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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Área de Concentração: Fundamentos da Educação
A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XIV: GUILHERME DE OCKHAM
CONCEIÇÃO SOLANGE BUTION PERIN
MARINGÁ
2005
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Área de Concentração: Fundamentos da Educação
A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XIV: GUILHERME DE OCKHAM
Dissertação apresentada por Conceição
Solange Bution Perin, ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, Área de
Concentração: Fundamentos da Educação,
da Universidade Estadual de Maringá, como
um dos requisitos para a obtenção do título
de Mestre em Educação.
Orientador(a):
Prof
(a)
. Dr(a).: Terezinha Oliveira
MARINGÁ
2005
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CONCEIÇÃO SOLANGE BUTION PERIN
A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XIV: GUILHERME DE OCKHAM
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. TEREZINHA OLIVEIRA (Orientadora) – UEM
Profª. Drª.ANA PAULA TAVARES MAGALHÃES – USP – SP.
Prof. Dr. MÁRIO LUIZ NEVES DE AZEVEDO – UEM
MARINGÁ
2005
4
Dedico este trabalho ao meu marido
(Antonio) e meus filhos (Eduardo Henrique e
Marco Antonio), que estiveram comigo em
todos os momentos me apoiando e me
incentivando, com amor e paciência.
5
Agradecimentos
Aos meus pais, Octacílio (in memorian) e Palmira, pela oportunidade que me
deram de iniciar no mundo das letras.
À professora Terezinha Oliveira pela dedicação em suas orientações, amizade,
confiança e oportunidade de vislumbrar o mundo com reflexão.
Aos professores da graduação que foram a base de todo esse estudo.
Aos professores do Mestrado que contribuíram para ampliar meu conhecimento.
Aos professores da Banca, Ana Paula T. Magalhães, Mário Luiz N. Azevedo e
Célio Juvenal da Costa pelas observações e sugestões realizadas no trabalho.
Aos meus sobrinhos Michely e Airton Jr. pela amizade e incentivo.
À pequena Giovanna pela luz que trouxe em nossas vidas.
À todos os meus amigos que, direta ou indiretamente, contribuíram com a minha
jornada de estudos e em especial à minha amiga Juliana que esteve presente
desde o início da minha vida acadêmica.
Aos funcionários do Mestrado pela atenção e prontidão.
6
Somos reerguidos pelo estudo, para que
conheçamos a nossa natureza e aprendamos
a não procurar fora de nós aquilo que
podemos encontrar dentro de s. A procura
da Sapiência é, com efeito, “um grande
conforto na vida”.
(Hugo de São Vítor)
7
PERIN, Conceição Solange Bution. A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XIV: GUILHERME
DE OCKHAM. 132 folhas. Dissertação Mestrado em Educação Universidade
Estadual de Maringá. Orientador: Terezinha Oliveira. Maringá, 2005.
RESUMO
Este estudo propõe uma reflexão sobre a importância que exerceu o pensamento
de Guilherme de Ockham (1290? 1349?) em seu contexto histórico, no século
XIV, abordando algumas mudanças nas relações educacionais que estavam
ocorrendo na sociedade medieva do Ocidente, inseridas no conflito entre a e a
Razão. Ockham trata das questões relacionadas com o espiritual e o temporal,
evidenciando alguns aspectos apontados pelos universalistas, mostrando que
tudo o que era considerado como verdadeiro e inquestionável, aos olhos da fé,
poderia, também, ser analisado pelos olhos da razão. As questões tratadas por
Ockham indicam a existência de alterações nos comportamentos sociais, visto
que, segundo ele, o conhecimento deveria ser refletido e, para conhecer, era
preciso distinguir as particularidades existentes em cada ser. Para ele, portanto, o
termo universal caracterizava um conhecimento que não exprimia a veracidade
das coisas que poderiam ser inteiramente experimentadas e entendidas. Esse
autor tratou das questões postas pela autoridade divina (fé) e o direito humano de
poder agir e conhecer pela sua própria vontade (razão). Ele conseguiu tratar dos
dois temas, Fé e Razão, colocando em evidência a importância de cada um deles
e explicando que os homens poderiam conciliá-los sem que uma,
obrigatoriamente, precisasse submeter-se à outra. Conforme Ockham, os
mandamentos de Deus deveriam ser seguidos, pois eram eles que conduziam o
homem para uma vida regrada e de bons comportamentos. Os homens,
entretanto, tinham o livre arbítrio para escolherem seus destinos, não sendo,
necessário que alguém os forçasse a seguir um caminho. Esse “despertar” para
uma provável liberdade de ação e, conseqüentemente, de pensamento,
favoreceu, paulatinamente, o direito de escolha dos indivíduos quanto à forma de
organizar suas próprias vidas. Sob essa perspectiva, consideramos que
Guilherme de Ockham foi um dos mestres medievais que evidenciou o conflito, já
existente, entre o poder divino e o poder temporal, fortalecendo, desse modo, as
mudanças de pensamento e de educação que estavam emergindo na sociedade.
A nosso ver, de forma primordial, este autor apreendeu os anseios e as
transformações vividas pelos homens do período, expressando, por meio de seus
ensinamentos, a possibilidade de conhecer a singularidade dos objetos, propondo
um conhecimento coadunado com a experiência direta sobre tudo o que se
poderia conhecer empiricamente. Sendo assim, pretendemos compreender o que
levou os homens do século XIV a colocar na ordem do dia a exincia de
interpretar a vida pelo caminho da experimentação, analisando a importância do
papel de Guilherme de Ockham nesse entrever de tantas mudanças, visto que ele
valeu-se de algumas questões consideradas incontestáveis para provar que a
experiência, o conhecer empírico, eram necessários e estavam incluídos na
prática social da época.
Palavras-Chave: Educação; Guilherme de Ockham; Filosofia Medieval;
Experiência.
8
PERIN, Conceição Solange Bution. THE EDUCATION IN XIV CENTURY:
GUILHERME DE OCKHAM. 132 pages. Dissertation Master in Education State
Univercity of Maringá. Supervisor: Terezinha Oliveira. Maringá, 2005.
ABSTRACT
This study offers a reflection about the importance that has practiced the mind of
Guilherme de Ockham (1290-1349) in your historical context, in XIV century,
approaching some changes in the educational statements which was happening in
the medieval society of Occident, inserted in the conflict between the Faith and the
Reason.Ockham treats of questions relaced with the spiritual and the temporal,
evidencing some aspects pointed out by universalists, showing that all was
considered how true and unquestionable to the eyes of faith, could
be,also,analysed to eyes of reason.The questions treated by Ockham indicates
that there is altered in the social behavior, and he says that knowledge should be
reflected and to know about it, would need to distinguish the particularizes existing
in each person. He thought therefore, the universal term distinguished a
knowledge that didn”t express the veracity of things which could be tried and
understanding. This author treated of questions put by divine authority (faith) and
the human right of act and know your own wish(reason).He got treat of two
themes, Faith and Reason, putting in evidence the importance of both and
explaining that the men could conciliate them without one,obrigatory need submit
to other.According to Ockham, the God commandment shold be followed, because
they led the man to a little life with good behavior.The men therefore, could choose
their destiny, wasn t necessary that somebody forces to follow a path.This awake
to a propable liberty of action and mind, has supported the right of choose of the
person to organize your own lives.Below this expectation, we can consider that
Guilherme de Ockham was one of the medieval master who evidenced the conflict
which ever existed between the divine and temporal authority strengthening the
mind and education changes which was emerging in the society. Therefore, this
author apprehended the transformations that men had lived inthat period,
expressing in your teaching, the possibility of knowing the singularity of objects,
offering a knowledge with the direct experience about all that we could know with a
empiric form,we could intend that men of XIV century were obliged to put in the
order of the day the demand of interpret the life by the path of experience,
analyzing the importance of Guilherme de Ockham s thesis in middle of changes,
not forgeting that some questions were worth and considered incontestable to
demonstrate that experience and the empiric knowledge , were necessary and
were included in the social practice of epoch.
Key words: Education; Guilherme de Ockham; Medieval Philosophy; Experience.
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................10
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS MUDANÇAS SOCIAIS NO SÉCULO XIV ............16
2.1 ALGUNS ASPECTOS DA SOCIEDADE DO SÉCULO XIV ......................................................16
2.2 O PENSAMENTO RACIONAL VISTO COMO PRIORIDADE ...................................................21
2.3 DISCUSSÕES SOBRE A POLÍTICA......................................................................................26
2.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS GUERRAS E OS CAVALEIROS..................................................33
2.5 UM NOVO MODELO EDUCACIONAL....................................................................................37
2.6 AS ATIVIDADES COMERCIAIS DO SÉCULO XIV..................................................................43
2.7 AS RELAÇÕES AMOROSAS..................................................................................................46
3 ALGUMAS QUESTÕES ENTRE OS UNIVERSAIS E OS NOMINALISTAS SOB A
VISÃO DE GUILHERME DE OCKHAM...................................................................55
3.1 ALGUNS TERMOS UNIVERSAIS CRITICADOS POR OCKHAM.............................................65
3.2 SOBRE O TERMO DESIGNADO ACIDENTE.........................................................................68
3.3 SOBRE O CONHECIMENTO ABSTRATO E EMPÍRICO............................................................76
3.4 SOBRE AS PALAVRAS...........................................................................................................79
4 GUILHERME DE OCKHAM, FÉ E RAZÃO NO SÉCULO XIV..............................89
4.1 A EXISTÊNCIA DE DEUS CONFORME A CONCEPÇÃO DE OCKHAM...................................93
4.2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENTENDIMENTO DE CIÊNCIA PARA OCKHAM......................105
4.3 SOBRE OS TERMOS VERDADE E SUPOSIÇÃO ANALISADOS POR OCKHAM........................113
CONCLUSÃO.......................................................................................................................124
REFERÊNCIAS...............................................................................................................128
10
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho é uma análise do debate entre a fé e a razão travado na sociedade medieval
do Ocidente a partir dos séculos XIII e XIV. A nosso ver, essa discussão caracterizou
algumas alterações educacionais no período em questão, conhecido como de transição
da sociedade medieval para a sociedade moderna.
Para tratarmos desse tema na perspectiva das mudanças educacionais,
nos pautaremos em alguns escritos de Guilherme de Ockham (1290? 1349?),
como: Prova da existência de Deus; Ser, essência e existência; Verdade; Noção
do conhecimento da ciência; dentre outros que consideramos essenciais para
fundamentar nossa análise, procurando demonstrar que as alterações sociais
ocorrem em todas as instâncias, conforme as vicissitudes de cada época.
Sendo assim, para discutirmos as questões educacionais é mister entender
que a educação acompanha e se altera de acordo com as transformações sociais.
Neste sentido, além de Ockham, nos basearemos em outros autores clássicos,
tais como Boécio, Hugo de São Vitor e Chaucer, os quais, embora sejam autores
medievais de momentos históricos distintos, cada um deles, entre outros aqui não
citados, nos revelam que o passado pode ser considerado como premissa para a
compreensão de um processo histórico que finda por esclarecer alguns pontos do
presente e nos mostra que a leitura de suas obras, pela sua originalidade, nos faz
refletir sobre o movimento da sociedade. Segundo Calvino (1993),
O clássico não necessariamente nos ensina algo que não
sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre
soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que
ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de
maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que muita
satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma
relação, de uma pertinência. De tudo isso poderíamos derivar uma
definição do tipo: Os clássicos o livros que, quanto mais
pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais
se revelam novos, inesperados, inéditos (CALVINO, 1993, p.12).
As palavras de Calvino nos fazem compreender que as obras clássicas
sistematizam as dificuldades e representações que os homens enfrentaram para
11
suprir as exigências sociais da sua época, revelando sua historicidade e as
marcas que precederam o seu momento. Sob esse ponto de vista, podemos
entender que Ockham, por ter sido discípulo de John Duns Scot, e apesar de
demonstrar em suas obras admiração pelo seu mestre, em vários momentos
contradiz o pensamento de Scot afirmando que nem tudo era como antes e que
somente o velho modo de pensar (abstrato) já não atendia o mundo que o
cercava, do conhecimento empírico.
Partindo desse princípio, Ockham, como um dos maiores mestres da
Universidade de Oxford, lançou afirmações e implicações acerca do demasiado
poder papal e temporal, que o fizeram ser perseguido e confinado por um longo
período. Esses fatos, todavia, não o intimidaram e ele participou de rias lutas
entre o poder temporal e o poder espiritual, afirmando que nem o poder do Papa e
nem o poder do Imperador poderiam, de forma alguma, privar os homens da sua
liberdade de conhecimento “O fisofo inglês, durante os anos de permanência em
Oxford, tinha elaborado uma teoria do conhecimento e uma teologia, as quais
peculiaridades conferem originalidade, segurança e capacidade crítica à sua
reflexão política. (CAMASTRA, apud OCKHAM, 1999, p. 19)”.
2
Ockham discorre sobre as definições da e da razão, abrangendo as
questões políticas-econômicas-religiosas presentes em sua época. Para ele, os
dois temas, espiritual e temporal, possuíam cada qual sua importância e os
indivíduos não necessitavam optar por uma escolha entre eles, mas sim entendê-
los e conciliá-los para os explicarem como conhecimento abstrato e empírico.
Essas e outras reflexões que o autor faz, inseridas no seu contexto histórico,
constituíram o eixo norteador de nossa pesquisa, mostrando que Ockham se
preocupou, ao lado da fé, com a ciência, para compreender o mundo e explicar
aquilo que ainda não havia sido esclarecido e entendido.
2
Il filosofo inglese, durante gli anni di permanenza ad Oxford, aveva elaborato una teoria della
conoscenza e una teologia, le cui peculiarità conferiscono originalità, sicurezza e capacita critica
allá sua riflessione política (CAMASTRA, apud OCKHAM, 1999, p.19)
12
Em conformidade com o pensamento de Ockham, os mandamentos de
Deus deveriam ser seguidos, porque eram eles que conduziam o homem a uma
vida regrada. No entanto, os homens tinham livre arbítrio para escolher seus
destinos, não sendo necessário que alguém os forçasse a trilhar um caminho.
Esse “despertar” para uma provável liberdade de ação e
conseqüentemente de pensamento, favoreceu, paulatinamente, o direito de
escolha dos indivíduos quanto ao modo de organizar suas próprias vidas. Esse
“despertar” permitiu que os homens agissem de forma distinta daquela que
comumente estavam habituados. Como assevera José Estevão em seu artigo
Liberdade e presciência em Ockham, Ockham propôs em seus escritos uma
noção de liberdade do indivíduo quanto às exigências pregadas pelos poderes
espiritual e temporal.
Nos escritos políticos de Guilherme de Ockham, surge com insistência a
noção de liberdade, usada como argumento contra o absolutismo
pontifício. A raiz deste conceito encontra-se porém, nas obras filosófico-
teológicas, onde, ao tratar do conhecimento divino dos futuros
contingentes, o autor afirma que existe uma oposição entre o que afirma
a filosofia e o que afirma a teologia a respeito (ESTÉVÃO, 1995, p. 370).
Estevão comenta que Ockham ofereceu em seus escritos uma
diferenciação das análises realizadas por seus predecessores, pois investiu em
uma discussão que relevou a pretensão de poder que o papado exercia sobre o
poder temporal, ou seja, Ockham, seguindo a reflexão de seus antecessores,
procurou fundamentar filosoficamente a importância da e da razão, mostrando
que cada uma apresentava suas dimensões de atuação e de ação e que esses
dois campos deveriam conviver harmonicamente como explicação da realidade
dos homens.
Desse modo, podemos entender que as questões suscitadas por Ockham
não foram criadas por ele e tampouco demarcaram um período e outro, mas sim
que as suas formulações possibilitaram uma reorganização educacional no
pensamento dos indivíduos, juntamente com as mudanças de outros elementos
constantes na Idade Média e que alteraram a vida dos homens. Para Oliveira,
13
Ainda que possamos considerar Ockham como o último dos
escolásticos, no entanto, não podemos, como afirma Pieper, considerá-
lo como o criador da ciência, uma vez que sua obra ainda está
carregada da forma medieval. Suas formulações, indubitavelmente,
defendem a necessidade do empírico para se conhecer as coisas, mas
ainda não abandonou a idéia de que Deus é o criador de todas as
coisas. Não negou que a existência de uma força maior que a tudo
comanda e dirige e essa força ainda é a cristã (OLIVEIRA, 2005, p.
48).
Como confirma a autora, Ockham escreveu analisando o seu momento e
as necessidades que estavam sendo vivenciadas pela sociedade. Os homens de
sua época estavam buscando conhecimentos que sustentassem suas
preocupações concretas, voltadas para a realidade posta e com isso o
conhecimento somente fundamentado na fé, na abstração o atendia seus
interesses, principalmente aqueles voltados para as transações comerciais. Logo,
de acordo com De Boni,
Alguns autores, fazendo uma leitura retrospectiva, por vezes
entusiasmaram-se e foram tentados a situar Ockham como o pai
da nova ciência, o antecessor de Lutero, o precursor do ceticismo,
ou o primeiro lógico moderno. Na verdade, Ockham foi um
medieval do século XIV, que não podia mais aceitar as soluções
do período anterior e que, na procura de caminhos alternativos,
refletia na Filosofia a situação sócio-econômica de seu tempo
(OCKHAM apud DE BONI, 1988, p. 15).
Ockham procurou fundamentar filosoficamente o entendimento sobre a fé e
a razão procurando mostrar que Deus era e continuaria sendo o ponto de
explicação para todas as coisas, mas que os homens deveriam buscar a
liberdade de pensamento e de reflexão acerca da singularidade de cada coisa
que poderia ser explicada pela razão.
Para nós, independentemente da época histórica, sempre que surgem
possibilidades de mudanças de comportamentos torna-se possível a elaboração
de uma nova forma do pensar. Na verdade, as mudanças comportamentais
sempre estão atreladas às alterações do pensamento/conhecimento e vice-versa.
Assim, acreditamos que as formulações de seus antecessores que este autor
trilhou e as evidenciou tenham influenciado a sua época e outros pensadores que
14
lhe eram contemporâneos a respeito da relevância dessas duas questões,
intrinsecamente humanas e polêmicas, e razão. Neste sentido, buscando
compreender a maneira como esse debate foi travado por Ockham e por
conseguinte a sua influência na sociedade, elaboramos este trabalho a partir de
três momentos distintos.
No primeiro momento, discutimos alguns elementos que caracterizaram o século XIV e
que marcaram, com intensidade, as transformões que ocorriam nesse período de
transição entre o mundo feudal e o mundo moderno, mostrando as dificuldades e
anstias enfrentadas pelos homens para acompanhar as alterações que estavam se
processando. Com isso, pretendemos evidenciar algumas questões que corroboraram
com o fortalecimento de novos comportamentos, costumes e, principalmente,
acentuaram as mudanças educacionais da época.
No segundo, tecemos algumas considerações sobre a teoria dos universais
e dos nominalistas, centrando-nos nas discussões de Guilherme de Ockham para
demonstrar que, em alguns aspectos, os universais não conseguiram, por meio
de sua teoria, gerar um conhecimento suficiente para explicar a essência de todas
as coisas. Procuramos apresentar que o nominalismo que Ockham propunha
estava voltado para um conhecimento individual, pela experiência e que, portanto,
a teoria dos universais contradizia a sua argumentação, pois não esclarecia o ser
em sua singularidade.
Dessa forma, nesse segundo momento, a discussão central visa
compreender as explicações postas por Ockham para explicitar que todas as
coisas, apesar de terem sido criadas por Deus, não atendiam a um
esclarecimento universal, pois cada uma tinha suas particularidades e suas
características, diferenciadas e nominadas.
15
No terceiro momento, procuraremos demonstrar que as formulações de
Ockham estavam voltadas para a explicação e a comprovação da existência de
Deus e que o autor, pautado nesse princípio, procurou mostrar outros aspectos
essenciais para a sociedade, como o entendimento da ciência e os termos sobre
a verdade e a suposição, ou seja, suas discussões permeavam a comprovação e
a necessidade de conhecer o que poderia ser conhecido visualmente,
empiricamente e, também, as coisas que, por meio da razão, deveriam ser
reconhecidas como verdadeiras mesmo sem serem comprovadas pela
experiência.
Por último, analisaremos em que medida as formulações de Ockham ao
lado das transformações históricas que estavam ocorrendo colaboraram para as
modificações educacionais do seu período, visto que para muitos autores este
autor expôs uma nova visão de mundo, por meio da qual o homem tinha sua
individualidade e liberdade para optar por um conhecimento empírico, esclarecido
pela própria experiência, provocando, assim, uma nova forma de pensar e de agir.
16
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS MUDANÇAS SOCIAIS NO
SÉCULO XIV
Neste capítulo, faremos algumas considerações sobre questões que se
referem ao contexto sócio-político-econômico-educacional do século XIV e que
evidenciaram mudanças nos comportamentos e costumes da sociedade da
época. O propósito deste estudo é compreender as alterações sociais ocorridas
na forma de organização dos homens em seu contexto histórico, visando aos
conflitos e às alterações na sociedade, atendo-nos, principalmente, ao âmbito
educacional.
Pautando-nos nesse pressuposto e buscando, dentre as
transformações, a questão educacional, percebemos que esta, em virtude das
modificações verificadas na própria sociedade, tende a acompanhar o
movimento social de cada momento histórico, revelando as necessidades que
os indivíduos criam para produzir a sua sobrevivência.
Sob essa perspectiva, abordaremos algumas alterações que permearam
o período em estudo e que, paulatinamente, interferiram de forma significativa
na formação do homem, modificando suas ações e pensamentos. Para esse
propósito, discutiremos obras de autores que tratam da época em destaque,
tendo como fio condutor a alise do pensamento de Guilherme de Ockham
nessas alterações.
2.1 ALGUNS ASPECTOS DA SOCIEDADE DO SÉCULO XIV
É relevante salientar, a priori, que o culo XIV foi marcado por um
conjunto de fatores que, ao mesmo tempo, associavam elementos que
fomentavam a desagregação do mundo medieval e forneciam condições para a
estruturação da sociedade moderna. A realidade do homem feudal, as
17
prioridades do cotidiano sofriam influências da nova forma de vida que vinha se
instaurando no Ocidente Medievo desde os fins do século XI, tendo em vista
que o desenvolvimento do comércio e o renascimento das cidades propiciaram
um contato e uma proximidade entre as pessoas com novos ideais e,
conseqüentemente, alterações de pensamentos e comportamentos.
A economia predominante nos feudos, com o crescimento do comércio e
das cidades, tornou-se ineficiente para suprir as condições de vida que os
homens estavam estabelecendo entre si, isto é, o comércio norteou uma forma
de economia que não visava somente às atividades rurais voltadas para a
sobrevivência, mas também o interesse pelo lucro. A necessidade de abarcar
novos conhecimentos para comercializar transformava e exigia uma nova
formação e pensamento, o qual, por sua vez, refletia-se em grandes angústias
e incertezas pela busca do desconhecido, ou seja, de tudo aquilo que se
imaginava, mas que não se conhecia pela experiência visual e empírica. Essa
nova organização econômica, do comércio e da vida urbana, fez com que os
indivíduos se tornassem próximos e conhecessem outros comportamentos,
costumes e sentimentos.
A atividade comercial, aos poucos, proporcionou a independência
econômica, haja vista que a luta pela sobrevivência não se pautava mais
somente em atender ao senhor do feudo, mas também na tentativa de
conhecer outros povos e lugares a fim de comercializar e enriquecer. Como
conseqüência dessas relações, sentimentos como a cobiça, a perfídia, o luxo e
o desejo da obtenção do poder por meio da riqueza passaram a predominar,
juntamente com a nova forma de organização social da época. Como pontua
Maurois (1959), as guerras, as batalhas que encantavam os jovens, foram
sendo substituídas pelo encanto do comércio, pela riqueza que os mercadores
adquiriam com as atividades comerciais.
Aproxima-se o tempo em que o grande comércio vai, mais que as
guerras de cavalaria, tentar os jovens Ingleses aventurosos. No
18
interior de uma cooperação do século XIII, o destino de um mestre
obreiro era seguro, mas limitado. Sendo os seus preços de
compra e de venda regulados, não podia adquirir riqueza
rapidamente. Os grandes mercadores do fim da Idade Média
não se submetem a regras excessivamente prudentes. As suas
vidas maravilhosas impressionam a imaginação popular. Eles
substituem nas baladas os cavaleiros andantes. Sob a influência
dos grandes mercadores, transformam-se as guildas. Já não reina
a igualdade. O luxo dos trajes e das festas torna-se tamanho
que só os mais ricos o podem sustentar (MAUROIS, 1959, p. 148-
149).
Os valores que estavam se desenvolvendo, como conseqüência do
comércio, condiziam com uma outra forma de educar os homens. O comércio
começava a despertar, nos jovens, o interesse da conquista pela riqueza, pelo
luxo, por aventuras nos mares, em outras terras e com diferentes povos. As
grandes batalhas, as conquistas de terras e a proteção garantida pelo
cavaleiro, que outrora era tido como exemplo social, no século XIV já não
inculcava nos indivíduos a mesma representação. Nesse momento, a reflexão,
o conhecimento para comercializar, para conquistar riquezas e para descobrir o
mundo demarcavam o ideário da sociedade que estava se estabelecendo.
A coragem e a valentia do cavaleiro não desempenhavam mais o papel
principal que correspondia a um modelo de educação social. Era preciso deixar
de enfrentar as batalhas e as guerras com a audácia de afrontar a morte sem
temer, para mostrar a astúcia do bom negócio, saber refletir e ter a habilidade
maliciosa de saber comercializar.
O comércio e a guerra, nesse momento histórico, mostravam um embate
entre a velha e a nova sociedade, que conviviam lado a lado lutando pela
sobrevivência. Entretanto, a guerra sempre manteve, ao longo da história, um
aspecto político no sentido de conquista e economia no tocante à fabricação de
armas, ao aparato militar e à circulação de dinheiro para o recrutamento dos
soldados, e apesar das atividades comerciais estarem intensificando e se
fortalecendo cada vez mais, a guerra não deixava de ser primordial e prazerosa
19
aos seus componentes, impulsionando o desenvolvimento da sociedade. Para
Duby,
a guerra é a própria vida. Ela é ao mesmo tempo uma missão
primordial, o mais ardente dos prazeres e a principal oportunidade
de ganho. Sua defesa inicial, o investimento que lhes parece mais
necessário e mais proveitoso, é o aparato militar. Eles não
imaginam poder empregar os recursos de que dispõem de
maneira mais útil do que adquirindo utensílios apropriados para
melhor dominar o inimigo, e sobretudo para se proteger do
perigo... A fabricação de armas é então, como ao longo de toda a
história dos homens, um dos setores de ponta do progresso
técnico (DUBY, 1993, p. 33).
As características que valorizavam as guerras, no entanto, foram se
confundindo com aquelas que definiam o comércio. As guerras, aos poucos,
foram deixando de ter o aspecto de exaltação pessoal, heróico para dar
menção às necessidades postas pelo comércio, visto que este apresentava
diferentes aspectos que discerniam da guerra o conceito de conquista. No
momento em questão, o que se apresentava como primordial era comercializar
para conhecer (conquistar) novas terras, novos povos e obter lucro, o que
demandava um estado de guerra constante, como em outros períodos, porém
denotando diferentes valores.
Assim como a guerra, podemos dizer que o trabalho foi um dos
principais elementos para as modificações educacionais da época, pois para a
realização do comércio o trabalho, gradativamente, foi tornando-se
indispensável e substituindo o ócio como merecedor de dignidade. O tempo
empregado para o trabalho era considerado precioso e correspondia à riqueza.
Trabalhar e lutar por objetivos próprios passaram a corresponder ao direito de
viver e ser respeitado pela conquista de bens materiais.
Nesse processo de alterações da organização econômica, o tempo e o
trabalho estabelecidos pela sociedade que estava se estruturando modificaram
o quadro cronológico. As atividades voltadas para o comércio exigiram que os
20
homens reconstruíssem os conceitos sobre trabalhar e o perder tempo, haja
vista que ambos correspondiam à aquisição de riquezas. Le Goff (1980)
assevera que houve um abalo mental e espiritual nas transformações de
costumes e acepções compreendidos a partir do desenvolvimento econômico-
comercial do século XIV:
desde a primeira metade do século XIV, o tema defini-se melhor,
dramatiza-se. Perder tempo torna-se um pecado grave, um
escândalo espiritual [...] A partir de considerações tradicionais
sobre a preguiça e através de um vocabulário de mercador (o
tempo perdido é para ele o talento perdido do Evangelho - o
tempo é já dinheiro!), chega à espiritualidade do emprego do
tempo bem calculado. O preguiçoso que perde o seu tempo e não
mede é semelhante aos animais, não merece ser considerado um
homem (LE GOFF, 1980, p. 71).
A partir dessa nova concepção de sobrevivência, isto é, do tempo e do
trabalho como norteadores da vida, os comportamentos cotidianos mudaram e
o sentido de mundo ganhou uma outra forma de entendimento. Não bastava ao
homem deixar o tempo passar e apenas contemplá-lo, entender que era dia e
noite pelo sol ou pela lua, mas nesse momento as horas passaram a fazer
parte da vida dos indivíduos, a serem cronometradas: “A partir de agora, o que
conta é a hora nova, medida da vida... nunca perder uma hora de tempo. A
virtude cardeal do humanista é a temperança a que a nova iconografia do
século XIV como atributo o relógio - a partir de agora a medida de todas as
coisas” (LE GOFF, 1980, p. 73). Os períodos do dia começaram a ser divididos
e calculados para que não houvesse perda de tempo. O tempo dado por Deus
e, portanto, pertencente a Ele, como postula Le Goff (1980), passa a ser
propriedade dos homens, medindo a preguiça, o ganho, as atividades e a
mesmo a organização da própria vida.
O relógio demarcou o controle dos indivíduos sobre eles mesmos,
controlando os horários de trabalho e tamm denotando o aspecto da
ambição pelos bens materiais, ou seja, o controle das horas referia-se à
contagem do tempo para o bom desempenho do comércio. Assim, as
21
atividades comerciais, aos poucos, criaram a relação de dependência entre o
homem e o tempo. Os dias se subdividiram em tarefas a serem executadas
dentro de determinado período, ou seja, ocorreu a ruptura dos ritmos agrário e
urbano. A necessidade de se adaptar às condições de cidade e de trabalho fez
com que os sinos das igrejas deixassem de medir o tempo. Como aponta Le
Goff, “o velho sino, voz de um mundo que morre, irá ceder a palavra a uma voz
nova – o relógio de 1354” (LE GOFF, 1980, p. 62).
O embate entre o mundo temporal e o espiritual estava sendo
estabelecido devido às transformações que permeavam a época, visto que a
medida de tempo, aos poucos, foi um dos aspectos que propiciou o
enfraquecimento do poder da Igreja. A vida urbana corroborou mudanças sobre
o entendimento do poder espiritual, pois os indivíduos buscaram uma
compreensão de mundo que não se fundamentasse somente nas explicações
divinas. Como afirma Le Goff (1980), os sinos foram cedendo lugar para os
relógios e tal qual os sinos, o entendimento da natureza precisava ser
substituído, alicerçando a descoberta do universo.
Nesse entretempo de tantas vidas, os indivíduos lançaram
questionamentos sobre as explicações filosóficas (razão) e teológica (fé) de
mundo. Essas questões serão discutidas no próximo item.
2.2 O PENSAMENTO RACIONAL VISTO COMO PRIORIDADE
A sociedade do século XIV, como todo período de transição, visava a
uma base de sustentação para suas aspirações que estavam emergindo com o
desenvolvimento do comércio. As explicações dadas pela Igreja já não eram
suficientes para esclarecer todas as dificuldades vivenciadas pela
comercialização e pela vida urbana. As cidades e o comércio proporcionaram,
na sociedade em geral, indefinições de sentimentos, costumes, bem como
interesses e aptidões divergentes.
22
Para justificar as ações e ansiedades dos indivíduos em busca de
soluções para as questões presentes nas suas vidas, os homens procuraram
as soluções nas dificuldades de seu cotidiano, nas suas experiências. Era
preciso entender o que fazia parte do cotidiano por meio do intuitivo (real) e
não do abstrato. Desse modo, foi necessário o estabelecimento de um nculo
entre a reflexão pessoal e o conhecimento, para que as interpretações do
mundo, em geral, fossem refletidas e analisadas de forma racional.
Nesse contexto, no qual a em Deus já não supria, totalmente, a necessidade de conhecer outras terras e
outros povos para comercializar, o conhecimento empírico, aos poucos, foi tornando-se uma questão de sobrevivência.
Os mestres medievais, por volta do século XII, tiveram um papel significativo relacionado a essa discussão, porque
possibilitaram um pensamento fundamentado na realidade do dia-a-dia, debatendo sobre o que poderia ser confirmado
pelos olhos da razão e sobre o que não era possível conhecer empiricamente. Foi justamente essa reflexão, esse novo
modo de tentar entender o mundo que proporcionou, aos indivíduos, a probabilidade de analisar a vida e o papel de
cada um como ser humano. Os homens perceberam que poderiam ter uma perspectiva maior do que aquela que já
possuíam. Com isso, iniciaram um processo que os levou, paulatinamente, a entenderem seus problemas e as suas
angústias como questões provocadas pelos próprios homens.
Para esclarecermos melhor essas transformações, recorremos a Le Goff
(1984), um dos autores que discute a Idade Média, mostrando que as
mudanças de pensamento dos homens medievais se deram, principalmente, a
partir do século XII, quando os intelectuais estabeleceram, paulatinamente,
uma inflncia direta de suas palavras aos ouvintes, ou seja, por meio de lições
orais e questionamentos favoreciam aos alunos a possibilidade de refletir sobre
os mais diferentes temas e a questionar suas dúvidas.
De acordo com Le Goff (1984), pode-se afirmar que Pedro Abelardo foi
um grande orador, questionador e propiciou, por meio do diálogo, que seus
ouvintes refletissem de forma gica. Por isso ele é considerado o precursor de
um método que ajudou a modificar toda uma história, uma vez que de Abelardo
a Guilherme de Ockham rios homens tiveram o mesmo objetivo, ou seja,
interpretar o conhecimento, revelar o que era desconhecido, levar os indivíduos
a conhecer seu próprio pensamento. Assim, as novas necessidades e
descobertas deram abertura a diferentes conhecimentos e interpretações.
23
Abelardo foi primeiro um lógico e, como todos os grandes
filósofos, começou por criar um método. Foi o grande campeão da
dialéctica. Com o seu Manual de Lógica para Principiantes (Logica
ingredientibus) e sobretudo com o Sic et Non de 1122 deu ao
pensamento ocidental o seu primeiro Discurso do Método. Nele
prova, com uma simplicidade brilhante, a necessidade de recorrer
à reflexão... Daí, a necessidade de uma ciência da linguagem. As
palavras existem para significar nominalismo - mas fundam-se
na realidade. Correspondem às coisas que significam. Todo o
esfoo da lógica deve consistir em proceder a essa adequação
significante da linguagem à realidade que manifesta. Para esse
espírito exigente, a linguagem não pode ser o véu da realidade
mas sim a sua expressão. O professor que é acredita no valor
ontológico do instrumento que utiliza: o verbo (LE GOFF, 1984, p.
49).
Neste sentido, Le Goff (1984) vislumbra, no método de Abelardo, o princípio de uma nova forma de explicar o
mundo, pois mostrou que o conhecer pautava-se em questionar e debater sobre os assuntos. O autor ainda mostra que
Abelardo criou um método que veio interagir com questões até então consideradas inquestionáveis, mas que, no seu
momento, devido à vida urbana e comercial que estavam renascendo, já propiciavam a necessidade de serem
interpretadas pela via da ciência da linguagem, do debate. Assim, a discussão sobre o mundo, paulatinamente,
modificou-se e, conseentemente, a maneira de pensar também sofreu alterações. Abelardo, na obra Lógica para
principiantes, postula sobre o conhecer pela via da realidade, da razão e cita Boécio para complementar seu
pensamento.
Mas parece que não pode haver um significado, quando o
intelecto não tem um sujeito real do qual forme a idéia. Daí a
afirmação de Boécio no seu Comentário: Todo significado ou
procede da coisa substancial, tal como a coisa é constituída, ou
como ele não é constituído. Com efeito, o significado não pode
proceder de um não-ser (ABELARDO, 1979, p. 233).
Abelardo (1979) principiou um discurso que guiou questionamentos
acerca do que era indiscutível. Suas aulas delinearam um conhecer com
dúvidas e indagações sobre o possível de ser verdade e o incerto. Apesar de
Abelardo fazer suas prerrogativas em uma perspectiva religiosa, ele suscitou,
em seu período, divergências de pensamentos e despertou nos indivíduos a
exigência de raciocínio, de memória e de investigação relacionada às questões
divinas e humanas.
Assim como Abelardo, em cada momento histórico sempre homens
que procuram entender e explicar as mudanças que estão ocorrendo; por
conseguinte, podemos afirmar que os intelectuais, professores e mestres
medievais procuraram explicar e justificar o momento em que viviam. Eles
utilizaram o diálogo e a aproximação com os ouvintes para suscitarem
24
questões a respeito do que estava estabelecido como explicado e
consumado.
Quando nos reportamos ao século XIV, é mister mencionarmos que Guilherme de Ockham pode ser
considerado um dos mestres medievais mais significativos de sua época, porque por meio de seus ensinamentos
mostrou aos homens que era possível um esclarecimento sobre a vida e sobre o universo e que essa explicação
dependia de cada indivíduo, do uso de sua razão e de seu pensamento racional. Todavia, essas alterações do intelecto
humano perpassaram um longo período até se estabelecerem, pois um novo entendimento requeria um embate sobre
a “velha” forma de pensar, de agir e de interpretar o universo.
Ockham procurou mostrar, em seus debates, a independência existente entre a fé e a razão. Interpretando o
seu momento, constatou que esse assunto poderia ser discutido e analisado sob outro ponto de vista, ou seja, não era
necessário haver um embate entre a fé e a razão, mas sim reconhecer que ambas eram caminhos distintos para
explicar os homens pela natureza e pela alma.
Esses dois tipos de conhecimento, intuitivo e abstrativo, não
diferem entre si pelo objeto, que é o mesmo, nem por suas causas
primeiro é causado pelo objeto presente, o segundo o
pressupõe e é posterior à sua apreensão - mas são distintos
intrinsecamente, pois o conhecimento intuitivo permite formular
juízos evidentes em matéria contingente, enquanto o
conhecimento abstrativo não o permite (OCKHAM, 1999, p. 19).
Ockham não põe em dúvida, em nenhum instante, a existência de Deus
como Criador de tudo, mas para ele a abstração (fé) não fornecia a dimensão
exata do que se imaginava, logo, não havia o conhecimento em sua íntegra.
Assim, a informação abstrata não deveria ser considerada como o ponto de
partida para se conhecer a realidade, visto que para Ockham o verdadeiro
entendimento das coisas se dava pelo conhecimento intuitivo, empírico, o qual
possibilitava ao indivíduo conhecer e apreciar a existência de tudo o que a
natureza fornecia, na sua forma real e natural. Desse modo, esse era o
conhecimento sensível, aquele que poderia elucidar o desconhecido,
solucionando as dúvidas a respeito do que existiria efetivamente.
Apesar de Ockham elucidar que as vias de conhecimentos, apesar de
serem distintas na maneira de entendimento, dependem uma da outra, os
questionamentos e as discussões realizadas por Ockham acabaram por
provocar um embate entre o conhecimento científico e o poder religioso
estabelecido pela Igreja, causando um discernimento da via da ciência e da
25
religião como verdades independentes e explicadas, cada qual, no seu campo
de entendimento.
Na concepção de Ockham, existiam dois princípios: um que estruturava
o conhecer pela fé e o outro pela razão. O primeiro, que se refere à abstração,
concebe Deus como Criador de tudo e de todos; portanto, para o autor, era
inevitável não crer no ser Divino. O outro era que a experiência, a razão,
apesar de não poder provar que Deus existe, era o único caminho que se
poderia ter para garantir a existência do que Deus criou.
Sobre o primeiro ponto, digo que este nome “Deus” pode ter
diversas acepções. Uma delas é que Deus é algo mais nobre e
melhor que todo outro ser. Conforme outra, Deus é aquilo em
comparação com o qual nada é melhor e mais perfeito [...] Acerca
do segundo ponto, digo que, tomando “Deus” na primeira
acepção, não se pode demonstrativamente provar que um
Deus. O motivo é que, nessa acepção, não se pode
evidentemente saber que Deus existe; logo não se pode saber
com evidência que ele é um só. A inferência é clara. Prova-se o
antecedente: A proposição “Deus existe” não é notória por si, visto
que muitos duvidam dela; nem pode ser provada por proposições
evidentes por si, porque em todo raciocínio se assumirá algo
duvidoso ou acreditado; nem será conhecida por experiência,
como é manifesto (OCKHAM, 1973/F, p. 395).
Diante dessa afirmação, Ockham assinalava que Deus era o mais
importante e perfeito Ser que se poderia crer e que a credibilidade em sua
existência ou em um Deus deveria passar pelos olhos da razão, pois o
homem crê naquilo que não por meio da reflexão e do conhecimento
empírico que ele tem sobre as coisas que Deus criou, ou, em outras palavras, a
partir das coisas que conhece.
A ruptura entre o conhecimento temporal e o religioso, provocada por
Ockham, acarretou oposições e indagações nas diversas instâncias sociais,
principalmente na política, pois Ockham questiona o poder papal, revelando
transformações de pensamentos e costumes que divergiam da dependência da
26
doutrina religiosa que vinha predominando vários séculos. Segundo Urbano
Zilles, “No plano do pensamento, tanto na filosofia como na teoria política,
Ockham sinaliza o fim da Idade Média e a abertura para uma nova época, em
que a razão retoma a sua autonomia frente à fé, e a vida dos homens torna-se
cada vez mais independente dos preceitos religiosos” (ZILLES, 1996, p. 124).
Para um melhor entendimento a respeito das afirmações e implicações
provocadas pelos questionamentos de Ockham relacionados ao poder papal,
abordaremos, a seguir, algumas questões políticas suscitadas no século XIV
que causaram modificações na organização político-social da época,
acarretando a distinção entre o poder espiritual e o secular.
2.3 DISCUSSÕES SOBRE A POLÍTICA
Tratar sobre as questões políticas do século XIV requer uma atenção
especial ao pensamento de Guilherme de Ockham sobre o poder do papa
frente à sociedade da época. Sob o ponto de vista político de Ockham, a
discussão é pautada no questionamento acerca da extensão e dos limites do
poder espiritual.
Respaldado nas Sagradas Escrituras, Ockham coloca em dúvida a
autoridade que o papa representava perante os homens em nome de Deus,
mostrando que a ordem espiritual não deveria reger todos os segmentos
sociais da forma que lhe aprouvesse. Ockham esclarece, em seus escritos, que
Cristo deixou Pedro como dirigente de suas “ovelhas” na terra, porém não
atribuiu total plenitude de poder nem a Pedro nem a seus sucessores.
De fato, confiando suas ovelhas a Pedro, Cristo não quis em
primeiro lugar providenciar pela honra, o proveito, a tranqüilidade
ou a utilidade das ovelhas. Por isso não disse a Pedro: “Domina
minhas ovelhas”, nem disse: “Faz de minhas ovelhas o que te
aprouver, que venha redundar em teu proveito e honra”, mas
27
disse: “Apascenta minhas ovelhas”, como se dissesse: “Faz o que
vem em favor da utilidade e da necessidade delas, e sabe que
não foste colocado à frente delas para teu proveito, mas para
proveito delas” (OCKHAM, 1988, Livro II, cap.V, p. 50).
Ockham não concordava com as atitudes que o papa estava tomando,
porque, segundo ele, os direitos do Papa comportavam limites que deveriam
ser observados e cumpridos. O fato de o Papa ser o representante do poder
divino não lhe dava o direito de interferir nos direitos de escolha dos homens,
ou seja, o dever do Papa era o de direcionar os seus fiéis, assim como Cristo
solicitou a Pedro, e não tirar proveito sobre o que favorece o bem da
comunidade, como, por exemplo, obrigar os fiéis a cumprirem deveres a que
não estavam condicionados.
não convém à comunidade que o papa tenha o poder de, sem
culpa dos fiéis e sem causa manifesta, impor-lhes obrigações
graves a que não estão coagidos nem por direito divino, nem por
direito natural, nem por espontânea de cisão, pois tal poder,
devido à ignorância ou à maldade do sumo pontifície, pode
significar a destruição tanto temporal e corporal, como espiritual
dos fiéis, porque muitas vezes não só seriam perturbados os
enfermos bons, mas imperfeitos, como tornaria desesperados os
maus [...] Ora, foi visto que o papa não recebeu de Deus o poder
para a destruição, mas para a edificação dos fiéis. Segue-se, pois,
que o papa não recebeu de Cristo tal plenitude do poder
(OCKHAM, 1988, Livro II, cap.V, p. 53).
Para o autor, os homens tinham seus limites físicos e espirituais para
aceitar as obrigações impostas pela Igreja e cabia aos indivíduos a liberdade
de interpretá-las e entendê-las, discernindo aquilo que era prejudicial e o que
era para o bem de suas vidas, isto é, compreender que o Papa, muitas vezes,
poderia estar impondo obrigações insuportáveis aos que cabiam cumpri-las.
Partindo dessa discussão, Ockham faz menção ao poder secular, o qual,
por sua vez, tamm se impunha de forma extremamente autoritária, e na
maioria das vezes não condizia com as necessidades da sociedade. Neste
sentido, cada poder, seja ele do Papa, do rei, do imperador ou dos homens,
28
deveria respeitar os direitos e deveres que cada qual tinha e poderia seguir,
conforme as Escrituras Divinas.
Se o papa quiser provar seu poder, que afirma ter por direito
divino, somente através de decretos e decretais, responder-se-á a
ele que uma tal prova é suspeita de dano de uma das partes, tal
como se fosse familiar, a não ser que possa munir-se das
Escrituras divinas. O mesmo pode ser dito do imperador e de
qualquer outro, se tentar defender-se contra o papa em tal
questão apelando para as leis imperiais, principalmente quando
existem tanto algumas leis civis como algumas decretais que não
condizem com a verdade, a justiça e a lei evangélica (OCKHAM,
1988, Livro I, cap. VIII, p. 38).
Como preconiza Ockham, a ordem política se estabelecia no embate
travado pela disputa de maior autoridade entre o Papa e o imperador ou reis e
príncipes, sendo que os valores sociais eram visados pelo ponto de vista de
cada dirigente. Esse processo era considerado pelo autor fora da legitimidade
de autonomia de cada um, pois quem concedia o poder era o povo, pela busca
de leis e de direitos. Logo, a disputa pelo poder não trazia nenhum benefício à
sociedade, pois o entrave permanecia entre os dirigentes, que se tornavam
temerários, obrigando os indivíduos a cumprirem as regras determinadas por
eles próprios.
Esse embate demonstra as mudanças que estavam acontecendo nesse
período de transição, no qual a forma de governo já não estava suprindo as
prioridades do cotidiano. A Igreja, como detentora do poder e do conhecimento,
não desempenhava mais um papel condizente para atender a vida prática dos
indivíduos. Uma nova sociedade timidamente procurava lutar pelos seus ideais
e pelos seus direitos, ou seja, tentava discernir e entender os poderes que a
Igreja e o Estado estabeleciam socialmente.
Para esclarecer melhor essas questões políticas que vinham,
gradativamente, ganhando proporção e que com os questionamentos de
Ockham, no culo XIV, tomaram dimensão ainda maior na Inglaterra,
29
mencionaremos algumas passagens da obra de François Guizot, autor do
século XIX que discorreu sobre as transformações governamentais ocorridas
na transição do mundo feudal para o moderno. Guizot compara o governo da
França e o da Inglaterra e aponta que na Inglaterra, diferentemente da França,
todas as coisas relacionadas à forma de governo representativo estavam
encaminhadas, questionadas e mais desenvolvidas, favorecendo, por
conseguinte, um governo livre, uma liberdade política até então não existente,
possibilitada por duas forças: uma aristocracia e um rei.
Havia, na Inglaterra, duas foas sociais, dois poderes públicos
que, na mesma época, não existiam na França, uma aristocracia e
um rei: forças muito rbaras; excessivamente à serviço do
império das paixões e dos interesses pessoais, para que sua
coexistência não produzisse essas alternativas de despotismo e
de governo livre, mas necessárias uma a outra e frequentemente
coagidas à agirem em comum (GUIZOT, 1841, p.293-294).
3
3
C’est qu’il y avait, en Angleterre, deux forces sociales, deux pouvoirs publics qui, à la même
époque, n’existaient ni l’un ni l’autre en France, une aristocratie et un roi: forces trop barbares;
trop livrées à l’empire dês passions et dês intérêts personnels, pour que leur coexistence ne
produisît pas ces alternatives de despotisme et de gouvernement libre, mais nécessaires l’une
à l’autre et souvent contraintes d’agir en commun (GUIZOT, 1841, p. 293-294).
30
Em sua obra, Guizot (1841) postula que essa disposição política não se
fez de maneira repentina; foi um processo que teve início com as invasões
bárbaras e que, aos poucos, ocorreu uma certa necessidade de aceitação e
organização entre um povo e outro. Conforme o autor, no século XI houve, na
Inglaterra, um povo bárbaro conquistando outro bárbaro e, apesar de cada
povo manter os seus hábitos e as suas leis, a partir dessa fusão étnica entre os
normandos e os saxões, paulatinamente nasceu, na Inglaterra, um governo
com liberdade política. O autor esclarece que a necessidade de convivência
entre povos com diferentes culturas, que visavam resistência na conservação
de seus hábitos e, ao mesmo tempo, a necessidade de união, acabou
favorecendo a origem de uma lei em comum.
Um povo bárbaro conquistou então um povo bárbaro. Os
normandos estavam estabelecidos a mais ou menos 200 anos na
Normandia; fazia mais de 500 anos que os anglo-saxões
ocupavam a Grã-Bretanha. Para uns e outros, a vida social,
rudimentar e desregrada que ela pudesse ser, existia muito
tempo. Nem uns nem outros haviam perdido o gosto e os hábitos
de sua antiga liberdade [...] A conquista devia originar males
cruéis, uma longa opressão; ela não podia produzir nem a
dissolução dos dois povos em indivíduos dispersos, nem o
rebaixamento permanente e quase voluntário de um diante do
outro. Na aproximação forçada das duas raças, havia ao mesmo
tempo meios de resistência e causas de união. Essa
circunstância, que, a meu ver, foi decisiva, foi ignorada pelos
historiadores e jornalistas ingleses; as instituições saxônicas
foram; é verdade, o beo primitivo das liberdades inglesas; mas
pode-se duvidar que, sem a conquista e por sua própria virtude,
elas tivessem fundado na Inglaterra um governo livre; é a
conquista que estampou uma virtude nova; a liberdade política
nasceu da situação onde se encontravam os dois povos e suas
leis (GUIZOT, 1841, p.276-277-278).
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4
Un peuple barbare conquit alors un peuple barbare. Les normands étaient établis depuis près
de deux cents ans en Normandie; il y avait plus de cinq cents ans que les Anglo-Saxons
occupaient la Grande-Bretagne. Pour les uns et les autres, la vie sociale, quelque grossière et
déréglée qu’elle pût être, existait depuis longtemps. Ni les uns ni les autres n’avaient perdu le
goût et les habitutes de leur ancienne liberté [...] La conquête devait entraîner des maux cruels,
une longue oppression; elle ne pouvait produire ni la dissolution des deux peuples en individus
épars, ni l’abaissement permanent et presque volontaire de l’un devant l’autre. Dans le
rapprochement forcé des deux races, il y avait à la fois des móyens de résistance et des causes
de fusion [...] Cette circonstance, qui, à mon avis, fut décisive, a été méconnue des historiens et
des publicistes anglais [...] Les institutions saxonnes ont été ; il est vrai, le berceau primitiv des
31
libertés anglaises; mais il y a lieu de douter que, sans la conquête et par leur propre vertu, elles
eussent fondé en Angleterre un gouvernement libre; c’est la conquête qui leur a imprimé une
vertu nouvelle ; la liberté politique est née de la situation où se sont trouvés placés les deux
peuples et leurs lois (GUIZOT, 1841, p. 276-277-278).
32
Ainda para Guizot, graças à fusão dos povos que procuraram conservar
as suas próprias leis e costumes, aos poucos, houve um interesse comum de
lutar pelos ideais de conquista de liberdade. A liberdade a que Guizot se refere
é o reconhecimento dos direitos individuais e públicos, isto é, de lutar pelos
ideais e pelo direito comum a todos. Neste âmbito, a Inglaterra,
gradativamente, criou uma base política propícia ao desenvolvimento de uma
forma de governo livre e que no século XIV culminou no embate pela
separação dos poderes, no qual cada setor lutava pelos seus objetivos de
interesses.
O primeiro debate que se levanta entre o poder e a liberdade tem
sempre por objeto o reconhecimento dos direitos. É que, com
efeito, as liberdades individuais não são nada, de tal maneira que
elas não se fizeram reconhecidas como direitos públicos, como a
lei do país. Então há somente sociedade entre aqueles que os
possuem e aqueles que elas m que temer. É necessário que
eles sejam unidos em uma adesão comum a certos princípios, a
certos deveres recíprocos. Desde que a situação dos barões
ingleses ficou clara e determinada, desde que eles formaram uma
aristocracia separada da realeza e capaz de resistir à ela, esta
aristocracia prosseguiu com ardor, em nome e nos interesses de
todos seus membros, o reconhecimento dos direitos comuns a
todos [...] A concessão dos títulos de propriedade foi o resultado
dessa luta. Antes dos títulos de propriedade, os barões ingleses
tinham liberdades. Com essas leis somente a Inglaterra teve um
começo de direito público (GUIZOT, 1841, p. 296-297).
5
5
Le premier débat qui s’élève entre le pouvoir et la liberté a toujours por objet la
reconnaissance des droits. C’est qu’en effet le libertés individuelles ne sont rien, tant qu’elles ne
se sont pas fait reconnaître comme des droits publics, comme la loi du pays. Alors seulement il
y a socièté entre ceux qui les possèdent et ceux qu’elles ont à redouter. Il faut qu’ils se soient
unis dans une adhésion commune à certains principes, à certains devoirs réciproques [...] Dès
que la situation des barons anglais fut claire et determinée, dès qu’ils formèrent une aristocratie
parée de la royauté et capable de lui résister, cette aristocratie poursuivit avec ardeur, au
nom et dans l’intéret de tous ses membres, la reconnaissance des droits communs à tous[...] La
concession des chartes fut le résultat de cette lutte. Avant les chartes, les barons-anglais
avaient des libertés. Avec les chartes seulement, l’Angleterre eut un commencement de droit
public (GUIZOT, 1841, p .296-297).
33
A luta que ocorreu na Inglaterra pela liberdade de direitos da aristocracia
indica que a época em estudo revelava tendências de questionamentos e
argumentações que reivindicavam mudanças tanto no campo político como nas
outras instâncias sociais, visto que as transformações não aconteciam
singularmente em cada conjuntura da sociedade, mas se davam em um
conjunto de fatores que tendia a mudar a vida dos homens, conforme eles
atendiam às exigências do cotidiano.
Podemos entender com mais clareza quando Ockham expõe seu ponto
de vista no tocante ao poder papal e secular. O autor aponta que as questões
referentes aos poderes políticos estavam englobadas nas prioridades que
acompanhavam a sociedade da época. As autoridades vigentes poderiam ser
avaliadas distintamente, todavia, em alguns aspectos deveriam estabelecer
uma atuação em harmonia, o que favoreceria o entendimento da vida prática
social. Para Ockham, ao contrário, “há dois poderes distintos, o espiritual e o
secular, ambos m um campo de atuação específica e em muitas
circunstâncias devem atuar harmonicamente” (1988, p. 19-20).
O papel dos dirigentes, em conformidade com Ockham, seria o de
mostrar e determinar as leis para melhor direcionar os indivíduos, garantindo-
lhes o bem comum tanto na vida espiritual quanto na terrena, entendendo que
a comunidade tinha o direito de escolher suas próprias ações. O Papa e o
imperador foram designados para tal encaminhamento, porém a fusão de
interesses entre os poderes não permitia aos súditos discernirem a autoridade
de um e de outro.
negligenciar os direitos da comunidade é algo computado entre os
vícios. Ora, se diz como diz a lei (Cod. 10, 35, 2 par. 1, Quando et
quibus, “Meminimus“) : “É um vício natural negligenciar o que é
possuído em comum”; consta que negligenciar os direitos é um
34
vício. Negligenciam-se, porém, as coisas que se ignoram. É
necessário, pois, que os súditos do papa saibam quais são os
direitos comuns dos súditos. [...] Enfim, o poder do papa ou é
direito divino, ou humano. Ora, “o direito divino o temos nas
Escrituras” divinas (c.1, d. 8, Quo ture); “os direitos humanos
são os direitos dos imperadores” e dos reis (ibid.). Mas convém
que os outros também, que não o papa, conheçam as Escrituras
divinas e as leis humanas dos imperadores e reis (OCKHAM,
1988, Livro I, cap. IV, p. 34-35).
Como apregoa Ockham, cabia ao imperador e aos reis entenderem a
sua função de dirigentes por meio da Sagrada Escritura, haja vista que o poder
temporal tamm fora designado por Deus, mas não se poderia aceitar que o
Papa, como acontecia na maioria das vezes, ultrapassasse os limites de sua
autoridade, interviesse nas esferas seculares e considerasse o imperador seu
subordinado, porque esse campo dizia respeito ao imperador. “Em primeiro
lugar, cabe demonstrar que não se pode provar que o império provém do papa
e que o imperador seja vassalo do papa, tomando-se para tanto aquelas
palavras da Sagrada Escritura que exaltam a eminência do poder concedido a
Cristo por Deus” (OCKHAM, 1988, Livro V, cap.II, p. 158).
A disputa de poder entre a Igreja e o Estado suscitou reivindicações e
questionamentos políticos que envolveram debates sobre a veracidade que o
Papa, os padres, os imperadores e os reis exerciam na comunidade, impondo
suas próprias leis e obrigando os súditos a realizarem os seus desejos de
autoridade.
Essas questões políticas e outras questões que envolviam a sociedade
foram delineadas pelos mestres medievais, os quais, por sua vez, com seus
diálogos-debates, foram encantando os ouvintes e anunciando um novo
modelo educacional de homem para o período, ou seja, o indivíduo conhecedor
de suas atitudes e daquilo que o cercava: a natureza; as pessoas; as palavras;
o universo; o próprio eu. Todas as implicações e contestações que ganharam
proporções nesse período de transição esboçaram o surgimento de uma nova
sociedade, com pensamentos voltados para o conhecimento de mundo, se
35
possível, na íntegra, a fim de garantir que a realidade era realmente o que se
podia ver e constatar.
2.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS GUERRAS E OS CAVALEIROS
Para dar continuidade à discussão acima, comentaremos brevemente a
influência política e econômica exercida pelas guerras no período medieval,
atendo-nos, principalmente, à importância da vida cavaleiresca diante dessas
contendas, na transição do mundo medieval para o moderno.
As batalhas e as guerras realizadas pelos cavaleiros ilustraram um
cenário de orgulho e respeito para com os valentes homens, vencedores de
grandes combates. A guerra significava a própria vida, pois correspondia a uma
missão que o cavaleiro deveria realizar, pois fora educado e treinado para
isso.
As guerras representavam, além da ambição pelo poder, pelas
conquistas por regiões significativamente mais ricas ou por questões religiosas,
o prazer de guerrear pelo seu povo, pelo seu senhor. A audácia de enfrentar
grandes batalhas sucumbia o medo de morrer.
Os aparatos militares discerniam a fortuna que cada território possuía,
demonstrando o poder de armamento, de vestuário dos cavaleiros e do próprio
número de cavaleiros nobres que representavam a milícia. Segundo Georges
Duby (1993), a diferença no equipamento militar equivaleu à tentativa de
aperfeiçoar, cada vez mais, os equipamentos de combate e que, a partir do
século XIII, favoreceu, em grande medida, o desenvolvimento econômico. Para
o autor:
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Acontece que no limiar do século XIII é um momento, nessa parte
do mundo, em que a circulação da moeda se acelera e no qual,
pelo jogo das instituições senhoriais e das trocas, o dinheiro se
torna cada vez mais abundante nas mãos dos homens que se
dedicam a fazer a guerra, os nobres e os habitantes dos burgos
mercantis onde se recruta a maioria dos soldados. Isso acarreta
um aumento incessante dos gastos com a guerra, além de que,
por mais de um século, o afluxo de recursos monetários fez
desenvolver-se a criação de bons cavalos e estimulou o progresso
da metalurgia do ferro (DUBY, 1993, p. 33).
Como assevera Duby (1993), as guerras cumpriram um papel
extremamente importante para o desenvolvimento da economia medieval e,
sem dúvida, provocaram marcantes mudanças no setor político, visto que
auxiliaram o delineamento geográfico, demarcando limites entre povos, culturas
e regiões.
E como não poderia deixar de ser, os guerreiros preenchiam toda a
cena, imbuídos de coragem, valentia, aucia e ousadia. Nas liças ou nos
campos de combate havia uma distinção de valores entre os cavaleiros,
visualizada pela maneira como lutavam, a cavalo ou a , com armaduras
decoradas ou com vestuários sem nenhum tipo de proteção; esses, dentre
outros requisitos, demonstravam a diferença de classes existente na guerra, ou
seja, a posição que cada um exercia, um cavaleiro ou um simples servo
recrutado para auxiliar nos combates.
Não falemos dos soldados de infantaria, que pertencem à classe
dos pobres, cuja maioria foi recrutada nas comunas por ordem do
príncipe, infelizes, filhos desgarrados, pessoas de convívio difícil
ou menos prontas que outras para se esconder a tempo; os
vizinhos os indicaram, equiparam-nos com o que tinham à mão;
para proteger o corpo só têm polainas, um capote de pele, quando
muito um elmo de ferro; são os que vão morrer. Quanto aos
cavaleiros, nobres ou não, muitos ainda levam o velho elmo
pontudo com o bordado de Bayeux, com larga proteção nasal, e
abrigam-se como podem atrás do escudo para proteger dos
golpes baixos os membros e o ventre. Só os ricos se cobrem bem.
Quanto mais poderosos, quanto mais rendoso o seu feudo, mais
pesados eles o, menos comodidades têm e menos lhes o
rosto (DUBY, 1993, p. 36).
37
As roupas que cobriam o corpo e o rosto desfavoreciam os movimentos
e tornavam os cavaleiros irreconhecíveis. Com isso, era de suma importância
que os guerreiros gritassem seus nomes e pusessem adereços em suas
armaduras de modo que fossem reconhecidos pelos companheiros de luta.
Esses homens marcaram uma época e modificaram toda uma história, aliados
ao fato de que suas características pessoais e seus bons modos
representaram um modelo de educação para a sociedade medieval.
A missão desses homens, desde crianças, treinados para enfrentar
situações perigosas e os inimigos, deixava a maioria dos indivíduos com o
desejo de se tornar um grande cavaleiro. O orgulho e a vontade de vencer
superavam qualquer temor e concediam-lhes a oportunidade de se
apresentarem como um herói que derrotava os adversários.
Os cavaleiros eram embebidos da sede de honras e de glória, e esse
encantamento social, ao longo dos séculos medievais, foi relatado em
romances de cavalaria. Os autores dessas novelas, na maioria das vezes, se
deleitavam em contar minuciosamente detalhes de ousadia, de valentia e de
paixão que contaminavam o cotidiano cavaleiresco e seduziam os ouvintes.
Entretanto, como afirma Paulo Vizioli na apresentação da obra de
Geoffrey Chaucer, no século XIV, em meio a tantos acontecimentos e
mudanças sociais as novelas de cavalarias passaram a delinear com pompa
uma realidade que fazia parte de um mundo que se tornava passado. Os
autores procuravam, nos romances, ratificar valores que não eram mais
prioridades para a vida que procurava se estabelecer. Os ideais do cavaleiro
não mantinham com tanta exatidão o clamor social.
os trágicos acontecimentos, as convulsões sociais e as
inquietações que perturbaram a segunda metade do século XIV
38
logo tornaram essa literatura, formalista e artificial, largamente
inadequada, É verdade que foi nessa época que a Inglaterra
produziu o seu maior “romance de cavalaria”, que foi Sir Galvão e
o cavaleiro verde, atribuído a um autor anônimo conhecido como
“o Poeta de Pérola”. Mas, com o rápido desaparecimento dos
ideais cavaleirescos, tais “romances” estavam mais voltados
para o passado do que para o presente. O que o presente exigia
era que as velhas formas fossem retrabalhadas com um enfoque
mais realista e firmes tomadas de posição (CHAUCER, 1991, p.
IX).
O momento de transição do mundo feudal para o moderno ocasionou
conflitos entre os valores do passado e os do presente, ou seja, havia uma
certa preocupação em reafirmar os sentimentos que estavam sendo
esquecidos, mas que não serviam de exemplo para conseguir os objetivos
do cotidiano.
As modificações da época transluziam a busca de acontecimentos
voltados para a experiência de mundo. Os homens não deveriam mais esperar
acontecer, ficar contemplando a natureza, mas deveriam ir ao encontro de
novidades e procurar entender a sua realidade integrada na natureza, no
universo.
Desse modo, o modelo educacional que o cavaleiro, séculos,
perpassava à sociedade entrou em decadência e, aos poucos, foi cedendo
espaço para novas formas de conhecimentos, comportamentos e costumes
sociais. Ockham aborda essas questões, mostrando que o conhecimento da
sua época estava pautado no conhecer empírico, visual e mesmo que as
pessoas acreditassem conhecer a verdade das coisas, deveriam experimentá-
las para realmente saber se era o que pensavam ser. O conhecimento,
elemento essencial para o autor, deveria ser evidente e não alusivo.
Em outro sentido, toma-se “ciência” como conhecimento evidente,
ou seja, quando se diz que sabemos não somente devido ao
testemunho de outros, mas também assentimos, mediata ou
imediatamente, sem que ninguém o conte, por algum
39
conhecimento incomplexo dos termos. Assim, mesmo se ninguém
me dissesse que a parede é branca, eu o saberia vendo a
brancura dela. O mesmo se diga das outras verdades. Nessa
acepção, não temos ciência apenas das coisas necessárias, mas
também de algumas contingentes, quer sejam contingentes
quanto à existência ou não-existência, quer de outra maneira
(OCKHAM, 1973c, p. 342).
Conhecer estava no primeiro plano da vida cotidiana, pois o mundo não
deveria mais, como preconiza Ockham, ser concebido pelos olhos de outra
pessoa, nem ser apenas avaliado sem o conhecimento empírico de tudo aquilo
que poderia ser esclarecido pelos próprios olhos, o que se chamaria de ciência:
“‘ciência’ significa conhecimento evidente de alguma coisa necessária. Não se
conhecessem dessa forma as coisas contingentes, mas os princípios e as
conclusões que delas se seguem(OCKHAM, 1973c, p. 342).
Todas as coisas deveriam ser conhecidas e esclarecidas pela
experiência, pelo conhecer empírico, em conformidade com Ockham. Assim
sendo, o autor propõe uma análise de tudo o que poderia ser compreendido
pelo intelecto, visto que todos poderiam, por meio da inteligência e da
sabedoria, descobrir e conhecer a natureza.
Nesse contexto de descobrimentos e novas experiências, as guerras,
assim como os cavaleiros, estavam deixando de ser os protagonistas da
história para darem lugar àqueles que vinham suprir as exigências criadas
pelos homens da sociedade que estava emergindo.
Lutar contra os inimigos, conquistar terras e defender a sociedade o
mais cumpriam as prioridades que a organização social estava estabelecendo,
pois no momento entremeado aos conflitos, anseios e incertezas calcados nos
indivíduos, despontava o homem preocupado com a reflexão, a
intelectualidade, isto é, aquele que questionava e direcionava os caminhos a
serem seguidos e descobertos.
40
2.5 UM NOVO MODELO EDUCACIONAL
Como mencionamos anteriormente, o cavaleiro que séculos
representou o modelo de homem e de educação para a sociedade foi cedendo
espaço àquele indivíduo que possuía como característica principal o poder de
conhecimento teórico e que influenciava, com suas palavras, o pensamento da
sociedade.
A organização social que vinha, paulatinamente, tomando dimensões de
uma sociedade urbana, comercial e com ambições de desvendar os mistérios
da natureza não demonstrava mais a necessidade da proteção, da valentia e
dos bons modos do cavaleiro, mas sim daquele homem que conseguia, com
conhecimento, reflexões e argumentações, fazer com que seus ouvintes
refletissem e passassem a interpretar as suas dificuldades de vida como um
problema possível de ser solucionado.
Le Goff mostra, em sua obra Os intelectuais na Idade Média, que as
transformações levaram o homem medieval a necessitar de uma nova forma de
pensar e de agir. Desse modo, o autor explica o desenvolvimento de uma
profissão que diferiu de todas as outras existentes no momento, pois, aos poucos,
suscitou nos indivíduos um interesse distinto do que existia na maneira de
analisar e entender o mundo, ou seja, os debates e as dúvidas levavam os
ouvintes a questionarem a possibilidade de conhecer a si próprio e o mundo por
meio da reflexão.
Esses homens, sapientes, denominados professores medievais ou
intelectuais da Idade Média procuravam, nas escolas urbanas do século XII e nas
universidades dos séculos XIII-XIV, apresentar seu pensamento, a maneira como
concebiam a realidade de seu momento. Para tanto, eles buscavam, durante seus
41
discursos, fazer os ouvintes refletirem sobre suas palavras. O ofício desses
homens era ponderar e ensinar o seu pensamento.
No princípio foram as cidades. O intelectual da Idade Média no
Ocidente nasce com elas. É com o seu desenvolvimento, ligado
à função comercial e industrial digamos, modestamente,
artesanal que ele aparece, como um dos homens de ofício que
se instalam nas cidades onde se impõe a divisão do trabalho (LE
GOFF, 1984, p. 11).
Le Goff (1984) mostra que a sociedade almejou interesses divergentes
daqueles do mundo feudal. A profissão do professor, do intelectual, por exemplo,
surgiu das transformações sociais que ocorreram, da mudança do homem do
campo para o homem urbano. Com isso, houve um embate entre os dois modelos
de educação que representavam a velha e a nova ordem social, respectivamente,
o cavaleiro e o intelectual.
Para o intelectual urbano, os combates do espírito, os torneios da
dialéctica substituíram, em dignidade, os feitos de armas e as
façanhas guerreiras [...] É talvez num domínio particularmente
interessante para a sociologia que melhor se exprimiu o
antagonismo entre o nobre-soldado e o intelectual-novo-estilo: as
relações entre os sexos. No fundo do famoso debate entre o
Clérigo e o Cavaleiro, que tantos poemas inspirou, está a
rivalidade de dois grupos sociais perante a mulher. Os goliardos
pensam não poder encontrar melhor argumento para a defesa da
sua superioridade face aos feudais do que gabarem-se do favor
de que gozam junto das mulheres. <<Elas preferem-nos. O clérigo
faz amor melhor do que o cavaleiro>>. Nesta afirmação deve o
sociólogo entrever a expressão privilegiada duma luta de grupos
sociais (LE GOFF, 1984, p. 37).
O modelo de homem-herói, pela sua coragem e ousadia, estava saindo
de cena para dar lugar àquele que se pautava mais na sabedoria do que na
coragem. Ousadia e coragem se confrontaram visando suprir as necessidades
do dia-a-dia; a sabedoria, contudo, ganhava espaço, haja vista que as
atividades comerciais permeavam, além da ousadia e coragem, a reflexão em
primeiro plano. Neste contexto, aqueles que explicavam, questionavam e
debatiam questões consideradas indiscutíveis se destacavam perante a
sociedade. Alguns desses indivíduos desafiavam os ouvintes e punham em
42
prova muitos aspectos que podiam ser vistos ou sentidos e aprovados pelo
intelecto, de forma imediata. Ockham foi um dos mestres que argumentava
sobre a possibilidade de se conhecer as coisas por duas vias: a do
conhecimento complexo e incomplexo.
Todo conhecimento incomplexo de alguns termos, que pode ser
causa de conhecimento evidente a respeito da proposição
composta desses termos, distingui-se especificamente do
conhecimento incomplexo dos mesmos termos, o qual, por mais
que se intensifique, não pode ser causa do conhecimento
evidente acerca da dita proposição [...] mas é certo que o intelecto
pode ter um conhecimento incomplexo tanto de Sócrates como da
brancura, por força do qual não pode conhecer evidentemente se
é branco ou não, como mostra a experiência; mas, além disso,
pode ter um conhecimento incomplexo, por força do qual é capaz
de conhecer evidentemente que Sócrates é branco se é branco
(OCKHAM, 1973a, p. 349).
Conforme a citação acima, Ockham assevera que o é mais possível
entender o mundo pelo imediato ou pelo conhecimento adquirido
abstratamente, pois o momento exigia um entendimento palpável, empírico
sobre as coisas passíveis de serem experimentadas. O exemplo do autor sobre
a brancura e Sócrates revela que o intelecto, de modo imediato, não conseguia
discernir ou apreender o conhecimento complexo (quando o intelecto se e
em contato com a realidade) ou incomplexo (o objeto existe, mas não pode ser
provado de forma empírica). Para Ockham, tudo era singular e tinha um
entendimento específico. Por conseguinte, quando define que Sócrates é
branco, quer dizer que esse é um conhecimento incomplexo, ou seja, sabe-se
que Sócrates é branco, mas não se pode provar de forma experimental.
Guilherme de Ockham, na visão de Gilson (1998), estabeleceu um marco
entre os movimentos que estavam acontecendo e a nova forma de pensamento
que os homens iniciaram após seus ensinamentos.
43
Conforme Gilson, Ockham procurou fazer com que os indivíduos
entendessem que para interpretar a realidade havia duas maneiras: pelo
conhecimento intuitivo ou abstrato, sendo que o intuitivo permitia ver o fato tal
como ele era, mas o conhecimento abstrato não favorecia esse mesmo
entendimento, apenas possibilitava uma dedução por meio da imaginação.
Guilherme de Ockham não se cansa de repetir. O conhecimento
intuitivo é o único que tem por objeto as existências e que nos
permite alcançar os fatos. “Por oposição ao conhecimento
intuitivo”, ele nos diz, o conhecimento abstrato não nos permite
saber que uma coisa que existe, existe, ou se uma coisa que não
existe, não existe; “o conhecimento intuitivo é aquele pelo qual
sabemos que uma coisa é, quando ela é, e que não é, quando
não é”. Daí resulta que o conhecimento sensível é o único certo
quando se trata de alcançar existências. Se vejo um corpo branco,
essa simples intuição me permite imediatamente estabelecer um
vínculo evidente entre esses dois termos e afirmar esta verdade:
este corpo é branco. O conhecimento intuitivo, tal como o
definimos, é, pois, o ponto de partida do conhecimento
experimental: illa notitia este intuitiva qua incipit experimentalis
notitia; melhor ainda, é o próprio conhecimento experimental e é
ele que nos permite formular em seguida, por uma generalização
do conhecimento particular, essas proposições universais que são
os princípios da arte e da ciência (GILSON, 1998, p. 797-798).
Essas questões anunciadas por Ockham são exemplos das
argumentações levantadas pelos mestres medievais nas universidades, e que
possibilitaram alterações de pensamentos e comportamentos. Fundamentar a
realidade de tudo tornou-se o modo mais evidente de enfrentar as dificuldades
encontradas para o desenvolvimento das atividades comerciais do período.
No século XIV, o comércio estava intensificando-se cada vez mais e os
homens corriam em busca de riquezas e bens. A terra, que em um período
anterior representava a expressão de riqueza e de autoridade, estava sendo
substituída pelo poder do dinheiro. O nascimento de uma nova forma de pensar
fez o homem feudal introduzir novos elementos no âmbito educacional,
promovendo transformações nos comportamentos. O cavaleiro, considerado
modelo social, junto com a sociedade tamm sofreu transformações; o
sentimento de ambição passou a fazer parte de sua vida. Com isso, as
44
prioridades que estavam sendo postas nortearam o enfraquecimento dos laços de
vassalagem, levando, de maneira gradativa, a vida cavaleiresca ao declínio.
Algumas dessas mudanças que aconteciam com o cavaleiro e a sociedade
ficam explícitas na novela de cavalaria escrita por Joanot Martorell, intitulada
Tirant lo Blanc, a qual apresenta discussões que mostram as alterações de
comportamento que ocorriam na época. A novela é ao mesmo tempo imagiria e
realista e conduz os personagens a tratarem sobre questões que interpelam a
valorização do cavaleiro, das guerras, das batalhas, e ao mesmo tempo, traz
fortes indícios de um mundo moderno, apresentando novos valores incutidos
nos indivíduos, mas que não estavam totalmente explícitos na sociedade, como,
por exemplo, a ambição aflorada, a cobiça pelo luxo e pelo ouro, o interesse por
títulos nobres, a valorização da reflexão, entre outros. Como assinala Mario
Vargas Llosa no prólogo de Tirant lo Blanc: “Martorell está como que a cavalo
entre dois mundos, e que estes coexistem e se fundem” (VARGAS apud
MARTORELL, 1998, p. XLIX).
Na novela, por meio dos diálogos, percebemos que a razão estava sendo
explicitamente valorizada, dando a entender que o olhar para o mundo deveria ser
pelos olhos da racionalidade e não apenas pela religião ou pela imaginação. Em
determinado capítulo um debate sobre a importância da audácia e da
sabedoria. A discussão torna-se tão profunda que o personagem do imperador
pronuncia um veredicto e o júri situa a audácia como inferior à sabedoria,
considerando que a audácia corresponde a um período de conquistas, de luta e
45
de coragem, e que a sabedoria refere-se à reflexão, a olhar a realidade pelos
olhos da razão.
observando e considerando que a sabedoria é o mais elevado
Dom de Deus e a natureza podem dar à criatura humana, sendo
de maior perfeição e nobreza que todas as virtudes (que dela
provêm e nela se sustentam) que o corpo pode possuir e sem a
qual não subsistem; da mesma forma que o sol ilumina o mundo
todo e dele obtêm luz os planetas e as estrelas, assim é a
sabedoria que domina todas as virtudes e resplandece no mundo
inteiro, sendo por isso chamada de grande senhora. Entretanto, é
grande a necessidade do homem de ter audácia e quando não a
possui, desmerece estima; em vista disso, deve-se a audácia
situar-se logo depois da sabedoria (MARTORELL, 1998, p. 403).
O júri denota que o merecimento da sabedoria faz parte de uma escala
de valores que deve ser seguida e avaliada, pois a audácia não deixava de ser
uma das características mais importantes que o homem deve possuir, porém,
antes de ser audacioso o indivíduo precisava ser sábio e refletir sobre suas
ações e atitudes.
Coadunados com uma nova educação, estavam novos sentimentos e
valores que se apresentavam conforme as prioridades a serem supridas.
Nesse período de transição do mundo medieval para o moderno, floresciam
várias formas de entender e interpretar a vida que se distanciavam do mundo
feudal. As condições existenciais se apresentavam, ainda que de maneira
duvidosa, mas preludiavam interesses e modos de agir e de se portar que
anunciavam uma nova sociedade.
Assim como em qualquer momento de transição, o século XIV, imbuído
de movimentações e mudanças sociais, revela a convivência de dois modelos
de educação para a sociedade, o cavaleiro e o intelectual. Ambos tentavam
fazer prevalecer os seus costumes e os seus comportamentos, travando uma
luta entre a velha ordem (mundo feudal) que tentava se preservar e a nova
46
forma de vida (modernidade) que buscava subsídios para sua estruturação.
Entretanto, como os homens, principalmente devido ao comércio, almejavam
alterações que se pautavam em informações e reflexões sobre o mundo,
paulatinamente o cavaleiro foi perdendo sua posição de modelo social que
demonstrava a bravura, a coragem e a valentia que todo herói possui e
encanta. E o intelectual, por sua vez, foi ganhando admiração pelas palavras,
pelo uso racional em suas ações e debates, provocando o despertar de
comportamentos que vinham ao encontro das exigências que o comércio
priorizava nessa época de transição, isto é, do homem conhecedor do seu
modo de agir, de pensar e destemido para descobrir a natureza.
2.6 AS ATIVIDADES COMERCIAIS DO SÉCULO XIV
O renascimento do comércio, a partir do século XI, acarretou para a
Idade Média transformações profundas nos aspectos social e econômico, pois
com o desenvolver das atividades comerciais e com o convívio urbano criou-se
um afã de aventuras, de luxo e de lucro que, gradativamente, culminou em
preocupações voltadas especificamente para o desenvolvimento do comércio e
para um conhecimento que não se pautava somente nas explicações
religiosas.
A partir da revolução comercial e do desenvolvimento urbano, as
coisas mudam. Por mais fortes que continuem a ser os interesses
religiosos, por mais poderosa que seja a alta hierarquia
eclesiástica, grupos sociais antigos ou novos têm outras
preocupações, têm sede de conhecimentos práticos ou teóricos
diferentes dos religiosos, criam para si instrumentos de saber e
meios de expressão próprios. Nesse nascimento e
desenvolvimento de uma cultura laica, o mercador desempenhou
um papel capital. Para seus negócios, tem necessidade de
conhecimentos técnicos. Por sua mentalidade, visa ao útil, ao
concreto, ao racional. Graças ao dinheiro e ao poder social e
político, pode satisfazer suas necessidades e realizar suas
aspirações (LE GOFF, 1991, p. 103).
47
Ao lutar por seus ideais e aspirações, os homens descobriram uma
liberdade individual ainda não experimentada, ou seja, o comércio possibilitou a
necessidade de outros conhecimentos, como as longas viagens marítimas, as
descobertas de outras culturas e línguas, a posição dos astros no céu e da
natureza de um modo geral. Ademais, todas essas alterações despertaram uma
gama de novos sentimentos ainda não vivenciados pelos homens.
O comércio desenvolveu a ansiedade de descoberta e de conhecimento, gerando a busca de soluções,
preocupações e invenções, na tentativa de suprir as exigências do dia-a-dia. Ao fazer isto, os homens desenvolveram
diferentes maneiras de entendimentos e de ações diante das dificuldades e que, aos poucos, foram sendo
incorporadas à sociedade.
Podemos observar, a partir das manifestações acerca das ões humanas e das mudanças
comportamentais, a forte influência que as transformações econômicas produziram nas sociedades e, em especial, na
sociedade medieval a partir dos séculos XI-XII, visto que as atividades comerciais foram intensificando-se cada vez
mais, culminando na transição do mundo feudal para o moderno. A obra de Pirenne, História Econômica e Social da
Idade Média, traça um perfil dessa influência.
Pirenne (1973) postula que o comércio foi o grande movimento econômico e conseqüentemente social que
mudou a organização da sociedade a fim de realizar seus objetivos, influenciando, inclusive, o pensamento dos
homens, os quais passaram a ter no comércio a única fonte de sobrevivência.
A imigração do campo para as cidades nascentes e a constituição
da classe nova de mercadores e dos artesãos que apareciam na
mesma época, tornar-se-iam incompreensíveis sem um aumento
considerável do número dos habitantes. E tal aumento é ainda
mais notável a partir do século XII, e prosseguirá sem interrupção
até fins do século XIII [...] Disto se originam dois fenômenos
essenciais: de uma parte, o povoamento mais intenso das regiões
mais antigas da Europa; de outra, a colonização, por emigrantes
alemães, das regiões eslavas situadas à margem direita do Elba e
do Saale. Por último, a crescente densidade da população e sua
expansão exterior, coincidem com uma profunda transformação
da sua situação econômica e da sua condição jurídica. Com maior
ou menor rapidez, segundo as regiões, iniciou-se uma evolução
que, mau grado a variedade dos detalhes, não apresenta a
mesma direção geral em todo o Ocidente (PIRENNE, 1973, p. 74).
As relações sociais foram universais; o comércio, ao longo dos séculos,
se expandiu universalmente, e o desenvolvimento econômico, social, político e
intelectual variou nos diversos países europeus:
É indubitável que, no século XIII, a maior parte dos mercadores
que se dedicavam ao comércio internacional não possuíam um
grau de instrução bastante elevado. Talvez se deva, em grande
parte, à sua iniciativa, a substituição do latim por nguas vulgares
48
nos documentos privados. Em todo caso, é sumamente notável
que a dita substituição se tenha iniciado nas regiões mais
adiantadas por seu progresso econômico: a Itália e Flandres.
Sabe-se que à segunda pertenceu o ro mais antigo que se
redigiu em francês. Na Itália, a prática da escrita estava
inteiramente mesclada às vida comercial pelos mercadores que a
escrituração dos livros parece ter sido, se não obrigatória, pelo
menos muito geral no culo XIII. No começo do século XIV,
difundira-se por tôda a Europa (PIRENNE, 1973, p. 129-130).
Conforme Pirenne alega em sua obra, as diferenças comerciais
existentes em cada país apontam a influência que as relações políticas
exerciam sobre o comércio. Na Inglaterra, o governo era nacional e não
encontrava nenhum empecilho dos príncipes feudais, mas mesmo assim as
atividades comerciais da época, segundo o autor, não tiveram o avanço que
poderiam ter tido com relação às condições favoráveis que dispunham. Isso
ocorreu porque, com exceção de Londres, o país podia ser considerado
fundamentalmente agrícola:
A Inglaterra, em compensação, é a única que possui na Europa
um governo nacional, cuja ação se exerce em todo o país sem
encontrar o obstáculo de um feudalismo de príncipes. Esse país
gozou de uma administração econômica superior à de todos os
Estados do Continente. Não obstante, nem a sua indústria nem o
seu comércio souberam aproveitar tão favorável situação. Até
meados do século XIV, apresentou o espetáculo de um país
essencialmente agrícola. Exceto Londres, cujo porto foi sempre
tão ativamente freqüentado pelos comerciantes continentais,
desde o século XI, todas as suas cidades, antes do reino de
Eduardo III, conformaram-se estritamente em satisfazer às
necessidades da sua burguesia e às do campo circundante
(PIRENNE, 1973, p. 157-158).
Além das diferenças políticas, o autor salienta a distinção intelectual
existente em cada país. Para ele, o bom desempenho comercial exigia
algumas diligências que não eram desenvolvidas em todos os países. Os
mercadores deveriam possuir uma certa instrução para que a comercialização
tivesse o desvencilhamento desejado, ou seja, aprender geografia, história, a
ler, a escrever, a fazer cálculos e conhecer outras línguas.
49
O desenvolvimento dos instrumentos de crédito supõe
necessàriamente que os mercadores sabiam ler e escrever. A
atividade comercial dói, sem dúvida alguma, a causa da criação
das primeiras escolas para os filhos dos burgueses. A princípio,
estes tinham freqüentado as escolas monásticas, onde aprendiam
os rudimentos de latim necessários à correspondência comercial.
Mas, é fácil compreender que nem o espírito nem a organização
das referidas escolas permitiam-lhes dar suficiente atenção aos
conhecimentos práticos exigidos pelos alunos que se preparavam
para a vida comercial. Também, as cidades abriram, na segunda
metade do século XII, pequenas escolas que se podem considerar
como o ponto de partida do ensino leigo na Idade Média
(PIRENNE, 1973, p.129).
O comércio espargiu a necessidade de aprender uma forma de se
relacionar com outras culturas. Isso levou os indivíduos a buscarem outros
conhecimentos e adquirirem uma nova educação para conviver socialmente,
assim como se instruírem para administrar suas riquezas e outros procedimentos
necessários à convivência social.
Um novo rigor de relações se estabeleceu e com o aumento da prática
comercial surgiu a condição de estrita convivência entre os homens. Essa
proximidade humana acabou fortalecendo alguns sentimentos adormecidos, como
a ambição, que abarcavam ideais de combatividade, de luta e de conquista, e o
luxo, que com o comércio transformou-se em forma de distinção social, revelando
a riqueza de cada um conforme os aparatos que o ornamentavam, a inveja, que
provocava a ânsia de conseguir ultrapassar limites e a perfídia, que partilhava dos
impulsos, desejos e fantasias que integravam a vida cotidiana. Entretanto, a
paixão e o amor eram os sentimentos mais intensos que se fortificaram com o
convívio próximo e que, em muitos momentos, desordenavam a vida dos
indivíduos.
2.7 AS RELAÇÕES AMOROSAS
Tratar dos sentimentos amorosos vividos no período medieval, o
diferentemente de outras épocas históricas, condiz com as intempéries sofridas
50
pelos homens daquele momento ao desejar algo com tamanha força que
acabavam se deparando com sensações de alegria, dor, sofrimento e a de
morte, pelo singular fato de querer, desejar ou amar.
A questão do querer humano é exemplificada por Ockham quando este
argumenta que essa era uma relação entre o intelecto e as circunstâncias de
tempo e de lugar que se apresentavam ao indivíduo, visto que nada se quer ou se
deseja se não estiver integrado com os elementos que comem tal objeto ou
pessoa a qual se passa a amar.
os motivos que induzem a querer uma coisa e as circunstâncias
nas quais a decisão é concretizada configuram-se como objetos
parciais e secundários do querer: se a vontade de praticar um ato
importa também a vontade de colocá-lo em determinadas
circunstâncias de tempo e de lugar, conclui-se que aquelas
circunstâncias, enquanto queridas, concorrem a determinar o ato
de querer na qualidade de causas eficientes parciais
(GHISALBERTI, 1997, p. 125).
Ockham não menciona diretamente a relação amorosa, mas, segundo ele,
para tudo o que se desejava deveria existir uma colaboração entre o intelecto e a
vontade de querer, desejar ou amar, conhecendo pela razão o que sentia e o que
queria.
Qualquer um experimenta em si que intelige, ama, se deleita e se
entristece que, por ser relativo ao contingente, não pode ser
retirado de proposições necessárias [...] Daí, se o intelecto visse
primeiramente o amor do outro e tivesse certeza desse amor
quanta do seu próprio amor, não haveria inconveniente em que
depois inteligisse o mesmo amor e entretanto ignorasse que ele
existe, ainda que existisse, assim como sucede uma coisa
sensível primeiramente vista e depois pensada pelo intelecto
(OCKHAM, 1973a, p. 349-350).
Os sentimentos que o homem experimentava, sem reflexão, são discutidos
por Ockham. Para o autor, tudo deveria ser pensado e analisado, inclusive as
relações pessoais. Todavia, as diferentes novidades que permeavam o momento
51
confundiam as sensações de paixão, vontade, amor e desejo e levavam os
amantes a uma extrema loucura de revelar os mais nobres sentimentos que
irradiavam a vida.
Discorrer sobre os sentimentos de amor e desejo dos homens no período
em questão induz a uma análise das diferentes formas em que eram
manifestadas essas emoções. O amor não era demonstrado por todos da mesma
maneira, ou seja, a posição que o indivíduo ocupava perante a sociedade
distinguia a maneira como ele concebia esse sentimento.
Para esclarecer melhor essa questão, recorremos à obra Os Contos da
Cantuária, de Geoffrey Chaucer (1991), que retrata o conflito de sentimentos
vividos no século XIV, apresentando as diferentes interpretações sobre a vida
amorosa que ilustravam o contexto social.
Quem inicia os contos é o cavaleiro. O personagem representava a
seriedade, a honestidade e a coragem de enfrentar quaisquer obstáculos que o
mundo apresentava. Ele conta a história de dois jovens, primos e amigos, que se
apaixonaram pela mesma dama e que disputaram seu amor até a morte.
O conto mostra o sofrimento e o desejo de morrer caso não conseguisse
conquistar o grande amor de sua vida. Nada importava, a não ser lutar pelo
coração da bela jovem. Os sentimentos se confundiam entre o amor pela donzela
e a dor de estar sendo traído pelo primo-amigo.
Oh, foste tu, meu caro primo Palamon, o grande vencedor desta
aventura, pois que, ditoso, ficaste na prisão...Na prisão?! Oh, não
jamais no paraíso! Teu o lance de dados da Fortuna: coube a ti
a visão daquela fada, e a mim a sua ausência. Perto dela, não te
será impossível, - que és um cavaleiro valoroso e digno, e
que a sorte muda tanto, - por um acaso feliz conseguir o teu
intento. Mas a mim, exilado e desprovido de todos os favores, em
desespero tal que não há terra ou água ou fogo ou ar, nem
52
criatura formada por esses quatro elementos, que possam
consolar-me ou socorrer-me, ah! Só resta morrer de angústia e de
tristeza. Adeus vida, e desejo, e alegria! (CHAUCER, 1991, p. 22).
Ao mesmo tempo em que o conto expõe a valentia dos cavaleiros que
defendiam seu povo com a própria vida, exibe, tamm, que esse homem
corajoso e audacioso, ao se deparar com o sentimento amoroso e descobrir, de
forma avassaladora, o amor, a paixão e o desejo de estar com a amada a
qualquer custo, sofria e se sentia fraco.
Compartilhando com o cavaleiro o conto de amor, o mercador relatou a sua
história e frisou sua posição com referência ao casamento e às relações
amorosas. Diferentemente do cavaleiro que via no amor o mais puro e eterno
sentimento que o homem poderia conquistar, o mercador vislumbrava essa
ligação como um vínculo que, além de desejo e companheirismo, poderia ser
cheio de proveito e de oportunidade para a conservação e manutenção de seus
bens.
Uma esposa! Santa Maria, que benção! Quem tem ao lado uma
esposa, como pode conhecer a adversidade? Nem sei como
explicar isso! Nenhuma ngua consegue descrever, nenhum
coração pode sentir toda a felicidade que um casal experimenta.
Quando ele é pobre, ela o auxilia no trabalho, cuida do seu
dinheiro, não desperdiça nada; tudo o que o marido quer, também
é de seu agrado; nunca diz não quando ele diz sim. “Faça isto,”
manda ele; e ela responde: “agora mesmo, senhor” (CHAUCER,
1991, p. 195).
Denotamos que na discussão sobre os sentimentos vividos em um mesmo
período, assim como em qualquer outro momento histórico, existem
adversidades. Entre o cavaleiro e o mercador do século XIV, por exemplo, cada
qual demonstrava o amor e a paixão calcados na singularidade de seu ideal de
vida. Diferentemente do mercador que via no casamento um dos principais
auxílios para as questões materiais, o cavaleiro desejava a mulher amada como
companheira, sem priorizar a relação material existente entre os dois. Na novela
53
de cavalaria Tirant lo Blanc, o autor cita em várias passagens que o cavaleiro
priorizava o amor antes da riqueza. Eis o exemplo:
- Vejo com clareza, meu valoroso capitão e filho respondeu-lhe
o imperador -, a vontade incontida que tendes de incrementar e
enaltecer nossa coroa imperial. Reconhecemos também os
muitos serviços e honras que nos prestastes e a todo o Império, o
que nos faz sentir obrigado a vossa imensa virtude. Entendemos
que, ainda vos concedendo o Império inteiro, o prêmio será
insuficiente para vosso merecimento e pelo que nos servistes. Por
isso queremos dar a vós e aos vossos todo o Império agora,
enquanto estamos vivo. Além disso, queremos conceder-vos
nossa filha Carmesina como esposa, se assim o desejar vossa
virtude... [...] Ouvindo as palavras benevolentes do imperador, o
valoroso Tirant atirou-se a seus pés, beijando-os com extrema
humildade e afeto, enquanto dizia:
- Meu senhor: não permita o Poder divino que Tirant lo Blanc,
humilde servidor de vossa majestade, cometa a grande falta de
privar vossa alteza ainda da posse do Império: que me faça antes
encontrar a morte. Entretanto, senhor, se a benemerência de
vossa alteza quiser fazer a grande graça e mer de dar-me a
outra parte, conforme o oferecimento de vossa majestade, eu
apreciarei mais do que se me désseis dez impérios; por ora não
quero mais do que isso e acredito que nem servindo vossa
majestade por toda a minha vida seria eu merecedor de tão
grande prêmio (MARTORELL, 1998, p. 796).
Na passagem acima, é mister compreendermos que o cavaleiro não se
mostrava inerente às modificações que estavam ocorrendo, ou seja, às alterações
que se voltavam à conquista de riquezas e que estavam despertando, com mais
vivacidade, os sentimentos de ambição e de poder, porém o cavaleiro, por
representar os valores da “velha” ordem, não valorizava as coisas materiais como
essenciais em sua vida, mas sim os sentimentos que enalteciam os homens pela
sensibilidade, pela coragem e pelo cavalheirismo.
Podemos apresentar, tamm, o exemplo do Conto do Magistrado da obra
de Chaucer, a qual relata, com fulgor, a triste história de uma donzela que, por
causa do amor que um sultão lhe devotou, sofreu em demasia para sobreviver às
maldades do mundo. As artimanhas da história relatam as dificuldades que os
54
homens enfrentavam e a confiança que deveriam devotar a Deus para conseguir
superar os obstáculos encontrados.
O magistrado inicia seu conto com uma poesia, na qual ele reclama da
pobreza, mostrando que a riqueza diferenciava as pessoas e as coisas “boas” que
a vida oferecia. Ele comenta sobre os mercadores que ganhavam dinheiro,
veneração e que conquistavam os mares, conhecendo lugares, povos e fazendo
com que o homem de posses fosse respeitado, além das notícias que esses
indivíduos traziam e das descobertas que realizavam.
Pobreza odiosa, oh triste condição!
É fome e frio e sede misturados!
Pedir auxílio é grande humilhação;
Não pedir, é sentir nos teus costados
A chaga expostas dos necessitados!
Quem vive na indigência que desola
Toma emprestado, ou rouba, ou pede esmola!...
[...] As palavras do sábio ouve e sopesa:
“Melhor morrer que à fome estar sujeito”;
“O teu próprio vizinho te despreza”.
Se fores pobre, adeus todo respeito!
Por isso é que há também este preceito:
“Aos pobres todo dia é um desaponto”.
Cuidado, pois! Não chegues a esse ponto!
Se acaso és pobre, teu irmão te odeia,
Evitam-te os amigos... Ai, coitado!
Oh mercadores, com a bolsa cheia,
Nobres e hábeis, bem outro é vosso fado!
Não tirais só um ponto em cada dado,
Mas cinco e seis, ganhando sempre mais.
Por isso, alegre, no Natal dançais!
Por terra e mar buscais vossas divícias;
55
Os reinos conheceis, ponto por ponto
Vós sois os portadores de notícias
E de histórias de paz e de confronto.
Eu mesmo não teria agora um conto,
Se um mercador, nem sei de que lugar,
Não me houvesse ensinado o que contar (CHAUCER, 1991, p.
71-72).
Quando o magistrado se refere ao bio, conclamando este para ouvir
suas palavras, é como se ele dissesse para os homens acolherem as instruções
daquele que interpretava as objeções que estavam postas na vida dos indivíduos,
e que suas instruções poderiam amenizar ou ajudar a conquistar seus objetivos.
Desse modo, as palavras do magistrado corroboram as transformações
educacionais que estavam ocorrendo, nas quais a educação passava por
alterações de pensamento e de organização. O sábio, o intelectual era aquele que
com suas instruções e seus conhecimentos teóricos auxiliava a refletir acerca das
descobertas e conquistas materiais, consideradas essenciais para a
sobrevivência na época.
Após o prólogo acima do Conto do Magistrado, o autor passa a discorrer
sobre dramática história de amor que Constância, linda donzela que detinha as
mais nobres qualidades valorizadas na época, enfrentou para sobreviver aos
acalentos maldosos que a vida lhe oferecera.
Os contos da obra de Chaucer tratam de amor, dos diferentes desígnios
que as relações amorosas poderiam realizar; contudo quase todas as narrações
trazem, também, como tela de fundo, a vida do homem que comercializava, que
tratava dos seus negócios e que lutava para conquistar riquezas.
Essas questões muitas vezes se mostravam confusas por o
incorporarem todas as alterações que aconteciam naquele momento de transição,
56
e, ao mesmo tempo, definiam comportamentos que traziam a certeza de uma
sociedade que se diferençava do mundo medieval. As mudanças de pensamentos
e de comportamentos, como podemos identificar na obra de Chaucer, revelavam
uma organização social interpelada por sentimentos exacerbados e um ideal
voltado para a riqueza, por meio das atividades comerciais.
O mundo se encantava com aquele ir e vir que o comércio proporcionava,
ultrapassando as fronteiras da abstração, do medo, do conhecimento, da
contemplação e rompendo com o conformismo relacionado à posição social
ocupada pelos homens e que, até então, era justificada por Deus. Para tratar
melhor desse aspecto, citamos uma das discussões de Huizinga (1978) a respeito
do poder e da ambição. O autor discute os sentimentos ressaltados com a
expansão do comércio e enfatiza que apesar de essas duas aspirações – poder e
ambição ainda serem consideradas como pecado, anunciavam uma nova
interpretação do mundo.
O poder não está ainda predominantemente associado ao
dinheiro; é antes inerente à pessoa e depende de uma espécie de
temor religioso que ela inspira; faz-se sentir pela pompa e
magnificência ou pelo numeroso séquito de partidários fiéis [...] A
ambição, por outro lado, nem tem esse caráter simbólico, nem
aquelas relações com a teologia. É um puro pecado mundano, o
impulso da natureza e da carne. No fim da Idade Média as
condições do poder alteram-se pelo acréscimo da circulação da
moeda e o ilimitado campo aberto a quem quer que desejasse
satisfazer a sua ambição de amontoar riqueza. Para esta época a
cobiça torna-se o pecado predominante. A riqueza não tinha
adquirido ainda a feição impalpável que o capitalismo, baseado no
crédito, lhe daria mais tarde (HUIZINGA, 1978, p. 28).
Huizinga (1978) discorre sobre as diferenças econômicas que estavam
acontecendo na transição do feudalismo para o capitalismo, assinalando as
mudanças que ocorriam socialmente quando os indivíduos buscavam a riqueza
por intermédio das atividades comerciais e despertavam sentimentos que
compartilhavam com a nova forma de vida que prevalecia.
57
Com isso, as duas realidades, o mundo feudal e o moderno, travaram um
embate, cada uma procurando fazer predominar os seus valores. Todavia, como
todo processo em mudança, as instâncias sociais, paulatinamente, foram
sofrendo alterações e a educação, a fim de acompanhar o modo de
comportamentos, de costumes e de habilidades gerado pelos homens, mas que
ainda estava se estruturando, procurou formar o homem ideal para a nova
sociedade que procurava se estabelecer. No século XIV, as exigências
priorizavam diferentes segmentos sociais daqueles valorizados pelo feudalismo e
o conhecimento acerca de tudo aquilo que pudesse levar o homem a entender o
universo e a si próprio estava pautado na prioridade do dia-a-dia.
Essas considerações gerais, apresentadas neste capítulo em relação ao
processo de mudança no período de transição do século XIV, nos levam a
considerar o autor em estudo, Guilherme de Ockham, como um dos principais
intelectuais que apresentou suas idéias e compreendeu as alterações que
ocorriam em sua época. Ockham expõe, em seus discursos, os diversos assuntos
que poderiam, se bem interpretados, ultrapassar as barreiras postas pelo embate
das duas ordens sociais que estavam vigorando. Segundo o autor, o
conhecimento que vinha sendo prescrito como verdadeiro não comportava mais a
necessidade que os indivíduos estavam impondo para sua vida prática. Por isso,
Ockham trata de um conhecimento único que, por meio da experimentação,
poderia ser conhecido e entendido em sua unicidade.
“unívoco” significa um conceito comum a muitas coisas sem
semelhança alguma, seja substancial, seja acidental. Nessa
acepção, todo conceito que convém a Deus e à criatura é unívoco
em relação a eles, apesar da falta de semelhança, pois
absolutamente nada, nem intrínseco nem extrínseco, é da mesma
espécie em Deus e na criatura (OCKHAM, 1973j, p. 387).
As suas discussões contradizem a teoria dos universais que revelavam
uma semelhança generalizada entre os seres. Para Ockham, isso se tornava um
conhecimento confuso, e a singularidade das coisas deveria ser analisada na sua
individualidade e tamm na sua semelhança, fazendo entender que, apesar de
58
alguns indivíduos pertencerem a uma mesma classe, existiam características
individuais que os diferenciavam. O autor apresenta como exemplo “o homem e o
anjo coincidem no conceito de substância como um conceito unívoco, porque,
embora não convenham em alguma coisa intrínseca, coincidem em algumas
coisas extrínsecas, tendo alguns acidentes da mesma natureza, como sejam a
intelecção e a volição” (OCKHAM, 1973j, p. 387).
Desse modo, podemos perceber que as críticas de Ockham se
fundamentavam em vários aspectos educacionais que embasavam o período em
que as prioridades sociais não tinham como finalidade maior a descoberta por
meio do conhecimento empírico e visual de todas as coisas na sua singularidade.
Ockham professou que a filosofia seguida para o esclarecimento e
entendimento das coisas, ou seja, a visão universalizante de mundo já não
correspondia àquela sociedade na qual ele estava inserido. Com isso, Ockham
anunciava, com seus diálogos-debates, inovações para um caminho que
partilhava com os interesses de uma nova ordem social. Discutiremos sobre
essas questões no próximo capítulo, procurando compreender as conseqüências
causadas pelas apreciações de Guilherme de Ockham sobre a filosofia
escolástica, criando um choque de pensamentos entre os universalistas e os
nominalistas.
59
3 ALGUMAS QUESTÕES ENTRE OS UNIVERSAIS E OS
NOMINALISTAS SOB A VISÃO DE GUILHERME DE OCKHAM
No presente capítulo, trataremos de alguns aspectos relacionados aos
universais
5
e aos nominalistas
6
, com a intenção de mostrar que as duas correntes
filosóficas fundamentaram momentos históricos, cada um deles buscando explicar
e sustentar sua visão de mundo, de realidade. Desse modo, procuraremos
analisar a relação existente entre uma vertente e outra, fomentadas pelas
discussões realizadas por Guilherme de Ockham no século XIV.
Para analisarmos os questionamentos de Ockham, devemos, a princípio,
compreender que o surgimento do pensamento dos universais foi conseqüência
das transformações que ocorriam na sociedade desde a implantação do
feudalismo, em meados do século X, com as cidades, o comércio, e no século XIII
com a institucionalização da Universidade. Com essas mudanças, assistimos ao
coroamento do pensamento escolástico. Segundo Oliveira, a escolástica esteve
presente na forma de ensino durante toda a Idade Média; entretanto, principiou a
influenciar decisivamente a maneira de ser dos homens a partir dos séculos XI e
XII, primeiramente com Santo Anselmo e posteriormente com Pedro Abelardo,
mas cristalizou-se com as universidades, especialmente com Tomás de Aquino,
no século XIII.
Se o século XIII foi o século das universidades, como assevera Le Goff, foi
tamm, indubitavelmente, o século da Escolástica, o século do grande mestre
Tomás de Aquino. Afirma Oliveira que,
5
Do ponto de vista ontológico, o universal é a forma, ou a idéia, ou a essência que pode ser participada por
muitas coisas e se refere à natureza das próprias coisas. O universal é a forma ou espécie de Platão ou a
forma ou a substância de Aristóteles. Numa perspectiva lógica, segundo Aristóteles, o universal é “o que
pode ser, por sua natureza, predicado de muitas coisas” (De int 7, 17 a 39). Essa definição foi aceita em
geral. A disputa medieval girou em torno da questão ontológica (ZILLES, 1996, p. 72-73).
6
a) o nominalismo considera os termos que designam idéias gerais como “animal” e “homem”, como meras
palavras ou nomes sem existência real, que apenas resultam da abstração feita pelo intelecto a partir da
percepção de coisas individuais. O nominalismo nega a existência, tanto mental como extra mental, do
conceito universal, reduzindo-o a um nome (nomen, flatus vocis) (ZILLES, 1996, p. 75).
60
Aquino, homem de sua época e, por isso, um dos maiores
expoentes do pensamento cristão ocidental do século XIII, o
passou ao largo das transformações que a sociedade medieva
sofria. Antes, percebendo que os novos valores impostos pelo
comércio, pelas cidades e pelo conhecimento das Universidades
não permitiriam explicações estritamente religiosas das coisas
humanas e divinas, buscou nas grandes autoridades do passado
a fundamentação teórica necessária para entender e explicar aos
homens de seu tempo Deus, a ciência, a razão, o intelecto, o
governo dos homens e o pecado, dentre outros assuntos. Assim,
não por acaso, sua base teórica foi Agostinho e Aristóteles. Ao
retomar as formulações desses dois grandes mestres do
conhecimento ocidental, Aquino legitima o poder da Igreja e
afirma a importância do homem na terra (OLIVEIRA, 2005, p. 42).
Os debates de Tomás de Aquino ficaram eternamente no pensamento da
modernidade. Com efeito, suas obras Suma Teológica, Suma contra os Gentios e
seus Escritos Políticos permanecem até nossos dias como indispensáveis ao
conhecimento da filosofia, da educação ou da história. Ele foi, sem sombra de
dúvida, um dos maiores responsáveis pela difusão do pensamento aristotélico no
Ocidente. Apresentamos um trecho de sua obra:
E, todavia, o homem, por natureza, animal sociável e político,
vivendo em multidão, ainda mais que todos os outros animais, o
que se evidencia pela natural necessidade. Realmente, aos
outros animais preparou a natureza o alimento, a vestimenta dos
pêlos, a defesa, tal como os dentes, os chifres, as unhas ou, pelo
menos, a velocidade para a fuga. Foi, porém, o homem criado
sem a preparação de nada disso pela natureza, e, em lugar de
tudo, coube-lhe a razão, pela qual pudesse granjear, por meio
das próprias mãos, todas essas coisas, para o que é insuficiente
um homem . Por cuja causa, não poderia um homem levar
suficientemente a vida por si. Logo, é natural ao homem viver na
sociedade de muitos (TOMÁS DE AQUINO, 1995, p. 127).
O início dessa afirmação de Tomás de Aquino encontra-se em Aristóteles,
na obra Política, no primeiro capítulo do Livro I. Esse grande pensador grego
postula: “o homem é por natureza um animal social [...] é evidente que o homem,
muito mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social”
(ARISTÓTELES, 1985, p. 15). A semelhança entre a passagem de Tomás de
Aquino e a de Aristóteles é evidente. À época de Tomás de Aquino, o trato das
questões humanas não poderia mais ser fundamentado somente na fé. Era
necessário mostrar aos homens que existia na natureza humana, desde sempre,
61
uma razão que os levava a viver em sociedade. Daí a necessidade de se retomar
o pensamento aristotélico. Era preciso buscar no passado antigo os elementos
que permitiriam aos homens reordenar suas vidas. Era no passado que se
encontrava o entendimento dos fenômenos da natureza e das relações sociais. A
religião, por si só, não era mais suficiente para explicar o emaranhado de relações
que as cidades, as universidades, a corte e as corporações de ofícios trouxeram.
Era preciso buscar nos pensadores antigos um caminho, um exemplo, para que
os homens do século XIII prosseguissem suas trilhas. A respeito da escolástica, o
Nunes pontua (1979):
A escolástica foi um todo de pensamento e de ensino que
surgiu e se formou nas escolas medievais e se plasmou de modo
inexcedível nas universidades do século XIII, máxime através do
magistério e das obras de São Tomás de Aquino. O termo
escolástica, porém, significa ainda o conjunto das doutrinas
literárias, filosóficas, jurídicas, médicas e teológicas, e mais outras
científicas, que se elaboraram e corporificaram no ensino das
escolas universitárias do século XII ao culo XV (NUNES, 1979,
p. 244).
Os séculos XIII e XIV demarcam discussões e interpretações relacionadas
à proposta de conhecimento anunciada pelos escolásticos e esse período foi
ilustrado por alguns filósofos que se contrapuseram, em alguns pontos, com os
autores clássicos que marcaram o prelúdio da teoria dos universais. Na
Universidade de Oxford, Inglaterra, Robert de Grosseteste, Roger Bacon e,
posteriormente, John Duns Scot desenvolveram um trabalho sobre as explicações
dos fenômenos naturais. Segundo eles, a escolástica era insuficiente para
explicar a natureza das coisas, como sugere Mattos (1979):
Enquanto em Paris a filosofia escolástica atingia seu ponto maior
de desenvolvimento com a síntese tomista entre as verdades da
revelação bíblica e os conceitos da razão aristotélica, no
arquipélago britânico o pensamento medieval trilhava rumos bem
diferentes. Radicados numa experiência de vida à margem da
Europa ocidental não obstante todos os pontos comuns –, os
ingleses seguiram caminho próprio no domínio das idéias, como
se através delas tentassem expressar suas peculiaridades
econômicas, sociais e políticas e seus desejos de afirmação
autônoma, diante das pretensões universalizantes do pensamento
continental, romanizado.
62
Dentro dessa perspectiva mais ampla, pode-se compreender
melhor o trabalho desenvolvido na Universidade de Oxford, no
século XIII, particularmente por Robert de Grosseteste (1168-
1253) e Roger Bacon (1214-1294). O primeiro aplica a linguagem
matemática à explicação dos fenômenos naturais e o segundo
defende o primado da experiência, inclusive no campo religioso;
ambos repelem a abstração e a sologística, considerando-as
insuficientes para que o homem seja capaz de compreender as
coisas [...] Igualmente dentro dessas coordenadas de contestação
da escolástica e de abertura de novos caminhos situa-se a obra
de John Duns Scot, nascido na Escócia, por volta de 1270, e
falecido prematuramente em 1308 (MATTOS apud SANTO
ANSELMO,1979, p. 237).
A continuação do pensamento desses filósofos, que iniciaram um embate
teórico sobre o pensamento universal, deu continuidade e amplitude de discussão
com Guilherme de Ockham. Este, além de criticar a política, realizou discussões
filosóficas que levavam à reflexão o da política, mas de todos os termos
utilizados e, também, a investigação de tudo aquilo que não era compreendido
pela experiência, pelo conhecimento intuitivo. Ockham procurou mostrar que o
conhecimento proposto pelos universais o era suficiente para interpretar e
conhecer o mundo, pois para ele o entendimento que os universais propunham
ficava somente na abstração, no intelecto, o que não era o bastante para
identificar o real do imaginário. Camastra alega que:
A convicção que caracteriza cada ser pela não repetição (falta de
repetição) e unicidade (singularidade) do seu ser natural, e a
redução dos conceitos para os simples mas rigorosos sinais
unívocos (homônimos) de uma pluralidade de coisas, levam
Ockham a tomar decididamente distancia de qualquer forma de
essencialismo gnosiológico e a reorganizar drasticamente a
metafísica e os seus procedimentos analógicos e
apressadamente generalizados. A relação lógica entre os
conceitos, trabalho (ou obra) difícil e constantemente (ou
perenemente) em construção, enquanto toma rigorosamente os
movimentos do individual ou do imediato fenômeno datita”,
substitui as abstratas, analógicas e substânciais generalizações
da metafísica. A ciência da natureza vem a ser um discurso
sempre em construção, no qual o procedimento analítico e
rigorosamente descritivo justifica, intuitivamente ou através do
imediato dado impírico e individual, do porquê, universal e
necessário, das coisas no seu ser natural. A relação de causa e
efeito é verdadeiramente natural, é convalidado das intuições do
intelecto e não deve ser considerado uma estrutura metafísica da
63
realidade. Para Ockham entre o como e o porq das coisas, no
plano do conhecimento racional, não existe nenhum descarte: a
causalidade natural vem imediatamente do fenômeno, coincide
espontaneamente com a coisa assim como se manifesta, e é
generalizável ou universal e partindo da inicidade e da não
repetição dos seres naturais.( CAMASTRA, 1999, p. 19-20).
7
Em conformidade com o autor, não bastava um conhecimento geral dos
termos. Era necessário averiguar com precisão os detalhes que compunham
esses assuntos. Para ele, de um único termo poderia derivar vários outros. Logo,
tinha de haver uma compreensão de seu verdadeiro significado. Neste sentido, as
discussões de Ockham estariam também prosseguindo as discussões de
Abelardo acerca dos universais e dos nominalistas. Para Ockham, como fora para
Abelardo, era preciso nominar e justificar a existência de todas as coisas, pois
embora todas as coisas existentes viessem do universal havia, em cada uma
delas, uma particularidade individual que a definia enquanto elemento singular,
daí a necessidade da ciência investigar cada uma das coisas da natureza e
nomeá-las.
Além disso, ninguém poderia garantir que o conhecimento abstrato de um
indivíduo seria semelhante ao do outro, ou seja, o universal (predicável de alguma
coisa) era uma intenção mental que poderia ser derivada de várias outras coisas.
Essa questão era explicada pela razão. Por exemplo, se o universal fosse uma
7
La convinzione che ogni ente è caratterizzato dalla irripetibilità e dalla unicità del suo essere
naturale, e la reduzione dei concetti a semplici ma rigorosi segni univoci di uma pluralità di cose,
portano Ockham a prendere decisamente le distanze da qualsiasi forma di essenzialismo
gnoseologico e a ridimensionare drasticamente la metafísica e le sue procedure analogiche e
affrettatamente generalizzanti. La relazione lógica fra i concetti, opera faticosa e perennemente in
costruzione, in quanto prende rigorosamente mosse dall’individuale ovvero dalla datitã
fenomênica immediata, sostituisce lê astratte, analogiche e sostanzialistiche generalizzazioni della
metafísica. La scienza della natura diviene um discorso sempre in costruzione, nel qual ela
procedura analítica e rigorosamente descrittiva giustifica, intuitivamente ovvero tramite
l’immediatezza dela dato empírico e individualle, il perché, universale e necessário, delle cose nel
loro essere naturale. Il rapporto di causa ed effetto è vero naturaliter, è convalidato dalle intuizioni
dell’intelleto e non deve essere considerato uma struttura metafísica della realtà. Per Ockham fra il
come e il perché delle cose, sul piano della conoscenza razionale, non esiste scarto alcuno: la
causalità naturale è um portato immediato del fenômeno, cincide spontaneamente com la cosa
cosi come si manifesta, ed è generalizzabile ovvero universale e partire dall’unicità e irripetibilità
degli enti naturali (CAMASTRA, 1999, p. 19-20).
64
substância singular, ele não derivaria de nada, seria distinto de qualquer outra
coisa.
Neste âmbito, se os indivíduos fossem singulares, eles não derivariam de
nada. Desse modo, a vida humana se resumiria em um ser criado por Deus, e
desse ser não resultaria mais nenhum outro, ou seja, ele seria único e distinto de
todos os demais seres criados por Deus.
nenhum indivíduo poderia ser criado, mas alguma coisa do
indivíduo preexistiria, porque ele não tiraria todo o seu ser do
nada, se o universal que nele existisse antes do outro. Pelo
mesmo motivo segue que Deus não poderia aniquilar um
indivíduo de uma substância sem destruir os outros indivíduos:
porque, se aniquilasse algum indivíduo, destruiria tudo quanto é
da essência do indivíduo, e por conseguinte destruiria aquele
universal que existe nele e nos outros, não ficando portanto os
outros, pois não poderiam permanecer sem sua parte, que é no
caso aquele universal (OCKHAM, 1973a, p. 356).
Ockham intenciona mostrar que uma ciência era diferente da outra, ou
seja, a teologia diferia no entendimento das ciências naturais, haja vista que a
teologia levava os indivíduos a conhecerem pela fé, abstração, enquanto a
filosofia fazia com que pairassem vidas, questionamentos sobre o que fosse
real e imaginário. No entanto, para o filósofo, o haveria necessidade de uma
ciência se distanciar da outra para a compreensão da natureza, porque o
discernimento de uma e de outra, por meio da razão, facilitaria o entendimento de
que algumas coisas poderiam ser vistas e compreendidas empiricamente,
enquanto outras deveriam ser entendidas e acreditadas somente pelos olhos da
abstração.
Os escritos e as aulas de Ockham propuseram uma nova forma de
entendimento de mundo. Com suas argumentações, o autor conseguiu fortalecer
sentimentos que emergiam na sociedade do período. A nosso ver, ele apreendeu
os anseios e as transformações vividas pelos homens, expressando, em seus
ensinamentos, a possibilidade de conhecer a singularidade dos objetos. Ockham
propôs um conhecimento coadunado com a experiência direta sobre tudo o que
65
se podia conhecer empiricamente. Essas alterações educacionais, conforme
Ghisalberti salienta na obra “Guilherme de Ockham”, foram, aos poucos,
estimulando um embate entre Ockham e as propostas de educação que
prevaleciam há séculos pelos universalistas.
O contexto no qual Ockham estava inserido era de muitas mudanças e
alterações, o que o levou a analisar e a demonstrar algumas diferenças
relacionadas às afirmações que os universais acreditavam como explicação para
o mundo. Antes de Ockham, havia a convicção de que a ciência estabelecia uma
relação direta com o universal, ou seja, que os homens, assim como todas as
coisas da natureza, eram semelhantes, no sentido de que tudo advinha da criação
de Deus e que, além de haver essa identificação universal, cada espécie possuía
algo em comum, que poderia ser classificado como idêntico e também universal e
que, por sua vez, estava fundamentado na realidade e poderia ser predicado de
várias coisas. Citemos um exemplo de Zilles: “Assim o conceito universal é o
resultado de reunir, numa representação mental, o que de estável e
permanente nas coisas (essência), prescindindo do mutável e contingente. Por
isso o conceito universal é aplicável a todos e a cada um dos singulares naquilo
em que coincidem” (ZILLES, 1996, p. 74).
O conceito universal era centrado no conhecimento abstrato, mental e os
estudos que buscavam explicações do universo, da natureza estavam pautados
nas obras de autores que analisavam Deus como fundamentação de tudo e de
todos e que o entendimento terreno poderia ser concebido pelos olhos do
Criador e pelas explicações divinas. As discussões provocadas pelos mestres
medievais, as quais provocavam dúvidas e debates, estavam voltadas para
reflexões e argumentações centradas na perspectiva religiosa.
O conhecimento dado pela era o primórdio das incitações provocadas
pelos mestres escosticos nos alunos para estes pensarem e refletirem sobre
diversos temas. A importância da vida terrena posta como um bem dado por Deus
66
era a prerrogativa de que existia a vida eterna. Neste sentido, conhecer pela e
entender o mundo pelas explicações divinas tornavam-se o crivo dos embates
dialéticos realizados nas universidades medievais. De acordo com Grabmann
(1949), as discussões ocorridas sobre a metafísica eram o esteio das explicações
sobre os termos universais, do conhecimento dado pela abstração:
A entusiasta dedicação à especulação teológica produzia
naturalmente o gosto e a inclinação pela Metafísica. Não é
possível uma ciência do sobrenatural sem uma ciência da
supersensibilidade. [...] A Metafísica é o firme alicerce da Teologia
especulativa, e reina com plenitude no templo da doutrina sacra .
Pôde também servir a Dialética para ordenar e dar forma a cada
uma das partes do edifício: mas aqueles teólogos
especulativos que tinham pensamento e conhecimentos
metafísicos puderam aspirar a uma extensa influência, a uma
poderosa ação de conjunto. A priori se pode, pois, afirmar que a
filosofia escolástica, nascida sob o influxo da concepção
fundamental da vida terrena que teve a Idade Média, pôde
ostentar antes de mais nada o lado metafísico [...] Com esta
dedicação à Metafísica se marca a direção para o real e objetivo,
para o universal, para a quidditas, para a essência que o
pensamento abstrai da realidade concreta, e para o conteúdo e
valor puramente espiritual. Neste culto do metafísico e
transcendente, o individual e pessoal não é estimado como o é,
mais tarde, na filosofia do Renascimento (GRABMANN, 1949,
p.45)
8
As questões suscitadas pelos mestres medievais e que levavam os alunos
a refletirem e analisarem com perguntas e dúvidas passavam pelo apreço das
obras de Platão, Aristóteles, Cícero, Porfírio, Boécio, dentre outros autores que
influenciaram o método de ensino escolástico.
8
La entusiasta dedicación a la especulación teológica producia naturalmente el gusto y la
inclinación por la Metafísica. No es posible uma ciência de lo sobrenatural sin uma ciência de lo
suprasensible. [...] La Metafísica es el firme cimiento de la Teologia especulativa, y reina com
plenitud em el templo de la doctrina sacra. Pudo también servir la Dialéctica para ordenar y dar
forma a cada uma de lãs partes del edifício: pero solo aquellos teólogos especulativos que tenian
pensamiento y conocimientos metafísicos pudieron aspirar a um extenso influjo, a uma poderosa
acción de conjunto. A priori se puede, pues, afirmar que la filosofia escolástica, nacida bajo el
influjo de la concepción fundamental dela vida terrenal que tuvo la Edad Media, debió estentar
ante todo um sello metafísico [...] Con esta dedicación a la Metasica se marca la dirección hacia
lo real y objectivo, hacia lo universal, hacia la quidditas, hacia la esencia que el pensamiento
abstrae de la realidad concreta, y hacia el contenido y valor puramente espiritual. Em este culto de
lo metafísico y transcendente, lo individual y personal no es estimado como lo es, más tarde, em la
filosofia del Renacimiento (GRABMANN, 1949, p. 45).
67
Para as discussões ocorridas nas universidades medievais, os mestres
utilizavam dois elementos de pensamento como técnicas de trabalho e de ensino:
a auctoritas e a ratio. Esses fatores, assim denominados por Ruy Nunes,
proporcionaram o desenvolvimento do método escolástico e propiciaram uma
relação entre a Teologia e a Filosofia. Ruy Nunes analisa esse método
argumentando que
A escola medieval é principalmente, no seu período áureo, a
escola superior, a universidade; utiliza autores especiais, trabalha
com os seus textos prediletos. Assim, auctoritas em teologia é o
ensinamento da Igreja, é o texto da Sagrada Escritura, são obras
dos Santos Padres e as Atas dos Concílios. Em filosofia, são as
obras de Aristóteles, os livros de Boécio e de Santo Agostinho,
etc. Na área de direito, a auctoritas são livros do Corpus Iuris
Civillis, e em medicina, as obras de Hipócrates e Galeno, dos
médicos árabes e judeus. A ratio, por sua vez, vem a ser a razão
humana, isto é, o uso constante do raciocínio, a prática da
reflexão filosófica, a disposição do pensamento em
argumentações silogísticas, o recurso à dialética, o gosto das
discussões. Se o escolástico trabalha com textos e se ampara nas
autoridades, ele confia igualmente no poder da razão, investiga as
regras do pensamento racional e as aplica às suas investigações
filosóficas e só admite uma conclusão depois de maduro o exame,
de acirradas discussões e de completa demonstração com o
emprego de silogismos (NUNES, 1979, p. 245-246).
Como assevera Ruy Nunes, auctoritas e ratio representavam a discussão
entre a Teologia e a Filosofia, respectivamente, mostrando que com a dialética
surgiu a possibilidade de haver questionamentos sobre o conhecer divino. Os
mestres da Escolástica levavam os alunos a pensar reflexivamente sobre as
questões postas pelos grandes autores da Antigüidade, fazendo-os refletir pelos
olhos da razão, sobre os textos em debate.
Auctoritas e ratio faziam uma relação harmônica entre a reflexão racional,
filosófica e os temas considerados sagrados e indiscutíveis, mas que, inseridos
nas mudanças educacionais da época possibilitaram, gradativamente, que os
mestres escolásticos os questionassem e debatessem, por meio do método
68
dialético. Para Grabmann (1949), a relação existente entre a auctoritas e a ratio
se dava como um equilíbrio entre os autores escosticos que realizavam suas
apreciações tanto no campo da quanto no campo da racionalidade, mostrando
que havia possibilidades de discussões e dúvidas sobre questões estabelecidas
como sagradas e indiscutíveis.
Os verdadeiros mestres da Escolástica têm procurado guardar-se
teórica e praticamente de ambos extremos: eles se equilibram a
auctoritas e a ratio. Juan de Salisbury, por exemplo, aprecia em
alto grau a auctoritas, a continuidade e a tradição científica e se
apóia para ele em uma sentença de Bernardo de Chartres. O
mesmo escritor costumava dizer que somos anões elevados
sobre os ombros de uns gigantes. Se vemos mais e a maior
distância do que eles, não é porque nossos olhos tenham maior
potência visual, nem porque sejamos maiores, mas sim porque
nos elevamos nas alturas servindo-nos da grandeza do gigante
(GRABMANN, 1949, p. 47-48).
9
Ainda para Grabmann (1949), a possibilidade de debates sobre autores
consagrados foi ocasionada pelo respeito que alguns mestres medievais
dedicavam aos seus antecessores e pela visão de mundo que estes possuíam.
Não obstante, para o autor esse foi o eixo de florescimento da Escolástica,
possibilitando um olhar expansivo e compreensivo ao pensamento realizado com
reflexão e, assim, provocando diferentes especulações e interpretações da
própria vida.
O olhar crítico e especulativo que veio, aos poucos, desencadeando uma
série de dúvidas nos indivíduos fez com que no século XIV Guilherme de Ockham
pudesse levantar diversas interrogativas sobre as explicações proporcionadas
pelos universais. Em desacordo com os conhecimentos embasados apenas nas
9
Los verdaderos maestros de la Escolástica han procurado guardarse teórica y prácticamente de
ambos extremos: em ellos se equilibran la auctorias y la ratio. Juan de Salisbury, por ejemplo,
aprecia em alto grado la auctoritas, la continuidad y la tradición científica y se apoya para ello em
uma sentencia de Bernardo de Chartres. El mismo escritor solía decir que somos enanos
encaramados sobre los hombros de unos gigantes. Si vemos más y a mayor distancia que ellos,
no es porque nuestros ojos tengan mauor potencia visual, ni porque seamos más grandes, sino
porque nos hemos elevado a lãs alturas sirviéndonos de la grandeza del gigante (GRABMANN,
1949, p. 47-48).
69
explicações abstratas, divinas, Ockham faz restrições quanto a esse entender e
conhecer a natureza, o universo. Ele buscou rias disposições que
desagregavam o conhecer da filosofia universalista e mostrava diferentes pontos
que desalinhavam o entendimento de mundo pelos olhos da pluralidade.
De acordo com Ockham, para conhecer era preciso distinguir as
particularidades existentes em cada ser. Portanto, para o autor, o termo universal
caracterizava um conhecimento que não exprimia a veracidade das coisas que
podiam ser inteiramente experimentadas e entendidas. A discussão sobre essas
questões, embasadas principalmente nas obras de Ockham, abordam algumas
afirmações que este autor utilizou para provar que a experiência, o conhecer
empírico era necessário para atender às exigências do seu momento. Para tanto,
nos ateremos a alguns termos utilizados pelos filósofos universais e aos quais
Ockham se contrapôs, tentando provar que o conhecimento o poderia se
realizar de maneira satisfatória para suprir as necessidades dos homens da
época, como a comercialização, pelas vias propostas pelos universais.
3.1 ALGUNS TERMOS UNIVERSAIS CRITICADOS POR OCKHAM
Guilherme de Ockham, na maioria de suas obras, levanta hipóteses de
dúvidas e de credibilidade a respeito do termo universal. Entretanto, segundo o
próprio autor, toda crítica realizada com referência à ciência, seja ela de qual
época histórica for, não deve ser infundada ou efetuada sem a análise do período
em que foi criado o termo designado para a compreensão da própria realidade. O
autor assinala que “Os tempos antigos produziram e criaram muitos filósofos
dignos de serem chamados ‘sábios’. Como fonte de luz, dissiparam com o
esplendor de sua ciência a escuridão em que estavam mergulhados os
ignorantes” (OCKHAM, 1973c, p. 341). E, em outro momento, explica que:
Aquilo que não é verdade em si, não pode ser conhecido
enquanto não for verdade em si. Ora, o futuro contingente,
70
dependendo simplesmente da faculdade livre, não é verdadeiro
em si, conforme Aristóteles, não se pode assinalar o motivo por
que uma parte é mais verdadeira que outra, e assim ou ambas as
partes são verdadeiras, ou nenhuma; mas não é possível que
ambas sejam verdadeiras; logo, nenhuma é verdadeira, e
consequentemente nenhuma é sabida. Segundo o pensamento
do Filósofo, esse modo de raciocinar não se aplica senão àquilo
que depende da vontade; não vale para o que não provém da
vontade, mas decorre simplesmente de causas naturais, como o
fato de que o sol surgirá e coisas semelhantes. A razão é que
uma causa natural é determinada a uma parte (contradição), nem
podem todas as causas naturais ser impedidas senão por uma
causa livre, pela qual, entretanto, podem ser impedidas com
relação a um efeito determinado, ainda que não a respeito de
qualquer efeito (OCKHAM, 1973d, p. 398).
Todas essas explicações ockhamistas, os argumentos utilizados para
provar que a verdade de tudo e de todos dependia do conhecimento empírico,
contradiziam de forma ferrenha as questões que a Teologia declarava como
verdade, porém possibilitaram, também, a seus seguidores e ouvintes, a
oportunidade de entender e diferenciar o pensamento teológico e o racional.
Ockham apontava que as dúvidas poderiam ser respondidas se houvesse uma
interpretação individual da existência humana e das dificuldades que permeavam
a vida do ser humano.
Ainda em conformidade com o autor, os indivíduos, ao refletirem sobre
suas ações, sobre a sua realidade, desenvolveriam no intelecto humano maior
capacidade de análise, facilitando um conhecimento aprofundado da natureza e
da própria existência “uma definição do sujeito nunca origina um conhecimento
incomplexo do sujeito, já que este conhecimento é pressuposto em toda definição
e se adquire em um conhecimento intuitivo” (OCKHAM, 1973j, p. 385).
Neste sentido, consideramos que os parâmetros fornecidos pelos homens
que se preocuparam em explicar as dificuldades do seu momento e que
procuraram estabelecer um novo conhecimento tenham sido a base para que os
indivíduos entendessem, com clareza, que para a própria sobrevivência era
preciso conhecer a singularidade das coisas. Para esse entendimento, Ockham
usou como principal argumento provar a existência de Deus e Ele como causa
71
superior da criação de tudo, todavia, com diferenças e dependências de outras
causas para a sobrevivência da humanidade.
O conhecimento, para Ockham, não poderia mais se pautar no
esclarecimento dado pela imaginação, abstração, era preciso descobri-lo e
entendê-lo por meio do conhecer empírico, das palavras refletidas, dos nomes
dados a cada ser, a cada coisa. Conforme Paola Muller (1999), só a fé, o
conhecimento abstrato o atingia a complexidade de pensamento exigida na
época pelas condições de vida. Era preciso uma outra via de entendimento,
contudo, sem deixar de considerar Deus como criador de todas as coisas:
Fé e razão são duas vias de conhecimento distintas, não em
oposição entre si, mas nem convergentes: a filosofia é uma
ciência rigorosa, fundada sobre os primeiros princípios, e sobre
demonstrações conseqüentes, próprios do homem. As verdade de
fé, não atingíveis racionalmente, estimulam a razão humana a
avaliar melhor as suas demonstrações e a proceder de modo
extremamente rigoroso. A teologia racional de Ockham envia uma
advertência à razão: não ir além de suas possibilidades no
discurso teológico, pois algumas verdades foram reveladas ao
homem por Deus, verdades às quais o homem por si não teria
podido chegar (MULLER apud OCKHAM, 1999, p. 21).
Deus, para Ockham, não entrava em questão; Ele era, sem dúvida, o
Criador de tudo e por isso era necessário que os homens soubessem distinguir a
via racional da teológica, entendendo que algumas coisas poderiam ser
explicadas pela abstração. No entanto, a discordância com os universais era a de
que se todas as coisas eram criadas por Deus e dada por Ele a cada ser uma
particularidade, esta não poderia ser entendida e conhecida, simplesmente, como
sendo a derivação de uma mesma natureza, pois era preciso entender que Deus
era o Criador de tudo e o único com o poder de diferenciar um ser do outro,
mesmo que fossem derivados de uma mesma espécie.
Analisando a apreciação de Ockham a respeito dos universais, Muller
(1999) discute sobre o que ela enuncia como “problema dos universais”,
72
argumentando que Ockham postula que a realidade para os universais era
concebida de maneira múltipla, assim como os indivíduos tinham multiplicidade na
mesma espécie. Discordando dessa convicção, Ockham assevera que cada coisa
tinha sua realidade e singularidade, portanto, para ele, o universal não se
explicava por si só, pois iniciava como explicação a derivação e semelhança de
uma mesma espécie:
Ockham define o universal como “aquilo que pode ser predicado
de mais realidades”, distinguindo um universal natural, o conceito,
de um universal convencional, a expressão oral ou escrita
instituída arbitrariamente, O universal do qual fala é o natural, isto
é, o conceito que, por sua mesma natureza, representa uma
pluralidade de objetos dos quais pode ser predicado (MULLER
apud OCKHAM, 1999, p. 47).
Para os universais, tudo possuía uma essência que por acidentes
conseguiam diferenciar, aparentemente, alguma coisa de outra, ou melhor, os
homens eram todos homens, que se diferenciavam dos animais por serem seres
racionais. Por conseguinte, os atributos animal ou homem eram gênero e espécie
que se incorporavam na essência do indivíduo, tornando-o o que ele era, mas
que, apesar de por acidente (branco, sábio, alto...) tornarem-se distinguíveis,
eram todos semelhantes, eram universais, sendo universais homens ou
universais animais.
A apreciação acima talvez seja a maior crítica de Ockham sobre os
universais, isto é, a questão do acidente que ocorre com cada ser ou o atributo
que cada coisa recebe para se diferenciar de outrem. A seguir, abordaremos
brevemente o desacordo de Ockham a respeito das peculiaridades que todos
possuíam, as quais, pela teoria universalista, eram denominadas acidente.
3.2 SOBRE O TERMO DESIGNADO ACIDENTE
O acidente, para os universais, relacionava-se a todas as coisas que
poderiam ser derivadas de outra coisa, ou seja, o homem era universalmente
73
homem, mas adquiria uma diferente característica de outro homem sendo talvez
mais alto, mais branco, mais bio, entre outras características. Desse modo, o
acidente, como preconizavam os universais, compunha a diferenciação de cada
ser ou objeto, o qual, dependendo do acidente, poderia ser mudado ou negado.
Explicando melhor, para esses filósofos esses aspectos muitas vezes poderiam
ser corrompidos pelo sujeito e outras vezes não, isto é, o homem honesto poderia
deixar de ser honesto se corrompendo, porém, aquele que era alto não deixaria
de ser alto, mesmo que quisesse. Santo Anselmo, em sua obra Monológio, deixa
claro o que ele entende por acidente, colocando em dúvida até o acidente que
poderia acontecer com Deus:
Será que a essência suprema que, como foi demonstrado
anteriormente, é substancialmente sempre idêntica a si mesma,
alguma vez não possa mudar, ainda que acidentalmente? E,
ao contrário, como é possível que o participe dos acidentes se
o próprio fato de ela ser maior e diferente das outras naturezas
parece coisa que acontece com ela? Mas, em que consistiria,
pois, a contradição entre a propriedade de estar sujeito a
acidentes e a imutabilidade natural, se desta intervenção dos
acidentes não decorre nenhuma mudança na substância? [...]
Entre os acidentes, alguns, devido à sua presença ou à sua
ausência, determinam variações no objeto que afetam, como
fazem as cores; outros, estejam ou não presentes, não produzem
absolutamente nenhuma mudança no objeto em que incidem,
como é o caso de certas relações. Não se pode duvidar, por
exemplo, de que eu seja maior ou menor, igual ou semelhante ao
homem, qualquer que seja, que vai nascer no ano vindouro;
entretanto, essas relações, depois de ela nascer, eu poderei
mantê-las todas com ele, sem que eu mude, ou perdê-la,
enquanto ele crescer, ou mudar por qualidades diferentes. Está
claro, portanto, que, entre aquelas coisas que se chamam de
acidentes, algumas engendram mudanças e, outras, ao contrário,
não alteram, de maneira alguma, a imutabilidade (SANTO
ANSELMO, 1979, cap. XXV, p. 43-44).
Os acidentes, segundo Anselmo, se confirmavam pelas alterações que
aconteciam com os seres e, para ele, pairava a dúvida de que concretamente não
se podia dizer que o Ser Supremo poderia ou não sofrer modificações. Para o
autor, Deus era o único que o dependia de outro ser para existir e era aquilo
que era em virtude dele próprio, ao contrário dos homens, que eram derivados de
outros homens e que necessitavam destes para existir.
74
Anselmo foi am da dúvida que suscitou sobre os acidentes que poderiam
ocorrer com o Ser Supremo. Ele apregoava que apesar de Deus ser considerado
único e imutável, não se poderia afirmar claramente que o ocorresse com Ele
nenhuma mutação, pois se tudo derivava Dele e se cada criatura tinha suas
diferenças, seria provável que cada um o imaginasse de forma diferente, sem a
certeza de saber se com Ele ocorriam ou não acidentes.
Se não paira dúvida sobre aquilo que demonstramos acerca da
simplicidade desta natureza, de que maneira ela é uma
substância? Se toda substância é suscetível de uma soma de
diferenças ou de mudanças de acidentes e, no entanto, a pureza
imutável desta natureza é totalmente inacessível a qualquer
mescla e mudança, então como conseguiremos dizer que ela é
uma substância qualquer, a não ser que por substância, se
entenda essência, ficando, assim, fora, como está acima, de toda
substância? Com efeito, entre aquele ser que é, por si, aquilo que
é e que cria tudo do nada, e aquele ser que, saído do nada, é
aquilo que é em virtude de outro, há uma diferença grandíssima: a
mesma, justamente, que intercorre entre a substância suprema e
todas as coisas que não são iguais a ela. E como ela é a única,
entre todas as naturezas, que procede de si mesma, sem a ajuda
de outra natureza, tudo aquilo que ela é, então, como poderia não
ser tudo aquilo que é, individualmente, e sem a companhia da
criatura? Portanto, se ela alguma vez recebe o mesmo nome que
se à criatura, não resta dúvida de que este deve ser entendido
num sentido diferente (SANTO ANSELMO, 1979, cap.XXV, p. 44-
45).
Em sua obra, Anselmo funde dois modos que definem o acidente, ou seja,
aquele que poderia ser predicado e o que não era predicado. Ambas as formas
estabeleceriam uma característica diferenciada a cada criatura, porém para
Anselmo o Ser Supremo não se enquadraria nos acidentes comuns, predicados a
todos de qualquer natureza. O acidente atribuído a Deus poderia estar presente
ou ausente e dependeria Dele próprio, porque Deus era único e superior a todas
as criaturas.
Ockham discorda de Anselmo, esclarecendo que essa hipótese de
diferenciação dos homens por acidente fazia com que tudo fosse criado do nada e
75
não derivado do Ser Supremo, pois o acidente era algo que possibilitava
mudanças que favoreceriam os homens a serem ou não serem de tal forma, com
a possibilidade de corromperem o seu modo de ser, suas características
individuais, aquilo que os tornava singulares, com diferenças particulares. Para o
autor, as diferenças eram individuais e predicáveis de muitos. Cada ser era uno e
unicamente ele, mesmo pertencendo a uma mesma espécie:
Igualmente, conforme Aristóteles, o que difere na espécie, difere
em número; ora, a natureza do homem e a do burro são por si
mesmas distintas especificamente; logo, por si mesmas se
distinguem numericamente; por conseqüência, cada uma dessas
naturezas é por si numericamente uma.
Além disso, o que por nenhum poder pode competir a muitos, por
nenhum poder é predicável de muitos; ora, essa natureza, se for
realmente a mesma que a diferença individual, não pode por
nenhum poder ser atribuída a muitos; logo, por nenhum poder é
predicável de muitos, e por conseguinte por nenhum poder será
universal. Ademais, tomo aquela diferença individual, com a
natureza que ela contrai, e pergunto: a distinção entre elas é
maior ou menor do que entre dois indivíduos? o é maior,
porque não diferem realmente, ao passo que tal é a distinção
entre os indivíduos. Nem é menor, porque, então, seriam da
mesma espécie, como dois indivíduos são da mesma espécie, e,
por conseguinte, se um é por si numericamente uno, o outro
também será por si numericamente uno (OCKHAM, 1973a, p.
351).
É mister compreendermos que Ockham conduz a discussão tentando
mostrar que todas as espécies denotavam diferenças e que os seres, mesmo
pertencentes a uma mesma natureza, não deveriam ser confundidos e
considerados como predicados de outros. A prioridade do autor era a de que para
entender era preciso conhecer, mas conhecer na íntegra, visto que dessa maneira
poderiam ser conhecidas as coisas em sua concretude, em sua real existência.
Se os indivíduos fossem predicáveis, logo eles não derivariam de nada.
Sendo assim, a vida humana se resumiria em um ser criado por Deus, e desse
ser não resultaria mais nenhum outro, pois seria único e distinto de todos os
demais seres criados por Deus.
76
nenhum indivíduo poderia ser criado, mas alguma coisa do
indivíduo preexistiria, porque ele não tiraria todo o seu ser do
nada, se o universal que nele existisse antes do outro. Pelo
mesmo motivo segue que Deus não poderia aniquilar um
indivíduo de uma substância sem destruir os outros indivíduos:
porque, se aniquilasse algum indivíduo, destruiria tudo quanto é
da essência do indivíduo, e por conseguinte destruiria aquele
universal que existe nele e nos outros, não ficando portanto os
outros, pois não poderiam permanecer sem sua parte, que é no
caso aquele universal (OCKHAM, 1973a, p. 357).
O autor se refere a Deus como comprovação de seu raciocínio. Para ele,
Deus era uno, era o criador de todas as coisas visíveis e invisíveis e deu ao
homem a liberdade de agir como quisesse. Essa liberdade relaciona-se com a
razão, pois o homem precisaria agir por sua vontade, o que comprovaria a sua
singularidade por meio dos seus atos, mostrando que ele poderia agir ou não pela
fé ao Ser Supremo.
digo primeiramente que Deus é a causa mediata ou imediata de
tudo. Se bem que isso não possa ser demonstrado, inculco-o
persuasivamente pela autoridade e pela razão. Pela autoridade,
porque no cap.I de São João se diz: “Todas as coisas foram feitas
por ele”, etc. Tal coisa não pode entender-se de Deus, visto que o
termo “todas as coisas” não se estende até Deus; logo, entende-
se que tudo fora de Deus foi feito por ele. E no Símbolo se diz:
“Creio em Deus Pai onipotente”, com a continuação: “criador do
céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”, etc.
Também na Decretal sobre a Suprema Trindade e a Católica:
“Ele é o criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, espirituais
e corporais” (OCKHAM, 1973d, p. 396).
Deus criou o homem, mas para sua existência eram necessários outros
fatores que contribuíssem para sua sobrevivência, ou seja, Ockham postula que
uma causa essencialmente ordenada dependia de outra causa, pois o homem,
apesar de ter sido criado pelo Ser Supremo, necessitava da natureza para
sobreviver.
Assim sendo, a criação do indivíduo dependia essencialmente da causa
primeira, superior, isto é, Deus. Entretanto, para a sua conservação o homem
dependeria das causas inferiores a Deus, mas que muitas vezes eram superiores
ao indivíduo.
77
digo que há uma diferença entre as causas essencialmente
ordenadas e acidentalmente ordenadas e as causas particulares
que concorrem para produzir o mesmo efeito numericamente;
porque nas causas essencialmente ordenadas a segunda causa
dependa da primeira no que se refere a principiar a ser, mas não
no atinente à conservação; assim é que Sócrates depende de
Platão, pois não pode naturalmente ser causado sem Platão, por
ser o pai dele, mas não é conservado por Platão, dado que
Sócrates vive depois de morto Platão. Não uma ordem,
determinada, porém, nas causas parciais a respeito do mesmo
efeito nem uma causa depende mais de outra que vice-versa. Por
exemplo, o objeto e o intelecto são causas parciais em relação do
ato que é a intelecção, mas nenhum deles depende do outro nem
quanto ao ser nem quanto à conservação [...] (OCKHAM, 1973f, p.
390).
O exemplo de Ockham a respeito de Sócrates e Platão justificava as
causas dependentes e independentes, porque para o autor Sócrates dependia de
Platão para ser Sócrates. Platão é seu antecessor, no entanto, o necessitava
dele para sua conservação, visto que Platão estava morto quando Sócrates
vivia.
Essa maneira de justificar certa “hierarquia” natural e necessária para a
sobrevivência humana levava Ockham a criticar de forma mais acirrada os
universais, pois segundo a filosofia ockhamista, apesar de todas as coisas serem
dependentes de outras e derivadas de Deus, não deixavam, por isso, de ser
singulares. Tudo na natureza tinha suas particularidades, seu modo de ser. Como
exemplo, o autor cita o sol:
pelo modo como dizemos que o sol é causa universal, e, todavia,
verdadeiramente, é uma coisa singular e particular. Com efeito, o
sol é dito causa universal, porque é causa de muitas [coisas], a
saber: de todas as [coisas] generáveis e corruptíveis deste mundo
inferior. Diz-se, porém, causa particular, porque é uma causa
única, e não muitas causas (OCKHAM, 1999, p. 160).
Esse exemplo, dentre outros que o autor cita em suas obras, leva-nos a
entender que existia uma interdependência das causas ordenadas e parciais. O
homem, embora não dependesse, para sobreviver, das causas parciais, muitas
vezes essas causas justificavam a forma de ser de cada indivíduo.
78
Existiam as causas parciais superiores e inferiores, porém para Ockham
isto não implicava que uma fosse mais perfeita que a outra em todos os casos,
pois apesar de ser uma causa superior, não queria dizer que ultrapasse as
qualidades de perfeição da inferior.
a causa total superior é mais perfeita que a inferior. Isso é claro,
porque essa causa inclui Deus, o sol e todas as causas parciais
desse efeito, afora a causa posterior. [...] A segunda conclusão é
que uma causa superior parcial não é universalmente mais
perfeita que a causa Segunda, tomando-se a perfeição no
primeiro modo. Vê-se isso porque o sol é uma causa parcial
superior em relação à geração do homem, e contudo não é mais
perfeita que o homem. Entretanto, a primeira causa superior é
mais perfeita [...] A terceira conclusão é que a causa superior é
uma causa mais perfeita, falando de perfeição do segundo modo.
Isso se evidencia, porque a causa segunda não pode produzir
algum efeito da sua espécie sem que a causa superior cause
juntamente o mesmo efeito. O contrário, porém, pode bem
acontecer, porque, embora Sócrates não possa produzir
naturalmente um homem sem o sol, este pode produzir
naturalmente um homem sem crates, pois o pode por meio de
Platão; e por conseqüência a causa superior causa mais
independentemente que a inferior. Mas causar
independentemente é uma perfeição, e consequentemente uma
causa superior causa de um modo mais perfeito quanto à
independência que a causa inferior (OCKHAM, 1973f, p. 392-393).
Ockham preconizava que o homem não poderia existir sem as causas
superiores, mas as causas superiores existiam sem o homem. Por conseguinte,
para sobrevivência, o homem dependia tanto das causas superiores quanto das
causas inferiores.
Para o autor, nem tudo era produzido naturalmente do mesmo efeito e da
mesma causa. Como exemplo cita a existência do verme gerado de outro verme e
o verme produzido pelo efeito calorífero do sol. Como apregoa Ockham: “O sol
produz um verme com verme e sem verme” (1973f, p. 392).
Isso leva-nos a crer que uma causa poderia depender de outra causa da
mesma espécie ou de uma causa superior a sua espécie, mas ambas dependiam
de causas superiores a elas. Nas palavras de Ockham:
79
Um verme gerado pela propagação e outro pela putrefação são,
como é evidente, da mesma espécie; e contudo um verme
produzido pela propagação é causado simultaneamente por todas
as causas essencialmente ordenadas, ao passo que o verme
produzido pela putrefação é produzido pelo sol sem a ação de
outro verme[...]
A segunda conclusão é que uma causa universal pode às vezes
produzir um efeito tão perfeito como o faria por todas junto. Prova:
Ainda que um efeito divisível seja mais perfeito, se produzido por
todas aquelas causas simultaneamente, que se causado por uma
por si, como se verifica no calor causado pelo fogo e pelo sol
simultaneamente, contudo, tratando-se de um efeito indivisível,
como é a forma substancial (principalmente na mesma parte da
matéria), o efeito pode ser tão perfeito ao provir de uma só causa
como o é de todas junto.
A terceira conclusão é que numericamente o mesmo efeito que é
causado por todos em conjunto não pode ser causado por um .
Prova: Como se dirá depois ao se tratar do movimento o efeito
numericamente uno corresponde a certo agente e a certa matéria
de modo a não pode ser produzido por outro agente, e por
conseguinte o efeito numericamente uno que é produzido por
todos não pode ser produzido por um só, precisando
necessariamente do concurso de várias causas. Entretanto, um
efeito da mesma espécie pode às vezes ser produzido por um só,
como se vê no caso do verme (OCKHAM, 1973f, p. 392).
Ockham objetivava mostrar que as causas, independentes de sua espécie,
tinham uma descendência superior a elas, sejam geradas pela mesma espécie,
sejam criadas por seres superiores a sua natureza. Dessa maneira, Deus estava
acima de tudo e de todos, pois Ele era o Criador e o Predecessor de todas as
causas.
De acordo com esse autor, mesmo Deus sendo o Criador de tudo, não se
poderia considerar que as coisas pudessem ter as mesmas explicações ou serem
de modo universal. Para ele, a sociedade do século XIV visava novas
descobertas pautadas no conhecimento de cada coisa, de forma visual, palpável,
empírica, ou seja, pela sua singularidade, pela característica individual que as
diferenciava. Os indivíduos estavam comercializando, vivendo mais próximos uns
dos outros e compartilhando diferentes maneiras de agir e de se comportar. Por
conseguinte, a ação prática exigia descobrir para sobreviver, entender o universo
empiricamente, o mundo e a natureza, de modo geral, já não poderiam ser
explicados pela contemplação ou pelo modo como os universais concebiam a
80
descendência e a semelhança de tudo e de todos. Ockham questionava a
existência da singularidade de cada objeto, assim como de todos os seres
existentes.
Para tanto, segundo Ockham era preciso conhecer individualmente e
intuitivamente tudo o que pudesse ser conhecido, ou seja, era preciso analisar e
refletir sobre todas as coisas que pudessem ser visualizadas e conhecidas
empiricamente, para entendê-las e conhecê-las por meio da razão. Discutiremos,
a seguir, a crítica de Ockham aos universais em relação ao conhecimento
abstrato que esses filósofos consideravam suficientes para conhecer e entender a
realidade da natureza.
3.3 SOBRE O CONHECIMENTO ABSTRATO E EMPÍRICO
Vários autores asseveram que Ockham teve um papel fundamental para a
sociedade da sua época, pois procurou despertar a importância da experiência,
da reflexão acerca do que se admirava, porém não se conhecia, se imaginava,
tal como a natureza ou algo que se ouvia falar, mas que não se via. Nas palavras
do autor:
“ciência” é certo conhecimento de alguma verdade. Assim se
sabem coisas só pela fé. Dizemos por ex., saber que Roma é uma
grande cidade, ainda que não a tenhamos visto; e digo igualmente
saber que este é meu pai e esta minha mãe; e o mesmo se
assevera de outras coisas que não são evidentemente
conhecidas, mas que, porque as admitimos sem qualquer dúvida
e por serem verdadeiras, dizemos conhecer (OCKHAM, 1973c, p.
342).
A experiência e o conhecimento intuitivo, segundo Ockham, estavam em
primeiro plano, ou seja, era preciso experimentar empiricamente para conhecer.
Todavia, não era possível comprovar a existência de tudo pela experiência, e
nesses casos a razão era a premissa para a compreensão do abstrato. O uso do
intelecto fazia com que se entendesse o que não se via.
81
pelo conhecimento abstrativo não se pode conhecer com
evidência verdade contingente, sobretudo referindo-se ao
presente. Isso se verifica pelo fato de que, quando se conhecem
Sócrates e a sua brancura, na ausência dele, não se pode
conhecer por esse conhecimento incomplexo se Sócrates é ou
não é, se é branco ou não, se dista de determinado lugar ou não,
e assim a respeito das outras verdades contingentes. Mas é certo
que essas verdades podem ser conhecidas com evidência
(OCKHAM, 1973c, p. 344).
Ockham foi um dos pensadores que possibilitou, com os seus
ensinamentos e as possibilidades existentes na época, proporcionar que a
reflexão passasse a fazer parte do cotidiano e que as experiências obtivessem
um valor de credibilidade e descoberta. Podemos afirmar que as discussões de
Ockham propiciaram ao homem crer no próprio “eu”, refletir sobre as coisas
abstratas e concretas, uma vez que com a sua lógica o autor levava os homens a
entender que era preciso haver um pensamento reflexivo, um novo raciocínio
sobre os fatos e os conceitos de tudo que permeava a sociedade.
A experiência moveu e transformou os costumes, a forma de agir e
possibilitou o surgimento de uma ciência nova, tímida, mas que paulatinamente foi
se fortalecendo, cerceando o conhecimento contemplativo e permitindo que os
indivíduos usassem da imaginação pautada na razão.
As análises realizadas por Ockham demonstravam que o conhecimento
que vinha sendo utilizado até então não supria as necessidades de
sobrevivência estabelecida pelos homens, isto é, aquela visão de mundo proposta
pelos universalistas, na qual todas as coisas se explicavam de maneira
semelhante, já não condizia com a prática dos homens de seu período.
Cumpre dizer, portanto, que qualquer universal é uma coisa
singular, e, por isso, não é universal senão pela significação,
porque é signo de muitas [coisas]. E isso é o que diz Avicena, no
Livro V da Metafísica: “Uma forma no intelecto está relacionada a
uma pluralidade (multiuso), e sob esse aspecto é um universal,
porque este é uma intenção no intelecto cuja relação (comparatio)
com o que quer que seja não varia”. E prossegue: “Essa forma,
82
embora em relação aos indivíduos seja universal, todavia é
individual em relação à alma singular em que está impressa. Com
efeito, ela é uma única entre as formas que estão no intelecto”.
Ele quer dizer que o universal é uma intenção singular da própria
alma destinada a ser predicada de muitas [coisas], de tal sorte
que, em razão de ser uma forma, existente realmente no intelecto,
é dita singular (OCKHAM, 1999, p. 160).
O universal, conforme Ockham, era singular porque denominava um termo
que poderia ser tratado singularmente, tentando atribuir um significado a
determinadas coisas. Devido a isso, o universal era uma contradição no que dizia
respeito à explicação dos universalistas para o entendimento de mundo. Além
disso, ninguém poderia garantir que o conhecimento abstrato de um indivíduo
seria igual ao do outro, ou seja, o universal (predicável de alguma coisa) era uma
intenção mental que poderia ser derivada de várias outras coisas. Essa questão
era explicada pela razão, por exemplo, se o universal fosse uma substância
singular, ele não derivaria de nada, seria distinto de qualquer outra coisa.
Ockham propunha uma individualidade a cada coisa e o entendimento
desse elemento tinha como um dos fatores principais as palavras que
conceituavam cada objeto. Analisando as formulações nominalistas do autor,
percebemos que não se tratava apenas de uma crítica aos universalistas, mas
sim de uma realidade por ele vivenciada, na qual o autor queria afirmar a
existência de todas as coisas justificada na explicação experimental, avaliada
pelos próprios olhos.
Para De Boni apud Ghisalberti (1997), a teoria ockhamista é, além do
nominalismo, um conceptualismo realístico em que Ockham sustenta por uma
gica da realidade em que vivia e que trazia uma fundamentação do próprio
conceito de conhecimento.
o “nominalismo” de Ockham não pode ser entendido como uma
teoria sobre a insignificância do universal, que não é reduzido a
um simples flatus vocis, a uma pura vocalidade convencional,
vazia de qualquer carga semântica. Mais que de nominalismo,
deve-se falar, no caso, de um conceptualismo realístico, de um
83
“terminismo”, ou seja, de uma teoria do uso rigoroso dos termos
(mentais, orais e escritos), sustentada por regras precisas de
lógica e de filosofia de linguagem (DE BONI apud GHISALBERTI,
1997, p. 10).
Em conformidade com Ockham, as palavras correspondiam e propiciavam
um sentido àquilo que estava explicado, visto que existia um pré-conhecimento
intuitivo. Algumas palavras, contudo, denotavam sentidos que variavam conforme
a interpretação de cada indivíduo. Essa é outra questão sobre a qual Ockham
discorda da explicação dos universalistas e a qual discutiremos no item a seguir,
no qual tamm apresentaremos os argumentos que suscitaram discórdias sob o
ponto de vista ockhamista.
3.4 SOBRE AS PALAVRAS
Ockham entendia que as palavras eram mais do que termos designados a
alguma coisa. Segundo o autor, as palavras estavam relacionadas à reflexão
mental que o indivíduo realizava quando se deparava com objetos, ou seja, surgia
desse encontro do conhecimento da mente com o visual, e a palavra era o nome
do objeto visualizado.
Nesse caso, Ockham ponderava que a palavra não precedia o
conhecimento mental, entendendo que era necessário que fosse realizado o
entendimento mental do objeto para que depois viesse o termo oral. A palavra,
então, teria a função de estabelecer a conexão entre o conhecer da mente com o
visual. A esse respeito, Ghisalberti (1997) esclarece:
Segundo Ockham, são termos não somente os sinais linísticos,
orais ou escritos, por sua natureza convencional, mas são
chamados termos também os conceitos ou sinais mentais: à
diferença do termo oral, que é resultado de uma convenção, o
conceito, ou termo mental, não deve sua origem a uma livre
iniciativa dos homens, mas é produzido naturalmente pelo
encontro do intelecto com as coisas. Ockham acrescenta que o
84
termo oral não é precedido pelo termo mental, ou conceito,
mas que depende deste, no sentido que não pode dar-se signo
oral que não esteja associado a um conceito. Deve-se, porém, ter
presente que tanto a palavra como o conceito significam ambos
diretamente o objeto; isto é, a palavra não evoca à mente a coisa
conhecida, evocando antes o conceito correspondente, como se
este exercesse uma função de intermediário (GHISALBERTI,
1997, p. 40-41).
Cada palavra seria, para Ockham, um termo que definia o sentido de cada
elemento. As palavras seriam os sentidos que definiriam o conteúdo, mas esse
sentido não teria um significado verdadeiro, porque as palavras eram abstratas e
apenas possuíam uma significação própria no contexto as quais estavam sendo
propostas. Sobre isso Ockham apresentou o exemplo da palavra são”. Para ele,
essa palavra poderia ter o sentido de palavra ou de conceito, dependendo do
contexto no qual estava inserida.
Quanto à objeção acerca do termo “são”, digo que “ser” significa
de um modo ao aplicar-se a sujeito e acidente, com estes nomes
ou conceitos, e de outro modo ao falar-se de substância,
qualidade, quantidade, etc. Assim, “são” significa principalmente a
saúde no animal. Portanto, a comida é chamada “sã
denominativamente, porque esse nome ou conceito, ao ser
predicado da dieta, conota alguma coisa extrínseca a ela, ou seja,
a saúde do animal, o mesmo acontecendo com a urina, que se
emprega denominativamente, pelo mesmo motivo. Logo, diz-se da
comida, porque produz a saúde, e da urina, por ser sinal da saúde
no animal. Contudo, a “saúdedita da saúde de qualquer animal
atribui-se a ele essencial e univocamente, mas não
denominativamente, de modo que formalmente “são”, tomado no
primeiro modo [aplicado a comida e urina], é apenas uma e
mesma palavra, mas tomado no segundo modo [aplicado a saúde]
é um conceito (OCKHAM, 1973f, p. 390).
Assim como as palavras, que davam sentido e complementavam o
pensamento do homem, eram também as explicações definidas, justificadas, ou
seja, o pensamento, para ser entendido, deveria ser refletido, analisado e não
somente justificado por meio do conhecimento abstrato.
Esse era o grande contraponto entre Ockham e os universais, porque para
estes últimos as palavras não poderiam expressar, ao mesmo tempo, as coisas
individuais e as coisas universais. Logo, eles questionaram sobre o que
85
significaria a palavra quando referida a gênero ou espécie, compreendendo que
se gênero e espécie correspondiam a uma categoria que relacionava homem,
animal, vegetal entre outros, não seria correto afirmar que as palavras
proporcionavam um sentido individual a cada objeto. Émile Bréhier, em sua obra
História da Filosofia, alega que, para os universais,
se as palavras significam coisas, pergunta-se que coisas
significam as palavras que enunciam os gêneros e as espécies de
substâncias individuais. Os gêneros e as espécies (animal ou
homem) são atributos de um sujeito individual (Sócrates), mas
atributos que, diferentemente dos acidentes (branco, sábio),
entram na essência do sujeito, isto é, são tais que, sem eles, o
sujeito deixaria de ser o que é [...] Pensava que homem, que é
atributo essencial de Sócrates, de Platão e de outros indivíduos,
é, essencialmente, a mesma realidade que está simultaneamente,
por inteiro, em cada um dos indivíduos. E acrescentava que os
indivíduos não diferem por sua essência, enquanto homens, mas
por seus acidentes. Há aqui, ademais, diz ele, uma antiga opinião:
o gênero (animal) permanece idêntico a si mesmo, quando se lhe
juntam as diferenças (racional, sem razão) que o especificam, e a
espécie, idêntica a si mesma, quando lhe acrescentam acidentes
(BRÉHIER, 1978, p. 63).
Bréhier (1978) pontua que as questões de gênero e espécie estavam
relacionadas, respectivamente, à vida e à sensibilidade e a razão, ou seja, o
gênero se referia a homem ou a animal e a espécie a razão que lhe era
incorporada e, dessa forma, o homem se tornava indivíduo quando lhe
consideravam acidentes. Porém, os acidentes, para Ockham, não justificavam as
diferenças entre as coisas e tamm não poderiam fazer papel semelhante ao
desempenhado pelas palavras, pois as características que os universais davam
aos objetos e seres tratavam-se de peculiaridades de cada indivíduo, enquanto
que as palavras correspondiam a um conceito abstrato direcionado a algo que, na
maioria das vezes, poderia ser conhecido empiricamente.
Quando Ockham discorre sobre as palavras como uma formação abstrata
das coisas, ele não se refere ao conceito oral, mas considerava necessário,
tamm, os indivíduos apreenderem de forma correta os conceitos escritos,
falados e conceptuais. Estes eram distintos e cumpriam, cada um, sua função,
86
delineando um contexto no qual o raciocínio e a coerência eram capazes de
distinguir o real do imaginário.
Ainda, porém, que todo termo seja parte da proposição ou possa
sê-lo, nem todos os termos são da mesma natureza; por isso,
para se obter um conhecimento perfeito deles, cumpre ter antes
ciência de certas distinções. Saiba-se, pois, que assim como,
conforme Boécio no I livro Da Interpretação (Perihermenias), há
três espécies de orações, a saber, a escrita, a falada e a
conceptual, com existência somente no intelecto, também existem
três espécies de termos, ou seja, o escrito, o falado e o
conceptual. O termo escrito é parte da proposição escrita em
alguma coisa material e que é vista ou pode ser vista pelos olhos
corporais. O termo falado é parte da proposição proferida
oralmente e apta a ser escutada pelo ouvido corporal. O termo
conceptual é uma intenção ou uma parte da proposição mental e
podendo representar o que significa. Esse termo conceptual é
uma intenção ou paixão da alma que naturalmente significa ou co-
significa alguma coisa (OCKHAM, 1973h, p. 361).
Para o autor, dos três termos citados, o conceptual deixava o indivíduo
sem conhecer o concreto da realidade, haja vista que permitia somente uma
concepção mental de alguma coisa e a realidade, de modo geral, não poderia ser
apenas imaginada, deveria ser visualizada ou ouvida. Por isso os termos que
permitiriam o verdadeiro conhecimento, a reflexão, eram o escrito e o falado.
A preocupação de Ockham estava centrada na reflexão que os homens
poderiam fazer para discernir o real do imaginário. De acordo com o autor, não
deveria mais haver interpretações que se pautassem na abstração do
conhecimento, era necessário entender o que se via e conhecer o verdadeiro
significado no qual se estava integrado. Com isso, aos poucos, Ockham contribuiu
para que os debates se tornassem cada vez mais fluentes e persistentes, no
intuito de debater sobre idéias ainda não esclarecidas.
Conforme Reinhold Ulmann, na sua obra A Universidade Medieval, um dos
pontos a ser analisado para que tenha ocorrido essa mudança de pensamento na
época de Ockham está relacionado ao nominalismo utilizado por este autor:
87
“Pode dizer que a origem do pensamento moderno tem sua elaboração na Idade
Média, em virtude do nominalismo. O pensamento de Occam desencadeou o
início de uma mudança, que vincou a história da modernidade” (ULMANN, 2000,
p. 236).
Ulmann acrescenta que Guilherme de Ockham alterou as discussões já
existentes na sociedade, ou seja, explicou e questionou tudo aquilo que estava no
mundo, na natureza. Levou os indivíduos a analisarem as coisas voltados para o
conhecimento empírico, real, próximo aos olhos; todas as questões e discursos
deveriam ser considerados verdadeiros e inquestionáveis. Por isso Ulmann
concebe Ockham como o predecessor de um entendimento que gerou, para o
futuro do século XIV, homens interessados em experimentar e analisar com os
olhos da razão. Assim, ele levanta a questão:
Sinteticamente, resume-se no seguinte esse magno problema: a
realidade é mutável – os conceitos são imutáveis; à realidade
múltipla opõem-se conceitos unos; a realidade extramental
apresenta objetos singulares – os conceitos são universais. Como
coadunar o sensitivo, o variável e o singular com representações
intelectuais, universais e imutáveis (ULMANN, 2000 p. 236-237).
Para Ulmann, Ockham procurou responder todas as questões da sua
época como problemas desafiadores, e proclamou muito mais desafios
relacionados à teoria dos universais. Ockham tentou explicar o que, para ele, os
filósofos universalistas tinham deixado sem respostas, mostrando que a
abstração, o termo universal, assim como as palavras e outros conceitos
denominados por eles como explicadores do mundo, o poderiam ser utilizados
da maneira como os universalistas apregoavam. Ockham analisou a realidade e
deu singularidade a tudo e a todos. Segundo ele, cada coisa, por mais idêntica
que fosse da outra, não era a mesma, pois cada uma tinha suas particularidades
e suas diferenças.
O fato de Ockham ter nomeado e explicado as coisas pela singularidade,
particularidades e mostrado que as palavras davam um sentido a tudo, apesar de
abstrato, proporcionando ao homem estabelecer uma relação entre o conhecer da
88
mente com a visão dos objetos levou alguns autores a vincular o nome desse
autor, de forma direta, ao nominalismo.
O que se entende por nominalismo? “É a afirmação da absoluta
singularidade e concretude do real: às idéias gerais (conceitos
universais), ainda que existam, não corresponde nada de
universal (essência), mas um conjunto ou coletividade de
indivíduos”.
Assenta num princípio negativo a posição metafísica de Occam,
conforme a assertiva, a seguir, que perpassa todo o seu
pensamento: “Nenhuma natureza real é comum, nem existe, de
parte da coisa, alguma natureza comum segundo qualquer ser
(esse)”... Vemos, por essas definições, que o nominalismo se
caracteriza como anti-realista, opondo-se à concepção aristotélica
e ao realismo exagerado: o singular não pode tornar-se universal,
e este não pode aplicar-se ao singular. Isso significa, em outras
palavras que o nominalismo occamiano se fundamenta na
negação da universalidade, no sentido ontológico tradicional
(ULMANN, 2000, p. 240-241).
O nominalismo foi um elemento que contradisse as concepções
existentes, revelando aos ouvintes de Ockham a necessidade de fazer uso da
reflexão para analisar tudo o que estava presente no cotidiano dos homens e que
fosse passível de análise. Sua concepção despertou a preocupação com a
abstração, com a possibilidade do mundo exterior ser visualizado e modificado
por meio da inteligência humana.
Ockham demonstra em suas obras que havia total possibilidade de
distinção entre o singular e o universal. Mostrou sua concepção afirmando que o
real dependia de um Ser Supremo que atingia o intelecto humano, fazendo com
que os indivíduos pudessem abstrair o real e o irreal pela inteligência.
Para Pierre Alféri (1989), Ockham mostrou singularidade na forma como
expressou sua filosofia. Conseguiu avançar seu pensamento e apresentar aos
homens que para o conhecimento de qualquer assunto era necessária uma
análise racional e individual, ou seja, o mundo não se explicava pelas sensações
e abstrações, mas sim pela experiência.
89
É necessário pensar todo ser, nos diz Ockham todas as coisas,
toda realidade como uma singularidade absoluta. A
singularidade não marca somente um aspecto dos seres tal como
eles se dão exteriormente, por exemplo, às nossas sensações.
Ela não é também o resultado de um processo secreto, de uma
“individualização”. Ela não deriva de nada. Tudo aquilo que é do
ser, lhe pertence, o constitui ou lhe acontece, é logo singular [...] É
necessário pensar a gênese da experiência, nos diz Ockham, a
partir da intuição do singular. Fonte de todo conhecimento
empírico, é nela, no frente a frente com uma coisa exterior, que se
abre o distanciamento decisivo da experiência, entre os atos de
apreensão e seus objetos que precisamente decidem todas as
variações na relação dos singulares (ALFÉRI, 1989, p. 8-9).
10
Os discursos de Ockham, em conformidade com Alféri (1989), determinam
a descoberta pela experiência, pois mostram aos indivíduos que todas as coisas
possuíam sua singularidade e para entendê-las não bastava observá-las, era
preciso tocá-las e descobri-las empiricamente. “O conhecimento intuitivo é próprio
do singular, não por causa de uma maior semelhança com um do que o outro,
mas porque naturalmente é causado por um e o por outro, não podendo ser
causado por este” (OCKHAM, 1973a, p. 353).
O conhecimento intuitivo, empírico, conforme Ockham, proporcionava ao
homem a possibilidade de conhecer o objeto em sua veracidade, e ao conhecer
empiricamente o que desejava, entenderia que era concreto e singular. Ao se
referir ao conhecimento abstrato e intuitivo, Ockham afirmava que o conhecimento
intuitivo mostrava a realidade em sua forma verdadeira, concreta, opondo-se ao
conhecimento abstrato, universal realizado pelo pensamento e pela imaginação,
que não ofereceria aos indivíduos o conhecimento dos fatos na sua forma real,
restringindo-se somente à imaginação.
10
Il faut penser tout étant, nous dit Ockham toute chouse, toute réalité – comme une singularité
absolue. La singularité ne marque pas seulement un aspect des étants tels qu’ils se donnent
extérieurement, par exemple à nos sensations. Elle n’est pas non plus le résultat d’un processus
secret, d’une <individuation>. Elle ne dérive de rien. Tout ce qui est de l’étant, lui appartient, le
consitue ou lui arrive, est d’emblée singulier [...] Il faut penser la genése de l’expérience, nous dit
Ockham, à partir de l’intuition du singulier. Source de tout connaissance empirique, c’est en elle,
dans le face-à-face avec une chose extéurieure, que s’ouvre l’écart décisif de l’expérience, entre
les actes d’appréhension et leurs objets, qui précisément décide de toutes les variations dans le
rapport aux singuliers (ALFÉRI, 1989, p. 8-9).
90
O conhecimento humano, que tem origem no contato, direto ou
indireto, com um dado da experiência, pode ser intuitivo ou
abstrativo. O conhecimento intuitivo, segundo Ockham, indica o
ato da intuição intelectiva, graças ao qual o intelecto se põe em
contato com a realidade, referindo-se imediatamente à existência
de um ser concreto. Tal conhecimento permite formular juízos de
existência relativamente aos objetos conhecidos: é a apreensão
imediata de um existente concreto e singular. Por exemplo, eu
apanho intuitivamente um livro da escrivaninha e posso afirmar: “o
livro existe”. Isso implica que o conhecimento intuitivo precede
qualquer outra forma de conhecimento e constitui inclusive a sua
fonte (MULLER apud OCKHAM, 1999, p. 17-18).
Entretanto, o conhecimento intuitivo não precedia o conhecimento que
Deus deu ao homem, pois Deus não poderia ser conhecido intuitivamente, mas
a dada por Deus permitia que Nele se cresse. Desse modo, a razão o
pensamento racional levava os indivíduos a entenderem o mundo em sua
forma verdadeira, mas não lhes permitia conhecer, da mesma maneira, o que
estava relacionado ao Divino. Reinhold Ullmann observa que Ockham elegeu
Deus como principal ponto de explicação para sua teoria, porém assinala que
não era possível explicar tudo pela fé, mesmo acreditando em Deus.
Nega-se, pois, a noção de causa, a partir dos entes contigentes,
para provar apodicticamente a existência de Deus. Também não
se pode provar, pela razão, a existência da alma e sua
imortalidade. Resta aceitá-las pela fé: sed hoc fide tenemus. Com
isso, Occam separa o campo da razão e da fé, delimitando-lhes o
âmbito [...] Occam, no entanto admite ser possível predicar o
atributo da perfeição suprema, relativamente a Deus, valendo-se
da noção de perfectio. Em outras palavras, Occam simplesmente
diz aquilo que os pagãos já disseram a respeito de Deus. O resto
é Revelação (ULLMANN, 2000, p. 247-248).
Nessa perspectiva, Ockham demonstra, em todas as obras a que tivemos
acesso, a importância de Deus antes de todas as coisas. O autor procurou
mostrar aos homens que viviam nesse momento de transição, século XIV, que
ambas as concepções, e razão, tinham o seu verdadeiro valor. Não havia a
necessidade de se seguir um caminho ou outro. Era preciso entender que cada
caminho possuía importância social e que ambos faziam parte do cotidiano de
cada pessoa.
91
Para Ockham, contudo, a razão era o princípio de todo conhecimento, ou
seja, para se ter fé, crer que Deus existia, era fundamental ao homem pensar
racionalmente e entender tudo que o Ser Superior proporcionava a sua vida,
compreendendo o que não podia ser conhecido intuitivamente.
Digo, enfim, que não se pode provar com evidência a unicidade
de Deus na segunda acepção do termo “Deus”. E contudo não se
pode demonstrativamente provar a negativa: “A unicidade de
Deus não pode ser provada com evidência” , visto não se poder
demonstrar a impossibilidade dessa prova senão resolvendo os
argumentos em contrário. Assim, não se pode provar
demonstrativamente que os astros são em número par, nem se
pode demonstrar a Trindade das Pessoas, mas também não se
podem provar com evidência as proposições negativas: “Não se
pode demonstrar que os astros são em número par”, “Não se
pode demonstrar a Trindade das Pessoas”. Saiba-se, porém, que
se pode demonstrar a existência de Deus, tomando-se “Deus” na
segunda acepção, porque do contrário, haveria um processo ao
infinito, não havendo nos seres alguma coisa em comparação
com a qual nada é anterior nem mais perfeito. Entretanto, disso
não se infere que se possa demonstrar haver um Deus, pois o
sabemos somente pela fé (OCKHAM, 1973f, p. 395).
Ockham ressalta que, apesar do conhecimento intuitivo não permitir
conhecer Deus em sua íntegra, empiricamente não havia vidas de que Ele era
o Ser Superior e Criador de todas as coisas. Nesse caso, apesar de Ele ser um
Ser que poderia tornar-se conhecido somente pela abstração, era indiscutível a
Sua existência. Com isso, as discussões referentes ao embate entre a e a
razão tornavam-se, cada vez mais, evidentes e estavam relacionadas à educação
do período, porque apontavam uma diferente maneira de pensar, de refletir e de
entender o mundo, o universo e a própria vida.
Por meio do pensamento de Ockham, da sua posição quanto às questões
referentes à e à razão, entendemos algumas das mudanças educacionais que
modificaram o intelecto dos indivíduos e proporcionaram o delinear de traços do
mundo moderno, os primeiros esboços de uma nova sociedade. As raízes da
Modernidade e a busca pelas experiências e pela compreensão do mundo real
estavam lançadas nos culos XIII e XIV. Sendo assim, no próximo capítulo
centralizaremos a discussão sobre a questão da e da razão A nosso ver, os
92
escritos de Ockham, suas aulas e debates dentro das universidades medievais
revelaram o embate que estava sendo travado entre aqueles que acreditavam
que tudo que era humano provinha de uma autoridade divina (fé) e aqueles que
acreditavam existir nos homens uma vontade própria e individual que interferia e
dirigia seus atos e vontades (razão).
93
4 GUILHERME DE OCKHAM, FÉ E RAZÃO NO SÉCULO XIV
No capítulo anterior, discutimos algumas questões acerca dos
universalistas e dos nominalistas, analisadas sob a concepção de Ockham.
Neste, trataremos da relação que Ockham propunha sobre a e a razão,
considerando as alterações sofridas no pensamento dos homens do século XIV
quando estes se depararam com os discursos e as propostas de Ockham de
conhecer empiricamente as coisas.
Para a compreensão das transformações ocorridas no século XIV,
centralizaremos a discussão sobre o conflito entre a e a razão, embate no qual
Ockham contradisse a teoria dos universais e mostrou, de maneira explícita, a
necessidade dos indivíduos entenderem que a não poderia ser a explicação de
todas as coisas, mas, sem dúvida, um complemento essencial do conhecimento
pela via da razão.
Com essa hipótese, Ockham evidenciou dois caminhos distintos e,
segundo ele, necessários, quais sejam, o caminho da abstração, entendido pela
fé, pela imaginação e o intuitivo, conhecido pela razão. Para o autor, essas duas
vias de entendimento tinham que ser conhecidas e compreendidas em sua
íntegra a fim de que os homens soubessem discerni-las e escolhê-las para chegar
ao conhecimento emrico.
Esse entrever de questionamentos dos discursos realizados por Ockham
sobre o real e o abstrato dentro da universidade medieval acabou provocando
mudanças na educação da sociedade, pois surgiram dúvidas e indefinições de
sentimentos, de pensamentos e da própria existência.
O debate a respeito da fé e razão, porém, já era assunto de séculos
anteriores a Ockham. Desde que os homens medievais tiveram um acesso mais
difuso às obras de Aristóteles teve início uma nova reflexão referente à e à
razão, sobre a qual vários autores puderam, em seus escritos, tentar discernir
94
essas duas questões. Etienne Gilson, em sua obra A filosofia na Idade Média,
aponta que vários autores tentaram discorrer sobre o entendimento do universo
pelo conhecimento racional antes de Ockham. O autor cita um exemplo.
O século XIII geralmente acreditou ser possível numa síntese
sólida a teologia natural e a teologia revelada, concordando a
primeira com a segunda nos limites da sua competência própria e
reconhecendo sua autoridade em todas as questões relativas a
Deus que ela mesma não podia resolver. Seus representantes
mais ilustres esforçaram-se, pois, para determinar um ponto de
vista em que todos os conhecimentos racionais e todos os dados
da pudessem aparecer como elementos de um único sistema
intelectual (GILSON, 1998, p. 794).
Para Gilson, mesmo com a exigência do desenvolvimento comercial que
estava ocorrendo nos séculos XIII e XIV, voltado para um mundo reflexivo, de
descobertas e necessidades de novos conhecimentos, aconteceu um embate de
sentimentos quando os indivíduos procuraram compreender o mundo pelos olhos
da razão e questionaram todos os entendimentos que haviam adquirido pela
abstração. Ainda conforme Gilson, Ockham, ao propor o discernimento de uma
questão e outra – fé e razão – justificando cada uma como necessidade do dia-a-
dia, apresentava aos homens a possibilidade de vida sobre tudo o que já havia
sido explicado e considerado como indubitável.
Como exemplo de autor que precedeu Ockham e que tratou da relação
entre a e razão, podemos citar Dante Alighieri. No final do século XIII, este
autor questionou o poder temporal e o divino, voltado para os problemas de maior
influência existentes entre o Papa e o monarca. Em sua obra Monarquia, Dante
postula que o homem podia usar tanto a razão quanto a fé, haja vista que esses
eram dois sentimentos distintos, e para que os indivíduos pudessem saber agir da
melhor maneira possível seria necessária a existência das duas autoridades, ou
seja, uma de poder temporal e a outra de poder espiritual. Ambas mostrariam aos
homens como agir para que pudessem atingir a vida eterna e a felicidade terrena.
O elemento formal da Igreja é a unidade de pensamento e de
sentimento. A diversidade no pensamento e no sentimento é-lhe
contrária à forma, ou, o que é o mesmo, à natureza. De onde se
95
conclui que o poder de autorizar o reino temporal é contrário à
natureza da Igreja: a incoerência nas opiniões ou nas palavras
provém, com efeito, da incoerência que está na coisa dita ou
opinada, pois que, conforme nos ensina a doutrina dos
Predicamenta, a verdade ou falsidade do discurso é causada pelo
ser ou não-ser da coisa. Assaz da prova, então, pelos argumentos
aduzidos, e os inconvenientes que inculcam, que a autoridade do
Império em nada depende da Igreja (DANTE ALIGHERI, 1979, p.
230).
Em conformidade com Dante, a conduta dos homens estava relacionada
ao tripé do conhecimento, ou seja, Deus era Supremo e somente Ele poderia dar
autoridade aos representantes terrestres: o Papa e o Imperador. Estes, por sua
vez, deveriam saber conduzir a sociedade, cada um dominando o seu saber e
poder, sem interferir nos ensinamentos do outro.
A relação entre o poder divino e o terrestre norteou a discussão de
Dante para tratar das questões políticas e do poder que cada uma deveria
exercer perante a sociedade. Entretanto, existiram outros homens desse
período, dos séculos XIII-XIV, que propuseram antagônicas propostas
referentes ao conflito iniciado entre o poder temporal e divino. Dentre eles
podemos citar Duns Scot, mestre de Ockham que se posicionou de forma
diferente às discussões ocorridas anteriormente sobre a Teologia e a Filosofia.
Scot (1973) assinala que a e a razão eram caminhos extremamente
opostos e a não podia ser analisada por meio da visão ou do conhecimento
racional. A fé, para este autor, era tudo aquilo que poderia ser crido e que não
poderia ser visto, ou seja, eram imagens reveladas e não confirmadas
visualmente, empiricamente; todavia, as coisas confirmadas pela racionalidade
poderiam ser entendidas como verdadeiras pelos olhos da . Parafraseando
Scot, o conhecimento empírico de determinada coisa poderia ser
considerado como real se previamente houvesse a credibilidade de que tudo,
abstrato ou real, fora criado e revelado por Deus.
De um último modo, pode-se conceder que as verdades integrais
são conhecidas na luz eterna como no objeto remoto do
conhecimento. De fato, a luz incriada é o primeiro princípio das
realidades especulativas e o fim último das realidades práticas.
Portanto, os primeiros princípios, tanto das realidades
especulativas como das práticas, derivam dele. Daí o
conhecimento tanto das realidades especulativas como das
práticas, através de princípios derivados da luz eterna na medida
em que esta é conhecida, ser mais perfeito e anterior ao
conhecimento derivado dos princípios próprios ao gênero em
questão. É deste modo que compete ao teólogo o conhecimento
de todas as coisas, como foi dito na questão sobre o objeto da
96
teologia, e tal conhecimento é mais elevado do que qualquer
outro. Diz-se que a verdade integral é conhecida deste modo
porque é conhecida através do que é verdade sem nenhuma
mistura de não-verdade, pois é conhecida através do ser primeiro
do qual, uma vez conhecido, são derivados os princípios para
conhecer deste modo (SCOT, 1973, p. 255-256).
O princípio da verdade de Scot era a explicação de tudo e de todos pela
fé. Conforme este autor, o teólogo era aquele que conseguia esclarecer todas
as dúvidas suscitadas pelos homens, ou melhor, as coisas não deveriam
passar pelo crivo da dubiedade quando explicadas pelo saber divino.
Ockham discorda de Scot ao afirmar que o teólogo e o filósofo poderiam
chegar à semelhante conclusão, mesmo procurando entendimentos diferentes.
Para o teólogo, Deus era infinito. O filósofo, por meio das ciências, diria que
algumas coisas eram infinitas. Isso levava ao entendimento de que as coisas
eram distintas enquanto espécies, pois a essência da existência derivava de
Deus.
se não pudesse ser provada uma conclusão da mesma espécie
em diversas ciências, um teólogo, que não é crente, e um filósofo
pagão não poderiam contradizer-se a respeito dessa proposição:
“Deus é trino e uno”, visto que as proposições não são
contraditórias pelas palavras, mas apenas se contradizem pelo
sentido que têm na mente, dado que as palavras são sinais
subordinados. Mas a proposição mental afirmativa e a negativa
não se contradizem primariamente a não ser que se componham
de conceitos da mesma espécie, ainda que uma vez ou outra se
possa encontrar contradição em proposições compostas de
conceitos especificamente diferentes (OCKHAM, 1973j, p. 386).
Scot, entretanto, postulava que aquilo que se via pelos olhos da razão
poderia ser compreendido de maneira acidental, confusa, e ia além ao
asseverar que poucos eram aqueles que conseguiam enxergar as coisas sem
uma neblina que ofuscava a realidade.
cabe a poucos chegar até às razões eternas, porque cabe a
poucos ter compreensão do essencial e cabe a muitos ter
conceitos acidentais como os mencionados. Mas não se diz que
estes poucos se distinguem dos demais por causa de uma
iluminação especial, mas sim por causa de condições naturais
melhores, visto terem um intelecto que abstrai mais ou que é mais
perspicaz; ou por causa de uma pesquisa maior, pela qual alguém
chega a conhecer aquelas qüididades isto é, essências que outro,
igualmente dotado, não conhece porque não pesquisa. Deste
97
modo entende-se a asserção de Agostinho no livro IX Sobre a
Trindade, cap. 6, a respeito de alguém que está na montanha e vê
embaixo a neblina e em cima a luz pura. De fato, quem sempre só
compreende o conceito acidental, da maneira como a imagem
sensível representa tais objetos como se fossem seres por
acidente, é como se estivesse no vale circundado de neblina. Mas
quem separa as qüididades, que aparecem na imagem sensível
com muitos outros acidentes adjuntos, compreendendo-as
precisamente por meio de um conceito essencial, tem embaixo a
imagem sensível como se fosse a neblina e ele próprio está na
montanha na medida em que, em virtude do intelecto incriado que
é a luz eterna, conhece esta verdade e o que é verdadeiro em
cima, como verdade superior (SCOT, 1973, p. 255).
Com essas formulações, Scot mostrava que o mundo deveria ser
explicado, ou continuar a ser explicado pela fé, pelo conhecimento abstrato. A
razão era, para Scot, um aparato que passava pelo intelecto, mas que era
explicada pela divindade, e apesar de ter enunciado os obstáculos enfrentados
pela sociedade no tocante ao conhecimento sobre a e a razão, Guilherme de
Ockham, seu discípulo, disseminou um novo esclarecimento sobre essas
questões. Ockham concordava em alguns pontos com Scot no que se referia à
existência de Deus e Ele ser o Criador de tudo, porém inovou e apresentou uma
outra maneira de avaliar a e a razão. Neste sentido, analisando que Ockham
deixava claro os caminhos da e da razão como norteadores da existência
humana e Deus como princípio de tudo, no item seguinte discorreremos a
respeito de algumas diferenças de pensamento que Ockham propôs como
contestação a outros autores.
4.1 A EXISTÊNCIA DE DEUS CONFORME A CONCEPÇÃO DE OCKHAM
Afirmar sobre a existência de Deus foi uma das principais questões
discutidas por Ockham; não obstante, vários autores antes dele ou mesmo
próximo a sua época estavam sempre questionando e, ao mesmo tempo,
estabelecendo Deus como Criador de tudo. No século VI, por exemplo, temos
Boécio, que escreveu A consolação da Filosofia procurando mostrar aos
homens que a crença em Deus era prioridade, mas que os questionamentos
acerca dos sentimentos e da própria natureza criada pelo Onipotente poderiam
ser dubitáveis e avaliados. Boécio, em sonho, se colocou, humildemente, como
discípulo em um diálogo com uma personagem intitulada Filosofia e esta, em
98
vários momentos da discussão, questionou a existência de uma razão
governante.
“Achas que este mundo é conduzido por fatos acidentais e
governado pela Fortuna, ou achas que é governado por uma
Razão?” Eu respondi: “Seria impossível crer que um universo tão
bem ordenado fosse movido pelo cego acaso: sei que Deus
preside aos destinados à Sua obra, e nunca me desapegarei
dessa verdade.” “Pois bem”, disse ela, “em verdade ainda
pouco exprimiste em versos tua convicção. Deploravas que os
homens fossem excluídos da solicitude divina, mas não punhas
em dúvida que o resto da criação era governado por uma
inteligência divina. Mas pelos céus! Acho muito surpreendente
que estejas doente da alma tendo pensamentos tão elevados.
Mas continuemos nosso exame. Suponho que te falta alguma
coisa, mas não sei bem o quê. Dizem-me: que afirmas que o
mundo é dirigido por Deus, distingues também por que meios ele
é dirigido?” “Mal compreendo o significado da pergunta; como,
então, poderia responder a ela?Ela então disse: “Dessa forma,
eu não me enganava quando dizia que te faltava algo, e foi por
essa falha, tal como uma brecha numa sólida muralha, que se
infiltrou em ti a doença causada por tua desordem emocional. Mas
diz-me, tu te recordas da finalidade do universo e para onde tende
toda a Natureza?” “Certa vez eu a aprendi”, afirmei, “mas minhas
misérias enfraqueceram minha memória.” “Então sabes donde
provêm todas as coisas?” “Sim”, respondi, e eu lhe disse que
provinham de Deus (BOÉCIO, 1998, Livro I, p. 20-21).
Boécio (1998) incitava a dúvida de poder ver o mundo pelos olhos
racionais e, por sua vez, na voz da Filosofia, interrogava a si mesmo esperando
uma resposta reflexiva para os acontecimentos que pairavam na sociedade, as
transformações de sentimentos relacionados à honestidade, à sabedoria, à
felicidade, dentre outros que estavam sendo esquecidos pelos vícios e pela
ambição de poder. É mister apreciar que Boécio interpelava a Filosofia
mostrando que existiam diferenças entre os seres, mas que um era o
Criador de todos, assim, os indivíduos e a natureza se explicavam somente por
Deus.
Todo o gênero humano tem uma mesma origem,
Um só é o Pai do Universo, ele só o dirige,
Foi Ele quem deu a Febo seus raios, e à Lua seu crescente,
E também os homens à Terra e as estrelas do Céu,
Foi Ele quem fez descer as almas do Céu e penetrar nos corpos.
Dessa forma, todos os seres nasceram de uma nobre semente.
Por que vangloriar-vos de vossa linhagem e dos vossos
ancestrais?
Considerai vossa origem e Deus, vosso Criador: todos são
igualmente nobres
99
A menos que reneguem sua origem divina, entregando-se aos
piores vícios (BOÉCIO, 1998, Livro III, p. 67).
Por meio do diálogo com a Filosofia Boécio demonstrava que a razão
era um elemento fundamental para a sociedade, no entanto, ele mostrava
tamm que a divindade poderia ser a resposta e a solução para todos os
problemas. Todavia, quando ele se referia aos comportamentos dos homens
pairava uma dúvida sobre o livre-arbítrio e o poder de Deus para amenizar as
atitudes e ações dos homens. O autor questionava a felicidade, o mal e o bem
com insistência, demonstrando que esses sentimentos não estavam de acordo
com as pregações dadas pela fé.
se Deus, prevê tudo e não se pode enganar de forma alguma, tudo se
produz conforme a Providência previu. Deste modo, se ela conhece tudo
previamente desde toda a eternidade, e não apenas as ações dos
homens mas também sua intenções e suas vontades, não seria possível
haver qualquer livre-arbítrio. Com efeito, não se produzirá nenhuma
ação ou vontade, seja qual for, que não tenha sido prevista
anteriormente pela Providência divina, que é incapaz de se enganar
(BOÉCIO, 1998, Livro IV, p. 136).
Boécio desenvolveu teorias que levavam a incertezas de Deus estar de
acordo com as ações humanas e, por conseguinte, o autor argumenta que se
Deus discordava de algumas atitudes era porque estas não eram de sua
providência, mas sim da própria vontade dos homens. As preocupações com
as questões do livre-arbítrio bem como a relação entre a e a razão foram,
paulatinamente, sendo reforçadas por autores sucessores a Boécio, os quais
buscavam estabelecer a necessidade da e da razão como primazia social.
Alguns pensadores demonstraram em suas obras que havia uma confusão de
sentimentos para distinguir uma questão e outra como caminhos distintos.
Como exemplo, podemos citar, novamente, Duns Scot, que viveu em um
período de transição, com conflitos de sentimentos, costumes e de atitudes que
norteavam o emergir de uma nova sociedade e que apesar de apregoar a
razão como uma questão essencial para o seu momento, tamm discursava
que a fé era indiscutível.
Algumas décadas depois das argumentações de Scot, seu discípulo
Guilherme de Ockham contradisse alguns pontos do discurso de seu mestre,
enfatizando que existia uma grande discórdia entre a sua concepção de
entendimento e a de Scot sobre a como explicadora de tudo, pois para
Ockham a não respondia a todas as questões e aquelas que poderiam ser
respondidas pela divindade era preciso que o homem fizesse uso do intelecto.
Deus seria o exemplo do conhecimento realizado pela fé, pois era um
Ser que poderia ser imaginado e nunca conhecido em sua íntegra, em seu
todo. Entretanto, o fato de Ele ser conhecido apenas pela abstração não
100
significava que não fosse o Criador de todos os seres terrenos, fossem eles
humanos ou o. Apesar de Deus ter criado tudo e todos, não poderia ser
conhecido pela via da razão, somente pela abstração pautada na fé, mas para
que crêssemos Nele pela imaginação seria necessário o uso da razão. Logo,
para Ockham, a era um caminho a ser analisado com critérios e de modo
detalhado, pois apesar do conhecimento abstrato não poder revelar
empiricamente a realidade de tudo, existiam determinadas coisas, como
exemplo Deus, que poderiam ser conhecidas pela fé de entendimento
realizado pela imaginação.
Parece que sim: Algum ser é factível; mas não pode ser feito por
si; logo, sê-lo-à por outro. Deste então pergunto como do primeiro,
se é a primeira causa eficiente ou é um ser factível; e então se
pode ir ao infinito; logo, etc.
Mas, ao contrário: Nas causas da mesma espécie há um processo
ao infinito, porque nesse caso a totalidade das coisas causadas
por primeiro.
A isso responde afirmativamente Scot, na distinção II, I questão.
Sua prova reza: os efeitos essencialmente ordenados têm uma
causa, e portanto há uma causa não pertencente a essa
totalidade, porque do contrário uma e mesma coisa seria causa de
si (OCKHAM, 1973f, p. 394).
Na passagem acima, Ockham cita Scot em sua referência às causas que,
mesmo pertencentes a uma mesma espécie ou a causas essencialmente
ordenadas são provenientes de uma causa superior, que seria Deus. Ockham
concorda com Scot nesse ponto, assinalando que fossem as causas com
precedência da sua espécie ou de uma causa superior, todas tiveram a mesma
origem, visto que se uma causa conseguisse gerar um ser era porque o seu
predecessor, aquele que deu origem a sua espécie, foi criado por uma causa
superior, Deus. Não obstante, Ockham expõe suas divergências para com as
idéias de Scot ao responder:
Respondendo ao primeiro argumento de Scot, concedo que a
totalidade das coisas causadas é causada; mas quem se
apoiasse na razão natural negaria aquela conseqüência, porque
diria que um causado procede do outro, que é parte da multidão, e
este de outro membro da mesma multidão, e assim ao infinito,
101
como acontece, conforme o Filósofo, nos seres acidentalmente
ordenados, onde um pode ser e causar com outro. Por exemplo,
um homem pode ser causado por outro, e este por outro, e assim
ao infinito. O contrário não se pode provar pela produção. Nesse
caso, não se segue, ainda, que uma e a mesma coisa é causa de
si, porque toda aquela multidão não é causado por uma
determinada, mas um membro é causado por outro, e o outro por
um terceiro daquela multidão [...] embora toda causa que
conserva alguma coisa mediata ou imediatamente coexista com o
ser conservado, nem toda causa que produz mediata ou
imediatamente coexiste com o ser produzido. Eis a razão por que
na ordem da produção se pode admitir um processo ao infinito, e
as coisas a produzir são atualmente finitas (em número). Portanto,
de novo, vemos que nem todas as causas essencialmente
ordenadas concorrem simultaneamente para a causação, se bem
que às vezes concorram simultaneamente para a conservação
(OCKHAM, 1973f, p. 394-395).
Como Deus era a causa superior de tudo, não se podia afirmar que um
homem fosse dependente de outro para ser produzido, pois assim um indivíduo
seria produzido se houvesse outro da mesma espécie para produzi-lo.
Todavia, era necessário ressaltar que se a questão da dependência de produção
de um ser o fosse considerada como causa da natureza humana, era preciso
salientar que a conservação dos seres dependia destes.
Conforme Ockham, as causas essencialmente ordenadas, isto é, criadas pelo Ser
Superior não necessariamente coexistiam com os seres produzidos, porém as causas
parciais, ou seja, aquelas que os seres dependiam para sua conservação, necessariamente
coexistiam com os seres conservados. Para o autor, as causas criadas e as causas geradas,
em alguns momentos, concorriam ao mesmo tempo para a conservação.
digo que uma infinidade nas coisas acidentalmente ordenadas
pode existir sem uma natureza que dure infinitamente e da qual
dependa toda a sucessão, porque não se pode provar
suficientemente pela produção que um homem o possa ser
produzido por outro como por sua causa total. Nesse caso se diria
que um homem é totalmente dependente do outro, e este de um
terceiro, e assim ao infinito, sem a duração infinita de alguma
coisa. Nem se pode provar o oposto pela produção, embora seja
tal coisa possível pela conservação (OCKHAM, 1973f, p. 395).
102
Ockham justificava suas explicações mostrando que ao mesmo tempo em
que um ser dependia de outro ser da mesma espécie para sua conservação, não
se podia estabelecer que um indivíduo não sobreviveria sem o outro, porque isso
não era possível de ser provado ao infinito.
igualmente dizer-se que esta sucessão se perpetua porque cada
um depende, ao todo, do outro que pertence à mesma espécie;
nem se pode provar pela produção (mesmo que fosse total) que
aquele processo ao infinito não seria possível sem a existência de
algum ser permanente, do qual dependesse toda aquela
infinidade, porque, quanto à produção, basta que um homem
dependa totalmente do outro na linha da causa eficiente, e este de
um terceiro, e assim ao infinito [...] (OCKHAM, 1973f, p. 395).
O infinito pertencia a Deus que criou o homem e lhe deu a possibilidade de
produzir outro ser semelhante a sua espécie. Isto mostrava uma hierarquia e ao
mesmo tempo a necessidade de conservação dos seres da mesma espécie. O
ser conservado e o conservante viviam simultaneamente, visto que um precisava
do outro, ou seja, o conservado necessitava para sua sobrevivência do
conservante, porém, o que conservava podia não ter sido uma criação, mas sim
um ser criado por Deus para cumprir a função de conservador. Neste sentido,
Ockham se referia aos termos da natureza que Deus criou para conservar, criar e
recriar os elementos naturais necessários para a conservação da vida humana.
Ockham procurava deixar claro que explicar os conceitos pela razão não
significava deixar de crer na existência de Deus. Ao contrário, para ele Deus
era o Criador de todas as coisas e era por meio desse entendimento que os
homens chegariam ao conhecimento intuitivo, ou seja, aquele que esclareceria
a realidade ainda desconhecida. Ademais, existia uma diferença entre Deus e
os outros seres, a qual deveria ser identificada pela posição que ocupava o Ser
Supremo, isto é, Ele era o infinito e aquele que existia antes de todas as
coisas. Logo, o que sucedia a Deus era explicado pela Sua existência.
tudo o que realmente é produzido por alguma coisa, é conservado
realmente, ou por alguma coisa, enquanto permanece no ser
atual, como é claro; ora, este efeito determinado é produzido,
evidentemente; logo, é conservado por algum ser enquanto
permanece. Desse ser que conserva, pergunto: ou pode ser
produzido por alguma coisa, ou não? No caso negativo, ele é a
primeira causa eficiente, como a primeira causa conservante,
103
porque todo conservante é eficiente. Se, porém, essa causa
conservante é produzida por alguma coisa, desta torno a fazer a
mesma pergunta, e assim, ou se inicia um processo ao infinito, ou
pára-se num ser que é causa conservante e de nenhum modo
conservada, e tal eficiente é a primeira causa eficiente. Ora, não
existe um processo ao infinito nas causas conservantes, porque
então haveria coisas infinitas em ato, o que é impossível, pois que
todo ser que conserva outro, mediata ou imediatamente, existe
simultaneamente com o conservado, exigindo portanto todo
conservado atualmente todo conservante (OCKHAM, 1973f, p.
395-396).
O ser que conservava não chegava ao infinito, pois na maioria das vezes
não produzia, só conservava. Todavia, se o sol fosse analisado, poder-se-ia
afirmar que ele produzia e conservava, analisando que ele conservava a vida do
homem, mas tamm produzia o verme pelo calor.
As discussões de Ockham proporcionaram um emaranhado de angústias e
indefinições nos homens, porque seus questionamentos exigiam uma reflexão
voltada para o uso da racionalidade em primeiro plano, sendo que sua análise
envolvendo os elementos da natureza como conservantes dos seres vivos
desencadeava dúvidas relacionadas a Deus como protetor de tudo. A lógica
estava pautada em seus debates e envolvia o conhecimento abstrato e o intuitivo
como respaldo de explicação.
Assim como o bom conhecimento das palavras, a lógica utilizada por
Ockham emanava o uso do intelecto como prioridade para o entendimento e
interpretação de suas questões. Quando nos referimos à gica e ao uso das
palavras empregadas por Ockham, é mister citarmos o exemplo de Hugo de São
104
Vítor sobre a lógica em Didascálion da arte de ler, haja vista que ele define
precisamente a sua habilidade em esclarecer um assunto.
As outras ciências foram organizadas antes, mas foi necessário
que também a lógica fosse explicitada, porque ninguém pode
discutir apropriadamente sobre as coisas se antes não conheceu
a maneira de falar corretamente e verdadeiramente. Neste
sentido, Boécio diz: Quando os antigos pela primeira vez se
dedicaram a investigar a natureza das coisas e as qualidades dos
costumes, inevitavelmente tiveram de enganar-se
freqüentemente, porque não detinham a distinção das palavras e
dos conceitos, “como amiúde aconteceu a Epicuro, que considera
o mundo constituído de átomos e se equivoca ao considerar a
volúpia como sendo algo honesto. É claro que isto aconteceu a
ele e a outros exatamente porque, dada a imperícia em discutir,
achavam que tudo quanto concebiam na mente acontecia também
nas próprias coisas. E este é um erro realmente grande. As coisas
não se comportam nos raciocínios do mesmo modo que nos
números. Nos números, de fato, tudo aquilo que é computado
corretamente nos dedos, isto sem dúvida deve acontecer nas
coisas, como quando, se de um cálculo se chegou a cem, a este
número devem necessariamente corresponder cem coisas. O
mesmo não se observa nas disputas. De fato, aquilo que o
encadeamento dos argumentos conclui, nem sempre se mantém
constante na natureza. Por esta razão com certeza estão fadados
ao erro aqueles que pesquisam a natureza das coisas, mas
desprezam a ciência da disputa. Se antes não se conhece qual
raciocínio garante o caminho verdadeiro da disputa, qual garante
apenas a verossimilhança, se não se conhece qual raciocínio
pode ser confiável, qual pode ser suspeito, aí a verdade incorrupta
das coisas não pode ser alcançada pelo raciocínio (HUGO DE
SÃO VÍTOR, 2001, p. 75-77).
São Vítor concebia a lógica como uma necessidade para o entendimento e
discernimento de uma discussão e para ele um assunto só poderia ser bem
interpretado quando as palavras eram entendidas com clareza. Apesar de
Ockham e São Vítor estarem em períodos e realidades diferentes e distantes uma
da outra, a análise deste último sobre as palavras, ou seja, acerca da
necessidade do bom entendimento dos termos esclarecia o sentido da discussão
105
e era a questão essencial para a existência de um debate reflexivo e
compreensivo. A lógica a que São Vítor se refere e a que Ockham propunha o
se distanciava em demasia, pois Ockham também considerava como premissa de
qualquer tema a ser abordado a boa interpretação oral.
As discussões de Ockham dentro da universidade medieval, pautadas na
gica e no conceito das palavras, como tratamos no capítulo anterior,
valorizavam o uso da razão, do conhecimento intuitivo e abriam caminhos para os
esclarecimentos sobre o poder que a exercia sobre os homens para o
aprendizado de mundo. A necessidade de esclarecer o mundo pelo caminho
racional, do intelecto, em decorrência das mudanças sociais do século XIV, dentre
elas o comércio, propiciava condições para que os indivíduos se concentrassem
nos debates e questionassem as coisas ainda não esclarecidas.
Ockham se atinha às discussões que visavam esclarecer o próprio “eu”, a
existência, ou seja, esses esclarecimentos estavam voltados para a curiosidade
de conhecer empiricamente a si próprio e ao mundo. Para nortear essas
controvérsias, Ockham postulava que era necessário existir as causas produtivas
e as causas essencialmente ordenadas e que as duas entrelaçavam as vidas dos
seres na Terra.
Alguma coisa é produzida. Pergunto: De que causa produtiva? Ou
é um ser que produz sem ser produzido, e é o que se quer provar,
ou é produzido por outro, não se podendo ir ao infinito; logo, deve
chegar-se a um ser que produz sem ser produzido. Demonstra-se
a menor quanto às coisas essencialmente ordenadas: Nas causas
106
essencialmente ordenadas, requerem-se todas as causas ao
mesmo tempo para a produção do efeito; portanto, se fossem
infinitas, haveria um infinidade de coisas atualmente. Além disso,
toda multidão das coisas causadas essencialmente é causada, e
não por algum membro daquela multidão, porque então o mesmo
seria causa de si mesmo; logo, é causada por algum ser não
causado e que está fora da multidão dos causados (OCKHAM,
1973d, p. 396).
Deus produzia, mas não era produzido. Esse era o argumento de Ockham
para evidenciar que se algo existisse ele era causado ou produzido, porém, para
chegar a uma conclusão era preciso entender que mesmo sendo causado ou
produzido necessariamente tinha de haver uma causa produtiva.
Todas as questões apresentadas por Ockham mostravam que a essência
das coisas existentes derivava de um Ser Supremo que tinha a possibilidade de
criar, produzir. Para crer na existência de Deus, era preciso que o homem
refletisse e entendesse abstratamente o poder divino.
Aos dois argumentos seguintes respondo que toda a multidão,
tanto a das causas essencialmente ordenadas como a das
acidentalmente ordenadas, é causada, mas não por algum ser
uno que é parte daquela multidão ou que está fora daquela
multidão, mas um é causado por outro que é parte da multidão, e
este outro por um terceiro, e assim ao infinito. Nem se pode
provar suficientemente o oposto pela primeira produção. E
portanto não se segue que uma e a mesma coisa cause toda a
multidão, nem que a mesma coisa se cause a si mesma, porque
não um membro que seja causa de tudo (OCKHAM, 1973d,
p. 396).
Provar a existência de Deus de forma intuitiva era quase impossível,
porque para tanto o homem deveria acreditar em sua própria existência e no
motivo de sua formação como ser humano. Para isso, era preciso refletir, pensar
racionalmente. Ockham mostrava ao homem que ele tinha essa possibilidade,
bastava procurar entender a fé com os olhos da razão.
107
Parece que sim: Com efeito, um só mundo tem um só príncipe, como se
diz no XII livro da Metafísica; ora, pode ser provado pela razão natural
que há um só mundo, segundo Aristóteles no I livro De Caedo (Sobre o
Céu); logo, pela razão natural pode provar-se que um príncipe
mas esse é Deus; logo, etc.
Mas, ao contrário: Um artigo de fé não se pode provar evidentemente;
ora, é artigo de fé que existe um só Deus (OCKHAM, 1973d, p. 396).
Em concordância com Ockham, e razão deveriam ser entendidas pelo
mesmo modo de compreensão, ou seja, Deus dava essa possibilidade ao
homem, porém era necessário que este soubesse discernir uma questão da outra
e entendê-las em sua vida.
O entendimento deveria partir do conhecimento abstrato de Deus, visto
que, segundo Ockham, Deus era o príncipe do mundo e que podia ser
compreendido por diversas acepções, porém, nenhuma delas deixava vidas
sobre a existência de um Ser superior digo que este nome Deus” pode ter
diversas acepções. Uma delas é que Deus é algo mais nobre e melhor que todo
outro ser. Conforme outra, Deus é aquilo em comparação com o qual nada é
melhor e mais perfeito” (OCKHAM, 1973/d, p. 397).
A prova da existência de Deus proporcionava dúvidas e questões, pois
essa certeza não era possível de se ter intuitivamente. Assim, tamm não se
poderiam saber quantos deuses existiam, ou seja, a prova de um único ser
tamm era impossível.
Essas incertezas geravam nos indivíduos a criação de imagens e a
credibilidade no raciocínio de cada homem ocorria conforme sua compreensão
pelo uso da razão. Ockham asseverava que provar que Deus existia era
impossível empiricamente e então ficava a critério de cada indivíduo crer na sua
108
existência. Com esse discurso, Ockham queria dizer que a razão era o caminho
dos homens acreditarem na existência de um único Deus, mesmo sem vê-lo, e
que isso seria possível se os indivíduos compreendessem que era necessário
um discernimento entre a e a razão. Para explicitar essa questão, ele
ponderava que se existisse mais de um Deus, existiria tamm a possibilidade de
um ser mais perfeito do que o outro. Isto não seria cabível desde que todos
fossem deuses e que Deus era a perfeição. Desse modo, tudo levava a crer que
Deus era uno, pois se Ele era perfeito, não era necessário existir mais deuses.
tomando “Deus” na primeira acepção, não se pode
demonstrativamente provar que um Deus. O motivo é que,
nessa acepção, não se pode evidentemente saber que Deus
existe; logo não se pode saber com evidência que ele é um só. A
inferência é clara. Prova-se o antecedente: A proposição “Deus
existe” não é notória por si, visto que muitos duvidam dela; nem
pode ser provada por proposições evidentes por si, porque em
todo raciocínio se assumirá algo duvidoso ou acreditado; nem
será conhecida por experiência, como é manifesto [...] se fosse
possível provar evidentemente que Deus existe, tomando-se
“Deus” nessa acepção, seria igualmente possível provar com
evidência a unidade de Deus. O motivo é o seguinte: Se
existissem dois deuses, A e B, naquela acepção A seria mais
perfeito que todo outro ser; portanto, mais perfeito que B, e B mais
imperfeito que A. Mas também B seria mais perfeito que A, pois
pressupõe-se que é Deus. Por conseguinte, B seria mais perfeito
e mais imperfeito que A, e A que B, num evidente contradição.
Logo, se pudéssemos evidentemente provar que Deus Existe,
tomando “Deus” nessa acepção, seria possível provar
evidentemente sua unicidade (OCKHAM, 1973d, p. 397).
Por conseguinte, não se poderia provar que Deus era único, ou seja,
conhecer Deus era possível somente por meio do conhecimento abstrato, o que
levava os indivíduos a formar imagens sem o conhecimento intuitivo. Ockham
propunha essa como uma das razões que levavam ao entendimento de que
existiam coisas impossíveis de se conhecer intuitivamente, mas que nem por isso
109
deixavam de existir. Logo, a abstração fundada na fé e na razão (intuitivo) deveria
partilhar da vida dos homens, cada qual levando ao seu conhecimento. Para
Ockham, a prova da existência de Deus estava na própria existência dos seres
humanos, haja vista que entendendo a existência dos homens por meio da razão
era possível entender que um Ser superior a tudo e a todos criara seres inferiores
e lhes dera a possibilidade de gerar outros seres semelhantes a sua espécie.
A prova da existência de Deus que Ockham preconizava em seus
discursos como foco principal para provar aos homens que os caminhos da fé e
da razão poderiam ser discernidos e entendidos norteou discussões pautadas na
crença e na dúvida de um ser que cuidava dos homens na Terra. Ockham o
duvidada dessa existência, mas tentava mostrar aos indivíduos que Deus lhes
proporcionava o livre-arbítrio, isto é, o Ser Criador de todas as coisas deu aos
homens a vida e a escolha de entendimento teria que ser administrada pelos
próprios sujeitos. Portanto, conhecer empiricamente o mundo já não se refletia em
esperar que as respostas viessem por via da , mas sim de experimentar,
levantar hipóteses, questionar e até duvidar do que não era conhecido pela razão,
reflexão.
Ockham distinguiu a filosofia da teologia, anunciando que ambas tinham o
seu conhecimento e suas verdades, porém era preciso esclarecer os seus
ensinamentos para compreender a realidade. Essa realidade, para o autor, era ter
a noção do que era o conhecimento, o entendimento da natureza pela ciência. Ele
tentou provar, em uma de suas obras, que a ciência apresentava várias definições
e para chegar ao conceito de ciência era necessário saber distinguir o conhecer
abstrato do intuitivo. Essa é a próxima questão que abordaremos, procurando
analisar que ciência para Ockham era duvidar da (abstração), mas, ao mesmo
tempo, entender que o conhecimento abstrato, por via da razão, também
proporcionava o entendimento da existência de Deus.
110
4.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENTENDIMENTO DE CIÊNCIA PARA
OCKHAM
Entendendo que o modo de conceber a ciência se modifica de acordo
com as necessidades historicamente postas, isto é, que os homens estão
sempre buscando novas formas de atender as necessidades sociais,
percebemos que a concepção de ciência para Ockham ia além do conceito de
experimentar ou conhecer as coisas em sua íntegra. Para ele, a ciência estava
na mente das pessoas, incutida em um saber que após vários entendimentos
chegava à alma como informação; esta, para ele, seria a ciência humana.
A prova da existência dessa ciência humana era considerar a ciência
como um hábito que se tornaria uma qualidade. Nesse caso, segundo Ockham,
essa ciência seria o conhecer racional, porque quando já existia a reflexão, o
entender pela intelecção, o sujeito o apreenderia mais do que já tinha
conhecido; entretanto, quando o entendimento ainda estava pela via da e
passava pela via da razão, a alma adquiria algo que antes não possuía, ou
seja, a compreensão racional. Para Ghisalberti, essa definição de ciência vista
por Ockham como repetição voluntária se tornava uma qualidade existente na
mente.
O ato de saber é seguramente uma qualidade; na verdade, com
tal ato a alma adquire alguma coisa que anteriormente não
possuía, vindo a conhecer alguma coisa que antes não conhecia.
Esta alguma coisa que é adquirida pela alma deve ser ou um ato
de intelecção ou um ato de vontade, isto é, deve tratar-se de uma
qualidade. À mesma conclusão se chega também refletindo sobre
o fato de que um hábito, originado da repetição de determinado
ato, coloca aquele que o possui em condição de maior disposição
para o próprio ato; isto é, passa-se a ter alguma coisa que antes
estava ausente, e esta alguma coisa não pode residir senão num
sujeito (GHISALBERTI, 1997, p. 53).
Ockham definia a ciência no aspecto de saber distinguir o racional do
divino, ou seja, considerava que a ciência tornava-se ciência quando a
experiência era realizada intuitivamente.
A insistência de Ockham quanto ao fazer ciência objetivava deixar claro
que explicar os conceitos pela razão não significava deixar de acreditar na
existência de Deus. Ao contrário, para ele a ciência, a reflexão auxiliaria os
indivíduos a crer na existência de Deus pela fé e de acordo com esse
entendimento Ockham buscava levar aos homens um conhecimento intuitivo,
isto é, aquele que esclarecia a realidade ainda desconhecida.
111
Tudo o que poderia ser conhecível era entendido pela intuição ou
abstração. Intuitivamente poder-se-iam compreender as coisas pelos meios
naturais, isto é, comprová-las empiricamente, porém o conhecimento abstrativo
não poderia compreender a espécie sem um prévio conhecimento intuitivo e
reflexivo.
Ademais, toda coisa conhecida em si, ou é apreendida
intuitivamente ou abstrativamente: logo, se a essência divina é
conhecida em si, é apreendida por nós, ou intuitivamente ou
abstrativamente. Não intuitivamente, é claro, porque esse é o
conhecimento beatífico, impossível de ser adquirido por meios
puramente naturais. Também não abstrativamente, porque, como
se declarou no Prólogo, nenhuma coisa pode ser conhecida em si
por nós abstrativamente por meios puramente naturais, sem ter
sido conhecida antes intuitivamente. Com efeito, se é conhecida
abstrativamente , -lo-á por um conhecimento intuitivo do
mesmo, e é o que se queria provar, ou por uma “espécie” da
coisa, o que não se de admitir, tanto porque, como se provará
depois, essa “espécie” é inadmissível, quanto porque, como se
em outros casos, a “espécie” não basta para o conhecimento
abstrativo sem um prévio conhecimento intuitivo (OCKHAM,
1973j, p. 388).
Ockham postulava que tudo para ser apreendido era preciso ser
experimentado, analisado. Não bastava imaginá-lo. Algo para ser tomado como
real deveria ser compreendido desde a sua base, as suas raízes. Com isso, o
autor contradizia a cncia teológica que explicava a natureza pela compreensão
abstrativa, ou seja, os homens percebiam, mas não discutiam sua originalidade,
suas diferenças de espécies.
De fato, todo conceito denominativo tem uma definição nominal
em que se põe alguma coisa no caso reto e outra coisa no caso
oblíquo. então pergunto de uma parte dessa definão nominal:
tem uma definição nominal semelhante, ou não? Na hipótese
negativa, temos o que se queria provar, isto é, que tal conceito é
necessariamente qüiditativo. Ou tem uma definição nominal, e
então pergunto sobre as suas partes como antes: dessa forma,
ou haverá um processo ao infinito , ou se chegará a algum
conceito qüiditativo daquilo de que se predica o primeiro
conceito denominativo (OCKHAM, 1973j, p. 388).
As coisas, apesar de possuírem a mesma origem, não eram
estritamente semelhantes. Para Ockham, não bastava compreender que tudo
era predicável, descendia de Deus, ou seja, que Ele era o Criador, pois as
112
coisas necessitavam ser nomeadas para serem compreendidas. Deus era a
origem de tudo e de todos, porém não necessariamente existia uma perfeita
semelhança com seu Criador e seus predicáveis
11
. Por isso, o autor referia-se
a todas as criaturas como unívocas, como um conceito comum a muitas coisas
com semelhanças.
Tratando-se da analogia, direi antes de quantas maneiras se toma
o termo “unívoco”. Saiba-se que, num primeiro modo, denota um
conceito comum a coisas que têm uma perfeita semelhança em
tudo o que é essencial, sem qualquer dessemelhança. Isso é a
verdade não somente em conceitos substanciais, mas também
em acidentais, de modo que na forma acidental da mesma
natureza. Exemplo: ainda que a brancura no quarto grau e nos
outros três graus não seja absolutamente brancura. Tomando-se
assim “unívoco”, somente é unívoco um conceito de espécie
especialíssima, dado que nos indivíduos da mesma espécie não
se encontra nada que seja de natureza diferente em um e no
outro (OCKHAM, 1973j, p. 389).
Entretanto, o conceito unívoco podia, tamm, alterar o sentido de
semelhança e mostrar que unívoco levava a crer na falta de semelhança entre as
criaturas. Conforme Ockham, todo conceito que se referia a Deus e às criaturas
era unívoco e podia ser investigado e entendido de maneira abstrata ou empírica.
Ockham tentava mostrar que nada na natureza deveria ser analisado sob o
mesmo ponto de vista; tudo poderia ser questionado e analisado pelo próprio
homem, bastava ele, por si mesmo, procurar uma explicação por meio do
conhecimento intuitivo.
11
Nota de H. L. Faeh: “Como o sujeito singular ‘Deus’ inclui o predicado singular ‘é’como algo que lhe
compete necessariamente, assim o sujeito ‘deuses’, no plural, parece incluir o predicado ‘são’, no plural,
como algo que lhe pertence necessariamente” (OS PENSADORES, 1973, p. 306).
113
Existiam diferentes formas de interpretações, ou seja, um conceito
estabelecia a possibilidade do indivíduo analisar a questão sob vários ângulos.
Assim, crer no que não se via e não se conhecia criava dúvidas que poderiam
levar os homens a um conhecimento errôneo.
A primeira e a segunda univocação os santos as negam de Deus.
A primeira, porque nada de essencial é da mesma natureza em
Deus e na criatura; a segunda, porque nada de acidental é da
mesma espécie em Deus e na criatura. Com efeito, assim como a
essência de Deus é diferente da essência da criatura, também o
são a sabedoria de Deus e sua bondade. Por isso diz Damasceno
que Deu não é sábio, mas supersapiente, nem bom, mas
superbom. Quanto à terceira, os próprios santos a admitem, tanto
naqueles que professam a univocação como os que a negam.
Também os filósofos atribuíram a Deus tal univocação. Se, porém,
tomarmos “unívocono segundo sentido, há muitas univocações
no gênero, porque aquilo que concorda apenas no conceito do
gênero é muito dessemelhante, visto que, por mais semelhança
que apresente, como se mostrou antes, tem muitas coisas
desiguais [...] (OCKHAM, 1973j, p. 389-390).
Na realidade, tudo tinha sua forma de ser e sua descrição. Assim sendo,
não se deveria descrever algo, mesmo procurando descrevê-lo em sua íntegra,
pois cada coisa exigia um conhecimento e uma conclusão.
Quando se diz que uma descrição de outra espécie causa um
simples conhecimento de outra espécie, a afirmação peca de
muitos modos. Primeiramente, porque um definição do sujeito
nunca origina um conhecimento incomplexo do sujeito, já que este
conhecimento é pressuposto parcialmente causar certo
conhecimento complexo pelo raciocínio, o qual pressupõe o
conhecimento incomplexo do sujeito. Em segundo lugar, porque
dado que uma descrição do sujeito causasse efetivamente esse
conhecimento simples do sujeito, não se segue por isso que
descrições de outra espécie podem ter algum efeito da mesma
espécie, como se evidencia pelo fato de que o calor pode ser
produzido pelo sol e pelo fogo, e de que o amor provém do
conhecimento e da vontade (OCKHAM, 1973j, p. 387).
Uma mesma coisa, portanto, não poderia ser conhecida por duas ou
mais ciências de espécies diferentes, visto que isso causaria um entendimento
controvertido de sua natureza, apesar de os termos serem reconhecidos pela
teologia e pela ciência natural por meio de ciências diferentes. O entendimento
acerca de determinada espécie por ciências diferentes provocaria uma
compreensão divergente da realidade das coisas, pois as conclusões sofreriam
conflitos de interpretações e de reconhecimento dos termos.
114
Com efeito, algo deveria ser entendido de uma maneira por todas as
ciências, a existência de Deus, mas Deus o poderia ser conhecido em sua
íntegra, ou seja, somente por meio do intelecto abstrato. Essa forma de
reconhecimento fazia com que Ele fosse compreendido pelas diversas ciências
com algumas contradições.
Existe algum conceito uno, comum a Deus e às criaturas e que é
predicável deles essencialmente e no primeiro modo de
predicação intrínseca.
Acerca disso, mostrarei primeiro que Deus não pode ser
conhecido em si, de modo que a própria essência divina termine
imediatamente o ato da intelecção, sem o concurso de nenhum
outro objeto.
Em segundo lugar, que não pode ser concebido por nós na vida
atual num conceito simples e que lhe seja próprio.
Em terceiro lugar, que pode ser concebido por nós em certo
conceito comum, predicável dele e dos outros.
Em quarto lugar, que algum conceito desses, em que pode ser
concebido por nós, é qüiditativo.
Em quinto e último lugar, como conseqüência do que ficou dito,
mostrarei que algum conceito uno é predicável de Deus e dos
outros essencialmente e no primeiro modo de predicação
intrínseca (OCKHAM, 1973j, p. 387).
Conhecer Deus em sua íntegra era algo muito difícil, mas poder-se-ia
conhecer intuitivamente o que era predicável de Deus, ou seja, aquilo que
Deus criou e que poderia ser comprovado pela ou pela razão, isso faria com
que se pudesse ter um conhecimento sem contradições.
De acordo com Ockham, as coisas possuíam, então, duas possibilidades
de conhecimento: a abstração e a intuição, todavia, o homem deveria saber
entender os dois caminhos e defini-los como base para o entendimento das
coisas, ou seja, se os indivíduos compreendessem que ambas as questões e
razão eram o caminho de se chegar ao conhecimento de algo, seria mais fácil
refletir e fazer com que o entendimento se fundamentasse pelo crivo do intelecto.
O conhecimento intuitivo era o conhecer pela ciência, pela razão e pela repetição,
o qual passava a integrar a alma dos homens, sem a dúvida de entender. Alféri
comenta essa progressiva experiência que Ockham propunha e sua discussão a
respeito da singularidade de cada coisa conhecida.
115
Seguindo a gênese progressiva da experiência, é seu fato
fundamental que nós abordamos com a produção dos conceitos: a
saber, que nós temos de nos haver com coisas singulares em
séries. Ao simples fato da semelhança das características das
coisas, fato que se em uma super abundância indefinidamente
explorável, na sua complexidade indefinida dos temas e das suas
variações, responde essa situação empírica que é a nossa. Sobre
a gênese subjetiva dessa relação às ries nos conceitos,
Ockham foi pouco esclarecedor. É, entretanto, essa gênese, essa
situação do pensamento – ou do espírito – no meio das séries que
todas as descrições de aspecto fenomenológico da apreensão
esclarece de um dia novo. Ao invés de fundamentar as séries
sobre algum modelo comum real das características do ser,
Ockham as fundamenta sobre a simples semelhança e sobre um
verdadeiro trabalho de seriação no pensamento. O fato de nós
termos de nos haver com séries, com tal homem como um
homem entre os outros, tal rosa como uma flor entre as outras, é
dessa forma que ao mesmo tempo reconhecido como um fato
amplamente dominante e entretanto, como derivado, não original
resultando de uma elaboração. É a partir da relação original no
singular como tal, essa derivação é reconstituída. E é, ao mesmo
tempo, toda a experiência que deve ser invocada. Esse trabalho
se enveredou secretamente << de modo oculto>> desde a
intuição original e imediata do singular, ao distanciamento decisivo
do ato e do objeto. Nesse distanciamento primeiro, assinalado
pelo paradoxo da intuição de uma coisa ausente, o motor de toda
elaboração arrancou: é o hábito, o princípio interno de repetição
dos atos na ausência do seu objeto. E assim, ao se deparar com
uma coisa singular, se inicia como uma máquina a produzir atos
em série. Um mesmo traço, ou um mesmo ato repetitivo que se
libera de sua origem (abstração, imaginação, meria intelectual);
depois, vários traços ou atos que se sobrepõe, e formam o tema
de uma visão de várias coisas (conceito). No interior,
arrebentação de atos repetidos como uma projeção autônoma
para o singular, incessante mas descontínua; no exterior
alinhamento dos singulares de acordo com suas semelhanças, se
deixando visar doravante através das semelhanças como um
tema no qual existe apenas variações: séries exteriores e ries
interiores (ALFÉRI, 1989, p. 212-213).
12
12
Suivant la genèse progressive de l’expérience, c’est son fait fondamental que nous abordons
avec la production des concepts: à savoir que nous avons affaire aux choses singulières dans des
ries. Au pur fait de la ressemblance du côté des choses, fait qui se donne dans une
surabondance indéfiniment explorable, dans la complexité indéfinie des thèmes et de leurs
variations, répond cette situation empirique que est la nôtre. Sur la genèse subjective de ce rapport
aux séries dans les concepts, Ockham fut peu bavard. C’est pourtant cette genèse, cette situation
de la pensée ou de l’esprit au milieu des séries que toute as description d’allure
phénoménologique de l’appréhension éclaire d’um jour noveau. Au lieu de fonder les ries sur
quelque modèle commum réel du d l’étant, Ockham les fonde sur de simples ressemblances
et sur um véritable travail de sérialisation dans la pensée. Le fait que nous avons affaire à des
ries, à tel homme comme um homme parmi d’autres, telle rose comme une fleur parmi d’autres,
est ainsi à la fois reconnu comme um fait largement dominante et pourtant comme dérivé, non
originaire résultant d’une élaboration. C’est à partir du rapport originaire au singulier em tant que tel
cette dérivation est reconstituée. Et c’est, du même coup, toute l’expérience qui doit être invoquée.
Ce travail, il s’est engasecrètement, <<de façon occulte>> dès l’intuition originaire et immédiate
116
Alféri (1989) preconiza que na concepção de Ockham o conhecimento se
formava com uma série de informações que iam sendo adquiridas pela ou pela
razão e que, aos poucos, após se ter produzido um conceito reflexivo de
determinadas coisas, elas tornavam-se singulares, com características
individuais, particulares, dando-se, assim, o conhecimento pela razão. A
preocupação de Ockham estava na prova de Deus como único e reconhecido por
uma única ciência.
Não obstante esse argumento, urge sustentar que Deus
evidentemente conhece todos os futuros contingentes. Mas não
se exprimir de que maneira. Pode-se, contudo, dizer que o próprio
Deus ou a divina essência é um conhecimento intuitivo, de si
mesmo e de todas as outras coisas que podem ser feitas ou não,
conhecimento tão perfeito e o claro, que constitui também um
conhecimento evidente de tudo o que é passado, futuro e
presente. Do mesmo modo como de nosso conhecimento intuitivo
e intelectivo dos extremos consegue nosso intelecto conhecer
evidentemente algumas proposições contingentes, também a
própria essência divina é um conhecimento pelo qual não é
conhecida a verdade necessária e a contingente da atualidade,
mas também qual a parte da contradição será verdadeira e qual a
falsa. E isso talvez não se deve à determinação de sua vontade.
Mas mesmo suposto, por impossibilidade, que a vontade de Deus
não fosse causa eficiente, nem total nem parcial, dos efeitos
contingentes, mas continuando a existir o conhecimento divino tão
perfeito como é agora, ainda seria por esse conhecimento que
Deus saberia evidentemente a parte da contradição falsa e
verdadeira (OCKHAM, 1973d, p. 398).
du singulier, dans l’écart décisif de l’acte et de l’objet. Dans cet écart premier, signalé par le
paradoxe de l’intuition d’une chose absente, le moteur de toute élaboration s’est ébranlé: c’est
l’habitus, le principe interne de répétition des actes en l’absence de leur objet. Et ainsi, dans le
face-à-face espacé avec une chose singulière, s’enclenche comme une machine à produire en
rie des actes. Une même trace trait ou un même répété qui se libère de son origine (abstraction,
imagination, mémoire intellectuelle); puis, plusieurs traces ou traits qui se superposent et forment
le thème d’une visée de plusieurs choses (concept). A lintérieur, ferlement d’actes répétés
comme une projection autonome vers le singulier, incessante mais discontinue; à l’extérieur,
alignement des singuliers selon leurs ressemblances, se laissant viser désormais à travers la
ressemblance comme un tme don’t il n’exite que des variations: des séries dehors et des séries
dedans (ALFÉRI, 1989, p. 212-213).
117
A possibilitava compreender Deus como um Ser uno, porque ao concluir
que Deus era um Ser superior com poder de criação dos outros seres, concluir-
se-ia tamm que não havia mais que um Deus, pois não existia outro ser
superior e nem semelhante a Ele e que Ele era o conhecedor de toda a verdade e
das falsas suposições.
As reflexões de Ockham voltadas para a necessidade de se conhecer Deus como uno, perfeito, verdadeiro e reconhecido
pela ciência como o Criador de tudo e de todos, porém sem ser reconhecido de forma empírica, tornou-o um diferencial em relação
aos outros autores que tratavam das mesmas questões, visto que Ockham afirmava que não seria possível conhecer o mundo sem ser
pela razão, pelo intuitivo, mas que algumas coisas, ou seja, o principal, Deus, poderia e deveria ser entendido pela abstração como
verdade absoluta da sua existência. Ockham, ao mesmo tempo em que direcionava os homens para o conhecer racional, mostrava
que para tudo havia uma exceção, uma forma de entender o que o poderia ser comprovada pelos olhos do conhecer intuitivo.
Assim, ele discursava sobre suposições que poderiam ser verdadeiras e acerca das verdades lógicas, concretas. A seguir,
estudaremos o que seriam essa verdade lógica e o termo suposição para Ockham, lembrando que não é nosso propósito apresentar
uma definição fechada dos conceitos em Ockham, mas analisá-los no âmbito de nosso debate em torno das mudanças educacionais.
4.3 SOBRE OS TERMOS VERDADE E SUPOSIÇÃO ANALISADOS POR
OCKHAM
Os termos verdade e suposição para Ockham estavam pautados na
proposição de algo que poderia ser considerado verdadeiro ou falso. Dessa
forma, a discussão a respeito desses conceitos traz como fundamento das suas
abordagens a veracidade da existência de Deus para provar que as suposições
poderiam ou não ser verdadeiras.
Para o autor, tanto o sujeito quanto o predicado podiam corresponder aos
termos supostamente verdadeiros ou falsos, e quando alguma coisa era situada
de determinada forma, sem que tivesse sido contemplada intuitivamente, a
conclusão seria definida como verdadeira desde que o ouvinte conhecesse
empiricamente a proposição suposta. Eis o exemplo de Ockham:
Assim é que, por esta proposição: “O homem é animal”, se denota
que Sócrates é verdadeiramente um animal, de modo que se
formula uma frase verdadeira ao dizer: “Este é um animal”,
apontando-se Sócrates. Pela proposição, porém: “’Homem’ é um
nome”, denota-se que a palavra “homem” é um nome, e por isso
nessa frase a suposição de “homem” é semelhante palavra.
118
Igualmente, pela proposição “A coisa branca é um animal”,
denota-se que aquilo que é branco é um animal, de modo a ser
verdadeira a frase: “Isto é um animal”, designando-se aquela
coisa que é branca, e por isso o sujeito “supõe” por ela. O mesmo
se diga proporcionalmente do predicado, pois, pela proposição:
“Sócrates é branco”, denota-se que Sócrates é aquilo que tem
brancura e por isso o predicado “supõe”por aquilo que tem
brancura. E, se nada mais de Sócrates tivesse brancura, a
suposição do predicado seria precisamente Sócrates. Uma regra
geral, porém, é que nunca um termo em qualquer proposição, ao
menos quando tomada significativamente, “supõe” por alguma
coisa, a não ser que se predique realmente dela (OCKHAM,
1973i, p. 369).
O exemplo de Sócrates denota que para Ockham as palavras, os nomes
correspondiam a uma reflexão de tudo o que se ouvia ou se via e que era preciso
tentar entendê-los. A citação acima indica que a palavra branco, predicado,
associada ao nome Sócrates, já conhecido por todos, levava a crer e a confirmar
que Sócrates era branco, além de ser um animal. Ou seja, os termos branco,
animal e Sócrates definiam bem o que todos sabiam, mas não viam. Desse
modo, supunha-se que Sócrates era homem e era branco, visto que não poderia
ser conferido empiricamente.
Com isso, segundo Ockham, a razão inferia na compreensão, pois todos
sabiam que Sócrates era um homem e que era branco, mesmo sem conhecê-lo.
Em conformidade com o autor, mesmo que o entendimento fosse abstrato, poder-
se-ia, pela via racional, reflexiva conhecer o que estava sendo suposto.
Essa teoria de Ockham sobre suposições, na visão de Ghisalberti, era
considerada como verdadeira quando constituía uma proposição na qualidade de
sujeito ou de predicado se ambos designassem um conceito induvidoso.
Nas proposições: ‘o homem corre’, o homem é uma espécie’, o
termo homem mantém sua função significativa, embora estando
no lugar (isto é, supondo) de coisas muito diversas; no primeiro
caso, a palavra homem indica indivíduos concretos (Tício, Caio
etc.), no segundo caso, designa um conceito. Sem dúvida, o
significado próprio do termo homem é o do primeiro caso;
contudo, em virtude da suposição, o termo pode ser usado
também de uma maneira que prescinde de seu significado
próprio, mas que não o altera, e passa então a designar qualquer
119
outra coisa (em nosso caso, um conceito) (GHISALBERTI, 1997,
p. 45).
Ainda citando Ghisalberti (1997), a referência sobre as suposições deveria
sempre derivar de termos concretos ou conceituais, mas que prescindissem do
seu significado próprio, do seu sentido real. Portanto, referir-se a Deus, para
Ockham, era provar por meio da suposição abstrata que Deus existia e que Dele
tudo descendia.
Ockham procurava estabelecer, dentro da teoria da suposição, uma
subdivisão de entendimentos que propiciava aos indivíduos uma liberdade de
opção de compreensão, a vista disso ele ampliava a maneira de supor o
conhecimento não-intuitivo, empírico. Ockham partia da suposição dos termos,
que seria a forma de justificar o sujeito e o predicado, e seguia mostrando que a
suposição desses termos poderia ser dividida, ou seja, para afirmar que todo
homem era um animal, bastava separar o sentido das palavras empregadas para
justificar a frase, porque quando a referência denotava que o homem era animal,
não era preciso justificar mencionando que todos os homens eram animais, visto
que só a palavra homem já apregoava o sentido.
A outra alternativa de Ockham para compreensão dos termos era a de que
toda proposição poderia ter uma suposição pessoal. Segundo o autor, o
entendimento dos termos, em muitos casos, poderia ser chamado de material,
simples e pessoal. Simples quando o sujeito e o predicado supunham uma
relação pessoal ao tema sugerido, o que Ockham denominava intenção da alma,
pois para ele o significado do termo era voltado para um entendimento único.
Material quando o termo não supunha uma significação direta ao sujeito,
mas a frase apresentava um sentido verdadeiro. O exemplo de Ockham é
“Homem é um substantivo” (OCKHAM, 1973i, p. 370), logo, ele afirma que
homem estava atribuído ao substantivo, porém homem tinha um outro significado,
o de próprio homem. Por conseguinte, homem era um substantivo, não deixava
de estar correto, mas a proposição real seria de que o homem era homem.
120
O termo pessoal seria quando apontava algo que a suposição do sujeito
determinava como singular, ou seja, para Ockham o conceito de pessoal indicava
algo que, mesmo sendo falso, aparentava ser verdadeiro; eis o exemplo Uma
planta dessa espécie cresce no meu jardim” (OCKHAM, 1973i, p. 372). Essa frase
poderia ser verdadeira ou falsa, todavia, era pessoal, aparentava ser real.
Pode-se, pois, formular a seguinte regra: Quando um termo dessa
tríplice suposição se compara com um extremo, que é comum aos
incomplexos ou aos complexos, falados ou escrito, sempre pode
ter uma suposição material, e tal proposição deve distinguir-se.
Quando, porém, é comparado com um extremo que significa uma
intenção da alma, cumpre-se ser distinguida a proposição, porque
pode o termo ter uma suposição simples ou uma pessoal.
Quando, contudo, o termo se compara com um extremo comum a
todos os anteriores, deve distinguir-se a proposição, porque pode
ter suposição simples, material, e pessoal. E assim se deve
distinguir esta frase: Homem se predica de muitos”, porque, se
“homem”se predica de muitos; se tiver uma suposição simples ou
material, quer pela palavra falada, quer pela escrita, é verdadeira,
porque então tanto a intenção comum como a palavra, falada ou
escrita, se predicam de muitos (OCKHAM, 1973i, p. 372).
Ockham retoma a questão da palavra escrita ou falada para afirmar que os
termos usados como suposição poderiam ser avaliados dependendo da forma
como estavam sendo propostos. Quando ele dava o exemplo dos homens que se
predicavam, asseverava que mesmo sendo a palavra escrita ou falada tinha a
mesma conotação, pois o homem se afirmava em qualquer circunstância como
homem e que mesmo sem saber de qual homem se estava falando poder-se-ia
entender que uns derivavam dos outros, sem necessitar de uma comprovação
visual.
Essa forma de afirmação levava-o a comprovar a veracidade de Deus sem
precisar dos olhos humanos para visualizá-lo, haja vista que se os homens
poderiam ser confirmados como homens predicados uns dos outros sem haver
uma comprovação empírica, logo Deus, que criou tudo e todos, não necessitaria
de proposição material para ser comprovado, pois sua confirmação de existência
se dava pela suposição que dizia respeito à intenção da alma.
121
Da mesma forma, distinguiam-se as seguintes proposições:
‘Homem’ se predica de muitos” , ‘Risível’ é uma propriedade do
homem”, ‘Risível’ se predica primeiramente do homem” , as
quais têm rios sentidos tanto da parte do sujeito como do
predicado. Igualmente deve distinguir-se a proposição: ‘Animal
racional’ é definição do ‘homem’ “, porque, se tiver suposição
simples, é verdadeira, mas falsa se sua suposição for pessoal. O
mesmo se diga de muitas outras frases semelhantes, como estas:
“A sabedoria é um atributo de Deus”, ‘Criativo’ é uma propriedade
de Deus” , “A bondade e a sabedoria o atributos divinos”, A
bondade se predica de Deus”, “Inascibilidade é uma propriedade
do Pai”, etc. (OCKHAM, 1973i, p. 371).
Deus, para Ockham, estava acima de tudo e de todos e os sentimentos
utilizados pelos homens na terra não deixavam de ser um atributo divino dos
quais nunca se poderia duvidar. Apesar da clareza do estabelecimento de uma
discussão entre verdade e suposição, denotando que o empírico sobrepunha o
conhecimento abstrato, Ockham fundamenta em suas afirmações as explicações
pautadas em Deus como Criador do mundo e sem confirmação visível de sua
existência. Zilles (1996) justifica as discussões de Ockham esclarecendo que
Segundo Ockham, não podemos ter nenhuma notícia intuitiva de
Deus, nem pelos sentidos, nem pela inteligência. Portanto, se o
conhecimento abstrativo pressupõe o intuitivo, é impossível
conhecer a Deus por meios naturais. Por nenhum conhecimento
direto e intuitivo. Mas Deus pode infundir-nos um conhecimento
abstrativo de si mesmo, ou seja, Deus pode causar na alma uma
noção abstrativa da divindade, um conceito. Podemos receber,
assim, um conceito sem saber se existe a realidade
correspondente (ZILLES, 1996, p. 124).
Desse modo, podemos dizer que mesmo Ockham sendo considerado por
alguns autores o último dos escolásticos medievais, visualizando os problemas
sociais e buscando soluções concretas, por meio de experiências, para a vida
prática dos homens, ele traz em suas manifestações o eixo norteador do mundo
medieval, ou seja, a existência de Deus como comprovação de todas as coisas
terrenas.
O pensamento prático de Ockham, no qual ele tentava mostrar a
veracidade de todas as coisas, seja por meio das palavras ou das suposições,
122
tinha uma implicância direta com o pensamento teológico, que visava esclarecer e
favorecer a compreensão do abstrato pela via da razão. Do ponto de vista de
Fernando Aranda Fraga, Ockham se pautava em um voluntarismo teológico, ou
seja, da credibilidade que Deus criou a tudo e todos e que estes procedem da
Sua vontade.
Agora bem, percebe-se em Ockham, que todas estas
implicâncias, vêm mediadas por seu pensamento teológico.
Especificamente, com respeito ao reflexo da teologia na moral,
este vem pautado do “voluntarismo”. que a existência de Deus
não é objeto de demonstração, a não ser pela fé, não será
possível prová-lo nem demonstrar-se a unicidade. Isto conduz a
uma afirmação, muito forte, por verdadeiro, de que não coisas
boas ou s em si mesmas, a não ser somente em virtude dos
decretos positivos da vontade divina (FRAGA, 2000, p .449).
13
Como apregoa Fraga (2000), de acordo com Ockham as suposições
poderiam ser boas ou más e isso poderia ser comprovado pela análise do
indivíduo que iria avaliá-las. Por isso Ockham propunha várias maneiras de
interpretar as suposições. Entretanto, cabe ressaltar que Ockham, ao procurar
provar a direta ligação da singularidade do real, postulava que esse conhecimento
era uma realidade desconhecida e caberia aos homens tentar entender a sua
substância singular por meio da experiência ou das exigências necessárias para a
verdade de uma proposição singular.
Como exemplo para essas discussões, Ockham cita Sócrates e a
humanidade, tentando mostrar que se não fosse possível provar empiricamente
determinados termos, estes deveriam ser analisados reflexivamente, visto que
algumas formulações eram falsas quando expressavam argumentos que não
cabiam como proposição singular.
Daí se serem falsas, em sua formulação, as seguintes
proposições: “Homem pertence à qüididade de Sócrates”,
“Homem é da essência de Sócrates”, “A humanidade está em
13
Ahora bien, se percibe em Ockham, que todas estas implicancias, vienen mediadas por su
pensamiento teológico. Específicamente, con respecto al reflejo de la teologia en la moral, este
viene a colación del “voluntarismo”. Puesto que la existencia de Dios bi es objeto de
demonstración, sino de la fe, no será posible probarlo ni demostrar-se la unicidad. Esto conduce a
la afirmación, muy fuerte, por cierto, de que no hay cosas buenas o malas en sí mismas, sino sólo
en virtud de los decretos positivos de la voluntad divina (FRAGA, 2000, p .449).
123
Sócrates”, “Sócrates tem humanidade”, “Sócrates é homem pela
humanidade” e muitas proposições semelhantes, admitidas por
quase todos. A falsidade delas é patente. Com efeito, tomemos
como exemplo uma, esta, digamos: “A humanidade está em
Sócrates”. Pergunto: Em lugar de que está o termo
“humanidade”? Ou substitui a coisa, ou uma intenção, isto é, ou
por ele se denota que em Sócrates uma verdadeira fora da
alma, ou que a intenção da alma está em Sócrates. Se “supuser”
por uma coisa, pergunto: Por que coisa? Será por Sócrates, por
uma parte de Sócrates ou por uma coisa que nem é Sócrates,
nem uma parte de Sócrates? Se por crates, é falsa a
afirmação, porque nada que é Sócrates está em crates, visto
que Sócrates não está em crates, ainda que Sócrates seja
Sócrates. E do mesmo modo a humanidade não está em
Sócrates, mas é Sócrates, se a suposição de “humanidade” é a
coisa que é Sócrates. Se, porém, “humanidade” está em lugar de
uma coisa que é parte de Sócrates, a afirmação é falsa, porque
tudo quanto é parte de Sócrates ou é matéria, ou é forma, ou é
composto de matéria e forma, e uma forma humana, mas não
outra, ou uma parte integral de Sócrates. Entretanto, nenhuma
dessas partes é humanidade, como se evidencia indutivamente.
Realmente, a alma intelectiva não é a humanidade, pois nesse
caso a verdadeira humanidade teria permanecido em Cristo
durante o tríduo (de sua morte) e por conseguinte a humanidade
estaria verdadeiramente unida ao Verbo durante os três dias,
sendo conseqüentemente verdadeiro homem, o que é falso
(OCKHAM, 1973e, p. 374-375).
Ao tentar esclarecer que a humanidade não se fundamentava em um
homem, mas que na verdade representava em parte todos os homens e que
Sócrates não poderia ser tido como representante da humanidade, Ockham
insere que o corpo e a matéria de Sócrates não representavam a humanidade,
haja vista que somente a alma era a representante, logo, era uma parte de
Sócrates e não o seu todo. A afirmação de que “a humanidade está em Sócrates”,
portanto, era falsa.
Conforme Ockham, as frases mal formuladas contribuíam para uma
interpretação errônea do significado dos termos, o que, por sua vez, causava um
entendimento errado do sentido daquilo que era para ser conhecido na íntegra.
Desse modo, as palavras escritas ou faladas correspondiam a uma análise
profunda e deveriam ser muito bem avaliadas antes de serem inferidas.
124
Do ponto de vista de Paola Muller (1999), Ockham atribuía exemplos e
significados aos termos na tentativa de que o surgissem dúvidas ao se
pronunciarem as palavras e, com isso, ele definia os nomes procurando
estabelecer uma significação direta do objeto com a sua realidade.
Uma ulterior distinção entre os termos é a que ocorre entre os
termos absolutos, que significam um objeto como ele é, que o
objeto possa existir ou não, por si, na realidade, e os termos
conotativos, que significam um objeto como determinativo de um
outro. O absoluto em sentido lógico ou gnosiológico é aquilo, cujo
conhecimento não é relativo a outros conhecimentos, ou seja,
condicionado ou dependente; é, portanto, a verdade imediata do
saber humano. Um nome é dito absoluto, quando significa, sob o
mesmo título e sob o mesmo modo, tudo o que significa; exprime
seu objeto diretamente, sem significar, ao mesmo tempo, qualquer
outra coisa. Tais são todos os nomes a categoria da substância e
os nomes abstratos da categoria da qualidade. Os nomes
absolutos não têm propriamente uma única definição nominal, isto
é, tal que exprima o significado da palavra, enquanto podem tê-la
os nomes conotativos, que significam uma coisa, primária e
diretamente, e uma outra, secundária e indiretamente. Por
exemplo, o termo “branco” significa diretamente o objeto que é
branco e indiretamente a brancura que é possuída pelo sujeito
(MULLER apud OCKHAM, 1999, p. 38-39).
Muller explica que para Ockham os termos se distinguiam pela explicação
da verdade do objeto. Sendo assim, eles eram determinados como absolutos ou
como conotativos, e como o próprio nome apresentava, o absoluto era aquele
que o suscitava ter dúvidas para crer, ou seja, os predicados coadunados ao
sujeito explicitavam a coerência de verdade existente pela frase formulada.
Entretanto, o termo conotativo implicava incerteza quanto à relação verídica entre
o sujeito e o predicado. Como exemplo, Muller assevera que o termo branco
poderia ser considerado como termo absoluto, entendendo que a qualidade
branco não sugere outras definições, pois quando se diz que é branco o intelecto
humano já estabelece a representação direta da indicação proposta.
Por conseguinte, os termos conotativos, explica Muller, implicam uma
definição abstrata que informa ao leitor ou ao ouvinte uma indefinição e
combinação de conceitos. Com esses termos não se estabelece uma ligação
125
direta e conclusiva sobre a frase pronunciada, podendo haver várias
interpretações quanto ao predicado. A autora cita como exemplo a palavra
quimera.
por exemplo, o nome “quimera” tem uma definição que exprime
aquilo que aquele nome significa, mas não exprime o que é
aquela coisa que é quimera, pois esta não existe, nem pode
existir. Outros nomes conotativos, ao contrário, isto é, aqueles que
significam coisas diferentes ou uma mesma coisa de modos
diferentes, podem ter uma dupla definição (MULLER apud
OCKHAM, 1999, p. 39).
Além desses termos supracitados, Ockham exemplifica que os nomes
poderiam ser chamados de equívocos, unívocos ou denotativos. Essas
denominações variavam de acordo com o conceito que se creditava para os
signos lingüísticos, isto é, quando se chamava o termo de equívoco, Ockham
esclarecia que o nome em análise poderia creditar mais que um significado, ou
seja, a palavra supunha determinada coisa quando relacionada com a frase dita,
porém, se analisada fora do contexto poderia ter outra significação.
o termo equívoco, que em qualquer proposição pode “supor” por
qualquer significado seu, se não for limitado o certo sentido pela
vontade dos que o empregam. Entretanto, o termo não pode em
toda proposição ter a suposição simples ou material, mas só
quando tal termo se refere a outro extremo que diz respeito à
intenção da alma, a uma palavra falada ou a uma palavra escrita.
P. ex., nesta proposição: “O homem corre”, a palavra “homem”
não pode ter uma suposição simples ou material, porque “correr”
não diz respeito à intenção da alma, nem à palavra falada nem à
escrita. Nesta proposição porém: “O homem é uma espécie”, visto
que “espécie” significa uma intenção da alma, pode ter uma
suposição simples. É então uma proposição que se deve distinguir
conforme o terceiro modo da equivocação, que o sujeito pode
ter suposição simples ou pessoal (OCKHAM, 1973i, p.371).
Diferentemente do conceito equívoco sobre o qual predominava vários
entendimentos ao sentido da palavra, quando chamado de unívoco todo o
significado era estabelecido para um único conceito, denotando que a palavra não
poderia impor outra concordância de conhecimento para aquilo que estava sendo
pronunciado.
126
Unívoco, por sua vez, chama-se tudo aquilo que se subordina a
um conceito, quer signifique muitas coisas, quer o. Contudo,
propriamente falando, não é unívoco se não significa ou não é
apto a significar com a mesma prioridade muitas coisas, de modo
que significará essas muitas coisas porque uma intenção da
alma as significa, sendo portanto um sinal subordinado na
significação a um só sinal natural, que é a intenção ou conceito da
alma. Essa divisão, porém, não se refere aos nomes apenas, mas
também aos verbos e, em geral, a qualquer parte da oração, e a
se dá o caso de que alguma coisa será equívoca por poder ser de
diversas partes da oração, como digamos, ser nome e ser verbo,
ou ser nome e ser particípio ou advérbio, e assim por diante.
Entenda-se, entretanto, que essa divisão dos termos em equívoco
e unívoco não implica uma oposição simples, de modo a ser
inteiramente falsa a afirmação: “Algum equívoco é unívoco”; ao
contrário, trata-se de uma frase verdadeira, porque verdadeira e
realmente a mesma palavra é equívoca e unívoca, mas não a
respeito das mesmas coisas. Assim é que a mesma pessoa é pai
e filho, não porém relativamente ao mesmo, e a mesma coisa é
semelhante e dessemelhante, mas não em relação à mesma
coisa sob o mesmo aspecto (OCKHAM, 1973h, p. 367).
Por sua vez, na interpretação de Ockham o termo denotativo diferenciava-
se dos equívocos e dos unívocos por se tratar de uma predicação de termos
abstratos e que se principiava por estes, mas que se finalizava conceituando
outro sentido, ou seja, a raiz das palavras acentuava uma abstração para o seu
significado, porém, após sua derivação se pautava em algo unívoco. Eis o
exemplo do autor:
Também o termo denotativo, no que diz respeito à questão
presente, pode ser chamado de duas maneiras. Estritamente, é o
que começa, como o termo abstrato, mas não tem um fim
semelhante, significando um acidente, como de “fortaleza” temos
o denotativo “forte” , e de “justiça”, “justo”. Na acepção ampla, diz-
se do termo que tem um princípio semelhante ao abstrato, mas
não um fim igual, significando um acidente ou não, como de
“alma” se diz “animado” (OCKHAM, 1973h, p. 368).
Essas discussões fomentadas por Ockham, pautadas na afirmação do que
era verdadeiro ou falso, vieram elaborar e implicar em várias questões sobre tudo
aquilo que poderia ser considerado como real ou duvidoso. As justificativas
propostas pelo autor com a intenção de provar que além das coisas que poderiam
ser conhecidas empiricamente havia, também, aquelas que os olhos não viam,
mas que deveriam, pela razão, ser consideradas reais, inseria nos homens do seu
127
período a necessidade de trabalhar o intelecto, a reflexão para a descoberta de
tudo o que poderia ou não ser analisado pela experncia.
Dependeria dos próprios indivíduos, citando Ockham, entenderem que as
exigências criadas propunham um questionamento e interpretação acerca das
coisas imbricadas em seu cotidiano, e compreenderem que apesar de existir uma
gama de explicações para determinadas coisas, a interpretação, em nível
semântico, poderia propiciar a origem e as variações da significação de vários
termos, muitas vezes utilizados e pronunciados sem o devido sentido de
compreensão tanto para o narrador ou escritor quanto para o ouvinte ou leitor.
Neste sentido, é possível vislumbrar a importância desse autor, em seu
contexto histórico, fazendo a defesa do indivíduo como conhecedor das coisas no
seu real e concreto. Segundo Ockham, o homem deveria ter a liberdade de
conhecer o mundo, as coisas na sua íntegra, visando realmente ao seu
significado e a sua importância. A exploração de tudo e, conseqüentemente, a
experiência empírica para o conhecimento da realidade possibilitariam o
discernimento de compreensão das coisas possíveis de serem analisadas pela
intuição e aquelas que poderiam somente ser explicadas pela abstração. Por
meio dessa perspectiva, dessa liberdade do indivíduo em poder conhecer o
verdadeiro, o visível, Ockham priorizava a razão, mostrando que pela reflexão,
pelo uso do intelecto como fundamento de entendimento as proposições
poderiam ser avaliadas na sua íntegra e serem conferidas como verdadeiras ou
falsas, favorecendo, assim, o conhecimento empírico da natureza.
128
5 CONCLUSÃO
Nossa intenção, neste trabalho, foi apresentar algumas questões
educacionais que estavam em cena noculo XIV e que de um modo ou de outro
influenciaram as alterações de comportamentos e atitudes da sociedade da
época. Para a elaboração dessa análise, nos fundamentamos em um autor do
período, Guilherme de Ockham, o qual, com sensibilidade e reflexão, apresentou
aos homens da sua época como necessidade primordial a utilização do intelecto
para discernir, com clareza, a importância da fé e da razão em suas vidas. Ele
tentou explicar que ambos os temas eram essenciais à vida do ser humano e que
havia a possibilidade de entendê-los singularmente, sem que um,
obrigatoriamente, precisasse submeter-se ao outro.
É mister considerarmos que os acontecimentos históricos, muitas vezes,
revelam que os homens, em seu momento histórico, procuram resolver suas
questões e atender suas necessidades, resolver seus problemas. Com isso,
podemos perceber que as soluções provocam um encontro frontal entre o
pensamento arraigado e a dificuldade de aceitar a transformação, o
rompimento das idéias postas, visto que a luta entre o “novo” e o que podemos
chamar de “velho” não é repentina. Muitas vezes, perpassa séculos, se
apresenta de maneira tímida no cotidiano da sociedade, revelando mudanças
que acabam se convergindo dia-a-dia. Entretanto, o embate ocorre, de fato,
quando a nova forma de vida que está se estabelecendo cria força por questão
de sobrevivência e pouco a pouco vai cedendo lugar para as alterações que
são imprescindíveis, mas não totalmente aceitáveis na vida dos homens.
As mudanças que inserem o homem no âmbito da educação acompanham
a sociedade, ou seja, os valores sociais se alteram e os homens tendem a se
129
adaptar às novas relações sociais, mas para tanto, ocorrem transformações que
visam estar de acordo com as exigências sociais da época. Os indivíduos
correspondem suas atitudes e comportamentos de acordo com as relações reais
de cada período, ou melhor, conforme aquilo que é mais apropriado para atender
as exigências postas pela sociedade.
O poder divino perpassou séculos e suas explicações respondiam às ações
dos homens correspondendo às suas necessidades. O homem, como ser
histórico, produziu transformações que modificaram o desenrolar de suas
relações, sejam elas econômicas, sociais, educacionais ou políticas.
Os indivíduos passaram a compor leis e instrumentos que fossem plausíveis
aos seus interesses e que estabelecessem um caminho viável aos seus ideais.
Assim, a explicação pelos meios divinos não era mais possível de satisfazer
os anseios da sociedade. Era necessária uma nova explicação, ou seja, algo
que comprovasse o inexplicado, tudo aquilo que outrora não havia sido
compreendido pelos olhos da razão, da reflexão experimental.
Desse modo, como mostramos ao longo de nossa discussão, para
entender as questões que Ockham evidencia como essenciais na vida dos
homens é preciso que compreendamos que seus antecessores tamm
procuraram esclarecer a relação entre o poder espiritual e o poder temporal.
Ockham, porém, questionou essas explicações revelando que o momento era
outro e que não se podia mais crer apenas no conhecimento que serviu para
solucionar ou esclarecer a vida dos indivíduos do passado.
O século XIV, para Ockham, apresentava uma outra forma de vivência e
já não bastava o conhecimento fundamentado na fé, na abstração, pois as
130
carências sociais haviam criado a necessidade de se conhecer o mundo pela
experiência. Para provar seus argumentos, Ockham levantou questões que
diferiam o entendimento dado em momentos anteriores. O autor defende em suas
discussões principalmente a importância de se conhecer empiricamente as
coisas, podendo, dessa maneira, comprovar sua existência na forma real.
Numa acepção, “ciência” é certo conhecimento de alguma verdade.
Assim se sabem algumas coisas pela fé. Dizemos, p.ex., saber que
Roma é uma grande cidade, ainda que não a tenhamos visto; e digo
igualmente saber que este é meu pai e esta minha e; e o mesmo se
assevera de outras coisas que não são evidentemente conhecidas, mas
que, porque as admitimos sem qualquer vida e por serem
verdadeiras, dizemos conhecer.
Em outro sentido, toma-se “ciência” como conhecimento evidente, ou
seja, quando se diz que sabemos não somente devido ao testemunho
de outros, mas também assentimos, mediata ou imediatamente, sem
que ninguém me dissesse que a parede é branca, eu o saberia vendo a
brancura dela. O mesmo se diga das outras verdades. Nessa acepção,
não temos ciência apenas das coisas necessárias, mas também de
algumas contingentes, que sejam contingentes quanto à existência ou
não-existência, quer de outra maneira (OCKHAM, 1973c, p. 342).
Ockham se refere à ciência como necessidade de explicação do mundo.
Os argumentos que o autor usava eram de que a não podia mais atender às
expectativas de confirmar o conhecimento. A organização social do século XIV,
para ele, estava voltada para a busca de descobertas e de experiências que
não deveriam se pautar somente nas explicações religiosas, pois os interesses
de sobrevivência precisavam de um pensamento reflexivo, racional, que
pudessem atender às prioridades que estavam sendo postas cotidianamente
aos homens.
131
Devido às alterações que estavam ocorrendo, o pensamento tamm se
modificava; Ockham justificou essas mudanças salientando alguns pontos.
Para o autor, a questão da credibilidade em Deus era o centro de todas as
suas discussões; todavia, o fato de Deus existir e ser o Criador de tudo e de
todos, não legitimava as explicações suscitadas pelos universais em afirmar
que pelo fato de tudo ser descendente de Deus, as particularidades de cada
ser não se justificavam. Sobre o pensamento de Ockham para tais questões
Fraga pondera:
Bien sabido es que los más conocido del pensamento de Ockham
se reduce a su nominalismo y teoria de los universales, la lógica,
su concepción voluntarista de la ley natural y sus ideas teológicas,
aquello que constituye lo que podemos llamar su “pensamiento
especulativo”. Mucho menos lo es su pensamiento político y la
posible relación entre este y aquél. Lo cierto es que sus ideas
respecto de la sociedad y la política revelan su filiación a uma
época de la filosofia que se cerraba, dando lugar a uma
intelectualidad que poco tiempo más de aparecer em el mundo
como radicalmente nueva y cualitativamente diferente de la época
anterior. Tal “revolución de la mentalidad”, como lo expressa
Cassier, tuvo lugar entre el apogeo de la concepción clásica del
derecho y el que sirvió de trasfondo a la elaboración del Derecho
Natural Moderno (FRAGA, 2000, p. 429).
Para Fraga, assim como para outros autores, as questões que Ockham
estabelecia como primordiais para a vida dos homens e suas discussões e
análises sobre a forma de entender o mundo acabaram por interferir, de
maneira significativa, na transição do mundo Feudal para o Moderno.
Entretanto, isso não quer dizer que Ockham tenha delineado o pensamento
dos indivíduos com o intuito de alterá-los, pois as mudanças estavam
ocorrendo séculos devido às necessidades que os próprios indivíduos
criaram, e a sociedade moderna já mostrava indícios de um fortalecimento
132
cada vez maior. Não obstante a essas modificações, Ockham definiu o que já
estava posto na sociedade, mas ainda implícito no intelecto.
A partir dessa análise, podemos afirmar que os momentos de transição
sempre propiciam um estudo sobre a reorganização social e as modificações
que alteram as instâncias da sociedade. Assim, estudar Ockham e os clássicos
que embasam cada momento de mudanças que inserem a questão
educacional leva-nos, por mais distante que estejam do nosso período, a
refletir sobre o presente. Com certeza, a intenção não é a de transportar as
questões do passado para o presente, visto que cada época apresenta
diferentes condições de sobrevivência; entretanto, o compromisso com o
passado é essencial para compreendermos o próprio “eu”.
Para concluir as nossas considerações, salientamos que neste trabalho
as leituras realizadas a respeito do período medieval e as discussões que
Ockham propicia à sociedade de seu momento nos incitam a refletir sobre o
assunto e entender que a importância desse autor foi de suma relevância para
o século XIV, assim como a leitura de suas obras e de suas ponderações nos
fazem concluir que este estudo não se finaliza, haja vista a amplitude de
afirmações e reflexões que Ockham expõe em seus escritos sobre o seu
período abrange rias outras questões que não foram discutidas de forma
aprofundada neste estudo, mas que possivelmente poderão ser analisadas e
discutidas em outro momento.
133
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