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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
ANDREIA CADORE TOLFO
A CONCLUSÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS: AS EXIGÊNCIAS
CONSTITUCIONAIS E A PRÁTICA EXECUTIVA
Florianópolis
Maio de 2006
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ANDREIA CADORE TOLFO
A CONCLUSÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS: AS EXIGÊNCIAS
CONSTITUCIONAIS E A PRÁTICA EXECUTIVA
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do título de mestre em
Direito pelo Curso de Pós-graduação em
Direito da Universidade Federal de Santa
Catarina, área de concentração Relações
Internacionais.
Orientador: Prof. Dr. Christian G. Caubet
Florianópolis, 15 de maio de 2006.
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Para Cristiano e Isadora.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Christian Caubet, pelas preciosas lições proferidas na disciplina de
Teoria das Relações Internacionais e no estágio de docência, as quais foram fundamentais
para o meu amadurecimento intelectual e me instigaram ao estudo do direito dos tratados.
Também pela amizade, pelo exemplo de seriedade acadêmica e pela orientação paciente e
dedicada desta dissertação.
Aos colegas da turma de Relações Internacionais de 2004, pelo auxílio prestado nas
diversas fases do curso, pelos momentos de descontração que passamos juntos e,
principalmente, pela força para superação das dificuldades enfrentadas durante esta etapa o
importante em nossas vidas.
Ao meu marido, Cristiano, pelo afeto, cumplicidade e suporte emocional. Pelo
estímulo à opção pela carreira acadêmica e ao ingresso no curso de Pós-graduação.
Aos meus pais e irmãos, pelo apoio incondicional.
Aos professores e servidores do Centro de Pós-graduação em Direito da UFSC que,
direita ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.
“Só nós, por mais combatidos que sejamos, por mais erros
que cometamos, por mais fracos, mais inertes e
injustiçados que apareçamos aos olhos do povo, nós,
Poder Legislativo, podemos dar autoridade aos atos
praticados na política internacional”.
Afonso Arinos de Melo Franco
(A Escalada. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965, p. 416)
RESUMO
Esta dissertação trata da competência dos órgãos internos dos Estados (Poderes Executivo e
Legislativo) para concluir tratados internacionais, sendo conferida ênfase à regulação da
matéria no sistema constitucional brasileiro e à prática do governo nacional. Neste contexto,
insere-se a discussão a respeito dos acordos em forma simplificada, que importam na exclusão
da participação do Poder Legislativo da celebração de alguns tratados com vistas a agilizar a
ação estatal externa. O ponto central do trabalho é a delimitação da competência de ambos os
Poderes estatais na conclusão dos tratados para verificar se a prática dos acordos em forma
simplificada, que é amplamente utilizada pelo governo nacional, encontra amparo no sistema
constitucional brasileiro. Essa análise é realizada à luz do princípio da separação dos poderes,
que é adotado pela Constituição Federal de 1988 para regular a distribuição do poder político
entre os órgãos estatais. A pesquisa empreendida permite concluir que o Poder Executivo não
possui competência para concluir tratados autonomamente, bem como que a prática dos
acordos em forma simplificada constitui manifestação da hipertrofia do Poder Executivo e do
não exercício pleno, pelo Poder Legislativo, das suas competências constitucionais.
Palavras-chave: tratados internacionais, competência para concluir tratados, acordos em forma
simplificada, princípio da separação dos poderes.
ABSTRACT
This dissertation concerns the competence of the organs of government (Executive and
Legislative branches) to conclude international treaties and to grant emphasis on the
regulation of this material in the Brazilian constitutional system and for the practice of the
national government. Within this context is the discussion with respect to the agreements in
simplified form, which brings about the exclusion of the legislative branch’s participation to
officiate some of the agreements in order to facilitate external state action. The central point
of this work is to delimit the competence of both branches of government in the conclusion of
these treaties to verify if the practice of the agreements in simplified form, which is
abundantly utilized by the national government, finds support in the Brazilian constitutional
system. This analyses is brought out by the principle of the separation of powers, which is
adopted by the federal constitution of 1988 to regulate the distribution of the political power
between the branches of government. The research undertaken reaches the conclusion that the
Executive branch does not possess the competence to conclude treaties autonomously and
also concludes that the practice agreements in the simplified form constitute the manifestation
of the hypertrophy of the executive branch and do not absolutely exercise for the legislative
branch those constitutional competencies.
Key-words: international treaties, competence to conclude treaties, agreements in simplified
form, principle of the separation of powers.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................................. vi
ABSTRACT ........................................................................................................................vii
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1. O LEGISLATIVO E A COMPETÊNCIA PARA CONCLUIR
TRATADOS........................................................................................................................ 20
1.1 Origem e evolução da participação do Legislativo nos tratados................................... 20
1.1.1 As assembléias e os tratados na Antiguidade........................................................ 22
1.1.2 As assembléias e os tratados na Idade Média e na Idade Moderna........................ 26
1.1.3 O Legislativo e os tratados a partir do século XVIII............................................. 31
1.2 Limitações da participação do Legislativo na conclusão dos tratados.......................... 36
1.2.1 Limitação decorrente de previsão constitucional.................................................. 37
1.2.2 Limitação decorrente dos acordos executivos ...................................................... 40
1.3 O processo de conclusão dos tratados ......................................................................... 45
1.3.1 Fases do processo de conclusão dos tratados........................................................ 46
1.3.2 Os acordos em forma simplificada....................................................................... 49
1.4 A competência para concluir tratados e a Convenção de Viena................................... 51
1.4.1 A forma de manifestação do consentimento e as exigências da ordem interna...... 51
1.4.2 A ordem internacional e a violação das exigências da ordem interna.................... 56
CAPÍTULO 2. A COMPETÊNCIA PARA CONCLUIR TRATADOS NO BRASIL........... 62
2.1 A capacidade e a competência para concluir tratados no Brasil................................... 62
2.2 A participação dos Poderes constituídos no processo de conclusão dos tratados.......... 64
2.2.1 Negociação e assinatura: competência do Executivo............................................ 64
2.2.2 Ratificação: competência do Legislativo.............................................................. 69
2.2.2.1 Significado da ratificação e competência para o ato ...................................... 70
2.2.2.2 Discricionariedade da ratificação .................................................................. 73
2.2.2.3 Natureza da ratificação ................................................................................. 78
2.2.2.4 Procedimento de ratificação dos tratados....................................................... 80
2.2.2.5 A ratificação e a incorporação do tratado à ordem interna ............................. 83
2.2.2.6 Vigência do tratado na ordem interna............................................................ 91
2.2.3 Manifestação do consentimento: competência do Executivo ................................ 93
2.3 O Brasil e as limitações da participação do Legislativo na conclusão dos tratados ...... 94
2.3.1 Regulação da competência para concluir tratados no período imperial................. 94
2.3.2 Regulação da competência para concluir tratados no sistema republicano............ 96
2.3.3 As divergências doutrinárias acerca dos acordos em forma simplificada.............. 99
2.3.4 A posição e a prática do Ministério das Relações Exteriores .............................. 107
CAPÍTULO 3. OS ACORDOS EM FORMA SIMPLIFICADA EM FACE DO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ADOTADO PELA CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA.................................................................................................................... 111
3.1 O princípio constitucional da separação dos poderes................................................. 111
3.1.1 Surgimento da teoria da separação dos poderes.................................................. 112
3.1.1.1 A concepção de Locke ................................................................................ 113
3.1.1.2 A concepção de Montesquieu...................................................................... 115
3.1.1.3 Rousseau e a soberania popular................................................................... 117
3.1.2 As Revoluções burguesas do século XVIII e a consagração do princípio da
separação dos poderes ................................................................................................ 118
3.2 A teoria da separação dos poderes e a competência para concluir tratados ................ 121
3.2.1 A concepção de Locke, Montesquieu e Rousseau .............................................. 121
3.2.2 A solução adotada na Revolução Americana...................................................... 123
3.2.3 A solução adotada na Revolução Francesa......................................................... 125
3.3 A exclusão da participação do Legislativo brasileiro da conclusão dos tratados
e o princípio da separação dos poderes........................................................................... 127
3.3.1 A atividade legislativa presente na conclusão dos tratados................................. 128
3.3.2 A representação do povo.................................................................................... 130
3.3.3 A representação das unidades da federação........................................................ 132
3.3.4 A competência fiscalizadora do Legislativo....................................................... 135
3.4 O enfraquecimento do Legislativo e a hipertrofia do Executivo ................................ 138
3.4.1 As alterações da teoria clássica da separação dos poderes .................................. 139
3.4.2 A hipertrofia do Executivo................................................................................. 140
3.4.3 A hipertrofia do Executivo e a ação externa do Estado....................................... 143
3.5 A (in)competência do Executivo para concluir tratados sem a participação do
Legislativo ..................................................................................................................... 145
3.5.1 A indelegabilidade das competências exclusivas do Congresso Nacional........... 145
3.5.1.1 O poder regulamentar do Executivo ............................................................ 148
3.5.1.2 A explicação contra a teoria: os “poderes implícitos” do Executivo............. 150
3.5.1.3 Matéria de competência privativa do Executivo .......................................... 152
3.5.2 A usurpação de competência legislativa na conclusão de acordos em forma
simplificada................................................................................................................ 153
3.5.3 A inconstitucionalidade formal dos acordos em forma simplificada................... 155
3.5.4 O comportamento do Legislativo perante a celebração dos acordos em
forma simplificada ..................................................................................................... 157
CONCLUSÃO................................................................................................................... 165
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 171
11
INTRODUÇÃO
Desde a Antiguidade os tratados internacionais são utilizados para regular assuntos de
interesse comum das unidades políticas, sendo que na medida em que o Direito Internacional
se desenvolve os acordos entre os Estados têm sua importância ressaltada.
Há bastante tempo, os tratados deixaram de limitar-se a regular a guerra e a paz (temas
que eram tradicionalmente objeto dos acordos internacionais) e passaram, progressivamente, a
envolver assuntos que antes estavam restritos à regulação interna dos Estados, como comércio
de bens e serviços, investimentos, gestão de recursos naturais, direitos humanos, normas
trabalhistas e penais, etc.
Cada vez mais o cidadão nacional sente os efeitos da política externa praticada pelo
seu país, haja vista que os tratados, assim que incorporados ao ordenamento jurídico nacional,
vigoram com força de lei, criando direitos e obrigações para a população da mesma forma que
a lei interna.
A ampliação da área normativa do Direito Internacional resulta, em grande parte, do
fim das fronteiras ideológicas entre as potências leste-oeste e do subseqüente incremento da
integração econômica. Hodiernamente, a maioria dos Estados participa de blocos de
integração, como Mercosul
1
, NAFTA
2
e União Européia, e de Organizações Internacionais,
como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI),
em cujo âmbito são celebrados acordos que afetam diretamente a regulação normativa
doméstica.
Essa nova ordem internacional dominada pelo fator econômico vem causando forte
impacto sobre a diplomacia dos Estados, sobretudo, no que se refere à celebração de tratados.
Com efeito, a dinamicidade das relações internacionais sugere a rápida atuação estatal,
tornando indesejável qualquer procedimento previsto na ordem jurídica interna para a
conclusão de tratados que possa retardar ou até mesmo impedir a condução da política externa
nos termos traçados pelos governos.
Por conseguinte, a regra prevista na maioria das Constituições nacionais, que atribui
competência para concluir tratados aos Poderes Executivo e Legislativo conjuntamente, tem
1
Mercado Comum do Sul.
2
Área de Livre Comércio da América do Norte.
12
sido alvo de críticas por parte dos representantes do Poder Executivo – encarregado de
entabular as negociações dos acordos - e da doutrina internacionalista.
Tais críticas proclamam a inadequação do trâmite parlamentar para a análise e a
aprovação dos tratados negociados pelo governo em razão da demora peculiar ao processo
legislativo. Também apontam a falta de conhecimentos técnicos por parte dos parlamentares
para decidir temas complexos como os que atualmente estão envolvidos nos ajustes
internacionais.
A participação do Legislativo na conclusão dos tratados resulta de um longo processo
de confrontação da ação exclusiva dos governantes para comprometer o Estado externamente,
no qual se buscou garantir que os representantes do povo tomem parte nas decisões relativas à
política internacional. Esta reivindicação foi reconhecida pelos Estados quando se
firmaram as noções de que o tratado possui força de lei na ordem interna e que, conforme o
princípio da separação dos poderes, a elaboração das leis compete ao Poder Legislativo.
O estabelecimento destas idéias ocorreu nas Revoluções burguesas do século XVIII,
que consagraram a separação dos poderes, elevando-a a princípio constitucional. A partir
disso, os governantes deixaram de monopolizar todo o processo de conclusão dos tratados,
sendo instituída a regra de que os compromissos internacionais devem ser negociados pelo
Poder Executivo e, posteriormente, ratificados pelo Poder Legislativo.
Entretanto, apesar dos Estados constitucionais adotarem a separação dos poderes, que
busca o equilíbrio entre os órgãos estatais, o Poder Executivo assumiu a tendência de avançar
sobre as competências do Legislativo - como atesta a abundante elaboração de normas
jurídicas pelo governo. Esta inclinação do referido órgão constitui o fenômeno denominado
hipertrofia do Poder Executivo.
Estimulada inicialmente pela quebra da regra da indelegabilidade das funções
específicas de cada Poder, o que permitiu o exercício da função legislativa pelo Executivo, a
preponderância deste órgão foi se intensificando cada vez mais, podendo ser sentida tanto na
tomada de decisões referentes à ordem interna quanto à ordem externa.
No tocante à esfera externa, a hipertrofia do Executivo propiciou a alteração das regras
do processo de conclusão dos tratados. Ocorre que, na propensão de aumentar sua esfera de
atividade, os governos de muitos Estados procuram subtrair da apreciação parlamentar certos
ajustes internacionais, utilizando, para isso, uma forma desvirtuada de celebração de tratados,
13
que é conhecida como “forma simplificada”.
Diferentemente do processo tradicional de conclusão de tratados, que inclui as fases de
negociação, assinatura, ratificação e manifestação do consentimento, nos acordos concluídos
sob a forma simplificada a fase de ratificação é suprimida e, por conseqüência, exclui-se a
participação do Legislativo. Nesta situação, o comprometimento do Estado na ordem externa
ocorre somente com a assinatura lançada nos tratados pelo Executivo.
Destarte, ao lado dos tratados concluídos com a participação conjunta dos Poderes
Executivo e Legislativo figuram outros, celebrados unicamente pelo Executivo, os quais são
conhecidos como “acordos em forma simplificada”. Não raro, tal expediente fundamenta-se
na retórica da necessidade de celeridade na atuação estatal e da inaptidão dos Parlamentos
para a política externa.
Alguns Estados prevêem constitucionalmente certas categorias de tratados que
prescindem (ou que não prescindem) da aprovação parlamentar, instituindo, assim, limitação
da competência do Poder Legislativo no tocante à política exterior. Nesse caso, o governo
encontra-se autorizado pela Carta constitucional para celebrar autonomamente determinados
compromissos internacionais.
No entanto, mesmo em países em que o previsão constitucional a respeito, o
Executivo busca subtrair determinados acordos da apreciação do Poder Legislativo, baseando-
se em interpretações do texto constitucional no sentido de autorizar sua ação isolada.
Esta prática originou-se nos Estados Unidos (EUA), por meio dos chamados acordos
executivos (executive agreements). Naquele país, o Presidente conclui sozinho alguns tratados
internacionais com base no argumento de que esta possibilidade estaria implicitamente
autorizada pela Constituição. Além disso, considera-se que a celebração destes acordos estaria
inserida nos poderes constitucionais do chefe do Executivo.
A exemplo dos EUA, os governos de outros Estados, em que não previsão
constitucional de limitação da participação do Poder Legislativo na conclusão dos tratados,
também passaram a adotar tal comportamento.
É esta a situação estabelecida no Brasil, pois apesar da Constituição Federal de 1988,
em seu artigo 84, VIII, exigir o referendo do Congresso Nacional para os tratados negociados
pelo Executivo, em muitos casos, o governo vem comprometendo o Estado na esfera externa
exclusivamente através da sua ação.
14
O dispositivo constitucional referido diz que:
Art.84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções ou atos internacionais, sujeitos a referendo
do Congresso Nacional; (grifou-se)
Ao celebrar acordos em forma simplificada, o governo brasileiro conta com o amparo
da doutrina nacional que, inspirada na prática norte-americana dos acordos executivos,
procura justificar a exclusão da participação do Poder Legislativo da conclusão de
determinados tratados invocando supostos poderes implícitos do chefe do Executivo, poderes
derivados do seu poder regulamentar e da sua competência privativa.
Ainda conforme a doutrina, os acordos que poderiam ser celebrados pela forma
simplificada são os que envolvem assuntos administrativos ou matérias secundárias, ditas de
pouca importância, as quais se enquadrariam, portanto, na amplitude das competências do
Poder Executivo.
A prática do governo brasileiro também encontra sustentação na confusão estabelecida
na doutrina a respeito do significado do ato de ratificação e da titularidade da competência
para ratificar os tratados. Para os doutrinadores, a ratificação é um ato discricionário do Poder
Executivo que ocorre na esfera externa após a aprovação do tratado pelo Legislativo. Assim,
segundo afirmam os internacionalistas, depois que o Congresso Nacional aprovar o tratado, o
Executivo poderia decidir a respeito da confirmação ou não do compromisso internacional
junto a (s) outra (s) parte (s) contratante (s).
Entretanto, a Constituição brasileira determina em seu artigo 49, I, que:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; (grifou-
se)
Desta forma, como a Constituição estabelece que cabe ao Congresso decidir de forma
definitiva sobre o tratado e a doutrina entende que o Legislativo pode aprovar um tratado e o
Executivo pode recusar-se a confirmá-lo na esfera externa, gerou-se dúvida a respeito de qual
órgão estatal deve dar a última palavra sobre o comprometimento externo do país.
A propósito, é interessante salientar que ao afirmar a competência do Executivo para a
ratificação dos tratados e, portanto, para a decisão final sobre a vinculação do Estado ao
15
ajuste, a doutrina fornece, mesmo que indiretamente, substrato teórico para a prática dos
acordos em forma simplificada, que importam na conclusão de tratados somente pelo
Executivo.
Tendo em vista este contexto, o objetivo principal deste trabalho é delimitar a
competência de cada um dos Poderes estatais na conclusão dos tratados para verificar se o
Poder Executivo possui competência para concluir acordos em forma simplificada, excluindo,
assim, a participação do Poder Legislativo.
A extensão da temática é, contudo, limitada ao âmbito nacional - ou seja, a análise
restringe-se ao ordenamento jurídico brasileiro - e ao cotejo da prática dos acordos em forma
simplificada com o princípio constitucional da separação dos poderes, o qual é adotado pela
Constituição brasileira para regular a distribuição do poder político entre os órgãos estatais.
Foge, portanto, ao escopo deste trabalho a discussão sobre as peculiaridades que
levaram alguns Estados a reconhecer constitucionalmente a conclusão de determinados
tratados sem intervenção parlamentar, bem como o debate sobre a interpretação doutrinária e
judicial a respeito dos acordos executivos nos Estados Unidos.
Para alcançar o objetivo geral colimado neste trabalho, faz-se necessário cumprir os
seguintes objetivos específicos:
a) verificar o desenvolvimento histórico da participação do Poder Legislativo na
conclusão dos tratados internacionais, bem como o surgimento das limitações da referida
participação, as quais engendraram a prática dos acordos em forma simplificada;
b) examinar o tratamento reservado aos acordos em forma simplificada pelo Direito
Internacional;
c) com base nas normas constitucionais que regulam a competência para celebrar
tratados no Brasil, identificar o momento em que cada um dos Poderes constituídos
(Executivo e Legislativo) deve intervir no processo de conclusão dos tratados, bem como a
extensão da sua competência e os efeitos de seus atos;
d) apresentar o entendimento da doutrina nacional sobre a possibilidade de conclusão
de acordos em forma simplificada pelo governo brasileiro, assim como o posicionamento e a
prática do Ministério das Relações Exteriores;
e) expor o desenvolvimento das bases teóricas do princípio constitucional da
16
separação dos poderes, sendo privilegiadas, neste contexto, as ponderações a respeito da
competência para o exercício da política externa;
f) verificar se a suposta competência do Executivo para concluir acordos em forma
simplificada encontra amparo no sistema constitucional brasileiro por meio de sua análise à
luz do princípio da separação dos poderes.
O método de abordagem utilizado no trabalho é o dedutivo. Parte-se das bases teóricas
do princípio da separação dos poderes e dos dispositivos constitucionais para o caso concreto
da competência para celebração dos tratados no Brasil. Estas duas noções serão confrontadas
com a prática dos acordos em forma simplificada de forma a engendrar a conclusão do
trabalho, cuja hipótese principal é que o comprometimento externo do Estado pela ação
exclusiva do Poder Executivo contraria o sistema constitucional brasileiro.
O trabalho inicia com a descrição da evolução da participação das assembléias e
colegiados formas rudimentares do Legislativo na celebração de compromissos externos
das unidades políticas. O ponto culminante desta evolução é identificado nas Revoluções
burguesas do século XVIII, ocasião em que emerge o conceito de “competência para concluir
tratados”, bem como a fórmula de divisão da referida competência entre os Poderes Executivo
e Legislativo (Poderes constituídos).
Em seguida, será destacada a alteração sofrida pela referida fórmula em decorrência da
imposição de limitações à participação do Poder Legislativo na conclusão dos compromissos
internacionais. A propósito, será exposto o contexto em que tais limitações conduziram à
forma de celebração de tratados denominada “forma simplificada”. Contrastando o processo
tradicional de celebração dos tratados com a forma simplificada, serão apontadas as principais
características desta última.
No mesmo ensejo, será verificado como a Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, de 1969
3
, trata a questão da prática dos acordos em forma simplificada, sobretudo
no que diz respeito ao comprometimento do Estado pela assinatura e a situação em que se faz
uso desta prática em violação das normas internas sobre a competência para concluir tratados.
Após o primeiro capítulo, se abordará a regulação da competência para concluir
tratados no ordenamento jurídico brasileiro. Com base nos dispositivos constitucionais
referentes ao assunto (artigos 49, I, e 84, VIII, da CF/88), se buscará delimitar a competência
3
Norma de Direito Internacional que estabelece as principais regras sobre os tratados.
17
de cada um dos Poderes constituídos (Legislativo e Executivo) nas fases do processo de
conclusão dos tratados.
A fase de ratificação será examinada com mais ênfase, tendo em vista a grande
confusão estabelecida na doutrina a respeito do seu significado, dos seus efeitos e da
titularidade da competência para ratificar. Através da análise dos artigos referidos, se buscará
também identificar o modo como ocorre a formação da vontade do Estado brasileiro em
obrigar-se pelos compromissos internacionais.
Neste contexto, será inserida a questão da limitação da competência do Legislativo
brasileiro para conclusão dos tratados e, por conseguinte, da prática dos acordos em forma
simplificada na qual a fase de ratificação é excluída. Será feita, então, a verificação da
regulação da competência para concluir tratados nas sucessivas Constituições brasileiras no
sentido de identificar eventuais disposições que possam autorizar o comprometimento do
Estado na esfera externa pela ação exclusiva do Poder Executivo.
Também será exposto o entendimento da doutrina nacional, bem como o
posicionamento e a prática do governo brasileiro, no que tange aos acordos em forma
simplificada.
A partir desta perspectiva, abre-se a discussão do último capítulo, que envolverá a
análise da prática dos acordos em forma simplificada à luz do princípio constitucional da
separação dos poderes. Para tanto, será feita inicialmente uma breve apresentação da origem e
do desenvolvimento da teoria da separação dos poderes.
Realizada esta explanação, será assinalado o entendimento dos filósofos que
conceberam a teoria mencionada a respeito da titularidade do poder para o exercício da
política externa. Também será apresentada a forma como a competência para celebrar tratados
foi regulada nas Revoluções burguesas - que consagraram o princípio da separação dos
poderes -, realçando-se as razões que levaram os revolucionários a estabelecer tal modelo de
regulação.
Com base no princípio da separação dos poderes, serão apontadas as razões pelas
quais a Constituição Federal de 1988 exige, incondicionalmente, que o Congresso Nacional
tome parte na celebração dos compromissos internacionais. Desta investigação também
emergem os efeitos da limitação da competência do Legislativo decorrente da prática dos
acordos em forma simplificada.
18
Posteriormente, será ressaltada a dificuldade do Poder Legislativo para manter suas
competências constitucionais em face do fenômeno da hipertrofia do Poder Executivo, cujos
reflexos irradiam-se tanto na esfera interna quanto na ação estatal externa. Neste panorama, se
buscará evidenciar que os acordos em forma simplificada constituem manifestação do referido
fenômeno.
Por fim, será analisada a suposta competência do Poder Executivo para concluir
tratados autonomamente, sendo enfatizada a reserva de competências do Poder Legislativo
estabelecida pela Constituição brasileira no artigo 68, § - o que permite denunciar a
usurpação de competência legislativa na conclusão de acordos em forma simplificada.
Também será oferecida uma visão geral do comportamento do Legislativo brasileiro perante a
conclusão de acordos exclusivamente pelo governo.
A relevância do estudo proposto encontra-se na necessidade de questionar a
celebração de tratados os quais criam direitos e obrigações para toda a população nacional -
sem a participação do órgão que agrega os representantes do povo e que foi eleito para
elaborar as leis: o Poder Legislativo.
A importância da pesquisa também é ressaltada ao se considerar que apesar da
participação do Poder Legislativo na celebração dos tratados ser exigida pela Constituição
Federal de 1988, esta regra tem sido desconsiderada pelo governo em relação a muitos
acordos, que são concluídos sob a forma simplificada.
Trata-se de investigar o respeito à Carta constitucional e ao interesse geral da nação
nos compromissos internacionais assumidos em nome da República Federativa do Brasil, os
quais vinculam o povo e não somente o governo.
É a Constituição que determina as competências de cada um dos Poderes estatais,
definindo-as com base no princípio constitucional da separação dos poderes. Cumpre, então,
submeter as teses doutrinárias, que sustentam a competência do Executivo para celebrar
tratados sem aprovação parlamentar, à análise da sua compatibilidade com o sistema
constitucional brasileiro.
A investigação proposta converge, necessariamente, para um questionamento
fundamental em termos de política externa: Quem possui competência para dar a última
palavra sobre a vinculação do país aos compromissos internacionais? Poder Executivo ou
Poder Legislativo?
19
O artigo 49, inciso I, da Constituição brasileira de 1988 diz que “É da competência
exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
Complementando o referido dispositivo, o artigo 84, em seu inciso VIII, prevê que “Compete
privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções ou atos
internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.
Mas, qual o significado destes dispositivos? O que significam as expressões “resolver
definitivamente” e “referendo”? Por que os Poderes Executivo e Legislativo são chamados a
intervir na conclusão dos tratados? Qual o limite da competência do Presidente da República e
do Congresso Nacional na celebração dos tratados? É a busca de resposta para essas questões
que permite denunciar a incongruência entre a letra e o espírito da Carta constitucional e a
prática do Executivo brasileiro.
20
CAPÍTULO 1. O LEGISLATIVO E A COMPETÊNCIA PARA CONCLUIR
TRATADOS
1.1 Origem e evolução da participação do Legislativo nos tratados
Os tratados internacionais são o principal instrumento utilizado pelos Estados para
estabelecer relacionamento na esfera externa. Neles são incorporadas regras a respeito de
interesses comuns das partes contratantes sobre as mais variadas áreas, propiciando, assim, a
materialização precisa da vontade estatal.
Tais atributos conferem aos tratados um caráter privilegiado perante as outras fontes
do Direito Internacional Público (DIP)
4
costume, princípios gerais do Direito,
jurisprudência, doutrina, eqüidade, atos unilaterais e decisões das Organizações
Internacionais. Tendo em vista a imprecisão das outras fontes e o conseqüente movimento
para a codificação do DIP que se intensificou a partir do início do século XX, os tratados
podem ser considerados a base do sistema normativo internacional.
Foi do esforço pela codificação do DIP, transformando-se regras costumeiras em
regras convencionais escritas, que resultou a Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados de 1969
5
, na qual se procurou fixar as principais regras reconhecidas pelos Estados a
respeito dos tratados internacionais
6
.
De acordo com a Convenção de Viena
7
, tratado é um acordo internacional celebrado
entre Estados em forma escrita e regido pelo Direito Internacional, quer conste, ou de um
instrumento único ou de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua
denominação específica”.
4
As fontes do Direito Internacional Público são enunciadas no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de
Justiça.
5
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.
Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>. Acesso em: 13 mar. 2006.
6
vinham ocorrendo tentativas de codificação antes da celebração da Convenção de Viena, de 1969, como por
exemplo, a celebração da Convenção de Havana Sobre Tratados em 1928, a qual foi ratificada pelo Brasil,
Equador, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru e República Dominicana.
7
Artigo da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Face à imprecisão terminológica
estabelecida no conceito adotado pela Convenção de Viena, o ajuste internacional que preencher os requisitos do
referido conceito será considerado um tratado. Desta forma, podem ser usadas indiscriminadamente
denominações como acordo, ajuste, pacto, convênio, convenção.
21
À luz desse conceito - que considera “tratado” o acordo firmado por Estados
8
e regido
pelo Direito Internacional - pode estabelecer-se inicialmente a premissa de que “tratados”
seriam somente os acordos firmados a partir do surgimento do Estado e do Direito
Internacional Público.
Em se tratando de análise conduzida por rigor histórico é preciso ter em conta que
tanto o Estado como o Direito Internacional emergiram em um determinado ponto na história
da civilização. é possível considerar a existência do Estado a partir do século XV, quando
o poder político se centralizou, tornando-se soberano sobre o território
9
. Por sua vez, o Direito
Internacional Público surge com os acordos de Vestfália de 1648, quando os Estado aceitaram
a coexistência de várias sociedades políticas igualmente soberanas e foram superadas as
concepções religiosas que até então regiam as relações internacionais
10
.
No entanto, essa aparente limitação temporal decorrente do conceito adotado pela
Convenção de Viena sucumbe rapidamente ao considerar-se que desde a Antiguidade os
tratados são utilizados para elaborar normas de convivência entre os povos. Com efeito, o
primeiro tratado de que se tem notícia teria sido celebrado entre o rei dos hititas e Ramsés II,
faraó egípcio da XIX dinastia, pondo fim à guerra nas terras sírias entre 1280 e 1272 a.C.
(REZEK, 2000, p. 11).
Desta forma, se entender-se por tratado o instrumento utilizado para regular a relação
entre as unidades políticas, deve-se admitir o seu uso em épocas anteriores ao surgimento do
Estado e do Direito Internacional. Considerar tal situação torna-se extremamente importante
na medida em que a análise dos procedimentos utilizados para celebração dos acordos que
regulavam a convivência das unidades política nas diversas fases do desenvolvimento das
sociedades humanas é capaz de revelar os fundamentos da conceão atual de tratado
internacional.
Ocorre que as normas que presentemente regulam a celebração dos tratados resultam
8
Com o desenvolvimento do Direito Internacional, as Organizações Internacionais também tiveram sua
personalidade jurídica reconhecida, bem como a sua capacidade para celebrar tratados.
9
Conforme Gruppi (1980, p. 7), o Estado moderno independentemente de quaisquer outros poderes começa
a surgir na segunda metade do século XV na França, na Inglaterra e na Espanha, disseminando-se,
posteriormente, pela Europa.
10
Alguns autores, baseando-se em relações mantidas entre povos antigos, consideram que o Direito
Internacional teria surgido na Antiguidade. Entretanto, é preciso considerar que naquele período as relações entre
os povos estavam baseadas em concepções religiosas e/ou no Direito de um povo que era imposto aos outros -
como no caso dos romanos. o existia um consenso geral a respeito das normas que regessem as relações
externas, ou seja, não havia um Direito elaborado pela sociedade internacional.
22
de um longo desenvolvimento histórico de regras que se sedimentaram por meio do costume.
Assim, através da análise cronológica torna-se possível, por exemplo, verificar as origens de
um dos momentos mais importante do processo de conclusão dos tratados: a formação, pelos
Poderes Executivo e Legislativo
11
, da vontade (ou consentimento) do Estado em obrigar-se
pelo tratado.
Tradicionalmente, a competência do Executivo para a política externa estatal sempre
foi reconhecida, mas a atuação do Legislativo no processo de conclusão dos tratados é
reputada uma conquista recente, que foi patrocinada pelas Revoluções burguesas do século
XVIII. Isto é, costuma-se considerar que somente a partir das referidas Revoluções a atuação
do Executivo na esfera internacional teria sido limitada pela ação do Legislativo.
Entretanto, embora historicamente a negociação dos tratados tenha sido
constantemente julgada atribuição do Poder Executivo, não é correto considerar que em
tempos remotos a decisão sobre a vinculação a um tratado também fosse uma área de amplo
arbítrio do governante - de forma que a vontade da unidade política em obrigar-se por um
tratado fosse formada exclusivamente pelo seu dirigente.
Diferentemente do que se possa imaginar, sempre houve participação maior ou menor
de assembléias ou grupos deliberativos - considerados formas rudimentares do Legislativo -
nas decisões relativas aos acordos celebrados entre os agrupamentos humanos, pois, assim
como os tratados, o Poder Legislativo também encontra sua origem na Antiguidade
12
.
1.1.1 As assembléias e os tratados na Antiguidade
Conforme Figueiredo (1981, p. 43), em muitos agrupamentos primitivos houve a
divisão de poderes, estabelecendo-se organismos colegiados - embora em termos
rudimentares - que colaboravam com o chefe, exercendo poder de aconselhamento, de
controle e até de escolha e de deposição do líder.
11
O Poder Legislativo é geralmente denominado de Parlamento (AZAMBUJA, 1990, p. 180).
12
Existem duas correntes que estudam o surgimento do Poder Legislativo. A primeira estabelece uma visão não
evolutiva desta instituição, considerando datas e corpos de poder semelhantes ao Legislativo, desta forma tem-se
a idéia de que o “Legislativo Moderno” nasceu na Idade Média, na Grã-Bretanha. A segunda corrente tem uma
visão evolutiva, analisando o surgimento do Legislativo como conseqüência do surgimento das comunidades,
assim, as reuniões de homens notáveis para traçar regras de conduta seriam as primeiras amostras do Poder
Legislativo (CARVALHO, 2003, p. 261).
23
Nas primitivas aldeias mesopotâmicas os membros dos órgãos dirigentes eram
designados não só por um indivíduo, como se poderia supor, mas por uma assembléia
constituída pelos cidadãos livres da comunidade. Além disso, o rei dependia do
consentimento desta assembléia em todos os assuntos de maior importância (KRAMER, apud
FIGUEIREDO, 1981, p. 51).
Na Índia, há três mil anos antes de Cristo, a assembléia do povo participava do
governo nomeando o Conselho de Anciãos. Os hititas mantinham ao lado do rei uma
assembléia de membros da casta dirigente e o mesmo ocorria na Pérsia absolutista (BRITO,
1984, p. 119).
No que diz respeito à formação dos compromissos externos, é na Antiguidade clássica
que se encontram as primeiras informações sobre a participação de assembléias deliberativas
nas decisões que envolviam negociações com outros povos. Dessa época, há notícias de
tratados de aliança concluídos pelos gregos cujas decisões foram tomadas por assembléias e
conselhos
13
(MEDEIROS, 1995, p. 24).
Nussbaum (1949, p. 7) salienta que na Grécia antiga a celebração dos tratados sobre
guerra e paz, bem como à formação de alianças - o que abrangia a maior parte dos temas
envolvidos em acordos na época - estava condicionada à deliberação popular em praça
pública.
A reflexão política nascida na Grécia forneceu condições para a criação da
democracia, que, embora na sua versão grega contivesse ressalvas como as decorrentes da
admissão da escravidão, ancorava-se na idéia de que o homem é senhor de seu próprio
destino. Nesta conjuntura, a liberdade, que era um princípio muito valorizado, significava
para os gregos, além de não ser propriedade de ninguém, o poder de participação política.
Emerge, assim, o interesse do homem do povo sobre a ação pública, num contexto em
que os cidadãos passa a decidir diretamente sobre a organização da cidade e sobre a relação
com outros povos. É dentro desta lógica democrática que se pode compreender a preocupação
dos cidadãos em controlar a vida exterior das cidades-Estados.
13
Chacon (1997, p. 8) identifica na Grécia antiga o primeiro formato do Legislativo como o conhecemos hoje.
Os conselhos deliberativos, cujos membros eram eleitos pelos cidadãos gregos homens livres –, formavam a
boulé, que se subdividia em duas casas e se ocupava da elaboração de minutas para a aprovação da assembléia
geral do povo ateniense. Outros autores como Thomas Erskine May (apud OLIVEIRA FILHO, 1974, p. 47-48)
acreditam que a origem da divisão do Parlamento em duas câmaras encontra-se na Inglaterra, face à divisão dos
seus membros em duas ordens diversas: Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns.
24
É assim que somente depois de receber o consentimento da assembléia do povo, os
tratados eram “promulgados”, promovendo-se em seguida a troca de ratificações (MELLO,
2004, p. 228). Pelo procedimento de celebração de tratados usado pelos gregos, a ratificação
envolvia a decisão das assembléias populares sobre o acordo negociado anteriormente.
Ou seja, é através da ratificação que ocorria a confirmação do comprometimento da
unidade política em se obrigar pelo tratado celebrado pelos negociadores das partes
envolvidas. Em seguida, dava-se ciência desta confirmação do ajuste ao outro povo
contratante através da troca das ratificações.
Em Roma, os tratados internacionais sempre foram um meio de expansão da
soberania, para tal fim servia o somente o tratado de capitulação, mas também os tratados
de amizade, de aliança e de hospitalidade. Ao concluírem tratados com potências estrangeiras,
os generais romanos precisavam submetê-los ao Senado para que depois de confirmados os
acordos entrassem em vigor
14
(STADTMÜLLER, 1961, p. 35-36).
O Senado romano dispunha de elevada autoridade em relação à política externa, pois
se ocupava da discussão sobre as relações exteriores, transmitia instruções aos chefes
militares e aos encarregados de missões diplomáticas, estabelecia as condições de paz, das
alianças e dos tratados (MEDEIROS, 1995, p. 24).
A respeito do controle da ação externa de Roma, Mommsen (apud MELLO, 2000, p.
56) observa que a conclusão do tratado pelo Senado tem sua origem na participação deste
colegiado nas negociações internacionais em épocas primitivas.
Roma mantinha relações com as nações estrangeiras utilizando-se do jus fetiale, que
era um conjunto de normas de caráter jurídico e religioso aplicado pelo colégio dos feciais. Os
feciais eram escolhidos entre as pessoas das melhores famílias romanas e tinham competência
para zelar pelas normas que regiam as relações externas, cabendo a eles, por exemplo, a
declaração de guerra. Entretanto, o fecial pater patraus (uma espécie de chefe da missão
militar) somente poderia fazer a declaração de guerra com a prévia autorização do senado
(MELLO, 2004, p. 167).
Os romanos também utilizavam o instituto da ratificação, considerando que um tratado
14
Roma viveu um ciclo ascendente das instituições democráticas com a instituição do regime republicano,
ocasião em que os reis da sociedade romana primitiva foram destronados e todas as funções públicas foram
subordinadas ao voto popular nos comitia centuriata e nos comitia tributa. Até mesmo os cônsules, que
substituíram a realeza no comando de Roma, eram eleitos pelo povo por votação direta (ANDRADE, 1984, p.
66).
25
seria obrigatório se ele fosse ratificado pelo povo romano (MELLO, 2004, p. 228). Assim,
na processualística romana, os tratados eram aprovados pelo Senado e ratificados pelo povo
(COLEMAN apud MELLO, 2000, p. 57). Para Mello (2004, p. 228), a teoria jurídica da
ratificação se delineou claramente no episódio dos Desfiladeiros Caudinos (321 a.C.), no qual
os romanos foram derrotados e obrigados a assinar um tratado humilhante.
A obrigatoriedade desse tratado foi questionada sob a alegação de que não seria
somente a sua assinatura que o tornaria obrigatório,ocorrendo a obrigatoriedade através da
ratificação (TAVARES, 2003, p. 29). Neste fato é possível encontrar resquícios da
necessidade de legitimidade para a celebração de tratados, ou seja, a ratificação do acordo
pelo povo romano foi considera condição essencial para comprometer a unidade política, não
se atribuindo à assinatura tal efeito.
Autorizado pelo povo, o tratado era considerado concluído quando enviado a uma
comissão composta por dois ou três feciais que eram encarregados do ritual internacional
(TAVARES, 2003, p. 29). Posteriormente, o Senado passou a se ocupar da decisão de ratificar
os tratados celebrados em nome de Roma (MELLO, 2004, p. 275).
Com o tempo, entretanto, a competência do Senado para resolver sobre os acordos
negociados cedeu terreno para o poder autocrático dos imperadores que passaram a decidir
isoladamente sobre os assuntos externos (MEDEIROS, 1995, p. 25). Tal alteração se deu em
decorrência da passagem da república para o regime imperial, o que ocasionou a concentração
de poderes nas mãos dos imperadores romanos.
Referindo-se à participação do Senado romano na conclusão de tratados, Mello (2000,
p. 57) nota que, embora Roma tenha passado por formas autocráticas, “na Antiguidade foi
viva a idéia de um controle das relações internacionais por parte de instituições ou
assembléias populares”.
Segundo Rodas (1980, p. 211), na Antiguidade também havia a preocupação com a
publicidade dos tratados, visto que povos como os gregos e romanos costumavam expor os
textos dos acordos celebrados em locais sacrossantos, gravando-os em materiais diversos.
26
1.1.2 As assembléias e os tratados na Idade Média e na Idade Moderna
Após a queda do Império Romano no Ocidente, em razão do fortalecimento dos reinos
bárbaros, ocorreu a passagem para o feudalismo. Neste contexto, o poder político foi se
fragmentando entre os príncipes, a Igreja e os grandes proprietários de latifúndios, sendo a
população vinculada a estes últimos pela vassalagem.
A Idade Média é um período transitório entre o fim do império Romano e o
surgimento do Renascimento, tendo sido considerado por alguns autores uma verdadeira fase
de interrupção da história da humanidade, já que se compreende entre dois períodos de
considerável liberdade vivida pelo homem.
O medievo representa o fim do antigo mundo grego, no qual o cidadão podia decidir
sobre seu destino - sobretudo através da participação política direta ou exercida através de
assembléias - bem como do sistema romano, em que durante o regime republicano desfrutava-
se de certas prerrogativas políticas.
Durante a Idade Média as relações políticas foram profundamente marcadas pelo
poder da Igreja, a qual procurou estabelecer uma hegemonia no comando dos povos sob a
justificativa da cristã. Em vista disso, as relações internacionais deste período também
foram impregnadas de concepções religiosas.
A ratificação dos tratados passou a ser feita pelos príncipes através de um juramento
ou em algumas ocasiões estes apenas confirmavam o juramento feito anteriormente por seus
representantes (MELLO, 2004, p. 228). O juramento era considerado algo sagrado, que
vinculava a obrigação assumida à jurisdição da Igreja, a qual tinha inclusive o poder de
conceder dispensas do seu cumprimento (NUSSBAUM, 1949, p. 34).
Mesmo não possuindo poderes de decisão, as assembléias políticas também estavam
presentes na Idade Média, constituindo-se do século IX ao século XIII, sendo encontradas na
Inglaterra, Flandres, Itália, Alemanha, etc. As cidades francesas, por exemplo, no século
XIII elegiam deputados que formavam as assembléias junto ao rei (MELLO, 2000, p. 73).
Estas assembléias possuíam natureza consultiva, mas algumas como as da França
(Estado Gerais) e da Inglaterra (Parlamento) detinham poder de regular os impostos, o que,
conforme observa Mello (2000, p. 73), acabava repercutindo na política externa,
principalmente no que diz respeito à guerra.
27
A partir do século XIV, com o movimento renascentista, o florescimento do comércio,
o desenvolvimento das cidades e posteriormente com a reforma protestante, o poder da Igreja
foi gradativamente enfraquecendo, e os reis conseguiram impor sua autoridade a ela, bem
como aos senhores feudais. Estavam, então, forjadas as condições para ascensão do
absolutismo monárquico e o surgimento do Estado.
Apesar da inegável influência dos fatores mencionados na formação do Estado, o
principal requisito para sua configuração foi a idéia de soberania. Neste sentido, o se pode
olvidar o peso das idéias de pensadores como Nicolau Maquiavel e Jean Bodin no
delineamento desta nova ordem política.
Rompendo com o pensamento medieval marcado pela supremacia da Igreja, na obra O
Príncipe, escrita no início do século XVI, Maquiavel enfatiza o fato político real, procedendo
a desvinculação da política à moral cristã. Ao secularizar o poder político, o pensador também
evidencia a importância do controle da política interna e externa.
Bodin, convencido da necessidade de concentração de poder nas mãos do
governante, desenvolveu a doutrina da soberania. Para o autor de Os seis livros da República
de 1576, a soberania é um poder absoluto e perpétuo
15
, que possui atributos que podem ser
exercidos pelo seu titular ou por quem dele receber delegação. Entre estes direitos exclusivos
do titular da soberania, Bodin inclui o direito de dar leis a todos em geral e a cada um em
particular e o direito de declarar a guerra ou de negociar a paz (BODIN, 1992, p. 72).
Tais concepções forneceram o substrato ideológico necessário para afastar os poderes
do papado, dos imperadores e dos senhores feudais, os quais concorriam com o poder do rei, e
consolidar o absolutismo monárquico.
Na esteira do pensamento dos autores mencionados, tanto a ordem interna como a
ação externa da unidade política foram totalmente dominadas pelo monarca soberano. O
poder dos reis era justificado por teorias que o atribuíam a forças divinas, de forma que os
mesmos não reconheciam nenhuma autoridade acima da sua, nem qualquer limitação para
suas ações.
Como o rei passa a identificar-se com o soberano, sendo o fundamento de toda a
ordem pública, não havia razão para que seus atos internos ou externos formulação de leis
15
Absoluto porque não sofre qualquer limitação, e perpétuo porque o está sujeito à revogação (BODIN, 1992,
p. 72).
28
ou celebração de tratados - fossem aprovados por qualquer órgão. Além disso, de acordo com
os fundamentos teocráticos da soberania, o rei está limitado apenas pela instituição divina,
devendo prestar contas de seus atos somente a Deus.
Destarte, entre o final do século XV e as últimas décadas do século XVIII a ordem
internacional é controlada pelas monarquias absolutas, e como os reis concentraram todos os
poderes em suas mãos, conduziam os tratados sozinhos e em seu nome, sendo os povos
equiparados a menores ou incapazes (MEDEIROS, 1995, p. 27-28).
Nesta perspectiva, os tratados eram celebrados pelo rei como soberano e não pelo
Estado como agrupamento político. Visto como personificação do Estado, o monarca
representava externamente o reino, decidindo sozinho sobre os ajustes internacionais, que
lhe era reconhecido o jus representationis omnimodae.
Foi durante o Renascimento que se desenvolveu o instituto dos plenos poderes, que
representa a habilitação dos agentes signatários para negociar e concluir tratados. Deste modo,
nos séculos XVI, XVII e XVIII o soberano ficava obrigado aos atos assinados pelos seus
plenipotenciários nos limites dos poderes que lhes tinham sido conferidos (MELLO, 2004, p.
216-217).
Quando os tratados eram negociados e subscritos pessoalmente pelos monarcas
absolutos, entravam em vigor imediatamente após sua assinatura (PODESTÁ COSTA, 1955,
p. 373), não sendo necessária a ratificação pois o chefe de Estado era detentor de todos os
poderes.
Para que os tratados negociados pelos agentes do rei fossem considerados
obrigatórios, estes agentes deveriam estar munidos de plenos poderes. Como a decisão do
monarca era definitiva em relação à lei interna do reino, bastava a autorização aos
representantes para atuar em seu nome, para que com a assinatura destes, o acordo entrasse
em vigor (FENWICK, 1963, p. 495).
Com a utilização do instituto dos plenos poderes, desenvolveu-se também o uso da
ratificação como um meio de fiscalizar o plenipotenciário. Porém, a assimilação do
negociador do tratado a um mandatário fez com que a ratificação passasse a ser obrigatória
para o príncipe, a menos que o plenipotenciário houvesse excedido os poderes recebidos
(MELLO, 2004, p. 228). Conseqüentemente, o tratado ficava concluído com a assinatura e a
ratificação retroagia ao momento desta (PEREIRA; QUADROS, 2002, p. 200).
Neste contexto estabelecido, embora o monarca detivesse a prerrogativa de conduzir a
29
política externa, era comum a existência de colegiados em sua volta, como conselhos, Estados
Gerais, cortes e assembléias. No entanto, estes colegiados detinham apenas funções
consultivas, exercendo pouquíssimos poderes (MEDEIROS, 1995, p. 29) em virtude das
concepções absolutistas vigentes na época.
Na França, no começo do culo XIV, a assembléia que existia desde o século XIII
se desdobrou em duas instituições distintas: uma era o Parlamento propriamente dito, oriundo
da antiga curia regia; a outra, foram os Estados Gerais
16
. Estes foram convocados pela
primeira vez em 1302, pelo rei Felipe o Belo, que - pressionado pelas reivindicações da
aristocracia e pelas pretensões hegemônicas do papado - mandou que se elegessem para o
conselho real daquele ano, representantes da burguesia, do artesanato e do povo das cidades
(ANDRADE, 1984, p. 78-79).
Desde que os Estados Gerais surgiram, o rei solicitava seu parecer a respeito das
relações exteriores, mas suas recomendações tinham caráter essencialmente consultivo. A
imposição do consentimento dos Estados Gerais em relação aos compromissos internacionais
foi se estabelecendo em alguns casos, sobretudo em relação a tratados de paz e cessão de
território. Entretanto, o soberano francês jamais reconheceu aos Estados Gerais um direito de
sanção no terreno dos tratados, sendo inúmeros os exemplos de ajustes em que os reis
deliberavam sozinhos (MEDEIROS, 1995, p. 35-38).
Na verdade, nas decisões sobre a ação externa do Estado predominava a vontade do
rei, sendo que os tratados eram celebrados em seu nome e sob sua absoluta autoridade. O
monarca somente submetia os tratados aos Estados Gerais quando necessitava de sua
cooperação para o cumprimento de algum compromisso que havia assumido no ajuste
internacional.
Em geral, os órgãos representativos que surgiram em várias monarquias européias na
Idade Média estavam profundamente relacionados com a intenção da nobreza e da burguesia
nascente em participar das decisões políticas do reino e ter suas reivindicações atendidas. Em
virtude disto, a composição de tais órgãos era essencialmente aristocrática.
Na Inglaterra saxônica, as leis eram feitas pelo rei com a assistência de um conselho
de homens “prudentes”, que mais tarde transformou-se no Magnum Consilium. Este conselho
16
No antigo sistema político francês existiam ainda outros colegiados que eram ouvidos sobre assuntos do reino,
com a Assembléia de Notáveis, o Parlamento de Paris e os Parlamentos Provinciais, sendo que os dois últimos
eram essencialmente tribunais (MEDEIROS, 1995, p. 33).
30
resultou da necessidade do rei de convocar proprietários para fazer parte da assembléia e
aprovarem novas taxas, de forma a não perturbar-lhes autocraticamente a propriedade
(PINHO TAVARES, 1995, p. 247). Também que se considerar as crescentes
reivindicações da aristocracia, que ameaçava rebelar-se em armas.
Nessa época a assembléia não legislava na Inglaterra, limitando-se apenas a aprovar
medidas geralmente relacionadas à tributação. Somente nos fins do século XV o Parlamento
supera sua função meramente consultiva e investe-se da autoridade legislativa, elaborando a
lei que o rei sancionava (PINHO TAVARES, 1995, p. 247).
Nos séculos XVII e XVIII o Parlamento inglês tornou-se bastante atuante, sobretudo
na função de elaborar as leis e aprovar as dotações orçamentárias. Em decorrência destas
funções, o soberano foi levado a depositar os tratados internacionais junto a esta assembléia
(MEDEIROS, 1995, p. 30).
As atribuições do Parlamento foram crescendo gradativamente no terreno dos
compromissos internacionais, de forma que os tratados que envolvessem subsídios financeiros
e cessão de território poderiam ser firmados pelo rei com o seu consentimento
17
(MEDEIROS, 1995, p. 30). Os poderes de que dispunha o Parlamento inglês em relação à
política interna e externa são devidos principalmente a episódios históricos ocorridos na
Inglaterra que contribuíram para sua consolidação.
Com efeito, a Magna Carta de 1215 - que estabeleceu o princípio de que não haveria
taxação sem representação e impôs restrição ao rei em relação aos direitos dos barões -
representou um grande passo na limitação dos poderes monárquicos. Por sua vez, a Revolução
Gloriosa de 1688, em que o príncipe holandês Guilherme de Orange assumiu o trono da
Inglaterra com o consentimento popular, proporcionou maior participação do Parlamento nas
questões públicas.
A Revolução de 1688 foi a própria matriz do parlamentarismo na Inglaterra, pois
instituiu a divisão de poderes entre o monarca, a quem era reservada a administração, e o
Parlamento, que detinha a legiferação e a tributação. Como esta divisão de poderes exigia a
colaboração entre ambos, desde cedo os monarcas ingleses passaram a escolher seus ministros
no Parlamento, de forma a dar origem à figura do primeiro-ministro (FERREIRA FILHO,
2005, p. 145-146).
17
Como o Parlamento controlava o orçamento e a elaboração das leis, a execução dos tratados ficava
profundamente dependente de suas atribuições.
31
Em tempos mais próximos ao século XVIII, a regra do absolutismo em relação aos
acordos internacionais ainda teve outras exceções, como no caso do rei da Suécia Gustavo
Vasa (1523-1560) e seus sucessores que somente ratificavam os tratados concluídos com
outras potências estrangeiras após ter o apoio do Conselho Real (BLIX, apud MEDEIROS,
1983, p. 38).
Todavia, é forçoso reconhecer que a participação das assembléias nas decisões sobre
os tratados internacionais fugia à regra, visto que a condução da política externa na maioria
dos Estados europeus antes do século XVIII era feita pelos monarcas absolutos. Assim sendo,
no panorama geral vigorava o jus representationis omnimodae, isto é, o direito do chefe de
Estado de vincular por si só o Estado na esfera externa.
1.1.3 O Legislativo e os tratados a partir do século XVIII
Foi somente com a Revolução Americana, que culminou com a independência das 13
colônias britânicas e com a elaboração da Constituição adotada em 1787, que a situação
estabelecida no Ancien Régime foi alterada. Este episódio significou o rompimento decisivo
do povo norte-americano com o regime monárquico, estabelecendo-se o constitucionalismo e
um novo sistema de governo – o presidencialismo.
A Constituição dos Estados Unidos da América (EUA) de 1787 foi a primeira a
conceder ao Legislativo o controle sobre a ão externa do Estado. Os norte-americanos
estabeleceram que as negociações dos tratados devem ser realizadas pelo Presidente, mas a
decisão de aprovar ou não o conteúdo do ajuste internacional compete ao Senado (MELLO,
2000, p. 102).
O artigo II, seção 2, inciso 2, da Constituição dos Estados Unidos determina que o
Presidente poderá, mediante o conselho e o consentimento do Senado, concluir tratados, desde
que dois terços dos senadores presentes assim o decidam.
Os idealizadores da Constituição, percebendo a relevância das relações internacionais,
concluíram que o poder para celebrar tratados não poderia pertencer exclusivamente ao Poder
Executivo e nem ao Poder Legislativo (MELLO, 2000, p. 104) e estabeleceram um sistema de
cooperação entre os dois Poderes que passaram a dividir esta tarefa.
32
Mas, apesar da vanguarda da Constituição norte-americana em estabelecer a
participação do Legislativo na formação da vontade estatal em se obrigar por um tratado, foi
com a Revolução Francesa de 1789 que o controle parlamentar sobre os atos internacionais
evoluiu, vindo a ser adotadas por outros Estados várias soluções políticas e jurídicas que se
estabeleceram naquele momento (MEDEIROS, 1983, p. 28).
Antes de 1789, os poderes de deliberar a lei e de executá-la estavam confundidos.
Quando os Estados Gerais se converteram em Assembléia Nacional fizeram cessar esta
confusão, pois decidiram que o Poder Legislativo reside na Assembléia Nacional e que o
Poder Executivo não pode elaborar leis (OLIVEIRA FILHO, 1974, p. 18).
Os que levaram a termo a Revolução prezaram especialmente a doutrina da separação
dos poderes, preconizada pelo Barão de Montesquieu, e o pensamento político de Jean-
Jacques Rousseau, que se pauta na soberania da vontade geral.
Na esteira destas idéias, a noção de soberania que até então justificava o poder
absoluto do monarca é transferida para o povo, de forma que o monopólio da produção
normativa passa, doravante, para um dos Poderes do Estado formado pelos representantes do
povo: o Poder Legislativo. A lei deixa de ser a expressão da vontade do monarca no momento
em que o povo conquista o direito de elaboração da norma e passa a ser a expressão da
vontade geral.
Desta forma, dá-se a superação do poder individualizado do monarca absolutista e a
implantação do Estado constitucional. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789 instituiu o princípio da separação dos poderes e estabeleceu que toda soberania reside na
nação. Posteriormente, a Constituição francesa de 1791 determinou que o Poder Legislativo
fosse delegado a uma Assembléia Nacional composta de representantes eleitos pelo povo
(BRITO, 1984, p. 123).
Em relação à ação externa do Estado, a Constituição de 1791 exigia a participação
parlamentar para todos os tratados, fazendo desta exigência uma condição essencial para a
validade internacional dos mesmos (ATHAYDE, 1970, p. 172). A representação do Estado
frente aos demais países permaneceu com o Poder Executivo, que possui a prerrogativa de
entabular negociações e firmar tratados, mas o mesmo deve submetê-los, posteriormente, ao
Parlamento, para só então, se devidamente aprovados pela Assembléia, concluí-los.
Na ótica dos primeiros constituintes franceses, um tratado obriga juridicamente o
33
Estado e por conseqüência os cidadãos, criando-lhes deveres, portanto, é assunto não apenas
dos governantes, mas também dos governados. Dentro desta concepção, os elaboradores das
sucessivas Constituições incluíram nestas a exigência de que a política exterior seja
controlada pelo povo através da Assembléia Nacional (MEDEIROS, 1983, p. 28-29).
A passagem para o regime democrático e representativo passa a impedir que os
tratados sejam concluídos em nome e no interesse dos reis. A partir de então, passou-se a
conceber os ajustes internacionais como tratados entre Estados e no interesses destes
(MEDEIROS, 1983, p. 27).
Toda essa transformação política não ocorreu, é claro, de forma espontânea ou
pacífica, mas foi obra de uma Revolução violenta impulsionada por movimentos populares
que lutaram contra o sistema instituído. A limitação dos poderes do governante na esfera
interna e também na externa resulta de um processo de amadurecimento de ideais
democráticos, que se tentou consolidar por meio de uma insurgência árdua e sangrenta.
É também com os movimentos políticos do século XVIII que a formação da vontade
estatal em obrigar-se pelo tratado fica sujeita às disposições constitucionais dos Estados. Isto
é, as Constituições passam a prever expressamente quais o os Poderes estatais que devem
participar da celebração dos tratados, como deve ocorrer o exercício desta competência e
quais são seus limites.
Desta previsão constitucional surge a competência para celebrar tratados
18
, que significa
“a competência dos Poderes constituídos do Estado para formar e declarar a vontade estatal
em assumir compromissos internacionais” (MEDEIROS, 1995, p. 136). É, destarte, aquela
competência que a ordem interna costuma partilhar entre o governo
19
e o Parlamento
(REZEK, 2000, p. 34).
Desta forma, ocorre o fim da teoria do jus representationis omnimodae que reconhecia
ao chefe de Estado poderes absolutos para obrigar o Estado através dos tratados
18
Também denominada de treaty-making power. No presente trabalho evita-se o uso da expressão treaty-
making power, pois, segundo Rezek (1993, p. 35), a mesma não oferece segurança conceitual que é utilizada
pela doutrina e pela linguagem diplomática para significar três coisas diferentes: capacidade dos Estados ou
outras pessoas jurídicas de Direito Internacional para convencionar; competência para falar em nome do Estado
externamente, comprometendo-o; e o emprego da expressão afeto à ordem jurídica interna do Estado. Para
Rezek, a utilização mais correta da expressão se dá no último caso.
A expressão inglesa treaty-making power (poder de firmar tratados) foi utilizada pela primeira vez por Henry
Wheaton que teria estabelecido a distinção entre a capacidade internacional do Estado e a competência dos
Poderes constituídos do Estado para celebrar tratados (MEDEIROS, 1995, p. 145).
19
Nos governos presidencialistas é comum chamar-se de “governo” o Poder Executivo (SALDANHA, 1982, p.
55).
34
internacionais. Doravante, o Executivo possui a competência para declarar a vontade estatal
na esfera internacional, representando o país
20
, mas não a competência de por si formar a
vontade do Estado em se obrigar pelos tratados, que passa a compartilhá-la com o
Legislativo.
Frente a essas transformações, o instituto da ratificação também adquire um novo
sentido. Como a ratificação era usada pelos monarcas absolutos apenas para confirmar se seu
representante havia agido dentro dos poderes conferidos - sendo obrigatória para o príncipe a
não ser que o signatário tivesse se excedido - sua importância era bastante reduzida até então.
Nesta concepção não havia possibilidade de reflexão a respeito dos efeitos do tratado
negociado pelos signatários para posteriormente confirmá-lo: o príncipe não podia exercitar
esta faculdade porque a ratificação lhe era obrigatória e o Legislativo o tinha poder ou
sequer oportunidade de manifestar-se a respeito. Ademais, caso o próprio monarca tivesse
firmado o tratado, a ratificação não era utilizada, visto que o ajuste entrava em vigor somente
pela assinatura.
No século XVIII a doutrina havia iniciado uma reação ao uso simplista da
ratificação, mas foi somente com a adoção do sistema constitucional, o qual restringiu os
poderes do Executivo a respeito da conclusão dos tratados, que a ratificação teve seu papel
modificado (MELLO, 2004, p. 228-229).
Passou-se a entender que o tratado só entraria em vigor com a troca dos instrumentos
de ratificação pelas partes contratantes, o que significaria que o tratado já teria sido aprovado
pelos Poderes do Estado cuja competência estaria prevista pela Constituição nacional
(SOARES, 1977, p. 254).
Nesta nova perspectiva da ratificação, o Poder Legislativo dispõe de oportunidade para
apreciar os ajustes negociados anteriormente pelo Poder Executivo, o qual somente irá
vincular o Estado ao tratado depois da devida aprovação parlamentar do acordo. Assim, de ato
obrigatório para o rei, a ratificação tornou-se ato discricionário do Parlamento.
Além disso, a ratificação passou a ser necessária para perfazer o tratado, já que este só
entra em vigor com a troca dos instrumentos de ratificação. Em conseqüência, não que se
falar mais em efeito retroativo da ratificação, porquanto é a troca dos instrumentos de
ratificação, e não a assinatura, que vincula o Estado ao tratado.
20
Perante o Direito Internacional, os chefes de Estado, os chefes de Governo e os Ministros de Relações
Exteriores são considerados representantes do seu Estado. Esta regra é reconhecida pelo art. da Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados.
35
No século XIX o uso da ratificação generalizou-se, principalmente, com a atribuição
que as Constituições conferiram aos Parlamentos de aprovar os tratados negociados pelo
Poder Executivo (PODESTÁ COSTA, 1955, p. 373). Em última instância, a ratificação pelo
Legislativo também contribui para fortalecer o compromisso que se encontra consubstanciado
no texto do acordo, pois a sua aprovação pelos representantes do povo realça o caráter
obrigatório do tratado para os Estados-partes.
Diante das implicações do sistema constitucional forjado pelos movimentos
revolucionários do século XVIII, a prática dos tratados internacionais transformou-se. De um
ato simples, que concentrava sua titularidade no monarca, o qual poderia no máximo delegar
poderes a um agente para representá-lo na negociação dos tratados, converte-se num ato
complexo que necessita do concurso dos Poderes Executivo e Legislativo (BORJA, 2001, p.
30-31).
Entretanto, pode-se dizer que com as Revoluções burguesas houve, modernamente,
uma retomada da participação do Legislativo nos tratados internacionais, a qual se estabeleceu
em termos mais sólidos e com garantias decorrentes da previsão constitucional, pois,
conforme mencionado, em vários períodos históricos as assembléias tiveram participação, em
maior ou menor grau, nas decisões sobre assuntos da política externa.
É preciso reconhecer que a participação do Legislativo (considerando desde suas
formas rudimentares) nos acordos internacionais o se desenvolveu de forma ininterrupta.
Houve períodos em que sua atuação foi enfraquecida ou completamente negada, como por
exemplo, durante as autocracias em Roma e as monarquias absolutas na Europa, além disso, a
composição das assembléias muitas vezes teve caráter privilegiado.
Contudo, o que se salienta nesta situação é que a decisão sobre a ação estatal na ordem
internacional nunca foi totalmente encarada como atribuição exclusiva do Executivo, que
nas mais diversas fases do desenvolvimento das sociedades políticas é possível constatar a
presença de corpos colegiados que denotam uma confrontação ao poder dos governantes.
E mesmo admitindo-se que as assembléias não possuíam a significação moderna de
representação do povo soberano, feita por meio de representantes democraticamente eleitos, a
participação das mesmas na ação externa do Estado revela uma constante tentativa de
limitação da atuação isolada do Poder Executivo
21
.
21
Neste sentido, Paulo de Figueiredo (1981, p. 94) sublinha que: “Os fatos surpreendidos na história da
36
Desta forma, ainda que se reconheça que a participação mais incisiva do Legislativo
tenha sido conquistada com as Revoluções do século XVIII, não se pode desconsiderar a
importância da existência e da atuação das assembléias na formação da teoria clássica dos
tratados, tanto no que diz respeito à ordem internacional quanto à ordem constitucional dos
Estados.
Conforme Brito (1984, p. 119) observa, a presença das assembléias na organização
política dos povos antigos identifica os antecedentes remotos do Parlamento e a convivência
de dois princípios envolvidos em suas lutas e em seus papéis: a resistência ao Príncipe; e uma
certa especialização funcional nas estruturas de governos. O primeiro princípio construirá,
sociologicamente, a idéia de legitimidade democrática; o segundo, pressupõe uma divisão
técnica de trabalho, em que se reflete a idéia anterior.
1.2 Limitações da participação do Legislativo na conclusão dos tratados
A partir do século XVIII, a divisão da competência para celebrar tratados entre o
Executivo e o Legislativo passou a ser a fórmula adotada constitucionalmente pela maior
parte dos Estados (MEDEIROS, 1983, p. 34). Assim, entre a assinatura do tratado e a
manifestação na ordem externa do consentimento do Estado em obrigar-se pelo tratado
impôs-se a ratificação, pela qual o Legislativo encontra oportunidade para apreciar o ajuste
negociado pelo Executivo e consentir ou não com a vinculação estatal ao compromisso
internacional.
Entretanto, ao lado da tese da absoluta necessidade de aprovação dos tratados pelo
Legislativo, logo se formou entendimento diverso e conflitante, que sustenta a conveniência
de subtrair da apreciação parlamentar certos acordos, tendo em vista a rapidez com que se
processam as relações entre os Estados (MEDEIROS, 1983, p. 136-137). Ou seja, julgou-se
necessária a autonomia do Poder Executivo na celebração de alguns tratados a fim de se
conferir maior celeridade à atuação estatal.
humanidade, a esse respeito, servem para mostrar que as assembléias constituem algo de inerente à natureza
política dos homens, os quais sempre revelaram uma vocação incoercível para participar da discussão e
condução dos problemas comuns às coletividades em que se integravam. O Parlamento não é, portanto, uma
criação arbitrária, e, sim, algo necessário, porque, em formas simples ou complexas, com maior ou menor vigor,
com funções amplas ou limitadas, sempre existiu, de algum modo, na organização política dos povos”.
37
1.2.1 Limitação decorrente de previsão constitucional
A Bélgica foi o primeiro Estado a apresentar uma alteração ao modelo de divisão de
competência para celebrar tratados estabelecido pelas Revoluções liberais. No artigo 68 da
sua Constituição de 1831, os belgas fizeram constar que (MEDEIROS, 1983, p. 35):
O rei comanda as forças de terra e de mar, declara a guerra, faz os tratados de
paz, de aliança e de comércio. Dará conhecimento dos mesmos às Câmaras,
simultaneamente, sempre que o interesse e a segurança do Estado o permitirem,
através das comunicações convenientes. Os tratados de comércio e aqueles que
possam criar gravames para o Estado ou aos belgas individualmente o
produzirão efeitos antes de terem recebido o assentimento das Câmaras.
Nenhuma cessão, troca ou agregação de território, poderá ser feita senão em
virtude de lei. Em nenhum caso, artigos secretos de um tratado poderão revogar
artigos de outro acordo em vigor.
De acordo com a Constituição belga, o rei tem competência para celebrar os tratados
de paz, de aliança e de comércio, e deverá dar conhecimento às Câmaras quando o interesse e
a segurança estatal o permitirem. No entanto, os tratados do comércio, ou aqueles que criam
gravames para o Estado ou vinculam individualmente os belgas, necessitam do consentimento
das Câmaras (MELLO, 2000, p. 107).
Estabeleceu-se, então, uma distinção: os tratados que podem ser concluídos pelo
Executivo sem a intervenção do Legislativo; e os tratados que necessitam da aprovação do
Legislativo (MELLO, 2004, p. 234). A partir desta diferenciação, o Executivo teve
reconhecido constitucionalmente um campo de ação totalmente independente no que tange à
celebração de tratados.
Logo, outros Estados conferiram ao Poder Executivo poder semelhante. A
Constituição francesa de 1875, por exemplo, passou a exigir a aprovação das Câmaras
somente para os tratados de paz, de comércio, os que comprometam as finanças do Estado e
para os relacionados ao estado das pessoas e ao direito de propriedade dos franceses no
estrangeiro (MEDEIROS, 1995, p. 107). A adoção pela França desta limitação da participação
do Legislativo nos tratados nos mesmos moldes da Constituição belga levou esse sistema de
divisão de competência a ser conhecido como belga-francês.
38
Na Grã-Bretanha também se seguiu o exemplo da Bélgica, sendo necessário a
intervenção parlamentar
22
sempre que um tratado precise, para sua execução, de medidas que
invadam a esfera de competência das Câmaras. É o que ocorre, por exemplo, com tratados
que imponham encargos financeiros (MEDEIROS, 1995, p. 108).
Este novo sistema fundamenta-se na intenção de submeter à aprovação do Legislativo
os tratados considerados mais importantes, como os que possuem repercussão nas normas
internas (alterando-as) e os que criam encargos para o Estado. Considerando inconciliáveis o
processo parlamentar de aprovação dos tratados e a necessidade de celeridade nas relações
internacionais modernas, determina-se que os tratados que o produzem os efeitos
mencionados possam ser concluídos exclusivamente pelo Executivo.
Desta forma, após a Constituição belga delinearam-se dois sistemas de aprovação dos
tratados pelo Legislativo: o que submete todos os tratados à aprovação parlamentar; e o
sistema belga-francês, que discrimina os tratados que são submetidos à aprovação parlamentar
(MELLO, 2000, p. 108), deixando, assim, uma margem para a ação exclusiva do Poder
Executivo.
Posteriormente, no século XX, a fórmula que limita a participação do Legislativo na
celebração dos tratados oriunda do sistema belga-francês foi aprimorada. De acordo com
Medeiros (1995, p. 221-222), com a interdependência dos Estados contemporâneos
sobretudo depois do término da II Guerra Mundial – e a necessidade de resolver com
celeridade as questões da política externa, certos Estados decidiram enumerar na Constituição
os tratados que exigem a aprovação do Legislativo (lista positiva) ou os que não requerem
aprovação parlamentar (lista negativa).
A lista positiva limita a participação do Legislativo apenas à aprovação de tratados que
estiverem enumerados na Constituição. Este é o sistema adotado pela Constituição da França
de 1946, pela Constituição de Portugal de 1976 e pela Constituição da Espanha de 1978
(MEDEIROS, 1995, p. 230-232).
A Constituição da Espanha
23
de 1978 dispõe em seu artigo 94 que:
A prestação do consentimento do Estado para obrigar-se por meio de tratados ou
convênios requererá a prévia autorização das Cortes Gerais, nos seguintes
casos:
22
Neste caso a intervenção das maras limita-se, em princípio, às medidas de execução interna dos tratados
(MEDEIROS, 1995, p. 108).
23
Citada de forma exemplificativa por Medeiros (1995, p. 232).
39
a) Tratados de caráter político;
b) Tratados ou convênios de caráter militar;
c) Tratados ou convênios que afetam à integridade territorial do Estado ou aos
direitos e deveres fundamentais, estabelecidos no Título I;
d) Tratados ou convênios que impliquem obrigações financeiras para a Fazenda
Pública;
e) Tratados e convênios que suponham modificações ou derrogação de alguma
lei ou exijam medidas legislativas para sua execução.
na lista negativa, a participação do Legislativo é necessária na aprovação de todos
os tratados, menos os que forem dispensados pela Constituição. A Constituição dos Países
Baixos, que foi revisada em 1983, adota este sistema, bem como a Constituição do Peru de
1979 e a do Chile de 1989 (MEDEIROS, 1995, p. 236-238).
A Constituição dos Países Baixos estabelece no artigo 91, inciso 1, que:
O Reino não se obriga por tratados, nem tais tratados poderão ser
denunciados, sem prévia aprovação dos Estados Gerais. Os casos em que a
provação não é exigida serão especificados em lei.
Até a adoção da lei, foi mantido em vigor o artigo 62 da Constituição anterior (de
1972), que dispensava a provação parlamentar nos seguintes casos (MEDEIROS, 1995, p.
236):
a) quando se tratar de acordo já previsto em lei;
b) quando o acordo se referir exclusivamente à execução de outro provado,
desde que a lei de aprovação não tenha qualquer reserva a esse respeito;
c) quando o acordo não acarretar obrigações pecuniárias consideráveis ao
Reino e tiver a duração máxima de um ano;
d) quando, em caso excepcionais de verdadeira urgência, for claramente
prejudicial aos interesses do Reino se o acordo não entrar em vigor antes da
aprovação do Parlamento.
O sistema de lista positiva ou negativa surgido no século XX - cujas origens são
encontradas no sistema belga-francês - representa a imposição de limitação constitucional à
participação do Legislativo na conclusão dos tratados. Ou seja, os Estados que adotam o
referido sistema prevêem em suas normas constitucionais categorias de tratados que podem
ser concluídos exclusivamente pelo Poder Executivo.
Assim, a despeito das conquistas das Revoluções burguesas, que estabelecem que para
uma norma ser considerada lei no território nacional deve ser aprovada pelos representantes
do povo, conforme afirma Medeiros (1995, p. 160), “vem se expandindo a idéia de que a
40
obrigatoriedade da submissão de todos os tratados ao Poder Legislativo é incompatível com a
intensidade das relações internacionais contemporâneas”.
Citando o estudo de Cot, Mello (2000, p. 317) salienta que na França os trabalhos
normativos concebem com grande restrição a evolução do controle parlamentar na política
externa, havendo uma desordem inacreditável na seleção dos tratados a serem submetidos ao
Parlamento.
Ocorre que nos países em que existe previsão constitucional de celebração de tratados
sem a aprovação parlamentar, geralmente não uma distinção rigorosa dos ajustes
internacionais que dispensam a intervenção do Legislativo. Este é o caso da França, cuja
Constituição de 1958 prevê duas categorias de compromissos internacionais
24
: “tratados” e
“acordos internacionais”. Entretanto, a Carta constitucional não fornece um critério material
de determinação. Assim, nem o objeto de um compromisso, nem a sua importância permitem
afirmar que se está em presença de um tratado” ou de um “acordo”
25
(DINH; DAILLIER;
PELLET, 1999, p. 139).
Na prática constitucional francesa, considera-se que cabe ao Executivo, sozinho,
decidir se o tratado deve ou não ser submetido à aprovação do Parlamento (MELLO, 2000, p.
319). Desta forma, como a Constituição não estabelece um limite claro dos ajustes
internacionais que podem ser concluídos sem a participação do Parlamento, acaba dando
espaço para que o Executivo decida autonomamente a respeito.
1.2.2 Limitação decorrente dos acordos executivos
Assim como várias Constituições modernas, as normas constitucionais dos Estados
Unidos (EUA) atribuem competência para celebrar tratados aos Poderes Executivo e
24
Artigos 52 a 55 da Constituição da França de 1958.
25
O artigo 53 da Constituição francesa fornece uma lista dos tratados que devem ser submetidos ao Parlamento,
na qual se incluem: os tratados de paz, os de comércio, os relativos à Organização Internacional, os que
emprenhem as finanças do Estado, os que modifiquem disposições de natureza legislativa, os que tenham por
objeto o estado das pessoas e os que comportem cessão, troca ou anexação de território. Entretanto, a lista deu
lugar a controvérsias sobre casos marginais, sendo que a tendência natural do Executivo é interpretar
restritivamente os critérios. Exemplo disto é a consideração do governo francês de que a expressão “tratados
relativos a Organizações Internacionais” aplica-se apenas aos tratados que criem Organizações Internacionais
investidas de poderes de decisão ou que imponham renúncias ou limitações da soberania à França (DINH;
DAILLIER; PELLET, 1999, p. 140).
41
Legislativo sem prever exceções. A Constituição norte-americana, em seu artigo II, seção 2,
inciso 2, confere ao Presidente o poder de celebrar tratados, mediante o conselho e o
consentimento do Senado, desde que dois terços dos senadores presentes assim o decidam.
No entanto, diante da dificuldade de se obter a maioria de dois terços dos votos dos
senadores, o Poder Executivo reagiu ao rigor constitucional desenvolvendo a prática
diplomática conhecida como acordos executivos (executive agreements), pela qual alguns
tratados são concluídos apenas pelo Presidente (DINH, DAILLIER; PELLET,1999, p. 136).
Rezek (1984, p. 127) esclarece que “acordo executivo é a expressão criada nos
Estados Unidos para designar aquele tratado que se conclui sob a autoridade do chefe do
Poder Executivo, independentemente do parecer e consentimento do Senado”.
Para muitos doutrinadores os acordos executivos se desenvolvem contra a letra da
Constituição
26
, mas uma vertente doutrinária considera que os fundadores da nação
reconheceram na Carta constitucional, elaborada em 1787, a possibilidade de conclusão de
acordos internacionais distintos dos tratados, sem aprovação do Senado (MEDEIROS, 1995,
p. 211).
O artigo I, seção 10, da Constituição norte-americana dispõe que:
1. Nenhum Estado poderá participar de tratado, aliança ou confederação [...]
3. Nenhum Estado poderá, sem o consentimento do Congresso, [...], concluir
qualquer acordo ou convênio com outro Estado ou potência estrangeira.
Baseada nos artigos acima transcritos, a doutrina sustenta que a diferença entre os
termos utilizados pelos constituintes teria sido deliberada: acordo (agreement) ou convênio
(compact) o podem ser interpretados com o mesmo sentido de tratado (treaty), aliança
(alliance) ou confederação (confederation) (MEDEIROS, 1995, p. 211).
A intenção do constituinte teria sido permitir todo tipo de acordo aceito pelo Direito
Internacional, e o limitar todos os compromissos externos ao processo formal previsto no
artigo II, seção 2, da Constituição. Portanto, nem todos os compromissos assumidos com
outros Países teriam que ser considerados tratados (MEDEIROS, 1995, p. 211). Conforme
esta interpretação, os acordos (agreements) poderiam ser concluídos pelo Presidente sem a
aprovação do Legislativo.
Assim, na terminologia norte-americana os ajustes que seguem as fases de negociação,
26
Neste sentido, manifesta-se Verdross (1976, p. 145).
42
assinatura e ratificação são denominados tratados (treaties); já os ajustes que se concluem sem
a intervenção do órgão competente para concluir tratados são denominados acordos
(agreements) (HALAJCZUK; DOMÍNGUEZ, 1978, p. 72).
Nota-se que nos primeiros intervenção dos órgãos competentes para concluir
tratados (Presidente e Senado), enquanto que os segundos são concluídos pelo Ministro das
Relações Exteriores, por agentes diplomáticos, ou ainda pelo próprio Presidente mas sem a
participação do Senado.
Alguns juristas discordam dessa interpretação dada à Constituição norte-americana.
Raoul Berger (apud MEDEIROS, 1995, p. 212), por exemplo, entende que ao prever que os
Estados federados podem celebrar acordos (agreements) e ao omitir a mesma autorização para
o Presidente, os constituintes pretenderam recusar-lhe tal poder.
Na visão de juristas como Berger, a tentativa de ver no poder para celebrar tratados
dos Estados federados, com o consentimento do Congresso, um poder análogo do Presidente
de também fazer tais acordos, sem o consentimento do Congresso, seria infundada. Ou seja, a
intenção dos constituintes teria sido limitar a ação do Presidente na área diplomática através
da exigência da aprovação do Senado para os compromissos internacionais (MEDEIROS,
1995, p. 212).
Também se tenta dotar os acordos executivos de uma base constitucional invocando-se
o fato de que o Presidente é o chefe supremo do Exército e da Marinha dos Estados Unidos,
que recebe os embaixadores e os Ministros e que deve velar pela fiel execução das leis.
Assim, em virtude desta habilitação, o Presidente poderia concluir sozinho acordos militares e
todos os acordos que julgar necessário para permitir aos EUA o cumprimento das obrigações
internacionais contraídas em tratados anteriores (DINH; DAILLIER; PELLET, 1999, p. 136).
Por algum tempo nos EUA dominou a opinião de que os acordos executivos só
poderiam ter valor político, sem criar Direito interno a ser aplicado pelos tribunais, porém em
1937 a Suprema Corte afirmou a obrigatoriedade destes acordos
27
(MELLO, 2000, p. 311),
considerando que para os tratados (treaties) - e não para os acordos (agreements) - a
Constituição exige a aprovação do Senado (REZEK, 2004, p. 124).
Mello (2004, p. 235) observa que existem três posições sobre o fundamento da
obrigatoriedade dos acordos executivos: a) a defendida por Bittner, que sustenta serem eles
válidos porque se fundamentam em uma competência própria dos que o concluem; b) a de
27
A obrigatoriedade dos acordos executivos foi reconhecida no caso United States v. Belmont (MELLO, 2000,
p. 311).
43
Chailley, de que a obrigatoriedade decorre do Direito público do Estado, havendo uma
delegação tácita de competência feita pelo chefe de Estado; c) e a de P. Visscher, de que
existe um costume neste sentido.
Não consenso entre os constitucionalistas norte-americanos sobre a esfera de
matérias a que se podem validamente estender os executive agreements. Alguns entendem que
referidos acordos podem abranger matéria contida dentro dos poderes administrativos do
Executivo; outros, que eles poderão versar sobre qualquer questão que não abranja matéria
legislativa ou outra competência do Congresso (PEREIRA; QUADROS, 2002, p. 218-219).
A exposição feita pelo Secretariado da ONU sobre a prática norte-americana considera
que os acordos executivos abrangem três categorias: a) acordos concluídos com
consentimento do Congresso; b) acordos concluídos com governos estrangeiros que
dependam de sanção ou complementação específica a ser dada pelo Congresso; c) acordos
concluídos pelo Executivo dentro do seu poder constitucional (MELLO, 2000, p. 310).
Entretanto, conforme esclarece Mello (2000, p. 310), a última categoria constitui os
verdadeiros acordos executivos, sendo que os demais seriam melhor denominados de
“acordos legislativos executivos” – visto que nestes há participação do Congresso.
Medeiros (1995, p. 216) também concorda que os acordos celebrados pelo Executivo
que advém de prévia ou subseqüente aprovação do Congresso deveriam ser chamados de
“congressionais executivos”, ficando a denominação “executivos” reservada aos acordos
celebrados pelo Presidente sozinho, baseado em sua própria autoridade.
Guido Soares (2004, p. 208) nota que os chamados congretional executive agreements
(acordos congressionais executivos) são tratados celebrados pelo Executivo, após ter havido
uma autorização expressa do Congresso Nacional
28
, que se por meio de delegações de
poderes vigentes por um período curto e determinado e adstritas a assuntos que seriam da
competência daquele colegiado.
O mecanismo mencionado por Guido Soares diz respeito aos tratados celebrados pelo
procedimento fast track
29
- atualmente denominado Trade Promotion Authority (TPA). Neste
28
O artigo 1º, VIII, da Constituição norte-americana atribui ao Congresso competência para regular o comércio
com nações estrangeiras.
29
Como nos EUA há necessidade de intervenção do Congresso na aprovação dos tratados em matéria comercial,
ampla atuação de grupos de pressão relacionados com setores sociais e empresariais que possivelmente serão
afetados pelos compromissos externos. Desta forma, a aprovação de tratados esbarra em alguns congressistas
que, independentemente de filiação partidária, defendem abertamente interesses locais. Apesar de o fenômeno
ser típico das democracias, nos EUA o poder dos grupos de pressão pode ser decisivo, principalmente em temas
44
caso autorização para o Presidente negociar tratados comerciais conforme certos objetivos
a serem perseguidos e limites relacionados ao que pode ser concedido nas negociações, os
quais são previamente estabelecidos pelo Congresso. Além disso, o acordo firmado pelo
Presidente nestas circunstâncias ainda terá que ser aprovado pelo Congresso, mas sem
possibilidade de emendas.
Não é esta a situação que permeia a conclusão dos executive agreements (acordos
executivos), pois neste caso o chefe do Executivo conclui o tratado autonomamente, isto é,
sem apreciação prévia ou posterior da norma convencional pelo Poder Legislativo.
Assim, diferentemente dos Estados que possuem previsão constitucional de categorias
de tratados que dispensam aprovação do Legislativo, o governo dos EUA conclui tratados
sem aprovação parlamentar com base em três argumentos: tais acordos são implicitamente
autorizados pela Constituição; são considerados inerentes aos poderes constitucionais da
Presidência; e decorrem de um costume.
O número destes acordos aumenta ano a ano nos EUA, sendo que ajustes da mais alta
importância foram e são assinados sob a forma de executive agreements, o que torna
praticamente impossível precisar quais as matérias que exigem o procedimento formal, com o
consentimento do Senado, e quais podem se utilizar do procedimento simplificado
30
(ATHAYDE, 1970, p. 171).
Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, certas bases navais foram cedidas
pelos Estados Unidos à Grã-Bretanha através de acordos executivos (ATHAYDE, 1970, p.
171). O mesmo procedimento foi adotado para tratados importantíssimos como o acordo de
complexos e distantes da opinião pública. Esta situação fez com que o Congresso norte-americano passasse a
autorizar o Presidente a negociar e firmar acordos comerciais que são posteriormente aprovados ou não pelo
Congresso, sem possibilidade de emendas – trata-se da “via rápida” (fast track) (BARRAL, 2003, p. 20-21).
30
Com o objetivo de reduzir os poderes presidenciais, o Senador de Ohio, John Briker, apresentou, por várias
vezes (em 1951, 1952, 1953 e 1957) uma emenda destinada a submeter à autorização do Congresso todos os
acordos celebrados pelos Estados Unidos. Tal iniciativa consistiu na tentativa de democratizar completamente a
condução da política externa do país, inclusive associando-lhe a participação da Câmara dos Representantes que
tinha sido afastada quando da elaboração da Constituição. Contudo, a referida emenda que ficou conhecida
como emenda Briker - foi rejeitada pelo Senado norte-americano (DINH; DAILLIER; PELLET, 1999, p. 137).
Os projetos apresentados pelos senadores L. M. Beentsen e J. Gleen em 1975 e o projeto Morgan-Zablocki em
1976 também constituem tentativas de reverter a fuga do controle parlamentar dos executive agreements.
Referidos projetos não permitem a entrada em vigor dos acordos executivos senão 60 dias após a sua tramitação
em ambas as maras, ou apenas no Senado, e sob reserva de não existir voto desfavorável naquele prazo.
Entretanto, a margem de manobra do Executivo sofreu alteração mas de forma bastante branda - pela
Resolução 536 votada em 1978, que permite que a Comissão das Relações Externas do Senado possa, no decurso
de uma negociação, dar seu parecer ao governo sobre a escolha entre a forma de tratado ou de acordo executivo
(DINH; DAILLIER; PELLET, 1999, p. 137).
45
Yalta de fevereiro de 1945 e o ato final da Conferência de Paris de fevereiro de 1973 sobre a
cessação da guerra do Vietnã (DINH; DAILLIER; PELLET, 1999, p. 132).
A exemplo dos Estados Unidos, em outros países, em que as normas constitucionais
conservam as regras clássicas de divisão de competência para a celebração de tratados entre o
Executivo e o Legislativo, desenvolveram-se práticas diplomáticas desvirtuadas da
Constituição, através das quais o governo conclui tratados sem a devida aprovação
parlamentar (MEDEIROS, 1995, p. 199).
Em geral, nesses países o estimuladas interpretações dos textos constitucionais no
sentido de que certos acordos como os de interpretação, complementação ou execução de
tratados pré-existentes possam ser concluídos sem aprovação legislativa (MEDEIROS, 1995,
p. 227). Freqüentemente, o argumento utilizado para justificar a não submissão de certos
tratados ao Parlamento baseia-se em poderes inerentes do chefe do Poder Executivo, os quais
decorreriam da sua competência para representação do Estado na esfera externa.
Como observa Rodas (1973, p. 322-323), por serem tecnicamente simples, já que não
exigem outra formalidade que não a assinatura – ato a cargo do Poder Executivo -, os acordos
executivos multiplicaram-se em muitos países em que os governantes também passaram a se
preocupar em reduzir a apreciação do Poder Legislativo em determinados tratados.
1.3 O processo de conclusão dos tratados
Conforme Reuter (2001, p. 79-80), “se conclui um tratado quando os Estados
expressam sua intenção definitiva de contrair obrigações [...] Mas em um sentido mais geral
‘conclusão’ se refere a todo o conjunto de procedimentos que inclui diversos instrumentos, de
onde surgem os tratados internacionais”.
O Direito Internacional não estabelece uma forma especial para a conclusão
31
dos
ajustes internacionais, porém verifica-se que a celebração dos mesmos ocorre através de um
processo que está diretamente relacionado com a competência para concluir tratados, a qual é
regulada pelo Direito interno.
31
Os termos “celebração” e “conclusão” possuem a mesma significação, sendo, portanto, usados indistintamente
(GUARDIA; DELPECH, 1970, p. 192).
46
Conforme observa Menéndez (1995, p. 243), um acordo internacional celebrado por
Estados possui natureza de ato jurídico com valor simultâneo no Direito interno e no Direito
Internacional. É por isso que nos sistemas constitucionais nacionais estão em vigor normas de
Direito interno aplicável à matéria. Tais normas, em geral, indicam que órgãos do Estado têm
competência para formar e declarar a vontade estatal em obrigar-se por um tratado
internacional.
Ainda que o Direito Internacional manifeste tendência de disciplinar alguns aspectos
referentes à celebração dos tratados (o que é visível na Convenção de Viena), é no Direito
constitucional de cada Estado que se deve buscar a indicação dos órgãos que podem vincular
o Estado na esfera externa e a competência para o ato (PEREIRA; QUADROS, 2002, p. 186).
Considerando tal situação, pode-se observar que desde o expresso estabelecimento da
competência dos Poderes constituídos para celebrar tratados nas primeiras Constituições, o
Executivo deixa de deter a exclusividade na condução do processo de conclusão de tratados
de que gozara e passa a participar de somente algumas fases do processo. Ou seja, o
Executivo cede espaço de atuação diante do reconhecimento da competência do Legislativo
para participar da formação da vontade do Estado em obrigar-se pelos tratados.
1.3.1 Fases do processo de conclusão dos tratados
Os tratados internacionais são atos solenes, cuja conclusão requer a observância de
certas formalidades que buscam atender as exigências impostas pela ordem interna e também
pela ordem externa. Considerando tal premissa, são quatro as fases pelas quais os tratados
precisam passar para sua conclusão: negociação, assinatura, ratificação e manifestação do
consentimento.
Negociação é o momento em que os representantes do Poder Executivo dos Estados se
reúnem com a intenção de concluir um tratado, elaborando um texto escrito que é adotado por
todos os negociadores (MELLO, 2004, p. 225).
A aprovação do texto do tratado ocorre quando se alcança unanimidade entre os
Estados que participam da negociação, a menos que se trate de uma conferência internacional,
47
caso em que é preciso alcançar a maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes
32
.
Ao término dos trabalhos de negociação, tendo se alcançado a concordância sobre os
termos do tratado, ocorre a assinatura, que tem a função de autenticar o texto convencional
adotado pelos Estados contratantes. A assinatura não representa a obrigação do Estado em
relação ao tratado, mas atesta que as cláusulas pactuais estão de acordo com o que foi
negociado pelos representantes dos contratantes.
Apesar da assinatura não vincular o Estado ao tratado, nem significar obrigação de
futura vinculação, é preciso observar que de acordo com o artigo 18 da Convenção de Viena,
os Estados que assinam um compromisso internacional devem se abster dos atos que frustrem
o seu objetivo e a sua finalidade
33
.
Concluídas as fases de negociação e assinatura, dá-se prosseguimento ao processo de
conclusão com a realização da ratificação. No presente trabalho considera-se ratificação a
submissão do tratado negociado pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, para que este
último exercite sua competência para celebrar tratados, aprovando-o ou rejeitando-o.
No entanto, um breve exame no entendimento da doutrina sobre o tema mostra que a
ratificação tem sido tratada de maneira bastante equivocada, estabelecendo-se, assim, uma
considerável confusão em torno deste ato.
Pereira e Quadros (2002, p. 196-197), por exemplo, afirmam que ratificação é o ato
pelo qual “o órgão competente do Estado afirma a vontade deste de se vincular ao tratado cujo
texto foi por ele assinado”. Trata-se, na ponderação dos referidos autores (2002, p. 202), de
um ato realizado pelo chefe de Estado que pode depender de aprovação do órgão legislativo.
Da mesma forma, Sette Câmara (1952, p. 74) entende que a ratificação é o ato
unilateral de vontade pelo qual o chefe de Estado dá o seu assentimento à participação do país
no tratado. Para este internacionalista, os processos internos de aprovação do tratado o
devem ser confundidos com a ratificação, a qual ocorre na ordem internacional.
32
Salvo se os Estados presentes e votantes na conferência decidirem fixar uma regra de votação diferente. É o
que estabelece o artigo 9º da Convenção de Viena.
33
O artigo 18 da Convenção de Viena estabelece que:
“Um Estado deverá abster-se da prática de atos que frustrem o objetivo e a finalidade de um tratado, quando:
a) tendo assinado, trocado instrumentos que constituam um tratado sob reserva de ratificação, aceitação ou
aprovação, não tiver ainda manifestado sua intenção de não se tornar parte no tratado;
b) expressou seu consentimento em obrigar-se por um tratado, no período que precede a entrada em vigor do
tratado e desde que esta não tiver sido retardada indevidamente”.
48
Considerando que ratificação significa aprovação, ou mais precisamente, a
confirmação de um ato efetuado anteriormente, a doutrina considera que pelo ato de
ratificação o Executivo confirma, na esfera internacional, a assinatura do tratado - que é um
ato seu realizado anteriormente.
A despeito do entendimento da doutrina, convém esclarecer que através da ratificação
configura-se o exercício do poder reconhecido constitucionalmente ao povo - por obra das
Revoluções burguesas - de, por meio de seus representantes, decidir sobre as normas que lhe
impõe obrigações.
Com efeito, a ratificação é um ato realizado na ordem interna que se destina à
confirmação do texto do tratado elaborado pelo Executivo por ocasião da negociação e da
assinatura. Ou seja, pelo ato da ratificação, o Legislativo aprova o texto convencional que é
resultado de um ato anterior realizado pelo Executivo. Em última instância, verifica-se que o
ato de ratificação concorre para a formação do consentimento (ou vontade) do Estado em
obrigar-se pelo tratado.
A propósito, é importante o confundir a formação do consentimento do Estado em
obrigar-se por um tratado com a manifestação do consentimento na ordem internacional, que
lhe é posterior e constitui a última fase do processo de conclusão. A primeira situação envolve
a participação do Executivo (na negociação e na assinatura do texto tratado) e do Legislativo
(na ratificação do texto do tratado), de forma que com a soma das vontades destes dois órgãos
aperfeiçoa-se o consentimento do Estado.
Por outro lado, a segunda situação refere-se à expressão do consentimento estatal - o
qual foi formado anteriormente pelos Poderes competentes - na esfera internacional junto ao
(s) outro (s) Estado (s) contratante (s). Em suma, trata-se da notícia da ratificação. Neste caso,
o ato é realizado somente pelo Executivo, normalmente pelo chefe de Estado.
Nota-se que, evidentemente, a segunda situação está subordinada à primeira, pois
somente após a ratificação pelo Legislativo do ajuste internacional negociado pelo Executivo
é que o chefe de Estado manifesta o consentimento estatal na ordem externa, vinculando, por
fim, o Estado ao tratado.
Destarte, o é pela ratificação em si que o tratado torna-se obrigatório para as partes,
mas pela manifestação do consentimento estatal, a qual é expressa no instrumento de
ratificação (ou carta de ratificação). É com a troca dos instrumentos de ratificação pelas partes
49
contratantes - em caso de tratados bilaterais - ou com o seu depósito - em caso de tratados
multilaterais - que o tratado adquire a vigência na ordem internacional.
Diante desses esclarecimentos, é importante frisar que é a última fase do processo de
conclusão dos tratados - ou seja, a manifestação do consentimento do Estado - que ocorre na
esfera internacional (através da troca ou depósito dos instrumentos de ratificação). A
ratificação propriamente dita é ato de natureza interna, pois ocorre perante o Poder
Legislativo nacional.
1.3.2 Os acordos em forma simplificada
Conforme mencionado anteriormente, alguns Estados procuraram limitar
constitucionalmente a participação do Legislativo na conclusão dos tratados (sistema de lista
positiva ou negativa) e em outros, estabeleceu-se a prática diplomática de celebrar alguns
tratados sem aprovação parlamentar (acordos executivos).
Com base nestas limitações impostas à competência do Legislativo, os governos dos
Estados passaram a utilizar uma forma desvirtuada de celebração de tratados, a qual os
doutrinadores denominam “forma simplificada”.
Trata-se de uma simplificação do processo de conclusão de tratados pela qual ao invés
de se seguir as quatro fases do processo (negociação, assinatura, ratificação e manifestação do
consentimento), os ajustes internacionais são concluídos mediante a implementação das duas
primeiras fases somente. Nesta situação, o corre a intervenção do Poder Legislativo e o
tratado entra em vigor com a sua simples assinatura.
Ou melhor, o processo limita-se à negociação e à assinatura, de forma que esta última
manifesta o consentimento definitivo do Estado em obrigar-se pelo tratado (REUTER, 2001,
p. 87). Segundo Espada (1995, p. 310), os tratados em que se presta o consentimento
mediante a assinatura ou mediante a troca de notas
34
são chamados de “acordo em forma
simplificada”. Nesta situação não é necessário qualquer outro ato depois da assinatura, seja
ratificação, aceitação ou aprovação (DINH; DAILLIER; PELLET, 1999, p. 131).
34
A troca de notas consiste no intercâmbio de textos do tratado, de forma que cada Estado fica com o texto
assinado pelo outro.
50
Guardia e Delpech (1970, p. 223) entendem que os acordos em forma simplificada são
concluídos por negociadores, ministros e embaixadores, não havendo a intervenção direta dos
Poderes competentes para celebrar tratados. Entretanto, é preciso considerar que em muitos
casos estes acordos são celebrados pelo próprio Presidente que na qualidade de chefe de
Estado geralmente detém poder para celebrar tratados e mesmo que este não intervenha
sempre, pode fazê-lo se quiser (MEDEIROS, 1995, p. 207).
Na visão de Celso de Albuquerque Mello (2004, p. 225), o que caracteriza os acordos
em forma simplificada é o fato de não serem apreciados pelo Congresso. A respeito deste
entendimento, Medeiros (1995, p. 207-208) assevera que a falta de submissão ao Poder
Legislativo é um dos aspectos que marca o procedimento simplificado, contudo, lembra que
na França os acordos em forma simplificada entram em vigor no instante da assinatura, mas
posteriormente são submetidos à aprovação parlamentar.
É importante salientar que o mecanismo mencionado por Medeiros, usado para
conclusão de alguns tratados na França, deve ser considerado uma peculiaridade daquele país,
haja vista que, em geral, os Estados que utilizam o procedimento simplificado não submetem
o tratado ao Legislativo depois de colocá-lo em vigor pela assinatura.
Doutrinadores como André G. Pereira, Fausto de Quadros (2002, p. 185) e Charles
Rousseau (1966, p. 33) entendem que o que caracteriza fundamentalmente os acordos em
forma simplificada é a falta de ratificação.
Para Medeiros (1995, p. 205), a falta de ratificação também não é suficiente para
demarcar cabalmente os acordos em forma simplificada, visto que o Executivo poderia
ratificar o tratado sem submetê-lo previamente ao Legislativo
35
. Por isso, Medeiros (1995, p.
202) conceitua a forma simplificada como sendo o processo [...] que elimina etapas do
processo solene (em geral suprime a aprovação parlamentar e a ratificação)”.
De qualquer forma, o fato é que por considerar que o Poder Executivo possui
competência para concluir sozinho determinados tratados, seus representantes utilizam esta
prática vinculando o Estado ao compromisso internacional sem oportunidade do Legislativo
se manifestar. Mesmo quando as Constituições prevêem expressamente a necessidade de
aprovação parlamentar para todos os tratados, os representantes do Executivo concluem
tratados sob a dita forma simplificada apoiando-se na teoria dos acordos executivos.
35
Medeiros usa a expressão “ratificação” no sentido de manifestação do consentimento estatal em obrigar-se
pelo tratado, realizada na esfera externa através da troca ou depósito dos instrumentos de ratificação.
51
Vários doutrinadores sustentam a regularidade dos tratados concluídos sem a
intervenção parlamentar e, assim como Mello (2004, p. 235), Dinh, Daillier e Pellet (1999, p.
133), consideram que os acordos em forma simplificada não são juridicamente inferiores aos
demais, mas possuem os mesmos efeitos.
Atualmente, muitos Estados - alguns até mesmo ignorando seus próprios requisitos
constitucionais para celebração de tratados - celebram compromissos internacionais
utilizando-se deste procedimento, de forma que muitas matérias são reguladas pelo Poder
Executivo sem intervenção parlamentar. Espada (1995, p. 312) salienta que, se inicialmente
esta prática era mais utilizada em acordos de natureza militar, atualmente interesses
econômicos, financeiros e inclusive questões de alta importância política têm sido objeto de
tratados celebrados através da forma simplificada.
Para Charles Rousseau (1966, p. 34), o grande desenvolvimento dos acordos em forma
simplificada se explica principalmente por motivos de ordem prática, como a simplicidade e a
rapidez do seu processo de conclusão.
Conforme informam Dinh, Daillier e Pellet (1999, p. 131), os acordos em forma
simplificada multiplicaram-se consideravelmente. Na França, por exemplo, em 60% dos
tratados concluídos foi utilizada a forma simplificada. Nos EUA a proporção é da mesma
grandeza. Segundo Mello (2004, p. 233), metade dos tratados publicados nos primeiros 465
volumes da coletânea de tratados da ONU, (United Nations Treaty Series), entraram em vigor
somente com a assinatura, ou seja, sem a aprovação do órgão Legislativo.
1.4 A competência para concluir tratados e a Convenção de Viena
1.4.1 A forma de manifestação do consentimento e as exigências da ordem interna
Historicamente, a troca ou o depósito dos instrumentos de ratificação tem sido a forma
de manifestar o consentimento em obrigar-se pelo tratado utilizada como regra geral pelos
Estados. Como mencionado, o instituto da ratificação era utilizado na Antiguidade,
servindo de instrumento de aprovação dos tratados pelo povo ou pelas assembléias e também
como forma de manifestação do consentimento dado ao tratado junto a outra parte
52
contratante. Na Idade Média, o uso da ratificação perdurou, passando, no entanto, a ser
prerrogativa dos monarcas.
Com as Revoluções do século XVIII, ao se reconhecer a necessidade de aprovação
parlamentar das normas que criam direitos e obrigações para o povo, o Poder Legislativo
também adquiriu a competência para a ratificação. Assim, com o constitucionalismo, a
ratificação passou a ser necessária para conferir validade aos tratados, tendo se generalizado
pelo costume e se consolidado no Direito Internacional e na jurisprudência (PODESTÁ
COSTA, 1955, p. 373).
Nesta perspectiva, a Convenção de Havana Sobre Tratados de 1928
36
- que representa
uma tentativa regional de codificação das normas sobre os tratados - considera que a
ratificação é a única forma de aceitação definitiva de um tratado ao estabelecer que:
Art. 5º Os tratados não serão obrigatórios senão depois de ratificados pelos
Estados contratantes, ainda que esta cláusula não conste nos plenos poderes
dos negociadores, nem figure no próprio tratado.
Podestá Costa (1955, p. 373) observa que os Estados têm encontrado na ratificação a
vantagem de poder examinar cuidadosamente as estipulações do tratado, de conhecer sua
repercussão na opinião pública e, só então, proceder ou não a sua confirmação.
Entretanto, hodiernamente, tem-se considerado que o Legislativo não es
acompanhando a dinâmica das relações internacionais e outras formas de manifestação do
consentimento estatal - como a assinatura - são reivindicadas pelos governos e pela doutrina.
Brotons (1987, p. 100), por exemplo, advoga que diante das exigências do comércio
internacional contemporâneo têm aparecido e prosperado outras formas de consentimento,
que são menos solenes, mais rápidas e igualmente satisfatórias para manifestar a vontade do
Estado em obrigar-se por um tratado.
Essas novas formas são reconhecidas pelo Direito Internacional através da Convenção
de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, a qual estabelece em seu artigo 11 que:
Art. 11. Meios de manifestar consentimento em obrigar-se por um tratado.
O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se
pela assinatura, troca de instrumentos constitutivos do tratado, ratificação,
36
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Convenção sobre Tratados. Disponível em:
<http://www2.mre.gov.br/dai/dipub.htm>. Acesso em: 13 mar. 2006.
53
aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim
acordado.
Como informa Brownlie (1998, p. 628), na elaboração da Convenção, em princípio a
Comissão do Direito Internacional (CDI) considerou que os tratados exigem a ratificação - ou
melhor, a troca ou depósito dos instrumentos de ratificação - como meio dos Estados
manifestarem o consentimento em obrigar-se por um tratado, admitindo algumas exceções.
Mas posteriormente a Comissão mudou de opinião, regulando a questão através da referência
à intenção das partes.
Nascimento e Silva (1971, p. 23-24) relata que por ocasião da definição dos artigos
que regulam a manifestação do consentimento surgiram controvérsias quanto à possibilidade
de um Estado vincular-se ao tratado pela assinatura. O professor Haroldo Valladão - consultor
jurídico do Ministério das Relações Exteriores brasileiro -, por exemplo, manifestou-se de
forma contrária a esta possibilidade.
Valladão alertava para o fato de que os tratados assinados pelos chefes de Estado, de
Governo ou Ministros das Relações Exteriores poderiam obrigar imediatamente os Estados
sem observância das disposições do Direito interno sobre sua aprovação (Congresso, Senado),
independentemente de ratificação (NASCIMENTO E SILVA, 1971, p. 24).
A posição que prevaleceu, no entanto, foi no sentido de admitir a vinculação do Estado
ao tratado pela assinatura. A respeito, Nascimento e Silva (1971, p. 25) destaca as
ponderações emblemáticas do delegado brasileiro de 1968, o embaixador Gilberto Amado que
declarou que “hoje em dia é necessário agir rapidamente e que os métodos pelos quais o
consentimento se manifesta são tão numerosos que a ratificação, aquela respeitável instituição
de séculos anteriores, não é tão importante”.
Para Accioly (1998, p. 28), a Convenção inovou no aspecto referente à manifestação
do consentimento, pois além de admitir a assinatura como meio de um Estado se obrigar por
um tratado, menciona outras formas, levando em conta certas particularidades de
determinados países.
Nascimento e Silva (1971, p. 24) afirma que a Convenção de Viena, através dos
artigos 12 e 14, coloca a assinatura e a ratificação (bem como a aceitação ou a aprovação) em
de igualdade, de forma que a assinatura terá o efeito de vincular o Estado de imediato,
54
independente da ratificação, se o Estado interessado assim o desejar
37
.
Para a Convenção de Viena, que se ocupa dos efeitos do tratado na ordem externa,
qualquer meio - assinatura, troca de instrumentos constitutivos (também chamada de troca de
notas), troca ou depósito dos instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou
outros meios – escolhido para manifestar o consentimento estatal é apto para conferir vigência
ao tratado na esfera internacional.
Porém, ao contrário do que poderia parecer em princípio, os negociadores do tratado
não possuem liberdade irrestrita para escolher o meio de manifestar o consentimento do
Estado que representam, pois devem optar pelos meios que estejam em conformidade com as
suas normas constitucionais referente à competência para concluir tratados.
Conforme observa Paulo Nogueira Batista (1993, p. 53), frente ao Direito
Internacional, os Estados se obrigam juridicamente na forma ajustada pelos mesmos no
tratado celebrado, cabendo aos governantes estipular no momento da assinatura do tratado os
casos em que se tornará necessária a ratificação do ato pelo Poder Legislativo.
Ressalta-se que não se pretende discutir a legitimidade dos sistemas de repartição da
competência para concluir tratados adotados pelos Estados que limitam a participação do
Legislativo. Busca-se, porém, evidenciar as implicações dos referidos sistemas na validade do
tratado, tendo em vista a ordem interna e as disposições da Convenção de Viena.
Feita esta ressalva, é possível identificar as seguintes implicações:
37
“Artigo 12 - Consentimento em obrigar-se por um tratado manifestado pela assinatura
1. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela assinatura:
a) quando o tratado disponha que a assinatura produz esse efeito;
b) quando fique estabelecido, de outra forma, que os Estados negociadores acordaram em dar à assinatura esse
efeito; ou
c) quando a intenção do Estado interessado em dar esse efeito à assinatura decorre dos plenos poderes de seu
representante ou tenha sido manifestada durante a negociação.
2. Para os efeitos do parágrafo 1:
a) a rubrica de um texto tem o valor de assinatura do tratado, quando fica estabelecido que os Estados
negociadores nisso acordaram;
b) a assinatura ad referendum de um tratado pelo representante de um Estado, quando confirmada por esse
Estado, constitui uma assinatura definitiva do tratado”.
“Artigo 14 - Consentimento em obrigar-se por um tratado manifestado pela ratificação, aceitação ou aprovação
1. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela ratificação:
a) quando o tratado disponha que esse consentimento se manifeste pela ratificação;
b) quando fique estabelecido, de outra forma, que os Estados negociadores acordaram em que a ratificação
seja exigida;
c) quando o representante do Estado assine o tratado, sob reserva de ratificação;
d) quando a intenção do Estado de assinar o tratado, sob reserva de ratificação, decorra dos plenos poderes de
seu representante ou tenha sido manifestada durante a negociação.
2. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela aceitação ou aprovação, em
condições análogas àquelas aplicáveis à ratificação”.
55
a) Se as normas constitucionais do Estado contratante atribuem competência para
celebrar tratados ao Executivo e ao Legislativo sem prever exceções à participação
parlamentar, a expressão do consentimento estatal pode ocorrer por meio de troca ou
depósito dos instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão
38
. Esta é também a
solução a ser adotada se houver previsão constitucional de limitações da participação
parlamentar, mas o tratado que está sendo celebrado não se inclui nos casos em que está
dispensada a atuação do Legislativo.
A aceitação e aprovação são termos que em tudo equivalem à ratificação
39
(DINH;
DAILLIER; PELLET, 1999, p. 127). Por sua vez, a adesão ocorre quando um Estado que não
participou das negociações de um tratado, assinado por outros Estados, aceita formalmente
as suas disposições, vinculando-se ao mesmo.
Ocorre que tanto a ratificação - aceitação, aprovação - como a adesão pressupõem a
aprovação do compromisso internacional pelo Poder Legislativo
40
, de forma que o
consentimento do Estado só se manifesta em definitivo depois de cumprida a exigência
constitucional de aprovação parlamentar do acordo.
b) Por outro lado, a assinatura e a troca de notas
41
podem ser eleitas como forma de
expressar o consentimento em obrigar-se por um tratado se na ordem interna do Estado
contratante estiver prevista a não participação do Poder Legislativo para aquela categoria de
tratado que está sendo celebrado. Tal situação pode configurar-se no caso dos Estados que
adotam o sistema de lista positiva ou negativa.
Nessa situação Guardia e Delpech (1970, p. 227) consideram que a assinatura não é
utilizada como ato destinado à autenticação do texto do tratado, sujeito à ratificação posterior,
38
Com exceção de sistemas que possuem mecanismos peculiares, como é o caso do sistema francês em que
alguns tratados o postos em vigor apenas pela assinatura, porém são submetidos à aprovação parlamentar
posteriormente.
39
Para Brownlie (1998, p. 632), as expressões “aceitação” e “aprovação” não possuem uma terminologia
definitiva. Contudo, quando um tratado é expressamente aberto para assinatura “sujeito à aceitação” isto
equivale a estar “sujeito à ratificação”. Os termos “aceitação” e “aprovação” são entendidos no presente trabalho
como sendo sujeitos à aprovação parlamentar, seja prévia ou posterior.
40
A doutrina, de um modo geral, tem declarado que a adesão é estranha à ratificação, porém a prática
internacional tem consagrado a possibilidade de ratificação na adesão, talvez por reconhecer que o Executivo
muitas vezes não aguarda o referendo do Legislativo e se apressa em aderir ao tratado (MAZZUOLI, 2004, p.
100). Por outro lado, a adesão poderá ser efetuada mediante prévia aprovação parlamentar.
41
Usualmente, o procedimento da troca de notas traduz a opção das partes pelo procedimento breve
(simplificado), não havendo submissão do tratado ao Legislativo, desta forma, o consentimento do Estado se
expressa ao final da negociação. Nesta perspectiva, não é a assinatura em si que expressa o consentimento, mas a
transmissão das notas à parte co-pactuante (REZEK, 1984, p. 262).
56
mas representa a autenticação e a prestação do consentimento. Isto é, mediante a assinatura,
sem necessidade de posterior ratificação, o tratado vincula definitivamente o Estado.
Destarte, embora a Convenção de Viena reconheça a aptidão das várias formas de
manifestar o consentimento estatal, cabe aos representantes do Executivo verificar se o
sistema repartição de competência para concluir tratados adotado pelo seu Estado é
compatível com a escolha da assinatura ou da troca de notas como forma de manifestar o
consentimento.
1.4.2 A ordem internacional e a violação das exigências da ordem interna
Outra questão objeto de controvérsias por ocasião da elaboração da Convenção de
Viena refere-se aos efeitos dos acordos concluídos com violação das disposições
constitucionais sobre competência para concluir tratados situação em que ocorre a chamada
inconstitucionalidade extrínseca
42
ou ratificação imperfeita.
É o que se dá, por exemplo, quando a ordem interna de um Estado estabelece a
submissão de todos os tratados ao Poder Legislativo, mas os representantes do Executivo
põem um tratado em vigor pela assinatura, ou seja, desviando-o da aprovação parlamentar que
deveria ocorrer na ratificação.
Em relação à ordem interna, não restam dúvidas quanto à inconstitucionalidade do
tratado concluído nestas condições. na ordem internacional, a questão motivou um debate
sobre a validade do tratado entre os adeptos da teoria constitucionalista e os da teoria
internacionalista.
Para a primeira teoria, que defende a soberania nacional, a observância das regras
constitucionais dos Estados é requisito essencial para a validade do tratado na esfera
internacional, pois é o Direito interno que estabelece os órgãos competentes para concluir
tratados (FRAGA, 1998, p. 34-35).
A teoria constitucionalista baseia-se na prevalência das disposições constitucionais
42
De outro lado, a inconstitucionalidade intrínseca ocorre quando o tratado respeita as normas internas de
conclusão de tratado (por exemplo: aprovação do Legislativo), mas o conteúdo de alguma norma contratual viola
a Constituição do Estado (MELLO, 2000, p. 344).
57
frente ao Direito Internacional
43
. Nesta concepção, se um acordo for celebrado em desatenção
às disposições constitucionais sobre a competência para concluir tratados, o mesmo será nulo
na ordem internacional.
Por outro lado, a teoria internacionalista procura reduzir a influência da Constituição
sobre a validade dos tratados, para garantir maior estabilidade nas relações convencionais.
Essa doutrina considera relevante apenas o cumprimento das regras referentes ao poder de
representar o Estado na esfera internacional, assim, se o tratado foi firmado com violação do
Direito interno, tal fato não teria conseqüências na ordem internacional (FRAGA, 1998, p.
39).
Assim sendo, segundo essa doutrina, as regras constitucionais de cada Estado são
irrelevantes para o Direito Internacional, importando-lhe apenas quem detém a competência
para expressar a vontade do Estado, que via de regra é o chefe de Estado.
Na visão de Dionísio Anzilotti (apud MEDEIROS, 1995, p. 251-252), a declaração do
chefe de Estado aos demais Estados contratantes de que as condições constitucionais foram
cumpridas é suficiente para que um tratado seja válido, o havendo o dever de um Estado
verificar a exatidão desta declaração. Segundo argumenta o internacionalista Fitzmaurice
(apud MEDEIROS, 1995, p. 253), é difícil aceitar que exista presunção de que um Estado
deva conhecer o Direito interno dos outros.
Ao considerar que a validade dos tratados depende unicamente da competência para
declarar a vontade estatal e não para formá-la, a teoria internacionalista possibilita concluir-se
pela validade internacional de acordos postos em vigor pela assinatura por Estados cuja
Constituição determina a aprovação de todos os tratados pelo Poder Legislativo.
Medeiros (1995, p. 251)
nota que a concepção internacionalista encontra inspiração
“na antiga regra da competência do chefe de Estado para concluir validamente tratados, o jus
representationis omnimodae, conferido pelo Direito Internacional”.
Tentando conciliar as teorias em confronto, surgiu a concepção eclética. Para os
defensores desta corrente, a alegação de um Estado de que o tratado celebrado é inválido por
ter sido concluído em desrespeito às suas normas constitucionais sobre competência pode
43
A Convenção de Havana Sobre Tratados de 1928 adotou a teoria constitucionalista ao estabelecer que:
“Artigo 1º. Os tratados serão celebrados pelos poderes competentes dos Estados ou pelos seus representantes,
segundo seu Direito interno respectivo”.
58
ser aceita se a violação a essas normas for manifesta. Assim, as restrições notórias à
competência para concluir tratados, a respeito das quais os outros Estados deveriam estar
informados, devem ser levadas em conta (MEDEIROS 1995, p. 256-257).
De acordo com Medeiros (1995, p. 263), a Convenção de Viena regulou a questão
adotando a teoria eclética em seu art. 46:
Seção II
Nulidade de Tratados
Art. 46 [...]
1. Um Estado não poderá invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se
por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu Direito interno
sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação seja
manifesta e diga respeito a uma regra de seu Direito interno de importância
fundamental.
2. Uma violação será manifesta caso seja objetivamente evidente, para qualquer
Estado que proceder, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa
fé.
A Convenção estabelece que, como regra geral, o é possível ao Estado invocar seu
Direito interno sobre competência para concluir tratados para escusar-se de um compromisso
internacional. Contudo, admite excepcionalmente esta possibilidade no caso de violação
manifesta de regra do Direito interno de importância fundamental. Por importância
fundamental só se pode deduzir que se trata de normas constitucionais.
Ainda consoante a Convenção, a violação do Direito interno quanto à competência
para concluir tratados será manifesta se for “objetivamente evidente, para qualquer Estado que
proceder, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa fé”. Ou seja, a violação
deve referir-se a normas constitucionais notórias, como as referentes ao sistema de divisão da
competência entre os Poderes constituídos.
Apesar do estabelecimento do artigo 46 da Convenção de Viena, alguns juristas,
partidários do internacionalismo radical, passaram a sustentar que as manifestações de
consentimento realizadas por chefe de Estado, chefe de Governo, Ministro das Relações
Exteriores ou Embaixadores o válidas mesmo se efetuadas em violação às normas
constitucionais, porque o artigo 7º, inciso 2 da Convenção, prevaleceria sobre o artigo 46
(MEDEIROS 1995, p. 263).
O artigo 7º da Convenção de Viena diz que:
1. Uma pessoa é considerada representante de um Estado para a adoção ou
autenticação do texto de um tratado ou para expressar o consentimento do
Estado em obrigar-se por um tratado se:
59
a) apresentar plenos poderes apropriados; ou
b) a prática dos Estados interessados ou outras circunstâncias indicarem que a
intenção do Estado era considerar essa pessoa seu representante para esses
fins e dispensar os plenos poderes.
2. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos
poderes, são considerados representantes do seu Estado:
a) os chefes de Estado, os chefes de Governo e os Ministros das Relações
Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um
tratado;
b) os chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o
Estado acreditante e o Estado acreditado;
c) os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou
organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um
tratado em tal conferência, organização ou órgão.
No entendimento desses juristas, as declarações procedentes das pessoas mencionadas
no artigo 7º, inciso 2, da Convenção são válidas na ordem internacional independentemente
de se ter cumprido as normas internas sobre competência para concluir tratados porque o
artigo referido os considera representantes do Estado para expressar seu consentimento em
obrigar-se por um tratado.
Entretanto, conforme assevera Verdross (1976, p. 148), o princípio estabelecido no
referido artigo pressupõe que os órgãos competentes para declarar a vontade do Estado
possuam a necessária autorização jurídico-interna, pois é assim que a outra parte contratante
pode confiar na declaração. Mas, este pressuposto sucumbe se o outro Estado contratante
souber, ou deveria saber, que a declaração não corresponde à realidade.
A interpretação de Medeiros (1995, p. 264) é no sentido de que:
[...] o artigo 46 impõe limite à validade internacional dos atos dos representantes,
pois se a declaração do consentimento feita pelos mesmos violar
manifestadamente uma norma de importância fundamental do seu Direito Interno
relativa à competência para celebrar tratados, os Estados podem invocar tal
circunstância para obter a anulação dos tratados concluídos.
Convém lembrar que o Direito Internacional se ocupa em determinar quais são as
pessoas de Direito interno capazes de representar o Estado na órbita internacional, o que
corresponde ao poder de negociar, assinar os tratados e manifestar a vontade estatal.
Entretanto, não disciplina a competência para formar a vontade do Estado para obrigar-se pelo
tratado, que esta matéria somente pode ser regulada pelo Direito constitucional de cada
Estado. Assim sendo, não se pode resolver a questão apoiando-se somente em regras de
Direito Internacional.
60
Mello (2000, p. 343) explica que a Convenção de Viena procura manter o equilíbrio
entre a segurança jurídica e o respeito à democracia, no sentido de não mais reconhecer o jus
representationis omnimodae. Pelo que se verifica, buscou-se, na referida Convenção,
harmonizar o Direito Internacional com a democratização da atuação estatal, não oferecendo
guarida ao comprometimento do Estado por ato exclusivo do Executivo em situação que
represente contrariedade às normas constitucionais.
Diante da adoção da teoria eclética pela Convenção de Viena, mesmo que a avença
internacional seja concluída pelo chefe de Estado ou por negociadores que representam o
Estado na esfera externa os quais possuem autoridade para falar em nome do país - não se
pode desconsiderar as normas domésticas dos Estados que determinam a participação dos
representantes do povo na celebração dos tratados.
Em conseqüência, os Estados poderão obrigar-se validamente no âmbito
internacional se forem cumpridas as suas normas constitucionais fundamentais referentes à
competência para concluir tratados, sob pena de nulidade do acordo, conforme previsto nas
disposições da Convenção
44
.
O reconhecimento da nulidade do tratado celebrado nestas condições é uma exceção à
regra de que para o Direito Internacional o Direito interno é um simples fato visto que,
como regra geral, a Convenção de Viena proíbe que um Estado invoque as disposições de seu
Direito interno para tentar justificar o inadimplemento de um tratado. Assim, se o Executivo
violar os limites notórios de sua competência constitucional, pode ser declarada a nulidade do
acordo perante a ordem internacional
45
.
Nessa situação, o tratado não pode ser considerado concluído, pois é firmado sem a
intervenção de um dos Poderes que detém competência para o ato. Em virtude disso,
configura-se a sua nulidade relativa
46
, que pode ser invocada pelo Estado vítima do vício do
seu consentimento em obrigar-se pelo tratado.
Por conseguinte, vale frisar que a validez dos tratados o deve ser apreciada somente
segundo sua conformidade com o Direito Internacional no que tange à representação do
44
A jurisprudência internacional possui um caso sobre o assunto, que foi entre a Costa Rica e a Nicarágua,
resolvido pela arbitragem, que consagrou a nulidade do tratado (MELLO, 2004, p. 240).
45
Além dos tratados concluídos sem a observância das normas constitucionais sobre a competência para
concluir tratados, são anuláveis também os tratados cujo consentimento ocorre viciado por erro, dolo e corrupção
do representante do Estado (arts. 46, 48, 49 e 50 da Convenção de Viena).
46
Ocorre nulidade absoluta em casos de coação sobre o representante do Estado ou sobre o próprio Estado (arts.
51 e 52 da Convenção de Viena).
61
Estado, mas é necessário respeitar também as disposições constitucionais sobre competência,
eis que estas são expressamente referenciadas pela Convenção de Viena, a qual exige sua
observância.
O fato da validade do tratado depender não apenas da observância de preceitos
internacionais, mas também de regras de Direito interno dos Estados, não afeta a autoridade
do Direito Internacional, visto que o próprio Direito das Gentes reconhece aos Estados a
competência para regular a matéria.
62
CAPÍTULO 2. A COMPETÊNCIA PARA CONCLUIR TRATADOS NO BRASIL
2.1 A capacidade e a competência para concluir tratados no Brasil
Segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, todos os Estados
possuem capacidade para concluir tratados
47
. Tal capacidade diz respeito ao poder de
convencionar, o qual, além de ser reconhecido pelo Direito Internacional aos Estados
soberanos, também é atribuído às Organizações Internacionais
48
.
No Brasil, em face da adoção da forma republicana de governo, baseada na estrutura
federativa, é a União quem representa o Estado federal e exercita a capacidade para concluir
tratados de que goza o Estado brasileiro
49
. É esta a regra contida no artigo 21 da Constituição
Federal de 1988
50
, que determina que é da competência da União manter relações com outros
Estados e participar das Organizações Internacionais.
Assim, na esfera federativa, os entes federados (Estados-membros) são autônomos
possuindo poder de auto-organização, ainda que limitado -, mas na esfera internacional a
União representa a unidade política do Estado brasileiro.
O Direito Internacional reconhece a capacidade para celebrar tratados somente aos
Estados soberanos, os quais gozam de personalidade jurídica internacional, enquanto os
Estados-membros de federação ou municípios, por carecerem de soberania, estão privados do
direito de convencionar.
Entretanto, conforme observa Carlos Roberto Husek (2004, p. 64), em certos casos
especiais os Estados-membros de uma federação também poderão concluir tratados se a
Constituição do Estado federal o permitir. É este o caso do Brasil, pois o artigo 52 da
Constituição de 1988 determina a competência do Senado para autorizar operações externas
de natureza financeira de interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
47
“Art. 6. [...] Todo Estado tem capacidade para concluir tratados”.
48
Para Mello (2004, p. 214) deve-se reconhecer ainda, a capacidade de celebrar tratados dos beligerantes, da
Santa Sé e de outros entes internacionais, como Estados federados em certos casos especiais.
49
Darcy Azambuja (1190, p. 374) nota que do ponto de vista do Direito Internacional, o Estado Federal é visto
como um Estado simples, pois a soberania reside na União e o nos Estados-membros. É por isso que o direito
de representação, a nacionalidade, o território, o direito de guerra e paz, etc. são matérias de competência da
União.
50
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. São Paulo:
Saraiva, 2002.
63
municípios
51
.
No que diz respeito à capacidade para concluir tratados destes entes, Mello (1987, p.
29) posiciona-se de forma contrária a que se reconheça tal possibilidade. Para o autor, a
conclusão de acordos externos pelos Estados membros da federação não é da essência do
federalismo, podendo ocorrer nesta situação a imposição de interesses externos através de
algum Estado federado, assim, a posição mais correta seria centralizar todas as relações
exteriores na União Federal.
Contudo, Mello (1987, p. 29) reconhece que, de qualquer forma, a responsabilidade do
Brasil no plano internacional por acordos concluídos pelos Estados-membros surge se for
obedecido o que determina a Constituição, isto é, se for cumprida a exigência constitucional
de aprovação pelo Senado da operação financeira.
Neste contexto, é importante não confundir a capacidade para concluir tratados com a
competência para concluir tratados, a qual diz respeito ao poder de formar e de declarar a
vontade estatal em relação a um compromisso externo. Ao passo que a primeira é reconhecida
pelo Direito Internacional (sendo regulada pela Convenção de Viena), a segunda é
disciplinada pelo Direito interno de cada Estado, tendo surgido quando as Constituições
passaram a determinar os Poderes competentes para participar da celebração dos tratados
(Poderes constituídos).
Enquanto é possível deduzir que todo Estado soberano possui a capacidade para
concluir tratados, por outro lado, para saber quem detém a competência para concluir tratados
e como deve ocorrer o exercício deste poder, torna-se necessário verificar as disposições
constitucionais de cada Estado.
Ao proceder-se à análise das normas constitucionais brasileiras no que tange à
competência para concluir tratados, verifica-se que assim como em muitos países que adotam
o regime democrático, tanto a participação do Poder Executivo quanto do Poder Legislativo
são exigidas para o comprometimento internacional do Estado.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece que:
51
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
[...]
V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Territórios e dos Municípios”.
64
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
Art.84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções ou atos internacionais, sujeitos a referendo
do Congresso Nacional;
2.2 A participação dos Poderes constituídos no processo de conclusão dos tratados
Como a celebração dos tratados pelo Estado brasileiro ocorre através da atuação do
Congresso Nacional e do Presidente da República, torna-se necessário estabelecer, à luz das
normas constitucionais, o momento em que cada um dos Poderes constituídos deve intervir no
processo de conclusão dos tratados, a extensão da sua competência e os efeitos de seus atos.
Em vista disso, passa-se a seguir à análise da participação dos Poderes estatais nos
atos realizados na esfera externa - negociação, assinatura e manifestação do consentimento -,
os quais geram efeitos na ordem internacional, bem como no procedimento realizado na
esfera interna - ratificação -, que se destina a conferir validade ao tratado e incorporá-lo à
ordem jurídica interna.
2.2.1 Negociação e assinatura: competência do Executivo
Como o Estado não pode por si realizar ato algum, o país intervém na celebração
dos tratados por meio das pessoas que o representam. Conforme ensina Rezek (2000, p. 34-
35), a voz estatal externa é, por excelência, a voz do chefe de Estado, tendo a prática
internacional atribuído idêntica representatividade ao chefe de Governo.
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados estabelece em seu artigo que
além do chefe de Estado e do chefe de Governo, também o considerados representantes do
Estado o Ministro das Relações Exteriores e o chefe de missão diplomática
52
.
Rezek (2000, p. 35) assinala que a representatividade do chefe de Estado ou do chefe
52
A Convenção de Viena, em seu artigo 7º, II, também faz referência aos representantes acreditados pelos
Estados perante uma conferência ou Organização Internacional ou um de seus órgãos, para a adoção de um
tratado em tal conferência, organização ou órgão.
65
de Governo pode ser reputada originária, visto que os mesmos por natureza detêm tal poder,
bem como a prerrogativa de outorgá-lo a outrem. Já o Ministro das Relações Exteriores detém
representatividade derivada, pois a possui desde que investido no cargo pelo chefe de Estado
ou pelo chefe de Governo.
Quanto ao chefe de missão diplomática, este tem representatividade presumida em
função da natureza de suas atividades, mas a mesma é limitada à negociação de tratados
bilaterais entre o Estado acreditante e o Estado acreditado. Não obstante, tanto o Ministro de
Relações Exteriores como o chefe de missão diplomática são considerados plenipotenciários
independentemente de apresentação de plenos poderes (REZEK, 2000, p. 36).
Além dos ocupantes dos cargos mencionados, outras pessoas poderão ser admitidas
como representantes do Estado, mas desde que possuidoras da carta de plenos poderes, que é
expedida pelo chefe de Estado e endereçada ao governo do outro Estado contratante. Na
referida carta consta que o Presidente da República nomeia determinada pessoa como seu
plenipotenciário para assinar em nome do governo determinada convenção (HUSEK, 2004, p.
65).
A formulação clássica dos plenos poderes continha geralmente a promessa de o Estado
se obrigar definitivamente pelas estipulações negociadas, isto é, a promessa de ratificação.
Porém, hodiernamente, os plenos poderes não possuem mais este conteúdo, que a
vinculação definitiva do Estado é ato livre (PEREIRA; QUADROS, 2002, p. 188).
De acordo com Rezek (2000, p. 35), o fato de os chefes de Estados presidencialistas
terem partilhada a competência para concluir tratados com o Legislativo e mesmo as
particularidades dos sistemas parlamentaristas em que o chefe de Estado é mantido, em
regra, à margem do processo decisório não prejudicam a plenitude da representatividade
exterior.
Pela adoção do sistema presidencialista, no Brasil as chefias de Estado e de Governo
se fundem na figura do Presidente da República, que além de representar o país perante a
comunidade internacional, também é responsável pela formulação da política externa estatal.
O artigo 84 da Constituição Federal de 1988 dispõe que:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes
diplomáticos;
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do
66
Congresso Nacional;
[...]
XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo
Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das
sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a
mobilização nacional;
XX - celebrar a paz, autorizado ou com referendo do Congresso Nacional;
[...]
XXII - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras
transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;
Conforme o dispositivo constitucional, a atuação do Estado brasileiro na esfera
externa - seja nas relações com outros Estados, na celebração de tratados, ou na declaração de
guerra ou celebração de paz - ocorre por meio da figura do Presidente de República, ao qual
cabe estabelecer e impulsionar a direção da ação estatal.
No desempenho destas atribuições, o Presidente é auxiliado por outros membros do
Poder Executivo, sobretudo pelo Ministro de Relações Exteriores, que é o chefe do Ministério
das Relações Exteriores (MRE). O MRE também é conhecido como “Itamaraty”, o que
decorre da tradicional identificação do Ministério com a sua sede, denominada “Palácio
Itamaraty”.
Dentre outras funções, o MRE é responsável por colher informações necessárias à
formulação da política externa, promover sua execução depois que a mesma for fixada pelo
Presidente, bem como manter relações com Estados estrangeiros e Organizações
Internacionais
53
. O MRE estrutura-se por meio de vários departamentos e conta com órgãos
de coordenação, assessoria e apoio, sendo que seu órgão central é a Secretaria Geral das
Relações Exteriores
54
.
Desta forma, existe uma vasta estrutura organizacional no MRE destinada a assessorar
o Presidente da República na formulação da política exterior. que se considerar que a
política externa brasileira assim como em qualquer outro Estado - está diretamente
condicionada à política interna praticada no país, sobretudo no que diz respeito aos assuntos
53
Conforme Decreto n.5.032, de 05/04/2004.
54
Para melhor auxiliar na estruturação da política externa, atentando para as peculiaridades de cada situação, a
Secretaria Geral das Relações Exteriores agrega a Sub-secretaria Geral Política, que por sua vez mantém vários
departamentos especializados em regiões geográficas - por exemplo, departamento das Américas do Norte,
Central e Caribe; departamento da Europa, departamento da África e em determinados temas, como
departamento de meio ambiente e departamento de direitos humanos. Tais informações estão disponíveis no site
do Ministério das Relações Exteriores: <www.mre.gov.br.>. Acesso em: 13 out. 2005.
67
econômicos e financeiros, por isso, sua formulação deve ser necessariamente atribuição do
Poder Executivo.
Embora a Constituição brasileira atribua competência privativa ao Presidente da
República para iniciar e conduzir as negociações dos tratados, normalmente o chefe do
Executivo o realiza pessoalmente estas tarefas - em razão da própria natureza de suas
funções -, mas se faz representar por seus plenipotenciários.
Em geral, a negociação dos compromissos internacionais é realizada pela
representação diplomática do Brasil no país co-pactuante ou por representantes do Ministro
das Relações Exteriores. Nestas circunstâncias, os representantes brasileiros seguem as
instruções estabelecidas pelo Presidente e pelo Ministro de Relações Exteriores aos quais se
costuma reservar o ato de assinatura do tratado.
Durante a negociação dos acordos ocorre a participação do Poder Executivo na
formação da vontade do Estado brasileiro em obrigar-se por um tratado. Tal participação
configura-se no fato de que o Presidente (pessoalmente ou através de seus plenipotenciários)
pode conduzir as negociações de forma a consubstanciar no texto do acordo os interesses que
considera relevantes para o país.
Trata-se de um poder discricionário, que o Executivo possui ampla margem de
liberdade para formulação da política externa, observando, é claro, a sua conveniência e
oportunidade. A liberdade do Executivo em termos de direcionamento das negociações dos
tratados encontra, contudo, determinadas limitações decorrentes da previsão constitucional
dos princípios das relações internacionais.
De acordo com o artigo 4º da Constituição Federal de 1988:
Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais
pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.
Parágrafo único A República Federativa do Brasil buscará a integração
econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à
formação de uma comunidade latino-americana de nações.
68
A enumeração dada pela norma constitucional fornece diretrizes que devem inspirar a
ação do Estado brasileiro nas relações exteriores. Desta forma, o Executivo deve observar os
referidos princípios ao entabular negociações de ajustes com outros entes estatais ou
Organizações Internacionais
55
.
Feita esta ressalva, deve-se assinalar que a formulação da política exterior e, por
conseguinte, a negociação dos tratados são atribuições privativas do chefe do Executivo. O
Presidente da República como responsável pela orientação das relações exteriores é livre para
decidir quando, com que Estado e em que condições o Brasil inicia a negociação de um
tratado. Da mesma forma, pode decidir fazer parte de uma negociação coletiva, ou
interromper a qualquer momento a participação brasileira em alguma negociação em curso.
Na fase da negociação dos tratados, os representantes do Brasil e os do (s) outro (s)
Estado (s) contratante (s) buscam um entendimento na matéria de interesse comum,
elaborando um projeto de tratado. Segundo Velasco (1999, p.141) a negociação consiste na
prestação de propostas e contrapropostas por parte dos representantes, que o debatidas e
aceitas ou rechaçadas, ou ainda emendadas.
O objetivo principal da negociação é fixar o texto do tratado, o que resulta do acordo
entre os representantes dos Estados a respeito do conteúdo do ajuste internacional. É nesta
fase do processo de conclusão que são definidos os interesses jurídicos e políticos do Estado
brasileiro - bem como da outra parte contratante -, os quais são incorporados ao texto do
acordo.
Com a obtenção de um texto convencional escrito, procede-se a sua assinatura. A
assinatura dos representantes do Executivo tem o efeito de fixar e autenticar o texto do
acordo, o significando o consentimento do Estado brasileiro, pois a formação da vontade
estatal depende também da participação do Congresso Nacional.
Por ocasião da assinatura, é possível a apresentação de reservas ao tratado, desde que
o texto do acordo permita. A reserva consiste em uma declaração unilateral do Estado feita
com objetivo de excluir ou modificar os efeitos jurídicos de certas disposições do tratado em
55
Por outro lado, a previsão constitucional destes princípios também possibilita que os Poderes Legislativo e
Judiciário exerçam um controle sobre a execução da política externa formulada pelo governo. No caso de
contrariedade dos princípios fundamentais, o Parlamento pode realizar o controle não ratificando o tratado em
que a contrariedade se verificou, já o Judiciário pode declarar a inconstitucionalidade do ajuste internacional.
69
relação a si
56
. Da mesma forma que a negociação, a apresentação de reservas por ocasião da
assinatura é de competência do Executivo.
Encerrada a fase da assinatura, os agentes plenipotenciários retornam ao Brasil (no
caso da fase negocial ocorrer fora do país) e apresentam os resultados das negociações, ou
seja, o texto do tratado, ao Ministro das Relações Exteriores. Se este concordar com o produto
das negociações, elabora um projeto de mensagem ao Congresso Nacional, devidamente
justificado, anexando ao mesmo uma cópia do texto original do tratado traduzido e uma
exposição de motivos (SILVA, 2002, p. 89-90).
Este projeto de mensagem é submetido ao Presidente da República, visto que a
titularidade da competência para celebração de tratados é atribuída pela Constituição ao chefe
do Executivo. É o Presidente quem decide se o processo de conclusão do tratado prossegue -
com a transformação do projeto em mensagem ao Congresso Nacional - ou é interrompido,
que pode mandar arquivar o produto das negociações, caso julgue-o insatisfatório.
A propósito, Mello (2004, p. 232) assevera que o Executivo submeterá o tratado à
aprovação do Legislativo se houver interesse na ratificação, ficando isto a seu critério. Com
efeito, em decorrência da sua competência privativa estabelecida pela CF/88, o chefe do
Executivo desfruta do poder discricionário de, após a negociação do acordo, decidir sobre a
conveniência de enviar ou não o texto do tratado para aprovação do Legislativo, visto que não
está obrigado a dar prosseguimento ao processo de conclusão dos tratados
57
.
2.2.2 Ratificação: competência do Legislativo
Caso resolva dar prosseguimento à conclusão do tratado, o Presidente envia a
mensagem ao Congresso Nacional, juntamente com a cópia do texto do acordo e a exposição
dos motivos do Ministro de Relações Exteriores. Com a submissão do texto do tratado ao
Congresso Nacional, o Legislativo promove a terceira fase do processo de conclusão dos
tratados: a ratificação.
56
Conforme artigo 1º, d) da Convenção de Viena.
57
A única exceção a esta regra diz respeito às convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). De
acordo com o artigo 19, § 5º, b, da Constituição da OIT, os membros da organização são obrigados a submeter os
projetos de convenção à autoridade competente para sua aprovação no prazo de um ano. Neste caso, a obrigação
decorre do compromisso assumido pelos Estados ao tornarem-se membros da referida Organização
Internacional.
70
A determinação do papel do Congresso Nacional na conclusão dos tratados é objeto de
muitos equívocos por parte da doutrina brasileira, o que resulta, sobretudo, de
interpretação das normas constitucionais referentes à competência para concluir tratados, bem
como de considerações errôneas a respeito do instituto da ratificação. Assim, torna-se
imprescindível, desde logo, esclarecer a questão.
2.2.2.1 Significado da ratificação e competência para o ato
Em geral, os doutrinadores nacionais dedicados ao estudo do Direito Internacional
Público afirmam que depois de assinado, o tratado é submetido à aprovação do Legislativo, o
qual autoriza o chefe do Executivo a proceder a ratificação na ordem internacional. Desta
maneira, os doutrinadores brasileiros da mesma forma que grande parte da doutrina
estrangeira equivocam-se ao estabelecer o significado da ratificação e o titular da
competência para o ato.
Para Rezek (1984, p. 267) “ratificação é o ato unilateral com que o sujeito de Direito
Internacional, signatário de um tratado, exprime definitivamente, no plano internacional, sua
vontade de obrigar-se”.
Guido Soares (2004, p. 69-70) concebe a ratificação da seguinte forma:
[...] é um ato unilateral do Estado, que reafirma perante seu ou seus co-
participantes num tratado sua intenção de obrigar-se por ele; nos tratados
bilaterais, a ratificação perfaz-se perante o outro Estado-parte por uma nota
diplomática endereçada à missão diplomática estrangeira, ou perante a
Chancelaria do outro país, e nos tratados multilaterais, com uma nota diplomática
endereçada ao depositário do tratado [...].
Prosseguindo, o referido internacionalista ressalta que:
[...] Na prática brasileira, tanto a ratificação de tratados internacionais, que o país
assinou, quanto a adesão a tratados internacionais em vigor, necessitam de
aprovação referendaria do Congresso Nacional (aprovação, ou seu sinônimo
referendo, mas nunca ratificação pelo Congresso Nacional!) [...].
Medeiros (1983, p. 46) sustenta categoricamente que “os órgãos legislativos não
ratificam tratados internacionais. Apenas os examinam, dando ou não o seu assentimento,
total ou parcialmente, segundo os diferentes sistemas constitucionais”.
71
Hildebrando Accioly (1998, p. 28-29) leciona que:
Ratificação é o ato administrativo mediante o qual o chefe de Estado confirma um
tratado firmado em seu nome ou em nome do Estado, declarando aceito o que foi
convencionado pelo agente signatário. Geralmente, só ocorre a ratificação depois
que o tratado foi devidamente aprovado pelo Parlamento, a exemplo do que
ocorre no Brasil, onde esta faculdade é do Congresso Nacional.
Nos conceitos adotados pelos autores, nota-se que estes identificam a ratificação com
o ato que na verdade consiste na manifestação do consentimento do Estado em obrigar-se pelo
tratado - o qual ocorre na ordem externa - e consideram que o papel do Congresso seria
aprovar o tratado antes do Executivo vincular o Estado ao compromisso externo
58
.
Aparentemente, esta confusão terminológica não teria conseqüências relevantes, eis
que apesar de atribuir erroneamente o poder para proceder a ratificação ao Executivo, o
entendimento da doutrina parece ter resguardado ao Legislativo o exercício da sua
competência para formar a vontade do Estado em obrigar-se pelo tratado antes da
manifestação do consentimento estatal.
Entretanto, surpreendentemente, os doutrinadores afirmam que mesmo com a
aprovação do texto do acordo pelo Congresso, o Executivo poderia desconsiderar a
deliberação do Legislativo e tomar a decisão final sobre a vinculação do Estado ao tratado.
Entendem, portanto, os autores que a decisão do Congresso que aprova o compromisso
internacional não teria força obrigatória.
Neste sentido, Rezek (1984, p. 326) afirma que após a negociação, “não pode o
Presidente da República [...] manifestar o consentimento definitivo, em relação ao tratado,
sem o abono do Congresso Nacional. Este abono, porém, não o obriga à ratificação”.
Da mesma maneira, Mello (2004, p. 231) sustenta que a aprovação do tratado pelo
Poder Legislativo não impede que o Executivo se recuse a concluir o tratado, pois a
ratificação é um ato discricionário do Estado e, dentro dele, do Poder Executivo; o
Legislativo pode aprovar um tratado e o Executivo pode recusar-se a ratificá-lo”.
Verifica-se que, sendo a ratificação um ato discricionário, o equívoco da doutrina
58
Posicionamento diferente é o de José Carlos Magalhães (2000, p. 66), que considera que o processo de
ratificação tem dupla face: uma interna referente à aprovação do tratado pelo Legislativo –, e outra externa
que decorre dos mecanismos para produzir efeitos internacionais, como o depósito ou a troca dos instrumentos
de ratificação. Embora o referido autor reconheça que a ratificação pressupõe aprovação parlamentar do tratado,
equivoca-se ao sustentar que o procedimento para dar vigência internacional ao tratado também faria parte da
ratificação.
72
sobre a titularidade da competência para ratificar, que aparentemente seria inofensivo, conduz
à proposição de que caberia ao Executivo a decisão definitiva sobre a vinculação do Estado ao
tratado.
Primeiramente cumpre deixar claro que a ratificação é o ato de competência do
Legislativo pelo qual se perfaz a formação da vontade do Estado em vincular-se ao tratado.
Com efeito, tendo ocorrida a negociação com a elaboração do projeto de tratado e tendo o
Presidente da República decidido enviá-lo ao Congresso Nacional (ocasião em que o
Executivo concorre para a formação da vontade do Estado), a ratificação possibilita ao
Legislativo a sua participação, de forma a aperfeiçoar a vontade estatal.
Não é outra a interpretação que se extrai do artigo 84 da Constituição.
Art.84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções ou atos internacionais, sujeitos a referendo
do Congresso Nacional; (grifou-se)
De acordo com as normas constitucionais brasileiras, a iniciativa da negociação dos
tratados junto a outros Estados ou Organizações Internacionais é da competência do
Presidente, mas a vontade do Estado para concluir o compromisso internacional se
aperfeiçoa com a participação do Congresso Nacional. A regra contida no artigo 84, VIII,
acima transcrito, revela que a Constituição adotou um ato complexo para formar a vontade do
Estado.
Vem a lume, então, o magistério do professor Hely Lopes Meirelles (1997, p. 154) de
que o ato complexo “é o que se forma pela conjugação de vontades de mais de um órgão
administrativo. O essencial, nesta categoria de atos, é o concurso de vontades de órgãos
diferentes, para a formação de um ato único”.
No caso da formação da vontade do Estado para obrigar-se por um tratado, a mesma
resulta necessariamente da conjugação das vontades do Presidente e do Congresso. Nesta
situação, a ratificação é o instrumento pelo qual se realiza a participação ou, conforme a
terminologia da Constituição, o referendo do Congresso Nacional, exigido pelo citado artigo
84, VIII.
O significado do termo “referendo” é elucidado por Afonso Arinos de Melo Franco
(1957, p. 263) que o diferencia da autorização. Segundo o autor, a autorização consiste na
permissão anterior do Congresso para que o Presidente realize o ato, enquanto o referendo é a
73
aprovação do ato já realizado pelo Presidente.
O autor referido conclui que a própria Constituição se encarrega de fornecer o sentido
ao termo “referendo” ao estabelecer a competência exclusiva do Congresso para resolver
definitivamente” sobre os tratados
59
. Deste modo, Afonso Arinos de Melo Franco (1957, p.
263) assinala que, na terminologia constitucional, referendo” equivale a “resolver
definitivamente”.
Neste contexto, a ratificação é o instrumento pelo qual se resolve definitivamente. É
através da ratificação que o Legislativo aprova (ou referenda) o ato anterior do Executivo: o
texto do tratado (que resulta das negociações), tornando, assim, a vontade do Estado completa
e definitiva.
Não que se falar em “abono” do Congresso Nacional - expressão utilizada
indevidamente por parte da doutrina –, pois se trata de termo genérico e totalmente estranho à
terminologia da Constituição. A fim de evitar confusões sobre o termo “ratificação” e sobre o
Poder competente para o ato é preciso ater-se ao seu significado fornecido pela própria Carta
constitucional, ou seja: aprovação ou referendo parlamentar.
2.2.2.2 Discricionariedade da ratificação
Outra imprecisão da doutrina que precisa ser esclarecida diz respeito à
discricionariedade da ratificação. Por perfazer a vontade do Estado em relação à vinculação a
um tratado, significando a decisão final a respeito, a ratificação é realmente um ato
discricionário como asseveram os doutrinadores, mas não de competência do Poder Executivo
como estes afirmam.
Não têm razão os internacionalistas brasileiros que sustentam que mesmo ocorrendo a
aprovação do tratado pelo Congresso, o Presidente poderia se recusar a concluir o tratado, não
manifestando o consentimento estatal junto ao (s) outro (s) contratante (s). A ratificação é ato
discricionário de competência exclusiva do Legislativo, visto que a norma do artigo 49, I, da
Constituição Federal é muito clara ao determinar que:
59
A conclusão de Afonso Arinos de Melo Franco (1957, p. 263) baseou-se no dispositivo constitucional que
corresponde ao atual artigo 49, I, da CF/88.
74
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
(grifou-se)
Diante da determinação cristalina do dispositivo constitucional indaga-se: Se a
Constituição atribui ao Congresso Nacional a competência para resolver de forma definitiva
sobre os tratados, como poderia o Executivo, mesmo depois da decisão referida pelo
Congresso, decidir sobre a vinculação do Estado ao compromisso internacional?
Mello (2000, p. 292) considera que a expressão “resolver definitivamente” é uma
imprecisão que tem sido repetida nas sucessivas Constituições brasileiras, pois, para o autor,
caso o Congresso aprove o tratado, quem resolve definitivamente é o Presidente. Também é
este o entendimento de Medeiros (1995, p. 117-118), que julga a referida expressão
inadequada e considera que o Congresso Nacional só resolve definitivamente sobre o tratado
quando o rejeita, ficando o Executivo, neste caso, impedido de concluí-lo.
Rezek (1984, p. 326-327) corrobora os argumentos de Accioly e afirma que a decisão
do Legislativo não obriga o Executivo porque compete ao Presidente da República manter
relações com Estados estrangeiros, e por isso mesmo este se encontra mais habilitado do que
o Congresso para avaliar se as circunstâncias aconselham ou não a vinculação do Estado ao
tratado.
Para Mirtô Fraga (1998, p. 57), não se pode dar a expressão “resolver definitivamente”
valor acima do seu real alcance. A autora entende que o Executivo pode concluir o tratado
mediante prévia autorização do Congresso, mas aprovado o texto do acordo, não fica o chefe
do Executivo obrigado à sua ratificação, pois a palavra final neste caso deverá ser do
Presidente da República a quem compete, como órgão representativo do Estado nas relações
internacionais, celebrar tratado, obrigando o Brasil.
Apesar do esforço dos doutrinadores para justificar o suposto poder do chefe do
Executivo para tomar a decisão final sobre a vinculação do Estado ao tratado, observa-se que
não apresentam fundamento legal para a interpretação que fazem do artigo 49, I, da
Constituição. Aliás, nem poderiam fazê-lo, visto que seu entendimento contraria
flagrantemente o texto constitucional. O fato do Presidente da República ser
reconhecidamente o órgão representativo do Estado na esfera externa não lhe confere o poder
de tomar uma decisão que foi reservada constitucionalmente a outro órgão.
75
É forçoso concluir que a expressão “resolver definitivamente” do artigo 49, I, da
Constituição Federal quer dizer exatamente o que diz: é o Congresso Nacional quem possui a
competência exclusiva de resolver definitivamente sobre a vinculação do Estado ao tratado,
sendo-lhe a ratificação, portanto, um ato discricionário.
No referido dispositivo constitucional, o termo “definitivamente” refere-se ao
aperfeiçoamento da vontade estatal. A respeito, torna-se pertinente a lição de Hely Lopes
Meirelles (1997, p. 155) de que “o ato complexo só se aperfeiçoa com a integração da vontade
final”.
No caso da celebração dos tratados, ocorrendo a integração da vontade final - que é do
Congresso - com a vontade do Executivo que foi formada anteriormente, a vontade do Estado
brasileiro aperfeiçoa-se, tornando-se definitiva. Isto significa dizer: não passível de mudança.
Contando apenas com a vontade do Poder Executivo, o ato ainda não está completo,
visto que necessita da vontade do Legislativo para aperfeiçoar-se. É por isso que a
Constituição, ao determinar a competência para celebrar tratados, atribui competência
privativa ao Executivo e competência exclusiva ao Congresso.
Segundo Afonso Arinos de Melo Franco (1957, p. 262):
[...] a competência privativa de um poder não afasta a colaboração de outro para
a realização do ato. Muitas vezes, [...], esta colaboração é obrigatória, e o ato se
situa então entre os denominados juridicamente complexos. a competência
exclusiva de um poder, por sua natureza, afasta a colaboração de outros.
Ao passo que a primeira vontade necessita de complemento, a segunda é definitiva,
não admitindo qualquer alteração posterior ou partilha de competência. Assim, tendo o
Congresso Nacional ratificado um tratado que lhe tenha sido submetido, o Poder Executivo
não poderá modificar esta decisão recusando-se a manifestar o consentimento do Estado na
ordem internacional. Cabe frisar que caso houvesse a possibilidade do Executivo interferir na
decisão sobre a vinculação definitiva do Estado ao tratado, a competência do Congresso
deixaria de ser exclusiva.
Neste panorama, torna-se oportuno esclarecer que enquanto a ratificação é um ato
discricionário do Poder Legislativo, a manifestação do consentimento do Estado é um ato
administrativo vinculado do Poder Executivo.
Em se tratando da atuação da Administração Pública, todos os atos do Poder
Executivo devem se pautar pelo Princípio da Legalidade esculpido no artigo 37 da
Constituição Federal -, de forma que este Poder pode agir se houver permissão legal. De
76
acordo com a situação, a norma legal pode atribuir, ou o, certa liberdade à atuação da
Administração, estabelecendo, desta forma, um ato administrativo discricionário ou um ato
administrativo vinculado.
Segundo os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles (1997, p. 151):
Atos discricionários são os que a Administração pode praticar com liberdade de
escolha do seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua
oportunidade e do modo de sua realização. A rigor, a discricionariedade não se
manifesta no ato em si, mas sim no poder da Administração de praticá-lo pela
maneira e nas condições que repute mais convenientes ao interesse público.
Por outro lado, de acordo com o autor (1997, p. 150):
Atos vinculados, ou regrados, são aqueles para os quais a lei estabelece os
requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições
legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez
que sua ão fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para
a validade da atividade administrativa.
Ainda com referência aos atos vinculados, torna-se interessante atentar para a lição de
Bandeira de Mello (2002, p. 375), segundo a qual os atos vinculados são praticados pela
Administração “sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente
tipificou o único possível comportamento diante de hipótese pré-figurada em termos
objetivos”.
Assim, ao lado dos atos em que o administrador tem a possibilidade de valorar
subjetivamente a conveniência e a oportunidade da sua realização, existem outros, em que
somente uma solução a ser seguida pela Administração, caso no qual se enquadra o ato da
manifestação do consentimento estatal em obrigar-se pelo tratado.
Por ocasião da manifestação do consentimento estatal existe a prévia determinação
do único comportamento possível ao Executivo, o qual foi estabelecido de forma definitiva
pelo Congresso através da ratificação. Admitir que a decisão final sobre a vinculação ao
tratado fique ainda sujeita à apreciação subjetiva do governo significa sustentar que o
Executivo possa se impor contra a decisão tomada por órgão que detém competência
exclusiva para a matéria - o que seria um enorme contra-senso.
O Executivo não tem liberdade para - como dizem impropriamente os doutrinadores -
“ratificar” ou não um tratado que tenha sido enviado ao Congresso para referendo, mas deve
apenas dar cumprimento à vontade estatal que se completou com a decisão do Legislativo.
A discricionariedade de que desfruta o Presidente da República se verifica somente
77
nas fases de negociação e assinatura, ocasião em que o chefe do Executivo possui liberdade
para formular a política externa e para enviar ou não o texto do tratado negociado ao
Congresso. Nesta situação, a norma legal (artigo 84, VIII) estabelece que o chefe do
Executivo possui competência privativa para celebrar tratados, outorgando-lhe uma ampla
margem de liberdade para a implementação de tal ato.
No momento em que o texto do tratado negociado for submetido à aprovação
parlamentar, o Executivo, necessariamente, já terá exercitado sua participação na formação da
vontade do Estado e esgotado seu poder discricionário, restando, doravante, ao Legislativo a
tarefa de completar a vontade estatal através da sua participação.
Assim que for aperfeiçoada a vontade do Estado, pela atuação do órgão que detém
competência para resolver definitivamente a respeito, cabe ao Executivo apenas manifestá-la
na ordem internacional, pois não lhe assiste mais margem alguma de discricionariedade,
restando-lhe somente um comando uníssono que deve ser cumprido sob pena de violação da
Constituição.
Além do mais, não se justifica a pretensão de proporcionar ao Poder Executivo uma
terceira participação na formação da vontade do Estado, visto que nesta perspectiva se
estabelece um desequilíbrio tirânico entre os Poderes. Se depois da ratificação pelo Congresso
Nacional, o Executivo tivesse o poder de decidir sobre a vinculação definitiva do Estado ao
tratado, a participação do Legislativo no processo de celebração dos tratados prevista na
Constituição seria inócua.
Também é preciso considerar que se o Presidente da República resolveu enviar o texto
do tratado ao Congresso, fica evidenciado que possui interesse na ratificação e não seria
coerente negar-se a confirmar o tratado na esfera internacional após a aprovação do Poder
Legislativo.
Em face destas observações, verifica-se que, ao sustentar que a ratificação é ato do
Poder Executivo e que o referendo do Legislativo não o obriga a vincular o Estado ao tratado,
a doutrina subverte totalmente o texto do artigo 49, I, da CF/88, que estabelece a competência
do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre os tratados.
78
2.2.2.3 Natureza da ratificação
Sendo a ratificação um ato de Poder Legislativo que tem como função a resolução
definitiva sobre a vinculação do Estado ao tratado, cumpre concluir que se trata de um ato de
natureza interna.
Mas no que diz respeito à concepção da ratificação como ato do Legislativo, Rezek
(2000, p. 49) afirma que:
Parece [...] que a idéia da ‘ratificação’ do tratado como ato constitucional
doméstico, a cargo do parlamento ou de órgão outro, repousa sobre o nebuloso e
rude esquecimento de que o pacto internacional envolve diversos Estados
soberanos, não cabendo supor que uma ou mais soberanias co-pactuantes,
acertadas com o governo do Estado de referência, tenham ficado na expectativa
de abono final do parlamento deste.
Nota-se que, em seu entendimento, o autor esquece que a decisão definitiva sobre a
conclusão de um tratado negociado pelo Executivo é um poder conquistado arduamente pelo
povo, de forma que as soberanias co-pactuantes devem sim ficar na expectativa da decisão
final do Parlamento do Estado. Tal situação não só é admissível como é indispensável, pois os
poderes absolutos do Executivo na conclusão de tratados há muito tempo foram derrogados.
Durante o absolutismo, os monarcas faziam uso da ratificação para confirmar os
tratados negociados pelos seus plenipotenciários. Como o rei possuía poder absoluto para
decidir sobre as normas que regiam o reino, fossem elas internas ou decorrentes de tratados, a
ratificação era ato de sua inteira competência. Com as Revoluções burguesas do século XVIII
quem adquire o poder de decidir sobre as normas - internas ou externas - é o povo, que
assume, então, a tarefa de ratificar os tratados através de seus representantes.
Ocorrendo a passagem para o regime democrático, a ratificação perdeu o caráter
retroativo que possuía durante o absolutismo haja vista que a assinatura o tem mais o
condão de vincular o Estado ao ajuste e assumiu a função de confirmar o texto do tratado
negociado pelos plenipotenciários. Por tudo isso, o instituto sofreu modificação quanto à
titularidade da competência para ratificar, convertendo-se de um ato do monarca para um ato
do povo.
Ou seja, com a substituição do titular da soberania, o povo ocupou a prerrogativa que
era do rei e, conseqüentemente, houve substituição do titular da competência para ratificar os
compromissos internacionais. É justamente por isso que a ratificação deixou de ser ato
79
obrigatório e tornou-se ato discricionário. Quando os plenipotenciários dos monarcas
negociavam o tratado, o texto do acordo assinado era concebido como ato do próprio
monarca, sendo-lhe obrigatória a ratificação – visto que nesta perspectiva o rei já teria
manifestado seu consentimento quanto à obrigação.
No entanto, quando a soberania passa a ser atribuída ao povo, ao negociar e assinar o
tratado os plenipotenciários não estão expressando integralmente a vontade do soberano, mas
apenas a intenção do Poder Executivo um dos Poderes competentes para formar a vontade
estatal. A vontade definitiva sobrevém através da ratificação efetuada pelo Poder Legislativo,
sendo posteriormente manifestada na ordem externa.
Caso a ratificação continuasse a ser obrigatória se estaria negando toda a lógica das
Revoluções burguesas. De nada adiantaria reconhecer o povo como soberano e, portanto,
detentor do poder de estabelecer as leis, se o Legislativo estivesse obrigado a ratificar a
vontade do Executivo na celebração dos tratados. Por isso mesmo, não comete qualquer ilícito
internacional o Estado que - pelo fato do Legislativo não ratificar o acordo - não manifestar
seu consentimento em obrigar-se pelo tratado junto a outra parte contratante, embora tenha
ocorrido a assinatura do tratado.
Pelo que se verifica, o instituto da ratificação sempre esteve intimamente ligado ao
poder de comprometer de forma definitiva a unidade política aos compromissos
internacionais, cuja competência, a partir do surgimento do constitucionalismo, encontra-se
formalmente estabelecida pelas normas de Direito interno. É esta relação imbricada que
confere natureza interna à ratificação.
Apesar disso, muitos autores que consideram a ratificação um ato regulado pelo
Direito Internacional pretendem embasar o entendimento que o a mesma (ato do Executivo
realizado na ordem externa) na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, a qual, em
seu artigo 2º, § 1º, b, dispõe que:
“Ratificação”, “aceitação”, aprovação” e “adesão” significam em cada caso o ato
internacional assim chamado pelo qual um Estado estabelece no plano
internacional seu consentimento em obrigar-se por um tratado.
Evidentemente, tal pretensão o prospera, pois como a competência para concluir
tratados é matéria de Direito interno e a ratificação serve de instrumento para o exercício da
mesma por um dos Poderes constituídos (o Legislativo), não se pode atribuir ao Direito
Internacional a regulação deste instituto.
80
Ademais, o próprio Direito Internacional remete a regulação da matéria ao Direito
interno. A Carta da Organização das Nações Unidas (ONU)
60
prevê que a ratificação dos
tratados deverá ser feita de conformidade com os respectivos processos constitucionais dos
Estados. Tal previsão, estabelecida no artigo 43, III, e reafirmada nos artigos 108 e 109, II
61
,
do referido documento, reconhece a natureza interna do instituto da ratificação ao apontar a
competência dos Estados para determinar um dos pressupostos de validade dos tratados
62
.
2.2.2.4 Procedimento de ratificação dos tratados
Feitos os devidos esclarecimentos sobre a participação do Congresso Nacional na
conclusão dos tratados, torna-se necessário, doravante, examinar o procedimento adotado por
este órgão para a ratificação dos tratados. Considerando que com a integração do tratado ao
ordenamento jurídico interno a norma convencional gera direito e deveres a todos os
cidadãos, sua tramitação no Parlamento é muito semelhante ao trâmite dos projetos de lei
ordinária.
Inicialmente, o texto do tratado que o Presidente envia ao Congresso Nacional (por
meio de uma mensagem) é apresentado ao Presidente da Câmara dos Deputados, pois a
matéria é discutida e votada separadamente nas duas casas do Congresso - primeiro na
Câmara e depois no Senado Federal.
60
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Carta das Nações Unidas. Disponível em:
<http://www2.mre.gov.br/dai/Home.htm>. Acesso em: 13 mar. 2006.
61
Art. 43. 1. Todos os membros das Nações Unidas, a fim de contribuir para a manutenção da paz e da
segurança internacionais se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança, a seu pedido e em
conformidade com o acordo ou acordos especiais, forças armadas, assistência e facilidades, inclusive direitos de
passagem, necessários à manutenção da paz e da segurança internacionais. [...]
3. O acordo ou acordos serão negociados o mais cedo possível, por iniciativa do Conselho de Segurança. Serão
concluídos entre o Conselho de Segurança e membros da Organização ou entre o Conselho de Segurança e
grupos de membros, submetidos à ratificação, pelos Estados signatários, em conformidade com os
respectivos procedimentos constitucionais”. (grifou-se)
“Art. 108. As emendas à presente Carta entrarão em vigor para todas as Nações Unidas, quando forem adotadas
pelos votos de dois terços dos membros da Assembléia Geral e ratificada de acordo com os seus respectivos
métodos constitucionais, por dois terços dos membros das Nações Unidas inclusive todos os membros
permanentes do Conselho de Segurança”. (grifou-se)
“Art. 109 [...]
2. Qualquer modificação à presente Carta, que for recomendada por dois terços dos votos da Conferência, terá
efeito depois de ratificada, de acordo com os respectivos métodos constitucionais, por dois terços dos
membros das Nações Unidas, inclusive todos os membros permanentes do Conselho de Segurança”. (grifou-se)
62
Além da necessidade da observação das normas internas de importância fundamental sobre a competência
para concluir tratados a qual se constata no artigo 46 da Convenção de Viena - são condições de validades dos
tratados: a) capacidade e habilitação das partes; b) consentimento mútuo e válido e c) objeto lícito e possível.
81
Tanto a Câmara quanto o Senado possuem comissões especializadas ratione materiae,
cujas análises e pareceres antecedem a votação em plenário. Geralmente, o exame do tratado
costuma envolver, em ambas as casas, as Comissões de Relações Exteriores e de Constituição
e Justiça (REZEK, 2000, p. 65).
Na Câmara dos Deputados, após a leitura do texto do tratado em plenário, este é
encaminhado à Comissão de Relações Exteriores, que examina seus aspectos materiais, tais
como o mérito e se há vícios de consentimento. Na referida Comissão é elaborado um projeto
de decreto legislativo, que é encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e Redação.
Esta examinará os aspectos relativos à constitucionalidade, à legalidade, à regimentabilidade e
à técnica legislativa
63
(SILVA, 2002, p. 90-91).
Após a análise e aprovação do projeto de decreto legislativo pela Comissão de
Constituição e Justiça e Redação, o mesmo é encaminhado ao Plenário da Câmara para
votação. Caso o projeto seja rejeitado na Câmara, seu trâmite é encerrado. Por outro lado, se o
projeto receber aprovação, com ou sem emendas, será enviado para o Senado.
Na segunda casa do Congresso, o projeto será inicialmente encaminhado à Comissão
de Relações Exteriores e Defesa Nacional para receber seu parecer, sendo posteriormente
votado em plenário. Por maioria de votos, o Senado poderá (SILVA, 2002, p. 91):
a) rejeitar o projeto;
b) aprová-lo com emendas, o que gera o retorno do projeto para a Câmara, caso haja
mudança de mérito, a qual decide em caráter final, para que seja promulgado pelo
Presidente do Senado;
c) aprovar o projeto de decreto legislativo sem emendas, com a promulgação pelo
Presidente do Senado.
O êxito na Câmara e, em seguida, no Senado, significa que o tratado foi aprovado pelo
Congresso Nacional, sendo a decisão do Parlamento formalizada através do decreto
legislativo (REZEK, 2000, p. 65). Acrescenta-se, ainda, que sendo o decreto legislativo
espécie normativa de competência exclusiva do Congresso Nacional o está sujeito à sanção
do Presidente da República.
63
De acordo com a natureza do tratado, o mesmo poderá ser ainda encaminhado a outras Comissões para
análise.
82
Com sua aprovação, o decreto legislativo é promulgado pelo Presidente do Senado
64
,
que é o Presidente do Congresso Nacional
65
. Em seguida, o mesmo dirige um ofício ao
Presidente da República, dando-lhe ciência do fato (MEDEIROS, 1983, p. 113), encerrando,
assim, o procedimento de ratificação do tratado. Tal comunicação representa a ordem do
Legislativo para que o Executivo manifeste o consentimento do Estado em obrigar-se pelo
tratado na esfera internacional.
Posteriormente, o Presidente do Senado encaminha o decreto legislativo para
publicação no Diário do Congresso Nacional e no Diário Oficial da União (MEDEIROS,
1983, p. 113).
Pelo que se verifica, a única diferença entre a elaboração da lei e a ratificação do
tratado reside no fato de que a primeira, após o seu trâmite pelo Congresso, está sujeita ao
veto ou sanção presidencial, devendo, portanto, ser promulgada e publicada pelo Presidente
da República. na ratificação do tratado, como este é aprovado através de um decreto
legislativo, está dispensada a atuação do chefe do Executivo.
Caso o Executivo pretenda aderir a um tratado - situação em que não participação
do país na etapa da negociação do compromisso internacional - também é necessário o
consentimento do Congresso Nacional, o que se dá pelo mesmo procedimento observado para
a ratificação do tratado.
Convém observar, ainda, que as reservas porventura apresentadas pelo Executivo na
assinatura do tratado também são submetidas à aprovação do Congresso Nacional. Além
disso, caso o Executivo pretenda apresentar alguma reserva por ocasião do depósito ou da
troca de instrumentos de ratificação, ou mesmo quando realizar uma adesão, deverá submetê-
la previamente ao Legislativo.
Indiferentemente do momento da apresentação de reservas pelo Executivo, seu
controle pelo Legislativo é sempre exigido, visto que as mesmas fazem parte do tratado, seja
excluindo a aplicação de disposições deste ou modificando-as através de interpretação.
Reservas ao tratado também poderão surgir por iniciativa do próprio Poder
Legislativo. Isto ocorre quando o Congresso aprova o texto do tratado com alguma reserva ou
emenda apresentada pelos parlamentares durante a análise do texto do acordo. A reserva surge
64
A competência funcional do Presidente do Senado para promulgar os decretos legislativos está prevista no
artigo 48, XXVIII, do Regimento Interno do Senado Federal.
65
Consoante o artigo 57, § 5º, da CF/88.
83
quando o tratado admite a sua modificação, a emenda surge quando não está prevista esta
possibilidade
66
.
De qualquer forma, tratando-se de reservas ou de emendas, a faculdade do Congresso
de aprovar parcialmente o acordo resulta da sua competência para resolver definitivamente
sobre os tratados, que lhe é atribuída pelo artigo 49, I, da Constituição. A respeito do
entendimento de alguns doutrinadores de que o Congresso poderia aprovar ou rejeitar o
tratado integralmente, Wilson Accioli de Vasconcellos (1976, p. 122) salienta que “resolver
definitivamente” não significa apenas aprovar ou desaprovar totalmente. Segundo o autor:
Aprovar totalmente, mesmo que, nessa aprovação, se englobem cláusulas
contrárias ao interesse nacional, seria contraproducente. Desaprovar totalmente,
mesmo que essa desaprovação importasse no julgamento de certas cláusulas
favoráveis às conveniências da política nacional, seria desaconselhável.
Acrescenta-se às argumentações do autor referido que não se pode pretender limitar a
competência do Congresso Nacional estabelecida pela Constituição. Assim sendo, caso o
Congresso apresente reservas, emendas ou rejeite as reservas formuladas pelo Executivo, este
último, ao manifestar o consentimento estatal na esfera externa, deverá fazê-lo em
conformidade com a decisão parlamentar
67
.
Esta amplitude da competência do Legislativo - calcada na competência para resolver
definitivamente sobre tratados - também se aplica à denúncia dos ajustes internacionais, a
qual somente poderá ser realizada pelo Executivo após passar pelo crivo do Congresso
Nacional.
2.2.2.5 A ratificação e a incorporação do tratado à ordem interna
Além de servir de instrumento para participação do Legislativo na formação da
vontade do Estado brasileiro em obrigar-se por um compromisso internacional, a ratificação
ainda desempenha outro papel importante na celebração dos tratados promovendo a sua
66
A distinção entre emenda e reserva não é fácil de ser feita. Parece que a melhor forma de caracterizá-las seja a
de partir do fato do tratado admitir ou não sua modificação: caso o tratado não admita surge a emenda; se
admitir, surge a reserva (MELLO, 2000, p. 308).
67
Qualquer adaptação feita pelo Legislativo no tratado será apresentada pelo Executivo no momento da
manifestação do consentimento estatal sob a forma de reservas. Caso o Legislativo apresente emendas ao tratado,
o Poder Executivo terá que submetê-las à apreciação da outra parte contratante.
84
incorporação ao ordenamento jurídico nacional.
Convém mencionar que a relação entre o tratado e a ordem jurídica interna tem gerado
intensas discussões entre duas correntes doutrinárias que possuem concepções contraditórias a
respeito da vigência do tratado na esfera nacional. Trata-se da polêmica “Dualismo x
Monismo”
68
.
A teoria Dualista baseia-se na existência de duas ordens independentes, uma nacional
e outra internacional, sendo que para o tratado - que é norma internacional - adquirir
aplicabilidade na ordem interna seria preciso transformá-lo em Direito interno. Ou melhor, as
regras decorrentes do compromisso internacional podem ser inseridas no sistema jurídico
nacional através de uma lei interna.
De outro lado, a teoria Monista sustenta que os atos estatais na ordem externa
produzem efeitos tanto na ordem internacional como na ordem interna, pois ambas formariam
uma unidade de ordenamentos. Assim, para a teoria Monista, as normas dos tratados se
aplicam diretamente na ordem jurídica estatal, sem que haja necessidade de transformá-las em
Direito interno.
Não obstante as concepções apresentadas pelos monistas e dualistas, essa controvérsia
teórica tem sido considerada inútil por autores que, como Pereira e Quadros (2002, p. 87),
asseveram que o Estado tem a obrigação de conformar sua ordem interna às suas obrigações
internacionais, cabendo-lhe a escolha da forma técnica para o cumprimento de tal dever.
Desta forma, o deslinde da questão da relação do tratado com o Direito interno não se
através de teorias supostamente genéricas, mas por meio da verificação das normas
constitucionais de cada Estado. Por conseguinte, busca-se neste estudo verificar a solução
adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sem o propósito de aprofundar a discussão
doutrinária entre monistas e dualistas.
Em atenção às normas constitucionais brasileiras referentes à celebração de tratados
(artigo 49, I, e artigo 84, VIII) verifica-se que a única exigência que a Constituição impõe
para a vigência do tratado no ordenamento jurídico interno é o referendo do Congresso
Nacional. Ou seja, para que o tratado, que é norma internacional, seja aplicado na esfera
nacional - criando direito e obrigações para os cidadãos é preciso que seja ratificado pelo
68
Sobre Monismo e Dualismo vide SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. 2.
ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 201-205.
85
Legislativo.
É importante notar que pelo procedimento da ratificação não ocorre a transformação
do compromisso internacional em Direito interno. Embora a aprovação do tratado pelo
Congresso se formalize num decreto legislativo, tal procedimento não altera a natureza da
norma internacional, visto que por meio desta espécie normativa o tratado apenas recebe
aprovação parlamentar, sendo aplicado na ordem interna como tratado e não como lei interna.
Rezek (1984, p. 383) explica que os tratados “vigem internamente com sua roupagem
original de tratados, e nessa qualidade, e sob esse exato título, revogam direito anterior de
produção interna, tal como faria uma lei ordinária superveniente”.
A respeito, Mirtô Fraga (1998, p. 49) observa que fazendo expressa referência à
aplicação da norma convencional pelos tribunais, as sucessivas Constituições brasileiras,
implicitamente, determinam a aplicação do próprio tratado
69
. Acrescenta a autora que o
tratado o se confunde com a lei, pois eles têm processos de elaboração diversos. Para a
conclusão do primeiro é necessária a vontade de pelo menos outro Estado, a lei em sentido
estrito emana de fonte interna – dos Poderes Executivo e Legislativo.
Para Mirtô Fraga (1998, p. 57), a intervenção do Legislativo na conclusão do tratado
se opera, sobretudo, em decorrência da função fiscalizadora que exerce sobre o Executivo,
não havendo na atuação do Congresso uma atividade legislativa capaz de gerar uma norma
interna e de transformar o tratado em Direito interno.
Assim, apesar do seu trâmite pelo Congresso, o tratado não pode ser considerado lei
em sentido estrito norma elaborada conforme o processo legislativo
70
previsto na
Constituição para a lei formal, ou seja, aprovação pelo Legislativo e sanção por parte do
Executivo. Entretanto, parece não haver dúvidas de que o tratado torna-se lei em sentido
amplo - que é qualquer norma jurídica capaz de gerar direitos e obrigações que emana do
Estado através de um processo específico estabelecido.
69
Os artigos 102 e 105 da CF/88 estabelecem que:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a
decisão recorrida: [...] b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”. (grifou-se)
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
[...] III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais
Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”. (grifou-se)
70
José Afonso da Silva (1994, p. 458) leciona que “processo legislativo é o conjunto de atos preordenados
visando a criação de normas de Direito”.
86
Isto ocorre porque o procedimento de ratificação realizado pelo Congresso confere ao
tratado caráter normativo perante a ordem jurídica nacional. Após sua formulação pelo
Executivo - em conjunto com o (s) outro (s) Estado (s) contratante (s) -, o texto do tratado
passa, na ratificação, por um procedimento bastante semelhante ao destinado à aprovação da
lei em sentido estrito, sendo aprovado pelas duas casas do Congresso e em seguida
promulgado.
À vista disso, o tratado passa a deter força de norma, devendo ser aplicado
internamente da mesma forma que a lei, uma vez que pelo referido procedimento, torna-se,
inegavelmente, lei em sentido amplo. Verifica-se, então, que se a atuação do Congresso o
transforma a norma internacional em Direito interno, por outro lado promove a sua
incorporação ao ordenamento jurídico nacional.
Com a aprovação parlamentar cumpre-se a condição de validade
71
do tratado perante a
ordem interna, pois neste ato fundem-se a vontade do Presidente e do Congresso,
aperfeiçoando a vontade estatal. com a promulgação pelo Presidente do Senado, o
compromisso internacional adquire executoriedade no ordenamento interno, visto que o ato da
promulgação atesta a existência de uma norma em decorrência do preenchimento das
formalidades exigidas para sua celebração, e ordena sua execução
72
.
Conseqüentemente, ratificado o tratado, opera-se a sua integração à ordem jurídica
brasileira, sendo prescindível para tal efeito qualquer outra providência posterior pelo Poder
Legislativo ou pelo Poder Executivo. A desnecessidade de edição de um novo ato legislativo
que reproduza a norma convencional foi reconhecida pelo Superior Tribunal Federal (STF)
em sua decisão no Recurso Especial n. 80.004/SE de 1977
73
.
No referido recurso, em que se revela o acolhimento de concepção dualista moderada
pela jurisprudência brasileira, o relator asseverou em seu voto que:
Não me parece curial que o Brasil firme um tratado, que esse tratado seja
aprovado definitivamente pelo Congresso Nacional, que em seguida seja
promulgado e, apesar de tudo isso, sua validade ainda fique dependendo de
novo ato do Poder Legislativo. [...] A objeção seria ponderável se a aprovação do
tratado estivesse confiada a outro órgão, que não o Congresso Nacional. Mas, se
a aprovação é ato do mesmo poder elaborador do direito escrito, não se
71
Conforme leciona Ferraz Júnior (1994, p. 202), “validade é uma qualidade da norma que designa sua
pertinência ao ordenamento, por terem sido obedecidas as condições formais e materiais de sua produção e
conseqüente integração no sistema”.
72
Consoante José Afonso da Silva (1994, p. 461) o ato de promulgação tem, [...] como conteúdo a presunção
de que a lei promulgada é válida, executória e potencialmente obrigatória”.
73
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 80.004, de 1977. RTJ n. 83, p. 809-848.
87
justificaria, que, além de solenemente aprovar os termos do tratado, o Congresso
Nacional ainda tivesse de confirmá-los, repetitivamente, em novo diploma legal.
Para fins de incorporação da norma internacional ao ordenamento nacional, também se
torna prescindível qualquer ato posterior do Poder Executivo porque o artigo 49, I, da
Constituição diz expressamente que compete ao Congresso Nacional “resolver
definitivamente” sobre os tratados. Ao determinar a competência exclusiva do Congresso para
determinadas matéria entre elas os tratados a Constituição as excluí do âmbito da lei
ordinária e lhes atribui a forma do decreto legislativo, cuja tramitação ocorre somente perante
o Poder Legislativo.
Pela utilização desta espécie normativa para aprovação do compromisso internacional
está dispensada a sanção presidencial pois ao submeter o texto do acordo à aprovação
parlamentar o Presidente já terá expressado seu consentimento. Além disso, está dispensada
também a promulgação do tratado por parte do Presidente da República, a qual é exigida pela
Constituição no caso da elaboração da lei em sentido estrito.
De acordo com a lição do constitucionalista Ferreira Filho (2002, p. 250):
Cabe a promulgação, em princípio, ao Presidente da República por ser ato que
prepara a execução. É o que dispõe o artigo 66, § 7º, da Constituição, que se
aplica aos atos normativos em geral, salvo a emenda constitucional, o decreto
legislativo e a resolução. A promulgação da primeira cabe às mesas da mara
dos Deputados e do Senado (art. 60, § 3º). A do segundo, ao Presidente do
Senado Federal [...]. (grifou-se)
Porém, a doutrina internacionalista sustenta que mesmo depois de aprovado e
promulgado pelo Congresso Nacional, o decreto legislativo de aprovação do tratado ainda
precisa ser promulgado pelo Presidente da República, para então, o acordo ser incorporado
à legislação interna brasileira. É este, por exemplo, o entendimento de Medeiros (1995, p.
470), Husek (2004, p. 77), Rodas (1980, p. 203), Guido Soares (2004, p. 226) e Accioly
(1948, p. 10).
Medeiros (1995, p. 470) afirma que é a Constituição, no artigo 84, IV, que prescreve
que compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar
as leis. A respeito desse entendimento, salienta-se desde logo que, conforme mencionado
anteriormente, as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional não estão
sujeitas ao procedimento atribuído pela Constituição à lei em sentido estrito.
88
Tendo em vista que a aprovação das matérias de competência exclusiva do Congresso
não está sujeita à sanção ou veto presidencial – o que é indispensável à lei em sentido estrito –
não se torna necessária a promulgação destas normas pelo Presidente, pois, conforme ensina
Caio Mário da Silva Pereira (2004, p. 100-101) a promulgação é feita pelo Presidente da
República como seqüência natural e imediata da sanção que lhe dê”.
No entanto, a jurisprudência brasileira também tem considerado necessária a
promulgação do tratado pelo Executivo, tendo assim se posicionado o STF na decisão do
Agravo Regimental referente à Carta Rogatória n. 8.279
74
. Em seu voto o Ministro Celso de
Mello diz que:
Não obstante a controvérsia doutrinária em torno do monismo e do dualismo [...],
torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como
disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestação de
que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade e
de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e
aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro, depende, essencialmente, de
um processo de integração normativa que se acha delineado, em seus aspectos
básicos, na própria Constituição da República.
[...]
Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro - que não exige a edição
de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão
dualista extremada) - satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos
tratados internacionais, com a adoção de iter procedimental que compreende a
aprovação congressional e a promulgação executiva do texto convencional (visão
dualista moderada).
Entendeu o Ministro Celso de Mello que a promulgação pelo Executivo seria uma
exigência prevista pela Constituição brasileira para a incorporação do tratado. No entanto,
como nota José Carlos de Magalhães (2000, p. 73), a Constituição não estabelece em qualquer
artigo que, para terem vigência no país, os tratados dependam da promulgação por meio de
decreto do Presidente da República. E por isso mesmo, diz o autor, o STF não foi capaz de
apontar em qual dispositivo fundamentou sua interpretação.
Nas palavras do professor José Carlos de Magalhães (2000, p. 73):
Não há referência alguma a tratado e muito menos a decreto do Executivo, que é
o meio pelo qual esse Poder regulamenta leis e expede ordens que vinculam a
administração federal, como se verifica do art. 84, IV, da Constituição. O
Congresso, ao ratificar o tratado, o faz por meio de decreto legislativo, pondo-o
em vigor no país, não havendo necessidade de decreto e promulgação pelo
Executivo, providência não prevista na Constituição.
74
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Carta Rogatória 8.279. Relator Ministro Celso de Mello. 04 de maio de
1998. Informativo do STF 109. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/informativos>. Acesso em: 15
mar. 2006.
89
Segundo Rodas (1980, p. 200), a promulgação do decreto legislativo pelo Executivo
não passa de um costume brasileiro que segue a tradição portuguesa. O próprio tratado de
reconhecimento da Independência do Brasil foi promulgado após a troca dos instrumentos de
ratificação. O autor informa, ainda, que depois da independência continuou-se a seguir a
tradição lusitana, embora nenhum texto constitucional brasileiro faça referência à necessidade
de tal providência.
Nota-se que a Constituição se refere ao tratado
75
, não mencionando em momento
algum o decreto executivo atualmente utilizado pelo MRE para promulgação e reclamado
pela doutrina e pela jurisprudência para efeito de incorporação da norma convencional ao
ordenamento jurídico.
Embora a Constituição não se refira diretamente ao decreto legislativo, pelo qual
ocorre a aprovação do texto do tratado, a necessidade de utilização desta espécie normativa
encontra respaldo na própria Carta constitucional, que determina a competência do Congresso
para resolver definitivamente sobre o tratado. Já em relação ao decreto executivo, não se pode
apontar qualquer previsão legal que justifique sua necessidade.
Assim, resta inferir que a processualista praticada no Brasil desde a independência até
os tempos atuais, que se baseia na promulgação do decreto legislativo pelo Poder Executivo,
não encontra respaldo nas normas legais.
Basta, portanto, o procedimento da ratificação para que o tratado seja incorporado ao
ordenamento jurídico nacional, de forma a posicionar-se ao lado das leis ordinárias e estar
apto a produzir os mesmos efeitos das leis em sentido estrito. A paridade do tratado com a lei
ordinária pode ser deduzida do disposto no artigo 102, III, b, da CF/88
76
que estabelece a
competência do STF para julgar mediante recurso extraordinário as ações cuja decisão
declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal
77
.
A Constituição só confere tratamento diverso aos tratados de direitos humanos, eis que
o novo § do artigo da Carta Fundamental (decorrente da emenda constitucional 45/04)
estabelece que: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
75
Artigos 102, III, b e 105, III, a, da CF/88.
76
O artigo 102, III, b, da CF/88 consagra também a supremacia da Constituição sobre os tratados ao estabelecer
o controle de constitucionalidade dos mesmos.
77
O STF tem mantido o entendimento de que os tratados, uma vez recepcionados, têm status de lei ordinária.
Tal posicionamento ficou evidenciado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.480-3/ DF.
90
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Ultrapassa os objetivos deste trabalho a discussão sobre o conflito entre o tratado e o
Direito interno, no entanto, observa-se que no Brasil existem diversos acórdãos consagrando o
primado do Direito Internacional por meio de decisões que consideram que o tratado revoga
leis anteriores, mas não é revogado por leis internas posteriores. Entretanto, a tendência mais
recente no Brasil é a de um verdadeiro retrocesso na matéria, visto que no RE n. 80.004/SE o
STF estabeleceu que uma lei revoga o tratado anterior (MELLO, 2004, p. 130-131).
Por outro lado, a jurisprudência internacional têm sido constante em reconhecer a
supremacia do Direito Internacional sobre o Direito interno. A Corte Permanente de
Arbitragem manifestou-se favorável à aplicação do Direito Internacional sem levar em conta a
legislação interna em casos como: “Cia. de Navegação do Orenoco” (EUA Venezuela, 25-
10-1910), Cia. Navegação Norueguesa (EUA – Noruega, 13-10-1922), caso “Landreau”
(EUA Peru, 26-10-1922) e caso Shufeldt” (EUA Guatemala, 24-07-1930) (BOSON,
1958, p. 171-172).
Por sua vez, a Corte Permanente de Justiça Internacional afirmou em várias
oportunidades a prevalência das normas de Direito Internacional Público. No caso referente
aos “alemães na Alta Silésia polonesa”
78
, em 25-05-1926, a Corte declarou que diante do
Direito Internacional as leis nacionais são simples fatos; no caso “Zonas Francas”
79
, decidiu-
se que a França não poderia se prevalecer de sua legislação para restringir o valor de suas
obrigações internacionais; no parecer sobre as comunidades greco-búlgaras”
80
, estabeleceu-
se como princípio geral, reconhecido do Direito Internacional, que nas relações entre
potências contratantes as disposições de uma lei interna não podem prevalecer sobre as do
tratado (BOSON, 1958, p. 173).
78
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Decisions of the Permanent Court of International Justice
(1922-1946). Disponível em: <http://www.icj-cij.org/icjwww/idecisions/icpij/>. Acesso em: 12 jan. 2006.
79
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Decisions of the Permanent Court of International Justice
(1922-1946). Disponível em: <http://www.icj-cij.org/icjwww/idecisions/icpij/>. Acesso em: 12 jan. 2006.
80
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Decisions of the Permanent Court of International Justice
(1922-1946). Disponível em: <http://www.icj-cij.org/icjwww/idecisions/icpij/>. Acesso em: 12 jan. 2006.
91
2.2.2.6 Vigência do tratado na ordem interna
É preciso observar ainda que, depois de incorporado, para que o tratado entre em
vigor
81
podendo ser invocado pelos indivíduos e aplicado pelos Tribunais precisa ser
publicado, que conforme ensina Pinto Ferreira (1991, p. 397) “a força obrigatória da lei
começa com a publicação”. Por certo, a regra sobre a publicação é válida tanto para a norma
de produção doméstica quanto para os tratados internacionais.
De acordo com a praxe brasileira, para dar publicidade ao tratado, costuma-se publicar
o decreto executivo utilizado para promulgação do decreto legislativo. Segundo Rodas, a
Divisão de Atos Internacionais do MRE redige o decreto executivo que recebe a assinatura do
Presidente da República e do Ministro das Relações Exteriores e, em seguida, o mesmo é
publicado no Diário Oficial da União (RODAS, 1980, p. 204).
Todavia, assevera-se que, assim como a promulgação, a publicação pelo Poder
Executivo do decreto legislativo de aprovação do tratado também é desnecessária, pois ambos
os atos são de competência do Presidente do Senado (que age na qualidade de Presidente do
Congresso Nacional)
82
.
Segundo Pontes de Miranda (1967, p. 119), "decretos legislativos são as leis a que a
Constituição não exige a remessa ao Presidente da República para a sanção (promulgação ou
veto)”. Ora, se na edição das matérias objeto de competência exclusiva do Congresso não é
exigido o seu envio ao Poder Executivo para sanção ou promulgação, tampouco devem ser
para publicação.
O constitucionalista José Afonso da Silva (1994, p. 462) leciona que pela publicação
“se transmite a promulgação [...] aos destinatários da lei. [...]. Quem a promulga deve
determinar sua publicação.” Da mesma forma, Ferreira Filho (2002, p. 251) sublinha que é a
promulgação e não propriamente o ato normativo que se publica, logo compete publicação à
81
Vigência é uma qualidade da norma que diz respeito ao tempo de validade, ao período que vai do momento
em que ela entra em vigor (passa a ter força vinculante) até o momento em que é revogada ou em que se esgota o
prazo prescrito para a sua duração” (FERRAZ JÚNIOR, 1994, p. 202).
82
Nesse sentido, José Carlos Magalhães (2000, p. 80) assevera que: “Nem se diga que a publicidade de qualquer
norma legal é de competência exclusiva do Presidente da República. Tal prerrogativa foi também conferida ao
Presidente do Congresso, como se verifica, por exemplo, no procedimento de rejeição a veto a projeto de lei,
quando o Presidente não a sanciona no prazo estabelecido na Constituição. Nesse caso, volta o projeto aprovado
ao Legislativo, cabendo ao Presidente do Congresso emitir decreto legislativo, pondo a lei em vigor no país [...]
Assim, não é verdade que a publicidade da norma legal compete exclusivamente ao Presidente da República,
pois, em certas hipóteses, tal competência é também atribuída ao Presidente ou ao Vice-Presidente do Senado”.
92
autoridade que promulga o ato
83
. Cabe, portanto, ao Presidente do Senado publicar o decreto
legislativo que promulgou anteriormente, de forma a tornar o tratado vigente e obrigatório na
ordem interna.
Na verdade, para que o tratado tenha vigência no sistema jurídico nacional, além da
publicação é necessário que seja satisfeito seu pressuposto de vigência, qual seja: estar em
vigor na ordem externa. Como a ratificação não é obrigatória, por mais que o Estado
brasileiro ratifique o tratado e publique-o na ordem interna, o mesmo pode jamais entrar em
vigor se o (s) outro (s) Estado (s) contratante (s) não manifestar seu consentimento em
vincular-se de forma definitiva ao ajuste.
Primeiramente torna-se necessário que, através de um ato externo, as partes
manifestem umas as outras sua intenção de obrigar-se pelo tratado. Somente depois de
efetivamente concluído na esfera externa - com a troca dos instrumentos de ratificação pelos
contratantes ou com o seu depósito - o compromisso internacional torna-se obrigatório e inicia
sua vigência na ordem interna. Tal situação, que pode parecer desajustada perante o
funcionamento lógico do sistema jurídico interno no qual a publicação por si confere
vigência à norma -, decorre das peculiaridades da elaboração das normas internacionais, as
quais envolvem diferentes entes estatais.
A situação é análoga à que ocorre quando um dos Estados contratantes denuncia o
tratado na ordem internacional, provocando, desta forma, o seu término também na ordem
interna - visto que cessa a sua condição de vigência
84
.
Por tudo isso, conclui-se que a prática brasileira - que tem sido exigida tanto pela
doutrina quanto pela jurisprudência - de edição, pelo Poder Executivo, de decreto executivo
para dar executoriedade e publicidade ao tratado internamente é desnecessária e equivocada.
A ratificação e a publicação do tratado pelo Poder Legislativo são os únicos procedimentos
que encontram amparo legal para fins de incorporação e vigência da norma convencional no
sistema jurídico nacional.
83
Ferreira Filho (2002, p. 251) diz que “embora não esteja isso expresso em parte alguma, tal deflui de ser a
publicação a comunicação da promulgação de um ato normativo”.
84
Além da denúncia, existem outras causas para o fim da vigência dos tratados como, por exemplo, o término do
prazo de vigência do acordo ou a sua execução integral.
93
2.2.3 Manifestação do consentimento: competência do Executivo
Não é a ratificação em si que confere vigor ao tratado, pois ela é ato de natureza
interna de competência do Poder Legislativo e por isso seus efeitos não se irradiam na esfera
internacional. Ademais, como lembra Rezek (1984, p. 265), o Parlamento nacional não tem
voz exterior para se comunicar com os outros Estados.
Destarte, o acordo só se aperfeiçoa, entrando em vigor na esfera externa, com a
manifestação da vontade do Estado em obrigar-se pelo tratado, que é feita pelo órgão que
representa o Estado brasileiro na ordem internacional através da carta ou instrumento de
ratificação.
Tal documento diz respeito à comunicação a (s) outra (s) parte (s) contratante (s),
feita pelo Presidente da República - que é a voz externa do Estado
85
- de que o Brasil se
obriga pelo tratado previamente negociado, que houve consentimento do órgão interno
competente para formar a vontade estatal de forma definitiva.
A manifestação do consentimento do Estado em obrigar-se pelo tratado é um
pressuposto de vigência do tratado na ordem internacional. Sem ela o tratado não tem força
obrigatória, permanecendo simplesmente seu aspecto promissório - decorrente da assinatura -
perante a outra parte contratante.
A assinatura do acordo negociado é ato de natureza externa que confere ao outro
Estado contratante a simples expectativa de conclusão do tratado, desta forma, somente
depois da ratificação o Executivo podeconfirmar esta expectativa através do depósito ou da
troca dos instrumentos de ratificação, que também são atos de natureza externa.
A troca dos instrumentos de ratificação, que é usada em tratados bilaterais, consiste na
permuta das cartas de cada parte contratante. Tal ato geralmente é realizado no Ministério das
Relações Exteriores de um dos dois Estados contratantes, sendo consignado por uma ata ou
protocolo, lavrado em dois exemplares e assinado pelos representantes diplomáticos
(ACCIOLY, 1998, p. 31).
nos tratados multilaterais, ocorre o depósito dos instrumentos de ratificação. Neste
85
A competência para manifestar o consentimento estatal está dentro dos limites da função de representação
externa do Estado, que é exercida pelo Presidente da República em virtude do artigo 84 da CF/88 e das normas
da Convenção de Viena.
94
caso o Executivo envia a carta de ratificação para o governo de um Estado previamente
determinado pelo próprio tratado, o qual guarda o documento nos seus arquivos e comunica o
depósito aos demais contratantes (ACCIOLY, 1998, p. 31).
Efetuada a troca ou depósito dos instrumentos de ratificação, o tratado entra em vigor,
tornando-se obrigatório para os Estados-partes. Por fim, vale mencionar novamente que a
manifestação do consentimento do Estado em obrigar-se pelo tratado é um ato vinculado para
o Poder Executivo, de forma que, ao receber a comunicação do Presidente do Senado de que o
tratado foi ratificado, o Executivo deverá cumprir a obrigação implícita contida no ato.
2.3 O Brasil e as limitações da participação do Legislativo na conclusão dos tratados
Assim como a Constituição de 1988 exige a conjugação das vontades do Executivo e
do Legislativo para a formação da vontade do Estado em obrigar-se pelos compromissos
internacionais, as Constituições que a antecederam também continham tal previsão. Aliás,
este sistema de divisão de competência para concluir tratados vem sendo mantido nas Cartas
constitucionais desde a adoção da forma republicana pelo país.
A regra sobre a competência para comprometer o Estado na ordem internacional
somente foi estabelecida de forma diversa no Brasil durante o período do Império. Diante
disso, torna-se oportuno a realização de uma breve análise histórica para a visualização da
evolução das normas constitucionais brasileiras referentes à matéria.
2.3.1 Regulação da competência para concluir tratados no período imperial
A Constituição do Império de 1824 estabelecia em seu artigo 102 ser atribuição do
imperador:
[...]
X Fazer tratados de aliança ofensiva e defensiva, de subsídio e comércio,
levando-os, depois de concluídos, ao conhecimento da Assembléia Geral,
quando o interesse e segurança do Estado o permitirem. Se os tratados
concluídos em tempo de paz contiverem cessão ou troca de território do Império
ou de possessões a que o Império tenha direito, não poderão ser ratificados sem
terem sido aprovados pela Assembléia Geral.
95
À luz dessas disposições, o imperador podia concluir tratados sem aprovação
parlamentar, sendo necessária a intervenção da Assembléia somente se o tratado versasse
sobre certas questões territoriais. Diante destes amplos poderes do Executivo, Mello (2000, p.
282-283) observa que as idéias da Revolução Francesa no sentido de controle das relações
internacionais pela representação popular estão quase inexistentes na Constituição imperial.
Para Medeiros, (1995, p. 73), a regra contida na Constituição de 1824 recebeu forte
influência da obra doutrinária de Benjamin Constant, a qual era conhecida por todos que
trabalharam no projeto da Constituição. A respeito das relações com outros Estados,
Benjamin Constant (apud MEDEIROS, 1995, p. 75) recomendava que:
O direito de paz e da guerra não pode, em uma monarquia, pertencer senão ao
poder real [...]. Para que a dignidade de um povo, governado monarquicamente,
fique em segurança, é necessário que a preservação dessa dignidade seja
confiada ao monarca, pois o nome que ostenta sobrevive das glórias ou das
humilhações do seu Reino
86
.
É preciso considerar que o grupo de homens públicos que participou da elaboração da
Constituição do Império era formado em sua maioria por partidários do regime monárquico
parlamentar e moderado. Por certo, havia os que preconizavam uma democracia avançada,
mas tal idéia era tida como extravagante. Muitos, como José Bonifácio, encaravam com
desconfiança, ou até repulsa, a herança ideológica da Revolução Francesa (MELO FRANCO,
1957, p. 227-228).
Assim, apesar da primeira Constituição brasileira adotar ao menos teoricamente -
algumas premissas do liberalismo, como a separação dos poderes, a mesma estava ainda
atrelada em larga medida às proposições da monarquia absolutista
87
. É mister admitir que o
princípio da representação popular o encontrou condições para se efetivar plenamente no
país, tendo em vista a preeminência do Poder Executivo, cuja chefia estava a cargo do
imperador.
Esta supremacia sobre os Poderes do Estado era garantida especialmente pelo Poder
Moderador, que foi introduzido pela Constituição de 1824. Ocorre que a referida Carta
constitucional, além dos três Poderes, acrescia um quarto Moderador que era exercido
86
A única exceção ao poder real que Benjamin Constant admitia diz respeito a cláusulas que interferem na
condição ou nos direitos dos indivíduos no interior do Estado (MEDEIROS, 1995, p. 75).
87
No que se refere à participação da Assembléia nas questões territoriais, Mello (2000, p. 283) afirma que o
absolutismo de certo modo sempre aceitou esta restrição, pelo menos da França, visto que no século XVI se
defendia a necessidade de plebiscito em caso de cessão de território.
96
pelo imperador para manter o equilíbrio e garantir o funcionamento regular dos outros
Poderes
88
.
Mas mesmo diante da concentração de poder avalizada constitucionalmente no
período imperial, o Parlamento reagiu à situação estabelecida reivindicando maior
participação na celebração dos tratados. De acordo com Cervo (1981, p. 6), após a
independência foi implantado o chamado “sistema de tratados”, pelo qual foram realizados
vários acordos com potências européias, concedendo-lhes vantagens desmedidas em
detrimento dos interesses nacionais. Tal situação provocou forte oposição do Parlamento e
concorreu para o desenvolvimento de uma corrente anti-tratados, que reivindicava para a
Assembléia o direito de aprovar os acordos de qualquer natureza.
Contudo, tanto no reinado de Pedro I como de Pedro II a regra sempre foi o imperador
ratificar os compromissos internacionais, dando somente notícia dos mesmos ao Legislativo
quando já estavam em vigor (MEDEIROS, 1995, p. 97). Aliás, seja em relação à política
externa ou à interna, o panorama estabelecido no Brasil imperial caracterizava-se pela
hegemonia do chefe do Executivo e a sua interferência nos Poderes.
2.3.2 Regulação da competência para concluir tratados no sistema republicano
A democratização da ação externa do Estado foi alcançada com a proclamação da
República. Na primeira Constituição republicana, de 1891, foi conferido ao Presidente o
poder para celebrar os tratados, mas exigiu-se sempre o referendo do Congresso Nacional:
Artigo 34 – Compete privativamente ao Congresso Nacional:
[...]
12 resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações
estrangeiras;
Artigo 48 – Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
16 entabular negociações internacionais, celebrar ajustes, convenções e
tratados, sempre ad referendum do Congresso [...].
88
Afonso Arinos de Melo Franco (1957, p. 244), referindo-se ao Poder Moderador, diz que ao se examinar a
biografia sobre D. Pedro I parece irrecusável que foi o próprio imperador quem fez constar na Constituição de
1824 a nova prerrogativa da Coroa, de modo a consolidar o seu poder pessoal face aos outros três Poderes.
97
Medeiros (1995, p. 118-119) considera que a imposição do assentimento do
Legislativo para os tratados não resultou da influência de nenhum modelo constitucional
estrangeiro, do qual pudessem ter sido copiadas as expressões usadas na Constituição
brasileira. Segundo o internacionalista, a regra sobre a competência para celebrar tratados
amadureceu no país através da própria experiência política, visto que durante o Império os
legisladores, preocupados com os acordos prejudiciais aos interesses nacionais, já haviam
percebido a necessidade de aprovação parlamentar dos compromissos externos.
Com algumas variações nos termos usados, as Constituições posteriores à de 1891
passaram a repetir o sistema de divisão de competência para celebrar tratados instituído pela
primeira Constituição republicana, estabelecendo que compete ao Presidente da República
celebrar tratados internacionais, com o referendo do Congresso Nacional:
Constituição de 1934:
Artigo 40 – É da competência exclusiva do Poder Legislativo:
a) resolver definitivamente sobre tratados e convenções com as nações
estrangeiras, celebrados pelo Presidente da República, inclusive os relativos à
paz;
Artigo 56 - Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
- celebrar convenções e tratados internacionais ad referendum do Poder
Legislativo.
Constituição de 1937:
Art. 54 Teinício no Conselho Federal a discussão e votação dos projetos de
lei sobre:
a) tratados e convenções internacionais;
Art. 74. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VII – celebrar convenções e tratados internacionais, ad referendum do Poder
Legislativo;
Constituição de 1946:
Art. 66 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I resolver definitivamente sobre os tratados e convenções celebrados com os
Estados estrangeiros pelo Presidente da República;
Art. 87. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VII – celebrar tratados e convenções internacionais, ad referendum do Congresso
Nacional.
98
Constituição de 1967:
Art. 47 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I – resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da
República;
Art. 83. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, ad referendum do
Congresso Nacional;
Pela Emenda Constitucional n. 1, de 1969, os dispositivos da Constituição de 1967
passaram a vigorar com a seguinte redação:
Art. 44 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I resolver definitivamente sobre os tratados, convenções e atos internacionais
celebrados pelo Presidente da República;
Art. 81. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...] VIII celebrar tratados, convenções e atos internacionais, ad referendum do
Congresso Nacional;
Constituição de 1988:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
Art.84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções ou atos internacionais, sujeitos a referendo
do Congresso Nacional;
Pelo que se verifica, desde a proclamação da República nunca houve nas normas
constitucionais brasileiras a previsão de limitação da participação do Poder Legislativo na
conclusão dos tratados como a estabelecida pelo sistema de lista positiva ou negativa. Claro
está que foram determinadas e mantidas, sucessivamente, regras baseadas no modelo de
divisão de competência para celebrar tratados estabelecido pelas Revoluções burguesas.
Para os comentaristas das primeiras Constituições republicanas, era pacífico o
entendimento de que havia necessidade de aprovação parlamentar para todos os tratados
celebrados pelo país. Neste sentido, manifestaram-se, por exemplo, João Barbalho, Paulo de
Lacerda, Carlos Maximiliano e Clóvis Beviláqua (MEDEIROS, 1983, p. 76-78).
Medeiros (1983, p. 76) salienta o entendimento dominante na época através das
observações de João Barbalho, que ao comentar a Constituição de 1891 frisou que:
99
[...] não é da alçada do poder executivo empenhar motu próprio a
responsabilidade da nação, criar-lhe compromissos, obrigá-la, ainda que em
permuta de vantagens, a ônus e encargos. Por isso ficou reservado ao
Congresso Nacional a ratificação dos ajustes, convenções e tratados feitos pelo
Presidente da República o que redunda em corretivo e garantia contra possíveis
abusos, contra a compreensão e comprometimento dos altos interesses
nacionais.
2.3.3 As divergências doutrinárias acerca dos acordos em forma simplificada
Mesmo diante da expressa determinação da participação do Legislativo na celebração
dos tratados feita pelas consecutivas Cartas constitucionais, ao menos desde a Constituição de
1946 os doutrinadores brasileiros discutem sobre a possibilidade de o Executivo concluir
tratados sem aprovação do Congresso Nacional.
O debate sobre o tema delineou-se, inicialmente, com os doutrinadores Hildebrando
Accioly e Haroldo Valladão e, posteriormente, envolveu outros internacionalistas, bem como
alguns constitucionalistas brasileiros. Esta controvérsia resultou no surgimento de duas
correntes doutrinárias: uma que sustenta a validade dos acordos celebrados em forma
simplificada no sistema constitucional brasileiro; e outra que nega essa possibilidade.
Em um artigo publicado no Boletim da Sociedade Brasileira de Direito
Internacional”
89
no ano de 1948, Accioly suscitou a questão ao discordar da opinião expressa
por Pontes de Miranda de que todos os atos internacionais deveriam ser obrigatoriamente
submetidos ao Poder Legislativo.
Referindo-se às normas da Constituição de 1946, Accioly (1948, p. 5-6) afirmou que a
determinação constitucional de aprovação parlamentar dos tratados não pode ser tomada em
termos absolutos, pois, segundo o autor, o Brasil pode fazer parte de atos internacionais sem
aprovação do Congresso em caso de acordos que não exigem ratificação. Para fundamentar a
suposta o-necessidade de ratificação, o autor menciona a prática norte-americana dos
acordos executivos, salientando que nos EUA muito tempo segue-se a praxe de concluir
tratados dispensando-se a aprovação legislativa.
Accioly (1948, p. 7) entende que o princípio geral que deve predominar no assunto é o
da competência privativa dos órgãos constitucionais. Assim, caso a matéria envolvida no
89
ACCIOLY, Hildebrando. A Ratificação e a promulgação dos Tratados em face da Constituição Federal
Brasileira. In: Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Rio de Janeiro, n. 7, p. 5-11, jan./jun.
1948.
100
tratado seja da competência exclusiva do Legislativo, o tratado deve ser submetido à
ratificação, mas se o tratado versar sobre matéria de competência do Executivo, não há
necessidade de tal providência
90
.
A partir desta premissa, Accioly (1948, p. 8) sustenta que a ratificação não é exigida
nos seguintes atos internacionais: a) acordos que envolvam assuntos de competência privativa
do Poder Executivo; b) os concluídos por agentes ou funcionários que tenham competência
para isso, sobre questões de interesse local ou de menor importância; c) os que interpretem
cláusulas de um tratado vigente; d) os que complementem cláusulas de um tratado pré-
existente; e) os de modus vivendi, quando se destinam-se apenas deixar as coisas no estado em
que se encontram ou estabelecer bases para negociações futuras; f) os ajustes para
prorrogação de tratado; g) declarações de extradição ou as promessas de reciprocidade em
matéria de extradições.
Consultado pelo Ministério das Relações Exteriores sobre a possibilidade do Brasil
concluir acordo sem aprovação legislativa, Horoldo Valladão (1950, p. 95-108) reagiu ao
posicionamento de Accioly, combatendo-o fortemente em um parecer que também foi
publicado no “Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional”
91
.
Inicialmente, em atenção às argumentações de Accioly sobre os acordos executivos,
Valladão (1950, p. 102) considera que pretender fundamentar a suposta desnecessidade de
ratificação para alguns tratados em uma prática norte-americana significa pedir ao Direito das
Gentes a solução de um problema de exegese da Constituição de um determinado país, o que
não parece aceitável. O autor (1950, p. 102) assevera que “a maior ou menor amplitude de
poderes de um país para negociar e assinar atos internacionais há de depender, evidentemente,
dos textos da Constituição e leis desse mesmo país”.
Sobre o sistema constitucional norte-americano, Valladão (1950, p. 107) lembra que
ao determinar a necessidade de aprovação legislativa, a Constituição dos EUA faz menção
a “tratados”, tendo se considerado naquele país que o constituinte quis distinguir “treaties” de
ajustes de menos importância (agreements).
90
Accioly (1948, p. 8-9) entende que “nada obsta, porém, a que um tratado não dependente de tal aprovação seja
submetido à ratificação presidencial. Hyde assinalou esta circunstância, dizendo que um simples acordo
executivo (tal como é assim entendido, nos Estados Unidos) pode conter cláusula que contemple a sua
ratificação pelas partes contratantes, sem que isto indique obrigação, para o Presidente, de sujeitar o respectivo
instrumento à aprovação, ou ao ‘parecer e consentimento do Senado’ ”.
91
VALLADÃO, Haroldo. Necessidade de Aprovação pelo Congresso Nacional de Acordo Internacional. In:
Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Rio de Janeiro, n. 49/50, p. 111-112, jan./dez. 1969.
101
Também merece a atenção de Valladão (1950, p. 105) o sistema adotado por alguns
países, como França e Itália, que limitam constitucionalmente a participação do Legislativo,
exigindo a aprovação parlamentar somente para certa classe de tratados. Entretanto, o autor
(1950, p. 107) conclui ser “inaplicável entre nós a doutrina do Direito dos citados países da
Europa. Nem nos parece adaptável ao nosso Direito o sistema dos Estados Unidos”, pois no
Brasil o constituinte “foi radical: submeteu todos os ajustes, tratados e convenções ao
‘referendum’ do Congresso Nacional”
92
.
Valladão (1950, 96-99) afasta veementemente qualquer intenção de ver nos artigos
constitucionais brasileiros a possibilidade de dispensa do referendo legislativo para algum
tipo de compromisso internacional. Conforme o autor, o fato da Constituição de 1891
estabelecer a competência do Presidente da República para celebrar “ajustes”, “convenções” e
“tratados” ad referendum do Congresso e as Constituições seguintes (de 1934 e de 1946)
eliminarem a palavra “ajustes”, estabelecendo tal competência somente para “tratados” e
“convenções”, não limita a necessidade de aprovação parlamentar.
Para Valladão (1950, p. 99), nas Constituições posteriores à de 1891 ocorreu uma
unidade de redação pelo constituinte, que usa os termos “tratados” e “convenções” com
largueza de expressão. Ademais, o autor lembra que aos tratados dá-se, indiferentemente, a
denominação de convenção, acordos, pactos e ajustes internacionais
93
.
Quanto à alegada competência privativa dos Poderes para determinadas matérias,
Valladão (1950, p. 103-104) diz que a referida distinção não foi considerada pelos
constituintes republicanos, os quais não atentaram para a matéria ou para a importância dos
ajustes internacionais, mas quiseram subordinar o Executivo ao Legislativo em matéria de
política exterior. De acordo com Valladão (1950, p. 104), “tal distinção, separação de
atribuições com esse caráter, inexiste no Direito constitucional brasileiro”.
Diante destas ponderações, Accioly (1951, p. 22) replicou em outro artigo, afirmando
que nunca se entendeu no país que a aprovação do Congresso Nacional seria necessária ou
indispensável para todos os atos internacionais, pois sob o regime da Constituição de 1891
92
A única exceção para a o aprovação pelo Legislativo admitida por Valladão (1950, p. 108) é a dos pactos
estipulados pelos chefes militares nos limites de suas atribuições.
93
Medeiros (1995, p. 116) observa que as expressões “tratados” e “convenções” surgiram do projeto da
Constituição de 1891 apresentado por Magalhães Castro, que decidiu usar termos redundantes porque na época
estas duas denominações eram muito utilizadas nos atos diplomáticos. À vista disto, Medeiros (1995, p. 117)
considera que Magalhães de Castro deve ter optado pela inclusão dos dois termos para expressar que qualquer
acordo que implicasse em direitos e obrigações para o Brasil necessita de aprovação parlamentar.
102
numerosos acordos teriam sido concluídos pelo governo brasileiro sem o preenchimento desta
condição.
Accioly (1951, p. 23-26) considera injustificado o argumento de que o constituinte
brasileiro pretendeu subordinar o Executivo ao Legislativo. Diz que não na doutrina e na
jurisprudência internacionais princípio sobre a absoluta necessidade de ratificação dos
tratados, citando como exemplo de exceção à regra os acordos em forma simplificada. Cita,
ainda, a doutrina de vários internacionalistas como Sette Câmara e Charles Rousseau - que
negam a absoluta necessidade de ratificação de todos os tratados.
O autor (1951, p. 31) também insiste na tese da competência privativa do Executivo
para celebrar certos acordos sem aprovação parlamentar, o que decorreria da competência do
Presidente da República para o exercício das relações com outros Estados. Por fim, Accioly
(1951, p. 33) afirma que:
Seja como for [...], o costume de muitos anos ainda que se pretenda extra-
legem é o de o se exigir a aprovação do Congresso Nacional para certos
atos internacionais, e [...] nisto, acompanhamos a corrente moderna e a melhor
doutrina.
Em um trabalho posterior, Accioly (1953, p. 59) volta a tratar do tema salientando que
não é razoável que acordos internacionais a respeito de mera rotina ou de natureza puramente
administrativa devam ser submetidos ao Poder Legislativo, visto que isto dificulta a ação do
Estado junto aos demais membros da comunidade internacional e representa até desperdício
de tempo.
Accioly (1953, p. 60) ainda considera lamentável que muitos membros do Senado
Federal sejam intransigentes sobre a questão e se mostrem dispostos a limitar a autoridade do
Poder Executivo no tocante à celebração de atos internacionais que versem sobre matéria de
competência privativa do chefe da nação.
Outros doutrinadores posicionaram-se ao lado da tese de Accioly, dentre eles, Geraldo
Eulálio Nascimento e Silva e João Hermes Pereira de Araújo. O primeiro acredita que
também o estariam sujeitos à ratificação os acordos que tratam de assunto de pequena
importância, como de matéria administrativa. Pereira Araújo entende que a supressão nas
Constituições posteriores à de 1891, das palavras sempre” e “ajustes” criou as condições
para a superveniência de uma norma consuetudinária extra legem, no sentido de que os atos
103
internacionais de menor importância estariam dispensados da aprovação legislativa (RODAS,
1991, p. 34-35).
Por outro lado, acompanharam a pensamento de Valadão, defendendo a necessidade
de aprovação parlamentar de todos os tratados, doutrinadores como Afonso Arinos de Melo
Franco, Vicente Marotta Rangel e Themístocles Brandão Cavalcanti (MEDEIROS, 1995, p.
303).
Com a promulgação da Constituição de 1967, seguida da Emenda Constitucional n. 1
de 1969, a controvérsia doutrinária prosseguiu. A Carta de 1967 promoveu uma alteração de
termos - que foi mantida nas Cartas subseqüentes - ao referir-se a “tratados”, “convenções” e
“atos internacionais”
94
. Diante disso, Valladão (1969, p. 111) insiste em seu posicionamento,
salientando que usando a expressão “atos internacionais” a Constituição visou, justamente,
abranger todo e qualquer tratado internacional
95
.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1983, p. 375-376), em comentário à Constituição de
1969
96
, ressalta que pelas conseqüências internas, principalmente por importar, não raro, em
modificação das leis do país, os tratados só se aperfeiçoam no Direito interno perante sua
aprovação pelo Congresso Nacional. Além disso, para o referido constitucionalista, com a
introdução da expressão “atos internacionais” o constituinte quis reagir à tendência universal
de celebração de acordos pelo Executivo situação em que fuga do controle do
Legislativo.
Rezek (1984, p. 308) também se manifestou a respeito e observa que o grande
argumento de que se valem os defensores dos acordos sem aprovação parlamentar diz respeito
ao costume constitucional que teria se desenvolvido no país. Entretanto, assevera o autor, a
origem de uma norma constitucional costumeira pressupõe o silêncio ou ambigüidade do
94
Constituição de 1967:
“Art. 47 - É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I – resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da República”.
“Art. 83. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, ad referendum do Congresso Nacional”.
(grifou-se)
95
Segundo Medeiros (1995, p. 398), ato internacional, na terminologia das Constituições brasileiras, é sinônimo
de acordo internacional. Salvo algumas opiniões doutrinárias, nunca se entendeu que o acréscimo dos “atos
internacionais” no texto constitucional representaria a obrigatoriedade de submissão ao Congresso de atos
unilaterais do Estado.
96
Emenda Constitucional n. 1 de 1969, que alterou a Constituição de 1967.
104
diploma fundamental, e não é este o caso do Brasil, pois a Constituição prevê expressamente a
necessidade de participação de ambos os Poderes para celebração de tratados.
Para Rezek (1984, p. 308), não se pode compreender, portanto, e sob risco de fazer
ruir toda a lógica jurídica, a formação idônea de um costume constitucional contra a letra da
Constituição”. Além do mais, segundo o autor, não se configura o elemento psicológico
necessário para a formação do costume, pois o silêncio usual não perfaz a opinio júris, além
de se ver quebrado vez por outra por manifestações contrárias à prática.
Porém, apesar de criticar os argumentos utilizados para sustentar a validade dos
acordos em forma simplificada, Rezek (1984, p. 313) considera possível tal prática desde que
se abandone a pretensão de justificá-los como assuntos da competência privativa do
Executivo”. Admite, desta forma, somente três das categorias elencadas por Accioly: a) os
acordos de interpretação de cláusulas de um tratado já vigente; b) os que decorrem de tratado
vigente e são como seu complemento; c) e os modus vivendi, quando tem em vista apenas
deixar as coisas no estado em que se encontram ou estabelecer simples bases para
negociações futuras.
Entende o doutrinador (1984, p. 313, 319), que o primeiro e o último caso inscrevem-
se no domínio da diplomacia ordinária, ou seja, decorrem do poder previsto
constitucionalmente - do Presidente da República de manter relações com Estados
estrangeiros. Mas, para enquadrar-se nesta previsão, os acordos devem satisfazer dois
requisitos: a reversibilidade (ser desconstituível por vontade unilateral) e sua execução deve
depender unicamente dos recursos orçamentários alocados às Relações Exteriores.
No segundo caso acordos complementares - haveria um consentimento prévio do
Congresso Nacional se este abonar desde logo os acordos de especificação, de detalhamento e
de suplementação previstos no texto e deixados a cargo dos governos pactuantes (Rezek,
1984, p. 314).
Com a superveniência da Constituição de 1988, mantém-se a polêmica doutrinária
sobre a possibilidade de celebração de tratados unicamente pelo Executivo
97
, surgindo ainda
uma nova discussão em virtude da alteração de termos nas normas sobre a celebração de
97
Sob a vigência da Constituição de 1988, a tese da licitude dos acordos em forma simplificada é sustentada por
doutrinadores como Celso de Albuquerque Mello, Guido Soares, José Francisco Rezek, Cançado Trindade,
Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros. Defendem a compulsoriedade absoluta da deliberação do Legislativo para
todos os tratados Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José Cretella Júnior, Pinto Ferreira, Luís Ivani Araújo, Oscar
Dias Corrêa, Elcias Ferreira da Costa e Roberto de Bastos Lellis (MEDEIROS, 1995, p. 383).
105
tratados. Pelo artigo 49, I, da Carta atual, foi acrescentado à regra sobre a competência do
Congresso para resolver sobre tratados a seguinte expressão: “que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional”
98
.
Para alguns autores, ao sujeitar à aprovação do Congresso os tratados que acarretam
encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, o artigo 49, I, teria estabelecido
uma restrição ao artigo 84, VIII - que exige que todos os tratados celebrados pelo Presidente
sejam submetidos ao referendo do Congresso.
Nesta mesma linha de interpretação, ao examinar a conclusão dos tratados no Direito
constitucional brasileiro, Sette Câmara (1989, p. 73) conclui que o Congresso Nacional
teria competência exclusiva para decidir definitivamente sobre os tratados quando estes
acarretarem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Para o doutrinador,
se o patrimônio nacional não for atingido, o Executivo pode concluir o tratado
independentemente de aprovação legislativa.
Mas, Medeiros (1995, p. 377), citando Roberto Campos, ressalta que é praticamente
impossível afirmar de antemão que um ato internacional não gera encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional. Dado que as circunstâncias podem alterar-se, um acordo que
inicialmente não parece trazer ônus, pode se tornar oneroso. Além disso, não se pode
pretender entender o termo “gravoso” como essencialmente financeiro.
Para Rezek (2000, p. 60), a previsão de que compete ao Congresso resolver
definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional” não traz nenhuma inovação. Não há,
segundo o autor, compromisso internacional que não imponha ônus às partes, ainda que o
pecuniário. Na visão do doutrinador, a expressão constitucional referida preserva a
redundância terminológica e evita qualquer dúvida sobre o propósito abrangente do
constituinte.
Entretanto, apesar de reconhecer o caráter não-restritivo do artigo 49, I, da
Constituição de 1988, Rezek (2000, p. 62-63) manteve sua opinião manifestada sob a vigência
98
Constituição de 1988:
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. (grifou-se)
“Art.84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VIII - celebrar tratados, convenções ou atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.
106
da Constituição anterior, admitindo a possibilidade de conclusão de acordos executivos como
subproduto de tratado vigente e como expressão da diplomacia ordinária.
Ao comentar a regra do artigo 49, I, da CF/88, Medeiros (1995, p. 397) diz que
cumpre concluir que o legislador constituinte desejou estabelecer a obrigatoriedade da
aprovação do Congresso para os tratados internacionais, dando ênfase para aqueles que
acarretam encargos, gravames e ônus financeiro para o patrimônio nacional.
Medeiros (1995, p. 372) lembra que a redação do artigo 49, I, resulta de uma proposta
de emenda ao projeto de Constituição apresentada pelo constituinte Octávio Elísio, que a
justificou alegando que é imperiosa a aprovação congressual para os compromissos de
endividamento externo do país e não apenas para os tratados internacionais. Assim, pelo visto,
a intenção do constituinte foi de alargar, e não de restringir, a competência do Congresso
Nacional.
No entendimento de Medeiros (1995, p. 481), a fórmula que melhor se ajusta às
exigências da vida internacional, respeitando a Constituição, seria reiterar que os tratados são
sujeitos a referendo do Congresso Nacional, mas admitindo-se a celebração dos acordos em
forma simplificada quando: a) se destinem a executar, interpretar ou prorrogar tratados
preexistentes, que foram devidamente aprovados pelo Legislativo; b) forem estritamente
inerentes à rotina diplomática ordinária e puderem ser desconstituídos mediante comunicação
a outra parte, sem necessidade de denúncia.
Além de Accioly, Rezek e Medeiros, outros internacionalistas sustentam a legalidade
da conclusão de tratados somente pelo Poder Executivo sob a vigência da Constituição atual.
Celso de Albuquerque Mello, por exemplo, admite a validade da celebração de acordo em
forma simplificada nos acordos apontados por Accioly por entender que é a posição que
melhor atende as finalidades práticas da questão. Além disso, o internacionalista salienta que
é inadmissível considerar que a Constituição tenha sido violada impunemente todos estes anos
(MELLO, 2004, p. 237).
Conforme Medeiros (1995, p. 386), Guido Soares também defende tal prática, por
considerar que existe um entendimento implícito entre o Executivo e o Legislativo de que os
acordos de implementação de outros mais gerais, que decorrem de tratados aprovados pelo
Congresso, podem ser celebrados em forma simplificada.
107
Por outro lado, constitucionalistas como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José
Cretella Júnior e Pinto Ferreira insistem na interpretação das normas constitucionais no
sentido de reconhecer a exigência de submissão de todos os tratados à aprovação parlamentar.
Para Pinto Ferreira (1992, p. 570), por exemplo, a Constituição brasileira não acolhe os
acordos em forma simplificada, sendo possível tal prática em caso de emenda
constitucional que discipline a matéria, como ocorre na França.
2.3.4 A posição e a prática do Ministério das Relações Exteriores
Na época do surgimento da discussão doutrinária a respeito dos tratados o
submetidos ao Legislativo sob a vigência da Constituição de 1946 -, os juristas ligados ao
Ministério das Relações Exteriores seguiram o entendimento esboçado por Accioly (RODAS,
1991, p. 33).
O consultor jurídico do MRE Levi Carneiro (1951, p. 137-139), por exemplo, apesar
de ressaltar a desconformidade do sistema constitucional norte-americano – onde a prática dos
acordos executivos se originou com o sistema brasileiro,
99
considera que certos acordos
podem ser celebrados exclusivamente pelo Poder Executivo tendo em vista sua competência
privativa. Levi Carneiro adere, então, à tese de Accioly, mas restringe a enumeração dos
tratados não sujeitos à aprovação parlamentar dada por este último, por considerá-la muito
ampla.
Para Levi Carneiro (1951, p. 141-142), deve-se limitar a abrangência da competência
privativa do Presidente a matérias que tenham importância secundária, sob pena de se
autorizar a invasão da competência do Poder Legislativo. Ele também afasta a possibilidade
de isenção da aprovação parlamentar nos casos de ajustes para interpretação, bem como de
prorrogação de tratados, por entender que correspondem a novos tratados.
Sob a vigência das Constituições posteriores, os consultores jurídicos do MRE
continuaram posicionando-se no sentido de admitir a conclusão de tratados sem aprovação
parlamentar, sendo que a justificativa apresentada para tal prática não raro recaiu sobre a
competência privativa do Executivo para tais atos, sobretudo em virtude da competência do
99
Para Levi Carneiro (1951, p. 137), a prática de acordos celebrados exclusivamente pelo Presidente provém,
nos EUA, de certas peculiaridades do regime constitucional que não encontram paralelo no Brasil.
108
Presidente da República para manter relações com Estados estrangeiros e de seu poder
regulamentar.
Segundo informa Medeiros (1995, p. 312, 427, 431), manifestaram-se a favor da
celebração de tratados sob a forma simplificada consultores como Franchini-Neto, Cançado
Trindade e Marotta Rangel.
A prática do Ministério das Relações Exteriores delineou-se no mesmo sentido das
opiniões dos seus consultores jurídicos. Segundo Accioly (1951, p. 22-23), ainda no regime
da Constituição imperial de 1891 muitos acordos foram concluídos pelo governo brasileiro
sem a aprovação do Poder Legislativo. Entre os casos citados pelo autor, destaca-se o acordo
com Portugal de 9 de maio de 1898 a respeito de permutação de encomendas postais sem
valor declarado e acordos para demarcação de fronteiras, realizados com vários países
vizinhos.
Sob a Constituição de 1934 e a de 1946, Accioly (1951, p. 27) menciona, por
exemplo, os acordos comerciais provisórios celebrados em 1936 com países como Alemanha,
Áustria, Colômbia, Cuba, Dinamarca, Equador, xico, Suíça; o acordo de 23 de novembro
de 1935 com o Uruguai para intercâmbio de frutas; ajustes sobre créditos comerciais com
vários países em 1935 e 1936; o acordo com a Bolívia em 1936 sobre a criação de uma
comissão mista para estudo referente ao aproveitamento e exportação de petróleo boliviano;
os acordos de 1936 sobre instrução militar com os EUA e França.
No período compreendido entre 1946 e 1981 foram submetidos 693 atos
internacionais ao Congresso Nacional e 317 acordos foram celebrados em forma
simplificada
100
. Estes acordos concluídos sem aprovação parlamentar regulam várias matérias,
como: comércio, transportes aéreos, cooperação financeira, econômica e industrial,
demarcação de fronteiras, empréstimos ou arrendamentos de navios de guerra, pesca,
aproveitamento de recursos minerais brasileiros, investimentos, isenções fiscais, liquidações
de dívidas, instalação no território brasileiro de entreposto franco, etc. (MEDEIROS, 1983, p.
130-145).
A celebração de alguns destes acordos provocou grande impacto na opinião pública e
no próprio Congresso Nacional, como os Acordos do Roboré, entre Brasil e Bolívia, de 1958,
100
Medeiros (1983, p. 145) informa que esse número representa apenas amostra da prática dos acordos em
forma simplificada, pois baseia-se exclusivamente na Coleção de Atos Internacionais do MRE, a qual publica
expressiva quantia, mas não a totalidade dos ajustes internacionais celebrados pelo Brasil.
109
que envolveram a demarcação de limites. Na ocasião foram assinadas 20 notas reversais com
o governo boliviano e apenas uma foi submetida ao Congresso Nacional - mas somente dez
anos depois de estar produzindo efeitos! (MEDEIROS, 1983, p. 144-145).
Em 1984, a Divisão de Atos Internacionais do MRE elaborou um “Manual de
Procedimentos” no qual consignou que todos os atos multilaterais e grande parte dos
bilaterais dependem de aprovação do Congresso Nacional. Mas, segundo o Manual, está
dispensada esta providência no caso de acordo que tenha sido autorizado por outro anterior,
devidamente aprovado, ou que constitua sua execução, desde que o o modifique
(MEDEIROS, 1995, p. 310).
Sob a vigência da Carta constitucional de 1988, os acordos em forma simplificada
continuam a ser celebrados pelo governo brasileiro, sendo a maior parte deles referente a
ajustes complementares a tratados preexistentes (MEDEIROS, 1995, p. 431, 433).
Entre os anos de 1988 e 1993 foram submetidos ao Congresso Nacional 185 tratados,
enquanto o Executivo celebrou 182 acordos em forma simplificada, como por exemplo, o
acordo com a Bolívia sobre integração energética de 27 de julho de 1989; o acordo com o
Uruguai de 16 de julho de 1991 sobre o aproveitamento dos recursos naturais da Bacia do rio
Quaraí; o acordo com a Bolívia de 17 de fevereiro de 1993 para compra de gás boliviano
(MEDEIROS, 1995, p. 431-432).
No âmbito do Mercosul, vários acordos de complementação vêm sendo acertados
pelos negociadores brasileiros e têm sido internalizados via portarias ministeriais, sem a
manifestação Congresso Nacional (LUIZ OLAVO BATISTA, apud ALCÂNTARA, 2001, p.
16). Verificando-se a lista de atos internacionais na página do MRE na web
101
, é possível
constatar a grande quantidade de tratados celebrada pelo governo e posta em vigor sem a
edição de decreto legislativo.
Em geral, a formalidade para conclusão destes acordos limita-se a simples troca de
notas. no que tange à incorporação destes ajustes ao ordenamento jurídico nacional e à sua
vigência, Rodas (1991, p. 55) nota que enquanto os tratados aprovados pelo Congresso são
promulgados e publicados, em relação aos acordos em forma simplificada a promulgação é
dispensada, respeitando-se apenas a formalidade da publicação.
101
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Disponível em: <www.mre.gov.br >. Acesso em: 12 mar.
2006.
110
Além do número expressivo de tratados concluídos autonomamente pelo governo,
também chama a atenção o fato ressaltado por Medeiros (1995, p. 432) de que, ao contrário
do que recomenda o “Manual de Procedimentos” do MRE, nem sempre estes acordos versam
sobre matérias secundárias.
Pelo exposto, verifica-se que a posição do MRE firmou-se e se mantém no sentido de
que nem todos os acordos internacionais firmados em nome do Estado brasileiro
necessitariam de aprovação legislativa. Em suma, o Itamaraty assimilou as teses dos
defensores dos acordos em forma simplificada e tem seguido a referida prática muito
tempo.
111
CAPÍTULO 3. OS ACORDOS EM FORMA SIMPLIFICADA EM FACE DO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ADOTADO PELA CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA
3.1 O princípio constitucional da separação dos poderes
Pelo que se infere do entendimento da doutrina nacional, apesar da Constituição
brasileira não prever limitação da participação do Poder Legislativo na conclusão dos
tratados, a prática dos acordos em forma simplificada, como limite à competência do
Congresso, seria admitida pelo sistema constitucional pátrio em razão da amplitude das
competências do Poder Executivo.
Assim, segundo a doutrina, os assuntos regulados através de acordos em forma
simplificada se enquadrariam nas competências atribuídas constitucionalmente ao chefe do
Poder Executivo, o que lhe permitiria concluir esses tratados autonomamente, sem submetê-
los ao referendo parlamentar.
Em se tratando das competências dos Poderes
102
, bem como de sua extensão e de seus
limites, é preciso considerar que ao estabelecê-los a Constituição brasileira tem por base a
teoria da separação dos poderes, que constitui um dos princípios fundamentais da República
Federativa do Brasil.
Neste sentido, em seu Título I (referente aos “Princípios Fundamentais”), artigo 2º, a
CF/88 estabelece que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
A separação dos poderes importa na divisão das funções do Estado (função executiva,
função legislativa e função judiciária) entre os Poderes estatais (Poder Executivo, Poder
Legislativo e Poder Judiciário) e, para que estes últimos desempenhem as funções referidas, a
Constituição lhes atribui competências próprias
103
.
102
Os Poderes estatais são órgãos (Executivo, Legislativo e Judiciário) que exercem o poder político do Estado.
103
Por competência entende-se o poder de deliberação definitiva atribuído aos órgãos a fim de exercerem as
tarefas de que o constitucionalmente ou legalmente incumbidos. Além disso, a competência delimita o quadro
jurídico de atuação de um órgão em relação aos outros (CANOTILHO, 1995, p. 676).
112
Destarte, para verificar se a suposta competência do Executivo para celebrar acordos
em forma simplificada realmente encontra amparo no sistema constitucional brasileiro
cumpre analisá-la à luz do princípio da separação dos poderes, que foi adotado para regular a
distribuição do poder.
A fim de enfrentar com mais segurança a questão da prática dos acordos em forma
simplificada em face do referido princípio constitucional, torna-se imprescindível uma breve
análise da origem e do desenvolvimento da teoria da separação dos poderes. A retrospectiva
proposta permite evidenciar os reflexos da adoção dessa teoria no ordenamento jurídico
nacional, sobretudo, no que diz respeito à competência para concluir tratados.
3.1.1 Surgimento da teoria da separação dos poderes
Inicialmente, cumpre esclarecer que não é correto afirmar-se aseparação dos poderes
estatais”, pois o poder é sempre um e todas as manifestações de vontade emanadas em
nome do Estado reportam-se a um querer único (BASTOS, 1999, p. 341). Na verdade o que
se divide não é poder do Estado, mas as funções estatais básicas, que são atribuídas a órgãos
independentes e especializados (PINHO, 2000, p. 50).
Seria mais adequado o uso da expressão “separação das funções”. Entretanto, como
Nelson Saldanha (1987, p. 84) nota, a distinção jurídica entre os conceitos de poder, função e
órgão não retirou o prestígio que a literatura conferiu ao termo “Poder” (“Poderes”) e à noção
de que as Constituições existem para realizar a “separação dos poderes”.
na Antiguidade a questão da divisão dos poderes foi objeto de reflexão, tendo
Aristóteles (2004, p. 199) observado a existência de diferentes partes em todo o governo: a
primeira delibera acerca dos negócios públicos; a segunda exerce a magistratura (espécie de
função executiva); e a terceira fornece a Justiça. Porém, o filósofo grego não aventou a
necessidade de distribuir as funções governamentais a órgãos distintos (FERREIRA FILHO,
2005, p.134).
Foi somente durante a evolução do Estado moderno que o tema da separação dos
poderes assumiu proporções definitivas (SALDANHA, 1987, p. 85). Na primeira
configuração do Estado (século XV), estabeleceu-se a unificação do poder, ou seja, o monarca
soberano concentrava todas as funções: a de legislar, a de julgar e a de administrar. Mais
113
tarde, o liberalismo forneceu o substrato teórico para a superação do Estado absoluto e o
surgimento do Estado liberal (SALDANHA, 1987, p. 25-26), de forma a consolidar a
limitação e divisão do poder.
O liberalismo preocupava-se com limitação da ação do Estado em face da liberdade
dos indivíduos e combatia a centralização do poder, pois o poder concentrado na pessoa do rei
equivaleria à ausência de liberdades pessoais por parte dos súditos. Na tarefa de desconcentrar
o poder para garantir a liberdade, o Estado liberal encontrou na Constituição o instrumento
jurídico adequado para promover a separação dos poderes o que o converteu em Estado
constitucional
104
(SALDANHA, 1987, p. 37-38).
Foi neste contexto que a teoria da separação dos poderes, identificada por Aristóteles
na Antiguidade, foi retomada e aperfeiçoada nos séculos XVII e XVIII por filósofos liberais
como John Locke e Montesquieu, sendo enfim consagrada princípio fundamental do Estado
constitucional nas Revoluções burguesas do século XVIII.
3.1.1.1 A concepção de Locke
John Locke, autor do Segundo tratado sobre o governo civil, parte da noção de que
todo indivíduo possui direitos inatos e irrevogáveis
105
. O governo e a sociedade existem para
preservar esses direitos, os quais constituem uma limitação à autoridade de ambos (SABINE,
1964, p. 519).
No governo, Locke (2004, p. 106-107) identifica a existência de três Poderes: o
Legislativo, encarregado de fazer as leis; o Executivo, encarregado de executar as leis; e o
Federativo, incumbido das atribuições de declarar a guerra, fazer a paz, fazer e desfazer
alianças e resolver sobre outros assuntos externos
106
.
Os titulares dos poderes identificados são: o rei, a quem compete a função Federativa e
a função de execução das leis; e o Parlamento, que é considerado por Locke o poder supremo,
cabendo-lhe a função de elaborar as leis. A supremacia atribuída ao Parlamento está
104
As bases lançadas pelo constitucionalismo liberal produziram a noção de “Estado de Direito”, expressão que
indica um compromisso: um Estado que tem no Direito e em especial na Constituição seu fundamento e ao
mesmo tempo sua limitação (SALDANHA, 1987, p. 45).
105
Esses direitos são a vida, a liberdade e a propriedade de bens.
106
O pensador não distingue o Poder Judiciário por considerá-lo uma parte do Poder Executivo.
114
relacionada à concepção do pensador de que o governo deriva do consentimento dos
indivíduos (povo e nobreza), cujos representantes formam a assembléia parlamentar.
Para Locke (2004, p. 106), face à tendência humana de abusar do poder, o Legislativo
e o Executivo devem ficar sempre separados, pois se os mesmos que têm a missão de elaborar
as leis também possuírem a missão de executá-las é possível que se isentem da obediência às
leis que fazem e ainda as amoldem a favor de si mesmos.
em relação ao Poder Executivo e ao Poder Federativo, embora Locke (2004, p. 107-
108) reconheça que sejam distintos entre si, considera que devam ficar juntos. Segundo o
pensador, apesar do Poder Federativo ser de grande importância para o bem comum, é menos
suscetível de se orientar por leis preestabelecidas, devendo, portanto, ser deixado à prudência
e à sabedoria daqueles que gerenciam o bem público. Além disso, ambos os Poderes exigem a
força para o seu exercício, sendo quase impraticável entregá-los a pessoas que poderiam
divergir a respeito.
Sobre a distribuição de poder concebida por Locke, Bonavides (2004, p. 47) nota que
embora a doutrina do referido filósofo seja resultado da revolta com o absolutismo, suas
idéias ainda o representam exatamente um triunfo sobre o poder concentrado dos reis. Se
em seu discurso Locke manifesta-se em favor da soberania do Parlamento, em sua doutrina o
poder do rei não fica tão diminuído como se poderia supor, visto que além de atribuir o Poder
Executivo ao monarca, o pensador concede-lhe outra atribuição de suma importância,
referente às relações externas do Estado.
Não obstante, Locke (2004, p. 117) ainda atribui ao rei um terceiro poder que
denominou de “Prerrogativa” e que constitui o poder discricionário de fazer o bem público,
sem subordinar-se à lei, ou até mesmo agindo contra a lei
107
. No tocante à condução da
política externa, por exemplo, Locke (2004, p. 107) considera que o Poder Federativo o
pode ser exercido pelo Executivo apenas aplicando-se as leis, mas torna-se necessário um
campo próprio de atuação não subordinado a regras
108
.
107
Conforme Locke (2004, p. 116-117): “Sempre há muitos assuntos que a lei não cobre; e estes devem
logicamente ser confiados à descrição do Poder Executivo, para que os regule visando o bem público e vantagem
de todos. Em alguns casos é até conveniente que a própria lei ceda à primazia ao Poder Executivo [...]. Chama-se
Prerrogativa a este poder de agir pela discrição a favor do bem público, sem a prescrição da lei, e com
freqüência, até contra ela.” Locke (2004, p. 118-119) assevera que caso o rei exerça a Prerrogativa voltado para
interesses divorciados do povo, tal poder pode ser retomado.
108
Gough (1992, p. 199) percebe que não ainda em Locke a idéia de governo limitado pela lei positiva, pois
para ele os limites ao governo o as leis de Deus e da natureza, que impõem o dever de governar em prol do
bem público.
115
Diante deste consentimento quanto à ação do monarca livre das leis, o desequilíbrio
entre os Poderes na doutrina de Locke fica ainda mais patente. Gough (1992, p. 193) esclarece
que quando Locke afirma que o Poder Legislativo constitui o poder supremo da comunidade,
é preciso considerar que no contexto deste filósofo a soberania pode ser entendida como
termo legal e não no sentido de soberania do povo.
Não em Locke a intenção de que o povo exerça regularmente a soberania política,
visto que no seu entendimento o poder do povo é exercido quando da criação do Estado, mas,
depois disto, permanece latente, a menos que uma revolução se torne necessária; o governo
estabelecido é considerado sacrossanto enquanto cumpre seu dever (GOUGH, 1992, p. 197-
198, 201).
3.1.1.2 A concepção de Montesquieu
Com a obra do Barão de La Brède e de Montesquieu, O Espírito das leis, surge a
concepção tripartite das funções estatais, que conferiu à doutrina da separação dos poderes
uma formulação mais clara.
De acordo com Montesquieu (1998, p. 166-167), em cada Estado existem três espécies
de Poderes: o Legislativo, pelo qual se faz as leis; o Executivo das coisas que dependem do
Direito das Gentes, pelo qual se faz a paz e a guerra, envia e recebe embaixadas, estabelece a
segurança, previne as invasões; e o Executivo das coisas que dependem do Direito civil (o
qual Montesquieu chamou de Poder Judiciário), pelo qual se pune os crimes ou se julga as
demandas dos particulares
109
.
Segundo a famosa formulação de Montesquieu (1998, p. 168):
Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais, ou
de nobres ou do povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as Leis, o de
executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as demandas dos
particulares.
A grande reflexão política do Barão de La Brède, que conduz ao princípio da
109
A princípio, o filósofo não determina a amplitude dos poderes a serem exercidos pelo Poder Executivo,
salientando apenas o poder de conduzir a política externa. Porém, em passagem posterior da sua obra,
Montesquieu (1998, p. 168) esclarece a questão, afirmando que compete ao Executivo executar as resoluções
públicas.
116
separação dos poderes, gira em torno da liberdade. Se uma única pessoa, singular ou coletiva,
detém o Poder Legislativo e o Executivo, deixa de haver liberdade, porque o temor da
elaboração de leis tirânicas, sujeita à aplicação igualmente tirânica (BONAVIDES, 2003b, p.
138-139).
O Poder Legislativo deve ser exercido por representantes do povo (Câmara Baixa) e
pela nobreza (Câmara Alta). O Poder Executivo - no qual Montesquieu inclui o poder para
exercer a política externa - deve estar nas mãos do monarca, pois muitas vezes requer ação
instantânea. Já o Poder Judiciário, que não pode ser permanente, deve ser exercido por
pessoas do povo, contudo, os nobres não podem ser julgados por tribunais populares, mas por
tribunais de nobres (MONTESQUIEU, 1998, p. 171-174, 169).
Ao passo que Montesquieu demonstra a necessidade da separação dos poderes, julga
também necessário que os Poderes estatais sejam harmônicos e se limitem reciprocamente
(AZAMBUJA, 1990, p. 179). Neste sentido, Touchard (s/d, p. 181) adverte que a doutrina da
separação dos poderes não tem em Montesquieu o alcance que lhe é geralmente atribuído -
separação absoluta entre os poderes. O filósofo limita-se em afirmar que os Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário não devem concentrar-se nas mesmas mãos, mas em
momento algum preconiza a separação rigorosa entre eles, o que de fato não existia no regime
inglês
110
.
O objetivo de Montesquieu é alcançar o equilíbrio entre os Poderes. Para isso,
considera que cada um deles deve manter-se na sua esfera de competência e, para que o
ocorra abuso do poder, prevê um mecanismo de freios entre os Poderes, configurado nas
faculdades de “estatuir” (referente a atos inerentes à sua função) e de impedir” (que permite
refrear os abusos de autoridade dos outros Poderes)
111
. Tal mecanismo traduziu-se no
chamado sistema de freios e contrapesos (checks and balances), adotado mais tarde pelos
revolucionários norte-americanos.
Em decorrência da faculdade de impedir, Montesquieu (1998, p. 180, 176) prevê, por
exemplo, que o Executivo intervenha na legislação através do veto e que o Legislativo
110
Quando Montesquieu escreveu O espírito das leis, embora o parlamentarismo o estivesse completamente
formado, o regime britânico já era um governo de gabinete, em que o monarca estava reduzido a um papel menor
que o do monarca francês (FERREIRA FILHO, 2002, p. 61).
111
“Chamo ‘faculdade de estatuir’ ao direito de ordenar por si, ou de corrigir o que foi ordenado por outrem.
Chamo ‘faculdade de impedir’ ao direito de tornar nula uma resolução tomada por outrem” (MONTESQUIEU,
1998, p. 174).
117
examine a forma com são executadas as leis que tiver feito. Fica clara, assim, a relatividade da
separação dos poderes em sua obra.
Montesquieu (1998, p. 171-172) diz que todo homem deve ser governado por si
mesmo e que o povo deveria ter o Poder Legislativo, mas considera que tal poder não pode
ser exercido pelo povo de forma direta, devendo ser escolhidos representantes para
desempenhar a tarefa. Para o filósofo, o povo não está apto para discutir os temas políticos e
tomar resoluções, pois não consegue desamarrar-se das paixões.
Ocorre que a intenção de Montesquieu é recuperar os privilégios da classe a que
pertence: a nobreza, por isso defende o fortalecimento do Parlamento órgão em que a
nobreza tinha assento, dispondo inclusive de um papel moderador em relação à câmara de
representação do povo. Não obstante, sua doutrina foi absorvida pelos intelectuais da classe
emergente - burguesia e reivindicada como organização política ideal
112
(CLÈVE, 2000, p.
26).
Embora Montesquieu, assim como Locke, proclamasse a necessidade de desconcentrar
o poder, recusando a idéia de poder divino dos reis e sustentando que o poder reside no povo,
sua doutrina não incluía a participação democrática dos cidadãos no processo político
concepção que somente se desenvolveu a partir do surgimento de ideais democráticos, como o
que consagrou a noção de soberania popular.
3.1.1.3 Rousseau e a soberania popular
É Jean-Jacques Rousseau, em sua obra O Contrato Social, quem fornece a construção
teórica clássica sobre a democracia
113
ao defender a participação direita do povo no poder.
Para proteger a liberdade dos indivíduos, Rousseau propõe um pacto social” que sujeita
todos à vontade geral (FERREIRA FILHO, 2002, p. 47-48).
112
Freqüentemente se diz que Montesquieu exprime a opinião dos meios parlamentares, entretanto esta
afirmação não é verdadeira. Seria correto dizer que os parlamentares fizeram sua arma de combate uma obra que
pendia mais para o lado da nobreza do que para o lado dos parlamentares (TOUCHARD, s/d, p. 183). “É assim
que o senhor de La Brède passa por fundador de um sistema que certamente quase o teria horrorizado”
(TOUCHARD, s/d, p. 183).
113
É importante salientar que a democracia clássica é essencialmente de ordem política, não tendo preocupação
de ordem econômica ou de previdência social, visa essencialmente a liberdade política, a participação do povo
na organização do poder por meio de eleições (BARTHÉLEMY; DUEZ, apud AZAMBUJA, 1990, p. 218-219).
118
O pacto estabelecido entre os indivíduos dá origem ao soberano, que é o povo, o qual,
com base na igualdade política, estabelece a vontade geral. Segundo Rousseau, a expressão da
vontade geral é a lei. Assim, somente o soberano - povo incorporado - possui legitimidade
para fazer as leis, porque ao se estar sujeito a elas se obedece a si mesmo e se mantém a
liberdade (CHEVALLIER, 1980, p. 167,172).
Conforme as ponderações do filósofo, o povo deve ser ao mesmo tempo parte ativa e
passiva. Deve ser o agente do processo de elaboração das leis e, simultaneamente, aquele que
obedece a essas mesmas leis, havendo uma conjugação perfeita de liberdade e obediência
(NASCIMENTO, 1998, p. 196).
Desta maneira, para Rousseau, o soberano deve ser o povo e não o governo. Os
governantes devem apenas executar as leis que são criadas legitimamente pelo povo, estando,
portanto, subordinados ao seu poder de decisão. Como a vontade geral é a única fonte de lei,
somente o povo pode decidir sobre direitos que lhe sejam atribuídos ou obrigações que lhe
sejam impostas
114
.
Emerge assim, o conceito de soberania popular, que importa em reconhecer que o
poder pertence ao povo e por ele deve ser exercido. O autor de O Contrato Social considera
que o poder precisa ser entregue ao seu titular legítimo, que não de ser nunca o indivíduo,
nem uma parte da sociedade, mas o povo todo (BONAVIDES, 2004, p. 168). Segundo
Rousseau (s/d, p. 43), "somente a vontade geral pode por si dirigir as forças do Estado,
segundo o fim de sua instituição, que é o bem comum”.
3.1.2 As Revoluções burguesas do século XVIII e a consagração do princípio da
separação dos poderes
É reconhecida a influência ideológica de Locke, Montesquieu e Rousseau nas
Revoluções burguesas do século XVIII (Revolução Americana e Revolução Francesa). Os
revolucionários estabeleceram o elo entre as concepções de separação dos poderes e soberania
114
O soberano, não pode ser considerado senão coletivamente, apesar de cada indivíduo ser portador de parte da
autoridade soberana (ROUSSEAU, s/d, p. 73). Rousseau (s/d p. 105) considera, ainda, que como a soberania
pertencente ao povo ela é inalienável e indivisível e, portanto, não pode ser objeto de representação.
119
popular, aperfeiçoando-as e engendrando a instituição do Estado constitucional da separação
dos poderes (Estado Liberal)
115
, que suplantou o Estado absoluto.
Na Revolução Americana, o fato de não haver nobreza ou Parlamento - que fossem
considerados opositores naturais do absolutismo - facilitou o estabelecimento de um governo
pelo próprio povo
116
(DALLARI, 1995, p. 126). Os revolucionários buscaram instituir uma
organização estatal baseada na representação política, com a eleição dos governantes pelo
povo,
117
e na desconcentração do poder, com a adoção da teoria da separação dos poderes.
Ao prever que o poder do Estado seja exercido pelos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, os formuladores da Constituição de 1787 estabeleceram também um mecanismo de
controle mútuo entre os três Poderes - sistema de freios e contrapesos (cheks and balances)
(KRAMNICK, 1993, p. 43-44). Inicialmente, o referido sistema chegou a receber algumas
críticas no sentido que se trataria de uma mistura indevida e perigosa das funções que
contradiz o princípio da separação dos poderes (KRAMNICK, 1993, p. 48-49).
Contudo, para Madison (1993, p. 332-333, 338) - um dos entusiastas da Constituição
Federal de 1787 - essa crítica poderia ser proveniente da interpretação da obra de
Montesquieu, eis que o filósofo não pretendeu dizer que os Poderes do Estado não devem ter
nenhuma “ingerência parcial” ou “controle” sobre os outros. O que deve ser observado é que
as funções propriamente pertencentes a um dos Poderes não sejam direta e completamente
administradas por nenhum dos outros dois.
De acordo com Madison (1993, p. 349) as interferências parciais mútuas entre os
poderes parecem ser a única fórmula adequada para manter a divisão do poder do Estado,
evitando, assim, o fortalecimento de um dos Poderes e a usurpação de funções proveniente da
atividade abusiva do poder. Desta solução decorre também a garantia do respeito aos direitos
do cidadão, visto que os Poderes convertem-se em freios uns dos outros.
Conforme observa o professor português Marcello Caetano (1996, p. 194-195), na
Constituição norte-americana encontra-se efetivamente a fórmula de especialização dos
Poderes e de recíproca limitação de seus poderes preconizada por Montesquieu. O Legislativo
115
Consoante Bonavides (2003a, p. 29), o Estado constitucional ostenta três modalidades desde seu surgimento
até os tempos correntes: a primeira é o Estado constitucional da separação dos poderes (Estado Liberal); a
segunda é o Estado constitucional dos direitos fundamentais (Estado Social); e a terceira é o Estado
constitucional da democracia participativa (Estado Democrático-Participativo).
116
O ambiente também foi propício para o surgimento do presidencialismo, que não havia necessidade de
estatuir nenhum equilíbrio político entre forças do passado absolutista (BONAVIDES, 2003b, p. 142).
117
Embora o sufrágio estabelecido na época fosse restrito.
120
elabora as leis, mas o Senado pode impedir a nomeação de certos funcionários do governo e
intervém na conclusão dos tratados internacionais; o Executivo, confiado a um homem,
exerce a execução das leis, de cuja elaboração ele não participa, mas pode revê-las antes de
promulgá-las; o Judiciário é independente, mas pode anular os atos ilegais do Executivo e os
inconstitucionais do Legislativo.
Pretendeu-se, assim, realizar a independência dos Poderes de forma que o houvesse
subordinação entre eles. Cada um deve manter-se na sua esfera de competências, e para evitar
o abuso de poder dentro desta esfera, estão previstas constitucionalmente as interferências
entre os Poderes.
Na Revolução Francesa de 1789, as idéias de descentralização do poder e participação
do povo na formação da vontade estatal foram absorvidas pela burguesia
118
, que desejava
tomar o poder político, até então privilégio do rei e da nobreza. Os revolucionários
consagraram a idéia de que a nação é o corpo político que detém a soberania (soberania
nacional) e a exerce através de seus representantes
119
.
Neste panorama, a separação dos poderes se converteu na doutrina de exercício da
soberania. Na Constituição de 1791 se estabeleceu que a soberania reside na nação, que é de
onde emana todo o poder. A nação delega o Poder Legislativo à Assembléia Nacional, o
Poder Executivo ao rei, e o Poder Judiciário aos juízes eleitos pelo povo (CAETANO, 1996,
p. 195-196).
Assim, os poderes que antes estavam concentrados nas mãos do monarca passam a ser
distribuídos entre os órgãos Legislativo, Executivo e Judiciário conforme as funções do
Estado: função de elaborar as leis, função de executar as leis e função de distribuir justiça.
Esta formulação tripartite do poder passa a ser considerada guardiã dos direitos do indivíduo
frente à arbitrariedade dos governantes, pois representa a democratização do poder estatal.
Os revolucionários franceses prezaram a separação dos poderes a ponto de estabelecer
na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1791, que: “Toda sociedade na qual
118
Os direitos reclamados pela burguesia foram generalizados doutrinariamente como ideais comuns a todos os
componentes do corpo social, mas a sua efetivação esbarrava na “completa ausência de condições materiais que
permitissem às massas transporem as restrições do sufrágio, e assim concorrer ostensivamente, por via
democrática, à formação da vontade estatal” (BONAVIDES, 2004, p. 42-44).
119
A concepção de Rousseau de que cada indivíduo é titular de uma fração da soberania (soberania popular) - a
qual não pode ser representada - cedeu lugar à idéia de que povo e nação formam uma identidade dotada de
vontade própria, superior às vontades individuais que a compõem. Assim, a nação é concebida como um corpo
político que detém a soberania (soberania nacional) e a exerce por meio de representantes (BONAVIDES,
2003b, p. 131-132).
121
não esteja assegurada a garantia dos direitos do homem nem determinada a separação dos
poderes, não possui Constituição”.
Em face da doutrina da separação dos poderes, tornou-se patente a necessidade de
constituir um ramo autônomo do poder com a função específica de elaborar as leis. Esta
atividade, que era privilégio dos reis durante o absolutismo, foi posta na esfera de vontade dos
representantes dos governados, cujo local é o Parlamento (BONAVIDES, 2003a, p. 265-266).
Subjacente a essa alteração está a noção de que o povo tem direito de concorrer, pessoalmente
ou através de representantes, para a elaboração da lei, que nada mais é do que a vontade geral.
Por ser formado pelos representantes da nação, o Parlamento confere legitimidade à lei
que elabora, daí ter se estabelecido o monopólio normativo pelo Poder Legislativo (CLÈVE,
2000, p. 46), isto é, somente a este órgão foi reconhecido o exercício da função legislativa.
Em conseqüência, esse Poder ocupa posição destacada entre os demais, pois tanto o Executivo
como o Judiciário encontram-se submetidos à lei que o Legislativo elabora
120
.
Destarte, estruturou-se uma forma de organização de poder em que o Estado se limita
pela Constituição e o Poder Executivo, outrora possuidor de poderes absolutos que incluíam a
elaboração das leis e sua execução, doravante mantém-se limitado a competências restritas,
relacionadas à administração da lei.
3.2 A teoria da separação dos poderes e a competência para concluir tratados
3.2.1 A concepção de Locke, Montesquieu e Rousseau
Conforme se depreende da doutrina dos autores clássicos da teoria da separação dos
poderes, ao estabelecer as atribuições dos Poderes estatais, os mesmos consideram que a
política externa deve ser entregue aos cuidados dos governantes, ou seja, aos representantes
do Poder Executivo.
Para Locke, o Poder Federativo, referente às relações exteriores, necessita de um
espaço de atuação próprio (sem o controle das leis), além disso, como exige o uso da força,
120
Ferreira Filho (2002, p. 117) sublinha que, “a ‘separação dos poderes’ é inerente à supremacia do
Legislativo”.
122
não deve ser entregue a pessoas ou órgãos diferentes, mas somente ao Executivo.
Montesquieu (1998, p. 174) também entende que a condução da política exterior deve ser
atribuída ao Executivo, já que quase sempre necessita de uma ação instantânea.
No entanto, ao se interpretar o pensamento de Locke e de Montesquieu deve-se
considerar que sua base é eminentemente liberal, visando apenas a garantia da liberdade dos
indivíduos frente ao Estado. Ambos defendem a desconcentração do poder e a liberdade, mas
não atribuem ao povo o exercício do poder político o que inclui o direito de decidir sobre a
política interna e também sobre a política externa do Estado
121
.
Locke (2004, p. 109) afirma que o poder pertence ao povo, mas este o exerce no
momento da criação ou dissolução do governo. Montesquieu (1989, p.171) diz que o povo
deveria ter o poder de se governar, mas como não é capaz de exercitar tal poder, é melhor
entregá-lo a representantes - os quais, no contexto de Montesquieu, não devem ser entendidos
como representantes da soberania nacional, mas como os mais capazes, isto é, trata-se de uma
simples seleção (AZAMBUJA, 1990, p. 275).
Ocorre que tanto Locke quanto Montesquieu estavam atrelados a uma estrutura social
proveniente do sistema feudal, a qual se compunha de três estamentos - rei, nobreza e povo
e, certamente, não pretendiam quebrar o equilíbrio político entre estes corpos concedendo o
poder ao povo.
Mas mesmo Rousseau, que proclama o direito do povo de participar da condução dos
negócios públicos e, sobretudo, de elaborar as leis a que se submete, julga que a política
externa deve ser atribuída ao Poder Executivo.
Rousseau (s/d, p. 45) entende que as decisões referentes à política externa não são atos
de soberania, pois não correspondem a uma lei, mas à aplicação da lei através de um ato
particular (ato de execução). Destarte, no entendimento do pensador, o povo, que é
encarregado de fazer as leis, não precisa participar das referidas decisões, que devem ser
tomadas pelo Executivo.
Sobre estas ponderações de Rousseau, Medeiros (1995, p. 178-179) observa que o
referido filósofo o notou a relação entre a política externa e a liberdade dos cidadãos, visto
que em seu contexto não a percepção de que o tratado, por ser capaz de revogar leis
121
Nelson Saldanha (1987, p. 37) assinala que o liberalismo aceita que o povo não se governe, contanto que o
poder seja dividido e limitado em face dos direitos individuais.
123
internas, possui natureza normativa.
Em relação a esse contexto, são importantes as observações de Pedro Dallari (1994,
p.13-14), que, apoiado nas lições de Antônio Remiro Brotons e de Celso Lafer, ressalta a
tendência de que os assuntos internacionais, pelas suas particularidades, sejam considerados
próprios da alçada do Poder Executivo e não do Parlamento ou do conjunto da população.
Contribui para esta concepção o fato de que a diplomacia na Idade Moderna era atividade
sigilosa, que deveria ser desempenhada pelo Príncipe longe dos olhos das assembléias
consideradas incapazes de agir rapidamente e manter segredo.
3.2.2 A solução adotada na Revolução Americana
Por ocasião da elaboração da Constituição dos EUA de 1787 - na Convenção de
Filadélfia - logo surgiu a necessidade de definir a que Poder estatal pertence a competência
para celebrar tratados. As primeiras sugestões recomendavam que tal poder deveria ser
prerrogativa do Executivo (MEDEIROS, 1995, p. 44).
Ocorre que dentre os pensadores que mais influenciaram os criadores da Carta
constitucional norte-americana (Founding Fathers) estão Locke e Montesquieu, para os quais
a política exterior deveria ser competência exclusiva do Poder Executivo (MELLO, 1976, p.
124).
No entanto, surgiu também o entendimento de que se o poder para celebrar tratados
fosse entregue ao Executivo, este assumiria poderes de monarca, além disso, alguns membros
da Convenção consideraram que o referido poder encerrava atribuições inerentes ao
Legislativo (MEDEIROS, 1995, p. 44).
Muitas das idéias que embasaram a Constituição norte-americana estão expostas nos
ensaios denominados O Federalista, que foram empreendidos por Alexander Hamilton, James
Madison e John Jay para persuadir os Estados independentes (ex-colônias), que estavam
124
organizados em forma de Confederação
122
, a ratificar a Carta constitucional, que criava uma
Federação
123
.
No número 75 de O Federalista, Hamilton (MADISON, et al., 1993, p. 465) assevera
que, embora vários autores incluam o poder para celebrar tratados na categoria dos poderes
executivos, ao se examinar cuidadosamente a situação conclui-se que tal tarefa está mais
imbuída de caráter legislativo do que de caráter executivo, entretanto a competência parece
não se encaixar estritamente na esfera própria de nenhum dos dois.
Hamilton (MADISON, et al., 1993, p. 465) observa que a essência da autoridade
legislativa é promulgar leis, isto é, prescrever normas para a regulação da sociedade, mas por
outro lado, a aplicação das normas e o emprego da força para defesa do Estado abrangem
funções do Executivo. A partir disso, Hamilton (MADISON, et al., 1993, p. 466) conclui que:
[...] o poder de fazer tratados não é uma coisa nem outra. Não se relaciona nem
com a aplicação de leis preexistentes, nem com a promulgação de novas leis, e
menos ainda com um emprego da força comum. Seu objeto são “contratos” com
nações estrangeiras quem força de lei, mas essa força provém das obrigações
da boa-fé. Não são normas prescritas pelo soberano ao súdito, mas acordos
entre soberanos. O poder em questão parece, portanto, formar um setor à parte,
que não pertence propriamente nem ao Legislativo, nem ao Executivo. As
qualidades que mencionamos em outra passagem como indispensáveis ao trato
de negociações externas indicam o Executivo como o agente mais adequado
para essas transações; por outro lado, a enorme importância do valor e ação de
lei que têm os tratados recomenda fortemente a participação de todo o corpo
legislativo ou parte dele na tarefa de realizá-los.
Ou seja, percebeu-se que as negociações inerentes aos tratados justificam a
intervenção do Executivo, mas o efeito de lei do tratado pressupõe a participação do
Legislativo, que é o órgão competente para criar normas que devem ser obedecidas pelo povo.
Hamilton (MADISON, et al., 1993, p. 466) ainda nota os inconvenientes de se
entregar o poder para concluir tratados a apenas um dos Poderes estatais. Segundo o autor,
seria inseguro e imprudente para uma nação confiar interesses tão relevantes como as relações
internacionais à administração exclusiva do Presidente, o qual poderia agir arbitrariamente ou
visar interesses próprios. Por outro lado, confiar tal poder exclusivamente ao Legislativo seria
negar ao Presidente à condução de negociações externas.
122
Na Confederação cada um dos Estados-membros conservava sua soberania e independência. Havia uma
única instituição central que era o Congresso Continental, o qual possuía poucos poderes, dentre eles a condução
da política externa (KRAMNICK, 1993, p. 10).
123
A Federação consiste na instituição de um Estado Federal, que é formado pela união de vários Estados, que
perdem a soberania em favor da União Federal (AZAMBUJA, 1990, p. 368).
125
Hamilton sugeriu à Convenção Constitucional que no processo de celebração de
tratados se determinasse um relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, com a
cuidadosa especificação da parcela de poder a ser exercida por cada um dos Poderes
(MEDEIROS, 1995, p. 44).
Por fim, o dispositivo que foi aprovado na Convenção de Filadélfia possui conteúdo
semelhante à proposta apresentada por Hamilton, tendo sido atribuído ao Presidente o poder
para celebrar tratados mediante o consentimento de dois terços dos membros do Senado
124
.
A solução adotada pelos norte-americanos em relação à competência para celebrar
tratados constitui claramente uma aplicação do sistema de freios e contrapesos inerente à
teoria da separação dos poderes a qual serviu de base para a elaboração da Constituição dos
EUA. Trata-se de evitar o abuso do poder que poderia se estabelecer se apenas um dos
Poderes (Executivo ou Legislativo) detivesse a competência para conduzir as relações
internacionais
125
.
Segundo Louis Henkin (1978, p. 172-173), o se pode precisar se os revolucionários
julgavam que o poder para celebrar tratados constitui uma competência específica do
Executivo ou do Legislativo. Ou melhor, não é possível saber se na fórmula adotada se
estabeleceram freios e contrapesos em relação ao Poder Executivo ou ao Poder Legislativo. O
que ficou claro é que julgavam necessária a limitação deste poder para que não ocorresse
abuso, o que foi feito através do compartilhamento da referida competência.
3.2.3 A solução adotada na Revolução Francesa
Na elaboração da Constituição francesa de 1791, ao regular a competência para a
política externa, os franceses questionaram se tal poder constitui atribuição do rei ou do
Parlamento - isto é, do Poder Executivo ou do Poder Legislativo.
124
Ao atribuir ao Senado participação nas questões de política externa, os elaboradores da Constituição
americana também desejavam preservar o direito dos Estados ao aderirem à União, a fim de obterem o apoio dos
Estados menores, que temiam ser absorvidos numa organização forte (SCHWARTZ, 1966, p. 137). Isso explica
o fato de, nos EUA, não se submeter os tratados à mara dos Representantes, mas apenas ao Senado, que
agrega os representantes dos Estados federados.
125
Louis Henkin (apud MAZZUOLI, 2001, p. 35) assevera que o poder para celebrar tratados é uma autêntica
expressão do sistema de checks and balances e ressalta que ao atribuir este poder ao Executivo, mas somente
mediante o referendo do Legislativo, busca-se limitar e descentralizar o poder para celebrar tratados, prevenindo
o abuso desse poder.
126
Os defensores das prerrogativas do rei argumentaram que por serem numerosas e
públicas, as assembléias são pouco apropriadas às operações políticas externas, as quais
requerem continuidade e sigilo. Ressaltaram que se o rei, após efetuar as negociações, tivesse
que submetê-las à assembléia, haveria a constante incerteza por parte do outro Estado sobre
sua aprovação pelos parlamentares
126
(MEDEIROS, 1995, p. 58).
Por outro lado, constituintes como Pétion de Villeneuve argumentavam que se o povo
havia decidido banir a injustiça da administração interna, proibindo o Executivo de elaborar a
lei mais simples que fosse, por que se concederia ao rei o poder para concluir tratados, cujas
conseqüências são tão importantes? (MEDEIROS, 1995, p. 59).
No mesmo sentido, Robespierre salientou que a transferência da titularidade da
soberania estatal do rei para o povo importou em conseqüências óbvias para os tratados
internacionais, os quais só devem ser considerados lícitos ou concluídos com o consentimento
dos representantes do povo
127
(MEDEIROS, 1995, p. 60).
para outros constituintes, ao monarca deveria ficar reservado o direito de declarar a
guerra e reger tratados de paz, ao passo que os tratados de comércio deveriam ser concluídos
apenas com o consentimento da assembléia. (MEDEIROS, 1995, p. 60-61). Para D’Aiguillon,
assim como os demais direitos, o direito de paz e de guerra pertence à nação, sendo que cabe
ao rei apenas conduzir as forças armadas em caso de conflito (MELLO, 2000, p. 105).
Pelo visto, instalou-se uma certa confusão entre os constituintes a respeito do poder
para conduzir a política externa justamente porque tal tarefa possui natureza mista, envolve
tanto competência do Executivo quanto do Legislativo.
Após se estabelecer o consenso sobre a necessidade de intervenção do Legislativo em
todos os tratados - sobretudo para limitar as prerrogativas reais e em razão de sua legitimidade
para elaborar as leis - foi aprovada a seguinte regra (MEDEIROS, 1995, p. 65):
Competirá ao rei concluir e assinar com as potências estrangeiras todos os
tratados de paz, de aliança e de comércio, e outras convenções que julgar
convenientes ao bem do Estado, porém os referidos tratados e convenções o
terão efeito enquanto não forem ratificados pelo corpo legislativo.
126
Neste sentido manifestou-se o Conde de Sérent (MEDEIROS, 1995, p. 58).
127
Medeiros (1995, p. 60) destaca o seguinte questionamento lançado por Robespierre na ocasião: “Estamos
discutindo a propósito de um tratado? Qual tratado? Um pacto de família será um pacto nacional?”
127
A partir disso, ficou claro que os direitos de declarar a guerra, fazer a paz e concluir
tratados pertencem à soberania nacional e não são mais assuntos da competência exclusiva do
Poder Executivo (MELLO, 2000, p. 107).
3.3 A exclusão da participação do Legislativo brasileiro da conclusão dos tratados e o
princípio da separação dos poderes
Ao adotar o princípio da separação dos poderes, nos moldes recomendados por
Montesquieu e consagrados nas Revoluções burguesas, a Constituição brasileira de 1988
estabelece mecanismos de controle e de relacionamento entre os Poderes (sistema de freios e
contrapesos), a fim de evitar o surgimento de um Poder com força superior aos demais.
Por exemplo, apesar da função de elaborar as leis ser atribuição do Poder Legislativo,
o Presidente da República possui a iniciativa de leis (artigo 61), bem como poder de veto
sobre a legislação (artigo 66). Embora a função jurisdicional seja exercida pelo Judiciário, o
Executivo nomeia os Ministros dos tribunais superiores e o Legislativo aprova os nomes
indicados (art. 84, XIV e art. 52, III, “a”). O Legislativo possui competência para julgar o
Presidente por crime de responsabilidade (art. 51, I e 52, I) e o Poder Judiciário controla a
legitimidade dos atos do Executivo, bem como a constitucionalidade das leis elaboradas pelo
Congresso Nacional.
No que diz respeito à competência para celebrar tratados, a Constituição também
reproduz a regra consagrada nas Revoluções Americana e Francesa ao prever que tal poder
deva ser exercido pelos Poderes Executivo e Legislativo conjuntamente (artigos 49, I, e 84,
VIII). Trata-se de mais uma configuração do mecanismo de freios e contrapesos, peculiar ao
princípio da separação dos poderes, amplamente utilizado pela Constituição brasileira como
se mencionou.
É perante este esquema constitucional, embasado em fórmulas de distribuição de
poder que foram desenvolvidas sob a égide da teoria da separação dos poderes, que os
defensores dos acordos em forma simplificada pretendem a celebração de tratados por apenas
um dos Poderes competentes para o ato: o Poder Executivo.
Pretender que o Executivo conclua tratados autonomamente, excluindo a participação
do Legislativo, significa retirar o “freio” que garante o equilíbrio entre os Poderes no
128
exercício da competência para concluir tratados - o que configura flagrante contrariedade ao
princípio da separação dos poderes adotado pela CF/88.
É para evitar a ditadura de um Poder em relação à sua função específica que foi
instituído o sistema de freios e contrapesos. No caso da celebração dos ajustes internacionais,
para evitar o abuso do poder pelo Legislativo, o Executivo tem a competência para negociar o
tratado, definindo seu conteúdo. Por outro lado, para evitar o abuso pelo Executivo, o
Legislativo fiscaliza e ratifica o que foi negociado pelo governo.
Também é preciso considerar que subjacente à fórmula que compartilha a competência
para concluir tratados entre o Legislativo e Executivo está a presença das funções específicas
de cada um dos Poderes – as quais foram estabelecidas pela teoria da separação dos poderes -,
o que impede a exclusão de qualquer um deles da celebração dos compromissos
internacionais.
No tocante ao Poder Legislativo, a Constituição exige sua participação na conclusão
dos tratados em razão da atividade legislativa presente no ato. Deste motivo básico decorrem
outros, como a representação do povo exercida pelo referido Poder; a representação das
unidades da Federação exercida pelo Senado (que é uma das câmaras do Legislativo); e a
competência fiscalizadora do Legislativo.
3.3.1 A atividade legislativa presente na conclusão dos tratados
Ainda que os tratados internacionais sejam firmados entre Estados e visem a regulação
da conduta dos Estados-partes do compromisso, não se pode olvidar que seus efeitos se
estendem por todo o território dos contratantes, alcançando sua população.
Kelsen (1974, p. 427-433) assinala que na medida em que o Direito Internacional
regula a conduta dos Estados também regula a conduta humana. Segundo o autor, como todo
o Direito é essencialmente regulamentação da conduta humana, um dever jurídico ou um
direito subjetivo não podem ter por conteúdo senão a conduta humana.
Os tratados criam direitos e obrigações não somente na ordem externa, entre os
Estados-partes, mas também na ordem nacional, ou seja, entre os cidadãos dos Estados-partes,
o que lhes confere, ao mesmo tempo, o status de fonte de Direito Internacional e de Direito
129
interno
128
.
O tratado devidamente ratificado e que se encontra em vigor na esfera internacional
passa imediatamente a vigorar na ordem interna brasileira como uma lei federal do país.
Todos os Poderes estatais devem observá-lo e respeitá-lo, sob pena de responsabilização
internacional do Estado. O Executivo deve providenciar o cumprimento do acordado no
tratado. O Legislativo não pode legislar em sentido contrário até que o tratado seja
denunciado e, se necessário, deve elaborar leis que possibilitem sua execução. o Judiciário
deve aplicar o tratado em caso de demanda judicial que o invoque, pois os acordos podem ser
invocados por qualquer indivíduo nos tribunais nacionais.
O tratado internacional é inclusive considerado hierarquicamente superior às leis
estaduais, às leis delegadas, às medidas provisórias, às resoluções e ao decreto legislativo. Por
conseguinte, se as normas legislativas inferiores ao tratado lhe forem contrárias, as mesmas
são consideradas revogadas.
Sendo usado para criar normas (impondo obrigações e estabelecendo direitos à
população) e para revogar os dispositivos da legislação interna, o poder para celebrar tratados
envolve, manifestamente, atividade legislativa. Conseqüentemente, na elaboração dos
compromissos internacionais devem ser seguidas as formalidades prescritas internamente para
o processo legislativo. A fase do processo de conclusão dos tratados adequada para que se
cumpra esta exigência é a da ratificação, eis que esta se desenvolve na esfera interna do
Estado.
É no ato de ratificação que o Legislativo analisa o conteúdo e resolve definitivamente
sobre os tratados, utilizando o instrumento legislativo adequado, que é o decreto legislativo.
Neste procedimento, os tratados estão sujeitos a quase todos os mecanismos a que a lei interna
está submetida: são apreciados e votados pelo Parlamento, podem ser emendados, são
passíveis do controle preventivo da constitucionalidade, são promulgados e publicados não
estando, porém, sujeito ao veto do Executivo, como ocorre com a lei interna.
É justamente a atividade legislativa presente na celebração dos tratados que exige a
participação incondicional do Poder Legislativo, cuja função específica, segundo a teoria da
separação dos poderes, é legislar
129
. Em conseqüência, não é possível excluir a fase da
128
Internamente, a aplicação do tratado está expressamente prevista na Constituição brasileira de 1988 (art.
102, III, e art. 105, III).
129
Conforme Mirtô Fraga (1998, p. 84), a aprovação do tratado pelo Congresso Nacional é autorização para que
130
ratificação do processo de conclusão de tratados, como se pretende na prática dos acordos em
forma simplificada, visto que importa em impedir que o Legislativo desempenhe sua
competência legislativa.
Além disso, é preciso considerar que a ratificação também constitui o mecanismo
constitucional para recepção dos tratados, ou seja, ao ratificá-los, o Legislativo realiza a
incorporação da norma internacional ao ordenamento jurídico interno conferindo-lhe
executoriedade. Assim sendo, por excluir a fase da ratificação, a celebração de acordo em
forma simplificada também impossibilita a recepção da norma internacional.
3.3.2 A representação do povo
Desde a instituição do Estado constitucional baseado na separação dos poderes se
reconhece o princípio da soberania popular, segundo o qual o povo constitui a única fonte do
poder. Neste sentido, a Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 1º, estabelece que:
Art. 1º. [...]
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
É certo que todos os poderes estatais – Executivo, Legislativo e Judiciário - são
representantes da soberania popular, através dos quais o povo exerce o poder. Porém,
considerando que em face do princípio da separação dos poderes coube ao Poder Legislativo a
função legislativa, que é a forma de exteriorizar a vontade geral, este órgão ocupa posição
privilegiada em relação aos outros no que diz respeito à representação.
Maria Garcia (1997, p. 94) assevera que “a representatividade é o instrumento político
do Poder Legislativo e, por seu intermédio, ele se torna o único dos poderes efetivamente
legítimo, originário da soberania popular”. Ainda segundo a autora (1997, p. 94), “[...] o
Legislativo [...] melhor reúne as idéias, diversidades e tendências existentes na sociedade. É o
mais genuíno dos Poderes governamentais: o que configura, efetivamente, o povo no poder
ou o poder no povo”.
o Executivo vincule o Estado ao tratado, mas é também aquiescência à matéria nele contida. Para a autora, a
atuação do Legislativo: “É fiscalização dos atos do Executivo, mas é, também, uma exigência imposta pela
Constituição, em virtude da competência, que lhe é atribuída, em primeiro plano, de elaborar as normas
jurídicas. Por essa razão, determina a Lei Maior que, na aprovação dos acordos internacionais celebrados pelo
Presidente da República se observe processo, quase semelhante, ao da elaboração da lei ordinária”. (grifou-se)
131
Nelson Saldanha (1982, p. 63) explica que a democracia supõe um consenso popular,
que tende a aproximar a vontade dos governantes e a dos governados. Este consenso viabiliza-
se através da representação e, por conseguinte, relaciona-se com o papel do Legislativo, pois
“todo conteúdo normativo da ordem estatal supõe um trabalho legislativo, e a presença dos
órgãos legislativos confere à ordem estatal um traço de ligação com os cidadãos”.
Considerando que a nação pode vincular-se aos tratados em conseqüência de sua
vontade, o Parlamento, que representa esta vontade, deve ter sempre assegurada sua
participação na formação do conteúdo dos ajustes internacionais. Como no Legislativo estão
representados interesses de diferentes setores sociais, a análise e a votação dos tratados por
este órgão garantem que o interesse da sociedade seja levado em conta de forma ampla na
política externa estatal.
Cabe aos representantes daqueles que irão obedecer às normas decorrentes do tratado
manifestar-se sobre seu conteúdo através da ratificação, devendo ser-lhes assegurada a
possibilidade de não referendar o tratado caso as obrigações dele provenientes não estejam em
conformidade com os interesses da nação
130
.
Na medida em que os acordos em forma simplificada excluem a fase de ratificação,
negam a possibilidade de manifestação dos representantes do povo, os quais são os únicos
capazes de conferir legitimidade às decisões referentes às relações exteriores em razão de que
sua palavra reflete a vontade popular.
Ainda que o chefe do Executivo também seja representante do povo e seja eleito pela
população, o se pode consentir com sua atuação exclusiva na celebração de tratados em
razão do déficit democrático que se configura na situação. Com efeito, não podem ser
consideradas legítimas normas internacionais que, embora sejam de interesse de todo o povo,
decorram exclusivamente do juízo do Presidente da República ou de seus representantes.
Considerando que o tratado é lei em sentido amplo, são oportunas as considerações de
Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 186) no sentido de que:
A lei tem uma vinculação necessária com a participação do povo no processo de
sua elaboração, ainda que pela via da representação. Ademais, a lei, como
vontade do órgão legislativo, é sempre fruto de um colegiado, circunstância que
exclui a prepotência de um chefe isolado.
130
Conforme Arthur Machado Paupério (1976, p. 39), “os dois maiores direitos, mesmo, do cidadão, numa
democracia, são o de manifestar-se sobre os deveres e sacrifícios que lhe são impostos e o de não se ver obrigado
a obedecer sem que tenha sido ouvido”.
132
Vale lembrar que a falta de legitimidade das normas elaboradas autonomamente pelo
Poder Executivo é especialmente agravada no sistema de governo presidencialista o qual é
adotado pela República brasileira.
No parlamentarismo, onde o Gabinete constitui a cúpula da maioria parlamentar e sua
expressão, a lei elaborada pelo referido órgão também exprime a vontade da maioria
parlamentar ainda que indiretamente, pois o Gabinete é fruto da maioria parlamentar e es
na sua dependência (FERREIRA FILHO, 2005, p. 203).
Já no presidencialismo, o Presidente não está na dependência do Congresso nem
exprime, necessariamente, sua maioria. Desta forma, a delegação de poder legislativo em seu
favor opera uma concentração de poderes em suas mãos (FERREIRA FILHO, 2005, p. 203).
Ou seja, além da falta de legitimidade manifesta na situação, não se pode olvidar que a
elaboração de normas sejam nacionais ou internacionais - por quem detém a
administração do Estado representa concentração de Poder e dá margem à arbitrariedade.
A lei como vontade geral expressa pelo Parlamento constitui condição sica para a
democracia. No Brasil, é o Congresso Nacional quem concentra o exercício do poder
legislativo através de duas câmaras: Câmara de Deputados e Senado Federal. É importante
observar que a sistemática de passagem do projeto de lei pelas duas casas do Congresso
fornece tempo necessário para a reflexão mais profunda sobre o teor e o impacto da norma
que se pretende adotar – inclusive no que diz respeito aos compromissos internacionais.
3.3.3 A representação das unidades da federação
O federalismo é uma das vigas mestras sobre o qual se eleva a Constituição brasileira
(BASTOS, 1999, p. 281). Neste sentido, está previsto no artigo da CF/88 que: “A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”.
A forma federativa de Estado é tão enfatizada pela lei maior a ponto de ser erigida em
cláusula pétrea (artigo 60, § 4º, I), sendo, portanto, inalterável até mesmo por via de emenda
constitucional (BASTOS, 1999, p. 281).
133
Estando profundamente atrelado à doutrina da separação dos poderes
131
, o federalismo
procura impedir a concentração do poder político através da sua partilha vertical, na qual as
competências executiva, legislativa e judiciária são divididas entre os Estados federados
132
e a
União.
No Estado federal, os Estados-membros se acham em parte sujeitos a um poder central
(Poder Federal), e em parte conservam sua independência, dispondo de poder de auto-
organização (BONAVIDES, 2003b, p. 181). A unidade desta organização é garantida pela
atribuição de soberania
133
somente ao Estado Federal, que expressa este poder na ordem
internacional através da União.
Co-existem, assim, o governo federal, do qual participam os Estados federados e o
povo, e os governos estaduais
134
. Foi para assegurar a participação dos Estados federados no
governo federal que foi organizado o Poder Legislativo bicameral: O Senado é o órgão de
representação dos Estados, enquanto que a Câmara dos Deputados é a “casa” em que o povo
se faz representar (DALLARI, 1995, p. 219) segundo os índices populacionais dos Estados.
Grandes ou pequenos, todos os Estados federados m assegurada sua igual
participação na formação da vontade do todo, ou seja, do governo central. É a forma de se
manter o laço federativo (AZAMBUJA, 1990, p. 186).
A respeito, Bonavides (2003b, p. 181), buscando suporte nas observações de Georges
Scelle e de Le Fur, assinala que um dos princípios-chave do sistema federativo é a chamada
lei da participação. Segundo este princípio, os Estados-membros devem tomar parte no
processo de elaboração da vontade política válida para toda a organização federal, intervindo
com voz ativa nas deliberações em conjunto.
131
Dallari (1995, p. 218) assinala que foi orientando-se no princípio da separação dos poderes que os
constituintes norte-americanos, criadores do federalismo, estabeleceram a composição do governo federal.
132
No Brasil existe ainda a esfera governamental dos Municípios.
133
É importante ressaltar que a soberania pode ser compreendida sob dois aspectos: interno e externo.
Internamente a soberania reside no povo ou na nação, sendo exercida através dos três poderes do Estado
(Executivo, Legislativo e Judiciário), os quais estão limitados pelo Direito interno. Já no aspecto externo, perante
a sociedade internacional, a soberania é exercida pelos Estados, não havendo subordinação nem dependência
entre eles.
134
Neste contexto, o termo “governo” deve ser entendido como organização política e não como Poder
Executivo.
134
Essa participação no centro decisório garante, no dizer de Le Fur (apud BONAVIDES
2003b, p. 181), que os Estados-membros sejam parte tanto na criação como no exercício da
“substância mesma da soberania”
135
.
Darcy Azambuja (1990, p. 375) mostra como a vontade da União compreende a
vontade dos Estados-membros. Para o autor, o Legislativo federal é exemplo mais eminente
desta situação, visto que, nas duas câmaras que o compõe, os Estados estão representados: a
Câmara dos Deputados representa a população dos Estados, proporcionalmente, e no Senado
os Estados se representam em igualdade.
A partir desta observação, Azambuja (1990, p. 375) infere que: “desta sorte, uma lei
federal é, em substância, a vontade do Estado Federal, mas dessa vontade participam
integralmente os Estados-membros”. Acrescenta-se às ponderações do autor que a
participação das unidades federadas configura-se de forma mais enfática na atuação do
Senado, haja vista que, no processo legislativo brasileiro, o papel de casa revisora
desempenhado pela referida câmara visa garantir que as unidades da Federação tomem parte
na formação das leis
136
.
De forma semelhante ao que ocorre na elaboração da lei federal, quando o Congresso
Nacional participa da celebração dos tratados (através da ratificação) também está sendo
assegurada a vontade das 27 unidades federativas (26 Estados e o Distrito Federal) da
Federação brasileira
137
. Com isso se respeita a autonomia dos entes federados, que estão
representados no Senado, e se garante que as aspirações das diversas regiões nacionais sejam
levadas em conta nas decisões que dizem respeito a todo o país.
Portanto, ao exigir o referendo do Congresso Nacional aos tratados nos artigos 49, I, e
84, VIII, a Constituição está, dentre outras razões, levando em conta a necessidade de
participação das unidades federadas na formação da vontade do Estado brasileiro em obrigar-
se pelo tratado.
135
A propósito, Afonso Arinos de Melo Franco (1957, p. 63), citando Dicey, ressalta que os povos federalistas
desejam união e o a unidade, isto é, os cidadãos do país desejam constituir uma nação unida, mas nenhum
deles deseja renunciar à existência individual do seu Estado-federado.
De fato, é preciso considerar que cada unidade federada também possui interesses próprios - decorrentes da
realidade histórica, econômica e social da sua população -, os quais são assegurados por meio da eleição de
representantes para atuar no órgão legislativo federal (Senado), de forma que haja a acomodação democrática de
pretensões diferenciadas em uma única comunidade estatal.
136
Somente no caso de projetos de leis apresentados pelos senadores, a Câmara de Deputados atua como casa
revisora.
137
A Constituição brasileira de 1988, no artigo 46, diz que o Senado Federal se compõe de representantes dos
Estados e do Distrito Federal, elegendo cada um três senadores.
135
Assim, a prática dos acordos em forma simplifica não se harmoniza com o sistema
constitucional brasileiro, vez que - por importar na exclusão da participação do Congresso
Nacional e, por conseqüência, do Senado - a mesma impede que entes federados tomem parte
na formulação da política externa estatal. Trata-se, indubitavelmente, de quebra do equilíbrio
federativo.
Considerando que qualquer tratado internacional celebrado em nome da República
Federativa do Brasil envolve o interesse das 27 unidades federadas, não se pode conceber que
a decisão a respeito seja tomada exclusivamente pelo Presidente ou por seus representantes.
Nesta perspectiva, o Executivo confere ao Estado Federal brasileiro feição de Estado unitário,
o que significa atentar contra a forma federativa adotada pelo país - a qual é inclusive objeto
de cláusula pétrea.
3.3.4 A competência fiscalizadora do Legislativo
De acordo com o princípio da separação dos poderes, a função essencial do Poder
Legislativo é a elaboração das leis. Contudo, em decorrência do sistema de freios e
contrapesos, outras atribuições lhe são constitucionalmente conferidas para evitar o abuso do
poder pelos demais órgãos estatais. Dentre estas atribuições se inclui a competência
fiscalizadora.
Ocorre que diante do caráter peculiar do Poder Legislativo - formado por mandatários
do povo este órgão passou a desempenhar um papel mais amplo na organização do Estado.
Sua competência tomou vulto porque em seu recinto democrático por excelência surgiu a
necessidade de crítica e de fiscalização dos atos governamentais para vigilância e defesa dos
interesses da coletividade (MENEZES, 1998, p. 260-261).
Tal propensão forjou um conceito segundo o qual “o Congresso é, na democracia
moderna, acima de tudo, o órgão crítico, onde a ação do governo passa pelos filtros da opinião
pública, manifestada na palavra dos representantes do povo” (MENEZES, 1998, p. 261).
Como a representatividade do Poder Legislativo é muito mais ampla do que a do Poder
Executivo, torna-se natural que o mesmo assuma uma atitude fiscalizadora, principalmente
em relação aos atos do governo.
O controle parlamentar sobre os atos fiscalizados visa sempre verificar a conformidade
136
da ação governamental a dois parâmetros: a) à Constituição e às leis em geral; e b) à
orientação política extravasada na Constituição e nas leis que traduzem as opções políticas
concretas (FERRAZ, 1994, p. 153).
São vários os mecanismos que a Constituição põe à disposição do Legislativo para
fiscalizar os demais Poderes: as Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º), a
interpelação de Ministros de Estado (art. 50), a fiscalização financeira e orçamentária da
União (art. 70 à 75), a fiscalização e controle dos atos do Poder Executivo (art. 49, X).
No tocante ao último mecanismo citado, a Constituição determina que:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
[...]
X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do
Poder Executivo, incluídos os da administração indireta.
Do referido dispositivo - que sujeita os atos do Executivo em geral à fiscalização do
Legislativo - decorre a submissão, ao crivo fiscalizador do Parlamento, dos atos do Executivo
referentes à política externa. Esse é um dos motivos pelos quais a Constituição, em seu artigo
49, I, atribui ao Legislativo a competência para resolver em definitivo sobre tratados
internacionais.
Segundo Vera Grillo (2000, p. 60), a atuação do Legislativo em relação à política
externa é acima de tudo uma tarefa política, haja vista que está ligada à análise de opções e à
formação da opinião pública a respeito. Fiscalizando e exercendo o controle político sobre os
atos do Executivo relativos à conclusão de tratados, o Legislativo assegura que o governo atue
em benefício do povo.
Desta forma, a participação do Legislativo na celebração dos tratados, além de derivar
da sua competência legislativa (já que tratado é lei em sentido amplo), também se opera em
razão de sua competência fiscalizadora.
É interessante notar que o dispositivo que determina a competência do Congresso
Nacional para resolver definitivamente sobre os tratados internacionais (art. 49, I, da CF/88)
pode sugerir que a competência fiscalizadora do Legislativo deva ser exercida a posteriori.
Ou seja, que o Congresso deva exercer apenas o papel de ratificador dos atos do Executivo, de
forma que a negociação dos acordos, que é ato anterior, fique somente sob a incumbência do
governo.
137
No entanto, embora a Carta constitucional não estabeleça expressamente mecanismos
para fiscalização da negociação dos tratados pelo Congresso Nacional, esta atividade deve ser
empreendida em razão da amplitude da competência fiscalizadora atribuída pelo artigo 49, X,
da Constituição ao Poder Legislativo.
Com efeito, a competência para fiscalizar proveniente do artigo 49, X, é atribuída ao
Legislativo de forma ampla, e por estarem inseridos nesta previsão legal os atos do Executivo
que dizem respeitos às relações internacionais, a fiscalização compreende tanto os atos
iniciais quanto os finais da celebração dos tratados.
Não se trata de ingerência na competência privativa do Executivo para negociar os
tratados, que é assegurada pelo artigo 84, VIII, mas de acompanhar a negociação realizada
pelo governo, fiscalizando-a no sentido de verificar se a direção em que está sendo conduzida
corresponde aos interesses do povo.
Contudo, apesar da abrangência dessa competência do Congresso Nacional, toda a
negociação dos tratados é tradicionalmente feita de forma exclusiva pelo Executivo, que
estabelece o conteúdo do acordo juntamente com o outro Estado contratante, delineando,
assim, a política exterior.
Nesta perspectiva, o papel do Legislativo revela-se bem menor do que o do Executivo,
visto que os tratados chegam prontos” ao Congresso, o havendo mais espaço para
alteração de suas regras juntamente com a outra parte contratante a menos que se inicie
nova negociação, em decorrência de emendas apresentadas pelos parlamentares.
Consoante constata Vera Grillo (2000, p. 60-61), o Poder Legislativo brasileiro age
com timidez no que tange à sua intervenção nas questões externas, não esgotando todas as
suas possibilidades de influência.
A Constituição atribui competência fiscalizadora para que o Congresso Nacional
ratifique os tratados e também para que acompanhe as negociações, de forma a não limitá-lo
ao papel de mero ratificador de acordos negociados. Falta apenas a atitude do Congresso
Nacional no sentido de assumir sua competência em toda a sua amplitude
138
.
138
Vera Grillo (1986, p. 130-131) nota que, diferentemente do que ocorre no Brasil, nos EUA, tanto o Senado
quando o Congresso - que é competente para regulação do comércio com nações estrangeiras - desenvolvem
rígida fiscalização do Executivo no que diz respeito ao estabelecimento e condução das linhas da política
exterior. A autora salienta que os congressistas viajam freqüentemente a países estrangeiros como observadores
da situação local, para dar ao Congresso conhecimentos para traçar sua linha de conduta em certas questões
externas. Welber Barral (2003, p. 30) também assinala a preocupação existente entre os congressistas
138
Devidamente assinalada a importância e a abrangência da competência fiscalizadora
do Legislativo, vislumbra-se a inviabilidade da prática dos tratados em forma simplificada,
visto que, por importarem na exclusão da participação do Congresso Nacional, impedem o
exercício da referida competência
139
.
Se o Congresso geralmente não efetua a fiscalização da negociação dos tratados,
limitando-se a exercitar esta competência somente no momento da ratificação, nos acordos em
forma simplifica chega-se a situação extrema de completa supressão da fiscalização sobre os
atos do Executivo. Em conseqüência, a ação do governo fica inteiramente livre do controle
político referente à adequação das suas opções às aspirações populares, ou seja, ao bem
comum.
3.4 O enfraquecimento do Legislativo e a hipertrofia do Executivo
Apesar da posição privilegiada ocupada pelo Legislativo em razão da sua legitimidade
para elaborar as leis, o mesmo vem enfrentando enormes dificuldades para manutenção de
suas competências decorrentes do princípio da separação dos poderes.
Essa situação, que resulta no sistemático enfraquecimento do Poder Legislativo, está
relacionada ao fenômeno conhecido como hipertrofia do Executivo. Conforme nota Ferreira
Filho (2005, p. 157), à medida que o Legislativo abdica do exercício pleno de suas funções,
cresce aquele que prazerosamente as assume.
As origens do desequilíbrio entre os dois Poderes referidos remontam ao que a
doutrina chama de “evolução da teoria da separação dos poderes” e também estão vinculadas
ao abuso, por parte do Executivo, do poder legiferante que lhe foi atribuído de forma
excepcional.
americanos em garantir a presença do Congresso durante todo o processo de negociação do tratado, que é no
momento da negociação que vários interesses setoriais são abordados e eventualmente garantidos. Neste
desiderato, ocorrem consultas por parte do Executivo junto a Comissões específicas do Congresso, ao Grupo de
Acompanhamento Congressual e, ainda, a comitês consultivos do setor privado (BARRAL, 2003, p. 24).
139
o tramitando pelo Congresso Nacional, os tratados concluídos sob a forma simplificada ainda se furtam ao
controle prévio da sua constitucionalidade que é realizado pela Comissão de Constituição e Justiça (da Câmara e
do Senado) antes de sua entrada em vigor.
139
3.4.1 As alterações da teoria clássica da separação dos poderes
Durante o Estado liberal, a teoria da separação dos poderes foi adotada pelas
Constituições nacionais com o sistema de freios e contrapesos a ela inerente, respeitando-se,
porém, a regra da não-delegação, isto é, não se admitia que qualquer dos Poderes delegasse a
outro suas funções específicas
140
(FERREIRA FILHO, 2002, p. 115).
Mas com o advento do Estado social, o Parlamento passou a ser visto como inapto
para o exercício legislativo, em razão da necessidade de rapidez na implantação de políticas
públicas destinadas a satisfazer os direitos reivindicados pelos cidadãos. Passou-se, então, a
admitir, excepcionalmente, a delegação da função legislativa ao Poder Executivo (através das
leis delegadas), que este órgão tornou-se o principal ator estatal no processo
intervencionista.
Recebida com muitas reservas inicialmente, a delegação de poderes foi aos poucos
penetrando nas Constituições, sendo, contudo, limitada quanto ao tempo e quanto à matéria
(DALLARI, 1995, p. 186). Porém, a tolerância em relação a um Executivo mais atuante
acabou contribuindo para o fortalecimento progressivo deste Poder estatal, que passou a
reivindicar outras formas excepcionais de legislar, como o decreto-lei e a medida provisória.
Mesmo com a crise do Estado social, que eclodiu na segunda metade do século XX, e
com a conversão do Estado ao neoliberalismo (espécie de resgate dos princípios liberais), o
Legislativo não conseguiu recuperar seu status de Poder supremo conferido pela doutrina
clássica da separação dos poderes.
A preocupação exacerbada com a liberalização da economia peculiar ao
neoliberalismo - forçou a adequação das decisões políticas nacionais a projetos econômicos
de âmbito global e fez com que questões políticas e sociais passassem a ser conduzidas sob a
ótica essencialmente econômica. A estrutura administrativa daí proveniente conduziu ao
aumento das atribuições do Executivo e à conseqüente maior atuação do mesmo na seara
legiferante.
Neste contexto, difundiu-se uma interpretação da teoria da separação dos poderes que
concebe os três poderes estatais totalmente separados, de forma a desempenharem suas
140
A indelegabilidade da função legislativa era particularmente destacada, pois estava apoiada na idéia que
remonta a Locke de que o Poder Legislativo é o somente delegado pelo povo, e os que o detêm o o podem
transferir a terceiros (FERREIRA FILHO, 2002, p. 115).
140
funções típicas sem interferir uns nos outros. Ou seja, ignora-se a relatividade da separação
dos poderes prevista por Montesquieu.
Em face desta interpretação rígida, o progressivo desfalque à regra da indelegabilidade
das funções específicas passou a ser proclamado necessário para que a referida teoria se
adapte à nova conjuntura econômica e social. Mas, se a delegação de poder legislativo ao
Executivo torna a ação estatal eficaz, não se pode desconsiderar as conseqüências disso.
Neste sentido, ainda que se conceba a delegabilidade da função legislativa ao
Executivo como “evolução” da teoria da separação dos poderes, torna-se manifesta a sua
contrariedade em relação à doutrina consagrada no culo XVIII, pois possibilita a edição de
normas jurídicas por quem não possui a representatividade adequada para a elaboração da lei
e não foi eleito para esta finalidade.
3.4.2 A hipertrofia do Executivo
Com a intensificação das suas atribuições, o Executivo vem assumindo uma inegável
preponderância sobre os demais Poderes, sobretudo porque as formas excepcionais de
exercício da função legislativa que lhe foram concedidas se converteram em instrumentos de
abuso do poder.
No século XX, a progressiva depreciação dos Parlamentos e o conseqüente
fortalecimento do Executivo engendraram uma espécie de retorno à concentração de poderes,
doravante, em forma de totalitarismo. No Brasil, os efeitos mais agudos deste fenômeno
puderam ser sentidos durante a vigência do Estado Novo e do regime militar, situação em que
por alguns períodos o Congresso Nacional foi desativado e o Executivo assumiu seus poderes,
tanto no que diz respeito à legislação interna quanto aos compromissos internacionais
141
.
Para Bandeira de Mello (2002, p. 312), um dos motivos essenciais da hipertrofia do
Executivo brasileiro procede da crença difundida pelos economistas que foram erigidos em
141
Em relação à política internacional, Rezek (1984, p. 332-333) lembra que:
“No Estado Novo [...] alguns tratados foram aprovados por decreto simples, outros por decreto-lei. Esta última
foi também a forma adotada pela junta governativa no recesso parlamentar compulsório de 1969. Em todos esses
casos observou-se um curioso processo de determinação da vontade nacional: o Executivo negociava e firmava o
compromisso. Analisava-o depois e, se disposto a ir adiante, editava o decreto ou decreto-lei aprobatório. Em
seguida, munido de sua própria aprovação, ratificava o tratado”.
141
“gurus da sociedade” pelo governo - de que as normas jurídicas podem transformar a
realidade infra-estrutural.
Foi com base nesta crença que os economistas se converteram em incentivadores de
um sistema de produção de regras jurídicas geradas pelo Executivo e influenciam a sociedade
a crer, como eles, que é preciso a todo instante produzir novas normas e de forma rápida, sem
os cerceios da tramitação e aprovação legislativa. Assim, foi se impondo uma generalizada
complacência com as violações do princípio da legalidade (BANDEIRA DE MELLO, 2002,
p. 312).
Os reflexos da crença mencionada por Bandeira de Mello manifestam-se
principalmente na utilização excessiva dos instrumentos legislativos do Poder Executivo - leis
delegadas e medidas provisórias - e o desrespeito às limitações para seu uso previstas na
Constituição brasileira
142
. Tais instrumentos legiferantes não apenas retiram a possibilidade de
rigorosa vigilância pelo Legislativo, mas impedem a tomada de decisões democráticas, que
se estabelecem à margem do debate do órgão representativo (CAMPILONGO, 1997, p. 100).
A atividade legislativa do Executivo nestas circunstâncias não raro é justificada pela
alegada inaptidão do Poder Legislativo para exercer a função legiferante na sociedade técnica,
motivo pelo qual se considera que este Poder deve preocupar-se mais em fiscalizar os atos do
governo do que em legislar. O resultado, segundo Ferreira Filho (2005, p. 157), é que hoje,
em todo o mundo, mais ‘legisla’ o Executivo do que o dito Legislativo”.
Em face da preponderância do Executivo, o filósofo italiano Giorgio Agamben (2004,
p. 18-19) afirma que o paradigma de governo atual é o estado de exceção
143
. Segundo o autor,
instituídos para fazer face às necessidades momentâneas (como no caso das duas guerras
mundiais e da emergência econômica), os poderes excepcionais do Executivo se expandiram
gradualmente, transformando os regimes democráticos. Assim, a progressiva erosão dos
poderes legislativos do Parlamento - o qual tem se limitado, com freqüência, a ratificar
disposições com força de lei promulgadas pelo Executivo - tornou-se a prática comum.
142
As leis delegadas são elaboradas pelo Presidente da República mediante solicitação de delegação ao
Congresso Nacional, o qual deve especificar o conteúdo e os termos do exercício da delegação (art. 68 da
CF/88). as medidas provisórias – que substituíram o decreto-lei - podem ser adotadas em caso de relevância e
urgência pelo Presidente da República, que devesubmetê-las de imediato ao Congresso Nacional (art. 62 da
CF/88).
143
Para Agamben (2004, p. 17) o estado de exceção “implica um retorno a um estado original ‘pleromatico’ em
que ainda não se deu a distinção entre os diversos poderes (Legislativo, Executivo, etc.). [...] o estado de exceção
constitui [...] um vazio de direito [...]”.
142
Na Itália, assim como em muitos outros países, não se recorreu aos decretos de
urgência nos períodos de crise política, contornando, assim, o princípio constitucional de que
os direitos dos cidadãos não podem ser limitados senão por meio de lei, como os decretos-lei
passaram a constituir uma forma normal de legislação (AGAMBEN, 2004, p. 32).
Agamben (2004, p. 13) nota que, ainda que não se declare de forma expressa, uma das
práticas essenciais do Estado contemporâneo constitui a criação, voluntária, de um estado de
emergência permanente para justificar a transformação da ação “provisória” e “excepcional”
do Executivo em técnica de governo.
O governo também tem avançado sobre as competências do Poder Legislativo através
do poder regulamentar, que constitui o poder administrativo do chefe do Executivo para
determinar comandos que possibilitem a execução das leis
144
. Pelo regulamento o Executivo
não pode criar normatividade que inove na ordem jurídica, visto que em decorrência do
princípio da legalidade somente a lei obriga (SILVA, 1994, p. 372).
Porém, em razão da tecnicidade envolvida nas leis elaboradas pelo Legislativo e da
expansão da ação administrativa, o Executivo tem encontrado um amplo espaço para exercer
atividade legislativa sob a forma disfarçada de regulamento (geralmente expedido via
decreto)
145
. Até mesmo regulamentos independentes, ou seja, editados no espaço porventura
deixado vazio pelas leis vigentes, vêm sendo editados pelo Executivo, apesar de,
flagrantemente, criarem regras jurídicas novas
146
(FERREIRA FILHO, 2002, p. 162).
Esse crescimento das atribuições do Executivo acabou engendrando a tendência de
conceber como sinônimos os termos “governo” e “Estado”, pois tantas o as atividades
desempenhadas pelo Executivo que a população passa a identificá-lo como o próprio Estado.
Mas os dois termos o devem ser confundidos, pois se ao Estado incumbe três funções - a
legislativa, a executiva e a judiciária -, ao governo cabe o exercício de somente uma delas: a
executiva (SILVA, P. N. N., 1994, p. 26)
147
.
144
O poder regulamentar está previsto no artigo 84, IV, da CF/88. Segundo o dispositivo constitucional, cabe
privativamente ao Presidente da República expedir regulamentos para a fiel execução da lei.
145
Muitas vezes, é o próprio legislador que incita a criação de regras pelo Executivo ao editar leis vagas,
deixando margem legislativa a ser preenchida pelos regulamentos (FERREIRA FILHO, 2002, p. 162).
146
A tolerância em relação a esses regulamentos é justificada pela afirmação de que, “tendo a Constituição
previsto a intervenção do Executivo em determinada matéria, impondo o interesse público nessa intervenção, na
omissão do Parlamento cabia ao governo editar as regras convenientes, que a qualquer momento cederiam lugar
às que as Câmaras se lembrassem de elaborar” (FERREIRA FILHO, 2002, p. 162-163).
147
Além disso, para Paulo Napoleão Nogueira da Silva (1994, p. 25), enquanto o Estado é o representante de
toda a sociedade nacional, o governo representa somente uma facção política ou um segmento de pensamento
143
Essa confusão entre os termos facilita ainda mais o abuso do poder legiferante por
parte do Executivo, pois diante da impressão de que o governo é o próprio Estado, torna-se
mais fácil exercer as competências específicas do Poder Legislativo.
De certa forma, a hipertrofia do Executivo também está vinculada à adoção do sistema
presidencialista de governo, pois, como leciona Nelson Saldanha (1987, p. 117), na opção
parlamentarista os poderes se distribuem de forma a dar preeminência ao Legislativo
148
, na
opção presidencialista ocorre uma clara primazia do Executivo.
Referindo-se ao presidencialismo, Arthur Machado Paupério (1976, p. 196-198) nota
que tal primazia se confirma diante da vasta gama de poderes conferidos ao Presidente pela
Constituição, por exemplo, o Poder Judiciário depende do Executivo para sua constituição e
seu funcionamento; o Presidente possui a prerrogativa de decretar o estado de sítio e de
suspender as garantias constitucionais; no sistema federal o chefe do Executivo pode decidir a
intervenção federal, etc.
149
Diante disto, Paupério (1976, p. 196) assevera que “o
presidencialismo passou a ser simplesmente um sistema de incondicionada supremacia do
Presidente”.
3.4.3 A hipertrofia do Executivo e a ação externa do Estado
A tendência do Executivo de alargar continuamente suas atribuições em detrimento
das competências do Legislativo também atinge a ação externa do Estado. Na seara da política
internacional, a hipertrofia do Executivo foi especialmente estimulada pela tecnocracia
estabelecida internamente, pois os responsáveis pelas decisões econômicas e financeiras são
tidos como os mais preparados para tomar decisões sobre a política interna e também sobre a
política internacional.
A partir da alegação de complexidade dos assuntos internacionais, passou-se a pregar
uma suposta legitimidade dos representantes do Executivo para decidir sobre o que é interesse
nacional na política externa. Por outro lado, os parlamentares são considerados incapazes de
político eventualmente predominante dentro da sociedade.
148
O Parlamentarismo constitui um sistema de governo onde a separação dos poderes é de certo modo negada.
149
Além disso, no sistema presidencialista não possibilidade de responsabilização política do Presidente da
República, o qual – diferentemente do que ocorre no regime parlamentarista - somente pode ser responsabilizado
por ato tipificado como crime. Esta característica do presidencialismo disponibiliza ao governo um considerável
campo de ação passível de abusos de poder.
144
compreender a tecnicidade das relações internacionais e a necessidade” de tomar decisões -
sobretudo econômicas - que possam contrariar os interesses de suas bases eleitorais.
Além disso, diante da intensificação das relações internacionais ocorrida nas últimas
décadas – provocada, sobretudo, pelo fenômeno da integração econômica - o Executivo
passou a ressaltar a necessidade de agilidade no trato internacional, bem como a suposta
inadequação do processo parlamentar para a aprovação dos tratados, pela demora inerente ao
trâmite legislativo.
Assim, o Congresso Nacional deixou de ser o local de ponderação e de decisão em
relação a muitos tratados, os quais são decididos em acertos realizados a portas fechadas entre
o governo e os técnicos da burocracia governamental. Nesta perspectiva, a democratização
das decisões, que envolve divergências de idéias e demanda um certo tempo para se alcançar
consenso, é vista como incompatível com o pleno desenvolvimento das relações
internacionais, sobretudo no tocante a temas relacionados à globalização econômica.
Medeiros (1995, p. 221) realça o entendimento predominante ao salientar que:
A democratização das relações internacionais, instrumentalizada pelo
fortalecimento do controle parlamentar da política externa e pela obrigatoriedade
da aprovação dos compromissos pelo Legislativo, faz com que o processo de
celebração de tratados se torne freqüentemente lento, complexo e fastidioso. O
formalismo e a morosidade dos procedimentos parlamentares travam o
desenvolvimento do Direito Convencional Internacional.
A ratificação dos tratados fase em que o Poder Legislativo exerce sua competência
para concluir tratados – tornou-se alvo privilegiado de críticas, tanto que muitos doutrinadores
proclamam a perda da importância da ratificação no Direito Internacional. Neste sentido,
Mello (2004, p. 233) afirma que:
[...] a ratificação, no seu sentido tradicional de ato do Executivo após aprovação
do tratado pelo Legislativo, se encontra em decadência [...] na Convenção de
Viena a assinatura passou a ter praticamente o mesmo valor da ratificação. O
Legislativo não se adaptou às novas exigências da vida internacional e o
Executivo procura fugir ao seu controle. Balladore Pallieri observa que se está
processando uma “revolução” no sentido de se abandonar o respeito “à
competência interna dos órgãos”.
Na verdade, a própria confusão que se estabeleceu na doutrina a respeito do
significado da ratificação - que forja a noção deturpada de que compete ao Executivo a
145
decisão definitiva sobre o tratado - decorre em grande parte da interpretação das normas
constitucionais contagiada pelo fenômeno universal da hipertrofia do Poder Executivo.
Todos estes aspectos produzem uma situação favorável para que o governo brasileiro
faça uso da prática dos acordos em forma simplificada, que instiga a ação isolada do
Executivo na seara internacional mediante a supressão da fase de ratificação o que
representa o alijamento do Poder Legislativo da celebração dos tratados.
3.5 A (in)competência do Executivo para concluir tratados sem a participação do
Legislativo
Para sustentar a conformidade dos acordos em forma simplificada com o sistema
constitucional brasileiro, os defensores desta prática invocam supostos poderes implícitos do
chefe do Executivo, poderes fundados no uso do seu poder regulamentar e ainda poderes
oriundos da competência privativa do Executivo.
Entretanto, o entendimento de que o Poder Executivo pode, por competência própria,
concluir tratados internacionais autonomamente se revela insustentável à luz da distribuição
de competências realizada pela Constituição Federal, mormente diante das reservas de
competências do Poder Legislativo.
3.5.1 A indelegabilidade das competências exclusivas do Congresso Nacional
Conforme mencionado, além do Poder Legislativo, o Poder Executivo também exerce
a função legislativa no ordenamento brasileiro, seja por delegação do Legislativo (leis
delegadas), seja fazendo uso da permissão que lhe é dada diretamente pela Constituição
(medidas provisórias) - ou mesmo de forma disfarçada, através do seu poder regulamentar.
No entanto, é preciso ter em conta que embora a regra da não-delegação, inerente à
teoria da separação dos poderes, tenha sido flexionada para permitir a atividade legislativa do
Executivo, a mesma não foi abandonada. Segundo Bandeira de Mello (2002, p. 318):
[...] a indelegabilidade, enquanto princípio constitucional, resulta diretamente,
ainda que de modo implícito, do art. do Texto Magno, de acordo com o qual:
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
146
Executivo e o Judiciário”. É que, sendo certo e indiscutido que os três Poderes
existem precisamente para apartar as funções que lhes são correspondentes, se
puderem delegar uns aos outros as que lhes o próprias, a tripartição
proclamada pela Lei maior não estaria nela ou por ela assegurada.
Canotilho (1995, p. 690-691) ensina que, embora a separação dos poderes não seja
absoluta, deve-se entender que “a uma função corresponde um titular principal”, sendo
necessário manter este “núcleo essencial” que caracteriza o referido princípio e que es
absolutamente protegido pela Constituição. Portanto, a nenhum Poder podem ser atribuídas
funções das quais resulte o esvaziamento das funções especialmente atribuídas a outro.
O constitucionalista português ressalta que “o princípio da separação dos poderes
exige, a título principal, a correspondência entre órgão e função e admite exceções quando
não for sacrificado seu núcleo essencial” (CANOTILHO, 1995, p. 691).
Isso significa dizer que, embora o Poder Executivo também exerça função legiferante
(de forma atípica), o Poder Legislativo continua sendo o órgão legislativo por excelência,
cabendo-lhe elaborar as leis. E, para que o núcleo essencial” não seja violado, a atividade
legislativa do Executivo deve ser sempre excepcional e limitada - com o estabelecimento de
matéria específica para o exercício normativo e de limite temporal
150
. Não pode haver
delegação ampla e genérica da função legislativa, o que importaria no esvaziamento da função
essencial do Poder Legislativo.
Além disso, desta necessidade de se resguardar a função essencial do Legislativo,
também decorre a indelegabilidade de certas matérias que, pela sua relevância, a Constituição
reserva ao Poder Legislativo.
Neste sentido, ao disciplinar a lei delegada, a Constituição brasileira de 1988
estabelece que:
Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que
deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do
Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou
do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação
sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia
de seus membros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. (grifou-se)
150
Em relação às leis delegadas, a CF/88 determina que o Congresso Nacional deva especificar o conteúdo e os
termos do exercício da delegação (art. 68). No tocante às medidas provisórias, a Carta constitucional prevê que
estas podem ser adotadas em caso de relevância e urgência (art. 62).
147
Por interpretação lógico-sistemática conclui-se que as matérias que não são objeto de
delegação também o poderão ser disciplinadas através de medidas provisórias (SILVA,
1994, p. 465). Destarte, qualquer normativa do Executivo que regule matéria que a
Constituição reputou indelegável é inconstitucional.
Em atenção ao parágrafo do artigo 68 acima transcrito, verifica-se que não podem
ser objeto de delegação “os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional”. Com esta
disposição legal, o referido dispositivo remete ao artigo 49 da Carta constitucional, no qual
está estabelecida a competência exclusiva do Congresso. Dentre os vários atos arrolados no
artigo 49, está previsto que:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
Ou seja, a Constituição inclui entre os assuntos reservados à regulação pelo Congresso
Nacional a resolução definitiva sobre os tratados. Assim procedendo, o constituinte pretendeu
proteger esse ato do exercício do poder normativo por parte do Executivo.
Ocorre que no rol protegido da delegação (art. 68, § 1º), no qual se inclui a resolução
definitiva sobre os tratados (por força do art. 49, I), o constituinte preteriu a tão proclamada
exigência da rapidez na atuação estatal - que reclama a atividade normativa pelo Executivo -
em razão da importância para a sociedade das matérias arroladas. A Constituição exige que ao
se regular assuntos tão relevantes se cumpra o procedimento parlamentar, garantindo, assim,
sua discussão democrática no seio do órgão representativo da vontade popular.
Ademais, em relação à indelegabilidade de competências previstas no artigo 68, § 1º,
Ferreira Filho (2005, p. 204) observa que “trata-se de disposições que, sobretudo, marcam os
poderes de controle e fiscalização geral do Congresso, relativamente ao Poder Executivo, e,
assim, não poderiam ser entregues de modo algum ao próprio fiscalizado”.
Ao estabelecer a indelegabilidade dos atos de competência exclusiva do Congresso
Nacional, o referido diploma legal exclui totalmente a possibilidade de que o Executivo
regule os tratados, seja por via de lei delegada, seja por medida provisória, seja por via do seu
poder regulamentar – independentemente da relevância do tema ou da urgência.
As matérias elencadas no artigo 49 da Constituição têm como instrumento normativo
148
adequado o decreto legislativo, que é de competência exclusiva do Congresso Nacional, e por
isso mesmo não está sequer sujeito à sanção presidencial (BASTOS, 1999, p. 364).
3.5.1.1 O poder regulamentar do Executivo
Para os defensores da prática dos acordos em forma simplificada, ao aprovar um tratado,
o Congresso Nacional estaria também aprovando futuros acordos complementares dele
procedentes, para sua interpretação, detalhamento, suplementação de cláusulas e prorrogação
de prazo. Tais acordos envolveriam assuntos administrativos, ditos de pouca importância,
podendo, portanto, ser regulados pelo Executivo
151
via decreto (trata-se do chamado decreto
regulamentar, ou decreto executivo), dispensando-se a ratificação parlamentar.
Pelo visto, pretende-se incluir a celebração de tratados nas situações acima descritas
no âmbito do poder regulamentar do Executivo poder administrativo do chefe do Executivo
de facilitar a execução das leis.
No entanto, como se depreende do que foi mencionado anteriormente sobre a
indelegabilidade das matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, a referida
pretensão não se sustenta. A celebração de tratados pelo Executivo - independentemente do
assunto abordado - no uso do seu poder regulamentar importa em delegação tácita de
competência que é indelegável. O disciplinamento da matéria contida nos tratados que ser
feito necessariamente por lei, ou seja, por ato do Parlamento, em razão da reserva legal
contida no § 1º do artigo 68.
Além disso, como José Afonso da Silva (1994, p. 372) ensina, o poder regulamentar
não é poder legislativo, portanto, através dele o Executivo não pode criar direitos e obrigações
que inovem a ordem jurídica. Somente a lei possui tal poder, vez que conforme o princípio da
legalidade, expresso na CF/88, em seu art. 5º, II: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Apontando as diferenças entre lei e regulamento, Bandeira de Mello (2002, p. 328-
330) adverte que por mais que o regulamento provenha de autoridade eletivamente investida,
não se aproxima da lei no tocante às garantias democráticas que esta proporciona. A lei
151
Neste sentido, manifestam-se, por exemplo, Rezek (1984, p. 313-318), Accioly (1953, p. 59), Medeiros
(1995, p. 481) e Celso de Albuquerque Mello (2004, p. 237).
149
provém de um órgão colegial, que agrega várias tendências ideológicas e se submete a um
trâmite que torna possível o conhecimento público das suas disposições, propiciando a
fiscalização social.
Por outro lado, os regulamentos são elaborados em gabinetes fechados, sem
publicidade e livres de qualquer fiscalização da sociedade. Sua produção se faz apenas em
função das diretrizes estabelecidas por uma pessoa - o chefe do Poder Executivo
(BANDEIRA DE MELLO, 2002, p. 330).
Por estabelecem reciprocidade de obrigações, encargos ou vantagens para o país, isto
é, por serem usados para criar direitos e obrigações novos, os acordos em forma simplificada
constituem afronta ao princípio da legalidade esculpido na Constituição
152
. Os atos
internacionais regulados por meio dessa prática são, inclusive, passíveis de sustação pelo
Legislativo, pois o artigo 49, V, da CF/88 diz que:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
[...]
V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder
regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. (grifou-se)
Também é preciso ter em conta que a inclusão de qualquer ato internacional ao
ordenamento jurídico brasileiro depende da sua recepção, que ocorre através da ratificação
pelo Poder Legislativo. No Brasil, vigem os mecanismos e os procedimentos clássicos do
Direito Internacional Público no que tange à aplicação das normas internacionais, assim,
exige-se o ato de incorporação para que os órgãos da soberania se manifestem a respeito.
Na situação em que o Executivo conclui tratados utilizando-se de seu poder
regulamentar, providenciando apenas a publicação da norma convencional na ordem interna
(via decreto executivo), a exigência de incorporação dos tratados é totalmente preterida. Ora,
é inconcebível que normas internacionais se imponham ao Estado brasileiro, soberano que é, à
sua revelia, ou seja, sem a manifestação do órgão estatal competente para a recepção das
referidas regras.
Em conseqüência, os tratados celebrados pelo governo brasileiro sob a forma
simplificada não adquirem validade na esfera interna, posto que não são adequadamente
incorporados ao ordenamento jurídico nacional.
152
Como a lei é a vontade geral e o Legislativo é o órgão competente para elaborá-la, o princípio da legalidade
serve de arma contra a arbitrariedade e o autoritarismo dos governantes, garantindo, assim, a conservação do
princípio da soberania nacional.
150
3.5.1.2 A explicação contra a teoria: os “poderes implícitos” do Executivo
Outro argumento utilizado no ensejo de alcançar tolerância em relação aos acordos em
forma simplificada diz respeito à tese de que estes tratados seriam concluídos pelo chefe do
Executivo com base em poderes implícitos (ou inerentes), que derivariam de sua autoridade
para representar a nação externamente, por ser o chefe das forças armadas e por ser o
condutor da política externa.
Ao que parece, este posicionamento busca apoio na teoria desenvolvida nos EUA para
justificar a celebração de tratados sem aprovação parlamentar naquele Estado. Conforme
informa Canotilho (1995, p. 681), a teoria dos poderes inerentes ou competências implícitas
(ou ainda, competências não-escritas) remonta ao Direito constitucional norte-americano e
utiliza-se das seguintes idéias:
a) poderes decorrentes ou emergentes (resulting powers): poderes que derivam de uma
leitura conjunta de todos ou alguns do poderes conferidos especificamente pela Constituição;
b) poderes implícitos (implied powers): poderes não expressamente mencionados na
Constituição, mas adequados ao alcance dos fins e tarefas constitucionalmente atribuídos aos
órgãos estatais;
c) poderes inerentes ou essenciais (inherent or essential powers): poderes
indispensáveis ao exercício de funções políticas soberanas.
De acordo com Canotilho (1995, p. 681), a partir destas idéias se conseguiu naquele
país um alargamento do quadro de competências dos órgãos do Estado, ultrapassando as
limitações formalmente individualizadas no texto da Constituição.
A respeito dos poderes implícitos do sistema jurídico norte-americano, Vasconcelos
(1994, p. 28) afirma que a o referência a um elenco específico de competências do Poder
Executivo na Constituição, ao contrário do que se passa com o Congresso, foi interpretada
como o restrição do Executivo às atribuições explicitas. A partir disso, entendeu-se que se
estaria diante do reconhecimento de uma competência genérica de poderes implícitos do
Executivo, apenas sujeitos às proibições e limites estruturais da Constituição.
Foi desta construção doutrinária que se extraiu o argumento a favor da legitimidade de
151
delegações vastas de autoridade ao Presidente a quem, singularmente, incumbe a capacidade
para falar como representante da nação (VASCONCELOS, 1994, p. 29).
Ainda conforme Vasconcelos (1994, p. 28-29), esta tese foi muito influente no
domínio das relações exteriores, tendo servido de base para a Suprema Corte reconhecer o
exercício de poderes pelo Executivo mesmo que não se fundamentem em lei ou em preceito
constitucional. A invocação de “prerrogativas do Executivo” pelo Presidente permitiu-lhe
alargar sua intervenção, sobretudo no que diz respeito aos acordos executivos (executive
agreements), ultrapassando a necessidade de prévia ratificação senatorial dos tratados
internacionais (VASCONCELOS, 1994, p. 33).
Não obstante, Canotilho (1995, p. 681) alerta que a força normativa da Constituição é
incompatível com a existência de competências não previstas constitucionalmente – salvo nos
casos em que a própria Carta constitucional autorizar o legislador a alargar o rol das
competências.
O máximo que se pode admitir é uma complementação das competências
constitucionais através da interpretação sistemática e teleológica e da integração. Trata-se, não
de alargar, mas de concretizar competências atribuídas ou preencher alguma lacuna
constitucional. Contudo, não se pode, neste caso, subverter a separação e a interdependência
dos órgãos da soberania constitucionalmente estabelecida, estando em especial excluída a
possibilidade de eles afetarem poderes especificamente atribuídos a outros órgãos”
(CANOTILHO; MOREIRA, 1991, p. 191-192).
Quando a Constituição regula de determinada forma a competência dos Poderes, estes
devem manter-se no quadro de competências que lhes foi constitucionalmente assinalado, não
sendo possível modificar-se por via interpretativa a coordenação e o equilíbrio de poderes
inerente ao referido quadro (CANOTILHO, 1995, p. 680).
Em atenção às observações do doutrinador português acima citado, logo se vislumbra
a impossibilidade de aceitação da teoria dos poderes implícitos em relação à celebração de
tratados no ordenamento jurídico brasileiro. Primeiramente, verifica-se que a competência
para resolver definitivamente sobre os tratados está claramente conferida pela Constituição,
com exclusividade, ao Congresso Nacional, não havendo qualquer espaço vazio em relação a
esse poder para que o Executivo se arrogue competente.
Além disso, torna-se evidente que a conclusão de tratados unicamente pelo chefe do
152
Executivo afeta poderes expressamente atribuídos pela Constituição ao Legislativo, o que
significa, no dizer de Canotilho (1991, p. 191), “subverter a separação dos poderes”.
3.5.1.3 Matéria de competência privativa do Executivo
Em relação à tese de que o Poder Executivo poderia concluir tratados sem aprovação
parlamentar se o ajuste versar sobre matéria de sua competência privativa,
torna-se muito
esclarecedora a lição de Haroldo Valladão (1950, p. 104) que apesar de referir-se à
Constituição de 1946, também se ajusta à Constituição vigente. Ao manifestar-se sobre a
forma de celebração de acordo relacionado à dívida externa brasileira, Valladão diz
categoricamente que:
O critério proposto por Hildebrando Accioly de distinguir entre os tratados que
versassem matéria exclusiva do Poder Legislativo e matéria privativa do Poder
Executivo, levaria a rias dificuldades em assunto que deve ser preciso, dada
sua altíssima relevância: validade dos atos internacionais firmados pelo Brasil.
É “exclusiva” do Poder Legislativo, além das atribuições básicas referentes à
administração federal propriamente dita, especificadas no artigo 65, I a VIII,
orçamento, tributos, dívida pública, cargos públicos e vencimentos, operações de
crédito e emissões, fixação de forças, transferência de sede do Governo Federal,
limites do território nacional, toda a legislação concernente a bens do domínio
federal e a “todas as matéria da competência da União”, art. 65, IX, art. 5º, I a XV,
letra “a” a “r” etc.
É todo o âmbito do Governo Federal.
E assim o acordo em causa, fls. 2, Acordo de Pagamento, Acordo de Resgate da
Dívida Externa Brasileira, é matéria de competência “exclusiva” do Poder
Legislativo art. 65, III, versando como versa sobre a dívida pública federal e os
meios de solvê-la.
Será possível considerar a matéria de um acordo daquela natureza “privativa” do
Poder Executivo?
Para isto seria preciso fixar um limite à atividade legislativa no assunto,
estabelecendo-se que, a partir de um certo marco, a atribuição de estabelecer
normas sobre a dívida pública federal cessaria para o Poder Legislativo e
começaria, privativamente, para o Poder Executivo.
Tal distinção, separação de atribuições com esse caráter, inexiste do Direito
constitucional brasileiro.
Na Constituição vigente, a regulação das matérias em geral também está devidamente
atribuída ao Poder Legislativo, que é o órgão encarregado de elaborar as leis. Nota-se, por
exemplo, que o artigo 48 da CF/88 diz que cabe ao Congresso Nacional dispor sobre todas as
matérias de competência da União.
Ao Executivo, a Constituição reserva competências administrativas e, de forma
excepcional, atividade legislativa limitada e condicionada. Mas, como se assinalou, nesta
153
competência legislativa do Executivo não se pode incluir a resolução sobre tratados, seja qual
for a matéria objeto do ajuste internacional, em razão da indelegabilidade das competências
exclusivas do Congresso Nacional.
Tampouco existe no Direito brasileiro a discriminação de categorias de tratados que
possam ser concluídos somente pelo Executivo, tal como ocorre nos países que adotam o
sistema de lista positiva ou negativa. Como observado por Valladão (1950, p. 103-104), o
constituinte sempre pretendeu o amplo controle do Congresso Nacional sobre o Presidente da
República nas relações internacionais, indiferentemente da matéria ou da importância dos
ajustes internacionais.
3.5.2 A usurpação de competência legislativa na conclusão de acordos em forma
simplificada
Dentre as várias razões para a exigência incondicional da participação do Poder
Legislativo na celebração dos tratados apontadas neste trabalho, destaca-se uma delas, de cuja
preeminência decorrem as demais: a função legislativa presente no ato. Foi principalmente
pretendendo proteger a função típica do Legislativo da ação do Executivo que o constituinte
estabeleceu a competência exclusiva do Congresso Nacional para resolver definitivamente
sobre os tratados, bem como a indelegabilidade da mesma.
Assim procedendo, o constituinte não deixou margem alguma para que o Executivo
pudesse resolver sobre os tratados, de forma que, como ficou evidenciado nas observações
anteriores, não se pode pretender incluir este poder na esfera de competência do Poder
Executivo. Disto resulta, necessariamente, a constatação de que a prática dos acordos em
forma simplificada não encontra amparo no sistema constitucional brasileiro.
De acordo com a teoria da separação dos poderes, as interferências de um Poder na
esfera de competência do outro somente é tolerada na forma estabelecida pela Constituição.
Afora as exceções previstas na Carta constitucional, quando um poder exerce funções típicas
do outro, configura-se a ruptura do esquema de divisão de poderes.
Considerando esta premissa, nota-se que na medida em que na conclusão de acordos
em forma simplificada o Executivo passa a assumir competência reservada
constitucionalmente ao Congresso Nacional (resolver definitivamente sobre tratados) ocorre
154
usurpação de competência legislativa protegida por reserva legal (art. 49, I, da CF/88).
Ou seja, a prática dos acordos em forma simplificada representa a invasão da
competência do Poder Legislativo e o exercício da mesma pelo chefe do Executivo, em
flagrante violação da fórmula constitucional de distribuição de poder
153
. É importante notar
que, por assim agir, o Presidente da República incorre em crime de responsabilidade, previsto
do artigo 85 da CF/88:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que
atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
[...]
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério
Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; (grifou-se)
O desequilíbrio entre os poderes desencadeado pelos acordos em forma simplificada
também se manifesta no fato de que esta prática permite ao Executivo decidir quais os
tratados devem ser submetidos à aprovação parlamentar e quais devem ser concluídos
somente pelo governo. Isto é, o Executivo decide, sem o controle de qualquer outro órgão e
sob critérios vagos e questionáveis (como, o referente às ditas “matérias de menor
importância”, ou “matérias secundárias”), se um tratado deve ou não passar pelo crivo do
Congresso Nacional.
Tal expediente também parece espelhar-se na prática norte-americana dos acordos
executivos, pois, segundo Schwartz (1966, p, 138-139), nos EUA entende-se que o Executivo
pode utilizar-se tanto dos tratados que devem ser aprovados pelo Senado quanto de atos que
não necessitam ser ratificados, sendo que a determinação de qual dos dois processos deve ser
empregado é uma questão de conveniência prática ou expediente político e não de Direito
constitucional ou Internacional.
No entanto, o exercício deste expediente pelo Executivo brasileiro constitui um poder
discricionário incompatível com o ordenamento jurídico nacional no que diz respeito à
competência para celebrar tratados. Ora, se a Constituição diz que cabe exclusivamente ao
Congresso Nacional resolver definitivamente sobre os tratados, como poderia o chefe do
Executivo decidir quais os tratados devem receber aprovação parlamentar?
A preservação das funções de cada órgão estatal deve ser mantida sob pena de admitir-
153
Um tratado celebrado exclusivamente pelo Executivo representa um espaço normativo que o Legislativo foi
impedido de regular e em relação ao qual o poderá exercer livremente suas atribuições legislativas
posteriormente, já que de acordo com a melhor doutrina, a lei ordinária não revoga o tratado que lhe é anterior.
155
se o abuso de poder e a dominação de um Poder em relação a outro, violando-se, desta forma,
o princípio da separação dos poderes - que foi elevado à cláusula pétrea, incluindo-se no
núcleo inalterável da Constituição Federal (artigo 60, § 4º, III).
Não obstante ter sofrido modificações ao longo do tempo, a teoria da separação dos
poderes não pode ser negada ou considerada superada. O temor quanto ao abuso do poder que
tanto inspirou os formuladores desta doutrina continua presente, tendo se manifestado na
tendência de concentração de poder nas mãos do Executivo.
Não se pode olvidar que a democratização das instituições estatais implica,
inevitavelmente, a limitação do poder com a separação das funções do Estado. A propósito,
Nelson Saldanha (1987, p. 113) pondera que:
O que a divisão ou separação entre funções governamentais garante é, em
primeiro termo, que se evite a concentração de atribuições, ou seja, o governo
autocrático. A separação, cumprida efetivamente como ordenação constitucional,
protege os súditos contra o arbítrio e lhes oferece uma visão clara das
competências de cada órgão. Dir-se-á que a visão clara a e ausência de arbítrio
não asseguram por si sós o bem comum, mas isso se responderá dizendo que o
arbítrio e a obscuridade também não o asseguram.
A teoria da separação dos poderes continua sendo imprescindível para a defesa dos
direitos do indivíduo perante o Estado e, conseqüentemente, para a garantia da democracia.
Quando ocorre desequilíbrio entre os Poderes estatais, abrem-se as portas para instalação de
formas despóticas do exercício do poder, que conduzem à tirania e à opressão
154
. Neste
sentido, vale lembrar a célebre lição de Montesquieu (1998, p. 167), extremamente válida
para o contexto atual e, ao mesmo tempo, tão negligenciada:
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder
Legislativo é reunido ao Poder Executivo, não liberdade. Porque pode temer-
se que o mesmo monarca ou o mesmo Senado faça leis tirânicas para executá-
las tiranicamente.
3.5.3 A inconstitucionalidade formal dos acordos em forma simplificada
Por não respeitarem as disposições estabelecidas na Constituição para a celebração dos
tratados, os acordos em forma simplificada são inconstitucionais e assim podem ser
154
Como alerta Dallari (1995, p. 182), “quando se pretende desconcentrar o poder, atribuindo o seu exercício a
vários órgãos, a preocupação maior é a defesa da liberdade dos indivíduos, pois quanto maior for a concentração
de poder, maior será o risco de um governo ditatorial”.
156
declarados por estarem sujeitos ao controle da constitucionalidade
155
, conforme determina o
artigo 102, III, da CF/88
156
.
De acordo com Ferreira Filho (2005, p. 34), o controle da constitucionalidade
(verificação da adequação de um ato jurídico à Constituição) envolve tanto a verificação de
requisitos substanciais quanto formais. Os primeiros dizem respeito à conformidade aos
direitos e garantias consagrados na Constituição. os requisitos formais se referem à
competência do órgão que editou a norma, bem como ao procedimento observado na sua
edição, ou seja, a forma, os prazos, o rito.
A inconstitucionalidade dos acordos celebrados apenas pelo Executivo vislumbra-se
diante dos requisitos formais, posto que os mesmos são concluídos em violação às disposições
constitucionais sobre a competência para o ato (a Constituição exige a participação do
Legislativo) e sobre o procedimento estabelecido (o tratado deve ser apreciado e votado nas
duas casas do Congresso Nacional e promulgado, ou seja, deve ser ratificado pelo
Legislativo).
Além de serem inconstitucionais perante a ordem interna, os tratados concluídos pelo
governo brasileiro sem ratificação parlamentar também podem ser declarados nulos perante a
ordem internacional, eis que a ratificação é um pressuposto de validade do tratado tanto na
ordem interna como na ordem externa.
Com efeito, na ordem internacional, a Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados prevê em seu artigo 46 a nulidade dos tratados concluídos por Estados em violação
manifesta das suas normas constitucionais fundamentais referentes à competência para
concluir tratados
157
. Desta forma, o Direito Internacional também reconhece que as decisões
dos representantes dos Estados em nível externo devem passar, internamente, pelo crivo dos
órgãos democráticos.
Como a Constituição brasileira exige o referendo do Legislativo para a conclusão dos
compromissos internacionais sem prever exceções, a manifestação do consentimento do
155
Até o momento, a questão não foi submetida ao Supremo Tribunal Federal.
156
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...] III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a
decisão recorrida: [...] b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”. (grifou-se)
157
Celso de Albuquerque Mello (2000, p. 343) lembra que os EUA não ratificaram a Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados justamente em razão do artigo 46, vez que ele seria também aplicável aos acordos
executivos (executive agreements) os quais são praticados pelo governo daquele país sem que haja previsão
constitucional.
157
Estado brasileiro em se obrigar por um tratado deverá ocorrer através da troca ou depósito do
instrumento de ratificação (ou adesão se for o caso)
158
.
Em caso de tratado concluído apenas pela assinatura, ou seja, somente pela atuação do
Executivo (acordo em forma simplificada), o ajuste será nulo perante a ordem internacional
por descumprimento manifesto das normas constitucionais sobre a competência para concluir
tratados – trata-se da ratificação imperfeita ou inconstitucionalidade extrínseca, já mencionada
anteriormente.
No tocante aos efeitos da nulidade do tratado perante o (s) outro (s) Estado (s)
contratante (s), Magalhães (2000, p. 60) observa que embora o tratado seja declarado nulo
perante a ordem internacional, o Estado não responde pelo seu descumprimento exatamente
em virtude dessa nulidade - isto é, o país não incorre em responsabilidade internacional, pois
quem celebrou o tratado não tinha competência constitucional para comprometer o Estado
159
.
3.5.4 O comportamento do Legislativo perante a celebração dos acordos em forma
simplificada
Entre os parlamentares brasileiros, pouco se tem feito para contestar a prática dos
acordos em forma simplificada. Em geral, a reação do Legislativo à prática do Executivo de
subtrair tratados da sua aprovação consiste na inclusão no corpo de alguns decretos
legislativos de aprovação de tratado uma cláusula prevendo a necessidade de novo referendo
parlamentar para atos posteriores que possam resultar em revisão ou modificação do acordo.
Entretanto nem todos os decretos legislativos recebem a inserção da cláusula
referida
160
. Ocorre que embora muitos parlamentares reafirmem a compulsoriedade da
deliberação do Legislativo para qualquer tratado celebrado pelo Executivo, outros consideram
que a aprovação de acordos complementares a um tratado já ratificado representa sobrecarga
158
A aceitação e aprovação também podem ser utilizadas, mas se entendidas como sendo sujeitas à aprovação
parlamentar, seja prévia ou posterior.
159
Diferentemente do que ocorre com a inconstitucionalidade intrínseca do tratado (violação dos requisitos
substanciais), pois, neste caso, quem firma e ratifica o autoridades competentes para isso, podendo
caracterizar-se um ilícito pelo qual o Estado deve responder (MAGALHÃES, 2000, p. 60).
160
A respeito, Medeiros (1995, p. 410) informa, a título de exemplo, que entre 1988 e 1993, dos 185 tratados
submetidos ao Congresso 130 tiveram inserido em seu texto a ressalva sobre a necessidade de que novos ajustes
celebrados em decorrências dos tratados ratificados necessitariam de novo referendo parlamentar. Assim, em
relação a 55 tratados os parlamentares não tomaram tal providência.
158
ao Parlamento e gera morosidade na implantação dos tratados.
Realizando interpretação restritiva, e indevida, do artigo 49 da CF/88, esses
parlamentares entendem que somente os tratados complementares que acarretem encargos
gravosos ao patrimônio nacional precisariam de referendo do Legislativo.
Destarte, as deliberações do Congresso no momento da apreciação dos tratados têm
variado: algumas admitem a celebração de acordos complementares em forma simplificada,
mas, simultaneamente, ocorrem decisões no sentido de sujeitar ao crivo do Legislativo todos
os tratados complementares, independentemente da matéria ou relevância. Na prática, fica a
critério de cada relator ou de algum parlamentar propor a inserção do preceito que exige
referendo para os acordos complementares no decreto legislativo que aprova o tratado.
(MEDEIROS, 1995, p. 480-481).
Contudo, como nota Medeiros (1995, p. 481), se o Executivo não está obrigado a levar
ao conhecimento do Congresso os acordos em forma simplificada que celebra o Parlamento
não tem como fiscalizar o cumprimento do preceito inserido nos decretos legislativos que
exige o referendo legislativo para os tratados complementares. Em conseqüência, tratados
importantes podem ser excluídos da apreciação do Poder Legislativo.
Diante desta situação, embora os artigos 49, I, e 84, VIII, da CF/88 sejam inequívocos
em relação à necessidade de aprovação parlamentar para todos os tratados internacionais,
passou-se a entender que a regulação da competência para conclusão dos tratados na
Constituição brasileira estaria estabelecida de forma ambígua, sendo necessária sua alteração
para torná-la mais clara.
Surgiram, assim, algumas proposições no sentido de estabelecer categoricamente a
necessidade de aprovação parlamentar para todos os tratados internacionais. É este o caso, por
exemplo, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº. 23, de 2002, de autoria do senador
Antonio Carlos Júnior, que propõe a alteração do artigo 49, I, da CF/88 no seguinte sentido:
Art. 49 [...]
I resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, bem
como sobre sua alteração ou denúncia pelo chefe do Poder Executivo.
Ou seja, além de reafirmar a necessidade de referendo parlamentar para todos os
tratados internacionais, ressaltando esta obrigatoriedade em relação aos acordos
complementares, a proposta, que se encontra em tramitação, também explicita a necessidade
159
de aprovação da denúncia dos tratados pelo Congresso Nacional.
Mas parece que a preocupação dos parlamentares em termos de participação do
Legislativo na política externa está mais voltada ao exercício da competência fiscalizadora no
momento da negociação dos tratados. O senador Eduardo Matarazzo Suplicy, por exemplo,
apresentou o Projeto de Lei n. 189, de 2003
161
, sugerindo que o Parlamento estipule
previamente limites e diretrizes para as negociações internacionais que o Executivo pretenda
iniciar.
No mesmo sentido tramitam pelo Congresso Nacional a Proposta de Emenda à
Constituição n. 52, de 2001, apresentada pelo senador Roberto Requião e a Proposta de
Emenda à Constituição n. 18, de 2003, de autoria do senador Aloizio Mercadante
162
.
Tal sistemática possibilitaria ao Executivo antecipar a reação do Congresso a respeito
de determinados temas, para que pudesse direcionar as negociações de forma a evitar
possíveis confrontos com a vontade dos parlamentares no momento da ratificação do tratado.
Ademais, como destacam os parlamentares, se viabilizaria a maior amplitude da fiscalização
legislativa sobre os atos do Executivo
163
.
Por outro lado, alguns parlamentares entendem que seria necessário alterar a regra
estabelecida no artigo 49, I, da CF/88 a fim de se definir certos acordos que não necessitariam
de aprovação parlamentar, por versarem sobre matéria de importância secundária, em geral,
de caráter administrativo, ou sobre matéria de competência privativa do Poder Executivo.
Com este propósito, foi apresentado um Anteprojeto de Resolução, em 1991, pelo
embaixador Paulo Nogueira Batista, a pedido do deputado Ulysses Guimarãespresidente da
Comissão de Relações Exteriores da Câmara na época (MEDEIROS, 1995, p. 453-457).
Embora tal proposta não tenha tramitado formalmente pelo Congresso, vale salientar que a
mesma diferenciava “acordos legislativos” (que incidem sobre matéria regulada por lei
federal) de “acordos executivos” (que incidem sobre matéria de competência exclusiva do
Poder Executivo) e sugeria que o Congresso Nacional resolvesse definitivamente somente
161
SENADO FEDERAL. Atividade Legislativa. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 20
mar. 2006.
162
SENADO FEDERAL. Atividade Legislativa. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 20
mar. 2006.
163
No entanto, cumpre ressaltar que a sistemática sugerida pelos parlamentares não pode implicar delegação da
competência do Legislativo referente à resolução dos tratados, que a mesma é indelegável. Mesmo diante da
fixação de limites para a negociação, não pode ser eliminada a obrigatoriedade da submissão dos tratados ao
Congresso, o qual o pode ficar adstrito a ratificar o tratado, pois de acordo com suas competências pode não
ratificá-lo ou apresentar emendas, caso entenda necessário.
160
sobre os ditos “acordos legislativos”.
O ex-deputado José Dirceu também propôs alteração da regra sobre a competência
para celebrar tratados através da Proposta de Emenda à Constituição n. 122, de 1999
164
, a qual
se encontra arquivada. Dentre outras alterações propostas ao artigo 49, I, a referida PEC
sugeria que fossem excetuados da aprovação parlamentar os acordos em forma simplificada
que sejam inerentes à rotina diplomática, de forma que a decisão sobre o ato pudesse incluir
ressalvas, emendas e cláusulas interpretativas.
Conforme o autor da PEC n. 122:
Dado o grande número desses acordos executivos, julgamos conveniente
excepcioná-los da apreciação legislativa. Caso isto não fosse feito, o Congresso
Nacional seria inundado com matérias totalmente irrelevantes, o que prejudicaria
a rotina diplomática ordinária, a operacionalização de acordos importantes e o
próprio processo legislativo.
Mais recentemente, a questão voltou a ser cogitada na Proposta de Emenda à
Constituição n. 34, de 2003
165
, de autoria do senador Efraim Morais, que se encontra em
tramitação no Congresso Nacional. Para o senador, diante da dinâmica das relações
internacionais brasileiras, caracterizada pela intensificação dos elos comerciais e políticos, a
processualística de apreciação dos atos internacionais pelo Parlamento encontra-se defasada
em relação às necessidades do país.
Assim, o parlamentar sugere que a alteração do artigo 49, I, da CF/88 no sentido de
excetuar-se da necessidade de aprovação parlamentar os tratados que visem executar ou
interpretar obrigações e direitos estabelecidos nos tratados anteriores, os que ajustem
prorrogação de tratados e os que tenham natureza administrativa.
A Proposta de Emenda n. 34 também sugere a inclusão de novos parágrafos no artigo
49, para que seja determinado que se dê conhecimento prévio ao Congresso Nacional sobre os
tratados em negociação pelo Executivo, e que o referendo parlamentar possa ser dispensado
por lei que autorize o governo a firmar tratados sobre temas nela discriminados
166
.
164
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projetos de lei e outras proposições. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2006.
165
SENADO FEDERAL. Atividade Legislativa. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 20
mar. 2006.
166
A PEC n. 34 foi subscrita por parlamentares como, Rodolpho Tourinho, Marco Maciel, Ney Suassuna,
Leonel Pavan, Sérgio Guerra, Osmar Dias, Gilberto Mestrinho, Heráclito Fortes e Paulo Otávio.
161
Destarte, acompanhando o entendimento da doutrina nacional, alguns parlamentares
entendem que os acordos em forma simplificada o necessários para a eficiência da ação
estatal diante da dinamicidade das relações internacionais. Mas o se pode olvidar que, ao
pretender limitar a participação do Congresso Nacional, o Poder Executivo passa a exercer
poderes atribuídos constitucionalmente ao Legislativo em razão da adoção do princípio da
separação dos poderes.
Por tratar-se de um dos pilares da organização política, a Constituição veda qualquer
proposição que tenda a abolir o referido princípio:
Art. 60. [...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais (grifou-se)
Referindo-se ao texto do artigo 60, § 4º, acima transcrito, José Afonso da Silva (1994,
p. 61) ensina que:
É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem:
“fica abolida a federação ou a forma federativa de Estado” [...] passa a vigorar a
concentração de Poderes’”, ou ainda “fica extinta a liberdade religiosa” [...]. A
vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da
Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou
de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a proposta de
emenda se encaminhe ainda que remotamente, “tenda” (emendas tendentes, diz
o texto) para a sua abolição.
Exemplificando, José Afonso da Silva (1994, p. 61) diz que atribuir a qualquer dos
poderes competência que a Constituição outorga a outro importará tendência a abolir o
princípio da separação dos poderes.
Tendo em vista que através dos acordos em forma simplificada se atribui ao Poder
Executivo competência reservada constitucionalmente ao Legislativo, qualquer proposição
que pretenda a regulamentação dos acordos em forma simplificada constitui tentativa de
abolir a separação dos poderes. Emendas à Constituição ou outras formas de proposições
neste sentido não devem receber aprovação do Congresso Nacional, já que são flagrantemente
inconstitucionais.
Neste contexto, vislumbra-se que a ausência de reação enérgica do Legislativo em
relação à limitação da sua competência representa, em última instância, adesão à retórica do
162
governo e da doutrina de que a atuação parlamentar não é compatível com o campo das
relações internacionais, cujas decisões exigem celeridade e conhecimentos técnicos.
Entretanto, essa alegada inaptidão do Poder Legislativo não pode ser aceita para
justificar a supressão da legitimação democrática das decisões sobre política externa, pois o
Congresso Nacional tem à sua disposição prerrogativas e mecanismos que fazem jus às suas
atribuições constitucionais de resolver de forma definitiva sobre os tratados” e “fiscalizar e
controlar os atos do Poder Executivo”.
As duas casas do Congresso Nacional possuem em sua estrutura organizacional
Comissões temáticas que, por corresponderem a áreas específicas de interesse, tornam mais
eficiente a atuação legislativa na apreciação dos projetos de leis. Embora, dependendo do seu
conteúdo, os projetos de decretos legislativos de aprovação dos tratados possam passar por
várias Comissões, os mesmos são mais freqüentemente encaminhados à Comissão de
Constituição e Justiça e, sobretudo, à Comissão de Relações Exteriores, cujo campo temático
abrange especificamente os instrumentos de política externa.
Antes de ser apreciado em plenário tanto na Câmara quanto no Senado o tratado é
analisado por estas Comissões
167
, que discutem o projeto de decreto legislativo e emitem
pareceres técnicos. Desta forma, tendo por base os relatórios das Comissões, o processo de
votação em plenário torna-se muito mais ágil (GRILLO, 2000, p. 54).
Caso surjam dúvidas em relação ao conteúdo do tratado ou mesmo em relação a temas
próprios do contexto das relações internacionais - que sejam relevantes para a resolução sobre
o ajuste em apreciação -, os parlamentares podem convocar o Ministro das Relações
Exteriores para fornecer informações e esclarecimentos. Tal prerrogativa lhes é assegurada
pelo artigo 50 da Constituição:
Art. 50. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de suas
Comissões poderão convocar Ministro do Estado ou quaisquer titulares de órgãos
diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem,
pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando
em crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada.
Os parlamentares ainda podem tomar ciência da amplitude das questões envolvidas
nos tratados mediante o exercício da competência fiscalizadora atribuído pela Constituição ao
167
A Comissão de Constituição e Justiça e a Comissão de Relações Exteriores estão presentes em ambas as
casas do Congresso Nacional.
163
Poder Legislativo. A competência para fiscalizar os atos do governo permite que os
parlamentares acompanhem a negociação dos tratados de forma a obter subsídios para melhor
julgar o ajuste que lhes é apresentado pelo Executivo e, se julgarem necessário, apresentar
emendas ao compromisso internacional.
Ainda em relação à tramitação dos decretos legislativos de aprovação de tratados, vale
lembrar que a Câmara dos Deputados dispõe de condições para o trâmite mais rápido dos atos
internacionais, pois as normas de seu Regimento Interno
168
determinam o regime de
urgência
169
no caso de proposições que versem sobre os instrumentos de política externa.
Por outro lado, embora se reivindique celeridade na tramitação dos tratados, cabe
observar que a demora característica do procedimento parlamentar - apontado pelos
governantes como óbice à política internacional - pode ser concebida como salutar na medida
em que propicia amplamente a ponderação e o debate democrático das normas a que o povo
deve se submeter.
Seja como for, o Congresso Nacional está em condições de exercer plenamente suas
atribuições referentes aos atos internacionais. Mas, pelo visto, o Legislativo tem preferido
abrir mão de suas competências legislativa e fiscalizadora a fazer uso das prerrogativas e
mecanismos de que dispõe, os quais possibilitam sua influência efetiva na política externa do
país. Diante dessa recusa do Congresso em exercer suas competências, o Executivo vai
ocupando espaço e exercendo-as indevidamente, subvertendo assim, a separação dos poderes
adotada na Constituição brasileira.
Ao fazer vistas grossas para a invasão de sua competência exclusiva - tolerando que o
Executivo conclua tratados sem a sua participação - o Congresso Nacional também está se
esquivando de sua obrigação constitucional de zelar pela sua competência legislativa, prevista
no artigo 49, XI da CF/88
170
.
168
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Legislação. Regimento Interno. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 28 mar. 2006.
169
De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados:
“Art. 151. Quanto à natureza de sua tramitação podem ser:
I - urgentes as proposições:
j) oriundas de mensagens do Poder Executivo que versem sobre acordos, tratados, convenções, pactos,
convênios, protocolos e demais instrumentos de política internacional, a partir de sua aprovação pelo órgão
técnico específico, através de projeto de decreto legislativo, ou que sejam por outra forma apreciadas
conclusivamente”.
170
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
[...]
XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”.
164
A conseqüência desta negligência do Parlamento já é bem conhecida: a
preponderância do Poder Executivo e o enfraquecimento da democracia. Por isso mesmo, a
usurpação da competência legislativa deveria ser evitada a todo custo pelo órgão que está em
condições de fazê-lo e que foi criado para representar e defender os interesses do povo: o
Poder Legislativo.
165
CONCLUSÃO
A teoria da separação dos poderes constitui o fundamento da regra sobre a
competência para concluir tratados prevista na Constituição brasileira, a qual exige tanto a
participação do Poder Executivo quanto do Poder Legislativo na celebração dos ajustes
internacionais (artigos 49, I, e 84, VIII, da CF/88).
É em decorrência da referida teoria que se evidenciam as funções típicas de cada um
destes Poderes presentes no ato de celebração dos tratados: o efeito de lei do ajuste
internacional denota a função legislativa e, por outro lado, a condução das negociações do
tratado junto a outros entes estatais denuncia a função executiva.
Essa situação que envolve a dualidade de órgãos competentes para uma mesma tarefa
foi resolvida com a aplicação do mecanismo de freios e contrapesos, inerente à doutrina da
separação dos poderes. Desta forma, na medida em que cada Poder exercita suas
competências específicas durante a celebração dos tratados, também age como “freio” do
outro, evitando o abuso do poder.
Com a divisão da referida competência entre os dois órgãos estatais busca-se a
desconcentração do poder para garantir que a conclusão dos tratados não seja utilizada como
instrumento de opressão dos cidadãos pelo Estado - haja vista que quanto maior a
concentração de poder, maiores são as oportunidades de surgimento de governo autoritário.
No entanto, o princípio constitucional da separação dos poderes vem sendo duramente
desfigurado, sobretudo, pela adesão do Estado aos ditames do neoliberalismo, os quais
fomentam a hipertrofia do Poder Executivo e o enfraquecimento do Poder Legislativo,
engendrando o desequilíbrio entre os Poderes.
Em razão da percepção da realidade política e social essencialmente sob a ótica
econômica, própria da doutrina neoliberal, reivindica-se cada vez mais competência
legiferante para o Poder Executivo apontado como o mais apto para atender rapidamente a
demanda legislativa proveniente da estrutura administrativa estabelecida.
Destarte, muitas normas jurídicas são elaboradas por este órgão sem a discussão
democrática peculiar ao processo parlamentar. Disto resulta a restrição do direito do povo de
decidir sobre as normas que lhe são impostas e o avanço progressivo sobre competências
específicas do Poder Legislativo.
166
O fenômeno da hipertrofia do Executivo ultrapassa as barreiras da regulação da ordem
interna e alcança também as decisões sobre a política estatal externa. Neste panorama,
retóricas como a necessidade de celeridade no trato internacional e a inaptidão do Parlamento
para lidar com temas técnicos envolvidos nos tratados (principalmente os oriundos da
globalização econômica) têm servido de argumento para a limitação da participação do
Legislativo na celebração dos compromissos internacionais.
As manifestações mais evidentes da hipertrofia do Poder Executivo na seara
internacional podem ser identificadas no desvirtuamento do significado do ato de ratificação e
na prática dos acordos em forma simplificada ambos destinados a propiciar a ação
autocrática do governo na esfera externa.
No que tange à ratificação, apesar da Carta constitucional estabelecer claramente a
competência exclusiva do Poder Legislativo para “resolver definitivamente sobre os tratados”
(art. 49, I), apregoa-se a competência do Poder Executivo para efetuar a ratificação,
atribuindo-lhe, assim, a última palavra sobre a vinculação do Estado aos compromissos
internacionais.
Esta subversão do dispositivo constitucional ocorre através da identificação da
ratificação com o ato que corresponde à manifestação do consentimento do Estado em
obrigar-se pelo tratado. Porém, este ato, que é de competência do Poder Executivo, não inclui
nenhum poder de decisão, servindo apenas para expressar, na esfera externa, a vontade do
Estado formada previamente.
Ratificar equivale a referendar o ato, que na terminologia da Constituição significa
“resolver definitivamente sobre o tratado”: ato de natureza interna de competência do
Congresso Nacional. Trata-se de ato discricionário do Poder Legislativo, que por ser o órgão
estatal competente para elaborar as leis também deve resolver sobre as normas internacionais
a que o povo se submete.
A resolução sobre os tratados contida na ratificação é imposta ao Executivo como ato
administrativo vinculado, pois neste caso não lhe resta margem alguma de escolha da forma
de atuação. O governo fica, portanto, adstrito ao cumprimento da decisão parlamentar,
devendo manifestar na ordem externa a decisão definitiva do Estado sobre a vinculação ao
tratado.
A discricionariedade de que desfruta o Executivo é para negociar os compromissos
167
internacionais com outros Estados e para enviar ou não o texto do tratado negociado ao
Congresso Nacional. Contudo, uma vez que o ajuste é encaminhado ao Parlamento e, sendo
ratificado pelos parlamentares, o governo não pode se impor contra a decisão do Poder
competente para o ato.
Assim, em termos de compromisso internacional, o Executivo pode dar a primeira
palavra (durante a fase de negociação), mas o a última - como pretendem seus porta-voz -,
haja vista que esta, por representar o comprometimento do Estado, foi reservada com
exclusividade ao Congresso Nacional.
Além de subverter a regra do artigo 49, I, da Constituição, o desvirtuamento do
significado do ato de ratificação também conduz à afirmação de que seria a promulgação do
tratado pelo Poder Executivo que promoveria a sua incorporação ao ordenamento jurídico
interno. Porém, a análise do instituto da ratificação e dos dispositivos da Constituição sobre a
competência para concluir tratados revela que a recepção dos compromissos internacionais se
opera no procedimento de ratificação parlamentar - o qual lhes confere caráter normativo
perante a ordem jurídica nacional.
Pelo visto, para o Executivo, a participação do Legislativo na conclusão dos tratados
representa um obstáculo doméstico à condução da política externa que precisa ser superado.
Na tentativa de remover esse “empecilho” o governo também faz uso dos acordos em forma
simplificada, concluindo ajustes internacionais com a exclusão da fase da ratificação e,
conseqüentemente, da participação do Legislativo.
Entretanto, é preciso considerar que a exigência de ratificação parlamentar dos
acordos resulta da competência exclusiva do Congresso Nacional para resolver
definitivamente sobre os tratados, a qual está protegida da ação do Executivo em razão da sua
indelegabilidade prevista no artigo 68, § 1º, da CF/88.
Diante da previsão de não-delegação da competência mencionada, o Executivo está
impedido pela Carta constitucional de decidir de forma definitiva sobre qualquer acordo - seja
por meio dos instrumentos legiferantes que lhe foram atribuídos, seja por meio do seu poder
regulamentar. Tal decisão pode ser tomada através de decreto legislativo, que é o
instrumento normativo adequado para a promulgação dos atos de competência exclusiva do
Congresso Nacional.
Esta reserva de competência do Poder Legislativo feita pela Constituição decorre
168
essencialmente da função legislativa presente no ato de celebração de tratados, pois os
acordos concluídos pelo país são aplicados no ordenamento jurídico interno com força de lei.
Considerando que, consoante os fundamentos do Estado constitucional, o povo é o titular da
soberania, a criação de direitos e obrigações para os cidadãos de depender,
necessariamente, da anuência do Poder Legislativo, que representa a vontade popular para a
finalidade de elaborar a lei.
Ademais, ao estabelecer a referida reserva a Constituição também está considerando a
competência fiscalizadora do Legislativo em relação aos atos do governo, bem como a
necessidade de participação das unidades federadas da República Federativa do Brasil
(representadas no Senado) nas decisões válidas para toda a organização federal.
Com a exclusão da fase de ratificação parlamentar, o Executivo conclui tratados
autonomamente, exercendo, assim, a competência (reservada ao Legislativo) para resolver
definitivamente sobre tratados. Em conseqüência, o Poder Executivo passa a dispor de uma
forma disfarçada e inconstitucional de fazer lei, isentando-se, ainda, do controle político
exercido pelo Legislativo através da fiscalização dos seus atos.
Por representar flexibilização indevida da especialização funcional do Poder
Legislativo de forma a dar azo à usurpação de competência legislativa, a prática dos acordos
em forma simplificada constitui ato atentatório ao princípio da separação dos poderes,
revelando-se, portanto, incompatível com o sistema constitucional brasileiro.
Ocasionando evidente déficit democrático nas decisões sobre a política externa, a
conclusão de tratados sem a participação do Legislativo assemelha-se aos ajustes concluídos
com base no jus representationis omnimodae teoria que vigorava antes da consagração do
princípio da separação dos poderes e que reconhecia ao chefe de Estado poderes absolutos
para obrigar a unidade política mediante tratados internacionais.
Com efeito, os compromissos externos decorrentes da ação isolada do Executivo o
concluídos longe da presença dos representantes do povo e instrumentalizados via decreto
pelo chefe do Executivo, passando, portanto, despercebidos pela opinião pública e impondo-
se como ato perfeito e acabado. Trata-se de controle centralizado das decisões internacionais
que subjuga a regra reconhecida pelos Estados ditos democráticos de que somente o povo
pode decidir sobre as normas que criam direitos e obrigações.
169
Um dos pressupostos fundamentais da democracia é a prevalência da vontade popular
- a qual emerge no seio do Parlamento. Na situação em que o governo faz sua vontade
prevalecer sobre a vontade do povo não existe democracia.
Destarte, embora a participação dos representantes do povo na conclusão dos
compromissos internacionais seja uma das maiores conquistas democráticas das Revoluções
burguesas, esta máxima vem sendo depreciada em face do fenômeno da hipertrofia do
Executivo e das conseqüentes limitações impostas à participação do Poder Legislativo nos
acordos.
É assim que o Congresso Nacional brasileiro vem assistindo ao progressivo desfalque
de uma das suas mais importantes competências constitucionais: o poder para resolver
definitivamente sobre os tratados. Esta situação se agrava ainda mais pelo fato de que os
parlamentares praticamente não têm oferecido resistência ao comprometimento externo do
Estado pela ação exclusiva do governo.
Ao tolerar que o Executivo conclua tratados sem a sua participação, o Congresso
Nacional abre mão de sua competência por meio de uma delegação tácita de poderes (os quais
são indelegáveis!). Por sua vez, em razão da sua índole expansionista que tende a ocupar os
espaços deixados vazios pelos outros Poderes, o Executivo passa a exercer a atividade
legislativa presente na celebração dos tratados, em detrimento da competência do órgão cuja
função específica é elaborar as leis.
Corroborando o discurso sobre a inaptidão do Parlamento para a realização da política
externa, alguns parlamentares ainda pretendem a regulação constitucional dos acordos em
forma simplificada, o que representa flagrante contrariedade ao princípio da separação dos
poderes.
Os acordos em forma simplificada realmente constituem um instrumento que
possibilita a atuação ágil do governo no campo das relações internacionais. Porém, ao admitir
essa prática, o Legislativo negligencia suas competências legislativa e fiscalizadora,
propiciando o exercício de um poder ilimitado pelo Executivo - que este órgão fica livre do
“freio” que impede o abuso do poder para celebrar tratados.
Nenhuma garantia de respeito aos interesses do povo pode ser esperada de um governo
que edita suas próprias normas jurídicas, pois o exercício da competência para elaborar as leis
por quem já detém o poder de executá-las tende a torná-lo onipotente.
170
Montesquieu notava que todo detentor do poder tende a abusar do mesmo - daí a
preocupação do filósofo em atribuir cada função do poder estatal a um órgão diferente. À
vista disso, a centralização do poder para concluir tratados nas mãos do Executivo representa
um retrocesso perigoso que aponta para o autoritarismo.
A hegemonia do Poder Executivo no que tange às decisões sobre a política estatal
externa pode ser evitada se o Poder Legislativo zelar pela sua competência legiferante
presente na decisão definitiva sobre os tratados - dever constitucional que o referido órgão
tem plenas condições de cumprir.
O resguardo desta competência torna-se imprescindível ao se considerar que, pelo fato
do Legislativo representar a vontade geral, a sua participação na conclusão dos tratados
garante que a política externa seja realizada com base nos interesses nacionais.
Apesar de todas as imperfeições da atuação dos integrantes do Parlamento - que
indicam a necessidade da instituição de formas de controle destes atos -, o Poder Legislativo
continua sendo o único órgão capaz de viabilizar a participação do povo na ação externa do
Estado, de forma a tornar legítimos os atos internacionais atribuídos à República Federativa
do Brasil.
Somente o empenho dos parlamentares no sentido de garantir a participação irrestrita
do Congresso Nacional na celebração dos tratados pode possibilitar que, em relação à política
externa, a regra o poder emana do povo” e o princípio da separação dos poderes deixem de
ser apenas conceitos teóricos previstos na Constituição.
Isto significa dizer que o fim da disparidade entre o deve ser” (previsão
constitucional de que cabe ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre os tratados)
e o “ser” (prática dos acordos em forma simplificada pelo governo) depende do exercício
pleno das competências constitucionais do Poder Legislativo.
171
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