142
Na Itália, assim como em muitos outros países, não só se recorreu aos decretos de
urgência nos períodos de crise política, contornando, assim, o princípio constitucional de que
os direitos dos cidadãos não podem ser limitados senão por meio de lei, como os decretos-lei
passaram a constituir uma forma normal de legislação (AGAMBEN, 2004, p. 32).
Agamben (2004, p. 13) nota que, ainda que não se declare de forma expressa, uma das
práticas essenciais do Estado contemporâneo constitui a criação, voluntária, de um estado de
emergência permanente para justificar a transformação da ação “provisória” e “excepcional”
do Executivo em técnica de governo.
O governo também tem avançado sobre as competências do Poder Legislativo através
do poder regulamentar, que constitui o poder administrativo do chefe do Executivo para
determinar comandos que possibilitem a execução das leis
144
. Pelo regulamento o Executivo
não pode criar normatividade que inove na ordem jurídica, visto que em decorrência do
princípio da legalidade somente a lei obriga (SILVA, 1994, p. 372).
Porém, em razão da tecnicidade envolvida nas leis elaboradas pelo Legislativo e da
expansão da ação administrativa, o Executivo tem encontrado um amplo espaço para exercer
atividade legislativa sob a forma disfarçada de regulamento (geralmente expedido via
decreto)
145
. Até mesmo regulamentos independentes, ou seja, editados no espaço porventura
deixado vazio pelas leis vigentes, vêm sendo editados pelo Executivo, apesar de,
flagrantemente, criarem regras jurídicas novas
146
(FERREIRA FILHO, 2002, p. 162).
Esse crescimento das atribuições do Executivo acabou engendrando a tendência de
conceber como sinônimos os termos “governo” e “Estado”, pois tantas são as atividades
desempenhadas pelo Executivo que a população passa a identificá-lo como o próprio Estado.
Mas os dois termos não devem ser confundidos, pois se ao Estado incumbe três funções - a
legislativa, a executiva e a judiciária -, ao governo cabe o exercício de somente uma delas: a
executiva (SILVA, P. N. N., 1994, p. 26)
147
.
144
O poder regulamentar está previsto no artigo 84, IV, da CF/88. Segundo o dispositivo constitucional, cabe
privativamente ao Presidente da República expedir regulamentos para a fiel execução da lei.
145
Muitas vezes, é o próprio legislador que incita a criação de regras pelo Executivo ao editar leis vagas,
deixando margem legislativa a ser preenchida pelos regulamentos (FERREIRA FILHO, 2002, p. 162).
146
A tolerância em relação a esses regulamentos é justificada pela afirmação de que, “tendo a Constituição
previsto a intervenção do Executivo em determinada matéria, impondo o interesse público nessa intervenção, na
omissão do Parlamento cabia ao governo editar as regras convenientes, que a qualquer momento cederiam lugar
às que as Câmaras se lembrassem de elaborar” (FERREIRA FILHO, 2002, p. 162-163).
147
Além disso, para Paulo Napoleão Nogueira da Silva (1994, p. 25), enquanto o Estado é o representante de
toda a sociedade nacional, o governo representa somente uma facção política ou um segmento de pensamento