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EDVALTER SOUZA SANTOS
DESIGUALDADE SOCIAL
E INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de
Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor
em Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Rainer Randolph
Doutor em Ciências Econômicas e Sociais
Universidade de Erlangen, Alemanha
Rio de Janeiro
2006
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S237 Santos, Edvalter Souza
Desigualdade social e inclusão digital no Brasil / Edvalter Souza Santos. – Rio de
Janeiro: IPPUR/UFRJ, 2006.
228 p.
Tese apresentada ao IPPUR / UFRJ, para obtenção do grau de Doutor em Planeja-
mento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Rainer Randolph.
Inclui bibliografia.
1. Desigualdade social - Brasil. 2. Inclusão digital - Política pública - Brasil. 3. Desi-
gualdade digital - Brasil. 4. Alfabetizacão digital - Cidadania . 5. Politica Nacional de In-
clusão Digital - Brasil. 6. Desenvolvimento urbano - Questões socioculturais. 7. Planeja-
mento urbano e regional - Tese I. Título.
CDU 711:304.2(81)(043.2)
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EDVALTER SOUZA SANTOS
DESIGUALDADE SOCIAL
E INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL
Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e
Regional.
Aprovado em:
Dedico a presente tese a Maria Benedita Bandeira Santos,
companheira de longos anos,
por tudo o que significou sua companhia e apoio
e que não pode ser reduzido a umas tantas palavras.
AGRADECIMENTOS
As tarefas de um doutorado significam, em geral, longa e cansativa jornada. Para
mim foi, sobretudo, gratificante, pela alegria das muitas descobertas; e sequer
chegou a ser cansativa, em função dos muitos apoios recebidos.
Agradeço, em primeiro lugar, à minha família: Maria Benedita, Luciano e Edvalter
Júnior, Eduardo e Ildefonso, Nelson e Guy, pela tolerância com as muitas horas
de ausência e as muitas horas de presença-ausente.
Quatro instituições marcam presença nesta página: a Universidade Católica do
Salvador, a cujos quadros pertenço e que financiou minha estadia no Rio; o
IPPUR/UFRJ, sede do doutorado, pujante fonte onde fui beber conhecimento; a a
CAPES, pela bolsa-doutorado do programa PROCAD; e a UNEB, parceira
também do PROCAD e dos quatro seminários que realizamos pelo programa.
Na UCSAL destaco o apoio do M. Reitor José Carlos Almeida da Silva e da Profa.
Maria Julieta Mandarino Firpo Fontes, Superintendente da SPPG. No IPPUR, sou
grato a todos os mestres e mestras, mas senti-me mais próximo de Tamara Egler
e Ana Clara Ribeiro e de Mauro Kleiman, Frederico Araújo, Henri Acselrad e
Carlos Vainer. Destaco o excelente atendimento dos funcionários da Secretaria,
Zuleika, Vera e Josemar; da Biblioteca, Ana Lúcia e Maria Luiza, eficientes e
solícitas; da administração, Alberico, Paulinho e João. Da UNEB, sou grato às
professoras Maria José (Marita) Palmeira e Nádia Fialho.
Os professores-examinadores deram especiais colaborações para o texto final,
mas a participação da Profa. Ester Limonad foi especialíssima.
Agradeço especialmente ao meu orientador Dr. Rainer Randolph. Devo, aqui,
romper as barreiras da formalidade. A participação de Rainer no processo não se
limitou à paciência, incentivo e naturais intervenções para a construção da tese:
foi muito mais longe, ajudando-me a reconstruir as próprias bases de minha
relação com o conhecimento, alertando-me contra insidiosas recaídas no
pensamento positivista e contra a tendência a abrir demasiadamente os
horizontes da análise, com sacrifício do foco.
As boas lembranças e as colaborações foram muitas, ocupariam páginas. A
“turma do NPP” - na UCSAL – ofereceu um excelente ambiente de estudo e
pesquisa. Josineide da Silva Costa colaborou, com dedicação e competência, na
pesquisa empírica. A amizade de alguns colegas de turma foi essencial, com
destaque para Victor Mendes, Márcia Andrade, Analida Rincón Patiño e Geraldo
Browne Ribeiro Filho. Susana Hamilton, além de colega, foi – e permanece –
querida parceira de estudos, discussões e produção acadêmica.
LISTA DE QUADROS
Quadro Título Página
01
A Luta Mundial Permanente pelos Direitos Humanos –Séc.
XVIII/XIX
20
02
Millenium Development Goals Indicators (dados relativos às
TIC).
21
03
Caracterização da população em termos de uso do
computador
24
04
Proporção De Indivíduos Que Usaram O Computador, De
Qualquer Local
26
05 Mapa da Exclusão Digital (resumo Brasil). 36
06 Mapa da Exclusão Digital (amostra de alguns municípíos). 36
07 Fatores-causais da desigualdade digital 44
08
Estratificação da população para uma política de combate à
exclusão digital
50
09 Períodos técnicos 76
10 Mudanças tecnológicas / Avanços estratégicos 76
11 Fordismo x Pós-Fordismo: traços básicos 99
12
Posição dos Países por Número de Hosts (Network Wizards
2002)
108
13 Hosts nas Américas 109
14 Sociedade da Informação - Indicadores da América do Sul 109
15
Estratificação da população para uma política de inclusão
digital
120
16 Objetivos para uma Política de Inclusão Digital 128
17 Inclusão digital: objetivos e população alvo 130
18 Balança Comercial do Software (em US$ milhões) 159
19
Exemplos de Telecentros na Bahia (escolas públicas e outros
sítios)
162
20 Especificações de hardware e software para Telecentros 167
21 Dados da SEED para o Estado da Bahia. 184
22 Previsão de Matrícula para 2006 – RME/PMS. 192
23 Dados dos laboratórios das escolas visitadas 193
LISTA DE FIGURAS
1 Esquema de retroação 58
2 Tipologia das informações 60
3 Modos de transmissão analógico/digital 95
4 Contexto e dimensões da inclusão digital 204
5 Estrutura piramidal da inclusão digital tout court 205
6 Aspectos do projeto de inclusão digital 205
LISTA DE SIGLAS
CDI - Comitê para a Democratização da Informática
1
,
CGI.br – Comitê Gestor da Internet, Seção Brasil.
DESA (ONU) - Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais
FGV – Fundação Getúlio Vargas
GAID - Grupo de Ação para a Inclusão Digital
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDD - Taxa de Inclusão Digital Doméstica.
2
MC (EUA) - Ministério do Comércio dos EUA
MCT (BRASIL) – Ministério da Ciência e da Tecnologia.
NIC.br (MCT) - Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br.
NTIA (MC/EUA) - National Telecommunication and Information Administration.
ONU - Organização das Nações Unidas.
UIT (ONU) – União Internacional para as Telecomunicações
USAID - United States Agency for International Development
WSIS (ONU) – World Summit on the Information Society.
CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas
OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
EUROSTAT (Instituto de Estatísticas da Comissão Européia)
1
ONG dedicada à inclusão digital, “como um instrumento para a construção da cidadania”.
2
Percentual da população brasileira que tem computador em casa (dado da FGV).
RESUMO
O desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) e
sua desigual apropriação pelos diferentes estratos sociais originaram um novo
tipo de desigualdade, cuja face mais visível (não, talvez, a mais relevante) é a
impossibilidade de acesso dos mais pobres ao computador, à internet e aos
conhecimentos básicos de informática. Trata-se da desigualdade digital (para
alguns, exclusão digital; nos EUA, digital divide; na Argentina, brecha digital).
Para combatê-la, o Governo e seus parceiros da sociedade civil e do mercado
anunciam uma política de inclusão digital universal autonomista e cidadã, isto é,
garantia de treinamento básico e de acesso às TIC para toda a população,
apoiada num modelo pedagógico capaz de promover o desenvolvimento da
autonomia e da competência/motivação para a participação cidadã do sujeito.
O projeto prevê a implantação de laboratórios de informática ligados à internet
nas escolas públicas, e a criação de telecentros públicos gratuitos para a
população pobre fora-da-escola. Contudo, nossa pesquisa encontrou escolas
pobremente equipadas, contato muito reduzido do aluno com o laboratório, falta
de manutenção das máquinas e insuficiência de professores capacitados.
O número de telecentros é irrisório, quando mais da metade dos brasileiros
(54,79%) nunca usou computadores e 67,76% jamais entrou na internet. E, a
pedagogia da “autonomização” e da “conscientização cidadã” requer interação
bem maior que o pobre contato instrutor/aluno no telecentro. Assim, a política
anunciada está sob questão. Contudo, um projeto mais honesto precisa ser
tocado: são os contornos desta “inclusão possível” que nos propomos discutir.
Concluímos que a inclusão digital universal autonomista-cidadã não faz parte dos
horizontes da década, mas a “inclusão possível” é necessária. O caminho mais
apropriado para a universalização em médio prazo é a informatização da escola
pública. É urgente fazer de toda escola uma escola conectada. Os demais
“excluídos digitais” devem ser atendidos através da implantação de telecentros
públicos. Mas, deve ser criada também uma solução de parceria com “telecentros
privados”, para atingir uma escala numérica que as instalações públicas jamais
poderão alcançar.
Palavras-Chaves: 1. Desigualdade social. 2. Desigualdade digital. 3. Inclusão
digital - Política pública. 4. Alfabetizacão digital - Cidadania. 5. Politica Nacional
de Inclusão Digital.
.
RESUMEN
El desarrollo de las Tecnologías de la Información y de la Comunicación (TIC) y
suya desigual apropiación por los diferentes estratos sociales originaran un nuevo
tipo de desigualdad, cuya faceta más visible (pero, no la más relevante) es la
privación de acceso de los más pobres a la computadora, a la internet y a los
conocimientos básicos de informática. Trata-se de la desigualdad digital, ó
exclusión digital (en los EUA, digital divide; en Argentina, brecha digital).
Para combatir-la, el Gobierno y sus parejos de la sociedad civil y del mercado
anuncian una política de inclusión digital universal autonomista y ciudadana, con
garantía de entrenamiento básico y de acceso a las TIC para toda la población,
apoyada en un modelo pedagógico capaz de promover el desarrollo de la
autonomía y de la competencia-y-motivación para la participación ciudadana del
sujeto.
El proyecto prevé la implantación de laboratorios de informática ligados con
internet en las escuelas públicas, y la creación de telecentros públicos gratuitos
para la población pobre fuera-de-la-escuela. Pero, nuestra pesquisa encontró
escuelas pobremente equipadas, poco contacto del aluno con el laboratorio,
máquinas sin manutención y insuficiencia de profesores capacitados.
El número de telecentros es irrisorio, cuando más que mitad de los brasileños
nunca usó computadoras y 67,76% jamás entró en la internet. La pedagogía de la
“autonomización” y de la “concienciación ciudadana” exige una interacción bien
mayor que el suelo contacto instructor/aluno del telecentro. Así, la política
anunciada queda bajo cuestión. Un proyecto más honesto precisa ser tocado y
son los contornos de la “inclusión posible” que nos proponemos discutir.
Concluimos es que la inclusión digital universal autonomista-ciudadana no es
parte de los horizontes de la década, mas la “inclusión posible” es necesaria. El
camino más apropiado para la universalización en medio plazo es la
informatización de la escuela pública. Es urgente hacer de toda escuela una
escuela conectada. Los demás “excluidos digitales” deben ser atendidos con la
implantación de telecentros públicos. Mas, debe ser criada también una solución
de pareja con los locutorios privados, para atingir una escala numérica que las
instalaciones públicas jamás podrán alcanzar.
Palabras-Claves: 1. Desigualdad social. 2. Desigualdad digital. 3. Inclusión
digital - Política pública. 4. Alfabetización digital - Ciudadanía. 5. Política
Nacional de Inclusión Digital.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
CAPÍTULO 1 - DESIGUALDADE DIGITAL
1.1 DESIGUALDADE SOCIAL E LUTA ANTI-DESIGUALDADE 19
1.2 DESIGUALDADE DIGITAL 22
1.3 DIMENSÕES DA DESIGUALDADE DIGITAL 25
1.4 RELEVÂNCIA DA DESIGUALDADE DIGITAL 29
1.5 A ABORDAGEM TECNICISTA DA “EXCLUSÃO DIGITAL” 33
1.6 VISÃO CRÍTICA DA PERSPECTIVA DO “TRIPLO PROVIMENTO” 37
1.7 REVENDO O CONCEITO DE EXCLUSÃO DIGITAL (versus EXCLUSÃO SOCIAL) 41
1.8 CAUSAS DA DESIGUALDADE DIGITAL NO BRASIL 44
1.9 O COMBATE À DESIGUALDADE DIGITAL. POPULAÇÕES-ALVO 47
CAPÍTULO 2 - TÉCNICA, TIC E SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
2.1 INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (CONHECIMENTO. APRENDIZAGEM.) 55
2.2 TÉCNICA (Técnica e Sociedade. Apropriação. Universalização e convergência) 71
2.3 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO - TIC 83
2.4 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. SOCIEDADE DO CONHECIMENTO. CAPITALISMO
INFORMATIZADO 98
CAPÍTULO 3 - INCLUSÃO DIGITAL
3.1 O CONTEXTO 112
3.2 DEFINIÇÕES. FOCOS. ESCALAS 115
3.3 ELEMENTOS PARA UMA POLÍTICA NACIONAL DE INCLUSÃO DIGITAL 128
3.4 ALGUMAS CONCLUSÕES DO PERCURSO 136
3.5 AS POSSIBILIDADES DA INCLUSÃO DIGITAL. INCLUSÃO DIGITAL E DIREITO DIFUSO 139
CAPÍTULO 4 - EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL
4.1 INFORMÁTICA PÚBLICA E GOVERNO ELETRÔNICO 152
4.2 POLÍTICA DE SOFTWARE LIVRE 153
4.3 POLÍTICA DE TELECENTROS 162
4.4 INFORMÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA 176
4.5 EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL: PETI/PMS 184
4.6 EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL: PROJETO “IDENTIDADE DIGITAL” 199
4.7 EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL: PROJETO CDI/EIC 200
CONCLUSÃO 201
REFERÊNCIAS 210
ANEXOS 217
INTRODUÇÃO
Saber sobre as coisas, saber sobre os homens
O saber sobre as coisas implica a determinação da gênese, das propriedades
constitutivas e das especificidades tipológicas das coisas, bem como da história de
suas transformações no tempo, referenciadas, sempre, a dados quantitativos.
Somente assim poderemos entender como e porque as coisas vieram a alcançar o
estado em que as encontramos, quando as tomamos como objeto de nossa análise,
bem como formular sua classificação tipológica. Gênese, taxionomia e mathesis
estruturam o saber moderno (Foucault, apud ARAÚJO, 2003, p. xx). O moderno
saber sobre os homens procura conhecer, também, a gênese e a história, as
propriedades e as especificidades dos seus objetos de análise. Mas, à diferença,
nem sempre persegue os quantitativos.
Por outro lado, enquanto no saber sobre as coisas o elemento conforma a estrutura,
tal assertiva não encontra lugar na oposição dialética entre indivíduo e sociedade. O
indivíduo não “forma” a sociedade: um e outro se formam, se conformam e se
transformam em mútua, contínua e permanente interação. Mais: indivíduo e
sociedade são entes da razão, sem existência concreta isolada e não podem ser
isolados empiricamente, para observação.
O grau de invariância encontrado nas coisas facilita sua classificação; a fluidez dos
objetos dificulta o saber sobre os homens. Os cientistas sociais divergem sobre a
existência de uma “natureza humana”
3
e de capacidades diferenciadas inatas, e
parecem preferir lidar com um “indivíduo padrão” plástico, redutível a uma
elementaridade única, uma “mônada humana” vazia de especificidades, o que nega
os tipos e tipologias.
3
O tema da “natureza humana”, ou da natureza x cultura, discute a existência de capacidades
diferenciadas inatas e o papel dos genes no comportamento. Na teoria da tábula rasa, a mente
humana é inteiramente moldada pela cultura. Stephen Jay Gould, paleontólogo, e Richard Lewontin,
geneticista, adotam este viés, contra Edward O. Wilson, biólogo, pai da sociobiologia e Steven Pinker,
psicólogo da linguagem. Para Pinker os pensadores ‘politicamente corretos’ atrasam o
desenvolvimento da "ciência honesta da natureza humana", pelo temor (político) de que a admissão
das capacidades inatas implique conclusões discriminatórias de superioridade e inferioridade
“natural”, e que isto abra uma porta para a desigualdade política e a opressão.
13
Ora, indivíduo e sociedade “se formam, se conformam e se transformam em mútua,
contínua e permanente interação” mas, as capacidades inatas (admitida sua
existência) limitam as formas e as características dos agregados humanos passíveis
de serem formados e mantidos, e seus processos de transformação
4
. Por exemplo,
sociedades extensas, complexas e tecnificadas apresentarão, necessariamente,
formas complexas e variadas de divisão social do trabalho e de divisão social das
funções de comando/subordinação, das quais resultarão, necessariamente, formas
complexas e variadas de desigualdades sociais.
Postulamos que as desigualdades sociais do tipo referido são constitutivas da
sociedade, e irremovíveis; mas, a capacidade humana de uso da razão traz em si a
potência do concerto político para o enfrentamento, contingenciamento e redução,
efetiva e duradoura, de seus desníveis e danos das desigualdades. Um processo
amplo, geral e contínuo nesta direção poderia, teoricamente, instaurar e manter uma
tendência de aproximação assintótica a uma sociedade sustentavelmente mais
igualitária e solidária, baseada numa espiral retro-alimentadora, ou círculo virtuoso,
entre os processos de autonomização-solidarização dos sujeitos e os de reforço do
binômio cidadania-democracia. Nomearemos de progressista toda transformação
social (ou projeto) que se oriente na direção descrita; e, de conservador(a), toda
ação social ou projeto político descomprometido com a redução das desigualdades.
Contudo, para planejadamente transformar um objeto devemos primeiro conhecê-lo
(conhecer, para transformar): conhecer as possibilidades de ação e de reações
adversas, os recursos físico e humanos necessários à empresa e o estado das
vontades dos envolvidos na mudança. Então, estaremos aptos para formular o
projeto de mudança. Depois disto – depois, também, de captados os recursos -, e se
favoráveis os augúrios, deveremos empreender a ação.
Desigualdade Digital – o reconhecimento e o combate.
O desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) e sua
desigual apropriação pelos diferentes estratos sociais vieram acrescentar ao rol das
desigualdades sociais uma desigualdade de novo tipo ou forma, que trataremos por
desigualdade digital. O combate a esta desigualdade no Brasil – fulcro da presente
4
Não se discute a existência de certos invariantes biológicos que limitam a liberdade da ação
humana, como que todo ser humano nasce, cresce, morre, respira, bebe, come, etc.
14
tese – vem sendo associado a uma política pública universal, vinculada a objetivos
de inclusão social, reforço da cidadania e autonomia dos sujeitos (SILVEIRA, 2003;
SORJ, 2003). Configura, portanto, um projeto de transformação social progressista,
que ora aparece como um objetivo a ser alcançado, ora como um processo para se
atingir o objetivo.
Um projeto desta natureza requer o conhecimento do objeto a transformar, dos
processos capazes de transformá-lo, e dos recursos que a empreitada requer.
Assim, requer saber-se: i) com relação aos objetivos quantitativos, quais as
populações-alvo e suas especificidades; ii) quanto aos objetivos qualitativos, quais
os níveis de desenvolvimento (conteúdos, habilidades) possíveis de serem
alcançados, nas temporalidades tidas em conta; iii) quanto aos procedimentos:
formulação de sub-projetos viáveis, e de processos capazes de concretizar o
projeto; iv) com relação aos recursos demandados: definir as instalações físicas,
recursos materiais e financeiros, recursos humanos de todo tipo; v) quais as
prováveis conseqüências do (não) atingimento dos objetivos.
Quanto à viabilidade política do projeto, a questão é se a sociedade brasileira está
preparada, interessada e capacitada, hoje, para um projeto deste porte e com estes
objetivos. Existe a vontade política nas camadas dirigentes? Existe suficiente poder
para vencer as resistências e conter os desvios? A resistência pode se manifestar
pelo roubo e depredação dos equipamentos e instalações; a falta de manutenção e
paralisação dos laboratórios e telecentros, por arbítrio ou desídia dos supervisores; a
não alocação de pessoal apto como instrutores; pela falta de treinamento e de
incentivos; pela inadequação ou ausência de projetos pedagógicos; pelas manobras
de privatização do público.
O objetivo da presente tese é, então, a análise dos elementos centrais relativos à
questão da inclusão digital, numa perspectiva cidadã-democrática. Pretende-se
discutir o contexto, a necessidade, a relevância, a possibilidade e os modelos
propostos de inclusão digital em tal horizonte. A tese trata de aspectos sociais e
políticos do fenômeno, suas relações com as desigualdades sociais, e seu potencial
para reduzir estas desigualdades e melhorar a qualidade de vida dos “incluídos”, e
de toda a sociedade. Contudo, a inclusão digital é uma faceta particular das
questões da inclusão social, não se podendo empreender a primeira na ausência da
segunda. Por outro lado, a inclusão (digital ou social) é par da exclusão (idem),
15
sendo a própria exclusão social uma manifestação particular das desigualdades
sociais, sobretudo das desigualdades que se expressam sob o rótulo de pobreza.
Assim, para uma adequada compreensão do objeto proposto, decidimos examinar,
primeiro, o contexto em que ele se dá.
Essa investigação inscreve-se no mesmo contexto da maioria dos trabalhos de
sociologia e de ciência política atuais, que versam sobre “o estado do mundo”
5
.
Procura-se analisar, compreender, explicar as transformações ou a transição pelas
quais passa o mundo de hoje no início de um novo milênio. Em princípio seria
necessário, para dar conta da importância e abrangência do tema, debater toda a
complexidade de um encadeamento de distintas formas interdependentes de
desigualdade e de exclusão que perpassam os níveis macro (internacionais),
regionais, nacionais, sub-nacionais até se manifestar concretamente na escala da
cidade e no cotidiano das pessoas. Seria, porém, um esforço excessivo, de modo
que privilegiaremos as perspectivas mais voltadas à problemática específica do
nosso trabalho, a cisão digital.
A pesquisa objetivou ampliar a discussão a respeito desse fenômeno e explorar
elementos para aprofundamento da reflexão, com a busca de um referencial teórico-
conceitual, como forma de contribuição ao debate, ainda preso a meras
constatações empíricas ou à manipulação de estatísticas. Recusamos tratar os
referidos fenômenos como expressões de “desigualdades” quantificáveis, para vê-
los como formas altamente complexas destas, que perpassam um largo espectro da
vida social, no sentido lato, na formação econômica social capitalista, podendo,
mesmo, configurar uma forma de exclusão social.
Estrutura da tese
Capítulo I – Desigualdade Digital
O capítulo inicia com um ligeiro exame da questão das desigualdades sociais e da
luta anti-desigualdades, a fim de reconhecer e situar neste contexto a “desigualdade
digital”. Analisam-se alguns fatos e hipóteses em torno do tema, problematizando-o
5
R. RANDOLPH e M. H. T. LIMA desenvolvem, isolada ou conjuntamente, projetos de pesquisa voltados tanto
para a problemática do avanço das TIC quanto para a questão das desigualdades sociais e da pobreza nas suas
diferentes modalidades de expressão, adotando uma visão crítica em relação às conseqüências das
transformações sociais e espaciais, especialmente em nosso país.
16
à luz das várias abordagens e denominações que recebe. Examina-se a
desigualdade digital sob diferentes dimensões, seus possíveis fatores causais e, em
particular, a propriedade - ou não - da expressão “exclusão digital”, em face da mais
debatida “exclusão social”. Questiona-se a relevância social e o estado da
desigualdade digital no Brasil, e os enfoques das propostas para combate à mesma.
Capítulo II – Técnica e Sociedade.
A importância da técnica e seu protagonismo no processo civilizatório como um todo
são temas amplamente debatidos, sendo difícil ampliar a discussão. Deste modo,
apenas recuperamos alguns aspectos julgados relevantes, como:
a) uma breve discussão dos conceitos de Informação, Comunicação, Conhecimento
e Aprendizagem;
b) análise do processo social de apropriação da técnica e da tendência da técnica
para a convergência e a universalização;
c) um visão panorâmica dos elementos que constituem as Tecnologias da
Informação e da Comunicação (TIC). Não apenas os computadores e as redes
informáticas, mas a imprensa e a telefonia, o rádio e a TV, com destaque ao
processo de convergência e universalização das mídias em face da internet; e,
d) o conceito de “Sociedade da Informação”: como emerge, quais os elementos
constitutivos, quais são as transformações sociais induzidas pelas TIC e suas
contradições, e qual o projeto da Cúpula Mundial da Sociedade da informação.
Capítulo III – Inclusão Digital
Na primeira parte do capítulo busca-se contextualizar e conceituar a “inclusão
digital”. Segue-se uma análise das promessas e falácias percebidas nos discursos
sobre o tema. Na segunda parte, discutem-se as possibilidades da inclusão digital
no Brasil, levando em conta ser o país sede de uma formação social tipificada como
uma sociedade “capitalista periférica”, por isso mesmo autoritária, hierárquica,
desigual.
Com efeito, os discursos soem ignorar o nó sociológico e político que ata as
condições políticas de possibilidade da inclusão digital. Uma política pública da
envergadura daquela anunciada depende radicalmente da vontade política dos
17
diversos segmentos sociais com poder de decisão sobre as possibilidades de
inclusão digital em uma sociedade capitalista. Dito de outro modo, a inclusão digital
“universal e autonomista-cidadã” – nos moldes apresentados – está na dependência
das “vontades” do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil. No Brasil, temos ainda
que lidar com a globalização e com “as patas do imperialismo sobre nós”:
colonização do imaginário social, da educação, da informação e das comunicações.
Ao lado de toda esta discussão, examina-se o viés da inclusão digital como direito
difuso. Em tese, é possível demonstrar este direito; em tese, existem remédios
jurídicos ao alcance da ação popular. Mas, é duvidoso que uma solução desta
natureza possa ter andamento.
Capítulo IV – Experiências de Inclusão Digital.
Analisa-se aqui a Política Nacional de Inclusão Digital, realçando quatro eixos de
sua atuação: 1) a instalação de laboratórios de informática na escola pública -
ensino fundamental e médio - para uso didático; formulação de projetos pedagógicos
adequados ao processo; e, treinamento de professores para atuarem nos
laboratórios; (2) a instalação, em todo o território nacional, de uma rede de
Telecentros Públicos e gratuitos, para os candidatos à inclusão digital; (3) o apoio
governamental ao Software Livre, cujo uso deve ser incrementado nos laboratórios
de informática; e (4) a consolidação das políticas de Governo Eletrônico que, não
sendo embora uma ação voltada para a inclusão digital, termina por favorecê-la pela
disseminação do contato da população com os terminais eletrônicos de acesso a
serviços do governo.
Os Telecentros e Laboratórios deverão fornecer as condições materiais de
possibilidade da inclusão digital. Entre os problemas, lembramos as instalações
físicas: a quantidade de centros necessários para atender à população visada; a
qualidade; o hardware (configurações, quantidade, qualidade, manutenção) e o
software (definição, aquisição e manutenção); as conexões necessárias para o
acesso à internet (“linhas” – telefônicas, ou outras - e demais componentes).
Esta parafernália exige pessoal treinado e apto para a operação/manutenção dos
telecentros e laboratórios, monitores e instrutores, além de pessoal para os
chamados “serviços gerais” (limpeza, segurança) e, certamente, alguns “gerentes”
(no caso dos Laboratórios, assimilados ao corpo docente). Por último, a questão
18
financeira, incluindo, eventualmente, o custeio do acesso dos “incluendos”
(transporte, principalmente). Deve-se considerar, por fim, a questão pedagógica: o
que ensinar, e como, incluindo, se possível, alguma forma de acompanhamento dos
egressos.
É abordado um caso particular de inclusão digital com a instalação de telecentros
“comunitários” em uma comunidade semi-isolada (“A experiência da Ilha do Mel”).
São apresentadas a seguir algumas experiências locais de inclusão digital, com
destaque para o projeto PETI/PMS, de inclusão digital via rede escolar da Prefeitura
Municipal de Salvador. O projeto Identidade Digital, é um projeto de inclusão digital
do Governo do Estado da Bahia, conduzido pela SECTI. Como contraponto à ação
do estado, examina-se um caso pautado pela sociedade civil organizada, o projeto
de inclusão digital do Comitê para Democratização da Informática (CDI), através de
Escolas de Informática e Cidadania (EIC).
CONCLUSÃO – neste tópico são resumidas as conclusões alcançadas pelo
pesquisador ao longo do trabalho, e encaminhadas algumas sugestões.
METODOLOGIA. A metodologia seguida está, em parte descrita nos roteiros dos
capítulos. Através da pesquisa bibliográfica foram levantados os discursos da
exclusão e da inclusão digital, em sua formulação teórico-programática e em suas
recomendações práticas. Estes elementos foram confrontados para se obter, no
final, uma visão tão ampla quanto possível (no escopo do presente trabalho) sobre
as dimensões, dificuldades e oportunidades de uma inclusão digital autonomizante-
cidadanizante.
No plano empírico, adotou-se a observação e as entrevistas como meio de obter
informações para respaldar as hipóteses teorizadas. A empiria constou do
levantamento dos casos de inclusão digital através da escola pública da PMS, dos
telecentros estaduais e de ações da sociedade civil.
Capítulo 1 - DESIGUALDADE DIGITAL
A história de qualquer sociedade até aos nossos dias não foi mais do que
a história das lutas de classes e da organização da sociedade em classes
distintas, com suas hierarquias particulares - homem livre e escravo,
patrício e plebeu, barão e servo: numa palavra, opressores e oprimidos -
em oposição constante e ininterrupta, aberta ou dissimulada, até a produzir
uma transformação revolucionária. A sociedade burguesa não aboliu os
antagonismos de classes: apenas os substituiu por novas classes, novas
condições de opressão, novas formas de luta (MARX & ENGELS,
2000,p.75).
Vivemos em um mundo de opulência sem precedentes. O regime
democrático e participativo [tornou-se] o modelo preeminente de
organização política. Os conceitos de direitos humanos e liberdade política
hoje são parte da retórica prevalecente. As pessoas vivem, em média,
muito mais tempo [e] as regiões do globo estão mais estreitamente ligadas
nos campos das trocas [e] também quanto a idéias e ideais. Entretanto,
vivemos igualmente em um mundo de privação e opressão extraordinárias
[no qual persistem] a pobreza e necessidades essenciais não satisfeitas,
fome, violação de liberdades, negligência para com as mulheres, e graves
ameaças ao meio ambiente, tanto em países ricos, como em países
pobres. Superar esses problemas é parte central do processo de
desenvolvimento (SEN,
2000,pp.9-10, passim).
1.1 DESIGUALDADE SOCIAL E LUTA ANTI-DESIGUALDADE
Os textos em epígrafe representam duas visões de mundo. Os autores, em
comum, percebem que parte dos seres humanos está sujeita a sofrimentos e
opressão, e reconhecem a existência de conflitos entre parcelas da humanidade.
Marx atribui a opressão às desigualdades entre classes sociais, as quais vão se
acumulando “até produzir uma transformação revolucionária”. Contemporâneo, e
de orientação liberal, Sen negligencia as causas “desses problemas” e atribui sua
superação ao “processo de desenvolvimento”. Este deve visar, antes dos
objetivos econômicos, “a expansão das liberdades reais das pessoas” (SEN, 2000,
p.52). Soa a-histórica e naturalizante a previsão de uma migração social, desde
um ambiente de violação das liberdades, para outro, de expansão destas, sem
menção às lutas sociais a que isto dará lugar.
A desigualdade, no início do Século XXI, desmentindo as promessas neoliberais
de desenvolvimento, aumentou em todo o mundo. Apesar do crescimento
econômico em algumas regiões do planeta nos últimos anos e da melhoria das
20
condições de vida de seus habitantes, o mundo está mais desigual do que há 10
anos, segundo relatório da ONU/DESA (2005). Na América Latina, o Brasil lidera
o ranking de desigualdade social, pois a renda per capita dos 10 por cento mais
ricos da população brasileira é 32 vezes maior do que a renda dos 40 por cento
mais pobres, índice que é de 8,8 vezes no Uruguai e 12,6 vezes na Costa Rica.
Os discursos condenando a miséria social e propugnando uma “nova era” de
maior justiça social, de “igualdade, liberdade e fraternidade”, ou lemas
equivalentes, são mais antigos que a civilização ocidental, e suas raízes
helênicas. Tais movimentos, em seu tempo, lograram avanços parciais. Muito
lentamente (tomando por medida o tempo de uma vida humana), os ideais da
dignidade da pessoa, da responsabilidade pelo bem estar do outro, e do
reconhecimento dos direitos - individuais, políticos e sociais, na posterior
referência de Marshall – foram se firmando, ampliando-se e se difundindo. Ao
longo dos Séculos XVIII e XIX as transformações se aceleraram, a escravidão e a
monarquia absoluta foram banidas dos estatutos societários e ganhou impulso a
luta pela igualdade da mulher (Quadro 1).
Quadro 1: A Luta Mundial Permanente pelos Direitos Humanos –Séculos XVIII/XIX.
Lutas e acontecimentos
históricos
Conferências, documentos e
declarações
Instituições
1789 Revolução Francesa e a
Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão
1815 Sublevações de escravos na
América Latina e na França
Década de 1830 Movimentos de
defesa dos direitos sociais e
econômicos. Ramakrishna na
Índia. Movimentos religiosos no
ocidente
1840 Irlanda - o movimento
cartista exige o sufrágio universal
e direitos para os trabalhadores e
os pobres.
1847 Revolução da Libéria
1861 Libertação da servidão da
gleba na Rússia
1792 A vindication of the Rights of
Women de Mary Wollstonecraft
Decênio de 1860 Mirza Fath Ali
Akhundzade, no Irã, e Tan Sitong,
na China, defendem a igualdade
de gênero
Decênio de 1860 O periódico La
Camélia de Rosa Guerra advoga a
igualdade da mulher em toda a
América Latina
Decênio de 1860 Toshiko Kishida
publica no Japão o ensaio Lhes
digo, minhas irmãs.
1860-80 Mais de 50 tratados
bilaterais sobre a abolição do
tráfico de escravos em todas as
regiões
1809 Suécia cria a instituição de
defesa de direitos (ombudsman)
1815 Congresso de Viena -Comitê
sobre o tráfico internacional de
escravos
1839 Liga contra a Escravidão na
Grã Bretanha
Decênio de 1860 - Confederação
Abolicionista no Brasil
1863 Comitê Internacional da Cruz
Vermelha
1864 Associação Internacional de
Trabalhadores
1896 Liga Internacional dos
Direitos Humanos, organização
não-governamental estabelecida
em reação ao caso Dreyfus
Fonte: ONU: Informe Sobre Desenvolvimento Humano (2000).
Mas, a expansão colonialista européia e japonesa continuou semeando opressão,
até o Século XX. Em 1917, a Revolução Russa deu um formidável exemplo de
ação transformadora; mas, as guerras imperialistas e colonialistas persistem até
21
meados do século. Ocorrem, a seguir, muitas lutas pela auto-determinação dos
povos, que vão elevar o número de países “livres”. Ganha impulso a luta pelos
direitos humanos e pelos direitos da criança e da mulher, a educação, o
desenvolvimento social e o meio ambiente. Contudo, os processos históricos não
são lineares, nem cumulativos e a extirpação de males antigos não previne o
surgimento de novos. Assim, seguem tendo vez projetos conservadores que
visam manter as desigualdades e privilégios, e bloquear a difusão e o
alargamento das conquistas sociais, como as guerras neo-imperialistas (caso do
Iraque) e as pressões político-econômicas do neo-liberalismo (ARRIGHI &
SILVER, 2001; LUTTWAK, 2001; SANTOS, 2000).
Os discursos, as propostas, as perorações, e as lutas, os experimentos, revoltas e
revoluções de variado porte, não foram suficientes, até hoje, para concretizar os
sonhos de justiça social e os objetivos libertários. Por precocidade? Por falta de
clareza dos objetivos? Por se buscar o que, afinal, é impossível, ou anti-natural?
Uma hipótese plausível é que não havia, no passado, suficiente conhecimento e
compreensão dos problemas sociais para que fossem propostos objetivos e
procedimentos (projetos) adequados, do que resultaria a formulação de objetivos
nebulosos ou inviáveis, e de métodos de consecução inadequados. Neste marco,
postularemos – sem demonstrar - a necessidade de “conhecer, para transformar
(planejadamente)”. Postulamos, também, que a ação transformadora requer uma
estratégia tri-dimensional, que envolve Conhecimento, Projeto e Ação.
A dimensão Conhecimento implica conhecer (suficientemente) o objeto a ser
transformado, os limites dos objetivos passíveis de serem propostos, e os
processos supostamente eficazes aplicáveis ao caso. A dimensão-Projeto implica
a formulação das linhas de ação, a proposição de metas e a definição dos
recursos necessários, sendo que o Projeto sói transcender a esfera do
conhecimento e constituir-se nos mundos do desejo e do sonho, no mundo da
vontade política de se promover a ação social-transformadora. A dimensão-Ação,
enfim, consiste na execução do Projeto. Estas dimensões, continuamente, se
interpenetram e retro-alimentam-se.
Haverá, agora, o conhecimento que a transformação social progressista requer?
Admitimos ignorar se o conhecimento acumulado é já suficiente para a construção
22
de uma nova, desejável e viável grande narrativa, visando a transformação social;
se os conhecimentos das ciências todas - sociais, da terra, e exatas - num grande
esforço trans-disciplinar, já fornecem os elementos necessários para tal
construção, em todas as suas dimensões. Insistiremos, porém, na centralidade do
conhecimento que, adiante, conectaremos com a informação, a comunicação e a
educação. E, também, com o binômio cidadania-democracia, não abordado ainda.
1.2 DESIGUALDADE DIGITAL
O desenvolvimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) e
sua desigual apropriação pelos diferentes estratos sociais vieram acrescentar ao
rol das desigualdades sociais já existentes uma desigualdade de novo tipo ou
forma, cuja face mais visível (não, talvez, a mais relevante) se apresenta como a
privação do acesso da população mais pobre ao computador, à internet e aos
conhecimentos básicos para os utilizar (SILVEIRA, 2003, p.18)
6
. A distribuição
irregular do acesso entre diferentes sociedades e no interior de cada uma delas
está expressa em estatísticas públicas (Quadro 2; ver site do NIC.br)
7
. Decidimos
designar esta desigualdade como desigualdade referente às condições de
apropriação das tecnologias digitais ou, por economia, desigualdade digital.
Quadro 2. Millenium Development Goals Indicators (dados relativos às TIC).
BRASIL 2000 2001 2002 2003 2004
Telephone lines and cellular
subscribers per 100 population
31,87 38,51 42,38 48,51 59,78
Telephone lines and cellular
subscribers
54.114.444 66.176.548 73.691.648 85.578.264 107.987.160
Internet users per 100 population 2,94 4,66 8,22 10,20 12,18
Internet users 5.000.000 8.000.000 14300000 18000000 22.000.000
Personal computers per 100
population
5,01 6,29 7,48 8,87 10,71
Personal computers 8.500.000 10.800.000 13.000.000 15.648.000 19.350.000
Fonte: ONU/United Nations Statistics Division (http://unstats.un.org/unsd/mdg/Data.aspx?cr=76)
(Última atualização – 30 de junho de 2006).
O tema do acesso às TIC por parte de diversos segmentos e/ou classes sociais
tem sido alvo de estudos referidos a diferentes escalas - desde a internacional
6
Alguns autores incluem na discussão o acesso à telefonia (SORJ, 2003; DANTAS, 2002; e
outros). Não contemplaremos este item em nossa discussão.
7
NIC.br - Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto br. Ver em http://www.nic.br/indicadores/
23
(entre diferentes países), passando pelos âmbitos nacional, regional e municipal,
até alguma micro-escala - com relação aos elementos apontados (o computador,
a internet e os conhecimentos básicos para os utilizar), por parte de determinados
grupos da população, diferenciados por renda, educação, etnia e outros critérios
8
.
A desigualdade digital preocupa aos pesquisadores sociais e administradores
públicos de todos os níveis, e às autoridades dos organismos internacionais e das
agências multilaterais, como o provam os muitos artigos e livros editados sobre o
tema, e os variados projetos de combate a este fenômeno
9
.
O fenômeno, ao ser interpretado, nos EUA, como causador de uma “nova” forma
de divisão social, deu origem aos conceitos de digital divide e de “the information
haves and information have-nots
10
. Em outros países, tem dado origem a outros
nomes, como as versões francesa (“fossé numérique”, ou "fracture numérique"
11
)
e argentina (“brecha digital”). No Brasil, a forma mais comumente encontrada é
“exclusão digital”, mas preferimos desigualdade digital. Utilizaremos, também,
eventualmente, as formas hiato, cisão, ou divisão digital, por concessão ao estilo.
Como primeira aproximação à questão da desigual apropriação das TIC por parte
de diferentes segmentos sociais – quer no sentido dos recursos em si, quer no do
conhecimento técnico requerido - consideremos as seguintes afirmações, aceitas
como dados, aparentemente, por diferentes autores (LOJKINE, 1999, pp.149ss.;
PROENZA, 2003, pp. 134ss.; SORJ, 2003, pp.35-75; CASTELLS, 2000, passim;
8
O acompanhamento dos processos relativos às TIC compete à National Telecommunication and
Information Administration-NTIA, nos EUA. Sobre os programas da União Européia, cf. Randolph
(2000). Entre as instâncias supranacionais, destacamos o Banco Mundial, a ONU/WSIS (World
Summit for Information Society) e a UIT (União Internacional das Telecomunicações). No Brasil, a
tarefa compete ao MCT/CGI-Br (Comitê Gestor da Internet) e entidades privadas, como a FGV.
9
Por exemplo, NEGROPONTE (1995); CASTELLS (1999); LOJKINE (1999); JAMBEIRO et
al.(2003); SORJ (2003); RANDOLPH (1999, 2003); EGLER (2002); SANTOS (2003).
10
A origem da expressão digital divide é atribuída à dupla Bill Clinton/Al Gore, em seus discursos
de campanha para a presidência dos EUA, em 1995. Mas, para JACKMAN & JONES (2002, p. 5),
“Lloyd Morrisett, former president of the Markle Foundation, coined the term ‘Digital Divide’ in a
1995 foundation report that addressed the growing concern of the information haves and
information have-nots and the role of technology in society. The rapid deployment of ICTs without
appropriate acculturation for users to comprehend their complexities has contributed enormously to
the ever-widening chasm of the Digital Divide”. Cf., também, BRANDÃO & SILVA (2003, p. 327).
11
Le concept de ‘fracture numérique’ de plus en plus difforme et pluri-sémantique est inadapté à
la réalité de l'abord social de l'expression. ‘Exclusion numérique’ semble plus approprié lorsqu'il
s'agit de décrire, de comprendre les phénomènes d'exclusion liées à l'appropriation des
technologies de l'information et de la communication au sens large: internet, informatique, outils
móbiles”. Jean Luc Raymond (2006), in
blogs.microsoft.fr/jeanlr/category/106.aspx, acesso em
12/01/2006.
24
RANDOLPH, 2003; EGLER, 2002, pp.375/7; e outros), com apoio em pesquisas e
quadros estatísticos (como aqueles originários da NIC.br, ou da UIT):
a instauração e enraízamento das TIC na vida social é um fato consumado;
as TIC tendem a invadir, cada vez mais, os mais diversos planos da vida
social e o cotidiano de “todas” as pessoas;
os indivíduos, os coletivos e as instituições têm diferentes oportunidades,
formas e intensidades de acesso, apropriação e domínio das TIC;
os indivíduos, coletivos e instituições que dispõem de recursos e
facilidades para aprofundar o acesso, apropriação e domínio das
potencialidades das TIC, começam a constituir uma classe de “info-ricos” e
a beneficiar-se competitivamente de vantagens negadas aos demais. Por
isso mesmo, tendem a adotar e a incrementar o uso e a exploração das
TIC a seu modo;
os indivíduos, coletivos e instituições que, por restrições de quaisquer
tipos, enfrentam limites para o acesso, apropriação e domínio das
potencialidades das TIC - os “info-pobres” -, estão em desvantagem
relativamente aos (e sob o risco de serem explorados pelos) “info-ricos”, à
semelhança do que ocorreu e ocorre com relação à desigual apropriação
social de outras técnicas.
Salvo algumas especificidades, as afirmações acima repetem a história “comum”
da apropriação social das técnicas de caráter universal (SILVEIRA, 2003, p.22).
Os dois tópicos seguintes são hipóteses de trabalho que advertem o risco de
orientações inadequadas no combate à desigualdade digital e nos remetem de
volta às reflexões sobre as precauções que devem estar associadas a toda
estratégia para a ação transformadora:
a redução dos danos, desvantagens e perdas de oportunidade resultantes
da desigualdade digital, em favor de amplas camadas da população, exige
formas criativas e inovadoras de enfrentamento da questão – formas
eficazes, eficientes, sustentáveis, de alcance a um tempo largo e profundo;
25
os esforços sociais para diminuição da desigualdade digital centrados
apenas na facilitação do acesso às TIC são de eficácia discutível e de
insuficiente força transformadora.
A demonstração das hipóteses se fará após o exame de alguns aspectos que
devem precedê-la. Insistimos, por ora, que a abordagem centrada no “acesso”
tem caráter imediatista, o qual minimiza a complexidade da questão e ajuda a
ocultar processos que, no fundo, favorecem os lucros e o domínio hegemônico
dos detentores do capital. A redução duradoura da amplitude do hiato digital
requer projetos que contemplem suas múltiplas dimensões. O combate a esta
forma de desigualdade social – como, enfim, a qualquer outra - enfrenta
limitações políticas por parte de forças hegemônicas, que se necessita identificar,
para o adequado encaminhamento das ações transformadoras preconizadas.
1.3 DIMENSÕES DA DESIGUALDADE DIGITAL
A complexidade do tema recomenda sua análise por partes, tanto na
caracterização do problema (causas, materialidade, conseqüências), como nas
possíveis formas de seu enfrentamento (redução, eliminação). Os Quadros 3 e 4
estratificam alguns números relativos ao uso do computador, no Brasil.
Quadro 3 - Caracterização da população em termos de uso do computador
Faixas
etárias
Popul.
% (*)
Caracterização da população Uso temático
65++ 6,5 Idosos
Participação política
Informação/Cultura/Lazer/Afeto
18-64 59,6 PIA – População em Idade Ativa
Trabalho/emprego/renda
Produção independente/inovação
Participação política
Informação/Cultura/Lazer/Afeto
07-17 21,4
PIE - População em Idade Escolar
(ensino fundamental e médio)
Educação/Formação
Até 6a. 12,5 Pré-escolares - Não computar. -----------
Fonte: elaboração própria. [(*) Baseado em http://www.frigoletto.com.br/GeoPop/].
A seguir, são referenciadas algumas possibilidades de parcelização do tema (vide
SORJ, 2003, pp. 59-75; GUERREIRO, 2006, pp. 163-242; BRASIL/MCT, 2000).
a) aspecto etário – a desigualdade digital atinge de modo diferente as diferentes
faixas etárias da população (vide Quadro 4). Selecionamos quatro faixas que
poderiam orientar uma política universalista de combate à desigualdade digital,
26
cujas ações seriam direcionadas para os dois estratos mais significativos, a PIE-
População em Idade Escolar e a PIA-População em Idade Ativa (Quadro 3). A
faixa dos pré-escolares não receberia nenhum subsídio público e a dos idosos
poderia receber tratamento pontual, sem objetivo de universalização;
b) aspecto ocupacional – a sensibilidade das pessoas à desigualdade digital, a
cada momento, varia com seus modos de vida e suas ocupações naquele
momento. As necessidades relativas às TIC de um professor do ensino médio
diferem daquelas de um professor universitário, ou de um profissional liberal da
arquitetura, por exemplo. Assim, a importância da Internet não depende do meio
em si, mas de sua utilização, e o potencial de utilização é diferente entre
diferentes estratos sociais e/ou profissionais. A desigualdade digital tem a ver com
as possibilidades de alguém beneficiar-se de tais meios e seus condicionantes
ultrapassam a mera capacidade de acessar e de entender a funcionalidade.
Segundo RANDOLPH (2006), “a verdadeira problemática - como sempre ocorreu
com a técnica – reside na força da tecnologia para criar divisões e desigualdades
a partir de sua apropriação diferenciada”.
c) uso temático - a coluna de “usos temáticos” sugere algumas das classes de
objetivos que poderiam estar associados às políticas públicas de difusão do
acesso às tecnologias digitais. Por exemplo, disseminar informações julgadas
importantes pelos formuladores daquelas políticas; ou a capacitação de pessoas
para a participação política, aliado ao fornecimento de um ambiente (na rede) que
facilitasse esta participação; e assim por diante. Alguns destes “usos” estão
associados a determinadas faixas etárias: por exemplo, não se defende a
inclusão, nos usos da PIE, de treinamento para trabalho/emprego/renda. Por
outro lado, excluímos do mesmo grupo o lazer dependente das TIC, por
acreditarmos que esta modalidade de uso não deve constituir um objetivo da
política pública em foco, muito embora os jogos eletrônicos constituam uma
grande fatia do uso dos computadores pelos pré-adolescentes e adolescentes;
e) escalas geográficas, baseadas em recortes territoriais - neste caso, podemos
considerar, seguindo as divisões administrativas brasileiras, desde bairros e
distritos, cidades e municípios, até as regiões metropolitanas, estados membros e
regiões geográficas, e o próprio país (Quadro 4);
27
QUADRO 4. PROPORÇÃO DE INDIVÍDUOS QUE USARAM O COMPUTADOR, DE QUALQUER LOCAL
(%) sobre o total da
população*
Há menos
de 3 meses
Entre 3 e 6
meses atrás
Entre 6 e 12
meses atrás
Mais de 12
meses
Nunca usou
um comput.
Brasil
Total
29,72 3,21 3,64 8,63 54,79
RM SP 38,90 3,84 4,23 8,38 44,65
RM RJ 34,37 3,73 4,15 7,58 50,17
RM BH 30,65 2,57 4,07 6,01 56,69
SUDESTE
Outras SE 28,80 3,67 4,04 8,28 55,21
RM SAL 27,73 4,35 4,16 11,37 52,39
RM REC 27,82 2,40 4,56 10,34 54,88
RM FOR 26,56 2,59 1,55 10,41 58,88
NORDES-
TE
Outras NO 19,30 2,36 2,77 7,97 67,60
RM BEL 28,73 3,91 4,07 11,96 51,33
NORTE
Outras N 26,99 2,83 3,59 10,47 56,11
RM CUR 37,16 5,17 2,76 10,90 44,01
RM POA 35,36 3,65 5,42 8,98 46,59
SUL
Outras S 31,20 2,75 3,17 9,27 53,61
DF 50,11 3,69 2,22 8,74 35,23
C.OESTE
Outras CO 30,21 2,27 3,03 8,72 55,78
ATÉ R$300 6,86 2,20 2,76 7,41 80,78
R$301-R$500 14,16 2,55 5,06 7,05 71,18
R$501-R$1000 22,34 3,59 3,04 10,33 60,71
R$1001-R$1800 43,06 3,99 3,41 10,03 39,51
RENDA
R$1801 OU MAIS 63,59 2,84 4,40 7,19 21,98
Analfabeto/
Fundamental 1 inc.
4,54 1,84 1,51 2,36 89,75
Fundamental 1 compl 6,67 1,71 1,80 4,56 85,25
Fundamental 2 inc. 15,94 2,74 3,06 11,71 66,54
Fundamental 2 compl 26,20 3,96 4,55 12,66 52,63
Médio incompl. 42,38 6,23 7,97 13,45 29,97
Médio completo 53,63 5,23 5,90 14,04 21,20
Universitário inc. 85,83 2,12 2,27 3,79 6,00
INSTRU-
ÇÃO
Universitário compl 84,45 1,47 2,91 5,35 5,82
Masculino 32,43 3,30 2,78 8,42 53,06
SEXO
Feminino 27,61 3,14 4,30 8,80 56,15
A 86,77 0,22 1,40 3,22 8,39
B 69,05 4,22 3,49 7,19 16,06
C 35,21 3,60 4,62 10,27 46,30
CLASSE
SOCIAL
DE 11,11 2,73 3,02 8,06 75,08
De 10 a 15 anos 43,32 5,89 6,52 7,73 36,54
De 16 a 24 anos 52,91 5,58 6,08 12,27 23,16
De 25 a 34 anos 33,07 3,81 4,41 11,94 46,78
De 35 a 44 anos 25,07 2,48 3,01 7,47 61,98
De 45 a 59 anos 20,85 2,82 2,61 6,31 67,41
FAIXA
ETÁRIA
De 60 anos ou ++ 5,03 0,33 0,70 1,76 92,17
Fonte: CGI.br (http://www.nic.br/indicadores/usuarios/rel-comp-03.htm - acesso em 31/05/2006)
Legenda - RM: Região Metropolitana; SP: São Paulo; RJ: Rio de Janeiro; BH: Belo Horizonte; SE: Sudeste;
SAL: Salvador; REC: Recife; FOR: Fortaleza; NO: Nordeste; BEL: Belém; N: Norte; CUR: Curitiba; POA:
Porto Alegre; S: Sul; DF: Distrito Federal; CO: Centro Oeste.
* Base: 8.540 domicílios entrevistados. Pesquisa realizada em agosto/setembro 2005, pelo Instituto IPSOS
d) escalas quantitativas, isto é, relativas à extensão numérica do grupo de
“atingidos” pela desigualdade na apropriação das tecnologias digitais:
(i) escala-micro - está em jogo a desigual apropriação dos recursos das TIC
pelo indivíduo ou grupo familiar;
(ii) meso-escalas - são muitas as possibilidades de agregados nesta escala
como, por exemplo, grupos de empregados (em empresas de vários portes),
28
prestadores de serviços em organizações da sociedade civil (ONGs, e
outras), comunidades isoladas (ou quase), estratos sociais delimitados, etc.;
(iii) escala macro – grandes grupos populacionais, como o total dos
habitantes do país, de uma região, do globo;
f) conseqüências (ou “efeitos”) – vamos apresentar alguns exemplos dos
“efeitos”, ou “impactos”, sem a intenção de esgotar o assunto. Alguns problemas
trazidos pela nova onda tecnológica são, efetivamente, consideráveis, entre eles o
desemprego e o reforço das posições hegemônicas dos “donos da tecnologia” (no
plano internacional, os países “centrais”; e, nos países “periféricos”, as grandes
empresas produtoras ou usuárias da informática, os bancos em particular).
Para o indivíduo/família a desigual apropriação das TIC cerceia (em ritmo que
parece crescente) as oportunidades de emprego e renda dos “info-pobres” e suas
oportunidades de inserção nos modernos meios de informação, de comunicação
e de aprendizagem, impedindo ou limitando o uso das vantagens proporcionadas
pelo acesso às TIC, como a e-educação, o e-comércio, o e-governo, a e-diversão,
o e-correio, e outras (SORJ, 2003, pp. 68-72).
No âmbito das empresas, a falta de pessoal habilitado à exploração dos recursos
das TIC nos novos ambientes de inovação implica a perda de competitividade
inter-empresarial e repercute no cenário internacional como limitação da
participação no comércio exterior. Na área das organizações da sociedade civil,
esta mesma carência de habilitações pode limitar a utilização dos recursos das
TIC para ações que visem o avanço do par binomial cidadania-democracia.
No plano nacional, os riscos ameaçam o próprio desenvolvimento do país. a
desigualdade ameaça as condições de desenvolvimento do país (com efeitos
retroativos sobre seus habitantes). Dá-se, mesmo, por impossível o planejamento
do desenvolvimento nacional sob o “capitalismo informacional” do século XXI sem
um firme domínio das TIC (CASTELLS, 2000, p. 36; SORJ, 2003, pp. 35ss).
Vejamos como uma fraca presença dos brasileiros na rede mundial prejudica o
desenvolvimento do país e dos seus cidadãos. Os três exemplos caracterizam
situações onde a desigualdade digital pode reforçar outras desigualdades sociais.
29
Embora cada caso isolado se restrinja a um grupo limitado, sua soma com outros
casos acaba produzindo um efeito “total” que atinge a muitos.
O primeiro caso trata das exigências de certificação de credibilidade
12
impostas
hoje aos interessados em participar das trocas econômicas e culturais baseadas
na internet, para o que é condição sine quae non a presença na rede. Para operar
no ambiente virtual as empresas, organizações e até certos profissionais têm que
contar com a certificação de credibilidade, isto é, com algum tipo de aprovação
virtual prestada por parceiros e intermediários. Na lógica destes sistemas, quanto
mais gente emitir opiniões, mais confiável será a “avaliação de reputações”.
O segundo exemplo tem a ver com a inovação associada ao uso de sistemas de
código aberto, nos quais, quanto maior o número de participantes colaborando,
tanto maior – em princípio - a criatividade coletiva, exigência que se torna crítica
na era digital, na qual o sistema só funciona se for alimentado pelo lançamento
contínuo de novas idéias, serviços e produtos. A mensagem implícita é que
quanto maior a presença, mais participação, num processo que se auto-reforça.
Terceiro: também no caso do jornalismo digital, a maior/menor presença na rede
passa a ser relevante, porque a tendência geral é para a valorização dos
noticiários local e não-local, alimentados através da contribuição direta de leitores-
repórteres. Quanto mais colaborações um determinado site receber, mais
diversificada e atraente ficará a sua página noticiosa e, consequentemente, maior
a sua clientela (dentro da lógica de presença e auto-reforço apontada).
1.4 RELEVÂNCIA DA DESIGUALDADE DIGITAL
Talvez devamos perguntar por que é (tão) importante tratar do fenômeno da
desigualdade digital, isto é, o que o torna relevante. Evidentemente, alguma coisa
é relevante para alguém, em certa situação, num determinado tempo e por algum
motivo. Sendo assim, a pergunta torna-se: por quais motivo(s) é relevante para a
sociedade brasileira ocupar-se, hoje, da existência, no país, de grupos
expressivos de pessoas apartadas da apropriação das tecnologias digitais ou,
quando não privadas de todo, limitadas a uma apropriação apenas rudimentar?
12
,Sobre certificação de credibilidade, vide Carlos Castilho, “Um novo paradigma de credibilidade”:
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=357ENO001. Acesso em nov/2005.
30
As perguntas não cobrem todos os aspectos dignos de análise. Por exemplo,
faltaria identificar quem julga e gradua esta relevância, e como e porque o faz.
Antes de prosseguir, achamos conveniente esclarecer os sentidos do discurso.
Um fenômeno social poderá ser dito relevante se, numa visão horizontal, atinge
muita gente, o que introduz a noção de relevância quantitativa. Num corte vertical,
em vista da maior ou menor influência do fenômeno sobre as oportunidades e os
modos de vida dos atingidos poderemos falar de uma relevância qualitativa.
No plano temporal, os efeitos de um fenômeno podem ser imediatos ou futuros
(caso em que são quase sempre projetados, ou supostos ou, mais raramente,
deduzidos de dados atuais, com alta probabilidade de acerto), o que nos permite
falar de uma relevância imediata (cujos efeitos se fazem sentir no presente, ou
ameaçam fazê-lo num futuro iminente, no curto ou muito curto prazo) e de uma
relevância projetada (se há riscos ou indícios sérios da produção de efeitos de
ação diferida, de médio ou longo prazo). Uma educação infantil deficiente talvez
pouco incomode enquanto as crianças são pequenas, mas comporta a ameaça
de graves prejuízos sociais para a maturidade e velhice do grupo em questão.
A relevância pode ser avaliada segundo diferentes escalas, tendo-se em vista os
grupos de população envolvidos, os territórios e as temporalidades, e o específico
efeito sob foco, nem sempre, certamente, dependente da expressão numérica
13
.
Os autores preocupados com a privação e com a suposta necessidade e
centralidade do acesso às TIC deixam entrever que isto é relevante, não pelo
mero aspecto quantitativo, pelo fato de atingir muita gente, mas pelo aspecto
qualitativo, isto é, porque aciona aqueles “efeitos” descritos acima (item 3, “f”).
A relevância do fenômeno da desigualdade digital – da desigual distribuição do
acesso e da desigual apropriação destas tecnologias - é atestada por inúmeros
autores (CASTELLS, 2000; SORJ, 2003; LOJKINE, 1999; JAMBEIRO, 2003;
RANDOLPH, 2003), por órgãos de diversos países (no Brasil, o MCT, a FGV e
diversas ONGs) e por instâncias internacionais (Banco Mundial; ONU/WSIS).
13
A falta de acesso ao conhecimento da física quântica atinge expressivo número de pessoas –
tem relevância quantitativa –, sem dar lugar a “excluídos quânticos”. Este conhecimento é tido hoje
como essencial para o entendimento do mundo e superação de vícios imputados ao pensamento
cartesiano-positivista (v. PESSOA JR., O. Conceitos de Física Quântica. São Paulo: Livraria da
Física -2003). Porém, o fenômeno carece de “relevância qualitativa imediata”, ou de interesses de
mercado, capazes de financiar campanhas e promover o engajamento de ativistas e de autores.
31
Contudo, no plano empírico faltam pesquisas que comprovem irrefutavelmente
seu protagonismo qualitativo que, numa temporalidade imediata tem a ver com o
acesso a oportunidades de melhor qualidade de vida, a exemplo do aumento de
renda a partir da ultrapassagem da situação de “analfabetismo digital”. Na
pesquisa da FGV sobre a “Taxa de Inclusão Digital Doméstica” (ou IDD, que
informa o percentual da população brasileira que tem computador em casa), no
Rio de Janeiro, a maior IDD - 59,23% dos moradores - ocorreu no sub-distrito da
Lagoa Rodrigo de Freitas, uma área afluente; e, as menores, no Complexo do
Alemão (3,78%) e no Jacarezinho (3,93%), áreas pobres. A renda média mensal
entre possuidores de computadores, em toda a cidade, era de R$1.677, contra os
R$599 dos que não os possuíam. A correlação renda x IDD confirma que o
acesso a bens de mercado é proporcional à renda, mas não permite inferir que a
o acesso a computadores assegura maior renda. Para tanto, seria necessário
acompanhar – mediante uma série temporal - a evolução da renda de duas
massas de “sem-acesso” na origem, uma das quais passasse por processos de
obtenção de acesso (não, necessariamente, da posse individual da máquina)
durante o experimento, isolados outros fatores.
Quanto ao que poderíamos denominar de “relevância projetada”, alguns autores,
como Pierre Lévy e Sherry Turkle, afirmam que o uso intensivo das tecnologias
informáticas vai - ao longo de umas poucas gerações – produzir um “novo
homem”, com novos modos de pensar (e, por conseguinte, novas formas de agir),
hipótese que apelidaremos de “pensamento hipertextual”. Outros - como o mesmo
Lévy, e Klaus Frey - parecem esperar que uma “nova sociedade” vá nascer do
fato (considerado, já, como um dado) de que a disseminação das redes de
informática facilita a comunicação e, por conseguinte, o associativismo, em ações
comunicativas que afinal serão utilizadas para “melhorar” a sociedade. Trata-se
da perspectiva a que nos referiremos como “ciberdemocracia”. Em terceiro lugar,
autores como Sérgio A. da Silveira e Séraphin Alava sugerem que a luta contra a
cisão digital pode ser conduzida de modo a, paralelamente, reforçar os elementos
de autonomia dos sujeitos e/ou despertar seu potencial de cidadania participativa:
vamos, então, falar de uma “autonomização do sujeito” – que ora assume um viés
individualista, ora outro, solidarista - através dos recursos do ciberespaço.
32
Na linha do pensamento hipertextual, Lévy (1993, p. 19) afirma que “os coletivos
cosmopolitas - compostos de indivíduos, instituições e técnicas - não são somente
meios ou ambientes para o pensamento, mas sim seus verdadeiros sujeitos.
Dado isto, a história das tecnologias intelectuais condiciona (sem, no entanto,
determinar) a [história] do pensamento”. Se assim é, se estão em jogo as normas
do saber e, mais radicalmente, os próprios modos de pensar, torna-se
inadmissível que grupos expressivos de pessoas sejam tornados em, ou mantidos
como excluídos destas transformações, ou sequer retardados de delas participar.
Para Sherry Turkle (1984, p.3), socióloga e psicóloga clínica, “todas as grandes
inovações tecnológicas, além dos resultados práticos imediatos, trazem profundas
e transcendentais conseqüências que provocam mudanças, não apenas nas
atividades que realizamos, mas também em nosso modo de pensar”, porque a
tecnologia é catalisadora de mudanças e “modifica a consciência que as pessoas
têm de si mesmas, dos demais, e de suas relações com o mundo” (idem).
Em defesa da perspectiva da autonomização do sujeito via ciberespaço como
razão principal do combate à desigualdade digital, Silveira (2003, p. 32) afirma
que um dos focos da “inclusão digital” volta-se “para a ampliação da cidadania,
buscando o discurso do direito de interagir e de se comunicar através das redes
informacionais”. Acredita Alava (2002, p. 15) que “estamos hoje diante da
emergência de novas práticas de formação apoiadas no ciberespaço, que
concorrem para o desenvolvimento de novas oportunidades de auto-formação”,
embora seja, ainda, necessário “questionarmos o próprio conceito de auto-
formação” (idem).
Deparamos, com freqüência, com expectativas – utópicas, no bom sentido do
termo – de aproveitamento do momento “mágico” da inclusão digital universal
para alcance dos (sublimes) objetivos de formação de uma sociedade de entes
autônomos e solidários, através de uma democracia idealizada e suportada por
uma lógica comunicativa suposta presente ou presentificável na rede mundial de
computadores. Fala-se, então, em “redes cívicas”, “ágora eletrônica”, “democracia
eletrônica”, ciberdemocracia e similares. Os otimistas acerca das potencialidades
cívicas das redes de computadores costumam invocar o exemplo do Movimento
Zapatista, em Chiapas, México (CLEAVER, 1995). HAMILTON (2006) discute os
33
elementos do civismo ciberespacial na cidade de Bolonha, centrados na Rede
Ipérbole. Os estudos de STANLEY & WEARE (2004) seguem em outra direção:
[This study suggests that] elected officials and highlevel government
managers have been influenced by the predictions of techno-optimists who
tout the ability of technology to make government more efficient and
responsive and to strengthen citizen participation by making political
information more compelling, lowering the costs of participation, and
creating new opportunities for involvement (Council, 2002; Grossman,
1995; Negroponte, 1995). Nonetheless, the bulk of the evidence gathered
to date concerning the effects of Internet-based communications has
painted a less promising scenario. Numerous studies have concluded that
politics on the Internet is simply politics as usual (grifo nosso).
1.5. A ABORDAGEM TECNICISTA DA EXCLUSÃO DIGITAL
A exclusão digital - mínimamente definida – é a privação do acesso aos
computadores; aos conhecimentos básicos para utilizá-lo; e à rede mundial
de computadores (SILVEIRA, 2003).
Ainda que defendamos a necessidade de uma abordagem sócio-dialética da
desigualdade digital, e por mais que traços desta abordagem estejam presentes
nos estudos sobre o assunto, o viés mais comumente encontrado na literatura
nacional sobre o tema centra-se em, ou resvala para um tratamento tecnicista,
que privilegia as oportunidades de acesso, sobretudo quando abordam as
alternativas de superação, ainda que nunca deixem de mencionar os aspectos
libertários ligados à autonomia do sujeito, e à cidadania-democracia. Utilizaremos
ao longo deste tópico as expressões exclusão digital e inclusão digital, pois os
autores aqui referenciados assim nomeiam a desigualdade digital e as ações de
combate à mesma. Adiante, voltaremos a criticar o uso, nem sempre adequado,
de ambas expressões.
Silveira define exclusão digital – em primeira aproximação – como a existência de
grupos expressivos de pessoas privadas duradouramente do acesso aos
computadores, à Internet, e aos conhecimentos básicos para utilizá-los.
Eventualmente, mencionaremos este enfoque como “a tripla privação de acesso”:
[Uma] definição mínima de exclusão digital passa pelo acesso ao
computador e aos conhecimentos básicos para utilizá-lo, [e também] à
rede mundial de computadores, [pois] um computador desconectado tem
utilidade extremamente restrita. Portanto, a inclusão digital dependeria de
alguns elementos, tais como o computador, o telefone, o provimento de
acesso e a formação básica em softwares aplicativos (2003, p.18).
34
O autor não se limita aos elementos desta definição, declarada mínima, e aborda
no texto citado outras dimensões, que conduzem a uma visão cidadã da questão.
Por outro lado, não são aprofundadas o bastante estas outras dimensões, as
quais consideramos não apenas acessórias ou complementares, mas essenciais
em um projeto que vise, como meta, uma transformação social progressista.
O pensamento de Silveira é representativo de uma corrente de pesquisadores, à
qual se filiam João Cassino, Francisco Proenza, Rodrigo Assunção e Luís Millán
Vasquez de Miguel, co-autores do livro “Software Livre e Inclusão Digital”. Rosali
Ferrari (2003), mestra pela Universidade de Campinas e pesquisadora do
assunto, adota posições semelhantes. Na Universidade Federal da Bahia, Othon
Jambeiro, à frente de uma equipe que inclui Joseph D. Straubhaar, Antonio C. La
Pastina, Sharon Strover e outros, da Universidade de Austin, além dos doutores
Elias Machado e Helena Pereira da Silva, entre outros, da própria UFBA, seguem
o mesmo diapasão (vide JAMBEIRO & STRAUBHAAR, 2003).
Estes autores parecem concordar que a “tripla privação” é real e relevante, e que
constitui um fenômeno a ser reconhecido como exclusão digital, e remediado por
uma inclusão digital, cujo âmago consiste na remoção da “tripla privação” (através
de um “triplo provimento”, naturalmente), ao tempo em que se criam as condições
para fazer desta inclusão digital um momento da luta pela cidadania.
Tal combate é considerado importante, uma vez que
[a exclusão digital] torna-se um fator de congelamento da condição de
miséria e de grande distanciamento em relação às sociedades ricas (...) e
a velocidade com que a combatemos é decisiva para que a sociedade
tenha sujeitos e quadros em número suficiente para aproveitar as brechas
de desenvolvimento no contexto da mundialização (...) e para adquirir
capacidade de gerar inovação. [Além disto,] trata-se de uma questão de
cidadania [pois,] hoje, o direito à comunicação é sinônimo de direito à
comunicação mediada por computador (SILVEIRA, 2003, pp. 29-30).
A última declaração soa exagerada: melhor dizer que o direito à comunicação
inclui, também, hoje, o direito à comunicação mediada por computador. Contudo,
não faltam dúvidas a respeito da prioridade e oportunidade destas ações, pois:
Afinal, em um país com 11,4 % de analfabetos entre as pessoas acima de
10 anos de idade e com 50,7% da população recebendo até 2 salários
mínimos (segundo o IBGE, PNAD/2001) - qual o sentido de se falar em
exclusão digital? Não seria esta uma mera decorrência da exclusão social?
Sua redução não seria conseqüência da melhoria de condições de vida e
35
renda da sociedade? Em outras palavras, até que ponto o combate a esta
exclusão seria importante diante de tantas carências? (p.18)
A abordagem centrada na tripla privação versus triplo provimento apresenta uma
restrição muito forte da temática, pois o que mais interessa, do ponto de vista do
sujeito, numa visão mais abrangente, não parece ser a exclusão do digital, mas a
exclusão social, que pode aumentar, mesmo com o acesso às tecnologias, e não
necessariamente diminuir. Do ponto de vista da sociedade, foca-se uma não
definida capacitação para a “competitividade internacional”, uma das bandeiras do
neoliberalismo. A questão da cidadania paira na zona fronteiriça entre as esferas
do individual e do social.
Em geral, os adeptos das tecnologias, sobretudo os “tecnólatras” (epíteto que não
estamos atribuindo aos autores citados), não conseguem enxergar este lado por
razões óbvias: complicaria demais sua justificativa da utilização das tecnologias.
A verdadeira exclusão – parece-nos - começa quando aqueles que obtêm o
acesso (superada a privação no sentido técnico) não têm como se apropriar
daquilo que foi acessado e tornam-se “privados do sentido”. Acesso a um meio, e
apropriação do seu conteúdo, são duas coisas diferentes. No pior dos casos, este
acesso permitirá um aprofundamento da alienação de segmentos cada vez mais
amplos da população. Recorde-se o que um dia se esperou do rádio, da televisão
e de outros meios de comunicação, em contraste com o que depois “realmente”
aconteceu.
14
. Nada obriga a repetição do passado, mas existe o perigo de que a
definição adotada conduza a expectativas não fundamentadas.
Ao tratar do fenômeno da “tripla privação” não questionamos, evidentemente, sua
existência (questionamento que, aliás, embute um risco positivista), pois a
sujeição de grupos expressivos de pessoas à tripla privação é, certamente, um
fenômeno “real”. As evidências empíricas são “visíveis a olho nu”
15
: encontramos
a todo momento pessoas que nunca usaram um computador, e podemos flagrar
esta privação visitando suas casas e os lugares que freqüentam. As evidências
14
Ver a respeito o entusiasmo de Brecht com a difusão do rádio na década de 1920 (Capítulo 2).
15
Pelos cânones da metodologia científica, a aparência “a olho nu” deve ser considerada o que é:
aparência. Já os físicos nos ensinaram isto, sobre como se apresenta “ao olho nu” o movimento
aparente do Sol em torno da Terra. Estava fora de questão a existência do movimento relativo
mas, por falta de referencial externo, era difícil determinar sua relatividade. No caso atual, não faz
falta um referencial externo para observação do acesso/privação do “povo” aos recursos das TIC.
36
são confirmadas por estatísticas amplamente aceitas, segundo as quais metade
dos brasileiros jamais usou um computador e mais de 85% jamais usaram a
internet. Portanto, o fenômeno, ou o fato, existe. Mas, esta mera constatação do
óbvio – certamente útil para o estudo do mercado de produtos de informática -
pouco acrescenta à nossa investigação, que apenas começa depois dela, ao
questionarmos sua relevância.
Um engano de outra natureza é o de se associar de forma positivista o par “tripla
privação/triplo acesso” ao par conceitual exclusão/inclusão digital.
Voltando às estatísticas, em 2001 a FGV, a USAID, a Sun Microsystems e o CDI,
criaram em parceria o GAID (Grupo de Ação para a Inclusão Digital) e o “Relógio
da Inclusão Digital”, um sistema (hoje, desativado) para medir a evolução da
inclusão digital no Brasil, cruzando as estimativas demográficas do IBGE com as
projeções da FGV sobre o crescimento do número de brasileiros com acesso
domiciliar a computadores (Taxa de Inclusão Digital Doméstica, ou IDD. É uma
designação imprópria, porque a posse doméstica de um computador não pode
ser de modo algum chamada de Inclusão Digital, na acepção que geralmente se
atribui ao termo.). Os dados coletados pela FGV em 2001 indicavam uma IDD de
12,46% e uma taxa de 8,31% de acesso à internet, em termos nacionais.
Segundo dados de uma pesquisa divulgada pela CGI.br
16
, o Brasil está mal
posicionado no ranking global de acessos à internet – na sexagésima quarta
posição, junto com o México e bem atrás dos vizinhos Uruguai, Argentina, e Chile
e, também, da Costa Rica. Mais da metade dos brasileiros (54,79%) nunca usou
computadores e 67,76% jamais entrou na internet. Os dados impressionam, mas
refletem o contexto mundial, no qual a falta de acesso e/ou falta de conhecimento
– ou, ainda, o acesso desigual aos meios e aos conhecimentos - é norma, mesmo
nos EUA, país que ocupa o décimo lugar no ranking de acessos à internet.
Apoiada em informações demográficas do IBGE, a FGV edita um “Mapa da
Exclusão Digital”, visando alimentar com informações as ações para redução da
desigualdade digital, envolvendo governo, empresas e terceiro setor. O Mapa
apresenta vários desdobramentos, incluindo o ranking por Estado e Município.
16
Acesso em www.softwarelivre.org, novembro de 2005
37
Os quadros abaixo são amostras deste Mapa, editado desde 2003.
Quadro 5 - Mapa da Exclusão Digital (resumo Brasil).
Universo Pop. Tot. Homens% Educação* Idade PIA** Renda* Jornada*
Incluídos 16.209.223 48,89 8,72 31,14 462826 1677,15 41,76
Excluídos 153.663.627 49,25 4,40 27,95 529046 452,44 43,40
Total Brasil 169.872.850 49,21 4,81 28,26 522728 569,30 43,24
Fonte: CPS/IBRE/FGV a partir dos microdados do Censo Demográfico de 2000/IBGE
17
.
(*) Os valores referentes a essas variáveis são médias. A variável educação refere-se aos anos
médios de estudo; Jornada refere-se à jornada de trabalho semanal e Renda é a renda do
trabalho principal referente a população ocupada.
(**) PIA - População em idade ativa: pessoas entre 15 e 65 anos.
Quadro 6 - Mapa da Exclusão Digital (amostra de alguns municípíos).
Ranking dos Incluídos Digitais - BA
Pos Municípios Taxa Incl.% Homens % PIA** Renda* Jornada*
1 Salvador 14.05 98.03 15.75 247.68 92.48
2 Lauro de Freitas 13.48 99.36 15.50 258.71 95.77
3 Itabuna 7.66 98.95 8.70 318.76 94.72
4 Vitória da Conquista 7.09 98.06 7.92 335.63 94.89
Fonte: Idem, ibidem.
As estatísticas medem o número de pessoas que têm acesso a um computador e
pouco dizem sobre sua participação ativa nos processos de inteligência coletiva
que poderiam dar-lhes o “ganho de autonomia” (Lévy 1999, p. 238). O significado
real da desigualdade digital – do desigual acesso, apropriação e domínio, entre
diferentes classes ou segmentos sociais - transcende aos números e estatísticas.
Essa desigualdade pode significar um entrave ao desenvolvimento do país, pois a
economia mundial está passando por mudanças relacionadas com a apropriação
social das TIC (CASTELLS, 2000). Os efeitos negativos do não desenvolvimento
prejudicam com maior força justamente os mais pobres.
1.6 VISÃO CRÍTICA DA PERSPECTIVA DO “TRIPLO PROVIMENTO”
Já mencionamos os prejuízos que a falta de acesso/apropriação aos/dos meios
das TIC acarreta no plano indivídual/familiar, no plano sub-nacional das empresas
e organizações e no plano nacional. Associamos às diferentes escalas diferentes
vantagens pela oportunidade e capacidade de uma apropriação avançada das
tecnologias, e desvantagens correspondentes pela privação ou “pobreza” desta
apropriação. É claro que somente se houvessem iguais vantagens para todos a
17
www2.fgv.br/ibre/cps/mapa_exclusao/apresentacao/Texto_Principal_Parte2.pdf (acesso: jan/06).
38
desigualdade desapareceria, situação impensável: o que se pode concretamente
desejar é um menor desnivelamento quanto às oportunidades e condições para a
referida apropriação. Sobre o acesso, vejamos:
(i) acesso aos computadores. A expectativa de redução da desigualdade digital
centrada no acesso ao computador pode ocultar interesses mercadológicos:
A exclusão digital, pelas características do contexto que envolve, tende a
crescer (...), oculta por uma barreira que deve convencer os olhos menos
críticos de que a inclusão está mesmo ali. Esta barreira nada mais é do
que a intensa carga de apelo consumista, em arranjos de notável
inteligência mercadológica, que exige como suporte a infra-estrutura de
informática (FERRARI, 2003).
Muitos estudiosos centram seus discursos contra a desigualdade digital no plano
do acesso aos computadores. Entretanto, segundo Pierre Lévy (1999, p. 238),
“não basta estar na frente de uma tela, munido de todas as interfaces amigáveis
que se possa pensar, para superar uma situação de inferioridade. É preciso,
antes de tudo, estar em condições de participar ativamente dos processos de
inteligência coletiva que representam o principal interesse do ciberespaço”.
Uma visão histórica do fenômeno do digitador profissional pode servir de antídoto
ao excesso de confiança no “acesso”. O digitador profissional é um símbolo do
momento inicial do processo de difusão das técnicas digitais e da inserção dos
computadores no cotidiano da sociedade contemporânea. Na década de 70, no
Brasil, o digitador constituía uma categoria numerosa, de uma profissão que
parecia atraente e com ares de modernidade, exigindo ambientes climatizados,
limpos e bem organizados para o melhor funcionamento das máquinas. Hoje, é
símbolo de um tipo especial do que se reconhece como excluído digital, segundo
expõe Ferrari (2003):
Em vários estudos foram relatados diversos distúrbios funcionais, gerados
pela forma de contato do digitador com o computador, e a submissão aos
comandos incessantes deste. [Detectou-se] a lesão por esforço repetitivo
(a LER) em grande número de digitadores [e] muitos desses profissionais
não conseguiam se concentrar em leituras, por causa da prática diária de
ler mensagens simplesmente para transmitir às pontas dos dedos os
caracteres a serem inseridos na máquina
(FERRARI, 2003).
A rapidez exigida para o processo cerceava o raciocínio, transformando a leitura
das mensagens em mera transferência de dados, sem assimilação de conteúdo.
O automatismo afligia a vida dos digitadores, especialmente se freqüentavam a
39
escola depois do trabalho. Esta relação entre o trabalhador e a máquina acabou
gerando momentos de agressividade extrema, conforme relatos oficiais
18
. A
liberação da inteligência humana naquela relação poderia ter sido uma saída para
o fim daquele autêntico conflito funcional. À falta disto, o digitador -
- mesmo ali, diante dos primeiros computadores, era um excluído digital.
Não bastou sua simples proximidade com a máquina para que a inclusão
ocorresse. É verdade que ainda não se falava em Internet. Mas a questão
é que poucas potencialidades do computador estavam acessíveis à
inteligência daquele profissional (Idem).
Desde os primeiros tempos da informática vêm sendo aperfeiçoadas as interfaces
amigáveis e outras mudanças nas formas de utilização do computador
19
. Tais
mudanças praticamente extinguiram a profissão de digitador, mas não os
processos de desigualdade digital. Estas considerações sugerem que a
proximidade do computador não é um seguro, ou antídoto, contra o crescimento
da desigualdade digital, que ameaça tanto aquele que não tem acesso à máquina,
quanto quem convive com ela, sendo duvidoso supor-se que o simples acesso às
máquinas poderá, por si só, frear o processo de cisão digital
20
.
(ii) acesso à internet. Depois do acesso aos computadores desconectados, o
elemento a destacar é o acesso à internet (isto é, a computadores conectados).
A falta de acesso à internet alija dos circuitos econômicos e culturais dominantes
os “sem-internet”, retirando-lhes a possibilidade de incluir na rede o padrão
cultural da sua realidade local. Esta forma de exclusão favorece o colonialismo
cultural, já que (só) os “conectados” (à web) poderão anexar à rede conteúdos
culturais próprios. À medida que a rede influi na cultura, vai influir a partir dos
conteúdos dos que têm acesso, ocultando os conteúdos dos que não o têm.
18
Sobre o trabalho em informática vide, também, SOARES (1988).
19
The graphical user interface (GUI) was designed by Xerox Corporation's Palo Alto Research
Center in the 1970s. (After the 1980s and) the emergence of the Apple Macintosh, (the) GUI
became popular. One reason for their slow acceptance was the fact that they require considerable
CPU power and a high-quality monitor, which were then prohibitively expensive.
http://www.webopedia.com/TERM/G/Graphical_User_Interface_GUI.html (acesso em 30/05/2006).
20
O caso dos operadores de mainframes foi semelhante. Nos grupos acompanhados (1968-1995,
na PETROBRAS e na COELBA, em Salvador), nem um só deles progrediu em termos de
autonomia do sujeito ou inserção social, em função do acesso aos computadores, de cujo contato
(que ainda não incluía o acesso à internet) não se beneficiaram em termos de tornarem-se
“cidadãos autônomos e participativos. Nada diferente, também, do que aconteceu com os
programadores de mainframes. Foram, apenas, a seu tempo, trabalhadores melhor remunerados.
40
Como o espaço de representação de idéias se ampliou com o acréscimo do
espaço digital, aqueles que ficarem de fora terão sofrido uma redução relativa do
seu espaço de representação. O combate a essa situação visa, também, facilitar
o acesso a novos instrumentos de trabalho e a novas oportunidades de
desenvolvimento social e cultural.
Por outro lado, não deverá faltar na rede uma certa presença de internautas, sites
e conteúdos ligados à marginalidade e ao crime, com suas diferentes
características e manifestações - crimes econômicos, invasão de privacidade,
programas destrutivos de dados privados (os chamados vírus) e outros.
Assim, se dispomos de exemplos que mostram, tendencialmente, certos
“benefícios” que as tecnologias podem propiciar, há de ser mencionado, por outro
lado, que a lógica inclusiva supostamente existente na internet é questionável,
uma vez que a desigualdade social, nos anos que se seguiram à sua
disseminação, não diminuiu no Brasil, ou no mundo. Trata-se de um resultado
“natural” da permanência da estratégia tradicional e hegemônica de crescimento
econômico baseado no princípio capitalista de ampliação dos lucros através do
sacrifício da mão de obra, seja pela compressão salarial, seja pelo desemprego,
que os avanços tecnológicos facilitam em princípio. A desigualdade está
geneticamente embutida no sistema, que não funciona sem ela.
É comum destacar-se a importância do acesso à internet, sem menção ao acesso
ao computador “desconectado” (stand alone). Contudo, este é um primeiro passo
necessário na caminhada da inclusão digital. É o momento de se conhecer os
elementos estruturais do computador (hardware), para que servem, e como usar.
É, também, o momento de aprender os rudimentos sobre softwares (sistemas
operacionais e aplicativos) e, ainda, elementos para o uso lúdico da máquina, que
muitos instrutores exploram como recurso didático. Portanto, se o acesso à
máquina stand alone não é tudo, sem ele a “inclusão” é nada.
(iii) acesso aos conhecimentos técnicos. Os conhecimentos básicos constituem
elemento indispensável para a realização dos acessos. A falta de conhecimento é
uma das expressões mais dramáticas da desigualdade digital e soma-se à falta
de conhecimento geral, decorrente de um sistema educacional insatisfatório. O
computador não é ferramenta que se preste ao aprendizado auto-didata, apesar
41
das raras exceções. Este conhecimento, no degrau inicial, refere-se aos objetivos
de um primeiro acesso ao computador desconectado. Nos passos subseqüentes,
passam a ser considerados os conhecimentos que aprofundam a capacidade do
usuário de explorar com proficiência e objetividade os recursos ao seu dispor.
1.7 REVENDO O CONCEITO DE EXCLUSÃO DIGITAL.
No Brasil, a desigualdade digital é geralmente chamada de “exclusão digital”,
expressão que resistimos em adotar, porque “exclusão” é um conceito já
carregado de uma larga discussão relacionada com a distribuição desigual das
“chances” sociais em geral nas sociedades capitalistas. Nos parágrafos
precedentes utilizamos esta expressão em atenção aos autores citados, que a
consagram, consagração esta que não endossamos, em que pese a ênfase dos
discursos e iniciativas com que vem sendo tratada nos corredores da Academia,
nos intransparentes escaninhos do Mercado e nas imperscrutáveis decisões do
Estado. Entendemos que a expressão “exclusão digital” deixa muito a desejar
como conceito explicativo da desigualdade digital que, segundo vimos discutindo,
vai muito além de uma privação massiva do acesso aos recursos das TIC. Do
lugar analítico desde o qual observamos o fenômeno da desigualdade digital - ora
iluminado, ora oculto pelo claro-escuro das obviedades e das dissimulações -
concluímos que sua designação pelo nome “exclusão digital” encerra,
enoveladas, uma mentira e uma verdade.
A contradição apontada parece decorrer das similitudes e dessemelhanças que
surgem da comparação da questão em estudo com questão da exclusão social,
cuja designação se pretendeu copiar. Ora, neste último caso a consciência da
própria situação de excluído e a introjeção do estigma social que a acompanha –
ainda que difusas – são importantes elementos psicossociais presentes. Ora,
Os desempregados cuja idade dificulta a reinserção profissional são
tomados por um sentimento de angústia, que se liga à perspectiva de reais
dificuldades financeiras e, ao mesmo tempo, ao peso da humilhação.
[Demais,] certas pessoas sentem que o fracasso que lhes oprime é visto
por todos. Nesse caso, supõem que todos os seus comportamentos são
interpretados pelos que as rodeiam como sinal de inferioridade de seu
status, até mesmo de uma incapacidade social
(PAUGAM, 2003, p.95).
42
Paugam não trabalha com a expressão “exclusão social”, mas “desqualificação
social”. Porém, para os fins da presente análise, os conceitos apresentam
suficiente equivalência. A observação acima, aliás, encontra paralelo em um
tempo muito anterior, pois, como já notara Alexis de Tocqueville,
A partir do momento em que o nome de um indigente é inscrito na lista de
pobres de sua paróquia, ele pode certamente requerer auxílio: mas, o que
representa a obtenção desse direito, senão a autêntica manifestação da
miséria, da debilidade e da má conduta daquele que recebe?
(TOCQUEVILLE, 1835).
Este dupla angústia não sói ser encontrada entre aqueles apontados como
“excluídos digitais”, como mostram os depoimentos a seguir, de R. e J.
21
, dois
trabalhadores assalariados, com emprego formal e salário mínimo. R. tem 27anos
e segundo grau completo e vive em companhia de uma amiga (empregada) e do
filho adulto desta (desempregado), além de ajudar pais e irmãos. Três anos atrás,
freqüentou algumas aulas de informática na Confederação de Mulheres de
Amaralina. Aprendeu um pouco de Windows e de Excel:
É mais para enrolar, conhecer o computador, ligar e desligar, abrir e fechar
pastas, coisas assim. Pensei em fazer um curso de informática na SOS-
Computadores mas não sobra dinheiro para o pagamento. Minha
preferência é por um curso profissionalizante na área de saúde (auxiliar de
enfermagem), e só depois o de computador. Gostaria de fazer o curso de
informática, mas o melhor mesmo é ter um computador em casa, porque
sem isto a prática se perde. Se tivesse, usaria para fazer o currículo,
acessar a internet e ‘tantas coisas’. E até porque, daqui a uns dias, até
para ver o Jornal Nacional na TV vai ser preciso saber informática. Mas,
hoje por hoje, não sinto falta do acesso ao computador (R.).
J., 22 anos, tem segundo grau incompleto. Diante dos prospectos de um cursinho
local, que esconde sua condição de curso de informática e apresenta-se como
“um centro profissionalizante, que mantém um cadastro de egressos para chamá-
los quando surgir alguma vaga (no mercado)”, J. mostra-se descrente e declara:
Vou fazer um curso para motorista, para mudar de emprego. Mas, vejo que
hoje em dia se exige muito o curso de computação, para trabalho nas
lojas, por exemplo. O meu amigo Edson Júnior, que era empacotador da
(Loja) Perini, foi promovido a ‘caixa’ porque tinha domínio da informática.
Não tenho curso de informática, nem sinto falta (do computador) no
momento, mas pretendo fazer o curso, para melhorar de vida.
21
Rosângela Xavier de Santana, empregada doméstica, solteira, e João Oliveira dos Santos,
caseiro, solteiro, pai de uma filha de 2 anos. As falas, tomadas em janeiro/2006, sofreram revisão
gramátical, respeitado o sentido, no processo de transcrição.
43
Ambos depoentes não tinham conhecimento da existência de programas gratuitos
de “inclusão digital” (nos Telecentros) e ficaram surpresos com a informação. A
leitura dos depoimentos de R. e J. mostra que eles têm consciência das
vantagens do domínio da informática, e o desejo de alcançá-las.
Conseqüentemente, têm consciência da perda, mesmo sem demonstrarem
angústia ou urgência. Assim, se para caracterizar a exclusão for exigida – ou
exigível - a dimensão psicológica apontada, os depoentes não poderão ser
considerados “excluídos digitais”. Contudo, os adeptos da expressão “exclusão
digital” dão pouco relevo a esta dimensão, do duplo sofrimento de sentir-se
fracassado e de sentir-se desqualificado pelo outro.
A existência de grupos expressivos de pessoas privadas estruturalmente do
acesso aos computadores e à internet, e dos conhecimentos básicos para utilizá-
los, num mundo em que os benefícios destes acessos e conhecimentos se
tornam, cada vez mais, elementos de diferenciação social – seja na disputa pelo
emprego; na capacitação pessoal para assumir papéis relevantes nos ciclos de
inovação e produtividade, com retorno para si mesmo e para “seu povo”; ou em
outros aspectos igualmente relevantes – configura um fenômeno que, certamente,
requer nomeação e conceituação para seu entendimento e enfrentamento.
Como já mencionado, o fenômeno é tratado por diferentes nomes, como digital
divide, brecha digital e fossé numérique. A expressão “exclusão digital” carrega o
apelo e o sentido de urgência da palavra-grito “exclusão”, mas peca por passar a
impressão do sim-ou-não, do tudo-ou-nada, e de uma homogeneidade que falseia
a diversidade real das privações sob exame, e do seu combate. A idéia de
desigualdade digital - mais próxima da idéia de “brecha”, “hiato”, “fosso” ou “gap
– parece-nos mais operacional para um pensamento que percebe e valoriza as
graduações sincrônicas e diacrônicas entre os indivíduos e grupos considerados
num mesmo instante, e entre os estados sucessivos apresentados por um
particular indivíduo, ou grupo considerado na história da sua luta para superação
das barreiras digitais. Nem os “excluídos” podem ser vistos como uma massa
homogênea de have-nots, nem será possivel a correção desta situação senão
mediante processos e degraus diferenciados.
44
Ao avaliarmos a marcha para ampliação do acesso e do domínio dos recursos
das TIC (considerados imbricados e aprofundados em conjunto), não basta contar
quantos deram o primeiro passo e cruzaram a barreira inicial de uma separação
definitiva mas, sim, quantos se encontram já em cada uma das etapas
sucessivamente avançadas de uma caminhada que é muito mais que um salto.
Os degraus, ou etapas, devem iniciar pela aprendizagem dos conhecimentos
básicos, como uma “alfabetização digital”, com máquinas stand alone, e avançar
para o domínio progressivo dos aplicativos e das aplicações, por um lado, e das
conexões com a internet. Só após esta base se poderá pensar na habilitação para
o uso autônomo e criativo da informática, um patamar bastante mais elevado.
Por prever um tratamento gradual e progressivo da desigualdade digital, adaptado
às diferenças de faixas etárias, às ocupações, e a outros aspectos, é que nos
pomos em guarda a respeito da expressão “exclusão digital” e preferimos outra,
mais consentânea com este gradualismo. Contudo, é difícil furtarmos-nos ao uso
daquela expressão criticada, tal o grau de disseminação que já alcançou.
Evidentemente, a posição relatada tem a ver com os dias atuais, com o presente.
Retomando a noção de relevância projetada, seria temeroso garantir que a
relativa passividade com que as classes mais pobres encaram sua apartação em
relação às tecnologias digitais vai perdurar. Nem se pode garantir que a relativa
tolerância com que os “info-ricos” encaram os “info-pobres”, neste particular, será
permanente. Num futuro, talvez sequer distante, os mesmos atributos de auto-
comiseração e de discriminação inter-classes que amargam as relações dos
“excluídos sociais” consigo mesmo e com os “incluídos” podem passar a habitar o
cotidiano dos “information haves-not” e de suas relações com os “haves”. A
desigualdade digital pode, então, vir a conformar um caso de exclusão digital.
1.8 CAUSAS DA DESIGUALDADE DIGITAL NO BRASIL
As causas da desigualdade digital no Brasil não parecem ser outras senão
aquelas mesmas que fazem do país um dos lideres do ranking mundial em termos
de desigualdade social, concentração de renda, e persistência do latifúndio. No
Brasil, oito bancos controlam 72% dos ativos financeiros e 76% dos depósitos no
45
país; 1% dos proprietários de terra controlam 43% das áreas agricultáveis. O país
tem um histórico de nepotismo
22
e de patrimonialismo, que são práticas de
apropriação do público pelo privado. Além disso, falta democratização no campo
da informação: seis grupos nacionais recebem 90% do faturamento dos meios de
comunicação de massa, e estes meios estão em poder de monopólios em todas
as grandes cidades. Para fechar o cerco às possibilidades cidadãs-democráticas,
o país ostenta um índice de 15% de analfabetos entre os maiores de 15 anos, e
estima-se que o analfabetismo funcional alcance 75% da PIA (BENJAMIN, 2006).
A discussão de causas é imprópria, pois a lógica causa-efeito é uma lógica
positivista. É mais apropriado falar em fatores, talvez em fatores-causais, que
distribuímos em dois blocos: um, dos “Fatores Sócio-Genéticos”, trata de algumas
características das sociedades e, portanto, guarda um laivo de Teoria Social, cujo
tratamento exigiria um texto separado. O grupo dos “Fatores Específicos”, trata de
elementos de interface entre o usuário e os meios técnicos das TIC:
Quadro 7 – Fatores-causais da desigualdade digital.
FATORES SÓCIO-GENÉTICOS” FATORES “ESPECÍFICOS”
- a dialética atrativo-conflitual da sociedade moderna
- a questão da extensão demográfica
- a complexidade da DSdT: a especialização que
exclui
- a sociedade hierárquica: a pirâmide que exclui
- o paradigma tecno-científico-informacional
- a sociedade “capitalista- periférica”
- a globalização (no mundo/no Brasil)
- Custos da máquina, do
software e da conexão
- Dificuldade de operar o
hardware e o software
- Dificuldades de receber
treinamento
- Limitações pessoais
Fonte: elaboração própria.
Não temos condições, aqui, de discutir as características da sociedade capitalista,
periférica e democrático-formal, do Brasil do início do Século XXI. Daremos,
apenas, uma rápida definição dos fatores “sócio-genéticos” indicados:
a questão da extensão demográfica – a extensão da população dificulta as
políticas de universalização dos direitos e oportunidades;
22
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu em definitivo a nomeação de parentes dos juízes
para cargos no Poder Judiciário, sem concurso, e a demissão dos parentes atuais (Resolução n.7,
de 18/10/2005). Vide: “Resolução sobre nepotismo prevê exoneração de parentes no Judiciário
em 90 dias” (Agencia Brasil, 20/1/06). Muitos juízes e desembargadores resistiram, concedendo-
se entre si liminares que garantiam a permanência dos parentes (noticiário da imprensa-10/02/06),
mas finalmente acataram a decisão do CNJ, à medida em que se expirou o prazo (14/02/2006).
Terá chegado o momento de se exigir igual procedimento nos demais poderes em todos os níveis.
46
a dialética atrativo-conflitual da sociedade moderna –a sociedade, de
alguma forma, desenvolve forças que mantêm sua coesão interna, ao lado
de permanentes conflitos;
23
a complexidade da DSdT – Divisão Social do Trabalho - a especialização
que exclui é, a um tempo, problemática e indispensável, fonte de
oportunidades e fonte de desigualdades, gera privilégios e gera opressão;
a sociedade hierárquica: a pirâmide que exclui – o controle hierárquico da
sociedade é, igualmente, indispensável, e fonte de oportunidades e de
desigualdades, privilégios e opressão;
o paradigma tecno-científico-informacional – refere-se ao protagonismo das
TIC;
a sociedade “capitalista- periférica” – o caráter “capitalista” implica um rol
de conseqüências associadas a este modo de produção. O capitalismo
“periférico” agrega dificuldades adicionais, devidas à subordinação do país
a ingerências externas, sobretudo comerciais e financeiras;
a globalização (no mundo/no Brasil) – há extensa literatura sobre a assim
chamada globalização e suas conseqüências para países capitalistas-
periféricos, como o Brasil.
Quanto aos “Fatores Específicos”:
a) custos do acesso: o acesso ao computador, à internet e aos conhecimentos
(técnicos e outros) é caro e impeditivo para a população mais pobre. Está fora
de questão a propriedade individual dos recursos materiais e contratação de
cursos, hipótese que implicaria um investimento da ordem de 6 salários
mínimos e custeio mensal de 0,3 SM, no marco legal (detalhes no Capítulo 2).
23
Para CASTEL (2001, p.30), a chamada “questão social” é “uma aporia fundamental, sob a qual
uma sociedade experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. Ela é
um desafio que interroga, põe em questão a capacidade de uma sociedade de existir como um
conjunto ligado por relações de interdependência.” No caso da América Latina, a questão social foi
imposta pelos colonizadores, por meio do pacto colonial, e segue dirigida pelo pacto da dominação
de suas elites. A questão social fundante, que permanece vigindo, sob formas variáveis, desde os
tempos da Descoberta até os nossos dias, centra-se “nas extremas desigualdades e injustiças que
reinam na estrutura social dos países latino-americanos, resultantes dos modos de produção e
reprodução social, dos modos de desenvolvimento aqui impostos”.
47
Outra alternativa seria a freqüência a centrais de serviços, privadas
(“cibercafés”) ou públicas (infocentros e telecentros). O acesso via “cibercafés”
apresenta uma possibilidade muito restrita, mas teria um mínimo de viabilidade
se for imaginado algum financiamento público. O pagamento pelo uso
implicaria despesa de difícil absorção por trabalhadores de baixos salários.
Além disto, os cibercafés não disponibilizam monitores para ajuda aos
usuários e os cursos de treinamento implicam mais custos. Quanto aos
infocentros e telecentros públicos, o acesso e o treinamento são gratuitos,
faltando viabilizar-se o custos de transporte até o telecentro, e a flexibilidade
de horários pois, não se imagina que os trabalhadores tenham disponibilidade
irrestrita para a freqüência a estes lugares.
A oferta de acesso em bibliotecas públicas, sindicatos, estações e outros
lugares, têm o mesmo caráter dos telecentros (acesso público e gratuito), em
alguns caso com assistência de monitores, em outros, não. A lógica acaba
sendo a mesma dos telecentros, por isso não dedicaremos atenção especial,
nem tratamento em separado, a estes pontos, meios ou formas de acesso.
b) Dificuldades para o domínio do conhecimento técnico, para desenvolver as
habilidades necessárias para operar o hardware e o software: é ilógico admitir
que pessoas que sequer tiveram condições de ultrapassar as barreiras do
ensino fundamental, possam dominar conhecimentos técnicos especializados.
c) Dificuldades para receber treinamento: pode estar ligada a questões
econômicas, custos de transporte, disponibilidades de tempo.
d) Limitações pessoais: cumpre lembrar a existência de pessoas com
dificuldades especiais para lidar com equipamentos e com os próprios
conhecimentos técnicos. As Pessoas com Necessidades Especiais (PNE) e/ou
com dificuldade de aprendizagem, requerem estudo em separado.
1.9 O COMBATE À DESIGUALDADE DIGITAL
A discussão do combate à desigualdade digital será matéria dos Capítulos 3 e 4
(“Inclusão Digital” e “Experiências de Inclusão Digital”), precedidos por uma
tentativa de descrição detalhada das TIC - sua materialidade, e os efeitos da sua
48
difusão (Capítulo 2, “As TIC e a Sociedade da Informação”). Por ora, trataremos
apenas de aspectos introdutórios.
A resistência às mudanças tecnológicas não constitui fato novo. É ilustrativo, no
caso, o estudo de Bento Duarte da Silva (1999) sobre “tecnofobia x tecnolatria”.
Segundo Lévy (1999, p. 237), todo grande avanço técnico produz “excluídos” em
relação à apropriação da técnica em questão: as tecnologias da comunicação,
como a escrita, a impressão, o telefone e a televisão, produziram exclusão.
Mas, se persistem os analfabetos, os sem-telefone, os sem-televisão, nada disto
levou, nem levará à supressão da escrita e das telecomunicações. A solução que
se aponta é o aumento dos investimentos em telecomunicações, e em educação,
visando a universalização dos benefícios. Também, não trataremos propriamente
de uma “resistência” às tecnologias sob estudo, mas ao abrandamento das
desigualdades sociais decorrentes de sua desigual apropriação.
O caso da desigualdade digital apresenta a particularidade de maior urgência nas
providências para sua redução, quando comparada com outras políticas
universalistas do passado. As taxas de crescimento do acesso aos computadores
e à internet mostram uma velocidade de apropriação social superior à de todos os
sistemas anteriores de comunicação. Esta velocidade de capilarização das TIC
talvez se deva, simplesmente, à já banalizada “aceleração do tempo” provocada
pelo avanço do capitalismo, fenômeno de resto notado em outros planos da vida
social (SANTOS, 2000, pp. 21ss).
Também, pode estar em jogo nesta urgência o receio de que se tornem reais os
riscos de uma “exclusão digital”, quer os mais imediatos – como, por exemplo, a
redução das chances de um desempregado reconquistar um posto de trabalho
sem dispor de um endereço eletrônico (e-mail) para contatos, e sem dispor de
acesso aos sites das empresas –, quer aqueles projetados (no futuro), como um
(suposto) retardamento da integração dos brasileiros ao “pensamento
hipertextual” ou, ainda, a frustração de uma desejada ciberdemocracia (hipóteses
discutidas no tópico intitulado “Avaliando a Relevância da Desigualdade Digital”).
Ao tratar do combate à desigualdade digital, temos que ser cuidadosos quanto
aos personagens e aos projetos envolvidos. Devemos, entre outros cuidados,
diferenciar as ações dirigidas ao “cidadão”, daquelas que visam o “consumidor”
49
para, assim, fugirmos dos projetos voltados única ou centralmente ao mercado, e
das armadilhas de base mercadológica, para tornar possível o alcance dos
espaços da capacitação e da autonomização do sujeito, sob pena de apenas
assistirmos o contínuo crescimento dessa desigualdade, ao lado de equipamentos
e telinhas encantadoras.
Uma política pública de combate à desigualdade digital passa, certamente, pela
definição do alvo dessas ações. Para Ferrari (2003) é muito importante fixar
critérios que circunscrevam a desigualdade digital e caracterizem adequadamente
quem necessita realmente de apoio para romper a situação de privação, a fim de
que as políticas públicas anti-desigualdade sejam corretamente direcionadas:
A falta de clareza sobre o que é exclusão digital e quem é o excluído pode
causar distorções semelhantes ao que ocorreu no caso do analfabetismo.
O analfabeto, no princípio, foi classificado genericamente como aquele que
não aprendeu a ‘decifrar’ os códigos da escrita. [Assim,] as políticas
públicas direcionaram grandes investimentos para que mais e mais
pessoas simplesmente aprendessem a “formar palavras” ou ler
isoladamente cada vocábulo. Mais tarde, [concluiu-se que] este esforço
pouco adiantou, pois gerou os ‘analfabetos funcionais’, que sabem ler, mas
são incapazes de interpretar as diversas mensagens. Portanto, o processo
de comunicação pela escrita não estava se efetivando nesses casos.
Conforme argumentação anterior sobre as dimensões do fenômeno da
desigualdade digital, na população total coexistem públicos “alvo” e “não alvo”
(cujas “fronteiras” e dimensões devem ser delimitadas, e calculadas com
cuidado), compostos de indivíduos que podem acabar sendo tratados,
binariamente, como “excluídos” e “incluídos”. Nem todos os “excluídos” hão de
tornar-se alvo da política anti-exclusão; e nem todos os “incluídos”,
desconsiderados. A condição relativa dos diferentes grupos de pessoas sugere
que o fechamento do fosso digital seja conduzido por “metas de inclusão”,
envolvendo percentuais crescentes de brasileiros, passando dos níveis atuais
para até 60%, 70%, 90%, etc., numa temporalidade variável e viável diante dos
recursos disponíveis, e sujeita a revisões sucessivas. Nunca será possível – nem
necessário, nem defensável - cobrir toda a população.
O Quadro 8 sugere algumas possibilidades de estratificação das populações-alvo,
segundo uma suposta “Politica Nacional de Inclusão Digital”-PNID (a sigla é
nossa), de cunho universalista. Na população-alvo não contabilizaríamos os
50
menores de 6 anos, que não devem ser considerados como excluídos, nem os
maiores de determinada idade, mesmo que se trate de “excluídos”. Estamos
mencionando 65 anos como um limite razoável, mas trata-se de um dado a ser
flexibilizado, depois de constituído por algum processo confiável.
Quadro 8 - Estratificação da população para uma política de combate à desigualdade digital.
Faixas
etárias
%
pop.
Estratificação da população e das metas
>65 6,5 Idosos – atendimento não universalista (5)
18-65
PIA
59,6
Sem meios para auto-
inclusão
- alfabetização digital (2a)
- inclusão continuada (2b)
Univer-
sitários
(3)
Com meios para auto-inclusão
- metas de e-desenvolvimento (4)
07-17
PIE
21,4
Rede Pública (ensino fundamental)
(1a)
Rede Pública (ensino médio) (1b)
Rede Privada (ensino fundamental) (1c)
Rede Privada (ensino médio) (1d)
0-6a 12,5 Pré-escolares - - não computar como “alvo p/inclusão”
Fonte: elaboração própria.
Este primeiro corte, de base etária, decorre de ser previsível, a médio e longo
prazo, maior retorno social dos recursos focalizados nos públicos das faixas
etárias PIE e PIA, como trabalhadores ativos reais ou potenciais, cuja “formação
digital” importa tanto aos projetos pessoais de vida (que os idosos mantêm, com
menores ambições e diversidades, em geral) e de trabalho (que os idosos já não
alimentam, salvo exceções), quanto para os projetos coletivos de (e-
)desenvolvimento (nacional).
O corte etário/ocupacional pressupõe uma linha de análise específica para o
público em idade escolar (PIE). Este público deve ser fracionado em “atendidos”
(os que freqüentam escolas dotadas de Laboratórios e de professores
habilitados), “desatendidos” e “evadidos”. No caso do público escolar “atendido”, o
tratamento específico tem por base a lógica da “informática na educação”.
A PNID deveria tornar universal a “informática na educação”, no ensino
fundamental e médio da rede escolar pública, através de Laboratórios Escolares
de Informática (Quadro 8, metas 1a e 1b) e o correspondente preparo dos
professores. Esta obrigatoriedade deveria ser estendida à rede escolar privada de
ensino fundamental e médio, mediante regulamentação e ainda que à custa de
subsídios ou investimentos nas áreas mais pobres (metas 1c e 1d). A
diferenciação dos estratos entre “1a" e “1b” fica por conta dos diferentes projetos
51
pedagógicos que devem embasar a ação nos dois segmentos do ensino, o que é
evidente para qualquer educador, mas cujo detalhamento evitaremos no
momento. As metas “1c" e “1d” referem-se aos projetos pedagógicos
correspondentes, quando aplicados na rede particular. Assim, ao final de alguns
anos, toda a população egressa destas redes estaria (supostamente) “incluída”,
reduzindo muito (supostamente) a população dos “excluídos”.
24
Algum cuidado deveria ser previsto para os escolares cujas escolas não
estivessem, ainda, equipadas para as ações da PNID, e para os menores fora da
escola (frações referidas como “desatendidos” e “evadidos”).
Os universitários – dentro do PIA - constituem segmento pequeno e privilegiado
pelo acesso aos cursos superiores, que já mantêm – ou deveriam ser instados a
manter - laboratórios de informática. Assim, a PNID, para este estrato, estaria
focada nas ações de regulamentação e inspeção das IES quanto aos objetivos
nacionais, não de inclusão, mas de e-desenvolvimento, tecnológico ou social.
O segundo corte tem por base a renda. Considera-se a “exclusão digital” um “mal”
exclusivo dos pobres, não dos ricos ou dos estratos superiores das classes
médias, os quais dispõem de recursos próprios para adquirir computadores e
contratar instrutores e cursos. Estes estratos têm possibilidades autônomas de
acesso às TIC e, se não as exercitarem, será por motivos próprios outros.
Renúncia (ou livre escolha) não configura exclusão. Estes, portanto, não serão
considerados “excluídos”, ainda que se possam encontrar motivos para incentivá-
los e auxiliá-los. Deste modo, os estratos favorecidos com meios para auto-
inclusão não deveriam ser diretamente beneficiados com recursos da PNID, mas
esta poderia manter com relação àqueles algumas metas associadas à política
nacional de desenvolvimento tecnológico (no sentido do e-desenvolvimento).
Por fim, os estratos da PIA considerados “excluídos” devem ser agrupados por
critérios de necessidade de recursos, conforme suas ocupações (mediante
critérios de junção/separação que gerassem umas poucas faixas, não muitas).
Estas massas populacionais deveriam ser submetidas a tratamentos anti-
24
Na verdade, seria preciso mesmo diferenciar os dois segmentos do ensino fundamental, o da 1ª
à 4ª séries e o da 5ª à 8ª, que lidam com faixas etárias e objetivos pedagógicos bastante
diferenciados.
52
desigualdade diferenciados, como alvos das metas “2a", comprometida com as
ações de inclusão básica (ou “alfabetização digital”, que corresponde ao “triplo
provimento” do acesso, ou pouco mais); e “2b”, voltada para alguma forma de
inclusão continuada. Teoricamente, a meta “2a" deveria esvaziar-se ao longo do
tempo, com a chegada na PIA da população PIE previamente incluida.
A inclusão continuada estaria associada a metas de e-desenvolvimento e deveria
visar os egressos de treinamentos menos especializados, de qualquer origem.
Julgamos perceber aí dois níveis de aprofundamento, que são o nível da
apropriação, em que o usuário aprende a efetivamente tirar proveito das
tecnologias; e o nível do domínio, em que o usuário se capacita a uma exploração
profunda dos recursos, atingindo as condições da invenção/criação/inovação.
Admitimos outra bifurcação para o e-desenvolvimento, entre objetivos voltados
para o mercado de trabalho e/ou desenvolvimento tecnológico, e outros voltados
para objetivos sociais, isto é, as já referenciadas possibilidades de autonomização
do sujeito e de seu engajamento em ações solidárias de cidadania e democracia.
Para esta população fora-da-escola e “excluída”, a solução geralmente apontada
é a construção e operação de Telecentros Públicos (SILVEIRA, 2003).
A disponibilidade de energia elétrica e de linhas de comunicação (telefone, fibra
ótica, etc.) são pré-condições da inclusão digital. Contudo, sua falta constitui outro
tipo de exclusão, a ser tratada em separado. Subordinar a falta de acesso às TIC
à pré-existência das infra-estruturas mencionadas não alivia o problema. Por
outro lado, reforça a necessidade do combate a outras necessidades mais
básicas, que certamente incluem a fome e o analfabetismo (SORJ, 2003 p.32).
Como já mencionado antes, a desigualdade entre diferentes classes e segmentos
sociais em relação ao acesso às TIC, pode ser observada e analisada a partir de
vários patamares, que correspondem a diferentes condições para a apropriação
de seus recursos. O acesso (ou a falta de acesso) às tecnologias está relacionado
à disponibilidade (ou indisponibilidade) de acesso a um computador, que poderá,
ou não, estar ligado à internet, e ao domínio do conhecimento técnico necessário
para manobrar tanto o computador como o acesso e navegação na internet.
Contudo, o que denominamos de “apropriação e domínio” vai mais além e requer
53
a capacidade para o uso autônomo dos recursos;
capacidade de interpretar informações e transformá-las em conhecimento;
a capacidade para inovar.
Se, ademais, almejamos o uso solidarista dos recursos, precisamos pensar na
capacidade e motivação para exploração das possibilidades libertárias do meio
técnico, visando a solidariedade, a cidadania e a democracia. Assim,
o aumento do número de computadores disponíveis para acesso pela
população em geral é fundamental para o sucesso dos esforços de
redução e/ou eliminação da exclusão digital. [Contudo,] parece claro que o
coroamento de tais esforços vai depender de iniciativas paralelas no setor
educacional, porque só a escola poderá promover, em grande escala, a
autêntica inclusão digital, e a direção do esforço em favor da inclusão
parece ter na escola o ponto de partida (
Ferrari, 2003).
nossas recomendações se alinham com esta referência. Em termos quantitativos,
um relatório da FGV com dados de 2001 apontou que do total de alunos
brasileiros matriculados no ensino fundamental regular 25,4% tinham acesso à
internet nas escolas, bem assim 45,6% dos alunos do ensino médio regular. São
Paulo lidera em número de alunos estudando em escolas informatizadas: 49,7%
do total de 6.092.455 alunos matriculados. No Paraná, 37,2% do total de 1 691
131 estudantes matriculados estavam em escolas que possuíam laboratórios de
informática. Para 2006, o Estado da Bahia oferece 1,9 milhões de vagas na rede
estadual de ensino e espera matricular 1,6 milhões.
Resumindo nosso exame inicial dos objetivos do combate à cisão digital, vimos
que o fechamento da brecha digital é justificada pelos exatos motivos que lhe
garantem relevância. Nas escalas citadas, propõe-se a habilitação dos indivíduos
ao uso competente das TIC, para o gozo pessoal e familiar das vantagens destas
tecnologias; a capacitação para o exercício de papéis de relevo nos circuitos da
inovação; para proporcionar o “aumento da competitividade” e de eficiência das
empresas e organizações de que faça parte; e, para o desenvolvimento nacional.
Os ciber-otimistas admitem a instauração de uma estratégia de desenvolvimento
“informacional-democrática”, na qual a inovação e a automação possibilitariam a
produção de bens capazes de garantir o crescimento econômico “para todos”. A
inclusão passaria a ser o motor da inovação e da criatividade. Quanto mais gente
participasse do processo, maior o seu dinamismo e maiores os resultados a
54
serem distribuídos. Esta “lógica da inclusão” não significaria a eliminação da
desigualdade mas, enquanto no capitalismo industrial-financeiro a tendência é o
aumento das diferenças entre os com- e os sem-computador, sob o “capitalismo
informacional” talvez se torne possível diminuir as diferenças, sem eliminá-las
25
.
Contudo, para os objetivos mais amplos de autonomização solidarista do sujeito e
de motivação para o exercício da participação-cidadã, o acesso às tecnologias da
informação, mediante o uso de computadores e da alfabetização digital não serão
suficientes. Tal projeto exigiria uma política pública e um envolvimento da
sociedade, capazes de promover o fortalecimento do cidadão e das comunidades
locais, propiciando as condições para uma apropriação cidadã dos conteúdos
disponíveis na rede e para a difusão dos saberes e fazeres comunitários. Um
projeto deste porte transcende, evidentemente, ao mero combate à desigualdade
digital, para constituir uma utopia “ciber-democrática” de transformação social,
que vai muito além dos objetivos que nos propusemos na presente pesquisa.
A transformação fundada no ciberespaço pode ser, apenas, um elemento – e não
necessariamente o mais importante – de um movimento mais amplo que, na
verdade, abalaria os alicerces do capitalismo, e que foge ao nosso recorte. E,
assim como, para Altvater, projetar o desenvolvimento sustentável sob o
capitalismo é projetar a quadratura do círculo, pensar uma transformação ciber-
democrática ampla sob o capitalismo é, também, mero exercício de metafísica.
Estas considerações recomendam a migração do estudo da “desigualdade digital”
para o estudo da “sócio-inclusão digital” (GUERREIRO, 2006), ou seja, passar da
análise das condições de acesso para a análise das condições da apropriação
social (ampla). Para as classes populares não será fácil alcançar este nível. Sem
dúvida, há esse potencial, mas a passagem da potência ao ato não depende em
absoluto das tecnologias em si, mas do contexto social no qual os processos
estão ocorrendo. Quanto às políticas públicas, elas não produzem em si esse
contexto social novo e necessário, que afinal é o fator mais importante. Veja-se, a
respeito, aplicação relativamente fracassada da informática nas escolas, sem
novo projeto educacional, sem revalorização do professor (como agente muito
especial desse contexto), e sem as alocações financeiras necessárias.
25
“O Brasil não cresce com exclusão digital”. http://www.softwarelivre.org/Código Aberto (1/11/05).
Capítulo 2 – TÉCNICA, TIC E SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
No presente capítulo, faremos uma ligeira revisão dos conceitos de informação e
comunicação, que integram o próprio nome das Tecnologias da Informação e da
Comunicação; e dos conceitos de conhecimento e de aprendizagem, elementos
estruturais e estruturantes das propostas de combate à desigualdade digital.
Procuramos dar uma visão do universo das TIC, a começar pelos computadores e
pelas redes de computadores. Entre os elementos principais destas Tecnologias
incluem-se o rádio, a televisão e o telefone; o mundo da comunicação impressa
(jornais, revistas e livros); as várias formas de correspondência institucional e
pessoal (com louvor à vetusta instituição dos correios)
26
; e, certamente, o cinema,
manifestação da arte cravada no universo da comunicação. Não abordaremos,
porém, todos estes elementos. Hoje, todos eles sofrem influências da internet,
usada para emular os correios, a mídia impressa, e os demais. Um aspecto
sensível desta discussão é a questão dos conteúdos da mídia (que conteúdos
estão sendo produzidos e distribuídos; quem produz, como, e porque).
A difusão acelerada das TIC, após o advento das tecnologias digitais, levou
muitos autores ao estudo das redes e do “ciberespaço” e ao anúncio da chegada
da “Sociedade da Informação”, fruto da “explosão tecnológica” e de seus efeitos
políticos, econômicos, urbanísticos, culturais e antropológicos (afetam o indivíduo,
a família e as comunidades em termos da auto-visão, do afeto, do lazer). Entre os
efeitos sociais, destaca-se o surgimento da desigualdade digital. O estudo da
relação histórica entre Técnica e Sociedade revela que a desigualdade nos
processos de apropriação social da Técnica não é novo, nem deve surpreender
sua presença no universo das TIC.
2.1 Informação e Comunicação.
Um estudo sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação deve, assim
parece, começar por esclarecer o vêm a ser informação e comunicação. Porém, a
26
Parece que se esgotou – ou está a esgotar-se - o tempo de alguns meios que, no passado,
foram relevantes, como o telégrafo e seus substitutos mais modernos, o teletipo e o telex.
56
tentativa de definir informação é frustrante: o conceito parece impossível de ser
formalmente estipulado, e leva-nos a uma dificuldade semelhante àquela que o
filósofo escolástico se propôs a respeito da definição de tempo.
27
Também,
parece impossível discutir isoladamente cada um destes dois conceitos.
Em termos rigorosamente lógicos, a definição de um termo A exige o uso de
outros (B, C, ...), definidos, por sua vez, através de novos elementos (D, E, ...),
vedada a reutilização de qualquer termo nestas operações sucessivas, sob pena
de cair-se numa tautologia. Nesta marcha, a operação jamais se completaria, por
exigir uma série infinita de passos. Na prática, tal impossibilidade é contornada ao
se usar, para definir A, alguns termos para as quais o destinatário do discurso não
requeira definição, por serem já (supostamente) conhecidos (para ele). Assim, no
limite, a viabilidade lógica da operação geral de definição implica a admissão de
conceitos que não requerem definição, vale dizer, conceitos aceitos sem definição
(pelo menos, para o destinatário do discurso, e naquele momento).
Exemplo clássico, as definições da geometria euclidiana são construídas a partir
de alguns conceitos primitivos (como ponto, reta e plano), aceitos sem definição e
usados, em seguida, para definir outros entes geométricos (os quais não podem
ser definidos, todos, ab initio, sem incidir em tautologias). A representação mental
dos conceitos primitivos se constrói através de analogias com entes ou noções da
experiência empírica (a idéia de plano será associada à da superfície lisa de uma
parede, e assim por diante). Sobre esta base, são propostos alguns axiomas,
“verdades evidentes por si mesmas, aceitas sem demonstração”. A partir destes
princípios, o construto completo da geometria se torna demonstrável
28
.
O discurso explicativo/descritivo do mundo necessita partir, também, de algumas
noções a priori, insusceptíveis de definição, cuja aceitação viabiliza a operação
lógica da definição. Estes conceitos primitivos admitem apenas caracterização,
isto é, a especificação e descrição de atributos, a delimitação e qualificação. Este
27
Quando se auto-interroga sobre o que seria ‘tempo’ (‘Quid est ergo tempus?’), Santo Agostinho
responde: “Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só
com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais
familiar e mais batido nas nossas conversas do que o ‘tempo’? Quando dele falamos,
compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos
falam. O que é, por conseguinte, o ‘tempo’? Se ninguém mo pergunta, eu sei; se o quiser explicar
a quem me fizer a pergunta, já não sei” (Santo Agostinho, 1987, p.218)
28
Dizer, no caso, que “o ponto é uma figura sem dimensão”, não constitui, a rigor, uma definição.
57
é o modo pelo qual Kant nos fala do tempo e do espaço, na “Crítica da Razão
Pura” (2005, p. 67ss.): como noções a priori, que não admitem definição.
A informação apresenta-se-nos, também, como algo cuja existência está fora de
questão, cujos atributos são discutidos à larga, cujos efeitos são reconhecidos, e
que é considerado elemento essencial para o funcionamento e a transformação
ordenada dos sistemas organizados, sejam estes físicos, orgânicos ou sociais
(WIENER, 1968). Contudo, a pergunta “o que é a informação” permanece carente
de uma definição “completa”
29
e isenta de tautologias.
30
2.1.1 Informação. Informação interna e externa.
Para Wiener (1968, p. 17)
31
,
Informação é o termo que designa o conteúdo daquilo que permutamos
com o mundo exterior ao ajustar-nos a ele, e que faz com que nosso
ajustamento nele seja percebido. O processo de receber e utilizar
informações é o processo de nosso ajuste às contingências do meio
ambiente (...). Dessarte, comunicação e controle fazem parte da essência
da vida interior do homem, mesmo que pertençam à sua vida em
sociedade.
O texto confirma a dificuldade anunciada, evita uma definição e opta por uma
descrição funcionalista, sem preocupação com o rigor. Ora, trocamos matéria com
o meio (por exemplo, água) ou energia (por exemplo, energia térmica, na forma
de calor) mas, nem toda troca energética ou material pode ser considerada uma
troca de informação. A assimilação da informação a um elemento de ajustamento
às contingências do meio suscita um longo debate. Para Valdemar Setzer,
Informação é uma abstração informal (isto é, não pode ser formalizada
através de uma teoria lógica ou matemática), que está na mente de
alguém, representando algo significativo para essa pessoa. Note-se que
isto não é uma definição, é uma caracterização, porque "algo",
"significativo" e "alguém" não estão bem definidos. A frase "Paris é uma
cidade fascinante" é um exemplo de informação – desde que seja lida ou
29
A dificuldade talvez resida em que a definição de informação é, em si, uma informação, o que
suscita a metáfora do círculo vicioso, ou uma tautologia cognoscitiva (Maturana, 1995, p. 18).
30
Informação. Dados acerca de algo; informe; conhecimento; notícia (FERREIRA, Aurélio B. de
H., org. Novo Dicionário Aurélio. São Paulo: Nova Fronteira, 1975). Não é dada uma definição
formal. É sabido que dicionários não especializados não são boas fontes em linguagem científica.
31
Wiener, Ashby e Bertalanffy implantaram a Teoria dos Sistemas e a Cibernética no centro das
discussões acadêmicas no imediato pós-guerra, com pretensões a uma visão de totalidade das
questões de controle em sistemas complexos auto-reguláveis, inclusive o sistema-sociedade.
58
ouvida por alguém para quem "Paris", “cidade” e “fascinante” tenham
significados determinados.
Setzer (2001):
Bertalanffy (1973, p. 67) não é mais claro
32
no particular:
A noção geral na teoria da comunicação é a de informação. Em muitos
casos, o fluxo de informação corresponde a um fluxo de energia. Por
exemplo, as ondas luminosas emitidas por alguns objetos, ao atingir o
olho, ou uma célula fotoelétrica, produzem certa reação do organismo ou
do maquinismo e transportam, assim, informação. Em [outros] exemplos, o
fluxo de informação é oposto ao fluxo de energia: num cabo telegráfico a
corrente contínua flui numa única direção mas, a informação (a
mensagem) pode ser enviada em ambas direções, interrompendo-se a
corrente em um ponto e registrando-se a interrupção em outro; ou, a
informação é transmitida sem fluxo de energia ou de matéria (num
dispositivo foto-elétrico de abertura de portas, a interrupção do fluxo
luminoso por uma sombra informa a fotocélula da presença do passante).
Assim, a informação em geral não pode ser expressa em termos de
energia.
O texto não esclarece a relação entre informação e energia. Nos exemplos, a
mudança de estado no fluxo de energia correspondeu a uma mudança de estado
no fluxo da informação e esta ora corresponde a um “fornecimento” de energia,
ora ao corte de um fornecimento regular.
O autor associa a informação à entropia, ao afirmar que a medida da quantidade
de informação contida em uma mensagem se faz em termos de decisões binárias.
Seja um jogo, em que A “advinha” o objeto oculto por B, mediante perguntas cujas
respostas são apenas “sim”, ou “não”. A qualquer tempo, o número de respostas
recebidas é igual ao número de perguntas feitas e a probabilidade de respostas
cresce segundo as potências de 2: uma pergunta admite duas respostas; duas,
admitem quatro; n perguntas, admitem N = 2
n
possibilidades de respostas, o que
pode ser expressa por n = log
2
N. Acontece que esta medida da informação é
semelhante à da entropia negativa, definida como um logaritmo da probabilidade.
Mas, a entropia é a medida da desordem; a entropia negativa - ou informação –
seria, então, a medida da ordem ou da organização, pois esta última, comparada
com a distribuição ao acaso, é um estado improvável (pp. 67-68).
Um conceito importante da teoria da informação (e do controle) é o de retroação
(feed-back) que, de certa forma, invade o conceito de comunicação. No esquema
32
Eis uma pérola: “informação é a novidade de uma notícia; notícia é uma ordenação de símbolos”
(MASER, S. Fundamentos da Teoria Geral da Comunicação. São Paulo: EDUSP, 1975, p.8).
59
apresentado a seguir, um receptor, ou sensor, recebe um sinal, ou informação,
que passa adiante, na forma de uma mensagem (imediata, ou processada,
transmutada). O aparelho de controle recombina as mensagens recebidas
(inclusive com outras anteriores, armazenadas) e as transmite a um efetuador.
Este responde, promovendo uma saída que pode ser de alta energia (caso típico
de “amplificador”). Por fim, uma mensagem é enviada do efetuador de volta ao
receptor e processada por este, que pode usar a informação retro-alimentada
como elemento de controle do comportamento seguinte do efetuador, tornando
assim o mecanismo (ou organismo) auto-regulado (pp. 68-9).
Figura 1 – Esquema de retroação na comunicação
Este sistema de auto-regulação não é geral, e só ocorre em estruturas análogas à
apresentada. Há outros modos de regulação, como no caso dos sistemas auto-
poiéticos
33
. O modelo é largamente utilizado na tecnologia moderna – nos pilotos
automáticos de navios e aviões; em mísseis teleguiados; no giroscópio; nos
servo-mecanismos em geral – e, também, associado a organismos vivos.
Quando estendemos a mão para pegar um objeto, há intensa geração e troca de
informações entre o corpo e o meio: os olhos vêem o objeto e, de imediato, o
cérebro calcula sua posição, dimensões, fixidez, e outros atributos; enquanto a
mão se move em direção ao alvo, novas informações e processamentos nos
levam, por retroação, a guiar a mão até o objeto e alcançá-lo. O movimento de
preensão, a força necessária para isto, o reconhecimento de sua imobilidade ou
não, textura, temperatura, etc., implicam mais informações, mais processamento.
33
Maturana et al. (1995) desenvolveu – no âmbito da biologia - o conceito de “sistemas auto-
poiético”, ou sistemas que se organizam a partir de sua distinção com o entorno, e que “procuram”
manter sua organização interna a partir de um processo constante de acoplamento estrutural a
este entorno, mediante inumeráveis possibilidades de enlaces com o real-existente, em suas
distintas manifestações, que só dependem da compatibilidade necessária entre os componentes
para que ocorram. Luhmann, ao conceituar autopoiese nas ciências sociais - diferente da teoria
biológica da autopoiese de Maturana – afirma que o meio ambiente atua como o fundamento do
sistema, e afasta o conceito de sistemas fechados, que existe(iria)m (quase) sem meio ambiente
e, portanto, pode(ria)m determinar-se (quase) integralmente a si mesmos.
Rece
p
tore Aparelho de
‘controle
Efetuado
r
Estímulo Mensa
g
em Mensa
g
em Res
p
osta
Retroação
60
Embora a informação seja tratada de forma uni-dimensional em muitos textos,
como um ente que se manifesta de diferentes modos em diferentes tempos e
lugares, mas é dotado de uma unicidade ontológica, este tratamento parece-nos
incorreto, isto é, a informação não poderia ser reduzida a um conceito único (tal
como a “matéria” que, apesar de infinitas formas de apresentar-se, parece gozar
de uma “unicidade ontológica”). Questionamos esta unicidade e perguntamos se
não estaremos tratando como iguais as diferentes entidades, que deveriam ser
diferentemente tratadas. Neste sentido WURMAN (1991, pp.47ss), na tentativa de
criar uma tipologia, refere-se a 5 “anéis” de informação:
O primeiro anel é o da informação interna. São as mensagens que
governam nossos sistemas internos e possibilitam ao nosso corpo o
funcionamento. A informação toma a forma de mensagens cerebrais. É o
nível de informação sobre o qual temos, provavelmente, o menor controle,
mas é o que mais nos afeta.
Os anéis seguintes tratam da informação “externa”, que Wurman subdivide em
conversacional, de referência, noticiosa e cultural. A informação conversacional é
aquela das trocas formais e informais que mantemos com as pessoas à nossa
volta (amigos, parentes, colegas de trabalho e clientes ou os “estranhos”, dos
contatos eventuais). A conversa – talvez, por sua natureza informal – constitui
uma importante fonte de informação, importância nem sempre reconhecida, e é a
fonte sobre a qual mais exercemos controle, seja como emissores, ou como
receptores da informação. O terceiro anel é o da informação de referência:
dispersa em muitas fontes, desde um manual de física até a lista telefônica, ou o
dicionário, este é o tipo de informação que opera os sistemas do nosso mundo –
ciência e tecnologia – e, mais imediatamente, eventos da nossa vida cotidiana. O
quarto anel é o da informação noticiosa, que abrange os eventos da atualidade, e
é transmitida pela mídia, sobre pessoas, lugares e acontecimentos que talvez não
afetem diretamente a nossa vida, mas podem influenciar nossa visão de mundo.
O quinto anel é o da informação cultural. Esta é a forma menos quantificável, e
abrange história, filosofia e artes, e qualquer expressão de uma tentativa de
compreender e acompanhar nossa civilização. Informações colhidas nos outros
anéis são incorpradas aqui para construir o conjunto que determina nossas
atitudes e crenças, bem como a natureza de nossa sociedade como um todo.
61
Wurman parece não distinguir entre informação e comunicação. Podemos, ainda,
questionar se há outros “tipos” de informações, outros anéis. Por exemplo, no que
tange às informações internas/externas relativas ao afeto. Estas, podem levar-nos
a intuir/avaliar o outro como amigo/não-amigo, querido/indesejado, honesto/não-
honesto, seja a partir de respostas a estímulos, ou de informações objetivas que
se transformam internamente em avaliações subjetivas.
As informações variam em estrutura, conteúdo, relevância, “tamanho”, campo de
aplicação: da ciência econômica às ofertas de lazer, das artes médicas ao âmbito
militar. Fica aberta a discussão sobre a unicidade do conceito, sobre se chamar
de “informação” entes muito diferentes: um endereço, em uma lista; as instruções,
em um manual (ou uma bula), sobre como usar uma máquina (ou um remédio).
2.1.2 Informação “imediata” e “mediata”, e comunicação.
Para uma discussão muito elementar, poderíamos usar o esquema abaixo. A
informação imediata corresponde aos exemplos de Bertalanffy (imediata-externa)
e ao primeiro anel da tipologia de Wurman (imediata-interna). Num caso e noutro,
o seu fluxo independe de uma linguagem, e de artefatos de comunicação; no
restante (como nos demais “anéis” de Wurman), o fluxo da informação depende,
sempre, de uma linguagem (uma estrutura de representação) e de “canais” de
comunicação entre emissor e receptor, como veremos.
Figura 2 – Tipologia das informações (elaboração própria).
TIPO E SUBTIPO “USUÁRIO”
INTERNA
IMEDIATA
EXTERNA
Máquina, animal,
homem
INFORMAÇÃO
MEDIATA Homem
Podemos apelidar a informação imediata de “estímulo”, quando o receptor é um
organismo, e de “sinal-de-controle” quando se tratar de uma máquina.
A informação pode ser propriedade interior de uma pessoa (informação
interna) ou recebida (mediante comunicação). No primeiro caso, está na
esfera mental e pode ter origem em uma percepção interior, como sentir
dor. No segundo pode, ou não, ser recebida por meio de sua
representação simbólica como dados, isto é, sob forma de texto, figuras,
som, animação, etc., (sendo que) a representação em si (por exemplo, um
texto) consiste exclusivamente de dados (
SETZER, op. cit.).
62
Ao ler um texto, uma pessoa pode absorvê-lo como informação, desde que
o compreenda. Pode-se associar a recepção de informação por meio de
dados, com a recepção de uma mensagem. Porém, informação pode
também ser recebida sem que seja representada por meio de dados e
mensagens (Idem).
Se uma pessoa está em uma sala aquecida, num dia frio, e põe o braço fora da
janela, obtém uma informação sobre a temperatura externa não representada por
símbolos e que não constitui uma mensagem. Também, pode haver mensagens
não expressas por dados: um forte berro pode conter muita informação para
quem o ouve, mas não contém nenhum dado. Na tipologia da Figura 1, ambas
informações são do tipo imediato-externo, associadas a estímulos.
A questão não é trivial. O estímulo pode levar um organismo – ou uma máquina
dotada de sensores e servo-mecanismos – a uma resposta imediata, automática,
um ajuste interno. No ser humano, pode provocar pensamentos intrumentais; ou
suscitar meras lembranças; ou dar início a uma conversação trivial. As respostas
humanas não-automáticas decorrem da estrutura do ser humano, inclusive do fato
de possuir ele uma memória, onde informações são/podem ser arquivadas na
forma de representações mentais, que podem ser voluntária ou involuntariamente
acionadas (que não discutiremos). O acesso voluntário e controlado (e parte dos
acessos involuntários, não controlados, objeto da psicologia e da psicanálise) a
informações memorizadas é um dos pilares dos processos de aprendizagem, de
consciência e conscientização, de tomada consciente da decisão.
O ser humano necessita de informação (como matéria prima do conhecimento)
para sua tomada de decisões e para seu agir e estar no mundo, tanto individual
quanto coletivamente. Os humanos usam as informações que detêm ou recebem
- e o conhecimento “armazenado” sobre si mesmos, suas instituições, seus
artefatos e seu entorno - para tomar decisões supostas úteis e alinhadas com
seus fins (isto é, capazes de gerar os resultados esperados, ou quase). É sob
este prisma da instrumentalidade que abordamos a informação. O tema já foi
tratado, também, sob enfoques filosóficos, psicológicos, neurológicos, físicos e
matemáticos, mas tais discussões não caberiam no escopo do nosso trabalho.
A importância do tema para nossa discussão está em que os discursos de
inclusão digital preconizam um sujeito “incluído” capaz de receber informação e
63
de processá-la de modo autônomo, racional, consciente e orientado para fins (que
estamos supondo democráticos e solidários). Está em questão a aprendizagem,
alguns de cujos objetivos e técnicas consiste em levar o estudante a formar um
razoável “banco de dados” de informações de determinados tipos (matemática e
lingua materna, como disciplinas básicas; e várias outras disciplinas), e um
repertório de processos mentais para a correta associação das informações
armazenadas com aquelas que recebe a todo momento, afim de as poder
interpretar, questionar sua validade e utilidade, e prever possíveis conseqüências
relacionadas à informação ou à decisão baseada nelas. Por estas considerações,
concluímos que a informação imediata não interessa ao estudo dos discursos
sobre inclusão digital
34
mas, apenas, a informação mediata.
2.1.3 Informação mediata: dado, representação simbólica e linguagem.
Segundo Setzer (op. cit.), a informação mediata é passível de representação,
codificação, armazenamento, recuperação, processamento e transmissão. Se a
representação da informação for feita por meio de dados, estes podem ser
armazenados. O que é armazenado não é a informação, mas sua representação
(ou dados). A distinção entre informação e dado, é que este é puramente sintático
e aquela é portadora, necessariamente, de semântica (isto é, de "significado"). A
atribuição de significado é da ordem do humano e, nunca, da máquina, a qual
realiza somente processamento sintático (sobre os dados). Assim, não é possível
processar informação diretamente em um computador: para isso, é necessário
reduzi-la a dados. Ou seja, é impossível introduzir e processar semântica em um
computador, porque a máquina mesma é puramente sintática.
Dados, desde que inteligíveis, poderão ser incorporados como informação por
quem os recebe
35
, porque os seres humanos (desde alguma tenra idade) buscam
constantemente por significação e entendimento
36
.
34
O estudo da informação imediata é valioso na indústria, tendo em vista a automação e servo-
mecanismos. Uma política nacional de desenvolvimento tecnológico não pode olvidar tal estudo.
35
A máquina pode embaralhar os dados, por erro, ou por programação, tornando-os ininteligíveis.
A pessoa que os recebesse não poderia atribuir-lhes significado, nem convertê-los em informação.
36
Note que "significação" não pode, também, ser definida formalmente.
64
Como vimos acima, a frase "Paris é uma cidade fascinante" pode permanecer
reduzida a um amontoado de dados, se seu receptor não conhece o “significado”
de "Paris”, “cidade” e “fascinante". Para outro, que conhece as palavras – ou pode
tecer analogias - a frase converte-se em informação, pela associação mental de
seus termos com conceitos dominados por este sujeito. Assim, quando avaliamos
um objeto segundo sua forma e dizemos que ele é "circular", estamos associando
a representação mental do objeto percebido com o conceito (mental) de círculo.
No campo da economia a informação é tratada como muito valiosa, sem que os
autores se preocupem em definir o conceito. Pode-se encontrar afirmações do
tipo: “informação é tudo aquilo que diminui a incerteza”, o que parece ajudar –
todavia, muito pouco - em termos de conceituação. Pindyck & Rubinfeld afirmam
que uma das condições básicas do “mercado perfeitamente competitivo” é –
Perfeita informação. Os consumidores dispõem de informação perfeita
sobre suas preferências, níveis de renda, preços e qualidade dos bens
que compram. Da mesma forma, as empresas dispõem de informações
perfeitas sobre seus custos, preços e tecnologias (
1999, p. 301).
Adiante, os autores analisam a informação assimétrica (p. 667-8), “que ocorre
quando algumas partes possuem mais informações do que outras”. Usando
raciocínios próprios do seu campo, os autores demonstram que a informação
assimétrica conduz a desvios e falhas de mercado. Mostram, por exemplo, que no
mercado de automóveis usados os vendedores de automóveis de baixa qualidade
saem-se melhor que os vendedores de automóveis de alta qualidade (por mais
contrasensual que esta afirmação possa parecer). Outro resultado perverso da
informação assimétrica é citado como “problema da condição principal-agente
37
.
Este problema decorre da assimetria de informação entre o mandante e o
mandatário, representado e representante, cliente e prestador de serviços, pois o
segundo sujeito em cada uma destas situações sabe coisas que o primeiro ignora
(seja a respeito do mandato, das circunstâncias da ação de representação, do
objeto do serviço) e assim pode tirar proveito indevido, fraudando ou inadimplindo
seu contrato original de mandato, representação ou prestação de serviço, sem
que o primeiro contratante tome conhecimento ou possa mudar a situação.
37
Ver discussão a respeito em SANTOS (2001, p. 63).
65
Acreditamos ter mostrado a relevância do estudo da natureza da informação.
Vimos que o interesse da nossa discussão é a informação mediata, à qual o
sujeito tem acesso mediante o domínio da linguagem e das formas de
representação. Por exemplo, os índices de inflação no Brasil podem ser
conhecidos através da mídia falada ou escrita, da TV ou da internet, como fala,
texto ou imagem gráfica. Mas, os dados permanecerão como “dados” se o
indivíduo que os acessa não tiver condições de atribuir-lhes significado, seja
porque tais símbolos excedem sua capacidade de interpretação, ou porque não
lhe afetam (ou ele não percebe de que modo lhe afetam), de modo que não
consegue de alguma forma valer-se deles para beneficio de sua forma de estar e
de agir no mundo, o que aponta para uma necessidade de “inclusão semântica”.
2.1.4 Comunicação.
Como dissemos, a informação que nos interessa estudar é aquela ligada a fatos
ou decisões do cotidiano, na vida privada ou pública; é, portanto, de caráter inter-
pessoal e envolve comunicação e linguagem. A tentativa de definir, delimitar,
explicar a natureza, o substrato, o em si da informação, revelou-se árdua e
inconclusa. Outro tanto tende a ocorrer no estudo da comunicação - aliás, da
comunicação humana, nosso recorte neste texto, com descarte do estudo das
interações homem-máquina e máquina-máquina (a máquina entrará neste estudo
somente como meio de transmissão ou peça do “canal” de transmissão)
38
.
Numa descrição corriqueira, comunicação é apresentada como um processo
mediante o qual uma mensagem é repassada de um emissor a um receptor,
através de um meio de transmissão (da mensagem), ou canal. Tecnologias da
comunicação são as tecnologias dos meios de transmissão de mensagens
(textuais, sonoras e visuais). Comunicação, informação e mensagem são palavras
às vêzes usadas em sentidos cruzados, gerando confusão. Pode-se abrir uma
discussão sobre se o que se transmite são dados, ou informação, ou uma terceira
entidade, a “mensagem”, cujo conteúdo seriam os dados (ou a informação).
38
: A troca de sinais (transmissão/recepção de impulsos de energia) entre máquinas é também
chamada de “comunicação”; bem assim, as trocas entre homem e máquina. A nosso ver, estas
interações deveriam merecer outro(s) nome(s).
66
A questão da comunicação é da maior importância para a vida social. Foi, sem
dúvida, pelo desenvolvimento de formas de comunicação cada vez “melhores”
que o homem afirmou sua humanidade, escapando da condição de primata “igual”
aos outros. Norbert Wiener afirma que “a sociedade só pode ser compreendida
através de um estudo das mensagens e das facilidades de comunicação de que
disponha” e que “no futuro, as técnicas da produção e da troca de mensagens (...)
desempenharão papel cada vez mais importante” (op. cit., p. 16). Contudo,
entendemos que o conhecimento não se comunica (nem se transmite).
É trivial encontrar autores (vide Lévy, 1998), que atribuem o “progresso” do
Homem à técnica e periodizam a caminhada humana usando como marcos as
técnicas dominantes de cada era. A respeito, cabe lembrar que o repasse das
técnicas entre os membros e as gerações de um grupo social e seus vizinhos só
foi possível por ter o Homem desenvolvido uma técnica muito particular, a da
comunicação humana. Neste marco, Lévy (1998) pauta a marcha do Homem
pelas transformações das “tecnologias da inteligência” e associa estas a três
modalidades de comunicação: a oralidade, a escrita e a “hipertextualidade”.
O que restaria da história das idéias, sem a comunicação destas? O que restaria
do Poder Simbólico - vide Bourdieu (2000)- sem o compartilhamento comunicativo
dos símbolos? Poderia, mesmo, haver História sem a comunicação da história? E
há de ser por valorizar a comunicação que Habermas esmera-se na proposição
da ação comunicativa como ética para o aperfeiçoamento das relações sociais.
Compreender o quanto – e como, porque, e mediante que – os processos
comunicativos são estruturais e estruturantes para a produção e a manutenção
das desigualdades, parece ser uma condição fundamental para a luta contra
estas desigualdades. O estudo poderia começar por determinar os elementos
constituintes do fenômeno da comunicação, as estruturas dos processos, e as
facilidades e dificuldades específicas. Um outro viés, seria o estudo das melhores
formas de compor e de transmitir a mensagem, de modo a assegurar que o
receptor a receba segundo as premissas do emissor, tanto em termos de clareza,
de fidelidade “sintática” ao original (sem ruídos e distorções, o que implica
tecnologias avançadas de transmissão), quanto segundo a fidelidade “semântica”,
ao significado que o emissor quer repassar. Ou seja, quanto aos modos do
67
emissor assegurar-se que o receptor entenda a mensagem do exato (ou mais
aproximado possível) modo segundo o qual o emissor pretendeu ser entendido.
Uma “história da comunicação” - de como os problemas comunicacionais foram
sendo construídos e analisados, e como se deu sua evolução - seria obra para
muitos volumes, mormente se fôssemos retroceder à era da oralidade primária
(LÉVY, 1998), momento fundador em que o Homem passou a desenvolver as
primeiras técnicas auxiliares de comunicação, sonoras e visuais. Uma “era da
escrita primária” poderia ser estendida desde a criação dos mais toscos símbolos
e sistemas de escrita e de suporte da escrita, até o advento da imprensa de tipos
móveis (e dos meios auxiliares criados então). A “era Gutemberg” inaugura o livro
impresso e o jornal: há uma grande explosão do universo das comunicações e
nunca será possível avaliar quanto da Modernidade se deve a este âmbito. Neste
período deveríamos incluir o telégrafo, o telefone, o rádio e a televisão, com todas
as mudanças que aportaram. Enfim, o quarto e atual período é marcado pelas
“novas” Tecnologias da Informação e da Comunicação.
Estes estudos e debates sobre as questões da comunicação poderiam desnudar
as muitas facetas com que devem se ocupar os planejadores de um projeto de
inclusão digital verdadeiramente preocupado em capacitar os incluídos a se
apropriarem da informação, cujo acesso as TIC, agora, facilitam.
Miége (1995) situa sua análise a partir da década de 1940. Miége identifica três
“correntes fundadoras” do pensamento comunicacional contemporâneo: o modelo
cibernético; o enfoque empírico-funcionalista das mídias de massa; e, o método
estrutural e suas aplicações lingüísticas. Estas correntes dominaram a cena, no
período, que vai até os fins da década de 1960. Uma outra redução do universo
investigativo, em La pensée communnicationelle, está no centramento em torno
do pensamento europeu-ocidental e estadunidense.
Porém, pelas amplamente reconhecidas limitações a que se submete uma tese
de doutorado, não podemos aprofundar a análise das questões da comunicação.
68
2.1.5 Conhecimento e Aprendizagem.
Freqüentemente, o objetivo de lidarmos com dados, informação e comunicação, é
a agregação de conhecimento. O conhecimento é um elemento indispensável
para a apropriação social das tecnologias; e a aprendizagem é o processo pelo
qual o sujeito constrói o dito conhecimento. Mas, conhecimento é outro conceito
infenso à definição. Caracterizado por Setzer (2001) como “uma abstração
interior, pessoal, de algo que foi experimentado, vivenciado, por alguém”, o
conhecimento é considerado “uma noção que, embora nos pareça una e evidente,
desde que a questionamos, se fragmenta” (Morin, 1999, p. 19) e “todo
conhecimento comporta necessariamente: a) uma competência (aptidão para
produzir conhecimentos); b) uma atividade cognitiva (cognição), realizando-se em
função da competência; c) um saber (resultante dessas atividades)” (idem). Antes
de tudo, As competências e atividades cognitivas humanas necessitam de um
aparelho cognitivo, o cérebro, o qual precisa estar vivo, íntegro, desenvolvido e
nutrido biológica e culturalmente.
As aptidões cognitivas humanas só podem desenvolver-se no seio de uma
cultura que produziu, conservou e transmitiu uma linguagem, uma lógica,
um capital de saberes, critérios de verdade. É neste quadro que o espírito
humano elabora e organiza o seu conhecimento utilizando os meios
culturais disponíveis. Enfim, em toda a história humana, a atividade
cognitiva interagiu de modo ao mesmo tempo complementar e antagônico
com as éticas, o mito, a religião, a política. O poder, com freqüência,
controlou o saber, para controlar o poder do saber (Idem, p. 20).
Assim, “adquirir” ou “desenvolver” conhecimento (isto é, “aprender”) sobre “algo”
(novo) implica, antes de tudo, uma competência pessoal para a atividade
cognitiva, que depende de um componente neuro-fisio-psicológico (externo a
nossa discussão
39
) e outro, cultural, que vem a ser a prévia posse de um
referencial (pré-conhecimento), cuja formação terá dependido do meio em que o
aprendiz cresceu e/ou viveu/participou até então, além de seu esforço pessoal
pregresso. É sobre esta base que irá se desenvolver o esforço do (novo)
aprendizado, na interação entre sujeito-aprendente e entorno-ensinante.
39
O componente neuro-fisiológico remete à dicussão sobre “pessoas com necessidades
especiais” (PNE); o componente psicológico (pessoas com dificuldades de aprendizagem), em
muitos casos, pode ser contornado com processos didáticos-pedagógicos.
69
A experiência do aprendizado pode ser direta entre aprendiz-objeto do
aprendizado, ou mediada, quer por informações acessadas pelo autodidata, quer
por ações de qualquer aparelho de ensino. Nesse sentido, os materiais de ensino,
como livros e outros, não contêm conhecimento: contêm dados, que são
representações de informações e se transubstanciam em informação logo que
acessados por sujeitos que lhes possam atribuir significado. Esta distinção,
porém, não tem relevância fora de certos círculos acadêmicos especializados.
Setzer (2001) entende que o conhecimento não pode ser descrito (nem
transmitido, ou representado): o que se descreve (ou transmite, ou representa) é
a informação (convertida, no processo, para dados).
A informação pode ser inserida em um computador por meio de uma
representação em forma de dados (se bem que, estando na máquina,
deixa de ser informação). Como o conhecimento não é sujeito a
representações, não pode ser inserido em um computador. Assim, neste
sentido, é absolutamente equivocado falar-se de uma "base de
conhecimento" em um computador. O que se tem é, de fato, é uma
tradicional "base de dados".
Um nenê de alguns meses tem muito conhecimento (por exemplo,
reconhece a mãe, sabe que chorando ganha comida, etc.). Mas não se
pode dizer que ele tem informações, pois não associa conceitos. Do
mesmo modo, nesta conceituação não se pode dizer que um animal tem
informação, mas certamente tem muito conhecimento.
A informação pode ser prática ou teórica, mas o conhecimento é sempre
prático. A informação foi associada à semântica. Conhecimento está
associado com pragmática, isto é, relaciona-se com alguma coisa existente
no "mundo real" do qual se tem uma experiência direta (assumido, aqui,
um entendimento intuitivo do termo "mundo real").
O conhecimento, no topo da hierarquia dado-informação-conhecimento, é aquela
representação, no cérebro do ator, necessária para e capaz de orientar
adequadamente sua tomada de decisão, suposta racional, isto é, orientada para
fins (ou para formar seus juízos, que podem influenciar ou determinar decisões
futuras). O conhecimento é composto de informações, que podem então ser
descritas como representações parciais da realidade que, devidamente
combinadas e submetidas a um motor de inferências, produzem o conhecimento.
Entretanto, o indivíduo pode ser detentor de pretensas informações que não se
combinam - no momento em que estão sendo consideradas – para gerar
conhecimentos: estas refluem à condição de dados. Desta forma, dados seriam
70
matéria prima para informações – a transformação ocorre quando ao dado é
atribuído um significado. As informações seriam a matéria prima do
conhecimento, segundo o processo acima descrito.
A discussão pode alongar-se. Um elemento complicador se acrescenta ao
relacionar conhecimento com linguagem e com representação. Não quero abrir a
discussão sobre a questão da representação mental (informação e conhecimento
como representações mentais da realidade).
A aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo forma um conhecimento novo.
Por mais rico e potencialmente valioso que seja para mim um texto em chinês, de
nada me valerá se não conheço esta língua
40
. Neste caso, somente mediante o
aprendizado do chinês aquele material “criptografado” poderia transformar-se,
para mim, primeiro em informação, depois, e eventualmente, em conhecimento.
Quando se fala em “inclusão digital” e em “sociedade da informação” ou
“sociedade do conhecimento”, será sempre preciso considerar a capacitação da
população alvo para, primeiro, acessar os dados; segundo, tranformar dados em
informação (o que só ocorre dentro da mente, como explicado); por último,
agregar as informações em sistemas de conhecimento. Informações e
conhecimentos estes, considerados instrumentais para recolocar o indivíduo no
mundo em condições superiores àquelas às quais estava ligado.
Um problema especial ocorre com as pressões dos países centrais sobre os
demais, visando a obtenção de lucros através da “venda de conhecimento”. Para
o Banco Mundial,
O conhecimento é como a luz. Imponderável e intangível, pode percorrer
facilmente o mundo inteiro, iluminando a vida das pessoas em toda parte.
No entanto, bilhões de pessoas ainda vivem na escuridão da pobreza
desnecessariamente. (...) Criar conhecimento custa caro, e é por isso que
grande parte do conhecimento é criado nos países industrializados. Mas os
países em desenvolvimento podem importar conhecimento ou criar
conhecimento próprio. (Relatório do Banco Mundial 1998/99,
Conhecimento para o Desenvolvimento).
Segundo Hamilton (2001, p. 11), o enunciado apresenta “um acento equívoco,
que o perpassa e que vem sendo difundido à larga pelos cavaleiros das cruzadas
40
Supondo que não possa me valer de um tradutor. Por outro lado, se o fizer, a informação já será “outra”,
aquela produzida pelo tradutor, o que inclui os riscos expressos no dito: “tradutore, traditore”.
71
tecnológicas. Trata-se da diluição das fronteiras que demarcam os limites entre os
conceitos de informação e conhecimento [pois], ao contrário do que se tem
procurado massificar, conhecimento não é um bem que se venda, ou que se
importe”. O que se mascateia por aí não é conhecimento, e sim informação. E, “a
simples exposição a conteúdos (informações) pode se revelar inócua”. São
processos de pouca valia para reverter o círculo vicioso de dependência que, ao
contrário, vai se (re)alimentando
dessa prática.
Para que suceda o conhecimento é necessário que as informações sejam
apreendidas e articuladas com outras, existentes a priori. Por isso mesmo,
tantas importações de tecnologia revelaram-se desastrosas, seja por que
os adquirentes não detinham pessoal capacitado para assimilar as
tecnologias importadas, seja porque a tecnologia adotada não se revelou
apropriada (às condições do importador) (Idem).
Para que haja uma real transferência de tecnologia é necessário que ambos os
agentes do processo detenham cabedais de conhecimentos equivalentes:
Países que se encontram em um mesmo patamar de desenvolvimento
permitem uma cooperação mais efetiva, como ocorre entre os membros da
OCDE. Desse processo de (...) mercantilização do conhecimento surgem
novas (velhas) relações de poder entre quem detém e quem ‘adquire’
conhecimento. Aos primeiros, cabe o papel de detentores do
conhecimento-poder e aos últimos o de compradores passivos de
informações e tecnologia
(Idem, p.12).
Como conseqüência, “a periferia do capitalismo vai ficando ainda mais pobre e
dependente”, cristalizando “os vínculos de poder e dominação que perpassam as
relações entre países ricos e pobres, e alargando o fosso que os separa” (Idem).
2.2 Técnica
O que distingue as épocas econômicas umas das outras não é o que se
faz, mas como se faz, com que instrumentos de trabalho (Marx, 1998, p.
132).
Sem dúvida a técnica é um elemento importante da sociedade e dos
lugares mas, sozinha, a técnica não explica nada (Santos, 1999, p. 38).
Na época atual, a técnica é uma das dimensões fundamentais onde está
em jogo a transformação do mundo humano por ele (mundo humano)
mesmo (Lévy, 2001, p. 7).
72
Lipietz (2005) destaca duas características exclusivas da espécie humana: somos
animais políticos - não, apenas, animais sociais (Aristóteles, aliás, já o dissera), e
a única espécie capaz de produzir e aperfeiçoar instrumentos e técnicas que
alteram seus meios e modos de existir, ampliam sua capacidade de ação e lhes
permitem transformar o meio-ambiente.
O homem tem utilizado esta capacidade para superar obstáculos naturais - como
resistir aos rigores do clima e domesticar plantas e animais – e, no plano político,
para estruturar a vida social. Porém, a mesma técnica que o homem utiliza para
melhorar suas condições de existência, pode tornar-se fonte de problemas. A
ação humana sobre o meio ambiente atingiu limites perigosos, e as falhas no
domínio da técnica têm provocado graves acidentes, com efeitos em escala
planetária (aquecimento global, “buraco de ozônio”). No plano da organização da
vida social as técnicas ora permitem resolver problemas e facilitar a convivência
grupal (a educação, a medicina social), ora ajudam a criá-los e a dificultar o
convívio (toda forma de exploração do outro). Técnicas legitimadas pela razão
hegemônica – algumas práticas de mercado, técnicas bélicas - vêm apresentando
falhas que ameaçam as condições da boa existência de extensas camadas da
população, gerando fome, pobreza, miséria, doenças e lutas fratricidas.
A técnica e seus produtos estão associados às transformações sociais. É através
de suas relações sociais e de seus modos de apropriação do mundo material que
as sociedades produzem sua existência. A interface entre o mundo social e sua
base material se observa através das práticas sociais, que podem assumir formas
técnicas, formas sociais e formas culturais de apropriação do mundo material. As
formas técnicas incluem modos de uso, transformação biofísica, extração,
inserção e deslocamento de materiais. As formas sociais são os processos de
diferenciação social dos indivíduos, a partir das estruturas desiguais de acesso,
posse e controle de territórios, fontes, fluxos e estoques de recursos materiais.
Tais práticas são historicamente constituídas e configuram lógicas distributivas
das quais se nutrem as dinâmicas de reprodução dos diferentes tipos de
sociedade baseadas na desigual distribuição de poder sobre os recursos. As
formas culturais incluem as práticas e atividades de produção de significados,
operações de significação do mundo biofísico em que se constrói o mundo social.
73
Mais do que epifenômenos das estruturas produtivas da sociedade, os fatos
culturais fazem parte do processo de construção do mundo, dando-lhe sentidos e
ordenamentos, comandando atos e práticas diversas a partir de categorias
mentais, esquemas de percepção e representações coletivas diferenciadas.
As técnicas não são meras respostas às restrições do meio, nem determinações
unilaterais das condições geofisiográficas, mas são condicionadas pelas opções
da sociedade e modelos culturais prevalecentes. As sociedades alteram seu meio
material não somente para satisfazer carências e superar restrições materiais,
mas também para projetar no mundo diferentes significados, como construir
paisagens, democratizar ou segregar espaços, e padronizar ou diversificar
territórios sociais. Os diferentes atores sociais apresentam lógicas próprias de
apropriação do meio. As práticas são referenciadas a contextos históricos que
condicionam os padrões e soluções tecnológicas, mas também as categorias de
percepção, julgamento e orientação que justificam ou legitimam tais práticas.
O homem se move entre a dimensão “concreta-real” do mundo (a Natureza, e os
produtos “concretos” da técnica) e uma dimensão imaginada (os sistemas de
crenças, representações e conhecimentos)
41
; entre sua individualidade concreta
de homem-só, e uma gregaridade que vai da família à sociedade-nação; entre os
impulsos de Eros e de Tanatos; entre a necessidade e a livre-escolha; entre o
conservar e o transformar; entre o ser e o devir. Mas, integrar no discurso todas
estas dimensões tem se mostrado difícil, ou mesmo impossível.
Marx e Engels (2001, p. 10) lamentam não poder fazer “um estudo mais profundo
da própria constituição física do homem, nem das condições naturais que os
homens encontram já prontas, condições geológicas, orográficas, hidrográficas,
climáticas e outras. Toda historiografia deve partir dessas bases naturais e de sua
transformação pela ação dos homens, no curso da história”. Para os autores,
Os homens (...) começam a se distinguir dos animais logo que começam a
produzir seus meios de existência (...). Ao produzirem seus meios de
existência os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material.
A maneira como os homens produzem seus meios de existência depende,
41
Evitaremos discussões sofisticadas, tais como se são “concretas”, ou não, certas “coisas” da
Natureza (como matéria e energia), ou “coisas” criadas pelo homem (uma ponte, uma “nação”).
74
antes de mais nada, da natureza dos meios de existência já encontrados e
que eles precisam reproduzir.
Mas, não se trata simplesmente da reprodução da existência física dos indivíduos:
Está em jogo um modo determinado de atividade desses indivíduos, uma
maneira determinada de manifestar sua vida, um modo de vida
determinado. A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete
exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua
produção, isto é, tanto com o que eles produzem, quanto com a maneira
como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das
condições materiais da sua produção. (p.11)
A forma dos intercâmbios entre os indivíduos se acha (...) condicionada
pela produção. As relações entre as diferentes nações dependem do
estágio de desenvolvimento em que cada uma delas se encontra no que
concerne às forças produtivas, à divisão do trabalho e às relações internas.
(E) a estrutura interna de cada nação depende do nível do
desenvolvimento de sua produção e de seus intercâmbios internos e
externos.
Portanto, na acepção marxista a produção (o que é produzido) e a técnica (como
é produzido) balizam os modos de vida, as formas dos intercâmbios, as relações
internas dentro de uma nação e as relações externas entre nações. Ou seja, em
cada tempo e lugar toda atividade humana está atravessada pela técnica
socialmente apropriada. Em resumo, os homens produzem sua vida material no
momento (mesmo) em que produzem seus meios de existência.
2.2.1 Técnica e espaço geográfico.
Milton Santos (1999) analisa as relações entre a técnica e os modos de vida dos
homens, ao perseguir a definição do “espaço geográfico”
42
, como “o espaço da
vida”. O espaço, antes “um conjunto de fixos e fluxos” (Santos, 1978), será
reapresentado como “o conjunto indissociável (solidário, e também contraditório)
de sistemas de objetos e sistemas de ações” (Idem, 1999, p.51), que costura os
conceitos de técnica e de espaço geográfico, uma vez que é através daquela que
o homem modela este, ao produzir os entes que constituem o sistema de objetos.
42
O “espaço geográfico” constituiria o objeto mesmo da geografia (humana), como disciplina. O
espaço geográfico é composto por uma “configuração territorial” (formada, por sua vez, pela
materialidade que a integra) e mais a vida social que a anima. A geografia humana toma os
mesmos entes da geografia física, para considerá-los, em sua interação com o Homem. Já
aceitamos, com Kant, que espaço e tempo são noções a priori que, a rigor, não admitem definição,
cabendo falar, então, de caracterização, que consiste em especificar e descrever seus atributos.
75
O “Sistema de Objetos” resulta do “Sistema de Ações”, e toda ação é uma ação
de ator humano. O ator pode estar presente no espaço considerado e agir
diretamente sobre este; ou, quando ausente, atuar por um comando remoto, que
se materializa no espaço em pauta.
A noção de um “espaço da vida dos homens” privilegia a presença e a ação do
Homem. Este espaço é um híbrido, do qual podemos abstrair um componente
Natureza (em geral, já trabalhado pelo Homem); um componente artificial, criado
pelo homem (a “Artificiália”, produto do engenho e da indústria humanos, produtos
concretos como estradas e represas, mas também imateriais como os códigos, e
fórmulas de organização social); e um componente humano em si (a Sociedade,
como população, conjunto de indivíduos vivos no tempo e no lugar do estudo).
Segundo Milton Santos, o Sistema de Objetos engloba a Natureza e a Artificiália.
O componente humano é senhor do “Sistema de Ações” – ações sobre si mesmo,
sobre os objetos que artificia, sobre a Natureza que transforma
43
. Os
componentes Natureza, Artificiália e Sociedade-população, não devem ser
buscados em estado puro, mas existem misturados, hibridizados. Uma plantação
é um híbrido entre natureza (solo, plantas, etc.), objeto técnico (instrumentos,
técnicas agrícolas, etc.) e sociedade (agricultores, consumidores, etc.).
Sobre Natureza x “artificiália”, escreveu Jacques Monod (1971, p. 15-16):
A distinção entre objetos artificiais e objetos naturais parece a cada um de
nós imediata e sem ambigüidade. Rochedo, montanha, rio ou nuvem, são
objetos naturais; uma faca, um lenço, um automóvel, são objetos artificiais,
artefatos (no sentido próprio, produtos da arte, da indústria). [Esses juízos,
no entanto,] não são imediatos nem estritamente objetivos. Sabemos que a
faca foi modelada pelo homem para uma utilização, para uma performance
já prevista. O objeto materializa a intenção preexistente que lhe deu origem
e sua forma se explica pela performance que se esperava antes mesmo
que se realizasse. Nada disso ocorre em relação ao rio ou ao rochedo que
sabemos ou pensamos terem sido modelados pelo livre jogo de forças
físicas a que não poderíamos atribuir nenhum “projeto”. E isso, pelo
menos, se aceitarmos o postulado de base do método científico: a
Natureza é objetiva, e não projetiva. Portanto, é por referência a nossa
própria atividade, consciente e projetiva, que julgamos que determinado
objeto é “natural” ou “artificial”
43
Eventuais “lugares”, no Planeta ou fora dele, que existam como Natureza Pura, não apresentam
interesse para o estudo sobre desigualdades sociais.
76
Os computadores e as redes de computadores podem ser descritos como objetos
técnicos, ou como forças produtivas. O produto pronto e acabado da técnica é um
objeto; o objeto usado para atender tarefas contratadas é um recurso produtivo.
Vê-se que estamos colocando no mesmo nível analítico a técnica e o objeto
técnico. Na verdade, podemos chamar de técnica a potencialidade de produção
do objeto; de objeto, o produto da aplicação da técnica; e de ação, o ato da
produção. Podemos, ainda, diferenciar técnica de tecnologia. Mas, para os efeitos
pretendidos para este texto, tais minúcias não parecem ser relevantes.
Entendemos que o contexto em que cada uma destas palavras é usada permite
discernir, satisfatoriamente, os rigores conceituais.
2.2.2 Taxionomia e Historicidade das técnicas
Sobre a população de objetos (produtos da técnica), escreveu Baudrillard (1993):
Pode-se esperar classificar um mundo de objetos que se modifica diante
de nossos olhos e chegar a um sistema descritivo? Existiriam quase tantos
critérios de classificação quantos fossem os objetos: segundo seu
tamanho, grau de funcionalidade, a matéria que transformam (...), o grau
de socialização, etc.
Os autores, em geral, concordam que as técnicas são um fenômeno histórico.
Toda situação (histórica, social) é uma construção real que admite uma
construção lógica, cujo entendimento passa pela história de sua produção
(da situação). O recurso à técnica deve permitir identificar e classificar os
elementos que constroem tais situações. Estes elementos são dados
históricos e toda técnica inclui história, (...) toda técnica é história
embutida. Através dos objetos, a técnica é história no momento da sua
criação e no de sua instalação e revela o encontro, em cada lugar, das
condições históricas (econômicas, socioculturais, políticas, geográficas)
que permitiram a chegada desses objetos e presidiram à sua operação
(Santos, 1999 p.40). Conjuntos de técnicas aparecem em um dado
momento, mantêm-se hegemônicos durante um certo período, constituindo
a base material da vida da sociedade, até que outro sistema de técnicas
tome o lugar. É essa a lógica de sua existência e de sua evolução (p.141)
Para Lévy (1993, p. 16), “se algumas formas de ver e agir parecem ser
compartilhadas por grandes populações durante muito tempo (ou seja, se existem
culturas relativamente duráveis), isto se deve à estabilidade de instituições e (...)
da técnica em geral”. Esses equilíbrios são frágeis e podem romper-se quando
alguns grupos sociais disseminam uma nova técnica de alcance social profundo.
77
Parece que as primeiras técnicas foram as de subsistência alimentar, produção
de instrumentos rudimentares, produção e controle do fogo, construção de
abrigos e cozimento de alimentos. Já na modernidade, Marx fala da Maquinaria
(1998). A contemporaneidade é perpassada por técnicas da produção industrial,
transporte e comunicação; técnicas do dinheiro, do controle social, da política e,
também, da sociabilidade e da subjetividade. E, quiçá, pela “terceira geração das
tecnologias da inteligência”, baseadas na informática (Marx, 1998, pp. 425-569;
Santos, 1999, p. 46-47; Lévy, 1993, passim; Baudrillard, 1993). Os quadros a
seguir fornecem uma sugestão de periodização da história das técnicas.
Quadro 9. Períodos técnicos
Primeira
mecanização
Máquina a
vapor e
estrada de
ferro
Eletricidade e
engenharia
pesada
Produção
Fordista de
massa
Informação e
comunicação
Paradigma
técnico-
econômico
1770-1840 1830-1890 1880-1940 1930-1990 1980- ???
Setores de
crescimento
-Máquinas
têxteis
-química
-fundição
-máquinas a
vapor
-estradas de
ferro e seus
equipamentos
-máquinas
-instrumentos
-Engenharia
elétrica
-Engenharia
mecânica
-Cabos e fios
-Produtos
siderúrgicos
-automóveis
-aviões
-produtos
sintéticos
-
petroquímica
-computadores
-bens eletrônicos
de capital
-
telecomunicações
-novos materiais
-robótica
Novas
inovações
-máquina a
vapor
-aço
-eletricidade
-gás
-colorantes
artificiais
-automóveis
-aviões
-rádio
-alumínio
-petróleo
-plásticos
-computador
-televisão
-radar
-máquinas-
instrumentos
-drogas
Fonte: Fu-chen Lo (1991) apud Milton Santos (1999, p. 139).
Quadro 10. Mudanças tecnológicas / Avanços estratégicos
Período Informação Energia Meios (Mass.)
Pré-Agrícola Linguagem Fogo
Animais
Instrumentos primitivos
Agrícola Escrita
Imprensa
Pólvora Charrua
Ferro
Industrial Telégrafo
Telefone
Fonógrafo
Rádio
Cinema
Máquina a vapor
Eletricidade
Aço
Máquinas avançadas
Estradas de ferro
Atual Televisão
Satélites
Computadores
Sistemas de controle
Fissão atômica
Baterias elétricas
Lasers
Transporte supersónico e
interplanetário
Novos materiais sintéticos
Próteses
Iminente Multimídia
Burótica e domótica
Fusão atômica Controle do tempo
Biotecnologia
Fonte: B. M. Gross 1971 p. 272-273 (apud Milton Santos, 1999p. 140)
78
2.2.4 Desigualdade na instalação, difusão e apropriação social da técnica.
As técnicas não se instalam por igual em todos os lugares e ao mesmo tempo,
tanto quanto não se difundem com igual velocidade nos diferentes lugares em que
se instalam. Seus benefícios, quando é o caso, tampouco se distribuem
igualmente pelos diferentes estratos sociais dos lugares alcançados.
Toda criação de objetos responde a condições sociais e técnicas, presentes num
dado momento histórico, e que também se impõem na sua reprodução e difusão,
fazendo com que os benefícios – se houver – sejam mais rápida e mais
profundamente aproveitados em determinados lugares e por determinadas
camadas sociais (Santos, 1999, p.56).
Um mesmo pedaço de território pode abrigar subsistemas técnicos provenientes
de épocas diversas, e pode ocorrer a operação conjunta, por diferentes estratos
sociais. Os resíduos do passado podem oferecer resistência à difusão do novo
mas, em geral, o subsistema novo acaba por eliminar os que o antecederam. Nas
nossas metrópoles, não vamos encontrar o fogão a lenha operando ao lado do
fogão a gás (GLP); nem lampiões de querosene, ao lado de lâmpadas elétricas;
ou charretes puxadas a burro, disputando as ruas com os veículos automotores.
Entretanto, algo assim pode ser encontrado em pequenas vilas.
2.2.5 Alcance das transformações da técnica.
Todas as dimensões da existência humana estão sujeitas a transformações
induzidas pelas técnicas. Certamente existem técnicas de maior e menor alcance.
As TIC têm sido consideradas extremamente pervasivas.
As técnicas não modificam apenas o nosso mundo “real”. Elas também induzem
mudanças no imaginário social. Afinal “o que (os indivíduos) são, coincide com
sua produção, isto é, tanto com o que eles produzem, quanto com a maneira
como produzem” (Marx & Engels, 2001, p. 11). Para Lévy (1993, p. 14), a técnica
participa ativamente da ordem cultural, simbólica, ontológica ou axiológica. “Não
há nenhuma distinção real bem definida entre o homem e técnica (embora seja)
sempre possível introduzir distinções para fins de análise”, como, aliás, fez Kant,
79
na sua Crítica da Razão Pura, ao distinguir entre um domínio empírico (aquilo que
é percebido, que constitui a experiência) e um domínio transcendental (aquilo
através do que a experiência é possível, que estrutura a percepção)
44
.
Para Santos (1999, p. 45), as técnicas participam na produção da percepção do
espaço, e do tempo, tanto por sua existência física, como pelo seu imaginário.
Esse imaginário se impõe, empiricamente, no caso do tempo, pela sensação de
sua passagem (sucessão dos acontecimentos) e, no caso do espaço, “através
das condições que ele oferece para a produção, para a circulação, para a
residência, para a comunicação, para o exercício da política, para o exercício das
crenças, para o lazer e como condição de viver bem”. Construímos, assim, uma
avaliação objetiva do espaço, como meio onde operamos, e uma avaliação
subjetiva, como meio percebido. Estas avaliações se interpenetram, e “ambas têm
a técnica como origem e por essa via nossa avaliação acaba por ser uma síntese
entre o objetivo e o subjetivo. A técnica é, pois, um dado constitutivo do espaço e
do tempo operacionais e do espaço e do tempo percebidos”.
“Os produtos da técnica moderna”, diz Lévy, “longe de adequarem-se apenas a
um uso instrumental e calculável, são importantes fontes do imaginário e
participam plenamente da instituição de mundos percebidos” (1993, p. 16).
2.2.6 A solidariedade das técnicas: não existe técnica “isolada”
Muitos autores preferem usar o termo “técnicas” (no plural), por verificarem que
“uma técnica nunca aparece só e jamais funciona isoladamente”. E quando uma
nova técnica se instala, “não se trata apenas de adição: a noção de sistema é
inseparável da idéia de técnica. (...) Não é possível entender plenamente uma
técnica fora do todo a que pertence” (Santos, 1999, p. 140). As técnicas
constitutivas do sistema são integradas funcionalmente, em sua existência e em
sua evolução; e toda modificação de um elemento do sistema influi sobre os
demais. Por exemplo, um supermercado existe com sucesso se contar com
acessos para as mercadorias que compra e para os clientes que o freqüentam;
44
Embora o sujeito transcendental kantiano, a-histórico e invariável, a quem cabia a função de
estruturação do mundo percebido, já não encontre lugar no pensamento contemporâneo.
80
sistemas de divulgação (propaganda); meios de conservação dos produtos
(sistemas de condicionamento de ar), e outros.
2.2.7 A difusão capilar e tendência à universalização das técnicas.
É lícito supor que, no passado longínquo, o domínio de técnicas superiores de
sobrevivência, ou de guerra, por um grupo social, davam a este uma imediata –
embora parcial - superioridade sobre seus vizinhos, os quais, sempre que
possível, tratavam de imitar as “novidades”. Podemos tomar como exemplo a
difusão das técnicas de fundição do bronze e do ferro. Assim, a tendência de
difusão da técnica esteve sempre presente, ao lado das tentativas de manter
segredo por parte do grupo inovador, e de outras circunstâncias. Mais tarde, as
atividades de intercâmbio e de comércio contribuíram para repassar costumes e
técnicas entre povos diferentes. Porém, dado que os sistemas de comunicação e
transporte eram muito precários até certo momento da Modernidade, a difusão
das técnicas processava-se lentamente e não tinha ainda um caráter universal. As
soluções técnicas próprias surgidas em um lugar não acarretavam,
obrigatoriamente, repercussões em outros lugares.
O capitalismo acelerou este processo, que leva à internacionalização das técnicas
e - já no final do século XX - à sua globalização: a universalidade das técnicas
não mais como tendência, mas como fato. Já “o processo iniciado com o
capitalismo e hoje plenamente afirmado com a globalização, permite falar em uma
idade universal das técnicas, idade que pode ser contada a partir do momento em
que surge cada uma dessas técnicas” (Santos, 1999, p.47).
2.2.8 A tecnociência.
Embora a história da civilização deva muito à história das conquistas materiais, a
tecnologia em seu sentido atual só passou a apresentar progressos mais
constantes e significativos a partir da revolução industrial. Depois da criação da
máquina a vapor por James Watt, em 1769, as técnicas que dependiam da
energia evoluíram rapidamente e trouxeram benefícios imediatos para a indústria
têxtil e o setor de transportes, com o surgimento das ferrovias.
81
A associação cada vez mais íntima entre ciência e técnica vai multiplicar
poderosamente o processo de criação de “novos objetos, novas engrenagens,
novos materiais, novas apropriações das virtualidades da natureza, permitindo
que se possa falar de um ‘meio tecnocientífico’ ou de uma ‘tecnociência’” (Santos,
1999, p.142). A rapidez da difusão das novas técnicas é um dado marcante da
nossa época. Vivemos a era da “inovação galopante” (p. 143).
2.2.9 A “maldade” da técnica.
Alguns autores põem em destaque “a face má da técnica”. Segundo Lévy, alguns
pensadores franceses – como Jacques Ellul, Gilbert Hottois, Michel Henry e
Dominique Janicaud - fazem parte de um grupo que compartilha uma orientação
globalmente anti-técnica e “têm em comum a concepção de uma ciência e de uma
técnica separadas do devir coletivo da humanidade, tornando-se autônomas para
imporem-se sobre o social com a força de um destino cego, encarnando a forma
contemporânea do mal” (1993, p.12). Porém, não é ao domínio da técnica em si,
mas ao domínio da política, que devemos debitar os “maus usos” da técnica. Não
se trata de retomar a velha querela sobre a “neutralidade da técnica”: trata-se de
evitar o mau uso da abstração, trata-se de reconhecer que “nem a sociedade,
nem a economia, nem a filosofia, nem a religião, nem a língua, nem mesmo a
ciência ou a técnica são forças reais, elas são dimensões de análise, são
abstrações. Nenhuma destas macro-entidades ideais pode determinar o que quer
que seja, porque são desprovidas de qualquer meio de ação. Os agentes efetivos
são indivíduos situados no tempo e no espaço” (p. 13).
Lévy está certo, e está errado. A técnica não age – mas, os indivíduos agem com
apoio da técnica, de modo que determinadas técnicas deveriam ser efetivamente
erradicadas, já que toda ação por meio delas é uma ação desumana. Exemplos: a
indústria bélica, com destaque para as minas anti-pessoa e as bombas nucleares;
as técnicas de tortura de prisioneiros; ou a produção e distribuição de
estupefacientes (exceto para uso médico).
Marx já denunciara que a introdução da maquinaria na indústria se fez em
demérito do trabalhador: “a máquina põe abaixo todos os limites morais e naturais
da jornada de trabalho. Daí o paradoxo econômico que torna o mais poderoso
82
meio de encurtar o tempo de trabalho no meio mais infalível de transformar todo o
tempo de vida do trabalhador em tempo de trabalho” (p. 465-6). A maquinaria
aumentou o trabalho infantil nas fábricas, e o trabalho feminino. A técnica, a
desserviço do trabalhador.
Para Milton Santos (1999), há técnicas elitistas e técnicas populares. As ‘técnicas
do príncipe’ respondem às demandas deste, mobilizam meios consideráveis e
utilizam especialistas; as ‘técnicas do povo’ resultam da combinação do savoir-
faire e da imaginação das massas, que inventa objetos da vida cotidiana (p. 144).
Segundo Léfèbvre (1969, p.19), a respeito da técnica em si mesma, podemos
assegurar que, simultaneamente:
a) ela tende a fechar a sociedade, fechar os horizontes. A tecnicidade se
torna obsedante e por conseqüência determinante. Ela invade o
pensamento e a ação, portanto estabelece-lhes uma linha de
procedimento;
b) ela ameaça de destruição este mundo fechado, este cosmos encerrado
onde a única coisa possível se reduz ao funcionamento automático e à
estruturação do equilíbrio perfeito; ela assola o mundo, e pode ir até o
extremo de seu aniquilamento nuclear;
c) ela abre o caminho do possível, com a condição de ser investida no
cotidiano.
Ela é, portanto, aquilo que fecha e abre a saída, que obscurece e descobre
os horizontes. Quanto à ideologia dos tecnocratas (...) esta bloqueia o
conjunto, disfarça as contradições.
2.2.10 O “autoritarismo” da técnica, sob o capitalismo.
A técnica, sob o capitalismo, para instalar-se num local não se subordina a
particularidades históricas, culturais ou geográficas: nada é levado em conta a
não ser a busca do lucro, onde quer que se encontrem os elementos capazes de
permiti-lo. A inovação, uma vez instalada, torna-se irreversível, não dá azo a
retornos passadistas. “Não podemos ir para a frente e para trás, entre a lâmpada
de querosene e a lâmpada elétrica” (Daniel Boorstin, “The Republic of
Technology”). “As técnicas de matriz capitalista se impõem de modo inevitável,
inevitabilidade que se deve ao fato de que sua difusão é comandada por uma
mais-valia que opera no nível do mundo, em todos os lugares, e é portadora da
83
formidável força do imaginário correspondente que facilita sua inserção em toda
parte” (SANTOS, 1999, p. 145).
2.2.11 As virtualidades do objeto técnico.
Entre as qualidades do objeto técnico, apontam-se a artificialidade, a
racionalidade e a intencionalidade. Estas qualidades irão assegurar a garantia de
sua eficácia para as tarefas para as quais foi concebido, distanciando-o das
incertezas da natureza mediante especializações cada vez mais funcionais, isto é,
mediante a extrema intencionalidade do objeto técnico; a racionalidade, é o
sacrifício da espontaneidade e da criatividade a serviço de um lucro a ser obtido
universalmente. Resulta disto que a técnica se torna auto-propulsiva, auto-
expansiva, indivisível e relativamente autônoma, levando consigo a respectiva
racionalidade a todos os lugares e grupos sociais (Idem, p.145).
Assim, as TIC estão da instauração (pretensa ou real, atual ou futura) da
Sociedade da Informação e, obviamente, na base da desigualdade digital.
2.3 AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO (TIC).
O Homem, ao longo da História, criou e aperfeiçoou sistemas simbólicos (que lhe
permitiram forjar representações crescentemente complexas sobre si mesmo e
sobre o mundo), e meios de comunicação e de registro de dados, como a pintura,
o desenho e a escrita, usando técnicas e artefatos cada vez mais sofisticados,
como novos suportes, instrumentos, e tintas. A imprensa de tipos móveis permitiu
formas mais eficientes de editoração, edição e difusão de materiais impressos nos
diversos formatos (livros, revistas, jornais, e outros). Para atender às exigências
do cálculo, nasce a máquina de calcular, analógica, decimal e mecânica. Hoje,
dispositivos digitais, binários e eletrônicos estão substituindo seus precursores.
Os computadores eletrônicos digitais e o “processamento eletrônico de dados
(PED) estão na origem da “revolução tecnológica” ora sob análise, junto com
expressões como “informática”. Um nome como “Tecnologias do Processamento
84
Digital da Informação (TPDI)” teria, quiçás, melhor mantido a memória destas
referências, mas prevaleceu aquele do título.
O processamento eletrônico de dados foi, inicialmente, alfa-numérico. A seguir,
incluiu os gráficos e imagens (sem, ou com movimento) e os sons digitalizados
(música, voz humana). A captura e digitalização de informações passou a
envolver, além de teclados e dispositivos similares, sensores óticos, mecânicos,
acústicos, piezzo-elétricos, cinéticos, e outros. O computador ganhou novas
funções, como o reconhecimento da escrita caligráfica, das impressões digitais ou
da íris humanas (para fins de identificação de pessoas), de formas em movimento
(para identificação e vigilância) de imagens da área médica (como a tomografia
computadorizada e a ultrassonografia), e outras.
Apesar da aparente complexidade da parafernália descrita, o processamento de
dados num computador digital limita-se, meramente, a manipulações “sintáticas”
dos dados, por meio de circuitos eletrônicos especializados (hardware e firmware)
e dos programas-de-computador. São exemplos dessas manipulações, no caso
dos textos, a formatação, a ordenação, a comparação com outros textos, a
computação estatística de palavras empregadas e seu entorno, etc.
2.3.1 Binário, digital...
Na base do desenvolvimento das TIC está uma contribuição de cunho matemático
de grande simplicidade e extraordinária potência, que foi a migração do sistema
numérico decimal para o sistema binário de numeração nas operações internas
do computador, feito atribuído a John von Neumann.
A aritmética decimal do cálculo mecânico primitivo exigia o uso de dez diferentes
dispositivos (ou “estados”), para o registro das unidades numéricas. A chegada da
eletrônica tornou necessário o uso de “válvulas”
45
de múltiplos filamentos, para
45
A passagem da corrente elétrica aquece o filamento da lâmpada (efeito Joule). A energia térmica
radiante acelera os elétrons no entorno do filamento, que se afastam e podem chocar-se com uma
placa metálica colocada próxima (efeito Edison). Se ligarmos a placa a um pólo positivo, uma
corrente elétrica fluirá entre filamento e placa. A “válvula” diodo assim formada permite converter a
corrente alternada em contínua. No triodo, uma “grade” com carga negativa, inserida entre anodo
e catodo, regula o fluxo da corrente e permite a reprodução (eventualmente amplificada) de um
sinal analógico repassado à grade. Esta técnica está na base do desenvolvimento da eletrônica.
85
simular os algarismos
46
. Tais dispositivos eram de difícil implementação, e caros.
O sistema binário usa apenas dois dígitos, 0 e 1, e vale-se do princípio posicional
para representar qualquer número decimal. As cadeias numéricas binárias são
mais compridas (cerca de 3 vezes) que as cadeias decimais, mas os dispositivos
de representação são mais simples, resultando em múltiplas economias.
A representação de dados se reduziu à manipulação de dois estados mutuamente
exclusivos em um dispositivo eletrônico, magnético ou ótico. Os “estados” podem
ser: “conduzindo corrente/não-conduzindo”, num dispositivo eletrônico; “orientado-
à-direita/orientado-à-esquerda”, para o campo magnético de um micro-anel
magnetizável; ou outro arranjo equivalente. Cada um destes “estados” foi
apelidado de “bit”
47
.
A iniciativa facilitou o uso de cartões, fitas e discos magnéticos. A tecnologia dos
semi-condutores introduziu um dispositivo tipicamente binário: um transistor
apresenta dois estados mutuamente exclusivos (conduzindo/em-corte, isto é,
deixando/não-deixando passar a corrente elétrica). Os transistores substituíram
as representações eletrônicas de dispositivos digitais precedentes (anos 50)
48
, e o
desenvolvimento dos computadores acelerou-se. A miniaturização dos elementos
e o desenvolvimento das placas de circuito impresso deram lugar aos circuitos
LSI e VLSI, até chegar-se aos “chips” atuais.
Apesar de ser o bit a unidade “atômica” do processo de computação, lidar com
eles de modo isolado nunca constituiu um paradigma, e sempre foram produzidos
em pacotes (ou “bytes”) de 7 (ou 8) bits, segundo o padrão ASCII (ou EBCDIC)
49
.
Apesar do uso universal do sistema binário nas operações internas da máquina, o
processamento “normal” nas aplicações de informática sempre foi alfa-numérico,
pois precisamos das palavras para dar significado a quaisquer dados “de saída”
do computador, para uso humano imediato. Internamente, parte dos bits de uma
46
Nos posteriores visores de cristal líquido (LCD, de liquid cristal display), a energização seletiva
de alguns segmentos de reta “desenham” os diferentes algarismos.
47
Bit”: contração da expressão “BInary digiT” (também, “small piece”).
48
As máquinas precursoras do computador eletrônico usavam relés para controle das operações e
na representação interna de dados. A representação externa mais bem sucedida era a de cartões
perfurados, desde os sucessos de Hermann Hollerith (1890), e duraram até a década de 1980.
Fitas de papel perfurado seguiam o mesmo projeto lógico dos cartões e depois de banidas do
universo dos computadores perduraram mais alguns anos nos aparelhos TELEX.
49
Cada padrão utiliza um bit a mais para fins de controle de qualidade, ou “bit de paridade”.
86
cadeia de bytes são usados para informar à máquina como “interpretar” os bits
restantes: como um número binário, uma letra do alfabeto, um sinal de escrita, ou
um comando de operação da máquina.
O acionamento de uma tecla no teclado (ou duas teclas simultâneas, envolvendo
CTRL, SHIFT e ALT), envia uma cadeia de bits à memória do computador, os
quais “dizem” de que carácter se trata (letra maiúscula/minúscula, número, sinal,
ou um comando de operação, como “enter”). Para compor a “saída” na tela, ou no
papel, o computador envia os bytes para o dispositivo de saída, através de um
dispositivo de interface capaz de “traduzir” os bytes binários em sinais gráficos a
serem impressos, produzindo a escrita, ou desenhos.
O processamento de imagens exige um esquema mais complexo. Uma imagem é
subdividida oticamente em pequenos quadros, ou pixels (de picture element). A
“resolução” vai depender do número de quadros por polegada quadrada. A cor do
quadro (ou tom de cinza), o brilho e o contraste, são associados a escalas
numéricas, e armazenados em bytes de informação. Assim, um número de 0 a
255 indicará um tom de cor catalogado
50
, posteriormente reproduzida no monitor,
ou numa impressora colorida. Com um microscópio, ou um recurso adequado de
zoom, podemos identificar os quadros individuais. Mas, para o olho humano, a
fotografia ou imagem pode aparentar um grau de perfeição satisfatório.
No caso som, um dispositivo colherá amostras do som a intervalos regulares e
pequenos (44,1 mil vezes por segundo). A pressão da onda sonora da amostra é
medida como voltagem e convertida para um valor numérico, no intervalo adotado
no computador; o resultado é armazenado como uma cadeia de bits (incluindo os
bits de controle). Na reprodução, os sons unitários são tocados na mesma
freqüência em que foram colhidos, resultando numa execução em “stacato”, que o
ouvido humano percebe como um som contínuo (Negroponte, 1995: 19).
Em resumo, um modelo digital único de representação de dados pode representar
internamente no computador grandezas e realidades físicas e simbólicas tão
diversas como números, letras, sinais, desenhos, fotografias e som, possibilitando
aplicações como o controle médico da pressão e/ou temperatura de um paciente
monitorado; ou controlar a velocidade e direção de um móvel, como um foguete.
50
Uma palheta de 255 cores é básica; mas pode-se alcançar 16 milhões de cores e tonalidades.
87
2.3.2 Computadores: Hardware e Software
Os primeiros computadores datam da década de 1940. Seus predecessores
incluem as máquinas de somar-calcular e de escrever, e as ordenadoras a cartão
perfurado (Jacquard, França, 1801; Hollerith, EUA, 1890)
51
, artefatos mecânicos
baseados em molas, alavancas e engrenagens, com propulsão manual ou elétrica
e controles por relés. Sucessivos avanços na física e na química permitiram o uso
das válvulas eletrônicas e a criação dos computadores eletrônicos e - depois de
adotado o sistema binário - dos computadores eletrônicos digitais. Nas três
décadas seguintes a indústria progrediu, cada vez mais rápido, na engenharia de
fabricação e no horizonte das aplicações práticas dos mainframes - as volumosas
máquinas de então - avançando concomitantemente em pelo menos cinco eixos:
1 - a microeletrônica - criação de dispositivos mais velozes, miniaturizados e
capazes de funções mais complexas. As volumosas e frágeis válvulas eletrônicas
consumiam muita energia e geravam muito calor, e os sistemas de arrefecimento
eram grandes e dispendiosos. Dos avanços da física do estado sólido nasceram
os transistores, baseados nas propriedades semi-condutoras de alguns elementos
químicos, que substituíram as válvulas na maioria dos circuitos eletrônicos, com
as vantagens de menor volume, menor consumo energético, menor dissipação
térmica, menores exigências de condicionamento ambiental. Apresentaram
também um tempo de vida útil mais longo: um computador a válvulas nunca
funcionava mais do que umas poucas horas contínuas, até “queimar” alguma
válvula; com os transistores, passaram a funcionar dias seguidos, até semanas,
sem exigência de manutenção. Transistores miniaturizados e montados numa
placa de circuito impresso formam um circuito integrado (CI), e integrado em larga
escala (LSI), e em muito larga escala (VLSI, das siglas em inglês). O chip é um
bloco de vários circuitos integrados, de tamanho microscópico, selados, e dotados
de lógica interna, ou programa gravado em memória ROM (read-only memory),
sendo então capazes de funções de controle. O microprocessador é um chip
capaz de funcionar como Unidade Aritmética e Lógica (UAL) e Unidade de
Controle (UC) integradas, de que passaram a ser dotados os microcomputadores,
51
C. Babbage (~1830) tentou montar um “integrador analítico” totalmente mecânico, mas falhou.
Contudo, seu projeto teórico orientou a arquitetura dos futuros computadores, 100 anos depois.
88
substituindo assim a CPU (central processing unit) dos computadores ancestrais,
tornados desde então (década de 1980) quase obsoletos;
2 - a arquitetura dos computadores – a CPU e a Memória RAM beneficiaram-se
dos avanços da eletrônica. Foi necessário, também, aperfeiçoar os “periféricos”,
os órgãos de entrada, saída e armazenamento de dados externos do computador.
Teclados, impressoras, o mouse, monitores de vídeo, scanners, e outros
periféricos foram criados e aperfeiçoados, e as técnicas de acoplamento (as
interfaces de periféricos) tornaram mais flexível adaptar e compatibilizar os
periféricos e processadores de diferentes fabricantes. Nos micro-computadores
uma placa principal de circuito impresso (“placa mãe”) dotada de conectores para
outras placas – placas de som, aceleradores de vídeo, placas de comunicação
com rede digital ou analógica, etc., produzindo um hardware mais complexo e
potente e, ao mesmo tempo, mais barato e fácil de combinar com outro hardware;
3 - programação de computadores: os primeiros computadores tinham que ser
programados em notação binária e operados por profissionais de alta
qualificação. A massificação do uso das máquinas exigia a substituição destes
especialistas por operadores e programadores de computador menos
qualificados, passíveis de serem treinados em grande quantidade e menor tempo,
descartando a mão de obra especializada, e rebaixando os custos com salários. A
operação do computador foi facilitada pela “robotização” da função: o operador irá
realizar mecanicamente tarefas especificadas num manual, ou pelos visores da
máquina. Para os programadores, criaram-se as “linguagens de programação de
alto nível”, tais como o FORTRAN, COBOL, BASIC e outras mais recentes, cuja
sintaxe guarda semelhança com a linguagem cotidiana, sendo fáceis de aprender
em algumas semanas, nas quais são escritos os algoritmos que resolvem os
problemas computacionais, ou “programas-fonte”. O programador deixou de lidar
com a máquina real e com detalhes do hardware, para ater-se aos formalismos do
problema que deve resolver via programa, e aos detalhes sintáticos da linguagem
de programação. Foram então criados programas “compiladores” (ver também,
com nuances, os termos “montadores”, assemblers, e “interpretadores”), que
“traduzem” os “programas-fonte” em “programas objeto” ou “linguagem de
máquina” (o código binário da máquina). Com o tempo, a indústria passou a
89
dispor de um estoque de programas prét-a-porter, que resolvem toda uma gama
de problemas de um determinado domínio de atividades, dispensando a produção
de novos programas e tornando dispensáveis os programadores;
4 - engenharia de sistemas (engenharia de software) - os programadores “de
aplicações” lidam com o problema do usuário, do “mundo real”, e modelam sua
solução em termos dos recursos de uma linguagem de programação, para uma
máquina ideal. Os engenheiros de sistemas produzem softwares – compiladores,
e similares - que fornecem a interface entre uma máquina “real” e as linguagens
de alto nível presentes no mercado. E, também, sistemas operacionais, que
fazem a interface entre a “linguagem de máquina” de uma máquina física e os
“drivers” dos dispositivos periféricos. WINDOWS e LINUX são dois conhecidos
sistemas operacionais para microcomputadores. Num movimento complementar,
os fabricantes de periféricos constroem interfaces que permitam acoplar os
periféricos aos sistemas operacionais existentes no mercado.
Os desenvolvedores têm buscado oferecer uma interface homem-máquina cada
dia mais suave, facilitar o trabalho dos programadores e engenheiros de sistemas,
e facilitar a operação das máquinas pelos próprios usuários. Os criadores de
aplicações (analistas de sistemas), têm buscado descobrir novos campos onde os
computadores possam ser utilizados com vantagem, econômica ou de outro tipo.
Assim, das operações militares e dos cálculos científicos iniciais os computadores
se espalharam pelas empresas – nas folhas de pagamento, controle de estoques,
contabilidade, etc. -, pelos escritórios dos profissionais liberais, invadiram
hospitais e escolas, chegaram aos redutos da família.
5 - telemática ou teleprocessamento. Os primeiros computadores operavam
isolados. Sua interconexão começou com a troca de sinais digitais, via cabos
especiais, de até 20m; depois, via cabos coaxiais, com terminais situados a até
2Km. A adoção das “facilidades” das tele-comunicações pela informática permitiu
a total liberação da distância e a expansão das redes de computadores.
Os meios de transporte de dados incluem, hoje, o “velho” par trançado de fios de
cobre - usado em telefonia -, cabos coaxiais, diversas modalidades de ondas
magnéticas (ondas da rádio-difusão, VHF, UHF, microondas direcionais, conexão
via satélite geo-estacionário), sinais de luz via fibra ótica, radiação infravermelha.
90
Para fluir pelos meios analógicos, os sinais digitais-elétricos dos computadores e
terminais são convertidos, na saída, por moduladores-demoduladores (modem’s)
em sinais eletro-magnéticos. Sinais digitais não podem ser amplificados mas, os
analógicos, sim. Assim, as “facilidades” das tele-comunicações garantem que os
sinais cheguem íntegros à longa distância, revertendo as perdas energéticas e
distorções do trajeto (“ruídos” de transmissão, por interferências eletromagnéticas
que deformam as ondas dos sinais da mensagem em trânsito). Na chegada, uma
interface especular da primeira reconverte os sinais de analógicos para digitais. O
arranjo permitiu integrar as redes telefônicas com as redes de computadores.
Durante uma transmissão de dados, emissor e receptor trocam entre si bytes de
controle, ou “protocolo”, conforme a técnica de transmissão. No início e no fim da
mensagem são adicionados bytes de controle (header e trailler), com informações
de identificação do emissor e do destinatário, data/hora da transmissão, total de
bits da mensagem, etc. O receptor compara a recepção com os elementos de
controle e responde ao emissor com um sinal de aceite (ACK, acknowledegment)
ou de recusa (NACK). Neste caso o emissor reiniciará a transmissão.
O empacotamento é uma técnica de divisão da mensagem em fatias menores, ou
“pacotes”, enviados como mensagens isoladas. Os dados do header e trailler
permitirão ao receptor recompor a mensagem original, mesmo que os pacotes
sejam remetidos fora de ordem, ou por percursos diferentes, uma vez recebidos.
O emissor não espera por um ACK para enviar o próximo pacote. A transmissão
assíncrona e o sistema de restrições de sequencialidade e sincronismo.
Estas facilidades, combinadas, permitiram a criação da rede mundial, a “web”, ou
internet, que opera sobre um protocolo conhecido como TCP/IP, apoiada em uma
estrutura mundialmente distribuída de “servidores da rede” - computadores mais
potentes, e com características especiais. Um servidor está conectado a um certo
número de linhas telefônicas que lhe permite, segundo a mesma lógica de uma
central telefônica e de acordo com a teoria das filas, atender a um número de
usuários que é um múltiplo do número de linhas disponíveis no servidor.
91
2.3.3 Demais elementos da TIC
No último quartel do século XX as TIC convergiram para uma união cada vez
mais estreita. O barateamento dos chips permitiu seu uso em outros artefatos. As
centrais telefônicas migraram de analógicas para digitais (computadorizadas), o
mesmo acontecendo com outros dispositivos de comunicação. Atualmente, rádio,
televisão, computadores, telefonia fixa e móvel, gravadores de várias mídias (fitas
magnéticas, CD e DVD, e memórias flash) e, de certo modo, a própria mídia
impressa, compartilham um universo de linhas convergentes, integrando as TIC.
a) a mídia impressa.
Os jornais, revistas e seus conteúdos: notícias, “informações úteis” e de lazer, e
material de convencimento, no Brasil, são de propriedade/controle de “impérios
midiáticos” que comandam o esforço editorial de (de)formação da opinião pública.
Podem vir a sofrer a concorrência dos “jornais digitais”. A inclusão digital poderá
favorecer a disseminação da informação por meios digitais, como os blogs, que
podem ser criados e operados por indivíduos ou pequenos grupos e difundir
notícias em paralelo com o aparato da “grande mídia” (FRIEDMAN, 2005, p. 55)
52
.
b) telefonia (fixa e móvel)
Não se questiona a importância da telefonia no mundo das comunicações. O
índice de telefones por habitantes de uma região, ou cidade, é considerado um
dos indicadores locais de desenvolvimento. A telefonia fixa, opção única té algum
tempo atrás, vem perdendo lugar para a telefonia móvel. O telefone celular já foi
apontado como causador de mudanças de hábitos dos prestadores de pequenos
serviços, dos pais de classe média/alta que os usam para monitorar a localização
dos filhos, entre outros usos, apesar de não faltarem críticos SORJ (2003, p.25).
c) meios pessoais: gravadores de som/imagem, e similares
Os aparelhos de uso pessoal, como gravadores, tocadores de MP3, celulares
com gravadores e câmeras, câmeras digitais, etc., deram aos indivíduos novas
condições de operar no campo da informação e da comunicação, podendo abrir
52
Friedman cita o exemplo de um “jornal digital (o “InCD Journal”, Washington-DC) operado por
um “homem só”, que o entrevistou usando apenas um celular com câmera e um gravador “MP3”.
92
caminhos para novas formas de ação e de comportamentos. Merece estudo a
difusão de gravadores CD/RW e DVD/RW de uso doméstico, implantado em
computadores pessoais, está por trás da onda de pirataria de CD/DVD’s no Brasil.
d) o cinema
O barateamento dos equipamentos digitais está viabilizando o cinema de curta
metragem de baixo custo, como tem sido visto nos eventos do setor. E o cinema,
depois de um período de crise, parece ter readquirido impulso, voltando a
aumentar sua influência na difusão de mensagens para o grande público.
e) o rádio
Segundo Dantas (2002, p.103), nas décadas de 1910/1920 milhares de pessoas
em várias partes do mundo aderiram à febre da rádiotransmissão, conectando-se
pelo “éter” e pelas ondas hertzianas, por meio de aparelhos de montagem
artesanal (rádio-amadores). Naquele momento, Bertolt Brecht formulou uma
“teoria do rádio”, e vislumbrou a possibilidade de um movimento civil (do tipo que,
mais tarde, Habermas iria chamar de esfera pública cidadã), desde que todas as
residências fossem dotadas de aparelhos emissores-receptores, através dos
quais os indivíduos (cidadãos) poderiam manter relações políticas e culturais
entre si, numa espécie de assembléia popular permanente. “Seria um espaço
sustentado numa infra-estrutura técnica, na qual os indivíduos-cidadãos poderiam
intervir na condição de produtores diretos e autônomos de cultura, alargando e
consumando o ideal iluminista da esfera pública burguesa, agora expandida para
toda a sociedade democrática, numa radicalização da democracia”. Contudo, tão
logo a tecnologia se tornou comercialmente viável, o capital tratou de
mercantilizar a novidade. A combinação capital-governo produziu as leis, os
regulamentos e os órgãos de controle necessárias e suficientes para privatização
do novo espaço. Assim (embora poupando o setor minoritário dos rádio-
amadores, que subsistem até hoje, porém sem maior representação social) as
rádio-freqüências e os comprimentos de onda foram “loteados” para dar lugar a
empresas emissoras locais ou regionais, apelidadas de “estações de rádio”.
93
f) a televisão
A história da televisão repete, em parte, a história do radio. A técnica surge como
uma nova esperança de união das pessoas, união dos povos, difusão do
conhecimento, para em breve tempo se tornar mais uma técnica capturada pelos
interesses do capital para servir basicamente a este.
g) a TV Digital.
O avanço da tecnologia da TV Digital no mundo trouxe para o Brasil o problema
de troca do padrão de transmissão da TV, de analógico para digital, fato que
implicará mudanças profundas nesta mídia, considerada entre nós como a mais
influente delas. Com efeito, a TV digital poderá mudar o modo como a população
assiste televisão e as formas de sociabilidade mediadas pelas tecnologias, alterar
o cenário de concentração dos meios, contribuir para o desenvolvimento
tecnológico nacional e para as políticas de inclusão digital, e permitir uma
apropriação do público sobre o privado. Ou, contribuir com mais um exemplo de
técnica colonizada pelo capital. Eis alguns pontos de debate:
i) Alta Definição x Multiprogramação. A transmissão em Alta Definição (High
Definition Television, HDTV), com melhor qualidade da imagem, ocupa a mesma
largura de banda usada na transmissão analógica. A multi-programação do canal,
- outra opção – ao subdividir a “banda” analógica em até quatro canais de TV
digital, sacrifica a alta definição, mas permite a ampliação do número de
emissores e de produtores de conteúdo televisivo. Assim, além dos operadores
privados e estatais, também sindicatos, associações, ONG’s, movimentos sociais
e emissoras geridas coletivamente poderiam ter seus canais de TV digital.
ii) Interatividade. Uma TV digital interativa constituiria um importante instrumento
de inclusão digital, pois o usuário poderá enviar comandos e mensagens pela
rede. No Brasil, menos de 20% da população usa computador e internet em casa,
e mais de 90% têm TV. A TV digital interativa poderia ter um papel na afirmação
da cidadania, ao disponibilizar nos domicílios serviços interativos de educação
(que respondem às demandas específicas de cada usuário), de governo
94
eletrônico (pagamento de taxas e impostos, extratos do FGTS, boletim escolar
dos filhos, etc.), uso de correio eletrônico e, no limite, acesso a toda a internet.
iii) Padrão importado x projeto nacional. O país precisou optar entre um projeto
nacional (o SBTVD-Sistema Brasileiro de TV Digital), ou adotar um dos padrões
mundiais existentes (ATSC, norte-americano; DVB, europeu; ou ISDB, japonês,
afinal adotado). A velocidade de implantação, a oposição entre um sistema já
testado e um projeto “novo”, e a avaliação das possibilidades de exportação num
caso e noutro, balizaram as discussões. Também entrou em discussão a questão
da transferência de tecnologia, para evitar uma “escravidão tecnológica eterna” e
um “eterno” pagamento de royalties.
O SBTVD foi pensado para adaptação dos recursos existentes às necessidades e
condições do país. Por exemplo, na recepção do sinal, dada a nossa topografia
específica, nenhum dos sistemas existentes dispensa adaptações. Qualquer
opção, no final, combinará diversas tecnologias, como antenas inteligentes, som,
modulação e codificação do sinal, set top box
53
e softwares. Ora, toda produção
local de tecnologia – mais fortemente, em se tratando de tecnologias inovadoras -
tem o condão de fortalecer a pesquisa tecnológica nacional, estimular as
universidades e centros de pesquisa e gerar empregos qualificados. Ajuda a
diminuir a dependência externa relativa a produtos de alta tecnologia e a criar
uma indústria nacional, reduzindo a dependência tecnológica e industrial do país
em relação aos países desenvolvidos. Somente um modelo desenvolvido a partir
das realidades do país pode converter-se em um instrumento que impulsione o
desenvolvimento econômico, político, social e cultural locais.
iv) Os campos de luta. O empresariado do setor posicionou-se em defesa da
adoção de um dos padrões existentes, pela alta definição e pela manutenção da
largura de banda das concessões atuais, com sacrifício da interatividade e da
multiplexação, da entrada de novos concessionários no setor (em um espaço
historicamente monopolizado) e do desenvolvimento do SBTVD. Suas
associações de classe montaram “lobbies” junto aos poderes da União para
dificultar quaisquer mudanças que apontassem para uma maior democratização
da radiodifusão. Também, querem evitar a entrada, no setor, das empresas de
53
A caixa de controle acoplada ao televisor para acesso aos canais de TV por assinatura.
95
telecomunicações, o que poderia ser viabilizado pela porta da interatividade. As
empresas mostraram interesse na viabilização da criação de serviços comerciais,
como venda interativa, jogos, consultas personalizadas (previsão do tempo,
resultado de jogos), pay-per-view, etc., que potencializam seus lucros; e, em usar
o potencial da TV digital para a criação de serviços comerciais. Não parece que
pretendam incentivar o uso para governo eletrônico ou educação à distância.
Parece que querem reproduzir com a TV digital o atual cenário de concentração,
e negar a possibilidade de participação de novos atores neste espaço.
Os setores ligados à indústria nacional, a academia e alguns segmentos da SCO
preconizam as opções opostas: desprezar a alta definição, por seu caráter
meramente cosmético, elitista e dispendioso, em favor da multiprogramação e da
interatividade; e avançar o SBTVD, em lugar de um padrão estrangeiro “fechado”.
Em 2003 o governo, ao abrir o debate, criou o SBTVD
54
, que incluía um Grupo
Gestor (um fórum governamental) para definir as políticas da TV digital, e um
Conselho Consultivo com representantes da sociedade civil. O governo divulgou
22 editais de pesquisa para que consórcios formados por universidades, centros
de pesquisa e empresas pudessem desenvolver as peças do SBTVD, para cujo
desenvolvimento alocou R$ 80 milhões, dos quais foram liberados R$ 38 milhões.
Entretanto, em junho de 2005 o governo pareceu dar um passo atrás, ao nomear
o Ministro das Comunicações Hélio Costa (PMDB-MG), ex-integrante do sistema
Globo de Televisão, que rapidamente posicionou-se contra o trabalho acumulado,
depreciou o desenvolvimento da pesquisa nacional, anunciou a urgência de se
começar as transmissões digitais e descartou na prática quaisquer mudanças no
cenário. As subseqüentes ações do ministro pareceram levar em consideração
exclusivamente os interesses dos empresários detentores das concessões
públicas, fazendo da TV Digital instrumento de ampliação do potencial comercial
54
O Decreto Nº 4.901, de 26 de novembro de 2003, instituiu o SBTV, objetivando “promover a
inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia
digital; a democratização da informação; propiciar a criação de rede universal de educação à
distância; estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias
brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de informação e comunicação;
planejar o processo de transição da televisão analógica para a digital, de modo a garantir a
gradual adesão de usuários a custos compatíveis com sua renda; viabilizar a transição do sistema
analógico para o digital”, e, ainda, “estimular (...) o ingresso de novas empresas, propiciando a
expansão do setor e o desenvolvimento de inúmeros serviços decorrentes da tecnologia digital”.
96
destas emissoras. Tal suspeita tem por base o desrespeito aos processos em
andamento, tanto em relação ao Conselho Consultivo quanto em relação aos
consórcios de pesquisa. Ao invés de defender os interesses nacionais, o Ministro
pareceu atuar como representante de interesses particulares, e contra o debate
transparente e democrático da questão
55
.
Contudo, a TV digital oferece ao país a oportunidade de maior democratização
das comunicações, e de politização do debate sobre o direito à comunicação no
Brasil. É fundamental que as decisões sobre a TV digital – que são políticas, não
técnicas – sejam submetidas ao debate público, sob o risco de desperdício
daquela oportunidade. É preciso garantir transparência nos processos decisórios
do governo federal para que os lobbies empresariais não sejam os únicos a
exercer influência sobre aqueles que poderão decidir os rumos do SBTVD.
2.3.4 Redes e Internet
A digitalização dos dados e de sua transferência (transmissão) na forma digital.
tem algumas vantagens Os dados de origem (os sinais) podem ser analógicos ou
digitais; a transmissão pode ser em forma analógica ou digital.
Figura 3. Modos de transmissão analógico/digital.
Dado
Transmissão
Analógico Digital
Analógica Telefone, rádio, televisão Computador + par trançado
Digital Voz + cabo Computador + cabo
Compressão de dados: na operação com inteligência distribuída
56
, é possível
construir algoritmos de compressão/descompressão de dados, que permitem que
uma cadeia de N bits possa ser representada por uma cadeia menor (com n bits,
n < N), economizando tempo de transmissão. O receptor deverá descomprimir a
informação recebida
57
. A reprodução dos sinais de origem com alta qualidade
55
O segundo semestre de 2005 foi um momento político especialmente conturbado por denúncias
de corrupção levantadas contra o Governo, e que deixaram este politicamente enfraquecido.
56
Por “inteligência distribuída” entenda-se capacidade de processamento em ambas as pontas de
um circuito de transmissão de dados, ao invés de um computador em uma ponta e um terminal
“burro” na outra (configuração extinta, quando os micro-computadores substituíram os terminais).
57
No final dos anos 70 o CPD da Petrobrás-BA devia, cada mês, transmitir para a sede (Rio de
Janeiro) os dados da folha-de-pagamento. A transmissão a 2.400 bps exigia cerca de 6 horas, e
era sempre interrompida por falha na rede telefônica, ou elétrica. A fita-backup remetida por via
97
exige a velocidade de 64 Kbps para voz; 1,2 Mbps para música; 45 Mbps para
vídeo, velocidades excessivas para certos meios. A solução está na compressão
dos dados de entrada (e descompressão na saída). A compressão permite,
também, colocar quatro sinais de TV digital com qualidade, na mesma largura de
banda exigida para uma única transmissão analógica (Negroponte, 1995).
Correção de erros: toda linha de transmissão é sujeita a interferências (ruídos),
que deformam a onda transmissora e introduzem erros na transmissão de difícil
correção na rede analógica. O erro na transmissão digital é sempre a inversão de
um bit, entre 0 e 1. As técnicas para detectar e corrigir estas inversões tornaram
estas transmissões praticamente livres de erros.
Multimídia – as interfaces multimídia permitem a mistura de dados, áudio e vídeo
nos computadores, para apresentação simultânea. Isto já era uma conquista do
cinema e da TV, onde a tela e os autofalantes estão acoplados para apresentar
sincronamente um fluxo de imagens, música de fundo, diálogos humanos e
letreiros. A chegada desta mistura ao computador não apresenta, portanto,
novidade, mas requer técnicas novas para digitalizar tudo e transmitir tudo
digitalmente, num único canal, com possibilidades de separação no destino.
Armazenamento de dados. Um grande trunfo do computador é sua capacidade,
exponencialmente crescente, de armazenamento de dados. Um HD padrão atual
tem capacidade para 160 Gb. Girando a 7200 rpm, o HD garante um tempo médio
de acesso a qualquer registro em poucos nano-segundos.
“Inteligência distribuída”
. Nos meios atuais de comunicação - imprensa, rádio e
TV - a inteligência está concentrada numa das pontas: a origem, ou emissor, que
decide sobre o conteúdo, a hora da transmissão, a ênfase e o formato da notícia.
O receptor é um sujeito passivo, consumidor de um produto sobre o qual não
pode exercer qualquer ação relevante. No caso do rádio e TV está sujeito à
sincronização com a emissão e ao ‘lixo informativo’ que vem entremeado com a
informação. Trocar de canal, ou desligar o aparelho, são reações irrelevantes;
gravar o programa para ver em outra hora, apenas liberta-o da sincronicidade. As
oportunidades de intervenção do ouvinte são como gotas d’água de reação num
aérea sempre chegava antes da transmissão, causando um “mal-estar tecnológico”. Um programa
de compressão de dados – idealizado pelo autor - reduziu o tempo de transmissão para 2hs.
98
oceano de imposições. No caso da mídia impressa, pode-se escolher a hora de
ler, as matérias, a seqüência de leitura e descartar partes, até “cadernos” inteiros.
Mas, continua-se submetido ao editor em tudo mais. Pouco adiantam as seções
de cartas à redação, o “espaço do leitor”, ou o direito de resposta.
A democratização da informação depende da maior autonomia do receptor,
desmercantilização parcial da operação de emissão, e constituição de emissores
comunitários em todos os mídia. As facilidades da digitalização dos dados, da sua
transmissão a altas velocidades, armazenamento local e busca seletiva, darão ao
receptor do material das rádios e TVs a possibilidade de selecionar o que ler, ver
ou ouvir, na hora que quiser, e livre de “lixo informacional” embutido (por exemplo,
propagandas). Ignora-se que impacto isto terá sobre o setor, já que não haverá
garantias de que o receptor assista os comerciais e as técnicas de merchandising
tentarão para embutir propaganda da maneira mais subreptícia possível – ou,
mesmo, subliminar – no meio dos textos mais sérios, inocentes, ou dedicados.
2.4 – SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO, SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E
CAPITALISMO INFORMATIZADO
2.4.1 A compreensão do mundo e o ato de nomear
A compreensão do mundo exige o discurso. A concepção do discurso exige o
nome. O ato de nomear tem, possivelmente, a idade da fala, a idade das formas
primitivas da oralidade primária, a idade dos albores da oralidade. E comportou,
desde estes primórdios, a intencionalidade do domínio sobre o ser nomeado.
O ato de nomear nunca é inocente, especialmente quando se confunde
com o ato de categorizar (...). Classificações freqüentemente produzem
estereótipos úteis para sujeitar pessoas e povos através de simplificações
que justificam a indiferença à heterogeneidade (Ribeiro, 2003).
Aliás, “o processo através do qual uma cultura subordina outra começa com o ato
de dar ou não dar nomes” (SPURR, 1999, p. 4). E “a criação e manutenção de um
sistema de classificação tem sempre caracterizado o exercício de poder em
sociedades humanas” (HERZFELD, 1992, p. 110)
58
.
58
SPURR, David. The Rhetoric of Empire. Colonial Discourse in Journalism, Travel Writing, and
Imperial Administration. Londres: Duke University Press, 1999. HERZFELD, Michael. The Social
Production of Indifference: Exploring the Symbolic Roots of Western Bureaucracy. Chicago: The
University of Chicago Press,1992.
99
Estas considerações talvez indiquem o porquê dos esforços para criação do rótulo
“sociedade da informação”, na plena vigência do modo de produção capitalista.
Immanuel Wallerstein (2001, p. 18) situa na Europa, no final do século XV, a
gênese do sistema social conhecido como “sociedade capitalista”. Este sistema
logo espraiou-se para fora do Continente e, ao longo dos séculos, transformou-se
espetacularmente, metamorfoseando-se sem perder a identidade, uma vez que
“mudar, sem deixar de ser” (isto é, adaptar-se às mudanças que o próprio sistema
provoca, ou acelera) parece ser uma qualidade inata do capitalismo. Ao
observarmos os sucessos históricos do século XX, fica a impressão de um grande
ciclo de acomodações nas primeiras quatro décadas, terminadas por um lustro de
intensos conflitos envolvendo os principais países capitalistas. Finda a Segunda
Grande Guerra (1945) começa, porém, um período de grande progresso material
e relativo progresso político e social nos países capitalistas centrais, conhecido
como “les trente glorieuses” dos franceses, ou “a Era de Ouro, de um quarto de
século”, dos anglo-americanos (HOBSBAWN, 1995: 253)
59
. Esta foi a época da
instalação do Estado de Bem Estar Social nos países mais desenvolvidos.
As promessas de um desenvolvimento material generalizado dos países do
“terceiro mundo” pareciam ser uma esperança plausível. E então, quase de
repente, o sonho acabou. Uma visão de cunho mais pessimista tomou conta das
análises econômicas e políticas daquele momento. A razão explicativa passou a
perseguir idéias capazes de iluminar o momento histórico, de apreender o espírito
da época. Vieram à luz conceitos como os de pós-modernidade, “fim da História”,
sociedade pós-industrial, sociedade pós-fordista, neo-liberalismo, acumulação
flexível, “sociedade em rede”, globalização (Fukuyama, 1992; Harvey, 2001;
Castells, 2000; Milton Santos, 2000; Souza Santos, 2000; Touraine, 1999).
A idéia de pós-modernidade se apresenta comumente como um rompimento com
os cânones do iluminismo. Os mais exacerbados vislumbram o fim da ‘razão’, da
‘ciência’, da ‘modernidade’. Os traços de uma sociedade industrial “pós-fordista”,
na interpretação de F. Llorens, estão resumidos no Quadro 11, a seguir.
59
“Trinta gloriosos”: 1945-1975. Alguns analistas consideram que o ciclo de crescimento termina
em 1973, ano do “primeiro choque do petróleo” ou, talvez, em 1971, com a quebra do padrão
dólar-ouro fixado nos tratados de Bretton-Woods. Evidentemente, não se pode debitar a ruptura a
uma causa única.
100
Quadro 11. FORDISMO x PÓS FORDISMO: traços básicos.
TRAÇOS BÁSICOS FORDISMO PÓS-FORDISMO
1. Fator Chave Petróleo Barato Microeletrônica ( baixo custo do controle da informação e integração de todas as
fases do processo econômico numa mesma unidade de tempo real).
2. Organização
doTrabalho e Forma de
Produção (uniformidade
e repetitividade)
Fábrica/cadeia de montagem/taylorismo.
Produção em massa de produtos padronizados.
Uso intensivo de energia e matérias primas.
Maquinaria especializada de alto custo.
Estabilidade no emprego relativa: acordos coletivos e relação
salários/produtividade.
Baixa ou nula preocupação com impactos ambientais.
Produção flexível e diferenciada.
Importância da qualidade do produto.
Uso intensivo da informação.
Maquinaria versátil.
Maior preocupação com os impactos ambientais.
3. Otimização da
Gestão Empresarial
Grande empresa/oligopólio.
Organização hierárquica e separação das funções empresarias.
Atividade de P & D integradas na empresa.
Economias de escala internas à empresa.
Concorrência interempresarial.
Empresa com capacidade de adaptação aos mercados flutuantes:
subcontratação de empresas; maior flexibilidade das PMEs.
Integração horizontal das diferentes funções empresariais.
P & D - resultado de cooperação entre empresas e setor público.
Economias de variedade.
Economias de escala externas `empresa e internas ao território.
4. Ramos Motrizes Siderurgia, petroquímica, construção naval, setores automotivo e de
transporte, indústria da construção, bens de consumo duráveis e
indústria militar. Serviços vinculados: oficinas de automóveis,
distribuição de gasolina, finanças, turismo
Microeletrônica, novos materiais, biotecnologia, indústria aeronáutica.
Serviços vinculados: empresariais e de gestão; financeiros.
5. Infra-estrutura
vinculada
Auto-estradas, estradas, energia elétrica.
Habitação e urbanismo.
Grandes complexos residenciais.
Infra-estrutura para turismo maciço.
Novas tecnologias da informação e de telecomunicações.
Centros de formação e inovação empresarial.
6. Mercado e Trabalho
e Perfil de Ocupações
Especialização da força de trabalho.
Qualificações médias da força de trabalho.
Heterogeneidade do mercado de trabalho.
Polivalência da força de trabalho.
Precariedade e insegurança no emprego.
7.Assentamentos
Territoriais
Concentrações urbanas e economias de aglomeração.
Integração territorial vertical e hierárquica.
Pólos industriais.
Importância do entorno territorial para facilitar a inovação produtiva e empresarial.
Concorrência e cooperação empresarial, territorial (redes de empresas locais).
Institutos e parques tecnológicos.
Cultura local do desenvolvimento.
8. Planejamento e
Políticas públicas
Centralizado.
Indicativo para o setor privado.
Dirigismo estatal.
Unidade de análise principal: o Estado-nação.
Descentralizados.
Estratégicos.
Articulados entre setores públicos e privados.
Agências de desenvolvimento regional e local
Unidade de análise principal: clusters territoriais e setoriais.
Fonte: LLORENS, Francisco A., pp. 68-69.
2.4.2 A “SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO”
Após a aceleração da difusão dos microcomputadores e das redes informáticas, um
novo discurso emergiu, louvando a chegada da “sociedade da informação” (para
outros, “sociedade do conhecimento”). Entre nós, o Ministério da Ciência e
Tecnologia vem de publicar um “Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil”
(MCT, 2000), apresentado como “o anteprojeto nacional para a construção da
sociedade da informação” no país. É a versão local de um gesto repetido em muitos
outros lugares, dentro de um movimento de âmbito mundial de ‘criação’ da Global
Information Society. Contudo, é duvidoso estar o mundo, no limiar do século XXI,
migrando para uma nova e global formação social, que deva ser definida/nominada
como “sociedade da informação”. Aliás, entendemos que não é assim, em linha com
Randolph (2003b; 2003c; 2004),
Aderimos à hipótese de Léfèbvre (1999: 15) de que, com o esgotamento da
sociedade industrial ou, talvez melhor, da hegemonia deste modelo social –
onde a oposição entre campo e cidade já perdeu seu significado -, o mundo
está se encaminhando, não para a sociedade da informação, ou sociedade do
conhecimento, ou sociedade em rede, mas para a sociedade urbana, uma
sociedade totalmente urbanizada.
O acelerado aperfeiçoamento das TIC e sua ampla – e amplamente desigual –
disseminação, a partir do último quarto de século, ensejou a emergência de
numerosos discursos explicativos-prospectivos que, daquele aperfeiçoamento e
daquela difusão, extraíram argumentos tidos por suficientes para explicar, ou prever,
o surgimento da “nova” sociedade. Assim, encontramos referências a uma
“revolução informacional” (Lojkine, 1999), à “sociedade em rede” (Castells, 2000), a
um “ciberespaço” e a uma “cibercultura” (Lèvy, 1993; 1999; 2001).
Castells (2000) endossa o advento de um novo momento histórico, que denomina
por “sociedade informacional”, ou “capitalismo informacional” (p. 36), e afirma que
“uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação está
remodelando as bases materiais da sociedade em ritmo acelerado” (p.21), criando
uma interdependência global entre as economias por todo o mundo e alterando as
relações entre economia, Estado e sociedade. Estas tecnologias estão na base da
reestruturação produtiva que implica o gerenciamento flexível, maior facilidade de
relocalização de investimentos, fortalecimento do capital diante do trabalho,
102
incorporação maciça e veloz de novo conhecimento no processo produtivo, e a
aceleração e facilidade das comunicações. No processo, sai perdedora a mão-de-
obra, cujas conquistas estão sendo revertidas, inclusive pela reestruturação do
Estado - a qual favorece o capital em detrimento da proteção social e do interesse
público - e pelo enfraquecimento do poder das organizações de trabalhadores (pp.
26/7). A questão de gênero não ficou à parte, com a incorporação maciça das
mulheres à força de trabalho, porém em condições ainda inferiores às do homem.
Exemplo emblemático dos desvarios do otimismo tecnológico despertado pela
emergência das TIC é o discurso pronunciado na metade dos anos 1990 por Al
Gore, vice-presidente dos EUA, parcialmente reproduzido a seguir
60
. Depois de
anunciar que “(já) dispomos de recursos tecnológicos e meios econômicos para
aproximar todas as comunidades do mundo (através de) uma rede de informação
planetária que transmita mensagens e imagens com velocidade da luz (...) a todas
as partes do continente”, Al-Gore acrescenta que -
A criação desta rede das redes constitui um pré-requisito essencial de
desenvolvimento sustentável para todos os membros da família humana.
Com vista ao alcance deste objetivo, legisladores, regulamentadores e
homens de negócio devem (...) construir e operar uma Infra-Estrutura Global
de Informação (IGI).
A IGI, uma vez construída, “permitirá partilharmos informações, fazer ligações e
comunicações, como uma comunidade global”. Dessas conexões, extrairemos -
- um progresso econômico robusto e sustentável, democracias fortalecidas,
soluções melhores para desafios ambientais globais e locais, cuidados
aperfeiçoados de saúde e, por fim, um maior sentido de administração
partilhada de nosso pequeno planeta. A Infra-Estrutura Global de Informação
ajudará na educação de nossos filhos e permitirá o intercâmbio de idéias
dentro de uma comunidade e entre nações. Representará um meio pelo qual
famílias e amigos transcenderão as barreiras do tempo e da distância.
Tornará possível um mercado global de informações, onde consumidores
poderão adquirir ou vender produtos.
A IGI não deveria ser construída nem dirigida por um único país, mas através de “um
esforço democrático e cooperativo entre governos e povos”. O discurso “tecnólatra”
envereda por considerações sobre a democracia participativa e representativa:
A inteligência distribuída da IGI ampliará a democracia participativa e a IGI
(...) constituirá uma metáfora para a própria democracia.
60
Al Gore: “Infra-Estrutura Global de Informação”. Folha de São Paulo. São Paulo, 31 de março de
1995, p.1-3. Transcrito de ARAUJO (2003:15-16).
103
A democracia representativa não funciona com um governo central todo-
poderoso que se arroga a tomada de todas as decisões. Essa é a razão da
falência do comunismo. Em vez disso, a democracia representativa repousa
sobre a presunção de que a melhor maneira de uma nação adotar suas
decisões políticas é cada cidadão – o equivalente humano do processador
autônomo – ter o poder de controlar sua própria vida.
É notável que, enquanto anteriormente imaginava-se a máquina emulando o
homem, segundo a metáfora do “cérebro eletrônico”, para o otimista tecnológico é o
cidadão que se torna um “equivalente humano do processador autônomo”. Mas,
- para que isso seja feito, deve estar disponível ao povo a informação de que
ele necessita. E, ainda, ser-lhe permitido expressar livremente suas
conclusões pela palavra e pelo voto (...). (A IGI) promoverá, de fato, o
funcionamento da democracia, ampliando consideravelmente a participação
dos cidadãos nas tomadas de decisões. Antevejo o advento de uma nova era
ateniense de democracia, forjada nos foros que a IGI irá propiciar.
Tornar “disponível ao povo a informação de que ele necessita”, garantindo, assim,
ao cidadão, o poder de controlar sua própria vida (a “condição de agente”) e de “se
expressar livremente (...) pela palavra e pelo voto”, é uma proposta autoritária,
eivada de falsas premissas e falsas conclusões. Supõe um super-ator que decide de
qual informação o povo necessita e, depois, cria e opera os canais de difusão.
Estes, na sociedade capitalista, pertencem às empresas de comunicação, de
propriedade privada e interesses idem. Segundo, para alcançar a condição de
agente não basta “receber” ou “acessar” a informação. Terceiro, a expressão “(deve)
ser-lhe permitido ...” retoma o super-ator, detentor do poder de permissão. Quarto,
dizer que “a IGI promoverá ...” coloca a tecnologia na condição de ator, ou agente.
Por fim, o anseio por uma “nova era ateniense de democracia” é expresso sem uma
avaliação dos erros daquela “democracia” (direta, plebiscitária, mas amplamente
excludente), e de sua inadequação aos nossos dias.
Apesar da referência inicial aos “meios econômicos” necessários para construir-se a
IGI, o discurso, a partir daí, centra-se tão somente na variável tecnologia e não
retorna aos “determinantes” econômicos. Também, não supõe um ator-chefe para
comandar a anunciada revolução; não questiona a presença ou ausência da
“condição de madurez” da cultura, para a transformação, nem os conflitos de classe
e os jogos de interesse que poderão facilitar ou dificultar a mudança.
No plano geo-político, a IGI permitiria a formação de uma comunidade global (ou
‘família humana’), que assumiria a ‘administração partilhada do planeta’. No plano
104
econômico, viabilizaria o ‘desenvolvimento sustentável, a superação dos desafios
ambientais globais e locais, o progresso econômico, a formação de um mercado
global de informações’ (suposto livre). No nível institucional, a IGI ampliaria as
democracias participativas-representativas, fortalecidas, mas não centralizadas; e
promoveria o funcionamento da democracia, porque ampliaria a participação dos
cidadãos nas tomadas de decisões, através dos foros que a IGI irá propiciar.
Não é de se estranhar que as mentes não analíticas aceitem que uma tecnologia
pretensamente tão poderosa e avassaladora seja capaz de inaugurar uma nova
formação social. E que a transformação social esperada leve muitos pensadores a
visualizarem uma “terceira revolução industrial”, e a caracterizarem a “nova”
sociedade como “sociedade da informação” ou “do conhecimento”. Também, é
possível encontrar quem prefira referenciar-se a uma “sociedade d-TIC”
61
.
Contudo, a sociedade “ocidental” do início do século XXI permanece, em essência -
por sua estrutura e suas mais relevantes características – a mesma-e-velha (mas,
renovada) sociedade capitalista invectivada por Marx, caracterizada pela
propriedade privada dos meios de produção e a sobrevalorização do capital frente
ao trabalho. Contudo, a “velha” sociedade capitalista se renova, pois um dos seus
traços é, justamente, que, em sua vigência, “tudo que é sólido se desmancha no ar”.
Assim, o capitalismo foi “mercantil” e tornou-se “industrial”, assim que a indústria
passou a ser o setor mais destacado da economia capitalista. Nas últimas décadas,
os ganhos do setor financeiro suplantaram os da indústria, e o setor de serviços
adquiriu importância crescente. A chegada das empresas de TI aos mercados de
ações levou à criação da expressão “nova economia”, uma suposta economia de
bens imateriais que deveria relegar ao desprezo a “velha economia” industrial, dos
bens materiais. A “bolha”, porém, não se sustentou.
A ultrapassagem do capitalismo industrial é fato aceito consensualmente, pela perda
de importância relativa da indústria perante o setor financeiro e o de serviços. Mas,
não compete falar de “capitalismo pós-industrial”, pois as indústrias não acabaram,
apesar de mudarem seu modus operandi (Quadro 11). A disseminação das TIC,
junto com outras mudanças pós-guerra fria, produziu transformações que não
podem ser ignoradas: não encontramos, porém, um rótulo satisfatório para
61
Patrocínio (2003) conceitua uma sociedade dTIC (depois das TIC) em oposição a uma sociedade
aTIC (antes das TIC).
105
caracterizar este momento. Esta perplexidade pode explicar o uso da expressão
“sociedade da informação”, mas não a justifica.
A resistência ao nome, explica-se: o conceito de sociedade capitalista transmite uma
informação imediata sobre a estrutura da sociedade; sua divisão classista entre
capitalistas e não-capitalistas (num sentido vulgar: patrões e empregados); a
prevalência do “capital” sobre o “trabalho” (ou, dos interesses do capitalista sobre os
do trabalhador); a sacralidade e ilimitação da propriedade privada dos meios de
produção; a competitividade, que gera concorrência, violência, corrupção e anti-
solidariedade; o autoritarismo intra-empresa, e do mercado, e da classe capitalista
(enquanto tal), que gera uma sociedade necessariamente autoritária. Na visão
tripolar da sociedade como Estado, Mercado e Sociedade civil (ou nos equivalentes
habermasianos de Sistema-Estado, Sistema-Mercado e Mundo da Vida), o
componente mercado é, genética e ontologicamente, autoritário. Daí uma sociedade
capitalista não poder, jamais, ser democrática no extenso sentido da palavra: a idéia
de democracia fica restrita ao âmbito do Estado, e trata-se tão somente de uma
democracia político-formal, dominada – “por debaixo dos panos” - por interesses de
fundo capitalista; voltada, portanto, para os interesses desta classe, ainda que algum
benefício vaze para o “resto” da sociedade, quer porque este resto se consegue
fazer representar, quer porque sua esmagadora maioria ameaça “entornar o caldo” e
incendiar o teatro, com prejuízos para donos, atores e platéia.
O nome “sociedade da informação” nada traduz. Em toda sociedade sempre houve
informação. “Informado” pode ser qualquer um, pobre ou rico, capitalista ou operário,
mandante ou comandado. A existência dos mais e dos menos (des)informados não
tipifica uma sociedade (no sentido em que clivagem entre capitalistas e operários
tipifica o MPC). A disseminação da informação por meio das TIC não descaracteriza
a sociedade capitalista, não muda as relações de propriedade dos meios de
produção nem as fórmulas da acumulação capitalista. Trata-se, apenas, de mais
uma técnica, de uma “nova” tecnologia de largo espectro. Dominá-la é vital para
cada país não se atrasar em relação aos outros, tanto quanto “dominar” a
eletricidade foi importante, neste sentido, num dado momento histórico. Mas, o jogo
de vantagem/desvantagem associado ao eventual domínio da tecnologia de ponta
de cada momento, sempre foi inerente ao processo civilizatório.
106
Portanto, estamos diante da “mesma-e-velha” sociedade capitalista, propelida pelas
TIC (e propelindo-as). Nossas referências à sociedade da informação não implicam
endosso ao surgimento de uma nova formação social mas, apenas, o destaque da
invasão capilar da (mesma, velha, mas renovada) sociedade capitalista pelas TIC.
2.4.3 A importância social do domínio nacional das TIC
Nos planos macro-econômico e geo-político o maior ou menor domínio das TIC afeta
a competitividade internacional entre os países, como unidades econômicas em
conflito, pois atua sobre a pauta de exportações, seja pela agregação de valor aos
produtos de exportação, seja pela adição de novos itens a esta pauta, na forma de
programas ou conteúdos digitais exportáveis, além de ser um fator de facilitação das
negociações comerciais, como artefato para a troca de informações e para a
transferência eletrônica de valores contratados. Não é menos relevante a questão do
desenvolvimento tecnológico do país, sujeito, na sociedade da informação, ao
domínio – maior ou menor – das técnicas relacionadas a estas tecnologias.
No plano micro-econômico, afeta a rentabilidade empresarial e a competitividade
inter-empresarial, ao permitir ou facilitar a alteração ou inovação de processos
produtivos e gerenciais; também, afeta a empregabilidade do trabalhador e sua
renda. Os processos de comercialização sofrem os efeitos do e-business - em
particular, do e-commerce - que se expressam na forma de lojas eletrônicas, leilões
eletrônicos, e outras modalidades. Do lado das pautas de consumo, o fenômeno
sofre as mesmas influências, de forma especular.
No plano sócio-político, tem sido discutida a interferência das TIC para a coesão
social, a participação política, a afirmação e o exercício dos direitos e da cidadania.
Uma dimensão especial, neste caso, é a possibilidades do voto eletrônico e as
possibilidades de uma “democracia eletrônica” ou de uma “ágora eletrônica”. Outra
questão sócio-política está nos múltiplos desdobramentos do “governo eletrônico”.
Vem sendo objeto de teorias e experiências o uso das TIC em projetos de inclusão
digital via escola, como ferramenta pedagógica para o desenvolvimento pessoal e
social do aluno e em programas de atendimento especial a pessoas com deficiência.
Têm sido relatadas interações de ordem psicossocial e antropológica, em questões
ligadas ao afeto, nas relações inter-pessoais, e no plano da auto-estima. Neste caso,
107
está o crescente uso de e-mails, chats, bligs e blogs, foruns de discussão,
“comunidades virtuais” (como o Orkut) e outras redes inter-pessoais (não
comerciais). Há, ainda, outros aspectos ligados ao Mundo da Vida, como hábitos de
lazer, incluindo jogos eletrônicos e “realidade virtual” e os hábitos de consumo
(vistos pela sua face antropológica). Nem sequer o sexo ficou de fora dos efeitos das
TIC, havendo já propostas de supostos modos de “sexo virtual”.
Para Dantas (2002), existe o risco da formação de “sociedades sub-informadas”, e
do Brasil incluir-se nelas. Desde os anos 1950, o domínio absoluto dos meios de
radio-difusão pelos países centrais (EUA, Europa Ocidental, Japão) vem forçando a
unidirecionalidade dos fluxos de informação. Na década de 1970, 80% das notícias
veiculadas no mundo fluiam via Nova Iorque, Londres e Paris. O fluxo de livros,
filmes de cinema e programas de TV, agências de notícias e indústria fonográfica se
tornou quase unidirecional entre aqueles países e os do Terceiro Mundo. Isto implica
um colonialismo cultural, que se materializa na invasão de uma língua por termos da
outra. “Os fluxos unidirecionais de dados e informação potencializam os processos
de desqualificação e supressão das expressões culturais próprias dos povos
periféricos, apertando os laços de dependência econômica e política desses povos”
(p.195). Para além dos conteúdos técnicos, os sistemas de informação importados
embutem, também, conteúdos culturais.
As distinções entre sociedades bem-dotadas de sistemas de informação e aquelas
mal providas podem superar qualquer distinção baseada em indicadores de renda.
Será muito mais difícil o desenvolvimento econômico em um mundo no qual as
grandes potências industriais complementam a força industrial com sistemas de
informação sofisticados que reforçam as disparidades entre elas e as nações sub-
desenvolvidas. A divisão entre os ricamente e os pobremente informados – nacional
e inter-nacionalmente – pode vir a ser inexorável e mais difícil de superar que as
divisões fundadas na exploração econômica (SMITH, 1980, p.113).
A consulta a um call center pode eventualmente vir a ser processada em bancos de
dados sediados no exterior, com custos pagos pelo Brasil (o mesmo ocorre com
algumas das pesquisas na internet). A falta de competência técnica no país para
criar e manter sistemas de informação próprios, bancos de dados e programas de
computador, aprofunda a dependência nacional de agências e agentes externos. A
competência interna pode gerar empregos locais. A dependência reduz a “condição
108
de agente” do Governo brasileiro para fazer opções políticas e econômicas que
contrariem o capital transnacional, sob pena de retaliações (Dantas, 2002, p.205).
A fuga de empregos para cidades super-informatizadas, situadas em países como
China ou Índia, é dramatizada por Friedman (2005). Os efeitos das TIC na
reconfiguração do urbano podem tornar-se relevantes, segundo Lobo (2002)
.62
. As
modificações na tecnologia informática e nas suas redes são imprevisíveis, ainda, e
as descobertas e invenções podem revolucionar as perspectivas e o comportamento
das populações. “A cidade condicionará a evolução da informática, tanto quanto a
evolução desta provocará mudanças na cidade. [Contudo,] a cidade não vai alterar
muito sua estrutura no curto prazo, dada a sua conhecida inércia, a persistência dos
traçados e o imenso patrimônio já construído e que interessa conservar” (Idem).
Para Lobo, com o desenvolvimento das TIC uma série de funções da vida quotidiana
poderá não depender de proximidade espacial – trabalho doméstico e teletrabalho
63
;
compras e movimentação bancária via rede; diversão e aprendizagem com televisão
e internet; acesso a serviços de saúde e outros serviços públicos; comunicação por
e-mail e celulares, podendo resultar na maior permanência em casa (ou no bairro),
com conseqüências para a família e para a sociedade. Os deslocamentos podem
sofrer variações, com impacto nos fluxos viários e de pedestres. Os “escritórios
virtuais” dos bairros podem contribuir para a redução dos deslocamentos ao centro
Também, em função do mau uso das TIC podem surgir novos problemas de saúde,
psíquicos, criminais e morais. As mudanças trariam novos desafios para os
planejadores e administradores urbanos. A preparação de pessoas para estas
mudanças pode ser assimilada à inclusão digital.
A transformação no urbano pelo influxo das TIC é discutida também por Randolph
(2004) para quem, aparentemente, a difusão de tecnologias telemáticas e redes
globais de computadores é uma das principais “causas” das transformações
recentes da “forma urbana” das cidades no mundo ocidental, em particular no Brasil.
62
LOBO, Manuel da Costa. “As cidades na Era da Sociedade da Informação: linhas de reflexão para
o seu planejamento”, palestra (Seminário “O Desenvolvimento Tecnológico de Cidades e a Sociedade
da Informação”, Brasília, 06 de março de 2002). Lobo, é Membro do Conselho Europeu de Urbanismo
e Presidente do Centro de Sistemas Urbanos e Regionais da Universidade Técnica de Lisboa.
63
Qvortup, Lars. “Telework: vision, definitions, realities, barriers”, in OECD Cities and New
Technologies. Paris: OECD, pp. 77-108, apud Castells (1999, p. 419).
109
2.4.4 A desigualdade nas bases materiais das TIC
Segundo o IBGE, Censo 2000, apenas 10,6% dos domicílios brasileiros possui
computador, em um contexto em que menos de 40% deles possuem telefone fixo.
De acordo com um levantamento feito pela Network Wizards, o Brasil possui o maior
número de hosts de internet da América Latina, sendo o 10º do mundo. Por outro
lado, em termos relativos, temos menos usuários de telefones que nossos vizinhos
Argentina e Uruguai e um número relativamente menor de usuários individuais de
internet que Chile, Argentina e Peru.
Quadro 12. Posição dos Países por Número de Hosts
Jul/02 País Julho/02 Jan/02 Jan/02
1º Estados Unidos* 113.574.290 106.182.291
2º Japão (.jp) 8.713.920 7.118.333
3º Canadá (.ca) 3.129.884 2.890.273
4º Itália (.it) 2.958.899 2.282.457
Alemanha (.de) 2.923.327 2.681.325
Reino Unido (.uk) 2.508.151 2.462.915
Austrália (.au) 2.496.683 2.288.584
8º Holanda (.nl) 2.150.379 1.983.102
9º França (.fr) 2.052.770 1.670.694 10º
10º Brasil (.br) 1.988.321 1.644.575 11º
Fonte: Network Wizards 2002
Quadro 13. Hosts nas Américas
Jul/02 País Julho/02 Jan/02 Jan/02
1º Estados Unidos* 113.574.290 106.182.291
2º Canadá (.ca) 3.129.884 2.890.273
3º Brasil (.br) 1.988.321 1.644.575
4º México (.mx) 1.004.637 918.288
5º Argentina (.ar) 486.296 465.359
6º Chile (.cl) 130.095 122.727
7º Uruguai (.uy) 72.320 70.892
8º Colômbia (.co) 46.896 57.419
Rep. Dominicana (.do) 46.046 41.761
10º Venezuela (.ve) 22.541 22.614 10º
11º Peru (.pe) 14.611 13.504 11º
12º Costa Rica (.cr) 8.022 8.551 12º
13º Panamá (.pa) 7.700 7.825 13º
14º Trinidad-Tobago (.tt) 6.726 6.872 14º
15º Guatemala (.gt) 6.161 5.603 15º
Fonte: Network Wizards 2002. (*) (Domínios: .edu, .us, .mil, .org, .gov e .gTLDs)
Hosts (ou servidores) são computadores ligados permanentemente à Internet. São
dedicados à conexão com vários outros hosts. Ao acessar seu provedor de internet
a pessoa estará conectando-se a um “servidor” que provê o acesso à rede mundial.
110
Quadro 14. Sociedade da Informação - Indicadores Da América Do Sul
PAÍS População
(milhões)
PIB per
capita
Tele-den-
sidade
Prove-
dores
Usuários (Mil)
(mês/ano)
Usuários
(%) pop.
Argentina 37.4 7.46 (2001) 21.3 33 3.880 (jul/01) 10.38
Bolívia 8.3 2.6 (2000) 6.17 9 78 (dez/99) 0.98
Brasil 174.7 2.93 (2001) 18.18 50 13.620 (mai/02) [*4] 7.74
Chile 15.3 10.1 (2000) 22.12 7 3.100 (dez/01) 20.02
Colômbia 40.3 6.2 16.91 18 1.150 (dez/01) 2.81
Equador 13.1 2.9 10.0 13 328 (dez/01) 2.44
Paraguai 15.7 4.7 5.54 4 20 (dez/01) 0.36
Peru 27.4 4.5 6.37 10 3.000 (dez/01) 10.73
Suriname 0,434 3.4 18.06 2 14.5 (dez/01) 3.32
Uruguai 3.4 9.3 27.84 7 95 (dez/01) 13.61
Venezuela 24,0 6.2 10.78 16 95 mil (dez/01) ---
FONTE: Forum Internacional: América Latina y Caribe en la Sociedad de la Información (Rio de Janeiro, 26 al 28
de setiembre del 2002). Disponível em: http://forumalcysi.socinfo.org.br
Tele-densidade: linhas telefônicas/100 habitantes (2001). Fonte: International Telecommunications Union (ITU).
Provedores: Provedores de serviços de internet (2000). Fonte: The World Factbook 2001.
Usuários: Usuários Individuais da Internet (em % população). Fonte: NUA Internet How Many Online.
PIB per capita: em US$ mil. Fonte: ITU.
A ONU empenha-se em promover a Sociedade da Informação. A Cúpula Mundial
sobre a Sociedade da Informação (World Summit on the Information Society – WSIS,
2003) realizada em Genebra, Suíça, de 10 a 12 de dezembro de 2003, organizada
pela ITU (International Telecommunication Union, agência da ONU), contou com a
participação de 175 países, 11 mil pessoas, 50 chefes e vice-chefes de estado, 106
ministros e vice-ministros. O objetivo do encontro foi estabelecer uma política
concreta para o estabelecimento de uma Sociedade da Informação para todos,
refletindo os diferentes interesses de cada país. Para alcançar o objetivo, ficou clara
a necessidade do estabelecimento de parcerias entre os setores público e privado e
muitas foram formalizadas durante o evento (Brandão & Silva, 2004, p.330).
A Declaração de Princípios emitida pela WSIS constou de 11 pontos-chaves, a
seguir resumidos (tradução livre do original em inglês):
01- A Declaração reconhece que as TIC são fundamentais para a construção de
uma Sociedade da Informação inclusiva e que o acesso universal, igualitário e
gratuito deve ser a chave para atingir esta meta;
02- O incremento de confiança nas TIC, inclusive no que se refere à segurança da
informação na rede, autenticação, privacidade e proteção dos consumidores, fica
destacado como um pré-requisito para o desenvolvimento da Sociedade da
Informação;
03- As TIC são também ferramentas fundamentais para uma boa governança. A
Declaração expressa a necessidade de uma ambiente nacional e internacional
111
baseado em regras e leis com uma política e um quadro regulatório transparente,
pró-competição, neutro tecnologicamente e previsível;
04- Se o acesso universal é o fundamento de uma verdadeira Sociedade da
Informação, a construção de capacidade é o seu motor. A Declaração concorda que
somente pelo incentivo e educação da população sem familiaridade com a Internet e
suas poderosas aplicações é que o fruto do acesso universal medrará;
05- Reconhece-se, também, que os recursos devem ser canalizados para os grupos
marginalizados ou vulneráveis para o empoderamento destes;
06- A Declaração reafirma a universalidade e indivisibilidade de todos os direitos
humanos como liberdades fundamentais na Sociedade da Informação, asseguradas
a democracia e a boa governança;
07- Quanto à propriedade intelectual, a Declaração sublinha tanto a importância de
encorajar a inovação e a criatividade quanto a necessidade do compartilhamento do
conhecimento para impulsionar tal inovação e a criatividade;
08- Os princípios chave também incluem o respeito pela diversidade cultural e
lingüística, bem como pela tradição e religião. Na Internet, em particular, os
conteúdos devem refletir essa diversidade;
09- No caso da gestão da Internet, reforça-se a necessidade do envolvimento de
todos os parceiros na fixação, tanto dos aspectos técnicos, quanto dos relativos às
políticas públicas. Mas, sobretudo, a governança global da Internet foi considerada
demasiado complexa para ser resolvida em detalhe. Fica acordada a constituição de
um grupo de trabalho sobre o assunto, para investigar e elaborar propostas de ação,
até a realização da segunda fase da Cúpula, em 2005.
10-São também reafirmados os princípios da liberdade de imprensa, independência,
pluralismo e diversidade da mídia;
11- A Declaração expressa apoio e compromisso incondicionais à erradicação da
exclusão digital, por meio da cooperação internacional entre todos os parceiros.
A Cúpula reuniu-se novamente em Tunis, em novembro de 2005, quando foram
retomados os temas de Genebra, e outros
.
Capítulo 3 – INCLUSÃO DIGITAL
A inclusão digital se realiza na convergência de 3 “I’s”: Infra-estrutura
tecnológica, Informação e Intermediação. O acesso à Infra-estrutura
tecnológica abre portas para acesso à Informação Relevante; a
conversão da informação em conhecimento exige, porém, uma
Intermediação Eficaz (LIMA e SILVA, 2004).
3.1 O contexto
Os discursos em torno do “novo paradigma tecnológico”, e da obrigatoriedade e
urgência de seu enfrentamento, partem dos seguintes pressupostos:
i) a Humanidade adentrou um novo momento histórico e um novo paradigma
civilizatório, já irreversivelmente instalado neste momento (início do Século XXI),
como consequência do desenvolvimento e apropriação social das TIC.
As assertivas têm o endosso de autores como Lojkine (1999), Negroponte (1995),
Santos (1999), Castells (2000), Lévy (1999), e outros. Foram criadas diferentes
nomes, como “paradigma tecno-científico-informacional”, “vida digital”, “revolução
informacional”, “era da informação”. A transformação ganhou impulso no último
quartil do Século XX (vide Capítulo 2), Alguns autores atribuem a esta “nova”
sociedade características inovadoras de virtualidade, hiper-textualidade e
vertiginosidade (LÉVY, 1999; CASTELLS, 2000).
ii) o fenômeno – e seus efeitos – tende a consolidar-se e a aprofundar-se com
velocidade vertiginosa, atingindo novos âmbitos e novos processos sociais,
ameaçando atingir “todo mundo” (toda a humanidade).
A tendência da técnica para a convergência e a universalização foi discutida no
Capítulo 2. A rapidez da expansão das TIC está espelhada no crescimento das
vendas de computadores e do número de conexões à internet. Tais mudanças são
portadoras de relevância qualitativa, tanto imediata, quanto projetada (Capítulo 1).
Contudo, os “efeitos” e as “consequências” representam “riscos e possibilidades em
aberto, de um processo ainda em curso” (LIMA e SILVA, 2004, p.230).
iii) o fenômeno atinge o âmago da vida social, porque revoluciona os meios e
formas de comunicação humana, podendo potencialmente mudar nosso
“modo de pensar o mundo”.
113
Numerosos autores (como os já citados) concordam quanto a alguns importantes
efeitos do fenômeno em foco: mudanças significativas em elementos relevantes do
cotidiano, induzindo alterações nos hábitos, nos modos e meios de vida, nas
oportunidades de aprender e de comunicar-se, e outras.
iv) os indivíduos e os povos estão “coagidos” a adaptar-se às novas
tecnologias, sob pena de soferem graves prejuízos nas diferentes escalas da
vida individual/familiar/social.
Os autores referenciados convergem quanto à hipotética necessidade da imediata
adesão dos indivíduos, grupos, instituições e nações ao paradigma tecnológico
récem instalado, sem o que estarão condenando-se a viver fora do novo tempo.
As hipóteses de “convergência dos momentos” e de “motor único” discutidas por
Santos (2000) apontam para certas tendências da contemporaneidade, muitas vezes
condensadas sob o rótulo de “globalização”. Ora, é próprio do desenvolvimento do
capitalismo a afirmação de algumas “leis”, entre elas a uniformização dos processos
de troca, e a adoção de um padrão de relações Estado-Mercado (seria como uma
aplicação particular da “lei” da universalização da técnica as técnicas de comércio).
Esta pressão (e outras, que omitiremos) contribuiu para a disseminação global de
um modelo padrão de Estado, a democracia formal-capitalista, fortemente regida
(embora, não determinada) pelos “interesses do mercado” - isto é, os interesses dos
grandes grupos capitalistas internacionais e de seus representantes locais, e dos
grandes grupos capitalistas locais. Esta submissão do Estado ao Mercado, elemento
fundante do MPC, agravou-se na contemporaneidade pós-Guerra Fria, após o
desmonte da URSS e a marcha batida da assim chamada “doutrina neoliberal”
64
.
Os últimos eventos mundiais apontam para uma adoção quase-global do MPC, após
a adesão dos países ex-socialistas, inclusive China e Rússia
65
. Aumentou a coação
exercida pelos países centrais para a imposição “doutrina neo-liberal” aos demais
países. Este “pensamento único”, ao adotar práticas como a do “governo eletrônico”,
ou a informatização acelerada de muitos setores dos negócios e do próprio mundo
64
Não está em questão o papel protagônico do Estado, ou do “determinante em última instância”,
mas a submissão dos interesses macro-econômicos nacionais aos do grande capital. A recusa a tal
submissão e à doutrina neoliberal - tendência ainda não definida - encontra exemplos recentes no
caso da Venezuela sob Chavez, e nos discursos do início da gestão de Evo Morales, na Bolívia.
65
O socialismo parece, hoje, restrito a Cuba e Vietnã do Norte, enquanto um capitalismo “diferente”
ou “sui generis” é praticado em alguns países. A “submissão do Estado ao Mercado” não ocorreu
(ainda) na China, e sofreu recuos na Rússia, sob Putin. Em alguns países islâmicos, como o Irã, o
Estado está acima do Mercado, não estando configurado o modelo ocidental de capitalismo.
114
da vida, “coagem” os governos em todo o mundo (mas não “todas” as populações do
mundo) a adotarem seus parâmetros e regerem-se por sua lógica uniformizadora.
Assim, a lógica uniformizadora mais ampla, e sua parcela ligada às TIC,
realimentam-se e reforçam-se mutuamente.
Para SILVEIRA (2001, p. 21), “a revolução tecnológica em curso destinou à
informação um lugar estratégico. A sociedade é, cada vez mais, a ‘sociedade da
informação’ e os agrupamentos sociais que não souberem manipular, reunir,
desagregar, processar e analisar informações ficarão distantes da produção do
conhecimento, estagnados ou vendo se agravar sua condição de miséria”. Neste
marco, o Brasil (isto é, a sociedade brasileira, e seus cidadãos, individualmente
considerados) estaria “coagido” a inserir-se nos processos da “sociedade da
informação”, sob pena de “perder o trem da história”. A esta inserção no plano
indivídual dá-se, entre nós, o nome de inclusão digital. Não trataremos dos meios e
modos de enfrentamento do problema nas demais escalas, nesta tese.
v) a inserção dos indivíduos no “mundo digital” deve ser universal, para não
agravar as desigualdades sociais através de uma “desigualdade digital”.
Este pessuposto já mereceu longo debate no Capítulo 1.
vi) a inserção universal, nos países pobres, dependerá de políticas públicas
que mobilizem os vários atores sociais, sejam eles parte do Estado, da
Sociedade Civil ou do Mercado.
Evidentemente, a pobreza material das populações pobres dos países periféricos é
um obstáculo para o acesso aos recursos das tecnologias digitais. E é intuitiva a
impossibilidade da Sociedade Civil vir a suprir esta deficiência, e a inapetência do
Mercado para vir a fazê-lo. Assim, a universalização, por sua amplitude e alcance
capilar, exigirá a coordenação do Estado, mas dependerá, também, da estreita e
decisiva participação da Sociedade Civil Organizada, e do Mercado
66
.
Detecta-se uma hierarquia entre estes pressupostos, na seqüência da sua
exposição. Assim, a negação do primeiro acarretaria a invalidez do segundo, que
perderia a condição de necessidade, para inscrever-se como possibilidade, como
escolha. E, assim por diante. Estas premissas já foram discutidas - no todo, ou parte
- em tópicos anteriores. Tomaremos como pressuposto sua validade conjunta.
Portanto, admitimos a priori a disseminação social irreversivel das TIC, sua
66
A apresentação do Mercado como ator é uma metáfora, recorrentemente utilizada.
115
tendência para consolidar-se e aprofundar-se velozmente, a notabilidade e
ubiqüidade de suas conseqüências, e a obrigatoriedade e urgência do seu
enfrentamento. Neste marco, formularemos as seguintes hipóteses de trabalho:
i) a inserção do Brasil, como país, nos processos da “era da informação” tornou-
se uma necessidade incontornável, sob a ameaça de graves danos ao
desenvolvimento nacional, com repercussão na vida dos seus cidadãos;
ii) a inserção indivídual dos brasileiros tornou-se imprescindível, sob pena de
graves danos ao desenvolvimento pessoal dos cidadãos não-inseridos,
prejuízos estes que se propagariam às diferentes escalas da vida nacional;
iii) a inserção dos indivíduos não deve ser tratada como simples ingresso nos
circuitos das novas tecnologias, mas como um processo de um mais amplo
esforço de inclusão social;
iv) tal esforço, devido à escala a que se aplica, exige a formulação e
implementação de políticas públicas que, sob a condução protagônica do
Estado, mobilizem e agreguem em seu âmbito as forças sociais da Sociedade
Civil e do Mercado. Ou seja, um projeto de “toda” a sociedade.
A noção de relevância qualitativa projetada da desigualdade digital (vide Capítulo 1)
pode ser invocada aqui para conectar os discursos que justificam a importância e a
urgência da inserção dos indivíduos em geral nos espaços do “mundo digital”, com
base na suposição da entrada da humanidade no “novo tempo histórico” da “era da
informação” (SILVEIRA, 2003; MCT, 2000; JAMBEIRO et al., 2003; ONU/WSIS,
2003 e 2005)
67
. Aplicados ao nosso caso, estes discursos convergem para uma
hipotética necessidade da imediata inserção dos brasileiros – como indivíduos, e
como nação - no novo meio, sem o que estaremos nos condenando a viver fora do
novo tempo, e a permanecermos prisioneiros de um passado menos glorioso.
3.2 Inclusão Digital – definições.
Nossa hipótese de tabalho supõe a necessidade da inserção do país nos processos
da “era da informação”, através de um duplo esforço nacional que requer, por um
lado, a formulação e aplicação de políticas públicas de desenvolvimento tecnológico
67
Também se fala em “sociedade do conhecimento” (HAMILTON, 2001; BANCO MUNDIAL, 1998);
em “sociedade informacional” (CASTELLS, 1999); ou “sociedade d-TIC” (PATROCÍNIO, 2003).
116
e, por outro, uma política pública de inserção individual universal, que designaremos
por inclusão digital. Será necessário, de início, discutir a viabilidade, a validade, e
outros atributos da inclusão digital. Parece tratar-se, em resumo, do acesso dos
cidadãos às tecnologias digitais, em condições favoráveis de apropriação do seu
potencial, para o desenvolvimento pessoal e coletivo.
A definição fornece algumas pistas. Falta especificar, ainda: acesso a que, como,
quando, e em que condições; promovido por quem, com que escopo, e objetivos; e,
para quem, e a que custo. “Inclusão digital” surge, então, como uma noção em
aberto, que abriga uma variedade de coisas, até conflitantes.
Na epígrafe deste capítulo Lima & Silva (2004) fazem uma primeira aproximação ao
lado operacional da questão. Mas, não fazem nenhuma referência ao ambiente
sócio-político no qual a inclusão digital estria sendo pensada. Parece, então, que
teremos que empreender um percurso, talvez longo, para lograr um entendimento
dificilmente sintetizável, pois estão envolvidos aspectos que não se revelam de
forma imediata, e não podem ser contidos em proposições sucintas.
Sabemos, por antigas lições, que nada é “simples” no domínio social e que devemos
acautelar-nos contra toda abordagem simplificadora, direta, positivista – por isso,
mascaradora – das questões sociais (BOURDIEU, 1999; KOSIK, 1976; LEFÈBVRE,
1975), para defrontá-las em suas muitas dimensões (embora, em qualquer texto
somente seja possível abordar algumas destas). Assim, impõe-se examinarmos as
diferentes alternativas que um esforço social para a “inclusão digital” dos seus
membros pode vir a assumir; as condições de possibilidade destas alternativas; as
condições societárias em que podem se tornar efetivas; suas respectivas
contribuições potenciais para a transformação social.
Estamos lidando, simultaneamente, com o desenvolvimento numa escala macro
(nacional) e em outra, micro (individual, de cada cidadão). Na verdade, é nesta
última que a inclusão digital se aplica mas, em virtude da dialética cidadão-país, o
desenvolvimento
68
numa das escalas está jungido ao desenvolvimento na outra.
Não faltam questionamentos sobre a importância, a urgência, a universalidade e a
publicização” da inclusão digital, em vista dos custos - que se prenunciam
68
Desenvolvimento social “integral”. Há suficientes estudos mostrando que o “desenvolvimento
econômico” pode acontecer em benefício das camadas ricas e minoritárias da população, com
extremo sacrifício para a maioria pobre, caso geral na história da América Latina, no século XX.
117
expressivos – e diante da grande dívida social do país com relação a questões de
educação, saúde, moradia, segurança, transportes e infra-estruturas diversas. É
necessário justificar porque uma parcela dos recursos sociais disponíveis deverão
ser desviados destas necessidades da população, mais urgentes e mais básicas, e
canalizados para os fins de capilarização das tecnologias digitais, no momento.
Respondendo com base numa visão macroscópica, Brandão & Silva (2004, p. 325)
afirmam que “no século XXI, pensar em desenvolvimento sem internet
69
seria o
equivalente à industrialização sem eletricidade na era industrial”:
É por isso que a declaração freqüentemente ouvida sobre a necessidade de
se começar com ‘os problemas reais do Terceiro Mundo’ – designando com
isso: saúde, educação, água, eletricidade e assim por diante – antes de
chegar à internet, revela uma profunda incompreensão das questões atuais
relativas ao desenvolvimento. Porque, sem uma economia e um sistema de
administração baseados na internet, qualquer país tem pouca chance de
gerar os recursos necessários para cobrir suas necessidades de
desenvolvimento, num modo sustentável, em termos econômicos, sociais e
ambientais (Idem, ibidem).
Os argumentos acima conduzem à admissão da necessidade imediata da adesão do
Brasil ao novo paradigma econômico-tecnológico, sob pena de “atrasar-se”, em
termos de desenvolvimento, em relação aos países que - mais rápida, firme e
profundamente - o fizerem. Trata-se, enfim, de um risco geo-político em escala
nacional. Não se menciona diretamente a capilarização dos acessos, que fica
subentendida; reforça-se nossa hipótese de trabalho, no que tange à importância da
adesão do país às tecnologias digitais - tecnologia hegemônica atual - e em face da
experiência histórica dos povos frente às técnicas hegemônicas de cada momento.
Ignorá-las, cada vez, representou sempre o risco de colonização pelas sociedades
coevas, como mostramos ao dissertar sobre a técnica, examinando esta
característica impositiva. Pode-se afirmar que, no plano macro, esta adesão está
fora de discussão; e, é relativamente fácil conceber suas repercussões no plano
individual. Por isso, sua necessidade pode ser tratada como dada.
A urgência, não transparece assim, de imediato. Mas, os argumentos e as
evidências - pretensas ou reais - sobre a aceleração do tempo fazem parte dos
discursos cotidianos. É fácil entender e aceitar que o avião e o telefone, ao reduzir
os tempos dos deslocamentos e dos contatos, passaram a idéia do “encolhimento
69
A internet é certamente a rede mundial do momento, mas há questionamentos sobre sua gestão
pelos EUA e propostas para coloca-la sob uma gerência internacional compartilhada.
118
do mundo” e da “vertiginosidade do real”. Assim, aquilo que é importante que seja
feito já não pode ficar à espera segundo os ritmos do passado, porque os fatos,
vindo das mais inesperadas direções, atropelarão os “homens lentos”. Decidida a
importância do desenvolvimento nas tecnologias digitais, a urgência vem junto, pois
os projetos congelados já não poderão ser executados mais tarde, perdida a
oportunidade. É claro que “mais tarde” haverá sempre a oportunidade de outros
projetos, mas então as perdas já farão parte da história
70
.
Revistas as questões da importância e da urgência, acima levantadas, a partir de um
ponto de vista sobretudo macro-econômico, falta demonstrar que esta macro-
inserção implica a outra, individualizada, a universalização dos “acessos”.
Mas, é mesmo necessária uma “inclusão digital universal”, “inclusão digital do
povo? Não seria suficiente, para o desenvolvimento do país, a informatização do
“setor produtivo” e a formação em informática para os técnicos, o pessoal de nível
superior em geral, e as elites dirigentes? Precisamos de universalização, ou de
focalização? (KERSTENETZKY, 2003). E, para “universalizar”, não bastaria
introduzir a informática como disciplina obrigatória no ensino fundamental, e esperar
que o ensino das sucessivas turmas de alunos viesse a zerar o problema ao longo
do tempo (através de uma universalização “lenta e gradual”)?
Uma primeira (e parcial) resposta é que a discussão da inclusão digital do “povo”
não se limita aos interesses do desenvolvimento nacional, embora estes possam (e
devam, parcialmente) interferir nos rumos da inclusão. Outra parte assenta-se na
especificidade das TIC, em sua condição de tecnologia hegemônica do momento.
Com efeito, com relação às tecnologias hegemônicas do passado, para os objetivos
do desenvolvimento (micro-, ou macro-), nenhuma política pública universal de
treinamento se mostrou necessária, exceto na comunicação escrita
71
. Nos casos da
eletricidade e do telefone, duas tecnologias universalizadas, nenhum treinamento
público se fez necessário para seu uso pelo cidadão comum. Do que se necessitou,
foi de providências para o acesso físico aos recursos.
No caso da escrita, a política de inclusão – a alfabetização – foi e continua sendo
necessária. No caso da informática vislumbra-se uma necessidade semelhante. Não
70
Há numerosos estudos sobre “oportunidades perdidas” na história dos povos.
71
Pode-se objetar que o ensino “de primeiro grau” e a alfabetização de adultos incluem objetivos
ligados a técnicas de saúde pública julgadas de interesse universal.
119
é, certamente, por tratar-se de uma “tecnologia da comunicação”, pois também o
são o telefone, o rádio, a TV. A resposta tem que ser buscada, então, na natureza e
nos atributos daquele objeto.
Como indicamos no Capítulo 1, os conhecimentos técnicos básicos constituem
elemento indispensável para a realização do acesso ao computador. A falta de
conhecimento é uma das expressões mais dramáticas da desigualdade digital. O
computador não se presta ao aprendizado auto-didata, respeitadas as exceções. O
conhecimento básico viabiliza o uso do computador (off-line). Conhecimentos
adicionais aprofundam a capacidade do usuário para explorar com proficiência e
objetividade os recursos. Diferente de outros objetos técnicos de uso imediato e
específico, o computador permite múltiplos fins: acesso à informação, estudos,
entretenimento, produção artística, produção com objetivos econômicos e é, ainda,
uma ferramenta intermediária para uso e controle de outras máquinas.
Randolph (2006) sugere que, para discutirmos a inclusão mesma, seu significado –
consideradas as diferentes visões em relação ao seu significado – e para evitar o
equívoco de naturalizar a “sociedade da informação”, devemos perguntar-nos o que
se espera da inclusão digital: se consumidores submissos, ou trabalhadores
capacitados a inovar, ou cidadãos emancipados. Um duplo objetivo de formação do
trabalhador capacitado e do cidadão emancipado nos parece de grande valor social.
Será este nosso viés, enriquecido com algumas outras dimensões.
Também, é necessário “não confundirmos os condicionantes da coisa, com a própria
coisa” (Randolph, 2006). Ora, se estamos tratando da inclusão de alguém em algo,
precisamos discutir (pelo menos) quatro questões:
i) quem são os ‘incluendos’;
ii) em ‘quê’ serão eles ‘incluídos’ (que ambiente, ou continente);
iii) em que consiste a ação, o ato, o processo de inclusão - isto é, quais
são as condições (quais são os meios, os instrumentos, as ações) para
se atingir, se realizar essa (alguma forma de) inclusão;
iv) quem são os senhores dos atos da inclusão, os ‘incluidores’. A ação
de inclusão vem de alguém, talvez – mas, não necessariamente -
daqueles mesmos que estamos considerando como “incluendos”
Evidentemente, o “continente” (“onde” serão incluídos os incluendos), só pode ser a
“mesma” sociedade capitalista pois, uma sociedade “nova”, não mais capitalista (ou
não mais “tão” capitalista), não pode resultar de um movimento tão restrito como
120
este (da inclusão digital). Foge ao escopo do nosso trabalho discutir ou projetar uma
sociedade “nova”, que pudesse resultar de uma inclusão digital mais amplamente
pensada. O que se pode esperar, no máximo, é um reforço do binômio cidadania-
democracia, a ser proposto entre os objetivos da inclusão.
Quanto aos “incluendos”, parece possível adiantar-se que são pessoas pobres, sem
condições próprias de acesso às tecnologias digitais (e a outros elementos,
necessários para tornar o acesso valioso). Falta saber se estas pessoas se
(auto)incluem ou se são incluídos (pela ação de outras), até mesmo contra a própria
vontade. Embora toda a população deva ser considerada interessada na inserção no
“mundo digital”, concluímos que uma parte dela é auto-includente, uma outra precisa
de ajuda para inserir-se, e sempre haverá uma parcela à margem deste movimento.
Quadro 15 - Estratificação da população para uma política de inclusão digital.
Faixas
etárias
%
popul.
Estratos da população
>65 Não
População “não-alvo” (não-preferencial) para inclusão**
45-65
18-45
PEA*
Não-escolares-não-PEA*
Pessoas aptas para auto-inclusão**
Pessoas já incluídas**
Universitários**
07-17
Aplicar
políticas de
inclusão
Alunos do ensino fundamental e médio (Redes Pública e Privada)*
0-6a Não Pré-escolares (não computar como “excluídos”)
Fonte: elaboração própria.
(*) População-Alvo (mediante planos específicos); (**) População Não-Alvo (não-prioritária)
Podemos visualizar três públicos-alvo das ações de inclusão digital: a população
escolar do ensino fundamental e médio; a população PEA; e uma fatia próxima aos
dois blocos anteriores - que chamaremos de “não-escolar-não-PEA” - constituída
pelos escolares não incluídos por falta de condições em suas escolas e pelos
menores fora-da-escola (casos de evasão escolar). Como público não-alvo teríamos
a população pobre já incluída; os universitários; os detentores da condição de auto-
inclusão; e os maiores de 65 anos. Pessoas com necessidades especiais (PNE)
constituem público específico, alvo de tratamento à parte.
Chamemos de incluídores os que promovem a inclusão alheia, e de incluendos os
“excluídos” submetidos ao processo de inclusão. Na melhor das hipóteses, os
incluendos são incluídores de si mesmos (auto-inclusão). Pode também haver
aqueles que, por resistência, não querem a inclusão. Por último, há o processo em
que os “incluidores” acham que estão criando as condições de inclusão para os
outros e, com isto, em parte, determinam os termos nos quais uma inclusão pode ser
121
possível. Mas, porque uma inclusão precisaria dar-se dessa ou daquela forma? Os
“excluídos” foram ouvidos a respeito da maneira como gostariam de ser incluídos?
Os que acreditam no, e divulgam o discurso ideológico da sociedade da informação
argumentam que a “inclusão” é uma necessidade “natural”. Em geral, os supostos
“excluídos” não têm a menor influência na determinação do contexto onde podem se
incluir ou não. Uma inclusão que não leva em conta a consciência, a vontade, a
participação dos incluendos, com certeza não aponta na direção da autonomia.
O que encontramos na empiría, e o que parece possível na sociedade capitalista, é
exatamente esta inclusão orquestrada de fora. Como metáfora, podemos dizer que o
Mercado quer “produzir” consumidores e trabalhadores (i.e., empregados); o Estado
necessita de contribuintes e de eleitores. Na Sociedade Civil Organizada (quando
não replica o Mercado), os reformadores sociais buscam plasmar cidadãos
emancipados e participativos. O “povo”, reproduzindo sua condição de servidão
voluntária, submete-se e agradece as oportunidades de “inclusão”.
Retomando por um momento a questão macro-escalar, nota-se o descuido de
alguns discursos contra os riscos de atraso tecnológico do Brasil pelos atrasos da
inclusão digital, principalmente face às exigências da globalizão. Ameaça-se com
a perda de competitividade no comércio exterior, que exige a exportação de
produtos de alto valor agregado, para fugirmos à condição de meros exportadores
de commodities e importadores de tecnologia, troca desigual que desfavorece as
economias primárias. Contudo, é evidente que não será o incluído digital (recente)
aquele que irá resgatar o atraso tecnológico do Brasil e produzir inovações e
tecnologias capazes de competir no mercado externo. Os objetos e objetivos macro-
econômicos fazem – ou deveriam fazer - parte das políticas nacionais de
desenvolvimento tecnológico, que acionam outras lógicas, instrumentos e
processos, não contemplados diretamente na discussão da inclusão digital.
Por outro lado, formada uma grande “massa” de “informáticos principiantes”, dela -
como tem sido observado em situações similares – é possível que se destaquem as
mentes mais bem aquinhoadas que irão alimentar o espaço da inovação
72
. Assim, a
inclusão digital dos pobres-e-principiantes pode, a longo prazo, dar uma contribuição
72
Por analogia (sem os rigores da cientificidade), uma possível explicação para os sucessos do Brasil
no futebol é o desenvolvimento de grande massa de ‘jogadores de várzea’ desde a infância, e a
formação de uma massa crítica de candidatos potenciais à posterior revelação dos talentos.
122
importante aos objetivos mais amplos de desenvolvimento nacional, possibilidade
que podemos rotular de “princípio da massa crítica”.
Os defensores da imediata universalização do acesso popular às TIC investem
contra uma apropriação restrita às elites e/ou determinados fragmentos da
sociedade, pois “(o) lado estratégico da inclusão digital é exatamente o que se refere
à massificação do uso das TIC pelo conjunto da sociedade, não somente pelos seus
segmentos de elite” (SILVEIRA, 2003 p. 23, grifo nosso). Alguns destes
“universalistas” recorrem aos direitos constitucionais e aos direitos do cidadão. No
plano jurídico, uma vez que o Brasil está constituído como um Estado Democrático
de Direito, é possível argumentar-se em favor do direito ao acesso à informação e
aos serviços públicos apenas disponíveis, ou mais vantajosamente disponiveis,
através de acessos digitais (internet, terminais eletrônicos), bastando-nos, para
tanto, caracterizar estas informações e estes serviços como bens públicos sujeitos
aos direitos da cidadania (SILVEIRA, 2003, p.23 e 29-30; ONU/WSIS, 2003 e 2005).
Caracterizado o dever do estado, restaria discutir os meios de sua efetivação
(HOESCHL et al., 2003).
Alguns críticos do caráter público de uma (suposta) política nacional de inclusão
digital sugerem que seria suficiente confiar a tarefa exclusivamente “ao mercado”
que a trataria como uma externalidade negativa. Na direção contrária, para Silveira
(idem, p.29) “o mercado não irá incluir na era da informação os extratos pobres e
desprovidos de dinheiro”, pois sabe-se que seu móvel principal é o lucro.
A inclusão via escola será discutida adiante.
3.2.1 Focos e escalas.
A discussão que estamos empreendendo pode fazer-se sob diferentes focos e
escalas: o macro-econômico, ou da competitividade internacional entre países; o
micro-econômico, ou da competitividade empresarial e da “empregabilidade” do
trabalhador; o psicossocial e/ou antropológico (questões ligadas ao afeto, relações
inter-pessoais, auto-estima); o sócio-político (coesão social, participação política,
direitos, cidadania); o pedagógico (projetos pedagógicos de inclusão digital, usos
criativos do computador no ensino, “novo aluno, novo professor e nova escola”); e
ainda outros, como dos hábitos de lazer e de consumo. Se é assim, seria do melhor
alvitre considerarmos que estamos diante de diferentes necessidades e de
123
diferentes métodos, processos e instrumentos de inserção na “era da informação” e
que, portanto, seria de bom juízo considerar uma certa multiplicidade de “inclusões
digitais” ou, por outro, uma “inclusão digital” com um certo número de facetas.
Neste sentido, Silveira (2003, p. 32) considera possível observar três focos distintos
no tratamento da questão:
- o da ampliação da cidadania, que ressalta o direito do cidadão de interagir e
de se comunicar através das redes informacionais;
- o da inserção das camadas pauperizadas no mercado de trabalho, que tem
o seu epicentro na profissionalização e na capacitação; e
- o da educação: reivindica a importância da formação sócio-cultural dos
jovens, sua orientação diante do dilúvio informacional, e o fomento de uma
inteligência coletiva capaz de assegurar a inserção autônoma do país na
sociedade informacional.
Estes três focos não devem ser vistos como conflitantes e, na maioria das vezes,
aparecem interligados: os projetos iniciais referiam-se mais à profissionalização;
atualmente, cada vez mais reclama-se a ampliação da cidadania; e ganham força os
discursos voltados ao fomento da inteligência coletiva local ou nacional.
Aqui, cabe uma discussão sobre os diferentes significados da inclusão, para uma
leitura crítica da abordagem e dos focos apresentados. Aliás, nenhum deles
representa alguma crítica mais profunda às “condições gerais de comunicação” que
a própria sociedade capitalista oferece, como se a “ampliação da cidadania” tivesse
o mesmo grau de viabilidade daquela “inclusão” no mercado de trabalho.
O escopo das ações de inclusão digital pode ser, em primeira aproximação,
enquadrado em uma das seguintes classes:
- acesso público assistido, para habilitação para o uso imediato;
- acesso público não assistido aos recursos (habilitados de baixa renda);
- capacitação para exploração pessoal dos recursos (uso avançado);
- capacitação para interpretar as informações que fluem pela rede;
- capacitação (e motivação?) para a participação democrático-cidadã.
124
Não se defende a posse pessoal/familiar dos equipamentos, em face do seu preço,
e até que este se torne mínimo
73
. O acesso fora-da-escola deverá ser suprido pela
rede de Telecentros Públicos, dos CTC e de outras alternativas. E, para o público
escolar, pelos Laboratórios das escolas conectadas. As classes de escopo listadas
sugerem uma certa progressividade, a ser relativizada e levando em conta os
diferentes públicos. Um detalhamento maior seria fastidioso. Quanto à assistência,
ela está embutida no projeto da escola conectada e baseada em programas
educacionais específicos no caso do público extra-escolar.
Os objetivos da inclusão deve(ria)m ser compatíveis com os focos arrolados, tida
permanentemente em conta a diversidade dos públicos. A questão macro-
econômica da competitividade do Brasil nos mercados internacionais deve ser
tratada indiretamente, seja como um sub-produto da inclusão em larga escala, seja
mediante projetos específicos. Esta é, também, a maneira como encaramos o foco
meso-econômico da competitividade empresarial. Estes dois aspectos estão fora do
âmbito da nossa pesquisa e se os mencionamos é, justamente, para explicitar esta
exclusão. A nosso ver, o bloco das questões ligadas ao afeto, relações inter-
pessoais e auto-estima só merece maior atenção junto ao público escolar, ficando,
para os adultos, como um sub-produto do aprendizado. Já a empregabilidade do
trabalhador merece tratamento direto: parte das ações de inclusão digital está
comprometida com o interesse de aumentar as chances de emprego do trabalhador
e, visto do lado da empresa, garantir a esta um trabalhador mais qualificado. Os
objetivos de caráter pedagógico (usos criativos do computador pelo aluno,
desenvolvimento do “novo aluno, novo professor e nova escola”) estão,
evidentemente, associados ao público escolar. Mas, projetos pedagógicos de
inclusão digital são também necessários quando se trata do público adulto, se estão
em causa objetivos sócio-políticos de coesão social, participação política,
reconhecimento de direitos e cidadania.
Lima & Silva (2004, p. 229) insistem que a inclusão digital deve levar à inclusão
social, “pois o conceito parece mais relacionado à construção, manutenção e
ampliação da cidadania que, por certo, não poderá prescindir de uma formação
socio-cultural e da conquista de espaços sociais, como o do trabalho, mas não se
restringir a isso”. Também para Bonilla (2001), a inclusão digital é um conceito
73
Ver, em outra parte, informações sobre “computador de baixo custo” para a posse individual.
125
abrangente, e “significa que aquele que está incluído é capaz de participar,
questionar, produzir, decidir, transformar, é parte integrante da dinâmica social em
todas as suas instâncias”.
Assim é que estes autores acabam por denominar, genericamente, de "inclusão
digital" todo esforço para dotar a maior parte possível das populações locais (há
também uma visão no nível global) com os conhecimentos necessários para utilizar
(sic) com proficiência os recursos de informática e de telecomunicações existentes,
promovendo o acesso físico regular a esses recursos. Dependendo do significado
atribuído, nessa expressão, ao termo "utilizar", e tendo-se em mente, mais de perto,
o público não-escolar, emergem duas visões do alcance deste processo: inclusão
digital “subordinante” e inclusão digital “autonomista”.
No primeiro caso, dizem aqueles autores, o termo "utilizar" remete à idéia de
"consumidor" e à visão essencialmente passiva de "utilização" dos recursos, pois
aqui se manifesta uma determinada perspectiva dessa inclusão: o “incluído” como
consumidor e trabalhador nos moldes capitalistas. Nesse caso, prioriza-se a
capacitação dos cidadãos para operar computadores e softwares aplicativos de uso
comum, para acessar serviços governamentais via Internet e para navegar na rede
na qualidade de "leitor" ou "consumidor". O “incluído” digital, neste caso, guarda
analogia com o operário treinado para dirigir um trator, operar uma máquina. Ele
apenas melhora sua empregabilidade e, com isto, suas possibilidades de
permanecer incluído na estrutura (do mercado de trabalho) numa posição
subalterna. O sistema inclui o trabalhador, para poder continuar explorando-o (o que,
dirão muitos, não sem razão, ainda é melhor que ser ou permanecer “excluído”, isto
é, desempregado).
A Inclusão Digital “autonomista” configurar-se-ia quando o termo "utilizar" contido na
definição for referido à idéia do uso instrumental por um sujeito que age com
objetivos autônomos – e é gerada uma visão de Inclusão Digital que, além, dos
objetivos da visão utilitarista, incorpora o fator 'finalidade'. Uma política “autonomista”
de Inclusão Digital visaria universalizar o uso instrumental dos recursos das TIC,
para alavancar a aprendizagem contínua e autônoma, fomentar o exercício da
cidadania, dar voz às comunidades e setores que normalmente não têm acesso à
grande mídia, e para apoiar a organização e o adensamento da malha de relações
comunicativas entre os atores da sociedade civil que constituem a esfera pública.
126
Nenhum dos autores aponta, porém, como tão elevados e complexos objetivos
podem, na prática, serem alcançados.
Também se usa, num âmbito mais particular, o conceito de "Alfabetização Digital"
(como estágio introdutório da "Inclusão Digital"), para enfatizar que a falta de
conhecimento pelo menos rudimentar das TIC coloca o cidadão/cidadã em situação
análoga à do analfabetismo - e que, portanto, a obtenção desse conhecimento
passou a fazer parte integrante da alfabetização em si. Sob essa ótica, o conceito de
analfabetismo se ampliou e agora, além das competências anteriores, é necessário
dotar de competências adicionais os sujeitos em processo de alfabetização. A etapa
seguinte trataria de dar condições aos cidadãos e cidadãs para que sejam capazes
de produzir e não apenas consumir comunicação e informação. Agrega-se aos fins
da inclusão digital a articulação com outras questões críticas, como a capacitação
para o exercício da cidadania ativa e a inserção na esfera pública como interlocutor
e não apenas como receptor ou mero sujeito de direitos.
3.2.2 Da teorização ampla aos estreitos projetos de inclusão digital
Apesar da abertura de foco em seus discursos, a maioria dos autores, ao se
debruçarem sobre o projeto de operacionalização da inclusão digital, rende-se ao
pensamento instrumental e produz projetos muito pobres de intervenção.
É interesante notar que os autores tratam do tema num duplo viés em que, num
momento defendem programaticamente uma versão ampla da inclusão digital -
semelhante à nossa hipótese de trabalho -, isto é, um movimento que se aproxima
da inclusão social; mas, em termos operatórios, aproximam-se muito mais daquela
“inclusão nas margens” que, no MPC, foi sempre praticada em relação ao “exército
de reserva”.
Por exemplo, Silveira, ao perseguir uma fórmula que reflita a prática, trata da
inclusão digital sob uma perspectiva “da tripla privação”, isto é, face à “existência de
grupos expressivos de pessoas privadas duradouramente do acesso aos
computadores, à Internet, e aos conhecimentos básicos para utilizá-los” e reduz a
noção da “inclusão digital” a uma perspectiva do “triplo provimento”:
Inclusão digital – minimamente definida - é a ação social que trata da garantia
e da efetividade do acesso aos computadores, à internet e outros
componentes das TIC, e aos conhecimentos básicos para utilizá-los [para os
127
‘grupos expressivos de pessoas’ até então privados destes acessos] (Idem,
passim).
Também nos trabalhos de Lima & Silva (2004) a distância entre as “duas inclusões”
(dois discursos sobre a inclusão digital) permanece como um largo hiato:
A inclusão digital se realiza na convergência de 3 “I’s”: Infra-estrutura
tecnológica, Informação e Intermediação. O acesso à Infra-estrutura
tecnológica abre portas para acesso à Informação Relevante; a conversão da
informação em conhecimento exige, porém, uma Intermediação Eficaz (LIMA
& SILVA, 2004).
A fórmula alarga um pouco mais a definição “mínima” de Silveira, mas continua
longe de discutir a inclusão social. Primeiro, é muito difícil especificar o que seria
uma “informação relevante”, atributo que vai variar com o receptor da informação e o
momento; segundo, dizer o que seria uma “intermediação eficaz”. Contudo, pelo
menos, abre-se a discussão.
Tratam, ambos aportes, de uma ação social que lida, na pequena escala, com o
provimento dos acessos para pequenos contingentes populacionais, e é praticada
por organizações sociais privadas, de forma em geral voluntarista e fragmentada. Na
escala nacional, trata-se da universalização das condições de acesso que, numa
sociedade capitalista periférica – como é o caso do Brasil - somente pode ser
alcançada mediante políticas públicas.
É bem possível que os autores se encontrem diante de uma primeira dificuldade –
certamente pequena, de fácil superação – que é a pretensão de formular, numa
proposição curta, um projeto cuja complexidade não se dobra a semelhante
pretensão. A segunda e muito mais ampla dificuldade é aquela cuja discussão
abrimos no Capítulo 1, a começar pelo enunciado de um axioma (“é preciso
conhecer, para transformar [planejadamente]”), e prosseguindo pela sugestão de
que “na questão do combate às desigualdades, uma hipótese plausível é a de que
não havia no passado suficiente conhecimento e compreensão dos problemas
sociais para que objetivos e procedimentos (os projetos) fossem adequadamente
propostos, resultando na formulação de objetivos utópicos nebulosos e de métodos
de consecução inadequados (e, quanto a hoje) não está claro se o conhecimento
acumulado das ciências sociais é já suficiente para a construção de uma nova
‘grande narrativa’, a um tempo desejável e viável”. Em resumo, há indícios para
supor-se que os autores furtam-se a enunciar o Projeto de uma inclusão digital como
128
um processo de inclusão social (um processo tido por viável, a ser considerado entre
outros, de mesmo grau de plausibilidade).
Não chega a surpreender, assim, que alguém escreva que “o conceito de ‘ecologia
cognitiva’ criado por Lévy (1999) pode nos ajudar porque ao nos relacionarmos com
os outros, com as máquinas ou com a natureza podemos nos pensar como
pertencentes a um sistema. Nessa perspectiva, a relação com o computador nos
permite sermos agentes de nossa própria construção (PELLANDA, 2005, P. 42,
grifo nosso), o que configura uma abordagem “tecnólatra” e a negação ou abandono
da “intermediação eficaz” referida acima.
Silveira, Lima, Bonilla e outros autores da mesma corrente parecem, em certos
momentos, “confundir os condicionantes da coisa, com a própria coisa”, como alerta
Randolph (2006), e deixam transparecer, às vezes, uma visão instrumentalista
quando, em outras partes, defendem uma perspectiva mais crítica e emancipadora.
Poder-se-ia apontar uma certa incoerência nesta argumentação e posicionamento.
3.3 Elementos para uma Política Nacional de Inclusão Digital
Sobre um adequado fatiamento da questão da inclusão digital, os quadros abaixo
procuram apresentar uma visão sintética das “fatias” em tela, sem pretensão de
esgotar o assunto. Este primeiro quadro tenta isolar os objetivos mais práticos, ou
concretos (ou imediatos), daqueles mais idealistas (ou projetados). Os primeiros
seriam perseguidos por uma PNID-1, os outros por uma PNID-2.
Quadro 16. Relevância quantitativa imediata/projetada (elaboração própria).
Relevância Qualitativa
Imediata (PNID-1) Projetada (PNID-2)
Efeitos sobre a renda
Acesso a bens civilizacionais
- do escolar
- do não-escolar
Autonomização individualista
- empreendedorismo
- outros âmbitos
Desenvolvimento do pensamento
hipertextual
Autonomização solidarista
- empreendedorismo
- outros âmbitos
Desenvolvimento da ciberdemocracia
- controle do Estado e Governo
- novas formas de participação
PNID é a sigla adotada como abreviatura de Política Nacional de Inclusão Digital. A PNID-1
refere-se à relevância qualitativa imediata e a PNID-2 à relevância qualitativa projetada.
Uma (suposta) PNID-1 deveria considerar quatro públicos-alvo: a população escolar
do ensino fundamental e médio; a população PEA; uma fatia situada entre os dois
blocos anteriores, que estamos chamando de “não-escolar-não-PEA”; e a população
129
pobre já incluída. A PNID-1 deveria tornar obrigatória a inclusão através das redes
pública e privada, do ensino fundamental e médio ainda que importe em subsídios
ou investimentos na rede privada, vistos como investimentos de interesse nacional
na população escolar. Os escolares não incluídos (por falta de laboratórios em suas
escolas) e os menores fora-da-escola (evasão escolar) mereceriam cuidados em
separado. A população PEA aparece como alvo, mas ainda é necessário analisar se
há como, e porque, procurar alcançar a todos.
A PNID-1 deve computar para fins estatísticos, mas não para investimento, três
segmentos: pessoas aptas para auto-inclusão; universitários, que constituem um
segmento pequeno e privilegiado pelo acesso aos cursos superiores, que mantêm
laboratórios de informática; e os maiores de 65 anos. Para estes segmentos a PNID-
1 reservaria ações de incentivo na forma de campanhas de esclarecimento, ou
motivacionais.
Um detalhe que não pode ser esquecido, é que a população incluída via PNID-1
precisa de ações de manutenção pós-inclusão. Portanto, como complemento, ou
como outra política que lhe dê continuação, deverão estar previstos recursos,
condições e métodos para viabilizar a manutenção do acesso dos incluídos de baixa
renda, depois de “desligados” dos cadastros de candidatos à inclusão.
É evidente que a PNID-1 estaria dirigida aos pobres, aos principiantes, e aos
amadores; e não aos “ricos”, aos que dispõem de renda para ter computador em
casa e para contratar instrutores e cursos. Igualmente, a política não poderia ter
como alvo os profissionais de informática, nem as empresas e demais pessoas
jurídicas, e nem poderia estar relacionada a sistemas de informação, produção
industrial, atividades profissionais avançadas.
Estas questões se mostrarão mais claras se procuramos explicitar os “degraus” ou a
“natureza” das ações de inclusão (quadro a seguir).
O quadro chama a atenção para os diferentes objetivos de uma PNID-1. Em
primeiríssimo lugar, as ações voltadas para os “escolares” (alunos do ensino
fundamental e médio) têm a ver com a pedagogia e a didática destas categorias de
sujeitos e de ações, isto é, o uso do computador (e da internet) como ferramenta
didático-pedagógica na procura de um novo aluno, um novo professor, um novo
ensino, uma nova escola. Estas visões estão melhor tratadas no tópico
130
“Informatização da Escola Pública”, mas já fica posto que a inclusão digital do
escolar segue uma lógica própria e fortemente distinta da inclusão dos adultos.
Quadro 17. Inclusão digital: objetivos e população alvo.
Objetivos da inclusão digital Populações alvo
Alfabetização digital
Escolares, PEA e outros
Não-Incluídos
Objetivo didático-curricular
Objetivo pedagógico-socializante
Escolares
Objetivo “empregadorista”
PEA
Objetivo autonomista-individualista
Autonomização cultural
Autonomização empreendedorista
Todos
PEA
Objetivo autonomista-solidarista
Associativismo
Participação cidadã
PEA
Todos
Ciberdemocracia
Controle social do Estado /Governo
Redes cívicas
Adultos (PNID-P)
Atendimento a “incluídos” Populações alvo
Ações de manutenção Adultos
Fonte: elaboração própria.
Quanto ao trabalho com adultos, ele ocupa pelo menos três distintos planos, que
apelidamos de “Objetivo autônomo-individualista”, “Objetivo autônomo-solidarista” e
“Ciberdemocracia”. No quadro anterior reservamos para uma suposta PNID-2 as
ações visando os dois últimos objetivos (e um outro, o do desenvolvimento do
“pensamento hipertextual”, uma incógnita que preferimos saltar). Sobre os objetivos
que associamos à PNID-2, não há ainda propostas à mão, muito menos
experiências empíricas para servirem de campo de estudo. Tudo o que encontramos
foram discursos, os mesmos, e antigos, sobre “autonomia do sujeito”, “democracia-
cidadania participativa”, e semelhantes.
Mas, porque uma em política pública, porque a interferência do Estado? Senão,
quem tem o poder (a competência, os recursos, a vontade política) de levar avante
uma ação ampla de inclusão digital? Para Silveira (2005), a idéia de transformar a
inclusão digital em política pública consolida no mínimo quatro pressupostos:
- primeiro, o reconhecimento que a exclusão digital amplia a miséria e dificulta
o desenvolvimento humano local e nacional; a exclusão digital – que não é
uma mera conseqüência da pobreza crônica - constitui um fator de
congelamento da condição de miséria e de grande distanciamento das
sociedades ricas;
131
- segundo, é a constatação que o mercado não irá incluir na era da
informação os extratos pobres e desprovidos de dinheiro, pois a própria
alfabetização e escolarização da população não seria massiva se não fosse
pela transformação da educação em política pública e gratuita; assim, a
alfabetização digital e a formação básica para viver-se na cibercultura
também dependerão da ação do Estado para serem amplas e universais;
- terceiro, a velocidade da inclusão é decisiva para que a sociedade tenha
sujeitos e quadros em número suficiente para aproveitar as brechas de
desenvolvimento no contexto da mundialização de trocas desiguais e,
também, para adquirir capacidade de gerar inovações;
- quarto, é a aceitação de que a liberdade de expressão e o direito de se
comunicar seria uma falácia se ele fosse apenas para a minoria que tem
acesso a comunicação em rede: hoje, o direito à comunicação é sinônimo de
direito à comunicação mediada por computador; portanto, trata-se de uma
questão de cidadania.
O terceiro pressuposto insere-se na idéia de formação de uma “massa crítica”. O
quarto, nas discussões sobre direitos de cidadania.
Lembra Silveira que uma política pública não se resume ao papel desempenhado
pelo Estado, embora caiba a este prover a maior parte dos recursos e, também,
sancionar o marco regulatório. Já a formulação, a execução e a avaliação devem,
democraticamente, envolver os demais pilares da sociedade: a SCO, através das
comunidades locais, movimentos sociais e as organizações não-governamentais; o
mercado, seja para acrescentar recursos, ou para colaborar com novas soluções
tecnológicas. As universidades também podem contribuir no processo,
- seja disseminando soluções ou produzindo reflexões críticas, seja
emprestando quadros para o amplo processo de formação dos segmentos
mais carentes, menos cultos e escolarizados. Muitas ONGs e associações
civis realizam projetos de inclusão digital. Empresas têm apoiado estas
organizações do terceiro setor doando computadores usados, equipamentos
e infra-estrutura, softwares e recursos financeiros. Projetos como o
Sampa.org, CDI-SP, CDI, Rede Favela (RJ), Informática na Comunidade e
Garagem Digital, são exemplos de iniciativas do terceiro setor (sic) (Idem).
Os atores do processo são, naturalmente: o Estado, principalmente através dos
Telecentros e dos Laboratórios Escolares, além das iniciativas de incentivos à SCO,
e do poder regulador; a Sociedade Civil Organizada, através das ONG e outras
organizações comunitárias; e, o Mercado, através de ações de incentivo e de
doações, com ou sem objetivo de lucro e/ou de expansão mercadológica. Por
exemplo, o Prêmio Telemar de Inclusão Digital distribui anualmente doações a
entidades selecionadas mediante uma avaliação das iniciativas concorrentes ao
prêmio. Um ator que não consigo definir bem é o Terceiro Setor – as OTS – que se
situam numa zona cinzenta entre SCO e Mercado e estão ligadas ao movimento
132
conhecido como “responsabilidade social das empresas”. Não seria pertinente
discutir as nuances neste momento. BRANDÃO e SILVA (2003, p. 334) afirmam que
“o conceito e as ações de inclusão digital chegaram pelo movimento de
responsabilidade social de Organizações do Terceiro Setor (OTS), incuídas aí as
ONGs”, portanto fundindo algo que, acima, separamos. Entendemos que ONG e
OTS às vezes se fundem na mesma organização, às vezes não.
A discussão sobre o “melhor” papel de cada macro-ator (Estado, Mercado e SCO)
na formulação, implementação e controle das políticas públicas de inclusão digital
segue o mesmo padrão aplicável a outras políticas amplas e universalistas. Cabe
certamente ao Estado articular as decisões para não dispersar recursos escassos.
No Brasil, devido ao seu caráter federativo, exige-se o envolvimento das várias
esferas de governo e a produção de uma política de inclusão digital pactuada entre
os governos federal, estaduais e municipais. O Município é a unidade fundamental
do poder público para a inclusão digital, até porque lhe compete constitucionalmente
o ensino básico e do convencimento e participação do Poder local dependerá a
manutenção e o sucesso dos programas de inclusão.
O papel das organizações da SCO é importante para a formulação e a execução das
políticas que estamos examinando. Muitas destas organizações têm experiências
relevantes e uma estrutura mais leve e ágil que o Estado, de modo que este pode
chegar mais longe, mais rapidamente e de maneira mais profunda, valendo-se do
concurso destas entidades, dentro dos princípios democráticos e republicanos. Por
outro lado, as fontes principais dos recursos das organizações da SCO são o
mercado e/ou o Estado, com reduzida participação de outras fontes, como as
doações individuais e/ou a venda de produtos ou serviços.
Quanto ao Mercado, abundam evidências e argumentos teóricos sobre sua
inadequação como instância de decisão na formulação de políticas públicas
universalistas. No caso em pauta, o Mercado é em parte formado por empresas
fornecedoras diretas de produtos e serviços de informática e de telecomunicações. A
participação destas empresas na formulação de políticas públicas, com poder de
decisão, embute o risco de desvirtuação destas políticas, subordinando suas metas
e projetos a interesses mercantis, assim -
- é mais indicado que as forças de mercado contribuam como conselheiras, e
não nos fóruns com poder decisório, principalmente, as empresas que serão
133
diretamente beneficiadas pelas políticas de inclusão digital por venderem
hardware, software, conexão e provimento de acesso. Por outro lado, as
empresas podem realizar parcerias importantes com o poder público. Podem
investir recursos na montagem e manutenção de soluções e telecentros para
a inclusão digital.
É estratégico que as agências de publicidade sejam conclamadas a pensar
propostas inovadoras que possam interessar mais empresas a injetar
recursos para políticas públicas de universalização do acesso à Internet,
executadas pelo Estado ou pelas ONGs.
3.3.1 Objetivos; escopo; instalações; modelos de acessibilidade
Quanto aos objetivos da inclusão, estes devem ser compatíveis com os focos já
arrolados, desde que tenhamos permanentemente em conta a diversidade dos
públicos. Cremos que a questão macro-econômica da competitividade do Brasil nos
mercados internacionais deve ser tratada indiretamente, seja como um sub-produto
da inclusão em larga escala, seja mediante projetos específicos. Esta é, também, a
maneira como encaramos o foco “mezzo”-econômico da competitividade
empresarial. Estes dois aspectos estão fora do âmbito da nossa pesquisa, como já
declarado antes e se os mencionamos é justamente para explicitar esta exclusão. Já
a empregabilidade do trabalhador merece tratamento direto: parte das ações de
inclusão digital está comprometida com o interesse de aumentar as chances de
emprego do trabalhador e, visto do lado da empresa, garantir a esta um trabalhador
mais qualificado. A nosso ver, o bloco das questões ligadas ao afeto, relações inter-
pessoais e auto-estima só merece maior atenção junto ao público escolar, ficando,
para os adultos, como um sub-produto do aprendizado. Os objetivos de caráter
pedagógico (usos criativos do computador pelo aluno, desenvolvimento do “novo
aluno, novo professor e nova escola”) estão, evidentemente, associados ao público
escolar. Mas, projetos pedagógicos de inclusão digital são também necessários
quando se trata do público adulto se objetivos sócio-políticos de coesão social,
participação política, reconhecimento de direitos e cidadania estão em causa.
A dimensão do acesso e o escopo de cada projeto, programa ou política de inclusão
digital é definido pelos elementos que disponibiliza e que desenham na prática o que
cada executor de projetos compreende por inclusão digital. É possível distinguir a
inclusão digital como o acesso:
- à rede mundial de computadores (máquinas conectadas a um provedor);
134
- aos conteúdos da rede (pesquisa e navegação em sites de governos,
notícias, bens culturais,diversão, etc);
- à caixa postal eletrônica e a modos de armazenamento de informações;
- às linguagens básicas e instrumentos para usar a rede (MP3, chat, fóruns,
editores, etc);
- às técnicas de produção de conteúdo (HTML, XML, hipertexto, etc);
- à construção de ferramentas e sistemas voltados às comunidades
(linguagem de programação, design, formação para desenhar sistemas, etc).
Programas de inclusão digital voltados apenas ao acesso à conexão estão dando
um mero passo inicial. Assim, projetos de “totens” (computadores embutidos em
caixas, quase sempre para uso em pé e sem a possibilidade de utilização de
aplicativos, além do browser) não representam uma saída para a inclusão digital e
são portadores de uma concepção bem reduzida do que deveria ser o acesso à
informática e à Internet.
Quanto às instalações para inclusão em voga, merecem destaque as propostas de
Telecentros Públicos, mantidos pelo Estado; CTC (Centros de Tecnologia
Comunitários)
74
mantidos por ONGs ou comunidades locais; e Laboratórios de
Informática, inseridos nas escolas de ensino fundamental e médio, para fins de
inclusão digital (escolas conectadas). Alternativas em geral menos abrangentes de
acesso público à internet (para fins de inclusão digital) são os “quiosques”, ou
“totems”, e as Bibliotecas Informatizadas, exceto nas iniciativas locais em que estas
modalidades têm o mesmo papel dos Telecentros. Os laboratórios de informática
das unidades de ensino superior não devem ser computadas neste rol, dada a
condição privilegiada do público universitário no cenário brasileiro.
Os Infocentros podem ser pensados como “Telecentros sem acesso à Internet” e
constituem uma alternativa incompleta. A limitação do acesso à informação em rede
limita, naturalmente, os projetos pedagógicos e, no final, limita os objetivos mais
amplos da inclusão digital. O mesmo pode ser dito de laboratórios escolares de
informática não conectados à rede. Na nossa visão, inclusão digital verdadeira é
inclusão com Internet; sem isso, podemos falar numa pré-inclusão que,
evidentemente, é muito melhor que inclusão nenhuma.
74
KAUFMAN (2005) reporta-se aos CTC; LENTZ et al. (2003, p. 83) preferem Community Access
Centers; FUENTES-BAUTISTA et al. (2004, p. 54) utilizam NGO Access Points.
135
Os centros privados de acesso público - no Brasil, chamados de cyber-cafés ou lan-
houses; na Argentina, de locutórios (KAUFMAN, 2005) - embora não possam ser
considerados como lugares dedicados à inclusão digital, prestam um relevante
serviço na facilitação do acesso público à internet, tratando-se de pessoas já
“incluídas”, um papel semelhante aos dos telefones públicos conhecidos como
“orelhões”. Uma das nossas propostas (ver Conclusão) é, justamente, o subsídio
público aos pobres, com o duplo objetivo de financiar o acesso público à internet
através da rede privada de cyber-cafés, e incentivar a ampliação desta rede pelo
aumento do número de usuários. Além, é claro, de desobstruir os telecentros ao
oferecer aos incluídos ou semi-incluídos facilidades adicionais, externas, de acesso.
Silveira (2005) identifica diferenças entre as políticas de inclusão digital, levando em
consideração “modelos distintos de acessibilidade, considerados a partir de uma
tipologia que considera as opções adotadas em cada um dos 6 blocos de soluções”:
1- Unidades de Inclusão, conectadas à rede: bibliotecas informatizadas;
laboratórios escolares de informática; salas de aula informatizadas; telecentros;
quiosques (em geral, com um número pequeno de computadores conectados);
totens ou orelhões de Internet.
2- Opções Tecnológicas: sistema operacional livre ou proprietário; hardware com
soluções inovadoras, como thin-client, ou tradicionais do uso individual e caseiro;
aplicativos copyright ou copyleft; voltados à interação e à solução de problemas das
comunidades;
3- Atividades Disponíveis: uso livre, limitado ou monitorado; impressão de
documentos; cursos presenciais e à distância; acesso ao correio eletrônico e a área
de arquivo própria; atividades comunitárias em rede;
4- Monitoria das Unidades: com ou sem monitores e orientadores contratados; com
ou sem o envolvimento de voluntários; com ou sem o controle da comunidade, a
partir de conselhos gestores eletivos.
5- Sustentabilidade das unidades: recursos do fundo público; recursos das
empresas; contribuições individuais e coletivas; cobrança do usuário.
6- Autonomia e participação das Comunidades, através do poder de decisão e
poder consultivo e poder fiscalizador sobre a gestão; poder orçamentário sobre o
programa; poder de planejar o futuro do programa.
136
Um dos fios dos quais está pendente o futuro dos projetos de inclusão digital é
tecido pelas opções entre tecnologias proprietárias, subordinadas aos monopólios
do localismo globalizante (SOUZA SANTOS, 2002), versus soluções não-
proprietárias, livres e desenvolvidas de modo compartilhado por coletivos
inteligentes e dispersos pelo planeta.
Quanto à sustentabilidade das unidades, entendemos caber ao Estado a provisão
dos recursos para universalizar a rede de telecentros gratuitos, e dos indispensáveis
orientadores e instrutores. O custeio mensal desta rede representará o custo mais
relevante dos programas de inclusão digital. Sem o fundo público, não poderá
ocorrer a inclusão massiva das camadas de baixa renda na sociedade informacional.
A dependência dos fundos públicos não implica a execução estatal dos programas,
que deverá contar com o envolvimento da comunidade no processo decisório e no
planejamento das unidades de inclusão e o desenvolvimento de parcerias com
entidades da SCO para o gerenciamento e a organização das atividades.
3.4 Algumas conclusões do percurso.
Eis, num resumo, os dilemas do pai, do mestre e do líder social. O pai
nutritivo se debate entre o impulso de cercar de cuidados o infante
desarmado, e a consciência de que pulso e cerca enrijecem os caminhos do
auto-desenvolvimento. São análogas a perplexidade do educador, ante o
educando, e a do reformador social, perante as massas. À diferença, o pátrio
poder e a responsabilidade intransferível do primeiro, versus a delegada,
limitada e controlada potência emolduradora do segundo e a impotência
impositiva, a incerteza dos desdobramentos e o horizonte temporal distante e
fugidio do último (Elaboração do autor)..
Ao fechar o percurso em torno da inclusão digital e sua problemática, vamos repetir
nossa inquietação sobre a impossibilidade de definir sucintamente o conceito. Nossa
sugestão vai, mais, no sentido de tratar por nomes diferentes as diferentes coisas.
Ora, a prioridade das atenções deve ser dada à informatização da escola pública de
primeiro e segundo grau e, aí, o aspecto mais importante é o da renovação da
escola. A política pública correspondente deveria ser nominada a partir deste
aspecto. A “inclusão digital” estaria diluída aí, como subproduto.
O nome “inclusão digital” estaria reservado às ações dirigidas à PEA, em dois níveis
(pelo menos, e com eventuais subníveis): ações voltadas para o “econômico”
(emprego e renda, incluindo o empreendedorismo, cooperativismo, economia
popular e coisas do gênero); e ações voltadas para o “social” (visando a
137
solidariedade, o civismo, a cidadania-democracia, a participação, mas também a
diversidade cultural, as artes, os fatores psicossocias). Nos níveis mais básicos,
estaremos lidando com “inclusão digital”; mas, logo se poderia avançar para a
inclusão social, portanto sob outros projetos, outros atores, outros rótulos.
Considerando, as ações e instrumentos que podem ser acionados para propiciar
uma inclusão, lebramos que essas ações, técnicas e instrumentos não são neutros –
portanto, não garantem em nada que alguma suposta inclusão, cuja definição
permanece em aberto, seja realmente atingida. As possibilidades que se abrem em
nossa sociedade em termos de políticas públicas de mudanças sociais que
envolvem volumes significativos de recursos são significativamente diferentes entre
si, divergentes em geral, até inconciliáveis. Tais políticas tanto podem avançar no
rumo de uma transformação social progressista, como limitarem-se a conformar uma
mera modernização (social) conservadora
75
. É evidente que a inclusão digital
subordinante está ligada a projetos do segundo tipo, enquanto a inclusão digital
autonomista solidarista liga-se à transformação progressista. No caso da população
escolar, o discurso genérico é de que a educação tem, intrinsecamente, objetivos
autonomistas e cidadanizantes. Desta forma, em tese, a inclusão propiciada pela
escola conectada cumpre, em princípio, estes objetivos. A prática não é esta, mas
uma discussão desta distorção fica diferida.
Em nossa reflexão sobre o “novo homem” (o cidadão-participante, desejado para um
novo momento da democracia, caminho provável para uma sociedade mais
eqüitativa), parece que mais importante que o contato familiar com o mundo dos
computadores, seria uma firme entrada do “povo” no mundo da informação e da
comunicação. Apesar do “charme” impresso aos discursos da inclusão digital - a
ironia vem de Demo (2002) – parece preferível falar-se de e perseguir-se uma
inclusão informacional”. Dominar o mundo da informação e da comunicação, com
habilitação (e competência) para transformar a informação em conhecimento e/ou
em consciência crítica do mundo, parece a ser muito mais efetiva em termos de
reforço da autonomia do sujeito e reforço de sua participação como cidadão para
mudança das relações sociais que impactam sua vida.
75
Conceito retirado de Maria da Conceição Tavares e José Luiz Fiori (“Desajuste Global e
Modernização Conservadora”. São Paulo: Paz e Terra, 1993) e revisitado por IANNI (2004, p.40).
138
Para seus arautos, a inclusão digital implica o acesso à informação, mediado pelo
acesso à rede. Há, contudo, grande distância entre acessar a informação e domá-la.
O que seria, contudo, “domar” ou “dominar” a informação? É claro que não se trata
aqui de uma informação isolada, mas da informação em geral. Trata-se do processo
de acessar a (alguma, qualquer, ou todo um conjunto, em torno de um dado
interesse) informação em condições de encaixá-la no contexto próprio, poder
verificar sua validade, reconhecer sua relevância para a questão e, ao fim e ao cabo,
absorvê-la (metabolizá-la) como conhecimento e como instrumento para a decisão.
Tal encaminhamento não é singelo: trata do problema da apropriação, se
pressupomos garantido o “acesso”. Segundo Randolph (2006), “há muitas formas de
apropriação e este parece ser o problema do fundo, velho como a humanidade. É
claro que as condições atuais são diferentes (do passado), e uma das suas
características parece ser a proliferação de fontes de informação e o aumento
quantitativo de sua produção e disseminação”.
É notório que a informação, nestes tempos mesmos de internet, chega mais
massivamente ao “povo” pelo rádio e TV, pelos jornais e revistas, e pela
comunicação oral. E o que se pode concluir da análise dos processos históricos é o
completo despreparo do “povo” para avaliar, discernir, checar, contestar o dilúvio de
informações recebidas, o despreparo para escapar ao excesso de informações
descartáveis e para filtragem da informação relevante
76
. E não há, absolutamente,
evidências das possibilidades dos programas de “inclusão digital” em voga
alcançarem os objetivos do que denominamos “inclusão informacional”.
Contudo, mesmo em suas concretizações mais tímidas, a inclusão digital, representa
um ganho social. Apenas, não transparecem fundadas razões para comungarmos
com os que esperam que daí desabroche o cidadão-participante. Esta etapa
requereria outra luta, da qual a alternativa da “inclusão cidadã” sugerida neste texto
representa apenas um pálido começo.
76
Para muitas pessoas “o povo” sabe discernir bem entre “verdade” e “mentira”. As evidências
históricas vão contra este otimismo, sejam antigas (como quando o povo acreditava ser o rei a
encarnação de um deus), sejam atuais (a maioria do povo, nos EUA, acreditou na mentira do
governo, que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa e poderia dispará-las em 15
minutos). O enfoque (teórico) da perspectiva “principal-agent” analisa as possibilidades do outorgante
ser enganado pelo outorgado. Os epistemólogos têm teorizado sobre as dificuldades para se discernir
entre “verdade” e “mentira”, exercício que requer o disciplinamento das faculdades de análise lógica
de cadeias de dados, e que não está à disposição das massas. Assim, a reação das massas tem
ocorrido depois que alguém, especialmente dotado ou posicionado, aponta ou denuncia as “mentiras”
139
Depois de cinco anos de esforços para inclusão digital – tomando como marco o ano
2000 e a edição do Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil – a dimensão
e o alcance total de todos os projetos de inclusão postos em prática permanecem,
aparentemente, muito pequenos, diante das dimensões de nossa sociedade e da
extrema carência do país. A eficácia das várias iniciativas parece até agora
reduzida, talvez por sua dispersão, ou pela ausência de indicadores consolidados,
ou pela inexistência de uma coordenação pública unificada da implementação dos
diferentes projetos de inclusão. Dispomos de alguns estudos a respeito, mas
consistem geralmente de dados estatísticos ou da apresentação de casos
singulares. Embora os números e os casos façam bem aos espíritos progressistas, a
questão da escala permanece irresolvida.
3.5 AS POSSIBILIDADES DA INCLUSÃO DIGITAL
Admitir a possibilidade de uma inclusão digital comprometida com a autonomia dos
sujeitos, a solidariedade, a democracia e a cidadania (elementos que ocorrem,
todos, juntos) sob uma sociedade capitalista, é não reconhecer os condicionantes
desta sociedade, ou pretender sua (profunda) transformação a partir de
considerações utópicas ingênuas. Parafraseando Altvater
77
, semelhante projeto
assemelha-se à tentativa da quadratura do círculo. E, no entanto, é justo sob o
capitalismo que precisamos empreender a luta pelo binômio democracia-cidadania e
por uma inclusão digital segundo os requisitos deste mesmo binônio.
3.5.1 Vontade política
Na implementação de CTCs na Argentina, para a inclusão digital, “la falta de gestión y
control llevaron al programa a ser otro fracaso más” (KAUFMAN, 2005).
La implementación en forma correcta hubiera sido esencial (…). ¿Pero qué
significa “en forma correcta”?. Creo que el éxito no estaba asegurado ni aún
en el escenario gubernamental más eficiente. Se hubiera evaporado en buena
parte de no existir, en paralelo, “masa” social ya lanzada en el mismo sentido
y sobre la cual apoyarse. Los cimientos sociales, cuando los cambios son
profundos, deben contar con sistemas de desarrollo ascendentes. Si,
además, existe voluntad política, tanto mejor. Si esa voluntad no existe, tanto
peor para la voluntad política si esa “masa” está ya muy extendida (Ibidem).
77
Altvater rebate com ironia a possibilidade do desenvolvimento sustentável sob o capitalismo.
140
No rumo de argumentações anteriores, insistiremos na vigência destas duas
orientações básicas - dois projekts - de condução dinâmica da sociedade: a
modernização conservadora e a transformação progressista.
78
Esta última responde
à vontade política de transformações que visem o atingimento de uma sociedade
progressivamente menos desigual, com desníveis progressivamente menores em
termos de renda, de status e de privilégios entre “todos”
79
os seus membros. Esta
linha de pensamento pretende refletir um pensamento utópico “realista”, despojado
de fantasias, exageros, e/ou idealismo metafísico.
O pensamento conservador está comprometido com a manutenção/ampliação
destas mesmas desigualdades de renda, status e privilégios, historicamente
concentrados em minorias que se auto-reproduzem (ou se recompõem), depois de
cada “revolução” das classes exploradas ou subalternas (ou depois de lutas intra-
elites), sobrando para uma extensa maioria as condições de pobreza e miséria,
enquanto uma certa camada (as “classes médias” do pensamento econômico liberal)
flutua entre estes dois extremos.
Fixar em (apenas) duas as linhas orientadoras das formas de condução da
sociedade e de orientação da construção política do futuro é mero recurso didático-
expositivo reducionista, ante a complexidade dos fenômenos sociais e civilizatórios.
É neste diapasão que faremos uso desta polaridade, como linha divisória e critério
de corte entre duas tendências-limites universais e dialéticas, a conservação e a
transformação, sem rendição ao maniqueísmo.
Com efeito, não se pode associar mecanicamente as mudanças progressistas
registradas na história – passada ou recente –a uma linhagem de reformadores que
se recicla no tempo. Indivíduos, partidos políticos e outras associações podem agir
ora em uma, ora em outra direção, produzindo transformações progressistas ou
sufocando movimentos nesta direção (e, desta forma, “produzindo” a
conservação
80
). Como exemplo, a abolição da escravatura no Brasil foi efetivada por
um governo conservador, em parte devido a razões de Estado, em parte atendendo
78
Não se trata de visão maniqueísta: estamos apresentando duas orientações básicas para a
avaliação de projetos e para o julgamento (ex-post facto) do resultado de ações.
79
Todos, como absoluto, deve ser repelido. Admite-se uma linha de corte, excluindo um reduzido
número de indivíduos que apresentem, por variadas razões, severas limitações à sociabilidade.
80
Parece que a conservação não se produz propriamente: resulta da resistência à transformação.
Manter o existente, o conhecido, é uma decisão mais cômoda de ser tomada; mudar representa,
sempre, o salto no desconhecido. O tema é muito discutido nos campos da Psicologia e da
Administração. No discurso, é constante a defesa das positividades da “mudança”.
141
a pressões de movimentos progressistas nacionais e internacionais contrários à
prática (cf. FAUSTO, 2002)
81
. Por outro lado, o “não” ao referendo sobre a proibição
do comércio legal de armas no Brasil, em 2005, assume a feição de uma reação
conservadora dos pobres, que detinham a maioria dos votos. Numa lógica primária a
esmagadora maioria dos pobres, que sequer têm dinheiro suficiente para o pão de
cada dia, não deveria defender o direito de comprar armas, direito que na prática
não pode exercer; e não há porque atribuir o resultado a “conspirações” da elite
conservadora, mais parecendo provir da má condução da campanha “progressista”
dos defensores do “sim” para o aliciamento.
Nenhuma grande mudança social se deu como uma surpresa retirada de uma caixa,
com uma destas duas etiquetas. Em cada mudança há uma mistura de ambas
tendências. O que permite ao analista discernir, é a orientação geral, ou principal. A
abolição foi parcialmente progressista, porque colocou fora da lei uma ignomínia;
mas, parcialmente conservadora, porque não diminuiu as distâncias sociais, apenas
lhes deu nova roupagem. O golpe militar de 1964 no Brasil foi conservador em sua
concepção
82
, execução e prolongamento; mas, estendeu ao campo os direitos
trabalhistas, realizando a maior inclusão social da história do Brasil resultante de
uma única medida governamental. Também, pode servir de evidência empírica a
sobrevivência, nos tempos supostamente renovadores da Nova República, dos
mesmos velhos políticos aliados dos Governos Militares (1964-1982): Antonio Carlos
Magalhães (Bahia), José Sarney (Maranhão) e Paulo Maluf (São Paulo) mantiveram
poder e privilégios depois da “renovação” democrática das Diretas-Já. Nos EUA,
Wright Mills dissecou o poder da “elite”, o esforço auto-conservacionista das “400
famílias metropolitanas” e as peripécias do Registro Social (1968, p. 11).
O poder de influência dos homens (e mulheres) comuns é circunscrito pelo
mundo do dia-a-dia em que vivem, e mesmo nesses círculos de emprego,
família e vizinhança, freqüentemente parecem impelidos por forças que não
conseguem compreender ou governar. As ‘grandes mudanças’ estão além de
seu controle, mas nem por isso afetam menos suas perspectivas. A estrutura
da sociedade moderna limita-os a projetos que não são seus e, de todos os
lados, aquelas mudanças os pressionam de tal modo que se sentem sem
objetivo (e) sem poder.
81
Para Boris Fausto (História Concisa do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2002, pp.121-ss.), tanto a Lei do
Ventre Livre, de 1871, como a Abolição, de 1888, foram projetos de gabinetes conservadores.
82
Contou, sintomaticamente, com o apoio da organização conservadora TFP-Tradição, Família e
Propriedade, um dos braços da Opus Dei.
142
Mas, observa Mills, nem todos os homens são comuns, neste sentido. “Sendo
centralizados os meios de informação e poder, alguns deles chegam a ocupar na
sociedade (americana) posições das quais podem olhar, por assim dizer, para baixo,
para o mundo do dia-a-dia dos homens e mulheres comuns, suscetível de ser
profundamente atingido pelas decisões que tomam” (Ibidem). Continua o autor:
Não são produtos de seus empregos, criam e eliminam empregos para
milhares de outros. Não estão limitados por simples responsabilidades de
família, podem escapar delas. Não estão presos a nenhuma comunidade.
Não precisam apenas atender as exigências da hora e do momento, pois em
parte criam essas exigências e levam outros a atendê-las. Quer exerçam ou
não seu poder, a experiência técnica e política que dele têm transcende de
muito a massa da população (Ibidem).
A inclusão digital em marcha traz as duas marcas enoveladas. Somente a análise ex
post facto dirá como se deu. Os “progressistas” esperam que as políticas públicas
para o caso revelem, desde inicio, uma clara intenção na direção que subscrevem.
Mas, os projetos em voga apresentam face ora progressista, ora meramente
conservadora. Em princípio, pela experiência histórica e pela lógica analítica
acumulada nos campos da ciência política, da sociologia e da psicologia, nenhuma
“verdadeira” inclusão digital democrático-cidadã deverá ocorrer se, não se
desenvolver na sociedade – e, mais especificamente, nas camadas detentoras do
poder e da liderança –, como resultado de quaisquer pressões, ou de simples
circunstâncias, a vontade política de levar à frente tal projeto.
Vontade política é a intenção operante de um grupo – suficientemente poderoso - no
afã de concretizar um projeto, respaldado no apoio popular. Um grupo unido em
torno de Juscelino Kubtscheck desenvolveu a vontade política da construção de
Brasília (1955-60). Karl Deutsch (1979) conceitua a política como o controle mais ou
menos imperfeito do comportamento humano, controle que resulta de hábitos
voluntários de aquiescência combinados com a ameaça de uma coerção provável.
Poder, seria a possibilidade de um agente político modificar a probabilidade de que
certos resultados se efetivem; o potencial (de poder) seria a soma de recursos
materiais e humanos disponíveis a um comando do agente. O poder está sempre
associado a um propósito, sendo irrelevante a existência de um, sem o outro.
A vontade política de efetivação de uma inclusão digital democrático-cidadã e
universal no Brasil implicaria a existência de um grupo de pessoas com o poder e o
propósito de o fazer, e da receptividade popular ao projeto. Não conseguimos
143
identificar tal grupo, nem encontrar razões para que exista e atue na Sociedade Civil
(sendo certo que no setor Mercado não poderá haver, conforme análises já feitas
sobre a participação do Mercado na inclusão digital). Por se tratar de um objetivo de
contornos nebulosos, a conflitualidade própria da sociedade bloqueia a unicidade de
propósito; a envergadura da operação dificulta a disponibilidade do potencial e sua
longa duração impediria a aplicação organizada dos recursos.
O ideal de um povo que se auto-gestiona é um sonho dos reformadores sociais mas,
por enquanto, apenas isto. Iniciado o Século XXI, os povos são conduzidos por seus
governos e outras lideranças, ou forças, não raro externas. O ano de 2006 já deu
dois exemplos de ruptura entre povo e “condutores”: no Haiti, a maioria da
população foi às ruas exigir o reconhecimento da vitória de René Préval, que o
comitê eleitoral negava, mas foi coagido a aceitar, através de um malabarismo
razoável mas, no fundo, ilegal; na Palestina, o grupo Hamas venceu as eleições,
contrariando o domínio do Fatah na ANP e as expectativas externas. Em ambos
casos, são batalhas que “o povo” vence, sem garantias de vencer a guerra: a
batalha é um episódio; a guerra, um projeto de longa duração, e o fator duração não
raro faz a diferença, e inverte os termos da vitória e da derrota.
Enfim, parece que somente no Estado poderia ser encontrada a necessária soma
destes condicionantes, de acordo, aliás, com os argumentos já levantados sobre a
necessidade de uma política pública para o caso. Mas, o Estado se faz ato através
do Governo e este representa, bem ou mal, a sociedade (capitalista) e seus
conflitos; os governos que se sucedem podem mudar de orientação; e as leis que se
fazem nem sempre se cumpre ou, havendo interesse, se revogam. De tudo resulta
que o projeto em debate pode e deve nascer no Estado, mas afirmar sua execução
seria sacar contra o futuro: a maior garantia de sua permanência e eficácia seria
(será) a formação da vontade política numa “massa” do povo e em setores
organizados da sociedade civil.
Não, provavelmente, na linha do CDI, uma ONG cuja estrutura e funcionamento se
aproximam mais do modelo “Empresa” do que de “Movimento Social”, e que está
muito ligada ao mercado (às doações de empresas). Mais, talvez, no modelo
proposto pela UNE em 2006, ao criar uma Diretoria de Inclusão Digital e promover
uma Caravana da Inclusão Digital, que deverá percorrer as universidades do país.
Para os dirigentes da UNE e da UBES a inclusão digital deve se transformar numa
144
bandeira do movimento de massas, e os movimentos sociais devem pautar este
debate em suas agendas. Uma das metas, seria debater e fiscalizar a utilização dos
recursos do FUST para a informatização das escolas
83
. Entendemos que a inclusão
digital só se tornará autonomista-cidadã se for apoiada por um Movimento Social.
3.5.2 Inclusão digital, sociedade capitalista e globalização
Muito já foi dito sobre como a desigualdade no âmbito das relações de mercado
pode levar à exclusão social. Outras formas de exclusão - as questões de gênero,
nacionalidade, raça, e orientação sexual – guardam, também, vínculos com as
relações capitalistas de produção e têm sido denunciadas pelos movimentos sociais.
Uma nova ameaça de desajuste social vem se constituindo em torno do das TIC: a
desigualdade digital que se manifesta, em primeiro plano, pela desigualdade das
oportunidades de acesso aos recursos das TIC e, mais profundamente, na
habilitação para apropriar-se destas técnicas, se acessadas. As relações entre esta
desigualdade e o capitalismo e, portanto, entre capitalismo e inclusão digital, são
várias e de diferentes graus. Vamos somente listar algumas delas, sem discussão:
- se – com base na teoria da “pirâmide das necessidades” de Maslow - a mais
básica das necessidades do adulto comum é a subsistência (pessoal, e familiar),
então a renda e o emprego, para a absoluta maioria destes “homens comuns”, é sua
primeira frente de batalha. Ora, o emprego está escasso, e a renda idem. Esta dupla
escassez constitui uma barreira impeditiva do acesso às tecnologias digitais
(hardware, software, conexão e treinamento); e, como tal escassez é constitutiva do
MPC, aponta-se um conflito entre inclusão digital e capitalismo;
- se a educação “capitalista” é, sobretudo, a educação “para o mercado”, dela não se
pode esperar uma atitude naturalmente includente e democrático-cidadã, que só
poderá desenvolver-se mediante esforço universalista específico. Mas, este esforço
não se alinha com a “lógica do capital” e é difícil de ser empreendido;
- se a estrutura do tempo do trabalhador pobre – jornada de trabalho, mais
deslocamentos, necessidades individuais de repouso, alimentação e lazer – lhe
deixa uma sobra mínima de tempo e energia, uma jornada que inclua tempo para
83
As informações sobre UNE e UBES foram retiradas do site Estudantenet (25/02/2006).
145
inclusão democrático-cidadã (“digital” e “social”) talvez requeira redução da jornada
de trabalho, o que não encontra guarida na “lógica capitalista”;
- se a estrutura do acesso, da disseminação, e da apropriação da informação e do
conhecimento é outra dimensão social concentrada e excludente (característica
também da sociedade capitalista, embora não exclusiva dela) e, ao mesmo tempo, é
condição da inclusão sob análise, fica apontado outro conflito entre o projeto
renovador e as forças de conservação do status quo;
- se a “lógica do capital” favorece, na prática, o monopólio e o oligopólio que, no
mundo digital, se concretizam nos virtuais monopólios da Intel, em processadores, e
da Microsoft, no sistema operacional e no software aplicativo de uso geral, os preços
deixam de ser livres e não responderão à relação quantidade-custo, penalizando o
esforço de universalização. Os monopólios criam o fechamento à participação
aberta, contra o que está lutando, em um destes campos, o movimento do software
livre, mas sem sucesso notável até o presente.
Nenhum destes óbices é incontornável. Apenas, indicamos seu estado atual.
A globalização, como fenômeno que perpassa as muitas dimensões da vida social,
não haveria de poupar os processos de apropriação social das TIC. Ao contrário, a
“convergência dos momentos” - Santos (2000) – por um lado acelera a difusão das
TIC, potencializando seus efeitos e, por outro, é potencializada justamente pela
difusão e desenvolvimento destas tecnologias.
As relações mais visíveis entre TIC e globalização situam-se no campo das finanças,
na velocidade, quase instantaneidade, impressa aos fluxos de capitais e no reforço à
concentração desses recursos, tanto tecnológicos como financeiros, em algumas
poucas “cidades mundiais”, como Nova Iorque, Londres, Tóquio, Hong-Kong. Estas
realidades, junto com outras que se enfileiram por trás de conceitos e siglas como e-
business, ou tele-trabalho, tornam mais urgente uma política nacional de inclusão
digital que aproxime mais o país dos limites superiores destes processos.
3.5.3 Inclusão digital como direito difuso.
Sendo o Direito um dos pilares do ordenamento social em nossa cultura, é natural
que a inclusão digital seja analisada, também, sob sua égide, para o que vamos
analisá-la como objeto dos direitos metaindividuais, sob a forma de direito difuso.
146
A aceitação da historicidade dos chamados direitos fundamentais tornou obsoleta a
doutrina jusnaturalista. Para Bobbio, não há direitos fundamentais por natureza e “o
que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é
fundamental em outras épocas e em outras culturas” (1992, p. 19).
Marinho, et al. (2003) classificam os direitos fundamentais segundo “gerações”
sucessivas. A primeira geração corresponde aos direitos individuais à liberdade,
segurança, propriedade e igualdade (igualdade formal, segundo a qual “todos são
iguais perante a lei” e devem ser tratados igualmente, ignoradas as diferenças
individuais). Exigidos pela burguesia, estes direitos constituem “prestações
negativas”, associadas a uma menor intervenção do Estado – o Estado Liberal - e ao
primeiro princípio da Revolução Francesa, a “Liberdade”.
São da segunda geração os chamados direitos coletivos, caracterizados por
prestações positivas do Estado, como o direito à saúde, ao trabalho, à educação, à
igualdade material - a qual repousa na máxima “tratar desigualmente os desiguais”,
onde o princípio da igualdade se compõe com os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade, possibilitando a “discriminação razoável, regrada ou justificável”,
que só pode ser feita pelo legislador. Surgem com o Estado do Bem-Estar Social, e
associam-se ao princípio da “Igualdade” do tríptico do 14 de julho de 1889.
É somente depois da 2a Guerra Mundial, estabelecido o Estado Democrático de
Direito, que surgem os direitos difusos, caracterizados pela indeterminação de
sujeitos, isto é, pertencentes a toda a coletividade e não a uma ou algumas pessoas,
como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos do
consumidor. Conduzem à idéia de “Fraternidade”, última bandeira da Revolução
Francesa. Os direitos relacionados à bioética e à tecnologia, mais recentes, são
atribuídos a duas novas (a Quarta, e a Quinta) gerações.
O fator histórico que faz emergir o “novo direito” pode ser uma nova necessidade
social, a maior consciência das pessoas em relação ao seu entorno, ou outro. A
partir da década de 1960 as questões ambientais e de consumo deram visibilidade
aos direitos difusos que, juntamente com os direitos individuais homogêneos e os
direitos coletivos, integram os direitos metaindividuais. No Brasil, na década de
1980, com o movimento “Diretas Já”, a abertura política e a promulgação da
Constituição de 1988, houve maior necessidade da população se aglutinar através
de movimentos pela defesa dos direitos. Alguns segmentos da sociedade, antes
147
excluídos, inclusive das reclamações, passaram a se organizar através de grupos,
associações de bairros e outros movimentos, como no caso dos moradores de
favelas e bairros pobres, e dos trabalhadores rurais. Os grupos das chamadas
minorias também passaram a se organizar, como as mulheres, os negros, idosos,
portadores de necessidades especiais e outros. É nesse momento que se percebe a
organização da sociedade civil, através de movimentos reivindicatórios e
associações, para a defesa dos direitos metaindividuais, cujos titulares vão ser
definidos pela Lei da Ação Civil Pública, em 1985.
Os direitos difusos são caracterizados pela indeterminação de sujeitos,
indivisibilidade do objeto e existência de um vínculo fático. Assim também,
interesses difusos como aqueles pertencentes a um número indeterminado de
pessoas, titulares de um objeto indivisível e que estão ligadas entre si por um
vínculo fático. A indeterminação de sujeitos implica a impessoalidade, logo, a
impossibilidade da delimitação dos sujeitos e da definição dos titulares, o que torna o
direito indivisível. Como todos são titulares, ninguém o é exclusivamente.
Assim, mesmo que se possa estimar o número de habitantes de uma localidade, não
será possível determinar o número de sujeitos atingidos pela violação ao direito ao
meio ambiente equilibrado. Disso deriva que não é possível a renúncia a esse
direito, e que a transação só é possível preenchidas determinadas condições, em
que se avalia que o direito não deverá ser mais violado.
A existência de um vínculo fático ligando entre si pessoas indeterminadas implica
uma situação de fato que liga os sujeitos que, em princípio, não teriam vinculação
jurídica, sendo titulares de um direito que pertence a todos eles. A tutela
diferenciada para esses direitos se faz necessária pois, não havendo titular
determinado, esses direitos poderiam ficar sem proteção. O legislador entendeu que,
para a proteção e defesa desses direitos, era necessário determinar titulares - como
o Ministério Público e associações -, e uma série de garantias e ações, como a Ação
Civil Pública, a Ação Popular, e o Mandado de Segurança Coletivo.
O Art. 81 do Código de Defesa do Consumidor define os direitos metaindividuais e
as formas de sua defesa em juízo, a saber:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá
ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
148
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código,
os trans-individuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.
A instauração do “mundo digital”, ao criar novas formas de relacionamento
interpessoal e coletivo, e novas percepções de um mundo que se alarga com as
conexões digitais, cria também novos direitos e deveres. A internet e outros
acontecimentos ligados à telemática e à “vida digital” são o principal norte do “direito
digital” (HOESCHL, 2003). Diante das três características dos direitos difusos, é
possível incluir a Inclusão Digital em seu âmbito de proteção. A exclusão digital é
uma condição fática que fere o direito de todo cidadão ao acesso à informação,
pressuposto inafastável do pleno exercício de cidadania. O direito à informação
disponível nos portais governamentais, dessa forma, é um direito difuso, porque é
destinada a todos os que a queiram receber sem que se possa individualizar e
definir qual informação será difundida para este ou aquele indivíduo. A relevância
social de sua defesa está intimamente relacionada ao poder transformador das
relações sociais e em termos de desenvolvimento nacional, devendo ser objeto de
ações judiciais e administrativas.
Contudo, mais importante que identificar os direitos humanos, ou fundamentá-los, é
encontrar uma maneira de defendê-los, como ensina Bobbio
(1992, p. 25):
Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza
e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou
relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir
que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
A Constituinte de 1988, atenta aos clamores da sociedade, preocupou-se não só em
definir os direitos dos cidadãos, como também em estabelecer mecanismos para a
sua defesa, os “remédios constitucionais”. O que se pretende com a caracterização
da inclusão digital como direito difuso é, exatamente, possibilitar que sua defesa seja
feita através dos remédios constitucionais específicos para a defesa dos direitos
metaindividuais, a saber: a Ação Popular, o Mandado de Segurança Coletivo e,
especialmente, a Ação Civil Pública.
149
A Ação Popular (art. 5º, LXXIII, da CF-88), prevê que “qualquer cidadão é parte
legítima para propor ação popular que vise a anular o ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”. O Mandado de Segurança
Coletivo, previsto pelo artigo 5º, LXX, da CF-88, e regulamentado pela Lei no.
1.533/51, foi criado “(...) para proteger direito líquido e certo, que sofrer violação ou
houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e
sejam quais forem as funções que exerça”.
Contudo, o principal instrumento para a defesa dos direitos difusos é a Ação Civil
Pública (Lei no. 7.347/85), sendo titulares o Ministério Público, determinados entes
estatais e para-estatais descritos na Lei, bem como a “associação que esteja
constituída há pelo menos um ano, e inclua entre suas finalidades institucionais (...)
a proteção ao consumidor”. A Lei dispõe:
Art 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos causados:
(...)
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Este inciso IV (que possibilita a utilização da Ação Civil Pública para a defesa de
“qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, não citado expressamente pela lei),
inclui também o Direito à Inclusão Digital, por se caracterizar como direito difuso.
O Ministério Público se coloca cada vez mais perante a sociedade como titular da
defesa dos direitos difusos, seja pela criação das Coordenadorias de Direitos nas
Procuradorias de Justiça, seja pela interposição das Ações Civis Públicas e pela
assinatura dos termos de compromisso. A definição de associações como titulares
do direito a interposição das Ações Civis Públicas vem ao encontro da nova
definição de sociedade.
O que importa, portanto, é conferir realidade ao direito à inclusão digital. O Poder
Público é responsável pela elaboração e implementação de políticas públicas para a
efetivação desse direito. Contudo, a efetivação dos direitos humanos não depende
só da atuação do Estado mas, radicalmente, da ação da Sociedade Civil
Organizada, para lograr a implementação de políticas públicas, dos novos termos de
parceria, contratos de gestão, e outras atividades, bem como pela defesa judicial
dos direitos difusos, alcançando também, agora, a inclusão digital.
CAPÍTULO 4 – EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL
O Governo Brasileiro não tem uma Política Nacional de Inclusão Digital no sentido
estrito, isto é, formalmente estabelecida através de um Ato específico, que oriente
explicitamente as ações, recursos e agentes da inclusão digital. Considerado,
contudo, o conjunto de ações e normas do governo, no que tange à implantação de
Telecentros Públicos, ao apoio oficial ao Software Livre e à Informatização da Escola
Pública, estes elementos delimitam razoavelmente um campo de ação que pode
merecer a designação de política pública em sentido lato, e que passaremos a tratar
como Política Nacional de Inclusão Digital (PNID).
A União cria e opera infocentros e telecentros públicos, assistidos por monitores,
para o ensino de conhecimentos básicos de informática; apóia a informatização da
escola pública de primeiro e segundo graus; e promove a difusão do uso do
Software Livre, de forma institucional (SILVEIRA, 2003). Adicionamos a essa
estrutura um quarto elemento - a expansão das ações de governo eletrônico que,
indiretamente, impulsionam o público na direção da alfabetização digital (SANTOS,
2003). A este esforço do governo central somam-se outros, similares, desenvolvidos
pelos estados-membros e municípios.
Neste entendimento, a referida PNID resulta da “soma” de quatro elementos:
(i) a política de informatização da escola pública;
(ii) a política de Telecentros;
(iii) a política de difusão do software livre;
(iv) a política de governo eletrônico.
Merece destaque o Programa SOCINFO
84
do MCT, que se propôs universalizar, no
Brasil, o acesso aos bens e serviços baseados nas TIC (CHAIN et al., 2004, pp. 50 e
87; MCT, 2006). Pelos critérios de Randolph (1999), trata-se de uma política pouco
participativa, mais liberal do que republicana, e de uma lógica mais sistêmica do que
comunicativa, o que compromete seu caráter democrático.
84
É missão do Programa para a Sociedade da Informação articular e coordenar o desenvolvimento e
a utilização de produtos e serviços avançados de computação, comunicação e conteúdos, e suas
aplicações, visando a universalização do acesso e a inclusão digital de todos os brasileiros.
151
4.1 INFORMÁTICA PÚBLICA E GOVERNO ELETRÔNICO
Ao discutir os elementos da PNID, consideraremos o tema do governo eletrônico em
primeiro lugar, justo porque será o menos extensamente tratado.
A onda de “computadorização” de um crescente número de atividades civis saltou de
escala com a invenção dos “microcomputadores” (década de 1980), cujo
desenvolvimento viabilizou as grandes redes de computadores. Desde então, os
recursos da informática e da “telemática” tornaram-se acessíveis para as pequenas
empresas, o usuário doméstico e as escolas até o segundo grau. O uso e
exploração dos recursos de informática pelo governo data dos primórdios da difusão
desta tecnologia e foi utilizado, de início, para informatizar os controles
administrativos, em geral. Quando os bancos adotaram os caixas automáticos, o
governo seguiu a mesma trilha. Muitas outras funções foram automatizadas e o
campo ficou conhecido como informática pública (IP) (SANTOS, 2001).
Um caso típico do uso avançado da IP foi o desenvolvimento em Salvador, Bahia, do
“SAC-Serviço de Atendimento ao Cidadão”. Na linha do assim chamado public
service delivery, o SAC-Iguatemi
85
reúne, num mesmo espaço, serviços das várias
esferas do governo – federal, estadual e municipal – e de dois Poderes (Executivo e
Judiciário), além de concessionárias (setor privado). Terceirizado, em sua maior
parcela, e centrado totalmente nas TIC, o SAC obedece a um receituário que hoje se
enquadra o conceito de e-gov, sub-espécie do e-service (SANTOS, 2001).
No Brasil, a menção ao “governo” visa, quase sempre, o Poder Executivo (federal,
estadual, ou municipal), devido à clara hipertrofia do Executivo, ao qual, por isso
mesmo, se reserva a denominação de Administração Pública (DI PIETRO, 2000;
MEIRELES, 1996; PETERS, 1999), que sói ser a maior usuária do e-gov. Para os
poderes Legislativo e Judiciário sobra um número menor de funções passíveis de
inserção nos quadros do e-gov (SANTOS, 2003).
O avanço no uso governamental civil das TIC recai sob a rubrica modernização da
Administração Pública, noção que engloba as providências voltadas para a adoção
dos métodos e processos mais atuais de execução e gerenciamento das tarefas da
85
O Iguatemi é um shopping center que abriga o posto do SAC referido. Há oito postos do SAC em
vários bairros de Salvador, de diferentes dimensões e especializações, e doze postos em cidades
interioranas. O modelo foi “exportado” para outros estados do Brasil, e para Cuba e Portugal.
152
Administração. O tópico dispensa maiores esforços de análise. Aliás, a
modernização da Administração Pública é elemento inescapável de todo projeto de
Reforma do Estado. O que se pode adiantar é que enquanto a Reforma do Estado
prevê a mudança na natureza e escopo das funções deste – e, mesmo, a afirmação
ou negação pura e simples de algumas funções - a Modernização Administratriva
apenas visa melhorar a forma como tais (e quaisquer) funções são efetivamente
consumadas (SANTOS, 2001; BRESSER PEREIRA, 1999).
A partir de 2001, a noção de informática pública (IP) passou a ser ameaçada de
substituição pela noção de governo eletrônico. Mas, e-gov não é meramente um
novo nome para algo antigo: depois de absorver a IP, o e-gov deverá ir muito mais
além. Ora, as ações de IP sempre foram centradas na tarefa específica, e se um
órgão tinha uma necessidade de informatização (como a emissão de Carteiras de
Habilitação pelo DETRAN), este órgão deveria conduzir um projeto, visando suprir
suas necessidades de hardware, software, instalações físicas e rede de
teleprocessamento, e pessoal (com o eventual apoio de uma consultoria). Na
ideologia do e-governo, a informatização de funções não é mais questão de um
órgão isolado, mas do governo como um todo. Neste marco, e-gov vem a ser a
soma das orientações e recursos movimentados por um governo para prestar os
serviços a que está obrigado, utilizando os recursos das TIC. Provavelmente os
governos, nos vários níveis e unidades federativas, irão criar órgãos especiais para
centralizar as decisões de informatização dos serviços públicos. Prevê-se maior
padronização, uniformização e homogeneização em todos os níveis e tarefas do
governo, e que as forças do mercado se esforçarão por impor as best practices em
todo o mundo. As agências multilaterais procuram difundir uma ideologia que visa
homogeneizar certos padrões de governo, como transparência, eficiência e eficácia
na prestação de serviços ao cidadão, redução da corrupção, preferência por
soluções de mercado – privatizadas e terceirizadas – e assim por diante
(“governance”). Há também uma preocupação com a legitimidade dos governos, que
deve estar apoiada na satisfação dos cidadãos (SANTOS, 2003).
Em contrapartida, os cidadãos deverão ser instrumentalizados para interagir com as
interfaces de governo eletrônico, o que obrigaria os governos a adotarem políticas
amplas de “alfabetização digital” ou de “inclusão digital”.
153
4.2 POLÍTICA DE SOFTWARE LIVRE
A Business Week colocou na capa a Rebelião Linux, prometendo revelar
[como] um grupo ralé de geeks do software está ameaçando a Microsoft e a
Sun [e mudando] o mundo dos computadores [e que] a Chrysler, a Sony, a
IBM, e mesmo o Departamento de Defesa [dos EUA] já prevêem um futuro de
código aberto para seus negócios. Mudou o capitalismo? Ou essa é mais uma
tentativa de cooptação de qualquer movimento que apresente ameaças para
a sua dominação global?
(VIANNA, 2003).
4.2.1 Software-Proprietário x Software livre
Os programas de computador são projetados e escritos por profissionais da área, na
forma de textos (programas-fonte) que podem ser lidos e entendidos por outros
programadores, os quais podem indicar erros e sugerir melhoramentos. Para
transporte entre máquinas, o código-fonte é reduzido às seqüências binárias do
programa interno (programa-objeto), tornando-se humanamente ilegível.
Esta atividade gerou amplos campos de trabalho, produção e consumo mercantis. O
software tornou-se mercadoria sujeita à competição capitalista, protegido por direitos
de propriedade (software-“proprietário”). Formaram-se grandes empresas, que
acabaram por quase monopolizar o mercado de software, agora vendido como
“programa objeto” e com a proibição, para o comprador, de “desconstruir” a lógica
interna, visando entendê-la
86
. Se o produto não atender ao comprador, este terá o
direito de reclamar ao fabricante; se introduzir modificações, será por sua conta e
risco, e sem o direito de comercializar ou divulgar sua invenção.
Na modalidade chamada de software-livre o programa fica disponível para venda ou
divulgação com o código-fonte “aberto”, isto é, sem restrições de leitura e/ou
interpretação. Seu adquirente/usuário poderá alterá-lo livremente para adaptação às
suas necessidades. Pode passar adiante sua invenção e divulgar os algoritmos
internos do programa, mas não pode cobrar por isto. Assim, o software-livre não é
necessariamente gratuito, mas suas alterações o são. O usuário tem a vantagem de
comprar o software por baixíssimo custo; de não operar uma “caixa preta”; de poder
exercer sua criatividade para melhorar seu instrumento de trabalho. Mas, não terá
um fabricante a quem reclamar por falhas no produto (BAHIA, 2004).
4.2.2 O Movimento do Software Livre
86
Pode-se obter a decodificação através da engenharia reversa, mas trata-se de uma ação ilegal.
154
É através da imaginação que os cidadãos são disciplinados e controlados
pelos Estados, mercados e outros interesses dominantes; mas, é também
através da imaginação que os cidadãos desenvolvem sistemas coletivos de
dissidência, e novos grafismos da vida coletiva (SOUZA SANTOS, 2002, p.
46).
A Free Software Foundation - FSF (ou, Movimento do Software Livre - MSL) é um
movimento mundial de oposição aos monopólios de produção e venda de software -
proprietário, e pretende produzir e disponibilizar para o público mundial um conjunto
extenso de softwares-livres. Foi criado em 1985, por Richard Stallman, então
integrante do MIT, em resposta à proibição de acesso ao código fonte de um
software, certamente desenvolvido a partir do conhecimento acumulado de tantos
outros programadores. A FSF busca, com base no princípio do compartilhamento do
conhecimento e na solidariedade, superar a lógica da mera mercantilização. Para
evitar que seus esforços fossem indevidamente apropriados e patenteados por
algum empresário oportunista, novamente bloqueando o desenvolvimento
compartilhado, a FSF criou a Licença Pública Geral (GPL, da sigla em inglês), ou
copyleft, contraposta ao copyright. Ela é a garantia que os esforços coletivos não
serão indevidamente considerados propriedade de alguém. O GPL é aplicável onde
quer que os direitos autorais sejam utilizados: livros, imagens, músicas e softwares
(HERNANDEZ, 2005).
A FSF, de início, reuniu e distribuiu programas e ferramentas livres, com o código-
fonte aberto. Sua meta tornou-se produzir um sistema operacional livre, que tivesse
uma lógica semelhante à do sistema UNIX (um software-proprietário), e os esforços
de programação foram concentrados em torno do projeto GNU (“Gnu Is Not Unix”).
Em 1992, o finlandês Linus Torvald conseguiu compilar todos os programas e
ferramentas do movimento GNU em um kernel, ou núcleo central, o que viabilizou o
sistema operacional LINUX - de “Linus for Unix” (HERNANDEZ, 2005). O
GNU/LINUX recebe colaborações de milhares de desenvolvedores, espalhados por
mais de 90 países, nos cinco continentes.
87
Qualquer pessoa com acesso à internet
e habilidades de programação pode integrar o processo de desenvolvimento do
software-livre que, assim, passou a envolver um elevado número de horas de
programação qualificada, a um custo orçamentário zero, que dificilmente uma
grande corporação poderia dispor (SILVEIRA, 2006).
87
A maior empresa de software do planeta, a Microsoft, é sediada em Seatle (EUA) e produz o
sistema operacional Windows. Conta com aproximadamente 30 mil funcionários em seus quadros.
155
As versões experimentais (versões “beta”) podem ser testadas, tão logo criadas,
pela comunidade distribuída na rede. Assim, os “bugs” podem ser descobertos, o
software melhorado e as novas versões distribuídas de modo constante, veloz, e
não burocrático. No modelo de desenvolvimento proprietário, “a lógica distribuída
dos bazares e suas inúmeras tendas é substituída pela silenciosa hierarquia da
Catedral”
88
. As versões do software só podem ser liberadas após inúmeros testes e
superação de todos os bugs. Os usuários não têm acesso ao código-fonte e não
participam do constante aprimoramento do programa. Assim, a velocidade de
inovação do software livre pode superar a do software proprietário, pela agilidade do
modelo “bazar”, diante do modelo “catedral” (RAYMOND, 1999).
Segundo Silveira (2006), seis tipos de softwares dominam, numericamente, o mundo
da microinformática: o sistema operacional; programas de automação de escritório;
para a internet, os programas de acesso, correio eletrônico e buscas; e, os antivírus.
O sistema operacional é o mais importante dos programas. Sua presença na
máquina é indispensável, pois é o primeiro código a ser acionado ao se ligar o
computador, e fornece as interfaces do hardware básico com os demais elementos
de hardware e com os demais softwares em uso. O sistema operacional WINDOWS,
da Microsoft, domina 97% do mercado de computadores pessoais, num monopólio
evidente, que submete usuários de todo o mundo a uma “ditadura” econômica e
tecnológica que permite ao monopolista ditar preços, esmagar a concorrência e
sujeitar os usuários ao uso de uma “caixa preta”. O desequilíbrio é grande, em uma
sociedade que depende cada vez mais das TIC, e isso justifica os esforços para a
divulgação de uma opção viável, como é o LINUX.
No segmento de “automação de escritório” (composto, essencialmente, de um
processador de texto, uma planilha eletrônica, um programa de apresentação de
slides e um gerador/controlador de bancos de dados), domina o Microsoft Office.
Mas, já estão disponíveis softwares-livres equivalentes, e até mais abrangentes.
O “navegador” Internet Explorer, da Microsoft, é o mais usado software de acesso e
controle da internet, ante concorrentes como o Mozilla. Segundo Silveira, um
programa livre para servidores de web, o Apache, domina mais de 50% do mercado;
88
Eric Raymond comparou os dois estilos de desenvolvimento de software: o modelo comercial (que
chamou de “Catedral”), e o modelo de desenvolvimento do código aberto (ou “bazar”)
156
seu maior concorrente, o Windows NT possui 20%. O WebApache está instalado em
mais de 750 endereços eletrônicos do governo federal (Idem).
Para Ribeiro (2000), a Internet é um espaço essencialmente colaborativo, e de
interação, ao contrário das mídias tradicionais. Porém, as forças do mercado têm
dominado os fluxos da rede, através de artifícios que limitam as potencialidades da
Internet, seja através de softwares de vigilância, bloqueio e controle, seja por meio
de legislação. O movimento do software livre é expressão autêntica desse potencial
da rede e o modelo para a consolidação de soluções compartilhadas de questões
complexas, via uma interação multiétnica, multinacional e multicultural. É a
afirmação da possibilidade da Internet consolidar-se como uma esfera pública
planetária, evitando a condição hegemônica de supermercado global.
Na sociedade da informação, os softwares tornaram-se essenciais à comunicação
homem-máquina-homem. O controle destes recursos não deveria ser propriedade
de nenhum grupo econômico, ou pessoa. Sistemas operacionais proprietários são
construídos para não ter compatibilidade e interoperabilidade com outros sistemas
concorrentes. Com isso, a tendência da economia de redes é a do monopólio.
Nas redes ‘reais’, as ligações entre os nodos são conexões físicas, como (...)
os fios dos telefones. Nas redes virtuais, as ligações entre os nodos são
invisíveis, embora sejam não menos essenciais para a dinâmica do mercado
e a estratégia competitiva. Estamos na mesma rede de computadores se
pudermos usar o mesmo software e compartilhar os mesmos arquivos.
[Lamentem-se] aqueles cujo hardware ou software for incompatível com a
maioria dos outros usuários (SHAPIRO & VARIAN, 1999, p. 205)
As estratégias de aprisionamento, na linguagem da economia da informação, ou de
fidelização, na linguagem do marketing, passam por manter a rede de usuários de
software proprietário. O domínio da Microsoft no mercado de sistemas operacionais
baseia-se nas economias de escala do lado da demanda. Seus clientes valorizam
seu sistema operacional por serem amplamente utilizados (SHAPIRO & VARIAN,
1999). Caso o Estado passe a utilizar em seus telecentros, escolas, bibliotecas e
demais órgãos públicos um sistema operacional livre, estará iniciando um processo
de inversão da escala da maior rede. Estará viabilizando uma rede rival, livre, aberta
e não-proprietária. O uso do dinheiro público deve incentivar a proliferação de
linguagens e softwares essenciais de domínio público. O protocolo TCP/IP,
linguagem básica da Internet, é livre; caso fosse propriedade de uma empresa,
157
provavelmente a rede mundial de computadores não teria a penetração e o potencial
democrático que têm hoje.
4.2.3 O software livre no Brasil
89
O governo federal vem incentivando a migração para o software livre, e procura
estabelecer parcerias com outros países em desenvolvimento, como Índia e África
do Sul
90
. Os programas livres já foram adotados por escolas, universidades,
empresas, residências e prefeituras. A Receita Federal já abriu a possibilidade de
receber as declarações de imposto de renda em arquivos produzidos por softwares
livres. Os centros de informática doados pelo Brasil à África foram instalados com
tecnologia copyleft. Um software de origem brasileira, o Sacix, abriu a possibilidade
de ligar máquinas antigas à Internet, em Moçambique. O interesse nacional pelo
software livre estriba-se em vários argumentos:
a) Economia na remessa de royalties para o exterior;
b) Fortalecimento do mercado interno;
c) Desenvolvimento de competência nacional em software
d) Segurança quanto ao domínio do conteúdo do software
e) Evitar o uso de recursos públicos para promover interesses privados.
Usuários exigentes, e de áreas de aplicação sensíveis, necessitam de softwares que
lhes permitam acesso ao código-fonte, pois precisam ter certeza do que o software
efetivamente faz, como opera, quais seus algoritmos. Por permitir este tipo de
controle, o LINUX foi escolhido pelo FERMILAB, laboratório de física de alta energia;
e pelo Instituto de Controle de Vôo da Aeronáutica, de São José dos Campos (Sí–
DERBERG, 2002).
O uso de software livre liberta o país do pagamento de royalties e licenças de uso a
empresas estrangeiras. Segundo a SECOM, a administração direta da União gasta,
anualmente, cerca de R$ 300 milhões com licenças de uso de softwares
proprietários e mais de R$ 1,1 bilhão por ano, se for considerada a compra de novos
programas e atualizações. Neste caso, quanto mais se informatiza o cotidiano, mais
deverá crescer o uso de softwares e mais se gastará em royalties.
89
As notícias governamentais são do Boletim informativo da SECOM (Secretaria de Comunicação da
Presidência da República). Acesso em 03/09/2004.
90
A imprensa noticiou que a Venezuela está implantando software livre nos serviços estatais.
158
Para o Ministério da Ciência e Tecnologia existe uma tendência do mercado de
software no Brasil atingir US$ 15 bilhões no fim da primeira década do século XXI
No ano 2000, exportamos US$ 100 milhões e importamos US$ 1 bilhão em software.
Em 2002, o mercado brasileiro de software faturou US$ 4,2 bilhões, envolvendo
3500 empresas produtoras e representou 1,3% do mercado global
91
.
Quadro 18 - Balança Comercial do Software (em US$ milhões)
ANO IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO
1990
1995
2000
50
200
1000
1
10
100
Fonte: Softex / Ministério da Ciência e Tecnologia
Para o Brasil, é de importância estratégica o domínio das tecnologias que utiliza.
Um país da magnitude do Brasil não pode se contentar com a condição de
mero usuário: tem de produzir seus próprios softwares. O país não deve
permanecer refém de uma tecnologia da qual não tem controle ou domínio.
Precisamos quebrar o monopólio de fornecedores e parar de comprar
programas como compramos trigo ou qualquer outro produto. Software é
tecnologia de informação e, portanto, deve ser considerado item estratégico
para a nação (Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da
Informação do governo federal).
Ao desenvolver ou adaptar os softwares que usa, o governo consegue integrar seus
sistemas e interligar os componentes de TI, nos níveis estadual, municipal e federal,
e dos poderes legislativo e judiciário. É o chamado e-ping. Ao ser criada uma rede
única de informações para os cadastros sociais, os dados de um beneficiário do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderão ser compartilhados com outros
órgãos públicos que necessitem destas informações para emitir documentos ou
mesmo trocar um prontuário médico numa eventual mudança de cidade. Além de
atender ao cidadão com mais rapidez e eficiência, a troca de dados entre os vários
setores e segmentos da Administração Pública dificulta a duplicidade de
informações e possíveis fraudes.
O MCT assegura que o Brasil tem potencial criativo e produtivo e é o 7º produtor
mundial de soluções, logo depois dos EUA, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França
e Itália. Nos próximos anos, o Brasil pode vir a ser um grande mercado comprador
91
Fonte: Secretaria de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, na matéria do
Estado de São Paulo, 12/05/2002, “O Jogo ficará mais pesado”.
159
de TI, arrastado pela modernização administrativa dos governos e pela incorporação
da telemática nas políticas sociais e educacionais.
É possível e desejável integrar as políticas de modernização administrativa e as de
inclusão social, baseadas em TI, à política de desenvolvimento industrial e
tecnológico do país e desenvolver e incentivar soluções de empresas nacionais. O
mercado comprador interno, principalmente no setor público, pode assegurar um
mercado primário para empresas que busquem mercados no exterior. As políticas
de inclusão digital e de informatização das escolas e bibliotecas públicas podem ser
integradas neste esforço.
Nos programas de inclusão digital, a economia com o não-pagamento de licenças
(cerca de US$ 150 por computador alocado no programa) pode ser direcionada para
a formação e treinamento. Formar monitores e instrutores das comunidades em
GNU/LINUX e demais programas livres contribuirá para ampliar a capacidade das
comunidades agregarem valor não-perecível à sua força de trabalho. E, como o
software livre, tal como outros, necessita de suporte e manutenção, seu uso nos
telecentros e unidades de inclusão digital pode ser um grande incentivo ao
surgimento de empresas locais capacitadas a configurar e a desenvolver soluções
adequadas aos interesses das empresas e órgãos públicos locais.
As políticas de inclusão digital devem romper com a política de “aprisionamento” dos
monopólios privados. O combate à exclusão digital está intrinsecamente ligado à
democratização e desconcentração do poder econômico e político. Não é correto
utilizar dinheiro público para alfabetizar e formar digitalmente os cidadãos em um
software proprietário de um monopólio privado. Mesmo que as licenças de uso do
software proprietário sejam doadas gratuitamente para os programas de inclusão
digital, na realidade, o Estado ainda estaria pagando seus professores, monitores e
instrutores, para treinar usuários para aquela empresa.
Segundo Castells (1999, p. 498-9) a morfologia das redes é uma fonte drástica de
reorganização das relações de poder: “Uma vez que as redes são múltiplas, os
códigos inter-operacionais e as conexões entre redes tornam-se as fontes
fundamentais da formação, orientação e desorientação das sociedades”. Silveira
(2005) encontra neste raciocínio um vínculo entre o combate a exclusão digital e o
movimento do software livre, pois o controle dos padrões, das linguagens e dos
protocolos de conexão devem ser públicos e o menos oneroso possível para as
160
sociedades pobres ou em desenvolvimento. Incluir digitalmente é um primeiro passo
para a apropriação das tecnologias pelas populações socialmente excluídas com a
finalidade de romper a reprodução da miséria.
O compartilhamento do software e demais produtos da inteligência coletiva é
decisivo para a democratização dos benefícios tecnológicos e precisa ser
incentivado. Desse modo, as políticas de inclusão digital não podem servir a
manutenção e a expansão do poder das mega-corporações do localismo
globalizado. Devem incentivar a desconcentração de poder e não os
monopólios; o desenvolvimento e autonomia das localidades, regiões e
nações pobres e não sua subordinação às cadeias de marketing do mundo
rico. Devem incentivar a liberdade e não o aprisionamento às redes privadas.
Devem consolidar a diversidade e não a mono-dependência (Idem).
4.2.4 computador de baixo custo
A construção de um computador de baixo custo motivou várias iniciativas. O projeto
One Laptop per Child (OLPC)
92
, idealizado pelo professor Nicholas Negroponte, do
Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), tem o objetivo de criar
um laptop ao custo de US$ 100,00 (cem dólares), a ser distribuído gratuitamente a
estudantes carentes de escolas públicas de cinco países em desenvolvimento, a
saber, Brasil, Tailândia, China, Egito e Nigéria.
Para participar do projeto o Brasil deveria comprometer-se a comprar um milhão de
unidades do computador. Segundo Negroponte, havia interesse suficiente no resto
do mundo e flexibilidade no programa para a escolha dos sócios do projeto, embora
o Brasil fosse “o país perfeito” para o seu lançamento, com alta prioridade.
Os primeiros protótipos do computador deveriam estar disponíveis em meados de
2006, para serem distribuídos entre 5 e 15 milhões de computadores. O objetivo
seria atingir entre 100 e 150 milhões de unidades em 2 anos.
92
The One Laptop per Child association (OLPC) is a U.S. non-profit organization set up to oversee
The Children's Machine project and the construction of the CM1 "$100 laptop", as announced at the
World Economic Forum in Davos, Switzerland in January 2005. The sponsors organizations include
Google, Red Hat, AMD, Brightstar Corporation, News Corporation and Nortel Networks, that have
donated two million dollars, each one. The MIT Media Lab is also involved in the project. The
organization is chaired by Nicholas Negroponte and its CTO is Mary Lou Jepsen. Negroponte and Kofi
Annan unveiled a working prototype of the CM1 in November 2005 at the ONU/WSIS in Tunis. India's
education secretary Sudeep Banerjee has opposed the project, citing the need for classrooms and
teachers over tools. <http://en.wikipedia.org/wiki/One_Laptop_Per_Child>. 30/07/2006. Ver, também,
“Fixadas as regras para laptop de US$ 100”, em <http://www.ig.com.br>, acesso em 29/11/2005.
161
Contudo, até meados de 2006 ainda havia dificuldades para reduzir o preço dos
displays, a peça mais cara do equipamento. A idéia seria produzir uma tela menor,
de definição inferior à das atuais, resistente a choques. A máquina poderia ser
alimentada por um pequeno gerador movido a manivela.
A redução do custo dos demais componentes parece ser mais simples, uma vez que
os computadores atuais sofrem de uma “obesidade” de dispositivos e acessórios.
Também, não haverá custos com marketing e distribuição, que respondem hoje por
50% do custo de um laptop. Uma das grandes vantagens, seria a escala do projeto:
muitos fabricantes que, inicialmente, recusaram participar do projeto, passaram a se
interessar diante do volume de 100 milhões de unidades.
O projeto tem sido criticado pela Microsoft e Intel. Negroponte responde que aquelas
empresas têm apenas interesse comercial. Mas, no caso do OLPC, não é de uma
máquina que se está tratando, mas de um conceito de educação.
O custo da unidade está agora (agosto/2006) estimada em US$150, mas poderá cair
para até US$50 com o aumento futuro da escala da produção. Até agora apenas a
Nigéria confirmou o interesse, enquanto a Índia se retirou de vez do projeto.
4.3 POLÍTICA DE TELECENTROS
4.3.1 Conceituação. Promessas de governo.
Um Telecentro Público pode ser definido como um espaço multifuncional dotado de
certa quantidade de microcomputadores, com acesso à internet, criado e mantido
pelo Estado, estruturado para o acesso público e coletivo às TIC em comunidades
de baixa renda. A coordenação da instalação deve ficar sob a responsabilidade da
própria comunidade, por meio de organizações não-governamentais (ONGs) ou
Associações de Bairro (daí, o apelido de Telecentros Comunitários) que indicarão
monitores a serem treinados pelo Estado para disseminar o conhecimento. Visam o
treinamento em informática básica e dar acesso à rede mundial de computadores,
ao correio eletrônico, a informações públicas e privadas, e a elaboração de sites
comunitários para divulgação de ações de desenvolvimento cultural, social, político,
econômico e ambiental.
162
A entrada nos Telecentros Públicos deve ser gratuita. Sua instalação está prevista
em escolas, bibliotecas públicas e outros espaços geridos pelo Estado. O acesso
aos computadores stand-alone e à Internet
93
será gratuito, e os usuários devem ser
educados para utilizarem as tecnologias da informação e da comunicação de forma
cidadã, ética e responsável. Também não se descartam modalidades com acesso
gratuito limitado, e o restante do uso seja pago (a este respeito, vide a descrição das
modalidades de uso dos Telecentros da Ilha do Mel). O Telecentro corresponde à
idéia do dever do Estado relativamente à inclusão digital
94
.
O projeto prevê, ainda, a instalação de estúdios multimídia para a proliferação de
rádios comunitárias e acesso a serviços de correio, bancos e governo eletrônico,
para pagamento de contas e outros atendimentos. A promessa deveria incluir
crianças fazendo as tarefas de casa com auxílio da web, e pessoas conversando
com parentes distantes por e-mail. Na falta de livros, a Internet poderia ajudar na
obtenção de dados e informações.
Quadro 19. Exemplos de Telecentros na Bahia (escolas públicas e outros sítios)
Alagoinhas
Cachoeira
Feira de Santana
Maragogipe
Pintadas
Retirolândia
Salvador
Salvador
Valente
Biblioteca Pública Municipal de Alagoinhas
Colégio Estadual De Cachoeira
Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães
EM de Referência Plínio Pereira Guedes
Associação das Mulheres Pintadenses
Assoc. Retirolandense de Comunicação Social -
(GESAC 3)
CE Raphael Serravalle
Hospital Naval de Salvador
Escola Família Agrícola Avani De Lima Cunha
Fonte: SECTI-BA. Elaboração pópria.
4.3.2 Telecentros e Laboratórios – detalhes técnicos.
Os Telecentros e Laboratórios deverão fornecer as condições materiais de
possibilidade da inclusão digital. Os problemas a resolver incluem as instalações
físicas: a quantidade delas, para atender à população visada; a qualidade; os custos
de investimento e de custeio (operação e manutenção/reposição; eletricidade, linhas
telefônicas, outras instalações); as máquinas (hardware), o que nos obriga a discutir
as configurações adequadas, quantidade, qualidade, e problemas de manutenção; o
93
O número de internautas brasileiros era estimado, em abril/2005, em 16 milhões, a maioria das
“classes” A e B.
94
O Projeto Casa Brasil, do Governo Federal, promete instalar 3000 Telecentros Públicos por ano a
partir de 2006, em comunidades carentes do campo e das periferias de grandes cidades, para a
inclusão digital de nove milhões de brasileiros (pobres) por ano. A meta para 2007 era a de dobrar o
número de internautas brasileiros (estimado em 16 milhões de pessoas em meados de 2005, sendo a
maioria das classes A e B), no acesso à Internet, com direito a endereço eletrônico.
163
software a ser instalado requer definição, aquisição e manutenção e, ainda, seu
domínio técnico pelo pessoal encarregado; para concretizar o acesso à internet, as
instalações deverão dispor das conexões: linhas telefônicas – ou seus substitutos - e
os componentes das redes (como hubs e switches, além dos servidores de rede),
sendo ideal o uso da banda larga e fazendo-se necessária a formação de equipes
para instalação, operação e manutenção das redes.
Toda esta parafernália exige o concurso de pessoal treinado e apto, configurando
uma questão administrativa. A operação/manutenção dos telecentros e laboratórios
requer pessoal para serviços de limpeza e segurança, além do pessoal técnico (os
monitores e instrutores) e, certamente, alguns gerentes, embora, no caso dos
Laboratórios, este pessoal esteja assimilado ao pessoal da escola. A questão
financeira – os custos – deve incluir, quando necessário, o custeio do acesso dos
“incluendos” (transporte, principalmente).
No rol dos problemas deve-se incluir, com destaque, a questão pedagógica. Uma
boa política de inclusão digital deve iniciar-se pela formulação de um projeto
pedagógico ambicioso: o que ensinar, e como; como será feita a seriação do ensino;
os métodos e processos de avaliação do aproveitamento, eficiência e eficácia, da
efetividade do esforço, incluindo alguma forma de acompanhamento dos egressos.
Entre os detalhes técnicos a aclarar, considerem-se as temporalidades (currículo
mínimo, número de horas necessárias para treinamento do incluendo); a
segmentação em “classes” de aprendizado. Podemos sugerir, como hipótese de
trabalho, cinco “classes”: inicial; intermediária; profissionalizante; autonomista, no
viés individual; autonomista, no viés coletivo (solidarizante, ou cidadã). A última das
classes sugerida desloca nossa discussão de um processo de inclusão digital tout
court, para o de uma inclusão social, visando a cidadania e a democracia.
Alguns problemas são comuns aos projetos de montagem de telecentros e
laboratórios. Por exemplo, ambos demandarão instalações físicas, isto é, uma sala
adaptada para o funcionamento dos computadores. Vamos supor um padrão de 10
máquinas por instalação e o funcionamento médio de 10 h/dia, 300 dias/ano
(descontados uma folga semanal, alguns feriados e uns poucos dias de fechamento
ocasional por motivos diversos). Neste caso, uma estimativa grosseira indica a
necessidade de 24 mil telecentros para a inclusão digital de 20% da população
brasileira (36 milhões de “incluendos”) em cerca de 5 anos. Adotando uma taxa
164
efetiva de aproveitamento da ordem de 60%, vem: admitindo-se que um “incluendo”
requisite 60 h-maq para uma inclusão de primeiro degrau, para incluir 20% da
população (cerca de 36 milhões de brasileiros), temos:
1 TC (nominal) = 10 h/dia x 300 dia/ano x 10 maq = 30.000 h-maq/ano
1 TC (efetivo) = 0,6 x 30.000 = 18.000 (h-maq/ano, em trabalho efetivo)
36 milhões incluendos x 60 h-maq/incluendo = 2.160.000.000 h-maq
2.160.000.000 / 18.000 = 120.000 TC
Portanto, a inclusão digital do contingente acima considerado implica a necessidade
de abertura de 24.000 telecentros, e seu funcionamento por 5 anos. Considerando
que deverá haver salas maiores e menores; que os horários de funcionamento serão
mais extensos em alguns casos, menos em outros; que as disponibilidades de
pessoal competente para instrutoria estarão satisfeitas às vezes, outras não; que a
operação sofrerá descontinuidades eventuais em virtude de defeitos nas máquinas
ou falhas na conexão; e, ainda, que as máquinas não serão utilizadas apenas em
ações de inclusão de novos demandantes mas, também, para uso continuado de
parte dos (já) incluídos, é que resolvemos introduzir o fator de correção de 60%
entre as capacidades nominal e efetiva para fins das tarefas específicas de iniciação
dos “incluendos”. Estes cálculos não dizem respeito à inclusão digital via escola
pública, que segue critérios diferentes.
Espaço físico. O espaço físico, no caso do laboratório, será uma das salas da
escola, destinada a esse fim e a ele dedicada. No caso dos Telecentros, pode
implicar aluguel, construção ou aquisição de salas pelo governo, ou alguma forma
de comodato com organizações que disponham de instalações no local-alvo. Uns e
outros terão que ser mobiliados com mesas para computadores e impressoras,
cadeiras, balcão de atendimento, etc.
Energia elétrica. Os laboratórios e Telecentros deverão ser servidos de energia
elétrica estabilizada. Em geral é necessário que as instalações antigas sejam
revisadas, instalando-se um circuito novo, isolado dos anteriores, pois as máquinas
são sensíveis a oscilações de tensão e corrente. O aterramento do circuito é
fortemente recomendado. As tomadas dos computadores, além dos dois pinos para
a corrente, vêm com um terceiro pino, para o circuito de terra. Estabilizadores
individuais são normalmente usados, mas estudos técnicos têm posto em dúvida a
qualidade dos produtos nacionais. Hoje já se encontra no mercado um dispositivo
165
novo, chamado de “módulo isolador”, que não requer aterramento externo, tanto que
é fornecido com uma tomada de dois pinos. Um estabilizador comum custa em torno
de R$40,00; um módulo isolador típico, em torno de R$130,00; um nobreak
individual (recurso muito superior, porém de preço proibitivo para uso em larga
escala) em torno de R$400,00 para uma potência de 0,4 Kw (suporta um único
computador). Os dados são de 2005.
Conexões. A conexão à internet pode ser feita por meio de diferentes facilidades:
linha telefônica comum (também referida como “par trançado”), para acesso discado
ou privado. Esta é a forma mais comum e mais disponível. Sua maior desvantagem
está na velocidade de transmissão, limitada devido a efeitos eletro-magnéticos da
transmissão analógica, que é a forma de propagação possível neste caso. Sua
maior vantagem está no acesso quase universal garantido pelas redes de telefonia
fixa. Não exige instalações especiais, portanto não há custos associados a este
item. As máquinas deverão ser equipadas com um modem. Alguns modelos de
“placa-mãe” vêm com modem embutido (“on board”). O modem interno -
independente da placa - está na faixa de R$50,00 (dado de 2005). A velocidade
nominal limite do modem padrão é de 56Kbps, mas a velocidade de transferência é
em geral inferior a 10% daquela.
Um Telecentro padrão deverá contar com uma ou mais linhas telefônicas ligadas ao
servidor, que compartilhará o recurso com as estações. Será conveniente o uso de
uma conexão de alta velocidade (em modo compartilhado).
Na maioria das capitais dos estados será eventualmente possível conectar o
Telecentro à internet por meio de cabo de fibra ótica, o que permitirá uma alta taxa
de transferência entre a estação e o servidor de acesso. Mas, a velocidade de uma
conexão dependerá dos vários trechos percorridos e nem sempre estes terão todos
a mesma qualidade de conexão. A instalação com fibra ótica exige um conversor
óptico/eletro-magnético, mais caro que o modem comum.
A tecnologia de “banda larga” provê acessos com velocidade entre 256Kps e 1Mbps,
ou mais, dependendo da qualidade dos circuitos e a custos bem mais elevados que
o acesso comum. A banda larga pode usar a própria rede de telefonia fixa (é o caso,
por exemplo, do consórcio Velox/Telemar, em Salvador). Os custos, em 2005, eram
da ordem de R$1000/ano para um usuário doméstico. Outras formas de conexão
166
incluem o uso de ondas de rádio, micro-ondas, e transmissão via satélite, implicando
a instalação de antenas parabólicas, ou outras.
Em um Telecentro, os computadores têm que estar conectados entre si, em uma
rede local, o que exige a fiação apropriada, equipamento multiplexador (hubs e
switches) e placas de rede nos micros.
d) Um exemplo: Os Telecentros no Município de São Paulo
Há duas opções básicas para a definição das estações de trabalho de um telecentro:
microcomputadores comuns - podem, eventualmente, funcionar stand alone e na
maior parte do tempo como pontos da rede – ligados a um servidor de pequeno
porte; ou, terminais thin client ligados a um servidor de grande porte.
Microcomputadores comuns são dotados de hard disk e exigem uma cópia do
sistema operacional e dos programas aplicativos, o que acresce o custo da estação;
mas, reduzem a dependência da estação em relação ao servidor que, neste caso,
pode ser uma máquina de menor porte e menor custo. Terminais thin client levam a
uma economia de custo por estação (custos do hard disk e das cópias de
programas), mas exigem um servidor mais potente e mais caro.
Estações de trabalho. As estações, em qualquer das opções acima, trabalham parte
do tempo no circuito CPU-memória (nisto, as opções se igualam) e outra parte -
justamente a que consome mais tempo, porque mais lenta - no circuito memória-
dispositivos de entrada e saída de dados (dispositivos de I/O), dentre os quais só
nos interessa analisar o hard disk. Há duas classes básicas de solicitações sobre os
discos: o salvamento ou leitura de arquivo e o mecanismo de memória virtual (que,
há muito tempo, integra os sistemas operacionais), que faz contínuas operações de
leitura e gravação em disco. No caso dos microcomputadores comuns, as
solicitações de I/O em disco serão resolvidas localmente, sem requerimentos ao
servidor. No caso dos terminais thin client as solicitações de I/O em disco serão
feitas mediante intervenção da CPU, memória e discos do servidor que, neste caso,
deverá ter suficiente potência computacional para atender em tempo compartilhado
a todos os terminais (além de suas tarefas exclusivas), sem retardos que
incomodem o usuário.
Os Telecentros projetados pela Coordenadoria do Governo Eletrônico do Município
de São Paulo têm as especificações indicadas a baixo (CASSINO, 2003).
167
Quadro 20. Especificações de hardware e software para Telecentros.
SERVIDOR LOCAL: UNIDADES THIN-CLIENT (Terminais):
Processador (por exemplo) Athlon de 1,3 GHz
Memória RAM - 1 Gb
2 Hard-Disk de (40)(60)(80) GB
Monitor padrão de 15 pol.
Teclado padrão 101 teclas e Mouse
Unidade de disquete
Unidade de CD/ROM (R/W)
Placa de Som
Placa de rede do servidor processada
independentemente da CPU do servidor
Impressora? Scanner?
Processador mínimo de 600 MHz
Memória RAM – 64 Mb
Hard-Disk – nenhum
Monitor padrão de 15 pol.
Teclado padrão 101 teclas / Mouse
Unidade de disquete
Unidade de CD/ROM (R/W) - Nenhum
Placa de Som
Placa de rede do terminal cliente
Boot Remoto
SOFTWARE
Classe de software “Proprietário” (Microsoft) Livre
Sistema Operacional MS Windows SACIX (customização do GNU/Linux)
Automação de escritório MS Word / Excel / Power
Point
OpenOffice (Suíte de escritório)
Internet - Navegador
Internet - cliente de email
MS Internet Explorer
MS Outlook Express
Mozilla
Ximian Evolution
Outros: Processador de
Página, Desenho básico,
Jogos Eletrônicos
MS Front Page
MS Paintbrush
Memória, Paciência
XMMS
Mplayer
Fonte: elaboração própria. (Obs. Opções de software livre são sugestões. Existem outras).
Os telecentros foram planejados com 20 terminais thin clients sem hard disk, ligados
em rede a um servidor local. Todos os programas estarão instalados no servidor.
Desta forma, não há como o usuário desconfigurar o terminal, sendo praticamente
impossível qualquer problema de software nos terminais. As eventuais falhas das
máquinas serão causadas pelo hardwareO servidor local deverá permitir acesso
remoto pela equipe de manutenção, de modo que toda instalação de novo software,
ou up grade e manutenção dos softwares instalados, possa ser realizada
remotamente, sem a necessidade de deslocamento físico dos técnicos das equipes
de manutenção. A conexão para internet segue o padrão de compartilhamento local de
uma linha multiplexada.
e) Empiria – aspectos sócio-políticos
A inclusão digital deve ser pensada como um processo complexo que (quanto aos
adultos) tanto envolve pessoas com alguma iniciação em informática, como outras,
sem nenhuma iniciação. Há também uma diversidade, não negligenciável, em
termos de habilidades pessoais (inatas?) para lidar com os computadores. Assim, é
adequado pensar no processo como dirigido, segmentadamente, a diferentes grupos
de aprendizes (incluendos). Podemos propor, como exemplo e para alimentar uma
168
discussão a respeito, a seguinte segmentação: currículo tecnocrático, com as
classes inicial, intermediária e avançada/profissionalizante; e currículo autonomista,
com um duplo viés da autonomia individual e da autonomia com objetivos solidários
(ou “objetivos cidadãos”).
f) Do currículo tecnocrático:
Este currículo refere-se aos conhecimentos específicos de informática e prevê-se 3
degraus de aprofundamento, com cargas horárias estimadas de 40h. na classe
inicial, 40h. na classe intermediária e de 20h. a 80h. na classe profissionalizante, a
depender do(s) curso(s) oferecido(s).
¾ Classe inicial – reconhecer os elementos da máquina (“CPU”
95
, Monitor,
Teclado, Mouse, Impressora); elementos, movimentos e funções do mouse;
elementos do teclado (saber encontrar as letras, números e sinais; entender as
funções e o uso das teclas de função); saber ligar e desligar o computador;
conhecer as operações de logon e logoff; entrar com senha; reconhecer a carga
e a prontidão do sistema operacional. Saber reconhecer um ícone na área de
trabalho: o que “significa”, que utilidade tem (mais adiante, o conceito de ícone
será utilizado com as barras de ferramentas dos aplicativos).
¾ Dominar os conceitos de “documento” e “pasta” e ser capaz de localizar uns e
outros na árvore de pastas e arquivos do sistema operacional, auxiliado pelos
ícones que representam esta árvore.
¾ Após a carga do sistema operacional, saber iniciar e finalizar o processador de
textos. Saber utilizar o processador de textos para: criar, abrir e salvar um
arquivo; digitar um texto, utilizando recursos básicos, como cortar e colar,
formatação simples de fonte e de parágrafo. Corretor ortográfico.
¾ Dominar os comandos básicos de impressão de documento.
¾ No que tange à internet: ser capaz de iniciar o navegador; reconhecer um site;
ser capaz de buscar um site; receber e remeter e-mails.
¾ Os jogos eletrônicos mais simples – Paciência, Free-cell, etc. – e o MS-
Paintbrush, ou similar, podem e devem ser usados nesta classe inicial como
95
Os leigos tratam por “CPU” o que, tecnicamente, é o “Gabinete da CPU”, uma caixa metálica que
contém a CPU propriamente dita (microprocessador), e também a “fonte” de alimentação elétrica; os
diversos drives de discos (flexível, duro, ótico); as placas “mãe” e “RAM”, e outros componentes.
169
forma lúdica de treinamento de domínio do mouse e outros elementos básicos do
uso dos computadores.
¾ Classe intermediária – recursos avançados do processador de texto; recursos
básicos de planilhas eletrônicas e de um software de apresentações (como o
MS-Power Point, ou similar). Construção de home-pages.
¾ Classe avançada (profissionalizante) – abandona-se um currículo generalista, por
outro mais especializado. As classes avançadas e/ou profissionalizantes devem
ser adaptadas a turmas especificamente formadas para estes fins. Pode tratar-se
da especialização em processadores de texto, ou de página, para uso
profissional; planilhas eletrônicas para profissionais de contabilidade, análise
financeira, ou recursos de escritório.
g) Do currículo autonomista:
Este currículo não obedece à seriação do anterior, nem é previsto para classes
separadas. Seus elementos devem ser explorados dentro das classes do currículo
tecnocrático como já está previsto, por exemplo, no projeto pedagógico das EIC/CDI
(Escolas de Informática e Cidadania, da ONG CDI - Comitê para Democratização da
Informática). Apenas, achamos necessário, por imposições da análise, distinguir
aqui entre os conteúdos técnicos e os conteúdos socializantes.
¾ Viés individualizante – condições do homem no mundo; esforço individual e
“sucesso”; condições do “sucesso”; apoio grupal e social. Conhecer alguns dos
caminhos disponíveis na comunidade para crescimento próprio. Segmentos
locais da economia. “Empreendedorismo”: meios e modos de organizar seu
próprio negócio, uma fonte de renda não ligada a emprego. Condicionantes de
sobrevivência dos pequenos empreendimentos: conhecimento do negócio,
avaliação de receitas e despesas, margem de retiradas, clientela, sazonalidades.
Outras dimensões do auto-crescimento: conhecimento, cultura, reconhecimento
dentro do grupo/comunidade.
¾ Viés cidadanizante – conhecer formas de organizar e de participar de grupos
sociais, redes, associações, sindicatos e movimentos sociais. Entender porque e
para que são criadas, e como funcionam. Participação e direção. Reivindicações
perante instâncias públicas e privadas: tipos, metas, métodos, expectativas.
Negociação e pressão.
170
h) Avaliação da eficácia. Algum método, e indicadores, devem ser criados e
aplicados para avaliação do aproveitamento, eficiência e eficácia – ou efetividade –
da política de inclusão digital. Para uma avaliação inequívoca, o sistema adotado
deverá dispor de mecanismos para acompanhamento dos egressos (pelo menos,
em termos de amostra, na impossibilidade de cobertura completa).
4.3.3 A EXPERIÊNCIA DA ILHA DO MEL (ESTADO DO PARANÁ, BRASIL)
(...) tuve la suerte de descubrir la Isla de Miel. Fue una bellísima sorpresa que me
regaló Brasil, rica en interrogantes, contradicciones y asombros. Allí encontré a
afectados y beneficiados a causa de disputas tecnológicas y de políticas que sus
pobladores van reformulando en su propia lógica modelada por lo cotidiano, haciendo
ejercicio efectivo del derecho de alfabetización digital (Kaufman, 2004).
Descreve-se a seguir o funcionamento dos telecentros da Ilha do Mel, com base no
relato - público - de uma visita da pesquisadora argentina Ester Kaufman ao local. O
texto interessa pela riqueza da análise frente a temas como a inclusão digital, os
telecentros, o software livre, a participação popular, o papel do Estado.
A CELEPAR – Cia. de Informática do Estado do Paraná - é uma sociedade de
economia mista, encarregada do desenvolvimento de software apropriado, da
instalação e provisão de software e hardware, da estruturação de redes intra-
agências públicas, inter-governos e com a comunidade, e da provisão de suporte
técnico para os órgãos do Estado. É, também, encarregada das ações estatais de
inclusão digital no Paraná e executa as políticas de inclusão digital mediante a
administração dos telecentros do Estado do Paraná. Portanto, cumpre funções
informáticas, organizativas e sociais ligadas às TIC. A parte organizativa e social
pode parecer estranha, pois a CELEPAR é um órgão composto por profissionais de
informática. Mas, em muitos estados do Brasil se repetem modelos similares.
A Ilha
96
A Ilha do Mel está situada a duas horas de barco, desde Curitiba. É um destino para
aqueles que desejam paz, ou ecologia, ou ambas coisas ao mesmo tempo. É
pequena, e pode ser percorrida a pé em algumas horas, se o pedestre tiver
disposição. Sua população, de 1200 habitantes, encontra-se distribuída ao redor de
seus dois portos de acesso, Brasília e Encantada. As casas, e sua mobília, têm o
96
Ver também: “Inclusão digital e software livre”, postado em 16.09.2004: “CFI em red Governo
Digital”, http://weblogs.cfired.org.ar/blog/archives/000919.php.
171
típico aspecto da elaboração caseira, com adornos feitos pela comunidade com
materiais do mar, ou de referência marinha. Há eletricidade nas casas, mas não
existe iluminação pública e o povo transita com lanternas, sobre um solo arenoso. A
população se dedica fundamentalmente ao turismo ecológico e à pesca. A Ilha
recebeu os benefícios da tecnologia, que se evidenciam na profusão de sítios web
(cada pousada tem um) que lhes permitiu a internacionalização de sua oferta
turística e a visita de europeus, israelitas e argentinos. A maioria dos habitantes
possui um telefone celular, que usa para desenvolver seu próprio trabalho, como no
caso dos barqueiros, que também recebem por e-mail as reservas para seus
passeios. O uso cotidiano das TIC supõe uma alta alfabetização digital da
população, que utiliza a internet para seus negócios, para consultar suas contas
bancárias e para acessar serviços do governo.
Tais práticas criaram uma consciência não usual sobre os benefícios do governo
eletrônico e da inclusão digital, já que as TIC resolveram o isolamento que marca
sua geografia, e estão logrando um desenvolvimento econômico pela visibilidade
global de seus serviços. Cada zona portuária conta com um telecentro organizado
pela comunidade, e com computadores obtidos por diversas vias não oficiais.
A CELEPAR ajuda na administração, até que o próprio núcleo gere uma proposta
auto-sustentável. Ademais, paga dois empregados de meio período para o
atendimento de cada telecentro. Estes empregados são membros da comunidade
que desenvolveram uma capacitação mínima em informática e que estão em
condições de transferi-la. Com sua assistência, organizam-se cursos de Código
Aberto e Internet, pelos quais se emitem certificados que têm as logomarcas e
assinaturas da CELEPAR, Software Livre Paraná e do Governo do Paraná.
Nos telecentros desenvolvem-se também outros cursos de interesse comunitário
que podem ser, ou não, sobre informática (cursos de bordado, por exemplo).
Também funcionam como pontos de reunião com função social. Por exemplo, o
curso de alfabetização inicial mediante o uso de computadores permite aos adultos
aprender a ler e a escrever através do teclado em menos de um mês. São os
mesmos “informatas” de CELEPAR os que desenvolveram estes métodos e operam
como um tipo de assistentes sociais e educadores em cada telecentro.
172
Os telecentros
O telecentro de Brasília é freqüentado por um grupo majoritariamente feminino, de
todas as idades. Sua preocupação central é a organização social do lugar. À época
da visita da pesquisadora, o grupo estava discutindo os tempos de acesso por
pessoa, regras internas de convivência, prioridades de uso (primeiro, os escolares),
supervisão do “chat” das crianças (até a idade de 16 anos), prêmios para adultos
com destaque nos cursos, nomeação das autoridades, entre outras questões. Nesse
último ponto surgiram disjuntivas interessantes: se toda a comunidade tivesse direito
ao voto, poderia resultar designada gente não sensível às políticas de inclusão
digital, o que poria o telecentro em perigo; se só votassem os habitués, ficavam
incluídos habitantes a quem só interessava resolver assuntos pessoais (como a
consulta de extratos bancários por Internet), a muitos dos quais não importam as
funções sociais do telecentro.
A definição dos beneficiários da gratuidade dos serviços supunha determinar-se a
quem a política de inclusão digital deveria amparar: pela regra em vigor, os novos
habitantes (com permanência inferior a dois anos) e os turistas deviam pagar; e o
resto, não. Previu-se a criação de uma biblioteca, para uso dos que esperavam a
vez, ou por interesse direto; e a capacitação em inglês e espanhol para quem
atendia o telecentro. Poder oferecer serviços pagos a turistas era o que garantia a
auto-sustentabilidade do centro. Quanto aos habitantes da terceira idade, havia o
interesse de como, através dos telecentros, se poderia resolver o analfabetismo de
muitos anciãos, "para que se sentissem orgulhosos de si mesmos e pudessem
‘chatear’ e conectar-se com o mundo" (e até, “conseguir um par, se não tinham"). A
pauta de discussões incluía a organização de grupos de ensino especiais, com os
pescadores, por um lado, e os barqueiros, por outro. Estes setores vêm tendo a
mesma ocupação durante gerações (sobretudo os pescadores). E, também, a
conveniência ou não do uso de Linux (os telecentros estão obrigados a usar
software livre). A reunião culminou com exercícios de alongamento facilitados pela
“informata” de plantão que revelou desempenhar muito mais funções que as
habilitadas por sua profissão. Ela lembrou que se tinha que cuidar sempre do corpo,
depois de estar muito tempo sentados (com computador ou sem ele).
Em Encantada, no outro extremo da Ilha (em uma reunião assistida pela
pesquisadora), a composição do conselho revelou-se diferente, sendo liderada por
173
uma mulher que revelava grande caráter e formação, e o resto eram, em geral,
homens jovens. A líder pronunciou uma extensa alocução com respeito ao
significado da inclusão digital como direito da população. Aludiu a que o pagamento
de impostos os habilitava a ter um acesso direto à tecnologia e a serviços como o de
fibra óptica que conectava a ilha: "um direito e não um favor do governo". Pôde ser
verificado que muitos dos livros (o telecentro estava instalado na biblioteca pública)
se compravam e pagavam por Internet.
Linux
Esteve em foco uma discussão relativa ao “Linux”: geralmente, não se espera que
uma comunidade de baixa escolaridade venha a fazer pleitos tecnológicos que
parecem improváveis nesse meio social, e que se supõem restritos aos “experts”. A
discussão questionava a relação entre software livre e inclusão digital: se o governo
havia decidido dar impulso ao primeiro para garantir a segunda, o software
obrigatório devia ter um desenvolvimento e um suporte técnico que permitisse todos
os usos. Mas, naquele momento, não podiam “escanear”, nem imprimir, e muitas
vezes tinham dificuldades para enviar e-mails porque a assistente não havia
chegado. Por iniciativa própria tinham um computador funcionando com software
proprietário, com o qual resolviam questões básicas para os serviços escolares.
Existia um problema mais: o sítio por antonomásia de educação no Brasil
(www.aprendebrasil.com.br) só era 100% acessível com Windows, estando vedado
em uns 40% à versão instalada do Linux. Tampouco o "log in" era aceito, mesmo
sendo "Aprende Brasil" um sócio dos telecentros.
Por outro lado, o Linux dispunha de esplêndidos jogos para ajudar a coordenação
motora no uso do mouse (grande dificuldade para os que se alfabetizam
informaticamente). O telecentro possuía programas de alfabetização primária
através de jogos educativos. As crianças contavam com a possibilidade de armar
seus próprios sitios web, algo já natural para os pequeninos da ilha.
A experiência sugere que os setores populares são ricos em possibilidades
discursivas. A consciência da necessidade de integrar-se à Sociedade da
Informação denunciava-se forte; a compreensão da pertinência e as dificuldades do
software livre, também. Contudo, a intensidade do problema revelada dentro da ilha
contrastava com sua escassa repercussão em relação ao território do Estado: o
174
Paraná possuía, à época, apenas doze telecentros. A experiência pode ser
confrontada com a dos “locutórios” ou cabinas existentes em Buenos Aires
(KAUFMAN, 2004, pp. 1-5) onde qualquer pessoa, por 30 centavos de dólar, acessa
uma hora de Internet. Não se limita o acesso, pois são empreendimentos
econômicos privados e quanto mais gente entra, melhor. Sua explosão quantitativa
foi fruto, muitas vezes, dos que ficaram desempregados e contaram com algum
dinheiro para investir: sua indenização trabalhista, quase sempre. Um fenômeno de
proliferação similar pode ser observado em Lima, Peru.
O acesso aos telecentros para turistas (no caso da Ilha) era muito caro, de dois a
três dólares por hora. Existem poucos pontos de acesso e cada um representa um
esforço titânico do governo, porém insuficiente. Isto contrasta com a profusão de
locutórios em países como a Argentina, Chile ou Peru onde, em zonas cêntricas, às
vezes não guardam sequer cem metros de distância uns dos outros. As zonas
periféricas também contam com uma enorme quantidade destes serviços privados, e
estão permanentemente cheios. Nestes casos, não existe um discurso comunitário
de como organizar os lugares, quem tem acesso, que significado tem a inclusão
digital e, muito menos, sua relação com o software livre (a maioria sequer deve
saber o que é “Linux”). Trata-se de uma incorporação à Sociedade da Informação
sem um discurso e sem consciência.
Telecentros vs. Locutórios
Conviria pensar um modelo de gestão que garantisse acessos, nem puramente
privados, nem sustentados de todo pelo Poder Público (mesmo com participação
cidadã, como no caso). Nenhuma política de governo pode facilitar tanto o acesso
como os locutórios; nenhum locutório pode assumir os serviços dados pela
CELEPAR nos Telecentros. As duas propostas devem caminhar de mãos dadas.
A prevalência do acesso em relação à propriedade dos meios sugere que a posse
de equipamentos é relativamente irrelevante para lograr a conectividade. E que “o
cambio no uso dos bens e serviços na Sociedade da Informação, à diferença da
Sociedade Industrial, se está dando na comercialização do tempo, mais que na
apropriação dos meios de produção”. (Finquelevich, idem).
Para os grupos economicamente menos favorecidos, as mulheres, os adultos
maiores e os habitantes do interior do país, os cyber-cafés servem para desligar os
175
computadores e as conexões na Internet do paradigma da propriedade e do uso
individual do hardware e das conexões. Os cyber-cafés negam este modelo: não se
baseiam na propriedade da tecnologia, mas na compra de tempo para usá-la: fazem
com que as pessoas compartilhem tecnologia em espaços privados de uso público,
em vez de em lugares individuais. Ao favorecer a presença virtual na rede, antes
que a presença física (a propriedade do computador), também estimulam um
modelo “rede-cêntrico” de apropriação e utilização das TIC.
O relato da experiência revela a contradição do uso do software livre em paralelo a
um software proprietário, o que desautoriza algumas declarações políticas e
bandeiras tecnológicas, porque seguem subsistindo as perguntas dos habitantes: a
impressora funciona? Posso “escanear”? Posso acessar o "Aprende Brasil"?
A magia dos discursos ideológicos pode incendiar multidões, derrubar governos,
gerar novas consciências sobre direitos até há pouco desconhecidos. No caso da
Ilha pode-se, quiçá, reconhecer essa magia na veemência com que reclamam a
inclusão digital. Porém, esse reclamo não se contenta com promessas de futuro.
Portanto, a magia do discurso político encontra limites na natureza mesma da
tecnologia. Os ilhéus demonstram entender a cruzada do governo em relação ao
software livre que, ao concretizar-se, os beneficiaria. Ninguém questionava o
desempenho da CELEPAR mas, as opções tecnológicas da empresa deveria
atender suas necessidades. A realidade marca seu reinado: o que mais importa é
verificar se o Linux resolve ou não seus problemas e se a CELEPAR responde ou
não eficazmente a seus reclamos.
Mas, estranha-se a escassez de telecentros no Estado do Paraná (embora não na
Ilha). Parece, também, que o desenvolvimento do Linux não chega a cobrir, na Ilha,
as necessidades expressadas, não porque fora impossível senão – ao que parece -
porque a própria estrutura organizativa da CELEPAR impõe seus limites. Então, em
muitas situações a peleja entre software livre e software proprietário tem uma
desigualdade notável. No caso relatado, remete a uma competição entre David (o
software livre) e Golias (o software proprietário), sem que o primeiro descubra a
forma de vencer seu contrincante, uma vez que a própria burocracia que deve
engendrar sua força o condena à fadiga. A solução pode encontrar-se no modo
como se gerencia o conhecimento, e que um passo ineludível é abrir as comportas
176
da burocracia para associar nesses desenvolvimentos outros centros de inovação,
conceber uma nova arquitetura social da inovação.
4.4 INFORMÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA
Examinaremos quatro aspectos da Informatização da Escola Pública: a integração
dos computadores nos processos de ensino-aprendizagem; a relação desta inserção
com a inclusão digital; o projeto específico do governo brasileiro para este fim; e, o
estado-da-arte deste projeto no momento em que o abordamos. A análise não cobre
o uso da informática na administração escolar, para processos administrativos de
variada natureza, sem negar importância a estas aplicações.
4.4.1 Computadores e educação
A análise da integração dos computadores no processo educativo poderia seguir as
tradicionais interrogações dos “5W-2H”: o que, quem, quando, onde, porque, como,
e quanto. Não seria, porém, o caso de enveredarmos pela longa e emaranhada
discussão das teorias da educação, convocando Frenet, Dewey, Piaget, Vigotsky,
Paulo Freire, ou outros ilustres educadores, para nos guiarem pelos meandros do
behaviorismo, do construtivismo ou da “ZDP” vigotskyana.
Segundo VALENTE (1999), “a verdadeira função do aparato educacional não deve
ser a de ‘ensinar’ mas, sim, a de criar condições de aprendizagem” e o professor
“deve deixar de ser o repassador do conhecimento, para ser o criador de ambientes
de aprendizagem e o facilitador do processo de desenvolvimento intelectual do
aluno”. O “bom” ensino e a “boa” educação parecem depender do professor, do
método, do ambiente, dos objetivos e dos recursos. Não pode haver boa educação
sem bons professores, bom processo de ensino-aprendizagem (método) e recursos
adequados. Mas, a boa educação há de ser, também, aquela que atinja os objetivos
propostos, e a qualidade destes recai sobre a sociedade.
Não discutiremos o “bom professor”, nem o “bom método”. Quanto ao ambiente: o
macro-ambiente do processo educativo é constituído pela própria Sociedade, com
seus instrumentos específicos - no Brasil, o Sistema Nacional de Ensino e seus
ramos locais administrados pelo MEC e pelas Secretarias de Educação Estaduais e
Municipais. A unidade escolar, com sua estrutura, recursos, e direção constitui, em
177
termos materiais, um recurso; em funcionamento, fornece um (micro)ambiente para
a educação.
A família parece constituir uma importante instância do processo educativo, e da
própria formação social. É, porém, um ente resistente à análise
97
.
A proposição dos objetivos da educação parece levar a um impasse, já que a
educação passível de ser praticada dentro de uma Sociedade será aquela que a
própria Sociedade preconiza, promove e facilita. Assim, a Sociedade delimita o
processo educativo e, ao mesmo tempo, espera deste as mais relevantes
contribuições para “melhorar” a si mesma.
Para PATEMAN (1996, p. 233), socialização é “a soma de práticas pelas quais
novos indivíduos são transformados em membros de sociedades existentes”, e
educação “é o subconjunto de práticas que têm como resultado pretendido
determinados tipos particulares de formação”. Isto sugere que a sociedade pode
pretender formar diferentes “tipos” de indivíduos (o soldado, o operário, o
profissional liberal). No ensino fundamental, contudo, os educadores convergem em
torno de alguns elementos psicossociais, éticos e instrumentais. Assim, defendem a
formação de um indivíduo capaz de buscar/receber informação e de construir seu
próprio conhecimento; um indivíduo autônomo, mas socialmente integrado; apto a
defender seus interesses, mas respeitando o interesse alheio; capaz de interagir
com a Natureza, na busca da satisfação de suas necessidades, porém com
consciência ecológica; consciente e orgulhoso de sua individualidade, mas
respeitador e amante da alteridade (LANDRY, 2002, p. 119; PÉREZ SERRANO,
2002, p. 10; DELORS, 2001, p.89-90)
98
.
4.4.2 Ensino de computador versus computador no ensino.
Computadores são, sobretudo, recursos educacionais. As idéias sobre o uso do
computador no ensino são bem mais antigas do que a consciência recente da
importância da inclusão digital e desde a década de 1950 vêm tensionando as
concepções de ensino e de aprendizagem. É muito citada a dicotomia entre o ensino
do computador e o ensino com computador (TENÓRIO, 1991, p. 11). No primeiro
97
Um Mestrado em Ciências da Família (único no Brasil) é oferecido pela UCSal (BA).
98
Cf. também UNESCO, Declarações de 1990, de Jomtien; de 1993, de Nova Delhi; de 1994, de
Salamanca; de 2000, de Dakar; e de 2001, de Cochabamba.
178
caso, o computador será objeto de estudo, em cursos de informática para técnicos
da área, que aprendem a conhecer em detalhe o hardware (estrutura; como
funciona; como se pode montar, desmontar, dar manutenção) e o software (como
escrever programas de computador, etc.). Também faz parte deste campo aprender
a usar o computador, em cursos para usuários (não-técnicos da área): ligar/desligar;
ativar/desativar um programa; gravar ou acessar dados; etc. Deste modo, o ensino
“com computador” sempre se inicia com algum ensino “do computador”, mesmo
incipiente. Não vamos tratar do ensino “do computador”, mas da outra alternativa,
analisando os usos, didático e pedagógico, da máquina.
4.4.3 O computador como recurso didático.
Não examinaremos os usos do computador como recurso para-didático, isto é, como
ferramenta de trabalho do professor para o preparo de aulas, apostilas e provas, ou
para correção de provas, e outras aplicações semelhantes. Nem, como ferramenta
de trabalho pós-aula, da parte dos alunos - como processador de textos, ou máquina
de calcular - para preparo de trabalhos escolares.
Os recursos tradicionais de exposição na sala de aula - a lousa e o giz, os mapas e
cartazes vêm sendo substituídos em parte por recursos didáticos áudio-visuais
modernos, como o vídeo e a TV, filmadoras e projetores de filmes, projetores de
slides e retroprojetores de transparências. Estes equipamentos possibilitam a
projeção de imagens em tamanho grande, com nitidez de detalhes, cores variadas e
firmes, texto associado aos quadros, movimento, e som acoplado à projeção. Os
objetivos pedagógicos incluem a dinamização da aula, a ativação conjunta dos
sentidos da visão e audição, a captura da atenção. O recurso do movimento é muito
valioso no estudo de processos dinâmicos como, em biologia, o processo de
circulação do sangue nos mamíferos; em física, o fenômeno da ação-reação devida
ao choque de dois corpos em movimento. Mas, nem todos os recursos estão
presentes em todos os dispositivos, o que nos obriga a eventuais acoplamentos. Os
materiais didáticos (fitas gravadas, slides, transparências) são pré-formatados e de
difícil ou impossível alteração durante a aula pelo professor.
Como equipamento áudio-visual, os computadores superam estas limitações:
apresentam maior gama de recursos (texto, som, imagem e movimento, na “telinha”
do monitor ou na “telona” de um data-show, ou televisor, acoplado); permitem a
179
alteração de alguns materiais didáticos durante a apresentação, com pouco tempo
de interrupção; tem recursos exclusivos de programação interna, e de
armazenamento praticamente ilimitado em memória interna. Ligados em rede,
permitem destinar-se um monitor – ou estação de trabalho – para cada aluno (ou
cada pequeno grupo). As estações permitem a comunicação interativa professor-
alunos e a avaliação das respostas dos alunos, por programa, on line e real time,
ultrapassando muito, neste caso, a função de equipamento áudio-visual.
O uso em rede requer a montagem de “laboratórios de informática”, em salas
suficientemente grandes, com refrigeração artificial, mesas e cadeiras apropriadas e
dois complexos sistemas de fiação para alimentação elétrica e conexão em rede. Os
custos das instalações e dos equipamentos, impede a informatização generalizada
das salas de aula.
4.4.4 O computador como recurso pedagógico.
Para além da superioridade do computador como recurso didático, entusiastas de
um uso mais avançado - ou, mesmo, revolucionário - da informática no ensino
defendem seu uso em tarefas nucleares do processo de ensino-aprendizagem, isto
é, o uso do computador como auxiliar pedagógico, na sala de aula e fora dela. Para
estes entusiastas, um uso mais ambicioso dos computadores - além de dinamizar a
aula, elevar o grau de atenção e de interesse dos alunos, torná-los mais
participantes e aumentar seu rendimento escolar - pode ajudar a ampliar a
criatividade e a desenvolver as inteligências múltiplas dos discentes.
Nossa primeira referência é Skinner, criador da técnica da “instrução programada”
(1950), precursora da CAI (computer-aided instruction, ou “instrução auxiliada por
computador”)
99.
Com os microcomputadores, a CAI disseminou-se nas escolas, na
forma de tutoriais, programas de demonstração, exercício-e-prática, avaliação do
aprendizado, jogos educacionais e simulação. Em outras abordagens, o computador
99
Burrhus Federic Skinner, psicólogo behaviorista (EUA). Instrução programada - conjunto de
pequenos módulos de ensino contendo, cada módulo, um “ensinamento” simples, e uma questão. O
aluno deve ler um módulo, responder (imediatamente, por escrito) a questão e conferir o acerto. Se
acertar, avança para o próximo módulo; se não, será instruído a rever módulos anteriores ou
interpolar módulos de reforço. A IP, usando módulos impressos, prosperou por alguns anos, mas foi
abandonada, pela dificuldade de produção dos materiais. Levada para o computador, foi rebatizada
como CAI. O alto custo dos computadores (mainframes) barrou sua disseminação nas escolas, e
ficou restrita às Universidades. O PLATO, da Control Data Corporation (1970), foi o mais bem
sucedido programa de CAI e chegou a ter 3000 autores
(VALENTE, 1999).
180
comparece como ferramenta no auxílio à resolução de problemas, a produção de
textos, a manipulação de banco de dados e o controle de processos em tempo real –
cobrindo, principalmente, as áreas de matemática, ciências, leitura, artes e estudos
sociais (VALENTE, 1999)
100
.
Um expoente dos entusiastas é Seymour A. Papert, nome ligado à criação do
projeto LEGO/LOGO pelo Media Lab (laboratório para pesquisas avançadas em
computação, do MIT). O LEGO é um sistema de peças de encaixe (composto de
blocos inertes e de blocos que incluem elementos tecnológicos, como pequenos
motores, polias, engrenagens, rodas, baterias, lâmpadas, etc.), usados para a
montagem de estruturas inertes – casas, mesas, bonecos – e também modelitos de
trens, automóveis, e mini-robôs. O LOGO é uma linguagem de programação
“infantil”, para fins educativos, e que permite ao usuário, mediante sentenças
escritas em uma linguagem próxima da sua língua materna, deslocar na tela do
monitor uma “tartaruga” (um cursor). Com o LOGO o aluno pode traçar figuras
geométricas, e desenvolver conceitos matemáticos e físicos como os de distância,
direção, sentido e ângulo (BOSSUET, 1985; NEGROPONTE, 1995; MEC, 1985).
As novas modalidades de uso das TIC na educação, superando enfim o conceito de
"máquina de ensinar", sugerem o uso do computador como uma nova ferramenta
educacional de complementação e aperfeiçoamento, e de possível mudança na
qualidade do ensino. Ao nos afastarmos, por igual, dos excessos fundamentalistas
cultuados por “tecnófobos” e “tecnólatras” (SILVA, 1999), vamos concordar com
Landry
(2002) que a educação tem que acompanhar o momento histórico, e se o
momento atual é marcado pela presença das TIC, assim deve ser a escola:
É legítimo encorajar o uso das TIC em dispositivos de ensino e formação,
desde que se levem em conta as condições de difusão dessa inovação tecno-
metodológica para evitar tanto o reforço do existente (valorizar a transmissão
midiatizada [do conhecimento]), quanto um efeito de vitrine (investimento na
quinquilharia sem mudar os métodos da organização do ensino ou da
formação). Ainda é preciso que os novos métodos sejam usados com
discernimento, o que implica formar os participantes (p. 120).
Valente (1999) aponta evidências empíricas de mudanças na nossa condição de
vida e do reforço do papel protagônico da informação, num mundo atravessado por
100
Dos 7.325 programas educacionais citados no relatório do OTA – U. S. Congress Office of
Technology Assessment (1988), 66% são do tipo exercício-e-prática, 33% são tutoriais, 19% de
jogos, 9% de simulações e 11% do tipo ferramenta educacional, todos produzidos nos primeiros três
anos de “vida” dos microcomputadores.
181
processos que ocorrem de maneira cada vez mais rápida, levando a uma mudança
na natureza do conhecimento. Por isso, “os fatos e alguns processos específicos
que a escola ensina rapidamente se tornam obsoletos e [às vezes] inúteis. Assim, ao
invés de memorizar informação, os estudantes devem ser ensinados a buscá-la e a
usá-la”. A introdução do computador no ensino deve “propiciar as condições para os
estudantes exercitarem a capacidade de procurar e selecionar informação, resolver
problemas e aprender independentemente”, ao tempo em que promove “um
questionamento da função da escola e do papel do professor”. As novas tendências
de uso do computador na educação mostram que ele pode ser um importante aliado
no processo de ensino-aprendizagem.
Questionamos aquele autor, quando afirma que “[com] essa mudança da função do
computador como meio educacional, o computador pode assumir a função de
‘repassador do conhecimento’ (...) muito mais eficientemente do que o professor”.
Mais centrado parece Tenório (1991, p. 8) quando denuncia a “superestimação das
possibilidades de tais instrumentos”, e a “pressuposição de que [sua] utilização
continuada conduziria a uma mudança significativa no próprio modo de pensar do
ser humano [pois], quando se observam os resultados obtidos nos projetos
desenvolvidos, aqui como em outros lugares”, parece evidente tratar-se, na verdade,
de uma “hipertrofia das possibilidades educacionais [destes recursos]”.
101
Argumentos semelhantes ao de Tenório encontram-se em ALAVA (2002, p. 13-14).
É provável é que diferentes modalidades de uso do computador na educação sigam
coexistindo. As novas modalidades não substituirão as precedentes, total e
imediatamente, tal como assim não aconteceu com a introdução de outras tantas
tecnologias (VALENTE, 1999; ALAVA, 2002). O importante é compreender as
características, vantagens e desvantagens próprias de cada uma destas
modalidades, explicitando-as e discutindo-as, para poder aplicar as modalidades
mais adequadas às diferentes situações de ensino-aprendizado. Além disto, a
diversidade de modalidades propiciará um maior número de opções, e estas opções
certamente atenderão a um maior número de usuários. Hoje, as escolas escolhem
um determinado método, generalizado para todos os aprendizes. Alguns alunos se
101
Outro “tecnólatra”, no caso, parece ser Lévy (1993, 1994, 2001). O autor da presente tese
desconhece qualquer evidência de “uma mudança significativa no próprio modo de pensar do ser
humano” no meio século da presença dos computadores (após 40 anos de trabalho com, e 30 anos
de ensino de informática). Quanto a possibilidades futuras, as hipóteses ficam em aberto.
182
adaptam bem ao método em uso e acabam vencendo; outros, não sobrevivem ao
massacre e acabam abandonando a escola. Estes poderiam ter melhores chances
com as novas concepções de ensino e de aprendizagem.
4.4.5 Informática na escola pública e inclusão digital
O projeto de Informatização da Escola Pública, como parte de um projeto de
Inclusão Digital, envolve aspectos como a definição do público-alvo; os objetivos a
serem alcançados; as temporalidades específicas; e, as metodologias a aplicar.
O público-alvo seriam os alunos da escola pública do ensino fundamental. Caso se
inclua o ensino médio, devem-se considerar dois subprojetos, pelas diferentes
características destes graus do ensino: idades, processos educativos, objetivos,
nível federativo responsável. O ensino fundamental envolve crianças de 07-10 anos
(séries 1ª a 4ª) e adolescentes de 11-14 anos (séries 5ª a 8ª), abstraída a questão
da repetência, e outros, que rompem estes limites etários.
Os alunos do ensino fundamental - se o projeto se universalizar no ano “X” – teriam
garantida uma longa jornada de 8 anos, com a média de 4 h/semana em laboratório.
Este uso continuado produziria, a partir do ano X+8, uma massa de egressos
familiarizada com os computadores, e muitas de suas aplicações. Estendendo ao
degrau médio, em X+11 o país teria uma grande massa de pessoas com 11 anos de
contato continuado com a informática, reduzindo decisivamente a exclusão digital.
Quanto aos objetivos, estes não participam da discussão já tecida sobre inclusão
subordinante ou autonomista, e confundem-se com os objetivos próprios do sistema
de ensino, cuja perspectiva declarada é, sempre, a da autonomia do sujeito. No
ensino fundamental não se discute, certamente, a “inserção no mercado de
trabalho”, algo sem sentido para a idade deste público (e levaria ao horror os
educadores). Logo, estamos diante de objetivos mais “construtivistas” que
instrumentais, retomando a discussão do tópico anterior. As metodologias
associadas estão explicitadas nos projetos pedagógicos das diferentes experiências)
4.4.6 Informatização da escola pública no Brasil: projetos e dados.
A Informatização da escola pública no Brasil apóia-se no PROINFO, Programa
Nacional de Informática na Educação, sob a responsabilidade do MEC. A seguir,
apresentamos o material oficial divulgado no site www.proinfo.mec.gov.br
183
a) PROINFO. O ProInfo é um programa educacional criado em 9 de abril de 1997
pelo MEC - Ministério da Educação (Portaria MEC 522) para promover o uso da
telemática como ferramenta de enriquecimento pedagógico no ensino público
fundamental e médio, cujas estratégias de implementação constam do documento
Diretrizes do Programa Nacional de Informática na Educação, de julho de 1997. O
Programa é desenvolvido pela Secretaria de Educação à Distância - SEED, por meio
do Departamento de Informática na Educação a Distância - DEIED, em parceria com
as Secretarias Estaduais e algumas Municipais de Educação e funciona de forma
descentralizada. A coordenação é de responsabilidade federal e a operacionalização
é conduzida pelos Estados e Municípios. Em cada unidade da Federação existe uma
Coordenação Estadual PROINFO, cujo trabalho principal é o de introduzir as
Tecnologias de Informação e Comunicação nas escolas públicas de ensino médio e
fundamental, além de articular os esforços e as ações desenvolvidas no setor sob
sua jurisdição, em especial as ações dos NTE – Núcleos de Tecnologia Educacional.
b) CETE - Centro de Experimentação em Tecnologia Educacional. Foi criado para
viabilizar e apoiar tecnologicamente e garantir a evolução das ações do PROINFO
em todas as unidades da Federação, e está situado na sede do MEC. Cabe ao
CETE organizar, acompanhar e coordenar as informações do processo de
implantação do Programa, além de desempenhar o papel de canal de comunicação
entre o MEC, os produtores de tecnologia educacional (e centros de pesquisa e
universidades), a indústria e as escolas. Principais contribuições:
• Estabelecimento de redes de comunicação.
• Divulgação de produtos.
• Disseminação de informações.
• Promoção do uso de novas tecnologias através de atividades nas áreas de
Telemática e infra-estrutura de informações.
• Contato com instituições internacionais vinculadas à tecnologia e ao EAD.
c) NTE’s - Núcleos de Tecnologia Educacional. Locais dotados de infra-estrutura de
informática e comunicação, que reúnem educadores e especialistas em tecnologia
de hardware e software. Os profissionais dos NTE são especialmente capacitados
pelo PROINFO para auxiliar as escolas em todas as fases do processo de
incorporação das novas tecnologias. O NTE é o parceiro mais próximo da escola no
processo de inclusão digital, prestando orientação aos diretores, professores, e
alunos, quanto ao uso e aplicação das novas tecnologias, bem como no que se
184
refere à utilização e manutenção do equipamento. A capacitação dos professores é
realizada a partir destes núcleos, onde os agentes multiplicadores dispõem da
estrutura necessária para qualificar os educadores a fim de utilizar a internet no
processo educacional. A função do NTE é orientar o uso adequado desses
instrumentos para promover o desenvolvimento humano não apenas na escola, mas
em toda a comunidade. Localizados em todas as unidades da Federação, cada
Núcleo atende escolas situadas em uma mesma região. O número de escolas a
serem atendidas – e o número de NTE em cada Estado – é estabelecido em
proporção ao número de alunos e escolas de cada rede de ensino público estadual.
Segundo a SEED, o PROINFO atingiu 4.640 escolas do país, e instalou cerca de 53
mil microcomputadores e 326 NTE. Mais de 150 mil professores já teriam sido
capacitados (dados de dezembro de 2005).
Quadro 21. Dados da SEED para o Estado da Bahia.
Qtd de NTES no estado: 17
Qtd de escolas atendidas pelo Programa do Estado: 293
Qtd de micros distribuídos para o Estado: 7.802
Qtd de Alunos atendidos pelo Programa no Estado: 1.984.197
Qtd de Professores capacitados pelo Programa: 3.813
Qtd de Técnicos de Suporte capacitados pelo Programa no Estado: 17
Qtd de Alunos Monitores capacitados pelo Programa no Estado: 168
Qtd de Escolas estaduais atendidas: 168
Qtd de micros em escolas estaduais: 2.783
Qtd de professores atendidos nas escolas estaduais: 12.578
Qtd de alunos de ensino médio, atendidos em escolas estaduais: 214.621
Qtd de alunos de ensino fundamental, atendidos em escolas estaduais: 75.856
Qtd de Escolas municipais atendidas: 123
Qtd de micros em escolas municipais: 1.495
Qtd de professores atendidos nas escolas municipais: 5.553
Qtd de alunos de ensino médio, atendidos em escolas municipais: 5.710
4.5 EXPERIÊNCIAS DE INCLUSÃO DIGITAL
As experiências de inclusão digital no Brasil são promovidas majoritariamente pelo
Estado, com a participação da Sociedade Civil Organizada (SCO), através de ONGs
dedicadas a este fim, e contribuições de menor relevância quantitativa de Empresas,
Fundações, Universidades e Organizações do Terceiro Setor.
Silveira (2003) menciona alguns exemplos destas ações articuladas. Por exemplo,
em 2001 o Governo do Estado de São Paulo iniciou a implantação de locais de
acesso à Internet em entidades de bairro, articulando-se com a Escola do Futuro da
185
USP para formar e gerenciar o projeto nas comunidades. Quase à mesma época, a
Prefeitura Municipal de São Paulo passou a implantar telecentros, quer em prédios
públicos e sob administração direta, quer em entidades da sociedade civil. Os
monitores dos telecentros municipais são recrutados na própria comunidade,
formados e treinados pela RITS, a Rede de Informação do Terceiro Setor. A
Prefeitura, mediante convênio com a RITS, assumiu a manutenção dos telecentros
do Sampa.org - projeto de inclusão digital da RITS.
Na Bahia, a inclusão digital promovida pelo Governo Estadual tomou, em 2005, o
nome de “Projeto Identidade Digital”, e promete instalar infocentros e telecentros em
200 municípios. No plano municipal, a Prefeitura de Salvador desenvolve, desde
1995, um projeto de informatização da escola pública, recentemente reinterpretado
também como um projeto de inclusão digital.
4.5.1. Inclusão digital na rede escolar da Prefeitura Municipal de Salvador
102
O projeto de informatização da escola pública da RME-Rede Municipal de Ensino da
PMS - Prefeitura Municipal de Salvador é denominado PETI/PMS (Projeto de
Educação em Tecnologias Inteligentes, da PMS). O objetivo da nossa pesquisa foi
avaliar o potencial inclusivo do PETI/PMS, em presença do conceito de “inclusão
digital” e sob os aspectos de cobertura (da população alvo), de visão (da
coordenadoria do PETI/PMS quanto aos moldes da inclusão) e de efetividade do
Projeto (cumprimento das metas quantitativas, representatividade no universo da
população escolar e implementação da visão da coordenadoria nas unidades
escolares). Foram coletados dados sobre as dimensões da Rede e seu
funcionamento, e sobre as dimensões e funcionamento dos laboratórios de
informática implantados na Rede. A pesquisa - além de embasar empiricamente a
presente tese de doutorado - pretendeu fornecer subsídios para uma proposta de
parceria entre a PMS e a Universidade no campo da inclusão digital.
a) Dos Objetivos
O objetivo geral do projeto foi avaliar o potencial inclusivo – face ao conceito de
“inclusão digital” – do processo de informatização da escola pública na RME/PMS
(Projeto PETI/PMS), sob os aspectos de cobertura, de visão e de efetividade.
102
Com a colaboração da Profa. Ana Maria Carneiro Cintra, da PMS/SMEC.
186
Como objetivos específicos, propôs-se a:
i. Análise quantitativa:
- avaliar o grau atual de cobertura proporcionado pelo programa PETI/PMS de
informatização da RME/PMS, isto é, em que proporção os alunos da própria
RME/PMS estão sendo atendidos, e o que representa este mesmo
atendimento em termos da população escolar de 1º grau “menor” do
Município de Salvador;
- avaliar o grau de efetividade alcançado pelo programa de informatização da
RME/PMS, isto é, levantar indicadores de resultados para o programa, em
termos de “efetiva” inclusão digital dos alunos atingidos ou da efetivação dos
objetivos declarados;
ii. Análise qualitativa:
- caracterizar a visão da coordenadoria do projeto PETI/PMS quanto a:
objetivos de modernização do ensino; melhoria da qualidade do ensino; e
objetivos de inclusão digital;
- avaliar a efetividade do programa, em termos de implementação das diretrizes
do projeto pedagógico da coordenadoria na rede (efetividade dos objetivos
declarados);
Os resultados do levantamento deverão ser utilizados como subsídio e base de
reflexão para uma proposta de parceria entre a PMS e a UCSAL no campo da
informatização da escola pública de primeiro grau, no plano da inclusão digital.
Na vertente da inclusão digital mediante a informatização da escola pública, isto é,
mediante uma política pública de instalação de laboratórios de informática nas
escolas do ensino fundamental e médio, associado ao preparo de professores para
manejo deste instrumental como recurso pedagógico, no caso da RME/PMS o
recorte se atém ao ensino básico, isto é, da primeira à quarta série do ensino de 1º
grau, tarefa cometida ao município. É neste aporte que a inclusão digital do aluno do
1º grau deve ser encarada, como uma aposta no futuro, através de um investimento
no presente. Para bem fazê-lo, precisamos pesquisar e discutir os procedimentos
em curso, a fim de desenvolvermos suficiente conhecimento para maximização dos
resultados desejados e para eventuais correções de rumo.
187
b) Da Metodologia:
b1) Dados quantitativos:
Levantamento das dimensões da Rede Municipal de Ensino da PMS – número
de unidades, número de alunos matriculados (por escola, série e faixa etária),
número de professores (por categoria), turnos de funcionamento, indicadores de
rendimento e indicadores de evasão. Este mapa de dados visa fornecer uma visão
panorâmica das dimensões da rede, permitindo contrasta-la com as dimensões da
população em idade escolar do Município do Salvador;
Número (e identificação) das escolas dotadas de laboratório de informática;
Dimensionamento e caracterização dos laboratórios: instalações físicas;
número, estado e idade dos equipamentos; horários e regime de funcionamento;
quadro de pessoal de ensino e monitoria; softwares disponíveis; conexão com a
internet;
b2) Elementos qualitativos:
“Visão” da coordenadoria do processo de informatização da RME/PMS, quanto
a: objetivos de modernização do ensino; de melhoria da qualidade do ensino; de
“inclusão digital”. Estes elementos são constitutivos do Projeto Pedagógico;
“Efetividade” – da implementação do projeto pedagógico da coordenadoria.
Efetividade dos objetivos declarados;
Análise espacial da RME/PMS e da rede de laboratórios.
Realização de entrevistas semi-estruturadas com professores e alunos;
Análise e interpretação dos dados.
c) Pequeno Histórico:
O programa de informatização da escola pública da PMS iniciou-se em 1995, com 1
(um) micro. A equipe da PMS optou pelo uso pedagógico do recurso, dentro de um
projeto construtivista que privilegiou “a informática-no-ensino, não o ensino-de-
informática”, com a parceria da UFBA/FACED. A Escola Novo Marotinho, situada
próxima ao “lixão” de Canabrava, foi escolhida como primeiro laboratório.
No mesmo ano, a PMS recebeu 15 micros do projeto (federal) INFOEDUCAR. Em
1997 o MEC lançou o programa PROINFO de informatização da escola pública e
criou os NTE (Núcleos de Tecnologia na Educação) em nível estadual. Deste projeto
188
a PMS recebeu mais 22 micros (entre 1998 e 2004). Em reconhecimento à elevada
qualidade do seu projeto, o MEC criou na PMS o NTE-17. Atualmente, a PMS conta
com 55 laboratórios e aproximadamente 500 micros, na maioria dos casos com
acesso à internet, na sua rede escolar (que possui 350 unidades).
O projeto da PMS, no intuito de valorizar o professor, dedica-lhe um programa de
formação e de reciclagem “em educação e tecnologia” (realizado no EFPP/CAPS).
Os professores passam, então, para o regime de 20h em sala de aula e mais 20h
em laboratório. As aulas nos laboratórios devem ser conduzidas conjuntamente por
um professor de tecnologia, responsável pelo funcionamento dos equipamentos e
treinamento dos alunos, e um professor da disciplina, responsável pelo conteúdo
disciplinar e pelas questões didático-pedagógicas. Também são utilizados alunos-
monitores (em turno oposto ao de suas próprias aulas). O apoio técnico para
instalação e manutenção dos equipamentos é confiado à PRODASAL, a Companhia
de Processamento de Dados da PMS.
Na prática, encontramos alguns entraves. Na visita à Escola Humberto Silva
deparamos com dois problemas graves: obsolescência e quebra dos equipamentos
(havia 6 micros em uso e 3 quebrados). Também, detectamos a falta professor de
tecnologia para um dos turnos, e fomos informados de que este é desviado para a
sala de aula, na falta do professor regente. Embora considerado modelar, o projeto
PETI/PMS parece depender em grande parte do voluntarismo e idealismo da equipe
fundadora e que ainda continua à frente. Um indicativo de que não se trata de uma
diretriz consolidada foi a decisão da Secretária de Educação do governo eleito em
2004 de trocar o logotipo do PETI - criado em um concurso entre os alunos e que,
assim, retratava o imaginário deles – por um outro composto burocraticamente.
4.5.1.1 Visitas às Escolas e Entrevistas com Professores de Tecnologia
103
Os Professores de Tecnologia (ou, “de Novas Tecnologias de Comunicação”) têm
formação acadêmica em Pedagogia, em sua maioria, ou em Letras, Matemática e
Ciências Sociais; somente um dos respondentes tinha apenas o 2º grau. Exercem
esta função em um turno e são professores-regentes no turno oposto. O
planejamento das aulas é feito entre o professor regente e o professor de tecnologia,
103
Este tópico foi composto segundo a metodologia do “Discurso do Sujeito Coletivo”, pela Assistente
Social Josineide Silva da Costa, colaboradora na pesquisa, a quem ficam registrados os créditos.
189
sendo função deste “coordenar as atividades e providenciar meios para que as
mesmas aconteçam”; o laboratório é “o espaço utilizado para a realização dos
projetos pedagógicos elaborados para as series, de forma interdisciplinar”.
Os laboratórios são constituídos, na maioria das escolas, de 10 computadores, 01
scaner, 01 aparelho de televisão, 01 aparelho de videocassete e de 01 a 03
impressoras. O tempo desde a implantação varia entre 02 e 09 anos. Geralmente os
espaços são reduzidos. Nem sempre as máquinas estão todas funcionando.
As atividades no laboratório acontecem com a presença do Professor de Tecnologia
e de monitores para auxiliá-lo, com turmas de 10 a 35 alunos, e duração de 30
minutos a 1 hora e 15 minutos de aula, com 10 a 16 sessões por semana no
laboratório. O número de turmas nas escolas varia entre 06 e 16. As turmas são de
CEB e da 1ª à 4ª series do ensino fundamental. Devido à escassez do espaço, as
classes são divididas em dois grupos, quando chega sua vez de freqüentar o
laboratório: metade dos alunos irão para o laboratório e a outra metade
permanecerá na sala de aula, com a(o) professora(o) regente. Na semana seguinte,
os dois grupos se revezarão. Em uma das escolas o laboratório ficou dividido entre
duas salas, por serem estas muito pequenas, com 5 máquinas cada. Neste caso, as
turmas são divididas em 03 grupos para possibilitar a freqüência ao laboratório. O
número de alunos por maquina varia entre 01 e 03, dependendo do tamanho do
laboratório e dos tamanhos das turmas.
As ferramentas mais utilizadas no desenvolvimento das atividades são: Word Pad,
Word, Power Point, Excel e Internet Explorer, além de jogos eletrônicos. Durante as
sessões também são explorados o videocassete e a televisão.
Os projetos temáticos desenvolvidos pelas escolas entrevistadas abordaram
questões como meio ambiente consciência negra, folclore, violência, preservação do
patrimônio publico, identidade, cultura, sentimento de pertencimento, Feira dos
Municípios. Dentre as disciplinas para as quais se utilizam recursos do laboratório, a
que menos solicita é a matemática. De acordo com informações dos professores, a
disciplina de português é a que mais utiliza o laboratório, procurando desenvolver a
escrita, e os usuários são alunos na fase das primeiras series e alfabetização.
Os monitores são selecionados entre “os alfabetizados, por indicação dos
professores(as) regentes, através de entrevistas, teste de seleção, indicação dos
190
professores de NTC’s ou interesse dos alunos nas atividades”. A importância dos
monitores nos laboratórios, segundo os professores, está em “auxiliar o professor de
tecnologias dando suporte no atendimento aos alunos, e na solução de alguns
entraves entre aluno, professor-de-laboratório e professor-regente. Além de ajudar
bastante, sendo um auxiliar indispensável, leva-se em conta o desenvolvimento
pessoal dos mesmos”.
Na opinião dos professores, a contrapartida para os monitores, é que “eles têm
acesso privilegiado a uma tecnologia que não está disponível para a maioria dos
alunos e, através dos cursos de instrumentalização, adquirem noções de
responsabilidade, aprimoram conhecimentos sobre NTC’s, e aumentam suas
oportunidades de emprego e de valorização pessoal”.
As dificuldades encontradas, de acordo os entrevistados são:
Computadores antigos;
Quantidade reduzida de computadores;
Resistência de alguns professores ao novo: alguns estão cansados, estão
“preenchendo” horário, ou perto da aposentadoria. Esta situação é mais
comum ao turno da noite;
Despreparo para novas demandas;
Escassez ou insuficiência de Infra-estrutura;
Os alunos do turno da noite apresentam-se cansados e desmotivados, e
sentem dificuldade em aprender;
Um mesmo projeto pedagógico é usado para faixas etárias diferentes.
Os professores percebem o uso de novas tecnologias no ensino formal como:
“De grande valia”;
“Essencial para contribuir com o aprendizado do aluno”;
“A educação só tem a ganhar com o uso das novas tecnologias”;
“Ótimo, pois possibilitou aos estudantes interagirem, trocar idéias e, enfim,
construir conhecimentos”;
“Grande saída para educação”
“Uma ferramenta facilitadora no processo de conhecimento”;
“As aulas no laboratório servem de refugio contra a dura realidade”;
“Estimulam o aprendizado”;
“É um diferencial para que os adolescentes tenham mais oportunidades de
trabalho e busquem novos conhecimentos”
191
“Melhora as relações pessoais e inter pessoais”;
“Interfere na evasão escolar, reduzindo-a, com maior participação e
interesse em estudar”;
“É fundamental para o aluno que tem dificuldade em aprender. Ajuda-o a
superar os limites, valorizando-o e dando novas possibilidades. Através do
manuseio do computador, ele (o aluno) tem uma visão que é capaz.”
Não existe um trabalho especifico com a comunidade em torno e os pais, ou com
alunos especiais, na maior parte das escolas entrevistadas, embora as poucas
experiências existentes tenham demonstrado a importância deste relacionamento.
4.5.1.2 Outros resultados da pesquisa.
Conforme relatórios fornecidos pela SMEC, as escolas municipais são 360, e
totalizavam 176.591 alunos em 2005 (as projeções para 2006 estão no quadro a
seguir). Destas, somente 62 escolas foram listadas como possuindo laboratórios de
informática, ou seja, 16%. Nossa investigação detectou que muitas das escolas ditas
possuidoras de laboratórios de informática, na verdade, ainda não o têm implantado
e funcionando, seja por falta de instalação física, seja por ausência de professores
de tecnologia. Além disso, nas escolas dotadas de laboratório nem sempre estes
funcionam os três turnos. Por tudo isto, será mais verdadeiro considerar uma
cobertura, seja em número de unidades, seja na quantidade de alunos efetivamente
atendidos, largamente inferior a 10%.
O quesito da efetividade acompanha o da cobertura: se esta é baixa, perde sentido
discutir efetividade. Como ficou demonstrado nas visitas e nas respostas aos
questionários, e conforme indicamos nos relatórios inclusos, há um grau satisfatório
de correspondência entre a visão dos administradores do PETI quanto aos objetivos
da informatização da escola municipal e a prática dos professores de tecnologia nas
escolas visitadas. Esta correspondência alimenta a efetividade dos propósitos
declarados. O que fica totalmente a desejar é a cobertura, a oferta de suficientes
laboratórios, em todos os turnos, com suficientes professores de tecnologia
(treinados e motivados)
e, é claro, suficientes equipamentos em bom estado de uso.
Há um constante e fundado receio do professor sem formação em informática de
enfrentar a situação da sala de aula informatizada, pela possibilidade de não acertar
fazer – ou fazer bem - alguma tarefa, seja por eventual deficiência do hardware ou
192
software, seja por falta de conhecimento. A possibilidade, real, de algum aluno
conhecer alguns detalhes do software mais a fundo que o professor, amedronta
este. Saber “menos” que o aluno (mesmo algo que não pese no conjunto dos
saberes) cria situações constrangedoras para quem é visto como detentor de um
saber a ser transmitido. O discurso segundo o qual professores e alunos (de 1º.
grau) podem manter-se na sala de aula em ritmo de troca de conhecimentos é,
ainda, mera hipótese, que exige treinamento docente e ambiente propício. Há casos
excepcionais, como parece ser a Escola da Ponte, em Portugal (ALVES, 2004) mas,
aí, lidamos com a exceção, não com a regra.
No “ensino com computador” o professor precisará cingir-se – e saber cingir-se - aos
aspectos essenciais das ferramentas: não precisa conhecer, nem explorar cada
pequeno detalhe, quer por não ser este o objetivo do seu trabalho, quer pelas
limitações do tempo da aula. O domínio da informática inclui a consciência de não
poder acompanhar todos os detalhes de toda nova versão dos aplicativos (tal
atualização miúda interessa apenas aos profissionais de suporte ao produto).
Assim, o professor pode ser surpreendido, na aula, por um aluno que tenha
aprendido fora da escola um detalhe qualquer, desconhecido do professor. O
professor experiente, dono de sólido conhecimento, assume seu desconhecimento
dos detalhes, porque sabe atribuir a estes – quando confrontado com a descoberta –
o adequado valor, podendo enquadrá-lo no conjunto; o professor, sem domínio de
conteúdo, não sabe avaliar a (des)importância do detalhe. Sem visão sólida do
conjunto, não sabe como situar os elementos parciais. Seu medo faz sentido.
Quadro 22 – Previsão de Matrícula para 2006.
Alunos Quantidade % Alunos Quantidade %
Matrícula 2005: 186.408
100.0 Aprovados: 114.647 76.1
Evadidos: 27.994 15.0 Conservados: 33.439 22.2
Transferidos: 7.717 4.1 Frequentando: 2.611 1.7
Total Previsto: 150.697
80.9
Resultado 2005: 150.697
100.0
Fonte: SMEC.
Não temos registro de escolas particulares, ou de crianças fora-da-escola. Alguns
elementos relativos ao PETI, fornecidos pela PMS, estão descritos em anexo.
Nossa investigação levou-nos a concluir pela excelência do PETI, em termos de
projeto, excelência confirmada, de forma independente pelos prêmios e outros sinais
de reconhecimento alcançados pela SMEC e suas escolas. Contudo, a cobertura é
193
inteiramente insatisfatória, como indicamos
104
. No final de 2005 o programa estava
em risco devido a uma nova orientação, gestada na assessoria da SMEC, num
molde que desprestigia a formação do Professor de Tecnologia e defende um
treinamento linear de todos os professores da rede (relatório anexo).
Segundo nossa experiência, esta visão é equivocada, pois nem todos os
professores revelam motivação, capacidade ou interesse para semelhante
treinamento. Como afirmamos em outro lugar, o domínio das técnicas de informática
nada tem de trivial e, no limite, não é universalmente possível.
4.5.1.3 Programa de Informática na Educação do Município de Salvador
Serão apresentados a seguir os dados das visitas feitas a 4 escolas da RME/PMS.
O Quadro 23 resume dados relativos aos laboratórios.
Quadro n. 23. Dados dos laboratórios das escolas visitadas.
Humberto Silva
Novo Marotinho
Canabrava
Cidade de Jequié
Federação
Amélia Rodrigues
Equipamento 06 funcionando
01 quebrado;
01servidor
01 scanner
10 funcionando
01servidor
01 p/ o professor
03 impressoras
06 funcionando
01 televisão
01 vídeocassete
10 funcionando
01servidor
01 impressora
01servidor
01 p/ o professor
10 funcionando
01 televisão
01vídeocassete
projeto
pedagógico
PETI PETI PETI PETI
Tempo de
implantação
09 anos 05 anos 05 anos 05 anos
Equipe 1 Professora de
Tecnologia
03 monitores
1 Professora de
Tecnologia
02 monitores
01 prof. regente
01 Professora de
Tecnologia, e 01
professora-regente
1 Professora de
Tecnologia, 01
professora-regente
e 02 monitores
Turmas Série CEB2 CEB1 e CEB2 Diversas séries CEB1 e CEB2
Fonte: elaboração própria.
104
Segundo noticiário da Secretaria de Educação (SEESP), o Estado de São Paulo tem 6 mil escolas,
6 milhões de alunos e 300 mil funcionários, na área de educação. No ensino fundamental, 99,6% das
crianças em idade escolar estão matriculadas; no ensino médio, 90%. E, 84% das unidades escolares
possuem laboratório de informática. No Brasil como um todo, o ensino médio está em colapso e
vários estados não aceitam matrículas por não terem recursos disponíveis para manter as escolas;
18% das escolas da rede pública estão informatizadas. A SEESP confere prioridade à valorização e a
qualificação dos professores: os 210 mil professores da rede têm formação universitária. Mas, o
professor deve estar capacitado para lidar com a informática: através do programa de inclusão digital
do professor o Estado oferece metade do custo de um computador e o banco estadual financia a
outra metade. Assim, com 30 ou 40 reais mensais, descontados em folha, o professor pode ter um
computador em casa, para preparar as aulas, familiarizar-se com o conteúdo da informática e
trabalhar com os alunos. http://www.educacao.sp.gov.br/podio/160.htm (acesso em dezembro/2005).
194
A descrição do Programa de Informática na Educação do Município de Salvador está
inserido adiante, como Anexo I - trata-se de um texto oficial da PMS, transcrito na
íntegra. Eventuais repetições não puderam ser eliminadas, para preservar o original.
1. Escola Humberto Silva – Bom Gosto da Calçada.
Professora de informática: Julia Maria dos Santos Barros. Formada em letras pela
UFBA. Especialização pela FBB–Faculdade Batista Brasileira. Tema: A Informática
para a Regularização do Fluxo no Desenvolvimento da Escrita.
O laboratório é pequeno e só está sendo usado no turno vespertino. Um dos micros
não acessava o software DUENDE (utilizado para os trabalhos de alfabetização).
As turmas são divididas em dois grupos: metade fica na sala “normal”, metade vem
para o laboratório. Cada aluno tem aula no laboratório 01 vez por semana. Os
trabalhos são planejados e iniciados na sala de aula, com continuidade no
laboratório. A Professora de Tecnologia informou que um dia por semana se reúne
com a professora regente de sala de aula e que, embora os projetos apresentados
sejam de sua autoria, são discutidos e planejados juntos.
Durante a visita a professora iniciou a aula acessando o site DUENDE,
(http://www.duende.com.br), para trabalhar com o tema “O alfabeto”. Este site foi
indicado por uma colega do curso de reciclagem para os professores;
Procedimento: Apontar com o mouse para uma letra; em seguida aparecerá uma
palavra que será lida, com os participantes identificando letra por letra. As aulas de
digitação são realizadas com o Word, onde as crianças vão digitar palavras escritas
no quadro.
As dificuldades são:
- “achar” as letras no teclado; uso das teclas “retrocesso”, “delete” e “enter”;
- maquinas antigas, lentas, sujeitas a defeitos;
- poucas máquinas, obrigando a professora a trabalhar com duas crianças por
micro (e por terem ritmos diferentes de aprendizagem, e outros motivos, as
crianças brigam);
- não tem professor pela manhã, nem à noite.
De acordo informações da professora, a metodologia usada (aprender o alfabeto
identificando as letras no teclado) partiu da idéia de uma das crianças que aprendeu
195
a identificar o alfabeto depois de ter memorizado as letras no teclado. Os jogos são
para exercitar o domínio do mouse e para “distrair” (reduzir as tensões). A aula no
laboratório, segundo a professora, “serve de refugio contra a dura realidade”, para
as crianças. Os meninos, segundo a professora, dão menos “problemas” no
laboratório, que na sala de aula. São trabalhadas todas as disciplinas (não se
trabalha muito, apenas, a matemática).
A professora informou que as mães reclamam porque prefeririam que os filhos
estivessem aprendendo os softwares que os cursinhos de informática ensinam
(como o WORD); as mães “não entendem” (sic) que não se trata de “aula de
informática” e sim de uso da informática para as disciplinas do currículo;
A Prefeitura está sempre atualizando o conhecimento dos professores, que sempre
recebem apoio técnico e pedagógico. Segundo a avaliação da professora, o Projeto
PETI “é muito bom”, e não deixa a desejar em relação às escolas particulares.
Resultados: os alunos criaram um jogo de perguntas e respostas dentro do Power
Point; houve avanços no aprendizado em sala de aula.
2. Escola Novo Marotinho - Canabrava
Primeira escola municipal do Brasil conectada à Internet: na época, com 01
computador.
Professora de Tecnologia: Lea. Formada em Pedagogia e Psicopedagogia.
Formação tecnológica através dos cursos de qualificação do PETI.
O laboratório é pequeno. As impressoras não são utilizadas com as crianças, pois o
objetivo é explorar o recurso digital, e não o material impresso; a “tela”, não o papel.
As turmas são 07, em torno de 35 alunos, trabalhando 02 (duas) por turno. As
turmas vão para o laboratório por duas horas, uma vez na semana.
Objetivo (declarado): Trabalhar os potenciais a partir do recurso tecnológico, para
desenvolver habilidades e competências, a auto-estima e a autonomia.
A função do profissional de informática é coordenar as atividades e providenciar
meios para que as mesmas aconteçam.
O laboratório é utilizado para a realização dos projetos pedagógicos elaborados para
as series, de forma interdisciplinar. Foram realizados projetos desenvolvendo
196
temáticas sobre a violência, a etnia, a preservação do patrimônio público, o
sentimento de pertencimento, identidade, cultura e meio ambiente. Um dos projetos,
consistindo num trabalho sobre a violência, foi destaque na revista Nova Escola.
Três pesquisas já foram desenvolvidas na escola, sobre o uso de novas tecnologias
no aprendizado (“A tecnologia auxiliando no processo de alfabetização”, Uneb,
2003).
Com o CEB1, o recurso utilizado é o Paint, trabalhando a coordenação motora, a
questão espacial, a construção de textos e as várias competências próprias da
alfabetização; é trabalhada a mobilidade intelectual, analisando-se imagens. O uso
de novas tecnologias não deve se prender aos limites curriculares, mas visar a
preparação para a vida. A tecnologia deve ser usada para despertar e desenvolver
potencialidades. Para trabalhar com as crianças com necessidades especiais são
utilizados textos em braile e o DOS VOX.
Um outro recurso tecnológico é a filmadora, para a elaboração de vídeos pelas
crianças. Está em fase de discussão a construção de um webquest.
A escola percebe, no processo de utilização das novas tecnologias com os alunos, a
necessidade de inserir a comunidade e a família; para isso, é feita uma integração
com as mães, utilizando os recursos tecnológicos.
3. Escola Municipal Cidade de Jequié – Federação
Professora de Tecnologia: Joelma Nascimento. Formada em Pedagogia (UFBA).
Formação tecnológica através dos cursos de qualificação do PETI.
O laboratório é pequeno. A impressora não é utilizada com as crianças, pois o
objetivo é “o digital”, e não “o material”.
A utilização das máquinas é feita por um par de alunos, quando são crianças; e de
forma individual, quando são adolescentes ou jovens-adultos. O laboratório funciona
nos três horários. A professora informou que o projeto se desenvolve melhor com as
turmas de CEB’s.
Com os alunos e professores do horário noturno, o laboratório quase não é utilizado,
pois: 1) o próprio horário dificulta, é mais curto; (2) os professores mostram-se
cansados e, geralmente, estão preenchendo horário, ou perto de se aposentarem;
197
(3) os alunos do turno noturno apresentam dificuldades de aprendizado; (4) os
alunos mostram-se cansados e desmotivados.
Dificuldades: resistência dos professores ao novo; despreparo para novas
demandas; despreparo para utilizar novas tecnologias; as pessoas mais velhas não
participam; os espaços do laboratório são pequenos, e a quantidade de micros,
também.
As disciplinas que mais utilizam o laboratório são: português, historia, inglês e
educação física.
Observações: A professora informou que o fato de ser professora de tecnologia e de
sala de aula, concomitantemente, proporcionou maior rendimento nos projetos e nos
objetivos do PETI, por conta da condição de ter mais conhecimento da “ferramenta”.
Conseqüentemente, a exploração é maior. Talvez haja necessidade de uma
proposta pedagógica diferenciada para os alunos com faixas etárias e escolarização
diferentes. Em alguns momentos, são alocados até 03 alunos por computador.
Resultados (vide comentários no site da SMEC): facilita a alfabetização.
4. Escola Municipal Amélia Rodrigues
Professora de Tecnologia: Jane Bruneli. Formada em Pedagogia. Formação
tecnológica através dos cursos de qualificação do PETI.
O laboratório é pequeno e funciona em dois espaços: cinco computadores em cada
sala, e nos três turnos.
As turmas das séries têm em torno de 40 alunos. Este ano não houve seleção para
monitores: somente 01 monitora está ajudando, como voluntária, com as turmas da
5ª e 8ª , que são menores, e os trabalhos fluem melhor. As disciplinas que mais
utilizam o laboratório são: português, ciências, arte e cultura, história.
Dificuldades: os professores resistem ao uso do laboratório. A professora infere que
seja porque as máquinas são obsoletas; a quantidade de alunos maior que a
quantidade de maquinas; os horários agendados dificultam os trabalhos, pois requer
o dobro do tempo para o(a) professor(a) esgotar o assunto, repetido a mesma aula
para cada metade da turma; o professor da sala de aula tem que se desdobrar para
198
dar atenção à turma no laboratório pois, no caso desta escola, o laboratório é
composto por duas salas separadas.
De acordo com a avaliação da professora, o uso das novas tecnologias estimula o
aprendizado; o laboratório é um diferencial para que os adolescentes tenham mais
oportunidades futuras de trabalho; os adolescentes melhoram as relações (mudaram
de comportamento) e buscam novos conhecimentos.
Integração dentro da comunidade escolar e com a comunidade em torno: os
funcionários utilizam o laboratórios para fazer serviços pessoais; e, nos finais de
semana, a escola é aberta para a comunidade.
O que se precisa melhorar, de acordo a professora é: o planejamento dos projetos
pois, às vezes, acontece chocarem-se em termos de requerimentos ao laboratório; a
manutenção das máquinas; unificar os espaços do laboratório (em uma única sala).
Outras considerações: O professor de sala não permanece no laboratório, pois tem
que ficar com a outra metade da turma, devido espaço; o projeto pedagógico é o
mesmo para todas as faixas etárias; falta infra-estrutura. As máquinas estão sendo
trocadas, para atender requisitos do novo projeto de inclusão digital da PMS.
5. “2º Encontro sobre Educação e Tecnologia” - CAPS (Pituba)
105
A palestra principal foi conduzida pelo Sr. Cláudio Silva, Assessor da Secretaria de
Educação. Para o palestrante, o uso das TIC se destaca nos processos de Tomada
de Decisão, além dos usos Administrativo e Pedagógico (também aqui, a serviço de
melhores decisões). Neste marco, o Plano de Modernização da SMEC prevê:
- Modernização central, e nas escolas – tornar a informação disponível,
imediata e confiável na Administração da SMEC, como nas próprias escolas;
- Matrícula informatizada;
- Recadastramento (escolas, alunos, professores, funcionários).
A SMEC está procedendo a uma investigação de exemplos do uso da informática
nas escolas, tomando como paradigma o Chile, com o Projeto Enlace, que atinge
9000 escolas, e tem como diretrizes:
- capacitação dos professores
105
Notas do seminário “2º Encontro sobre Educação e Tecnologia”, realizado no dia 25/10/2005, a
partir das 8:30h no CAPS (Pitua).
199
- TIC como mola propulsora da inovação.
A SMEC pretende criar uma rede para intercâmbio de experiências e de conteúdos
entre as escolas; e um Centro de Educação Tecnológica. Silva entende que:
- o voluntarismo (o voluntariado, a ação de voluntários) não é suficiente;
- os técnicos (profissionais e profissionalizados) são indispensáveis.
Os resultados efetivos dependem do aporte de recursos. Foram adquiridos mais
1.500 computadores em 2005. Pretende-se interligar todas as 360 escolas da rede.
Há uma oferta de apoio da TELEMAR, de um link de alta velocidade e de conexão
com a internet. Há também uma oferta da MicroSoft para legalizar todas as cópias
de Windows da PMS, a custo zero; e para legalizar todos os demais softwares, ao
custo de R$10,00 por cópia. O uso do software livre também está na pauta.
Para Silva, é melhor alcançar todas as escolas, mesmo com poucas máquinas, do
que garantir ótimos laboratórios, porém em poucas escolas. Mas, é preciso
desenvolver a consciência coletiva de que a revolução é feita por pessoas.
O Professor deve ser visto como um agente transformador. Não só os Professores
de Tecnologia (previstos no Projeto Pedagógico do PETI/PMS), mas todos os
professores, pois todos devem poder preparar suas aulas no computador, sem
depender do Professor de Tecnologia. Todos têm que ter autonomia tecnológica, por
isso, será necessário capacitar todos. Os Professores de Tecnologia continuam
sendo necessários, indispensáveis, para tarefas mais específicas, mais “pesadas”,
no trato com a tecnologia. Porém, o mais importante, acima de tudo, é capacitar
todos os professores.
A SMEC tem trabalhado com “pessoas devotadas”, mas isto não basta. É preciso
atingir e mobilizar todos.
4.6 PROJETO “IDENTIDADE DIGITAL”.
A SECTI - Secretaria de Tecnologia e da Inovação do Estado da Bahia inaugurou
em 2005 um programa, denominado Identidade Digital, para instalação de 200
telecentros em municípios do Estado da Bahia. Uma lista dos municípios atendidos
na primeira fase encontra-se no Anexo D. <http://www.identidadedigital.ba.gov.br>
200
Os objetivos do programa e outros dados de sua estrutura guardam semelhança
com a discussão feita acima e com os telecentros da Cidade de São Paulo. Por este
motivo, não necessitamos estender o presente tópico.
Tomando para exemplo o telecentro localizado na Ceasa/Chapada do Rio Vermelho,
encontramos o padrão de uma sala munida de computadores, dispostos em “U”.
Duas estudantes de segundo grau exercem a monitoria, atendendo
administrativamente os visitantes e prestando informações básicas. A freqüência é
gratuita. Alguns horários dão preferência a escolares, com seus trabalhos de classe.
4.7 O PROJETO CDI/EIC
O CDI – Comitê para a Democratização da Informática é uma organização não
governamental sem fins lucrativos que tem como missão institucional “promover a
inclusão social utilizando a tecnologia da informação como um instrumento para a
construção da cidadania” e, portanto, tenta suprir a carência de políticas públicas
mais sérias para inclusão digital. A entidade justifica esse esforço em favor da
informática por admitir que “a tecnologia de informação é uma das principais forças
motrizes da sociedade contemporânea”. Trata-se de um trabalho reconhecido
publicamente pela qualidade do serviço que presta.
Tomando para exemplo as EIC “Lar Fabiano de Cristo” e “Maria Mahin”, duas
escolas visitadas nas pesquisas, o quadro encontrado é basicamente o mesmo das
escolas da Prefeitura: há um laboratório, com cerca de uma dezena de máquinas;
um monitor controla o acesso e faz as vezes de instrutor. As turmas de alunos têm
horários e tempos de permanência definidos de freqüência ao laboratório.
Uma grande diferença é que na PMS é aplicado o projeto pedagógico do PETI/PMS,
que vincula totalmente o trabalho em laboratório com o currículo escolar. Nas EIC,
as aulas em laboratório seguem o projeto pedagógico do CDI que, assim, desenrola-
se paralelamente ao projeto estritamente curricular da escola.
O CDI, através das EIC, colabora com as metas nacionais de inclusão digital, como
parceiro da Sociedade Civil. Os dados da própria ONG revelam a modéstia, em
termos numéricos, desta contribuição. O Anexo E apresenta alguns dados
estatísticos, uma lista das EIC no Estado da Bahia, e um texto institucional sobre os
objetivos do CDI.
CONCLUSÃO
Os discursos da inclusão digital, no Brasil, apresentam-na como uma política pública
e um projeto social destinados a garantir o efetivo acesso e o domínio técnico das
TIC para toda a população brasileira (universalização), ao tempo em que demarrará
processos pedagógicos capazes de reforçar a autonomia do sujeito e a competência
e motivação para a participação cidadã. Tal projeto de inclusão digital universal e
autonomista-cidadã não passa de uma utopia (na acepção negativa) acalentada
pelos otimistas tecnológicos; ou, de um engodo encenado pelos exploradores das
fragilidades do imaginário social e por aqueles que se nutrem das tragédias dos
pobres.
A promessa revela-se, na teoria e na prática, impossível no Brasil de hoje. E
impossível, aliás, em qualquer sociedade capitalista contemporânea. Não tanto pela
pretensa universalidade, pendente basicamente de recursos financeiros (supostos
disponíveis nos países ricos); da vontade política dos governantes (passível de
ocorrer); e, eventualmente, do afã dos próprios “excluídos” em se deixarem, ou não,
“incluir” (variável abstraída pelos tecnólatras).
O nó indesatável ata as dimensões sócio-políticas do projeto. As sociedades
capitalistas baseiam-se na competitividade e na desigualdade, dois elementos que
se reforçam e bloqueiam qualquer projeto radicalmente democrático, segundo
denunciam diversos autores (CASTEL, 1999; POLANYI, 1999). ALTVATER (1995, p.
241), após analisar as possibilidades do desenvolvimento sustentável, concluiu que
“o sonho de um capitalismo ecológico produz monstruosidades”. Inspirados neste
postulado poderíamos dizer que a inclusão digital universal e autonomista-cidadã
sob o capitalismo não é um sonho, é um devaneio.
1. O Brasil “como ele é”, e a inclusão digital “como vem sendo”.
Entre nós, fatores específicos dificultam tal projeto: a extensão geográfica e a
extensão demográfica do país agravam os custos financeiros, administrativos e
humanos de levar a inclusão “a todos” e “a todo lugar”.
202
Quanto às possibilidades político-sociológicas de uma ação em larga escala em
favor da autonomia dos sujeitos e de sua “formação” para a participação cidadã,
agregando competência e motivação, estas encontram barreiras na inapetência
nacional para com a radicalidade democrática (vide item 3.5). A sociedade brasileira,
mormente por seus estratos hegemônicos, tem sido retratada como preconceituosa,
autoritária e patrimonialista – apesar da aparente tolerância – por autores como
Freyre (1998), Holanda (1995), Santos (1999), Ianni (2004). Mais recentemente, um
governador de estado fez um grave pronunciamento neste sentido (Lembo, 2006).
Aliás, o projeto em foco traz a marca genética da heteronomia, forjado que foi, não
nas trincheiras dos “excluídos digitais”, mas nos gabinetes alcandorados do Estado
e do Mercado. Esta falha genética tende a comprometer seu potencial autonomista-
cidadão (embora devamos lembrar que muitas políticas públicas ditas “necessárias”
para a população são de corte autoritário, como a vacinação e outras medidas
sanitárias, e a própria educação universal).
Ademais, o Brasil lidera o ranking da desigualdade social na América Latina, em
termos de concentração de renda e ocupa modesta posição no índice global de
acessos à rede ou aos computadores (capítulo 1).
Apesar disto, a inclusão digital no Brasil é uma realidade em progresso. Não há
nisso contradição, mas uma redefinição dos termos do discurso: o que está sendo
praticado no Brasil é uma “inclusão a conta-gotas”, muito distante da
universalização; e uma “inclusão heterônoma” que, no caso geral, pouco acrescenta
ao sujeito em termos de autonomia ou cidadania, senão como simulacro. Este
processo atinge resultados satisfatórios em um número limitado de casos
individuais, então apresentados como “casos de sucesso”.
O que nossa pesquisa do campo revelou foi: escolas pobremente equipadas,
permitindo um contato muito reduzido do aluno com o laboratório (capítulo 4). Falta
manutenção. Faltam professores (suficientemente treinados; e, se forem
considerados os baixos níveis salariais, será possível entender alguma eventual falta
de motivação). Parece faltar vontade política.
Embora considerado modelar, o projeto PETI/PMS depende em grande parte do
voluntarismo e idealismo da equipe fundadora, como relatado no Capítulo 4. Um
indicativo de que não se trata de uma diretriz consolidada foi a decisão burocrática
203
da troca do logotipo do PETI, desconsiderando a participação dos alunos em sua
criação. E, também, a pretensão de alterar uma das linhas mestras do projeto – a
formação contínua do Professor de Tecnologia – sem consulta à base docente,
conforme discurso de um assessor da SMEC (Tópico 4.5.1, itens “c” e “5.5”).
No plano da SCO, as unidades EIC visitadas repetem o quadro da escola municipal,
mutatis mutandis. Há muito voluntarismo e o tecnicismo se sobrepõe ao
construtivismo. Em termos numéricos, o CDI estima formar 2000 alunos por ano, no
Estado da Bahia.
Não pretendemos desmerecer o trabalho do PETI/PMS ou das EIC; ao contrário,
cabe valorizá-lo. Apenas insistimos que seus horizontes quantitativos e pretensões
“construtivistas” devem ser rebaixados a suas exatas dimensões.
2. A “inclusão digital possível”
Assim, está posta em questão a hipótese da inclusão digital universal-cidadã.
Contudo, um projeto mais “honesto” precisa ser tocado: são os contornos desta
“inclusão possível” que examinamos a seguir. Nos dias correntes, no Brasil, a
“inclusão digital possível” (e, justo por que possível, realisticamente desejável)
apresenta duas vertentes:
a) a informatização da escola pública, que deve ter caráter universal (e não
precisa ser chamada de “inclusão digital”, embora tenha este efeito a médio e
longo prazo. Seria, assim, uma política preventiva);
b) a inclusão digital tout court para as populações alvo não freqüentadoras das
escolas conectadas (ações amplas, mas sem caráter “universal”).
Para prosseguir, consideremos o esquema da Figura 3.
Os autores ressaltam as ligações do Desenvolvimento Tecnológico Nacional com a
“competitividade” e a “globalização”. O tema é candente, e sem seu enfrentamento
não será possível um projeto ambicioso de inserção nacional no “mundo digital”.
Mas, não está no foco da nossa tese, não tendo sido discutido.
Não discutimos, tampouco, as “Mudanças Estruturais”, título escolhido para uma
referência ao estudo dos efeitos das TIC no cotidiano, desde uma visão do coletivo.
Tal estudo deve enfrentar os desafios do Governo Eletrônico e da Cidade Digital,
entre outros. Queremos, apenas, reiterar que um projeto amplo de inclusão digital
não pode passar ao largo destas questões.
204
Figura 4. Contexto e dimensões da inclusão digital (elaboração própria).
Consideremos, agora, as “Mudanças no Mundo da Vida (viés individual)”. Trata-se
dos “impactos” das TIC na vida pessoal, individual, a que já fizemos algumas
referências. Este assunto pode ser abordado em (pelo menos) dois focos: o das
redes cívicas, no qual são consideradas as ações de usuários da rede, portanto, de
pessoas que já sabem usar o computador (cf. HAMILTON, 2006); e o da inclusão
digital, que trata do preparo das pessoas para obterem benefícios de ordem
estritamente pessoal, a partir de uma alfabetização digital induzida e, depois -
certamente - participarem das redes cívicas, das mudanças estruturais, e do próprio
desenvolvimento tecnológico nacional.
Atingido o tema fulcro desta tese, concluímos que o projeto deve ser bifurcado,
claramente, entre um público escolar freqüentador de “escolas conectadas”, e o
restante da população sem recursos materiais pessoais para a auto-inclusão. Para
os primeiros, o processo toma o caráter da “informática na educação” (capítulo 4). A
inclusão digital tout court aplica-se, então, aos “incluendos” (representados na caixa
“outros indivíduos”).
Consideramos que o entendimento desta estratificação constitui um grande passo e,
com ele, teremos atingido um resultado interessante em nossa pesquisa.
O diagrama da estrutura piramidal lembra que o grosso do esforço aplica-se,
naturalmente, a ações de Alfabetização Digital ou primeiro contato. A ação exige o
acesso assistido. Depois disto, o incluído poderá usar os recursos de modo próprio
Política Nacional para a
“Sociedade da Informação”
Desenvolvimento
Tecnológico Nacional
Mudanças no Mundo da Vida
(viés individual)
Mudanças
estruturais
Inclusão
digital
Redes
cívicas
Escolares das
escolas conectadas
Outros indivíduos
(“incluendos”)
Questão
instrumental
Questão
construtivista
Questão
instrumental
Questão
construtivista
205
(fase da “manutenção”): necessitará então de garantia de acesso mas,
normalmente, não requererá assistência. Por último, as ações de “especialização”
visarão aprofundar o conhecimento e/ou desenvolver novas competências. Neste
caso, deverá haver pautas de ofertas diferenciadas, e atendimento sob demanda.
Figura 5. Estrutura piramidal da inclusão digital tout court (elaboração própria).
O projeto deverá encarar a questão dos degraus etários e demográficos. Admitindo
como ponto de partida o início do ensino fundamental, a inclusão digital por meio da
escola pública se estenderá a um contingente populacional distribuído entre 7 e 17
anos (desconsiderados os precoces e os retardatários).
Outra estratificação consiste em distinguir, por um lado, a questão técnica, isto é, as
decisões sobre máquinas, softwares, instalações, conexões, e outros detalhes, com
que devem ser equipados os telecentros e laboratórios, e como operar e manter
tudo isto (ponto de vista técnico/instrumental). E, ainda, como adequar os recursos
aos objetivos autonomistas-cidadãos (ponto de vista técnico/construtivista).
Figura 6. Aspectos do projeto de inclusão digital (elaboração própria).
Plano instrumental Plano construtivista
Questão técnica (1) (2)
Questão pedagógica (3) (4)
O “plano instrumental” reflete as preocupações técnicas com a eficiência em termos
de custo, minimização de falhas, etc.; e, em termos pedagógicos, com a eficácia dos
Espec.
Manutenção
Alfabetização digital
206
processos de ensinar a usar os recursos com fins instrumentais e também, decidir o
que vai ser ensinado, e como, isto é, produzir e por em prática “bons” projetos
didático-pedagógicos. O “plano construtivista” trata da preocupação de fazer do
projeto da inclusão digital um momento de reforço da autonomia do sujeito e do seu
compromisso com a cidadania. Do lado da técnica, implica na escolha de
ferramentas que potencializem este momento; do lado pedagógico, em adequar a
atividade pedagógica a estes fins.
3. Duas visões polares da inclusão digital.
Para muitas pessoas o aprendizado do computador só é importante para a
profissionalização da população, numa visão restrita do significado social da
tecnologia. Sem dúvida, a formação digital básica vem ganhando importância no
plano da profissionalização. Mas, esta visão implica uma Inclusão Digital "restrita" ou
“subordinante”, na qual a utilização proficiente dos recursos das TIC visa uma
inserção essencialmente passiva nas órbitas do consumo e/ou do trabalho
subalternos. Prioriza o adestramento dos cidadãos para operar computadores e
softwares aplicativos de uso comum, para acessar serviços governamentais e para
navegar na rede na qualidade de "leitor" ou "consumidor". O “incluído” digital, neste
caso, guarda analogia com o operário “adestrado” para dirigir um trator, operar uma
máquina. Ele apenas melhora sua empregabilidade e suas possibilidades de
permanecer incluído na estrutura (do mercado de trabalho) numa posição
subalterna. O sistema inclui o trabalhador, para poder continuar explorando-o
(embora isto pareça ser melhor que permanecer “excluído”, isto é, desempregado).
A Inclusão Digital "ampliada" ou “autonomista” leva à idéia de uso instrumental das
TIC por um sujeito que age com objetivos autônomos, superando objetivos
utilitaristas, para incorporar o fator 'finalidade'. Trata-se de uma visão libertária, isto
é, universalizar o uso dos recursos das TIC para alavancar a aprendizagem contínua
e autônoma, fomentar o exercício da cidadania, dar voz aos setores e comunidades
normalmente não têm acesso à grande mídia. A inclusão digital articula-se com
outras questões críticas, como a capacitação para o exercício da cidadania ativa e a
inserção do sujeito na esfera pública como interlocutor e não apenas como receptor
e/ou "sujeito de direitos".
207
O conceito de Alfabetização Digital tece uma analogia entre o analfabetismo e a
ausência de domínio das TIC. A visão ampliada, o processo de alfabetização agrega
à competência para a leitura a capacidade de produzir informação, e não apenas
consumir. Inclusão social implica alfabetização e, agora, a alfabetização digital.
O acesso à comunicação em rede é a nova face da liberdade de acesso à
informação. Todo cidadão e cidadã deve ter acesso ao “correio eletrônico”, útil tanto
para fins econômicos, políticos e sociais, como para manifestações de afeto. Todo o
cidadão ou cidadã deve ter o direito de acesso às informações e serviços
governamentais, cada vez presentes na Internet. O direito a se comunicar,
armazenar e a processar informações velozmente, deve independer da condição
social, capacidade física, visual, auditiva, gênero, idade, raça, ideologia e religião.
Isto deve incluir o direito das crianças pobres de utilizarem as tecnologias para
exercerem a dimensão lúdica da infância; das mulheres obterem todos os benefícios
da sociedade informacional; dos deficientes se comunicarem em um mundo cada
vez mais conectado.
Sem desqualificar ações em relação à população como um todo, a "inclusão digital"
foca os excluídos socialmente, pois este esforço não tem sentido para os segmentos
da população que, por meios próprios, já têm domínio das TIC.
4. Alternativas de pontos de acesso
Os telecentros públicos e assemelhados (mantidos e geridos pelo governo), dotados
de monitores e instrutores, podem ser utilizados para a alfabetização digital; ou,
simplesmente, para propiciar o acesso não assistido (sem o ensino de coisas
novas), que estamos chamando de “manutenção”; e, para ações de
“especialização”, isto é, a oferta de cursos profissionalizantes, e outros.
Os telecentros comunitários e assemelhados (como os da Ilha do Mel - capítulo 4),
podem funcionar no mesmo esquema tríplice de uso. Neste caso, a especialização
deve ser escolhida e conduzida pela comunidade: o governo só apóia, não
direciona.
A expressão “assemelhados” visa assimilar aos telecentros os pontos de acesso
oferecidos em bibliotecas, estações, e outros. Sua participação no processo não
difere das dos telecentros, a não ser por meros detalhes. Os telecentros públicos e
208
comunitários (e assemelhados) dificilmente serão suficientes para a cobertura ampla
da população (e nem sequer mencionamos universalização). Desta forma, novos
procedimentos, e recursos, devem ser buscados para aumentar o número de pontos
de acesso. Esta discussão foi apresentada no texto sobre a Ilha do Mel.
Como já feito em outros casos, o governo deve buscar apoio na sociedade civil e no
mercado. Santos (2001) analisa o uso do “gerencialismo” na Administração Pública
e relata como, em certas situações, o governo usou as “forças do mercado” para
atingir objetivos na esfera pública. Um caso exemplar foi a “lei do casco”, em Nova
Iorque: a Prefeitura impôs uma taxa de US$0,05 por garrafa de bebida vendida, e
passou a pagar este valor por casco recolhido à Prefeitura, com grande retorno em
termos de limpeza das ruas, redução de acidentes com cacos de vidro, e outros.
O Estado deverá encontrar formas de parceria com os “locutórios” (ou “cyber-cafés”,
hoje chamados de “lan-houses”), para oferta de pontos de acessos a usuários de
baixa renda. Estes teriam o acesso subsidiado de alguma forma; os locutórios teriam
aumento de receita, incentivando sua proliferação. A sugestão encontra paralelo em
políticas distributivistas como a bolsa-escola, o “vale-transporte”, e similares. O
incentivo pode vir por meio de renúncia fiscal, financiamento de computadores para
locutórios sob acordo de atendimento à baixa renda, etc. Não queremos avançar a
proposta de um mecanismo (já apelidado, por colegas, de “vale-internet”, ): apenas,
insistir na necessidade do Estado incentivar a proliferação de pontos-de-acesso
privados para acesso barato, talvez subsidiado, da população pobre.
5. Software livre
Nossa conclusão é pela necessidade, interesse e importância da manutenção da
política governamental de apoio ao software livre. Os argumentos neste sentido
foram apresentados anteriormente e não os retomaremos aqui.
5. Micro de baixo custo.
Uma taxa mais alta de IDD – Inclusão Digital Doméstica, ou posse doméstica do
computador - facilitará em muitos aspectos os projetos em discussão, e esta taxa é
sensível ao barateamento dos equipamentos. Quanto ao projeto OLPC – “One
209
Laptop per Children” - ainda sobram dúvidas sobre sua (im)propriedade. Não
desejamos avançar uma conclusão neste momento.
6. Estrutura oficial (de Estado) para manter este projeto
Dadas as complexidades do projeto, uma adequada estrutura oficial precisaria ser
montada para tocá-lo. Suas funções envolvem várias áreas de ação, ligadas à
ciência e tecnologia, desenvolvimento industrial, educação e cultura, mas também
justiça, segurança, e outras. Seria talvez necessário um órgão com representação
multi-ministerial, além da sociedade civil e do mercado. Um fórum amplo dificulta o
processo decisório; um órgão especializado estreita a visão do problema. Sem
condições de fazer uma indicação concreta, deixamos aberta a questão.
Concluindo:
- as promessas de uma inclusão digital universal autonomista-cidadã não fazem
parte dos horizontes da década;
- a informatização da escola pública é o caminho mais apropriado para uma
universalização a médio prazo. Defendemos a urgente implantação de laboratórios
de informática em todas as escolas, e conectá-las à rede informacional. Porém, isto
atende apenas a criança e o adolescente, alunos destas escolas;
- os adultos pobres e os menores que estão fora destas redes de ensino conectadas
continuariam carentes, assim, ações complementares devem ser mantidas para
atendê-los. O acesso às TIC (destes segmentos) deve ser facilitado através dos
telecentros mas, também, procurando-se uma solução que envolva o mercado, para
ganhar uma escala que os recursos públicos não prometem alcançar;
- o desenvolvimento de competência digital para o país como um todo, deve ser um
projeto à parte da inclusão digital e ocorre num patamar tecnológico específico, mais
elevado. Há urgência destas providências.
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ONU/DESA. “Situação Social Mundial: o predicamento desigual (relatório 2005)”.
<http://www.un.org/spanish/News/>, acesso em 26/08/2005.
ONU/WSIS – Notas das conferências de 2003 e 2005. <www.un.org>. Em 12/12/2005.
RIBEIRO, Gustavo Lins. “Cultura, direitos humanos e poder”. Brasília, 2003.
<www.unb.br/ics/dan/Serie340empdf.pdf>. Acesso em 12/12/2005.
Sí–DERBERG, Johan. “Copyleft vs. copyright: a marxist critique”. In: First Monday, volume
7, number 3, março, 2002. <http://firstmonday.org/issues/issue7_3/soderberg/index.html>
SILVEIRA, Sérgio A. “Inclusão Digital, Software Livre e Globalização Contra-Hegemônica”.
<www.cgee.org.br/cncti3/Documentos/Seminariosartigos/Inclusaosocial/ DrSergio
Amadeu da Silveira.pdf.>. Acesso em outubro/2005.
STANLEY, J. Woody & WEARE, Cristopher. The Effects Of Internet Use On Political
Participation: Evidence From an Agency Online Discussion Fórum. Thousand Oaks (CA):
SAGE publications, 2004. Acesso em <www.scholar.google.com> em 20/11/2005.
VALENTE, José Armando. “Diferentes Usos do Computador na Educação” (Campinas,
1999). Disponível em < http://www.proinfo.gov.br/index.php. >. Acesso em 21/07/2005.
SITES CONSULTADOS (alguns dos):
216
Aprende Brasil: www.aprendebrasil.com.br.
Comitê Gestor da Internet Brasil - www.cg.org.br
CDI São Paulo - www.cdisp.org.br
Cúpula da Sociedade da Informação: www.wsis.org
FGV (Fundação Getúlio Vargas): www.fgv.br
Free Software Foundation: www.fsf.org
IBGE: www.ibge.gov.br
IBOPE: www.ibope.com.br
Internet Rights Fórum: www.foruminternet.org
Ministério da Ciência e Tecnologia - www.mct.gov.br
Ministério da Educação e Cultura - www.mec.gov.br
NIC.br: www.nic.br/indicadores/
ONU: ww.un.org/spanish/News/, acesso em 26/08/2005.
PROINFO: www.proinfo.mec.gov.br.
RITS (Rede de Informações do Terceiro Setor): www.rits.org.br
Sampa.org: www.sampa.org
Somos@Telecentros: http://www.tele-centros.org/
Telecentros da Prefeitura Municipal de São Paulo: www.telecentros.sp.gov.br
217
Anexo A - Programa De Informática Da Educação Do Município De Salvador
O analfabeto do futuro será aquele que não souber ler as imagens geradas
pelos meios eletrônicos de comunicação. Nelson Pretto.
[Texto apresentado pela Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) - Secretaria
Municipal de Educação e Cultura (SMEC) - Coordenadoria de Ensino e Apoio
Pedagógico (CENAP) - Núcleo de Educação e Tecnologia (NET) e relativas ao NTE-
17 – Salvador].
Ao longo dos últimos anos, os processos educacionais têm sido alvo de inúmeras
pesquisas e estudos, que apontam diferentes ordens de problemas, como os altos
índices de evasão, repetências, desqualificação do docente, currículos ou grades
curriculares ineficientes, distantes da realidade docente/discente, desconectados do
trabalho e do cotidiano dos sujeitos envolvidos no processo pedagógico.
Assim como a literatura educacional sinalizou algumas possíveis saídas, alegou
também a impossibilidade de mudança através das teorias reprodutivas; a escola
reivindicou para si o status de única instância através da qual seria possível
ascender aos diferentes patamares da vida econômica e social, influenciada, no
Brasil, pelos discursos do otimismo pedagógico. Enfim, diferentes teorias lançaram
diferentes olhares sobre os problemas que ainda hoje afligem o sistema educacional
brasileiro.
A partir das duas últimas décadas do Século XX, as polemicas que atravessam o
processo de ensino-aprendizagem foram avivadas com a introdução de elementos
tecnológicos (TV, vídeo e antena parabólica) visando articular a escola às
transformações da sociedade contemporânea, objetivando, inclusive, o repensar dos
processos educacionais, do papel da escola, do professor e do aluno, face às novas
demandas que se impunham à escola na formação e profissionalização de seus
sujeitos.
Mais recentemente, as políticas públicas para a educação no Brasil deram ênfase ao
Programa de Informatização das escolas públicas, criando um verdadeiro alvoroço
nas cabeças dos alunos, professores, diretores e em alguns segmentos mais
conservadores da sociedade estimulando, em uns, o ceticismo e, em outros, a fé
nas possibilidades trazidas pela presença desses elementos tecnológicos –
computadores conectados à grande teia mundial, a internet – na escola.
Acreditamos nas amplas possibilidades que o uso dos computadores conectados à
internet e inseridos no ambiente de aprendizagem pode significar para novas
218
reflexões sobre os espaços tradicionais de transmissão do conhecimento,
proporcionando aos alunos, professores e, mais especificamente, a comunidades de
baixa renda, público privilegiado desse projeto, a interação, apropriação e o
conhecimento dessas tecnologias como novos espaços de construção produção do
Programa Nacional de Informática na Educação - PROINFO.
A Rede Municipal de Ensino de Salvador busca as possibilidades de, mais do que
instrumentalizar para possível inserção no mercado de trabalho de uma sociedade já
digitalizada, favorecer os processos de aprendizagem estimulados a partir de novas
estratégias, novas metodologias, que contemplem não apenas os aspectos
cognitivos, mas o desenvolvimento de uma compreensão mais ética e estética do
mundo em que vivemos, propiciando a construção de novas ecologias cognitivas,
novos ambientes em que se respeite a diversidade, a solidariedade e as diferenças,
como linhas mestras do processo de ensinar/aprender a aprender.
JUSTIFICATIVA
O Núcleo de Educação e Tecnologia (NET) da Secretaria Municipal de Educação e
Cultura (SMEC) emerge mediante a necessidade premente de ampliar as atividades
do Projeto Internet nas Escolas (PIE) iniciado no ano de 1995, passando a trilhar
outros caminhos em busca da efetiva articulação das tecnologias intelectuais com a
prática pedagógica.
No Brasil, os suportes informáticos passam a fazer parte do cotidiano escolar a partir
da década de 1980, quando o Ministério da Educação (MEC) propõe os projetos
EDUCOM (1983), e o Programa Nacional de Informática (PRONINFE, 1989),
destinados à introdução da informática na educação, criando Núcleos de Informática
Educativa em vários estados brasileiros, com o objetivo de desenvolver um
programa para formação de professores, possibilitando a articulação da informática
com a pratica pedagógica (Moraes, 1993). Essa finalidade é resgatada na década de
1990 quando o MEC ratifica seu desejo de trazer para a escola os elementos
tecnológicos, através do Programa TV escola, e em outubro de 1996, com o
PROINFO.
Paralelamente a essas iniciativas do MEC, as instituições privadas e as instâncias
estaduais e municipais deram início à caminhada em busca da articulação entre os
elementos tecnológicos e a pratica pedagógica. É dentro deste contexto histórico
219
que surgiu o Projeto Internet nas Escolas – PIE – financiado e estruturado pela Rede
Municipal de Ensino de Salvador, com o objetivo inicial de disseminar os recursos da
telemática em 25 escolas.
Em 1998, com a chegada do PROINFO objetivando beneficiar 35 unidades
escolares da rede municipal com laboratórios de informática, o NET foi reconhecido
pelo MEC como um NTE, por já estar desenvolvendo nas escolas municipais de
Salvador um projeto pedagógico referente às novas tecnologias (o PIE). Em 1999,
14 escolas municipais receberam laboratórios do PROINFO e a SMEC ampliou suas
instalações, com toda a infra-estrutura adequada para receber estes equipamentos.
Surge então o PETI - Projeto de Educação e Tecnologias Inteligentes.
Em 2001 a SMEC foi contemplada com 16 computadores, 3 impressoras e 1
scanner, e o NET passou a ser conhecido como NTE-17/Salvador, localizado no
EFPP/CAPS-Pituba (Espaço de Formação Permanente do Professor, do Centro de
Aperfeiçoamento de Professores de Salvador). O NTE-17/Salvador passou a ter
autonomia de coordenar as escolas da rede municipal de ensino, no que se refere
ao PROINFO, obedecendo as diretrizes do MEC. Em 2002 mais 3 escolas
municipais foram contempladas com laboratórios doados pelo PROINFO.
A parceria com pesquisadores e professores das universidades públicas (UFBA e
UNEB) foi fundamental (considerando que neste espaço vem se discutindo e
produzindo novos saberes em torno da articulação entre as novas tecnologias e a
educação) para implementar a cultura tecnológica na rede municipal de ensino,
contribuindo de forma efetiva para a formação de nossos professores e
conseqüentemente a melhoria significativa do processo ensino/aprendizagem.
Destacamos também o incentivo dos professores Nelson Pretto e Lea Fagundes e,
mais recentemente, do CENPEC, que nos estimulam a prosseguir nossa caminhada
em busca da concretização do desafio de articular a proposta pedagógica aos
elementos tecnológicos na rede municipal de ensino.
220
Diretrizes para Utilização da Tecnologia nas Escolas da RME/PMS
1. Formação de Professores
O fazer técnico-pedagógico dos profissionais que fazem parte do programa de
informática constitui-se do imbricamento teoria/prática e promoverá situações de
construção/reconstrução permanente dos saberes dos professores envolvidos na
proposta de trabalho. Prioritariamente, a metodologia visa promover a intimidade do
professor com a cultura tecnológica, a partir da qual outros elementos serão
compreendidos mais facilmente, sem medos, rompendo assim a tecnofobia que
permeia o universo dos educadores. Será constantemente discutido o referencial
teórico que norteia a prática pedagógica, focando as relações e conexões com o dia-
a-dia do projeto e principalmente com o objeto de estudo de cada área,
possibilitando, assim, maior compreensão por parte dos professores das múltiplas
potencialidades dos elementos tecnológicos com suas áreas de conhecimento.
Com a chegada dos computadores nas escolas, inicialmente todos os professores
são treinados pela PRODASAL (Companhia de Processamento de Dados da
Prefeitura do Salvador) com o objetivo de interagirem com os suportes tecnológicos,
a fim de que possam posteriormente estabelecer relações com a prática pedagógica
nas suas áreas de conhecimento. Após o treinamento, os professores das diversas
áreas de conhecimento que atuam como regentes com 20 horas, participam do
Curso de Educação e Tecnologia (mais 20 horas) para atuarem como professores
de tecnologia. Esse curso forma os professores, objetivando desenvolver novos
caminhos para o processo de construção do conhecimento, encarando as
tecnologias intelectuais como elementos mediadores deste processo, levando os
professores a repensarem a sua prática pedagógica, mediante a interação com as
tecnologias da inteligência (vide Atribuições Professor de Tecnologia, em anexo).
O NET acompanha e supervisiona o trabalho nas escolas, através das reuniões do
Grupo de Estudo Permanente – GEP. Pensamos a formação do professor como
algo contínuo, que deve ser constantemente alimentado, já que o acompanhamento
na escola não dá conta da parte tecnológica. A proposta de trabalho do NET está
embasada nas idéias de Lévy e, em especial, de Vigotsky, que vêem a construção
do conhecimento como um processo contínuo de construção/desconstrução, no qual
o sujeito transforma e é transformado pelo objeto do conhecimento.
221
2. Nas Escolas
Os professores e alunos são orientados a desenvolver atividades pedagógicas,
articulando os conceitos teóricos das disciplinas com os suportes tecnológicos. Os
professores podem, também, juntamente com os alunos, construir home-pages,
slides, textos, jogos e, inclusive, marcar sessão de bate-papo para discutir uma
temática, sempre dentro do seu planejamento. Nas escolas há três professores de
tecnologia (um por turno) que têm a missão de sensibilizar, seduzir e orientar
professores e alunos para interagirem com os suportes tecnológicos (TV, vídeo,
computador), em especial o Laboratório de Tecnologia. Além dos professores de
tecnologia, há estudantes monitores que também são treinados pela PRODASAL e
auxiliam aos professores nos laboratório (vide Atribuições do Monitor).
O espaço do laboratório é considerado como sala de aula e deve ter ocupação de
100% do tempo, por orientação do PROINFO. Professores e alunos do ensino
fundamental utilizam este espaço para desenvolver a proposta pedagógica da
SMEC, articulada com o documento “Escola, Arte e Alegria”, nas diferentes áreas do
conhecimento, de acordo com o “Plano de Ensino em Educação e Tecnologia”. Os
computadores não serão usados para fins administrativos nos horários de aulas.
O Professor é visto como elemento mediador do processo ensino-apendizagem e o
aluno como sujeito ativo. A temática será, sempre, educação, comunicação e
tecnologia. O objetivo é estimular o processo de ensino-apendizagem em ambiente
interativo, contribuindo para a produção e socialização do conhecimento e da cultura.
3. Ações do NET (NTE-17/ Salvador)
PIE - Projeto Internet nas Escolas
PETI - Projeto de Educação e Tecnologias Inteligentes
Curso de Educação e Tecnologia
Oficinas Pedagógicas de Educação e Tecnologia
Projeto de Tecnologias Inteligentes na Educação Especial
Acompanhamento Pedagógico aos Projetos da Categoria de Comunicação e
Novas Tecnologias (Fórum de Parceiros)
222
4. Atribuições do Professor de Tecnologia
01- Levantar as necessidades da escola em infra-estrutura, aspectos técnicos e
pedagógicos no que se refere às atividades do Laboratório de Tecnologia.
02- Planejar, executar, acompanhar e avaliar as ações e eventos relacionados com
a temática Educação e Tecnologias Intelectuais na escola e em apresentações
externas.
03- Articular a proposta pedagógica da rede municipal com os elementos
tecnológicos, buscando estratégias de ação eficazes para o processo de ensino-
apendizagem, subsidiando assim a prática dos demais professores.
04- Elaborar projeto, materiais didáticos e relatórios.
05- Acompanhar as atividades desenvolvidas via Internet (projetos virtuais e listas de
discussão).
06- Participar das atividades desenvolvidas pela escola (semana pedagógica,
jornadas, reuniões, A.C., etc.), no seu turno de trabalho, envolvendo-se com o
Projeto Pedagógico da Escola.
07- Freqüentar regularmente a escola, cumprindo suas atividades com assiduidade
e pontualidade.
08- Desenvolver, com eficácia, trabalhos com alunos e professores envolvendo os
suportes tecnológicos.
09- Estabelecer um bom relacionamento com a comunidade escolar.
10- Apresentar taxa de ocupação do laboratório de 100%.
5. Atribuições do Coordenador Pedagógico
01- Atualizar os professores de tecnologia acerca das atividades e conteúdos
desenvolvidos pelas diversas disciplinas, possibilitando assim a articulação entre as
áreas de conhecimento e os suportes tecnológicos.
02- Supervisionar, junto com a direção da escola, o trabalho realizado no Laboratório
de Tecnologia, às quartas-feiras (dia do Grupo de Estudo) e no dia de folga do
professor de tecnologia (5ª a 8ª).
6. Atribuições e Responsabilidades do Monitor
O Monitor é um(a) aluno(a) escolhido(a) pelo professor do PETI para ajudar nas
atividades do projeto, orientando alunos e professores na utilização dos aplicativos e
navegação na Internet. Este aluno tem a responsabilidade de estar na escola
durante pelo menos três vezes na semana, no turno oposto ao de suas aulas,
principalmente nas quartas-feiras, quando os professores do projeto estão na
reunião do grupo de estudo e lhe compete:
223
01- ser assíduo e pontual, isto é, não faltar nem chegar atrasado. Caso precise
faltar, comunicar antecipadamente ao professor de tecnologia;
02- zelar pelos equipamentos – isto é, ter cuidado com os computadores, evitando
que as pessoas entrem com comida e/ou bebida no laboratório;
03- Passar sempre o anti-virus e atualizar o mesmo;
04- Criar banco de dados com sites interessantes nas diversas áreas da educação;
05- Desligar o estabilizador e o computador sempre que acabar as atividades;
06- Cobrir os equipamentos com suas respectivas capas;
07- Manter os equipamentos sempre limpos;
08- Fiscalizar as assinaturas nos registros de visitas;
09- Atender gentilmente os professores e alunos que precisarem de ajuda com o
micro;
10- Evitar brincadeiras no laboratório, comportando-se com seriedade e
responsabilidade no decorrer das atividades;
11- Freqüentar assiduamente seu turno de estudo na escola para não haver prejuízo
no seu desempenho escolar.
224
ANEXO B - PLANO DE ENSINO do PETI/PMS – Educação e Tecnologia
Habilidades Aplicativos Situação Didática Áreas do
Conhecimento
Lê e escreve, mediado
pelos suportes
tecnológicos
Word
Internet Explorer
Front Page
Power Point
Visitas e pesqusas a sites na
Internet; Produção de textos
diversos (poesias, bilhetes, e-
mails); participação em chats.
Língua Portuguesa,
Língua Estrangeira,
História, Geografia,
Ciências
Constrói os conceitos
lógicos-matemáticos de
classificação, seriação,
inclusão e construção
usando jogos eletrônicos e
tabelas
Word (construção
de tabelas) e
Jogos Eletrônicos
(Memória,
Paciência)
Construção de tabelas utilizando
dados obtidos em atividades das
diversas áreas do conhecimento,
dando ênfase a Matemática e
Ciências e interação com jogos
eletrônicos
Matemática e
Ciências
Lê, canta e acompanha a
letra da música, ajudando
na construção da base
alfabética através da
atividade lúdica
Internet Explorer
(site “Cante”) e
Paintbrush
Visita ao site “Cante” a partir de
uma música trabalhada em sala
para depois ouvir, cantar e
acompanha-la no computador
Língua Portuguesa
Música
Desenvolve a acuidade
visual e auditiva através
de músicas e re-elabora o
conhecimento adquirido
Internet Explorer
(site “Cante”) e
Paintbrush
Visita ao site “Cante” para ouvir e
acompanhar a música.
Criação de desenhos no
Paintbrush a partir da música
Língua Portuguesa
Artes Plásticas
Música
Desenvolve a inteligência
sensório-motora e a
criatividade através da
interação com o
Paintbrush
Paintbrush Criação de desenhos no
Paintbrush a partir de situações
trabalhadas nas diversas áreas
do conhecimento
Todas as áreas do
conhecimento
Consegue analisar e
sintetizar mediante a
realização de pesquisa na
Web, construindo seu
próprio texto.
Internet Explorer Pesqisa em conteúdos das
diversas disciplinas em sites da
Internet para produção de seus
próprios textos
Todas as áreas do
conhecimento
Demonstra pensamento
reversível, isto é,
classificando, incluindo,
seriando, organizando
informações sobre
determinada temática
Word
Front Page
Power Point
Construção de páginas da Web
de acordo com o eixo temático da
escola (sites e Home Page)
Todas as áreas do
conhecimento
Sistematiza as
informações obtidas
durante atividades
realizadas, desenvolvendo
as habilidades de leitura e
escrita, organização
espaço -temporal, análise
e síntese
Word
Front Page
Power Point
Construção de jogos educativos
baseados nos conteúdos
estudados
Todas as áreas do
conhecimento
Interpreta e analisa textos
informativos, construindo
resenhas críticas
Word
Internet Explorer
Pesquisa na Internet, leitura de
revistas e jornais e posterior
construção de textos.
Todas as áreas do
conhecimento
Recursos Computadores multimídia com acesso à Internet, sistema operacional Windows e de
aplicativos como Word, Internet Explorer, Front Page, Power Point, Paint, Front Page
Avaliação A avaliação será processual a partir da observação direta da interação dos alunos com os
suportes tecnológicos, o desenvolvimento das diversas atividades, bem como a produção
dos mesmos registrando o perfil de cada aluno e/ou turma na ficha própria.
Fonte: NET/CENAP/SMEC/PMS
225
ANEXO C – FORMULÁRIO de entrevista de professores da PMS.
226
ANEXO D - PROJETO IDENTIDADE DIGITAL - 1ª Etapa (113 Infocentros)
Município Região Geográfica QTD Município Região Geográfica QTD
Alagoinhas
Litoral Norte 2
Itamarajú
Extremo Sul 1
Amélia Rodrigues
Paraguaçu 1
Itaparica
Metropolitana de Salvador 2
América Dourada
Irecê 1
Itapetinga
Sudoeste 2
Barra
Médio São Francisco 1
Jacobina
Piemonte da Diamantina 3
Barreiras
Oeste 3
Jaguaquara
Sudoeste 1
Bom Jesus da Lapa
Médio São Francisco 1
Jequié
Sudoeste 4
Brumado
Serra Geral 1
Juazeiro
Baixo Médio São Francisco 3
Buritirama
Médio São Francisco 1
Jussarí
Litoral Sul 1
Caetité
Serra Geral 1
Lauro de Freitas
Metropolitana de Salvador 3
Camaçari
Metropolitana de Salvador 4
Medeiros Neto
Extremo Sul 1
Campo Formoso
Piemonte da Diamantina 2
Paramirim
Chapada Diamantina 1
Canavieiras
Litoral Sul 1
Paulo Afonso
Nordeste 2
Candeias
Metropolitana de Salvador 1
Ribeira do Pombal
Nordeste 1
Coribe
Oeste 1
Salvador
Metropolitana de Salvador 25
Cruz das Almas
Reconcavo Sul 1
Sta. Maria da Vitória
Oeste 1
Dias D'Ávila
Metropolitana de Salvador 1
Santo Amaro
Reconcavo Sul 1
Euclides da Cunha
Nordeste 1
S. Antônio de Jesus
Reconcavo Sul 3
Eunápolis
Extremo Sul 2
Santo Estevão
Paraguaçu 1
Feira de Santana
Paraguaçu 3
São Félix
Reconcavo Sul 1
Guanambí
Serra Geral 2
Seabra
Chapada Diamantina 1
Ibotirama
Médio São Francisco 1
Senhor do Bonfim
Piemonte da Diamantina 2
Igaporã
Serra Geral 1
Serrinha
Nordeste 2
Iguaí
Sudoeste 1
Simões Filho
Metropolitana de Salvador 2
Ilhéus
Litoral Sul 3
Teixeira de Freitas
Extremo Sul 3
Ipirá
Paraguaçu 1
Valença
Litoral Sul 1
Irecê
Irecê 1
Vera Cruz
Metropolitana de Salvador 1
Itaberaba
Paraguaçu 1
Vit. da Conquista
Sudoeste 2
Itabuna
Litoral Sul 2
Total
113
Fonte: SECTI.
227
Anexo E – Escolas de Informática e Cidadania do CDI-Bahia.
EIC Instituição Endereço Cidade/CEP tel
Alphaville Centro de Convivência e
Aprendizado de Alphaville
Rua Tamburuji, s/n,
Paralela
Salvador
41.515-006
3367-5190
APAE Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais – APAE/CTP
Av. Frederico Pontes, 343,
Calçada
Salvador
40.460-000
3313-6788
Bagunçaço Grupo Cultural Bagunçaço Rua Anísio Gonçalves, s/n,
Jardim Cruzeiro
Salvador
40.430-510
3313-7207
Bairro da Paz Centro Comunitário Bairro da Paz Rua Nossa Senhora da
Paz, 69 - Bairro da Paz
Salvador
41.515-000
CADEC Centro Adventista de
Desenvolvimento Comunitário
Rua Alte. Alves Câmara, 82
Engenho Velho de Brotas
Salvador
40.240-430
3244-3890
CESEP Centro Suburbano de Educação
Profissional
Rua Almeida Brandão, 13 –
Escada
Salvador
40.710-110
3218-3503
CIAS Centro Integrado de Ação Social Vila Coletora 1, N. 66,
Cajazeiras IV
Salvador
41.330-050
3215-3116
/3309-3079
Colônia Laf.
Coutinho
Colônia Penal Lafayete Coutinho Terceira etapa, s/n - Castelo
Branco
Salvador
41.320-010
tel
Cotegipe Escola Municipal Profª Lícia Brito Vila Poty, nº 15 – Cotegipe Sim. Filho
43.700-000
tel
Dona Canô Projeto Adolescente Aprendiz Av. Waldemar Falcão, 567,
Brotas
Salvador
40.296-710
3356-6034
3276-0026
Engenho do
Futuro
Soc. Ben. de Defesa e Recreativa
do Engenho Velho da Federação
Rua Apolinário Santana,
154 – Eng. V. da Federação
Salvador
41.220-101
3203-6304
Filadélfia Centro. Comunitário Igreja Batista
Filadélfia
Rua Saldanha Marinho, 113
Caixa D’água
Salvador
40.323-010
3244-0324 /
3381-7395
Fundaç Lar
Harmonia
Escola Alan Kardec FLH I Rua da Fazenda, 560 -
Piatã
Salvador
41.650-020
Ilê Aiyê Associação Cultural Bloco
Carnavalesco Ilê Aiyê
Rua do Curuzu, nº 197 –
Liberdade
Salvador
40.395-000
3256-1013
/1014
Lar Fabiano
de Cristo
Lar Fabiano de Cristo Av. Suburbana, s/n, Parque
Setúbal - Periperi
Salvador
40.760-010
3521-1940
LBV Legião da Boa Vontade - LBV Rua Porto dos Mastros, 19,
Ribeira
Salvador
40.423-840
3312-0555
Liceu Liceu de Artes e Ofícios da Bahia Rua Guedes Brito nº 14 –
Pelourinho
Salvador
40.020-260
3321-9159 -
R. 258
OAF Organização do Auxílio Fraterno –
OAF
Rua do Queimado, n° 17,
Lapinha
Salvador
40.325-250
3242-3699
Olodum Escola Criativa do Olodum Rua das Laranjeiras nº 24 –
Pelourinho
Salvador
40.025-280
3322-8069
Palmares Escola Luiza Mahin Conjunto Santa Luzia, QD.
05, nº 18 – Uruguai
Salvador
40.450-300
3314-2148
Paripe Centro Comunitário de Paripe Rua Rui Barbosa, nº 30 –
Paripe
Salvador
40.820-050
3307-6708
PRODEB Cia de Processamentos de Dados
do Estado da Bahia
Av. 4, nº 410, CAB Salvador
41.745-002
3115-7730
Pró-Mar Pró-Mar.net Av: Beira Mar, 13, Mar
Grande – Ilha de Itaparica
Salvador
44.470-000
3633-4259
Sociedade 1º
de Maio
Sociedade Primeiro de Maio Rua Nova Esperança nº 1 -
São João de Plataforma
Salvador
40.717-130
3401-0700
Sol Data Instituto Sol End. Rua Francisco
Drumond, 15/17, Centro
Camaçari
42.800-500
Tel. (71)
3622-8999
Tenda de
Olorum
Associação Tenda de Olorum Rua Lopes Trovão nº 146 –
Massaranduba
Salvador
40.435-030
3495-4629
Araci
?
Rua Vicente Ferreira, s/n -
Centro Cultural
Araci-BA
48.760-000
(075) 3266-
2144
Biritinga
?
Praça 23 de Abril, nº 423 -
Centro
Biritinga
48.780-000
(075)3267-
2118/ 2046
Muritiba Soc. Beneficente de Defesa e
Amparo a Menores Carentes
Rua Sabino Santiago, 70 Muritiba
44.340-000
(075)3424-
2280
Serrinha
?
Rua Mariano Ribeiro, 45 -
Centro
Serrinha
48.700-000
(075)3261-
6359
Fonte: www.cdi-ba.org.br
228
Anexo E (continuação) - MATERIAL INSTITUCIONAL DO CDI-BA.
O CDI-BA vem desenvolvendo um trabalho comprometido com a causa da Inclusão Digital e Social
no estado (da Bahia). O maior resultado são as Escolas de Informática e Cidadania (EICs)., bem
como a formação dos alunos. Vide dados na tabela abaixo:
26 em Salvador e na RMS
4 no interior
N.º de EICs
2 em fase de inauguração
Alunos formados por ano
Aproximadamente 2000 alunos
Alunos formados desde 1998
Aproximadamente 10.000 alunos
Proposta Político-Pedagógica (PPP) do CDI.
Além de proporcionar melhor qualificação profissional para nossos alunos, a proposta político-
pedagógica do CDI objetiva a promoção da cidadania, utilizando a informática para fomentar a
formação de cidadãos críticos, a igualdade de oportunidades e a democracia.
O trabalho do educador brasileiro Paulo Freire serviu de referencial para a formulação da PPP, pois,
assim como Freire, o CDI acredita que a verdadeira educação deve ser voltada para a
conscientização e a transformação da sociedade, visando à construção de um mundo mais fraterno e
justo. Em resumo, os principais objetivos da proposta político-pedagógica do CDI são os seguintes:
Oferecer capacitação de qualidade para o uso das tecnologias de informação e comunicação
(TICs), permitindo sua apropriação social pelas comunidades;
Fomentar um processo de conscientização dos indivíduos e sua reflexão sobre a sociedade
em que vivem;
Favorecer a criação de um espaço físico para discussão, participação e ação comunitária;
Possibilitar a construção de conhecimento útil, a fim de que indivíduos e comunidades
exerçam sua cidadania e garantam seu desenvolvimento social, político e econômico.
A equipe do CDI trabalha junto com os educadores e coordenadores dos espaços comunitários que
abrigam as EICs, fortalecendo-os por meio de leituras, debates, capacitações e oficinas. A intenção é
que, tornando-se mais conscientes e conhecendo melhor a realidade em que vivem, estes agentes
possam motivar suas comunidades a se engajarem em ações para transformar a sociedade.
Na relação com os alunos, a proposta do CDI se concretiza por meio de cursos e de grupos de
trabalho que se organizam fora do horário das aulas. A abordagem tem sempre como ponto de
partida o cotidiano dos envolvidos - educando, educador e comunidade. Espera-se que, com o
decorrer do tempo, os alunos sejam capazes de fazer uma leitura crítica do mundo, articulando-a com
a situação econômica, política e cultural de seu país.
Vários instrumentos são usados para esse fim, como debates, análise de fatos históricos, dados
estatísticos, textos de jornais, livros, poesias, músicas, pesquisas na Internet e entrevistas na
comunidade. Ao promover essa reflexão em suas EICs, o CDI pretende possibilitar a identificação
das verdadeiras causas dos problemas sociais e a conscientização de que a sociedade em que
vivemos - desigual e excludente - foi historicamente construída pelo ser humano, podendo, portanto,
ser transformada pela sua ação.
Em todos os momentos do curso, as ferramentas computacionais - como editor de textos, planilha
eletrônica, gerenciador de banco de dados, e outras - são usadas para apoiar o trabalho de
pesquisar, analisar e organizar os conteúdos, permitindo que as pessoas expressem sua própria
síntese da realidade. Em geral, a motivação inicial da maioria dos educandos - aprender informática
para obter um emprego - se desdobra em outras, que envolvem sua mobilização e organização em
torno da reivindicação de políticas públicas para a garantia de seus direitos, como a geração de
trabalho e o investimento em projetos sociais.
Enquanto vão desvendando o mundo que os cerca, percebendo-se como sujeitos da História, os
alunos descobrem também as possibilidades de uso da tecnologia, que se desmistifica, deixando de
ser percebida como uma fórmula mágica que irá solucionar tudo. Assim, fica claro que a
transformação só é possível se o indivíduo estiver à frente do processo de mudança.
229
ANEXO F - PORTARIA MEC Nº 522 (cria o PROINFO).
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO / GABINETE DO MINISTRO
Portaria nº 522, de 9 de abril de 1997
O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, no uso de suas atribuições
legais, resolve:
Art. 1º Fica criado o Programa Nacional de Informática na Educação – ProInfo, com a
finalidade de disseminar o uso pedagógico das tecnologias de informática e telecomunicações nas
escolas públicas de ensino fundamental e médio pertencentes às redes estadual e municipal.
Parágrafo único. As ações do ProInfo serão desenvolvidas sob responsabilidade da
Secretaria de Educação a Distância deste Ministério, em articulação com a secretarias de educação do
Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios.
Art. 2º Os dados estatísticos necessários para planejamento e alocação de recursos do
ProInfo, inclusive as estimativas de matrículas, terão como base o censo escolar realizado anualmente
pelo Ministério da Educação e do Desporto e publicado no Diário Oficial da União.
Art. 3º O Secretário de Educação a Distância expedirá normas e diretrizes, fixará
critérios e operacionalização e adotará as demais providências necessárias à execução do programa de
que trata esta Portaria.
Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
PAULO RENATO SOUZA
Fonte: MEC (www.mec.gov.br)
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