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KARLA ODDONE RIBEIRO
AÇÃO COLETIVA, CONSELHO CONSULTIVO E GESTÃO: UM
ESTUDO NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL SERRA DA
MANTIQUEIRA
Dissertação apresentada à Universidade Federal
de Lavras como parte das exigências do curso de
Mestrado em Administração, área de
concentração em Gestão Social,
Desenvolvimento e Ambiente para a obtenção
de título de “Mestre”.
Orientador
Prof. Dr. Robson Amâncio
LAVRAS
MINAS GERAIS – BRASIL
2005
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KARLA ODDONE RIBEIRO
AÇÃO COLETIVA, CONSELHO CONSULTIVO E GESTÃO: UM
ESTUDO NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL SERRA DA
MANTIQUEIRA
Dissertação apresentada à Universidade Federal
de Lavras como parte das exigências do curso de
Mestrado em Administração, área de
concentração em Gestão Social,
Desenvolvimento e Ambiente, para a obtenção
de título de “Mestre”.
APROVADA em 31 de março de 2005
Prof. Dr. José Roberto Pereira UFLA
Prof. Dr. Marcos Affonso Ortiz Gomes Associação brasileira de promoção à
participação
Prof. Dr. Mozar José de Brito UFLA
Prof. Dr. Robson Amâncio
(Orientador)
LAVRAS
MINAS GERAIS – BRASIL
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KARLA ODDONE RIBEIRO
AÇÃO COLETIVA, CONSELHO CONSULTIVO E GESTÃO: UM
ESTUDO NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL SERRA DA
MANTIQUEIRA
Dissertação apresentada à Universidade Federal
de Lavras como parte das exigências do curso de
Mestrado em Administração, área de
concentração em Gestão Social,
Desenvolvimento e Ambiente, para a obtenção
de título de “Mestre”.
APROVADA em 31 de março de 2005
Prof. Dr. José Roberto Pereira UFLA
Prof. Dr. Marcos Affonso Ortiz Gomes Associação brasileira de
promoção à
participação
Prof. Dr. Mozar José de Brito UFLA
Prof. Dr. Robson Amâncio
(Orientador)
LAVRAS
MINAS GERAIS – BRASIL
A meus queridos pais, Eliana e Celso,
minhas referências de amor e dedicação aqui na Terra.
Ao meu amado companheiro, Breno,
meu porto seguro,
À minha grande amiga Isabel,
companheira de caminhos e filosofias pela Serra da Mantiqueira
A todos aqueles que lutam por relações mais amorosas, verdadeiras e justas
entre homens e entre homens e natureza.
AGRADEÇO,
Aos meus pais, Eliana e Celso, e a toda minha família, por estarem
sempre presentes na minha vida, me apoiando e acreditando em mim.
Ao Breno, pela grande paciência e tranqüilidade com que me abraçou e
segurou minha mão nos momentos mais difíceis destes dois anos.
Ao meu orientador, Prof. Robson Amâncio, que me recebeu no
Departamento de Economia Administração, pela confiança e liberdade para
desenvolver este trabalho.
A todos aqueles que participaram do projeto “Fortalecimento da Gestão
Participativa da APA Serra da Mantiqueira”, especialmente aos jovens
pesquisadores que em cada encontro renovavam minha esperança e energia no
trabalho. Também aos queridos companheiros Isabel e Marcos Ortiz, pela
oportunidade de grandes aprendizados e reflexões sobre participação e meio
ambiente.
Ao pessoal do Ibama que, apesar das discordâncias, sempre esteve
aberto a riquíssimas discussões sobre a questão ambiental na Mantiqueira.
Ao ambientalista Lino de Pereira, pela inestimável contribuição
documental sobre a história do movimento ambientalista na Serra da
Mantiqueira, verdadeiros subsídios para a história do movimento ambiental e
alternativo no Brasil”.
Aos moradores do Vale do Gamarra, pela pouca mas valiosa
convivência que me ajudou a entender um pouco do pensamento do agricultor da
Mantiqueira.
A todos do Conapam, pelas entrevistas cedidas e questionários
respondidos.
Ao CNPq pelos poucos mais importantíssimos meses de bolsa.
Às queridas amigas Adriana, Priscilla e Paula, pela força, apesar da
distância.
A todo povo do Céu do Gamarra, pelo grande aprendizado sobre as
dores e delícias da vida em comunidade! Especialmente ao padrinho Fábio e à
madrinha Suzana, pelo exemplo de perseverança e fé, e às queridas comadres
Mariana, Marcela, Vanessa e Melina, pela amizade.
E acima de todas as coisas, ao nosso Pai Criador, que nos traz o Sol
todos os dias, iluminando a todos igualmente, sem ter grande nem pequeno,
bonito nem feio, mostrando que, diante de Sua eterna presença, todos temos o
mesmo direito à vida e à felicidade. E à nossa Mãe Rainha, que nos traz o verde
da floresta, consolando nossas dificuldades e nos dando esperança para nos
transformarmos e transformarmos o mundo que nos cerca.
SUMÁRIO
Página
RESUMO......................................................................................................
i
ABSTRACT..................................................................................................
ii
1
INTRODUÇÃO........................................ ................................... 1
2 AMBIENTALISMO: DA LÓGICA PRESERVACIONISTA
AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E
SOCIOAMBIENTALISMO............................................................
4
2.1
Origens: preservacionistas e conservacionistas........................... 5
2.2
A crítica à modernidade.................................................................. 7
2.3 Desenvolvimento sustentável: um termo, algumas
possibilidades....................................................................................
12
3 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, GESTÃO DOS
RECURSOS NATURAIS E AÇÃO COLETIVA.........................
20
3.1 A presença humana e as categorias de unidades de
conservação.......................................................................................
20
3.2
Áreas de proteção ambiental.......................................................... 25
3.3
Ação coletiva e gestão dos recursos naturais.................................
28
3.3.1
A natureza difusa da proteção ambiental......................................
28
3.3.2
Ação coletiva e gestão dos recursos naturais ...............................
32
3.4 Conselhos gestores e democracia na gestão das unidades de
conservação.......................................................................................
42
4
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..................................
51
4.1
Os fundamentos da pesquisa qualitativa........................................
51
4.2
Procedimentos da pesquisa de campo............................................ 52
4.2.1 Observação participante................................................................. 52
4.2.2 Entrevistas........................................................................................ 53
4.2.3
Pesquisa documental/fontes secundárias..................................... 54
5 A QUESTÃO AMBIENTAL NA SERRA DA
MANTIQUEIRA..............................................................................
55
5.1
Breve histórico de ocupação da região...........................................
56
5.2
Mudanças no mundo rural da Mantiqueira..................................
59
5.3 Os anos 1970, a re-significação do rural: a chegada do
movimento ambientalista na Serra................................................
62
5.4 A APA Serra da Mantiqueira: entra em cena o
Ibama..............................................................................................
68
5.4.1 Como a população da APA a unidade de conservação e o
Ibama?...............................................................................................
75
5.4.2
As prefeituras da APA Serra da Mantiqueira...............................
77
5.5 O conflito sócio-ambiental na Serra da
Mantiqueira.....................................................................................
78
6 FORMAÇÃO, COMPOSIÇÃO E AÇÃO DO CONSELHO
CONSULTIVO DA APA SERRA DA MANTIQUEIRA.............
84
6.1
Formação.......................................................................................... 84
6.2
Composição e perfil..........................................................................
90
6.3
O papel do Conselho........................................................................ 101
7
CONCLUSÕES................................................................................ 105
8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................
109
ANEXOS........................................................................................ 114
RESUMO
RIBEIRO, Karla Oddone. Ação coletiva, conselho consultivo e gestão: um
estudo na Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira. 2005.
119 p. Dissertação (Mestrado em Administração) Universidade Federal de
Lavras, Lavras, MG
.
Atualmente, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)
prevê, como uma de suas diretrizes, que as populações locais devem ser
envolvidas na criação e gestão das unidades de conservação (UCs). Um dos
instrumentos previstos pelo SNUC neste sentido é a criação de conselhos
gestores nas UCs. Entretanto, para que estes espaços realmente atinjam seus
objetivos, existe a necessidade de enfrentar e superar problemas de ação
coletiva. , seja no vel deste espaço, no estabelecimento de acordos e ações
conjuntas, seja no nível da UC, uma vez que, especialmente em UCs nas quais
permanece a propriedade privada, como é o caso das áreas de proteção
ambiental (APAs), é essencial que os proprietários envolvam-se na conservação
dos recursos naturais. A APA Serra da Mantiqueira, criada em 1985, é uma UC
que integra o corredor sul da Mata Atlântica. Recentemente foi formado o seu
Conselho Consultivo (Conapam). O objetivo do presente trabalho foi estudar o
processo de construção da gestão participativa na Área de Proteção Ambiental
(APA) Serra da Mantiqueira, enfocando o processo de implementação do
Conapam. Especificamente, objetivou-se resgatar aspectos das relações
socioambientais construídas na Serra da Mantiqueira ao longo de sua história e
investigar o processo de formação e composição do Conapam. De natureza
qualitativa, a pesquisa de campo foi realizada por meio de observação
participante e entrevistas com os atuais conselheiros. Os resultados mostram
que, entre os principais limites à construção da gestão participativa na APA,
estão: a visão da população sobre o órgão gestor da UC, a falta de clareza sobre
as regras em jogo (legislação ambiental) e a grande heterogeneidade sócio-
econômica e cultural da APA. Observou-se também que, em sua atual
composição, que não reflete a heterogeneidade da Serra da Mantiqueira, o
Conapam mostra-se pouco efetivo como espaço de representação e negociação
de conflitos entre os diversos atores envolvidos na gestão dos recursos naturais
da APA.
Orientador: Robson Amâncio - UFLA
i
ABSTRACT
RIBEIRO, Karla Oddone. Collective action, consultative boards and
management: a study in the Mantiqueira Mountain Range Environmental
Protection Area. 2005. 119 p. Dissertation (Master Program in Administration)
– Federal University of Lavras, Lavras, Minas Gerais, Brazil.
Lately the National System of Conservation Units (NSCU) had foresees
as one of its guidelines that the local populations should be involved in the
creation and administration of the conservation units (CUs). One of the
instruments foreseen by NSCU in this sense is the management boards creation
in CUs. However, so that these spaces really reach its objectives, they need to
face and to overcome collective action problems, both in the level of this space,
in the establishment of agreements and united actions, and in the level CU, once,
especially in CUs where the private property remains, as in the environmental
protection areas (EPAs), it is essential that the proprietors get involved in the
natural resources conservation. Mantiqueira Mountain Range EPA, ordained in
1985, is a CU that integrates the south corridor of the Atlantic Forest. Recently
its Management Boards was formed (Conapam). The objective of the present
work was to study the construction process of the participatory administration in
the Mantiqueira Mountain Range EPA, focusing the process of Conapam
implementation. Specifically it was aimed to rescue aspects of the environmental
social relationships built in the Mantiqueira Mountain Range along its history
and to investigate the formation process and composition of Conapam. Of
qualitative nature, the field research was accomplished through participant
observation and interviews with the current counselors. The results shows that
among the principal limits to the construction of a participatory administration
are the population perception of the CU manager, the lack of intelligibility on
the rules of the game (environmental legislation) and the socio-economics and
cultural heterogeneity of this EPA. It was also observed that in its current
composition, that doesn't reflect the heterogeneity of the Mantiqueira Mountains,
the Conapam shows little effective to be a representation and conflicts
negotiation space among the several actors involved in the administration of the
natural resources in the EPA.
Orientation Committee: Robson Amâncio – UFLA (Major Professor)
ii
1
1 INTRODUÇÃO
Principalmente nos últimos dois séculos, o mundo tem presenciado a
aceleração dos processos de alteração e degradação dos ambientes naturais.
Muitos têm sido os caminhos trilhados para lidar com esta questão, mas, longe
de consensos, o campo das discussões sobre meio ambiente - para quê, para
quem e como conservar - cada vez mais amplia-se e complexifica-se. Foi
principalmente nas três últimas décadas que ganhou força neste campo uma
visão que articula questões ambientais com questões sociais mais amplas, como
o desenvolvimento econômico e a justiça social. Recentemente, a qualidade
ambiental recebeu o status de bem de uso comum, um bem difuso, direito e
dever de todo cidadão. Nessa acepção, ilumina-se o fato de que todos estão
interligados por suas ações na natureza; o que um faz ao meio ambiente aqui
pode afetar direta ou indiretamente a qualidade de vida de outras pessoas acolá.
Sob este prisma, diversas questões especialmente relevantes ao campo da gestão
ambiental podem ser feitas: Como fazer com que as pessoas colaborem para o
bem comum da humanidade? Quais os arranjos institucionais que podem ser
mais favoráveis a esta ação?
Uma das estratégias mais usadas para a conservação de ambientes
naturais tem sido o estabelecimento de áreas protegidas ou unidades de
conservação (UCs). Inicialmente concebidas sob o ideário preservacionista, estas
áreas eram consideradas verdadeiros paraísos perdidos a serem isolados da ação
devastadora do homem. Por trás deste modelo que coloca em oposição cultura e
natureza, também eso ideário de que todas as sociedades estariam fadadas à
tragédia de destruir seus recursos naturais, caso não houvesse uma força externa
2
coercitiva que as impedisse, no caso, o Estado. Entretanto, na prática, este
modelo acabou sendo imposto em muitas regiões já habitadas há várias gerações
com normas locais de apropriação dos recursos naturais (algumas inclusive
mostrando capacidade de proteger os recursos naturais ao longo do tempo).
A geração de grandes conflitos e, muitas vezes, a ineficácia destas
“áreas inabitadas” acabaram levando à criação de novas categorias de UCs, mais
permissíveis em relação à presença e atividade humana. Certamente, a categoria
de maior flexibilidade neste sentido é formada pelas áreas de proteção
ambiental, na qual permitem-se a propriedade privada e o uso dos recursos
naturais. Entretanto, mesmo rompendo com a idéia de oposição entre homem e
natureza, nestas categorias de UCs manteve-se, na grande maioria dos casos, o
modelo autoritário de implantação e gestão centrados no Estado.
A conjuntura formada por conflitos e ineficácia das unidades de
conservação, juntamente com a ampliação das discussões sobre democracia e
meio ambiente, fez com que o discurso sobre participação adentrasse ao campo
das unidades de conservação. Atualmente, o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC) rege, como uma de suas diretrizes, que “deve ser
garantida a efetiva participação das populações locais na criação,
implementação e gestão das unidades de conservação” (Artigo 5
O
). Um dos
instrumentos para viabilizar a participação social na gestão das UCs é a criação
de conselhos gestores, órgãos paritários entre sociedade civil e Estado.
Entretanto, mesmo que estes espaços tenham justamente a intenção de
constituir-se como um arranjo institucional alternativo àquele centrado no
Estado, a simples existência deles não garante que se esteja trabalhando em uma
situação de ação coletiva entre os atores. Assim, entender como se desenvolvem
estes novos espaços e qual o papel que eles podem desempenhar no
enfrentamento dos problemas de ação coletiva nas UCs é um tema de suma
relevância na problemática atual das áreas protegidas.
3
O objetivo do presente trabalho é estudar o processo de construção da
gestão participativa na Área de Proteção Ambiental (APA) Serra da
Mantiqueira, enfocando o processo de implementação do seu Conselho
Consultivo. A APA Serra da Mantiqueira é uma unidade de conservação criada
em 1985, que compõe o corredor sul da Mata Atlântica e que teve seu Conselho
Consultivo (CONAPAM) criado em 2003.
Especificamente, objetivou-se:
a) resgatar aspectos das relações socioambientais construídas na Serra
da Mantiqueira ao longo de sua história,
b) investigar o processo de formação e composição do Conapam.
Para discutir os objetivos propostos, a presente dissertação está
organizada da seguinte forma: uma revisão de literatura é feita nos capítulos 2 e
3. No capítulo 2 buscou-se localizar o problema da pesquisa por meio de uma
revisão histórica das principais ideologias que têm permeado o pensamento
ambiental na sociedade moderna. Aborda-se nos itens 3.1 e 3.2 a problemática
do campo das unidades de conservação - e especificamente da categoria área de
proteção ambiental - com foco na evolução do tratamento do tema da
participação social nestas áreas protegidas. O item 3.3 referenda o prisma teórico
em que se baseia a análise da construção de uma gestão participativa para gestão
dos recursos naturais, questões sobre a lógica da ação coletiva. No item 3.4
discute-se a problemática dos conselhos gestores em UCs. O capítulo 4 trata do
referencial metodológico utilizado e dos procedimentos de pesquisa. Os
resultados e análises foram divididos em dois capítulos, um referente à questão
ambiental na Serra da Mantiqueira (capítulo 5), em que são apresentados o
cenário, os atores e os conflitos na Serra, e outro (capítulo 6) referente ao
acompanhamento do primeiro ano de existência do Conapam. Por fim, no
capítulo 7 apresenta-se a conclusão do trabalho.
4
2 AMBIENTALISMO: DA LÓGICA PRESERVACIONISTA AO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOCIOAMBIENTALISMO
Foi principalmente durante as quatro últimas décadas do século passado
que o ambientalismo conquistou uma posição de destaque entre os movimentos
sociais no que tange à sua produtividade histórica, ou seja, seu impacto em
valores culturais e instituições da sociedade (Castells, 1999). O que, a princípio,
parecia um movimento cujo objetivo central era, assim como os movimentos
estudantis, de minorias étnicas e de gênero, afirmar suas idéias e identidade
como grupo diferenciado, acabou por tornar-se um ator de destaque na
construção de um novo projeto de sociedade, chegando hoje ao cerne de uma
reversão drástica das formas pelas quais pensamos na relação entre economia,
sociedade e natureza, propiciando assim o desenvolvimento de uma nova
cultura” (Castells, 1999, p. 142).
Entretanto, até chegar neste cenário, muitos foram os caminhos
percorridos pelo movimento ambientalista, seja em relação aos atores em cena,
seja em relação às ideologias que guiavam as ações destes atores. Neste capítulo,
objetiva-se uma breve retrospectiva dos principais momentos desse pensamento
ecológico, tão presente na sociedade moderna. As questões ambientais nascem
com uma idéia de ‘natureza intocada’ dentro de um círculo da elite científica,
expandindo para uma visão integrada entre ambiente e sociedade e para a noção
de que a luta pelo meio ambiente demanda profundas mudanças na sociedade.
Entretanto, não se pretende deixar a impressão de que as transformações
ocorridas neste campo o lineares e homogêneas; pelo contrário, o que tem
ocorrido no entendimento da questão ambiental é uma complexificação dos
pensamentos e práticas. Muitas das concepções presentes no início do
movimento permanecem até hoje e novas ideologias surgem na articulação do
pensamento ambiental com questões sociais mais amplas. O importante é deixar
5
claro que, atualmente, a questão ambiental é um campo de disputas ideológicas,
que está longe de ser uma área de consenso. Talvez seja justamente essa
característica que a torne tão frutífera para ações transformadoras.
2.1 Origens: preservacionistas e conservacionistas
Na modernidade, os primórdios do que se poderia chamar uma questão
ambiental remontam ao século XIX, quando surgiram, entre as elites dos EUA e
Inglaterra, duas grandes linhas conceituais: o preservacionismo e o
conservacionismo. Determinados a partir de visões distintas sobre o mundo
natural e a posição do homem em relação a este, estes dois modelos vão
influenciar até hoje o pensamento ecológico (Diegues, 2000). O
preservacionismo, cujo autor expoente é Muir, vai construir, sob o ideário
Romântico do fim do século XVIII, sua crítica à noção de direitos ilimitados do
homem sobre a natureza. A noção cartesiana de profunda separação entre cultura
e natureza não era em si questionada, mas passa-se a conferir à vida selvagem
(“wilderness”), desvalorizada no pensamento dominante da época, um valor
estético e espiritual, misturando elementos científicos com verdadeiros
neomitos
1
que remetem ao paraíso perdido.
Este pensamento marcou a primeira fase do ambientalismo, a qual Leis
(1999) denominou fase estética, caracterizada principalmente pela criação dos
parques nacionais, áreas especialmente delimitadas para isolar uma ‘natureza
intocada’ do seu destruidor nato, o homem. Basicamente, a percepção dominante
era a de que o mundo natural poderia ser dividido em dois, um a ser preservado
1
Diegues (2000:57), citando Morin, argumenta que “a história contemporânea, dissolvendo as
antigas mitologias, cria outras e regenera, de forma moderna, o pensamento
simbólico/mitológico/mágico”. Esses são mitos modernos ou neomitos. Um exemplo da presença
destes neomitos na sociedade moderna é explicitado no conceito de wilderness”, desenvolvido
por iniciantes do movimento conservacionista americano
.
6
de forma intocada, para servir de inspiração e lazer, e outro que poderia ser
usado sem restrições em benefício do homem.
Apesar de constituir-se como a forma dominante de perceber a relação
entre homem e natureza, essa visão o era a única desta época. Os
conservacionistas, cujo maior representante foi Pinchot, defendiam ser possível
a exploração dos recursos naturais de forma racional, a partir de três princípios:
o uso dos recursos naturais pela geração presente, a prevenção do desperdício e
o uso dos recursos naturais para benefício da maioria dos cidadãos (Diegues,
2000, p.29).
Na virada do século XX, em um contexto de insatisfação com os
resultados da rápida expansão da industrialização e urbanização no mundo
ocidental, o movimento ambientalista se expande. O desenvolvimento e a
divulgação das ciências naturais, principalmente a biologia e a ecologia, também
fizeram com que a sociedade, notadamente seus cientistas, começasse a
interessar-se pelas complexas relações entre os seres vivos e seu ecossistema.
Assim, muitos acabaram aderindo ao discurso preservacionista para verem
salvas algumas amostras de ecossistemas naturais que então pudessem ser
melhor compreendidas pela ciência.
A primeira grande organização ambientalista de âmbito internacional, a
União Internacional para a Proteção da Natureza (UIPN)
2
, foi criada, em 1958,
com objetivos especificamente científicos. No Brasil, preservacionistas
dominaram as entidades de conservação mais antigas, como a Fundação
Brasileira para a Conservação da Biodiversidade (FBCN), em 1958.
Essa herança do movimento ambientalista faz com que, mesmo hoje,
boa parte da sociedade identifique o ambientalismo com o preservacionismo,
vendo nos ambientalistas sujeitos que estão dispostos a barrar o
2
Em 1954, esta organização mudou seu nome para União Internacional para a Conservação da
Natureza (UICN), segundo Brito (2000), por uma tendência de enfocar a conservação dos hábitats
mais que a proteção de espécies específicas.
7
desenvolvimento econômico em nome da proteção de determinados
ecossistemas, com valores estéticos ou científicos, ou seja, um luxo para aqueles
países que ainda precisam superar necessidades básicas (Valle, 2002). O conflito
entre ambientalistas e desenvolvimentistas foi forte no Brasil, principalmente
durante a presidência de Getúlio Vargas. Essa tensão ainda permanece para
muitos setores da sociedade, deslocando, no entanto, o foco no crescimento para
o problema do desemprego, como se conservar o meio ambiente e gerar
empregos fossem ações essencialmente antagônicas.
A origem do ambientalismo junto aos círculos científicos também traz,
até os dias de hoje, a idéia de que os problemas ambientais são ‘problemas para
técnicos’. De fato, a própria delimitação dos problemas (aquecimento global,
perda da biodiversidade), a forma como são tratados (taxas, índices, gráficos) e
mesmo a forma de solucioná-los por meio de desenvolvimento de novas
tecnologias, defendido por algumas linhas do movimento, fazem com que a
questão ambiental seja colocada fora do alcance comum. Embora as pessoas
possam perceber a importância disso, o interesse é periférico, pois este é
considerado um problema acadêmico. Além disso, essa perspectiva leva à
despolitização da questão ambiental na medida em que traz a crença de que tudo
se resolverá independentemente da escolha individual das pessoas. Essas duas
perspectivas trazidas da gênese do movimento ambientalista, ainda muito
influentes na inclinação ideológica de alguns atores, geram dificuldades na
tentativa de implementação da democratização da questão ambiental (Valle,
2002).
2.2 A crítica à modernidade
Foi no pós-guerra que o movimento ambientalista deu início a um
processo de importantes transformações, seja no que tange às suas bases
ideológicas e reivindicações, seja na ampliação dos atores envolvidos. A
8
bandeira da questão ambiental cai como uma luva para o movimento, surgido
principalmente nos países da Europa e EUA, de crítica à sociedade tecnológico-
industrial e suas conseqüências para as liberdades individuais, homogeneização
da cultura e, sobretudo, para a natureza (Diegues, 2000, p. 39). Dessa forma, a
fase estética do movimento finda-se nesse período, situando o ambientalismo em
um cenário bem mais amplo de direitos e reivindicações, como o pacifismo, o
antinuclearismo e o movimento de minorias. Em alguns grupos começou a
tomar força a noção que tira a conotação selvagem da natureza e uma série de
questões sociais passaram a abarcar um movimento cada vez mais amplo
(Castells, 1999, p. 165). Foi plantada a semente para que as questões sociais
passassem a ser vistas também como questões ambientais e estas passarem a
serem entendidas como tendo profundas bases sociais. Essa também foi a época
de grande ampliação do movimento ambiental para além das elites:
A preservação da natureza, a busca de qualidade ambiental e uma
perspectiva de vida ecológica são idéias do século XIX que, em termos
de manifestação, mantiveram-se por muito tempo restritas às elites
ilustradas dos países dominantes...foi somente no final dos anos 60 que,
nos Estados Unidos, Alemanha e Europa ocidental surgiu um
movimento ambientalista de massas, entre as classes populares e com
base na opinião pública, que então se espalhou para os quatro cantos
do mundo (Castells, 1999, p.153-154).
Nessa conjuntura foi lançado, em 1972, o relatório intitulado The
Limits to Growth (Os limites do crescimento), pelo Clube de Roma, que serviu
de base para a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano,
realizada em Estocolmo naquele mesmo ano. Essa conferência é considerada por
muitos um marco histórico político fundamental para a inserção da questão
ambiental na agenda mundial.
O relatório apresentava um modelo no qual os principais parâmetros de
influência no crescimento, população mundial, industrialização, poluição,
produção de alimentos e depredação dos recursos naturais, eram projetados em
9
escala mundial. A conclusão do relatório era que, se as tendências desses fatores
não fossem modificadas, os limites para o crescimento no planeta seriam
atingidos em 100 anos. A sugestão, então, era a de que o crescimento fosse
estagnado. Por defender o crescimento zero, os defensores dessa linha de
argumentação eram chamados os “zeristas”. Esse relatório foi alvo de severas
críticas, destacando-se auela que o taxava de ser uma visão que desfavorecia os
países que ainda precisavam de consideráveis taxas de crescimento para atingir
condições sociais básicas, em detrimento dos países que já a haviam atingido.
Em 1987, o termo desenvolvimento sustentável foi pela primeira vez
forjado pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CMDMA), no documento “Nosso Futuro Comum”, conhecido como “Relatório
Brundtland”
3
. Apesar das diversas críticas desenvolvidas sobre a linha desse
trabalho, ele teve o papel histórico fundamental de questionar o modelo de
desenvolvimento focado no crescimento econômico.
O Relatório Brundtland é reconhecido como o primeiro documento
global de grande expressão que conseguiu superar, de maneira coerente
e integrada, o reducionismo tecnológico e econômico que dominou o
debate sobre o desenvolvimento sustentável desde a década de 70,
colocando a questão ambiental no centro dos debates políticos, e
reconhecendo o seu caráter multidimensional, que vai muito além da
ciência e da economia, agregando também fatores como ética, política e
justiça. O Relatório Brundtland, ao tratar da pobreza como tema
estratégico para se alcançar a sustentabilidade, realça as diferenças
sociais e econômicas entre norte e sul do globo, apontando a
desigualdade como um fator de insustentabilidade (Valle 2002, p. 20
21).
Embora o ambientalismo só tenha começado a chamar a atenção da
opinião pública e das agências governamentais na década de 1960, o movimento
foi rápido e, em um quarto de século, a questão ambiental tornou-se o tema da
3
Segundo este relatório, desenvolvimento sustentável é aquele “desenvolvimento que atende às
necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade de as futuras gerações atenderem às
suas próprias necessidades.”
10
maior reunião de líderes mundiais já ocorrida, a Cúpula da Terra (“World
Summit”) ou Conferência do Rio de Janeiro 92 (ECO-92), na qual estavam
presentes representantes de 178 países e 117 chefes de Estado. Embora a
conferência não tenha atingido seus objetivos mais ambiciosos, como a
assinatura de importantes governos nas quatro convenções temáticas (sobre
mudança climática, biodiversidade, biotecnologia e florestas), este encontro se
constituiu como um espaço público global. O principal produto da ECO 92 “foi
então o encontro de várias culturas e setores da sociedade mundial produzindo
consensos frente à crise sócio-ambiental global, que em muito excediam às
regras e possibilidades de ação dos atores tradicionais do mercado e da
política.”(Leis, 1999, p.172).
Viola (1992), analisando o movimento ambientalista brasileiro, divide-o
em dois momentos. A fase “fundacional”, situada entre 1971 e 1986,
caracterizava-se, segundo ele, por uma visão estreita do que seria a problemática
ambiental, restringindo-se basicamente a denúncias de atividades poluidoras e ao
apoio à preservação de ecossistemas naturais. Apesar de não haver grandes
ganhos concretos na desaceleração da degradação ambiental no país, esse foi um
momento importante para colocar a questão ambiental na discussão pública.
De 1987 a 1991, o movimento ambientalista passou por uma fase de
forte institucionalização no Brasil, seja na profissionalização das associações
que trabalhavam de forma amadora, seja no surgimento de novas organizações
profissionais. Em artigo mais recente, Leis & Viola (1995) também apontam
para uma multisetorização do movimento, caracterizada pelo aumento no
número de setores e atores envolvidos com a questão ambiental, saindo do
Estado e das Organizações Não Governamentais (ONGs) para se espalhar entre
mais atores da sociedade civil, como as instituições de pesquisa e as empresas
que passaram a adotar a idéia do desenvolvimento sustentável.
11
O que também diferenciou o ambientalismo brasileiro do começo dos
anos 1970 do ambientalismo dos anos 1990, fundamentamente no seu impacto e
ampliação, foi o modo como o movimento passou a articular as questões
ambientais com questões sociais mais amplas, como a justiça social e o
desenvolvimento econômico: transformação que fica clara no depoimento de um
grande expoente da conservação brasileira, Paulo Nogueira Neto:
Eu gostaria de explicar alguns pontos: sou profundamente cristão,
profundamente católico e, evidentemente, o amor ao próximo é um dos
mandamentos fundamentais de minha religião. Então, sempre tive
preocupação social, mas achava que os problemas sociais deveriam ser
resolvidos independentemente dos problemas ambientais. Pensava que
eram duas coisas muito diferentes. A partir da minha participação na
Comissão Brundtland, passei a ver as coisas de modo diferente (Urban,
1998, p. 202).
Se, até meados da década de 1980, a problemática ambiental tinha pouca
repercussão entre as classes mais pobres e meio ambiente e economia eram
vistos como assuntos totalmente distintos, no início dos anos 1990, alguma coisa
havia mudado. Fatores como a acentuação da crise econômica do país, a pressão
dos órgãos financiadores internacionais para uma política de conservação em
consonância com especificidades sócio-culturais das populações locais, a
decisão do Brasil em sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento e o surgimento do socioambientalismo (Viola,
1992 , p. 67) fizeram com que a concepção de desenvolvimento, sob a égide da
sustentabilidade, passasse a ser a palavra de ordem do ambientalismo brasileiro
da década de 1990.
Os parâmetros do debate ambiental brasileiro mudaram em 1990:
não se fala mais em proteção ambiental independente do
desenvolvimento econômico, sendo o eixo do debate como atingir um
novo estilo de desenvolvimento que interiorize a proteção ambiental.
Independentemente do fato de que alguns setores (majoritários) usam a
expressão ‘desenvolvimento sustentável’ e outros (minoritários)
12
rejeitam-na, todos concordam que o Brasil precisa de desenvolvimento
econômico (Viola, 1992, p.69).
A importância da inter-relação entre sociedade e meio ambiente,
disseminada por meio do conceito de desenvolvimento sustentável, é
indiscutível. Entretanto, é preciso questionar por que tantos setores da sociedade
assumiram esse discurso e, mesmo, se ele é entendido igualmente por todos que
levantam essa bandeira. Para nós, é justamente no fato deste termo abarcar tantas
possibilidades teórico-práticas que reside a chave para sua fácil assimilação por
setores tão distintos da sociedade. Assim, antes de tratarmos das características
do ambientalismo brasileiro nos anos 1990, achamos por bem examinar, mesmo
que rapidamente, algumas das concepções que podem estar por trás desse termo
tão aceito.
2.3 Desenvolvimento sustentável: um termo, algumas possibilidades
A necessidade de pensar a conservação dos recursos naturais a partir da
crítica ao modelo de civilização escolhido pelas nações, iniciada principalmente
a partir da década de 1960 e disseminada com o termo ‘desenvolvimento
sustentável’, abriu um novo campo de debates para a questão ambiental.
foram citados os ‘zeristas’, mas, mesmo entre aqueles que concordavam que a
questão central não era parar de crescer, abriu-se uma matiz de possibilidades de
como atingir esse desenvolvimento sustentável.
Enfatizando as dimensões modelo político-administrativo, do papel do
Estado e do potencial democrático inerente, Frey (2001) agrupa as noções de
desenvolvimento sustentável em três perspectivas: 1) a denominada concepção
econômico-liberal, que acredita na força do mercado enquanto reguladora do
desenvolvimento; 2) a abordagem ecológico-tecnocrata de planejamento, que
considera as organizações estatais sustentadas pela compreensão científica os
instrumentos centrais para contrabalançar as racionalidades do capitalismo
13
inerentes ao uso dos recursos naturais e 3) a abordagem política de participação
democrática, que centra na mobilização e atuação política da sociedade a base
para a um novo modelo de sociedade não só como mais equidade ambiental, mas
também social.
A primeira corrente aposta nas “forças de auto-regulação do mercado, e
parte do pressuposto de que pressão de concorrência, crescimento econômico e
prosperidade levariam necessariamente ao progresso tecnológico e a novas
necessidades compatíveis com as exigências do meio ambiente.” (Frey, 2001, p.
3). De forma geral, para esta perspectiva, o pressuposto neoclássico de que a
economia é um sistema fechado seria a principal causa pela qual o crescimento é
visto com ilimitado. A solução para desfazer essa noção seria então monetarizar
os bens ambientais. Dessa forma, estes o poderiam mais ser tratados como
bens livres; os custos de sua depleção deveriam ser internalizados, o que levaria
ao desenvolvimento de tecnologias aprimoradas para o uso mais racional destes
bens, demandando menos matéria-prima e gerando menos dejetos. Ou seja,
desde que o mercado possua sinais dos limites impostos pelos recursos naturais,
ele, por si, pode chegar a um ótimo da utilização destes.
Valle (2002) destaca alguns pontos importantes em relação a esta visão.
Primeiro, na perspectiva mercadológica, somente os agentes que estão
participando destas relações podem influenciar na determinação desse ótimo. Na
questão ambiental, isso é mais complicado pois, por serem bens difusos, fica
difícil delimitar todos os atores que influenciam e são influenciados pelos
problemas ambientais. Segundo, mesmo estando dentro das relações
mercadológicas, o ótimo não necessariamente significa uma justa repartição
entre os custos e benefícios do uso daquele bem; por exemplo, empresas terão
mais possibilidade de pagar pela poluição de um rio que agricultores pela sua
não poluição. Nesse mesmo sentido, o ótimo da poluição o significa que ela
não esteja ocorrendo, mas que existe alguém disposto a pagar por ela. Por
14
último, a monetarização considera apenas o valor do bem ambiental para o
sistema econômico, tornando muito difícil a monetarização de outros valores
intrínsecos aos recursos naturais, como a beleza, a importância para
determinadas culturas, etc.
A idéia de que a demanda crescente do consumidor conscientizado
levaria o mercado a responder com oferta crescente de serviços e produtos
ambientais também é inconsistente em diversos aspectos. Primeiro, essa visão
tende a incentivar o consumismo, pois ele seria a principal forma para as
demandas ambientais serem internalizadas (Frey, 2001, p.3). Além disso, é
preciso levar em consideração outros fatores que influenciam a compra de
determinados produtos, como a propaganda e o poder de compra.
Assim, a noção mercadológica mantém a visão de que o crescimento
econômico é o principal objetivo do desenvolvimento, que, no entanto, deve ser
regulado pela internalização das externalidades ambientais.
A abordagem ecológico-tecnocrata de planejamento, como o próprio
nome delineia, acredita no planejamento e no “expertise” técnico como
formas de controlar os efeitos nocivos do crescimento econômico (Frey, 2001).
Diferente da abordagem mercadológica, a proteção dos recursos naturais está no
centro das atenções e não o crescimento econômico. Entretanto, acredita-se que
isso será obtido por meio de métodos gerenciais e da capacidade da ciência de
desenvolver tecnologias mais ‘limpas’. O papel do Estado seria, então, o de
fazer cumprir esse planejamento realizado por especialistas. Algumas vertentes
dessa corrente, inclusive, enfatizam a necessidade de um Estado autoritário,
capaz de fazer valer os objetivos ecológicos mais que os objetivos individuais,
nem que seja por um pequeno período de tempo, até que os princípios estejam
internalizados, como a proposta de um “steady-state society” defendida por
Willian Ophlus (citado por Frey, 2001). A participação social no planejamento é
15
até mencionada, mas restrita apenas à ampliação da base de conhecimento e ao
aumento da responsividade do Estado.
A noção tecnocêntrica foi divulgada principalmente nos anos 1960 e 70
e a mercadocêntrica principalmente nas década de 1980 e 90.
A terceira corrente, a comunitária, nasceu na própria luta por
reformulação do papel do Estado, reivindicando a transferência de maiores
responsabilidades para o sistema de negociação da sociedade civil. Acredita-se
que a centralidade nas instâncias do mercado ou do Estado, além de não se
mostrar capaz de evitar a degradação ambiental, ainda é responsável pela
distribuição desigual dos seus resultados.
Essa esperança baseia-se na avaliação de que a solução dos problemas
sócio-ambientais não depende, em primeiro lugar, do alcance de um
crescimento econômico, nem de uma melhor compreensão científica e
um planejamento eficiente, mas sim da superação de conflitos de
distribuição e de criação de justiça social (Frey, 2001, p. 14).
Esta abordagem acaba por incorporar à discussão ambiental duas
argumentações provindas do campo da ciência política. Uma primeira, focada na
luta dos excluídos contra o poder dominante das elites tradicionais, traz à luz dos
problemas ambientais conceitos como o de empoderamento
4
. Estabelece-se uma
relação direta entre o mal desenvolvimento, problemas ecológicos e injustiça
social. Assim, ambientalismo e a ação ambiental são considerados fundamentais
na luta dos mais desprovidos pela sobrevivência e emancipação (Frey, 2001,
p.16). Aqui o papel do Estado seria o de assegurar o caráter democrático do
processo político, apoiando e estimulando as atividades basistas do movimento
social.
4
Empoderamento (“empowerment” no original) é um conceito trabalhado por autores como John
Friedmann, que busca dar conta da necessidade de transformação da mobilização social em poder
político, em torno da garantia de direitos humanos, de cidadania e de condições sociais que
possibilitem o crescimento e a prosperidade (Frey, 2001, p. 16).
16
Uma segunda orientação da perspectiva comunitária, certamente
complementar à primeira, parte das limitações da democracia liberal em sua
efetividade na resolução de problemas e potencial emancipador. A aposta no
fortalecimento da sociedade civil permanece, no entanto, dando menos ênfase à
luta dos marginalizados contra as elites e mais à necessidade de democratização
do processo político. Partindo-se da argumentação de que a democracia liberal
privilegia os interesses econômicos particulares em detrimento dos interesses de
caráter geral e difuso, estabelece-se que “só uma abordagem participativa
estaria em condições de incorporar as necessidades de todos os segmentos da
sociedade, de futuras gerações e de outras espécies” (Frey, 2001, p.18). Nesse
sentido, esta vertente concentra-se na necessidade de criação de uma esfera
pública como a força motriz do sistema político e a força transformadora em
busca da sustentabilidade.
Por essa breve discussão, é possível perceber que existem diferenças
fundamentais entre a perspectiva societal e as perspectivas mercadológica e
estatal. Em relação à forma de se chegar à sustentabilidade, as duas últimas
dividem as mesmas premissas de que a questão ambiental pode ser solucionada
com uma correta administração dos recursos naturais, capaz de evitar seu
esgotamento ou inutilização, bem como com a adoção de novas tecnologias que
substituam as poluidoras. A diferença entre as duas abordagens está, então, no
ator responsável por essa transição, o mercado ou o Estado. a perspectiva
societal a questão ambiental como um sintoma de uma crise muito maior da
sociedade contemporânea, vendo na luta ambiental um dos canais para
transformação desta sociedade. Em suas raízes, estas vertentes também
diferenciam-se por suas concepções de racionalidade humana (e,
conseqüentemente, de ação coletiva). Enquanto as perspectivas mercadológica e
estatal partem de uma noção limitada de racionalidade, a perspectiva societal
17
traz uma noção de racionalidade ampliada. Esta discussão será trazida no item
3.3.
Como um importante exemplo da vertente societal do desenvolvimento
sustentável, vale destacar o socioambientalismo brasileiro:
Assim como a Agenda 21 operou conceitualmente a junção entre o
social e o ambiental, no nível das agendas, o socioambientalismo surgiu
como uma maneira de referir-se à identidade dos movimentos,
programas e ações que passaram a assumir essa idéia - a de que o
desenvolvimento sustentável o é efetivamente, quando a dimensão
social é contemplada tanto quanto a questão ambiental. (Crespo, 2004).
O socioambientalismo foi construído a partir da idéia de que as
políticas públicas ambientais devem incluir e envolver as comunidades
locais, detentoras de conhecimentos e de práticas de manejo ambiental.
Mais do que isso, desenvolveu-se a partir da concepção de que, em um
país pobre e com tantas desigualdades sociais, um novo paradigma de
desenvolvimento deve promover não a sustentabilidade estritamente
ambiental – ou seja, a sustentabilidade de espécies, ecossistemas e
processos ecológicos – como também a sustentabilidade social – ou
seja, deve contribuir também para a redução da pobreza e das
desigualdades sociais e promover valores como justiça social e
eqüidade. Além disso, o novo paradigma de desenvolvimento
preconizado pelo socioambientalismo deve promover e valorizar a
diversidade cultural e a consolidação do processo democrático no país,
com ampla participação social na gestão ambiental. (Santilli, 2004).
O surgimento do socioambientalismo pode ser identificado com o
processo histórico de redemocratização do país, iniciado com o fim do regime
militar, em 1984. Principalmente, a partir deste período, parte do movimento
ambiental brasileiro passou a articular-se com outros movimentos sociais que,
embora não tendo a proteção ambiental como eixo central de sua ação, passaram
a incorporá-la como uma dimensão relevante de seu trabalho. Dentre alguns dos
exemplos dados por Viola (1995, p. 63-64), vale destacar: o Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB), o movimento dos seringueiros, o movimento
indígena, alguns setores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e
18
dos movimentos de mulheres, o movimento pacifista, entre outros. O
socioambientalismo fortalece-se, como o ambientalismo em geral, nos anos
1990, quando os conceitos socioambientais passaram, claramente, a influenciar a
edição de normas legais no país.
Concluindo este capítulo, desde as primeiras manifestações pela
preservação de ‘paraísos perdidos’ no século XIX até os dias de hoje, mudanças
substanciais têm ocorrido no campo do pensamento ecológico. Quando, nos
anos 1960, nos EUA e Europa, e em meados dos anos 1980, no Brasil, passou a
perder força um dos grandes paradigmas da origem do ambientalismo, o de que
natureza e cultura são imissíveis, abriu-se uma oportunidade para uma das mais
fortes características do pensamento ecológico hoje, um questionamento da
própria forma como a sociedade e as relações estabelecidas dentro dela têm
refletido nas relações com sua morada, o meio ambiente.
Embora ainda existam atores encarnados no pensamento
preservacionista, notadamente no campo das unidades de conservação, é bem
mais forte hoje a idéia de que não é possível pensar a sustentabilidade do meio
ambiente sem repensar a forma de desenvolvimento da sociedade. Esse é
certamente o maior potencial que traz a noção de desenvolvimento sustentável.
Destaca-se, no entanto, o fato de que esse conceito pode abarcar diversos
paradigmas pelos quais pode-se pensar a transformação da sociedade, aqueles
que, nas palavras de Valle (2002), mantêm o “hardware”, mudando apenas o
“software”, da sociedade, suas tecnologias, e outros em que o "hardware" é
questionado. Nesse último, destacou-se o socioambientalismo brasileiro, no qual
democracia e meio ambiente se tornam indissociáveis. Sob essa perspectiva, o
meio ambiente se torna um campo de ação política (Silva, 1996), um espaço
com o potencial de empoderar e de construir novas interações entre os atores da
sociedade baseadas no desenvolvimento da cidadania. Assim, esta perspectiva
19
coloca a necessidade de novos modelos de gestão ambiental que considerem o
meio ambiente como um bem de uso comum, incorporando a necessidade de
construção de uma governança ambiental democrática.
20
3 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, GESTÃO DOS RECURSOS
NATURAIS E AÇÃO COLETIVA
Como visto no capítulo anterior, o pensamento ambiental tem sofrido
diversas transformações desde seu surgimento na sociedade moderna. Nesse
contexto, a problemática das áreas protegidas tem influenciado e sido
influenciada pelo desenvolvimento das discussões sobre a questão ambiental. O
objetivo deste capítulo é entender as transformações ocorridas especificamente
neste campo, de uma perspectiva dominantemente preservacionista até a
crescente influência do socioambientalismo, com a busca de um novo paradigma
de criação e gestão destas áreas, baseado na participação das populações locais e
tendo como um de seus instrumentos a criação de Conselhos Gestores nas UCs.
Em busca de uma lente teórica para enxergar os problemas de
implantação local de um novo paradigma de participação na gestão das
Unidades de Conservação (UCs), traz-se neste capítulo a discussão sobre ação
coletiva, desenvolvida por alguns autores do campo do Novo Institucionalismo.
De fato, a criação UCs faz institucionalizar um conflito iminente à questão
ambiental, o conflito entre o benefício individual da apropriação privada dos
recursos naturais e o benefício coletivo de sua proteção. Assim, lidar com o
problema de ação coletiva é uma questão fundamental para a gestão destas áreas,
especialmente em categorias em que podem permanecer diversos tipos de
propriedade, inclusive a propriedade privada, como é o caso das áreas de
proteção ambiental.
3.1 A presença humana e as categorias de unidades de conservação
A demarcação de áreas naturais protegidas, ou unidades de conservação
(UCs), é, hoje, o principal instrumento de conservação in situ da biodiversidade.
O IV Congresso Mundial de parques nacionais e áreas de proteção as define
como “uma área de terra ou mar especialmente dedicada à proteção e
21
conservação da diversidade biológica e dos recursos naturais e culturais a eles
associados e manejados por meios legais ou outros meios eficazes.” (UICN,
1994). Segundo Maretti (2001) citado por Côrtes (2003, p. 1-2), as unidades de
conservação já ocupam hoje mais de 9% da superfície terrestre, com um total de
44.000 unidades. O Brasil possui cerca de 6,2% do seu território delimitado por
alguma UC.
O Parque Nacional de Yellowstone, criado em 1872 nos Estados Unidos,
é referenciado como o marco histórico de surgimento das áreas protegidas
(Brito, 2000 e Diegues, 2000). Concebido a partir do ideário preservacionista,
para o qual era preciso criar ‘ilhas’ inabitadas de remanescentes da vida
selvagem para que estas pudessem servir como verdadeiros paraísos perdidos
para as gerações futuras, o modelo americano de parques acabou sendo
referência para criação de UCs por todo o mundo. Inicialmente selecionados
pela sua beleza cênica, o conceito destas áreas protegidas foi evoluindo para
questões de conservação da biodiversidade, o que fez reforçar a noção de que a
presença humana nessas áreas deveria ser muito restrita (Brito, 2000, p.22).
No Brasil, a primeira iniciativa aconteceu em 1876, com a proposta de
criação de parques nacionais em Sete Quedas e na Ilha do Bananal, por André
Rebouças. Mas, apenas em 1937 foi legalmente criado o primeiro parque
brasileiro: o Parque Nacional do Itatiaia.
Segundo Brito (2000), a grande disseminação destas áreas se deu
principalmente a partir da década de 1950, atingindo seu máximo nas décadas de
70 e 80. Segundo Ghimire (1993) citado por Diegues (2000, p.17), o aumento da
preocupação mundial pelas unidades de conservação pode ser apenas
parcialmente explicado pela rápida devastação das florestas e perda da
biodiversidade. Para esse autor, o estabelecimento de áreas protegidas
transformou-se também em importante arma política das elites dominantes dos
países pobres para a obtenção de ajuda financeira externa. Além disso, esses
22
países passaram a enxergar tais áreas como potenciais geradoras de divisas por
meio do turismo.
Foi também esse período o de maior eclosão de conflitos entre o
governo e as populações cuja presença havia sido menosprezada, ou
simplesmente ignorada, por ocasião da implantação destas reservas. A questão é
que a importação acrítica do modelo americano para países do terceiro mundo
não levou em consideração o fato de que, diferentemente dos países de clima
temperado, as florestas remanescentes dos países em desenvolvimento foram e
continuam sendo habitadas por diversas populações tradicionais. Somando-se as
pressões típicas destes países (conflitos fundiários, uma noção inadequada de
fiscalização, corporativismo dos administradores, expansão urbana, profunda
crise econômica e divida externa), acabou-se configurando um cenário de crise
das unidades de conservação (Diegues, 2000, p. 37).
A latência destes fatores, em um contexto de ampliação do movimento
ambientalista e questionamento dos pressupostos preservacionistas, faz com que
as reivindicações das populações originais de áreas protegidas ganhem
visibilidade no cenário internacional da conservação. Nos discursos oficiais, dois
diferentes grupos humanos passam então a figurar como merecedores do título
de povos “ecologicamente corretos”: as populações indígenas, que passam a ter
um “status” de conservacionistas natos e os grupos humanos que não poderiam
ser caracterizados como povos indígenas (pescadores, ribeirinhos, seringueiros,
camponeses). São, em geral, populações remanescentes de grandes ciclos
econômicos regionais, empobrecidas, que tiveram seu modo de vida
transformado para uma ênfase de subsistência.
As transformações na tônica ambientalista nacional e internacional vão
se traduzir em mudanças substantivas na política ambiental. No que tange às
áreas protegidas, as transformações do discurso ambientalista vão influenciar
tanto a forma de pensar essas áreas como as estratégias para sua gestão. Apesar
23
de ainda existir um caloroso embate entre as posições originais desse debate,
preservacionistas extremos de um lado e os conservacionistas e
socioambientalistas de outro, os órgãos internacionais e nacionais passam a
incorporar em seus discursos e programas a necessidade de considerar os
contextos socioambientais quando da criação, implementação e gestão das UCs.
O reconhecimento dos direitos destas populações e a já citada ampliação
na visão da relação homem–natureza, juntamente com a experiência prática de
diversos países de modelos alternativos de parques (como alguns da Europa,
Canadá e Japão), também fez com que novas categorias de UCs fossem criadas.
Atualmente, no Brasil, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC- Lei 9.985/2000) prevê dois grupos de unidades de conservação: as
unidades de proteção integral, que permitem apenas o uso indireto dos recursos
(pesquisa e visitação) e as de uso sustentável (permitindo diferentes níveis de
atividades humanas). O primeiro grupo é composto pelas categorias: estação
ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento natural e refúgio da
vida silvestre. No segundo grupo estão as categorias: área de proteção ambiental
(APA), área relevante de interesse ecológico, floresta nacional, reserva
extrativista (Resex), reserva da fauna, reserva de desenvolvimento sustentável e
reserva particular do patrimônio natural.
Além do surgimento de novas categorias de UCs no mundo inteiro, essa
conjuntura faz trazer para o campo da conservação ambiental o discurso da
participação social. No Brasil, esse tema ganhou força, principalmente a partir
do fim da década de 1980 e início da década de 90, com a luta pela
redemocratização do Estado. Isso pode ser observado por meio dos diversos
seminários que se deram com o objetivo de discutir e avaliar experiências de
participação social em UCs. Hermman & Costa (2003) citam alguns destes
eventos: O “workshop” Diretrizes Políticas para as unidades de conservação
(1994), o seminário “Parcerias e co-gestão em unidades de conservação” (1996),
24
o seminário “Unidades de conservação no Brasil: aspectos gerais, experiências
inovadoras e a nova legislação (SNUC)” (1996), a publicação, pelo Ibama, do
“Marco conceitual das unidades de conservação federais do Brasil” (1997), a
“Oficina sobre gestão participativa em unidades de conservação” (1998).
Embora tenha havido evoluções, os eventos detectavam uma necessidade de
conceitos e métodos mais claros de participação e, por meio das avaliações das
experiências, ressaltou-se que o tema estava presente no discurso mas
encontrava grande dificuldades na prática, principalmente pela falta de
entendimento e comprometimento dos órgão gestores das unidades.
O tema da participação também teve destaque nas discussões sobre o SNUC,
que se deram principalmente a partir de 1995. Muitos autores destacam o
processo de constituição do SNUC como uma importante arena de discussões
sobre a problemática das UCs no Brasil. Santilli (2004) coloca que, nesse
processo, o pensamento socioambientalista acabou por exercer uma relevante
influência neste sistema que rege as unidades de conservação brasileiras. Para
ela, um dos paradigmas fundamentais do socioambientalismo permeia o SNUC,
na medida em que este incorpora a necessidade da articulação entre
biodiversidade e sociodiversidade.
Especificamente, o SNUC trata de dois assuntos essenciais do ponto de vista
socioambiental: a questão das populações tradicionais residentes em áreas
delimitadas como UCs e a necessidade de participação das populações afetadas
direta ou indiretamente pela existência da UC na sua criação implementação e
gestão.
Em relação às populações tradicionais, Santilli (2004) acredita que, mesmo
tendo sido vetada a proposta de lei que permitia a reclassificação de unidades de
proteção integral ocupadas por populações tradicionais, de forma a permitir sua
permanência, algumas medidas voltadas para a promoção da equidade social e
para a compensação social das populações tradicionais foram incluídas: o direito
25
a serem indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes como também
o direito de serem reassentadas. Também se assegurou o direito de participação
na elaboração das normas e ações destinadas a compatibilizar a sua presença,
ainda que temporária, dentro das unidades de conservação.
Em relação à participação da sociedade na criação, implementação e
gestão das UCs, o SNUC prevê dois instrumentos de participação da sociedade:
as consultas públicas e os conselhos gestores.
Em suma, essa orientação do SNUC vem tentando mudar a forma
autoritária como as UCs têm sido impostas no Brasil. Entretanto, não é a simples
abertura destes espaços que garante a efetiva participação da sociedade. A
efetivação destes espaços previstos por lei deve lidar e superar diversos fatores,
dentre os quais os problemas da ação coletiva, como será tratado no item 3.3.
Antes, entretanto, deve-se considerar mais detalhadamente uma categoria
específica de UC: as áreas de proteção ambiental.
3.2 Áreas de proteção ambiental
As áreas de proteção ambiental (APAs) foram criadas pela Lei 6.902 de
27/04/81, juntamente com as estações ecológicas. Segundo seu idealizador, Dr.
Paulo Nogueira Neto, as APAs foram criadas com o objetivo de serem um
instrumento mais adequado para a proteção do entorno de unidades de
conservação de uso indireto, auxiliando a composição de mosaicos de UCs
(Urban, 1998), mas também com o objetivo de criar uma categoria de UC de uso
direto que buscasse compatibilizar proteção dos recursos naturais com seu uso
econômico. No Brasil, hoje, as APAs são as segundas maiores UCs em número
(128) e em área (18.665.185 ha, equivalente a 29,7% do total da área coberta por
UCs) (Maretti, 2001 citado por Côrtes, 2003).
Nas APAs permite-se a permanência da propriedade privada, sendo,
contudo, impostas ações de controle do uso dos recursos naturais de acordo com
26
objetivos de proteção previamente estabelecidos nos decretos de criação de cada
UC. De fato, as APAs são as únicas categorias presentes no SNUC em que a
propriedade não é vista como um empecilho ao desenvolvimento de esforços
para a conservação do meio ambiente.
Segundo Röper (2001), a não necessidade de desapropriação, tão
problemática às unidades de conservação de uso indireto, foi a característica que
mais contribuiu para a explosão de APAs durante a década de 1980. Entretanto,
apesar da aparente facilidade com que poderiam ser criadas, necessitando apenas
de um decreto e sem necessidade de se levantar fundos para indenizações, sua
implementação revelou-se tão complicada quanto a das outras categorias de
UCs. Assim, muitas APAs passaram a constituir o rol dos chamados parques de
papel.
Por todos estes problemas de implementação, e por ameaçar diluir a
força das unidades de conservação como instrumentos de proteção ambiental,
dado o rápido crescimento do índice de cobertura por unidades de conservação
com criação de diversas APAs, esta categoria de UCs passou a ser desacreditada
por muitos conservacionistas brasileiros. Röper (2001) soma aos motivos dessa
visão negativa, a descrença nata que muitos conservacionistas, de orientação
preservacionista, ainda carregam em relação a todas as unidades de uso direto
que permitam alguma intensidade de atividades humanas.
Entretanto, a partir do final da década de 1990, diante do cenário de
crise na criação de UCs no Brasil e Do aumento das discussões internacionais
sobre abordagens participativas no manejo de UC, pôde-se notar uma mudança
na percepção sobre esta categoria. Justamente por terem por princípio a
necessidade de compatibilizar a proteção com a ação humana, as APAs
27
passaram a ser palco de experiências inovadores em relação À participação
social em sua gestão
5
.
Não obstante a desvalorização que estas categorias ainda apresentam no
campo das unidades de conservação, algumas correntes vêm reavaliando esses
espaços, não só em termos práticos como em termos conceituais, vendo-as como
importantes áreas-piloto para a aplicação do conceito de desenvolvimento
sustentável (Côrte, 1997; Röper, 2001).
A idéia é que essas UCs têm o potencial de servirem de piloto para uma
gestão ambiental de todo o território brasileiro:
Para finalizar, gostaria de perguntar: afinal, porque precisamos de
APAs? A resposta pode parecer simples: precisamos delas, porque na
APA, delimitamos uma área ou um universo “menor” onde podemos
treinar, aprender, testar e pesquisar como deve ser administrado o meio
ambiente como um todo. Não precisaríamos criá-las se conseguíssemos
administrar bem a conjugação das limitações, potencialidades e
fragilidades de uma área no uso dos recursos naturais; não
precisaríamos de APA se conseguíssemos conciliar este uso com a
vulnerabilidade de estar sujeita ao interesses particulares das
comunidades locais e do entorno; não precisaríamos de APAs se
conseguíssemos cumprir e fazer cumprir toda a legislação ambiental.
Como tudo isso parece ser uma meta difícil de ser alcançada no âmbito
das nossas cidades ou do nosso país, estabelecemos metas menores:
tentar atingir estes objetivos numa pequena área denominada APA. E
testar ali nossas metodologias e experimentos para que possam depois
ser transportadas e implementadas nos outros universos de nosso
interesse ou ainda, aprender na APA a gerenciar o meio ambiente
(Côrte, 1997, p. 89).
Isso faz sentido, mesmo porque, se comparada com as restrições
ambientais do território brasileiro, o estabelecimento das APAs não soma muito
mais restrições. Uma vez implementadas, o que pode acontecer é um aumento da
5
Röper (2001) cita as experiências da APA Federal de Guaraqueçaba, da APA Cananéia- Iguape-
Peruíbe e APAs no Paraná.
28
percepção dos agentes em relação a essas restrições, reduzindo a incerteza de
impunidade (Côrtes, 2003, p. 251)
6
.
As dificuldades de gestão de uma APA também se encerram na
quantidade de agentes com os quais deve se lidar nestas áreas, diferentemente
das demais categorias cuja decisão está no poder público, via de regra, o único
detentor do direito de propriedade sobre a área. Assim,
...a gestão ambiental de espaços territoriais, como são as APAs não se
esgota em processos administrativos e também não se resume a
elaboração de um conjunto de normas sobre o que pode ser feito e onde,
embora não prescinda de nenhum dos dois aspectos. Ela implica
necessariamente na articulação, coordenação e monitoramento do
conjunto de ações que os agentes praticam de forma independente. Para
que tais ações não resultem em destruição do meio ambiente, precisam
ser governadas por referências comuns, consolidadas num aparato
institucional, do qual fazem parte as estruturas administrativas, as
normas legais, as regras informais, etc. (Côrtes, 2003, p. 59-60).
Os conselhos gestores instituídos recentemente nas UCs podem ser um
importante espaço para articulação destes interesses e conhecimentos dentro de
uma APA. Entretanto, para que essa articulação ocorra de forma eficiente e que
possa favorecer a constituição de um comportamento diferenciado em relação ao
uso dos recursos naturais dentro destas áreas é preciso que sejam enfrentados e
superados dilemas de ação coletiva. É sobre esse assunto que se desenvolve o
próximo item.
3.3 Ação coletiva e gestão dos recursos naturais
3.3.1 A natureza difusa da proteção ambiental
Na legislação brasileira é o Código Civil que primeiramente define o
direito de propriedade, como um direito de pessoa física ou jurídica de usar,
6
De fato, algumas restrições podem ser somadas pelo decreto de criação da APA. O zoneamento
também pode criar determinadas restrições para certas áreas, mas considerando que o caso
estudado, a APA Serra da Mantiqueira não o possui, essa afirmação pode ser consideração
verdadeira.
29
gozar e dispor de um bem, corpóreo ou não (Resende, 2002). Também os
recursos naturais estão sujeitos a diversos regimes jurídicos de propriedade,
como sintetiza Resende (2002):
TABELA 1 Tipologia de direitos de propriedades referentes aos recursos
naturais e respectivos instrumentos legais
Recurso Tipo de propriedade
segundo a legislação
brasileira
Principais normas
Ar Livre acesso Código da Aeronáutica, Lei 7565/86
Águas Podem ser públicas,
privadas ou comuns
Código das Águas, Decreto 26.243/34
Fauna Estatal Código da Fauna, Lei 5.197/67
Florestas Vinculadas à terra (podendo
então serem estatais,
privadas ou comuns)
Código Florestal, Lei 4.775/65
Minerais Estatal*
Código de Mineração, Decreto-Lei
221/67
Pesca Comum Código de Pesca, Decreto-Lei 221/67
Solos Vinculadas à terra
(podendo, então, serem
estatais, privadas ou
comuns)
Código Civil, Lei 6225/75
Fonte: Resende, 2002
* No governo de Fernando Henrique Cardoso houve uma flexibilização da propriedade
do minério.
Entretanto, sobre o ambiente, em seu conjunto, a Constituição de 1988
afirma que:
Todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao poder público e à coletividade o direito de defendê-lo e preservá-
lo para as futuras gerações (Artigo 225) [grifo nosso]
Autores como Fiorillo & Rodrigues (1999) e Marques (1999), citados
por Resende (2002), entendem que estes são bens difusos, uma terceira categoria
distinta dos bens públicos e privados. Nesses casos, o poder público, não
30
necessariamente, é dono desses bens, mas tem o direito de estabelecer restrições
ao uso.
A noção de meio ambiente como um bem coletivo, trazida por Acselrad
(1992), ajuda a compreender que essa idéia tem sentido a partir da noção de
meio ambiente como espaço comum:
Compartilhado por todos, o ar, as águas e os solos podem ser
entendidos como bens coletivos, cujo uso por alguns pode afetar o uso
que deles é feito por outros. A qualidade do ar que cada indivíduo
respira é afetada pelas emissões gasosas que todas as atividades
humanas provocam. O tipo de uso que os agricultores fazem do solo
afeta o lençol freático e a qualidade das águas disponíveis para o
consumo humano, tanto de agricultores como de não-agricultores
(Acselrad 1992, p. 20).
Dessa forma, mesmo sendo passível de apropriação privada, por ser base
comum da vida na Terra, o meio ambiente interliga as pessoas de maneira que as
atitudes individuais podem afetar direta ou indiretamente o bem coletivo.
Embora possa tornar-se objeto de apropriação privada, o solo, pelo uso
que seus proprietários passam a fazer dele, continuou afetando
indiretamente o bem estar coletivo, seja pela interligação que se
estabelece com os recursos hídricos, seja pela fertilidade que encerra, e
da qual dependem as gerações futuras de proprietários e não-
proprietários de terra, seja pelo uso feito dos recursos bióticos vegetais
e animais que contém (Acselrad 1992, p.22).
Assim, mesmo sendo propriedades privadas, alguns tipos de recursos
ambientais (como florestas, solos e, às vezes, as águas) também se constituem
como bens ambientais, difusos. Na teoria, isso pode parecer simples: coexistem
direitos privados e difusos, mas, na prática, essa é uma das principais fontes de
conflitos na aplicação das políticas ambientais (Resende, 2002; Côrtes, 2003).
A natureza difusa da questão ambiental impõe uma complexidade ao
tema que não pode ser menosprezada, principalmente quando se trata da gestão
de unidades de conservação, ainda mais quando nestas permanecem
31
propriedades privadas, como é o caso das APAs. Disso podem-se depreender
algumas questões:
as restrições impostas à propriedade, se não bem definidas e adequadamente
transmitidas (o que pode e não pode ser feito), podem gerar uma percepção
de que ‘nada pode ser feito’, podendo, em alguns casos, levar a um uso
depredatório do recurso, mais do que aconteceria sem a existência da lei
(Côrtes, 2003);
ainda, a característica recorrente de diversas UCs brasileiras (diga-se de
grande parte do território brasileiro) de indefinição dos direitos de
propriedade (com escrituras devidamente registradas e documentação
atualizada) faz com que algumas pessoas estejam ainda mais sujeitas às
restrições colocadas pela legislação pois não podem participar do
licenciamento ou pedir autorização (Resende, 2002). os proprietários que
têm seus direitos assegurados tendem a resistir às restrições colocadas pela
legislação, afirmando seus direitos individuais frente aos interesses comuns;
a conservação da biodiversidade, um dos principais objetivos de ser das
unidades de conservação, promove um bem coletivo, extensivo em princípio
a toda a humanidade, mas o custo social e as restrições de conduta
necessárias à sua promoção não se aplicam igualmente (Santilli, 2004).
Para Cortês (2003), uma das questões para se pensar a respeito das
APAs é que, apesar de não haver necessariamente a desapropriacão, existe uma
desapropriação indireta, em nome do caráter coletivo da proteção ambiental.
Nesse sentido, o conflito entre público/privado é sempre iminente. Daí a
importância de equacionar e coordenar os diversos interesses, lógicas e direitos
que se sobrepõem e se institucionalizam nestes espaços. “A gestão exige a
participação dos agentes envolvidos, daqueles que participaram da imposição
da limitação do direito de propriedade e daqueles que tiveram seus direitos
limitados” (Côrtes, 2003, p. 76).
32
Vista sobre este prisma, a questão ambiental pode ser entendida como
um dilema social
7
e é imperativo que as estratégias de gestão sejam capazes de
lidar com a complexidade que este tema envolve.
3.3.2 Ação coletiva e gestão dos recursos naturais
Na medida em que se tem a questão ambiental como uma questão
essencialmente política e que o processo de redemocratização do Estado entende
que estas se realizam a partir de complexas interações entre os atores,
especialmente levando em consideração o fato da conservação ambiental ter uma
natureza difusa, ou seja, são tipicamente dilemas sociais; a questão da boa
governança ou da ação coletiva passa a ser essencial para pensar a gestão
ambiental, especialmente em áreas delimitadas para proteção, onde se
institucionaliza a arena de disputa sobre a propriedade dos recursos naturais. Um
campo de estudos que tem como foco central o problema da ação coletiva é a
Nova Economia Institucional, dentro da qual Elinor Ostrom, vem desenvolvendo
estudos específicos para a gestão comunitária de recursos naturais.
Um importante conceito trabalhado pela autora é o de “recursos de base
comum” (“common pool resources”, no original), que trata das qualidades
naturais de alguns sistemas de recursos, que se distinguem por duas
características. Primeiro, semelhantemente aos bens públicos, existem
dificuldades no desenvolvimento de mecanismos de exclusão, normalmente
muito custosos. Isso abre espaço para o uso predatório desse tipo de bem. Em
segundo lugar, as unidades de recursos exploradas por indivíduos deixam de
estar disponíveis a outros, ou seja, diferentemente dos bens públicos puros, são
bens que podem se exaurir ou ficarem impossibilitados de serem consumidos
por outros.
7
Dilemas sociais são aquelas situações em que o benefício individual está sempre em confronto
com o benefício coletivo.
33
Recognizing a class of goods that shares these two attributes enables
scholars to identify the core theoretical problems facing individuals
whenever more than one individual or group utilizes such resources
from a extended period of time (Ostrom, 2000, p.337).
De acordo com essa acepção, quando se fala em recursos comuns não se
está tratando do regime de propriedade do sistema, mas das suas características
físicas. De fato, recursos de base comum podem ter diversos tipos de
propriedades. Podem ser possuídos pelo Estado, por indivíduo, por grupos
comunais, ou podem ser de livre acesso. Assim, a discussão sobre gestão de
recursos de base comum pode iluminar a questão da gestão dos recursos naturais
(enquanto direitos difusos), mesmo em não se tratando de propriedades
comunais.
Ostrom (1996) coloca que os arranjos baseados no mercado ou no poder
do Estado sempre foram entendidos como sendo mais eficazes na gestão dos
recursos naturais que arranjos centrados nas organizações locais. Para a autora,
isso se pela grande disseminação dos modelos de racionalidade econômica
(racionalidade estreita, nas palavras de Aguiar, 1991) e utilização destes como
metáforas para a delineação de políticas ambientais. Ostrom faz referência aos
modelos teóricos da “Lógica da Ação Coletiva” de Mancur Olson, da “Tragédia
dos comuns” de Hardin e do “Jogo do Dilema do Prisioneiro” dos teóricos dos
jogos, com grande influência nas discussões sobre ação coletiva.
Mancur Olson, em seu livro "A lógica da ação coletiva" (1999), aborda
o problema da cooperação nos seguintes termos: o interesse comum não é
suficiente para a efetivação da ação, pois existe o efeito do ‘carona’ (“free-
rider”, no original). Ou seja, uma vez que ninguém pode ser excluído de se
beneficiar de um bem público, muitos podem “ir na carona” da participação
alheia, não precisando assim arcar com os custos desta.
34
A conclusão do autor é a de que a racionalidade individual seria
incompatível com a racionalidade coletiva. Essa incompatibilidade aumenta com
o tamanho dos grupos, pois, quanto maior o grupo, menor será o benefício per
capita sendo os custos da participação individual os mesmos; maior o custo de
organização e maior a possibilidade da ocorrência dos caronas, pois há
dificuldade no monitoramento.
Pode-se então questionar: em que condição o bem coletivo seria obtido?
Como explicar a existência de grandes grupos que alcançam situações ótimas de
participação e obtenção de bens públicos?
Para Olson, estas questões podem ser respondidas pela existência de
“benefícios seletivos”, os quais podem ser positivos (bens privados) ou
negativos (a repreensão), econômicos ou sociais (embora Olson atente mais para
os econômicos). Portanto, a mobilização de grandes grupos não seria produto
direto do interesse individual pelo bem coletivo, mas um subproduto, efeito
secundário, do interesse pelos incentivos seletivos. Estes incentivos também
poderiam ser dados apenas a um subgrupo que, em vista de seu benefício,
resolva arcar sozinho com os custos da obtenção do bem público.
Também tratando desta questão, os estudiosos da teoria dos jogos têm
sintetizado o dilema da cooperação social no chamado jogo do “dilema do
prisioneiro” (Aguiar, 1991). Neste, dois cúmplices que não podem se comunicar
são chamados individualmente para depor. Eles têm duas ões possíveis: calar
ou confessar. A eles é dito que: se ambos calarem-se, receberão penas leves
(cinco anos); se ambos confessam, receberão penas um pouco mais pesadas (dez
anos); mas, se um calar e o outro confessar, o último será livre (como prêmio de
seu arrependimento), enquanto o outro recebe a pena total, de vinte anos. Como
a ambos interessa confessar pela possibilidade de ganhar a liberdade, a pena
final que lhes é imposta é de dez anos. Assim, esse dilema mostra como a
racionalidade individual pode conduzir à irracionalidade coletiva.
35
Simulações deste jogo têm mostrado que, quando jogado várias vezes, é
provável que os indivíduos optem por cooperar, pois cada um passa a ter uma
noção da estratégia do outro. Assim, a sistematização feita pelos teóricos dos
jogos coloca uma questão não apontada na formulação olsoniana do problema, o
caráter processual da cooperação (Aguiar, 1991). Dessa forma, para os teóricos
dos jogos, “la acción colectiva no depende sólo de los costes y benefícios para
cada indivíduo por separado; antes bien, depende sobre todo de la cooperación
de los demás.” (Aguiar, 1991, p. 18).
Outra influente maneira de colocar o problema da ação coletiva é a feita
por Hardin (1968). Tratando especialmente de recursos naturais comuns, este
autor afirma que a incompatibilidade entre a racionalidade individual e coletiva
levaria inevitavelmente ao esgotamento dos recursos. Seu exemplo é o de um
pasto usado comunalmente. A tragédia ocorre porque cada homem está trancado
em um sistema que o compele a aumentar ilimitadamente seus ganhos pessoais,
colocando mais animais no pasto, que é limitado. Então, quando um número de
usuários tem acesso a recursos comuns, o total retirado da fonte será maior que o
nível ótimo de retirada do sistema.
Esses modelos têm em comum a noção de que a escolha individual é
voluntária, planejada e guiada pela maximização dos lucros individuais. O
indivíduo é racional quando consegue maximizar seus resultados individuais.
Isso faz com que haja uma probabilidade sempre alta de que os indivíduos
escolham não arcar com os custos da participação, que ninguém pode ser
excluído de se beneficiar (ou esta exclusão é muito cara), mesmo o
participando da obtenção deste. Assim, tem-se uma visão bastante negativa em
relação à cooperação. De fato, neste modelo de racionalidade, as únicas formas
de obter-se o benefício comum seria a existência de uma força externa
coercitiva, como o Estado, ou de benefício individuais, quando da privatização
dos recursos, entregues à regulação do mercado.
36
Entretanto, a realidade tem mostrado casos em que esquemas
institucionais alternativos a estes foram, por um longo tempo, eficazes na
utilização sustentável dos recursos naturais (Ostrom, 1996).
Para Ostrom, as formas clássicas de pensar a ação coletiva não
conseguem dar conta da realidade, pois sua concepção de racionalidade restringe
a ação apenas a interesses egoístas e racionais, desconsiderando o fato de que
existem normas de cooperação.
Assim, em uma teoria ampliada de racionalidade (“extendida” no
original) (Aguiar, 1991) além dos interesses egoístas (ou mesmo altruístas), as
pessoas podem também agir guiadas por normas sociais de cooperação. Para
Ostrom, normas são valorações internalizadas, normalmente comuns a vários
indivíduos, que podem ser somadas ou subtraídas ao custo de uma determinada
ação. Normas são aprendidas em sistemas sociais, variando substantivamente
entre as culturas e entre indivíduos de uma mesma cultura em diferentes
situações. As normas adquiridas pelos indivíduos também acabam por
influenciar a escolha dos outros indivíduos. Já as regras são entendimentos
compartilhados de que certas ações em situações particulares devem ou não ser
tomadas em determinada situação, estando sujeitos a sanções aqueles que não
agirem de acordo. A diferença entre uma e outra é que as normas dizem respeito
a comportamentos que acabam por encaixarem-se em determinada situação,
enquanto as regras nascem das situações (Ostrom, 1998).
No desenvolvimento de sua teoria, a autora destaca três tipos de normas
que se interligam, favorecendo ou inibindo a cooperação: as expectativas que os
indivíduos têm sobre os outros (confiança), as normas que os indivíduos
aprendem da socialização e das experiências da vida (reciprocidade) e as
identidades que os indivíduos criam projetando suas intenções e normas
(reputação) (Ostrom, 1998).
37
Neste teoria ampliada de racionalidade, a comunicação passa a ser um
importante componente da ação coletiva. No modelo instrumental, os jogadores
são vistos como incapazes de se comunicar e fazer acordos. Uma vez que
considera-se que todo indivíduo tenderá a maximizar seu lucro individual, a
comunicação é vista como “conversa barata” (“cheap talk” no original). Ela
serviria para tentar convencer o outro a cooperar, mas a decisão individual não
levaria em conta os resultados da conversa. Uma vez que se consideram aqueles
três elementos essenciais para o comportamento humano, é possível entender
porque a comunicação é tão importante para a ação coletiva: ela afeta a
confiança entre as pessoas, pois:
- favorece a troca de comprometimento mútuo;
- afeta as expectativas do comportamento dos outros;
- adiciona mais valor à estrutura de recompensas subjetivas,
- desenvolve uma identidade de grupo.
A autora destaca especialmente a comunicação face a face, pois a
confiança só pode ser desenvolvida quando se conhece a pessoa.
A consideração destas normas coloca uma nova lente para se entender
por que certos arranjos falham ou são bem sucedidos na geração de benefícios
coletivos, como a manutenção dos recursos naturais. Considerar a possibilidade
de que indivíduos também agem por - e podem construir - normas de cooperação
evita que as políticas blicas de gestão dos recursos se engessem nos extremos
mercado/estatização. É possível crer que outros arranjos intermediários a estes,
baseados nas instituições locais, sejam tanto quanto ou até mais eficazes.
Sob a perspectiva de Ostrom, arranjos que levem em conta as instituições
locais podem ser mais eficazes, pois diminuem o custo de informação (muito
alto, especialmente para pessoas de fora) e de monitoramento. Para a autora,
esses arranjos também são mais positivos, pois ajudam a construir a auto-estima
e a autonomia dos participantes. Esse valor intrínseco da participação, de
38
favorecer a emancipação social e a construção e proliferação de novos valores
ecológicos e democráticos, em muitos casos, é a questão mais importante a ser
considerada.
Reconhecer as vantagens de uma governança ambiental democrática, seja
pela sua eficácia, seja por seu potencial emancipador, significa, por um lado,
valorizar as normas de cooperação existentes no local e, por outro, fomentar
ações que favoreçam sua construção. Neste caso, pode-se indagar sobre como se
o processo para a criação destas normas. Em outras palavras, como seria
possível sair de situações de conflito ou mesmo de total indiferença para
situações de cooperação para a conservação do meio ambiente?
Segundo Bicchieri (1997), citada por Beduschi Filho (2001), essas
normas podem emergir por processos de aprendizagem:
Os indivíduos aprendem a se comportar de determinada maneira e
internalizam tal comportamento, que podem se transformar em uma
norma, mas a base tanto para o comportamento quanto para a mudança
é uma determinada estrutura de incentivos mais que uma ‘tomada de
consciência (Beduschi Filho, 2001, p. 54-55).
Para Bicchieri, em grupos pequenos, a partir destes incentivos iniciais,
as pessoas podem ‘aprender’ a adotar estas normas; nos grupos grandes essas
normas se propagariam por uma difusão simples, ou seja, proporcionalmente ao
número de atores que adotam essas normas.
Em seu recente trabalho, Beduschi Filho (2001) constata que o
engajamento de agricultores de um assentamento rural em uma proposta de
conservação e implementação de sistemas agroflorestais dentro de suas
propriedades, teve importante influência de uma estrutura de incentivos
(técnicos e financeiros) dada pela ação de uma rede de trabalhos envolvendo
ONGs ambientalistas, organismos estatais de preservação ambiental,
universidade, cooperativa de assentados e movimento social. Percebeu-se que
39
essa situação criada pela existência de uma estrutura de incentivos resultou em
mudança na relação entre a sociedade local e a natureza:
Os assentados mostraram mais envolvimento com a questão [...] os
organismos governamentais assumem a sua responsabilidade e se preparam
para atuar de forma mais intensa. [...] as lideranças dos assentados
incorporam tal problemática ao seu discurso e passam a apoiar qualquer
atividade que tenha como foco a questão ambiental e as organizações
ambientalistas continuam a articular apoio para os seus projetos (Beduschi
Filho, 2001, p. 82-83).
Para Ostrom (1998), o estabelecimento de regras claras para a gestão dos
recursos naturais pode ajudar a construir as normas de cooperação quando estas
criam comprometimentos mútuos claros; entretanto, pode destruí-las quando são
usadas para que benefícios e custos sejam distribuídos de forma desigual. A
decisão individual por construir estas regras compartilhadas que possam
favorecer a ação coletiva é influenciada por variáveis da situação social em que
se encontram os atores, ou seja, as ações de cada indivíduo vão ser determinadas
em arenas de interação social.
A partir de observações empíricas de casos que deram certo e errado na
gestão coletiva dos recursos naturais, Ostrom (1996) constrói uma grade
analítica contendo as variáveis, presentes nas situações vividas pelos atores, que
poderiam influenciar na escolha por uma ação coletiva. A autora apresenta três
grupos de variáveis: os atributos dos recursos, os atributos dos apropriadores do
sistema e os incentivos do sistema político em que eles estão imbricados.
As variáveis do primeiro grupo dizem respeito ao estado do recurso e à
existência de informações acessíveis sobre sua condição. Isso afeta a percepção
dos agentes sobre o estado dos recursos e sobre quais as possibilidades para
transformar essa condição, bem como seus custos.
Em relação às variáveis do sistema de apropriadores, trata-se de o quanto os
apropriadores são dependentes dos recursos, da sua visão compartilhada de
como o recurso funciona e de como suas ações sobre ele se influenciam
40
mutuamente. Também se relacionam ao grau de interação existente entre as
pessoas que vão usar os recursos e de algum histórico prévio de mobilização e
capacidade de organização. Ou seja, este grupo de variáveis relaciona-se, por um
lado, à prioridade que o problema tem para os participantes do grupo e como
estes se percebem uns aos outros como co-responsáveis para obter o bem
coletivo
8
; por outro, relaciona-se ao capital social acumulado pelo grupo, que
é essencial, mas não condição única da ação coletiva.
Além dos fatores relacionados às características do sistema e dos
apropriadores, Ostrom (1996, 1998) destaca, ainda, a necessidade de que exista
um reconhecimento dos órgãos superiores da possibilidade dos grupos
construírem e mudarem suas regras. Assim, o sistema político local pode ajudar,
gerando informação, criando arenas e mecanismos de sanções, mas também
atrapalhar quando impõe sua autoridade. Em outro artigo, a autora centra
atenção justamente na importância de uma ação conjunta (“co-produção”) entre
sociedade e Estado para a geração de serviços públicos (Ostrom, 1996 citada por
Evans, 1996).
Mesmo que tangencialmente, a autora (Ostrom, 2002) trata de uma outra
característica estrutural que pode ser relevante para a ação coletiva: a
heterogeneidade do grupo (cultural, social e econômica), que remete às questões
de poder. No caso de culturas diferentes, a questão chave é o quanto a
diversidade de visões culturais diferem em relação à estrutura do recurso,
autoridade, interpretação das regras, confiança e reciprocidade. A
heterogeneidade pode ser positiva quando os detentores dos recursos (cultural,
econômico ou social) possuem interesses semelhantes aos que possuem menos
recursos; eles podem favorecer a probabilidade de organizações bem sucedidas
investindo seus recursos em organizar os grupos. O problema da
8
Como discutido, no caso da conservação dos recursos naturais, os agentes são naturalmente
interligados, por mais que não percebam isso.
41
heterogeneidade é quando existe uma diferença de interesses entre aqueles que
detêm mais e menos recursos. Nesse caso, os que detém recursos importantes
podem não se interessar por participar, ou excluir os atores de menos recursos de
participar dos grupos, sem contar o fato de que, dependendo da forma como é
disponibilizada a participação, a falta de recursos é, por só, excludente. Se
não existe uma ajuda para o afastamento dos despossuídos de sua ação produtiva
para representar seus grupos, ele fica praticamente impedido de participar.
Em conclusão, as discussões sobre ação coletiva aplicada à gestão dos
recursos naturais podem ser úteis para refletir sobre diversas situações como: (1)
na ação de grupos com objetivos comuns, as redes de trabalho; (2) na motivação
e construção de acordos para grupos em que usuários diretos ou indiretos
daqueles recursos, mesmo com interesses diversos, são interdependentes para
sua manutenção (isso inclui praticamente todos os atores envolvidos na questão
ambiental) - que visem uma mudança de comportamento em relação aos
recursos (normas sociais). Uma vez que os conselhos de UCs vão lidar
diretamente com estas questões, as discussões sobre ação coletiva, discorridas no
campo do Novo Institucionalismo, se mostram bastante relevantes, pois
iluminam aspectos para os quais qualquer esforço de ação coletiva terá de
atentar, enfrentando-os e superando-os.
Assim, das colocações acima, pode-se distinguir três níveis inter-
relacionados que favorecem/limitam a concretização da ação coletiva. Em um
primeiro nível, a motivação, numa visão de racionalidade ampliada, está
relacionada não à existência de incentivos pessoais mas também à existência
de normas de cooperação (confiança, reciprocidade e reputação) que, por sua
vez, estão relacionadas com o histórico social do grupo e de suas relações com o
ambiente. Vale destacar, no entanto, que considerar estas normas não significa
exclusivamente considerar as normas já existentes, mas considerar a
possibilidade de construí-las. Ou seja, mesmo que inicialmente haja necessidade
42
de um incentivo, este pode ser o estopim para uma internalização das normas
(como no caso trabalhado por Beduschi Filho, 2001). Em um segundo nível está
a informação/comunicação, essencial, inclusive, para motivar os atores. A
geração e divulgação da informação constituem um outro esforço de ação
coletiva. E, mesmo vencidos a necessidade de motivação e constante geração de
informação, a concretização da ação coletiva entre usuários de um mesmo bem
deve levar em conta as questões de poder que, remetendo ao fato que os grupos
podem ser, e, no caso das UCs, normalmente são, heterogêneos, é preciso que
existam mecanismos de acesso às arenas de tomadas de decisões.
3.4 Conselhos gestores e democracia na gestão das unidades de conservação
Na sociedade moderna, os conselhos m origem em três vertentes
distintas (Teixeira, 2000): a) como organizações alternativas de poder em
movimentos revolucionários, como na primeira fase da Revolução Francesa e na
Revolução Russa; b) como forma de representação de interesses dos operários
no século XX, muitos dos quais se tornaram germes de uma nova forma de
governo e c) recentemente, em países de capitalismo avançado, como arranjos
de negociação entre trabalhadores, usuários e outros grupos de interesse. Apesar
da diversidade de contexto e formato, os conselhos têm em comum o fato de
surgirem em momentos de crise institucional, seja do modelo político-
administrativo do Estado, seja da forma de gestão das organizações produtivas,
assumindo o papel ora de organismo de luta pelo poder e de organização
econômica, ora de mecanismos de gestão (Teixeira, 2000, p. 2).
No Brasil, os conselhos surgiram nos anos 1970 e 80, em um contexto
de crise do modelo centralizado e burocrático característico da ditadura militar e
de grande reivindicação da sociedade, principalmente em prol dos direitos
humanos. O fortalecimento da sociedade civil - sob diversas formas e canais -,
inclusive via movimentos sociais, por um lado e a incapacidade das elites
43
governamentais em continuar a se legitimar frente a essa população organizada e
aos detentores do sistema econômico (que passaram a ter, numa conjuntura de
globalização, dificuldades para obter os mesmos lucros), por outro, levaram à
necessidade de um novo paradigma de ação pública, baseado na incorporação de
novos atores e novos espaços, além do aparato estatal, na gestão pública,
referendado pelo conceito de governança (Gohn, 2001).
Os conselhos surgem, então, a partir do final dos anos 1970, como
estruturas formais ou informais, nascidos na sociedade ou no Estado para atuar
nessa interface entre Estado e sociedade
9
. A partir da Constituição de 1988, estas
estruturas colegiadas passaram a ser exigidas em diversos níveis e setores da
administração pública, inclusive sendo requisito para a transferência de certos
recursos (Gohn, 2001).
Embora tecendo críticas às práticas conselhistas, muitos autores têm
reconhecido a importância desses espaços na construção de um modelo de
governança democrática. Mesmo podendo serem vistos apenas pela ótica da
eficiência de uma política pública descentralizada, que passa a ser mais efetiva
uma vez que considera a perspectiva de seus beneficiários, para muitos autores,
o grande potencial dos conselhos está em seu caráter político. Nesse sentido, eles
podem contribuir (Teixeira, 2000):
1) fortalecendo a sociedade civil, que não apenas passa a ter acesso a
informações sobre os diversos setores que são objeto das políticas públicas,
como também influencia e participa de sua formulação;
9
Gohn (2001) diferencia três tipos de conselhos neste cenário: a) os criados pelo próprio poder
público executivo para mediar suas relações com os movimentos e organizações populares, por
exemplo, os conselhos criados no fim de 1970 para atuar junto à administração municipal; b) os
populares, construídos pelos movimentos populares ou setores organizados da sociedade civil em
suas relações de negociação com o poder público e c) os institucionalizados, com possibilidade de
participar da gestão dos negócios públicos criados pelo poder público legislativo, surgidos após
pressões da sociedade civil, por exemplo, os conselhos de representantes previsto na Lei Orgânica
Municipal de São Paulo em 1990 e os conselhos gestores institucionalizados setoriais.
44
2) atuando como espaços de democratização do Estado e da sociedade. Do
Estado, ampliando a esfera de decisões até os segmentos organizados da
sociedade. Da sociedade, a partir da prática conselhista responsável,
fomentando uma cultura de participação e também uma ética de
responsabilidade pública.
Como abordado no capítulo 2, é principalmente neste cenário, de fim dos
anos 1980 e início dos 90, que correntes do movimento ambientalista passam a
se articular com o movimento de democratização e demanda por direitos sociais
mais amplos. No campo das unidades de conservação, essa articulação entre
demandas ambientais e democráticas se soma à crise da própria realidade das
UCs, isoladas regionalmente e palco de diversos conflitos entre seus gestores e a
população local, muitas vezes impedindo que estas áreas alcancem seus
objetivos ou que, inclusive, saiam do papel. Este cenário levou a uma forte
participação de atores socioambientalistas na arena de disputa que caracterizou a
construção do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) (para
uma analise sobre as posições dentro dessa arena, ver Ferreira et al., 2003),
levando à inclusão, mesmo que de forma tangencial, de diversas demandas de
gestão participativa das unidades de conservação, cujos principais instrumentos
são as consultas públicas e os conselhos gestores.
O SNUC
10
e o Decreto que o regulamenta
11
, regem sobre a
obrigatoriedade de cada UC ter um conselho - deliberativo, no caso das Reservas
Extrativistas e das Reservas de Desenvolvimento Sustentável, presidido pelo
órgão responsável pela administração e constituído por representantes de órgãos
públicos, organizações da sociedade civil e proprietários, quando for o caso
(SNUC, Artigo 29). A Política Nacional de Áreas Protegidas, elaborada pelo
Ministério do Meio Ambiente, também apresenta como diretrizes o
10
Lei Federal n° 9.985/00 nos artigos 15, 17, 18, 20, 29 e 41
11
Decreto Federal n°4.340/02 capítulo V, artigos 17 a 20
45
reconhecimento dos conselhos como componentes fundamentais na tomada de
decisão sobre a gestão das unidades de conservação.
Em relação ao seu formato - paritários entre órgãos públicos de diversos
níveis e sociedade civil, segundo Côrtes (2003), citando Mariano (1996), os
conselhos gestores de UC, especialmente de APAs, estão baseados nos
conselhos gestores de bacia hidrográficas, que foram criados no Brasil a partir
de 1993. Estes, por sua vez, foram baseados na experiência francesa de gestão
dos recursos hídricos. Entretanto, estruturalmente, os conselhos de UCs não
possuem os “braços executivos” dos comitês de bacias: as agências de bacias.
Além disso, os Comitês de Bacia são deliberativos, o que não acontece em todos
os conselhos de UCs.
Segundo Ricardo (2004), até março de 2004, 49 das 260 UCs federais
possuíam conselhos gestores criados e legalmente reconhecidos (28 de Proteção
Integral e 21 de Uso Sustentável).
Segundo o SNUC (Decreto 4340/02, capítulo V, Artigo 20), cabe aos
conselhos: a elaboração de seus regimentos internos; a avaliação dos orçamentos
das unidades e seus relatórios financeiros anuais; a emissão de parecer ou a
ratificação dos dispositivos dos termos de parceria para a contratação de
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) em caso de
gestão compartilhada; o acompanhamento dessa forma de gestão e as
recomendações para rescisão de contratos; o acompanhamento na elaboração,
implementação e revisão dos planos de manejo das unidades; a integração das
áreas protegidas regionais; a manifestação sobre atividades ou obras
potencialmente causadoras de impactos nas unidades, mosaicos e corredores
ecológicos; a consideração e compatibilização de interesses dos diversos
segmentos sociais relacionados com a unidade e a proposição de diretrizes e
ações para otimizar as relações entre a administração da unidade e as populações
residentes em seu interior ou entorno.
46
Embora ainda incipientes, alguns trabalhos têm sido feitos no intuito de
analisar algumas das experiências sobre conselhos em UCs.
Em 2004, foi realizada, pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), em
parceria com diversas entidades, a “Oficina de Gestão Participativa do SNUC”,
na qual foram discutidas diversas experiências objetivando gerar diretrizes que
norteiem a normatização da gestão participativa no SNUC (MMA, 2004).
Das experiências avaliadas, dois pontos foram considerados
fundamentais para o bom funcionamento dos conselhos: o alcance da
representação de segmentos sociais e órgãos públicos, ou seja, a amplitude de
participação de atores relevantes para a gestão da UC e a legitimidade desta
representação, ou seja, o grau e qualidade com que os membros do conselho
exercem sua função de defesa dos interesses dos que a eles delegaram o direito
de expressão (MMA, 2004, p. 22).
Em relação à amplitude de participação nos conselhos, o documento
destaca a importância de que os responsáveis pela UC tenham um entendimento
dos preceitos da participação e que eles estejam comprometidos em divulgá-los.
Entretanto, em algumas das experiências avaliadas, foi notado que,
normalmente, o processo de formação do conselho se com poucos convites,
feitos somente às entidades com interesses afins aos do gestor ou, no caso de
conselhos que foram claramente formados apenas para aprovar o plano de
manejo da UC, por pessoal com capacidade técnica para tal.
Segundo o documento, isso aconteceu, em alguns casos, por falta de
informações socioeconômicas sobre a região, mas denota principalmente que
ainda existe uma postura fechada por parte dos órgãos gestores, os quais
acreditam que uma instância gestora plural como o conselho possa significar
uma ingerência na UC ou não acreditam que representantes das populações
locais possam contribuir tecnicamente para a gestão. Perspectiva semelhante foi
encontrada nos casos estudados por Côrtes (2003). Para este autor, a falta de
47
acesso aos órgãos públicos, manifestada pelos entrevistados, é indicativo de que
existe uma resistência, mesmo inconsciente, por partes destes órgãos em
compartilhar as decisões, que antes eram exclusivamente tomadas pelo poder
público, pois faz parte da estrutura institucional que vigora nestas entidades.
Na sociedade, percebeu-se que o grau de participação é incipiente, pois
existe uma desconfiança em relação ao órgão gestor, devido ao comum histórico
de atitudes autoritárias por parte destes organismos ou porque ainda é fraca a
organização da sociedade (MMA, 2004). Por outro lado, foi observada, em
alguns casos, forte pressão para que diferentes representantes de um mesmo
setor da sociedade civil ocupassem cadeiras no conselho. Percebeu-se que isso
acaba tendenciando os temas a serem abordados no conselho a partir dos
interesses desse segmento, mas que, paradoxalmente, acabam perdendo sua
força de voto pela pulverização da representação. “Ou seja, o conselho não deve
ser espaço para a resolução de problemas e conflitos afeitos a uma categoria ou
segmento específico, sob pena de prejudicar a defesa de seus próprios interesses
e, principalmente, o objetivo e o andamento dos trabalhos inerentes a este tipo
de colegiado.”(p.24). Além disso, a composição muito numerosa do conselho
pode dificultar diretamente o funcionamento do conselho pela dificuldade de
obter o quorum.
Tratando dos conselhos de políticas públicas, Teixeira (2000) faz uma
diferenciação entre os problemas da legitimidade da representação pública e
social. Para os representantes do poder público, os principais problemas
apontados é que esses representantes, normalmente, não têm poder de decisão
dentro da sua organização e suas decisões são tomadas em nome pessoal, o
correspondendo às posições oficiais. Isso, mais uma vez, reflete a percepção
negativa destes espaços pelos setores governamentais, para os quais a
representação em tais espaços se torna secundária frente a outras tarefas
consideradas mais importantes. Na sociedade civil, os grandes problemas são a
48
heterogeneidade, principalmente em relação aos interesses (particularistas x
mais gerais) e a falta de experiência em práticas participativas.
De fato, o que pode ser observado nas experiências analisadas durante a
“Oficina de Gestão Participativa no SNUC”, e que foi apontado como um dos
principais problemas do desempenho dos conselheiros é a personalização da
participação, ou seja, a falta de transparência com as entidades ou setores
representados. Poucos dos conselheiros entrevistados declararam consultar suas
entidades ou suas bases para discutirem os assuntos em pauta, e poucos
declararam repassar os resultados para seus representados (MMA, 2004).
Nesse sentido, Teixeira (2000) destaca a importância de outros espaços
de participação menos formais que permitam a inclusão do cidadão comum:
Tratar da natureza dos Conselhos de políticas públicas exige também
que se indague como inserir nestes mecanismos de representação social
o cidadão comum, não organizado, excluído de qualquer participação.
Até agora, apenas alguns segmentos sociais mais organizados tiveram
acesso a estes mecanismos. Este é o grande desafio da construção da
nova institucionalidade democrática: criar canais de comunicação
permanentes e interativos entre os cidadãos, o governo e as próprias
entidades representativas (Teixeira, 2000, p.106).
Outra questão pertinente aos conselhos é a autonomia em relação ao
poder público:
O que se desprende das análises sobre o funcionamento dos conselhos
e suas disposições regimentais, é que está subentendido, por algumas
instâncias gestoras que esses fóruns são meros apêndices da
administração das unidades de conservação, sem autonomia e
existência própria, cujo funcionamento depende exclusivamente dos
responsáveis diretos pela gestão da unidade, os quais são também seus
únicos interlocutores na estrutura hierárquica dos órgão competentes
(MMA, 2004, p. 27).
Teixeira (2000) coloca a questão da autonomia em relação ao poder
Executivo como um dos limites de ação inatos a estes espaços. No entendimento
deste autor, os conselhos são efetivamente “órgão públicos de natureza sui
49
generis”. Eles se inserem em um importante movimento de construção de uma
esfera pública ampliada: “uma extensão do Estado até a sociedade através da
representação desta regida por critérios diferenciados da representação
parlamentar ou mesmo sindical.”(Teixeira, 2000, p.103). Eles são espaços
dentro do Estado que podem ser penetrados pela sociedade, disputando
significados e lógicas que podem influenciar na forma de fazer política. Sua
autonomia, então, vai depender da unidade das forças da sociedade civil nele
presentes e da natureza das forças políticas dominantes. Assim, a existência de
conselhos não prescinde a constante mobilização da sociedade em espaços
alternativos.
Por fim, a pesquisa pode observar que os conselhos que mais se
aproximam do seu potencial são aqueles frutos de outras formas de instâncias
participativas que já estavam em funcionamento antes da promulgação da lei que
obriga seu funcionamento.
O paradigma da inclusão da diversidade de atores que influenciam ou
são influenciados pela existência da UC na sua gestão procura romper com a
lógica que norteou por muitos anos os processos dessas áreas, em que a decisão
política de criá-las e implantá-las e sua gestão eram impostas de forma
autoritária e unilateral pelo poder público. Entretanto, a legislação que obriga a
criação de conselhos por si não garante a qualidades destes espaços; existem
outras normas sociais que vão reger a participação além da abertura dos
conselhos, como, por exemplo, as instituições que regem as questões de
propriedade ou aquelas relações construídas ao longo do tempo que influenciam
as relações de confiança que serão determinantes para a implementação de um
paradigma de governança baseado nos conselhos.
A partir do discutido sobre a complexidade imposta pela natureza difusa
da proteção do meio ambiente e pela necessidade de incluir os atores envolvidos
na gestão deste bem comum, seja pela constatação de que a participação gera
50
políticas mais efetivas, seja pela opção política de fortalecer a sociedade civil e
democratizar o Estado, o fato é que os conselhos gestores em UCs têm que lidar
com diversas situações que envolvem questões de ação coletiva. A partir da
própria descrição do papel dos conselhos pelo SNUC, pode-se depreender duas
funções, em relação à gestão ambiental, essenciais e interligadas: a negociação
de conflitos e a ação para otimização da gestão. No primeiro caso, lida-se, em
uma primeira instância, com a necessidade de que os conflitos saiam da esfera
privada para serem expostos na esfera pública (em especial, na arena do
conselho). Isso dado, os problemas da ação coletiva também aparecem na
necessidade de estabelecer consensos (regras claras e compartilhadas) em
relação específica a determinado assunto. No segundo, os conselhos podem ser
entendidos como focos articuladores daquela estrutura de incentivos (citada por
Beduschi Filho, 2001) capaz de fomentar um processo de transformação das
normas de uso dos recursos naturais, que possam se traduzir em novos tipos de
ação. Aqui, o problema da ação coletiva se inicia dentro do espaço do conselho
(entre as organizações representadas, ou mesmo parte delas) e depois na
sociedade para participar destas ações. Assim, em ambas as funções, os
conselhos de UCs terão sempre que lidar com questões de mobilização,
informação e poder. Entretanto, é especialmente em relação à função de
tratamento dos conflitos que é essencial um elevado grau de participação e
legitimidade desta no conselho, de modo que todos os valores e interesses
estejam representados (e de forma legítima) para que as regras construídas sejam
legítimas para todos os grupos sociais envolvidos na conservação dos recursos
naturais.
51
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1 Os fundamentos da pesquisa qualitativa
Para estudar o processo de construção da gestão participativa na Área de
Proteção Ambiental Serra da Mantiqueira, optou-se pelo processo de
investigação qualitativa.
Segundo Bogdan & Bikklen (1994), a investigação qualitativa possui
cinco características que podem estar presentes em diferentes graus neste tipo de
pesquisa. Primeiramente, está a importância dada à observação direta dos dados.
Por mais que se utilizem fontes secundárias, a pesquisa de campo é valorizada
por acreditar-se que as ações podem ser melhor compreendidas quando
observadas dentro de seu contexto. Em segundo lugar, a investigação qualitativa
é normalmente descritiva, isto porque, na sua busca de conhecimento, os
investigadores qualitativos tentam analisar os dados em toda a sua riqueza,
respeitando, tanto quanto possível, a forma como estes foram registrados ou
transcritos. A descrição é bastante útil quando se pretende que nenhum detalhe
escape ao estudo.
Outra característica é que a investigação qualitativa importa-se mais
com os processos sociais, os porquês das atitudes dos sujeitos do estudo, que
com seus resultados e produtos. O significado dado pelos sujeitos para suas
ações também é um aspecto relevante para a pesquisa qualitativa, pois, “ao
apreender as perspectivas dos participantes a investigação qualitativa faz luz
sobre a dinâmica interna das situações, freqüentemente invisível a observadores
externos” (Bogdan & Bikklen 1994, p. 51).
Ainda, os dados de pesquisas qualitativas são normalmente analisados
de forma indutiva, ou seja, estes não o colhidos com a expectativa de provar
ou refutar hipóteses previamente construídas, mas para alimentar e realimentar o
processo de delimitação das questões relevantes ao problema de pesquisa.
52
A este processo, específico à investigação qualitativa, Alencar (2000),
baseado em Spradley (1980), denomina “modelo interativo de pesquisa” ou
“modelo circular de pesquisa”. A idéia é ade que não existe uma diferença
estanque entre as atividades de coleta e de análise dos dados. Ao final de cada
ida a campo, o investigador procede com uma análise parcial que pode fazer
emergir outras questões e temas mais relevantes ao entendimento daquela
realidade. Dessa forma, as suposições do investigador antes de ir a campo vão se
transformando a partir das observações de campo. Assim, na pesquisa
qualitativa:
O processo de análise dos dados é como um funil: as coisas estão
abertas de início (ou no topo) e vão se tornando mais fechadas e
específicas no extremo. O investigador planeja utilizar parte do estudo
para perceber quais são as questões mais importantes. Não presume
que se sabe o suficiente para reconhecer as questões importantes antes
de efetuar a investigação (Bogdan & Bikklen 1994, p. 60).
4.2 Procedimentos da pesquisa de campo
4.2.1 Observação participante
Na observação participante, segundo Alencar (2000, p. 87), “o
pesquisador junta-se ao grupo estudado e tenta ser um de seus membros e, ao
mesmo tempo, observador.”. Para que isso ocorra de fato, o investigador deverá
desenvolver ações tais quais o grupo em estudo desenvolve. Segundo este autor,
a importância deste método está na possibilidade de captar situações ou
fenômenos que não poderiam ser obtidos por meio de perguntas.
Nesse sentido, a participação, como assessora técnica do projeto
“Fortelecimento da Gestão Participativa da APA Serra da Mantiqueira”
(Fundação Matutu, 2003), tornou possível uma forte interação com o Conselho
Consultivo da APA Serra da Mantiqueira em seu primeiro ano de
funcionamento. Além de atividades específicas com o Conselho (além das três
reuniões ordinárias do Conselho, no contexto do projeto, foram realizadas duas
53
oficinas integradas de conselheiros), foi realizado um diagnóstico socio-
ambiental participativo em 18 municípios da Área de Proteção Ambiental Serra
da Mantiqueira. Este diagnóstico foi realizado por jovens do ensino médio dos
municípios pesquisados e foram realizadas 235 entrevistas (individuais e
coletivas) com diversos atores da APA. Os resultados foram analisados em três
eventos regionais dos quais participaram cerca de 250 pessoas. Essa vivência, de
fato permitiu um contato direto com os problemas de implementação da gestão
participativa nesta UC neste momento.
4.2.2 Entrevistas
Também foram realizadas entrevistas com os conselheiros da APA por
meio de:
questionários mistos sobre perfil dos conselheiros (Anexo A), respondidos
por 26 conselheiros, sendo 17 da sociedade civil (quatro representantes de
associação de moradores, três representantes do comércio e turismo, dois
representantes de comitê de bacia, cinco representantes da ONGs
ambientalistas, um representante do setor de indústrias e comércio, um
representante de associações de produtores rurais e três representantes do
setor de ensino e pesquisa) e 11 do poder público (sendo três do poder
público municipal, dois do estadual e quatro do federal);
entrevistas semi-estruturadas, realizadas com 10 conselheiros (um analista
ambiental do Ibama vice presidente do Conselho, dois representantes de
ONGs ambientalistas, um representante de Comitê de Bacia, um
representante de associação de moradores, dois representantes do poder
público municipal, um representante de associações de produtores rurais e
um representante do setor de comércio e indústria). A amostragem das
entrevistas foi intencional não probabilística. Os entrevistados foram
escolhidos a partir de julgamento ou indicação, pelo seu maior envolvimento
54
com as questões do setor representado por ele. Também foram escolhidos
conselheiros que, por sua história de vida, pudessem fornecer dados
históricos sobre a região e sobre a UC. Foram incluídos no roteiro os
seguintes temas:
sobre a região: histórico da Serra e da APA Serra da Mantiqueira;
sobre a APA: principais problemas e conflitos, histórico de gestão,
relação da população com o órgão gestor da UC, percepção da
população sobre o bem ambiental;
sobre o Conselho: estrutura e papel.
4.2.3 Pesquisa documental fontes secundárias
Fontes secundárias de dados, como notícias de jornais, relatórios, dados
censitários, etc., foram utilizados para complementar informações sobre as
características e a história da região e da APA Serra da Mantiqueira.
55
5 A QUESTÃO AMBIENTAL NA SERRA DA MANTIQUEIRA
A Serra da Mantiqueira é uma das maiores e mais importantes cadeias
montanhosas do sudeste brasileiro, abrangendo parte dos estados de São Paulo,
Rio de Janeiro e Minas Gerais, estando eqüidistante das três maiores metrópoles
brasileiras. É considerada prioritária para a conservação da biodiversidade da
Mata Atlântica (Conservation International do Brasil et al., 2000). Apresenta
remanescentes florestais com alto grau de conectividade e é a maior unidade de
conservação que integra o corredor sul da Mata Atlântica, onde estão
concentradas as áreas florestais contínuas desse bioma.
A Mata Atlântica é bioma reconhecido como Patrimônio Nacional pela
Constituição de 1988 e homologada como Reserva da Biosfera em 1992, pelo
programa Man and Biosphere (MaB) da Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). O bioma é considerado um dos cinco
“hotspots” para a conservação da biodiversidade (Myers et al., 2000).
Além de abrigar fauna e flora ameaçada de extinção, a Serra da
Mantiqueira abriga ainda as nascentes que abastecem as principais bacias da
região sudeste: Paraná e Paraíba do Sul. Apesar dos impactos da atividade
humana, a região ainda apresenta um rico ecossistema característico de Floresta
Ombrófila Densa. Nas áreas intangíveis, podem ser encontrados ecossistemas
primitivos com grande acervo de espécies endêmicas.
Entretanto, não são apenas os interesses federais e internacionais de
conservação da Mata Atlântica que estão presentes nessa região. Originalmente
habitada por índios, com vigorosa ocupação durante a época da colônia,
industrialização da porção paulista e fluminense e com crescente influxo
turístico, a Serra da Mantiqueira compõe atualmente um cenário no qual
diversos tipos de atores interagem entre si e com a natureza. o estes:
agricultores familiares, turistas e migrantes de origem urbana (dentre os quais
56
compõe-se o movimento ambientalista), empresários e órgãos públicos
municipais, estaduais e federais.
No presente capítulo, busca-se recuperar parte da história da região,
atentando para as relações socioambientais dos diversos atores, principalmente
agricultores, ambientalistas e órgãos públicos de defesa do meio ambiente.
Entender esse cenário é fundamental para pensar os limites da construção de
uma gestão participativa na Serra da Mantiqueira.
5.1 Breve histórico de ocupação da região
O termo Mantiqueira denota a presença remota de índios na região. De
origem Tupi-Guarani, a tradução mais encontrada deste termo é “local em que se
originam as águas”. Lamego (1950) citado por Costa, (2003) no entanto, busca,
baseado em Orville Derby, uma explicação mais precisa: Amanty ou amandy
significa chuva e uquire, dormir. Amantyquir seria pouso das chuvas. A palavra
Mantiqueira corresponderia a aman-ty-quer, que se traduz como “queda d’água
das nuvens”.
Com a chegada dos primeiros bandeirantes em busca de ouro,
principalmente a partir da segunda metade do século XVII, a Serra da
Mantiqueira começa a ser incorporada ao que hoje se denomina cultura ocidental
(Mendes Jr et al., 1991). Nesse momento, a principal via de acesso à região era a
“Garganta do Embaú”, onde atualmente se encontra a estrada que liga os
municípios de Cruzeiro e Passa Quatro. Assim, os desbravadores plantaram as
primeiras roças no lugar que seria chamado Pouso Alto e deste ponto de apoio
chegaram ao ouro.
No século XVIII, com a notícia de ouro no território
mineiro, o processo de ocupação se acelerou:
A ocupação foi muito rápida. De Portugal vieram milhares de
aventureiros em poucas décadas. Com a imigração portuguesa vieram
também os escravos africanos, que se juntaram aos índios aprisionados.
57
Os mamelucos paulistas ficavam com as tarefas secundárias de plantio
e abastecimento das minas. Os campos altos nativos da Mantiqueira
serviam de imediato à criação de gado e de burros de carga [...] Da
miscigenação destas três raças, que é a base do povo brasileiro e com
esta produção fez-se o povoamento da Serra da Mantiqueira (Mendes
Jr. et al., 1991, p. 36)
Enquanto outras regiões mineradoras do estado de Minas Gerais
(principalmente do norte) dependiam de abastecimento externo, na Bacia do Rio
Grande e em seus principais tributários instalava-se um centro agropastoril
favorecido pelas condições naturais, que supriam os centros mineradores
próximos e, posteriormente, ganhariam importância regional (Cavallini, 2003).
Assim, mesmo dominante, a atividade mineratória não era exclusiva na região:
Nascida mineratória, primeiro o ouro e, a partir de 1929, os diamantes, a
economia de Minas Gerais não se limitará a estes produtos. Desde o
início do século XVIII, as sucessivas crises de abastecimento, em 1699-
1700-1701, a carência dos gêneros importados, a rápida decadência de
muitas áreas mineratórias, induziram à diversificação produtiva, fazendo
com que ao lado da atividade mineratória dominante se expandissem a
agricultura, a pecuária, diversas atividades manufatureiras (Pádua,
2000: 63).
Durante todo o período aurífero, São Paulo e Rio de Janeiro tratavam de
buscar ouro na montanha sem, no entanto, se encontrar. Neste período, o Vale
do Paraíba permanecia coberto pelo “mato bravo”. Entretanto, a partir de 1785,
o café começou a ser plantado em Resende. “Desde então um assalto formidável
à gleba virgem, rio abaixo e rio acima, subindo lombadas, rompendo cristas,
galgando divisores, no rastro das florestas fugitivas, os cafezais precipitavam-se
em fileiras cerradas, conquistando o Vale inteiro” (Lamego, 1950 citado por
Costa, 2003, p. 77). Durante o ciclo do café, a estruturação social do Vale do
Paraíba do Sul se modificou por completo, sobretudo na região fluminense.
Com a crise do café, a pecuária voltou então a substituir os cafezais.
Mas, no Vale do Paraíba, esta realidade dura muito pouco e, com o advento da
58
industrialização, em meados do século XX, a região passou a ser aceleradamente
ocupada. Assim, a vertente sul da montanha, a Mantiqueira rural de Minas
passou, por comparação, a ser relacionada ao atraso.
No entanto, a região não deixou de “servir ao progresso” e milhares de
árvores foram derrubadas para alimentar a siderurgia que se instalava no Vale do
Paraíba:
A última carvoaria que eu vi foi por volta de 78; de pra não, mas
até essa época tirava muito carvão; na década de 40, 50 tirava muito
carvão [...] essa terra foi toda devastada. O que nós vemos de mata não
é a mata virgem, é a mata nativa, mas não é a mata virgem. Na verdade,
a mata virgem, ela foi, próximo do Pico das Agulhas Negras, foi tudo
[...] A devastação, madeira de lei, tudo que se pode devastar, devastou.
Hoje, nós temos, nos últimos 25 anos, por aí, nós tivemos um aumento
da mata nativa bastante considerável [...] esse tipo de comércio acabou
e foi-se permitindo que a natureza regenerasse (Relato de entrevista
cooperativista, representante de associações de produtores rurais).
Entre as décadas de 1960 e 70 houve um grande êxodo rural, quando o
processo de urbanização e industrialização conduziu boa parte das populações
rurais e urbanas do sul de Minas Gerais às maiores cidades, especialmente
aquelas localizadas no Vale do Paraíba, como Taubaté, Caçapava, São José dos
Campos e Guaratinguetá. Paradoxalmente, a região tem apresentado um grande
influxo de moradores de grandes centros urbanos, principalmente impulsionados
pela baixa qualidade de vida das grandes cidades e pela busca de uma vida
alternativa. Se, por um lado, isto tem causado um turismo desordenado em
algumas regiões, é parte desta nova geração de migrantes que vai dar forma ao
movimento ambientalista na Serra da Mantiqueira (item 5.3).
Como pode ser percebido no breve relato apresentado, a ocupação
ocorreu em diferentes formas e níveis na Serra da Mantiqueira, configurando um
território caracterizado por forte heterogeneidade das características sócio-
econômicas, culturais e de paisagens. Se, em meados do século XIX,
encontravam-se modos de produção que eram comuns e generalizados nos
59
estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, nestes últimos, o advento
de novas técnicas fez com que estes métodos fossem sendo substituídos, tendo
“a cultura tradicional de subsistência refluído para bolsões cada vez menores,
na maior parte das vezes ao longo das serras onde as terras o de mais difícil
acesso, menos propícias à mecanização e por isso também menos cobiçadas e
mais baratas” (Mendes Jr et al., 1991, p. 36). Atualmente, são grandes os
contrastes existentes entre as porções paulista e fluminense e a mineira.
Enquanto nas primeiras é forte o processo de urbanização e turismo, em Minas
ainda permanecem formas de manejo que, apesar de algumas mudanças,
remontam à época dos bandeirantes.
Dados do censo de 1991 e 2000 de alguns municípios da Serra da
Mantiqueira, apresentados no Anexo B, são bastante elucidativos desta
heterogeneidade. É possível perceber que, embora tenha havido uma diminuição
da porcentagem de população rural entre 1991 e 2000, a maioria do municípios
mineiros é predominantemente rural, ao contrário dos municípios paulistas e
fluminense. De forma geral, os municípios de São Paulo e Rio de Janeiro
também apresentam maiores níveis de renda e menor analfabetismo que os de
Minas Gerais.
5.2 Mudanças no mundo rural da Mantiqueira
Apesar do êxodo rural e da influência do turismo
12
serem cada vez
maiores, ainda existe, na porção mineira da Serra da Mantiqueira, uma
12
Boa parte da população rural vem sendo incorporada pelo turismo e muitas propriedades m
sendo adquiridas por pessoas provenientes dos grandes centros urbanos. Especialmente na porção
paulista e fluminense da Serra, este processo é bem acelerado, como descreve um ambientalista
do bairro da Serrinha, zona rural de Resende (RJ): A população mais antiga já está toda
incorporada a esse processo turístico, mas bem menos tempo que Mauá. A população nunca
foi proprietária de muita terra, só que utilizava muita terra. Essas áreas que eles usavam
acabaram sendo cercadas pelo dono. As áreas disponíveis para plantio acabaram, a população
passou a viver estritamente na areazinha que ela conseguiu adquirir, que geralmente são áreas
pequenas, a trabalhar como jardineiro, pedreiro, ajudante...”.O impacto do turismo é muitas
60
população que descende da ocupação realizada pelos bandeirantes desde o
século XVIII e que ainda vive do trabalho na terra. São normalmente pequenos
proprietários de terra que vivem de uma agropecuária de subsistência.
Recentes trabalhos realizados na região de estudo, desenvolvidos por
Cavallini (2001) e Jardim (2003)
13
, identificam que, nas propriedades rurais,
domina o trabalho familiar, com o qual coexistem outras relações de trabalho,
como a contratação de mão-de-obra temporária, o estabelecimento de parcerias e
a realização de mutirões ou troca de trabalho. Destaque-se este último que,
embora cada vez menos freqüente, denota a existência de normas de
reciprocidade na sociedade rural, principalmente referentes a laços familiares.
São normalmente pequenos proprietários que desenvolvem uma
agricultura de subsistência, mas com forte presença da criação bovina leiteira,
fortemente direcionada à comercialização (Cavallini, 2001, p. 31). Jardim (2003)
destaca ainda a importância da aposentadoria rural e do “trabalho fora” de algum
dos membros da família para a aquisição de bens não produzidos na
propriedade.
Nas propriedades planta-se principalmente milho e feijão para o
consumo interno e a alimentação animal. Tradicionalmente, o processo de
aração era realizado por juntas de boi, sempre obedecendo às curvas de nível do
terreno que, apesar de ser uma técnica antiga, é muito apropriada a áreas
montanhosas como da Serra da Mantiqueira. Entretanto, seu uso tem sido
restringido pela diminuição de estabelecimentos rurais que ainda dispõem desse
recurso e pelo escasseamento da mão-de-obra. Nesse sentido, Jardim (2003)
observou que muitos produtores têm preferido, por motivos econômicos, alugar
tratores. O problema é que, pela topografia da região, a aração mecânica acaba
vezes drástico; em Campos do Jordão, por exemplo, a população local acabou morando em
barracos nas encostas dos morros (Mendes Jr et al., 1991).
13
Cavallini (2001) estuda os bairros rurais pertencentes ao município de Itamonte, Alagoa,
Aiuruoca e Pouso Alto; Jardim (2003) centra seu estudo na zona rural de Bocaina de Minas.
61
tendo que ser feita “morro abaixo”, contribuindo para a aceleração dos processos
erosivos e perda da fertilidade da área de plantio.
Segundo Cavallini (2001, p. 31), por sua abrangência e caráter extensivo,
a atividade bovino leiteira é o sistema produtivo que possui maior influência na
dinâmica da paisagem local: “enquanto as áreas destinadas para o plantio
raramente alcançam 20% das propriedades, as áreas de pastagem facilmente
abrangem 50% ou mais”. Segundo este autor, o fato, de consenso entre os
agricultores estudados, de que a atividade leiteira vem se tornando cada dia
menos atraente do ponto de vista econômico, tem gerado ações e práticas
produtivas de forma diferenciada e aparentemente antagônica. Embora não seja
generalizável a todos agricultores da região, essas ações têm se dado na direção
de maximização do rebanho como forma de aumentar a produção bruta, seja
pela expansão das áreas de pastagem, seja pela lotação dos pastos, conduzindo a
maior pressão sobre os remanescentes florestais, levando ao empobrecimento da
terra, compactação do solo e aumento dos processos erosivos.
A forma tradicional de manejar o pasto é por meio do fogo. Jardim
(2003) traz um pouco da racionalidade dos agricultores em usar esta forma de
manejo, o que se justifica pela forte crença de que o fogo aumenta a fertilidade
do solo. Entretanto, vale destacar o fato de que é cada vez menor a presença de
mão-de-obra na região e que esta é uma forma de manejo muito barata.
Outras atividades vêm se mostrando como importantes alternativas,
como a apicultura, a truticultura e outros, mas têm pouca penetração nas
comunidades rurais. Também faz parte do modo de vida dessa região, utilizar
espécies arbóreas nativas para o uso interno da propriedade, seja para uso mais
nobre como artesanato, construção de casas, galinheiros, currais ou paióis,
ferramentas de trabalho, seja para lenha.
É importante frisar aqui que, se, por um lado, as formas tradicionais de
uso e manejo do solo vão ao encontro da legislação ambiental, por outro lado -
62
até por seu caráter de pequena escala-, essas formas de manejo permitiram que
se mantivessem remanescentes florestais, que tanto chamaram a atenção das
pessoas vindas da cidade.
Ainda, é de importante constatação que a propriedade para esta
população, é, ao mesmo tempo, unidade de produção, de consumo e de
reprodução social. De acordo com Jardim (2003), sem querer classificar essas
propriedades como conservacionistas ou não, essa é uma percepção de profunda
interação com a natureza, que é diferente da visão dicotômica das pessoas de
origem urbana.
5.3 Os anos 70, a re-significação do rural: a chegada o movimento
ambientalista na Serra
Principalmente a partir da década de 70, muitos grupos de classe média e
de origem urbana passaram a freqüentar a Serra da Mantiqueira. Estabelecendo
apenas casas de veraneio ou de fato migrando para a montanha, estas pessoas,
insatisfeitas com a qualidade de vida nas cidades, buscam uma vida alternativa,
mais ligada à natureza e a princípios comunitários. Nesse aspecto, as
características da Serra, que sob uma perspectiva urbano-industrial eram
consideradas extremamente atrasadas, passam a ser valorizadas.
Durante algum tempo, eu e outros amigos com idéias semelhantes
procuramos um local adequado para fundar uma comunidade. uns
três anos encontramos finalmente o Vale das Flores
14
que, além das
vantagens de ser relativamente perto dos grandes centros urbanos,
estava situado numa região razoavelmente preservada.... A densidade
demográfica na região é, portanto, relativamente baixa e a falta de
estradas asfaltadas funcionou e vem funcionando como uma espécie de
cordão de isolamento. Por todos estes aspectos, o local é para nós
bastante atraente para a experiência (A volta..., 1980).
14
O Vale das Flores localiza-se em Bocaina de Minas, MG
63
Essa migração urbana aconteceu em várias regiões da Serra, dando
origem a diversos focos de ações culturais-ecológicas. No que concerne à
construção de um movimento ambientalista local, voltado essencialmente para a
proteção dos recursos naturais da Mantiqueira, vale destacar as regiões de
Visconde de Mauá (RJ e MG) e Bocaina de Minas (MG) como os primeiros
focos articuladores e, mais recentemente, as regiões de Itamonte, Baependi e
Aiuruoca, em Minas Gerais.
Neste princípio, o ambientalismo na Mantiqueira pode ser identificado
com uma forte influência do movimento “hippie”
15
, trazendo para a Serra os
Encontros de Comunidades Alternativas (ENCAs). Organizado pela Associação
de Protetores da Natureza do Vale de Bocaina (APROBIO, organização fundada
por pioneiros do movimento na Serra e presente hoje no Conselho da Área de
Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira), foi realizado, no Vale das Flores,
em Bocaina de Minas, o IV ENCA, em 1980, reunindo cerca de 500 pessoas
ligadas ao movimento de comunidades alternativas. Depois deste, ainda foram
realizados outros ENCAs na região.
Segundo depoimento de ambientalista, nesta época discutia-se a idéia de
pólos Ecológicos, “centros geopolíticos de convergência e atração que
passaram a canalizar a demanda de novos grupos que vão deixando a cidade
para ir ao campo” (Pólos..., 1983), trazendo uma idéia política, mas também
mística desta região: “obedecendo a raciocínio de ordem estratégica e de
observação das diversas áreas comunitárias. Em geral, os pólos estão
espalhados em torno do paralelo 15, que consta das profecias de Dom Bosco
como sendo a faixa planetária de importância vital nos eventos que marcarão a
Nova Era”. Em entrevista para o presente estudo, este mesmo ambientalista
colocou que as idéias dos Pólos, em conjunto com uma situação de denúncias
64
criada na época, principalmente de desmatamentos e loteamentos ilegais,
influenciaram a criação, em 1985, da Área de Proteção Ambiental (APA) Serra
da Mantiqueira.
A questão é que, além da real importância destes grupos na divulgação
das ameaças aos recursos naturais da região, no fluxo de pessoas da cidade para
a montanha existiam também pessoas de influência política, como José Pedro de
Oliveira Costa (então funcionário do Governo de São Paulo), que foi o
propositor e implementador da APA.
No entanto, com a visão de que “nada tinha mudado” com a criação
desta Unidade de Conservação, foi formada a Frente de Defesa da Mantiqueira
(Fedapam), que em 1989 chegou a congregar 15 organizações da sociedade civil
em torno da questão ambiental. Buscando ser um espaço de articulação entre
entidades pela Mantiqueira, a ação de maior referência da Fedapam foi a
publicação, em 1991, do Relatório Mantiqueira (Mendes Jr et al., 1991).
Entretanto, logo após a publicação deste documento, a Fedapam se desfaz por
“brigas internas” (segundo depoimento de ambientalista).
Diversas eram as formas de ação do movimento ambientalista, algumas
ligadas à divulgação e alerta das ameaças aos recursos naturais da Serra, como a
realização de caravanas” em jegues, o “Jegue Trophy” (1998); outras ligadas a
atos contra empreendimentos específicos, como o Ato Antinuclear de Resende,
em 1989, que vetou a implantação da usina nuclear em Resende; a retirada de
Balsas que ainda extraíam ouro do rio Aiuruoca, poluindo o ecossistema com
mercúrio e o SOS Fumaça, uma campanha que vetou o projeto de exploração do
potencial hidrelétrico da cachoeira da Fumaça em Resende. O depoimento de um
ambientalista sobre este último movimento mostra algumas características
15
Apesar das diversas transformações que tem sofrido a ação ambientalista na Serra da
Mantiqueira, essa identificação com o movimento “hippie” ainda permanece para muitos dos
moradores mais antigos, como foi percebido por Jardim (2003).
65
comuns às formas de ão do ambientalismo na Serra, com influência política e
ações muitas vezes opostas aos interesses de outros moradores da região:
A primeira tentativa foi em 1987 e o prefeito da época, assessorado até
pelo André Vieira, que conhecia bem a região, descobriu que aquela
serra da cachoeira era do município e decretou o Parque Municipal da
Cachoeira da Fumaça. Ao criar isso, deu uma embolada no meio de
campo. isso não impedia, mas criava uma situação que retardou a
história [...]. Aquilo criou um impasse que a imprensa deu uma recuada
e se ganhou alguns anos. Mas, quatro anos depois, no outro prefeito,
essa empresa voltou - não sei nem se era a mesma empresa ou não - pra
gerir energia especificamente para uma fábrica que ia ser montada num
município de Minas, Passa Vinte. E aí, de novo a polêmica surge e esse
prefeito decreta o tombamento da cachoeira da fumaça, justamente para
garantir a preservação do fenômeno de água que gerou o nome da
cachoeira [...] Claro, os ambientalistas todos apoiando o processo de
tombamento {e a comunidade também?) A comunidade mineira, não
gostando nada do tombamento porque a empresa plantou neste
município que tem uma depressão econômica brutal que aquilo era a
redenção econômica do município, aquela empresa, e aquela empresa
podia existir se houvesse energia abundante [...] Eram os
ambientalistas aliados à prefeitura contra o interesse econômico da
grande empresa.[...] Neste governo, numa terceira investida da
empresa, houve um grupo empresarial pra se fazer a cachoeira da
fumaça, teve mais um processo de tombamento. Foram três documentos
jurídicos de âmbito municipal aliados a pareceres do Ibama que
conseguiram realmente reverter essa ameaça [grifo nosso].
No contexto da ECO-92, foi realizado um evento no qual alguns
representantes de vários países foram convidados a plantar arvores nativas em
uma área então chamada de Bosque das Nações.
Mais recentemente, o movimento tem se espalhado por muitas regiões da
Serra, caracterizando-se cada vez mais por ações institucionais, como a captação
de recursos financeiros para a realização de projetos ambientais. Sem querer ser
exaustiva, vale a pena enumerar alguns destes projetos
16
:
16
Os projetos listados apresentam um recorte do ponto de vista da observação participante e não
sendo fruto de um extenso levantamento.
66
Em 1997, o projeto "Muda o Mundo Raimundo", financiado pela
Fundação Roberto Marinho e realizado pelas ONGs Instituto Brasil de
Educação Ambiental (Rio de Janeiro) e Crescente Fértil (Resende)
promoveu um processo de capacitação em educação ambiental para
professores e lideranças comunitárias do entorno do Parque Nacional do
Itatiaia;
Em 2001 e 2002, uma rede de ONGs locais, financiada pela Fundação
Luterana de Diaconia, deu início ao projeto "Integrando Ações na
Mantiqueira", que desenvolveu ações de formação e integração de
jovens residentes em cinco comunidades localizadas na APA da Serra
da Mantiqueira: Colina e Campo Redondo (Itamonte, MG), Visconde
de Mauá (Bocaina de Minas, MG e Resende, RJ), Serrinha do Alambari
(Resende, RJ) e Matutu (Aiuruoca, MG). Vale ressaltar que, apesar de
ter seus recursos renovados, este projeto não teve continuidade devido a
conflitos entre as organizações locais;
Em 2003 foi aprovado, junto ao Fundo Nacional do Meio Ambiente
(FNMA), coordenado pela Fundação Matutu e Ibama, o projeto de
fortalecimento do então recém-formado Conselho Consultivo da APA
Serra da Mantiqueira;
Em 2004, o Centro Comunitário da Colina obteve financiamento do
"Critical Ecosystems Partnership Fund" (CEPF) para o “Projeto de
ecodensenvolvimento para conservação da microbacia do rio Colina:
conhecendo e planejando a Colina”;
O CEPF ainda financia os projetos “Corredor ecológico do Sul de
Minas” (Valor Natural - 2003) e “Gestão Socioambiental na APA Serra
da Mantiqueira” (Crescente Fértil - 2004).
Destacam-se ainda eventos com objetivos de articulação política, como
uma viagem à Alemanha, por diversas entidades ambientalistas e órgão públicos,
67
em 1999, para assinar um termo de cooperação com ONGs e representantes
públicos deste país e a realização do evento "Mobilização Nacional para o
Ecodesenvolvimento de Montanhas" (www.itatiaia.org.br e
www.mountais2002.org) realizado em 2002, no Parque Nacional do Itatiaia, no
contexto do Ano Internacional das Montanhas (estabelecido pela "Food and
Agriculture Organization" - FAO).
A partir da exposição acima, é possível tecer alguns comentários sobre
as características do movimento ambientalista na Serra da Mantiqueira.
Primeiramente, embora não seja um movimento homogêneo, percebe-se que
existe uma tendência cada vez maior de ões em rede. Essa rede é alimentada
em ações e eventos ambientais, mas também de se destacar, mais
recentemente, o uso da "internet" como um meio importante de comunicação
17
.
É também patente o acesso do movimento à mídia local e regional, bem como
sua articulação com instâncias nacionais e mesmo internacionais, seja para
captar recursos seja para exercer pressão política.
Mesmo depois de séculos de devastação (com o ouro, o café, a
exploração de madeira, caça indiscriminada, etc.), são estes grupos que passam a
divulgar as questões de degradação ambiental na Serra como problemas
18
,
chegando a institucionalizar esta questão inclusive com a criação de unidades de
conservação, como a APA Serra da Mantiqueira.
Outra característica essencial para se entender a atual condição deste
movimento é que ele é composto por pessoas, em sua maioria, oriundas das
grandes cidades. Embora atraídas pela vontade de “voltar” à natureza, mesmo
17
Em outubro de 2000, foi criado o grupo de discussão virtual,
“redemantiqueira@grupos.com.br", como um instrumento de integração, participação e
divulgação das ações ambientais. Um exemplo importante de atuação da rede foi durante o
incêndio no PNI em 2001, que possibilitou a pronta atuação das brigadas voluntárias das
comunidades do Matutu (Aiuruoca) e de Visconde de Mauá.
18
Segundo o Relatório Mantiqueira (Mendes Jr et al., 1991, p. 9), as principais ameaças à Serra
são: 1) as práticas agropastoris e extrativistas arcaicas, 2) o turismo e urbanização desordenados e
3) a pressão sobre os recursos minerais, hídricos e o potencial hidrelétrico.
68
daquelas que moram na região e são donas de terras, poucas são as que tiram seu
sustento integralmente do local. Ainda, embora o discurso e ação do movimento
e organizações de cunho ambiental cada vez mais incorporem a necessidade da
participação de diversos atores na construção da sustentabilidade, o movimento
ambientalista traz consigo uma idéia própria de natureza freqüentemente distinta
das visões da população local. Para Jardim (2003), a questão é que,
diferentemente das populações rurais, é forte no ideário destes novos migrantes a
idéia da “natureza intocada”, com forte influência do preservacionismo.
Se, por um lado, essa interação potencializa situações de
destradicionalização da cultural local, em algumas localidades são geradas
situações de aprendizagem social e com um potencial emancipador, como, por
exemplo, nos casos dos bairros rurais Campo Redondo e Colina (ambos em
Itamonte, MG), sobre os quais trata o trabalho de Costa (2003), que conclui:
Articulado em forma de rede, o movimento ambientalista observado tem
se mostrado capaz de fortalecer o capital social das comunidades,
aumentando suas condições de acesso à outros atores sociais, em um
processo que culminou em 2003 na participação dos Centros
Comunitários Rurais da Colina e do Campo Redondo no recém-formado
Conselho Consultivo da APA da Mantiqueira (Costa, 2003, p.140).
5.4 A APA Serra da Mantiqueira: entra em cena o Ibama
A Área de Proteção Ambiental (APA) Serra da Mantiqueira foi criada
em 1985 pelo Decreto Federal nº 91.304. Para ambientalistas que tiveram
contato com José Pedro de Oliveira Costa, o criador desta Unidade de
Conservação (UC), a extensão da APA, de aproximadamente 400.000 hectares,
justifica-se pela intenção de criar um corredor ecológico ligando a região alta da
Serra Mantiqueira (Visconde de Mauá) a Campos do Jordão.
69
A APA abrange parte dos seguintes municípios (Figura 1)
19
: Aiuruoca,
Alagoa, Baependi, Bocaina de Minas, Delfim Moreira, Itanhandu, ltamonte,
Liberdade, Marmelópolis, Passa Quatro, Passa Vinte, Piranguçu, Pouso Alto,
Virgínia e Wenceslau Brás, no estado de Minas Gerais; Campos do Jordão,
Cruzeiro, Guaratinguetá, Lavrinha, Pindamonhangaba, Piquete, Santo Antonio
do Pinhal, São Bento do Sapucaí e Queluz, no estado de São Paulo e Itatiaia e
Resende, no estado do Rio de Janeiro.
Além desta APA federal, a Serra da Mantiqueira ainda apresenta as
seguintes UCs:
de uso sustentável: Floresta Nacional (FLONA) de Passa Quatro (345
hectares) e diversas APAs municipais;
de proteção integral: Parque Nacional do Itatiaia (30.000
hectares
)
(Figura 1), Parque Estadual do Pico do Papagaio (22.000
hectares
),
Parque Estadual de Campos do Jordão (8.300
hectares
) (Figura 1) e
diversas Reservas Particulares do Patrimônio Nacional.
19
Essa delimitação está de acordo com o Memorial Descritivo da APA (artigo 3 do seu Decreto de
Criação). Note-se que existem algumas diferenças na relação de municípios descrita no Artigo 1
o
deste mesmo decreto.
70
FIGURA 1 Limites da APA Serra da Mantiqueira (em amarelo), outras
unidades de conservação (em azul) e municípios (linhas tracejadas).
Segundo seu decreto de criação, a APA Serra da Mantiqueira objetiva:
além de garantir a conservação do conjunto paisagístico e da cultura
regional […] proteger e preservar: a) parte de uma das maiores cadeias
montanhosas do sudeste brasileiro; b) a flora endêmica e andina; c) os
remanescentes dos bosques de araucária; d) a continuidade da
cobertura vegetal do espigão central e das manchas de vegetação
primitiva; e) a vida selvagem, principalmente as espécies ameaçadas de
extinção (Decreto 91.304/85, Artigo 2º).
Uma vez que a APA ainda não possui um plano de manejo, a única
restrição específica a ela, ou seja, além daquelas já impostas à propriedade pela
legislação ambiental brasileira
20
, é a colocada pelo Artigo de seu decreto de
criação, que rege:
A abertura de vias de comunicação, de canais, a implantação de
projetos de urbanização, sempre que importarem na realização de obras
20
O Código Florestal, Lei n
o
4.771, veta o uso dos recursos naturais em áreas de proteção
permanente (APPs): margens de rio, áreas acima de 1.800m de altitude, topos de morro e encostas
com declividade maior que 45
º
.
71
de terraplanagem, bem como a realização de grandes escavações e
obras, que causem alterações ambientais, dependerão de autorização
prévia da SEMA, que somente poderá concedê-la: a) após estudo do
projeto, exame das alternativas possíveis e a avaliação de suas
consequências ambientais; b) mediante a indicação das restrições e
medidas consideradas necessárias à salvaguarda dos ecossistemas
atingidos (Decreto 91.304/85, Artigo 6º).
Dessa forma, pela interpretação feita por analistas ambientais do
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), ficam sujeitas à autorização do órgão gestor da APA todas as
atividades que movimentem mais de 100 m
3
de terra.
Além disso, por conta da Resolução n
o
456/2000, Artigo 3
º
, da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a existência da APA também faz exigir
que a instalação de luz elétrica nas propriedades se somente após vistoria e
autorização do órgão gestor. Isto significa que a instalação de novas redes de
energia só possa ocorrer em propriedades regulamentadas (inclusive com a
reserva legal averbada) e que não tenham construções em áreas de proteção
permanente (APP)
21
.
O histórico de gestão da APA Serra da Mantiqueira pode ser dividido em
três períodos: de sua criação até o início de 2002, de 2002 ao início de 2004,
quando a gerência passou para Itamonte, MG, e ficou sob a administração do
gerente T. e o período atual, com a saída deste e a entrada do gerente B. e a
implementação do Conselho Consultivo da APA Serra da Mantiqueira.
Até 1991, a APA não possuía nenhum gerente. De 1991 a 2002, a UC
tinha apenas um funcionário, seu gerente, mas somente em 2001 ela teve um
escritório que funcionava junto com a administração da FLONA de Passa
Quatro, MG. Até essa época, pouco foi realizado em nível institucional. Uma
21
Convém comentar que, pelas próprias características geográficas da região (topografia
montanhosa, altitude média e grande densidade de nascentes), são raras as áreas que não sem
enquadram nas quesitos de APP.
72
única ação para implementação da APA da qual se tem registro foi um
planejamento parcial da UC, realizado entre 1998 e 1999, no perímetro de São
Paulo e Rio de Janeiro, por uma empresa de Belo Horizonte
22
. O planejamento
gerou alguns produtos do plano de gestão da unidade que nunca chegou a ser
implantado. No contexto desta consultoria também foi realizada uma oficina,
entre 09 e 12/02/1999, na qual estavam presentes 14 entidades, sendo cinco
secretarias de meio ambiente, cinco ONGs ambientalistas, uma associação de
comerciantes, o Instituto Estadual de Florestas, uma associação de
reflorestamento e uma associação de produtores rurais. Nesta oficina propôs-se
que o planejamento fosse implementado em oficinas de consolidação bio-
regionais para cada uma das regiões de Campos do Jordão,
Pindamonhangaba/Cruzeiro e Itatiaia/Resende, durante 1999, o que não ocorreu.
Em 2002, tomou posse o gerente T. Estabelecendo uma parceria com a
Prefeitura Municipal de Itamonte, o Ibama passou a ter sede própria dentro do
Horto Florestal de Itamonte,MG. Foi também nesta época que dois analistas
ambientais concursados foram encaminhados para a APA.
A gerência do chefe T., que vigorou entre março de 2002 e fevereiro de
2004, teve uma forte atuação no sentido de tornar a unidade aparente para a
população local. No Sul de Minas, uma das estratégias utilizadas foi a
fiscalização rigorosa em diversas localidades, em uma operação conjunta entre o
Ibama, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), a Polícia Ambiental de Minas
Gerais e a Polícia Federal, durante o segundo semestre de 2002. Se, por um lado,
essa ação atingiu seu objetivo, no sentido de colocar em evidência as restrições
de uso dos recursos naturais, por outro, ela foi feita de tal maneira que deixava
revolta por onde passava. Muitos proprietários multados continuaram sem saber
o que significava exatamente estar dentro de uma área de proteção ambiental.
22
Walm Engenharia e Tecnologia Ambiental S/C LTDA
73
Órgãos como o Ibama, IEF e Polícia Federal passaram a ser reconhecidos na
região, inclusive vistos como uma coisa só.
Não existe uma percepção da população muito clara do que é Ibama, do
que é polícia, do que é IEF, do que é parque, do que é APA [...] É claro
que eles sabem que APA é menos restritiva do que um parque, mas é
restrição; então, não tem aquela divisão muito nítida. “Ah! veio aqui o
Ibama e fez isso”, às vezes nem é o Ibama, foi o IEF. Então, é uma coisa
mais abstrata para a população separar.(Relato de entrevista - Analista
ambiental do Ibama)
Mas, não necessariamente liga-se a presença destes órgãos com a
existência de uma unidade de conservação:
“A maioria das pessoas até pode saber alguma coisa sobre o Ibama,
mas não notam que por trás do Ibama existe a APA." (Depoimento de
morador de Pouso Alto para jovens pesquisadores do projeto de
Fortalecimento do Conselho – Silva et al., 2004)
Jardim (2003) também observou diretamente esse fato na sua pesquisa
de campo no município de Bocaina de Minas, MG:
Em relação às leis ambientais cabe ressaltar suas implicações sobre a
vida e as práticas dos camponeses enfocados nesta pesquisa.
Primeiramente, deve-se esclarecer que os nativos não relacionam a
acirrada fiscalização dos órgãos ambientais nessa área à proximidade
do Parque Nacional de Itatiaia e muito menos à Área de Proteção
Ambiental (APA) Serra da Mantiqueira, uma vez que estas Unidades de
Conservação não são significativas para eles, pois não foram nem
sequer mencionadas na pesquisa (Jardim, 2003, p. 100).
A forma truculenta de ação realizada pelo gerente T. ainda é bastante
viva na memória dos moradores, em muitos gerando perplexidade e revolta:
Na região nós o temos pedintes, mas são pessoas que vivem com
menos de um salário mínimo por mês, que tira 15, 20 litros de leite, que
trabalha na agricultura de subsistência. Então, quando uma multa
assim (R$500, R$600), eles ficam desesperados. E houve uma ão
dois anos atrás [...] ao invés de chegar, conversar, educar, chega, pune.
As pessoas não podem pagar a multa porque é alta, então,
futuramente, essa pessoa vai sofrer uma execução por parte do Estado,
74
além de responder por crime. (Relato de entrevista secretário de meio
ambiente 1, representante de prefeitura)
Na época, tinha 14–17 anos de ter a APA e ninguém sabia nada. E as
autoridades vêm pra isso.[...] Foi um dia que eles vieram e fizeram
essa anarquia toda. Agora a gente recorrendo. Multou desaterro,
construção de poço e barragens. Basicamente foi isso, que é uma
estrutura que o pessoal faz. O relevo é montanhoso, volta e meia tem um
desaterrozinho pra fazer uma casa, bastante água, clima bom pra truta,
vou fazer um pocinho aqui... E realmente não sabiam que precisavam da
autorização, muitos ainda não sabem. Não sabem o que é uma área de
preservação permanente, não sabem porque ela é uma área de
preservação permanente. Muitos pensam que é desejo da autoridade,
ou de um, de outro. (Relato de entrevista secretário de meio ambiente
1, representante de prefeitura).
Na última gestão, não houve uma ação de conscientização, houve uma
ação de multas. Eu conversava com o povo, e via o povo revoltado. O
povo não sabe o que é APA da Mantiqueira, não sabe nada. Não houve
um trabalho de conscientização porque seria se o Ibama ou qualquer
outro órgão relacionado à preservação da natureza, tivesse primeiro
uma amizade com o povo. Você tem que ter uma coisa aberta pra você
poder se expressar, porque se você não tem uma amizade com o povo,
não saber chegar pra entrar na caso do povo. Você não tem nem como
com expressar o que você veio fazer. (Relato de entrevista – morador da
APA, representante de associação de moradores).
Essa gestão passada houve um grande tumulto na região e isso não
beneficiou em nada o trabalho de benefício da natureza.Pelo contrário,
eu mesmo vi pessoas dizendo que ia botar fogo na mata porque não
podia cortar o pau, depois de queimado tá tudo queimado mesmo.
(Relato de entrevista cooperativista, representante de associação de
produtores rurais).
Esse trabalho punitivo ele, de certa forma, ele inibe, mas, ao mesmo
tempo que ele inibe, ele cria uma revolta em quem está vivendo dentro
do meio ambiente e quem realmente pode trabalhar pelo meio ambiente.
(Relato de entrevista cooperativista, representante de associação de
produtores rurais).
75
Em dezembro de 2002, neste contexto de grande descontentamento com
a ação do órgão gestor da unidade, essa gerência deu início ao processo de
formação do Conselho Consultivo da APA e, no dia 30/09/2003, este foi
formado.
Entretanto, antes mesmo da primeira reunião ordinária do Conselho, em
janeiro de 2004, foi mudado o gerente da APA, chegando o gerente B. No ano
que durou este estudo, a ação do gerente B se mostrou bastante diferente da
anterior, com ênfase preferencial na negociação e colaboração entre os atores.
Entretanto, pela própria demanda de denúncias ao Ibama, as suas ações ainda
centram-se em atividades fiscalizatórias e de aplicação de multas. Assim,
embora a disposição dos atuais funcionários da APA para negociação seja
importante, e aqui se caracterize como uma potencialidade à gestão participativa
desta UC, a relação entre o órgão gestor e a população ainda incita grandes
limites à construção de uma ação conjunta para a conservação da Serra.
5.4.1 Como a população da APA vê a unidade de conservação e o Ibama?
Responder a esta pergunta foi um dos objetivos do diagnóstico realizado
em novembro e dezembro de 2004 por jovens moradores da APA, no contexto
do projeto “Fortalecimento da Gestão Participativa da APA Serra da
Mantiqueira” (Fundação Matutu, 2003).
Da participação neste processo de diagnóstico, como assessora técnica
do referido projeto, já foi possível perceber a grande apreensão das pessoas em
relação ao Ibama. Isto era patente, uma vez que, dentre os maiores problemas
trazidos pelos jovens estava a dificuldade em explicar que um projeto em
parceria com o Ibama não tinha o intuito de denunciar irregularidades
ambientais.
76
Os resultados da pesquisa de campo dos jovens também apontam
questões interessantes para pensar a opinião dos moradores da APA sobre o
Ibama e a UC.
Das 235 entrevistas, 30,8% indicaram uma visão negativa sobre o Ibama,
25,1% o viam de forma positiva, 22% não quiseram responder e 22% disseram
que existia um lado positivo e outro negativo (Silva et al., 2004). Analisando as
justificativas fornecidas pelos entrevistados, a pesquisa mostrou que a maioria
das pessoas que viam negativamente o Ibama, o fazia porque o identificavam
exclusivamente com sua ação fiscalizatória e punitiva (62,9%), como
exemplifica a fala de um entrevistado do município de Itamonte, MG: "O Ibama
quer multar sem saber se as pessoas estão cientes que estão cometendo um
crime". Alguns (25,7%), inclusive, tratam explicitamente do medo gerado na
população por essa ação exclusivamente punitiva, como um entrevistado no
município de Bocaina de Minas, MG.
Muitas respostas também fazem menção à ausência ou ineficiência do
órgão (44,3%), seja em relação à fiscalização, à agilidade dos processos ou à
prática de orientação e educação ambiental. A questão da falta de disseminação
de informação e aproximação com a realidade local também é vista como ponto
negativo dos órgãos ambientais (citados, respectivamente por 18,6% e 15,7%
das pessoas que viam negativamente o Ibama), como revelou um munícipe de
Aiuruoca: "Vejo interesse do Ibama em preservar a região, porém, vejo um
pouco de distância desta realidade com relação a quem mora na APA. O Ibama
age pouco na conscientização e muito na punição".
Das pessoas que declaram ser favoráveis ao Ibama, a maioria (57,9%)
argumentou sobre o papel importante deste órgão e algumas falaram sobre o
bom trabalho (40,0%) que vem sendo desempenhado pela instituição na região.
Embora esta pesquisa o tenha abrangido uma amostra estatisticamente
significativa da população da região, estes dados, em conjunto com a observação
77
participante de diversos eventos de análise coletiva que envolveram este
diagnóstico (que abrangeram um público maior ao da pesquisa de campo dos
jovens), apontam para questões bastante relevantes sobre a atual opinião da
sociedade da APA Serra da Mantiqueira sobre o Ibama. Apesar de haverem
respostas positivas - com justificativas bem vagas por sinal -, a realidade atual é
de descrédito e desconfiança da população em relação ao órgão gestor da APA
(e aos órgãos ambientais como um todo), seja daquelas pessoas que sofrem
diretamente com as restrições de uso e não m clareza (informação adequada)
sobre seus direitos e deveres, seja por aquela parte da população que gostaria de
ver o órgão mais ativo em sua atividade fiscalizatória (os ambientalistas).
A forma de criação da APA, mobilizada apenas por uma minoria, em
conjunto com seu histórico de gestão, praticamente inexistente por um longo
período e centralizado em ações punitivas, inclusive feitas de forma bastante
autoritária durante o ano de 2002, caracteriza uma situação de grande
insatisfação com a UC. De fato, o padrão de criação e gestão desta UC e seus
resultados sob a percepção da população local sobre a unidade não se
diferenciam da grande maioria de outras áreas protegidas no país.
5.4.2 As prefeituras da APA Serra da Mantiqueira
Com a criação da Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira,
abrangendo parte de 26 municípios em três estados, entra em cena um ator muito
importante: as prefeituras municipais. Em uma área tão grande quanto a da APA
Serra da Mantiqueira, o papel dos municípios em relação à questão ambiental é
de extrema relevância, como coloca claramente um dos analistas ambientais do
Ibama:
No Brasil não se tem uma percepção clara da importância do
município. Mas, o município é a esfera mais importante no meio
ambiente. Ele tem o poder de estabelecer o uso do solo. E é o uso do
78
solo que vai dizer o que vai acontecer com o meio ambiente,
basicamente, né?.” (Relato de entrevista - Analista ambiental do Ibama).
Entretanto, embora haja diferenças relevantes entre os tipos de governo
a importância dada ao meio ambiente dos municípios da APA
23
, de maneira
geral não existe a percepção de sua relevância para o município.
Eles acham que o meio ambiente não é atribuição deles, é atribuição do
Ibama, por exemplo, no nosso caso, no caso da APA da Mantiqueira.
Tem muita resistência dos municípios. Você percebe que, mesmo você
querendo chamar os municípios para estar participando, discutindo,
vendo alternativas, talvez por uma questão política, muitos deles
preferem um confronto. Então, eu vou ignorar isso , eu vou fazer o
que eu quero e assim eu sou simpático à população, é isso o que ocorre.
Você que não é uma discussão construtiva. É um problema muito
grave, que eu acho que tem hoje (Relato de entrevista - Analista
Ambiental do Ibama).
Normalmente, isso faz pela cabeça do prefeito. Em [município], os
prefeitos sempre disseram que não fazem nada na área rural porque a
área rural não produz nada para o município...A estrutura da
instituição não diz que isso é uma força para ela ter uma
regulamentação do solo. Ela tem um nível superior, federal de uma APA
que vai facilitar ela fazer a regulamentação dela, inclusive até para
captar recursos para serem aplicados na região. (Relato de entrevista –
secretário de meio ambiente 2, representante de prefeitura).
Baseada na discussão sobre a evolução da questão ambiental (capítulo 2)
é possível perceber que a grande maioria das prefeituras atua no papel
desenvolvimentista, hoje transfigurado na questão do emprego.
Hoje, desenvolvimento, ele está transfigurado na palavra
emprego. “Ah,, então eu vou dar emprego”. É justificativa pra tudo; eu
23
No presente estudo não foi possível averiguar mais profundamente esta questão, mesmo porque
não se tratava dos objetivos propostos. Entretanto, um breve levantamento sobre a quantidade de
prefeituras com secretarias de meio ambiente, ou ainda com conselhos municipais de
desenvolvimento ambiental (Codemas) instituídos e funcionando, feita durante o diagnóstico,
indicou que, sob estes parâmetros, municípios de São Paulo e Rio de Janeiro têm mais em conta as
questões ambientais que os municípios de Minas Gerais. Um estudo mais aprofundado desta
questão pode corroborar esta hipótese.
79
posso estar envenenando todo mundo, mas eu vou estar dando emprego.
Emprego voto, emprego é simpático, preservação do meio ambiente
é antipático muitas vezes, porque você tá restringindo alguma coisa,
alguma liberdade, alguma coisa que a pessoa se sente restrita. E eu
chego com um discurso que eu vou dar emprego, fazer isso, fazer
aquilo, então, é uma forma política de atuar. Principalmente em Minas
Gerais, isso é muito comum. Você que os municípios tem essa
tradição de política pequena, uma política atrasada e isso influi muito
na nossa região aqui (Relato de entrevista - Analista Ambiental do
Ibama)
5.5 O conflito socioambiental na Serra de Mantiqueira
Contextualizados o cenário e alguns dos principais atores da questão
ambiental na APA Serra da Mantiqueira, convém discutir algumas
características do conflito surgido a partir da situação de restrição ao uso dos
recursos, gerada ou potencializada pela existência desta UC
24
. Como discutido
no capítulo 3, a problemática da propriedade é central aos conflitos
socioambientais, especialmente em unidades de conservação e entendê-la se faz
mister para pensar a ação coletiva na conservação dos recursos naturais.
O conflito entre o uso particular dos recursos e o valor difuso de sua
conservação é manifesto na Serra, tendo, de um lado, os órgãos ambientais e
parte dos ambientalistas, que trazem constantemente o argumento do caráter
difuso da questão ambiental, e de outro, os proprietários de terra dos quais se
destaca, por terem suas atividades diárias diretamente atingidas por estas
restrições, a população da zona rural que vive do trabalho na terra.
Embora esta segunda parte, diferentemente da primeira, não esteja
organizada para reivindicar seus interesses de uso dos recursos naturais, este
problema (de restrição ao uso) é claramente reconhecido por ela e identificado
24
Entende-se, como rtes (2003) que, embora uma unidade de conservação como a área de
proteção ambiental não estabelece restrições muito maiores à propriedade privada que as
colocadas para todo o território brasileiro, ela acaba por potencializá-las, no sentido de as tornar
mais percebidas pela população.
80
na figura dos órgãos ambientais e de alguns “moradores vindos da cidade”, os
grandes responsáveis por denúncias feitas ao Ibama. Ao contrário dos primeiros,
que usam o discurso da natureza difusa do meio ambiente, a resposta dos
segundos raramente se no nível do argumento direto, estando muito mais
relacionada à não participação, ao isolamento ou revolta.
Para o analista ambiental do Ibama, esse conflito é colocado nos
seguintes termos:
A APA cria restrições, porque ela propõe um ordenamento, e
ordenamento você parte do princípio de restrição, alguma restrição.
Muitas vezes, essa restrição, ela não é negativa. [...] Agora, do ponto de
percepção da população da região, é muito negativo, porque esta
região ficou atrasada socialmente, culturalmente, ela ficou isolada
durante muito tempo. E, hoje ainda, você a dificuldade de transporte
que a gente tem aqui, a transmissão da informação aqui ainda é muito
difícil. Tem gente que mora nos bairros rurais que nunca saiu de lá, não
conhece nem o centro do município, os centros urbanos do município.
Então, o que ocorre com estas populações? Elas têm um senso de
propriedade que não é do nosso tempo, tá? Hoje, a propriedade não é
absoluta como ela era antigamente. Então, isso, quando você chega
com uma restrição um negócio, ‘não, o meio ambiente é de todos, não
é seu; você tem o direito de uso da sua propriedade, mas o meio
ambiente não é seu é de toda população, tem que estar em benefício de
todos’, isso não entra na cabeça das pessoas, assim, é um choque
cultural. Então, você vem com uma idéia assim muito avançada, uma
idéia nova dos nossos dias de hoje, para uma população que está no
passado ainda, então, cria conflito. Isso a gente percebe no dia-a-dia
no campo. As pessoas acham que nós estamos interferindo no direito de
propriedade delas, diretamente. (Relato de entrevista - Analista
Ambiental do Ibama).
Realmente, a realidade sócio-cultural da região rural da Serra da
Mantiqueira remonta em muitos aspectos aos tempos de sua ocupação pelos
bandeirantes. Entretanto, tratar o estranhamento da população em relação às
restrições ambientais apenas como um apego ao passado seria reduzir demais a
questão. É claro que, a partir da história das relações entre homem e natureza na
região, marcada por um passado de abundância em grande parte caracterizado
81
pela forte exploração dos recursos, não é de se estranhar que os moradores
rejeitem a “nova” necessidade de se preservar os recursos. No entanto, há outros
aspectos nessa situação que devem ser considerados.
Apesar de ter havido uma grande migração para atividades do setor
terciário (turismo e serviço), muitas pessoas ainda vivem do trabalho na terra.
Embora as atividades apresentem-se cada vez menos rentáveis, a propriedade de
terras e a capacidade de tirar seu sustento sico dela, muitas vezes, são as
possibilidades para não passar fome na cidade:
Eles vêem a terra deles como a capacidade que eles têm de não ir para a
favela na cidade. Foi isso que aconteceu com a família deles... [na
roça] eles têm um processo de pobreza, mas não têm miséria. (Relato de
entrevista – secretário de meio ambiente 2, representante de prefeitura).
Neste mesmo sentido, a necessidade de mudança de atividades (no caso
daquelas causadoras de impacto), embora possam responder a uma maior
rentabilidade a longo prazo pelo fato de aumentarem a produtividade,
normalmente acarretam em custos que não raramente são difíceis de serem
arcados. Assim, a necessidade de alternativas economicamente viáveis é
essencial para pensar a transformação das práticas tradicionais. Também, além
das questões relacionadas ao sustento, a relação destes produtores com a terra
está ligada a diversas normas relacionadas com a reprodução das relações sociais
desta comunidade e vale ressaltar a importância de se considerar estes
aspectos culturais ao pensar na forma trazer estas alternativas.
A tão comum negação das restrições ambientais também está
relacionada a uma visão de que “nada pode ser feito na APA”. Sobre isso,
podem-se destacar fatores estruturais, como a própria geografia da APA que
naturalmente faz com que muitas áreas sejam áreas de preservação permanente e
que, portanto, sejam realmente restritas ao uso, como coloca o analista ambiental
do Ibama:
82
Pela própria topografia da região, o próprio uso da terra, ele acaba
agredindo o meio ambiente. Eu vou fazer uma roça, ou eu faço em
nascente, ou eu faço em topo de morro, áreas que pela legislação seriam
protegidas. (Relato de entrevista – Analista ambiental do Ibama).
Ainda existe a questão fundiária, que também acaba por impossibilitar
que diversas atividades, que seriam legais dentro da APA, possam ser
autorizadas:
Que na hora que você vai mexer nos recursos naturais, você tem que ter
uma regularização fundiária, porque o Ibama necessita de alguns
documentos, que a maioria das vezes o município aqui não tem. O chefe
de família, dono de grandes propriedades, foi dividindo pros filhos com
um recibinho, uma notinha. Então, na hora que vai pedir pra
movimentar algum recurso natural, não consegue. A hora que não
consegue pensa que é proibido. Não é nada proibido, tudo é permitido,
com autorização. (Relato de entrevista secretário de meio ambiente 1,
representante de prefeitura).
Entretanto, apesar destes fatores estruturais, de se destacar a forma
pouco participativa com que foi criada e gerida a APA nestes seus 18 anos de
existência, sem sequer levar informação à população sobre o que realmente pode
e não pode ser feito.
Muitas informações não chegaram aqui ainda. A própria questão da
APA eles não sabiam.Inclusive, eu fui acusado na rua com dedo assim:
‘vocês vem de fora, vocês fazem essas leis, criam essas APA’. Pessoas
de conhecimento, comerciantes, donos de comércio, não tendo essa
informação, que a APA existe 19 anos (Relato de entrevista
secretário de meio ambiente 1, representante de prefeitura).
Nessa situação, as respostas desta população às restrições de uso, se não
o êxodo rural normalmente, acabam por manifestar-se em atitudes de maior
degradação ambiental:
Se tivesse um munícipe aqui, ele falaria o seguinte: ‘até o Ibama
aparecer, a nossa relação era bem saudável com o meio ambiente; a
gente deixava até alguns pinheiros sim porque a gente cortava eles
depois. Agora com a nova lei a gente não pode mais cortar nada, a
gente não pode nem plantar, a gente não pode arar. Tenho certeza que
83
eles pensam assim porque eles vêm pra mim e falam essa quantidade de
inverdades, por falta de conhecimento e não é culpa dele, é culpa das
autoridades. (Relato de entrevista secretário de meio ambiente 1,
representante de prefeitura).
Nós temos os problemas das queimadas. A queimada você pode separar
em vários. Primeiro, a queimada, aquela tradicional mesmo, de limpar o
pasto, que é cultural, que é uma coisa que vem desde os índios, dos
bandeirantes e tal. Depois, você tem aquela queimada de, ‘Ah eu vou
queimar porque estão restringindo muito o meu uso, uma coisa meio
vingativa. Isso a gente bastante. Aqui virou um parque, então eu
estou com raiva, eu vou por fogo. (Relato de entrevista - Analista
Ambiental do Ibama).
Aí vai um policial e multa e aplica uma multa duríssima e cria revolta! E
essa pessoa, numa roçada de pasto, não vai deixar crescer outras
espécies. Porque ele deixou crescer, um dia ele quis usufruir, ele acha
que ele não vai poder usufruir. Esse é um problema rio que vejo
entre quem administra e quem vive nestas áreas. (Relato de entrevista
cooperativista, representante de associações de produtores rurais).
Concluindo-se, frente a toda esta situação, o argumento, muitas vezes
usado, de proteger para outras pessoas, torna-se muito frágil, como fala uma
liderança local e como assume o próprio analista ambiental do Ibama:
Francamente, eu tenho a opinião sincera de que meio ambiente a gente
faz pra quem vive nele e não pra quem vive em capitais que estão
poluindo, que estão destruindo, quem ganha bem lá, que tem uma
empresa, um emprego, ou uma coisa assim.... (Relato de entrevista
cooperativista, representante de associações de produtores rurais).
Tem a questão da água, que tem que ser vista de uma forma mais ampla.
Por que? Porque existe uma preocupação muito grande. ‘Ah, vamos
proteger as nascentes, vamos proteger as águas’ e não é pra essa
população, é pra outra. Então, de repente, a população, ela tem maiores
restrições pra preservar a água que vai gerar energia nas represas, que
vai irrigar grandes plantações. Eu acho, no meu ponto de vista, que
um conflito. Ela não está muito bem caracterizado ainda, mas ele existe,
cada vez mais. A quantidade de pessoas que dependem da energia que
se gera na bacia do rio Grande é muito grande. (Relato de entrevista -
Analista Ambiental do Ibama).
84
6 FORMAÇÃO, COMPOSIÇÃO E AÇÃO DO CONSELHO
CONSULTIVO DA APA SERRA DA MANTIQUEIRA
Procura-se, neste capítulo, descrever e analisar o processo de formação e
implementação, em sua fase inicial, do Conselho Consultivo da Área de
Proteção Ambiental Serra da Mantiqueira (CONAPAM). Busca-se também
analisar sua atual composição (2004/2005), focando, principalmente, os aspectos
do alcance da representação (amplitude da participação) e legitimidade desta
(MMA, 2004). A partir disso, procura-se delinear algumas considerações sobre o
papel do atual Conapam no cenário da questão ambiental na APA Serra da
Mantiqueira, tratado no capítulo anterior.
6.1 Formação
A iniciativa de criar o Conapam partiu da gestão do gerente T., que
vigorou entre 2002 e 2004. De acordo com os analistas ambientais do Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), nessa
época recém-chegados à APA, não era muito clara, mesmo para eles, a intenção
do gerente T. em criar o Conselho. Entretanto, pela época em que surgiu essa
iniciativa (pouco tempo depois da promulgação do Decreto 4340/02 que
regulamenta o Sistema Nacional de Unidades de Conservação SNUC). Isso
provavelmente se deu por ordens de níveis superiores do Ibama.
Uma primeira reunião foi realizada em 17/12/2002 nas dependências da
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), em Itamonte, MG, com
o objetivo de apresentar a proposta de formação do Conselho. Considerando o
tamanho, a quantidade de municípios e a dificuldade de locomoção,
característicos da região, foi adotada a estratégia de dividi-la em três regiões,
cada uma abrangendo cerca de oito municípios (Ibama, 2003). Assim, foram
organizadas pelo Ibama mais reuniões: dia 25/06/2003, em Visconde de Mauá
85
(MG/RJ) para atores da região norte da APA, na Floresta Nacional de Lorena,
SP, em 26/06/2003 para atores da região sul e novamente na APAE de Itamonte,
MG, no dia 27/06/2003, para atores da região centro; nas quais estiveram
presentes representantes de prefeituras, ambientalistas e população de maneira
geral. Os convites para estas reuniões foram feitos “boca a boca” e por carta,
pelo Ibama, a organizações locais ou com influência na região que fossem
legalmente constituídas, ou seja, inscritas no Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica (CNPJ), condição para poder participar do Conselho.
Neste momento, foram feitas muitas críticas à gestão da APA e a maioria
das colocações dos participantes girou em torno do Conselho ser consultivo ou
deliberativo, ou seja, do seu real poder na gestão da APA. A argumentação do
Ibama
25
foi bastante legalista: o decreto que regulamenta o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC) prevê que, em unidades de proteção integral,
os conselhos sejam consultivos; no caso das UCs de uso sustentável, como as
APAs prevê explicitamente que o conselho seja deliberativo apenas no caso das
reservas extrativistas e em reservas de desenvolvimento sustentável, sem definir
as demais. A partir disso, colocou-se a existência de um parecer da procuradoria
do Ibama, que indicava que em APAs os conselhos fossem consultivos.
Para Loureiro, essa inclinação à criação de conselhos consultivos em
UCs:
reflete muito mais uma visão tecnocrática e de baixa tradição
participativa dos órgãos de meio ambiente que um cuidado justificável.
O fato de o conselho ser deliberativo em UCs não significa risco a
integridade do patrimônio preservado, mas a garantia de que todos(as)
os(as) envolvidos(as) possam decidir sobre a área, respeitando-se a lei
maior que rege uma determinado UC. O conselho pode, perfeitamente,
deliberar dentro dos limites de uso estabelecidos, o que facilita a
motivação envolvimento comunitário (Loureiro et al., 2003, p. 28).
25
Especialmente na reunião realizada em Itamonte, MG, estavam presentes não apenas os
funcionários da APA (gerente e analistas ambientais), mas também a gerência estadual do Ibama e
a coordenadoria de áreas protegidas do Ministério do Meio Ambiente.
86
Paradoxalmente à aceleração da criação de conselhos em UCs, percebe-
se que ainda domina nos órgãos públicos exatamente essa visão tecnocrática
(como colocada por Frey, 2001 e Valle, 2002). O próprio analista ambiental do
Ibama comenta sobre o descredito do órgão em relação às APAs e à participação
da sociedade na gestão dos recursos naturais:
Eu, pessoalmente, acho que APA é uma coisa muito moderna. É a forma
de trazer a população para gerir os recursos diretamente. Essa não é a
visão geral no Ibama. Não existe um apoio pra APA. Eles acham, talvez,
a administração ache, que a população não esteja madura pra
participar de uma gestão de uma unidade. A gente tem muita dificuldade
com apoio, com recursos, com todo tipo de coisas que você imagina. No
Ibama, muitos nem consideram a APA como unidade de conservação. É
difícil (Relato de entrevista - Analista Ambiental do Ibama).
A discussão deliberativo/consultivo também se deu no âmbito do
“Seminário de Gestão Participativa no SNUC” (MMA, 2004), sem, no entanto,
chegar-se em um consenso. A decisão então incluída no documento "Diretrizes
para a Gestão Participativa de UCs", gerado nesse encontro, foi que as posições
de ambos os conselhos, deliberativos ou consultivos, fossem acatadas, uma vez
que não ferissem a lei vigente, sendo que, no caso dos conselhos consultivos, em
caso de discordância com os responsáveis pela UC, fossem encaminhadas às
instâncias competentes (MMA, 2004, p. 38).
De alguma forma, a pressão exercida durante as primeiras reuniões de
formação Conapam fez com que a gerência estadual do Ibama se
comprometesse, mesmo que apenas verbalmente, a acatar as decisões do
Conselho. Essa promessa foi reafirmada em outros eventos.
Durante o encontro de 31/07/2003, na Associação Comercial de
Itamonte, (MG, devido a questionamentos sobre a forma autoritária da condução
do processo de formação do Conselho, foi instituída uma “Comissão Pró-
Reunião” (como foi chamada pelo Ibama em relatório técnico Ibama, 2003) ou
87
“Comissão Pró-Conselho” (como foi chamada pelos participantes da reunião),
formada basicamente por ambientalistas (representantes de ONGs e associação
de moradores) e um analista ambiental do Ibama; com o objetivo de auxiliar
voluntariamente o Ibama na organização da reunião de formação do Conselho
Consultivo. Trabalhando dentro do tempo estipulado pela gerência da UC, esse
grupo foi responsável pelo desenvolvimento da metodologia da reunião
(incluindo o desenvolvimento de uma proposta de composição para o Conselho)
e por uma sua divulgação, principalmente através da internet.
Assim, no dia 30/09/2003, o IBAMA, em parceria com a comissão Pró-
Conselho, realizou o Encontro Regional da Serra da Mantiqueira (no contexto da
I Conferência Nacional do Meio Ambiente). No mesmo dia, foi formado o
Conselho Consultivo da APA Serra da Mantiqueira - Conapam (Figura 2). A
reunião contou com 84 participantes, em sua maioria dos municípios de Minas
Gerais. Tanto a composição do Conselho (número de cadeiras e distribuição das
cadeiras entre os setores da sociedade) como as instituições representadas nele,
foram determinadas pelas entidades inscritas até ou no dia do evento
26
, sendo a
primeira discutida em plenária e a segunda em grupos divididos por setores da
sociedade.
Na discussão sobre a composição do Conapam (Tabela 2), houve outras
três propostas além da formulada pela Comissão Pró-Conselho (A), duas de um
representante de uma organização não governamental (ONG) ambientalista (B e
D) e uma de um representante de um conselho municipal de desenvolvimento
ambiental (CODEMA) (C) (Tabela 2).
26
Reforçando-se que, para se inscrever, as organizações deveriam ser legalmente constituídas, ou
seja, possuir inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica.
88
FIGURA 2 Formação do Conselho, atividade de localizar-se na APA
TABELA 2 Propostas para composição do Conselho Consultivo da APA Serra
da Mantiqueira
Setores da Sociedade/
Propostas
Associações de moradores 4 4 4 4
ONGs ambientalistas 3 5 3 6
Associações de turismo e hotelaria 3 2 2 2
Comerciais, industriais e de mineração 3 2 2 2
Associações de produtores rurais 2 2 2 2
Instituições técnico-científicas 1 1 2 2
Sociedade civil
Comitês de bacia 1 1 2 0
Prefeituras municipais 6 6 6 6
Instituições estaduais 5 5 5 5
Organizações
governamentais
Instituições federais 6 6 6 6
Total
34 34 34 34
Fonte: Ibama (2003)
89
Com 80% dos votos elegeu-se a proposta B, que aumentava para cinco o
número de cadeiras das ONGs ambientalistas e tirava uma das associações de
comércio e indústria e outra das associações de turismo e hotelaria. Neste
momento também houve algumas manifestações sobre a necessidade da
inscrição no CNPJ e, mais uma vez, o Ibama argumentou que essa era uma
condição legal para se estar no Conselho.
Para ampliar a participação de organizações no Conselho, sem torná-lo
excessivamente grande, foi sugerido pela Comissão Pró-Conselho que uma
mesma cadeira poderia ser dividida por duas organizações (uma titular e outra
suplente). Como esta sugestão foi acatada pelos participantes, todas as
organizações inscritas acabaram sendo contempladas com lugar no Conselho.
Assim, a discussão em grupos para a eleição das organizações representantes e a
plenária de apresentação das organizações eleitas ocorreu sem grandes conflitos
manifestos.
Em suma, o processo de formação do Conapam se deu efetivamente em
cerca de um ano, a partir de seis reuniões, realizadas em apenas três municípios
diferentes e para as quais foram chamadas organizações que entraram
diretamente em contato com o Ibama (ou foram convidadas por ele) e pessoas ou
organizações avisadas por elas
27
. Vale destacar também que este processo se deu
na conjuntura da ão repressiva por parte o Ibama. A observação desse
processo, especialmente do fato de que o tema central destes encontros foi o
poder do Conselho sobre o Ibama, demonstra que, neste momento, a
participação se pautou principalmente pela questão conjuntural de insatisfação
com a forma de gestão da unidade.
Assim, na experiência da APA Serra da Mantiqueira, percebeu-se que o
Estado fez foi abrir o espaço, provavelmente por uma necessidade legal, sem
90
atentar para um processo de divulgação e informação. A partir disso, não é de se
estranhar que neste processo estivessem presentes principalmente aqueles atores
com experiência prévia de articulação e organização.
Entretanto, embora não tenha se dado a partir de um processo amplo de
mobilização, vale ponderar que, para os participantes, esse foi considerado um
importante momento de articulação e luta frente ao autoritarismo da gerência da
APA. Inclusive, muitos ainda se referem a essa mobilização para a formação do
Conapam, como tendo sido uma das principais razões do afastamento do gerente
T..
6.2 Composição e perfil
O Conselho, decretado pela Portaria 49 do Ibama, de 07/05/2004, foi
constituído com 34 membros titulares, sendo 17 da sociedade civil (organizações
não governamentais ONGs - ambientalistas, associações de comércio
industrias e mineração, setor de produção rural, instituições técnico-científicas e
educacionais, turismo e hotelaria, centros e associações de moradores,
instituições religiosas e beneficentes) e 17 do poder público (níveis municipal,
estadual e federal), nas proporções mostradas na Figura 3.
27
Dos conselheiros que preencheram o questionário, 61,9% responderam que souberam da criação
do Conselho por convite à entidade ou contato com Ibama, 38,1% responderam que souberam por
conhecidos.
91
Instituições
federais
(6)
Instituições
estaduais
(5)
Prefeituras
municipais
(6)
Comitê de bacia
(1)
ONGs
ambientalistas
(5)
Ass moradores
(4)
Turismo e
hotelaria
(2)
Instituições
técnico-
cienficas
(1)
Ass. de
produtores rurais
(2)
Comércio,
indústria e
mineração
(2)
FIGURA 3 Composição do Conapam por setores da sociedade
28
Embora a composição por setor da sociedade mostre-se pertinente em
relação aos atores em cena na APA, isso não garante, necessariamente, um alto
alcance da representação e nem a legitimidade desta. Apesar do pouco tempo
de existência do Conapam, a análise de algumas características das organizações
eleitas e dos conselheiros indicados por elas, pode ajudar a tecer alguns
comentários sobre estes dois fatores, considerados essenciais para que os
conselhos de unidades de conservação atinjam seus papéis (MMA, 2004).
A Figura 4, que apresenta a distribuição espacial das organizações
presentes no Conapam, demonstra que o Conselho é pouco representativo do
total da espacialidade da APA, estando concentradas organizações com sede na
região central da UC (próxima à sede do Ibama, em Itamonte, MG).
28
Essa proporção está em relação às cadeiras no conselho. Se forem consideradas as organizações
representadas de cada setor essa proporção mudará, já que várias cadeiras possuem diferentes
instituições como titulares e suplentes. No Conapam estão presentes, entre titulares e suplentes, 28
organizações da sociedade civil e 29 organizações públicas.
92
FIGURA 4 Localização das organizações (sede) eleitas para o Conapam. (cada
retângulo significa uma organização com cadeira no Conapam, os retângulos
fora da linha amarela referem-se às organizações eleitas com sede fora da APA)
A Tabela 3, referente à escolaridade dos conselheiros, aponta que a
maioria deles tem vel superior completo (30,8%) e que, somando-se os três
últimos itens, 46,2% fizeram algum tipo de pós-graduação. Considerando-se
como alta escolaridade aqueles conselheiros com ensino superior completo ou
incompleto, a soma resulta em 92,2% de conselheiros nessa condição. A
diferença é brutal diante da realidade da APA, que apresenta uma média de
11,85% da população acima de 15 anos como analfabeta (considerando apenas
os municípios de Minas Gerais, essa média aumenta para 14,7%) (Tabela 2B,
Anexos).
93
TABELA 3 Escolaridade dos conselheiros da gestão 2004/2005 do CONAPAM
Escolaridade %
1 a 4 0,0
5 a 8 0,0
Fundamental completo 0,0
Médio incompleto 0,0
Médio completo 7,7
Superior incompleto 15,4
Superior completo 30,8
Pós (latu senso) 15,4
Pós (strictu senso- mestrado) 15,4
Pós (strictu senso- doutorado) 15,4
A Tabela 4, que trata da renda dos conselheiros, mostra que a maior
concentração de respostas ficou na faixa de renda entre 3 e mais de vinte salários
mínimos (68% dos entrevistados), sendo que 20% ganham acima de 20 salários
mínimos. Mais uma vez, comparando-se com a realidade da APA, pode-se
perceber uma considerável diferença, uma vez que a média da renda per capita
dos municípios da UC é R$ 238,38, menos que um salário mínimo
(considerando apenas os municípios de Minas Gerais este valor cai para R$
192,67) (Tabela 2B , Anexos).
TABELA 4 – Renda dos conselheiros da gestão 2004/2005 do CONAPAM
Renda Pessoal (em salários
mínimos)
%
Sem renda 8
1 a 3 8
Mais de 3 a 5 16
Mais de 5 a 8 20
Mais de 8 a 12 8
Mais de 12 a 15 20
Mais de 15 a 20 4
Mais de 20 16
94
A questão da renda é muito relevante, uma vez que não existe nenhum
apoio financeiro à participação no Conapam. Um membro do Conselho, quando
perguntado se conhecia algum agricultor que se interessaria em participar do
Conselho, colocou esta questão como um dos principais empecilhos:
Eu imagino que tenham pessoas que iriam, mas tem que ser uma coisa
bem disponibilizada porque a pessoa tira leite, tem todo um serviço, tem
todas umas necessidades, precisa ser uma coisa bem acessível para ele
se deslocar ao local, tentar desfazer a inibição, praticar mais a questão
da cidadania. (Relato de entrevista - secretário municipal de meio
ambiente , representante de prefeitura)
Em relação à atividade dos conselheiros, pode-se observar (Tabela 5)
que apenas 14,6% dos conselheiros da sociedade civil que responderam o
questionário vivem de atividades ligadas à agropecuária.
TABELA 5 Principal atividade dos conselheiros da gestão 2004/2005 do
CONAPAM
Atividade por setor %
Turismo e Hotelaria 21,4
Agropecuária 14,3
Indústria 7,1
Terceiro Setor 14,3
Comércio 0,0
Outros 42,9
As Tabelas 6 e 7, referentes à origem dos conselheiros, apontam para
uma grande maioria de origem urbana. Isso é bastante contrastante com a
realidade da APA, cuja média da porcentagem de população rural dos
municípios é de 35,9%. Se forem considerandos apenas os municípios de Minas,
este valor sobe para 47,9% (Tabela 1B, Anexos). Alguns destes conselheiros são
nascidos em cidades próximas à APA, o que explica a maior porcentagem de
conselheiros que responderam serem naturais da APA em relação àqueles que
responderam serem de origem rural. Entretanto, é comparando as porcentagens
95
de conselheiros naturais da APA com os que moram atualmente na APA, que
fica patente que muitos dos representantes fazem parte do grupo de atores vindos
das cidades grandes para a Mantiqueira em busca de uma vida alternativa.
TABELA 6 Origem (rural/ urbana) dos conselheiros da gestão 2004/2005 do
CONAPAM
Rural (%) Urbana (%)
15,4 84,6
TABELA 7 Origem (região da APA ou não) dos conselheiros da gestão
2004/2005 do CONAPAM
Sim (%) Não (%)
Natural da APA 26,9 73,1
Mora atualmente na APA 53,8 46,2
Pelos dados apresentados é possível perceber que a heterogeneidade
espacial, cultural e sócio-econômica da APA Serra da Mantiqueira não está
presente no Conapam. Fica patente que quem está presente no Conselho é uma
elite, principalmente vinda das zonas urbanas. Além disso, quando perguntados
sobre sua participação em ações socioambientais, a grande maioria demostrou
ter um histórico pessoal de atividades relacionadas ao meio ambiente na Serra da
Mantiqueira, ou seja, mais ou menos ativamente, a maior parte dos conselheiros
faz parte da rede do movimento ambientalista da região.
Uma vez que se trata de um espaço de representação e não de
participação direta, isso poderia denotar o fato das organizações eleitas estarem
indicando pessoas mais gabaritadas e já com conhecimento da questão
ambiental, entretanto, as respostas sobre a motivação de participar do Conapam
(Tabela 8) mostram uma situação diferente:
96
TABELA 8 Motivação para participar do Conapam
Sociedade Civil Organizações
Governamentais
Motivações
Primeira
opção
(%)
Três
primeiras
opções (%)
Primeira
opção
(%)
Três
primeiras
opções (%)
Para defender os interesses
da organização que
represento
0,0 0,0
16,7 14,3
Por interesse pessoal na
questão ambiental
13,3 19,0
16,7 28,6
Para aprender/ viver coisas
novas
6,7 4,8 33,3 14,3
Para acompanhar mais de
perto o trabalho da gerência
da APA
20,0
21,4
0,0 21,4
Para defender os interesses
do setor que represento
0,0
4,8
0,0 0,0
Porque participam do
movimento ambientalista
que desembocou neste
Conselho
13,3
16,7
0,0 0,0
Porque a organização que
represento já vem
desenvolvendo projetos
ambientais na região da
APA e acredito que
podemos ajudar na sua
gestão
26,7
26,2 16,7 14,3
Outros* 20,0 7,1 16,7 7,1
*A maioria dos conselheiros que assinalaram essa opção, descriminava que o motivo
para sua participação era para ajudar a promover o desenvolvimento sustentável da APA
Pode-se observar que muitos conselheiros colocam, inclusive como
primeira motivação, o interesse pessoal na questão ambiental, a vontade de
aprender e já estar participando do movimento ambientalista (total de 33,3% das
primeiras opções da sociedade civil e 50% dos órgão públicos). Alguns indicam
a capacidade técnica de sua instituição, mas muito poucos (16,7% dos
entrevistados das organizações governamentais e nenhum dos representantes da
97
sociedade civil) estão motivados em participar para representar os interesses de
um setor ou mesmo de sua organização.
Isso caracteriza uma situação de personalização da participação, um
problema que tem chamado a atenção de trabalhos sobre conselhos de UCs
(MMA, 2004). O fato é que a participação dos membros do Conselho fica muito
mais pautada nas suas opiniões e experiências particulares que na representação
dos valores e interesses dos setores pelos quais eles foram eleitos.
Pelo próprio contexto da APA e pela história de formação do Conapam,
a forte presença de pessoas ligadas ao movimento ambientalista faz sentido,
porque são as pessoas previamente ligadas a esta rede que podem ser mais
facilmente mobilizadas em um processo rápido e restrito, como foi o de criação
do Conselho. Da sociedade civil, são estas pessoas que, neste momento tiveram
maior motivação, acesso à informação e poder (organizações formalmente
constituídas) para ocuparem o espaço do Conselho. Nas próprias palavras de um
ambientalista membro do Conselho:
O Conselho formou a composição que ele podia formar. Era quem tava
neste momento, quem poderia estar. Acho que ele representa bem o
momento atual. Certamente ele não é um Conselho representativo, se
você analisa o espaço geográfico. Se você analisa o tempo, é um
Conselho deste tempo. (Relato de entrevista ambientalista,
representante de ONGs ambientalistas)
Tratando ainda da questão da representatividade do Conselho, esse
mesmo conselheiro afirma:
A participação acaba não sendo representativa dos interesses mais
legítimos. Todas as pessoas que escolheram morar nesta região, elas
têm uma cultura de participação cidadã, muito maior que os moradores
tradicionais. Então, a gente acaba tendo participações que são
excludentes porque elas representam grupos pequenos e dificilmente os
moradores tradicionais estão representados. Várias vezes são até
grupos bem porta-vozes das necessidades, mas a sensação não é a
mesma. A sensação de grande parte da comunidade é que ela não
98
participa, outros participam por ela. (Relato de entrevista
ambientalista, representante de ONGs ambientalistas).
A maior presença do movimento ambientalista no Conapam também se
manifesta na freqüência de participação nas atividades do Conselho. A Figura 5
compara o número de organizações presentes no Conapam, por setor da
sociedade, com a freqüência de sua participação nos eventos ocorridos em 2004.
É possível perceber que a maior freqüência é das ONGs ambientalistas e
associações de moradores (que, em sua maioria, são representadas por pessoas
ligadas ao movimento ambientalista na Serra da Mantiqueira). Por outro lado, as
organizações estaduais e municipais foram as que menos freqüentaram os
eventos ocorridos em 2004.
FIGURA 5 Presença de conselheiros por setor da sociedade nos eventos e
reuniões realizados em 2004, comparação com o número de organizações
presentes no Conselho (primeira seqüência)
Se o forte envolvimento do movimento ambientalista no Conselho pode
ser considerado previsível e, inclusive, positivo, no sentido de já existir um
99
conhecimento prévio das questões socioambientais da região, esta situação
suscita alguns questões bastante relevantes para um espaço como este.
Em primeiro lugar, mesmo com pouco tempo de existência, pôde-se
perceber, no acompanhamento das reuniões, que existe uma linguagem técnica
dominante e um grupo que mais se manifesta durante as reuniões. Nesse sentido,
um membro do Conselho, um dos únicos nativos da zona rural da APA, afirmou:
Tem algumas pessoas que vão falar ‘sim’ e ‘não’ e nunca vão expor
uma idéia objetiva e tem alguns que querem aparecer [...] algumas
pessoas não vão se manifestar nunca... (Relato de entrevista
cooperativista, representante de associações de produtores rurais).
Outro fato que pode ilustrar essa questão ocorreu durante uma oficina
temática sobre filosofia e prática de elaboração de projetos socioambientais, no
contexto do projeto de fortalecimento do Conselho. O objetivo desta oficina foi
nivelar conhecimentos de forma que organizações locais estivessem aptas a
refletir sobre ações sociambientais. Em determinado momento, uma das
participantes (representante de uma ONG ambientalista) manifestou-se
indignada: “quem será aqui que não sabe escrever e executar um projeto
social?”.
Em segundo, pôde-se perceber uma certa tendência nos assuntos tratados
pelo Conselho até agora. Durante o ano de 2004, o Conapam encontrou-se em
três reuniões ordinárias (08/07/2004, 06/09/2004 e 03/12/2004), além dos
eventos realizados pelo projeto “Fortalecimento da Gestão Participativa da APA
Serra da Mantiqueira”: duas oficinas temáticas e três fóruns regionais com a
população. Nestas reuniões foram, basicamente, discutidas questões sobre o
regimento interno (pauta oficial da primeira e segunda reunião, mas que acabou
surgindo diversas vezes na terceira) e apresentados projetos ambientais de ONGs
presentes ou não no Conselho. Além dos manifestos conflitos internos do setor
das ONGs - que discutiram se o Conselho deveria ou não endossar todos os
100
projetos apresentados sem a apreciação prévia por um grupo - representantes de
outros setores manifestaram-se negativamente sobre esta questão:
Eles [a população] não reconhecem o Conselho. Mas, eu vejo essa
importância dele para estar atuando mais diretamente na gestão e não
ficar muito naquelas conversinhas que apresentam um projeto que
foi aprovado. Pra que o Conselho vai dar o aval? esaprovado
já! Não tem nada a ver. (Relato de entrevista - secretário municipal de
meio ambiente 1, representante de prefeitura).
Por outro lado, outros assuntos importantes foram considerados apenas
de forma tangencial, como o caso da instalação de luz elétrica na APA (Quadro
1).
Outros conselheiros entrevistados também indicaram essa inclinação do
Conselho à opinião do movimento ambientalista da Mantiqueira que, para
muitos, ainda é identificado com a postura preservacionista:
Certas ONGs defendem apenas certas coisas. Eu, como sou da parte de
agricultura, eu conheço as pessoas, eu sei alguma coisa que está
vindo de encontro. É difícil como vamos trabalhar isso. Eu tenho medo
que o Conselho tome um rumo muito diferente do que deveria tomar,
esquecer quem mora na Serra... (Relato de entrevista cooperativista,
representante de associação de produtores rurais).
QUADRO 1 Luz na APA
Uma questão bastante importante que assaltou a APA Serra da
Mantiqueira no ano de 2004 foi o problema da instalação de rede elétrica,
inexistente em muitos bairros rurais da região. Por um lado, o programa “Luz
para todos”, do governo federal, prometia instalações elétricas em todo Brasil
até 2005. Por outro, a resolução da ANEEL (n
o
456/2000 Artigo 3
º
) estabelecia
que, no caso de unidades de conservação, a instalação de luz elétrica estaria
sujeita à autorização do órgão gestor da unidade. Para autorizar, o Ibama
estabeleceu que as propriedades interessadas na luz deveriam estar
regularizadas, inclusive com sua reserva legal averbada. Como em grande parte
do território brasileiro, na Serra da Mantiqueira são poucas as propriedades com
documentação regularizada e muito menos aquelas com reserva legal averbada.
Fazendo pressão sobre o Ibama, um secretário de meio ambiente de um
município com área completamente dentro da APA, foi convidado a levar este
101
problema ao Conapam e assim o fez durante os informes gerais da segunda
reunião ordinário do Conselho.
Neste momento, apenas um conselheiro se manifestou, propondo que a
gerência da APA convidasse um técnico do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) para dar esclarecimentos sobre a questão fundiária na
APA. A gerência entrou em contato com o INCRA, mas, no mesmo dia que ia
ser realizada, a palestra foi cancelada por impossibilidade do funcionário
convidado. Nesse momento não houve manifestação alguma, e de fato nada mais
foi comentado no espaço do Conselho sobre a questão da luz na APA. No
entanto, esse assunto continuou a ser negociado entre Ibama e Cemig, mas, no
sentido de facilitar a ação de vistoria do Ibama (que estava em processo de
estabelecer uma parceria para que Cemig pudesse realizá-la em pequenas
propriedades) e não de buscar formas alternativas para regularização fundiária
na UC. Indignado com a pouca mobilização do Conselho para um assunto tão
importante, o secretário que colocou a questão comentou:
“Essa questão da averbação para a energia elétrica é de toda a APA. E são 25
municípios e ninguém falou, eu.[...] É porque eles não representam a zona
rural. O produtor rural não tem representatividade no Conselho, se não alguém
se manifestaria, no meu município também está acontecendo assim, porque é em
toda a APA.”
6.3 O papel do Conselho
Quando perguntados sobre sua opinião a respeito do papel do Conapam,
várias foram as respostas dadas pelos conselheiros, desde idéias mais gerais até a
discriminação de ações específicas que deveriam ser realizadas pelo Conselho.
Respostas mais amplas normalmente citavam a proteção à APA (ou, no mesmo
sentido, a necessidade de fazer valer a legislação ambiental), a educação
ambiental da população, a efetivação da participação da sociedade na gestão da
APA e mesmo um suporte (técnico e institucional) ao Ibama. Outros
conselheiros colocaram como papel do Conselho desenvolver ações específicas,
como levar informação à população, levantar e fomentar o uso de alternativas
sustentáveis à região e promover o zoneamento da APA.
Estas são questões bastante pertinentes para a realidade da APA, mas
que, no entanto, demostram, em conjunto com toda discussão feita até aqui que,
102
dentre as funções dos conselhos de UCs, a atual composição do Conselho está
muito mais propícia a atuar na proposição e execução de atividades para
otimizar a gestão da APA, para ser um espaço de negociação de conflitos. Para
tratar dessa função de articulação para ações na APA, vale trazer os resultados
da II Oficina Integrada de Conselheiros (Pinto, 2004), realizada em 04 e
05/12/2004 no contexto do Projeto Fortalecimento da Gestão Participativa da
APA Serra da Mantiqueira”. Em uma parte dessa oficina foi trabalhado um
plano de ação para 2005. A Tabela 9 apresenta as três ações mais votadas pelos
conselheiros participantes, em ordem de prioridade:
TABELA 9 Resultado da votação de ações prioritárias para 2005 do Conapam
votação
Tipo de ação
Metas
Ações específicas
1
o
Comunicação
Disponibilizar informações adequadas ao
público;
Promover campanha informativa junto as
comunidades escolares;
Escrever artigos e trabalhos sobre a APA;
Elaborar e implementar plano de comunicação
do Conapam;
Escrever e divulgar a importância dos recursos
naturais da APA;
Levantar, sistematizar e divulgar os projetos
desenvolvidos na APA;
2
o
Zoneamento
Iniciar processo de implementação de
zoneamento ecológio-econômico,
Criar banco de dados geográficos;
Fazer macrozoneamento;
3
o
Conservação
Ambiental
Promover capacitação em técnicas sustentáveis;
Encaminhar denúncias específicas.
Fonte: Pinto (2004)
Assim, percebe-se que foram discutidas e eleitas ações de profunda
relevância para as necessidades da APA Serra da Mantiqueira. A existência e a
103
constante divulgação de informações claras e acessíveis sobre os recursos
naturais e sobre as regras do jogo na APA (legislação ambiental) é um fator
essencial na motivação dos atores para a ação coletiva. Nesse sentido, o
diagnóstico realizado pelos jovens participantes do projeto “Fortalecimento da
Gestão Participativa da APA Serra da Mantiqueira” apontou essa questão como
um dos maiores problemas atuais na APA (Silva et al., 2004).
Vale destacar também que, para algumas destas ões, foram
estabelecidas, dentro do Conselho, importantes parcerias como: com a 7
a
Superintendência Regional de Ensino (Caxambu), que envolveu-se diretamente
no esboço de projeto de comunicação elaborado durante a II Oficina Integrada
de Conselheiros (Pinto, 2004), já se comprometendo a envolver as escolas neste
processo de construção e divulgação de informação para a população e o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para a criação do banco de
dados de informações georreferenciadas para discussão do macrozoneamento da
APA.
A articulação destas parcerias dentro do Conselho indica, apesar do seu
pouco tempo de existência, que este espaço tem o potencial de favorecer a
comunicação entre os atores. Como já destacou Ostrom (1998), a comunicação,
principalmente a face a face, favorece a construção de relações de confiança,
elemento que conta positivamente para a motivação em agir coletivamente. A
fala de um representante do poder público municipal ilustra esse potencial do
Conselho em favorecer a comunicação entre os atores:
Embora ainda não tenha solução nenhuma, [o Conapam] é um lugar
que a gente pode colocar as nossas reivindicações. A gente é obrigado a
ser ouvido; nem que seja 5 minutos tem que ouvir [...] Por enquanto, o
Conselho o gerou nenhum benefício para o município. O que gerou
foi relacionamentos, então, eu consegui um relacionamento melhor
com outros municípios, com representantes de outros municípios para
tentar entender melhor algumas questões aqui, um melhor
relacionamento com a própria gestão da APA. Isso facilita os
104
processos que a gente monta de autorização, cortes. Esse contato eu
vejo facilitado (Relato de entrevista secretário de meio ambiente 1,
representante de prefeitura).
Em conclusão, é possível perceber que nem todos os atores presentes na
APA estão representados no Conapam, e mesmo atores importantes que foram
eleitos, como as prefeituras e os sindicatos rurais, não estão mais efetivamente
participando das reuniões (questões que comprometem o grau de representação
do Conselho). Ainda, percebe-se que existe uma forte personalização da
participação (comprometendo a legitimidade da representação). De fato, nota-se
que quem está realmente envolvido com o Conselho são pessoas de alguma
forma ligadas ao movimento ambientalista na Serra. Isso faz sentido pelas
próprias características das relações socioambientais na Serra e pelo processo de
formação do Conselho, em que era essa rede que, neste momento, dispunha de
motivação, informação e poder para estar ocupando este espaço. Entretanto, há
de se ponderar que este é o primeiro ano de existência deste Conselho e que,
mesmo que neste primeiro momento ele seja pouco caracterizado enquanto um
espaço plural, ele pode vir a favorecer alguns aspectos da ação coletiva para a
conservação da Serra.
Sobre isso vale destacar o favorecimento da comunicação entre atores
presentes neste espaço e do estabelecimento de importantes parcerias para
desenvolver ações de real implementação desta UC.
105
7 CONCLUSÕES
Os conselhos gestores são novas institucionalidades nas unidades de
conservação (UCs) brasileiras legalizadas pelo Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (Lei 9.985/2000). O surgimento de tais espaços no âmbito das UCs
vincula-se a um contexto internacional e, mais recentemente, nacional de
crescente articulação entre democracia e conservação ambiental. A isso soma-se
uma conjuntura de grandes dificuldades e conflitos na implementação das UCs,
levando-se à busca de novas formas de criação e gestão destas áreas, com maior
envolvimento das populações locais. Entretanto, não é a simples existência dos
conselhos em UCs que garante uma efetiva gestão participativa.
O estabelecimento de uma gestão participativa significa, na prática, lidar
com questões de ação coletiva, ou seja, com os condicionantes que influenciam
na opção dos atores por colaborar com a conservação dos recursos naturais. Na
perspectiva deste trabalho, isso significa tratar diretamente com os diferentes
interesses e valores relativos à apropriação destes recursos, especialmente em
categorias de UCs onde é possível permanecer a propriedade privada, como é o
caso da áreas de proteção ambiental (APAs). Assim, é essencial entender como
se delineia o conflito socioambiental entre uso e proteção dos recursos, o cenário
das relações socioambientais tecidas no processo de interação entre os atores e
entre estes e o ambiente.
No atual contexto da APA Serra da Mantiqueira foi possível perceber
que o conflito entre uso/ proteção dos recursos naturais está colocado tendo de
um lado órgãos púbicos de defesa do meio ambiente e parte do movimento
ambiental, que trazem as restrições de uso dos recursos, e de outro os
proprietários de terras, dos quais vale destacar os agricultores, que tem nessas
restrições grandes implicações na sua vida cotidiana.
106
Atualmente, este é um conflito que se caracteriza pela grande
heterogeneidade entre os atores, seja sócio - economicamente seja em relação à
percepção e dependência do uso dos recursos naturais da região. Da sociedade
civil, os ambientalistas apresentam normalmente poder aquisitivo
(freqüentemente com renda vinda das cidades) e experiência de organização
mais elevados que os moradores da zona rural. Outra característica é que, neste
cenário, as regras do jogo (legislação ambiental) não são claramente conhecida
pela população de uma maneira geral, especialmente a da zona rural. Situação
esta que se soma ao pouco trabalho em relação a alternativas economicamente
atrativas. Também a forma como tem sido gerida a APA baseada essencialmente
na fiscalização e punição - inclusive na última gestão se dando de forma bastante
autoritária - gerou uma reputação bastante negativa e uma desconfiança
generalizada em relação ao órgão gestor e à UC.
Sobre a argumentação dos atores, os órgão ambientais e ambientalistas
freqüentemente se utilizam do discurso do caráter difuso do meio ambiente para
justificar suas ações. Já a argumentação dos proprietários, é normalmente
baseada no seu direito de uso dos recursos contidos em sua terras. Entretanto,
algumas problematizações devem ser feitas em relação a esse atual
posicioanmento: serão os órgãos públicos de defesa do meio ambiente (e mesmo
a legislação ambiental) realmente defensores dos direitos difusos? Ou, como o
Estado brasileiro se constitui hoje, ele acaba defendendo interesses de elites de
ambientalistas (que são os responsáveis pela criação da maioria das leis
ambientais e da maioria das UCs)? Por outro lado, até que ponto a posição dos
proprietários, especialmente os da zona rural que habitam a região por gerações,
em defender seu direto privado de uso dos recursos, não é apenas uma resposta à
forma de ação dos órgãos ambientais? Será que não existem normas sociais de
gestão dos recursos que levem em conta os seu uso coletivo? E como foram
tratadas estas normas até hoje? Estas são questões que valem a pena serem
107
aprofundadas, para um maior entendimento da atual situação da APA e das
dificuldades de estabelecimento de uma gestão participativa nesta UC.
A partir do primeiro ano de implantação do Conselho Consultivo da
APA Serra da Mantiqueira (Conapam) foi possível observar algumas
características deste espaço. A análise do perfil sócio-demográfico do Conselho
permitiu demonstrar que a heterogeneidade característica do conflito
socioambiental na Serra da Mantiqueira não está presente no Conselho. Isso
também manifesta-se na linguagem dominante e no tratamento dos temas
levados ao Conselho no ano de 2004. O que se percebe é que a abertura deste
espaço, em grande parte, refletiu a situação de mobilização, informação e poder
na APA, onde, na sociedade civil, eram essencialmente os ambientalistas que
possuíam acesso à informação e organizações formais (com inscrição no
Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) para ocupar este espaço na forma e
conjuntura – de grande repressão em vigor na APA - em que ele foi criado.
Essa atual composição de organizações e conselheiros, com
praticamente total ausência de representantes da zona rural, torna este um espaço
frágil para constituir-se enquanto arena de negociação de conflitos entre uso e
proteção dos recursos naturais. Entretanto de se ponderar que, embora não
tenha sido suficientemente ampla em relação a todos os atores da APA, a
mobilização que se deu no ano de 2003 a partir na notícia de criação de um
conselho na APA, é vista e lembrada até hoje pelos participantes como um
importante período de luta frente ao autoritarismo da então gerência da APA.
Além disto, embora neste momento ele não se caracterize enquanto um
espaço representativo de todos atores presentes na APA, o Conapam fez colocar
frente a frente alguns importantes atores da APA, como órgão públicos de
diferentes níveis (ao que se destaque prefeituras e órgão de defesa do meio
ambiente), instituições de ensino atuantes na região e organizações não
governamentais (ONGs) ambientalistas, que podem constituir importantes
108
alianças para a construção de um rede de incentivos à conservação dos recursos
naturais (assim como foi observado no caso estudado por Beduschi Filho, 2001).
Neste sentido, foi possível observar, no âmbito do Conapam, a constituição de
importantes alianças entre algumas destas entidades para ações como:
informação à população e início do processo de zoneamento da APA. A
evolução destas parcerias também se constitui um importante campo de estudos
futuros, uma vez que entre estes atores (e mesmo dentro de cada grupo) existem
muitos conflitos que não puderam, por falta de tempo e espaço, ser abordados
neste estudo.
Por fim, embora convenha uma análise crítica destas novas
institucionalidades que são os conselhos gestores, e especialmente que eles não
sejam entendidos como uma panacéia, vale reafirmar sua importância como um
dos instrumentos para a construção de uma gestão ambiental participativa nas
UCs. Corroborar essa importância, no entanto, demanda um estudo a longo
prazo destes espaços, especialmente com foco no seu papel no processo de
transformação das relações sociais e das formas de apropriação dos recursos
naturais. É importante, no entanto, que este acompanhamento se em conjunto
com o de outras instâncias de participação social, sejam estas formais ou
informais.
Neste sentido, também vale salientar a importância de programas de
incentivos às ações de fortalecimento da participação social na gestão das UCs
que sejam baseados na valorização das instituições locais, nos processos de
comunicação entre os atores e na construção conjunta de conhecimento.
109
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Rio de Janeiro: Revan, 1992
114
ANEXOS
ANEXO A Página
QUESTIONÁRIO SOBRE PERFIL DO CONAPAM............................... 115
115
Questionário sobre perfil do Conapam – Gestão 2004/ 2005
Nome:___________________________________________
Origem: ? Rural Urbana
É nativo da região da APA? Sim Não
Mora atualmente na APA? Sim Não
Entidade que representa:_________________________________________
Nível de escolaridade:
1
a
a 4
a
5
a
a 8
a
Fundamental
Completo
Médio
Incompleto
Médio Completo
Superior
Incompleto
Superior
Completo
Pós (latu sensu)
Pós (strictu
sensu- Mestrado)
Pós (strictu
sensu-
Doutorado)
Qual sua principal atividade hoje?
Autônomo
Empregador
Empregado c/
carteira
Empregado s/
carteira
Servidor Público
Municipal
Servidor Público
Estadual
Servidor Público
Federal
Em que setor?
Hotelaria
Agropecuária
Indústria
Terceiro Setor
Comércio
Outros Serviços
Renda:
Sem renda
De 1 até 3
De 3 até 5
De 5 até 8
De 8 até 12
Mais de 12
até 15
Mais de 15
até 20
Mais de 20
Como ficou sabendo da existência da APA Serra da Mantiqueira?
Jornais
Ibama
Internet
ONG Ambientalista
Outros:________
Quando ficou sabendo?
116
Perto de 1985, quando de
sua criação
Recentemente, a menos de
dois anos
Agora, com a criação do
Conapam
Entre 1985 e agora
Como ficou sabendo da Criação do Conapam?
Através de convite do Ibama
para minha entidade
Através de conhecidos
Através de contato com o
Ibama
Através da Internet
Você sabe quais são os objetivos desta Unidade de Conservação? Se sim, quais?
Marque até três motivos pêlos quais você está participando do CONAPAM,
colocando-os em ordem de importância (1 mais importante- 3 menos):
( ) Para defender os interesses da entidades que represento
( ) Por interesse pessoal na questão ambiental
( ) Para aprender/viver coisas novas
( ) Para poder acompanhar mais de perto o trabalho da gerência da APA
( ) Para defender os interesses do setor que represento
( )Por participar do movimento ambientalista que desembocou nesse
Conselho
( ) Porque a entidade que represento vem desenvolvendo projetos ambientais
na região da APA e acredito que podemos ajudar na sua gestão
( ) Outros: _________________________
Para você, qual deve ser o principal papel do Conapam? Por que?
117
ANEXO B Página
TABELA 1B
Porcentagem de população rural (1991 / 2000) dos
municípios que fazem parte da APA Serra da
Mantiqueira.......................................................................
118
TABELA 2B Renda per capta e índice de analfabetismo (1991/ 2000)
dos municípios que fazem parte da APA Serra da
Mantiqueira.......................................................................
119
118
TABELA 1B Porcentagem de população rural (1991/ 2000) dos municípios que
fazem parte da APA Serra da Mantiqueira
Município 1991 2000
Aiuruoca (MG) 61,8 53,3
Alagoa (MG) 68,3 64,3
Baependi (MG) 37,5 31,6
Bocaina de Minas (MG) 59,3 55,7
Delfim Moreira (MG) 69,8 66,7
Itamonte (MG) 45,4 45,2
Itanhandu (MG) 19,7 18,6
Liberdade (MG) 42,6 32,8
Marmelópolis (MG) 58,0 55,6
Passa Quatro (MG) 31,8 23,8
Passa Vinte (MG) 50,5 40,7
Piranguçu (MG) 70,2 66,0
Pouso Alto (MG) 51,7 48,3
Virgínia (MG) 70,9 61,2
Wenceslau Braz (MG) 57,9 54,3
Média municípios mineiros
53,0 47,9
Campos do Jordão (SP) 1,1 1,0
Cruzeiro (SP) 3,9 3,1
Guaratinguetá (SP) 8,3 4,9
Lavrinhas (SP) 21,5 11,7
Pindamonhangaba (SP) 6,3 5,5
Piquete (SP) 6,5 6,5
Queluz (SP) 16,7 13,9
Santo Antônio do Pinhal (SP) 54,9 52,1
São Bento do Sapucaí (SP) 52,1 55,3
Itatiaia (RJ) 38,8 52,6
Resende (RJ) 14,0 8,2
Média Total 39,2 35,9
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil/ 2000
TABELA 2B Renda per capta e índice de analfabetismo (1991/2000) dos
municípios que fazem parte da APA Serra da Mantiqueira
119
Renda percapta (R$) Porcentagem da
população com mais de
15 anos analfabeta
Município
1991 2000 1991 2000
Aiuruoca (MG) 131,6 207,1 24,2 17,2
Alagoa (MG) 120,7 157,7 23,7 17,2
Baependi (MG) 126,3 196,2 21,3 14,9
Bocaina de Minas (MG) 115,3 179,6 22,3 22,8
Delfim Moreira (MG) 127,1 163,6 22,6 12,9
Itamonte (MG) 123,7 236,2 13,9 9,9
Itanhandu (MG) 219,7 306,5 11,0 7,4
Liberdade (MG) 121,3 168,1 29,8 20,1
Marmelópolis (MG) 93,2 150,9 21,2 16,2
Passa Quatro (MG) 142,5 240,6 14,0 8,3
Passa Vinte (MG) 108,6 168,5 22,6 17,6
Piranguçu (MG) 120,8 168,9 27,8 13,9
Pouso Alto (MG) 145,4 196,5 20,0 11,7
Virgínia (MG) 89,1 141,2 23,9 17,7
Wenceslau Braz (MG) 114,1 208,6 17,3 13,4
Media municípios
mineiros
126,6 192,7 21,0 14,7
Campos do Jordão (SP) 284,5 377,3 12,6 7,7
Cruzeiro (SP) 223,28 314,28 7,81 4,77
Guaratinguetá (SP) 391,58 401,02 7,39 4,68
Lavrinhas (SP) 173,77 189,05 16,11 10,16
Pindamonhangaba (SP) 264,4 332,01 9,03 5,57
Piquete (SP) 241,78 285,42 9,37 6,95
Queluz (SP) 151,68 222,08 14,18 9,17
Santo Antônio do Pinhal
(SP)
181,93 281,61 19,34 12,22
São Bento do Sapucaí
(SP)
198,33 242,83 17,58 11,01
Itatiaia (RJ) 240,46 295,87 14,18 8,01
Resende (RJ) 247,74 365,45 10,85 6,89
Média Total 173,0 238,3 17,5 11,8
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil/ 2000
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