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país. No artigo “A invasão do labirinto: a casa e a cidade na literatura argentina”, o pesquisador
considera que o conto “Casa tomada”, de Bestiario, sintetiza, no microcosmo de uma velha
residência, as atitudes de ressentimento da elite rica e ociosa de Buenos Aires diante dos novos
grupos populares que se formam na Argentina (in FANJUL et al., 2004, p. 106). Noé Jítrik também
observou a importância da casa na contística cortazariana em seu ensaio “Notas sobre la ‘zona
sagrada’ y el mundo de los otros en Bestiario de Julio Cortázar”, no qual diz que o sentido da casa
que é invadida por inimigos estranhos em “Casa tomada” parece ser esclarecido em “Cefalea”, na
frase Entonces la casa es nuestra cabeza, pois o pesquisador considera que isso significa que as
forças ameaçadoras se encontram dentro de si mesmo (in
VINOCUR DE TIRRI, 1968, p. 14).
Analisando os contos de Bestiario, Charles Kiefer vai ao encontro da opinião de Jítrik, quando
demonstra que em “Casa tomada”, “Cefalea” e “Carta a una señorita en Paris” as casas são
invadidas, paulatinamente, por acontecimentos inusitados que metaforizam medos, neuroses ou
dores dos protagonistas, e que, em “Carta a una señorita en Paris”, o próprio corpo transforma-se
numa casa tomada (KIEFER, 2004, p. 95). Quanto ao sentido da casa como metáfora do espaço
literário, Ana Luiza Andrade, em seu artigo “Bizarra coincidência: Clarice Lispector e Julio
Cortázar”, interpreta como casa-texto a relação estabelecida entre o casarão invadido e abandonado
em “Casa tomada” e uma outra maneira de ler (que pretende desestabilizar hábitos de leitura) e de
transformar o mundo por meio das palavras (in ANTELO, 1994, p. 284).
No que se refere à presença da água no livro, o termo orilla, incluído no título, anuncia uma
terra que se localiza perto de rios, lagos ou mares, ou seja, um espaço aquático que, no contexto dos
contos, metaforiza as zonas desconhecidas da existência humana. Pudemos constatar em “Puzzle”
como o líquido da sopa, em que se perde o olhar do assassino, liga-se ao mergulho em sua mente,
no desequilíbrio do inconsciente; já em “Retorno de la noche”, o canto da negra, que anuncia a
morte, vem de um rio profundo, e, ao final do conto, é do mar que regressa Gabriel de um sonho-
morte; em “Profunda siesta de Remi”, a água encontra-se estagnada dentro de um poço, lugar que
significa o momento da morte do protagonista. Também a água será um elemento espacial
recorrente nos livros de contos subseqüentes, possuindo função semântica importante em muitos
textos, como em “Lejana”, de Bestiario, que, de acordo com Davi Arrigucci Jr., vincula a presença
do rio gelado e violento, na cena do encontro entre as duas mulheres sobre a ponte, com o tema da
divisão do ser (ARRIGUCCI JR., 1973, p. 60). Em Final del juego, a água também se torna o
elemento cosmogônico predominante do espaço, pois em contos como “El río”, “Relato con un