alguma com as associações
recreativas aqui existentes. Será organizada em bases completamente
novas, de maneira a offerecer inteira garantia aos associados. A julgar pelo
enthusiasmo que tem despertado a idéa, dentro em breve se converterá em
realidade, dotando-se a nossa capital com mais esse gênero de diversão
interessante e proveitoso.
358
353
ECHOS, Diario de Minas, 8 maio 1902, p. 1.
354
SEVCENKO, 1998, p. 527.
355
DERBY Horizontino, 1902, p. 1.
356
Segundo documento assinado pelo secretário da Prefeitura [ ] Ramos de Lima, por ordem do prefeito interino,
de acordo com a cláusula 13
a
do contrato (“a falta de cumprimento, por parte da sociedade, de qualquer das
demais clausulas do presente contrato importará a sua caducidade, que será declarada por simples edital da
Prefeitura”) foi decretada a caducidade do contrato em 9 de dezembro 1904. Doc. 2 Pasta 31 do Patrimônio.
(BELLO HORIZONTE. Prefeitura Municipal, 1904.)
357
Fazia parte desse grupo os senhores Raul Mendes, Francisco de Castro Ribeiro, Antônio de Castro, Cláudio
Andrade, Arthur Machado e Antônio Garcia de Paiva. (BARRETO. Os desportes antigos na capital I...,
[s.d.], p. 4.)
358
A EPOCHA, 28 ago. 1904, p. 3, grifos nossos.
129
Os insucessos anteriores fizeram com que notícias como essa reforçassem a criação de
um grupo em bases novas, sem associação com as anteriores, cujos nomes a ela aliados eram
“uma garantia para o êxito da mesma”.
359
Segundo Abílio Barreto, em 17 de setembro já estava subscrito todo o capital para a
constituição de uma sociedade que seria denominada Prado Mineiro. Esse capital era de
20:000$000 e já se achava recolhido na Delegacia Fiscal. Com uma comissão de acionistas
criada para organizar seus estatutos,
360
realizou-se uma reunião em 16 de outubro, na Junta
Comercial, na qual compareceram 59 acionistas, representando 71 ações, com o objetivo de
aprovar os estatutos e eleger a primeira diretoria.
361
Uma instituição criada nos moldes de uma sociedade anônima deixava nítido o
interesse em fundar um grande empreendimento esportivo, como vinha sendo organizado o
turfe na capital do País e na Europa. Para além do interesse em promover uma diversão na
cidade, que era carente nesses aspectos, havia o interesse nos negócios que poderiam ser
proporcionados a partir dessas corridas. É interessante observar que, como no Rio de Janeiro,
todas as pessoas que encabeçaram os grupos interessados em criar um clube de corridas em
Belo Horizonte ostentavam a patente de “coronel”.
Os Estatutos da Sociedade Anonyma Prado Mineiro, publicados no Minas Gerais de
24/25 de outubro de 1904, expunham que a sociedade tinha por fim, “por meio de corridas,
exposições de outros divertimentos e meios de seu alcance, promover o desenvolvimento da
raça cavallar neste estado”.
362
Esse grupo solicitou à Prefeitura, em 19 de setembro de 1904, a construção do prado
de corridas no local designado na Planta Geral da Cidade. Antes mesmo da resposta da
Prefeitura, o jornal Folha Pequena já comentava sobre o projeto que seria executado:
Vimos hoje a planta do pavilhão e archibancadas que a directoria do Prado
Mineiro, desta capital, adoptou e vae mandar construir brevemente. O
pavilhão central, destinado aos sócios, é de forma elegante com altura
sufficiente a dominar toda a área do prado, e as archibancadas para os
359
A EPOCHA, 4 set. 1904, p. 2.
360
A comissão era composta pelo coronel Manoel Lopes de Figueiredo, Manoel Affonso Alves e pelo doutor
Álvaro da Silveira.
361
A sessão foi aberta pelo presidente interino do grupo, Francisco de Castro Ribeiro, que, expondo os fins da
reunião, pediu à assembléia que indicasse alguém para presidir os trabalhos, que ficou a cargo de Álvaro da
Silveira. Foi eleita a seguinte diretoria: presidente, Coronel Manoel Lopes de Figueiredo; vice-presidente,
Manoel Affonso Alves; 1
o
-secretário, Cláudio Andrade; 2
o
-secretário, Arthur de Oliveira Machado;
tesoureiro, Antônio de Castro Ribeiro; comissão fiscal, Antônio Pereira Soares, Antônio Garcia de Paiva e
Álvaro da Silveira. (ACTA da Assembleia... 1904, p. 6.)
362
ESTATUTOS da Sociedade... 1904, p. 6.
130
espectadores, extensas e confortáveis, estão dispostas aos lados no mesmo
nível, tendo o pavimento térreo, á direita os compartimentos da pezagem e
venda de poules e á esquerda accomodações especiais para botequins etc. O
pavilhão tem uma vistosa cúpula, onde tremula e estandarte
(sic)
da
associação, e toda a cobertura das archibancadas é ornada de lambrequins e
arabescos de muito gosto, dando a todo o edifício o aspecto sportivo dos
grandes prados europeus. O trabalho é feito pelo hábil artista Luiz Olivieri, o
que basta para garantir a sua perfeição.
363
A devoção por modelos europeus se fazia presente também nas imitações na
arquitetura e decoração. E os lugares que acomodariam as pessoas – as arquibancadas –
deveriam ser espaços confortáveis e que dariam oportunidades para que elas vissem e fossem
vistas.
3.6 O QUE REPRESENTAVA O TURFE NA ÉPOCA
O turfe é outra modalidade esportiva que se desenvolveu no cotidiano das cidades
modernas. Pode ser considerado não só um dos primeiros esportes no sentido moderno a ser
realmente organizado no Brasil, mas também como aquele que por um bom tempo gozou de
grande prestígio, como indica Victor Melo. Segundo ele, o primeiro clube de turfe brasileiro,
criado no Rio de Janeiro em 1849 – o Club de Corridas –, foi organizado de acordo com as
normas e regulamentos da escola inglesa.
364
Esse clube teve como inspiração o “Jockey Club
inglês, ou francês, pois ambos simbolizavam a importância atribuída ao turfe pela sociedade e
dos dois lados do canal da mancha”.
365
Desde o século XVIII, para os aristocratas ingleses, os clubes destinados às corridas de
cavalos serviam de local privilegiado para a diversão e o encontro. Para os franceses, o Jockey
Club, fundado em 1838 pela “elegante aristocracia anglomaníaca da Restauração francesa”,
foi referência, desde então, como um dos clubes mais exclusivos de Paris.
366
Organizador de
corridas e de atividades hípicas, esse clube, segundo Vigarello, é um exemplo canônico de
uma mutação de sociabilidade, dominado pela aristocracia, no qual 12 dos seus 16 sócios
fundadores pertenciam às maiores famílias da nobreza francesa. No entanto, seu
363
FOLHA PEQUENA, 25 nov. 1904, p. 1.
364
MELO, 2001.
365
NEEDELL, 1993, p. 98.
366
NEEDELL, 1993, p. 98.
131
funcionamento era mais igualitário, uma vez que cada membro tinha o mesmo status que os
outros. Foi o embrião de uma sociedade mais democrática que foi se instalando lentamente no
século XIX, na qual, pela primeira vez, jogadores livremente eleitos garantiam coletivamente
o desenrolar do jogo.
367
Analisando o turfe no Rio de Janeiro, Victor Melo comenta que da Inglaterra (e
indiretamente da França) é que foram copiados não só o modelo de realização de
competições, os regulamentos, como também a tentativa de estabelecer um glamour ao redor
da atividade. Esta era uma forma de demonstrar proximidade e identificação com o mundo
europeu.
368
Vigarello esclarece que a palavra sportman, descrita pela primeira vez na França por
Rodolphe d’Ornano no Les Français peints par eux-mêmes, em 1841, estava relacionada
quase exclusivamente ao amador de cavalos. O aparecimento da palavra não corresponde à
das corridas, pois os jóqueis já se enfrentavam no final do século XVIII. A novidade estava no
número das provas que foram cada vez mais crescentes e também na organização e nos
comentários dos quais as corridas foi objeto. O hipódromo mudou por volta de 1840 e era
mais ainda concebido para o espetáculo e para a aposta. Dentre as mudanças podemos
encontrar percursos mais balizados, tribunas mais espaçosas e protegidas, espectadores mais
“bem-vestidos”. Um comissário para as corridas nomeado para cada departamento tinha a
missão de fazer respeitar as regras, em via de unificação, como o peso dos jóqueis, o controle
do tempo e o julgamento da chegada.
369
No século XIX, como esporte por excelência do patriarcalismo brasileiro, o turfe,
segundo Ricardo Lucena, “casa com a figura do chefe de família, o Sr. Barão, o sportman
capaz de se distinguir de tudo e de todos”. O sportman se destacava pelo seu estilo de vida,
com hábitos poucos usuais, adotando estilos europeizados e buscando a “distinção”. Esse
destaque também estava aliado ao poder familiar quase imperial, político e econômico.
Geralmente, quase todos eram coronéis, proprietários de fazendas e de sobrados urbanos.
370
Assim, no turfe, o sportman não era aquele que se envolvia diretamente nas provas,
montando os cavalos, levando tombos e tomando banhos de sol, e, sim, o criador de cavalos,
financiador e organizador de páreos, que da tribuna, elegantemente vestido, “comandava” o
espetáculo.
367
VIGARELLO, 2000, p. 94-95.
368
MELO, 2001.
369
VIGARELLO, 2000, p. 94.
370
LUCENA, 2001.
132
Ao redor desse esporte, no Brasil da segunda metade do século XIX, foi se
constituindo uma representação de um meio de distinção, status e possibilidade de realização
de negócios para as elites.
3.7 A CONSTRUÇÃO DO PRADO MINEIRO
Em 1904, a imprensa já anunciava que a construção do Prado Mineiro seria iniciada
brevemente e que sua planta já havia sido aprovada,
371
mas a liberação pela Prefeitura foi dada
somente em 5 de janeiro do ano seguinte, com a assinatura de um contrato, nos mesmos
termos do realizado com o grupo do coronel Athayde, em 10 de janeiro de 1905.
372
A construção do Prado foi iniciada no início de 1906 e o levantamento da cumieira das
arquibancadas foi marcado por uma festa que mereceu destaque em alguns jornais da
capital
373
:
No dia 6 foi levantada a cumieira do pavilhão que se acha quase concluído
faltanto as archibancadas. Hasteado o pavilhão nacional foi levantada ao
estourar de foguetes, servido um copo de cerveja e doces. Orou o dr.
Agostinho Penido, respondendo o coronel Lopes de Figueiredo que falou das
difficuldades com que a sociedade tem luctado para levar avante a grandiosa
idéia. Ainda foi brindada a imprensa pelo Coronel Garcia de Paiva,
empreiteiro do Prado. Apesar das grandes chuvas que têm havido a área se
acha bastante conservada . O local é agradabilissimo e de lá descortina-se
parte da cidade. [...] A directoria espera concluir o Prado até junho
próximo.
374
Durante o período da construção, as expectativas em relação a esse novo espaço de
divertimentos na cidade foram crescendo a ponto de a diretoria chegar a solicitar ajuda à
371
A EPOCHA, 20 nov. 1904, p. 3.
372
Termos de contrato feito entre a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e a Sociedade Anonyma “Prado
Mineiro”, para construção, uso e gozo de um prado de corridas nesta capital. 10 jan.1905. Assinaram o
contrato o coronel Francisco Bressane de Azevedo, prefeito; coronel Manoel Lopes de Figueiredo, presidente
da Sociedade Anonyma Prado Mineiro; Antônio Prado Lopes Pereira e Olympio Moreira. (BELLO
HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Termo de contrato... 1905.)
373
Para a sua construção foram contratados os serviços de Garcia de Paiva & Comp., pela quantia de 11:000$.
(ESTADO DE MINAS, 7 jan. 1906, p. 2.)
374
PRADO Mineiro. O Estado de Minas, 11 mar. 1906, p. 2.
133
polícia para evitar os abusos por parte de pessoas que, no intuito de ver o Prado, afastavam os
arames da cerca e cometiam
outras irregularidades.
375
As exaltações à construção do Prado Mineiro passaram a ser uma constante. Com ele a
capital seria dotada de “um melhoramento excellente e útil, único aqui no gênero de sport.
”376
Esperava-se que o sucesso de suas corridas fizesse “desaparecer os domingos insípidos e
modorrentos da capital,
”377
permitindo que Belo Horizonte, em bem pouco tempo, pudesse
“rivalizar com o Rio e outros centros civilizados.
378
Mas ao lado dessa exaltação surgiu um
problema para a concretização do projeto: a Prefeitura ainda não havia cumprido a cláusula do
contrato no que dizia respeito à construção da linha de bondes, que facilitaria o acesso dos
espectadores ao hipódromo, uma vez que ele se distanciava 2 quilômetros do centro da
cidade. Isso foi motivo para que se desencadeasse uma campanha da imprensa,
principalmente a contrária à administração da época cobrando esse feito. Um dos jornais que
fizeram críticas mais ferrenhas ao então prefeito Antônio Carlos foi O Estado de Minas:
Resta agora que a prefeitura não se esqueça da linha de bondes, que se
obrigou a construir, como já temos dito muitas vezes , e que, graças a
politiquice, até hoje não começada, apesar de ter havido ordem para se atacar
o serviço já contratado.
379
Daqui ao prado há, aproximadamente, 2 kilometros de distancia. As
primeiras corridas haverá forçosamente curiosos que vencerão essa distancia
mesmo a pé; depois alli só irão os srs. drs. Salles, Delfim e Antônio Carlos, o
compadre Goulart e mais alguns outros felizardos que possuem carruagens
mantidas pelo povo. Tempo ao tempo, e veremos a lucta de mais uma bella e
louvável iniciativa contra a indifferença dos nossos homens de governo.
380
Em junho fica prompto o Prado Mineiro e corre como certo que o dr.
Antônio Carlos consentiu que se iniciasse, afinal, a construcção da linha de
bondes que a Prefeitura é obrigada a construir para o Calafate. Damos a
notícia com a devida reserva porque é sabido que o dr. Antônio Carlos é o
maior inimigo de Bello Horizonte.
381
Outros jornais também contribuíram para essa campanha:
O prado já se fez. No entanto queremos ver se o público chuchador de
impostos para goso da malandragem governamental, poderá ir, a pé, até
375
VIDA MINEIRA, 1906, p. 1.
376
PRADO Mineiro. O Estado de Minas, 19 abr. 1906, p. 1.
377
PRADO Mineiro. Tribuna do Norte, 15 jul. 1906, p. 1.
378
PRADO Mineiro. Tribuna do Norte, 30 ago. 1906, p. 3.
379
PRADO Mineiro. O Estado de Minas, 11 mar. 1906, p. 2.
380
PRADO Mineiro. O Estado de Minas, 19 abr. 1906, p. 1.
381
BONDES para..., 1906, p. 2.
134
[aquelas] paragens sem uma linha de Bonds. O melhoramento é altamente
necessário. Que não continue pois, a fazer ouvidos de mercador o dr.
Antônio Carlos e attenda o pedido da imprensa que não vive alugada.
382
Concluída a obra, os seus construtores Garcia de Paiva & Comp. fizeram a sua entrega
oficial à diretoria do Prado Mineiro no dia 3 de maio de 1906, com uma festa que assim foi
descrita pelo Vida Mineira:
Quinta-feira passada, foi solennemente entregue á Directoria do Prado
Mineiro o bello pavilhão construído, a três Kilometros da cidade, no
aprazível bairro do Calafate. Desde cedo, grande foi o movimento de pessoas
que de carro, a cavallo e a pé, demandavam o encantador subúrbio. Á uma e
meia da tarde chegaram ao Prado os srs. drs. Francisco Salles, presidente do
Estado, João Pinheiro, Antônio Carlos, Delfim Moreira, Olavo de Andrade,
Olynto Ribeiro e major Vieira Christo. Áquela hora, as archibancadas
estavam já repletas de distinctas famílias e cavalheiros.
383
Destacando a presença de autoridades, pessoas influentes na cidade e de representantes
da imprensa, a nota relata a gentileza da diretoria em servir um “esplendido lunch e copiosa
cerveja”, bem como destaca as palavras do coronel Manoel Figueira, com agradecimentos ao
governo e à imprensa, seguidos de um passeio pela raia do Prado feito pelas autoridades e
presentes:
A pista, de forma elíptica, tem de circuito 1054 e de largura 20 metros,
estando já completamente explorada e apta para o funccionamento ao
apreciado sport. O bello pavilhão, donde se contempla, á direita, o panorama
da cidade e a esquerda e em frente a bellíssima planura em que foi traçado o
‘Prado’uma obra sólida e bem acabada , com varias ordens de archibancadas,
sendo a sua lotação para cerca de 1500 pessoas.
384
382
O REBATE, 1906, p. 1.
383
PRADO Mineiro. Vida Mineira, 8 maio 1906, p. 2.
384
PRADO Mineiro. Vida Mineira, 8 maio 1906, p. 2.
135
FIGURA 19 – Foto da raia do Prado Mineiro tendo ao fundo o Pavilhão
Fonte: Álbum de Belo Horizonte, 2003, p. 125.
Assim, com o apoio do governo e da imprensa, que foi uma incentivadora na criação e
no desenvolvimento do turfe belo-horizontino, nasceu “a mais bella e útil diversão, digna da
civilização da capital mineira”.
385
3.8 PRADO MINEIRO: PROMOVENDO O TURFE NA CIDADE
Com sua primeira corrida programada para ser realizada no dia 8 de julho, a imprensa,
um mês antes, não deixava de questionar: “Quando teremos bondes para esse local, conforme
obrigação contraída pela prefeitura?”
386
Em quase todas as notas sobre o Prado Mineiro, a
motivação para a participação do público era uma constante: “O programa, que o Estado
385
PRADO Mineiro. Vida Mineira, 26 maio 1906, p. 4.
386
PRADO Mineiro. O Estado de Minas, 10 jun. 1906, p. 1.
136
deu a publico, promette uma excelente festa de inauguração deste sport, a qual nesse dia não
faltará, certamente, a presença do povo de Bello Horizonte”.
387
Esse programa nomeou os cinco páreos que deviam ser realizados com palavras
significativas que representavam os valores do esporte, naquele momento, para a cidade:
“Progresso”, “Bello Horizonte”, “Prado Mineiro”, “Inauguração” e “Animação”.
388
E a primeira corrida realizada no dia 8 de julho de 1906 foi um grande acontecimento
que, pelo interesse e pela novidade, conseguiu despertar o público belo-horizontino. A
Tribuna do Norte destacou:
Tiveram um sucesso collossal as corridas inaugurais desta sympathica
sociedade sportiva realizadas no domingo passado. Desde cedo era enorme o
numero de espectadores nas archibancadas que se achavam vistosamente
ornamentadas, e onde se viam bellissimas toilettes de senhoritas, as quaes
muitas concorreram para o realce da magnífica festa. Por toda parte
circulava gente numa satisfação, salutar e communicativa, enquanto a banda
de musica do 2
o
batalhão e uma outra vibravam os accordes de escolhidos
trechos musicaes. O divertimento correu sempre na melhor ordem
possível.
389
A linha de bondes só ficou pronta para a realização da segunda corrida, que aconteceu
no dia 12 de agosto. Nesse início, ficava evidente a presença elegante da elite da cidade nos
eventos, que era digna de ser noticiada pela imprensa, pois havia uma representação do
esporte para esse grupo seleto. Até então, ainda não havia evidências da presença daqueles
que não faziam parte desse grupo nesses eventos, o que não significava que essas camadas
populares fossem deles excluídas. É precisamente nos bondes que existem referências a
atitudes pouco corteses e civilizadas de pessoas que se dirigiam às corridas. O Diario Mineiro
relatou:
Com extraordinária concurrencia, realizaram-se ante-hontem no Prado
Mineiro as festas annunciadas pela imprensa local. Ás 11 horas começaram
os bondes a trafegar para o Calafate, aprazível arrebalde da capital, e onde
fica aquelle apreciado centro de diversões. Não podemos deixar correr sem
reparo o procedimento pouco cavalheiresco de certos indivíduos, que,
invadindo desenfreadamente os bondes, obrigavam as famílias a
abandonarem seus lugares. Muitas senhoras ficaram expostas ao sol, na
avenida Paraná, á espera que os marmanjos se transportassem. A não ser
387
A EPOCHA, 5 jul. 1906, p. 1.
388
PRADO Mineiro. O Estado de Minas, 21 jun. 1906, p. 2.
389
PRADO Mineiro. Tribuna do Norte, 15 jul. 1906, p. 1.
137
esse ato de grosseria, os festejos se effetuavam sem o menor incidente e com
o maior enthusiasmo.
390
O bonde representava para a cidade um dos elementos na construção da imagem da
modernidade. Para o Prado, que se situava na periferia, ele era uma necessidade e se
constituía num espaço relativamente democrático, no qual se misturavam as diferentes classes
sociais. Era nesse ambiente que podiam existir igualdades, no qual seus passageiros podiam
adquirir o mínimo de dignidade, indispensável à sua participação na vida pública, como
observou Letícia Julião. Ao analisar o bonde na cidade, ela afirma:
Era ali que, por momentos fugazes, seus passageiros abandonavam o papel
de massa passiva e assumiam os encontros explosivos, os confrontos ou
comportamentos ousados, ainda que não passassem de demonstrações
individuais.
391
Mas era um espaço temerário para a elite urbana, de onde se podiam esperar
comportamentos não condizentes com os valores por elas abraçados.
Embora a imprensa sempre destacasse notícias tais como “o Prado Mineiro, não há de
negar, impoz ao bom gosto da nossa sociedade e, assim alli se vê, todos os domingos o que há
de mais fino e selecto no nosso meio”,
392
como um único centro esportivo da capital, a sua
diretoria, eleita em 1907,
393
tomou várias providências para conseguir o apoio do público para
seus eventos, que foram divulgadas no Diario de Noticias:
Ficou resolvida a creação de poule dupla e bem assim a reducção da
commissão cobrada pela sociedade. Ficou igualmente reduzido o preço da
entrada no Prado. Outras deliberações foram tomadas no sentido de
movimentar-se a concurrencia nas diversões. [...]determinou a abertura do
Prado aos domingos e dias santificados ás exmas. famílias e bem assim a
abertura provisória de um botequim ate que seja contractado definitivamente
esse serviço. [...] ficou determinada a expedição de convites as altas
autoridades do Estado e da Imprensa local.
394
390
PRADO Mineiro. Diario Mineiro, 16 out. 1906, p. 1.
391
JULIÃO, 1992, p.108.
392
PRADO Mineiro. Diario de Noticias. 21 jul. 1908, p. 2.
393
Presidente, major Raymundo de Paula Dias; vice-presidente, capitão Cláudio Andrade; 1
o
-secretário, capitão
Francisco Neves; 2
o
-secretário, major Alexandre Coutinho; tesoureiro, capitão Eugênio Thibau. (PRADO
Mineiro. Diario de Noticias. 21 fev. 1907, p. 2.)
394
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 8 mar. 1907, p. 2.
138
Além disso, a diretoria conseguiu com o prefeito a redução do valor das passagens de
bondes nos dias de corridas no Prado.
395
Essa medida foi um grande incentivo para que mais
pessoas pudessem participar dos eventos programados.
A presença de autoridades do governo que prestigiavam os eventos era sempre
destacada pela imprensa. Esse destaque poderia aparecer tanto em reportagens realizadas após
as corridas quanto anteriormente, como forma de dar mais prestígio aos eventos que seriam
realizados. Esse destaque era uma forma de dar legitimidade ao esporte, representando-o
como prática adequada e respeitada. Mesmo nas ausências, essa representação era evidente:
“É lastimável que o mundo official não comparece a esse útil passatempo, o que daria mais
animação faria maior concurrencia”.
396
E o entusiasmo foi crescente em relação ao esporte, por meio do qual os sportmen
397
procuram, de todas as formas, oferecer uma boa diversão ao público. As notícias de novas
aquisições de animais de “sangue” no Rio de Janeiro, também montados por jóqueis cariocas
– “aqueles que são verdadeiros officiais do officio”
398
–, passaram a ser freqüentes. Os jornais
chegavam a noticiar que cada dia crescia a concorrência de pessoas ao Prado, as quais não
iam ali levadas mais por mera curiosidade, mas por verdadeiro e elogiável interesse.
O cartão-postal a seguir mostra essa freqüência. Como veículo publicitário de uma
casa comercial da cidade – a Haas & Clemence –, esse cartão, escrito também em francês,
mostrava, na imagem impressa, uma representação de Belo Horizonte como uma cidade
moderna, que oferecia possibilidades de diversão, à semelhante do que existia na Europa.
Essa era uma imagem significativa para a publicidade, pois revelaria ao mundo uma cidade
moderna, de hábitos modernos – a imagem do progresso que a casa comercial queria mostrar.
395
A passagem até o Prado tinha o valor de 100 reis. (SPORT. Diario de Noticias, 19 maio1907, p. 1.)
396
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 21 maio 1907, p. 1.
397
O termo sportman usado nas corridas de cavalos na França, como já citado inicialmente, referia-se ao amador
de cavalos. Na imprensa belo-horizontina o termo era usado para referir-se tanto aos dirigentes do clube e
proprietários de cavalos como ao público assíduo ou praticante.
398
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 2 abr. 1907, p. 1.
139
FIGURA 20 – Cartão-postal das arquibancadas do Prado Mineiro
Fonte: BELLO Horizonte: bilhete postal. Coleção Otávio Dias Filho, 1997, p. 81.
Pela imagem do postal, percebe-se o lugar elegante das arquibancadas, que era
ocupado por cavalheiros, senhoras, senhoritas e rapazes da elite da cidade, e o pavilhão
inferior que era “apinhado de povo”. Ao público pagante e não associado era destinado o
pavilhão inferior. Mas aqueles que não podiam pagar não tinham acesso ao Prado, apesar de
diferentes tentativas nesse sentido: “E na cerca que fica por detrás da archibancada apesar do
panno que foi posto para tapagem, havia muita gente”.
399
Por intermédio do Diario de
Noticias, pode-se perceber alguns critérios de pagamento:
Uma outra facilidade encontrarão as famílias para esse gênero de diversão,
na redução de preços das entradas. As senhoras terão ingresso
exclusivamente para as archibancadas mediante a taxa de 1$000, inclusive as
famílias de sócios. Os cavalheiros que quiserem tomar assento nas
archibancadas pagarão além da entrada geral, mais 1$000.
400
Não há referências claras do grau de participação das camadas populares no turfe.
Creio que o interesse era apenas aliado à possibilidade de assistir a um grande espetáculo,
399
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 21 maio 1907, p. 1.
400
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 7 abr. 1907, p. 2.
140
como um dos poucos divertimentos na cidade. Essa prática era aceita sem que se criasse
nenhum problema, pois naquele início de século o que se pôde identificar nas práticas de
divertimentos populares é que elas eram sempre vistas como caso de polícia. Os jogos
praticados pelas camadas populares, como os jogos de azar e o jogo de bola relatado pelo
Jornal O Operário,
401
eram vistos como algo pernicioso. Isso fica evidente nas críticas contra
a violência policial aos divertimentos populares, as quais podiam ser encontradas não só em
jornais operários, mas também em pequenas notas em jornais noticiosos em geral. O que se
pode notar é que a imprensa, por algumas vezes, chegou a relatar alguns inconvenientes
provocados por comportamentos não aceitos pelos padrões exigidos para a sociedade que
freqüentava o Prado:
Uma pequena nota desagradavel e facil de ser corrigida somos forçados a
salientar. Tal é o procedimento de certos moços que, habituados em outros
meios sociais bem diversos do nosso, desconhecedores talvez dos nossos
proverbiais costumes de respeito e moralidade, muito descerimoniosamente
se põem a palestrar, junto das exmas. famílias, com algumas mondaines que
ao Prado costumam ir. Estamos certos de que a digna directoria do prado só
agora vae ter conhecimento desta nota dissonante que observamos entre as
harmonias da festa de domingo. Por isso mesmo affirmamos de ante mão
que nas proximas corridas tal irregularidade não se observará mais, dado o
critério que o major Raymundo de Paula Dias e seus auxiliares têm posto em
evidência na manutenção do delicioso local de diversões.
402
A imprensa belo-horizontina, de modo geral, divulgava uma representação de esporte
semelhante à das elites, que ela mesma contribuía para se consolidar ao incentivar a
participação de todos, destacando valores aliados a essa elite. A Gazeta contribuiu assim ao
divulgar:
Visto como esta diversão é uma das mais apreciadas em todo o mundo
civilizado, havendo para ella sempre animação dos mais enthusiasticos e
disputa nos importantes páreos que se apresentam nos prados. Na capital da
Republica é essa diversão a que maior concurrencia tem, subindo os jogos a
altos preços nas importantes apostas. Na Inglaterra, França, Estados Unidos,
Portugal, Espanha, etc, as principais diversões são justamente as corridas de
cavallos nos prados, para os quaes a maior parte da população smart ou cup
to date para lá se dirige. Felizmente em nosso meio já se vai tornando um
habito, essa mesma diversão que muito agrada.Nos paizes acima citados, as
senhoras e senhoritas, velhos e moços, todos mostram grande interesse pelas
disputas dos páreos, porque todos jogam pouco ou muito, mas jogam,
havendo assim grande animação. É necessário que entre nós este habito
401
O OPERARIO, 9 de ago. 1900, p. 3.
402
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 28 ago.1907, p. 2, grifos nossos.
141
também seja introduzido, e teremos assim o ‘Prado Mineiro’ repleto de
famílias, que irão passar excellentes horas neste divertimento.
403
Assim, as representações de esporte divulgadas pela imprensa estavam sintonizadas
com a modernidade e a civilização desejada para a cidade. O “povo miúdo” aparece nessas
narrativas somente em momentos de tensões provocadas pela busca do direito ao lazer e à
cidade. Suas atitudes são taxadas como não civilizadas e inconvenientes aos padrões exigidos
para a cidade por suas elites.
O crescimento do interesse pelo esporte no Prado fez com que alguns jornais, mais
especificamente o Diario de Noticias, criassem uma seção específica para as notícias
esportivas (coluna “Sport”), na qual, durante todo o ano de 1907 somente notícias do Prado
eram dignas de nota:
É com enorme prazer que damos essas notícias, porque o Prado Mineiro
embora seja recente o seu funcionamento, já ganhou a simpatia pública que
realiza. Parabéns à esforçada diretoria da útil sociedade e congratulações ao
povo da capital.
404
O Diario de Noticias foi um grande incentivador das corridas no Prado. Noticiava as
reuniões da diretoria, as inscrições de corridas, os regulamentos, a descrição minuciosa de
toda a programação de páreos, bem como suas realizações, palpites, novas aquisições de
cavalos pelas coudelarias, a concorrência a essas programações, enfim, tudo o que pudesse
servir para divulgar aquela modalidade esportiva. Suas críticas para estimular a maior e mais
seleta freqüência eram sempre aceitas quer pelos governantes, quer pelos administradores do
Prado. Por isso, não era raro encontrar referências tais como: “a diretoria como de costume foi
muito amável com Abílio Barreto e Vasco Azevedo, que representam essa folha”;
405
ou: “A
util associação esportiva distinguiu o Diario de Noticias com delicado convite em lindo e
artístico cartão”;
406
e também: “Agradecemos a lembrança gentil da directoria, dedicando um
páreo de sangue ao Diario de Noticias”.
407
Os domingos no Prado podiam ser assim relatados:
403
PRADO Mineiro. A Gazeta, 10 abr. 1908, p. 2.
404
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 8 mar. 1907, p. 1.
405
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 21 maio 1907, p. 1.
406
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 5 abr. 1907, p. 2.
407
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 12 jul. 1907, p. 2.
142
Ás 10 horas da manhã desceu num bonde especial, executando vibrantes
dobrados a banda musical do 2
o
batalhão, começando desde essa hora a
trafegar para ali de 10 em 10 minutos. O sítio onde está colocado o Prado,
como sempre, oferecia um belo aspecto apesar da soalheira que abrasava.
408
Uma bela diversão e magnífica corrida a efetuada domingo no Prado
Mineiro. A concorrência de famílias foi grande e não menos numerosa a de
cavalheiros, o que dava um tom aprazível às arquibancadas repletas e às
demais dependências. A música do 2
o
, como sempre afinada, tocou
apreciáveis peças, que contribuíram para aumentar a alegria reinante. O
serviço de bondes foi feito com toda a regularidade, motorneiros e
condutores muito atenciosos com os passageiros. E a cada bonde que
chegava nova onda se espraia pelo Prado, moças em toylletes graciosas,
crianças a traquinar e a esgotar os cestos de merenda, todo o reboliço de uma
festa cheia de encantos.
409
Relatar corridas de cavalo, segundo Jeffrey Needell, era uma forma de conferir
elegância aos jornalistas, que assim poderiam estabelecer um vínculo entre eles e as corridas
de Ascot, o seleto quadro de membros do Jockey parisiense e as refinadas exibições em
Longchamps.
410
Como instituição esportiva, o Prado Mineiro foi procurando se organizar nos padrões
exigidos para o esporte, cobrando normas para inscrições de cavalos e jóqueis e criando livro
de classificação e catalogação de cavalos (Stud Book). Procuravam também starters entre os
conhecedores do sport hippico,
411
além de buscar lisuras no transcorrer das corridas. No
entanto, algumas notícias poderiam destacar fatos como este:
A partida teve logar no ponto da curva dos coqueiros não tendo sido muito
regular em vista de Zazá ter sahido uns 5 metros á frente de Argentina.
Embora aquela sustentasse sempre essa distância até o vencedor, das
archibancadas partiam gritos de enthusiasmo por Zazá e gritos de revolta
pedindo a annulação do pareo, não tendo esses sido entretanto anulado.
412
Como os objetivos do turfe mineiro foram baseados nos exemplos da França, da Grã-
Bretanha e do Rio de Janeiro, os argumentos para o seu desenvolvimento em Belo Horizonte
também estavam aliados à promoção de diversão para a população e à melhoria da raça
408
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 8 maio 1907, p. 2.
409
A CORRIDA de... Diario de Noticias, 10 jul. 1907, p. 2.
410
NEEDELL, 1993.
411
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 6 abr. 1907, p. 2.
412
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 8 maio 1907, p. 2.
143
cavalar, aqui apresentada como desenvolvimento da indústria pastoril no Estado.
413
O
Comércio, em edição de dezembro de 1910, deixa claro esse objetivo ao relatar:
A diretoria [...] cuidara com patriotismo de todas essas questões,
concorrendo assim para o acoroçoamento da industria pastoril em Minas,
fazendo-se credores da estima e do reconhecimento públicos. Sabemos até
que é pensamento do capitão Claudio Andrade e de outros esforçados
accionistas do Prado trabalhar no sentido de obter do Estado a adopção
afficial do Stud Boock, como existe no Jockey Club do Rio, para maior
estímulo do creador mineiro e como meio mais eficaz de auxiliar a
sociedade. Assim sendo, O Prado Mineiro corresponderá aos fins de sua
creação e poderá figurar com garbo ao lado dos melhores Prados do Rio, S.
Paulo e Rio Grande do Sul.
414
Mas esse incentivo podia ser percebido desde os primórdios do clube, como destaca o
Diario de Noticias:
Para as próximas corridas a seguirem-se, a diretoria espera dispensar maiores
prêmios aos proprietários e criadores mineiros que quizerem concorrer com
os melhores produtos da raça cavallar, canvidando-os desde já para
preencherem as formalidades do registro (Stud Boock) para poder em tempo
ser organizado um pareo especial.
415
É importante observar que o próprio Estado, naquele momento, demonstrou grande
interesse no desenvolvimento da indústria pastoril ao realizar na cidade uma Exposição de
Animais. Para esse evento, foram construídas várias cocheiras no Prado Mineiro, que foi
também o palco dessa exposição no período de 24 a 28 de fevereiro de 1908.
416
O evento foi
uma grande atração na cidade, como relatou o Diario de Noticias:
Ás duas horas da tarde era enorme a concurrencia de pessoas no Prado
Mineiro, attrahidas pelo belo espetáculo que promethia ser o annunciado
desfile, pela raia das corridas, de todos os animais inscriptos. O recinto dos
espectadores regorgitava de famílias. Num dos coretos tocava a banda do 1
o
batalhão. O movimento por todos os lados era cada vez mais animado.
Expositores e visitantes experimentavam os melhores cavalo, fazendo
passeios pelas vizinhanças do Prado. Criadores entabulavam negociações
sobre reprodutores, alcançando alguns affertas avultadas.
417
413
Victor Melo (2001, p. 60-61) analisando o turfe no Rio de Janeiro, destaca que os regulamentos dos clubes
cariocas repetiam, na íntegra, os exemplos da França e da Grã-Bretanha, até mesmo os argumentos para o
desenvolvimento do turfe: “proporcionar uma diversão para a população e o desenvolvimento da ‘raça
cavalar brasileira’, considerada de menor valor perante as raças européias e argentinas”.
414
PRADO Mineiro. O Commercio, 5 dez. 1910, p. 2.
415
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 5 abr. 1907, p. 2.
416
EXPOSIÇÃO de animais. A Gazeta, 26 jan. 1908, p. 1.
417
A EXPOSIÇÃO de animais. Diario de Noticias, 27 fev. 1908, p. 1.
144
A Exposição atraía para Belo Horizonte um grande número de pessoas vindas de
diferentes zonas do Estado. Com isso, nas “immediações do aprazível suburbio eram
movimentadas por população comparável a de uma cidade ruidosa”.
418
No ano seguinte, foi realizada, em setembro, a sua segunda edição na cidade, sendo
que, para tal feito, o governo mineiro havia mandado construir no Prado “elegantes pavilhões
e departamentos destinados a exposições anuais, que dessem uma idéia do nosso progresso
nos domínios do trabalho organizado e produtivo”.
419
O Prado Mineiro manteve-se em atividades até 1911, tendo, segundo Abílio Barreto,
realizado a sua última corrida no dia 25 de junho. Mas durante esse período, por diversas
vezes, alternando alguns sucessos de público, notícias mostravam a falta de interesse que as
corridas estavam despertando na cidade. Mesmo ainda no seu primeiro ano de realizações,
alguns jornais noticiavam:
Quando a, ao meio-dia, chegamos ao Prado Mineiro, tivemos serio desanimo
de que não se effectuasse antes de hontem a corrida annunciada. O nosso
desânimo começou quando ao tomarmos o bonde para lá, justamente na hora
em que o movimento deveria ser maior vimos o carro com muitos logares
vazios. Pois os que não foram ás corridas perderam muito e ainda incorrem
na falta de não darem vida a uma diversão tão agradável, que nos leva a um
sítio pittoresco, que nos dá um ar soberbo a tonificar os pulmões, que nos
encanta, como no domingo, com uma festa magnífica, infelizmente realizada
para diminuta concurrencia, o que esfria ainda os mais ardentes
enthusiasmos. [...] Chegou-se a falar no adiamento da corrida, mas a digna
directoria, apezar da pequena venda de entradas, não quiz adiar, sujeitando-
se, só para servir o público, ao prejuízo.
420
No ano seguinte, O Binóculo também comentava:
Com a concurrencia medíocre, realizou-se domingo ultimo a 3
a
corrida do
Prado Mineiro, tendo sido muito commentada a indiferença do publico. É
triste, é lastimável que a sociedade bellorizontina ainda não comprehendesse
a necessidade que há de sanccionar com sua presença o esforço dessa meia
dúzia de homens de boa vontade, que, num movimento de rara abnegação,
resolveram dotar a capital de Minas com um divertimento moderno,
agradável, útil em muitos sentidos e que em todo o mundo adquiriu direitos
de cidade. Esperamos que a apathia do nosso povo seja transitoria e que
418
A EXPOSIÇÃO de animais. Diario de Noticias, 29 fev. 1908, p. 1.
419
ESTADO DE MINAS, 6 jun. 1912, p. 1.
420
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 21 maio 1907, p. 1.
145
ainda cedo possamos dizer: Minas caminha na vanguarda das outras capitais
do Brasil.
421
A diretoria, no entanto, tentava sabiamente conquistar o público mediante homenagens
que fazia, nomeando páreos de acordo com o seu interesse:
Estavam presentes os altos funcionários, várias associações, crescido número
de senhoritas, muitos rapazes, entre os quaes quasi todos os sócios do “Club
Acadêmico” ao qual foi dedicado um pareo.
422
Mas, mesmo assim, o que fica evidente é que, como novidade, o turfe foi bem
acolhido na cidade, mas, passado esse período, apesar de todos os esforços da sua diretoria, a
população belo-horizontina não se sentia motivada a comparecer aos eventos do Prado como
destacou A Gazeta:
Entretanto, notamos ainda que, relativamente á nossa população quase que o
povo todo deixou-se ficar em casa, olhando talvez o tempo que passava.
Ouve-se em toda a parte a cantinela, de que não há diversões em Belo
Horizonte. Entretanto, o Prado Mineiro, esforça-se para dar boas corridas,
arranja bondes até a porta, de 10 em 10 minutos, offerece as melhores
commodidades no local das corridas, boa banda de musica, optimo
restaurant, e por fim manda vir animaes de sangue, para que no Prado
compareça meia dúzia de pessoas!! Bello Horizonte já comporta muitas
diversões; mas o povo prefere deixar-se ficar em casa, a procurar momentos
de distrair o espírito. É um snobismo difficil de combater-se. Em todo caso,
aconselhamos a população da capital a sacudir de si este insupportavel
snobismo, este pá cacete, implicante, e appareça radiante ao Prado, para as
excellentes corridas que alli se realizam. O logar é aprazível e commodo,
offerecendo uma bella vista, um panorama soberto e uma miração
agradabilíssima.
423
Várias tentativas foram utilizadas para despertar o interesse da população. Mas se
todos os esforços do Prado para facilitar esse interesse do público para os seus eventos não
fossem suficientes, ainda havia a tentativa do tratamento simbolista para a cidade, que
ressaltava o seu lado paisagem de “belo horizonte”, fazendo do Prado um local privilegiado.
O cronista desqualifica a população que não queria participar da nova forma de
diversão da cidade que, para ele, deveria ser valorizada. Mas, para a população, ficar em casa
podia ser uma forma de subversão, de rejeição ou recusa de uma nova cultura imposta. A
421
CAMPEÃO-MOR, 1908, p. 10.
422
PRADO Mineiro. Diario de Noticias, 18 jun. 1907, p. 2.
423
PRADO Mineiro. A Gazeta, 7 maio 1908, p. 2.
146
população preferia optar pela tradição, pois a novidade não possuía atrativos suficientes. Ela
não se identificava com aquela prática.
Essa característica do povo mineiro foi destacada na crônica a seguir:
Minas, com a construção de Belo Horizonte, – cidade moderna,
admiravelmente construida, e já dotada do conforto e das commodidades dos
centros mais civilizados, libertou-se, felizmente, de vários e humilhantes
preconceitos que muito depunham contra o gráo de seu adiantamento e de
sua civilização. O povo mineiro, encurralado entre montanhas,
completamente alheio ás inovações e exigências da vida intensa moderna,
era, diziam, um povo estéril, falta de iniciativa, e que somente se distinguia
pela sua decantada ‘hospitalidade’...
Os nossos homens eram ineptos, atrasados, e a nossa política, de coronéis e
comendadores, era mesquinha e acanhada. A mulher mineira distinguía-se
tão somente pela sua graciosa simplicidade e perícia que revelava na feitura
dos chouriços, queijos e pés de moleque...
O mineiro do sertão, valente e trabalhador, era apontado como um genuíno
representante da imbecilidade e da estultícia! Enfim, innumeros eram os
juizos deprimentes e injustos que se faziam a nosso respeito, e que foram
desapparecendo, principalmente depois da fundação de Bello Horizonte, –
prova viva e palpável da nossa energia e iniciativa! Só, porém, depois de tal
acontecimento, que seja dita a verdade, é que muitos hábitos foram sendo
substituídos por outros mais de accordo com a epoca actual.
Ainda existem alguns, entretanto, que podem perfeitamente ser combatidos,
sem contrariar a índole do povo mineiro [...].
424
Durante os anos seguintes, poucos foram os elogios ao público interessado nas
corridas do Prado. Em 1910, O Commercio comentava a falta de corridas nos dias
determinados, o que, “além de arrefecer no povo o enthusiasmo pelo sport”, ainda prejudicava
consideravelmente os proprietários dos animais. Nesse artigo, cita-se a ocupação de todas as
dependências do Prado pela 9
a
Companhia de Caçadores, ficando a diretoria do Prado, até
mesmo sem local para se reunir. O estado lastimável das dependências do Prado também foi
destacado.
425
O Estado de Minas, em 1912, relatava que não faltaram curiosos que da cidade foram
ao Prado Mineiro para observar o estado de depredação em que haviam ficado os seus
pavilhões, onde se aquartelara a 9
a
Companhia Isolada de Caçadores. Segundo a nota, o Prado
havia se transformado em uma praça de guerra, onde até assassinatos ocorreram.
426
424
UM baile no ...., 1907, p. 1.
425
PRADO Mineiro. O Commercio, 5 dez. 1910, p. 2.
426
ESTADO DE MINAS, 3 jul. 1912, p. 1.
147
O Álbum de Belo Horizonte, publicado em 1911, que apresenta um relato visual da
cidade, não deixou de mostrar um dos signos de progresso e modernidade da cidade: o Prado
Mineiro. Mas, ao retratar a tribuna e as cocheiras, a imagem sugere não a glória dos áureos
tempos, mas uma imagem de abandono e de decadência.
FIGURA 21 – As cocheiras do Prado Mineiro
Fonte: Álbum de Bello Horizonte, 2003, p. 125.
Na seção de Patrimônio da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, em pasta referente
aos documentos do Prado Mineiro, há correspondência do secretário da Agricultura do Estado
ao prefeito de Belo Horizonte, datada de 6 de maio de 1912, que fala do interesse do governo
em entrar em negociações com a diretoria do Prado Mineiro para fazer a encampação dos
bens móveis e imóveis pertencentes à sociedade.
427
Por ter sido aceita a proposta pela diretoria
427
SOUSA. Carta do Secretário... em 6 maio..., 1912.
148
do Prado Mineiro, os terrenos a ela cedidos foram reservados ao Estado, ficando
caracterizada, assim, a extinção da Sociedade Anonyma Prado Mineiro.
428
Assim, esse ícone da modernidade também não conseguiu ajustar a cidade aos padrões
modernos sonhados para ela. Na cidade real que se constituía, os sonhos da CCNC em criar
aqui espaços e promover práticas esportivas, que eram sucesso no mundo civilizado,
realizaram-se somente em curto espaço de tempo. A visão idealizada da cidade, refinada,
moderna, bonita e, sobretudo, repleta de divertimentos que as práticas esportivas escolhidas
pela CCNC poderiam oferecer se concretizou, mas de maneira efêmera, não se enraizando na
cultura da cidade, apesar de esforços nesse sentido.
Essas práticas, que faziam parte do imaginário da CCNC e de pessoas da elite da
cidade, na busca de construir hábitos modernos para capital, eram constituídas de um conjunto
de valores culturais que não apresentavam significados para a maioria da população da
cidade, que possuía valores de outro tempo e de outro lugar.
Como modalidades escolhidas não por interesse das pessoas, mas impostas por um
projeto global de cidade, de um pensamento único, o ciclismo e o turfe não se desenvolveram
como se esperava, uma vez que ambos tiveram vida efêmera na cidade, naqueles seus anos
iniciais.
Assim, para entender a construção do campo esportivo, nas práticas sociais de lazer
em Belo Horizonte, faz-se necessário buscar não só as imagens da cidade ordenada pelos que
a projetaram, definindo seus espaços e formas de uso, mas, sim, a cidade vivida, apropriada
por seus moradores, uma cidade reinventada e ressignificada por aqueles que realmente deram
vida a cidade.
428
SOUSA. Carta do Secretário... em 22 outubro..., 1912.
149
Capítulo 4
O ESPORTE E AS FORMAS DE APROPRIAÇÃO NA/DA CIDADE
E já que falei, do zé povo, devo acrescentar que, consoante o dizer delle,
somos uma gente de fogo de palha. Nada de tenacidade, de esforço continuo,
para prosecução de um fim.[...]
De feito houve um momento que pareceu a muito decisivo e impressionou
vivamente pelo enthusiasmo, pela animação, pelo desusado vigor com que se
implantou nesta Capital o esporte. Dahi a pouco arrefeceu o calor, acabou-se
o primitivo arrojo e tudo cahiu na mesma pasmaceira...
O fogo de palha, acesso bruscamente, illuminou, súbito, a arena e apagou
logo...
429
A crônica acima, publicada no jornal Tribuna do Norte, em janeiro de 1907, focaliza
representações sobre o esporte na cultura da cidade, destacando a característica do povo
mineiro e sua relação com a prática esportiva, percebida e analisada até então. Nela, um povo
“fogo de palha”, que aparece aceso, iluminado, mas que logo se apaga, caracteriza o mineiro
em seus interesses pelo esporte.
Essa análise é pertinente para representar a relação do belo-horizontino com as
práticas indicadas para fazer parte dos costumes da cidade pela CCNC, ao planejar espaços
específicos para elas, já na sua planta. Como apresentado no capítulo anterior, essas práticas,
sugeridas pelos “produtores” do espaço, não se enraizaram na cidade.
Mas não foram apenas tais práticas esportivas que deixaram de despertar o interesse
do belo-horizontino. Outras referências eram constantes em relação aos espaços públicos
ainda em 1913, quando a cidade completava 15 anos de existência. O Parque e as praças
estavam “entregues ao mais lamentável abandono”; e a “doçura de um passeio lento, pela
frescura da tarde, pelas umbrosas alamedas dos parques e jardins públicos” era uma coisa
desconhecida e ainda não havia entrado “nos hábitos ronceiros de um povo que [revelava]
assim não possuir a mínima noção de taes sítios”.
430
A revista Vita também se queixava dessa apatia:
429
CHRONICA. Tribuna do Norte, 20 jan. 1907, p. 2.
430
O ESTADO, 24 abr. 1913, p. 1.
150
Bello Horizonte tem tudo: avenidas, praças, passeios bellissimos, prado de
corridas, campo de football, theatro, enfim, todos os divertimentos de uma
cidade civilizada. De que valem, porém esses divertimentos, se elles estão
abandonados? Não se vê uma viva alma do ‘smartismo’ mineiro gozando as
delícias dessas largas avenidas, os encantos das vastas praças, ostentando
artísticos cantos, onde somente o zumbido dos insetos , á falta de uma banda
de música, quebra a monotonia em que vivem esses logradouros públicos!
[...]. Poder-se-ia, pois, dizer que Bello Horizonte civiliza-se, diante do
abandono em que se encontram os seus jardins e pontos naturais de
passeio?
431
Essa falta de interesse pelos espaços públicos da cidade era uma das contradições da
nova capital, que só lentamente cedeu ao espírito moderno e aos valores urbanos e
cosmopolitas do início do século. O esporte, praticado ou consumido como assistência, como
um desses valores, também, foi aos poucos fazendo parte da sua cultura.
Acompanhar o processo de constituição e enraizamento da prática esportiva na cultura
urbana de Belo Horizonte a partir de uma análise da cidade apropriada por sua população, nas
duas primeiras décadas do século XX, é meu objetivo neste capítulo. Para uma população que
se mostrava arredia em participar dos espaços públicos, evidencia-se o interesse pelo esporte,
mediante o processo de ocupação dos espaços da cidade para suas práticas, qualificando-os ou
resignificando-os, de acordo com sua necessidade. Dessa forma, o destaque recai sobre as
apropriações de lugares da cidade que vai sendo constituída e para as diferentes práticas
esportivas que nela aparecem, no movimento de conformação desse espaço urbano.
No final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, foram encontradas nos
jornais de Belo Horizonte diferentes práticas que receberam a denominação de sport. Além
das já apresentadas até então, como o ciclismo e o turfe apareceram na cultura da cidade o
football, o lawn tennis, o croquet, a patinação, a luta romana, o box, a caça, o tiro, a natação,
as regatas e a malha. A gymnastica também fazia parte desse rol. Cada uma dessas práticas se
inscreveu em lugares sociais específicos, com funções sociais e finalidades específicas, e foi
dando novas formas à cidade, pois, “em geral, a forma dos espaços urbanos deriva de
vivências corporais específicas a cada povo”.
432
431
VITA, 15 dez. 1913.
432
SENNETT, 1997, p. 300.
151
4.1 O FOOTBALL APARECE NOS ESPAÇOS NA CIDADE
Um dos primeiros esportes a aparecer na cidade por iniciativa de seus habitantes e a
despertar gradativamente interesse na população foi o football.
Essa modalidade esportiva chegou a Belo Horizonte com Victor Serpa, um estudante
carioca que estudou na Suíça e veio cursar Direito na capital mineira. As notas cronológicas
de Octavio Penna referem-se ao dia 3 de maio de 1904 como o marco dessa introdução,
quando foi feito “o primeiro ensaio no Parque, em uma de suas alamedas, à direita do portão
da Avenida Afonso Pena”.
433
Abílio Barreto esclarece que o local dos primeiros exercícios foi
nas proximidades onde se construiu o Teatro Francisco Nunes.
434
Como novidade que propiciava divertimento, seus adeptos, inicialmente, apropriaram-
se do mais importante espaço de lazer da cidade – o Parque Municipal – para iniciarem a sua
prática.
A introdução do football em Belo Horizonte é semelhante à de outros Estados
brasileiros. A história do futebol no Brasil tem destacado nomes de estudantes brasileiros,
filhos da elite, educados na Europa, que, ao retornarem de seus estudos, foram responsáveis
pela introdução desse esporte no país. Como a Europa proporcionava uma base educacional
que aqui ainda não existia no final do século XIX, os filhos das famílias abastadas, ao
buscarem essa educação, aprendiam novas práticas culturais e também suas tradições. Ao
retornarem para o Brasil, contribuíam para o enraizamento de uma nova cultura e de uma
nova civilização, necessárias à modernidade proclamada para recém-inaugurada República.
O paulista Charles Miller é considerado por alguns estudiosos do futebol como o
introdutor do football no Brasil. Em 1883, ainda criança, mudou-se para Southampton, na
Inglaterra, onde estudou em diferentes escolas, tomando aí contato com diferentes práticas
esportivas, como o tênis, o rugby e o cricket. Mas o seu maior entusiasmo foi pelo football.
Ao retornar ao Brasil, em 1894, trouxe na bagagem duas bolas, uniformes, chuteiras e bomba
para encher as bolas. Ele foi o responsável por divulgar as regras e organizar os primeiros
jogos entre os sócios do São Paulo Atletic Club. O historiador Joel Rufino dos Santos
caracteriza assim a contribuição de Miller:
433
PENNA, 1997, p. 83. A data de 3 de maio de 1904 também é citada por Abílio Barreto, em ABPi 7/061.
434
BARRETO, 1944.
152
[...] o que Charles Miller nos trouxe, em 1894, foi um esporte universitário e
burguês. Elegante e obediente a um código. Esporte de gentlemem,
exatamente como são o tênis e o golfe de hoje.
435
Foi também um gentleman, Oscar Cox, outro nome destacado na disseminação desse
esporte no Rio de Janeiro. Em 1897, ao retornar de uma temporada de estudos na Suíça,
começou a agitar a juventude estudantil carioca, promovendo jogos e incentivando os amigos
à prática do football. Foi o grande incentivador do football carioca. Ao lado de compatriotas
ingleses, no Payssandu Cricket Club, participou de algumas partidas. Mas somente em 1891,
no intuito de dar ao jogo o estatuto de uma atividade independente do clube e da colônia
inglesa, foi que organizou, com um grupo de amigos, uma partida entre os jovens brasileiros e
os sócios do Rio Criquet, dos ingleses de Niterói. Esse jogo, para alguns estudiosos, marcaria
o início do futebol na Capital Federal.
436
Mas teria sido realmente Victor Serpa o introdutor do football em Belo Horizonte?
Como na história do futebol no Brasil, os nomes de Charles Miller e Oscar Cox é que
são representativos no seu processo de difusão como um campo esportivo. Isto é, como um
sistema de agentes e instituições que funcionam como um “campo de concorrência” em que
se defrontam agentes com interesses específicos, como nos sugere Pierre Bourdieu,
437
que são
os clubes, as entidades que o dirigem e as competições, dentre outros fatores, em Belo
Horizonte, Victor Serpa foi também o responsável por todo esse processo.
Porém, o jornal O Operário, em 19 de agosto de 1900, quatro anos antes da chegada
de Victor Serpa à cidade, traz uma reportagem que sugere a existência de um jogo de bola
praticado pelos operários italianos.
No dia 15 do corrente mês, em uma venda da Lagoinha, alguns italianos
jogavam pacificamente umas garrafas de cerveja marca barbante ao
inocente jogo da bola que mais que um jogo é um verdadeiro exercício
ginástico.
438
O mesmo jornal, em 2 de setembro, faz referências também a esses “jogadores de
bolas”.
439
435
SANTOS, 1981, p. 12-13.
436
MELO, 2000; JAL; GUAL, 2004; PEREIRA, 2000.
437
Mais explicações sobre o conceito de campo esportivo de Pierre Bourdieu podem ser obtidas em Bourdieu
(1983, p. 137).
438
O OPERÁRIO, 19 ago. 1900, p. 3.
439
O OPERÁRIO, 2 set. 1900, p. 2.
153
Apesar de a narrativa do jornal não deixar claro que jogo de bolas era esse, e como não
foi encontrada nenhuma outra evidência sobre esse jogo em Belo Horizonte, somente
podemos fazer alguma analogia com situações semelhantes encontradas na Capital Federal.
Segundo Leonardo Pereira, no final do século XIX, surgem e se fortalecem novos esportes na
cidade. O “jogo da bola”, esporte originário da Espanha, era jogado por dois competidores,
que arremessavam com raquetes em forma de arco uma bola contra um paredão, saindo
perdedor aquele que não conseguisse rebater a jogada do adversário. Existiam significados
ambíguos em relação a tal jogo, pois podia ser visto como uma simples diversão ou
considerado como uma atividade poderosa para o desenvolvimento das forças físicas, segundo
valores higienistas da época, qualidade essas usadas para justificar interesses de empresários
que promoviam essa atividade na cidade.
440
Outra referência, de José Tudela de La Ordem, trata o jogo que apareceu no final do
século XVIII e nas primeiras décadas do XIX, na Espanha, não como o francês, que era
jogado com raquetes, mas sim com as mãos. Na Espanha, inicialmente, qualquer espaço
aberto e plano, e qualquer parede lisa, em solo plano, podiam servir de cancha ou de frontão.
Foi um jogo popular, antes do aparecimento do football.
441
Tudo indica que o jogo dos italianos em Belo Horizonte pode ter sido o “jogo da bola”
dos espanhóis, mas existem algumas evidências que merecem ser apresentadas. No Rio de
Janeiro, havia também uma relação da cerveja “barbante” com o football. Segundo Victor
Melo, nas primeiras décadas do século XX o football já era praticado por muita gente, e de
todas as classes sociais. Foram criadas ali as primeiras ligas populares, denominadas “ligas
barbante”, em referência às tampas de cervejas
442
de baixa qualidade, produzidas nos fundos
de quintais de residências cariocas.
443
Assim, a ligação com a “cerveja barbante” pode também
significar o indício de um jogo de football. Por ser um jogo realizado para divertimento de
operários na cidade, era visto como “caso de polícia”, como todos os jogos populares, como
cita a crítica da Liga Operária no jornal O Operario. Por isso, caso tenha essa relação, o jogo
dos italianos não ganhou visibilidade na cidade, diferentemente do jogo trazido por um filho
de uma distinta família da Capital Federal, acadêmico de Direito, que havia estudado na
440
PEREIRA, 2000.
441
LA ORDEM, 1966.
442
A cerveja começa a ser produzida no Brasil por volta de 1830. Nessa época, tinha um grau de fermentação tão
alto que, mesmo depois de engarrafadas, produziam uma enorme quantidade de gás carbônico, criando
grande pressão. Daí a denominação de cerveja barbante (ou da “marca barbante”), pois, devido à fabricação
rudimentar, precisavam de um barbante para impedir que a rolha saltasse da garrafa. (COUTO, 2005.)
443
MELO, 2000.
154
Europa e aqui chegou trazendo a novidade lá praticada. Victor Serpa foi, assim, o responsável
pela difusão do football na cidade.
As atividades físicas esportivas simbolizavam, tanto aqui como na Europa, um lazer
civilizado. Mesmo sendo considerado uma prática moderna, apropriada por pessoas da elite
na cidade, ela não teve uma aceitação unânime pela população, principalmente pelas camadas
letradas. Os jornais, a partir daquele momento, passaram a relatar os valores e prazeres da
atividade física em crônicas e pequenas notas, mas assumiam, freqüentemente, nessas
crônicas e em notas humorísticas, uma postura crítica em relação à verdadeira “mania” que ia
surgindo na cidade. O jornal A Epocha, na sua coluna “Fagulhas” em diferentes momentos,
apresenta entre as Cousas que implicam, a “mania de football
444
e o “foot-ball do Victor
Serpa”
445
. Percebe-se que Victor Serpa personalizou o football na cidade.
Chamam atenção algumas crônicas em que eram frisadas as alienações provocadas
pela mania de esporte que tomava conta da cidade:
Enquanto a gente se enerva a escrever a prosa insossa para os jornaes, fala da
vida alheia, discute a política, flagella a fraqueza dos governos, namora e
bebe cerveja, ha por ahi quem se apaixone pelos exercícios physicos, ao ar
livre, correndo, transpirando, bradando com a valentia dos pulmões, soltando
a gargalhada sonora, em toda a beleza da agilidade, da força e da saúde!
E quando, no meio artificial e não raro doente, cheio de sobressaltos e
dúvidas, corrupção e ódios, até a penna nos pesa qual comprida alavanca de
ferro, que movemos com anseios e tortura, como elles, ageis e fortes, cantam
o grande poema da vida á luz clara do firmamento! Abrem os braços,
esticam o corpo, firmam as pernas, retesam os músculos, correm, saltam,
atacam, fogem com graça, tornam a atacar, e vencem! É após a luta, que
alegria, que orgulho!
Perguntae ao apaixonado jogador de bola, aos atiradores, ao vencedor de
corridas, a qualquer lutador athleta, que pensa das sensacionaes intrigas d[o]
dia, da vaidade dos superficiaes ou do sucesso dos políticos, – que elle vos
responderá com um meneio de hombros e um sorriso malicioso, enquanto
dispara a queima-roupa uma sonora praga e escalope para o commentario de
algum novo acontecimento do sportismo.
São esses os que vivem. Esplende-lhes o gozo nas faces, acompanha a
alegria da natureza; e quando refulge a luz, vibra a canção dos dias
harmoniosos, arrebentam as flores, ondula a relva dos campos, são felizes
porque amam a verdadeira belleza, que é a da saúde e da força.
446
444
FAGULHAS. A Epocha, 30 out. 1904, p. 2.
445
FAGULHAS. A Epocha, 4 set. 1904, p. 2.
446
OS SARÁOS do..., 1904, p. 1.
155
As críticas ao football, prática que vai aparecendo em todos os espaços da cidade,
mostravam-se de forma efetiva, talvez por ele estar na rua, não podendo, assim, ser formatado
em um espaço específico.
Bello Horizonte é uma moçoila maníaca. [...] Agora, porém, vae alcançando
vantagens sobre a invencível inconstância de nosso povo, numa firmeza
lastimavel de mania, um presente grego, digo, inglez – o foot-ball. O
magnifico sport que, em outras cidades, o povo joga, aqui joga o povo. [...] o
mal invadiu todos os bairros, transformando a cidade num vasto campo de
exercício, em que até as pernas ocupadas dos transeuntes servem de goal.
447
Alguns cronistas, como o que assinava Pan d’Ega, criticavam o interesse pelo “fazer”
corporal que aliena, em detrimento dos interesses políticos, artísticos e culturais valorizados
na época. Outros chegavam a falar em uma verdadeira “crise de fallencia intellectual”.
448
No
seu ímpeto de fugir da cidade, “invadida pelo foot-ball”, Pan dÉga comentou:
Quem me aplacou os nervos foi o Lucio que o via approximar se, calmo e
pensabundo, como no dia em que o apresentei ao leitor. Abracei-o numa
irrefreável expansão de allivio, certo de que, como eu, também elle
malsinaria o morbus invasor. Interoguei-o sobre a política e internacional de
que elle dava tão detalhadas notícias; mas, com grande espanto meu,
retrucou:
– Não leio mais jornaes. Tenho agora melhores ocupações.
– Que dizes? perguntei desconfiado.
Lucio recuou um passo, arregaçou até o ombro direito a manga do casaco, e,
enrijando o biceps, com o braço em ângulo, falou:
– Olha esse muque. Entrei para o ‘José de Alencar Foot-ball Club.’
Estendi-lhe a mão afflicta que elle apertou, achando-a fria, e fugi!
449
O football passou a figurar ao lado de outros “problemas” daquele período, como
relata a cronista Marialva em nota intitulada Incipientes...: “Ó éra de crise, de tombos
políticos, de foot-ball e polemica!”.
450
Apesar das críticas ao foot-ball, Victor Serpa, conquistando boas relações, congregou
acadêmicos, funcionários e comerciantes, todos pertencentes à elite da cidade, para a criação
do Sport-Club. Dessa iniciativa, participaram os senhores:
447
PAN d’EGA, 1905, p. 1.
448
SPIRIDIAM, 20 nov. 1904, p. 2.
449
PAN d’EGA, 1905, p. 1.
450
MARIALVA. Incipientes..., 1904, p. 1.
156
Fritz de Jaegher, professor de alemão do ginásio mineiro; Major Augusto
Serpa, chefe das oficinas da Imprensa Oficial; dr. Oscar Americano,
cirurgião dentista; major Arthur Haas, José Gonçalves, Avelino Reis, J.
Almeida, Claudiano Martins Junior, Miguel Liebmann e J. Jordão, do alto
comercio; Celso Werneck e Jefferson Mourão, funcionários do Estado;
Antônio Mascarenhas, Joaquim Brasil, Olavo e Abel Drummond, Thomé
Pereira, Joaquim Baptista de Mello, J. Roque Teixeira, Francisco e Viriato
Mascarenhas, estudantes; e muitos outros.
451
Assim, em 10 de julho de 1904, foi fundado o clube e eleita sua primeira diretoria,
cuja presidência ficou com Oscar Americano; a vice-presidência, com Augusto Pereira Serpa;
a tesouraria, com José Gonçalves; e a secretaria, com Avelino de Souza Reis. Victor Serpa
assumiu a função de capitão. O Minas Gerais de 13 de julho, em nota na seção “Festas e
Diversões”, acrescentava que a diretoria dessa “útil diversão” informava que nos dias 14 e 17
já haveria exercícios práticos no campo.
452
Para uma cidade que estava normatizando a forma de nela se viver, ao serem criados
os estatutos do clube, que foram aprovados no dia 23 de agosto do mesmo ano, esses tiveram
que ser visados pelo então chefe de polícia, Cristiano Brasil.
453
Por esse estatuto, podiam participar do clube “pessoas dignas”, nas categorias de
sócios efetivos, moradores da capital; correspondentes, residentes fora da capital; e
beneméritos.
454
O valor estipulado para o pagamento adiantado da jóia para o ingresso no
clube, de 10$000, e o da mensalidade, de 5$000, eram altos o bastante para selecionar
criteriosamente seus participantes. Esses valores eram iguais aos cobrado pelo Fluminense, do
Rio de Janeiro, que se afirmava como um clube da elite, formado por “rapazes da melhor
sociedade, quase todos educados em colégios da Inglaterra.
455
Os clubes do Rio que passaram
a aceitar como sócios operários de todas as categorias, como o Bangu, cobravam 2$000 como
jóia para o ingresso e 1$000 mensais, permitindo que trabalhadores menos especializados
também pudessem participar.
456
451
REMEMORANDO: os primordios..., 1927, p. 2.
452
MINAS GERAIS, 13 jul. 1904, p. 6.
453
Abílio Barreto, em seus manuscritos, acrescenta que os estatutos foram apresentados para registro e apontado
o número 71 do Protocolo de registro, a 26 de setembro de 1904, e inscritos no [ L.
o
] competente sob n.1, na
mesma data, pelo oficial interino, Raymundo Nonato da Silva. Pagaram de arquivamento, certidão, [rasa],
registro e selos 35[$]000. (BARRETO. Esportes 1904-1937, [s.d.].)
454
Os estatutos do clube foram assinados por Oscar Americano, José Gonçalves, Avelino de Souza Reis, Victor
Serpa, Charles B. Norris, Augusto Pereira Serpa, Antônio Baptista Vieira Junior, Jordão de Carris
Figueiredo, Miguel Liebman, Joaquim Roque Teixeira e Antônio Nunes de Almeida.
455
Referência do jornal Auto-sport, de 1912, citado por Pereira (2000, p. 28-29).
456
ESTATUTOS do Sport Club, 21 set. 1904, p. 15.
157
A associação do Sport Club tinha como fim especial “fazer propaganda de todos os
jogos e exercícios atlheticos taes como: foot-ball (principalmente), pedestrianismo, criket,
lawns
(sic)
-tennis, esgrima, etc, etc”. Essas eram algumas das práticas esportivas em voga no
momento, com destaque, principalmente, para as de origem inglesa que, aliadas aos valores
do exercício físico, passaram a ser valorizadas como uma forma de completar a higiene do
corpo.
O time do Sport Club foi organizado inicialmente não só com times seniores, mas
também com juniores.
457
Esses times reproduziam o modelo seguido pelos jogadores cariocas,
um padrão europeu de jogo, que era utilizado por todos os times do período. Além do goal-
keeper, os times possuíam dois backs – jogadores de defesa –, três halfs – que jogavam na
intermediária do campo – e cinco fowards – jogadores de ataque. Esse modelo, segundo
Leonardo Pereira, foi apresentado em 1905, na obra Sports athleticos, de E. Weber, um autor
francês que ensinava os princípios e as técnicas de diferentes esportes de origem inglesa,
como o hockey, o lawn tennis e o football. Essa obra passou a ser uma “espécie de bíblia”
para os cariocas que, com o intuito de esclarecer aos seus esportistas as regras e técnicas do
jogo, a citavam com freqüência nos grandes jornais da cidade.
458
A fotografia do Sport Club encontrada nos arquivos do Museu Histórico Abílio
Barreto retrata um grupo de pessoas de pele clara, elegantemente vestidas, algumas
uniformizadas e outras de terno e gravata, cabelos penteados e bigodes “respeitáveis”. Eram,
portanto, representantes de uma elite branca que, na cidade, iam dando ao jogo um perfil
refinado, transformando-o em uma marca da sua modernidade.
457
O clube organizou-se inicialmente com dois times de futebol seniores, o “team do Victor Serpa” e o “team do
Oscar Americano” assim constituídos: Mr. Victor Serpa’s XI – De Jaegher (goal-keeper), Liebmann e
Almeida (backs), Sales, Abel e Chagas (half-backs), Fr. Mascarenhas, Tomé, Norris, Viserpa e Viriato
(forwards) e o reserva Baptista. Dr. Americano’s XI: Gonçalves (goal-keeper), Jepherson e Roque (backs),
major Serpa, Avelino e Fabiano (half-backs), Brazil, Jordão, dr. Americano, Antonino e Claudionor
(forwards) e os reservas Raul e Saturnino. Mas possuía também teams juniores, que eram capitaneados por
Rômulo Joviano e Nuno Santos. Faziam parte desse grupo: Paulo Cunha, Octavio Penna, Américo Martins
Penna, Ricardo Martins Penna, Hildebrando Castelar, Alfredo Martins Penna, Gy Santos, Vivico Costa,
Evaristo S [alomon], Carlos Toledo Filho, Mário Toledo, José Severiano Machado Coelho Amaro Drumond,
João de Mello Franco e Waldemar Ribeiro. (FOLHA PEQUENA, 24 set. 1904, p. 1.)
458
PEREIRA, 2000. Segundo Pereira, essa obra foi publicada originalmente na França, em 1905, e em 1907 foi
editada no Brasil pela Editora Garnier.
158
FIGURA 22 – Sport Club em 1904. A partir da esquerda estão 1. Jordão Caíres; 2. [...]; 3. Augusto
Pereira Serpa; 4. Virgílio Fabiano Alves; 5. Dr. Oscar Americano, 6. José Gonçalves; 7.
Avelino Rodrigues; 8. Antônio Nunes de Almeida; 9. Francisco de Assis das C. Rezende;
10. Abel Horta Drumond; 11.Victor Serpa está assentado com a bola aos pés; 12. Viriato
Mascarenhas; 13.Tomé Andrade; 14. Joaquim Brasil; 15. Joaquim Roque Teixeira; 16.
Miguel Liebman; José Mariano de Sales; 18 [ ]; 19. Antônio Mascarenhas.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto
Assim, os sportmen, reunidos em torno do clube para criarem as primeiras raízes do
football na cidade, eram pessoas da elite da cidade, dentre elas profissionais liberais,
funcionários públicos, comerciantes e estudantes, tanto universitários como ginasianos. Para
estes últimos, as crônicas também dedicavam espaço. Um cronista identificado como
Sportman assim escreveu:
É para vocês, meus garrulos sportsmen pequeninos, que hoje escrevo.
Quizera, em verdade, dizer duas palavras de animação á brava mocidade do
Gymnasio, que ante-hontem tão promissoramente estreou nas lides do sport.
[...] É bem possível que vocês não dêem polemistas tão mordazes e vãos,
como os nossos de hoje, mas certo hão de dar, para bem de Minas e da
Pátria, moços sadios d’alma e de corpo, como os inolvidáveis guerreiros e
sábios de Roma, que decantavam outrora a ‘mens sana in corpore sano’.
459
459
SPORTSMAN, 1904, p. 1-2.
159
O espaço apropriado para o campo improvisado localiza-se, inicialmente, entre a Rua
Sapucaí e a antiga estação da Central. Após alguns treinos preliminares, realizaram-se alguns
jogos, marcados para as 7 horas da manhã, nos domingos, entre os times do Sport Club. Esses
jogos eram noticiados, com antecedência, nos jornais da cidade.
460
Posteriormente, o próprio
clube, em seção paga, divulgava seus jogos, no horário da tarde, para conquistar o interesse de
jogadores e espectadores:
Sport Club
Secção paga
Todos os domingos ás 4 horas da tarde há matck
(sic)
de foot-ball entre dois
valentes teans do club.
461
Um desses jogos, realizado no dia 2 de outubro de 1904, foi assim noticiado pelo
Minas Gerais:
Ante-hontem foi disputado mais um match de football no campo dessa novel
sociedade, perante tão numerosa quão fina roda de distinctos sportmen e
gentis sportwomen. Prestou-se graciosamente a servir de referee o sr. capitão
Haas, que se conservou durante toda a partida perfeitamente imparcial e
attento, o que grandemente contribuiu para o bom resultado della. Venceu
ainda desta vez o team do Sr. Victor Serpa por 2 gols a 1, apesar do denodo e
do brilho com que se bateu o do dr. Oscar Americano. Os pontos foram
marcados para os vencedores, pelos srs. José Mariano de Sales e Victor
Serpa e para os vencidos pelo sr. Joaquim Brasil. A lucta esteve sempre
animadissima, o que demonstra que o popular sport está finalmente para
sempre implantado em nosso aureo Estado.
462
Esse jogo entre os dois grupos do Sport Club despertou grande interesse na cidade. Na
opinião de Abílio Barreto, “não temos lembrança de nenhuma outra iniciativa lançada em
Belo Horizonte e cuja aceitação e imediata e rápido desenvolvimento se possa comparar a do
futebol”. E esse interesse era o da “fina roda”, cujos espectadores, tratados como Sportmen e
Sportwomen, já começavam a ser destacados.
As impressões dos espectadores eram as mais variadas sobre a novidade na cidade. O
cronista Spiridiam, em diálogo com seu amigo literato Bicudo, que o havia convidado para
assistir a uma partida de football, uma coisa nunca vista, assim respondeu:
460
FOLHA PEQUENA, 17 set. 1904, p. 2; FOLHA PEQUENA, 24 set. 1904, p. 1.
461
SPORT Club. A Folha, 15 jan. 1905, p. 4.
462
SPORT Club. Minas Gerais, 4 out. 1904, p. 6.
160
Nem eu, acrescentei. Quando chegamos ao chamado campo, fiquei surpreso.
Senhoras e cavalheiros lá estavam embevecidos, arriscando comentários,
interessados pelo jogo. Bicudo franziu o supercelhos e eu puz-me a observar.
Marmanjos e crianças, todos de bonets e calções, as pernas nuas dos joelhos
para baixo, calçados com sapatões de turco, atiravam ponta-pés numa bola
que andava de Herodes para Pilatos. Momentos depois passou perto de mim
um foot-baller e eu pude ver-lhe as truculentas barrigas das pernas com cada
mancha assim de sinapismo... Não me contive e chamei a atenção do
Bicudo. O insigne mestre ria perdidamente, achando tudo aquilo trágico e
cômico ao mesmo tempo, e sem perceber, instintivamente repetiu [...] Neste
mundo há cada uma...
463
Quanto ao nível técnico dos jogadores, o jornal Vida Sportiva, de 1927, ao descrever
os primórdios do football na cidade, destacava:
Desses jogadores, só três ou quatro – Victor Serpa, Avelino Reis, Thomé
Norris – já haviam praticado o ‘football’ em outras cidades. Os restantes
começaram a aprendel-o, com mais ou menos habilidade. O capitão
Jefferson Mourão era um centro-avante impetuoso e bravio, famoso em
‘charges’ no adversário. José Mariano de Sales, atual delegado de
investigações e capturas da capital, magro e veloz como era, gostava dos
“rushes”de effeito, escapando rapidamente com a bola, para ir perdel-a perto
do ‘goal’, aos pés do Roque, o sólido ‘full-back’. O major Serpa, muito
myope, raramente conseguia manter o pé na pelota; mais chutava sempre
com grande vigor nas canelas do inimigo. O sr. José Gonçalves (proprietário
hoje da Casa Titan), tornou-se logo um esplendido ‘goal-keeper’. Deixou
fama. Outro bom arqueiro foi o dr. José Martins Prates, actualmente
deputado do Congresso Mineiro. Havia outros jogadores bons, Victor Serpa,
porém, soprepujava-os a todos, por seu jogo impeccavel, do melhor estylo.
464
Naquele momento, as representações sobre o football iam-se fazendo de forma
contraditória. Se, de um lado, era ridicularizado como um esporte de homens de pernas de
fora, que atiravam pontapés numa bola, de outro, homens com posições na cidade e na
sociedade, ainda que de pernas de fora e dando chutes nas canelas, constituíam-se em um
conjunto elegante. O football começava, assim, a ser visto como um limite entre o selvagem e
o civilizado, entre as normatizações e um coletivo sem muitas regras, entre o “popular” e a
elite.
Os termos em inglês usados no jogo e divulgados na imprensa consistiam numa forma
de reproduzir na cidade o jogo praticado na Inglaterra. Assim, crônicas e notícias sobre os
jogos eram permeadas por referee, goal, team, penalty, off-side, kick-off, dentre outros. Esses
termos do esporte passaram a figurar, também, em todos os bate-papos da cidade.
463
SPIRIDIAM, 20 nov.1904, p. 2.
464
REMEMORANDO: Os Primordios..., 1927, p. 2.
161
Estabelecimentos comerciais ganharam nomes ligados ao esporte, como o Salão Sportman e a
Rotisserie Sportsman, que aparecem nos anúncios dos jornais Estado de Minas e A Rua.
465
Os jogos iniciais foram realizados com os times do clube que levavam o nome do
capitão.
466
Mas logo após a criação do Sport Club e depois da realização do seu primeiro jogo
público, outros clubes começaram a se organizar, “numa proliferação espantosa, não obstante
a crença de que tal ramo desportivo era impróprio para nosso clima e estafante para a nossa
mocidade”.
467
O segundo clube a ser criado também foi destacado pelo Minas Gerais:
Denomina-se Plinio Foot-ball Club a sociedade recentemente fundada nesta
capital para exercícios physicos. É divisa da novel associação preceito de
Plínio: – Mens sana in corpore sano. A primeira partida efetuar-se-á hoje.
468
Abílio Barreto esclarece que a fundação desse clube se deu numa reunião realizada no
Externato do Ginásio Mineiro, localizado na Rua da Bahia, no dia 2 de outubro de 1904, o
mesmo dia em que foi realizado o primeiro jogo do Sport Club.
469
O clube era composto de trinta sócios, com vinte e dois titulares e oito reservas. Sua
finalidade específica era o “exercicio do foot-ball”.
470
O Minas Gerais de 19 de outubro noticiou a criação de outro clube, o Mineiro Foot-
Ball Club.
471
E nesse período foi criado também o Athletico Mineiro Foot-ball Club, que não é
o atual. Victor Serpa, no seu papel de educador e divulgador do football na cidade, era
465
ESTADO DE MINAS, 1 jan. 1906, p. 4.; A RUA, 12 nov. 1907, p. 4.
466
A partida realizada em 9 de outubro de 1904, com os times capitaneados por Avelino Reis e Tomé Pereira,
assim constituídos: AVELINO’s XI: Gonçalves (goal-keeper), Jordão e Roque (backs), major Serpa, Avelino
e Fabiano (half-backs), Jefferson, Antonino, dr. Americano, Brasil e Claudionor (forwards). Reservas:
Saturnino, Velloso e Guilherme. O THOMÉ’s XI: Mascarenhas (goal-keeper), Libermann e Almeida (backs),
Celso, Thomé e Abel (half-backs), Mellinho, Sales, Norris, Viserpa e Virialho (forwards). Reservas:
Baptista, Chagas e De Jaeger. (SPORT Club, A Gazeta, 1 abr. 1904, p. 3.)
467
BARRETO. Recordar é viver..., [s.d.].
468
MINAS GERAIS, 9 out. 1904, p. 6. É importante destacar que esse lema que deu o nome ao clube não é de
Plínio, e sim de Juvenal (Decimus Junius Juvenalis), poeta satírico romano.
469
Sua primeira diretoria foi formada por Francisco Tiburcio de Oliveira, presidente; Otávio Viana Martins,
secretário; Álvaro Magalhães Mascarenhas, tesoureiro; Francisco Mascarenhas, Francisco Rebelo de Paula
Horta e Raul Cruz, comissão de sindicância. Os estatudos poram organizados por Francisco Mascarenhas,
Pedro Queiroga e Antônio José da Cunha. (BARRETO, Recordar é viver..., [s.d.].)
470
ESTATUTOS do Plinio..., 1904, p. 3. O uniforme do time, definido nos estatutos, constava de camisa de meia
decotada, com listas pretas e brancas, calção branco apertado por um cinturão preto, meias pretas e
compridas e mais um acessório usado na época, um “bonnet de gommas pretas e brancas”.
471
Sua diretoria foi assim constituída: Nicanor Noronha; 1
o
secretário, Mario Linhares; 2
o
Ricardo Martins
Penna e tesoureiro, Américo M. Costa. (MINAS GERAIS, Bello Horizonte, 19 out. 1904, p. 7.)
162
também presidente do Athletico, que posteriormente viria a se chamar Viserpa-foot-ball-
club.
472
A primeira partida entre esses novos clubes foi realizada entre as equipes do Plinio e
do Athletico, no dia 17 de outubro, “resultando o magnífico match num empate de 0 a 0, o que
demonstra[va] o mérito das duas defesas inimigas”, como apresentava o crítico esportivo do
Minas Gerais
473
, ou, ainda, a falta de habilidade para fazer gols.
Com quatro clubes na cidade, os esportistas procuraram organizar competições
promovidas por uma associação desses clubes, criando, assim, em Belo Horizonte, a sua
primeira liga de football, que organizou o primeiro campeonato entre os clubes, em 1904.
Após a realização desse campeonato, ainda apareciam, naquele ano, notícias sobre
jogos realizados nos clubes Athletico e Sport. As representações sobre aquele esporte podem
ser percebidas na narrativa do cronista do Minas Gerais:
Este gênero de diversão esportiva, que ultimamente tanto incremento tem
tomado no nosso meio, allia em si o útil ao agradável, pois ao mesmo tempo
em que dá força ao corpo, concorrendo assim para a perfeição da espécie, é
um elemento de distracção para o nosso publico. É de presumir que haverá
hoje grande concurrencia ao Athletico Mineiro Foot-ball.
474
Assim, o útil estava aliado ao valor do esporte na busca da eugenia da raça, concepção
que, desde o final do século XIX e nas décadas iniciais do século XX, permeava as
representações sobre o esporte e a educação física. O esporte era uma forma de conseguir o
vigor físico e a melhoria da espécie. Além de concorrer para a formação do corpo, era uma
forma de promover um divertimento organizado.
O futebol belo-horizontino, em janeiro de 1905, sofreu significativa perda com a morte
prematura de seu mais importante incentivador, Victor Serpa, vítima de gripe, no Rio de
Janeiro. A imprensa, colegas de faculdade, os times de football da cidade e de Ouro Preto,
bem como famílias amigas expressaram diferentes manifestações de pesar pela perda do
amigo. O jornal A Epocha
475
que, em dezembro de 1904, havia publicado o recebimento de
um cartão de despedida do “sympatico amigo” Victor Serpa, que saía de férias para o Rio,
publicou, nas edições de 22 e 29 de janeiro de 1905, notícias sobre o seu falecimento e relatou
o grande número de manifestações e homenagens. Destaca-se aqui o tributo do Athletico-foot-
472
A EPOCHA, 22, jan. 1905, p. 2.
473
MINAS GERAIS, 19 out. 1904, p. 7.
474
MINAS GERAIS, 24 nov. 1904, p. 6.
475
A EPOCHA, 18 dez. 1904, p. 1.
163
ball-club, do qual Victor Serpa era presidente, que, além de decretar oito dias de luto, mudou
o seu nome para Viserpa-foot-ball Club. Outros clubes, como Sport, Juvenil e Plinio, além do
Club Unionista de Foot-Ball, dos alunos da Escola de Minas de Ouro Preto, também fundado
por Viserpa, enviaram mensagens à família e realizaram cerimônias em homenagem à
memória do amigo. Famílias e amigos acadêmicos também expressaram seu pesar, celebrando
missas em diferentes cidades. Todas essas manifestações revelaram o importante papel
assumido por Victor Serpa na sociedade. Suas qualidades, “cultura de espírito” e “distinção”,
eram destaque e chegaram a ser relembradas posteriormente por um cronista, que dizia:
“Tempo houve em que Bello Horizonte vibrou, aninhando em seu seio moços de espírito,
cultos e fortes para a lucta”. O nome de Victor Serpa é destacado em meio a outros que foram
evocados pelo cronista por terem proporcionado “inesquecíveis dias” na cidade.
476
Mesmo após o falecimento do seu grande líder, o football continuou a se constituir na
cidade. O Viserpa Foot-ball Club, no dia 29 de janeiro, já realizava uma partida, tendo sido
eleito para seu presidente mais um acadêmico, o footballer Júlio Lemos.
477
Outros times
passaram a figurar nos jornais, como Brasil Foot-ball Club, com seus dois times – Russo e
Japonez
478
–, Juvenil Foot-ball Club,
479
José de Alencar Foot-ball Club, Esperança Foot-ball
Club e Estrada Foot-ball Club.
480
Mas o futebol passou, também, por uma fase marcada por
uma quase total ausência de notícias sobre ele em 1905 e 1906.
4.1.1 O football desaparece dos jornais
Em agosto de 1905, ganha as manchetes do jornal A Epocha o anúncio do primeiro
jogo a ser realizado fora da cidade, entre o time do Viserpa Foot-ball Club e o Hugo Braga
Foot-ball Club, da cidade de Barbacena. O cronista destacava que seria a “primeira vez que se
[empenhariam] em luta, no Estado de Minas, clubs de cidades differentes”, e que a iniciativa
seria uma boa forma de despertar o entusiasmo nos clubes de outras cidades.
481
Esse
entusiasmo, entretanto, não seria só para os clubes de outras cidades, mas também para os de
476
REGISTRO. Estado de Minas, 22 abr. 1906, p. 1.
477
A EPOCHA, 29 jan. 1905, p. 2.
478
MINAS GERAIS, 19-20 dez. 1904, p. 8.
479
A EPOCHA, 22 jan. 1905, p. 2.
480
PAN d’ ÉGA, 12 fev. 1905, p. 1.
481
FOOT BALL, A Epocha, 20 ago. 1904, p. 2.
164
Belo Horizonte. As notícias sobre o football passaram a ser raras. Depois de fevereiro de
1905, em que A Epocha noticiou que “entre as ruas Parahyba e Pernambuco, em excellente
situação, foi aberto o campo em que o Viserpa Foot-ball Club fará d’agora em diante os seus
exercícios”,
482
somente em junho apareceu uma nota esclarecendo que por aqueles dias o
Brasil Foot-ball Club recomeçaria seus exercícios, suspensos por pouco tempo, por motivo de
força maior. Esse clube deveria estar ligado ao Ginásio Mineiro, pois a reportagem fala de
uma reunião nas salas do “Gymnasio”.
483
Com isso, pensava-se que a partida intermunicipal
traria novo interesse ao football.
Marcada inicialmente para o dia 6 setembro, ficou definitivamente acertada para o dia
1
o
de outubro. Nessa nota, foi noticiada a fusão entre os clubes Viserpa e Sport. As diretorias
decidiram que a nova associação iria chamar-se Viserpa Sport Club e que as mensalidades
seriam reduzidas para 3$000, não pagando jóia jogadores que já tivessem pertencido a outros
clubes. Achava-se na Casa Colombo uma lista para ser assinada pelos que concordassem com
a fusão e também por aqueles que desejassem fazer parte da associação. Essa era uma
iniciativa para abrir possibilidades de que mais pessoas pudessem participar do seleto clube,
que, ao diminuir o valor da mensalidade para 3$000, um valor ainda alto o bastante para
selecionar seus participantes, motivaria a entrada de novos adeptos. A medida era, para o
cronista do A Epocha, uma esperança de que o “foot-ball tome vigoroso impulso”
484
, mas
também um indicativo de que o interesse não era o mesmo dos tempos iniciais. É importante
ressaltar que fazia parte da comissão redatora desse jornal, que tanto apoio dava às notícias do
football, Júlio Lemos, o Capitain do Viserpa.
485
A partida do Viserpa com o Hugo Braga foi um grande acontecimento na cidade de
Barbacena, que recebeu o time belo-horizontino na estação, com banda de música e uma ala
de “gentis senhoritas”. Como gentlemen, os jogadores dos times “dirigiram-se para o hotel,
como de costume, trocaram-se os cumprimentos de estylo, combinando-se que a partida seria
no dia seguinte ás 4 horas da tarde”. O clima de festa e camaradagem foi representado pela
ida do time anfitrião, uniformizado, buscar os adversários no hotel para, juntos, se dirigirem
ao campo. Não se consideravam adversários, e, sim, identificavam-se com uma marca de
cavalheirismo. Como um esporte de sportmen, antes do início da partida, os representantes
dos times presentes fizeram uma manifestação às moças presentes, tendo dado o pontapé
482
A EPOCHA, 26 fev. 1905, p. 3.
483
FOLHA PEQUENA, 24 jun. 1905, p. 1.
484
FOOT-BALL. A Epocha, 24 set. 1905, p. 1.
485
A EPOCHA, 1 out. 1905, p. 1.
165
inicial uma “gentil e graciosa senhorita”. Embora muito animado e disputado, o resultado do
jogo foi o empate sem gols. O dia continuou em clima de festa, com cerveja, doces e danças
até a madrugada. O cronista não poderia ter acabado a notícia de outra forma senão com a
despedida da “moças dando vivas ao Viserpa, sendo respondidas com outros ao Bello-sexo e
ao Hugo Braga.
486
Essa cordialidade e gentilezas mútuas eram marcas que o refinamento do
esporte inglês conferira ao football.
O resultado e o empenho dos diretores do clube parecem não ter dado o resultado
esperado. Depois da nota “hoje, ás 4 horas, haverá jogo no ground do Viserpa Sport-club, de
15 de outubro de 1905, mesmo tendo o presidente do Viserpa fazendo parte comissão redatora
do jornal A Epocha, as notícias sobre football desapareceram dos jornais da cidade. O Jornal
de Minas, em 20 de agosto de 1905 já havia publicado em suas “Notas Exparsas”:
Neste principio de século, do morto romancismo, da agonisante poesia e das
crenças mortas, do foot-ball e do cartão postal, de uma guerra e das rapidez,
da evolução propositalmente provocada e do progresso material – o tedio
impera.
487
O football, apesar da efervescência vivida nos primeiros anos, também entrou numa
fase de declínio. Os anos de 1906 e 1907 foram marcados pela ausência quase total de notícias
sobre ele, momento em que as atenções da cidade se voltaram para o Prado Mineiro, com a
implantação do turfe na cidade.
Mesmo vivenciando um período de declínio, os interesses em apropriar-se de espaços
na cidade para a sua prática ainda se mantinham. A ausência de notícias não significava
desinteresse. Vale destacar que, segundo Abílio Barreto, em seus manuscritos, no dia 12 de
junho de 1906, pelo requerimento n. 1210, assinado por Nelson Coelho de Senna, Jefferson
Darphe Mourão e José Gonçalves, presidente, 1
o
-secretário e tesoureiro do Sport Club,
respectivamente, foi feito um pedido ao prefeito da concessão
definitiva, a título gratuito, dos terrenos ocupados pelo seu campo, no
quarteirão 14, da 3
a
. seccção urbana, que dava para a Avenida Paraopeba,
abaixo da Imprensa Official, no qual a sociedade tinha despendido não
pequena quantia desaterano-o
(sic),
nivelando-o e gramando-o, cercando-o de
arame”.
486
MATCH de football. A Epocha, 8 out. 1905, p. 2.
487
SILVÃES, 1905, p. 2.
166
O pedido não teve despacho do prefeito. Essa medida pode ter sido motivada pela fase
de declínio vivida pelo esporte naquele momento.
O que marcou esses anos iniciais foi o papel desempenhado por Victor Serpa na
difusão do football em Belo Horizonte como um esporte de elite, envolvendo pessoas
representativas na cidade, comerciantes, universitários e ginasianos na criação de times que
vivenciaram uma verdadeira “mania” de futebol na cidade, mas que tiveram vida efêmera.
Nas múltiplas representações em torno do jogo, construídas pelos seus iniciadores e
fortemente destacadas pela imprensa, algumas estavam aliadas a uma prática que traria a
modernidade para a cidade, pois era uma diversão civilizada, cavalheiresca, útil e agradável,
que, além de desenvolver o vigor físico, contribuía também para a melhoria da espécie. Mas
existiam também representações que classificavam essa prática como uma forma de
alienação.
4.1.2 O football reaparece dos jornais e nos espaços da cidade
Apesar dessa fase de declínio, a partir de 1908 o football ressurgiu na imprensa com a
criação de novos times. O Diario de Noticias, de 19-20 março de 1908, noticiava:
Acaba de ser fundado nesta capital, por um grupo de moços o Sport Club
Mineiro que, se tiver existencia duradoura, muito util será á mocidade, pelas
diversões que se propõe a offerecer, como esgrima, patinação, corridas de
bycicletta e a pé, lucta romana, tiro ao alvo, foot-ball, tennis, etc.
O programa é, como se vê, convidativo, e assim levem a effeito a bela idea.
Brevemente haverá uma reunião para aprovarem os estatutos, escolherem o
local, elegerem a directoria, etc.
488
A vida efêmera dos primeiros clubes refletia-se na preocupação do cronista que,
posicionando-se no condicional de uma vida duradoura do clube, mostrava sua utilidade na
oferta de diversões variadas.
A criação do Sport Club inaugurou essa nova fase do football, que contou também
com a criação de outro clube no mesmo período, o Athletico Mineiro Foot-ball Club, criado
em 25 março de 1908.
488
DIARIO DE NOTICIAS, 19-20 mar. 1908, p. 2.
167
Apesar de receberem os mesmos nomes de clubes anteriormente criados, essas eram
novas associações que se instituíram na cidade e marcaram um momento de revitalização do
esporte. Esse fato foi causa de algumas interpretações duvidosas por parte de estudiosos que
analisaram o esporte na cidade.
O jornal A Gazeta, de 1° de abril do mesmo ano, falava sobre o grupo criador:
Um grupo de moços da nossa melhor sociedade está organizando um club de
Sport, onde irão tratar de todas as diversões desse gênero, para o
desenvolvimento da rapaziada. É uma excellente idéa, que partiu desse
grupo, que nos consta, compõe dos srs. drs. Augusto Veloso, Cicero Lopes,
Abel Drummond e mais o Sr. José Olynto Ferraz e alguns outros.
Applaudimos francamente tal idéa, e desejamos que seja ella em breve posta
em execução.
489
O clube propunha-se a promover várias “secções” esportivas, como o ciclismo, a
esgrima, o tiro ao alvo, a corrida a pé e com obstáculos e a luta romana . Outras “secções”,
como a patinação, o football e o tennis, só iriam funcionar “depois que o rink e o campo
estiverem preparados”.
490
Assim, o clube ofereceria a seus associados diferentes modalidades
esportivas, algumas ainda novidades na cidade.
O Sport Club, que logo no início já contava “38 socios da nossa alta sociedade”, teve
como meta inicial criar uma comissão incumbida de organizar as bases do regulamento do
clube e conseguir com o prefeito da capital um lugar no parque para funcionamento do clube.
“O dr. Benjamim Jacob não só aplaudiu francamente a idéa daqueles moços como prometeu
facilitar, em tudo o quanto fosse possível, a manutenção e o desenvolvimento do sport nesta
capital”.
491
Um prefeito “jovem”, como retrata o jornal, atendeu à solicitação desse grupo da elite,
que pode ser percebida no seu relatório anual de 1908: a decisão da preparação de um terreno
no parque, “em ponto convenientemente escolhido, na parte limitada pela Avenida
Mantiqueira”,
492
atual Alfredo Balena, local onde hoje se encontra a Escola de Medicina.
Ficava, assim, caracterizada uma apropriação dos terrenos do Parque Municipal para as
atividades de um grupo restrito que se propunha a realizar ali as suas atividades. O apoio do
prefeito em ceder um espaço público para um grupo da elite era uma forma de ver realizadas
práticas modernas na cidade.
489
SPORT Club, A Gazeta, 1° abr. 1908, p. 3.
490
DIARIO DE NOTICIAS, 13-14 abril 1908, p. 2.
491
DIARIO DE NOTICIAS, 11 abr. 1908, p. 2.
492
BELLO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Relatório, 1908, p. 25.
168
Diferentes formas de apoio foram promovidas para a implementação do clube. Era de
praxe as apresentações circenses que aconteciam na cidade fazerem espetáculos em benefício
de instituições locais para seu fortalecimento, e a imprensa colaborava com a divulgação e
incentivos. Podiam-se encontrar referências como as seguintes:
O ‘Sport Club Mineiro’ ahi está forte e encorajado.
E como não ser assim, deante da franca sympatia com que foi recebido? Para
proval-o, vimos o brilhantismo da primeira festa organizada em seu
benefício.
O Chileno regorgitava de famílias e cavalheiros distinctissimos,
manifestando com esta gentileza a sua boa vontade para com a nova
associação.
Que assim continue, num ‘crescendo’animador, e que o Sport Club, numa
franca prosperidade, possa em pouco tempo compensar o esforço e a
animação dos seus fundadores.
493
Circo Chileno
A troupe desta companhia, para maior brilhantismo do espectaculo
annunciado para sabbado, em beneficio das senhoritas Adelina Ozon e
Graciana Fernandes, está ensaiando com o maximo escrupulo. Este
espectaculo é dedicado ás famílias, ao commercio e ao ‘Sport Club
Mineiro’da capital.
494
Até em 1910 este apoio ainda era visível:
Circo Universo
Este circo dará amanhã, em despedida, um excelente espectaculo nem
beneficio do ‘Sport-Club’, util sociedade, que merece muito uma casa
cheia.
495
O Sport Club, instituição vista como “útil” para a cidade como promotora de práticas
modernas, tinha seus exercícios noticiados no Minas Gerais. Assim, apareceu em reportagem
na sua seção “Festas e Diversões” do dia 25 de abril de 1909:
Hoje, ás 7 horas da manhã e ás 4 da tarde, haverá nos campos do ‘Sport-
Club’, exercícios de ‘foot-baal
(sic)
entre os ‘teams’branco e azul. Os dois
valentes grupos estão assim organizados:
‘Team’(branco). ‘Goal Keeper’, José Gonçalves; ‘Backs’, Olavo Drumond e
Alexandre Brandão; ‘Half Backs’, Plinio Mendonça, Americo Costa e
Cicero Ferreira; ‘Forwards’, Cacán Brito, Mario Magalhães, José Ferraz,
José Maximiano e Francisco Caracioli; ‘Captain’, José Gonçalves.
493
REFLEXOS, 1908, p. 2.
494
CIRCO Chileno, 3 jun. 1908, p. 1.
495
CIRCO Universo, 1910, p. 1.
169
‘Team’(azul). ‘Goal Keeper’, Arthur Mendonça; ‘Backs’,Pompeu e Nhonhô
Sales; ‘Half-Backs’, Nilo Rosembeurg, Romulo e Walter Castro; ‘Forwards’,
Carlos Toledo , Plinio Brasil, Paulo Rodrigues, Lelé e Ednar do Frieiro;
‘Captain’ Rômulo Joviano.
496
O interessante é que, apesar de noticiada a partida, um dos times não compareceu. Na
sua falta, para não ficar sem jogar, o captain resolveu mandar sua linha de forwards fazer um
ataque no próprio gol, ação que foi descrita em detalhes pelo cronista.
497
Assim, o Sport Club
recebeu todo o apoio da imprensa que, a partir de então, deixou de divulgar somente as datas
dos jogos e as escalações do time, passando a descrever os jogos com todos os anglicismos
bem grifados, mesmo cometendo alguns erros como se pode ver abaixo:
As 4 e meia horas da tarde foi dado o ‘Kick-off’ pelos ‘forwards’do team
‘Branco’, os quaes logo conseguiram, em rápidos e bem combinados passes,
levar a bola á linha de ‘backs’, travando-se ahi, durante grande parte do
‘half-time’, empenhada luta, da qual sahiram vencedorres os ‘littles
browns’Agenor e Octavio, ‘hsootando’ para o meio campo.
Depois de alguns ‘rushes’dos ‘forwards’ azues, nos quais se destacaram
Nhonhô – Villela e Chico Walter, o ‘center’Lelé conseguiu, ‘driblando’
passar a bola a Carlos que, de uma escapada , vasa o ‘goal’ burlando o
‘quiet’ ‘goal-keeper’ Dermeval. Segui-se um jogo muito disputado, em que,
de ambas as partes, as peripecias se succediam, ate que enfim, Chico Walter
recebendo a bola de Mario, também conseguiu fazer um ponto, apesar da
boa defesa dos ‘backs’ Itabirano e J. Ferreira.
O resto da partida foi de pouca importancia, não conseguindo nenhum
‘team’ fazer mais pontos. Ficou assim empatado o ‘match’.
498
Além de aparecer participando em partidas de football, o Sport organizava
competições de outros esportes, como cita Octavio Penna:
1909 – 19 de dezembro
Em festa promovida pelo Sport Club, no Parque Municipal, entre várias
corridas de bicicletas, de velocípede e a pé, figura a primeira competição
publica de natação na capital. Em 60m, no lago Norte, James Calvert coloca-
se em primeiro lugar, seguido de Honório Magalhães, em segundo lugar.
499
Como ainda não havia piscinas na cidade, foram requalificados os lagos do Parque
Municipal como espaços esportivos, para ali se realizarem provas de natação. Naquele
496
MINAS GERAIS, 25 abr. 1909, p. 7.
497
MINAS GERAIS, 26-27 abr.1909, p. 7.
498
Descrição do jogo realizado no dia 3 de junho e publicada no Minas Gerais, citada por João Anatólio Lima,
na Folha de Minas, [s.d.]. O artigo faz parte do acervo do Abílio Barreto – ABPi 7/061.
499
PENNA, 1997, p. 110.
170
momento, outros espaços passaram também a ser apropriados e resignificados para práticas
esportivas diferentes das concebidas inicialmente para eles. Um exemplo disso é o Prado
Mineiro, espaço criado para o turfe e que começa a aparecer no cenário da cidade, naquela
época, também como palco dos jogos realizados entre as equipes de football: “O match de
foot-ball, realizado, hontem no Prado Mineiro, entre o ‘Sport Clube’ o ‘V. N. Atletic Club’,
esteve bem animado, havendo mesmo fervorosa disputa entre os jogadores”.
500
O Sport Club foi também responsável pela realização, na cidade, da primeira partida
interestadual de football. O jogo, realizado no dia 12 de setembro de 1910, foi uma partida
amistosa entre o Sport e o Riachuelo F. Club do Rio de Janeiro, que venceu o time mineiro
por 4 X 1. A partida aconteceu no campo do Sport Club, no Parque Municipal.
501
Depois desse período, mesmo contando com o grande apoio da imprensa para o
desenvolvimento na cidade de práticas modernas e “úteis”, o Sport Club desapareceu das
páginas dos jornais.
O outro clube criado na mesma época, o Athletico Mineiro Foot-ball Club, que
posteriormente, em 1913, passou a se chamar Club Athletico Mineiro, tem sua história
contada por Adelchi Ziller, que destaca o nascimento dessa instituição ligado a um grupo de
meninos que se reuniam todas as tardes para costumeiras peladas de bola de meia. O football,
com a realização de partidas “oficiais”, pode, nos anos anteriores, ter sumido das manchetes
dos jornais, mas sua prática no cotidiano da capital, em suas ruas empoeiradas, parece não ter
desaparecido. O uso desses espaços pode ser visto, como afirma Lucrecia Ferrara, não
moldado a normas, estatutos ou códigos, mas como uma “fala” subversiva e marginal, pela
maneira como preenchia o espaço urbano de significados inusitados.
502
Assim, segundo Adelchi Ziller,
o campo improvisado de chão duro, poeirento e enorme, se confundia com a
Avenida Afonso Pena, recebendo os primeiros impulsos do progresso. Era
um campo de peladas, era em última análise o berço onde nasceria para
gáudio da gente mineira, para a grandeza do desporto nacional, um dos
maiores clubes do Brasil. O primeiro campo de pelada situava entre a rua da
Bahia e a Avenida Álvares Cabral.
503
500
DIARIO DE MINAS, 13 set. 1909, p. 2.
501
PENNA, 1997, p. 114.
502
FERRARA, 1996.
503
ZILLER, 1997, p. 33.
171
Com o crescimento do grupo, que tinha o coreto do Parque Municipal como local de
encontro após as peladas aos sábados e domingos, pois era o lugar do “lazer” na cidade, no
dia 22 de março de 1908, surgiu a idéia de se criar um clube. Essa idéia, segundo Mário Loth,
um de seus fundadores, em entrevista publicada no Estado de Minas, partiu,
ao que parece, de Marginal Leal, de Eurico Catão ou de Ninico Antunes que
foram se entusiasmando e recebendo adesões de Mario Loth, Sinval Moreira,
Mario Alves, Carlos Maciel, Alexanor Pereira, Mario Toledo, Humberto
Moreira, Julio Menezes Melo, Eurico Dinis, Oscar Maciel e outros [ ]E
quando em manhã radiosa de domingo, aqueles garotos se reuniram nos
alicerces da atual Delegacia Fiscal, naquela ocasião reduto da meninada, a
idéia tomou corpo e a alma foi marcada a primeira assembléia geral,
realizada no velho coreto do Parque Municipal, no dia 25 de março de
1908.
504
Adelchi Ziller acrescenta que nesse dia o grupo de atletas matou as aulas e foi ao
Parque para organizar a criação do clube.
505
A sede inicial do clube era “um cantinho do porão da casa onde residia Vate (Marginal
Leal), à Rua Goiaz, nos fundos do Palácio da Justiça”. Sua primeira diretoria foi formada por:
Marginal Leal, na presidência; Eurico Catão, na vice; Mario Loth, na secretaria; e Ninico
Antunes, na tesouraria. A luta para se conseguir materiais adequados ao jogo, na época, era
uma realidade. A bola foi um problema. Ninico Antunes (Antônio Antunes Filho) enviava
besouros e outros bichos para um amigo na França, que o ressarcia das despesas feitas. Ninico
solicitara ao amigo que, em troca do que lhe devia, fosse enviada uma bola de football, o que
foi feito. “Bola em movimento, os meninos foram aparecendo, aderindo, aprendendo a jogar e
a dedicar com entusiasmo àquele novo clube, que seria, mais tarde, glória do desporto
brasileiro”.
506
Esses meninos, em sua maioria, pertenciam a famílias tradicionais da cidade. Eram
filhos de médicos, advogados e altos funcionários públicos, que recebiam incentivos dos pais
para a prática da atividade esportiva.
507
Inicialmente, usaram como campo para os seus jogos um terreno irregular em suas
dimensões, localizado na Rua Guajajaras, entre as Ruas São Paulo e Curitiba. Adelchi Ziller
descreve o campo como um espaço que não media mais do que 30 metros de largura por 70
de comprimento e que não havia marcas laterais. Nas saídas de bola, ela rolava para o
504
A PRIMEIRA bola..., 1948, p. 8.
505
ZILLER, 1997.
506
A PRIMEIRA bola..., 1948, p. 8.
507
COUTO, 2003.
172
barranco, e as metas se constituíam de dois paus colocados verticalmente e uma corda na
horizontal para demarcar a altura. Após os jogos ou treinos, todo o material era recolhido. Em
1911, o clube conseguiu do então prefeito Olinto Meirelles a cessão do campo que havia sido
utilizado pelo primeiro clube de football da cidade, o Sport Club, situado na Avenida
Paraopeba, hoje Augusto de Lima, onde se localiza o Minascentro.
508
Por ser um clube criado por garotos, mesmo pertencentes à elite, não teve,
inicialmente, a mesma visibilidade conquistada na imprensa pelo Sport Club. Somente em
1911, depois das “facilidades” da conquista do campo, é que essa visibilidade no cenário da
cidade passou a ser destacada.
A imagem do campo na cidade, no final da década de 1910, na foto de Higino
Bonfioli, mostra um espaço ainda não muito condizente com os fields que poderiam
representar um espaço moderno em Belo Horizonte.
FIGURA 23 – Foto do campo do Athletico de autoria de Higino Bonfioli
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto.
A boa fase do Athletico na conquista do campeonato de 1915 foi significativa também
para a conquista definitiva, perante a Prefeitura, do seu terreno para a construção de campo
condizente, como relata Abílio Barreto:
508
ZILLER, 1997.
173
1916 – 18 de outubro. Lei do Cons. n. 121, auctoriza o pref. a conceder ao
‘Club Athletico Mineiro’
, mediante prova legal de sua organização o terreno
que actualmente occupa ou outro que for julgado conveniente aos interesses
da Prefeitura, para nelle a ref
a
. associação estabelecer o seu campo de sport
e, de acordo com a legislação em vigor, effectuar a construcção de
archibancadas e outras obras necessárias. O terreno será inalienavel e
reverterá á Pref
a
. no caso de dissolução da soc.
509
Outro clube apareceu também nessa época não só para incrementar o football, mas
também as diversões na cidade: o Yale Atletic Club.
510
Elogiado pela imprensa pela “maneira
galharda” com que se portavam seus sócios, o clube começou a aparecer na imprensa a partir
de 1911.
O Yale ocupava um terreno também na Avenida Paraopeba que, em setembro de 1911,
receberia a concessão oficial da Prefeitura, com a Lei n. 53, de 30 de setembro.
511
Mas, antes
disso, o ground havia passado por “notavel transformação material, não só de terraplanagem,
como tudo mais que se tornava necessario para o conforto do grande publico alli esperado” na
realização de uma das suas promoções: um jogo realizado com os ingleses de Morro Velho,
da vizinha cidade de Nova Lima. Esse foi o primeiro jogo em que se cobrou ingresso na
cidade.
512
Vários pavilhões foram construídos, dando ao campo um aspecto de local para
diversão en plein air, como valorizava os europeus.
A Avenida Paraopeba foi se constituindo no espaço da cidade como o “lugar” dos
clubes de football.
513
Na mesma época, surgiu o America Foot-ball Club. Sua criação partiu do interesse de
17 meninos das imediações da Praça da Liberdade, que se reuniam embaixo de uma árvore,
próximo da casa comercial de Domingos de Meira, pai de dois dos fundadores – Aldemar e
Alcides de Meira –, situada na esquina das Ruas da Bahia e Timbiras. Com as “cabeças cheias
de football ou coisa parecida”, chutando bolas de meias, resolveram criar um clube em 1911.
Mas, segundo Guilherme Halfeld, um desses 17, para “a pratica do violento sport bretão não
bastava o nome de ‘club’ (que só se tornou entidade esportiva em 30 de abril de 1912):
necessitávamos ainda de campo, jogadores, sede, bola, dinheiro, etc.”
514
509
BARRETO. Esportes 1904-1937, [s.d.].
510
Segundo Penna (1997), o clube foi criado no dia 17 de julho de 1909. Nos manuscritos de Abílio Barreto
(Esportes 1904-1937, [s.d.]), a data da criação é 7 de agosto de 1910.
511
O terreno compreendia o quarteirão 7 da oitava Urbana. (PENNA, 1997, p. 124.)
512
GRANDE match…, 1911, p. 6.
513
Espaços demarcados e apropriados se tornam “lugares”.
514
HALFELD, 1928.
174
Inicialmente, apropriaram-se de um terreno da Prefeitura que ficava no entroncamento
das Ruas Timbiras, Espírito Santo e Avenida Álvares Cabral. O campo não era gramado, e
sim “macadamizado”. Halfeld lembra que,
pela natureza dos ‘ground’e pela ignorância do juiz, sempre improvisado,
revesadamente, entre nós mesmos, os ‘fouls’eram seguidos de desagradáveis
machucados, como se dizia. Os nossos ‘goals’rimitivos, do tempo pré-
historico do ‘America’... eram feitos de dois montes de pedras. Si , na
conquista de ‘goals’ a bola passava a altura do ‘keeper’variava com o
tamanho dos ‘keepers’ e com o criterio alterável do juiz. Era ‘goal, valido;
se a bola passava alto (principalmente sendo o ‘keeper’mais baixo), – não
era ‘goal’. Si o ‘goal’ variava de altura, variava também de largura – era
questão de, em dado momento, o ‘keeper’ approximar os marcos, isto é, os
montes de pedras, tornando-se as suas defesas mais fáceis e a conquista,
mais difficultada para o ‘forward’contrario!...
Bolas ‘out-side’ – raramente as haviam, porque os limites lateraes eram
imaginários e, a forciori, não exigiam ‘linesmen’!
515
O football jogado pelos meninos do America, transformado pelas suas necessidades,
adquiria caráter peculiar. Mas os desejos da conquista de um espaço apropriado para o jogo
motivavam para essa busca, pois, segundo o cronista do Minas Sport,
nada possuíam, senão uma ponta de calçada como sede, e um pedaço de rua
como campo; cotisavam-se aos duzentos réis, quem fosse mais rico, que
entrasse mais para ‘vacca’cujo fim unico era a compra da bola. O cargo de
maior importância era o de zelador, isto é, aquelle que guardava a bola, e
assim sob o patrocínio, de Affonso Brandão, Augusto Penna, Litcoln
(sic)
Brandão, Oscar Gonçalves, Aureliano Magalhães, Waldemar Jacob e outros,
os seus fundadores , foi crescendo o glorioso alviverde.
516
Os nomes citados estavam relacionados a famílias de projeção na cidade, até mesmo à
do presidente do Estado, mas nem por isso o clube deixou de passar por dificuldades. A falta
de campo adequado e de material esportivo e a baixa média de idade contribuíam para um não
desenvolvimento esperado pelo grupo, nos seus anos iniciais.
Mesmo assim, aparecem uniformizados e rodeados de adultos e crianças, como na foto
a seguir.
515
HALFELD, 1928.
516
AMERICA F. C., 1925, p. 1.
175
FIGURA 24 – Os jogadores do America em 1912
Fonte: Acervo do Museu Histórico Abílio Barreto.
Com as decisões do clube tomadas não mais à sombra da “árvore americana”, e sim no
porão da casa do Sr. José Gonçalves de Souza, então secretário da Agricultura e pai de dois
dos jogadores – Oscar e César Goncalves de Souza –, deliberaram transferir o “campo” para
uma outra rua “que embora não fosse próprio, era menos impróprio”. O novo campo era uma
área desterrada, próxima a um barranco que servia de arquibancada para as crianças que
procuravam assistir aos jogos dos meninos do America. E, na busca de melhorias das
condições, passaram a jogar em um campo, nas proximidades do córrego do Leitão, que já
tinha sido apropriado por vários times, menos pelo Athletico, que possuía seu próprio espaço,
cedido pela prefeitura, motivo de “inveja de nos outros, ‘americanos’”, e espaço no qual
chegou a jogar por gentileza do clube.
517
O Estado de Minas publicou, na sua “Secção Sportiva”, sobre esse jogo:
517
HALFELD, 1928.
176
Foot-Ball
América infantil ‘versus’ Santa Cruz.
Realizou-se hontem, a 1 hora da tarde , no field do ‘Athletico
Mineiro’gentilmente cedido ao Ámerica’pela sua diretoria, um match
amistoso entre os clubs acima , sahindo vencedor o 1
o
por 2X0 – o team do
América’estava assim organizado:
Oscar
Luiz – Moura
Robinson – Fiora – Guarany
Dute, Dario, Fauto
(sic)
, Oliveira, Carvalho
Marcaram os goals do ‘America’ Fausto, de um formidável keck(sic) da área
de hach e Oliveiar de uma bella extremada .
Todos do team jogaram bem, principalmente Fausto e Carvalho.
518
Mesmo deixando o idioma local pelo uso dos termos em inglês em todos os aspectos
ligados ao football e, ainda, cometendo alguns erros de grafia, os mineiros naquele período já
haviam assimilado a simbologia das posições do jogo, não necessitando demarcar as posições
de cada um, o que ficava claro pela disposição gráfica dos jogadores, delineada pelo cronista
referenciado.
No mês de setembro de 1913, o time infantil do America recebeu novos associados e,
com isso, conseguiu um espaço próprio para o jogo. Segundo informação de Euclides Couto,
o time Minas Gerais, fundado em 1911, que tinha como presidente de honra o então prefeito
Olinto Meirelles, por estar em dificuldades financeiras, propôs uma fusão com os garotos do
America. Em troca do direito de jogar pelo alviverde, os jogadores do Minas Gerais cederam
o seu campo, situado na Avenida Paraopeba (atual Augusto de Lima), duas traves de gols,
uma bola e outros objetos de secretaria.
519
Na lembrança de Guilherme Halfeld:
Crescendo a cotação do ‘club de meninos’ como se dizia e cujo primeiro
presidente foi um menino de 12 annos (Affonso Silviano Brandão), foi feita
e acceita, após certa relutância, a proposta de fusão, ao nosso, de um club
mais antigo e de maior valor. A relutância procedia do facto de serem os
elementos associados ao club proponente rapazolas, isto é, gente
grande!...Curioso foi que ao nosso se fundiu, o ‘Minas Gerais’, foi
envolvido, absorvido pelo club de meninos e desapareceu.
520
Mas a conquista de um espaço próprio pesou mais alto. No cenário de Belo Horizonte,
a Avenida Paraopeba foi se transformando cada vez mais no “lugar” do football na cidade.
518
ESTADO DE MINAS, 1° jul. 1913, p. 3.
519
COUTO, 2003.
520
HALFELD, 1928.
177
Outro “lugar” do football que foi se fazendo na cidade foi o espaço que havia sido
ocupado pelo Colégio Anglo-Mineiro em meados da década de 1910 e que foi apropriado
pelo Gymnasio Mineiro, posteriormente. Localizado no alto da Avenida Afonso Pena, onde
hoje funciona uma guarnição do Corpo de Bombeiros, era um “lugar” que possuía espaços
físicos para diferentes práticas esportivas. Abílio Barreto, em seus manuscritos, informava
que, em 20 de janeiro de 1918, “no campo do Gymnasio o novo ‘Sport Club’ enfrentava o
‘Vila Nova’. Era este o team do ‘Sport’: Nullo, Léo e Leon, Leonil, Velloso e Machado,
Nelson, [titita], Diniz, Dude Moreira”.
521
Mas não foi só o football que despertou os interesses dos belo-horizontinos. Outras
práticas inglesas, como o lawn tennis e o croquet, também passaram a fazer parte da sua
cultura.
4.2 O LAWN TENNIS E O CROQUET: A APROPRIAÇÃO DO PARQUE MUNICIPAL
Apesar de fazer parte das práticas modernas que seriam ofertadas pelo primeiro clube
de football da cidade, em 1904 – o Sport Club – e pelo clube de mesmo nome, em 1908, o
tênis (na época lawn tennis) aparece efetivamente em Belo Horizonte somente no ano de
1913, com a criação do Club de Sports Hygienicos, e, posteriormente, com a vinda do colégio
Anglo-Mineiro para a capital, em 1914.
522
A primeira referência a esse clube aparece no jornal A Capital, intitulada “Em nome
da moralidade”. O jornalista inicia falando de um grupo de cavalheiros, “entre os quais
conhecidos e abalizados clínicos”, que havia solicitado ao prefeito da cidade “diversos
favores para a exploração no Parque de uma sociedade sportiva”. O grupo pretendia montar
naquele logradouro público “um campo de ‘law tennis’
(sic)
e outro de ‘cricket’, um magnífico
rinkc
(sic)
e pavilhões para ‘bars e restaurants’”. Para tanto, havia apresentado ao prefeito uma
planta bem organizada. O plano não deixava de ser “interessante e sedutor”. Mas o cronista
passa a apresentar algumas considerações no sentido de um esclarecimento público, dizendo
521
BARRETO. Esportes de 1904-1937, [s.d.].
522
Segundo Penna (1997), o Club de Sports Higiênicos inaugurou em suas instalações no dia 28 de setembro de
1913, o primeiro court de tênis da capital. Anteriormente, em 1910, já havia sido feito um na Chácara Flora,
no Calafate, mas sem condições perfeitas para o jogo. Talvez por isso não possa ser considerado o primeiro.
178
tratar-se de uma “empreza de fins meramente mercantis, solicitando, em proveito próprio, o
amparo official”. No entanto, acrescenta:
Não faltará, é bem visto, entre os interessados, quem retruque com o [apoio]
de que a cidade muito lucrará com o projetado campo de diversões, o qual
virá concorrer para que os habitantes desta bella terra acompanhem os
hábitos ellegantes e sadios dos grandes centros civilizados.
523
As representações sobre o esporte como elegante, sadio e civilizado abria suas portas
numa cidade que se queria promotora de hábitos modernos, como analisa o cronista. Mas sua
grande crítica era a apropriação de espaços públicos por um grupo restrito da elite – no caso,
alguns médicos –, sem oferecer a menor vantagem de caráter geral.
Apesar das críticas da imprensa, o grupo da elite, formado por pessoas influentes na
cidade, que desejavam realizar no Parque práticas higiênicas, salutares e divertidas, tão em
moda nos centros civilizados, conseguiu seu intento. Abílio Barreto dá mais informações
sobre o clube:
A feliz iniciativa que tiveram diversos cavalheiros da nossa mais alta
sociedade, em 1913, colocando-se a frente do movimento então
desenvolvido para a fundação do Club de Sports Hygienicos o que levavam a
effeito a 25 de maio, quando [reunidos], elegeram a seguinte diretoria
provisória, cuja função [imediata] seria obter dos poderes públicos as
concessões indispensáveis ao funcionamento do mesmo, bem como, elaborar
os estatutos; presidente, dr. Carlos Prates; vice-presidente, Arthur Joviano; 1
o
secretário, dr. H. M. Lisboa; 2
o
secretário, dr. Esequiel Dias; tesoureiro, dr.
Hugo Werneck; diretor de sport, dr. Otávio Magalhães.
524
E o Minas Gerais de 28 de setembro noticiava já ser realidade a iniciativa de “distintos
cavalheiros, entre os quaes diversos médicos”, de criação do Club de Sports Hygienicos.
525
O
nome do clube era sugestivo tanto pelos valores aliados à cidade, que se constituía de forma
salubre e higiênica, como pelos valores higiênicos aliados à prática esportiva na época,
principalmente porque a iniciativa havia partido de um grupo de médicos da capital. Segundo
o cronista do Minas Gerais,
a sympatica associação, com poucos dias de existência, vai executando
admiravelmente o seu plano de dotar Bello Horizonte com essa utilíssima
instituição de recreio e educação physica para a nossa sociedade. Os campos
523
EM nome da moralidade, 1913, p. 2.
524
BARRETO. O passado desportista..., [s.d.], p. 7-8.
525
MINAS GERAIS, 28 set. 1913, p. 10.
179
de jogos e exercícios estão todos iniciados, e o de ‘Lawn tennis’, que é
especialmente destinado a moços, ficou concluído, devendo ser amanhã
entregue aos associados pela sua directoria. Os terrenos do club são no
aprazível sitio do Parque, onde foi projetado o Casino de Bello Horizonte,
local magnifico, accessivel e o mais apropriado possível do plano da
associação. Hoje ao meio dia, durante a reunião de sócios, gentis amadoras
de ‘Lawn-tennis’ experimentarão o novo ‘court’ disputanto uma partida
desse interessante esporte.
526
As representações sobre as práticas esportivas estavam aliadas a uma forma de
“recreio e educação physica” para os belo-horizontinos.
Proposto inicialmente como uma prática para corpos masculinos, mas abrindo
possibilidades para que corpos femininos experimentassem o “interessante” esporte, mesmo
que fosse durante a reunião dos sócios, foi o lawn tennis a primeira prática esportiva na cidade
em que os corpos femininos começaram a praticar a modalidade, até mesmo participando de
campeonatos.
O lawn tennis era uma modalidade esportiva inglesa que possuía como grande atrativo
o fato de ser realizada ao ar livre, nos gramados dos jardins. Criada no século XIX, foi fruto
de uma adaptação moderna do court, ou royal tennis, um jogo realizado indoor, uma evolução
que pode também estar associada ao famoso jogo francês – jeu de paume.
527
Como a grama se
tornou um lugar favorecido para os divertimentos da classe média alta inglesa, o lawn tennis
obteve grande interesse por parte dessa classe.
528
A novidade na cidade fez com que o Estado de Minas, no mês subseqüente ao da
criação do Club de Sports Hygienicos, publicasse as regras do lawn tennis adotadas pela Lawn
Tennis Association da Inglaterra, para jogos simples ou de dois jogadores.
529
A revista Vita, de novembro de 1913, publicou a seguinte nota:
O Club de Sports Hygienicos, brilhante associação recentemente fundada
nessa capital e destinada a ser um ponto chic de reuniões das famílias da
nossa elite, distinguiu-nos com um convite para as suas reuniões ás quintas e
domingos. Muito gratos, lá estaremos, de Kodak em punho, para
instantanear os valentes sportmen e as gentis sportwomen.
530
526
MINAS GERAIS, 28 set. 1913, p. 10.
527
BRASCH, 1990.
528
HOLT, 1992.
529
REGRAS do lawn tennis..., 1913, p. 2.
530
VITA, 30 nov.1913.
180
A partir de então, essa revista passou a retratar diferentes momentos vividos pelo Club
de Sports Hygienicos, uma instituição da elite que promoveria o progresso moral da cidade,
mediante a prática esportiva.
FIGURA 25 – “Fotografia tirada no Club de Sports Hygienicos, vendo-se senhoras, senhoritas
e cavalheiros da nossa alta sociedade”
Fonte: VITA, 26 jul. 1914.
181
Nessas fotos, homens, mulheres e crianças elegantemente vestidos aparecem sempre
segurando uma raquete do lawn tennis, ou o “malho” do croquet. A proximidade dessa
prática, inspirada na sociedade inglesa, tem muita relação com sua origem. A idéia básica do
jogo de croquet é mandar uma bola (palla) com um malho (mallet ou maglio) entre arcos de
metal fixados no chão.
531
Nas décadas de 1850/1860, era um passatempo para homens e
mulheres, um jogo sereno que não dependia de força muscular. Tornou-se um dos mais
populares jogos da classe alta inglesa.
532
A relação do croquet com o lawn tennis, por serem
ambos jogados na grama, em sua história inglesa, teve grande proximidade. O All England
Croquet Club, instituição que possuía campos em Wimbledon, recebeu no seu interior,
cedendo um de seus campos, uma nova prática esportiva que causou uma revolução com
conseqüências desastrosas: o lawn tennis. Logo o nome da associação passa a ser The All-
England Croquet and Lawn Tennis Club e, pouco tempo depois, All England Lawn Tennis
and Croquet Club.
533
Assim, por essa proximidade, um clube que se propunha a realizar na
cidade, práticas esportivas de grande representividade para os criadores do esporte moderno
utilizou tanto o croquet quanto o lawn tennis nos seus campos.
Alguns estudos sobre o esporte na cidade reportam a essas imagens, referenciando tal
prática como se fosse o cricket uma modalidade também inglesa de esporte.
534
Mas em Belo
Horizonte, apesar de alguns clubes objetivarem em seus estatutos a promoção do cricket, não
se têm notícias de uma prática efetiva desse esporte, a não ser pelos ingleses do Colégio
Anglo-Mineiro.
O clube, por ser constituído por pessoas representativas na sociedade, mantinha boas
relações com o pode público. Abílio Barreto cita uma festa de posse da diretoria, no dia 7 de
julho de 1914, quando foi realizada “uma partida de lawn-tennis e um five-o-clock-tea, em
homenagem ao p.te Bueno Brandão”.
535
Não foram os esportes os únicos a serem copiados
dos costumes ingleses. Os jogos realizados eram verdadeiros eventos sociais, em que eram
celebradas as novidades do Velho-Mundo.
531
A palavra deriva do francês pallemaile e remonta também ao pallamaglio italiano. O jogo foi introduzido na
Grã-Bretanha, vindo da Itália, passando pela França, no século XVII, recebendo uma nova roupagem
moderna na Inglaterra. A Rua de Londres Pall Mall recebe esse nome porque foi o primeiro lugar em que o
rei jogou com sua corte esse jogo. (BRASCH, 1990.)
532
GUTTMANN, 1991.
533
BRASCH, 1990.
534
SIMÕES, 1997, p.186.
535
Foi empossada a seguinte diretoria: “p.te, dr. José Gonçalves de Sousa; vice-p.te, dr. Cícero Lopes; 1
o
secretario, dr. Henrique Marques Lisbôa; 2
o
sec., c.el José Ferraz; Thesoureiro, dr. Samuel Líbano; [ ], dr.
Arthur da C. Guimarães. [...] Os jogos do Club
tinham os seguintes directores: do 1
o
campo de tennis, dr.
Alfredo [Schafter]; do 2
o
campo, dr. [thon]; da patinação, tenente Artur. (BARRETO. Esportes 1904-1937,
[s.d.].)
182
O lawn tennis foi se desenvolvendo na cidade. A imprensa, em 1915, divulgou um
campeonato organizado pelo Club de Sports Hygienicos, no qual se esperava “o
comparecimento de todos os jogadores inscritos”.
536
Jogos realizados com equipes mistas
ambém faziam parte das realizações do clube, conforme nota encontrada nos manuscritos de
Abílio Barreto.
1915 – novembro – 4. Do primeiro grupo faziam parte m.
elle
[Armanda]
Pinheiro e José Soares Alves, contra m.
elle
Honorina Prates e Sr. Almir
Pedreira. Do 2
o
grupo tomaram parte os srs [Lins] Poy Pascal e Almir
Pedreira, contra Alberto Haas e Paulo Andrade Costa. Houve também
danças no [‘Cruik’] e serviu-se chá.
537
Esse jogo inglês era uma boa forma de relacionamento social. Ligado mais às elites,
era praticado por qualquer sexo isoladamente ou por ambos os sexos juntos. É neste ponto que
repousa a sua verdadeira importância social. Segundo Richard Holt, “learning to play tennis
well enough to make a pair for mixed doubles became an art d’agrément”.
538
Fotografias sobre partidas de lawn tennis do Club dos Sports Hygienicos, em que
aparecem jogando corpos masculinos e femininos, na revista Vita, como na figura a seguir,
mostram a falta de familiaridade da imprensa em relação àquelas práticas esportivas, pois o
jogo realizado é o croquet, e não o lawn tennis, uma vez que as pessoas estão segurando o
mallet, e não uma raquete de tênis. Mas a palavra croquet não aparece em nenhuma das fontes
consultadas.
536
SPORT. Diario de Minas, 30 out. 1915, p. 2.
537
BARRETO. Esportes 1904-1937, [s.d.].
538
HOLT, 1992, p. 126.
183
FIGURA 26 – Jogos no Club de Sports Hygienicos
Fonte: VITA, n. 6, a. 1, 15 dez. 1913.
O tênis se caracterizou como uma modalidade esportiva predileta da elite social da
cidade. Efetivamente, enraizou-se depois da década de 1920, com a construção de uma quadra
no America F. C. e outra no Parque Municipal. Até então, muito embrionariamente, começou
a se estabelecer no Club de Sports Hygienicos, onde se organizaram alguns campeonatos, e
em algumas escolas, como no Anglo-Mineiro e na Escola Normal. Quanto ao croquet, não se
têm notícias da sua prática na cidade. Ele aparece somente nas fotografias divulgadas pela
revista Vita, como um símbolo de distinção e elegância de um grupo que valorizava práticas
modernas de esporte na cultura de Belo Horizonte, em meados da década de 1910.
4.3 O SPORT DE PATINS NA PRAÇA DA LIBERDADE
Outro tipo de espaço criado na cidade para o esporte foi o rink na Praça da Liberdade,
onde a patinação obteve sucesso na cidade, na década de 1910, e, posteriormente, em meados
da década de 1920. Essa modalidade, apesar de receber na imprensa a denominação de “o
184
sport de patins”, não possuía as características de esporte, pois não era, a princípio, uma
atividade competitiva. Foram somente espaços criados – rinks de patinação – onde as pessoas
podiam se exercitar de forma saudável e prazerosa.
A primeira tentativa de se criar um espaço para a sua prática apareceu no jornal
Tribuna do Norte, em 1906. Tratava-se de uma iniciativa do Club Bello Horizonte, uma
instituição que vinha “satisfazendo uma grande necessidade” da capital no estabelecimento de
um “centro de diversões para as famílias e cavalheiros” da sociedade. A notícia esclarecia que
“em breves dias iniciará a diretoria o sport de patins, cuja liça já se acha[va] em preparo”.
539
Essa foi a única referência encontrada sobre a patinação no Club Bello Horizonte. Mas o
patins voltou a fazer parte da cultura da cidade no ano de 1913, quando “o digno prefeito da
cidade lavrou incontestavelmente um tento, mandando construir o rink da Praça da
Liberdade”.
540
O uso do espaço público para a prática da patinação foi proposto aí por uma
ação do Poder Público
As representações em torno dessa nova prática na cidade estavam aliadas não só ao
interesse em desenvolver na população o “gosto por esses salutares exercícios ao ar livre”,
mas, sobretudo, “esse gênero de sport, tão elegante, tão airoso, tão em moda” seria uma
excelente oportunidade de “fazer convergir para os nossos jardins publicos um povo que ate
agora, valha a verdade, só [tinha] mostrado por esses aprazíveis logradouros públicos a maior,
a mais inexplicavel e mais irreductivel aversão”.
541
Mas a iniciativa do então prefeito, segundo o cronista de O Estado, estava aliada à
necessidade de justificar a criação das praças no planejamento original da cidade e de
colaborar para a realização dos objetivos propostos para as sua utilidade:
Sinão, como justificar criminoso abandono em que deixam esses sítios tão
convidativos, tão cheios de sombra e de frescura, e que, se entraram no plano
de construcção da cidade, não foi, de certo, como um simples elemento de
estetica, puramente decorativo, mas também como um elemento de vida?
542
A imprensa colaborava na divulgação daquela prática “esportiva”, na esperança de que
ela pudesse conquistar os belo-horizontinos:
539
CLUB Bello Horizonte. Tribuna do Norte, 27 jul. 1906, p. 1.
540
O ESTADO, 24 abr. 1913, p. 1.
541
O ESTADO, 24 abr. 1913, p. 1. Segundo Barreto (s./d.), em seus manuscrito Rink de Patinação, a Prefeitura
mandou construir o rink em 13 de março e sua inauguração foi em 23 de abril de 1913.
542
O ESTADO, 24 abr. 1913, p. 1.
185
Porque não vai essa gente alegral-os, ao menos á tarde, enchel-os, dar lhes
vida e movimento? E levamos o tempo de repetir que Bello Horizonte se
civilisa. Não há dúvida que já é uma grande cidade, mas com todos os
habitantes modorrentos de uma pequena aldeia adormecida entre arvores...
Que o rink da Praça da Liberdade consiga isso que até hoje ninguém o
poude, por mais esforço que fizesse: dispertar no nosso público pela
acclimação desse gracioso sport entre nós, o amor ás diversões ao ar livre,
destruindo nelle esse morrinhento fetchismo, que tão tristemente o tem até
agora caracterizado, pelo pijama, pelo chinello de ourela e pela enfadonha
bisca doméstica.
543
Os hábitos considerados “civilizados” e vivenciados no espaço público, características
da modernização desejada para a cidade, estavam presentes em todas as narrativas sobre as
práticas “esportivas” que iam se organizando em Belo Horizonte.
Como toda novidade, despertava grande interesse por parte dos belo-horizontinos.
Com a patinação não foi diferente. Os jornais anunciavam que “o rink que a prefeitura
mandou construir na Praça da Liberdade, em frente á Secretaria do Interior, tem visto uma
concurrencia que até então não se esperava”.
544
A novidade da prática dos patinadores foi se
transformando em espetáculo para os espectadores, segundo o Estado de Minas.
Hontem á Praça da Liberdade regorgitou de famílias, cavalheiros, rapazes e
curiosos que acompanhavam com interesse o exercício dos patinadores.
Verdadeira circunferência humana apertava um circulo de curiosidade e de
ansiosa espectativa apreciando os que, circulavam, serpenteavam no pateo de
patinação que a prefeitura, em boa hora, mandou construir [...]. Passageiros
que viajavam nos bondes repletos, apenas avistavam a concurrencia em
torno do rink, saltavam do elétrico e lá iam engrossar as fileiras dos
expectadores.
545
Mas o que chama a atenção na portaria do prefeito foi a reserva nas terças, quintas e
sábados, pela manhã e à noite, de horários exclusivos para as “senhoritas”, até que elas
pudessem adquirir “certo desembaraço”.
546
Era o espaço público sendo normatizado de acordo
com os interesses do Poder Público em levar para o espaço público também os corpos
femininos.
E esses espaços para a prática esportiva na cidade foram sendo “privatizados” como
um “lugar da elite”. A freqüência “elegante” no rink da cidade podia ser reconhecida,
também, nas reportagens dos jornais:
543
O ESTADO, 24 abr. 1913, p. 1.
544
ESTADO DE MINAS, 23 maio 1913. Secção Sportiva, p. 2.
545
ESTADO DE MINAS, 26 maio 1913. Secção Sportiva, p. 2.
546
ESTADO DE MINAS, 23 maio 1913. Secção Sportiva, p. 2.
186
Pela manhã e á noite, principalmente, a animação do público e dos amantes
do interessante sport é viva e communicativa. Senhoritas da nossa sociedade
entregam-se a elegante exercicio e dão a nota chic àquele logradouro.
547
O cronista do Estado de Minas esclarecia quem eram os belo-horizontinos que se
dedicavam ao “magnífico e distincto sport do rink”. Para ele, “o rink da Praça da Liberdade
[era] de certa conta aristocratico para os humildes propugnadores do nosso progredimento”.
Propunha a iniciativa de construir no Parque Municipal um vasto “pateo” de patinação. Por
ser um espaço mais central e “menos indiscreto às expanções sportivas de nossas gentis
patrícias”, o Parque poderia ser um espaço mais acessível a todos que desejassem “se dedicar
ao salutar exercício”. E nesse “todos” estavam também incluídos os operários.
Demais os nossos operários também precisam acompanhar o
desenvolvimento physico que empolga nos tempos hodiernos a attenção dos
mais modernos pedagogos [ ].É preciso que Bello Horizonte prove mais uma
vez o seu grande poder de assimilação e demonstre que o gosto pelos sports,
verdadeiro movimento patriótico da nossa mocidade, não nos é estranho,
mas ao contrário, é provado á exuberância na prospera e civilisada capital
mineira.
548
O desejo do rink no Parque só foi realizado em 1926, quando se fez moda novamente.
Na revista Vita, de julho de 1913 – portanto, três meses após a construção do rink –, um
cronista analisa a difícil tarefa de escrever sobre o esporte em Belo Horizonte. Ao falar sobre
a patinação, que poderia ter um grande incremento na cidade, pergunta: Por que “o rink
recentemente construído á praça da Liberdade [está] quase sempre vazio?
Pelo que parece, a iniciativa não conseguiu se enraizar na cidade, que recebe tudo com
“aplausos”, mas é “fogo de palha”, como caracteriza um cronista do Diario de Minas, de
1914, ao comentar:
Sucede-se logo a indifferença, fria, total, absoluta, e era uma vez... Quem
não se lembra do enthusiasmo com que foi recebido, anno passado, pela
nossa mocidade o excellente rink que a Prefeitura mandou fazer na Praça da
Liberdade? As tardes, mormente aos domingos, era um gosto ver a
jennessedorie horizontina ali reunir-se, a patinar esfusiante de alegria, dando
[...] animação desusadas áquelle explendido logradouro publico.
549
547
ESTADO DE MINAS, 23 maio 1913. Secção Sportiva, p. 2.
548
ESTADO DE MINAS, 26 maio 1913. Secção Sportiva, p. 2.
549
DIARIO DE MINAS, 6 maio 1914, p. 2.
187
Segundo o cronista, o entusiasmo havia acabado, e era uma desolação ver “aquele
ponto de recreio e de salutar exercicio” abandonado, vazio, entregue ao indiferentismo.
550
Assim, aquele espaço de divertimento e de exercício saudável deixou de aparecer nos
noticiários da cidade, só voltando a ser citado pelo Correio da Tarde, de 1918, numa coluna
de reclamações, na qual um grupo de rapazes e moças fazia chegar ao departamento de
administração pública uma reclamação sobre o mal estado de conservação em que se achava o
rink.
551
Como todo modismo, a patinação também teve vida efêmera na cidade, e não chegou a
se constituir como uma prática efetivamente “esportiva” na capital mineira.
4.4 A LUTA ROMANA: UM ESPETÁCULO NO CINE-TEATRO
O esporte na cidade não só se apropriou de espaços públicos na cidade para a sua
prática como também foi apropriado por alguns espaços privados. A luta romana também
aparece na cidade em 1913. Inicialmente usada como espetáculo vendido ao público, foi
apropriada por um cinema: o Cine Commercio, o mais importante da cidade, para constar de
seu programa no palco. Naquela época, os cinemas divulgavam um programa na “tela” e um
programa no “palco”. O Cine Commercio, inaugurado em 1909, na Rua Caetés, com
capacidade 800 pessoas, foi o primeiro cinema concretizado a partir de investimentos e
planejamento empresarial. Segundo o cronista do Estado de Minas:
Incontestavelmente esta é a casa de diversões mais ‘smart’ da capital e a
mais freqüentada pela nossa melhor sociedade. Mas, si o publico, que não se
illude, o prefere é porque, alli, tem sempre boa musica, os melhores films e
no palco escolhidos artistas, não se falando na elegância e no conforto dos
salões luxuosos, higiênicos e vastos.
552
Criou-se na cidade um conceito já iniciado no Rio de Janeiro em 1907, o Cine-Teatro,
em que empresários, para atrair os freqüentadores de cinematógrafos e de teatro,
proporcionavam espetáculos mistos. Essa foi uma fase em que o cinema atraiu os belo-
550
DIARIO DE MINAS, 6 maio 1914, p. 2.
551
RECLAMAÇÕES, 1918, p. 1.
552
CINEMA Theatro Commercio. Estado de Minas, 7 fev. 1912, p. 2.
188
horizontinos para seus programas num espaço com ambiente propício à sociabilidade.
553
As
lutas eram uma novidade que conquistaria um bom público.
As chamadas da imprensa para os espetáculos passaram a figurar nas colunas dos
jornais.
Cinema Commercio
Hoje terá o povo de Bello horizonte occasião de se emocionar no Cinema
Commercio ante as peripecias de um luta romana.
José Floriano Peixoto, o conhecido lutador, vae mostrar aos freqüentadores
daquella casa de diversões as suas qualidades de campeão.
Não lhe faltarão delirantes applausos.
554
Os dois programas oferecidos apareceriam na coluna do jornal A Tarde, intitulada
“Pelos palcos e cinemas”, na qual a luta era um espetáculo que acontecia junto com
apresentações de canções líricas como abaixo:
Cinema Commercio
Na tela
O rei de ouro, drama, em 2 partes. Pedro Javali, drama. A menina do
telefone, comedia.
No Palco
Continuação do grande ‘Match’ da lucta romana entre José Floriano Peixoto
e o campeão inglez Jayme Grosman.
A graciosa cantora lírica a Annita Wanoff cantarà
(sic)
novos números.
555
O Estado de Minas noticiava que “raras vezes tem visto a concurrencia que lá foi ter
hontem, para assistir o sport pela primeira vez apreciado nesta capital – a lucta romana”. O
cronista comentava a falta de condições ideais para a luta, pois o palco era preparado com um
tablado coberto por colchões desiguais, mas isso não interferia no interesse do público.
556
O espetáculo da luta era uma atração, uma vez que foi convidado para participar dos
embates o campeão brasileiro e lutadores estrangeiros. As qualidades do lutador brasileiro
José Floriano Peixoto eram destacadas, mostrando-se “correcto, forte e leal na lucta [...]
conhecedor profundo de todas as regras”. No confronto realizado com o inglês Jayme
553
SOSNOWSKI, 1997.
554
CINEMA Commercio. A Tarde, 22 maio 1913, p. 1.
555
PELOS Palcos ..., 24 maio 1913, p. 1.
556
LUCTA romana. Estado de Minas, 1913, p. 3.
189
Grosman o destaque da imprensa foi para as atitudes desleais do campeão inglês. Tudo isso
contribuía para despertar o interesse do belo-horizontino.
O povo, que ao Cinema Commercio affluiu hontem, em grande número,
aplaudio de calorosa e phreneticamente o sympathico campeão de ‘box’, da
lucta, do remo, etc. José Floriano Peixoto, que, não padece a menor duvida, è
digno das ovações sinceras e enthusiastica se tem recebido da culta platéa
daquella apreciada casa de diversões.
557
O sentido da luta passa a ser aplicado às propagandas publicadas nos jornais, que
traziam na mesma página as notícias sobre a luta:
Lucta Romana
Qual o vencedor?
Josè Floriano na lucta romana e o ‘Elixir de Inhame Goulart’ na lucta contra
os microbios da syphilis.
558
A empresa do Cine Commercio anunciava lutas entre campeões, como o brasileiro, o
inglês e o argentino, para dar maior valor aos embates realizados. Mas o tempo reservado de
trinta minutos não era suficiente em alguns casos, fazendo com que houvesse continuações
em outros dias. As notícias destacavam as figuras salientes “nesse gênero de sport”.
559
Como um negócio que se queria lucrativo, os preços também eram variáveis de acordo
com o espetáculo, o que não deixou de surtir uma reação no público da cidade. O mesmo
aconteceu com o tempo da luta:
O ligeiro distúrbio que hontem se verificou no apreciado Cinema
Commercio veio por em saliencia a necessidade urgente da empresa
preferida casa de diversões adotar um preço fixo para as suas sessões. O
povo reclama, porque a importância cobrada pelos ingressos varia com o
programa, de modo que, a bem dos interesses do cinema commercio e
tambem dos frequentadores do mesmo, cumpre aos senhores da empreza
daquelle estabelecimento de diversões marcarem um preço invariavel. Certos
de que as reclamações do povo serão attendidas pela empreza do Cinema
Commercio, esperamos que os que apreciam a lucta romana não deixarão de
ir hoje alli, pois a luta será sem tempo determinado, isso é, até que um dos
campeões consiga vencer o respeitável adversário.
560
557
LUCTA romana. A Tarde, 24 maio 1913, p. 1.
558
LUCTA romana. A Tarde, 24 maio 1913, p. 1.
559
LUCTA romana. A Tarde, 26 maio 1913, p. 1.
560
LUCTA romana. A Tarde, 29 maio 1913, p. 1.
190
As críticas na imprensa surtiram efeito, uma vez que, dois dias depois, o jornal A
Tarde já anunciava um preço único por ingresso no Cine Commercio – um mil reis –, que era
uma forma de manter a assiduidade que lhe era freqüente.
561
Mas essa assiduidade durou pouco tempo. Tudo leva a crer que foi uma troupe
contratada por determinado tempo para os espetáculos do Cine Commercio. O que apareceu
nos jornais no mês seguinte foram praticamente os mesmos lutadores, mas não mais só na
lucta romana, como também com box, uma outra luta que, no mês de junho de 1913, foi
apresentada em outra casa de espetáculos na cidade.
4.5 O BOX NO PAVILHÃO VARIEDADES
O espaço do box na cidade passa a ser a casa de diversões chamada “Pavilhão
Variedades”. Criada em novembro de 1910, consistia em um galpão construído nos fundos de
dois lotes situados na Rua da Bahia, que promovia atrações variadas para o público belo-
horizontino.
562
Na troupe contratada para os espetáculos de lutas no Variedades, figuravam os
mesmos nomes que se apresentaram na luta romana no Cine Commercio.
Como era de prever, o povo affluiu em massa ao ‘Variedade’para assistir ao
‘match’de ‘box’disputado entre José Floriano e Grosmann. A lucta foi
porfiada, renhida, despertando o máximo enthusiasmo nos espectadores Os
dois valentes ‘boxers’ empataram, pelo que hoje continuará o desafio.
563
Para despertar o interesse do público, em meio aos espetáculos de box, o Variedades
promoveu o 2
o
Campeonato de Lucta Romana, “no qual se encontrar[iam], em lucta decisiva,
sem empate, os campeões Grosmann e Giovanoni”. Segundo o cronista do jornal A Tarde, “o
encontro ser[ia] ‘á morte’”.
564
Fazendo parte de um programa que, além das lutas
apresentadas, continha corridas de touros, fitas na tela e representação de peça no palco, as
lutas nada mais eram que atrações que, segundo o entusiasmo e exagero dos cronistas, seriam
diversões garantidas para os espectadores.
561
CINEMA Commercio. A Tarde, 31 maio 1913, p. 1.
562
Penna (1997, p. 115) esclarece que o Teatro Variedades foi inaugurado no dia 1
o
de novembro de 1910 e
consistia em um “galpão construído nos fundos dos lotes 11 e 13, quarteirão 17, da III Urbana (rua da
Bahia)”.
563
PAVILHÃO Variedades. A Tarde, 5 jun. 1913, p. 1.
564
PAVILHÃO Variedades. A Tarde, 7 jun. 1913, p. 1.
191
Um dos embates mereceu destaque no jornal A Capital:
Nesta casa de diversões, continùa
(sic)
como nota do dia, os sensacionaes
encontros dos luctadores do Boxing, donde Jack Murray tem feito papel de
destaque, dentre os seus pares.
– A Empreza espera chegar hoje ou amanhã, mais um grande luctador, [ ]en
Armstrang
(sic)
, que em S. Francisco da Califórnia, venceu a Spider Murphy,
um dos maiores luctadores da atualidade.
Este campeão pretende bater-se com Jack Murray, o que será então motivo
do publico accorer todo ao Variedades, dado o enthusiasmo que vae entre os
jogadores do boxing.
565
A revista Vita também deu destaque a essa luta:
FIGURA 27 – Campeonato de box no Pavilhão Variedades
Fonte: VITA, a.1, n. 1, 13 jul. 1913.
565
PAVILHÃO Variedades. A Capital, 12 jul. 1913, p. 2.
192
Toda essa divulgação de embates entre sportmen nos jornais, aliada ao interesse
despertado nos belo-horizontinos por esses espetáculos, resultou no seguinte anúncio
publicado no jornal A Tarde:
Lições de Box
Participo aos srs apreciadores do Box que acceito discípulos tanto em minha
residência, a rua Rio de Janeiro n. 357 (Cervejaria Alemã) como em casa
particular, por preço rasoavel.
Trata-se das 5 as 6 da tarde todos os dias
Truc Legov.
566
No cotidiano da cidade, as lutas começaram a exercer influência:
‘Com regular concurrencia’, houve hoje, á 1 hora da tarde, magnífico
exercício de Box entre 2 petizes que haviam escolhido para ‘arena’a Avenida
Affonso Penna, mesmo em frente da Pensão Avenida. Não podemos ir ao
firmado espectaculo, por isso que deixamos de dar os pormenores da lucta e
indicar qual o ‘campeão’ vitorioso.
Applausos não lhes faltaram, signal de que estava bom o exercício.
567
Assim, usados somente como espetáculo ocasionais, tanto a luta romana como o box
não se enraizaram na cidade até 1920. Em 1915, aparece uma referência à luta de jiu-jítsu no
Cassino Mineiro
568
e, em 1916, a outro campeonato de luta romana no Variedades.
569
Notícias
sobre uma academia de box na cidade aparecem somente no final dos anos de 1920.
570
Pouco
tempo depois, o Diario Mineiro trazia uma reportagem que assim se iniciava: “Ainda não
consegui vingar entre nós o pugilismo”.
571
566
LICÇÕES de box, 1913, p. 2. O anúncio figurou em outras edições do jornal.
567
BOX. A Tarde, 8 ago. 1913, p. 1.
568
A GAZETA, 15 jun. 1915, p. 2.
569
CAMPEONATO de lucta ..., 1916, p. 3.
570
JOGOS e desportos, 1927, p. 3.
571
DIARIO dos..., 1929, p. 7.
193
4.6 O TIRO NO PAVILHÃO VARIEDADES E O SPORT CINEGÉTICO
O tiro ao alvo foi, também, uma modalidade apropriada pela casa de espetáculos
Pavilhão Variedades, em 1910. Como uma das promoções dessa casa de diversões da cidade,
o tiro foi mais uma iniciativa com o intuito de buscar aumentar o “número de famílias e
cavalheiros” que a freqüentavam. Para tanto, os empresários promoviam, em meio a
conferências literárias, programa cinematográficos, apresentação de cançonetas, também o
tiro ao alvo, que assim aparecia nos jornais: “O tiro ao alvo tem tido uma freqüência fora do
commum. Diariamente numerosos grupos de moços e moças entregam-se ardorosamente ao
encantador sport”.
572
Mas o interesse pelo tiro e, conseqüentemente, pela caça já era revelado desde os anos
iniciais da cidade.
A arte de caçar foi uma prática que já fazia parte dos interesses dos seus habitantes.
Muito utilizada na Europa, desde a Idade Média, ela sempre esteve aliada a divertimentos da
nobreza. Em Belo Horizonte, o Jornal do Povo, em 1900, publicava nota intitulada “Sport
Cinegetico”:
De uma carta dirigida ao nosso conterrâneo pharmaceutico Luiz Ribeiro,
pelo coronel João Osvaldo Dias Junqueira, abastado fazendeiro do município
de Ayuruoca e[x]tractamos a curiosa estatística seguinte que certamente há
de agradar aos amantes da cynegetica, que os há, e muitos em Belo
Horizonte.
573
A nota descrevia ano a ano, de 1880 a 1900, o número de caças mortas pelo abastado
fazendeiro e seus companheiros, entre veados, onças e lobos, como se isso representasse
interesse para os belo-horizontinos.
A moderna técnica de tiro, na caça, com os dois olhos abertos, foi assunto de uma
grande reportagem publicada no Diario de Minas, em 1901. Tendo o “ativismo” como a
motivação, a caça foi tratada como um interesse não só de homens ricos e pobres, mas
também de algumas mulheres, como cita o cronista.
574
Ao lado do gosto da caça, a cidade experimentou, a partir de 1902, uma educação para
o tiro. O Diario de Minas noticiava que “a linha de tiro começa com bons auspícios; no seu
572
PAVILHÃO Variedades. O Commercio, 5 dez. 1910, p. 1.
573
SPORT cinegetico, 1900, p. 2.
574
CYNERGETICA, 1901, p. 1-2.
194
primeiro dia já teve uma dezena de civis inscriptos e até o fim da semana essa dezena estará
de certo multiplicada”. Nessa educação, nem todos estavam motivados para o adestramento
com vista a uma eventualidade bélica, e sim, “por uma preocupação de sport, pelo exercicio
ou por se fazerem atiradores, outros pelo prazer de o dizerem”.
575
O preparo da população para enfrentar a “luta” como um objetivo maior ganhou
também o apoio da imprensa, que assim incentivava a população: “A linha de tiro faz por
processos militares o que a caça faz empiricamente. Atirem por intuição cívica, por sport, por
vaidade, se quizerem, mas atirem: o resultado será o mesmo, proveitoso e eficaz”.
576
Assim, uma corporação militar da cidade franqueou aos civis exercícios de tiro aos
“domingos, dias santos da egreja e de festa nacional”, dias que foram se fazendo como
dedicados ao recreio, à diversão, ficando os demais reservados para a Brigada.
577
A linha de tiro da cidade, posteriormente denominada Tiro 52, voltou a aparecer nos
jornais em 1913,
578
numa viagem realizada a Curvelo, e em 1917,
579
de forma reoganizada,
mas prestando-se, ao que parece, somente a instrução militar na cidade.
Assim, mesmo sendo denominadas como sport na época, tanto a caça como o tiro
eram somente práticas que possibilitavam a diversão, não se constituindo em “esporte na sua
concepção moderna”, pois não atendiam aos pressupostos colocados como necessários para
serem assim classificadas. O ativismo, o exercício, a disputa e a conquista, que promoviam a
diversão, podiam ser características que, naquele momento, poderiam estar aliadas ao termo
sport.
4.7 NOS LAGOS DO PARQUE, A NATAÇÃO E AS REGATAS
Como a cidade não possuía espaços para banhos, como as cidades litorâneas, onde a
praia passou a ser utilizada, na segunda metade do século XIX, como local de banhos,
inicialmente ligados a questões terapêuticas e, posteriormente, à sociabilidade, essas práticas
demoraram a se fazer presentes na cultura da cidade. A mudança no que se refere à ocupação
575
ECHOS. Diário de Minas, 28 maio 1902, p. 1.
576
ECHOS. Diário de Minas, 28 maio 1902, p. 1.
577
DIARIO DE MINAS, 29 maio 1902, p. 1.
578
PARTIDA do..., 1913, p. 1; A PARTIDA..., 1913, p. 1.
579
TIRO 52, 1917, p. 1.
195
e à utilização do mar e das praias para atividades de lazer fez com que o remo também se
desenvolvesse nas cidades litorâneas.
Cidades como São Paulo, dadas suas condições fluviais, também tiveram oportunidade
de desenvolver o remo e a natação.
Em Belo Horizonte, uma cidade cercada de montanhas, os lagos do Parque Municipal
foram, então, apropriados para as primeiras experiências com essas práticas.
A natação aparece como sport em uma prova realizada nesses lagos, em 1909, pois a
primeira piscina construída na cidade foi o “tanque de natação” do Colégio Anglo-Mineiro,
que começou a funcionar em 1914.
Alguns clubes, na década de 1910, também demonstraram interesse na promoção da
sua prática.
Os srs. Vittorino Fraccaroli, Heitor Augusto de Moraes, Hugo Fracaroli e
Candido Ribeiro particiapam-nos que, um grupo de sportmens resolveu
fundar o Royal Sport Club para diversos ramos de sport, como sejam:
ciclysmo, natação, gymmnastica, etc.
580
Alguns desses sportmen eram jogadores do Athletico Mineiro. Como esportistas,
tinham o sonho de promover a prática de novas modalidades na cidade. O Parque Municipal
por ser o único espaço da cidade onde era possível realizar, mesmo de forma improvisada,
uma prova de natação, também foi apropriado por esse clube, para ali realizar os seus eventos.
A sua primeira promoção ocorreu em agosto de 1912, como noticiava o Estado de Minas:
Annuncia-se para amanhã uma grande festa sportiva, que se realizará no
Parque.
Este festival nasceu de uma feliz iniciativa do Royal Sport Club, cuja
directoria está empenhando toda sua actividade para o seu máximo brilho.
A festa constará de grande corrida, em sete pareos assim organizados:
1
o
pareo, 3 de maio – 1500 metros, Bicycleta, 2 voltas; 2
o
pareo, dr.Olyntho
Meirelles – 4500, 6 voltas; 3
o
pareo, ‘A Noite’ – 3500 metros, 4 voltas; 4
pareo, Athletico Mineiro - 1500 metros, pedestre, duas voltas; 5
o
pareo, Belo
sexo – surpresa, bicycleta; 6
o
pareo, Royal Sport Club – 6000 metros, 8
voltas; 7
o
pareo, Natação – 2000 metros.
As inscripções fecham-se no dia 31, tendo sido altamente promissor o
movimento de concurrentes.
580
ESTADO DE MINAS, 16 maio, 1912, p. 1.
196
A nossa sociedade aguarda com interesse a encantadora festa sportiva que,
certamente, não só marcará epocha nas tradições do nosso mundo elegante,
como também se constituirá o marco inicial de uma phase de intensa
movimentação entre os nossos grêmios de diversões.
A entrada no parque será franca.
581
Não ficam claras quais modalidades esportivas foram disputadas nessa corrida de sete
páreos. Pelo que parece, os três primeiros foram corridas de bicicleta. O quarto é significativo
de uma corrida a pé, pois aparece a palavra “pedestre”. O quinto, denominado “belo sexo”,
em que no local do número de voltas está assinalado “surpresa”, sugere uma corrida de
bicicletas realizadas por mulheres. O último páreo parece uma prova de natação de 2000
metros.
Mas a “Festa Sportiva” realizada pelo Royal Club foi manchete no Estado de Minas de
6 de agosto de 1912, que relatou o “brilho de um verdadeiro acontecimento e o applauso de
uma grande concurrencia”, o que seria um grande incentivo para sua diretoria continuar a
promover agradáveis horas de diversão.
582
No entanto, não se tem mais notícias sobre esse
clube.
Naqueles anos de grande entusiasmo pela prática esportiva, apareceu novamente uma
notícia sobre a criação de outro clube que usou os lagos do Parque para regatas e natação, mas
que também parece não ter sido efetivado na cidade.
Uma pleiade de distinctos moços da nossa sociedade, tendo em vista os mais
nobres fins, dirigiram-se ao sr. dr. Prefeito municipal uma petição, na qual
requerem a concessão, sob restrições ponderadas, de um dos lagos do nosso
triste Parque Municipal, tendo em vista a fundação na duma sociedade de
regatas e natação.
583
O uso improvisado de um lago não se constituiu em um espaço para a realização de
exercícios de natação. Esse esporte só se desenvolveu na cidade depois de 1930. Além da
piscina do Anglo-Mineiro, criada em 1914, somente depois de 1930 é que apareceram as
piscinas do Atlético e do América, e, em 1937, a piscina olímpica do Minas Tênis Clube. As
regatas, inicialmente realizadas como atividades lúdicas no Parque Municipal, se
desenvolveram na cidade somente depois do surgimento do lago da Pampulha, na década de
1940.
581
ESTADO DE MINAS, 3 ago. 1912, p. 2.
582
FESTA sportiva, 1912, p. 1.
583
UMA ideia..., 1914, p. 1.
197
4.8 A GYMNASTICA COMO SPORT NOS CLUBES E NAS ACADEMIAS
Figurando na imprensa belo-horizontina como um “ramo dos sports”, a gymnastica
aparece como uma das práticas objetivadas por clubes como o Royal, citado anteriormente, e
aliada às primeiras academias criadas na cidade. No entanto, na escola ela não recebe tal
designação, constituindo-se em um de seus componentes curriculares de ensino. Como o sport
e a gymnastica foram se enraizando nas cidades numa mesma representação de corpo
energético e combustível, e se fundam sobre as mesmas necessidades de uma apreciação
cifrada do esforço muscular, existe entre elas, segundo Chartier e Vigarello, um parentesco
forte, e o “exercício ginástico [...] se torna como um solfejo da música esportiva”.
584
“Exercícios gymnasticos” foi a primeira denominação dada ao componente curricular
destinado ao ensino de práticas corporais sistematizadas na escola primária, secundária e
normal em Minas Gerais.
585
Constituindo-se inicialmente em “evoluções militares” para as
escolas masculinas e “exercícios calistênicos” para as escolas femininas, a disciplina ampliou
seu programa escolarizando a ginástica sueca. Só no final da década de 1910 é que jogos
foram adotados no programa.
Fora do contexto escolar, ela aparece como uma das práticas propostas pelo Centro de
Cultura Physica Olavo Bilac, a “unica escola que a cidade possuía”; ou seja, a primeira
“academia” fundada na capital, que tinha por objetivos o desenvolvimento de “diversos ramos
dos sports”.
586
O nome da escola era sugestivo, uma vez que o poeta Olavo Bilac foi um dos
primeiros a valorizar a prática de esportes. Segundo Sevcenko,
ele foi um dos principais arautos e grande incentivados da reforma urbana e
do espírito estético-higienista da Regeneração, defendendo-a e ao prefeito
com acalorado entusiasmo nos principais jornais e revistas do Rio. Em
seguida se tornou propagandista e fã ardoroso das práticas e competições
desportivas. Na conjuntura da Grande Guerra fundou a Liga da Defesa
Nacional e se laçou em campanha obstinada pela criação do serviço militar
obrigatório para todos os jovens brasileiros de dezoito anos. Vemos pela sua
progressão que da reforma e sanitização da cidade ele se voltou para a saúde,
modelagem e beleza dos corpos, para afinal convergir num apelo ao
nacionalismo militante de massas.
587
584
CHARTIER ; VIGARELLO, 1982, p. 42.
585
VAGO, 2002, p.221.
586
CENTRO de..., 1916, p. 7.
587
SEVCENKO, 1998, p.576.
198
Em seu trabalho de divulgação da Liga pelo Brasil, o poeta visitou Belo Horizonte
entre 1915 e 1916, época da criação do Centro de Cultura Physica, inaugurado por ele.
588
O “Centro-Escola” Olavo Bilac foi organizado e dirigido pelo “illustre” Dr. Antônio
Pereira da Silva, um sportman e “conhecedor profundo dos sports”, que participou de um
concurso realizado no Gymnasio Mineiro para o cargo de professor de Gymnastica, tendo sido
o único classificado pela banca examinadora, de quem recebeu “merecido applausos”. Era
uma pessoa credenciada para presidir uma instituição de cultura física na cidade.
589
Uma representação de seu presidente, que aparece na imagem divulgada pela
reportagem de As Alterosas com o torso desnudo, mostra que, aliado ao grande conhecedor do
ramo dos sports, havia um sportman de físico atlético, o que o credenciava ainda mais para o
cargo.
590
O Centro-Escola era um local “onde pudessem os amadores dos sports encontrar os
aparelhos e professores, afim de desenvolverem o physico, tornando-se homens fortes e
robustos”, como o Dr. Pereira da Silva. Achava-se instalado em um vasto e apropriado salão,
na parte térrea do edifício do Club Academico, uma associação de estudantes das escolas
superiores, criada em 1915, situada na Rua Goyas.
A sua divulgação passou a figurar nas páginas de As Alterosas:
___________________________________________
Centro de Cultura Physica “Olavo Bilac”
Rua Goyas – 64
__________________________________
Director – A. PEREIRA DA SILVA – prof. gym. e
educ. physica do Gymmnasio Mineiro.
Thesoureiro – WILSON PEREIRA
1
o
Secretário – ALFEU FELICISSIMO
2
o
Secretário – ALEXANOR PERREIRA
________________
MENSALIDADE – 5$000
591
A relação de Pereira da Silva como professor do Gymnasio Mineiro era um aval de sua
capacidade explicitada no anúncio.
As atividades eram distribuídas pelos professores, cada um com a sua função: “o
professor de aparelhos, Wilson P. Gomes. Esgrima e Gymnastica, Dr. Pereira da Silva.
Athletismo, Edgard Rosemburg”. Este último era o encarregado do salão.
588
TEIXEIRA, 2004; GRITO de..., 1927, p. 6.
589
TEIXEIRA, 2004.
590
TEIXEIRA, 2004.
591
CENTRO de..., 1917, p. 4.
199
Na descrição feita do que seria oferecido pelo Centro, pode-se ver que
a insttalação do Centro era completa contando os seguintes apparelhos:
parallelas, barras, argollas, trapesio, escadas de corda e madeira, cordas lisas
e de nós, massas, alteres, sandows, remos, apparelhos de tiro ao alvo,
esgrima, box, puxing.
Brevemente teremos o foot-ball, a natação, o remo, sendo o Parque
Municipal o campo de acção destes ramos sportivos.
Dentre os exercicios de atlhetismo mencionaremos: o jiu jitsu, a capoeira,
lucta romana, o box e o jogo de pan.
592
O Centro contava com aparelhos de ginástica alemã e para atividades de cultura física.
O único desconhecido é o sandows, que poderia ser algum aparelho usado pelo Sistema
Sandows, do pioneiro fisiculturista prussiano Eugen Sandow, famoso na Europa no início do
século XX, além de diferentes práticas esportivas valorizadas na época. Chamam a atenção as
lutas que eram consideradas na época “exercícios de atlhetismo”, pois o atletismo, de certa
forma, representava uma síntese das demais modalidades esportivas. O salto, a velocidade e a
agilidade eram pressupostos de diversas modalidades atléticas, como corridas, saltos,
lançamentos e lutas que desde a Grécia antiga já faziam parte suas competições atléticas.
O Parque Municipal era o espaço da cidade do qual todos os interessados em práticas
esportivas buscavam apropriar-se. Tudo leva a crer que, como troca de favores pelo uso de um
espaço público, o diretor anunciava que brevemente organizaria “um horário para aulas
gratuitas aos menores de 6 a 12 annos de idade na sede e no Parque Municipal”. Nessa
primeira “academia da cidade” não havia espaço para corpos femininos, pois todas as
atividades só estavam voltadas para os corpos masculinos, que buscavam ser fortes e robustos.
Consta que Pereira da Silva “seguindo o methodo puramente moderno”, dirigia
gradualmente os alunos nos diversos exercícios.
Ao iniciar os exercícios o alumno passará por todos os meios preliminares,
como exercício de repiração, seguido de gymnastica sueca.
Conhecedor profundo dos sports, o Dr. Pereira da Silva sabe dirigir seus
alumnos e prohibe os exercicios violentos e perigosos como o ‘giro gigante’
que não trazendo proveito algum, só é próprio para circos de cavalinhos.
593
592
CENTRO de ..., 1916, p. 7.
593
CENTRO de ..., 1916, p. 7.
200
Segundo Aleluia Teixeira, essa sua forma de trabalho constava dos temas do ponto
sorteado na sua prova do concurso para o Gymnasio Mineiro.
594
Foram encontradas referências no Diario de Minas de outra escola de ginástica, que
teria sido criada naquele ano, antes mesmo do Centro de Cultura Physica, mas da qual não se
têm informações:
Escola Gymnastica Brasil
Sob a denominação acima, acaba de ser fundada por um grupo de rapazes
desta capital, uma agremiação com fim de desenvolver o gosto pela cultura
physica entre os amadores de sports athleticos.
A diretoria da associação, a inaugurar-se brevemente está assim constituida.
Diretor, José dos Santos; secretario, Simão Camilo, diretor de jogos, Octavio
Alves; thesoureiro, Aprigio de Mello
595
Assim, para melhor definir a relação entre a gymnastica – entendida como “exercício
physico” – e o sport, por seu parentesco, como retrata Vigarello, menciono a concepção de
João do Rio, um cronista carioca, publicada na revista Vida de Minas, em 1915: “O exercício
é o sport que se pratica para a própria hygiene. E o sport é o exercício que se faz para dar que
falar da gente”.
596
Vista como uma atividade que endireitava, robustecia e fortalecia corpos infantis e
adultos, uma atividade higiênica, ela era importante para a conformação de corpos desejados
naquele início de século. Mas, mesmo sendo considerada um sport naquele momento, ela não
possuía as características modernas, como hoje temos em diferentes modalidades de ginástica.
4.9 MALHA: UM JOGO DA RUA
As ruas da cidade também foram apropriadas para a prática de outros jogos. Uma
brincadeira de rua que veio de Portugal na época do Brasil Colônia e que foi se constituindo,
pelas facilidades de adaptações de seus materiais, em um divertimento de pessoas mais
humildes nas cidades foi o jogo de malha.
594
TEIXEIRA, 2004.
595
ESCOLA Gymnastica..., 1916, p. 1.
596
JOÃO do Rio, 1915, p. 28.
201
São poucas as referências a esse jogo em Belo Horizonte, mas significativas para
percebermos a sua prática aliada a divertimentos populares, que eram realizados nas ruas,
principalmente por estrangeiros, e que deveriam ser encarados como “vadiagem” – portanto,
um “caso de polícia” – , diferentemente daqueles que possuíam espaços próprios para suas
práticas .
O jornal Diario de Noticias publicou em 1908 a seguinte reportagem:
[...] mesmo em frente á casa que habitamos, em parte urbana da capital,
alguns gorotos jogavam malha.
Será possivel isso? A policia deve ser mais cuidadosa em casos taes, –
errando na porca, para ir no leitão, como se diz.
Ás vezes são feitas prisões injustas, quando sujeitas a estas estão taes
indivíduos, para os quais se faz mister um corretivo.
Quando toda a cidade vibra pelo trabalho honesto dos que habitam-na, é
certamente um abuso se consentir que indivíduos desoccupados joguem
malha em plena rua.
E tão certos estamos do zelo do digníssimo sr. Chefe de Policia que não
trepidamos em dirigir-lhe mais este pedido: fazer com que cessse a vadiagem
nesta terra que de tantos braços precisa; a ponto de mandal-os vir do
extrangeiro [...].
597
Na “parte urbana da capital”, local onde as elites da cidade moravam, trabalhavam e se
divertiam em espaços apropriados, era inadmissível que “ociosos” usassem suas ruas para
diversão. Mas essas práticas aparecem como formas subversivas de luta pelo direito à cidade.
Numa sociedade que passava a ser regida pelos imperativos da produção, alguns
comportamentos passaram a ser intolerados e combatidos. Na reportagem mencionada, a
positividade da imagem do trabalhador deveria se consolidar na cidade e a representação do
seu avesso, isso é, o desocupado, o ocioso deveria ser reprimida. Encarregada de assegurar a
ordem pública, a atenção policial deveria estar voltada principalmente para as práticas
cotidianas aliadas ao tempo livre e ao divertimento, e as classes populares deveriam se
constituir no principal alvo de vigilância e repressão.
598
Como uma diversão popular, o jogo de malha não teve representatividade na imprensa
local, a não ser como uma forma negativa aos olhos das suas elites. A malha foi destacada
neste capítulo por hoje ser um esporte, mas como um jogo popular na época não recebeu o
597
O DIA. Diario de Noticias, 25 jan. 1908, p. 1, grifos nossos.
598
Julião (1992) faz uma análise interessante sobre o combate à vadiagem em Belo Horizonte.
202
status de sport, sendo referenciada na única fonte conseguida somente como um jogo. Com
isso, não foi possível perceber a extensão de sua prática em Belo Horizonte, tampouco sua
real significação para os habitantes da cidade. Como a imprensa é a principal fonte utilizada
neste estudo, isso mostra os limites dessa fonte, que não dá visibilidade a todas as práticas
realizadas na cultura da cidade.
Apareceram no espaço da cidade diferentes práticas denominadas sport. É possível
identificar que algumas já tentavam organizar-se, mesmo que embrionariamente, como
esporte na suas características modernas, como o tênis, que depois se enraizou na cidade.
Outras, em decorrência de suas características de espetáculos que proporcionavam a diversão,
também foram distinguidas como sport, como a luta romana e o box, mas que só mais tarde se
constituíram efetivamente em esporte. No caso da patinação não competitiva, ela nem chegou
a se transformar em esporte. A malha, por ser um jogo aliado a divertimentos populares, nem
recebeu o status de sport na época. A natação e as regatas, pelas condições topográficas da
cidade e sem instalações apropriadas, não se desenvolveram naquela época, como aconteceu
em outras cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, apesar de algumas tentativas. A caça e o
tiro também eram práticas ocasionais que, pelo seu ativismo, podem ter sido consideradas um
sport, mas sua organização não pode ser considerada como tal. A gymnastica, considerada
como disciplina escolar e um sport no contexto não escolar, também não poderia ser
considerada sinônimo deste naquele momento. A explicação de Vigarello sobre o parentesco
entre eles pode se dar pela mesma representação de corpo a eles identificada.
Em síntese, apareceram na capital mineira diferentes práticas identificadas como sport
que estavam aliadas à possibilidade de divertimentos, de um novo convívio entre as pessoas,
que permitia novas e diferentes sensações e que, na sua maioria, eram tentativas de sua elite
em copiar e difundir na sua cultura práticas associadas a um estilo “civilizado” da vida
moderna européia. Essas práticas foram se configurando em diferentes espaços da cidade.
Nesses espaços qualificados e informados pelo uso, foi possível ver não só a capital projetada,
mas uma cidade socializada e requalificada por seus habitantes. Organizado de forma elitista,
o esporte viveu relações íntimas com os setores dominantes da sociedade.
Nessa apropriação da cidade, foram surgindo “lugares”
599
de práticas esportivas que
nem sempre foram criados sem tensões, como propõe Chartier, estabelecidas entre
599
É importante destacar que “lugares” são aqueles espaços apropriados, conformados a partir de laços de
pertencimento e de identidades construídas por aqueles que deles se apropriam. Esses laços são constituídos
pelas práticas coletivas. Dessa forma, os pertencimentos surgem a partir de práticas que criam coletivos que
conformam lugares.
203
capacidades inventivas de indivíduos e os constrangimentos, as normas e as conveções que as
limitaram.
600
Apesar dos limites impostos pelas fontes, existem alguns indícios de práticas
realizadas como divertimentos populares, que eram vistas como inadmissíveis aos olhos das
elites, mas que se constituíam em uma luta pelo direito à cidade e ao lazer que, na capital, era
um privilégio de suas elites.
600
CHARTIER, 1994.
204
Capítulo 5
O ESPORTE E A EDUCAÇÃO DE CORPOS CIVILIZADOS
Para que o esporte pudesse se consolidar na cultura urbana da cidade, foi preciso
educar os corpos para a sua prática e para a sua organização social.
O corpo é natureza e cultura. Sendo produzido na e pela cultura, sobre ele são
conferidas diferentes marcas, formas, eficácias e representações, que mudam, transformando-
o, substituindo-o ou subvertendo-o, de acordo com valores de determinados tempos e lugares.
O corpo é, assim, um constructo histórico e cultural.
Uma educação do corpo
percorre caminhos múltiplos e elabora práticas contraditórias, ambíguas e
tensas. Prescreve, dita, aplica fórmulas e formas de contenção tanto de
necessidades fisiológicas, contrariando, assim a ‘natureza’, quanto de velhos
desejos. É onipresente e manifesta-se em tudo que envolve indivíduos,
grupos e classes. São distintos atos de conhecimento e não apenas a palavra
o que constitui essa educação dioturna e intermitentemente.
601
O corpo pode, assim, ser educado por tudo que o envolve, num lento processo
civilizatório, pois ele passa a ser “o lugar de expressão de civilização”, sobretudo depois do
século XIX.
602
O projeto de Belo Horizonte propôs uma cidade-metropole e buscou definir quais
corpos deveriam nela habitar. Durante o seu processo de constituição, inscreveu sobre esses
corpos os diferentes valores que a civilização impunha para a modernidade desejada. O
esporte, por seus valores educativos e higiênicos, passou a ser valorizado e a fazer parte dos
discursos pedagógicos do corpo. Sua aceitação como divertimento organizado e “civilizado”
foi significativa para o seu desenvolvimento e consolidação na cultura urbana da cidade.
601
SOARES, 2003, p. 2-3.
602
SOARES, 2003, p. 10.
205
Tanto a cultura urbana como a cultura escolar
603
produziram e reproduziram
representações sobre a prática esportiva que foram formas, estratégias
604
que contribuíram
para a reordenação da cidade, e nela a conformação do campo esportivo. Nos espaços de
sociabilidade do urbano, a imprensa exerceu influência na educação dos corpos necessários
aos valores modernos que Belo Horizonte buscava configurar. Ela dava, também, visibilidade
a ações, quer sejam do Poder Público, quer sejam de seus habitantes, de forma geral, no
sentido dessa educação. Nos espaços escolares, a educação de gestos e a modificação de
hábitos, como forma de disseminar esses novos comportamentos, fizeram do corpo um lugar
expressivo da civilidade, contribuindo para o desenvolvimento dessa prática civilizada que era
considerado o esporte.
Assim, foi-se formando uma “civilização esportiva”, como se refere Sevcenko,
entendida não só como prática generalizada de diferentes modalidades de esporte, mas, sim,
como uma generalização de uma “ética do ativismo”, cuja idéia era de que
é na ação e portanto no engajamento corporal que se concentra a mais plena
realização do destino humano. As filosofias da ação, os homens de ação, as
doutrinas militantes, os atos de arrebatamento e bravura se tornam os índices
nos quais as pessoas passam a se inspirar e pelos quais passam a se guiar.
605
A educação do corpo para esse novo valor passou a ser necessária e foi fundamental
para a constituição e o enraizamento do esporte na cultura urbana da cidade.
Em Belo Horizonte, algumas escolas não só foram responsáveis por levar para fora de
seus portões práticas esportivas desconhecidas na cidade, como também se constituíram em
espaços apropriados pelos alunos para práticas vivenciadas nas suas ruas.
Mas qual é a relação do esporte com os processos educacionais?
603
Aqui entendida por Antonio Viñao-Frago (2000, p. 100), como por mim, o “conjunto de idéias, princípios,
critérios, normas e práticas sedimentadas ao longo do tempo nas instituições educativas. Interferem nesse
todo a mentalidade, atitudes, rituais, mitos, discursos, ações”, dentre outros.
604
Certeau (1994, p. 99) chama de estratégia “o calculo (ou manipulação) das relações de forças que se torna
possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade,
uma instituição científica) pode ser isolado de um ambiente. A estratégia postula um lugar suscetível de ser
circunscrito como algo próprio e a ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de
alvos ou ameaças (os clientes ou os concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e
objetos da pesquisa etc.). Como na administração de empresas, toda racionalização “estratégica” procura em
primeiro lugar distinguir de um “ambiente” um “próprio”, isto é, o lugar do poder e do querer próprios.”
605
SEVCENKO, 1998, p. 568-569.
206
5.1 A ORIGEM DO ESPORTE COMO FORMA DE EDUCAÇÃO
A escola é o berço do esporte. Foram nas public schools, escolas da aristocracia e da
burguesia inglesa que ocorreu a passagem do jogo popular ao esporte escolar. Um exemplo é
o football. Na primeira metade do século XIX, foi registrada a apropriação de jogos populares
de bola pelos alunos dessas escolas, assim como sua transformação em práticas mais
organizadas e menos violentas, caracterizadas como “esporte”. Essa mudança de status dos
jogos foi, para o historiador inglês Richard Holt, talvez, a mais notável característica da
educação da elite no século XIX.
606
Na Inglaterra vitoriana, o vigor e o alcance do esporte foram dignos de nota, mas não
se pode dizer que a “esportivização” dos jogos tenha sido um processo planejado por uma
elite esclarecida ou por intelectuais. Se buscarmos sua gênese, poderemos observar que os
jogos populares foram apropriados pelos alunos internos das public schools e transformados
em jogos esportivos. Até a metade do século XIX, seus mestres tinham pouco ou nenhum
interesse naquelas atividades, salvo a interferência ocasional para prevenir disputas
particularmente brutais ou para impedir que os garotos andassem furiosos nas terras que
circulavam a escola. Em algumas das mais famosas escolas, as autoridades chegaram a tentar
proibir jogos organizados. Segundo Holt,
até mesmo o grande Thomas Arnold de Rugby, que foi erroneamente
idolatrado por defensores dos esportes nas escolas públicas, não tinha tempo
para os jogos. As escolas públicas bem podiam estar decadentes, mas ele
pretendia reforma-las nas salas de aula e na capela, e não nos campos de
jogos.
607
Essa visão de Holt contradiz o que se tem de informações sobre a participação de
Thomas Arnold na valorização da educação física aliada à educação intelectual e religiosa.
Giampiero Grifi, dentre outros, destaca o papel de Thomas Arnold na incrementação dos
jogos ao ar livre, que, segundo ele, “tinham um valor na formação da personalidade dos
rapazes” e que foi usado “como um inigualável meio para distanciar os rapazes, que estavam
sob seus cuidados, do vício e dos maus hábitos”.
608
606
HOLT, 1992.
607
HOLT, 1992, p. 75, tradução nossa.
608
GRIFI, 1989, p. 254-255.
207
Na Inglaterra, enquanto os garotos que gostavam de esportes poderiam ser
considerados “ociosos” nas gerações anteriores, os mestres vitorianos estavam inclinados a
reservar essa palavra para aqueles que não ligavam para o esporte. Algumas escolas, como
Eton e Harrow, consideradas como escolas líderes, eram vistas quase tanto por uma questão
de heroísmo esportivo quanto de linhagem antiga. Em 1864, por uma comissão de
investigação
609
, algumas escolas “foram elogiadas ‘por seu amor por exercícios e esportes
saudáveis’, o que, apesar dos excessos do cansativo sistema e da brutalidade das punições,
tinha ajudado aos ingleses a ‘governar outros e controlar a si mesmos’”.
610
Foi a partir dessa época que as public schools, escolas que objetivavam a formação
dos futuros líderes britânicos, passaram de uma postura de desagravo ou tolerância com
alguns jogos para um encorajamento a eles. Foram usados como forma de controlar impulsos
dos jovens e propagar valores como cavalheirismo, boa conduta e honestidade, dentre outros.
Chartier e Vigarello, ao analisarem o enraizamento do esporte na escola, consideram:
Tratar-se-ia, todo o conjunto, de controlar as energias adolescentes, ainda
mais perigosas quando fechadas entre muros de um pensionato, de preparar
os filhos da classe dominante para o seu papel de comando, civil e militar,
no endurecimento de seus corpos nos afrontamentos viris e habituando-os ao
self-government, de mergulhar as almas desviando-as das facilidades
efêmeras de toda a jovem civilização industrial.
611
Mas esses autores consideram também que se tais justificativas deviam ser tomadas
em conta, elas explicavam apenas parcialmente a razão do sucesso encontrado pelo esporte,
inicialmente, dentro e, depois, fora das escolas secundárias da aristocracia e da grande
burguesia. Para compreender esse sucesso, foram necessárias outras reflexões:
A primeira coloca mais ênfase sobre as semelhanças existentes entre os
‘valores’ inerentes ao exercício esportivo e aos valores das classes
dominantes no final do século XIX. À uma elite que valoriza a atividade
gratuita, a iniciativa pessoal, a distância do papel social, o esporte propõe um
exercício fundado sobre os mesmos valores distintos, uma vez que ele
implica o fair-play, a invenção individual e a gratuidade de uma ocupação
que não tem outra finalidade que ela mesma. O esporte dá, assim, a tradução
imediatamente compreensível, porque uma vez que coloca num campo, de
um ethos ou de um habitus (como se queira) que se dá à reconhecer aqueles
que o dividem, e à ver todos os outros.
612
609
Clarendon Commission.
610
Tradução nossa. Holt (1992, p. 76) faz esses comentários apoiando-se em J. A. Mangan.
611
CHARTIER; VIGARELLO, 1982, p. 45, tradução nossa.
612
CHARTIER; VIGARELLO, 1982, p. 45, tradução nossa.
208
O que se pode perceber é que “a verdadeira originalidade das práticas inglesas está nos
sistemas menos visíveis e mais impenetráveis: o fim moral sem dúvida e, sobretudo, a
organização e o desenvolvimento dos encontros”.
613
Como projeto educativo, buscaram renovar a cultura pedagógica aumentando a
mobilização dos alunos e inventando novas energias físicas, mas na maneira de jogar é que
fizeram uma transformação na forma de associar os jogadores e de opô-los. Inicialmente, a
primeira decisão tomada foi unificar as regras, pois cada escola jogava com regras próprias, e
também criar jogos com modelos mais “universalizáveis”. A diferenciação do rugby com
outras formas de football, feita em 1846, é um marco nesse sentido. Dessa forma, a criação do
clube a partir da “livre iniciativa”, seu recrutamento democrático, o programa e o calendário
de encontros instituídos foram um marco na maneira de reagrupar jogadores. A partir daí, o
esporte se definiu por “competições físicas institucionalizadas, democraticamente
organizadas, com regras unificadas e com encontros planejados”.
614
No Brasil, a escola representou um espaço de divulgação de várias modalidades
esportivas. Neste trabalho cito dois exemplos: o futebol e o basquete. O futebol, como citado
no Capítulo IV, chegou ao Brasil, antes de Charles Miller, nas escolas jesuítas. Apesar de aqui
ainda não se ter clubes, nessas escolas já se jogava o esporte inglês.
615
O primeiro clube de
estudantes brasileiros, criado em 1898, foi a Associação Atlética Mackenzie College, do
Colégio Mackenzie de São Paulo.
616
No basquete, foi também essa escola metodista a
introdutora dessa modalidade no País, em 1896, cinco anos depois da a criação do jogo nos
Estados Unidos da América.
5.2 A ESCOLARIZAÇÃO DO ESPORTE NA CIDADE
Em Belo Horizonte, algumas escolas metodistas, como o Anglo-Mineiro e o Isabela
Hendrix, ao lado de escolas católicas, como o Colégio Arnaldo e o Instituto Claret, e também
o Ginásio Mineiro e a Escola Normal, dentre outros, foram estabelecimentos de ensino que
representaram uma importância significativa na constituição do esporte na cultura da cidade.
613
VIGARELLHO, 2002, p. 55, tradução nossa.
614
VIGARELLHO, 2002, p. 55, tradução nossa.
615
Cf. MELO, 2000.
616
JAL; GUAL, 2004.
209
A Educação em Belo Horizonte, marcada inicialmente por um “movimento de
afirmação de uma nova cultura escolar, nas duas primeiras décadas do século XX”, que tinha
a tarefa de “erradicar o analfabetismo, a ignorância presumida da população pobre e, ao
mesmo tempo, fazê-las conhecedoras e portadoras de virtudes republicanas”, como queriam
republicanos influentes no Estado e intelectuais, foi marcada por sucessivas reformas do
Ensino Primário que ocorreram em Minas Gerais.
617
A reforma que simbolizou uma ruptura com o modelo escolar até então vigente foi a
realizada no governo de João Pinheiro, em 1906, que possibilitou modificações na formação
de professores e, principalmente, o surgimento e a organização dos Grupos Escolares, em
substituição às Escolas Isoladas. Essas ações viabilizaram práticas educativas inéditas até
então e uma nova orientação pedagógica. A escola passou a ser vista como o lugar específico
para uma educação que visasse ao desenvolvimento popular sob tríplice aspecto: físico, moral
e intelectual.
618
O aspecto físico foi trabalhado pela educação physica em sua forma escolarizada: a
Gymnastica, que somente no final da década de 1920 passou a denominar-se: Educação
Física. Codificada como uma disciplina escolar, teve seu marco inicial no Ensino Primário,
em Minas Gerais, pela Lei n. 41, de 3 de agosto de 1892, que dava nova organização à
instrução pública mineira. Essa lei se constituía numa “tentativa de conformação e
normalização das práticas escolares, ao regulamentar o Ensino Primário, o Normal e o
Secundário do Estado”.
619
Produzida como um dispositivo central para a educação física das crianças, a
Gymnastica passou a fazer parte da cultura escolar de Belo Horizonte, desde os seus anos
iniciais, como uma forma de ensino, como aparece na propaganda da Escola Americana no
jornal A Capital:
A Escola Americana
Para meninos e meninas (até 10 annos)
Está funccionando na avenida do Paraná nesta cidade. O ensino inclui a
instrução primaria e secundaria em todas as matérias nas línguas portugueza
e inglesa, desenho, gymnastica e francez.
Música e piano são pagas separadamente.
617
VAGO, 2002, p. 13.
618
Cf. VAGO, 2002.
619
VAGO, 2002, p. 221.
210
Também se lecciona inglez em dias e horas determinados. Para informações
dirija-se á Misses Wilcox e Stenger.
620
Uma cidade moderna, que se queria civilizada e que aspirava ao progresso para o
Estado e a Nação por meio de uma educação racional de seus habitantes
621
, abriu suas portas
para diferentes escolas particulares, nacionais ou de procedência estrangeira, católicas ou
metodistas, que iriam colaborar para a obtenção desse fim desejado. O espírito de
modernidade que permeou a concepção da cidade tinha suas bases assentada nas ciências e na
ausência de preconceitos intelectuais e religiosos, cujo maior compromisso era com o
progresso.
622
A escola, e nela a educação física, foi-se pautando por formar hábitos higiênicos,
moralizando os costumes e direcionando os alunos para lazeres úteis e sadios.
A Gymnastica, tornando-se um assunto polêmico nos jornais em 1899, diante da
suspensão das cadeiras de Gymnastica e Música das Escolas Normais em Minas,
623
escolarizou-se após o advento dos Grupos Escolares na cidade, a partir de 1906. Com ela, teve
início sua história como disciplina escolar no Ensino Primário público na cidade, por sua
capacidade de endireitar e robustecer os corpos, realizando uma “faxina nos corpos das
crianças, que da indigência seriam afinal resgatados e transfigurados em corpos sadios, belos
e fortes”.
624
Dentre as inspirações da reforma mineira de 1906, segundo análise de Tarcísio Vago,
podem ser observadas: o modelo escolar paulista instituído com a Reforma Caetano de
Campo, de 1892; e o sistema de ensino da Argentina e da França. Para tomar conhecimento
sobre esse último, o presidente João Pinheiro solicitou a um amigo (Artur Ribeiro) que
visitasse a École des Roches, fundada e dirigida, em 1888, por E. Demolins e “considerada a
primeira escola francesa”.
625
A visão de E. Demolins foi divulgada na cidade pelo Diario de Noticias, que publicou
uma reportagem que tinha a Educação como tema, do conde de Affonso Celso, transcrita por
Felix Andrade, em 1907. Essa publicação pode ter exercido influências na forma de pensar a
educação naquele período. Segundo ele, para Demolins, a educação inglesa lhe parecia
620
A ESCOLA ..., 1898, p. 3.
621
VAGO, 2002.
622
SOARES; PEIXOTO, 2004.
623
ENSINO normal, 1899, p. 1.
624
Cf. VAGO, 2002, p. 22. Tarcísio Vago analisa a constituição do campo disciplinar da Gymnastica nas
práticas escolares do Ensino Primário de Belo Horizonte.
625
VAGO, 2002, p. 57.
211
infinitamente “mais normal, mais [...] com a natureza e a razão”. Uma forma de se comprovar
isso consiste lembrar o resultado desta:
a producção de homens energicos e vigorosos, capazes de altos
emprehendimentos, de conceberem uma grande obra e de a realizarem até ao
fim, sem desfalecimento, através quaes obstaculos. Dahi o povo prospera em
todos os continentes, governando mares e as mais diversas raças.
626
Nessa visão, a educação inglesa “apparelha sobre tudo, para o exercicio das profissões
mais uteis no mundo hodierno para aquellas de que se originam a força, a riqueza, a
supremacia dos povos: a industria, o comercio, a agricultura”.
627
Na análise comparativa feita do professor francês com o inglês, Demolins apresenta o
primeiro informando o tipo clássico de diretor de colégio: “aspecto grave, roupas escuras,
sinão comprida, sobrecasaca preta, ar mais ou menos solene e compassado de quem
convencido se acha e quer que se saiba que elle exerce elevado sacerdócio”. É acrescentado a
ele o “passo lento, attitude reservada, conversação silenciosa, cheia de conceitos proprios a
illustrarem o espirito e purificarem o coração da juventude. Sobretudo, dignidade;
extraordinária copia de dignidade”. As qualidades do inglês foram assim detalhadas por
Demolins: “Era doutor instruidíssimo. Alto, esbelto, musculoso, emerito nos sports que
exigem agilidade e destreza, não raro trajava como genuino tourist; blusa panno pardo, larga
cinta até o joelho, sólidos sapatos, e na cabeça, leve bonet”.
628
Um inglês com essas características dirigia importante escola, cujo plano Demolins
procurou imitar em Roches:
Escola em pleno ar, onde os jogos e a educação physica, cuidadosamente
cultivados , não prejudicavam a excellencia da instrucção, tão próxima da
natureza, quanto possivel, sempre despertando o interesse dos discípulos,
educados juntos á exemplar família do diretor; no regimen da amizade e da
confiança.
Esse typo de escolas, ricas de cousas reais e actuais, muito diversas das
antigas grammar schools da própria Inglaterra, implantando-o Demolins na
França, destruindo inveterados preconceitos, a brindo amplos horizontes á
instrucção e á educação publicas.
629
626
ANDRADE, 1907, p. 1.
627
ANDRADE, 1907, p. 1.
628
ANDRADE, 1907, p. 1.
629
ANDRADE, 1907, p. 1.
212
A Gymnastica foi o espaço para práticas corporais na escola, que se constituíam,
inicialmente, de exercícios físicos que utilizavam diferentes metodologias comumente
utilizadas no Brasil naquele momento, como os exercícios calistênicos,
630
a Ginástica Sueca
631
e os exercícios militares, pois havia outro tempo escolar dedicado às evoluções militares.
Algumas escolas introduziram os exercícios esportivos ao ar livre, próprios da educação
inglesa, que foram utilizados na “cadeira” de Gymnastica ou nas horas de recreios, e outras,
como o Anglo-Mineiro, o utilizaram de forma mais sistematizada, até mesmo como
propaganda de sua qualidade de ensino.
Dentre as primeiras escolas da cidade que aparecem como promotoras de jogos
esportivos, encontra-se o Ginásio Mineiro, a primeira instituição de ensino secundário de
Minas Gerais. Criado na antiga capital Ouro Preto, em 1890, tinha por objetivos habilitar
alunos para as academias e estudos superiores da República. Seu currículo havia sido
modelado pelo Ginásio Nacional, antigo Imperial Collegio Pedro Segundo. Com um Internato
na cidade de Barbacena e um externato em Ouro Preto, a ginásio atendia a elite mineira da
época. Este último foi transferido para a nova capital, em 17 de outubro de 1898.
632
Aleluia Teixeira observa que e o “Ginásio Mineiro protagonizou o movimento de
construção de uma nova cultura escolar para o Ensino Secundário em Minas Gerais”.
Instituído nos moldes do Ginásio Nacional da capital da República, o Ginásio Mineiro, em
sua forma de organização, apresentava-se como uma escola patriótica que se queria para o
Brasil naquele momento. Afinada com o modelo francês de educação, inseria também no seu
currículo a ginástica, a esgrima e as evoluções militares, além dos “Batalhões Escolares
633
Essa prescrição legal não garantia as condições físicas e materiais para a sua satisfatória
630
Calistenia é uma palavra de origem grega (Kallós – belo; sthenos – força; sufixo – ia ). Segundo Marinho
([s.d]., p. 265), a Calistenia “é um sistema de ginástica que encontra as suas origens na ginástica sueca e que
apresenta, como características, a predominância de formas analíticas, a divisão dos exercícios em oito grupo,
a associação da música ao ritmo dos movimentos, a predominância dos movimentos sobre as posições e
exercícios à mão livre e com pequenos aparelhos (halteres, bastões, maças, etc.)”.
631
A Ginástica Sueca foi um sistema de ginástica idealizado pelo sueco Per Henrik Ling, que a dividiu em
quatro partes, de acordo com os fins visados: Ginástica Pedagógica ou Educativa; Ginástica Militar;
Ginástica Médica e Ginástica Estética. A Ginástica Pedagógica, ou educativa, era “aplicável às pessoas com
objetivos de assegurar a saúde, evitar a instalação de vícios ou defeitos posturais e enfermidades,
desenvolvendo normalmente o indivíduo”. (MARINHO,[ s.d], p. 187.)
632
Cf. TEIXEIRA, 2004.
633
Teixeira (2004, p. 68) esclarece que na França uma Lei de 27 de janeiro de 1880 obrigou o ensino da
ginástica para todos os meninos; em 28 de março de 1882, os exercícios militares tornaram-se obrigatórios; e
um Decreto de 6 de julho de 1882 criou os batalhões escolares. Segundo Soares (1998, p. 130), os batalhões
escolares foram organizados nas escolas na França, após a derrota para a Prússia, como forma de preparar
uma revanche.
213
realização. No entanto, os relatórios dos reitores
634
informavam, anualmente, o funcionamento
regular das aulas de ginástica e de evoluções militares. Além dessas práticas,
parte da legislação prescrevia os “jogos escolares”, ou os “jogos esportivos”
com influência inglesa. Tais jogos não eram considerados componentes
curriculares, mas um recurso ou prática disciplinar, pois eram propostos e
supervisionados pelos Reitores e Inspetores de alunos e não pelo Professor
de Ginástica como conteúdo de sua disciplina.
635
Aleluia Teixeira relata também a ação de sua administração, em 1904, no sentido de
readquirir para o externato, o antigo prestígio de instituto modelo. Dentre os projetos
anunciados pelo reitor Gustavo Pena, contavam diversos exercícios esportivos:
quando aos alumnos forem proporcionados diversos exercicios de sport, com
exclusão sómente da gymnastica de compendio, a que os ingleses chamam
com espirito de desdém exercícios de macaco, e sim a esgrima, o foot ball, o
cricket, e quando outros melhoramentos se realizarem, então assim; o
Externato do Gymnasio há de tornar-se um estabelecimento de que podemos
nos orgulhar.
636
O reitor defendia a prática do sport. Mas, pelo que parece, era só uma prática
discursiva, pois as condições da estrutura física do externato de Belo Horizonte eram
precárias para as práticas esportivas, diferente da prosperidade encontrada no internato de
Barbacena.
Como o esporte era proposto para ser supervisionado pelo reitor ou inspetores e como
fazia parte dos interesses do reitor em 1904, que defendia sua prática de forma contundente, a
criação do Plinio Foot-ball Club, o segundo clube de football da cidade, pelos alunos do
Ginásio pode ter tido seu apoio.
637
Mas a escola que representou um papel importante na divulgação do esporte na cidade
foi o Anglo-Mineiro, colégio metodista inglês, criado em 1914, cuja divisa era mens sana in
corpore sano.
634
Os diretor do Ginásio Mineiro era intitulado como reitor.
635
TEIXEIRA, 2004, p. 68.
636
Externato do Ginásio Mineiro. “Notas e Informaçõrs colligidas pelo Reitor Gustavo Penna”. Belo Horizonte –
Imprensa Official do Estado de Minas, 1904 . 372/B/Cx.F4F. cx. 2. APM, apud TEIXEIRA, 2004, p. 92.
637
O clube Plinio foi o segundo clube de foot-ball da cidade. Abílio Barreto relata que, no dia 2 de outubro de
1904, “funda-se o Plínio Foot-ball
por alumnos do Gymnasio, iniciativa de [Tiburcio] de Oliveira, Octavio
Martins, Alvaro Magalhães Mascarenhas; F.
co
Mascarenhas; F
co
Ribeiro Horta; Raul Cruz, Antônio Cunha,
Pedro Queiroga e [Arsenio] Lemos. (BARRETO. Esportes 1904-1937, [s.d.].)
214
O jornal Estado de Minas, em junho de 1912, já anunciava a criação de uma sucursal
do Colégio Anglo-Brasileiro, sediado em São Paulo, na capital mineira, um instituto dirigido
por ingleses que
transplantaram para nosso paíz os moldes que tanto recomendam, na
Inglaterra, o exercício da instrucção em todos os graus, o Collegio Anglo
Brasileiro virá prestar ao nosso meio um serviço de relevante alcance á
mocidade, que se preparava para as luctas e as conquistas sociais.
638
A notícia ainda informava a dispensa de se tecer elogios ao programa desenvolvido
pela escola, pois, para recomendá-lo, era suficiente o êxito alcançado nos dois “centros de
maior cultura e de mais intensa civilização do Paiz”: Rio e São Paulo.
639
O memorialista Pedro Nava, em seu livro Balão Cativo, escreveu sobre escola, ao
lembrar seus dias nela como interno. Segundo ele, sua criação partiu da iniciativa do lente do
Gymnasio Mineiro,
640
Mendes Pimentel, e de “homens bons” de Belo Horizonte, que se
reuniram para criar em Minas o seu Eton
641
e o anti-Caraça
642
. Os nomes de políticos, altos
funcionários e famílias importantes estavam a ele aliados. Estudariam nessa escola “mocinhos
da melhores famílias do Estado de Minas Gerais”. O interesse inicial partiu de Joseph Thomas
Wilson Sadler, que havia sido professor e vice-diretor no Anglo-Brasileiro de São Paulo, que
queria criar em Belo Horizonte um colégio que pudesse rivalizar e suplantar o colégio
paulista.
643
A revista Vita foi um dos meios utilizados para as propagandas do colégio.
638
ESTADO DE MINAS, 27 jun. 1912, p. 1.
639
Ibidem.
640
Conforme Teixeira (2004), no Ginásio Mineiro, o corpo docente era formado por lentes e professores. Essa
distinção se fazia presente dentro do quadro de matérias a serem lecionadas – cadeira ou aula.
641
Colégio responsável pela formação das classes dirigentes na Inglaterra.
642
Colégio católico dirigido por padres lazaristas.
643
NAVA, 1977.
215
FIGURA 28 – Anúncio do Colégio Anglo-Mineiro
Fonte: VITA, n. 9 15 fev 1914, p. 2.
O colégio se valia das novidades que implantaria na capital para fazer seus anúncios
nos jornais e revistas da cidade. A educação e a vida no colégio seguiriam o sistema inglês de
ensino, que era destacado e reconhecido como e “o melhor”, por seus efeitos sobre o caráter e
o desenvolvimento físico, para o que possuía um corpo de professores vindos da Inglaterra.
Os valores da cultura física e os espaços específicos para algumas modalidades esportivas,
ainda inexistentes em Belo Horizonte, eram neles destacados, como o “tanque de natação”,
que foi a primeira piscina construída em Belo Horizonte, como conta Pedro Nava:
216
De fato o ‘tanque de natação’ do Anglo foi a primeira piscina construída na
cidade e ali se estrearam aquelas malhas de riscas azuis ou vermelhas
alternando com as brancas – que naquele tempo, mesmo para os meninos,
vinham até o meio das coxas, quase aos joelhos. É bem verdade que os
rapazes e garotos da cidade nadavam no Banheiros dos Estudantes, nos
outros banheiros da Caixa de Areia e do córrego Leitão – mas nus em pêlo.
A inauguração do traje de banho, na capital mineira, foi feita por nós, [...]
em 1914.
644
É importante lembrar que essa inauguração foi feita somente por corpos masculinos,
pois os femininos somente iriam incorporar essa prática depois da década de 1930, quando o
América construiu sua piscina.
A novidade na cidade deixou em pânico os padres do Colégio Arnaldo e o Instituto
Claret, colégios católicos, pois o Anglo era um colégio “sem latim, nenhum catecismo e
excesso de esportes”.
645
Na década de 1910, esses colégios disputavam a preferência da elite da cidade. O
Colégio Arnaldo foi criado na cidade pela congregação alemã do Verbo Divino, fundada pelo
padre Arnaldo Janssen. Foi o primeiro colégio católico masculino, que atendia aos anseios dos
católicos da nova capital, numa época em que já se falava na criação de um colégio
protestante na cidade – o Anglo-Mineiro.
No início de 1912, a Congregação alugou um imóvel em Belo Horizonte, na Rua
Timbiras, 1505, quase esquina com a Rua da Bahia, onde iniciou suas atividades, com 30
alunos matriculados. Depois, de 1914 a 1917, passou para uma casa na Rua Timbiras, esquina
com Bernardo Monteiro, período em que estava sendo construída sua sede, na qual funciona
até hoje, no quarteirão formado pelas Avenidas Carandaí, Paraibuna (hoje Bernardo
Monteiro) e Brasil.
646
Contribuíram para a imagem do Arnaldo a experiência pedagógica bem-sucedida dos
padres verbitas na Academia de Comércio de Juiz de Fora e a vinda de padres e professores
formados nas mais renomadas universidades européias.
Já o Instituto Claret era propriedade dos padres da Congregação dos Filhos do Coração
de Maria, fundada pelo pedagogo Antônio Maria Claret. Funcionando em um “magnífico
prédio Rua da Bahia-Aymores, reunindo todas as condições de hygiene, conforto e
644
NAVA, 1977, p. 122.
645
NAVA, 1977, p. 118.
646
CANÇADO, 1999.
217
elegância”, como explicitava o seu anúncio na Revista Lourdes, era um instituto que
possibilitava a “admissão em qualquer das faculdades superiores”.
647
Como aspiração de quatro sacerdotes, dentre eles o padre Francisco Ozamis, o
Instituto Claret daria para Belo Horizonte, “uma cidade evidentemente catholica, mas [que]
receb[ia] o influxo externo das cidades que se desdobram por sugestões políticas ou
expansões commerciais [...] elementos [espirituais] compensadores no meio do progresso
material”.
648
Assim, em meio a esses colégios católicos, o Anglo não era bem visto, pois nele
existia “futebol demais. E logo futebol – coisa que puxava pelos peitos, meu Deus! que era
um verdadeiro despropósito...”
649
E foram justamente os equipamentos específicos para os exercícios físicos e jogos
esportivos que se tornaram uma atração que deixava encantados os visitantes do colégio, pois
eram novidades na cidade, como piscina, galpão de ginástica, ginástica com cordas, halteres,
massas, luvas de boxe, máscaras para a esgrima, floretes, clubes do críquete, sticks do hóquei
e raquetes para o lawn-tenis.
650
As lojas da capital tiveram que encomendar, no Rio de Janeiro, artigos esportivos
exigidos na rouparia do Anglo, como chuteiras para o football – botinas ferradas, cheia de
traves na sola, de acolchoados laterais para defender os tornozelos –, meios pretas de cano
alto com “safonas” de riscas vermelhas, calções de banho e sapatos de sola de borracha para o
lawn tennis.
As atividades que promoviam o corpore sano, como destaca Pedro Nava, eram os
trinta minutos de ginástica sueca, realizados no gymnasium, e as competições atléticas, dentre
elas o cricket, o hockey, o lawn tennis e o football.
O cricket só era jogado pelos professores, todos de nacionalidade inglesa, provenientes
de Oxford ou Cambridge, com exceção dos professores de outros idiomas estrangeiros.
Participavam das partidas os ingleses que vinham da Morro Velho, em Nova Lima.
Era a ocasião de admirarmos equipamentos desconhecidos: luvas articuladas,
a trindade do wicket,os bonés especiais, os calções, o bat e a bola que diziam
ser feita com fio de tripa de gato e arame enrolado em torno de um núcleo de
chumbo – depois de terem sido passados em borracha derretida. Era
647
LOURDES, 1915/1917, p. 654
648
LOURDES, 1915/1917, p. 414.
649
NAVA, 1977, p. 118.
650
NAVA, 1977, p. 118.
218
duramente capeada e seu golpe na cabeça, mortal, por isso mantínhamo-nos
longe, enquanto os britânicos faziam voar semelhante torpedo.
651
Apesar de figurar entre os jogos propostos nos estatutos do Sport Club, o primeiro
clube de football da cidade, não havia, até a criação do Anglo, evidências da presença do
críquete na cidade.
O hockey era uma prática esportiva que deveria ser praticada com patins de roda ou
patins de gelo e realizado em pistas adequadas. Como ainda não havia esse local específico no
colégio, os alunos ressignificaram o jogo, transformando o “elegante jogo numa espécie de
pelada, de futebol com pelota de pau, levado a efeito não com os pés, mas com os sticks
cuja canelada era mais contundente que a das chuteiras”.
652
Já o lawn tennis era considerado o mais nobre. Os alunos tinham como atividade
preparar o campo, pintando as linhas de cal. Os alunos maiores e mais altos faziam duplas
com os professores, que se esmeravam nos trajes, com camisa clara, calça de flanela creme,
meias e sapatos brancos de borracha. O que caracterizava elegante entre os professores era
usar, no lugar de cintos, gravatas com as cores do college que haviam freqüentado na
Inglaterra.
Os banhos no “tanque de natação” eram feitos à tardinha, três vezes por semana. A
piscina era coberta de telha-vã e aberta nas paredes laterais, com profundidades diferenciadas
para os alunos menores, e com água limpa, sempre trocada. Dentre as suas normas de
utilização, o pular de ponta-cabeça era sempre proibido, sendo privados por uma semana da
natação, aqueles que a desobedecessem. As técnicas utilizadas foram assim explicadas por
Pedro Nava:
Entrava-se saltando em pé ou, como ensinavam os ingleses, ajoelhando na
borda, onde passavam corrimões logo acima da superfície da água. Havia um
jeito especial e torcido de segura-los e, a um apito, todos davam um galeio
de banda e caiam no banho – seguros à trave de madeira. Sempre atracados,
os que não sabiam nadar aprendiam o movimento das pernas. Depois de
adestrados, faziam em seco os gestos da braçada de frente, do à la brasse, do
nado indiano e começavam a atravessar a piscina no princípio, devagar, sem
jeito, bebendo água, respirando água, sufocando, perdendo pé – depois como
seta na reta dos peixes. Sempre um dos professores estava dentro d’água,
conosco.
653
651
NAVA, 1977, p. 134.
652
NAVA, 1977, p. 134.
653
NAVA, 1977, p. 138.
219
As preocupações com a segurança se faziam notar. Numa prática com gestos ainda
desconhecida para os mineiros, algumas resistências logo apareciam. O que se percebe nas
narrativas de Pedro Nava era a irritação provocada nos professores quando os “veteranos dos
banheiros do Arrudas, do Serra ou do Leitão” nadavam nos seus estilos constantemente
praticados naqueles córregos da cidade, como “arranco, peito emergindo, jogando água para
todos os lados e para cima com a batida ruidosa dos pés – ti-bum-bum”, momentos de alegria
e brincadeiras, quando nem ouviam as voz furiosa do professor: “Couldn’t you try to swim
like human beings? And not in the way of dogs and horses, you stubborn mules!”.
654
Eram
corpos sendo conformados nos valores e gestos da educação inglesa, mas que apresentavam
“táticas” que não obedeciam às leis do lugar.
655
Mas o esporte por excelência do Anglo era o football. O grande interesse despertado
nos garotos da cidade pela instituição estava aliado à notícia que se espalhou de que “o
colégio teria no currículo cátedra e professor titular de futebol”. E toda a equipe de
professores eram “foot-ballers de alta classe”. Segundo Pedro Nava, os clubes da cidade,
como o “Atlético, o América e o Esportes Higiênicos”, passaram a disputar os campeões e
a influência dos ingleses foi grande no futebol mineiro. Fizeram sentir o seu
jeito na técnica, nas regras, no espírito esportivo, na gentlemanhood, no
treinamento, na seleção do material e até nos uniformes dos jogadores –
numa época em que a revista Vita publicava retratos de times vestindo
calções que apertavam abaixo do joelho, sobre meias de mulher e camisa
fechada de colarinho duro e gravata.
656
O uniforme usado pelo Anglo era composto de
camisa de flanela às riscas pretas e vermelhas; bonés, como os de jóquei, do
mesmo pano ou gorros de malhas enterrados por cima da orelha, até aos
olhos e à nuca, calções brancos, chuteiras de couro cru amarelas ou
esverdeadas, com travas transversais ou cilíndricas. Eram acolchoadas,
enfiadas com longos cadarços que era moda, pôr em espica – dando voltas
em 8 em torno aos maléolos e em torno aos pés.
657
654
NAVA, 1977, p. 138.
655
Segundo Certeau (1994, p. 100), “tática” é a “ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio.
Então nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. A tática não tem por lugar senão o
do outro”. A tática pode ser assim vista como “a arte do fraco”. Assim, “essas táticas desviacionistas não
obedecem à lei do lugar, não se definem por este”. (CERTEAU, 1994, p. 92.)
656
NAVA, 1977, p. 135.
657
NAVA, 1977, p.136.
220
Os grandes jogadores mineiros daquela época seguiram exemplos dados pelos
professores do Anglo, e com isso “foi logo visível o improvement dos grandes players
mineiros”. Esses exemplos serviram também como padrão para a reformulação do Athletico,
do America, do Yale e do Esportes Hygienicos. Toda essa influência foi reconhecida pela Liga
Mineira de Esportes Atlheticos, quando fez do diretor do Anglo, Joseph Sadler, seu presidente
honorário.
658
Os alunos do Anglo jogavam football às terças, quartas e sextas-feiras. Eram divididos
dois times de menores e dois de maiores, cada time com dez jogadores, sendo completado por
um professor, que era o décimo primeiro. Nessas partidas, os professores iam ensinando as
técnicas e as formas de comportamento necessárias ao jogo, bem como saber ganhar e saber
perder. Promoviam jogos internos entre selecionados de “maiores” e “menores” contra os
“médios”, entre alunos e professores, e jogos externos com o time do Anglo formado por
professores e alunos “maiores” contra o America e o time dos ingleses de Morro Velho.
Mas esses jogos eram realizados também com outros colégios que também começam a
promover o football em seus estabelecimentos, como o Colégio Arnaldo e o Isabela Hendrix.
As escolas metodistas apareceram no Brasil nas últimas décadas do século XIX.
Destinadas às elites, elas eram instaladas em cidades em fase de expansão, onde era “forjado o
futuro político e econômico do país”.
659
Belo Horizonte se enquadrava nesse perfil, e foi assim
que foi criado o Isabela Hendrix:
Inaugurou-se a 4 do corrente, nesta cidade, á avenida do Comércio – 208,
um novo estabelecimento de instrucção, dirigido pela distincta professora
Miss Watts.
Tem este collegio por fim o desenvolvimento intellectual o moral e physico
dos alunos que lhe forem confiados.
Para o desenvolvimento intellectual serão adoptados e seguidos os cursos –
elementar secundario e superior usados nos melhores estabelecimentos de
ensino do Brasil; para o moral – serão os alumnos instruídos nas Sagradas
Escripturas; para o physico – serão adotados passeios e exercícios de
gymnastica em aulas especiais.
Esse colégio que funcionar provisoriamente no excelente prédio da Avenida
do Comércio [...].
660
658
NAVA, 1977.
659
SOARES; PEIXOTO, 2004, p. 4.
660
COLÉGIO Isabella, 1904, p. 3.
221
Destinado à formação de jovens filhas das tradicionais famílias mineiras, o Isabela
marcou presença na paisagem urbana de Belo Horizonte, passando por diversos endereços
antes de ocupar o prédio da Rua da Bahia. Iniciando-se na Avenida do Comércio (hoje, Santos
Dumont, o instituto transferiu-se para a Avenida João Pinheiro, nas imediações da edificação
hoje utilizada pelo Arquivo Público Mineiro. Em 1907, mudou-se para o seu primeiro prédio,
um terreno doado pela prefeitura, situado na Rua Espírito Santo, 605, junto ao antigo
endereço da Igreja Metodista. Ali permaneceu até 1938, quando se mudou definitivamente
para a Rua da Bahia.
O Isabela Hendrix, apesar de ser uma escola para meninas, aceitava também garotos.
Assim, seu ensino era misto, como acontecia nas escolas públicas, diferente dos colégios
confessionais, que viam na coeducação uma ameaça. E a Gymnastica era também valorizada
como forma de educação.
Os seus alunos masculinos também possuíam um time de football, que, em 1914,
jogava com o Anglo-Mineiro, como lembra Pedro Nava ao relatar a fala de um antigo aluno
do Isabela, Francisco de Sá Pires, companheiro de football daquela época: “O Isabela Hendrix
recebia meninos desde que eles seguissem todo o regime escolar das garotas, inclusive aula de
costura. É por isso – acrescentou o psiquiatra – que até hoje sei embainhar e chulear.
661
No entanto, o football era uma exceção, pois era somente uma prática masculina na
época. Mas o football não era privilégio só dos colégios metodistas. Os colégios masculinos
católicos também começaram a praticá-lo, pois naquele momento ele aparecia como uma
prática necessária e útil na educação de corpos higienizados e civilidados que aqueles colégios
queriam promover.
Dentre os padres que vieram da Europa para o Arnaldo estava Symalla, “filho da Alta
Silésia, que acabara de se ordenar na Áustria”. Segundo José Maria Cançado, além de uma
formação na sólida tradição das ciências da natureza,
o Padre Symalla, que mais tarde dirigiria o Colégio durante um largo
período, trouxe, além da fidelidade e do compromisso com a tradição
científica, mais um tema para enriquecer o processo de ‘mutua adoção’que
se estabelecia entre o Arnaldo e Belo Horizonte: o futebol, pelo qual era
completamente apaixonado, e que ele ajudou a desenvolver numa terra que,
ele viu logo, era mais do que fértil.
662
661
NAVA, 1977, p. 136.
662
CANÇADO, 1999, p. 38.
222
O padre Symala era um apaixonado pelo futebol, e se “o Arnaldo veio a se tornar
também uma escola de craques, isso se deve muito àquele silesiano um pouco recato”. José
Maria comenta que durante muito tempo ele “podia ser visto no final das tardes de domingo
pelo campo de futebol cercado de mangueiras, o radinho ao ouvido, ligado na resenha
esportiva e nos resultados dos jogos do dia”.
663
Essa atuação e interesse do padre Symala em despertar nos alunos do Arnaldo o gosto
pelo football foi motivo para que Pedro Nava, ao falar de jogos realizados com os alunos do
Arnaldo, comentasse que estes levaram uma “verdadeira lavagem” do Anglo, pois eram “uns
meninos canhestros, treinados mal e porcamente por irmãos de batina arregaçada”.
664
E esse interesse que o football passou a despertar por parte das escolas e por seus
alunos fez com que ele fosse destacado dentre os sports como o que mais aceitação havia tido
na capital e que por isso passou a ser “cultivado por diversas sociedades desse genero”.
Vários estabelecimentos de ensino passaram a anexar ao seu espaço campos onde os “allunos
em recreio se dedicam a pratica de tão excellente ‘sport’”.
665
O jornal Commercio & Lavoura
esclarece:
O Colégio Arnaldo, entretanto, preparou para seus alumnos um péssimo
campo, cheio de poeira, concorrendo grandemente para o prejuizo da saúde
dos meninos que tanto apreciam este divertimento.
Chamamos para tal inconviniente a àttenção dos paes de famílias que
possuem filhos no referido collegio sobre tão prejudicial diversão, devido ao
mal estado do campo, uma vez que os dirigentes do alludido
estabelecimento, não querem providenciar melhoramentos do campo, pois, o
contrario é baratear a saúde ou a vida mesma dos seus alunnos.
666
O que deve ser levado em consideração é que naquela época o Arnaldo era um
canteiro de obras. Mas quase todos os campos da cidade não possuíam condições adequadas
aos jogos. Até o Prado Mineiro, que na década de 1910 foi apropriado para os jogos de
football, constantemente recebia críticas sobre a poeira reinante.
Assim, a partir daqueles meados da década de 1910, já se podia ver jogos realizados
entre times de colégios da capital, como relata Abílio Barreto: “22 de julho 1917 – No ground
663
CANÇADO, 1999, p. 39
664
NAVA, 1977, p.136.
665
COMMERCIO & LAVOURA, 9 jul. 1916, p. 2.
666
COMMERCIO & LAVOURA, 9 jul. 1916, p. 2.
223
do ‘Arnaldo’ realizava-se um match entre ‘Club’ daquele colégio e o ‘Iork Club’ do Instituto
Fundamental, vencendo o Iork por 1X 0”.
667
Outro colégio católico que também incentivou a prática do football na cidade foi o
Instituto Claret. Não foram encontradas fontes que pudessem dar visibilidade às práticas
corporais que aconteciam no instituto, nem se ele oferecia Gymnastica no seu currículo, mas a
revista Lourdes, um órgão da Associação de Nossa Senhora de Lourdes e do Círculo Católico
Mineiro, apresenta uma série de fotografias de times de football do colégio, o que significa
uma valorização por parte desse estabelecimento de ensino dessa atividade esportiva, já
naquela época em processo de consolidação na cidade.
FIGURA 29 – O “valoroso” Claret Foot-ball Club
Fonte: Revista LOURDES, jul. 1915/jun. 1917, p. 414. (Biblioteca da Igreja de Lourdes).
A foto acima deveria ser do time principal do Instituto, que se apresentava
institucionalizado como Claret Foot-ball Club. Um incentivo à prática do football foi
encontrado também na revista Lourdes, em de um artigo endereçado aos alunos do Instituto
Claret, intitulado Foot-ball, assinado por J. Maria:
667
BARRETO. Dicionário temático, [s.d.], p. 4.
224
Qual é o rapaz que não gosta do bello e salutar jogo bretão?
Todos o amam; para os admiradores são excellentes e divertidas as horas que
passam assistindo um emocionante match e para os que o praticam não há
cousa mais agradável que dar um ponta-pé na bola, um shoot.
Nas horas vagas em logar de um insípido passeio onde recorta-se numa
cadeira de balanço e dormir uma ou duas horas, querendo reunir o útil ao
agradável não ha nada como uma partida de foot-ball.
Muitos não comprehendem ou não querem comprehender a utilidade, as
vantagens que o foot-ball offerece sobre esse ‘dolce farniente’, dessa inacção
a qual a descuidada juventude entrega os seus corpos.
A saúde, esse nossa maior riqueza e da qual depende a nossa felicidade,
porque abandonal-a como a maior parte fazem, muitas vezes sem o saber,
ignorantes dos alicerces que sustentam esse grandioso magestoso edifício
que é a saude.
Pondo em movimento seus musculos e desenvolvendo-os igualmente o
corpo fortifica-se e dahi resulta a verdadeira bellesa que tanto os antigos
admiravam.
Comparem um rapaz ‘bonito’ (isto é, de rosto bonito) mas franzino, fraco e
prompto para entregar-se a qualquer doença, com um rapaz que possue a
bellesa do corpo, que possue a saude porque não esqueceu que ‘o movimento
é a vida’ e que ‘inacção conduz á degeneração orgânica e á morte
prematura’.
Quantos rapazes conheço que praticando o foot-ball com methodo,
cumprindo as regras e deixando de parte essa brutalidade que ás vezes
notamos nos jogadores que provêm sua derrota num ‘match’, a elle devem
sua robustez e saude.
E mais uma prova de que o football é excelente e salutar basta dizer que não
haverá talvez um collegio em que não exista um ou mais ‘teams’, cujos
jogadores, applicados estudantes (ou pelo menos assim penso e é esse o meu
desejo) vão procurar nas horas de recreio descansar o cérebro e fortalecer o
corpo naquelle sport procurando reunir o útil ao agradável.
E aprendiam para nunca esquecer ‘mens sana in corpore sano.
668
As representações sobre o football, dirigidas aos alunos do instituto e a toda
comunidade de Belo Horizonte, uma vez que a revista tinha circulação na cidade, são por
demais explícitas. O football era apresentado como uma prática útil e agradável para ser
realizada e valorizada nos tempos desocupados, direcionada para lazeres úteis e sadios. Tanto
a sua prática quanto o seu consumo como espectador eram formas de lazeres indicadas pelo
668
MARIA, J. 1915/1917, p. 764.
225
autor da reportagem. A sua utilidade estaria aliada ao fortalecimento, à robustez e à beleza do
corpo, como uma forma de adquirir saúde, e, além disso, era uma atividade que proporcionava
prazer.
O autor do artigo deixa claro também a valorização do football pelas escolas da cidade
para ser utilizado nas horas de recreio, aqui ententida como um momento para lazeres, como
descanso do cérebro e fortalecimento do corpo.
Entre as fotos de times de football encontradas na revista Lourdes, pode-se perceber,
na primeira, um grupo de jovens vestidos de branco, com longas bernudas, camisas de manga
comprida, cintos, meias até os joelhos, mas que não se apresentavam todos com o mesmo
uniforme, além da presença de dois homens mais velhos, vestidos de terno, o que poderia
sugerir aceitabilidade ou um aval à sua prática. Destaca-se, em duas fotos, um único aluno de
camisa listrada, diferentemente vestido em relação aos outros, que poderia ser o goal- keeper.
.
FIGURA 30 – Team do Instituto Claret
Fonte: Revista LOURDES, jul. 1916/jun. 1917, p. 265. (Biblioteca da Igreja de Lourdes).
226
FIGURA 31 – Team do Instituto Claret
Fonte: Revista LOURDES, jul. 1915/jun. 1917, p. 265. (Biblioteca da Igreja de Lourdes 1916/1917).
FIGURA 32 – Um dos team do Instituto Claret
Fonte: Revista LOURDES, n.11, a. 3, p. 724, 28 maio 1916.
Os meados da década de 1910 foram representativos na influência exercida pelo
esporte praticado na escola, principalmente o football, na cultura da cidade. Em vários
227
estabelecimentos de ensino, vão ser encontrados um ou mais times que usavam as horas de
recreio para as suas atividades.
Um dos colégios que também se apropriou do jogo para fazer parte das suas
atividades, de uma forma efetiva, não mais só no discurso de seu diretor, foi o Ginásio
Mineiro. Abílio Barreto fala da criação de um clube a ele aliado em 1917:
1917 – junho 16. No Gymnasio fundava-se o ‘Tomas Brandão Foot-ball
Club’ cuja primeira diretoria foi a seguinte: p.te dr. Antonio P. da Silva, Vice
pte, Áureo Morais; 1
o
séc. Moacyr Orsini de Lacerda; 2
o
séc. Odilon de
Magalhães, Thesoureiro, Affonso Alves B. de Melo; procurador, Julio
Mourão; zelador, Moacir Dolabella Portella; ‘capitain’ Camillo Mendes
Pimentel.
669
Não se têm mais informações sobre este time, mas nessa referência fica clara a
participação do professor concursado para a cadeira de Gymnastica do Gymnasio Mineiro, em
1916, como presidente do clube, Antônio Pereira da Silva. E o time recebera o nome o então
diretor do colégio, na época tratado como reitor, Tomas Brandão.
Mas não foram somente corpos masculinos jogando football que se destacaram em
notícias de práticas esportivas nas escolas da cidade. A Escola Normal se dedicou a educar os
corpos femininos, que tinham realce pela participação em diferentes práticas esportivas.
A Escola Normal de Belo Horizonte, responsável por formar professores na cidade, foi
fundada em 28 de setembro de 1906. Sua criação “foi o passo inicial da primeira grande
reforma do ensino de Minas”, realizada no governo de João Pinheiro.
670
Funcionando
inicialmente, até 1909, em uma casa situada na Rua Timbiras, passou, posteriormente, para as
dependências do antigo Tribunal da Relação. Só em 1911, com a conclusão do edifício da Rua
Pernambuco, transferiu-se em definitivo para sua sede própria.
671
Segundo Eustáquia Sousa, “seus primeiros currículos não contemplavam o ensino da
Ginástica, apesar de as egressas dessa escola serem obrigadas a ensinar Exercícios Físicos no
Primário”. Só quatro anos mais tarde, em 1910, com a reforma educacional promovida por
Wenceslau Braz, é que a Gymnastica passou a compor o currículo da Escola Normal da
capital. A matéria era ministrada durante todo o curso e constava de exercícios metódicos e
sistemáticos, que visavam o desenvolvimento e o aperfeiçoamento físico das alunas. No
último ano, era desenvolvida sob forma de prática profissional em Escolas Anexas ou Grupos
669
BARRETO. Esportes 1904-1937, [s. d.].
670
INSTITUTO de..., 1966.
671
INSTITUTO de..., 1966.
228
Escolares.
672
Até 1914, a Gymnastica continuou a se desenvolver na Escola Normal como a
implantada em 1910, quando o governo aprovou um minucioso programa de Gymnastica.
Em 1916, apareceram novas mudanças. O regulamento aprovado explicitava, em seu
art. 1
o
:
O ensino normal comprehenderá a educação intellectual, physica, moral e
profissional, necessária ao preparo de professores primários com qualidades
indispensáveis ao magistério público, e será ministrado pela Escola da
capital, pela Escolas Regionaes officiais, sob a forma de externatos, e pelas
escolas particulares equiparadas.
673
Naqueles novos tempos republicanos, em que intelectuais e políticos mineiros
fortaleceram a crença de que para se construir uma Nação e um Estado prósperos, produzindo
cidadãos republicanos, dependia, em boa medida, de que a escola realizasse, em um só tempo,
a tríade educação intelectual, moral e física,
674
a Escola Normal estaria apta a esse fim.
O Regulamento de Ensino, estabelecido pelo presidente Delfim Moreira, previa que a
cadeira de Gymnastica não teria por único objetivo a formação dos professores para dirigir
essa disciplina no curso primário, mas, principalmente, para “proporcionar o desenvolvimento
physico das alunnas, por meio de exercícios methodicos e progressivos de gimnastica Sueca,
durante os quatro annos do curso”. Além disso, introduziu os jogos na Escola Normal:
a ‘educação physica’ será completada por evoluções gymnasticas das alunas
em conjuncto e por jogos athleticos femininos, o lawn-tennis e outros, bem
como danças e brinquedos infantis que serão introduzidos nas classes
primarias. Para melhor execução dos movimentos nos exercícios que,
determinar a professora deverá executal-os ella propria, procurando ser
imitada.
675
Para as aulas de Gymnastica, não se exigia vestuário próprio; somente era
regulamentado o calçado apropriado, que deveria ser usado de acordo com a determinação da
professora.
676
Era a primeira proposta de introdução de jogos e esportes como conteúdo da
Gymnastica na Escola Normal. A escolarização dos jogos atléticos femininos por essa cadeira
672
SOUSA, 1994, p. 44.
673
Regulamento a que se refere o Decreto n. 4.524, de 21 de fevereiro de 1916 (cópia encontrada no Arquivo da
Biblioteca do IEMG).
674
Cf. em VAGO, 2002, p. 13.
675
Art. 11, letra e. Regulamento a que se refere o Decreto n. 4524, de 21 de fevereiro de 1916 (Arquivo da
Biblioteca do IEMG)
676
Art. 78 do Regulamento.
229
refletiu sobremaneira na prática esportiva na cultura urbana da cidade, pois a partir de então
os esportes realizados por mulheres, praticando modalidades até então desconhecidas pelos
belo-horizontinos, como basket-ball e hockey, sob a direção da professora Lúcia Joviano,
passaram a figurar nos jornais. E esta escola foi a responsável pelo desenvolvimento do
esporte praticado por corpos femininos na cidade, dentro e fora dos seus portões.
A partir de 1916, os jogos das alunas da Escola Normal foram realizados até como
preliminares dos jogos de football ou podiam acontecer mesmo sem a presença dele, como
relata o cronista
O ultimo domingo foi incontestável o dia de maiores encontros esportivos.
[...] Enquanto os clubs se batiam fora de seu ‘terreno’, assistíamos aqui
atrahentes encontro entre as alumnas dos diversos anos da ‘Escola Normal’.
Foram disputados dois ‘match’ um ‘hands-ball’ e outro de ‘hockey’.
O primeiro entre as alumnas do primeiro e segundo annos, e o segundo, entre
as alumnas do 3
o
e 4
o
annos.
Esses gêneros de ‘sports’cultivado na Escola pelas alunas, representa mais
um passo para o desenvolvimento sportivo em Belo Horizonte.
677
Esse passo foi mesmo significativo para o seu desenvolvimento, pois novas
modalidades surgiram no cenário da cidade. Mas é interessante observar que os jogos
praticados pelas alunas eram o basket-ball e o hockey. Por ser um jogo de lançar bolas com a
mão, pode ter feito com que o cronista usasse o termo hands-ball no lugar de basket-ball. Do
hockey, jogado na grama, têm-se poucas informações de como era jogado na cidade.
678
Os
times da escola normal tinham suas alunas escaladas como no football,
679
uma vez que usavam
suas regras e recebiam o mesmo apoio da imprensa na descrição dos seus jogos:
677
ABEL. A nota esportiva. As Alterosas, 4 nov. 1916, p. 6, grifos nossos.
678
Os jogos de hockey pertencem ao grupo dos jogos de bola batida praticado na grama ou no gelo. Desde a
Grécia antiga, praticavam-se jogos de bola batida com cajados curvos. Os índios das Américas também
realizavam jogos usando esses artefatos. Na França, no século 11, jogava-se crosse. Todos esses jogos, dentre
outros, usavam gestos parecidos com o hockey, que é um esporte moderno, criado no século XIX e que
jogava inicialmente segundo as regras da Associação de futebol. (MATHYS, 1966.)
679
3
o
anno: senhoritas: A. Araújo, Torailde Rabello – Dinah Andrade, Aracy Buzilin – Silvia Itabirano – Emilia
Truran, Áurea Rabello – Ninita Britto, Carmelia Conceição – Violeta Ruth, Amanda Pinheiro.
4
o
anno: Aurea Gomes, Neném Simedo – Annita Morandi, Antonieta Silveira – Rosita – Emma, Conceição
Novais – Conceição Guimarães, Iracema Silva – Santinha Viotti – Gercina Sousa. (ABEL, 9 dez. 1916, p. 6.)
230
Coube a victória ao 3
o
ano, pelo ‘score’de 1X0.
Ambos os ‘teams’ traziam o branco, com distinctivos diferentes: verde e
vermelho.
O ‘team’ vencedor foi o alvi-rubro, que conseguiu marcar um ponto, quase
ao fim do 2
o
‘half-time’.
Ambas as equipes jogaram admiravelmente; as defesas eram fortes, as linhas
de ‘forwards’ ageis e combinadas puzeram em perigo por varias vezes os
‘gols’, que foram bem defendidos pelas ‘keepers’.
Foi um jogo que agradou extraordinariamente, e agora sob grata recordação
daquella tarde sportiva, esperamos ter occasião de apreciar mais uma partida
como essa de domingo.
680
Os jogos esportivos dirigidos pela professora Lucia Joviano passaram a figurar em
várias comemorações da Escola Normal:
Por uma ommissão involuntária, deixamos de noticiar, hontem, a festa
realizada, ante-hontem, naquele estabelecimento de ensino, por motivo de
encerramento das aulas.
Com grande concorrência, realizou-se a solemnidade, tendo comparecido s.
exca., o sr. presidente do Estado, com o seu ajudante de ordens, coronel
Vieira Christo, o secretario do Interior, representado pelo dr. Arthur Furtado,
além do escol social de Bellorizonte e grande numero de professores. Houve
diversos jogos infantis que attrahiram a attenção dos assistentes até ás 6
horas da tarde, com especialidade, jogos atléticos presididos pela professora
Lucia Joviano.
681
E esses jogos, valorizados na cultura da cidade, pois despertavam interesses dos
espectadores, tornaram-se espetáculos que conseguiam público por volta de 2.000 pessoas.
Eles passaram a ser divulgados pelo primeiro jornal esportivo da cidade, O Football, que
circulou na cidade em 1917. As festas realizadas na Escola Normal no dia 7 de setembro
assim aparecem nesse jornal:
Os grandes Jogos
Do dia 7, na Escola Normal.
Na partida de ‘basket-ball’, o ‘team’ ‘rubro-negro’ levanta uma estrondosa
victória sobre o ‘verde-preto’, sobrepujando-o pelo significativo ‘score’ de
13 pontos contra 4.
680
ABEL, 9 dez. 1916, p. 6.
681
ESCOLA Normal, 1917, p. 2.
231
Na de ‘hockey’, a ‘equipe’ comandada pela senhorita Flora Joviano vence o
seu antagonista pelo diminuto ‘score’ de 1 X 0, levantando, dest’arte, o
campeonato.
Com uma assistência bem numerosa, calculada em 2000 pessoas, teve logar,
no dia 7, no excellente bem tratado ‘field’ da Escola Normal, os encontros
acima, vencendo a partida, entre ambas as secções, o ‘team’ preto,
respectivamente... 13 x 4 e 1x 0.
682
Na narrativa do cronista, fica clara a existência de um espaço específico para a prática
desses esportes na Escola Normal. E a descrição detalhada dos jogos merecia destaque no
jornal, como o jogo de bascketball abaixo. É interessante notar que a cesta na época era
chamada como no football de goal:
Precisamente, ás 9 horas da manhã, entraram em campo, sobre as ordens da
competente sportwoman Lucia Joviano, os contendores para a disputa de um
sensacional ‘match’ de ‘basket-ball’.
Neste encontro, todas as senhoritas se comportaram com galhardia,
merecendo, porém, especial destaque Rita Campos e Benjamira Flôres,
auctoras dos ‘goal- throwers’ de seus respectivos ‘teams’.
683
O hockey era visto como a prova principal, não se sabe se por analogia ao football.
Como eram jogados pelas mesmas regras, não se percebe, na descrição do cronista,
características claras desse jogo.
Após esta partida, deram entrada em campo, para a disputa da prova
principal, – o sensacional e atraente ‘match’ de ‘Hockey’ [...]
Tirado o ‘toss’, foi este favorável ao ‘team’ preto.
Alayde e Benjamira dão a sahida, sendo a bola interceptada por Ephigênia,
que envia ás suas companheiras, organizando um perigoso ataque.
Numa avançada rápida da linha de ‘forwards’do ‘team’ Preto, Zilda Rabello,
a extraordinária ‘half-left’ que ultimamente tem que a revelado ser uma
verdadeira ‘sportwoman’ teve ensejo de proporcionar aos assistentes as suas
bellas tiradas de estylo, mimoseando-os constantemente com o seu
estupendo jogo. Os espectadores não perdiam tréguas para applaudil a.
Gelsira, recebendo um passe de Alayde, a perigosa ‘center forward’ do
‘team’ Branco, abriria, indubitavelmente o ‘score’ se não fora a intervenção
682
OS GRANDES ..., 1917, p. 3.
683
As equipes combatentes apresentavam assim formadas: Vermelho-preto: Benjamira Flores; Sílvia Magalhães;
Iracema Duffles; Áurea Queiroga; Stella Lott, Flora Joviano e Verde-preto Maria Bragança Sylvia Brandão;
Rita Campos; Luiza Valladares; Gelsira Trates; Maria Scott. (OS GRANDES ..., 1917, p. 3.)
232
de Flóra, que com uma bella defesa, salvou a grave situação em que estava o
seu ‘goal’.
O jogo continua cada vez mais animado e empolgante. Alguns lances
emocionantes levam aos ‘torcedores’ constantes sobressaltos chegando
mesmo a produzir-lhes calafrios. Verifica-se um ‘córner’ contra o ‘team’
Branco, que, muito bem batido por L. Valladares, é melhor defendido por
Stella Lott.
Os ataques são perigosos e repetidos, revesando-se consttantemente.
E assim, depois de um ‘match’ disputadíssimo, em que as combatentes se
revelaram perfeitas ‘sportwomen’, terminou a grande pugna com a victória
do ‘team’ preto por 1X0.
684
A partir de então, as representações encontradas sobre a presença dos times femininos
da Escola Normal na cultura da cidade vão estar aliadas a uma prática que passou a despertar
grande interesse na capital mineira e que, por isso, tinha espaço em preliminares de jogos de
football realizados no Prado Mineiro, como na partida realizada entre o Athletico e o Athletic
de São João del-Rei, em 1919.
Belo Horizonte vae ter hoje uma bella e dintincta festa sportiva.
[...] E si noticiarmos agora que ainda fará parte do festival sportivo uma
interessante partida de basket-ball entre alumnas da Escola Normal, não é
preciso dizer mais para que se calcule, a enchente que vae ter hoje o Prado
Mineiro.
A entrada será franca para senhoras e senhoritas.
685
O jornal Diario de Minas traz uma grande reportagem sobre a Escola Normal em
novembro de 1920. Ao falar dos campos esportivos, o cronista relata: “como é sabido”, a
cultura física vinha merecendo da diretoria da Escola Normal “os mais francos benefícios de
alta valia”.
686
As atuações da Escola Normal na cultura esportiva da cidade era uma realidade “já
sabida” por todos, como relata o cronista, ao destacar da situação de seus campos esportivos:
684
As ‘elevens’ ‘Branco’ e ‘Preto’, que assim estavam dispostas: Branco: Bragança, Aurea Queiroga – Iracema
Duffles, Violetas Lott – D. Rache – Z. Rabello(captain), Mitrand-Scott – A. Motta – Gelcira Lott
Preto: Truran, Amaziles d'Avila – Sylvia Brandão, Frora Joviano – S. Magalhães – R. Campos(captain) L.
Valladares - Bicalho – Benjamira, Ephigênia - M. Gilotero. (OS GRANDES ..., 1917, p. 3.)
685
CHRONICA sportiva, 1919, p. 2.
686
ESCOLA Normal ..., 1920, p. 2.
233
Foi assim reformado o pavilhão de gymnastica e receberam convenientes
reparos os campos sportivos de ‘tennis’, de ‘hockey’,de ‘voly ball’ e de
‘basquet ball’. Este e sobretudo, foi grandemente melhorado, dispondo agora
de todas as condições exigidas pela pratica de tal genero de sport.
687
FIGURA 33 – Time de Bascketball da Escola Normal
Fonte: DIARIO DE MINAS, 14 nov. 1920, p. 2.
Por essa descrição, mais uma nova modalidade esportiva aparecur na cidade, por
intermédio da Escola Normal – o voleyball, que é citado de forma incorreta. Na foto do time
de bascketball, ficam evidenciadas as roupas usadas pelas jogadoras, longas saias, mangas
compridas cobrindo os braços, uma gravatinha, e as jogadoras dos dois times vestidas da
mesma cor, branca. Por referência anterior, parece que só os distintivos eram de cores
diferentes. No campo, o “garrafão” e a “tabela” já eram novidade, pois, inicialmente, a
687
ESCOLA Normal ..., 1920, p. 2.
234
demarcação da linha de lance livre era um circulo a 4,5 m da linha de fundo, e as cestas eram
anexadas a estacas.
688
Em síntese, a Escola Normal foi representativa não só pela introdução de novas
práticas esportivas na cultura da cidade, mas, principalmente, pela educação de corpos
femininos para a sua prática.
Mas as escolas não foram somente espaços introdutores de novas formas de práticas
esportivas que romperam seus portões para se enraizarem na cultura da cidade. Elas também
foram apropriadas por parte de seus alunos para ser um lugar de práticas vivenciadas nas ruas,
como o football.
Em meados da década de 1910, quando o esporte, essencialmente o football, se
consolidou na cidade, tornando-se um dos divertimentos prediletos de adultos e crianças, sua
popularização passou a ser percebida nas ruas da cidade:
O ‘foot-ball’ e a petisada
O ‘foot-ball’é, ultimamente, o divertimento predilecto da petizada da capital
O peior é que a meninada se entrega a este sport em plena rua.
Ainda ontem, passando pela rua Guaytacazes, uma distincta senhora recebeu
em pleno corpo uma bola atirada por um falso shoot, ficando bastante
amarrotada.
Cumpre á policia por um paradeiro nestes abuzos.
689
Como uma prática predileta dos meninos nas ruas, o football atravessou os portões da
escola, para ser praticado no seu pátio, na hora do recreio. Essa forma de apropriação pelos
alunos pode ter sido autorizada em algumas escolas, mas foi também não autorizada em
outras, o que acabava gerando restrições por parte da direção. Um fato nesse sentido foi
apresentado por Tarcísio Vago, quando cita como exemplo do primeiro Grupo Escolar, o
Barão do Rio Branco, registrado por sua diretora em dezembro de 1915. Dos seus registros,
Tarcísio extraiu algumas reflexões de que o pátio e o “recreio” foram “espaços e tempos de
disputa”. Como os alunos usavam o pátio na hora do recreio para a prática do football, a
diretora interveio, “pretendendo usar o tempo e o espaço de ‘recreio’ para impor a disciplina
que desejava das crianças”.
690
O interessante é que a diretora buscou substituir a prática
favorita dos alunos – o football – por outras, como o boliche e o cricket, que não tinham
688
Cf. DAITO, 1991.
689
FOOT-BALL e a petisada, 1916, p. 1.
690
VAGO, 2002, p. 148.
235
significação para as crianças. Essa atitude indicava que “o futebol, vindo da rua, representada
como lugar pernicioso para as crianças, não era uma prática digna de ser admitida e realizada
nos espaços e tempos escolares”.
691
Assim, uma prática já popularizada na cidade, o football,
“não teria lugar na escola racionalizada e disciplinada que se pretendia formadora de novos
cidadãos”,
692
porque a cultura escolar naquela época foi organizada para estar “‘afastada da
casa e separada da rua’ que era lugar considerado da marginalidade e do vício”.
693
Assim, como um espaço introdutor de nossas práticas culturais e também apropriado
para as práticas já existentes na cultura da cidade, a escola representou um dos lugares mais
importantes para a constituição do esporte em Belo Horizonte. É preciso destacar que as
escolas que valorizaram inicialmente a sua prática eram as destinadas à elite social e
econômica da cidade.
Mas não foi só a escola a responsável por educar corpos para os valores assumidos
pelo esporte naquela época. As representações encontradas na cultura urbana, divulgadas pela
imprensa, eram também práticas educativas.
5.3 A EDUCAÇÃO PARA O ESPORTE NA CULTURA URBANA DA CIDADE
As representações aliadas à prática esportiva e às pessoas que nela atuavam,
divulgadas pela imprensa, eram também “estratégias” para conformar o campo esportivo.
Desde o final do século XIX, as práticas esportivas inglesas haviam passado a fazer
parte da cultura das cidades, e foram se construindo como hábitos elegantes e sadios das
elites. Nesse período, circulou no Brasil, como já citado, A Estação, um jornal de modas
parisienses dedicado às senhoras brasileiras. Era um jornal ricamente ilustrado, dirigido para a
família. Em suas páginas, os brasileiros podiam ver o que a moda ditava em París, além de
uma "parte litteraria, noticiosa, recreativa e util, escritas especialmente para as leitoras d' este
jornal".
694
Entre as novidades, o sport esteve presente em diferentes momentos, nos quais, além
das vestimentas elegantes, os corpos femininos apareceram em situações esportivas variadas,
691
VAGO, 2002, p. 149.
692
VAGO, 2002, p. 150.
693
VAGO, 2002, p. 14.
694
A ESTAÇÃO, 15 janeiro 1897.
236
que também se faziam moda na época: pedalando uma bicicleta ou segurando uma raquete de
tênis ou o malho do croquet. A influência apareceu também nos brinquedos infantis:
O ‘fim do seculo’ transpira mesmo nos brinquedos das nossa creanças; é o
terreno de ‘sport’ que substitui agora a cozinha e a casa de bonecas. Estas
são ciclistas, jogam e fazem gimnastica. Os jogos acham-se nas lojas onde se
escolhe as bonecas.
695
FIGURA 34 – Jogos ingleses modernos representados por bonecos
Fonte: A ESTAÇÃO, a. 26, n. 1, 15 jan. 1897, p. 7.
Esse jornal circulou nas cidades brasileiras na época da construção de Belo Horizonte,
divulgando o que era moda na Europa naquele final de século.
O primeiro esporte que surgiu em Belo Horizonte, por interesse exclusivo da
população – o football – tinha na figura de Victor Serpa, seu introdutor, a representação dos
valores da época, tanto da modernidade e civilidade vindas da Europa e da Capital Federal
695
PATEO e Brinquedo..., 1897, p. 7.
237
como do estudante de Direito que atuava em diversas áreas, como na imprensa e eventos
literários e teatrais.
696
Sua relação como o Rio de Janeiro era constantemente representada
pelas idas e vindas da Capital Federal noticiadas nos jornais tais como: “Regressou do Rio o
acadêmico Victor Serpa, nosso apreciado collaborador”.
697
Victor Serpa era a representação
do que havia de mais distinto, e suas qualidades “ornamentavam seu caráter multiforme, de
perfeito gentleman”.
698
Essas suas qualidades foram referências para se construir uma imagem elitizada em
torno do football, e com ela buscou-se uma normatização da sua prática na cidade.
A imagem do “pai” do football belo-horizontino foi construída tanto pela imprensa
como pelo historiador oficial da cidade, Abílio Barreto: Sua “cultura de espirito, distincção de
maneiras, amenidade de trato, finura em tudo, aprazia-nos vel-o generoso, bello de alma e
coração, interessando-se por todos os movimentos de nossa mocidade, e com o seu destaque
próprio”.
699
Como acadêmico, teve participação ativa na Faculdade de Direito, assumindo a
presidência do Instituto Acadêmico, em novembro de 1904. O jornal A Epocha assim o
descrevia:
Si na academia foi o collega dignificador pelo trabalho simples e fecundo,
pelo brilho natural de um cerebro equilibrado, gozando do apreço de todos,
foi o conversador apurado, o espirituoso animador das boas rodas, malicioso
sem espinhos, narrando sempre o caso com graça. Deu bases sólidas, entre
nós, ao foot-ball.
700
E essa base foi marcada pela implantação definitiva do football na cidade, com a
fundação do seu primeiro clube, o Sport Club Foot-Ball, iniciativa de Victor Serpa. Segundo
Abílio Barreto, coube ao acadêmico,
que já havia fundado em Ouro Preto, em novembro de 1903, o ‘grupo
Unionista’, decano do futebol em Minas, a glória da iniciativa de se fundar
em Belo Horizonte o ‘Sport Club’. Grande entusiasta e exímio jogador do
696
RIBEIRO, 2002. Vitor Serpa colaborou com diversos órgãos de imprensa. A Epocha anunciou a fundação de
um jornal, que se chamaria A Semana, um periódoco monarquista, que seria dirigido pelo “talentoso
academico, escriptor e laureado poeta Victor Serpa”. (A EPOCHA, 4 set. 1904, p. 2.) Vitor realizou também
a tradução do françês de um texto de comédia – Juliano não é ingrato –, que foi apresentado no festival
Augusto Campos, um “delicadissimo saráu literario, uma soiré chic”, como referenciou o jornal Folha
Pequena. (FOLHA PEQUENA, 5 set. 1904, p. 2.)
697
FOLHA PEQUENA, 10 ago. 1904, p. 1.
698
A EPOCHA, 29 jan 1905, p. 1.
699
A EPOCHA, 22 jan. 1905, p. 2.
700
A EPOCHA, 22 jan. 1905, p. 2.
238
esporte bretão, tendo [vindo] cursar a nossa Academia de Direto, apenas se
relacionou no meio horizontino, tratou logo de congregar em torno do
pensamento que havia tido – o lançamento do futebol na capital – um grupo
de moços que, se haviam tido igual pensamento, não se tinham abalançado a
dar-lhe corpo e organização.
701
FIGURA 35 – Victor Serpa
Fonte: Acervo do Museu Histórico
Abílio Barreto
Um poema publicado numa coluna humorística do jornal A Epocha retrata Victor
Serpa como um personagem importante, responsável pela divulgação do futebol na cidade.
Traços
XVIII
Vive a ensinar o jogo estúpido das bolas
Nas praças, nos cafés, nas ruas, nas escolas.
E quando alguém se espanta ao ver os seus calções
Exquisitos demais, sem ligas, sem botões,
Elle fica sem graça e diz muito apressado:
‘É preciso educar este povo atrasado!’
701
BARRETO. O passado desportista da capital III ..., [s.d.].
239
‘Na Europa – norte a sul – não se encontra um logar
Onde o povo não saiba as bolas atirar;’
‘Eu vou contar um caso esplêndido a respeito...’
E logo vem um caso intermino e sem geito!
Já jogou com Loubet as bolas, de manhan,
E de tarde fez verso ao lado de Rostand.
Affirmam que elle é todo um monte de borracha,
Pois sempre cae no chão e nunca se esborracha!
Quando joga no Parque a péla, exposto ao Sol,
Parece resumir o medonho foot-ball!
Timour.
702
Percebe-se nos traços do poeta, inicialmente, uma crítica ao futebol, mas o que se
destaca no poema é o papel representado pelo Vitor Serpa como um educador, que traria para
a cidade, como uma forma de superar o atraso – o football –, essa prática criada na Europa e
que aqui representaria uma modernidade para a cidade. O antropólogo Roberto DaMatta
analisa o momento da introdução do futebol na sociedade brasileira, destacando o seu caráter
inovador:
[...] o futebol foi introduzido sob o signo do novo, pois, mais do que um
simples ‘jogo’ estava na lista das coisas moderníssimas; era um ‘esporte’.
Ou seja, uma atividade destinada a redimir e modernizar o corpo pelo
exercício físico e pela competição, dando-lhe a rigidez necessária a sua
sobrevivência num admirável mundo novo – esse universo governado pelo
mercado, pelo individualismo e pela industrialização.
703
O esporte foi, assim, sendo implantado sobre o signo do “novo” e que educaria o
corpo para sobreviver nesse “novo mundo” absorvido pelos valores liberais.
A imprensa representou papel significativo na divulgação e difusão dos valores dessa
prática civilizada. As representações encontradas neste trabalho vêm destacando esse papel
durante todo o período analisado, mesmo que num discurso restrito e elitista. Mas por
intermédio dessas representações, pôde-se perceber todo esse processo educativo. A
divulgação de iniciativas do Poder Público em educar os corpos também podia ser nela
evidenciada.
702
FAGULHAS. A Epocha, 16 out. 1904, p. 2.
703
DAMATTA, 1994, p. 11.
240
Assim, se as atividades físicas esportivas simbolizavam, tanto em Belo Horizonte
como na Europa, um lazer civilizado, determinados corpos precisavam ser educados para ele,
principalmente os femininos, que pouca familiaridade tinham com sua prática.
Essa preocupação pode ser observada na imprensa, traduzida na atitude do prefeito da
cidade ao criar tempos e espaços específicos para os corpos femininos desfrutarem os prazeres
da patinação no rink, criado na Praça da Liberdade, em 1913.
Como os exercícios físicos ainda não se constituíam numa prática rotineira para as
mulheres da capital naquele momento, esses tempos e espaços específicos foram designados
para uma melhoria na habilidade. As representações sobre a patinação feminina, presentes nas
crônicas dos jornais, reforçavam os valores civilizados, educativos e higiênicos do esporte que
a cidade oferecia também para as mulheres, jovens em destaque:
O que mais empolgava a attenção de todos eram as silhuetas vaporosas e
erectas de senhoritas que, como carretéis conscientes, iam e vinham,
alegrando o ambiente e dando ao publico a certeza de que a capital se
civilisa, dando as nossas jovens patrícias uma educação moderna de acordo
com os mais salutares preceitos de hygiene physica. Em verdade o sport do
rink está entrando nos hábitos dos nossos elegantes e de nossas gentis
horizontinas.
704
E é por meio desses valores “elegantes” que o esporte se estruturou na cidade.
Entre todas as modalidades esportivas na cidade, o foot-ball foi a primeira a ser
produzida como a mais elegante. Um cronista do jornal A Noticia, caracterizando os usos de
nomes que “distinguem” os elegantes, cita l’elegant, le lion e lê coquérant, usados em Paris,
onde a moda se impunha, e smart, usado na América do Norte, que, apesar de uma
significação ampla, era aplicado mais geralmente ao moço da moda. No Rio e São Paulo,
eternos copiadores, o termo utilizado era smart, mas em Belo Horizonte tinha-se um vocábulo
próprio, como os parisienses e os americanos – o footballer.
704
ESTADO DE MINAS, 26 maio 1913. Secção Sportiva, p. 2.
241
FIGURA 36 – José Gonçalves – Jogador do
Sport Club
Fonte: Acervo do Museu Histórico Barreto
A imagem acima mostra a elegância de José Gonçalves, um footballer da cidade que
atuou inicialmente no primeiro clube de football o Sport Club e no seu homônimo a partir de
1908.
Esse adjetivo usado pelos mineiros significava
aquele que, desejando manifestar o seu smartismo, nesta boa terra promove
os celebres sports; e para melhor dominar esse meio burguês, veste-se no
Wilk, a moda inglesa, casaco folgado, calças estreitas, botinas walk over,
colarinhos Santos Dumond, gravata denier cri e chapéu de palha Borsalino –
freqüentando diariamente o Acre e tomando sorvete no Maciel.
705
O sentido de distinção que conferia a seus praticantes, aliado a um refinamento
exageradamente destacado pelo humor do cronista, era uma das marcas que caracterizava a
imagem de modernidade e civilidade que os jogadores de football, naqueles anos iniciais,
buscavam ostentar na cidade. Como um sofisticado modismo, o esporte foi ganhando a
simpatia da elite. Símbolo de elegância e sofisticação, o football foi consolidando-se em Belo
705
NA DANÇA. A Noticia, n. 1, p. 1-2, 4 mar. 1909.
242
Horizonte no final da primeira década do século XX e até meados da década de 1910, quando
após a criação da Liga Mineira de Sports Athleticos e dos primeiros jornais esportivos,
efetivamente se enraiza na cultura da cidade.
Os jornais procuram mostrar que até a criação da Liga e, mesmo depois, até o final da
década de 1910, apesar de mostrar novas representações, o football procurava se manter como
fruto do interesse do higt-life belo-horizontino, conformando-se como uma diversão dos
circuitos elegantes da cidade. E o que interessava para essa elite não era somente a distinção
que o esporte conferia, mas, principalmente, o afastamento de grupos não pertencentes ao seu
circuito.
243
Capítulo 6
O ESPORTE SE CONSOLIDA NA CIDADE
A imprensa constrói a cena pública da cidade, e é nela que se enxergam a constituição
e consolidação do campo esportivo na cultura de Belo Horizonte. Gradativamente o esporte
foi ganhando mais espaços nas páginas dos jornais, e um amalgamento entre a crônica
esportiva e o esporte revelou-se fundamental para o desenvolvimento de ambos. Um cronista
da revista Vita assim descreveu o esporte na cidade em junho de 1913.
É deveras difficil a tarefa de escrever sobre sport em Bello Horizonte. O turf
não existe, a natação e o rowing não pode existir; o tennis é desconhecido.
Aqui, desde que falhe e sport, entende-se que se quer dizer foot-ball: essas
duas palavras tornaram-se synonimas; todas as nossas sociedades sportivas
cultivam exclusivamente o foot-ball. E isso é triste. Nas nossas condições
actuais, varios outros generos de sport podiam desnvolver-se paralelamente
a este tão querido foot-boll
(sic)
[ ].
706
A crônica representa o que significou o football na cultura da cidade no início do
século XX. Foi a modalidade esportiva que encontrou maior receptividade na capital mineira,
tornando-se a mais conhecida e a que, efetivamente, se enraizou na sua cultura, nos seus anos
iniciais, passando a ser “cultivada” em clubes, escolas e, até, nas ruas da cidade. Belo
Horizonte possuía peculiaridades para esse desenvolvimento. Segundo Gilmar Mascarenhas
de Jesus,
[...] o futebol, enquanto novidade do mundo civilizado, atingiu
concomitantemente diversas cidades brasileiras, entretanto, somente se
incorporou efetivamente ao cotidiano urbano nos locais que preenchiam
determinados requisitos, que conformavam um ambiente que pretendemos
denominar, apesar da forçosa simplificação, de modernidade urbana.
707
Nessa afirmação, o autor revela que o esporte, especificamente o futebol, registrou
ritmos de introdução e significados diferentes em diversas regiões brasileiras, respondendo a
estímulos e peculiaridades da dinâmica sociocultural. A “modernidade urbana” referida não
706
VITA, 11 out. 1913.
707
JESUS, 1997, p. 189.
244
estaria ligada apenas à industrialização e à revolução nos transportes (particularmente movida
pela expansão das ferrovias), à explosão urbana, com o crescimento da administração e dos
serviços públicos, e à industria nascente, mas “a maior transformação se deu no plano
qualitativo, na profunda alteração dos quadros de existência no âmbito da vida social urbana”.
Nesse ambiente propenso a novas experiências é que os exercícios corporais e os esportes,
que se fizeram como hábitos de lazer ao ar livre, tiveram um impulso definitivo e imprimiram
“marcas indeléveis” à vida cotidiana.
708
Como uma cidade que nasceu para ser moderna, que buscava constantemente importar
práticas culturais européias como forma de mostrar-se “civilizada”, mesmo com uma
população “fogo de palha”, como a caracterizam os seus cronistas, o esporte aqui foi se
consolidando.
No entanto, na concepção de Gilmar de Jesus, a presença de clubes e ligas de caráter
duradouro é que caracterizaria uma consolidação do esporte na cidade. Assim, se
examinarmos a história de Belo Horizonte, a criação de clubes regidos por estatutos, com um
bom quadro de associados, com sede própria, que elegia suas diretorias, fazia reuniões
periódicas, registradas em atas, e, mesmo a criação de uma liga nem sempre garantiam a sua
efetiva constituição, uma vez que a cidade foi cenário de várias instituições que tiveram vida
efêmera em sua cultura.
O marco para uma consolidação efetiva do esporte na cultura da cidade seria portanto,
a criação da primeira associação que nela se caracterizasse de forma permanente, bem como a
criação de uma liga perene, que organizasse e mantivesse regularmente campeonatos,
congregando clubes da cidade ou da região.
Dessa forma, a Liga, criada em 1905, que organizou somente um campeonato, do qual
não se tem clareza sobre seu término, não pode ser considerada um marco de consolidação do
esporte. Somente após a criação do Athletico Mineiro Football Club, em 1908, que até hoje
permanece e tem grande representatividade cultural na cidade como Clube Atlético Mineiro, e
a criação da Liga Mineira de Sports Athleticos, em 1915, que hoje tem sua continuidade
assinalada pela Federação Mineira de Futebol, como esclarece Raphael Ribeiro, ao citar um
artigo do Anuário de Belo Horizonte dos anos 1956/1957, é que poderíamos caracterizar uma
consolidação.
708
JESUS, 1997, p.189.
245
Na verdade, fundada em 1915, com o nome de Liga Mineira de Esportes
Atléticos, vem a F. M. F., através dos anos, atestando sua eficiência
caminhando a passos largos para colocar o desporto das Alterosas no lugar
que lhe compete, no cenário nacional.
709
Assim, a modalidade esportiva que marcou a consolidação do esporte na cultura da
cidade foi o football.
Mas, por outro lado, o movimento de enraizamento não pode ser algo explorado
somente pela via da permanência explícita de uma instituição. O enraizamento pode ser
matizado também pelo comportamento pautado pelo interesse. Na cultura da cidade de Belo
Horizonte, o que se pode perceber é que, como uma prática moderna de lazer, o esporte
passou a fazer parte, inicialmente, dos interesses das elites. Mas, mesmo que tenha se
efetivado por meio da criação tanto de clubes como de uma liga, que tiveram vida efêmera, a
sua presença pode ser comprovada pelo interesse permanente em criar e recriar clubes na
cidade.
Neste capítulo, apresento os caminhos da consolidação do football na cidade e das
práticas a ele relacionadas. Parto da criação da Liga, em 1904, que foi a primeira tentativa de
sua institucionalização, e, posteriormente, dos primeiros clubes que se consolidaram na
cidade, analisando a criação da Liga, em 1915, e sua atuação até 1920. Nesse período, são
destacados também os dois primeiros jornais esportivos de Belo Horizonte: O Foot-ball e O
Treno, criados em 1917 e 1918, respectivamente, que também são marcos de interesses e
desenvolvimento do esporte na cidade.
Mas, para se falar em consolidação, faz-se necessário definir o conceito de esporte
utilizado. Dentre o conjunto de caracteres que constituem o esporte na sua concepção
moderna, tomando por base os estudos de Chartier e Vigarello, pode-se enumerar:
O esporte no seu princípio não tem nem função ritual nem finalidade festiva,
ele pressupões anular, não reproduzir, as diferenças sociais que lhe são
anteriores e exteriores. É assim criado um espaço neutro onde as
propriedades sociais dos diferentes atores são por um tempo apagadas em
proveito de uma igualdade original dos jogadores ou dos competidores,
desmentida somente pela menor ou maior aptidão no interior da própria
prática.
Desejando ser o lugar neutro de confrontações dissocialisados, os esportes
modernos implicam a criação de espaços e tempos que lhe sejam próprios.
Ginásios, estádios, velódromos [...] espaço neutralizado, normalizado,
codificado.
709
A FEDERAÇÃO..., 1956/57, p. 168, apud RIBEIRO, 2002, p. 56.
246
O esporte moderno possui uma temporalidade própria, construída e
específica. Ela é de início a do calendário das competições.
Possui regras fixas visando uma prática universal.[...] Os regulamentos
esportivos, como todo direito, supõem a existência de um corpo de legistas
encarregados de fixá-las, de modificá-las. [...] [também] delega a um corpo
de especialistas a tarefa de instituir um direito específico regendo, fora do
direito comum, a esfera das práticas esportiva.
710
Além disso, ele é conduzido num universo à parte, com suas instituições, seus juízes,
seus administradores, seus heróis.
711
Pode ser entendido como um campo relativamente
autônomo, um mundo à parte, com uma lógica interna própria, mas ligado ao contexto em que
se insere.
712
Assim, o esporte que efetivamente pode assim ser chamado em Belo Horizonte no
período analisado é o football, pois com ele foram organizados espaços próprios, calendários
de competições, regulamentos, um corpo de legistas capaz de modificá-los, um corpo técnico
que foi se especializando, um mercado ao redor (venda de produtos esportivos) e a
popularidade que foi obtendo.
Mas que caminhos foram percorridos para se chegar a essa consolidação?
6.1 OS PRIMEIROS PASSOS PARA A SUA INSTITUCIONALIZAÇÃO
O grande interesse dos primeiros jogadores de football em Belo Horizonte, em 1904,
era que ele fosse organizado nos padrões e princípios do esporte britânico, em forma de liga,
modelo que já vinha sendo realizado em São Paulo e em vias de organização na Capital
Federal. Mas, para que existisse uma associação, era necessária a criação de clubes, e essa
iniciativa também contou com o incentivo de Victor Serpa, que, além de participar do Sport,
ainda presidia o Athletico. O primeiro passo para uma organização mais efetiva do football na
cidade foi relatado pelo jornal A Folha Pequena, de 10 de outubro de 1904:
Reuniram-se hontem á noite, no Grande Hotel, os representantes das
sociedades locaes de ‘football’, ‘Sport-Club’, ‘Plinio Foot-ball-Club, e
‘Atletico Mineiro’afim de organizarem nesta capital uma liga de grêmios
710
CHARTIER; VIGARELLO, 1982, p. 38-40.
711
VIGARELLO, 2000.
712
BOURDIEU, 1983.
247
sportivos, identica ás existentes no Rio e em São Paulo. Foram votadas as
leis básicas da nova associação e convocada outra assembléia, em que
deverá ser eleita a directoria, para o dia 12 do corrente, ás 7 horas da noite,
no mesmo local.
713
Essa associação, ao seguir os passos do que acontecia nas duas maiores cidades
brasileiras, seguia também o que havia na Europa e em alguns países da América do Sul,
como Argentina, Uruguai e Chile, que as haviam inspirado. A forma de organizar
competições amadoras, promovidas por uma associação de clubes, já acontecia em São Paulo
desde 1901, fundada pelos clubes São Paulo Athletic, Sport Club Germania, Club Athletic
Paulistano e Sport Club Internacional, cujo primeiro torneio oficial foi realizado em 1902.
714
Já no Rio de Janeiro, houve um ensaio, em 1904, para a formação de uma liga, mas a
iniciativa parece não ter prosperado a princípio, tendo conseguido seu intento somente em
1905, com a Liga Metropolitana de Foot-ball, “quando o crescimento do jogo ameaçava a
fidalguia que as associações de clubes tentavam atribuir a ele”. Essa Liga, formada pelos
clubes Fluminense, Botafogo, Athletic e Bangu, que tomava para si a tarefa de “zelar pela
imagem refinada do jogo” e que adotava em seus estatutos os regulamentos da Foot-ball
Association da Inglaterra, afirmava, assim, o aspecto distintivo do futebol.
715
Em Belo Horizonte, o Sport Club, que possuía dois grupos de atletas, oficializou, para
participar da Liga, o nome de seus dois times, que passaram a ser Colombo e Vespucio.
716
O
nome era sugestivo, pois se tratava de dois desbravadores. Assim, o primeiro campeonato
organizado pela Liga contou com a participação de cinco times: os dois do Sport Foot-ball
Club (Colombo e Vespucio), Plinio Football Club, Mineiro Football Club e Athletico Mineiro
Foot-ball Club.
O Minas Gerais de 19 de outubro divulgou como primeira partida do campeonato da
Liga, a disputa entre os dois times do Sport Club, o Colombo e o Vespucio, que seria realizada
no dia 23 de outubro. Mas a edição de 26 de outubro, ao noticiar os jogos do campeonato da
liga, na sua seção “Festas e Diversões”, descreve com detalhes duas partidas: inicialmente, o
jogo do Plinio versus Mineiro, que foi uma partida “rehida”, e, depois, o Colombo versus
Vespucio. No segundo jogo, foram destacadas as ausências de Gonçalves, dr. Oscar e o
capitão Serpa, do lado do Colombo; e de Fritz de Jaegher, Norris e Liebmann, do Vespucio,
713
FOLHA PEQUENA, 10 out. 1904, p. 2.
714
PRONI, 2000.
715
PEREIRA, 2000, p. 63-64.
716
O Grupo Colombo usava “bonnet encarnado e preto em listas, camisa preta, calções brancos, meias pretas e
botas de football”. O Grupo Vespucio usava ‘bonnet encarnado e preto em listas, camisa crême, calções
pretos de sarja, meias pretas e botas de football’. (MINAS GERAIS, 19 out. 1904, p.7.)
248
que foi a causa do grande desapontamento dos espectadores, pois foi uma partida “fria”,
“glacial”, sem o “fogo” e o “interesse” que despertavam os “mestres”.
717
Os jogos da Liga passaram a atrair para o campo os belo-horizontinos amadores do
football, que podiam apreciar um “bem organizado match entre os clubs
718
. O Minas Gerais
noticiava, com a chamada “O campeonato de 1904”, as partidas entre os clubes, exaltando as
qualidades dos jogadores, publicando as posições dos times no campeonato e divulgando os
horários dos jogos, que aparecem às 7 da manhã e às 4 e 1/4 da tarde. Adjetivados de
“valentes”, “disciplinados” e “arrojados”, dentre outros, os footballers da cidade jogavam de
forma “admirável” o “cavalheiresco foot-ball”.
719
A organização dos encontros ia fazendo do
football e de seus sportmen uma espécie porta vozes da civilização.
Apesar de o cronista dizer que “cresceu enormemente o enthusiasmo pelo omni-
importante torneio nos arraiais sportivos”, o Minas Gerais publicou notas sobre o campeonato
somente até sua edição de 6 de novembro, que apresentou um quadro dos pontos obtidos
pelos clubes no campeonato, não dando atenção para o término. Não se tem notícia sobre ele.
Segundo o Vida Sportiva de 1927, o campeonato não terminou devido às fortíssimas
chuvas de novembro, que impediam a realização dos jogos. Mas Abílio Barreto, em seus
manuscritos, afirma que o Vespucio venceu o campeonato. Portanto, o campeão foi o Sport
Club. Após esse período, o football ficou um tempo fora de cena na imprensa, para retornar
com a criação de clubes que efetivamente se consolidaram na cultura da cidade.
6.2 AS PRIMEIRAS RAÍZES DO FOOTBALL NA CIDADE
Mesmo com a criação da Liga, em 1904, da qual não se teve mais notícias, nem dos
primeiros clubes, que tiveram vida efêmera, e a falta de notícias na imprensa entr 1906 e
1907, o interesse pelo esporte se manteve na cidade. Uma nova fase na constituição do futebol
na cultura urbana de Belo Horizonte destacou-se a partir de 1908 e se estendeeu até 1915.
Despertou-se, nesse momento, um novo entusiasmo com a criação de novos clubes, como o
Athletico Mineiro Foot-ball Club, o Yale Atlhetic Club e o America Foot-ball Club, dentre
outros.
717
MINAS GERAIS, 26 out. 1904, p. 7.
718
MINAS GERAIS, 27 out. 1904, p. 3.
719
MINAS GERAIS, 31 out. e 1 nov. 19904, p. 2.
249
O Club Athletico Mineiro, criado por garotos em 1908, já apresentava um crescimento
em 1911, quando aparece organizado em quatro times, totalizando 53 jogadores, que dividiam
o espaço em diferentes dias da semana: duas equipes jogavam às terças, sextas e domingos, e
as outras duas às segundas, quartas e sábados.
720
Apesar de enfrentar dificuldades, que, muitas vezes, caracterizaram motivo para o
encerramento das atividades de alguns clubes, o Athletico seguiu participando da construção
histórica do futebol na cidade, pelo empenho de suas diretorias, como mostra a nota do Estado
de Minas:A diretoria desta associação sportiva tem enviado os maiores esforços, no intuito
de manter-lhe a estabilidade, e de effectivar a sua justa reputação”.
721
Nota-se que a palavra
inglesa “sportiva” deixa de aparecer em “itálico” ou “entre aspas”, como se já fizesse parte da
nossa cultura.
Jogando com diferentes clubes da cidade e com os ingleses de Nova Lima, “hábeis na
difficil de dar shoots
722
, numa disputa acirrada com o Granberyense, um time do educandário
Granbery, de Juiz de Fora”, e conseguindo uma “brilhante victoria no match disputado com o
“Baeta Neves”, de Ouro Preto”, o Athletico foi se afirmando na capital mineira, sendo
destacados todos os seus feitos na revista Vita de 11 de outubro de 1913. A Vita era uma
revista “de artes e letras, consagrada à propaganda moral e material de Minas”. Como refere a
resenha de Joaquim Nabuco Linhares,
723
uma revista feita com arte, ilustrada com finas
gravuras num papel de qualidade. Toda divulgação do clube, em notas ou em fotografias,
contava com a ajuda de Henrique den Dopper, um dos diretores do Athletico, que, com seu
talento artístico, ilustrava a revista. Henrique era diretor da seção de fotografias da Imprensa
Oficial.
724
720
ATHLETIC
(sic)
Foot-ball..., 1911, p. 2. O 1
o
team (terças, sextas e domingos) era formado por Arthur Pinto,
Benjamim Porto, Amadeu Barros, Eurico Vidal, Adelino L[o]di, Sebastião Laranjeiras, Bellardino
Mendonça, Annibal , Paulo , Jr. Reis, Djalma; reservas: Lopes Sobrinho, Aloizio Barros; 2
o
team (terças,
sextas e domingos): Mario Alvim, J. Mendonça, Oscar Maciel, Alexanor, Carlos, E. Lodi, J. Camardel, J.
Roussouliéres, A. Antunes, Jorge Sinval; reservas: Victorino Fraccarolli, Cid Paula; 3
o
team (segundas,
quartas e sábados) Cid Padua, Mario Penna, Mario Lott, Saleziano Lana, Mario Neves, João Queiroga, Julio
Mello, José Tuburcio, Paulo Magalhães, A. Paz [...]. A. NETTO; reservas: Aristides Pinto, Jayme salse; 4
o
team: Heitor Nogueira, Francisco Castro, Alberto Zchaber, Emydio, Arnaldo, João Reis, Gentil Pereira,
Cleant [...], Augusto S., A. Condorcet, H. Mourão; reservas: João M. Nachado, Renato e Theophilo
Machado.
721
ATHLETICO Mineiro..., 1911, p. 2.
722
VITA, 11 out.1913.
723
LINHARES, 1995, p.158.
724
VITA, 30 out.1913
250
FIGURA 37 – Primeiros times dos clubes de football Athletico e Villa Nova
Fonte: VITA, n. 1, 1° jul. 1913
Destacam-se na foto os uniformes dos dois times, muito parecidos na época, quando a
competitividade ainda não era tão acirrada e não havia uma preocupação da distinção clara
entre os times adversários.
Outros clubes apareceram naquele período. Alguns não tiveram tanta
representatividade, pois foram poucas as referências a eles. O Diario da Tarde anunciou um
jogo do Athletico Mineiro versus Horizontino Foot-ball Club, em junho de 1910.
725
O Estado
de Minas, na sua edição de 4 de maio de 1912,
726
trazia um comunicado do secretário do
Minas Gerais Foot-ball Club anunciando que o clube realizaria uma temporada de exercício
em seu novo field, na Avenida Paraopeba, e a edição de 25 de outubro do mesmo ano
anunciava uma assembléia geral nas salas da Escola de Engenharia convocando seus
associados.
727
A Tribuna, em 4 abril de 1913, noticia uma partida entre Florestano versus
Guanabara. E o jornal A Tarde, em 30 de junho de 1913, cita uma reunião, na União Espírita
Mineira, da associação Sport Academico Club, que havia elegido sua diretoria na ocasião.
728
Esse período foi realmente marcado por um grande interesse esportivo na cidade, não só com
a criação de clubes de futebol, mas com o aparecimento de diferentes práticas esportivas,
como apresentado anteriormente.
725
ATHETICO Mineiro..., 1910, p. 1.
726
ESTADO DE MINAS, 4 maio 1912, p. 1.
727
MINAS-Geraes Foot-Ball Club, 1912, p. 1.
728
A TARDE, 30 jun. 1913, p. 6.
251
Um clube que desempenhou papel significativo na época e que teve sua
“continuidade” assinalada como a Societá Sportiva Palestra Itália, criada em 1921, hoje
Cruzeiro Esporte Clube, foi o clube Yale Athletic Club.
729
O Yale foi um clube que passou a organizar diferentes eventos na cidade, sendo
responsável pela realização da primeira partida em que foram cobrados ingressos.
Esse jogo, realizado no dia 17 de julho de 1911, em que as entradas foram pagas no
valor de 1$000
730
, recebeu um grande apoio da imprensa. A seção “Festas e Diversões” do
Minas Gerais dedicou amplo espaço para divulgar o jogo. A reportagem já preparava o leitor
para a novidade, mas não foi explícita em relação ao pagamento.
Bello Horizonte vae assistir a uma festa que, além de nova no gênero, será
uma prova de quanto está progredindo a nossa capital, que acompanha, de
modo o mais brilhante, o movimento evolutivo dos Estados mais cultos do
paiz.
731
O cronista, para valorizar mais o evento, destacou o que representava o progresso da
educação física, pelo esporte, na capital:
Queremos falar dos grandes progressos entre nós realizados na educação
physica da mocidade mineira, pela cultura intelligente que aqui se tem feito
dos ‘sports’ mais recomendados na Europa e Norte América As primeiras
iniciativas em prol dessa educação, em nossa cidade, não faziam suppor, há
bem pouco ainda, que tanto já se tivesse caminhado no sentido de orientação
tão útil e pratica, por parte de nossa mocidade.
732
O football, esporte reconhecido como uma prática educativa da civilidade encontrada
na Europa e nos Estados Unidos, na capital mineira foi buscando identificar-se cada vez mais
com suas origens inglesas. Minas Gerais não recebeu um grande número de ingleses nas
primeiras décadas da República, como São Paulo. Nessa cidade, a supremacia inglesa
imperou na prática do football.
733
Em Minas, a influência inglesa inicial partiu da cidade
729
Segundo Abílio Barreto (Societá...[s.d.]), em 1921 houve uma grande cisão no Yale, que possuía jogadores e
associados que vieram a fundar a Societá Sportiva Palestra Itália, como: Aristóteles Lodi, Nullo Saviani,
Ranieri, Aureliano Nochi e outros.
730
PENNA, 1997, p. 122.
731
GRANDE match…, 1911, p. 6. Jogavam pelo Yale: Goal: J. E. Ferreira; backs: F. Netto e A. Nogueira; halfs:
O. Penna, P. Ferreira, C. Bar; forwards: Leopoldo, J. Morette, A. Holley, J. L. Moretzsohn e Rômulo.
Ginesman: Eduardo Santos e Nullo Saviani.
732
GRANDE match…, 1911, p. 6.
733
PEREIRA, 2000.
252
vizinha de Nova Lima, com os jogadores do Morro Velho Athletic Club, ligada aos técnicos
especializados que trabalhavam na Mina de Morro Velho.
Esse time é que jogou com o Yale – “sociedade formada dos melhores elementos
esportivos” da capital, congregados sob a denominação de um dos centros mais célebres de
football americano. Era formado por jogadores de “grande reputação no meio esportivo da
Inglaterra”, participantes de times que foram destacados pelo cronista.
734
Goal – T. Shaw, do time inglez ‘Crewe’; backs – R. Smith, do ‘Broadheath’,
e F. Smith, do ‘South Shields’; halfs – H. Lowes do ‘Newcastle’, I [Cant] do
‘Truro College’, H. Clemence, idem; forwards – C. W. Mayo, do ‘Bishop
Auckland’, H. Armstrong, do do ‘Liverpool College’, R. Mayo, do ‘Bishop
Auckland’. F. Owen, do ‘Wingate’, e J. Thariaway, Idem. Referee – E. S.
Lowes.
735
Esse destaque trouxe maior interesse do público belo-horizontino, que teve a
oportunidade de assistir na cidade a um football realizado por sportmen que se formaram no
país berço dessa modalidade esportiva.
O cronista do Minas Gerais destacava cada passo do Yale na organização da “festa”
que mostraria a modernização de Belo Horizonte por meio da prática esportiva, destacando
desde a participação das maiores autoridades da cidade que compareceriam à oferta de uma
taça para o vencedor, que recebeu o nome de Viserpa, homenagem feita ao fundador do foot-
ball na capital.
O resultado da partida foi 1 X 0 para os ingleses, mostrando a supremacia inglesa.
O Yale continuou promovendo espetáculos esportivos na cidade, com um forte apoio
da imprensa nas suas divulgações. Uma atração destacada foi o jogo realizado com o America
F. C., do Rio de Janeiro, no dia 16 de novembro de 1911. Considerado pelo cronista de O
Estado “um dos mais valentes clubs do Rio”, que contava entre as vitórias conquistadas o
“grande campeonato da Liga Metropolitana de Sports Athleticos”, fato que “o tornou um dos
mais respeitados no meio sportivo do Brasil”. O America seria uma grande atração.
736
E o evento só não teve o grande destaque que se planejava devido às fortes chuvas que
deixaram o “ground” do Yale alagado em sua grande parte. As quedas sucessivas e a bola
molhada não facilitaram a prática das “táticas de passes” dos times, o que levou a decisão dos
dois capitães a suspenderem o jogo após o primeiro half-time. O America, que havia feito um
734
GRANDE match…, 1911, p. 6.
735
GRANDE match…, 1911, p. 6.
736
MATCH de.... O Estado, 15 nov. 1911, p. 2.
253
gol, saiu vencedor. Mas todos esses problemas não impediram a realização da festa com toda
a pompa que, naquela época, buscava-se dar a esses eventos.
Á uma hora da tarde, o ‘team’ do América, acompanhado de alguns sócios
do Yale, dirigiu-se para o Palácio Presidencial, sendo recebidos no Salão de
Honra, pelo Presidente do Estado, a quem ergueram vários ‘hurrahs’ e de
quem receberam as mais sobejas demonstrações de affecto e solidariedade.
Magnificamente impressionados, retiraram-se do Palácio, dirigindo-se para o
‘ground’do Yale, em bonde especial, acompanhados pela banda de música
do 1
o
batalhão.
Á 1 e 40 minutos da tarde, entrava em campo o sympatico ‘team’
despertando a attenção de um grande numero de senhoritas e cavalheiros,
que sofregamente esperavam o resultado da disputa.
737
O Yale, pela camaradagem que revestia essas disputas naquela época, além de premiar
o time do America com uma taça de prata, também lhe ofereceu um banquete, num clima de
cordialidade de parceiros, no Grande Hotel. O papel da imprensa “na propaganda e
aconselhamento da educação physica”, salientado em sua fala pelo diretor-redator do Estado
de Minas
738
, convidado a participar do banquete, destaca o forte papel representado por ela na
divulgação e incentivo às práticas esportivas, uma forma de promover a modernização de
Belo Horizonte, que, a partir daquele momento, parece estar conseguindo o seu intento.
Esse evento, segundo o cronista, “veio marcar, senão o ad
(sic)
advento, ao menos a
rehabilitação de uma nova fase Sportiva na capital Mineira”.
739
O reflexo desse desenvolvimento do football na cidade pode ser percebido no
aparecimento de anúncios de artigos para esse esporte no comércio da cidade, como destacado
em O Estado em 1911:
Sortimento chegado ultimamente para a
Bota Americana
Capéos, Chile e Panamá; lindos guarda-chuvas para
homens e senhoras.
Artigos para Foot Ball
Chapes borsalino em todas as fôrmas, e grande sortimento
De calçado para creanças; novas marcas de calçados Melillo
para homens e senhoras.
A maior modicidade em preços
AVENIDA AFFONSO PENNA, 739.
740
737
MATCH de.... Estado de Minas, 18 nov. 1911, p. 2
738
ESTADO DE MINAS, 21 nov.1911, p. 2.
739
ESTADO DE MINAS, 21 nov.1911, p. 2.
740
O ESTADO, 16 jan. 1911, p. 4.
254
O Yale foi se consagrando como promotor de diversão na cidade:
É digna dos mais francos applausos a attitude sympatica que tem tomado
essa associação ‘sportiva’ proporcionando ao publico da capital horas de
distração, firmando assim a justa reputação e o conceito lisonjeiro que delle
fazem os que tem tido occasião de acompanhar seus passos.
741
Em uma garden party organizada para homenagear dois de seus jogadores – Neto, o
full back, e José Ferreira, o goalkeeper –, o clube organizou um programa de jogos diferentes
para animar a festa, que contava com: jogo de corda, luta de travesseiros, corrida de sacos e o
jogo de football. As disputas foram feitas com times que receberam o nome dos
homenageados. O cronista do Estado de Minas destaca que, apesar do tempo chuvoso, muitas
pessoas haviam se dirigido ao campo do Yale. Esse tipo de evento atraía a presença de
famílias em busca de diversão. Os jogadores homenageados receberam, cada um, uma
medalha de ouro com a seguinte inscrição de um lado: “A glória de um homem é a sua força”
e, de outro: “Ao inovidavel fullback Netto offerece o ‘Yale Club’; ao inovidavel goal-keeper
José Ferreira offerece o ‘Yale Club’”.
742
Experiente nas promoções de eventos esportivos e cada vez mais indo a busca de
novidades para motivar a presença de um público pagante em busca de diversão, o Yale foi o
organizador da vinda do primeiro aviador para realizar apresentações no Prado Mineiro.
A aviação possuía ainda um número muito reduzido de esportistas praticantes no
Brasil. Na década de 1910, segundo Plinio Negreiros, em São Paulo uma verdadeira multidão
acompanhava o desempenho de aviadores, geralmente estrangeiros, que faziam difíceis
manobras com seus aeroplanos. Eram verdadeiros heróis que passavam pela cidade. Mas a
fatalidade também rondava a aviação, e diversos acidentes, até mesmo fatais, aconteciam nas
apresentações.
743
O Estado de Minas chegou a publicar a seguinte nota em relação a esses acidentes:
A aviação já não proporciona celebridades a ninguem. Morrem os aviadores,
ás dúzias, sem que ninguem mais se preocupe com o tiral-os da obscuridade
da sua abnegação quase anonyma, para o plano illuminado da sagração.
Deixaram de ser martyres da sciencia para serem simplesmente uns
estouvados ‘sportsmen’...
744
741
YALE Club – As festas..., 1911, p. 2.
742
YALE Club – As festas..., 1911, p. 2.
743
NEGREIROS, 1992.
744
ESTADO DE MINAS, 9 jun. 1912, p. 1.
255
Mas foi esse jornal que havia apoiado, dois meses antes, a iniciativa do Yale em
promover uma semana de aviação na capital, feita pelo aviador Darioli:
Aviação em Bellorizonte
Por iniciativa do Yale Foot-ball Club, deve estar brevemente, nesta capitalo
aeronauta Darioli que se acha presentemente em Juiz de Fora.
A realização desse projeto de aviação depende, porém, do concurso do povo
de Bellorizonte para que seja constituído um premio ao grande aviador.
É incontestavelmente, um grande empreendimento e acontecimento de
grande alcance para Bellorizonte.
Assim encontrem echo os auctores da bella iniciativa.
745
Na reportagem acima, vê-se que o cronista não tinha a preocupação em relatar o nome
correto dos times, uma vez que a maioria era Foot-ball Club. Mas o nome em questão era
Yale Athletic Club. Vê-se também que a cidade, naquele momento, também era tratada como
Bellohorizonte.
O evento programado conquistou uma “multidão”, que se dirigiu para o Prado
Mineiro, “ansiosa por assistir á estréa do novo apparellho, a que o aviador deu o nome de
Bello Horizonte
746
. No entanto, a curiosidade não foi satisfeita, pois o avião não conseguiu
sair do chão. Mas o Estado de Minas, durante todo o mês de junho daquele ano, retratou, em
várias ocasiões, as proezas realizadas pelo “arrojado aviador”, que conseguiu atrair para o
Prado Mineiro uma numerosa assistência, como havia previsto do Rômulo Joviano, diretor do
Yale.
Numa cidade que se constituía, o apoio a novas instituições foi também uma das ações
do Yale. Em 1
o
de novembro de 1912, o clube, já experiente em realizar jogos que atraía um
grande público, programou um jogo com o Mackenzie College, de São Paulo, do qual o
produto das entradas seria para a maternidade da cidade.
747
Um outro clube que também se enraizou na cultura de Belo Horizonte criado nessa
época foi o America Football Club.
Em 1913, o time de meninos da cidade recebeu em seu quadro, além de jogadores do
Minas Gerais, que lhe garantiram o espaço conquistado na Avenida Paraopeba, também
745
AVIAÇÃO em Bellorizonte, 1912, p. 1.
746
ESTADO DE MINAS, 11 jun. 1912, p. 1.
747
SPORT. A Tribuna, 22 out. 1912, p. 2.
256
jogadores vindos do Athletico, o que reforçou o time. Essa troca de clubes parecia natural,
pois nas escalações de determinados times sempre apareciam jogadores que já haviam tido
seus nomes ligados a outros. A troca pode ter sido por motivo de encerramento das atividades
de alguns clubes, como também por desavenças entre os jogadores.
Segundo Guilherme Halfeld,
é preciso que se diga que foi do ‘America’ que se tiraram sempre os
melhores elementos para a constituição da representação mineira no Rio e
em São Paulo, para a constituição de ‘teans’ academicos nos campeonatos da
classe das nossas escolas superiores.
748
Isso mostra quanto continuou a ser um time elitizado e que cumpria o que dele
esperava a cidade como promotor de uma das práticas representativas do seu progresso, como
cita Halfeld:
O ‘America’ tem sido sempre uma escola de educação physica, cívica e ,
também, de amizade. O nosso clube está sempre a frente dos movimentos
patrióticos e humanitários de Belo Horizonte e com o seu próprio [ ]tamento
é um factor do progresso horizontino.
749
O clima esportivo da cidade em 1913 propiciou a criação e mais um clube: o Sete de
Setembro Sport Club:
Bello Horizonte entra actualmente numa fase nova relativamente ao sport. É
assim que têm sido fundados diversos clubes, onde a mocidade pode
desenvolver-se physicamente.
Ainda ante-hontem houve uma animada festa no Parque, constando de
corridas de bycicletas e a pé, com que o “Sete de Setembro Sport Club” fez a
sua inauguração.
750
Ligado aos moradores do bairro da Floresta, o Sete de Setembro parece ter sido o
primeiro clube criado fora da zona urbana da cidade.
A movimentação de várias equipes propiciou o aparecimento no comércio da cidade
do Guia Sportivo, que trazia “informações completas sobre os mais conhecidos jogos ao ar
livre, como sejam o Foot-ball e Lawn-Tennis”. O Estado de Minas, ao receber um exemplar
enviado pela Casa Narciso, passou a publicar, na sua “Secção Sportiva”, informações desse
748
HALFELD, 1928.
749
HALFELD, 1928.
750
SPORT. A Capital, p. 5, 21 out. 1913.
257
guia, iniciando com uma publicação de ‘Um pouco de historia... de Football.
751
Esse jornal
publicou, em edições nos meses de junho e julho, além das regras do jogo, também as
“Qualidades Physicas e Moraes dos Jogadores de Football”.
752
São destacadas as qualidades
necessárias ao capitão, que, na época desempenhava o papel de “técnico” do clube, função
que ainda não existia:
O CAPITÃO
Durante o match deve occupar uma posição que lhe permita ver tudo que se
passa no campo; sendo preferível que jogue em uma das linhas de defesa ,
principalmente como center-half, pois nesta posição estará mais em
condições de desempenhar a importante funcção de que está investido.
De uma manobra do capitão depende muitas vezes a victoria de um team.
753
E o desenvolvimento do esporte passou a ser destacado pela revista Vita:
Já se vae introduzindo, em Bello Horizonte, o gosto pelo jogo salutar do
foot-ball, existindo diversas sociedades, que se dedicam, com enthusiasmo, a
este sport, mas, infelizmente, sem conseguirem um progresso real, por lhes
faltar o indispensável auxilio dos poderes publicos.
754
O apoio que os poderes públicos deveriam dar a essa modalidade esportiva na cidade
justificava-se pelas representações sobre ela que a revista divulgava:
E nem se diga que este sport constitui somente um passatempo, sabendo-se
que em toda a parte lhe é dedicado verdadeiro culto como um dos poderosos
factores de cultura physica da mocidade.
Na antiguidade, os gregos e romanos, principalmente, tinham em especial
conta a educação physica de seus filhos, não somente como um elemento
preciso para as guerras em que, de continuo, se empenhavam, mas sobretudo
porque entendiam verdadeiro o adágio – mens sana in corpore sano.
De facto, o espírito para ser forte e perfeitamente equilibrado reclama um
corpo também forte, uma vez que este é o seu instrumento de acção.
É tempo, pois, de quem tem a responsabilidade da instrucção de nossos
filhos, futuros servidores da Pátria, vir em auxilio das sociedades sportivas
da nossa terra [...].
755
751
ESTADO DE MINAS, 8 jun. 1913. Secção Sportiva, p. 2-3.
752
ESTADO DE MINAS, 17 jun. 1913. Secção Sportiva p. 2; ESTADO DE MINAS, 1° jul. 1913. Secção
Sportiva, p. 3; ESTADO DE MINAS, 28 jul. 1913. Secção Sportiva , p. 2.
753
ESTADO DE MINAS, 28 jul. 1913. Secção Sportiva, p. 2.
754
VITA, 31 dez. 1913 e 15 jan. 1913.
755
VITA, 31 dez. 1913 e 15 jan. 1913.
258
As representações do esporte eram não só um passatempo, um divertimento, mas,
antes de tudo, um fator de desenvolvimento físico da mocidade. A estas foram acrescidos e
invocados pelo cronista os valores dados na Grécia e na Roma antiga ao desenvolvimento do
corpo, como respaldo para sensibilizar os poderes municipais da importância do apoio a essas
atividades que promoveriam os futuros “servidores da pátria”.
Mas o apoio explícito dessa revista ao Athletico Mineiro, que foi citado como o clube
que deveria estar na preferência para receber o auxílio requerido por sua organização e feitos,
surtiu reação do America que, em número seguinte da revista, enviou uma carta ao redator da
Vita solicitando uma correção nas informações que foram circuladas, mostrando-se como um
clube que havia realizado 16 partidas no ano, com quatro times, e que com isso pleiteava
“claramente a superioridade da organização desta sociedade”.
756
Na cultura da cidade, o clima de disputa entre o Athletico e o America já começava a
se caracterizar, fato que iria se exacerbar nos anos seguintes, com o aumento de jogos entre os
times.
Em 1914, foi disputado um campeonato realizado entre os primeiros e segundos times
dos clubes Athletico, Yale e America, que disputaram a “Taça Bueno Brandão” e a “Taça Belo
Horizonte”. O primeiro team do Athletico foi o campeão da Taça Bueno Brandão e o segundo
time do Yale foi o campeão da “Taça Belo Horizonte”.
O campeonato movimentou o Prado Mineiro, como revela a imagem publicada na
revista Vita. Um grande número de espectadores – homens e mulheres elegantemente vestidos
– reflete a importância que esses jogos foram adquirindo na cidade como forma de
espetáculos para o divertimento dos belo-horizontinos.
756
VITA, 15 fev. 1914.
259
FIGURA 38 – Instantâneos no Prado Mineiro na realização da “Taça Bueno Brandão”.
Fonte: VITA, a. 1, n. 15, 26 jul. 1914.
A revista Vida de Minas fala da importância desse campeonato, mas projetava um
maior desenvolvimento e “o cultivo do bello sport bretão” com a Liga de Sports, que estava
em via de ser criada.
757
757
SPORT: Nullo Savianni..., 1915.
260
6.3 A CRIAÇÃO DA LIGA MINEIRA DE SPORTS ATHLETICOS
O esporte tem no clube a sua “visceral base societária”. Ele é a “pedra angular e ponto
de partida de todo o seu processo de institucionalização”.
758
A organização esportiva no
Brasil, nos seus primórdios, era feita por ligas que, no âmbito municipal ou regional, dirigiam
e administravam os esportes por intermédio dos clubes a ela filiados. Esse processo funcionou
até 1916, quando foi criada a Confederação Brasileira de Desportos, que, possuindo
representantes das ligas estaduais, pois as federações, em nível estadual, ainda não
constituíam uma realidade, assegurou a unidade do comando dos esportes no país.
Assim, a Liga era o órgão máximo da administração do esporte na cidade.
A idéia da fundação da Liga de Sports que em boa hora surgiu nesta capital,
vai encontrando o mais auspicioso acolhimento da parte dos que se
interessam pelo desenvolvimento physico entre nós.
759
A revista Vida de Minas inicia, assim, sua notícia sobre a Liga de Sports, citando uma
seção realizada no dia 23 de fevereiro de 1915, na qual os clubes a ela filiados fizeram a sua
inscrição para o Campeonato de Foot-ball que teria início no mês de abril daquele ano e
nomearam seus representantes perante a Liga. “Waldemar Meirelles e Jorge Penna, pelo
Athletico Mineiro; Eduardo Frieiro e Arduino Pirani, pelo Yale Athletico Club; O [...] Penna e
Carlos Quadros, pelo América F. Club e Moacyr Chagas e Paulo Rodrigues, pelo Sport Club
Hygienico”.
760
A revista comenta ainda sobre a grande animação em que se encontravam os
“player” das diversas sociedades da capital e acrescenta que era de “se esperar que todos se
apresent[assem] em boas condições de entrainement e bem dispostos para a lucta e para a
conquista da taça”.
761
E foi ser esse quadro de “luta” até então não caracterizado na cidade que começou a
constituir-se entre alguns times da cidade depois dos campeonatos da Liga.
Até aquele momento, os sportmen não tinham uma rivalidade e uma paixão pelo time,
que pareciam não ter tanta importância diante da possibilidade da prática esportiva. Era
comum ver jogadores de algum clube terem seus nomes aliados a outros e, às vezes, até na
758
VIANA, 1994, p. 128.
759
SPORT: foot-ball, 1915.
760
SPORT: foot-ball, 1915.
761
SPORT: foot-ball, 1915.
261
presidência de times, como foi o caso de João Luiz Moretzhon, que jogava pelo Yale em 1911
e foi presidente do Athletico em 1913, dentre muitos outros. O interesse na prática esportiva
era constante, não importava onde era praticada.
Na criação da Liga, há indícios de que foi criado um novo time para que fossem quatro
as associações que a comporiam, como aconteceu na Liga de 1904, em que Victor Serpa era
capitão do Sport e criou Athletico, do qual era presidente, que, posteriormente, veio a chamar-
se Viserpa. O Club de Sports Hygienicos era uma associação que inicialmente não tinha a
pretensão de possuir times de football. Aparece um time aliado a ele, na época da criação da
Liga, tendo como seu representante Margival Leal, um dos criadores do Athletico Mineiro, em
cuja residência foi realizada a posse da diretoria da Liga. Desse time, participaram alguns ex-
jogadores do Anglo-Mineiro. Posteriormente, no final do campeonato de 1916, foi proposta a
fusão dos times Sports Hygienicos e Athletico.
Dessa forma, no dia 31 de janeiro de 1915, na residência de Margival Mendes Leal, foi
realizada a posse da diretoria da Liga Mineira de Sports Athleticos, que havia sido criada
naquele mês.
762
O artigo da revista Vida de Minas esclarece:
Logo depois da posse da directoria, o sr. Célio de Castro nomeou uma
comissão composta dos presidentes dos clubs filiados á Liga, para elaborar
os estatutos, ficando essa comissão constituída dos srs. Roberto de Azevedo,
pelo Athletico Mineiro F. C.; Margival Mendes Leal, pelo Sport Club
Hygienico; José Augusto de Oliveira, pelo Yale Athletic C. e Octacílio
Negrão, pelo América F. C.
763
Formada por pessoas influentes, a Liga Mineira de Sports Athleticos foi um grande
passo na institucionalização do esporte que assumia cada vez mais a sua característica
moderna, pois a partir daí o que se pode observar na cidade são atletas agrupados em
sociedades ou clubes, cujos dirigentes eram eleitos por eles, e a presença da Liga regional
composta de membros eleitos pelo clube, que instituiu um calendário com encontros
planejados, institucionalizando, assim, as competições, que deveriam ser democraticamente
organizadas.
762
Sua diretoria ficou assim constituída: o diretor do Colégio Anglo Mineiro, Joseph Thomas Wilson Sadler,
pelo seu importante papel na difusão da prática esportiva na cidade recebeu o título de Presidente Honorário;
Dr. Celio de Castro assumiu a presidência; Dr. Marques Lisboa a vice-presidência; Major Antônio Álvares
Antunes a 1
a
secretaria; Dr. Cavalcante de Albuquerque a 2
a
secretaria; Major Arthur Haas a 1
a
tesouraria e
R. Clemence a 2
a
tesouraria. (SPORT. Vida de Minas, 15 mar. 1915.)
763
SPORT Liga Mineira de Sports Atléticos. Vida de Minas, 15 fev. 1915.
262
O campeonato de 1915 foi disputado pelos quatro clubes fundadores da Liga:
Athletico, America, Yale e Hygienicos, acrescidos do Cristovão Colombo, que havia sido
criado em junho daquele ano. Com jogos marcados no seu calendário para serem realizados
nos meses de julho a outubro, a Liga apresentou uma tabela que foi divulgada pelo Diario de
Minas, de 19 de junho, na qual haveria um jogo por semana.
764
Durante todo esse período, a
maioria dos jogos foi divulgada, em detalhes, por diferentes cronistas do Diario de Minas.
Disputando sete partidas, nas quais venceu cinco, empatou uma e perdeu também
uma, o Athletico foi consagrado campeão do primeiro campeonato oficial da Liga
765
, antes
mesmo do fim do campeonato. Assim, ficava, “por mais uma vez, mantido o seu bastão de
‘campeão mineiro’, que tão victoriamente vem empalmando desde 1912”.
766
A vitória do
Athletico foi assim comentada pelo cronista Arthur Pinto (Arthpin):
Ao traçar essas linhas, alegro-me por sentir que o sportismo aqui progride a
passos largos e orgulho-me, vendo que não cahiu em terreno safaro todo o
esforço em prol do sportismo que o obscuro traçador destas linhas, ao lado
de Jair, de Morethson, de Sigaud, de Aleixanor e de tantos outros mais, tem
empregado.
Actualmente Bello Horizonte já possui vida sportiva [...].
767
Nas palavras do cronista, que também era um sportman, pode-se destacar o interesse
presente no desenvolvimento do esporte por um grupo da cidade, que por intermédio dele, já
se criara uma “vida esportiva” em Belo Horizonte.
Esse primeiro campeonato foi organizado com os primeiros e segundos times dos
clubes, ficando o Athletico campeão do “1
o
team” e o Yale do “2
o
team”. A Liga realizou no
mês de janeiro seguinte uma seção solene para a entrega das taças aos vencedores.
768
Segundo o cronista do Diario de Minas, “não será exaggero affirmar que a era do
‘sport’ começou para a nossa capital”.
769
Nas notas sobres os jogos do campeonato, algumas representações podem ser
observadas nos comentários dos cronistas, dentre elas: a visão de que football atraía o que a
cidade possuía de mais elegante; a censura a jogadores que não apresentavam uma boa
disciplina em campo, pois não cumpriam as “regras do jogo e as do bom tom”; e o grande
764
SPORTS. Diario de Minas, 19 jun. 1915, p. 2.
765
ZILLLER, 1997, p. 36.
766
FOOT-BALL. Diario de Minas, 21 nov. 1915, p. 2.
767
ARTHPIN, Sport... Diario de Minas, 8 out. 1915, p. 2.
768
SPORT. Diario de Minas, 26 jan. 1916, p. 2.
769
SPORT. Diario de Minas, 5 jul. 1915, p. 1.
263
número de espectadores e o interesse das senhoritas, o que era de se admirar, pois,
notadamente, era “sabido o desamor com que em Bello Horizonte se encaravam cousas de
‘sport’”.
770
As senhoritas belo-horizontinas não só se interessaram pelo football, como
também promoveram uma festa em homenagem ao clube vencedor.
Um grupo de senhoritas da nossa elite social quis comemorar com uma festa
de esplendor a victoria do ‘Athletico Mineiro’, no campeonato desse anno.
Assim, promoveram uma encantadora ‘soirée’, na residência de d. Alice
Neves, á qual compareceram todos os sócios do Athletico a quem era
offerecida a festa, bem como elevado numero de senhoritas que emprestaram
á [festa] um fulgor de excepção.
O baile começou cheio de vida e alegria [...].
771
Os jogos, até então, eram eventos sociais da elite mineira, que festejavam não só no
campo esses encontros seletivos, mas também fora dele. Houve nessa festa homenagens ao
clube.
Á meia noite, o talentoso acadêmico Vicente Risola, commissionado pelas
senhoritas, proferiu imaginoso discurso, offerecendo ao Athletico aquella
deliciosa festa e um belo tinteiro de prata, como lembrança do seu triumpho
vibrante no campeonato deste ano.
Pelo club respondeu o sr. Antônio Antunes.
772
Assim, os jogos realizados no Prado Mineiro, naquele momento, eram ainda muito
elitizados, pois apareciam nos jornais sempre referenciados como sendo apreciados por “uma
enorme e selecta concurrencia”, como o jogo do Athletico Mineiro e o Grambery, de Juiz de
Fora, que A Nota, na sua seção Telas, ribaltas & Sports referência.
773
Como um divertimento,
o esporte constava da seção deste jornal, que noticiava cinemas e teatros, todos eles
responsáveis por proporcionar lazeres na cidade. Esse jogo também foi destacado pela revista
A Vida de Minas, que, cujas fotos sobre o evento mostram arquibancadas repletas de
espectadores que, na saída do estádio, são representados por homens e mulheres
elegantemente vestidos.
770
SPORT. Diario de Minas, 5 jul. 1915, p. 1.
771
SPORTS. Diario de Minas, 23 nov. 1915, p. 2.
772
SPORTS. Diario de Minas, 23 nov. 1915, p. 2
773
SPORT. A Nota, 8 set. 1915, p. 2.
264
FIGURA 39 – O match realizado no dia 7 de setembro entre o Athletico Mineiro e o Granbery
Fonte: A VIDA DE MINAS, a. 1, n. 5 e 6, 30 set. 1915.
265
FIGURA 40 – Saída do público depois de um match de football no Prado Mineiro
Fonte: A VIDA DE MINAS, a. 1, n. 5 e 6 30 set 1915.
A criação da Liga coincide, assim, com um momento de grande interesse em Belo
Horizonte pelo football. Nesse período, vários times começam a aparecer na cidade,
mostrando sua presença também nas escolas. As ruas da cidade aparecem, em 1916, não só
como o lugar predileto da “petizada” para fazer seus jogos, mas também apropriadas por
jogadores que faziam delas seus “fields”, nos domingos, como mostra O Papagaio:
Sabemos que haverá, hoje, á 1 hora da tarde um grande match, na avenida
Affonso Penna. Tomarão parte nesse match os jogadores que custamam
(sic)
trenar na rua S. Paulo e na Av. São Francisco.
O sr. Prefeito estará presente.
774
Mas essa apropriação nem sempre era bem recebida na cidade, como mostra uma
reclamação publicada no Diario de Minas de que “um numeroso grupo de marmanjos instalou
um club de foot-ball justamente em um dos canteiros do Jardim da Boa Viagem, estando o
774
FOOT-BALL. O Papagaio, 25 jan. 1916, p. 2.
266
gramado já quase completamente extinto”. É fato que esses jogadores também eram
“exímios” atiradores com bodoques, que não perdiam nenhum passarinho e também as janelas
das casas da vizinhança. Mas a reclamação pedia uma “enérgica providência” para terminar
de vez com os abusos dos marmanjos desocupados.
775
Os “marmanjos desocupados”, obviamente, deviam ser das classes populares, a quem
a cidade não oferecia espaços para as suas práticas de lazer. Para conquistarem o direito ao
esporte e à cidade, sempre entravam em conflitos com os moradores da zona urbana, que,
comumente, desqualificavam as suas práticas. Os vidros quebrados poderiam ser a expressão
de irreverência diante das suas exclusões.
Assim, havia naquela época uma febre de football, que foi se alastrando na cidade.
Nos seus diversos times, a troca de jogadores era evidenciada. Esta era uma das características
modernas: a livre participação. Merece uma pesquisa mais aprofundada, no entanto, para o
entendimento sobre os clubes que foram criados como o Sport Club, em janeiro de 1916
776
, no
qual figuravam jogadores do Athletico e do Sports Hygienicos, que aparecem meses depois
jogando pelo Club de Sports Hygienicos, como Testi, Camardelli, Sigaud, destacados na
mudança do 1
o
time, que se apresentava assim como mais forte.
777
A competitividade passou a ser cada vez mais exacerbada, fazendo com que os
sportmen fossem perdendo a cordialidade e o cavalheirismo até então existentes. No ano de
1916, a própria imprensa, ciente da sua influência no desenvolvimento do esporte na cidade,
começa a se preocupar com a imparcialidade diante da competitividade, que passou a ser
caracterizada nos jogos do campeonato da Liga:
No intuito de trazer o nosso publico bem informado sobre a evolução que vai
tendo entre nós o ‘football’, fazendo ao mesmo tempo a critica do jogo dos
diversos clubes que disputam o campeonato deste anno, resolvemos convidar
pessoa competente para tal fim.
Não é preciso accentuar que a maior justiça e imparcialidade da apreciação
dos factos, serão mantidos em toda linha; removendo-se, de vez, o
inconveniente da publicação de communicados, quase sempre irados de
paixão partidaria, e que, longe de corrigir erros porventura observados no
jogo, servem de elementos à discórdia, entre os diversos clubs, chegando
mesmo ao terreno pessoal, com grave prejuízo da disciplina e do progresso
de tão importante ‘sport’.
775
RECLAMAÇÃO. Diario de Minas, 15 mar. 1918, p. 1.
776
SPORT Club. Diario de Minas, 1 fev. 1916, p. 2.
777
CLUBS ORTS
(sic)
Hygienicos versus Yale Athletic Club
,
1916, p. 2.
267
Acceitam-se nesta secção todas as consultas e reclamações que sobre o
‘football’ se dignarem fazer os interessados, tanto na parte científica do jogo,
como na sua pratica, tendo-se em vista o nosso meio.
778
Essa acentuada competitividade, que ainda não havia aparecido até então, passava a
ser uma das atenções dos “referees”, que eram escolhidos entre os jogadores dos clubes, os
quais tinham ao seu encargo “uma tarefa bastante espinhoso
(sic),
devido não só a conflagração
existente entre os Clubs filiados á Liga, como tambem, ao inconveniente jogo da brutalidade,
quase usual em jogos do campeonato da Liga”.
779
Marques Maricas, na revista Vida de Minas,
fez uma analogia da vida com o football: “a vida é como um campo de Foot-ball: vence quem
da melhores couces”.
780
Essa agressividade vista nos jogos passou a influenciar os habitantes da cidade, como
relata o cronista que assinava como Vigilante, ao retratar uma partida do Athletico com o
Yale, em que houve agressões sem maiores conseqüências. O jogo havia permanecido
empatado durante quase todo o tempo, mas no final da partida o Athletico marcou um gol,
vencendo a partida. Saindo “radiante” do jogo, os atleticanos foram “homenageados” por
alguns moleques, que, na passagem do bonde, atiraram uma saraivada de pétalas... de
pedras.
781
O sintoma da violência fora do espetáculo começava a fazer parte constitutiva dos
impulsos agressivos estimulados pelo jogo.
Na busca da vitória, algumas artimanhas passaram a ser realizadas. Quase no final do
campeonato de 1916, os clubes Athletico Mineiro e Sports Hygienicos apresentaram à Liga
uma proposta de fusão, que, colocada em votação pela sua mesa diretora, foi aprovada.
Alguns cronistas de As Alterosas, como Abel e Arthpin, posicionaram-se veemente contra a
atitude da Liga que daria privilégios ao Athletico para se fortalecer, tendo em vista a disputa
final com o America.
782
No protesto de Arthpin (Artur Pinto), que na época era secretário
interino da Liga, ele diz que, ao ser consumada
a inominável patifaria, a inqualificável immoralidade da fusão dos clubs [...]
nos derradeiros dias do campeonato, com o escopo exclusivo de organizarem
forças dispersas para indignamente enfrentar um club que tem por norma
combater dignamente.[...] resta-me, na qualidade de um dos responsáveis
pelo andamento da Liga, embora interinamente, na qualidade de
propugnador indefeso da causa do sportismo, o dever de consciência de
778
COMMERCIO & LAVOURA, 18 jun. 1916. Secção de Football, p. 2.
779
COMMERCIO & LAVOURA, 18 ago. 1916. Secção de Football, p. 2.
780
JOÃO do Rio, 1915, p.28.
781
VIGILANTE. Foot-ball, 1916, p. 2.
782
ABEL, A nota esportiva, 1916, p. 6.
268
protestar bem alto, contra essa traiçoeira punhalada desferida no que há de
mais caro n’uma agremiação – a moralidade.[...]
O requerimento da fusão, [...] vergonhosa e clamorosamente approvado,
assemelha-se a uma rodilha de fino estofo, acariciando nas suas tepidas e
macias dobras a horripilante víbora que há de dar o bote certteiro no
progresso da Liga, que há de macular o nome da suprema entidade directora
dos sports em Minas.
783
Nas palavras de Arthur Pinto, que foi jogador do Athletico, e que, em dezembro de
1916, assumiria a presidência do America, as duas sociedades “se aliaram como dous espiritos
do mal, para oppor obstaculos á marcha triumphante do America”, um clube que, “reforçando
os elos da franca camaradagem entre os moços da melhor sociedade” que constituem seus
quadros, “cuida do desenvolvimento physico de seus associados, na totalidade, quase de
moços que manejam as armas da intelligencia”, sem distrair suas atenções para “diversões
reprováveis”.
784
Para um defensor do esportismo, a valorização moral do resultado é que importava.
Essa era uma marca da concepção moderna original de esporte, em que “a moral dos
esportes” era vista como uma forma de “engrandecer a coragem e a virtude do homem”.
Segundo Vigarello essa visão virtuosa
dá às elites do fim do século o sentimento de dispor de recursos morais lá
mesmo onde ‘o direito divino dá lugar ao direito da razão’, onde a sociedade
laica deve mais do que nunca justificar uma moral. [...] ela faz existir um
novo Olimpo, um espaço de idealização fundado sobre os mesmos princípios
competitivos que o cotidiano de nossa sociedade, porém protegidos aqui por
uma exemplaridade explicitada e afirmada.
785
O campeonato de 1916, iniciado em maio, que foi disputado pelos times do Athletico,
do America, do Yale, do Sports Hygienicos, do Cristovão Colombo e do Sete de Setembro,
teve como campeão o America Foot-ball Club, que iniciava naquele ano a sua série de
conquistas que o levaria até 1925, com o título de Campeão Mineiro. Esse período invencível
deu ao America o título de decacampeão, “único no mundo”, como relata Abílio Barreto.
786
Esse campeonato foi marcado por situações que, segundo o presidente do Yale, José
Estrella Filho, o football estaria na cidade “em franco declínio ou accentuada decadência, de
nada valendo para conserval-o á altura do seu objetivo, os esforços persistentes das diversas
783
ARTHPIN, Notas esportivas, 1916, p. 3.
784
ARTHPIN, Notas esportivas, 1916, p. 3.
785
VIGARELLO, 2002, p. 60-61, tradução nossa.
786
BARRETO. Esportes de 1904-1937, [s.d.].
269
associações da capital”. Dentre as suas críticas, estavam as atitudes de alguns referees, cujas
parcialidades eram revoltantes e constituíram, sem contestação, “na nota deprimente do
torneio”.
787
Estava sendo construído, a partir de então, uma nova imagem para o jogo na cidade,
diferente daquela projetada pelos sportmen, que até então imprimiam nele, uma característica
refinada e cortês.
Mas além do campeonato da Liga, o football mineiro foi convidado a participar no
campeonato acadêmico de football promovido pela Alliança Academica do Rio de Janeiro. O
Club Academico de Belo Horizonte aceitou o convite e organizou “com muito critério, os
respectivos ‘scratch’
788
e contra ‘scratch’”.
789
A reportagem de A Nota fez a seguinte
consideração sobre a escolha:
Folgamos em registrar a boa organização de ‘scratch’, que, a nosso ver, é
indiscutivelmente o melhor que se pode reunir em Bello Horizonte, pois
obedeceu ella, unicamente, a competência de cada um dos seus elementos,
pondo de parte a ‘politicagem’que, em taes occasiões costuma prevalecer
com grande prejuízo do renome do football em nossa terra.
790
Como os clubes da cidade eram formados, em sua maioria, por universitários,
principalmente o America e o Athletico, de onde saiu a maioria dos jogadores para formar o
scratch acadêmico, esse pode contar com alguns dos melhores jogadores da capital. A
qualidade do time fez com que os acadêmicos da cidade fossem os campeões do torneio,
mostrando assim o desenvolvimento do football belo-horizontino.
791
Mas o football não podia ser visto somente pela “politicagem” que começava a reinar
nos jogos e a parcialidade existente em todos os níveis, desde os árbitros aos dirigentes e até
os cronistas, que, na maioria das vezes, eram jogadores dos times. Atitudes humanitárias
também foram encontradas nas ações dos clubes, como um jogo realizado entre o America e
equipe do Morro Velho, cujo resultado seria revertido em benefício da Cruz Vermelha da
787
ESTRELLA FILHO. A pedidos..., 1917, p. 2.
788
Formado por: Lincoln, Moura Costa, Mario Penna, Octacílio, Lé, Cainço (cap.), Borges, Britto, Mattos, Lott e
Mimi.
789
Formado por: Alberico, Luiz, Gusman, Octavio Penna, Hermetto, João Mello, Edson, Rodrigo, Monte,
Cezarino e Geraldo.
790
CAMPEONATO academico de foot-ball, 1916, p. 2.
791
CAMPEONATO academico, 1917, p. 3.
270
Itália.
792
O America também realizou um jogo com o Sports Hygienicos em beneficio das
obras da Matriz da Boa Viagem.
793
Nesse período de grande difusão do football na cidade, outros clubes apareceram nas
páginas dos jornais, mas não se têm muitas informações sobre eles, como o Commercial
Athletic Club, o Tiradentes Foot-Ball Club, o Provisorio F. C., o Flamengo F. C. e o
Imprensa Oficial, porque a cobertura esportiva se limitava a anunciar jogos citando somente
os times participantes, o local, a data e o resultado. Somente na década de 1920 é que jornais
esportivos, como o Minas Sport, começam a dar mais informação sobre os times criados não
só dentro, mas também fora da zona urbana, formados por operários.
O desenvolvimento do football e de outras modalidades esportivas na cidade pode ser
avaliado por meio do comércio belo-horizontino, que já conseguia oferecer materiais
necessários aos jogos, como no anunciado no Diario de Minas:
Foot-ball ‘Olympic’ ‘League’ e outros
Marcas, calçados, meias, camisas e todos os acessórios.
Raquettes, bolas e sapato para tennis.
Patins – de 12$000 a 35$000
Jogos de salão e campo
Casa Narciso – Rua da Bahia n. 1221.
794
Nesse ritmo de desenvolvimento é que foi criado, em 1917, o primeiro jornal
esportivo, que recebeu o nome de O Foot-ball.
795
6.4 O FOOT-BALL: O PRIMEIRO JORNAL ESPORTIVO
O Foot-ball era um semanário que teve seu primeiro número editado no dia 13 de
setembro de 1917 e o segundo, e provavelmente o último, no dia 21 do mesmo mês. Dirigido
pelo acadêmico de Direito e footballer Francisco Mattos, o jornal, criado num período de
grande desenvolvimento do esporte na cidade, mesmo apresentando somente duas edições foi
um marco, pois foi o jornal fundador da imprensa esportiva na cidade.
792
FOOT-BALL. Diario de Minas, 12 out. 1916, p. 2.
793
BARRETO. [s.d.]. ABPi 7/061 cx. n. 36.
794
FOOT-BALL, olympic, 1916, p. 2.
795
FOOT-BALL. Diario de Minas, 9 set. 1916, p. 2.; SPORTS. Diario de Minas, 14 jun 1917; BARRETO,
Diccionario…, [s.d.].
271
Seus objetivos foram assim explicitados:
Aparece, hoje, nesta capital, O FOOT-BALL. Jornal essencialmente
esportivo, tendente a desenvolver, na proporção dos seus esforços, o
enthusiasmo da nossa mocidade pela cousas de tão atrahente quão salutar
divertimento, cuja origem foi embalada nas terras longínquas da loira
Albion, O FOOT-BALL será, por isso mesmo, um jornal de moços, eivado,
portanto, de qualquer sentimento maldoso, qualidade, aliás, que o coração da
juventude, na grandeza e belleza dos seus sentimentos, não pode comportar...
Atirando, hoje, a publicidade, este primeiro numero, pode nos garantir aos
novos jovens leitores e queridos "sportmem" que vae, nelle, todo o calor de
uma esperança, todo um esforço despendido, todo o enthusiasmo de uma
alma moça!
E esta alma, que é forte, porque pertence a juventude e desconhece, portanto,
os empecilhos da dificuldade, lança-se, repleta de fé, nos braços dos jovens
amigos do grandioso e triumphante sport bretão, esperando, da sua parte, o
apoio moral, que é sempre bom e animoso, para a vida regular do novo
jornal.[...]
Assim, só nos resta agradecer ao amável leitor a distincção que, por acaso,
nos dispensar, e nós, mandando lhe, hoje, o primeiro numero do O FOOT-
BALL, dar-nos-emos por ditosos e felizes, se o nosso jornal puder cooperar,
efficazmente, para o progresso constante do movimento sportivo de Minas
Geraes, envolvendo-o no surto grandioso das conquistas e dos triumphos.
796
O jornal se constituía como uma forma de incentivo ao progresso do sport em Minas,
que era visto como “um atrahente quão salutar divertimento”, que proporcionava um novo
estilo de vida, para um público adepto desta prática, que eram os “jovens”. Segundo
Sevcenko, esta expressão adquire uma conotação toda especial e uma carga prodigiosa de
prestígio, cuja filosofia era: “ser jovem, desportista, vesti-se e saber dançar os ritmos da moda
é ser ‘moderno’, a consagração máxima”.
797
Mas, a partir dessa nova ordem cultural, já se
podia ver, sendo incutido, um novo sentido aliado ao esporte na cidade: a visão patriótica,
como na nota endereçada “aos nossos governantes”:
A assistência, que encheu literalmente as espaçosas archibancadas do Prado
Mineiro no domingo dia 2, no jogo realizado entre o C. Regatas do
Flamengo e o América F. Club, assistência fina, a verdadeira síntese da
nossa melhor sociedade, prova, por demais, que o foot-ball é um ‘sport’, não
só vitorioso, como predilecto.
É preciso que os nossos governantes volvam suas vistas, auxiliando, não so
material, como moralmente, a esse esporte.
796
O FOOT-BALL. Bello Horizonte. 13 set. 1917, p. 1.
797
SEVCENKO, 1992, p. 34.
272
Demais, o ‘sport’ com especialidade o ‘foot-ball’, presta indubitavelmente
um serviço de propaganda á nossa Patria.
E esta verdade já reconhecida a nosso saudoso Rio Branco, que encarava
tambem o ‘sport’ como meio de aproximação dos povos.
Tomemos, corno exemplo, a celebre victoria que os brasileiros levantaram
sobre os profissionaes do ‘Exeter City’.
Club dos mais afamados da Inglaterra, quiçá do mundo, com essa victoria as
linhas telegraphicas, por certo levaram, o nome do Brasil a todas os centros
em que se pratica o ‘sport’.
Um bom movimento, srs. do governo; irritem os governos de todos os povos
civilizados...
O interesse da “fina assistência” e a propaganda patriótica eram motivos mais que
suficientes para sensibilizar os Poderes Públicos para auxiliar o football. Essa visão de
agregar todos os cidadãos em torno da nação, mediante a construção de laços de
pertencimento capazes de difundir um sentimento de brasilidade foi uma tônica que teve seu
marco a partir da Abolição e da Proclamação da República. No final do século XIX e início
do XX, houve um grande investimento da elite intelectual do Brasil em revelar a verdadeira
face da Nação e de traçar suas linhas de força para o futuro.
798
Nas análises de Tânia de Luca,
o credenciamento para essa tarefa provinha de uma “suposta qualificação para desvendar as
regras de funcionamento social e desse modo formular, a partir de dados e critérios objetivos,
políticas de ação”.
799
Seus discursos científicos-nacionalistas eram uma verdadeira ideologia
política, mas os encaminhamentos nascidos das diversas formas de compreender e definir a
questão eram de múltiplas ordens. Foi produzido um saber eclético, mas que se queria
universal, pois se tratava de conceber uma unidade e uma identidade para o Brasil que
representasse valores da elite nacional. A esse respeito, Luciana Murari analisa que “no caso
brasileiro, podemos supor que, ao contribuir para a formação da identidade da elite nacional,
da qual eles próprios faziam parte, estes intelectuais definiram o terreno da supremacia,
legitimaram e ‘naturalizaram’ diferenças sociais e históricas”.
800
Assim, a imagem nacional
acaba correspondendo, na visão desses intelectuais, à redução do diferente e do dissidente ao
único. O princípio civilizador passa a ser imposto pelas elites, detentoras do saber e do poder.
798
A afirmação da nacionalidade tornara-se um ideal para intelectuais do país, como: Tobias Barreto, Sílvio
Romero, Clóvis Beviláqua, Artur Orlando, Graça Aranha, Araripe Junior, Capistrano de Abreu e Rocha Lima
identificados com a chamada “Escola do Recife”. Além desse grupo, José Veríssimo, o médico baiano
Raimundo Nina Rodrigues, Manuel Bonfim, Euclides da Cunha, dentre outros.
799
DE LUCA, 1999, p. 19.
800
MURARI, 1995, p. 212.
273
E esse sentimento patriótico, naquele princípio do século XX, teve uma grande força
aglutinadora, depois das tensões nacionais vividas na Primeira Guerra Mundial, em 1914.
A ligação do nacionalismo com o esporte, após as primeiras disputas internacionais,
como o exemplo citado pela reportagem, levava esse sentimento patriótico quando nações se
enfrentavam. A identidade brasileira ia se constituindo, também, nos campos de football. O
jogo em questão foi realizado no Rio de Janeiro, em 1914, entre o combinado brasileiro e o
Exceter City, vencido por 2 X 0 pelos brasileiros.
801
A partir de então, como relata Marcelo Proni, “à medida que aumentavam o interesse
e a notoriedade do futebol, seu controle político e sua vocação para intercâmbio internacional
passaram a depender, cada vez mais, da capacidade de organização institucional”.
802
Com
isso, nesse período, foram criados, inicialmente, em 1914, dois órgãos para dirigir os esportes
no Brasil: o Comité Olímpico Internacional e a Federação Brasileira de Esportes. Em 1916,
surge a Confederação Brasileira de Desportos, fruto da transformação da Federação Brasileira
de Esportes.
803
A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) tinha por objetivos “unificar as
associações esportivas, formar seleções nacionais e comandar a participação de equipes
brasileiras em torneios internacionais”.
804
Um dos assuntos da 2
a
edição do O Foot-ball foi o Campeonato Sul-Americano, do
qual participariam brasileiros, chilenos, uruguaios e argentinos. O cronista chamava a atenção
para a prova, “pela qual todo brasileiro dev[ia] se interessar, dada a importância que ella se
revest[ia]”, pois os nossos jogadores estariam cumprindo “um dever honrado” de elevar o
glorioso nome do Brasil.
805
Como forma de incentivo ao esporte na cidade, O Foot-ball apresentou um dos
problemas mais significativos enfrentados na capital, que era a falta de um campo com boas
condições de uso. Dimensões legais, perfeitamente nivelado e bem gramado eram
necessidades básicas que o Prado Mineiro, campo utilizado para os jogos, por ser o único que
oferecia comodidades para os espectadores, não possuía. A expectativa de seus redatores era
de que o novo presidente da Liga, J. Marcondes Ferraz, conseguisse, na cidade, um campo de
que fosse condizente com o seu desenvolvimento esportivo.
801
MARINHO, 1952, v. 2, p. 102.
802
PRONI, 2000, p. 104.
803
MARINHO, 1952, v. 2, p. 101-119. Segundo Marinho, a transformação da Federação Brasileira de Esportes
se verificou em virtude de divergências surgidas com a Federação Brasileira de Futebol, fundada em São
Paulo.
804
PRONI, 2000, p. 104. O autor cita que a CBD fixou sua sede no Rio de Janeiro e passou a ser comandada por
homens da elite carioca.
805
CAMPEONATO Sul-americano, 1917, p. 2.
274
O jornal apresentava, também, seções, como “Diz-se”, “Cousas Impossíveis”, “Caixa
do ‘O Football’” e “Retratos a cryon”, que revelavam peculiaridades do cotidiano vivido
pelos atletas de football, tratadas de forma humorística ou como fofoca, mas que eram
representações da realidade vivida na cidade, como: Diz-se “que o campo do Prado é o
melhor da América do Sul, por ter uma especialidade – a poeira.”, ou entre as “cousas
impossíveis” figurava o “congraçamento de football em Bello Horizonte”. Na “Caixa do ‘O
FOOTBALL’” eram vistos recados para os atletas e “Retratos a crayon” eram destacadas as
característica de um sportman. Todas essas formas humorísticas simbolizavam um laço que
unia todos no objetivo comum: o football.
Poesias que retratavam os jogadores, assinadas por Franelli, também tinham espaço no
jornal. No seu primeiro número, o Footballer em Foco foi o redator chefe do jornal, Francisco
Mattos.
Esperto e tão veloz como um veado,
Da linha americana é o primeiro;
Quando vae com a ‘pelota’ disparado
O ‘half’deixa atraz , por mais ligeiro
‘shoot’firme elle dá com pé de mestre,
E de seu jogo, enfim como producto,
Correndo, pula qual um fino eqüestre,
Apanhando ‘chambões’do Yale bruto.
Elegante rapaz com bizarria,
Preferindo as ‘gurys’em demasia,
Vejo o no Cine Odeon, as namorando.
Uma cousa mais que eu aponto:
É de se lhe notar, no Bar do Ponto,
A grande ‘pose’ de bacharelando.
Franeli
Mas, apesar do desenvolvimento do esporte, a cobertura esportiva não contemplava a
extensão desse fenômeno na cidade como um evento social. As representações em torno dele
partiam de uma visão biologicista, ostentando o seu valor somente como um instrumento para
o desenvolvimento moral e físico dos indivíduos. Na construção social, o homem passa a ser
explicado e definido nos seus limites biológicos, como na reportagem intitulada O Football:
A transformação de rachiticos corpos na admirável conformação de um
athleta, ou mesmo nas sympathicas ostentações corpóreas do sportman, é
uma das mais patentes e perceptiveis das utilidades dos sports.
275
Mas, nem sempre, essa transformação de corpo é operada com harmonia no
desenvolvimento de todos os orgams.[...]
O football exerce a sua influência sobre quasi toda a composição do corpo,
com excepção dos braços, não se considerando a posição de ‘keeper’.[...]
Mas, como não há nada perfeito, para que o foot-baller obtenha symetrica
ampliação dos músculos, necessita de recorrer a outros sports, como, por
exemplificação commum, a gymnastica.[...]
Uma das melhores vantagens do sport bretão, que hoje mais razoável se
podia chamar sport brasileiro, é fazer desaparecer as banhas para ceder logar
ao desenvolvimento dos músculos.[...]
Isso é um resultado hygienico, alem de ser apreciável contingente á a
conservação da saúde. A gordura é prejudicial ao homem sob aspectos
múltiplos e variados, inclusive sob o da facilidade de locomoção.
806
Essa visão de um corpo sadio, valorizado pela imprensa, estava aliada à proposta de
modernização social que o Estado republicano pregava e que permeou os discursos sobre a
cidade desde a época da Comissão Construtora, quando o fortalecimento de teorias higiênicas
ganhou enorme difusão, assumindo o caráter de uma disseminada e abrangente ideologia.
Para uma sociedade higiênica e saudável, eram necessários corpos sadios. E a prática
esportiva era uma forma civilizada de conseguir esse objetivo. Sobre essas questões, Carmen
Soares afirma:
A abordagem positivista de ciência e a moral burguesa estiveram na base das
propostas de disciplinarização dos corpos, dos hábitos e da vida dos
indivíduos. Tudo em nome da SAÚDE, da paz e da harmonia social... em
nome da civilização!
807
Essa abordagem de ciência, ao longo dos séculos XVIII e XIX, contribuiu para colocar
a burguesia no poder, constituindo-se num canal de veiculação da visão de mundo dessa
classe, dando justificativas para seu modo de ser e viver. Ela realizou o que se podia nomear
como uma naturalização dos fatos sociais, criando um “social biologizado”. Adotando um
modelo de conhecimento mecanicista, baseado na física e, principalmente, na biologia e na
história natural, produziu um conjunto de teorias que justificavam as desigualdades sociais
pela via das desigualdades biológicas, portanto “desigualdades naturais”.
808
Não era o homem
antropológico o centro da sociedade, e sim o homem biológico.
806
O FOOTBALL. O Foot-Bal, 13 set. 1917, p. 3.
807
SOARES, 1994, p. 86.
808
SOARES, 1994.
276
Essa visão reflete na postura da imprensa e foi também foi revelada na 2
a
edição de O
Foot-ball, como vinham sendo apresentadas as suas representações de esporte, onde corpos
robustos e fortes, e valores aliados à civilização grega eram sempre evocados para dar mais
respaldo às práticas esportivas. Essa atitude se baseava no fato de que na Grécia, como já
escrevera Rui Barbosa em 1882, “além de preparar, de geração em geração, uma juventude
sadia no corpo e na alma [...] essa era a base da prosperidade dos estados. [...] Em toda a
Grecia essa [...] educação não devia correr ao sabor das famílias, mas pertencia ao Estado”.
809
Essa era uma estratégia que o jornal usava para sensibilizar o presidente de Minas, Delfim
Moreira, como protetor do esporte no Estado. O jornal assinalava:
O sport (e isto é geralmente sabido) foi, em todos os tempos, uma das mais
bellas manifestações da robustez de um povo forte e grande.
Atravéz a Historia, buscamos sempre factos de memorias celebradas, em
relação directa com os diversos ramos do sport, tal como, a nossos olhos, se
apresenta a belleza antiga e fulgurante da gloriosa Héllade, a terra tradicional
do cavalheirismo de outr’ora e um dos mais beneficos berços em que,
tempos passados se embalava o amor pela cultura physica, complemento
indispensavel da cultura inte1ectual.
Os celebres jogos olympicos, por exemplo, na vetusta e tradicional Athenas,
attrairam sempre, si bem que em épocas remotas a attenção dos jovens filhos
da terra dos philosophos e dos generaes, e os seus proprios governos
incentivaram esse enthusiasmo, não só moral como materialmente.
Por que, pois, nós, que desejamos ver o sport, em nosso Estado, repleto de
triumphos e alcançando o seu escopo almejado – a robustez da mocidades –
não havemos de nos dirigir á figura illustre do sr. Dr. Delfim Moreira,
pedindo-lhe acolhida para os écos das nossas palavras?
O exmo. Sr. Dr. Delfim Moreira, que, na presidencia de Minas, acabou de se
revelar um estadista perfeito, um administrador criterioso e honrado, um
politico tolerante, porém energico, um grande amigo, enfim, da nossa terra, o
que, aliás, se evidencia pelo brilhantismo e fecundidade do seu governo,
sempre patriótico, sempre laborioso, não ficará de certo, insensível á voz
entusiastica da mocidade e, naturalmente, neste final glorioso da sua
assignalada administração, S.Ex. irá beneficiar o progresso do sport em
Minas Gerais.
810
Os conhecimentos históricos do redator deixavam a desejar, pois os Jogos Olímpicos
da Antigüidade eram realizados na cidade de Olímpia, e não Atenas, como relatado. Mas essa
809
BRASIL. 1883, p. 123.
810
O FOOT-BALL, 21 set. 1913, p. 1.
277
prática de invocar a Antiguidade clássica, principalmente para sensibilizar apoios políticos,
virou costume da imprensa na cidade.
O jornal O Foot-ball não tratava somente de assuntos ligados aos sportmen e ao
football. Os corpos femininos aparecem tanto como sportwomen quanto como torcedoras.
Além do interesse feminino pelo football, que era uma grande motivação para os jogadores
verem a presença de torcedoras no campo, o jornal apresentou uma grande reportagem sobre
os jogos da Escola Normal relatando as atuações das sportwomen, como referenciada no 5
o
capítulo.
Em relação aos espectadores, o jornal, na sua segunda edição faz também uma crítica
aos “torcedores inconvenientes”:
Como fonte de quasi todos os distúrbios nos ‘matches’de ‘football’, temos,
infelizmente, a assistencia apaixonada, isto é, o infalível e inevitável grupo
dos torcedores ‘enragés’ que, pondo de parte todas as conveniências sociais,
mostra abertamente, a sua pouca educação, já arvorando-se em juizes, dando
os seus pareceres, quasi sempre descabidos e parciais, já manifestando o saiu
aborrecimento nos lances e investidas contrarias ao seu partido.
Certo, não fallamos de todos os espectadores do ‘football’, pois, se assim
fosse, transformados estariam, em pouco tempo, os nossos ‘matches’ em
authenticas touradas.
Não obstante, infelizmente, devéras numerosa é a classe dos elementos
desordeiros de que aqui fallamos.
Raro é o ‘match’ de ‘football’ que, entre nós, se realiza, calmamente, sem as
vergonhosas scenas que o partidarismo arma onde quer que seja,
desrespeitando todos os bons costumes e desmentindo, assim, os foros de
civilização que nos attribuem [...]
Quando praticado com delicadeza, ou melhor, conforme ordenam as
pragmáticas da civilidade, o ‘football’ é, por certo, um jogo admirável, que
encanta, dada a technica estupenda de que se reverte.
811
O football, naquele final da década de 1910, já tinha conquistado uma popularidade na
cidade, mas a imprensa continuava a assinalar somente a presença elegante de espectadores,
não levando em conta que, se havia um progresso esportivo e a cidade estava crescendo, o
público que ia aos jogos também teria que crescer e diversificar. Mantendo um discurso
elitizado, ele procurava assinalar as identificações do jogo civilizado que a cidade deveria
promover. No entanto, fazia questão de assinalar o progresso esportivo na cidade.
811
AOS TORCEDORES..., 21 set. 1917, p. 2.
278
‘O football’, esse salutar sport sobre cuja origem ha tantas divergências, por
nós importado da loira Albion, bem como todos os outros exercícios ao ar
livre, é o sport preferido dos brasileiros, que têm demonstrado dispôr, para o
mesmo, de raras aptidões.
Não obstante estar ainda em um período embrionário, attendendo-se ao
pouco tempo em que foi adoptado em Minas, todavia não muito longe
estaremos de marchar, também na mesma linha de que fazem parte Rio e
São Paulo, no que diz respeito ao progresso e generalização do Sport.
A mocidade mineira, que ate bem pouco tempo desconhecia por completo,
qualquer sport, desperta, por fim, da sua indiferença e entrega-se com ardor
ao nobre trabalho do aperfeiçoamento de sua raça e desenvolvimento da sua
vitalidade!
Construir uma nação brasileira civilizada e racialmente superior era o projeto que
sanitaristas e eugenistas buscaram implantar na virada do século XX. O progresso que a nação
desejava deveria ser conquistado por um povo que construísse traços civilizatórios e raciais
condizentes com as aspirações do momento, e a prática esportiva seria um excelente elemento
que propiciaria o desenvolvimento desses traços.
Em síntese, o jornal O Foot-ball, por meio de suas reportagens, mostrou-se um meio
de valorização de um grupo restrito, cuja prática legitimava os valores que a cidade, desde a
sua concepção, buscava implantar. Tais valores eram pautados por um projeto de
modernização que se fazia elitizado e excludente, como vinha sendo a postura da imprensa até
então.
Outro jornal esportivo surge em 1918: O Treno.
6.5 O TRENO: UM JORNAL ESPORTIVO E LITERÁRIO
Visando acima de tudo, esforçar se o quanto possivel em prol do
desenvolvimento do sport em nosso meio muito especialmente o foot-ball,
procurando, ao mesmo tempo, a fundir no cadinho da harmonia e da
solidariedade os componentes dos diversos clubs daqui, entre os quaes como
é sabido, existe, máo grado nosso e de muitas outras pessoas que com os
mesmos vivem em contacto, uma certa divergência, ou rivalidade mesmo,
podemos adiantar, surge, hoje, na arena jornalistica o primeiro número d’ ‘O
Treno’.
812
812
O TRENO, 30 mar. 1918, p. 1.
279
Criado com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do esporte,
principalmente na busca da harmonia e solidariedade entre os jogadores dos diversos clubes,
O Treno aparece na cidade com a confiança de merecer o apoio do publico belo-horizontino,
que convivia com um grande desenvolvimento esportivo, no qual um jornal do gênero seria
uma necessidade. O redator esperava que, com “o apoio do povo bello-horizontino”, o jornal
seria “em breve um jornal chic e indispensável na sociedade”.
813
Mas na sua 2
a
edição já se
podia sentir a decepção do redator pelo não acolhimento esperado pelo jornal, que não passou
da sua terceira edição. Mesmo sendo um jornal que contava com vários anúncios
publicitários, na metade de sua 3
a
página e em toda a 4
a
quarta, O Treno não conseguiu se
consolidar na cidade.
Na sua primeira reportagem, ao retratar o presidente da Liga, Marcondes Ferraz, O
Treno revelava valores que permeavam a administração do esporte na cidade.
[...] como administrador criterioso e de alta visão, [...] unicamente revelar a
sua capacidade de trabalho profícuo, pelo qual a mão destra e firme, sabe
guiar os destinos da Liga para consecussão do seu ideal, neutralizando por
egual os germens nocivos da indisciplina e rivalidades aggressivas,
inoculadas no organismo das nossas sociedades esportivas por máos
elementos.
814
As características do presidente da Liga, ressaltadas pelo cronista do jornal,
reafirmavam e fortaleciam o projeto edificado para a cidade, no qual não bastava controlar
racionalmente a saúde, mas, principalmente, regular, disciplinar e moralizar o corpo social. A
disciplina corporal era uma forma de tornar os corpos dóceis e submissos, sob a ótica do
poder, que teria a capacidade de neutralizar toda e qualquer influência, por ele considerada
“negativa”. E a “disciplina e o caracter dos “footballers” também foram apresentados pelo
jornal:
O ‘football’ é um ‘sport’ tão imprescindivel ao preparo physico da
mocidade, que em todos os paizes cultos, elle se tem imposto como uma
necessidade pode-se dizer vital.
No Brasil, entretanto, si bem que a sua força se tenha desenvolvido com
enorme abundancia de vida, todavia em regra, sob o ponto de vista da
disciplina e do caracter, conserva-se em estado embryonario, porquanto, não
é somente o cultivo do exercicio physico em seus effeitos materiaes, que
deve constituir o escôpo da mocidade, pois, a par delle convem se alinhar a
813
O TRENO, 30 mar. 1918, p. 1.
814
O TRENO, 30 mar. 1918, p. 1.
280
questão moral, base elementar do systema de educação physica, sem o que,
as associações sportivas não poderão persistir convenientemente.
Referindo-se ao caso particular das sociedades de ‘football’ de Bello
Horizonte, notamos que os membros em regra, não conservam entre si este
espirito de amor e lealdade ao seu club, onde muitas vezes beberam os
conhecimentos que têm de tão importante ‘sport’, pois, a menor
contrariedade passam-se com armas e bagagem para o club contrário e
muitas vezes inimigo do seu.
Este facto destituido de moral, reduz as associações a um estado de
ignominia permanente, pois, sabido é que a deslealdade e a indisciplina em
uma associação qualquer, representam o melhor material para a sua
dissolução.
Oxalá que uma nova era de paz e concórdia, tendo por bases a lealdade e
disciplina, venha congregar em um só pensamento todos os membros das
associações esportivas da capital mineira, para que em um futuro não
remoto, se dispersem de uma vez os males que pezam sobre a suas
sociedades de ‘football’.
Lafa
815
A citação é longa, mas significativa. Naquele início de século, a educação física era
compreendida como um sinônimo de saúde, fisica e mental, como promotora da saúde e como
regeneradora das raças e das virtudes morais. O cronista de O Treno não deixava de
contemplar essa visão, mas para ele a questão moral era a base do seu sistema. Assim, a
disciplinarização e a moralização dos corpos deveria ser a sua tônica. Na época, o esporte era
visto como um agente moralizador, como se pode ver na concepção de Fernando de Azevedo,
em A poesia do Corpo ou a Ginástica Escolar, tese com que concorreu à cadeira de
Gymnastica e Educação Physica no Ginásio Mineiro, em 1916:
Os desportos são incontestavelmente um elemento moralizador; e a êles se
acha confiada a tarefa de desviar para as diversões úteis ao corpo e ao
espirito esta mocidade, outrora criança em processos rígidos e agora mesmo
ávida de sensações requintadas, que as cidades cada vez atraem para a
boemia com todos os seus encantos e sibaritismo. Os moços pelos desportos
se regeneram. Não há quem se afoite a lhes negar os benefícios por este
lado.
816
Mas a disciplinarização requerida ia além do que se pregava na época, uma vez que,
para o cronista, não se deveria permitir nem mesmo a liberdade de livre associação que o
815
LAFA, 1918, p. 3.
816
AZEVEDO,1915, p . 65.
281
esporte propiciava. A necessidade de regulação requerida pela lealdade imposta era uma
forma de construir uma “ordem”, “um só pensamento”, para o “progresso” da sociedade.
817
Além dessas representações, O Treno trouxe diferentes informações do esporte, como
entrevistas com o presidente da Liga, notícias sobre a Liga, sobre campeonatos e jogos, os
sportmen da semana, além de versos e humorismos com os jogadores, como a seção “Off-
sides” no amor.
Sobre o campeonato de 1918, o jornal citava o jogo do America com o Yale que
marcava o seu início, bem como os times inscritos, America, Athletico, Villa Nova, Sete de
Setembro, Yale e Luzitano, que se apresentaram com o 1
o
e o 2
o
teams. O quadro de juízes que
serviriam durante a temporada também foi citado, onde figuravam dois representantes de cada
clube.
818
Nas narrativas sobre os jogos, O Treno passou a detalhar horários de acontecimentos
importantes das partidas, como na partida entre o Athletico e o Sport: “varando-lhe o goal
pela segunda vez as 5 horas e dois minutos, com um shoot de Ernani, terminando o encontro
como o score de 2X0”. A reportagem apresentava, ainda, uma síntese final:
Durante o match verificou, contra o Athetico, no 1
o
half-time: 2 corners, 1
fouls, 3 offi sides e 1 hands, no 2
o
half-time: 1 corners, 1 fouls, 3 offi-sides e
1 hands. no 2
o
half-time: 1 corners, 3 fouls, 1 off-side e 3 hands. O Sport
teve, no 1
o
half-time: 2 corners, 1 fouls, 1 off-side e 2 hands , e no 2
o
half-
times: 3 corners, 3 fouls e 1 hands.
819
Os corpos femininos aparecem no O Treno somente como torcedoras. O jornal criou
uma seção intitulada FOX, na qual eram valorizadas não as suas habilidades como
sportwomen, mas a “beleza e a graça feminina” de torcedoras de algum time da cidade.
Assim, o sexo feminino era representado no jornal não numa situação de jogo, mas nas seções
do Odeon Cinema, que inspirou o nome da coluna, “em virtude de, em taes noites convergir
para lá, de todos os pontos de nossa ‘urbs’, o que, no genero, a sociedade horizontina possúe
de mais bello, mais elegante e mais selecto”.
820
Com O Treno apareceram outras modalidade denominadas sport que não foram
retratadas anteriormente. Na sua coluna, “Vocação Sportiva”, o cronista narra que “todo
indivíduo tem sua vocação para um sport qualquer. Quem não a tem para o ‘foot-ball’, tem
817
Ordem e progresso é o binômio essencial do positivismo.
818
O CAMPEONATO deste ano, 3 abr. 1918, p. 2.
819
O TRENO, 30 mar. 1918, p. 2.
820
O TRENO, 30 mar. 1918. Secção Fox, p. 2.
282
para o ‘tennis’, corrida em sacco, corrida de ganço, páo de cebo etc, o facto é que não ha
quem não tem a sua vocação”. Essas atividades, com exceção do tênis, apesar de terem sido
consideradas sport, pelo caráter de diversão e competição na época, nunca chegaram a se
constituir efetivamente em esporte.
821
O Club de Sports Hygienicos, criado em 1913, que aparece no Minas Gerais de
outubro de 1917
822
convocando seus associados para uma reunião em que seria discutida a
reorganização do mesmo, é citado no O Treno como uma sociedade extinta. Tal como a
maioria de clubes na cidade, teve uma vida efêmera. Na nota intitulada “Vida Sportiva”, o
jornal relatava que o presidente da Liga, Dr. Marcondes Ferraz, havia conseguido a cessão do
terreno do “antigo” Sports Hygienicos, localizado no Parque, no qual mandaria construir
campos de foot-ball, de lawn tennis, rink, tiro ao alvo, etc.
823
O campo de lawn tennis e o rink
só foram construídos no Parque em 1926. A Liga Mineira, que deveria dirigir esportes
terrestres, e não só o football, já aparecia tentando promover outras modalidades esportivas.
Notícias sobre o tiro foram dadas pelo Diario de Minas, em novembro de 1917, quando a
Liga Mineira “exclusivamente composta de rapazes pertencentes aos clubs sportivos” a ela
filiados havia fundado, na capital, uma linha de tiro.
824
Como forma de auxílio na gestão do esporte no Estado, a Liga Mineira havia instituído
uma subliga, na cidade de Juiz de Fora, que também aparecia nas páginas de O Treno. Um
jogo que mereceu grande destaque no jornal foi a disputa de uma taça oferecida pelo prefeito
da cidade, Afonso Vaz de Mello, que a Liga achou por bem fazer a disputa entre os scratchs
da Liga e da Subliga. Com a desistência da Subliga de participar do jogo, foi proposto em
encontro entre o scratch da Liga e o campeão de Bello Horizonte, o America Foot-ball Club,
para a disputa da Taça Dr. Vaz de Mello. Essa decisão foi significativa para explicitar a
animosidade que vinha existindo na cidade entre o Athletico e o America, uma vez que o
Athletico negou participar com alguns jogadores no scratch da liga. Como a disputa da Taça
era o marco do início do Campeonato de 1918, o jogo foi realizado sem a participação dos
jogadores do Athletico.
Assim, O Treno não mudou a linha que vinha sendo seguida pela imprensa na cidade.
Mantendo um discurso afinado com ideais positivistas que fundaram a cidade, o jornal
821
VOCAÇÃO sportiva. O Treno, 30 mar. 1918, p. 1.
822
CLUB dos Sports Hygienicos, 14 out. 1917, p. 7.
823
VOCAÇÃO sportiva.O Treno, 30 mar. 1918, p. 3.
824
LINHA de tiro, 1917, p. 1.
283
continuou mostrando práticas elitizadas, restritas e excludentes. Com uma proposta de um
jornal esportivo e literário, manteve-se essencialmente esportivo nas suas edições.
6.6 A LIGA MINEIRA DE DESPORTOS TERRESTRES
A Liga Mineira de Sports Athleticos, a partir de dezembro de 1917, aparece na
imprensa como Liga Mineira de Desportos Terrestres.
825
Não foram encontradas fontes que pudessem esclarecer a mudança, mas algumas
evidências podem indicar uma situação de crise. Segundo O Foot-ball, a Liga Mineira de
Sports Athleticos poderia ter vivenciado uma crise em 1917. A referência aparece em forma
de trocadilho, mas pode indicar tal fato.
Terminou a crise da Liga Mineira, bastante censurada pela imprensa carioca.
Não damos razão a taes censuras; com a crise dos ‘minérios’ e sendo estes os
formadores das ‘ligas’, só podia haver ‘crise na Liga Mineira...,’
E tudo se desvendou:
Os delegado da CBD – Marcondes Ferraz e Heitor Luz desvendaram todos
os defeitos da crise mineira.
O Heitor fazendo ‘luz’ sobre o caso ‘marca onde’ havia briga e a crise
acabou.
Foi ‘d’effeito’ a tal delegação.
(Do D. Quixote)
Na mesma época, a Liga Metropolitana de Sports Atheticos do Rio de Janeiro passou
por uma reforma, depois de uma série de acusações de suborno. Foi substituída pela Liga
Metropolitana de Desportos Terrestres,
826
uma denominação que pode ser sugerida pela
Confederação Brasileira de Desportos (CBD) para suas ligas filiadas.
A Liga Mineira de Sports Athleticos, que aparecia na imprensa até 7 de dezembro com
essa designação e que era composta somente por uma Diretoria, se apresentou diferente
depois da Liga Mineira de Desportos Terrestres, que, além da Diretoria, possuía um Conselho
Superior, um Conselho Divisional e Comissões Técnicas (informação, sindicância e
825
TORNEIO de..., 1917, p. 2.
826
Cf. em www.fferj.com.br/Federação/ahistoria.htm.
284
desportos).
827
Dessa forma, ela passou a ter diferentes poderes instituídos para dirigir o esporte
na cidade.
Uma de suas preocupações foi atrair para os jogos o público, que, pelas desavenças
ocorridas durante suas realizações, andava afastado.
A falta de concorrência do bello sex[o] nos jogos de campeonato da
L.M.D.T., é um assunto que merece especial atenção por partte dos seus
diretores, uma vez que é do domínio de todos o motivo de semelhante
desersão.
Os matches de foot ball que até a pouco tempo eram tidos como uma
diversão agradável, não passam hoje de um espantalho, principalmente para
as fam[ílias], pois, raro é o jogo que não apparecem dissidências, que entre
os proprios players dos Clubs disputantes, quer entre os espectadores.
Estamos certos que o actual e operoso presidente da Liga, dr. Marcondes
Ferraz, providenciará em anno vindouro, de modo que as partidas de
campeonato tornem um ponto de reunião attrahente, banindo de vez
rivalidades agressivas, que são o entrave do progresso do jogo.
828
Competições interestaduais passaram a ser organizadas pela liga, consideradas pela
imprensa como “um grande impulso a nossa vida esportiva que, graças aos esforços do Dr.
Marcondes Ferraz”, seu presidente, vinha “se intensificando extraordinariamente”.
829
Um jogo
esperado para a conquista de um grande público foi a disputa do sratch mineiro e o carioca,
no qual se disputou a Taça Delfim Moreira, ofertada pelo chefe do governo mineiro. No
mesmo ano, foi organizado um outro encontro entre as seleções mineira e carioca, que
despertou grande interesse popular. A imprensa comentou sobre o fato, mas, mesmo assim,
não deixou de destacar a “alta sociedade” presente, como na reportagem de A Semana:
Em Bello Horizonte, onde o football até então era olhado com certo descaso,
ao que parece, a pratica do belíssimo e salutar sport inglez começa a
despertar a curiosidade popular.
É prova disso a immensa multidão que, domingo, foi assistir ao grande
desfecho. Nunca o Prado Mineiro assumiu proporções tamanhas, nunca o
nosso meio sportivo se achou tão entusiasmado.
Dis-se que semelhante massa popular foi obra do inesperado.
827
O TRENO, 13 abr. 1918, p. 3.
828
SPORTS. Correio da Tarde, 12 dez 1917, p. 2.
829
SPORTS. Diario de Minas, 3 mar. 1918, p. 2.
285
As archibancadas estavam replectas, atopetadas; a parte térrea do pavilhão
occupada por completo e, bem assim, todas as demais dependências da nossa
praça de sports, a ponto de causar quase um desassocego geral, taes os
apertos que se recebiam freqüentemente de um e de outro lado.
A alta sociedade, o belo sexo, – em summa, tudo concorreu para realçar os
grandes festejos de domingo.
830
O football já conquistara a população belo-horizontina, atingindo uma popularidade
ainda não revelada pela imprensa. Essa popularização pode ser vista, também, como uma das
marcas de sua consolidação na cultura da cidade.
Além de jogos interestaduais entre clubes cariocas e mineiros, os clubes da cidade
aparecem em disputas com diferentes times de cidades do interior do Estado.
Assim, o esporte, especialmente o football, continuou a se expandir na cidade, o que
podia ser avaliado pelo aparecimento de novos clubes naquele final da década de 1910, como:
Alagoano Footbal Club, Americano F. C., Hellenico F. C., Progresso, Ipanema F, Guarany e
Nacional F. C.
O crescimento do número de times fez com que o Campeonato de 1920 fosse
disputado em duas divisões. Na primeira, jogaram Athetico, America, Yale, Sete de Setembro,
Sport Club Luzitano e Guarany, com seus 1
o
e 2
o
times, e o Alves Nogueira de Sabará, que
disputou só o campeonato dos 1
os
times. Na segunda divisão estavam: Progresso, Hellenico,
Cristovão Colombo, Ipanema e Palmeiras.
O desenvolvimento do esporte e, conseqüentemente da imprensa esportiva, levou à
criação, em 1919, da Associação Mineira de Chronistas Sportivos (AMCS), que foi
reconhecida pela Liga em 6 de novembro de 1919, na qual a Assembléia resolveu:
Reconhecer unanimemente a Associação Mineira dos Chronistas
Desportivos com séde nesta capital como de utilidade á Liga Mineira, tendo
em vista o altruistico fim por ella collimado que é o de, pela imprensa e por
todos os meios ao seu alcance, propugnar desenteressadamente ao Lado da
Liga, em prol da educação physica e moral da mocidade patrícia, e pelo
engrandecimento do desporto em geral. Nessas condições, foram-lhe
conferidas pela assembléa as mesmas regalias dos clubs filiados a essa
entidade, independentemente de qualquer onus para a sua caixa social.
831
É interessante observar que o football na cidade era jogado e dirigido por um mesmo
grupo, que participava de todas as questões a ele aliadas. Faziam parte da AMCS, Negrão de
830
FOOTBALL. A Semana, 16 ago. 1919.
831
VIDA sportiva. Diario de Minas, 6 nov. 1920, p. 5.
286
Lima, Minote Mucelli, Antônio Alves, Hermeto Junior, Tolentino Miraglia, Moreira Coelho e
Carlos Quadros, dentre outros, dos quais alguns nomes aparecem em composição dos
conselhos da Liga como árbitros e como jogadores.
A partir a criação da AMCS, as notícias esportivas passaram a ser mais freqüentes nas
páginas dos jornais, que noticiavam quase que diariamente a vida esportiva na cidade. As
reportagens também ganharam maiores espaços, nos quais mais detalhes de jogos eram
divulgados pelos cronistas. Havia, até mesmo, a descrição de todo o “movimento técnico” do
jogo.
É o seguinte o movimento tchnico do match América X Sete de Setembro:
2 e 45 – sahida América
2 e 47 – hands Tonico (AM)
2 e 49 – hands Taboada (Set)
2 e 50 – foul (Sete)
2 e 51 – corner “ [...]
832
Além disso, os cronistas passaram a fazer palpites sobre os jogos dos primeiros e
segundos times, e instituíram também um torneio de palpites:
Os palpites dados pelos sócios da A. M. C. D. para os jogos de joje são os
seguintes:
América X Athletico:
Negrão de Lima, America 2 X 1 e América 4 X 0;
Minotti Mucelli, Empate 1 X 1 e empate 1 X 1;
Antônio Alves, Empate 2 X 2 e America 3X1;
Tolentino Miraglia, America 4 X 1 e América 3 X 2;
Hermeto Junior, America 2 X 1 e America 1 X 0;
Moreira Coelho, Athletico 2 X 1 e America 3 X 1
833
Alguns jogos eram representados pelos cronistas com tantos detalhes que até um
pequeno currículo dos jogadores mostrando em que times haviam atuado era apresentado,
como no jogo realizado no Prado Mineiro, entre Bello Horizonte e Juiz de Fora, que mereceu
grande espaço nas páginas do Diario de Minas.
834
Entre as ações da AMCS, também figurou a organização do Torneio Acadêmico de
Football, do qual participaram todas as escolas superiores da capital.
835
832
AINDA o match.... Diario de Minas, 20 out. 1920.
833
VIDA sportiva. Diario de Minas, 31 out. 1920, p. 2-3.
834
VIDA sportiva. Diario de Minas, 5 set. 1920, p. 3.
835
VIDA sportiva. Diario de Minas, 17 set. 1920, p. 3.
287
Assim, naquele final da década de 1910 o esporte, especialmente o football, já se
consolidara na cidade. Espaços até então conquistados para a sua prática já começavam a ser
questionados, passando a ser discutida a importância de se construir outros condizentes com o
seu nível de desenvolvimento. A iniciativa nesse sentido partiu do America Football Club, o
campeão da cidade, após a conquista definitiva do seu terreno. Segundo Abílio Barreto, em 6
de outubro de 1920, a Lei do Conselho n. 187:
Autoriza a concessão ao ‘America Footbaal
(sic)
Club’ mediante prova de sua
organização e pelo prazo estabelecido nas leis vigentes, o terreno que
atualmente ocupa ou outro que for julgado conveniente aos interesses da
Prefeitura, para nele a referida sociedade estabelecer o seu campo de
esportes, com arquibancadas etc.
836
Abílio ainda completa que, em 9 de dezembro de 1920, “era assinada no gabinete do
prefeito a escritura de cessão do campo da Avenida Paraopeba ao América Foot-bal
(sic)
Club”.
837
Essa conquista movimentou a direção do clube, que, em dezembro de 1920, fez várias
reuniões para decidir sobre a construção campo, como mostra o Diario de Minas:
O primeiro objectivo da sessão de hoje, já pela segunda vez convocada, é a
discussão das primeiras providências a serem tomadas para a construção do
campo.
O glorioso club americano, que tantas e tão merecidas victorias tem obtido,
pretende agora encetar essa campanha que há de trazer reaes benefícios para
todo o sport horizontino.
Para tanto, é necessario, porém, o esforço incansável de todos os associados
e o apoio de todos aquelles que sabem apreciar, com a devida justiça, o valor
e as vantagens do sportismo na educação physica e moral da mocidade.
É tendo em vista esse escopo que a directoria do America faz realizar hoje a
assembleia geral annunciada, esperando o comportamento da maioria dos
socios.
838
Esse iria ser o primeiro campo gramado, e o mais importante é que seria localizado no
centro da cidade, diferente do Prado Mineiro, que era um campo térreo, duro, cheio de poeira
e de desconforto, principalmente pela distância do centro da cidade, que era agravada pela
escassez de transporte.
836
BARRETO, Abílio. Dicionário..., [s.d.].
837
BARRETO, Abílio. Dicionário..., [s.d.].
838
VIDA sportiva. Diario de Minas, 15 dez. 1920, p. 2.
288
Assim, com o discurso higienista do seu valor para o desenvolvimento da educação
física e moral da mocidade, o esporte foi se constituindo e se enraizando em Belo Horizonte,
naquelas duas primeiras décadas do século XX, como uma prática de lazer elitista. Somente
no final desse período, como indicado neste capítulo, é que ele apresentou sinais de sua
expansão, com acenos de popularização, caracterizada essencialmente no football, que
mostrava já fazer parte do interesse de grande parcela da população da cidade, uma vez que
foi a prática esportiva que efetivamente se enraizou na cidade.
O que se pode avaliar sobre a imprensa esportiva nesse período é que, perpetuando os
valores do projeto de modernização positivista-republicano que permeou a construção da
cidade, ela não deu visibilidade para sua prática popularizada, divulgando somente
representações com um perfil aristocrático e elitista. Desconsiderando a prática do jogo pelas
classes populares da cidade, ela distinguia somente a força que o esporte ganhava nos círculos
elegantes dos moradores da sua zona urbana. Mesmo quando passou a citar diferentes clubes
que apareceram no final dessa década, ela somente se empenhava em dar notícias sobre os
jogos, não sendo assim possível distinguir quem eram e de onde vinham as pessoas que
faziam parte dessas associações.
Mesmo diante da recusa da imprensa em mostrar a apropriação do esporte pelas
camadas populares da cidade, naquele final da década de 1920, o que se pode avaliar é que,
pelo imaginário urbano construído por ela, que foi um espectador privilegiado do vivido na
cidade, podem-se avaliar os sintomas de uma consolidação do esporte com a cultura urbana de
Belo Horizonte.
Em suma, as primeiras décadas do século XX foram caracterizadas pelo movimento de
constituição do campo esportivo na cidade, permeado por interesses de diferentes atores
sociais que foram fazendo de Belo Horizonte uma cidade esportiva.
289
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Belo Horizonte é uma cidade com especificidades interessantes para se compreender,
na sua história, a relação entre os fenômenos considerados modernos – a cidade, o lazer e o
esporte –, pois foi construída como vitrina da modernidade. Se o esporte e o lazer são também
expressões dessa modernidade, ao se juntarem, se transformaram em instigante objeto de
pesquisa para o entendimento dessa relação.
E foi a partir dela que procurei investigar a constituição e o enraizamento do esporte
como uma forma de lazer na cidade e sua relação na construção da cultura urbana, no final do
século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX. A intenção foi acompanhar as
iniciativas que permearam a construção do campo esportivo nos seus momentos inicias.
Como uma cidade que foi arquitetada e construída de forma oficial pelo Poder Público
para ser a capital moderna e progressista do Estado de Minas Gerais, após a Proclamação da
República no Brasil, Belo Horizonte foi projetada como uma forma de fazer uma ruptura com
o passado colonial, que caracterizava a antiga capital Ouro Preto. Criada por um projeto cujo
papel civilizador acompanhava as circunstâncias modernizadoras da República, Belo
Horizonte foi idealizada com base em um plano construído exteriormente à realidade espacial
em que seria implantado, partindo da premissa de que a sociedade deveria se moldar ao
espaço estruturado.
Assim, a cidade idealizada no projeto de criação, realizado pela CCNC, previa um
ordenamento espacial vinculado à ordenação social de sua ocupação. Com isso, seus
habitantes deveriam desvencilhar-se de hábitos antigos característicos do período colonial e
aprender outros, modernos, que marcariam uma nova civilização, que teria como referência a
Capital Federal e a Europa. Dessa forma, dentre as pretensões dos “produtores do espaço”,
estava o interesse de que a capital de Minas fosse uma cidade não só construída em padrões
modernos, mas também habitada por corpos saudáveis, de hábitos de lazeres civilizados, de
acordo com os valores na época.
No entanto, a cidade projetada para uma implantação gradativa com vista à
transformação e ao crescimento contínuo, a partir de uma estrutura que daria ordem ao
conjunto, não foi se constituindo como o idealizado. Seu desenvolvimento foi sendo
modificado pela dinâmica que se estabeleceu entre as suas diferentes classes sociais, desde o
início do processo de ocupação do seu espaço, que transformaram a cidade. Foram se
290
desenvolvendo forças antagônicas que criaram verdadeiros “abismos” entre uma cidade
racionalmente urbanizada, que se fazia no interior da Avenida Contorno e outra, que a revelia
do plano inicial, ia se fazendo na periferia, de forma irracional. As contradições foram
progressivamente atingindo limites irremediáveis em todas as esferas da sua cultura.
Mas como “coisa dos homens”, a cidade de Belo Horizonte foi se constituindo não só
pelos valores impostos por seus idealizadores, mas também por aqueles que surgiam da
vontade de todos os habitantes que dela se apropriaram. Mesmo ciente de que a cidade, em
nenhum momento, pode ser dissociada da sociedade que a produz e em uma análise sobre ela
as relações entre a cidade e a sociedade devem ser vistas como um caminho de mão dupla,
procurei, inicialmente, analisar a cidade a partir do espaço sonhado, desejado e/ou imposto
por um projeto político de gerenciamento do urbano em sua totalidade, proposto pelos
“produtores do espaço”. Nessa perspectiva, na cidade idealizada, foram propostos novos
hábitos para fazerem parte de sua cultura. Essa constatação foi feita a partir dos espaços
projetados para práticas de lazer, dentre elas o esporte, que foram concebidos como uma
forma de divertimento moderno para a cidade.
Partindo da Planta Geral da cidade, elaborada pela CCNC, encontrei projetados o
Parque Municipal, o Hipódromo, o Jardim Zoológico, além de algumas praças, que trariam
para a cidade diversões saudáveis, ao ar livre, de acordo com argumentos higiênicos
ressaltados e valorizados naquele final de século. Esses argumentos estavam representados no
social visível – espaços e corpos; e no invisível – ar e costumes.
839
Mesmo sendo uma cidade que se pretendia moderna, seus habitantes demoraram a
assimilar esses hábitos, uma vez que preferiam ficar em casa a conviver nos espaços de
sociabilidade. Era assunto recorrente em crônicas e notas de jornais o marasmo que nela
reinava. Mas a cidade moderna que foi “sonhada” por seus produtores oficiais do espaço foi
se constituindo aos poucos não só numa cidade real, que valorizava práticas sociais em
conformidade com os valores do mundo moderno, já pautadas por segregações que se faziam
notar em todas as suas esferas, mas também numa cidade real vivida por seus antigos e novos
moradores que, de acordo com os seus interesses, iam se apropriando de seus espaços e
valorizando tanto os velhos como criando novos valores. Esse movimento de constituição da
sua cultura foi se fazendo por uma tensão entre o projetado e o praticado.
A palavra “lazer” ainda não fazia parte do vocabulário na época e os termos
encontrados nas representações sobre ele eram: divertimento, entretenimento, alimento do
839
Uso aqui uma interpretação de Sant’Anna (1996, p. 125).
291
espírito, derivativo salutar, recreio, distração e gáudio. Somente o plural lazeres aparece em
algumas situações. A ele se relacionavam atividades lúdicas, realizadas no tempo livre de
obrigações, que se apresentassem de forma moralmente aceita.
Entre esses divertimentos estavam os passeios pelo Parque, os clubes, o teatro, as idas
à biblioteca e o footing, mas continuavam ainda a ser valorizados pelos seus habitantes as
festas religiosas, as touradas e o circo, dentre outros. O cinema tev uma grande atratividade na
década de 1910.
Se transformar a cidade em um centro cultural privilegiado era um desejo de seus
idealizadores, suas elites procuravam valorizar hábitos e costumes das grandes metrópoles.
Enquanto buscavam, cada vez mais, oportunidade de se divertirem em teatros, clubes e
espaços criados especificamente para esse fim, os divertimentos dos que não faziam parte
desse grupo seleto continuavam a ser as festas religiosas, as touradas; ou aconteciam na rua e
nos bares e eram sempre foco de perseguição policial. Assim, no lazer, as desigualdades de
tratamento para as diferentes camadas sociais eram também decorrentes do modelo imposto
no projeto da cidade que, além de delimitar os espaços, excluía aqueles não “eleitos” para
usufruir os prazeres que a cidade podia oferecer. Essa exclusão levava a constantes tensões
provocadas pela busca do direito à cidade pelas camadas populares, cujas atitudes eram
taxadas como não civilizadas e inconvenientes aos padrões exigidos pelas elites.
E entre os prazeres estava o esporte. Na cidade sonhada pela CCNC, havia espaços
projetados para promover práticas esportivas, que eram sucesso no mundo civilizado, como
um velódromo para o ciclismo e um hipódromo para o turfe.
O ciclismo, considerado um “moderníssimo” gênero de esporte, foi um dos principais
meios de diversão nos anos iniciais da cidade, tendo como seu incentivador um engenheiro
que prestava serviços à CCNC. Realizado no velódromo criado no Parque Municipal, foi
usado inicialmente como forma de sofisticação da vida social da cidade, despertando grande
interesse por parte da elite, por ser uma diversão “fina”, “elegante” e “útil” pelo valor
higiênico do seu exercício físico. Não teve participação popular, mas se tornou uma diversão
para aqueles que, mesmo do lado de fora do gradil do parque, assistia às suas corridas com
olhares curiosos. Era um esporte em que somente os sportmen participavam de competições,
mas foi se constituindo em uma prática higiênica, feita tanto por corpos masculinos quanto
por femininos. Sua organização esportiva apresentou somente uma fase embrionária. Apesar
de possuir espaço próprio e ter se institucionalizado no Velo Club, o ciclismo não possuía
regras próprias, uma vez que usava o modelo do turfe nas suas corridas. Em suma, foi uma
292
prática esportiva que não chegou a se enraizar na cidade, naqueles anos iniciais. Despertou o
interesse dos belo-horizontinos por pouco tempo, enquanto novidade, tendo contribuído
somente para propiciar divertimento e imprimir na cidade a imagem do espetáculo.
O turfe foi iniciado após várias tentativas de organização, em 1906, com a inauguração
do Prado Mineiro, no espaço reservado pela CCNC. As representações destacadas nos sonhos
dessa comissão, ao projetar um hipódromo para a cidade, estavam associadas à distinção que
ele poderia trazer não só àqueles que dele participassem, com vestimentas elegantes, a
exemplo dos eventos ingleses e franceses, mas também para a cidade que o promoveria. Além
de representar um meio de distinção e status, era também uma possibilidade de realização de
negócios para as elites. Considerado esporte, o turfe não possuía as características de uma
prática esportiva moderna, pois não era uma atividade que exigia exercícios físicos salutares e
higiênicos de seus sportmen, uma vez que ele não era aquele que se envolvia diretamente nas
provas, montando os cavalos, mas, sim, o criador dos cavalos, financiador e organizador dos
páreos, que da tribuna dirigia o espetáculo. Como jogo de apostas poderia ter sido um grande
estímulo para os mineiros, mas estes não se mostraram interessados, a não ser enquanto era
ainda uma novidade na cidade. Os cronistas constantemente procuravam desqualificar a
população que não queria participar dessa nova forma de diversão na capital, por preferir ficar
nos espaços domésticos. Essa atitude da população mineira, que possuíam valores ainda de
um outro tempo e lugar, podia ser uma forma de subversão, ou uma recusa, ou mesmo uma
forma de rejeição a valores de uma nova cultura imposta, que não possuía atrativo suficiente
para a sua prática.
Em suma, tanto o ciclismo como o turfe foram modalidades esportivas que se fizeram
presentes na cultura da cidade somente em curto espaço de tempo. A visão idealizada da
cidade, refinada, moderna, bonita e, sobretudo, repleta de divertimentos que as práticas
esportivas escolhidas pela CCNC poderiam oferecer se concretizou, mas de maneira efêmera,
não se enraizando na sua cultura, apesar de esforços nesse sentido.
Várias outras práticas, denominadas esporte, surgiram na cidade a partir do interesse
de seus habitantes. É importante destacar que tanto as práticas esportivas como todas as
atividades a elas relacionadas, durante todo o período estudado, eram identificadas por seus
termos ingleses. Essa era uma forma de reproduzir na cidade os costumes ingleses, que em
Belo Horizonte foram gradativamente fazendo parte da cultura.
Dentre elas estava o football, modalidade esportiva que, além de ter tido maior
desenvolvimento e efetivamente se enraizar na cultura da cidade, foi responsável por mudar a
293
sua imagem, uma vez que os belo-horizontinos, especialmente da sua elite, ao se apropriarem
de alguns espaços na/da cidade, criaram lugares específicos para a sua prática. A antiga
Avenida Paraopeba, hoje Augusto de Lima, podia ser vista como o lugar do football na
cidade, pois a maioria dos clubes criados estabeleceu ali seus campos.
Trazido para a cidade em 1904 por um carioca acadêmico de Direito, que o havia
aprendido na Suíça, o football foi despertando gradativamente o interesse do povo mineiro.
Mesmo sendo uma prática criada a partir do interesse dos habitantes da cidade, ele também
vivenciou um período de declínio, marcado pelo desaparecimento da maioria dos seus clubes
esportivos. Mas o football foi o esporte que entrou na cidade e nela se manteve presente,
ainda que suas iniciativas fossem efêmeras inicialmente.
Como um dos interesses iniciais da pesquisa foi saber que práticas eram consideradas
esporte na cidade, encontrei na cultura urbana, naquele início de século, referências ao lawn
tennis, à patinação, à luta romana e ao boxe, ao tiro e à caça, à natação e regatas, e à ginástica.
Na cultura escolar foram ainda identificadas: o bascketball, o voleyball, o hockey e o cricket.
Apareceram nessa categoria também a corrida de saco, a corrida de ganso e o pau-de-sebo.
Essas diferentes práticas se apropriaram da cidade e foram por ela apropriadas,
inscrevendo-se em lugares sociais específicos, com funções e finalidades específicas.
Organizadas em sua maioria pelos setores dominantes da população, eram uma tentativa de
copiar práticas associadas ao estilo de vida civilizado europeu, e que, por isso, eram
valorizadas e recebiam grande apoio do Poder Público para as suas realizações. Mas nessa
apropriação surgiram “lugares” de práticas esportivas que nem sempre foram criados sem
tensões, como propõe Chartier,
840
entre os diferentes habitantes da cidade, principalmente
quando a apropriação era feita pela inventividade de populares que desejavam usufruir
espaços na zona urbana, mas eram sempre cercados de constrangimentos que os limitavam.
Dentre as modalidades esportivas que apareceram na cidade, as representações do
lawn tennis, um esporte que possuía grande atratividade para as elites inglesas como uma
prática elegante, sadia e civilizada, fez com que ela também fosse valorizada pela elite
mineira. Apesar de constar como prática objetivada em estatutos de vários clubes criados na
cidade, ela efetivamente foi ser praticada, inicialmente, pelos associados do Club de Sports
Hygienicos, criado no Parque, em 1913, por um grupo de médicos. A proximidade com outra
modalidade esportiva valorizada pelos ingleses – o croquet – fez com que essas duas
modalidades se apresentassem como práticas valorizadas pela elite mineira. Mas a presença
840
CHARTIER, 1994.
294
do croquet na cidade foi percebida somente por meio de fotografias publicadas na revista
Vita, uma vez que o esporte não aparece referenciado em nenhuma das fontes consultadas. O
tennis, como já era denominado da década de 1920, momento em que efetivamente se
enraizou na cidade como uma prática predileta da elite, muito embrionariamente se fez
presente na capital nos meados da década de 1910, praticado no Club de Sports Hygienicos,
no colégio dos ingleses – o Anglo-Mineiro – e pelas alunas da Escola Normal.
Já o patins teve sua criação ligada ao Poder Público, que construiu um rink de
patinação na Praça da Liberdade, em 1913, como forma de atrair para os jardins públicos os
belo-horizontinos que, até aquele momento, ainda não valorizavam aqueles espaços como
lugares de diversão. Identificado como esporte, não se pode dizer que a patinação, naquela
época, possuísse característica do esporte moderno, pois, não era uma atividade competitiva.
Constituiu-se somente como um espaço – o rink – onde as pessoas podiam se exercitar de
forma prazerosa e saudável. Como quase todas as iniciativas propostas para a cidade, também
teve uma vida efêmera.
A luta romana e o boxe aparecem na cidade em 1913, apropriadas por casas de
espetáculos que conseguiam despertar o interesse dos habitantes da cidade por suas
apresentações, que eram motivadas pela presença de lutadores campeões estrangeiros e
nacionais. Usados somente como espetáculos ocasionais tanto a luta como o boxe também
não se consolidaram na cultura da cidade naquele período.
Os interesses no tiro e, conseqüentemente, na caça foram revelados desde os anos
iniciais da cidade. A caça aparece como prática de todas as classes sociais, tanto por homens
como por algumas mulheres. Aliado ao gosto da caça, a cidade experimentou, a partir de
1902, uma educação para o tiro. A motivação inicial era para uma preparação bélica, mas
muitas pessoas se interessavam por ele como um exercício esportivo. O tiro foi também
apropriado por uma casa de espetáculos como uma das suas promoções. Mesmo sendo
denominados de esporte, a caça e o tiro não se constituíram uma prática esportiva, pois não
atendiam aos pressupostos colocados para serem classificados como tal.
Como uma cidade cercada por montanhas, a natação e as regatas demoraram a se fazer
presentes em Belo Horizonte, diferentemente de no Rio de Janeiro, uma cidade litorânea, e em
São Paulo, por suas condições fluviais. A primeira piscina construída foi o “tanque de
natação” do colégio Anglo-Mineiro, em 1914, mas alguns ensaios foram feitos por
competições realizadas improvisadamente nos lagos do Parque Municipal. A natação somente
se desenvolveu na cidade depois de 1930, com a construção de piscinas em seus clubes. Já as
295
regatas, utilizadas inicialmente como atividades lúdicas nos lagos do Parque, se organizaram
como uma prática esportiva somente nos anos de 1940, com o lago da Pampulha.
Vista como uma atividade que endireitava, robustecia e fortalecia corpos infantis e
adultos, uma atividade higiênica importante para conformar corpos desejados naquele início
de século, a ginástica também foi considerada esporte. Constituída inicialmente como
componente curricular de ensino nas escolas – a Gymnastica –, foi uma prática que contou
com jogos esportivos no seu programa somente na segunda metade da década de 1910. Fora
do contexto escolar, ela aparece como um dos “ramos do esporte” e foi proposta como uma
das atividades da primeira academia da cidade – o Centro de Cultura Physica “Olavo Bilac”.
Naquele momento ela era somente uma prática de exercícios, não se enquadrando nas
características esportivas, como hoje, em que existem diferentes modalidades de ginástica.
O bascket-ball, o voley-ball, o hockey foram práticas esportivas apropriadas como
elementos de educação, principalmente na Escola Normal, e que saíram dos muros da escola
para se realizarem na cultura urbana da cidade. Desenvolvidas inicialmente por corpos
femininos, o bascket-ball e o voley-ball começaram a ser destacados em Belo Horizonte
somente no final da década de 1920 e início da década de 1930, o que não aconteceu com o
hockey. O cricket, apesar de constar em estatutos de alguns clubes, não teve
representatividade na cidade, uma vez que foi jogado somente pelos professores do colégio
Anglo-Mineiro, que convidavam os ingleses da Morro Velho, de Nova Lima, para
participarem desses jogos.
Vistas também como esporte, a corrida de saco, a corrida de ganso e o pau-de-sebo
eram formas de diversão e competição que nunca chegaram a se constituir como esporte.
Outra modalidade, que hoje é considerada esporte e na época recebeu somente a
denominação de jogo, foi a malha. Como um jogo popular, realizado nas ruas, principalmente
por trabalhadores estrangeiros, a malha nem sequer recebeu o status de esporte. Aparece
como uma prática que era uma forma de luta pelo direito à cidade, pois recebia críticas de
setores dominantes por sua realização nas ruas da cidade.
Assim, foram produzidos diferentes sentidos ao esporte na cidade a partir dos
interesses dos atores a ele aliados. Desse modo, a cidade foi envolvida por diferentes
representações de esporte, forjadas por esses atores que buscavam legitimar-se na cultura
urbana.
Dentre elas, sobressai a representação do esporte como uma forma de “recreio e
educação física” para os belo-horizontinos. Diferentes formas de práticas receberam essa
296
representação por serem pautadas pelo ativismo, o exercício, a disputa e a conquista, que
promoviam a diversão e tornavam fortes e saudáveis os corpos. Assim, por seus valores
educativos e higiênicos, o esporte passou a ser valorizado e aceito como um divertimento
organizado e civilizado e a fazer parte dos discursos pedagógicos do corpo.
Para o desenvolvimento do esporte na cultura urbana da cidade, foi preciso educar os
corpos para a sua prática e organização. Como um lugar que expressava a civilidade,
sobretudo depois do século XIX, o corpo deveria receber investimentos que o qualificassem
para tal. Nesse sentido tanto os “produtores do espaço” como “seus consumidores”
produziram e reproduziram representações sobre a prática esportiva que se tornaram
estratégias que contribuíram para a reordenação da cidade e nela a conformação do campo
esportivo.
Inicialmente, a CCNC foi a “grande educadora”
841
no sentido de criar a civilização
inerente a uma grande cidade, que requeria novos e belos corpos. Toda a organização social,
cultural e material que existia no arraial, onde foi edificada Belo Horizonte, teria, aos seus
olhos, de ser negada, pois os corpos de seus antigos moradores, “esgrouvinhados, pálidos,
anêmicos e tristes como doentes, sem alegrias, nem folguedos próprios e naturais, tendo por
consolo as rezas nas Egrejas, os terços e procissões pelas ruas”
842
, não condiziam com a
racionalidade desejada para a cidade. O projeto era transformar os corpos e impor novos
costumes. Dentre os novos costumes que influenciariam na educação de corpos desejados
estava o esporte, ao qual foram reservados espaços específicos na planta da cidade.
Na cidade vivida por seus habitantes, tanto na cultura urbana como na escolar, foram
conformados processos educacionais sobre o corpo que propiciaram o desenvolvimento da
prática esportiva.
Nos seus espaços de sociabilidade urbana, destaca-se o papel da imprensa que, ao
divulgar representações sobre o esporte e sobre as pessoas que nele atuavam, perspectiva uma
verdadeira educação do corpo para a sua prática. Como este trabalho foi construído por meio
de narrativas do cotidiano urbano belo-horizontino, produzidas principalmente pela imprensa,
foi possível perceber os valores da prática esportiva que ela procurava divulgar, difundir e
incentivar. Mesmo sob a forma de um discurso restrito e elitista, pôde-se perceber todo o seu
processo educativo. A imprensa se apresentava de forma contraditória, pois, ao mesmo tempo
em que o difundia e incentivava a sua prática, procurava mantê-lo como fruto do interesse do
841
Análise feita por Veiga (2002).
842
Descrição do secretário da CCNC Fábio Nunes Leal. (MINAS GERAIS... Rev. Geral dos Trabalhos, 1895,
p.15.)
297
high-life belo-horizontino, conformando-o como uma diversão dos circuitos elegantes. E o
interesse da elite não era somente a distinção que o esporte conferia, mas, principalmente, o
afastamento de grupos não pertencentes ao seu circuito.
Nos espaços escolares, a educação dos gestos e a modificação de hábitos como forma
de disseminar novos comportamentos fizeram do corpo um lugar expressivo da civilidade,
contribuindo, assim, para o desenvolvimento da prática civilizada que era o esporte. As
escolas belo-horizontinas, com destaque para as que disputavam a preferência da elite da
cidade, como o Gymnasio Mineiro, Anglo-Mineiro, Arnaldo, Claret, Isabela Hendrix e a
Escola Normal, foram lugares não só responsáveis pela introdução de novas práticas
esportivas na cultura urbana da cidade, mas também lugares apropriados para as práticas já
nela existentes. Nessas escolas, tanto corpos masculinos como femininos foram educados para
o esporte.
Uma influência significativa no processo de constituição do campo esportivo na
cidade foi exercida pelo Colégio Anglo-Mineiro, um colégio metodista inglês que atuou
durante dois anos – 1914/1915 – na educação mineira, cuja divisa era mens sana in corpore
sano. Com ele foram divulgados o cricket, o hockey, além do lawn tennis, boxe, esgrima,
football e a natação. Práticas com gestos e equipamentos desconhecidos dos mineiros faziam
parte da sua educação, que procurava conformar os corpos nos valores e gestos da educação
inglesa. Nesse processo, algumas resistências podiam ser percebidas nas táticas dos alunos
que não obedeciam às leis do lugar, principalmente nas aulas de natação, quando faziam
questão de utilizar os seus estilos praticados nos córregos da cidade, para a ira dos
professores.
Tanto os colégios católicos, como o Arnaldo e o Claret, como o metodista Isabela
Hendrix, dentre outros, começaram também a valorizar o esporte, especialmente o footbal,
que naquele momento era visto como uma prática necessária e útil na educação que aqueles
colégios queriam promover. Essa visão do football aliada à sua prática prazerosa era
valorizada como uma atividade a ser realizada nos tempos desocupados, principalmente nos
colégios internos. Era o esporte sendo utilizado na educação para lazeres úteis e sadios.
Outro papel de destaque nesse processo foi o da Escola Normal, que educou corpos
femininos que tiveram realce não só na escola, como também na cultura urbana da cidade,
participando em diferentes práticas esportivas como o basket-ball, o voleyball, o lawn tennis e
o hockey.
298
Assim, embora fosse compreendido como uma prática masculina, os corpos femininos
também participaram na constituição do campo esportivo. Se inicialmente eram somente
espectadores, já tratados como sportwomen, no final da década de 1910, passaram a atuar
ativamente no esporte. Como espectadora, a presença feminina, principalmente em jogos de
football, que eram eventos sociais da elite, era sempre incentivada, atendendo aos interesses
masculinos, pela motivação que a presença do “belo sexo” trazia para jogadores.
Participavam, ainda, da organização de eventos que extrapolavam o tempo e o espaço do jogo,
mas que costumavam ser continuação deles. A sua inserção nas atividades físico-desportivas,
inicialmente segregada, naquele início do século XX, era preconizada pelo pensamento
higienista da época como uma forma de melhorar o seu estado de saúde, com o objetivo de
gerais filhos mais saudáveis.
Foi se constituindo assim, na cidade, uma verdadeira “civilização esportiva”, como se
refere Sevcenko, entendida não como uma prática generalizada de diferentes modalidades
esportivas, mas, sim, como a generalização de uma “ética do ativismo”, formadora de valores
morais.
843
No entanto, apesar da existência de diferentes práticas denominadas esporte, a única
que efetivamente pode assim ser chamada foi o football, por apresentar as características
necessária para constituí-lo como tal: espaços e tempo próprios; calendário de competições;
regulamentos; um corpo de legistas capaz de modificá-los, um corpo técnico que foi se
especializando; um mercado que foi se constituindo ao seu redor; bem como a popularidade
que foi obtendo. Além disso, foi sendo conduzido num universo à parte, com suas
instituições, seus juízes, seus administradores e, também, seus heróis.
844
Foi a única prática
esportiva que efetivamente de consolidou e se enraizou na cidade, nas duas primeiras décadas
do século XX.
O marco dessa consolidação e enraizamento pode ser visto, por um lado, pela criação
do primeiro clube, que se caracterizou de forma permanente, e de uma liga perene, que no
período foi representado pelo Athletico Mineiro Foot-ball Club, que posteriormente veio a se
chamar Clube Atlético Mineiro e pela Liga Mineira de Sports Athleticos, que teve sua
continuação na Federação Mineira de Futebol. Por outro lado, penso que o movimento de
enraizamento pode ser matizado, também, pelo interesse permanente em criar e recriar clubes
na cidade.
843
SEVCENKO, 1998.
844
Características apresentadas por Chartier; Vigarello (1982); Vigarello (2000); Bourdieu (1983).
299
Como foi se constituindo como um sofisticado modismo, o esporte foi ganhando a
simpatia da elite e se tornou a prática esportiva mais distinta, cortês e elegante da cidade. No
entanto, com a crescente competitividade que passou a existir com a realização de
campeonatos, os sportmen foram perdendo a cordialidade e o cavalheirismo até então
valorizados, assumindo posturas agressivas e violentas que chegavam a extrapolar os campos
e influenciar os habitantes da cidade.
O grande entusiasmo pelo football e o seu desenvolvimento foi motivação para a
criação dos primeiros jornais esportivos – O Foot-Ball e O Treno – na segunda metade da
década de 1910. Estes se constituíram como uma forma de incentivo ao esporte, visto com um
“atraente e salutar divertimento”. Mas naquele momento já se podia ver a um novo sentido – a
propaganda patriótica, decorrente das primeiras disputas de brasileiros com times
estrangeiros, da força aglutinadora após as tensões vividas na Primeira Guerra Mundial e,
principalmente, do investimento da elite intelectual do Brasil na formação da identidade
nacional.
Mas, mesmo sendo observado o seu grande desenvolvimento na cidade no final da
década de 1910, os jornais esportivos ainda divulgavam as representações em torno dele,
destacando somente uma visão anatomo fisiológica, centrada no corpo biológico de seus
adeptos, ostentando o seu valor somente como um instrumento para o desenvolvimento moral
e físico dos indivíduos. Essa visão reafirmava os valores higienistas que permearam os
discursos sobre a cidade na época da CCNC – para uma sociedade higiênica e saudável eram
necessários corpos sadios e a prática esportiva era uma forma civilizada de conseguir esse
objetivo. Destacavam-se também os valores que permeavam a administração do esporte, pela
sua capacidade de regular, disciplinar e moralizar corpos. Nesse sentido, a imprensa manteve
um discurso afinado com os ideais positivistas que fundaram a cidade. Mesmo diante de uma
popularização já conquistada pelo esporte, ela não deu visibilidade ao fato, pois até 1920
continuou divulgando somente representações com um perfil aristocrático e elitista.
É interessante observar que o football foi se constituindo na cidade pela ação de um
grupo da elite, que recebia apoio do Poder Público nas suas realizações, cujos nomes podiam
ser encontrados tanto como jogadores, árbitros e cronistas, como na composição dos
conselhos da Liga que dirigia o destino do esporte na capital mineira.
Em suma, o que se pode avaliar dos valores associados ao lazer e ao esporte no
contexto histórico-social da cidade, até 1920 é que, como fenômenos modernos, eles aqui
nasceram e se constituíram como a cidade, repletos de antagonismos e desigualdades e não
300
um lugar por excelência da realização da cidadania, pois se revelaram como um o privilégio
de classe, um direito de poucos.
No entanto, nas indicações preliminares dos caminhos trilhados pelo esporte a partir
de 1920, quando se caracterizou por um verdadeiro boom esportivo na cidade, com a criação
de vários clubes de football, de jornais esportivos e o desenvolvimento de outras modalidades
esportivas, o que se pode ver é um football que já aparecia na imprensa como uma prática
popularizada, com a criação de vários clubes de bairros suburbanos, ligados à classe operária.
Com isso, seus jogos foram perdendo sua característica de eventos da elite e se transformando
em um espetáculo popular. Mesmo sendo uma prática que inicialmente se caracterizava como
elitizada, foi com ela que as classes populares conquistaram o direito ao esporte, ao lazer e à
cidade.
Assim, seria interessante analisar a conformação do campo esportivo mediante
apropriação da cidade pelas práticas que foram se fazendo não mais elitizadas, e sim como um
direito de todos, mas essa é uma questão para outra investigação, para uma outra história.
301
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