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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
Aristóteles de Almeida Pires
A sonoridade do violão na execução musical:
um estudo sobre os seus aspectos formadores e a análise de duas gravações das Quatro
Peças Breves de Frank Martin.
Porto Alegre
2006
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1
Aristóteles de Almeida Pires
A sonoridade do violão na execução musical:
um estudo sobre os seus aspectos formadores e a análise de duas gravações das Quatro
Peças Breves de Frank Martin.
Artigo apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Música do Instituto de Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Música, na subárea de
Práticas Interpretativas.
Orientadora:
Profª Drª Any Raquel Carvalho
Porto Alegre
2006
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2
Aristóteles de Almeida Pires
A sonoridade do violão na execução musical:
um estudo sobre os seus aspectos formadores e a análise de duas gravações das Quatro
Peças Breves de Frank Martin.
Artigo apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Música do Instituto de Artes
da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Música, na subárea
de Práticas Interpretativas.
Defesa em 29 de maio de 2006.
Profª Drª Any Raquel Carvalho – Orientadora
Profº Dr. Orlando Fraga – EMBAP/UFPR
Profº Dr. Daniel Wolff – UFRGS
Profº Dr. Antônio Carlos Borges Cunha – UFRGS
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me dado todas as condições necessárias para terminar
essa etapa;
À minha amada Betânia, pelo seu amor e apoio incondicional, que me dão
estímulo para seguir adiante;
À Isabela, minha filha, que me deu uma nova dimensão de vida;
À minha mãe Maria Lindamir, pelo seu carinho, seu exemplo e pelo seu amor;
Ao meu irmão José Homero pelos ensinamentos de música, sem os quais esse
trabalho não existiria;
Aos Professores do PPGMUS/UFRGS com os quais tive contato durante o curso,
agradeço pelo ensino e apoio; em especial à Professora Any Raquel Carvalho pela
confiança e pela dedicação e ao Professor Daniel Wolff pela orientação na prática
instrumental;
Um saudoso agradecimento à Professora Rose Marie Reis Agrifoglio (in
memorian) que me ajudou a descobrir o caminho a seguir durante essa pesquisa;
Aos colegas pelo convívio e, em especial, ao Rafael Garcia Borges pela amizade;
E a todas as pessoas que conviveram comigo e que, de alguma maneira, também
fazem parte do resultado final desse trabalho.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho ao meu pai, José Homero (in memorian), que sempre me apoiou e
me ensinou a ser uma pessoa melhor, e a todos aqueles que, como eu, foram envolvidos pela
sonoridade do violão.
5
RESUMO
A sonoridade é um aspecto importante para a execução violonística. Esse trabalho tem por
objetivo estudar a sonoridade com um elemento da execução musical, entender os seus aspectos
formadores dentro do âmbito técnico, textual e perceptivo, utilizando-se como exemplo duas
gravações das Quatro Peças Breves de Frank Martin. Os resultado são discutidos à luz do
embasamento teórico, fazendo-se considerações a respeito das possibilidades de execução
musical e como a sonoridade do violão atua nesse contexto.
PALAVRAS-CHAVE: Violão. Sonoridade. Execução Musical.
6
ABSTRACT
Sound is an important aspect to guitar performance. The purpose of this work is to study
the sound as an element of musical performance, understanding the aspects which form it as seen
through technique, text and perception, using two recordings of the Frank Martin´s Quatre
Pièces Brèves as example. The results were based on the theoretical framework considering the
possibilities of musical performance and how the guitar sound works in this context.
KEY-WORD: Guitar. Sound. Musical Performance.
7
SUMÁRIO
RESUMO ...............................................................................................................................
ABSTRACT ...........................................................................................................................
5
6
INTRODUÇÃO .....................................................................................................................
10
1 A SONORIDADE COMO ELEMENTO DA EXECUÇÃO MUSICAL ......................
1.1 A AÇÃO INTERPRETATIVA NA EXECUÇÃO MUSICAL ........................................
1.2 OS ELEMENTOS FORMADORES DA EXECUÇÃO MUSICAL E DA
SONORIDADE ................................................................................................................
15
16
22
2 OS ELEMENTOS FORMADORES DA SONORIDADE DO VIOLÃO .....................
2.1 ASPECTOS TÉCNICOS ..................................................................................................
2.1.1 A técnica instrumental e a sonoridade .............................................................
2.1.2 Os aspectos intrínsecos do instrumento .....................................................
2.2 ASPECTOS TEXTUAIS ..................................................................................................
2.2.1 O texto musical e a sonoridade
..........................................................................
2.2.2 Os elementos textuais explícitos e implícitos ....................................................
2.3 ASPECTOS PERCEPTIVOS ...........................................................................................
2.3.1 A percepção do intérprete e a sonoridade ........................................................
2.3.2 A análise musical como um facilitador da execução ........................................
26
26
26
40
48
48
49
51
51
51
8
3 METODOLOGIA .............................................................................................................
3.1 SELEÇÃO DA OBRA E INTÉRPRETES .......................................................................
3.1.1 Intérpretes
...........................................................................................................
3.1.2 Obra .....................................................................................................................
3.2 PROCEDIMENTOS DA ANÁLISE ................................................................................
3.2.1 Partitura e seleção dos trechos
..........................................................................
3.2.2 Realização dos gráficos .......................................................................................
56
56
56
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58
58
58
3.2.3 Análise gráfica .....................................................................................................
3.2.4 Exemplos sonoros ................................................................................................
3.2.5 Delineamento da pesquisa ..................................................................................
4 RESULTADOS ..................................................................................................................
I PRÉLUDE ............................................................................................................................
Exemplo 1 .....................................................................................................................
Exemplo 2 .....................................................................................................................
Exemplo 3 .....................................................................................................................
Exemplo 4 .....................................................................................................................
Exemplo 5 .....................................................................................................................
II AIR ......................................................................................................................................
Exemplo 6 .....................................................................................................................
Exemplo 7 .....................................................................................................................
III PLAINT .............................................................................................................................
Exemplo 8 .....................................................................................................................
IV COMME UNE GIGUE .....................................................................................................
Exemplo 9 .....................................................................................................................
59
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61
63
67
67
69
73
76
78
80
80
83
86
86
88
88
9
CONCLUSÃO .......................................................................................................................
91
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................
ANEXOS ................................................................................................................................
ANEXO A – Partitura das Quatro Peças Breves (Universal Edition) ....................................
ANEXO B – Gravação em CD dos Exemplos Sonoros .........................................................
101
105
106
115
10
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa pretende estudar alguns aspectos da sonoridade do violão. Esse tema é
importante para o violão, pois é um instrumento com diversas possibilidades sonoras, as quais
favorecem a expressividade musical do intérprete.
O meu interesse pelo tema vem desde a época em que iniciei o estudo de violão com o
Professor José Homero de Souza Pires Jr
1
. O trabalho com a sonoridade do violão sempre foi
abordado, durante este aprendizado, como algo imprescindível para a qualidade da execução
violonística. Assim, iniciei o estudo do instrumento primeiramente sem o uso de unhas. Após
dominar os primeiros rudimentos da técnica e estudar as primeiras peças, é que comecei a tocar
com o uso de unhas. O passo seguinte foi buscar um modo de obter a mesma qualidade de som
produzida pelo toque com a polpa, porém agora com o uso de unhas. Esse processo me
possibilitou aprendizado em relação às várias maneiras de abordar a técnica da mão direita e os
respectivos resultados sonoros, e, principalmente, como usá-los a favor da execução. É necessário
ressaltar que essa qualidade de produção sonora deriva de um processo dinâmico e singular, e que
pode ser constantemente aprimorada pelos violonistas (PUJOL, 1960; CARLEVARO, 1979;
ZANON, 2004). Nesse contexto, insere-se um aspecto relevante: a compreensão do termo
1
Este estudo de violão se desenvolveu no âmbito familiar.
11
sonoridade, a qual contempla os vários aspectos envolvidos na sua gênese e o papel central que
ela desempenha para o violonista.
A sonoridade é um fator que pode diferenciar qualitativamente o violonista no sentido de
evidenciar sua característica pessoal (BOBRI, 1980; PUJOL, 1960), fenômeno que não é
exclusivo do violão. Essa característica torna-se mais operante e funcional na área das práticas
interpretativas e no exercício de apreciação estética, quando se buscam parâmetros qualitativos de
execução. Exemplo desse fato é a qualidade do som do violonista Andrés Segovia (BOBRI,
1980). Ao serem analisados registros sonoros
2
e a crítica especializada a respeito de Segovia, fica
claro que a sua sonoridade, além de outros aspectos, foi um grande diferencial. Apesar de críticas
a algumas abordagens e concepções musicais de Segovia, a questão da sua qualidade de som era
um aspecto indiscutível (GLOEDEN, 1996). Não se pretende com isso colocar a sonoridade
como um aspecto isolado de maior importância para o violão, que seja necessariamente sinônimo
de qualidade musical, já que é possível haver “intérpretes medíocres com uma qualidade boa de
som” (ZANON, 2004)
3
, mas destacar a sua importância para a execução violonística.
A sonoridade possui um papel de destaque, em maior ou menor grau, por parte dos
violonistas. Estudando-se a história do instrumento, observa-se que essa preocupação esteve
presente em vários estágios do seu desenvolvimento, dentre os quais se destacam:
a) Avanços na técnica instrumental: como a padronização da técnica de uso de unhas
(FERNÁNDEZ, 2000);
2
O termo registro sonoro será utilizado neste trabalho como qualquer veículo de gravação disponível, incluindo CD,
fitas e discos.
3
Citação retirada de entrevista concedida a mim por ocasião de uma série de Master Classes ministradas em Porto
Alegre, no Instituto de Artes da UFRGS, em maio de 2004.
12
b) Avanços na técnica de construção: variam desde a padronização do arquétipo do violão
moderno até a busca de maiores recursos sonoros através de pesquisas de técnicas
inovadoras de construção, com o uso de tampos de fibra de carbono (DUDEQUE, 1996);
c) Tecnologia envolvida diretamente com o instrumento: exemplo é a fabricação de cordas
de nylon
4
e os modernos aparelhos de amplificação.
Ao serem analisados violonistas de destaque no cenário musical
5
, observa-se que eles
possuem vários fatores que os colocam em evidência, como domínio técnico, fundamentação e
cultura musical, expressividade, consistência interpretativa e domínio da sonoridade (ZANON,
2004). Exemplos notáveis desses aspectos são os casos de Andrés Segovia e Julian Bream, ambos
figuras centrais para o desenvolvimento do violão no século XX (DUDEQUE, 1996), cujas
execuções ainda hoje impressionam pelos seus potenciais de sonoridade:
[...] o fascínio que Segovia exerce sobre quem o ouve pela primeira vez é a sua
sonoridade, caracterizada por grande clareza e robustez, conseguidas através de uma
combinação de polpa e unha para os ataques dos dedos da mão da direita, pela ausência
de força física através da tonicidade muscular devidamente colocada e o
aproveitamento do peso exercido pelo braço e mão, aliados a uma técnica de mão
esquerda absolutamente aérea [...] o resultado destas qualidades gerava uma sonoridade
e grande projeção, vantagem que o mestre espanhol impunha sobre seus
contemporâneos (GLOEDEN, 1996, p.85).
Quando são analisados registros sonoros de intérpretes como estes, suscitam-se várias
idéias sobre a relação da qualidade do resultado musical das suas execuções e a sonoridade
envolvida em sua gênese, o que será discutido a seguir.
Os fatores envolvidos com a sonoridade são amplos e multifatoriais (PUJOL, 1960), e
válidos para o desenvolvimento da qualidade do instrumentista. Levando-se em consideração
esses aspectos, deve-se salientar que a expressividade do artista está vinculada à capacidade que
4
Anteriormente à segunda guerra mundial, as cordas usadas no violão eram feitas com tripa de carneiro. O ganho em
termos de qualidade sonoro com as cordas de Nylon foi notório, o que proporcionou avanços para o desenvolvimento
do violão no século XX (DUDEQUE, 1996).
5
De acordo com dados da crítica especializada.
13
“ele próprio possui de executar a obra” a fim de expressar os “seus [da obra] próprios elementos”
(PAREYSON, 1954, p.64). Assim, não há interpretações absolutas e/ou excludentes de outras,
mas sim, infinitas possibilidades de executar e interpretar a obra de acordo com os elementos que
o artista consegue extrair da própria obra e “materializá-los” através dos recursos expressivos que
ele dispõe. Portanto, a sonoridade desempenha uma função importante nesse processo, pois é
através dela que o instrumentista se expressa musicalmente.
A partir disso, pode-se formular as seguintes questões: Como entender a sonoridade e os
seus fatores formadores? Quais elementos estão envolvidos com a sonoridade do violão? Como
destacar esses elementos e auxiliar o violonista enquanto executante? Essas questões
exemplificam a amplitude do tema e a sua relevância. Desse modo, os objetivos desta pesquisa
são os seguintes:
a) Estudar a sonoridade como um elemento da execução musical;
b) Estudar os aspectos formadores da sonoridade;
c) Utilizar a análise da sonoridade em duas gravações de uma mesma obra para obter
subsídios que promovam o seu entendimento;
d) Aplicar os elementos teóricos da execução musical e da sonoridade a partir dos exemplos
musicais.
Para isso, o roteiro desse trabalho envolverá no capítulo 1 a discussão dos elementos da
execução musical e como é possível inserir a sonoridade nesse contexto. São expostos
embasamentos teóricos sobre uma teoria de execução musical e discutido o papel da sonoridade
nesse contexto.
No capítulo 2, os fatores que formam a sonoridades são estudados. A partir do
entendimento da sonoridade enquanto elemento da execução, os seus fatores constituintes são
agrupados em aspectos técnicos, textuais e perceptivos.
14
Os capítulos 3 e 4 englobam os procedimentos relacionados com a análise da gravação.
Os procedimentos metodológicos são expostos no capítulo 3 e a descrição dos resultados da
análise é feita ao longo do capítulo 4.
Na conclusão, os resultado são discutidos à luz do embasamento teórico anterior e são
feitas considerações a respeito das possibilidades de execução musical, como a sonoridade atua
nesse contexto e são estudados os seus aspectos formadores a partir dos exemplos musicais.
15
1 A SONORIDADE COMO ELEMENTO DA EXECUÇÃO MUSICAL
O objetivo desse capítulo é fundamentar dois aspectos relevantes para o tema do estudo:
a) Entender a sonoridade
6
como um dos elementos da execução musical;
b) Estudar os aspectos formadores da sonoridade do violão.
Desse modo, na primeira parte será feito um estudo dos elementos da execução musical,
baseados em BERRY (1989), DUNSBY (1995) e PIRES JR (1998); e então aproximar a
sonoridade como um dos elementos intrínsecos da execução musical. Na segunda parte do
capítulo, serão estudados os elementos próprios da sonoridade do violão, baseados
principalmente nos métodos de SOR (1832), AGUADO (1843), nos escritos de PUJOL (1960),
CARLEVARO (1979), FERNANDÉZ (2000), GILARDINO (1993), assim como em outras
fontes da literatura violonística
7
.
1.1 A AÇÃO INTERPRETATIVA NA EXECUÇÃO MUSICAL
A execução musical pode ser entendida como um fenômeno resultante de uma complexa
interação de fatores, os quais englobam aspectos inerentes do intérprete e da música (BERRY,
1989). Em linhas gerais, a execução instrumental tem por objetivo um determinado resultado
sonoro, de modo que os elementos musicais são, de certo modo, “executados” pelo intérprete
através da manipulação dos seus próprios recursos expressivos (PAREYSON, 1954). Estes, por
sua vez, englobam fatores que, entre outros, estão intrinsecamente ligados à sonoridade
6
Nesse capítulo, o termo sonoridade denotará sempre a sonoridade do violão.
7
Estas fontes incluem entrevistas e depoimentos de professores e violonistas de destaque, capítulos de livros e
artigos em periódicos especializados, os quais serão devidamente explanados ao longo desse capítulo.
16
característica de cada instrumento, de cada obra e de cada intérprete. Portanto, ao se pensar que a
execução musical possui elementos próprios, torna-se necessário primeiramente que estes sejam
definidos, para que, num segundo momento, entenda-se que a sonoridade é um fenômeno
complexo e multifatorial, resultante não apenas das características próprias da execução, mas
também de variáveis intrínsecas de cada instrumento.
A busca por respostas que definam os elementos da execução musical tem resultado em
várias correntes de pensamento (PALMER, 1997). Muitos procuram elementos comuns da
execução a outras áreas, procurando aproximá-la de áreas como análise e musicologia
(GUERCHFELD, 1996), enquanto outros a entendem como uma subárea independente e com os
seus próprios objetos de estudo. Nesse contexto, o estudo dos elementos próprios da execução
musical tem sentido, pois promove uma melhor compreensão enquanto área de conhecimento e
propicia subsídios para que o executante (instrumentista) possa utilizá-los a favor de ganhos
qualitativos na área de práticas interpretativas
8
– a execução propriamente dita (PALMER, 1997).
A relação entre as estruturas musicais e a execução musical tem sido estudada por vários
teóricos (GERLING, 2000), muitos com contribuições importantes para o campo das práticas
interpretativas. Em relação a essa última abordagem, BERRY (1989) destaca, em seu livro
Musical Structure and Performance, alguns princípios que definem componentes da execução
musical
9
. Um desses componentes é a ação do intérprete como um elemento ativo, resultante do
seu próprio entendimento das estruturas musicais e das suas possibilidades expressivas, o que tem
efeito direto no resultado da sua execução. Nesse contexto, ao se questionar o papel do intérprete,
Berry levanta algumas questões de interesse:
8
Em relação à execução musical, a proposta principal desse capítulo é estudar os seus elementos intrínsecos que
promovam subsídios para a prática musical propriamente dita. Foge deste objetivo a discussão a respeito das suas
limitações enquanto área de conhecimento, embora uma reflexão preliminar seja oportuna.
9
O autor também ressalta e exemplifica como o intérprete pode utilizar a análise das estruturas musicais em favor da
execução.
17
O ponto central da interpretação pode ser resumido em duas questões: Numa unidade
particular da estrutura musical, de onde e de quais pontos (e estados) podem ser
direcionados gestos a serem seguidos? E qual é o papel do executante em projetar e
esclarecer elementos essenciais de direção e continuidade? Como estas questões
englobam muitas dificuldades, aspectos subsidiários, é vital que qualquer discussão de
teoria e prática em execução resista a pretensões dogmáticas [...] da análise à decisão
interpretativa, há alternativas defensivas com a necessidade de uma perspectiva de
entendimento da estrutura e do processo (BERRY, 1989, p. 2).
Além de ressaltar a análise como um elemento facilitador da execução, Berry destaca a
dificuldade de definição dos limites de ação do intérprete. Para tanto, limita alguns elementos que
estão a “serviço” do executante, ou seja, os elementos musicais que o intérprete pode manipular
mais livremente de acordo com as suas próprias decisões interpretativas:
Quais são os limites da liberdade expressiva nos quais o intérprete pode interferir
quando é apropriado e desejável projetar e expor alguma imagem conceitual de uma
obra? O que o intérprete pode fazer além da execução literal no exercício da liberdade
interpretativa? Estas questões trazem à mente primeiramente a questão do tempo [...]
Um segundo campo da ação interpretativa é a questão da articulação (1989, p. 3) [grifo
nosso].
A partir dessas idéias, o conceito de ação interpretativa começa a ter um campo de
atuação mais claro e limitado a elementos constituintes da execução musical propriamente dita,
os quais residem basicamente em questões de tempo e articulação. A visão do tempo, nesse caso,
inclui as variações do tempo deliberadas pelo intérprete e que são realizadas ao longo de uma
determinada obra. O “controle deliberado e a modulação do tempo é claramente um dos mais
eficazes modos de ação do intérprete na execução musical” (BERRY, 1989, p. 3). Vale ressaltar
que as questões do tempo em música têm sido objeto de estudo em pesquisas na área de práticas
interpretativas, que tentam vincular o tempo e suas variações – agógica – como um dos
elementos importantes da expressão musical do intérprete (MARTINGO, 2005, p. 188).
A articulação é outro elemento apontado por Berry como um objeto da ação deliberada
do intérprete e inserido no seu conceito de ação interpretativa. Berry ressalta que há “uma
18
infinita variedade de possibilidades de articulação”, onde estão incluídos “todos os ajustes
individuais de intensidade, duração e agrupamento do legato” (BERRY, 1989, p. 3). Segundo
Berry, o tempo e a articulação “são categorias essenciais da intervenção do intérprete”, onde as
“escolhas aplicadas a cada uma delas devem ser compreendidas no sentido de denotar uma
atitude interpretativa” (Idem):
Estas duas amplas categorias de escolha interpretativa não são absolutamente distintas e
não comprometem a sua validade como amplos domínios aplicáveis da ação expressiva
pela qual o intérprete age. E embora parece paradoxal que uma variação real de
infinitos potenciais de intervenções interpretativas deve ser sujeita a uma simples
classificação, o fato é que as coisas que se pode fazer em termos de interpretação são
essencialmente questões de tempo e articulação (BERRY, 1989, p. 3) [grifo nosso].
O tempo e a articulação são apontados por Berry como elementos que podem variar de
acordo com a ação expressiva do intérprete, sendo por isso elementos constituintes da execução
musical. Também enfatiza essas duas variáveis como um aspecto essencial para a execução, já
que as infinitas intervenções interpretativas têm por foco o tempo e/ou a articulação. Entretanto,
essas intervenções interpretativas expostas por Berry, podem ser entendidas como “manipulações
deliberadas do intérprete”, as quais têm como foco algumas características expressivas (agógica e
articulação) da execução. Estas, por sua vez, são decorrentes de manipulações de aspectos da
sonoridade instrumental e mais especificamente, de características do som enquanto elemento
formador da sonoridade, conforme será discutido a seguir.
De acordo com Pujol (1960), a sonoridade do violão apresenta vários parâmetros. As
possibilidades de combinação de elementos expressivos da sonoridade são infinitas, e estão
sujeitas a elementos comuns da execução musical. Deve ser lembrado que outros parâmetros
como dinâmica e timbre também podem ser manipulados durante a execução (CARLEVARO,
1978), havendo, portanto, uma ação interpretativa também nesse dois. Alguns desses estão
relacionados intrinsecamente à qualidade físicas do som, mas não restritos a elas:
19
Intensidade, altura e timbre são qualidades particulares do som. Sempre que duas notas
com a mesma intensidade e altura produzirem em nosso ouvido uma sensação diferente,
terão timbre distinto. Esta diferença que pode variar ao infinito é, dentro do sentido
comparativo, suscetível de comparação (PUJOL, 1960, p. 26).
Os parâmetros do som constituem a sonoridade, e esta resulta da combinação do som
propriamente dito em associação com outros fatores, que vão desde questões instrumentais até
diferenças próprias de cada executante. Quando comparamos as qualidades físicas do som
10
, a
dinâmica (intensidade) e o timbre são os parâmetros que mais sofrem a ação do executante, já
que a altura e duração são aspectos que tradicionalmente estão expostos na partitura, e não
facultam grandes possibilidades de variações. Este fenômeno já foi observado em estudos de
execução musical que comparam as diferenças entre execuções de uma mesma obra
(MARTINGO, 2005).
Em relação ao violão, a possibilidade de variações de timbre é uma das principais
características do instrumento, fator este que contribui para a sua sonoridade peculiar
11
. As
possibilidades tímbricas não se restringem apenas ao som propriamente dito, mas incluem muitas
variáveis. Sobre este aspecto, Pujol escreve:
Nenhum dos grupos instrumentais oferece tanta variedade de timbre como o grupo de
instrumentos de cordas pulsadas [...] O timbre pode ser bom, mau, melhor ou pior, de
acordo com a valorização que lhe dá o sentido crítico de que julga. Como esta
apreciação depende, dentre mil fatores, da sensibilidade auditiva e emotiva, impressão,
educação musical e intelectual [...] de quem julga, a classificação do timbre pode variar
ao infinito (1960, p. 11).
Assim, a questão do timbre no violão representa uma característica importante e um
aspecto que promove riqueza da sonoridade, de modo que a qualificação do timbre envolve
termos que são normalmente utilizados nacnica violonística (CARLEVARO, 1979;
FERNÁNDEZ, 2000). Exemplos disso são as nomenclaturas (metálico, escuro, doce, etc.), para
se referir às variedades resultantes do tipo de ataque e da região na qual as cordas são tangidas.
10
Altura, duração, intensidade e timbre (VASCONCELOS, 2002).
11
Segovia, de acordo com a idéia de Berlioz, se refere ao violão como “uma pequena orquestra” (PINTO, 2006).
20
Vale lembrar que a idéia de timbre envolve mais do que a simples realização de metálico ou
doce, mas sim questões de estrutura musical:
O timbre é um fator muito importante para no violão. É certo que não tem a mesma
relevância em todos os períodos nem em todos os autores, e, por exemplo, não é possível
aplicar a mesma idéia de timbre de uma obra de Sor a uma obra de Narváez, ou Manuel
Ponce ou na Sequenza XI de Luciano Berio. Constatamos, em geral, que, à medida que
nos aproximamos do presente, o timbre passa a ser um elemento cada vez mais composto,
cada vez mais estabelecido pelo compositor (FERNÁNDEZ, 2000, p. 45).
A dinâmica possui uma gama de possibilidades que estarão de acordo com as indicações
da partitura, decisões interpretativas próprias do executante, possibilidades técnicas e
instrumentais entre outros. É necessário entender que a dinâmica também está sujeita às
variedades de fatores semelhantes aos apontados para o timbre. No violão, a questão da
intensidade do som (dinâmica) representa uma das suas limitações, fato que pode ser comprovado
ao longo da história do instrumento, e que motivou uma série de adaptações e modificações,
como a evolução na construção (lutheria
12
) e adaptações na técnica instrumental (DUDEQUE,
1994). A realização da dinâmica deverá seguir as indicações presentes na partitura e as variações
de cada intérprete, já que os sinais expressivos do compositor podem alterar o perfil dinâmico da
execução (SHAFFER apud MARTINGO, 2005, p. 188).
Portanto, dentre os elementos físicos do som, que constituem a sonoridade com um todo,
o timbre e a dinâmica são parâmetros que sofrem a ação mais “deliberada” do executante,
enquanto que os demais (altura e duração), normalmente, não sofrem grandes variações, pois
tradicionalmente estão escritos no texto musical (partitura). Ao entendermos que a sonoridade é
constituída pelo som, as variações de timbre e dinâmica também constituem os aspectos do som
que promovem a expressividade característica de cada intérprete, pois são suscetíveis às suas
12
A palavra lutheria provém do vocábulo francês lute que significa laúde, a qual, por sua vez, também, deu origem
ao instrumento alaúde. A lutheria é a arte de construir instrumentos de corda (PENNA, 2006), e nessa pesquisa
envolverá a idéia de construção apenas de violão.
21
decisões interpretativas e vinculadas aos elementos formadores da execução musical
(FERNÁNDEZ, 2000). De acordo com o exposto até o momento, as idéias centrais podem ser
agrupadas conforme mostra a Figura 1. Na seção seguinte, serão discutidos os fatores da
sonoridade do violão e a sua relação com a execução musical.
Figura 1 – A relação entre sonoridade e execução musical
Elementos da execução musical
Intervenção Inter
p
retativa
Sonoridade
Aspectos técnicos,
textuais e perceptivos
22
1.2 OS ELEMENTOS FORMADORES DA EXECUÇÃO MUSICAL E DA SONORIDADE
A proposta desta pesquisa envolve reflexões preliminares a respeito dos fatores que
originam a execução e a sonoridade do violão. Não se pretende com isso construir uma definição
de sonoridade, mas sim, estudar alguns dos aspectos que a compõem.
Fazendo-se uma aproximação entre os elementos da execução destacados por BERRY
(1989) e a sonoridade, pode-se concluir que esta também dependerá das variações de tempo e da
articulação, as quais constituem o objeto da ação deliberada do intérprete (Figura 1). Entretanto,
os elementos próprios da sonoridade promovem também subsídios para a mesma ação
interpretativa, conforme Berry (SHAFFER apud MARTINGO, 2005, p.188). Assim, a ação do
intérprete envolverá também aqueles elementos próprios da execução que são “materializados”
através da sonoridade. Esta, por sua vez, possui fatores próprios que a formam, que num âmbito
mais específico, também estão sujeitos à mesma ação interpretativa.
Portanto, a sonoridade pode ser entendida como resultante dos fatores intrínsecos da
execução musical enquanto área de conhecimento, os quais estão sujeitos a uma ação
interpretativa. O conceito de ação interpretativa (BERRY, 1989) ajuda a entender quais são os
focos de ação do executante – tempo e articulação. Vale lembrar que outros componentes da
sonoridade como timbre e dinâmica sofrem também a ação deliberada do intérprete durante a
execução. Entretanto, como entender a sonoridade nesse contexto? Como segmentar os aspectos
específicos envolvidos com a sua formação? Essas questões revelam a necessidade inicial de
entender as variáveis próprias da sonoridade dentro de um âmbito mais amplo da área da
execução musical.
Uma possibilidade para responder aos questionamentos acima seria entender os elementos
formadores da execução musical, os quais também influenciam a sonoridade, pois esta é
intrinsecamente ligada ao resultado sonoro final da execução. Desse modo, torna-se pertinente a
23
proposta levantada por PIRES JR (1998)
13
. Em linhas gerais, propõe que a execução musical é o
resultado de um misto de pelo menos três elementos que agem simultaneamente durante o
processo de execução, a saber:
1.2.1 Tecnicidade: Este fator contempla os aspectos relacionados com a técnica propriamente dita
e com as variáveis do instrumento. A qualidade do som produzido no violão envolve vários
fatores técnicos que estão relacionados com os elementos da sonoridade (BERRY, 1989). Essas
características proporcionam para o violonista possibilidades expressivas infinitas, que são
utilizadas ao longo da execução, em maior ou menor grau, de acordo com a capacidade técnica de
cada violonista (PUJOL, 1960; CARLEVARO, 1979).
1.2.2 Textualidade: Este nível engloba as informações musicais contidas na partitura (texto
musical). Neste item, a sonoridade traduz os elementos musicais presentes no texto musical, e
engloba a identificação e a realização dos mesmos.
1.2.3 Perceptividade: Envolve os aspectos perceptivos do intérprete, como ele entende e executa
uma determinada obra. Nesse contexto, a sonoridade pode ser entendida como um fenômeno que
deriva de um misto de elementos e informações contidas no texto musical (textualidade) que são
entendidos pelo intérprete (perceptividade) e são executados através da técnica instrumental
(tecnicidade).
Dentro deste enfoque, pode-se considerar que a sonoridade é um elemento constituinte da
execução musical, pois também resulta do conjunto desses fatores - textualidade, perceptividade
e tecnicidade - os quais propiciam infinitas possibilidades de execução (PIRES JR, 1998).
Especificamente em relação à sonoridade do violão, Pujol ressalta:
13
PIRES JR (1998) definiu características para o objeto da execução musical, os quais também poderiam
envolver os objetos de estudo dos trabalhos da área de Práticas Interpretativas.
24
O ecletismo na arte pode milagrosamente transformar os defeitos em virtude: do mesmo
modo que uma sonoridade austera pode ser adequada para uma musicalidade severa,
uma sonoridade brilhante pode dar mais autenticidade num determinado caráter ou
estilo musical [...] Seria lamentável encerrar nossa discussão na exclusividade de um
critério que acabasse com nosso velho dilema [som do violão]. O que conta em matéria
de arte é o espírito. Felicitemo-nos, pois, que o violão oferece essa dualidade de
aspectos, na qual cada artista pode, segundo seus sentimentos realizar sua obra (1960, p.
33-34) [grifo do autor].
Além disso, as variáveis da sonoridade propiciam elementos de expressão musical própria
de cada intérprete que interferem qualitativamente na execução:
Um mesmo instrumento [...] não soa igual em mão de diferentes executantes. O
violoncelo de Cassals, o violino de Kreisler [...] não produzem a mesma qualidade de
som quando tocados por mãos diferentes. Logo existe uma categoria superior de
qualidade sonora num mesmo instrumento que reside no procedimento particular de
cada artista (PUJOL 1960, p. 27).
Quando ouvimos um grande intérprete, muitos elementos são os responsáveis pela
execução musical de qualidade, mas o elemento sonoridade é algo chamativo. É através dela que
a música é de certa forma “exposta ao ouvinte” (PAREYSON, 1954).
Referindo-se ao resultado das interpretações de Glenn Gould, Eduard Said (1991) ressalta
o aspecto da sonoridade:
O extraordinário virtuosismo e a graça rítmica de Gould produzia um som idealmente
perfeito para fazer música complexa soar mais clara, mais lucidamente compreendida e
articulada do que o som produzido por outros pianistas [...] O que se sobressai não é
tanto um estilo uniforme, mas uma continuidade clara e imediatamente perceptível entre
o seu “toque” e uma modalidade pessoal de discurso retórico [...]. Mesmo um pequeno
trecho de suas gravações revela clareza de vozes, a inventividade rítmica e a
espontaneidade da lógica tonal e digital que faz emergir essa continuidade sólida entre
identidade pessoal e “assinatura” musical do executante (1991, p. 55 e 57).
Ao pensarmos que a qualidade do som produzido pelo instrumentista é um dos meios para
executar uma determinada obra musical, podemos entender a sonoridade como formadora da sua
execução musical, de modo que a expressividade artística musical passará obrigatoriamente pela
sonoridade produzida no instrumento. Entretanto, a maneira como esse som é transformado e
manipulado pelo artista é que faz com que o resultado musical, entre outros aspectos, seja
pessoal, característico e qualitativamente diferenciado (PUJOL, 1960; PAREYSON,1954). Desse
25
modo, a sonoridade produzida (resultante) será um elemento diferenciador de cada músico no
momento em que houver capacidade de produzir a interação e entre aqueles elementos
constituintes da execução musical (textuais, técnicos e perceptivos de cada obra). Assim, esse
processo de elaboração é concretizado e expresso na sua execução musical pela sua própria
sonoridade.
Conforme a proposta inicial desta pesquisa, foi necessária, primeiramente, uma teorização
a respeito da execução musical e seus elementos formadores, a fim de contextualizar a sonoridade
como um de seus constituintes. Resumidamente, baseado no que foi exposto, é possível entender
a execução musical como um misto de três elementos - aspectos técnicos, textuais e perceptivos -
que agem simultaneamente, (PIRES JR, 1998); e que a o intérprete possui um campo de ação
interpretativa (BERRY, 1989), onde a sonoridade é o meio para concretizá-la.
26
2 OS ASPECTOS FORMADORES DA SONORIDADE DO VIOLÃO
De acordo com as idéias do capítulo anterior, os elementos formadores da sonoridade
podem ser agrupados no seguinte:
___________________________________________________________________
Tabela 1 – Aspectos envolvidos na sonoridade do violão
___________________________________________________________________
Aspectos Técnicos
- A técnica instrumental e a sonoridade
- Aspectos intrínsecos do violão
Aspectos Textuais
- O texto musical e a sonoridade
- Os elementos explícitos e implícitos
Aspectos Perceptivos
- As possibilidades interpretativas
- A análise musical como um facilitador da execução
___________________________________________________________________
2.1 ASPECTOS TÉCNICOS
2.1.1 A técnica instrumental e a sonoridade
Ao se estudar a história do violão, é notório o esforço que violonistas ligados ao ensino do
instrumento têm dispensado à técnica envolvida com a sonoridade do violão (DUDEQUE, 1994).
Desde instrumentos precursores do violão, pertencentes à mesma família
14
, diversos métodos têm
14
Instrumentos de cordas pinçadas ou tangidas (VASCONCELOS, 2002).
27
ilustrado a infinidade de possibilidades do som resultante de um determinado tipo de toque
15
. Em
relação às implicações da técnica e o aspecto da sonoridade, merecem destaque alguns desses
princípios extraídos da literatura
16
.
Fernando Sor (1778-1839) expõe, em seu Méthod pour la Guitar (Paris, 1830), os
variados meios da técnica da mão direita em produzir timbres semelhantes aos de instrumentos
sinfônicos, como trompa, trompete, oboé, violino e flauta, dentre outros
17
. Além disso, menciona
as implicações desta técnica no contexto da execução, demonstrando que um determinado tipo de
escrita favorece uma característica própria de cada timbre:
A imitação de alguns instrumentos nunca é o efeito exclusivo da qualidade da
sonoridade, é necessário que a passagem esteja escrita como se estivesse numa partitura
original dos instrumentos que se quer imitar. Para imitar a sonoridade da trompa, é
necessário que uma frase se constitua de intervalos de quintas, terças e sextas, evitando-
se sons de cordas soltas, atacando e pulsando as cordas na sexta parte de sua extensão,
fazendo-as vibrar com força com a ação da mão esquerda (SOR apud COSTE, 1851,
p.16).
Como é sabido (COSTE, 1851; PUJOL, 1979), Sor não utilizava unhas na mão direita,
exceto para imitar timbre semelhante ao oboé. A sonoridade resultava dos variados ângulos de
ataque da polpa em relação à corda e/ou da região ao longo do cavalete que eram tangidas. Esse
fato fica mais evidente com a descrição do próprio Sor em seu método:
Como o oboé tem um som inteiramente anasalado, não apenas pulso as cordas muito
próximas do cavalete, como também encurvo os dedos e me sirvo das poucas unhas
que tenho para tanger as cordas. Este é o único caso em que posso me servir delas (as
unhas) sem ser inconveniente; não tenho ouvido em minha vida nenhum violonista cujo
modo de tocar fosse suportável com o uso das unhas (1830, p. 17). [grifo nosso].
15
Foge do objetivo deste artigo expor as variadas técnicas do violão, mas sim ponderar a importância delas para a
sonoridade instrumental.
16
Dentre os métodos do período clássico-romântico, os métodos de SOR (1830) e AGUADO (1843) são aqueles que
apresentam princípios mais direcionados com a produção da sonoridade no violão. Embora tenham posições
contrárias em muitos aspectos, como ao uso de unhas na mão direita, ambos lançaram fundamentos que até hoje em
dia são utilizados (TOSONE, 2000).
17
Estes princípios foram retirados do método de SOR (1830) editado por COSTE (1850) que segundo Matanya
Ophee (1997) é a “mais realista descrição da natureza do método de Sor [...] contida na edição de meados do século
XIX, editada e publicada por seu pupilo Napoléon Coste”.
28
O posicionamento de Sor em relação ao uso de unhas e a exposição da sua técnica está
inserido num contexto em que o seu “método não necessariamente contém instruções ou regras
para ações práticas [...], mas expressa os princípios filosóficos do autor” (OPHEE, 1997). Além
disso, o contexto histórico desses princípios deve ser considerado, pois na época de Sor, o violão
era diferente do padrão moderno, com dimensões e possibilidades menores do que as atuais
(DUDEQUE, 1994). Outras implicações da técnica de Sor, como o não uso do anular
18
, apontam
para a mesma necessidade de entender o seu método inserido num contexto histórico musical
diferente do violão moderno (OPHEE, 1997). Por outro lado, o método de Sor expõe princípios
técnicos de produção sonora que são utilizados até hoje, como aqueles referentes ao timbre e
articulação. Isso fica mais evidente a partir da análise das suas obras para violão, marcadas por
uma escrita muitas vezes polifônica e cuidadosa com as características idiomáticas do
instrumento.
Nesse contexto, o trabalho de Dionísio Aguado (1784-1849) merece destaque, devido à
sua atenção ao aspecto da sonoridade do violão. O seu Nuevo método para Guitarra (Madrid,
1843) representa o ponto culminante do estudo de violão de Aguado, escrito “após uma vida
dedicada ao instrumento” (JEFFERY, 1994). A relevância desse método, entre outros aspectos,
reside na ênfase que é dada “à beleza do som do violão e como ele [o som] é produzido”. Sobre
esse aspecto, Aguado escreve:
Eu decidi que deveria me concentrar principalmente no melhor método para se produzir
um som cheio, arredondado, puro e agradável [...] O violão possui a sua natureza
particular: é doce, harmonioso, melancólico, e o seu som é suscetível a modificações e
combinações que o fazem misterioso, e muito apropriado para a melodia e expressão
(AGUADO apud JEFFERY, 1994, p.1-2) [grifo nosso].
18
Preferencialmente, Sor não utilizava o dedo anular da mão direita, pois, segundo ele, era um dedo “fraco e não
permanecia alinhado adequadamente com os demais” (OPHEE, 1997).
29
Aguado não apenas recomenda e promove uma qualidade de som apurada, mas também
discute e ensina como obtê-la. Em linhas gerais, a sua exposição da técnica de produção do som
envolve os seguintes princípios em relação à técnica da mão direita:
a) Uso das unhas:
Considero preferível tocar com unhas para tirar das cordas do violão um som que não se
assemelhe ao de nenhum instrumento [...] o violão tem um caráter particular: é doce,
harmonioso melancólico: algumas vezes chega a ser majestoso, embora não tenha a
grandiosidade da harpa nem do piano, as mudanças (no toque) oferecem nuances muito
delicadas, e seu som é suscetível a tais modificações e combinações, que o fazem
parecer um instrumento misterioso, prestando-se muito bem ao canto e à expressão (p.
25).
b) Combinação de toque com unha e polpa:
[...] prefiro tocar com unhas, por que, quando bem usadas, a sonoridade resultante é
limpa, metálica e doce; mas é necessário entender que não se deve tocar somente com
elas (as unhas), por que não há duvida de que o som seria pouco agradável [...]
Primeiramente toca-se a corda com a polpa [...], mantendo o dedo um pouco estendido
[...], e em seguida se desliza a unha pela corda (p. 25).
c) Intensidade e ângulos de ataque: “[...] um mesmo som admite uma infinidade de
modificações na intensidade, desde o pianíssimo até o fortíssimo, de acordo com a força que
se emprega na mão direita ao tangê-las (p. 20)”;
d) Região onde se tange as cordas e a variedade de timbre: “numa mesma região, cada corda
oferece variedade na qualidade do som, de acordo com o modo com que os dedos da mão
direita a pulsam, e esta variedade é maior quando se utilizam as unhas (p. 20)”;
e) Digitação da mão direita e sua implicação com a sonoridade: “[...] a principal riqueza do
violão, ao meu ver, é a diferença de qualidade do som produzido em cada corda tangida em
diferentes regiões (p. 72)”;
Esses princípios técnicos são apenas alguns que Aguado utiliza para explanar a sua
técnica da mão direita e o resultado sonoro. Além desses, também desenvolveu também um
dispositivo chamado de trípode. Essa invenção consistia numa espécie de tripé, onde o violão
30
ficava apoiado, permanecendo fixo durante a execução, de modo que o contato com o corpo do
violonista era sobremaneira reduzido; para “tocá-lo com desembaraço e de maneira a se aumentar
quanto possível a quantidade de suas vozes” (p. 21). Dentre as várias justificativas
19
para o uso da
trípode, a implicação com o resultado na sonoridade é uma das razões mais enfaticamente
defendidas por Aguado:
O violonista pode fazer uso completo de todas as suas faculdades físicas com ambas as
mãos, para que o violão produza toda a quantidade de som que possua, resultando aqui
em todo os casos num aumento considerável na quantidade de suas sonoridade em
relação ao que se obtém quando colocado de outra maneira. (p. 22)
A relação entre aspectos técnicos do violão e a sonoridade transcende o aspecto
puramente mecânico, e envolve uma interação entre as possibilidades de cada executante e de
cada instrumento. As diferenças de concepções estético-musicais e históricas, entre outras,
também influenciam o resultado sonoro. Nesse contexto, a concepção de sonoridade de Sor e
Aguado levou ambos a desenvolverem princípios técnicos distintos
20
, o que não invalidava a
admiração e respeito mútuo entre ambos
21
. A importância desses fundamentos reside no fato de
que muitos dos seus princípios de produção de som no violão são ainda hoje utilizados pelo
violão moderno (JEFFERY, 1994, TOSONE, 2000).
Durante o classicismo o violão teve uma grande evolução sob vários aspectos, o que
gerou interesse pelo instrumento, período esse conhecido como a “fase áurea” do instrumento
19
Além da implicação direta na sonoridade, Aguado argumenta que a trípode poderia melhorar a postura do
violonista, facilitar passagens mais difíceis aos olhos do público, promover uma postura mais graciosa para quem
toca e para quem assiste. Defendia também que aquele que aprende a tocar com a trípode, manteria uma postura das
mãos mais adequada e “não habituaria a tocar de outro modo” (AGUADO, 1843, p.22)
20
Diferenças entre outros aspectos técnicos: a) Stacatto: Sor utilizava somente a mão esquerda; Aguado, ambas
mãos; b) Unhas: Sor não utilizava, exceto para imitar o oboé; Aguado as utilizava em combinação com polpa; c)
Escalas: Sor preferia digitação p i, enquanto Aguado utilizava combinações de im, e ima (JEFFERY,1994).
21
A composição Lês Deux Amis, opus 41, para duo de Fernando Sor, e as variadas citações que ambos fazem um do
outro em seus métodos, ressaltando as respectivas qualidades de cada um, corroboram esse fato (JEFFERY, 1994).
31
(TOSONE, 2000)
22
. O período seguinte trouxe alguns empecilhos para o violão enquanto
instrumento de concerto, pois “as salas de concerto ficaram maiores, havia instrumentos mais
sonoros, as orquestras ficaram maiores também, e o violão teve dificuldade em competir”
(TOSONE 2000, p. 5). O violão “sobreviveu” devido ao trabalho principalmente de violonistas-
compositores, que mantiveram viva a arte do violão, apesar das adversidades de um ambiente
musical, até certo ponto, inóspito. É nesse contexto que se destaca a figura de Francisco Tárrega
(1852-1909).
A dimensão do trabalho de Tárrega englobou vários aspectos relacionados com o
desenvolvimento do violão em seu tempo, sendo considerado, portanto, uma “ponte para século
XX” (POSONE 2000, p. 5):
Suas composições para violão e suas mais de cem transcrições de obras de
Mendelssohn, Beethoven, Chopin e compositores nacionalistas espanhóis, como
Albéniz e Granados, ajudaram a fundamentar o ressurgimento do violão no século XX.
Tárrega também foi professor, cujos discípulos destacam-se Miguel Lloblet e Emilio
Pujol. [...] também avançou a técnica do violão [...] (POSONE, 2000, p. 5) [grifo
nosso].
O trabalho de Tárrega como compositor, transcritor, executante e pedagogo promoveram
uma “melhoria no padrão de execução” (GLOEDEN, 1996, p. 42) como um todo, pois,
respectivamente, expandiu o repertório
23
, promoveu uma nova maneira de tocar (TOSONE,
2000) e formou destacados discípulos
24
. Especificamente em relação à sonoridade do violão, as
22
Dentre os representantes desse período destacam-se: Ferdinando Carulli, Matteo Carcassi e Mauro Giuliani, sendo
este apontado como “um dos mais destacados representantes da guitarromania parisiense” (GLOEDEN, 1996, p.16)
23
Como compositor, “fixou-se na criação de obras de pequeno porte, refletindo um romantismo típico de [música] de
salão, com influências da música pianística de Chopin e Schumann [...], mescladas com elementos nacionais de apelo
exótico (GLOEDEN 1996, p.40); entretanto através de suas transcrições, “redimensionou a maneira de se
transcrever para violão, abrindo um novo campo para explorar as potencialidades do instrumento, estabelecendo
novas bases para o repertório” (Idem) [grifo nosso].
24
Estes, em especial Llobet e Pujol, levaram a diante o processo de “ressurgimento do violão no século XX
(GLOEDEN, 1996).
32
inovações técnicas de Tárrega foram de grande importância, pois alguns dos seus fundamentos
25
alicerçam as bases da técnica do violão atual, como:
a) Postura da mão direita: preconizava o uso dos dedos livres, sem apoio de dedos
(principalmente o mínimo) sobre o tampo harmônico do violão
26
;
b) Ataque da mão direita: desenvolveu e padronizou a técnica do toque apoiado
27
, apoyando,
“para reforçar as partes cantadas” (GLOEDEN, 1996, p. 40) de uma obra, promovendo com
isso a possibilidade de planos sonoros distintos (CARLEVARO, 1978). Sobre este aspecto,
PUJOL (1960) descreve como Tárrega o fazia e as suas implicações na qualidade sonora:
Tárrega, que não usava unha nenhuma, geralmente atacava a corda em sentido
perpendicular à mesma, descansando na corda imediata após a pulsação. Este
procedimento, que dá o máximo de volume, intensidade e pureza, devido à largura,
suavidade e firmeza do corpo que se desloca, não foi empregado por Sor, Aguado e
nenhum outro de seus contemporâneos; isto pode deduzir-se de seus escritos, e há que
se supor que, se tivesse sido assim, mencionariam-no expressamente em seus
respectivos tratados (p. 23) [grifo nosso];
c) Postura da mão esquerda: preconizava que o polegar deveria ficar no meio do braço do
violão, o que dava uma liberdade maior à mão esquerda, facilitando execução de passagens
com digitações complexas;
d) Digitação: fazia precisas indicações “do dedilhado, principalmente da mão esquerda,
sempre colocada de forma criteriosa, deixando clara as suas intenções musicais”
(GLOEDEN, 1996, p. 42). Este princípio de digitação produz maior variedade de
articulação e timbre, principalmente quando se utilizavam cordas presas nas posições da 5
a
casa em diante, onde o legato, vibrato e o timbre “aveludado” tornam-se mais factíveis.
25
Além das inovações relacionadas diretamente com a produção sonora do violão, destacam-se: utilização do apoio
para o pé esquerdo, prática também comum em violonistas anteriores, e padronização da postura da mão direita.
26
A prática de apoiar dedos da mão direita no tampo harmônico é um reflexo da técnica de vihuelistas e alaudistas.
27
Importante técnica de projeção do som.
33
Apesar dos avanços em relação à maneira de tocar, “um dos aspectos controvertidos da
técnica de Tárrega foi o seu entendimento acerca da concepção sonora” (GLOEDEN 1996, p.
42), no que diz respeito ao emprego das unhas. Inicialmente, Tárrega utilizava unhas,
provavelmente influenciado pelos fundamentos de violonistas anteriores
28
. A posição de não usar
unhas fica bem evidente através dos escrito de Pujol
29
:
Tárrega não tocou sempre sem as unhas. Os guitarristas que ele conheceu, inclusive
Arcas, tocavam com as unhas. Ele também tocou, sem inicialmente suspeitar da
possibilidade de uma sonoridade melhor. Foi este o período da sua juventude em que
ele realizou as turnês artísticas que lhe deram fama. Mas seu espírito inquieto e
investigador havia que se chocar, um dia, com o embaraçoso dilema do som. [...] Teve
que trabalhar a todo momento para dominar a resistência de uma nova técnica, na qual
deveria ser discípulo e mestre ao mesmo tempo. (PUJOL, 1960, p. 22)
Pujol não deixa claro o porque de Tárrega não usá-las, nem tampouco as adaptações
técnicas decorrentes dessa escolha:
A preferência da concepção de Tárrega de uma sonoridade sem unhas se fundamenta
que esta sendo matéria morta, bloqueia o contato direto da sensibilidade do artista na
corda. O violão tocado sem unhas vem a ser uma prolongação da nossa própria
sensibilidade e, para uma temperamento essencialmente emotivo como era o de
Tárrega, esta razão parece irrefutável. (PUJOL 1960, p. 24)
Entretanto, de acordo com Pujol, o trabalho de desenvolvimento de uma nova sonoridade
por Tárrega foi deliberado e envolveu uma mudança de concepção, que não se restringiu apenas a
aspectos técnico-instrumentais:
28
Tárrega estudou violão com Manuel González (?-1883), conhecido como “Ciego de la Marina”. Em 1863,
assistiu um concerto de Julian Arcas e recebeu seus conselhos, o que lhe causou grande impacto na sua formação e
também na busca de um violão semelhante ao de Arcas, vindo a encontrar-se posteriormente com Antonio Jurado
Torres, em Sevilla (GLOEDEN, 1996).
29
“Tárrega não deixou nada escrito que possa descrever ou definir uma escola, apenas suas composições, em sua
maioria, peças de caráter, transcrições de obras clássicas e de seus contemporâneos e grande quantidade de
exercícios técnicos. Foi diversas vezes persuadido a elaborar os princípios de uma escola [...], mas só o fez dentro da
tradição oral, passando seus conhecimentos a seus alunos, entre os quais destacaram-se Miguel Llobet (1878-1938),
Emilio Pujol (1886-1980) e Daniel Fortea (1878-1953)”. (GLOEDEN, 1996, p.38) [grifo nosso].
34
Para a escolha de pulsação
30
adotada por Tárrega, não se deve atribuir nem a menor
influência ao sentido imitativo ou convencional; tal pulsação é produto de uma decisão
bastante premeditada e progressivamente definida através de uma seqüência de
superações, originadas e estimuladas por sua busca pela perfeição (PUJOL, 1960, p.
24).
Por outro lado, a postura de Pujol em relação ao toque sem unhas tem sido considerada
dogmática e, até certo ponto, descontextualizada do posicionamento inicial de Tárrega, conforme
se evidencia pela declaração de Sainz de la Maza (1896-1981)
31
:
Tárrega tinha unhas muito quebradiças e ao final de sua vida não lhe restava outra
alternativa senão abandoná-las. Até então ele tocava com unhas. Tanto Pujol quanto
Fortea fizeram desta mudança um sistema. Isto me parece um erro monstruoso, pois é o
mesmo que sapatear descalço. (KÖHN, 1981
32
, apud GLOEDEN, 1996).
Desconsiderando-se essa polêmica, é inegável o valor do trabalho de Tárrega no que diz
respeito ao desenvolvimento técnico do violão. O impacto das suas inovações, juntamente com as
possibilidades instrumentais do violão produzido pelo construtor Antônio Torres
33
(1871-1892)
no século XIX, levou à “uma nova sonoridade” (GLOEDEN 1996), até então desconhecida. Estes
fatores foram decisivos para o ressurgimento do violão no século XX (GLOEDEN, 1996)
34
.
Seguindo-se o trabalho de Tárrega, no que diz respeito ao interesse pela produção sonora
do violão, merece destaque o trabalho de Emilio Pujol. Sobre a sonoridade, os seus escritos, em
especial aqueles contidos em seu livro El dilema del sonido en la guitarra, (1960), espelham a
sua pertinente preocupação com as possibilidades sonoras do instrumento. Apesar do tema central
do livro ser a defesa do toque sem unhas, muitas considerações sobre os fatores envolvidos com a
30
O termo pulsação nesse trecho refere-se à maneira como se desenvolvia o toque da mão direita e as suas
conseqüentes modificações posturais.
31
Saiz de la Maza foi aluno de Daniel Fortea, o qual foi discípulo de Tárrega.
32
KÖHN, Y. Gitarre & Lute, 1981 (3): p.16.
33
Torres padronizou as dimensões e os fundamentos da construção do protótipo do violão moderno
34
GLOEDEN (1996) destaca além desses fatores, a geração de violonistas discípulos diretos de Tárrega, como Pujol,
Lloblet, Fortea, e o trabalho de Andrés Segovia, como os pilares da transição do século XIX para o seguinte, que
culminou com o ressurgimento do violão como instrumento de concerto.
35
sonoridade do violão são de interesse, pois podem ser aplicados e entendidos no contexto atual do
violão.
Os princípios envolvidos com a produção da sonoridade do violão expostos por Pujol
podem ser agrupados nos seguintes aspectos
35
:
a) Aspectos físicos do som: a manipulação da sonoridade envolverá as características físicas
do som, pois o “som é algo produzido pela vibração de um corpo em um meio elástico,
pelo qual se propaga em ondas sonoras e que seu timbre, intensidade e quantidade de
vibrações por segundo são muito variáveis” (p. 9). A ação do instrumentista através da
sua técnica terá repercussão direta na manipulação dessas qualidades intrínsecas do som.
Pujol explica os resultados sonoros de um tipo de toque com unha, o qual produz um som
“mais penetrante, acompanhado de uma grande quantidade de harmônicos superiores, que
tendem a ‘metalizar seu timbre’ (p. 28) e as diferenças quando somente a polpa é
utilizada: “as vibrações são menos agudas, não se percebem tais harmônicos e o timbre é
menos brilhante, mais suave e mais sonoro” (p. 28);
b) Técnicas próprias do violão: As implicações técnicas do instrumento e o resultado sonoro
são resumidos a duas posições distintas: o uso ou não de unha. É nisto que consiste o
“dilema” levantado por Pujol. Embora a sua posição seja clara em favor do toque com a
polpa e de suas vantagens
36
, ele não invalida as vantagens do uso de unhas:
35
Esta divisão foi feita baseada nos pressupostos do referencial teórico do artigo, e não é uma divisão que está
originalmente na obra de Pujol.
36
O volume, a uniformidade e a fusão de notas através de toda a extensão de suas cordas, colhem e fundamentam
toda a variedade de seus matizes em um sentido de musicalidade sóbria. Os acordes dão o máximo de unidade,
intensidade e volume; o trêmulo deixa de ser metálico e brilhante para transformar-se em sonoridade etérea e velada;
o pizzicato obtém toda sua agudeza e caráter em todas as cordas e os arpejos e escalas conseguem todo o volume,
fusão e regularidade de proporção entre suas notas (p. 32-33) [grifo nosso];
36
A unha destaca as propriedades da diferença de cor (timbre) do violão [...]. Os
harmônicos podem ser impetuosos e a fanhosidade da corda atenuada; as passagens
com arpejos, escalas e ligados, muito rápidas e o rasgueado, brilhante e engenhoso.
Conjunto de inapreciável interesse que o violonista deve usar com discrição se quiser
evitar o perigo de incidir em deplorável ilusionismo musical (p. 31) [grifo nosso];
c)
Variações intrínsecas do instrumento: Essas diferenças e a sua repercussão com a
sonoridade resultante são destacadas: “... cordas iguais, simultaneamente colocadas em
guitarras diferentes e tocadas soltas por uma mesma mão e num mesmo ponto da corda,
produzirão em cada instrumento uma sonoridade diferente” (p. 27);
d) Escolas violonísticas: As diferentes concepções de sonoridade são enquadradas em
diferentes escolas violonísticas. Essas diversidades ficam mais destacadas, quando Pujol
tece considerações a respeito dos motivos pelos quais elas acontecem:
Aguado, Giuliani, Carulli e outros, usavam e recomendavam a unha, enquanto Sor,
Carcassi, Messonier e outros, condenavam seu uso. Como averiguar as causas de tais
preferências? Poderia ser justificação suficiente atribuí-las simplesmente ao senso
estético de cada mestre? Haveria nelas alguma forma de atavismo? (p. 15).
Deve-se salientar que as diferenças na sonoridade eram compreendidas por Pujol
como um fenômeno não resultante exclusivamente de intervenções técnicas, mas sim,
decorrentes de uma concepção sonora diversa: “Certamente o som de Sor sem unhas,
deveria ser diferente do som que Tárrega obtinha, como deveria ser diferente também o
som de Aguado, com unhas, ao de Tárrega antes de mudar a pulsação” (p.23).[referindo-
se à fase que Tárrega usava unhas] (p.23) [grifo nosso];
e) Intérpretes: Da mesma forma que a concepção sonora, a ação musical de um intérprete
também varia, e em decorrência, a sua sonoridade também: “... logo, existe uma categoria
superior de qualidade sonora num mesmo instrumento que se origina no procedimento
37
particular de cada artista” (p. 27). Esse procedimento particular
37
resulta de uma
complexa variedade de concepção musical, que se expressa a partir de diferentes
sonoridades, mesmo que o fator instrumento seja de certa forma isolado;
f)
Influências históricas e estéticas: Pujol enumera vários períodos da história do
instrumento e suas respectivas “sonoridades”. Expõe a sonoridade como um elemento que
está a serviço da arte (música) e não o contrário, pois a sonoridade possui “o poder de
adaptação com a espiritualidade da arte que interpreta” (p.32). A sonoridade tem uma
flexibilidade que adapta as suas características próprias a um determinado contexto
musical, pois “uma sonoridade austera pode ser adequada a uma musicalidade severa;
uma sonoridade brilhante pode dar mais autenticidade para certa música de caráter e
estilização particular” (PUJOL, 1960, p. 32).
Apesar do posicionamento radical de Pujol em relação ao não uso das unhas, as suas
considerações sobre o fenômeno da sonoridade são de grande valia para o entendimento dos
aspectos envolvidos com a sua gênese. A simples resolução desse “dilema” envolve a deliberação
sobre questões que transcendem o campo puramente técnico do instrumento. Ao contrário, há
ponderações que englobam conceitos mais profundos, de cunho cultural-histórico, estético,
musical e até certo ponto filosófico. Esses campos influenciam a sonoridade e o resultado
musical como um todo.
As relações históricas da origem dos princípios da produção da sonoridade são
importantes para a compreensão da técnica atual. Desde os fundamentos do século XVIII até
hoje, muitos aspectos técnicos mudaram de modo decisivo, “por que a qualidade do som
produzido no instrumento [...] é grandemente responsável pelo atual sucesso do violão”
37
Conceito que está de acordo com aquele desenvolvido por BERRY (1989) ao definir que os elementos da
execução estão a serviço de uma ação deliberada do intérprete, a ação interpretativa.
38
(JEFFERY, 1994, p. 1). Esse amadurecimento foi em boa parte decorrente do trabalho de Andrés
Segovia no início do século XX, “que encantou a muitos com a beleza de sua sonoridade”, e
“usava justamente uma combinação de toque com unha e polpa, a qual foi refinada e
desenvolvida para o seu próprio uso” (Idem). A idéia da combinação de toques já tinha sido
explanada por Aguado em seu método. Entretanto, Segovia aprimorou esses princípios,
utilizando-os já num violão moderno e com um repertório diferente, o que resultou numa nova
sonoridade “caracterizada por grande clareza e robustez” e “de grande projeção” (GLOEDEN,
1996, p. 85).
A relação entre desenvolvimento técnico e sonoridade fica mais evidente quando se
estudam os princípios, oriundos de várias escolas violonísticas, que regem a técnica atual. Hoje
não existem dúvidas em relação ao uso de unhas, assim como a maneira de combinar toques da
mão direita e o respectivo resultado sonoro (FERNÁNDEZ, 2000). Entretanto, quando se
estudam os métodos anteriores, percebe-se o grande esforço dos mestres do passado em
descobrir, desenvolver e ensinar novas maneiras de produzir uma determinada sonoridade,
“sendo mestre e discípulo ao mesmo tempo” (PUJOL, 1960, p. 31).
Dentre os fatores puramente técnicos-mecânicos relacionados com o resultado sonoro, é
possível, em linhas gerais, destacar alguns deles
38
:
a) Ataque das cordas;
b) Dedilhado da mão direita;
c) Toques da mão direita;
d) Uso de unhas e/ou polpa;
e) Digitação da mão esquerda.
38
Não é objetivo explanar detalhadamente cada um desses fatores, mas sim apenas ilustrar algumas variáveis
técnicas envolvidas a partir dos seguintes autores: CARLEVARO (1979), TENNANT (1995) e FERNÁNDEZ
(2000).
39
Esses aspectos técnicos envolvem aqueles relacionados com a questão do mecanismo
digital. Entretanto, a aplicação desses princípios mecânicos deve estar inserida num contexto
mais amplo; ou seja, o seu papel na execução musical como um todo, e nunca de forma isolada
(FERNÁNDEZ, 2000). Sobre esse perigo, Carlevaro escreve:
A diferença entre um verdadeiro intérprete e um mero executante reside no fato de que
este se baseia puramente no trabalho mecânico afastando-se de qualquer outra idéia,
fazendo ressaltar unicamente o malabarismo digital [...] dando à técnica um valor em si,
uma personalidade e uma autonomia que não lhe pertence (CARLEVARO, 1979, p.
32).
Não é objetivo, aqui entender os mecanismos da técnica fora desse contexto, nem
tampouco, superestimá-los, mas sim estudá-los como uma ferramenta pela qual são produzidas
sonoridades distintas, as quais expressam idéias musicais diversificadas. É necessário entender
que a sonoridade produzida no violão resulta de interações complexas de variáveis entre
violonistas, instrumentos e técnica aplicada, contextualizada no campo da execução. A esse
respeito, GILARDINO (1993) destaca alguns elementos para a formação de princípios técnicos
de execução:
a) Observação do fenômeno físico-acústico que concorre para a formação da sonoridade do
violão;
b) Observação do movimento que o executante deve fazer para produzir tal sonoridade;
c) Observação do problema aplicado de tal movimento no violão;
d) Observação da relação morfológica entre executante e instrumento.
Essas relações, mesmo que inseridas num contexto puramente técnico, ainda são
complexas. A formação da sonoridade no instrumento, segundo GILARDINO (1993), está
inserida num contexto maior, ou seja, a sonoridade resulta de uma ação técnica a serviço da
execução:
40
Eu creio ser de importância capital estabelecer na mente [...] de quem aprende, o
conceito de finalidade musical de cada mínimo gesto que se completa nas cordas e no
instrumento [...] Tal consciência se fundamenta na sua assimilação e na sua reinvenção
de um modelo musical de tudo o que se pode então atuar concretamente na corda: cada
nota, cada unidade musical [...] deve-se primeiramente definir na mente a sonoridade, e
a técnica é exatamente o que garante a transformação desse modelo mental em som
(GILARDINO, 1993, p. 59).
Nesse contexto, a sonoridade tem razão de ser e o estudo dos seus fatores, ainda que
isolados, auxilia o instrumentista a obter subsídios para melhorar a qualidade da execução, desde
que não se perca a dimensão do todo.
2.1.2 Os aspectos intrínsecos do instrumento
Desde os princípios lançados por Sor, Aguado, Tárrega/Pujol até a técnica atual, a
preocupação com a sonoridade foi externar as possibilidades instrumentais afim de que os seus
limites sejam cada vez mais ampliados. Comparando-se as abordagens de técnicas de construção
precursoras com as atuais, houve uma notória evolução. A idéia de explanar os pressupostos
técnicos do instrumento relacionados com a sonoridade não poderia desconsiderar as evoluções
intrínsecas do próprio instrumento, ou seja, a evolução da lutheria.
A evolução dos instrumentos precursores do violão que ocorreu no final do século XVII
permitiu algumas mudanças decisivas (GLOEDEN, 1996). A concepção do violão moderno
começa a partir da sua evolução para um instrumento de seis cordas de acordo com o seguinte
39
:
a) Utilização de cordas simples: até meados dos séculos XVII, utilizavam-se
instrumentos com cordas duplas, chamadas de ordens (órdenes). A guitarra barroca,
por exemplo, possuía cinco ordens, ou seja, cinco cordas duplas. No final do século
XVII, houve “um período de transição no cultivo das guitarras de cordas duplas para
39
Tomaremos como início das considerações o período do violão já definido com seis cordas. As revisões históricas
de organologia anterior fogem do objetivo desse tópico, mas são importantes para o entendimento da evolução do
instrumento.
41
as de corda simples” (GLOEDEN, 1996, p. 11), o que levou a adaptações na escrita e
notação musical, expansão de repertório e mudanças técnicas e de construção
instrumental;
b) Introdução de uma sexta corda: Com as modificações vigentes no sistema de ordens,
“não se sabe ao certo quando a sexta corda foi introduzida”, de modo que “a passagem
para seis cordas simples [...] foi-se tornando o sistema de encordoamento predileto
entre os guitarristas” (GLOEDEN, 1996, p. 11-12).
Em 1801, foi publicado o primeiro método para guitarra de cordas simples – violão. Os
mais importantes violonistas da época “estabeleceram-se em importantes centros culturais como
Paris, Londres e Viena” (GLOEDEN, 1996). É nesse período que se destacam Fernando Sor
(1778-1839), Dionísio Aguado (1784-1841), Ferdinando Carulli (1770-1853), Francesco Molino
(1775-1847), Matteo Carcassi (1792-1853), Mauro Giuliani (1781-1829), Anton Diabelli (1781-
1858), entre outros. O trabalho desses violonistas promoveu o desenvolvimento do violão como
um dos instrumentos prediletos da época. Entretanto, o que pareceu ser a época de ouro do violão
antecedeu a fase de sua decadência ao longo do século XIX, pois o violão não “acompanhou a
evolução da estética romântica” (GLOEDEN 1996, p. 20)
40
. Sobre esse aspecto, Berlioz
escreve
41
:
Com a introdução do piano em toda a casa que existe um pouco de amor pela
sica, a guitarra tornou-se pouco usada. [...] Os compositores não a tem
empregado. Sem dúvida, a causa para tal é a sua débil sonoridade, que não
permite uma combinação com outros instrumentos nem com muitas vozes
(BERLIOZ apud DUDEQUE, 1994).
40
“...
como a expansão de recursos harmônicos, a afirmação do piano, o aumento dos recursos orquestrais e a busca
de espaços cada vez mais amplos para a realização de grandes espetáculos” (GLOEDEN, 1996, p. 20).
41
Berlioz incluiu um capítulo sobre o violão em seu famoso Grand Traité d´instrumentantion et d´orchestration
moderns. Desenvolveu a idéia de que o violão “é uma pequena orquestra”.
42
O violão restringiu-se à “música popular [...] e em pequenos ambientes, graças a
talentosos artistas”, violonistas-compositores que foram “pouco a pouco se libertando da estética
predominantemente clássica da primeira metade do século XIX, para tomar como modelo a
música para violino e piano” (GLOEDEN 1996, p.21). Inevitavelmente, houve necessidade de
uma nova sonoridade, que além de uma demanda técnica ampliada, necessitou de adaptações de
“novos recursos, como a ampliação da tessitura através do aumento da escala e do número de
cordas” (Idem).
42
Apesar dessas “adaptações”, nenhum evento na história do violão se compara ao trabalho
de Antonio Torres (1817-1892), pois ele construiu um instrumento com “uma nova sonoridade
até então insuspeitada pelos seus contemporâneos”. (GLOEDEN, 1996, p. 34). O impacto do seu
resultado marcou para sempre a história do violão, pois deu “uma nova dimensão, abrindo
perspectivas para construtores e instrumentistas desenvolverem novos recursos técnicos” (Idem).
Dentre as modificações de Torres, destacam-se:
a) Padronização do comprimento da corda vibrante: definida em 650 mm, o que aumentou
as proporções da caixa de ressonância e do braço do instrumento (DUDEQUE, 1994);
b)
Cravelha mecânica: proporcionou uma afinação mais precisa;
c) Tampo harmônico
43
: esta foi a maior inovação de seus instrumentos, pois deu “uma
distribuição mais uniforme dos harmônicos resultando num equilíbrio sonoro maior”
(DUDEQUE, 1994, p. 78). Além disso, os seus violões, “construídos no início da década
de 1850, tinham um tampo harmônico aproximadamente vinte por cento maior do que os
42
É notável nesse sentido o trabalho de Napoleón Coste (1806-1883).
43
Um conjunto de tiras de madeira coladas na parte interior do tampo, num total de sete (uma no centro e três nas
laterais), chamado de leque harmônico. Para enfatizar a importância do tampo na sonoridade, “construiu um violão
com as laterais e fundo de papier mâc, conservando somente o tampo de madeira. O resultado foi excelente,
segundo relatos da época (DUDEQUE 1994, p.78).
43
violões utilizados por Fernando Sor e Dionisio Aguado” (CORDEIRO, 2006). Como
resultado, houve um acréscimo de volume e projeção à sonoridade.
A sonoridade dos violões de Torres o levou a uma posição de destaque entre os
violonistas e construtores da época. Tárrega foi um de seus grandes divulgadores, pois nos
violões de Torres tinha um instrumento com alcance sonoro para as suas intenções musicais.
Segundo Julian Bream, “não seria especulação sugerir que sem as proporções e o formato
característico dos violões de Torres, a vital contribuição de Tárrega para a técnica do violão teria
sido mínima” (1987, p. 7).
O protótipo do violão moderno lançado por Torres no final do século XIX possui aspectos
importantes relacionados com a qualidade do som produzido pelo instrumento, principalmente
em relação ao tampo harmônico. A partir disso, houve uma série de avanços no entendimento e
na experimentação dessas técnicas com o resultado sonoro final. Dentre esses, destacam-se:
a) Espécie da madeira: A escolha do tipo de madeira (espécie) do tampo harmônico
influencia nas possibilidades tímbricas, de projeção e volume do som resultante. A
variação em relação ao timbre “é perfeitamente justificável pelas diferentes densidades e
variações de porosidade, fazendo com que algumas reflitam ou absorvam mais certa gama
de freqüências, que outras” (CORDEIRO, 2006).
As principais espécies tradicionalmente
utilizadas para o tampo harmônico são o cedro e o pinho (abeto). As madeiras geralmente
utilizadas para as laterais são o jacarandá da Bahia e o jacarandá indiano. As variedades
das laterais em combinação com as diferentes madeiras do tampo harmônico promovem
um resultado sonoro diverso;
b) Idade da madeira: Em linhas gerais, pode-se entender que quanto mais antiga for a
madeira do tampo harmônico, mais possibilidade de projeção e volume o som terá. Isso
ocorre por alterações químicas de transformação da celulose, a qual progride de um
44
estado amorfo (menos rígido) para um cristalino (mais rígido). Quando o tronco é
cortado, quase toda sua massa é celulose amorfa e com o decorrer do tempo, esta massa
vai-se convertendo em estado cristalino. Assim, “uma madeira antiga deve ter grande
parte de sua massa em estado cristalino, que é refratária à umidade ambiente, pois diminui
sua elasticidade, aumenta a rigidez e vibra com maior amplitude” (CORDEIRO, 2006).
c) Tampo harmônico: A técnica de construção do tampo harmônico é um importante fator
para a sonoridade. Desde a padronização do tampo harmônico de Torres, ocorreram
muitas modificações e adaptações, as quais promovem mudanças específicas na
sonoridade, e “de acordo com material utilizado, um bom construtor modificará
densidades do tampo e a colocação da estrutura interna
44
, para atingir o melhor resultado
sonoro possível de cada instrumento” (CORDEIRO, 2001).
d) Fundos e Laterais: o fundo tem por função “conter o volume de ar e receber o choque
das ondas sonoras geradas pelo tampo harmônico e refleti-las para o exterior”. Por outro
lado, as laterais “são de vital importância por serem o apoio do tampo e do fundo, visto
que quanto mais rígidas forem, maior será a liberdade que o tampo terá para vibrar”
(Idem).
Outro aspecto importante intrínseco do instrumento é a qualidade da corda a ser utilizada.
Até 1954, utilizavam-se cordas feitas de tripa, as quais tinham características muito limitadas do
ponto de vista da sonoridade. Foi graças ao trabalho de “Andrés Segovia junto aos industriais du
Pont e depois junto a Albert Augustine” que desde então existem as cordas feitas de nylon
(DUDEQUE, 1994, p. 79). Esse “novo” material promoveu uma melhoria significativa na
projeção, no volume e na afinação (DUDEQUE, 1994), sendo, portanto, outro marco na história
44
Refere-se à maneira como as tiras de madeiras são coladas na parte interna do tampo. O material escolhido
também influencia na qualidade do som.
45
do violão. Atualmente, muitos materiais e tecnologias foram acrescentados, como as cordas de
fibras de carbono. É importante observar que a interação que existe entre a corda utilizada e os
tipos de madeira do violão podem ter influências diretas na sonoridade. Esse fenômeno é bem
exemplificado pelas possibilidades de timbre, as quais são mais ou menos favorecidas de acordo
com o material da corda utilizado em combinação com um determinado padrão de construção do
instrumento. A tensão e a idade da corda são fatores importantes, pois influenciam diretamente
na projeção e volume da sonoridade. Juntamente com o violão Torres, as cordas de nylon podem
ser consideradas os pilares de “uma nova sonoridade para o violão” (GLOEDEN, 1996).
Ao longo de sua história, o violão tem mostrado que está em constante busca de maiores
possibilidades sonoras. As modificações nas técnicas de construção que ocorreram especialmente
ao longo do século XX confirmam esse fato. Desde o protótipo de Torres, houve uma ampliação
do leque de possibilidades de construção, muitas das quais ainda estão em desenvolvimento.
Dentre essas, pode-se enumerar as seguintes:
a) Utilização de materiais alternativos: como a fibra de carbono. O luthier australiano Greg
Smallmann desenvolveu um tampo que possui a estrutura interna em forma de treliça
laminada com balsa e fibra-de-carbono (CORDEIRO, 2001);
b) Mudanças no tampo e no leque harmônico: As primeiras tentativas que apresentaram
resultados práticos neste tipo de construção foram obtidas pelo alemão Matthias
Dammann e “consiste na utilização de dois tampos separados por uma fibra aramida em
formato de favo de mel (honeycomb)” (Idem);
c) Mudanças nas dimensões tradicionais: Merece destaque o violão de oito cordas
desenvolvido por Paul Galbraith e o luthier inglês David Rubio
45
. Chamado de modelo
45
No século XIX, MERTZ e COSTE já utilizavam violões com mais de seis cordas. No século XX, violonistas como
Narciso Yepes e Goran Söllcher também utilizavam violões modernos com mais de seis cordas.
46
Brahms caracteriza-se por uma tessitura maior e modificações na disposição das cordas
em relação ao cavalete
46
;
d) Mudanças na posição clássica de tocar: Também a experimentação de Paul Galbraith
exemplifica este aspecto. Utiliza desde 1984, um espigão semelhante ao do cello, de
modo que o violão é tocado na posição vertical. Com isso, defende que pode “liberar a
plena ressonância do instrumento”. Posteriormente, adicionou uma caixa de ressonância,
que enriquece mais ainda o som e volume do violão;
De acordo com as variáveis envolvidas com a construção do violão, o instrumento terá
uma determinada sonoridade, com características próprias e possibilidades expressivas variáveis.
Esse fato fica mais claro quando se faz o julgamento das qualidades intrínsecas de um
instrumento; ou seja, o que se deve buscar na sonoridade do instrumento? A respeito disso,
Sharon Isbin (1999, p. 9-10) destaca as seguintes características:
a) Contraste dinâmico e tímbrico: “... o som pode sussurrar e ao mesmo tempo ser gritante?
Ele é agudo e metálico no cavalete e doce e delicado no sultasto?”;
b) Clareza: “é importante, porque é um componente de velocidade de resposta e projeção”;
c) Velocidade de resposta:as notas são cristalinas e articuladas nas passagens rápidas com
uma resposta rápida?”;
d) Sustentação: “para testar isso, conte quantos segundos cada nota individual permanece
vibrando...”;
e) Equilíbrio: “... é a equalização do som de nota a nota e de corda a corda”;
46
“Com um violão de oito cordas como este, eu sabia que um repertório considerável se tornaria disponível para
mim (além de permitir que eu trabalhasse em uma versão mais completa e confortável da transcrição de Brahms). A
música para alaúde, da Renascença ao final do Barroco, poderia caber mais facilmente nos dedos, usando a tessitura
original completa e, em quase todos os casos, na afinação original. De fato, seria possível ler a música para alaúde da
Renascença direto da tablatura de alaúde” (GALBRAITH, 1996).
47
f) Ressonância: “... é a qualidade de riqueza e profundidade que faz com que a sonoridade
de um violão seja tridimensional, vibrante e encorpada...”;
g) Afinação: “... primeiro certifique-se de que as cordas são de boa qualidade, e [...] observe
que as notas tocadas na 12
a
casa devem soar de modo igual aos seus harmônicos”;
h) Projeção: “... é melhor testada numa sala de concerto; primeiro toque o instrumento e
depois ouça outro violonista tocando. Se não for possível uma sala de concerto, uma sala
ampla dará idéia potência do instrumento, especialmente se puder comparar com outros”;
i) Conforto: “... o instrumento deve ser confortável. Lembre-se de que alguns problemas são
corrigíveis”.
Deve ser ressaltado, que todas essas características intrínsecas do instrumento devem ser
entendidas no binômio violonista-instrumento (GILARDINO, 1993). Há características de um
instrumento que funcionam bem nas mãos de um violonista e que não tem efeito em outro. Esse
fenômeno ocorre, pois a técnica, a constituição física, o ideal de sonoridade, dentre outros, são
atributos próprios de cada instrumentista, de modo que o que pode ser “adequado para uns, pode
ser uma tortura para outros” (ISBIN, 1999, p. 10).
Pelo exposto, ainda há muito para se desenvolver no campo da construção de violões. A
interação entre novas técnicas e materiais de construção aponta para um fenômeno de evolução
ainda vigente. “Pois que um instrumento que desde o século XIX não pára de chegar ao seu
apogeu mostrará que [...] é capaz de atingir as sonoridades mais insuperáveis” (CHAVES, 2004).
48
2.2 ASPECTOS TEXTUAIS
2.2.1 O texto musical e a sonoridade
Além dos aspectos puramente técnicos, a sonoridade é resultante do que está contido no
texto musical – a partitura. Sobre este aspecto, Carlevaro escreve:
A sonoridade deve estar intimamente ligada a uma idéia musical, não pode ser algo
rígido e imutável. Deve possuir uma maleabilidade que lhe permita amoldar-se ao
espírito da música. Por isso é necessário utilizar diferentes formas de ataque para se
conseguir a sonoridade desejada. A emissão de um som, considerado isoladamente, não
tem maiores dificuldades no violão; pois resulta unicamente da vibração da corda pela
ação mecânica. O som isolado do ponto de vista musical não tem interesse (1978, p. 41-
42). [grifo nosso].
O entendimento da interação entre sonoridade nesse contexto é imprescindível para a
qualidade da execução. Pois, qual seriam as possibilidades de dinâmica a serem executadas no
final de uma cadência de uma sonata clássica? Qual seria a articulação a ser desenvolvida na
polifonia de uma fuga? Quais as variações de timbre a serem realizadas numa obra de Brouwer?
Essas indagações exemplificam as diversas sonoridades possíveis para uma determinada obra,
com todas as suas variáveis e nuances. Desse modo, os elementos da sonoridade devem ser
decifrados pelo intérprete, a fim de que todos os seus atributos expressivos sejam conseqüência
da sua ação interpretativa (BERRY, 1989). As indicações, por exemplo, de dinâmica, timbre,
articulação, de uma determinada passagem, assim como aquelas sobre a estrutura da música,
como harmonia, são informações que têm ação direta no tipo de sonoridade a ser desenvolvida na
execução. Entretanto, a identificação dessas informações resulta de um estudo apurado e de uma
compreensão ampla do texto musical.
49
2.2.2 Os elementos textuais explícitos e implícitos
Embora possam conter um grau de imprecisão, muitas indicações sobre a sonoridade
estão explícitas pelo compositor na partitura. Exemplos disso são as transições de dinâmica,
mudanças de articulação, indicadas pelas respectivas notações tradicionais. Esses elementos de
alguma maneira imprimem o caráter da obra, pois a sonoridade resulta primeiramente dessas
indicações. Desse modo, não seria concebível uma execução com uma sonoridade
descaracterizada daquilo que está diretamente indicado na partitura, ou seja, não é possível uma
sonoridade forte e em staccato, quando o compositor indica o contrário na partitura. Isso gera
uma ruptura do caráter da obra e a execução fica comprometida. Por isso, a maleabilidade da
sonoridade a ser executada (CARLEVARO, 1978) depende da execução desses elementos, os
quais, por estarem na partitura, podem ser compreendidas como os elementos explícitos do texto
musical.
Além desses, existe outro conjunto de informações que está num outro patamar. Estão na
partitura, mas não resultam unicamente da leitura direta das notas:
A interpretação de uma obra musical depende em grande parte do conhecimento e da
percepção da sua essência. Há muitos fatores que o intérprete pode perceber
intuitivamente, além dos impressos na partitura. (CARVALHO, 2002). [grifo nosso]
Desse modo, a leitura mais aprofundada da partitura revelará informações que
transcendem a escrita musical, e a sonoridade resultante será influenciada também por esse
fenômeno. Ou seja, pode-se expandir a gama de informações quando se identificam outros
elementos que estão contidos no texto musical, porém não escritos diretamente pela notação
musical, ou “impressos na partitura” (CARVALHO, 2002). Por todas essas características,
pode-se falar que essas informações são aspectos implícitos do texto musical.
Isso ocorre, por exemplo, nas diferentes possibilidades de articulação de acordo com o
estilo e a época de uma obra. O mesmo se aplica às variações de timbre, ataques e todos os
50
elementos expressivos da sonoridade. Ao se estudar uma partitura do período barroco, por
exemplo, haverá informações mais claras sobre a altura e ritmo
47
das notas, mas não muitas
indicações sobre dinâmica e/ou articulação. A decisão do tipo de sonoridade a ser empregada
dependerá do conhecimento da maneira como se realizava o baixo contínuo, das ornamentações
da época, das mudanças de dinâmicas decorrentes da harmonia, da maleabilidade rítmica
característica, etc. Enfim, uma série de informações estão além da simples leitura das indicações
da partitura, mas dependem de uma compreensão ampla do texto musical, com as suas
informações históricas, estéticas, estilísticas, as quais interferem na sonoridade resultante
(PUJOL, 1960; FERNÁNDEZ, 2002).
Conseqüentemente, muitos aspectos da sonoridade não estão diretamente escritos
(aspectos implícitos), e dependem de um conhecimento mais amplo do texto musical como um
todo, que transcende a simples notação na partitura (aspectos explícitos). Essas informações
trazem subsídios para escolhas interpretativas importantes em relação às características da
sonoridade a ser empregada na execução. Também, apontam para questões muito mais
complexas da execução musical: como as interpretações históricas, a aproximação da execução
com outras áreas do conhecimento como a semiótica musical, as quais fogem do objetivo desse
trabalho.
47
Não se consideram aqui as variações rítmicas do período barroco, com as notas ineguáles, mas sim as indicações
da duração das notas pela notação musical.
51
2.3 ASPECTOS PERCEPTIVOS
2.3.1 A percepção do intérprete e a sonoridade
Este aspecto da sonoridade envolve todas as variáveis de cada intérprete em perceber as
informações textuais da sonoridade e executá-las de modo peculiar. É um dos fatores mais
relevantes e o responsável pelas diferenças de sonoridade que existe entre os instrumentistas, pois
esta “é a conseqüência mais direta da personalidade do intérprete; é através da sonoridade que se
pode reconhecer um artista” (CARLEVARO, 1979). À medida que a técnica está a serviço de um
sentido musical, a percepção de cada intérprete englobará as variabilidades para cada sonoridade,
de modo que desta percepção individual decorre a sua ação interpretativa (BERRY, 1989). A
identificação de elementos textuais da partitura e a execução dos mesmos através de uma técnica
apurada envolvem uma complexa ação do instrumentista, o qual terá qualidades próprias de
percebê-las e executá-las: essas constituem o aspecto perceptivo da sonoridade, e não se
restringem somente à sua capacidade puramente mecânica, mas principalmente em extrair os
elementos textuais de uma obra e atuar o mais consciente possível num determinado resultado
sonoro. É nesse contexto, que a análise pode atuar a favor da execução.
2.3.2 A análise musical como um facilitador da execução
A relação entre análise e execução musical já suscitou várias discussões
48
, que tentam de
um lado uni-las e por outro distanciá-las (GERLING, 2000). O aspecto textual da sonoridade
deve ser codificado pelo intérprete para que os seus elementos possam ser compreendidos e
executados. Mas como entender esses elementos e aplicá-los na execução? De acordo com
CARVALHO (2002), a análise pode ser um meio facilitador:
48
O propósito deste artigo não é aprofundar tal discussão, mas sim destacar como a análise da obra pode trazer
soluções para a execução, e dentro desta, influenciar no resultado sonoro.
52
O intérprete deve utilizar a análise como um instrumento importante para as decisões
que tomará quanto à interpretação, pois aquela revela pontos que nem sempre são
perceptíveis à primeira vista. É através da análise que conhecemos as relações entre os
diversos eventos musicais propostos pelo compositor (CARVALHO, 2002, p. 1) [grifo
nosso].
Portanto, a solução para muitas questões de execução não reside exclusivamente na leitura
das indicações da partitura (aspectos explícitos) e nem tampouco na sua simples execução
(aspectos técnicos), mas sim na utilização da análise musical como um meio para a solução
desses problemas. Da mesma forma, a sonoridade deverá respeitar essas decisões interpretativas.
Num determinado ponto, a solução dos problemas de execução terá respostas em outros
recursos que, de certa forma, transcendem as indicações da partitura e a técnica instrumental
(BERRY, 1989). Talvez aí resida um dos aspectos responsáveis pela variedade de sonoridades de
uma mesma obra, pois a capacidade de entender um texto musical e executá-lo varia de acordo
com cada intérprete (aspecto perceptivo). Sobre esta questão, Carlevaro escreve:
Por uma parte há algo que é necessário aprender: o ofício [técnica]. E, por outro lado,
deve existir algo nosso, que ninguém pode nos ensinar. Ao intérprete se colocam dois
problemas: o aspecto puramente mecânico de uma obra musical e como se deve
expressar esta obra. Convém sempre começar por este último. Desde o primeiro
momento é necessário entrar na arte, porque como vamos trabalhar uma obra sem saber
o que temos que expressar? Nunca se deve esquecer disso, porque do contrário, a arte se
desnatura. Se o ofício, propriamente dito, passa a ocupar o primeiro plano, a arte haverá
perdido sua qualidade própria (1979, p. 31) [grifo nosso].
Nessa afirmação é necessário destacar que o intérprete não deve se restringir apenas ao
aspecto técnico (ofício), mas deve ter outros elementos que transcendem a simples execução.
Exige-se que a demanda interpretativa nos mostre como a obra deve ser expressa. Também,
Carlevaro alerta para uma hierarquia (planos) entre a relação técnica e artística (interpretativa),
recomendando que a última seja superior à primeira.
Como mencionado no Capítulo 1, a sonoridade é um elemento constituinte da execução
musical, e, portanto, passível também da mesma origem de soluções e de problemas. Essa relação
entre problema de execução e soluções pode ser entendida como a interação que existe no
53
processo de execução da obra: “a partitura revela a intenção do compositor que o executante deve
perceber e concretizar(DUNSBY, 1989). A intenção do compositor está na partitura, e ao
intérprete cabe executá-la (concretizá-la) utilizando vários dos recursos da execução musical, e é
dentre estes recursos, que se insere a sonoridade.
A posição defendida por Dunsby é mais enfática quando ressalta que análise pode gerar
soluções para problemas de execução:
Subestimar as grandes conquistas musicais, sejam schoenberguianas ou shenkerianas,
resultantes de um inspirado idealismo criativo, seria falta de integridade artística. No
entanto, o intérprete precisa encontrar um equilíbrio entre o espiritual e o real, sem
desvalorizar nenhum deles. Esse equilíbrio pode começar a ser alcançado, ao se fazer
uma distinção bastante simples – e que tem sido menosprezada – entre interpretação e
execução. Uma determinada análise poderá levar à convicção de que um determinado
tipo de interpretação é essencial; mas como passar essa interpretação para o ouvinte
durante uma execução é outro problema (1989, p. 8-9) [grifo nosso].
Referindo-se ao papel do executante de concretizar a intenção da obra durante o processo
interpretativo, Dunsby (1989) cria o termo “idealismo musical”. Nesse contexto, é possível que a
sonoridade tenha um próprio idealismo (GILARDINO, 1993) e seja um recurso para que este
idealismo musical seja atingido e concretizado, e a análise musical um dos meios para que este
processo se desenvolva. Dunsby (1989) defende essa integração entre as várias áreas de
conhecimento musical e a prática instrumental no ensino de música:
Acontece que os professores têm a responsabilidade - ou, pelo menos deveriam ter, na
minha opinião – não somente de transmitir para seus alunos os elementos físicos e
poéticos da música, mas introduzi-los no universo de acontecimentos históricos que
engloba teoria e análise. No futuro, aqueles que ensinam um instrumento deverão ser
julgados não somente pelas suas habilidades técnicas e pelo seu conhecimento da beleza
de uma peça, mas também pela sensibilidade cultural do que é produzido (1989, p. 18).
É nesse contexto de mesclar os elementos da execução musical com o conhecimento
resultante de áreas teóricas, como a análise, que a sonoridade está inserida. Analogamente, a
sonoridade resulta também desta interação, pois o intérprete, no seu fazer musical, utiliza e
identifica (aspecto perceptivo) os elementos da música (aspectos textuais) e os executa com as
54
possibilidades instrumentais (aspectos técnicos) através de uma determinada sonoridade. Um
meio para que isso ocorra de modo mais consciente, seria o intérprete utilizar a análise musical a
favor da execução, “não como uma forma de se achar uma verdade, mas com uma atividade que
auxilie na resolução de problemas” (DUNSBY, 1989, p.10).
A resolução de problemas refere-se a questões de execução musical como um todo e, mais
especificamente, de sonoridade. Por exemplo, como o violonista pode utilizar o timbre e a
dinâmica da sua sonoridade para destacar a hierarquia polifônica de uma obra? Por que a
sonoridade que se utiliza para execução de uma obra renascentista é diferente daquela de uma
obra romântica? Certamente as respostas serão amplas, mas envolverão a interação entre técnica
instrumental (aspectos técnicos), qualidades do executante (aspectos perceptivos) e as
informações contidas na partitura (aspectos textuais). As possibilidades sonoras serão exploradas
de acordo com a capacidade do intérprete em dominar esses três aspectos. Neste caso, a
capacidade do intérprete engloba não só às suas habilidades como instrumentista (como o
domínio técnico), mas também a sua capacidade de analisar a obra e, a partir disto, tomar
decisões interpretativas coerentes. Quando são solucionados problemas de execução através do
exercício analítico, o resultado é “gratificante, caso contrário, é possível que a falta de solução
seja decorrente de uma análise pobre, ou é igualmente possível que o executante esteja à procura
de perguntas mal formuladas” (DUNSBY, 1989, p. 12). Assim, a questão da análise e sonoridade
se deixa permear por níveis de interação que podem ser agrupados nos seguintes aspectos:
a) Conhecimento da disciplina analítica pelo intérprete;
b) Identificação de problemas específicos de execução a serem resolvidos com a
escolha da sonoridade;
c) Utilização de conhecimento analítico como um meio para resolver essas
questões.
55
Esses aspectos técnicos, textuais e perceptivos da sonoridade estão a serviço de uma ação
interpretativa (BERRY, 1989). Os diversos resultados sonoros dos intérpretes decorrem dessa
interação de fatores, que podem ser exemplificados pelas mais variadas execuções de uma mesma
obra. Nos próximo dois capítulos, serão utilizados exemplos musicais de duas gravações para
uma análise dos aspectos da sonoridade. Na última seção desse trabalho, os resultados dessa
análise serão discutidos à luz dos aspectos teóricos estudados até agora.
56
3 METODOLOGIA
Um dos objetivos
49
dessa pesquisa é realizar uma análise da sonoridade em duas
gravações de uma mesma obra a partir do estudo dos aspectos que constituem a sonoridade do
violão (conforme capítulo anterior). Optou-se pela obra Quatro Pièces Breves, de Frank Martin e
pelos violonistas Julian Bream e Eliot Fisk. A seguir serão explanados os critérios de seleção de
cada um, e na seção seguinte como foi feita a análise das gravações.
3.1 SELEÇÃO DA OBRA E INTÉRPRETES
Os critérios utilizados para a seleção foram os seguintes:
3.1.1 Intérpretes
Violonista com reconhecido domínio sobre o aspecto da sonoridade, de acordo com a crítica
internacional especializada;
Relevância no cenário violonístico.
Levando-se em consideração os critérios acima, o primeiro intérprete escolhido foi o
violonista inglês Julian Bream
50
. É notório o seu reconhecimento pela crítica especializada, que o
destaca como um dos maiores violonistas do século XX (ZIGANTE, 1995). As execuções de
Bream, além de possuírem uma consistência formal e “um rigor estético” (ZANON, 2004),
exploram as possibilidades sonoras do instrumento. Inúmeros compositores dedicaram obras
49
Os dois primeiros capítulos referem-se aos outros objetivos da pesquisa.
50
Violonista britânico nascido em 1933 (DUDEQUE, 1996).
57
originais a ele, dentre os quais se destacam: William Walton, Toru Takemitso, Benjamin Britten e
Léo Brouwer (DUDEQUE, 1994; ZIGANTE 1995).
O outro intérprete a ser incluído é Eliot Fisk, violonista americano de destacada atuação
no cenário violonístico. É reconhecido como um dos grandes expoentes do instrumento, não só
pelas suas qualidades de executante, mas também pelo seu trabalho de expansão do repertório
(DUDEQUE, 1996). Nesse aspecto inserem-se suas transcrições inéditas, como os 24 Caprichos
de Paganini e as Sonatas de Scarlatti, e obras dedicadas a ele, com é o caso da Sequenza XI de
Luciano Berio.
3.1.2 Obra
Original para violão;
Composta preferencialmente por compositor não-violonista;
Obra de relevância para o repertório do violão moderno;
Os dois primeiros aspectos englobam um critério importante para analisar as
possibilidades expressivas da sonoridade do violão, pois quando se utilizam obras compostas por
violonistas, pode-se muitas vezes encontrar artifícios e clichês técnicos característicos que
causam um efeito musical intrínseco do instrumento, e não necessariamente do instrumentista.
Esse fenômeno, de certa forma, favorece o intérprete, já que a obra escrita contempla e, de certa
forma, facilita resultados musicais sem que o violonista precise ir além do domínio da técnica
instrumental de execução. Fenômeno semelhante também pode ocorrer quando um violonista
transcreve uma obra para violão, já que ao transcrever a obra, esta deverá ser “moldada” ao
58
instrumento e às suas possibilidades técnicas
51
. Levando-se em conta todos esses aspectos, a obra
Quatro Peças Breves, do compositor suíço Frank Martin (1890-1974) foi escolhida
52
. Essa obra é
relevante para o repertório violonístico, pois é “uma das obras-primas de repertório do início do
século XX” (DUDEQUE, 1996). Ao mesmo tempo, proporciona variadas possibilidades
expressivas para o intérprete, além de uma exigente demanda técnica (KLOE, 1993).
3.2 PROCEDIMENTOS DA ANÁLISE
A análise das gravações envolveu aspectos da sonoridade do violão (discutidos nos capítulos
anteriores), os quais foram analisados ao longo de trechos da execução de cada intérprete. O
delineamento dessa análise (vide figura 3) envolveu os seguintes passos
53
:
3.2.1 Partitura e seleção dos trechos
Foram selecionados os trechos com maior demanda expressiva, como aqueles de finais de
frases, seções contrastantes, trechos com sinais de dinâmica e aqueles com sinais expressivos
apontados pelo compositor. No total foram selecionados nove exemplos, os quais serão
discutidos no capítulo seguinte.
3.2.2 Realização dos gráficos
A respectiva execução de cada trecho foi selecionada, dividida nos compassos
correspondentes e convertida numa imagem gráfica
54
. A seguir as imagens resultantes foram
51
Vale ressaltar que as transcrições de obras sinfônicas realizadas pelo violonista japonês Kazuito Yamashita
(DUDEQUE,1996) contemplam um estágio de desenvolvimento técnico que transcende em muito as barreiras do
instrumento.
52
Essa obra fez parte do meu repertório desenvolvido durante o mestrado.
53
Os aspectos da sonoridade e a análise das gravações serão detalhados em seções específicas ao longo do artigo.
54
Vale lembrar que os recursos de edição são comuns às duas gravações, ou seja, as duas puderam utilizar tais
recursos, e, obviamente, o resultado sonoro e também os gráficos são o resultado dessa edição. Assim, ao se utilizar
59
padronizadas em figuras e inseridas no texto. Os gráficos analisados obedeceram à mesma
escala
55
de apresentação no software, e as figuras resultantes foram padronizadas com a mesma
altura (comprimento vertical), já que as variações do comprimento (horizontal) correspondem às
diferenças de agógica de cada execução.
3.2.3 Análise gráfica
A partir desses trechos, foi feito um gráfico correspondente à execução de cada intérprete,
utilizando-se o software Soundforge versão 7.0. Esse programa é utilizado para edição de
gravações. O gráfico gerado resulta da execução de qualquer gravação, e contempla,
principalmente, elementos identificáveis de dinâmica e agógica. Nas linhas verticais aparecem as
variações de dinâmica, formados com picos de onda com maior ou menor amplitude e duração.
As questões de agógica podem ser identificadas nas linhas horizontais, as quais fornecem
informação a respeito de mudanças de tempo e duração das notas. Elementos de articulação
podem ser inferidos de acordo com o formato das ondas resultantes de cada execução. As
questões de timbre não são expressas graficamente por esse sistema
56
, mas podem ser entendidas
no contexto da audição dos exemplos sonoros.
essas duas gravações com os mesmos recursos, ambos possuem um fator em comum, o que metodologicamente não
invalida o resultado, pois estão presentes nas duas amostras.
55
A escala refere-se ao tamanho que o gráfico ocupa na tela. Varia de 24:1 até 1:16.384, correspondendo,
respectivamente, à menor e à maior imagem. Com isso pode-se representar a graficamente toda a execução
(1:16.384) até minúsculos trechos e notas (24:1).
56
Para gerar um gráfico com as variações de timbre seria necessária uma análise mais detalhada da onda sonora sob
o ponto de vista puramente físico, o que fugiria do objetivo da pesquisa.
60
Abaixo, segue uma lista de símbolos que serão utilizados nos gráficos, correspondentes a
elementos da sonoridade identificados durante a análise:
= diferentes planos de dinâmica;
= picos de ondas correspondentes a determinadas notas e/ou acentos dinâmicos;
= diferentes planos de timbre na linha superior;
= diferentes planos de timbre na linha inferior;
= notas agrupadas (massa sonora);
= crescendo;
= decrescendo;
= nota destacada dentro de uma massa sonora.
3.2.4 Exemplos Sonoros
Paralelamente ao texto musical (partitura) e aos gráficos foram utilizados o registro
sonoro dos trechos das gravações originais, os quais estão disponíveis na forma de CD (Compact
Disc) na seção dos ANEXOS. Para o entendimento da análise e dos gráficos é necessário que
esses sejam ouvidos juntamente com apreciação da partitura e dos gráficos. Os exemplos foram
“recortados” da gravação original utilizando-se um recurso disponível software Soundforge
versão 7.0, que permite a seleção de trechos de gravações e a sua replicação em outro arquivo.
61
3.2.5 Delineamento da pesquisa
A estrutura geral do trabalho pode ser vista na figura 3. Os trechos da execução da obra
por Bream
57
e Fisk
58
foram analisados simultaneamente sob o ponto de vista do texto musical
(partitura), gráfico (resultantes do Soundforge versão 7.0) e sonoro (recorte das gravações
originais). Cada gravação gerou um gráfico distinto e os resultados serão apresentados no
capítulo a seguir. Na seção final está representada a discussão dos resultados sob o ponto de vista
do referencial teórico.
A análise dos elementos da sonoridade nas duas gravações não teve intenção comparativa,
ou seja, em nenhum momento pensou-se em destacar uma em detrimento de outra. O objetivo
desta análise foi o de representar graficamente aspectos da sonoridade em duas execuções
distintas e fornecer material para o entendimento dos fatores envolvidos na sonoridade e para o
estudo do seu papel na execução violonística.
Também, a representação gráfica de cada execução é um elemento ilustrativo. Vem
complementar visualmente aquilo que se escuta na gravação, ou seja, com esta representação é
possível, por exemplo, não apenas ouvir um crescendo, mas também “ver” um crescendo. Com
este recurso a descrição da execução fica mais didática para a sua posterior análise.
A seguir, no capítulo 4, serão descritas as análises dos trechos
59
, mantendo-se o padrão de
apresentar primeiramente os trechos da partitura e os respectivos gráficos de dinâmica de cada
execução
60
. Na figura 2 tem-se uma visão geral dos procedimentos metodológicos.
57
BREAM, Julian. Quatro pièces brèves. In:
Nocturnal.
London: EMI (CDC754901), 1993. 1CD (10min28seg).
58
FISK, Eliot. Quatro pièces brèves. In: Für Eliot. San Francisco: GSP (1008CD), 1994. 1CD (10min25seg).
59
Será utilizado o termo “exemplo sonoro” para os trechos selecionados das duas execuções gravados na forma de
CD nos anexos finais.
62
Figura 2. Estrutura geral do delineamento da Análise.
60
A ordem escolhida foi de apresentar primeiramente o trecho de Julian Bream, unicamente por ter sido ele quem
estreou e fez a primeira gravação da obra.
Quatro Peças Breves
Julian Bream (1993)
Eliot Fisk (1994)
Resultados da análise da
gravação (texto musical, gráfico e sonoro)
Textual Técnico Perce
tivo
63
4 RESULTADOS
A seguir têm-se os gráficos iniciais (figura 3, 4, 5 e 6) que representam a execução
completa de cada um dos intérpretes.
Figura 3.a - Prelude execução completa de Bream (escala 16.384)
Figura 3.b - Prelude execução completa de Fisk (escala 16.384)
64
Figura 4.a - Air execução completa de Bream
Figura 4.b - Air execução completa de Fisk
65
Figura 5.a – Plaint - Execução completa de Bream (escala 16384)
Figura 5.b - Plaint – Execução completa de Fisk (16384)
66
Figura 6.a - Giga execução completa de Bream (escala 16.384)
Figura 6.b - Giga execução completa de Fisk (escala 16384)
67
I) PRELÚDIO
Exemplo 1
O prelúdio possui uma forma que lembra a abertura francesa, onde a primeira seção, Lent,
possui elementos que são explorados na seção seguinte mais rápida, vite. Os quatro primeiros
compassos (fig.7a) apresentam a idéia inicial do prelúdio (motivo 1), já com a indicação mf e
expressif, caracterizado por um movimento ascendente e de sucessivos afastamentos e retorno à
nota SI. O motivo 1 (figura 7.a) é o elemento condutor do ostinato, repetido nos c. 6-9 e depois
na segunda parte rápida, vite (c.14-38), onde reaparece com caráter diferenciado.
Figura 7.a: c.1-4 do Prelude
O gráfico da execução de Bream (Figura 7b.) demonstra um plano dinâmico dos
afastamentos e repousos em relação à nota SI (setas vermelhas, Figura 7.b), respectivamente, por
crescendo e decrescendo. Esta intenção é enfatizada também por mudanças de timbre e
articulação. No c. 1, o motivo 1 é executado “secamente”. No c.2, Bream já utiliza mais o
vibrato e um timbre menos metálico. No c. 3, o crescendo e a tensão dinâmica são enfatizados
pela utilização mais intensa dos elementos do c. 2. Com esta sobreposição de vibrato, mudança
de timbre de uma região cada vez menos metálica e o legato mais presente, entre outros
elementos, é possível uma delimitação de três planos distintos, que não envolvem apenas a
Motivo 1
68
dinâmica. Estes planos estão de acordo com a idéia de afastamento maiores em relação à nota SI,
conforme ilustra a figura 7.b. No c.4, Bream muda radicalmente esses elementos, utilizando um
timbre metálico e staccato, com isso enfatizando-se a mudança do andamento (plus vite), de
caráter e delimita o motivo inicial (Exemplo sonoro 1, vide anexo).
Figura 7.b: Execução de Bream (escala 4096)
O gráfico da execução de Fisk mostra três planos dinâmicos bem
c.4 c.3 c.2 c.1
mf expressif
mf expressif
c.4 c.3 c.2 c.1
Figura 7.c : Execução de Fisk (escala 4096)
69
O gráfico da execução de Fisk mostra três planos dinâmicos definidos nos trechos
correspondentes ao c. 1-3. Além da utilização da dinâmica, Fisk acrescenta cada vez mais
elementos de articulação: legato e vibrato crescentes e timbre paulatinamente mais escuro. A
questão do tempo é explorada pela utilização do rubato, mais evidente no c. 3, e de um
andamento bem mais lento do que o de Bream, o que fica evidenciado pela extensão do gráfico
das duas execuções. A delimitação desses três planos de dinâmica é realizada por Fisk pela
intensificação dos elementos presentes já no c. 1: utiliza mais vibrato, mais legato e timbre cada
vez menos metálico. Com isso, os afastamentos em relação da nota SI também são enfatizados,
gerando um efeito crescente de tensão. No c. 4, Fisk faz um tenuto discretamente menor em cada
uma das primeiras semicolcheias do grupo do c. 4, o que gera uma ênfase na indicação de tempo
(plus vite) e um pequeno decrescendo (evidente nos dois últimos tempos do c. 4).
Exemplo 2
No trecho do c. 5-13 (figura 8.a), o motivo 1 reaparece na linha do baixo (c. 5-7),
enquanto o ostinato na nota SI ocorre na linha melódica superior. Há uma indicação de crescendo
no trecho do c. 5. A tensão criada com a transposição do motivo 1, em graus conjuntos no baixo
dos c. 5-6, é intensificada no acorde inicial do c. 8 (si-fá#-si), o qual é precedido por sinal de
crescendo. No c. 8 o motivo reaparece na linha superior, transposto uma oitava acima.
Novamente ocorre tensão com o crescendo no c. 9, o qual tem seu ápice no c. 10, onde há
indicação de f. Nos c. 10-13, há novamente uma textura a duas vozes: na superior destacando-se
um movimento descendente por graus conjuntos e cromáticos (indicado como tres chantè) e uma
citação curta do motivo 1 na linha do baixo, que encerra o final da primeira seção (c. 11-13).
70
Figura 8.a: c. 5-13 do Prélude.
Motivo 1
71
Figura 8.b : Execução de Bream (escala 4096)
Figura 8. c : Execução de Fisk (escala 4096)
c.5 c.6 c.7 c.8 c.9 c.10 c.11 c.12 c.13
c.5 c.6 c.7 c.8 c.9 c.10 c.11 c.12 c.13
Motivo 1
Motivo 1
72
A execução de Bream do c. 5 ao c. 8 (figura 8.b) envolve uma progressão de dinâmica,
caracterizada por um crescendo gradual até o acorde si-fá#-si do c. 8. Utiliza nesse trecho
também uma variedade de timbre: mais metálico para a linha melódica superior (ostinato na nota
SI) e no baixo, um timbre mais escuro que gradualmente torna-se mais metálico à medida que a
tensão aumenta, novamente utilizando planos dinâmicos distintos no trecho de c. 5 a c. 8 (setas
vermelhas, figura 8.b). Na retomada do motivo 1 no c. 8, Bream utiliza-se de um timbre mais
escuro, sustentado por mais legato, de acordo com a indicação de meno f (c. 9) até o ponto
culminante da sessão no c. 10, onde há indicação de f. A seguir (c. 11 –13) há uma nítida
diferenciação de planos dinâmicos e de timbres: a linha principal com um timbre metálico e
intensidade mais forte (setas azuis, figura 8.b) e a linha do baixo ao contrário (setas verdes).
A execução de Fisk do c. 5 ao c. 8 caracteriza-se por planos dinâmicos formados pela
tensão progressiva e por elementos de articulação. Utiliza um legato cada vez mais intenso e
elementos agógicos os quais enfatizam a tensão de maneira mais gradual (setas vermelhas, figura
8.c). Quando o tema reaparece no c. 8, Fisk utiliza timbre e articulação como elementos de ênfase
(vibrato), o que confere um lirismo à sua execução. A seção do c. 9 ao c. 10, além do crescendo
em intensidade, Fisk utiliza novamente agógica, com acelerando cada vez mais intenso até o
ápice no f do c.10 (linha inclinada da figura 2.c). O trecho do c. 11-13 é caracterizado por dois
planos distintos entre a voz superior (setas azuis, figura 2. c) e o baixo (setas verdes), formado
principalmente por diferenças entre as dinâmicas (superior mais forte) e de timbre (inferior mais
doce e escuro).
73
Exemplo 3
No trecho dos c. 14-28 (figura 9. a), há uma sessão rápida que contrasta com a primeira
lenta. O tema do motivo 1 reaparece na linha melódica superior, tendo a nota SI como pedal,
com um andamento rápido (vite), o que gera um contraste com a sessão anterior. A dinâmica
indicada é pp (c. 14), e paulatinamente ocorre uma tensão caracterizada pela repetição da idéia
do tema e pelas indicações crescentes de dinâmica: rin f (c. 21), meno p (c. 22) e pela
utilização de acordes repetidos, os quais reforçam a tensão inicial (c. 25-27).
Figura 9.a: Compassos 14-28 do Prélude.
c.14
c.17
c.20
c.26
c.23
74
Figura 9.b: Execução de Bream (escala 2048)
Figura 9. c: Execução de Fisk (escala 2048)
c.14 c.15 c.16 c.17 c.18 c.19 c.20 c.21 c.22 c.23 c.24 c.25 c.26 c.27 c.28
c.14 c.15 c.16 c.17 c.18 c.19 c.20 c.21 c.22 c.23 c.24 c.25 c.26 c.27 c.28
75
A execução do Bream do trecho acima (figura 9. a) apresenta uma clara distinção em
termos de planos dinâmicos (figura 9. b). Há três níveis crescentes de dinâmica ao longo dos c.
14-16 (setas vermelhas, na figura 9. b), os quais crescem à medida que a tensão gerada pela
repetição da idéia do motivo 1 aumenta, até chegar ao ponto culminante ao longo dos c. 25-27
(seta vermelha). No c. 22, Bream utiliza uma mudança da articulação, mais legato, e do timbre,
mais “escuro”, em relação ao que vinha fazendo até o c. 21. Nota-se que esta mudança ocorre
numa zona de transição dinâmica, em que há indicação de duas dinâmicas diferentes: rinf (c. 21)
e meno p (c. 22).
A execução de Fisk demonstra também a clara distinção de planos dinâmicos ao longo da
sessão dos c.14-28 (figura 9. c). Utiliza-se de uma dinâmica inicial mínima (pp, no c. 14), que
paulatinamente cresce até chegar no ponto de maior tensão nos c. 25-27 (setas vermelhas da
figura 9. c). A articulação e a o timbre permanecem mais constantes ao longo do trecho, mas há
uma manipulação do tempo, com um leve acelerando à medida em que a tensão aumenta.
76
Exemplo 4
No início do trecho dos c. 31-39 (figura 10. a), o ostinato na linha do baixo na nota SI
(c. 31) é retomado. No c. 31 há indicação de p, e no c. 32 um crescendo até o final do c. 38. A
tensão gerada nesse trecho chega no ponto culminante no final do c. 38 e no início do c. 39, onde
há indicação de ff.
Figura 10.a : c. 31-39 do Prélude.
c.32
c.35
c.39
c.37
c.31
77
Figura 10.b: Execução de Bream (escala 1024)
Figura 10.c: Execução de Fisk (escala 1024)
O gráfico da execução de Bream (figura 10. b) demonstra níveis crescentes de dinâmica,
sendo possível a identificação do crescendo ao longo do trecho do c. 31-37 (setas vermelhas). As
figuras de acordes repetidos nos c. 35 e c. 37 geram uma “massa” sonora, conforme se vê nos
gráficos dos compassos correspondentes (linha vermelha horizontal). No c. 36, Bream utiliza-se
de um timbre metálico para salientar a melodia contida na linha superior, que faz uma pequena
citação ao tema do motivo 1 (linha vermelha tracejada).
c.31 c.32 c.33 c.34 c.35 c.36 c.37 c.38 c.39
c.31 c.32 c.33 c.34 c.35 c.36 c.37 c.38 c.39
78
A execução de Fisk do trecho acima promove uma nítida distinção dinâmica do p até o ff
(vide setas vermelhas). Os gráficos dos acordes repetidos podem ser identificados pela linha
vermelha horizontal (c. 36 e c. 37). O crescendo da execução de Fisk é enfatizado não só pela
dinâmica em si, mas por uma contínua intensificação de elementos de articulação (legato cada
vez mais intenso) e impressão de um leve acelerando que ocorre no final do trecho do c. 37.
Exemplo 5
O trecho do c. 45-53 (figura 11. a) encerra o Prélude, e é caracterizado por uma retomada
do andamento rápido (vite), e uma melodia repetida no baixo, baseada no motivo 1, em contraste
com uma repetição da nota MI na linha superior. A dinâmica solicitada é pp, a qual subitamente
passa para f no c. 51 até o término.
Figura 11.a: c. 46-54 do Prélude.
c.51
c.48
c.45
79
A execução de Bream do c. 45-50 (figura 11. b) promove uma constância em termos de
dinâmica, mantendo-a praticamente sem variações até o c. 51 (linha vermelha), quando faz um f
súbito. Bream deixa bem distinta a variação entre as vozes: a nota MI é ressaltada da linha
melódica interior com a utilização de um timbre mais metálico e seco, enquanto utiliza mais
legato para a linha do baixo. Nos c. 51-53, mantém uma dinâmica forte, de acordo com a
indicação do compositor.
Figura 9.c: Execução de Bream (escala 1024)
Figura 9.c: Execução de Fisk (escala 1024)
c.45 c.46 c.47 c.48 c.49 c.50 c.51 c.52 c.53
c.45 c.46 c.47 c.48 c.49 c.50 c.51 c.52 c.53
pp
f subito
pp
f subito
80
A execução de Fisk deste trecho demonstra uma crescendo intenso que vai do c. 45-51
(vide linha vermelha da figura 11. c). Além da dinâmica, nitidamente Fisk utiliza um acelerando
até chegar no ponto culminante de tensão no c. 51 (seta vermelha). Apesar da agregação destes
elementos, o que dificulta ainda mais esta passagem, a distinção entre a as linhas melódicas é
clara. A nota MI é marcada também por um timbre mais metálico, o que é facilitado pela
utilização da primeira corda solta. A seguir, Fisk mantém a dinâmica forte até o final do c. 53.
II AIR
Exemplo 6
O segundo movimento, Air, é construído com uma estrutura baseada na Sarabanda, onde
o segundo tempo recebe uma acentuação, não só em termos de dinâmica, mas com indicações de
ornamentos, mudanças de harmonia e métrica. O caráter, entre outros aspectos, é definido pelo
andamento (lent et bien rythmé) e por indicações de dinâmica e timbre (p doux ou pp très doux).
81
Figura 12.a: c. 1-6 do Air
A execução de Bream (figura 12. b) demonstra um cuidado em manter elementos que
ressaltem a estrutura da sarabanda: utiliza elementos expressivos que destacam o segundo tempo.
A dinâmica segue um padrão de p, com pequenos aumentos na segunda metade do primeiro
tempo (setas vermelhas). Utiliza também pequenos arpejos nos acordes do segundo tempo do c. 5
e c. 6.
c.1
c.3
c.5
82
Figura 12.a: Execução de Bream (escala 4096)
Figura 12.c : Execução de Fisk (escala 4096)
A execução de Fisk (figura 10. c) reflete também um cuidado em manter a estrutura da
sarabanda preservada. Além da dinâmica (setas vermelhas), utiliza acordes mais arpejados no
segundo tempo, como ocorre no c. 2 e c. 6, e uma respiração maior, principalmente antes do
segundo tempo (c. 2) e no final do c. 6. Fisk utiliza um timbre mais escuro e encorpado, o que
gera uma sonoridade “doce”, de acordo com a indicação p doux (c. 1).
c.1 c.2 c.3 c.4 c.5 c.6
c.1 c.2 c.3 c.4 c.5 c.6
83
Exemplo 7
O trecho dos c. 7-14 (figura 13. a) inicia com a indicação de pp très doux (c.7). No c. 9,
inicia-se um crescendo que vai até o f do c. 11, para em seguida voltar ao caráter inicial (dimin.,
no c.12) da peça e finalizar na dinâmica p (c. 14).
Figura 11.a: c. 7-14 do Air
Na execução de Bream (figura 13. b), pode-se identificar uma mudança de timbre em
relação ao trecho inicial (c. 1-6), mas não pp doux. Ele utiliza-se de um timbre diferente em
relação ao c. 1, mas não dá idéia de ser mais doce. No c. 9 utiliza um timbre mais escuro e tenuto
c.8
c.10
c.12
84
na figura de seis semicolcheias, resultando no crescendo (seta vermelha na figura 11. b). No c. 11
para o c. 12, Bream faz um crescendo evidente, conforme indica figura 13.b, e no c. 12 já retorna
para a dinâmica inicial p. No c. 12-13, utiliza-se de timbres diferentes para salientar a polifonia.
Figura 13.b: Execução de Bream (escala 4096)
Figura 13.c: Execução de Fisk (escala 4096)
c.7 c.8 c.9 c.10 c.11 c.12 c.13 c.14
c.7 c.8 c.9 c.10 c.11 c.12 c.13
pp très doux cresc f
pp très doux cresc
f
85
Na execução de Fisk (figura 13. c), no c. 7, também não é possível identificar o pp très
doux em relação ao p doux do c. 1. Fisk utiliza um timbre escuro e legato, os quais mantém o
caráter introspectivo da seção. No c. 9, Fisk utiliza a articulação e “liberdade” rítmica para
executar a figura de seis semicolcheias, resultando num crescendo (seta vermelha). No c. 10
inicia-se um crescendo mais intenso que chega ao máximo no c. 11 (linhas vermelhas, figura 11.
c), retornando para a dinâmica inicial p, ao longo dos compassos finais.
86
III. PLAINT
Exemplo 8
Figura 14.a: c1-15 do Plainte
A execução de Bream neste trecho (figura 14. b) demonstra dois planos distintos: os
acordes arpejados repetidos (linha vermelha) e os acentos na nota fá#, com os seus respectivos
ornamentos e afastamentos (asterisco vermelho). A tensão gerada vai intensificando-se ao longo
c.7
c.4
c.1
c.10
c.13
87
do c.1 até o c. 9-10, onde é possível identificar uma massa sonora (linha tracejada). A seguir, no
c. 11, há um retorno para a dinâmica p, e crescendo súbito, correspondente ao sf (c. 11-12).
Figura 14.b: Execução de Bream (escala 18192)
Figura 14.c : Execução de Fisk (escala 18192)
c.1 c.2 c.3 c.4 c.5 c.6 c.7 c.8 c.9 c.10 c.11 c.12 c.13 c.14 c.15
sf più p
c.1 c.2 c.3 c.4 c.5 c.6 c.7 c.8 c.9 c.10 c.11 c.12 c.13 c.14 c.15
sf più p
88
A execução de Fisk (figura 14. c) demonstra também uma diferenciação em dois grandes
planos, acordes (linha vermelha) o FÁ# (asterisco vermelho), e uma grande massa sonora (linha
tracejada), conforme visto no exemplo anterior. Utiliza grandes contrastes dinâmicos, como
ocorre na transição do sf para o più p. Também, Fisk usa elementos de agógica, como pode ser
identificado nos trechos correspondentes às figuras de cinco e seis semicolcheias (c. 6 e c. 10).
Todos esses elementos expressivos promovem uma dramaticidade para o trecho, caracterizado
pela tensão e repouso e a alternância entre acordes arpejados com a linha melódica superior.
IV) COMME UNE GIGUE
Exemplo 9
Este trecho (c. 33-c. 57) representa um dos mais expressivos da obra. Corresponde à
segunda seção do último movimento Comme une Gigue. Apresenta uma linha no baixo, com a
dinâmica pp, que faz uma espécie de ostinato na nota MI, e um outro plano sonoro caracterizado
por acordes em bloco, com a dinâmica mf chante. Estes dois elementos formam um contraste de
difícil execução, dado às suas independências, as quais são mantidas durante todo o trecho. Aos
poucos, a voz superior esboça o tema inicial da gigue (parte A), porém com o ritmo ampliado, o
que gera uma tensão crescente até o c. 55-56.
89
Figura 15.a : c33-57 da Comme une Gigue
A execução de Bream (figura 15. b) demonstra uma distinção entre os dois planos: o
baixo com um timbre mais escuro e os acordes mais metálicos. À medida que a polifonia vai se
desenvolvendo (c. 38 em diante), é possível a identificação de massas sonoras (linha vermelhas),
que correspondem aos trechos de maior tensão, seja pela agregação de vozes (c. 38, c. 40) ou pela
indicação de dinâmica propriamente dita (c. 55-56). Bream utiliza muita variedade de timbre para
identificar as vozes e com isso proporcionar uma clareza polifônica ao trecho.
c.33
c.37
c.43
c.49
c.55
90
Figura 15.b: Execução de Bream (escala 12048)
A execução de Fisk (figura 15. c) utiliza a distinção entre os elementos polifônicos,
buscando um legato mais intenso nos acordes repetidos em relação ao baixo. Utiliza também
elementos de agógica para aumentar a tensão gerada pela polifonia, principalmente naqueles
trechos com indicação de dinâmica mais forte e acentos (c. 49, c. 55). Consegue com isso um
plano de dinâmica mais contrastante entre as partes, de onde resultam grandes “blocos” sonoros
(linhas vermelhas).
Figura 9.c : Execução de Fisk (escala 12048)
c.33 c.34 c.35 c.36 c.37 c.38 c.39 c.40 c.41 c.42 c.43 c.44 c.45 c.46 c.47 c.48 c.49 c.50 c.51 c.52 c.53 c.54 c.55 c.56 c.57
c.33 c.34 c.35 c.36 c.37 c.38 c.39 c.40 c.41 c.42 c.43 c.44 c.45 c.46 c.47 c.48 c.49 c.50 c.51 c.52 c.53 c.54 c.55 c.56 c.57
91
CONCLUSÃO
Conforme as bases teóricas expostas nos capítulos 1 e 2, a sonoridade é um fenômeno
complexo. Os elementos que estão interagindo na sonoridade não podem ser entendidos de
maneira unilateral ou isolada, pois há o risco de se perder a ordem hierárquica dos elementos da
execução e da sonoridade. Pensar em sonoridade descontextualizada da execução e da música
torna-se uma atividade incoerente e vazia (FISK, 2006). Da mesma forma, considerar os
elementos formadores da sonoridade isoladamente também pode incorrer no mesmo prejuízo.
Sob esse aspecto, Carlevaro afirma que é “um absurdo entender música utilizando a técnica como
único fim, sem pensar em nada mais, desumanizando a arte. Cuidado com esse monstro!”
(CARLEVARO, 1978, p. 32). É necessário reforçar que, embora os elementos da sonoridade
possam ser analisados individualmente, a concepção dos mesmos deve estar inserida como um
elemento da execução como um todo (conforme Fig. 1). Assim, é possível um entendimento mais
adequado do fenômeno da sonoridade e da execução musical a partir da interação entre todos
aqueles elementos teóricos expostos.
92
Tabela 2 – Sumário dos diferentes elementos da sonoridade nas duas gravações
Trecho Elementos
explícitos
Bream Fisk
Exemplo 1
Prélude (c.1-4)
Figura 7 a-c
Lent
mf
expressive
- Delimitação de planos dinâmicos
distintos;
- Tempo mais justo;
- Timbres distintos.
- Delimitação de planos sonoros distintos
com uso de articulação diversa;
- Tempo mais flexível;
- Intensificação da articulação.
Exemplo 2
Prélude (c. 5-13)
Figura 8 a-c
Crescendo
Poco ritenuto
p, mf e f
três chanté
- Progressão de dinâmica;
- Uso de contraste dinâmico e
tímbrico;
- Polifonia destacada com timbres e
articulação diferentes para cada voz
- Agógica utilizada mais livremente;
- Intensificação de articulação: legato e
vibrato;
- Diferenciação polifônica por articulação
e inflexão de tempo.
Exemplo 3
Prélude (c.14-28)
Figura 9 a-c
Vite
Pp, meno p, rin f
Acentos
- Três planos crescentes de dinâmica;
- Contraste tímbrico na zona de
transição dinâmica
- Tempo justo, sem variação
agógicas.
- Três planos de dinâmica, com timbre e
articulação mais constantes;
- Utiliza mudanças de agógica para gerar
tensão dinâmica.
Exemplo 4
Prélude (c. 31-39)
Figura 10 a-c
Lent
Ritenuto
p, f , ff
- Três planos dinâmicos;
- Acordes (massa sonora): usa mais
stacatto;
- Polifonia destacada por timbres
distintos.
- Três planos dinâmicos;
- Acordes (massa sonora): usa mais
legato;
- Tensão gerada pela intensificação de
articulação e agógica;
Exemplo 5
Prélude (c. 45-53)
Figura 11 a-c
Vite e Large
pp e fsubito
Acentos
- Contraste dinâmico: transição de pp
para f súbito;
- Diferenciação das vozes e do
ostinato com timbre e articulação
distintos.
- Contraste dinâmico: transição de pp para
f súbito feita com um crescendo
constante;
- Polifonia com mais contraste tímbrico
em relação ao que vinha fazendo
anteriormente.
Exemplo 6
Air (c. 1-6)
Figura 12
Lent et bien
rythmé
p doux e pp très
doux
- Caráter de “sarabanda”;
- Acentuação no segundo tempo com
arpejo e leve crescendo.
- Caráter de “sarabanda”, timbre mais
escuro e encorpado;
- Acentua o segundo tempo com uma
respiração maior, arpejando mais os
acordes.
Exemplo 7
Air (c. 7-14)
Figura 13
Diminuendo
pp três doux,
cresc., f, dimin.,
p
marcato
- Crescendo com aumento de
dinâmica e mudanças de timbre, indo
do mais escuro para o mais brilhante.
- O crescendo é precedido por um
leve tenuto (elemento agógico).
- Crescendo enfatizado por manipulação
do tempo e da articulação;
- Timbre mais escuro e doce;
- Mais liberdade rítmica.
Exemplo 8
Plaint (c. 1-15)
Figura 14
Sans lenteur
Très em dohors
Sf, più p
Um poco riten.
- Distinção entre dois planos com
diferenças de dinâmica e articulação
- Pouca variação de tempo;
- Tensão criada com contrastes
dinâmicos e tímbricos.
- Distinção entre dois planos com
articulação e manipulação agógica;
- Tensão criada por mudanças de agógica
e articulação.
Exemplo 9
Gigue (c. 33-57)
Figura 15
mf chante
pp, f, p e f
- Diferenciação entre os dois planos
sonoros e da polifonia com muitas
nuances de timbre e diferenças de
articulação.
- Diferenciação entre os planos sonoros
com intervenção na agógica e articulação;
- Tensão é ressaltada por intensificação
desses elementos.
93
A riqueza das características da sonoridade de cada uma das versões demonstra que a
maneira como cada intérprete toca é o resultado da interação complexa de elementos de
execução, transmitidos através de aspectos próprios da sonoridade.
Analisando-se a sonoridade nos exemplos anteriores, é possível uma distinção entre as
suas abordagens interpretativas, que resulta na utilização distinta e pessoal de todos os recursos
que a sonoridade do violão dispõe. Esse fato não pode ser entendido apenas como um fenômeno
acústico, mas sim, como uma elaboração mental frente a uma obra musical (aspecto textual), da
qual resultam idéias interpretativas distintas (aspectos perceptivos) e uma ação mecânico-
instrumental própria (aspectos técnicos). Dessa interação provém um determinado resultado
sonoro “materializado” pela sonoridade de cada um (GILARDINO, 1993). Em linhas gerais, a
Tabela 2 demonstra essa variedade (vide acima).
Verifica-se que cada sonoridade possui características individuais, influenciadas por diferentes
ações frente às infinitas possibilidades de execução. Esse fenômeno insere-se no conceito da ação
interpretativa (BERRY, 1989), nos quais o tempo e a articulação são as suas principais
ferramentas. O Exemplo 1 demonstra essa variabilidade: as indicações de Lent, expressif e mf no
c.1-4 são executadas primeiramente por uma diferença de andamento e articulação entre os dois
intérpretes (vide Tabela 2). Os gráficos (fig. 7b e 7c) ilustram essa diferença de andamento, o que
lhes imprime um caráter distinto para a seção. A diferença de tempo (andamento) faculta a
utilização de diversos elementos de articulação, pois “num tempo mais lento, a maioria das vezes
nos interessará assegurarmos que as notas formem uma linha, e que exista continuidade entre
elas; e noutro mais rápido, esta continuidade pode ser dada simplesmente pela sucessão de notas,
sem necessitar de elementos de integração” (FERNÁNDEZ, 2000, p. 44). Já aqueles elementos
próprios da sonoridade, como timbre e dinâmica (Seção 1.1), de certa forma, se “adaptam” a
94
essas diferenças. Por exemplo, um timbre mais claro e metálico pode enfatizar uma seção forte,
com nuances que promovem mais clareza (CARLEVARO, 1978).
Conforme Berry (1989), a ação interpretativa engloba uma série de ações deliberadas
sobre os elementos da execução e as características próprias da sonoridade, as quais estão a
serviço dessa ação, como se constata nas mudanças de timbre e dinâmica que cada um executa.
De modo que é necessário “adequar ao máximo o gesto físico da execução ao gesto musical”
(FERNÁNDEZ, 2000, p. 41). A indicação expressif (Exemplo 1) é executada com elementos
distintos: Bream com contraste tímbrico e distinção entre planos sonoros; Fisk com intensificação
do legato, utilizando-se mais do vibrato. A riqueza da sonoridade será dependente da maneira
pela qual cada intérprete utiliza, mescla e adapta esses elementos. Conforme FERNÁNDEZ
(2000), essa “adequação pode tomar muitíssimas formas” (p. 41), a qual exemplifica o aspecto
pessoal de cada abordagem da sonoridade (aspecto perceptivo). Esse aspecto é de relevância para
o resultado sonoro, pois é ele que define como utilizar as ferramentas expressivas da sonoridade
característica de uma determinada identidade interpretativa (CARLEVARO, 1978). A busca
dessa identidade sonora será o resultado de um “idealismo sonoro” próprio (DUNSBY, 1996), o
qual resulta de ações interpretativas inseridas num contexto de execução amplo e consciente.
A manipulação de elementos como “tempo, dinâmica, timbre e articulação é o que leva,
juntamente com a estrutura notada em alturas, pausas, duração e acentos [...], a formar um todo
inseparável, coerente e esteticamente satisfatório que chamamos de gesto musical
(FERNÁNDEZ, 2000). A mescla desses quatro elementos da sonoridade leva a posições
interpretativas diversas e resultados sonoros distintos, como pode ser evidenciado nos Exemplos
1, 2 e 3. Em linhas gerais, Bream apresenta um rigor rítmico, utiliza muitos contrastes de
dinâmica e de timbres, do que resulta uma distinção de planos de dinâmica e clareza polifônica.
No mesmo trecho, Fisk utiliza maior flexibilidade de tempo, com variações agógicas mais
95
presentes, intensificação de legato e contrastes dinâmicos, de onde também resultam planos
distintos e polifonia clara. Mas o que faz com que resultados semelhantes sejam obtidos com a
manipulação de elementos diversos? Como uma sonoridade diferente consegue expressar os
elementos estruturais da música? Esses resultados podem ser entendidos a partir da aplicação do
conceito de concepção musical diferentes (FERNÁNDEZ, 2000), que também se aproxima do
idealismo sonoro (DUNSBY, 1995). Ambos conceitos reforçam o princípio de que a realização
musical é precedida por idéias musicais, e a execução deve ser conseqüência disso.
Conseqüentemente, as diferenças de manipulação de tempo, dinâmica, timbre e articulação são o
resultado de decisões tomadas pelo intérprete e que se expressam através de uma sonoridade
diferente.
Essas diferentes concepções podem conferir um caráter próprio do executante
identificável pela sua sonoridade característica (PUJOL; 1960, CARLEVARO, 1978). Se a
execução resultar apenas da ação de aspectos técnico-instrumentais e/ou combinação de idéias
alheias a um processo de concepção individual, há o perigo de uma execução inconsistente,
descaracterizada e que “soa unidimensionalmente, como uma fotografia mal revelada” (ZANON,
1998). Analisando-se as duas versões, observa-se que elas possuem uma sonoridade
característica, oriunda de concepções musicais distintas, que determinam não só o resultado
sonoro em si, mas o porquê dessas diferenças. Isso leva a uma reflexão sobre a influência de
execuções dos grandes mestres, como por exemplo, Andrés Segovia. Artistas como ele
imprimiram sua marca registrada, e as suas sonoridades constituem verdadeiras identidades
musicais, onde a personalidade do intérprete é revelada (GLOEDEN, 1996; PINTO, 2006).
96
A maneira como concebe a obra musical resultará em tomadas de decisões no campo da
execução, que não se restringem apenas no tocar:
Um exemplo bem claro da correspondência estrita e rigorosa entre digitação e estilo
são as edições preparadas por Andrés Segovia; a digitação em si mesmo obriga a um
certo fraseado, uma certa articulação, um certo tempo de rubato e uma concepção de
“bela” sonoridade que corresponde, inequivocamente, à época e geração de Segovia
(FERNÁNDEZ, 2000, p. 15).
É nesse contexto, que a idéia de escola violonística é procedente, não como um modelo
unilateral e insuperável a ser seguido, mas como uma fonte de princípios interpretativos
adaptáveis às concepções individuais que influenciam diretamente na sonoridade resultante. No
caso de Bream, a utilização de um colorido de timbres, clareza polifônica e rigor rítmico são, em
linhas gerais, um de seus atributos mais característicos. No caso de Fisk, as variações de timbres
aliadas à manipulação agógica, com uso de rubato são elementos presentes em suas execuções.
Essas diferenças são mais evidentes nos Exemplos 2 e 5. É necessário que haja uma adequação
entre estilo próprio de tocar com as demandas da própria obra. Muitas vezes, concepções
arbitrárias e fora de contexto estético fazem com que essa identidade do intérprete possa
suplantar os parâmetros estruturais próprias da obra, gerando execuções estilisticamente
incoerentes e em desacordo com a intenção do compositor. Isso pode ser evitado, e a sonoridade
deverá respeitar esses limites. Então como resolver essas questões? Por exemplo, como não usar
um timbre inadequado para uma determinada obra? Levando-se em conta que “a
responsabilidade do executante é realizar as intenções do compositor, então o primeiro passo é
tentar entender a música o mais profundamente possível” (WALLS, 2002, p.31), através do
“conhecimento do estilo e da época” de cada obra (FERNÁNDEZ, 2000, p. 45). Essas idéias
reforçam a necessidade de uma compreensão profunda do texto musical pelo executante, que não
deve se limitar simplesmente em tocar, sem critérios musicais e estéticos, nem tampouco resolver
problemas musicais com ações puramente técnico-instrumentais (DUNSBY, 1995).
97
Na Tabela 2 há a representação daqueles elementos explícitos da partitura (Capítulo 2). De
maneira geral eles indicam, num primeiro plano, idéias de tempo, de dinâmica e articulação, além
de informações mais específicas sobre o caráter a ser desenvolvido na seção. Exemplo desse
último aspecto ocorre no trecho do Exemplo 6 (Figuras 12a e 12b), onde há a indicação de p doux
(c. 1) e pp très doux (c. 6). Em relação às possibilidades dessa execução, podem-se fazer as
seguintes ponderações: como soar mais piano e doce do que já foi executado antes? Quais
elementos que constituiriam essa sonoridade? Como realizar tais idéias no violão? As respostas
“variam ao infinito” (PUJOL, 1960, p. 32), pois a sonoridade poderá combinar todos os
elementos expressivos que a compõem de acordo com as infinitas possibilidades de concepção ou
de idealismo sonoro de cada intérprete. A elaboração dessas respostas poderá envolver também a
busca de elementos além daquilo que está “impresso na partitura” (CARVALHO, 2002): os
elementos implícitos (Capítulo 2). Nesse Exemplo, o texto informa, não de maneira explícita,
alguns subsídios que podem auxiliar na escolha da sonoridade: a estrutura rítmica lembra uma
sarabanda, pois há uma acentuação (que nem sempre é de dinâmica) no segundo tempo; o
andamento é lento, a forma da obra lembra uma suíte barroca francesa, o compositor utiliza
elementos neoclássicos, etc. Todas essas informações implícitas são relevantes para a execução
não só daqueles elementos explícitos, mas ao mesmo tempo, elas próprias exigem uma execução.
É dessa possibilidade de obter informações do texto musical, que podem ser desenvolvidas idéias
ou concepções musicais diferentes: o timbre tem outro significado, a dinâmica tem uma gama de
variações específica, a métrica ganha uma inflexão no segundo tempo, a articulação deverá
manter as linhas melódicas longas e/ou favorecer a estrutura rítmica da sarabanda, os arpejos
podem mimetizar um alaúde, etc. Essas possibilidades, apesar de hipotéticas, ilustram a interação
de informações que o texto oferece ao executante e a importância que ele mesmo possua
capacidade de extrair essas informações, ainda que elas não sejam totalmente explícitas. No
98
exemplo 6, ambas execuções demonstram uma atenção com a estrutura rítmica da sarabanda:
Bream “acentua” o segundo tempo com elementos de dinâmica e articulação através de um leve
crescendo e arpejo, respectivamente. Fisk “acentua” o segundo tempo com um timbre mais
escuro e encorpado, uma inflexão de tempo e arpejos. Essas variedades são constatações da
influência das informações da partitura, os aspectos textuais, e a sua relação com a sonoridade
final através da ação de cada intérprete.
De todos aspectos da sonoridade, o perceptivo é o responsável pelas decisões
interpretativas. Conseqüentemente, os resultados sonoros são decorrentes da capacidade do
executante perceber as informações do texto e transmiti-las através da sua sonoridade. Os
exemplos musicais anteriores ilustram bem esse aspecto, pois os dois intérpretes utilizam, de
maneira diferente, os recursos expressivos intrínsecos da sua sonoridade com um todo. A maneira
como cada um decide manipular elementos de articulação, timbre e dinâmica, por exemplo,
determina a sonoridade como um todo, o que confere unidade à interpretação (Exemplos 1-5, 8).
No Exemplo 8, Bream intensifica a tensão criada pela repetição dos acordes a partir da
diferenciação entre os planos melódicos e harmônicos através de elementos de dinâmica e timbre;
no caso de Fisk, ocorre essa mesma diferenciação a partir de manipulação agógica e articulação.
Esses mesmos elementos são utilizados ao longo da execução do Prélude (Exemplos 1 a 5),
havendo, portanto, uma coerência interpretativa, um determinado estilo de tocar. A maneira como
cada intérprete utiliza esses recursos determina o seu acervo de possibilidades interpretativas, e
resulta primeiramente de um processo mental (concepção musical), que é anterior à execução:
Para o trabalho de resolução de uma determinada passagem, é necessário, antes de mais
nada, que se tenha uma idéia clara do que se quer [...] Isto implica necessariamente que
se tenham tomado decisões em relação ao tempo, dinâmica, cores [timbre], articulação
e agógica, em outras palavras, que se tenha uma concepção musical clara da passagem.
(FERNÁNDEZ, 2000, p. 15) [grifo nosso].
99
Os princípios apontados por Gilardino (1993) em relação à produção sonora do violão
também estão inseridos nesse contexto de concepção musical. Pois a sonoridade resulta de pelo
menos um de quatro fatores: fenômeno físico-acústico, movimento do executante, resolução de
um problema aplicado ao violão e da relação morfológica
61
entre executante e instrumento
(Capítulo 2). É dessa interação de elementos que a sonoridade deve ser formada, resultando de
um processo interpretativo decorrente de uma concepção musical e de um determinado idealismo
sonoro (DUNSBY, 1995).
Essas constatações também levam a reflexões sobre o grau de atuação do executante ao se
deparar com várias informações que podem subsidiar sonoridades distintas. Até que ponto a
percepção do executante é um parâmetro plenamente confiável? Como é possível “perceber”
mais informações e transmiti-las através da sonoridade? Essas indagações levam a dilemas de
cunho musical, estéticos e filosóficos, que têm gerado infindáveis questionamentos (APRO,
2004). Entretanto, são questões relevantes à crítica e para o desenvolvimento de um senso de
apreciação que permitam posicionamentos conscientes nas decisões interpretativas. Ao
pensarmos a sonoridade dentro desse contexto, vê-se que ela é o resultado imediato de uma ação
interpretativa (BERRY, 1989), e a sua expressividade “pode ser compreendida como uma
inevitável e indissolúvel conseqüência da compreensão da estrutura musical” (CLARKE, 2002, p.
64).
Finalmente, a sonoridade é um fator complexo e imprescindível para o violonista. A sua
compreensão e o estudo de seus aspectos formadores não devem estar isolados do contexto
musical, nem tampouco da execução. Conforme mostra a análise das duas gravações, todas as
variações possíveis de sonoridade podem levar a resultados musicais diversos. O estudo da
sonoridade no contexto da execução musical promove subsídios teórico-práticos para o violonista
61
Compreende uma interação entre o instrumentista e o violão e as suas respectivas variáveis intrínsecas.
100
enquanto executante. É possível entendê-la com um fenômeno resultante de ações interpretativas,
com conseqüências diretas na qualidade da execução. A conscientização de seus elementos
formadores pode trazer soluções no campo da execução, promovendo melhoria qualitativa no
campo das práticas interpretativas, e expansão de possibilidades de execução.
101
REFERÊNCIAS
AGUADO, Dionisio. Nuévo Método para Guitarra (Madrid, 1843). Heidelberg: Chanterelle
Verlag, 1994. Ed. Michael Macmeeken.
APRO, Flávio. Os fundamentos da interpretação musical: aplicabilidade nos 12 estudos para
violão de Francisco Mignone. São Paulo 2004. Dissertação (Mestrado em Música) – Programa de
Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de São Paulo
(UNESP).
BERRY, W.
Musical Structure and Performance.
New Haven: Yale University Press, 1989.
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105
ANEXOS
106
ANEXO A - Partitura das Quatre Pièces Brèves (Universal Edition)
107
108
109
110
111
112
113
114
115
ANEXO B – Gravação em CD dos Exemplos Sonoros
116
Roteiro das faixas do CD com os Exemplos Sonoros
1- Figura 3.a /Prélude/Bream
2- Figura 3.b/Prélude/Fisk
3- Figura 4.a /Air/Bream
4- Figura 4.b/Air/Fisk
5- Figura 5.a/Plaint/Bream
6- Figura 5.b/Plaint/Fisk
7- Figura 6.a/Gigue/Bream
8- Figura 6.b/Gigue/Fisk
9- Exemplo 1/Bream/Figura 7.b
10- Exemplo 1/Fisk/Figura 7.c
11- Exemplo 2/Bream/Figura 8.b
12- Exemplo 2/Fisk/Figura 8.c
13- Exemplo 3/Bream/Figura 9.b
14- Exemplo 3/Fisk/Figura 9.c
15- Exemplo 4/Bream/Figura 10.b
16- Exemplo 4/Fisk/Figura 10.c
17- Exemplo 5/Bream/Figura 11.b
18- Exemplo 5/Fisk/Figura 11.c
19- Exemplo 6/Bream/Figura 12.b
20- Exemplo 6/Fisk/ Figura 12.c
21- Exemplo 7/Bream/Figura 13.b
22- Exemplo 7/Fisk/Figura 13.c
23- Exemplo 8/ Bream/ Figura 14.b
24- Exemplo 8/Fisk/Figura 14.c
25- Exemplo 9/Bream/Figura15.b
26- Exemplo 9/Bream/Figura15.c
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