Download PDF
ads:
1
Lisete Barlach
O que é resiliência humana?
Uma contribuição para a construção do conceito
Dissertação apresentada ao Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo
para obtenção do título de Mestre.
Área de Concentração: Psicologia Social
Orientador. Prof Sigmar Malvezzi
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
DEDICATÓRIA
Ao meu pai, Dr. Oscar Herman Barlach, in memoriam, com quem aprendi a importância do pensar e da
sensibilidade artística. A ele, que enfrentou inúmeras dificuldades ao procurar alçar a carreira acadêmica
tardiamente e cuja morte se deu precoce e repentinamente, dedico este trabalho.
A todos os familiares que perderam a vida nos campos de extermínio nazistas antes de poder realizar
sonhos ou projetos de vida.
À minha mãe, Sara Rosa Barlach, pelo exemplo de mulher emancipada e empreendedora.
Ao Max, pela alegria de filhos tão maravilhosos.
À Vivian, pela possibilidade de experimentar um novo modelo de relação mãe-filha.
Ao meu filho Alex pelos momentos de alegria e riso, de pique e otimismo e por me possibilitar
compartilhar os seus sonhos.
ads:
3
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Sigmar Malvezzi, com quem descobri que, no caminho entre Potirendaba e o resto do mundo,
houve a construção de uma biografia cunhada pela integridade pessoal. Suas histórias divertidas,
mescladas à seriedade conceitual e à atualização constante da bibliografia - proposta em seus cursos e nas
conversas de orientação - compõem um modelo de professor e profissional que eu aprendi a admirar:
descontração no momento certo e rigor no que é necessário. Agradeço as críticas às várias versões deste
texto que contribuíram para seu aprimoramento e para aumentar a minha compreensão sobre o assunto da
resiliência.
À Profa. Ana Cristina Limongi França (Cris), pela amizade acolhedora. Em sua capacidade de escuta,
encontrei uma co-orientadora informal, sempre incentivando a produção de pesquisas e a divulgação
científica; no convívio do cotidiano, um exemplo de resiliência no enfrentamento da doença.
Ao Prof. Geraldo José de Paiva, que me presenteou com seus comentários durante o exame de
qualificação, revelando-se um leitor crítico, na melhor acepção da palavra. Agradeço também todo o seu
esforço como chefe da Comissão da Pós Graduação do IPUSP diante dos vários obstáculos que se
apresentaram nesse percurso.
Aos Prof. Marcos Nogueira Martins (Marcão) e Francisco Emílio Baccaro Nigro pela paciência em
explicar a uma psicóloga leiga no assunto, o conceito de resiliência na Física e na Engenharia,
respectivamente.
Ao Prof. Esdras Guerreiro Vasconcellos, meu primeiro orientador na trajetória desta dissertação, com
quem aprendi muito sobre a concepção de stress e coping, a partir da qual pude refletir sobre a resiliência.
À Profa. Sylvia Leser de Mello, minha primeira orientadora, nos idos de 1978, que me acolheu de
braços abertos no retorno ao Instituto.
Ao Prof. Guilherme Ary Plonski (Ary), amigo muito querido, que me introduziu ao assunto resiliência,
ao comentar, numa descontraída conversa à mesa de um restaurante, sobre o artigo de COUTU, na
4
Harvard Business Review. Ao Ary, agradeço também diversas experiências no campo do
desenvolvimento organizacional, relevantes para o meu crescimento como profissional e seu incentivo
para que eu voltasse aos bancos escolares na qualidade de pós-graduanda.
À Profa. Vera Silvia F. Paiva (Veroca) que, me recebendo, como a Sylvia, de braços abertos no IPUSP,
estabeleceu a ponte entre o passado e o futuro, abrindo as portas do presente na vida acadêmica. Como
exemplo vivo de resiliência pelo enfrentamento das inúmeras perdas, foi fonte de uma aprendizagem não
verbal e não teorizável, mas enormemente enriquecedora para esta dissertação.
Ao Prof. Moises Sznifer (Moisés), com quem aprendi o prazer do trabalho criativo; as inúmeras
possibilidades de criar situações de ensino-aprendizagem profícuas, dinâmicas. Com ele, aprendi a
aprender.
À Leia Maria Cardenuto (Leinha), amiga de tantas décadas, companheira de tantas vivências.
Homenageio e reverencio as molecagens, os papos sérios, os momentos de compartilhar, os estudos
conjuntos (desde Reich até aqueles que ainda estão por acontecer) e o acolhimento nos momentos de dor.
À Profa. Therese Telleman, in memoriam, modelo de terapeuta e de pessoa, que até hoje desperta
saudades e lembranças de tudo que vivemos juntas, na sala de seu consultório, no Sedes Sapientae, em
sua casa, em tantas festas.
Ao amigo Maurice Jacoel, sempre presente nos momentos mais importantes de minha vida,
compartilhando, aprendendo, ouvindo.
Ao Dr. Francisco Galvez, médico acupunturista e homeopata, que me ajudou a viver com mais
qualidade de vida o período de elaboração dessa dissertação. Agradeço também os papos descontraídos
em que compartilhávamos sua visão sempre inovadora sobre saúde.
À K, mestre e orientador, que, em muitos anos de convivência, nunca pronunciou a palavra resiliência,
embora tenha me ensinado tudo sobre ela. Ao Grupo, pelas vivências compartilhadas.
5
Ao rabino Nilton Bonder com quem aprendi que é possível viver um judaísmo verdadeiro.
Ao grupo de Healing da Comunidade Shalom, à Esther, à Vera, à Elvira, à Ruth, à Anna, à Adriana, à
Riva, à Keyla, à Lica, à Mariam, ao David e a todos e todas que eu não nomeei aqui, pelo aprender juntos
os caminhos judaicos da cura e do consolo.
À Rachel Reichhardt, por entender a necessidade e me ajudar a realizar o ritual do segundo nome, num
momento tão difícil.
6
RESUMO
BARLACH, L. O que é resiliência humana? Uma contribuição para a construção do conceito. 2005.
108p. Dissertação (Mestrado) Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2005.
O presente estudo consiste numa revisão do conceito de resiliência como contribuição para a sua
compreensão. O aumento recente de publicações que se utilizam da resiliência como referencial teórico
tem tornado o conceito, paradoxalmente, mais incompreensível e polêmico. Não há como negar que
resiliência se diferencia da adaptação e que envolve elementos que não estão contidos nesta. A estratégia
desenhada para o propósito deste trabalho consistiu na promoção do confronto entre manifestações
conhecidas de resiliência (na tradição bíblica, os episódios de Jó e Jacó; na arte, os filmes ´Frida´ e ´A
vida é bela´ e no relato de Frankl sobre a vivência nos campos de concentração) e as interpretações e
teorizações propostas por autores que têm sido recorrentes na literatura sobre esse tema. O trabalho é
concluído com uma proposta de redefinição do conceito de resiliência que enfatiza a subjetividade na
reconstrução do indivíduo como sujeito de sua história.
Palavras chave: resiliência, adaptação, adversidade, subjetividade, sujeito.
7
ABSTRACT
BARLACH, L. What is human resilience? A contribution to the construction of the concept . 2005.
108p. Dissertação (Mestrado) Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, 2005.
The present study consists in a literature review of the concept of resilience, towards its better
understanding. The recent increase of publications that take resilience as a theoretical reference has
converted it, paradoxally, in a less comprehensible and more controversial concept. It is not possible to
deny that resilience is different from adaptation and covers elements not included in adapting issue. The
strategy designed to this study’s purpose was the confrontation between acquaintance manifestations of
resilience (in Bible Tradition, Job’s an Jacob’s episodes; in art, the films ´Frida´ and ´Life is beautiful´
and in Victor Frankl´s report on living on the concentration camps) and interpretations and theorizations
made by recurrent authors in resilience literature. The work is concluded by proposing a redefinition of
the concept that emphasizes subjectivity for reconstruction of the individual as the subject of its own
history.
Key-words: resilience, adaptation, adversity, subjectivity, subject.
8
SOMMAIRE
BARLACH, L. Qu'est-ce la résilience humaine? Une contribution pour la construction du concept. 2005.
108f. Dissertation (Mestrance) - Institut de Psychologie, Université de São Paulo, 2005.
La présente étude se compose d'une révision du concept de résilience comme contribution pour son
compréhension. L'augmentation récente de publications qui s'ils emploient de la résilience car le
referencial théoricien est devenu le concept, paradoxalement, plus incompressible et controversé. Il n'a
pas quant à nient cette résilience si différencie de l'adaptation et cela il implique les éléments qui ne sont
pas contenus en cela. La stratégie dessinée pour l'intention de ce travail a compris la promotion de la
confrontation entre les manifestations connues de la résilience (dans la tradition biblique, les épisodes de
Jó et Jacó ; dans l'art, les films 'Frida 'et 'La vie est beau' et dans l'histoire de Frankl sur l'expérience des
camps de concentration) et les interprétations et propositions de théories pour les auteurs qui ont été
récurrents en littérature à ce sujet. On conclut le travail avec une proposition de redéfinition du concept de
résilience qui souligne la subjectivité dans la reconstruction de l'individu comme sujet de son histoire.
Mots - clef : résilience, adaptation, adversité, subjectivité, sujet.
9
SUMÁRIO
Dedicatória_______________________________________________________II
Agradecimentos___________________________________________________III
Resumo__________________________________________________________VII
Abstract_________________________________________________________VIII
Sommaire_________________________________________________________IX
Sumário___________________________________________________________X
Capítulo I: A atualidade dos estudos sobre resiliência: um panorama geral___2
Capítulo II: Fontes tradicionais e literárias sobre o tema da resiliência______11
2.1 Fontes bíblicas do estudo da resiliência________________________________12
2.2 A sobrevivência nos campos de extermínio nazista: Victor Frankl e a busca do sentido de
vida______________________________________________________15
2.3 Outras fontes não acadêmicas sobre a resiliência________________________19
2.4 Imagens da resiliência: contribuições da arte cinematográfica______________21
2.5 Síntese do capítulo________________________________________________23
Cap. III: A literatura acadêmica sobre o tema da resiliência________________26
3.1 Origens e evolução histórica do conceito de resiliência____________________27
3.2 A trajetória deste estudo____________________________________________29
3.3 Breve revisão da literatura acadêmica sobre resiliência____________________34
3.4 Síntese da revisão da literatura_______________________________________44
Cap. IV: Resiliência no contexto do trabalho humano nas organizações______48
4.1. A resiliência no ambiente organizacional______________________________49
4.2 Resiliência e Comportamento Organizacional___________________________53
Capítulo V: Resiliência: um referencial teórico consistente?________________59
5.1 A questão da adaptação positiva______________________________________60
5.2 A definição de adversidade__________________________________________64
5.3 A definição de resiliência___________________________________________67
10
5.4 Questões metodológicas sobre estudos de resiliência______________________71
5.5 A problemática da mensuração nos estudos de resiliência__________________72
5.6. Convergências e divergências entre a teoria da resiliência e outras abordagens
teóricas____________________________________________________________75
5.6.1. A Teoria da Resiliência e a Psicologia Positiva________________________75
5.6.2. Resiliência, stress e coping: aproximações e diferenças__________________77
5.6.3 O stress pós-traumático e a resiliência________________________________82
5.6.4. Resiliência e Motivação: dialogando com MASLOW___________________83
5.6.5. Resiliência: para além da auto-realização_____________________________85
Capítulo VI: Re-definindo resiliência____________________________________91
Uma história________________________________________________________104
Referências bibliográficas_____________________________________________105
11
CAPÍTULO I
12
1. A atualidade dos estudos sobre resiliência: um panorama geral
Os estudos e pesquisas acerca da resiliência humana buscam compreender porque,
diante das mesmas condições entendidas como adversas, alguns indivíduos se
desenvolvem satisfatoriamente ou crescem, sobrepujando-se, aparentemente, aos limites
da condição humana, enquanto outros sucumbem, desenvolvem patologias ou se
vitimizam.
O estudo do tema considera aqueles indivíduos que, apesar das predições contrárias
atinentes às situações de risco do contexto psico-social em que estão inseridos, tiveram
êxito diante da adversidade ou cresceram e se desenvolveram a partir dela (GALENDE,
2004). Para resolver sua situação vital aparentemente insolúvel, indivíduos ou grupos
interpõem elementos criativos para transformá-la ou transformar-se.
A vasta literatura produzida nos últimos anos sobre esta questão permite visualizar um
campo de investigação que se preocupa com a superação ou transcendência - do
sofrimento humano em distintos contextos. Da vivência da condição de pobreza extrema
ao estupro, da violência física às catástrofes ambientais, dos campos de extermínio
nazista aos ataques terroristas Oklahoma, 1995, por exemplo, ou o tiroteio da escola
secundária de Columbine, em 1999, ou ainda o ataque à escola russa, em 2004
1
-, os
pesquisadores se utilizam do conceito de resiliência para estudar os indivíduos ou
grupos cuja adaptação denota a superação da situação adversa ou o crescimento diante
dela. Ou seja, mais que “lidar com a adversidade”, os estudos se concentram naqueles
1
Numa república russa na região do Cáucaso, terroristas separatistas invadiram uma escola, fazendo reféns crianças e
professores que chegaram a ficar 53 horas sem alimentos e água num ginásio.
13
indivíduos, grupos ou comunidades que saem transformados do enfrentamento da
situação traumática (GROTBERG, 2005).
GROTBERG exemplifica: “Algumas pessoas são transformadas por uma experiência de
adversidade: um filho é assassinado por um motorista alcoolizado, a mãe inicia uma
campanha para prender os motoristas alcoolizados e consegue mudar as leis do País; um
homem padece de uma hemiplegia e estabelece uma fundação para obter fundos com a
finalidade de impulsionar as pesquisas sobre o problema; um jovem contrai HIV [...] e
dedica seu tempo a apoiar outros [na mesma condição]” (GROTBERG, 2005). Estes
exemplos podem ser compreendidos pela interface existente entre a resiliência e a
criatividade, em que indivíduos ou grupos encontram recursos criativos para o
enfrentamento da adversidade e a solução criativa se transforma em conduta resiliente.
Histórias como a do pianista León Fleischer, que, em meio a uma carreira de sucesso,
perdeu a motricidade fina dos dedos de sua mão direita ampliam a perspectiva do
estudo, acrescentando elementos importantes acerca da relação entre resiliência e
sentido de vida. Estudiosos relatam que “o fato representou uma catástrofe pessoal e
profissional que o levou a mergulhar em uma profunda depressão. Ele se perguntava
sobre o sentido de sua vida, vindo a compreender que seu vínculo com a vida
transcendia sua carreira de pianista e que seu elo de ligação com esta se dava por meio
da música, o que alterou os rumos de sua vida, fazendo com que se tornasse maestro e
professor de piano” (VANISTENDAEL & LECOMTE, 2004). A temática do sentido de
vida fica expressa também no relato de Victor Frankl que será analisada em maior
profundidade ao longo deste texto. Os estudos são consistentes ao afirmar que aqueles
14
que saem transformados do enfrentamento da situação são beneficiados pelo incremento
de empatia, altruísmo e compaixão pelos outros (GROTBERG, 2005).
Ainda que se assuma que a experiência de trauma e o enfrentamento da adversidade (2)
são possibilidades inerentes à condição humana, o assunto ganha atualidade na medida
em que se constata o aumento dos desastres sócio-ambientais produzidos por formas
predatórias de apropriação humana do ambiente, bem como a vivência de traumas
causados por modalidades de violência com forte impacto social, tais como ataques
terroristas, bombas e assassinatos em escolas ou catástrofes urbanas.
Num cenário social em que os parâmetros para a adaptação humana ao meio ambiente
têm se tornado cada vez mais instáveis e as pressões pela sobrevivência, desempenho e
adaptação têm se tornado mais complexas, com novos desafios se apresentando a cada
instante, a questão do enfrentamento de situações traumáticas pelos sobreviventes e sua
recuperação psicológica tornam-se fator de preocupação de governantes e entidades de
ajuda humanitária e alguns estudiosos da resiliência propõem que os resultados de
pesquisa sejam utilizados como subsídios para o desenvolvimento de políticas ou
processos de prevenção da saúde mental ou de intervenção, seja do psicólogo, seja de
outros cientistas sociais (SHARKSNASS, 2003).
Acontecimentos noticiados pela imprensa - dezembro 2004 e janeiro de 2005 sobre a
catástrofe provocada pelo tsunami, que atingiu diversos países da Ásia, corroboraram a
atualidade deste estudo. O enfrentamento da situação traumática pelos sobreviventes e
sua recuperação psicológica tornaram-se fator de preocupação de governantes, entidades
2
Adversidade: Segundo o dicionário Aurélio: 1. Contrariedade, aborrecimento. 2. Infelicidade, infortúnio, revés. 3.
Qualidade ou caráter de adverso. Segundo o dicionário Houais: 1. Caráter do que é adverso, desfavorável. 2. Sorte
adversa, infelicidade, infortúnio, revés.
15
de ajuda humanitária e outros, que, em diversas vezes, utilizaram o conceito de
resiliência para referir-se ao processo de reconstrução psíquica - pós catástrofe.
No jornal A FOLHA DE SÃO PAULO de 13 de setembro de 2005, são noticiados e
comentados os recentes acontecimentos na França. Marina de Campos Mello, no artigo
“No subúrbio, ar pacífico esconde tensão constante”, descreve a sobrevivência em meio
aos confrontos e distúrbios:
“Centro de Paris. Um homem de origem magrebina atravessa a rua lentamente
quando o sinal de trânsito muda para o verde. Impaciente, o motorista buzina
para apressar o pedestre. A resposta: “Você acha que pode fazer isso só porque
eu sou árabe”?". Sem hesitar, enfia-se pela janela do veículo e esbofeteia a cara
do francês. O incidente ocorreu há mais ou menos dois meses. Ou seja, antes da
onda de violência que se iniciou nos subúrbios parisienses e se espalhou por toda
a França. Casos como esse não são corriqueiros, mas bem ilustram a tensão
social dos grandes centros franceses.”
O mesmo artigo comenta, a seguir, a revolta que se instalou em lugares onde o índice de
desemprego é de 40%, em que pobreza e exclusão social estão em jogo:
“Cenas de carros queimados já são, há anos, conhecidas dos habitantes. Creteil
[periferia próxima a Paris] teve um crescimento vertiginoso a partir dos anos 50
e, desde então, sua população quintuplicou, atingindo 85 mil habitantes. A
cidade acolheu imigrantes, abrigados em conjuntos habitacionais ou "cités". [...]
Yassin Adnane, marroquino de 31 anos que viveu em Creteil entre 2001 e 2003,
conta que já viu viaturas serem atingidas por máquinas de lavar louça e outros
eletrodomésticos, atirados do alto dos prédios. Em outra ocasião, teve de deixar
às pressas seu apartamento, pois o porão do edifício estava em chamas.
Questionado sobre as possíveis motivações desses atos, diz que seus jovens
vizinhos acreditam que a França tem uma dívida com os imigrantes.”
16
O artigo assinala outro aspecto importante para o entendimento do conflito: o convívio
sem convivência:
“Na estação de trem de Villemomble, a leste de Paris, um desavisado poderia se
crer na África. Mulheres com turbantes coloridos conversam entre si em línguas
estranhas e carregam bebês em trouxas nas costas. Outros falam árabe. Há
também famílias brancas de classe média, que optaram por uma vida mais calma
e barata nos subúrbios. Elas vivem em casas com jardins e hortas, cercadas por
enormes conjuntos habitacionais onde se instalam imigrantes vindos de ex-
colônias francesas da África subsaariana. É certo que brancos, negros e árabes
dividem o mesmo espaço, mas não há convivência.”
Em todos os exemplos citados acima, é possível inferir elementos de tensão ou pressão
sobre a vida cotidiana das pessoas, corroborando a importância e a atualidade dos
estudos de resiliência. O mundo atual, em muitos aspectos, tornou-se cenário de
desastres e tragédias. Guerras, terrorismo, assassinatos, delinqüência, corrupção fazem
parte da cotidianiedade. No caso particular da América Latina, somam-se os elementos
de empobrecimento relativo e exacerbação da desigualdade social. A resiliência pode
ser vista como o enfrentamento desse bombardeio de eventos negativos (OJEDA, 2004).
Embora o sentido do fenômeno da resiliência seja relativamente simples de captar
(intuitivamente), sua definição e significado psicológico não são inequívocos.
Resiliência é “um conceito fácil de entender mas difícil de definir e impossível de ser
medido ou calculado exaustivamente” (RODRIGUÉZ, 2005). Essa afirmação, que é
compartilhada por outros autores, faz com que os pesquisadores que se interessam pela
utilização do conceito como referencial para pesquisas adentrem em um campo cujo
terreno, em muitos momentos, se assemelhe à areia movediça.
17
Este estudo se propõe a investigar a possibilidade de uma definição consistente do
conceito de resiliência como contribuição para o enriquecimento dos referenciais para
estudos empíricos, particularmente na área de Psicologia Social e, mais
especificamente, no campo da Psicologia do Trabalho.
A atualidade da pesquisa sobre a adaptação humana em contextos hostis não se dá
apenas em função da crescente presença de manifestações terroristas, desastres sócio-
ambientais, violência urbana e demais questões no cotidiano das sociedades do século
XXI; a sociedade da pós-modernidade introduziu dimensões de complexidade e
turbulência em todos os domínios da vida mundana, gerando novos desafios para a
adaptação do ser humano a seu ambiente, mesmo quando não confrontado diretamente
com tais situações. De fato, a rotina de pressão ou pressão rotineira - vivida
cotidianamente nas metrópoles do século XXI demanda uma competência adaptativa
semelhante àquela demandada diante das catástrofes naturais ou desastres sócio-
ambientais que são relatados pelos estudiosos da resiliência. Exemplos são as pressões
sobre a identidade pessoal geradas pelo desemprego ou por doenças como câncer e
AIDS ou ainda seqüestros urbanos.
Também o trabalho humano é um campo que vem sofrendo o impacto de inúmeras
mudanças, desafiando àqueles que trabalham nas organizações a adaptar-se de forma
contínua a situações adversas advindas do meio externo, que representam riscos à sua
saúde mental; inúmeros são os fatores tensionantes presentes no cotidiano laboral,
potencializadores de rupturas e sofrimento.
18
Nas últimas décadas do século XX, tornou-se lugar comum, em particular no jargão
empresarial, a utilização da metáfora derivada de um dos ideogramas da escrita
chinesa - que associa a crise à oportunidade. Porém, ainda que se assuma como
verdadeiro tal aforismo, a efetiva transformação de uma situação de crise em desafio e
oportunidade para crescimento seja no plano individual, seja ele coletivo implica um
processo de aprendizagem e desenvolvimento psicológico para produzir recursos
adaptativos cuja compreensão pode ser enriquecida a partir do referencial da resiliência.
O foco deste estudo é a resiliência psíquica diante de condições críticas de tensão
oriundas das características atuais da interface entre o ser humano e seu trabalho.
Porém, caberá, inicialmente, analisar a consistência do próprio referencial de estudo e,
para isso, será desenvolvida a revisão da literatura direcionada a analisar aspectos
congruentes e incongruentes tanto do conceito em si quanto da metodologia de pesquisa
que vem sendo empreendida pelos autores deste campo de estudo. De maneira geral,
pretende-se compreender o que é resiliência, se ela pode ser definida como conceito útil
para responder às questões que são propostas nos estudos já desenvolvidos e, em caso
positivo, se este conceito poderá apoiar futuras pesquisas sobre o trabalho humano.
Assim caracterizado, o objetivo desta dissertação é a análise da consistência teórica do
conceito de resiliência por meio da revisão crítica da literatura deste campo.
Identificado o estado da arte neste contexto, serão discutidos os fatores críticos a serem
enfrentados para a utilização deste referencial em estudos voltados a entender a
adaptação humana ao trabalho no contexto das organizações modernas e pós-modernas.
A análise de duas películas da cinematografia mundial recente apoiará o estudo, uma
vez que as imagens traduzem impressões que esclarecem aspectos relevantes do próprio
19
conceito. As questões aqui propostas são: o que é resiliência? Quais os elementos que a
caracterizam? Como categorizá-los?
Após a apresentação geral do campo e da problemática que se pretende estudar,
consubstanciada nesta Introdução, segue-se uma análise sistematizada dos mesmos. No
capítulo II, são pesquisadas algumas fontes bíblicas e relatos literários, destacando-se a
história de Jó e o relato de Victor Frankl sobre a vida nos campos de concentração.
Consideram-se outras fontes em que o conceito vem sendo empregado
corriqueiramente. Neste capítulo é apresentada a análise das duas películas de cinema
que, pelo impacto imagético, corroboram a afirmação sobre a facilidade de identificação
do fenômeno e dificuldade de definição do conceito de resiliência. A revisão crítica da
literatura é apresentada no capítulo III por meio da síntese do pensamento e reflexão de
quatro autoras que podem ser consideradas referências no campo, em função do grande
número de publicações em revistas de padrão internacional e por terem, elas mesmas,
realizado uma revisão crítica deste campo de estudos. O capítulo IV introduz os estudos
de resiliência voltados à vida e ao trabalho humano nas organizações. No capítulo V, é
apresentada uma síntese dos principais problemas existentes no que tange à
problemática do próprio conceito, da metodologia e dos procedimentos de pesquisa e é
estabelecido o diálogo da Teoria da Resiliência com outros autores e teorias, em
especial com a Teoria do Stress, o conceito de stress pós-traumático e a Teoria da
Motivação. O capítulo VI - A resiliência como referencial de análise - aborda a síntese
dos principais aspectos discutidos na dissertação, a título de conclusões e
recomendações para estudos posteriores, e propõe a redefinição do conceito.
20
CAPÍTULO II
21
Capítulo II: Fontes tradicionais e literárias sobre o tema da resiliência
Neste capítulo serão apresentadas fontes bíblicas sobre o tema da resiliência e será
comentada a história de Victor Frankl, sobrevivente de campos de extermínio nazista.
Adicionalmente, serão analisadas obras da indústria cinematográfica recente que
contribuem para a compreensão dessa temática.
22
2. 1. Fontes bíblicas sobre o tema da resiliência
O sofrimento e sua superação são temas de inúmeros relatos bíblicos, dos quais serão
destacadas as estórias de Jó e de Jacó.
O texto bíblico em que é narrada a estória da Jó é exemplar para o estudo da resiliência.
Jó era um homem que dispunha de todos os recursos para sua sobrevivência e de sua
família, devotava-se a Deus e levava vida exemplar do ponto de vista dos padrões de
sua época. Em determinado momento, Satã resolve desafiá-lo: seguiria Jó os caminhos
de Deus mesmo que perdesse tudo? A estória bíblica, que será comentada a seguir,
relata as perdas sofridas por Jó (perda de sua casa, esposa, filhos, saúde e fonte de
sustento), assim como os recursos mobilizados para seu enfrentamento.
Acompanhando os passos de Jó em sua trajetória de sofrimento e enfretamento, vê-se
que, num primeiro momento, Satã incita sabeus e caldeus a roubarem-lhe os bois e os
camelos e a matarem seus escravos. Num incêndio, queima seu rebanho e seus pastores
e levanta um furacão no deserto, levando deste mundo os dez filhos de Jó. Este,
resignado, não profere palavra contra Deus. Satã faz, então, com que o corpo de Jó arda
em lepra e, mesmo assim, Jó não ofende seu Senhor. Desta vez, porém, solta
impropérios, amaldiçoando o dia em que nasceu.
Nesse ponto o texto estende-se sob forma de hinos que confrontam a fala de Jó à de
quatro amigos que vêm visitá-lo com intuito de ensinar-lhe a moral, criticá-lo e
explicar-lhe o porquê de seus reveses. Elifaz de Teemã diz que só os ímpios são
castigados, e Jó lhe responde que seu castigo é bem maior do que seus pecados. Baldad
23
de Chua lembra que Deus é sempre justo, com o que concorda Jó, ressalvando que Ele
não aflige só os maus. Sofar de Naama fala que Deus é o único sábio a ver toda
injustiça, ao que Jó repete ser desproporcional o seu castigo. Sofar replica que a alegria
dos ímpios é breve, mas Jó aponta a prosperidade de vários deles. Acusado de
arrogância, apela para o testemunho de Deus. Eliú de Buz discursa exaustivamente,
dizendo que só o sofrimento purifica o homem, até ser interrompido pela aparição do
próprio Deus, saído de uma tempestade.
Deus defende Jó, proclama sua inocência diante de seus quatro amigos, e repreende-os.
Também interroga Jó sobre os mistérios da Criação; abusa de ironias, e cobra dele uma
resposta. Pasmo, Jó diz que se arrepende em nome do pó ao qual retornará, pede perdão
e se retrata. Deus, sentindo-se vitorioso sobre Satã, restitui então a Jó, em dobro, todos
os seus bens; dá-lhe ainda novos filhos e o faz viver por 140 anos.
Analisando a estória de Jó sob o ponto de vista dos ensinamentos que esta traz sobre o
conceito de resiliência, vê-se que, diante das sucessivas adversidades que se apresentam,
o personagem bíblico culpa a si próprio, amaldiçoando o dia em que nasceu e
entendendo que só os maus são castigados, pede conselhos a amigos para entender a sua
situação e pensar como reagir, mas, em nenhum momento, Jó culpa ou nega Deus; ele
mantém a sua fé e este é o elemento que lhe permite enfrentar a dor que sente diante de
todas as situações. Como se verá mais adiante, a presença da fé não garante, por si só, a
resiliência embora, neste caso, a fé possa ser considerada o fator de proteção de Jó para
o enfrentamento das situações adversas que se apresentaram e Jó possa ser considerado
um indivíduo resiliente.
24
No caso de Jacó, outro dos personagens que será objeto de análise, diz a Bíblia que sete
foram as aflições que o acometeram: o desentendimento com seu irmão Esaú com
respeito à progenitura; os trabalhos prestados por sete anos a Labão em nome de seu
amor por Rachel; a luta contra o anjo que lhe surpreende em meio à viagem (em que,
temeroso, reencontraria Esaú); o estupro de sua filha Diná (e as conseqüências
posteriores ao ocorrido); o luto pelo filho José (que, ao final da estória, se revela um
engano, pois José sobrevive à tentativa de assassinato que seus irmãos perpetram contra
ele); o fato de ter que entregar o filho Benjamin ao vice-rei do Egito em troca de receber
o alimento que lhe faltava (que também posteriormente se revela como farsa tramada
por José para reencontrá-lo) e, finalmente, a atitude de seu filho Simão nos
acontecimentos que antecederam a efetiva reconciliação dos irmãos com José.
Neste caso, não há muitos indícios, no relato bíblico, sobre a atitude interna de Jacó
diante dessas adversidades. Encontram-se comentários que revelam a plasticidade
emocional típica da resiliência referindo-se a ele, tais como “Sete vezes cairá e sete
vezes se levantará” (PARASHÁ VAIGASH, MELAMED, 1996). Um dos indicadores
mais interessantes sobre o enfrentamento da adversidade por parte de Jacó é o fato de
que, após a luta com o anjo fazer-se merecedor do nome pelo qual se tornaria conhecido
o povo de Israel. A mudança de nome aqui, como em diversas outras tradições, assume
o significado de elevação espiritual, o que nos induz ao entendimento de que Jacó
conseguiu transcender seu sofrimento pela via de elevação espiritual, fator que é
analisado por alguns autores no contexto de pesquisas acadêmicas sobre o assunto
3
, que
serão comentadas adiante.
3
No budismo, encontramos o relato da transformação de SIDARTA em BUDA. Nascido príncipe, SIDARTA
ilumina-se e ganha o nome de BUDA após deixar o palácio e viver por muitos anos em meio ao povo, conhecendo
seu sofrimento. No islamismo, encontramos estória de MUHAMMAD que se tornou MAOMÉ após a revelação que
obteve em contato com o anjo GABRIEL. Na tradição cristã, encontramos a conhecida história de JESUS que se
eleva espiritualmente e recebe o nome de CRISTO.
25
2.2. A sobrevivência nos campos de extermínio nazista: Victor Frankl e a busca do
sentido de vida
Na continuidade do levantamento de referências não acadêmicas relativas ao tema
resiliência, destaca-se o relato de Victor Frankl (1997), psiquiatra que descreve e reflete
sobre a sua vida nos campos de concentração nazista.
A sobrevivência do sentido religioso em situação de extrema adversidade, como o
campo de concentração, é fator de destaque do texto. O autor relata, dentre outros
aspectos, que muitos prisioneiros rezavam fervorosamente - antes de entrarem nas
câmaras de gás. Entretanto, segundo ele, muitos prisioneiros também buscavam,
consciente ou inconscientemente, a morte; formas camufladas de suicídio eram
freqüentes: abandonar a alimentação, mesmo considerando a escassa quantidade de
alimento que era oferecida ao longo de um dia de trabalho; recusar-se a ser transferido
para um ambulatório, mesmo necessitando de cuidados médicos (pois era sabido que os
nazistas dariam preferência a matar aqueles que já não apresentavam condições
mínimas de saúde). Lidar com o desespero, sem “entregar os pontos”, encontrando
sentido no sofrimento, eram algumas premissas do “trabalho” de Frankl em meio a seus
companheiros de infortúnio.
No papel de conselheiro que assumiu perante outros prisioneiros, tinha como foco de
atuação a identificação de um sentido de vida que, para cada indivíduo que ali se
encontrava, poderia assumir significado distinto, mas, de forma geral, estava baseado no
que poderia ser denominado fator de proteção frente à adversidade. No caso dos campos
26
de concentração, Frankl direcionava seus companheiros a identificarem algo que, para
cada um, fazia com que a vida tivesse sentido e que poderia ser desde o encontro futuro
com a (o) parceira (o), até a lembrança dos filhos ou dos pais.
Um desses fatores de proteção, enfatizados por ele em seu cotidiano de conselheiro, era
o amor. Nas palavras do autor: “[...] o amor é, de certa forma, o bem último e supremo
que pode ser alcançado pela existência humana. [...] Na pior situação exterior que se
possa imaginar, numa situação em que a pessoa não pode realizar-se através de
nenhuma conquista, numa situação em que sua [realização] pode consistir unicamente
num sofrimento reto, num sofrimento de cabeça erguida, nesta situação a pessoa pode
realizar-se na contemplação amorosa da imagem espiritual que ela porta dentro de si da
pessoa amada.” E, diz ele ainda: “[...] permanece aberta a possibilidade de [uma pessoa]
se retirar daquele ambiente terrível para se refugiar num domínio de liberdade espiritual
e riqueza interior.” (FRANKL, 1997).
“Toda tentativa de restabelecer interiormente as pessoas no campo de concentração
pressupõe que consigamos orientá-las para um alvo no futuro (p. 75).” Nesse sentido,
também o humor era considerado “uma arma da alma na luta por sua preservação”.
Frankl propôs a um amigo o compromisso mútuo de inventar ao menos uma piada por
dia, aludindo a situações futuras, posteriores à saída do campo de concentração.
Brincam eles, imaginando como seria para o amigo um médico-cirurgião se, em
meio a uma cirurgia posterior à saída do campo, ouvisse os gritos de “Mexa-se!, Mexa-
se!”, como ouviam agora, mas, desta vez, referindo-se à aproximação do chefe (diretor)
do Hospital.
27
O relato do autor contém um dos aspectos mais relevantes no estudo da sobrevivência
psicológica diante das condições de extrema adversidade, qual seja, a existência de
uma liberdade interior que possibilita ao ser humano permanecer sendo pessoa
humana, conservando sua dignidade, mesmo diante do insuportável. Há sempre
“um resquício de liberdade do espírito humano, de atitude livre do eu frente ao meio
ambiente, mesmo nessa situação de coação aparentemente absoluta, tanto exterior
quanto interior.” E ele cita inúmeros exemplos que demonstram que “no campo de
concentração se pode privar a pessoa de tudo, menos da liberdade última de assumir
uma atitude alternativa frente às condições dadas (p.66).
É também comovente o raciocínio a que ele nos leva sobre o valor da vida: Frankl
propõe a inversão da pergunta que normalmente era feita no campo de concentração
“Será que vamos sobreviver ao campo de concentração? Pois, caso contrário, todo esse
sofrimento não tem sentido....” para outra: “Será que tem sentido todo esse sofrimento,
toda essa morte ao nosso redor? Pois, caso contrário, afinal das contas não faz sentido
sobreviver ao campo de concentração (p.68)”, para afirmar que “a vida humana tem
sentido sempre e em todas as circunstâncias (FRANKL, 1997, p.80).”
Contrapondo a animalização ao sentido de humanidade ou “o fato de que a pessoa
interiormente pode ser mais forte que seu destino exterior”, afirma que “sempre e em
toda parte, a pessoa está colocada diante da decisão de transformar a sua situação de
mero sofrimento numa realização interior de valores.”
Na concepção do autor, o ser humano é volitivo: “O que é, então, um ser humano? É o
ser que sempre decide o que ele é. È o ser que inventou as câmaras de gás; mas é
28
também aquele ser que entrou nas câmaras de gás, ereto, com uma oração nos lábios.
(p.84, grifo do autor)”. Sobre a importância da espiritualidade e da crença em Deus,
Frankl ainda afirma que “Ele [Deus] espera que não o decepcionemos e que saibamos
sofrer e morrer, não miseravelmente, mas com orgulho (p.81).”
“A observação psicológica dos reclusos no campo de concentração revelou que somente
sucumbe às influências do ambiente no campo, em sua evolução de caráter, aquele que
entregou os pontos espiritual e humanamente. Mas somente entregava os pontos aquele
que não tinha mais em que se segurar interiormente! (p.70).” Ressalta que “muitas vezes
é justamente uma situação exterior extremamente difícil que dá à pessoa a oportunidade
de crescer interiormente para além de si mesma (p.72).”
Do ponto de vista do estudo da resiliência, é fundamental a descrição de Frankl a
respeito do ponto de inflexão, a partir do qual o próprio autor deixa a condição de
vítima da situação e se envolve num projeto pessoal e interno de superação de sua
condição, passando a escrever as notas daquilo que se tornaria, posteriormente, o livro
com o relato histórico de sua vida nos campos de concentração, bem como das aulas que
daria na Universidade, apresentando a teoria que ele intitula Logoterapia, ou seja, a
Terapia do Sentido da Vida.
“Eis que então aplico-me um truque: vejo-me de repente ocupando a tribuna de um
grande auditório magnificamente iluminado e aquecido e diante de mim um público a
ouvir atento, sentado em confortáveis poltronas, enquanto vou falando; dou uma
palestra sobre a psicologia do campo de concentração e tudo aquilo que tanto me tortura
e oprime acaba sendo objetivado, visto e descrito na perspectiva mais alta da ciência...
Através desse truque consigo alçar-me, de algum modo, para acima da situação,
colocar-me acima do tempo presente e de seu sofrimento, contemplando-o como se já
estivesse no passado e como se eu mesmo, com todo o meu tormento, fosse objeto de
29
uma interessante investigação psicológico-científica, por mim mesmo empreendida.”
(FRANKL, 1997, p.73).
O escrever, real ou imaginário em função das dificuldades óbvias de conseguir papel
naquele contexto - é, segundo ele, o recurso que se utiliza daí para frente até a sua
libertação do campo de concentração, ao final da Segunda Grande Guerra para
sobreviver psicologicamente aos horrores que permeavam seu cotidiano.
Os estudos e pesquisas de Assimakopoulos (2001), que serão tratados mais adiante,
também abordam, sob o ponto de vista acadêmico, o ponto de inflexão (a que se refere
Frankl), que possibilita ao indivíduo a passagem da condição de vítima à condição de
“senhor da situação”, considerado por esta autora como o momento a partir da qual se
pode identificar a resiliência.
2.3 Outras fontes sobre o tema resiliência
Para finalizar o campo de fontes de referência não acadêmicas sobre o assunto
resiliência, serão abordados agora livros, revistas e sites da INTERNET recentes que se
referem ao assunto.
É o caso, por exemplo, da crônica “The city shall rise again”, publicada na Chronicle
Review, sobre as cidades que sofreram processos de destruição e precisam se reconstruir
após desastres naturais, como terremotos e, mais recentemente, tsunamis. Os autores,
estudiosos de planejamento regional e urbano das Universidades de Massachussets e
Carolina do Norte nos Estados Unidos, escreveram também um livro sobre a
reconstrução das cidades modernas pós-desastres (VALE, 2005).
30
No caso da Cidade do México, atingida por um terremoto em 1985, o artigo contrapõe a
burocracia estatal à flexibilidade necessária para a reconstrução. Refere-se à construção
do memorial que substituiu as Torres Gêmeas destruídas após os ataques terroristas de
11 de setembro em NY como um símbolo tangível a partir do qual a recuperação
psicológica dos sobreviventes pode se apoiar. Para os autores, a chamada resiliência
urbana envolve os esforços para planejar a antecipar-se às possibilidades de desastres,
tarefa desempenhada normalmente pelas agências de defesa civil, mas que, segundo
eles, envolve, além da reconstrução física, sua reconstrução cultural.
Há ainda o livro Supere - a arte de lidar com as adversidades (CARMELLO, 2004)
que busca explicar o fenômeno da resiliência a partir de linguagem acessível ao grande
público e sites como o da FISESP Federação Israelita do Estado de São Paulo -
(www.fisesp.org.br), que, em seu Departamento de Assistência e Serviço Social, traz
um artigo com o título “Resiliência: superando a adversidade”, que relata pesquisa, feita
a partir de narrativas autobiográficas, em que a autora
4
selecionou aqueles que
conseguiram preservar sua capacidade afetiva e de trabalho e seu interesse e
compromisso com as outras pessoas e com a sociedade, designando-os como resilientes.
A observação empírica tem constatado também o incremento do uso do termo
resiliência em propostas de consultorias de Recursos Humanos (RH) para projetos de
desenvolvimento humano nas organizações, o que pode resultar na banalização do
conceito. Veremos mais adiante que no meio acadêmico Luthar (2000) reflete esta
mesma preocupação ao se perguntar se não se está diante de um fenômeno de modismo.
4
Cenise Monte Vicente
31
2.4. Imagens da resiliência: contribuições da arte cinematográfica
A análise de alguns filmes de longa metragem veiculados nos últimos cinco anos pode
contribuir para ilustrar alguns aspectos discutidos até aqui sobre a teoria da resiliência.
Considerando-as como obras de grande impacto sobre o imaginário social, empreendeu-
se a análise documental e de conteúdo de dois filmes que abordam a temática da
adaptação em condições de adversidade.
Esses filmes proporcionam a discussão da adaptação positiva - ou falso positiva - em
condições de extrema adversidade. De forma breve, buscaremos entender a expressão
da resiliência nas situações enfocadas e discutir aspectos conceituais suscitados pelos
mesmos.
Caso 1: “FRIDA”
Direção: Julie Taymer
Produção (EUA): Salma Hayek
Distribuição: Miramax Films / Lumière
Atores: Salma Hayek, Alfredo Molina, Geoffrey Rush, Ashley Judd, Antonio
Banderas, Edward Norton
Ano: 2002
Duração: 118 minutos
FRIDA, filme que aborda a biografia da pintora FRIDA KAHLO (1907-1954),
apresenta a adversidade advinda da longa doença pós-acidente que a acometeu. Nascida
no começo do século passado, teve a vida marcada por uma sucessão de acontecimentos
32
trágicos: depois da poliomielite na infância - que deixou como seqüela física um andar
coxo - sofreu um acidente que a deixou imobilizada no leito por alguns anos, com a
quase totalidade do corpo engessado, à exceção das mãos e dos pés. Ao longo do
período de imobilidade, seus pais a presentearam com materiais para pintura e ela
encontrou aí um meio de expressar sua dor e os sentimentos advindos da situação.
Progressivamente, Frida se transformou em uma artista plástica, o que lhe possibilitou o
desenvolvimento da resiliência no enfrentamento de sua situação.
Neste caso, é possível identificar como fator de proteção o desenvolvimento artístico da
personagem pois foi ele que produziu a reconfiguração de sua vida psíquica.
Caso 2: “A VIDA É BELA” (La Vita è Bella)
Direção: Roberto Benigni
Produtor: (Itália) Gianluigi Braschi e Elda Ferri
Distribuição: Miramax Films
Ano: 1997
Atores: Roberto Benigni, Nicoletta Braschi, Giorgio Cantarini
Duração: 116 minutos
O filme “A vida é bela” demanda certo grau de aprofundamento da análise, uma vez que
a estória narrada pelo mesmo não leva a conclusões unívocas, como no caso do filme
anteriormente analisado.
Na Itália dos anos 40, Guido (Roberto Benigni) é levado a um campo de concentração
nazista junto com seu filho pequeno e tudo faz para fazê-lo acreditar que estão
33
participando de uma grande brincadeira, com o intuito de protegê-lo do terror e da
violência que os cercam. Visando tornar mais suportável ao filho o enfrentamento da
situação, utiliza-se de um subterfúgio que é o de contar uma história, que falseia aquela
realidade.
Neste caso, o filme expressa uma falsa resiliência, em função de que há uma tentativa
do pai de reconfigurar a realidade que o filho estaria enfrentando, buscando mascarar o
sofrimento presente. A releitura da realidade, conforme será discutido posteriormente,
não pode ser efetuada pelo olhar alheio; a resiliência não pode ser conquistada de fora
para dentro do indivíduo, mesmo que se trate de uma relação pai-filho, como retratada
nesta película.
O tema será retomado mais adiante quando se analisar o artigo de Coutu (2002) que
afirma que ver o mundo cor-de-rosa não é base para o desenvolvimento da resiliência,
como ocorre neste filme.
2.5. Síntese do capítulo
O capítulo procurou identificar em fontes bíblicas, relatos literários e na cinematografia
imagens da resiliência para que estas possam ser agora
5
confrontadas com o conceito de
resiliência, tal como ele vem sendo proposto pelos teóricos e pesquisadores do campo.
Da história de Jó, destaca-se o sentido da fé como promotor da resiliência; em Jacó, é
possível identificar a transcendência no enfrentamento das adversidades. Em Frida,
sublinha-se o papel da arte na re-configuração do universo subjetivo que possibilitou
5
Vide capítulo III.
34
seu crescimento pessoal. No filme ´A vida é bela´, há um exemplo de falsa resiliência,
uma vez que a narrativa do pai busca tornar a realidade cor-de-rosa e pelo fato de que a
resiliência não pode ser proposta ´de fora para dentro´. Da narrativa de Frankl, que será
retomada em diversas vezes ao longo desta dissertação, destaca-se principalmente sua
afirmação sobre a existência de uma liberdade interior mesmo quando o sujeito é
confrontado com a situação externa mais terrível.
35
CAPÍTULO III
36
Capítulo III: A literatura acadêmica sobre o tema da resiliência
A literatura acadêmica sobre a temática da resiliência é comentada a partir da origem e
evolução histórica do conceito, do levantamento da produção científica recente 2000 a
2004 sobre o assunto e das proposições de quatro autores identificados a partir da
revisão da literatura.
37
3. 1. Origens e evolução histórica do conceito de resiliência
Resiliência se refere ao processo dinâmico de adaptação positiva em contexto de
significativa adversidade (LUTHAR, 2000). Originária do latim, a palavra resilio
significa retornar a um estado anterior, sendo utilizada, na Engenharia e na Física, para
definir a capacidade de um corpo físico voltar ao normal, depois de haver sofrido uma
pressão sobre si.
A noção de resiliência vem sendo utilizada há muito tempo pela Física e Engenharia,
sendo um de seus precursores o cientista inglês Thomas Young, que, em 1807,
considerando tensão e compressão, introduziu pela primeira vez a noção de módulo de
elasticidade. Young descrevia experimentos sobre tensão e compressão de barras,
buscando a relação entre a força que era aplicada a um corpo e a deformação que esta
produzia (TIMOSHEIBO, 1983, In: YUNES, 2003). A partir de então, denominou-se
resiliência de um material como a energia de deformação máxima que ele é capaz de
armazenar sem sofrer deformações permanentes, correspondente a uma determinada
solicitação ou, dito de uma outra maneira, resiliência seria a capacidade de um material
absorver energia sem sofrer deformação plástica ou permanente. Nos materiais, o
módulo de resiliência pode ser obtido em laboratório através de medições sucessivas ou
da utilização de uma fórmula matemática que relaciona tensão e deformação e fornece
com precisão a medida da resiliência de cada material, sendo possível constatar
empiricamente que diferentes materiais apresentam diferentes módulos de resiliência.
(YUNES, 2003).
38
Nas Ciências Humanas, o conceito tem sido utilizado para representar a capacidade de
um indivíduo ou grupo de indivíduos, mesmo num ambiente desfavorável, construir-se
ou reconstruir-se positivamente frente às adversidades. As pesquisas nesta área partiram
da observação de formas positivas de conduta de crianças e / ou grupos de indivíduos
que vivem ou viveram em condições adversas e estenderam-se para o estudo das
reações psicológicas diante de diversos tipos de situações traumáticas individuais - tais
como estupro e abuso sexual bem como traumas coletivos - tais como catástrofes
ambientais, ataques terroristas, discriminação racial e outros.
A situação atual é base para que diversos autores (por exemplo, SHARKSNASS, 2003)
proponham a capacitação de profissionais da área de saúde para lidar com sobreviventes
de situações traumáticas ou a formação de especialistas em promoção de saúde
comunitária. Da mesma forma, pesquisadores americanos indicam a necessidade de
contar com profissionais treinados para lidar com pessoas que vivenciaram tragédias
tais como o ataque terrorista em Oklahoma, em 1995, o tiroteio da escola secundária de
Columbine, em 1999 ou os desastres aéreos. No caso do tsunami, grupos de psicólogos
buscaram atender, mesmo em barracas improvisadas, os sobreviventes da catástrofe
asiática, lidando com crianças que haviam perdido seus pais, seus parentes e suas casas
6
.
Ao longo da história humana, pessoas e populações têm sido expostas a eventos trágicos
e têm sido capazes de lidar com eles e adaptar-se. Os estudos recentes se interessam
pelos indivíduos e grupos que transcendem o âmbito do “lidar com a situação” e
6
Em 02 de janeiro de 2005, o jornal Folha de São Paulo noticiava que a UNICEF enviava pediatras à Tailândia para
o atendimento psicológico das crianças sobreviventes. Na ocasião, dizia a diretora-executiva da UNICEF: “É difícil
imaginar o medo, a confusão e o desespero de crianças que viram as ondas gigantes levar o mundo delas e deixar
milhares de corpos nas margens do mar.”. E ainda: “Crianças perderam toda a representação de vida que conheciam,
de irmãos até casa, escola e vizinhança.”
39
conseguem crescer ou se desenvolver a partir dela, tirando proveito da vivência
traumática ou adversa para seu desenvolvimento (ASSIMAKOPOULOS, 2001).
A questão é típica da Psicologia Social, uma vez que coloca em perspectiva a relação
entre o indivíduo e seu meio social e afigura-se importante na sociedade do século XXI,
em que têm se alterado os parâmetros para a adaptação humana ao meio ambiente, sob o
efeito de crescentes tensões sociais, econômicas e políticas, desafiando os cientistas a
responder à complexidade de múltiplos processos interdependentes.
3.2. A trajetória deste estudo
A trajetória teórica deste estudo teve início com a análise do artigo How Resilience
Works, publicado pela Harvard Business Review em 2002, que descrevia as
características da pessoa ou organização resiliente (COUTU, 2002). A partir de então,
realizou-se um levantamento da literatura sobre o tema, obtendo como resultado, apenas
no ano de 2004, a localização de 2789 artigos e capítulos de livros na base de dados
PSYCHOINFO (Psychological Abstracts); 69 na PROQUEST (Dissertation Abstracts
International) e 36 na LILACS (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências
da Saúde) com a palavra-chave resiliência
7
, além da identificação de pelo menos quatro
autores que publicaram mais do que três artigos sobre o tema e que eram citados por
diversos outros como referência. Estes autores serão mencionados no item 3.3 desta
dissertação.
7
A palavra-chave foi utlizada em inglês: resilience e em português: resiliência.
40
Dentre as 2789 referências localizadas na base de dados PSYCHOINFO no ano de 2004
podem ser identificados temas que dizem respeito à resiliência e vivência de
adversidade associada a abuso de drogas, alcoolismo, Holocausto e ataques terroristas -
incluindo o ataque às Torres Gêmeas, ocorrido em NY, em 11 de setembro de 2001.
Ainda na base PSYCHOINFO, destacam-se também estudos sobre o ajustamento de ex-
prisioneiros políticos e estudos sobre adaptação positiva de portadores de HIV. Abuso
sexual, seqüestro, incesto, abandono e adoção de crianças, delinqüência juvenil, maus-
tratos, efeitos do Holocausto na segunda geração, comportamento de risco de lésbicas,
gays e jovens bissexuais foram alguns dos assuntos encontrados nas referências do
PROQUEST. A interface de pesquisa LILACS, além de abordar temas semelhantes aos
já mencionados nas outras bases, revelou temas mais teóricos, voltados a reflexões
sobre promoção da saúde e do desenvolvimento humano e proposição de modelos de
atuação e estratégias de intervenção e prevenção. A pesquisa nessa base de dados latino-
americana enfoca também algumas temáticas tipicamente brasileiras, tais como os
estudos sobre a vida dos moradores de rua de grandes cidades.
A literatura é inequívoca em afirmar que, do ponto de vista histórico, a introdução do
conceito de resiliência na Psicologia foi precedida pela utilização dos termos
invencibilidade ou invulnerabilidade, propostos por Anthony para descrever, na
Psicopatologia do Desenvolvimento, crianças que, apesar de prolongados períodos de
adversidades e estresse psicológico, apresentavam saúde emocional e alta competência
(WERNER & SMITH, 1992, In: YUNES, 2003).
Seguindo o desenvolvimento histórico do tema, Rutter (1985, 1993, In: YUNES, 2003),
outro dos pioneiros no estudo da resiliência no campo da Psicologia, passou a
41
questionar a noção de invulnerabilidade, pois, segundo ele, esta pressupunha uma
resistência quase absoluta ao stress, inexistência de limites para suportar o sofrimento e
praticamente a imunidade por parte das crianças a qualquer tipo de desordem,
independentemente das circunstâncias, e estes fatores não correspondiam aos resultados
empíricos encontrados por ele.
Ao longo do tempo, as pesquisas passaram, então, a adotar o termo resiliência, que
demonstrou ser um conceito mais adequado na descrição dos fenômenos, uma vez que
sugeria certo grau de elasticidade diante da pressão / tensão, como nos materiais, sem
sugerir invencibilidade.
O estudo de epidemiologia social realizado por E. E. Werner na ilha de Kauai (Hawai),
em que a autora acompanhou durante trinta e dois anos o desenvolvimento de
aproximadamente 500 pessoas vivendo em condições de extrema pobreza, foi precursor
na utilização do conceito de resiliência. Na situação analisada, a autora relata que pelo
menos um terço da população sofreu situações de stress, dissolução do vínculo parental,
alcoolismo e abuso, dentre outros, mas “apesar da situação de risco a que estavam
expostas as crianças, estas conseguiam superar as adversidades e construir-se como
pessoas” (MELILLO, 2005; MANCIAUX, 2001).
Embora os estudos voltados a crianças em situação de risco tenham permanecido como
as principais referências que configuram este campo, a partir de então o espectro de
temas abordados também se ampliou, incluindo pesquisas sobre resiliência em
indivíduos adultos, famílias, comunidades e populações.
42
Pode-se exemplificar a ampliação do espectro de temas, a partir do estudo efetuado nas
bases de dados anteriormente mencionado, com Luthar - que trata de famílias que
enfrentam situações adversas como infertilidade, diabetes em adultos, AIDS em um
membro da família e condições crônicas da infância - ou com os artigos e capítulos de
livros que tratam de questões relacionadas ao terrorismo: HOFFMAN (1999) explora
aspectos psico-sociais da mente terrorista; REISSMAN e outros (2004) estudam o
comportamento humano em reação ao terrorismo e COATES & SCHECHTER, em
2004, publicaram estudo sobre o stress traumático de crianças em idade pré-escolar
após ataque de 11 de setembro às Torres Gêmeas de NY.
Tem-se como certo que o estudo da resiliência humana emergiu do estudo do risco.
Considerada inicialmente como resultado de traços de personalidade ou estilos de
coping que faziam com que algumas crianças progredissem em seu desenvolvimento
mesmo quando confrontadas com a adversidade, foi, depois, compreendida de forma
sistêmica, a partir da relação indivíduo - contexto (WALLER, 2001).
De acordo com Masten (2001), o modelo que explicava o fenômeno com base na
personalidade individual propunha a identificação das qualidades do indivíduo ou do
ambiente que moderariam a influência da adversidade; o indivíduo ou o ambiente
funcionariam, então, como uma espécie de air-bag ou sistema imunológico para com a
adversidade (MASTEN, 2001).
Atualmente, poucos são os autores que sustentam ser a resiliência um traço pessoal,
inerente ao indivíduo; a visão predominante busca explicar o fenômeno como processo
dinâmico, multidimensional ou ecosistêmico (WALLER, 2001). Esta perspectiva que
encontra em Waller (2001) uma de suas maiores representantes - define resiliência
43
como “um produto multideterminado e sempre mutável de forças que interagem em
determinado contexto ecossitêmico”. Segundo ela, uma vez que o desenvolvimento é
um processo contínuo de adaptação e acomodação entre indivíduos e seus ambientes, há
que se estudar a resiliência de forma contextualizada, considerando sempre o
ecossistema constituído pela díade homem meio. Critica aqueles que entenderam a
resiliência como um resultado decorrente de traços de personalidade pois este enfoque
obscurece a importância do contexto. Para ela, o equilíbrio - alcançado pelos indivíduos
assim denominados resilientes - só pode ser explicado por uma perspectiva que
incorpore, em suas análises, a interação dinâmica entre sistemas.
Tem-se também em Werner, no estudo anteriormente mencionado, uma representante
desta mesma tendência, pois ela não atribui às crianças observadas qualquer
temperamento ou personalidade especial nem tampouco explica o fenômeno por
características genéticas ou capacidade cognitiva diferenciada. Em suas conclusões
assinala a presença, sem exceções, de um dado em comum na vida daquelas crianças:
todos (as) haviam usufruído do apoio irrestrito de um adulto significativo fosse ele (a)
um familiar ou não. Para ela, era o amor recebido pelas crianças que estava na base do
desenvolvimento existoso (MELILLO, 2005).
As palavras de MANCIAUX (2001) corroboram esta abordagem: “se a genética e a
biologia determinam os limites do possível, resta um alto grau de liberdade e uma
margem de manobra para a intervenção de recursos pessoais e profissionais. A cada
instante, a resiliência resulta da interação entre o próprio indivíduo e meio que o cerca,
entre o seu passado e o contexto do momento em termos políticos, econômicos, sociais
e humanos” (MANCIAUX, 2001).
44
Também Luthar (2000), anteriormente citada, assume a interação do indivíduo com o
contexto como fator explicativo, ao afirmar que resiliência é “o processo dinâmico de
adaptação positiva em contexto de significativa adversidade”. E é nesta definição que se
encontram, de forma sintética, as principais questões que permeiam os estudos e
pesquisas neste campo, a saber: a) o que é adaptação; b) qual o sentido de positividade;
c) qual a noção de adversidade nela implicada e d) como explicar a característica
dinâmica e processual que se supõe presente.
Estes elementos serão discutidos no capítulo V deste dissertação pois, em última
instância, expressam a complexidade de um campo de investigação que se propõe a
explicar porque, diante das mesmas condições definidas como adversas, alguns
indivíduos se desenvolvem satisfatoriamente ou crescem, ao superar as dificuldades,
enquanto outros sucumbem, desenvolvem patologias ou se vitimizam.
3.3. Breve revisão da literatura acadêmica sobre resiliência
A resiliência representa, atualmente, um campo teórico de investigações sobre
indivíduos, grupos ou populações que, em situação de adversidade, não desenvolvem a
postura de vítimas (não se sentindo vítimas das circunstâncias, mesmo que confrontdos
com crises, traumas ou adversidades diversas) nem desenvolvem patologias, podendo
até mesmo crescer psicologicamente a partir de seu enfrentamento.
45
Como dito anteriormente, foram identificados, na pesquisa em bases de dados
referenciais, quatro autoras (LUTHAR, MASTEN, WALLER e ASSIMAKOPOULOS)
que, além de extensa publicação sobre resiliência, produziram artigos recentes entre
1999 e 2004 e foram mencionados na bibliografia de inúmeros outros.
Adicionalmente, foi utilizada também a qualidade do veículo de publicação destes
autores como critério para a seleção dos mesmos. A seguir, são indicadas as principais
contribuições de cada um (a) deles (as) para o estudo da resiliência.
Luthar (2000) empreende profunda avaliação crítica da literatura sobre resiliência,
discutindo inúmeros aspectos da mesma, chegando até mesmo a questionar a validade
científica do conceito. Para ela, há pouco consenso nas definições de adversidade e de
adaptação positiva e variações na operacionalização e mensuração dos fatores
envolvidos nas pesquisas. Problemas semelhantes são suscitados pelo uso do conceito
de resiliência referenciado ora a um traço pessoal ora visto como um processo dinâmico.
Os aspectos de proteção ou vulnerabilidade ficam sujeitos à mesma crítica.
Para ela, a natureza multidimensional na resiliência é ressaltada quando crianças em
situação de alto risco manifestam competência em alguns domínios de sua existência,
mas exibem problemas em outras áreas. “A inclusão de diversos domínios de adaptação
complica a definição de indicadores da resiliência”, propõe a autora, indagando sobre o
que é a adaptação positiva. Nota-se aqui uma associação errônea entre competência e
resiliência: a presença de competências não garante, por si só, a resiliência, conforme
será discutido adiante.
46
Considera ela que o constructo resiliência pressupõe a exposição dos indivíduos a riscos
significativos, mas não considera o ponto de vista do sujeito sobre a adversidade,
chegando alguns autores até a desconsiderar aquilo que é vivenciado pelo sujeito como
adversidade, na medida em que tomam por base critérios estatísticos genéricos. De fato,
a resiliência não se aplica aos processos adaptativos que ocorrem em qualquer situação
de risco. Ao se referir a riscos significativos, a autora alerta para a consideração do
significado do evento adverso na perspectiva do indivíduo.
Para esta autora, há uma instabilidade no valor das descobertas, uma vez que o conceito
de resiliência pressupõe fatores como adaptação positiva que, em si mesmos,
representam desafios científicos, o mesmo ocorrendo com o próprio fenômeno da
resiliência que, segundo ela, é instável no longo prazo. Questiona, portanto, se o
conceito agrega valor à ciência ou se é apenas um modismo intelectual. Conclui pela
necessidade de aumentar o rigor científico, recomendando que futuras pesquisas
busquem consistência de definições e terminologia, estabelecendo um referencial
teórico claro, levando em consideração a natureza multidimensional do fenômeno; além
disso, sugere que o enfoque das pesquisas seja voltado à compreensão do processo, mais
que à sua descrição, incorporando o ponto de vista dos sujeitos, e que as pesquisas
sejam realizadas de forma multidisciplinar, integrando conhecimentos da Biologia, da
Antropologia e da Sociologia. Para Luthar (2000), é importante que os estudos sobre
resiliência não investiguem o fenômeno apenas em crianças e que se aborde também a
interface entre a pesquisa e a intervenção.
Luthar (2000), como representante da corrente crítica dentre os pesquisadores da
resiliência, aponta, de maneira provocativa, para os aspectos que devem induzir a
47
reflexão entre os que adotam este referencial, a saber, a inconsistência das definições e
da terminologia e o risco da adoção de parâmetros normativos quando se trata de
adaptação em situação de adversidade. A autora não nega o valor das pesquisas a partir
deste referencial, embora levante questões instigantes, que apontam para a necessidade
de maior rigor científico.
Masten (2001) não considera a resiliência como um fenômeno extraordinário, mas como
um processo comum, que ocorre em função da operação saudável de sistemas
adaptativos humanos básicos. Para ela, se estes sistemas funcionam bem, então o
desenvolvimento do ser humano se efetiva, mesmo que em condições de adversidade
severa. Ao atribuir a resiliência a uma “magia ordinária” presente no viver, incorre em
uma simplificação que parece se afastar da tentativa de compreensão do próprio
conceito. Em seu raciocínio, o constructo da resiliência é uma inferência e sempre
depende do contexto de estudo. Da mesma forma que Luthar, ela critica as pesquisas
que se utilizaram de métodos estatísticos e probabilísticos para prever as respostas
humanas perante a adversidade, pois estas desconsideram o ponto de vista do sujeito
sobre o que constitui adversidade. Seu pensamento crítico se estende ao questionamento
da mensuração do risco e às própria caracterização da adaptação positiva.
Pergunta ela se devemos nos basear em critérios internos ou externos para definir a
adaptação positiva e, no caso dos critérios externos, se estes se referem ao atendimento
às expectativas sociais, à ausência de patologias, ao bem-estar psicológico ou a baixos
níveis de distress. E em todos estes aspectos, poder-se-ia discutir a validade do próprio
parâmetro pois a adaptação positiva poderia não estar associada a nenhum deles.
48
Masten (2000) introduz ainda outros aspectos da revisão da literatura e, em especial, da
literatura americana sobre o assunto. Baseando-se principalmente nos estudos com
crianças, identifica dois modelos que subjazem os estudos e pesquisas de campo: a
abordagem focada em variáveis e a abordagem com foco na pessoa. A primeira busca
medir o grau de risco ou adversidade, bem como as qualidades do indivíduo ou do
ambiente que compensam ou protegem contra as conseqüências negativas do risco ou
adversidade. A segunda busca comparar indivíduos com diferentes perfis em um tempo
determinado ou ao longo de determinado tempo a partir de critérios que permitam
diferenciar aqueles que são resilientes de outros que não o são.
No modelo baseado em variáveis, existe o conceito de efeito compensatório que
pressupõe que a presença de fatores de proteção compensa o risco representado pela
adversidade. As práticas de intervenção se baseiam, então, no aumento do número de
fatores de proteção na vida de uma criança, de forma a compensar os fatores de risco
presentes, enquanto as políticas de prevenção procurariam reduzir ou minimizar os
fatores de risco. Nesse último caso, procura-se evitar, sempre que possível, a ocorrência
simultânea de vários fatores de risco. Entretanto, como se pode depreender das histórias
de Frida e Frankl, a mera presença de fatores de proteção não promove o efeito
compensatório indicado pela autora.
O modelo baseado na pessoa propõe a identificação das qualidades do indivíduo ou do
ambiente que possam moderar a influência da adversidade. O ambiente poderia
funcionar como uma espécie de air-bag ou como sistema imunológico para com a
adversidade. Na literatura, o funcionamento intelectual é considerado um moderador por
excelência, mas a autora questiona que tipo de atitude ou quais as habilidades
49
intelectuais que podem assumir este papel. O mesmo ocorre com relação às relações
parentais efetivas, que, no caso de crianças, são tomados, de per si, como moderadoras e
que Masten questiona sobre o parâmetro de efetividade considerado.
Nesse modelo (baseado na pessoa), as pesquisas buscam explicar as características que
diferenciam as crianças que, em situação de risco, manifestam boa adaptação, podendo
ser ditas resilientes. Num modelo que considera os quadrantes risco alto ou baixo e
adaptação positiva ou má - a autora adverte para o fato de continuarem sem
explicação os casos de crianças que, diante de baixo risco, manifestam má adaptação.
Os fatores psico-sociais de proteção que são comuns às pesquisas em ambos os modelos
são, como dissemos, a relação de cuidado parental e as habilidade cognitivas de auto-
regulação. Acrescente-se a estes fatores a visão positiva de si mesmo e a motivação para
produzir efetividade no ambiente, que a autora associa à motivação intrínseca
8
.
Conclui Masten que, “a não ser que o funcionamento cognitivo ou a situação familiar
estejam comprometidos antes, ou fiquem comprometidos em conseqüência da situação
de adversidade, não há evidência de que a adversidade grave tenha maiores
conseqüências sobre o comportamento adaptativo” (MASTEN, 2001, p. 232).
Como foi dito anteriormente, o raciocínio de Masten tende a reduzir o conceito a um
fenômeno ordinário. Porém, ao propor o termo “magia ordinária”, a autora sintetiza o
paradoxo presente neste campo de estudos, a saber, a identificação de um fenômeno
passível de ocorrência cotidiana e que, ao mesmo tempo, pode ser atribuível a um plano
8
Motivação intrínseca é um conceito proposto por HERZBERG (ver HERZBERG, Frederick
1959: The motivation to work.)
50
mágico que é aquele que alude a efeitos surpreendentes, resultante de forças
sobrenaturais. Esse raciocínio paradoxal permanece subjacente ao pensamento de outros
autores, conforme conclusões deste estudo
9
.
Waller (2001) define resiliência como “um produto multideterminado e sempre
mutável de forças que interagem em determinado contexto ecossitêmico”, definição
que por si só, suscita alguns questionamentos, pois não se explicitam quais as forças que
interagem.
Continua ela dizendo que o fenômeno “não ocorre apesar da adversidade, mas em
função dela” (grifos da autora) e que todo e qualquer indivíduo, portanto, tem potencial
para ser resiliente.
A explicação da autora se baseia no argumento de que, uma vez que o desenvolvimento
é um processo contínuo de adaptação e acomodação entre indivíduos e seus ambientes,
há que se estudar a resiliência de forma contextualizada, considerando o ecossistema
constituído pela díade homem meio e, em função disso, ela critica aqueles que
atribuíram a resiliência a um resultado decorrente de traços de personalidade ou estilos
de coping, uma vez que o enfoque nos traços de personalidade obscureceria o contexto
ecossitêmico.
Define os fatores de risco como aqueles que ameaçam a adaptação positiva,
identificando dois tipos básicos de risco, a saber, aqueles que configuram desafios ás
circunstâncias de vida e os que se caracterizam como traumas. Os fatores de proteção,
9
Vide capítulo VI.
51
por sua vez, seriam aqueles que favoreceriam resultados positivos, “operando como
buffers
10
entre o indivíduo e os fatores de risco impingidos ao seu bem-estar”.
Waller (2001) introduz a noção de que tanto os fatores de risco quanto os de proteção
podem se originar de fontes internas, externas ou ambas; são pervasivos e também
cumulativos; de fato, trata-se de cadeias de eventos ou situações que podem ser
consideradas adversas e, da mesma forma, os fatores de proteção não podem ser
considerados de forma isolada, mas apenas a partir de seu encadeamento. Também não
se pode afirmá-los [fatores de proteção e fatores de risco] como categorias dicotômicas,
uma vez que elas dependem da atribuição de significado por parte do sujeito que está
vivendo a situação. Assim, o que é considerado adverso por um determinado indivíduo
pode não ser considerado adverso por outro, podendo até mesmo assumir, para
determinado sujeito, a conotação de desafio que leva ao seu crescimento.
A perspectiva ecossistêmica que caracteriza o enfoque desta autora pressupõe a
interação de sistemas que, de forma dinâmica, podem ou não - gerar equilíbrio. Por
isso, face à natureza dinâmica dos fatores de risco e proteção, Waller (2001) recomenda
que as pesquisas se apóiem em metodologias naturalísticas, participativas, etnográficas
e que sejam captadas histórias e narrativas que possam trazer à tona o ponto de vista do
sujeito e as características da interação indivíduo meio.
Uma vez que Waller (ib.) aborda o fenômeno de maneira mais descritiva que
explicativa, pode-se entender sua maior contribuição fica referida à caracterização dos
fatores de risco e proteção e à identificação de uma relação dinâmica entre eles.
10
Buffer: pára-choque. Optou-se pela utilização do termo em inglês em função de não se tratar do pára-choque,
entendido na língua portuguesa, como componente de veículos automotivos.
52
Assimakopoulos (2001) entende que a resiliência refere-se a um conjunto de
características que possibilitam aos indivíduos não só a recuperação posterior ao (s)
evento (s) traumático (s) mas o seu efetivo crescimento a partir dele (s) e o incremento
de sua habilidade para responder a dificuldades futuras. Assim como em Waller (2001),
mencionada acima, tampouco em Assimakopoulos se pode encontrar uma definição
satisfatória para o conceito, uma vez que ela alude a um conjunto de características sem
identificá-las.
Baseando-se, também ela, em pesquisa bibliográfica, aponta como qualidades das
pessoas resilientes o bom funcionamento intelectual, a disposição para a sociabilidade, a
auto-eficácia, a auto-estima, os talentos individuais e a fé. Quanto aos recursos
familiares, uma relação próxima a uma boa figura parental, vantagens sócio-econômicas
e conexões com uma rede familiar mais ampla que seja fonte de apoio foram
identificados por ela como aspectos comuns aos resilientes. Além disso, estabelecer
laços com outros adultos que desempenhem papéis de bons modelos, relacionar-se com
organizações sociais e freqüentar escolas efetivas provaram ser outros fatores comuns a
estes. Em síntese, três seriam os fatores de proteção presentes nas crianças resilientes:
características disposicionais ou de personalidade, coesão familiar e disponibilidade de
sistemas de suporte externos.
A autora, que trabalha sob a perspectiva fenomenológica, indica que a resiliência resulta
da interação recíproca entre o indivíduo e várias partes da cultura e também entre
cultura e trauma. Se, externamente, a cultura é representada por símbolos, ritos, rituais,
linguagem e instituições, internamente ela se revela pela síntese de atitudes, crenças,
53
valores e pontos de vista. Assim, quando a cultura não consegue ser fonte de
explicações para seus sofrimentos, os indivíduos sentem-se à deriva
11
e ocorrem rupturas
na vida social e cultural. A compreensão do sofrimento humano e as pesquisas sobre
resiliência podem, portanto, auxiliar-nos a perceber aquilo que falta à cultura no sentido
de favorecer a resiliência.
Na medida em que crescem os fatores de risco traumas políticos e sociais, traumas
sexuais (abuso, estupro), catástrofes ambientais produzidas pelo homem e terrorismo,
dentre outros torna-se cada vez mais importante disponibilizar treinamento adequado
a profissionais que possam ajudar sobreviventes de traumas e desastres a alcançar uma
re-adaptação saudável, até mesmo desenhando novas modalidades de tratamento ou de
serviços apropriados para tal finalidade. Segundo Assimakopoulos (2001), as
conseqüências desses eventos são passadas de geração em geração e o risco de perda do
“potencial humano de felicidade” é incalculável.
Para a autora, que, como dissemos, se posiciona junto a filósofos e psicólogos
existencialistas, é na vivência da adversidade que se dá o encontro das oportunidades
para o crescimento. Ela faz referência ao psiquiatra Victor Frankl como aquele que
“passou a vida inteira tentando ajudar pessoas a encontrar sentido no sofrimento sem
sentido” (ASSIMAKOPOULOS, 2001).
Como contribuição aos estudos sobre resiliência, Assimakopoulos (2001) revela, em sua
pesquisa, que crianças e adultos que têm a oportunidade de serem mais frequentemente
11
A autora utiliza o termo dis-empowered, aqui traduzido, de forma livre, pela expressão “à deriva”.
54
expostos à arte, à literatura, a filmes e a experimentar relacionamentos do tipo
mentoring
12
, terão amplificada sua capacidade de desenvolvimento de resiliência.
Mas talvez a contribuição mais importante desta autora seja a identificação do que ela
denomina o “momento axial, central
13
” ou ponto de inflexão. Em suas palavras, trata-se
“do momento crítico no ciclo de vida em que algum tipo de mudança intra-psíquica tem
lugar, trazendo à consciência percepção da realidade de poder e escolha pessoal” e só
então, o indivíduo passa da recuperação à resiliência.
Trata-se de um elemento crucial para o estudo da resiliência: esta, além de se diferenciar
das reações clássicas e, até certo ponto, previsíveis, diante da situação traumática ou
adversa - a paralisia, a depressão, a desesperança representa uma reconfiguração
interna do sujeito perante a situação e é esta transformação interior que se pode
denominar resiliência.
3.4. Síntese da revisão da literatura sobre os estudos de resiliência
Resumem-se, a seguir, as questões críticas dos estudos sobre resiliência, que dizem
respeito ao conceito propriamente dito, aos fundamentos teóricos das abordagens dele
decorrentes, bem como aos pontos discutidos pelos autores citados, envolvendo as
definições de adversidade e adaptação, fatores de risco e proteção.
As autoras pesquisadas concordam que a resiliência humana não é inata, podendo ser
promovida. Não sendo uma característica inerente à personalidade do indivíduo,
12
Mentoring, neste contexto, pode ser traduzido como relação com um mentor.
13
Em inglês: pivotal moment.
55
predomina o entendimento da resiliência como processo dinâmico, multidimensional ou
ecosistêmico (WALLER, 2001).
As pesquisas neste campo envolvem pouco consenso, quer nas definições, quer em sua
operacionalização e na mensuração dos resultados. Há controvérsia e polêmica no que
diz respeito às noções de adversidade e adaptação positiva. Quando, por exemplo, se
fala em adaptação positiva, pressupõe-se, na maior parte das vezes, o atendimento das
demandas e solicitações da socialização convencional, deixando de considerar o fato de
que a adaptação pode sobrepujar os parâmetros socialmente estabelecidos.
As autoras afirmam que a maior parte das pesquisas sobre resiliência utilizou-se de
métodos estatísticos e probabilísticos para prever as respostas humanas face à
adversidade do ambiente e não incorporou o ponto de vista do sujeito sobre a chamada
situação adversa, embora o que seja entendido como adverso pelo sujeito possa variar
em função do próprio indivíduo, do contexto em que ele está inserido e de sua história
de vida. Como afirma Frankl, “muitas vezes é justamente uma situação exterior
extremamente difícil que dá à pessoa a oportunidade de crescer interiormente para além
de si mesma. (FRANKL, 1996, p.72)”
Segundo a literatura, a condição resiliente implica no equilíbrio dinâmico entre os
fatores de risco definidos como ameaça à adaptação positiva e os fatores de proteção
que operariam como buffers entre o indivíduo e os fatores de risco impingidos ao seu
bem estar ou a seu desenvolvimento. A adversidade poderia ser classificada de acordo
com duas categorias de risco: a) o desafio às condições da vida; b) a vivência de um
56
trauma. Entretanto, risco e proteção não são categorias dicotômicas dependendo, ambos,
da atribuição de significado por parte do sujeito.
Fatores de risco e proteção podem se originar de fontes internas, externas ou de ambas,
existindo cadeias de riscos e cadeias de proteção e comutatividade de fatores, tanto de
risco quanto de compensação. Além disso, fatores risco e de proteção influenciam-se
mutuamente ao longo do tempo, podendo mesmo intercambiar-se. Segundo Masten, em
um dos estudos, descobriu-se que, a partir dos modelos paternos recebidos pela criança,
poder-se-ia prever sua competência em lidar com a adversidade ao longo do tempo em
outras palavras, sua resiliência mas, ao mesmo tempo, era possível observar que a
competência da criança face à adversidade influenciava, por sua vez, mudanças na
qualidade do cuidado parental (MASTEN, 2001).
Masten (2001) entende a resiliência como uma “magia ordinária”, comum e presente no
cotidiano de todos os seres humanos: trata-se da magia do próprio viver. A afirmação é,
até certo ponto, coerente com Waller (2001) que diz ser a resiliência um potencial
presente em todos os seres. No entanto, embora o processo de adaptação em situação de
risco possa ser considerado alcançável ou passível de desenvolvimento por todo e
qualquer ser humano, pelo estudo da resiliência acrescentam-se dados importantes a este
campo, em especial se forem considerados os resultados de pesquisa como subsídios
para o desenvolvimento de políticas ou processos de prevenção.
57
CAPÍTULO IV
58
Capítulo IV: Resiliência no contexto do trabalho humano nas organizações
Neste capítulo são introduzidos alguns estudos que se utilizam do conceito de
resiliência no contexto do trabalho humano nas organizações.
59
4.1. A resiliência no ambiente organizacional
Dados empíricos e análise da literatura apontam para o fato de que o trabalho da pós-
modernidade tem sido marcado pelo significativo incremento das pressões pelo
cumprimento de metas e prazos, pelas rupturas e incertezas.
“O presente momento histórico é caracterizado por frequentes e rápidas
transformações de tecnologia e de equacionamento econômico demandando
mobilização de mudanças nos indivíduos e nas instituições. Busca-se a
flexibilidade de ação, de estrutura e de vida pessoal, como meio de ajustamento
a novas contingências e condições econômicas, sociais, culturais, tecnológicas e
políticas. [...] O desempenho profissional nessas condições obriga o indivíduo a
administrar sua vida profissional, ou seja a trabalhar arduamente na reposição
de si mesmo, uma vez que os referencias ao seu redor, através dos quais ele
atribui sentido e valor para si mesmo, estão em constante alteração. [...] Nesse
sentido, a capacidade de administrar sua identidade torna-se uma competência
fundamental para a sua sobrevivência profissional. Em outras palavras, a
administração da própria identidade, como esforço de ajustamento da
competência, do vínculo com o trabalho e de reconstrução de sua trajetória
histórica é um sinal de eficácia na responsividade à metamorfose do mundo. A
identidade emerge como um conceito e uma ferramenta da vida profissional.”
(MALVEZZI, 2000).
60
Em função das características que assumiu o trabalho humano no século XXI, é possível
analisá-lo à luz do conceito de resiliência, uma vez que as adversidades aí presentes
demandam a mobilização de recursos sobre-humanos para seu enfrentamento.
Para Malvezzi (2000), as transformações econômicas e tecnológicas recentes inseriram
novos contornos às mudanças na forma do trabalho humano nas organizações e estas
têm causado impacto sobre a identidade do sujeito organizacional. Rupturas nas
carreiras dos indivíduos, competição acirrada, pressão pelo cumprimento de metas e
cronogramas são alguns dos elementos que caracterizam o momento atual, em que “a
administração da própria subjetividade passa a ser uma competência requerida pelos
indivíduos que trabalham nas organizações” (MALVEZZI, 1995).
Ao definir a ruptura como o desequilíbrio entre familiaridade, poder e limite subjetivo e,
ao considerar que os três elementos constituem fatores de controle do indivíduo sobre o
seu trabalho, pode-se afirmar que a sociedade atual traz consigo inúmeras formas de
rupturas, com reflexos importantes sobre a saúde física e psíquica dos indivíduos.
(SATO, 1993)
Para compreender a relação entre as questões atuais do trabalho humano, suas rupturas e
a resiliência, abordar-se-ão alguns elementos do referencial de Dejours (1994), teórico
que vem contribuindo com inúmeros estudos na área da Psicopatologia do Trabalho.
Na perspectiva de Dejours (1994), o trabalho humano pode gerar dois tipos distintos de
sofrimento: o sofrimento patogênico e o sofrimento criativo.
61
O sofrimento patogênico aparece quando todas as margens de liberdade na
transformação, gestão e aperfeiçoamento da organização do trabalho já foram utilizadas
pelo(s) indivíduo(s), ou seja, “quando foram explorados todos os recursos defensivos, o
sofrimento residual, não compensado, continua seu trabalho de solapar e começa a
destruir o aparelho mental e o equilíbrio psíquico do sujeito, empurrando-o lenta ou
brutalmente para uma descompensação (mental ou psicossomática) e para a doença”.
O sofrimento criativo, por sua vez, pode trazer benefícios à identidade, na medida em
que aumenta a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e somática.
Neste último caso, o trabalho funciona como mediador para a saúde.
O autor discute as inter-relações entre a organização do trabalho e o funcionamento
psíquico, destacando o conceito de estratégia defensiva, em oposição ao mecanismo de
defesa individual; identifica meios ou estratégias coletivas de reagir à organização do
trabalho (divisão do trabalho e divisão de homens) e seu estabelecimento aparece como
regra de existência/permanência em determinado contexto/ambiente.
A Psicopatologia do Trabalho e as pesquisas sobre resiliência no trabalho humano
parecem apresentar pontos em comum: ambas propõem um referencial de compreensão
dos fatores de risco a que estão sujeitos os trabalhadores e investigam, cada uma a seu
modo, os elementos que estão presentes ou podem ser desenvolvidos para lidar com o
sofrimento.
Saúde, seja na perspectiva da Psicopatologia do Trabalho, seja nos estudos de
resiliência, não consiste em ausência de patologias. No nível psíquico, saúde não é
62
sinônimo, por exemplo, de ausência de angústia e que “há pessoas que, embora
angustiadas, encontram-se em perfeita saúde.” (DEJOURS, 1986).
A definição de saúde da OMS Organização Mundial de Saúde alude a um estado de
conforto e bem estar físico, mental e social que, para DEJOURS, aproxima-se dos
“tipos ideais” weberianos. Para ele, a saúde não é um estado estável, mas um objetivo a
ser buscado. Este estado de saúde “não é certamente um estado de calma, de ausência de
movimento, de conforto, de bem-estar e de ociosidade. É algo que muda
constantemente.” (DEJOURS, 1986). Nesta abordagem, a variabilidade, a não
cristalização e as mudanças no campo do trabalho humano são favoráveis à saúde.
A afinidade de proposições entre a teoria de Dejours e os escritos sobre resiliência
podem ser resumidos como se segue: Saúde não é ausência de patologia (DEJOURS,
1986); resiliência tampouco é representada por oposição ou pela ausência de patologias
(MASTEN, 2001). O sofrimento pode ser patogênico ou criativo (DEJOURS, 1994),
assim como diante da situação de risco à saúde psíquica, pode haver patologia ou
resiliência. Saúde, nos dois referenciais, é também associada à presença de esperanças,
sonhos, desejos. A ausência destes elementos ou sua impossibilidade representa risco à
saúde psíquica do trabalhador.
Cabe ressaltar ainda, no paralelo entre a Psicopatologia do Trabalho de Dejours e a
Teoria da Resiliência, a possível associação entre o fenômeno da resiliência e o
sofrimento criativo. Seja no relato de Frankl (1997), seja nas pesquisas de Waller
(2001), encontramos indicações de que não é na ausência da adversidade, mas, muitas
vezes, em função de sua presença, que ocorre o processo da resiliência e é o
63
enfrentamento mesmo da situação adversa que possibilita o crescimento do indivíduo,
promovendo benefícios à saúde mental.
Analisam-se, a seguir, alguns elementos da vida organizacional moderna, a partir dos
fatores de risco e proteção que a caracterizam.
4.2 Resiliência e Comportamento Organizacional
O termo resiliência no contexto do trabalho nas organizações será aqui entendido como
existência ou construção - de capacidades adaptativas, de forma a preservar a
homostase na relação homem trabalho em um ambiente em transformação, permeado
por inúmeras formas de rupturas.
A competição intra e inter-organizacional faz com que metas devam ser alcançadas em
prazos cada vez mais curtos; a virtualização do tempo e do espaço introduz uma
dimensão de trabalho a-qualquer-tempo-em-qualquer-lugar que pressiona o indivíduo a
uma adaptação cada vez mais complexa; a fronteira entre o espaço público e privado se
liquefaz
14
, pressionando a interface entre trabalho e vida pessoal; o indivíduo sente-se
encurralado, muitas vezes como se ´não houvesse saída´, pressionado pelos resultados a
apresentar. A necessidade de atualização contínua de conhecimentos - dado que a
inteligência torna-se ativo valioso - gera tensão e necessidade de administrar o tempo
pessoal entre o estudo, o trabalho e a vida pessoal e o conjunto destes elementos faz da
administração da própria subjetividade uma competência estratégica para a
sobrevivência do indivíduo no contexto do trabalho organizado.
14
Ver BALMAN, Z. (2000) Liquid Modernity.
64
O artigo How Resilience Works, publicado pela Harvard Business Review, aponta para
três características da pessoa ou organização resiliente, a saber: a) a firme aceitação da
realidade; b) uma crença profunda, em geral apoiada por valores fortemente
sustentados, de que a vida é significativa e c) uma "misteriosa" habilidade para
improvisar.
Quanto à primeira característica, ressalte-se que a natureza otimista que o senso
comum poderia atribuir aos resilientes não deve, sob qualquer hipótese, ser tomada
como sinônimo de distorção do senso de realidade. Como dissemos, ao comentar o
filme “A vida é bela”, ver o mundo cor-de-rosa em situações adversas pode significar
uma recusa em enfrentar o problema, ou seja, uma falsa resiliência.
"A habilidade para ver a realidade está intimamente relacionada ao segundo bloco [de
características] que compõe a resiliência, a propensão a atribuir significado a tempos
terríveis" (COUTU, 2002). A existência desse atributo possibilita ao indivíduo
transcender a posição de vítima das circunstâncias exteriores e, de alguma forma,
"extrair lições" dos acontecimentos e situações de crises advindas do exterior.
Para a autora, a terceira característica da resiliência comentada no artigo aproxima-se
muito daquilo que o antropólogo francês Claude Levy-Strauss denomina de habilidade
de bricolage. "Bricolage [...] pode ser definido como um tipo de inventividade, uma
habilidade para improvisar uma solução para um problema sem ter à disposição as
ferramentas ou materiais próprios ou óbvios. Bricoleurs estão sempre manipulando
coisas de forma lúdica, brincando. [...] Eles fazem o melhor a partir daquilo de que
dispõem, utilizando objetos para fins não usuais." (COUTU, 2002).
65
O artigo de Coutu (2002) foi a base para esta pesquisa sobre a resiliência e
comportamento humano nas organizações. Embora a literatura no contexto do trabalho
humano seja menos extensa que aquela referida a outras temáticas, foi possível
identificar outros estudos recentes que trazem à tona este tema. É o caso da tese de
Fernando Job (2003), que analisa a dimensão da centralidade do trabalho na vida
humana e os significados que este pode assumir, mesmo quando associado à doença e
ao sofrimento.
Job (2003) descreve os chamados fatores de risco - a organização e as condições de
trabalho - e os fatores de proteção, aos quais denomina resiliência. Dentre os fatores
geradores de sofrimento no trabalho, destacam-se a “pressão e responsabilidade do
trabalho, a incapacidade de aceitar as próprias falhas, a falta de tempo para a família, a
falta de apoio dos pares e / ou superiores, a falta de reconhecimento, a frustração e a
falta de domínio sobre o futuro”. Dentre os fatores de proteção, ele destaca: autonomia,
auto-estima, autodeterminação, respeito, reconhecimento, participação da família,
amigos, esperança e fé. Para o autor, a resiliência está associada, entre outras, à auto-
estima, à busca de significado para a vida, à esperança, à preservação da identidade,
bem como às crenças individuais e à auto-afirmação.
Em seu estudo, que envolveu trabalhadores do setor eletro-eletrônico, ele buscou
entender os sentidos que os sujeitos atribuem ao trabalho, as pressões às quais estavam
sujeitos, suas motivações, bem como os fatores que, uma vez ausentes, eram apontados
como desmotivadores.
66
Uma de suas conclusões da tese de Job (2003, grifos nossos) foi o fato de que os
trabalhadores percebem a si próprios como uma fonte de pressão maior que a pressão
externa que porventura exista no ambiente de trabalho, como se houvesse uma
“cobrança interna” para com o seu desempenho pessoal.
Outro aspecto é o fato de que, dentre os fatores geradores de sofrimento, os
trabalhadores indicavam a falta de tempo para a família e a dificuldade de aceitar as
próprias falhas, além da falta de domínio sobre seu futuro.
Estes são alguns dos fatores que vêm sendo analisados em uma pesquisa empírica, ora
em andamento, com executivos que são alunos de cursos de pós-graduação e encontram
obstáculos para conciliar as demandas do trabalho, curso e vida pessoal. O grupo em
estudo é constituído por gerentes e dirigentes de diversas empresas que, além de
enfrentar uma carga de trabalho elevada, freqüentam simultaneamente - cursos de
educação continuada, tais como o Master in Business Administration - MBA. Os
resultados desta pesquisa vêm sendo examinados à luz do referencial teórico aqui
discutido.
Ressalte-se que, considerando a natureza dinâmica dos fatores de riscos e proteção,
incorporou-se nesse trabalho a sugestão de Waller (2001), mencionada anteriormente,
de que as pesquisas adotassem metodologias naturalísticas, participativas, etnográficas;
segundo ela, as narrativas e as histórias deveriam incorporar a perspectiva do sujeito
sobre a situação que enfrenta e sobre os recursos pessoais que podem encontrar
expressão em cada momento e diante de cada situação. Assim, na presente pesquisa,
67
tem-se utilizado a metodologia da observação participante, complementada por
entrevistas.
O estudo - que busca compreender o fenômeno da resiliência na vida do trabalho nas
organizações tem investigado os fatores de risco e proteção, na perspectiva dos
atores, considerando as narrativas e histórias que permitem mapear os fatores de risco e
proteção, segundo esses executivos, possibilitando evitar o viés estatístico discutido
anteriormente.
A análise das narrativas tem sido realizada tendo como referencial teórico o estudo de
McCarthy (2002), que examina histórias do cotidiano organizacional, com foco no
comportamento adaptativo em tempos de incerteza e mudança.
68
CAPÍTULO V
69
Capítulo V: Resiliência: um referencial teórico consistente?
Neste capítulo, são discutidos os aspectos congruentes e incongruentes do conceito e
resumidos os pontos críticos para a utilização deste conceito como referencial para
pesquisas futuras. A proposição do conceito de resiliência é também analisada à luz de
outras teorias e referenciais de análise.
70
Capítulo V: Resiliência: um referencial teórico consistente?
A discussão dos pontos críticos da abordagem do fenômeno da resiliência será aqui
realizada retomando a definição de Luthar que se refere ao “processo dinâmico de
adaptação positiva em contexto de significativa adversidade” (LUTHAR, 2000).
Conforme mencionado anteriormente, é nesta definição que se encontram, de forma
sintética, as principais questões que permeiam os estudos e pesquisas neste campo, a
saber: a) o que é adaptação; b) qual o sentido de positividade; c) que impacto a
adversidade causa no sujeito e d) como entender a característica dinâmica e processual
que se supõe presente.
5.1. A questão da adaptação positiva
Os estudos sobre resiliência tendem a considerar que a adaptação foi positiva “quando o
indivíduo alcançou as expectativas sociais associadas à sua etapa de desenvolvimento
ou quando não houve sinais de desajuste” (INFANTE, 2005) e a adaptação positiva
considerada como indicadora da existência ou não de um processo de resiliência ou
uma adaptação resiliente -, num modelo “ex-post”, sendo possível detectar, aqui, uma
forte conotação ideológica, uma vez que se baseia em expectativas de um
desenvolvimento “normal”, que seguramente varia conforme a cultura e a sociedade na
qual ocorre o processo. “Os parâmetros de avaliação do que se considera ´apropriado´
para cada etapa de desenvolvimento provém da literatura produzida em sociedades
desenvolvidas que geralmente estudaram rapazes anglo-saxões de classe média”
(RIGSBY, 1994 In: INFANTE, 2005). Luthar, que tem vários trabalhos sobre crianças
em situação de pobreza extrema, (1999, In: INFANTE, 2005) interroga-se acerca do
71
“desafio de desenvolver futuras pesquisas que definam modelos conceituais de
desenvolvimento normal em contextos de pobreza” para que se possa interpretar o
fenômeno da resiliência à luz destes parâmetros.
É exatamente neste sentido que Masten (2001), mencionada anteriormente, critica as
pesquisas que se utilizam métodos estatísticos e probabilísticos para prever as respostas
humanas perante a adversidade, pois ela entende que nesta vertente de pesquisa
normativa subjaz a forte conotação ideológica aludida e também a desconsideração pelo
olhar do sujeito sobre a adversidade.
Para Melillo (2004), falar em adaptação implica desconhecer o papel de agente por parte
do indivíduo que enfrenta a situação, bem como a participação deste na construção da
sociedade e na mudança social. Adaptação não pode ser tomada como sinônimo de
conformismo social. Ainda que se considere que, em determinadas circunstâncias,
ocorram ajustes externos às demandas que não necessariamente correspondem ao ajuste
interno realizado pelo indivíduo, fica evidenciada uma preocupação pela autenticidade,
muitas vezes contraposta á legitimização de processos sociais adversos. O autor cita
exemplos do passado latino-americano no qual, no contexto ditatorial, adaptar-se era
entendido como sinônimo de subjugar-se para sobreviver. O autor discute a
possibilidade de uma adaptação que não exclua a transformação do próprio agente ou
da realidade que o cerca. Melillo (2004) utiliza-se da definição de adaptação proposta
por Zukerfeld (1998) para o qual: adaptação é “a capacidade do aparato psíquico ter em
conta: a) a existência de uma realidade independente do próprio mecanismo mental,
quer seja corporal ou intersubjetivo; b) a possibilidade de realizar ações para
transformar de alguma maneira aquelas realidades”. (ZUKERFELD, 1998 In:
72
MELILLO, 2004; grifos do autor). Entende-se, pois, que o indivíduo, em sua
convivência social, tenha a capacidade de fazer uma apreciação crítica desta realidade e
também de acionar sua transformação. Consequentemente, “a ´desadaptação´, própria
da neurose e da psicose, implica fracasso em alguma dessas instâncias ou em ambas”
(MELILLO, 2004). Nessa abordagem, o indivíduo é tido como agente da própria
ecologia e adaptação social. Em outras palavras, adaptação é entendida como a
capacidade de transformar ativamente a si próprio ou ao ambiente e, numa analogia à
gramática de uma língua, o indivíduo é o sujeito e não o objeto de sua história pessoal;
ele é construtor de uma biografia particular, singular e única: a sua.
Gallende (2004) apresenta raciocínio semelhante, ao afirmar que na relação indivíduo
sociedade / cultura, devem ser consideradas, simultaneamente, a produção da
subjetividade pela cultura e o indivíduo como produtor de cultura. Para ele, “o sujeito
não possui, previamente, a capacidade para enfrentar a adversidade [...] Diante de uma
circunstância adversa, ele [o indivíduo] cria, utilizando, para isso, a capacidade de ação
racional e o pensamento crítico” (GALLENDE , 2004). Dito de outra maneira, o
indivíduo não é “tabula rasa” de sua história.
Teórico de orientação psicanalítica, tece considerações sobre as mudanças profundas
que têm ocorrido nas instituições sociais que a tradição da Psicanálise considera
relevantes no sentido da construção da subjetividade a família edípica, instituição
escolar, a lei, a religião - e analisa o impacto dessas mudanças na construção da
subjetividade humana. Para ele, tem sido “difícil falar de família com vínculo familial
ou da escola como território coerente e homogêneo”. Famílias monoparentais e lares
unipessoais, por exemplo, vêm crescendo nas grandes cidades, assim como tem
73
aumentado o número de filhos que crescem separados de um dos progenitores, face à
elevada taxa de divórcios. Ao mesmo tempo, novas instituições sociais - TV, cinema,
informática, entre outras -, geram caos e dispersão mas abrem novas possibilidades de
construção da subjetividade.
Cabe lembrar que a subjetividade é aqui definida como “sistema de representações,
dispositivo para produção de significados e sentidos para vida, valores éticos e morais”.
E, neste contexto, é a “subjetividade criativa, autônoma, ativa e disposta à inovação e à
mudança que pode ser considerada como resiliência” (GALLENDE , 2004).
Antes de concluir a análise crítica do conceito de adaptação positiva que tem sido
utilizado como parâmetro para identificação do fenômeno da resiliência, há ainda que se
considerar a situação em que indivíduos desenvolvem patologias ou vitimização embora
não estejam expostos a adversidades. Rodriguéz (2005) busca explicar este tipo de
inadaptação (sem que haja adversidade ou trauma presente) pelo fato de que o que é
considerado “adverso para um pode ser fator de resiliência para outro”, remetendo à
singularidade da percepção do sujeito sobre o risco ao qual está exposto (RODRIGUÉZ,
2005). Para este autor, devem ser considerados os aportes freudianos segundo os quais,
“o ser humano, mesmo que rodeado das máximas circunstâncias favorecedoras [para
seu desenvolvimento], nem sempre busca seu bem estar ou o de sua comunidade”,
indicando que mecanismos masoquistas podem estar presentes. “Não é linear a relação
entre o ambiente familiar protetor e o bem estar psíquico ou saúde mental”
(GALLENDE , 2004).
74
Em resumo, pode-se afirmar que o discurso da adaptação positiva tem conotação
ideológica, uma vez que a adaptação não é necessariamente sinônimo de conformismo
social; não se pode pensar em uma adaptação que exclua a transformação, mas, ao
contrário, deve-se pressupô-la, entendendo o indivíduo como agente da transformação,
seja de si próprio, seja de seu ambiente.
5.2. A definição de adversidade
Muitos autores apontam que é a própria presença da adversidade que propicia o
surgimento de soluções criativas para a adaptação (como, por exemplo, RODRIGUÉZ,
2005).
Para Gallende (2004), é a adversidade que produz resiliência. “São estas mesmas
circunstâncias, que consideramos adversas para o sujeito comum, que produzem nele as
condições subjetivas criativas, que enriquecem suas possibilidades práticas de atuar
sobre a realidade em que vive e transformá-la ou transformar-se. É a capacidade de uma
atividade racional e crítica sobre suas condições de existência que, por sua vez, produz
sobre ele novas possibilidades subjetivas” (GALLENDE, 2004).
Isso quer dizer que, diante da adversidade, o indivíduo mobiliza um conjunto de
recursos dos quais, muitas vezes, não tinha consciência anterior ao momento do
enfrentamento, cujo efeito é potencializador de crescimento e enriquecimento pessoal e
que, na ausência da adversidade, não teriam se explicitado.
75
Também Waller, citada anteriormente, afirma que o fenômeno “não ocorre apesar da
adversidade, mas em função dela” (WALLER, 2001; grifos da autora). E Gallende: “A
adversidade é produtora de integração, condição para subjetividade resiliente”
(GALLENDE, 2004).
O relato de Victor Frankl corrobora as afirmações: “muitas vezes é justamente uma
situação exterior extremamente difícil que dá à pessoa a oportunidade de crescer
interiormente para além de si mesma. (FRANKL, 1997, p.72)”
Para Rodriguéz (2005), o conceito de resiliência “surge do fracasso das predições
provenientes dos modelos de risco; [...] da surpresa [dos pesquisadores em constatar]
que indivíduos condenados à enfermidade, de acordo com o modelo de risco, não
confirmavam este destino e [conseguiam] até realização pessoal”.
Groteberg (2005) alerta para o fato de que, se os fatores de proteção servem para
neutralizar o risco, estes podem ser identificados com a imunidade ao perigo e, neste
caso, não haveria necessidade de desenvolver a resiliência, entendendo que a ausência
de desafio e a existência de mecanismos protetores não geram estímulo para
desenvolver a resiliência. Da mesma forma, quando Melillo afirma que a “resiliência [é
a] união dialética entre adversidade e adaptação positiva”, pode-se entender a
impossibilidade de exclusão de um dos termos dessa complexa equação (MELILLO,
2004).
O assunto ganha maior complexidade quando se considera a afirmação de Groteberg
(2005) de que as “situações adversas não são estáticas, elas mudam e requerem
mudanças nas condutas resilientes” e que, na atualidade, enfrentam-se, cotidianamente,
76
novas formas de adversidade (GALLENDE, 2004) ou, nas palavras de Ojeda (2004), há
que se enfrentar um verdadeiro bombardeio de eventos negativos (OJEDA, 2004).
Gallende (2004) identifica, entre as novas formas de adversidade e risco potencial à
saúde humana, o avanço do fundamentalismo, as diversas modalidades de violência
social de localização progressivamente doméstica, o incremento do individualismo, da
massificação, do “narcisismo social” e das condutas auto e hetero-agressivas (consumo
de substâncias tóxicas, vícios, destruição do meio ambiente, violência social)
(GALLENDE, 2004).
Uma vez que a presença da adversidade pode ser considerada condição para o processo
de desenvolvimento da resiliência, os modelos iniciais
15
que propunham a redução dos
fatores de risco fracassam ou eliminam a razão de ser de seu próprio objeto de estudo. A
ênfase das pesquisas deve, então, identificar o que é considerado adverso pelos
indivíduos ou grupos que enfrentam determinada situação e analisar os recursos dos
quais dispõem ou podem desenvolver de forma a superar ou transcender os fatores
de risco presentes.
Resume-se, dizendo que: a) A adversidade é condição sine qua non para o
desenvolvimento da resiliência, guardando, com ela, uma relação de opostos dialéticos;
b) A adversidade deve ser identificada e analisada considerando-se a percepção do
sujeito que vivencia esta condição.
15
Vide história do conceito de resiliência no capítulo II da dissertação.
77
5.3. A definição de resiliência
Para Gallende, resiliência é um conceito que “subverte a idéia de causalidade do
pensamento médico positivista e algumas das concepções de saúde vigentes, [uma vez
que] introduz o aleatório, [...] o sujeito capaz de valoração, de criar sentidos de vida, de
produzir significações”, evocando a complexidade, demandando a integração daquilo
que a ciência separa (GALLENDE, 2004, grifos nossos).
O indivíduo ou grupo capaz de encontrar qualidade de vida em meio ao que é
considerado socialmente ruim ou prejudicial é aquele capaz de atribuição de significado,
de valoração, de criação de soluções onde, aparentemente, estas não existem. O
fenômeno da resiliência apóia-se numa experiência subjetiva que envolve sensibilidade
e valorização.
“No reino animal, não há resiliência; ali, como pensava Darwin, a seleção natural se
produz pela aptidão; os mais aptos sobrevivem; a sociabilidade da manada exige
adaptação. Os animais sociais, como as abelhas ou as formigas, não devem nada de seu
comportamento à cultura; reproduzem em conjunto, cooperando entre si, os
comportamentos governados por seu material genético. O homem, em sua sociabilidade,
conta com a linguagem e com a apropriação diferenciada e específica das idéias e
valores de sua cultura; é capaz de pensar e valorar sua relação com o ambiente natural e
social em que vive. Por isso, é capaz de alterá-lo, modificá-lo, em função do
cumprimento de seu desejo, seus anseios, sua ambição. O comportamento do animal
social não é automático, inato; o do homem pode ser criativo, diferencial, não repetitivo
nem adaptado. Este chega ao extremo, vale recordar, de sacrificar sua vida biológica por
uma idéia, uma paixão ou uma ambição. Por isso, o grupo humano, a comunidade, não
consegue nunca a estabilidade de uma colméia, mas está sempre em tensão e conflito,
pela pressão de quem não assume as condições de existência como um destino. A teoria
do ´genoma social´ mostra [...] que estes comportamentos resilientes não atuam somente
modificando a cultura e a sociedade, mas que enriquecem o próprio genoma; o suporte
78
genético do homem está exposto permanentemente a esta influência dos
comportamentos do indivíduo, da cultura e da vida social. [...]. Na história da
humanidade, os grandes resilientes foram justamente aqueles homens e mulheres que se
propuseram a mudar a sociedade e a cultura em que viviam, assumindo em si mesmos a
tarefa de plasmar na sociedade seus próprios valores e ambições de transformação.
Resiliente é quem não se resigna a reproduzir as condições existentes; sua ambição cria
o imaginário de uma mudança possível e isto já o modifica como indivíduo e, por sua
vez, causa impacto sobre o grupo imediato e assinala os comportamentos práticos para
enfrentar a adversidade e suas imposições. O sujeito resiliente não é um adaptado e,
menos ainda, um inadaptado; é um sujeito crítico de sua situação existencial, capaz de
apropriar-se dos valores e significados de sua cultura que melhor sirvam à realização de
seu próprio anseio ou ambição” (GALLENDE, 2004; P. 57-58).
Embora reconheçam os avanços propiciados pela utilização do conceito de resiliência,
os autores não a consideram como uma nova disciplina, mas como um “novo olhar
sobre velhos problemas” (GALLENDE, 2004). O aspecto principal deste novo olhar é a
existência de uma subjetividade, que pressupõe um indivíduo capaz de valorar suas
experiências. Os estudiosos associam a resiliência a uma subjetividade criativa,
autônoma, ativa, disposta à inovação e à mudança. Entendem que há uma alteração do
paradigma epistemológico, em que se passa a considerar o indivíduo como agente da
própria ecologia e adaptação social (INFANTE, 2005). Por isso, a resiliência é também
passível de definição enquanto “releitura da realidade” pelo indivíduo que enfrenta a
adversidade - ou trauma - ou vive em condição de risco no sentido de produção de
novos sentidos, criação de novas soluções e referências.
A releitura ou mudança de perspectiva é também tratada pela pesquisadora
Assimakopoulos (2001), na identificação do que ela denomina o “momento axial,
central (16)” ou ponto de inflexão. Em suas palavras, trata-se “do momento crítico no
16
Em inglês: pivotal moment.
79
ciclo de vida em que algum tipo de mudança intra-psíquica tem lugar, trazendo à
consciência percepção da realidade de poder e escolha pessoal” e só então, o indivíduo
passa da recuperação à resiliência. (ASSIMAKOPOULOS, 2001).
Como foi dito no capítulo II ao relatar a história do conceito, não se trata de
invulnerabilidade. O indivíduo que se confronta com a adversidade, é, sim, afetado pelo
stress e fica sujeito às forças desintegradoras que ameaçam sua sobrevivência física ou
psíquica, mas é capaz de sair fortalecido. A diferença fundamental é que a resiliência
pode ser promovida enquanto a invulnerabilidade é entendida como característica
inerente ao indivíduo.
De acordo com Rodriguéz (2005), resiliência é a resposta criativa para superação da
adversidade. Enfatizando que a resiliência é um conceito fácil de captar, mas difícil de
definir, ele acrescenta que, mais do que a soma dos fatores resilientes, a conduta
resiliente é o resultado da combinação particular de fatores de proteção. Nesse sentido,
não é possível fazer uma lista de fatores que aumentariam a probabilidade de resiliência,
porque o desenvolvimento da mesma depende do risco ou vulnerabilidade particular. O
autor cria uma fórmula matemática hipotética que considera:
Resiliência = fatores de resiliência + X, em que X “supõe a existência de um [fator]
imponderável, que determinará o resultado final” (RODRIGUÉZ, 2005, p. 189)
Com base em suas pesquisas, Groteberg (2005) apresenta uma categorização de fatores
resilientes: “eu tenho” (apoio), “eu sou / eu estou
17
” (força intrapsíquica) e “eu posso”
(aquisição de habilidades interpessoais e de resolução de conflitos). A categoria “eu
17
Uma nota do tradutor aponta para o fato de que o texto, escrito em Inglês, consignava três categorias, uma vez que
os verbos ser e estar, em Inglês, se resumem a um único: to be.
80
tenho” alude a ter pessoas do entorno em quem se confia e que têm apreço
incondicional pelo indivíduo e, ao mesmo tempo, ter pessoas que coloquem limites e
com quem se possa aprender sobre perigos e problemas; pessoas que mostram, por meio
de sua conduta, a maneira correta de proceder; pessoas que incentivem a independência
do sujeito e que o ajudem quando este está enfermo ou em perigo. A categoria “eu sou /
eu estou” alude uma pessoa por quem os outros sentem apreço, que é feliz ao fazer algo
de bom aos demais ou quando demonstra seu próprio afeto; que tem respeito por si
mesmo e pelo próximo; que está disposto (a) a responsabilizar-se pelos próprios atos e
seguro de que “tudo sairá bem”. Finalmente, a categoria “eu posso” remete, entre
outras, às possibilidades de falar sobre aquilo que assusta ou inquieta, buscar a maneira
de resolver os problemas, buscar o momento adequado para falar com alguém ou atuar,
encontrar alguém que ajude quando necessário.
Para ela, diferenciam-se condutas resilientes e fatores de resiliência, uma vez que
“condutas resilientes requerem fatores de resiliência e ações”. Resiliência é, então,
definida como o resultado da interação dinâmica destes fatores, provenientes dos três
níveis descritos (GROTBERG, 2005).
Em resumo: a) A resiliência só é possível no reino humano (único ser vivo
potencialmente capaz de modificar a si mesmo no curso de seu ciclo vital), uma vez que
pressupõe um indivíduo dotado de subjetividade, capaz de valorizar sua própria
experiência, produzir significados e transformar-se e transformar a realidade, a partir
deles. b) Por mais que se tente chegar a uma definição unívoca do fenômeno e mapear
os fatores de proteção ou fatores resilientes haverá, sempre, um elemento
81
indeterminado que será responsável pelo resultado final a presença ou não da
resiliência.
5.4. Questões metodológicas sobre pesquisas no campo da resiliência
Conforme apresentado no capítulo III, é necessário considerar a perspectiva do
indivíduo que está vivenciando a adversidade, de forma a evitar o viés estatístico. Neste
sentido, Waller (2001) recomenda que as pesquisas se apóiem em metodologias
naturalísticas, participativas, etnográficas e que sejam captadas histórias e narrativas que
possam trazer à tona a visão do sujeito e as características da interação indivíduo
meio. A crítica à abordagem estatística do fenômeno está presente também em Masten
(2001), que enfatiza ainda que o constructo da resiliência é uma inferência, o que
implica na consideração do contexto de estudo.
Luthar (2000), também mencionada no capítulo III, sugere que o enfoque das pesquisas
seja voltado à compreensão do processo, mais que à sua descrição, numa crítica à
precariedade dos modelos encontrados na literatura.
As dificuldades de definição precisa do conceito, aliadas aos modelos de estudo
incipientes, indicam o acerto das sugestões de Waller, uma vez que o avanço na
compreensão da resiliência só será possível se forem construídos novos modelos,
seguindo, para isso, métodos etnográficos, capazes de apreender a especificidade da
relação indivíduo meio e de captar o conjunto de recursos que é mobilizado, ao
instante do enfrentamento.
82
5.5. A problemática da mensuração nos estudos de resiliência
Embora alguns autores considerem a impossibilidade de medir a resiliência
(RODRIGUÉZ, 2005), outros (INFANTE, 2005) analisam criticamente a evolução dos
modelos e ferramentas de mensuração que vêm sendo propostos.
De forma geral, as medidas de resiliência incluem a identificação da adversidade e da
adaptação individuais ou coletivas por meio estatísticos que, como tal, apóiam-se
em parâmetros e expectativas de normalidade, tendo por base as teorias de
desenvolvimento. Estudos longitudinais, como o realizado por Werner (INFANTE,
2005; MELILLO, 2005; MANCIAUX, 2001) compararam grupos de indivíduos ao
longo do tempo, buscando identificar os fatores resilientes, embora apoiando-se,
também, em ferramentas estatísticas para a mensuração da resiliência.
O risco - ou adversidade - é mensurado por meio de escalas de eventos de vida
negativos e a adaptação positiva, tomada como constructo, é medida por meio de
questionários clínicos, avaliação dos “outros” significativos de uma comunidade no
caso de crianças em situação de risco são consultados pais, parentes, professores, por
exemplo e pela constatação empírica da ausência de desajustes ou presença de
competências adaptativas (INFANTE, 2005).
O estudo de Werner contém diversos aspectos discutíveis no que se refere à
mensuração. Em primeiro lugar, sobre os critérios utilizados para conotar a
vulnerabilidade da população do estudo classificada por ela como “altamente
suscetíveis de desenvolver problemas de comportamento” (MANCIAUX, 2001). Em
83
segundo lugar, os indicadores usados para aferir a evolução favorável da mesma,
mesmo quando confrontada com a adversidade no caso, a pobreza extrema. Ressalte-
se que o objeto de estudo de Werner “não era a resiliência”, embora tenha
desempenhado papel relevante para a emergência do conceito em estudos posteriores, o
que confirma a incipiência de estudos baseados em definições claras e precisas do
conceito (MANCIAUX, 2001).
Embora seja possível enumerar dificuldades de toda ordem no sentido de mensurar a
resiliência, é importante ressaltar alguns poucos resultados empíricos que se pode
apreender de relatos de pesquisas. Um dos exemplos é do International Resilience
Project que, organizado em 1999 por Grotberg, pesquisou “como as crianças se
transformam em resilientes”. Constatou-se a redução da intensidade do stress, o
decréscimo de sinais emocionais negativos como ansiedade, depressão, raiva e o
aumento da curiosidade e saúde emocional (GROTBERG, 1999 In: GROTBERG,
2005). Outro resultado que merece destaque, identificado pela pesquisa de Infante, é a
diminuição da ansiedade e da depressão infantis (INFANTE, 2005).
Segundo Rodriguéz (2005), o humor também pode ser considerado um indicador da
resiliência. Adepto da perspectiva de que a resiliência é constatável a partir de uma
solução criativa para o enfrentamento da situação traumática ou adversa, o autor aponta
as similaridades entre o humor e a resiliência. Segundo ele, ambas coincidem na
estratégia de tomar elementos conhecidos que rodeiam o acontecer humano para
produzir resultados originais. Alerta, porém, para o fato de que nem sempre as pessoas
com senso de humor aplicam-no como recurso para observar a realidade sob outra
perspectiva. Assim, conclui que, embora ambos sejam aportes criativos de
84
representações, valores, propostas ou perspectivas diferentes das postas em questão
pelos processos de mudança, humor não é, por si só, garantia de operatividade. “Humor
é o pensamento lateral sem o componente de gestão”. Enquanto o pensamento lateral é
uma possibilidade instrumental para a resolução de dificuldades, o humor tem como
objetivo o riso. Logo, o humor como recurso da subjetividade deve ser entendido como
associado à resiliência, guardadas as ressalvas de que é um indicador que possibilita
mudança de perspectiva, habilita a visão alternativa da realidade, permite novas linhas
de ação, mas não garante capacidade operativa (RODRIGUÉZ, 2005).
A reflexão sobre a mensuração da resiliência não seria completa sem a análise da
Escala de Resiliência, desenvolvida por Wagnild & Young e ainda não validada no
Brasil. Composta por “25 itens descritos de forma positiva com resposta tipo likert,
variando de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente)”. [...] “O instrumento foi
desenvolvido por meio de um estudo qualitativo com 24 mulheres adultas previamente
selecionadas por adaptarem-se com sucesso à adversidade da vida. Cada uma delas foi
solicitada a descrever como se organizavam diante de vivências negativas. De suas
narrativas, cinco componentes foram identificados como fatores para resiliência:
serenidade, perseverança, autoconfiança, sentido de vida e auto-suficiência”
(WAGNILD & YOUNG, 1993. In: PESCE et al., 2005). É possível identificar, na
própria construção de escala, a presença da conotação normativa antes aludida e a
dificuldade de estabelecimento de indicadores que não sejam baseados neste parâmetro.
No caso da Escala de Resiliência, é possível perguntar o que é adaptar-se com sucesso à
adversidade da vida, que foi utilizado como critério para a identificação das mulheres.
85
Pesce et al. (2005), grupo de pesquisadores que empreenderam estudo para testar a
validade da escala no Brasil, concluem que a resiliência ainda é um referencial em fase
de construção, discussão e debate, especialmente em função da ausência de consenso
em relação ao conceito.
5.6. Convergências e divergências entre a teoria da resiliência e outras abordagens
teóricas
5.6.1. A Teoria da Resiliência e a Psicologia Positiva
Algumas referências, encontradas ao longo da pesquisa bibliográfica, consideravam o
assunto resiliência como parte da chamada Psicologia Positiva, tida como “movimento
de investigação de aspectos potencialmente saudáveis dos seres humanos, em oposição
à Psicologia tradicional e sua ênfase nos aspectos psicopatológicos” (YUNES, 2003).
Martin Seligman, ex-presidente da Associação Americana de Psicologia, é um dos
líderes e precursores deste movimento. No capítulo do livro Handbook of Positive
Psychology, que escreve em 2002, diz que “a Psicologia, depois da Segunda Grande
Guerra, tornou-se uma ciência largamente devotada à cura. Concentrou-se em reparar os
danos usando um modelo de funcionamento humano baseado na doença. Sua quase
exclusiva atenção à patologia negligenciou a idéia de um indivíduo completo e de uma
comunidade florescente e negligenciou a força construtiva como a arma mais potente do
arsenal da terapia”. [...] Segundo ele, “o propósito da Psicologia Positiva é catalizar uma
mudança na Psicologia, de uma preocupação somente da reparação das piores coisas na
vida para construir também as melhores qualidades da vida. Para reverter o
86
desbalanceamento anterior, devemos trazer a construção da força para a frente do
tratamento e prevenção da doença mental” (SELIGMAN, 2002).
Seligman e outros teóricos dessa abordagem afirmam que o campo da Psicologia
Positiva abrange a experiência subjetiva positiva. Temas como o bem-estar subjetivo,
felicidade, inteligência emocional, otimismo, humor e a espiritualidade vêem à tona,
acoplados ao objetivo maior de desconstruir a ideologia da doença. “A mensagem da
Psicologia Positiva é relembrar ao campo [da Psicologia] que ele foi deformado pois
Psicologia não é somente o estudo da doença, da fraqueza e do dano; é também o estudo
da força e da virtude” (SELIGMAN, 2002).
Em outro artigo, Seligman (2000) afirma que, embora se tenha avançado no
entendimento de como sobreviver e se preservar em condições de adversidade, os
psicólogos “pouco sabem sobre como pessoas normais se desenvolvem em condições
mais benignas”, afirmação que pode ser veementemente constestada pela Psicologia
científica moderna.
Quando o autor se questiona sobre os motivos que poderiam ter levado a Psicologia ao
foco no negativo, uma das hipóteses levantadas é de que “talvez as pessoas estejam
cegas ao valor das emoções positivas precisamente porque elas sejam tão importantes.
Como o peixe que não se dá conta da água em que nada, as pessoas tomam por dado
uma determinada quantidade de esperança, amor, contentamento e confiança porque
essas são as reais condições que permitem a elas seguir vivendo, [enfatizando] a
existência de razões positivas para viver” (SELIGMAN, 2000).
87
Com base em diversos autores que associam os estudos baseados no conceito de
resiliência às teses da Psicologia Positiva, é possível tecer as seguintes considerações:
embora concordando com a crítica dos teóricos da Psicologia Positiva sobre a ênfase
que a Psicologia deu à doença e aos aspectos psicopatológicos, a Psicologia Positiva
não analisa os fatores históricos, políticos e científicos que levaram a Psicologia a este
caminho, pautando-se, em última instância, em análises superficiais; a contribuição
deste movimento para a ciência psicológica diz respeito à abordagem de temas que, por
muito tempo, podem não ter constituído objeto de estudo para ela (SNYDER, 2002),
mas o enfoque que estes temas ganharam na Psicologia Positiva varia segundo os
autores considerados, podendo ser mais ou menos consistente com o rigor científico; na
atualidade, os temas de estudo da Psicologia Positiva não são estudados exclusivamente
por teóricos deste movimento; a associação entre os estudos da resiliência e os teóricos
do movimento da Psicologia Positiva pode ser circunstancial, tendo em vista a
superposição de autores que aderiram ao movimento e que se dedicaram ao estudo da
resiliência e o fato de estudar um dos temas ligados ao movimento da Psicologia
Positiva a resiliência - não implica necessariamente envolvimento com essa
perspectiva teórica.
5.6.2. Resiliência, stress e coping: aproximações e diferenças
A seguir, serão analisadas as convergências e divergências entre os estudos de
resiliência e a Teoria de Stress.
Pearlim (1982) define stress como “uma resposta do organismo a uma condição nociva
ou ameaçadora”. Segundo ele, o stress pode ser tanto uma reação de curta duração como
88
um padrão que emerge vagarosamente ao longo do tempo, podendo os indivíduos ter ou
não consciência do processo.
Outros teóricos (SMITH, 1993; FOLKMAN & LAZARUS, 1984) definem stress como
“uma ligação particular entre a pessoa e o ambiente que é avaliada por ela como
exigência de pressão ou como algo que ultrapassa seus recursos e põe em perigo o seu
bem-estar”. Tal definição não restringe a definição do stress à categoria de resposta,
mas abrange também a avaliação cognitiva e o coping por parte do indivíduo que
vivencia determinada situação.
Ao se deparar com uma situação potencialmente ameaçadora ao seu bem-estar, o
indivíduo procede à sua avaliação, podendo esta, por sua vez, ser classificada como
avaliação primária ou secundária. A primeira diz respeito ao risco potencial ao seu bem-
estar, enquanto a segunda diz respeito às suas opções e possibilidades de coping diante
da situação. As avaliações primárias qualificam as situações estressoras em termos de
benefício, dano ou perda, ameaça e desafio, enquanto a avaliação secundária as
categoriza segundo a expectativa de eficácia (intenção de executar um comportamento),
de resultado (crença de que determinado comportamento produzirá o resultado
desejado), de estímulos (crença sobre ocorrência de eventos externos reforçadores) e de
resposta (crença sobre potenciais recompensas ou reações internas a eventos).
Os teóricos afirmam que a avaliação secundária pode resultar em coping focado no
problema - envolvendo ações para mudar a situação estressante no contexto da própria
situação - ou coping focado na emoção - envolvendo esforços para reduzir o
desconforto associado à situação, sem tentar mudar ativamente a situação.
89
Dentre as estratégias de coping descritas por Smith (1993), é o coping focado na
emoção aquele que mais se aproximaria da descrição do fenômeno da resiliência. Tais
estratégias incluem a reinterpretação positiva da realidade e o crescimento a partir da
situação dita estressante. Se o indivíduo opta por este mecanismo para lidar com a
situação, tenderá, então, a reavaliar a situação, identificando sua contribuição para o seu
crescimento pessoal ou para seu processo de aprendizagem. Folkman & Lazarus (1985),
corroborando Smith (1993), denominaram “reavaliação positiva” a esta estratégia
particular de coping.
Também Moss & Billings (1983), ao qualificar os processos de avaliação e coping,
destacam que o coping focado na emoção inclui as respostas que visam administrar as
emoções desgastadas pelos estressores e com isso manter o equilíbrio afetivo. Esses
autores distinguem um recurso de coping (por exemplo, uma forte crença religiosa) de
uma resposta de coping numa situação específica (como, por exemplo, o fortalecimento
de determinado envolvimento religioso como forma de desenvolver recompensas
alternativas).
Essa distinção permite estabelecer um paralelo entre as duas teorias na medida em que a
resiliência pode ser vista como um recurso de coping, mais que uma resposta a um
estressor passageiro ou momentâneo. Da mesma forma, o recurso de coping pode ser
também entendido como um fator de proteção a ser mobilizado diante da adversidade.
Aldwin (1994) interpreta o modo pelo qual Frankl (1993) e seus companheiros
utilizaram o senso de humor no campo de concentração como uma forma de coping.
90
A autora discute ainda a relação entre stress, coping e desenvolvimento. Para ela, o
stress proporciona uma oportunidade para o exercício da escolha. “Nós podemos,
naturalmente, escolher por continuar com o velho e confortável modo de realizar as
coisas, mas esta opção poderá representar custos inaceitáveis, incluindo falhas,
isolamento social ou mesmo insanidade. [...] Note-se que, neste modelo, stress não
“causa” este desenvolvimento e, sim, proporciona uma oportunidade” (ALDWIN,
1994). Ou seja, modelos negativos de adaptação terão maior probabilidade de
ocorrência, gerando espirais não adaptativas, mas as espirais adaptativas continuarão
sempre como possibilidades.
Nesse contexto de relações entre stress, coping, fatores de risco e fatores de proteção,
deve ser ressaltada ainda a taxonomia proposta por Haan (1997 In: MOSS &
BILLINGS, 1983) que categoriza 10 processos genéricos do ego expressos como
coping, defesa e fragmentação. Segundo ele, “o coping envolve propósito, escolha,
flexibilidade e aderência à realidade consensual e lógica”, ao passo que a defesa é
forçada, negativa e rígida, distorcendo a lógica e a realidade. A fragmentação é
automática, ritualística, direcionada para a afetividade e irracional.
Essa descrição do processo de coping é análoga à descrição a um dos aspectos do
fenômeno da resiliência, segundo Coutu (2002), a saber, “a firme aceitação da
realidade”. Negar a realidade que se apresenta - ou, na linguagem popular, “dourar a
pílula” - , pode desencadear patologias e gerar disfunções. Portanto, o fato de identificar
o coping com a orientação para a realidade o aproxima mais ainda do processo da
resiliência.
91
A literatura moderna sobre stress é consistente em afirmar que certa quantidade de
stress é talvez não só inevitável mas necessária para otimizar o desenvolvimento da
personalidade, mas a quantidade de stress a que é submetido um indivíduo é sempre
analisado à luz dos recursos de coping que este possua ou possa vir a desenvolver de
forma a lidar com a situação.
Os pontos de convergência entre a Teoria do Stress e as discussões que se processam
entre os estudiosos da resiliência levam à análise mais detida da chamada Síndrome
Geral da Adaptação, que Seyle (1982) descreve a partir de um modelo que envolve a
reação de alarme, a fase de adaptação ou resistência e o esgotamento ou exaustão.
A reação de alarme representaria “a expressão somática do chamado acionamento
generalizado das defesas do organismo” (SEYLE, 1982), mas como o estado de alarme
não pode ser mantido continuamente, a essa reação inicial segue-se o estágio de
resistência, caracterizada por alterações neurológicas e glandulares distintas e, por
vezes, opostas, às da etapa anterior. Como “a energia de adaptação é finita” (sic), se o
organismo mantiver-se submetido a stress constante, seguir-se-á o estágio da exaustão.
Seyle, ao afirmar a finitude da energia de adaptação, compara-a a uma conta bancária
“da qual se pode fazer retiradas, mas para a qual não se podem fazer depósitos”. Após a
exaustão por atividade estressante, dormir ou descansar podem restaurar a resistência e
adaptabilidade aos níveis anteriores, mas “a completa restauração é provavelmente
impossível de ser alcançada” (SEYLE, 1982).
92
No curso da vida, o indivíduo passaria inúmeras vezes pelas distintas fases que
caracterizam a Síndrome Geral da Adaptação. Contudo, para os teóricos do stress, “a
resposta pode dar errado em função de defeitos inatos, pouco ou muito stress ou
gerenciamento psicológico inadequado, gerando, aí, processos psicopatológicos”.
(Ibidem). É exatamente sobre o gerenciamento psicológico adequado que tratam os
estudos sobre a resiliência, ao considerar a “liberdade interior”, sempre presente nas
situações mais extremas (FRANKL, 1997) e a possibilidade de produção de novos
sentidos e atribuição de significados (GALLENDE, 2004) diante situações de stress.
Numa relação de mutualidade produtiva, a Teoria do Stress e, em particular, o modelo
proposto por Seyles sobre a Síndrome Geral da Adaptação, podem ajudar a esclarecer
aspectos importantes do fenômeno da resiliência - em particular se for considerado um
paralelo entre a resiliência e os mecanismos de coping - e, ao mesmo tempo, os estudos
sobre o conceito de resiliência podem contribuir para a compreensão da adaptação
humana em particular quando esta se processa em contextos críticos à vida individual
ou coletiva.
5.6.3 O stress pós-traumático e a resiliência
Dentre os inúmeros temas abordados pelos teóricos do stress, interessa ainda o campo
de estudo do stress pós-traumático, fenômeno definido pelo Centro Nacional de Stress
Pós-traumático americano como uma “desordem psiquiátrica que pode ocorrer após a
experiência ou o testemunho de eventos ameaçadores à vida humana, tais como
combates militares, desastres naturais, incidentes terroristas, acidentes sérios ou ataques
pessoais, tais como estupro” (www.ncptsd.org). Ainda segundo dados dessa
Associação, pessoas que sofrem dessa desordem geralmente relatam dificuldades para
93
dormir, ocorrência de pesadelos e flashbacks, sensação de estranhamento e outros
sintomas que impactam sua vida cotidiana.
Para efeito do estudo da resiliência, destaca-se o enfrentamento do trauma que não gera
stress pós-traumático, remetendo a estudos recentes que abordam o crescimento pós-
traumático, advindo do enfrentamento do trauma, termo utilizado por diversos autores
para descrever mudanças psicológicas positivas, benefícios perceptíveis e re-
interpretação positiva decorrentes de vivências traumáticas (TEDESCHI, 1998).
São descritos diversos tipos de resultantes do pós-trauma, a partir da percepção do
sujeito, tais como mudança da posição de vítima para a de sobrevivente, autoconfiança e
elevada consciência da própria vulnerabilidade; incluem-se também mudanças nos
relacionamentos inter-pessoais, tais como maior abertura pessoal, expressividade
emocional e compaixão; e mudanças na filosofia de vida, seja nas prioridades, seja na
apreciação da própria vida, seja em sabedoria pessoal. Incluem-se aqui também a
resiliência, o senso de coerência, firmeza ou audácia e resistência ou tenacidade.
Considerados sob o prisma do crescimento pós-traumático, os dois referenciais
convergem quase que integralmente, se considerarmos Tedeschi e Luthar como
representantes de cada uma das abordagens.
5.6.4. Resiliência e Motivação: dialogando com MASLOW
Maslow (1954) discute a relação entre frustração e conflito, por um lado e
psicopatologias, por outro. Para ele, algumas frustrações produzem patologias,
94
enquanto outras, não (grifo nosso). O mesmo se dá na relação conflito e patologia. A
solução dessa questão depende, segundo ele, dos conceitos da teoria da motivação.
A distinção entre privação e ameaça esclarece o ponto de vista do autor quanto à relação
entre a personalidade e o meio: para ele, as definições usuais de frustração
simplesmente a associam à não obtenção daquilo que o indivíduo deseja ou à
interferência com um querer ou com uma gratificação a obter. Estas definições falham
porque não distinguem que privar o organismo de algo que não é importante ou
facilmente substituível é diferente de uma privação que é ao mesmo tempo uma ameaça
à personalidade do indivíduo, às suas metas enquanto indivíduo, a seu sistema de
defesas, à sua auto-realização ou à sua auto-estima. Uma privação que tenha tal
abrangência multiplicidade de efeitos, em geral, indesejáveis representa uma
ameaça.
Ao categorizar dois tipos de significado possíveis que um objetivo qualquer pode ter
para o sujeito - o significado intrínseco e simbólico Maslow (1954) afirma que
“apenas quando aqueles objetivos [que o sujeito deseja alcançar] representarem amor,
prestígio, respeito ou outras necessidades básicas, sua privação terá os efeitos negativos
comumente atribuídos à frustração em geral” (MASLOW, 1954).
Sua análise engloba as reações de ataque e fuga normalmente atribuídas à frustração,
mas o autor se detém no questionamento de que alguns tipos de privação tais como a
privação sexual não necessariamente geram os mesmo efeitos da frustração,
exemplificando que nem sempre a vida celibatária gera patologias. A privação sexual
“só se torna patogênica em grau severo quando é sentida pelo indivíduo como
95
representando rejeição pelo sexo oposto, inferioridade, falta de respeito, isolamento, ou
outro impedimento [à realização] de suas necessidades básicas” (MASLOW, 1954).
Fica claro, na análise do autor, que a potencial ocorrência de patologias não poderia
estar associada à privação de necessidades ditas não básicas, mas, sim, àquelas ligadas a
ameaças às necessidades básicas da personalidade e aos vários sistemas de coping a ela
associados. Conclui o autor: “Privação implica muito menos do que é comumente
decorrente do conceito de frustração; ameaça implica muito mais. Privação não é
psicopatogênica; ameaça, sim” (MASLOW, 1954).
Embora os estudos sobre resiliência não concluam que a ameaça é fator
psicopatogênico, mas, sim, fator de risco diante do qual o indivíduo pode ou não
desenvolver a reação patológica, a contribuição do autor introduz dois elementos muito
importantes para o estudo da resiliência, a saber, a noção de privação e a caracterização
da frustração que devem ser considerados no planejamento de pesquisas sobre essa
temática.
5.6.5. Resiliência: para além da auto-realização
Representante do pensamento crítico sobre o comportamento humano no contexto das
organizações de trabalho, Baxter (1982) assinala a importância da dedicação a
atividades auto-produtivas, tais como: desenvolvimento ontológico, amor e
reciprocidade, coragem, autenticidade e a transcendência da alienação e do
estranhamento para o desenvolvimento humano. Tais atividades, segundo o autor,
enfatizam o crescimento do ser humano e a superação das limitações de sua existência
96
mundana a partir da práxis ou da atividade direcionada baseada em sua consciência
ontológica.
No contexto da atividade humana dentro do ambiente organizado de trabalho estes
temas aparecem de forma embrionária sob o conceito da auto-realização, como proposto
em meados do século XX por Maslow: por meio de seu trabalho, o homem preenche a
si próprio e cresce, ultrapassando suas limitações. Ainda que se desconsidere, na maior
parte dos escritos sobre o assunto, que Maslow pressupunha uma forma diferente de
trabalho humano capaz de proporcionar a auto-realização, o conceito ainda é
amplamente utilizado pelos cientistas do campo organizacional e, de acordo com
Baxter, deteriorado sob a perspectiva de humanismo instrumental, cindindo sujeito e
objeto e colocando o homem como objeto, o que contradiz a própria teoria de Maslow,
para quem o ser humano não é passivo diante do meio; estes indivíduo e ambiente -
são entendidos de maneira integrada (BAXTER, 1982, grifo do autor).
Numa abordagem crítica ao pensamento de Freud, Baxter afirma que a motivação
humana não pode ser entendida como mera redução de tensão. A luta para evitar a
tensão presente em situações com as quais não se pode lidar é entendida aqui como
sinônimo de manutenção da estrutura ontológica presente e, desta forma, patológica. “A
pessoa normal, por contraste, se atualiza pelo uso de suas habilidades, experiências e
conhecimento pessoal para crescer psicologicamente, não apenas para reduzir tensão
evitando o inesperado [...]. Ela responde ativa e criativamente à novidade e incerteza
das situações, enriquecendo, assim, sua perspectiva de mundo” (BAXTER, 1982).
97
Se, para Freud, os processos do ego se propõem a resolver conflitos entre os impulsos
dos indivíduos e as restrições impostas pela realidade externa, a função dos mesmos é
reduzir a tensão desta interface. Baxter (1982) se contrapõe a esta visão por entender
que redução de tensão não é sinônimo de crescimento.
Sobre a superação da dicotomia Eu Outro inerente à vida humana nas organizações, o
autor afirma que “embora o sistema atual de trabalho ainda esteja apoiado na alienação
do Self humano em nome do Outro organizacional, há entre os parâmetros da
organização suficiente campo de ação para a consciência crítica individual apreciar que,
enquanto seus esforços para alcançar a auto-realização no trabalho levam a uma super
dependência das estruturas e dos objetivos da organização [...], eles podem também
levar à emergência de uma força interna ou coragem ontológica que pode, por sua vez,
servir como prancha para sua participação em uma forma de trabalho que não tem sua
origem na alienação a um Outro” (BAXTER, 1982).
“O indivíduo atingiu uma habilidade de ver os objetivos organizacionais da forma que
eles são: resultados arbitrariamente definidos a alcançar que dão à organização um
propósito e uma coerência que ela não tem naturalmente” (BAXTER; 1982, grifo do
autor).
A raiz da atividade auto-produtiva e não alienada encontra-se, então, numa visão de
mundo que pode ser caracterizada como segunda inocência, poesia do cotidiano ou
traduzida numa forma lúdica de estar-no-mundo.
98
A proposição de Baxter sugere a existência de meta motivações: ao invés de
direcionado à superação de uma necessidade ou de meras atividades de coping, o
comportamento humano, em especial o que ele denomina comportamento expressivo, é
motivado pela busca do Ser. O autor propõe ainda a utilização criativa do tempo livre
para estimular o crescimento psicológico (BAXTER, 1982).
O posicionamento de Baxter propicia a compreensão de que o estudo da resiliência pode
agregar novos conhecimentos aos processos de motivação humana, trazendo à tona um
fator que transcende a auto-realização proposta por Maslow ou, dito de outra maneira, a
resiliência pode ser entendida como fator que existe para além da auto-realização: um
indivíduo que tenha atingido o nível máximo de motivação, concebido por Maslow
como motivação para a auto-realização, poderá sucumbir ou crescer, quando
confrontado com a adversidade de uma situação e, da mesma maneira, indivíduos que,
na metáfora da pirâmide de Maslow, estejam apenas motivados para a sobrevivência
imediata poderão dispor de recursos para o enfrentamento de situações de risco.
Ao mesmo tempo, o entendimento de que a motivação para o auto-desenvolvimento
apóia-se, segundo Baxter, na consciência ontológica leva a questionar a existência de
atividades legítimas e não legítimas no âmbito do desenvolvimento humano e na
identificação de uma armadilha mercadológica na forma como estão sendo divulgados
alguns programas de capacitação para executivos, do tipo MBA, muitas vezes
apresentados ao público como investimentos no processo de desenvolvimento.
Baxter entende que competência “não é, de nenhuma maneira, associada à habilidade de
produzir mais bens com maior eficiência se fosse, seria significativo apenas como ato
adaptativo de um indivíduo no contexto do sistema de trabalho organizado. Ao invés
99
disso, [...], é a arte de tornar-se mais do que se é, independentemente do contexto, pelo
transcender do contexto através das ações efetivas do indivíduo sobre ele” (BAXTER,
1982, p. 183), proposição totalmente coerente com as discussões que têm se processado
sobre o conceito de resiliência, conforme mencionado anteriormente, e bastante
significativa para ser incorporada a futuros estudos sobre resiliência e trabalho humano
no contexto das organizações.
100
CAPÍTULO VI
Flexibilidade
Quando nasce, o homem é fraco e flexível.
Quando morre, é forte e rígido.
A firmeza e a resistência são sinais de morte.
A fraqueza e a flexibilidade, manifestações de vida.
LAO TSÉ, TAO TE CHING
101
Capítulo VI: Re-definindo a resiliência
Neste capítulo, são apresentadas as conclusões deste estudo e é proposta uma
redefinição de resiliência.
102
“Nesta nova era [...], as palavras que empregamos
se ajustam cada vez menos às realidades [...];
confrontamo-nos, de maneira crescente,
com um problema de denominação”
(FITOUSSI & ROSANVALLON, 1997
In: SARQUÍS & ZACANINO, 2004).
A primeira conclusão que se pode extrair das questões levantadas nos capítulos
anteriores é que a resiliência ainda é, sob inúmeros aspectos, um referencial em
formação. Não há possibilidade de uma pesquisa resolver a complexidade dos aspectos
envolvidos na definição do conceito ou de seu emprego como referencial teórico. Como
é comum na História da Ciência - caso deste estudo - o conceito de resiliência humana
vem sendo utilizado ora como analogia na descrição do fenômeno, ora como constructo
- dedutível por meio de inferências a partir de indicadores imprecisos ou pouco
confiáveis - não permitindo conclusões inequívocas, assemelhando-se, neste aspecto, ao
conceito de trabalho humano que, há mais de três séculos, vem sendo descrito e
analisado pela literatura, por meio de seus fatores componentes, com alguns autores
enfatizando o esforço envolvido; outros, a instrumentalidade ou operatividade; outros
ainda, a obrigação e teóricos que o associam à remuneração ou retorno. Embora os
cientistas que estudam o trabalho humano saibam que o conceito não se reduz a
qualquer desses elementos componentes ele ainda é, paradoxalmente, algo por definir.
O mesmo ocorre com os conceitos de família, adolescente, comunidade, dentre outros, e
com a resiliência.
Usa-se o termo resiliência a partir de uma noção vaga uma idéia não muito clara sobre
o que ele representa. Busca-se constructos, procurando aproximações ao conceito,
103
partindo de indicadores ou formas de operacionalização do mesmo e, apesar de todo o
empenho por parte dos estudiosos, ainda há um longo caminho em direção à definição
do próprio conceito de resiliência.
Deste estudo é possível apreender elementos NÃO associados à resiliência, como por
exemplo, a invulnerabilidade ou a distorção da realidade, expressa no filme “A vida é
bela”. Na análise desta película também se pode depreender o fato de que a resiliência é
produzida pelo próprio sujeito que enfrenta a situação, não podendo ser elaborada “de
fora para dentro”, como no caso da história nele retratada, em que uma falsa narrativa é
contada pelo pai para servir de anteparo ao sofrimento do filho.
Outros fatores guardam, necessariamente, relação com o conceito, como por exemplo, a
potencialização do crescimento pessoal a partir do enfrentamento da situação traumática
ou adversa, que se expressa com clareza nas histórias de Frankl e no filme Frida. São
eles exemplos do enorme poder transformador da subjetividade para o tipo particular de
enfrentamento da adversidade de que trata a resiliência, promotores do crescimento
pessoal e da construção do indivíduo como sujeito de sua própria história. Os relatos
de Jó e de Jacó possibilitam a compreensão de outro aspecto associado à resiliência, a
saber, a transformação ou transcendência que pode emergir do enfrentamento; tal como
as mitologias - grega, romana e outras abordam seus mitos e heróis, a Bíblia é aqui
considerada como manancial dos potenciais humanos, alcançáveis ou não pelos
indivíduos.
A origem do termo na Física, apresentada no capítulo I, possibilita realçar outro aspecto
importante que diferencia a resiliência dos materiais da resiliência humana, qual seja, se
104
os materiais “voltam ao seu estado anterior depois de ter sofrido a pressão” ou “não
sofrem deformação plástica apesar da pressão", o mesmo não ocorre com os indivíduos
que sofrem a adversidade: a resiliência humana envolve a reconfiguração do universo
psicológico visando elaborar a vivência e, para isso, concorre a presença do imaginário
e da subjetividade, condições ontológicas da espécie humana. Esse aspecto indica que
resiliência não é sinônimo de resistência e que “o sentido metalúrgico do termo
18
” em
sua origem não dá conta da acepção que o conceito tomou nos estudos posteriores, em
especial no campo das Ciências Humanas. Em outras palavras, a resiliência como
referencial de estudos nas Ciências Humanas não aborda o fenômeno como volta ao
ponto de partida, mas do crescimento ou transformação resultante do enfrentamento,
pois o ser humano, diferentemente dos materiais, pode dispor de vontade própria para
reagir, assumindo o protagonismo de sua própria história; pode revigorar ou criar novos
recursos pessoais.
Da noção física do fenômeno, subsiste a idéia de elasticidade ou plasticidade
emocional e cognitiva, no caso das Ciências Humanas. E, neste sentido, interessa
ressaltar a importância da afirmação de FRANKL (1997) sobre a existência de uma
liberdade interior que possibilita ao ser humano permanecer sendo pessoa
humana, conservando sua dignidade, mesmo diante do insuportável (FRANKL,
1997, grifos nossos). Essa afirmação fruto do depoimento de um sobrevivente de uma
das situações mais adversas da História da Humanidade, o Holocausto aponta para um
dos fatores-chave que permite entender a problemática contida no conceito de
resiliência, qual seja, que, diante da pressão do insuportável, é possível encontrar e
expandir a liberdade interior e crescer a partir dela. Nesse sentido, a imagem de Frida,
imobilizada durante anos em seu leito, assemelha-se à de Victor Frankl, detido nos
18
RODRIGUÉZ (2005) utiliza a denominação “aspecto metalúrgico do conceito” (p. 190).
105
campos de extermínio nazista, pois ambos, privados de sua liberdade exterior, voltam-se
para a liberdade interior que lhes possibilita realizações, a saber, o livro e a teoria
elaborados por Frankl e as pinturas produzidas por Frida, melhorando sua qualidade de
vida subjetiva.
As imagens do sofrimento de Frida e de Frankl deixam entrever que a resiliência não se
refere a um risco qualquer, mas às condições adversas que colocam em questão a
sobrevivência ou destruição da integridade física ou psíquica do indivíduo, demandando
a recriação de sua base estrutural de existência, seja esta denominada personalidade,
identidade ou Self. A complexidade da adaptação e o salto de qualidade nela envolvido
permitem diferenciar a resiliência de outros processos adaptativos convencionais.
Como foi visto nos capítulos anteriores, é possível afirmar que estas condições extremas
de adversidade são características inegáveis do cotidiano da sociedade do século XXI
(GALLENDE, 2004,), aspecto que ressalta a importância da compreensão do fenômeno
da resiliência. Gallende (2004) assinala diversas características que permeiam o
imaginário social atual, em particular na vida dos grandes centros urbanos, enfatizando
que “estão estreitamente ligados à emergência de novas problemáticas cuja
compreensão é essencial para pensar [...] a perspectiva da resiliência”.
É o caso da passividade com relação à cultura e à vida social, uma vez que aquilo que se
convencionou chamar a “sociedade do espetáculo” reforça, no domínio da
subjetividade, a condição de “espectador”, gerando entusiasmo pela contemplação de
imagens e dificuldades crescentes em distinguir entre realidade e virtualidade, não
favorecendo, portanto, o enfrentamento de adversidades. O “declínio das atividades
106
reflexivas”, de ocorrência concomitante, compromete ainda mais possibilidade de
desenvolvimento da resiliência. Gallende (2004) analisa ainda vários outros aspectos
que têm moldado a subjetividade humana atual, tais como a concepção utilitária das
relações pessoais, a superficialidade dos afetos, as modalidades de encontro expressas
pelas relações intensas, porém fugazes; a compulsão pelo fazer, gerando ansiedade
compulsiva; a sensação de “preenchimento” frente ao vazio existencial, considerando
que estas tendências podem ser entendidas como novas formas de adversidades, não
vinculadas a carências econômicas, crises sociais, marginalidade e pobreza, etc., fato
que corrobora a atualidade dos estudos sobre a resiliência, demandando um indivíduo
com maior força subjetiva, traduzida em valores e ações (GALLENDE, 2004).
A análise de Gallende suscita reflexão semelhante à de Assimakopoulos (2001),
mencionada anteriormente, que, ao problematizar a relação entre o indivíduo e o meio
cultural em que este está inserido, afirma que “quando a cultura não consegue ser fonte
de explicações para seus sofrimentos, os indivíduos sentem-se à deriva e ocorrem
rupturas na vida social e cultural” (ASSIMAKOPOULOS, 2001). Assim, embora os
desafios para a construção de uma subjetividade resiliente na atualidade sejam
representados por novas e numerosas - formas de adversidade, seu enfrentamento
individual ou coletivo - contará, sempre, com a existência da liberdade interior, a que se
refere Frankl.
Das histórias de Jó, Frida, Frankl, tratadas no capítulo II, emergem imagens de grande
impacto para a compreensão do fenômeno, mas é indispensável considerar a afirmação
de Rodriguéz (2005), de que a resiliência é um conceito fácil de identificar, mas difícil
de entender e explicar e os estudos acadêmicos referidos ao longo desta dissertação
107
apontam para diversos aspectos problemáticos da definição de resiliência, dos quais se
destaca a questão da adaptação.
Atributo vital da condição ontológica do ser humano, a adaptação é o processo através
do qual o indivíduo administra suas relações consigo mesmo e com o ambiente. Na base
do processo adaptativo, há um indivíduo que aprende a diferenciar situações positivas e
negativas e a reagir a elas, alterando as condições externas (ambiente) e internas (seus
próprios recursos) e, ao se adaptar, o indivíduo aprende a perceber sua vida como um
projeto cuja realização confirma sua autodeterminação (MALVEZZI, 2005; informação
verbal)
19
. Logo, adaptação não é sinônimo de conformismo ou conformidade social; é
elemento transformador do ambiente e auto-transformador; processo de administração
da própria subjetividade. “O ser humano provê e administra a instrumentalização de sua
liberdade”, visando a construção da própria biografia e do ambiente onde esta ocorre
(MALVEZZI, 2005). Como se deduz da análise de Malvezzi (ib.), a dificuldade de se
entender o fenômeno da resiliência reside no fato de que todos os recursos humanos -
inclusive recursos dos quais o indivíduo não têm sequer consciência de que é capaz de
mobilizar - estão implicados no enfrentamento e talvez esta seja a razão pela qual a
melhor solução metodológica para os estudos seja o estudo de caso, uma vez que os
estudos horizontais, envolvendo muitos sujeitos, buscam compará-los, sem conseguir
abarcar a complexidade de múltiplas variáveis representadas pelo conjunto de recursos
que é acionado.
A forte conotação ideológica que permeia os estudos de resiliência associada ao sentido
de positividade da adaptação pode ser superada se, ao invés de adaptação positiva, for
19
Malvezzi, S. Trabalho e Motivação. Aula ministrada no Curso de Gerenciamento de Recursos Humanos e
Desenvolvimento de Equipes, promovido pelo CIETEC Centro Incubador de Empresas Tecnológicas, São Paulo,
agosto 2005.
108
introduzida a idéia de adaptação criativa. Com foco na análise do comportamento
organizacional, Sznifer (2003) propõe um contínuo que se estende da reatividade à
criatividade, ao analisar que o universo organizacional demandava, nos primórdios da
industrialização, o indivíduo reativo aquele que deveria apenas responder, conforme
as normas e prescrições estabelecidas. O desenvolvimento posterior da indústria passou
a demandar um indivíduo pró-ativo, capaz de se antecipar às demandas e solicitações
relativas a seu trabalho. A alta competitividade com significativas conseqüências para a
sobrevivência individual e organizacional exige agora, um indivíduo criativo, capaz não
só de se antecipar aos fatos, mas de criar soluções inovadoras para os processos e para a
sua própria inserção no mundo organizacional (SZNIFER, 2003; anotações verbais)
(20). Para efeitos de pesquisa, portanto, a resiliência pode ser definida como a
construção de soluções criativas diante das adversidades presentes nas condições de
trabalho e dos negócios da sociedade atual da qual resulta um duplo efeito: a resposta ao
problema em questão e a renovação das competências e do élan vital dos indivíduos. A
resiliência envolve não somente o controle sobre a situação mas um determinado
reforço para que o individuo siga lutando por novos resultados pessoais e pelos
perseguidos por seu grupo de trabalho. Nessa construção o individuo revela sua forca
ontológica manifestada numa excepcional capacidade de aplicação da causalidade
pessoal.
Da revisão da literatura empreendida, outra conclusão é possível, referida às
controvérsias relativas ao próprio conceito, que ora aparece como condição ou
disposição psico-orgânica congênita ou pré-existente, ora como resultante do
processo traumático ao qual é exposto o indivíduo e ainda como processo vivido. No
20
Sznifer, M. Change Management. Aula ministrada no Programa de Excelência Gerencial promovido pela FIA
Fundação Instituto de Administração e pela Unimetro Universidade Corporativa da Companhia do Metropolitano
de São Paulo, São Paulo, 2001.
109
primeiro caso, a resiliência é tratada como condição ou disposição pré-existente à
vivência traumática, espécie de "competência humana" da qual seriam dotados alguns
indivíduos e outros, não. Esta abordagem, embora substituída por outras ao longo da
história dos estudos, ainda subsiste em alguns autores. No segundo, o tratamento dado
ao termo estabelece, geralmente, que a resiliência é "construída" no indivíduo ou grupo
após a vivência da situação traumática e, para os autores do terceiro grupo, é no
processo que a vivência adquire significado para o sujeito que a experimenta; neste
caso, o fator resiliência é constituído durante a experiência. A falta de consenso na
literatura não permite conclusões unívocas, apenas confirmando que se trata de um
campo de investigação que ainda se encontra em formação. As evidências surgidas
durante este estudo indicam que a hipótese mais merecedora de investimento é aquela
que assume a resiliência de forma processual.
Para conceber tal processo, uma re-definição deve considerar, por um lado, o potencial
de liberdade interior indicado por Frankl (1997) e os atributos ontológicos de
construção da subjetividade, propostos por Gallende e outros (2004), descartando os
tipos de estudo lineares; deve considerar que múltiplas causas determinam a resiliência,
atuando estas, por sua vez, de forma interdependente, destacando-se, dentre outras, a
relação com um ideal, a esperança, o sentido de vida, o ter um sonho
21
(futuro, porvir)
ou o abraçar uma utopia pessoal; quanto ao enfrentamento da adversidade, que este se
por meio de ações, atitudes, gestos e, como resultados, a reconstrução do indivíduo
como sujeito, por meio reconstituição de seus recursos e de sua estrutura pessoal.
21
Neste sentido, vale menção à peça “121023J”, de autoria de Renata Jension, exibida no Ciclo Multicultural da Casa
de Cultura de Israel, em novembro de 2005, São Paulo, como expressão de um sonho. A autora, filha de um
sobrevivente dos campos de concentração, coloca na peça uma voz que alerta diversas vezes ao personagem
principal, um prisioneiro, de que há uma razão para ele viver e que esta razão é o filho / filha que poderia nascer.
110
Esses elementos possibilitam a re-proposição do conceito de resiliência, a saber: A
resiliência é a reconfiguração interna, pelo sujeito, de sua própria percepção e de
sua atitude diante da vivência da condição da adversidade ou trauma, constituindo
esta, a partir de então, fator de crescimento ou desenvolvimento pessoal. A
resiliência é uma condição interna (não observável, a não ser em seus efeitos)
constatada numa demanda de adaptação do indivíduo frente a uma situação
excepcionalmente adversa, ou mesmo traumática, caracterizada por alto potencial
destrutivo ou desintegrador das estruturas e recursos pessoais, da qual resulta o
fortalecimento dessas estruturas, o crescimento pessoal, a confirmação de sua
identidade, o desenvolvimento de novos recursos pessoais, constituindo-se numa
reação que transcende os limites de um mero processo de adaptação.
Este conceito aponta para a superação da adversidade pela via da reconfiguração
interna, sendo consistente com autores como Baxter (1982), mencionado no capítulo V,
para quem adversidade não é ameaça; é desafio. Para ele, o ser humano que administra
sua própria subjetividade diante das crises se renova como pessoa, reafirmando-se como
sujeito de sua história e de sua adaptação.
Esta proposta de re-definição seria incompleta se não considerasse a relevante
contribuição de Assimakopoulos (2001) sobre o momento crucial - o ponto de inflexão
a partir do qual o individuo deixa a condição de vítima e se torna senhor da situação,
que fica expresso no relato de Frankl, no filme Frida e na história do pianista León
Fleischer, dentre outros e sem a consideração pelo papel da arte e da religião no
processo de re-configuração subjetiva e re-construção do indivíduo como sujeito de sua
própria história.
111
Como se pode constatar, a resiliência se revela como objeto de estudo interdisciplinar,
colocando a Psicologia em interface com outros campos de conhecimento.
Embora este estudo esteja longe de resolver as inúmeras questões que permeiam este
campo de investigação, indicam-se, a modo de sugestão para futuras pesquisas, os
seguintes temas:
Resiliência e emoções negativas. Uma vez que não se pressupõe
invulnerabilidade ou imunidade à situação traumática ou adversa, esta suscitará
emoções negativas no sujeito ou grupo que a vivencia, tais como raiva, ódio,
culpa, dentre outras. A reconfiguração interna envolve a mobilização de recursos
para lidar com estas emoções, transformando-as ou neutralizando-as, embora
ainda não seja claro qual o processo envolvido nesta transformação. A título de
exemplo, Vanistendael & Lecomte (2004) retomam a questão proposta por
Frankl (1997): ao se deparar com a adversidade, o indivíduo muito
frequentemente se coloca a questão “Por que eu?”, que, a partir de diferentes
formas, resume o perguntar-se sobre porque determinado problema ocorreu
comigo ou para mim, questionamento que já se apresentava na história de Jó.
Assim como Frankl, os autores propõem a substituição desta pergunta pela
pergunta “Para que eu?”, que induz o indivíduo ao questionamento do sentido do
fato. “Porque” busca explicar o passado, enquanto “Para que” tenta compreender
o futuro e atribuir significado àquilo que, na maior parte das vezes, se apresenta
sem sentido (VANISTENDAEL & LECOMTE, 2004). Ao perguntar-se “Por
que eu?”, o individuo tende a se vitimizar e ser dominado pelas emoções
negativas. Diante da pergunta “Para que?”, as emoções podem se transformar.
112
Sugere-se o estudo da passagem da condição de vítima è resiliência, incluindo a
identificação do ponto de inflexão a que se refere Assimakopoulos (2001).
Resiliência e Criatividade. Como discutido anteriormente, resiliência pode ser
entendida como resposta criativa diante da crise, aplicação do pensamento lateral
na geração de soluções inovadoras diante de situações traumáticas ou adversas.
O desenvolvimento da criatividade pode ser proposto como medida preventiva,
de forma a gerar um potencial sempre atualizado de recursos para o
enfrentamento. Ou poder-se-ia pensar na criação de uma espécie de “estoque” de
recursos criativos a ser gerenciado de forma permanente? Essa proposição, em
sintonia com Assimakopoulos (2001), pode ser entendida como base para a
promoção da resiliência.
Resiliência e Religiosidade. No estudo empreendido em fontes acadêmicas e
literárias sobre a resiliência, a religiosidade destacou-se como um fator que pode
proteger o indivíduo diante de situações de adversidade. Marcus & Rosenberg
(1995) analisam o papel da religião no fortalecimento do indivíduo que enfrenta
situações extremas, caracterizadas como circunstâncias em que a individualidade
e a humanidade são violentamente atingidas. Nestas circunstâncias, segundo os
autores, a religião pode contribuir para manter a auto-coesão, a auto-
continuidade e a auto-estima. Ao estudar o comportamento de judeus
tradicionais que viveram a experiência dos campos de concentração e
extermínio, eles identificam na religiosidade destes indivíduos um reservatório
de significados que os nutria enquanto o mundo externo agredia tanto sua
existência física quanto sua integridade psicológica; a religião lhes propiciava,
em certo grau, compreensão, previsibilidade e segurança. Investigações futuras
poderão considerar esse papel da religiosidade na constituição dos ideais de ego
113
e na construção de utopias pessoais. Da mesma forma que o tema criatividade,
comentado acima, este é entendido como base para propostas de investigação
sobre a resiliência.
Tal como as temáticas mencionadas acima, outras podem contribuir para a
melhor compreensão do processo: Resiliência e Qualidade de Vida;
Resiliência e Política, Resiliência e a vida em meio às guerras e Resiliência e
Identidade: identidade de resistência e identidade de projeto, conforme
Castells.
22
22
Castells, M (1999. In: RODRIGUÉZ, 2004)
114
Ao terminar, uma história:
Julgamento
Conta-se de um incidente durante a Idade Média em que uma criança de um
lugarejo foi encontrada morta. Imediatamente acusaram um judeu de ter sido o
assassino e alegou-se que a vítima fora usada para a realização de rituais
macabros. O homem foi preso e ficou desesperado. Sabia que era um bode
expiatório e que não teria a menor chance em seu julgamento. Pediu então que
lhe trouxessem um rabino com quem conversar. E assim foi feito.
Ao rabino, lamuriou-se, inconsolável pela pena de morte que o aguardava;
tinha certeza de que fariam tudo para executá-lo. O rabino o acalmou e disse:
“Em nenhum momento acredite que não há solução. Quem tentará você a agir
assim é o próprio Sinistro que quer que você se entregue à idéia de que não há
saída”.
“Mas o que devo fazer?”, perguntou o homem, angustiado.
“Não desista e lhe será mostrado um caminho inimaginável”.
Chegado o dia do julgamento, o juiz, mancomunado com a conspiração para
condenar o pobre homem, quis ainda assim fingir que lhe permitiria um
julgamento justo e uma oportunidade para que demonstrasse sua inocência.
Chamou-o e disse: “Já que vocês são pessoas de fé, vou deixar que o Senhor
cuide desta questão: vou escrever num pedaço de papel a palavra ‘inocente’ e,
em outro, ‘culpado’. Você escolherá um dos dois e o Senhor decidirá o seu
destino”.
O acusado começou a suar frio, sabendo que aquilo não passava de uma
encenação e que iriam condená-lo de qualquer maneira. E, tal qual previra, o
juiz preparou dois pedaços de papel que continham ambos a inscrição
‘culpado’.
Normalmente se diria que as chances do acusado acabavam de cair de 50%
para rigorosamente 0%. Não havia qualquer chance estatística de que ele viesse
a retirar o papel contendo a inscrição ‘inocente’, pois o mesmo não existia.
Lembrando-se das palavras do rabino, o acusado meditou por alguns instantes
e, com brilho nos olhos, avançou por sobre os papéis, escolheu um deles e,
................ imediatamente, o engoliu.
Todos os presentes protestaram: “O que você fez? Como vamos saber agora
qual o destino que lhe cabia?”
Mais que prontamente, o homem acusado respondeu : “É simples. Basta olhar o
que diz o outro papel e saberemos que escolhi seu contrário” (BONDER, 1995).
115
Referências bibliográficas
ALDWIN, Carolyn M. (1994) Rumo a uma nova teoria da adaptação. In: ALDWIN,
Carolyn M. (1994) Stress, coping and development an integrative perspective. NY:
Guilford Press, p. 271 – 286.
ASSIMAKOPOULOS, Patricia-Anne (2001) The pivotal moment: A qualitative
investigation into resilience. Dissertation Abstracts International: Section B: The
Sciences and Engineering. 2001 Oct; Vol 62(4-B): 2043.
BALMAN, Zigmunt (2000) Liquid Modernity. UK: Polity Press.
BAXTER, Brian (1982) Alienation and Authenticity. UK: Tavistock.
BONDER, Nilton (1995) O segredo judaico de resolução de problemas. RJ,:Imago Ed.
CARMELLO, Eduardo (2004) Supere - a arte de lidar com as adversidades. SP: Ed.
Gente.
COATES, Susan; SCHECHTER, Daniel (2004) Preschoolers' traumatic stress post-
9/11: relational and developmental perspectives. Psychiatric Clinics of North America.
Sep 2004; Vol 27 (3): 473-489.
COUTU, Diane L. (2002) How Resilience Works. Harvard Business Review, May,
2002.
DEJOURS, C e ABDOUCHELI, E. (1994) Itinerário teórico em Psicopatologia do
Trabalho. In: DEJOURS, C.; ABDOUCHELI, E.; JAYET, C. (1994) (ORG.)
Psicodinâmica do Trabalho contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação
prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas.
DEJOURS, C. (1986) Por um novo conceito de saúde. Revista Brasileira de Saúde
Ocupacional. No. 54, vol. 14. Abril-Maio-Junho, p. 7-11, 1986.
FOLKMAN, Susan & LAZARUS, Richard S. (1984) Stress, appraisal and coping.
New York: Springer Pub. Co.
FRANKL, V. E. (1997) Em busca do Sentido: um psicólogo no campo de
concentração. São Leopoldo / Petrópolis: Sinodal / Vozes.
GALLENDE, Emiliano (2004) Subjetividad y resiliencia: del azar y la complejidad In:
MELILLO, ALDO; OJEDA, E. N. S.; RODRIGUÉZ, D. (org.) (2004) Resiliencia y
subjetividad: los ciclos de la vida. Buenos Aires: Paidós.
GROTEBERG, E. (2005) Novas tendencias en resiliencia. In: MELILLO, A.; OJEDA,
E. (2005) Resiliencia: descobriendo las propias fortalezas. Buenos Aires: Paidós.
HOFFMAN, Bruce (1999) The mind of the terrorist: Perspectives from social
psychology. Psychiatric Annals. Jun 1999; Vol 29 (6): 337-340.
116
INFANTE, Francisca (2005) La resiliencia como proceso: una revisión de la literatura
reciente. In: MELILLO, Aldo & OJEDA, Elbio N. S. (2005) Resiliencia: descubriendo
las propias fortalezas. Buenos Aires: Paidós.
JOB, Fernando Pretel P. (2003) Os sentidos do trabalho e a importância da resiliência
nas Organizações. São Paulo. Tese Doutorado. Escola de Administração de Empresas
da Fundação Getúlio Vargas.
JUNG, Carl G. (1979) Resposta a Jó. RJ: Ed. Vozes.
LUTHAR, S. S., CICCHETTI, D. & BECKER, B. (2000) The construct of resilience: A
critical evaluation and guidelines for future work. Child Development, 2000 May-Jun;
Vol. 71(3): 543-562.
MASTEN, A. S. (2001) Ordinary magic: resilience processes in development.
American Psychologist, 56, 227-238.
McCARTHY, John F. (2002) Short Stories and tall tales at work: organizational
storytelling as a leadership conduit during turbulent times. Dissertation Astracts
International: Section A. Apr. 2003, p. 3636.
MALVEZZI, (2005) Trabalho e Motivação. Aula ministrada no Curso de
Gerenciamento de Recursos Humanos e Desenvolvimento de Equipes, promovido pelo
CIETEC Centro Incubador de Empresas Tecnológicas, São Paulo, agosto 2005.
___________ (1999) Psicologia Organizacional. Da administração científica à
globalização: uma história de desafios. In: MACHADO, C.; MELO, M. FRANCO, V
& SANTOS, N. Interfaces da Psicologia. Universidade de Évora. Portugal.
___________ (1998) O Agente Econômico Reflexivo: um novo desafio para a
Psicologia Organizacional. Actas de la Conferencia de la Asociacóin de los Dirigentes
de Capacitación de la Argentina. Mar del Plata, Argentina.
___________ (1995) A carreira profissional ainda depende de ascensão na hierarquia
do poder? Marketing Industrial, v.1, n.1, p.30-40, jul./set
MANCIAUX, Michel (2001). La résilience: un regard qui fait vivre. Etudes. Paris,
Octobre 2001, n. 3854, p. 321 – 330.
MARCUS, P. & ROSENBERG, A. (1995) The value of religion in sustaining the self in
extreme situations. Psychoanalytic Review, 1995; 82 (1), 81 – 105.
MASLOW, A. H. (1954) Motivation and Personality. NY: Harper & Row Publishers.
MELAMED, Rabino Meir Matzliah (1996) A lei de Moisés. SP: Templo Israelita
Brasileiro Ohel Yaacov (edição sem caráter comercial).
117
MELILLO, Aldo & OJEDA, Elbio N. S. (2005) Resiliencia: descubriendo las propias
fortalezas. Buenos Aires: Paidós.
MELILLO, ALDO; OJEDA, E. N. S.; RODRIGUÉZ, D. (org.) (2004) Resiliencia y
subjetividad: los ciclos de la vida. Buenos Aires: Paidós.
MOSS, Rudolph H. & BILLINGS, Andrew G. (1982) Conceptualizing and measuring
coping resources and processes. In: GOLDBERG, L. & BREZNITZ, S. Handbook of
Stress: Theoretical and Clinical Aspects. NY: The Free Press. Cap. 14, pg. 212 – 230.
OJEDA, Elbio N. S. (2004) Resiliencia y subjetividad. In: MELILLO, ALDO; OJEDA,
E. N. S.; RODRIGUÉZ, D. (org.) (2004) Resiliencia y subjetividad: los ciclos de la
vida. Buenos Aires: Paidós.
PEARLIM, Leonard I. (1982) The social context of stress. In: GOLDBERG, L. &
BREZNITZ, S. Handbook of Stress: Theoretical and Clinical Aspects. NY: The Free
Press. Cap. 22, pg. 367 – 379.
PESCE, Renata; ASSIS, Simone; AVANCI, Joviana; SANTOS, Nilton; MALAQUIAS,
Juaci; CARVALHAES, Raquel (2005) Adaptação transcultural, confiabilidade e
validade da escala de resiliência. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(2): 436-
448, mar-abr 2005.
REISSMAN, Dori B.; KLOMP, Richard W.; KENT, Adrian T.; PFEFFERBAUM,
Betty (2004) Exploring psychological resilience in the face of terrorism. Psychiatric
Annals. Aug 2004; Vol 34 (8): 627-632.
RODRIGUÉZ, Daniel (2005) El humor como indicador de resiliência. In: MELILLO,
Aldo & OJEDA, Elbio N. S. (2005) Resiliencia: descubriendo las propias fortalezas.
Buenos Aires: Paidos.
__________________ (2004) Resiliencia, subjetividad e identidad. In: MELILLO,
ALDO; OJEDA, E. N. S.; RODRIGUÉZ, D. (org.) (2004) Resiliencia y subjetividad:
los ciclos de la vida. Buenos Aires: Paidós.
SARQUÍS, Graciela & ZACANINO, Liliana (2004) La resiliencia como herramienta.
In: MELILLO, ALDO; OJEDA, E. N. S.; RODRIGUÉZ, D. (org.) (2004) Resiliencia y
subjetividad: los ciclos de la vida. Buenos Aires: Paidós.
SATO, Leny (1993) A Representação Social do trabalho penoso In: Spink, M. J. e org.
O conhecimento no cotidiano as representações sociais na perspectiva da psicologia
social. Brasiliense: São Paulo, 1993.
SELIGMAN, Martin (2002) Positive Psychology, Positive Prevention and Positive
Therapy. In: SNYDER, C. R. & LOPEZ, Shane J. (2002) Handbook of Positive
Psychology. NY, Oxford University Press.
118
SELIGMAN, Martin E. P. & CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly (2000) Positive
Psychology: an Introduction. American Psychologist. Volume 55(1). January 2000. p
5–14
SELYE, Hans (1982) History and Present Status of the Stress Concept. In:
GOLDBERG, L. & BREZNITZ, S. Handbook of Stress: Theoretical and Clinical
Aspects. NY: The Free Press. Cap. II, pg. 7 – 17.
SHARKSNAS, Thomas & LYNN, Bonnie (2003) The relationship between resilience
and job satisfaction in mental health care workers. Dissertation Abstracts
International: Section B: The Sciences and Engineering. Vol. 64 (6-B): 2963.
SMITH, Jonathan C. (1993) The Transactional Matrix. In: SMITH, Jonathan C.
Understanding stress and coping. NY: Macmillan Publishing Company. Cap. V, pg. 67
– 91.
SNYDER, C. R. & LOPEZ, Shane J. (2002) Handbook of Positive Psychology. NY,
Oxford University Press.
SZNIFER, Moisés (2001) Change Management. Aula ministrada no Programa de
Excelência Gerencial promovido pela FIA Fundação Instituto de Administração e pela
Unimetro Universidade Corporativa da Companhia do Metropolitano de São Paulo,
São Paulo.
TEDESCHI, Richard; PARK, Crystal L. & CALHOUN, Lawrence G. (1998)
Posttraumatic Growth: Positive Changes in the aftermath of Crisis. NJ, Lawrence
Erlbaum Associates, 1998, 258 p.
VALE, Lawrence J. & CAMPANELLA, Thomas J. (2005) The city shall rise again:
urban resilience in the wake of disaster. The Chronicle of Higher Education: The
Chronicle Review. 14 Jan. 2005 (www.chronicle.com).
VANISTENDAEL, S. & LECOMTE, J. (2004) Resiliência e sentido de vida. In:
MELILLO, A.; OJEDA, E.; RODRÍGUEZ (2004) Resiliencia y subjetividad: los ciclos
de la vida. Buenos Aires: Paidós.
WALLER, M. A. (2001) Resilience in ecosystemic context: Evolution of the concept.
American Journal of Orthopsychiatry, 71, 290-297.
YUNES, Maria Angela Mattar (2003) Psicologia positiva e resiliência: o foco no
indivíduo e na família. Psicologia em Estudo, v. 8 n.especial Maringá .
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo