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Mabel Mascarenhas Torres
A coruja e o camelo: a interlocução construída pelos assistentes
sociais com as tendências teórico-metodológicas do Serviço Social.
Serviço Social
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2006
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Mabel Mascarenhas Torres
A coruja e o camelo: a interlocução construída pelos assistentes
sociais com as tendências teórico-metodológicas do Serviço Social
.
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Doutora em Serviço Social, sob a orientação da
Professora Doutora Maria Lúcia Martinelli.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2006
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Banca examinadora
_____________________________
_____________________________
_____________________________
_____________________________
____________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução
total ou parcial desta tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura:___________________________ Local e data: __________________
Dedicatória
Aos meus pais Jarbas e Thereza, que me acolhem
e me ensinam a compartilhar as pequenas
alegrias da vida;
A querida
Dilséa Adeodata Bonetti, formadora de
várias gerações de pesquisadores, o meu
carinho, meu respeito e a minha admiração.
Você é luz para minha formação;
Ao
Joaquim Francisco, parceiro da minha vida;
A
Maíra, por nossas alegrias cotidianas, por
nossos abraços, beijinhos e carinhos
sem ter fim.....
Agradecimento Especial
Para Profa Dra Maria Lúcia Martinelli, meu exemplo intelectual,
formadora de uma legião de assistentes sociais compromissados
com o exercício profissional vinculado ao projeto ético - político;
que não mede esforços para compartilhar seus conhecimentos;
que sabe conduzir o processo de orientação de tal modo que os
orientandos se reconhecem como sujeitos pesquisadores;
que é uma pessoa brilhante e sabe reconhecer o valor do outro;
o meu obrigada, meu afeto e a minha admiração.
Agradecimentos
Finalizar uma tese não é fácil. Precisei da colaboração de várias pessoas,
sem as quais - talvez – este trabalho não fosse possível.
Agradeço inicialmente aos
assistentes sociais, sujeitos da pesquisa por
compartilhar suas experiências, por dividir as dúvidas, as certezas e as alegrias do
exercício profissional do assistente social. Analisar as narrativas foi para mim um
desafio e me aprimorou profissionalmente; ler o registro dos questionários
possibilitou a organização da tese e do modo como deveria apresentar os dados
da pesquisa.
Abraços carinhosos e fraternos:
-
Assistente social Eduardo Spíndola Gomes, meu grande amigo, a
quem devo muito. Eduardo tem me ensinado que sou capaz de superar
meus medos profissionais; é com quem posso dividir dúvidas, ganhar
broncas e apaziguar meu coração;
-
Sula do Conselho Regional de Serviço Social – Escritório Regional
de São José dos Campos, que me abriu as portas no momento que precisei
adquirir a mala direta do CRESS e foi responsável por etiquetar os
envelopes que originou a primeira fase da pesquisa desta tese;
-
Assistente social Maria Aline Rezende, querida amiga, que me
salvou no momento de formatar tabelas, construir gráficos, além de me
acalmar quando achei que não ia dar conta;
-
Profa Viviane Dantas, por sua disponibilidade em decifrar os
meandros do conhecimento sobre a fenomenologia. Foram várias tardes de
ótimos encontros e grandes aprendizagens.
- Profa Adriana Davoli Arizono, que colaborou com sua leitura
sobre a análise dos dados da pesquisa; além do que, é uma ótima pessoa,
cheia de vivacidade, boa de conversa, com quem tenho aprendido que
conhecer nunca é demais.
-
Profa Dra Maria Teresa dos Santos, que me acolheu em um
momento delicado da minha vida, com serenidade, afeto e uma boa pitada
de sagacidade;
- Profa Maria Conceição Silva, nossas viagens a São Paulo
renderam pelo menos umas cinco teses, duas voltas ao mundo, segredos e
alegrias compartilhadas;
-
Profa Dra Maria AuxiliaDORA Ávila Santos Sá; estamos
construindo uma grande amizade. Nossas diferenças nos aproximam,
complementam, além de produzir ótimos e saborosos frutos;
- Profa Dra Ana Cartaxo, que realizou a primeira leitura do
questionário enviado aos assistentes sociais e é uma referência profissional
para os assistentes sociais que se reconhecem como profissionais da
prática;
-
Lúcia, por me receber sempre com um sorriso cada vez que chego
ao Departamento de Serviço Social da Universidade de Taubaté;
-
Paula Torres, minha irmã – filha querida, que sempre está ao meu
lado nos melhores momentos da minha vida, que me proporcionou minha
primeira viajem internacional e é o meu orgulho;
- Rita de Cássia, minha irmã, com que compartilho os bons
momentos da vida e soube entender minha ausência durante a elaboração
desta tese;
-
Família Cunha Rodrigues, pelo carinho, amizade, por desejar me
ver feliz e realizada;
-
Grupo “Espantalho”, de Jacareí, que defende com galhardia a
concretização de um Serviço Social articulado ao projeto ético - político;
- Aos professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
em especial a
Profa Dra Dilsea Adeodata Bonetti, a Profa Dra Maria
Carmelita Yasbek e a Profa Dra Maria Lúcia Martinelli,
referências
fundamentais para minha formação docente;
- Agradeço a CAPES e a Universidade de Taubaté pela liberação da
bolsa;
Resumo
Esta monografia trata do modo como os assistentes sociais que se reconhecem
como profissionais da prática estabelecem interlocuções com as tendências
teórico-metodológicas. A pesquisa foi realizada com os assistentes sociais que
atuam no Cone Leste Paulista, São Paulo e que se reconhecem como
profissionais da prática. Ocorreu em duas fases: a primeira, por meio do envio de
um questionário contendo perguntas fechadas e abertas acerca da formação
profissional e do exercício profissional dos assistentes sociais. A segunda fase,
por intermédio da coleta de depoimento gravado e transcrito com 17 sujeitos.
Baseada em uma pesquisa social, cujo tratamento dos dados ocorreu por meio de
uma abordagem qualitativa, foi possível identificar e analisar que a construção da
interlocução perpassa necessariamente pela compreensão que os sujeitos tem do
significado do conhecimento no seu exercício profissional. Esta construção
também se relaciona ao modo como os assistentes sociais reconhecem o trabalho
que desenvolvem, as condições sociais sob as quais o Serviço Social se
materializa e se concretiza como profissão inserido na divisão sócio-técnica do
trabalho. Foi possível identificar a gama de conhecimentos que o assistente social
lança mão para operacionalizar o exercício profissional. Ficou claro que a
construção da interlocução com as tendências teórico-metodológicas é de caráter
contínuo e permanente e, ao mesmo tempo, não é homogênea ou igual para
todos. Os sujeitos revelam que a complexidade das relações sociais está presente
e é constitutiva do exercício profissional do assistente social. Ao reconhecer os
limites e possibilidades do exercício profissional, os assistentes sociais evidenciam
também a complexidade e as contradições do exercício profissional na
contemporaneidade.
Abstract
This monograph deals with how social assistants that recognize themselves as
professionals of experience settle dialogs with inclinations with a mixing of theory
and methodology. The research has been realized with social assistants who work
at the West Paulista Region in Sao Paulo and recognize themselves as
professionals of experience. There have been two phases: the first one by sending
a questionnaire filled with closed and opened questions based on the professional
academic formation and professional exercise by those social assistants. The
second one by collecting some recorded and written interviews with seventeen
different people. Based upon a social research which ways of the information has
happened by a quality boarding, it has been possible to identify and analyze that
the construction of the dialog necessarily goes along by the comprehension which
those people have in the meaning of know lodging in their professional exercise.
This construction also has a relation itself in the way social assistants recognize
the job they have been developing, social conditions which the Social Service
materializes and concretes as a profession inserted into the social-techniques of
the job. I has been possible to identify the great quantity of knowledge which the
social assistant give away to operate the professional exercise. It has been clear
that the construction of the dialogs with inclination into the mixing of theory and
methodology is a continuous and permanent feature and along of the years it won’t
be the same and uniform for everyone. People reveal that the complexity of the
social relationships is at the present time and it is constituted of the social assistant
professional exercise. By recognizing the limits and possibilities of the professional
exercise the social assistants also make sure the complexity and contradictions of
the professional exercises nowadays.
Lista de Figuras
Figura
página
Figura 1: Distribuição dos assistentes sociais por sexo e faixa etária
80
Figura 2: Distribuição dos assistentes sociais por sexo e estado civil
82
Figura 3: Distribuição dos assistentes sociais do sexo feminino por faixa
etária e estado civil
83
Figura 4: Distribuição dos assistentes sociais do sexo masculino por faixa
etária e estado civil
84
Figura 5: Distribuição dos assistentes sociais do sexo feminino por faixa
etária e religião
85
Figura 6: Distribuição dos assistentes sociais do sexo masculino por faixa
etária e religião
86
Figura 7: Distribuição das escolas onde os assistentes sociais concluíram
o curso por unidade da federação
95
Figura 8: Distribuição das unidades escolares onde os assistentes
sociais concluíram o curso por sua natureza pública ou privada
96
Figura 9: Distribuição dos assistentes sociais por realização de cursos de
pós-graduação
97
Figura 10: Distribuição dos assistentes sociais por período de formatura e
sub-região do Cone Leste Paulista onde está trabalhando
123
Figura 11: Distribuição dos assistentes sociais por sub-região do Cone
Leste Paulista e áreas de atuação predominante.
131
Figura 12: Distribuição dos assistentes sociais por motivo de saída do
último emprego.
140
Lista de quadros referenciais
Quadros Referenciais
páginas
Quadro referencial 1: Municípios que compõem o Cone Leste Paulista
distribuídos por sub-região
21
Quadro referencial 2: Distribuição das universidades e escolas onde os
assistentes sociais concluíram o curso por nome
e unidade da federação onde estão localizadas.
94
Quadro referencial 3: Distribuição dos assistentes sociais por ano
de nascimento e média de idade no ano da
formatura.
103
Lista de tabelas
Tabelas
página
Tabela 1: Distribuição dos envelopes enviados aos assistentes sociais
por quantidade enviada, quantidade respondida e
quantidade devolvida sem resposta
38
Tabela 2: Distribuição dos envelopes enviados aos assistentes sociais por
quantidade enviada, quantidade respondida e quantidade devolvida
sem resposta
39
Tabela 3: Distribuição do campo OUTROS para religião
87
Tabela 4: Distribuição dos assistentes sociais por região onde trabalham
e região de moradia
88
Tabela 5: Distribuição dos assistentes sociais por universidade e escolas
onde concluiu o curso e período de formatura
93
Tabela 6: Distribuição dos cursos de extensão realizados pelos
assistentes sociais
98
Tabela 7: Distribuição dos cursos de especialização realizados
pelos assistentes sociais
99
Tabela 8: Distribuição de outra graduação realizada pelos assistentes
sociais
100
Tabela 9: Distribuição dos cursos de mestrado realizados pelos assistentes
Sociais
101
Tabela 10: Distribuição dos cursos de doutorado realizados pelos assistentes
sociais
101
Tabela 11: Distribuição dos assistentes sociais por faixa etária e período
de formatura
102
Tabela 12: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de
inserção pública municipal e área de atuação
124
Tabela 13: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de inserção
pública estadual e pública federal e área de atuação
126
Tabela 14: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de inserção
em ONG e consultório e área de atuação
127
Tabela 15: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de inserção
em empresa privada e empresa de caráter misto e área
de atuação
128
Tabela 16: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de inserção
em entidades sociais e área de atuação
130
Tabela 17: Distribuição dos assistentes sociais por sub-região do Cone
Leste Paulista onde trabalham e área de atuação
132
Tabela 18: Distribuição dos assistentes sociais por forma de contrato
e natureza da ação
135
Tabela 19: Distribuição do campo OUTROS referente à forma como o
assistente social foi contratado
136
Tabela 20: Distribuição dos assistentes sociais por tempo de atuação como
assistente social e regime de trabalho
137
Tabela 21: Distribuição dos assistentes sociais por nome do cargo exercido
139
Tabela 22: Distribuição do campo OUTROS referente ao regime de
trabalho do assistente social
140
Tabela 23: Distribuição dos elementos por problema a ser trabalhado
143
Tabela 24: Distribuição dos elementos éticos
145
Tabela 25:Distribuição dos elementos relativos ao conhecimento
146
Tabela 26: Distribuição dos elementos relativos ao planejamento
147
Tabela 27: Distribuição dos elementos relativos ao espaço organizacional
149
Tabela 28: Distribuição dos elementos relativos ao processo de intervenção
152
Tabela 29: Distribuição dos elementos subjetivos
153
Tabela 30: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
dirigidas diretamente aos usuários
264
Tabela 31: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
por sua centralidade nos procedimentos técnico-operativos
277
Tabela 32: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
de caráter administrativo/ organizacional
287
Tabela 33: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes
sociais voltadas à investigação, à produção do conhecimento
e à docência
289
Tabela 34: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes
sociais relacionadas aos movimentos sociais e aos movimentos
de classe
290
Tabela 35: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes
sociais relativas ao planejamento
291
Tabela 36: Distribuição das atividades de caráter subjetivo, realizadas pelos
assistentes sociais
293
Tabela 37: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
relativas à área de atuação
295
Tabela 38: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
relacionadas aos Conselhos
296
Tabela 39: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
por participação em Conselhos
297
Lista de anexos
Anexo 1: Mapa do Cone Leste Paulista, dividido por sub - regiões:
Vale Histórico, Médio Vale, Serra da Mantiqueira,
Litoral Norte
Anexo 2: carta de apresentação da pesquisa aos profissionais
Anexo 3: questionário enviado aos profissionais
Anexo 4: roteiro de questões para coleta dos depoimentos
dos assistentes sociais
Anexo 5: Termo de consentimento livre e esclarecido
Sumário
Introdução 20
Capítulo 1 50
O exercício profissional do assistente social: re-descobrindo o espaço profissional
1. 1 – Aproximações iniciais: o ponto de partida para o entendimento do
exercício profissional 51
1. 1. 1 - O perfil dos profissionais que atuam no Cone Leste Paulista 77
1. 1. 1. 1 - Características gerais dos assistentes sociais que atuam
no Cone Leste Paulista 80
1. 1. 1. 2 - O processo formativo dos assistentes sociais 90
1. 2 – Os elementos constitutivos do exercício profissional identificados
pelos assistentes sociais 105
1. 2. 1 - A inserção profissional do assistente social: assalariamento e
as condições de trabalho 107
1. 2. 2 – As áreas de atuação do assistente social 122
1. 2. 3 – Os elementos levados em consideração pelo assistente social
quando realizam o exercício profissional 142
Capítulo 2: 155
Os conhecimentos mobilizados pelo assistente social em seu exercício profissional
2 . 1 – O conhecimento a respeito do cotidiano 160
2 . 2 – O conhecimento sobre a Lei de Regulamentação da Profissão
e outras leis que incidem sobre o exercício profissional do assistente
social e são por eles identificadas 166
2 . 3 – Os conhecimentos consubstanciados na relação estabelecida
entre a teoria, a metodologia e a prática profissional 174
2 . 3 . 1 – A prática como um fundamento auto-explicativo e
auto-referenciado 178
2 . 3 . 2 – A transposição do conhecimento para a prática como critério
para a qualificação do exercício profissional 184
2 . 3 . 3 – A prática profissional como fundamento para a construção
do conhecimento 189
2. 4 – O conhecimento das habilidades presentes no exercício profissional 221
2 . 5 – O conhecimento da realidade social experienciada pelo usuário
e suas condições objetivas de vida 227
2 . 6 – O conhecimento da gestão das políticas sociais 238
Capítulo 3: 249
As atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais e os caminhos
para a construção da interlocução com as tendências teórico-metodológicas
presentes no exercício profissional
3 . 1 – O exercício profissional desenvolvido pelo assistente social 253
3 . 1. 1 - A relação assistente social – usuário 255
3 . 1. 2 – As atividades desenvolvidas pelo assistente social no
decorrer do exercício profissional 263
3. 1. 2. 1 – As atividades privativas desenvolvidas pelo assistente social 300
3. 2 – As tendências teórico-metodológicas que fundamentam o
exercício profissional do assistente social: introdução 315
3. 2. 1 – As tendências teórico-metodológicas que fundamentam o
exercício profissional do assistente social: coruja e camelo em busca
de caminhos para construção da interlocução 317
3. 3 – As tendências teórico-metodológicas presentes no exercício
profissional do assistente social: as bases para o debate da interlocução 319
3. 4 – As diversas formas de exprimir a interlocução com as
tendências teórico-metodológicas construídas no exercício profissional
do assistente social 355
Considerações finais 390
Bibliografia 388
Anexos 395
20
Introdução
“quando você está fazendo a faculdade não tem nem idéia do
que vai precisar para o seu desenvolvimento profissional” [...]
“você tem uma base de conhecimento, mas acho que depois,
no processo da prática que você vai buscar novos
conhecimento, buscar conteúdos para agir”[...]
conhecimentos que são necessário para o desenvolvimento da
prática” (fala do sujeito 8)
21
Esta tese é o produto de uma pesquisa realizada junto aos
profissionais assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista (anexo 1).
A região considerada como o Vale do Paraíba Paulista, é composta por 43
(quarenta e três) municípios, abrange o Vale Histórico, o Médio Vale, o Litoral
Norte e a Serra da Mantiqueira. Os municípios são agrupados da seguinte
forma:
Quadro referencial 01: Municípios que compõem o Cone Leste Paulista
distribuídos por sub-região.
Sub-região Municípios
Vale Histórico
Aparecida, Arapeí, Areias, Bananal, Cachoeira Paulista, Canas,
Cruzeiro, Cunha, Guaratinguetá, Jataí, Lorena, Piquete, Potim,
Queluz, Roseira, São José do Barreiro, Silveiras.
Médio Vale
Caçapava, Guararema, Jacareí, Jambeiro, Lagoinha, Monteiro
Lobato, Natividade da Serra, Paraibuna, Piedade,
Pindamonhangaba, Redenção da Serra, Salesópolis, Santa
Branca, Santa Isabel, São José dos Campos, São Luiz do
Paraitinga, Taubaté, Tremembé.
Litoral Norte
Caraguatatuba, Ilha Bela, São Sebastião, Ubatuba.
Serra da
Mantiqueira
Campos do Jordão; Santo Antonio do Pinhal, São Bento do
Sapucaí.
A região está localizada entre as cidades do Rio de Janeiro e São
Paulo, tem seu desenvolvimento econômico e social marcado por um parque
industrial diversificado, que engloba os segmentos aeroespacial, aeronáutico,
automobilístico e bélico, o desenvolvimento da tecnologia de ponta nas áreas
de sensoriamento remoto, meteorologia, estudos sobre as mudanças climáticas
e informática. Associado a isso, a partir da década de 90, prospera o turismo
ecológico, de aventura, principalmente nas regiões do Litoral Norte e Serra da
Mantiqueira.
No Vale Histórico o turismo religioso é reforçado por meio do culto
a Nossa Senhora Aparecida, da instalação do Grupo Católico Canção Nova; do
pólo Hare Krishna em Pindamonhangaba, dos templos budistas; das igrejas
evangélicas, entre outros espalhados pelos municípios.
22
É uma região que progrediu economicamente a partir da
agricultura cafeeira e da rizicultura. A duplicação da Via Dutra nos anos 60
1
foi
um elemento facilitador para a consolidação do desenvolvimento do parque
industrial que passou a ser reconhecido nacionalmente por sua diversidade e
produção tecnológica de referência internacional. Ao mesmo tempo, suporta as
conseqüências adversas decorrentes do direcionamento da política econômica
e os percalços do quadro econômico nacional e internacional.
A Serra da Mantiqueira abrigou na década de 20/50 grande
contingente de pessoas em busca de um clima favorável ao tratamento da
tuberculose e outras doenças das vias respiratórias. A cidade de Campos do
Jordão - conhecida como a Suíça Brasileira - por seu clima propício mantinha
sanatórios
2
onde as pessoas de grande poder aquisitivo buscavam o
tratamento e a cura para essas doenças.
Recorrendo à história local, há registro de que em São José dos
Campos também existiam sanatórios
3
e vilas para atendimento dirigido aos
doentes de tuberculose e suas famílias. Em São José dos Campos ficavam as
famílias que não tinham condições financeiras para arcar com os custos
elevados do tratamento. Em Campos do Jordão ficavam as famílias cujo poder
aquisitivo permitia responsabilizar-se com as despesas da manutenção dos
doentes nos sanatórios de alto padrão.
Em termos políticos e sociais a região sofreu as conseqüências
da ditadura e da militarização – vide a instalação do Centro Tecnológico da
Aeronáutica, das indústrias bélicas, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica,
entre outros. Além disso, São José dos Campos – reconhecida como a Capital
do Vale – foi considerada, na década de 60, área de segurança nacional. Uma
das conseqüências é a nomeação do prefeito pelas autoridades federais sem
1
A Rodovia Presidente Dutra foi duplicada durante a década de 60 e em 1967, inaugurada com um novo
traçado na pista. Atualmente a rodovia é administrada por uma concessionária denominada Nova Dutra.
2
O primeiro sanatório de Campos do Jordão, chamado Divina Providência, data de 1929.
3
O sanatório mais conhecido é o Hospital Vicentino Aranha, transformado em hospital de retaguarda na
década de 90 e desativado em 2003. Vale registrar também a Liga de Assistência Social e Combate à
Tuberculose de São José dos Campos, liderada pela primeira dama do estado de São Paulo, sra Leonor
Mendes de Barros que realizava o serviço de acolhida e tratamento aos pacientes e seus familiares.
23
passar por eleição direta. Em termos sociais
4
, a região contribuiu para a
promulgação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
5
. Isso se deve a
presença maciça de profissionais assistentes sociais e de outras áreas no
debate sobre o Estatuto, na formação dos Conselhos de Direito e Tutelar, na
implantação e defesa das diretrizes propostas no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
“Nós participamos do movimento pró-Constituição, de 88,
você lembra disso? Por conta da Constituição nós tivemos em
vários municípios, tentando influenciar a melhoria das leis
municipais relacionadas com o social” [...] “Nós estávamos
nessa luta. Nós fazíamos parte de um movimento chamado
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua. Nós
andamos esse Brasil para conhecer experiências, para
entender. Nós trabalhamos muito para a implantação do
Estatuto da Criança e do Adolescente.” (fala do sujeito 17)
Na promulgação da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
6
não foi diferente: novamente os profissionais voltam a se mobilizar a fim de
fomentar a discussão junto ao poder local de modo a implementar a política de
assistência social como uma política de direitos. Dessa movimentação, um dos
ganhos identificados na região está relacionado à ampliação da articulação e
participação dos usuários na deliberação dos serviços e ao assento nos
conselhos municipais. Esse conjunto de ações tem como direção a
necessidade da assistência social ser estabelecida como política pública,
superando sua identificação com o assistencialismo e sua vertente
compensatória.
4
Em São José dos Campos, na década de 80, foi criada a Frente Nacional de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente. Suas principais lutas neste período foram: revisão da legislação, pelo
Ministério do Trabalho, no que se relaciona às creches nos ambientes de trabalho e incremento de
medidas visando sua implantação efetiva; preservação à aplicação dos princípios contidos na Declaração
Universal dos Direitos da Criança; institucionalização de plantões sociais em Juizados de Menores em
todo o país; revisão e incremento de política de adoção de crianças e adolescentes e adolescentes
infratores.
5
Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990.
6
Lei Orgânica da Assistência Social, Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
24
“Onze anos antes da LOAS, alguns profissionais começaram
a discutir entre eles essas questões, essas lacunas, essas
contradições” [...] “Eu sinto que a categoria despertou. Ficou
assim, entusiasmada e interessada. E correu atrás, foi à luta
para poder estudar, para poder construir uma direção para o
trabalho desenvolvido.” (fala do sujeito 17)
Não é a toa que o assistente social é reconhecido como o
profissional que operacionaliza programas, projetos e serviços diretamente
relacionados às políticas sociais. Por ser um profissional que atua nas
organizações públicas de natureza estatal, patrocinadas pelo Estado, é o
responsável também por planejar e operacionalizar as ações que serão
desenvolvidas – junto aos usuários - através das políticas sociais. A partir da
promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, em 07 de dezembro de
1993, ocorre não somente a redefinição da assistência social como política
pública, como também esta redefinição incide sobre o exercício profissional do
assistente social. Dito de outra forma, o Serviço Social – a partir do
conhecimento sistematizado acerca da assistência social – estimula a
concretização dessa redefinição e, ainda, é a profissão que colabora na
construção de estratégias para que a assistência social seja concebida como
uma política cuja perspectiva é a prestação de serviços de caráter sócio-
educativo dirigidos à população, legitimando os serviços prestados no âmbito
das organizações, uma vez que evidencia as necessidades, interesses e
direitos da classe subalterna.
No Cone Leste Paulista o assistente social se insere em diversas
áreas de trabalho e o exercício profissional é majoritariamente desenvolvido
junto à população que vive em condição de vulnerabilidade social, mediante a
realização de atividades voltadas à inclusão dessa população
“que assegure a universalidade de acesso aos bens e serviços
relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua
gestão democrática.” (Código de Ética, 1993, p. 11)
Entendi que é preciso conhecer em profundidade como os
assistentes sociais realizam esse exercício profissional e a partir de que
direção o desenvolvem. A decisão de realizar a pesquisa nessa região deve-se
25
principalmente ao fato de eu residir e trabalhar no Médio Vale há vinte anos,
atuando como assistente social em diversas áreas, conhecendo, assim, o
exercício profissional desenvolvido.
Desde a graduação em Serviço Social, realizada na Universidade
Federal do Rio de Janeiro na década de 80, tenho estudado de forma
recorrente o exercício profissional do assistente social e, principalmente, como
os profissionais na execução desse fazer têm como referência as tendências
teóricas e metodológicas que o fundamentam. Esse interesse decorre de
questões desafiadoras que se instituem no exercício da profissão no plano
sócio-organizacional e docente.
Durante as reuniões ocorridas entre profissionais e gestores da
área da assistência social é comum identificar perguntas do tipo: dessas
famílias que vocês atendem, quantas vão permanecer o resto da vida
utilizando-se dos serviços prestados pela assistência social? Quantas famílias
vocês analisam que têm condições de – com investimento financeiro e
qualificação profissional – sair dessa situação, ou seja, em que famílias vocês
consideram que o poder público deve investir para melhorar sua qualidade de
vida?
Na outra ponta os alunos perguntam: para repassar recurso é
preciso estudar? Qual é a especificidade dessa profissão? Qualquer um pode
fazer o que o assistente social faz? Como perceber a visibilidade dessa
profissão?
Uma observação preliminar realizada através da supervisão a
profissionais que trabalham em organizações vinculadas ao Estado, no contato
direto com os alunos e no trabalho como assistente social na prefeitura em um
município da região, foi possível identificar que a direção dada ao trabalho
desenvolvido pelo assistente social caminha basicamente por duas direções:
uma que se aproxima da consolidação do projeto ético-político e outra mais
próxima a estabelecida – previamente – pela organização que contrata seus
serviços. Essas direções apresentam entre si um caráter contraditório pois a
primeira reforça no profissional a necessidade da tomada de um
posicionamento que coloca em evidência as necessidades apresentadas – via
demandas de atendimento – pela classe subalterna, buscando com isto,
consolidar uma atuação profissional cuja marca seja a defesa dos direitos
26
sociais. A outra direção reforça que os assistentes sociais assumam como do
Serviço Social os objetivos da organização que o contrata como profissional
assalariado, portanto, as demandas de atendimento, as atividades realizadas
estão a serviço da manutenção da organização, cabendo o enquadramento dos
usuários às regras e ao assistente social ser o intérprete privilegiado de suas
determinações. No mesmo local de trabalho é possível encontrar profissionais
atuando nas duas direções, o que provoca - inclusive – conflitos entre os pares.
Esses conflitos são interpretados sob perspectivas diferentes: alguns
assistentes sociais entendem que prejudicam e comprometem o exercício
profissional, alegam que conflitos dessa natureza resvalam para questões de
natureza política e partidária ou de natureza política no sentido da tomada de
decisão. A outra perspectiva de análise recai sobre a questão da contradição
presente no exercício profissional do assistente social, ou seja, cabe ao
profissional mesmo nos limites da organização, tornar visível, dar evidência às
necessidades apresentadas pela classe subalterna e garantir a defesa dos
direitos democráticos e sociais determinados na legislação vigente em nosso
país.
Entendo que a direção construída por uma profissão é fruto da
sua organização coletiva e está presente no exercício profissional do assistente
social; é assimilada de forma heterogênea a partir do modo como os
profissionais entendem e avaliam sua importância para a conformação do
Serviço Social. A direção configura também a visibilidade, a consistência e a
coerência teórica e argumentativa que o assistente social deve demonstrar
quando realiza seu exercício profissional.
Uma outra observação importante é que, mesmo regulamentada
como profissão de caráter liberal, majoritariamente os assistentes sociais
trabalham como profissionais assalariados, prestando serviços em diferentes
áreas – saúde, educação, assistência social, habitação, docência, entre outros,
o que incide diretamente em sua autonomia e possibilidade de construir
respostas profissionais.
Com base nessas observações iniciais, identifiquei a necessidade
da realização de um estudo em profundidade acerca do exercício profissional
do assistente social, de como esse exercício é construído e analisado por seus
sujeitos. Ou seja, um estudo construído por dentro, com base analítica, a partir
27
da identificação de seus determinantes, organizados por meio de uma pesquisa
realizada com os assistentes sociais que executam políticas sociais e colocam
em movimento o seu exercício profissional.
O Serviço Social é uma profissão marcadamente interventiva,
exigindo do profissional uma ação competente, com consistência teórica e
argumentativa. Porém isso não significa que a intervenção deva ser reduzida à
realização de atividades dirigidas aos usuários. Ao contrário, faz-se necessário
uma profunda e profícua relação entre o fazer e o saber de modo a garantir a
explicitação da ação desenvolvida pelo assistente social.
O que observo é que essa relação não está explícita, não se
revela por si só no exercício da profissão. Ela carrega determinações que
muitas vezes perpassam pelo modo como o profissional entende a importância
da teoria, das tendências teórico-metodológicas como possibilidade de
construir e qualificar as respostas profissionais; além de identificar o modo
como esses profissionais entendem o projeto ético-político da profissão.
Nesse sentido, o estudo proposto vislumbra esta possibilidade: a
dimensão interventiva deve ser construída de forma analítica, fundamentada
teoricamente, cuja referência e sustentáculo é a realidade social. Pretendo com
esse estudo chamar atenção para essa questão, entendendo que essa é uma
das formas de qualificar o exercício profissional. Sob esta direção, não há
interesse em realizar prescrições, receitas de “como ser um ótimo assistente
social”, mas de analisar o Serviço Social como uma profissão cujo
conhecimento e competência teórico – metodológica, técnica e interventiva,
contribui para a construção das relações sociais estabelecidas na realidade
social.
Na pesquisa em questão, entender o modo como os assistentes
sociais constroem seu exercício profissional foi a chave utilizada para analisar
como eles estabelecem interlocuções com as tendências teórico-metodológicas
presentes no Serviço Social. Essa interlocução pode também explicitar a
prontidão do profissional para construir e realizar sua ação profissional. Outra
chave é reconhecer que a ação abarca uma dupla dimensão que guarda entre
si uma relação de interdependência, a saber: a dimensão interventiva -
compreende a intervenção, a instrumentalidade, os componentes ético-
políticos, o reconhecimento da realidade social; e a dimensão investigativa
28
compreende a produção do conhecimento, a elaboração de pesquisas e os
aspectos analíticos que dão suporte e qualificam a ação interventiva. Ambas –
em complementaridade – favorecem a visibilidade do fazer profissional. São
essas dimensões que consolidam a coerência, a consistência teórica e
argumentativa, e, para além disto, são as formas concretas do agir profissional.
A construção desta pesquisa ocorreu a partir do entendimento de
que o conhecimento se dá de modo processual e dialético. O sujeito
pesquisador parte do conhecimento já existente buscando compreender
analiticamente as lacunas, os vácuos que o seu estudo pode completar. A
busca pela produção de conhecimento perpassa então pela “construção que se
faz a partir de outros conhecimentos sobre os quais se exercita a apreensão, a
crítica e a dúvida” (MINAYO, 2000, p. 89) A partir dessa referência, inicialmente
realizei uma pesquisa bibliográfica, visando identificar o que já estava sendo
produzido sobre o tema pesquisado. O que me chamou a atenção é não haver
produção escrita e publicada sobre o modo como os assistentes sociais
constroem interlocuções com as tendências teórico-metodológicas
presentes na ação profissional e ainda como essas interlocuções
“cruzam” e se “entre cruzam” no exercício dessa profissão.
Clarifico desde o início que interlocução não é categoria de
análise, mas, sim, como apresentada aqui, uma possibilidade de diálogo,
conversação, construção analítica que deve se fazer presente no exercício
profissional. A proposta, portanto, não é discutir a produção do conhecimento
em Serviço Social mas, sim, explicitar como os profissionais se apropriam e
entendem esse conhecimento e suas interfaces com o exercício profissional.
Ao realizar a pesquisa bibliográfica identifiquei os diversos autores
que construíram produções teóricas sobre o exercício profissional - enfocando
os citados pelos sujeitos da pesquisa - a saber: Netto (1991), Iamamoto (1983,
1992, 1998, 2001); Silva e Silva (2002); Martinelli (1991); Weisshaupt (1988);
Yasbek (1993); Guerra (1995); Montaño (2000) e Faleiros (1985, 1997). Tendo
como base esses autores, foi possível identificar que o exercício profissional
assume diversos significados que são reconhecidos não somente pelos
sujeitos que operam a ação profissional, mas também por seus empregadores,
pelos usuários de seus serviços e pela população em geral. Esses significados
também estão associados à percepção que o assistente social tem dos
29
múltiplos determinantes que são constitutivos desse exercício. A partir do
conhecimento sistematizado por estes autores, percebi a necessidade de
buscar o entendimento do exercício profissional do assistente social através
das concepções de profissão construídas ao longo da história, entendendo
também que essas concepções são construídas partindo da visão que a
categoria tem desse exercício profissional. Os autores apontam a premência
dos assistentes sociais que atuam nas organizações em conhecer e saber
quais as atividades irão desenvolver em seus locais de trabalho. Esta urgência,
de certa forma, compromete o momento do reconhecimento do lugar, do
espaço onde o trabalho será realizado. Não falo aqui somente da organização,
mas, do espaço sócio-organizacional, do trabalho até então realizado, do
conhecimento do poder local, fundamental para a construção não somente das
atividades, mas, também do reconhecimento do fazer profissional. Esta
urgência também favorece que a aproximação e o reconhecimento do espaço
sócio-organizacional fique restrito àqueles que estão na imediaticidade do
exercício profissional: o conhecimento das diretrizes da organização, dos
critérios para admissão dos usuários; da liberação de recursos sócio-
assistenciais e do funcionamento administrativo da organização. A maioria dos
assistentes sociais - muitas vezes – se restringe a conhecer esta parcela de
conhecimentos, o que pode comprometer a viabilidade e a visibilidade do
exercício profissional. Esses conhecimentos colaboram também para a
construção de respostas profissionais que atendam as demandas postas pelos
usuários mas não são suficientes. Há uma tendência à construção de uma
análise imediata acerca das possibilidades interventivas e analíticas. Há
também uma tendência de que o conhecimento teórico seja entendido muito
mais como um complicador do exercício profissional do que como possibilitador
da construção de respostas sócio – profissionais consistentes.
Com relação às tendências teórico-metodológicas e às matrizes
teóricas que matizam o conhecimento na área do Serviço Social, há uma
consistente bibliografia que subsidiou o estudo e a pesquisa empreendida
nesta tese. Os autores que tratam dessa questão são: Aguiar (1995); Borgianni
& Montaño (2000); Hill (1980); Kisnerman (1978, 1980) e outros autores já
citados, tais como Netto (1991, 1992); Iamamoto (1983, 1992, 1998), Martinelli
(1991). Após a leitura, identifiquei que a análise efetuada pelos autores é
30
dirigida à constituição do Serviço Social como profissão; à produção do
conhecimento no Serviço Social; à discussão da ação profissional em suas
múltiplas dimensões; ao processo identitário constituído por esse fazer
profissional. Sendo assim, considerei a pertinência do objeto proposto, partindo
então para sua problematização.
Recorrendo à bibliografia é facilmente identificado que os autores
escrevem sobre os fundamentos teóricos, sobre o exercício profissional do
assistente social propriamente dito, analisam a ação sob uma perspectiva
teórica, porém pouco se escreveu sobre como se dá o processo de
interlocução construído pelos profissionais com as matrizes teórico-
metodológicas presentes em sua própria ação. Assim
é essencial que o pesquisador adquira familiaridade com o
estado do conhecimento sobre o tema para que possa propor
questões significativas e ainda não investigadas.
(ALVEZ-
MAZZOTTI & GEWANDSNAJDER, 2002, p. 151)
A construção do objeto passou por definições após a leitura prévia
da bibliografia identificada, do conhecimento que havia sistematizado e da
experiência acumulada como assistente social e como pesquisadora. Fui
identificando que a construção desse objeto carecia de consistência e
delimitações que se não fossem cuidadas poderiam inviabilizar a construção da
pesquisa e de seu produto final.
Com relação à consistência, parti do princípio que um objeto de
estudo impreciso pode comprometer todo o processo de estudo. Valendo-me
de Minayo (2000), consegui compreender que a apreensão do objeto “se
explica pelo fato de que as idéias que fazemos sobre os fatos são sempre mais
imprecisas, mais parciais, mais imperfeitas que ele.” (2000, p. 90), havendo
portanto, a necessidade de repensá-lo e redefini-lo. Um outro aspecto está
relacionado ao modo como o próprio sujeito reconhece o objeto que pretende
estudar
nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido,
em primeira instância, um problema da vida prática. [...] surge
de interesses e circunstâncias socialmente condicionadas,
31
frutos de determinada inserção no real, nele encontrando suas
razões e seus objetivos. (MINAYO, 2000, p. 90)
No decorrer do exercício profissional é comum observar que os
assistentes sociais – principalmente aqueles que se reconhecem como
profissionais da prática – têm dificuldade em explicitar suas atribuições e
reconhecer o significado social de sua profissão. Consegui compreender o
porquê dessas indefinições, partindo da premissa que essa profissão está
organicamente vinculada à realidade social. Essa vinculação é mediada pela
percepção que os sujeitos têm dessa relação, da sua inserção no espaço
sócio-profissional e do modo como entendem o próprio exercício profissional.
Por trabalhar majoritariamente com uma população que se quer “escondida” ou
“deixada fora do centro das atenções”, há uma tendência de assumir a
profissão também como algo que não precisa ser visto, explicitado,
“A gente fica nos bastidores, a gente fica como pano de
fundo.” [...] “o medo de se expor, essa coisa embutida na
formação de que você não pode aparecer, não deve se expor”
[...] “a coisa da subalternidade mesmo, a coisa de que a gente
não aparece, não está aí para aparecer” [...] “eu acho que tem
que se mostrar com certeza.” [...] “O se mostrar é ter o que
falar, é você ter postura, é você ficar no mesmo nível dos
demais.” (fala do sujeito 1)
“a gente está na prática, nossa tanta gente se refere a você,
mas às vezes eu não tenho noção de como o trabalho está
repercutindo, às vezes você pensa assim estou cansada, e
não imagina que mesmo com esse cansaço você se empenha,
você quer fazer um trabalho interessante, você quer
trabalhar direito.” (fala do sujeito 2)
Ao mesmo tempo, a partir da década de 80, a formação
profissional, com base em uma nova proposta teórica e filosófica, enfatizou os
aspectos sócio-históricos, éticos e políticos presentes no exercício profissional,
matrizados pelo materialismo histórico-dialético com base marxista. Esse
32
aspecto fica explicitado no Código de Ética de 1986
7
, que estabelece ser
necessária a
negação da base filosófica tradicional, nitidamente
conservadora, que norteava a “ética da neutralidade”, e
afirmação de um novo perfil do técnico, não mais um agente
subalterno e apenas executivo, mas um profissional
competente teórica, técnica e politicamente. (CFESS, 1993, p.
9)
Como perceber se os conhecimentos advindos dessa formação
repercutem no exercício profissional do assistente social? Os profissionais
percebem se esses conhecimentos qualificam ou não o exercício profissional e
ainda colaboram ou não para sua visibilidade?
Com base nessas indagações compreendi a necessidade de
estudar o exercício profissional não a partir dele mesmo, ou como um fim em si
mesmo, o que seria voltar a uma posição endógena, auto-centrada
amplamente combatida no Movimento de Reconceituação. Os autores
estudados indicaram-me que, para analisar o exercício profissional do
assistente social precisaria estudar também os fundamentos filosóficos que
sustentam as tendências teórico-metodológicas que fundamentam a direção e
a visibilidade desta profissão. Recorri, então, aos autores que, sob minha
óptica, o assistente social precisa conhecer para ter clareza da fundamentação
dessas tendências: Nisbet (1987); Durkheim (1999); Comte (1990); Marx (1988,
1993, 2001); Vazquez (1977); Marcuse (1978); Heidegger (2000). Este estudo
me permitiu perceber o porquê de o Serviço Social necessitar compartilhar do
conhecimento de outras ciências, estudos e pensamentos para fundamentar o
seu fazer profissional. Voltando à leitura dos autores do Serviço Social foi
possível perceber também como eles entendem o conhecimento filosófico e
sua apropriação no Serviço Social.
Ao buscar problematizar essas indagações iniciais, identifico que
essas questões interferem não somente na clarificação do papel profissional do
7
O Código de Ética de 1986, sinalizava as primeiras conquistas advindas do diálogo que o Serviço Social
trava com o materialismo histórico-dialético com base marxista. O Código passou por uma revisão no
início dos anos 90, consolidando o projeto ético-político “que remete para o enfrentamento das
contradições postas à profissão, a partir de uma visão crítica, e fundamentada teoricamente, das
derivações ético-políticas do agir profissional.” (CFESS, 1993, p. 10)
33
assistente social, mas, sobretudo, no modo como ele entende e organiza sua
ação profissional. Para tornar clara essa questão, foi preciso conhecer como os
assistentes sociais identificam as ações que desenvolvem e por onde passa
essa identificação.
A princípio posso afirmar que essa identificação perpassa pela
construção do próprio exercício profissional; a leitura de realidade realizada
pelo assistente social, que se explicita no modo como evidencia sua visão de
homem, de mundo e de prática profissional; o conhecimento acerca do usuário
dos serviços e das demandas por estes apresentadas, e a análise da questão
social – não como pano de fundo e/ ou cenário da ação, mas como lócus e
objeto da ação do Serviço Social. As questões levantadas anteriormente estão
intimamente relacionadas ao conhecimento que os assistentes sociais têm do
papel assumido por essa profissão ao longo da sua história e ao
reconhecimento que têm de serem protagonistas do processo de construção
desse fazer.
“Nós nascemos no pós-guerra, as mulheres se uniram para
cuidar dos mutilados, das pessoas que necessitavam da
assistência, que naquela época era um assistencialismo, era o
socorrer, era o dar sem reflexão sem nada e nós viemos na
caminhada, no decorrer desse tempo esse dar virou o que,
como, porque, para que, quer dizer, o assistencialismo virou
assistência social, virou política, hoje em lei. Mas nós não
somos só isto.” (fala do sujeito 1)
Na busca por delimitar o objeto, além da pesquisa bibliográfica,
identifiquei que o estudo proposto carecia de algumas delimitações para
garantir sua visibilidade e viabilidade. A primeira delimitação foi de ordem
geográfica, cujo sentido foi o de permitir ao pesquisador construir uma análise
de fato em profundidade, com possibilidade de acessar os profissionais, ouvir
suas experiências, garantindo a fidedignidade dos dados e um estudo
prospectivo. A segunda delimitação está diretamente relacionada aos sujeitos
da pesquisa, ou seja, pesquisar os profissionais que durante o processo de
investigação estejam inseridos no mercado de trabalho. Assim, não foram
objeto de investigação as questões relativas ao desemprego e à ampliação
34
e/ou redução de postos de trabalho para o assistente social. O alvo desta
investigação direcionou-se às condições objetivas da inserção e permanência
do profissional no mercado de trabalho. A terceira delimitação está
relacionada à relevância social e científica do objeto estudado, ou seja, é
preciso identificar, analisar e avaliar a contribuição que um trabalho dessa
natureza pode trazer para a consolidação do saber do assistente social, bem
como a repercussão na construção e na explicitação do fazer desse
profissional.
O enfoque dado ao tema desta tese tem na pesquisa social a
chave capaz de desatar nós, de construir caminhos e estabelecer mediações
necessárias para o entendimento da questão aqui tratada. Por seu caráter
analítico, abarca a necessidade do estudo prévio a respeito do tema
pesquisado bem como a necessidade de definir a investigação no decorrer do
próprio processo. A pesquisa realizada para fins desta tese é de caráter social
e o tratamento dos dados ocorreu por meio de uma abordagem qualitativa.
Esse modo de efetuar pesquisa busca superar uma visão tradicionalmente
constituída na área das ciências humanas e sociais de que os fenômenos
sociais mantêm estabilidade e fixidez inerentes às relações sociais e à ordem
social. Essa superação decorre da necessidade de tornar explícita
a complexidade e as condições de fenômenos singulares, a
imprevisibilidade e a originalidade criadora das relações
interpessoais e sociais” [...] “as pesquisas que valorizam os
aspectos qualitativos dos fenômenos, expuseram a
complexidade da vida humana e evidenciaram significados
ignorados da vida social.
(CHIZZOTTI, 1991, p. 78)
É um modo de pesquisar que favorece a elucidação dos
significados atribuídos pelos sujeitos – pesquisador e pesquisados – das ações
presentes no cotidiano da vida e de suas múltiplas articulações com a realidade
social. Assim, essa metodologia é viva, concreta, e se revela no modo como se
procede a análise da realidade social. O que isso quer dizer? Para a
construção dessa metodologia de pesquisa, é preciso que se leve em
consideração os aspectos relativos ao conhecimento que já existe sobre o que
se quer pesquisar, pois entendo que este “não se reduz a um rol de dados
isolados, conectados por uma teoria explicativa” (CHIZZOTTI, 1991, p. 79); ao
35
contrário, o conhecimento é parte de um processo que explicita a relação
homem e mundo e as condições objetivas em que vive o homem em relação
com o mundo. Nesse sentido, o planejamento da pesquisa é um processo, uma
vez que se parte da experiência, da vivência que o sujeito pesquisador tem
com o tema pesquisado e da experiência, da vivência que o sujeito pesquisado
tem com o tema, construindo nexos, relações a partir daí; portanto há uma
trajetória que se desenvolve ao longo desse processo.
A pesquisa, portanto, é como um instrumento no qual estará
explicitado o processo de construção do conhecimento acerca do objeto
estudado, além de valorizar “a contradição dinâmica do fato observado e a
atividade criadora do sujeito que observa.” (CHIZZOTTI, 1991, p. 80) Por isso,
estabelece com clareza o papel do sujeito que investiga e do sujeito do
processo de investigação; ou seja, “o pesquisador é um ativo descobridor do
significado das ações e das relações que se ocultam nas estruturas sociais.”
(CHIZZOTTI, 1991, p. 80). Desse modo, o pesquisador busca compreender o
significado social do que está sendo pesquisado, não como algo descolado da
realidade; ao contrário, é elemento decisivo para entender a construção do
conhecimento em suas conexões com os determinantes sociais. Ou seja, a
construção das relações entre a complexidade da vida social e o problema a
ser pesquisado é de responsabilidade do sujeito pesquisador.
Outro aspecto importante tem a ver com a necessária relação
estabelecida entre a particularidade - foco da pesquisa - e a totalidade presente
na realidade social. Essa relação se explicita pela mediação, que, por ser uma
categoria analítica, atravessa a produção do conhecimento,
a produção de idéias e, portanto, do conhecimento, tem um
caráter social: as idéias e o conhecimento são representações
da vida do ser humano, num dado momento de sua história [...]
o conhecimento reflete o contexto social no qual é produzido.
(MOROZ & GIANFALDONI, 2002, p. 09)
Na delimitação deste estudo, consegui buscar de forma mais
objetiva o caminho que deveria percorrer para fundamentar a investigação a
ser realizada: focar a atenção para o estudo de exercício profissional do
assistente social. Esse caminho está intrinsecamente relacionado ao método
36
com o qual estarei fundamentando a análise do resultado da pesquisa. Nesse
sentido, o método, longe de ser uma algema, é uma referência construída no
processo, no decorrer da pesquisa.
Ao procurar entender, com base na fala dos sujeitos, o modo
como os assistentes sociais explicitam o seu fazer profissional, deparei-me
com uma série de questões diretamente relacionadas com o modus operandi
do exercício profissional, explicitadas a seguir:
1ª. Para agir o assistente social leva em consideração o conhecimento
específico de sua área de atuação, o conhecimento das políticas sociais e o
conhecimento do espaço organizacional onde está atuando;
2º. O assistente social tende a assumir como objetivos do Serviço Social
aqueles da organização com a qual mantém vínculo empregatício.
3º. Para o assistente social a teoria social pouco se relaciona com a prática
desenvolvida cotidianamente.
Cabe aqui uma consideração preliminar: por se tratar de uma profissão de
caráter interventivo, há também um campo de saberes – não necessariamente
científico – que movem o exercício profissional do assistente social. Isso foi
estudado quando do contato direto com os sujeitos da pesquisa.
A pesquisa foi planejada para ocorrer em três etapas
complementares: a primeira etapa objetivou traçar o perfil dos assistentes
sociais que atuam no Cone Leste Paulista, por meio da documentação
existente e mantida pelo próprio Conselho Regional de Serviço Social – São
Paulo. Essa etapa foi suprimida uma vez que não houve autorização para
consultar a referida documentação. A alegação é de que a informação não
estava sistematizada para possibilitar acesso de pesquisadores sem que
ocorresse a identificação dos profissionais. Mesmo assim, entendendo que,
sem conhecer – mesmo que superficialmente – os sujeitos potenciais da
pesquisa não seria possível prosseguir, foi retomado o contato com o Conselho
37
Regional de Serviço Social – São Paulo, para verificar a possibilidade de
aquisição de uma mala - direta contendo nome e endereço dos profissionais
para envio de correspondência referente à pesquisa, o que se efetivou em
setembro/ 2003. Para perfazer essa aproximação, foi elaborado um
questionário (anexo 2) dirigido aos profissionais, cuja resposta, após
compilação, é parte fundamental desta tese.
O questionário “é um instrumento de coleta de dados com
questões a serem respondidas por escrito sem a intervenção direta do
pesquisador.” (MOROZ & GIANFALDONI, 2002, p. 66) A vantagem do seu uso
é a possibilidade de abranger um grande número de pessoas ao mesmo tempo
e em um menor espaço de tempo. O questionário foi elaborado e dividido em
três partes de modo a favorecer que o profissional pudesse pensar sobre sua
trajetória e exercício profissional.
A primeira parte, denominada Dados de Identificação e Formação
Profissional, enfocou questões sobre: formação profissional e formação
continuada, local de moradia, e outras questões relativas à identificação –
exceto o nome do profissional. A segunda parte, denominada Dados Relativos
ao Exercício Profissional, enfocou desde o município onde os profissionais
trabalham, área de atuação, tempo de atuação, regime de trabalho, até
participação em conselhos, grupos profissionais e grupos de estudo. A terceira
parte constou de três questões abertas, uma tratando das atividades que os
profissionais reconheciam como as que caracterizam sua ação profissional; a
segunda referiu-se aos elementos que são determinantes na realização do
exercício profissional, e a terceira, por meio da qual solicitei que indicassem os
últimos livros e textos lidos. O objetivo de incluir questões abertas foi o de
evidenciar se as afirmativas inicialmente construídas – de fato - eram
procedentes. Acompanhando o questionário, foi colocada uma carta (anexo 3),
explicando o objetivo da pesquisa, como foi realizada a postagem, e como o
profissional deveria proceder quanto à sua devolutiva.
Nesse primeiro momento, antes mesmo do envio do questionário
aos profissionais, este foi submetido a um assistente social que não atua na
área de abrangência da pesquisa. O objetivo foi o de identificar se as questões
foram compreendidas ou se ainda necessitavam de esclarecimentos. Na
devolutiva o profissional elaborou pequenas sugestões de forma e não de
38
conteúdo. No questionário – junto às questões fechadas – foi colocada uma
explicitação sobre o modo como as questões deveriam ser respondidas com
exemplos ilustrativos que pudessem facilitar a construção e a elaboração da
resposta. No tocante às questões dissertativas, a resposta foi de livre escolha
dos sujeitos.
Os questionários foram encaminhados inicialmente, no período de
outubro – novembro/ 2003, como um teste, para se avaliar se o mesmo estava
compreensível ou ainda, se os sujeitos indicavam alguma mudança. Foram
encaminhados, nessa etapa, 272 questionários, correspondendo a 24% do
universo a ser pesquisado, cuja resposta encontra-se tabulada abaixo:
Tabela 1: Distribuição dos questionários enviados aos assistentes sociais por
quantidade enviada, quantidade respondida e quantidade devolvida
sem resposta
Informação sobre os questionários
Número Total Porcentagem
Total de questionários enviados
272 100 %
Total de questionários respondidos
047 17,2 %
Total de questionários devolvidos pelo correio
002 0,7 %
Total de questionários devolvidos em branco
001 0,3 %
As respostas apresentadas reforçaram a percepção inicial: o
questionário estava compreensível, de fácil apreensão por parte dos sujeitos
assistentes sociais. No item “dados sobre formação profissional”, foi reforçada
a informação sobre desemprego, tendo sido agregado o item – responder
somente se estiver desempregado – às questões 10 e 11, uma vez que
alguns profissionais, mesmo indicando estarem empregados, responderam as
questões acima citadas.
Na segunda fase – no período de março/ abril/ 2004 - foram
enviados 858 envelopes, cujo prazo de devolução até o dia 15/ abril/ 2004. O
intervalo de tempo entre os dois encaminhamentos dos questionários deveu-se
ao fato da coincidência dos festejos de final de ano e férias dos profissionais, o
que poderia comprometer o envio das respostas.
39
Tabela 2: Distribuição dos envelopes enviados aos assistentes sociais por
quantidade enviada, quantidade respondida e quantidade
devolvida sem resposta
Informação sobre os questionários
Número Total Porcentagem
Total de questionários enviados
858 100 %
Total de questionários respondidos
118 13,75 %
Total de questionários devolvidos pelo correio
14 1,6 %
Total de questionários devolvidos em branco
04 0,46 %
Somando-se as duas etapas, foram devolvidos 165 (cento e
sessenta e cinco) questionários preenchidos, o que corresponde a 19,23 % do
total pesquisado. Para fins de pesquisa, a amostra final é considerada
significativa, superando a marca mínima de 10%. Em termos de devolutiva dos
questionários preenchidos, ficou aquém da expectativa, principalmente se for
levado em consideração que foi colocado envelope selado para resposta,
eliminando-se custo financeiro ao sujeito. Como contra partida, ressalta-se a
qualidade das respostas, que demonstrou o quanto os sujeitos –de fato – se
empenharam em explicitar sua experiência profissional.
Outro aspecto que chamou a atenção foi que, além das respostas
ao questionário, os sujeitos enviaram fotos, currículo, mensagem, sugestões,
que contribuíram para a construção do perfil e encaminhamento da análise das
perguntas abertas. De certa forma, o sentimento de proximidade, de partilha de
idéias também possibilitou uma aproximação significativa com os sujeitos.
Com base nas respostas enviadas, as informações foram
sistematizadas em forma de quadros referenciais, figuras e tabelas, sendo
possível traçar o perfil dos profissionais que atuam no Cone Leste Paulista e
identificar sua inserção profissional. Foi utilizada a linguagem registrada nos
questionários, preservando-se a identidade dos sujeitos e garantindo-se a
fidedignidade das informações. A apresentação gráfica foi baseada na
orientação de Moroz & Gianfaldoni (2002), quando explicitam a importância da
exposição dos dados coletados em uma pesquisa. Optei por utilizar diferentes
recursos gráficos de forma a agilizar o entendimento do dado em si e da
análise proposta na pesquisa. Optei também por “explicitar diferentes nuanças
40
de cada recorte proposto.” (Moroz & Gianfaldoni, 2002, p. 76), sem me ater a
uma análise estatística acerca dos resultados mas na maioria das vezes, a
análise incidiu sobre a freqüência do dado e seu significado para o estudo
proposto.
As questões dissertativas também foram organizadas para facilitar
a análise das informações. Por se tratar de questões desta natureza, foi preciso
tomar algumas decisões que levassem à efetivação da análise. A primeira foi
realizar uma leitura geral das respostas de cada uma das questões, o que
possibilitou a sua classificação por ordem de proximidade de conteúdo, dando
uma visão geral – no sentido de horizontalidade - do conteúdo explicitado nas
respostas profissionais. Numa segunda leitura, as respostas foram separadas e
re-agrupadas por proximidade analítica e semelhança de conteúdo, o que
garantiu o início da análise do conteúdo explicitado - tanto em termos
horizontais como em termos verticais – no sentido de perceber a profundidade
analítica das respostas. A terceira leitura – dirigida a cada um dos
agrupamentos – permitiu a efetivação da análise prospectiva por incidência de
respostas, conteúdo explicitado e interlocução com a realidade social – local e
nacional. A exposição final dos dados foi realizada através de quadros
referenciais. As respostas foram divididas por conteúdo e freqüência. Assim
como no perfil, não foi dado tratamento estatístico aos dados mas trabalhei a
incidência dos mesmos e sua importância para a visibilidade e a consistência
do exercício profissional do assistente social.
A primeira etapa da pesquisa é apresentada no primeiro capítulo
da tese, intitulado “O exercício profissional do assistente social: re-descobrindo
o espaço profissional”.
A segunda etapa ocorreu quando realizei contato direto com os
sujeitos da pesquisa. Para esse momento construí um roteiro de questões
(anexo 4), que enfocou três aspectos: o exercício profissional do assistente
social; o conhecimento que o assistente social utiliza quando coloca em
movimento seu exercício profissional e o entendimento acerca das tendências
teórico-metodológicas. O roteiro “é sempre um guia, nunca um obstáculo,
portanto não pode prever todas as situações e condições de trabalho de
campo” (MINAYO, 2000, p. 100) Um bom roteiro de pesquisa, um roteiro bem
construído possibilita ao pesquisador captar o ponto de vista, a experiência que
41
o sujeito pesquisado tem acerca do que está sendo estudado. No roteiro
proposto havia uma pergunta - guia: qual (is) o (s) conhecimento (s) que o
assistente social utiliza para construir e realizar seu exercício
profissional? E, a partir dela, foram desenhadas as outras perguntas.
No projeto para a qualificação a idéia era de que essa etapa seria
realizada através de grupos focais envolvendo de 10 a 15 profissionais. A
justificativa voltava-se à troca de experiência, ao debate de idéias diante de
uma questão tão complexa e que envolve tantos saberes. Ao realizar o convite
para participar do grupo, os profissionais responderam que participariam da
pesquisa individualmente, mas que não se sentiam à vontade para discutir a
questão proposta em grupo. Avalio que o receio da exposição pública sem a
garantia do anonimato tenha sido o principal elemento inibidor dessa
participação. Outro elemento é o assunto em si: é comum o debate em torno do
exercício profissional mas não do conhecimento que lhe é constitutivo. Um dos
sujeitos da pesquisa solicitou o envio do roteiro previamente e, ao chegar ao
local para coleta do depoimento, percebi que estava nervosa, agitada e ao
perguntar o porquê, ela me respondeu
“achei as perguntas assustadoras.” [...] “sabe que é, é que faz
tanto tempo que você não lida com uma coisa tão dirigida, tão
específica, vamos dizer assim...” [...] “a gente faz sem
pensar, sem dar aquela parada, sem analisar” (fala do sujeito
2)
O depoimento demonstrou a pouca familiaridade que o assistente
social tem em discutir questões referentes ao conhecimento que precisa ter
para exercer a profissão. Essa profissional me ajudou a perceber que o modo
de encadeamento das questões não estava deixando os sujeitos à vontade.
Esse depoimento foi fundamental para a alteração da formulação das questões
e da ordenação no roteiro de questões.
A escolha dos sujeitos foi intencional e seguiu critérios
determinados pelo pesquisador:
42
1. O sujeito pesquisado deveria ser conhecido por outros
profissionais como um assistente social cujo trabalho é reconhecido
junto à categoria;
2. O sujeito da pesquisa deveria trabalhar como assistente social
fora da área da docência;
3. No momento da entrevista o profissional deveria estar trabalhando
como assistente social;
4. Os sujeitos indicariam outros, formando uma rede entre os
profissionais. Para essa indicação, realizei a seguinte pergunta: Qual
profissional você considera como referência e me indicaria para
participar desta pesquisa?
Nessa etapa foram apresentados os procedimentos quanto à
coleta de dados e à escolha dos sujeitos da pesquisa, bem como foi elaborado
um diário de campo, que se tornou elemento facilitador durante o processo de
análise dos dados pesquisados. É preciso ressaltar aqui que a minha
experiência como pesquisadora, associada à experiência no exercício
profissional interventivo do assistente social, foi um facilitador. Acredito que
uma pesquisa dessa natureza requer do sujeito/pesquisador experiência
profissional, tanto no trato interventivo quanto no trato investigativo, presentes
no fazer profissional do assistente social, pois, “ter experiência concreta de
situações profissionais” [...] “constrói uma práxis para alimentar seus problemas
investigativos.” (GATTI, 2002, p. 60).
A pesquisa de campo ocorreu da seguinte forma: em dezembro/
2004, foi realizado contato inicial com três assistentes sociais que são
reconhecidos por outros como referência em suas respectivas áreas de
atuação. Foram marcados e coletados os respectivos depoimentos. A escolha
desses sujeitos partiu do próprio pesquisador, de um conhecimento anterior a
respeito do trabalho desenvolvido. Com base nesses depoimentos realizei
alterações no roteiro de questões, tornando-o mais ágil e possibilitando ao
43
sujeito liberdade na construção de suas respostas. Os depoimentos foram
transcritos e devolvidos aos sujeitos para autorização quanto ao uso na tese.
Em março/ 2005 foram retomados os depoimentos, com o instrumental já
alterado. Os depoimentos foram transcritos e devolvidos aos sujeitos.
Os depoimentos foram coletados no período de dezembro/ 2004 a
junho/ 2005, totalizando encontros com 17 sujeitos. A coleta ocorreu em
diversos lugares à escolha dos sujeitos pesquisados. Alguns me receberam em
suas residências, outros em seus locais de trabalhos, outros em local público.
No momento do convite aos profissionais, esta pesquisadora solicitava a
autorização (anexo 5) para a gravação do depoimento em fita cassete e
utilização do depoimento como parte fundamental da tese. O uso do gravador
possibilitou o registro da informação baseada no entendimento do entrevistado,
de sua percepção sobre o assunto tratado e não mediante o registro do
pesquisador. O gravador permite o registro da informação viva. A informação
viva “provém diretamente do informante e de suas motivações específicas.
(QUEIROZ, 1991, p. 74 – 75). Escutar a voz do sujeito me ajudou a relembrar o
momento da coleta do seu depoimento, a entonação da voz, as emoções
expressas, as pausas e interferências. Mesmo usando um roteiro, as questões
foram realizadas de acordo com as informações prestadas pelos sujeitos e,
durante esse contato, foram formuladas outras questões, tanto pelo
pesquisador, como pelo pesquisado. No momento da coleta de dados, os
assistentes sociais indicaram a dificuldade em tratar do tema da pesquisa,
mesmo reconhecendo sua importância. Ao mesmo o tempo, a maioria
apresentou uma necessidade de aceitação, de ter certeza da qualidade da
informação dada, emitida. Desde o momento do convite para participar da
pesquisa, falei claramente aos assistentes sociais que o meu interesse estava
na experiência vivenciada, e, que não havia respostas prontas ou mesmo
reconhecidas como certas ou erradas. Se isso fosse assim, não haveria
necessidade da realização deste estudo. Mesmo assim, no trato com sujeitos
acredito que há esta interferência: a aceitação do discurso. Minayo (2000)
afirma:
a entrevista não é simplesmente um trabalho de coleta de
dados, mas sempre uma situação de interação na qual as
44
informações dadas pelos sujeitos podem ser profundamente
afetadas pela natureza de suas relações com o entrevistador.
(2000, p. 114)
A interação entre os sujeitos foi fundamental. Conhecer a
experiência do assistente social através do seu exercício profissional fortaleceu
e qualificou também o meu exercício profissional tanto como docente –
pesquisadora como assistente social. Aprendi muito com os sujeitos, ouso dizer
principalmente com os que pensam diferente, uma vez que me auxiliaram a
construir argumentos mais consistentes acerca do meu ponto de vista com
relação ao exercício profissional do assistente social.
Na medida em que os profissionais não aderiram à proposta do
grupo focal, estabeleci que a coleta de depoimentos seria realizada
individualmente, de acordo com a disponibilidade dos sujeitos. Ao contatar dois
sujeitos para o agendamento do depoimento, estes sugeriram a presença de
outros profissionais, o que resultou num debate rico e consistente. Inicialmente,
fiquei temerosa: primeiro por não saber se daria conta de entender tudo, ficar
atenta ao relato e, por outro lado, receosa com a possibilidade da inibição dos
sujeitos com relação às questões propostas. Corri o risco, e o resultado foi
formidável: depoimentos ricos, que relatam a história do Serviço Social na
região, desafios enfrentados pelos profissionais e perspectivas presentes e
futuras.
Os depoimentos individuais também foram ricos, uma vez que o
roteiro favoreceu o diálogo, a construção de uma comunicação entre o sujeito
pesquisador e o sujeito pesquisado. Iniciava o contato dizendo que o que me
interessava era a experiência dos sujeitos, o modo como desenvolviam seu
exercício profissional, e fundamentalmente, a interlocução com as tendências
teórico-metodológicas. Cada depoimento - mesmo seguindo o mesmo roteiro –
foi um momento singular. Os sujeitos se dispuseram de fato a dividir sua
experiência profissional, seus anseios e expectativas. Foi facilmente
perceptível que os sujeitos conseguiram falar com clareza e tranqüilidade sobre
as atividades profissionais que realizam. No tocante à discussão relativa ao
conhecimento, houve momento de tensão. Ficou claro que os profissionais são
tão ligados no fazer que não param para pensar teoricamente no seu exercício
45
profissional, de certa forma reforçando uma idéia equivocada de que a prática é
auto-explicativa.
Cada depoimento durou em média 90 minutos, gerando um
enorme volume de material transcrito
8
. Do total de 17 depoimentos, foram
utilizados 14. A escolha foi determinada pela clareza, objetividade e
consistência argumentativa demonstrada pelos sujeitos no momento da coleta
dos depoimentos, dentro da condição de identificação demonstrada pelo
pesquisador.
Após a gravação dos depoimentos, ocorreu a transcrição. A
qualidade das gravações foi um facilitador para o entendimento do conteúdo
expresso pelo profissional. A transcrição ocorreu em dois momentos: no
primeiro, ocorreu a transcrição literal, respeitando-se o estilo da fala do sujeito,
registrando-se pausas, silêncios e modulações de voz. Nesse momento realizei
um registro preliminar acerca do conteúdo identificado no depoimento, tomando
como referência as indagações iniciais já apresentadas nesta introdução. No
segundo momento, escutei novamente as fitas, “eliminando” palavras que não
interferiam no conteúdo do discurso, como por exemplo, “né”; “tá”; e outras;
realizando pequenos acertos na redação sem interferir na narrativa em si.
Também neste momento registrei indagações, percepções e constatações
provenientes da pesquisa. Aqui também construí as primeiras articulações
entre o conhecimento previamente existente sobre o tema pesquisado e as
constatações da pesquisa. Para fins da pesquisa:
transcrever significa, assim, uma nova experiência da pesquisa,
um novo passo em que todo o processamento dela é
retomado, com seus envolvimentos e emoções, o que leva a
aprofundar o significado de certos termos utilizados pelo
informante, de certas passagens, de certas histórias que em
determinado momento foram contadas, de certas mudanças na
entonação da voz. (QUEIROZ, 1991, p. 88)
Após diversas leituras dos depoimentos, fui organizando o
conteúdo explicitado de acordo com as questões apresentadas no roteiro.
Considerei como um elemento facilitador realizar a nucleação do roteiro, a fim
8
Diante da riqueza dos depoimentos, optei por anexá-los ao final da tese. Porém, como o volume escrito é
significativo, os depoimentos foram digitalizados e gravados em CD-R.
46
de visualizar o conteúdo com vistas à exposição dos dados e a apresentação
das constatações da pesquisa. A organização ocorreu da seguinte forma:
registros referentes ao exercício profissional; registros referentes às atividades
privativas desenvolvidas pelo assistente social; conhecimentos que o
assistente social utiliza para colocar em movimento seu exercício profissional; a
construção da relação entre a teoria e a prática profissional e a interlocução
com as tendências teórico-metodológicas. Essa primeira aproximação ao
conjunto das falas dos sujeitos foi determinante para identificar o momento de
parar com a coleta de dados. O contato com os sujeitos é tão rico que não dá
vontade de interromper. Cada depoimento foi fundamental para a construção
dos capítulos, para a articulação do conteúdo a ser apresentado e
fundamentalmente, para a escolha do modo de apresentação das falas. Essa
aproximação também possibilitou identificar que os sujeitos me indicavam uma
direção analítica: a interlocução com as tendências teórico-metodológicas não
ocorre de forma tão explícita ou clara, conforme achei inicialmente. Ao
contrário, ela também é construção permanente e requer dos profissionais uma
teia de conhecimentos anteriores que nem sempre são apropriados no
momento da formação profissional. A partir daí, foi elaborado o segundo
capítulo, intitulado “Os conhecimentos mobilizados pelo assistente social em
seu exercício profissional.”
A terceira etapa foi o momento da análise e da sistematização
dos dados coletados. Assim,
tornar os dados inteligíveis significa organizá-los de forma a
propor uma explicação adequada àquilo que se quer investigar
[...] daí ser importante o momento da análise dos dados,
quando se tem a visão real dos resultados obtidos (MOROZ &
GIANFALDONI, 2002, p.73)
Trabalhando com base na análise das narrativas - a partir do
discurso dos profissionais - foi possível identificar o significado e a direção
dados pelos sujeitos acerca do exercício profissional. Esse tipo de análise
permite “conhecer melhor aquilo que faz o homem um ser especial com sua
capacidade de significar e significar-se” (ORLANDI, 2003, p. 15) Permite
também identificar a
47
linguagem como mediação necessária entre o homem e a
realidade social [...] o discurso tem sua regularidade, tem seu
funcionamento que é possível apreender se não opomos o
social e o histórico, o sistema e a realização, o subjetivo ao
objetivo, o processo ao produto. (ORLANDI, 2003, p. 15 - 22).
Procurei entender o discurso construído pelo assistente social e
suas implicações para o exercício profissional: sua visibilidade e consistência
argumentativa. Procurei entender também o sentido, a direção dada pelo
profissional a esse fazer e as determinações implicadas nesse exercício
profissional. Entendo que o discurso reflete um modo de pensar, de entender a
profissão. O discurso reflete também o modo de pensar e de construir idéias
que revela o ponto de vista dos profissionais, sua capacidade de expor
pensamentos, sua discursividade, ou seja, sua capacidade analítica. Aqui
importa como os assistentes sociais entendem o seu fazer profissional, e que o
assistente social é um “sujeito afetado pela história” (ORLANDI, 2003, p. 19).
Os assistentes sociais relataram suas dificuldades, limites e limitações
decorrentes de sua condição de profissional assalariado, bem como as
dificuldades em identificar a importância do conhecimento como um divisor de
águas que qualifica e dá consistência ao exercício profissional. Na perspectiva
da pesquisa o discurso é
a idéia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O
discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem:
com o estudo do discurso, observa-se o homem falando. [...]
procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto
trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo
do homem e da sua história. (ORLANDI, 2003, p. 15)
A análise foi construída com base em dois eixos que demonstram
as tensões, os entraves e os embates que estão presentes no exercício
profissional do assistente social. Aqui se explicitaram também as dificuldades
que os assistentes sociais têm de reconhecer o seu fazer profissional bem
como o conhecimento que dá suporte e sustentação ao exercício profissional
desenvolvido.
48
Os eixos foram construídos com base nas indagações que
motivaram este estudo e nas perguntas realizadas durante a realização dos
depoimentos.
1º eixo: questões referentes às condições para a realização do exercício
profissional do assistente social – exercício profissional / conhecimento que
leva em consideração quando se está exercendo a profissão / questões
referentes ao espaço organizacional. Neste primeiro eixo trabalhei com as
seguintes questões norteadoras: o assistente social tende a assumir os
objetivos da organização como se fossem os dele; para agir, o assistente social
leva em consideração o conhecimento do espaço organizacional; para agir o
assistente social leva em consideração o conhecimento que está mais próximo
de sua área de atuação, o conhecimento das políticas sociais, o conhecimento
da realidade social vivenciada pelo usuário;
2º eixo: formado pelas questões referentes à construção da relação teoria -
prática e à interlocução com as tendências teórico-metodológicas. Neste eixo
trabalhei com as seguintes questões norteadoras: para agir, o assistente social
não leva em consideração o conhecimento acerca das tendências teórico-
metodológicas do Serviço Social; para o assistente social a teoria pouco se
relaciona com a prática desenvolvida cotidianamente;
Recortei trechos dos depoimentos que refletiam a opinião do
profissional acerca dos eixos construídos e do estudo proposto na tese. A partir
dessa sistematização foi possível construir o terceiro capítulo da tese, intitulado
“As atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais e os caminhos para a
construção da interlocução com as tendências teórico-metodológicas presentes
no exercício profissional.”
Discutir a interlocução construída pelos assistentes sociais com
as tendências teórico-metodológicas facilitou o entendimento acerca do modo
como os profissionais constroem as relações entre o conhecimento teórico e a
prática profissional.
49
Para apresentação dos resultados da pesquisa optei por escrevê-
la em “linguagem de em dia-de-semana”
9
, ou seja, uma linguagem acessível,
por meio da qual os profissionais se reconheçam e possam construir
interlocuções. Entendo que a linguagem é um dos principais instrumentos de
que o assistente social utiliza para se aproximar das demandas quer seja de
investigação, quer seja de intervenção. Portanto, deve ser um elemento que
reflita, não somente um discurso profissional, mas também a direção e o lugar
que a profissão vem assumindo e ocupando na divisão sócio-técnica do
trabalho.
O título da tese foi escolhido no momento da qualificação.
Precisava-se de um título que enunciasse o conteúdo estudado e as
contradições observadas. Veio a minha mente as figuras da coruja e do
camelo. A coruja como o animal que representa o conhecimento, o saber. O
camelo como aquele animal que trabalha arduamente, sem o qual torna-se
quase impossível atravessar o deserto e, mesmo assim, é pouco reconhecido e
pouco valorizado. Durante o processo da pesquisa e do meu exercício
profissional, encontro vários assistentes sociais que na minha visão, no
desempenho de sua ação profissional podem ser considerados como coruja e
como camelo. O que me interessou saber é o que têm em comum, que
interlocuções conseguem construir e quanto o trabalho de um e de outro
fragiliza ou fortalece o exercício profissional do assistente social.
9
João Guimarães Rosa utiliza esta passagem no conto Famigerado, que consta do livro Primeiras Estórias
publicado pela Editora Nova Fronteira, em 1988.
50
Capítulo 1
O exercício profissional do assistente social: re-descobrindo o
espaço profissional
“outro dia estava conversando com uma assistente social e
ela me contou que a usuária tinha pegado uma cesta básica.
Passados 15 dias, ela voltou pedindo outra; aí ela disse, eu
apertei, apertei, apertei até ela contar que tinha uma
reserva de lixo reciclável para vender. Ela falou para usuária:
vende, que não dá, não posso dar outra cesta básica. Eu olhei
bem para ela e disse: que coisa! Nós fazemos poupança,
colocamos dinheiro em banco. As pessoas fazem poupança de
lixo, guardam lixo para vender na hora da emergência.” (fala
do sujeito 13)
51
1. 1 – Aproximações iniciais: o ponto de partida para o entendimento do
exercício profissional do assistente social.
Este capítulo versa sobre o exercício profissional desenvolvido
pelos assistentes sociais nos espaços sócio-organizacionais. A análise é
construída com base na perspectiva sócio-histórica, matrizada pela teoria
social crítica. Tomo como pontos referenciais os elementos constitutivos do
exercício profissional, quais sejam: a base histórica da profissão
10
e a
concepção de profissão que os assistentes sociais vão estruturando ao longo
da história da profissão e as condições sócio-profissionais nas quais o
exercício profissional se efetiva.
O Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão sócio-técnica
do trabalho, regulamentada pela Lei nº 8662/93, de 07 de junho de 1993, com
alterações determinadas pelas resoluções CFESS nº 290/94 e nº 293/94, e
balizada pelo Código de Ética, aprovado através da resolução CFESS nº
273/93, de 13 de março de 1993.
A constituição do Serviço Social como profissão é por si só
polêmica. Ao examinar o início da profissão no Brasil, os autores a analisam
fundamentados em perspectivas que se contrapõem. A partir da leitura dos
autores Vieira (1980); Verdes-Leroux (1986); Iamamoto e Carvalho (1983),
Netto (1991) e Martinelli (1991), identifico diferentes formas de analisar a
constituição da profissão. As diferenças estão associadas ao modo como os
autores analisam a história da profissão e ao ponto de vista teórico e filosófico
com o qual realizam essa análise.
Significativa parcela dos assistentes sociais que estudam essa
questão entende que seu início se articula às relações de ajuda, com enfoque
assistencialista e sob forte influência da Igreja Católica. Uma das primeiras
autoras a tratar da questão sob esse prisma é Vieira (1980), que afirma
10
Não é matéria desta tese realizar um estudo aprofundado sobre as bases históricas da profissão, mas
por intermédio dessas bases, reconhecer os determinantes e elementos fundamentais para a análise do
exercício profissional na perspectiva do trabalho. Para entender o percurso histórico da profissão, vale a
pena a leitura da produção dos seguintes autores: AGUIAR (1995); CASTRO (1993); IAMAMOTO &
CARVALHO (1983); MARTINELLI (1991); NETTO (1991, 1992), todos listados na bibliografia
localizada ao final desta monografia.
52
o Serviço Social, neste primeiro período apresentava-se com
características assistencialistas, centradas nos problemas do
ajustamento individual, apoiando-se em valores confessionais e
com uma atuação empírica (1980, p. 145)
Articulada a essa visão e/ou perspectiva de análise, está a idéia
de ajuda vinculada à caridade, cuja influência predominante remonta à missão
da Igreja Católica. Uma das principais características assumidas na
constituição do Serviço Social como profissão é que ele é fruto do movimento
social de base católica
11
sob a perspectiva que indicava a necessidade de a
Igreja retomar sua influência como uma presença mais ativa na vida das
pessoas em sociedade, buscando, assim, conter os avanços ideológicos do
Estado no que concerne à regulação da vida cotidiana dessas mesmas
pessoas.
os referenciais orientadores do pensamento e da ação do
emergente Serviço Social tem sua fonte na Doutrina Social da
Igreja, no ideário franco-belga de ação social e no pensamento
de São Tomás de Aquino [...] É, pois, na relação com a Igreja
Católica que o Serviço Social brasileiro vai fundamentar a
formulação de seus primeiros objetivos político – sociais,
orientando-se por posicionamentos de cunho humanista
conservador, contrários aos ideários liberal e marxista na busca
de recuperação da hegemonia do pensamento social da Igreja
diante da questão social. (YASBEK, 2000, p. 22)
Evidencia-se aí o caráter doutrinário da Igreja no que se refere à
harmonização da vida e à busca pela igualdade por meio da solidariedade
humana. Nesse sentido, não há - na base doutrinária - diferenças entre as
classes sociais e, sim, concordância e harmonia entre elas. Essa
“harmonização” era propagada pela burguesia da época como forma de
referendar a ideologia dominante como a diretriz necessária ao fortalecimento
do desenvolvimento social. Assim, ao indivíduo cabia a aceitação resignada de
sua condição social, elevação espiritual e não somente material, reforçando
assim a imprescindível condição do cristão: moral ilibada, disseminação dos
costumes cristãos, preservação da ordem e do poder da Igreja. Como poder
11
Para melhor entendimento sobre esta questão, principalmente a influência do neotomismo e do ideário
franco-belga, consultar Aguiar (1995) e Martinelli (1991).
53
centralizador, a Igreja, por meio das encíclicas papais
12
propõe o modo como
devem ser enfrentados os problemas sociais decorrentes da questão social.
a encíclica Rerum Novarum, de 1891, [...] deixava entrever um
colorido conservador, exortando os trabalhadores a observar a
prudência e a ética cristã [...] a Quadragésimo Anno [...]
debruçou-se sobre a questão da “restauração e
aperfeiçoamento da ordem social”, buscando oferecer soluções
para o “equilíbrio nas relações entre patrões e empregados”, de
forma a torná-las capazes de “implantar um clima de justiça
social. (MARTINELLI, 1991, p. 116)
Para a Igreja, nesse período a questão social é vista como uma
questão moral e religiosa, portanto passível de doutrinação, ensinamentos e
moralização dos costumes.
Nessa perspectiva, o que a Igreja propunha era a reforma social
via cristianização dos costumes. Por intermédio da ação católica
13
, é o laicato
que irá disseminar idéias cristãs na sociedade. Acreditava-se naquele período
que a reforma social deveria ocorrer via elite econômica, cujo papel era o de
tornar o povo cada vez mais cristão. A Igreja, por meio de seus dogmas,
crenças e tradições, conserva o passado, moralizando e normatizando as
relações estabelecidas na sociedade.
O Serviço Social, então, incorpora esses princípios, dá suporte
analítico, traça estratégias de ação, a partir da “iniciativa de grupos e frações
de classes dominantes que se expressam através da Igreja, como um dos
desdobramentos do momento do apostolado leigo.” (IAMAMOTO, 1992: 19).
Assume o caráter moral dos problemas sociais e implementa ações dirigidas à
reconstrução da dignidade e da moral humana, voltadas ao combate dos maus
costumes e à moralização do comportamento social. Dito de outra forma, os
problemas sociais são reduzidos à dimensão individual e ao modo como o
homem transita em seu meio social. Ao mesmo tempo em que os assistentes
12
Para melhor esclarecimento quanto ao significado e importância das encíclicas papais na constituição
do Serviço Social ver os estudos de Martinelli (1991), Aguiar (1995) e Netto (1991).
13
A ação católica objetivou a formação do “laicato católico para colaborar na missão sublime da Igreja –
salvar as almas pela cristianização dos indivíduos, da família e da sociedade” [...] “a preocupação de
formação da ação católica centrar-se-á nas elites. Na medida em que estas estiverem preparadas, serão
capazes de influenciar na vida social.” (Aguiar, 1995: 23)
54
sociais buscam favorecer a integração desses indivíduos ao meio social como
forma de preservar a ordem e o equilíbrio social e cultural, eles combatem o
posicionamento ideológico que se contraponha ao da Igreja e ao do Estado
naquele momento
14
.
Sob essa perspectiva, a profissão é concebida tendo como
fundamento a visão da dignidade humana, do relacionamento profissional
construído como base nos processos de ajuda, dirigido às pessoas que
enfrentam – de forma temporária ou permanente – dificuldades econômicas, de
relacionamento, cabendo ao assistente social trabalhar visando ao
fortalecimento do “cliente” como pessoa humana. Ou seja,
uma mudança essencial nas condições econômicas e
psicossociais do cliente só se realizará quando ele é ajudado a
se ajudar. O cliente será capaz de vencer os seus problemas à
medida que se decidir a resolver, por si mesmo, a situação de
crise, muito embora o apoio do assistente social seja um fator
essencial na sua crescente independência (FRIEDLANDER,
1975, p. 15).
A fala desse sujeito analisa essa concepção muito difundida no
início da profissão
“A própria religião que nos acolheu enquanto profissão, ela
espera de nós e nos usa nesse sentido de atendimento, de
boazinha, de resolver pequenos problemas e apaziguá-los,
acobertá-los”. (fala do sujeito 17)
Inicialmente realizada pela associação das damas de caridade
15
,
a ajuda caritativa marcou de forma significativa a identidade do assistente
social.
“a gente precisa conhecer a história do Serviço Social, para
saber como a profissão começou e como ela está hoje” [...]
“O Serviço Social começou com as damas de caridade, a
14
Vide a influência da ideologia socialista e sua ascendência na organização da classe operária na luta
por melhoria de suas condições de trabalho.
15
Quando realizadas pelas damas de caridade, essas ações não tinham ainda a conotação de profissão:
isso só se constitui a partir do princípio organizativo das associações.
55
filantropia, apoio às famílias que tinham algum problema e
eles achavam que precisavam consertar o problema daquela
família”.[...] “porque o Serviço Social iniciou com as damas de
caridade e a igreja” (fala do sujeito 4).
A idéia de caridade difundida era
muito mais de um ‘serviço aos pobres’, de uma vocação, de um
ministério, do que de um ‘trabalho’, que levava uma conotação
de obrigação, de ocupação para classes inferiores. (VIEIRA,
1980, p. 141 – 142)
A premissa implícita é a do valor moral, dos comportamentos, das
oportunidades, buscando identificar o mérito das pessoas, a capacidade dos
usuários de superar seus problemas e fazer escolhas condicionadas às
orientações dadas pelos profissionais. Ainda hoje há profissionais que
identificam a influência dessa visão em seu exercício profissional.
“porque além dessa visão já do Serviço Social, tem a minha
visão espiritual” [...] “eu acho que a gente tem que dar chance
para as pessoas” (fala do fala do sujeito 15).
Com o desenvolver da profissão a relação de ajuda foi se
distanciando da visão da caridade, assumindo um caráter profissional. A
“profissionalização” da ajuda acompanha a complexificação da natureza dos
fenômenos e de sua manifestação na realidade sócio-histórica. Esta
perspectiva é defendida por Verdes-Leroux (1986), ou seja, a origem da
profissão está associada e
apóia-se sobre um corpo de agentes cuja especificidade se
manifesta, por exemplo, no fato de que os profissionais
substituíram muito amplamente os voluntários (VERDES -
LEROUX, 1986, p. 8).
A ajuda passou a ter uma qualificação, o que indica que o
profissional precisa ter preparo para lidar com os múltiplos fenômenos sociais
de forma interventiva e analítica. Assim, a ajuda de caráter profissional não se
56
configura como fundamento da boa vontade, uma compreensão ingênua
acerca dos fenômenos sociais, mas um processo no qual os sujeitos
envolvidos buscam o entendimento, a análise dos conflitos, das demandas de
atendimento, da percepção de como os sujeitos experienciam a sua vida. O
foco do trabalho é dirigido aos problemas apresentados pelos “clientes ou
clientela do Serviço Social”, uma vez que cabe ao assistente social analisar a
situação, a partir do seu ponto de vista, muitas vezes assumindo uma posição
autoritária, posição esta favorecedora da construção de uma relação de
dependência e submissão por parte do “cliente”. Nessa perspectiva o “cliente” é
uma parte da população
carente de determinados serviços ou atividades técnico-
assistenciais, que lhe permitam readquirir ou conferir maior
dignidade como pessoa humana e como membro de sua
comunidade. (VIEIRA, 1981, p.32)
A discussão sobre o significado de carência está fundamentada
na visão religiosa, ou seja, a carência se relaciona à falta ou privação de
alguma coisa que prejudique a sobrevivência ou o provimento das
necessidades básicas. É considerada carente também aquela pessoa que tem
dificuldades de construir relações interpessoais que favoreçam sua percepção
quanto ao lugar social assumido na comunidade onde vive.
“eu percebo assim que as outras pessoas não acreditam
naquilo, embora eu esteja falando: olha para ajudar um
usuário, para ajudar, eu primeiro tenho que conhecer”.[...]
“eu percebo que algumas pessoas acham que eu sou boazinha,
é boazinha porque eu não grito com os usuários, não maltrato
os usuários” (fala do sujeito 15).
O direito da pessoa ao acesso aos serviços e sua inclusão na
rede de proteção social devem ser democratizados, cabendo ao assistente
social ser o facilitador desse acesso e não tratá-lo como um mal necessário.
Se analisados sob essa perspectiva, o direito ao acesso não fica escamoteado
pela visão da ajuda caritativa. As respostas profissionais recaem sobre a vida
dos usuários e o profissional é reconhecido como
57
profissional da ajuda, do auxílio, da assistência, desenvolvendo
uma ação pedagógica, distribuindo recursos materiais,
atestando carências, realizando triagens, conferindo méritos,
orientando e esclarecendo a população quanto aos seus
direitos, aos serviços, aos benefícios disponíveis,
administrando recursos institucionais, numa mediação da
relação Estado, instituição e classes subalternas. (YASBEK,
1999, p. 95)
O atendimento social transcende a visão da missão, do encargo,
o que dificulta o entendimento da diferença entre o exercício profissional
realizado tendo como fundamento o campo empírico e o campo do
conhecimento científico. Acredito que a questão da bondade se refira mais a
uma imprecisão entre identificar o Serviço Social como uma profissão e a
visão de que o Serviço Social é uma missão, um sacerdócio. O acesso ao
direito está previsto em lei, portanto, não é prerrogativa de uma determinada
profissão. Porém, cabe ao assistente social a defesa e a garantia da
efetivação dos direitos sociais e do acesso aos serviços prestados na área
social, o que inclui: assistência social, saúde, educação, habitação, trabalho,
cultura e lazer, entre outros.
Outra parcela de profissionais entende que a profissão se constrói
e/ou decorre do desenvolvimento do modo de produção capitalista, sendo o
assistente social considerado como o profissional que realiza a prestação de
serviços via operacionalização das políticas sociais. Essa análise fundamenta-
se na matriz crítica, que ganha força no Serviço Social na década de 80
16
e é
defendida por Netto (1992), quando analisa o surgimento do Serviço Social
como profissão. Para compreender o Serviço Social como profissão e o modo
como se configura, Netto (1992) parte da análise
do conjunto de processos econômicos, sócio-políticos e teórico-
culturais [...] que se instaura o espaço histórico-social que
possibilite a emergência do Serviço Social como profissão
(1992, p. 65),
Entende que uma análise descolada desse contexto reforça uma
visão linear, até então dominante entre os profissionais, qual seja, a visão da
16
A década de 80 foi inspiradora e produtiva para o Serviço Social. Nesse período as produções
acadêmicas – via mestrado e doutorado – ganharam relevo. São desse período também as primeiras
produções com o marco referencial da matriz crítica.
58
incorporação da filantropia e das “atividades filantrópicas já ‘organizadas’, de
parâmetros teórico-científicos e no afinamento de um instrumental operativo de
natureza técnica.” (1992, p. 66). Em termos de concepção da profissão Netto
(1992) traz para o debate a discussão sobre o que fundamenta e legitima a
profissionalidade do Serviço Social. De pronto afirma que essa
profissionalidade e legitimidade estão localizadas nos aportes e embasamento
teóricos presentes no exercício profissional. Resta saber, diz ele, se
a nosso juízo, constitui o efetivo fundamento profissional do
Serviço Social: a criação de um espaço sócio-ocupacional onde
o agente técnico se movimenta – mais exatamente, o
estabelecimento das condições histórico-sociais que demandas
este agente, configuradas na emersão do mercado de trabalho.
(NETTO, 1992, p. 66)
Essa análise aponta o Serviço Social como uma profissão que se
constitui no processo das relações sociais, vinculada à lógica do mercado,
onde o assistente social se inscreve como um profissional assalariado
17
. Sob
essa perspectiva, não é o Serviço Social que cria um novo espaço de trabalho,
mas é “a existência de um espaço na rede sócio-organizacional que leva à
constituição da profissional” (NETTO, 1992, p. 69) O autor reconhece que o
Serviço Social inscreve-se na divisão sócio-técnica do trabalho, e
tem sua base nas modalidades através das quais o Estado
burguês se enfrenta com a “questão social”, tipificadas nas
políticas sociais [...] neste âmbito está posto o mercado de
trabalho para o assistente social: ele é investido como um dos
agentes executores das políticas sociais. (NETTO, 1992, p. 70
– 71)
Tendo como base a matriz crítica configurada no Serviço Social a
partir do Movimento de Reconceituação, Iamamoto e Carvalho (1983) também
se debruçam no estudo sobre as concepções de profissão presentes no
Serviço Social. Afirmam que o Serviço Social
17
As implicações do assalariamento do assistente social serão trabalhadas no item 1.2.1, ainda neste
capítulo.
59
se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na
divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o
desenvolvimento capitalista industrial e a expansão urbana,
processo esses aqui apreendidos sob o ângulo das novas
classes sociais emergentes [...] Afirma-se como um tipo de
especialização do trabalho coletivo, ao ser expressão de
necessidades sociais derivadas da prática histórica das classes
sociais no ato de produzir e reproduzir os meios de vida e de
trabalho de forma socialmente determinada. (IAMAMOTO e
CARVALHO, 1983, p. 77)
Compartilho da perspectiva de análise construída por Iamamoto e
Carvalho (1983), porque entendo que o Serviço Social é introduzido no Brasil
na década de 30 sob os auspícios da burguesia emergente, como uma
estratégia da classe dominante para disciplinar e atenuar os males sociais
advindos da expansão capitalista
18
.
o conteúdo e o caráter social do trabalho do Serviço Social
historicamente estiveram associados às exigências de controle
e disciplinamento das condições de reprodução social da força
de trabalho no Brasil, alicerçadas sobre relações de
desigualdade e processo de exclusão social. Assim, foi sobre o
campo das refrações da questão social que o assistente social
foi chamado a se profissionalizar e a construir os horizontes do
seu próprio trabalho. (CARDOSO, GRADERMANN, BEHRING,
ALMEIDA, 1997, p. 29)
Baseado nos estudos de Iamamoto (1992), é possível dizer que a
origem do Serviço Social é marcadamente histórica, e sua inserção na divisão
sócio-técnica do trabalho depende fundamentalmente do grau de maturação e
das formas assumidas pelos embates da classe social subalterna com o bloco
do poder no enfrentamento da questão social
19
. A autora entende que esta
inserção
dependem ainda do caráter das políticas do Estado, que
articuladas ao contexto internacional, vão atribuindo
especificidades à configuração do Serviço Social na divisão
social do trabalho (IAMAMOTO, 1992, p. 87)
18
Esta questão será trabalhada no capítulo 3 desta tese quando apresento as tendências teórico-
metodológicas que fundamentam o exercício profissional do assistente social.
19
As implicações da questão social para a consolidação da profissão são trabalhadas ao longo de toda a
tese.
60
Sob esta perspectiva, o Serviço Social se consolida como
profissão na e a partir da divisão do trabalho; “supõe inseri-la no conjunto das
condições e relações sociais que lhe atribuem um sentido histórico e nas quais
se torna possível e necessária” (IAMAMOTO, 1992, p. 88) Ou seja, para
compreender e reconhecer o Serviço Social como profissão, necessariamente
é preciso analisá-la sob sua vinculação a divisão do trabalho, sob a influência
da Igreja católica e sob as contradições identificadas na realidade social.
Historicamente, essa profissão “recebe” a marca da ajuda, da
solidariedade e do caráter filantrópico que permeiam as ações voltadas ao
controle social e à erradicação da pobreza, principalmente e/ou especialmente
aquelas que são visíveis aos olhos da classe dominante. Aqui não se coloca
em questão a exploração do capital, a venda da força de trabalho e a formação
de uma sociedade tão desigual. Clarifica-se aí que o Serviço Social assume
parcela do trabalho que visa a reforma social e portanto, a necessidade de
efetivar ações na esfera psicossocial. Assim, os limites estabelecidos nessa
ação decorrem daqueles que mantém a sociedade capitalista e a ordem social
vigente. Nesta perspectiva Iamamoto afirma:
as bases da organização social são tidas como dadas e não
são questionadas em suas raízes, a solução entrevista limita-se
à reforma do homem dentro da sociedade, para o que deve
contribuir o Serviço Social (IAMAMOTO, 1992, p.29)
Esta afirmativa fortalece a visão de que o Serviço Social
colaborou substantivamente para reforçar o controle e a coerção
20
exercidos
pela classe dominante diante do crescimento acelerado da pobreza e a
generalização da miséria. O controle era decorrente da ameaça à ordem social
imposta pela classe dominante à classe trabalhadora e os chamados
“sobrantes” do processo produtivo. Além disso, buscava-se naquele momento
uma base comum de conhecimento que pudesse dar sustentação ao exercício
profissional desenvolvido pelos assistentes sociais que compartilhavam dessa
concepção de profissão, uma vez que, eram conclamados a buscar respostas e
resoluções para os problemas sociais, além de apresentar alternativas que
20
Nota-se aqui a influência do positivismo, o que será detalhado no terceiro capítulo desta tese quando
apresento as tendências teórico-metodológicas presentes no Serviço Social.
61
viabilizem sua permanência e importância – como profissão – no cenário
nacional. Vale dizer que a classe dominante produz esses agentes
profissionais, influenciando de forma decisiva na construção do seu exercício
profissional. Esta influência pode ser identificada na medida em que o Serviço
Social vai ao longo de sua história assumindo o projeto ideológico da burguesia
como viável para a manutenção da vida em sociedade,
justificando a ação de controle social seja no Estado, seja na
própria comunidade. Validando [...] a ação da classe “nobre”,
poderosa em relação à outra [...] só mediante rigoroso controle
[...] é que se poderia garantir a organização e o funcionamento
adequado da sociedade (MARTINELLI, 1991, p. 116)
Desde seu início e suas primeiras ações, o trabalho desenvolvido
pelos assistentes sociais é direcionado majoritariamente à população que vive
em condição de vulnerabilidade social e em condição de pobreza. Excluída do
processo produtivo, da produção de bens e serviços, essa população procura
no assistente social o profissional que poderá ampará-la, orientá-la para que
possa usufruir o bem-estar social. O assistente social se reconhece e é
reconhecido como aquele que operacionaliza a assistência social. Ao longo da
história da profissão, a assistência social tomou alguns rumos; inicialmente,
voltava-se à ajuda profissional dirigida aos indivíduos e grupos buscando,
mediante o repasse de recursos de ordem material e de atenção psicossocial,
garantir o ajustamento
21
destes aos padrões estabelecidos na vida em
sociedade.
Na década de 30, sob a proteção da Igreja Católica, o Serviço
Social vai construindo uma base de trabalho fundamentada em um referencial
teórico-metodológico humanista, cuja proposta é dirigida ao controle e à
moralização do comportamento dos pobres para a vida em sociedade. Essa
“moralização” recai sobre a vida do usuário e incide sobre a forma como
constrói relações e se insere na vida comunitária. O comportamento esperado
corresponde àquele determinado pela classe dominante, pelo modo como
entende que a vida em sociedade deve ser regida.
21
Segundo Vieira (1981) o ajustamento social é a adaptação do indivíduo ou de um grupo às condições
sociais gerais, ou às exigências específicas de um ambiente particular.” (1981, p. 06)
62
“Uma questão é a questão histórica da profissão. Eu acho que
nós nascemos com aquele peso de fazer a assistência da
maneira assistencialista, da maneira de apaziguar, de pôr
panos quentes e de controlar a questão social”.[...] “O que o
Estado espera do assistente social? Que ele atenda” (fala do
fala do sujeito 17)
Com o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, advém não
somente o crescimento econômico, mas as contradições presentes nesse
modo de produção, quais sejam, a propagação do capital, que traz com ela um
quadro de fragilização das relações de trabalho; a competição acirrada entre as
pessoas em busca de um lugar no mercado de trabalho. Em contra partida, a
expansão capitalista favorece a aliança da classe dominante com o Estado,
fortalecendo a primeira e, ao mesmo tempo, enfraquecendo a organização da
classe trabalhadora, especialmente no que se refere às suas lutas e
reivindicações.
é neste contexto, em que se afirma a hegemonia do capital
industrial e financeiro, que emerge sob novas formas a
chamada ‘questão social’, a qual se torna base de justificação
desse tipo de profissional especializado [...] É a manifestação,
no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado
e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de
intervenção, mais além da caridade e repressão. (IAMAMOTO
e CARVALHO, 1983, p. 77)
Dessa forma, o assistente social atua em uma via de mão-dupla:
entende que as expressões da questão social são o seu objeto de intervenção
e matéria–prima do seu exercício profissional, mas as ações construídas são
dirigidas às questões que se voltam ao modo como os “clientes” vivem em seu
meio social. Essas ações são dirigidas aos aspectos humanistas, reforçando a
visão da dignidade humana, a integração social. Ao trabalhar na
implementação e operacionalização de ações voltadas à ajuda, o assistente
social reforça a realização de atividades cujo rumo demarca a mudança de
comportamento dos indivíduos e sua recuperação para melhor inserção na
ordem social; na justiça social – pela via da solidariedade humana – e o
controle da pobreza, não discutindo os impactos da subalternidade na vida em
sociedade. Entendia-se, nesse período, que a finalidade da assistência era o
63
controle das manifestações da classe trabalhadora que assegurasse o
funcionamento social.
Ao analisar o período da constituição do Serviço Social no Brasil,
Martinelli (1991) afirma que a questão social é entendida de forma reducionista
por parcelas dos assistentes sociais, pois a visão predominante voltava-se às
manifestações de problemas individuais, passíveis de controle
através de uma prática social cada vez mais nitidamente
concebida como uma atividade reformadora do caráter
(MARTINELLI, 1991, p. 114)
O exercício profissional assume uma direção: de ação de caráter
imediato, que visa ao ajustamento da classe trabalhadora aos “limites
estabelecidos pela burguesia” (MARTINELLI, 1991, p. 127). Referenda-se aqui
o controle social exercido diretamente ao proletariado e aos segmentos sociais
pauperizados cujo fim último é a preservação da conserva social e a
manutenção da ordem estabelecida. O Serviço Social atuava e acreditava
num fundo permanente de tradição e de valores que
governavam a sociedade e ao qual o indivíduo devia se ajustar,
acomodar ou se integrar. (VIEIRA, 1980, p. 144)
Em seu período inicial, o objeto de intervenção assume alguns
relevos, porém, sem perder seu cariz: a articulação harmoniosa entre o Estado
e a sociedade para a garantia do desenvolvimento econômico e do bem-
comum. A ação profissional voltava-se à melhoria do meio social, das
condições imediatas da vida em sociedade, visando à adaptação à
normalidade da vida social. Identifica-se aqui uma forte influência dos princípios
da Igreja defendidos nas encíclicas papais, que determinam uma ação mais
direta da Igreja na vida em sociedade. O Serviço Social acompanha também o
desenvolvimento e a expansão das organizações sócio-assistenciais. O
assistente social é contratado para prestar serviços nessas organizações e
uma vez que a prática do Serviço Social tem lugar,
predominantemente, em agências sociais e em programas de
saúde e de bem-estar, houve tendência para aceitar as
finalidades, funções, normas e programas das agências como
64
as do próprio Serviço Social, sem distinguir a profissão em si
mesma, e nem as exigências inerentes a sua prática.
(BARTLETT, 1976, 24)
22
Desde então o assistente social é reconhecido e se reconhece
como profissional da prática, identificando-se muito mais com as atividades
desenvolvidas, com as determinações presentes na organização que o contrata
como profissional assalariado, do que com um projeto profissional que se
articula a um projeto de sociedade.
A partir do Movimento de Reconceituação
23
-ocorrido entre os
anos 60, finalizando no início dos anos 80, aproximadamente-, o Serviço Social
se assenta em duas perspectivas para a construção do seu exercício
profissional: a perspectiva conservadora – que referenda a função de
controle e legitimação do poder dominante,sob a influência da Igreja,
reforçando também a lógica do capital. O campo de atuação do assistente
social é da mudança comportamental aliada a alterações no meio social; e a
perspectiva crítica – que referenda o projeto societário da classe subalterna,
em articulação aos movimentos sociais que naquele momento expressavam
esse projeto societário. Essa perspectiva valorizava a prática política dos
profissionais, entendendo que esta reforçava a possibilidade de construção de
um projeto de sociedade articulado a um projeto profissional. Os assistentes
sociais que compartilham dessa direção entendem que seu papel fundamental
é o de contribuir para o fortalecimento, organização e mobilização social dessa
classe na luta por melhores condições de vida, lutando também pelos direitos
sociais.
O exercício profissional do assistente social ocorre mediante a
explicitação dos elementos e condições socialmente determinadas que lhe
garantem identidade, visibilidade, concreticidade e impulsionam sua direção.
Além disto é balizado pela resolução presente na Lei 8662/93, artigo 4
24
, que
determina as competências do assistente social.
22
Vale ressaltar que este estudo de Bartellett data de 1967 e foi publicado pelo CBCISS em 1976.
23
O Movimento de Reconceituação será um dos focos de análise do capítulo III desta tese.
24
Constituem competência do assistente social:
I – elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública
direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares;
65
É claro que em toda equipe tem aquele que não faz nada, tem
aquele que faz mais ou menos mas é da própria construção,
não tem jeito. (fala do sujeito 2)
Importante acrescentar que o modo como o profissional analisa e
interpreta essa lei
25
, interfere no exercício profissional, podendo comprometer
ou não a construção do exercício profissional e sua visibilidade.
Quanto aos elementos e características, é possível dizer que seu
objeto incide sobre as expressões da questão social e fundamentalmente,
sobre como elas são experienciadas – de forma singular – pelos usuários dos
serviços prestados pelo assistente social. A questão social pode ser entendida
como
o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade
capitalista madura [...] o desenvolvimento nesta sociedade
redunda uma enorme possibilidade de o homem ter acesso à
natureza, à cultura, à ciência, enfim, desenvolver as forças
produtivas do trabalho social [...] na sua contra-face, faz
crescer a distância entre a concentração/acumulação de capital
e a produção crescente da miséria, da pauperização que atinge
a maioria da população. (IAMAMOTO, 1998, p. 27-28)
Inerente à sociedade capitalista, através da questão social é
possível identificar as desigualdades, a exclusão social vivenciada pela classe
subalterna com a qual o assistente social lida cotidianamente. Nessa
perspectiva entendo que essa classe é subalterna na medida em que vive em
II – elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação
do Serviço Social com participação da sociedade civil;
III – encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e a população;
IV – (vetado)
V – orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de
fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos;
VI – planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais;
VII – planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para
subsidiar ações profissionais;
VIII – prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas
privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo;
IX – prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no
exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade;
X – planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social;
XI – realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a
órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades.
25
O conhecimento que os assistentes sociais demandam ter sobre a Lei de Regulamentação da Profissão é
tema de análise do segundo capítulo desta tese.
66
condição de dominação e exclusão, não só política, mas também, social.
Yasbek (1999) analisa que
a subalternidade é aqui entendida como resultante direta das
relações de poder na sociedade e se expressa em diferentes
circunstâncias e condições da vida social, além da exploração
do trabalho. (ex.: a condição do idoso, de mulher, de negro,
etc) (1999, p. 95)
Ao mesmo tempo, mesmo vivendo sob condições adversas, essa
mesma classe apresenta vias de resistência a essa estrutura social quando
reivindica sua inserção nos serviços mantidos pela rede de proteção social
como uma das formas de enfrentamento para suprir suas carências. Nesse
sentido reforça-se a necessidade de se pensar a questão social não somente
como cenário onde o exercício profissional do assistente social se materializa,
mas também nela mesma e em suas expressões como dimensões constitutivas
desse exercício. O objeto de intervenção do Serviço Social é historicamente
determinado e sua análise deriva da perspectiva histórica e política assumida
pelo assistente social a partir dos determinantes do projeto ético-político
profissional
26
. Dessa análise decorre o exercício profissional cujo caminho e
direcionamento pode ser o de assumir o objeto construído pela organização
onde o assistente social atua como dele mesmo, como pode ser construído a
partir das determinações decorrentes da correlação de forças entre conjuntura,
contexto institucional, demandas do usuário, demandas organizacionais e o
projeto ético-político construído pelos profissionais. Ainda assim, é preciso
reforçar que o exercício profissional não ocorre de maneira tão linear:
configura-se aí um embate entre aqueles profissionais que entendem que para
o Serviço Social construir respostas profissionais é preciso fortalecer as
atribuições determinadas pela organização e outros profissionais que
entendem que os caminhos para a construção de respostas profissionais são
indicados pelo projeto ético-político, pelos usuários e pela realidade social.
26
O projeto ético-político é objeto de análise no capítulo 3 desta tese onde trato das atribuições privativas
do exercício profissional do assistente social.
67
Quando o assistente social compartilha
27
da direção
conservadora, o exercício profissional volta-se à adaptação, ao ajustamento
social e é realizado por meio da elaboração de um diagnóstico e da
determinação de um tratamento, que pressupõe a adesão do usuário aos
serviços prestados. O foco da intervenção é o problema apresentado pelo
usuário e o limite é aquele apresentado pela própria organização. A
intervenção é direcionada para que o usuário possa utilizar os serviços
prestados pela organização para a qual o assistente social presta serviço,
fortalecendo sua posição -enquanto espaço organizacional – perante as
demais.
Nota-se por meio dos depoimentos que alguns profissionais
compartilham dessa direção, quando afirmam:
“eu sou designada para executar os programas e faço parte
dos mutirões.” [...] “fazemos também relatórios que são
conseqüência do atendimento e aí acaba.” (fala do sujeito 5)
Ao ser contratado para prestar serviços nas organizações o
assistente social é designado a desenvolver atividades previamente
determinadas pelos gestores, cujo foco é a operacionalização das políticas
públicas, a execução de programas, projetos e serviços determinados pelas
diversas esferas governamentais. Na maioria das vezes o profissional é visto
como o executor das atividades previamente estabelecidas, quer seja pelo
gestor, quer seja pelos programas e projetos das diversas esferas
governamentais, o seu exercício profissional é limitado ao cumprimento de
tarefas e à realização de ações para cumprir seu papel institucional. A fala
abaixo é emblemática nesse sentido
“o poder público é um círculo vicioso, infelizmente a gente
tem que dançar de acordo com a música” [...] "eu tenho que
andar de acordo com a vontade e bel prazer do gestor” [...]
“a gente executa um trabalho satisfatório, você nem sempre
27
O que se observa ao longo deste estudo é que as escolhas profissionais são condicionadas. Nesse
processo entram em cena múltiplas variáveis, dentre elas, as condições objetivas onde o trabalho
profissional é operacionalizado. Esta questão será trabalhada quando for tratada a questão do
assalariamento do assistente social.
68
faz o Serviço Social perfeito, você quer incluir projetos...
até inclui, mais não inclui adequadamente.” (fala do sujeito 7)
Ainda nessa perspectiva o assistente social trabalha em
programas e projetos para os quais há repasse de recursos materiais –
principalmente aqueles vinculados à área da assistência social e à área da
saúde – dirigidos à população chamada de “baixa renda”, ou seja, aquela que
vive em condição de vulnerabilidade social, com dificuldade de acessar a rede
de serviços sócio-assistenciais e manter de forma autônoma suas
necessidades básicas. Ao recorrer ao assistente social, o usuário espera que o
profissional seja capaz de construir uma resposta profissional que dê conta de
sua necessidade, mesmo aquelas de caráter imediato como a ausência de
alimentação, a dificuldade de acessar os serviços mais complexos na área de
saúde pública, a busca por informação e orientação sobre a vida familiar. O
atendimento social é direcionado a realizar aquilo que o profissional entende
que o usuário não tem condição de fazer autonomamente.
Para o usuário a gestão das políticas perpassa pela viabilização
do acesso aos programas e serviços sócio-assistenciais, da qualidade dos
serviços prestados, do acesso à informação. Assim, propor ações requer do
profissional um estudo detalhado acerca das condições objetivas de vida do
usuário e, fundamentalmente, do modo como este constrói relações na
realidade social onde vive e não necessariamente o “beija-mão” do gestor, ou
ainda, corresponder às expectativas do gestor. Entendo, entretanto, que as
condições em que o trabalho do assistente social se realiza colaboram para
que a autonomia e o poder de decisão do profissional sejam restritos. Esse
pequeno espaço favorece também a subordinação do profissional aos
determinantes da organização e do gestor. Ou seja, o exercício profissional
desenvolvido sob a perspectiva do gestor esbarra na questão da autonomia
que o profissional tem para desenvolver seu trabalho, nas condições em que
este trabalho se desenrola, o que ainda será tratado nesta tese.
“esses recursos, a gente questiona esses recursos que o
município e o estado oferecem, mas nessa hora é importante
pois pode ser um mecanismo de pressão junto à população.”
(fala do sujeito 5)
69
O caráter paliativo dos serviços prestados reforça a visão de que
a centralidade do atendimento social está no recurso e não no modo como os
usuários se relacionam e constroem relações sociais. O recurso é parte do
atendimento social mas não se resolve por ele mesmo. O acesso deve ser
determinado pelas condições objetivas de vida do usuário e não do simples
desejo do assistente social. É comum o usuário dizer “eu vim aqui buscar a
cesta”, mas é comum identificar que alguns assistentes sociais também
reproduzem esse mesmo discurso, como se isso significasse facilitar o acesso
do usuário aos serviços e recursos na área sócio-assistencial.
Na segunda direção o exercício profissional ocorre a partir de uma
dupla dimensão que se relacionam. Essas dimensões– interventiva e analítica -
mantém entre si uma relação de autonomia e interdependência, a saber:
- dimensão interventiva: aquela em que se explicita não somente a
construção mas a efetivação das ações desenvolvidas pelo assistente
social. Compreende intervenção propriamente dita, o conhecimento
das tendências teórico-metodológicas, a instrumentalidade, os
instrumentos técnico-operativos e os do campo das habilidades, os
componentes éticos e os componentes políticos, o conhecimento das
condições objetivas de vida do usuário e o reconhecimento da
realidade social.
“A gente precisa entender a profissão com a qual a gente
trabalha e perceber que houve uma série de mudanças, a
Reconceituação e o que ela é hoje.” [...] “Hoje ela é política
de direitos. E o que a gente precisa conhecer? Precisa
conhecer esse contexto social, que ele vem se alterando” [...]
”Acho importantíssimo o profissional saber sobre a profissão
dele porque ele vai intervir, mas não porque ele é bonzinho,
mas ele vai trabalhar no sentido de que o direito é do
cidadão e o que é dever do estado.” (fala do sujeito 4)
- dimensão investigativa: compreende a produção do conhecimento,
a elaboração de pesquisas e os aspectos analíticos que dão suporte e
qualificam e garantem a concretização da ação interventiva.
70
“a pesquisa é fundamental para gente para esse trabalho.”
[...] “pesquisa eu acho muito importante,” (sujeito 11)
Ambas – em complementaridade – favorecem a visibilidade do
fazer profissional. São essas dimensões que consolidam a coerência, a
consistência teórica e argumentativa, e, para além disso, são as formas
concretas do agir profissional. Acrescenta-se que o exercício profissional
realizado sob essa dupla dimensão amplia a discussão sobre a intervenção
profissional, enfatizando a questão do compromisso e da competência; além de
salientar a preocupação com o desenvolvimento teórico do Serviço Social.
Aqui se explicita uma outra concepção de profissão
“o processo interventivo do Serviço Social efetiva-se junto a
segmentos da população em evidente desvantagem na
distribuição dos bens socialmente produzidos. Sua intervenção
não é aleatória, ela está construída em uma metodologia que a
direciona. Nesta metodologia estão: a teoria explicativa da vida
social; a intenção, determinada pelo horizonte ideológico [...] a
teoria e, por fim, o real onde essa intervenção se realiza e,
onde ela tem que comprovar sua validade e relevância.”
(CASSAB, 1995, p. 34)
Os depoimentos reforçam essa direção:
“Estava olhando o 10º princípio do Código de Ética quando
fala que o profissional tem que ser comprometido para
atender a população em suas múltiplas necessidades, então
dentro dessa ótica a gente consegue perceber que o usuário
está em toda parte. Nesse sentido quando eu atendo as
entidades dentro de suas necessidades, quando elas nos
procuram aqui, quando a gente tenta cumprir os prazos,
cumprir as determinações que são feitas e nos são delegadas
pelos superiores, porque todos contam com a gente, com o
nosso trabalho aqui porque senão o município deixa de
receber a verba que é necessária para a entidade para
desenvolver os programas, que esse programa vai beneficiar
o usuário que é a nossa praia na verdade, eu acredito que eu
estou atuando como técnico.” (fala do sujeito 11)
71
O assistente social entende que o exercício profissional realizado
nos espaços sócio-ocupacionais não é exercido somente a partir da
subordinação determinada quer seja pelo gestor, quer seja pelas políticas
sociais, mas é também identificado como possibilidade de pensar e repensar
esse exercício. Essa ambivalência repercute no exercício profissional na
medida em que o assistente social reconhece o significado e os impactos
sociais decorrentes do conjunto de ações desenvolvidas; além de conseguir
perceber sua incidência na vida social. Entender essa questão colabora
também para a identificação da visibilidade desse exercício e de sua
importância na divisão sócio-técnica do trabalho. A visibilidade está relacionada
à identificação das atividades realizadas e do resultado produzido por elas, ou
ainda, ao reconhecimento do assistente social sobre os impactos sociais do
exercício profissional na vida em sociedade.
“eu acho que é intervenção, porque você planeja, você tem
um projeto, você planeja e você executa, e para executar
você tem que fazer o que? Tem que intervir junto. E
mobilizar todo mundo, sozinha você não consegue fazer.”
(fala do sujeito 7)
A intervenção pressupõe que o profissional consiga planejar suas
ações fundamentadas em referenciais que são constitutivos do exercício
profissional. Essa fala remete a pensar em termos das demandas de
atendimento e a possibilidade do profissional construir estratégias para
efetivamente produzir ações de caráter interventivo. Entendo que as demandas
também podem vir de diversas direções e devem ser pensadas e analisadas
não como um fim nelas mesmas. Partindo do princípio que o exercício
profissional ocorre majoritariamente em espaços sócio organizacionais, é
preciso reconhecer as demandas apresentadas pelo gestor, ou seja, entender
porque o assistente social é contratado, as atribuições estabelecidas naquele
espaço, as interfaces com as atribuições identificadas com a área de atuação
para, assim, poder compreender e analisar as demandas apresentadas pelo
gestor. Aqui é preciso que o assistente social reconheça que as organizações
quando contratam um profissional esperam que ele execute ações com
72
resultados visíveis, o que é chamado no discurso
28
das organizações de
“impacto social”. Ao mesmo tempo em que o profissional – até por sua
condição de contrato de trabalho – é “obrigado” a responder às necessidades
postas pela organização, cabe ao assistente social também
reconhecer e conquistar novas e criativas alternativas de
atuação, expressão das exigências históricas apresentadas
aos profissionais pelo desenvolvimento das sociedades
nacionais. (IAMAMOTO, 1992, p. 104)
Outra possibilidade de identificação de demandas é aquela
indicada pelo próprio usuário dos serviços prestados e se relacionam com sua
capacidade e autonomia para dar conta de suas necessidades básicas.
“eles desenvolvem atividades que elas escolhem no início do
ano, da vontade delas, da realidade delas, e a gente vai
acompanhando através desses cursos e reuniões mensais,
sempre assim com a preocupação de estar enfocando através
de palestras, e de visitas mesmo à problemática emergente,
no caso, seja numa orientação, no encaminhamento.” (fala do
sujeito 11)
Essas demandas podem ser reconhecidas por meio dos
atendimentos realizados, do conhecimento das condições objetivas de vida do
usuário, e do modo como vive e constrói relações. Outra forma de identificar
demandas é a partir do próprio exercício profissional, da análise da realidade
social, através da sistematização dos dados decorrentes das ações
desenvolvidas. Isso possibilitará ao assistente social reconhecer se de fato o
exercício profissional está surtindo resultados, além de favorecer a implantação
de processos avaliativos.
28
Para melhor entender a questão do discurso instituído nas organizações, recorro a Chauí (1990), quando
analisa o discurso como algo que também é ideológico e não apenas um arrazoado de palavras com
conotação meramente semântica. O discurso proferido e difundido nas organizações pode ser reconhecido
como o discurso que Chauí (1990) analisa como “discurso competente”, ou seja, “é aquele que pode ser
proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado (estes termos agora se equivalem) porque
perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua origem.” [...] “o discurso competente é o discurso
instituído.” [...] “Todavia [...] “não nos deve ocultar o fundamental, isto é, o ponto a partir do qual tais
determinações se constituem.” (CHAUÍ, 1990, p. 7 – 11)
73
“a gente tem essa busca toda de estudar, ela é intervenção.
Se eu não estou conseguindo intervir eu tenho que saber
porque eu não estou conseguindo.” (fala do sujeito 4)
Reconhecer os múltiplos caminhos para identificação de
demandas de atendimento pode ser um instrumento de análise que irá
proporcionar o entendimento e a percepção das expressões da questão social
que incorrem nessas mesmas demandas.
Nessa perspectiva a intervenção não começa ou termina quando
um atendimento social é realizado. Intervir significa também conhecer, planejar,
executar e analisar ações profissionais do ponto de vista do próprio
profissional, do ponto de vista da organização, do ponto de vista do usuário e
da realidade social.
Para fortalecer a dimensão interventiva outro elemento presente é
admitir a importância da formação e da consolidação da rede de proteção e
atendimento social. Daí a necessidade de reconhecer parcerias para a
construção de ações críticas que repercutem nas condições objetivas de vida
do usuário.
“entendo que elas tenham caráter interventivo sim. Como eu
falei indiretamente, através das nossas parceiras, as
entidades. Se você perceber lá nas entidades também nós
temos colegas assistentes sociais que estão desenvolvendo
esses programas que foram aprovados, que nós favorecemos
para que fossem aprovados. Na medida que elas executam
esses programas, eu considero como interventivo sim, porque
você tem essa consciência que você está favorecendo a
população a ter esses benefícios...” [...] “a informação que é o
que a gente quer, a população sendo orientada dentro dos
princípios...” (fala do sujeito 11)
A intervenção engloba também o campo das habilidades
profissionais
29
. Essas habilidades são percebidas no modo e na direção que o
assistente social dá ao seu exercício profissional. A postura assumida revela
inclusive a compreensão acerca do protagonismo do usuário no trato
29
Esta questão será analisada no segundo capítulo desta tese, como um dos conhecimentos que o
assistente social precisa ter para colocar em movimento seu exercício profissional.
74
interventivo. Reconhecer esse protagonismo pode ser uma via de superação
do paternalismo que ainda se faz presente no exercício profissional de parcela
dos assistentes sociais, como se os usuários precisassem ser ouvidos somente
por suas queixas e não por sua capacidade e autonomia de decisão. Garantir
condições de expressão aos usuários significa também defender seus
interesses, explicitar seu projeto societário, a autopercepção acerca de suas
condições objetivas de vida e de sua própria concepção de mundo. Nessa
perspectiva a linguagem e a escuta são instrumentos largamente utilizados
pelo profissional no trato interventivo e na construção relacional entre o
assistente social e o usuário.
“na postura que você tem, do não julgar, do saber ouvir, do
poder entender o que a pessoa quer, que às vezes a pessoa
quer” [...] “às vezes um desabafo é mais importante do que
definir a situação como ter a cesta básica conseguida, ter o
filho já naquele momento solto. Então às vezes ter aquela
acolhida naquele momento é o mais importante”. (fala do
sujeito 1)
Acolher o usuário significa deixá-lo a vontade para falar, expor
suas idéias, o que possibilitará ao profissional recolher informações que
favoreçam a construção da análise e a identificação dos resultados esperados
e alcançados.
“você usa uma forma que você faça um atendimento que você
perceba que ele foi satisfatório para ambas as partes para
você e para quem está sendo atendido.” (fala do sujeito 1)
O reconhecimento dos resultados do trabalho interventivo é visível
quando o assistente social analisa tanto as condições objetivas de vida do
usuário, como os impactos deste na qualidade de vida do usuário. Nesse
sentido, um atendimento de qualidade é um direito do usuário e não uma
prerrogativa da boa educação do profissional.
Esse conjunto de elementos e características do processo
interventivo reforça a visão de que o exercício profissional não é auto-
explicável ou ainda auto-referenciado, ou seja, “adquire seu sentido, descobre
75
suas alternativas na história da sociedade da qual é parte.” (IAMAMOTO, 1992,
p. 120)
Um outro aspecto deve ser levado em consideração quando o
exercício profissional é analisado: a concepção que o assistente social explicita
neste fazer
por incrível que parece ainda tem profissionais arraigados
nesta questão do assistencialismo, que é aquele profissional
tarefeiro que faz e não quer nem saber por que faz, nem
como faz.” (fala do sujeito 1)
As condições para a concretização do exercício profissional
decorrem também de diversas determinações: uma refere-se à análise de
conjuntura como instrumento analítico que permite ao assistente social
consubstanciar as relações existentes na realidade social, as demandas
identificadas durante o processo interventivo e as implicações na situação–
problema apresentada pelo usuário. A análise de conjuntura possibilita ao
assistente social ampliar sua visão para além daquilo que pode ser visto como
aparência, como um dos pontos de vista sobre uma dada situação. Esse
recurso analítico torna factível o estabelecimento de relações entre o que o
usuário apresenta sobre suas condições objetivas de vida do usuário, os
determinantes organizacionais e a realidade social.
Uma outra condição refere-se à capacidade analítica do
assistente social, que ganha visibilidade a partir da construção de mediações
que possibilitam a este a ultrapassagem da visão de caso social para a de
atendimento social, com base na análise sócio-histórica.
Outra condição relaciona-se ao conhecimento sobre o espaço
organizacional no qual o assistente social realiza suas atividades. Aqui está
presente a discussão sobre a autonomia profissional, entendendo que essa
autonomia é relativa. Por autonomia compreende-se a capacidade e a
competência do profissional de tomar decisões, determinar seu exercício
profissional, dar direção ao que faz. Essa autonomia é relativa na medida em
que é mediada pelos objetivos e determinantes presentes na organização.
Segundo Iamamoto
76
o assistente social depende, na organização da atividade, do
Estado, da empresa, entidades não-governamentais que
viabilizam aos usuários o acesso a seus serviços, fornecem
meios e recursos para sua realização, estabelecem prioridades
a serem cumpridas, interferem na definição de papéis e
funções que compõem o cotidiano do trabalho institucional.
(1998, p. 63)
Analisado desta forma, não é o assistente social que organiza o
seu exercício profissional mas a própria organização para a qual presta
serviço
30
. A dificuldade que o assistente social tem de reconhecer o projeto
ético-político como um parâmetro que direciona o exercício profissional pode
ser um dos indicativos da construção de uma prática cuja base é o
distanciamento do fazer e de seu resultado, o que compromete a visibilidade do
exercício profissional.
Para organizar e dar visibilidade ao exercício profissional é
preciso dizer que este se materializa na relação assistente social – usuário,
porém não se reduz a ela mesma. Portanto, faz-se necessário apresentar o
perfil do assistente social que atua no Cone Leste Paulista e os elementos
constitutivos do exercício profissional pela ótica do assistente social.
As informações a seguir serão apresentadas em forma de gráficos
e tabelas de modo a permitir uma melhor visualização dos resultados
analisados.
30
Isto será analisado no item 1.2 desta tese, que trata das condições objetivas que perpassam o exercício
profissional do assistente social.
77
1. 1. 1 – O perfil dos profissionais que atuam no Cone Leste Paulista
Apresento aqui os dados coletados junto aos assistentes sociais
que atuam no Cone Leste Paulista, o que possibilitou a construção do perfil
pessoal e profissional, muito semelhante ao apresentado pelo conjunto
CFESS/CRESS no período 2004 – 2005. Os dados revelam que a profissão
consolida um perfil historicamente construído junto às organizações estatais
e/ou mantidas pelo Estado. O exercício profissional se forja vinculado e
submetido aos determinantes da organização que contrata os serviços do
assistente social.
Conhecer os sujeitos foi um divisor de águas na pesquisa. O
primeiro contato aconteceu por meio de um questionário
31
; as respostas
construídas possibilitaram o reconhecimento de que esse exercício profissional
remete à explicitação de seus determinantes e dos impactos na região. O
segundo contato ocorreu no momento do convite aos profissionais para
realização e efetivação da coleta dos depoimentos.
Para melhor explicitação dos dados coletados, optei por
apresentá-los por meio de gráficos e quadros referenciais. Os cruzamentos de
dados foram estabelecidos seguindo a ordenação das perguntas apresentadas
no próprio questionário e divididos em três partes: dados de identificação;
formação profissional; condições e campos de trabalho do assistente social.
Realizar uma leitura crítica com base no conhecimento do próprio
assistente social consolidou a premissa de que é possível articular
singularidades e totalidade. No Serviço Social – especificamente – o traço
singular possibilita a percepção da subjetividade, da compreensão dos sujeitos
acerca do exercício profissional e o quanto as características pessoais estão
presentes nas ações desses sujeitos. Ao mesmo tempo, o perfil indica que
essas singularidades estão em relação com a totalidade e o quanto
particularizam o exercício profissional nessa região.
Conforme indicado na introdução da tese, o Cone Leste Paulista é
formado por sub-regiões que se divide em:
31
Vide introdução da tese em que explico os procedimentos adotados para envio do questionário aos
assistentes sociais.
78
Quadro referencial 1: Sub-regiões do Cone Leste Paulista e os municípios
Sub-região
Municípios
Vale Histórico
Aparecida, Arapeí, Areias, Bananal, Cachoeira Paulista,
Canas, Cruzeiro, Cunha, Guaratinguetá, Jataí, Lorena,
Piquete, Potim, Queluz, Roseira, São José do Barreiro,
Silveiras.
Médio Vale
Caçapava, Guararema, Jacareí, Jambeiro, Lagoinha,
Monteiro Lobato, Natividade da Serra, Paraibuna,
Piedade, Pindamonhangaba, Redenção da Serra,
Salesópolis, Santa Branca, Santa Isabel, São José dos
Campos, São Luiz do Paraitinga, Taubaté, Tremembé.
Litoral Norte
Caraguatatuba, Ilha Bela, São Sebastião, Ubatuba.
Serra da
Mantiqueira
Campos do Jordão; Santo Antonio do Pinhal, São Bento
do Sapucaí.
Foram enviados 1130 questionários, conforme abaixo:
Número total de questionários devolvidos preenchidos: 165
Número total de questionários devolvidos pelo correio: 06
Número total de questionários devolvidos em branco: 05
Quanto à área de cobertura não recebi resposta dos profissionais
que trabalham nos seguintes municípios: Bananal, Santo Antonio do Pinhal,
Campos do Jordão, Arapeí, Cachoeira Paulista, Jataí, Silveiras, Piquete,
Canas, Redenção da Serra, Natividade da Serra, Guararema, Ilha Bela, o que
corresponde a 32,5% do total de municípios pesquisados. Busquei informação
quanto à presença de profissionais atuando nesses municípios junto à
prefeitura local; a resposta foi positiva para a maioria dos locais. O município
de Canas não contava com o assistente social atuando no poder público no
período de 2003 – 2004. Alguns municípios tais como Arapeí, Jataí e Silveiras,
79
são considerados de pequeno porte e não consegui a informação junto ao
Conselho Regional de Serviço Social – Delegacia de São José dos Campos
32
se o município conta ou não com profissionais atuando nas referidas
localidades.
Comparando os dados foi possível estabelecer não somente o
perfil, mas também o quanto o exercício profissional aqui desenvolvido explicita
a direção assumida pelo Serviço Social na região.
32
A partir de 2005, a Delegacia do Conselho Regional de Serviço Social, que estava localizada em
Taubaté, passou a funcionar em São José dos Campos. A justificativa para a mudança deveu-se à
concentração de profissionais morando e atuando no município.
80
1. 1. 1 – Características gerais dos assistentes sociais que atuam no Cone
Leste Paulista
O primeiro cruzamento de dados estabelecido refere-se à faixa
etária e ao sexo dos profissionais, como mostra o gráfico abaixo:
Figura 1: Distribuição dos assistentes sociais por sexo e faixa etária
0
10
20
30
40
50
60
70
masculino feminino
24 - 31 anos
32 - 38 anos
39 - 48 anos
49 - 59 anos
> 60 anos
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
O primeiro assistente social a chegar na região foi do sexo
masculino, no início da década de 60, quando ainda não existiam cursos de
Serviço Social por aqui. A chegada desse profissional coincide com a época
em que o desenvolvimento econômico – principalmente o industrial – estava
em ascensão, provocando em sua esteira, grande fluxo de pessoas em busca
de estabilidade financeira e qualidade de vida. Esse profissional iniciou sua
81
atuação na área do Serviço Social de empresa e posteriormente ingressou na
área pública.
Mesmo assim, os sinais identitários da profissão mantêm-se: o
perfil regional reforça uma característica historicamente visível na profissão: a
marca da presença feminina. Desde os tempos das chamadas “damas de
caridade”, quando o traço predominante era a ajuda, a mulher vem se
dedicando às profissões que remetem ao cuidado, à preservação dos
costumes e ao bem-estar social.
a imagem social da profissão e do profissional encontra-se
profundamente estigmatizada pelos estereótipos criados em
torno da mulher, aparecendo como uma extensão
profissionalizante de seu ‘papel na sociedade’, como uma
alternativa à vida doméstica e à participação política.”
(IAMAMOTO, 1992, p. 49)
Mesmo nos tempos atuais quando o Serviço Social assume outra
direção, a profissão “acompanha” o estabelecimento do papel feminino no
mercado de trabalho. As discussões de gênero e os estudos referentes ao
papel da mulher no mercado de trabalho demonstram que as peculiaridades
dos trabalhos assumidos pelas mulheres incidem sobre o modo como os
assistentes sociais realizam seu trabalho e sobre a busca por formação
continuada de forma tardia
33
.
Quanto à presença masculina, avalia-se ser ainda é pequena,
havendo uma certa uniformidade dentre as faixas etárias.
Foi possível observar também que há uma concentração de idade
em duas faixas etárias: 24 - 31 anos e 39 - 48 anos. Essa concentração reforça
uma premissa presente na sociedade capitalista relacionada à questão da
idade produtiva, quando da inserção no mercado de trabalho, qual seja, quanto
mais jovem o profissional, mais afeito ele é a desafios, à aceitação de
mudanças e à adaptação à evolução mercadológica.
33
Para mais esclarecimentos acerca das implicações de gênero no Serviço Social vide estudos realizados
pela Profa. Dra Maria Regina de Ávila Moreira, cuja dissertação de mestrado, defendida na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo em 1998, tem como título “Entre a tempestade e a bonança: incursões
sobre relações sociais de gênero e Serviço Social; e a tese de doutorado defendida na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo em 2003, que tem como título “A constituição de gênero do Serviço
Social: um estudo a partir das manifestações de empregadores e assistentes sociais”.
82
O assistente social mais idoso tem 70 anos – idade considerada
para fins de aposentadoria - e o mais jovem 24 anos. Responderam ao
questionário 10 assistentes sociais idosos, correspondendo a 6,06%. Quanto
às faixas predominantes, de 39 – 48 anos, a pesquisa apontou 69 profissionais,
representando 41,8%. A segunda faixa, de 24 - 31 anos, totalizou 56
profissionais, representando 33,9%. Ainda foi possível confirmar a
predominância do sexo feminino no exercício da profissão: 155 pessoas,
representando 93,9%. O sexo masculino representou 6,06% dos profissionais
que responderam à pesquisa, sendo o mais idoso com 68 anos e o mais jovem
com 33 anos.
Quando ao cruzamento sexo – estado civil, foi possível observar
que, no que diz respeito ao estado civil, há uma clara predominância de
mulheres casadas (79 profissionais), representando 47,8% da amostra
pesquisada.
Figura 2: Distribuição dos assistentes sociais por sexo e estado civil
0
10
20
30
40
50
60
70
80
masculino feminino
solteiro
casado
separado
divorciado
viúvo
outros
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
83
As assistentes sociais solteiras totalizaram 57, representando
34,54%. Pode-se dizer que há equilíbrio entre casadas e solteiras.
Quanto aos homens, o estado civil predominante é o de casado,
configurando metade das respostas.
No item Outros, as respostas foram: solteira com companheiro;
vive com o segundo companheiro.
Cruzando os dados entre faixa etária e estado civil, há
predominância de casadas na faixa etária de 25 a 57 anos.
Figura 3: Distribuição dos assistentes sociais do sexo feminino por faixa etária
e estado civil
0
5
10
15
20
25
30
solteira casada sep/div/ viu/out
25 - 35 anos
36 - 46 anos
47 - 60 anos
> 60 anos
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
Quanto aos homens, há predominância de solteiros na faixa etária
de 36 – 46 anos. Os casados, entre 47 – 60 anos.
84
Figura 4: Distribuição dos assistentes sociais do sexo masculino por faixa etária e
estado civil
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
solteiro casado sep/div/ viu/out
25 - 35 anos
36 - 46 anos
47 - 60 anos
> 60 anos
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
Foi perguntado aos profissionais sobre sua religião. Quanto ao
sexo feminino, ficou demonstrado que a maioria dos assistentes sociais
professa a religião católica, conforme gráfico abaixo.
85
Figura 5: Distribuição dos assistentes sociais do sexo feminino por faixa etária e
religião
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
c
a
l
ica
e
v
an
g
é
lic
a
e
spír
ita
n
t
em
r
el
i
giao
out
r
os
crista
24 - 31 anos
32 - 38 anos
39 - 48 anos
49 - 59 anos
>60 anos
n informa
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
Analisando a religião expressada pelo sexo masculino ficou
identificado que a maioria professa um conjunto de religiões, não
necessariamente católica ou cristã.
86
Figura 6: Distribuição dos assistentes sociais do sexo masculino por faixa etária e
religião
0
0,5
1
1,5
2
2,5
n
t
em
re
li
gi
a
o
o
u
t
ros
cri
s
ta
32 - 38 anos
39 - 48 anos
49 - 59 anos
>60 anos
n informa
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
No conjunto, o resultado não foi surpreendente: os profissionais
professam uma religião e há predomínio de católicos: 58,18%. Isso reflete não
só a questão nacional mas também regional, pois a influência católica se
materializa também através de dois pólos de grande concentração religiosa: a
Basílica Nacional de Aparecida e o Grupo Canção Nova, situado no município
de Cachoeira Paulista. Aqui não foi possível afirmar se a predominância de
católicos se relaciona à incidência dos movimentos de base voltados à
educação popular. O que é pertinente dizer é que aqui se reflete uma
propagada soberania da Igreja Católica no Brasil, que também é uma questão
complexa e por si só abre um outro flanco de pesquisa.
No município de Pindamonhangaba, existe um templo Hare
Krishna, mas nenhum assistente social declarou professar esse rito.
87
Com relação às outras religiões – espírita, evangélica e cristã – a
pesquisa apontou 28,48%. Essas religiões, tradicionalmente, “chamam” seus
seguidores para a realização de trabalhos na área da ajuda e solidariedade,
direcionada à população considerada pobre, tanto material quanto
espiritualmente.
O campo Outros corresponde a 6,6% do total pesquisado. Há
uma diversidade de informações, inclusive o registro de uma religião
considerada evangélica – Adventista do 7º Dia. As demais são consideradas
como emergentes no cenário contemporâneo no Brasil, com franca ascensão
das religiões orientais: Budismo, Seicho-No-Ie e Messiânica, que
correspondem a 3,03%.
Tabela 3: Distribuição do campo OUTROS para religião
Masculino Feminino
Campo Outros Campo Outros
Seicho-No-Ie 01 Adventista do 7º Dia 01
Budista 01 Budista 01
- - Eclética 02
- - Espiritualista 01
- - Leitura do livro “Um curso em
Milagres”
01
- - Messiânica 01
- - Perfect Liberty 01
- - Seicho-No-Ie 01
Total 02 Total 09
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone
Leste Paulista, período 2003 – 2004
88
A resposta dos profissionais permitiu-me cruzar dados referentes
à região de moradia e à região onde os profissionais exercem a profissão, a
saber:
Tabela 4: Distribuição dos assistentes sociais por região onde trabalha e
região de moradia
Região de Moradia
Região onde
trabalha
Vale Histórico
Médio Vale
Litoral Norte e
Serra da
Mantiqueira
Outros
Vale Histórico
21 02 - -
Médio Vale
08 108 - -
Litoral Norte e
Serra da
Mantiqueira
- - 08 08
Outros
- - - 08
Total
29 111 08 08
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
É possível identificar uma concentração de profissionais que
residem e trabalham no Médio Vale. O município de São José dos Campos
congrega o montante de 49,09% do total pesquisado. Isso também se repete
na cidade circunvizinha: Taubaté, com 13,93%. Quanto aos municípios de
Caçapava, Jacareí, Guaratinguetá, estes contam com 6,06% do total
pesquisado. Ao mesmo tempo estes municípios “exportam” profissionais para
São José dos Campos, totalizando 6,06%. Analisando-se os municípios
pertencentes ao Vale Histórico, temos uma concentração de 36,3% do total de
profissionais. O grupo da Serra da Mantiqueira e Litoral Norte congregam
12,12% do total. São José dos Campos é considerado – historicamente – o
município que alavancava a discussão na área da assistência social. Isso se
deve ao fato do pioneirismo na implantação dos Conselhos da Criança, do
Conselho da Assistência, do Conselho da Saúde e do Conselho do idoso. Hoje,
observa-se a ascensão de outros municípios tais como Jacareí e Cruzeiro. Em
89
Jacareí há um investimento dirigido à proteção social voltada à família, criança/
adolescente, além do protagonismo na implantação do SUAS – Sistema
Unificado de Assistência Social; em Cruzeiro, foi inaugurado o primeiro Centro
de Convivência para Idosos no Cone Leste Paulista.
Outro aspecto interessante é que 8 profissionais atuam em mais
de um município, mantendo a mesma área de atuação. Essa é uma
característica presente na região do Vale Histórico, onde estão concentrados
municípios de pequeno porte, com população em torno de 5.000 habitantes.
Além desses, 3 registram trabalhar em áreas diferentes: criança e adolescente
– idoso; família – criança e adolescente; pessoa portadora de deficiência –
idoso; o que pode acarretar uma sobrecarga de trabalho.
O campo Outros refere-se a profissionais que estão inscritos na
Delegacia do Conselho Regional de Serviço Social da região, porém atuam
fora do Cone Leste Paulista.
90
1. 1. 2 - O processo formativo dos assistentes sociais
O processo formativo inicia-se com a realização do vestibular e o
ingresso no curso superior. No Brasil o curso de Serviço Social tem duração
média de quatro anos, podendo ser semestral ou anual.
O conjunto de disciplinas segue determinação da Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, que a partir de 1996
regulamentou as alterações no currículo mínimo, de modo a “acompanhar” o
movimento contraditório presente na realidade social e que incide diretamente
no exercício profissional do assistente social. Ainda nessa perspectiva a
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social realizou
diversas oficinas regionais capacitando os gestores das escolas e
universidades a otimizar ações que levem à implantação do denominado novo
currículo.
Esse currículo fecha um ciclo iniciado com o currículo de 1982
que inaugura a matriz crítica que dará direção a formação profissional dos
assistentes sociais nos anos 80 em diante. Referenda um salto qualitativo para
o Serviço Social, redefinindo
sua imagem no meio universitário: de curso alienado,
pragmatista, marginalizado, a curso em que professores e
estudantes têm condições de compor e, de fato, vêm
compondo uma vanguarda progressista no interior da
Universidade brasileira. (CARVALHO, 1986, p. 23)
Dessa forma, o currículo direciona a formação a partir da tríade
história – teoria – metodologia, entendendo que a formação deve estar
alicerçada em conhecimentos que demonstrem a necessária articulação entre
realidade social, condições objetivas de vida do usuário, conhecimentos acerca
das tendências teórico-metodológicas e elementos constitutivos do exercício
profissional. A Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
também determina que a formação profissional esteja associada não somente
a um conjunto de disciplinas mas também que sua visibilidade decorre do
91
projeto pedagógico que dá base, sustentação e direção à formação pois
ressalta as articulações entre ensino – pesquisa – extensão.
O currículo promulgado em 1996 determina a necessidade de se
estabelecer um currículo mínimo para a formação que possibilite ao profissional
o desenvolvimento de sua capacidade crítica, analítica, buscando posicionar a
profissão dentro dos marcos das mudanças societárias ocorridas nos anos 90.
O currículo expressa a necessidade de o profissional demarcar sua
capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. É
fundamentado a partir nas diretrizes curriculares cuja proposta
é a permanente construção de conteúdos (teóricos, éticos,
políticos, culturais) para a intervenção profissional nos
processos sociais que estejam organizados de forma dinâmica,
flexível, assegurando elevados padrões de qualidade na
formação do assistente social (Diretrizes Gerais para o Curso
de Serviço Social – ABESS/ CEDEPSS, 1996, p. 63)
A organização do currículo dá-se por núcleos que guardam
autonomia e interdependência entre si:
- Núcleo de Fundamentos Teórico – Metodológico da vida social: é o
núcleo que explicita a direção na qual o Serviço Social como profissão se
estabelece nas relações socialmente constituídas na realidade social.
é o responsável pelo tratamento do ser social enquanto
totalidade histórica, fornecendo os componentes fundamentais
da vida social que serão particularizados nos núcleos de
fundamentação da realidade brasileira e do trabalho
profissional. [...] O trabalho é assumido como eixo central do
processo de reprodução da vida social. [...] Implica reconhecer
as dimensões culturais, ético-políticas e ideológicas dos
processos sociais, em seu movimento contraditório e
elementos de superação. (Diretrizes Gerais para o Curso de
Serviço Social – ABESS/ CEDEPSS, 1996, p. 64 - 65)
- Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio – Histórica da Sociedade
Brasileira: explicita a incidência do capitalismo na formação da realidade social
brasileira e suas implicações para a construção de estratégias sócio-
profissionais.
92
se direciona para a apreensão dos movimentos que permitiram
a consolidação de determinados padrões de desenvolvimento
capitalista no país, bem como os impactos econômicos, sociais
e políticos peculiares à sociedade brasileira, tais como suas
desigualdades sociais, diferenciação de classe, de gênero e
étnico-raciais, exclusão social etc. (Diretrizes Gerais para o
Curso de Serviço Social – ABESS/ CEDEPSS, 1996, p. 65)
- Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional: é o núcleo que vai
discutir de forma analítica as múltiplas dimensões presentes no exercício
profissional.
considera a profissionalização do Serviço Social como uma
especialização do trabalho e sua prática como concretização
de um processo de trabalho que tem como objeto as múltiplas
expressões da questão social. [...] Significa,ainda, reconhecer o
produto do trabalho profissional em suas implicações materiais,
ídeo-políticas e econômicas. [...] Requer a apreensão do
conjunto de características que demarcam a institucionalização
e desenvolvimento da profissão. (Diretrizes Gerais para o
Curso de Serviço Social – ABESS/ CEDEPSS, 1996, p. 66)
Com esse direcionamento, a Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social entende que essa estrutura curricular
deve refletir o atual momento histórico e projetar-se para o
futuro, abrindo novos caminhos para a construção de
conhecimentos, como experiência concreta no decorrer da
própria formação profissional. (ABESS/CEDEPSS, 1996)
O Cone Leste Paulista conta com duas escolas de Serviço Social,
uma localizada em São José dos Campos, na Universidade do Vale do Paraíba
e a outra na Universidade de Taubaté, em Taubaté, ambas com
aproximadamente 40 anos de existência. Tanto na Universidade do Vale do
Paraíba, quanto na Universidade de Taubaté o chamado currículo novo está
em fase de implantação. Na Universidade de Taubaté, a implantação foi
iniciada em 2004, estando em seu 3º ano. O curso continua anual, mesclando
disciplinas, oficinas e estágio supervisionado. Ao final o aluno apresenta
individualmente uma monografia, chamada de Trabalho de Conclusão de
Curso e é resultante de pesquisa produzida por ele, sob a supervisão do
orientador. Na UNIVAP, a implantação também foi iniciada em 2004, com
93
características diferenciadas: o curso é semestral e ao final, o aluno apresenta
um artigo científico e não um Trabalho de Conclusão de Curso.
Quanto ao ano de graduação, os profissionais indicam que
ocorreu majoritariamente nas escolas instaladas no Cone Leste Paulista, a
partir da década de 70, como se segue:
Tabela 5: Distribuição dos assistentes sociais por universidade e/ou escola
onde concluiu o curso e período de formatura
Universidades Escolas
Período de
formatura
Universidade
do Vale do
Paraíba
Universidade
de Taubaté
estado do
São Paulo
estado do
Rio de
Janeiro
estado de
Minas
Gerais
outros
estados
TOTAL
1966 – 67
- -
01
-
01
-
02
1970 – 79
05
13
02
01
-
01
22
1980 – 89
20
22
09
05
-
01
56
1990 – 99
16
32
02
01
02
04
57
2000 – 02
09
16
01
- - -
26
Não informa
- 01 - - - -
01
TOTAL 50 84 15 07 03 06 165
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
As escolas freqüentadas pelos profissionais foram:
94
Quadro referencial 3: Distribuição das universidades e escolas onde os assistentes
sociais concluíram o curso por nome e unidade da federação
onde estão localizadas
Unidade da federação Nome das escolas
Cone Leste Paulista
Universidade de Taubaté
Universidade do Vale do Paraíba
Estado de São Paulo
Faculdade Paulista de Serviço Social
Instituto Limeira
Faculdade Santo Antônio
Faculdade de Serviço Social de Araraquara
Serviço Social de Lins
Faculdades Metropolitana Unidas
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
UNESP de Franca
Estado do Rio de Janeiro
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Federal Fluminense
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Universidade Gama Filho
Estado de Minas Gerais
Universidade Federal de Juiz de Fora
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Outros estados
Universidade Federal do Sergipe
Faculdade Toledo de Ensino
Universidade Estadual de Londrina
Universidade Estadual do Ceará
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
Os profissionais freqüentaram escolas localizadas em diversos
estados da federação, a saber:
95
Figura 7: Distribuição das escolas onde os assistentes sociais concluíram o curso por
unidade da federação
18%
23%
9%
50%
Escolas localizadas emo Paulo
Escolas localizadas no estado do
Rio de Janeiro
Escolas localizadas em Minas
Gerais
Escolas localizadas em outros
estados
Escolas localizadas no estado de São Paulo
11 50 %
Escolas localizadas no estado do Rio de Janeiro
05 22,72%
Escolas localizadas no estado de Minas Gerais
02 9,09%
Outros estados
04 18,18%
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
A pesquisa possibilitou identificar profissionais formados em 22
escolas, a saber: 50% das escolas localizadas em São Paulo; 22,72% das
escolas no Rio de Janeiro; 9,09% das escolas localizadas em Minas Gerais e
18,18% das escolas localizadas em outros estados. Das 22 escolas, 14 são
particulares e 08, públicas.
As escolas da região refletem sua importância no processo
formativo, a saber: 30,3% dos profissionais são formados pela Universidade do
Vale do Paraíba e 50,9%, pela Universidade de Taubaté. As duas
universidades totalizam 81.2%. Somando-se os profissionais formados nas
outras escolas, têm-se 18,78%. Outro dado importante refere-se ao fato de os
profissionais terem se formado em escolas públicas e privadas na seguinte
proporção:
96
Figura 8: Distribuição das unidades escolares onde os assistentes sociais concluíram
o curso por natureza pública ou privada
36%
64%
universidades
públicas
universidades
privadas
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
Com relação à natureza das escolas instaladas, 14 são
particulares e 8 são consideradas públicas. A prevalência das duas
universidades sobre as demais – 81,2% - reflete a adesão dos futuros
profissionais ao ensino da região e a confiança no processo formativo. Durante
um período a coordenação do curso de Serviço Social da Universidade do Vale
optou por organizá-lo de modo a durar cinco anos. Atualmente tem duração de
oito períodos e é semestral. A Universidade de Taubaté historicamente vem
mantendo seu curso com duração de quatro anos e é seriado/ anual.
Quanto ao processo de formação continuada, identificou-se que
63 profissionais realizaram somente a graduação e não se inseriram em outro
curso regular – outra graduação ou cursos de pós-graduação.
97
Figura 9: Distribuição dos assistentes sociais por realização de curso de pós-
graduação
12%
5%
7%
2%
38%
36%
graduação em Serviço
Social
extensão
especialização
outra graduação
mestrado
doutorado
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
Referenda–se aqui que 63 profissionais não deram continuidade
ao seu processo formativo, o que corresponde a 38,18% do total. Um dos
pontos que chamam a atenção é a pouca oferta de cursos de pós-graduação
na área social na região do Cone Leste Paulista. Na Universidade do Vale do
Paraíba são mantidos cursos nas áreas de planejamento urbano, família e
gerontologia social. Na Universidade de Taubaté, família, recursos humanos,
saúde e gestão social. Os demais cursos são realizados em outras regiões.
Assim, frenqüentar a maioria dos cursos requer deslocamento a outras regiões
do estado ou mesmo fora dele. Um outro ponto é o custo financeiro e o impacto
desse custo no orçamento familiar, tendo em vista a variação salarial existente
na região
34
. Um outro aspecto a ser discutido é que, na maioria dos locais onde
há inserção do assistente social, não é exigida do profissional formação
complementar. Em algumas situações, o profissional é liberado mediante
compensação das horas não trabalhadas.
34
A questão salarial não foi alvo de investigação nesta tese.
98
Tabela 6: Distribuição dos cursos de extensão realizados pelos assistentes
sociais
Extensão
Avaliação, controle e regulação no SUS 01
Comunicação suplementar ou alternativa 01
Crises e conflitos familiares 04
Curso de política e cidadania 03
Curso em Política Social 01
Curso Serviço Social de Empresa 01
Curso Serviço Social de Família 01
Dinâmicas energéticas 01
Elaboração de programas e projetos 05
PEC Municípios 01
Projeto Aprimorando 01
Supervisão em Serviço Social 02
Total 22
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que
atuam no Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Nota-se que a procura por cursos dessa natureza está associada
ainda à formação básica (graduação) e que eles são realizados por
profissionais com formação mais recente. Ficou evidenciado também o caráter
de complementaridade à graduação, à exceção do curso de dinâmicas
energéticas. Ou seja, predominaram aqueles que incidem diretamente no fazer
do assistente social ou, ainda, aqueles que favorecem a construção de uma
leitura da realidade social. Os cursos referentes à família são os majoritários,
correspondendo a 22,72%; os cursos referentes à política social
correspondem a 18,18%; supervisão em Serviço Social, 9,09%; empresa,
4,54%; outros, 13,63%
99
Tabela 7: Distribuição dos cursos de especialização realizados pelos
assistentes sociais
Especialização
Atendimento em Situação de Abuso Sexual 01
Bioética 01
Desenvolvimento Organizacional 01
Educador Social 01
Especialização em Dependência Química 01
Especialização em Gestão de Políticas Públicas e
Cidadania
06
Especialização em Políticas Públicas 03
Jogos Cooperativos 02
MBA em Desenvolvimento e Gestão de Pessoas 01
Parapsicologia 01
Psicodrama 03
Psicopedagogia 03
Recursos Humanos 05
Saúde Mental 02
Saúde Pública 12
Terapia Familiar Sistêmica 17
Vigilância Sanitária 01
Violência Doméstica 09
Total 70
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que
atuam no Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Há uma supremacia dos chamados cursos de especialização
correspondendo a 39,2%. As especializações voltam-se para os interesses
pessoais quanto para os relacionados à área de atuação
35
do assistente social.
Isso ficou evidenciado pela informação sobre a área de atuação, cujo
predomínio é na área de família, criança e adolescente e saúde,
correspondendo a 68,57%. Cabe aqui um destaque para a especialização na
área de Terapia Familiar Sistêmica – 24,28% - e a crescente procura por parte
dos assistentes sociais por esse tipo de formação. Esses profissionais atuam
35
À exceção do curso de dinâmicas energéticas.
100
majoritariamente na área da infância e juventude e na área de atendimento a
família, inseridos na área pública municipal, e os demais atuam na área escolar
e em consultório particular. Para identificar o porquê desse interesse crescente
somente através do contato pessoal com esses assistentes sociais. O que
posso inferir é que a Terapia Familiar Sistêmica possibilita a realização de um
trabalho terapêutico junto aos usuários, cujo resultado é considerado eficiente.
Como contra-partida, ressalta-se que trabalhos terapêuticos tendem a ser de
médio e longo prazo e se adaptam ao consultório e não às organizações
públicas, tendo em vista o volume e a crescente demanda quantitativa que
busca a rede de proteção social.
Em outra direção encontram-se os assistentes sociais que
buscam especialização na área de políticas públicas, gestão, saúde pública,
correspondendo a 32,85%. Esses cursos possibilitam aos profissionais realizar
uma leitura analítica da questão social e suas expressões; fundamentando a
visão de homem, mundo e prática profissional. Há uma considerável incidência
na procura de cursos na área empresarial, a saber, 7,14%. Isso se explica
tendo em vista a presença de assistentes sociais inseridos nas empresas da
região, assumindo papel de gestor de recursos humanos, na área de
benefícios, treinamento, desenvolvimento de pessoal, entre outros.
Alguns profissionais optam por realizar outra graduação
Tabela 8: Distribuição de outra graduação realizada
pelos assistentes sociais
Outra Graduação
Bacharel em Direito 03
Bacharel em Psicologia 01
Ciências Sociais 01
Comércio Exterior 01
Economia 01
Pedagogia 01
Universidade da Paz
36
01
Total 09
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais
que atuam no Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
36
A Universidade da Paz realiza cursos voltados à discussão do pensamento holístico e outras áreas afins.
101
Com exceção do curso de Comércio Exterior e Universidade da
Paz, todos os outros trazem alguma relação com o Serviço Social, inserindo-se
na área das ciências humanas e sociais. Os cursos que aparecem são Direito –
33,33%; Psicologia, Pedagogia, Ciências Sociais, Economia, Comércio
Exterior, Universidade da Paz – 11,11%.
Quanto aos cursos de mestrado e doutorado, foi possível
identificar:
Tabela 9: Distribuição dos cursos de mestrado realizados pelos
assistentes sociais
Mestrado
Ciências Ambientais 02
Educação 01
Educação: Currículo 01
Gerontologia Social 01
Mestrando - outras áreas 02
Planejamento Urbano 01
Serviço Social 03
Total 11
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que
atuam no Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Tabela 10: Distribuição dos cursos de doutorado realizados
pelos assistentes sociais
Doutorado
Doutorado em Serviço Social 03
Doutorando em outras áreas 01
Doutorando em Serviço Social 02
Total 06
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone
Leste Paulista, período 2003 – 2004
Todos os profissionais que registram a realização de mestrado e
doutorado já estão atuando na área acadêmica e coordenam e/ou participam
de núcleos de pesquisa nas respectivas universidades onde estão contratados.
Há uma predominância pela titulação em Serviço Social ou em áreas afins.
Observo que o mestrado tem sido utilizado como forma de consolidação do
102
saber apreendido na graduação e como busca por aprender a lidar com a
pesquisa, principalmente a utilizada na sistematização dos dados construídos
via intervenção profissional. O doutorado qualifica o profissional a se tornar um
pesquisador, o que fortalece ainda mais o exercício da prática docente.
Realizei o cruzamento da idade com a qual o assistente social se
formou e o período da formatura. Para melhor visualização dos dados, estes
foram apresentados por faixa etária.
Tabela 11: Distribuição dos assistentes sociais por faixa etária e período
de formatura
Faixa etária
Período de
formatura
24 – 31
anos
32 – 38
anos
39 – 48
anos
49 – 59
anos
> 60 anos
Não
informa
TOTAL
Anos 60
- - - - 02 -
02
Anos 70
- - 07 12 03 -
22
Anos 80
- 03 40 12 01 01
57
Anos 90
13 23 18 - 03 -
57
Anos 2000
16 07 02 - - 01
26
Não informa
01 - - - - -
01
TOTAL 30 33 67 24 09 02 165
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004.
Este quadro permitiu perceber o momento da entrada do
profissional no mercado de trabalho. A média de idade do profissional por
ocasião da sua formatura é de 27,8 anos. A idade mais baixa é 20 anos e a
maior, 52 anos. Levando-se em consideração que, nos últimos 30 anos, o
previsto é que uma pessoa conclua o ensino médio com 18 anos, supõe-se que
o curso de Serviço Social – com duração de 4 anos – seja concluído com 21
103
anos. Outra característica importante é a de que, ao se cruzar esse dado com
as universidades onde o curso foi concluído a maioria dos profissionais
freqüentou curso noturno, trabalhando durante o dia. Nessa situação a
tendência é a de que o profissional se mantenha no trabalho até que encontre
uma possibilidade de inserção na área, o que compensaria a saída do trabalho
anterior.
Construindo-se a média de idade no ano da formatura por período
de nascimento identifica-se:
Quadro referencial 3: Distribuição dos assistentes sociais por ano de nascimento e
média de idade no ano da formatura
Faixa por ano de nascimento
Média de idade no
ano da formatura
(em anos)
1934 – 1949 34,2 anos
1959 – 1959 27,3 anos
1960 – 1969 27,7 anos
1979 – 1980 27,8 anos
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004.
A média de 27 anos foi confirmada. Analisando-se a inserção do
assistente social no mercado de trabalho e cruzando o dado referente ao modo
de contratação do profissional, o que prevalece é o regime estatutário, onde
não há limite superior de idade para realização de concurso ou ainda
investidura de cargo público.
Este perfil revela que os assistentes sociais estão ocupando os
espaços profissionais, principalmente na área pública. Atuam nas áreas que
tradicionalmente o Serviço Social é chamado a intervir. Por intermédio das
respostas dos assistentes sociais, identifico que poucos se dedicam a pesquisa
ou buscam a formação continuada. Uma boa parte dos assistentes sociais
concluiu a graduação e não retornou a universidade para realizar outros
cursos. As escolas da região são privadas, o que pode dificultar ainda mais o
acesso dos profissionais. Valeria a pena um investimento por parte das
universidades - em parceria com o poder público - no sentido de propor a
104
realização de curso de curta duração a fim de reaproximar os profissionais da
área acadêmica, qualificando o exercício profissional.
105
1. 2 – Os elementos constitutivos do exercício profissional identificados
pelos assistentes sociais.
Conforme explicitado anteriormente, a partir das determinações
presentes no exercício profissional do assistente social, foi possível identificar
os elementos constitutivos do trabalho realizado pelo assistente social. No
questionário enviado aos assistentes sociais, no período 2003 – 2004, foi
perguntado: quando você é chamado(a) a planejar e/ou executar uma ação
profissional, quais os elementos que você leva em consideração e são
determinantes para o seu fazer profissional? As respostas registradas são
apresentadas em forma de quadro referenciais e demonstram que pouco
identificam as condições objetivas sob as quais o exercício profissional
acontece como um dos determinantes que incidem diretamente no exercício
profissional, incluindo aí, a questão do assalariamento, da autonomia relativa,
entre outros aspectos. As respostas - em sua maioria – estão dirigidas as
atividades desenvolvidas e não necessariamente às condições em que estas
atividades são realizadas.
No momento do depoimento, essa questão ficou mais clara: os
profissionais verbalizam a precariedade das condições de trabalho que
implicam no exercício profissional.
Com base nas respostas registradas no questionário e nos
depoimentos coletados junto aos assistentes sociais, considero que reconhecer
as condições onde o trabalho do assistente social é realizado é fundamental
para entender o porquê do Serviço Social ser considerada uma profissão que
colabora para dar vida e visibilidade às organizações onde os profissionais
executam suas ações.
as condições que peculiarizam o exercício profissional são uma
concretização da dinâmica das relações sociais vigentes na
sociedade, em determinadas conjunturas históricas [...] a
atuação do assistente social é necessariamente polarizada
pelos interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por
aqueles que têm uma posição dominante (IAMAMOTO &
CARVALHO, 1983, p. 75)
106
Reconhecer o processo histórico, que é constitutivo do exercício
profissional do assistente social, pode subsidiar a análise para o
reconhecimento do Serviço Social como especialização do trabalho coletivo.
Outro aspecto importante: reconhecer que atuar junto à classe subalterna não
significa reforçar seu projeto societário. Contraditoriamente, pode reconhecê-lo
mas atua com o objetivo de “adequá-lo” aos interesses das organizações
demandatárias dos serviços prestados pelos assistentes sociais.
107
1. 2.1 – A inserção profissional do assistente social: assalariamento e as
condições de trabalho
Pretendo tratar aqui da questão do assalariamento e dos impactos
deste no exercício profissional do assistente social, tomando como pressuposto
que o assistente social tende a assumir como objetivos do Serviço Social
aqueles da organização com a qual mantém vínculo empregatício. Isso fica
claro na análise das respostas dos assistentes sociais, tanto no questionário,
quanto nos depoimentos coletados. Entendo ainda que o pequeno horizonte
analítico por parte dos assistentes sociais que se reconhecem como
profissionais da prática favorece a realização de atividades cujo fim último é o
de fortalecer o espaço organizacional, clarificando seus objetivos, executando
suas demandas de atendimento. Pareceu-me - diante das respostas dos
assistentes sociais – que isso é tão “natural”, tão parte do próprio exercício
profissional, que é pouco provável a realização de seu exercício profissional
fora ou em outras condições.
Para compreender essas questões, parti do ponto de vista que
identifica o Serviço Social como profissão historicamente determinada e inscrita
na divisão sócio-técnica do trabalho. Os estudos de Iamamoto e Carvalho
(1983), e Iamamoto (1998) inauguram essa perspectiva de análise para o
Serviço Social,
a divisão do trabalho na sociedade determina a vinculação de
indivíduos em órbitas profissionais específicas, tão logo o
trabalho assume um caráter social, executado na sociedade e
através dela [...] passa a constituir uma particularidade do
trabalho social. (IAMAMOTO & CARVALHO, 1983, p. 16 – 18)
É uma profissão que apesar de regulamentada como liberal
37
,
podendo ser exercida de forma autônoma, historicamente tem sido exercida
vinculada às organizações, quer sejam da área governamental, quer sejam da
área não-governamental. O Serviço Social institui-se como profissão a partir do
desenvolvimento das instituições sócio-assistenciais. Desde sua implantação
37
Vide a Lei de Regulamentação citada no início deste capítulo.
108
no Brasil, está atrelado ao Estado e, através das esferas governamentais, este
é – conforme dito anteriormente – o principal empregador dos assistentes
sociais.
Fundamentalmente, o assistente social é um profissional
assalariado, contratado por essas organizações e submetido às suas regras.
Ao contratar o assistente social, as organizações determinam as atividades a
serem realizadas, o modo como pretendem que estas sejam operacionalizadas
e o produto desejado.
a atividade do profissional de Serviço Social, como tantas
outras profissões, está submetida a um conjunto de
determinações sociais inerentes ao trabalho na sociedade
capitalista, quais sejam: o trabalho assalariado, o controle da
força de trabalho e a subordinação do conteúdo do trabalho
aos objetivos e necessidades das entidades empregadoras.
(COSTA, 2000, p. 37)
Isso significa que o assistente social coloca seus saberes a
serviço da manutenção dessas mesmas organizações, operacionalizando seus
objetivos e determinações, colocando-os como seus objetivos profissionais.
“nós aproveitamos uma abertura que tivemos na reunião da
diretoria e eles (diretores) colocaram perante todos os
funcionários que o Serviço Social iria direcionar suas ações
para o trabalho com as famílias e teria que deixar de fazer
algumas atividades rotineiras“ [...] “a instituição espera que o
assistente social resolva tudo, tudo, aquele usuário está
assim, assado, é o Serviço Social que tem que ir lá e resolver
tudo aquilo” [...] “mas ainda, às vezes a gente sente que é o
Serviço Social que tinha que ter a varinha de condão para
resolver tudo” (fala do sujeito 13)
“a instituição pesa muito e a intervenção fica atrelada ao
poder institucional” [...] “aquilo que ela determina tem que
executar” [...] “quer dizer então que é isto que eu vou fazer
como profissional? “ (fala do sujeito 10)
Ao assumir os objetivos da organização como os da própria
profissão, parcela dos assistentes sociais demonstra a dificuldade em
109
reconhecer suas atribuições e competências a partir dos instrumentos
analíticos e interventivos presentes no exercício profissional. Isso compromete
a própria construção identitária do Serviço Social como especialização do
trabalho, porque, sem a possibilidade de um necessário “distanciamento” dos
objetivos institucionais, torna-se difícil construir estratégias para superação
desse mesmo exercício. Explicando melhor, quando o assistente social é
contratado, espera-se dele que cumpra com as atribuições determinadas por
seu empregador. Se o profissional não mantém um “distanciamento” analítico
que lhe possibilite examinar as condições onde o seu trabalho se efetiva, isso
pode não só comprometer o que faz, mas também, a própria visibilidade e
implicações sociais desse fazer. Esse “distanciamento” é construído pelo
profissional a partir de alguns pilares de sustentação: a identificação das
demandas de atendimento e não apenas aquelas indicadas previamente pela
organização; o conhecimento do poder local
38
; o conhecimento das condições
objetivas onde o seu trabalho se realiza; a apropriação do assistente social
acerca do projeto profissional; as condições objetivas de vida do usuário e o
conhecimento da realidade social. Sem esse “distanciamento”, o assistente
social tende a identificar a organização como um bloco monolítico, sem
qualquer possibilidade de alteração das condições de trabalho e serviços
prestados.
Por seu lado, as organizações consomem não somente os
saberes do profissional, mas também o produto do trabalho realizado, ou seja,
o produto do trabalho também é determinado por quem o comprou. O que eu
quero dizer? Na medida em que o assistente social é um trabalhador
assalariado e identificado com os objetivos de quem o contratou, ele “espera”
que seu empregador identifique aquilo que faz. Assim, o produto do trabalho é
aquele que o empregador reconhece – de acordo com as suas determinações.
“como eu tinha feito um bom trabalho onde eu consegui
organizar um local que atende 400 usuários, isto numa rotina
muito pesada, como eu consegui organizar e consegui deixar
tudo bem organizadinho, achei que estava no momento para
38
O poder local refere-se à esfera municipal. Para Daniel (1988), o poder local é compreendido como um
lugar de exercício do poder “não se resume ao Estado – prefeitura e câmaras municipais, no nível local –
mas está disseminado em múltiplas instituições sociais” (DANIEL, 1988, p. 26)
110
mudar, porque já tinha contribuído muito até com os
usuários, com a equipe, e chegou o momento de sair” (fala
dosujeito 4)
Nessa direção, o produto do trabalho do assistente social é
avaliado por seu desempenho em cumprir as determinações da organização e
não necessariamente pelo impacto de suas ações nas condições objetivas de
vida do usuário.
Uma outra questão que atravessa o exercício profissional é que o
assistente social remete a construção de suas ações ao que é demandado pela
organização que contrata o seu serviço. Uma boa parcela de assistentes
sociais não leva em consideração as atribuições estabelecidas na Lei de
Regulamentação da Profissão e as determinações do projeto ético-político
39
.
Ou seja, a construção do exercício profissional esbarra no limite da
organização, e assim, o assistente social vai construindo e também
reproduzindo as atividades que caracterizam o seu fazer profissional.
é difícil analisar Serviço Social hoje sem levar em conta os
diversos lugares onde atua, porque de uma entidade para
outra muda, embora tenha um ponto em comum que é o
limite.” (fala do sujeito 5)
Para entender o que é processo de trabalho, preciso entender o
que é trabalho. Marx diz que é “um processo entre o homem e a natureza, um
processo em que o homem por sua própria ação media, regula e controla seu
metabolismo com a natureza” (1983, p. 149) Ou seja, o homem utiliza-se de
seus recursos físicos e intelectuais para, por meio do trabalho apropriar-se da
matéria-prima existente na natureza a fim de satisfazer suas necessidades. O
trabalho é processado quando o homem interfere na natureza modificando-a e
modificando-se também. O trabalho humano apresenta outra característica que
o torna singular: é a capacidade que o homem tem de projetá-lo mentalmente,
prevendo inclusive os resultados que se pretende alcançar.
39
Esta questão será trabalhada ao longo de toda a tese.
111
o trabalho assume papel de condicionador da existência
humana, independentemente da sociedade que esteja sendo
considerada. É ao trabalho que o homem tributa a razão de seu
ser social, porque este propicia o arrancar das potencialidades
naturais a seu serviço e, concomitantemente, conduz ao seu
auto-desenvolvimento como espécie. (PONTES, 2002, p. 61)
Ao projetar mentalmente seu trabalho o homem cria também os
processos de trabalho através dos quais o trabalho será construído. Assim, as
atividades são consideradas por Marx os elementos mais simples do processo
de trabalho.
Todo trabalhador quando é contratado, recebe seu salário em
troca de seu trabalho e do produto por ele produzido. O trabalho a ser
desenvolvido é estabelecido por quem o contratou, cabendo ao trabalhador a
sua execução. Com o assistente social não é diferente. Quando é contratado,
recebe seu salário em troca da prestação de serviços para a qual ele coloca
em movimento seus saberes para dar conta das questões apresentadas pela
organização que o contratou e pelos usuários. Na execução do seu exercício
profissional, o assistente social já “encontra” em seu local de trabalho
atividades previamente estabelecidas pelo empregador e/ou gestor. Essas
atividades estão sujeitas à regulação que caracteriza o trabalho assalariado,
regulação esta determinada por múltiplas determinações – o mercado de
consumo, o produto que se quer produzir, os insumos, a oferta de mão-de-obra
e o próprio salário - e não necessariamente perpassa pelos interesses de quem
a executa. O assistente social é um profissional que executa programas e
serviços na área sócio-assistencial, estes programas e serviços, na maioria das
vezes, já chegam com as atividades estabelecidas cabendo ao assistente
social a sua execução.
“eu trabalho em um projeto de supervisão que foi pensado
numa outra esfera que eu não participei” [...] “eu tenho que
pegar a idéia de alguém, que veio de alguma área do saber,
introduzir na minha prática e levar para prática do outro.”
(fala do sujeito 10)
Ao trabalhar na prestação de serviços, o assistente social realiza
atividades que foram construídas por outros profissionais – não
112
necessariamente assistentes sociais –, o que compromete sua autonomia e
determinação. O que o empregador espera é que ele cumpra suas obrigações
sem questionamentos.
Inserido no mundo do trabalho como trabalhador assalariado, o
profissional de Serviço Social, ao mesmo tempo em que sofre as
conseqüências da reestruturação produtiva, atua sobre ela quando em contato
com os usuários. Essa reestruturação incide sobre o trabalho e as condições
de trabalho do assistente social, ou seja, os profissionais trabalham em
precárias condições de trabalho que também comprometem a autonomia do
profissional.
“Estou trabalhando cedido como assistente social [...] a
cessão só deixa de existir se uma das partes não quiser mais.
Tanto o gestor pode me devolver dizendo que não tem mais
interesse pelo trabalho ou o poder público solicitar o meu
trabalho.” (fala do sujeito 1)
Nessas condições, o assistente social realiza suas atribuições e
de certa forma tem que remeter e corresponder aos interesses de quem
mantém seu trabalho pois, a qualquer momento – à revelia do seu interesse –
pode ser convidado a não mais trabalhar nesse local.
“na época que eu não gostava desse trabalho, mais que se era
uma determinação eu estaria cumprindo, tudo bem eu vou
trabalhar mais eu não quero que seja cobrado nada se sair
alguma coisa errada, eu estou indo à revelia. A equipe que
trabalhava nessa área era muito boa, comecei a gostar, me
empolguei, me envolvi com esse trabalho.” (fala do sujeito 8)
Outro aspecto importante dessa condição de assalariamento é
que não é permitida ao profissional a escolha da área de preferência para a
realização do seu trabalho. O gestor – tanto da área pública como em outras
áreas - determina onde o assistente social irá trabalhar, mesmo à revelia deste.
A identificação com o que faz pode ou não vir depois.
Buscando-se entender como a condição de assalariamento incide
sobre o exercício profissional do assistente social, identifica-se que há por
113
parte dos profissionais o reconhecimento do descompasso entre aquilo que o
profissional entende como necessário para o desenvolvimento do trabalho e o
que é determinado pela organização que contrata o serviço, além da
dificuldade de compatibilizar necessidades e recursos. O poder público
determina a alocação dos recursos muitas vezes sem ouvir o profissional que
lida diretamente com ele ou que reconhece as necessidades apresentadas
pelos usuários.
“a gente vive uma certa pressão na hora em que você tem um
número” [...] “porque a demanda é muito grande” [...] “você
tem que dar conta então as pessoas vêm e a medida em que
você fala não posso atendê-lo aqui, nossa aquilo é uma
ofensa, é uma ofensa para a instituição que está te
contratando.” [...] “seria necessário conseguir exercer a
profissão com mais tempo para conseguir um bom resultado”
(fala do sujeito 3)
Marx (1983) diz que quem compra a força de trabalho de um
indivíduo social e o faz trabalhar consome não somente a força como também
o produto, o resultado do que foi produzido. O que vem acontecendo com uma
certa constância na área sócio-assistencial é que o assistente social tem sido
cerceado em sua possibilidade de expressar a análise que realiza acerca do
seu exercício profissional, de construir o modo como esse trabalho será
realizado, o que dificulta inclusive a visualização do seu resultado.
O resultado esperado é aquele desejado pela organização e
aquilo que ela reconhece como o que o profissional deve produzir. É possível
dizer que o assistente social quando acredita que o limite de sua ação é o limite
proposto pela organização não se apropria do “produto” do que faz, nem se
reconhece no que faz e não o reconhece. Por outro lado, a organização
também não reconhece esse produto e tende a responsabilizar o profissional
quando acontece algo errado ou quando o profissional não corresponde à sua
expectativa.
O assistente social que não consegue ver o produto do seu
trabalho não se valoriza, uma vez que não vê a importância do seu trabalho
para a construção do produto final, mesmo quando - como no caso do Serviço
114
Social – esse produto não é quantificável, como no trabalho produtivo. O
profissional passa a questionar a validade de suas ações, atribuindo à condição
genérica da profissão, as imprecisões que envolvem o exercício profissional,
principalmente o como fazer. Ainda assim, embora não reconheça o produto e
não se reconheça nele, o produto depende do seu trabalho e, de certa forma,
lhe pertence, embora não fique com “sua parte”.
Na medida em que não constrói os processos de trabalho e não
reconhece as condições em que esse trabalho acontece, o profissional tende a
realizá-lo de forma reificada, como labor, como um instrumento para manter
viva a organização onde trabalha.
“o assistente social precisa é conhecer o que você pode
fazer, onde você pode chegar, como você pode fazer e o que
fazer. Isso não é levado em consideração, é simplesmente
feito, porque vem imposto. Então acaba não tendo uma
reflexão em cima disso, e é isso que ele precisava.” [...]
“aonde eu posso ir? Eu estou desenvolvendo ou eu estou
sendo meramente um instrumento do poder público para
distribuir recursos.” (fala do sujeito 6)
Nesse contexto, o assistente social tem pouca mobilidade e
flexibilidade para propor ou mesmo alterar o que lhe foi determinado.
“você vai fazendo este trabalho, e ele passa a ser a minha
rotina, para mim é natural fazer isto mas talvez não seja
para outros” (fala do sujeito 2)
“um trabalho avaliativo do nosso dia-a-dia, das nossas ações.
Isso também é um desafio, porque a gente fica atrelada à
burocracia, burocracia, burocracia e esquece disso. Quando
você se dá conta, você vai falar: “eu sou mecânica”. Está
certo, eu tenho que fazer o que está acima de mim, eu
concordo. Infelizmente, a gente responde a algum órgão.
Então eu tenho sim, porque eu tenho regra, mas não é só
isso.” (fala do sujeito 6)
A rotina é parte determinante no exercício profissional do
assistente social. Por um lado, possibilita a organização e a avaliação das
115
atividades desenvolvidas; bem como a identificação das atividades por parte
dos usuários mas; por outro, pode distanciar o profissional daquilo que ele faz,
uma vez que mecaniza as ações. O fazer por repetição pode levar à
desqualificação daquilo que é próprio do exercício profissional do assistente
social: a necessária relação entre o pensar e a ação, entre a análise e a
intervenção.
Marx (1983) diz que o trabalho é possibilidade de objetivação do
homem, ou seja, através dele, ele constrói relações sociais e modifica a si
mesmo e a realidade social onde vive.
“Eu vou executar esse questionário porque alguém está
pedindo para eu executar, ok, nessa hora minha mão-de-obra
está vendida, nesta hora eu tenho que executar como você
mandou eu executo, na minha intervenção eu cumpro todas as
regras, mais no meu instrumental, a minha visita, é minha, o
meu relatório é meu, a minha entrevista é minha...” (fala do
sujeito 10)
A relação da venda da força de trabalho impõe algumas
determinações que ferem a autonomia profissional.
este vínculo de assalariamento, ao mesmo tempo que é
resultante das funções sociais atribuídas ao profissional,
interdita suas ações às funções para as quais sua força de
trabalho foi adquirida. Ao não se perceber como trabalhador
assalariado, desprovido dos meios de produção, o assistente
social pode acreditar na sua autonomia, que somente se
explicita no plano jurídico-formal. (GUERRA, 1995, p. 156)
Entendo que o espaço em que é possível identificar maior
flexibilidade e autonomia está na relação que o assistente social estabelece
com o usuário
40
, uma vez que o modo como constrói essa relação pode
proporcionar momentos de reflexão sobre o próprio fazer profissional e o
significado social da profissão.
40
A relação estabelecida entre o assistente social e o usuário será analisada no capítulo 3 desta tese.
116
“a impressão que eu tinha quando eu entrei é que o nosso
chefe que era o dono” [...] “para ele o funcionário era o pior
inimigo dele. Era a pessoa que não trabalhava direito, que
fazia ele perder dinheiro, que ele ainda tinha que pagar. Eu
fui trabalhando justo o inverso com os funcionários. E nos
funcionários você percebia aquela coisa assim: eu estou aqui
porque eu preciso desse dinheiro, não tinha aquela coisa de
vestir a camisa, de vamos trabalhar, isto aqui é o que nos
sustenta, mas também precisa ser um trabalho legal” [...] “lá
foi lugar que de fato eu fui uma assistente social que fez
diferença no trabalho” (fala do sujeito 2)
O significado social da profissão, por não ser quantificável pode
ficar subsumido ou não ser reconhecido no contexto sócio-organizacional. Está
relacionado ao lugar ocupado pela profissão na sociedade e à necessidade de
sua manutenção, uma vez que produz respostas profissionais que incidem na
vida em sociedade e nas mediações estabelecidas por meio das quais
evidencia a característica analítica e o próprio exercício profissional.
Tendo em vista que um dos prováveis resultados do trabalho do
assistente social está relacionado aos impactos nas condições de vida do
usuário, ele é pouco visível, pois dificilmente o trabalho desenvolvido é avaliado
sob essa perspectiva. Outro aspecto importante é que o trabalho também
abrange a capacidade criativa do homem de criá-lo e recriá-lo. Esse
condicionante do trabalho aparece na construção das atividades que serão
realizadas para se atingir os objetivos do trabalho do assistente social:
contribuir para a melhoria das condições de vida dos usuários. Obviamente o
trabalho do assistente social compreende aspectos subjetivos que se
relacionam ao modo como o assistente social entende a profissão e os
múltiplos conhecimentos que estão presentes no exercício profissional
41
sendo o trabalho uma atividade do sujeito, ao realizar-se,
aciona não só o acervo de conhecimentos, mas a herança
social cultural acumulada, com suas marcas de classe, de
gênero, etnia assim, como do processo de socialização vivido
ao longo da história de vida, atualizando valores, preconceitos
e sentimentos que aí foram moldados. (IAMAMOTO, 1998, p.
103 – 104)
41
O que será explorado no segundo capítulo desta tese.
117
Vale o esclarecimento de que esse trabalho não é somente
individual - apesar de realizado por indivíduos profissionais – é também
coletivo. A identidade da profissão é construída pelo conjunto de profissionais
que dão vida a essa profissão.
Para que o assistente social possa executar o seu exercício
profissional, é preciso que ele analise também os meios de trabalho ou como
Marx (1983) diz, as coisas que o trabalhador coloca entre ele e o objeto –
matéria-prima – do trabalho, o que utiliza para guiar seu trabalho. Cabe aqui
entender o modo como os assistentes sociais organizam e realizam as
atividades, suas atribuições no espaço sócio-organizacional, além de identificar
as respostas profissionais construídas por eles. Dessa forma,
analisar a profissão supõe abordar, simultaneamente, os
modos de atuar e de pensar que foram por seus agentes
incorporados, atribuindo visibilidade às bases teóricas
assumidas pelo Serviço Social na leitura da sociedade e na
construção de respostas à questão social. (IAMAMOTO, 1998,
p. 58)
Nesse caminho de análise é preciso reconhecer como os
assistentes sociais trabalham, quais os meios de trabalho que utilizam para
colocar em movimento seu exercício profissional. Um dos primeiros meios
identificados refere-se ao conhecimento das bases teórico-metodológicas, uma
vez que, associados à questão da instrumentalidade, do conhecimento da
realidade social podem contribuir para determinar os rumos do exercício e a
construção das respostas profissionais.
a objetivação do trabalho do assistente social, neste campo da
prestação dos serviços, é composta por uma grande
diversidade e volume de tarefas que evidenciam a capacidade
desse profissional para lidar com uma gama heterogênea de
demandas, derivadas da natureza e do modo de organização
do trabalho. (COSTA, 2000, p. 62)
O assistente social atua nessa correlação de forças: a
organização determina o seu fazer e o profissional entende que pode exercer
suas ações tomando também como referência o projeto da profissão. Ao
colocar em movimentos seus saberes na realização do exercício profissional, o
118
assistente social identifica o quanto é heterogêneo seu campo de trabalho bem
como as atividades que realiza. A prestação de serviços sócio-assistenciais
requer do profissional que o mesmo reconheça o lugar que ocupa no espaço
sócio-organizacional.
Eu acho que dentro da Secretaria, a categoria de Serviço
Social é a que mais se coloca, que mais se posiciona. Mas eu
acho que muitas vezes a gente não consegue ter uma posição
diante dessas questões históricas. Então eu acho que o lugar
que a gente ocupa é o lugar que a gente defende. (fala do
sujeito 16)
Esse posicionamento requer do profissional uma competência
política, na defesa de idéias e ações que de fato favoreçam a construção de
um projeto societário democrático. Explicita-se aqui a dimensão política
presente no exercício profissional do assistente social, que se volta ao
significado, ou seja,
entender a prática profissional supõe inseri-la no jogo das
relações das classes sociais e de seus mecanismos de poder
econômico, político e cultural [...] a prática profissional tem um
caráter essencialmente político: surge das próprias relações de
poder presentes na sociedade [...] exige recursos teórico e um
horizonte político para decifrar a dinâmica conjuntural, os
sujeitos coletivos aí presentes e suas relações com a profissão.
(IAMAMOTO, 1998, p. 121 – 123 – 125)
Aqui se evidencia que, mesmo na nesta condição de
assalariamento o assistente social também pode pensar e explanar suas
idéias, estando aí explicitada sua relativa autonomia quanto à apresentação e
operacionalização de propostas sócio-profissionais. A construção de respostas
profissionais requer do profissional a articulação de conhecimentos referentes à
realidade social e histórica e os conhecimentos advindos da interpretação do
espaço sócio-organizacional no qual atua.
a chefe dos assistentes sociais me chamou e ofereceu a
vaga, perguntou se eu não gostaria de trabalhar neste local,
no sentido de colaborar naquele período e que eu não ficaria
119
aqui mas ficaria até que a reforma terminasse. Mas
quando foi terminada a reforma, ela não tinha mais como me
tirar daqui, porque daí eu já tinha conseguido meu espaço na
equipe, conseguido espaço junto às famílias. Eu me lembro
que no dia em que concluiu a reforma, no dia da inauguração
ela me falou agora eu estou amarrada eu não posso tirar você
daqui, eu não vou ter como tirar você daqui. (fala do sujeito
2)
Identifico aqui a importância de se buscar articulação também
com o projeto ético-político com o objetivo de construir respostas profissionais
que não só justifiquem as ações desenvolvidas para a organização mas
também que de fato evidenciem as demandas apresentadas pelos usuários.
Cabe ressaltar o reconhecimento por parte do profissional das implicações do
seu exercício profissional nas condições objetivas de vida do usuário, no
espaço organizacional; o que significa reconhecer a importância do trabalho
desenvolvido não por sua utilidade mas por seu significado social.
Um outro aspecto fundamental é que a organização não pode ser
entendida apenas como um bloco monolítico mas como um espaço
contraditório onde se travam lutas pela operacionalização da prestação dos
serviços sócio-assistenciais. Assim, ao mesmo tempo em que a organização
determina o que é a atribuição do assistente social, o profissional pode também
propor alternativas interventivas com base na análise das condições objetivas
de vida do usuário, no conhecimento da rede de proteção e de atendimento
sócio-assistencial e no conhecimento da realidade social.
acho que o que vai nos diferenciar, o que vai reforçar a nossa
luta para desvincular dessas questões históricas da benesse
e da ajuda, eu acho que é a nossa reflexão do dia-a-dia e a
nossa posição, mais do que o nosso discurso. (fala do sujeito
16)
Ao dar visibilidade ao seu exercício profissional, o assistente
social expõe suas contradições, suas discrepâncias, e assim, pode aparar
arrestas e fortalecer o exercício coletivo da profissão.
120
Quantas vezes dentro da Secretaria a gente já pegou gente
querendo fazer vaquinha para resolver algumas questões da
política. Então eu acho que a própria categoria, ela recebe a
pressão, e muitas vezes ela reforça, ela é receptiva a essa
pressão. (fala do sujeito 16)
Negar a análise e as contradições presentes no espaço
institucional compromete o exercício profissional, pois dificulta a possibilidade
do próprio reconhecimento da organização como espaço de superação, de
construção de respostas profissionais concretas.
“o que você pode? Quem é você dentro desse espaço que
você está assumindo? Que você pode fazer? O que você não
pode fazer?. Eu acho que em cima de atribuições mesmo,
nós temos o Código de Ética, temos o CRESS.” (fala do
sujeito 4)
A articulação ao projeto ético-político requer dos profissionais
fortalecer sua organização como categoria. Para isso os próprios assistentes
sociais indicam a necessidade de participação nas entidades da categoria
como o Conselho Regional do Serviço Social, além de assumir o Código de
Ética como um instrumento fundamental para o exercício profissional.
Até aqui foi possível identificar que a questão do assalariamento
incide no modo como os profissionais exercem suas atividades. A análise do
material da pesquisa indica que os assistentes sociais realizam as atividades
previamente determinadas pela organização na qual prestam serviços; que a
organização determina o limite do exercício profissional, principalmente para
aqueles cuja atividade demanda recursos (ex.: cesta básica, vale transporte,
etc.)
Ficaram visíveis também as dificuldades enfrentadas pelos
profissionais em identificar no projeto profissional as possibilidades de
articulação com o exercício profissional, uma vez que reconhecem no projeto
da organização os parâmetros levados em consideração quando realizam suas
atividades. Fica claro também que a adequação do trabalho social às
exigências previamente estabelecidas pelos gestores dos projetos sociais é
121
uma realidade e nem sempre o assistente social tem autonomia para interferir
na questão.
Ficam indicados alguns desafios para os assistentes sociais.
Um dos desafios refere-se à necessidade de conhecer o espaço organizacional
- em suas contradições - como forma de otimizar o trabalho interventivo
realizado, construindo alternativas profissionais que de fato transformem a vida
dos usuários. Outro desafio é fortalecer a postura investigativa e analítica do
assistente social o que pode colaborar na visibilidade do exercício profissional.
Outro desafio relaciona-se à construção de respostas profissionais que
evidenciem o projeto societário da classe subalterna, balizado pelo Código de
Ética como um dos pressupostos para a construção do exercício profissional
articulado com o projeto ético-político. Partindo dessa análise, considero
necessário conhecer as áreas em que os assistentes sociais atuam e os
elementos levados em consideração quando realizam o exercício profissional.
Esses aspectos poderão colaborar no entendimento do lugar social ocupado
pelo Serviço Social na contemporaneidade.
122
1. 2. 2 – As áreas de atuação do assistente social
Os dados apresentados referem-se às respostas registradas
pelos assistentes sociais no questionário enviado em 2003/2004.
Por ser um profissional assalariado o assistente social trabalha
em organizações governamentais e não governamentais. As áreas de atuação
são aquelas determinadas pelas próprias organizações e refletem campos em
que, tradicionalmente o assistente social realiza seu exercício profissional.
Acompanhando o processo de expansão capitalista na região e a
implementação das políticas sociais na região, é visível a preponderância de
profissionais que entraram no mercado de trabalho, nas décadas de 80 e 90.
Com relação à implantação das políticas sociais, ressalta-se ela
que veio associada à descentralização e à municipalização dos serviços
prestados, conforme estabelecido na Lei Orgânica da Assistência Social de
1993. Isso favoreceu o aumento da contratação da mão-de-obra dos
assistentes sociais, pois algumas prefeituras condicionaram o repasse de verba
pública para efetivação da prestação de serviços na área da assistência social
à presença do assistente social.
Quanto à área de atuação, foi possível construir alguns
cruzamentos que viabilizaram melhor compreensão sobre a inserção
profissional do assistente social. Inicialmente serão apresentados os dados
referentes à década na qual o assistente social se formou e sua inserção no
mercado de trabalho.
123
Figura 10: Distribuição dos assistentes sociais por período de formatura e sub-região
do Cone Leste Paulista onde está trabalhando
0
5
6
8
3
2
14
43
39
17
0
1
5
3
0
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
década de
60
década de
70
década de
80
década de
90
anos 2000
Vale histórico
Médio Vale
Litoral e Serra da
Mantiqueira
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
O primeiro cruzamento refere-se à área de atuação e à natureza
da inserção profissional do assistente social. Para melhor análise dos dados,
os quadros foram divididos pela natureza do local onde o assistente social
realiza seu exercício profissional. Esse tipo de distribuição permitiu a
visualização das múltiplas áreas de atuação congregadas em um mesmo local
de trabalho. Entendo que a heterogeneidade do exercício profissional do
assistente social longe de ser algo que fragiliza sua visibilidade no contexto das
relações estabelecidas na divisão sócio-técnica do trabalho, ao contrário,
explicita a complexidade presente nas demandas sociais com as quais os
assistentes sociais precisam lidar cotidianamente.
124
Tabela 12: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de inserção pública
municipal e área de atuação
Natureza da
inserção
Área de atuação Total
Saúde, saúde mental 19
Criança / adolescente 17
família 19
Assistência social / promoção social 08
Apoio técnico as entidades sociais/ monitoria e
avaliação de projetos sociais
02
Idoso 08
Habitação 03
População Adulta que reside na rua / migrante 02
Pessoa portadora de deficiência 01
Comunidade 01
Serviço Social Penitenciário 01
Pública
Municipal
Conselho Tutelar 01
Autarquia
municipal
Docência magistério superior 09
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
A análise dos dados identificados permitiu a confirmação de uma
tendência no Cone Leste Paulista qual seja: é o poder público o principal
empregador dos assistentes sociais, correspondendo a 61,7% do total
pesquisado, sendo o poder público municipal o empregador majoritário, com
46% do total pesquisado. Essa resposta não é surpreendente uma vez que o
Serviço Social se
afirma como profissão, estreitamente integrado ao setor público
em especial, face à progressiva ampliação do controle e do
âmbito da ação do Estado junto à sociedade civil [...] a
profissão se consolida então, como parte integrante do aparato
estatal e de empresas privadas, e o profissional, como um
assalariado a serviço das mesmas. (IAMAMOTO e
CARVALHO, 1983, p. 79-80)
125
Na contemporaneidade, isso pode ser explicado com base no
processo de descentralização e municipalização estabelecido na Lei Orgânica
da Assistência Social, bem como na exigência por parte do poder público –
estadual e federal – da presença do assistente social na gestão dos programas
e projetos referentes à área social.
No poder público municipal o assistente social atua em diversas
áreas, predominado os trabalhos dirigidos a saúde, criança e adolescente e
família. Estas três áreas – tradicionalmente campos de trabalho do assistente
social – formam hoje, em conjunto com a área da educação, a “coluna
vertebral” ou o que dá sustentação à rede de atendimento na área social. O
poder público municipal contrata o assistente social para ser o responsável na
execução de programas, projetos e serviços voltados à área social. É o
profissional capacitado a realizar – implementar e implantar – a gestão social,
construindo também interlocuções com os outros setores presentes no poder
local. Trabalhando nas prefeituras o assistente social atua no contato direto
com os usuários, construindo estratégias interventivas cujo objetivo é
operacionalizar as atividades previstas nos programas, projetos e serviços que
podem ser planejadas tanto pelo próprio gestor municipal (ex.: Programa de
Renda Mínima), quanto por determinadas nos programas advindo das outras
esferas governamentais (ex.: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil).
Na esfera municipal há uma maior possibilidade de participação do assistente
social no planejamento das atividades. Contraditoriamente, o assistente social
que trabalha no poder público tem seu trabalho e o produto deste sob rigoroso
controle do gestor, tanto por sua proximidade física e geográfica, quanto pela
prestação de contas que ocorre mensalmente (ex.: estatísticas mensais,
relatórios avaliativos, entre outros).
A partir de 2005, com a implantação do SUAS – Sistema Único da
Assistência Social -, os gestores municipais contam com o conhecimento dos
assistentes sociais para dar andamento a esse processo.
A autarquia municipal aqui referida é a Universidade de Taubaté,
na qual os assistentes sociais exercem a função docente, assumem
coordenações – estágio, pesquisa e trabalho de conclusão de curso; orientação
de Trabalho de Conclusão de Curso, supervisão acadêmica e coordenação de
núcleos de pesquisas e projetos de extensão universitária.
126
Tabela13: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de inserção pública
estadual e pública federal e área de atuação
Natureza da
inserção
Área de atuação Total
Saúde, saúde mental e saúde coletiva 08
Programa de aposentadoria 02
Previdência social – atendimento ao segurado 03
Criança/ adolescente 05
Assessoria a programas e projetos sociais 01
Família 02
Educação 01
Serviço Social do Judiciário 02
Pessoa portadora de deficiência 01
Pública
estadual e
Pública federal
Serviço Social Penitenciário 01
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
O assistente social atua no poder público estadual e federal – na
maioria das vezes – como articulador entre esses poderes e o poder público
municipal. Os profissionais atuam na supervisão e assessoria aos programas e
projetos via convênios estabelecidos entre os poderes acima citados.
Na área da saúde, previdência e no judiciário, o assistente social
atua diretamente com o usuário, atendendo às demandas advindas do
processo interventivo.
127
Tabela 14: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de inserção em ONG e
consultórios e área de atuação
Natureza da
inserção
Área de atuação Total
Saúde 01
Criança / adolescente 02
Família 02
Assessoria, estudos e formação em políticas
sociais
01
Grupo de auto-ajuda 01
Idoso 01
Educação 01
ONG
Apoio ao preso em processo de ressocialização 01
Terapêutica familiar 02
Consultório
Dependência química 01
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
O trabalho do assistente social nas ONGs é diversificado,
abrangendo diversas áreas já atendidas inclusive pelo poder público. Os
assistentes sociais atuam desenvolvendo ações diretamente com os usuários
e, quase sempre recorrem ao poder público municipal como parceiro na
manutenção financeira aos serviços prestados. No mesmo sentido, o poder
público também recorre às ONGs para dar suporte em algumas áreas como
forma de ampliar a rede de atendimento.
Emerge também na região o profissional que atua em
consultórios, atendendo demandas específicas voltadas à dependência
química, atendimento terapêutico dirigido à família, entre outras. Isso reflete a
grande procura por formação em Terapia Familiar Sistêmica como forma de
ampliação de campos de atuação para o assistente social. Apesar de o Serviço
Social ser reconhecido como uma profissão de caráter liberal, ao longo de sua
história, não foi esse o seu perfil dominante. Ao contrário, majoritariamente, os
assistentes sociais atuam como trabalhadores assalariados.
128
o assistente social não tem sido um profissional autônomo, que
exerça independentemente suas atividades, dispondo das
condições materiais e técnicas para o exercício do seu trabalho
e do completo controle sobre o mesmo, seja no que se refere à
maneira de exercê-lo, ao estabelecimento da jornada de
trabalho, ao nível de remuneração e, ainda, ao estabelecimento
do ‘público ou clientela a ser atingida.” (IAMAMOTO e
CARVALHO, 1983, p. 80)
Trabalhar em consultórios ainda causa estranhamento entre os
próprios assistentes sociais e entre os usuários. O próprio Conselho Regional
de Serviço Social tem realizado debates sistemáticos acerca dessa questão a
fim de estabelecer parâmetros de trabalho, balizados pelo Código de Ética,
pela Lei de Regulamentação da Profissão e pelo projeto ético-político. É
preciso que os profissionais que entendem que esse modo de trabalhar é
compatível com o determinado na legislação profissional tenham clareza da
especificidade e, ao mesmo tempo, da heterogeneidade presente no exercício
profissional, a fim de não incorrerem em erros que possam levar o usuário a
percebê-los ou identificá-los com outra designação profissional.
Tabela 15: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de inserção em empresa
privada e empresa de caráter misto e área de atuação
Natureza da
inserção
Área de atuação Total
Saúde mental 01
Criança / adolescente 02
família 02
empresa 06
Docência – magistério superior 03
Idoso 01
Educação 01
Empresa
Privada
Conselho Tutelar 01
Criança / adolescente
01
Empresa de
caráter misto
família 01
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
129
Quanto às empresas privadas, até a década de 80, elas eram um
dos principais empregadores de assistentes sociais aqui na região. Acredito
que essa área de atuação seja a primeira a “sofrer” as conseqüências da
reestruturação que vem ocorrendo no mundo do trabalho. A partir da
reestruturação produtiva iniciada com a reengenharia e a implantação dos
programas de qualidade total; muitos profissionais migraram para outras áreas
dentro da empresa, tais como treinamento, assessoria aos programas na área
da responsabilidade social, deixando de existir um setor específico de Serviço
Social. Com o enxugamento dos departamentos – decorrentes do processo da
reestruturação – o departamento de Serviço Social foi um dos primeiros a
deixar de existir. O assistente social passou a trabalhar como assessor ou,
ainda, a desenvolver programas e projetos específicos, voltados para a área da
dependência química; preparação para aposentadoria; combate ao
absenteísmo, entre outros. As empresas passaram a contratar o assistente
social por projeto, com prazo determinado, sem a proteção da seguridade
social. Os assistentes sociais passaram de empregados a prestadores de
serviços e, numa linguagem utilizada nas empresas, a colaboradores.
Outro campo emergente é a atuação do assistente social como
Conselheiro Tutelar. O Conselho Tutelar - previsto no artigo 131 do Estatuto da
Criança e do Adolescente – “é órgão permanente e autônomo, não
jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos
direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”.
Nota-se que a formação do assistente social permite ao
conselheiro uma visão aprimorada da rede de atendimento e da rede proteção
social tão necessárias à otimização de um dos principais papéis do
conselheiro: o de fiscalizador da efetivação dos serviços prestados na área da
infância e juventude.
130
Tabela 16: Distribuição dos assistentes sociais por natureza de inserção em entidades
sociais e área de atuação
Natureza da
inserção
Área de atuação Total
Saúde, saúde mental 03
Criança / adolescente 16
Família 10
Assistência social 02
Educação 01
Idoso 05
Habitação 03
População Adulta que reside na rua / migrante 01
Pessoa portadora de deficiência 05
Entidade social
Egresso do sistema prisional 01
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
As entidades sociais contratam 22,44% do total de assistentes
sociais pesquisados. Tradicionalmente têm sido um dos principais
empregadores do assistente social e, atualmente, vêm trabalhando em parceria
com o poder público na execução dos programas e projetos sociais. A
contratação dos profissionais fica submetida à confirmação ou não dos
convênios. Os assistentes sociais atuam no trabalho direto com os usuários,
com destaque para as áreas da família, criança e adolescente, pessoa
portadora de deficiência e envelhecimento. Majoritariamente, mantêm vínculo
com alguma ordem religiosa, predominando na região aquelas vinculadas à
Igreja Católica, as evangélicas e as espíritas.
Um dos aspectos que me chamaram a atenção e é importante
ressaltar, é o número de assistentes sociais que atuam em mais de uma área,
com duplo vínculo empregatício, além de srem diferenciados – alguns
trabalhando por prestação de serviço, sem a proteção da seguridade social. A
duplicidade de vínculo apresentado foi: entidade social e ONG; entidade social
e consultório; poder público e empresa privada. O número de horas
131
trabalhadas difere de acordo com o local de trabalho e não necessariamente
com a área de atuação. O duplo vínculo ocorre majoritariamente dentre os
profissionais que atuam nas entidades sociais e ONGs e entre os profissionais
docentes.
Ao atuar também em diferentes áreas, o profissional corre o risco
de ficar assoberbado, tanto pela complexidade inerente ao exercício
profissional quanto pelo alto grau de conhecimento exigido na efetivação desse
mesmo exercício.
Quanto às áreas de atuação as que predominam na região estão
demonstradas no gráfico abaixo:
Figura 11: Distribuição dos assistentes sociais por sub-região do Cone Leste Paulista
e área de atuação predominante
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Vale
Hisrico
Médio
Vale
Litoral
Norte
assistência social
criança/
adolescente/família
saúde
empresa
docência
habitação
assessoria
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
Este gráfico confirma uma constatação: o investimento por parte
do poder público em programas e projetos na área da família vem fomentando
a contratação de assistentes sociais, projetando essa área como campo
132
privilegiado para execução do exercício profissional. Esse fato é reforçado pelo
Sistema Único da Assistência Social – SUAS, que determina o foco do trabalho
sócio-assistencial na área da família, eliminado a setorização ainda presente
na área da assistência social.
Tabela 17: Distribuição dos assistentes sociais por sub-região do Cone
Leste Paulista onde trabalham e área de atuação
Sub-região Área de atuação Total
Saúde, saúde mental 06
Criança / adolescente 07
Família 06
Assistência social 06
Criança / adolescente/ família 03
Idoso 03
População Adulta que reside na rua / migrante 01
Pessoa portadora de deficiência 02
Serviço Social Judiciário 03
Conselho Tutelar 01
Vale
Histórico
Total 38
Docência magistério superior 13
Conselho Tutelar 01
População Adulta que reside na rua / migrante 03
Pessoa portadora de deficiência 04
Serviço Social Judiciário 02
Saúde, saúde mental 23
Criança / adolescente 21
Família 18
Assistência social 04
Criança / adolescente/ família 03
Idoso 15
Comunidade 01
Apoio técnico às entidades sociais 02
Empresa 07
ONG 03
Direitos humanos 01
Serviço Social Penitenciário 03
Dependência Química 04
Educação 04
Habitação 03
Médio Vale
Total
Saúde/ saúde mental 02
Família 04
Assistência social 01
Comunidade 01
Criança / adolescente 02
Litoral
Norte e
Serra da
Mantiqueira
Total 10
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
133
Este quadro possibilita o reconhecimento das áreas de inserção e
de atuação do assistente social, bem como da cobertura referente à rede de
atendimento e de proteção social instaladas nos municípios. As principais
áreas de atuação confirmam uma tendência do Serviço Social na região que é
a de assumir as áreas da criança/adolescente, família, saúde, idoso e
assistência social. Uma questão que chama atenção é que boa parte dos
profissionais mesmo atuando na área da criança/adolescente/família não as
identifica no contexto da assistência social mas como áreas separadas. Isso
pode ser visto como um diferencial pois se pensadas e trabalhadas em
articulação, reforça-se o trabalho sócio-educativo realizado pelo assistente
social com vias à consolidação destas como políticas sociais e públicas, cujo
objetivo final é a proteção social e a garantia dos direitos sociais. Trabalhadas
como áreas, a tendência é centrar o foco nos problemas apresentados pela
população demandatária como um fim em si mesmo e não como indicativo
para investimentos financeiros e sociais.
As áreas de maior prevalência são: criança/adolescente; família e
saúde, tradicionalmente campos privilegiados do exercício profissional do
assistente social. Isso reflete também a implantação dos conselhos e o
estabelecimento das políticas de proteção e atendimento nas referidas áreas.
Outro aspecto importante refere-se à implementação dos programas e projetos
de renda mínima, bolsa família, bolsa – escola, entre outros, que requerem a
presença do assistente social para a efetivação do acompanhamento e da
avaliação da adesão das famílias e da influência desses programas na
qualidade de vida da população usuária.
Com relação à área do envelhecimento é facilmente perceptível
que o Cone Leste Paulista vem acompanhando o processo de envelhecimento
no Brasil. Na região, há um investimento considerável nessa área, com a
implantação de universidades abertas para a 3ª Idade, do Conselho Municipal
do Idoso, de grupos de convivência, de cursos de especialização e com o
fomento à pesquisa por intermédio dos núcleos mantidos pela Universidade de
Taubaté e pela Universidade do Vale do Paraíba, coordenados por professores
– pesquisadores, profissionais e alunos interessados nessa temática.
Algumas outras áreas merecem destaque: na área de empresa,
identifica-se que há um declínio em termos do número de profissionais
134
inseridos em empresas e, na contra-partida tem sido exigido dos assistentes
sociais a ampliação do campo profissional, quer seja na atuação direta com os
funcionários/colaboradores, quer seja na estruturação dos trabalhos voltados à
chamada responsabilidade social. Duas áreas estão emergindo para a atuação
do Serviço Social: a educação e a área de atenção à dependência química. Na
educação, os profissionais são chamados a atuar diretamente com alunos que
freqüentam o ensino fundamental e o ensino médio, familiares, professores e
direção, além dos trabalhos com os chamados temas transversais propostos na
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Na área da dependência
química, os assistentes sociais atuam, tanto em consultórios como em
consultorias a empresas e escolas, quanto no atendimento direto ao usuário e
ao dependente químico em recuperação. Os assistentes sociais têm realizado
um trabalho efetivo relativo à co-dependência, envolvendo para tanto,
familiares, círculo de amigos e de trabalho.
Foi identificado também que 25 profissionais - o que corresponde
a 15,15% do total pesquisado - atuam em mais de uma área e/ou local de
trabalho. Isso ocorre com maior incidência entre os profissionais docentes –
que, além de se dedicarem à formação profissional, atuam no poder público
municipal, empresas, entre outros – e entre os profissionais que atuam nos
municípios de pequeno porte, tais como Areias, Potim, Santa Branca, entre
outros. Fica confirmada uma impressão anterior de que há uma concentração
de profissionais em São José dos Campos, Taubaté, Caçapava e Aparecida,
consideradas as cidades com maior diversidade populacional. Quanto as áreas
de atuação, as cidades acima citadas mantêm uma rede de atendimento,
privilegiando o trabalho dirigido à família, criança e/ou adolescente e saúde.
135
Quanto à forma de contratação foi possível identificar:
Tabela18: Distribuição dos assistentes sociais por forma de contrato e natureza
da ação
Forma de
Contrato
Natureza da
Ação
Processo
Seletivo
Indicação
de
conhecidos
Concurso
Público
Outros Voluntários
Ñ
Registrou
Total
Pública
Municipal
4 6 62 2 - -
74
Entidade Social
4 19 1 4 3 1
32
Empresa
Privada
9 3 - 3 - 1
16
Mista
- - 1 - - -
1
ONG
3 3 - 2 - -
8
Pública
Estadual
2 - 15 - - -
17
Pública Federal
1 - 3 - - -
4
Autarquia
Municipal
2 2 4 - - -
8
Total
25 33 86 11 03 02 160
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
Este quadro demonstra que o assistente social é um profissional
que trabalha como empregado, portanto assalariado e submetido às regras da
organização para a qual presta serviços. O principal empregador do assistente
social é o poder público municipal, seguido das entidades sociais. Dois
aspectos chamam a atenção: o primeiro é que o assistente social, mesmo
sendo contratado pelo poder público municipal, não é admitido
necessariamente via concurso público. É muito comum a indicação de
conhecidos para assumir os chamados cargos de confiança. É importante
ressaltar que, ao assumir cargos “indicados por conhecidos”, o profissional
tende a se atrelar às diretrizes da organização o que compromete sua
autonomia e liberdade de ação. Isso pode reforçar a visão de que o assistente
136
social é o profissional que tradicionalmente, é identificado com os objetivos e
diretrizes da organização onde presta serviços.
O outro aspecto diz respeito à rede de relações interpessoais que
os profissionais precisam manter como uma das garantias de sua inserção e
empregabilidade no mercado de trabalho. O item indicação de conhecidos
totaliza 33 profissionais o que corresponde a 20% do total pesquisado. Quando
ao concurso público, este é majoritário, correspondendo a 52,12% do total
pesquisado.
No campo Outros, aparece:
Tabela19: Distribuição do campo OUTROS referente à forma
como o assistente social foi contratado.
Campo Outros
aposentada
06
Assessoria técnica
01
Cargo de confiança
01
Contratada após estágio de observação
02
Contratada após propor trabalho voluntário
01
Contratada pelo prefeito
01
Convidada
04
Convite do pároco
01
Desempregada
04
Membro fundador
01
Não respondeu à questão
03
Não trabalha como assistente social
03
total
28
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
Este campo confirma a afirmativa anterior quanto à rede de
conhecimentos que o profissional precisa manter para se inserir no mercado de
trabalho. Nesse sentido, é preciso que o assistente social fique atento, pois
137
esse tipo de contratação pode se caracterizar como favorecimento, uma vez
que os profissionais contratados não são submetidos a processo seletivo.
Quanto ao tempo de atuação como assistente social, foi possível
construir o seguinte cruzamento:
Tabela 20: Distribuição dos assistentes sociais por tempo de atuação como
assistente social e regime de trabalho
Regime de Trabalho
Tempo de Atuação
como Assistente
Social (em anos)
Estatutário CLT Autônomo Voluntário Outros
Total
< de 1
- 5 - - 2
7
1
- 3 - 2 1
6
< de 2
- 2 - - -
2
2
1 2 1 1 4
9
3
2 9 - - -
11
4
- 8 2 - -
10
5
- 5 - - -
5
6
1 1 - - 1
3
7
- 2 1 - -
3
8
8 1 1 - -
10
9
2 3 1 - -
6
10
3 5 - 1 -
9
11 a 15
11 9 1 - -
21
16 a 20
17 7 2 - -
26
21 a 30
15 2 - 2 2
21
> 30
1 3 - - -
4
outros
- 1 - 1 -
2
Total 61 68 09 07 10 155
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
Neste quadro foram computados os dados dos profissionais que
registram estar inseridos no mercado de trabalho, incluindo aqueles
aposentados que continuam exercendo a profissão. Como pode ser observado,
identificam-se aqui duas faixas de concentração quanto ao tempo de atuação
do assistente social: de dois a quatro anos, com 30 profissionais,
correspondendo a 19,35% e de onze a trinta anos com 68 profissionais,
correspondendo a 43,8% do total pesquisado. Há também uma concentração
de profissionais na faixa de oito a dez anos de exercício profissional,
totalizando 25 profissionais, o que corresponde a 16,12% do total pesquisado.
138
Acredito que isso se deve ao fato de o contrato de trabalho de 39,3% ser
estatuário, o que de certa forma garante estabilidade no emprego. Confirma-se,
portanto, a análise dirigida ao item estatutário, em que os profissionais com
onze a trinta anos de exercício somam 43, correspondendo a 70,4% do total.
Com relação à CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas -, há
uma distribuição entre as faixas, com decréscimo considerável na faixa acima
de vinte anos, o que aponta que a reestruturação produtiva atinge todas as
profissões. Aqui fica identificada a desregulamentação dos contratos de
trabalho, a descontinuidade na cobertura da seguridade social, o que implica a
precarização das relações de trabalho estabelecidas pelos profissionais.
A resposta Autônomo refere-se ao profissional que atua em
consultórios, assessoria e prestação de serviços. No Cone Leste Paulista, esse
tipo de “contrato” está em expansão, vide o crescente número de profissionais
buscando especialização na área terapêutica, o que qualifica o profissional
para assumir trabalhos como autônomo.
Os itens autônomo, voluntário e outros, somam 16,7% do total.
Esse aspecto da pesquisa revela a chamada flexibilização nas relações de
contrato de trabalho, refletindo também sobre a inserção profissional do
assistente social. Em uma região como o Cone Leste Paulista, onde há grande
incidência de indústrias, essa questão é facilmente perceptível: são abertos
postos de trabalho por meio da implantação de projetos, prestação de serviço
por tempo/prazo determinado, contrato por tempo determinado, entre outros.
Esse tipo de contrato também tem sido utilizado pelas ONGs e entidades
sociais, que contratam assistentes sociais para realizar projetos de captação de
recursos, implantar novos serviços, trabalhar como prestador de serviço, entre
outras atividades.
Esse aspecto também implica a denominação dos cargos
assumidos pelo assistente social, o que pode expressar uma ambivalência, a
qual, se por um lado escamoteia a inserção do profissional por outro, denota a
ampliação do campo profissional e da área de atuação. Aqui foi possível
identificar que no exercício profissional o assistente social assume vários
cargos cuja denominação é determinada pela organização onde atua ou ainda
pelo vínculo profissional com o programa e/ou projeto do qual assume a
direção técnica. O que pode ser explicitado aqui são as alterações com relação
139
à identidade e à dinâmica profissional que vêm repercutindo no exercício da
profissão.
Tabela 21: Distribuição dos assistentes sociais por nome do cargo
exercido
Nome do cargo
Analista técnico 01
Assistente social assessora de políticas sociais 01
Assistente social do judiciário 07
Assistente técnico 01
Chefe de divisão 01
Chefia 01
Coordenador familiar 01
Coordenadora de Serviço Social 01
Coordenadora pedagógica 01
Coordenadora técnica 02
Diretor técnico 01
Diretora de creche 01
Gerente de políticas culturais 01
Não respondeu 01
Orientadora de Liberdade Assistida – L. A. 01
Professor assistente 05
Professor colaborador 02
Supervisora técnica 01
Total 30
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
O campo outros reforça a análise anterior e refere-se aos
profissionais que responderam da seguinte forma:
140
Tabela 22: Distribuição do campo OUTROS, referente ao regime de
trabalho do assistente social
Campo Outros
Contrato 05
Não respondeu 04
Prestação de serviços 04
Sócia fundadora 01
total 14
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam
no Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Quanto ao motivo da saída do último emprego, os assistentes
sociais registram:
Figura 12: Distribuição dos assistentes sociais por motivo de saída do último
emprego
34%
25%
33%
8%
aposentadoria
término de contrato
demissão
comissionada
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004
Para a análise deste gráfico, identifica-se que estão em igualdade
de quantidade dois motivos de saída do trabalho: a aposentadoria e a
demissão sem justa causa, cada uma correspondendo a 22,22% do total
pesquisado. É preciso esclarecer que não foram computados os dados
141
referentes aos profissionais que mesmo aposentados, permanecem
trabalhando. Quanto ao item demissão, existem profissionais que foram
demitidos por término de contrato ou ainda por terem sido contratados por
prazo determinado, a saber 16,6% do total pesquisado. Ou seja, a demissão
não foi decorrente de incompetência técnica ou ética.
Em termos do impacto da saída do emprego, do total de
profissionais pesquisados, têm-se 10,9%, o que corresponde à média do índice
de desemprego identificado na região. Outro aspecto que chama a atenção é o
grande número de profissionais que mesmo tendo concluído o curso,
continuam trabalhando em outra área, nunca exerceram a profissão, mas,
mesmo assim, estão inscritos no Conselho Regional de Serviço Social, o que
corresponde a 22,22% do total pesquisado.
Quanto à área de atuação e às condições em que o trabalho do
assistente social acontece, esses aspectos não diferem das características
encontradas nas outras regiões do estado. Talvez o que se evidencie seja o
duplo vínculo de trabalho, o que leva o profissional a trabalhar mais do que 40
horas semanais, podendo gerar um quadro de cansaço e pouca disponibilidade
de tempo para realização de outras atividades fora do ambiente de trabalho.
Os contratos precários de trabalho, sem a proteção da seguridade
social, ou ainda, contratos por projeto ou por hora de trabalho não são uma
realidade somente nas empresas privadas. Outros setores do campo produtivo
estão lançando mão desse tipo de vínculo para manter os profissionais em
seus quadros. Mesmo o poder público municipal – em algumas cidades da
região – paga baixos salários e o profissional é contratado como celetista.
As áreas consideradas tradicionalmente campos de trabalho do
assistente social se mantêm. O que é preciso entender é como o trabalho do
assistente social é desenvolvido sob essas condições e quais os elementos
que esses profissionais levam em consideração quando estão atuando.
142
1. 2. 3 – Os elementos levados em consideração pelo assistente social
quando realizam o exercício profissional
Pretendo trabalhar aqui os elementos que os assistentes sociais
levam em consideração quando estão realizando o seu exercício profissional.
Lanço mão das respostas registradas nos questionário e no depoimento dos
profissionais para compor a análise desta questão.
No questionário foi perguntado: quando você é chamado(a)
planejar e/ou executar uma ação profissional, quais os elementos que você
leva em consideração e que são determinantes para seu exercício profissional.
Entendo que esses elementos podem explicitar quais as determinações que
são levadas em conta pelo assistente social no momento em que constrói e
coloca em movimento seu exercício profissional, uma vez que a prática
profissional também deve ser reconhecida como campo de elaborações
teóricas. Ao mesmo tempo, essa prática dá concreticidade, concretude,
visibilidade e viabilidade ao exercício profissional.
É perceptível que esse exercício é atravessado de elementos que
o tornam visível e determinam a direção que o profissional – a partir de sua
compreensão do objeto de intervenção e do conhecimento do projeto
profissional – imprime àquilo que faz.
Após a leitura das respostas registradas pelos profissionais, os
elementos foram sistematizados da seguinte forma: e
lementos referentes ao
problema a ser trabalhado; elementos éticos; elementos relativos ao
conhecimento; elementos relativos ao planejamento; elementos relativos
ao espaço organizacional; elementos relativos ao processo de
intervenção
e aqueles que denominei elementos subjetivos.
Essa sistematização foi baseada na proximidade do conteúdo
apresentado e de certa forma, reforça afirmações anteriores: a visibilidade do
exercício profissional esbarra - e quase se limita - na relação assistente social –
usuário, ou ainda, por meio dessa relação, o assistente social reconhece seu
exercício profissional. Isso pode ser afirmado, uma vez que o foco dos
elementos constitutivos é essa relação. O elemento predominante é o relativo
ao problema apresentado pelo usuário ao assistente social. Nota-se que o foco
143
de análise é o problema em si e o modo como o assistente social vai construir
a intervenção, ou ainda a direção dada à intervenção é prerrogativa do
assistente social. Acredita-se que ao buscar o atendimento social o usuário
espera do assistente social que este tenha uma resposta, dê um
direcionamento para suas questões, mesmo que essa resposta e/ou
direcionamento tenha que ser compartilhado com o próprio usuário ou
demande dele a adesão a proposta construída pelo assistente social.
Cabe esclarecer que o assistente social tem em sua atribuição
competência e autonomia para realizar atendimento social, orientar usuários,
entre outras, de forma a viabilizar a participação dos mesmos nas questões
que envolvem decisões que incidem sobre suas vidas. Mesmo assim, o que
prevalece é a relação em que o assistente social ainda é o responsável por
estabelecer como o usuário será atendido e ao usuário cabe aderir àquilo que é
proposto pelo profissional
.
Tabela 23: Distribuição dos elementos por problema a ser
trabalhado
Elementos referentes ao problema a ser trabalhado
Conhecimento da realidade a ser trabalhada/ análise de
conjuntura
42
Conhecimento do problema / situação a ser trabalhada
07
Levantamento de possibilidades/ operacionalização do
trabalho/ foco do trabalho/ recursos
18
Participação do usuário
06
População a quem se dirige à ação
profissional/conhecimento e atendimento às demandas
30
Resultados da atividade
04
Total:
107
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004
Um dos elementos mais identificados diz respeito à análise de
conjuntura e ao conhecimento da realidade foco da intervenção. O
conhecimento da realidade pode ser consolidado por meio da análise de
conjuntura que possibilita ao profissional assistente social conhecer – por
144
aproximações sucessivas – a realidade social e as condições de vida do
usuário. A questão que se coloca é de que forma o assistente social no seu
exercício profissional entende, efetiva e se utiliza desse conhecimento. O
assistente social pode entender que a realidade é um dado que deve ser
observado como cenário em que o exercício profissional é operacionalizado,
portanto, serve como espelho, como algo determinado, e, no seu
entendimento, o exercício profissional deve reforçar as coisas como elas são.
Nessa perspectiva a realidade é compreendida como meio social, e o exercício
profissional é dirigido ao problema apresentado pelo usuário, cabendo a este
se ajustar à vida em sociedade. O meio social é o lugar do estabelecimento da
vida social, é o lugar do reconhecimento das normas, da coerção social, dos
costumes e da conserva social. Como espaço privilegiado da construção
relacional deve ser preservado e mantido de modo a propagar o bem comum.
As alterações no meio social ocorrerão à medida que o usuário souber usufruir
desste meio onde vive.
Um outro modo de conhecer e analisar a realidade é entendê-la
pela perspectiva da questão social como uma questão historicamente
constituída a partir do advento do capitalismo, quando o Serviço Social – por
intermédio de seus agentes -reconhece e passa a atuar com suas múltiplas
determinações e com suas expressões. Segundo Iamamoto (1998), sob essa
direção, o trabalho do assistente social volta-se à inclusão social do usuário,
entendendo que a consolidação da rede de proteção social pode ser um dos
caminhos para combater a exclusão social.
Outro elemento preponderante apontado pelos profissionais
refere-se à população a quem se dirige a ação profissional. Eles apresentam a
necessidade de conhecer os problemas vivenciados pelos usuários, o modo
como lidam com essas situações e, ao mesmo tempo, entendem que sua
resolução perpassa por um caminho institucional, ou seja, conhecer a política
institucional é uma mediação necessária para a construção de um caminho
possível, em que o usuário se sinta atendido.
Quanto ao conhecimento do problema do usuário, este aparece
quase como se fosse uma questão secundária, ou seja, o atendimento ocorrerá
mediante as possibilidades institucionais, os recursos disponíveis na rede de
atendimento. Essa análise perpassa necessariamente pelo crivo do assistente
145
social. A participação do usuário na discussão é circunstancial, ou seja, ela se
processa quando da explicitação dos motivos para procurar o atendimento
social. O usuário não é protagonista durante o processo do estabelecimento
das diretrizes e determinações presentes no processo do atendimento.
Quanto aos elementos éticos, os profissionais registram:
Tabela 24: Distribuição dos elementos éticos
Elementos éticos
autonomia
02
Coerência entre a ação e os pressupostos da profissão
estabelecida no Código de Ética profissional
08
Dever humanitário
02
Ética/ ética profissional
17
Intencionalidade
02
Princípios éticos
03
Total
35
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Os profissionais apontam que não é possível construir uma
profissão sem pensá-la e analisá-la eticamente, uma vez que a ética é um dos
determinantes presentes no fazer profissional do assistente social. Esta
profissão é regulamentada pela Lei 8662/93 e regida pelo Código de Ética de
março/93, com alterações introduzidas pelas resoluções CFESS nº 290/94 e
293/94 - que estabelecem atribuições, direitos, deveres e impedimentos
profissionais. Os profissionais utilizam o Código de Ética como um instrumento
de trabalho, no qual podem se respaldar quando questionados em sua ação,
nas implicações decorrentes do sigilo profissional, na relação com as
organizações empregadoras. O registro de que 22,85% dos profissionais
entendem que a ética profissional é um dos elementos presentes na
construção da prática profissional reforça que o Código de Ética é fundamental
como elemento de respaldo técnico – profissional.
146
“Acho que a gente precisa de tudo, desde o Código de Ética
para proteger esse usuário, para proteger a profissão, para
ter um campo de trabalho protegido para o assistente social
porque não é uma profissão muito fácil de se trabalhar, a
gente trabalha com a contradição, não da sociedade, mas do
próprio local onde você trabalha.” (fala do sujeito 4)
Com relação aos elementos relativos ao conhecimento, temos:
Tabela 25: Distribuição dos elementos relativos ao conhecimento
Elementos relativos ao conhecimento
Busca de teoria para nortear o trabalho
19
Capacitação
01
Conhecimento
21
Conhecimento específico: leis referentes aos direitos
sociais/ instrumentos técnico-operativo/ diagnóstico/
políticas sociais
05
Conhecimento e delimitação do caso a ser estudado
01
Demandas identificadas através da pesquisa
03
Domínio do fazer pedagógico a respeito do ensino-
aprendizagem
01
Interdisciplinaridade
01
Total
52
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Para melhor compreensão desta questão, é preciso iniciar a
análise retomando a discussão anterior de que a ação profissional
desenvolvida pelo assistente social mantém uma dupla dimensão: a
interventiva e a investigativa. A dimensão a investigativa está relacionada à
sistematização e à produção de conhecimento na área do Serviço Social. O
conhecimento – tanto o sistematizado quanto o produzido – deve ser
embasado em uma teoria social que lhe dará suporte e sustentação, não como
uma “proteção” ao saber construído mas sim como possibilidade analítica.
Quanto às tendências teórico-metodológicas, das 52 respostas, 10
profissionais as indicam como sendo um elemento que caracteriza o seu fazer
147
profissional. Porém se esse número for remetido ao universo de respostas,
somente 6% dos profissionais indicam sua significância. Acredito que a
afirmativa – os profissionais buscam embasamento teórico relacionado à área
de atuação – pode ser sustentada, tendo-se em vista as outras respostas
presentes, que não esclarecem o modo como estes profissionais constroem
interlocução com as referidas tendências. Os profissionais que indicaram o
conhecimento como elemento importante atuam na área da docência. O
enfoque dado está na possibilidade da construção de uma postura investigativa
também nos profissionais que se consideram profissionais da prática com
vistas à produção do conhecimento para além das universidades e escolas de
Serviço Social.
Quanto aos elementos relativos ao planejamento, vejamos:
Tabela 26: Distribuição dos elementos relativos ao planejamento
Elementos relativos ao planejamento
Ações articuladas / estratégias
31
Avaliação/ monitoramento
14
Conhecer a área de intervenção e apresentar o projeto
12
Elaborar projetos
06
Levantamento de dados
09
Levantamento de objetivos
26
Levantamento de recursos
02
Metas/ custos/ definição de ações/ resultados
22
Planejamento: envolvimento do usuário
01
Total
119
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Nota-se nitidamente pelas respostas apresentadas que o
planejamento de ações é uma forte característica da ação profissional e pode
ser identificado como uma das estratégias para construir a intervenção. É um
dos modos de explicitação do fazer profissional e muito valorizado pelas
organizações empregadoras. Desde a década de 50, o assistente social vem
se especializando em realizar planejamento. Essa característica tem sido
reforçada nos últimos anos, uma vez que os programas, projetos e serviços na
148
área social têm sido cada vez mais realizados em “parceria” entre os governos
federal, estadual e municipal.
“A orientação enquanto técnico é auxiliá-los no
desenvolvimento dos programas lá nas entidades, o que é
repassado para gente no nível do Estado, porque já vem
definido pelo Estado e pelo governo Federal quais são as
atividades, a gente tenta dar este suporte para elas
informando, orientando, nesse sentido.” (fala do sujeito 11)
O profissional que atua na esfera municipal precisa planejar ações
em decorrência do que já vem determinado pelas instâncias superiores. Talvez
aí se clarifique o porquê de 26 profissionais levantarem os objetivos com o
principal elemento presente no planejamento. Outro aspecto que chama a
atenção é o volume de respostas relacionadas à avaliação, ao monitoramento
e ao controle das ações. Isso também está estabelecido na Norma Operacional
Básica de 1997, atualizada em 2004
42
, normatizada pelo governo federal, que
determina que as ações deverão ser monitoradas para fins de identificação dos
impactos sociais destas na vida do usuário. Além disso, estabelece a
necessidade do trabalho em rede como fundamental para a melhoria da
qualidade dos serviços prestados. Entende que esse papel é do poder público
municipal
“a construção da rede de atendimento é a nossa meta, é o
nosso objetivo maior, aqui no município, porque só através de
um atendimento de rede a gente vai conseguir efetivamente
um trabalho desenvolvido de acordo com os nossos
princípios, porque senão não caminha, porque você avança
num sentido e fica atada pelo resto, porque não corresponde
às suas necessidades e expectativas” [...] “a gente percebe o
interesse do gestor para que seja fortalecido o sistema de
rede, que a gente possa trabalhar e que o trabalho possa
fluir.” (fala do sujeito 11)
42
Com a implantação do SUAS a NOB foi reeditada com o objetivo de normatizar as ações de
implantação e adequação dos programas, projetos e serviços a nova proposta.
149
Outro aspecto que chama a atenção é que somente um
profissional indica a necessidade da participação do usuário na elaboração do
planejamento; isso, no entanto, é contraditório: como avaliar impactos sociais
na vida do outro sem a sua presença? De certa forma, isso reforça a
perspectiva do poder centralizado no profissional que decide ações, metas,
prazos, objetivos, reforçando que o usuário é o receptor dos serviços e não o
protagonista no processo do planejamento.
Os elementos relativos ao espaço organizacional indicam:
Tabela 27: Distribuição dos elementos relativos ao espaço organizacional
Elementos relativos ao espaço organizacional
Conhecimento do contexto institucional/ política
institucional/ diretrizes/ limites institucionais gestores
23
Orçamento/ receitas/ despesas/ custos
03
Recursos Humanos/ físicos/ materiais disponíveis
21
Rede de parceiros
08
Total
53
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Aqui fica claramente identificado o quanto as organizações se
responsabilizam por organizar a ação profissional do assistente social.
“quando a gente recebe uma informação ela já vem pronta e
acabada, não foi oferecida para gente discutir. Já vem para
gente executar. Eu acho que é um passo que a gente tem que
conquistar na instituição” (fala do sujeito 5)
Quando o assistente social identifica o conhecimento dos
determinantes da organização e os recursos disponíveis como os principais
elementos para organizar as atividades que serão desenvolvidas no processo
150
interventivo, fica muito claro que o parâmetro para a construção das ações é
aquele determinado pela organização, ou seja, as ações construídas pelos
assistentes sociais tendem a ser uma resposta aos determinantes da
organização empregadora, o que se certa forma reforça uma visão que ganha
força no Serviço Social, entre os profissionais que se reconhecem como
“profissionais da prática”: o limite do trato interventivo e analítico é o
determinado pela organização e não a realidade sócio-histórica.
“nós somos limitados” [...] “nós somos muito podados, acho
que a gente não consegue desenvolver de fato a nossa
profissão dentro da instituição.” [...] “se nós fossemos
profissionais autônomos, nós teríamos liberdade.” (fala do
fala do sujeito 4)
Isso pode acarretar um enfraquecimento do papel profissional
pois fica estabelecido que o assistente social é o profissional com o qual o
usuário identifica a organização; ao mesmo tempo, o assistente social tem
dificuldade de reconhecer seu papel, os objetivos do seu trabalho dentro do
espaço organizacional e sua articulação com um projeto de profissão. Nessa
fala fica explícito o quanto o assistente social está distanciado do projeto
profissional, pois as dificuldades cotidianas são enfrentadas individualmente,
enfraquecendo um posicionamento que se quer político e analítico a partir do
entendimento das relações estabelecidas nos espaços organizacionais. Ao se
distanciar do projeto profissional, o assistente social fica “refém” das
determinações institucionais, entendendo que elas bastam para a construção
do exercício profissional. O projeto profissional colabora também para que o
profissional não se sinta só, mesmo estando trabalhando sozinho em uma
organização.
“ao mesmo tempo que você questiona” [...] “a gente está
dentro e um sistema e a gente tem que obedecer aquelas
regras, isso que é ruim e por vezes tolhe as ações da gente,
corta as minhas asas.” [...] “porque eu tenho um regulamento
que eu tenho que seguir, eu não sou menor do que
regulamento.” [...] “é limitador, mas é papel do profissional o
contra-argumento.” (fala do sujeito 5)
151
O conhecimento do espaço organizacional que a maioria dos
profissionais registram como um dos elementos que levam em consideração
não está sendo utilizado como via de análise para a construção de respostas
profissionais, mas como limitador do exercício profissional. As falas dos
sujeitos reforçam essa perspectiva,
“O que a gente percebe é o que o assistente social pretende,
seu objetivo de trabalho é em uma linha. Eu acredito que se
eu pensar eu trabalho muito com a dialética, que me volto
muito ao que eu aprendi com a dialética e que a instituição
não é isto que ela deseja da gente. Então a gente está
sempre em conflito com ela.” (fala do sujeito 3)
Nesse sentido, o limite da profissão é o estabelecido pela
organização que contrata o assistente social e pela gestão implementada.
Essas respostas reforçam um dos primeiros motivos que me levaram a estudar
o exercício profissional do assistente social: o assistente social tende a assumir
como objetivos do Serviço Social aqueles da organização com a qual mantém
vínculo empregatício. Analisando-se com mais profundidade essa questão,
depreende-se que ela, além de comprometer a visibilidade do exercício
profissional, leva o assistente social a atuar reproduzindo as relações
estabelecidas, ao entender que sua superação é difícil de ser alcançada. A
organização é entendida como um bloco monolítico, cabendo ao profissional
responder às determinações sumariamente estabelecidas. Com um horizonte
analítico tão aluído o assistente social acaba não visualizando possibilidades
analíticas e interventivas, reificando suas ações e se conformando com suas
condições de trabalho.
Os elementos relativos ao processo de intervenção indicam:
152
Tabela 28: Distribuição dos elementos relativos ao processo de intervenção
Elementos relativos ao processo de intervenção
Conhecer a realidade a ser trabalhada 05
Conhecer interesses/ concepção/ potencial dos
envolvidos (usuários)/ objeto da ação
19
Conhecimentos metodológicos/ conhecimentos relativos
à intervenção
13
Contribuição do Serviço Social / intervenção do Serviço
Social
13
Garantia dos direitos sociais/ acesso às políticas sociais 02
Parceria com a rede de atendimento 01
Parceria com outros profissionais 09
Postura profissional 10
Projeto de vida 01
Respaldo profissional 02
Total 74
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Esta questão confirma a marca indelével do trabalho do assistente
social: a intervenção. A busca por construir a intervenção perpassa pelo
reconhecimento do objeto da ação profissional, pelo entendimento da
intervenção propriamente dita, bem como pelos os impactos desta na vida do
usuário. Aqui os profissionais identificam a necessidade de a ação ser
construída mediante alguns determinantes: a construção metodológica, a
análise da realidade social e as demandas apresentadas pelos usuários.
Reconhecem que o assistente social pode trabalhar em equipe multidisciplinar
e o quanto isso pode contribuir para o fortalecimento do seu papel profissional.
Reforçam também o quanto a postura profissional interfere na intervenção. A
postura está associada à atitude profissional, ao modo como o assistente social
coloca em movimento o seu exercício profissional.
153
“trabalho dentro das diretrizes do serviço social, que agora
está em processo de mudança, para trabalhar no sistema
norteado pela política nacional, pelo SUAS, pelo sistema da
assistência social.” (fala sujeito 4)
Quanto aos elementos subjetivos:
Tabela 29: Distribuição dos elementos subjetivos
elementos subjetivos
Confiança/ acreditar no projeto/ capacidade de contribuir 05
Intencionalidade do profissional/ autodeterminação/ postura/
atingir objetivos/ compromisso/ respeito às diferenças
12
Levantar questões e responder mentalmente 01
Liberdade de atuação/ responsabilidade/ desafio/ criatividade/
clareza/ transparência/ autonomia
17
Necessidades sentidas 03
Respeito ao usuário/ escuta/ valor da pessoa humana/
alteração do status quo (usuário)
11
Satisfação pessoal/ avaliação pessoal 02
Valorização profissional 04
Total 57
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004
Quanto a esses elementos os profissionais não deixam claro no
questionário o ponto de partida para registrá-los. Acredito que é preciso buscar
a triangulação com outras informações para fins de esclarecimento quanto ao
entendimento que os profissionais têm a respeito de escuta, respeito aos
usuários, criatividade. Isso contradiz as respostas anteriores pois como
respeitar o usuário se ele não é visto/identificado como protagonista do
processo de intervenção? Uma questão que se apresenta aqui é a da
autonomia do profissional. Entendo que esta autonomia é relativa na medida
154
em que o assistente social é um profissional assalariado e portanto, submetido
também às regras estabelecidas pelo mercado de trabalho.
Ao finalizar este capítulo, consigo perceber o quanto o trabalho
desenvolvido pelo assistente social fica subsumido no espaço sócio-
organizacional. Por isso torna-se necessário esse reconhecimento não
somente por parte dos gestores e dos usuários, mas também por parte dos
próprios profissionais.
Ao analisar o exercício profissional do assistente social a partir
das condições em que acontece, percebi que a discussão do conhecimento
passa a largo para aqueles profissionais que estão no exercício prático da
profissão. Entendi a necessidade de fazer – no momento da coleta dos
depoimentos – uma questão mais direta acerca do conhecimento do qual se
utiliza para realizar seu exercício profissional, o que possibilitou a construção
do capítulo 2 desta tese.
155
Capítulo 2
Os conhecimentos mobilizados pelo assistente social em seu
exercício profissional.
“se lá fora enquanto pessoa você está sempre
disposto a aprender, está sempre disposto a
crescer, acho que também está num processo de
amadurecimento é lógico que você vai enriquecer
a sua ação profissional aqui. Então não dá para
você viver alienado lá fora e no momento do
exercício profissional você ser diferente. E não
dá também para ter um discurso profissional e
uma prática pessoal que não condiz” (sujeito 1)
156
Neste capítulo apresento a gama de conhecimentos dos quais o
assistente social lança mão em seu exercício profissional, entendendo–os
como configurações da relação teoria – prática e ao mesmo tempo, como um
caminho possível para a construção da interlocução com as tendências teórico-
metodológicas presentes no Serviço Social.
o Serviço Social consiste numa estrutura centrada em
elementos e características que se preservam historicamente
na atuação dos assistentes sociais, os quais marcaram,
definiram e produziram a profissão ao longo de sua história.
(GENTILLI, 1998, p. 11)
É perceptível o quanto essas relações estabelecidas no cotidiano
profissional bem como o conhecimento associado a elas colaboram para o
estabelecimento de uma cultura profissional, ora associada à ajuda
43
profissional, ora associada à defesa de um projeto societário mais justo e
democrático em consonância ao projeto ético-político. A cultura profissional
revela hoje as contradições experienciadas pelos assistentes sociais no
cotidiano do seu exercício profissional, o que reflete a luta pela hegemonia da
direção que se quer para o Serviço Social na contemporaneidade. Num certo
sentido os profissionais reconhecem que o Serviço Social vem ganhando
visibilidade e qualidade analítica quando se concretiza a partir de uma
articulação de saberes que lhe garantem consistência argumentativa.
Para construção deste capítulo, além de me basear na bibliografia
de suporte teórico-metodológico, fundamento-me também na fala dos
profissionais que se dispuseram a participar da pesquisa.
Foi perguntado aos sujeitos da pesquisa: quais os conhecimentos
que você coloca em movimento e utiliza quando realiza seu exercício
profissional? Dessa pergunta inicial derivaram-se outras: para você, onde entra
o conhecimento na construção do seu fazer profissional? Tendo como
referência o seu exercício profissional, qual o lugar que a teoria ocupa nesse
exercício profissional? Baseado no seu exercício profissional, como você
43
A preservação de características historicamente vinculadas à ajuda, como por exemplo o trabalho
realizado junto aos plantões sociais quando ocorre repasse de recursos materiais aos usuários querer dos
profissionais um estudo um pouco mais apurado uma vez que é preciso levar em conta os determinantes
sociais presentes na realidade e que de certa forma, justificam ações desta natureza – mesmo entendendo
o seu caráter paliativo e pouco visível.
157
visualiza a relação entre teoria e prática? Como essa relação se expressa em
sua prática profissional?
Durante o contato com os sujeitos, esse foi o momento em que
percebi maior tensão, maior dificuldade e uma certa insegurança na construção
das respostas. Num certo sentido, reflete o quanto que os assistentes sociais
que se reconhecem como profissionais da prática pouco se detém para
analisar - do ponto de vista teórico – metodológico e político - seu exercício
profissional. Isso favorece a reprodução das atividades determinadas pela
organização que contrata seus serviços, sem questionamentos – não
necessariamente com o objetivo de se contrapor a elas, mas sim de pensar, de
repensar, otimizar essas atividades para a construção de respostas
profissionais crítico-criativas que de fato tenham relação com a realidade
social, com o projeto ético-político e com as condições objetivas de vida do
usuário, sujeito desse processo.
o processo de trabalho do Serviço Social organiza-se
estruturalmente a partir de atividades sociais que permeiam e
circunscrevem os objetos de atuação, o processo de produção
social da profissão (decorrente de um saber específico) e dos
produtos configurados por este processo de trabalho [...] em
atendimento a demandas postas socialmente, seja por
reconhecimento ou por produção das necessidades humanas.
(GENTILLI, 1998, p. 23)
Conforme Gentilli (1998), a apropriação por parte dos assistentes
sociais dos processos de trabalho da profissão colabora para o entendimento
do objeto de trabalho e de como ele se apresenta através das demandas de
atendimento, para a compreensão que o assistente social tem de sua
profissão, ou seja, a importância e significado social, e para as referências
profissionais: o conhecimento e a perspectiva ético-política.
Para melhor visualização do estudo, parti da fala dos sujeitos
nucleando o conjunto dos conhecimentos identificados. Para facilitar a análise,
eles foram divididos em áreas/dimensões, sem preocupação com a importância
ou com sua maior ou menor incidência no exercício profissional; sem, no
entanto, entender que conhecimento é fragmentação.
158
Evidenciou-se que o conhecimento abrange várias dimensões que
de certa forma, organizam o exercício profissional: o do conhecimento da
realidade social; das condições objetivas de vida do usuário; da gestão das
políticas sociais; da legislação; das habilidades necessárias para que o
assistente social exerça o exercício profissional e os conhecimentos teórico-
práticos. Essa “organização” refere-se a um modo de ser e de se apresentar
dessa profissão que demonstra o seu fazer, clarifica seus desafios e
estratégias de enfrentamentos. Isso fica expressivo pois o Serviço Social se
constitui como profissão interventiva e
acabou por desenvolver formas de realizar a prática pelas
quais se tornou conhecida e reconhecida socialmente. Essas
ações referenciavam-se teoricamente a construções que, ao
serem tomadas de ciências sociais particulares (Psicologia,
Direito, Administração, Sociologia) eram transformadas em
técnicas e aplicadas às situações imediatas. Assim, temos para
o Serviço Social a ”teoria de resultados”, cujo valor residia em
fornecer respostas à intervenção profissional. (GUERRA, 1995,
p. 23)
Se inicialmente o conhecimento era visto de forma soberana pela
perspectiva da utilidade, com a introdução do Serviço Social no campo das
ciências sociais, buscou-se essa superação, entendendo que o conhecimento
deve ser apreendido “sobre a estrutura, a conjuntura e os contextos nos quais
a intervenção se realizava.” (GUERRA, 1995, p. 23)
Um primeiro indicativo é
que esse conjunto de conhecimentos deve ser constitutivo do exercício
profissional e não visto como pano de fundo ou cenário onde o fazer
profissional se efetiva,
o conhecimento não é só um verniz que se sobrepõe
superficialmente à prática profissional, podendo ser
dispensado; mas é um meio pelo qual é possível decifrar a
realidade e clarear a condução do trabalho a ser realizado.
Nesta perspectiva, o conjunto de conhecimentos e habilidades
adquiridos pelo assistente social ao longo do seu processo
formativo são parte do acervo de seus meios de trabalho.
(IAMAMOTO, 1998, p. 63)
Sob essa direção, é fundamental a importância do conhecimento
e não vejo razão para dividi-los entre aqueles que interferem e são decisivos
159
para a constituição da relação assistente social – usuário e aqueles que se
voltam à análise da realidade social, palco desse mesmo exercício profissional
o que seria contradizer o dito anteriormente. A análise atravessa as relações
que se estabelecem para dar visibilidade e consistência ao fazer do assistente
social.
Um dos principais elementos identificados é que o conhecimento
utilizado pelo assistente social passa através de diversas dimensões não como
área de preferência ou importância, mas sim como forma de qualificar o
exercício profissional. Os profissionais que buscam o conhecimento indicam
que este se presentifica de várias formas, reforçando o caráter genericista
presente no Serviço Social. O caráter genericista, longe de parecer ser o
responsável pela pouca visibilidade do exercício profissional ou ainda por suas
indefinições - quanto à especificidade das ações profissionais -, pode ser
identificado como um dos elementos que favorece ao
assistente social a possibilidade de apresentar propostas de
trabalho que ultrapassem meramente a demanda institucional.
Tal característica, apreendida às vezes como um estigma
profissional, pode ser reorientada no sentido de uma ampliação
de seu campo de autonomia, de acordo com a concepção
social do agente sobre sua prática. (IAMAMOTO e
CARVALHO, 1983, p. 80 – 81)
Identifiquei também que a busca pelo conhecimento expressa o
modo como os profissionais entendem e estabelecem relações entre a prática
profissional e a teoria e, fundamentalmente, como esse conhecimento pode ser
fonte de um modo de explicitação do exercio profissional do assistente social
bem como também indicativo da interlocução com as tendências teórico-
metodológicas.
160
2. 1 – O conhecimento a respeito do cotidiano
Ao longo da pesquisa alguns sujeitos indicam que para colocar
em movimento seu fazer profissional levam em consideração o conhecimento e
sua experiência de vida e a relacionam ao conhecimento científico. O
entendimento que fica é de que o cotidiano pode ser a categoria que vai
subsidiar e possibilitar ao profissional ter uma idéia clara do quanto as
experiências de vida se juntam e se separam ao longo do exercício
profissional.
“o conhecimento de vida. A gente traz todo um aprendizado
da vida, todo um conhecimento de academia, de universidade,
o conhecimento que a gente continua buscando, que a gente
continua estudando, o conhecimento de outros cursos que a
gente acaba fazendo para dar suporte e para explorar
melhor as questões que no Serviço Social não são tão
aprofundadas.” (fala do sujeito 1)
Isso me fez pensar algumas coisas, que não são por si só
excludentes. Uma é de que o conhecimento da vida relaciona-se à experiência
e como tal é formadora da consciência humana. A experiência da vida
possibilita aos sujeitos entender que ela não é única ou acabada, ou ainda,
igual para todos.
“como é que é você falar numa população de organização, de
participação de mobilização se lá fora você está alienado,
não se organiza de forma alguma, não participa de nada, não
se mobiliza para nada e também não mobiliza ninguém...
Então eu acho que esse tipo de vida que a gente leva tem
uma implicação muito direta na nossa ação profissional” (fala
do sujeito 1)
Outra é que, se o assistente social não for cauteloso, tende a
achar que sua experiência de vida é a principal fonte de conhecimento e
161
argumento no trato interventivo. Isso pode instaurar uma relação de saber e
poder que subordina o usuário aos interesses identificados pelo profissional.
“e isso obriga você enquanto pessoa e enquanto profissional a
se atualizar, estudar para acompanhar a história. E eu acho
também que é isso que faz com que a gente permeie por
todos esses caminhos.” (fala do sujeito 17)
Outra ainda é que é no cotidiano da profissão que essa gama de
conhecimentos é mobilizada e que as expressões este conhecimento tomam
forma, incidindo sobre o exercício profissional, além de “impor” ao assistente
social que este assuma posições perante os desafios colocados em sua prática
cotidiana.
Outro aspecto é que, ao estabelecer relações com os usuários, ao
ouvir suas histórias, o conhecimento da vida pode ser uma referência que se
traduz nos papéis sociais, conforme estabelecido por Heller (1992)
não nasce casualmente, nem do nada, mas resulta de
numerosos fatores da vida cotidiana dados já antes da
existência dessa função e que continuaram a existir quando ela
já se tiver esgotado [...] produz no homem a necessidade de
modificar-se permanentemente, de renovar-se, de transformar-
se. Essa necessidade de novidade, a necessidade de
transformarmos constantemente tanto a sociedade quanto nós
mesmos, é uma das maiores conquistas da história humana.
(HELLER, 1992, p. 87-89-90)
Essa escuta e as referências que o profissional constrói
colaboram para a ampliação da visão que ele tem sobre os usuários e para a
construção de estratégias interventivas.
“tudo o que a gente acha que vai contribuir para o
entendimento das diversas situações-problema que são
apresentadas para a gente.” (fala do sujeito 1)
O cotidiano é a vida de todos os dias, é a vida do homem inteiro.
É o lócus das construções relacionais, das mediações e da capacidade do
homem de se construir e reconstruir socialmente.
162
“É no cotidiano que a gente faz a diferença.” (fala do sujeito
17)
No cotidiano, expressam-se as relações que os homens
estabelecem entre si, com outros homens e com a natureza; portanto o
cotidiano não está fora da história; ao contrário, é o terreno onde a história se
engendra, se produz. Para Heller (1992) o cotidiano é a verdadeira essência
do viver social, está no centro do acontecer histórico. A autora analisa o
cotidiano a partir de sua estrutura, como forma de apropriar-se de seu
movimento e de seu modo de desenvolver-se. Dessa estrutura, três elementos
considero fundamentais para o exercício profissional do assistente social: a
espontaneidade, os juízos provisórios e a ultrageneralização. Heller (1992)
define espontaneidade como
uma tendência de toda e qualquer forma de atividade cotidiana
[...] caracteriza tanto as motivações particulares [...] quanto às
atividades humano-genéricas que nela têm lugar [...] não se
expressa apenas na assimilação do comportamento
consuetudinário e do ritmo da vida, mas também no fato de que
essa assimilação faz-se acompanhar por motivações efêmeras,
em constante alteração, em permanente aparecimento e
desaparecimento [...] as motivações do homem [...] as
motivações em permanente alteração estão muito longe de
expressar a totalidade, a essência do indivíduo. (HELLER,
1992, p. 30)
Para o exercício profissional do assistente social faz-se
necessário reconhecer essa característica que se presentifica tanto na vida do
usuário quanto na possibilidade de construção de respostas sócio-profissionais.
A espontaneidade aparece na forma como os usuários constroem estratégias
de sobrevivência, no modo como vão experienciando sua vida, e de como
conseguem traduzir esse viver. As motivações humanas nessa perspectiva são
permeadas por múltiplos fatores, cabendo ao assistente social desvendá-los
em seu exercício profissional. A espontaneidade reflete também a humanidade
que está contida nas motivações particulares, em suas idiossincrasias e em
sua perenidade. Aliada à espontaneidade, cabe a análise dos juízos provisórios
163
os juízos provisórios são meros exemplos particulares de
ultrageneralização. [...] Para podermos reagir, temos de
subsumir o singular, do modo mais rápido possível, sob alguma
universalidade; temos de organizá-lo em nossa atividade
cotidiana, no conjunto de nossa atividade vital; em suma, temos
de resolver o problema. Mas não temos tempo para examinar
todos os aspectos do caso singular, nem mesmo os decisivos:
temos de situá-lo o mais rapidamente possível sob o ponto de
vista da tarefa colocada. E isso só se torna possível graças à
ajuda dos vários topos de ultrageneralização [...] à analogia.
(HELLER, 1992, p. 35)
Os juízos provisórios podem servir ao assistente social como uma
referência, como um “déjà-vu”, mas não como algo imutável e experienciado
por todos da mesma forma. Daí o cuidado para que o assistente social não
utilize somente seus valores pessoais como parâmetro analítico ou como
parâmetro interventivo.
A ultrageneralização é, no dizer de Heller (1992), característica da
vida cotidiana
seja em suas formas ‘tradicionais’, seja como conseqüência da
experiência individual [...] que a prática confirma ou, pelo
menos, não refuta, durante o tempo em que, baseados neles,
formos capazes de atuar e de nos orientar. (HELLER, 1992, p.
34)
A ultrageneralização decorre dos juízos provisórios e o
entendimento desses elementos pode colaborar para que o assistente social ao
construir sua análise com vistas à intervenção e/ou investigação, possa de fato
abstrair e não se basear somente em sua experiência para entender a
experiência do outro. Aqui fica o alerta de que a análise não é igual para todos
mesmo quando o assistente social percebe semelhanças entre as experiências
vividas pelos usuários. Outro alerta é que a ultrageneralização pode levar ao
preconceito, à cristalização de uma dada visão – na questão especifica do
Serviço Social – acerca das condições objetivas de vida do usuário; da análise
do espaço organizacional, da análise que se faz das possibilidades e limites do
exercício profissional.
É na trama social que o cotidiano vai se constituindo como um
dos elementos analíticos fundamentais para o assistente social. O homem
164
nasce inserido em sua vida cotidiana e é no cotidiano que ele vai construindo
suas relações e experienciando sua vida. Para entender melhor o cotidiano
Heller (1992) realiza seu estudo e define que a vida cotidiana se materializa a
partir de alguns determinantes, que estão marcados pelo movimento das
estruturas econômicas, sociais e políticas estabelecidas na sociedade. A vida
cotidiana não retrata o homem somente como um ser individual mas também
na sua condição de ser humano-genérico.
Os profissionais indicam a necessidade do conhecimento
científico para realizar a ultrapassagem do conhecimento adquirido através do
senso comum. O conhecimento advindo do senso comum não está para ser
eliminado, mas superado através do conhecimento de outras particularidades e
peculiaridades que envolvem e são constitutivas dos fenômenos sociais, como
forma de ultrapassagem de uma visão imediata acerca dos fenômenos para
uma visão baseada nas múltiplas determinações que estão presentes na
realidade social.
Entendendo que o cotidiano é o palco da construção do exercício
profissional, os assistentes sociais também estão submetidos às expressões
que retratam a cotidianeidade. Heller (1992) diz que o homem – ser humano –
genérico – já nasce inserido em sua cotidianeidade.
o fato de se nascer já lançado na cotidianeidade continua
significando que os homens assumem como dadas as funções
da vida cotidiana e as exercem. (HELLER, 1992, p. 23)
É na cotidianeidade que o homem adquire as habilidades para
aprender, dominar e experienciar as normas e regras sociais, adquiridas no
convívio social na família, na escola, na Igreja e na comunidade onde vive. A
partir dessas experiências, vai ampliando seu universo de relações e se
sentindo inserido nessa mesma cotidianeidade.
Os assistentes sociais quando estão operacionalizando seu
exercício profissional, evidenciam sua experiência de vida e a relacionam àvida
do usuário, não no sentido comparativo - “se eu estivesse no seu lugar faria
isto” – mas no sentido de perceber que esse usuário também vive a
cotidianeidade; portanto, leva em consideração a experiência de vida, os
valores e normas sociais com os quais os usuários consolidam sua vida.
165
Assim, pode-se dizer que o cotidiano é o espaço da criatividade, da superação,
mas também da alienação e da mediocridade, quando as relações sociais se
reduzem à dominação e à opressão; quando se normalizam, em consonância
com as determinações da classe dominante, as decisões no âmbito político,
cultural, econômico, entre outros.
Nesse sentido, como pensar o cotidiano como lócus da prática
profissional do assistente social? É no cotidiano que as condições de vida da
população usuária dos serviços prestados pelos assistentes sociais se
materializam, se perpetuam ou podem também se transformar. O assistente
social é muitas vezes chamado a atuar no provimento de recursos materiais
que possibilitam a essa população a manutenção de suas necessidades
básicas. É aqui que o profissional atua também com os preconceitos (os
próprios e os do usuário) e a relação de confiança (que é a capacidade do
homem de acreditar em algo que nunca viu ou em algo que não é material, por
exemplo: um bom atendimento). Heller diz “a confiança é um afeto do indivíduo
inteiro e, desse modo, mais acessível à experiência, à moral e à teoria.” (1992,
p. 34) Ao analisar as situações trazidas pelos usuários com base nessa
direção, o assistente social poderá ser capaz de superar a visão inicial – o
ponto de vista do usuário -, trazendo elementos concretos - via mediação –
,para o entendimento das condições objetivas de vida do usuário e para a
construção de alternativas de intervenção. Entender o cotidiano como lócus do
exercício profissional significa partir da premissa de que a experiência da vida
não é somente uma experiência singular, individual, mas também ganha
evidência por ser coletiva e de certa forma, espelha e ao mesmo tempo é
produto da história vivida pelos homens.
166
2. 2 – O conhecimento sobre a Lei de Regulamentação da Profissão e
sobre outras leis que incidem sobre o exercício profissional do assistente
social e são por ele identificadas
Aqui pretendo discutir como o conhecimento da legislação pode
ser um aliado para os assistentes sociais, no momento da análise das
situações apresentadas pelos usuários, pelas organizações e, também, na
identificação de demandas de atendimento e de investigação.
“buscar o caminho certo, porque não estávamos contentes
com o conservadorismo do passado” [...] “E é por isso a nossa
ânsia de participar de conselhos, de entender a legislação,
de divulgar a legislação. E isso aí nos dá o diferencial e nos
ajudou a romper com uma série de coisas.” (fala do sujeito
17)
Inicialmente, foi realizada a seguinte pergunta aos sujeitos da
pesquisa: das atividades realizadas, quais as que você identifica que estão
relacionadas às indicadas pela Lei de Regulamentação da Profissão? As
respostas foram muito diversificadas, predominado aquela em que o
profissional apresentou dificuldade em reconhecer a lei e fatalmente, não
reconhece as atividades que estão relacionadas a ela
44
. Majoritariamente, eles
referendam o desconhecimento centrado na Lei de Regulamentação da
Profissão e o conhecimento no Código de Ética e na Lei Orgânica da
Assistência Social.
A minha surpresa foi com a dificuldade da maioria dos
profissionais em reconhecer a lei e ao mesmo tempo ter com ela uma
identidade que pudesse de fato ser utilizada como um instrumento de
parâmetro e qualificação do exercício profissional.
As respostas foram diversas e causou uma certa tensão entre os
sujeitos. Foi preciso, em alguns momentos, uma clara explicitação sobre a que
lei estava me referindo. Posso afirmar que 90% dos profissionais não
44
Vide discussão apresentada no capítulo 3, referente às atividades específicas realizadas pelo assistente
social.
167
reconhecem a Lei de Regulamentação da Profissão ou ainda a confundem com
a Lei Orgânica da Assistência Social ou com o Código de Ética.
Conforme dito anteriormente, a maioria dos profissionais
desconhece essa Lei:
“se eu for dizer para você que eu conheço a lei, eu vou estar
mentindo, e eu tenho uma leve noção, uma vaga lembrança.”
(fala do sujeito 3)
“Conscientemente eu não faço uso da Lei” [...] “se eu já tive
contato com ela, eu não me lembro.” (fala do sujeito 5)
O desconhecimento da Lei pode não somente comprometer o
exercício profissional, mas também o lugar ocupado por essa profissão na
divisão sócio-técnica do trabalho. Além do mais, fortalece a discussão anterior:
um dos principais determinantes no exercício profissional do assistente social é
aquele identificado no espaço sócio-ocupacional. Para não me tornar
redundante, referendo aqui a necessidade de o profissional repensar a
importância dessa lei e sua implicação na construção de respostas sócio-
profissionais que poderão produzir impactos nas condições de vida do usuário.
Outros profissionais confundem a Lei de Regulamentação com a
Lei Orgânica da Assistência Social e/ou o Código de Ética:
“eu procuro estar sempre dentro da lei de regulamentação
embora não tenha ela na ponta da língua, não a conheça
plenamente” [...] “passa pela questão do sigilo, pela questão
de não colocar aquela pessoa que procura o programa, a
instituição, em situação vexatória, estar respeitando, estar
trabalhando para a pessoa em primeiro lugar. É isto que me
norteia.” (fala do sujeito 3)
“como assim? A lei ? A LOAS?” (fala do sujeito 15)
“falei o que será? Será que é o código de ética, será que é a
LOAS, onde está isto? [...] “faz tanto tempo que eu não
respondo uma coisa assim dirigida, aí no dia que eu li, eu
falei : esse negócio de lei da regulamentação da profissão? O
168
que será que ela está querendo? Até te perguntei será que é
a LOAS, será que é Código de Ética, o que será considerar
que tem uma lei de regulamentação que eu não estou
sabendo, eu fiquei meio assim por isso eu falei é tão
complexo, alguma coisa para parar para pensar. (fala do
sujeito 2)
Essa confusão pode decorrer de dois aspectos: um, que a Lei de
Regulamentação da Profissão foi publicada junto com o Código de Ética e pode
ser vista como um apêndice do Código. Outro, é que, por ser reconhecido
como o profissional que executa a política de assistência social, toma a Lei
Orgânica da Assistência Social como a lei que regula o seu fazer profissional.
A Lei de Regulamentação da Profissão, fruto de um movimento
advindo da categoria e balizado pelos órgãos diretivos, vem consolidar a
perspectiva sinalizada/situada pelo Movimento de Reconceituação, que ganha
corpo a partir dos estudos de Faleiros (1985, 1997), Iamamoto (1998),
Martinelli (1991), Netto (1991), para dizer os mais citados pelos assistentes
sociais, e que foi consolidada na década de 90, por meio da ruptura com o
Serviço Social conservador. Se comparada à legislação anterior, Lei n. 3.252,
de 27 de agosto de 1957, e regulamentada através do decreto n. 994, de 15 de
maio de 1962, é evidente o salto qualitativo para o Serviço Social. A lei atual
acompanha o desenvolvimento da profissão no Brasil, estabelecendo com
maior clareza princípios, competências e atribuições privativas. Acredito que a
regulamentação das competências e das atribuições privativas e a clarificação
do papel do conjunto CFESS/CRESS são os principais ganhos para a
profissão. A lei permite não só a clarificação da competência para o próprio
profissional como também serve de instrumento que baliza o exercício
profissional para os profissionais de outras áreas, além de esclarecer o papel
profissional do assistente social para os empregadores.
Os profissionais que reconhecem a Lei de Regulamentação da
Profissão referem-se principalmente às competências do assistente social.
“eu acho que é aquela lei de junho de 93” [...] “A questão da
coordenação, a questão da direção mesmo, da execução de
programas, de projetos, de planos. Enfim... eu acho que a lei
é tudo. Aquela lei, acho que nos respalda em muita coisa.
169
Inclusive até dar aula.” [...] “toda a avaliação, aquele
processo de perícia que tem na lei, que a gente pode fazer. A
perícia, o laudo.” [...] “aquilo que está na lei é aquilo que na
verdade a gente faz. E a gente pode, porque a gente tem
respaldo de lei.” [...] “mas você precisa conhecer. Na
verdade, eu não vou dizer para você, Mabel, que é 100%,
porque eu não dou conta de lembrar tudo. Mas algumas
coisas...” (fala do sujeito 6)
O reconhecimento da lei de regulamentação é visível como forma
de nortear e/ou orientar o trabalho desenvolvido. Importante é que a Lei de
Regulamentação é um documento que pode ser consultado e, portanto, não
precisa ser decorado, memorizado. Outro ponto importante: entender como o
assistente social se apropria dessa legislação e em quais situações da vida
profissional ele lança mão desse instrumento para entender, defender ou
mesmo se contrapor às determinações demandadas do espaço sócio-
organizacional para o qual presta serviço, dos próprios usuários ou mesmo da
realidade social.
“não tem como trabalhar sem ter por base a lei de
regulamentação da profissão. O conhecimento tanto da Lei
como do Código de Ética permitiram que a gente batesse
duro nos gestores porque eles queriam que a gente fizesse
coisas que não eram da nossa competência e aí a gente
conseguia se contrapor com o que a gente tinha de material
palpável que era a Lei de Regulamentação da Profissão e o
Código de Ética. Nós dizíamos: você está tentando me
obrigar mas eu não vou ultrapassar isso porque eu vou ferir a
legislação que eu tenho como base na minha profissão.” (fala
do sujeito 8)
O conhecimento da legislação que envolve o exercício profissional
do assistente social favorece a visibilidade desse mesmo exercício.
“acredito que ela atenda, conforme eu falei para você quando
a gente se refere à questão de compromisso e
responsabilidade, e quando você se preocupa não só com o
trabalho em si mais com a metodologia, que a gente fala a
170
metodologia operativa, atendimento ao usuário” (fala do
sujeito 11)
Ao buscar apoio na Lei de Regulamentação da Profissão para
entender melhor as competências e atribuições privativas o assistente social
tende a ter maior clareza do seu exercício profissional e do lugar ocupado pela
profissão na divisão sócio-técnica do trabalho. Ao mesmo tempo, a Lei pode
servir de parâmetro para a ampliação de frentes de trabalho e para a inserção
em outras áreas de intervenção e investigação com vias à produção do
conhecimento.
A Lei pode também servir para sinalizar princípios e demarcar a
direção que se quer imprimir ao exercício profissional.
“a lei de regulamentação da profissão ela traz para gente:
primeiro os critérios da liberdade do exercício da sua
profissão, acho que isso é uma coisa que me deixa bastante
fortalecido. Depois a relação de respeito ao cidadão, eu vejo
que a lei que nos regulamenta ela nos coloca que eu não sou
mais o detentor do saber, a minha relação com o usuário, ela
tem que ser clara, transparente e clara. A lei fortalece
minha atuação no sentido que ela me coloca que o usuário não
é um objeto de intervenção, ele é um cidadão de direito que
se você não seguir as leis, os princípios profissionais que
passam por direitos universais, pela universalização do
atendimento, pelo respeito, pela dignidade, pela liberdade do
usuário, pela transparência, eu não consigo exercer a minha
profissão, senão eu cairia naquilo que ser assistente social
qualquer um é. Para mim eu tenho que começar o meu
atendimento com o usuário deixando bem claro para ele,
quem eu sou, a minha formação e qual a relação que ele vai
ter comigo, que eu não acredito que é uma relação de igual
para igual, porque o saber que o usuário tem é um, o saber
que eu tenho é outro.” (fala do sujeito 10)
Se a Lei posiciona e estabelece uma direção para a profissão,
delimita também o espaço do usuário e da organização. Cabe porém ao
profissional a construção das relações que irá estabelecer com seus pares e
interlocutores a fim de dar visibilidade ao exercício profissional. Ao se
estabelecer a direção dos direitos sociais como prerrogativa básica para a
171
efetivação do exercício profissional, necessariamente estabelece-se o
protagonismo do profissional e do usuário na construção relacional
“a importância da Lei e de entender que a Lei nos dá
respaldo para trabalhar e entender que o usuário tem
direitos, ele está aqui porque existe um bolsão de carência e
é obrigação do Estado estar suprindo esta deficiência. Eles
são uma clientela que a gente tem que validar, eu só estou
aqui em função desta clientela, e a gente tem que colocá -la
como sujeito do direito.” (fala do sujeito 4)
O protagonismo do usuário deve aparecer quando o assistente
social evidencia as condições objetivas de vida do usuário, fortalece e facilita
os canais de participação dessa população nos lugares de tomada de decisão,
como por exemplo, a participação em fóruns, conselhos, entre outros. Colocar
– como bem disse o sujeito 4 – o usuário como sujeito de direitos é de fato
contribuir para a construção de sua cidadania.
O conhecimento da legislação é um dos elementos presentes no
exercício profissional do assistente social. Esse conhecimento pode colaborar
na sustentação desse exercício. Ao mesmo tempo, a própria prática
profissional, as demandas de atendimento direcionam ao conhecimento de
outras leis que garantem a sua visibilidade e importância social.
“Eu tenho que conhecer alguma coisa que é base senão eu não
tenho acesso, se eu estou trabalhando com adolescente
autor de ato infracional, no mínimo eu tenho que conhecer o
estatuto da criança e do adolescente, a lei orgânica da
assistência, eu preciso ter ali senão eu vou patinar.” (fala do
sujeito 10)
A legislação mais citada pelos profissionais como aquela que
colabora para dar evidência ao exercício profissional, é o Código de Ética.
“Não dá para trabalhar sem conhecer o Código de Ética,
respeitar o Código de Ética.” (fala do sujeito 4)
“o que nos fortalece é a questão ética” (fala do sujeito 11).
172
O conhecimento ético favorece o fortalecimento de ações de
caráter interventivo, investigativo e principalmente de construção de mediações
com a realidade social. O Código de Ética, especialmente, é utilizado pelos
profissionais com o objetivo de preservar o exercício profissional e defender o
direito dos assistentes sociais ao trabalho.
“eu procuro me reportar ao código de ética na questão ao
respeito à pessoa que estou atendendo, ao funcionário, até
aquilo que ele me fala enquanto sigilo. Eu acho que tem
algumas coisas que a gente até peca porque você dentro do
meu local de trabalho algumas coisas que o familiar passa
para você, você tem que passar para outros profissionais até
porque envolvem o usuário com a qual você está lidando então
às vezes me sinto incomodada com isto. Mas estou no
serviço, estou prestando serviço num local que exige isso
também e, às vezes, isto é meio conflituoso. Eu até reporto
para a família: olha, eu vou precisar passar a informação para
outros profissional, sempre termino dizendo que eu vou
conversar, vou ter que repassar esta informação, mas claro
muitas coisas você vai filtrando mas tem algumas coisas que
não tem jeito” (fala do sujeito 2)
Os profissionais entendem que o Código também deve ser
utilizado na defesa dos direitos dos usuários, uma vez que esta é uma de suas
prerrogativas. Na medida em que ele protege o trabalho profissional e o
fortalece, há uma tendência de ele repercutir no exercício profissional,
principalmente no “compromisso com a qualidade dos serviços prestados a
população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência
profissional.” (Código de Ética 1993 – princípios fundamentais)
Entendo que o conhecimento da legislação deve fazer parte da
instrumentalidade constitutiva do exercio profissional. Nesse sentido o
conhecimento da legislação pode ser uma das possibilidades para o
fortalecimento da dimensão interventiva e investigativa presentes na profissão.
Ao mesmo tempo, auxiliar na construção da relação assistente social – usuário,
na clarificação de seus direitos e na garantia da inclusão social.
173
“o conhecimento de leis, porque como é que você vai passar
para o usuário a questão, não do direito assim é teu direito
vai lá e briga com isso, dizer para ele que existe o estatuto
do idoso, o estatuto da criança e do adolescente, que existe
o código de defesa do consumidor, que a pessoa que você
atende que está com problemas mil, e que alguns passam pelo
código de defesa do consumidor.” (fala do sujeito 10)
Fico pensando o quanto o desconhecimento da Lei de
Regulamentação da Profissão e a pouca visibilidade do conjunto da legislação
pode comprometer o exercício profissional, inclusive no tocante à questão da
visibilidade e do significado social que vem assumindo ou não na
contemporaneidade.
174
2. 3 – Os conhecimentos consubstanciados na relação estabelecida entre
a teoria, a metodologia e a prática profissional
Partindo da premissa de que o Serviço Social é uma profissão
interventiva e historicamente determinada, entendo que ela é desempenhada
por sujeitos profissionais que recorrem ao conhecimento – em seus múltiplos
aspectos – a fim de consolidar seu exercício profissional. Ao mesmo tempo,
esse conhecimento abarca o considerado científico, o conhecimento da vida
cotidiana e expressa tanto o entendimento que o assistente social tem sobre
ele, bem como os
modos de trabalhar, dificuldades para implementar decisões;
diversidade de interpretações sobre o “como fazer” profissional;
e por fim, remetem às pressões sobre como proceder escolhas
teóricas, ideológicas e éticas, em função das contingências
circunstanciais e conjunturais. (GENTILLI, 1998, p. 29)
Para fins desta tese, destaco aqueles que incidem sobre seu
exercício profissional, ou seja,
se a intervenção encontra-se num plano objetivamente central
para o conhecimento e o reconhecimento dos modos de
realização da prática profissional, há que se considerar que
essas ações não se objetivam sem seus agentes. Estes, por
sua vez, possuem não apenas uma forma de ver o mundo,
como uma dada formação acadêmica, intelectual, cívica e
pessoal, mediações de caráter idiossincrático, que adquirem
ponderabilidade nas ações e formas de compreensão dos
profissionais sobre as relações sociais que confrontam.
(GUERRA, 1995, p. 35)
Ao buscar identificar o conjunto de conhecimentos que os
profissionais levam em consideração - àqueles referentes à teoria -, a
metodologia e a prática profissional propriamente dita ganham curso e
movimento necessariamente pelo entendimento que os próprios profissionais
tem a seu respeito. Entender esse contexto é fundamental para a análise das
relações que os assistentes sociais estabelecem entre o conhecimento, o
175
exercício profissional e a realidade no qual esse mesmo exercício profissional
recai e é executado.
Um primeiro ponto que entendo ser fundamental refere-se à
relação teoria – prática. Mais do que um jargão que por si só favorece a
qualificação do exercício profissional do assistente social, essa relação ganha
corpo quando o profissional se apropria do conhecimento como um dos
elementos constitutivos presentes na profissão e necessários para sua
qualificação. Cabe dizer que essa não é uma relação apriorística ou
estabelecida independentemente da vontade dos sujeitos; ao contrário, ela
remete ao conhecimento e aos significados que os assistentes sociais atribuem
à relação no trato profissional.
A relação teoria – prática se traduz de várias formas: identificada
como uma relação que não se constitui e é pouco necessária para o exercício
profissional; a outra é a identificação da teoria como aplicação, o conhecimento
como aplicação para explicar algo que já existe; e outra ainda é a que identifica
o conhecimento como construção permanente, advindo da própria prática,
como busca do profissional para entendimento das demandas de atendimento
e da metamorfose que estas vêm sofrendo em decorrência da crise
contemporânea advinda da reestruturação produtiva.
O modo como os assistentes sociais entendem essa relação é
constituído de múltiplas determinações e visualizado no exercício profissional
do assistente social. Explicita a complexidade da rede de conhecimentos que
os assistentes sociais utilizam quando estão exercendo a profissão. É uma
construção que engloba também a dimensão subjetiva, ou seja, o
entendimento que o assistente social tem do significado e da importância dessa
relação para o exercício profissional.
Os profissionais apresentam concepções de como se processa a
relação entre teoria e prática, que podem ser analisadas da seguinte forma:
A. Que essa relação pode não existir e não ser fundamental para o
exercício profissional, uma vez que o assistente social
operacionaliza programas, projetos e serviços previamente
determinados pela organização que contrata seus serviços;
176
B. É uma relação que já vem determinada, uma vez que o assistente
social entende teoria como aplicação de conhecimento e não como
espaço de construção de saberes. Esse modo de entender a relação
estabelecida entre a teoria e a prática é majoritário entre os
profissionais, fortalecendo a visão da “teoria de resultados”
(GUERRA, 1995, p. 23). Favorece também a construção de um mito
ainda presente no exercício profissional, conforme fala abaixo:
“A teoria... a prática sem a teoria... A gente fala que a teoria
na prática é outra. Esse é o grande jargão, mas sem a teoria
não tem como.” (fala do sujeito 16)
C. Que é uma relação que se constrói e se consolida a partir do
entendimento que o profissional tem do significado da teoria e de
como ela incide no exercício profissional do assistente social, ou
seja o exercício profissional é o principal determinante dessa
relação, uma vez que, com base nele, é possível identificar questões
que demandam análise e construção de respostas crítico-criativas
por parte do profissional;
Uma questão se destaca: essa construção depende
fundamentalmente do profissional, sendo de sua responsabilidade construir e
estabelecer essa relação e não necessariamente, um desejo, anseio ou
necessidade do empregador.
a posição dos sujeitos, ou o fator subjetivo, no processo do
conhecimento, na escolha de referências teóricas capazes de
proporcionar explicações mais aproximadas possíveis da
realidade não é de importância secundária. (GUERRA, 1995, p.
179)
A construção da relação teoria e prática também é determinada
pelo modo como o profissional entende e se identifica com o exercício
profissional que realiza.
177
“esse referencial teórico do Serviço Social, eu acho que isso
também distingue um profissional do outro. É a referência
teórica que se mobiliza.” (fala do sujeito 16)
Considero oportuno dizer claramente que a compreensão de que
o exercício profissional requer conhecimento é papel preponderante do
assistente social. Por isso, não é fácil afirmar que esse conhecimento é
apropriado de forma igualitária, com a mesma intensidade ou identificada com
a mesma importância por todos os profissionais. Mesmo aqueles que se
destacam em sua área de atuação afirmam:
“tem coisas na minha formação que eu deixei a desejar, por
culpa minha, por não procurar mais, de não me envolver mais,
de não me entusiasmar mais.” (fala do sujeito 2)
Portanto, compreender o modo como os assistentes sociais
estabelecem essa relação pode ser uma das chaves para o entendimento do
significado do conhecimento no exercício profissional. Além disso, a construção
da relação teoria – prática remonta ao entendimento que o profissional tem
acerca do(s) conhecimento(s) de que o assistente social pode lançar mão
quando está realizando seu exercício profissional.
178
2. 3. 1 – A prática como um fundamento auto–explicativo e auto–
referenciado
Para introduzir a discussão, apresento uma das formas
identificadas pelos profissionais como referência para a relação teoria – prática,
os assistentes sociais indicam que
essa relação não se constrói. Procuro
analisar também as implicações dessa forma de entender a apropriação
conhecimento no exercício profissional do assistente social. Essa perspectiva
expressa uma percepção inicial: parcela dos profissionais entende que, na
teoria, a prática é outra, ou então, que na prática, a teoria é outra.
“Depois que a gente vem trabalhar você vê que você não
aplica nada daquilo, aquelas estatísticas todas que a gente
fez, que eu fiz” [...] “insisti em aplicar aquilo tudo que você
aprendeu, porque você acredita. Até hoje acredito, e não
poder... você não poder fazer, sabe em tudo, na íntegra você
não faz. Eu acho que está aí o desafio.” (fala do sujeito 7)
Esta fala demonstra que os profissionais que compartilham dessa
visão além de não conceber e/ou visualizar a relação entre a teoria e a prática,
ainda a entende como aplicação de aprendizado, como se o conhecimento
apreendido no processo formativo fosse mera figuração. Ou seja, coloca a
relação teoria - prática como algo acadêmico e não como algo que se explicita
no fazer cotidiano.
“Eu não presto atenção nisto. Não sei te dizer como é que é
isso.” (fala do sujeito 3)
Alguns profissionais entendem que para a realização do exercício
profissional não é preciso se ater à questão da relação entre a teoria e a
prática. O exercício profissional ocorrerá independentemente dessa relação. Os
determinantes presentes no exercício profissional são de outra ordem e se
voltam aos preceituados da própria organização. Uma das implicações que
vejo sob essa perspectiva de análise, é que o profissional tem seu universo de
179
trabalho limitado, seu poder de argumentação restrito àquilo que está na
aparência, àquilo que está diante de seus olhos e que pode ser visto sob a
perspectiva de vida do próprio assistente social, sem necessidade de análise
ou de conhecimento aprofundado.
“muita coisa que ela
(professora no processo formativo)
45
falou eu não esqueci, só que nunca apliquei. Nunca tive
oportunidade, e quando tive não fiz. A teoria que eu aprendi
na época, não usei nada, de hoje que a gente vai se
atualizando, da de hoje 10% só, não faço não tem jeito, não
tem jeito.” (fala do sujeito 7)
“não sou capaz de traduzir em palavras qual é o
conhecimento do Serviço Social que eu estou usando no
momento do atendimento.” (fala do sujeito 3)
Outra implicação é que o exercício profissional pode ficar reduzido
ao determinado pelo próprio empregador que contrata o assistente social. O
que eu quero dizer com isso? Na medida em que acredito que a teoria pode
iluminar o exercício profissional, se o profissional entende que ela é
desnecessária, há uma tendência a que esse exercício profissional seja cada
vez mais reificado e subordinado às necessidades identificadas pelo próprio
gestor. Ao mesmo tempo, o gestor não espera do assistente social a
construção de respostas profissionais, uma vez que estas não apresentam
consistência, ao contrário, o profissional é aquele que lamenta, está sempre à
procura de algo ou de alguém que venha iluminar o seu fazer, como se o fazer
fosse algo externo e não determinado também pelo próprio profissional.
“nossa eu parei lá atrás” [...] “eu acho que ela é importante”
[...] “Eu acho que a teoria, é ela que vai diferenciar o
trabalho do assistente social em relação àquela pessoa que
pratica o assistencialismo, o bom mocismo, o primeiro
damismo, sei lá qual nome e que você dá a isto” [...] “Quando
eu paro para falar o que eu acho da teoria no Serviço Social,
ela me coloca em cheque porque aí é para o lado de que eu
devia estar estudando e não estou” (fala do sujeito 3)
45
Crivo de texto de minha autoria.
180
Aqui se evidencia que buscar conhecimento não é somente uma
questão de assalariamento. O próprio profissional, por desconhecer ou não
atribuir significado àquilo que faz, compromete seu exercício profissional.
Entendo que, de certa forma, os assistentes sociais que compartilham dessa
visão concluem que a prática é auto-explicativa, auto–referente, ou, ainda, se
basta para dar visibilidade ao exercício profissional do assistente social.
Iamamoto (1992) analisa que essa forma de entender e de realizar a prática
profissional é atravessada pelas visões fatalista e a messiânica
46
, que
comprometem o exercício profissional de várias maneiras: as atividades
desenvolvidas pelo assistente social estão baseadas no conformismo,
reduzidas a qualquer atividade e carregadas de traços inespecíficos; o
profissional tende a reproduzir inclusive os processos de trabalho e os meios
pelos quais o trabalho se realiza. Ou seja, ao realizar suas atividades, o
profissional segue os padrões e rituais já encontrados no local onde trabalha.
tais características vão se desdobrar numa recusa da teoria
que fuja a tais parâmetros e na crítica aos chamados “teóricos”,
tidos como distante da imediaticidade das expressões da
prática profissional. (IAMAMOTO, 1992, p. 115)
A prática carrega um sentido utilitário, portanto ela está
distanciada da teoria, ocorrendo então o descolamento da necessidade de se
buscar analisar a intervenção com base no conhecimento. Aliás, sob esse
ponto de vista, a teoria pode ser vista como desnecessária,
em vez de formulações teóricas, temos assim o ponto de vista
do ‘senso comum’, que docilmente se dobra aos ditames ou
exigências de uma prática esvaziada de ingredientes teóricos
(VÁZQUEZ, 1990, p. 210)
Quando a prática se basta, a tendência é uma atitude acrítica em
relação a ela mesma, o que permite torná-la reiterativa, sem uma direção clara
46
Para Iamamoto, fatalismo é “inspirado em análises que naturalizam a vida social, traduzido numa visão
‘perversa’ da profissão.” [...] O Serviço Social encontrar-se-ia atrelado às malhas de um poder tido como
monolítico, nada lhe restando fazer. No máximo, caberia a ele aperfeiçoar formal e burocraticamente as
tarefas que são atribuídas aos quadros profissionais pelos demandantes da profissão.” O messianismo
privilegia as intenções, os propósitos do sujeito profissional individual, num voluntarismo marcante [...]
traduz-se numa visão heróica, ingênua, das possibilidades revolucionárias da prática profissional, a partir
de uma visão mágica da transformação social.” (1992, p. 115 – 116)
181
e consistente. Além disso, é possível cair no “canto da sereia”, numa “rede de
preconceitos, verdades estereotipadas e, em alguns casos, superstições de
uma concepção irracional (mágica ou religiosa) do mundo” (VÁZQUEZ, 1990,
p. 210) A tendência é reconhecer apenas aquilo que é imediato aos olhos do
profissional e por isso a propensão ao praticismo, ou seja, uma “prática sem
teoria, ou com o mínimo dela.” (VÁZQUEZ, 1990, p. 211)
Essa perspectiva reforça uma visão que tem ganhado força
entre os profissionais considerados “profissionais da prática”: para fazer o que
eu faço ou, ainda, o que me é determinado e permitido, não é preciso
conhecer, não é preciso estudar; qualquer pessoa com um pouquinho de bom
senso, faz o que eu faço. Essa reflexão pode sugerir que o assistente social no
seu exercício profissional pode se abster de suas responsabilidades, ou
melhor, também tem suas responsabilidades reduzidas àquelas requeridas
pela organização contratante. As obrigações advindas do projeto ético-político,
contidas na Lei de Regulamentação da Profissão, ficam em segundo plano ou
nem chegam a ser levadas em consideração. Ainda nesse caminho, mesmo as
determinações organizacionais não são discutidas, pois, como determinação,
devem ser cumpridas e assim, a construção da intervenção fica comprometida,
a sua intervenção na realidade aparece cerceada por fatores
internos e externos que, por serem alheios à vontade dos
profissionais, acreditam que não lhes cabe responsabilidade
alguma. (GUERRA, 1995, p. 184)
Mesmo reconhecendo que o conhecimento pode ser o
diferencial, os assistentes sociais são tragados pelos limites institucionais,
reproduzindo e reificando seu exercício profissional por meio do cumprimento
das normas, do afastamento dos usuários ou mesmo do enquadramento
destes a essas mesmas regras.
O assistente social vale-se do bom senso ou do senso comum.
Atua a partir da moralização das relações, buscando estabelecer padrões de
comportamento de acordo com o que acha correto e ético. O que prevalece é a
visão do profissional e o enquadramento do usuário nos critérios da
organização. Os critérios existem para o cumprimento das demandas
organizacionais e acabam ficando cristalizados, sem “acompanhar” o
182
movimento da realidade social. Nessa perspectiva o usuário existe para manter
a organização e a organização não é espaço de experimentação dos direitos
sociais.
“quando chegam casos assim para serem avaliados, eu faço a
primeira entrevista, quando chega pra equipe fazer a
avaliação pra constatar o diagnóstico, eu digo essa família eu
já conheço, olha essa família é isso, isso, isso, sabe? Eu já sei
o perfil todinho da família, antes mesmo que a gente conclua
essa avaliação” [...] “eu sempre esbarro nas mesmas famílias,
então o meu público é sempre o mesmo. Eu tenho uma pasta
de usuários assim que é sempre o mesmo, não muda” [...] “Aí
quando eu faço o plantão é mais fácil também, eu consigo
atender aqui 15, 20 pessoas por dia, no dia que eu estou
fazendo plantão por conta disso.” (fala do sujeito 7)
É nítida o quanto no exercício profissional desenvolvido sem esse
conjunto de conhecimentos, a grande tendência de tornar rotineiro o trabalho
interventivo, ou ainda, de delimitá-lo com base na perspectiva da própria
organização. A rotina favorece também a sensação de desqualificação, de
distanciamento do trabalho, podendo levar ao processo de alienação, de
sensação de descarte, que também é percebida pelo próprio usuário.
“Não consigo aplicar, eu nem me esforço, eu nem me esforço,
às vezes eu converso, faço o cadastro, faço a triagem, e
peço para pessoa aguardar um minutinho, aí troco idéia com
uma outra profissional.” (fala do sujeito 7)
Alguns profissionais ainda lidam com essa questão de modo a
reproduzir as relações que se dão na aparência das demandas de
atendimento, cristalizando práticas tendenciosas, valorativas, em que o
conhecimento é usado para reproduzir e não para superar. A informação não
tem por objetivo agregrar-se ao conhecimento anterior mas reforçar aquele que
está à mão.
“todo conhecimento que eu tenho, ainda eu leio muito, essa
leitura mais recente, mas eu não consigo encaixar isso no
183
meu dia-a-dia, não consigo. Porque a minha visão é uma, mas
quem senta aí na minha frente não vai enxergar as coisas que
eu enxergo, porque ela não tem a mesma leitura que eu.
Então eu me esforço para poder passar, não consigo 100%,
consigo uns 20, 30, mas no geral eu não consigo colocar o
meu conhecimento em prática.” (fala do sujeito 7)
Às vezes penso que o assistente social não se pauta no
conhecimento anterior ou mesmo não sabe fazer a diferença entre o que já
sabe e aquilo que quer e precisa buscar. Os assistentes sociais atuam como se
seu conhecimento pessoal bastasse para a realização da intervenção. A
discussão dos atendimentos é direcionada para a identificação do
enquadramento nos critérios de atendimento e não necessariamente
embasada também nas condições objetivas de vida do usuário. Sob esse
prisma, a análise é igual para todos os atendimentos, cristalizando processos
de trabalho que já não respondem aos interesses dos usuários. Ainda nessa
direção, o exercício profissional tende ao inespecífico, ao superficial. A
construção de respostas profissionais é considerada eficiente na medida em
que atingiu as metas e determinações da organização que contrata o serviço
do profissional.
Nessa perspectiva, o usuário é visto de forma
compartimentalizada, e a análise dos fenômenos sociais é residual e
singularizada na condição individual. O exercício profissional perde em
historicidade e as atividades são realizadas a partir do referencial do assistente
social, de como ele se percebe e percebe o mundo em que vive, privilegiando o
seu entendimento em detrimento do usuário.
184
2. 3. 2 – A transposição do conhecimento para a prática como critério
para qualificação do exercício profissional.
Um outro modo pelo qual o assistente social entende
a relação
entre teoria e prática é que ela ocorre e/ou se estabelece mediante a
aplicação do conhecimento.
“é que a teoria está muito avançada e que a gente precisa se
capacitar bastante, para atingir um nível cada vez maior,
mostra que nós não estamos invisíveis, muito pelo contrário,
exigência, nível de exigência que eu quis dizer.” [...] “a gente
fica mais exigente também, existe uma cobrança silenciosa
até de colega para colega.” [...] “que não dá para ficar como
era no passado cada um fazendo a sua parte, no seu cantinho
esquecido” (fala do sujeito 11)
A teoria é apreendida pelos assistentes sociais pelo seu caráter
utilitário; o conhecimento advindo da teoria está vinculada
“as necessidades práticas, o pragmatismo infere que o
verdadeiro se reduz ao útil, como o que solapa a própria
essência do conhecimento” [...] “o pragmatismo reduz o prático
ao utilitário, com o que acaba por dissolver o teórico no útil
(VAZQUEZ, 1990, p. 211 – 212)
Esse modo de entender o conhecimento teórico retira dele o
movimento contraditório e a possibilidade de se defrontar com a prática social.
A teoria então tem o sentido de serventia, “como justificação e não
propriamente como esclarecimento e guia de uma práxis que ao mesmo tempo,
a fundamenta e enriquece.” (VAZQUEZ, 1990, p. 212) Assim, a teoria ganha
significado no sentido da eficácia, na eficiência, entendida como uma busca
individual, que não é necessariamente compartilhada com os sujeitos
envolvidos.
“acho que ela existe constantemente, mas hoje eu não sinto
que ela seja homogênea, eu acho que ela é individualizada,
185
quer dizer eu não consigo fazer essa relação teoria e prática
no projeto como um todo que eu executo, mais eu consigo
fazer essa relação no individual” [...] “esse projeto de
supervisão foi pensado numa outra esfera que eu não
participei, então fazer essa relação teoria e prática ela é
meio difícil” [...] “eu tenho que pegar a idéia de alguém, que
veio de alguma área do saber, introduzir na minha prática e
levar para prática do outro” [...] “eu tenho que conhecer a
realidade do outro, agora eu tenho que conhecer a realidade
do município x, b e a, e fazer essa ponte, que seria diferente
se a construção do projeto original tivesse partido das
teorias que fundamentam a minha prática” [...] “Hoje eu acho
que nós assistentes sociais não estamos nas elaborações,
mais estamos na execução, esta relação não fica homogênea,
aquela velha historia a cada usuário que você atende você
tenta buscar uma fundamentação teórica” [...] “o problema
dela é de alcoolismo, o problema é financeiro, psicológico, e
daí vira uma miscelânea, e como você não participou da
elaboração, você só está na execução, a orientação fica
muito fragmentada.” (fala do sujeito 10)
a teoria tem sim um espaço importante, eu procuro me
pautar nela para fazer os atendimentos, no atendimento ao
funcionário, para escrever um texto ou quando eu vou fazer
um relatório, um laudo.” (fala do sujeito 2)
A teoria serve de guia, de fundamento para o exercício
profissional. Na medida em que ela é entendida como passagem de um lugar a
outro sem mediação, favorece a sensação de inconsistência, de não aplicação.
Assim muitas vezes o conhecimento teórico é confundido com modelos de
intervenção, com formas estruturadas e organizadas de proceder quando se
está em contato com o usuário. Netto afirma que teoria não é
qualquer sistematização abstrata da prática [...] arrolamento de
determinações sobre um fenômeno qualquer [...] uma pauta
determinada de procedimento para conhecer alguma coisa.
(1986, p. 55 – 56)
Sob esse aspecto, a teoria é assimilada como algo que é dado e
incorporado no cotidiano; como aplicação de conhecimentos.
186
“você troca informações, troca experiências e é isso que faz
crescer, sabe essa troca de experiência, e essa busca
também, da teoria, aliando a teoria com a prática, essa
tentativa de estar aliando a teoria com a prática, eu acho
que isso que fundamenta todo nosso trabalho aqui.” (fala do
sujeito 11)
Uma outra forma que aparece com freqüência é a naturalização
dos processos teóricos, como se pensar teoricamente fosse intrínseco ao
pensamento humano. Identifica-se aqui o pragmatismo
47
“mesmo porque eu acho que está tudo ali tão junto, sem
querer, eu não fico pensando na teoria quando eu estou
atendendo. Eu não faço distinção: isso aqui é teoria, isso aqui
é a minha prática, não dá para ser tirado, para mim não dá,
não sei se para outras pessoas, não dá, desde que você já
vem já, primeiro que você tem que ter mesmo uma base.”
(fala do sujeito 15)
A medida do conhecimento não ocorre por osmose. A apropriação
também não é definitiva. Ela “acompanha” o movimento da realidade. Saber
identificar conteúdos teóricos auxilia o profissional a superar a visão de
aplicação de conhecimento.
“É uma coisa que está dentro da gente, mas quando você
senta e planeja uma atividade, todo o conhecimento que você
recebeu na faculdade e o conhecimento da vida, pela leitura
que você fez, tudo está dentro de você e sai resultado por
isto, eu acho que a gente precisa conhecer de tudo, para o
estagiário eu falo: eu não preciso estar descrevendo a teoria
toda hora que eu for fazer:” [...] “Acho que faz parte da
gente. Eu não existo sem isto.” (fala do sujeito 5)
47
Entendo que o pragmatismo defende as idéias como parte das ações e que produzem sobre as ações
efeitos práticos. Abbagnano define o pragmatismo como “um procedimento para determinar o significado
dos termos ou melhor, de suas proposições” [...] “considerar quais são os efeitos, que se podem conceber
com um alcance prático, que pensamos tenha um objeto” [...] “é o princípio pelo qual se compreende que
a regra metodológica é a total função do pensamento de produzir ações.” [...] “entendendo por
procedimento científico o experimental” [...] “o método a priori” (1992, p. 940 – 941)
187
A “aplicação” do conhecimento teórico leva o assistente social a
construir estratégias que viabilizem a criação de espaços em que esse
conhecimento é testado.
“É o conhecimento mesmo, real das intervenções, das
famílias que eu atendo, de tudo aquilo que eu faço para as
famílias tem teoria” [...] “ possibilidade de construir o
atendimento e de construir outras teorias, novas teorias”
(fala do sujeito 4)
Se a resposta do usuário for aquela esperada pelo profissional é
sinal de que o conhecimento é verdadeiro e útil, podendo inclusive servir de
base para outros conhecimentos.
“Eu busco conhecimento de família enquanto serviço social e
busco outros conhecimentos de intervenção da prática
profissional, como essa prática se dá, quais as estratégias de
intervenção que eu tenho que utilizar para conseguir até o
recurso a gente tem que ser estrategista para conseguir.”
(fala do sujeito 4)
A busca por conhecimento com o intuito de identificar aqueles que
serão úteis para a resolução do problema é a marca dos profissionais que
compartilham dessa visão. A utilidade está na medida em que ele resolve o
problema identificado pelo assistente social, além de reproduzir as relações
estabelecidas na realidade social.
“a prática é toda a ação que a gente tem no local de trabalho,
toda a nossa ação pensada, fundamentada, embasada em
alguma coisa.” [...] “A prática para mim é todo o seu
exercício, é toda a tua ação” [...] “É toda a sua ação que você
procura fundamentar, que você procura estar antenado a
postura, a aplicação, a utilização de conhecimentos, a
feedback, quer dizer, a devolver as situações às pessoas, a
partilha, o trocar. (fala do sujeito 1)
A intervenção tem como foco o problema e o assistente social
identifica o que cabe a ele nessa resolução e o que cabe ao próprio usuário. A
188
direção da intervenção não é compartilhada com o usuário mas é prerrogativa
do assistente social.
“aquela mania de querer mudar a vida dos outros, eu via a
casa caindo aos pedaços eu não me conformava, mais tem que
dar um jeito.“ [...] “eu não posso imaginar que eu estou sem
trabalhar, eu estou aqui, corro aqui, acudo ali, sabe” (fala do
fala do sujeito 15)
A intervenção ocorre mediante a realização de uma ação imediata
cuja resposta também é imediata. Cabe aqui uma ressalva: o assistente social
atua também com questões emergenciais que requerem do profissional atitude
e construção de respostas que de fato interfiram na questão. Outra coisa é
tratar todos os fenômenos de forma imediata. Mesmo nesse contexto, é preciso
construir mediações, o que possibilita ao assistente social reconhecer em que
condições a questão emergencial está posta.
Entendo que parcela dos assistentes sociais ainda não superou a
visão de modelos de atuação - estruturados em face aos problemas sociais
apresentados pelos usuários - como forma de dar corpo ao exercício
profissional, reforçando a base conservadora ainda presente no exercício
profissional.
“A teoria é a fundamentação. A teoria vai esclarecer para
você o que está sendo feito. A metodologia é como pode ser
feito, através de que instrumentos, de que forma” [...] “De
que forma você vai aplicar, qual a forma você dar aquilo que
está escrito. Mas eu acho que a teoria te propicia concordar
ou não concordar, para você fazer você precisa entender o
que você está fazendo.” (fala do sujeito 1)
Esse modo de entender a intervenção decorre da visão da relação
teoria–prática como aplicação de conhecimento e, portanto, deve “aparecer”
sob forma de procedimentos que podem ser utilizados pelos profissionais nas
mais diversas áreas de atuação.
189
2. 3. 3 – A prática profissional como fundamento para a construção de
conhecimento
Um dos conhecimentos que estão relacionados dentre aqueles de
que os profissionais lançam mão no exercício profissional refere-se àquele que
abarca o campo teórico, reconhecendo suas possibilidades e seus limites “e a
insubstitubilidade e a necessidade do caráter compulsório da iluminação
teórica” (NETTO, 1995, p. 113). Partindo do conhecimento que já existe e
buscando conhecer o que precisa ser mais bem aprofundado e sedimentado, o
conhecimento teórico advém de uma compreensão sobre teoria,
a teoria não é o receituário da prática. [...] teoria é uma
explicação onde se tenta entender a lógica do movimento real
ou a apreensão do movimento próprio do real. Se a teoria é
uma construção ideal para dar conta do real [...] se o
conhecimento teórico é um resgate aproximado de tendências
que operam no movimento do real, se tem uma visão
ontológica de teoria. [...] a teoria é uma construção que procura
apreender o ser [...] porque o objeto é a processualidade do
real, é o movimento real (NETTO, 1995, p. 111 – 112)
A teoria como construção destaca o modo como os assistentes
sociais dão evidência a esse conhecimento. Ao mesmo tempo, clarifica o objeto
de análise e de intervenção sobre o qual o assistente social se debruça
cotidianamente: a questão social, suas expressões e a incidência nas
condições objetivas de vida do usuário. O caminho indicado é o da teoria que
ilumina e não o daquela que prescreve ou ainda formaliza modelos para as
ações sócio-profissionais. A busca por construir caminhos teóricos passa
necessariamente pelo entendimento do assistente social acerca dos
fundamentos e concepções presentes no seu exercício profissional,
compreensão esta que é carregada de intencionalidade. Abrange também a
visão do Serviço Social como profissão inserida nas relações sociais, portanto,
analisada como tal, a partir das mediações que consegue estabelecer entre a
totalidade das relações e determinantes presentes na realidade social e a
particularidade do seu objeto de intervenção e investigação. O movimento
contraditório presente na realidade social é um dos indicativos que
190
recomendam a superação da visão de modelos previamente estabelecidos no
trato interventivo e investigativo
48
Outro aspecto que se revela é que a
pesquisa para o assistente social que se considera o profissional da prática se
reduz à sistematização de dados dos serviços que presta no espaço sócio-
organizacional.
“eu acho que ele é fundamental para qualquer profissional
que tem que estar sempre na busca. Eu falei que a gente não
faz conhecimento sem busca, sem pesquisa, sem saber com
quem é que eu estou lidando, o que eu entendo de família, o
que é família para mim, como eu vou trabalhar esses vínculos
familiares que a gente sabe que família não é só vínculo
consangüíneo, são todos os membros que moram na mesma
casa, no mesmo teto, o que que ele é para mim? A gente tem
sempre que buscar o conhecimento do que é família, do que é
globalização, do que tudo é. É preciso um pouquinho do
conhecimento de tudo para poder trabalhar e construir a
intervenção nesta situação.” (fala do sujeito 4)
O entendimento que fica presente é que o conhecimento teórico
se expressa via metodologia, ou seja, os profissionais colocam a metodologia
no “lugar” ou lócus em que estarão presentes os elementos que, em
associação com a teoria, deixam vir à tona o conjunto de conhecimentos das
mais diversas áreas do saber que incidem sobre o exercício profissional do
assistente social.
Para entender como isso se processa, preciso deixar claro o que
é metodologia
a abordagem metodológica [...] O que interessa são as
relações que o Serviço Social estabelece com o objeto de sua
ação no processo de conhecimento e da intervenção, dos quais
a teoria é o ponto de partida e a realidade sua referência
fundamental. (KAMEYAMA, 1995, p. 104)
Partindo dessa compreensão é possível dizer que os assistentes
sociais quando realizam sua atuação profissional, dispõem de um conjunto de
48
Considero um equívoco não identificar que a questão social e suas expressões são objeto também de
investigação e pesquisa do assistente social; talvez, esse reducionismo possa reforçar a visão de que teoria
é determinação ou ainda, aplicação de conhecimento.
191
conhecimentos já existentes, que englobam não somente os do campo teórico,
mas também o conhecimento técnico, o conhecimento relativo à
instrumentalidade, o conhecimento advindo do acervo da experiência
profissional, que relacionados entre si, facultam ao assistente social realizar a
análise de uma dada situação singular mesmo quando esses conhecimentos
não foram produzidos com esse fim. Ao mesmo tempo, esse conjunto de
conhecimentos relacionados à prática profissional possibilita ao assistente
social identificar a necessidade ou não da construção de outros
conhecimentos, de outros instrumentos técnico-operativos, de outras
estratégias de intervenção a fim de responder – de forma profissional – às
demandas de atendimento.
“eu acho que o que a gente mais usa da universidade é a
metodologia, tem a teoria também , mas é o que dá suporte a
ação, são as concepções, as tendências, as correntes que
você pode estar utilizando é o como fazer, é o como fazer a
entrevista, como encaminhar. Mas eu acho que a capacidade
para você compreender, saber ouvir, compreender que aquela
família está vivendo eu acho que é uma soma de academia
com vida. Eu acho que por isso a qualidade de vida, a
ideologia, a visão de mundo, a participação dessa pessoa lá
fora ela unida ou a academia ou ao curso de Serviço Social ou
a vida profissional é muito importante.” (fala do sujeito 1)
A metodologia também pode ser vista como a mediação entre a
teoria e a prática, na medida em que viabiliza a construção de mediações entre
uma situação singular e a totalidade. Esse modo de ver a metodologia enfatiza
a mediação como algo vital para o exercício profissional do assistente social. O
alcance desse caminho se dá pois “a mediação se faz na materialização da
teoria na prática. É a relação do imediato com o mediato.” (KAMEYAMA, 1995,
p. 102) É a possibilidade de entender uma questão apresentada de forma
singular pelo usuário ao assistente social a partir das determinações existentes
na realidade social. Esse caminho faculta ao profissional analisar as situações-
problema sob múltiplos pontos de vista que se relacionam: do ponto de vista do
usuário, do ponto de vista das políticas sociais, do ponto de vista do espaço
sócio-organizacional, culminando na construção de um ponto de vista sócio-
192
profissional. Ao realizar seu exercício profissional e construí-lo tendo por base
a metodologia, o assistente social pode ter melhor clareza da relação teoria–
prática e da efetivação das atividades que desenvolve cotidianamente.
Favorece também a identificação do resultado alcançado, do impacto social do
trabalho desenvolvido junto ao usuário e do significado do trabalho
desenvolvido junto à organização que o contrata.
“quando a gente acaba fazendo uma entrevista, quando a
gente faz uma triagem, quando a gente faz uma visita
domiciliar, quando a gente procura unir uma abordagem
qualitativa, quando a gente procura, dentro do possível
lógico, que a gente sabe que o plantão é muito corrido, o
estudo, a história de vida desse sujeito, esse contexto, a
realidade social.” [...] “qualidade de vida que eu coloco como
equilíbrio mesmo desse trabalho, desse lazer, desse pai,
dessa mãe. Eu acho que a partir do momento que você
trabalha isso, eu acho que já é um fator da questão
metodológica, do fator da prática, da técnica... eu acho que
tem técnica? Ela tem que ser utilizada. Ela não pode ser
esquecida, porque senão você cai numa rotina. Você cai numa
rotina aí você faz o que aqui? Você olha para o cara e:você
trabalha?”. “Não”! “A cesta?” “Tó”. E não é isso. É mais que
isso.” (fala do sujeito 6)
A metodologia possibilita também adensar a discussão da
instrumentalidade presente no exercício profissional do assistente social. A
instrumentalidade pode ser entendida pelo conjunto de saberes que colocam
em evidência as dimensões do político, da ética e da intervenção propriamente
dita. Sob essa perspectiva, propõe que, na execução do exercício profissional,
o assistente social seja capaz de inovar e recriar seu aparelhamento técnico a
partir da apreensão teórica da diversidade presente no cotidiano da prática
profissional. O assistente social deve ser capaz também de explicitar essa
apreensão no exercício profissional,
tal desafio estaria [...] em construir uma nova capacitação para
o desenvolvimento do relacionamento profissional e para a
produção de resultados concretos na intervenção. (CASSAB,
1995, p. 33)
193
O sentido proposto por Cassab (1995) para a discussão é que
a instrumentalidade constitui-se como mediação entre o
método - o pensamento – e – real, com vistas a produzir neste
as intenções que estão na consciência dos sujeitos da prática.
[...] a instrumentalidade jamais poderá constituir-se como fim
em si mesma, não pode ser automizada, ela é a forma como se
otimiza a metodologia na produção dos resultados da
intervenção. (CASSAB, 1995, p. 34)
Por esse caminho, o exercício profissional articulado com a
concepção de instrumentalidade torna-se exeqüível e ganha aderência, uma
vez que viabiliza a construção de estratégias profissionais e a identificação dos
resultados.
Associada à questão da metodologia está à produção do
conhecimento
49
, mediante a realização de pesquisas que venham qualificar e
fortalecer o exercício profissional.
“no conhecimento básico, no alicerce se você não tem a
teorização, no seu alicerce não adianta a intervenção” [...]
“Porque se você não tem a teoria como é que você vai discutir
com as outras ciências?” (fala do sujeito 10)
Sob esse viés, a pesquisa é mais do que a sistematização de
dados empíricos e não limitada a ela, isto é,
a sistematização de dados [...] constitui um procedimento
prévio e necessário a reflexão teórica [...] configuram um passo
preliminar e compulsório da elaboração teórica – sem
entretanto, confundir-se com ela (NETTO, 1995, p. 141 – 142).
Apesar disso, entendo ser importante que a sistematização de
dados ocorra de forma a organizar e indicar indícios que possibilitem a
49
Esclareço que a análise da produção do conhecimento não é objeto de estudo nesta tese. Para este fim,
vide recente produção da Prof Dra Jussara Ayres Bourguignon, cuja tese de doutorado intitulada “A
Particularidade Histórica da Pesquisa no Serviço Social”, defendida na Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo em 2005, versa sobre esta questão. Outros estudos publicados, fundamentais para o
entendimento desta questão o: SETUBAL, Aglair Alencar. Pesquisa em Serviço Social: utopia e
realidade. 2. ed., São Paulo: Cortez, 2002; BAPTISTA, Myriam Veras. A Investigação em Serviço
Social. São Paulo: Veras, Lisboa: CPIHTS, 2001.
194
construção de conhecimento. A sistematização ganha vulto na medida em que
é realizada com objetivo, dentro de procedimentos que possam levar a
comparação, a avaliação e a construção de parâmetros analíticos. A
sistematização permite ao assistente social identificar regularidades de
demandas; fenômenos sociais que se apresentam de forma recorrente durante
o exercício profissional. Essa observação pode favorecer a realização de uma
leitura analítica acerca da particularidade dos fenômenos sociais e como estes
incidem sobre o exercício profissional. Isso permite também ao assistente
social que realiza pesquisa a leitura, a análise do movimento e da
processualidade constitutiva da realidade social e como se particulariza no
fenômeno que está sendo pesquisado. A pesquisa possibilita a construção de
saltos qualitativos que irão repercutir na intervenção, além de possibilitar a
construção de diálogo com outras áreas e outros saberes.
“ocupa é o papel principal. A teoria, na verdade, junto com a
prática. Quando eu era aluna, eu não conseguia ver a teoria
junto com a prática, a prática era mais rápida. Agora que a
gente tem teoria e está estudando, conhecendo melhor, se
aprofundando melhor em outras visões também, a gente
consegue ver a prática e a teoria.” [...] “O profissional não é
só um profissional, ele tem que ser “o” profissional.” [...] “Eu
não tinha essa visão enquanto estagiária, estava sempre
atrasada. Hoje não, eu acho que elas andam juntas, até
porque as próprias ações, que é a prática, permitem com que
eu pare, com que eu avalie, faça uma análise avaliativa do meu
próprio trabalho.” [...] “Será que eu estou desenvolvendo um
trabalho adequado a partir desta metodologia, enfim, com
essa teoria toda que nós aprendemos? Será? Ou eu estou
sendo mecânica?” Essa pergunta eu me faço quase todos os
dias. Essa análise, essa síntese avaliativa, eu faço quase
todos os dias. “Até que ponto?”.Tudo vem pronto. Eu sei.
Tudo vem assim: “você vai ter que fazer e ponto final”. “Tá”.
Mas eu vou procurar, na medida do possível, tentar fazer o
melhor e usar as teorias, porque se você não usa essa
metodologia, a teoria, os instrumentos, fica mecânico. Aí
você volta a ser alienado” [...] “ Você vai fazer aquilo sim,
vem pronto no papel. “Tá. Mas de que melhor maneira eu
posso fazer para poder atingir a teoria junto com a prática?”
(fala do sujeito 6)
195
À medida que o assistente social vai avaliando seu exercício
profissional, sistematizando dados decorrentes do processo interventivo, ele
fortalece o seu exercício profissional e fortalece a si mesmo como profissional.
O conhecimento analítico permite ao assistente social construir e qualificar seu
exercício profissional, reconhecer os determinantes organizacionais e utilizá-los
a favor de uma melhor qualificação de suas ações e mesmo do processo de
inclusão dos usuários.
“estou trabalhando na perspectiva do projeto ético-político
que diz que a gente tem que trabalhar no caminho de
direitos sociais, mas não estou rompendo com a filosofia da
organização na qual presto serviço.” [...] “eu admiti numa
escola de informática e cidadania, meia dúzia de alunos que
estão cumprindo medida sócio-educativa de Liberdade
Assistida
50
. Isso causou estranheza, qual foi o argumento?
São filhos de Dom Bosco. Quem eram os meninos que Dom
Bosco aceitava? Os meninos da Revolução Industrial, meninos
evadidos da escola, evadidos de casa. Eu perguntei para os
gestores: tem alguma dúvida com relação a isto? Agora,
precisa que a gente vá buscar, tenha claro o que quer e ver
onde nós podemos ter as parcerias.” (fala do sujeito 17)
Esse conhecimento favorece a ultrapassagem da visão
pragmática e utilitarista da profissão para uma visão de que essa profissão
ocupa um lugar, realiza um conjunto de ações, tornando-a visível no campo do
trabalho. Quanto mais eu sei sobre as demandas que são recorrentes em meu
campo de trabalho, mais condições eu tenho de identificar outras demandas e
qualificar as respostas profissionais construídas.
“você tem que ter um conhecimento de causa daquilo que
você vai falar, você tem que saber muito daquilo que você vai
propor.” (fala do sujeito 2)
Buscar a realização do exercício profissional por intermédio da
construção de relações mediatizadas pela intervenção e pelas demandas
50
Medida sócio-educativa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, lei n. 8.069/ 90, no art. 112 e
aplicada aos adolescentes que cometem atos infracionais. Esta medida é aplicada por autoridade
competente do poder judiciário. Aqui no Brasil é de competência do juiz da Vara da Infância e Juventude.
196
advindas daí, pode ser um dos caminhos que o profissional encontra para
estabelecer o lugar ocupado pela teoria; além do que o conhecimento é uma
possibilidade de identificar alternativas para qualificar e evidenciar o exercício
profissional. O lugar ocupado pelo conhecimento teórico é aquele que ilumina o
exercício profissional.
“tanto é que eu acredito, porque a gente sempre vai estudar
- estudar, estudar, estudar, estudar – e quando você estuda,
é teoria – teoria, teoria, teoria e teoria – e por que você
estuda? Justamente para buscar conhecimento, para buscar
fatores que nos dê base nisso, estrutura para a gente
manter essa prática.” [...] “É através dessa análise, na
verdade, análise de conjuntura, análise avaliativa do meu
próprio trabalho, dos relatórios, do planejamento. [...] “Eu
acho que... eu percebo através das minhas ações.” [...] “Aonde
que eu estou falhando, em que a teoria, na verdade, a
metodologia, os instrumentos, enfim, as atribuições, até
embasado na própria lei. Eu estou me permitindo isso ou está
sendo mecânico, ou eu nem estou percebendo que isso
existe?” (fala do sujeito 6)
É preciso ter clareza de que o conhecimento não começa com ou
no profissional. O assistente social precisa reconhecer o conhecimento prévio
que permeia o exercício profissional do assistente social. É preciso, portanto,
pensar no ponto de partida, de onde se começa para, então, buscar outras
informações, outros indicativos. Para isso, é preciso ter clareza de que a teoria,
que não é um conceito aleatório, é formada com base nos de conhecimentos
historicamente determinados.
“se eu disser que ela é aquilo que me dá um norte, pode ficar
na metodologia. Então ela não é, se eu disser que ela é aquilo
que me alavanca, me impulsiona, acho que ela está mais
próxima” [...] “Porque se eu parto de uma teoria do Serviço
Social, de uma teoria de intervenção, de uma teoria
profissional mais que me provoca constantemente, que me faz
discutir constantemente, que me faz refletir, que me faz
pensar. Só que essa teoria também para mim ela não é
estanque, ela bate volta, ela bate volta, ela me manda lá e eu
volto, para repensar essa teoria.” [...] “a teoria não me
197
impulsiona eu vou lá, e eu volto, porque hoje eu tenho medo da
teoria que me
faz ficar aqui, eu leio, eu tenho a teoria e
reflito nela aqui, eu tenho muito medo dos teóricos de
computador.” [...] “que você fala para este teórico que ainda
tem vala de esgoto correndo a céu aberto está muito
distante da prática dele.” (fala do sujeito 10)
À medida que a teoria ganha corpo, ou seja, em sua relação com
a prática, se revela como verdadeira, ela mais do que nunca qualifica o fazer
profissional, do contrário, é teoricismo, ou seja, se a teoria que não incidir e/ou
não qualificar a prática profissional, ela é inócua, portanto pode ser
considerada superada.
Essa perspectiva para o entendimento da teoria reforça uma das
visões presentes no exercício profissional do assistente social:
a relação teoria
e prática ocorre mediante a construção de um conhecimento mediado
pela prática
, ou seja, ela implica as interrogações da vida cotidiana, o
cotidiano profissional, as demandas de atendimento que possibilitam a
construção dessa relação. Reflete também o pensar de uma categoria
profissional e, mais além, o modo de ser e de se constituir dessa categoria
profissional.
“eu entendo que ela acontece a relação (teoria–prática). Eu
estou aqui com o título de assistente social mas não estou
fazendo nada no “achismo”, no senso comum, não é a minha
opinião que está prevalecendo mas é a opinião, o jeito de
pensar, de ver de uma categoria profissional e nem sempre é
a minha opinião que está em prática.” (fala do sujeito 5)
Esse modo de entender e de colocar em movimento a relação
teoria–prática clarifica a identificação que o profissional tem com os
conhecimentos adquiridos e que colaboram para o entendimento daquilo que é
específico da profissão e também com a necessidade de articulação com o
conhecimento produzido em outras áreas do saber científico.
“isto precisa ser através de muito conhecimento, de busca
de conhecimento, quanto mais você estuda mas você percebe
o quanto cresce profissionalmente.” (fala do sujeito 4)
198
É uma relação que se constrói permanentemente, cujo substrato
fundamental é a prática social; nessa condição específica, a prática
profissional. Para o marxismo, a prática social é a possibilidade de
materialização da teoria, no sentido da pertinência e da consistência teórica e
não de sua utilidade. A prática profissional sob esta perspectiva é a
possibilidade de concretização do projeto ético-político. O sentido da prática é o
da
prática, mas concebida como atividade material,
transformadora e social [...] revela a verdade ou a falsidade,
isto é, a correspondência ou não de um pensamento com a
realidade. (VAZQUEZ, 1977, P. 213 – 214)
É evidente que a qualificação do profissional que está sempre se
aprimorando e é capaz de construir respostas mais consistentes em seu
exercício profissional.
“São princípios, são ensinamentos, são diretrizes, são
estudos, são pesquisas.” [...] “Eu acho que um pouco teoria é
isso” [...] “é uma síntese” [...] “teoria não uma ficção” [...] “por
isso que eu acho que teoria e prática tem tudo haver. Acho
que a teoria ela é extraída da prática.” [...] “Então eu acho
que a teoria ela é uma extração da realidade. Ela é extraída
da realidade, no entanto ela não é abstrata. Eu acho que ela
tem tudo a ver. E aí você tira ali ensinamentos mesmo. Eno
eu acho que a teoria, ela é o ensinamento corporificado.”
(fala do sujeito 16)
Do ponto de vista da matriz crítica, a teoria é vista como
“esclarecimento e guia de uma práxis que, ao mesmo tempo, a fundamenta e
enriquece” (VAZQUEZ, 1990, p. 212). E o conhecimento é
uma atividade do homem vinculada a suas necessidades
práticas às quais serve de uma forma mais ou menos direta, e
em relação com as quais se desenvolve incessantemente.
(VAZQUEZ, 1990, p. 212)
199
Para o marxismo, a teoria é conhecimento que explicita as
relações sociais presentes e construídas – como processo – na realidade
social. Nesse sentido a teoria é útil
na medida em que com base nele, o homem pode transformar
a realidade [...] o conhecimento é útil na medida em que é
verdadeiro, e não inversamente, verdadeiro porque útil [...] para
o marxismo a utilidade é conseqüência da verdade.
(VAZQUEZ, 1990, p. 213)
A relação teoria–prática caracteriza-se pela autonomia e pela
dependência de uma com a outra: cada uma tem sua importância e
especificidade no contexto social e, ao mesmo tempo, a relação e a
dependência estão no sentido da retro-alimentação e não de utilidade. Para o
marxismo a prática social fundamenta a teoria; a prática social é o horizonte. É
por meio da prática social que o homem transforma a natureza, a si mesmo e
outros homens. Aqui cabe o entendimento de que “a prática do Serviço Social
ou a prática profissional faz parte dessa prática, mas não se confunde com a
prática social” (KAMEYAMA, 1995, p. 101 – 102) ou a preenche como um todo
ou ainda não pode ser confundida com ela.
“você tem essa base de conhecimento, mas acho que depois
no processo da prática que você vai ter que buscar novos
conhecimentos, buscar conteúdo aí pra você poder agir nesse
processo.” [...] “nesse percurso todo eu consegui superar
algumas coisas, está indo pro embate buscando as coisas que
eram necessárias para o desenvolvimento da prática.” (fala
do sujeito 8)
Trazendo a discussão para o contexto do Serviço Social, o
assistente social que entende a relação nessa perspectiva coloca questões
para si mesmo – como ser social – que podem ampliar, tanto o alcance dos
problemas, como o das soluções construídas pelos profissionais. Essa
ampliação ocorre à medida que o assistente social se percebe como ser sujeito
do processo e da trama interventiva e, ao mesmo tempo, estabelece
mediações que possibilitam a ultrapassagem da visão do abstrato, das
aparências das relações para o concreto, o reino das determinações. Ou seja,
200
as necessidades humanas são visualizadas como possibilitadoras da
construção do conhecimento, Assim, a prática “evidencia seu caráter de
fundamento da teoria na medida em que esta se encontra vinculada às
necessidades práticas do homem social” (VAZQUEZ, 1990, p. 222).
A prática é a experiência histórica viva.
“O pé é a realidade, até para a gente discutir essa minha
teoria, para saber se está dando certo, e também não
correndo risco de ficar lá na realidade somente, eu acho que
aquele também que vai e fica só na realidade porque no
fundo, no fundo não tinha nenhuma teoria.” (fala do sujeito
10)
Uma vez que a prática social fundamenta a teoria e é fonte de
enriquecimento da teoria, existe uma unidade e interdependência entre elas,
portanto, não é somente articulação ou encaixe de conhecimentos. Há a
necessidade de identificar e analisar sua contribuição para o enriquecimento
teórico: elementos constitutivos, determinantes sociais, observação sistemática
dos fenômenos sociais. A unidade entre a teoria e a prática é fonte inesgotável
e fecunda de análise e transformação da realidade social.
“a gente aplica examinando a teoria, fazendo essa mediação.”
[...] “um movimento.” [...] ela está sempre sendo reformulada,
repensada.” [...] “ A própria prática produz novas teorias,
produz novos ensinamentos.” (fala do sujeito 16)
A perspectiva de que a prática é fundamento da teoria estabelece
que essa relação não é direta ou imediata, ou seja, não é aplicação ou
sobreposição de conhecimento. Ao contrário, constitui-se e é constituída como
um processo histórico e social. A teoria “corresponde a necessidades práticas e
tem sua fonte na prática” (VAZQUEZ, 1990, p. 234) A teoria origina-se da
realidade e retorna a ela como algo que pensa o real e entra em sua própria
constituição, portanto não é somente uma explicação do real mas manifesta
questões que estão presentes nele mesmo e nem sempre são possíveis de
serem vistas e identificadas “a olho nu”. Ou seja, o conhecimento da realidade
não é o reflexo do que eu vejo, mas, sim, conhecimento elaborado a partir das
201
mediações, do conhecimento acumulado que se tem acerca de algo que se
quer conhecer.
a teoria e a prática constituem, portanto, aspectos inseparáveis
do processo de conhecimento e devem ser consideradas na
sua unidade, levando em conta que a teoria não só se nutre na
prática social e histórica como também representa uma força
transformadora que indica à prática os caminhos da
transformação. (KAMEYAMA, 1995, p. 101)
Esse modo de entender a relação teoria–prática implica não
somente o exercício profissional do assistente social como um profissional
individual, mas também incide no exercício profissional da própria categoria,
uma vez que remete ao profissional a responsabilidade sobre a construção de
saberes e alternativas criativas e críticas que alimentam e qualificam os
saberes já acumulados ao longo da história da profissão ou o superam.
“é a busca do conhecimento através de fatores em que nós
possamos desenvolver melhor as nossas ações, as nossas
atitudes, e que faça com que nós consigamos também
refletir em cima dessa teoria, desses itens, desses
elementos, e que favorece o nosso próprio trabalho.” (fala do
sujeito 6)
Por esse caminho, é importante que o assistente social busque no
exercício profissional elementos que subsidiem a sua reflexão (pessoal e
profissional). Esses elementos podem ser advindos das demandas
identificadas pelos profissionais – a partir do acúmulo de experiência – que se
relacionam não apenas àquelas determinadas pela própria organização. Cabe
ao assistente social - fundamentado na análise das relações sociais - entender
como isso ocorre nas relações particulares e singulares. Esse é o sentido da
teoria que ilumina o fazer profissional, é a busca por dados que não estão
colocados na aparência dos fenômenos sociais.
“às vezes eu me pego com medo de propor alguma coisa que
não vai ter aquele resultado que você imagina. É claro que eu
sei que a ciência é feita disto, de acertos e de erros, mas
202
acho que meu medo de errar é muito grande e então às vezes
eu acho que eu ouso muito pouco. E eu acho que isto que me
falta às vezes eu preciso é ter mais confiança ou estudar um
pouco mais esta questão, entendeu, de aprimorar este olhar,
é claro com embasamento teórico.” (fala do sujeito 2)
A busca por aprimoramento no campo formativo amplia a
capacidade do assistente social de desvendar seu cotidiano profissional, as
limitações e possibilidades de superação dos problemas sócio-ocupacionais.
Sobressai aqui a discussão sobre a importância da formação
complementar: essa busca incide diretamente nas questões que envolvem a
prática profissional, principalmente na relação que o assistente social
estabelece com o usuário, e parcela dos profissionais entende que ela deve
ocorrer para qualificar as respostas imediatas para questões imediatas
presentes na prática do profissional.
“é o processo formativo. Fora isso é o processo de
capacitação que você vai construindo ao longo da sua
prática...É a formação continuada. Se você não faz uma pós,
não faz mestrado, você tem que está interado com as
mudanças. Eu considero, por exemplo, uma riqueza as
estagiárias com a gente, porque na medida que elas trazem o
acesso à literatura recente e também uma forma da gente se
articular e se atualizar.” (fala do sujeito 11)
Propor alternativas e estratégias profissionais diferentes das
instituídas pelas organizações requer – por parte dos assistentes sociais -
estudo sistemático e aprofundado acerca da realidade social e de suas
interfaces com os elementos que são constitutivos do exercício profissional.
Daí sobressai a dimensão investigativa, essencial para o exercício profissional.
“porque você acaba necessitando de todas. Esse processo de
conhecimento que derivam dessas disciplinas que determinam
o Serviço Social. Eu considero assim importante demais toda
essa referência para o exercício prático, se não fosse isso
nós não teríamos condições de atuar. E eu sinto que deveria
investir um pouquinho mais que eu não falei lá atrás.... se
203
fosse possível, ou dentro da economia, ou dentro da
estatística, noções contábeis.” (fala do sujeito 11)
Quando a teoria é estabelecida como unidade que está em
relação a alguma coisa, ela pode servir de guia para a sistematização da
prática e a partir dessa sistematização, o assistente social pode produzir
conhecimentos ou ainda, indicativos que viabilizem a discussão e a análise das
situações profissionais vivenciadas cotidianamente.
a sistematização (da prática) mostra-se, de uma parte, como
urgência para localizar os seus pontos de estrangulamento,
para indicar a necessidade de novos aportes teóricos, para
sinalizar a existência de lacunas no acervo de conhecimentos e
de técnicas, para sugerir a emergência de fenômenos e
processo eventualmente inéditos, isto é, como momentos pré-
teóricos a ser elaborados pelas Ciências Sociais ou pela
tradição marxista. (NETTO, 1995, p. 151)
O conhecimento de que o profissional se apropria inicialmente é
aquele mais próximo da demanda de atendimento e da área na qual está
atuando. Esse caminho fortalece a possibilidade de o assistente social
reconhecer a particularidade que envolve e/ou é constitutiva do(s) fenômeno(s)
social(is) com o qual(is) se depara cotidianamente. Ao mesmo tempo, a partir
das questões imediatas, ele busca a construção de mediações que possibilitem
a ultrapassagem da visão inicial para aquela em que a historicidade seja a
fonte de informações e de “contato” com a realidade social.
“com certeza, com certeza há relação entre teoria e prática”
[...] “eu posso até falar porque é inacabado, que está em
construção.” [...] “Nós já tivemos o código de ética agora em
93, tivemos a LOAS que foi um avanço em 90, mas daqui a 5
anos alguma coisa diferente vai ter que acontecer, porque já
ocorreram mudanças...” [...] “ o próprio SUAS já foi outro
marco agora. Quer dizer a proposta dele também está
sendo construída e que depende de nós enquanto categoria.”
(fala do sujeito 11)
É importante fortalecer esse modo de construir o processo
interventivo; por ser mais difícil, árduo, e exigir do profissional maior
204
adensamento teórico-metodológico, há uma tendência a identificá-lo como um
processo lento, pouco adequado, principalmente quando o assistente social
atua com demandas emergentes e urgentes, ou ainda, em projetos cuja
atuação caracteriza-se por sua descontinuidade.
“Eu sempre levo em consideração a situação posta. Eu tenho
que conhecer a realidade, a situação que existe. Nós não
podemos simplesmente fazer de conta: “vamos começar de
novo”. Ninguém inventa a roda. A roda já foi inventada e ela
tem que ser aperfeiçoada e utilizada sempre. Então levar em
consideração os saberes existentes ali, tanto da população
de baixa renda, da população excluída, como dos outros
atores; isso é indispensável. Eu nunca deixo de considerar
isso, mesmo porque não é inteligente você não se apropriar,
não conhecer, não se aproximar do que já existe de
conhecimento.” (fala do sujeito 17)
Levar em consideração conhecimentos já existentes, associado a
análise da realidade, favorece não somente a identificação de demandas de
atendimento mas também a construção de respostas interventivas de caráter
crítico e analítica. Para isto é preciso que o assistente social tenha um
distanciamento analítico das demandas presentes no exercício profissional. O
necessário distanciamento analítico possibilita ao profissional a construção de
respostas sócio-profissionais, cujo “envolvimento” está em perceber as
múltiplas determinações que estão presentes na realidade e que recaem sobre
a prática interventiva. Isso não significa neutralidade, ao contrário,
já que as metodologias e o instrumental técnico-político,
enquanto elementos fundamentalmente necessários à
objetivação das ações profissionais compõem o projeto
profissional. (GUERRA, 1995, p. 169)
Por ser um sujeito profissional o assistente social está o tempo
todo estabelecendo relações com o objeto de intervenção do Serviço Social.
“penso na metodologia porque eu tenho que ter uma direção
no que você estiver fazendo atuando como técnico você está
vestindo a camisa do assistente social, esse compromisso
205
profissional é que tem em tudo o que você vai fazer, você
representa a categoria, nessa atuação aqui dentro, no
atendimento ao público diretamente, para mim publico são
todas as pessoas que nos procuram. É preciso deixar bem
claro hoje em dia, ainda mais com essa iniciativa do SUAS,
porque eu até coloquei isto para o gestor, que passa a ser
não só aquele usuário, daquele perfil de necessitado,
transparente, que todos conseguem enxergar, mais todo
aquele que procura realmente para satisfação de suas
necessidades, pode ser até a gente.” (fala do sujeito 11)
À medida que estabelece relações, o assistente social coloca em
movimento seus saberes, que podem provocar ou não alterações nas relações
sociais.
“às vezes eu acho que a gente se atropela, Vai, vai, vai
fazendo as coisas e não pára para pensar mas quando você
tem essa parada pelo menos eu procuro fazer isto, eu me
pergunto por que eu estou fazendo isto, onde que está
dentro da minha formação isso tudo. Então, quando vou
atender alguém, eu procuro mentalmente me reportar àquilo
tudo que eu já aprendi que por vezes as pessoas falam
algumas coisas para você e, às vezes, seu ímpeto é agir ou
responder por aquilo que você acredita, por aquilo que você
tem de valor, aí você, não: espera, não é assim que você tem
que lidar, você tem que ter um outro olhar você não está aqui
enquanto pessoa conversando com ela você é um profissional
que está fazendo um atendimento.” (fala do sujeito 2)
Analisando-se a prática profissional a partir de suas
características interventivas, é preciso que o assistente social reconheça os
conhecimentos que decorrem dessa prática profissional. Parto do suposto que
a prática tem um cabedal de conhecimentos, requer saberes que colaboram
para o reconhecimento do significado social da profissão. Ela mantém uma
relação de interdependência e autonomia com a teoria. A prática – assim como
a teoria - têm dinamicidade, processualidade e agilidade, que não são visíveis
na imediaticidade da vida em sociedade,
206
a instância da prática tem um grau de complexidade que teoria
nenhuma consegue apanhar. [...] há uma unidade [...] a análise
da realidade é um elemento fundamental para intervir com
êxito. (NETTO, 1995, 111 - 112)
Para situar o conceito de prática, é preciso referendar a vida
cotidiana, uma vez que esta é fonte de conhecimento e da prática; “a prática
social, como assistentes sociais, se faz com e na vida de todos os dias dos
grupos sociais oprimidos” (BRANT CARVALHO, 2000, p. 15) e ganha
materialidade quando o assistente social analisa as condições objetivas de vida
do usuário. Por prática social, entendo
a prática social tem sua origem na natural busca de
subsistência e existência em sociedade efetivada por
indivíduos e grupos sociais. Estes elaboram e realizam uma
prática social nascida de suas possibilidades de compreensão
e intervenção na realidade com vistas à satisfação mais plena
de suas necessidades e motivações. [...] toda prática social é
determinada: por um jogo de forças (interesses, motivações,
intencionalidades); pelo grau de consciência de seus atores;
pela visão de mundo que os orienta; pelo contexto onde esta
prática se dá; pelas necessidades e possibilidades próprias a
seus atores e próprias à realidade em que se situam.
(BRANT
CARVALHO, 2000, p. 58 - 59)
Ela expressa as relações estabelecidas pelos homens na busca
pela satisfação de suas necessidades, ao mesmo tempo em que, através dela,
podem ocorrer transformações na vida em sociedade.
Por prática profissional do assistente social, entendo que
o Serviço Social é uma profissão que tem características
singulares. Ela não atua sobre uma única necessidade humana
(tal qual o dentista, o médico, o pedagogo...) nem tão pouco se
destina a todos os homens de uma sociedade, sem distinção
de renda ou classe. Sua especificidade está no fato de atuar
sobre todas as necessidades humanas de uma dada classe
social, ou seja, aquela formada pelos grupos subalternos,
pauperizados ou excluídos dos bens, serviços e riquezas dessa
mesma sociedade.
(BRANT CARVALHO, 2000, p. 52)
Trazendo a discussão para o exercício profissional do assistente
social, entendo que a prática profissional realizada não é homogênea nem
207
linear e tende a “acompanhar” a visão que esses profissionais verbalizam sobre
a relação teoria – prática. Torna-se fundamental, neste momento, analisar os
determinantes sobre os quais a prática profissional se organiza.
Buscando compreender metodologicamente como a prática
profissional se organiza e se configura na profissão, entendo que, a partir do
Movimento de Reconceituação, há a proposta de que a prática seja repensada
com base na crítica e na necessária articulação com a realidade social. Cabe
ao profissional buscar construir alternativas metodológicas que viabilizem a
atuação profissional.
“Esse olhar de mudança, de transformação, de visão de
mundo, mais sem aquela coisa tradicional, de passar a mão na
cabeça, de cuidar.” (fala do sujeito 2)
Um primeiro aspecto levantado é que essa construção não
perpassa por um único caminho ou mesmo demarca uma única construção; ao
contrário, as ações profissionais construídas sob esse modo de entender a
relação teoria – prática externalizam as contradições presentes no exercício
profissional do assistente social.
a luta da categoria dos assistentes sociais se trava nas
relações contraditórias, evidenciada por um lado, pela defesa
de um Serviço Social modernizado e, de outro, pelo caráter
dialético da profissão. (BATTINI, 1991, p. 29)
As contradições identificadas referem-se, sobremaneira, ao fato
de o Serviço Social nascer sob a édige do desenvolvimento do capitalismo,
defendendo – contraditoriamente - o projeto societário da burguesia, e, a partir
da década de 70 inicia um processo de ruptura com esse projeto, distanciando-
se dele, passando a construir interlocução com o projeto societário da classe
subalterna. Nesse sentido, busca conhecer, evidenciar e contribuir para o
fortalecimento desse projeto. Essa interlocução dá um sentido à profissão, na
medida em que busca não mais a padronização de comportamentos
socialmente aceitos, mas o reconhecimento do modo como os usuários
experienciam sua vida e as condições objetivas de vida do usuário. Sob essa
208
perspectiva, os determinantes para a construção das ações profissionais estão
em articulação, envolvendo a realidade social, as condições objetivas de vida
do usuário e os conhecimentos dos quais os assistentes sociais lançam mão
para realizar sua prática. A prática profissional baseada nessa direção avança
para a problematização da vida em sociedade.
“essa busca, essa atividade, ela se dá no campo material, de
execução e também, principalmente no intelectual, porque
para subsidiar a sua prática você tem que estudar. Para você
entender a realidade, você tem que estudar. Para você dar
conta de demandas, você tem que estudar, você tem que
buscar, você tem que pesquisar” (fala do sujeito 17)
Na medida em que a teoria e a prática se relacionam de forma
mediatizada, o exercício profissional ganha concretude e se apóia
necessariamente na ultrapassagem da visão do caso individual para demandas
de atendimento. Isso é possível, não somente pelo querer do assistente social,
mas também pela possibilidade de construir espaços para que o usuário possa
expressar suas idéias, opiniões, evidenciando as situações–problema sob sua
ótica, para, a partir daí, (também) construir respostas profissionais. Por
demandas de atendimento, entendo que elas sejam as questões que estão
presentes na vida do usuário, as quais, relacionadas à realidade social ganham
significado e exigem a atenção profissional do assistente social. Isoladamente,
ou seja, visto sob a perspectiva individual, sem relação com a realidade social,
perde materialidade e reforça a pouca mobilidade ou capacidade que o usuário
tem de resolver seus problemas. A análise das demandas de atendimento
possibilita ao assistente social realizar a intervenção tomando como referência
as múltiplas determinações presentes no exercício profissional.
“cada vez mais informados, não perdendo a referência
histórica do passado, não deixando perder a do presente e
colaborando para a do futuro da melhor forma, com
compromisso profissional. A partir do momento que a gente é
comprometido, não tem outra explicação, a gente está
valorizando a profissão.” (fala do sujeito 11)
209
Posicionar a profissão significa reconhecê-la historicamente. Esse
reconhecimento também se relaciona com o posicionamento que o assistente
social vai assumindo ao longo do exercício profissional, articulado à dimensão
ideo-política presente no exercício profissional. A intervenção abarca as
dimensões ética, ideo-política; investigativa e interventiva propriamente ditas.
A dimensão ideo-política está relacionada ao significado social
que a prática profissional do assistente social vem assumindo. Outro aspecto
associado é a relação de classe e a defesa de um projeto profissional.
Portanto,
entender a prática profissional supõe inseri-la no jogo das
relações das classes sociais e de seus mecanismos de poder
econômico, político e cultural, preservando, no entanto, as
particularidades da profissão enquanto atividade inscrita na
divisão social e técnica do trabalho. [...] parece-me que está aí
o cerne do debate sobre a dimensão política da prática
profissional: a relação da profissão com o poder de classe.
(IAMAMOTO, 1992, p. 121 – 122)
Esta dimensão reflete a necessária articulação do exercício
profissional com a defesa do projeto societário de uma dada classe social.
Fundamentalmente, o Serviço Social vem se articulando ao projeto societário
da classe subalterna, conforme análise realizada no primeiro capítulo desta
tese.
“claro que você tem toda a dimensão política, você tem que
fazer uma leitura de realidade, se você não faz leitura da
realidade você erra no seu parecer.” [...] “as ações elas são
de intervenção política, política no sentido de construção de
direitos.” (fala do sujeito 10)
Outro aspecto que é evidenciado por meio da dimensão política é
o reconhecimento de que a realidade social é constitutiva do exercício
profissional do assistente social. A realidade social
51
é entendida a partir dos
determinantes que lhes dão organicidade e que, portanto, incidem sobre a vida
em sociedade.
51
Essa questão será trabalhada ainda neste capítulo.
210
“na intervenção essa dinamicidade, esse contexto da
realidade você deve prestar atenção” (fala do sujeito 10)
A dimensão interventiva presente no exercício profissional
mantém estreita relação com a realidade social, com as condições objetivas de
vida do usuário e com os determinantes presentes no espaço sócio-
organizacional. A matéria–prima com a qual o assistente social atua na
intervenção profissional “é composta de múltiplas determinações, heterogêneas
e contraditórias, que se movimentam, se alteram e se convertem em outras.”
(GUERRA, 1995, p. 157). O reconhecimento desse “espaço” de trabalho do
assistente social amplia suas possibilidades interventivas, na medida em que
ultrapassa as possibilidades estabelecidas na própria organização que contrata
o assistente social.
“o enfoque do nosso trabalho é educativo e social, eu
acredito nisso” [...] “a prática realmente ela só se concretiza,
a partir do momento que você emprega uma atividade
sócioeducativa que é a formação do cidadão que você
contribui para isso, você está sim dentro, atingindo a lei que
regulamenta a profissão.” (fala do sujeito 10)
A intervenção é o momento do exercício profissional em que o
profissional coloca em movimento seus saberes, incluindo aí aqueles que
envolvem a instrumentalidade.
“Porque eu acho que esse momento que você está com o
usuário na frente, ele é preciosíssimo, ele é fundamental, e
ali que você tem que aproveitar” [...] “Você fica ali meia hora
refletindo com ele, ele chora, ele se descabela, ele se
revolta, ele consegue entender aquele processo que você
está querendo mostrar para ele. E aí assim, ele saiu sem o
benefício, mas ele saiu com alguma coisa.” [...] “Ele saiu com
alguma coisa.” [...] “Eu acho que aquela conversa faz
diferença para ele.” [...] “a acolhida.” (fala do sujeito 16)
A intervenção ocorre mediante várias possibilidades e envolve
vários atores. A de maior visibilidade para o Serviço Social é a realizada
211
diretamente com o usuário, a partir da efetivação dos atendimentos sociais
realizados pelo assistente social.
“a gente precisa ter intervenção na família pra que ela
entenda a realidade que ela vive, porque quem produz as
desigualdades, a violência, é a sociedade onde a gente está
vivendo. Na minha prática profissional eu vejo que há
conflitos, porque dizem assim: ah, vocês, assistentes sociais
são muito do social, tudo para vocês é o social, a pessoa não é
responsável por nada.” [...] “são embates que quando eu penso
nos direitos universais, no acesso aos serviços, no direito do
usuário de ele poder decidir sobre a intervenção que a gente
faz, e se responsabilizar por suas atitudes, eu fico mais
seguro. Eu entendo que hoje na construção dos projetos que
eu atuei isso passa muito distante.” (fala do sujeito 10)
O resultado esperado é que essas ações de fato interfiram –
positivamente - na vida do usuário. A partir desse modo de entender a relação
entre teoria e prática, o usuário ocupa um lugar diferenciado, ou seja, tem seu
ponto de vista ouvido e levado em consideração no momento da construção do
trato interventivo.
“Eu costumo dizer assim não é só, eu não estou ali para fazer
com que ele cumpra a medida, não estou ali para fazer com
que ele faça o que eu quero, o que o Estado quer, estou ali
intervindo para que ele reflita, mude, transforme e seja
sujeito desse processo.” (fala do sujeito 10)
Dar visibilidade ao conhecimento que o usuário tem e apresentar-
lhe alternativas de intervenção pode ser um dos caminhos para a concretização
de uma prática profissional que alcance a explicitação dos direitos sociais.
“apesar dele ser um adolescente e ele estar infracionando,
que ele usa das pessoas, ele joga com as pessoas, ele faz
tudo isso, existem alguns direitos dele que são fundamentais
que é o direito a proteção, ele tem 13 anos, esse menino está
vivendo na rua, debaixo de uma ponte e a rede de proteção
tem que ser acionada, o seu limite institucional foi vencido,
você não pode mais querer que ele cumpra medida de
212
liberdade assistida, que ele venha para o atendimento grupal,
no alto índice de drogadição que ele está. Só que você não
pode deixar de garantir a esse menino direitos que ainda são
existentes.” [...] “a pergunta dela, é de novo ir ao juiz e
protocolar um relatório dizer a situação, que o juiz pode até
aplicar uma medida de internação, mais também ele pode
aplicar um abrigamento, você pode ir ao conselho tutelar e
pedir que o conselho tutelar faça uma abordagem a uma
entidade que faça um trabalho de rua alguma coisa, e que
intervenha” (fala do sujeito 10)
O protagonismo do usuário no trato interventivo inverte a ordem
historicamente estabelecida na profissão: o protagonismo é explicitado a partir
do entendimento que o assistente social tem sobre as determinações presentes
na organização.
“a instituição pesa muito, e a intervenção do profissional fica
atrelada ao poder institucional.” [...] “aquilo que ela
determina tem que executar, então fica aquela velha história
porque foi dito que o menino tem que ir para a escola, tem
que trabalhar, tem que ir pro curso profissionalizante, tem
que ter documentação, tem que chegar às 10 horas, quer
dizer, então é isso que eu vou fazer enquanto profissional, e
pra eu executar isso tem que está pronto.” (fala do sujeito
10)
Daí, muitas vezes, a dificuldade que parcela dos profissionais
apresenta em construir alternativas e estratégias profissionais para além dos
limites da própria organização. Nota-se que muitas vezes o profissional espera
que a organização que contratou os seus serviços determine suas atribuições e
atividades no campo da intervenção, como se ele não fosse capaz de percebê-
las com base nos procedimentos analíticos e interventivos.
Quando o usuário não se enquadra no perfil esperado, ele não se
comporta da forma esperada, o profissional tem dificuldade de lidar com essa
questão. Entendo, portanto, que as estratégias profissionais construídas
dependem também do entendimento que o assistente social tem da profissão,
do seu caráter interventivo e do produto que se quer alcançar.
213
se o produto final do trabalho do assistente social consiste em
provocar alterações no cotidiano dos segmentos que o
procuram, os instrumentos e técnicas a serem utilizados podem
variar, porém devem estar adequados para proporcionar os
resultados concretos esperados. Para tanto as ações
instrumentais – mobilização de meios para o alcance de
objetivos imediatos – são, não apenas suficientes como
necessárias. Contudo, não pode prescindir de um conjunto de
informações que o instrumentalize. (GUERRA, 1995, p. 157)
O produto do trabalho interventivo torna-se visível, tanto para o
assistente social, quanto para o usuário, quanto ainda para a organização que
contrata o profissional. O produto do trabalho interventivo não se reduz ao
repasse de recursos materiais.
“muitas vezes a gente não tem o benefício que ele quer. Mas
a gente tem outras coisas que a gente pode contribuir, e que
com certeza vai, de alguma forma vai ajudar ele a sair
daquele processo.” (fala do sujeito 16)
O trabalho direcionado as ações sócio–assistenciais ganha
concreticidade e concretude se articulados a outras determinações, tais como
as presentes na vida dos usuários, na própria realidade social e na relação
estabelecida entre o assistente social e o usuário.
“você vai ver profissionais que falam: “Ah! Não tem?
(recurso) Não tem. Pronto e acabou”. É assim, não demora
cinco minutos. “Você veio. Você quer o que? Ah! Uma cesta
básica? Ah! Não tem cesta básica”. Tchau e bença, pronto e
acabou.” (fala do sujeito 16)
A compreensão que o assistente social tem da profissão e do
significado e importância do conhecimento que a envolve se traduz no modo
como estabelece as intervenções. Se restrita ao repasse de recursos materiais
e financeiros, pode escamotear ou mesmo excluir a análise dos fenômenos
sociais e de como são vivenciados singularmente pelos usuários. Se reduzida à
aplicação de procedimentos, suprime-se a mediação como uma categoria que
colabora para a qualificação da análise das situações apresentadas pelos
usuários, pela organização e identificadas na realidade social. A mediação é
214
uma categoria analítica, e como tal, contribui para a problematização das
demandas de atendimento. Por esse caminho – o da compreensão da prática
profissional sem a via da mediação - a intervenção tende a se repetir e perde
seu movimento analítico.
A rotinização dos procedimentos adotados pelo profissional, sem
que este leve em consideração o usuário como sujeito, fortalece sua condição
de subalternidade e aguça as relações de poder dos quais o profissional lança
mão para dar conta de seus afazeres. Aquilo que é trabalho profissional passa
a ser um afazer. A rotina é produzida também por quem a faz. No caso do
assistente social, essa rotinização está relacionada à repetição dos processos
de trabalho, ao acúmulo e volume de atendimentos e, de certa forma, a uma
certa desqualificação e despolitização daquilo que o assistente social realiza.
Essa desqualificação é observada na sensação de descarte vivenciada pelo
assistente social, com relação a pouca autonomia na elaboração das
atividades. De certa forma, a rotina “protege” o assistente social, pois, mesmo
identificando suas limitações, é capaz de dar conta – pelo menos – daquelas
atividades que respondem – mesmo que imediatamente – às questões trazidas
pelos usuários de seus serviços.
“nós estamos plantados no atendimento, tudo vem chorar,
todo mundo está desgraçado, todo mundo está ferrado,
todo mundo está assim... Então parece que eu já sei, e então
eu tenho medo que a nossa intervenção vire receita de bolo,
tudo isso eu tenho o mesmo encaminhamento, o mesmo
formulário, o mesmo tudo” [...] “na intervenção, essa
dinamicidade, o contexto da realidade, se você não prestar
atenção você pode cair no tradicional, no tradicional não
como tradição, mais no executar, no executar, no executar,
no executar.” (fala do sujeito 10)
Um outro aspecto importante a ser destacado refere-se à
visibilidade da intervenção profissional. O assistente social historicamente vem
construindo uma identidade que está em constante transformação,
acompanhando o movimento presente na realidade social. Ao mesmo tempo –
215
e também historicamente – o assistente social experiencia uma identidade
52
que lhe é atribuída, que se relaciona à assistência social como um serviço de
distribuição de recursos materiais e/ou financeiros à população que vive em
condição de vulnerabilidade social.
“Mas a gente ainda carrega muito da identidade atribuída. A
gente carrega muito. E a gente também percebe que muitas
vezes a gente reforça. Por que todos nós aqui temos um
discurso: “Não. A gente não vai fazer isso, a gente não vai
fazer aquilo, porque não é da nossa profissão”. Mas às vezes
a gente se pega reproduzindo.” (fala do sujeito 16)
Pode-se dizer que “o trabalho” [...] “conforma uma identidade do
trabalhador perante o mercado, e em última instância perante a sociedade.”
(CODO, SAMPAIO, HITOMI, 1993, p. 119) Mesmo no contexto dos anos 90 e
2000, após a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, o trabalho do
assistente social ainda é reconhecido pela população sob essa perspectiva.
“havia um preconceito danado, que depois disso eu tive que
quebrar. O que os usuários diziam? O “assistente social só
serve para óculos, vale transporte, cesta básica”, então
todas as vezes que eu chegava para as primeiras
intervenções, sejam elas grupais, sejam elas de rua que a
gente fazia intervenção de rua, eles já vinham com essa
demanda.” [...] “solicitavam recurso, “você pode conseguir
isso pra gente?” Ou senão aquela.. “eu tenho uma amiga, eu
tenho a minha avó, eu tenho alguém, você pode fazer alguma
coisa?” (fala do sujeito 10)
A identidade atribuída relaciona-se àquela pela qual o profissional
é reconhecido tanto pelo usuário como pela população em geral. Um outro
lastro dessa questão relaciona-se às demandas reconhecidas como próprias
52
A questão da identidade presente no Serviço Social como profissão não é objeto de estudo desta tese.
Para um estudo em profundidade sobre esta questão, consultar: MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço
Social: identidade e alienação. 2.
edição. São Paulo. Cortez Editora. 1991; GENTILLI, Raquel de Matos
Lopes. Representações e práticas: identidade e processo de trabalho no Serviço Social. São Paulo:
Veras, 1998.
216
e/ou realizadas pelo assistente social, perpassando também por aquilo que o
usuário espera do assistente social.
“o assistente social é muito de intervenção, de
encaminhamento” [...] “ o meu foco não seria esse trabalho
individualizado, de auto ajuda, de grupo, de dinâmica. Isto
também estaria, mais o meu foco seria mostrar para a
população que eu atendia era o seu papel de cidadãos, seja
frente a sua questão de saúde, seja frente os seus direitos.”
[...] “discutir porque que o conselho lá daquele município não
vota uma coisa que decida pela minha saúde? Porque a
câmara municipal não tem um projeto de lei que estabeleça o
meu direito de trabalhar, de ser cidadão?” [...] “os outros
falavam do BPC. Então você tinha o psicólogo, nessa hora ele
chamava o profissional assistente social para fazer, então o
profissional servia pro BPC.” [...] “Para mim o BPC era
simplesmente um recurso, para disponibilizar para o usuário,
mais não enquanto somente recurso, enquanto direito, e era
muito dispare isto: o psicólogo chamava o assistente social
para dar a benesse...” [...] “como a lei dá a você esse
benefício, vai lá e pega, mais não é seu direito ..” (fala do
sujeito 10)
A intervenção não ocorre somente na relação direta com o
usuário; ela envolve também outros setores presentes na realidade local, o que
favorece o fortalecimento da rede de atendimento e de proteção social, o que
pode otimizar o atendimento social.
“nas próprias ações que são desenvolvidas. No que a gente
consegue desenvolver, a gente percebe esse trabalho
interventivo, inclusive com as parcerias da Sociedade Amigos
de Bairro, que era um pessoal muito fechado, com a própria
igreja. Essa intervenção de comunidade, com obra e igreja.”
(fala do sujeito 6)
Intervir, orientar significa construir uma opinião profissional, uma
resposta sócio - profissional a respeito da questão apresentada, levando-se
em consideração o modo como o usuário entende a questão que está sendo
tratada, uma vez que é vivida por ele.
217
“é no momento da orientação a intervenção sim. Porque
dependendo do que eu falo, a pessoa vai fazer. E não é o que
eu falo. É o que a pessoa está falando, que ela mesma tem
que descobrir qual o caminho. O melhor caminho para ela não
é o que eu acho. Na verdade eu não dou opinião. Nem penso
em fazer isso.” [...] “a intervenção” [...] “na verdade é uma
visão muito ampliada da situação, para que a gente não emita
uma opinião pessoal e pessoa sai daqui e faz porque você
disse.” [...] “porque ela não está vendo mais nada, ela só está
vendo a gente na frente, então a gente é a salvação. Aí vem
cobrar : “mas eu não queria. Não era isso que eu queria”.[...]
“Mas eu acho que a intervenção é a todo momento, com
orientação, com informação.” (fala do sujeito 6)
A intervenção ganha sentido também se analisada do ponto de
vista ético, ou seja, “a ética se objetiva, se transforma e se consolida como uma
das dimensões específicas da ação profissional.” (BARROCO, 2001, p. 68). Ela
permite ao profissional explicitar o entendimento que tem acumulado acerca
dos hábitos, costumes, da moral, da dinâmica social e das contradições que
estão presentes nas relações estabelecidas entre os homens, dos homens com
eles mesmos e dos homens com a natureza.
a natureza da ética profissional não é algo estático; suas
transformações, porém só podem ser avaliadas nessa
dinâmica, ou seja, em sua relativa autonomia em face das
condições objetivas que constituem as referências ético-morais
da sociedade e rebatem na profissão de modos específicos.”
(BARROCO, 2001, p. 69)
Buscar relacionar a intervenção e a ética também é um caminho
para qualificar o exercício profissional. Por esse caminho, a intervenção ganha
em conteúdo, consistência e visibilidade, porquanto demanda do profissional
conhecimento sócio-histórico, das tendências teórico-metodológicas e das
condições objetivas de vida do usuário.
“O limite não só a instituição, o limite é o conhecer e o saber
do profissional” [...] “existe limite institucional, mais o limite
do meu saber, do meu conhecimento, esse é meu, sou eu que
estabeleço, para fazer essa intervenção com mais qualidade.”
(fala do sujeito 10)
218
Pode-se dizer que os profissionais apresentam um entendimento
sobre a relação entre teoria e prática e não há unanimidade entre eles. Mesmo
aqueles que reconhecem que a construção desta relação pode ser o
diferencial, o que qualifica o exercício profissional e o diferencia da ajuda
caritativa, não respondem claramente o que é teoria e principalmente sua
interface com a prática profissional. Aqui ainda se presentifica que o discurso é
mais bem construído que a ação propriamente dita.
Alguns identificam que a relação teoria – prática se materializa no
projeto da profissão e a relação se dá na explicitação da opinião e do
entendimento entre os sujeitos envolvidos no processo da intervenção. Talvez
aqui apareça a relação entre as dimensões interventiva e investigativa como
espaço de retro - alimentação e superando a visão da investigação como
sistematização de dados.
Entendo que o exercício profissional não ocorre por meio de
aplicação de conhecimentos, ao contrário a partir do entendimento que o
profissional tem das dimensões que são constitutivas do seu fazer profissional
– interventiva, ético-política; investigativa – é possível identificar a necessidade
de buscar conhecimento e alterações necessárias para a qualificação das
respostas sócio-profissionais. Este modo de entender esta relação possibilita
também melhor compreensão do objeto de intervenção do Serviço Social como
profissão, ou seja, as implicações deste objeto nas relações sociais e nas
relações particulares que chegam para a construção da intervenção.
A busca pelo conhecimento que qualifica o exercício profissional
não é a mesma daquele que cristaliza formas de atuação. Uma coisa é o
assistente social construir estratégias de intervenção, criar instrumentos
técnico-operativos em consonância com a análise dos fenômenos sociais, outra
coisa é “vender metodologia”, como se fosse modelo. Mesmo quando o
profissional atua em um mesmo tipo de serviço, por exemplo, Programas de
Geração de Renda, não é possível determinar uma mesma forma, um mesmo
modo de atuação, uma vez que a análise das relações sociais – via mediação –
deve ser o divisor de águas.
“Essa discussão de teoria e de metodologia é muito difícil de
você fazer com o próprio colega de trabalho. Eu acho que
219
isto também propicia que o profissional se forme e não faça
mais nada, não estude mais, e vire aquele profissional
tarefeiro, fique naquela mesmice, sem reflexão; quer dizer
ele não estuda, ele não busca mais nada. Eu acho que a gente
tem no conjunto da categoria, alguns que se destacam e os
outros que ficam. A quantidade dos que se destacam não é
suficiente para levar ao conjunto da sociedade, a todos os
seguimentos, os avanços da categoria. Eu tenho uma questão
que eu acho que divide, embora a formação seja muito
interessante, quando colocam os profissionais no mercado de
trabalho eles se dividem entre aqueles que se acomodam e
aqueles que vão adiante, continuam estudando. Acho
complicado porque o Serviço Social não consegue trabalhar
com a população a questão da reconceituação; acho que
favorece que a população tenha essa imagem da gente, da
nossa história mesmo, da assistência e do assistencialismo.”
(fala do sujeito 1)
A relação de assalariamento e a pouca clareza que os
profissionais demonstram ter quanto ao seu trabalho bem como dos processos
de trabalho que são constitutivos do exercício profissional e de que lançam
mão cotidianamente, fortalecem a perspectiva de que esse exercício
profissional seja muito mais reproduzido do que de fato crítico-criativo.
Analisando as diversas expressões que a relação teoria–prática
assume ao longo da história do Serviço Social, com a maior incidência da
teoria vista como aplicação do conhecimento, fortalece-se a visão da
desqualificação teórica e de uma relação que não se concretiza.
Um outro aspecto presente no exercício profissional é a sensação
desconfortante de descarte e de que as ações desenvolvidas pouco
repercutem na vida do usuário.
“É uma angústia permanente, essa coisa da gente sentir que
não faz nada, é porque você se depara com cada situação. E
aí o que você faz? Aí você realiza uma reflexão e fala: ah!
Nossa! Realmente, alguma coisinha mudou.” [...] “se você
conseguir fazer uma mudança em um, você já está vendo
alguma coisa”. Porque, você quer resolver. Você acha que tem
que dar conta de tudo. Mas também você não tem uma
estrutura que te possibilite outro processo. Você não tem
220
uma estrutura e não tem muitas vezes a vontade do outro.”
(fala do sujeito 16).
“a gente vai fazendo e não vai percebendo. Teve uma época
que eu estava achando que eu não estava fazendo nada” [...]
“você vai, no seu dia-a-dia assim naquela bola de neve, de ter
que fazer, de apresentar, e o tempo todo eles chamam.” [...]
“gente não senta para discutir a nossa prática, o nosso dia-a-
dia” (fala do sujeito 15)
Aliadas a isso, corroboram ainda as relações de trabalho
decorrentes da condição de profissional assalariado, que favorecem a
substituição do profissional quanto este não corresponde às expectativas do
empregador. Na maioria das vezes o profissional sucumbe a essas
determinações; outras vezes adoece e passa a realizar suas atividades da
forma mais automática possível, não porque não compreenda sua importância,
mas como forma de se proteger, de se preservar como pessoa humana.
Atuar em serviços pré-determinados não significa isenção de
responsabilidade por parte do profissional. Entendo que parcela dos
profissionais ainda quer atuar a partir de um modelo de intervenção que possa
ser claramente visualizado e aplicado por todos.
o desafio é re-descobrir alternativas e possibilidades para o
trabalho profissional no cenário atual; traçar horizontes para a
formulação de propostas que façam frente à questão social e
que sejam solidárias com o modo de vida daqueles que a
vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam
pela preservação e conquista da sua vida, da sua humanidade.
Essa discussão é parte dos rumos perseguidos pelo trabalho
profissional contemporâneo. (IAMAMOTO, 1998, p. 75)
A busca por alternativas profissionais incide necessariamente nas
condições objetivas de vida do usuário e no reconhecimento do projeto ético-
político. Além disso, os assistentes sociais precisam retomar a articulação com
os movimentos sociais, os trabalhos comunitários, como via de reconhecimento
da vida do usuário. Esse caminho possibilitará também que o exercício
profissional supere aquele determinado no espaço sócio-organizacional.
221
2. 4 – O conhecimento das habilidades presentes no exercício
profissional do assistente social
Pretendo discutir as habilidades presentes no exercício
profissional do assistente social. Parto do suposto que as habilidades
profissionais abarcam o campo da instrumentalidade e não se restringem ou
ficam demonstradas a partir da relação estabelecida entre o assistente social e
o usuário. Por habilidade entendo que é a capacidade que o assistente social
tem de demonstrar seus conhecimentos, seu aprendizado para lidar com as
demandas de atendimento presentes em seu cotidiano profissional.
Normalmente quando se fala em habilidade, refere-se à capacidade que o
assistente social tem de estabelecer relacionamentos e relações interpessoais.
Essa é uma visão reduzida; entendo que a habilidade está mais próxima da
discussão sobre a competência profissional. A idéia primeira ainda está
arraigada entre os profissionais, cuja expressão caminha para as questões que
atravessam os traços subjetivos presentes na relação entre o assistente social
e o usuário.
“eles tem a questão da relação de confiança” [...] “Eu percebo
que o nível de confiança deles para com o assistente social é
muito maior do que para com outros profissionais” (fala do
sujeito 1)
A relação de confiança estabelecida entre o assistente social e o
usuário não é construída pelo compadrio, mas pela capacidade que o
assistente social tem de informar, de clarificar, de estabelecer com o usuário
estratégias interventivas que de fato incidam sobre as condições objetivas de
vida do usuário. O usuário sente-se contemplado em seus direitos, sente que
está sendo ouvido e respeitado em suas dúvidas. Portanto, a escuta é um dos
elementos presentes na intervenção que explicita a habilidade do assistente
social e sua competência para lidar com as demandas identificadas. Ao se
colocar à escuta do usuário, o assistente social decodifica para ele os
elementos que são constitutivos da situação-problema que apresenta. Isso
222
colabora para que o usuário entenda o que está vivenciando para além de seu
ponto de vista. A confiança é parte de nossa cotidianeidade:
os homens não podem dominar o todo com um golpe de vista
em nenhum aspecto da realidade; por isso, o conhecimento
dos contornos básicos da verdade requer confiança (em nosso
método científico, na cognoscibilidade da realidade, nos
resultados científicos de outras pessoas, etc) (HELLER, 1992,
p. 33)
A confiança abarca também aquilo que não está diante dos olhos
do usuário e também do profissional. A confiança percorre um duplo caminho:
do usuário para o profissional, que se expressa através da competência que
este demonstra ter e do profissional para o usuário, na medida em que leva em
consideração o relato de sua experiência de vida como um dos elementos
constitutivos do processo interventivo. Nessa perspectiva, não há espaço para
se colocar em dúvida a fala do usuário, uma vez que ao decodificar com o
usuário os elementos presentes na situação-problema apresentada, o
assistente social é capaz de perceber as contradições presentes neste
processo; ao mesmo tempo, é preparado para discutir com o usuário essas
contradições.
Nessa perspectiva, a escuta pode ser o procedimento que
aproxima o assistente social do conhecimento da vida cotidiana do usuário.
“é preciso saber ouvir, ter conhecimento de como fazer uma
entrevista, como chegar, se aproximar daquele usuário” [...] “
que o assistente social consiga respeitar o usuário acima de
tudo como ser humano e perceber que o seu primeiro
compromisso é com aquela pessoa que ela está atendendo na
sua frente” [...] “conhecer a rede de atendimento, os
recursos do município, os órgãos que prestam serviços, os
programas desenvolvidos pelo poder público” (fala do sujeito
3)
Em outras dimensões, pode ser também o procedimento para
entender as relações estabelecidas no espaço sócio-organizacional, bem como
entender os múltiplos conhecimentos que envolvem o exercício profissional.
223
“Mas eu acho que, enquanto assistente social, a parte mais
gostosa é a escuta. A coisa mais gostosa é você ouvir. Porque
você percebe o quanto que a população é carente de escuta,
de acolhida. E é muito interessante. Você atende um usuário,
de você ouvir, de dar o tempo para ele falar, o quanto ele...
você pode não fazer nada, porque muitas vezes pouco você
tem a fazer, naquele momento você não tem muito o que
contribuir. Mas o quanto ele se sente mais aliviado por poder
contar com uma pessoa, porque é complicado, principalmente
aqueles que utilizam do serviço público, que é a população
mais carente, como o atendimento é precário.” (fala do
sujeito 16)
A escuta propicia ao profissional o contato com o ponto de vista
do usuário, com o modo como ele experiencia a situação que está sendo
apresentada. O processo interventivo toma sentido e se forma à medida que o
assistente social é capaz de abstrair, construir formas alternativas de intervir.
Essa construção deve ser processada por meio da mediação, o que favorece a
superação do pragmatismo e do moralismo. Dar ouvido ao que o usuário relata
possibilita ao assistente social “sair”, descolar-se da questão singular, o que
favorece a construção de alternativas e estratégias interventivas. Esse caminho
analítico ajuda a pensar a questão do vínculo que é estabelecido entre o
assistente social e o usuário.
“Eu acho que acontece pelo vínculo, pela relação que se
estabelece. Eu acho que se o profissional tem clareza do
papel dele, para que ele está ali, ele acaba percebendo que
não se trata de estar de algum lado mas essa é realmente
uma pessoa que está querendo ajudar, que tem boa intenção,
que não vai trai a confiança, que não chega lá em cima, na
parte administrativa, passar aquilo que foi colocado, toda a
entrevista, toda a conversa que aconteceu. Eles percebem o
que você foi, a sua postura.” (fala do sujeito 1)
A discussão acerca do vínculo estabelecido entre o profissional e
o usuário tem sido tema recorrente de estudo, principalmente na área da
psicologia e na educação. Para o Serviço Social, essa questão emerge quando
o assistente social trabalha diretamente com os usuários, quer seja por meio da
abordagem individual, quer seja nas abordagens grupais. Um outro momento
224
refere-se ao trabalho de equipe, ou ainda quando o assistente social é
chamado a mediar – no sentido de intermediar, negociar entre as partes
envolvidas – conflitos interpessoais ou entre o usuário e as organizações sócio-
assistenciais, entre outros. O vínculo é construído, não é algo estabelecido
previamente. Ele abrange aspectos objetivos e subjetivos presentes na
construção relacional. Importante referendar que o vínculo construído entre o
assistente social e o usuário é necessariamente mediado pela categoria
trabalho. Nesse sentido o trabalho é identificado como um conjunto de
atividades que, realizadas pela mediação humana, coloca em movimento os
saberes e as habilidades que o assistente social precisa ter para efetivar o
exercício profissional.
“saber ouvir, eu acho importantíssimo às vezes a pessoa vem
com aquela história, que às vezes você sente até que é
mentira, você escuta, tem muita coisa, a maioria dá para
você, aplicar mesmo, fazer análise de conjuntura” [...]
“porque acho que não dá para você fazer um julgamento só
com o primeiro olhar, e isso eu estou aprendendo” [...] “esse
conhecimento que você adquire na faculdade isso ajuda
muito, as vezes a gente pensa que não está usando, e assim
não dá pra você fazer um julgamento duma criança se você
não tem todo, fazer uma análise de todo comportamento da
família.” (fala do sujeito 15)
Sob essa perspectiva, as relações não são construídas apenas
por uma questão de afinidade. Da mesma forma que no contexto institucional o
assistente social não escolhe com quem quer trabalhar ou as demandas que
quer atender e intervir, nem sempre o usuário também pode escolher com qual
profissional quer compartilhar suas vivências cotidianas. É importante que o
assistente social entenda então os aspectos objetivos e subjetivos presentes
na construção do vínculo. Os aspectos objetivos referem-se aqueles
relacionados às demandas identificadas, ao conhecimento do espaço sócio-
organizacional, a operacionalização dos programas, projetos e serviços na área
sócio – assistencial e outros relacionadas às políticas sociais. Os subjetivos
estão relacionados ao modo como o usuário lida com suas dificuldades, o
225
modo como o assistente social particulariza as demandas e a direção dada ao
exercício profissional.
“na postura que você tem, do não julgar, do saber ouvir, do
poder entender o que a pessoa quer, as vezes a pessoa quer “
[....] “as vezes um desabafo é mais importante do que definir
a situação como ter a cesta básica conseguida, ter o filho já
naquele momento solto. Então às vezes ter aquela acolhida
naquele momento é o mais importante.” (fala do sujeito 1)
Aqui também fica presente a questão do julgamento, da
moralização. Ou seja, no trato interventivo e no trato investigativo – analítico,
não cabe ao assistente social julgar o mérito das demandas apresentadas pelo
usuário. A análise perpassa por outros elementos, dentre eles os
conhecimentos que o assistente social têm acumulado sobre as demandas
apresentadas e suas interfaces com a realidade social; a habilidade em colocar
em movimento o conhecimento, a interpretação e análise construídas e os
parâmetros para essa construção.
Um outro elemento presente também na questão das habilidades
é a linguagem e a construção do discurso tanto por parte do usuário como por
parte do assistente social.
“a gente trabalha muito mais com a fala, do que com outra
coisa, só. Por que se você for ver o que a população precisa, o
que ela nos solicita, a gente pouco tem a oferecer. Então eu
falo que o argumento do assistente social, a gente trabalha
com o que? A fala. É orientar, é ouvir, é buscar junto um
caminho” [...] “pouco a gente tem para oferecer. Fora isso, de
concreto o que é que a gente tem? Cesta básica?
Eventualmente.” (fala do sujeito 16)
A linguagem será tratada aqui como uma forma de expressar, de
exprimir idéias. Para Marx e Engels
a produção de idéias, de representações, da consciência, está,
de início, diretamente entrelaçada com a atividade material e
com o intercâmbio material dos homens, como a linguagem da
vida real. (1993, p. 36)
226
A linguagem favorece a construção de relações entre os homens,
como forma de expressão de idéias, pontos de vista, necessariamente
articulados a história e aos modos de vida e as condições materiais onde a vida
desenvolve-se. O caráter dessa construção está associado ao modo como o
homem entende sua vida e a vida do outro. Para Marx e Engels “a linguagem
nasce “[...] ‘”da carência, da necessidade de intercâmbio com outros homens”
(1993, p. 43) É uma prerrogativa para a construção das relações que os
homens estabelecem entre si, cujo objetivo último, é o de ser reconhecido
como um ser que vive em sociedade. Para o assistente social, a linguagem
assume também um significado associado aos saberes que o usuário
expressa. Concomitantemente, é ponto de partida para a construção do
relacionamento com o usuário, para troca de saberes e o estabelecimento do
trato profissional. É possível afirmar que a linguagem é também condicionada
pela forma como a sociedade se organiza e principalmente o modo como os
indivíduos
53
se reconhecem neste contexto. A linguagem expressa também
a consciência da necessidade de estabelecer relações com os
indivíduos que o circundam é o começo da consciência de que
o homem vive em sociedade. (MARX e ENGELS, 1993, p. 44)
Tanto a escuta como a linguagem, devem ser analisadas como
parte do acervo profissional que se relaciona aos processos de trabalho que o
assistente social lança mão para executar seu exercício profissional.
53
Vale um esclarecimento a respeito do conceito de indivíduo. Parto da análise de Iamamoto (2001) que
analisa o indivíduo a partir da perspectiva marxista. A autora diz que o indivíduo é sempre social, uma
vez que, vive mergulhado na trama social, produzindo e reproduzindo relações sociais. Acrescenta que “o
indivíduo é [...] fruto de condições e relações sociais particulares e, ao mesmo tempo, criador da
sociedade” (2001, p. 38)
227
2. 5 – Conhecimento da realidade social experienciada e das condições
objetivas de vida do usuário
Pretendo analisar aqui o conhecimento que o assistente social
coloca em movimento para conhecer a realidade social experienciada e as
condições objetivas de vida do usuário. Os usuários dos serviços prestados
pelos assistentes sociais
são os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais
de vida, tanto aquelas por eles já encontradas, como as
produzidas por sua própria ação (MARX e ENGELS, 1993, p.
26)
Entendo que as categorias que possibilitam a aproximação ao
conhecimento relativo às condições objetivas de vida do usuário são: o
cotidiano e a questão social e suas expressões. A análise parte também da
compreensão que os sujeitos assistentes sociais tem do significado desta
questão. Durante a pesquisa, isso não foi perguntado diretamente aos
assistentes sociais, mas, ao relatar suas experiências profissionais, eles
evidenciam o quanto o conhecimento da realidade social pode ser
impulsionador da construção de respostas profissionais.
“se a gente não trabalhar neste contexto não sei para que
nós estamos aqui, não faz sentido.” [...] “ o assistente social
vai ter que entender o contexto que este usuário vive para
buscar respaldo no que ele vai poder orientar, ajudar o
usuário a conseguir a sua autonomia. Não acho que pode ser
qualquer profissional, tem que ser um profissional que
entenda o contexto, que entenda deste processo de
capitalismo, de globalização; acho que não dá para ser
qualquer um” [...] “ a gente entende do contexto social que é
com o que a gente procura trabalhar. “ (fala do sujeito 4)
O cotidiano já foi trabalhado neste capítulo, no qual indico que é
uma categoria fundamental para o entendimento do exercício profissional. A
questão social foi tratada como objeto de intervenção do Serviço Social como
228
profissão, carecendo portanto de uma análise mais detida e aprofundada. Para
discutir a questão social como uma categoria analítica, parto dos estudos
realizados por Ianni (1992), Yasbek (2001), Wanderley (2000), Castel (2000) e
Iamamoto (2001). Ianni (1992) inicia sua análise desde o período da
escravatura e da luta pela liberdade até a contemporaneidade.
a questão social passou a ser um elemento essencial das
formas e movimentos da sociedade nacional. [...] a emergência
do regime de trabalho livre e toda a seqüência de lutas por
condições melhores condições de vida e trabalho, nessa altura
da história coloca-se a questão social. (1992, p. 87 - 88)
Inicialmente diz que no período da escravatura a questão social
“estava posta de modo aberto e transparente” (IANNI, 1992, p. 88) e permeia
todas as relações estabelecidas no regime republicano. A partir da República
muda-se o eixo da questão social: deixa de ser o mundo escravo e passa a ser
as relações de trabalho e suas imbricações com a realidade social. No início da
República, a questão social é vista como um caso de polícia – uma vez que as
manifestações contrárias aos setores dominantes eram reprimidas, de modo a
não abalar o status quo - e a partir das décadas de 20 e 30, como uma questão
política por conta da crescente concentração de renda e desigualdade social. A
partir da Nova República em 1985,
os diagnósticos realizados indicam a gravidade da situação
social brasileira herdada de muitos anos e décadas. Remetem
às raízes que implicam o militarismo e o populismo. Enquanto a
economia cresce e o poder estatal se fortalece, a massa dos
trabalhadores padece [...] As crescentes diversidades sociais
estão acompanhadas de crescentes desigualdades sociais [...]
a situação social de amplos contingentes de trabalhadores
fabrica-se precisamente com os negócios, a reprodução do
capital. As dificuldades agudas da fome e desnutrição, a falta
de habitação condigna e as precárias condições gerais de
saúde são produtos e condições dos mesmos processos
estruturais que criam a ilusão de que a economia brasileira é
moderna. (IANNI, 1992, p. 89 – 91 - 93)
A questão social expressa essas desigualdades e atravessa não
somente os aspectos políticos, econômicos, mas também abarca os conflitos
sociais e os traços culturais presentes na vida em sociedade.
229
Ela se funda nos conteúdos e formas assimétricos assumidos
pelas relações sociais, em suas múltiplas dimensões
econômicas, políticas, culturais, religiosas, com acento na
concentração de poder e de riqueza de classes e setores
sociais dominantes e na pobreza generalizada de outras
classes e setores sociais que constituem as maiorias
populacionais, cujos impactos alcançam todas as dimensões
da vida social, do cotidiano às determinações sociais.
(WANDERLEY, 2000, p. 58)
É uma categoria de análise que possibilita reconhecer os
determinantes presentes na vida em sociedade e suas implicações na vida
cotidiana. Ianni (1992) alerta para o cuidado que é preciso ter para não
naturalizar a questão social, o que pode levar a uma análise superficial da
questão sem se perceber as imbricações entre o econômico e o social.
diante de uma realidade social muito problemática, incômoda,
às vezes explosiva, uma parte do pensamento social prefere
‘naturalizá-la’, considerá-la como ‘fatalidade’ ou apenas
herança arcaica pretérita. (IANNI, 1992, p. 100)
Articulada a análise de conjuntura, o conhecimento que o
assistente social precisa ter sobre o poder local pode favorecer o entendimento
que a realidade não é cenário mas elemento constitutivo do exercício
profissional do assistente social.
“a primeira coisa que o Serviço Social, em termos de
conhecimento especifico que acho que a gente precisa ter e
que faz falta, e aprender fazer análise de conjuntura, você
não faz intervenção sem análise de conjuntura, e a gente não
aprende isso, a faculdade ainda não ensina, os locais de
trabalho não proporcionam essa possibilidade, e a gente fica
deficitário na intervenção de realidade, porque a gente não
consegue fazer analise de conjuntura, a gente parte de uma
análise que ela já vem, não é sua, alguém definiu um padrão
de família, alguém definiu um padrão de comunidade, de
grupo” [...] “A análise de conjuntura é uma coisa fundamental,
e que eu acho que faz falta.” (fala do sujeito 10)
A análise de conjuntura pode ser compreendida como uma
estratégia, uma exigência complementar, que favorece a identificação das
230
particularidades presentes na questão social. Importante para o assistente
social é conhecer os determinantes presentes na realidade social, o jogo do
poder, a correlação de forças com as quais terá que atuar. Muitas vezes, o
assistente social pode identificar nessa trama social a “origem” dos conflitos
vividos pelos usuários. Ou ainda, o profissional, freqüentemente é chamado
para interpretar conflitos e buscar alternativas para sua resolução. Fazer,
construir análise de conjuntura é
uma mistura de conhecimento e descoberta, é uma leitura
especial da realidade e que se faz sempre em função de
alguma necessidade ou interesse. [...] é uma tarefa complexa,
difícil que exige não somente um conhecimento detalhado de
todos os elementos julgados importantes e disponíveis de uma
situação determinada, como exige também um tipo de
capacidade de perceber, compreender, descobrir sentidos,
relações, tendências a partir dos dados e das informações. [...]
não há análise de conjuntura neutra, desinteressada: ema pode
ser objetiva mas estará sempre relacionada a uma
determinada visão do sentido e do rumo dos acontecimentos.
(SOUZA, 1989, p. 08)
A análise de conjuntura possibilita que o profissional construa um
ponto de vista acerca das condições objetivas de vida do usuário, levando em
consideração não somente o seu pensar mas também as contradições
presentes na realidade social, as vias de dominação e de resistência presentes
nessa mesma realidade. Além disso, essas categorias e estratégias em
articulação possibilitam ao assistente social conhecer as particularidades que
estão presentes nas condições objetivas de vida do usuário. Ou seja, o
conhecimento da questão social é uma das formas mais amplas de entender a
totalidade e seus determinantes, presentes na realidade social; a análise de
conjuntura é uma forma de particularizar e reconhecer significados e
especificidades presentes na realidade, possibilidade de reconhecer as
características singulares presentes na realidade; o poder local permite
entender as estratégias de compensação ou de enfrentamento das expressões
da questão social. Nessa perspectiva, é possível analisar o contexto social, não
como explicativo da realidade, mas como um ponto de análise para que o
assistente social possa construir o processo interventivo. O conhecimento da
realidade possibilita a qualificação do exercício profissional, uma vez que o
231
assistente social pode utilizá-lo como forma de aproximação do usuário e das
demandas por ele apresentadas. Além disso, esse conhecimento favorece a
visibilidade das atividades desenvolvidas, dando concreticidade àquilo que
realiza.
“eu fui em busca deste perfil do usuário, da expectativa do
usuário.” [..] “Porque eu entendo que é o imediato, não é ele
aqui e ponto” [...] “conteúdo, ele é a história de vida, ele tem
o contexto social atrás dele que o formou para ter um
comportamento que ele expressa no momento do
atendimento” [...] “quando é a primeira vez eu vou em busca
de quem é este sujeito, quem é este usuário que está comigo
e também procuro entender quem é esta família que está
comigo. Esta família que está comigo, ela tem estrutura para
participar de um evento? Eu vou conseguir trabalhar esta
família ou eu vou conseguir trabalhar um indivíduo? Às vezes,
num primeiro momento é só o indivíduo. No segundo
momento, a família entra” (fala do sujeito 6)
A aproximação da discussão da questão social com o Serviço
Social toma corpo na década de 80, a partir da consolidação da matriz crítica
como referência analítica para o exercício profissional. A questão social e, mais
especialmente, suas expressões, são entendidas como o objeto de intervenção
da profissão.
dar conta das particularidades das múltiplas expressões da
questão social na história da sociedade brasileira é explicar os
processos sociais que as produzem e reproduzem e como são
experimentadas pelos sujeitos sociais que as vivenciam em
suas relações sociais quotidianas. É nesse campo que se dá o
trabalho do assistente social, devendo apreender como a
questão social em múltiplas expressões é experienciada pelos
sujeitos em suas vidas quotidianas. (IAMAMOTO, 1998, p. 62)
Como mais um elemento de análise e de aproximação à realidade
social vivenciada pelos usuários do exercício profissional do assistente social, é
preciso reconhecer quem são esses usuários e suas experiência de vida e luta
pelo atendimento de suas necessidades. Iamamoto (1998) indica que, ao
trabalhar nessa direção, o assistente social tende a - de fato – tomar o usuário
como sujeito do processo interventivo e clarificar a ele as atividades que serão
232
desenvolvidas, as responsabilidades compartilhadas e as respostas sócio-
profissionais construídas.
é entender que o usuário do serviço é sujeito de direito, é
um ser, é um cidadão, em desenvolvimento constante, que ele
constrói, desconstrói, que ele tem história de vida. Que os
meus valores morais, éticos, religiosos não podem se
sobrepor sobre esse usuário.“ [...] “entender o usuário como
sujeito em todos os momentos.” (fala do sujeito 10)
Nesse sentido, Iamamoto (2001) faz um alerta sobre a
responsabilidade de o assistente social construir estratégias profissionais que
lhe possibilitem não somente enfrentar a questão social mas também defender
direitos humanos e sociais, estando inclusa aí, a opção democraticamente
debatida entre o conjunto dos profissionais por fortalecer e dar visibilidade à
classe subalterna. Portanto conhecer a realidade experienciada por essa
classe é fundamental para a análise das condições objetivas de vida do
usuário. Conhecer essa realidade – num certo sentido – pode favorecer
àconstrução de estratégias profissionais que se voltem a melhoria das
condições de vida dos usuário.
“de como fazer, aonde fazer, como fazer, o que fazer, por
que fazer”. Aqueles porquês” [...] “ O professor Geraldo
Vilhena colocava assim na sala de aula”: “antes da gente
trabalhar no local, enfim, entrar nas organizações, vamos
conhecer o que é essa comunidade. Você vai andar na rua,
você vai andar de ônibus, você vai fazer compra, você vai num
salão de cabeleireiro, você vai num bar, você passeia numa
praça”. Eu lembro. Isso ficou muito claro na minha cabeça. Eu
nunca mais esqueci. Então quando eu vim para cá sozinha,
sem saber o que era, até porque eu não tive respaldo e
também não tive nem contato com a outra assistente social
que trabalhou aqui. Então eu falei: “eu vou ter que colocar em
prática isso. Eu vou andar de ônibus, eu vou andar sozinha,
vou andar à pé, vou andar... porque aqui tem muito mato. Eu
vou. Eu vou, vou ficar conhecida. Eu preciso conhecer”. Então
isso na verdade, quando ele falou de conhecer a comunidade,
o trabalho com a comunidade, que na época estava longe da
minha realidade. Por quê? Porque eu trabalhava com um
233
grupo que tinha uma proposta pronta. Eu falei assim: “agora!
Ah, o professor Geraldo! Vou lá atrás”. Na verdade foi o que
eu acabei fazendo mesmo.” (fala do sujeito 6)
O conhecimento da realidade e o entendimento de que ela é
constitutiva do exercício profissional permitem que seja entendido o porquê de
a questão social e de suas expressões serem reconhecidas como o objeto de
intervenção do Serviço Social. A questão social é entendida
enquanto parte constitutiva das relações sociais capitalistas, é
apreendida como expressão ampliada das desigualdades
sociais: o anteverso do desenvolvimento das forças produtivas
do trabalho social. (IAMAMOTO, 2001, p. 10)
A questão social está no próprio acontecer histórico; portanto tem
influência não somente na vida do usuário mas também na do assistente
social. Explicita apropriação e o acesso desigual da produção de bens e
serviços produzidos socialmente. Trazendo para o campo de trabalho do
assistente social,
pobreza e exclusão social como algumas das resultantes da
questão social que permeiam a vida das classes subalternas
em nossa sociedade e com as quais nos defrontamos
cotidianamente em nossa prática profissional. (YASBEK, 2001,
p. 33)
Para entender as condições objetivas de vida do usuário com as
quais o assistente social trabalha cotidianamente, é preciso entender o que é
exclusão, vulnerabilidade social e as condições de pobreza vivenciadas pela
classe subalterna. Yasbek (2001) analisa essas questões a partir da
complexidade presente no estudo da questão social e suas implicações como
objeto de intervenção para o Serviço Social.
A partir da década de 90, com a consolidação da matriz crítica
como diretriz teórico-metodológica, o Serviço Social assume claramente a
ênfase no trabalho com a classe subalterna. O trabalho do assistente social
não pode ser desenvolvido sem se levar em consideração essa condição de
234
classe; portanto, o usuário “ganha” outro lugar no trato interventivo: o de sujeito
do processo da intervenção.
“Eu não faço o que eu faço porque tenho dó das pessoas, eu
acho que isto caracteriza muito o assistencialismo. Também
não faço aquilo porque é um favor para as pessoas, estou
trabalhando ali em cima de direitos, para mim aquilo ali é um
trabalho, eu não estou sendo boazinha, não estou sendo a
dona-de-casa, eu estou sendo a profissional de Serviço
Social e que vai falar para eles sobre os direitos que eles
desconhecem mesmo.” (fala do sujeito 3)
É necessário que o assistente social conheça como os
usuários vivem sua vida cotidiana, como vivem suas experiências cotidianas.
Marx e Engels dizem “o modo pelo qual os homens produzem seus meios de
vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e
que têm de reproduzir.” (1993, p. 27) É notório que, predominantemente, o
usuário do trabalho do assistente social integra à classe subalterna e vive em
condição de vulnerabilidade social. Reside em bairros da periferia, onde
pobreza e violência se misturam e, para os desavisados se igualam. O que se
observa é que a violência é parte da sua vivência cotidiana.
“eu trabalhei esse período todo sem problema nenhum,
algumas atividades que a gente fazia, mesmo em época em
que lá estava estourando morte e briga com gang e etc e tal,
você conseguia pedir para que eles organizassem a segurança
do local.” [...] “Basicamente eles vigiavam toda ação, tudo que
você tentasse fazer eles estavam em cima. Então achei que
era necessário criar um clima, uma relação amistosa para que
você pudesse fazer o seu trabalho sem ter uma intromissão.”
(fala do sujeito 8)
Outros aspectos dessa condição aparecem de várias formas,
a saber: na condição de trabalhador eventual, sem a proteção da seguridade
social; na condição de moradia; na precária condição de saúde, na
alimentação insuficiente, a fome, a fadiga, a ignorância, a
resignação, a revolta, a tensão e o medo são sinais que muitas
235
vezes anunciam os limites da condição de vida dos excluídos e
subalternizados da sociedade. (YASBEK, 2001, p. 35)
Essa vulnerabilidade decorre da exclusão dessa classe do
processo produtivo e da participação na riqueza produzida na sociedade. É
preciso ressaltar também que
a questão é muito mais social do que econômica [...] como é
difícil reconhecer a legitimidade de um modelo de
desenvolvimento que exclui legiões de seres humanos das
oportunidades de participação não só nos frutos da riqueza,
mas até mesmo na produção da riqueza [...] a sociedade que
exclui é a mesma sociedade que inclui e integra, que cria
formas também desumanas de participação, na medida em que
delas faz condição de privilégios e não de direitos (MARTINS,
2002, p. 10)
A subalternidade “diz respeito a ausência de protagonismo, de
poder, expressando a dominação e a exploração” (YASBEK, 2001, p. 34). O
entendimento que se tem é que, à medida que vive em condição de exclusão
social, torna-se vulnerável, fragilizado e mais suscetível às diversidades e à
violência que advêm da luta por sua sobrevivência e pela defesa de sua vida. A
exclusão social é definida
como uma forma [...] de inserção na vida social. Trata-se de [...]
uma modalidade de inserção que se define paradoxalmente
pela não participação e pelo mínimo usufruto da riqueza
socialmente construída. (YASBEK, 2001, p. 34)
Esse modo de inserção na realidade social tem um recorte de
classe que, além de fragilizar as relações construídas, provoca outras
“condições reiteradoras da desigualdade” (YASBEK, 2001, p. 34) Essas
condições estão presentes desde o modo de apresentar-se do usuário até em
suas reivindicações, interesses e desejos.
“cada vez mais a gente tem recebido pessoas que precisam
de um lugar para falar, precisam ser ouvidas e quando ela
vem em busca de um recurso e ela encontra um tempo para
ser ouvida, o quanto aquilo faz diferença para a vida dela.”
(fala do sujeito 3)
236
Ao tomar conhecimento a respeito da vida do usuário, o
assistente social tem condição de percebê-lo como um sujeito que vive em uma
realidade social, com dificuldades de acesso aos mais diversos serviços, quer
seja por falta de informação, quer seja por “cansaço”, descrença nas respostas
encontradas para resolução dos seus problemas.
“todo mundo vem porque quer conversar, porque quer falar,
porque quer desabafar, está precisando de alguma coisa.
Nem sempre o que ele precisa naquele momento eu posso
ajudar” [...] “Você acha que uma cesta básica vai mudar a vida
de um cidadão? Não muda. [...] “mas a necessidade naquele
momento é da comida. Mas o que mais aquele usuário precisa,
porque ele está sem emprego, se ele não tem comida e
porque ele não tem emprego, será que ele não tem porque ele
não quer? Não tem porque ele não acha? Ou não tem porque
não tem mesmo? Então é esse olhar que eu acho que é o
essencial do assistente social.” (fala do sujeito 7)
Analisar as condições objetivas de vida do usuário permite ao
assistente social construir respostas profissionais que de fato provoquem a
reflexão do usuário e o mobilizem a participar do processo interventivo. Ao
mesmo tempo, o usuário não é vítima ou culpado de sua condição sócio-
econômica mas é parte do processo capitalista que produz também os
sobrantes do processo produtivo. Marx e Engels analisam que as condições de
vida da população não podem ser entendidas fora da história, fora da
capacidade dos homens de fazer história. Isto é reconhecer o outro como
sujeito do processo histórico. Para esses autores,
a existência humana e, portanto, de toda a história, é que os
homens devem estar em condições de viver para poder “fazer
história”. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber,
ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato
histórico é, portanto, a produção dos meios que permitem a
satisfação destas necessidades, a produção da própria vida
material, e de fato este é um ato histórico, uma condição
fundamental de toda história, que ainda hoje, como há milhares
de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas,
simplesmente para manter os homens vivos. (MARX e
ENGELS, 1993, p. 39)
237
Entender as estratégias que os usuários constroem para enfrentar
os desafios presentes na vida cotidiana pode também colaborar para o
fortalecimento do exercício profissional e dos vínculos estabelecidos entre o
assistente social e o usuário. Esse caminho, fortalece também a possibilidade
que o assistente social tem de evidenciar as condições objetivas de vida do
usuário, criando espaços e garantindo condições de expressão ao usuário.
238
2 . 6 – O conhecimento sobre a gestão das políticas sociais
Dentre o conhecimento indicado pelo assistente social como
aquele que interfere e qualifica o exercício profissional, está o referente à
gestão social das políticas sociais. Segundo Netto (1992) as políticas sociais
estão imbricadas com o trabalho desenvolvido pelo assistente social desde o
início da profissão no Brasil.
a profissionalização do Serviço Social tem sua base nas
modalidades através das quais o Estado burguês se enfrenta
com a “questão social”, tipificada nas políticas sociais [...]
requerem, portanto, agentes técnicos em dois planos: o da sua
formulação e o da sua implementação. Neste último, onde a
natureza da prática técnica é essencialmente executiva, põe-se
a demanda de atores da mais variada ordem, entre os quais
aqueles que se alocam prioritariamente no patamar terminal da
ação executiva” [...] Neste âmbito está posto o mercado de
trabalho para o assistente social: ele é investido como um dos
agentes executores das políticas sociais. (NETTO, 1992, p. 70
– 71)
Na contemporaneidade, o assistente social é chamado a ser o
executor das políticas sociais, quer seja através da realização de programas
sociais e da prestação de serviços, quer seja na gestão social.
a gestão social é, em realidade, a gestão das demandas e
necessidades dos cidadãos. A política social, os programas
sociais, os projetos são não apenas canais dessas
necessidades e demandas, mas também respostas a ela. [...] a
gestão social tem, com a sociedade e com os cidadãos, o
compromisso de assegurar, por meio das políticas e programas
públicos, o acesso efetivo aos bens, serviços e riquezas da
sociedade. Por isso mesmo, precisa ser estratégica e
conseqüente. (BRANT de CARVALHO, 1999, p. 12 – 15)
Discutir política social implica os diversos papéis que o Estado
54
assume, principalmente seu papel regulador da vida em sociedade.
54
Para entender a questão do Estado, com ênfase na questão das políticas sociais, sugiro a leitura das
seguintes produções: BEHRING, Elaine Rossetti. Política social no capitalismo tardio. São Paulo:
Cortez, 1998; LESBAUPIN, Ivo (org) O desmonte da nação: um balanço do governo FHC. 4. ed,
Petrópolis: Vozes, 2003; RICO, Elizabeth Melo (org) Avaliação de políticas sociais: uma questão em
239
é o Estado que produz, direta ou indiretamente, esses serviços
fundamentais ao cotidiano do trabalhador [...] O Estado, pela
própria historicização das necessidades sociais, passa a
assumir novos encargos frente à sociedade. Torna-se cada
vez mais, um agente produtor e organizador das desigualdades
e do espaço de confronto. [...] O Estado e com seus programas
e agentes institucionais, que deles dão conta, principalmente
os dirigentes, terminam sendo um foco para onde se canalizam
os conflitos e pressões pelos serviços coletivos enquanto
espaço de atendimento às necessidades que se colocam no
cotidiano da força de trabalho (SPOSATI et. al, 2003, p. 63 -
64)
Assim, a discussão sobre a gestão das políticas sociais é matéria
de debate constante entre os profissionais. Esse debate abarca não somente
as questões teóricas que lhe dão direção mas também as possibilidades de
construção de estratégias e respostas profissionais que alavanquem outras
discussões para além da mera reprodução dos serviços previamente
determinados.
“Nesse compromisso que a gente tem que estar em dia, de
cumprir prazos, de favorecer que o município não perca suas
verbas, a gente também tem um compromisso não só com o
local de trabalho mais com todas essas entidades, são 18
entidades com as quais a gente trabalha” (fala do sujeito 11)
Trato aqui especificamente da gestão das políticas sociais porque
é a partir dela que o exercício profissional é evidenciado.
“uma característica muito marcante do assistente social é
estar articulado com a população, o povo de um modo geral. E
quando eu falo com o povo, eu não estou falando só com o
usuário da assistência. Eu estou falando também com outros
profissionais, eu estou falando de políticos, eu estou falando
de pessoas que são voluntárias, eu estou falando de
empresários. Então essa é uma característica muito
marcante, de estar bem... saber se comunicar muito fácil
debate. São Paulo: IEE/ PUC São Paulo: Cortez, 1998; SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania
e justiça: a política social na ordem brasileira. 2. ed, Rio de Janeiro: Campus, 1987; VIEIRA, Evaldo A.
Estado e miséria no Brasil: de Getúlio a Geisel. 3. ed, São Paulo: Cortez, 1987 e a tese de doutorado de
Lucia Cortes da Costa, intitulada “A reforma do Estado no Brasil: uma crítica ao ajuste neoliberal,
defendida no Programa de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação da Profa. Dra Maria Carmelita Yasbek no ano 2000.
240
com todas as faixas da população.” [...] “eu particularmente
percebo que o assistente social, ele tem uma capacidade
muito grande de gerência, de administração, de escrutínio
para um trabalho de administração na área social e mesmo
fora dela. Um pouco por essa capacidade de comunicação, de
articulação.” (fala do sujeito 17)
A gestão das políticas sociais ocorre mediante a
operacionalização de programas, projetos sociais e serviços apensos às
diversas esferas governamentais.
“quando a gente vai construir um plano de gestão, você
precisa de um diagnóstico, a minha contribuição tem sido
esta e eles acataram. “ [...] “vocês vão ter que se fortalecer
com um banco de dados, vocês vão ter que se fortalecer
participando das reuniões, estando ligado em tudo que a
gente faz, ajudando a gente a fortalecer a dinâmica da rede,
participando dos conselhos, trazendo o conselho para cá. Daí
todos nós juntos teremos condições de estar traçando o
diagnóstico. A gente representará efetivamente a
comunidade local, aí a gente tem condições de trazer a tona,
de elencar no plano o que é realmente prioritário, porque
hoje aqui no município de acordo com o IBGE, tudo o que a
gente percebe é a família, é a criança e o adolescente,
depois vem o idoso, depois vem o deficiente, e depois o
migrante. Só que agora a nossa secretaria já percebe que o
migrante está tomando uma força muito grande, e o
migrante não tem registro dele no IBGE, porque ele é
considerado população flutuante...” (fala do sujeito 11)
A gestão ocorre não somente na execução mas na avaliação e
monitoramento dos referidos programas, projetos e serviços, bem como na
articulação da rede de atendimento – via entidades sociais, ONGs e afins - que
se coloca como “parceira” do poder público na gestão dos serviços sócio-
assistenciais, serviços na área da saúde, educação, entre outros.
“programas são desenvolvidos pelas entidades que chama de
nossas parceiras, e elas prestam conta aqui. Só que na hora
de prestar contas efetivamente somos nós que prestamos
pro estado e pro federal. Nós exercemos um controle de
241
orientação para as entidades no sentido do cumprimento do
cronograma previsto nos programas no início do ano.” (fala do
sujeito 11)
Quando os serviços são determinados pelas esferas estadual e
federal, as determinações quanto à meta de atendimento, às metas a serem
atingidas pelos usuários e aos aspectos a serem avaliados e monitorados, são
previamente determinados.
“eu acredito que os programas sociais, os técnicos estão
envolvidos em programas sociais que acompanham aquelas
famílias, fazem aí o grupo naquele contexto que a prática
seja mais próxima. Hoje eles pretendem intervir na
realidade, ou ser um diferencial, não sei se esta é a palavra,
mas ser um motivo para que aquela pessoa tenha alguma ação
na sua realidade” [...] “a gente trabalha em cima da
intervenção, intervenção na realidade.” (fala do sujeito 3)
Cabe ao assistente social: organizar e realizar o processo de
inclusão do usuário; interpretar as exigências e determinações e “re-arranjar”
as atividades para proceder à operacionalização do programa; acompanhar o
desenvolvimento do usuário e sua adesão à proposta de trabalho estabelecida
e à avaliação do processo, comparando os objetivos e as metas atingidas.
o desenho das políticas sociais brasileiras deixa longe dos
critérios de uniformização, universalização e unificação em que
se pautam [...] em contraposição à universalização utilizarão,
sim, mecanismos seletivos como forma de ingresso das
demandas sociais (SPOSATI et al, 2003, p. 23)
Com relação à inclusão dos usuários nos serviços prestados pela
rede de atendimento, normalmente, o assistente social é o profissional
convocado a proceder não somente à inclusão, mas também a interpretar para
a população os critérios para que essa inclusão possa ocorrer; preencher os
formulários e colaborar na “seleção” dos que vão ser ou não atendidos.
“Várias vezes a gente passa por injusta, a gente passa por
ruim, “como que você consegue deixar aquela pessoa...”, por
242
insensível, e quando sai daqui brava então, gritando isso aí
pelos corredores, e a gente tem que ficar quieta, deixar que
falem. Eu me formei há muito tempo, então quando eu me
formei a realidade era outra. Hoje mudou completamente, os
valores mudaram, o sistema mudou, o perfil mesmo do
serviço social mudou” [...] “é uma nova visão do serviço social,
quer dizer vai mudar de novo a nossa maneira de atuar, até
você se adaptar as novas mudanças, Você já tem aquele seu
ritmo, a sua rotina, aí vai ter que mudar de novo e nós temos
que nos adequar a isso e fazer o nosso usuário se adequar
também.” (fala do sujeito 7)
Esse processo já deixa claro que há uma incompatibilidade entre
as necessidades apresentadas pelo usuário e os recursos disponíveis para seu
atendimento; acrescenta-se, aqui, que esse “descompasso” evidentemente não
é provocado pelo assistente social, mas é ele que tem que responder e
construir alternativas para o atendimento dessa população usuária.
as condições institucionais introduzem poderosas formas de
seletividade que contribuem para reproduzir a desigualdade
social por meio de um duplo mecanismo: de um lado, a
exclusão da maioria da demanda e, de outro, o esvanecer de
seu sentido político, na medida em que a exclusão aparece
apenas como o fazer técnico profissional.” (SPOSATI et. al,
2003, p.69)
O poder público realiza a gestão financeira dos recursos e
canaliza suas ações ao repasse e ao controle dos gastos do dinheiro público.
“eu procuro passar para as entidades a realidade que está o
país, o porquê que isso está acontecendo, por isso que a
nossa relação fica mais fácil, porque você tem como
justificar, por exemplo, acontece um atraso de verba, as
entidades vêm aqui. Outra entidade foi beneficiada, ela não,
não aumentou o per capita. Você tem todo um discurso, olha,
gente, a política neoliberal que a gente está vivendo; que
prevê os mínimos sociais, mais a gente tem que tirar proveito
da situação, então a gente vai fortalecendo e vai colaborando
pra que elas não desanimem, porque a gente acredita que
elas estão ali na frente e antes isso do que nada.” (fala do
sujeito 11)
243
Referenda a importância da parceria com a sociedade civil
organizada – através das entidades sociais –, que se submete a essa
vinculação e estabelece com o poder público uma relação de receptora do
recurso financeiro.
“O Estado hoje ele não quer mais ser o executor, ele quer
ser o financiador, parceiro no financiamento.” [...] “Você tem
que descobrir a rede municipal e os principais atores naquela
rede que podem ser sensíveis a isso. O grande foco daí fica
no juiz, promotor, secretario de assistência social ou
departamento dependendo da realidade do Vale, conselho de
direitos, basicamente são esses.” [...] “Descobrir dentro
dessa rede quem é que pode, se a rede se interessa, se tem
demanda também, porque a gente tem que descobrir se o
município tem demanda, porque tem municípios que não tem,
a gente colabora na construção desse projeto.” (fala do
sujeito 10)
O que pode acontecer é que tanto o poder público municipal como
as entidades sociais e ONGs construam programas e projetos que respondam
aos interesses das outras instâncias governamentais.
“E daí nesse dia-a-dia atribulado, as informações são muitas,
elas acontecem a todo instante, cada hora um assunto, então
ao mesmo tempo que a gente está cuidando dessa rotina
desse trabalho de prestação de conta estadual e federal, a
gente está lidando com novos convênios, por exemplo tem
uma verba lá em Brasília e nós estamos amarrados até agora,
ah, está faltando documento. A distância também dificulta a
comunicação, por mais informatizado que seja você não
consegue corresponder muitas vezes ao que eles estão
pedindo, e por mais que você se esforce muitas vezes deixa a
desejar, também tem a questão de organização deles que a
gente percebe que eles alegam que não recebem documentos
por mais que você protocole no correio que vá com AR, com
todo aparato que a gente procura realizar.” (fala do sujeito
11)
O que se observa é a pulverização dos recursos financeiros,
critérios claros de classificação da pobreza e, algumas vezes, o
244
acompanhamento social realizado pelo assistente social, que perde visibilidade
sócio-educativa para ganhar força como fiscalizador.
“nós informatizamos tudo. Dentro das nossas limitações
porque eu não fiz curso de informática. Nós informatizamos
tudo porque todas essas informações quando eu entrei aqui
eram datilografadas, dá para você imaginar o tempo perdido.
Nós temos aqui 18 instituições imagina só” [...] “uma a uma, e
daí o que acontecia, atraso lógico de 10, 15 dias para sair
daqui, mais 15 para sair lá de cima para chegar na conta da
entidade demorava um mês. Isso aí era complicado. Então
hoje acontece o seguinte, acontece normalmente, chegou a
gente já empenha, a nossa parte nós procuramos cumprir,
prazo pra nós é fundamental.” (fala do sujeito 11)
Um outro aspecto importante a ser ressaltado refere-se ao
fomento à formação da rede de atendimento e prestação de serviços sócio-
assistenciais. Essa rede compreende os serviços realizados nas diversas áreas
que se relacionam às políticas sociais: assistência social, saúde, educação,
trabalho, previdência social, habitação, entre outras. Abrange os serviços
prestados, tanto pelo poder público como pela sociedade civil organizada.
Envolve também a participação dos conselhos e das autoridades do poder
judiciário, dos gestores da área pública. Entendo que essa rede deveria
envolver também a participação dos representantes dos movimentos sociais
organizados, uma vez que, são sujeitos desse processo. O assistente social é
um dos profissionais que conseguem, não somente construir essa rede, mas
também mantê-la atuante e fortalecida. O atendimento à população usuária,
quando ocorre via rede, tende a ser otimizado e alcança resultados mais
expressivos. Um outro aspecto fundamental para entender a questão da gestão
social está apenso à questão da descentralização prevista na legislação
“eu me deparei com uma outra realidade, ma,s ao mesmo,
tempo uma realidade que eu percebi importante demais,
porque se não tivesse alguém, se não tiver alguém para
conduzir o município fica, agora ele é um município
descentralizado, a outra gestão optou pela descentralização,
trouxe toda uma infra-estrutura, criação de conselhos,
fundo municipal, tudo, e se alguém não assumisse e o outro
245
prefeito entrasse, você não teria como progredir nisso,
regredir poderia.” (fala do sujeito 11)
A partir do ano de 2003, principalmente na área da assistência
social, a discussão da gestão social ganha força uma vez que o Ministério do
Desenvolvimento Social passa a discutir gestão no âmbito federal, com vistas à
implantação do Sistema Único da Assistência Social - SUAS. A idéia de gestão
implementada volta-se ao desenvolvimento do trabalho articulado às demandas
e necessidades identificadas junto à população usuária ou não dos serviços
prestados à rede de atendimento; através de um conjunto articulado de
políticas sociais, programas e serviços sociais, busca-se a construção de
respostas concretas a essas necessidades. Sob essa perspectiva, as
necessidades dos cidadãos são vistas sob a ótica dos direitos e não da
solidariedade e da tutela social. O trabalho social parte da realidade local para
se construir e se constituir.
“a gente está vendo claramente que o nosso município está
absorvendo muito esse segmento
(população migrante)
,
chegar até ele, abordar, quem aborda, quem chega? Então
nesse departamento é necessário que alguém faça, e há uma
carência em torno disso. Por isso que eu falo para você que
estatística é uma coisa fundamental hoje. Você precisa
traçar quantitativamente e qualitativamente os dados. Você
tem que traçar quantitativamente através do que, de
referências legitimas.” (fala do sujeito 11)
O foco das ações direciona-se para a inclusão social da
população que vive em condição de vulnerabilidade social, e as ações são
canalizadas para aqueles que vivem em condição de pobreza e miserabilidade.
Esse tipo de gestão favorece a construção de parceria com órgãos
deliberativos tais como os conselhos municipais, pois tem aí fortalecido seu
papel articulador, deliberativo, fiscalizador das ações implementadas; a
identificação das diferenças sócio-espaciais das cidades, bem como as suas
interfaces com projetos de intervenção. A gestão dessa natureza – de cunho
democrático – explicita a municipalização e a descentralização das ações
sociais e colabora para o enfraquecimento de ações clientelistas.
246
“No ano passado a equipe que estava entrando e a outra que
estava saindo, elogiou a nossa atuação porque foi a única
secretaria que ele conseguiu todos os dados que ele
precisava. O que se referia a nossa secretaria estava tudo
certo, ele podia dispor. Nós informatizamos tudo, e
transformamos tudo visualmente, através de quadros,
pastas, planilhas. Aqui tão os cronogramas das entidades,
aqui você visualiza a rede assistencial do município, as
entidades que são cadastradas e as que não são cadastradas.
As que não são cadastradas não estão destacadas.” [...] “você
coleta dados, faz uma bagunça total para poder chegar nessa
planilha, desorganiza isso primeiro, para depois se
organizar.” (fala do sujeito 11)
A gestão democrática implica a construção de programas e
projetos que tenham por objetivo a inclusão social e que se traduzam em ações
concretas e visíveis no caminho da melhoria das condições objetivas de vida
do usuário.
“quer dizer descobrir a realidade local, construir o projeto
ou com a prefeitura ou com a entidade, e depois
supervisionar a operacionalização e a parte administrativa.
Existem algumas exceções no nosso serviço e que hoje eu
também faço: no município que eu atuo, venceu o convênio a
entidade não quis renovar, então quando a entidade não
renova, existe algum problema, ninguém está atendendo
aquele adolescente, o técnico assume o atendimento. Eu
atendo no município o adolescente diretamente, mais isso é
temporário. Eu volto nesse movimento de sensibilizar outra
instituição, sensibilizar a prefeitura, e como nesse
movimento eu tive mudança de gestão, então a gente está de
novo discutindo com prefeitura, discutindo com a entidade.
O atendimento é pontual.” [...] “Eu tento fazer o meio de
campo que o conselho de direitos defina. Como o projeto tem
que ser registrado no Conselho, a entidade tem que ter
inscrição no conselho e o projeto tem que ser registrado no
conselho, a gente tenta passar um pouco essa bola, tem
alguns municípios na realidade não dá para acontecer desta
forma, se aparecer mais de dois projetos, nós damos o
parecer técnico, em cima do parecer técnico a nossa
diretoria decide” [...] “a infra-estrutura da entidade, espaço
físico, a trajetória que ela já tem no atendimento a criança e
adolescente, que tem entidade que às vezes ainda não tem
247
experiência com isso. Então esses dados estrutura, espaço
físico, manutenção financeira, e experiência na área de
criança e adolescente passa pelo nosso parecer. No município
onde o conselho pode indicar ele indica, isso é levado muito
em conta, até porque também mesmo que o meu parecer
enquanto técnico seja favorável, da minha diretoria seja
favorável, mais se o conselho não reconhece aquele projeto
ele não tem como ser executado. Existe uma relação muito
forte do papel do conselho, mais isso são realidades muito
pontuais aonde os conselhos se envolvem muito.” (fala do
sujeito 10)
Ainda nessa perspectiva, o trabalho do assistente social toma
outro rumo, o que exige do profissional abertura para apropriar-se de outros
conhecimentos como aqueles relativos à montagem de banco de dados, de
informatização, do controle do financiamento, de monitoramento, entre outros,
como forma de legitimar observações e qualificar os dados previamente
quantificados.
“Penso que em termos de aprimoramento e clarificação, o
trabalho que a gente desenvolve aqui ele é muito rico, porque
ele é abrangente, a partir do momento que você é favorecido
a estar em contato com outras equipes, com toda equipe que
envolve o serviço social dentro da esfera estadual e federal,
esse contato, essa possibilidade de você ter que estar
capacitando o tempo todo, eu acho muito rico.” [...] “ falta
dentro do curso é justamente um reforço maior na
estatística.” [...] “ informática” [...] “ a política publica” [...]
“Você tem que estar o tempo todo atualizado com a política
pública e muito informada também, porque para acompanhar
as mudanças que ocorrem, elas ocorrem diariamente, as
transformações então você fica muito conectada a toda essa
mudança, eu acho que é esse respaldo que a gente precisaria
ter” [...] “outra que eu acho muito importante e elaboração
de projetos.” (fala do sujeito 11)
Finalizando, o conhecimento sobre gestão social requer do
assistente social abertura para busca de outros conhecimentos que fortaleçam
sua capacidade analítica, a produção de conhecimento e de alternativas de
intervenção. Paralelamente, cabe ao profissional – até por sua formação
248
acadêmica - aproximar-se do conjunto organizado da sociedade civil, incluindo
aí, os movimentos sociais, com o objetivo de dar visibilidade e fortalecer seu
papel no poder local. Desse modo, o assistente social é um agente no
processo e na construção dessa correlação de forças de modo a não favorecer
apenas o papel do Estado, mas também dar visibilidade aos sujeitos que
integram o poder local.
249
Capítulo 3:
As atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais e os
caminhos para a construção da interlocução com tendências
teórico-metodológicas presentes no exercício profissional.
“Eu acho que as produções de conhecimento são muito
complicadas. Eu acho que precisava... Eu sinto que precisa
falar de uma forma, escrever de um jeito simples, técnico,
sem cair no simplismo. Mas tem que ser atraente para quem
está na prática, que fale para a gente. E colocar esse
cotidiano, sabe? Aliar esse cotidiano a essa teoria e que
deve ser uma coisa gostosa de se ler, onde você se
reconheça. De você querer ler e você se encontrar. Ou você
pelo menos gosta e vai procurar aquilo ali um jeito de fazer
diferente. Eu acho que o que falta no Serviço Social é isso.
Às vezes eu pego uns textos da revista Serviço Social e
Sociedade, a sensação é que a linguagem é desconhecida.
Completamente desconhecida.” (fala do sujeito 17)
250
Neste capítulo vou tratar das questões em envolvem a
interlocução estabelecida pelo assistente social com as tendências teórico-
metodológicas. Inicio o capítulo analisando o exercício profissional do
assistente social por meio da identificação das atividades realizadas e das
atribuições privativas previstas na Lei de Regulamentação da Profissão.
Para conhecer as atividades realizadas pelos assistentes sociais,
cruzei as respostas registradas no questionário referente a seguinte questão:
indique, dentre as atividades profissionais que você desenvolve, as três que
considera mais importantes e que caracterizam sua ação profissional. Após a
leitura inicial das respostas registradas e antes do contato pessoal com os
sujeitos da pesquisa, entendi que esta questão carecia de complementação.
Assim, no contato direto com os sujeitos perguntei: das atividades
desenvolvidas, quais as que reconhece como específicas do exercício
profissional do assistente social? Diante da diversidade das informações
registradas pelos assistentes sociais, realizei uma leitura prospectiva
objetivando identificar conteúdo e proximidade de conteúdo. Esta leitura
possibilitou a construção da análise que explicitou a complexa e variada gama
de atividades desenvolvidas pelo assistente social. Um outro aspecto
fundamental é o destaque dado pelos sujeitos da pesquisa a relação entre o
assistente social e o usuário no que se refere ao processo interventivo.
Identifiquei também a dificuldade que os profissionais tem de
designar - pelo nome - aquelas atividades que são específicas, privativas do
exercício profissional do assistente social. Esta dificuldade está relacionada
também ao desconhecimento demonstrado pelos profissionais no tocante a Lei
de Regulamentação da Profissão. Bartlett (1976) já chamava a atenção da
categoria (em um ensaio escrito em 1957) sobre a importância do
reconhecimento da especificidade do exercício profissional do assistente social.
a responsabilidade da profissão para manter a qualidade e a
eficiência de seus serviços, exige que ela seja capaz de
demonstrar à sociedade a competência de seus membros. [...]
particularmente a dependência das agências e a inabilidade em
definir a prática de tal maneira a distinguí-la da prática de
outras profissões – o Serviço Social não tem sido capaz de
fazer essa demonstração à sociedade. (BARTLETT, 1976, p.
34)
251
Esta dificuldade foi percebida na pesquisa. Identifiquei que
parcela dos assistentes sociais pesquisados apresenta algumas dificuldades
em nomear aquilo que faz, ou ainda, de explicitar e clarificar o seu exercício
profissional. A primeira parte deste capítulo versa sobre as atividades
desenvolvidas pelo assistente social, focando a relação assistente social-
usuário, as múltiplas atividades desenvolvidas e reconhecidas pelos sujeitos da
pesquisa e as atribuições privativas.
Na segunda parte do capítulo trabalho a interlocução construída
pelos assistentes sociais com as tendências teórico-metodológicas. Para
entender como os assistentes sociais estabelecem essa interlocução, perguntei
aos sujeitos da pesquisa no momento da coleta do depoimento: você identifica
a qual tendência teórico-metodológica o seu exercício profissional está
associado? Como se deu o processo de aproximação a esta tendência teórico-
metodológica? Como você entende que esta tendência teórico-metodológica é
a que responde o seu fazer profissional?
Este foi o momento de maior tensão durante o contato com os
sujeitos. A maioria dos profissionais apresentou dificuldades na verbalização do
seu entendimento sobre esta questão. Isto ficou claro na medida em que os
sujeitos solicitaram esclarecimentos quanto às perguntas, fazendo longas
pausas para pensar, e, boa parte deles, sugeriu que o gravador fosse
desligado. Percebi que os sujeitos necessitavam construir uma formulação
prévia da resposta e depois sim, proceder à gravação. Entendi –
preliminarmente - que isso se deve aos aspectos relacionados a: pouca
familiaridade que os assistentes sociais demonstram ter com a temática
discutida; os aspectos relativos ao conhecimento em si acerca das tendências
teórico-metodológicas. Esse é um tema árido, que requer dos profissionais,
disponibilidade para reflexão e discussão sistemática. Não é um tema cuja
resposta é construída na imediaticidade. Mesmo assim, os assistentes sociais
se dispuseram a falar e em alguns momentos evidenciaram que sua fragilidade
teórica e o quanto isto compromete o exercício profissional.
Parto do entendimento que a construção de interlocução com as
tendências teórico-metodológicas é um dos caminhos possíveis para
252
distinguir uma prática assistencial – benéfica de outra vinculada
a uma estrutura político – econômica, dentro de uma
determinada divisão sócio-técnica do trabalho (MONTAÑO,
2000, p. 12)
Entendo também que do mesmo modo que o conhecimento
teórico-metodológico é visto e apreendido como transposição e de forma
utilitária – como aplicação de um conhecimento já existente, as tendências
teórico-metodológicas também podem ser vistas dessa forma, reforçando o
princípio de que devo me apropriar daquela que responde – mesmo que de
forma preliminar e imediata às minhas inquietações profissionais.
Por intermédio das falas dos sujeitos foi possível identificar que
esta interlocução ocorre sob diversas perspectivas, desde os profissionais que
entendem que o exercício profissional prescinde das tendências teórico-
metodológicas, ou seja, ele pode ocorrer independente deste tipo de
conhecimento até aqueles para os quais este conhecimento é fundamental.
253
3. 1 - O exercício profissional desenvolvido pelo assistente social
No campo da análise do exercício profissional do assistente social
é necessário entender como realizam suas atividades profissionais. Parto do
entendimento que majoritariamente esse exercício profissional é desenvolvido
nos espaços sócio-organizacionais.
o assistente social, no exercício de suas atividades vinculados
a organismos institucionais estatais , para-estatais ou privados,
dedica-se ao planejamento, operacionalização e viabilização de
serviços sociais por eles programados para a população.
(IAMAMOTO e CARVALHO, 1983, p. 113)
Para dar conseqüência à análise, utilizo desde a bibliografia de
apoio teórico- metodológica, como as respostas registradas pelos profissionais
no questionário e o depoimento dos sujeitos. De pronto se revela uma
contradição que me parece inerente ao exercício profissional, e, influencia
diretamente a relação assistente social – usuário, qual seja, historicamente o
Serviço Social dirige - através dos assistentes sociais – suas atividades
profissionais à classe subalterna mas
quem demanda esses serviços é quem contrata o profissional e
tem controle sobre as instituições sociais, também utilizadas
como instrumentos de difusão de controle e influência sobre o
conjunto da sociedade [...] o Serviço Social tem seu exercício
profissional legitimado e socialmente reconhecido pelos setores
dirigentes da sociedade, ao mesmo tempo em que esses
serviços aparecem, para a população atendida pelas
instituições como imposição. (RAICHELIS, 1988, p. 12 – 13)
Essa contradição atravessa a relação estabelecida entre o
assistente social e o usuário; sendo necessário entender como esta relação se
concretiza no cotidiano. A fala dos sujeitos da pesquisa evidenciou a
necessidade de conhecer as múltiplas expressões que as atividades
desenvolvidas pelos assistentes sociais estão tomando corpo e se
concretizando ao longo do exercício profissional. Este estudo me possibilitou
identificar e reconhecer alguns aspectos que são constitutivos do exercício
254
profissional do assistente social, as implicações da relação assistente social-
usuário e o quanto o não reconhecimento das atribuições privativas previstas
na Lei de Regulamentação da Profissão favorece a pouca visibilidade do
exercício profissional.
255
3. 1. 1 – A relação assistente social – usuário
A relação entre o assistente social e o usuário é estabelecida por
meio da operacionalização do exercício profissional. Este exercício se dirige
aos usuários que vivem em condição de vulnerabilidade social, condição de
miséria e que muitas vezes não conseguem se inserir no mercado de trabalho.
Esta não inserção decorre de múltiplas causalidades, dentre elas as
recorrentes são: diminuição de postos de trabalho; escolaridade incompatível
com as exigências determinadas pelo mercado de trabalho; a competitividade
entre os trabalhadores - acirrada pela disponível oferta de mão-de-obra, se
comparada aos postos de trabalho existentes; diminuição do poder de compra
da classe trabalhadora; desenvolvimento tecnológico favorecendo a
substituição do trabalho humano pela máquina.
Nesta perspectiva Iamamoto afirma
atualmente, segmentos cada vez maiores da população
tornam-se sobrantes, desnecessários [...] cuja força de trabalho
não tem preço, porque não têm mais lugar no mercado de
trabalho. (1998, p. 33).
Ou seja, a reestruturação produtiva
55
produz no trabalhador a
sensação do descarte, da pouca ou nenhuma mobilidade social, além da
redução do trabalho a qualquer atividade que gere alguma – mesmo que não
seja suficiente para manutenção de suas necessidades básicas – fonte de
recursos materiais e financeiros.
o processo de reestruturação produtiva – que leva à necessária
redução do trabalho vivo - , em curso também no Brasil em
resposta a mais uma das crises de acumulação capitalista,
apesar de ter levado ao aumento da produtividade, fez diminuir
o contingente de trabalhadores brasileiros inseridos no
mercado formal de trabalho [...] acompanhado da precarização
das condições de trabalho e exigência de maior produtividade
55
Para entender essa questão, recomendo a leitura dos seguintes livros: ANTUNES, Ricardo. Adeus ao
trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez;
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1995; ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio
sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6. ed., São Paulo: Boitempo, 2002.
256
em menos tempo [...] a inserção de determinados segmentos
da classe trabalhadora no sistema capitalista se dá através de
uma “exclusão” estratégica, objetivando o barateamento da
força de trabalho necessária à reprodução do capital.
(VASCONCELOS, 2002, p.98)
Sob esta perspectiva – a do desenvolvimento do capital industrial,
financeiro e tecnológico – os assistentes sociais atuam construindo relações
com os usuários, cuja pertinência recai sobre a discussão da inclusão social,
ou ainda a minimização dos impactos da exclusão social na vida desses
usuários. Essa relação também é historicamente determinada e alicerçada
pelas necessidades apresentadas pelos usuários, o conhecimento prévio que o
assistente social tem acerca das demandas de atendimento e a construção de
uma resposta competente aos desafios postos pela trama de relações
engendrada na realidade social. Deste modo,
é uma ação de um sujeito profissional que tem competência
para propor, para negociar com a instituição os seus projetos,
para defender o seu campo de trabalho, suas qualificações e
funções profissionais. Requer, pois, ir além das rotinas
institucionais e buscar apreender o movimento da realidade
para detectar tendências e possibilidades nela presentes
passíveis de serem impulsionadas pelo profissional.
(IAMAMOTO, 1998, p. 21)
Ao colocar em movimento seu conhecimento para analisar e
conhecer a realidade social, e fundamentalmente as condições objetivas de
vida dos usuários, o assistente social é capaz de construir estratégias
interventivas e de fato evidenciar o protagonismo do usuário quer seja através
das situações-problema apresentadas, quer seja pela análise das demandas
de atendimento. Alicerçado pelo conhecimento do espaço organizacional –
lócus de sua atuação – o assistente social é capaz também de reconhecer os
limites e possibilidades de sua atuação.
“não interessa qual o objetivo da instituição em ter o
assistente social; o interessante é o trabalho dele com o
usuário. É claro que ele vai sofrer toda aquela carga de
limites da instituição, de necessidade de trabalho e tem essa
pressão” (fala do sujeito 5)
257
Analisando os resultados da pesquisa, possível identificar que a
relação assistente social – usuário é construída em duas direções: uma onde é
explicita a relação de poder como forma de subalternizar o usuário àquilo que o
profissional identifica como o “melhor para ele” e uma outra direção, onde o
usuário é reconhecido como um sujeito que recorre ao conhecimento do
assistente social a fim de identificar possíveis alternativas para resolução de
suas necessidades.
Os depoimentos que se seguem refletem essas duas direções:
“Falando da intervenção, eu fico questionando até que ponto
eu posso ir. Eu atendo uma família, fui identificando algumas
coisas que eu precisava intervir” [...] “já estou atendendo a
família desde fevereiro, estou sempre cobrando o que ela
faz.” [...] “ já encaminhei” [...] “até hoje ela não foi” [...] “eu
liguei para casa dela e falei assim: se for chamada para o
cadastro do renda mínima, você não vai conseguir por falta
deste documento. Eu perguntei você já conseguiu alguma
coisa, ela disse não, nada. Eu já estou com a sua cartinha na
mão. Se você não for ao Conselho Tutelar, eu vou rasgar a
cartinha. Acho que vai ser
uma atuação mais hostil mas
necessária.” (fala do sujeito 5)
A relação estabelecida entre o assistente social e o usuário pode
ser concretizada, através do enquadramento do usuário as determinações
institucionais e da pouca disponibilidade do assistente social em analisar as
questões para além das possibilidades apresentadas dentro do espaço
organizacional. Uma análise dessa natureza pode apressar uma “resposta” que
poderá frustrar o usuário e o próprio profissional (o que adianta encaminhar, ele
não vai mesmo!). Além disso: identifica-se que o diálogo “terminou” quando o
assistente social identificou a demanda inicial, ocorreu o encaminhamento e o
profissional não levou em consideração as condições objetivas de vida do
usuário, ou seja, reflexão ficou limitada à necessidade. O ”até onde eu posso
ir” verbalizado pelo profissional deveria se conjugar à realidade vivenciada pelo
usuário, suas dificuldades, seu horizonte de vida e suas aspirações.
O assistente social é chamado a constituir-se no agente
institucional de “linha de frente” nas relações entre a instituição
258
e a população, entre os serviços prestados e a solicitação dos
interessesados por esses mesmos serviços. [...] devido à
proximidade com o usuário, o assistente social é tido como
agente insituicional que centraliza e circula informações sobre a
situação social dos clientes para od demais técnicos e para a
entidade, e as informações sobre o funcionamento desta para
apopulação. (IAMAMOTO e CARVALHO, 1983, p. 114)
Aqui fica explicita uma condição histórica do exercício profissional
desenvolvido pelo assistente social: os limites do seu trabalho interventivo são
reconhecidos por meio das determinações estabelecidas pela organização na
qual presta serviços.
“todo mundo vem porque quer conversar, porque quer falar,
porque quer desabafar, está precisando de alguma coisa.
Nem sempre o que ele precisa naquele momento eu posso
ajudar, e nem sempre o que ele precisa é o que realmente vai
ajudá-lo, vai mudar a vida dele. Você acha que uma cesta
básica vai mudar a vida de um cidadão? Não muda, um
cobertor, muda muito mais, mas a necessidade naquele
momento é da comida. Mas o que mais aquele usuário precisa,
porque ele está sem emprego, se ele não tem comida e
porque ele não tem emprego, será que ele não tem porque ele
não quer? Não tem porque ele não acha? Ou não tem porque
não tem mesmo? Então é esse olhar que eu acho que é
essencial para o assistente social.” (fala do sujeito 7)
No trato interventivo o assistente social vai lidar também com
situações de caráter imediato, que vai demandar do profissional a construção
de uma resposta que incidirá sobre a vida do usuário. Nesse sentido, as ações
de caráter imediato também requerem do profissional a efetuação da
identificação de demandas de atendimento, a construção de mediações para o
entendimento das expressões da questão social que “aparecem” e podem ser
particularizadas por intermédio da fala dos usuários. Essa é uma das formas
possíveis de não culpabilizar os usuários por sua condição de vida, ao
contrário, o assistente social deve analisar essas condições de modo a
possibilitar a construção de caminhos que favoreçam a melhoria da qualidade
de vida dos usuários. É fundamental que o assistente social - de fato - se
disponha a construir essa leitura analítica, do contrário, a prática ficará
259
comprometida. A fala do sujeito deixa claro o quanto o distanciamento da
análise compromete a intervenção
“ele tem n opções pra fazer com aqueles R$ 60,00, ou ele
paga a prestação, ou ele paga uma conta de água, ou ele paga
uma conta de luz, ou ele compra comida. Quando na maioria
das vezes ele prefere comprar um sapato, sei lá roupa, até
um perfume a gente vê que eles fazem isso. E não aproveitam
o dinheiro como o projeto indica que tenha que ser feito.
Você sabe que esses projetos são só pra pessoas melhorarem
a sua condição de vida, ter uma melhoria de vida, então ele
teria que fazer o que? Com R$ 60,00 ele compra piso e vai
pagando, paga sei lá em 4, 5 vezes, ele tem esse dinheiro por
1 ano, mais ele não faz isso.” (fala do sujeito 7)
A visão que parcela dos assistentes sociais - que se reconhecem
como profissional da prática - tem reforça a determinada pela organização: o
usuário tem que ter um comportamento, uma atitude perante a vida que
responda àquilo que a organização espera dele. A necessidade deixa de ser a
apresentada pelo usuário e passa a ser aquela identificada nos projetos -
operacionalizados através da política de assistência social - como aquelas que
o usuário deve ter. O assistente social vai então direcionar o comportamento do
usuário e fiscalizar se está correspondendo e aderindo as atividades propostas
no projeto, se está utilizando o recurso de forma a atender ao estabelecido – no
projeto - como meta a ser atingida tanto pelo usuário como pelo assistente
social.
O usuário tem um papel secundário e muitas vezes obscurecido
pela determinação organizacional. Ou seja, fica parecendo que ao não cumprir
com essas determinações, está utilizando, de forma errônea e equivocada, o
recurso que foi disponibilizado pelo governo, intermediado pela organização.
Os depoimentos demonstram que o exercício profissional do
assistente social perpassa necessariamente pela relação estabelecida com o
usuário; pelo contexto sócio-organizacional no qual o profissional está inserido
e, pelo conhecimento e reconhecimento da rede de atendimento existente.
A relação assistente social – usuário pode ser construída por
iniciativa do usuário quando vai buscar a intervenção do profissional para
260
resolver uma situação –problema. Pode ocorrer também por iniciativa do
próprio profissional que em nome da organização onde trabalha, realiza o
primeiro contato com o usuário.
“Mas assim desde que eu me propus a fazer eu procuro fazer
o melhor que eu posso, talvez, acho que esta seja a grande
diferença, eu procuro me empenhar, fazer o melhor
trabalho, atender melhor o que eu posso as pessoas, dentro
de uma realidade é claro que a nossa por exemplo, na creche,
eu não tenho vaga para todas as pessoas que vem procurar
mas todas elas eu atendo com muita educação, com muita
cordialidade, é esclareço todas as dúvidas, eu procuro fazer
o melhor que eu posso.” (fala do sujeito 2)
Essa aproximação inicial com o usuário ocorre mediante o
conhecimento da realidade pessoal e social do usuário. Esse conhecimento
perpassa necessariamente pela situação – problema trazida pelo usuário, que
pode vir em forma de queixa, problema, reivindicação, solicitação.
Nesse momento espera-se que o assistente social procure se
apropriar dessa realidade, estabelecendo um clima de confiança que permita
que o usuário se sinta ouvido, respeitado em sua condição.
“E foi assim, bem devargarzinho mesmo, através das visitas
domiciliares, que isto contribuiu muito para esta
aproximação entre os usuários e a entidade. O que eu
queria? Eu não queria que os usuários viessem para cá
somente como um plantão social, eu queria que esse espaço
fosse utilizado para ele, para comunidade, para ele se sentir
pertencente a entidade; um espaço para ele estar utilizando
independente de recursos. E começou a acontecer isto.” (fala
do sujeito 6)
Ao estabelecer este primeiro contato o assistente social deverá
levar em consideração dois aspectos: o primeiro é que o usuário procura o
serviço prestado no espaço organizacional. E o segundo: o usuário vê o
assistente social como aquele que vai interpretar os serviços prestados pela
organização além de colaborar para o entendimento que este terá daquele
espaço organizacional.
261
“a leitura que a grande maioria da população em geral faz”
[...] “É da gente fazer aquele atendimento social mesmo.
Desde o mais precário, de só simplesmente dar o aspecto
paternalista mesmo, até o atendimento social mais completo
mesmo, complexo mesmo.” (fala do sujeito 17)
O que se espera do assistente social é que ele estabeleça
relações com o usuário que lhe permitam falar sobre aquilo que lhe causa
sofrimento, angústia, dor, revolta; cabendo a criação de um clima de aceitação
recíproca entre este usuário, o assistente social e o contexto organizacional.
“mas tem aquelas pessoas que estão buscando um momento
para serem ouvidas” [...] “essa perda do poder aquisitivo vai
apertando, apertando a pessoa e ela não consegue um local ou
uma pessoa que a escute porque o parente nos primeiros seis
meses escuta, depois não escuta mais, ele vai ficar cheio da
situação. Então a gente intervem, nem que seja para
propiciar a ele o momento de reflexão.” (fala do sujeito 3)
Um dos cuidados que se deve ter neste momento é que ao se
colocar a escuta do outro o assistente social não limite a sua ação ao
“enquadramento” da situação que lhe foi apresentada com as determinações
da organização (objetivos, metas, recursos), como se a situação-problema
deixasse de ser do usuário e passasse a fazer parte do rol de demandas da
organização. Neste sentido ainda pode-se dizer que o usuário passa a ser da
organização, uma vez que foi “enquadrado” dentro do contexto da organização;
portanto deve-lhe fiel obediência. Ao contrário, cabe ao assistente social
realizar uma análise onde estejam em conexão a situação particular
apresentada e a realidade social.
“Eu acho que no instrumental que você utiliza, na postura
que você assume naquele momento daquela intervenção que é
uma postura diferente. Acho que basicamente o instrumental
e a postura mesmo que você e assim, o cuidado, a atenção
que você tem porque aquela relação, aquele momento não
pode virar um bate-papo, não pode virar uma coisa informal,
uma coisa mais solta como seria lá fora. Acho que nesses
momentos você fica pensando qual vai ser a forma como vou
262
abordar, qual vai ser a conduta, qual vai ser o
encaminhamento que eu vou dar” [...] “acho que isso dá esse
diferencial, eu acho que isso...” (fala do sujeito 1)
Outro aspecto importante diz respeito ao relacionamento
estabelecido entre o assistente social e o usuário
O relacionamento do assistente social [...] parece condição
necessária para a implementação de ações interventivas
reconhecidas como próprias da profissão [...] ele se torna algo
interno ao trabalho executado [...] o próprio assistente social
também identifica o relacionamento como elemento definidor
da profissão. (WEISSHAUPT, 1988, p. 80)
Nesta perspectiva o relacionamento estabelecido entre o
assistente social e o usuário toma um significado, ou seja ele é elemento
fundamental para o entendimento da trajetória de vida do usuário e do
estabelecimento da relação de confiança que advém da explicitação da
competência por parte do assistente social.
Esta relação requer do profissional competência técnica e
argumentativa, uma vez que é construída como processo, se concretiza no
cotidiano, por meio do exercício profissional.
“a própria intervenção ela muda de acordo com o outro. Você
aborda cada um de uma forma.” [...] “perceber isto é muito
interessante para que você consiga explorar bastante o
atendimento.” (fala do sujeito 1)
“O usuário vinha para falar comigo e independente do
recurso do plantão social, era ele, era a necessidade dele.”
(fala do sujeito 6)
Essa construção relacional é resultado da articulação entre o
saber profissional, o poder decisório, a autonomia do profissional e do usuário
e a possibilidade que o assistente social tem de entender que o usuário
também é protagonista de sua vida em sociedade.
263
3. 1. 2 – As atividades desenvolvidas pelo assistente social no decorrer
do exercício profissional
Para proceder à análise das atividades desenvolvidas, foram
levados em consideração: o registro dos assistentes sociais no questionário
enviado via correio no decorrer de 2003 - 2004, e os depoimentos coletados e
transcritos durante o ano de 2005. Associei também outros procedimentos, a
saber: utilização de bibliografia de apoio – que está citada ao longo do texto; a
questão proposta no questionário entregue aos profissionais: indique dentre as
atividades profissionais que você desenvolve as três que considera mais
importantes e que caracterizam sua ação profissional; as questões
apresentadas quando da coleta dos depoimentos: quais as atividades que você
exerce? Das atividades exercidas, quais as que você reconhece como aquelas
que somente o assistente social pode exercer?
Partindo destes pontos foi possível estabelecer que os
profissionais identificam suas atividades, muitas delas consideradas
tradicionais no exercício profissional e de certa forma reforçam o caráter
assistencial ainda presente no trabalho desenvolvido pelo assistente social.
os relatos existentes sobre as tarefas desenvolvidas pelos
primeiros assistentes sociais demonstram uma atuação
doutrinária e eminentemente assistencial. (IAMAMOTO e
CARVALHO, 1983, P. 193)
Ao mesmo tempo, demonstram dificuldades em reconhecer as
atividades consideradas privativas, que somente o assistente social pode
desenvolver.
Quanto as atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais,
predominam aquelas que reforçam a relação assistente social – usuário;
assistente social – organização na qual presta serviços. Após análise preliminar
do registro efetuado pelos profissionais e diante da diversidade do conteúdo
encontrado, optei por classificar as respostas por aproximação de conteúdo.
Assim, as atividades foram classificadas da seguinte forma:
atividades
dirigidas diretamente ao usuário; atividades centradas em procedimentos
264
técnico-operativos; atividades de caráter administrativo / organizacional;
atividades voltadas à investigação, produção do conhecimento e
docência; atividades relacionadas aos movimentos sociais e aos
movimentos de classe; atividades de planejamento e outras atividades.
O que predominou foram as atividades onde a ação é direcionada
ao usuário e as demandas apresentadas pelos mesmos. Nota-se que estas
atividades mantém uma constante, uma certa uniformidade, ainda
predominando a perspectiva do atendimento individualizado. Outra
peculiaridade que chama atenção diz respeito ao uso ainda hoje do chamado
atendimento de caso, remetendo à origem do Serviço Social como profissão.
Para que esta explicação fique mais clara, segue quadro com a descrição das
atividades registradas pelos profissionais.
Tabela 30: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
dirigidas diretamente aos usuários
Atividades dirigidas diretamente aos usuários número
Abordagem grupal 12
Abordagem individual 13
Abordagem terapêutica, sócio-emocional e psicossocial 04
Acompanhamento: de processos; social; sistemático 04
Aconselhamento 02
Atendimento de caso 09
Atendimento de denúncia 01
Atendimento em regime de plantão social 12
Atendimento individual dirigido ao usuário 30
Avaliação diagnóstica 01
Avaliação social 01
Oficinas de geração de renda 01
Orientação 08
Trabalho com criança/ adolescente/ família 49
Trabalho em grupo 15
Trabalho sócio educativo 06
Total 169
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004.
265
Há explicitado aqui uma forte influência da perspectiva cujo foco é
o problema exposto pelo usuário. A intervenção tem por finalidade buscar a
resolução dos problemas apresentados. O usuário na maioria das vezes exerce
o papel de receptor dos serviços prestados pelo profissional, em nome da
organização onde está atuando.
Nesta perspectiva os serviços não são vistos como direitos, mas
como benesses do Estado que através de “seus” profissionais, possibilita à
população o acesso aos serviços que lhes são concedidos. A intervenção é
vista como um arrazoado de medidas e funções determinadas pela
organização, pelos programas e serviços prestados. Ainda neste sentido
podemos apontar a influência do Estado, cujo poderio econômico e ideo-
político, “atua” forjando um trabalho voltado à assistência, onde o caráter
educativo é visto pela ótica da moralização.
É possível dizer também que estas atividades refletem que os
determinantes organizacionais estão aqui representados. Atualmente é comum
- principalmente no poder público – que os assistentes sociais sejam vistos
como executores das atividades previamente estabelecidas pela direção do
setor onde trabalham.
Todo esse aparato burocrático-administrativo exige os serviços
do assistente social, que é encarado como um especialista na
área das “relações humanas” e passa a ser incorporado às
instituições executoras das políticas sociais do Estado para
colaborar com os processos de reprodução da força de
trabalho, da ideologia dominante e do poder de classe.
(RAICHELIS, 1988, p. 80)
Isso fragiliza não só o caráter interventivo bem como a adesão do
profissional àquilo que realiza. Esta fragilidade se explicita na repetição, no
fazer condicionado ao recurso material, na pouca mobilidade que o profissional
tem de propor alternativas concretas tanto a organização quanto ao usuário.
Isso porém não significa que o profissional desconhece suas atribuições, papel
profissional ou ainda é um profissional pouco competente. Ao contrário, por não
participar do processo decisório quanto a suas atribuições, quanto à dinâmica
da execução dos programas, projetos e serviços prestados, de certo modo
266
reforça um fazer coisificado, onde qualquer atividade é vista como uma ação
profissional.
As atividades registradas pelos assistentes sociais que se
destacam são as dirigidas ao atendimento à criança/adolescente/família;
atendimento individualizado, a abordagem individual e grupal, o plantão social
e o trabalho sócio-educativo.
Desde o início da profissão o atendimento individual é uma das
principais atividades desenvolvidas pelo assistente social.
“a prática é toda a ação que a gente tem no local de trabalho,
toda a nossa ação pensada, fundamentada, embasada em
alguma coisa.” [...] “A prática para mim é todo o seu
exercício, é toda a tua ação” [...] “toda a sua ação que você
procura fundamentar, que você procura estar antenado a
postura, a aplicação, a utilização de conhecimentos, a feed-
back, quer dizer, a devolver as situações às pessoas, a
partilha, o trocar.” (fala do sujeito 1)
A pesquisa realizada com os assistentes sociais demonstrou que
o atendimento individual é executado tendo como pressuposto a presença do
assistente social e do usuário, pode ser realizado sob duas perspectivas: como
atendimento de um caso social ou através da abordagem sócio-educativa.
Como atendimento de caso, fundamenta-se tendo como
referência à metodologia do
estudo – diagnóstico – tratamento. O usuário é
visto como um caso social, ou seja, sua visibilidade se dá a partir da
necessidade apresentada, centrada nela mesma.
“agora há casos que se a gente não trabalhar fica
complicado” [...] “teve um caso de uma criança que na ficha
estava escrito serviço da mãe e eu telefonei e a mãe não
trabalhava mais no local e a criança correu o risco de perder
a vaga” [...] “essa mãe não tinha mentido, ela tinha
comprovante que estava trabalhando em outro lugar” (fala
do fala do sujeito 15)
É uma concepção de atendimento fundamentada por Mary
Richmond, que entende o caso social como
267
o ‘caso’ para o assistente social é a situação social ou
problema – não a pessoa ou as pessoas envolvidas. Para a
pessoa, distintas de seu problema, a designação geralmente
em uso é cliente. (RICHMOND, 1974, p. 04)
A autora referenda alguns aspectos importantes do chamado caso
social: o foco da resolução é o problema vivido pela pessoa e o modo como o
profissional vai desenvolver sua ação. Outro ponto importante diz respeito a
confidencialidade na relação estabelecida com a pessoa ou família em
tratamento, garantindo o sigilo das informações. O atendimento de caso pode
ser dirigido a uma pessoa, a família ou no trabalho com grupo de vizinhança
com o objetivo de procurar “uma melhor compreensão das diversas maneiras
como as más condições sociais afetam os indivíduos.” (RICHMOND, 1974, p.
06). Com o passar do tempo o caso social foi se estendendo desde o
atendimento ao indivíduo delinqüente e ao indigente, “tornou-se parte
integrante de tribunais, escolas, hospitais, fábricas, oficinas, comissões de
remuneração e de uma quantidade de obras.” (RICHMOND, 1974, p. 07).
Porém, o objetivo permanece: converge para a queixa, para o problema que
afeta o bem-estar destas pessoas.
Ainda neste sentido, a ênfase é na questão comportamental, nas
relações familiares e na relação interpessoal, tomando por referência, os
padrões de vida da classe hegemônica, dominante. Foram duas as
proposições apresentadas por Mary Richmond. Uma de que “a resposta – o
que precisa ser feito para ajudar o cliente – encontra-se nos dados coletados
por meio de um estudo cuidadoso e sistemático do caso.” (BRIAR, 1976, p.07)
e a outra “que a abordagem de caso por caso era a estratégia preferida para
lidar com problemas que preocupavam o Serviço Social.” (BRIAR, 1976, p.07).
Esse modo de entender o atendimento social é utilizado pelos
profissionais de uma forma tão mecânica, que muitas vezes não dão conta do
seu significado. Paralelamente, foi reduzido a um procedimento burocrático,
referendado pela organização que contrata o trabalho do assistente social; e é
entendido como terminologia - “atendi um caso” e não por suas implicações
metodológicas, incidindo aí uma direção para o exercício profissional.
Na perspectiva sócio-educativa o atendimento individual é
operacionalizado a partir de uma base metodológica que tem sido construída e
268
reconhecida articulada ao projeto de ruptura
56
. A abordagem sócio-educativa
foi construída como um diferencial à abordagem psicossocial. Requer do
assistente social uma leitura fundamentada do projeto ético - político, da
realidade social constitutiva do exercício profissional. Demarca uma direção
social para o exercício profissional, qual seja, a de consolidar o projeto ético -
político. Essa abordagem estabelece a necessidade do assistente social
reconhecer as demandas postas para o atendimento social e, a formulação e a
construção das respostas profissionais de caráter crítico-analítico, articuladas
as condições objetivas de vida do usuário e a realidade social. No atendimento
individual
57
, o fundamento teórico é a matriz crítica, cuja base é o marxismo.
Para sua operacionalização é preciso entender analiticamente as condições
objetivas de vida do usuário, através do conhecimento do modo como os
usuários estabelecem suas relações cotidianas, como se reconhece como
sujeito que é ao mesmo tempo individual e coletivo.
O trabalho sócio-educativo demarca a ultrapassagem da visão de
problema individual para demandas de atendimento, ou seja, amplia-se à visão,
articulando-se os problemas apresentados pelo usuário, a realidade social
vivenciada e os limites da organização onde o assistente social presta serviço.
Neste sentido é preciso que o profissional lance mão de instrumentos analíticos
de modo a favorecer a construção da análise de conjuntura, o reconhecimento
do poder local, o reconhecimento das instâncias de poder envolvidas na
operacionalização das políticas sociais e sua articulação com as demais
esferas do governo. É um trabalho voltado à intervenção que reflete: as
demandas identificadas para atendimento; os procedimentos adotados pelo
assistente social; o diagnóstico preliminar da situação, onde são identificadas
as determinações presentes no atendimento; a relação estabelecida entre o
assistente social e o usuário e o reconhecimento das contradições presentes
no espaço organizacional.
56
Denominação dada ao projeto profissional que tem por base a matriz crítica fundamentada na teoria
social crítica.
57
Para maiores esclarecimentos quanto a esta questão, consultar PIRES, Sandra Regina de Abreu.
Serviço Social: função educativa e abordagem individual. Programa de Serviço Social, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Tese de Doutorado. 2003, 336f.
269
“nós pela própria formação conseguimos chegar a um nível,
falar de uma forma lógico, nosso vocabulário acaba sendo
dirigido de acordo com o que a gente percebe de cada um;
então a gente consegue dirigir a informação, colocar a
informação para que realmente a pessoa entenda. (fala do
sujeito 1)
Um dos principais ganhos do trabalho sócio-educativo é que no
processo metodológico, o usuário é sujeito do processo de inserção na rede
serviço. O assistente social deve ser capaz de democratizar informações e
fomentar a tomada de decisão por parte do usuário. Nesse sentido os serviços
prestados não são vistos como favor mas, como um direito que será acessado
para suprir as necessidades apresentadas pelo usuário e/ou identificadas pelo
assistente social.
“você vai fazer um atendimento desde informar a respeito
do programa, até a família que ela constitui, aonde ela vive,
aonde ela mora, como é que ela mora, como é que é aquela
célula familiar, como que aquele dinamismo - que a gente
entende como um atendimento social - até essa leitura que
nós profissionais fazemos” [...] “da gente participar nessa
rede mesmo, de segmento, de atendimento” (fala do sujeito
17)
“atendimento sobre as informações sobre o acesso, esse
processo do acesso que a gente pensa nossa mais é só fazer
a matrícula mas não, você tem que dar toda uma orientação
para o usuário, você faz uma intervenção para que o usuário
conheça o trabalho que é desenvolvido aqui para decidir
sobre sua permanência ou não.” (fala do sujeito 2)
Outro ganho do trabalho sócio-educativo refere-se a possibilidade
do profissional refletir sobre os resultados alcançados com o exercício
profissional. Aqui ganha relevo, as implicações do exercício profissional na vida
do usuário, a compreensão quanto às informações e orientações obtidas; além
da necessidade do assistente social repensar - a todo momento - à construção
de estratégias de intervenção em consonância com as contradições presentes
na realidade social. A realização do trabalho sócio-educativo implica que os
270
limites identificados no espaço sócio-ocupacional – lócus do trabalho do
assistente social – devem ser analisados não como uma barreira intransponível
mas um indicativo para a construção das respostas profissionais. Atuar nesta
perspectiva querer um profissional cuja formação explicite sua consistência
teórica, metodológica, ética e argumentativa.
“Nosso trabalho é muito positivo, muito satisfatório quando
a gente consegue perceber que ele (
usuário
)
deu conta de
que ele pode ter uma outra resposta para determinada ação.
Aquela coisa da ação – reação – ação. Ele podia ter
respondido de uma outra forma senão com a violência.” [...]
qual o mecanismo que a gente pode avaliar. Que mudanças
aqueles usuários estão fazendo efetivamente na vida...” [...]
“Quando o preso volta a liberdade, volta ao convívio, como
fica. Eu acho que também o retorno ou não dele para o
sistema prisional tem um pouco da nossa ação com certeza.
Eu não estou dizendo que a nossa ação define se ele vai
continuar ou se ele vai voltar a infringir a lei, mas contribui.
Pode não ser o determinante mas com certeza contribui.
Então eu acho que esses são padrões que a gente consegue
utilizar para ver se a nossa ação está sendo válida ou não.”
(fala do sujeito 1)
No trabalho sócio-educativo, existe ainda a necessidade do
assistente social analisar o seu exercício profissional também pelo resultado
alcançado. Um dos elementos que pode ser facilitador desse processo refere-
se ao impacto social desse conjunto de ações na vida do usuário e as
implicações na melhoria de sua construção relacional.
A abordagem grupal segue também a perspectiva sócio-
educativa. Geralmente quando o assistente social trabalha em programas de
repasse de renda é solicitado que o acompanhamento seja realizado a partir
desta abordagem. Para tanto é necessário que seja enfocado o
reconhecimento dos sujeitos que participam do grupo: quem são; quais as
condições objetivas de vida; quais os objetivos para participar do grupo. O
assistente social utiliza-se de instrumentos analíticos e técnico-operativos a fim
de entender e analisar as relações estabelecidas entre o que é determinado
271
pela organização, pelo programa e/ou projeto; pelo próprio profissional e pelo
usuário.
nós fazíamos visitas, tinha grupo com as famílias, fazíamos
orientações, (fala do sujeito 2)
Esta abordagem pressupõe que o planejamento das atividades
seja realizado de forma conjunta, envolvendo o profissional e o usuário. É um
trabalho também voltado à intervenção, explicitando: a identificação de
lideranças; discussão do significado da participação; a análise das atividades
desenvolvidas; o perfil dos participantes; a relação entre os protagonistas e as
demandas apresentadas, e, o papel do coordenador e da coordenação.
O atendimento de plantão social caracteriza-se por sua
imediaticidade e por atender usuários que estejam vivenciando situações de
caráter emergencial. É definido como um
espaço da prática do Serviço Social que possibilita o contato
direto entre o profissional e a população que busca
determinados serviços de uma instituição particular ou pública
[...] tem como pano de fundo a questão da assistência social.”
(GOUVÊA, 2003, p. 30)
No plantão tornam-se visíveis às contradições presentes na
realidade social, se por um lado o Estado busca viabilizar a assistência como
uma política
58
compensatória, fragilizando o protagonismo do usuário e de
certa forma reforçando sua subalternidade, por outro, o plantão é o espaço que
esse mesmo usuário tem de evidenciar suas necessidades, reivindicar seus
direitos.
58
Para Vieira, a política social “aparece no capitalismo construída a partir das mobilizações operárias
sucedidas ao longo das primeiras revoluções industriais. A política social, compreendida como estratégia
governamental de intervenção nas relações sociais, unicamente pôde existir com o surgimento dos
movimentos populares do século XIX.” (VIEIRA, 1992, p.19). O que se observa no Estado brasileiro é
que a política social não vista sob a perspectiva identificada por este autor, mas, um “sistema de ação,
com vistas a transformar a estrutura de uma comunidade no que diz respeito aos principais entraves que
se opõem a uma sociedade gerada, basicamente, apenas pelo desenvolvimento econômico.” (VIEIRA,
1981, p. 117)
272
“a característica do plantão não é a intervenção, que eu
acredito que ocorra em um programa de renda mínima, que
vai te possibilitar ficar mais próximo daquela família, a
troca, conhecimento, os grupos sócio-educativos você
trabalha trazendo a realidade da família para o grupo, eu
acho que é diferente sim.” (fala do sujeito 3)
Assim, o plantão social pode ser entendido como porta de entrada
destes usuários à rede proteção e atendimento social.
“o plantão [...] as pessoas procuram para pedir informação, ou
para pedir orientações de benefício do INSS, auxílio
reclusão ou mesmo pela assistência social, de querer um
apoio para a cesta básica, para alguma defasagem que ficou
no núcleo familiar em função da saída daquele membro que
muitas vezes é quem mantinha ou ajudava a manter a
sobrevivência daquela família.” (fala do sujeito 1)
No Cone Leste Paulista o plantão social tanto pode ser
desenvolvido pelo poder público como pelas chamadas entidades sociais.
Estas organizações são conveniadas ao poder público, seguindo sua
orientação para a operacionalização dos serviços prestados nos municípios.
Com a promulgação da LOAS – Lei Orgânica da Assistência
Social, a assistência social ganha status de política social e pública, vinculada
a seguridade social
59
. A implementação da LOAS demanda do assistente social
a construção de ações assertivas de modo a assegurar que de fato a lei se
estabeleça e ganhe efetividade. Neste sentido o assistente social –
historicamente – é o profissional que estuda e trabalha desde sempre com a
assistência social,
O social torna-se campo de reivindicação coletiva onde os
segmentos espoliados se manifestam e exigem um novo
direcionamento das propostas sociais [...] o assistente social
tem sido demandado como um dos agentes ‘privilegiados’
pelas instituições geridas diretamente pelo Estado, ou por ele
subvencionadas, para efetivar a assistência. (SPOSATI et al.,
2003, p. 21 – 23)
59
Para esclarecimento quanto a esta questão, consultar: Yasbek (1993); Sposati (1988, 1991, 1997);
Sposati & Falcão (1990).
273
Isto não significa que o poder público abre mão da gestão e do
direcionamento das ações sócio-assistenciais. Ao contrário, historicamente,
mantém as políticas sociais como resposta de caráter descontínuo,
fragmentado, cuja marca é a seletividade, colaborando para que os serviços
prestados tenham um viés compensatório.
a prestação da assistência ou a concessão de benefícios não
contraria a prática do Serviço Social nem a ela se opõe pela
simples razão de que dela faz parte. O que precisa ser
desvendada é a função objetivamente desempenhada pela
assistência e pelos benefícios no conjunto da prática
profissional, o que não é feito. ( WEISSHAUPT, 1988, p. 94)
Nessa condição o usuário é submetido a uma série de
procedimento que comprovem sua condição de pobreza e seu mérito para
participar dos referidos serviços.
“no plantão social a gente tem um atendimento pontual ao
usuário que vêem solicitando algum recurso imediato, a
orientação, os encaminhamentos necessários e eu não tenho
mais compromisso com ele porque hoje ele passa por mim e
na próxima vez passará por outra colega.” (fala do sujeito 5)
Dentro da visão da assistência como política compensatória, o
poder público estabelece os critérios de elegibilidade para que o usuário possa
acessar os serviços desenvolvidos tanto em suas unidades quanto na rede
conveniada. Esses critérios referem-se a um conjunto de características que o
usuário deve ter para participar dos programas, projetos e serviços prestados
por uma determinada organização; e, a seleção, ocorre conforme critérios
preestabelecidos no contexto organizacional. Esses critérios podem ter sido
elaborados com ou sem a presença/participação do assistente social. O
assistente social
dispõe de um poder, atribuído institucionalmente, de selecionar
aqueles que têm ou não direito de participar dos programas
propostos, discriminando, entre os elegíveis, os mais
necessitados, devido à incapacidade da rede de equipamentos
sociais existenes de atender todo o público que teoricamente,
274
tem acesso a eles. Nesse sentido, o profissional é solicitado a
intervir como ‘fiscalizador da pobreza’, comprovando-a como
dados objetivos e in loco, quando necessário, evitando assim
que a instituição caia nas ‘armadilhas da conduta popular de
encenação da miséria’, ao mesmo tempo que procura garantir,
dessa forma, o emprego ‘racional’ dos recursos disponíveis.
(IAMAMOTO e CARVALHO, 1983, p. 113 – 114)
Nesse processo é realizado o levantamento sócio-econômico e,
identificada à situação sócio-familiar do usuário. Esse conjunto de informações
é utilizado pelo assistente social para estabelecer qual o melhor caminho a ser
percorrido pelo usuário dentro da organização. Ou seja, os critérios de
elegibilidade são criados uma vez que a possibilidade de participação não é
igual para todos.
“o enfoque do nosso trabalho é educativo e social, eu
acredito nisso” [...] “a prática realmente ela só se concretiza,
a partir do momento que você emprega uma atividade sócio-
educativa que é a formação do cidadão que você contribui
para isso, você está sim dentro, atingindo a lei que
regulamenta a profissão” (fala do sujeito 10)
É importante ressaltar que esse momento relaciona-se
diretamente com a discussão que se faz da universalização do acesso da
população aos programas, projetos e serviços prestados. Nesse momento os
assistentes sociais são chamados para contribuir no sentido de fortalecer a
visão da universalidade. Mesmo estabelecido em lei essa questão ainda não se
efetivou pois as políticas de corte assistencial tem sido focadas na perspectiva
do repasse de recursos materiais e financeiros e as definições quanto aos
procedimentos para acesso sequer passa pelos usuários. É preciso reconhecer
que
em momentos de crise, a prática do assistente social se torna
fundamental, pois exige a busca de estratégias teórico-práticas
no interior das políticas assistenciais que contribuam para o
fortalecimento do processo organizativo dos setores populares,
em articulação com os movimentos sociais. (SPOSATI et al.,
2003, p. 25)
275
Contraditoriamente o plantão social também é espaço de
democratização de informações, quando - no momento do atendimento - o
assistente social interpreta para o usuário a política de assistência social e o
introduz a rede de proteção social. Além disto, ou nessa perspectiva, o
assistente social favorece a participação do usuário no tocante a ampliação e
acesso aos recursos vinculados a esta política.
Retornando a discussão do trabalho sócio-educativo, este
perpassa necessariamente pela compreensão que o assistente social tem do
seu exercício profissional. O assistente social é reconhecido como o
profissional que atua no campo das políticas sociais, campo da realização de
programas assistenciais, vinculados ou não ao Estado. Trabalha a partir da
prática interventiva, referenciando: o projeto ético-político; a formação
profissional; a dimensão ideo-política. A proposta metodológica de ruptura
fundamenta-se por meio das
categorias teóricas: fundamentadas na dialética
marxista – Estado; instituições, política social; transformação social; dimensão
política; classe social; trabalho; mediação; história; e da
proposta de ação.
A proposta de ação agrega três dimensões – em articulação com
a prática interventiva: acadêmica – organizativa – intervenção na realidade
social. O que caracteriza esta prática interventiva é o compromisso com a
classe subalterna e o esforço por romper com a proposta conservadora ainda
presente no exercício profissional do assistente social.
“buscando trabalhar com os moradores, levantar os
problemas que eles tinham, e tentar em cima desses
problemas ver soluções para ter alguns encaminhamentos
básicos, trabalhei muito com a sociedade amigos de bairro.”
(fala do sujeito 8)
A proposta caminha por romper com esquemas preestabelecidos
e normatizados como a única estratégia de construção da ação profissional.
Indica a necessidade de buscar compreender os determinantes presentes na
ação desenvolvida, quais sejam: o espaço organizacional; o conhecimento das
demandas; o conhecimento da realidade social do usuário da ação; o
conhecimento específico da área de atuação; o conhecimento das tendências
teórico-metodológicas presentes na ação profissional do assistente social; o
276
Código de Ética e o projeto profissional. A operacionalização desta proposta
pressupõe reconhecer o usuário como sujeito privilegiado da ação profissional.
Por se tratar de uma construção de caráter metodológico,
entende-se ser necessário que o assistente social tenha uma base teórica
sólida que o possibilite construir uma prática direcionada pelo projeto ético-
político da profissão. Este modo de entender a intervenção favorece a
construção do conhecimento de forma contínua e por aproximações
sucessivas. A consolidação do exercício profissional como prática crítica é um
processo de construção permanente, cujo limite é indicado pelo próprio
movimento da realidade social.
“até agora o vem respaldando o trabalho do assistente
social, são as diretrizes que todos os profissionais trabalham
que estão relacionadas aos atendimentos individuais, o
atendimento as famílias, as visitas domiciliares, o plantão
interdisciplinar, são questões que vão de uma certa forma
tentando enxergar esta família no todo, trabalhar as
dificuldades, entender por que tem essas dificuldades” [...] “
discutir essas dificuldades dentro da instituição e junto com
as famílias.” (fala do sujeito 4)
Analisar estas articulações favorece a construção de um exercício
profissional que extrapole os limites da organização, ou ainda, identifica que o
projeto ético – político, associado à Lei de Regulamentação da Profissão são
referenciais para a construção da prática realizada dentro do espaço
organizacional.
Vários profissionais identificaram os instrumentos técnico-
operativos que estão presentes no exercício profissional como as atividades
que concretizam o exercício profissional.
277
Tabela 31: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes
sociais por sua centralidade nos procedimentos técnico- operativos
atividades centradas em procedimentos técnico-
operativos
Nº
Aconselhamento; apoio emocional
02
Anamnese social
01
Avaliação social
02
Contatos institucionais
01
Documentação: laudo técnico; parecer técnico
13
Encaminhamento
09
Entrevistas individuais
19
Ficha social
01
Levantamento sócio-econômico
05
Observação
01
orientação
03
Perícia sócio familiar
02
Reunião e Reunião sócioeducativa
19
Trabalho de comunidade
01
triagem
03
Visita ao leito
01
Visitas domiciliares
40
Total
142
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004.
A discussão da instrumentalidade não é recente no Serviço
Social; mesmo assim, alguns profissionais a reduzem ao instrumento técnico –
operativo.
As organizações muitas vezes reconhecem a ação do assistente
social através dos instrumentos utilizados para explicitá-la. Ao meu ver caberia
aqui uma análise mais detalhada, isto é, os instrumentos utilizados pelos
assistentes sociais de fato clarificam sua ação porém a ação não se reduz a
aplicação de instrumentos e técnicas. O que quero dizer com isto? A
278
construção do exercício profissional pressupõe a presença de alguns
elementos a saber: conhecimento das tendências teórico metodológicas que
fundamentam o fazer profissional; reconhecimento da questão social e suas
expressões como objeto da intervenção do Serviço Social; conhecimento do
espaço organizacional no qual o assistente social está inserido como
profissional assalariado; conhecimento do projeto ético-político construído pela
categoria; reconhecimento do usuário como sujeito fundamental na construção
do processo interventivo. Os instrumentos estão presentes no processo
interventivo, mas, isoladamente não representam a intervenção.
O exercício profissional do assistente social tem necessariamente
uma relação de intencionalidade, organicamente vinculada a realidade social e
concretiza-se no cotidiano. O instrumental pode ser visualizado como um
conjunto articulado de instrumentos e técnicas que possibilitam a concretização
da ação profissional.
o instrumental é [...] uma categoria relacional, uma instância de
passagem que permite que se realize a trajetória que vai da
concepção da ação à sua operacionalização, incluindo-se aí o
momento da avaliação. (MARTINELLI e KOUMROUYAN, 1994,
p. 137 – 138)
Abrange o conhecimento e as habilidades do profissional – que se
explicitam no exercício da profissão. Os instrumentos podem ser construídos
tanto por profissionais quanto pelos gestores das organizações, podendo ser
utilizados por eles para realizar o acompanhamento e execução de programas
e projetos sociais, avaliar desempenho e estabelecer custos operacionais.
“a atividade grupal, o atendimento individualizado, fazia
visita domiciliar, porque não dava pra atender todos os
usuários, porque não dava dar atenção maior aos usuários que
estavam adoentados ou que não estavam indo as reuniões.
Então fiz vários contatos com os eles e com a própria
família.” (fala do sujeito 8)
Quando utilizados por profissionais, devem denotar a articulação
e movimento da prática social e sua articulação com o compromisso e a
intencionalidade do assistente social. Por se tratar de um ato humano, a
279
construção e a operacionalização do uso dos instrumentos pode abarcar o
potencial criativo do profissional, evidenciando o viver prático, habilidades e o
arcabouço teórico utilizado. Quando utilizado dentro do contexto interventivo,
favorece a sistematização da prática profissional, a identificação de demandas
e a presença do usuário neste processo.
“o atendimento não só do grupo, individual mais um
atendimento integral aquela família, na medida do possível é
claro que os recursos que a gente dispõe. Que a gente não,
que o poder público dispõe, ele é ínfimo, mais em cima desse
pouco tentava fazer o possível pra dar um atendimento
integral pra esse usuário.” (fala do sujeito 8)
Os instrumentos identificados como os mais utilizados pelos
assistentes sociais são: a entrevista, a visita domiciliar, a reunião e o
encaminhamento.
A entrevista é um instrumento utilizado no exercício profissional
do assistente social, cujo objetivo é buscar identificar, compreender e analisar
as demandas apresentadas pelo usuário ao profissional durante o momento do
atendimento social. Caracteriza-se por preservar a confidencialidade dos dados
apresentados, o registro das informações e os encaminhamentos adotados. No
processo da entrevista são estabelecidas múltiplas relações que envolvem o
apoio, o estímulo para que o usuário fale sobre aquilo que lhe causa dor,
angustia e/ou os motivos pelos quais está procurando a intervenção do
assistente social; relações estas que envolvem aspectos educativos, que se
voltam à orientação, à descoberta de recursos e possibilidades de
enfrentamento das questões apresentadas - entre o profissional e o usuário.
Esse instrumento é amplamente utilizado pelos profissionais
assistentes sociais uma vez que atuam prioritariamente nos conteúdos
expressos pelo usuário em busca de caminhos de superação da situação ora
apresentada.
“o papel aqui era entrevistar, atender as mães, orientar as
mães, encaminhar, aquelas coisas básicas, encaminhar as
mães pros recursos da comunidade” (fala do sujeito 15)
280
Esta busca perpassa por diversos aspectos que são constitutivos
do processo do atendimento social, a saber:
- Conhecimento da realidade e o reconhecimento das expressões
da questão social, matéria –prima do exercício profissional do
assistente social;
- A questão apresentada pelo usuário e sua particularidade no
contexto sócio-histórico;
- O conhecimento da dinâmica do espaço organizacional onde o
assistente social presta serviço e pelo qual é contratado;
- O conhecimento da rede de proteção e da rede de atendimento,
ou seja, os recursos e os serviços existentes na área de atuação
(município - estado - nacional);
- Habilidade do profissional para realizar o processo de orientação;
- Capacidade de entender que a questão apresentada pelo usuário
pode servir de base para o repensar das atividades desenvolvidas
nos programas, projetos e prestação de serviço. Ao mesmo tempo,
pode servir de respaldo para a propositura de serviços de caráter
contínuo.
Por seu caráter eminentemente relacional é temerário que o
assistente social se proponha a realizá-la através de modelos e regras
imutáveis e pré-estabelecidas. Ou seja, uma relação construída entre dois ou
mais sujeitos, não pode ser reduzida a um padrão ou fórmula comum a todos.
A relação também precisa ser analisada em sua dimensão singular , porém,
sem perder de vista o contexto sócio-histórico.
Quando o assistente social inicial uma entrevista precisa ficar
atento aos objetivos tanto da entrevista propriamente dita, quanto o do usuário;
saber ouvir; quando registrar alguma informação; saber dar a devolutiva e
fundamentalmente entender e identificar o usuário como sujeito.
O ato de entrevistar transcende o formalismo, a rotina de realizar
perguntas preestabelecidas e obter respostas cujo conteúdo é documentado -
desde que o profissional considere importante. Assim, o papel do entrevistador
281
não é julgar se o que está sendo dito está certo ou errado, bom ou ruim. O
importante é ficar atento à construção e ao encadeamento de idéias e realizar a
confrontação de informações. Ou seja, construir indagações que possibilitem
ao assistente social entender as questões apresentadas pela perspectiva do
usuário e assim proceder à análise e à construção do processo interventivo. É
importante então perceber até onde o que está sendo perguntado extrapola o
campo do conhecimento para o da curiosidade. Faz-se necessário então
estabelecer com o outro uma relação de confiabilidade para que o usuário
possa expor sua situação.
O que interessa neste momento ao assistente social é conhecer
os usuários, suas necessidades, e o modo como entendem e vivenciam estas
necessidades. Dito de outra forma, como os usuários percebem, apresentam e
vivem suas condições objetivas de vida.
Neste sentido a entrevista deve pressupor a comunicação
dinâmica e criativa entre duas ou mais pessoas. É preciso ter clareza de que
quando o usuário apresenta suas necessidades, está expondo sua situação de
vida e o que isto lhe causa - sentimentos, emoções, frustrações, medo,
vergonha. Cabe ao assistente social no momento da escuta, realizar um
esforço para permanecer concentrado no que está sendo apresentado pelo
outro de modo a proceder de forma coerente e consistente à intervenção.
O objetivo do assistente social é o de entender o que está sendo
dito pelo usuário e não julgar sua atitude perante o que está vivendo. Esta
análise perpassa necessariamente pelo conhecimento da realidade social, pelo
modo como o usuário também analisa sua realidade, não se restringindo
apenas ao pensar do profissional. Assim, aceitar o que o outro diz não significa
necessariamente dizer ao outro, coisas sobre a qual o profissional não tem
domínio ou autonomia de decisão. Aceitar perpassa também por ser mais
criterioso e realista quanto às questões apresentadas pelo usuário.
Estabelecer uma relação profissional com o usuário pressupõe
entender o Homem como ser social, inserido na realidade social. Ao construir
sua vida cotidiana vive em suas múltiplas determinações como ser político,
constituído de matéria, emoção, intelecto, espiritualidade, inserido em um
contexto sócio-econômico, político e cultural.
282
Essa perspectiva ultrapassa a visão da entrevista sendo utilizada
apenas como instrumento de ajuda mas, como um instrumento técnico-
operativo que favorece o conhecimento das condições objetivas de vida do
usuário.
Quanto à visita domiciliar, é um instrumento utilizado pelo
assistente social - em caráter complementar - para receber informações do
próprio usuário a respeito de suas condições de vida. Historicamente tem sido
utilizada de modo a conhecer a vida privada do usuário, ou seja, como vive e
se relaciona com os familiares, com a vizinhança e com a comunidade na qual
se insere.
“visita domiciliar” [..] “porque eu sou posso ter uma idéia
completa de uma família, se eu vou lá e vejo, as vezes a
pessoa vem até bem arrumadinha e a casa é...” [...] “eu tenho
que está lá para ver a situação verdadeira da família, as
vezes o que a gente vê não é a realidade da pessoa, é muito
fácil uma pessoa de fora julgar, ah mais esse usuário é assim,
assim, assim, mais ela não vai ver, só que é duro você passar
para outra pessoa que a realidade dela, e todos os casos que
eu peguei assim caso sério. Ah! O usuário tem muito piolho, a
mãe é relaxada, não é relaxada, você vai lá e veja a realidade
daquela família. Entenda a realidade de uma família de 7
pessoas que mora no meio do quintal doado pela vizinha da
frente, num barraco de tábua, uma cama, uma porta, aí você
tem como falar das condições dessa família,. A mãe não é
relaxada, não tem condições mesmo, inclusive essa família
que eu estou falando, a mãe falava para mim assim, eu sou
baiana, a gente que é da Bahia trabalha, eu sou faxineira,
esse chão de terra aqui eu lavo todo final de semana, mais vê
como é que está, aquela umidade” [...] “Eu acho que a visita
domiciliar pra mim é uma coisa assim que mais clareia, quando
você tem dúvida, você vai fazer visita.” (fala do sujeito 15)
Primeiramente a visita domiciliar foi utilizada no sentido da
vigilância de comportamentos e costumes, além de verificar a verdade das
informações dadas pelo usuário. O objetivo era o de provar seu mérito e
capacidade de aderir aos serviços prestados principalmente na área da
assistência social. A visita domiciliar foi utilizada também para regularizar a
concessão de benefícios, repasse de recursos materiais além de promover a
283
integração social do indivíduo ao meio social onde vive. Atualmente é
empregada em uma dimensão sócio-educativa, tem por objetivo buscar
informações que possibilitem ao assistente social reconhecer as condições
objetivas de vida do usuário. Assume um caráter complementar as informações
dadas pelo usuário durante o atendimento social. É realizada na residência do
usuário, possibilitando ao assistente social: conhecer o local de moradia do
usuário, o contexto sócio-familiar, as relações familiares estabelecidas, entre
outros.
“quando o assistente social chega na casa da pessoa, a pessoa
não convidou e que a gente tem que tomar cuidado até para
não entrar de forma inadequada na casa da família, porque
você acaba induzindo, primeiro a gente começa refletindo,
você começa uma reflexão de longe e vai chegando pertinho
e a gente acaba mesmo interferindo no relacionamento
familiar com as novas idéias que a gente até coloca ou até
através de uma palestra que chega eu espero que seja um
esclarecimento, uma conscientização para elas e isto acaba
interferindo e a gente acaba intervindo. É desta forma que
eu estou entendendo.” (fala do sujeito 5)
Outro instrumento técnico-operativo utilizado é a reunião. É um
instrumento com ação técnico-operativo e gerencial, com caráter consultivo e
deliberativo. No Serviço Social é organizada vislumbrando a discussão e/ ou
debate a respeito de assuntos comuns; determinados tanto pelo assistente
social como pelo usuário. É um dos instrumentos utilizados pelo assistente
social para planejar sua intervenção, principalmente quando atua em equipes
que contam com a prestação de serviço de outros profissionais. Além disto
produz conhecimentos novos a respeito do assunto - tema discutido, como
também produz resultados que podem incidir na vida do usuário e no
desenvolvimento do trabalho social. Pode ser utilizada para resolução de
problemas ou ainda tomada de decisões. Este é um dos principais
instrumentos utilizados pelos assistentes sociais quando realizam o trabalho
sócio-educativo, uma vez que possibilita a participação ativa do usuário desde
o planejamento das atividades até a sua operacionalização. Também é
considerada um instrumento que viabiliza a construção da participação efetiva
284
dos sujeitos, e o discurso dos sujeitos é fonte de análise e avaliação das
possibilidades analíticas e interventivas presentes no exercício profissional do
assistente social.
A reunião possibilita o esclarecimento e o debate da informação;
construção de conhecimento; a análise do espaço organizacional; o
reconhecimento dos valores éticos e morais que permeiam a temática
discutida, bem como o pensar dos participantes. Este pensar relaciona-se
também a questão da participação, o que requer de cada um o compromisso
para que a reunião seja o mais produtiva possível. Outro aspecto fundamental
diz respeito ao envolvimento dos sujeitos no processo decisório, na
intermediação dos conflitos e, é notório que fica estabelecido uma relação de
saber e poder – no tocante a informação, na capacidade de expressar o
conhecimento e no poder de síntese e de decisão.
”a gente vai acompanhando através desses cursos e reuniões
mensais, sempre assim com a preocupação de enfocar
através de palestras, e de visitas mesmo a problemática
emergente, seja numa orientação, no encaminhamento.” (fala
do sujeito 11)
Numa reunião é fundamental reconhecer o papel do coordenador,
que é o responsável por direcionar as discussões advindas da pauta, bem
como administrar os conflitos de idéias, os conflitos interpessoais e os conflitos
de interesses que emergem durante a reunião. Seu papel é o de construir e
estabelecer mediações entre o que está sendo discutido, o espaço
organizacional, a conjuntura; além de fomentar e alimentar as discussões com
dados novos, valorizando o pensar dos participantes. Deste modo assegura
também que as discussões não se percam em devaneios ou reforce o poder de
um participante em detrimento do outro. É também um espaço que viabiliza a
troca de idéias e a construção de informações. O coordenador também assume
a tarefa de estimular a realização da avaliação - tanto da discussão como da
participação dos presentes, com o objetivo de estimular a participação e
favorecer a democratização das informações e a direção do processo
participativo.
285
Quanto ao encaminhamento, é utilizado quando o assistente
social avalia a necessidade de realização de um atendimento complementar ao
usuário, quer seja por outro profissional quer seja através de outro serviço
existente na rede de atendimento.
“É isso que eu falo: não é isolado, a gente não consegue fazer
um trabalho isolado, porque eu preciso da igreja, eu preciso
da pastoral, eu preciso dos projetos” (fala do sujeito 6)
“nós vamos ouvir e vamos tentar encaminhar. Se a gente não
puder ter uma intervenção a gente pelo menos encaminha
para que aquela pessoa saía dali acolhida e encaminhada
sabendo que ela pode buscar o que ela está precisando, em
outro lugar.” (fala do sujeito 1)
O encaminhamento é mais um dos instrumentos técnico -
operativo que assistente social lança mão para atender as necessidades
apresentadas pelo usuário. Para que não seja utilizado como um procedimento
de repasse de responsabilidade entre os serviços prestados pela rede de
atendimento, o encaminhamento é um dos momentos que tanto o assistente
social como o usuário, reconhecem o processo da intervenção.
“fazer o encaminhamento com cuidado, com informação [...]
“porque coloca à disposição do outro todo o seu saber.” (fala
do sujeito 17)
Ao encaminhar o assistente social precisa não somente conhecer
a rede de atendimento mas decodificá-la para o usuário, favorecendo a
percepção que o atendimento a suas necessidades não é um benefício mas
um direito garantido por lei.
“Eu costumo dizer que eu não estou ali só para fazer com que
ele cumpra a medida, não estou ali para fazer com que ele
faça o que eu quero, o que o Estado quer, estou ali intervindo
para que ele reflita mude, transforme e seja sujeito desse
processo.” (fala do sujeito 10)
286
É um instrumento de caráter operacional que possibilita ao
profissional conhecer a organização e o funcionamento da rede de
atendimento. Este procedimento é utilizado por parcela dos profissionais de
forma limitada, ou seja, visa
a solucionar imediatamente problemas ou a permitir uma
prestação de serviços [...] não passa então de uma mera
providência. (WEISSHAUPT, 1988, p. 95)
Ainda nessa perspectiva limitada pode ser utilizado de forma a
transferir responsabilidades de um profissional para outro.
A estratégia central do profissional contratado por uma
instituição tem sido a do encaminhamento para solução de
problemas de acordo com os recursos disponíveis [...] tem sido
visto como [...] transferência de lugares, responsabilidades, de
instâncias, podendo significar tanto omissão, jogo de empurra,
como redefinição de trajetórias. (FALEIROS, 1997, p. 77)
Contraditoriamente, através desse instrumento, o usuário é capaz
de acessar serviços que favoreçam a resolução das questões que o afligem e
afetam sua vida. Ao mesmo tempo, a utilização deste instrumento não exime o
assistente social de continuar acompanhando o usuário. Necessariamente o
assistente social é responsável por estabelecer o contato com o serviço ou
organização para verificar a possibilidade do atendimento, além de
acompanhar se o atendimento foi efetivado, as condições dessa efetivação e
os resultados alcançados.
Os instrumentos técnico-operativos são utilizados de forma
articulada, como uma das formas de dar visibilidade além de viabilizar as
atividades desenvolvidas pelos assistentes sociais.
Quanto às atividades de caráter administrativo/ organizacional os
profissionais responderam:
287
Tabela 32: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais de
caráter administrativo/ organizacional
Atividades de caráter
administrativo/organizacional
Acompanhamento e monitoramento da rede de
atendimento
03
Articulação com outras políticas
02
avaliação
04
Coordenação/ supervisão técnica
06
Interface do trabalho desenvolvido com o
usuário junto às chefias
02
Participação na elaboração de planos/
integração dos usuários à empresa
04
Reuniões de planejamento com gestores e
dirigentes
04
Trabalho multidisciplinar
04
Total
28
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004.
Aqui foi possível identificar a interferência dos determinantes
organizacionais no ordenamento das ações desenvolvidas pelo assistente
social.
“quando eu cheguei na equipe eles já tinham um caminhar mas
era muito voltado mais a questão administrativa do
trabalho.” [...] “com o desenvolvimento do grupo, com as
pessoas novas de foram chegando, com os cursos que a gente
foi fazendo, a gente foi afunilando mais e delineando o foco
do trabalho.” (fala do sujeito 2)
Nota-se claramente que estes determinantes influenciam inclusive
o modo como os assistentes sociais priorizam e desenvolvem suas atividades,
ficando claro que a lógica organizacional – muitas vezes – se sobrepõe a lógica
da intervenção. Além disto às atividades se caracterizam por sua determinação
prévia, isto é, são atividades previstas no chamado perfil profissiográfico, que é
o espaço onde estão descritas as atribuições do assistente social e, muitas
288
vezes o profissional não tem autonomia para alterar, opinar sobre prioridades
ou mesmo sobre o modo como entendem que devem ser executadas. As
atividades são variadas e diversificadas, de caráter cumulativo, visando a
normatização, a padronização do fazer e da tomada de decisões.
“nós somos a sustentação disso tudo” [...] “ é que volta e meia
é assim chega planilha para ser preenchida, toda a
estatística é feita aqui, toda a informação é daqui que sai, e
não adianta dizer não, eu não vou fazer, como que eu não vou
fazer? Eu sou sozinha. E o compromisso? Porque tudo é
interligado as informações que eles pedem embora
extrapolem a nossa rotina ela está ligada a toda
documentação que eu estou desenvolvendo, arquivando e
encaminhando. Aqui a gente tem condições de saber qual é a
meta de cada entidade, a meta conveniada, a meta
executada, se ela cumpriu ou não os objetivos, quais foram
as dificuldades que elas apresentaram para não atender o
usuário que está lá sendo beneficiado por ela, que é o
segmento que ela desenvolve, que ela atua. Então como está
tudo interligado, tem que está informada constantemente.
Você tem que absorver essa informação, interiorizar,
divulgar essa informação. Por exemplo, no ano passado o
estado resolveu mudar a nomenclatura, porque ele não mudou
a finança, é a mesma desde quando eu entrei, aliás desde 98,
o valor per capita, o valor mensal, tudo é o mesmo, só mudou
a nomenclatura. Eles condensaram rede básica, rede
especial, aí você tem que saber quem pertence a rede básica
do seu município, quem é da rede especial. Essas perguntas
alguém tem que responder, você tem que estar bem
informado. Este ano o federal resolveu mudar também,
porque agora está mais fácil, você manda tudo por e-mail.”
[...] “O federal é muito mais tranqüilo porque eles já
imprimem, eles já enviam um prontinho só para você
confirmar. Diferente do estado, o estado você tem que
definir, você tem que fazer uma de reunião de conselho para
aprovar. Embora o federal peça aprovação, ele já determina,
ele já facilita para você. Você só confirma os dados ali, e
ocorre uma aprovação de nossa parte, depois por código do
estado e assim por diante.” [...] “a prestação de contas das
entidades, elas não param, elas estão o tempo todo aqui,
elas prestam contas daí você tem que olhar o programa delas
para ver se bate com todas aquelas notas fiscais que vem,
você tem que ter elemento para isso.” (fala do sujeito 11)
289
As atividades dessa natureza incidem sobre a gestão dos
programas e projetos sociais e suas interfaces com as políticas sociais.
“Na vida acadêmica a gente é melhor preparado para
intervenção individual, do que para a construção e elaboração
de política publica. Achei que tinha uma deficiência, mais foi
uma coisa que me forçou a ir adiante.” (fala do sujeito 10)
O conjunto de conhecimentos requeridos pelo assistente social na
execução dessas atividades é de caráter contínuo e matrizados pelos múltiplos
determinantes presentes na realidade social. Aqui espera-se do assistente
social um profundo conhecimento do poder local, como uma mediação
necessária para particularizar as condições sobre as quais o exercício
profissional se concretiza e ao mesmo tempo, como forma de analisar seus
limites e posiibilidades.
Quanto as atividades voltadas à investigação, produção do
conhecimento e docência, os profissionais assim responderam:
Tabela 33: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
voltadas a investigação, produção do conhecimento e docência
Atividades voltadas à investigação, produção do
conhecimento e docência,
Aperfeiçoamento contínuo de conhecimentos
complementares
02
Coordenação pedagógica 01
Desenvolver nos alunos as competências do aprendizado 01
Docência 03
Manter-me atualizado quanto às competências e habilidades
pedagógicas
01
Organização administrativa e pedagógica do curso 02
Participação em grupo de estudos do Serviço Social 01
Pesquisa 06
Planejamento de atividades didáticas 01
Processo de reflexão desenvolvido com os alunos buscando
ampliar a criticidade, visão de homem e mundo, o que
implica diretamente no trabalho de formação teórica
01
Supervisão de estágio (acadêmico) 05
Total 24
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004.
290
É claramente perceptível que os profissionais que atuam na área
da docência são os mais envolvidos com atividades de natureza analítica. Os
assistentes sociais que atuam somente na intervenção pouco explicitam a
realização de atividades cujo objetivo é a produção de conhecimento. Aqui
aparece com mais clareza as atividades relacionadas a supervisão de estágio
como um das que favorece a aproximação do assistente social que se
considera profissional da prática com aqueles que atuam na academia. Um
ponto facilitador dessa aproximação é o fato da maioria dos docentes que
atuam no Cone Leste Paulista também exercer a profissão de assistente social
em outras áreas reconhecidas como interventivas. Os assistentes sociais se
sentem mais a vontade para relatar situações de atendimento, dúvidas e de
certa forma, qualifica tanto o exercício docente quanto o exercício interventivo.
As atividades relacionadas aos movimentos sociais e aos
movimentos de classe
60
foram assim respondidas:
Tabela 34: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
relacionadas aos movimentos sociais e aos movimentos de classe
Atividades relacionadas aos movimentos sociais e
aos movimentos de classe
Articulação com vários movimentos de classes sociais 01
Atuação política na área social 01
Conscientização 01
Movimento popular 01
Organização de comunidade 02
Participação popular 01
Política 01
Política na área social 01
Total 09
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004.
Nota-se claramente o distanciamento dos movimentos sociais e
de uma ação que durante pelo menos duas décadas caracterizou a profissão: o
trabalho de desenvolvimento de comunidade, cujo foco era a organização e o
estimulo a participação efetiva da população tanto no processo de intervenção
60
Os termos movimentos sociais e movimentos de classe foram utilizados aqui a partir da transcrição
literal utilizada pelo profissional quando respondeu ao questionário enviado no período 2003 – 2004.
291
quanto em outros níveis de decisão. Quanto ao item “articulação com vários
movimentos de classes sociais” não foi possível realizar alguma inferência pois
não ocorreu precisão por parte do profissional na resposta dada. Isto é,
pareceu-me que o profissional está se referindo aos movimentos sociais
estabelecidos aqui na região o que não se configura como movimento de
classes sociais.
Quanto às atividades de planejamento, estas versaram:
Tabela 35: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes
sociais relativas ao planejamento
Atividades de planejamento
Acompanhamento e monitoramento de projeto
06
Análise de projetos de entidades sociais
01
Articulação com diversos setores
07
Elaboração de projeto de capacitação
01
Elaboração de projeto e planos de trabalho
01
Elaboração do plano anual de convênios
01
Elaboração e execução de projeto social
20
Garantir o processo organizacional
01
Leitura da realidade na identificação de demanda
profissional que pode ser revertida num plano de ação
ou planejamento
01
Mapeamento diagnóstico organizacional
01
Participação no planejamento das atividades
02
Planejamento
03
Planejamento das ações realizadas em equipe e
parcerias
01
Planejamento de combate a fome
01
Planejamento familiar
01
Projeto de desenvolvimento pessoal e profissional
01
Total
49
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004.
292
Há uma predominância de atividades referentes ao planejamento
e execução de projetos na área social. Isso pode ser explicado pois o poder
público municipal vem assumindo a execão dos programas sociais tanto da
esfera estadual como da federal (ex.: bolsa escola, bolsa família, entre outros).
Ao profissional cabe a tarefa de operacionalizar os referidos programas,
planejando desde a inserção do usuário, as atividades a serem desenvolvidas
diretamente com o usuário, o acompanhamento social e o processo de
desligamento do mesmo.
“Não adianta o profissional querer executar uma atividade a
partir só da cabeça dele ou porque ele quer. Nós temos
sempre que puxar ele para o projeto. Mais eu acho que o
mais se identifica com a minha profissão hoje é aquele
primeiro momento do diagnóstico.” [...] “você vai fazer a
articulação, a mobilização, a sensibilização da comunidade
porque acho que isso está muito mais ligado para que a
medida sócio-educativa deixe de ser um projeto, passe a ser
um programa dentro da política publica do município.” [...] “
não é só cumprir a lei, é inserir, o atendimento ao
adolescente autor de ato infracional como política publica do
município, então este primeiro momento de articulação, de
mobilização, de sensibilização está muito mais próximo, eu
acho, de tudo aquilo que eu aprendi na minha formação, para
intervenção, elaboração de política publica na área da
assistência, apesar de nós não termos só o corte da
assistência, discussão da atividade. (fala do sujeito 10)
Na execução desses programas, cabe ao poder público a decisão
de estabelecer ou não parcerias com entidades sociais. Nesse sentido,
atividades de avaliação, monitoramento e supervisão dos trabalhos sociais
desenvolvidos pela chamada rede de cobertura social tem sido tarefa
recorrente do assistente social.
“conhecer a realidade e a rede de proteção é um desafio, a
primeira coisa que eu tenho que fazer e conhecer essa rede
rápido. Quando eu faço a supervisão com o orientador eu
dizer para ele você já tentou tal lugar, você já viu isso, você
já abriu essa porta, você já fez essa parceria?” [...] “hoje eu
vejo que a minha participação técnica-profissional ela dá
293
resultado” [...] “porque você tem que fazer constantemente
análise de conjuntura” (fala do sujeito 10)
O conhecimento da rede favorece ao fortalecimento das ações de
caráter sócio-assistenciais e a construções de respostas profissionais mais
consistentes e coerentes com a realidade - particularizada – do poder local.
Foi aberto espaço para outras atividades – aquelas que não
explicitavam relação com os campos anteriores – o que ampliou a possibilidade
de análise. Aqui foram congregadas diversas atividades, que após listagem
geral foram separadas por:
atividades de caráter subjetivo; atividades
relacionadas a participação e/ou implantação de Conselhos; atividades
relativas a área de atuação
.
Quanto as atividades de caráter subjetivo, foram elencadas
aquelas que os assistentes sociais indicam que se referem ao campo da
postura profissional, da habilidade, estando portanto relacionada ao modo
como o profissional reconhece e se reconhece no que faz.
Tabela 36: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais de
caráter subjetivo
Atividades de caráter subjetivo
Consciência para mudança 01
Consolidação da cidadania 01
Ética profissional 01
Formação de valores 01
Humanização no atendimento 01
Leitura das dificuldades da comunidade para adequação dos
projetos
01
Manter-me atualizado 01
Saber ouvir 01
Ser específico na área 01
Ser genérico contribuindo nas questões estratégicas para a
organização
01
Valorização do indivíduo 02
Total 12
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004.
294
As atividades apontadas não são passíveis de quantificação; a
interpretação necessita de triangulação com outras fontes de informação, isto
porque carecem de uma explicação conceitual por parte dos profissionais. Não
fica claro por exemplo, como “saber ouvir” – que é uma habilidade – torna-se
uma atividade. A ética profissional é um dos elementos que está presente no
agir profissional, no entanto apareceu também como atividade desenvolvida e
não como um dos determinantes presentes na construção da intervenção
profissional.
“É muito deprimente você ver quando eles dizem: “fica aí e
aguarda”. Então quando você oferece um serviço mais curto,
um lugar que você acolhe dignamente aquela pessoa, como é
gostoso.” [...] “você sente deles, o quanto faz bem para eles
aquilo.” (fala do sujeito 16)
No contato direto com os assistentes sociais foi possível
identificar que estas “confusões” conceituais decorrem de múltiplas
causalidades dentre as quais destaco: a imprecisões teóricas derivadas da
pouca apropriação das matrizes que sustentam a produção de conhecimento
na área; da soberana apropriação do discurso da organização em detrimento
do da própria profissão e do distanciamento da análise das condições objetivas
de vida do usuário.
295
Tabela 37: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
relativas a área de atuação
Atividades relativas a área de atuação
Alfabetização
01
Alimentação adequada para o idoso
01
Apreensão da realidade que permeia o cotidiano
profissional
03
Assessoria/ consultoria/ treinamento
03
Atendimento técnico
01
Atividades comunitárias
02
Atividades culturais
03
Capacitação dos educadores/ monitores
01
Consultoria de empresa nas áreas de RH e saúde
01
Descentralização dos atendimentos
01
Desenvolvimento de programas de qualidade de vida
01
Educação e prevenção para um envelhecimento
consciente
01
Educação para cidadania
01
Elaboração do Programa de Direitos Humanos
01
Gestão social
01
Participação na formulação de políticas públicas
01
Prática
01
Reabilitação profissional
03
Responsável pela criação e implantação de abrigo
01
Saúde
02
Sexualidade na vida do idoso
01
Socialização de informações
01
Troca de conhecimentos e experiência
01
Total
32
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no
Cone Leste Paulista, período 2003 – 2004.
Este conjunto de atividades favoreceu a percepção do quanto o
exercício profissional do assistente social pode ser fragmentado e volta-se a
sua área específica de atuação.
296
Constata-se a reprodução deste mecanismo de fragmentação
da realidade social em áreas estanques, através da
organização de atividades do trabalho por atividades
programáticas para cada setor. Através dessa concepção,
desconsideram-se as articulações necessárias à apreensão do
chamado “campo do social”, como uma totalidade integrada por
distintas determinações, que, embora devam ser
compreendidas nas suas especificidades, somente ganham
significado se identificadas em suas múltiplas interpenetrações.
(RAICHELIS, 1988, p. 142)
Estas atividades expressam o quão abrangente e complexa pode
ser a atuação do assistente social. Ao mesmo tempo, é possível identificar que
descolada da realidade social é pouco visível e compromete os resultados a
que se pretende chegar.
As respostas registradas pelos assistentes sociais apontam para
o crescimento da atuação do assistente social em conselhos.
Tabela 38: Distribuição das atividades realizadas pelos assistentes sociais
relacionadas aos Conselhos
Atividades relacionadas aos Conselhos
Assessoria a Conselhos 03
Participação em Conselhos 03
Responsável pela implementação do Conselho da Comunidade 01
Total 07
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste
Paulista, período 2003 – 2004.
É facilmente percebido que o assistente social tem sido
reconhecido como um profissional que atua de forma sistemática e crítica junto
aos conselhos. No Cone Leste Paulista assume uma condição peculiar: os
assistentes sociais são chamados a organizar os conselhos e algumas vezes,
assumir o papel de coordenador das primeiras gestões. Este não deixa de ser
um marco para o fortalecimento da presença deste profissional como
articulador e fomentador do exercício da participação efetiva em órgãos
consultivos e deliberativos. Outro aspecto importante é que os assistentes
sociais vêm colaborando para o fortalecimento do papel da sociedade civil
organizada – através de entidades sociais, ONGs – fomentando assim a
297
formação da rede de atendimento e a rede de proteção social. Isso é possível a
partir da descentralização e da municipalização das ações na área da
assistência social, estabelecidas na LOAS – Lei Orgânica da Assistência
Social, lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Neste sentido, o foco da ação é
construído mediante análise da realidade local e suas múltiplas relações com a
realidade nacional. Os conselhos assumem papel de destaque uma vez que
podem não somente fomentar a construção de políticas mas também por seu
caráter deliberativo, influenciar no andamento, implementação e investimentos
na área de sua especificidade.
Quanto a participação em conselhos,
Tabela 39: Distribuição dos assistentes sociais por
participação em Conselhos
Participação em Conselhos
Associação Paulista de Terapia Familiar 01
Conselho de Administradores do E.R.A 01
Conselho de Ética 01
Conselho dos Direitos da Mulher 01
Conselho Municipal anti-drogas 01
Conselho Municipal de Assistência Social 33
Conselho Municipal de Saúde 06
Conselho Municipal do Idoso 05
Conselho Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente
26
Conselho Regional de Serviço Social 19
Conselho Tutelar 03
Total 97
Fonte: Pesquisa realizada com os assistentes sociais que atuam no Cone Leste Paulista,
período 2003 – 2004.
A predominância na participação no CMAS - Conselho Municipal
da Assistência Social reforça o quanto os profissionais podem atuar no fomento
a construção da elevação da assistência social como política social. O
Conselho Municipal da Assistência Social tem tido papel relevante no sentido
de determinar, normatizar e fiscalizar ações executadas através da rede de
298
proteção e atendimento social. O Conselho Municipal da Assistência Social,
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho
Municipal do Idoso, Conselho Municipal da Saúde, tem como característica
fundamental a paridade na participação entre o poder público municipal e
representantes da sociedade civil organizada. Tradicionalmente, estão
“vinculados” ao poder público o que compromete sua autonomia tanto na
gestão quanto na fiscalização dos programas desenvolvidos nas respectivas
áreas. O assistente social é um dos poucos profissionais que ao emitir uma
opinião agrega os demais participantes, favorecendo o diálogo e colaborando
para a construção da análise e do pensar sobre o que está sendo decidido.
Essa “ascendência” está relacionada com uma característica na formação dos
conselhos aqui na região que é da presença marcante do assistente social no
fomento das discussões que envolvem a criação dos conselhos, o
estabelecimento das diretrizes, nas discussões pertinentes a sociedade civil
organizada; na garantia do assento de representante dos usuários.
Quanto a Conselho Regional de Serviço Social – através da
Delegacia de São José dos Campos - é perceptível o crescimento da
participação dos profissionais tendo em vista que nas últimas gestões ficou
estabelecido como diretriz a realização de grupos de estudos - por área e em
vários municípios -, coordenados pelos próprios profissionais. Estas atividades
culminam na realização de oficinas a baixo custo, onde o debate é
democratizado para o coletivo da categoria profissional. Outro destaque refere-
se a realização conjunta de trabalhos relativos a Semana do Serviço Social,
envolvendo as duas universidades – Universidade de Taubaté e Universidade
do Vale do Paraíba – agregando um grande número de profissionais dando
visibilidade ao trabalho realizado. Além disso o Conselho Regional de Serviço
Social vem realizando ações sistemáticas na fiscalização do exercício
profissional o que de certa forma garante a segurança que as denúncias serão
apuradas por profissional competente para tal.
É imperativo dizer que o redimensionamento do mundo do
trabalho incide sobre os espaços sócio-ocupacionais que contratam o
assistente social. Além disso ou por conta dessa reestruturação, os
profissionais são conclamados a construir estratégias e respostas profissionais
referenciadas neste tempo que se diz novo mas, tem cara de renovado porque
299
a base é a mesma: a desigualdade social, a desqualificação e a naturalização
do empobrecimento. Este quadro impõe aos profissionais a necessidade de
repensar competências, construir habilidades e saberes de modo a dar conta
das relações sociais estabelecidas na contemporaneidade.
300
3. 1. 2. 1 – As atividades privativas desenvolvidas pelo assistente social
Pretendo tratar aqui das atribuições privativas desenvolvidas pelo
assistente social, principalmente, como essas são reconhecidas em seu
cotidiano profissional. A análise partiu da Lei de Regulamentação da Profissão,
da literatura disponível e dos depoimentos dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
Tomando como referência a lei n 8.662 de 07 de junho de 1993
que dispõe sobre a profissão de assistente social e estabelece sua
regulamentação, determina no artigo 4, as competências do assistente social –
já tratada no primeiro capítulo - e no artigo 5
61
, as atribuições privativas.
Um primeiro ponto a ser discutido refere-se a percepção dos
profissionais quanto a questão do que é privativo e do que é específico no
exercício profissional do assistente social. Entendo que específico e privativo
redundam na mesma direção: é o conjunto de atividades que torna o exercício
profissional peculiar, que particulariza o Serviço Social no conjunto das
ciências, que é próprio do fazer do assistente social. O assistente social é o
profissional que tem habilidades e saberes que lhe garantem a execução das
atividades privativas. Especificidade significa também pensar o que esta
profissão realiza que a diferencia das demais que atuam na área das ciências
61
Segundo a lei n. 8662, de 07 de junho de 1993, determina em seu artigo 5 – constituem atribuições
privativas do assistente social:
I – coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas, e projetos
na área de Serviço Social;
II – planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social;
III – assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e
outras entidades, em matéria de Serviço Social;
IV – realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de
Serviço Social;
V – assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como pós-graduação, disciplinas
e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de formação regular;
VI – treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social;
VII – dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós-graduação;
VIII – dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa em Serviço Social;
IX – elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões julgadoras de concursos ou outras
de seleção para assistentes sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao Serviço Social;
X – coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de Serviço
Social;
XI – fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Federal e Regionais;
XII – dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públicas ou privadas;
XIII – ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos e entidades
representativas da categoria profissional.
301
humanas e sociais, além de remeter também a cogitar a sua contribuição para
as demais ciências. É preciso reconhecer também que as atribuições privativas
não são imutáveis mas decorrem do contexto sócio-histórico do qual o Serviço
Social é parte fundante. Assim é possível dizer que “determinados contextos
societários, confirmam a necessidade ou utilidade social dessa especialização
do trabalho.” (IAMAMOTO, 2002, p. 18)
Para compreender a questão das atribuições privativas é preciso
reconhecer que a leitura da realidade social por parte dos profissionais é
fundamental. A construção das mediações entre a o contexto sócio-histórico e
as questões que particularizam as ações profissionais possibilitam ao
profissional a qualificação do seu exercício profissional. Esta qualificação se
exemplifica através do reconhecimento das demandas de trabalho que advém:
do próprio espaço sócio-organizacional que contrata a mão-de-obra do
profissional; as demandas apresentadas pelo usuário e a análise decorrente
destas; as demandas reconhecidas pelos profissionais – conseqüência da
leitura da relação usuário – serviços prestados na organização – políticas
sociais; demandas identificadas através da leitura sócio-histórica, quando é
possível reconhecer os múltiplos determinantes presentes na realidade social.
É interessante identificar que mesmo estabelecidas em lei, alguns
profissionais não reconhecem as atribuições privativas
“eu não diria para você que tem assim alguma coisa que só o
assistente social poderia fazer. Eu acho que de repente um
outro profissional poderia exercer esse trabalho mas eu
ouso dizer que não com a qualidade de que o assistente social
faz.” (fala do sujeito 2)
eu não sei se seriam atividades, ou se só o assistente social
pode fazer, eu acho que o dos profissionais poderiam estar
junto para estar colaborando. Os conflitos que nós temos em
um grupo são elevados; cada um tem uma maneira de pensar.
(fala do sujeito 6)
302
Isto pode decorrer do desconhecimento da própria lei
62
bem como
da dificuldade que alguns profissionais demonstram em reconhecer aquilo que
torna a profissão peculiar.
Pela natureza e história da profissão ainda é perceptível no
imaginário coletivo as falas dos sujeitos abaixo:
“porque hoje em dia todo mundo é assistente social, todo
mundo faz um pouco de Serviço Social” (fala do sujeito 7)
“qualquer pessoa hoje pode ser assistente social, se
considera assistente social. Porque a pessoa envolvida no
trabalho comunitário já se acha assistente social.” (fala do
sujeito 16)
Esta “confusão” se evidenciou na contemporaneidade tendo em
vista o fomento de ações voltadas à chamada responsabilidade social
63
, que dá
evidência ao trabalho voluntário dirigido a ajuda de caráter profissional.
O trabalho voluntário foi por muitos anos confundido com o
trabalho realizado apenas na área assistencial. Era definido inicialmente por
sua vinculação religiosa, vinculado ao campo da solidariedade humana. Com o
passar dos anos, principalmente durante os anos 80/90, assumiu seu caráter
laico, sendo definido como um trabalho realizado por pessoas sem qualquer
tipo de vinculo empregatício, remuneração, cuja prestação de serviço na área
sócio-assistencial ocorre por meio da execução de projetos, de caráter
emancipador, de valorização da vida humana e de fomento e fortalecimento da
cidadania. O estímulo ao trabalho voluntário está associado também a crise do
mundo do trabalho e a reestruturação produtiva imposta pelo modelo
econômico defendido e implementado pelo neoliberalismo, que trás em seu
processo “os efeitos devastadores da atual corrosão das condições de trabalho
62
Esta questão foi trabalhada no capítulo 2 desta tese.
63
Sobre a discussão da responsabilidade social e sua incidência no Serviço Social ver MONTAÑO,
Carlos. Terceiro Setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo:
Cortez, 2002. Vale a pena assistir o filme Quanto vale ou é por quilo?, mais vale pobres na mão do
que pobres roubando, com direção de Sérgio Bianchi e roteiro de Sergio Bianchi, Eduardo Benaim e
Newton Cannito, cuja sinopse diz “ [...] nos dias atuais, o chamado Terceiro Setor explora a miséria,
preenchendo a ausência do Estado em atividades assistenciais, que na verdade também são fontes de
muito lucro.” Este filme pode ser encontrado em formato DVD.
303
e dos direitos sociais” (YASBEK, 2002, p. 172). Sob esta condição, o trabalho
voluntário ultrapassa a visão ingênua da ajuda profissional subjugada a
caridade cristã e da boa vontade com os mais humildes e desprovidos de
recursos. Assume características que se revelam inclusive no encolhimento do
Estado no que se refere à proteção social, ou seja,
as intervenções do Estado brasileiro no campo social, sequer
vem cumprindo o papel de amenizar as condições de pobreza
e as desigualdades da população no país. São ações ad hoc,
tímidas e incapazes de interferir no cenário de pobreza e
exclusão e que, sobretudo não dão conta da imensa fratura
entre direitos sociais e possibilidades efetivas de acesso às
políticas sociais em geral. (YASBEK, 2002, p.173)
Neste sentido o voluntário tanto pode ser uma pessoa como um
grupo que se faz representar através de uma ONG
64
ou uma empresa, que se
colocam a disposição para ajudar pessoas que vivem alguma dificuldade de
caráter temporário ou permanente. O voluntário é reconhecido como um
cidadão que, motivado pelos valores da solidariedade e da
participação social, doa seu tempo, seu trabalho e seus
talentos, de modo espontâneo e não remunerado, para causas
de interesse comunitário e social. (YASBEK, 2002, p. 178)
É verdade inconteste que o assistente social é o profissional
capacitado para inovar e recriar seu arsenal de estratégias e respostas
profissionais, a partir da apreensão teórica, metodológica, ética-política, a
diversidade dos fenômenos sociais presentes no cotidiano da prática
profissional. Deve ser capaz também de explicitar esta apreensão no exercício
profissional através das atividades realizadas, da metodologia construída e dos
resultados concretos alcançados. Esta construção materializa-se na relação
entre os sujeitos envolvidos no exercício profissional, além de demarcar sua
posição no mundo do trabalho. Além disto,
o trabalho do assistente social pode produzir resultados
concretos nas condições materiais, sociais e culturais da vida
de seus usuários, em seu acesso e usufruto de políticas
64
Organização não - governamental.
304
sociais, programas, serviços, recursos e bens, em seus
comportamentos, valores, seu modo de viver e de pensar, suas
formas de luta e organização, suas práticas de resistência.
(YASBEK, 2002, p. 180)
Essa diferença é identificada no exercício profissional, uma vez
que o assistente social imprime uma direção àquilo que faz. A interlocução
privilegiada está relacionada as condições objetivas de vida do usuário e ao
conhecimento do campo teórico-metodológico; técnico-operativo e ético-político
presente no exercício profissional. Essa diferença também colabora para a
garantia de um aprimoramento sobre o exercício profissional.
Outro aspecto interessante refere-se à identificação as atividades
privativas determinadas ao assistente social, entendida como um “conjunto de
conhecimentos particulares e especializados, a partir dos quais são elaboradas
respostas concretas às demandas sociais.” (CFESS/COFI, 2002, p. 11).
Interessante identificar que a especificidade recai sobre aquilo que torna o
exercício profissional diferente dos demais profissionais que atuam na área das
ciências humanas e sociais. A especificidade está relacionada à direção que o
profissional imprime a prática que realiza e esta direção está balisada pelo
projeto ético-político e principalmente pela percepção que o profissional tem do
referido projeto. Entendo que um dos mais importantes desafios do Serviço
Social hoje é a construção de estratégias profissionais que fortaleçam o projeto
ético-político, ou seja, “traduzir o projeto ético-político em realização efetiva no
âmbito das condições em que se realiza o trabalho do assistente social.”
(IAMAMOTO, 2002, p. 15)
O projeto ético-político é um projeto desenvolvido por parcela
majoritária de assistentes sociais onde estão explicitados os limites e
responsabilidades que atravessam o exercício profissional do assistente social.
Fundamentado na matriz sócio-histórica, cujo ponto de partida é a teoria social
crítica, o projeto ético-político vem se desenvolvendo e adensando no cenário
do exercício profissional desde a década de 80. Ganha corpo mais
precisamente na década de 90 com a aprovação do Código de Ética, da Lei de
Regulamentação da profissão e com a aprovação das diretrizes curriculares.
Uma das características que fundamentam o projeto ético-político
é sua fulcral relação com o projeto societário e com o projeto profissional. O
305
entendimento que se tem é que um projeto desta natureza ganha sentido e
evidência se em relação a um projeto onde se estabeleçam parâmetros
democráticos para a vida em sociedade. Outro traço que singulariza o projeto
ético-político é seu caráter coletivo, ou seja, não é projeto de um único
assistente social mas, representa como esta profissão se reconhece e como
pretende se estabelecer na divisão sócio-técnica do trabalho.
Para melhor entendimento do projeto ético-político é preciso
reconhecê-lo como expressão do projeto de profissão e projeto societário
defendido por uma corrente majoritária no Serviço Social. Por projeto societário
entendo ser aquele que
trata-se daqueles projetos que apresentam uma imagem de
sociedade a ser construída, que reclamam determinados
valores para justificá-la e que privilegiam certos meios
(materiais e culturais) para concretizá-la. [...] projetos
macroscópicos, em proposta para o conjunto da sociedade. [...]
há necessariamente uma dimensão política envolvendo
relações de poder. (NETTO, 1999, p. 93 – 94)
Ao apresentar uma dimensão política, expressa o projeto de uma
determinada classe social, estabelecendo também uma visão de homem, de
mundo e as construções relacionais advindas daí. Portanto para entender o
significado do projeto societário é preciso que se tenha uma idéia clara do
significado de classe social
65
É nítido que projetos societários defendem e
atendem interesses de uma determinada classe social e este se revela a partir
da direção hegemônica conquistada e “transformam-se e renovam-se segundo
as conjunturas históricas e políticas” (Netto, 1999, p. 94)
Quanto aos projetos profissionais, é preciso compreendê-lo a
partir de uma dupla dimensão: uma que transita pelo modo como o assistente
social entende e circula por ele. A outra está relacionada a organização da
categoria entorno do projeto de modo a torná-lo visível e factível.
O projeto profissional é então compreendido por
65
Entendo por classe social a concepção desenvolvida por Marx, segundo Abbagnano “a existência das
classes está simplesmente ligada a fases históricas particulares ao desenvolvimento produtivo; a luta de
classes conduz inevitavelmente a ditadura do proletariado; a ditadura constitui-se como um passo para a
abolição de todas as classes e a existência de uma sociedade sem classes.” (1992, p. 174) Para Marx,
classe é uma categoria fundamental para o entendimento do desenvolvimento da sociedade capitalista, “é
determinada na história como uma unidade e subordina o indivíduo como membro de sua classe, e lhe
proporciona seus modos de pensar e de viver, seus sentimentos e ilusões.” (ABBAGNANO, 1992, p.174)
306
apresentar a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores
que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus
objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos,
institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem
normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem
balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com
as outras profissões e com as organizações e instituições
sociais, privadas e públicas. (NETTO, 1999, p. 95)
Aqui se apresentam então questões referentes ao processo de
entendimento que a categoria tem acerca do projeto profissional e se o mesmo
é facilmente acessível a todos. Entender o projeto ético-político requer do
profissional - inicialmente – a compreensão da teoria social crítica, da matriz
sócio-histórica presente no Serviço Social, além de participar ativamente dos
órgãos constitutivos da organização da categoria. Analisando o projeto ético-
político pela perspectiva dos conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS, ENESSO, o
projeto é hegemônico. O projeto ético-político é
fruto do protagonismo dos agentes profissionais, vem sendo
construído historicamente no embate entre distintos projetos
sociais que se refratam no interior da categoria, redundando
em diferentes perspectivas de leitura do significado social do
Serviço Social, que incidem na condução e operacionalização
do trabalho quotidiano.” (IAMAMOTO, 2002, p. 23)
Analisando a luz da categoria há um embate ferrenho por essa
hegemonia, uma vez que nem todos os profissionais compartilham de suas
diretrizes.
“Hoje se fala assim o profissional de Serviço Social tem um
projeto ético político social, qual é esse projeto ético foi
construído por quem? Foi construído pela categoria?” [...]
“Como é que ele está sendo construído? Ele continua em
construção? Quem está participando dessa construção?”
(fala do sujeito 10)
Outros demonstram mais clareza quanto as diretrizes do projeto
ético-político
307
“hoje fica claro para mim que eu comecei numa prática
tradicional, não gostando dela. Mas era aquilo que eu
executava, mesmo no Estado também e depois, com a
apropriação que o Serviço Social foi fazendo nos anos 80, a
busca, o conhecimento, tal e chegando até no projeto ético-
político. Hoje para mim está claro que é este que é o nosso
caminho. Com todas as conquistas políticas, as conquistas
teóricas. Então hoje nós temos que trabalhar na perspectiva
de direitos sociais.” (fala do sujeito 17)
Outros profissionais por sua vez revelam
“Porque tem hora também, a gente faz o discurso, mas na
prática a gente cai nas armadilhas.” [...] “mas a gente sabe
que esse movimento hegemônico... que bom que ele exista,
mas ele não dá conta de que todos hajam, de que a categoria
toda haja nessa perspectiva crítica.” (fala do sujeito 16)
Estas falas possibilitam que se analise o quanto o projeto ético-
político ainda precisa ser melhor compreendido entre a categoria e o papel dos
formadores de opinião nesta empreitada, são eles o conjunto CFESS/ CRESS
e a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Isto reforça
uma questão anteriormente apresentada: o projeto ético-político não é
entendido por todos da mesma forma e não é absorvido por todos na mesma
intensidade. Aliás, este processo vem expressando divergências e
contradições entre os profissionais. A categoria profissional por ser um espaço
de manifestação coletiva abarca, diversos e divergentes posicionamento
presentes no exercício profissional. Assim, “toda categoria profissional é um
campo de tensões e de lutas” (...) “mesmo um projeto que conquiste
hegemonia nunca será exclusivo.” (NETTO, 1999, p. 96)
O projeto ético-político inscreve o Serviço Social como uma
profissão necessariamente articulada a um projeto de sociedade, além de
expressar uma direção ao exercício profissional que se quer visível na
profissão. Para clarificar esta direção basta apropriar-se dos princípios
presentes no Código de Ética
308
- Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das
demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e
plena expansão dos indivíduos sociais;
- Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo;
- Posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, que
assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos
programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática;
- Empenho na eliminação de todas formas de preconceito,
incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos
socialmente discriminados e à discussão das diferenças;
- Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de
construção de uma nova ordem societária, sem dominação –
exploração de classe, etnia e gênero;
- Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população
e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência
profissional.
Estes são alguns dos princípios estabelecidos no Código que
merecem ser não somente lidos mas apropriados e assumidos pelos
profissionais como uma prerrogativa do exercício profissional.
Por esse caminho o projeto ético-político se organizou como um
espaço de conflitos e lutas pela hegemonia dentro da profissão. Longe de
parecer que os conflitos fragilizam o exercício profissional, o fortalecem como
espaço onde se concretizam as respostas e estratégias profissionais
construídas pelos assistentes sociais. Pensar as competências profissionais e
as atividades privativas requer que o Serviço Social analise as mudanças que
vem ocorrendo na realidade social que incidem nas relações de trabalho
estabelecidas pelo assistente social, na gestão do trabalho desenvolvido. Ou
309
seja, é preciso que o projeto ético-político seja entendido como uma referência
para o exercício profissional do assistente social.
Neste sentido que me parece aqui importante destacar o modo
como o assistente social realiza o exercício profissional, identificando também
que os aspectos metodológicos e as habilidades do profissional são elementos
centrais para o entendimento daquilo que é específico do fazer do assistente
social e que esta especificidade também está associada ao projeto ético-
político. Além disto é preciso destacar:
“os desafios presentes no campo da atuação exigem do(a)
profissional o domínio de informações, para identificação dos
instrumentos a serem acionados e requer habilidades técnico-
operacionais, que permitam um profícuo diálogo com os
diferentes segmentos sociais. O conhecimento da realidade
possibilita o seu deciframento para ‘iluminar’ a condução do
trabalho a ser realizado. A pesquisa, portanto, revela-se um
vital instrumento e torna-se fundamental incorporá-la aos
procedimentos rotineiros.” (CFESS/COFI, 2002, p.12)
Estas respostas decorrem da capacidade que o assistente social
tem de interpretar as expressões da questão social a partir do conhecimento
das tendências teórico-metodológicas, do projeto ético-político, dos
instrumentos técnico-operativos e das condições objetivas de vida do usuário.
“Não dá para qualquer um, para qualquer profissional fazer
um atendimento individual, o que ele vai levantar, quais as
expectativas que ele vai levantar no atendimento individual,
como ele vai estar recebendo este usuário, a família do
usuário, qual a escuta que ele vai ter para as expectativas
que ele vem trazendo, como ele vai colocando os valores
morais dele dentro disto, então eu acho que tem que ser um
técnico, um profissional habilitado para isto” (fala do sujeito
4)
Alguns profissionais identificam que as atribuições privativas se
relacionam a atividades tradicionalmente realizadas pelos assistentes sociais.
Duas das principais atividades reconhecidas como do âmbito privativo do
Serviço Social é o levantamento sócio-econômico e a triagem sócio-econômica.
310
“atendimento social do plantão que vai ter a ver com o
levantamento sócio-econômico, que você vai dar aquela
pessoa uma orientação sobre os programas sociais, os
encaminhamentos que você faz e que eu acredito que aí é o
assistente social o profissional mais indicado para isto.” (fala
do sujeito 3)
“mas o que eu entendo que só o assistente social pode fazer
é essa triagem mesmo, é esse olhar para a necessidade do
usuário. Porque eu não estou olhando como política, eu não
estou olhando como pessoa, eu estou olhando como
assistente social, eu não consigo fazer isso na integra, eu
faço pouco isso, quando me deixam fazer. Mas eu acho que é
esse olhar de assistente social” [...] “Mas eu acho que o
essencial, que o assistente social tem que fazer e ter esse
olhar clinico para ver realmente a necessidade primordial
daquele usuário” (fala do sujeito 7)
Os profissionais se referem ao artigo 4 inciso XI que diz “realizar
estudos sócio-econômicos com usuários para fins de benefícios e serviços
sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas
privadas e outras entidades”. Tradicionalmente o estudo sócio-econômico tem
sido realizado pelo assistente social e é reconhecido não só como uma
competência do profissional mas como uma das suas atribuições privativas.
Este estudo possibilita ao profissional reconhecer as condições objetivas de
vida do usuário de modo a favorecer o acesso deste aos serviços prestados
pela rede de proteção e de atendimento social. O estudo sócio-econômico é
realizado através dos seguintes instrumentos técnico-operativos: levantamento
sócio-econômico, a entrevista, a documentação, a visita domiciliar e outros
instrumentos que se fizerem necessários. A partir da análise dos dados o
assistente social realiza o parecer social e o laudo social
66
, documentos onde
identificam as conclusões provenientes do processo interventivo realizado.
Outros relacionam as atribuições privativas aos instrumentos
técnico-operativos. Aqui cabe uma ressalva: os instrumentos são os
66
O laudo social resulta de um estudo realizado pelo assistente social, “de maneira fundamentada [...]
“um saber que demanda estudo, experiência, pesquisa, enfim, exige conhecimento fundamentado,
científico, o que foge a qualquer interpretação com base no senso comum.” (FÁVERO, 2003, p.29)
311
mecanismos que possibilitam e concretizam as atividades profissionais mas
não são elas mesmas.
“entrevista é um instrumento nosso e a gente faz a todo
momento com a família, com o preso, com a direção, então ela
está presente a todo momento. A assessoria que a gente
acaba dando para o Conselho, a assessoria a própria família
de estar junto acompanhando, demonstrando como fazer,
onde verificar aquela outra situação, que mais....” (fala do
sujeito 1)
A entrevista como um instrumento técnico - operativo não é uma
atribuição privativa do assistente social, o que a diferencia das demais
realizadas por outros profissionais é a direção estabelecida, os dados
coletados e as mediações que o profissional constrói a fim de relacionar o que
foi conhecido através da experiência relatada pelo usuário com outros aspectos
presentes na realidade social.
eu acho que essa articulação do EU delas com o social, eu
acho que esta articulação é bem nossa, é uma apropriação
nossa, poder articular, fazer ela perceber os diversos papéis
que está vivendo, acho que a agente tem um pouco mais de
clareza. “ [...] “o assistente social percebe algumas coisas que
outros profissionais não” [...] “qualquer modificação a gente
vai em cima.” (fala do sujeito 5)
“a gente acaba tendo a visão da educação,do trabalho de
base, de ampliar, de não ficar restringido a um segmento só.
Então eu acho que é privativo do Serviço Social quando a
gente tem essa visão, porque uma entrevista por exemplo,
outro profissional poderia atender a família, fazer uma
entrevista com a família; eu não sei se ela teria o mesmo
resultado por que nós somos o profissional capacitado.” (fala
do sujeito 1)
Outros profissionais indicam a leitura da realidade social, através
da análise de conjuntura e da utilização de instrumentos técnico-operativos que
possibilitam ao assistente social realizar uma aproximação entre a análise da
realidade social e as condições objetivas de vida do usuário.
312
Nós vamos identificando os pontos por que nunca é uma
questão só” [...] “ a gente consegue mapear tudo, retratar
tudo, chamar a pessoa para a discussão desses pontos e
tentar dar um encaminhamento para cada questão dessa. A
nossa entrevista com certeza é mais rica.” (fala do sujeito 1)
O assistente social por sua formação, é um profissional capaz de
realizar leitura analítica da realidade social a partir da interlocução que
estabelece entre o que é entendido na relação com o usuário e a organização e
o modo como as relações sociais são construídas cotidianamente. Esta leitura
permite ao profissional não cair na falácia da culpabilização dos sujeitos por
sua condição de vida. Ao mesmo tempo, possibilita a construção de estratégias
e respostas profissionais mais consistentes e coerentes com a vida destes
mesmos sujeitos.
“Então eu penso que estas questões da realidade e de
identidade, de contexto social, história de vida, de estudo
de caso, de abordagem qualitativa, de qualidade do nosso
trabalho acho que tudo isto dá para gente trabalhar
tranqüilamente. Eu não sei se é específico mas....” (fala do
sujeito 6)
Outros ainda indicam a análise da política social
“ninguém como o assistente social para entender de política
social” [...] “nós temos uma alma política. E se o assistente
social não reconhece essa alma política, o seu fazer continua
tradicional, continua aquela coisa do cliente, do assistido e
quem assiste. Agora, quando nós nos apropriamos dessa
capacidade, aí então as coisas tendem a mudar muito. Eu
acho que essa é uma capacidade que o assistente social tem
de articular, de conversar, de entender a realidade, de
interpretar a realidade. (fala do sujeito 17)
Historicamente o tem sido reconhecido como o profissional que
operacionaliza as políticas sociais. A partir do Movimento de Reconceituação,
atua visando a ampliação dos canais de participação popular, fortalecendo os
aspectos que envolvem a universalização do acesso a prestação de serviços
313
sócio-assistenciais. Para além disto, o Serviço Social toma a política da
assistência social como espaço privilegiado do exercício profissional, como um
espaço onde os assistentes sociais também podem construir sua identidade
profissional.
A discussão da especificidade volta-se a direção dada ao
trabalho, o modo como o profissional estabelece objetivos, metas, metodologia
de ação. As atividades específicas decorrem desta direção. A especificidade
caminha na direção da leitura da realidade social e como esta é identificada no
contexto social do usuário. Reconhecer a especificidade não é corporativismo.
Corporativismo é não se abrir para o diálogo com outros profissionais. O
diálogo entre os saberes, a junção das informações pode ser um facilitador no
entendimento da vida do usuário.
Finalizando a discussão sobre o exercício profissional ficam claros
alguns aspectos importantes. O exercício profissional do assistente social é
extremamente complexo e requer de quem o faz fundamentação teórico –
metodológica - ética e política, portanto cai por terra o mito de que qualquer
pessoa, mesmo sem preparo, pode ser assistente social. Outro aspecto
fundamental: é preciso que os profissionais entendam e clarifiquem as
diferenças entre o que é atividade, procedimento técnico-operativo e
habilidades do profissional. Pode parecer ingênuo mas o assistente social que
não se reconhece naquilo que faz e não reconhece seu projeto profissional,
tende a confundir o seu fazer com as atividades e prerrogativas profissionais
estabelecidas no espaço sócio-organizacional.
Quanto as competências e as atribuições privativas do assistente
social me parecem que não são vistas como elementos facilitadores para o
estabelecimento do exercício profissional. Ao contrário, o pouco conhecimento
e apropriação por parte dos profissionais destas competências, compromete a
visibilidade da profissão.
Outro aspecto importante diz respeito ao projeto ético-político, que
deve ser compreendido individualmente pelos assistentes sociais e a
demonstração desta compreensão tem que aparecer no exercício profissional.
Ao mesmo tempo o projeto ético-político também deve ser apreendido
coletivamente. Acredito que a partir daí é possível superar a identidade
atribuída aos assistentes sociais, ainda associada à idéia da bondade, da
314
benemerência; colabora para superação da desqualificação do exercício
profissional, porque entendo que esta também se relaciona ao modo como o
profissional entende e concebe a profissão e finalmente, possibilita re-articular
o exercício profissional cujo horizonte é a construção de um projeto societário
cujas bases se revelam na defesa radical da democracia como valor universal.
Numa sociedade dividida em classes antagônicas, o exercício da
democracia é comprometido uma vez que o grau de liberdade da classe
dominante é sempre proporcional ao grau de coerção e repressão que
necessita para exercer a dominação. Todos seriam verdadeiramente iguais
perante a lei se todos tivessem iguais condições de exercício dos seus direitos.
É por isso que a defesa radical da democracia não se reduz para o assistente
social como uma bandeira de luta partidária, mas, é condição fundamental para
a garantia da construção e visibilidade do projeto societário da classe popular.
Nesta perspectiva entendo que o assistente social trava batalhas
cotidianas para colocar em curso o seu exercício profissional. Para isso recorre
a uma gama de conhecimentos, que por princípio, deveriam qualificar e dar
visiblidade àquilo que faz. Ao mesmo tempo, entendo, que essa gama de
conhecimento ganha sentido se associada às tendências teórico-
metodológicas, o que será analisado ainda neste capítulo.
315
3. 2 – As Tendências Teórico-metodológicas que fundamentam o
exercício profissional do assistente social: introdução
Ao propor uma discussão sobre as tendências teórico-
metodológicas presentes na ação profissional do assistente social, parto de
três pressupostos. O primeiro é de que o Serviço Social como profissão é
marcado nas suas origens, por sua adesão ao projeto societário da burguesia
mesmo entendendo que este projeto não seja compartilhado por todos os
profissionais. O segundo pressuposto é de que a matriz conservadora é
elemento fundamental para a construção da análise acerca da explicitação da
ação organizada e operacionalizada pelo assistente social no espaço sócio-
organizacional. O terceiro pressuposto é de que a ação profissional,
necessariamente, se concretiza tendo como referência fundamental a vida
cotidiana, uma vez que não há prática profissional fora da vida cotidiana e,
essa prática se explicita na relação assistente social – usuário – espaço
organizacional – realidade social.
Partindo desses pressupostos e entendendo também que
diversos autores
67
tais como Netto (1991), Iamamoto (1983, 1992, 1998, 2001),
Guerra (1995), Yasbek (1993, 2000), Martinelli (1991), entre outros, discutem
em profundidade essas tendências, considerei desnecessário remontá-las.
Parto do estudo construído pelos autores citados, procurando destacar
algumas questões que penso são importantes para o entendimento da
interlocução. O debate aqui proposto versará sobre a relação dessas
tendências na concretização do exercício profissional do assistente social.
Nesse sentido é preciso retomar uma questão já dita nesta tese: não se
pretende discutir aqui como se dá a produção do conhecimento na área do
Serviço Social mas como este se concretiza e dá visibilidade ao exercício
profissional do assistente social. Ou ainda, como os profissionais ao longo da
construção do seu exercício profissional estabelecem relações e interlocuções
com as tendências teórico-metodológicas.
67
A produção desses autores foi citada na bibliografia que se encontra no final desta tese.
316
Historicamente o Serviço Social vem construindo seu lugar na
divisão sócio-técnica do trabalho a partir predominantemente de duas
tendências teórico-metodológicas: a tendência conservadora e a tendência
crítica. Cada uma delas determina um projeto profissional pelos quais,
segmentos profissionais lutam sistematicamente com vistas à garantia de um
espaço hegemônico na profissão. Por tendência teórico metodológica é
entendido o que movimenta e dá uma direção teórica e metodológica -
fundamentada por uma raiz teórica e filosófica - ao projeto profissional. Em
cada uma das tendências estão presentes:
- a apropriação pelo Serviço Social da raiz teórica que lhe
dá sustentação e visibilidade;
- a concepção de teoria e a concepção de prática
profissional;
- o projeto profissional determinado para a profissão,
articulado a um projeto de sociedade;
Estas tendências se constituíram e se constituem historicamente,
tendo como referência fulcral a realidade social, ao mesmo tempo se
confundindo – a realidade social tomada com a realidade mesma da profissão -
e subsidiando a história da profissão. Ou seja, discutir tendências teórico-
metodológicas necessariamente perpassa pelo conhecimento da história e da
construção histórica da profissão; além de entender como o Serviço Social –
através de seus agentes - vai se apropriando deste conhecimento.
317
3. 2 – As Tendências Teórico-metodológicas que fundamentam o
exercício profissional do assistente social: coruja e camelo em busca de
caminhos para construção da interlocução
Ao propor uma discussão sobre as tendências teórico-
metodológicas presentes na ação profissional do assistente social, parto de
três pressupostos. O primeiro é de que o Serviço Social como profissão é
marcado nas suas origens, por sua adesão ao projeto societário da burguesia
mesmo entendendo que este projeto é compartilhado por parcela significativa
dos profissionais. O segundo pressuposto é de que a matriz conservadora é
elemento fundamental para a construção da análise acerca da explicitação da
ação organizada e operacionalizada pelo assistente social no espaço sócio-
organizacional. O terceiro pressuposto é de que a ação profissional,
necessariamente, se concretiza tendo como referência fundamental à vida
cotidiana, uma vez que não há prática profissional fora da vida cotidiana e,
essa prática se explicita na relação assistente social – usuário – espaço
organizacional – realidade social.
Partindo desses pressupostos e entendendo também que
diversos autores
68
tais como Netto (1991), Iamamoto (1983, 1992, 1998, 2001),
Guerra (1995), Yasbek (1993, 2000), Martinelli (1991), entre outros, discutem
em profundidade essas tendências, considerei desnecessário remontá-las. O
debate aqui proposto versará sobre a relação destas tendências na
concretização do exercício profissional do assistente social. Neste sentido é
preciso retomar uma questão já dita nesta tese: não se pretende discutir aqui
como se dá a produção do conhecimento na área do Serviço Social mas como
este se concretiza e dá visibilidade ao exercício profissional do assistente
social. Ou ainda, como os profissionais ao longo da construção do seu
exercício profissional estabelecem relações e interlocuções com as tendências
teórico-metodológicas.
Historicamente o Serviço Social vem construindo seu lugar na
divisão sócio-técnica do trabalho a partir de duas tendências teórico-
metodológicas:
a tendência conservadora e a tendência crítica. Cada uma
68
A produção desses autores foi citada na bibliografia que se encontra no final desta tese.
318
delas determina um projeto profissional que lutam sistematicamente para
garantir um espaço hegemônico na profissão. Por tendência teórico
metodológica é entendido aquilo que movimenta e dá uma direção teórica e
metodológica - fundamentada por uma raiz teórica e filosófica - ao projeto
profissional. Em cada uma das tendências estão presentes:
- a apropriação pelo Serviço Social da raiz teórica que lhe dá
sustentação e visibilidade;
- a concepção de teoria e a concepção de prática profissional;
- o projeto profissional determinado para a profissão, articulado a
um projeto de sociedade;
Estas tendências se constituíram e se constituem historicamente,
tendo como referência fulcral a realidade social, ao mesmo tempo se
confundindo – a realidade social tomada com a realidade mesma da profissão -
e subsidiando a história da profissão. Ou seja, discutir tendências teórico-
metodológicas necessariamente perpassa pelo conhecimento da história e da
construção histórica da profissão; além de entender como o Serviço Social –
através de seus agentes - vai se apropriando deste conhecimento.
319
3. 2. 1 – As tendências teórico-metodológicas presentes no exercício
profissional do assistente social: as bases para o debate da interlocução
As tendências teórico – metodológicas presentes no exercício
profissional do assistente social não se estruturam por acaso e muito menos
fora da história. Em seu registro inicial, encontra-se em Mary Richmond
69
uma
das pioneiras na sistematização das atividades desenvolvidas pelos
assistentes sociais, entendendo e defendendo a necessidade de pensá-las a
partir do crivo da cientificidade.
Na contemporaneidade as tendências que se corporificam –
predominantemente - no Serviço Social são:
tendência conservadora e
tendência crítica
, por meio das quais, os segmentos profissionais, buscam
cotidianamente a construção de um espaço hegemônico na profissão.
Procuro entender o significado dessas tendências no exercício
profissional do assistente social. A análise acerca dessa questão é baseada
nos estudos empreendidos por Netto (1991), Iamamoto (1983, 1998), Faleiros
(1997), Martinelli (1991), Yasbek (2000), quando discutem as matrizes teóricas
que fundamentam as referidas tendências. Algumas sinalizações são
necessárias para a melhor compreensão do texto e da perspectiva de análise
que estou propondo. A primeira, refere-se a necessidade de esclarecer que vou
partir da apropriação que o Serviço Social faz do conhecimento que lhe dá
sustentação e não do conhecimento em si. Outra sinalização importante é que
este estudo se dará com ênfase no Movimento de Reconceituação ocorrido no
Brasil e na América Latina, uma vez que as produções a partir deste
Movimento focam a questão das tendências.
Assim, é possível dizer que desde os primórdios da construção do
Serviço Social como profissão, a discussão acerca da concepção teórico-
metodológica presente na ação profissional se faz permanente. Mary
69
Para conhecer a importância da obra de Mary Richmond para o Serviço Social, sugiro a leitura do livro
Mary Richmond: um olhar sobre os fundamentos do Serviço Social, escrito pela Profa. Ilda Lopes
Rodrigues da Silva e publicado pelo CBCISS em 2004. Sugiro também a leitura da dissertação de
mestrado Em busca da gênese da profissão do Serviço Social: um estudo a partir dos contornos
históricos da sociedade norte-americana, de Claudia Maria Guimarães Nery, defendida na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, no ano de 1996.
320
Richmond
70
, propõe que o exercício profissional realizado pelo assistente
social, é necessariamente carregado de cientificidade e deve ter um modo de
fazer que o torne peculiar. Entendia que a superação da visão de ajuda com
conotação caritativa perpassava necessariamente pela articulação entre a ação
e o conhecimento, com o objetivo de
apreender ‘vivências’ marcadas pelas realidades de suas
situações, assim como criar condições para provocar um
processo educativo, enfrentando transformações que respeitem
a dignidade de cada homem, enquanto ser racional e um ser
sujeito de direitos. (Silva, 204, p. 14 – 15)
Já em suas primeiras publicações Mary Richmond chama a
atenção dos profissionais para a relação entre conhecimento e a ação e o
objetivo proposto reforçava um dos valores presentes na sociedade da época:
o fortalecimento do indivíduo para o fortalecimento da sociedade. O caráter
educativo enfocado nas ações profissionais é esclarecedor e direcionado a
reforçar a perspectiva psicossocial, enfatizando o comportamento do indivíduo
na sua relação com o mundo. O indivíduo é identificado como pessoa humana
em pleno desenvolvimento.
Entender Mary Richmond, favorece a compreensão analítica dos
fundamentos teórico-metodológicos presentes na profissão, além de entender a
busca por elevar a prática exercida pelo assistente social da condição de ajuda
para a prática profissional propriamente dita. Esta “elevação” – da ajuda para a
prática profissional – possibilitava aos assistentes sociais entender que as
atividades realizadas ultrapassavam a visão caritativa, os aspectos
assistencialistas para a visão científica da prática, partindo para o estudo de
métodos e técnicas que viabilizassem o exercício prático-profissional. Seu
intuito foi o de qualificar a ação exercida pelos chamados agentes da caridade,
que desenvolviam atividades dirigidas às pessoas pobres. Esta marca inicial –
ao longo da história desta profissão – perdurou por várias décadas, reforçando
a necessidade de profissionalizar as ações cujo caráter foi predominantemente
o de favorecer a minimização dos conflitos, disseminando a ordem
estabelecida pela classe dominante, além de fortalecer a hegemonia desta
70
O livro Diagnóstico Social publicado em 1917 é um marco referencial para a compreensão das
primeiras sistematizações na área do Serviço Social.
321
mesma classe. Mary Richmond ficou reconhecida no meio profissional como a
autora que buscou sistematizar – por meio de uma postura investigativa de
caráter científico – os procedimentos técnicos e operativos realizados pelo
assistente social.
A busca pela cientificidade no Serviço Social perpassava pela
compreensão da ciência como utilidade, da ciência como parâmetro para o
estabelecimento da verdade. Baseada nas teorias tanto da área biológica como
social, estabeleceu um sistema analítico cujo objetivo era o de entender os
problemas individuais, como lidar com os chamados “clientes” e seus
problemas. Defendia a idéia de que o conhecimento deveria ser utilizado “para
orientar a prática numa perspectiva de investigação e aplicação de um saber
universitário.” (Silva, 2004, p. 30) Mary Richmond defendia a “necessidade de
um profissional com formação específica que pressupõe a utilização de um
método genérico.” (Silva, 2004, p. 30) Influenciada pelo caráter reformista da
época – durante a 1ª Guerra Mundial - Mary Richmond sistematizou o modo de
realização, de como procederia o seu estudo, chamando a atenção dos
profissionais para a importância da documentação como “material insuperável
para o treino de assistente social de caso” (RICHMOND, 1974, p. 5) Partindo
do método genérico, Mary Richmond fundamenta e estrutura o que denominou
método de caso.
Avançando a discussão do caso social para o Serviço Social de
Caso, Mary Richmond definiu como “processos que desenvolvem a
personalidade através de ajustamentos conscientes efetuados de indivíduo a
indivíduo, entre os homens e com seu meio social.” (RICHMOND, 1974, p. 26).
Nesta perspectiva os chamados assistentes sociais de caso se afastaram da
perspectiva da reforma social, enfocando o indivíduo em processo de
ajustamento pessoal e social. Cabia ao assistente social de caso acompanhar
os “casos” considerados difíceis que demandavam trabalho especializado,
intensivo e prolongado, considerando o bem-estar do indivíduo e da sociedade.
Acreditava que “é pela personalidade que nos relacionamos intimamente com
os outros” [..] “com todas as comunidades e instituições que desenvolvem
(RICHMOND, 1974, p. 21). Além disto, entendia que o trabalho do assistente
social de caso deveria ir além do auxílio temporário; da ajuda assistemática
voltada à carência material. Acreditava que o ponto de convergência é
322
lidar com aspectos diretamente relacionados com a
personalidade, a saber: restauração da auto-suficiência,
problemas de saúde e higiene pessoal, bem como com a
complexidade da higiene mental [...] “é o desenvolvimento da
personalidade, através de ajustamentos conscientes e
abrangentes dos relacionamentos sociais [...] o assistente
social está igualmente preocupado com as anormalidades do
indivíduo e de seu meio. (RICHMOND, 1974, p. 25)
Esse modo de entender reforça a visão do caso a caso, cabendo
ao assistente social “chegar ao indivíduo através do seu meio social.”
(RICHMOND, 1974, p. 25). É por isso que a afirmação de Mary Richmond não
enfoca a reforma social
71
mas ajustamentos e melhorias individuais;
consolidando a idéia de que o meio social é a soma dos indivíduos, ou seja,
através do meio social
alarga-se o horizonte do pensamento humano até o limite de
sua capacidade de relacionar-se e estreitar-se até a exclusão
de todas as coisas, sem influência verdadeira em sua vida
emocional, mental e espiritual. (RICHMOND, 1974, p. 26)
O Serviço Social de Caso deriva desta propositura; é por isso que
Mary Richmond afirma ser o assistente social o profissional moldado a
trabalhar com o relacionamento social, “o tipo de relações sociais de que trata
o ‘Social Case Work’ constitui parte da trama da vida diária.” (SILVA, 2004, p.
72). Nessa perspectiva o assistente social de caso está “sempre agindo como
intermediário e procurando utilizar, inteligentemente, os recursos sociais da
comunidade.” (RICHMOND, 1974, p. 37). Assim, ao propor o estudo –
diagnóstico – tratamento, estabelece o diferencial entre uma prática baseada
no senso comum e uma prática com base científica. Esta metodologia foi
operacionalizada através do que Mary Richmond denominou
ação direta
dirigida a cada indivíduo, a partir da influência do profissional no sentido de
fortalecer o relacionamento e o desenvolvimento da personalidade e
ação
indireta
– ocorre via meio social, através de outras pessoas, instituições, obras
sociais. Suas formulações decorrem
71
Os assistentes sociais que trabalhavam com o Serviço Social de Grupo defendiam a reforma social
entendendo que “lidar com os mesmos problemas envolvia a mudança na ordem social, que reputavam
opressiva e exploradora.” (BRIAR, 1976, p. 04)
323
da influência teórico - filosófica de sua época [...] a qual reflete
a conjuntura norte – americana marcada pelo ideal de reforma
social e da garantia do ‘self made man’ [...] Mary Richmond
sistematizou a intervenção […] a partir das idéias defendidas
pela ‘filantropia científica’ (sofisticou o enfrentamento dos
‘problemas de caráter’ do pobre, desenvolvendo seu conceito
de ‘personalidade’}. Tais idéias foram iluminadas, por sua vez,
pelo conjunto das formulações teórico – filosóficas emergentes
e consolidadas nos Estados Unidos (mais precisamente nas
primeiras décadas do século XX), tendo como desafio a
tentativa de equacionamento da correlação entre indivíduo e
meio social. (NERY, 1996. p. 136)
Nota-se que este estudo trás – como pano de fundo – o ideário da
classe burguesa. Segundo Martinelli,
acolhendo a concepção dominante na sociedade burguesa de
que aos problemas sociais estavam associados problemas de
caráter, Richmond concebia a tarefa assistencial como
eminentemente reintegradora e reformadora do caráter.
Atribuía grande importância ao diagnóstico social como
estratégia para promover tal reforma e para reintegrar o
indivíduo na sociedade. (1991, p. 106).
Mary Richmond influencia outros profissionais a atuar em
consonância a sua proposta de trabalho. O mundo estava sofrendo as
conseqüências de uma Guerra Mundial, os problemas sociais estavam cada
vez mais agravados e, na visão da burguesia, fugindo ao controle. Imprimir ao
indivíduo o sinal daquele que é portador de um problema ficou reconhecido
como a marca deste período.
diante do movimento efetivo de legitimação da ordem
burguesa, o interesse pela assistência aos pobres vai se
ampliando também, paulatinamente, para o meio da própria
classe burguesa, preocupada em manter o seu controle sobre
a massa miserável, assistida inclusive enquanto força de
trabalho não absorvida. Tal contingente, sem perspectiva
imediata de melhoria de sua condição social, poderia conduzir
seu descontentamento crescente a um patamar amplo de
contestação da ordem vigente, constituindo-se em uma “facção
social perturbadora” do sistema. (NERY, 1996, p. 103.
324
Segundo Martinelli, o Serviço Social em sua origem como
profissão inserida na divisão sócio-técnica do trabalho trás em si uma profunda
vinculação ao capitalismo
72
. A autora diz que
é uma profissão que nasce articulada com um projeto de
hegemonia do poder burguês, gestada sob o manto de uma
grande contradição que impregnou suas entranhas, pois
produzida pelo capitalismo industrial, nele imersa e com ele
identificada [...] buscou afirmar-se historicamente – sua própria
trajetória o revela – como uma prática humanitária, sancionada
pelo Estado e protegida pela Igreja, como uma mistificada
ilusão do servir (1991, p. 65)
É sob a ótica do servir que o Serviço Social é introduzido no Brasil
na década de 30. Neste período o Brasil dava os passos iniciais de seu
processo de industrialização, implantando as bases, os pilares de seu parque
industrial no contexto histórico do modo capitalista de produção, que traz
consigo não apenas a acumulação de riquezas mas, ao mesmo tempo, “o
progresso capitalista produzira, em sua marcha, a acumulação da pobreza, a
generalização da miséria.” (MARTINELLI, 1991, p. 76).
No Brasil, em seu momento inicial, o Serviço Social caracteriza-se
pela importação dos modelos de atuação europeu e posteriormente,
influenciado pelo Serviço Social norte-americano. O exercício profissional era
direcionado a minimização dos conflitos sociais, oriundos principalmente da
classe operária emergente, cabendo ao assistente social a realização do
controle e abafamento dos conflitos e insatisfações da referida classe
Serviço Social brasileiro começa, especialmente a partir dos
anos 40, a ser tecnificado ao entrar em contato com o Serviço
Social norte-americano e suas propostas de trabalho
permeadas pelo caráter conservador da teoria social positivista.
(YASBEK, 2000, p. 22)
72
Estaremos utilizando para fins dessa tese a conceituação de capitalismo proposta por Martinelli ,
fundamentada no pensamento de Marx, qual seja, o capitalismo é um determinado modo de produção,
marcado não apenas pela troca monetária, mas essencialmente pela dominação do processo de produção
pelo capital. [...] o capitalismo como modo de produção passa a se assentar em relações sociais de
produção capitalista, marcadas fundamentalmente pela compra e venda da força de trabalho, tornada
mercadoria como qualquer outra, pois essa é a base desse sistema que traz como exigências implícitas a
existência de meios de produção sob a forma de mercadoria e o trabalho livre assalariado. (1991: 29)
325
Majoritariamente o exercício profissional do assistente social
voltava-se ao ajustamento social e a manutenção da ordem social vigente, cuja
referência são as determinações e prerrogativas da burguesia. O exercício
profissional assumia um caráter educativo, voltado ao humanismo cristão,
visando a eliminação das distorções apresentadas e/ou visíveis na vida social.
Esta postura está baseada em uma visão que determina uma direção, ou seja,
as bases da organização social são tidas como dadas e não
são questionadas em suas raízes, a solução entrevista limita-se
à reforma do homem dentro da sociedade, para o que deve
contribuir o Serviço Social. (IAMAMOTO, 1992: 29)
Esta perspectiva de atuação é fortemente marcada pelo
pensamento conservador
73
e o positivismo, que conformam a matriz
conservadora e por muitos anos foi a diretriz hegemônica no exercício
profissional do assistente social. Contraditoriamente, nesse período, outra
parcela de assistentes sociais entendia que o trabalho social tinha como
característica a reforma social. Este modo de pensar foi difundido entre os
assistentes sociais que realizavam ações de caráter grupal, nas comunidades
periféricas, nos conjuntos habitacionais, ganhando evidência a partir dos anos
50.
Na busca por construir uma inter-relação entre o pensamento
conservador
74
e o positivismo, pode-se dizer que
através do reconhecimento da instabilidade inerente ao
individualismo e da desorganização social conseqüente de
dogmas como igualdade, soberania popular e direitos do
indivíduo, e através da insistência na prioridade da sociedade
sobre o indivíduo e na dependência que tem o homem dos
valores e instituições sociais, os tradicionalistas ganharam a
gratidão de todos os positivistas. (NISBET, 1981, p. 72)
73
Segundo Yasbek “nem o doutrinarismo, nem o conservadorismo constituem teorias sociais. A doutrina
caracteriza-se por ser uma visão de mundo abrangente, fundada na fé em dogmas. O conservadorismo,
como forma de pensamento e experiência prática, é resultado de um contramovimento aos avanços da
modernidade e, nesse sentido, suas reações são restauradas e preservadoras, particularmente da ordem
capitalista. A teoria social por sua vez.constitui conjunto explicativo totalizante, ontológico, e, portanto,
organicamente vinculado ao pensamento filosófico, acerca do ser social na sociedade burguesa, e a seu
processo de constituição e de reprodução. (2000, p. 23)
74
Para conhecer o Conservadorismo, sugiro a leitura do livro O Conservadorismo, de Robert Nisbet,
publicado pela Editorial Estampa (Lisboa) em 1987.
326
Neste sentido, o positivismo vem abarcar os fundamentos da
ordem social, da manutenção das instituições que sustentam o poder e a
organização societária. Preservar a ordem é preservar o poder instituído, na
defesa de que é a vontade coletiva que direciona a vida em sociedade.
Durkheim (1999) afirma que uma única consciência individual não é capaz de
expressar ou mesmo representar a consciência coletiva. Ao definir consciência
coletiva parte do princípio que esta extrapola a visão individual, atribuindo aí, a
visão de representação
O grupo não é constituído da mesma maneira que o indivíduo
[...] as representações coletivas traduzem o modo como o
grupo se pensa em suas relações com os objetos que o
afetam. (DURKHEIM, 1999, p. XXIII)
Durkheim (1999) reforça a premissa que para compreender a
sociedade é preciso entender sua natureza e não somente a natureza de cada
indivíduo isoladamente: um único indivíduo não exprime a sociedade. Ou seja,
esta estabilidade e esta independência conferem à sociedade a
capacidade de auto-geração, submetendo os indivíduos a seu
poder coercitivo [...] nada mais lhe resta senão observar,
descrever, interpretar e compreender o funcionamento dos
fatos sociais
75
, apontando suas causas e ofertas, suas
características de normalidade ou regularidade e suas
patologias. (RODRIGUES, 2000, p. 68)
A coerção está além de uma questão meramente biológica ou
ligada a natureza. À coerção social
76
está emaranhada à questão moral que
75
Entendo por fato social, a definição fundada por Durkheim, qual seja, “toda maneira de fazer, fixada ou
não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior” [...] “que é geral na extensão de uma
sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações
individuais.” (Durkheim, 1999, p. 13)
76
Para Durkheim a coerção social “simplesmente se deve ao fato de o homem vestar em presença de uma
força que o domina e denate da qual se curva; mas essa força é natural. Ela não deriva de um arranjo
convencional que a vontade humana acrescentou completamente ao real; ela provém das entranhas
mesmas da realidade; é o produto necessário de causaas dadas. Assim, para fazer o indivíduo sunmeter-se
a ela de boa vontade, não é preciso recorrer a nenhum artifício; basta faze-lo tomar consciência de seu
estado de dependência e de inferioridade naturais [...] como a superioridade que a sociedade tem sobre ele
não é simplesmente física, mas intelectual e moral, ela nada tem a temer do livre exame, contanto que
deste se faça um justo emprego. A reflexão, fazendo o homem compreender o quanto o ser social é mais
rico, mais complexo e mais duradouro que o ser individual, não pode deixar de revelar-lhe as razões
327
influencia e determina a “consciência de um grupo sobre a consciência de seus
membros.” (Durkheim, 1999, p. XXVIII) Dito de outra forma,
Implica é que as maneiras coletivas de agir e de pensar têm
uma realidade exterior aos indivíduos que, a cada momento do
tempo, conformam-se a elas [...] o indivíduo as encontra
inteiramente formadas e não pode fazer que elas não existam
ou que sejam diferentes do que são; assim ele é obrigado a
leva-las em conta, sendo mais difícil (não dizemos impossível)
modifica-las na medida em que elas participam, em graus
diversos, da supremacia material e moral que a sociedade
exerce sobre seus membros. (DURKHEIM, 1999, p. XXIX)
Durkheim (1999) não nega que o indivíduo tenha e exerça um
papel na gênese desse modo de agir e pensar mas afirma que não basta a
vontade individual para mantê-la ou mesmo modificá-la. Ao contrário, por seu
caráter de exterioridade individual, a tendência é “fixar, instituir fora de nós
certas maneiras de agir e certos julgamentos que não depende, de cada
vontade particular isoladamente.” (DURKHEIM, 1999, p. XXIX) É por esse
caminho que Durkheim começa a definir o que considera instituição, ou seja,
“todas as crenças e todos os modos de conduta instituídos pela coletividade.”
(DURKHEIM, 1999, p. XXX) Ou melhor, é a essas regras e condutas que os
indivíduos estão submetidos, cabendo as instituições a propagação e
manutenção dessas regras, caracterizando assim o funcionamento da
sociedade, a ordem social e a normalidade das relações estabelecidas. A
submissão às regras sociais e morais pode ser um exemplo límpido desta
questão: os modelos familiares, a conduta profissional e pessoal exigida no
trabalho, os modelos escolares, que ocorrem independente da vontade do
indivíduo. Neste sentido, afirma Durkheim (1999), vive-se acreditando que cabe
ao indivíduo o estabelecimento das regras com as quais convivem, ao
contrário, elas são impostas independente da vontade individual e de forma tão
“natural” que viver submetido a ela é o comportamento esperado. Dentro dessa
perspectiva, viver na contra-mão dessas regras torna a convivência social
impossível.
u\inteligíveis da subordinação que dele é exigida e dos sentimentos de apegao e de respeito que o hábitro
fixou em seu coração. (1999, p. 125 – 125)
328
Entendo ser este um dos caminhos que o Serviço Social utilizou
para pensar a questão do ajustamento pessoal-social dos indivíduos à vida
social. Na medida em que os fatos sociais ocorrem independentemente da
vontade do indivíduo e, este fica submetido às regras sociais, cabe a esse
indivíduo, conhecê-las para “tirar proveito”, para usufruir dessas regras. Outro
aspecto a ser considerado diz respeito à manutenção da ordem social: quanto
mais ajustado o indivíduo estiver a essas normas sociais maior a possibilidade
de manutenção da ordem. Durkheim (1999) afirma que poderão ocorrer
mudanças na ordem social desde que a vontade coletiva se sobreponha para
dar sustentação as alterações ocorridas e se estabeleça a ordem social. O
ajuste social deve servir também a ordem social, no sentido da garantia da
sociabilidade, da harmonia e do bem-comum. Deste modo, aquilo que é geral é
coletivo. A ordem social é geral pois está em cada parte que forma o todo, a
sociedade em geral. E, essa ordem social faz com que se consolide a conserva
social, que se representa através dos modelos de sociabilidade humana. Ainda
neste sentido pode-se dizer que a ordem social também é estabelecida pela
organização econômica, que de forma subliminar rege, dita a vida em
sociedade. Este é um dos principais determinantes da vida social pois a
organização econômica – mesmo sem dizê-lo diretamente – decide a vida
familiar, o status quo, a colocação no mercado de trabalho, o acesso ao
consumo, entre outros.
A organização social, econômica e política submete e está
submetida às regras sociais, ao controle da ordem e da manutenção do poder.
Aqui também está presente o pensamento conservador. Para Nisbet (1987), o
conservadorismo
Surge como uma resposta direta à Revolução Francesa, que
teve o mesmo impacto, sobre a mente dos homens, que
tiveram as revoluções comunistas e nazistas do século XX.
(1987, p. 65)
O positivismo vem abarcar os fundamento da ordem social, da
manutenção das instituições que sustentam o poder e a organização societária.
Preservar a ordem é preservar o poder instituído, na defesa de que é a vontade
coletiva o que direciona a vida em sociedade, conservando as instituições que
329
sustentam o poder, preservam também as tradições, os costumes e os valores
sociais.
A fonte de inspiração do pensamento conservador provém de
um modo de vida do passado, que é resgatado e proposto
como uma maneira de interpretar o presente e como conteúdo
de um programa viável para a sociedade capitalista.
(IAMAMOTO, 1998, p. 22)
Para os conservadores a sociedade é vista como
uma entidade orgânica, com leis internas de desenvolvimento e
com relações pessoais e institucionais infinitamente sutis [...] a
sociedade não pode ser criada pela razão individual, mas ela
pode ser enfraquecida por aqueles que não tem em mente sua
verdadeira natureza, pois ela tem profundas raízes no passado,
das quais o presente não pode escapar através da
manipulação racional. (NISBET, 1981, p. 65 – 66)
A constituição da sociedade, sua solicitação e seu fortalecimento,
se dão na medida em que se coloca em evidência sua continuidade e solidez.
Esta “continuidade e solidez” se apresentam através dos valores, das normas,
das tradições de um povo. Os conservadores foram considerados como
aqueles que valorizavam o passado através de suas tradições ou ainda
quando correctamente entendido, passado é um vasto e
maravilhoso laboratório para o estudo dos êxitos e dos
insucessos na longa história do homem. Se tivermos que olhar
para além do presente, o passado é terra firme em comparação
com aquilo que mesmo a mais fértil imaginação – equipada
com o mais poderoso dos computadores – pode extrair do
futuro. (NISBET, 1987, p 41 – 42)
Sob esta perspectiva, o passado com suas tradições é o caminho
aceitável para a afirmação do valor social do indivíduo e o seu viver em
sociedade. É o passado que possibilita ao indivíduo lidar com o presente e o
futuro. Mudar regras, condutas e direção é algo ameaçador a preservação da
ordem social. Nessa visão, a sociedade é fruto de sua história passada, que se
fortalece
330
na persistência das estruturas, comunidades, hábitos e
preconceitos geração após geração [...] o que significa uma
autêntica infinidade de maneiras, de comportamentos e de
pensamentos que não podem ser inteiramente compreendidos
a não ser pelo reconhecimento da sua fixação no passado.
(NISBET, 1987, p. 49)
As mudanças sociais somente poderão ocorrer de modo a
preservar a ordem moral, a crença nos valores, nos costumes, a hierarquia e a
autoridade constituída. Essa organização não é contestada por uma vontade
individual: preservar o passado e a organicidade da vida social é preservar a
perpetuação da humanidade.
A sociedade sob esta perspectiva é
orgânica na sua articulação das instituições e
interrelacionamento de funções, no seu desenvolvimento
necessária e irreversivelmente crescente ao longo do tempo
[...] não podemos saber onde estamos e muito menos para
onde vamos se não soubermos onde estivemos. (NISBET,
1987, p. 51)
O homem é visto como um ser que precisa viver em uma
sociedade baseada no passado – através dos eixos citados acima – vivendo
em harmonia, preservando valores que lhes são caros e que garantam a
estabilidade social.
O Serviço Social se apropria da matriz positivista, desse modo de
ver a realidade social e entender o indivíduo,
configurando para a profissão propostas de trabalho
ajustadoras e um perfil manipulatório, voltado para o
aperfeiçoamento dos instrumento e técnicas para a
intervenção, com as metodologias de ação, com a busca de
padrões de eficiência, sofisticação de modelos de análise,
diagnóstico e planejamento. (YASBEK, 2000, p. 23)
O exercício profissional centra-se no problema apresentado pelos
indivíduos, reforçando a atuação sob o prisma do modelo interventivo e do
enquadramento do indivíduo a ordem social vigente. Os assistentes sociais
atuavam neste período com o Serviço Social Caso, Serviço Social de Grupo e
331
Serviço Social de Comunidade
77
. Cada uma dessas formas de atuação era
identificada como um processo interventivo e demandava - por parte dos
profissionais – o conhecimento dos modelos de atuação desenvolvidos, o que
regulava ainda mais o exercício profissional. Esse modo de operacionalizar o
exercício profissional, favorecia a alienação do usuário no processo
interventivo, o que colaborou para que ganhasse fôlego a visão de que os
problemas sociais eram problemas individuais, “abafando” as contradições e
desigualdades sociais tão marcantes e características do modo de produção
capitalista. Nesta perspectiva, o exercício profissional desenvolvido pelos
assistentes sociais era identificado por sua vinculação com a burguesia
emergente.
mesmo promovendo a melhoria do nível de vida de famílias,
individualmente, ou conseguindo obter padrões mais
adequados de ajustamento no lar ou no trabalho, ou mesmo
ainda, minimizando os sofrimentos dos desvalidos, as ações
profissionais dos assistentes sociais atendiam muito mais aos
interesses do capitalista do que aos do proletariado enquanto
classe. (MARTINELLI, 1991, p. 130)
Em seu processo de profissionalização, ao assumir esta postura
conservadora como hegemônica, não havia predisposição para questionar a
ordem social vigente. Em termos do modo como se caracteriza, em seu
momento inicial, o Serviço Social é influenciado decisivamente pelo
funcionalismo norte-americano. Buscando analisar como o funcionalismo foi
incorporado ao Serviço Social, é perceptível o quanto pode ser entendido como
uma tendência comprometida com a manutenção da ordem social, mesmo
quando visualiza as mudanças sociais. As mudanças admitidas são aquelas
que permitem o equilíbrio do sistema social e não a sua desestruturação, uma
vez que
a oposição ao sistema não se define apenas como resistência.
Ela é absorvida pelo funcionalismo, como projeto alternativo.
77
Inicialmente cada assistente social era especializado em um dos modelos citados. Posteriormente,
passou a atuar com os diversos modelos. No Serviço Social de Caso, os modelos mais utilizaods foram:
modelo solução de problemas, modelo psicossocial e modelo de crise. No Serviço Social de Grupo, o
modelo interacionista e de reabilitação.
332
Ou ainda, as oposições e contradições passam a ser
incorporadas pelo poder do Estado e se transformam em
projetos deste poder do Estado [...] Ela devolve as
reivindicações sob a forma de leis, projetos, benefícios, etc.
(CAPALBO, 1985: 31)
Ao compartilhar desta perspectiva os assistentes sociais reforçam
uma tendência que é a de identificar o espaço das organizações como o
possível na busca por construir respostas que colaborarão na manutenção do
equilíbrio social. O assistente social, no exercício de sua atuação profissional,
quando compartilha dessa tendência, procura a resolução dos conflitos por
meio dessa via: a via da conciliação, do abafamento das crises, buscando uma
resposta institucional para dar cabo às contradições e as diferenças sociais.
Nessa perspectiva, identificam a organização como o espaço passível da
busca por construir respostas que colaborarão na manutenção do equilíbrio
social. O exercício profissional destina-se a minimização dos conflitos sociais
principalmente da classe operaria emergente, cabendo ao assistente social a
realização do controle e abafamento dos conflitos e insatisfações da referida
classe, utilizando-se muitas vezes da coerção.
Por esse caminho começa a se cristalizar na profissão a
perspectiva de que o assistente social é o profissional que toma para si os
objetivos da organização e é reconhecido pelo usuário como aquele que
representa as idéias e determinantes da organização da qual é parte. Fica
latente que o assistente social ao buscar a resolução dos conflitos
estabelecidos na realidade social o faz através do binômio usuário – meio
social, dentro da prerrogativa da conciliação, do abafamento das crises,
buscando uma resposta institucional para dar cabo às contradições e as
diferenças sociais presentes na sociedade capitalista.
O exercício profissional é realizado dentro das organizações onde
o assistente social exercia suas funções como profissional assalariado. O
trabalho social é duplamente determinado: pela necessidade da adequação do
indivíduo a ordem social e pelos determinantes da organização. Para além
disso, o conhecimento necessário para a consecução do trato interventivo fica
a sombra dos determinantes sócio-institucionais, o que compromete o exercício
profissional desenvolvido. Por outro lado, a fragilidade teórica dos profissionais,
333
aliada a uma confusão conceitual
78
, favorece que os profissionais assumam
para si aquilo que é objetivo próprio do espaço organizacional no qual realiza
sua ação profissional. Nesta perspectiva o assistente social é reconhecido
como aquele que representa a organização na qual trabalha, como aquele que
não só interpreta e analisa o espaço organizacional mas é com o qual a
organização se identifica.
Pode-se dizer que no período de 30 – 50, o exercício profissional
tem como pano de fundo a integração social, partindo das aspirações advindas
do ideário burguês que preconizava a manutenção da ordem capitalista. Ao
estabelecer as estratégias de atendimento, o assistente social reconhece que é
preciso
levar em conta essa nova organização societária, em que
operava uma renovada correlação de forças: de um lado um
combativo proletariado, de outro uma defensiva classe
dominante, ambos circundados Poe uma pauperizada e
faminta massa de trabalhadores, já expulsos do mercado ou
nele esperando adentrar. (MARTINELLI, 1991, p. 95)
O exercício profissional é baseado nos princípios do humanismo
cristão e no positivismo, que apropriados pelos assistentes sociais,
direcionavam as atividades desenvolvidas neste período.
O positivismo se funda numa visão da sociedade enquanto
ordem, estabilidade, equilíbrio, integração, e ao mesmo tempo
pressupõe a internalização da ordem pelos atores
independentes. Esse dualismo entre ordem e indivíduo
pressupõe que a ordem seja a soma, a agregação dos
indivíduos. (FALEIROS, 1997, p. 68)
Os usuários dos serviços prestados pelos assistentes sociais são
vistos e identificados em sua dimensão cliente – indivíduo. Os serviços
prestados são reduzidos ao recurso, quer seja como benefícios, quer seja
como concessão e o assistente social é a autoridade máxima na liberação ou
não dos mesmos. Por esse prisma, o exercício profissional centra-se no
problema, reforçando a atuação sob a lógica do modelo e do enquadramento
78
Esta questão foi clarificada no último terço deste capítulo.
334
do indivíduo a ordem social. Há uma difusão do atendimento caso – a – caso
79
,
reforçando a premissa de que a origem dos problemas sociais está na
dificuldade do indivíduo em construir relações sociais.
Outro aspecto importante diz respeito à ideologia
desenvolvimentista que, segundo Castro (1993), o Serviço Social foi uma das
profissões mais utilizadas para fortalecer e cristalizar a referida ideologia, tendo
em vista o trabalho desenvolvido nas comunidades
80
no final da década de 50,
fortalecendo a visão de bem-estar social.
É preciso dizer que a apropriação dos fundamentos que matrizam
o exercício profissional do assistente social não é feito de forma igualitária ou
ainda homogênea. Parcela significativa dos assistentes sociais entendiam que
as respostas construídas pela categoria careciam de consistência teórica e
argumentativa. Esses profissionais identificavam a necessidade de repensar o
exercício profissional não necessariamente pela via da atualização de
procedimentos, técnicas e modelos interventivos. Estabeleceram que para
repensar o exercício profissional era preciso que o assistente social
demonstrasse ter
uma profunda capacidade teórica para estabelecer os
pressupostos da ação, uma capacidade analítica para entender
e explicar as particularidades das conjunturas e situações, uma
capacidade de propor alternativas com a participação dos
sujeitos na intrincada trama em que se correlacionam as forças
sociais, em que se situa, inclusive, o assistente social.
(FALEIROS, 1997, p. 65)
79
Mesmo na contemporaneidade e o Serviço Social sob a influência decisiva da matriz crítica, encontro
assistentes sociais verbalizando “atendi um caso”, como se fosse sinônimo do atendimento social, ou
ainda como se os procedimentos metodológicos estabelecidos na abordagem caso-a-caso fossem idênticos
aos estabelecidos na abordagem individual com direção sócio-educativa. Para maiores esclarecimentos,
ver: PIRES, Sandra Regina de Abreu. Serviço Social: função educativa e abordagem individual.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutorado em Serviço Social. 2003, 336f.
80
O trabalho desenvolvido pelo Serviço Social no desenvolvimento de comunidade tem origem na
Inglaterra e nos EUA. Sua proposta era de desenvolver ações através de programas e projetos sociais,
com ênfase na educação, cultura e capacitação da força de trabalho, cujo objetivo fundamental é “acelerar
o trânsito ao capitalismo e a assegurar a subordinação das forças autonomistas das nações dominadas”
(MANRIQUE, 1992, p. 133) Assim, era preciso “incidir sobre o desenvolvimento desigual não para
suprimir as desigualdades nacionais, mas para que a combinação entre tais desigualdades (nacionais e
regionais) permanecesse favorável às metrópoles imperialistas nas suas sucessivas faces de expansão e
crise.” (MANRIQUE, 1993, p. 134)
335
Na década de 60, no Brasil e América Latina, eclode o Movimento
de Reconceituação que busca reposicionar a prática profissional realizada
pelos assistentes sociais. Ou seja vem “em resposta a uma crise interna da
profissão, aguçada por uma ‘crise’ estrutural e conjuntural da realidade
brasileira. (MARTINELLI, 1991, p. 144). Obviamente isto repercute
sobremaneira no estudo dos fundamentos teóricos – metodológicos presentes
no agir desses profissionais. O Movimento de Reconceituação privilegia a
realidade local e nacional, como um dos eixos da prática profissional, com vias
a construção de uma identidade nacional. Num certo sentido, há o
questionamento ao modo como os assistentes sociais transitam – teoricamente
– no conhecimento sobre a realidade social e as exigências reconhecidas como
da competência do Serviço Social. Assim, há um esforço para a construção de
um outro modo de conhecer e intervir na realidade. Nesse período o CBCISS
Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviço Social.”
81
propôs um estudo sério, e tão profundo quanto possível, do
Serviço Social, a fim de esclarecer os conceitos aceitos, os
valores de base e os conhecimentos necessários para a prática
eficiente. (DOCUMENTOS, 1986, p. 8)
A partir do Movimento de Reconceituação, os profissionais são
conclamados a pensar sua ação profissional com ênfase na realidade local e,
para além da realizada nas organizações, buscando alternativas para o
atendimento das demandas apresentadas pelos usuários. Este movimento
exigiu dos profissionais um posicionamento político, ideológico e de fato
comprometido com a classe subalterna. Uma das primeiras constatações do
Movimento foi a fragilidade teórica demonstrada por parcela significativa dos
assistentes sociais, o que comprometeu os avanços que poderiam ter sido
alcançados. É a partir desse momento que se fala mais claramente em objeto
de intervenção e para o Serviço Social, na possibilidade de construção de uma
metodologia voltada para o cotidiano profissional, cuja referência são as
condições objetivas de vida do usuário. Há portanto que se pensar e construir
81
Desta iniciativa, foram realizados os seguintes Seminários: em 1967, na cidade de Araxá, o de
Teorização do Serviço Social ; em 1970, na cidade de Teresópolis, o de Metodologia do Serviço Social e
em 1978, no Rio de Janeiro, sobre Cientificidade do Serviço Social.
336
estratégias profissionais onde fica estabelecido que a construção metodológica
pressupões uma necessária relação entre teoria e prática e, que esta relação,
deve se constituir e se construir no processo histórico, por meio das relações
sociais. Ou seja, os profissionais entendiam a necessidade da busca por
pensar uma prática dialeticamente construída ou seja,
orientada por uma teoria que, por sua vez, é testada pela
prática, dela retirando elementos de crítica e de reformulações,
que novamente enriquecerão a prática, num processo dialético.
(JUNQUEIRA, 1980, p. 35)
O Movimento de Reconceituação é também o marco da “entrada”
da teoria marxista
82
para o debate profissional. Pode ser considerado também
um marco na construção identitária do Serviço Social como profissão na
América Latina e no Brasil.
Segundo Netto (1991) este movimento não ocorreu de forma
homogênea; ao contrário, pode ser compreendido a partir da análise das três
direções – que serão explicitadas ao longo do texto - que o “representam”: 1ª
direção:
perspectiva modernizadora; 2ª direção: reatualização
conservadora
; 3ª direção: intenção ruptura com o Serviço Social
tradicional
. Tomando por base essas direções, vou analisar as tendências
predominantes no Serviço Social.
A Reconceituação é
parte integrante do processo internacional de erosão do
Serviço Social “tradicional” e, portanto, nesta medida, partilha
de suas causalidades e características. [...] não pode ser
pensada sem a referência ao quadro global (econômico –
social, político, cultural e estritamente profissional) em que se
desenvolve [...] está intimamente vinculada ao circuito
82
Para Abbagnano, o marxismo é interpretação histórica proposta por Marx, que consiste em reconhecer
os fatores econômicos (técnicas de trabalho e de produção, relações de trabalho e de produção) um peso
preponderante na determinação dos acontecimentos históricos.” [...] “o ponto de vista antropológico
defendido por Marx, segundo o qual a personalidade humana está constituída intrinsecamente (ou seja em
sua mesma natureza) pelas relações de trabalho e de produção que o homem adquire para fazer frente a
suas necessidades. Por estas relações de trabalho e de produção que o homem adquire para fazer frente a
suas necessidades. Por estas relações, a ‘consciência’ do homem (ou seja suas crenças religiosas, morais,
políticas, etc) é mais um resultado que uma suposição.” [...] “as formas que a sociedade adquire
historicamente dependem das relações econômicas que prevalecem em uma fase determinada.” (1992:
782)
337
sociopolítico latino-americano da década de sessenta: a
questão que originalmente a comanda é a funcionalidade
profissional na superação do subdesenvolvimento. (NETTO,
1991, p. 146)
O Movimento de Reconceituação é considerado também um
marco no processo de renovação do Serviço Social no Brasil. Netto (1991)
analisa este movimento a partir da perspectiva sócio-histórica de direção
marxista, como se deu este processo de renovação. Analisa também a
influência da autocracia
83
burguesa no processo de formação e implementação
do Serviço Social no Brasil. Esta renovação produziu alterações nas condições
do exercício profissional do assistente social, demarcando a década de 80
como aquela que consolidou a matriz crítica como a hegemônica entre a
maioria dos assistentes sociais, principalmente àqueles que trabalham no
campo da docência e nos órgãos diretivos e consultivos da categoria –
Conselho Federal de Serviço Social, os Conselhos Regionais de Serviço Social
e a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. O autor
ressalta que a análise deste período deve ser tomada “na sua pluricausalidade
e na sua multilateralidade” (1991, p. 116) Ou seja, não é possível entender a
conformação do Serviço Social sem o necessário estudo da processualidade
histórica que lhe é constitutiva.
O autor identificou que
o processo de renovação configura um movimento cumulativo,
com estágios de dominância teórico – cultural e ideopolítica
distintos, entrecruzando-se e sobrepondo-se, donde a
dificuldade de qualquer esquema para representá-lo. (NETTO,
1990, p. 152).
O Movimento de Reconceituação
constitui-se no interior da profissão, num esforço para
desenvolvimento de propostas de ação profissional
condizentes com as especificidades do contexto latino-
americano, ao mesmo tempo em que se configura como um
processo amplo de questionamento e reflexão crítica da
profissão. (SILVA e SILVA at al, 2002, p. 72)
83
poderes ilimitados da hegemonia da ideologia burguesa.
338
O Movimento de Reconceituação apresentou basicamente duas
tendências: a primeira tendência caracterizou-se pelo continuísmo com uma
visão renovada, tendo como referência fulcral a realidade brasileira. Perpetua-
se o trabalho de Serviço Social de caso, grupo e comunidade, ainda numa
visão tri-partite, reforçando a visão modelar da prática. Enfatiza-se a visão
tecnicista e o assistente social atua tendo como referência a micro – atuação
84
ou a macro – atuação
85
. Esta tendência reforça a importância e a necessidade
da manutenção da ordem social e a eliminação dos desajustamentos pessoais.
Fundamenta-se no aparato teórico do positivismo. Dito de outra forma,
o Serviço Social , considerando estática a sociedade e o
sistema social em que se desenvolve como acabado e
insuperável, só poderia ter como objetivo eliminar qualquer
disfuncionalidade desta ordem social perfeita e sem
mudanças.[..] sob a mesma influência o Serviço Social dividiu a
natureza social em esferas isoladas, ignorando sua
interconexão. Para intervir em cada nível desenvolveu os
métodos tradicionais da disciplina – Serviço Social de Casos,
Serviço Social de Grupo e Desenvolvimento de Comunidade.
(LIMA, 1978, p. 26)
A outra tendência é a da ruptura que se caracteriza pela “entrada”
da teoria marxista para o debate do Serviço Social.
Na década de 70, há uma relativa unicidade por parte dos
profissionais em torno da matriz conservadora, conforme dito anteriormente. A
partir do Movimento de Reconceituação, identifica-se uma renovação desta
matriz que no dizer de Netto (1991) foi provocada a partir do debate teórico-
metodológico ocorrido nos anos 70, que desencadeou o fortalecimento do
conhecimento na área do Serviço Social e o rompimento com o projeto de
sociedade implementado pela burguesia. Esta renovação é considerada como
um
84
“Caracteriza-se pela presença da relação direta entre o agente profissional e o sistema cliente no
processo de prestação de serviços, sendo setorial, seu nível de decisão.” (VIEIRA, 1981: 100). É na
micro-atuação que o assistente social utiliza os processos de caso, grupo e comunidade.
85
“Caracteriza-se pela ausência de relação direta entre o agente profissional e o sistema cliente no
processo de prestação de serviços, sendo global o seu nível de decisão.”(VIEIRA, 1981: 97)
339
conjunto de características novas que no marco das
constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou,
à base do rearranjo de suas tradições e da assunção do
contributo de tendências do pensamento social
contemporâneo, procurando investir-se como instituição de
natureza profissional dotada de legitimação prática, através de
respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de
validade teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas
sociais.” (NETTO, 1991, p. 131)
A renovação então pode ser considerada como uma das
tentativas propostas por parcela da categoria profissional buscando o
reconhecimento do seu fazer a partir da validade teórica e metodológica. Isso
decorre das interlocuções estabelecidas - pelos assistentes sociais - com o
conhecimento construído via ciências sociais; a necessária articulação com a
realidade social brasileira; busca por efetivar no Serviço Social a dimensão
investigativa. Neste sentido é preciso que ocorra um investimento no processo
formativo dos assistentes sociais a partir da identificação da necessidade de se
configurar o aperfeiçoamento teórico-metodológico e técnico; interlocução com
outras áreas do saber, o que poderia desencadear a construção de respostas
profissionais consistentes e coerentes com as demandas emergentes da
sociedade brasileira, que naquele momento atravessava um período de
mudanças políticas e de crescimento econômico.
Para Netto (1991), esta renovação se explicita em três direções:
a
modernizadora, a atualização conservadora e a intenção de ruptura
. Cada
uma dessas direções representam um momento pela qual passou a discussão
das matrizes – conservadora e crítica – na construção da ação profissional do
assistente social.
Na perspectiva modernizadora o Serviço Social
aceita como inquestionável a ordem sócio política derivada de
abril e procura dotar a profissão de referências e instrumentos
capazes de responder às demandas que se apresentam nos
seus limites – onde aliás, o cariz tecnocrático do perfil que
pretende atribuir ao Serviço Social no país [...] expressão da
renovação profissional adequada à autocracia burguesa.
(NETTO, 1991, p. 155 – 156)
340
É a perspectiva que vai fundamentar as ações de caráter
reformista, realizando um revival ao chamado Serviço Social tradicional,
privilegiando “os componentes mais conservadores da tradição profissional”
(NETTO, 1991, p. 157)
Ao analisar o exercício profissional desenvolvido pelo assistente
social faz referência ao chamado Serviço Social Tradicional desenvolvido nos
espaços sócio-organizacionais, que tem como um dos objetivos, propagar e
manter a autocracia burguesa.
O Serviço Social Tradicional é caracterizado pela construção de
respostas profissionais cujo foco resulta em abordagens psicossociais de
caráter funcionalista. Netto (1991) indica que o Serviço Social Tradicional
atende
a duas necessidades distintas: a de preservar os traços mais
subalternos do exercício profissional, de forma a continuar
contando com um firme estrato de executores de políticas
sociais localizadas bastante dócil e, ao mesmo tempo, de
contrarrestar projeções profissionais potencialmente
conflituosas com os meios e os objetivos que estavam
alocados às estruturas organizacional-institucionais em que se
inseriam tradicionalmente os assistentes sociais. (NETTO,
1991, p. 118)
O autor ainda revela em sua análise que o Serviço Social
Tradicional encontra adeptos entre os assistentes sociais, mesmo não sendo o
que melhor explicita e exercício profissional desenvolvido. Clarifica que alguns
assistentes sociais entendem que
ele é um dos vetores que responde, em grande medida, pela
continuidade de práticas e (auto) representações profissionais
que, prolongando-se nos dias atuais, mostram-se inteiramente
defasadas em face das requisições socioprofissionais postas
pela dinâmica da sociedade brasileira. (NETTO, 1991, p. 118)
Ao realizar sua análise parte do princípio que estes dados não
são deslocados do real mas, interagem e são partes fundamentais para o
entendimento da fundamentação teórico-metodológica do Serviço Social, no
que tange ao processo de renovação. Ao estabelecer esta relação diz
341
um dos componentes das relações entre a autocracia burguesa
e o Serviço Social operou para a manutenção, sem alteração
de monta, das modalidades de intervenção e (auto)
representações que matrizavam a profissão desde o início dos
anos cinqüenta.[...] é possível agarrar a significância deste
componente da postura ditatorial –ele é um dos vetores que
responde, em grande medida, pela continuidade de práticas e
(auto) representações profissionais que, prolongando-se nos
dias atuais, mostram-se inteiramente defasadas em face das
requisições socioprofissionais postas pela dinâmica da
sociedade brasileira.(NETTO, 1991, p. 118)
A dinâmica da sociedade brasileira é determinada pela
reorganização do Estado e as modificações ocorridas na sociedade durante o
ciclo autocrático burguês, sob o comando do grande capital. Essa dinâmica
inferiu nas modificações tanto no exercício profissional como na formação dos
assistentes sociais.
um esforço no sentido de adequar o Serviço Social, enquanto
instrumento de intervenção inserido no arsenal de técnicas
sociais a ser operacionalizado no marco de estratégias de
desenvolvimento capitalista, às exigências postas pelos
processos socio-políticos emergentes no pós-64. (NETTO,
1990, p. 154).
Com relação ao exercício profissional, articulado ao processo de
industrialização, ocorre a expansão do mercado de trabalho para os
assistentes sociais. O Estado e as empresas que representavam o capital eram
os principais empregadores dos assistentes sociais
86
. Isto exigiu dos
profissionais
uma postura ela mesma ‘moderna’, no sentido da
compatibilização do seu desempenho com as normas, fluxos,
rotinas e finalidades dimanantes daquela racionalidade. A
prática dos profissionais teve de revestir-se de características –
formais e processuais – capazes de possibilitar, de uma parte,
o seu controle e a sua verificação segundo critérios burocrático-
administrativos das instâncias hierárquicas e, doutra, a sua
crescente intersecção com outros profissionais [...] foi
compelida a integrar o conjunto de procedimentos
administrativos ‘modernos’; particularmente, ela foi atravessada
por uma requisição de organicidade e transparência, de
86
Vide a análise realizada no capítulo 1 desta tese quando afirmo – a partir dos dados da pesquisa - que o
Estado é o principal empregador dos assistentes sociais.
342
maneira a ser incorporada no sistema de práticas
compreendido pela moldura organizacional.” (NETTO, 1991, p.
123).
Ainda neste sentido o autor coloca
mudou o perfil do profissional demandado pelo mercado de
trabalho que as condições novas postas pelo quadro
macroscópico da autocracia burguesa faziam emergir: exige-se
um assistente social ele mesmo ‘moderno’ – com um
desempenho onde traços ‘tradicionais’ (fundamentados em
supostos humanistas, abstratos e posturas avessas ou alheias
às lógicas da programação organizacional) são deslocados e
substituídos por procedimentos ‘racionais’. (NETTO, 1991, p.
123)
Com relação à formação profissional, esta foi modificada e
apta a romper de vez com o confessionalismo, o paroquialismo
e o provincianismo que historicamente vincaram o surgimento e
o evolver imediato do ensino do Serviço Social no Brasil.
(NETTO, 1991, p. 124)
Outro aspecto ressaltado refere-se
a formação com as demandas do mercado nacional de trabalho
constituído e consolidado no processo da autocracia burguesa:
passa a oferecer àquele um profissional ‘moderno’, cuja
legitimação advém menos de uma (auto)representação
humanista abstrata que de uma fundamentação teórico-técnica
do seu exercício como assistente social. A ‘modernização
conservadora’ revela-se inteiramente neste domínio: redefine-
se a base da legitimidade profissional ao se redefinirem as
exigências do mercado de trabalho e o quadro da formação
para ele. (NETTO, 1991: 127)
Quanto a reatualização conservadora esta favoreceu a
explicitação referente ao “exercício do Serviço Social fundado no circuito da
ajuda psicossocial” (NETTO, 1991, p. 158). Esta direção expressa os traços
microscópicos da intervenção, enfatizando os aspectos interpessoais e
psicológicos que envolvem o ser humano. Contraditoriamente dissocia a
análise da realidade social, ou ainda “em nome da compreensão, dissolvem-se
343
quaisquer possiblidades de uma análise rigorosa e crítica das realidades
macrossocietárias.” (NETTO, 1991, p. 158)
Dessa direção decorre
Uma forte tendência, presente em segmentos específicos do
meio profissional, à psicologização das relações sociais, que
privilegia problemas de desintegração e desadaptação social e
funcional, isto é, problemas relacionais que devem ser tratados
através do diálogo. (IAMAMOTO, 1998, p. 34)
Decorre daí que a intervenção – construída por meio da ajuda
psicossocial – independe de uma análise crítica da realidade social, em seus
aspectos macrossocietários. É contrária ao pensamento positivista e ao
pensamento marxiano.
Recupera os componentes mais estratificados da herança
histórica e conservadora da profissão, nos domínios da
(auto)representação e da prática, e os repõe sobre uma base
teórico-metodológica que se reclama nova, repudiando,
simultaneamente, os padrões mais nitidamente vinculados à
tradição positivista e às referências conectadas ao pensamento
crítico-dialético, de raiz marxiana. (NETTO, 1991, p. 157)
O fundamento teórico e filosófico é a fenomenologia,
principalmente a partir do pensamento de Heidegger. Esta direção ganhou
espaço entre os profissionais nos anos 70, a partir das publicações de Anna
Augusta de Almeida, Ana Maria Brás Pavão, entre outros autores.
A fenomenologia é introduzida no Serviço Social por intermédio
da leitura que as autoras citadas acima realizam da obra de Husserl (2000),
Heideger (2000), entre outros. A fenomenologia conforma uma crítica ao
positivismo e a toda análise cuja lógica é a decomposição da natureza para
explicá-la. A Fenomenologia não se constitui como teoria explicativa da
realidade social: é filosofia e
método compreensivo – enfatizando e
compreendendo as possibilidades de tomada de decisão do ser humano e não
as causalidades do fenômeno social. Compete à fenomenologia
descrever o
fenômeno
, este dado que é apresentado, revelado a consciência, este dado
que nos faz pensar nele e do qual falamos, ou seja, “a fenomenologia é uma
344
doutrina universal das essências, em que se integra a ciência da essência do
conhecimento” (HUSSERL, 2000, p. 22) . Neste sentido, a fenomenologia
descreve a coisa, o dado, o fenômeno, tal qual ele se dá a conhecer. Ou seja,
parte das coisas como as coisas são, estudando os fenômenos por meio da
percepção alcançada pelos sentidos do fala do sujeito e pela sua consciência.
Para entender a fenomenologia é preciso captar seu elemento central: a
intencionalidade,
o conhecimento em geral é um problema, uma coisa
incompreensível, carente de elucidação, duvidosa quanto à sua
pretensão [...] as configurações intelectuais, que realmente levo
a cabo, são-me dadas, contanto que eu reflicta sobre elas, as
receba e ponha tal como puramente as vejo [...] posso efectuar,
concretamente uma percepção e olhar para ela; [...] mas a
percepção está por assim dizer, diante dos meus olhos como
um dado actual, ou como dado da fantasia. E assim para toda
a vivência intelectiva, para toda a configuração intelectual
cognitiva. (HUSSERL, 2000, P. 54 – 55)
A intencionalidade é compreendida não somente por meio da
materialidade do objeto mas, relaciona-se a intenção do sujeito que capta o
objeto, da percepção e da sua capacidade de olhar – no sentido de
compreender o que está “ante-aos-olhos”.
Esse pressuposto da fenomenologia é apropriado pelo Serviço
Social e dá sustentação a metodologia proposta para a intervenção
profissional. O entendimento sobre a intencionalidade é assim captado pelos
assistentes sociais:
seu ponto de partida são as experiências do ser humano
consciente que vive e age em um mundo, que ele percebe e
interpreta e que faz sentido para ele [...] os atos perceptivos do
fala do sujeito consciente de alguma coisa têm caráter
direcional, que implica movimento ativo da consciência para
além de si mesma e na direção de um objeto intencionado.
(PAVÃO, 1988, p. 18)
Nesse sentido, a fenomenologia propõe que a consciência é fruto
da existência homem-mundo e é dirigida a um objeto. É a consciência que dá
sentido ao objeto, buscando compreendê-lo por meio da experiência e da
busca pela essência da existência humana.
345
O Serviço Social também se apropria da fenomenologia no seu
sentido metodológico. Como
método, sua preocupação é mostrar,
compreender, descrever e não em demonstrar, explicar. Por isso, trabalha
com os fenômenos vividos, que ganham significado por intermédio dos atos da
consciência humana. Pode-se afirmar então que a fenomenologia não tem a
pretensão de alterar a originalidade dos fenômenos, mas compreender –
partindo da consciência do sujeito – sua essência e manifestação. É por isso
que Husserl (2000) afirma que a consciência é intencional.
Heidegger (2000), contribui com a questão do sujeito, ou seja, o
sujeito tem o sentido de SER (dasain). Para o autor o SER é o conceito mais
universal e ao mesmo tempo indefinido; é para o homem um problema do
existir, da existência humana.
El ‘ser’ es el más universal de los conceptos [...] é concepto de
‘ser’ es indefinible. Es lo que se concluyó de su suprema
universalidad [...] el ‘ser’ es el más comprensible de los
conceptos (HEIDEGGER, 2000, p. 12 – 13)
Sob esta perspectiva, o homem é no mundo, aparecendo e se
ocultando por meio da sua consciência. Na medida em que cuida do SER, tem
liberdade de escolher a forma de aparecer e de ocultar-se nas relações
mundanas. Para Heidegger (2000), o mundo não é nada concreto, material,
mas, um complexo de nexos (o que une e se constrói a partir da experiência do
homem), de relações significativas. Essas relações são construídas por
intermédio da percepção do homem, da sua experiência e como essa
experiência foi vivida.
Para o Serviço Social este conceito é fundamental uma vez que a
proposta interventiva construída parte da premissa de que
o homem como ser fala do sujeito é existência [...] exprimindo
que sua subjetividade humana não é real sem o mundo. Isso
significa que o mundo pertence à essência do homem e que o
característico do homem é ser consciente no mundo. (PAVÃO,
1988, p. 29)
A experiência de vida do usuário e suas condições objetivas de
vida, esclarecem e clarificam o modo como o usuário transita em sua vida
346
cotidiana. Essa compreensão é fundamental para o entendimento do que é ser
sujeito, sem dividir aspectos objetivos e subjetivos da experiência, do vivido.
A metodologia proposta é pensada por meio da ajuda
psicossocial. Esta relação de ajuda é centrada no diálogo, sob a perspectiva da
fenomenologia existencial (inaugurada por Husserl e Heidegger). É
estabelecida como uma nova proposta, como uma alternativa à visão positivista
predominante na época e também contrária vertente marxista que começava a
despontar no Serviço Social.
A base de sustentação dessa metodologia é:
o diálogo, a pessoa
e a transformação social
. Essa proposta é construída por Almeida (1989)
partindo dos pressupostos teóricos da fenomenologia.
Por diálogo a autora entende que é a
ajuda psicossocial, constitui-se num processo onde assistente
social e cliente realizam uma experiência com todo o seu ser
no contexto da história humana [...] mas também, e acima de
tudo, em tornar o cliente sujeito de uma experiência [...] O
diálogo como processo gerador de transformação social [...]
como forma de ajuda profissional [...] a metodologia do diálogo
exige que se parta de um conhecimento [...] que permita o
equacionamento do problema eleito para o estudo. Assim, o
diálogo não pode prescindir do conhecimento profissional do
assistente social nem do conhecimento de que o cliente é
portador [...] a falta de conhecimento do saber do cliente no
processo de diálogo, para a proposta, é considerada erro
profissional. [...] o assistente social, no diálogo, também sofre a
mesma experiência. (Almeida, 1989, p. 116 – 117 - 118)
O diálogo é o momento do encontro de saberes e de experiências
do usuário e do assistente social. O crivo relacional passa pela consciência e a
percepção que esses sujeitos tem do mundo. O diálogo possibilita ao
assistente social conhecer o mundo por meio da experiência do outro, uma
aproximação a realidade diferente da construída por ele mesmo. Da mesma
forma o usuário, também na relação de diálogo passa a reconhecer o mundo
por meio da percepção do profissional. A percepção social ocorre mediante o
diálogo
O outro conceito fundamental, é o de pessoa, que é o cliente, seu
reconhecimento se dá “pela sua condição humana (ALMEIDA, 1989, p. 119);
como sujeito, logo racional e livre, ser-como-pessoa. Sob esta perspectiva o
347
usuário não é entendido como “oprimido, alienado, desajustado” (ALMEIDA,
1989, p. 119). Para essa proposta metodológica o conceito de pessoa é
fundamental; é dele que parte o conhecimento e as determinações presentes
no trato interventivo. Atravessa este conceito a singularidade, ou seja, “admitir
singularidade é admitir as interrogações, as dúvidas, os desvios, assim como é
admitir compreensão, participação, confiança.” (Almeida, 1989, p. 120)
Entender a pessoa é entender como o sujeito se revela e se
oculta, como percebe o mundo e vivencia suas experiências mundanas. A
pessoa também é o foco da transformação social.
O terceiro conceito é o de transformação social, entendida como
um “esforço intencional para o conhecimento do mundo, que exige a saída de
si para uma abertura de horizontes.” (Almeida, 1989, p. 121) Nesse sentido,
quando me disponho a essa abertura, há uma descoberta, e essa descoberta é
a análise crítica. É por meio dessa descoberta que construo o projeto. O projeto
“é uma criatividade que provoca ruptura e inovação” (Almeida, 1989, p. 121) O
projeto leva a pessoa a uma nova atitude de abertura. Ou seja, a
transformação se dá pela conscientização o homem, de sua intencionalidade e
do seu vivido.
A intervenção vai ocorrer por meio de um processo de ajuda
psicossocial, onde ocorrem transformações inerentes às experiências das
pessoas, dos grupos e comunidades. É problematizada por intermédio do SEP
- situação existencial problematizada, que é apresentada pelo usuário e
problematizada por meio da experiência do usuário e do assistente social,
gerando uma síntese-crítica e posteriormente a transformação. O processo
interventivo possibilita ao cliente “comunicar [...] descobrir aptidões através dos
esforços para conhecer e tomar consciência do mundo [...] crescer no
conhecimento”. (ALMEIDA, 1989, 125)
Na década de 80, essa direção ficou dominada no debate,
principalmente com o fortalecimento da matriz crítica. Na contemporaneidade,
ganha evidência por meio do trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais
vinculados aos programas e projetos sócio-assitenciais com ênfase nas
348
atividades dirigidas aos indivíduos, bem como no trabalho terapêutico
87
realizado em consultórios e nas organizações.
O caráter é o da ajuda psicossocial, voltada a visão de que o
usuário é capaz de resolver seus problemas. A intervenção centra-se ajuda
profissional, cabendo ao assistente social analisar e avaliar as situações
apresentadas pelos usuários e colaborando para o estabelecimento de uma
relação onde o usuário estará “livre” para decidir a direção que dará a
resolução de seus problemas.
Conforme dito anteriormente, esta direção não engloba os
processos macrossocietários como fundamentais para o entendimento do
sujeito. O usuário é visto por sua experiência e os autores não deixam claro se
esta resulta ou não dos condicionantes da vida em sociedade. Quando
analisam a transformação, entendem que esta se dá no campo da
pessoalidade: na medida em que a pessoa se transforma, o mundo também se
transforma. Netto (1991), afirma, que a fenomenologia não tem entrado na
polêmica para buscar um lugar hegemônico no interior da profissão.
A terceira direção é a chamada
intenção de ruptura, que
fundamentou a ruptura com a matriz conservadora presente na ação
profissional do assistente social. Tem como fundamento teórico-metodológico a
vertente marxista, que foi apropriada pelos assistentes sociais de forma
heterogênea e indeterminada. Isto quer dizer que a complexidade da teoria
social construída por Marx, requer dos profissionais um notório saber a respeito
de uma multiplicidade de conhecimentos que abarcam a política, a economia, a
filosofia, a sociologia, entre outros.
o pensamento de Marx funda uma teoria social: toda a sua
pesquisa está centrada na análise radicalmente crítica da
emergência do desenvolvimento, da consolidação e dos
vetores de crise da sociedade burguesa e do ordenamento
capitalista.[...] o traço peculiar e decisivo refere-se ao seu cariz
histórico-ontológico. (NETTO, 1989, p. 92)
Essa direção vai refletir a resistência - que uma parcela
significativa de assistentes sociais demonstra ter frente à finalidade até então
87
Vide análise realizada no primeiro capítulo desta tese.
349
estabelecida como correta e necessária ao Serviço Social, qual seja, fortalecer
o projeto societário constituído pela ótica da classe dominante.
A teoria social de Marx possibilita ao profissional reconhecer um
outro modo de entender e analisar a realidade social e construir intervenções
por meio do reconhecimento dos diversos aspectos que estão presentes em
sua ação cotidiana. Ou seja, contribui para o Serviço Social
afirmar a ótica da totalidade na apreensão da dinâmica da
realidade, identificando como o Serviço Social se relaciona com
as múltiplas dimensões da vida social. (IAMAMOTO, 2000, p.
125)
A partir da “entrada” da teoria marxista para o debate do Serviço
Social evidenciaram-se duas questões: a primeira está vinculada a concepção
do Serviço Social como trabalho, o que reforça a discussão sobre a inserção
profissional do assistente social e sob quais condições o trabalho do assistente
social é realizado.
resgatar a prática do Serviço Social enquanto trabalho significa
recuperar no âmbito das particularidades profissionais, aquelas
forças e relações e seus sujeitos de classes. É revisitar a
história do Serviço Social [...] ao se preocupar com a totalidade
do ser e dos fenômenos sociais, busca reunir e reinterpretar o
que ficou disperso e fragmentado nesta trajetória de pensar e
fazer do Serviço Social. (CARDOSO, GRADERMANN,
BEHRING, ALMEIDA, 1997, p. 28)
Ou seja, é preciso reconhecer o caráter histórico e social
presentes no exercício profissional do assistente social.
A segunda é a importância do trato analítico na construção da
intervenção profissional, uma vez que não há possibilidade de construção
interventiva sem necessariamente ocorrer a análise dos fenômenos sociais,
dos determinantes presentes na realidade social.
Esta direção possibilitou que aos assistentes sociais, um repensar
do exercício profissional, com base no contexto sócio-histórico, sócio-cultural e
sócio-político. Esta ampliação favoreceu a construção das ações profissionais
em outras bases e referências: a realidade social e as dimensões interventiva,
350
ética e política, explicitando também a visão de Homem, mundo e prática
social, coerente com as contradições identificadas na realidade social.
a ruptura com a herança conservadora expressa-se como uma
procura, uma luta por alcançar novas bases de legitimidade da
ação profissional do assistente social, que, reconhecendo as
contradições sociais presentes nas condições do exercício
profissional, busca colocar-se, objetivamente, a serviço dos
interesses dos usuários, isto é, dos setores dominados da
sociedade. (IAMAMOTO, 1992, p. 37)
A dimensão interventiva explicita o fazer profissional; dela emerge
a existência, a materialidade e a concreticidade da profissão. Implica numa
possibilidade do exercício profissional do assistente social, visto sob a
perspectiva crítica, como superação de uma prática reiterativa.
a prática profissional só deixará de ser repetitiva, pragmática,
empiricista se os profissionais souberem vincular as
intervenções no cotidiano a um processo de construção e
desconstrução permanente de categorias que permitam a
crítica e a autocrítica do conhecimento e da intervenção
(FALEIROS, 1997, p. 72)
O atendimento as demandas postas pelos usuários exige do
profissional a recriação constante do conhecimento e das mediações que
norteiam a caminhada da teoria às práticas.
a prática crítica não se reduz a mera aplicação do
conhecimento que vem de fora dela, mas ela própria gera a
necessidade de reformulação de conhecimento e em cada
situação é preciso uma [...] interpretação que alie os sentidos
que se dão à prática à análise das condições em que esta se
realiza. (FALEIROS, 1997, p. 72)
É também na dimensão interventiva que ficam explicitados os
instrumentos técnico-operativos, éticos e políticos presentes. O instrumental
abarca também o conhecimento, ou seja,
o instrumental teórico-técnico de intervenção constitui o corpo
de conhecimento imediatamente ligado à dimensão operativa
propriamente dita da profissão [...] comporta o conhecimento de
351
natureza interventiva, ou seja, o instrumental técnico de que se
vale a profissão para viabilizar o atendimento das demandas
institucionais, além do componente técnico da ação
profissional. (PONTES, 2002, p. 17)
Neste sentido o foco da intervenção desloca-se do “problema” do
usuário. O “problema” é mais um dos indicativos para a execução do plano de
intervenção.
No interior das organizações os profissionais travam uma
discussão diária a respeito da questão da autonomia, uma vez que são
profissionais assalariados, contratados pelas organizações. Na minha visão a
autonomia do assistente social é relativa por diversos aspectos, que são
interligados entre si: os determinantes presentes na organização que regulam o
exercício profissional, definindo o papel a ser desenvolvido, as prioridades, a
definição de metas e programas a serem operacionalizados; o Código de Ética
e projeto ético-político da profissão que garante ao profissional a direção do
seu fazer.
Neste caminho,
sua inserção na esfera do trabalho é parte de um conjunto de
especialidades que são acionadas conjuntamente para a
realização dos fins das instituições empregadoras, sejam
empresas ou instituições governamentais. (IAMAMOTO, 1998,
p. 64)
O Serviço Social insere-se na esfera do trabalho e tem um
produto: o resultado de sua ação incide sobre a qualidade de vida do usuário.
Ou como diz Iamamoto “o trabalho do assistente social tem um efeito nas
condições materiais e sociais daqueles cuja sobrevivência depende do
trabalho.” (1998, p. 67)
O exercício profissional é construído a partir da análise que se faz
da questão social e de suas múltiplas expressões
o conhecimento da realidade deixa de ser um mero pano de
fundo para o exercício profissional, tornando-se condição do
mesmo, do conhecimento do objeto junto ao qual incide [...]
esse trabalho. (IAMAMOTO, 1998, p. 62)
352
Esta análise possibilita referendar o modo com os usuários da
ação do assistente social vivenciam as demandas por eles apresentadas e
como analisá-las a partir de sua vida cotidiana. Assim, o assistente social é um
profissional que necessariamente deve fazer análise de conjuntura para
fundamentar o seu trato interventivo. Este é um elemento essencial para busca
de alternativas e indicativos para além dos espaços organizacionais, e que
possibilitará a aproximação com a realidade social. O reconhecimento dos
indicadores sociais pode levar o profissional a “desculpabilizar” o usuário do
“problema” ora apresentado. Atuar com e na questão social requer de quem o
faz uma clara análise acerca da globalização, onde fica evidenciado o
descompasso entre as conquistas político-ideológicas das sociais. Obviamente
isto repercute no mundo do trabalho, sendo necessário ao profissional
reconhecer o “lugar“ do social na divisão sócio-técnica do trabalho.
Esta matriz vem construindo um modo estabelecer a intervenção,
a partir de uma perspectiva denominada sócio-educativa. Esta perspectiva vem
se consolidando desde o final dos anos 80 como uma marca característica da
intervenção profissional. Atuar sob esta perspectiva significa abolir modelos de
atuação preestabelecidos, ou seja, a ação profissional é construída e
reconstruída cotidianamente. É uma prática essencialmente histórica, onde
está presente a busca constante do conhecimento. Instaura-se tendo como
referência às relações de saber e poder presentes na sociedade e
“reproduzidas” no espaço organizacional
88
. O usuário é identificado como um
dos protagonistas do processo interventivo e não como um receptor dos
serviços estabelecidos previamente pelo poder público. Caracteriza-se por
consolidar a visão da educação popular, onde o profissional atua tomando
como referência os modos de vida da população usuária; o fortalecimento da
assistência social como política de direitos, possibilitando a realização de uma
prática crítica, que se configura na sua concreticidade, criticidade e teleologia.
Na contemporaneidade, o trabalho sócio-educativo tem sido amplamente
88
Para isto o profissional precisa ficar atento e conhecer em profundidade o espaço organizacional e as
contradições existentes no mesmo. Ao mesmo tempo, identificar as definições programáticas presentes no
discurso da organização e aproximações e diferenciações com o discurso profissional, que se consolida a
partir dos conhecimentos teóricos e filosóficos do assistente social.
353
utilizado como referência metodológica nos trabalhos voltados a proteção sócio
- familiar.
O que venho observando é que no trabalho dentro das
organizações as atividades desenvolvidas por meio da abordagem sócio-
educativa assumem outra direção: a da conformação do usuário aos
determinantes institucionais, isto é, o assistente social é o profissional que vem
respondendo pela execução de programas e projetos apensos a área social.
Nesta execução é responsável por realizar a inscrição, o acompanhamento
social, avaliação dos resultados obtidos e efetivar o desligamento. Porém este
processo já está previamente estabelecido por quem planejou e nesse
momento o assistente social não participa. Assim, mesmo não concordando
com as determinações é obrigado a cumpri-las sem questionamentos. Em
algumas situações participa do planejamento das ações referentes ao
acompanhamento social mas, em nenhum o momento o usuário é chamado a
participar. As ações são de caráter regulador, levando muitas vezes ao usuário
se travestir de “vítima das circunstâncias” como uma forma de acessar os
programas da referida área. Assim, volta-se a matriz anterior – a conservadora
– onde o profissional é um executor e o usuário é o receptor de serviços.
O que se espera do profissional é que ele tenha uma sólida
formação, seja capaz de construir respostas concretas a partir da análise que
realiza da questão social; que saiba reconhecer os usuários como sujeito de
direitos. Porém, concatenar isto aos determinantes institucionais é buscar uma
via de reconstrução do modo como concebem e explicitam sua ação
profissional.
Essa direção, favoreceu o debate profissional entorno do papel
desempenhado pelos assistentes sociais no fortalecimento das políticas
sociais, em especial, da assistência social
a renovação crítico-analítica viabilizada pelo desenvolvimento
teórico da perspectiva da intenção de ruptura propicia novos
aportes no nível prático-operativo da profissão – donde, por
exemplo, a circunscrição de formas alternativas de intervenção,
no bojo das políticas sociais, junto a movimentos sociais e o
reequacionamento do desempenho profissional no marco da
assistência pública. (NETTO, 1991, p. 303)
354
Nos anos 90 o Serviço Social vê fortalecida sua presença como
profissão interventiva na discussão e aprovação de legislação no campo social:
o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Assistência Social; no
campo específico da profissão: o Código de Ética e a Lei de Regulamentação
da Profissão. Já nos anos 2000, os assistentes sociais participam ativamente
da elaboração e promulgação do Estatuto do Idoso. Em decorrência da
legislação, também é responsável pela implantação das políticas sociais – não
somente nos aspectos que decorrem da operacionalização de serviços – com
ênfase na implantação dos conselhos, na construção dos planos municipais de
assistência e mais recentemente, contribuindo na elaboração da metodologia
participativa que envolve a construção dos planos diretores dos municípios.
Ainda na área da assistência social, vem colaborando com a
implantação do SUAS – Sistema Único da Assistência Social e é considerado
sujeito privilegiado desse processo, principalmente por seu acúmulo de
conhecimento na área.
Alguns avanços ainda são esperados principalmente aqueles que
estão intrinsecamente relacionado a trabalho direto com os usuários,
principalmente a abordagem individual. Entendo que a resposta profissional
para essa questão não é somente “instrumental-operativa” (NETTO, 1996, p.
123), mas de caráter analítico e interventivo. Compartilho da idéia defendida
por Netto (1996), de quem erra na análise, erra na intervenção. Portanto, à
dimensão interventiva, pressupõe uma dimensão analítica e ética.
Finalizando é preciso que os profissionais que compartilham e
entendem que a matriz sócio-histórica é a que responde ao exercício
profissional na atualidade, divulguem seus trabalhos, pesquisas de modo a
fortalecer a dimensão interventiva presente no exercício profissional do
assistente social.
355
3.3 – As diversas formas de exprimir a interlocução com as tendências
teórico-metodológicas construídas no exercício profissional do assistente
social
Para entender como os assistentes sociais constroem
interlocuções com as tendências teórico-metodológicas, elaborei algumas
questões que entendi, poderiam subsidiar a realização desta análise. Durante a
coleta dos depoimentos, constatei que este foi o momento de maior tensão ou
ainda que os sujeitos exprimiram o seu desconforto e a pouca familiaridade
com a questão tratada. Mesmo os sujeitos que responderam de forma mais
clara e objetiva, demonstraram o quanto é difícil entender, lidar e “trazer” essa
questão para o cotidiano da prática interventiva. No decurso da coleta dos
depoimentos foi o momento durante o qual os sujeitos pediram que o gravador
fosse desligado, solicitaram explicações sobre as questões realizadas e foi
preciso primeiro que o assistente social - sujeito da pesquisa - elaborasse a
resposta para depois efetivar - por meio da gravação - o registro da mesma.
A fim de objetivar a discussão, optei por utilizar algumas questões
norteadoras o que viabilizou a construção de idéias, o encadeamento do
pensamento não só dos assistentes sociais mas o meu como pesquisadora.
Essas questões constam do roteiro e foram assim organizadas: baseado no
seu exercício profissional como você visualiza a relação entre teoria e prática?
Como esta relação se expressa em sua prática profissional? Você identifica a
qual tendência teórico-metodológica o seu exercício profissional está
associado? Como se deu o processo de aproximação a esta tendência teórico-
metodológica? Como você entende que esta tendência teórico-metodológica é
a que responde o seu fazer profissional?
A partir da análise da fala dos sujeitos e do estudo bibliográfico
entendi que as categorias mediação e contradição são fundamentais para o
entendimento da interlocução com as tendências teórico-metodológicas.
A contradição é uma das categorias que explica o porquê dessas
associações e possibilita pensar os significados advindos dessas relações. A
categoria contradição, entendo, está presente na realidade social,
356
concretamente, por intermédio das determinações presentes na realidade
social. No entendimento marxista pode ser analisada
para designar, entre outras coisas: inconsistências lógicas ou
anomalias teóricas intra-discursivas, oposições extra-
discursivas como, por exemplo, a oferta e a procura que
envolvem forças ou tendências de origens (relativamente)
independentes as quais interagem de tal modo que seus
efeitos tendem a se anular mutuamente, em momentâneo ou
semipermanente equilíbrio; contradições dialéticas históricas
(ou temporais); e contradições dialéticas estruturais.
(BOTTOMORE, 1988, p. 80)
A contradição, portanto, é uma categoria complexa; sua
explicação possibilita ao assistente social entender a dialética, a “unidade dos
contrários” presente nos determinantes sociais que incidem e caracterizam o
objeto de intervenção e de análise do Serviço Social.
o que constitui o movimento dialético é a coexistência de dois
lados contraditórios, sua luta e sua fusão numa categoria nova.
(MARX, 1982, p. 109)
Outro aspecto interessante é que a contradição permite que o
assistente social perceba também suas idiossincrasias e ao mesmo tempo, que
o movimento, a processualidade presente na realidade não é linear, e ainda, o
quanto tudo isso afeta o exercício profissional.
Quanto a mediação
89
é uma categoria de cariz analítico, que pode
subsidiar o assistente social na construção de estratégias interventivas. Essa
categoria favorece a clarificação dos determinantes presentes na realidade que
incidem diretamente no objeto de intervenção do Serviço Social. Ao mesmo
tempo, tem na realidade sócio-histórica o caminho e os elementos de análise.
Esta categoria foi resgatada por Marx no seu sentido histórico, historicizando
as relações sociais estabelecidas na realidade. As mediações são entendidas
como
89
Para a efetiivação de estudos aprofundados sobre a categoria mediação, sugiro a leitura de PONTES,
Reinaldo Nobre. Mediação e Serviço Social. 3. ed., São Paulo: Cortez, 2002.
357
expressões históricas das relações que o homem edificou com
a natureza e conseqüentemente das relações sociais daí
decorrentes, nas várias formações sócio-humanas que a
história registrou. [...] vai assumir um sentido historicamente
concreto, ultrapassando tanto a “acidentalidade” quanto o
“idealismo”. (PONTES, 2003, p.78)
Esta categoria possibilita que o assistente social ao construir a
análise acerca dos fenômenos sociais, ultrapasse a visão da aparência das
coisas, ou das coisas como elas são para a visão do concreto, como algo que é
determinado em sua diversidade e multicausalidade. Marx (1982) diz:
o concreto é concreto porque é síntese de muitas
determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto
aparece no pensamento como processo da síntese, como
resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto
de partida efetivo. (MARX, 1982, p. 14)
Buscar esse entendimento favorece também ao profissional a
ultrapassagem da visão ingênua sobre a trama das relações sociais para a
visão historicamente determinada. A concreticidade das relações sociais ganha
sentido quando analisada por intermédio das determinações. Este modo de
entender e analisar a realidade favorece que o assistente social desvende a
trama social e de fato reconheça os fenômenos sociais e os problemas sociais
Os problemas sociais não poderão ser resolvidos se não forem
desvendados inteiramente por quem se inquieta com sua
ocorrência e atua no sentido de supera-los. E o meio de faze-lo
é através do conhecimento [...] crítico , isto é, o conhecimento
que, ao mesmo tempo, os situe, explique suas causas e
características e situe as dificuldades do entendimento que
temos sobre eles. (MARTINS, 2002, p. 23 – 24)
O assistente social por meio da análise dos determinantes sociais
pode reunir elementos que o possibilite entender em profundidade as
demandas de atendimento com as quais lida cotidianamente. Esta análise
também demonstra a competência técnica e argumentativa que o assistente
social tem para construir respostas profissionais de caráter analítico e
interventivo. Aliado às categorias contradição e mediação, entendo também
que
358
os fundamento histórico, teóricos e metodológicos são
necessários para apreender a formação cultural do trabalho
profissional e, em particular, as formas de pensar dos
assistentes sociais (Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço
Social, ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 67)
Durante o processo da pesquisa – efetivamente no momento da
coleta dos depoimentos, poucos foram os assistentes sociais que conseguiram
verbalizar e falar sobre a construção da interlocução com as tendências
teórico-metodológicas de forma objetiva. Observo que isso se deve a vários
fatores, dentro os quais destaco:
1º. A construção da interlocução com as tendências teórico-
metodológicas é complexa; requer do profissional conhecimento
teórico-filosófico, requer conhecimentos sobre a apreensão das
categorias de análise presentes nestas tendências e a forma como
foram apropriadas pelo Serviço Social.
2º. A construção da interlocução se assemelha ao modo como os
profissionais entendem a relação entre teoria e prática, ou seja, para
alguns esta questão não é determinante no exercício profissional;
para outros é uma relação que se traduz em modelos de atuação
e/ou aplicação de estratégias de ação e, para outros ainda, é uma
construção que tem na realidade social – particularizada
90
nas
demandas de trabalho - a fonte permanente de análise e busca por
respostas profissionais.
3º. A construção da interlocução esbarra nas condições de trabalho
onde o exercício profissional se realiza. O assistente social entende
que o exercício profissional deve se constituir com uma base teórica
– filosófica e prática mas não consegue materializar isso no seu
90
A particularidade é parte da trídade dialética: universalidade – particularidade – singularidade. A
particularidade é entendida como o campo das mediações, “representa a mediação concreta entre os
homems singulares e a sociedade; a particularidade da vida humana está eivada da singularidade dos
‘fatos irrepetíveis’ e saturada da universalidade, que é a legalidade que articula e impulsiona a totalidade
social. [...] é um espaço onde a legalidade universal se singulariza e a imediaticidade do singular se
universaliza.” (PONTES, 2002, p. 86)
359
cotidiano profissional uma vez que se vê enredado na teia de
relações organizacionais que o “engole”, massifica sua ação e de
certa forma encoraja o profissional a identificar essa possibilidade –
do exercício profissional fundamentado no conhecimento - como
impossibilidade. Uma boa parcela dos assistentes sociais que atuam
nos espaços sócio-organizacionais se sentem impotentes para
propor alternativas de trabalho ou ainda apresentar propostas
profissionais pois entendem que a responsabilidade por estabelecer
a direção da gestão dos trabalhos e dos serviços prestados é da
própria organização. Esse fator favorece a consolidação de uma
premissa inicial indicada nesta tese: o conhecimento necessário
para a execução do exercício profissional não é o referido nas
tendências teórico-metodológicas mas aqueles mais próximo das
demandas identificadas cotidianamente, consolidando um caminho
que vem ganhando força entre os profissionais da prática, qual seja,
a construção de respostas profissionais está para responder às
demandas identificadas – tanto pelos usuários como os assistentes
sociais – mas, também, para fortalecer o trabalho desenvolvido nas
organizações.
Torna-se necessário reforçar aqui que não entendo interlocução
como uma categoria de análise, mas, como uma possibilidade de diálogo que
pode favorecer a qualificação, a consistência e a visibilidade do exercício
profissional do assistente social.
Quanto à interlocução com as tendências teórico-metodológicas,
identifiquei que a dificuldade em expressá-la decorre também do pouco
conhecimento que parcela dos assistentes sociais que se reconhecem como
profissionais da prática têm acerca desta questão.
as competências teórico-metodológicas, técnico-operativas e
ético-políticas são requisitos fundamentais que permitem ao
profissional colocar-se diante das situações com as quais se
defronta, vislumbrando com clareza os projetos societários,
seus vínculos de classe e seu próprio processo de trabalho.
(Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social,
ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 67)
360
Os depoimentos demonstram o quanto esse pouco conhecimento
compromete e fragiliza o exercício profissional. As confusões e dificuldades
demonstradas pelos sujeitos reforçam que esta análise não deve incidir
somente no exercício profissional desenvolvido, mas, abarca também o
processo formativo.
“sabe que eu sempre tive essa dúvida, eu faço a maior
confusão, na época (da graduação) eu acha que era o
marxismo, não é? (fala do sujeito 15)
A aproximação às tendências teórico-metodológicas, ocorre,
ainda na graduação em Serviço Social. O conteúdo é parte do acervo das
seguintes disciplinas: História do Serviço Social, Teoria do Serviço Social e
Metodologia do Serviço Social, de acordo com o currículo de 1982. Em 1995, a
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social propõe uma
revisão na grade curricular e na direção imprimida ao curso de Serviço Social.
Esse conteúdo passou a compor o núcleo de Fundamentos Teórico-
Metodológico da Vida Social. O que identifiquei – através da pesquisa – que o
estudo sobre as tendências carece de consistência e principalmente do recurso
da mediação como uma categoria analítica que favorece o entendimento das
relações entre as tendências teórico-metodológicas e o cotidiano profissional. É
por intermédio dessas relações que o assistente social é capaz de encontrar
instrumentos, construir respostas profissionais às suas indagações e as
demandas apresentadas no cotidiano, perfazendo uma leitura crítica do seu
trabalho e de sua atuação profissional.
“volto a dizer, que a gente não pensa nisso na hora que está
atuando. Desde que fiz o meu trabalho, quando nós
estudamos o positivismo, o marxismo, eu me identifiquei mais
com a fenomenologia, mais eu nunca pensei assim sabe...” [...]
“eu achava que era a fenomenologia” [...] “mais eu não sei se
é, então eu ia na causa, na causa não, no fato” [...] “eu acho
que é fenomenológico, eu acho mais não tenho certeza.” (fala
do sujeito 15)
361
Para conhecer as tendências teórico-metodológicas é preciso
minimamente saber nomear o conjunto de conhecimentos que a compõe.
“olha não sei tendências metodológicas” [...] “Eu estudei no
tempo da fenomenologia, do positivismo.” [...] “Na época em
que eu me formei falava-se muito em dialética, o profissional
tinha que ter uma visão da dialética.” (fala do sujeito 3)
A fala deste sujeito indica a perspectiva presente no processo
formativo dos assistentes sociais nos anos 80, como uma tentativa de construir
e consolidar a matriz crítica. Durante os anos 80, a formação profissional
experienciou um momento importante e significativo que foi a mudança
curricular. Esta mudança impôs as unidades de ensino um repensar não
somente da grade horária ou da articulação das disciplinas mas, uma alteração
significativa e radical da direção imprimida ao curso. Evidenciou-se aqui as
contradições experienciadas pelos assistentes sociais quer seja nos espaços
sócio-organizacionais onde atuavam como prestadores de serviços, quer seja
as inerentes da vida social. As unidades de ensino refletiam essas
contradições: algumas reforçaram que a formação deveria manter “traços de
funcionalidade e congruência com o regime autocrático burguês e suas
demandas específicas” (NETTO, 1991, p. 129) ; outras defendiam que a
direção do curso deveria agregar “elementos de oposição e contestação”
(NETTO, 1991, p. 129) ao Serviço Social com características conservadora.
Também na década de 80 é acirrada a disputa pela hegemonia do processo
profissional, tanto no que se refere a seus aspectos formativos quanto nos
aspectos relativos ao exercício profissional. Nota-se nesse período que a
matriz crítica ganha fôlego, principalmente com o acumulo de conhecimento
produzido via mestrados e doutorados, o que favoreceu na qualificação
docente. Ao mesmo tempo, o Serviço Social desenvolveu pesquisas
acerca da natureza de sua intervenção, de seus
procedimentos, de sua formação, de sua história e sobretudo
acerca da realidade social, política, econômica e cultural onde
se insere como profissão na divisão social e técnica do
trabalho. (YASBEK, 2000, p. 27)
362
Este acúmulo de conhecimento favoreceu a qualificação do
exercício profissional, além de possibilitar aos assistentes sociais a construção
de análises sólidas e consistentes acerca da realidade social. O entendimento
defendido pelos assistentes sociais que compartilham da matriz crítica é que
quanto mais distanciado do conhecimento mais facilmente o profissional é
“engolido” pela organização na qual presta serviço; quanto mais distanciado do
conhecimento, mais dificilmente adere ao discurso construído e veiculado na
profissão, pouco participa da produção do conhecimento e tem dificuldade de
se firmar como profissional nos seus espaços de trabalho. Por outro lado é
nítido que a apropriação desse conhecimento não ocorre de forma linear ou
igualitária para todos os profissionais. Essa apropriação depende também da
consciência do profissional, ou seja,
a consciência filosófica é determinada de tal modo que, para
ela, o pensamento que concebe é o homem efetivo, e o mundo
concebido é como tal o único efetivo. Para a consciência, pois,
o movimento das categorias aparece como o ato de produção
efetivo [...] cujo resultado é o mundo, e isso é certo [...] na
medida em que a totalidade concreta, como totalidade de
pensamentos, como um concreto de pensamentos, é de fato
um produto do pensar, do conceber, não é de modo nenhum o
produto do conceito que pensa separado [...] o todo [...] é um
produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do
único modo que lhe é possível, modo que difere do modo
artístico, religioso e prático-mental de se apropriar dele.
(MARX, 1982, p.. 15)
Na medida em que os assistentes sociais vão se apropriando do
conhecimento necessário para dar visibilidade e consistência crítica ao seu
exercício profissional, é perceptível que essa apropriação é desigual e
compromete o seu fazer.
Escutei profissionais dizendo
“Agora se eu disser para você reconheço: não eu não
reconheço” (fala do sujeito 3)
Não fazer referência às tendências teórico-metodológicas pode
significar que o conhecimento necessário para a construção do exercício
profissional é aquele que está mais próximo das demandas identificadas para
363
atendimento. Ou ainda, o fato de não construir esta interlocução não significa
necessariamente ausência do reconhecimento da importância e significado de
conhecimento para o exercício profissional.
“Essa questão da tendência teórico-metodológica é muito
interessante porque as pessoas colocam como se você
tivesse que fazer uma opção por uma e trabalhar o tempo
inteiro com aquela. No meu entendimento a coisa não se dá
assim.” (fala do sujeito 1)
O reconhecimento das tendências teórico-metodológicas
determina um posicionamento teórico. Na medida em que não há esta clareza,
o profissional transita pelo conhecimento que responde a uma necessidade
imediata, que de certa forma, agrada tanto o usuário como o assistente social.
As tendências se formam a partir de um ponto de vista filosófico
que as diferenciam, portanto é preciso uma opção – entendendo que a opção
pressupõe a leitura dos condicionantes presentes no processo de “escolha”. Se
é tendência, pressupõe uma “escolha” condicionada ao entendimento que o
assistente social tem da profissão e do significado do conhecimento para o
exercício profissional. A apropriação dos assistentes sociais que atuam na
prática cotidiana sobre o conhecimento sedimentado via tendências teórico-
metodológicas não ocorre de forma pura, mas demonstra as contradições
presentes na realidade e no exercício profissional. Aqui, fica fortalecido que no
discurso e no exercício profissional estão presentes essas contradições.
“tem alguns momentos que é extremamente dialético, quando
você pega aquela pessoa que você está atendendo e chama
para uma reflexão de forma que ela perceba o problema
dela, você começa meio que na fenomenologia e daqui a pouco
você está colocando essa pessoa para agir e essa ação dela
puxa uma outra coisa, esse agir dela traz uma outra coisa,
ela intervem na vida dela de forma que consiga fazer
grandes mudanças, quer dizer, ela coloca isso tudo em
movimento, sendo dialético, você acaba eu acho que não
ficando limitado. Eu acho muito complicado quando o
profissional fica naquela coisa: ah eu trabalho no
materialismo histórico-dialético e na ação muitas vezes está
fazendo ali é outras ações e até porque aquele momento,
364
aquela situação obriga que você trabalhe de forma a manter
a ordem, que é o positivismo. Então você acaba tendo essas
nuances. Eu acho que num único atendimento você acaba
perpassando por diversas correntes teórico-metodológicas.
Agora eu acho que você deve ter uma opção muito clara. O
que você quer com aquela pessoa que você está atendendo?
Causar dependência em você? Você quer que ela fique
dependente de você? Ou você quer que ela aprenda e faça
sozinha para crescer. Quer dizer, você quer ditar, você quer
fazer mudanças na vida dela ou você quer que ela pense nas
mudanças que ela quer fazer e aí você vai dar condições para
que ela possa fazer. Eu acho que você tem que ter essa
clareza.” (fala do sujeito 1)
Observei que os profissionais têm clareza sobre a importância e
significado do conhecimento no exercício profissional mas não fica claro como
esta mediação é construída ou ainda como se particulariza nas atividades e
sob as condições por meio das quais o exercício profissional é realizado. Fica
evidente que para entender essa questão é preciso pensar sobre os processos
de trabalho e como se materializam no Serviço Social. Assim, identificar os
elementos constitutivos do processo de trabalho pode ser a chave para
entender como os assistentes sociais entendem o conhecimento. Para Marx
(1983), o processo de trabalho se constitui dos seguintes elementos a saber:
os instrumentos - criados ou não pelos trabalhadores – de trabalho; o objeto
sobre o qual os homens trabalham e a atividade em si, ou seja, o próprio
trabalho desenvolvido. Reforço ainda que esses elementos são indissociáveis,
e ganham sentido e concreticidade se analisados em relação e não
isoladamente.
ao se vincular à realidade como especialização do trabalho, o
Serviço Social sofreu um processo de organização social de
sua atividade. Ou seja, passou a se movimentar e a se
organizar a partir de um determinado processo de trabalho.
Frente a este, objetos, instrumentos, atividades, papéis e
funções são criados histórica e socialmente, passando a
compor seu cotidiano laborativo. Por outro lado, todo processo
de trabalho encerra uma teleologia, isto é, uma finalidade e um
conteúdo com vistas à produção de um dado resultado.
(CARDOSO, GRADERMANN, BEHRING, ALMEIDA, 1997, p. 31)
365
O processo de trabalho também influencia e será influenciado
pelos conhecimentos que o profissional lança mão para colocar em movimento
seu exercício profissional. As contradições identificadas podem favorecer a
pouca visibilidade do exercício profissional, demonstrando que o próprio
assistente social tem dificuldades em falar, em explicar o trabalho que realiza.
“Em um encontro de assistentes sociais foi perguntado quem
achava que trabalhava na linha dialética e quem achava que
trabalhava na linha funcionalista, e que era para a gente se
colocar. Então a turma, a turma lá da esquerda festiva foi lá
na dialética. E uma grande maioria na linha funcionalista. E
uns meio gato-pingado no meio. E dentre eles, eu” [...] Não
ficou claro para mim na faculdade. Eu fui construir isso
depois.” [...] “Não estava claro para a faculdade. Na verdade
não estava claro para a categoria. Não estava claro para a
profissão, os postulados da profissão. Então não podia ficar
claro para os alunos.” (fala do sujeito 17)
Os sujeitos da pesquisa verbalizam que a interlocução não ocorre
de uma forma homogênea ou na mesma intensidade para todos. Ao contrário,
quando ocorre é por aproximações que se sucedem no exercício profissional,
ou como diz Marx
a categoria mais simples pode exprimir relações dominantes de
um todo menos desenvolvido, ou relações subordinadas de um
todo mais desenvolvido, relações que já existiam antes que o
todo tivesse se desenvolvido, no sentido que se expressa em
uma categoria mais concreta. Nessa medida, o curso do
pensamento abstrato que se eleva do mais simples ao
complexo corresponde ao processo histórico efetivo. (1982, p.
15)
A experiência acumulada favorece a percepção sobre as
tendências teórico-metodológicas e seu significado para a qualificação do
exercício profissional. Ao mesmo tempo, o assistente social quando se depara
com as demandas de trabalho advindas do processo interventivo, consegue
construir mediações que explicitam as relações existentes entre as demandas
presentes no seu exercício profissional e a realidade sócio-histórica. É possível
afirmar que a interlocução se concretiza de várias formas: por intermédio das
366
atividades realizadas, por meio da análise que o assistente social precisa
depreender para realizar a intervenção, por intermédio do conhecimento que
acumula no seu exercício profissional. Seja como for, é importante identificar
que a interlocução explicita as contradições presentes na construção histórica
da profissão.
“a gente não sabe mesmo. Porque tem hora que a gente tem
um discurso dialético, que a gente acha que as coisas têm que
brotar e se brotando aí vai nascer discussão. Não pode vir
com nada pronto. Por outro lado tem uma situação que você
tem que resolver. E a coisa está pronta e você vai ter que
resolver, dar resposta para isso”. Então, e até hoje eu me
sinto assim, meio no meio da estrada, no meio do caminho, na
bifurcação.” [...] “a minha prática foi sempre marcada pelo
não conformismo. Eu não aceitava.” [...] “eu não aceitava a
maneira tradicional como a profissão se colocava.” [...] “Eu
achava que não podia ser daquele jeito. Era muito passivo,
muita injustiça. Não podia ser” [...] “hoje fica claro para mim
que eu comecei numa prática tradicional, mesmo não
gostando dela. Mas era aquilo que eu executava, mesmo no
Estado também e depois, com a apropriação do Serviço
Social foi fazendo nos anos 80, a busca, o conhecimento, tal
e chegando até no projeto ético-político. Hoje para mim está
claro que é isso que é o nosso caminho. Com todas as
conquistas políticas, as conquistas teóricas. Então hoje nós
temos que trabalhar na perspectiva de direitos sociais. (fala
do sujeito 17)
Com o Movimento de Reconceituação ficou claro a necessidade
do assistente social superar a visão por meio da qual o exercício profissional
ocorre mediante a aplicação de modelos de intervenção. Esta ultrapassagem
requer do profissional um preparo muito mais consistente em termos teórico-
metodológicos e significa também, estabelecer parâmetros que explicitem os
determinantes presentes na realidade social. O sentido defendido pelos
profissionais que compartilham da direção denominada intenção de ruptura é
que a realidade – a partir de seus determinantes, é o parâmetro para produção
do conhecimento, para a construção do trato interventivo e analítico presentes
no exercício profissional.
367
“nós somos uma geração da reconceitualização do Serviço
Social.” [...] “a gente tinha uma gama de coisas na cabeça,
idéias sócio-política, econômicas, transformadoras e a
prática era outra.” [...] “A reconceituação dizia uma coisa e a
prática era outra totalmente diferente. A prática era
conservadora.” [....] “Só que muitos de nós não se conformou
com isso, não queria isso, não entendia, que não podia ser
daquele jeito. Embora não tivéssemos parâmetros muito
claros. No dia a dia do Serviço Social não havia esses
parâmetros tão claros. Nós fomos gradativamente
rompendo” [...] “ conquistando espaços, conquistando
espaços, discutindo (fala do sujeito 17)
Observa-se nitidamente um descompasso entre a produção
teórica alicerçada durante o Movimento de Reconceituação e amplamente
difundida posteriormente por meio da discussão proveniente dos debates entre
os profissionais e a pouca repercussão dessa no trabalho realizado pelos
assistentes sociais. Aqui prevalece a visão do conhecimento como aplicação e
portanto precisa ser assimilado e desenvolvido como tal.
“Acho que está bem meio a meio. Acho que está bem dividido.
Infelizmente é, quer dizer, na minha visão. Infelizmente
muitas colegas, muitas profissionais ainda trabalham na
perspectiva conservadora, apenas e tão somente
funcionalista. Funcionalista. Porque é a mais fácil. É aquilo e
pronto.” (fala do sujeito 7)
Tanto o Conselho Federal de Serviço Social quanto a Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social defendem que a direção
dada ao exercício profissional do assistente social é embasada na matriz
crítica. O que observei a partir da pesquisa é que para a maioria dos
profissionais que se reconhecem como profissionais da prática, a matriz que
prevalece é a conservadora. Isto decorre de vários fatores: é a matriz que
reforça a soberania da organização na direção do exercício profissional, a
condição de assalariamento; a alienação do profissional com relação ao
trabalho desenvolvido; é a matriz que subsidia o equacionamento das
respostas sócio-profissionais com uma direção psico-social que responde –
368
mesmo que de forma imediata- aos interesses dos empregadores, gestores e
do próprio usuário.
Parece-me que o modo como o Serviço Social se apropriou do
marxismo possibilita ao assistente social construir a análise da realidade social,
das condições objetivas de vida da população usuária do Serviço Social; das
condições onde o trabalho profissional é realizado. Entendo também que a
intervenção pressupõe a construção dessa análise o que favorecerá a
construção de respostas profissionais, ao mesmo tempo interventivas, críticas
e éticas.
“marxista a gente pode colocar, com certeza porque é a
principal abordagem ainda. Nós temos vários autores
defendendo a questão metodológica, a questão teórico-
meotodológica, mais a gente percebe a influência dele por
causa do capitalismo, e por isso que a gente está vivendo,
ainda não dá para fazer uma análise fora. [...] “a
globalização,.... porque está tudo muito relacionado eu
percebo isto no meu trabalho, eu percebo essa mudança
muito mais rápida, eu participo dela, eu tenho a possibilidade
de sentir, de vivenciar toda essa transformação, toda essa
necessidade, eu sinto isso” [...] “veio na decorrência do meu
trabalho, veio na decorrência. Em 1979 o enfoque não era
tanto ainda, estava mais preocupada com Movimento de
Reconceituação que estava bem forte naquela época. O
movimento dialético, Era o bebê da época. No processo de
trabalho mesmo, desses anos que eu me apaixonei por Marx...
Acredito que ele na verdade nos situa no espaço e no tempo”
(fala do sujeito 11)
A matriz crítica situa o Serviço Social e o assistente social na
realidade sócio-histórica. Indica que o profissional vai lidar cotidianamente com
questões presentes nessa realidade, sofrendo pressões decorrentes das
determinações do momento histórico vivido: a redução do investimento em
políticas sociais; a competitividade, as precárias condições onde o trabalho do
assistente social se efetiva. O desafio, portanto, é no sentido de construir
respostas profissionais e dar visibilidade ao trabalho realizado dentro desse
quadro de acirramento das relações sociais.
369
a profissão enfrenta o desafio de decifrar algumas lógicas do
capitalismo contemporâneo, particularmente em relação às
mudanças no mundo do trabalho e sobre os processos
desestruturadores dos sistemas de proteção social e da política
social em geral. Lógicas que reiteram a desigualdade e
constroem formas despolitizadas de abordagem da questão
social, fora do mundo público e dos fóruns democráticos de
representação e negociação dos interesses em jogo nas
relações Estado/Sociedade. (YASBEK, 2000, p. 29)
Nesta direção, pensar o marxismo somente como possibilidade
analítica é desconhecer a potencialidade da teoria e do método proposto por
Marx, ou ainda entendê-los de forma simplista e reducionista
91
. Isso decorre
também do modo como a teoria social e o método em Marx são trabalhados na
graduação. Este é um assunto polêmico, que remonta os anos 80 e a
aproximação do Serviço Social ao marxismo. Esta primeira aproximação
apresentou um caráter militante, reducionista,
Uma aproximação ao marxismo sem o recurso ao pensamento
de Marx [...] um marxismo equivocado que recusou a via
institucional e as determinações sócio-históricas da profissão
[...] é com esse referencial precário [...] do ponto de vista
teórico, mas posicionado do ponto de vista sociopolítico, que a
profissão questiona sua prática institucional e seus objetivos de
adaptação social ao mesmo tempo que se aproxima dos
movimentos sociais. (YASBEK, 2000, p. 25)
Este modo de entender a teoria e o método em Marx tem reflexos
até hoje entre os profissionais. Normalmente abordado na disciplina de
Metodologia do Serviço Social e no currículo de 1995, no Núcleo de
Fundamentos teórico-metodológicos da vida social, o seu desenvolvimento foi
bastante diversificado. Nos anos 80, boa parte dos docentes recorriam mais
aos interpretes de Marx do que ao próprio autor. A divulgação da obra de Marx
foi precária [...] se fez por meio de interpretações deficientes,
que mal correspondiam às questões por ele colocadas {...] a
maioria desses docentes não teve, em sua formação básica e
profissional, nenhuma referência à obra de Marx e muito
91
Para entender melhor esta questão sugiro a leitura de QUIROGA, Consuelo. Invasão Positivista no
Marxismo: manifestações no ensino da metodologia no Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1991.
370
menos, acesso a seus textos originais. (QUIROGA, 1991, p. 98
– 99)
A interpretação ficou direcionada as possibilidades de análise da
realidade social, com um cariz economicista, como se o indivíduo e sociedade
não estivessem no mesmo patamar.
“eu sai da faculdade com uma miscelânia de fundamentações
teóricas, eu via alguns dizer assim o profissional, o professor
x é materialista dialético, a outra é fenomenológica, a outra
é positivista, mais eu não entendia que essa discussão tinha
sido feita comigo, não entendia mesmo” [...] “ depois quando
eu fui fazer filosofia, eu comecei a perceber porque que isso
não tinha sido feito comigo, porque não queriam que eu
pensasse, queriam que eu aprendesse a ser assistente social
e não a pensar sobre esta profissão. Era muito mais fácil
produzir alguém para executar uma profissão, do que alguém
para entender a profissão.” (fala do sujeito 10)
Acredito que a partir do exercício profissional desenvolvido pelo
assistente social, o Serviço Social
92
pode contribuir com a consolidação da
matriz crítica, construindo
“indicações de áreas teóricas a serem melhor apuradas ou
revisadas; indicações de realidade e processos a serem objeto
de investigação, elaborações e construções teórica a partir de
referências da própria tradição marxista.” (NETTO, 1989, p.
100)
O método possibilita que o profissional possa construir – através
das mediações – caminhos e estratégias entre a análise e a ação.
Confunde-se método como pauta de intervenção, ou seja,
como estratégia de intervenção, como estratégia de ação. É
evidente que as estratégias de ação são intercambiáveis.
(NETTO, 1986, p. 56)
92
Até porque o objeto de estudo de Marx é a sociedade burguesa e não o Serviço Social como profissão.
371
Acredito que análise e ação só ganham sentido como via de mão
dupla; uma fica sem sentido em a presença da outra. A fala deste fala do
sujeito reforça que a apreensão acerca do marxismo resvala para a dimensão
analítica e não necessariamente à interventiva.
“Quando eu entrei na faculdade eu falei assim, não quero ser
positivista, não quero ser fenomenológica, gostei do
marxismo. Mas as vezes eu me questiono: até onde eu estou
questionando, criticando, tentando mudar, até onde eu estou
indo também na onda. Então assim, meu desejo era ser bem
crítica, bem questionadora, de poder estar criando novas
propostas, eu tento com isto até na vida delas e aí não penso
grandão: vou mudar o mundo mas será que eu consigo mudar
aquelas famílias? Mudar não, falei uma besteira, será que eu
consigo oferecer alguns subsídios para aquela família tomar
consciência e vir a se transformar e por ela mesma estar
buscando alguma coisa? Eu quero acreditar que eu esteja
dentro desta dialética e como saber?!?! (fala do sujeito 5)
Vale a pena entender o significado da crítica, ou ainda da
construção de respostas críticas. Para os profissionais a crítica se revela no
reconhecimento dos determinantes sócio-históricos, no questionamento
constante, no movimento contraditório da realidade.
“eu não sou muito acomodada” [...] “Eu gosto de mudar, de
modificar e questionar também” [...] “dentro de mim tem
essa necessidade de modificar, de transformar. Embora eu
tenha aprendido a ficar quieta e obedecer, essa é uma lutar
interna dentro de mim. Mas meu conhecimento da dialética
foi na faculdade.” [...] “as leituras tem mais a ver com a
dialética, com o marxismo do que com outras leituras.” (fala
do sujeito 5)
A construção da crítica perpassa pelo reconhecimento da raiz dos
fenômenos sociais, da ultrapassagem do abstrato para o concreto, por
aproximações sucessivas, buscar conhecer e analisar as relações sociais
constituídas nessa mesma realidade. O conhecimento do marxismo possibilita
ao assistente social reconhecer e realizar esse movimento, qual seja, analisar
372
os fenômenos sociais particularizados nas demandas de atendimento e de
análise não apenas em sua imediaticidade, aquilo que está diante de seus
olhos, mas, por intermédio das determinações que lhes são constitutivas e
revela sua concreticidade.
o que é piso comum a Marx e ao Serviço Social são os quadros
macroscópicos, inclusivos e abrangentes da sociedade
burguesa. Tanto a obra marxiana quanto o Serviço Social são
impensáveis fora do âmbito da sociedade burguesa. (NETTO,
1989, p. 90)
O que se percebe é que a leitura da realidade social é
fundamental para o entendimento da construção crítica. Afina-se aqui a
categoria totalidade, que é um modo de analisar e entender essa realidade.
a sociedade é apreendida como uma totalidade concreta,
dinâmica e contraditória, que se constitui de processos que,
eles mesmos, possuem uma estrutura de totalidade – de maior
ou menor complexidade. A categoria da totalidade, nesta
angulação, é simultaneamente a categoria central da realidade
histórico-social e a categoria nuclear da sua re-produção
teórica. (NETTO, 1989, p. 93)
O Serviço Social por seu caráter fundamentalmente interventivo e
imerso na vida cotidiana, tem na teoria social de Marx, um instrumento analítico
que favorece o reconhecimento não somente do modo como esse exercício
profissional é construído mas os desafios que enfrenta da contemporaneidade.
“eu acho que hoje não ter nenhuma noção do materialismo
histórico dialético é o fim da profissão, você entendeu? Eu
acho que ela... Eu acho que assim, alguns conceitos do
marxismo a gente tem que saber. Eu não sei se alguém
sobrevive na profissão, nessa perspectiva transformadora,
sem ter algum, sabe?... Não precisa dominar tudo não, mas
essa questão das contradições, da totalidade. Eu acho que
são categorias a gente precisa ter. Eu não vejo como se a
gente não sabe o que é, por exemplo, uma categoria
mediação, a totalidade, a contradições, essas categorias. O
trabalho, as mudanças que operam no mundo do trabalho. Se
a gente não souber dessas coisas, eu não sei como que a
gente opera o exercício, como que a gente exerce a
373
profissão. Eu acho que isso tudo vai dando leitura para aquilo
que a colega falou, a conjuntura. Por que como é que a gente
vai entender de economia, se a gente não entende do
processo? Que a economia, a ciência, que a política
econômica, ela se volta por, tem muita coisa que atravessa.”
(fala do sujeito 16)
A fala do sujeito é significativa para o entendimento do exercício
profissional e o quanto o conhecimento acerca das tendências teórico-
metodológicas é fundamental para dar uma maior visibilidade ao próprio
exercício profissional, sua especificidade, as dificuldades e possibilidades de
superação.
“nas falas que a gente tem por aí. Eu acho que acaba tudo se
voltando para isso e de repente o foco de tudo de toda essa
diferença que existe, essa grande desigualdade, a
distribuição de renda. Está tudo aí. Eu acho que traz mesmo
essa coisa mesmo, relação capital/trabalho.” [...] “uma
relação muito com o materialismo histórico-dialético. Eu
acho que o marxismo, com todas as dificuldades, eu acho que
o marxismo nos ensina. É por aí que eu tento me guiar,
através das mediações a gente desenvolve nossa prática.”
(fala do sujeito 16)
De certa forma, reforça-se aqui que a teoria social crítica fortalece
o exercício profissional em sua dimensão analítica, sendo necessário que o
profissional a construção dos caminhos interventivos.
sem considerar as práticas dos assistentes sociais, a tradição
marxista pode deixar escapar elementos significativos da vida
social – as práticas dos assistentes sociais freqüentemente
incidem sobre processos que, tratados pelo referencial teórico-
metodológico de Marx, oferecem insumos para a sua
verificação e enriquecimento. (NETTO, 1989, p. 101)
O exercício profissional requer de quem o faz um profundo
conhecimento daquilo que lhe é constitutivo. Isto favorecerá a ultrapassagem
da visão simplista da prática e a necessária relação entre saber e fazer.
Construção como processo, por aproximações sucessivas e não uma visão
374
idealista de que esta relação é dada e não construída. É preciso analisar a
percepção que o sujeito tem acerca das tendências teórico-metodológicas
“no meu modo de pensar, é uma tendência que eu estou
aplicando, ela está sendo avaliada junto comigo e eu percebo
que eu estou chegando, eu estou indo.” [...] ontem estava
falando: “é formiguinha”...” [...] “Eu estou falando das ações.
É a tendência, mas assim, devagar, mas está funcionando. É
um ritmo um pouco mais lento, mas estou atingindo, tanto as
minhas ansiedades, como as ansiedades da própria
comunidade.” [...] “Mas através exatamente dessas ações,
dessa tendência, que talvez eu não iria conseguir com
facilidade no aqui, agora. Ela é imediatista. O ser humano,
ele é imediato sim, mas ele vem de um passado.” [...] “Por isso
que eu fui através dos setores do poder público.” [...] “O que
é que você tem”? ”ah! eu não tenho nada”. “Então dá licença
que eu estou indo na prefeitura”. “ Eu estou precisando do
mapa”. “Mas tem o mapinha”. “Não, eu quero o mapa grande.
Eu quero saber que comunidade que é, quantos tem, porque
tem. Teve o senso, eu quero conhecer”. Não deixei para
conhecer na hora assim, por exemplo, entrei e falei: “vamos
ver o que tem aqui. Quanto tem de comércio? Se é que tem”.
Então eu acho que isso abriu espaço para eu poder
desenvolver o trabalho em pouco espaço de tempo. Porque é
muito difícil.” [...] “Eu consigo perceber a união familiar
dessas pessoas que estão mais próximas de mim. Lógico, eu
estou falando dessas pessoas que estão mais próximas. No
plantão também.”[...] “Porque a gente tem esse respaldo. O
usuário veio e falou: olha! Deu certo. Olha! Eu consegui. Eu
fui lá e resolvi”. Então a gente tem, na verdade, além do
imediato do plantão, a gente tem essa resposta desse
usuário: “fui. Não fui. Está aqui. Não está”. Apresento, tiro,
põe... a gente tem essa resposta desse usuário. E a partir do
momento, quando que você vai ter resposta? Quando você
consegue entrar um pouco mais na vida desse usuário.” (fala
do sujeito 6)
Para clarificar o processo de interlocução identifiquei algumas
possibilidades que os assistentes sociais apresentam na sua construção: uma
que para o assistente social essa aproximação ocorre de forma superficial.
Fiquei pensando se não é possível falar que a interlocução se constrói de
forma simplista, uma vez que a maioria dos profissionais reúnem de forma
375
artificial, superficial, com pouca consistência, idéias ou conhecimentos de
origens diferenciadas, mantendo alguns traços dos conhecimentos originais,
que sustentam as tendências teórico-metodológicas.
na linha dialética você está falando que se estuda o
contexto e o homem. Na linha sistêmica também. O sistema
ele avalia o contexto em que ele vive, o que reforça ser
aquela determinada pessoa. Trabalha o indivíduo mas ele tem
conhecimento daquilo que está a seu redor.” [...] “o contexto
em que ele vive reforça a pessoa que ele é, contribui,
reforça para ele ser o que ele é” [...] “muitas vezes ela nem
consegue enxergar esse contexto em que ela vive. O
contexto reforça a pessoa que nós somos: eu sou assim
porque tem toda uma questão interna e uma questão externa.
O que essa questão externa reforça ser o que eu sou. A linha
sistêmica vem trabalhar e as vezes quebrar um pouco disso;
do que que a sociedade, do que que a família, do que que o
contexto externo contribui para reforçar aquilo que eu sou.”
[...] “pelo menos que entenda o contexto em que ele vive para
que ele possa buscar ou não se ele sentir, porque muitos tem
resistência se ele quer melhorar determinadas situações.
Nós seres humanos, nem sei dizer ao certo isto, vou chutar
isso, 70% de nossa vida a gente vive do futuro, pensando,
planejando, 20% a gente vive do passado, daquilo que a gente
já fez, e 5% a gente vive do real, da construção. Então
assim, como a gente pode deixar de viver menos do passado,
menos do futuro e viver mais o hoje.” (fala do sujeito 4)
A junção entre dialética marxista e pensamento sistêmico
93
tem
sido recorrente no Cone Leste Paulista. A procura por formação na área da
terapia familiar vem como uma resposta às necessidades identificadas pelos
assistentes sociais decorrente das dificuldades no trato interventivo; das
questões relativas as construções relacionais; ao modo como os usuários
encaram seus problemas e as possibilidades que tem de lidar com seus
problemas dentro da sociedade capitalista. Os profissionais associam a leitura
93
Para compreender o pensamento sistêmico, sugiro a leitura de VASCONCELLOS, Maria José Esteves.
Pensamento Sistêmico:um novo paradigma da ciência. 4ª ed, Campinas, SP: Papirus, 2002. E, para
conhecer uma primeira aproximação ao Serviço Social, sugiro a leitura de AMARAL, Cleonice Peixoto
de Melo. Diálogo sistêmico da família com o Serviço Social: do (re)conhecimento familiar do
profissional ao referencial sistêmico do trabalho com famílias. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, Mestrado em Serviço Social, 2003. 167 f.
376
sistêmica à leitura marxista como se ambas partissem do mesmo ponto de
vista, ou ainda como se fossem “teorias” complementares.
“eu estou fazendo agora um curso de terapia familiar e
participei de workshops em diversas áreas para minha
formação: na área da saúde, de dependência química, mas de
especialização, estou fazendo na área de terapia familiar”
[...] “é terapêutica mesmo, não é uma visão social, mas eu falo
que é importante para mim agora, para o meu auto
conhecimento”[...] “Quando senta uma pessoa na minha
frente mais ou menos eu já sei são os ciclos de vida que a
gente estudou – o ciclo de vida que ela está e como é
interessante que o problema que ela está tem a ver com
aquilo mesmo” [...] “Não que eu tenha uma resposta pronta,
que eu não tenho, ela é uma pessoa, tem todos os
comprometimentos dela, diferente de outros.” [...] “hoje no
meu atendimento a pessoa adulta está bem diferenciado de
antes, por esse conhecimento a mais que eu estou tendo e
que me ajuda a estar questionando a parte social do usuário.
[...] Quando você conhece todos os nós, os pontos de nós,
fica mais fácil para você libertar deles. Eu resisti muito a ir
neste curso. Mas eu também resisti ao Serviço Social (risos).
Mas também eu não tenho idéia de ser terapeuta, não tenho
intenção de sair da minha profissão. Mas tudo que eu puder
fazer para ser uma profissional melhor, eu acho que vale a
pena.” (fala do sujeito 5)
Os profissionais que compartilham deste entendimento “dividem”
o sujeito em suas dimensões internas e externas, entendendo que a teoria
social crítica dá conta de explicar e analisar o “externo” e o pensamento
sistêmico do “interno”.
“porque a gente acaba conhecendo um pouco do interno e do
externo para quebrar alguns paradigmas. Eu entendo que a
sistêmica vai contribuir com o interno e o Serviço Social vai
contribuir com o externo. Então eu busco um pouquinho dos
dois para quebrar alguns paradigmas para que essa família
consiga superação de algumas dificuldades, de alguma
situação.” (fala do sujeito 4)
377
Ao compartilhar deste modo de construir interlocução, o
assistente social atua com o princípio de que a realidade não se modifica, o
que pode ser modificado é o indivíduo de modo a superar seus problemas.
Este ponto de vista fere profundamente um dos pilares da teoria social crítica: a
dialética. Não levar em conta das contradições presentes na realidade sócio-
histórica favorece a cristalização de posturas pessoais, igualando problemas e
suas soluções. Há, nitidamente, um reforço a perspectiva do conhecimento
como aplicação e não como construção.
“na sistêmica a gente compreende o indivíduo com todas as
relações sociais que ele tem. É claro que está visando mais a
parte emocional que é conseqüência de todas essas relações.
Mas como essa relação se deu e a gente pode estar
questionando como que se deu, como aconteceu, como a
gente pode ser agora.” [...] “ eu acho que um (marxismo)
complementa o outro (sistêmico).” [...] “entender mesmo o
emocional, na faculdade a gente aprendeu o social” [...]
“agora é entender o indivíduo, mais voltado para o indivíduo.”
(fala do sujeito 5)
O foco na análise do indivíduo não significa retirar dele sua
historicidade, sua capacidade de construir relações mas, de entender como
vive e em quais condições objetivas organiza sua vida. Não é possível pensar e
analisar o usuário como se fosse separado, dicotomizado: de um lado o
emocional determinando o modo como enfrenta as vicissitudes da vida
cotidiana, do outro o social, de onde vem os estímulos nem sempre agradáveis
que ele (usuário) tem que reagir. O pensamento sistêmico
vê o mundo em termos de relações e de integração. O universo
em que vivemos é constituído de sistemas que dependem uns
dos outros e variam de tamanho [...] a sociedade vista neste
contexto é [...] um sistema maior [...] e os indivíduos [...] são
vistos como subsistemas [...] que compõem o todo familiar [...]
a tendência é se tornar cada vez mais importante em suas
formas de expressão integrativas da natureza do conhecimento
humano. (AMARAL, 2003, p. 07)
Analisando este modo de estabelecer interlocução posso dizer
que esta é expressão de um retorno ao conservadorismo que vem ganhando
378
força no Serviço Social, principalmente entre aqueles profissionais que
entendem que a matriz crítica não subsidia o trabalho desenvolvido por meio
das abordagens individual.
“eu fui estudar, buscar especialização em terapia sistêmica,
porque enquanto assistente social a gente encontra algumas
barreiras para conseguir trabalhar, a gente fica entendendo
muito o social, muito o externo e o interno a gente não tem
muito o respaldo da faculdade para estar entendendo. Eu fui
buscar me especializar, estou fazendo ainda o segundo ano
de terapia Sistêmica, justamente assim, não é para eu ser
terapeuta, mas para ter respaldo do interno assim, porque
que é tão difícil entender, porque é tão difícil alguns
usuários assimilar aquilo que a gente procura passar para
eles e outros tem grande facilidade...[...] entender essa
diferenciação de um para o outro. Não dá para a gente
entender um todo... Eu acho importante a gente entender o
todo e saber porque uns conseguem e outros não conseguem
e no que a gente pode estar ajudando eles.” (fala do sujeito
4)
O Serviço Social vem colaborando para o fortalecimento do
pensamento sistêmico, inicialmente de forma tímida, mas ganhando força a
partir dos anos 50. O foco do trabalho é terapêutico, dirigido às famílias e as
relações familiares, predominando o entendimento que “o objetivo são as
mudanças na interação do sistema familiar” (AMARAL, 2003, p. 43)
Entendo que aqui se expressa um conflito que se relaciona à volta
dos modelos de intervenção e da relação diagnóstico – tratamento, tão
debatidos na década de 80. Assim, é preciso entender as implicações desta
forma de construir a intervenção e o quanto compromete o projeto ético -
político.
a propensão a atuar a partir de modelos teóricos [...] obedece a
uma dinâmica de modernização que, embora externa à
profissão, nela se refrata: ao conceber a necessidade de
modelos de intervenção, ao se utilizar de padrões e fórmulas
tradicionalmente consagradas na análise e intervenção na
realidade, o assistente social neutraliza as possibilidades de
renovação da profissão. (GUERRA, 1995, p. 176)
379
Ao mesmo tempo entendo, que esta é a resposta profissional
esperada pelas organizações que contratam o trabalho do assistente social,
uma vez que a resposta apresentada reforça o caráter da prestação do serviço,
da “ilusão do servir” (MARTINELLI, 1991, p. 65)
Outra parcela entende que a interlocução ocorre a partir das
demandas identificadas no local de trabalho e por intermédio do processo
formativo. Quanto às demandas de atendimento, referem-se aquelas
identificadas por intermédio do conhecimento do assistente social, relacionando
também com a postura que o profissional assume diante dos desafios
cotidianos. Aqui fica claro que a “escolha” da tendência volta-se também ao
local onde o trabalho do assistente social se efetiva. Dependendo do lugar é a
possibilidade de análise que o profissional pode construir
“desde o primeiro momento que eu estudei a fenomenologia
eu me simpatizei. Eu acho que teve tudo a ver comigo e acho
até que preciso me aprofundar, estudar mais. [...] Eu acho
que foi basicamente essa coisa do propiciar que você pense o
que é o mundo , quem é você, eu acho muito fascinante; como
se dá essa interação, como é que você se relaciona com esse
mundo. Aquela situação daquele momento, como ela está
interferindo na sua vida, o que você pode fazer para mudar
isto. Então eu acho que essa participação direta que o homem
tem na fenomenologia, ele podendo fazer por ele, ele
intervindo mesmo, ele mudando, ele percebendo essa
mudança, ele se percebendo diante dessas mudanças. Acho
isso muito fascinante, muito interessante. A acho que
nenhuma outra corrente propicia desta forma. (fala do
sujeito 1)
A fenomenologia possibilita ao assistente social reconhecer a
experiência vivida, o vivido pelo usuário. Ou seja, “volta exatamente para esse
ser, o homem, vivendo sua própria experiência que não pode se dar [...] isolada
no mundo em que vive.” (ALMEIDA, 1989, p. 113) A análise parte da
experiência compartilhada, entendendo que essa experiência é construída de
forma relacional, na própria experiência do viver cotidiano. Cabe ao assistente
social reconhecer essa experiência, superando as formas fechadas e
380
condicionantes (apropriadas do estrutural funcionalismo) para dar o lugar que
destaque que o homem – sujeito – deve ter garantido. Nessa perspectiva
aceitar uma explicação da vida do homem em sociedade, por
modelos condicionantes fechados, é negar seu próprio projeto
e sua própria história. (ALMEIDA, 1989, p. 114)
Para o Serviço Social a fenomenologia analisa os fenômenos
singulares, problematizando-os por intermédio da construção de instrumentos
que favorece pensar sobre a singularidade,
“pensar um singular e, para isso é só por isso, podemos buscar
o aparato mental necessário à formulação de modelo, para
auxiliar o conhecimento desse único singular que servirá de
modelo para cada singularidade” (ALMEIDA, 1989, p. 115)
Sob esta perspectiva, a singularidade ganha um significado
diferenciado – se analisada de forma comparativa a matriz sócio-histórica – ou
seja, é entendida sob a perspectiva da existência e da reciprocidade humana.
É entendida também por meio do modo com os sujeitos transitam pela vida e a
responsabilidade que cada um - como ser singular - tem com relação a sua
existência.
“Mas ele precisa ser capaz de compreender por que é que ele
está ali, que escolha ele fez para estar ali, como era o mundo
para ele no momento em que ele foi para ali e agora. Como é
que vai ser agora. As vezes isso até soa um pouco de
funcionalismo, do ficar bem para manter a ordem. Mas eu
acho que a forma como eu trabalho isto...” [...] “a ordem
acaba sendo mantida, não da forma como o funcionalismo e o
positivismo trabalham, de ser imposta. A ordem vem como
conseqüência de uma outra coisa” (fala do sujeito 1)
Na fala dos sujeitos da pesquisa me pareceu que a compreensão
acerca da fenomenologia carece de profundidade. A discussão da centralidade
do sujeito nas questões que interferem na sua existência é fundamental para a
compreensão, mas me parece aqui que a percepção do sujeito está limitada na
381
condição do indivíduo sem levar em consideração que ele (sujeito) é no mundo,
que sua existência se revela nas relações que estabelece no mundo.
“acho que é quando eu percebo quando a pessoa
entendeu o que acontece, percebe que ela tem que se
acalmar diante da situação e busca alternativas para ou
resolver naquele momento ou melhorar na relação com
aquilo até que possa se resolver. Eu acho que aí fica
muito claro que a fenomenologia está ali presente” [...]
ou vai mudar ou você vai perceber que se não dá para mudar,
você vai assumir uma forma, uma postura, um jeito de
conviver com aquilo de uma forma mais saudável. Por isso que
eu acho que a fenomenologia é muito interessante“
(fala do
sujeito 1)
A fenomenologia tem sido analisada como um conhecimento que
também responde as demandas de caráter psicossocial identificadas pelos
assistentes sociais, principalmente através da abordagem individual (no que se
refere ao modo como o sujeito lida com as questões que lhe causam
sofrimento, dor angústia). Possibilita que o assistente social análise a situação-
problema apresentada pelo usuário, acompanhar a trajetória do usuário
trabalhando suas expectativas e sua compreensão quanto a sua experiência de
vida. A adesão à proposta interventiva se dará mediante a percepção que o
usuário tem dessas respostas profissionais e como repercutirão em sua vida.
Nesse sentido, o homem enfrenta desafios cotidianos e o mundo é a realidade
onde esses desafios se colocam ao homem. Cabe então ao assistente social
compreender a existência humana,
a ação do Serviço Social é de natureza educativa, já que
percebe o homem como capaz de enfrentar os desafios da
realidade, interagindo com ela em constante vir-a-ser (PAVÃO,
1988, p.12)
Os aspectos psicossociais presentes na existência humana
ganham significado – por intermédio da singularidade – e são entendidos como
fundamentais para o reconhecimento do lugar do homem no mundo. Para a
382
fenomenologia, as mudanças no mundo ocorrem mediante a consciência do
homem, do modo com compreende sua vida e o mundo onde vive.
quando eles trazem uma situação interna e aí a gente discute
e aí eles começam a buscar alternativas para melhoria
mesmo, nós não resolvemos, nós não estamos lá fora, nós
estamos aqui presos, estamos tranqüilos, conseguimos
perceber por que nós estamos aqui” [...] “a responsabilidade
realmente foi nossa, estamos tentando elaborar isto e viver
da melhor forma possível e fazer desse momento o melhor
momento possível, quer dizer, ele muda a postura em relação
ao problema já que naquele momento ele não pode resolver o
problema, Com o preso isso fica muito claro.” (fala do sujeito
1)
Esta fala é emblemática para o entendimento da consciência,
para a fenomenologia, a consciência das coisas dá sentido a vida, isto é,
nada está em contato mais intimo conosco do que nossa própria consciência
(PAVÃO, 1988, p. 18)
Assim é possível afirmar que a fenomenologia é identificada para
parcela dos assistente sociais da prática como uma alternativa ao estrutural-
funcionalismo, como um modo de compreender a realidade e por meio dessa
compreensão, construir respostas profissionais.
Uma outra parcela de assistentes sociais entende que a
interlocução com as tendências teórico-metodológicas ocorre via identificação
das demandas de atendimento, porém a referência é a matriz crítica. A
aproximação ocorre tanto na formação básica - via graduação – quanto na
formação continuada, quando esse conhecimento pode ser aprofundado, por
meio da particularização, da aproximação ao exercício profissional do
assistente social.
“deram um curso de metodologia lá na prefeitura, e eu fui
fazer esse cursinho, muito a contra gosto na época porque
eu tinha assim uma resistência terrível as profissionais que
foram responsáveis por ministrar as atividades. Aprendi
algumas coisas que na faculdade, e eu acho que eu passei
muito por cima, então o curso chamou atenção para algumas
coisas. A partir daí eu comecei a pensar um pouco nas
383
tendências metodológicas, pensar de que maneira eu estaria
montando projetos, em que linha, se estava sendo coerente
com aquilo que a gente estava tentando trabalhar, então
acho que foi a partir desse cursinho, um cursinho de uma
semana. Eu dizia assim “eu não sou materialista histórico, eu
não sou, acho que eu posso chegar lá, mais eu não sou”. Nessa
época eu achava que eu era fenomenológica, estava mais na
fenomenologia.” (fala do sujeito 8)
Conforme dito anteriormente, a aproximação às tendências
teórico-metodológicas expressa as contradições e até mesmo a
superficialidade demonstrada por parcela dos profissionais quanto a
apropriação do conhecimento e seu significado no exercício profissional.
“os profissionais que eu me identifiquei, estão muito mais
próximo da minha corrente teórica, da minha prática, da
minha interpretação que eu acredito que esteja dentro do
materialismo dialético, porque primeiro me senti como
sujeito desse processo de formação, então se eu me senti
como sujeito, esse processo foi dinâmico, ele foi construído,
então para mim ele está dentro do materialismo dialético,
que me faz acreditar nisso. então assim foi por afinidade,
por aproximação com um grupo, depois deste grupo eu fui
descobrindo que ele tinha uma corrente teórica, mais só que
o grande lance pra mim dessa descoberta desta corrente
teórica, é que nesse grupo há uma diversidade enorme, e que
essa diversidade constrói. Na hora que eu vejo uma corrente
funcionalista, não pega comigo, porque não pode haver
diversidade num modelo que tem que funcionar, para mim ele
fere algumas coisas que, não posso dizer que ele não seja
eficaz ou eficiente, mais eu não consigo operacionalizá-lo.”
(fala do sujeito 10)
Uma boa parcela dos assistentes sociais que se reconhecem
como profissionais da prática entendem que a formação (graduação) não dá
conta de formar o profissional para o atendimento das demandas de caráter
singular. Acredito que isto se deva a visão distorcida da própria teoria social de
Marx e do próprio método proposto por Marx que muitas vezes é enfatizado
com uma via econômica e não na busca por aprender a realidade a partir da
relação entre o abstrato e o concreto, entre o que é singularidade/
384
particularidade/ totalidade, do universal para o singular. Neste sentido o
conhecimento é universal, e não somente vinculado a uma determinada área
de atuação ou demanda de caráter interventivo.
A formação generalista da profissão está na capacidade que esta
profissão tem de lidar com a matéria-prima de sua intervenção. Ao mesmo
tempo generalidade não significa superficialidade. Conhecer portanto é mais do
que se informar sobre algo, é apropriação fundamentada em um conhecimento
que só terá razão de ser se em relação com a própria realidade.
“ela aparece na intervenção, ela aparece na construção, ela
aparece na minha reflexão, e acho que na reflexão ela é mais
doída.” [...] “na intervenção você faz, fez está ali e você até
acredita que você está fazendo o melhor, é aquilo, nossa está
tudo certo. Na construção, você acredita que eu escrevi vai
dar certo.” [...] “Na hora que eu trago para reflexão....eu
esqueci disso, isso ficou muito mais funcionalista do que
dialético, isso muito mais reproduziu.... “ [...] “eu dizia assim,
todas as fichas de cadastramento que eu já ajudei elaborar,
que eu já preenchi, elas são extremamente funcionalista, ela
coloca lá composição familiar, daí tem pai, mãe, filhos, já vem
a composição, ela não me faz construir essa composição com
o usuário, ela já traz construída.” [...] “na hora que bateu na
reflexão é muito dolorido, eu reproduzi isso e digo que sigo
esta corrente.” [...] “Ao mesmo tempo daí eu me sinto
confortável, alegre, eles dizem assim essa corrente teórico
metodológica ela reflete na minha prática, mais nessa
pratica de refletir a minha atuação profissional, a minha
pessoa nessa sociedade.” [...] por isso que eu falo é um
momento de dor muito grande, mais é um momento também
de conforto, é a práxis acontecendo ali.” [...] “a gente tem
que está num constante desconstruir para construir,
desconstruir para construir, e eu sempre lembro disso,
algumas pessoas dizem assim para mim, mais você fica o
tempo inteiro desconstruindo, a gente precisa construir” [...]
eu só vou desconstruir se eu já tenho um objetivo pra
construir de novo. “ (fala do sujeito 10)
Este processo dialético possibilita ao profissional a construção de
mediações que viabilizem: o conhecimento dos determinantes presentes neste
exercício, a ultrapassagem da aparência e a consolidação de um projeto
385
profissional que não é somente individual mas também coletivo. Buscar por
construir algo comum não significa homogeneidade mas, identificação das
contradições, da construção de estratégias visando a hegemonia.
“materialismo te provoca a sair do papel e da fala de
vitima...” [...] “muitas vezes os profissionais dizem eu sou
obrigada a fazer” [...] “mais eu não posso fazer nada, eu não
agüento mais atender” [...] “se eu quiser também eu fico no
papel de vitima, mais existe possibilidades” [...] “ essa
terceira via do saber e do conhecimento, que eu falei de
buscar em outras coisas, para mim ela é um grande conforto,
porque aí não tem limite” [...] “enquanto pessoa, cidadão.” [...]
“todos temos que estudar, nós todos precisamos ter
conhecimento.” [...] “e esta decisão não é a instituição que
põe em você.
(fala do sujeito 10)
A aproximação à teoria social ocorre por meio da análise da
realidade social, do objeto de intervenção do Serviço Social e das condições
objetivas de vida do usuário. Isto fica claro na fala dos sujeitos, como se segue
“eu acredito que o trabalho a partir da metodologia do
histórico dialético, porque eu acredito em classes
sociais, nesta visão de classes sociais, nesta visão de
globalização, de superação, eu acho que eu consigo
enxergar tudo isto no meu trabalho sim. Eu busco o
Marx para poder entender e aplicar isso no meu dia a
dia.” [...] “Quando você começa estudar Marx você se
apaixona por ele. Eu acho que isto vem a contribuir
muito, ser questionado, ter essa busca de estar sempre
questionando o porquê das coisas, o como as coisas
acontecem. Acho que Marx vem dar uma contribuição
muito grande para a nossa profissão” [...]“eu acho que
nenhum profissional da área de humanas não consegue
trabalhar sem ter estudado um pouco o Marx. Eu acho
que contribuiu e vem contribuído muito para a formação
dos técnicos, tanto é que se estuda Marx em
administração em outros cursos.” [...] “a minha visão de
mundo é focada nos estudos que eu tenho feito nesta
direção.” (fala do sujeito 4)
386
Os sujeitos reconhecem que a teoria social possibilita a análise
das relações sociais e do modo como o homem – humano genérico – vai
construindo relações cotidianas. Ao mesmo tempo, reconhece que estas
relações são construídas sob a perspectiva da história como processo, em
suas contradições. Essa trama de relações ao mesmo tempo que revela o
homem em sua materialidade, também “engole” o homem com seus traços
alienantes. Essas contradições são percebidas também nas relações
profissionais e no trabalho desenvolvido pelo assistente social. Ou seja, a
matriz sócio-histórica possibilita ao assistente social se reconhecer como um
sujeito também submetido às relações sociais
“ele (o profissional) está consumido pelo capitalista, ele
não consegue perceber. O sistema engoliu também o
profissional e o senso crítico da sua própria ação,
porque é fácil criticar o governo, é fácil criticar... e a
sua ação nesse meio? E a suas atitudes nesse meio? E
esse usuário? O que você está fazendo dele? A gente é
consumo, nós somos consumistas sim, mas, o que a gente
tem que se especializar para que isso não nos atinja,
para a gente poder se desenvolver e desenvolver a
profissão.” [...] (fala do sujeito 6)
Um outro aspecto ressaltado nessa interlocução refere-se ao
debate acerca dos direitos sociais, amplamente defendidos no projeto ético -
político e no Código de Ética da profissão.
“me leva a dialética com certeza, não só minha mais da
equipe de um modo geral, a gente trabalha muito este lado
do direito, do cidadão, a gente não tem esse olhar de
enquadrar.” [...] “olha, eu acho que dentro desta dialética
você pode fazer, ver que não deu certo e partir de novo. Eu
acho que esta possibilidade de refazer aquilo que você fez é
que encanta muito. Porque quando você vai fazer um trabalho
tradicional você de fato tem que enquadrar a pessoa e ali que
ela tem que ficar, não cabe a você a possibilidade de errar.
[...] “dentro desta tendência da dialética, do materialismo
histórico, você tem esta possibilidade, de fazer, de ver que
não deu certo, não foi por aí, vamos tentar uma outra coisa.
387
Eu acho, que deixa até um espaço para que seu próprio
cliente esse olhar, essa abertura, de poder dizer aquilo que
ele acha que, sem um pré-julgamento, sem aquela coisa que
tem que se igual, que tem que ser daquela mesma maneira.”
(fala do sujeito 2)
A fala do sujeito favorece a percepção que vem ganhando força
no Serviço Social entre os profissionais que compartilham da matriz crítica: o
assistente social atua com as mediações e as contradições da vida social; o
fundamento essencial para a construção do trato interventivo está relacionado
a análise das relações sociais e do modo como esses direitos são
desencadeados e exercidos cotidianamente.
“Estar antenado com a liberdade, com a justiça, com os
direitos, com todas as implicações que essas propostas, que
esses direitos têm, que é político, que é humano, de
conhecimento. Então o desafio é continuar na trilha.” [...]
“buscar fortalecer o seu projeto, divulgar esse projeto.
Formar profissionais de acordo com a visão desse projeto,
porque essa é uma questão bem séria. O que eu sei a
respeito, me parece que as coisas estão bastante mais
antenadas com esse projeto. Eu acho que esse é um grande
desafio, de estar enfrentando a questão social,
reconhecendo a questão social brasileira com essa visão
democrática, de justiça social, de direitos. Eu acho que esse
é o grande desafio, que não é só nosso, mas que também.”
(fala do sujeito 17)
Ao mesmo tempo, essa tendência teórico-metodológica remete ao
profissional pensar nas condições sob as quais o seu exercício profissional se
desenvolve. O que se observa na contemporaneidade é o mercado de trabalho
segmentando os profissionais em nichos de trabalho, fortalecendo
a resposta direta, pura e simples, instrumental-operativa, às
demandas do mercado é o caminho mais rápido para a
neutralização dos conteúdos críticos da cultura profissional.
(NETTO, 1996, p. 123 – 124)
388
Sob essas condições de trabalho, se manterá no mercado o
profissional que construir respostas que atendam as questões imediatas
identificadas na imediaticidade da vida cotidiana.
“Mas acho que a gente precisa mudar a visão da sociedade de
que nós não somos só assistência social; nós somos muito
mais do que isto, nós somos assessores, consultores, nós
podemos ter intervenções terapêuticas...” (fala do sujeito 1)
Estabelece-se aqui uma polêmica: o assistente social é um
profissional assalariado e portanto submetido às regras da organização para a
qual presta serviços. Contraditoriamente é chamado a
decifrar algumas lógicas do capitalismo contemporâneo,
particularmente em relação às mudanças no mundo do trabalho
e sobre os processos desestruturadores dos sistemas de
proteção social [...] lógicas que reiteram a desigualdade e
constroem formas despolitizadas de abordagem da questão
social [..] é desafiado a compreender e intervir nas novas
configurações e manifestações da questão social, que
expressam a precarização do trabalho [...] (YASBEK, 2000, p.
29)
O desafio portanto, está em construir interlocuções que
relacionem as tendências teórico-metodológicas, o projeto ético - político e as
demandas profissionais evidenciadas na realidade social.
Finalizando é possível dizer que a construção da interlocução com
as tendências teórico-metodológicas não é algo pronto ou acabado
94
. Ou ainda,
segue um padrão ou é passível de padronização. Ao tentar entender como
essa interlocução é construída percebi que para boa parte dos profissionais o
conhecimento acerca das tendências teórico-metodológicas é superficial – os
profissionais tiveram dificuldade em dizer porque reconhecem determinada
tendência como aquela que melhor identificam no seu exercício profissional – o
que compromete o entendimento acerca do conhecimento que o assistente
social precisa se apropriar para exercer a profissão. Os profissionais até
nomeiam a tendência mas com dificuldade, refletindo a superficialidade do seu
94
Esclareço que nenhuma tese tem o propósito de esgotar o tema estudado.
389
conhecimento. A superficialidade e a artificialidade decorrem da fragilidade
teórica e metodológica percebida nas narrativas. Contraditoriamente identificar
a pouca clareza com relação as tendências teórico-metodológicas também
pode servir para fomentar que os assistentes sociais que se reconhecem como
profissionais da prática, busquem construir outros caminhos para concretizar
essa apropriação. Ficou claro para mim que conhecer em profundidade as
tendências teórico-metodológicas, fica parecendo “coisa de acadêmico” ou de
quem gosta de estudar.
Outro aspecto importante é que o conhecimento acumulado pelo
assistente social ao longo de sua trajetória profissional não chega ao exercício
profissional somente pela boa vontade do assistente social, ou porque o
assistente social entende que assim deve ser. Novamente, a mediação pode
ser a categoria que referenda essa ultrapassagem: da sistematização dos
conhecimentos para a intervenção. Faz-se necessário aqui um esforço por
parte da categoria no sentido de construir mediações que fortaleçam os
processos de ensino, de modo a aproximar conhecimento e ação, não como
uma ponte, mas como construção coletiva.
390
Considerações finais
“cada um vai encontrar a sua maneira de fazer Serviço
Social.” [...] “Então eu acho que é nessa caminhada
mesmo, nos pequenos fazeres que você acaba
mostrando a sua cara e o seu jeito de trabalhar.”
(sujeito 17)
391
Ao finalizar a construção desta tese, ficam algumas questões que
merecem destaque e podem colaborar para estudos futuros sobre a temática
aqui tratada.
Uma primeira questão refere-se a apropriação que os assistentes
sociais que se reconhecem como profissionais da prática acerca do significado
do conhecimento em seu exercício profissional. Durante toda a exposição dos
resultados da pesquisa afirmo que esta apropriação não é homogênea, linear
ou ainda, igual para todos. As implicações indicadas referem-se a
predominância da concepção do conhecimento como aplicação, como algo que
se liga a prática e reproduz modelos e formas de intervenção. Assim, ainda é
possível dizer que identifiquei um distanciamento entre o conhecimento e o
exercício profissional propriamente dito. Isso pode significar que parcela dos
assistentes sociais ainda demonstram ter dificuldades em construir respostas
profissionais que articule conhecimento e exercício profissional. Ou seja, a
visibilidade do exercício profissional pressupõe a presença do conhecimento
como um diferencial, como possibilidade de construção crítica.
Outra questão fundamental indicada na pesquisa refere-se a
análise da realidade social sobre e sob a qual o exercício profissional do
assistente social se concretiza. A base sócio-histórica favorece o
(re)conhecimento das contradições presentes e identificadas na realidade
social. Este conhecimento se constrói por aproximações sucessivas, de
aproximação ao concreto, por meio das mediações.
Daí o método ser o patamar mais alto para explicar tais
questões. Não se pode dizer que Marx deu resposta a tudo,
mas o método marxista é o patamar mais alto que possibilita
maior clareza e explicação da realidade. (Kameyama, 1995, p.
109)
A importância do método está na possibilidade que o sujeito que
investiga tem de analisar a realidade, particularizando o seu saber por meio da
identificação de demandas de atendimento, do conhecimento das condições
objetivas de vida do usuário, das políticas sociais. O método também possibilita
a construção da forma de exposição, o resultado da análise dessa realidade. É
na junção dessas possibilidades que o exercício profissional desenvolvido pelo
392
assistente social pode ganhar consistência argumentativa, ou seja, o
conhecimento do método pode ser o patamar que possibilita a construção da
análise e a produção de conhecimento e não somente aplicação de
conhecimento. Isso significa aliar intervenção e investigação para a produção
do conhecimento e melhoria do trabalho desenvolvido. Na medida em que a
maioria dos assistentes sociais entende a teoria como transposição/ aplicação
de conhecimento é possível reforçar a tese da busca pelo conhecimento auto-
aplicativo e mais facilmente que a teoria não se relaciona com a prática. Ou
ainda, eu não preciso de teoria para colocar em movimento o exercício
profissional. Dito de outra forma, há a necessidade de fortalecer a produção
sistemática de conhecimento e, não limitar a pesquisa à junção de dados
empíricos mas de fato trazer elementos para subsidiar o exercício profissional.
Outra questão apontada pela pesquisa refere-se ao descompasso
entre a legislação - promulgada pelo Estado - acerca dos direitos sociais, e os
programas, projetos e serviços estabelecidos pelo governo federal, estadual e
municipal. O descompasso está no sentido de que ao analisar a legislação foi
possível identificar seu caráter democrático, principalmente quando preconiza a
questão do acesso – da população - à rede de atendimento e proteção social,
visando a “eliminação” da exclusão social. Contraditoriamente, este mesmo
governo estabelece e determina a operacionalização dos programas, projetos e
serviços de caráter compensatório, onde o usuário é submetido a rigorosos
critérios para admissão e posteriormente - após a admissão - é acompanhado
em sua conduta, verificando- se assim, sua adesão ou não ao serviço. Esse
acompanhamento é realizado pelo assistente social, que se não for cuidadoso
(no sentido ético), pode direcionar o acompanhamento à fiscalização dos
comportamentos e costumes da população usuária. Esse cuidado remete
também a necessidade do assistente social repensar o modo como é
reconhecido quer seja pelos usuários, quer seja pelos gestores, isto é, o
reconhecimento do seu fazer perpassa pelo modo como conduz e direciona
seu exercício profissional. Aqui entra também um outro apontamento dos
sujeitos da pesquisa: a organização da categoria.
Os sujeitos da pesquisa apontam que um dos grandes desafios
para o Serviço Social na contemporaneidade é a organização da categoria.
393
“eu acho também, que o assistente social não é fortalecido
enquanto categoria.” [...] “Eu acho que a gente só vai ganhar
espaço, esse reconhecimento profissional, o dia que nós
conseguirmos esta organização, mas é muito difícil.” (sujeito
16)
Nota-se a necessidade do repensar da categoria sobre suas
formas organizativas e identificar sua penetração entre os profissionais. Ao
mesmo tempo, o assistente social precisa se reconhecer como um sujeito
político, que também é um formador de opinião, que tem conhecimento, que
pode contribuir para a democratização dos saberes. A organização permite
também uma maior apropriação do projeto ético - político, o que com certeza,
colaborará para uma melhor qualificação do exercício profissional. Organizar
significa também pensar estratégias organizativas que viabilizem a
aproximação dos assistentes sociais, que não fiquem reduzidas às diretorias ou
sempre as mesmas pessoas. Ou seja, estratégias que viabilizem a
aproximação daqueles profissionais que estão tão colados ao seu cotidiano
profissional que quase se esqueceu de seus pares.
“Acho que temos o desafio de fazermos as universidades, a
academia melhorar o ensino, eu acho que temos o desafio de
trabalhar para a mobilização, a organização e a participação
da categoria o que muitas vezes não acontece. Nós temos um
discurso na prática profissional mas na prática de vida a
gente não coloca.” (...) “acho que é um desafio também para a
categoria: contribuir para a melhoria do ensino e você pode
contribuir estando vinculado ao Conselho Regional de Serviço
Social, recebendo estagiários, acho que existem várias
formas de você contribuir mas você tem que contribuir para
melhoria do ensino de Serviço Social e participar das
discussões, quer dizer, chamar, tentar chamar o conjunto da
categoria para fazer alguma coisa, fazer uma mobilização e
levar para a sociedade que o Serviço Social é muito mais que
assistência social; e isso é uma coisa que precisa começar no
nosso interior.” (sujeito 1)
A academia está –de certa forma- distanciada dos profissionais da
prática. Porém, entendendo, que esse é um caminho de mão dupla: os
profissionais devem buscar a formação continuada de forma a cada vez mais
394
garantir e qualificar o seu exercício profissional. Por outro lado, a universidade
também deve abrir canais de aproximação com esses profissionais,
favorecendo o fortalecimento do exercício profissional e o reconhecimento do
seu papel profissional.
No tocante a interlocução com as tendências teórico-
metodológicas, a análise da pesquisa reforça o caráter do conhecimento como
aplicação, ou ainda para exercer a profissão esse conhecimento não é o mais
significativo. Entendo ser esse outro papel da academia: reforçar no processo
formativo a importância desse conhecimento e suas conseqüências para o
exercício profissional.
A pesquisa indicou outros aspectos interessantes. Um refere-se
ao modo como os profissionais lidam com a rotina, com o trabalho rotineiro
estabelecido nos espaços sócio-organizacionais, ou seja, a rotina é parte do
processo de trabalho do assistente social. É nítido que uma boa parcela dos
assistentes sociais que se reconhecem como profissionais da prática entendem
a rotina como uma proteção ao trabalho desenvolvido, como uma forma de
organizar as atividades realizadas. A mesma rotina que “organiza” é a que dá a
“ilusão de servir”. Sob este prisma, o trabalho perde em visibilidade e sua
concretude está para fortalecer o que se espera do assistente social: atender o
usuário em suas queixas.
Outro apontamento da pesquisa relaciona-se ao desconhecimento
da Lei de Regulamentação da Profissão. Esta questão – de fato – me pegou de
surpresa, pois imaginava que esse conhecimento fosse “lugar comum”.
Procurando entender as implicações desse desconhecimento, um dos
primeiros está relacionado a visibilidade das atividades desenvolvidas pelo
assistente social, o prejuízo no debate quanto ao exercício profissional e a
questão das atribuições privativas.
Quanto às atribuições privativas, seu desconhecimento remete ao
profissional desconsiderar o lugar que o Serviço Social ocupa na divisão sócio-
técnica do trabalho; além das dificuldades em falar sobre o que faz o assistente
social.
Finalizando esta tese reconheço que a pesquisa dirimiu algumas
dúvidas e criou outras; mas, de toda forma, me permitiu aprofundar meus
conhecimentos sobre as tendências teórico-metodológicas.
395
A pesquisa me possibilitou também me reconhecer como
profissional da prática, como uma assistente social que busca cotidianamente
construir estratégias interventivas, cujo caminho analítico é tão necessário.
Ficou claro a necessidade continuar este estudo, dialogar com
outros assistentes sociais, entender melhor, por exemplo, as expressões do
trabalho sócio-educativo desenvolvido com famílias; acompanhar de perto
como os profissionais que estudam o pensamento sistêmico estabelecem
interlocução com o projeto ético - político, e ainda, como os assistentes sociais
que se reconhecem como profissionais da prática identificam e analisam o
projeto ético - político.
Estas são algumas indagações que ficam. Em uma realidade
como esta na qual vivemos é preciso ter muita disposição para entender o
mundo. Valho-me de Manuel Alegre, poeta português que sabiamente “define”
os sentimentos que permeiam o exercício profissional do assistente social.
Pergunto ao vento que passa
Notícias do meu país.
O vento cala a desgraça,
O vento nada me diz.
Mas há sempre uma candeia
Dentro da própria desgraça.
Há sempre alguém que semeia
Canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste,
Em tempo de servidão,
Há sempre alguém que resiste,
Há sempre alguém que diz não.
Autor: Manuel Alegre, poeta português
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caminhos da construção democrática. São Paulo: Cortez, 1998.
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Legitimidade Popular e Poder Público. São Paulo:
Cortez, 1988.
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Heidegger: história e verdade em Ser e Tempo. São Paulo:
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Janeiro, n. 85. 1974
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Gestão social: uma
questão em debate. São Paulo: EDUC: IEE, 1999.
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Ética e Competência. 2. ed., São Paulo: Cortez,
1994.
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Metodologia do Trabalho Científico.
22. ed. revista de acordo com a ABNT e ampliada. São Paulo: Cortez. 2002.
SILVA, Ilda Lopes Rodrigues da.
Mary Richmond: um olhar sobre os
fundamentos do Serviço Social. Rio de Janeiro: CBCISS, 2004.
SILVA e SILVA, Maria Ozanira da (coord.).
O Serviço Social e o popular:
resgate teórico-metodológico do projeto profissional de ruptura. 2. ed., São
Paulo: Cortez, 2002.
SOUZA, Herbert José.
Como se faz análise de conjuntura. 8. ed. Petrópolis,
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SPOSATI, Aldaíza & FALCÃO, Maria do Carmo.
A assistência social
brasileira:
descentralização e municipalização. São Paulo: EDUC, 1990.
SPOSATI, Aldaíza de Oliveira at alii.
Assistência na trajetória das Políticas
Sociais brasileiras
: uma questão em análise. 8. ed. São Paulo: Cortez Editora,
2003
VASCONCELLOS, Maria José Esteves.
Pensamento Sistêmico:um novo
paradigma da ciência. 4. ed. Campinas, SP: Papirus, 2002.
VASCONCELOS, Ana Maria de.
A Prática do Serviço Social: cotidiano,
formação e alternativas na área da saúde. São Paulo: Cortez, 2002.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez.
Filosofia da Práxis. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e
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VERDÈS – LEROUX, Jeannine.
Trabalhador social: práticas, hábitos, ethos,
formas de intervenção. São Paulo: Cortez, 1986.
VIEIRA, Balbina Ottoni.
História do Serviço Social: contribuição para a
construção de sua teoria. 3. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1980.
VIEIRA, Evaldo Amaro.
Democracia e Política Social. São Paulo: Cortez:
Autores Associados, 1992.
VIEIRA, Pedro José Meirelles.
Glossário de Serviço Social: terminologia,
expressões e atividades ligadas ao Serviço Social e ao Bem-estar social. Rio
de Janeiro, Interciência, 1981.
WEISSHAUPT, Jean Robert (org.)
As funções sócio-institucionais do
Serviço Social
. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998.
YASBEK, Maria Carmelita.
Classes subalternas e assistência social. São
Paulo: Cortez, 1993.
____________________ . Voluntariado e profissionalidade na intervenção
social.
Intervenção Social. Lisboa, n 25/26, p. 171 – 184, nov/ 2002.
404
____________________ . O Serviço Social como especialização do trabalho
coletivo.
Capacitação em Serviço Social e política social: módulo 2: Crise
contemporânea, questão social e Serviço Social. Brasília: CEAD, p. 89 – 99,
1999.
___________________ . Pobreza e exclusão social: expressões da questão
social no Brasil.
Temporalis. Brasília, DF, ano 2, n. 3 (jan/ jul 2001), p. 33 – 40,
2001.
___________________ . Os fundamentos do Serviço Social na
contemporaneidade. .
Capacitação em Serviço Social e política social:
módulo 4: O trabalho do assistente social e as política sociais. Brasília: UNB,
Centro de Educação Aberta, Continua a Distância, p. 19 – 34, 2000.
405
Anexo 1
406
Anexo 2
São José dos Campos, 01 de março de 2004.
Prezada (o) colega assistente social
Meu nome é Mabel Mascarenhas Torres, sou assistente social e
trabalho como docente na UNITAU – Universidade de Taubaté. Estou realizando
minha tese de doutorado na PUC - SP, sob a orientação da Profª Drª Maria Lúcia
Martinelli. Estou estudando as implicações do conhecimento na ação profissional
do assistente social e aí, sua experiência é fundamental.
Esta pesquisa parte da experiência, da vivência, da construção que
o assistente social realiza quando age profissionalmente. Assim não há um
padrão esperado de resposta pois acredito que a experiência é algo que não se
quantifica. Ao contrário, compartilhar esta experiência é fundamental para o
entendimento da ação profissional do assistente social.
Envio a você um
questionário de pesquisa
que corresponde a
primeira parte da pesquisa a ser desenvolvida em minha tese de doutorado.
Neste questionário as questões versam sobre sua formação profissional e sua
ação profissional. As perguntas têm por objetivo conhecer sua ação
profissional, sua área de trabalho, enfim, sua trajetória profissional.
No envelope você receberá: o questionário de pesquisa e um
envelope selado para envio da resposta. Ao final do questionário você
encontrará um campo onde poderá – se quiser – se identificar e continuar
recebendo informações sobre a pesquisa e fazer parte da segunda fase da
pesquisa, quando ocorrerá o contato pessoal com os profissionais. A resposta
ao questionário deverá ser devolvida até o dia 15/ abril/ 2004, no
endereço já registrado no envelope de resposta.
Esclareço ainda que não me foi permitido manusear a mala direta
do CRESS SP: as etiquetas foram colocadas pela secretária do escritório
Regional do CRESS de Taubaté, garantindo portanto sua privacidade.
Espero que você queira compartilhar sua experiência comigo.
Estou no aguardo de sua resposta, pois sem ela, a pesquisa não tem condição de
fluir.
Para troca de idéias, contato e esclarecimentos coloco a sua
disposição meu telefone (12) 3942 – 5335; e- mail:
franbel@uol.com.br; e
telefone celular: (12) 9704 – 2660.
Obrigada por aceitar meu convite.
Mabel Mascarenhas Torres
CRESS 18. 408 - 9ª região
407
Anexo 3
Questionário da Pesquisa
I . Dados de identificação e formação profissional:
1 . Data de nascimento: _______/ __________ /___________.
(registrar da seguinte forma: dois dígitos para dia e mês e quatro dígitos para ano)
2 . Sexo: ( ) feminino ( ) masculino
3 . Estado civil:
( ) solteira (o) ( ) casada (o)/ com companheiro (a) ( ) separada (o)
( ) divorciada (o) ( ) viúva (o)
( ) outros (especificar por extenso): _____________________________
4 . Religião:
( ) católica (o) ( ) evangélica (o) ( ) espírita ( ) não tem religião
( ) cristão ( ) outras (especificar por extenso): ___________________________
5 . Município de moradia: _______________________________ UF: ________
(Escrever por extenso o município de moradia. Unidade da Federação: em sigla)
6 . Nome da universidade/ faculdade/ escola onde realizou o curso de Serviço Social:
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Registrar por extenso o nome da universidade/ faculdade/ escola onde realizou o curso
de (Serviço Social. Ex.: Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Serviço
Social)
7 . Ano de formação: ____________________
(registrar o ano de conclusão do curso de Serviço Social com quatro dígitos)
8 . Última Titulação: ___________________________________________________
Local: ___________________________________________________________
Ano da titulação: _____________________
(registrar por extenso a última titulação, o nome da universidade/ faculdade/ escola onde
realizou o curso e o ano de formação - com quatro dígitos)
408
9 . Curso (s) em andamento:
1 . __________________________________________________________________
2 . __________________________________________________________________
(Registrar por extenso o nome do curso que esteja realizado no momento da resposta ao
questionário. Se estiver realizando mais de dois cursos, registrar os de maior titulação)
Local:
1 . __________________________________________________________________
2 . __________________________________________________________________
(Registrar por extenso o nome da universidade/ faculdade/ escola onde o curso é
realizado)
Ano de término:
1 . _____________________ 2 . _______________________
(Registrar o ano de término com quatro dígitos)
( ) neste momento não estou realizando nenhum curso.
II . Dados relativos ao exercício profissional:
1 . Município onde trabalha: _____________________________________________
(registrar por extenso o município onde trabalha)
2 . Tempo que esperou para ser admitida no primeiro emprego:
( ) menos de um ano ( ) um ano ( ) menos de dois anos
( ) dois anos ( ) mais de dois anos ( ) mais de três anos
( ) outros (especificar): _____________________
(Se você estiver desempregada, passar diretamente para a questão número 09)
3. Área de atuação profissional: _________________________________________
Natureza: _________________________
(Registrar por extenso a área de atuação profissional, ex.: criança e adolescente; saúde
mental; família, etc. Registrar a natureza : pública federal; pública estadual; pública
municipal; empresa privada; entidade social; ONG, outras especificar. Se você estiver
trabalhando em mais de um local, registrar todos.)
Área de atuação profissional: __________________________________________
Natureza:________________________
409
Área de atuação profissional: ______________________________________
Natureza:________________________
4 . Tempo de atuação como assistente social:
( ) menos de um ano ( ) um ano ( ) menos de dois anos
( ) dois anos ( ) três anos ( ) quatro anos
( ) cinco anos ( ) seis anos ( ) sete anos ( ) oito anos
( ) nove anos ( ) dez anos ( ) onze a quinze anos
( ) dezesseis a vinte anos ( ) vinte e um a trinta anos
( ) mais de trinta anos ( ) outros (especificar): ___________________
5 . Regime de trabalho:
( ) estatutário ( ) CLT ( ) autônomo ( ) voluntário
( ) outros (especificar por extenso): ___________________________________
6 . Cargo/ função exercida: __________________________________________
(registrar por extenso tendo por base seu contrato de trabalho. Se voluntário, registrar o
cargo para o qual foi convidado a trabalhar)
7 . Tempo de permanência em seu atual emprego:
(Registrar em anos, com quatro dígitos. Se você trabalhar em mais de um local, registrar
todos.)
Tempo de permanência em seu atual emprego: _________________
Tempo de permanência em seu atual emprego: _________________
Tempo de permanência em seu atual emprego: _________________
Tempo de permanência em seu atual emprego: _________________
8 . Forma como foi contratada em seu atual emprego:
( ) Processo seletivo ( ) Indicação de conhecidos ( ) concurso público
( ) outros (especificar por extenso): ____________________________
410
9 . Informar a quanto tempo que está desempregada:
( ) menos de um ano ( ) um ano ( ) menos de dois anos
( ) dois anos ( ) três anos ( ) quatro anos
( ) de cinco anos ( ) seis anos ( ) sete anos ( ) oito anos
( ) nove anos ( ) dez anos ( ) nunca trabalhou como assistente social
Outros (especificar por extenso): ____________________________
10 . Informar o tempo de permanência no último emprego:
( ) menos de um ano ( ) um ano ( ) dois anos
( ) três anos ( ) quatro anos ( ) cinco anos
( ) seis anos ( ) sete anos ( ) oito anos
( ) nove anos ( ) dez anos ( ) onze a quinze anos
( ) mais de quinze anos
11 . Motivo da saída do último emprego:
( ) aposentadoria ( ) demissão sem justa causa
( ) demissão por justa causa ( ) a pedido
( ) outros (especificar por extenso): _______________________________________
12 . Dados relativos à participação em:
(Se a resposta for positiva, registrar por extenso cada um dos itens solicitados.)
Conselho: _________________________________________________________
(registrar o nome do conselho por extenso. Se participar de dois ou mais, indicar os de
maior tempo de participação.)
Conselho: _________________________________________________________
Sindicato: __________________________________________________________
(Registrar por extenso o nome do sindicato que você participa)
Grupo de estudo: _____________________________________________________
(Registrar por extenso a temática sobre a qual você está estudando no momento que
estiver respondendo ao questionário.)
411
Grupo Profissional: _______________________________________________
(Registrar o nome do grupo e a área temática)
1 . Indique dentre as atividades profissionais que você desenvolve as três que considera
mais importantes e que caracterizam sua ação profissional.
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
2 . Quando você é chamada a planejar e/ou executar uma ação profissional, quais os
elementos que você leva em consideração e são determinantes para o seu fazer
profissional.
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
3 . Indique os últimos livros, revistas e textos da sua área de atuação que você tenha
lido.
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
412
Caso tenha interesse em continuar participando desta pesquisa, registre aqui como
deverei proceder para estabelecer outros contatos.
( ) e-mail: _______________________________
( ) telefone: _____________________________
( ) endereço para correspondência: ______________________________________
___________________________________________________________________
413
Anexo 4
Roteiro de Questões
1ª Inicialmente gostaria que você falasse sobre o seu exercício profissional:
como foi sua inserção profissional, onde você trabalha, quais as atividades que
você exerce, qual o nome do cargo que você exerce?
2ª Das atividades exercidas quais as que você reconhece como aquelas que
somente o assistente social pode exercer?
3ª Destas atividades realizadas, quais as que você identifica que estão
relacionadas às indicadas pela lei de regulamentação da profissão?
4ª O Serviço Social é uma profissão de intervenção, de prática. Como você vê
a relação do seu exercício profissional com esta intervenção?
5ª Para você onde entra o conhecimento na construção do seu fazer
profissional?
6ª Tendo como referência o seu exercício profissional, qual o lugar que a teoria
ocupa neste exercício profissional?
7ª Baseado no seu exercício profissional como você visualiza a relação entre
teoria e prática? Como esta relação se expressa em sua prática profissional?
8ª Você identifica a qual tendência teórico-metodológica o seu exercício
profissional está associado? Como se deu o processo de aproximação a esta
tendência teórico-metodológica?
9ª Como você entende que esta tendência teórico-metodológica é a que
responde o seu fazer profissional?
10ª De um modo geral como você analisa o Serviço Social como profissão
hoje? Quais os desafios colocados para a profissão?
414
Anexo 5
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ...............................................................................................,
RG................................., abaixo assinado, estando devidamente
esclarecido sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa
intitulada Coruja e camelo: a interlocução construída pelos
assistentes sociais com as tendências teórico metodológicas do
Serviço Social, realizada pela pesquisadora Mabel Mascarenhas
Torres, aluna do em doutorado em Serviço Social realizado na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da
Prof. Dra Maria Lúcia Martinelli, concordo em participar da
pesquisa, sob a condição de preservação de minha identidade,
tanto na coleta dos dados como no tratamento e divulgação dos
mesmos.
Cidade, data:__________________________________
Nome: _______________________________________
RG: ________________________
Assinatura: ____________________________________
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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