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MARIA DE LOURDES BOHRER ANTONIO
AVÓS, PAIS E NETOS: RELAÇÕES SOCIOAFETIVAS INTERGERACIONAIS
EM SITUAÇÃO DE PEDIDO DE GUARDA
NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE / COMARCA DE SANTOS/SP
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
SÃO PAULO
2006
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2
MARIA DE LOURDES BOHRER ANTONIO
AVÓS, PAIS E NETOS: RELAÇÕES SOCIOAFETIVAS INTERGERACIONAIS
EM SITUAÇÃO DE PEDIDO DE GUARDA
NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE / COMARCA DE SANTOS/SP
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em Serviço Social sob a
orientação da Profa. Dra. Maria Amália Faller Vitale.
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM SERVIÇO SOCIAL
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
SÃO PAULO
2006
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BANCA EXAMINADORA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP
2006
4
Esta Dissertação é dedicada com amor a
meus pais, Manoel e Perciliana, e a meu
irmão Sebastião.
5
Antes que eu penetrasse no Zen, as montanhas e os rios
nada mais eram senão montanhas e rios. Quando aderi
ao Zen, as montanhas não eram mais montanhas, nem os
rios eram rios. Mas, quando compreendi o zen, as
montanhas eram só montanhas e os rios, apenas rios.
Eugen Herrigel in A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen
6
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Prof. Dra. Maria Amália Faller Vitale pela firme condução na
orientação da elaboração do presente trabalho.
À banca de qualificação pelas valiosas contribuições oferecidas por ocasião do
exame. Prof. Dra. Maria Lucia Martinelli minha inspiração, Prof. Dra. Rosa Maria
Ferreiro Pinto meu exemplo.
A CAPES pelo suporte financeiro para realização deste trabalho.
Ao Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social pela forma democrática
com que conduz o oferecimento de bolsas e por todo o corpo de professores que de
forma tão sábia nos oferecem seus conhecimentos.
Ao Juiz Diretor do Fórum da Comarca de Santos – gestão 2004 – Afonso de Barros
Faro Júnior e – gestão atual – Marcio Kammer de Lima, como também à Diretora
de Divisão Denise Gonçalves Pampolini, pelas autorizações concedidas para
realização dos estudos durante o Mestrado.
Aos que não apenas me autorizaram como me incentivaram a realizar esta pesquisa:
Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude e do Idoso Sr. Evandro Renato
Pereira e Diretora Técnica Márcia Mathias.
Aos funcionários do Setor Administrativo da Diretoria Técnica e do Cartório da
Infância e Juventude que gentilmente me acolheram em seu espaço de trabalho
fornecendo-me o material necessário para a pesquisa.
Às famílias participantes desta pesquisa, pela generosidade e disponibilidade com
que me receberam em suas casas.
A Sandra A. Siqueira pelo auxilio na coleta dos dados da pesquisa no plano
quantitativo, bem como na revisão jurídica do texto final.
A Wilson Santos Cístolo pelo paciente apoio na parte computacional.
À Coordenadora do Curso de Serviço Social da Universidade Católica de Santos
Clélia M. da S. Perazza e à professora Inazeli A. N. e Silva que gentilmente me
acolheram no estágio para Docência.
Às Terapeutas de Família Janice Rechulski e Sandra F. Colombo com quem aprendi
que trabalhar incluindo o afeto é possível.
A Fausta A. O. P. de Melo e Maria Natalia O.P. B. Guerra pelo companheirismo.
7
A Esther F. Gast, Fátima C. Fontes, Maria Antelma F.de M. Jensen, Paula T. da
Fonseca, Sandra R. P. de Meneses pela leitura crítica e atentas contribuições.
A toda equipe do Netfamília pelo incentivo, principalmente Paulo P. de Sousa e
Regina Prata.
A todos os colegas de trabalho da Diretoria Técnica, notadamente as assistentes
sociais que suportaram uma maior carga de trabalho nos quatro meses de minha
licença prêmio para finalização deste trabalho.
À origem de todos os meus afetos advindos da alegria, Deus, minha iluminação.
Aos meus antepassados pela construção do background familiar e social. Meus pais
que me ensinaram o valor do trabalho e perseverança. Meus oito irmãos pelo
compartilhamento, em especial Luiza pela dedicação às minhas filhas neste período.
Ao meu marido Jaime pelo amparo e incentivo a mais este projeto. Às minhas filhas
muito amadas: Maria da Glória pela alegria, Victoria por me ensinar a buscar o
melhor nas relações.
Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para que eu
pudesse realizar este trabalho.
8
RESUMO
ANTONIO, Maria de Lourdes Bohrer. Avós, pais e netos: relações socioafetivas
intergeracionais em situações de Pedido de Guarda na Vara da Infância e Juventude
da Comarca de Santos/SP. 2006. 154 F. Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço
Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
Neste trabalho realizamos um estudo no plano quantitativo e qualitativo sobre os Pedidos
de Guarda na Vara da Infância e Juventude na Comarca de Santos. Temos como objeto, as
relações socioafetivas intergeracionais que ocorrem nos Pedidos de Guarda de criança,
requeridos pelas avós maternas; como objetivos, identificar tais pedidos e conhecer as
relações socioafetivas familiares na perspectiva intergeracional que sustentam as demandas
de guarda. No plano quantitativo, constatamos que no período de julho de 2004 a março de
2005, o Pedido de Guarda foi o tipo de processo autuado em segundo lugar. Na demanda
para os Assistentes Sociais, o Pedido de Guarda aparece em primeiro lugar. Em relação às
famílias envolvidas em Pedido de Guarda a indicação foi de que a maioria está em situação
de pobreza. Dentre os requerentes destacou-se a avó materna. No plano qualitativo, por
meio de duas famílias selecionadas, a pesquisa se desenvolveu por dois eixos que se
interligam e se sobrepõem: um, próprio das relações e vivências familiares, com a categoria
da afetividade,quando trabalhamos com os temas da qualificação dos sentimentos e as
tensões que compõem e gestam os Pedidos de Guarda; outro, relacionado à interface da
família com o sociopolítico, com as categorias de desqualificação pessoal e social, e o
sofrimento ético-político. Concluímos que estas situações devam ser analisadas com grande
atenção pelos assistentes sociais devido à expressividade da demanda e sua complexidade e
que se faz necessário uma maior atenção de políticas públicas na cidade que inclua as
famílias com crianças em situação de guarda. Enfim, que tais pedidos não devam ser mais
uma responsabilização da família pela ineficiência do sistema de proteção social e que estas
famílias necessitam de um espaço coletivo para acolhimento e elaboração de sua
afetividade.
Palavras-chave: família, relações socioafetivas, intergeracionalidade, Pedido de Guarda.
9
ABSTRACT
ANTONIO, Maria de Lourdes Bohrer. Grandparents, parents and grandchildren:
intergenerational socio-affective relations in situations of Request for Custody at The
Childhood and Youth Jurisdiction at the District of Santos/SP. 2006. 154 F. Program of
Post Graduation Studies in Social Work. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo.
In this work we accomplished a study in quantitative and qualitative levels on the Requests
for Custody at The Childhood and Youth Jurisdiction at the District of Santos. We have as
subject the intergenerational socio-affective relations that occur in the requests for children
custody required by the grandmother on the mother’s side. Our goal is identifying the
demand and knowing the affectivity present in families under this situation. In the
quantitative level, we verified that, in the period from July 2004 to March 2005, the
Requests for Custody were the kind of process litigated in second position. Among the
Social Workers, the Requests for Custody were in first position. Considering the families
involved in Requests for Custody, the indication was that the majority in situation of
poverty. Among the solicitors, the grandmother on the mother’s side was remarkable. In the
qualitative level, the research was developed, through two families, considering two axes
that are interconnected and superposed. The first axis, having the affectivity as its category,
characteristic of family relations and family living when we work with the themes of
characterization of feelings and the tensions that constitute and engender the Requests for
Custody. The other axis, having the social and individual disqualification as its category,
refers to the interface of the family with the social context and the ethical-political
suffering. We concluded that there is the need for higher attention from public policies in
the town in order to include families with children in custody condition and also that these
situations must be analyzed very carefully by the social workers due to the impressive
demand and their complexity. At last, these requests must not be another responsibility for
the family due to the inefficiency of the system of social protection as well as these families
need a collective space for sheltering and elaborating their affectivity.
Key words: family, socio-affective relations, intergenerationality, Requests for Custody.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................13
1. UMA EXPERIÊNCIA REVELADORA DE SIGNIFICADOS .................................. 15
2. O TEMA PESQUISADO ................................................................................... 18
Capítulo I
FAMÍLIA E PEDIDO DE GUARDA....................................................................22
1.1. FAMÍLIA.....................................................................................................22
1.2. PEDIDO DE GUARDA NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE ....................30
1.3. FAMÍLIA, PEDIDO DE GUARDA E AVÓS ....................................................34
Capítulo II
O CONTEXTO SOCIAL........................................................................................39
2.1. DEMANDA DE SANTOS: VARA DA INFÂNCIA
E JUVENTUDE E DIRETORIA TÉCNICA....................................................41
2.2. PERFIL DOS PEDIDOS DE GUARDA............................................................47
2.3. SOBRE OS REQUERENTES..........................................................................51
2.4. SOBRE OS REQUERIDOS/RESPONSÁVEIS PELAS
CRIANÇAS/ADOLESCENTES ....................................................................61
2.5. SOBRE AS CRIANÇAS/ADOLESCENTES......................................................66
Capítulo III
A PESQUISA QUALITATIVA: PERCURSOS E HISTÓRIAS........................72
3.1. O PERCURSO..............................................................................................73
3.1.1. A
SELEÇÃO DAS FAMÍLIAS....................................................................73
3.1.2. CRITÉRIOS PARA ESCOLHA DOS SUJEITOS.............................................74
3.1.3. PASSOS E PROCEDIMENTOS................................................................... 75
3.1.3.1. Os primeiros passos..................................................................76
3.1.3.2. A construção do genograma ....................................................76
3.1.3.3. Os desenhos...............................................................................78
3.1.3.4. Entrevista semi-estruturada e a despedida............................79
11
3.2. AS HISTÓRIAS FAMILIARES .......................................................................80
3.2.1. FAMÍLIA DE VÍTOR ...............................................................................80
3.2.1.1. A trama......................................................................................80
3.2.1.2. O drama..................................................................................... 82
3.2.2. FAMÍLIA DE LUCIENE............................................................................89
3.2.2.1. A trama......................................................................................89
3.2.2.2. O drama..................................................................................... 90
Capítulo IV
AS RELAÇÕES SOCIOAFETIVAS FAMILIARES NA PERSPECTIVA
INTERGERACIONAL...........................................................................................101
4.1. A AFETIVIDADE.........................................................................................101
4.1.1. QUALIFICAÇÃO DOS VÁRIOS SENTIMENTOS ..........................................104
4.1.1.1. A tristeza....................................................................................104
4.1.1.2. A alegria.....................................................................................107
4.1.1.3. A frustração/desejo...................................................................108
4.1.2. A TENSÃO SOCIOFAMILIAR QUANTO AO PEDIDO DE GUARDA .............. 109
4.1.2.1. Nascimento das crianças ..........................................................109
4.1.2.2. O novo parceiro ........................................................................110
4.1.2.3. Avós............................................................................................110
4.2. O SOCIOPOLÍTICO.....................................................................................112
4.2.1. DESQUALIFICAÇÃO PESSOAL E SOCIAL.................................................112
4.2.1.1. Desqualificação do outro e de si próprio,
inclusive da criança ..................................................................115
4.2.1.2. Ser “mãe” ..................................................................................116
4.2.1.3. Incompetência do companheiro ..............................................117
4.2.1.4. Desqualificação ligada às instituições.....................................118
4.2.2. O SOFRIMENTO ÉTICO-POLÍTICO...........................................................121
4.2.2.1. A localização da moradia em situação de violência...............122
4.2.2.2. A escolarização..........................................................................124
4.2.2.3. O trabalho .................................................................................126
4.2.2.4. Invisibilidade social ..................................................................128
12
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................141
ANEXOS ..................................................................................................................146
1. Explicação dos tipos de ação judicial (processos)
2. Solicitação de autorização judicial para realizar o levantamento de
dados no Cartório da Infância e Juventude
3. Solicitação de autorização judicial para entrar em contato com as
famílias
4. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
5. Roteiro da entrevista semi-estruturada
13
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi construído a partir das reflexões ocorridas no cotidiano
profissional, na atuação no sistema sociojurídico
1
iniciada há quinze anos no Fórum da
Comarca de Santos, no Tribunal de Justiça Estado de São Paulo, onde exercemos a função
de Assistente Social Judiciário, e objetiva desvelar as relações socioafetivas
intergeracionais em situação de Pedido de Guarda por parte das avós maternas.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é uma das instituições mais antigas a
utilizar o Serviço Social, sua implantação data próxima à do Serviço Social no Brasil.
Existem notícias de algum trabalho no Juizado de Menores da Comarca de São Paulo já em
1937 com a contratação de uma aluna de Serviço Social, lembrando que a primeira escola
de Serviço Social foi fundada no ano de 1936 (IAMAMOTO, 1983:180). Mas a introdução
formal do Serviço Social junto ao Juizado de Menores começou a ocorrer a partir de 1948,
“legitimando-se na década de 50, através do Serviço de Colocação Familiar (criado no final
de 1949)”.(FÁVERO, 1999:38)
Portanto, o trabalho do assistente social no Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, existe há mais de cinqüenta anos
2
. Em julho de 2004 dados do Jornal da Associação
dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de S. Paulo (n.22,
fl.8), trouxe o número de 739 assistentes sociais e 324 psicólogos no Estado. Nos meses de
abril e maio do ano de 2005 ocorreram novos concursos para assistentes sociais e
psicólogos para todo Estado, foram criadas mais 445 vagas para assistentes sociais e 398
vagas para psicólogos.
Depreendemos que a história de implantação do Serviço Social no Judiciário
paulista está estreitamente ligada a história do surgimento do Serviço Social no Estado de
São Paulo. Porém, percebemos que somente em 1990, impulsionado pelo advento do
1
“Campo (ou sistema) sociojurídico diz respeito ao conjunto de áreas em que a ação do Serviço Social
articula-se a ações de natureza jurídica, como o sistema judiciário, o sistema penitenciário, o sistema de
segurança, os sistemas de proteção e acolhimento como abrigos, internatos, conselhos de direitos entre outros.
O termo sociojurídico, enquanto síntese destas áreas, tem sido disseminado no meio profissional do Serviço
Social (...).” (Fávero, 2003:10)
2
“A primeira assistente social a obter um emprego, no campo da intervenção direta, foi no Judiciário Paulista,
no início dos anos 1940.”(Fávero, 2003:10)
14
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
3
houve uma maior disseminação de cargos
técnicos nos quadros do funcionalismo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Desta feita, um número maior de assistentes sociais tem realizado seu trabalho no
âmbito do Judiciário e têm pensado mais esta prática. Novos títulos saem publicados com
maior freqüência
4
. No entanto, as pesquisas feitas no âmbito do Serviço Social no
Judiciário são incipientes para as necessidades dos profissionais que atuam neste campo.
Podemos dizer que esta é uma área que se silenciou e “tem sido silenciada na literatura
especializada” (IAMAMOTO, 2004: 263). Cremos inclusive que houve um hiato nas
produções nesta área, pois não acompanharam o volume das publicações do Serviço Social.
Netto diz que:
[…] a década de oitenta assinalou a maioridade do Serviço Social no Brasil
no domínio da elaboração teórica. Nesse decênio, desenvolveu-se, no interior
da categoria, uma ‘divisão de trabalho’ (uma especialização) que é própria
das profissões amadurecidas: a criação de um segmento diretamente
vinculado a pesquisa e à produção de conhecimentos. Constitui-se uma
intelectualidade no Serviço Social no Brasil, que passou a ser o vetor
elementar a subsidiar o ‘mercado de bens simbólicos’, da profissão. Foi
característica desse mercado a circulação de produções brasileiras não é de
menor importância, no período, a diminuta difusão de literatura profissional
estrangeira. (NETTO, 1996:112)
3
A inclusão do assistente social nos quadros do Tribunal de Justiça tem como um de seus pilares os seguintes
artigos do ECA:
Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para
manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude.
Art. 151. Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela
legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim
desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob
imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico.
4
Podemos citar entre outros.A revista Serviço Social & Sociedade n. 67, Editora Cortez, publicada em
setembro de 2001, trata exclusivamente de temas sociojurídicos. Fávero fez algumas publicações, entre elas
Rompimento dos vínculos do Pátrio Poder - Condicionantes socioeconômicos e familiares pela Editora Veras
em 2001. Também pela Editora Veras em 2003, Magalhães publicou a obra Avaliação e Linguagem -
Relatórios, Laudos e Pareceres. Turck publicou em 2000 pela Editora Livro Pleno, a obra Serviço Social
Jurídico - Perícia Social no Contexto da Infância e da Juventude - Manual de Procedimentos Técnicos.
Fávero, Melão e Jorge publicaram em 2005 pela Editora Cortez uma ampla pesquisa sobre o trabalho do
assistente social e do psicólogo no Tribunal de Justiça do Estado de S. Paulo.Também pela primeira vez foi
incluída a área sociojurídica na pauta temática do 10° Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, ocorrido
em janeiro de 2001.
15
Por estas razões entendemos ser importante que mais estudos sejam realizados no
sistema sociojurídico. Nossa pesquisa se ateve à demanda advinda da Vara da Infância e
Juventude
5
por ser a que mais solicita o trabalho do assistente social no Judiciário na
Comarca de Santos.
Para evidenciar a pressão da demanda nesta área, torna-se importante relatar uma
experiência que ocorreu em nossa prática cotidiana que muito nos sensibilizou e chamou a
atenção para investigar o tema das relações socioafetivas em situação e Pedido de Guarda
requerido pelas avós.
1. UMA EXPERIÊNCIA REVELADORA DE SIGNIFICADOS
6
A avó Lucila, começou a contar a história familiar dando ênfase às dificuldades
financeiras, tanto que se não prestássemos muita atenção a solidariedade familiar passaria
despercebida. Há sete anos, ela, seus quatro filhos e oito netos, todos desempregados ou em
ocupações desqualificadas, foram morar na mesma casa. Nesta época Potyara tinha um ano
e por falta de espaço foi dormir na mesma cama que a avó. Quando o apartamento do
CDHU foi entregue, a família teve que se separar porque o imóvel era muito pequeno e lá
não poderiam morar todos. Coube a Lucila escolher qual filho com respectivo companheiro
e neto deveria ir com ela morar no Morro São Bento. Escolheu a filha mais nova porque
tinha as piores condições financeiras. Um critério segundo ela, puramente econômico. Os
pais e irmãos de Potyara foram residir próximos à família paterna. Mas Potyara ficou com a
avó. Por quê? Não se soube bem explicar o motivo da escolha. Talvez porque o motivo
econômico era permeado por afetividade. E esta parece ser muito difícil de ser incluída em
nossas falas, tanto na dos usuários quanto na dos profissionais que os atende.
Lucila sofreu um acidente de trabalho há dois anos, estava “afastada”, cortou sua
mão e perdeu alguns movimentos. Depois do acidente passou a ficar nervosa porque
“quebrava muito as coisas”, além disso, também não soube muito bem explicar o porquê,
mas ficou muito triste. Não conseguia mais trabalhar, foi isso que fez a vida inteira. Estava
5
Desde 03/09/05 a nomenclatura da Vara da Infância e Juventude de Santos passou a ser Vara da Infância e
Juventude e do Idoso, no entanto utilizaremos a primeira pelo fato da pesquisa ter início em data anterior a
esta alteração.
6
Para o devido resguardo do sigilo, os nomes e demais dados que poderiam identificar a família foram
modificados, permanecendo apenas a essência da história para o fim acadêmico ao qual ela se destina.
16
recebendo pensão do INSS e o dinheiro vinha sem o esforço braçal de cada dia. Como falar
sobre a importância do trabalho enquanto atividade laborativa se aos empobrecidos só se
escuta falar do problema se ele for econômico?
Potyara então, passou a ter uma função muito importante, antes escamoteada, agora
declarada: a de trazer alegria à avó. Na vida que se tem muito pouco, a afetividade é a única
que se pode ter bastante, não precisa ser economizada.
O problema é que Potyara também passou a ficar muito triste. Devido o fato de
chorar sempre na escola foi mandada para o Conselho Tutelar. Lá nada se descobriu sobre
os choros de Potyara, afinal era ela uma menina que deveria se considerar muito feliz, tem
um teto e uma família pela qual é cuidada... Ou para cuidar?
Os pais de Potyara, seguindo esta lógica, também deveriam se considerar muito
felizes, conviviam há quinze anos e tinha quatro filhos, sendo Potyara a segunda da prole.
Todos estavam com saúde, emprego e casa própria. Está certo que não tinham estabilidade
nem no emprego nem na moradia, pois esta foi construída sobre o mangue e eles poderiam
ser demitidos a qualquer momento. O pai que trabalhava como vigilante durante a noite e
de dia fazia alguns “bicos” para ajudar, não entendia sua mulher. “Eu não entendo porque
ela está sempre triste, ela não fala, é muito fechada”, disse ele. Está certo que ele também
não tinha lá muito tempo para ouvi-la, já que também aos finais de semana fazia hora extra
no trabalho, que era muito bem vinda quando aparecia. Perguntamos à mãe a razão de tal
dor emocional, a mesma nos disse que não sabia o porquê, “não tinha motivos”, respondeu
evasivamente com um olhar perdido como se não quisesse falar sobre o assunto, “são
coisas do passado” afirmou.
Potyara como uma boa menina, respondeu que gostava muito da avó, dos tios e dos
primos, mas tamm gostava bastante dos pais e dos irmãos que via de vez em quando.
Indagada sobre o choro na escola não soube responder, como às várias outras perguntas que
lhe fizemos. A cada pergunta reagia como um bichinho que se encolhia. No entanto, dizia
mais que todas as palavras de Potyara o seu olhar. Mas como falaríamos de olhar em um
laudo? Como colocar em palavras um olhar? Qual espaço é permitido à expressão da
afetividade?
17
Opinamos então que estes sentimentos necessitavam serem acolhidos e elaborados.
Pais, filhos e avó deveriam ter um espaço para que este sentimento tivesse um lugar. Um
lugar para buscar o direito de poder reconhecer a dor. Não só a dor consigo própria, mas a
dor advinda do sofrimento. Não qualquer sofrimento, o sofrimento ético-político.
Opinamos que a guarda ficasse com a avó por mais um ano e depois deste tempo
ocorresse uma nova avaliação social.
Um ano depois voltaram, avó, neta e filha. O pai não pôde vir. Não tinha dinheiro
para a condução. A mãe desempregada há quase um ano, o pai desempregado há cinco
meses. A avó, desta vez desconfiada, talvez de tanto ir ao Fórum por algo que ela pensava
que seria resolvido brevemente, depois de algumas palavras tristes sobre seu afastamento
do trabalho, logo disse: “se o juiz não deixar a guarda da menina ficar comigo, pelo menos
eu queria que ela ficasse até os pais dela arrumarem emprego, porque às vezes eles não tem
nem o que comer”. Antes que a entrevista entrasse estritamente pelo aspecto econômico,
perguntamos se tinham ido ao tratamento. A avó disse que sim, mas só ela e Potyara porque
os pais moravam no município vizinho e não puderam utilizar este serviço, visto que é
municipal. Das duas, apenas Potyara estava sendo atendida no grupo com a médica (que
lendo os autos observamos tratar-se de uma psicóloga), ela ficava no banco esperando a
neta ser atendida e enquanto esperava compartilhava com as outras mulheres que também
haviam ido esperar suas crianças. “A médica acha que ela quer ir morar com a mãe” disse a
avó.
Potyara voltou linda, e triste, como da outra vez. Roupa limpa, cabelos compridos e
desembaraçados. Sua voz saiu como um fio que quase não escutamos. Chamamos Potyara
para sentar em nosso colo e assim tentar entrar em contato com a sua pessoa e saber sobre
este ano passado desde a última avaliação social. Como uma boa menina ela aceitou e
resolveu contar sua vontade: “quero ir morar com minha mãe”, “sinto muita falta dos meus
irmãos”. Perguntamos então sobre a situação econômica dos pais no que ela nos disse: “a
gente come arroz com feijão, às vezes só tem arroz”, mesmo assim você quer ir morar com
sua mãe? Perguntamos, e ela nos respondeu bem baixinho “quero”. Como se aquela
vontade fosse um segredo guardado a sete chaves que só agora pudesse aparecer. Naquele
18
momento, ela não estava pensando no que comia ou preocupada com o que ia comer, pois a
fome dela era do amor dos pais e dos irmãos.
Informamos à mãe sobre o nosso parecer de que Potyara voltasse a sua convivência,
ao que ela nos respondeu, “se vocês acham que é o melhor para minha filha, eu aceito de
todo coração, eu nunca tirei ela da minha mãe porque eu não queria causar este desgosto a
ela”. Colocamos mãe e avó juntas na sala para informar sobre o parecer. A avó se preocupa:
“mas vocês não estão tendo nem o que comer?” A mãe responde pela primeira vez com voz
altiva, “onde comem três comem quatro”. Ao final mãe e filha nos olhavam aliviadas, como
se tivessem escutado naquele lugar a autorização que há muito esperavam. A avó poderia
construir seu espaço socioafetivo e os pais exercerem sua paternidade.
Concluímos o laudo solicitando encaminhamento dos pais para programas
assistenciais e que a avó fosse incluída em programas para a terceira idade. Pois afinal, o
aspecto econômico está aí para ser enfrentado, mas ele jamais pode ser vivido isolado dos
sentimentos que também compõem a afetividade.
2. O TEMA PESQUISADO
A partir do impacto desta experiência se sedimentou a idéia de termos como objeto
de pesquisa as relações socioafetivas
7
intergeracionais
8
que ocorrem nos Pedidos de
Guarda de criança, requerido pelas avós maternas.
Percebemos que as famílias que demandam este tipo de processo estão inseridas em
um contexto de necessidades e carregadas por uma forte carga de afetividade, sobretudo
entre a mãe, a avó e o neto. Além disso, parecia-nos existir um grande número de Ações
Judiciais deste tipo. Por estas razões, optamos em ter como objetivos em nossa pesquisa
7
Entendemos por relações socioafetiva intergeracionais o processo do estar com o outro, que se dá no âmbito
da família em sua verticalidade, permeado por afetividade, co-construídas num tempo e lugar, no encontro
com a vida social coletiva, a partir dos papéis/funções desempenhados de avó/avô, pai/mãe, neto/a, filho/a.
8
Apesar do termo trigeracional ser muito utilizado no âmbito da Terapia familiar, preferimos como Vitale
(2004), usar o termo “intergeracional” porque entendemos que ele corresponde melhor a idéia de trocas
geracionais e se estende além de três gerações. “Se a família pode ser vista como unidade básica no processo
socializador, as relações intergeracionais permitem apreender o movimento de transmissão, ou seja, sua
dimensão temporal. (...) As relações intergeracionais compõem, assim, o tecido de transmissão, reprodução e
transformação do mundo social e, portanto, espelham as mudanças por que passa a família. (Vitale,
1994:284)”.
19
identificar estes Pedidos na Comarca de Santos, e conhecer as relações sócioafetivas
familiares na perspectiva intergeracional que sustentam as demandas de guarda.
Adentramos ao tema das relações socioafetivas intergeracionais com a nossa
sensibilidade e observações cotidianas, e também atentos de que era necessário sistematizar
estas observações, seguimos alguns caminhos metodológicos para atingir tais objetivos.
Fez-se necessário realizar a nossa pesquisa em dois planos que se imbricam:
Um quantitativo por meio do qual localizamos a inserção dos Pedidos de Guarda na
Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos, bem como traçamos um perfil
dos protagonistas destes pedidos: os requerentes, os pais e as crianças/adolescentes.
Outro qualitativo no sentido de apreender os significados socioafetivos relacionais
na experiência de Pedido de Guarda nestas famílias. Com o perfil decorrente do
estudo quantitativo selecionamos duas famílias com as quais realizamos
depoimentos familiares utilizando para esta abordagem o genograma e desenhos e,
entrevista semi-estruturada. O detalhamento desta parte metodológica está contido
no capítulo III.
Nossa reflexão centra-se, sobretudo na relação entre os protagonistas avós, mães e
netos, portanto, a perspectiva deste trabalho é a compreensão do movimento relacional
familiar. Acreditamos que estas reflexões sejam importantes para que compreendamos
melhor estas situações, nos permitam ir além do aparente e desvelar as dificuldades
apresentadas. Espera-se que esta compreensão traga recursos que possam melhorar a
qualidade dos atendimentos dos assistentes sociais, na ampliação das condições para um
acolhimento mais efetivo destas famílias em sua singularidade, além de incluir estes
aspectos nos estudos sociais. A conseqüência desta ação poderá ser a emissão de Laudos
Sociais com a percepção mais integrada aos contextos socioeconômico-relacionais,
oferecendo elementos para subsidiar referências na organização de políticas públicas
9
.
9
As sugestões feitas nos laudos pelos Serviços Auxiliares são levadas em consideração pelos promotores e
juízes. Estas sugestões se acolhidas, se transformam então em determinações judiciais e são encaminhadas
para que o Conselho Tutelar dê cumprimento requisitando os serviços do Poder Público Municipal. Assim é
que, se requisitado o serviço e ele não existe, ou não é oferecido de pronto, este laudo poderá ser instrumento
para o Ministério Público promover uma Ação Civil Pública dentre outras contra o Poder Público Municipal
para a criação do serviço, e/ou poderá também ser instrumento nos Conselhos Tutelares e nos Conselhos de
Direitos para criação de políticas públicas que contemplem aquela necessidade. A respeito deste assunto
20
Com esta perspectiva, estruturamos este trabalho da seguinte maneira.
No Capítulo I, falamos sobre o entendimento que temos sobre a família como
instituição, em especial as em situação de pobreza; a nossa percepção sobre os Pedidos de
Guarda na Vara da Infância e Juventude, e como estes se entrelaçam no estágio de vida
familiar que possuem avós, passando por levantamento de estudos já existentes sobre o
tema.
No Capítulo II, caracterizamos por meio de estudo no plano quantitativo, os Pedidos
de Guarda na Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos, como também os
protagonistas deste tipo de ação percebendo-os em seu contexto social.
No Capítulo III, iniciamos as nossas reflexões por meio do plano qualitativo.
Organizamos este capítulo em duas partes. Na primeira, explicitamos os critérios para
escolha dos sujeitos centrados no perfil que emergiu da pesquisa no plano quantitativo e
apresentamos os procedimentos metodológicos realizados. Na segunda parte compomos as
histórias familiares e os respectivos genogramas das duas famílias pesquisadas.
No Capítulo IV, trazemos o material da pesquisa obtido no plano qualitativo.
Utilizamos pra nossas reflexões três categorias que emergiram durante a análise: a
afetividade como categoria central, foi desenvolvida sob os aspectos da qualificação dos
vários sentimentos apresentados pela família e a tensão sociofamiliar evidenciada quanto
aos Pedidos de Guarda; a desqualificação pessoal e social percebidas; e o sofrimento ético-
político detectado.
Nas Considerações Finais, fazemos uma associação mais explícita entre a pesquisa e
o trabalho do assistente social judiciário, apontamos as dificuldades e os acertos na parte
metodológica, apresentamos as observações mais relevantes que surgiram da pesquisa nos
planos quantitativo e qualitativo e finalizamos com algumas indicações apontadas pelo
presente trabalho.
apresentamos um trabalho no VI Congresso Brasileiro de Terapia Familiar (Vide Antonio, Fonseca, Jensen,
2004 nas Referências Bibliográficas).
21
Salientamos a intencionalidade de nosso estudo, que em sua organização e
principalmente para a análise dos dados, ancorou-se na perspectiva sócio-histórica
10
de
leitura da realidade, por considerá-la a mais apropriada para conduzir as reflexões
suscitadas no levantamento dos dados e também por estar no bojo do projeto ético-político
da profissão.
10
A perspectiva sócio-histórica fundamenta-se no marxismo e adota o materialismo histórico e dialético como
filosofia, teoria e método.
22
Capítulo I
FAMÍLIA E PEDIDO DE GUARDA
Enquanto a justiça pode ser uma precondição de
vida legal e normal, a vida constitui algo além
da Justiça. (Heller, 1998: 12)
A compreensão das relações socioafetivas intergeracionais nos Pedidos de Guarda
da Vara da Infância e Juventude passa necessariamente por uma reflexão sistemática sobre
duas categorias que estão intrinsecamente ligadas: Família e Pedido de Guarda.
A primeira refere-se à necessidade de refletirmos sobre a família da qual falamos,
suas evoluções e suas mudanças. Considerando este aspecto mutante, pensar sobre sua
singularidade e deixar emergir a reflexão entre o idealizado e o vivido, como também as
conseqüências que tais idealizações podem acarretar.
A segunda nos situa no quadro em que emerge e acontece o pedido: a lei que
sustenta e precisa a ação. Entendemos que a própria lei nos sinaliza tensões a serem
observadas.
A consideração sobre estas duas categorias e a observação dos pontos de junção
entre elas contribuem para o entendimento do tema pesquisado. Nessa perspectiva é que
neste capítulo entendemos ser inicialmente necessário dialogar sobre as bases conceituais
que sustentam nosso olhar sobre Família e Pedido de Guarda que norteiam este estudo e em
seguida incluir a categoria das Avós nesta reflexão.
1.1. F
AMÍLIA
Uma primeira dificuldade em se pensar família é que o conceito não é hegemônico.
Com as mudanças sociais e tecnológicas, a maneira de viver em família tem mudado e por
isso o conceito também. Este campo de reflexão exige “um esforço para a apreensão de
uma realidade em transformação que compõe uma rede complexa de significados” (Vitale,
1994:283). Podemos criticar a sua existência e seu formato. Podemos culpá-la e até mesmo
23
responsabilizá-la por várias mazelas sociais. Podemos idealizá-la, mas não podemos negar
a sua existência. Marx diz que:
A terceira condição que já de início intervém no desenvolvimento histórico é
que os homens, que diariamente renovam sua própria vida, começam a criar
outros homens, a procriar: é a relação entre homem e mulher, entre pais e
filhos, a família. (MARX e ENGELS, 1991: 41; grifos nossos).
Quando se pensa em família uma das primeiras idéias é a consangüinidade. Mas
família não se resume a uma idéia, é um tema complexo porque é fundante na vida do
homem. Relacionam-se e imbricam-se entre si os diversos aspectos do humano, biológico,
sociológico, psicológico, espiritual... Na atualidade, quando se trata de família têm sido
usados diferentes nomes, como famílias reconstituídas, recombinadas, famílias
monoparentais, novos tipos de famílias e outros... Por isso há que se pensar que quando
falamos em família, falamos de famílias que não são iguais, que têm suas diferenças, que
guardam sua singularidade, a família que está situada em sua época circunstanciada pelos
costumes e pelas leis vigentes.
Giddens (2003: 63) diz que “a família é um local para as lutas entre tradição e
modernidade, mas também uma metáfora para elas. Há talvez mais nostalgia em torno do
santuário perdido da família do que qualquer outra instituição com raízes no passado”. Um
dos caminhos para se pensar família é perceber o que tem ocorrido com esta instituição
através do tempo e olhar suas mudanças. Há muita expectativa em torno da família por isso
se idealiza e se espera certos comportamentos e resultados da instituição. O que não se pode
esquecer é que ela está inserida em determinado período histórico. Quando se fala em
família na atualidade, geralmente associamos ao modelo nuclear burguês, um casal de pais
e seus filhos. Não raro observamos em falas, ou até mesmo por escrito em petições feitas
por advogados, relatórios de pedagogos, psicólogos, assistentes sociais e outros fazendo
uso do termo “família desestruturada” (principalmente em relação às em situação de
pobreza). Mas desestruturada em relação a quê? À comparação a uma dada estrutura. Qual
seria esta estrutura esperada? Geralmente a estrutura da família nuclear burguesa.
O modelo nuclear burguês começou a ser delineado no início do século XVII e sua
origem foi na aristocracia e na burguesia:
24
Essa evolução da família medieval para a família do século XVII e para a
família moderna durante muito tempo se limitou aos nobres, aos burgueses,
aos artesãos e aos lavradores ricos. Ainda no início do século XIX, uma
grande parte da população mais pobre e mais numerosa, vivia como as
famílias medievais, com as crianças afastadas dos pais. (ÁRIÉS, 1981: 271)
Surgem as idéias que mais tarde se estenderiam a quase toda sociedade, como a
privacidade (a existência de casas com cômodos separados, sala, cozinha, quartos);
igualdade entre os filhos (acabou-se o direito de privilegiar o filho mais velho); manutenção
das crianças junto aos pais (em geral os pais não mais mandavam os filhos para serem
criados por suas amas em casas afastadas); sentimento de “família” valorizado pelas
instituições (Igreja, Estado). “O pátrio poder era, portanto, a pedra angular da família e
emanava do matrimônio”. (SAMARA, 2002: 33).
O surgimento destas idéias influencia também os valores da época, como a
importância à hierarquia, subordinação, poder, obediência, autoridade masculina, o
conservadorismo, espaço externo como o do masculino (trabalho, visibilidade social) e
espaço interno como o do feminino (serviços domésticos, cuidado com os filhos...).
Contudo não podemos afirmar que todas as famílias passaram a acontecer dentro
deste modelo. Sabemos que os agrupamentos não são homogêneos nem lineares, o que
existe são as correntes ideológicas hegemônicas que, ao registrarem o que lhes interessa,
passam a predominar. Atrás deste modelo muito provavelmente existiam outras formas e
arranjos familiares. Samara (2002: 43) em seu estudo “O que mudou na família brasileira?
(Da colônia à atualidade)” diz que “é surpreendente observar que na segunda metade do
século XIX [...], aproximadamente 30% das mulheres eram chefes de domicílio e
mantinham suas famílias, principalmente entre as idades de 35 e 59 anos”. Continua a
mesma autora (2002:44) apontando que:
Tudo indica, portanto, que ao menos na primeira metade do século XIX, os
domicílios de pessoas pobres eram, geralmente, chefiados por mulheres, que
contavam com o trabalho da família para a sobrevivência [...]. E desse modo,
crianças, adultos, dependentes e agregados ajudavam a engrossar a renda
familiar. As ocupações mudavam freqüentemente, vivendo como podiam e
vendendo os excedentes da produção domiciliar para poder sobreviver. Em
todos esses lares era comum a liderança feminina, organizando as tarefas,
gerenciando os pequenos negócios e exercendo o controle da família, o que,
25
sem dúvida, fugia a regra do modelo patriarcal. (DIAS, 1984; SAMARA,
1989)
Observamos na história que esta realidade da mulher chefiar as famílias e colaborar
ativamente no sustento da família não é uma situação nova, no entanto como
ideologicamente o modelo patriarcal é que prevaleceu na hegemonia da sociedade, estes
modelos praticamente não ganharam relevância.
Por esta razão dizemos que família é sempre uma construção sócio-histórica. O fato
de ela ganhar a privacidade de um “Lar” não a deixou isolada, apenas fez com que a
instituição se movesse para dentro de um espaço micro ao qual até então não era assim
vivido e nem apregoado. Apesar deste ter sido o modelo hegemônico, não quer dizer que
não tenham existido formas diferentes do modelo nuclear. Percebemos que este modelo
ainda povoa o imaginário de muitas pessoas, inclusive profissionais que trabalham com o
tema. Saber que este modelo ainda é vigente importa na medida em que mesmo as famílias
que têm uma outra forma de se organizar são influenciadas por este modelo. As que não
têm, muitas vezes passam a procurar seguir esta forma de organização que está engendrada
na ideologia dominante, e se mesmo assim não conseguem cumprir o almejado, muito
provavelmente sofrem por não estar nestas condições, sentindo-se excluídas do processo.
Por vezes esta família que não se enquadra no modelo é “julgada” pelas pessoas que se
apropriaram desta ideologia, inclusive por profissionais, isto serve como forma de nutrir o
pensamento dominante. De modo que a família como modelo nuclear burguês ainda está no
imaginário social
O modelo nuclear é um conceito analítico que se manifesta não somente
empiricamente em determinados casos, mas também como idéia bem definida
no imaginário social.[...] O fato de as camadas abastadas terem adotado, nas
últimas décadas, a família nuclear conjugal como norma hegemônica
(Duarte, 1996), sem dúvida explica por que existe uma tendência de ver
qualquer desvio dessa norma como problemático. (FONSECA, 2002: 64,51)
Aliada à transformação da família também estava a mudança em relação a
educação. Os preceptores foram trocados pelas escolas. Pareceu ter havido uma inversão,
mais privacidade na família e mais contato com a sociedade na educação. O que mais
26
chamava atenção na época não era o aprendizado formal, mas as amizades que se faziam,
as oportunidades que ocorriam na socialização em ambiente escolar (Áries, 1981: 244).
A partir da Revolução Industrial, com maior incentivo a escolarização e a inserção
da mulher no mercado de trabalho, aumentaram ainda mais as mudanças na família, pois
trouxe a ela uma maior autonomia, obrigando a mudanças dentro da família e no
relacionamento conjugal. “O aumento da participação feminina no mercado de trabalho
formal é um processo que, ao longo do século XX vai se acentuando, mas há que se
considerar sempre a inserção dos setores informais e a importância do trabalho domiciliar
que contribui para o orçamento familiar, mas que não aparece contabilizado” (SAMARA,
2002:36). A partir deste período, as mulheres se beneficiaram em todos os segmentos
sociais ainda que de maneira não igualitária. Enfrentam valores tradicionais em direção à
justiça social, o acesso ao conhecimento, amplia inclusive a dimensão da liberdade quanto à
igualdade entre os sexos, mas isso não impediu que ela continuasse sendo explorada.
Samara (2002:35) diz que “mesmo com a incorporação massiva das mulheres solteiras e
jovens no universo fabril, o trabalho domiciliar continuou permitindo que as casadas
contribuíssem para a renda familiar sem deixarem de exercer as funções básicas de mãe e
de donas de casa para as quais tinham sido socializadas e educadas”.
Singly (1996) discute que a família, a partir do século XX, vive profundas
transformações. O autor destaca alguns aspectos: para a família contemporânea apresenta-
se uma exigência própria de obtenção de satisfações relacionais e afetivas no âmbito do
casal associada à demanda do reconhecimento das identidades individuais dos filhos
(família relacional). Outro aspecto diz respeito à família ser uma instituição que continua a
contribuir para a reprodução biológica e social da sociedade.
Nesta perspectiva, o autor sinaliza duas mudanças importantes: por um lado, há a
valorização da educação para homens e mulheres que ocorreu, principalmente, a partir do
séc. XX e, por outro, há a desvalorização das formas autoritárias de famílias. A escola
tornou-se instituição central da sociedade levando às transformações das relações
familiares. Por isso, a ausência ou a precariedade do trabalho e a exclusão da escola
ganham vital importância no mundo contemporâneo, principalmente para os estratos mais
27
empobrecidos da sociedade. Assim, a família que não tem possibilidade de oferecer
escolaridade e um trabalho deixa de dar o patrimônio da família na atualidade.
O amor passa a ser o ponto de união nas relações entre os parceiros sexuais e entre
eles e seus filhos. Logicamente se o amor acaba, o esperado passa a ser então que os
parceiros sexuais se separem e procurem outros relacionamentos que os satisfaçam. Nessa
lógica fica cada vez mais difícil casamento duradouro, porque o que os alicerça não é mais
o negócio familiar, a continuação e aumento de bens, não é mais o sobrenome que tem a
força maior, mas o sucesso pessoal, a sua realização como pessoa. A escolha amorosa do
casal é marcada por critérios afetivos e sexuais, mas também construída por critérios
sociais. Os casamentos continuam sendo feitos em sua grande maioria no mesmo segmento
social, pois é nesta rede de relacionamentos que vão ser construídas as paixões e os
interesses mútuos. Não estamos querendo dizer com isso que os casamentos por interesses
financeiros tenham acabado, mas este passa a não ser mais o ideário a ser perseguido, tanto
que quando isto acontece passa a ser objeto de maledicências por parte da sociedade e
escamoteado por quem faz. Nas famílias em situação de pobreza a conjugalidade e
parentalidade da manutenção da família é um complicador a mais no sofrimento advindo
das condições econômicas.
Pode-se dizer que a família contemporânea passa a ser pautada no interesse do
relacionamento, é uma “família relacional”. Sua exigência específica é obter satisfações
relacionais afetivas, tanto no plano da conjugalidade, quanto no da parentalidade. Esta idéia
de família afetiva predomina principalmente depois da Primeira Guerra Mundial de 1914 a
1918.
O afeto modifica e acompanha as regras formais da relação entre os sexos (Singly,
1996). Passa a não ter congruência a continuação da posição subalternizada da mulher e dos
filhos em relação ao homem. Com isso a questão do poder dentro da família, foi, e vem
sendo alterada. Passa a não se exigir do homem o provimento da família, mas em contra
partida espera-se dele mais compreensão no trato com os outros membros, obrigando-o a
repensar um modelo socialmente construído por muitos anos. Esta alteração de
funcionamento da família está ligada, portanto as alterações das relações sociais como um
todo, onde o trabalho e a escolarização tiveram influências fundamentais. O plano afetivo
28
constitui uma das referências principais para realização da identidade pessoal. A
psicologização da existência integra a sociedade contemporânea e repercute diretamente
sobre a vida das famílias.
Mais recentemente um novo aspecto que muito influenciou a família foi o
desenvolvimento tecnológico quanto à reprodução humana. “A partir da década de 1960,
não apenas no Brasil, mas em escala mundial, difundiu-se a pílula anticoncepcional, que
separou a sexualidade da reprodução e interferiu decisivamente na sexualidade feminina”
(SARTI, 2003: 21). A década de 60 foi um divisor de águas. Quando se começaram a
difundir os métodos contraceptivos, houve uma mudança radical para a vida da mulher,
como também muitas mudanças nos relacionamentos familiares e sociais. Inicialmente a
decisão de ter ou não filhos ficou nas mãos da mulher ao tomar a pílula, posteriormente
com a difusão do uso da camisinha, principalmente depois da instalação da AIDS, os
homens também se apoderaram dos métodos contraceptivos. Sarti (2003: 22) diz que a
evolução tecnológica “introduziu no universo naturalizado da família a dimensão da
escolha”. Na década de 90 houve um novo impulso com a difusão do exame do DNA que
permitiu a identificação da paternidade em muitos processos judiciais de reconhecimento,
que teve nos referidos processos seu principal elemento de prova.
Por um lado, com as dificuldades da sociedade moderna, desemprego e precariedade
do trabalho; de outro, as dificuldades internas, separações e a construção de novas maneiras
de pensar e vivenciar as relações familiares, provocam uma perda de condições de bens
materiais, pois a falta de lugar para o trabalho/trabalhador cria uma ruptura de identidade e
tensiona a própria família em seus meios de subsistência. A falta de trabalho traz a perda
em especial para os homens de suas identidades social e pessoal. Há uma esgarçadura dos
vínculos familiares, principalmente os conjugais. No entanto tais mudanças também
provocam ganhos, como a autonomia da mulher e a inscrição das crianças como sujeitos de
direito.
O caminho percorrido no decorrer deste trabalho sinaliza para o seguinte conceito
de família:
estrutura particularista de relações entre sexos e gerações organizadas pelo
princípio do parentesco (consangüíneo e/ou de aliança), implicando em
29
direitos e deveres recíprocos e vínculos de poder e também de dependência
afetiva, econômica e social
entre seus membros. (BILAC, 2003: 35)
Nas famílias em situação de pobreza, estrato social que advém a nossa pesquisa, não
podemos deixar de lado aquilo que a iguala às demais, bem como o que a singulariza.
Devido à precarização do trabalho e à ausência do patrimônio escolaridade ela torna-se
mais vulnerável. Esta vulnerabilidade social
11
da família em situação de pobreza está ligada
às faltas nas condições de subsistências que por sua vez têm estreita relação a muitas
expectativas não cumpridas. Expectativas adjacentes de um modelo idealizado submetido à
ideologia dominante. Podemos lembrar as mais comuns: homem provedor, mulher
amorosa, filhos obedientes, família feliz sem desavenças de qualquer tipo. Assim, a família
em situação de pobreza vive no plano da ação a contradição do modelo nuclear burguês, no
plano do imaginário o ideal a ser perseguido.
[...] a família se apresenta como âmbito privilegiado, na medida em que esta
tende a ser o primeiro grupo responsável pela tarefa socializadora. A família
constitui, portanto, uma das mediações entre o homem e a sociedade. Sob este
prisma, ela não só interioriza aspectos ideológicos dominantes na sociedade
como projeta ainda em outros grupos os modelos de relação criados e
recriados no interior do próprio grupo. (VITALE, 1994:284)
Sarti (2003:28) diz que “a primeira característica a ressaltar sobre as famílias pobres
é sua configuração em rede, contrariando a idéia corrente de que esta se constitui em
núcleo”. Esta configuração tem estreita relação com a vida das crianças. Na medida em que
ocorre uma esgarçadura do vínculo afetivo entre seus pais, a criança geralmente passa a ser
criada por outro membro da família ou fora dela. Situação esta que Fonseca (1995: 14)
chama antropologicamente de “circulação de crianças”. Marques (2001:37) falando do alto
11
Vulnerabilidade social “entendida como um somatório de situações de precariedade, para além das
precárias condições socioeconômicas (como indicadores de renda escolaridade ruins) presentes em certos
setores censitários. São considerados como elementos relevantes no entendimento da privação social aspectos
como a composição demográfica das famílias aí residentes, a exposição à situação de riscos variados (como
altas incidências de certos agravos à saúde, gravidez precoce, exposição a morte violenta, etc.), precárias
condições gerais de vida e outros indicadores (...)para além de variáveis socioeconômicas classicamente
associadas à caracterização de populações vulneráveis, como rendimento dos chefes de família, indicadores
de escolaridade e outros, foram consideradas também variáveis relativas ao ciclo de vida familiar, como a
presença de grupos etários específicos que podem reforçar a situação de vulnerabilidade das famílias mais
expostas a situação de privação – crianças pequenas, mulheres chefes de família, idosos e outros.” (Centro de
Estudos da Metrópole/SP, 2004: 12, 14)
30
índice de rupturas conjugais/amorosas afirma que existe um relevante trânsito de genitores
entre essas famílias, se inspira no termo de Fonseca e cria a nomenclatura “circulação de
genitores”. Estes termos criados por Marques e Fonseca sem dúvida apontam para uma
realidade que distancia o modelo vivido do modelo idealizado tanto nos laços conjugais
quanto nos parentais e interferem diretamente no processo de socialização
12
. No entanto
devem ser usados com cuidado para que não se caia nas artimanhas do preconceito, do
moralismo e na banalização do impacto afetivo principalmente em relação às famílias em
situação de pobreza.
Na sociedade brasileira a família é colocada como uma instituição de importância
indiscutível, “entre os pobres sua importância é central, e não apenas como rede de apoio
ou ajuda mútua, diante de sua experiência de desamparo social. A família, para eles, vai
além: constitui-se em uma referência simbólica fundamental, que organiza e ordena sua
percepção do mundo social, dentro e fora do mundo familiar” (SARTI, 2003:33).
Percebemos a família como uma instituição que caminha e evolui na história e está
delineada de acordo com as necessidades de seu tempo, suas singularidades de acordo com
o estrato social ao qual pertence, contudo sem perder o lugar e o significado de importância
na vida social coletiva.
1.2. PEDIDO DE GUARDA NA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
Para a compreensão a respeito dos Pedidos de Guarda na Vara da Infância e
Juventude e do Idoso, necessário se faz conhecer o que dita a legislação em seus aspectos
principais. Tomando como eixo de entendimento o Pedido de Guarda, o Estatuto da
Criança e do Adolescente em sua Subseção II quando trata exclusivamente sobre esta
modalidade.
Inicialmente é importante explicar que existem diferenças fáticas entre os Pedidos
de Guarda advindos das Varas de Família e os da Vara da Infância e Juventude . Os pedidos
12
A socialização aqui é entendida como Berger e Luckman (2004: 175) que a definem como “a ampla e
consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela”.
31
advindos das Varas de Família em sua grande maioria envolvem litígio e geralmente as
disputas ocorrem dentro da própria família, principalmente entre os pais das crianças. Já os
pedidos advindos da Vara da Infância e Juventude normalmente não envolvem litígios e os
requerentes são tanto os familiares (com exceção dos pais) como qualquer outra pessoa fora
da rede familiar.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê o seguinte:
Artigo 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela
ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou
adolescente, nos termos desta Lei.
§ 1
º
Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente
ouvido e a sua opinião considerada.
§ 2
º
Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a
relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as
conseqüências desta medida.
A guarda na Vara da Infância e Juventude freqüentemente no senso comum é
confundida com a adoção, pois ambas são modalidades de colocação em família substituta.
A guarda muitas vezes é utilizada como uma situação que antecede a adoção. No entanto
guarda e adoção são institutos muito diferentes. A guarda pode ser revista e revogada
judicialmente a qualquer tempo a critério da autoridade judiciária mediante pedido feito
pelos interessados (guardiães e pais)
13
. Já a adoção tem caráter irrevogável e dá a criança a
condição de filho. Em algumas situações a guarda é por tempo determinado, pois destina-se
a um período restrito, mas mesmo assim pode ser mudada a qualquer momento. O ECA é
claro em seu artigo 35: “ A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato
judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público”.
No mesmo artigo, apenas no intuito de exercitarmos uma breve reflexão, pois não
vamos nos ater em discussão jurídica sobre o entendimento de “família” no ECA,
poderemos pensar qual é esta família substituta que o ECA está se referindo? Como já
dissemos anteriormente o conceito de família não é uniforme. O ECA se refere a “família
natural” em seu art. 25: “entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais
ou qualquer deles e seus descendentes”. Sendo assim, a família considerada é apenas o
13
O interesse da criança/adolescente para mudança na situação de guarda é representado pelo Ministério
Público.
32
grupo familiar pais e filhos. Os avós não são considerados como fazendo parte da família
natural. Ocorre que avós e netos são figuras familiares muito próximas, e na prática fica
difícil o entendimento desta fronteira tão rígida. Localizamos aí um ponto de tensão neste
tipo de pedido.
A legislação também prevê que sejam considerados o grau de parentesco e a
afetividade na situação envolvida. Ou seja, ambos devem ser observados conjuntamente
sem privilégios de um ou outro aspecto, a fim de diminuir os prejuízos emocionais.A
criança/adolescente deve ser ouvida em seu direito enquanto cidadã, no entanto não deve
caber a ela a escolha, pois por ser pessoa em condição peculiar de desenvolvimento não tem
condições de decidir o que é melhor ou pior para si. Esta deverá ser uma decisão tomada
pela autoridade judiciária que levará em conta muitos elementos para firmar sua convicção,
entre eles o Laudo Social. Além do mais, não deve caber à criança ou ao adolescente o peso
desta decisão. Esta é uma situação constrangedora em que as crianças e os adolescentes que
são sujeitos de Pedido de Guarda freqüentemente passam. A de terem que expor sua
posição frente a um pedido que não é o deles. Sendo este pedido entre sua mãe e sua avó
mais delicado ainda, pois são duas figuras parentais importantes. A opinião
favorável/desfavorável ao pedido de uma ou outra pode ser entendida como uma medida do
amor que a criança tem, o que nem sempre é verdadeiro. A manifestação do desejo de ficar
com uma ou com outra pode estar exprimindo outros afetos que não o amor, inclusive o
medo.
Nos artigos seguintes ao citado anteriormente, o ECA dita que:
Art. 29. Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele,
por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não
ofereça ambiente familiar adequado.
Art. 30. A colocação em família substituta não admitirá transferência da
criança ou adolescente a terceiros ou a entidades não-governamentais, sem
autorização judicial.
Art. 31. A colocação em família substituta estrangeira constitui medida
excepcional, somente admissível na modalidade de adoção.
Art. 32. Ao assumir a guarda ou a tutela, o responsável prestará compromisso
de bem fielmente desempenhar o encargo, mediante termo nos autos.
33
Nestes artigos o ECA afirma que deve haver uma pessoa que se responsabilize, ou
seja, o requerente, e que ele e o ambiente familiar em que vive devem ser adequados. A
adequação do ambiente deve ser avaliada por profissionais com esta competência, entre
eles o assistente social. A criança e o adolescente deverão ficar na companhia do guardião,
sendo que este não tem poder de transferir a guarda para outrem. O guardião assume um
compromisso sobre o qual poderá ser chamado a prestar conta a qualquer momento.
O Artigo 33 diz que:
Art. 33. A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e
educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de
opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
§ 1
º
A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida,
liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no
de adoção por estrangeiros.
§ 2
º
Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e
adoção, para atender situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais
ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a
prática de atos determinados.
§ 3
º
A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente,
para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
Localizamos dois pontos de tensão no Artigo 33 caput. O primeiro quando obriga o
guardião a prestar assistência, ao mesmo tempo em que não isenta os pais de também
prestarem, pois não foram destituídos do poder familiar. Tanto os pais quanto os guardiães
têm praticamente (exceto a guarda) as mesmas obrigações. O segundo quando diz que o
guardião tem o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. Ou seja, os pais e os
guardiães com as mesmas obrigações, mas competências diferentes. O fato de a guarda
estar com a avó lhe dá o direito de interpor a decisão dos pais quando esta oferece risco,
ocorre que este risco é avaliado sob a ótica dos guardiães.
No parágrafo seguinte observamos que a situação que estudamos enquadra-se pelo
ECA como excepcional, pois não estamos tratando de casos de tutela ou adoção. A guarda
por si só, já é uma modalidade repleta de tensão, por seu caráter excepcional.
A guarda confere a condição de dependente e não de herdeiro. Nas famílias em
situação de pobreza onde não existem bens a passar como herança, observa-se que às vezes
34
a única possibilidade de deixar algo material a seus descendentes é a pensão do INSS
referente à aposentadoria. O ECA prevê a condição de dependente para todos os fins de
direitos, os previdenciários inclusive. Ou seja, não se deve entrar com um Pedido de
Guarda visando apenas a dependência na previdência, o que ocorre com alguns avós, que
entram com o pedido apenas com esta finalidade. Cabe aqui uma reflexão sobre a justiça,
que não será aprofundada, em relação ao cidadão ou cidadã que durante anos não conseguiu
construir um patrimônio financeiro porque não encontrou um lugar neste sistema de
desigualdades sociais, mas contribuiu para a formação dos bens de capital, morrer e deixar
seu neto desamparado, mesmo que fosse somente com uma pensão previdenciária.
Art. 34. O Poder Público estimulará, através de assistência jurídica,
incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de
criança ou adolescente órfão ou abandonado.
O Artigo 34 é inovador porque abre portas à possibilidade das crianças serem
acolhidas fora do Abrigo, mesmo que a família substituta necessite de amparo financeiro.
Cada vez mais tem sido criado no Brasil programas tendo como base este artigo. Embora
diga respeito à guarda não será aprofundado por ser periférico ao objeto desta pesquisa.
1
.3. FAMÍLIA, PEDIDO DE GUARDA E AVÓS
Os Pedidos de Guarda no seio da família envolvendo avós vêm nos preocupando há
algum tempo, tanto pela grande demanda quanto por suas sutilezas. Às vezes o Assistente
Social Judiciário é um dos poucos profissionais que conseguem perceber estas situações de
sofrimento e encaminhá-las para ajuda. Oswaldo di Loreto, psiquiatra que integrou a
primeira equipe técnica do Juizado de Menores da Capital do Estado São Paulo, em seu
livro
14
sobre a “origem e modo de construção das moléstias da mente (psicopatogênese)”
diz que:
14
Di Loreto escreveu muitos artigos que não publicou, estes eram escritos e passados de mão em mão por
profissionais da área que eram seus colegas e supervisionados.
35
A patogenia não está nos acontecimentos ocasionais. Não que os ocasionais
não possam ser patogênicos. Podem. Mas toda a experiência prática está me
demonstrando que a patogênese se dá, muito mais, a partir dos conflitos
humanos estáveis, instalados e repetidos, e repetidos e repetidos,
automaticamente, na rede de relações familiares. (LORETO, 2004:126)
Nesta perspectiva imaginamos que faz muito sentido preocupar-nos com estes
pedidos, pois se a criança/família estão passando por algum sofrimento o risco é alto de não
percebermos de forma imediata. Justamente porque nosso olhar está voltado para um
sofrimento explícito, portanto, de grande vulto. Quando o sofrimento não é visível
precisamos estar melhor preparados e utilizarmos instrumental mais refinado.
Entendemos que estes estudos têm caráter preventivo e protetivo. Pois este é o
momento de detectarmos situações que precisam de auxílio, para que não haja um
recrudescimento com as repetições e depois tenhamos que atuar remediando uma
dificuldade já instalada. Apesar desta necessidade verificamos que a literatura não tem
tratado suficientemente o assunto. Entre as produções brasileiras, destacamos a obra de
Barros (1987) que trata das relações intergeracionais e avós. Contudo, este diferencia
substancialmente de nossa proposta visto que o objetivo central deste trabalho foi o de
analisar a família de camadas médias urbanas no Brasil, enquanto o nosso situa-se nos
estratos empobrecidos tratando da situação de Pedido de Guarda.
Em busca das dissertações e teses que tratam sobre o assunto na Biblioteca da PUC
apresentadas nos últimos cinco anos, detectamos apenas uma Dissertação de Mestrado no
Programa de Gerontologia realizado em 2001 por Calobrizi, sob o título “As questões que
envolvem a responsabilidade assumida pelos avós enquanto guardiões de seus netos, no que
se refere à formação de referenciais e aos legados, passados de geração em geração”. Esta
trata principalmente dos avós, enquanto detentores da guarda judicial dos netos, e os
legados que são transmitidos nessa relação intergeracional, formando os referenciais
sociais. Apesar de realizar a pesquisa com população semelhante à desta, usuários da Vara
da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de S. Paulo e provenientes dos
estratos empobrecidos da sociedade, os trabalhos se diferenciam na medida em que o objeto
da pesquisa da referida autora discute a situação de guarda dos netos pelos avós sob a ótica
do envelhecimento.
36
Dias e Silva (1999) em minuciosa pesquisa de natureza bibliográfica em que visou
levantar as principais variáveis relacionadas ao papel das avós dizem que há uma escassez
de estudos realizados no Brasil, sendo que a maioria dos estudos se refere à realidade dos
Estados Unidos, havendo alguns originários do Canadá e da Inglaterra. Também estes
trabalhos tratam em sua maioria de pesquisas realizadas com pessoas de bom nível
educacional e de classe média. Apesar de realidades econômicas e sociais diferentes, esta
pesquisa nos traz pontos interessantes para reflexão. Referem que os motivos que mais
levaram os avós a assumirem a criação dos netos nos Estados Unidos foram: pais com
problemas emocionais; uso de drogas pelos pais; pais que trabalham o tempo inteiro; a
decisão de não querer os netos em casas adotivas. Assinalam também que têm havido
influências devido às mudanças demográficas que estão ocorrendo na atualidade com o
aumento da convivência com quatro ou mais gerações. Especificamente em relação a avós
guardiães, as autoras dizem que houve indicações
de um senso de isolamento e confusão de papel entre aqueles que assumiram
a criação dos netos, provavelmente devido às dificuldades de comportamento
dos netos, como resultado do conflito familiar precedente à perda dos pais,
como também devido a falta de habilidades dos avós que assumiram o papel
de pais (Shore, 1991). As avós guardiães (...) também relataram menor nível
de coesão diádica e satisfação conjugal, bem como maior estresse com os pais
das crianças. (DIAS E SILVA, 1999:125)
A percepção dos netos sobre as avós em geral foi favorável, mas três fatores foram
apontados como dificultadores desta relação: “o mau relacionamento intergeracional; a
distancia geográfica e o envolvimento com outras atividades” (1999:127). Apontam
também entre outros que os avós foram mais envolvidos nas famílias com pais sozinhos do
que nos outros tipos de família. Em especial sobre o relacionamento avós-filhas ressaltam
que:
os conflitos entre mães e filhas também podem causar prejuízos na relação
avós-netos. Santos e Hamú (1998) mostraram ter vivenciado situações
peculiares a tal problemática, o que as levou a trabalhar com as hipóteses de
que as questões não resolvidas entre a primeira e segunda geração, terminam
por interferir no direito desta última de exercer a sua função de mãe. Por
outro lado, as avós que não aceitam exercer o seu papel, querem dar
continuidade ao exercício do papel materno trazendo para junto de si um(a)
neto(a), passando a desempenhar o estilo de mãe substituta. (DIAS E SILVA,
1999:130)
37
Sob esta perspectiva dizem que em geral “as avós foram mais propensas a
assumirem o papel de mães substitutas dos filhos de suas filhas do que dos filhos dos seus
filhos” (DIAS E SILVA, 1999:133).
Mais recentemente em artigo intitulado “Avós: velhas e novas figuras da família
contemporânea”, Vitale diz que há uma escassez de estudos realizados sobre esta temática:
[...] as mudanças dos laços familiares e a vulnerabilidade que atinge as
famílias demandam novos papéis, novas exigências para essas figuras,
personagens que ganham relevo não só na relação afetiva com os netos, mas
também como auxiliares na socialização das crianças ou mesmo no seu
sustento, mediante suas contribuições financeiras. No Brasil, essa temática
tem sido, entretanto, pouco debatida, tanto nos estudos, sobre as questões da
família contemporânea como naqueles que pesquisam e tratam do
envelhecimento. (VITALE, 2003: 94)
Indaga, a referida autora no mesmo artigo (2003:95), “como se dão esses cuidados
ou a guarda dos netos: no cotidiano, nos fins de semana, nas férias? Os avós exercem uma
guarda de fato, mas não legal, ou seria uma guarda temporária ou determinada
judicialmente?” Sem vislumbrarmos dar conta de tantos questionamentos, completamos
estas indagações com a que ao longo desta pesquisa talvez possamos responder: como se
dão estas relações familiares avós-filhas-netos(a) no contexto de Guarda Judicial. Cremos
que:
O desenvolvimento de pesquisas sobre os laços intergeracionais que estão no
cerne das questões familiares, com foco nos avós, contribui sem dúvida, para
uma melhor apreensão das dinâmicas familiares. Estas ajudarão a
compreender sua presença como novas e velhas figuras das famílias
contemporâneas. E, finalmente, por meio das relações intergeracionais,
podemos examinar o desenho das fronteiras familiares, hoje condição
essencial para a discussão das políticas sociais. (VITALE, 2003: 104)
38
Assim sendo, sistematizando este percurso teórico, pensamos família como uma
categoria em movimento, não homogênea e histórica. Por isso a tratamos como um sistema
aberto a informações, que está e esteve em todas as épocas em constante mutação,
recebendo influências das condições econômicas e culturais em que ela se situa. Mas este
espaço institucional é também de vida, na medida em que é nele que as pessoas recebem a
primeira socialização e se constroem na e para a vida em sociedade. Estas mudanças
socioafetivas ocorrem às vezes de maneira brusca com a provocação de algum agente
externo, sendo um dos principais a tecnologia, ou muito devagar, quase imperceptível. De
forma que a tradição e a modernidade, a força interna da família e externa da sociedade,
parece estar sempre em combate, tecendo e construindo novas maneiras de se relacionar e
de viver no coletivo.
A família necessita, como um espaço de vida, se revitalizar em outros espaços
sociais e institucionais, um deles é o Poder Judiciário. Por outro lado o sistema social, as
instituições necessitam da família para dar conta da reprodução e proteção social dos
indivíduos que têm obrigação de proteger. O entrelaçamento destas duas dimensões
compõem o tecido social e familiar que dá origem à situação, no caso deste estudo, o
Pedido de Guarda.
Este instrumento social e familiar da guarda, nutre em seu âmago contradições e
também composições, gerando pontos de tensão no seio da família e da sociedade que
merecem ser estudadas.
Os autores e a Lei nº.8069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos ajudam a
compor um quadro teórico inicial para discutir os Pedidos de Guarda requerido pelas avós
maternas, entretanto os estudos sinalizam para a importância de se ampliar o entendimento
sobre estas situações.
No próximo capítulo vamos conhecer alguns aspectos dos Pedidos de Guarda na
Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos/SP, através do plano quantitativo.
Identificaremos tais pedidos na comarca e como eles se apresentam aos assistentes sociais.
39
Capítulo II
O CONTEXTO SOCIAL
Um fenômeno permanece inexplicável enquanto
o âmbito de observação não for suficientemente
amplo para incluir o contexto em que o
fenômeno ocorre
Watzlawuick, Beavin, Jackson, 96-99:18
Neste capítulo apresentamos as nossas reflexões por meio do plano quantitativo,
ressaltando que este tem estrita ligação com o plano qualitativo que apresentamos
posteriormente. Imbuídos da concepção constante nesta epígrafe, cremos que só poderemos
compreender as relações socioafetivas intergeracionais nos processos em que a avó requer a
guarda de seu neto, se pudermos mapear tais pedidos e ampliarmos o nosso âmbito de
observação da família para o coletivo onde ele ocorre.
O estudo no plano quantitativo se reveste de importância na medida em que forja a
familiaridade com o tema e com o universo pesquisado, pois ao ser quantificada ocorre
freqüentemente a desmistificação das observações aleatórias suscetíveis de ocorrência em
meio à nossa prática profissional.
Permite ainda o acesso a informações estritamente confidenciais pelo caráter
sigiloso dos processos relativos à família no Poder Judiciário. Verificar os processos para
colher os dados nos foi possível porque houve autorização do Juiz Titular da Vara
(conforme anexo) facilitada pelo fato de trabalharmos no Fórum. Nesta tarefa árdua de
coletar os dados pudemos contar com auxílio de outra profissional assistente social por ser
ela também funcionária do Tribunal de Justiça. Esta colaboração foi de suma importância,
pois o seu conhecimento em direito por ser bacharel, associado às nossas experiências
forenses agilizou os reconhecimentos dos dados do processo. Não podemos precisar
quantas horas foram gastas neste trabalho porque ele ocorreu em meio às possibilidades de
tempo de nossas tarefas diárias como também dos cartorários. As consultas aos processos
ocorreram na sala do Cartório da Vara da Infância e Juventude durante o mês de março de
2005.
40
Ainda que este levantamento não seja suficientemente amplo, por certo oferece
algumas indicações como veremos a seguir.
Neste capítulo apresentamos o nosso lócus profissional e a demanda numericamente
recebida pela Vara da Infância e Juventude na Comarca de Santos, como também a
demanda que a própria recebe. Em seguida apresentamos o perfil dos Pedidos de Guarda:
quais órgãos encaminham àquela Vara, em quantos processos são determinados estudo
social, destes quantos foram realizados à época da pesquisa e qual foi o parecer do
assistente social referente ao pedido. A seguir levantamos o perfil dos Pedidos de Guarda
sob a divisão dos três protagonistas da família: os requerentes, os pais e as
crianças/adolescentes.
Inicialmente pareceu-nos oportuno apresentar o nosso espaço de atuação
profissional, para que se possa configurar o contexto onde foram obtidas as informações
tratadas neste capítulo.
O cargo de Assistente Social Judiciário em Santos tem seu espaço na Diretoria
Técnica de Serviço de Apoio Administrativo às áreas de Psicologia, Psiquiatria, Serviço
Social e Perícias Médico-acidentárias, na Seção de Psicologia e Serviço Social. Esta
diretoria é única no Estado de São Paulo. Foi criada pela Portaria 2418/89 em 20/12/89,
conforme publicação no Diário Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Oferece serviços nas áreas de Psicologia e Serviço Social por profissionais concursados e
na área de Psiquiatria por profissionais cedidos por outros órgãos estaduais.
A subordinação administrativa desta Diretoria é ao Juiz Diretor do Fórum, e presta
serviços às Varas Criminais, Vara de Execuções Criminais, Varas de Família e Vara da
Infância e Juventude. Geralmente, em outras comarcas do Estado, os assistentes sociais e
psicólogos são lotados na Vara da Infância e Juventude, o que faz com que eles fiquem
administrativa e judicialmente subordinados diretamente ao Juiz de Direito titular da Vara.
Isto não ocorre na Comarca de Santos onde ficamos subordinados em tese a um profissional
da Psicologia ou do Serviço Social.
Resumidamente, existe uma Diretoria Técnica subordinada administrativamente ao
Juiz Diretor do Fórum; dentro desta diretoria existe uma Seção de Psicologia e Serviço
Social. Nesta seção estão lotados os assistentes sociais e psicólogos que recebem
41
determinação dos juízes das várias Varas para realizar estudo psicológico/social. Nesta
função temos atendido a processos advindos da única Vara da Infância e Juventude, das
Varas Cíveis e Varas de Família. De forma que nosso acesso ao trabalho é quase que
exclusivamente por intermédio dos autos em que foram determinados estudos sociais,
portanto não temos em nosso cotidiano um compartilhamento das ações que acontecem
diariamente na Vara e no Cartório da Infância e Juventude.
2.1. DEMANDA DE SANTOS: VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE E DIRETORIA TÉCNICA
Para obtermos um perfil preliminar do Município de Santos em relação à área da
infância e juventude realizamos um levantamento no cartório da única Vara da Infância e
Juventude da cidade, utilizando os registros do Livro de Registro de Feitos quanto aos
processos em tramitação no ano de 2004.
Este levantamento teve como objetivo conhecer o número de processos existentes
na Vara da Infância e Juventude para relacioná-lo ao número de processos de Pedidos de
Guarda.
Tabela 01: Demanda atendida pela Vara da Infância e Juventude na Comarca
de Santos/SP em 2004
Início dos processos Número de processos
Processos vindos dos anos anteriores
4375
Processos iniciados em 2004
2083
Processos remetidos a outras Comarcas, Varas, etc.
201
Processos encerrados em 2004
1934
Processos que passaram para 2005
4323
Fonte: Livro de Registros de Feitos do Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de
Santos (SP).
Esta tabela nos revela que o número de processos que foram iniciados (2083)
equipara aproximadamente ao número de processos que são encerrados (1934) durante o
ano, sendo o giro anual de processos acrescido pelo número que vem de anos anteriores
42
(4375). Observamos que ao encerrar o ano de 2004, passou-se para 2005, aproximadamente
o mesmo número de processos (4323).
Neste caso, para que obtivéssemos um panorama das solicitações atendidas na vara,
realizamos um levantamento sobre os tipos de ações autuadas (iniciadas). As explicações
sobre os tipos de processo se encontram no Anexo I. Escolhemos como amostra para os
tipos de processos autuados o período de julho a dezembro de 2004 e janeiro a março de
2005. A escolha deste se deu por ser um período próximo e assim conseguirmos dados
atuais
15
.
Tabela 02: Processos autuados no Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca
de Santos de julho de 2004 a março de 2005
Mês
Tipo de processo
jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05
Total
Ato Infracional 90 82 81 90 63 5 84 69 59 623
Pedido de Guarda 22 27 17 22 29 31 38 47 47 280
Pedido de
Providências
27 15 25 17 22 12 20 19 22 179
Autorização de
viagem exterior
16 15 4 8 9 23 13 7 11 106
Carta Precatória 5 7 7 11 9 10 14 5 12 80
Cadastro de Adoção 2 2 4 11 9 6 6 1 2 43
Pedido de Adoção 4 2 3 2 1 2 2 5 10 31
Destituição de Poder
Familiar
1 0 0 2 1 0 2 0 0 6
Infração
Administrativa
1 0 0 1 1 1 0 0 1 5
Pedido de Tutela 0 2 0 1 0 1 0 1 0 5
Obrigação de Fazer 0 0 1 0 1 0 0 0 0 2
Outros
16
0 5 5 11 4 2 16 7 4 54
Total 168 157 147 176 149 93 195 161 168 1414
Fonte: Livro de Registros de Feitos do Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
15
Esclarecemos que até dezembro havia uma juíza responsável pela Vara da Infância e Juventude, que já
estava nesta função há 11 anos, quando se transferiu para outra vara na mesma comarca. Em janeiro, período
de férias forenses, foram juízes substitutos e em fevereiro assumiu um novo titular para a Vara da Infância e
Juventude. Não sabemos se houve uma interferência significativa.
16
Incluímos neste item tipos de processos com menor relevância em quantidade na Vara da Infância e
Juventude, como por exemplo: fiscalização de entidades, suprimento de consentimento, nomeação de curador
especial, liberação de veículo, revisão de medida de abrigo.
43
54
2
5
5
6
31
43
80
106
179
280
623
0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 650 700
Outros
Obrigação de Fazer
Pedido de Tutela
Infrão Administrativa
Destituição de Poder Familiar
Pedido de Adoção
Cadastro de Adoção
Carta Precatória
Autorizão de viagem exterior
Pedido de Providências
Pedido de Guarda
Ato Infracional
Total de processos autuados
Tipo de processo
Gráfico 1: Processos autuados no Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca
de Santos de julho de 2004 a março de 2005
Observando a Tabela 02 percebemos que o maior número de processos autuados é o
de Ato Infracional, cuja ação trata de adolescentes em conflito com a lei. Ressaltamos que
os referidos processos representam mais da metade de todos os processos autuados pela
vara neste mesmo período. Como dissemos anteriormente, um mesmo adolescente pode ter
mais de um processo, mesmo assim o número chama muita atenção. Embora não tenhamos
o intuito de aprofundar este assunto, o número é tão diferenciado dos demais que sinaliza
para que políticas sociais ou alguma medida seja tomada nesta direção, no mínimo para que
estudos sejam feitos focalizando este tipo de processo.
Também nos chama a atenção, por exemplo, que o número de pedidos de pais para
levarem seus filhos ao exterior supera os Pedidos de Cadastramento para Adoção, e Pedido
de Adoção. Ele é o quarto maior número de processos autuados sendo os meses de julho,
agosto e dezembro os de maior relevância provavelmente por ser o período de férias.
Em segundo lugar quanto ao maior número de processos vem o de Pedido de
Guarda. Próximo a ele apenas o Pedido de Providências que é um tipo de processo que
engloba diversas situações, como violência contra crianças/adolescentes, falta da criança na
44
escola e outras que as coloquem em risco. Portanto os números confirmam as nossas
observações cotidianas quanto à necessidade de efetuar estudos em relação ao Pedido de
Guarda.
Podemos observar que os números indicam a mesma tendência de um ano para o
outro. Verificamos um certo declínio nos Processos de Ato Infracional, mesmo assim o
índice continua alto. Aumentou bastante o número de Pedidos de Guarda no início do ano
de 2005 em relação aos últimos meses de 2004. Embora precisássemos dos levantamentos
nos demais anos anteriores, podemos levantar a hipótese de que este aumento do número de
Pedidos de Guarda esteja relacionado ao início do ano letivo, pois geralmente as escolas
solicitam o Termo de Guarda para efetuarem as matrículas. Mas no geral, os números
levantados com referência ao último semestre de 2004 se confirmaram em 2005.
Os valores apresentam numericamente a demanda da Vara da Infância e Juventude e
com isso oferecem um quadro dos problemas da área ao Município de Santos trazidos ao
conhecimento do Tribunal de Justiça, como também um contorno para a demanda do
Serviço Social Judiciário. Como dissemos anteriormente, atuamos nos autos apenas sob
determinação judicial, isto quer dizer que a demanda da vara não é a mesma que a dos
assistentes sociais. Esta recebe uma triagem conforme a necessidade do juiz em sua
decisão. Para verificarmos a demanda do Serviço Social realizamos um levantamento no
Livro de Recebimento de Processos da Diretoria na qual exercemos as nossas funções, no
mesmo período. É bom esclarecer que ao serem autuados na vara os processos levam um
certo tempo para chegar até a Diretoria Técnica. Após a autuação, explicando de uma
maneira bem simples e linear, o processo é encaminhado ao Ministério Público, depois ao
Magistrado e somente então é encaminhado à Diretoria Técnica, se assim tiver sido
determinado, para estudo social/psicológico/psiquiátrico. Portanto os processos a que se
refere a Tabela 02, possivelmente não sejam exatamente os mesmos da Tabela 03.
45
Tabela 03: Processos enviados à Diretoria Técnica pelo Cartório da Vara da Infância
e Juventude com determinação para estudo social - Período de julho de 2004 a março
de 2005
Mês
Tipo de processo
jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05
Total
Pedido de Guarda 7 75 10 54 72 36 36 2 100 392
Pedido de Providências 2 40 12 55 31 31 21 26 52 270
Ato Infracional 29 32 12 12 31 27 24 27 25 219
Obrigação de Fazer 3 2 5 30 33 28 38 29 39 207
Cadastro de Adoção 4 4 4 22 6 10 5 3 8 66
Pedido de Adoção 1 16 2 5 5 3 4 0 8 44
Carta Precatória 1 2 1 6 4 4 1 0 2 21
Destituição de Poder
Familiar
1 1 1 6 1 1 4 0 3 18
Pedido de Tutela 1 4 0 2 0 0 0 4 2 13
Autorização de viagem
exterior
0 0 0 0 0 0 0 5 0 5
Infração
Administrativa
0 1 0 0 0 0 0 0 0 1
Outros 0 5 0 5 6 5 3 10 9 43
Total 49 182 47 197 189 145 136 106 248 1299
Fonte: Livro de Recebimento de Processos da Diretoria Técnica de Serviço de Apoio Administrativo às áreas
de Psicologia, Psiquiatria, Serviço Social e Perícias Médico-acidentárias, na Seção de Psicologia e Serviço
Social
46
43
1
5
13
18
21
44
66
207
219
270
392
0 50 100 150 200 250 300 350 400 450
Outros
Infrão Administrativa
Autorizão de viagem exterior
Pedido de Tutela
Destituição de Poder Familiar
Carta Precatória
Pedido de Adoção
Cadastro de Adoção
Obrigação de Fazer
Ato Infracional
Pedido de Providências
Pedido de Guarda
Total de processos
tipo de processo
Gráfico 2: Processos enviados à Diretoria Técnica pelo Cartório da Vara da Infância
e Juventude com determinação para estudo social
Comparando a Tabela 03 com a Tabela 02, observamos que aparece um número
grande de processos de Obrigação de Fazer para estudo na Tabela 03 e apenas 2 na Tabela
02. Estes processos dizem respeito a ações que o Ministério Público promoveu contra a
Prefeitura Municipal de Santos há mais de um ano e apenas neste momento, depois de
muitas fases e recursos judiciais, os mesmos chegaram para estudo. Observamos também
que neste período houve mudança do Promotor Público e este último tem adotado outras
medidas diferentes dos Processos de Obrigação de Fazer.
47
Nota-se que o número de processos que são atuados na vara é diferente dos que
chegam na Diretoria para estudo, ocorrendo maior demanda na vara. Mais diferente ainda
quando relacionados aos tipos de processos. Mesmo sabendo que os processos levam
alguns dias para que sejam enviados à Diretoria Técnica para estudo, se compararmos com
a tabela de processos autuados no mesmo período, verificamos que há um grande número
de processos de Ato Infracional que não é determinada a realização de estudo. Embora esta
pesquisa não se proponha a discutir este assunto, a diferença entre a instauração de
processos de Ato Infracional e a determinação para estudos sociais é no mínimo curiosa e
aponta para necessidade de uma melhor investigação.
Verificamos que a maior demanda para estudo social ocorre nos processos de
Pedido de Guarda, em segundo lugar vem Pedido de Providências, e em terceiro, quase a
metade dos Pedidos de Guarda, vem Ato Infracional. Por estes dados observamos que os
estudos sociais são mais requisitados nos processos de Pedidos de Guarda, o que veio
ratificar as nossas impressões quanto à relevância do estudo a que nos propusemos.
Passamos a apresentar um perfil destes requerentes dos Pedidos de Guarda.
2.2. PERFIL DOS PEDIDOS DE GUARDA
Para que pudéssemos conhecer melhor os Pedidos de Guarda referidos nas tabelas 2
e 3, ou seja, aqueles que chegam à Vara da Infância e Juventude e conseqüentemente à
Diretoria Técnica, optamos inicialmente em conhecer de que região da cidade está partindo
o maior número de requerimentos por intermédio do órgão que os tem encaminhado e ou
representado. A nossa fonte foi primordialmente o Livro de Registro de Feitos do Cartório
da Vara da Infância e Juventude, mas em alguns casos também consultamos os processos.
48
Tabela 04: Órgão que fez a inicial dos Pedidos de Guarda no período de julho de 2004 a
março de 2005
Mês
Órgão
jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05
Total
Conselho Tutelar Zona
Central.
4 8 6 5 9 10 16 20 12 90
Conselho Tutelar Zona
Noroeste
9 12 5 3 8 5 14 11 10 77
Conselho Tutelar Zona
Leste
5 328384 6 1453
Triagem na Vara 1 002252 2 216
Advogado 0 0 1 1221 0 07
Sem referência 3 433511 8 937
Total 22 27 17 22 29 31 38 47 47 280
Fonte: Livro de Registros de Feitos do Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
37
7
16
53
77
90
0 102030405060708090100
Sem referência
Advogado
Triagem na Vara
Conselho Tutelar Zona Leste
Conselho Tutelar Zona Noroeste
Conselho Tutelar Zona Central.
Número de pedidos
Órgão
Gráfico 3: Órgão que fez a inicial dos Pedidos de Guarda no período de julho de
2004 a mar
ç
o de 2005
Inicialmente o primeiro dado que nos chama atenção é que a grande maioria das
pessoas se dirigiu aos Conselhos Tutelares. Relacionado ao número reduzido que é feito
pelo serviço de Triagem da Vara da Infância, leva-nos a inferir que a população procura o
Conselho Tutelar e acredita nele para dar encaminhamento às suas dificuldades. Denota um
conhecimento e reconhecimento da população quanto à autoridade do Conselho Tutelar
como porta de entrada para eventuais processos judiciais. Isto pode indicar que os sujeitos
reconhecem o Conselho Tutelar como órgão legítimo para receber seus pedidos.
49
Observamos na Tabela 04 que o maior número de iniciais advém da Zona
Noroeste (28%) e da Zona Central (32%), justamente as regiões onde se concentram
pessoas com as menores rendas da cidade segundo Índice de Exclusão e Inclusão Social de
Santos – IEIS, realizado pelo NESSE – Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos da
Universidade Santa Cecília.
Ressaltamos também o pequeno número de iniciais feito por advogados , pois a
utilização dos mesmos na Vara da Infância e Juventude é facultativa, o que facilita o acesso
as pessoas dos estratos sociais empobrecidos.
Os dados referentes aos três primeiros meses de 2005 dão continuidade ao segundo
semestre de 2004, tendo uma ligeira elevação no número da Zona Central em relação ao de
2004, o que confirma tendência dos pedidos virem de regiões de baixa renda.
Com esta confirmação de que os pedidos advêm das regiões da cidade de menor
poder aquisitivo, entendemos ser necessário nos aproximarmos mais em relação a estes
pedidos. Para tal, escolhemos o mês de dezembro (processos iniciados) como amostra para
obtermos os dados. A escolha deste mês se deu por estar em um período suficientemente
próximo para o processo ainda estar em andamento e, o presente levantamento indicar que
há estabilidade no número de processos iniciados para Pedido de Guarda (média 31,1;
desvio padrão 11,6 e inter-quartil 16), sendo dezembro de 2004 o mês mais próximo da
média de processos autuados por período, o que o torna um bom representante. Conforme
consta na Tabela 02, do total de 31 processos autuados no Cartório da Vara da Infância e
Juventude no mês de dezembro de 2004, foi possível realizar pesquisa em 27, os quatro
faltantes estavam com o juiz.
Iniciamos o levantamento quanto às determinações judiciais de estudo social para
verificarmos quanto à necessidade percebida pela autoridade judiciária, bem como de sua
realização e parecer social frente à situação.
50
Tabela 05: Quanto à determinação judicial para realização de estudos sociais
Estudo social dez/04
Processo com determinação para realização de estudo 27
Processo sem determinação para realização de estudo 0
Total de processos pesquisados 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do Cartório da Vara da Infância e
Juventude da Comarca de Santos (SP).
Observamos que em todos os processos pesquisados o juiz determinou que se
realizasse estudo social. O que demonstra a percepção por parte da autoridade judiciária da
necessidade de maiores subsídios para sua decisão. Estes dados confirmam a impressão
obtida com a Tabela 03 quanto à premência de se estudar os Pedidos de Guarda.
Tabela 06: Quanto à realização de estudos sociais determinados
Estudo social dez/04
Realizados 5
Não realizados 22
Total de processos pesquisados 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do Cartório da Vara da Infância e
Juventude da Comarca de Santos (SP).
Como a tramitação dos levantamentos realizados demanda grande período de
tempo, devido o fluxo já explicado anteriormente, para chegar à Diretoria Técnica, a
maioria dos estudos sociais ainda não havia sido realizada à época (março de 2005) desta
pesquisa.
Tabela 07: Quanto ao parecer nos estudos sociais realizados
Parecer do assistente social dez/04
Favorável 5
Desfavorável 0
Total de processos pesquisados 5
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do Cartório da Vara da Infância e
Juventude da Comarca de Santos (SP).
51
Mesmo o número de processos pesquisados sendo pequeno, observamos que em
todos os processos pesquisados o assistente social foi favorável ao requerente.
Normalmente são situações que já estão instaladas há algum tempo e a tendência é de que
se permaneça como está, pois os argumentos tanto dos pais quanto dos requerentes são no
mesmo sentido. Para que o parecer seja desfavorável, o assistente social precisa estar atento
e justificar com muita propriedade para ser contrário a uma opção que a família
aparentemente encontrou como sendo a melhor.
Geralmente estes tipos de processos são tidos como “fáceis” no meio profissional.
Normalmente o requerente é alguém da família ou conhecido, que quer cuidar e manter sob
sua responsabilidade uma criança/adolescente. Isto tem gerado o raciocínio de que se a
criança tem alguém que quer cuidar dela, então por que se preocupar com os Pedidos de
Guarda? Em face de tantos outros pedidos urgentes que chegam com denúncias tão graves
de sofrimento para a criança, tais como violência física, psicológica e/ou sexual,
negligência, abandono... Estas situações de guarda geralmente se apresentam como de fato
e a princípio não oferecem riscos para as crianças. Contudo não podemos esquecer que
talvez mais difícil do que verificar uma denúncia seja observar atentamente para perceber
uma violência ou necessidade encoberta. O que queremos enfocar é a responsabilidade dos
estudos sociais forenses e principalmente de que os casos mais simples merecem ser
estudados com o mesmo cuidado que os demais, ditos “graves”.
No intuito de conhecermos um pouco mais sobre os Pedidos de Guarda,
pesquisamos nos autos iniciados no mês de dezembro/2004 alguns dados para que
pudéssemos traçar o perfil das pessoas que requerem a ação, dos responsáveis pelas
crianças (ou ausência deles) e da própria criança/adolescente envolvida.
2.3. S
OBRE OS REQUERENTES
Em relação aos requerentes iniciamos o levantamento verificando se o processo era
devido a iniciativa de uma ou duas pessoas, já que era possível a existência de casais que se
52
propusessem a cuidar da criança/adolescente. Na tabela abaixo constatamos que em sua
grande maioria as iniciativas foram individuais.
Tabela 08: Requerentes – Quanto à iniciativa
Requerentes Incidência
Individual 26
Duas pessoas 1
Total de requerentes 28
Total de processos pesquisados 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Estes dados contrariaram a impressão de que a responsabilidade seria
compartilhada. Ao mesmo tempo sabemos que algumas variáveis podem estar envolvidas
nesta decisão, principalmente no que diz respeito a implicações burocráticas, como por
exemplo, ir ao Fórum várias vezes, custo para tirar cópias dos documentos e outros, já que
como vimos trata-se de uma população em situação de pobreza.
Tabela 09: Requerentes – Sexo
Sexo Incidência
Masculino 4
Feminino 24
Total de requerentes 28
Total de processos pesquisados 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Em relação ao sexo dos requerentes notamos uma confirmação de que as mulheres
são em sua maioria as cuidadoras conforme nos aponta a literatura. McGoldrick (1995:32)
diz que “tradicionalmente as mulheres foram consideradas responsáveis pela manutenção
dos relacionamentos familiares e por todos os cuidados: por seus maridos, por seus filhos,
por seus pais, pelos pais de seus maridos e por qualquer outro membro da família doente ou
dependente”. Este dado pode estar vinculado também a monoparentalidade, se o
53
associarmos à Tabela 11 que se configurou como sendo de maior número pessoas que
pedem a guarda sozinhas. Vitale (1994:287; 2002:46) observa que está crescendo o número
de famílias chefiadas
17
por mulheres e que estas geralmente são monoparentais
18
.
Tabela 10: Requerentes – Faixa etária
Faixa etária Incidência
21 a 30 anos 4
31 a 40 anos 4
41 a 50 anos 7
51 a 60 anos 10
61 a 70 anos 2
Mais de 70 anos 1
Total de requerentes 28
Total de processos pesquisados 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
024681012
Mais de 70 anos
61 a 70 anos
51 a 60 anos
41 a 50 anos
31 a 40 anos
21 a 30 anos
mero de requerentes
Faixa etária
Gráfico 4: Requerentes – Faixa etária
Observamos na Tabela 10 acima que há uma predominância na faixa etária entre 41
e 60 anos, representando mais da metade dos requerentes. Acima dos 60 anos existe o
menor índice e abaixo dos 40 anos há um número pequeno. Portanto, a faixa etária dos
17
Mesmo sabendo ser incipiente, utilizamos a terminologia chefe de família tendo como base o mesmo
critério usado pelo IBGE/Censo de que o responsável pelo domicílio é quem tem a maior remuneração.
18
“...lares monoparentais são aqueles em que vivem um único genitor com os filhos que não são ainda
adultos” (Vitale, 2002:46)
54
requerentes está concentrada no ciclo de vida da maturidade e producente no que concerne
aos aspectos de trabalho.
Tabela 11: Requerentes – Estado civil
Estado civil Incidência
Casado 7
Solteiro 6
Separado 2
Viúvo 2
Divorciado 1
União estável/concubinato 1
Não consta no processo 9
Total de requerentes 28
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
0246810
Não consta no processo
União estável
Divorciado
Viúvo
Separado
Solteiro
Casado
mero de requerentes
Estado Civil
Gráfico 5: Requerentes – Estado civil
Estes dados quanto ao estado civil foram coletados principalmente na inicial do
processo ou do Registro de Casamento quando acostado aos autos e/ou confirmados pelo
estudo social quando este havia. Observamos o dado “não consta” nesta tabela de maneira
relevante, sendo o número concernente a casados e solteiros quase que equiparados.
Acreditamos que em processos em que haja maior número de estudos sociais já efetuados
esta característica apareça de forma mais próxima à realidade, já que durante a realização
dos estudos sociais freqüentemente deparamo-nos com pessoas solteiras em estado civil,
55
mas convivendo maritalmente, ou ao contrário, casadas juridicamente e separadas na
realidade.
Tabela 12: Requerentes – Naturalidade/Estado
Estado onde nasceu Região Incidência
Pernambuco/PE Nordeste 4
Bahia/BA Nordeste 2
Sergipe/SE Nordeste 2
Piauí/PI Nordeste 1
São Paulo/SP Sudeste 13
Minas Gerais/MG Sudeste 3
Rio de Janeiro/RJ Sudeste 1
Paraná/PR Sul 1
Santa Catarina/SC Sul 1
Total de requerentes 28
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do Cartório da
Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
02468101214
Santa Catarina/SC
Paraná/PR
Rio de Janeiro/RJ
Minas Gerais/MG
São Paulo/SP
Piauí/PI
Sergipe/SE
Bahia/BA
Pernambuco/PE
Número de requerentes
Naturalidade/
Estado
Gráfico 6: Requerentes – Naturalidade/Estado
Quanto à naturalidade dos requerentes observamos uma prevalência das pessoas
nascidas em São Paulo, representando quase a metade. O restante é dividido entre estados
da Região Nordeste e os do Sudeste e Sul quase que equiparados.
56
Tabela 13: Requerentes – Escolaridade
Escolaridade Incidência
Analfabetos 1
Ensino Fundamental incompleto 1
Ensino Fundamental completo 0
Ensino Médio incompleto 0
Ensino Médio completo 1
Ensino Superior incompleto 0
Ensino Superior completo 0
Não consta 25
Total de requerentes 28
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
O levantamento quanto à escolaridade ficou incipiente devido o escasso número de
dados. Inferimos que este dado talvez conste no estudo social e como este estudo, em sua
maioria não havia sido realizado, o dado não constava nos autos.
57
Tabela 14: Quanto à residência – Bairro
Localização da residência IEIS
(1)
Incidência
Alemoa E 2
Caruara
(2)
E 1
Morro São Bento D 3
Jardim São Manoel D 2
Morro da Penha D 1
Morro do Pacheco D 1
Saboó (vila Pantanal) D 1
Santa Maria D 1
Vila Nova D 1
Centro C 3
Jardim Rádio Clube C 3
Encruzilhada B 2
Macuco B 2
Marapé B 1
Embaré A 1
Pompéia A 1
Ponta da Praia A 1
Vila Belmiro A 1
Total de requerentes 28
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do Cartório da
Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Nota: O Índice de Exclusão e Inclusão Social (IEIS) foi obtido somando-se os
indicadores Autonomia de Renda, Desenvolvimento Humano, Qualidade de Vida e
Equidade, aplicando-se a fórmula de escalonamento. O NESE- Núcleo de
Pesquisas e Estudos Socioeconômicos da Universidade Santa Cecilia utilizou para
realização do Índice os dados do IBGE:Censo de 2000.
(1) Foi feita a seguinte equivalência para o Índice de Exclusão e Inclusão Social:
A - Alta inclusão social
B - Média a baixa inclusão social
C - Pequena exclusão social ou pequena inclusão social
D - Média a baixa exclusão social
E - Elevada exclusão social
(2) Este bairro não consta no Índice de Exclusão e Inclusão Social de Santos apesar
de pertencer ao Município. Ele fica geograficamente mais distante que a maioria
dos bairros e numa região conhecida por sua elevada exclusão social.
58
024681012
Elevada exclusão social
Média a baixa exclusão social
Pequena exclusão social ou pequena
inclusão social
Média a baixa inclusão social
Alta incluo social
número de ocorrências
Índice de exclusão e Inclusão social
Gfico 7: Requerentes - índice de exclusão e inclusão social.
Observamos que a grande maioria dos bairros onde residem os requerentes é
caracterizada pela pobreza, o que vem confirmar os dados obtidos na Tabela 04 que tratava
das iniciais contidas nos processos. Referente ao estrato com melhores condições
socioeconômicas apenas nove processos. Destes, segundo o Índice de Exclusão e Inclusão
Social, aparecem com nível de Média a Baixa Inclusão Social os bairros Encruzilhada,
Macuco e Marapé, e com Alta Inclusão, Embaré, Pompéia, Ponta da Praia e Vila Belmiro.
Tabela 15: Requerentes – Renda
Renda Incidência
Sem renda 0
Até 1 salário mínimo 0
Mais de 1 até 2 salários mínimos 3
Mais de 2 até 3 salários mínimos 3
Mais de 3 até 4 salários mínimos 0
Mais de 4 até 5 salários mínimos 0
Mais de 5 até 10 salários mínimos 0
Mais de 10 até 20 salários mínimos 1
Mais de 20 salários mínimos 0
Não consta 21
Total de requerentes 28
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
59
Como o levantamento sobre a escolaridade, também o referente à renda ficou
incipiente. Acreditamos que este dado está relacionado diretamente ao conteúdo do estudo
social e como estes em sua maioria não haviam sido realizados, os dados não constavam
nos autos. Mesmo assim podemos observar que a maioria ficou entre um e três salários
mínimos, ou seja, são pessoas com pouco rendimento financeiro.
Tabela 16: Requerentes – Profissão
Profissão Incidência
Do Lar 8
Ajudante geral 3
Doméstica 3
Agente de escola 1
Autônoma 1
Balconista 1
Diarista 1
Doceira autônoma 1
Industriário 1
Motorista 1
Pensionista 1
Prática de farmácia 1
Vendedor ambulante 1
Não consta 4
Total de requerentes 28
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Embora os dados referentes à escolaridade e renda estejam bastante incipientes, a
Tabela 16 concernente a profissão nos revela dados importantes que podem ser
relacionados às duas tabelas anteriores (14 e 15). Observamos que uma profissão, a de
“Industriário” exige maior qualificação, as demais que aparecem, a princípio, são profissões
que exigem menor escolaridade, além de serem ocupações que indicam baixos
rendimentos. Um dado que nos chama atenção nesta tabela é o grande número de “Do Lar”.
60
Estas podem ser pessoas que não trabalham fora de casa, mas, devido ao estrato social
dificilmente não realizam qualquer atividade que lhes garanta algum dinheiro. Durante a
realização de estudos sociais em nossa prática forense, percebemos que muitas mulheres
pobres que se colocam inicialmente como “Do Lar”, geralmente desenvolvem alguma
atividade, muitas vezes dentro de seu próprio “Lar” que lhes dá algum rendimento ou
atuam no mercado informal.
Tabela 17: Requerentes – Parentesco em relação à criança/adolescente
Linhagem
Parentesco em relação à
criança/adolescente
Paterna Materna Outros
Avós 3 8
Tios 3 5
Irmãos 3
Sem grau de parentesco 3
Não consta 3
Subtotal de requerentes 6 13 9
Total de requerentes 28
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do Cartório da Vara da
Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
A Tabela 17 nos apresenta dados bem diversos apontando para a direção de que os
parentes da linhagem materna requerem mais as guardas de suas crianças/adolescentes do
que a linhagem paterna, ocorrendo um número maior para a avó materna. Estes dados,
embora se refiram a apenas um mês, corroboram as impressões que vimos constatando
empiricamente de que cada vez mais as avós assumem os cuidados das crianças nas
famílias, principalmente as avós maternas. O que vem reforçar a necessidade de estudos
nesta temática.
Conhecendo o perfil dos requerentes passamos agora ao levantamento realizado a
respeito dos requeridos nos autos.
61
2.4. SOBRE OS REQUERIDOS/RESPONSÁVEIS PELAS CRIANÇAS/ADOLESCENTES
Realizamos levantamento sobre os requeridos e/ou responsáveis pelas crianças e/ou
adolescentes, utilizando itens equivalentes ao que fizemos junto aos requerentes.
Tabela 18: Responsáveis pelas crianças/adolescentes
Responsáveis pela criança Incidência
Mãe 7
Pai 4
Pai e mãe 10
Pais falecidos 6
Total de pai e mãe 31
Total de autos pesquisados 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Este levantamento utilizou os documentos de Certidões de Nascimento acostados
aos autos como também informações constantes na inicial dos processos. Quando não havia
referência a óbito de pai ou de mãe, consideramos os dados constantes da Certidão de
Nascimento, ou seja, vivos. Podemos observar, pela Tabela 18, que a maioria das crianças
tem pais vivos ou pelo menos não há referência a óbitos, sendo também a maioria
registrada em nome de ambos os pais. Este é um dado relevante porque aponta para um
grande número de reconhecimento de paternidade.
Tabela 19: Pais Faixa etária
Faixa etária Incidência
Menos de 18 anos 0
19 a 20 anos 1
21 a 30 anos 2
31 a 40 anos 1
41 a 50 anos 0
Não consta nos autos 27
Total de pai e mãe 31
Total de autos pesquisados 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
62
Houve bastante ausência de dados nos processos no que concerne à idade dos pais.
Aparecendo apenas um pai na idade entre 19 e 20 anos, dois pais na faixa etária de 21 a 30
anos e um pai entre 31 e 40 anos. Portanto, a maioria indica que são pais jovens, mas não
menores.
Tabela 20: Pais Estado Civil
Estado civil Incidência
Solteiro 9
União estável 6
Casado 2
Divorciado 0
Separado judicialmente 0
Viúvo 0
Não consta nos autos 14
Total de pai e mãe 31
Total de autos pesquisados 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Os dados sobre estado civil apareceram na metade aproximadamente dos processos
pesquisados. O número maior foi de pessoas solteiras, seguido pelo de pessoas que
conviviam maritalmente – união estável; apenas duas apareceram como casadas. Sabemos
que esta categoria, estado civil, na atual configuração da família contemporânea é difícil ser
estabelecida em um levantamento quantitativo, pois este dado passou a ser de certa forma
subjetivo. Por exemplo muitas pessoas se dizem solteiras, mas na realidade convivem
maritalmente.
63
Tabela 21: Pais Naturalidade/Estado
Estado onde nasceu Incidência
São Paulo/SP 10
Bahia/BA 4
Paraná/PR 1
Piauí/PI 1
Rio de Janeiro/RJ 1
Não consta nos autos 14
Total de pai e mãe 31
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Estes dados foram fornecidos em sua maioria pela Certidão de Nascimento da
criança/adolescente, ocorre que em muitas certidões não consta a naturalidade dos pais.
Pela Tabela 21, mesmo com poucos dados, observamos que a maioria nasceu no Estado de
São Paulo (59%), em segundo lugar os nascidos no Estado da Bahia (24%) e os demais
nascidos no Paraná, Piauí e Rio de Janeiro (com 6% cada). Portanto o número de migrantes
não foi acentuado.
Tabela 22: Pais Renda
Renda Incidência
Sem renda 7
Não consta nos autos 24
Total de pai e mãe 31
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Observamos que a renda dos pais não se apresentou na maioria dos autos. Os sete
indivíduos que informaram, indicaram como os pais não tendo rendimento algum. Este
dado nos leva a inferir que a situação econômica dos pais é precária, mais difícil ainda que
a dos requerentes.
64
Tabela 23: Pais Profissão
Profissão Incidência
Ajudante geral 1
Sem profissão 6
Não consta nos autos 24
Total de pai e mãe 31
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
A profissão dos pais não constou na maioria dos autos pesquisados, no entanto
quando este dado é fornecido, mesmo em pequeno número, observamos que todos não têm
qualificação profissional. Estes dados coadunam com os da Tabela 22.
Tabela 24: Pais Escolaridade
Escolaridade Incidência
Analfabetos 0
Ensino Fundamental incompleto 1
Ensino Fundamental completo 1
Ensino Médio incompleto 1
Ensino Médio completo 1
Ensino Superior incompleto 0
Ensino Superior completo 0
Não consta 27
Total de pai e mãe 31
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
A escolaridade dos pais também aparece pouco nos autos do processo. Do total de
31 pais, tivemos esta informação de apenas quatro, sendo distribuída entre o Ensino
Fundamental completo e incompleto, Ensino Médio completo e incompleto. Corroborando
a ligação entre e escolaridade, qualificação profissional e rendimento.
65
Tabela 25: Pais Residência
Residência Incidência
Santos – Aparecida 1
Santos - Santa Maria 1
São Vicente 3
São Paulo - Capital 1
São Francisco do Sul/SC 1
Sergipe 2
Local incerto 2
Não consta 20
Total de pai e mãe 31
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Quanto aos 31 pais que constavam nos processos, vinte deles não tinham endereço
nos autos. Este é um dado que chama muita atenção, pois se todos os pais deverão ser
intimados a comparecer ao Fórum, seja para estudo social, audiência, ou outras situações
pertinentes à tramitação do processo, como poderão ser encontrados pelo Oficial de
Justiça? Podemos inferir então que o comparecimento destes pais depende muito da
informação dos requerentes, pois os pais deverão ser citados para a ação apenas por edital,
veículo de comunicação ao qual eles têm quase nenhum acesso.
Em relação aos locais fornecidos, tivemos dois pais em local incerto, dois morando
em Santos em bairros pobres, três em São Vicente, um em São Francisco do Sul, SC, um na
capital de São Paulo, e dois em Sergipe. Ou seja, dos que se conhece o paradeiro, a maioria
morando no Estado de São Paulo, o que sugere, portanto morando próximo do filho.
66
2.5. SOBRE AS CRIANÇAS/ADOLESCENTES
Alusivos às crianças/adolescentes obtivemos os seguintes dados:
Tabela 26: Crianças/Adolescentes – Sexo
Sexo Incidência
Feminino 14
Masculino 13
Total de processos pesquisados 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do
Cartório da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos (SP).
Observamos que o número de meninas e meninos foi equivalente. Não havendo
portanto uma predominância quanto ao sexo.
Optamos em fazer o levantamento por idade ano a ano a fim de observar se haveria
predominância em relação a alguma idade e ao mesmo tempo cruzar a idade com a série
escolar.
67
Tabela 27: Crianças/Adolescentes Idade e Escolaridade
Série escolar
Idade
Não
consta
nos
autos
Não
freqüenta
Educação
infantil
1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª
Total
Até 1 ano 0
2 anos 2 2
3 anos 1 1
4 anos 3 3
5 anos 1 1
6 anos 1 1
7 anos 2 2
8 anos 1 1
9 anos 1 1
10 anos 0
11 anos 1 1
12 anos 1 1
13 anos 1 1 1 3
14 anos 4 4
15 anos 1 1
16 anos 1 1
17 anos 3 1 4
Total 22 0 0 1 2 1 0 0 1 0 0 27
Fonte: Processos judiciais autuados no mês de dezembro de 2004 do Cartório da Vara da Infância e Juventude da
Comarca de Santos (SP).
0
1
2
3
4
1234567891011121314151617
Idade (em anos)
número de criaas/adolecentes
Gráfico 8: Crianças/Adolescentes – Idade
68
Observamos que as idades se mostraram equilibradas entre crianças e adolescentes.
O que aponta para uma desmistificação de que a guarda seria uma modalidade destinada a
crianças pequenas. Este número nos surpreendeu porque foi contrária às nossas observações
cotidianas.
O número que aparece com mais visibilidade foi a guarda pleiteada com o
adolescente aos 14 anos. Fizemos uma possível relação entre este dado e a inserção do
adolescente no mercado de trabalho, embora saibamos que o trabalho infantil é definido
como atividade laborativa exercida por adolescente menor de 16 anos de acordo com a
idade mínima aceita pelas leis brasileiras. No entanto, existe uma organização denominada
CAMPS – Centro Amigo do Menor Patrulheiro de Santos – que promove cursos de
iniciação profissional para os adolescentes e aceita inscrição a partir dos 14 anos. Uma das
condições para a devida inscrição do adolescente é que ela seja realizada pelos pais ou
representante legal, portanto necessitam do Termo de Guarda.
Como já sabemos pelas tabelas anteriores que estes adolescentes advém das
camadas empobrecidas podemos reificar o que as pesquisas sobre o trabalho e a exploração
das crianças e adolescentes têm trazido, de que:
[...] entre os grupos médios e economicamente dominantes o período da
adolescência vem sendo estendido de forma progressiva. Isto é, apenas após o
término do nível superior de ensino que é cobrado destes jovens, em termos etário,
o ingresso no mercado de trabalho. Entretanto, no caso dos grupos sociais
populares, e para maioria dos formuladores de políticas públicas (para juventude)
esse processo se dá, no máximo, aos 18 anos, em especial no caso dos adolescentes
do sexo masculino. (SILVA E SILVA, 2005:28)
Quanto à escolaridade, pela ausência de dados nos autos não conseguimos cruzar as
idades com a escolaridade de maneira a nos fornecer um montante, mas dos autos onde
constava esta informação, que foram em número de cinco, observamos que duas crianças
estavam na série equivalente à idade, o que não garante que elas continuem neste ritmo, já
que recém entraram no Ensino Fundamental e, dos três adolescentes todos estavam
atrasados. Reforçando a já conhecida correlação entre pobreza e nível de escolaridade.
69
Ao finalizar este capítulo, gostaríamos de alinhavar algumas idéias que foram sendo
compostas ao longo deste. Apresentamos a demanda da Vara da Infância e Juventude da
Comarca de Santos e conseqüentemente quando relacionamos os tipos de processos que são
autuados, os Pedidos de Guarda ganharam visibilidade devido à quantidade de pedidos.
Adentramos no universo dos Pedidos de Guarda referendados pelo grande número de
pedidos efetuados à Vara da Infância e Juventude pela população e também com a
demonstração da necessidade de estudo social no número expressivo das determinações
judiciais. Portanto, no conjunto de demandas da Vara da Infância e Juventude destacam-se
os Pedidos de Guarda e na demanda que recebe os assistentes sociais judiciários, estes
ganham relevância central O levantamento realizado veio corroborar nossas observações
empíricas sobre a necessidade de uma maior atenção a estes pedidos.
Inseridos no tema dos Pedidos de Guarda, os números em relação aos protagonistas
deste tipo de ação nos revelaram que as pessoas que pedem para cuidar de
crianças/adolescentes e as que cedem temporariamente seus filhos a estes se localizam em
sua maioria nos estratos sociais empobrecidos. Esta afirmação está ancorada no conjunto
dos dados relativos ao processo de inclusão/exclusão na sociedade salarial
19
: a região da
cidade de onde vem o requerimento por intermédio do Conselho Tutelar; escolaridade;
renda e profissão.
Até mesmo os dados em relação às crianças e aos adolescentes permitem tal
observação, pois as crianças freqüentam a escola em série compatível, mas o mesmo não
ocorre com os adolescentes. Observamos que este dado da escolarização quanto ao atraso
na série escolar está congruente com os obtidos sobre a escolaridade dos requerentes e dos
pais, visto o baixo nível de escolaridade de ambos.
Neste sentido vinculamos os Pedidos de Guarda como uma das faces das expressões
da questão social
20
. Pois tais protagonistas encontram-se em situações de vulnerabilidade
19
Designamos por sociedade salarial, tal como Castel (2000), a sociedade que se construiu com base no
trabalho e suas proteções. Em seu entendimento, é do trabalho e de sua proteção que se organizam o direito
social, a seguridade social, a sociedade moderna, enfim.
20
“Questão social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista
madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais
70
social, vivendo de um trabalho precário ou até mesmo sem ele, auferindo pouca ou
nenhuma renda para sua subsistência. Com incipiente qualificação profissional e
despossuídos do patrimônio da contemporaneidade, como falamos no capítulo anterior: a
escolaridade.
Neste levantamento ficou clara a necessidade de darmos maior atenção a estes
estudos sociais nos autos de Pedido de Guarda, pois além de estar implícita a solicitação da
intervenção pelos usuários, estes são devidamente determinados pelo juiz em todos os
processos . Convém ressaltar que o número expressivo de pedidos de guarda pode sinalizar
a necessidade de se regulamentar situações já existentes, devido a exigências atuais das
escolas e programas sociais, mas que nem por isso deixam de ser reveladoras dos papéis
que os avós vem desempenhando na rede familiar. Ao focarmos sobre os pareceres nos
Laudos Sociais nestes pedidos, verificamos que todos os pareceres sociais foram favoráveis
aos pedidos. Estes dados nos trazem duas reflexões: uma no sentido de que o assistente
social pode estar aceitando a decisão da família do que seja o melhor para ela e; outra que
é fonte de preocupação, a de que ele possa estar sendo esmagado pela pressão do volume de
trabalho e banalizando as situações de dificuldades sociais constantes nos pedidos
21
. Pelo
fato da família apresentar “a solução” para um problema e o Parecer Social aparentar ser
apenas uma consolidação de uma situação já existente, este pode não estar tendo os devidos
cuidados necessários de escuta, de acolhimento às dificuldades, de análise da situação,
culminando em uma atuação não engendrada no objeto de nossa profissão, a questão social.
Esta preocupação quanto à banalização das situações de Pedidos de Guarda está não
só com o trabalho dos assistentes sociais, mas com todos os agentes da justiça. Ela se
consubstancia, por exemplo, nos poucos dados existentes nos autos sobre os pais das
crianças.Tem-se a impressão de que é como se os pais não mais importassem no processo,
já que outra pessoa está se dispondo a assumir suas obrigações. Outras pesquisas no
amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte
da sociedade.” (Iamamoto 2003:27)
21
Fávero (1999: 8) diz que “o atendimento diário nas Varas da Infância e Juventude da capital soma imensos
números e, talvez por ser uma realidade que não “salta aos olhos”, acontece, de certa forma, um pouco
escondida da sociedade, não oportunizando maior publicização das ações concretas que envolvem o futuro de
crianças e adolescentes, na maioria das situações sem acesso a direitos de cidadania. Ações que passam
fundamentalmente por relações de saber-poder, profissional e institucional.”
71
Judiciário (GUEIROS, 2005; FAVERO, 2000) têm apontado para a dificuldade de se
encontrar dados nos autos que auxiliem a compor o perfil da população usuária.
Em relação ao grau de parentesco dos requerentes os dados nos confirmam o que
temos observado e o que a literatura tem apontado, conforme falamos no capítulo anterior,
de que está existindo uma tendência de participação dos avós cada vez maior na vida
familiar, principalmente na criação dos netos, sendo a avó materna a figura que apareceu
em maior número em nosso levantamento. Observamos também que a linhagem materna
requer mais a guarda do que a paterna, o que contribui para pensarmos na existência de um
vínculo maior na família materna. Ao mesmo tempo em que as mulheres são as maiores
cuidadoras, sua prole está recebendo mais cuidados por sua família.
Portanto, os dados obtidos na pesquisa pelo plano quantitativo, mesmo
considerando seus limites, nos auxiliaram a identificar os Pedidos de Guarda na Vara da
Infância e Juventude na Comarca de Santos, e em seu bojo os protagonistas destas ações
judiciais percebendo-os em seu contexto social, por meio do perfil traçado.
Este estudo vem iluminar um pouco mais a necessidade de se utilizar com
freqüência o Judiciário como um celeiro de pesquisa. Salientamos que tais pesquisas, se
realizadas dentro do rigor ético de nenhuma forma interfere no sigilo profissional ou
segredo de justiça. Ao contrário, acreditamos que seja uma forma de democratizar dados
importantes que ficam enclausurados no silêncio dos arquivos do Judiciário e trazê-los para
uma discussão coletiva. Mais estudos, pesquisas, de preferência de maior extensão,
deveriam ser feitos para que pudessem servir de subsídios tanto para nossa prática
profissional, como para elaboração de políticas públicas.
Inteirados da pesquisa no plano quantitativo, trazemos a seguir a pesquisa no plano
qualitativo, que se fez em decorrência dos dados obtidos na primeira. Entendemos como
Martinelli (1999: 27) que “a relação entre pesquisa quantitativa e qualitativa não é de
oposição, mas de complementaridade e de articulação”. De maneira que os dois planos, o
quantitativo e o qualitativo, se articulam e compõem um só movimento de pesquisa. No
próximo capítulo vamos explicitar os critérios para escolhas dos sujeitos centrados no perfil
que emergiu da pesquisa no plano quantitativo, apresentar os procedimentos metodológicos
realizados, bem como as histórias apreendidas e o genograma das famílias estudadas.
72
Capítulo III
A PESQUISA QUALITATIVA: PERCURSOS E HISTÓRIAS
Mas, à medida que fui vivendo minha vida
profissional, realizando minhas atividades docentes,
trabalhando com famílias, com crianças, a cada
momento via mais claramente que a pesquisa
quantitativa era importante para dimensionar os
problemas com os quais trabalhamos, por nos trazer
grandes retratos da realidade, mas era insuficiente
para trazer as concepções dos sujeitos. Como pensam
sua problemática? Que significados atribuem às suas
experiências? Como vivem sua vida
?
Martinelli:1999; 20
Neste capítulo iniciamos a apresentação da pesquisa no plano qualitativo. Segundo
Minayo a pesquisa qualitativa “trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização
de variáveis.” (MINAYO, 2003: 22).
A pesquisa no plano qualitativo está estreitamente ligada ao nosso objetivo de
conhecer as relações socioafetivas intergeracionais nos Pedidos de Guarda. Consideramos
as implicações das relações familiares e não a vida familiar apresentada pela ótica da avó,
mãe ou neto. Isto representou um desafio, uma dificuldade, mas também possibilitou uma
riqueza de dados que contemplou a visão construída pela família.
Este capítulo está dividido em duas partes. A primeira parte apresenta o percurso da
investigação por meio da seleção das famílias, os critérios para escolha dos sujeitos e os
passos e procedimentos na execução da pesquisa propriamente dita.
Após o relato do percurso da realização desta pesquisa, estão reproduzidas as
histórias das duas famílias estudadas e seus respectivos genogramas.
73
3.1. O PERCURSO
3.1.1 A SELEÇÃO DAS FAMÍLIAS
A partir do universo contemplado na pesquisa no plano quantitativo, observamos as
características que mais apareceram nas famílias e as buscamos para desenhar a pesquisa no
plano qualitativo. Para tal, realizamos o seguinte percurso institucional: com a intenção de
sensibilizar e demonstrar as preocupações e reflexões sobre o tema da pesquisa, o projeto
foi entregue ainda na forma contida no Memorial (já constando a pesquisa no plano
quantitativo) à Diretora Técnica, à Chefe da Seção de Psicologia e Serviço Social, ao
magistrado e ao promotor da Vara da Infância e Juventude e do Idoso da Comarca de
Santos, e a equipe de Serviço Social e Psicologia.
Apresentamos então ao magistrado a solicitação para que pudéssemos entrar em
contato com as famílias, com a devida aprovação da Diretora Técnica (conforme anexo).
Posteriormente, com a concordância do juiz, foi exposta em reunião à equipe de assistentes
sociais e psicólogos a autorização, quando os profissionais se posicionaram quanto ao
desejo e possibilidade de participarem do projeto. De um total de quinze profissionais (nove
assistentes sociais e seis psicólogos, excluindo a pesquisadora) trabalhando na Diretoria
Técnica na área da Infância e Juventude com a realização de perícias, cinco deles nos
forneceram casos para a pesquisa.
Recebemos um total de quinze identificações de famílias atendidas pelos
profissionais. Em sua maioria apenas com a identificação do nome da criança, o nome do
requerente e dos pais. Com o auxílio da equipe administrativa da Diretoria Técnica,
localizamos os laudos destinados aos processos pelo nome das crianças. Após fazermos
uma leitura destes quinze laudos, constatamos que três não poderiam ser incluídos na
pesquisa porque eram Pedidos de Guarda com vistas à adoção, portanto foram excluídos,
restando doze casos. Arrolamos os itens com as características que predominavam na
pesquisa quantitativa e relacionamos com as que apareciam nos Laudos Sociais. Ao fazer
esta verificação, constatamos que algumas famílias apresentavam várias daquelas
características selecionadas, mas apenas duas se enquadravam em todas os critérios que
explanaremos a seguir.
74
3.1.2. CRITÉRIOS PARA ESCOLHA DOS SUJEITOS
Dos doze casos citados acima, trabalhamos com apenas dois, pois estes eram os que
mais se aproximavam dos seguintes critérios:
1. Famílias que estivessem com processos de Pedido de Guarda autuados e registrados
no Livro de Registro de Feitos do Cartório da Vara da Infância e Juventude e do Idoso da
Comarca de Santos/SP no período em que foi realizada a pesquisa no plano quantitativo, ou
seja, de julho de 2004 a março de 2005.
2. Famílias que estivessem o mais próximo possível do perfil delineado pela pesquisa,
nos aspectos que se configuraram como relevantes. Ou seja, processos em que pai e/ou mãe
estivessem vivos e morassem em Santos ou na região; apenas uma pessoa fosse a
requerente, do sexo feminino, com rendimento até três salários mínimos, grau de
parentesco avó materna, residente em Santos.
3. Optamos, embora a pesquisa tenha apontado igualmente para crianças e
adolescentes, tratar apenas de situações que envolvessem crianças
22
, por entender que sua
expressão é peculiar e que existe maior dependência dos adultos. Estes aspectos exigem
maior sutileza na comunicação com as crianças e maior aprofundamento na prática do
Serviço Social.
4. Escolhemos as famílias que já tivessem passado por estudo social. Esta escolha
deveu-se a três motivos: a) conforme constatamos na pesquisa há uma grande ausência de
dados relativos ao perfil social das famílias quando o estudo ainda não foi realizado e isto
dificultaria nosso conhecimento prévio para seleção mediante os critérios já referidos
acima; b) pela facilidade de acesso aos dados por intermédio dos profissionais; c) porque
mesmo realizando esta pesquisa sem a participação efetiva de outros profissionais,
gostaríamos de ter um envolvimento destes ainda que fosse pequeno.
5. Para minimizar as possíveis interferências da condição de perita judicial, preferimos
estudar famílias que não tivessem sido anteriormente avaliadas por esta pesquisadora.
22
Conforme dispõe o Estatuto da Criança e Adolescente em seu Art. 2
o
: “Considera-se criança, para os efeitos
desta Lei, a pessoa de doze anos incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”
75
3.1.3. PASSOS E PROCEDIMENTOS
O primeiro procedimento em relação à aplicação da pesquisa foi a apresentação da
mesma e a autorização expressa por escrito do pesquisado e/ou de seu responsável, com a
assinatura de uma testemunha, por meio do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”
(modelo em anexo)
23
. Estas autorizações são necessárias para que se resguarde o segredo
de justiça conforme prevê o Código de Processo Civil Brasileiro e os princípios norteadores
do Código de Ética Profissional do Assistente Social.
As entrevistas se realizaram nas residências dos pesquisados pelos seguintes
motivos:
1. Minimizar para os pesquisados o vínculo entre a pesquisa e a emissão de parecer
sobre o pedido;
2. Ser menos dispendioso para os pesquisados;
3. Porque historicamente o domicílio é um dos locus da ação profissional dos
assistentes sociais e principalmente por ser o espaço primordial da família,
4. Porque nos traz parte dos cenários onde vivem os atores sociais, elemento essencial
para compreensão de nosso objeto de pesquisa.
Realizamos um primeiro contato quando explicamos a um dos membros das
famílias o objetivo da pesquisa e com a proposta aceita, solicitamos a autorização por
escrito, para em seguida agendarmos a primeira entrevista. O contrato foi de no mínimo
dois encontros e no máximo cinco com a mesma família. Foram realizados quatro
encontros com cada família, sendo a duração entre 1:00, 1:30 ou 2:00 horas. Houve
exceção de apenas uma sessão que durou três horas por motivos alheios à pesquisadora
como descreveremos adiante.
23
A confecção deste formulário tomou como modelo o apresentado por Fátima Cristina Costa Fontes em sua
Dissertação de Mestrado “A força do afeto na família: uma possibilidade de interrupção da prática infracional
de adolescentes em Liberdade Assistida” (2004:6, v. 2) apresentada na PUC-SP no Programa de estudos Pós-
graduados em Psicologia Social.
76
Todas as entrevistas foram gravadas para que os dados pudessem ser transcritos e
organizados segundo nossos objetivos, ao todo foram realizadas 14:30 horas de gravação.
As transcrições foram feitas em dia posterior às entrevistas pela própria pesquisadora para
que fosse incluído o máximo de observações em relação à comunicação das famílias,
conforme recomenda Queiroz (1991). Ao todo, foram utilizadas aproximadamente 80 horas
para transcrição das 153 páginas digitadas. Apesar do trabalho exaustivo para fazer a
transcrição, este foi essencial, pois nos auxiliou na percepção das categorias utilizadas para
análise dos dados obtidos.
A seguir relataremos os passos no decorrer do processo de coleta dos dados.
3.1.3.1. Os primeiros passos
Ao termos em mãos a identificação das duas famílias escolhidas fomos a campo
com a idéia de convidarmos a participar da pesquisa a avó materna, a mãe e o neto/a, pois
estes são os atores sociais que figuram como principais neste processo, mas se fosse
oportuno estenderíamos à participação de outros membros que estivessem disponíveis,
irmãos, pai, tios e avôs.
Ao tentarmos entrar em contato com as famílias nos deparamos com a dificuldade
de localizar o endereço, pois os endereços não constavam no mapa oficial da cidade.
Ambas moravam em morro e por estarmos familiarizados com a geografia de Santos
devido à nossa experiência de quinze anos no Tribunal sabíamos que não ia ser fácil
encontrá-los. Por esta razão foi necessário solicitar ajuda ao Conselho Tutelar da Região
para que nos indicasse referências do local.
3.1.3.2. A construção do genograma
Inicialmente realizamos dois encontros com as famílias e neles nos utilizamos de
depoimentos como instrumento e como técnica principal a construção do genograma.
Foi realizada a construção do genograma com os familiares presentes de Vítor e
com a família de Luciene de forma separada por necessidades da família. Esta maneira
indicou que as dificuldades sentidas no desenvolvimento das sessões de Vítor não tinham
77
ligação com o instrumento utilizado e sim com a composição no mesmo espaço de toda a
família. Esta forma de construir o genograma com toda a família junta, exige mais preparo
do pesquisador para que consiga coletar os dados necessários. Avaliamos que a família de
Vítor se beneficiou mais porque seus membros não só contaram, mas tamm puderam
ouvir a história familiar.
Optamos em construir genogramas porque o consideramos um instrumento
essencial para o conhecimento das relações familiares. McGoldrick & Gerson (1995:144)
diz que os genogramas são “retratos gráficos da história e do padrão familiar, mostram a
estrutura básica, a demografia, o funcionamento e os relacionamentos da família. Eles são
uma taquigrafia utilizada para descrever os padrões familiares à primeira vista”. Vitale
(2004:235) vai além e diz que:
O genograma constitui não só o formato gráfico da genealogia familiar, nas linhas
paternais e maternais, como também permite levantar informações sobre os
membros da família e suas relações em pelo menos três gerações; auxilia a formar
uma rápida gestalt da rede familiar e dos padrões familiares básicos que se
entrecruzam ao longo dos anos.
Este instrumento tem sido usado largamente na Terapia Familiar
24
como facilitador
terapêutico e “vem sendo, mais recentemente, empregado como profícuo recurso de
pesquisa” (Vitale, 2004:236). A aplicação desse instrumento de pesquisa possibilita
“construir interpretações horizontais, quanto ao contexto atual da família, e verticais,
através das três gerações” (Marques, 2001). Seguimos o formato indicado pela literatura
(Carter & McGoldrick, 1995; Marques, 2001; Vitale, 2004) com poucas alterações.
O genograma foi construído em conjunto com a família, sendo que a parte gráfica
ficou a cargo da pesquisadora. Utilizamos como material de apoio cartolinas e pincéis
atômicos. Graficamente o genograma foi construído como explicado a seguir.
24
Um dos grandes divulgadores no Brasil do genograma como instrumento terapêutico tem sido Moisés
Groisman, para mais detalhes ver suas obras “Histórias dramáticas - terapia breve para famílias e terapeutas”
(Groisman, Moisés; Lobo, Mônica de Vicq; Cavour, Regina Maria Annibal. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos
Tempos, 1996) e “Além do Paraíso - perdas e transformações na família” (Groisman, Moisés. org. Rio de
Janeiro: Núcleo-Pesquisas, 2003).
78
Os homens ficaram à esquerda e as mulheres à direita, sendo representados por
figuras geométricas, quadrados para indicar homens e círculos para indicar mulheres. No
caso de separação de casais, as linhas que ligam os quadrados e os círculos que indicam
casamento aparecem cortadas por uma barra em caso de separação e duas por divórcio. No
caso de não terem formalizado o casamento a união é ligada por pontilhados ou linha de
outra cor.
Abaixo do símbolo geométrico foi colocado o nome e dentro a idade atual. Quanto
aos falecimentos são utilizados uma cruz dentro do símbolo e acima há quantos anos a
pessoa morreu. Nas famílias em que os entrevistados tiveram estes dados, indicamos ao
lado a cidade/estado de onde é natural, grau de instrução, sua profissão e salário.
Os filhos foram listados por ordem de nascimento, começando com o mais velho à
esquerda, gêmeos conectados por linhas bifurcadas, os adotivos não tem distinção
25
.
Gravidez utilizamos um triângulo, aborto umrculo preto e nascimento de criança morta
um quadrado menor com uma cruz dentro. Foram incluídas também no genograma as
pessoas que os pesquisados consideraram significativas embora não tenham vínculo
consangüíneo, esta informação ficou à direita. Em caso de mais de uma parceira do homem,
o símbolo da segunda mulher em diante foi colocado à esquerda, no mesmo caso para a
mulher o símbolo do homem ficou à direita. A pessoa índice é a criança que é a referência
de nosso trabalho, que foi indicada por uma linha mais forte.
Para efeito gráfico nesta Dissertação desenvolvemos o genograma pelo emprego do
Programa Genopro 1.99 como apresentaremos posteriormente.
3.1.3.3. Os desenhos
Utilizamos no terceiro depoimento a realização de dois desenhos elaborados pelos
membros da família. Procedemos à técnica da seguinte forma: pedimos para que cada um
desenhasse no mesmo momento e em folhas separadas, atendendo nossas orientações. O
primeiro desenho com o título “Quem é minha família?”; o segundo “Eu gostaria que a
25
Embora alguns autores (Marques, 2001) indiquem esta distinção, optamos em não usá-la já que a legislação
brasileira não prevê nenhuma referência a esta condição dando ao filho adotado todos os direitos inerentes aos
filhos biológicos.
79
minha família fosse...”. Após a feitura do desenho, no primeiro momento pedimos para que
cada pessoa contasse o seu desenho e os outros escutassem, começando sempre pelo
desenho um para em seguida passar para o dois. No segundo momento pedimos para que
cada pessoa dissesse algo sobre os desenhos dos outros. No terceiro momento indagamos a
cada um como havia se sentido perante o que expressara no desenho e verbalmente, como
também sobre o que ouvira dos outros familiares sobre seu desenho.
Ressaltamos que as conversas sobre os desenhos não tiveram cunho interpretativo,
estes foram utilizados como forma de trabalho lúdico entre os pesquisados e a
pesquisadora, como uma maneira de aproximá-los de suas emoções e percepções. Mas
principalmente porque este trabalho envolvia famílias com crianças e neste sentido o
desenho costuma ser um facilitador da expressão da criança e sua família. Tivemos o
objetivo de apreender, com a ajuda destes desenhos, como cada um se percebia, era
percebido pela família e como expressava os desejos que tinham em relação a ela.
3.1.3.4. Entrevista semi-estruturada e a despedida
Ao final do terceiro depoimento percebemos a necessidade de complementar
algumas informações que poderiam ser obtidas por intermédio da avó e da mãe. Utilizamos
entrevistas semi-estruturadas, cujo roteiro foi elaborado após a transcrição e reflexão dos
três encontros anteriores. O quarto encontro foi realizado individualmente apenas com a
avó e com a mãe. A criança não foi incluída como uma maneira de preservação, por já ter
passado pelos depoimentos anteriores e também pelo próprio caráter mais direto do
instrumento, menos próprio para crianças. O roteiro das entrevistas semi-estruturadas (em
anexo) foi elaborado a partir da idéia da qualificação dos sentimentos e ações que
transpareceram nos depoimentos anteriores, como também abrir para um espaço
propositivo.
Este último encontro com as famílias teve também o objetivo de nos despedirmos
com a proposta de retorno, quando iremos lhes oferecer o resultado de nosso trabalho.
80
3.2. AS HISTÓRIAS FAMILIARES
Nesta segunda parte contamos as histórias das famílias pesquisadas. Apresentamos
as histórias das famílias de Vítor e Luciene respectivamente de duas formas. Na primeira
sucintamente, a qual demos o nome de trama, juntamos o conteúdo que conseguimos
apreender dos relatos
26
. Na segunda mais extensamente, a qual demos o nome de drama,
dividimos a história em vários temas, com o intuito de registrar um pouco das emoções
vividas pelos protagonistas dos Pedidos de Guarda. Ao final da história de cada família
apresentamos seus genogramas respectivamente.
3.2.1. FAMÍLIA DE VÍTOR
27
3.2.1.1 A trama
Vítor Honesto da Silva
28
está com cinco anos, mora com os avós maternos,
freqüenta escola do município, é filho de Edna Honesto da Silva (23 anos) e de Pedro
Reinaldo de Souza (29 anos). Durante o namoro dos pais, o pai chegou a morar por alguns
meses na casa de seus avós maternos, Cosme Alberto da Silva (48 anos) e Telma Honesto
da Silva (40 anos). Pedro e Edna terminaram o namoro, mas continuaram o relacionamento
amoroso mesmo depois que ele se casou com outra pessoa. De forma que Vítor tem um
irmão proveniente do casamento do pai com outra mulher que está com sete anos que não
conhece e nem sabe o nome. Pedro já se separou da mulher e atualmente convive com uma
terceira.
Da família do pai de Vítor não se soube qualquer dado. Edna completou o ensino
médio, trabalha como balconista e ganha R$460,00 (quatrocentos e sessenta reais) mensais,
convive há quatro anos com Maximiliano de Souza Neto (23 anos) que cursou o ensino
fundamental e está desempregado. Residem próximo à residência dos pais de Edna. É a
26
Esta versão é a compilação da história contada pelos diversos membros da família segundo a nossa
composição.
27
Identificaremos as famílias pelo nome da criança pelo fato de entendermos que neste trabalho ela se
configura como a pessoa referência.
28
Todos os nomes, sobrenomes e outros dados foram trocados para preservar a identificação.
81
filha mais velha, nasceu gêmea com outra que morreu ao nascer. Depois dela a mãe teve
uma filha que também morreu logo após o nascimento.
Edna, mãe de Vítor, tem uma irmã Valeska Honesto da Silva (18 anos) que parou de
estudar na última série do ensino médio, do lar, convive maritalmente há um ano com
Ronaldo Natan (18 anos). Segundo Valeska, Ronaldo trabalha de ajudante geral na
construção civil como autônomo e segundo Edna o cunhado é traficante de drogas. Tem
uma filha, Natiely da Silva Natan (cinco meses) e residem em casa contígua à de Cosme e
Telma.
Cosme, avô de Vítor, está casado há 26 anos com Telma. Cosme é natural de
Pinhão, interior de Sergipe, é o quinto filho de uma prole de dez do primeiro casamento do
pai João Alberto da Silva e da mãe Juraci Maria de Deus. A mãe faleceu quando ele ainda
era criança e seu pai casou-se novamente com uma mulher que era viúva e já tinha dois
filhos. O pai faleceu há dezoito anos. Cosme consegue falar pouco de sua família de
origem, pois é tomado pela emoção que lhe embarga a voz. Telma, a avó de Vítor, é natural
de Paripiranga/Bahia, é a caçula de uma prole de onze filhos do casamento entre João
Rogério Honesto (falecido há dez anos) e Elzira Reis Honesto (falecida há seis anos). Dos
irmãos de Telma três são falecidos e apenas dois deles moram em Santos, o restante mora
na Região Nordeste. Telma veio para Santos aos dezesseis anos e viveu sob guarda
informal de seu irmão Nilson, que ainda hoje mora em Santos. O contato com sua família
de origem é pequeno.
Os bisavós de Vítor do lado materno eram trabalhadores rurais. O avô exerce o
ofício de ajudante geral em construção civil, trabalha sem registro profissional, é
alfabetizado funcional, ganha aproximadamente R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais. A
avó, do lar, cursou até a sexta série do ensino fundamental. Não obtivemos informações
quanto ao trabalho e qualificação profissional dos irmãos do avô materno pelo motivo
acima explicitado. Quanto aos irmãos da avó materna, todos têm pouca escolaridade e
incipiente qualificação profissional.
82
3.2.1.2. O drama
A gravidez
Edna e Pedro, pais de Vítor, namoraram por dois anos e nesta época ele era muito
bem recebido na casa dos pais dela, tanto que Pedro chegou a morar na casa deles. O Pedro
era recebido em minha casa como um filho. Ele morou um tempo comigo. Eu levantava
cedinho, fazia marmita pra ele levar pro serviço... Disse Telma a avó de Vítor.
Pedro e Edna, oficialmente, romperam com o namoro, mas continuaram com o
relacionamento amoroso escondido da família. Apesar do aparente rompimento, ele
continuou freqüentando a casa de Telma e Cosme. Ele decidiu casar-se com outra pessoa e
convidou-os para ser seus padrinhos. Aí ele me convida pra ser madrinha do casamento
dele. Falou assim, “não deu certo com a Edna, eu gostaria que a senhora representasse a
minha família”. Aí eu fui pra igreja com meu marido, como dois idiotas, fazer o papel da
família dele, nos arrumamos, gastamos o que não tínhamos pra fazer esta homenagem,
acompanhamos ele no civil, fomos os padrinhos na igreja... disse Telma.
Vítor veio em meio a surpresa de seus avós maternos. Quando chegou seis meses
depois do casamento de Pedro, Edna estava grávida. De quem? Do Pedro. Jamais
imaginei! disse Telma.
Telma passou a se sentir traída tanto pela filha quanto por Pedro, pois ao final já o
considerava como pessoa da família. Porque o Pedro também não respeitou a minha casa.
Os dois são culpados. Quando um não quer dois não brigam. Se ela não quisesse, ele não
teria feito. Então um só não é culpado. Eu não culpo um só... A traição foi dupla e dentro
da minha casa.
Este foi um assunto que ficou represado emocionalmente na família. Edna jamais
explicou a seus pais quais foram suas razões, ou o que aconteceu que a levou a engravidar
de Pedro. Edna disse que encarava este fato como sendo do passado, mas Telma disse que é
um passado que não vai apagar nunca... O passado está presente a cada dia, pra mim ele
está presente em todos os dias.
O nascimento e o reconhecimento
83
O evento do nascimento de Vítor ficou marcado por esta história tumultuada. Telma
disse que Cosme é revoltado com esta história de Edna ter tido filho desse jeito... Ao que
Edna concorda: acho que o pai não se conforma até hoje... Ele é de momento, me trata
bem hoje, me xinga amanhã, mas quando ele bebe pega mais no meu pé, mas ele gosta
muito do Vítor... Venho todos os dias a casa deles, mas nunca consegui falar com eles
sobre isso...
Pedro só reconheceu a paternidade após o proferimento de sentença judicial em
ação própria (fizeram exame de DNA), este processo transcorreu no período de três anos.
Só com exame ele registrou... Só apareceu na justiça... Quando ele foi ver o menino pela
primeira vez ele já tinha um ano... disse Edna.
Edna teve o bebê aos 18 anos e não contou com o auxílio de Pedro. Vítor recebeu
pensão alimentícia que foi ditada judicialmente, porém Pedro cumpriu o sentenciado por
pouco tempo. Nos oito primeiros meses ele deu pensão, depois não deu mais... Ele já tem
cinco anos, então já faz mais de quatro anos que ele não dá pensão... Desde então Pedro
nega fornecer o endereço e o telefone, de quando em vez aparece na casa de Telma e
Cosme. A gente não sabe nada... Quando quer ele aparece... disse Telma.
O novo parceiro da mãe
Quando Vítor tinha um ano, Edna foi conviver com Maximiliano. A avó ajudou a
mãe financeiramente. Eu a ajudei no que pude, só não dei jogo de quarto, tudo eu dei
quando ela foi morar com o Max. Tudo o que ela precisava em uma casa eu dei, fogão,
geladeira... E o Cosme nem sabia... Eu queria que ela fosse viver a vida dela... Quando ela
saiu acabou, ela não deu nem até-logo... Passou meses, meses, meses e meses e nada...
disse Telma.
Sobre a época da saída de casa para ir morar com Max, Edna disse que a
convivência estava muito difícil. Comigo em casa as coisas ficavam ainda mais difíceis...
Vítor em frase aparentemente desconexa disse: a Edna me trocou para ela... Telma falou
que Cosme não se conforma até hoje com o fato de Edna ter deixado a casa e ir morar com
outro homem e principalmente deixando o filho.
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Telma se referindo a Max e Vítor disse: eu não acho que ele vai ser mal cuidado.
Eu não deixo porque um homem que vem de fora nunca vai cuidar bem de um menino que
já veio com seis anos... Eu não acredito que o Max vá cuidar dele sob hipótese alguma...
Para cuidar de um filho que não é seu... Pra ela assumir a guarda de Vítor seria preciso
enfrentar... Um outro homem, não morando com este... Eu gostava mesmo do marido dela,
ele tinha um pedaço no meu coração, se ele tivesse metido em uma encrenca eu ia lá e
defendia, como se fosse um dos meus... Mas ele quis assim... Ele teve uma discussão com o
Cosme aqui dentro de casa e desde este dia perdeu a graça...
A guarda
Antes de pedir a guarda judicialmente, Telma já exercia a guarda de Vítor de fato.
Telma ressente-se de Edna não ter conversado com ela à época, nem depois quando deixou
Vítor e saiu de casa , sobre o assunto da guarda. Mas ela não chegou pra mim e disse: e o
meu filho, a senhora vai ficar com ele ou eu levo?... Nós não conversamos nada, esta
pergunta não foi feita. Nós não perguntamos nada. Tanto da parte dela, quanto da minha...
Vítor ficou sob a guarda de Telma. Embora Edna more próximo não assume como
Telma gostaria, alguns cuidados em relação a ele. Segundo ela, esta seria a razão para
entrar com o Pedido de Guarda judicialmente. Toda vida eu cuidei, foi a única vez que
precisei, realmente não pude fazer a matrícula na escola dele... Ela nunca fez nada... O
que eu gostaria de ter hoje é a responsabilidade de dizer vou fazer isto e acabou. Vão me
perguntar, a mãe dele vem buscar na escola? Eu vou dizer, não. O nome dela está aqui,
mas ela não vem... Precisa ir à reunião, mas nunca dá pra ela ir, precisa buscar na escola
também não vai. Então de vez em quando eu preciso, o Cosme vai pra mim, aí... Precisa
dar autorização pra ele ir a algum lugar, não posso, porque não tenho autoridade...
Morando ali, ele não vai pra casa dela mesmo! Só se eu morrer. Se eu morrer tudo bem...
Os pais
Vítor chama o avô de pai, mas sabe da existência de seu pai e o conhece. Telma
disse: Dele nunca jamais escondeu NADA! Que ele tem um pai, que ele tem mãe, quem não
é... Tudo que perguntar pra ele, ele sabe... Vítor falou sobre isso. Vou desenhar meu pai e
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meu irmão... Eu ainda quero fazer o meu pai (avô), depois ele vai falar que não estava
aqui... Esta é a Edna (a mãe)... Este é o Pedro (o pai) e o Sr. Cosme (o avô) é este.
As mães
Vítor chama sua avó de “mãe” e sua mãe também. Entretanto quando as duas estão
juntas chama a avó de mãe e a mãe de Edna. Às vezes eu chamo a Edna de mãe
também...Às vezes eu chamo ela de mãe... É às vezes... Só na casa dela... Quando ela
(Edna) vem aqui na casa de minha mãe (Telma) eu não chamo não. Vítor parece ter claro
que chamar Edna de “mãe” a deixa mais contente: ele às vezes me chama de mãe, mas só lá
na minha casa quando ele quer alguma coisa... Um presentinho, uma comidinha...
Edna e Telma ficam divididas entre o medo de perder a situação que tem e buscar
uma outra melhor. Não consideram boa a situação que vivem, mas minimamente
satisfatória na medida em que Edna não consegue efetivar os cuidados cotidianos para com
o filho e com isso as duas o mantêm por perto com a avó cuidando. Têm a esperança de que
se não se movimentarem no sentido de uma conversa para tratar do assunto, esta situação
de manter Vítor perto não se modificará.
Edna (a mãe de Vítor) percebe a disputa por Vítor como a maior dificuldade entre
ela e sua mãe. Dá o nome a esta dificuldade de ciúmes, a minha mãe fala assim com Vítor,
vai pra casa da Edna? Vai de vez então! Ele fica triste porque quer vir pra minha casa e
poder voltar pra casa dela...O Vítor fica no meio... Ela tem muita mágoa de mim... Edna
sinaliza que a dificuldade atual quanto à guarda tem raízes mais profundas. Acho que ela
gosta mais de minha irmã...Meu pai não sabe ir à cidade e não passar no meu serviço, do
jeito que o meu pai tiver ele me abraça, me beija... Minha mãe não, só olha para minha
irmã... Minha patroa comenta, sua mãe vem aqui, nem fala com você, nem te dá um
abraço... Nós duas nos abraçamos cinco vezes por ano. Eu já contei, no aniversário dela e
no meu, no dia das mães, natal e ano novo... Eu queria que me convidassem pra tomar um
café, eu queria ser bem tratada. Eles tratam todos muito bem, mas comigo é diferente. Não
é mal, mas é diferente...
Telma parece estar enredada em sentimentos contraditórios, percebe-se presa
cuidando de Vítor, mas quer permanecer com ele, disse que quer sair de casa, pois está de
saco cheio com o fato de Cosme ingerir bebida alcoólica, mas quando Edna verbalizou a
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situação de alcoolismo do pai foi reprimida por ela. Edna colocou sua família assim no
desenho: aqui é meu pai, chateado, a mesa, a cachaça,...A minha mãe, minha sobrinha, eu,
todo mundo triste... eu gostaria que todo mundo fosse feliz.... No meu desenho todos estão
sorrindo, meu pai sem cachaça, minha mãe feliz, eu, todo mundo calmo. Eu queria que as
pessoas fossem mais felizes, mais unidas. Neste segundo desenho eu troquei a mesa com a
cachaça por uma árvore com frutas. Posteriormente quando Telma falou sobre o desenho
de Edna disse: este desenho da Edna está errado porque pinga na mesa jamais teve. Nunca
entrou pinga na minha casa, em lugar nenhum que eu morei. Ele vem cheio, mas vem de lá
da rua... Jamais teve copo cheio aqui em casa... Mas da rua ele vem cheio, se precisar ele
volta lá duzentas vezes e bebe de novo... Nunca me incomodei, mas ele nunca trouxe!...
Em que pese estas diferenças entre a avó e a mãe, quando indagamos sobre a
possibilidade de quem poderia ajudá-las, Edna, mesmo com todas estas tensões familiares,
disse que ainda percebe na mãe a única pessoa que pode auxiliá-la.
As condições socioeconômicas
A família de Vítor vive em condições socioeconômicas bem adversas. Telma e
Cosme (avós de Vítor), Valeska e Ronaldo (tios de Vítor), seguem o modelo de família
onde o homem é o provedor do lar, ambas não trabalham. Edna ( a mãe de Vítor) sustenta a
casa pois o marido está desempregado.
O dinheiro ganho por Cosme é tido como suficiente para a subsistência mínima. Se
ele consegue trabalhar bem trabalhado o mês todo, ficamos bem, ele bebe menos e
consegue ganhar em um mês pelo outro uns R$ 600,00... Até que dá pra viver porque nós
não pagamos aluguel... A nossa vizinha deixou a gente morar aqui de graça. Mas se não, a
coisa ficava apertada...
Edna sofre com o desemprego do marido, sente-se fortalecida em sustentar a casa e
não vê-lo envolvido com o tráfico. Esta é a diferença. O Ronaldo (que vive do tráfico)
ajuda a minha mãe e o meu marido não... Entendeu? O meu marido se tiver que agradar,
ele agrada o Vítor, joga com ele... Brinca... Eu pago aluguel, água, luz... Às vezes quando
meu pai fica bravo ele pede os R$15,00 do salário família, eu dou uma caixa de leite que é
o valor... Quando eu faço compras, eu levo Vítor ao mercado e pergunto o que ele quer e
compro... Leite, bolacha, sucrilhos, tudo que ele gosta... Às vezes ele me pede uma bola, eu
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trago. Às vezes ele me pede R$1,00 eu dou. A gente agrada o Vítor, não a família toda. Já
o marido da Valeska é diferente, come lá, ajuda, dá dinheiro...
O bairro, a casa
A família de Vítor mora em um dos morros de Santos, com acesso por meio de
estrada asfaltada e também por escadaria. A via pela qual passa carro chega até um certo
ponto do morro, depois é necessário se caminhar por várias vielas e becos até se chegar à
casa. Entretanto, durante o percurso para se chegar ao endereço, há várias pessoas paradas
nas vielas, como se estivessem em posição de vigília, possivelmente algumas delas ligadas
ao tráfico.
Telma, na primeira vez, nos questionou qual percurso fizéramos para chegar até o
local e ao saber nos orientou que fizesse o caminho mais rápido, pela escadaria do morro.
Solicitou que telefonássemos antes de nossa chegada, para que ela fosse nos buscar na
escadaria, segundo ela para evitar qualquer coisa.
A casa em que moram Telma e Cosme é uma construção antiga de alvenaria,
subdividida em várias moradias. O espaço que ocupam é composto por dois quartos que
têm obrigatoriamente comunicação, uma sala, uma copa e uma cozinha. Os corredores nas
laterais são de uso coletivo. O casal se acomoda em um quarto e Vítor em outro. Valeska,
mora neste mesmo terreno. Edna e o parceiro também moram próximos. Da casa de Cosme,
transita-se por algumas vielas e chega-se à casa deles que é uma construção de madeira
composta por dois quartos, uma cozinha, um banheiro e uma área. Um dos quartos estava
fechado porque Edna não tem móveis para ocupá-lo.
A seguir apresentamos o genograma da família de Vítor.
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3.2.2. FAMÍLIA DE LUCIENE
3.2.2.1. A trama
Luciene Pereira mora com a avó materna, está com nove anos de idade, cursando a
segunda série do ensino fundamental em escola municipal. Ficou reprovada no ano passado
quando cursava a primeira série. Filha de Helena das Dores Natividade (33 anos) e de João
da Silva Natividade que foram casados por oito anos e ainda permanecem legalmente nesta
condição. A família não soube dizer quantos anos ou por onde anda João. Sabe-se que ele
trabalhava como ajudante geral. Helena cursou até a sétima série do ensino fundamental,
trabalhava como balconista, mas está desempregada há seis anos. Convive maritalmente há
sete anos com Armando Silva Santos (33 anos) que cursou até a primeira série do ensino
médio e trabalha como padeiro ganhando R$450,00 (quatrocentos e cinqüenta reais). Deste
relacionamento da mãe Luciene ganhou dois irmãos com os quais não convive diariamente,
Wellington Silva Santos (sete anos) que cursa a segunda série do ensino fundamental e
Nicole (um ano e nove meses).
Da família do pai de Luciene não se soube qualquer dado. Da família materna,
soube-se que esta é neta de João Ildebrando falecido há quatro anos, após muitos anos de
separação de sua avó Maria das Dores Pereira (56 anos), trabalhadora doméstica
desempregada, pensionista com um salário mínimo, analfabeta. Maria das Dores teve com
João, além de Helena, outra filha, Harolda das Dores Ildebrando (32 anos). Esta cursou até
a sétima série do ensino fundamental, está desempregada, faz trabalhos avulsos como
manicura e bordadeira, tem um filho Haroldo Ronaldo (dez anos) que está cursando a
quinta série, ambos moram com Maria das Dores.
Maria das Dores foi casada por 32 anos com Laurindo João que trabalhava como
ajudante geral, mas faleceu há seis anos devido a acidente de trabalho. Teve com ele mais
dois filhos: Mauro Pereira João, 25 anos, cursou até a oitava série do ensino fundamental,
está preso em um estabelecimento penal no interior do Mato Grosso há três anos, foi
sentenciado devido a tráfico e Lauro Pereira João, falecido há quatro anos assassinado em
um bar quando tinha dezessete anos, deixou um filho, Guilherme (cinco anos) que vive com
a mãe.
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Dos bisavós paternos de Luciene também nada se soube, mas dos maternos do lado
da mãe, foi dito que Maria das Dores é filha de um homem que ela não conheceu nem
soube o nome, apenas sua profissão, era um policial militar, no entanto sua mãe Maria José
de Jesus (do lar, falecida há oito anos) teve com ele cinco filhos em quatro gestações, sendo
ela a segunda da prole. Maria das Dores referiu que tem pouco contato com seus irmãos,
mas contou que: o mais velho Haroldo A. Pereira era casado, exercia a atividade de técnico
de refrigeração e faleceu há sete anos; Edmar e Itamar A. Pereira, gêmeos, se casaram, mas
um se separou, ambos eram policiais militares mas deixaram a corporação e se encontram
em um alto grau de alcoolismo; o caçula Leôncio A. Pereira, está casado com uma
professora, tem dois filhos, trabalha como despachante policial. Toda sua família de origem
mora no interior de Minas Gerais.
Maria das Dores foi criada em Santos por Irani Moreira que faleceu há doze anos.
Esta tinha dois filhos com os quais Maria das Dores não tinha muito contato. Esta é uma
parte da história familiar que não foi possível resgatar devido a dificuldade emocional da
avó em lembrar os fatos pertinentes a esta fase de sua vida.
3.2.2.2. O drama
A gravidez
Luciene é fruto do casamento de Helena e João, mas à época de seu nascimento
estavam em crise. Casamos no papel... Fiquei junto com ele até a Luciene nascer... Nem me
lembro quanto tempo foi que fiquei casada, já até esqueci, acho que uns seis anos, tenho
que ver a Certidão de Casamento... Eu tinha uns 19, 20 anos por aí... Não dava pra viver
com ele porque quando ele bebia, quebrava tudo dentro de casa... A mim ele não quebrava,
só as coisas... A gente estava em crise... Ele estava desempregado... A situação estava
muito difícil... Nesta época a gente morava com minha mãe, ela fez um quarto na parte de
cima e eu voltei a morar lá... Este período da gravidez foi bom, ele não bebia, nem
quebrava as coisas... Até eu ganhar neném foi aquela meiguice, mas depois que a menina
nasceu ele sumiu...
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O nascimento e o reconhecimento
Luciene nasceu em um período conturbado da vida do casal, enuviado por um outro
relacionamento da mãe. Não foi registrada com o nome do pai. Ela é registrada só no meu
nome... Eu não estava mais gostando dele... Falei, ih não vai dar, melhor terminar tudo...
Depois que eu tive a Luciene eu não vi mais o João, ele sumiu... Ele desapareceu... Sumiu...
Não quis saber da filha... Depois que ela nasceu ele ainda ficou morando comigo porque
não tinha pra onde ir... Ficar ele ficou, mas quando foi para registrar a menina sumiu...
Não registrou nem nada... disse Helena.
Maria das Dores fala sobre esta época. O Armando (atual marido de Helena)
arrumou emprego pra ela na padaria... Ela namorava este rapaz e vivia com João, o
marido dela. Aí o João viu Helena beijando o Armando lá na padaria, o que ele fez? Deu
nela uma surra e rasgou toda sua roupa, ela ficou pelada no meio da rua, aí a irmã dele
chamou a polícia e a Helena deixou ele na cadeia... Teve a separação e ele já está com
outra mulher... Vive com outra e bebe demais, bebe que nem gambá... Foi esse o problema
de quando a Luciene nasceu.
Ele queria mesmo era só casar e aproveitar da minha filha e tchau! Aí ela ficou
revoltada e não quis colocar o nome dele no registro da menina... O pai dela desapareceu,
a Helena registrou a menina no nome dela, foi isso. Ainda mesmo assim, fui eu que paguei
o registro da menina, foi quarenta reais. Depois também ele desapareceu, como é que ela
ia registrar no nome dele? Ela não registrou. Vou falar o que é verdade, estamos aí...
O novo parceiro da mãe
Helena refere-se a entrada do novo parceiro em sua vida da seguinte maneira. O
João põe toda a culpa no Armando. Ele disse que eu desembestei pro lado do Armando,
que quando eu conheci o Armando eu quis largar dele, mas não foi isso!... Não é verdade...
Eu não estava mais gostando dele... As pessoas dizem que foi por causa do Armando que
me separei dele, mas não foi... Eu fui me desgostando daquela vida...
Helena percebe que seu novo parceiro não foi aceito por sua mãe e isto traz
dificuldades para estreitar o relacionamento com Luciene. Acho que um não vai com a cara
do outro, deve ser isso. Meu marido acha que minha mãe é muito nervosa, encrenqueira,
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ele não gosta de gente encrenqueira... Fazer o quê? Acho que não se dão... Não sei o que
acontece... Acho que o santo dos dois não combina, deve ser isto... Me atrapalha muito
isso... Porque às vezes eu quero ir lá ver a Luciene e fica difícil. O Armando fala, você vai
pra casa de sua mãe, sabe como ela é... Ele acha que eu quero visitar na verdade é a
minha mãe, não é a Luciene.
Maria das Dores não esconde seu desafeto pelo novo parceiro de Helena e explica
os motivos.Ele bate nela... Ele é muito agressivo, ele é muito valentão, demais, demais...
Aquele povo do Pacheco [morro] me contava que ele batia nela... Porque a casa deles
ficava de frente pro morro. Ele batia e saia arrastando ela pelos cabelos. Eu falei pra ele
que não pari filha pra ninguém bater. Se eu encontrasse este cara batendo nela, nós dois ia
se pegar. Mas eu nunca vi. Ela já foi até fazer exame de corpo de delito. Por isso ele me
chama de chave de cadeia, mas não fui eu que levei pra fazer exame de corpo de delito,
não. Foi onde ela foi registrar a queixa, lá no 1° Distrito de Polícia que mandaram. Aí eu
fui com ela e depois disto ele me chama de chave de cadeia. Ele acha que fui eu que dei
parte dele a polícia, mas não fui eu, foi a minha filha mesmo. E ela ’tá com ele ainda! Já
arrumou dois filhos, acostumou apanhar... Todos os homens que ela arrumou foram
agressivos, os dois, tudo valentão, fazer o quê?
Além dos problemas com Helena apresenta os seus pessoais com ele. Só Deus pode
com ele! Porque meu filho foi preso ele me chama de porta de cadeia. Eu me chateei com
ele por causa disso, ele tinha que me tratar com mais respeito que nem eu sempre tratei...
Eu não gostei do que ele fez... Eu sou porta de cadeia que nem sua mãe é porta de cadeia,
eu falei pra ele. Pra eu não me pegar com ele, saí fora. Falei com a Helena que nunca
mais eu ia na casa dela. E não fui mesmo.
Além destes motivos apresentou a tristeza de tirar a filha de perto dela e da neta. A
Helena morava aqui embaixo, quando ela se mudou daqui, esta menina [Luciene] ficou
doente! Porque via o irmão todo dia, depois que ele mudou, pronto! Parece que acabou o
mundo! Ela acha que o mundo desabou porque não vê o Wellington todo dia, eles iam pra
escola juntos. Quer dizer que tudo isso estragou né! Ela ficou muito triste.O marido da
Helena inventou de arrumar uma casa bem longe que é pra ninguém ir lá. Pra ninguém ter
contato com a Helena, porque a verdade a gente tem que falar... Ele saiu da rua aqui que
ele morava porque ele era muito valente. É lá que ele tem que morar... Ele não gosta da
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gente aqui, de ninguém daqui de dentro de casa, ele é de mal de todo mundo... Ele proíbe
até a Helena de vir aqui ver a filha. Não deixa a Helena vir, ela tem que vir escondida pra
ver a menina. Quando a Luciene já tinha uns quatro ou seis anos, ela foi na casa dele com
a Helena, ele começou a espremer a Helena, bater na Helena e colocou a Helena pro lado
de fora com a menina. Ela ia dormir do lado de fora e ele ia dormir na cama. Ele dormiu
do lado de dentro com os filhos dele, e ela dormiu do lado de fora com a Luciene. Eu fiquei
sabendo disto e não gostei. Agora ela nem vem aqui ver a menina.
O estado de ânimo de Maria das Dores pode ser resumido nesta fala: Este homem
Deus me livre! A cada dia tenho mais raiva!
A guarda
Helena conta como deixou sua filha morando com a mãe. Eu ia trazer a Luciene
comigo, mas como meu padrasto era muito apegado e a minha mãe também, não me
deixaram trazer... Foi aquela choradeira... Eu queria trazer para vir morar comigo, mas
eles não deixaram... Disseram: você nem conhece este rapaz direito, vai morar junto e já
vai levar a menina... Aí a minha mãe falou: não vai levar a Luciene não... Ela vai morar
comigo. Eu falei então tá bom. Ela falou vou criar ela que nem fosse minha filha, e cria
mesmo! É um xodó com aquela menina viu!
Falou sobre suas preocupações.Eu fiquei preocupada de trazer a Luciene para
morar comigo, porque ela podia pensar, minha mãe vai morar com este cara que não
conheço, que nunca vi... Depois minha mãe ia ficar falando, vai ser criada por padrasto,
porque sempre padrasto tem fama que não presta... Aí eu fiquei pensando e falei, não, é
melhor ficar com minha mãe... Padrasto por melhor que seja nunca presta...
Além da pressão de seu padrasto e de sua mãe teve também a do pai de Luciene.
o João falou, deixa a menina com sua mãe, aí eu falei que ia deixar. Porque minha mãe
também queria...
Maria das Dores assume que impôs que a filha deixasse a neta aos seus cuidados
devido o desejo de seu marido. Aí ela deixou a Luciene e foi morar com este rapaz, porque
eu não deixei acompanhar... O meu marido não deixou levar porque a gente não conhecia
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o rapaz... Ninguém consentiu... Nem o meu marido que na época era vivo nunca deixou...
Deus me livre, meu marido gostava demais desta menina...
Não deixou de registrar, no entanto o desprezo do novo marido de Helena à
Luciene: Não deixei ela levar a menina... Ela queria, mas o rapaz não aceitava a menina.
Eu falei pra ela, você pode levar a menina, mas ele falou que não queria ela lá, disse que
não queria esta mala. Esta mala não saiu de dentro dela, saiu foi de dentro de mim...Ele
falou mesmo que se a menina fosse morar lá junto com ele, ia por a Helena pra morar no
meio da rua. Ela podia pegar os panos dela e sumir, que ele não queria. Porque ele tomou
a mulher casada de outro homem, né? Por isso que ele não quer que a menina vá pra lá...
O caráter provisório passou a ser quase definitivo.Ela disse, mãe quando a minha
vida melhorar eu levo a menina. Mas quando? Até hoje nada! Então a senhora pega
Luciene, pega pra senhora que eu não quero ela mais, ela falou, pode pegar. Aí ela me
deu... Eu entrei com o Pedido de Guarda porque ela falou que não queria mais. Ela largou
de vez comigo...
Os pais
O pai biológico é um desconhecido para Luciene. Sua mãe procura nem se lembrar
mais dele. Eu não quis mais saber dele... Nem sei a idade deste homem... Nem me lembro...
Nem sei em que mês ele faz aniversário... Aquele homem eu não gosto nem de pensar...
Onde ele mora não sei...
Contudo não desapareceu de sua vida totalmente. Parece que ele apareceu aí, na
casa de minha mãe no ano passado, ou retrasado... Ele foi lá e levou umas coisas para
Luciene e sumiu de novo. Vamos ver quando é que ele se lembra de novo...
Apesar de ser um desconhecido ele teve um papel importante na determinação de
sua guarda. Eu já pensava em deixar a Luciene com minha mãe mesmo, mas o João ficou
sabendo que eu ia morar com o Armando e disse: ah é, você vai morar com ele, mas não
leva a menina, porque se fizer isto eu te mato, pode deixar a menina com a sua mãe!
As referências que sua avó traz são as piores. Ela não sabe o nome dele... Quando
ela viu, ela era novinha... Criar mesmo que é bom, nem pensar, não teve acompanhamento
nenhum... Não sei por onde ele anda... Porque ele foi um dos primeiros que nunca ligou
pra esta menina, que foi sua primeira filha... Nunca mais eu tive contato com ele, nenhum...
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O homem o maior pinguço! Irresponsável! É um homem que não dava nem pra eu dar a
menina pra ele, porque ele não tem responsabilidade com nada e é violento, foi por isso
que minha filha largou dele.
Na ausência do pai biológico, Luciene arrumou dois pais substitutos. Maria das
Dores conta que ela chamava os dois de “pai”. Ela tinha como pai o Laurindo (marido da
avó) e o Lauro (tio assassinado) ... Era pai “Indo” o meu marido e pai “Lau” o meu filho...
Ela chamava de pai, o Laurindo... Quando ele faleceu me pediu que cuidasse dela! Ele
gostava muito dela... O Lauro tinha Luciene como filha dele, ela chamava ele de pai
também. O Lauzinho cuidava dela. Cuidava assim, quando ele ganhava dinheiro e ia
comprar as coisas para o filho dele, ele sempre comprava alguma coisa pra ela. Tratava
dela bem... Tinha dois pais e os dois morreram.
Maria das Dores sentenciou sobre a ausência/distância dos pais na família: Não
acontece nada, porque a minha mãe criou todos os filhos sem pai...
As mães
Helena ressente-se pelo fato de não ser chamada de “mãe” por Luciene, sente isso
como um desamor. Ela chama a minha mãe de mãe... Eu gostaria que ela me chamasse de
mãe, mas ela não me chama assim... Ela gosta mais de minha mãe do que de mim. Nunca
falei pra Luciene isso... Acho que minha mãe devia falar... Eu reconheço que a Luciene ia
ser bem criada pela minha mãe, como é, ela é o xodó de minha mãe, eu sabia que lá ela ia
ficar bem... Minha mãe acha que ela gosta de mim, mas eu falei que nada mãe! Ela não
gosta... Quando ela está comigo ela só quer a senhora! Minha mãe acha que ela tem
ciúmes, mas eu acho que não, eu acho que ela gosta é de minha mãe, porque foi minha mãe
que criou ela... É um grude que parece que nasceram uma pra outra. Por isso ela não
gosta... Toda vez que eu levava pra minha casa, ele dizia que queria ir embora... Que
queria ficar com minha mãe e não queria ficar comigo... Aí eu levava... Minha mãe acha
que ela gosta de mim. Eu falei, quê? Quando ela está comigo só quer a senhora...
Maria das Dores afirma o seu amor no desamor que percebe da neta em relação à
filha. Ela falou na frente da juíza que não gostava da Helena...
No entanto, reconhece o esforço que a filha tem feito para exercer a maternagem.
Ela tem ido comigo nestas coisas da escola. Pra passar na médica, ela vai comigo. Ela
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coloca a menina no carrinho e vai. Ela não tá indo agora porque o tempo está de chuva.
Mas do começo ao fim ela está indo junto comigo. Ela vai no CVC [Centro de Valorização
da Criança – equipamento municipal que realiza tratamento a crianças com problemas de
aprendizagem, fala e outros]. Só que é escondido do homem. Só que quando é para sair
mais tarde às seis horas da tarde, ela não pode ir por causa do homem. Se ele chegar do
serviço e não encontrar a mulher em casa, mata ela de pancada.
Em que pese estas diferenças entre a avó e a mãe, quando indagamos sobre a
possibilidade de quem poderia ajudá-las, Helena respondeu: não sei quem pode me ajudar
não... Não converso com ninguém... Eu não gosto de levar problemas pra minha mãe
não...Ela já tem tantos... A única pessoa que posso conversar é minha mãe... Com meu
marido, e minha irmã... Eu amo muito minha mãe... Eu rezo sempre por ela... Ela sabe que
eu gosto dela...
As condições socioeconômicas.
As condições socioeconômicas da família de Luciene são muito difíceis tanto na
casa da mãe quanto na casa da avó.
Helena conta: Pagamos R$ 300,00 de aluguel e o meu marido ganha R$ 450, 00,
sobra pouco pras outras coisas... Começam faltar as coisas, eu me viro. Comida... Para os
meninos eu faço mingau... Quando dá a gente come, quando não dá vai fazer o quê?
Maria das Dores, que vive como pensionista do INSS e recebe um salário mínimo,
ressente-se da difícil situação em que se encontra. Na idade que estou não arrumo mais
serviço! Aquilo ali é tudo roupa que eu lavei e a mulher não veio buscar pra me pagar. Eu
fico doente quando eu não trabalho, vichi! Tem que sair doida pra arrumar alguma coisa
pra fazer se não eu fico ‘lascada’... Mas Deus é pai, não tem um homem ali do campo do
Santos? Ele me dá uma cesta básica todo mês. Ele está pagando uma promessa dando
cesta básica. Cesta grande, com dez quilos de arroz, quatro quilos de feijão, duas latas de
óleo, vem bolacha, vem sardinha, vem leite moça, vem tudo.
Ao final, Maria das Dores resume assim a história de sua família. Minha vida foi
complicada, mas eu sempre andei direito na minha linha certa, nunca fui pela cabeça de
ninguém, nunca fui presa, nunca roubei, nunca matei, não dou trabalho pra ninguém... A
minha história bem contada dá um romance, ela é muito triste. Eu não gosto nem de
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lembrar... Pelo que eu passei, meus filhos estão num mar de rosas. É o que falo pra eles,
passei muita necessidade, mas nunca fiz nada errado. Tenho orgulho disso...
O bairro, a casa
A localização da casa de Maria das Dores, a avó de Luciene, é um percurso que só
se faz a pé e passando por uma alta, estreita e íngreme escadaria. Não se percebeu muito
claramente a presença de pessoas ligadas ao tráfico, como na residência da família de Vítor.
Ao indagarmos sobre este assunto, Maria das Dores nos afirmou que não nos
preocupássemos com os traficantes porque ali naquele morro não havia este tipo de
problema.
As condições da casa de Maria das Dores são precárias. Ela é construída de
alvenaria, mas sem acabamento. Tem apenas um quarto e uma cozinha que é por onde se
entra.
A casa de Helena, a mãe de Luciene, fica em um bairro de baixo poder aquisitivo
próximo a outro morro, mas visivelmente melhor situada e em condições mais satisfatórias
que a casa de Maria das Dores. Construída de alvenaria, tem um acabamento razoável
compatível com as demais construções da região. Composta de uma área de serviço, uma
cozinha que é por onde se entra, uma sala e um quarto.
A seguir apresentamos o genograma da família de Luciene.
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Ao finalizarmos este capítulo, refletimos sobre o nosso caminhar metodológico e
gostaríamos de tecer alguns comentários sobre nossas escolhas e passos dados.
Trabalhamos com os depoimentos coletados a partir do genograma e dos desenhos.
Esses revelaram aspectos da vida pessoal e familiar dos sujeitos. Nestes depoimentos
emergiram histórias que por vezes nem a própria pessoa se deu conta da importância ou
mesmo nem as próprias famílias conheciam. O fato de termos levantado os dados com a
família gerou a oportunidade de um membro ouvir a história na perspectiva do outro. Ouvir
envolve também fazer do momento do depoimento um espaço para o autoconhecimento
pessoal, individual e familiar.
Foram momentos que aproveitamos para realizar nossa tarefa de pesquisar, mas
também de aprendermos como pessoa e enriquecermos nosso ser profissional. Em algumas
circunstâncias tivemos que nos esforçar para nos ater ao nosso objetivo de realizar a
pesquisa e não realizarmos intervenções, visto que a profissão do Serviço Social é
essencialmente interventiva. Cremos que este esforço contribuiu para também estar mais
próximas das famílias estudadas. Nos apoiamos em Szymanski quando diz que;
Como o querer saber significa abrir-se para o poder aprender, compreendido
como ‘suportar a manifestação do ente’, estão presentes as trocas
intersubjetivas entre pesquisadores e participantes que nela têm um papel
ativo. Nesse processo há a co-construção de significados, sendo fundamental
a compreensão da perspectiva do outro na situação de escuta. Assim, a
condição de intervenção, ao invés de ser obstáculo, passa a ser constitutiva da
pesquisa. Deve entretanto, estar sujeita às áreas de saúde, educação e serviço
social, exigindo conhecimentos teóricos e metodológicos da prática de
pesquisa naquelas áreas, tendo-se em mente sempre que as pessoas diante do
pesquisador são prioritariamente objeto de cuidado e nunca ‘objeto’ de
pesquisa. Como pesquisa, exige rigor metodológico e conhecimento teórico e
tem a finalidade de contribuir para o conhecimento científico das áreas
envolvidas. Trata-se de criar condições para o ‘poder aprender’, muito
diferente da concepção de possuir um saber, pois este não é objeto de
posse.(SZYMANSKI, 2004: 119)
Não percebemos as pessoas como simples repetição de histórias. Acreditamos que
toda pessoa e ou família tem condições de se expressar, independente de seu estado
emocional ou pertencimento de classe econômica, cabe ao pesquisador investigar levando
100
em consideração esta capacidade no sujeito pesquisado. Prestar atenção na comunicação
não só no enunciado expresso pelo do pesquisado como também pelo pesquisador, que
acontece tanto no plano digital da linguagem como também no analógico mediante
expressões faciais, postura corporal e outros.
Levamos em consideração todos os aspectos que circundam a família como
anteriormente levantamos, mas a voz do pesquisado é que dá vida ou não a estas
considerações, dentro de suas referências sociais e culturais. Entendemos o trabalho com
família, como um trabalho de escuta e observação cuidadosa, para que nossa intervenção,
seja através de pesquisa ou da ação profissional propriamente, possa estar fazendo sentido
não somente para nós profissionais, mas principalmente para a família.
Neste jogo entre o mundo exterior e o mundo subjetivo, as construções
simbólicas operam numa relação especular. Assim acontece na família. O
discurso social a seu respeito se reflete nas diferentes famílias como um
espelho. Em cada caso, entretanto, há uma tradução desse discurso, e cada
uma delas, por sua vez, devolverá ao mundo social sua imagem, filtrada pela
singularidade das experiências vividas. Assim, cada uma constrói seus mitos
segundo o ouve sobre si, do discurso externo internalizado, mas devolve um
discurso sobre si mesma que inclui também sua elaboração, objetivando sua
experiência subjetiva. (SARTI, 2003: 27)
Com o propósito de busca dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas próprias
experiências, no próximo capítulo apresentaremos suas histórias por meio de temas que
emergiram de suas próprias falas e apontaram para algumas categorias.
101
Capítulo IV
AS RELAÇÕES SOCIOAFETIVAS FAMILIARES NA PERSPECTIVA
INTERGERACIONAL
Esta opção representa mudança do paradigma
da ação transformadora, na direção de uma
ontologia e de uma epistemologia que não
separam a razão da emoção, a organização
socioeconômica da configuração subjetiva, a
esfera privada da pública, tampouco a estética e
a ética da política
. SAWAIA: 2003, 39
Como já foi dito, optamos em pesquisar os Pedidos de Guarda judiciais advindos da
Vara da Infância e Juventude tendo por foco as relações socioafetivas intergeracionais. Faz
sentido compreender estes pedidos mediante as relações familiares, pois é por intermédio
destas relações que as situações gestam e acontecem.
Para melhor compreender as relações familiares na perspectiva intergeracional que
sustentam os pedidos de guarda, desenvolvemos este capítulo por meio de dois eixos: o
primeiro, próprio das relações familiares, no qual trabalhamos a afetividade como uma
categoria central, que é própria e ordenadora da vida familiar; o segundo sóciopolítico
vinculado explicitamente ao domínio do social, no qual trabalhamos com as categorias da
desqualificação pessoal e social e o sofrimento ético-político. Não perdendo de vista que
estes dois eixos se imbricam e se sobrepõem, esta aparente divisão apenas possibilita o
desenvolvimento de nossas análises com base no denso material coletado nesta pesquisa.
4.1. A AFETIVIDADE
Entendemos que as relações são permeadas por afetividade e que esta não é algo
estático. Ela se revela por meio das emoções que nos movem de maneira intensa a
apresentar o sentimento, que é a reação que temos perante os fatos que ocorrem em nossas
vidas e pessoas que nos circundam direta ou indiretamente. Portanto as emoções, como os
sentimentos, são sociais. Eles estão diretamente conectados ao momento histórico e à
sociedade em que são vividos. Os fatos que envergonhavam há cinco séculos as pessoas
provenientes das sociedades burguesas não eram os mesmos fatos que envergonhavam os
102
indígenas, como não são os de nossa época. “Por serem sociais, as emoções são fenômenos
históricos, cujo conteúdo e qualidade estão sempre em constituição. Cada momento
histórico prioriza uma ou mais emoções como estratégia de controle e coerção
social”.(SAWAIA, 2002:102)
Portanto é por meio da mediação da afetividade que encontramos apoio para nossas
reflexões. Entendendo afetividade
como a tonalidade e as cores emocionais que impregna a existência do ser
humano e se apresenta como:
1. Sentimento – reações moderadas de prazer e desprazer, que não se refere
a objetos específicos;
2. Emoção – fenômeno afetivo intenso, breve e centrado em fenômenos que
interrompem o fluxo normal da conduta. (SAWAIA, 2002:98)
Percebemos a afetividade não como algo intrínseco ao sujeito para com ele mesmo, e
sim algo que emana do sujeito em direção a outro ser, do outro ser para o sujeito, do sujeito
para o coletivo e do coletivo para o sujeito. Portanto a afetividade se dá na relação.
A relação que tratamos aqui é a que acontece no cotidiano, no âmbito da família e
para com a sociedade, cujos sujeitos foram procurar a intervenção do Estado por intermédio
do Tribunal de Justiça formalizando um Pedido de Guarda. Sawaia (2001:105) diz que:
Os sentimentos são orientadores da vida cotidiana, eles guiam os contatos
humanos. Em outras palavras, as relações sociais não são apenas cognitivas
ou sociais, elas têm carga afetiva, bem como os sentimentos não são pulsões
naturais nem funções puramente orgânicas, biológicas, universais; são
representações sociais complexas.
Procurar compreender as relações familiares intergeracionais por meio da afetividade
é uma tentativa de recuperar o indivíduo em seu meio primeiro e realizar uma análise que
perpassa também pelo coletivo. Estudar as relações familiares das camadas em situação de
pobreza da população na perspectiva da afetividade é reconhecer a dimensão do econômico
como integrante desta afetividade sem perder de vista a singularidade dos sujeitos
estudados. Precisamos superar a concepção de que a preocupação das pessoas
desfavorecidas na nossa sociedade é puramente econômica e desprovidas dos aspectos
relacionais.
103
estudar os fenômenos subjetivos e os fenômenos sociais como mediações é
colocar em relação dialética diferentes níveis de análise: o intra e o
interindividual, o intra e o intergrupal, o intra e o intercultural, enfim... é
restabelecer a identidade entre sociedade e homem, entendendo que um é
igual ao outro, embora um seja diferente do outro. É compreender que nada
aparece como coletivo sem que antes tenha sido vivido, subjetivamente,
enquanto necessidade e sentimento do EU. E que essas necessidades e
sentimentos são sociais e não naturais ou genéticos. (SAWAIA, 2001:101)
Nesta perspectiva da afetividade é que examinaremos as falas dos sujeitos. Para
orientar nossas análises partimos de alguns temas que emergiram do plano empírico e que
foram desta forma articulados teoricamente: a qualificação dos vários sentimentos
percebidos e as tensões sociofamiliares quanto ao Pedido de Guarda.
Quando decidimos encaminhar nossa pesquisa tendo como prisma a afetividade
encontramos em Bader Sawaia nossa inspiração. A mesma nos revela (2002:100) que
Heller, Vigotsky e Espinosa são sua fonte. Mas que destes, é o filósofo Espinosa (1632-
1677) que faz de sua principal obra um tratado das emoções, que lhe dá amparo para
estudar os afetos. O autor diz que entende por afetos “as afecções do corpo, pelas quais a
potência de agir deste corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou entravada, assim
como as idéias dessas afecções” (ESPINOSA, 1973:112). Depreendemos que a afetividade
indica ação. O corpo então é afetado por uma potência no agir, que pode ser aumentada ou
diminuída, favorecida ou entravada, conforme for afetado. Então a ação, ou não ação, está
diretamente ligada às emoções e sentimentos
29
. “Em síntese, Espinosa apresenta um
sistema de idéias onde o psicológico, o social e o político se entrelaçam e se revertem uns
nos outros, sendo todos eles fenômenos éticos e da ordem do valor” (SAWAIA 2002:101).
A afetividade sustenta e é sustentada pela tensão sociofamiliar. Estas se forjam a
partir das relações familiares, do contexto social e cultural em que vivem as pessoas. É um
estado em que há apreensão no relacionamento e as motivações contraditórias que a geram
muitas vezes não são explicitadas, ditas e ou conversadas, apenas sentidas. Nos sujeitos das
29
Espinosa (1973) qualifica três afeições como primárias: a alegria - expressa o aumento da potência de agir;
a tristeza - expressa a diminuição da potência de agir; o desejo - é a própria essência do homem, enquanto esta
é concebida como determinada a fazer algo por uma afecção qualquer nela verificada. Para ele, as demais
afeições, como amor, ódio, medo, esperança, contentamento e outros, sempre nascem como desdobramentos
destas três.
104
famílias estudadas, destas situações resultaram os sentimentos permeados por tensões
familiares e vice-versa.
Quando a tensão emocional de um sistema formado por duas pessoas supera um
nível dado, pode ocorrer um processo conhecido por triangulação. Uma dupla de pessoas
em uma relação tensa tende a procurar um terceiro para formar um triângulo relacional e
suportar a tensão vivida. A dupla triangula a uma terceira pessoa, permitindo que a tensão
se desloque dentro do triângulo. Este triângulo originário formado pode se agregar a novos
triângulos que se ligará aos demais. Portanto, o sistema emocional fica formado por uma
série de triângulos interdependentes. Então, o sistema de tensão de um triângulo pode
deslocar a qualquer dos circuitos preestabelecidos. O triângulo é considerado, pelos
teóricos que estudam as dinâmicas familiares, como a base da estrutura de todo o sistema
emocional. (BOWEN, 1991; HOFFMAN, 1994 ).
4.1.1. QUALIFICAÇÃO DOS VÁRIOS SENTIMENTOS
Percebemos durante o trabalho de investigação a força das emoções contida nas
falas dos sujeitos, e ao observarmos os dados de forma escrita pudemos apreender parte
deste rico material. Optamos em utilizar como base para a qualificação dos sentimentos a
tríade que Espinosa qualifica como sendo as três afeições mais importantes: a tristeza, a
alegria e o desejo. Embora tenhamos registro de muitas emoções, optamos em trazer
apenas os sentimentos que as famílias conseguiram nomear explicitamente. Entendemos
que estes sentimentos expressam a dimensão apontada por Bader Sawaia que “a ação e a
reflexão ético-políticas equivalem à análise e à prática voltadas às emoções e os desejos, o
que significa considerar que a humilhação, a vergonha, o medo, o ódio, assim como a
felicidade, são estofos da organização social e da moralidade” (SAWAIA: 2003,39)
4.1.1.1. A tristeza
As emoções e os sentimentos que mais apareceram em ambas as famílias foram de
tristeza. Percebemos que a dificuldade para expressar os sentimentos não é individual, é
familiar e social. A nomeação do sentimento da tristeza e a imobilidade causada por este
são claramente manifesto, pois como afirma Espinosa (1973: 112) a tristeza diminui a
potência do agir.
105
Na família de Vítor: Cosme (o avô) pouco nomeou seus sentimentos, mas este foi
expresso diversas vezes mediante o choro. Esta manifestação acontecia muitas vezes sem
que ele participasse ativamente das entrevistas. Enquanto ficávamos na copa, ele da sala
ouvia nossa conversa e se emocionava. Valeska (a tia) e Vítor eram os mensageiros da
expressão de seus sentimentos, o pai está chorando, mãe... O pai está chorando no
quarto... Edna (a mãe) disse: eu fico triste... O que eu posso fazer? Não posso fazer mais
nada... Telma (a avó): e eu fiquei mais triste ainda.
Telma (a avó) demonstrou os sentimentos contraditórios provocados pela
dificuldade entre ela e Edna (a mãe): sinto uma tristeza, misturada com raiva... Um ódio.
Para o que eu sinto não tem explicação, não tem um nome, é tanta coisa! Muita mágoa a
Edna deixou... É tanta coisa que eu sinto ao mesmo tempo... Eu sinto amor e ódio ao
mesmo tempo. Não sabe o que fazer com esta profusão de sentimentos já que é movida por
um sentimento que se esforça para ter a filha perto de si e outro que a afasta de si. Como
esta ambigüidade de sentimentos fica presente na relação sem ser explicitada e elaborada,
percebe que cada dia a relação fica mais difícil.
Edna por sua vez, aponta esta disputa por Vítor como a maior dificuldade entre ela
e mãe. Considera esta disputa motivada por ciúmes: a minha mãe fala assim com Vítor, vai
pra casa da Edna? Vai de vez então! Ao mesmo tempo também que é porta-voz da tristeza
de Vítor, que de certa forma também faz parte da sua: Ele fica triste porque quer vir pra
minha casa e poder voltar pra casa dela. Eu também fico triste com esta situação... O Max
me pergunta: porque você veio triste da casa de sua mãe? Porque quando meu pai bebe,
ele quer bater na gente... O Vítor fica no meio... Eu tenho medo de que minha mãe vá
embora pra Bahia e leve o Vítor junto... Mais tarde ele pode dizer, você me deu pra minha
avó pra sempre... Eu tenho medo de conversar com a minha mãe de ouvir coisas que eu
não quero, aí eu não converso... Eu sinto muita tristeza... Eu queria que ninguém ficasse
me cobrando coisas, nem brigasse comigo. Eu queria que me convidassem pra tomar um
café, eu queria ser bem tratada. Eles tratam todos muito bem, mas comigo é diferente. Não
é mal, mas é diferente... Edna e Telma não conversam entre si sobre um assunto que as
incomodam, ficam divididas entre o medo de perder a situação que têm e buscar uma outra
melhor. Não consideram boa a situação que vivem, mas minimamente satisfatória na
106
medida em que Edna não consegue efetivar os cuidados cotidianos para com o filho e com
isso a avó é que continua cuidando do neto. Têm a esperança de que se não se
movimentarem no sentido de uma conversa para tratar do assunto, esta situação de Vítor
perto não se modificará.
Na família de Luciene observamos que, como na família de Vítor, os sentimentos
que mais apareceram nos depoimentos foram os ligados à tristeza.
A participação de Luciene durante todo o processo de coleta de dados se deu de
forma apática. Ela respondia às perguntas apenas meneando a cabeça, afirmando ou
negando. Perguntamos se este comportamento era por medo ou porque não sabia responder,
ela disse que não, quando perguntamos se era por vergonha respondeu que sim. O
semblante, a expressão do olhar e corporal de Luciene (a neta) e Helena (a mãe) foram
sempre cabisbaixos, ao contrário de Maria das Dores (a avó) que mesmo em sua condição
de sofrimento em vários momentos demonstrou altivez, inclusive quando falou da própria
dor.
E quando ela fala de seu filho, a vergonha e a tristeza se associam a outro
sentimento, ao medo: Eu tenho medo deles matarem o Mauro também lá na cadeia.... Eu
não posso mentir, falar que meu filho está viajando, não mora comigo, infelizmente. A
gente fica com vergonha até... Mas ele não mexe com ninguém, com nada que é dos
outros... É só problemas, só tristeza. Maria das Dores, mesmo tendo o filho preso por
tráfico, considerado pelas leis brasileiras como crime hediondo, fala de uma moral que não
está nesta dimensão das leis, o tráfico é que seria um crime mais brando, roubar sim é que
seria um crime hediondo para ela. Portanto, consegue resguardar seu orgulho ou sua estima,
mesmo em uma situação socialmente considerada mais grave.
Os sentimentos nomeados por Helena (a mãe) foram em sua maioria advindos da
tristeza. Eu sentia raiva... Ódio... O pai de Luciene bebia e quebrava tudo dentro de
casa...
Quebrava tudo... Eu sinto sei lá... Um desprezo por aquele homem... Não gosto nem de
pensar é só tristeza... ele não queria que eu levasse a menina para morar comigo de jeito
nenhum... Quando eu falei em trazer minha mãe ficou chorando, com a cara triste, eu
fiquei com dó, meio sem saber o que fazer, o que era certo. Ela chorou demais... Percebe-
se que Helena vivia triste em convivência com o ex-marido, quando o deixou e foi viver ao
107
lado de outro, além de ser explicitamente pressionada por ele em relação à filha, também se
sentiu intimamente pressionada pelo amor que sente pela mãe, em não deixá-la triste.
Helena sentia a tristeza por não estar próxima à filha e conseguia fazer poucos
movimentos em direção a mudança desta situação. Esta foi a tônica em seu depoimento: A
Luciene nem me chama de mãe... Eu fico chateada, fico triste, mas vou fazer o quê? Apesar
desta tristeza imensa que a imobiliza na busca do amor da filha, Helena mostrou-se uma
pessoa muito a grata à mãe pelo favor que está lhe fazendo em cuidar de sua filha.
4.1.1.2. A alegria
Os sentimentos alegres foram expressos menos ainda que os da tristeza. Estes
apareceram principalmente vinculados às formas do amor.
Na família de Vitor, Cosme falou que Edna deu muito trabalho. Ao questionarmos o
cansaço nos cuidados com as filhas como forma de amor, ele respondeu orgulhoso: gosto
mesmo, o meu amor por elas é muito grande... Eu sou muito contente com elas, tenho muito
orgulho... Elas têm o estudo completo. A Edna mesmo de barriga, terminou todos os
estudos... Telma completou: ele mata e morre por estas filhas e por este neto. Cosme
trouxe para si a responsabilidade e o prazer de ter conseguido passar para as filhas o
patrimônio da escolarização no nível que é considerado o topo para suas condições
econômicas, o ensino médio.
Edna também foi bem firme na crença de que o maior sentimento que o pai nutre
por ela é o amor: Eu sei que meu pai gosta de mim, apesar de tudo ele me trata muito
bem... Ele fala assim bravo, mas eu sei que ele gosta de mim. Este amor é demonstrado
para Edna principalmente nas visitas que ele faz a ela no trabalho: todos os dias ele vai ao
meu serviço, só para dar um oi. Não tem nada pra falar, ele vai lá só pra me ver e vai
embora, geralmente quando ele está trabalhando. Ele só não vai quando não está
trabalhando, porque aí ele não desce a escadaria.
Telma expressou os sentimentos advindos da alegria na forma do contentamento
pela existência de sua família, no depoimento em que ela desenhava quem era sua família.
Escreveu embaixo: minha família é esta aqui formada por seis pessoas estou contente com
ela... O Vítor, eu, Cosme, Valeska, Ronaldo, Edna e Natiely...
108
Na família de Luciene, os sentimentos mais fortes advindos da alegria pareceram
permanecer em uma época distante, já passada. Helena trouxe as seguintes lembranças:
quando a gente era pequena, a gente brincava muito, era um tempo de muita alegria... Meu
pai também levava a gente pra passear... Parece que a felicidade está sempre longe, em
uma época que já passou ou em uma que existe apenas no plano da idealização. Helena
afirmou: eu gostaria que todo mundo ficasse junto, todo mundo dando os braços, todo
mundo em paz, sem briga, eu tenho esperança de que um dia isto vai acontecer...
Os sentimentos advindos da alegria emergiram vinculados à idéia de família, mas
eles parecem não perceber. Em certos momentos foi preciso que nós fizéssemos uma
tradução da fala de Maria das Dores e Helena porque o sofrimento era muito intenso e o
caminhar do depoimento só ocorria pelas vielas da tristeza. Num dado momento do
depoimento, Maria das Dores pediu para que nós perguntássemos a Helena porque a filha
não ia visitá-la aos domingos, como se fosse uma forma de comprovação da falta de amor
da filha. Então invertemos a pergunta solicitada de comprovação do desamor, para a
comprovação do amor e indagamos a Helena qual era a quantidade de amor que ela tinha
pela mãe, ao que ela respondeu: bastante, muito mesmo, eu amo! Eu adoro a minha mãe...
Pedimos então que ela dissesse apenas uma coisa, como forma de dar corpo ao seu
sentimento... A coragem, ela é muito corajosa, faz cada coisa que ninguém acredita! Ela é
demais!Eu admiro muita a coragem da minha mãe. Neste momento, Helena, Maria das
Dores e Luciene se emocionaram, marejaram os olhos... E puderam estar um pouco mais
próximas de um afeto que, nós como pesquisadora havíamos percebido ser existente no
interior desta família desde o primeiro contato: o amor.
4.1.1.3. A frustração/desejo
Percebemos que esta tristeza e a alegria vinda de momentos passados estava muito
ligada também a desejos idealizados de um modelo de relação familiar. Neste momento
percebemos o quanto a idealização de um modelo familiar e/ou de relações familiares
dificultam e imobilizam a lidar com o real. Pois este modelo de família que aparece na
mídia do eternamente feliz não é encontrado pelas pessoas nas possibilidades de seu dia-a-
dia, provocando uma insatisfação com a própria realidade familiar.
109
Na família de Vítor, Telma (a avó) manifestou o desejo de como gostaria que sua
família fosse. Eu gostaria que minha família fosse mais amiga, mais família não é?... Não
sei, como se fosse todo mundo um só entendeu? É uma frustração que eu tenho... (com voz
trêmula tentando controlar a emoção).Edna (a mãe) disse: eu gostaria que todo mundo fosse
feliz...
Na família de Luciene, Maria das Dores (a avó) disse: eu queria que fosse como
antigamente com todos os meus filhos dentro de casa... Helena (a mãe) mencionou: eu
queria que todo mundo ficasse de braços dados...
4.1.2. A TENSÃO SOCIOFAMILIAR QUANTO AO PEDIDO DE GUARDA
Observamos, nas famílias pesquisadas vários triângulos relacionais que se
intercambiavam, oferecendo um nível de tensão muito intenso. Estes pontos de tensão, que
geraram e ainda compõem o Pedido de Guarda, se tornavam maiores quando as questões
familiares eram explicitadas no decorrer do percurso da vida familiar.
4.1.2.1. Nascimento das crianças
Na família de Vítor, sobre a época em que ele nasceu Telma ( a avó) disse: Me senti
traída. Uma dupla traição. Os dois... A gente se revoltou. Cosme (o avô) quis matar ela.
Eu disse não, tem que matar os dois. Esta fala indica o clima de tensão que havia a época e
a triangulação entre os pais e Edna e entre esta Pedro e seus pais.
As relações se tornaram mais conflitivas desde quando Edna ficou grávida, Pedro
sumiu e só reapareceu quando foi procurado pela justiça.Quando ele foi ver o Vítor pela
primeira vez o menino tinha um ano disseram Telma e Edna. Sendo a solução encontrada
pela família a Ação de Reconhecimento de Paternidade.
Na família de Luciene, seus pais passavam por uma forte crise conjugal na época em
que ela nasceu, e a tensão se fazia muito presente. Quando Helena estava grávida o casal foi
morar na casa de Maria das Dores, devido a dificuldades financeiras. A criança nasceu e a
110
crise
30
perdurou, acrescida de um fato novo que era cuidar de uma criança. Como ocorre a
muitos casais que, durante os primeiros meses da presença do bebê, passam por um período
de crise pessoal e/ou conjugal, os pais de Luciene muito provavelmente, com agravante de
necessidades econômicas, não a superaram. A separação tornou-se inevitável,
principalmente quando Helena iniciou novo romance com Armando, sem a situação
conjugal estar totalmente definida. Helena disse: o João fala que é porque eu conheci o
Armando... Até a minha mãe eu acho que fala isso! Este rompimento dramático por um
triângulo amoroso, pareceu deixar seqüelas imbuídas de um julgamento moralista
enfraquecendo Helena em sua capacidade para maternagem.
4.1.2.2. O novo parceiro
Na família de Vítor, o nível de tensão familiar elevou-se novamente quando Edna
tomou a atitude de sair de casa e assumir um novo parceiro. Telma disse: o que eu mais
senti na época em que Edna saiu de casa foi a impressão de que eu não a conhecia mais,
foi quando ela disse: “já estou indo, fui...”
Na família de Luciene, Maria das Dores referiu-se a este momento com a seguinte
fala: Eu não deixei ela levar a menina pra morar junto com este cara aí. Não vou com a
fachada dele, ele é muito violento, ele é muito folgado...
Em ambas as famílias houve uma clara não aceitação do novo parceiro conjugal de
Edna e Helena pelas respectivas avós, e a retenção da criança por essas avós como saída
para esta tensão.
4.1.2.3. Avós
Na fase do percurso de vida familiar quando se inicia uma nova geração, exige-se a
construção de novos papéis sociofamiliares. Chegam as crianças, os filhos passam a exercer
também os papéis de pais, e os pais também os de avós.
30
Entendendo crise familiar como “um momento em que estão prestes a produzir modificações”
(Ausloos,1996: 153).
111
Na família de Vítor, percebemos que ele fica dividido entre estes papéis, tem duas
mães e às vezes busca entender a estrutura familiar
31
em que vive. Chama Telma (a avó)
de mãe e Edna (a mãe) pelo nome. Quando está longe da avó chama Edna de mãe. Às vezes
eu chamo ela de mãe... Só na casa dela... As duas podem ser minha mãe... Na construção
dos desenhos a confusão aparece, esta vai ser a Edna (a primeira pessoa que ele desenha).
A minha família é a Edna não é? (olha pra Telma) e a minha mãe é a minha avó. Esta é
minha mãe e a outra minha mãe não falei? (aponta para os desenhos que está fazendo).
Como se quisesse deixar mais claro o papel para ele, disse: Já falei isso, agora vou falar de
novo. Ao mesmo tempo em que se percebe acolhido por Telma, também se percebe como
um peso. Minha mãe (Telma) fica cansada de me levar para a escola, de subir a escada do
morro...
Na família de Luciene, Helena casou-se, saiu de casa, voltou e deixou para sua mãe
a filha a ocupar o espaço no “ninho”. Maria das Dores à época com 47 anos, casada há mais
de 20 anos, com todos os filhos fora de casa, com exceção de Lauro que era já era um
adolescente (estudava, dois anos depois estava inscrito no CAMPS – Centro Amigo do
Menor Patrulheiro de Santos –, e logo depois já convivia com uma mulher e tinha um
filho). e maneira que Luciene veio também em uma fase do percurso de vida familiar em
que poderia significar uma época de reflexão sobre a vida pessoal e conjugal. Além do
espaço “vazio no ninho” devido à saída dos filhos de casa, pela decorrência natural da vida,
este vazio foi aumentado por várias situações seguidas de lutos familiares. Um ano após o
nascimento de Luciene faleceu a mãe de Maria das Dores, dois anos depois o irmão
Haroldo com quem ela tinha mais vínculo, três anos depois morreu o marido, cinco anos
depois o filho Lauro é assassinado e seis anos após o filho Mauro é preso. Todas estas
perdas pareceram fazer com que Maria das Dores a cada dia depositasse mais em Luciene
sua motivação para viver: Luciene é tudo, tudo, tudo, pra mim... Ela é minha mãe, eu sou
mãe dela, pai, avó, tudo... Ela é o xodó de minha vida... Por causa dela eu morro... Ela é
minha companheira, né? Quando Maria das Dores desenha quem é sua família, faz uma
cena dos três filhos ainda pequenos (os que estão vivos), Helena, Harolda e Mauro indo
para a escola e disse: era uma época que todo mundo vinha pra dentro de casa... Quando
31
Estrutura familiar entendida como o “conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as maneiras
pelas quais os membros da família interagem” (Minuchin, 1990: 57).
112
fez o segundo desenho de como gostaria que sua família fosse disse: eu queria que
estivesse todo mundo dentro de casa. Esta fala de Maria das Dores é emblemática para o
vazio que expressa sentir em sua vida pela saída dos filhos de casa e da perda do marido.
Não sabemos como Vítor e Luciene lidarão com a dimensão triangular e até que
ponto esta indefinição de papéis de mãe/avó e de pai/avô afetará o seu crescimento pessoal
e social. Minuchin (1999: 23) menciona que “padrões de autoridade claros e flexíveis
tendem a funcionar bem” e que “são aspectos importantes da organização familiar. Esses
padrões carregam o potencial para a harmonia e o conflito e estão sujeitos a ser desafiados à
medida que os membros da família crescem e se modificam.” Já Fonseca (2002: 63)
falando sobre a “circulação de crianças” menciona que “casos problemáticos” existem, mas
ela encontrou “um número infinitamente maior de relatos sobre filhos não ressentidos”.
Portanto, cremos que o estado das relações familiares no futuro dependerá de como estes
responderão aos desafios com relação aos papéis na organização familiar.
4.2. O SOCIOPOLÍTICO
4.2.1. DESQUALIFICAÇÃO PESSOAL E SOCIAL
Observamos que a desqualificação nas famílias investigadas ocorre por meio de
duas dimensões: a pessoal e a social. Estas dimensões se entrelaçam e se influenciam
mutuamente.
Os sentimentos vividos em meio às tensões sociofamiliares associados às
dificuldades impostas pelos meios de reprodução do trabalho contribuem para que se
caminhe para um processo de desqualificação pessoal e social.
Consideramos necessário apresentar brevemente o que entendemos por
desqualificação pessoal:
processo interativo que consiste no menosprezo do conteúdo do enunciado de
uma pessoa, da própria pessoa, do que ela faz e do contexto em que se faz o
enunciado ou ação. Nas transações mais perturbadas, a desqualificação faz-
se em todos os níveis ao mesmo tempo. (MIERMONT e MOLINA-LOZA,
1994:188)
113
Este processo ocorre aparentemente em dois níveis. O primeiro no âmbito das
relações familiares, no trato interpessoal. O segundo na maneira como as pessoas são
percebidas, percebem a si e a sua família na sociedade em que vivem.
Nos dois níveis se efetiva por meio da rejeição e da desconfirmação
32
. A rejeição é
a negação da existência do outro ou do assunto que está se tratando. Existe, portanto o
reconhecimento limitado, ou seja, reconhece-se a existência do que se fala, ou da pessoa
que interage. O assunto ou a pessoa é apenas negado. A desconfirmação difere da rejeição
porque é uma forma em que ela ignora a existência da fala ou da existência da própria
pessoa que interage. Na desconfirmação a pessoa ou assunto é dado por inexistente por
aquele que desconfirma. Consideramos esta uma das maneiras mais cruéis de
desqualificação e de tratar outro ser humano.
A desqualificação ocorre mediante o conteúdo das falas e das pessoas, ou ambas
conjuntamente. Pode ser captada no universo investigado por meio das interações
verbalizadas e/ou de comunicações analógicas, posturas, risos, etc.
A desqualificação pessoal está estritamente ligada à desqualificação social. Muitas
vezes elas ocorrem simultaneamente, uma influenciando a outra, reforçando ainda mais o
processo desqualificativo.
O processo da desqualificação social se expressa de diferentes formas, uma delas se
deve à degradação do mercado de trabalho, fazendo com que a população em situação de
pobreza não encontre lugar para exercer seu ofício/profissão e acabe recorrendo à
assistência do Estado.
Como categoria tem sido estudada principalmente pelo sociólogo Serge Paugam
(2002). Suas pesquisas têm sido realizadas na União Européia e principalmente na França
com a população que ele denomina de a “nova pobreza”. O autor desenvolveu o conceito de
desqualificação social pesquisando populações auxiliadas pontual ou regularmente pelos
serviços sociais franceses. Ele elegeu três categorias empíricas na realização de seus
estudos;
1. Fragilidade – é a fase que corresponde à experiência da deslocalização social ou das
dificuldades de inserção profissional. São pessoas que passam pela experiência, mas
32
A base do entendimento de rejeição e desconfirmação pode ser encontrada em “Pragmática da
Comunicação Humana” de Watzlawick, Paul; Beavin, Janet Helmick; Jackson, Don D. pp. 96-99.
114
recusam-se a serem consideradas como assistidas. Multiplicam seus esforços para
conquistar um melhor status social.
2. Dependência – é fase em que os serviços sociais se responsabilizam com
regularidade pelas dificuldades. A maioria das pessoas desistiu de ter um emprego.
3. Ruptura dos vínculos sociais – é a fase em que os auxílios são suspensos e as
pessoas que vivem essa experiência se vêem confrontadas com um acúmulo de dificuldades
(afastamento do mercado de trabalho, problemas de saúde, falta de moradia, perda de
contatos com a família, etc.).
Paugam parte do conceito de Georg Simmel que considera:
os pobres, enquanto categoria social, não são os indivíduos que sofrem de
carências ou privações específicas, mas os que recebem assistência – ou os
que deveriam recebê-la segundo normas sociais. Nesse sentido, a pobreza não
pode ser definida a partir de critérios quantitativos, mas a partir de reações
sociais provocadas por circunstâncias específicas. (Simmel apud PAUGAM,
2002: 69)
Paugam complementa afirmando que pobreza, tal como a define, é construída de
forma social e relativamente; seu sentido é atribuído pelo conjunto da sociedade. Então “a
pobreza não é somente o estado de uma pessoa que carece de bens materiais; ela
corresponde, igualmente, a um status específico, inferior e desvalorizado, que marca
profundamente a identidade de todos os que vivem essa experiência” (2003: 45). Portanto,
desqualificação social tal como conceitua Paugam é uma categoria que está estritamente
ligada à pobreza e assistência.
Em que pese a diferença sócio-econômico-cultural entre os países sul americanos e
os europeus, entendemos ser possível utilizar o conceito construído por Paugam (2002: 68):
Desqualificação social caracteriza o movimento de expulsão gradativa, para
fora do mercado de trabalho, de camadas cada vez mais numerosas da
população – e as experiências vividas na relação de assistência, ocorridas
durante as diferentes fases desse processo [...] Cumpre realçar que o conceito
de desqualificação social valoriza o caráter mutidimensional, dinâmico e
evolutivo da pobreza e o status social dos pobres socorridos pela assistência.
Desta forma, percebemos que a desqualificação pessoal e a social estão
intrinsecamente ligadas, pois ambas tratam de um processo construído mutuamente em uma
115
relação onde uma das partes é diminuída ou ignorada em suas necessidades enquanto
humano, como diz Sarti (2003: 141) “o universo simbólico dos pobres reflete e devolve a
imagem da sociedade em que vivem”.
Nas famílias estudadas, percebemos a expressão do exercício da desqualificação no
olhar que se tem do outro e de si próprio, inclusive da criança; personificada no “ser mãe”,
na incompetência dos parceiros conjugais da mãe e num âmbito mais geral em relação à
violência e às instituições.
4.2.1.1. Desqualificação do outro e de si próprio, inclusive da criança
Na família de Vítor, Cosme (o avô) foi desqualificado várias vezes por todos os
membros da família, tanto na forma de rejeição como na desconfirmação. Valeska (a tia)
disse em diferentes momentos durante o trabalho: ah pai! Dá licença!... Pai, pára com isso,
dá um tempo!...Ai pai, pára! Notávamos que ele tentava se inserir quando passava pela
copa de maneira sutil quando dizia frases do tipo: vou beber água. A família respondia com
risos. Aliás, os risos eram a estratégia freqüente desta família, ora para baixar a tensão, ora
para desqualificar. Algumas vezes Cosme falava e era completamente ignorado, outras
vezes intervimos no sentido de participação de Cosme ao que ouvimos Edna (a mãe)
responder: não. Porque se não isto não acaba hoje... Ele é muito chato ou Telma (a avó) :
não, porque se ele vier, vai começar a dizer, que não pode, que não sei que... Vai falar um
monte... Ele bebeu. Estou de saco cheio... Até o período de convivência do casal foi
desmerecido por Telma: Uma eternidade! O próprio Cosme foi solicitado pela
pesquisadora a fazer o desenho e se desqualificou, pois por certo é assim que ele se sente,
disse: olha aí, sou ninguém não...
Na família de Luciene, a desqualificação pessoal tem sua apresentação primeira
quando Maria das Dores (a avó) conta como foi conduzida até uma família substituta,
dizem que eu fui jogada na porta dos outros e aí minha mãe me achou por um acaso. Maria
das Dores não soube dizer as idades, nem os nomes completos das filhas, nem quanto
tempo foi casada, as únicas datas que ela soube precisar foram as relacionadas aos
falecimentos das pessoas da família. Podemos pensar que a própria Maria das Dores se
desqualifica quando autoriza ser chamada por um apelido, Iracema. Quando nós a
116
indagamos sobre sua preferência quanto ao seu nome ou apelido fala: qualquer nome é
nome, estou nem aí. A primeira vista a não lembrança de datas de nascimento parece ser
uma distração ou até um descaso, mas se analisados no contexto parece ser um processo
desqualificativo, porque o mesmo não acontece com as datas referente às perdas.
Nem as crianças escapam do processo desqualificativo, apreendidos por meio de
adjetivos com conteúdos pejorativos. Em relação a Vítor a avó fala: o Vítor é fogo! O Vítor
gasta a semana e o mês de qualquer um... Este aí é um terror. Vítor escuta e responde: eu
sou um terror, parece que eu sou um bicho papão... Ele próprio, quando fazia os desenhos
se referiu à avó, à mãe e à tia: essas aí ó, são umas preguiçosas!
Maria das Dores (a avó) referiu-se a Luciene: ela está de mal a pior! Se ela
continuar desse jeito eu vou devolver pra mãe dela lá no Fórum... Ela está muito
malcriada... Dizendo que vai fugir de casa... A desqualificação pessoal se revela tão intensa
que as pessoas são tratadas como objeto, no sentido negativo. Nas palavras de Maria das
Dores, Armando (o padrasto de Luciene) teria dito que não queria esta mala (Luciene)... E
ela continuou usando a mesma argumentação: Então eu te pergunto, quer dizer que eu
tenho que segurar esta mala e ele não? Eu acabei tendo que segurar esta mala...
Assim vão se construindo intergeracionalmente as relações, perpetuando modos de
se relacionar que diminui o outro. Na medida em que esta diminuição afeta pessoas tão
próximas, de certa maneira dá continuidade à família e à sociedade, por isso amalgamam o
tecido social, é preciso que se busquem os afetos ligados à alegria e aos desejos para que se
possa abrir novas possibilidades e se aproveite a competência que estas pessoas/famílias
têm de suportar tantas adversidades e mesmo assim sobreviverem.
4.2.1.2. Ser “mãe”
Um outro fenômeno observado, percebido de um lado como
qualificação/desqualificação e de outro como disputa de poder, foi quanto ao uso da
nomenclatura “mãe”. Vítor falou: o nome dela é Telma, mas eu chamo ela de mãe. A Edna
eu não chamo de mãe, só de Edna... Telma disse ele sabe que ela é a mãe, mas ele não
chama ela de mãe. Como se o fato‘ser chamada de mãe’ fosse algo de suma importância e
qualificativo. Não ser chamada de mãe parecia indicar uma qualificação que ela não tem:
117
na escola ela não é nem conhecida, Vítor acrescenta é porque ela não me leva para a
escola.
Ser considerada mãe parece passar pela competência de exercer atividades da
maternagem cotidiana, mas paradoxalmente Telma diz que: nunca precisei... Cosme
também reforça a desqualificação: a Edna olha aí, só pariu, cuspiu e mais nada... Edna
parece receber duas mensagens contraditórias. Ser chamada de mãe equivaleria a uma
qualificação que ela não tem porque não toma atitudes de cuidados no cotidiano em relação
a Vítor; ao mesmo tempo em que não é necessário que qualquer atitude seja tomada, como
se a sua desqualificação como mãe fosse algo para ela se resignar. Pareceu-nos existir uma
disputa pelo lugar de mãe enquanto o lugar de avó passa a ser ignorado.
Edna sente esta desqualificação muitas vezes na forma da desconfirmação. Eu não
sinto desprezo da parte deles (Cosme, Telma e Valeska)... Acho que é indiferença...Como
se não fosse ninguém... É assim, eles saem todos e me esquecem, aí eu fico ali sentada,
depois eu vou pra junto deles... Eu trato todo mundo bem, tem clientes que vão a loja só
pra conversar comigo. Eu acho que eu sou muito carente, eu queria que as pessoas fossem
mais meigas comigo. Às vezes me vêem triste, não perguntam o que aconteceu, me
ignoram. Isto me pisa mais, entendeu?
Na família de Luciene, são usadas palavras fortes na relação entre a avó, mãe e a
filha. Maria das Dores fala: a Luciene já falou que não gosta da mãe. Helena mostrou
sentir-se desqualificada enquanto mãe e demonstra isso quando diz: quando Luciene está
comigo fala “quero ir embora para a minha mãe (avó), quero a minha mãe! Quero a
minha mãe! Ela não gosta de mim! Por isso eu não trago. Fica só falando na mãe, na mãe,
na mãe...
4.2.1.3. Incompetência do companheiro
Na família de Vítor, a incompetência de Edna foi estendida também a seu
companheiro. Na construção dos desenhos, Telma não incluiu Maximiliano (atual
companheiro de Edna) no primeiro, e no segundo não incluiu a própria Edna. Nesta
situação Edna disse: eu não existo para ela. Telma se referindo a Max e Vítor disse:...posso
dizer que ele não tem competência, não tem paciência... Ele é um come, bebe e dorme...
Cosme também se refere ao companheiro de Edna de maneira muito desqualificativa: ele
118
não trabalha, não faz nada, não vale nada. Observamos aqui o quanto o valor do homem
está no trabalho, se ele não realiza, não tem qualificação pessoal nem social.
Na família de Luciene, o ex e o atual marido de Helena são referidos como sem
valor, não houve neles nada de bom digno de ser lembrado. Quanto ao pai de Luciene
Maria das Dores disse: aquele homem é o maior pinguço!...Bebe que nem um gambá1 Um
irresponsável! É um homem que não dava pra eu dar a menina pra ele nunca... O mesmo
tratamento é dado ao atual marido de Helena: ela não podia levar a Luciene para morar
com ela porque este homem com quem ela vive é um bicho!
4.2.1.4. Desqualificação ligada às instituições
No tocante a família de Vítor, percebemos que a desqualificação pessoal es
estritamente ligada à desqualificação social, as quais são co-construídas no decorrer das
gerações em contato com as expressões de violência inseridas no espaços institucionais.
Edna relatou: um dia minha mãe fez eu comer o meu zero, e eu comi... Telma explicou: ela
fez a lição toda errada e tirou zero no boletim, quando chegou em casa eu fiz ela comer a
folha. Mandei ela ir ao banheiro e comer a folha todinha Foi a última vez que ela fez a
lição errada... Foi remédio porque depois disto ela parou... Ela não fazia nada da vida, só
estudar. Ninguém nunca ficou com elas pra nada, elas ficaram sempre comigo, tinham de
tudo, então tinham que estudar! Lá na escola me falaram que ela só ficava conversando...
Ela é que se distraía, por isso tirava nota baixa...
Ao falar da educação que deu às filhas se recordou da sua própria: eu lembro que
uma vez minha mãe me mandou da roça pra casa, aí eu fiquei na mangueira chupando
manga. Quando ela voltou da roça com todo mundo para comer eu não havia feito o
almoço, não havia nada pronto. Aí ela me deu uma surra com uma vara. Eu tinha que
trabalhar na roça e fazer o almoço pra família toda e estar muito bem porque a professora
não tinha nada a ver com isso!
Telma demonstrou ter convicção de que a responsabilidade pelo insucesso da
criança na escola é exclusivamente da própria criança, não faz a relação entre as
dificuldades e as condições difíceis pelas quais passou ou suas próprias filhas ou mesmo do
sistema educacional. Edna demonstrou um pouco mais de crítica: talvez ela pudesse ter
feito diferente... Mas ainda assim o seu posicionamento é exclusivamente centrado na
119
pessoa da mãe e não vislumbra as dificuldades pessoais e sociais pelas quais ela passava à
época que era criança.
Telma disse não ter confiança que possa ser auxiliada de alguma maneira por suas
relações pessoais ou pelo Estado: eu já luto com o estado há muitos anos e não consegui
nadinha do Estado. Nada vezes nada... A única coisa que consegui foi fazer o exame de
DNA, mesmo assim gastei porque tive que ir a S. Paulo dormir lá e tudo. Gastei todas as
minhas economias. Edna e Telma demonstraram total desconhecimento de profissionais e
ou equipamentos do Estado que lhes pudessem ajudar a superar suas dificuldades, contudo,
ambas se mostraram predispostas a receber este auxílio se este existisse ou tivessem sido
encaminhadas tanto pela escola quanto pelo assistente social judiciário.
Na família de Luciene, a situação econômica pela qual passa, aliada à falta de
assistência do Estado fala de sua desqualificação social na condição d dependência
33
. Maria
das Dores recebe uma cesta básica todo mês de um homem que está pagando uma
promessa: eu dependo desta cesta, ai de mim se não fosse ela! Observamos que esta ajuda
não é do Estado, mas de um voluntário que pode ser interrompida a qualquer momento.
Percebe-se também a desqualificação social com que foi tratado o marido de Maria
das Dores quando foi socorrido e acabou morrendo.
No tratamento de Luciene, Maria das Dores conta que os médicos disseram que ela
não tem nada, mas eles têm que dar um Laudo pra mim. Ela disse que já levou Luciene
inúmeras vezes na instituição, mas que estes atendimentos têm sido apenas para fazer o
diagnóstico e mesmo assim ela é obrigada a ir. Tem que ver, ta na escola, ta no reforço...
Levo, volto, vou buscar, volto, levo pro reforço, volto, vou buscar, volto, é tanto sobe e
desce que eu não estou agüentando mais... Inclusive para ser batizada na igreja Luciene
não está conseguindo porque precisa participar da catequese e uma condição é de que ela
esteja plenamente alfabetizada.
Percebemos como as instituições tanto as que prestam serviços de assistência ou
saúde ou mesmo as instituições religiosas vão funcionando de uma forma que os grupos de
pessoas que estão mais vulneráveis não conseguem participar do processo social e cultural.
33
Dependência aqui empregada no sentido que Paugam (2002) utiliza, como uma fase em que os serviços
sociais se responsabilizam pelas dificuldades e a maioria das pessoas desistiu de ter um emprego.
120
A própria Maria das Dores (a avó) é o retrato da desqualificação social, ela disse:
tem horas que eu fico revoltada aqui dentro de casa, porque eu não arrumo uma roupa pra
passar pra lavar, eu fico doente, acho que eu adoeço mais porque eu quero trabalhar e não
consigo.
Helena (a mãe) desempregada há seis anos, não está contemplada por nenhum
programa do Estado, às vezes não tem dinheiro para um cartão telefônico (como vimos nos
procedimentos) ou até mesmo para comer...Pobre é fogo, nasceu pra sofrer! A
desqualificação é social, mas o indivíduo enquanto pessoa é que se sente desqualificado. A
pobreza faz parte de sua identidade e não é tida como um estado que pode ser mudado, não
é um estar empobrecido diante das relações societárias vigentes, mas um “ser pobre”.
Helena tentou arrumar uma vaga na creche para a filha, mas segundo ela a assistente social
falou que só poderia arrumar a vaga se ela estivesse trabalhando, como ela não trabalha a
instituição não tem vaga, como a filha não está na creche fica mais difícil ela arrumar
emprego, girando o espiral da desqualificação social.
Não imaginam que alguém possam ajudá-los. Helena disse: Acho que ninguém pode
me ajudar, nenhum lugar pode... Maria das Dores também pensa que ninguém pode lhe
ajudar: eu vou morrer e as coisas vão ficar assim, até o resto da minha vida... (voz triste e
cabisbaixa). Vou carregar comigo isso... Já passou por muitos serviços de assistência e na
atualidade já não aceita mais porque não sentiu acolhida em suas necessidades: eu estou
cansada de ir num monte de lugares que as pessoas não têm tempo... Desde os 13 anos que
eu vivo pelo Juizado de Menores, creche... Andando de um lado pro outro... É tanto lugar
pra nada! Quem? Onde? Só Deus... Pra me dar a resposta...Tudo é difícil...
Percebemos uma evolução em forma de espiral correlacionada quando nos
deparamos com a análise dos dados. A identificação da nomeação dos sentimentos se
tornou para nós como uma primeira aproximação dos sujeitos pesquisados. Assim, com os
sentimentos nomeados, os localizamos nos pontos de tensão familiar que permeavam as
relações. Localizados pontos de tensões percebemos que estes estavam submersos em um
turbilhão processual de desqualificação pessoal que estavam interligados a uma
desqualificação social. A desqualificação por sua vez forjava uma intensa dor que tinha em
sua primazia o meio social, que fazia desta, não apenas uma dor, mas um sofrimento, que a
seguir denominamos de sofrimento ético-político.
121
4.2.2. O SOFRIMENTO ÉTICO-POLÍTICO
Sawaia apoiada em Heller distingue dor de sofrimento:
Dor é próprio da vida humana, um aspecto inevitável. É algo que emana do
indivíduo, das afecções do seu corpo nos encontros com outros corpos e diz
respeito a sua capacidade de sentir, que para ela equivale a estar implicado
em algo ou, como analisa Espinosa, de ser afetado.
O sofrimento é a dor mediada pelas injustiças sociais. É o sofrimento de estar
submetida à fome e à opressão, e pode não ser sentido como dor por todos. É
experimentado como dor, na opinião de Heller, apenas por quem vive a
situação de exclusão ou por ‘seres humanos genéricos’
34
e pelos santos,
quando todos deveriam estar sentindo-o, para que todos se implicassem com a
causa da humanidade. (SAWAIA, 2002: 102; grifos nossos)
Portanto, refletir sobre as relações familiares a partir da afetividade tem também um
enfoque ético-político. Não é apenas perceber o afeto sentido, as tensões familiares e a
desqualificação, mas relacioná-los com a estrutura da sociedade contemporânea. Por isso o
sofrimento do qual tratamos é o sofrimento ético-político que
é a dor (físico-emocional) evitável do ponto de vista social, pois é infligida
pelas leis racionais da sociedade a sujeitos que ocupam determinadas
posições sociais. Falamos do sofrimento que a sociedade impõe a alguns de
seus membros, da ordem da injustiça, do preconceito e da falta de dignidade.
Referimo-nos, como fala Shakespeare, ao sofrimento de ser forçado ao
sofrimento pela condição social. Esse sofrimento empobrece e afunila o
campo de experiências e de percepções, bloqueando a imaginação e a
reflexão; torna as pessoas impotentes para a liberdade e a felicidade, quer na
forma de submissão, quer na de ódio e fanatismo. (SAWAIA, 2003:45,46)
A referida autora ainda explica:
Em síntese, o sofrimento ético-político abrange as múltiplas afecções do
corpo e da alma que mutilam a vida de diferentes formas. Qualifica-se pela
34
Segundo Heller, ser humano genérico é o que não se deixa enredar pelo corporatismo de qualquer ordem e
se aproxima da humanidade, sentindo como bem maior o ser humano.
122
maneira como sou tratada e trato o outro na intersubjetividade, face a face ou
anônima, cuja dinâmica, conteúdo e qualidade são determinados pela
organização social. Portanto, o sofrimento ético-político retrata a vivência
cotidiana das questões sociais dominantes em cada época histórica,
especialmente da dor que surge da situação social de ser tratado como
inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade. Ele revela a
tonalidade ética da vivência cotidiana da desigualdade social, da negação
imposta socialmente às possibilidades da maioria apropriar-se da produção
material, cultural e social de sua época, de se movimentar no espaço público
e de expressar desejo e afeto. (SAWAIA, 2002:104,105)
Reconhecemos que, os sentimentos, as tensões, os processos de desqualificação,
compõem dimensões do que estamos chamando de sofrimento ético-político. Queremos,
entretanto, destacar alguns aspectos que revelam de forma clara o sofrimento que advém
das desigualdades sociais, observadas nas vidas das duas famílias estudadas.
4.2.2.1. A localização da moradia em situação de violência
A primeira dimensão deste sofrimento observada no universo investigado diz
respeito à localização da moradia em estreita convivência com a violência.
Quando iniciamos o trabalho de coleta de dados com as famílias de Vítor e de
Luciene, o primeiro dado que nos chamou a atenção foi a dificuldade de entrarmos em
contato com estas famílias. São ruas que não existem nos mapas, são casas construídas
onde não existem ruas... Para chegarmos à casa de Vítor, precisamos apresentar nossas
credenciais aos traficantes para que pudéssemos ter acesso à família. Lembrou-nos o acesso
a condomínios luxuosos em que a pessoa tem que dizer aonde vai e apresentar documento
de identidade, no entanto neste tipo de condomínio da pobreza, os vigias vão além, a
pessoa precisa explicar o que vai fazer para que seja autorizada a entrar.
Ficamos curiosos para saber como a família percebia esta interferência imposta, em
suas vidas.
Na família de Vítor, adentramos ao assunto perguntando sobre o perigo de subir no
morro e Telma respondeu: não tem perigo, eu já expliquei pra eles... É só dizer que você
vem na minha casa que eles já estão sabendo... Perguntamos então se eles não tinham
medo... Todos disseram que não, inclusive Telma disse ao contrário... Aqui eu posso deixar
tudo aberto, ladrão não entra. Ninguém pega nada, é muito sossegado... O pessoal que
manda no morro não deixa ninguém roubar nada aqui... Às vezes tem tiroteio, mas é entre
123
eles mesmos... Percebemos que a situação de desproteção da parte do Estado é tão comum
para as famílias em situação de pobreza que ela passa a integrar a proteção do tráfico como
fazendo parte do contexto em que vive. Parece existir uma banalização da violência
principalmente aquela ligada ao tráfico, pois é apenas a venda de “um produto”. O
sofrimento ético-político quanto a esta isenção do Estado em seus deveres de prover os
cuidados com os cidadãos, parece estar invisível, entranhado em suas vidas. A situação de
ausência do Estado parece estar tão consolidada entre eles que a indignação contra este tipo
de interferência não consegue ser verbalizada, ao contrário ela é incorporada ao cotidiano, e
mais, faz uso dela para sobreviver.
Na família de Luciene, o sofrimento quanto à localização da casa onde mora é tido
como um aspecto relevante, apesar da importância que é dada a um teto para abrigar-se,
Maria das Dores reclama: Quando o sol esquenta demais eu fico atacada. Porque o médico
me proibiu ficar descendo e subindo morro, estou arriscando a dar um ataque no coração
qualquer hora... Tem vez que eu estou atacada, tenho problema de coluna... Aqui no morro
é tudo difícil! Você veja o gás, aqui no morro é mais caro, se a gente quer comprar mais
barato tem que ir buscar lá na avenida e subir com ele nas costas... Até quando morre uma
pessoa aqui no morro é difícil descer, tem que colocar numa rede para poder conseguir
levar lá pra baixo pra depois colocar numa maca ou no caixão...
Como na família de Vítor, a localização da moradia de Luciene foi um aspecto
importante para a pesquisa e ligado à violência. Esta parece estar engendrada nestas
localizações e é tratada como fazendo parte do cenário. Maria das Dores conta: Na época,
nós compramos esta casa porque o irmão do dono tinha matado um homem aqui no morro,
aí eles queriam vingança e acabar com a família toda. Os vagabundos vieram aqui e
fizeram uma arruaça para arregaçar... Como eu morava lá em cima, no buraco da ‘véia’,
aqui era melhor porque era mais perto da escadaria, então o meu marido se interessou e
comprou. Eu interei o dinheiro porque trabalhava. Na época nós pagamos baratinho, mas
para nós era muito dinheiro. Eles tinham que sair do morro de qualquer jeito por isso
foram embora rapidinho. Mas eu fiquei sossegada, nunca ninguém mexeu comigo... Nota-
se que o assunto foi resolvido pelos próprios moradores sem nenhuma interferência da
polícia e não existe aparentemente nenhuma crítica a respeito, a agressão foi resolvida com
outra e os demais moradores incluem os fatos com normalidade.
124
A violência faz parte ativa da vida da família de Luciene. Maria das Dores contou
com muita emoção a experiência com seus dois filhos, um assassinado e o outro preso: eu
tinha um menino de dezessete anos, que era meu caçula, aí mataram ele. Perdi um menino
com dezessete anos! Depois foi o outro que está preso, o Mauro... Depois que este meu
filho foi pra cadeia eu ando com a cabeça toda perturbada... Dizer porque o filho está
preso foi difícil para Maria das Dores, mas ao mesmo tempo, como já dissemos
anteriormente, o tráfico, para ela, é um crime a parte, menos grave que o roubo por
exemplo. Ele foi preso porque estava neste mundão aí, você sabe de que... Não é? Da
droga... Só tráfico... Ele não mexe com ninguém, com nada que é dos outros... Mas o
negócio dele é lá pra rua... Ele não fazia ponto aqui no morro... Aqui em casa nunca,
nunca... Nem trazia nada pra dentro de casa porque eu nunca admiti. Maria das Dores fala
de sua casa como de um lugar sagrado, como se fosse um oásis em meio a um deserto, um
lugar incólume às ilegalidades do mundo. Uma ética que preserva o lar como recanto do
que é o melhor.
Helena (mãe de Luciene) apontou a violência quando falou do primeiro marido, pai
de Luciene: quando ele bebia, ele quebrava tudo dentro de casa, era triste! Ao mesmo
tempo nada mencionou sobre a violência que possivelmente sofre de seu atual marido, que
segundo Maria das Dores (a avó) já a agrediu diversas vezes, sendo que em uma destas foi
com a filha à polícia registrar ocorrência. Sabemos que o silêncio é uma das faces mais
conhecidas da violência.
4.2.2.2. A escolarização
O sofrimento ético-político aparece na fala da geração mais velha pela tristeza de
não ter conseguido um bom nível de escolarização e de como este processo foi difícil.
Na família de Vítor, Telma falou de como foi sua escolarização. Eu quase não
estudei... Eu trabalhava na roça e trabalhava muito, na enxada mesmo, e não tive como
estudar mais, eu sou da Bahia e lá era assim... Eu tinha que estudar, trabalhar em casa e
na roça. Eu saia às onze e meia da roça, ia fazer o almoço e todo mundo ficava
trabalhando. Quando eles chegavam o almoço tinha que estar pronto... Vim pra cá com 14
pra 15 anos... Eu estudei só lá na Bahia, estudei quase nada, aqui eu não estudei, já vim
pra trabalhar... Telma não vislumbra retomar os estudos, tanto pelas dificuldades de
125
acesso, quanto pelas possibilidades de trabalho advindas desta preparação. Se fosse pra eu
estudar aqui acho que eu ia entrar na terceira série... Não tem supletivo aqui perto... Tem
só lá no alto do morro, lá no final do mundo... E lá eu não vou... Depois de um dia de sobe
e desce escadaria eu não tenho mais fôlego! Também, vou aprender pra que? O que é que
vou fazer com quarenta anos na escola?
Cosme vive a contradição entre ter conseguido fazer vários cursos
profissionalizantes e nunca ter sido alfabetizado. Estudei quase nada... Fiz o Mobral quatro
vezes, mas não passei... Não sou ninguém não... Eu queria ter estudado o quanto minhas
filhas estudaram... Eu não consegui tirar carteira de motorista... Seus diplomas são motivo
de estima para ele e orgulho para a família.Cosme quando indagado de sua escolarização
disse: vou mostrar uma coisa pra senhora! Telma se apressou em explicar — Adivinha! Ele
foi buscar o diploma dele! Ele já fez curso de eletricista, encanador... Ele tem vários
cursos... Quando vai trabalhar em firma grande ele leva, em condomínio. Cosme voltou
com alguns papéis dobrados, meio rasgados, bem velhos na mão e mostrou-nos certificado
de cursos de curta duração de bombeiro, segurança, relações públicas em condomínios...A
sua expressão era de contentamento, mas de não superação do sofrimento de nunca ter
podido se alfabetizar nas escolas que freqüentou.
De certa maneira, Cosme apazigua este seu sofrimento realizando-se nas filhas que
chegaram a um nível de escolarização que para ele seria suficiente, ao mesmo tempo em
que percebe o limite que impõe os processos excludentes do conjunto de bens e serviços
aos estratos empobrecidos... O estudo que elas têm hoje é o que está a altura delas... Mais
que isso elas não conseguem... No entanto Edna, como ele em sua época, acalenta este
sonho... Agora neste momento não posso fazer uma faculdade, mas eu tenho vontade de
fazer... Psicologia, Medicina, Veterinária... Mas eu não posso fazer porque são os mais
caros que tem!
Na família de Luciene, a avó não pôde freqüentar a escola quando criança e mais
tarde o sistema educacional não conseguiu incluí-la. Agora a neta tamm passa por
problemas escolares. Quem conta é Maria das Dores: Não pude entrar numa escola pra
poder aprender ler... Depois de velha entrei no Mobral, mas faz muitos anos, a leitura não
entrava mais na minha cabeça, ela já estava ocupada com estes problemas todos da vida...
Mas pelo menos no Mobral eu aprendi a assinar o nome... Tudo eu faço, me viro bem,
126
Deus dá sabedoria pra gente. Às vezes eu me enrolo, mas a Luciene me ajuda... Agora a
Luciene está atrasada na escola, foi reprovada na escola no ano passado... Eu levo no
reforço...Nos médicos que vão dar um Laudo pra ver se ela tem problema... Mas eu acho
que ela não tem problema não, o que ela tem é tristeza de ver a mãe e os irmãos longe...
Maria das Dores levanta um aspecto importante quando inclui nas dificuldades de
aprendizagem as emocionais, tanto da parte dela quanto da neta.
4.2.2.3. O trabalho
Sawaia (2003: 46) aponta que para o homem, o sofrimento maior é o de não
conseguir prover financeiramente o lar, e que este motiva o alcoolismo e a dependência
química. A precarização do trabalho se apresentou como um dos sofrimentos fundantes.
Na família de Vítor, Cosme não consegue falar sobre o assunto, mas Telma se refere
a este sofrimento dizendo que: O Cosme é trabalhador... Mas, se ficar sem trabalho a
semana toda, ferrou! Bebe mesmo... Vítor atento ao discurso da avó disse: quando ele
chega do trabalho ele fica cansado, aí ele vem comer e não bebe mais... Porque no serviço
ele não bebe...
Edna trabalha e luta arduamente para que seu lar não necessite ser subsidiado pelo
mundo da ilegalidade, mesmo que para isso suporte a dura desqualificação do marido.
Telma diz: o Max?! Come, bebe e dorme... Ao que Edna respondeu cabisbaixa: ele ta
desempregado... Perguntamos se Ronaldo trabalhava e Valeska respondeu que sim, como
ajudante geral em obra de construção, associamos então que o marido e o pai de Valeska
trabalhavam na mesma profissão, no momento que esta associação ocorreu a família não
disse nada, houve um silêncio que mais tarde viemos saber por Edna: O meu cunhado
ganha bem... Só que é aqui na rua... Ela não falou porque tem vergonha... Ele faz essas
coisas... É tráfico... Ela mentiu, tudo bem, eu não tenho nada a ver com isso... O Max não
faz tráfico... Ele até já quis, mas eu falei com ele que não aceito isso, não sou mulher de
ficar indo à porta de cadeia, isto não é pra mim... Eu não estou com emprego bom. O
dinheiro não é muito... Tudo sozinha... A correria todo dia... Com sua fala, Edna trouxe um
claro exemplo de como sua dor é expressa no coletivo e por isso passa a ser um sofrimento
ético-político. Edna é afetada por sentimentos de exigências e expectativas em suas
relações familiares, devido às carências cotidianas expressadas principalmente nas diversas
127
faces da questão social, como falta de oportunidades no trabalho, moradia e baixo poder de
consumo.
Na família de Luciene a dimensão do trabalho é que apresenta maior sofrimento.
Este é expresso de maneira contundente no relato dos primeiros anos de Maria das Dores
como trabalhadora: eu já passei por tanta fase terrível que eu já quis até me matar.
Sinceramente! Eu já era pra ta morta. Eu pensava, é tanto sofrimento pra que tudo isso?
Por causa de outras pessoas ladronas o pessoal desconfia da gente. Mas eu não tenho
medo de nada não. Quando eu ia procurar trabalho, falavam assim, mas você agüenta
trabalhar tão magrinha! Eu tinha doze para treze anos. Eu dizia, eu agüento. Depois Deus
foi me ajudando e eu fui conseguindo, as minhas ex-patroas são minhas amigas hoje.
Na atualidade Maria das Dores não consegue arrumar emprego, ela contou como
está sendo passar por esta difícil situação: Eu trabalhava de empregada doméstica...
Faxineira... Agora eu não estou podendo arrumar emprego, porque com esta idade
ninguém quer... O pessoal acha que a gente está morta... Chega uma idade que parece que
você não serve mais pra nada... Não precisa comer... Não precisa morar... Não precisa
mais viver... Eu faço de tudo, pano de prato pra vender, lavo roupas pra fora, tudo o que
aparece para ganhar um dinheirinho...
O marido de Maria das Dores perdeu a vida no trabalho e conta como foi
determinante o descuido em seu tratamento: ele ainda foi com vida para o hospital.
Engessaram o corpo dele todo, deixou que nem um boneco e trouxeram pra casa... Aí
trouxeram pra casa e o fígado dele estourou. Eu liguei pra a ambulância, mas quando ele
foi levado para o hospital morreu. Morreu nos meus braços. O fígado dele arrebentou todo
por dentro. Ele tinha boa saúde, estava trabalhando... Era trabalhador avulso... Ele só foi
registrado quando trabalhava no posto de gasolina...
Helena está desempregada há seis anos. Desde então tem feito serviços informais
eventualmente. Embora tenha tentado, o mercado de trabalho não a aceitou: Já mandei
muitos currículos, mas até agora nada... Contou-nos que às vezes falta o que comer.
Quando começa faltar a coisas... Comida... Eu me viro... Dou comida só pros meninos,
faço um mingau... Quando dá a gente come, quando não dá vai fazer o que? Pobre é fogo!
Parece que nasceu pra sofrer... Mas pelo menos pão a gente tem... Porque o Armando é
128
padeiro e o dono da padaria sempre deixa trazer pão... Neste ponto a profissão dele
ajuda...
4.2.2.4. Invisibilidade social
Um sofrimento que também nos chamou atenção nestas famílias foi a invisibilidade,
a insignificância que as mesmas têm quando passam pelos atendimentos nas instituições.
Na família de Vítor assim foi percebido. Telma disse que: Na escola só sabem que
eu tenho que levar e ir buscar... Que eu tenho que ir à reunião... Ninguém sabe destas
histórias do Vítor... Até de representar a mãe no dia das mães eu vou porque ela nunca foi
nas homenagens... Eu nunca falei nada, também nunca me perguntaram... Quando fomos
ao fórum a assistente social conversou comigo e depois com a Edna...Não sei o que ela
falou... Só sei que ninguém sabe o que a gente passa... Parece que estas pessoas têm a
identidade perdida nos milhares de dramas e há pouco ou quase nenhum espaço para que
suas historias sejam ouvidas e suas dores resgatadas neste imenso caldeirão das
desigualdades sociais.
A família de Luciene retrata esta invisibilidade quando revela o sofrimento de um
membro estar dentro do sistema prisional e quão pouco suas necessidades e de seus
familiares significam para a instituição. Maria das Dores contou que levaram seu filho para
um lugar distante em que ninguém da família consegue visitá-lo. Levaram o Mauro para
uma cadeia lá pros lados do Mato Grosso... É longe... Eu não tenho condições de viajar
pra lá... O Mauro tem 25 anos e uma família pra criar... Foi condenado a seis anos e seis
meses em regime fechado... Ele já fugiu da cadeia. Ficou três dias no mato, aí depois ele se
entregou pra polícia, sem reação sem nada. Ele se entregou porque estava sofrendo
demais. Falei com ele, você está sofrendo, imagine eu! Está sofrendo não aprontasse, né?
É tanta rebelião... É uma bagunça nestas cadeias que se a gente contar as pessoas nem
acreditam...Como é que um homem sai de lá? Pior do que entrou! Só por Deus mesmo e
por algum amor a família, nada mais! Tudo isso me acaba! Eu era uma mulher gorda, me
acabei de um dia pra noite. Por causa deste filho também que morreu. Eu tenho muito
choque dentro de mim... Muitos problemas [chora]. Olha, eu vou te dizer, este meu filho
trabalhou tanto, era um bom filho. Eu não sei, sinceramente até hoje eu não sei [chorando].
129
Eu choro de dia e de noite [chora]. Eu não tenho notícias do meu filho, ele ta longe lá
naquela cadeia no fim do mundo.
Ao chegar ao final deste capítulo, percebemos a complexidade que envolve os
Pedidos de Guarda por meio das histórias familiares. Podemos falar de alguns fatores que
estão envolvidos nestes pedidos.
Observamos que no âmbito familiar as mulheres são figuras fortes e obtém
visibilidade. Destas, as que mais se sobressaem são as avós. As mães, embora consigam se
posicionar em muitos aspectos, não o conseguem como mães perante as suas próprias mães.
No caso de Helena especificamente, consegue se posicionar quanto aos demais filhos, mas
não quanto à Luciene. Observamos também que ambas as crianças são os primeiros filhos
de suas mães, Vítor o primeiro neto, Luciene a segunda neta de suas avós.
Os pais biológicos destas crianças são figuras distantes. Ambas as crianças não
foram fruto de gravidez planejada. Vítor é proveniente de um relacionamento extraconjugal
de seu pai, e da parte da mãe foi um relacionamento que ocorreu escondido da família.
Luciene veio em um momento em que seus pais passavam por uma crise conjugal e
econômica, sendo que esta culminou com a separação e uma assunção intempestiva de um
novo relacionamento amoroso da mãe. Ambos os reconhecimentos de paternidade das
crianças foram difíceis. Vítor chegou a ser reconhecido alguns anos depois, mas somente
após um processo judicial. Luciene não foi reconhecida pelo pai e não recebe dele nenhum
apoio.
Observamos que o fato de Pedro ter registrado Vítor não fez com que ele assumisse
o seu papel conforme é esperado na atualidade, ou seja, o pai que assume não só o
provimento das necessidades econômicas como também um envolvimento na educação e
nos cuidados
35
. Este depoimento aponta para a reflexão que a evolução tecnológica
36
está
35
Mais sobre o tema no artigo de Lyra e outros (2003) “Homens e cuidado: uma outra família?”.
36
“Essa forma de intervenção tecnológica é fundamental no que se refere a laços e responsabilidades
familiares, porque ela diz respeito ao homem, em seu lugar de pai, e introduz tensões no lugar masculino
130
sendo de vital importância nas relações familiares contemporâneas e esta importância
aumentará à medida que a população tome conhecimento e tenha acesso a ela. Esta junção
entre conhecimento e acesso às novas tecnologias é que possibilitará a união entre as
dimensões do “pai biológico” e do “pai social”. Enquanto Pedro não assume seu papel,
Vítor tem como principal referência paterna o avô.
Luciene não chegou a ter reconhecimento paterno, nem sua família se movimentou
para isso, seu pai consangüíneo ainda vive, mas não tem participação ativa em sua vida.
Procurou a figura paterna no marido da avó e em seu tio materno, entretanto, ficou órfã de
ambos os pais de maneira violenta.
Observamos também que os novos parceiros conjugais das mães das crianças
tiveram dificuldades para adentrarem ao novo sistema familiar e não foram incorporados
pela família como um novo membro. Talvez porque na medida em que este seja mais
incluído, se vislumbre que possa ocorrer menos poder da família de origem em relação à
criança e haja algum movimento de retroação em relação à guarda.
Esta trama relacional nos revela que se desenvolve num contexto onde sobressaíram
a afetividade por meio da qualificação dos sentimentos e das tensões familiares; a
desqualificação pessoal e social; e o sofrimento ético-político.
Em ambas as famílias existem relações nutridas por sentimentos muito intensos que
foram por diversas vezes nomeados. Mas se não prestássemos muita atenção, passariam
despercebidos devido à riqueza dramática de suas vidas e do contexto social de pobreza,
permeado de carências financeiras. Por mais que tenha sido difícil expressar, os
sentimentos existem e podem ser nomeados se estivermos atentos à existência deles. A
percepção destes foi de suma importância para que entrássemos em contato com a
singularidade dos sujeitos pesquisados. Os mais aparentes foram os sentimentos advindos
da tristeza, mas também puderam ser nomeados os advindos da alegria, que muitas vezes
apareceram de forma contraditória, mas nem por isso deixaram de ser expressos. É
necessário estar atento porque os sentimentos que advêm da alegria, que são os que
dentro da família, que até então continuava razoavelmente preservado nas suas bases patriarcais. A
comprovação da paternidade abre caminho para que esta seja reivindicada, causando forçosamente um
impacto na atitude tradicional de irresponsabilidade masculina em relação aos filhos, o que significa um
recurso de proteção para a mulher, mas, sobretudo para a criança” Sarti (2003: 24).
131
potencializam a ação, também existem e precisam obter seu espaço, pois são estes que
impulsionam a tomada de atitudes propositivas.
Os sentimentos expressos, inclusive os não nomeados, apareceram nutrindo as
tensões familiares, que foram observadas sob a ótica dos triângulos relacionais.
Localizamos estes pontos de tensão principalmente quanto a:
Época do nascimento das crianças e o reconhecimento da paternidade;
Quando a mãe refez a vida amorosa e assumiu um novo companheiro;
Passagem da fase do percurso da vida familiar mãe/avó.
Os picos de tensão apareceram na época do nascimento das crianças. A família de
Vítor surpreendeu-se com um relacionamento amoroso da mãe que eles pensavam ter
terminado. A vinda de Luciene ocorreu em meio ao rompimento de seus pais e a inclusão
de um novo parceiro por sua mãe. Esta situação familiar conflituosa, aliada à fase do
percurso de vida familiar pela qual passavam, dos filhos saindo de casa, ensejou a guarda
de fato. Na família de Luciene, posteriormente os seguidos eventos de luto subseqüentes
vieram consolidar a necessidade para a família da permanência de Luciene com a avó.
A chegada de Vítor e Luciene veio em uma nova fase do percurso de vida da
família, comumente chamado de “ninho vazio”
37
, quando os filhos vão caminhando para a
independência, incluindo novas pessoas no meio familiar e gerando novas pessoas que
passam integrar e constituir por assim dizer uma nova família. Esta fase para algumas
mulheres como Telma, que não desenvolvem atividade laborativa fora de casa, ou mesmo
Maria das Dores que desenvolvia trabalhos com pouca exigência de qualificação e sem
estabilidade empregatícia, pode ser um momento de estresse especial. Muitas vezes elas
sentem-se incapazes de lidar com o mundo externo. A sua capacidade, que era a de cuidar
dos filhos foi esvaziada pela força natural do crescimento destes. Pode acontecer um
movimento familiar contraditório, ao mesmo tempo em que os pais conseguem êxito em
sua missão de criação dos filhos, temem por sua saída, pois ela freqüentemente revela um
vazio na relação conjugal e na sua própria vida. Esta nova constituição familiar exige
esforços no sentido de uma retomada do olhar para a relação e para a nova perspectiva de
vida. Neste sentido Vítor passou a ser a ponta do triângulo relacional entre Telma e Edna e
37
Mais sobre o tema em Carter, McGoldrick e colaboradores (1995).
132
entre Telma e Cosme; Luciene entre Maria das Dores e Helena e entre Maria das Dores e
seu marido. Como percebemos a criança pode se tornar a parte frágil da disputa.
A convivência diária com o neto pode preencher um vazio emocional na tentativa de
não olhar para as dificuldades relacionais familiares e evitar uma reflexão sobre as
conquistas em sua vida. A dificuldade natural de mudança fica potencializada quando
associada aos aspectos ligados à pobreza, entre outros, falta de um salário, uma eventual
aposentadoria e baixas possibilidades de aquisição e de lazer.
O avô de Vítor, Cosme, que participou diretamente da pesquisa aparece como uma
figura que retrata as exigências pelas quais passa o homem na família contemporânea, em
especial a em situação de pobreza. Com pouca qualificação profissional e nível escolar
esforça-se e consegue manter o papel de provedor da casa. Contudo procura na família um
espaço para depositar suas emoções, como seria esperado nesta nova configuração
contemporânea, e não encontra. Durante o período em que realizamos a pesquisa em sua
casa, não foi valorizado que ele participasse delas por várias vezes, de forma indireta com
risos ou mesmo diretamente com frases duras. Assim é que percebemos novas e velhas
exigências quanto ao papel do homem na família, mas ao mesmo tempo muito a se
construir nesta questão do gênero.
As tensões familiares perpassam em um processo de desqualificação que aparece
nas angústias pessoais e refletem as do âmbito social, pela qual passam pela sua pouca
significância no mundo da reprodução do trabalho.
Cosme (avô de Vítor) e Maria das Dores (avó de Luciene) não conseguiram se
alfabetizar, embora ambos tenham freqüentado escola depois de adultos. No entanto, este
não aprendizado não lhes impediu de durante a vida trabalhar desenvolvendo tarefas que
conseguissem produzir socialmente e sustentar suas famílias, mas estes empregos em sua
maioria não foram registrados em Carteira Profissional para que seus direitos como
trabalhadores fossem garantidos. Já na terceira idade necessitam continuar trabalhando, mas
o mercado de trabalho não os absorve, as vezes nem na condição de subemprego. Telma
(avó de Vítor) que trabalhou nestas mesmas condições quando mais nova já há alguns anos
não trabalha e depende exclusivamente de Cosme. Helena também desempregada há seis
anos tem dependido apenas dos ganhos do marido, tendo passado por inúmeras
133
dificuldades. Notamos que mesmo nesta situação, as duas famílias não são beneficiadas
pela proteção social
38
, por nenhuma política pública de assistência
39
. Vivem na pobreza,
sentem-se desvalorizados como pessoas por não terem um valor para a sociedade e como
trabalhadores por sua mão de obra nunca receber um reconhecimento do mercado de
trabalho.
A desqualificação social reflete nas relações pessoais e dentro da própria família
também os membros se desqualificam. Estas relações são forjadas em estrita ligação com o
sofrimento ético-político.
O sofrimento ético-político ficou expresso inicialmente quanto à localização de suas
casas. No terceiro capítulo quando tratávamos dos primeiros contatos com as famílias já
sinalizávamos para as dificuldades que tivemos, e que se confirmaram nos depoimentos
quando ambas as famílias falaram do cansaço de subir todos os dias as escadarias, dos
perigos e da violência como um componente, quase banal, do cotidiano. As dificuldades
quanto à escolarização foi outro ponto apresentado pelas famílias, integrado à ausência de
empregos e consideração das possibilidades pessoais de trabalho. Para compor o quadro de
sofrimentos, demonstraram a percepção da ausência e ineficiência do Estado com o total
descrédito em relação à capacidade de auxílio estatal nas dificuldades apresentadas,
amparados em experiências anteriores.
Enfim nas observações que realizamos com as famílias na situação de Pedido de
Guarda, a desqualificação emerge como uma categoria que aparece sob diferentes formas e
em diversas ocasiões como um provocador da tristeza nas relações familiares e do
recrudescimento do sofrimento ético-político.
38
“A proteção social consiste na ação coletiva de proteger indivíduos contra os riscos inerentes à vida humana
e ou assistir necessidades geradas em diferentes momentos históricos e relacionadas com múltiplas situações
de dependências.” (Levcovitz e Viana: 2005;17)
39
“Nos últimos nove anos, aumentou a dependência que a população extremamente pobre tem de programas
do governo. No mesmo período, o rendimento médio desta fatia da sociedade caiu 39,6% diz estudo obtido
pela Folha. Em 1995, 89% da renda dos 10% mais pobres vinha do trabalho. Em 2004, essa percentagem caiu
para 48%. No extremo oposto, os 10% mais ricos, a queda no percentual de renda do trabalho não foi tão
intensa: de 83% para 77%. O estudo revela ainda que a distância entre os 10% mais ricos e os 10% mais
pobres aumentou e que, se analisada a partir de seus extremos de riqueza e de pobreza, a economia brasileira
não parou de produzir desigualdade. As conclusões são do sociólogo Álvaro Comin. Para especialistas, a
dependência de programas sociais reflete o baixo crescimento do país e mostra que os pobres estão deixando
de ser trabalhadores para se tornarem assistidos”. (Folha de S. Paulo: 25/12/05, pag. A 1)
134
No entanto, antes de passarmos às considerações finais queremos dizer que, em que
pese a carga emocional de tristeza, as fortes tensões existentes, o processo desqualificativo
e os sofrimentos acarretados, ressaltamos que observamos em ambas as famílias a mola
propulsora, ou como diz Espinosa, a potência de agir, nestes próprios relacionamentos.
Várias falas fortes corroboram esta afirmação, por exemplo a de Telma reforçando Cosme
que mata e morre pelas filhas e neto, a força com que Telma e Maria das Dores se agarram
aos netos e encontram motivação para viver, a certeza de Helena e Edna que a pessoa com
quem mais podem contar é a mãe. Por isso é que defendemos a “importância da adoção da
família e da afetividade como territorialidade e estratégia da ação emancipadora que
permite enfrentar e resistir a profunda desigualdade social.” (SAWAIA, 2003: 39)
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dificuldade que o tema da família apresenta, por sua forte
identificação com nossas próprias referências e pelo esforço
de estranhamento que a aproximação ao outro exige, soma-
se o problema do estatuto que atribuímos ao nosso próprio
discurso e, conseqüentemente, ao discurso do outro.
Considerar o ponto de vista alheio envolve o confronto com
nosso ponto de vista pessoal, o que significa romper com o
estatuto de verdade que os profissionais, técnicos e
pesquisadores tendem a atribuir a seu saber. Esse
estranhamento permite relativizar seu lugar e pensá-lo como
um entre outros discursos legítimos, ainda que enunciados
de lugares socialmente desiguais. Cynthia Sarti, 2003: 35
Este trabalho é resultado final de sistematizações realizadas no percurso do
Mestrado, mas originado de reflexões sobre a prática profissional do assistente social no
sistema sociojurídico afetas à Vara da Infância e Juventude. A nossa intenção é oferecer
uma contribuição para todos os profissionais que nesta área atuam, sobretudo aos
assistentes sociais e, em última análise, aos usuários deste serviço. Gostaríamos que o
nosso estudo de alguma forma iluminasse alguns dos pontos obscuros da atuação
profissional.
A atuação do assistente social judiciário se dá primordialmente no contato com o
usuário, mas é na execução do fazer dos laudos que se dá corpo ao exercício da profissão.
Este documento é a materialização de um dever, mas também de um poder que os
assistentes sociais têm e que exercem talvez como em nenhuma outra instituição. Por estas
razões a atuação é complexa, permeada pela relação com o usuário e instalada em um poder
tendencialmente conservador e burocrático. A maneira como o assistente social tem
ocupado este espaço provoca algumas tensões no seio da categoria e gera algumas análises,
por vezes, equivocadas que confundem as características do Poder Judiciário, onde
exercemos a nossa profissão com as características próprias do Serviço Social no
Judiciário
40
. Estas análises têm contribuído para reforçar uma identidade atribuída ao
Serviço Social Judiciário distante da realidade. Cremos que, a partir do último Código de
40
Iamamoto diz que “a essas características do Poder Judiciário e da burocracia, alia-se ao tradicionalismo do
Serviço Social, com forte presença na área sociojurídica”. (2004:282)
136
Ética quando a profissão abraça uma ética política direcionada, não só para os que atuam no
Judiciário, mas para o conjunto dos profissionais de Serviço Social houve o caminhar com
um direcionamento político compromissado para a democracia e a proteção social. Com
este trabalho esperamos também contribuir para a construção de uma identidade do
assistente social judiciário como um profissional comprometido com um projeto ético-
político engajado em mudanças sociais.
No contato com o usuário, para realização das perícias e emissão dos laudos como
acima referimos, é que se dá o cotidiano do trabalho no Judiciário, aí se forma e se
amálgama o tecido para o exercício da profissão. Por isso, para pensarmos no “fazer” do
assistente social judiciário, a atenção primeira a ser dada é a este contato. Nós ouvimos e
interagimos. Precisamos saber: quem é esta criança, adolescente, mãe, pai, avó? Que
sujeitos são estes que aparecem em nossa instituição? Como se relacionam
intergeracionalmente? Como foi construída a história familiar? Que espaço este sujeito
ocupa na sociedade? Estes sujeitos são mais que um alguém que vai buscar um parecer. São
pessoas reais que também trazem conhecimento. É preciso conhecer e ouvir os pedidos
manifestos e aqueles subjacentes. Esta foi a idéia norteadora de nossa investigação.
Como partícipes desta realidade, fazemos a mediação entre os usuários e o sistema
de justiça na Vara da Infância e Juventude. Portanto, entendemos que a geração de
profissionais que está atuando no Judiciário deva encarar como um dos desafios dar
visibilidade a este campo, como também às necessidades dos usuários. As profissões nos
fazem, mas nós também fazemos nossas profissões. É preciso estabelecer uma nova relação
com a profissão, com o passado e com os profissionais. Os desafios nos instigam a estudar
esta realidade permeada por tensões e aprofundar o exercício profissional para viabilizar
melhor a prática. Precisamos pesquisar para que este campo se instrumentalize melhor e ao
mesmo tempo tenha maior visibilidade. Porque pesquisa e visibilidade costumam estar
juntas.
O processo de pesquisa não constitui uma tarefa fácil para profissionais que estão no
cotidiano, mas ela é necessária. Sobre este prisma gostaríamos de compartilhar algumas
reflexões neste momento final, para que estas pudessem ser de proveito de outros
pesquisadores de realidades semelhantes.
137
Inicialmente queremos ressaltar talvez a maior riqueza e paradoxalmente a maior
dificuldade de nosso processo de investigação, que foi pesquisar as relações na perspectiva
da família e não de um indivíduo como usualmente se faz. Estivemos durante todo o tempo
no espaço das inter-relações, isto deixou ainda mais complexo o manejo das situações
durante a pesquisa, principalmente as de tensão. Apesar das dificuldades, pesquisar as
relações na perspectiva da família demonstrou ser um campo fecundo durante o processo e
nos trouxe valioso material de pesquisa. Além disso, foi uma oportunidade para que os
próprios sujeitos entrassem em contato com suas histórias familiares mediante o próprio
revisitar e do revisitar dos demais membros sobre estas mesmas histórias.
Ao concluirmos esta investigação gostaríamos de apontar, de forma breve, alguns
aspectos com relação aos procedimentos utilizados. Encontrar recursos que nos aproximem
da realidade familiar é um desafio.
Aplicar a pesquisa utilizando os planos quantitativo e qualitativo foi importante
porque permitiu investigar uma dimensão do conhecimento das famílias em que o objeto
pesquisado pôde ser melhor contextualizado e explorado.
No plano quantitativo identificamos os Pedidos de Guarda na Comarca de Santos,
por intermédio da localização territorial na cidade em que acontecem tais pedidos,
mapeamos os componentes sociais nos quais as famílias que pedem a guarda estão
inseridas e pudemos perfilar suas características.
Nesta identificação apresentamos que a guarda é o segundo pedido em maior
número na demanda da Vara da Infância e Juventude no período pesquisado, julho de 2004
a março de 2005, e para os assistentes sociais este tipo de processo é o avaliado em maior
número. Justificamos assim nossa preocupação com estes processos.
Ancorados em um conjunto de dados relativos ao processo de inclusão/exclusão na
sociedade salarial: a região da cidade de onde advêm os requerimentos, escolaridade, renda
e profissão, nos foi revelado que os protagonistas de tais ações se encontram nos estratos
pobres de nossa sociedade.
Neste sentido é que vinculamos os Pedidos de Guarda como uma das faces das
expressões da questão social. Pois tais protagonistas encontram-se em situações de
138
vulnerabilidade social, vivendo de um trabalho precário ou até mesmo sem ele, auferindo
pouca ou nenhuma renda para sua subsistência, necessitando da proteção social.
Portanto, os dados obtidos nos auxiliaram a identificar os Pedidos de Guarda na
Vara da Infância e Juventude na Comarca de Santos, e em seu bojo os protagonistas destas
ações judiciais percebendo-os em seu contexto social, por meio do perfil traçado.
No plano qualitativo, a escolha da utilização do genograma se mostrou uma técnica
muito útil para obtenção dos dados no plano intergeracional como também para
representação gráfica da história familiar. Os desenhos se revelaram uma forma de
aproximação da família a seus sentimentos e relações, que obteve excelentes resultados em
se tratando de famílias com crianças.
Neste plano trouxemos nossa análise em dois eixos que se imbricam. O primeiro,
próprio das relações e vivências familiares, teve como categoria central a afetividade, que
desenvolvemos refletindo sobre a qualificação dos sentimentos e a tensão que compõem e
gesta os Pedidos de Guarda no percurso de vida familiar. O segundo, sociopolítico, no qual
trabalhamos com as categorias que emergiram durante a análise, que foram a
desqualificação pessoal e social e o sofrimento ético-político. Reconhecemos que estas
categorias se interligam e se sobrepõem, pois o eixo mais diretamente vinculado à família
nos ajudou a manter o foco e as categorias mais relacionadas ao sociopolítico nos ampliou
o olhar sobre o nosso objeto de pesquisa.
Quanto ao primeiro eixo, inicialmente, apreendemos que a qualificação dos
sentimentos foi difícil, pois em sua maioria aqueles que foram expressos eram os advindos
da tristeza. A importância de observarmos a qualificação destes está ancorada na idéia de
Sawaia (2002:100) que tem por princípio que sentimentos diminuem ou aumentam a
potência de ação das pessoas. Logo, sabendo que a potência de ação destas famílias sofre
restrições em sua ação, podemos compreender melhor a dificuldade que têm na superação
de muitos obstáculos. Percebemos também sentimentos advindos da alegria, que as
impulsiona à ação, principalmente na forma do amor. Portanto, existem os sentimentos que
potencializam suas ações e os que as diminuem, sendo os primeiros mais preponderantes, o
que nos indica que o trabalho com estas famílias deva ser na elaboração de suas tristezas e
na valorização de suas alegrias para reforçar seu potencial.
139
Os sentimentos expressos apareceram nutrindo vários pontos de tensão familiar que
foram localizados sob a ótica dos triângulos relacionais que se intercambiavam entre seus
diversos membros. Observamos os pontos nodais na época do nascimento da criança;
quando a mãe assume um novo companheiro e na passagem do percurso de vida familiar
que passa a incluir os avós.
Estes pontos de tensão familiar são permeados por um processo de desqualificação
que se dá no plano pessoal e social simultaneamente. No plano pessoal as relações
acontecem muitas vezes de forma a diminuir a pessoa e ou a sua fala, que é como eles
sentem que são tratados pelas instituições sociais. Tiveram dificuldades com o sistema
educacional, de saúde, habitacional e de inserção no mercado de trabalho.
Percebemos que os sentimentos, os pontos de tensão e o processo de desqualificação
têm sua expressão maior na dor que vivenciam em tais situações, a qual denominamos de
sofrimento ético-político. Este sofrimento está intrínseco a todos os temas e categorias
emergidos, mas pudemos localizá-lo principalmente nas falas pertinentes à localização da
moradia; a violência entre seus pares e as violências advindas da sociedade; as dificuldades
na escolarização principalmente quanto à alfabetização e o tema mais emergente deles, o
difícil e quase incessível mercado de trabalho.
Portanto, entendemos que pelo caminho percorrido e pelas análises já construídas
houve avanço na compreensão das relações socioafetivas intergeracionais, como também
na indicação de algumas necessidades:
Os Pedidos de Guarda na Comarca de Santos necessitam de uma maior atenção das
políticas públicas da cidade, já que o número é expressivo na demanda local;
Os Pedidos de Guarda devem ser analisados com grande atenção pelos assistentes
sociais devido à expressividade da demanda e também por sua complexidade;
Os Pedidos de Guarda encontram principalmente amparo legal, porém não devem
ser mais uma responsabilização da família pela ineficiência do sistema de proteção social;
As famílias que entram com tais pedidos necessitam de um espaço coletivo para
acolhimento e elaboração de sua afetividade;
140
As considerações valem para o universo estudado, contudo apontam para a
necessidade de esta temática ser estudada de forma ampliada a fim de que tenhamos uma
melhor dimensão do fenômeno;
É necessário que os profissionais de Serviço Social recebam capacitação continuada
e condições de trabalho para lidarem com situações permeadas de sofrimentos como estas.
Desta maneira, em que pese limitações de nosso estudo, entendemos que nos
aproximou de alguns elementos centrais e sugeriu algumas questões. Por exemplo: o que
acontece a adolescentes que vivem sob a guarda das avós desde criança? Cremos que com o
nosso trabalho revelamos, indiretamente, um pouco das angústias vividas nos atendimentos
às famílias que pedem guarda, dando voz às famílias em suas demandas, e de certa maneira
em como estas devem e podem ser enfrentadas. Como sempre diz a professora Myrian
Veras Baptista: “— Da angústia ao método”
41
.
Concomitantemente à melhor compreensão das relações socioafetivas
intergeracionais que ocorrem nestas famílias, há a possibilidade de melhor elaboração das
angústias frente a estas situações, inclusive co-construir com estas famílias outras
alternativas que incluam ou não a Guarda. Tais alternativas registradas em um Laudo
Social, são importantes na medida em que a atuação do assistente social judiciário se
reveste de um poder pelo cargo que ocupa próximo à autoridade judiciária, imerso em
história de determinação e assertividade construída profissionalmente dentro do Tribunal de
Justiça. Esta relação profissional próxima faz com que haja a efetivação de suas sugestões,
por meio de determinação judicial no caso de acolhimento pelos magistrados ou de
utilização pelos Conselhos Tutelares e de Direitos a favor de programas e políticas que
incluam as necessidades apontadas pelas famílias.
Concluímos com as palavras de Martinelli (2004: 4)
Na verdade, o assistente social é um profissional que trabalha
permanentemente na relação entre estrutura, conjuntura e cotidiano, é no
cotidiano que as determinações conjunturais se expressam e aí que se coloca
o desafio de garantir o sentido e a direcionalidade da ação profissional.
41
Baptista usa sempre esta expressão nas atividades do Núcleo da Criança e do Adolescente na PUC/SP
quando são trazidas questões angustiantes do cotidiano profissional fortalecendo as inquietações da prática
como fontes de mudanças.
141
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146
ANEXOS
147
ANEXO 1
Para simplificar a leitura e compreensão dos elementos explicativos dos tipos de
ação judicial (processos) utilizados nas Tabela 02 a 05, apresentamos suas características e
- ou definições legais.
Ato Infracional é a “... conduta descrita como crime ou contravenção penal” (art.
103 do E.C.A.), atribuída a adolescentes (12 a 18 anos incompletos). Ao adolescente é
assegurada ampla defesa (art. 207 do ECA) e a ação judicial visa a prestação jurisdicional
consistente em determinação de medida socioeducativa mais adequada.
Pedido de Providências são instaurados quando crianças/adolescentes estão sob
risco pessoal/social, conforme art.98 do ECA.
Obrigação de Fazer é uma das ações judiciais em que o Ministério Público tem
legitimidade para promover (artigos 212 e 213 do ECA) sempre que ocorrer ação ou
omissão por autoridade pública que ofenda os direitos assegurados à criança e ao
adolescente.
Pedido de Guarda (como já explicamos no capítulo anterior) é uma das três
modalidades de colocação em família substituta previstas no ECA (guarda, tutela e adoção).
Destina-se a regularizar a posse de fato, também para atender situações peculiares ou suprir
a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação
para a prática de atos determinados. Pode ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos
procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros (art. 33, parágrafo
1
o
do ECA). A guarda confere à criança ou ao adolescente a condição de dependente, para
todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários (art. 33, Parágrafo 3
o
.). A guarda
é revogável.
Tutela implica no dever de guarda e pressupõe a prévia decretação da perda ou
suspensão do poder familiar (artigo 36, parágrafo único) ou mesmo no caso de morte dos
pais da criança ou adolescente. Quando houver bens ou rendimentos significativos o tutor
estará sujeito à prestação de contas nos autos. É revogável.
A Adoção confere à criança/adolescente adotada a condição de filho, com os
mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-a de qualquer vínculo com
pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais (art. 41 do ECA). O vínculo da adoção
148
constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no Registro Civil mediante do qual não
se fornecerá certidão (art. 47 caput do ECA) bem como cancelará o registro original do
adotado (art. 47 parágrafo 2
o
. do ECA). A adoção é irrevogável (art. 48 do ECA).
A Destituição do Poder Familiar trata da destituição dos poderes dos pais em
relação a seus filhos, processada conforme o princípio do contraditório e assegurada a
ampla defesa.
A Autorização de Viagem ao Exterior é uma providência pleiteada em juízo na
hipótese de viagem de criança/adolescente desacompanhado de ambos os pais ou de apenas
um deles para fora do país.
Carta Precatória é o pedido deprecado de outra comarca para que se realize algum
ato judicial (intimações,oitivas, audiência) ou estudo social ou psicológico.
Infração Administrativa são os crimes praticados contra a criança/adolescente, por
ação ou omissão (art 225 do ECA) aplicando-se as normas da Parte Geral do Código Penal
(art. 226 do ECA)
O Cadastro de Adoção trata dos procedimentos pertinentes às pessoas que requerem
sua inscrição a fim de estarem aptas à adoção de crianças ou adolescentes (art.50 do ECA).
149
ANEXO 2
Solicitação de autorização judicial para realizar levantamento de dados no
Cartório da Infância e Juventude
EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
DA COMARCA DE SANTOS/SP
MARIA DE LOURDES BOHRER ANTONIO, Assistente Social Judiciário,
matrícula 098085-0-01, CRESS nº 22561, lotada na Seção Técnica de
Psicologia e Serviço Social da Diretoria Técnica de Serviço de Apoio
Administrativo às áreas de Psicologia, Psiquiatria, Serviço Social e Perícias
Médico-acidentárias, da Comarca de Santos, tendo recebido autorização do
Tribunal de Justiça para freqüentar o Programa de Estudos Pós-graduados
em Serviço Social-nível Mestrado, junto a Pontifícia Universidade Católica-
PUC de São Paulo, sito a Rua Ministro Godoy, 969, 4
o
. andar, Perdizes, São
Paulo.
Considerando o comunicado DRH n. 308/2004 publicado no D.O J. de
12/0304 que dispõe sobre as atribuições do assistente social em especial
íten
“11- Elaborar mensal e anualmente relatório estatístico, quantitativo e
qualitativo sobre atividades desenvolvidas, bem como pesquisas e estudos,
com vistas a manter e melhorar a qualidade do trabalho “;
Considerando as diretrizes do Código de Ética Profissional do Assistente
Social, em especial
“Art. 2
o
. - Constituem direitos do assistente social:
f)aprimoramento profissional de forma contínua, colocando-o a serviço dos
princípios deste Código;
art.3
o
.- São deveres do assistente social:
a)desempenhar suas atividades profissionais, com
eficiência e
responsabilidade, observando a legislação em vigor;”
Considerando que a Academia é a instituição adequada para se aprender e
aperfeiçoar métodos de pesquisa, se aprimorar profissionalmente e onde se
prima pela eficiência;
Vem com o costumeiro respeito a presença de V.Exa., requerer permissão
para realizar pesquisa nos Autos da Vara da Infância e Juventude no
período de agosto a Dezembro de 2004.Cabendo salientar que a mesma
resguardará o segredo de justiça bem como a ética profissional do
assistente social, pois os dados serão coletados por funcionários deste
Tribunal.
150
Por outro lado cabe-nos frisar que a realização de tal pesquisa, somente
trará benefícios para a plena execução de seu trabalho enquanto Assistente
Social Judiciário, não acarretando quaisquer ônus para o Tribunal de
Justiça.
No aguardo de uma decisão favorável, cordialmente,
N. Termos
P. deferimento
Santos, 08 de marco de 2005
Maria de Lourdes Bohrer Antonio
De acordo:
Tendo em vista ser um investimento na qualificação de nossos profissionais
e um saber, que poderá ser partilhado com os demais profissionais desta
Diretoria Técnica.
MARCIA MATHIAS
Diretora Técnica de Serviço
Ciente
DENISE GONÇALVES PAMPOLINI
Diretora de Divisão
151
ANEXO 3
Solicitação de autorização judicial para entrar em contato com as famílias
EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA
COMARCA DE SANTOS/SP
MARIA DE LOURDES BOHRER ANTONIO, Assistente
Social Judiciário, matrícula 098085-0-01, lotada na Diretoria Técnica de Serviço de Apoio
Administrativo às áreas de Psicologia, Psiquiatria, Serviço Social e Perícias Médico-
acidentárias, Seção Técnica de Psicologia e Serviço Social da Comarca de Santos, tendo
recebido autorização do Tribunal de Justiça para freqüentar o Programa de Estudos Pós-
graduados em Serviço Social-nível Mestrado, junto a Pontifícia Universidade Católica-PUC
de São Paulo, sito à Rua Ministro Godoy, 969, 4o. andar, Perdizes, São Paulo.
Considerando que o curso está em sua fase final, a de execução de pesquisa e
elaboração da Dissertação de Mestrado;
Considerando que o projeto de pesquisa foi devidamente qualificado em 09/06/05
pela banca Examinadora conforme “Ata de Qualificação” em anexo;
Vem com o costumeiro respeito à presença de V.Exa., requerer permissão para que
os Assistentes Sociais e Psicólogos que atuam para esta Vara forneçam dados que possam
indicar famílias a serem pesquisadas
Cabendo salientar que a mesma resguardará o segredo de justiça bem como os
precitos contidos no Código de Ética do assistente social, pois os dados serão coletados por
esta profissional, a qual resguardará referências que possam identificar as pessoas sujeitos
da pesquisa.
No aguardo de uma decisão favorável, cordialmente,
N. Termos
P. deferimento
Santos, 22 de junho de 2005
Maria de Lourdes Bohrer Antonio
De acordo:
Tendo em vista ser um investimento na
qualificação de nossos profissionais e um saber,
que poderá ser partilhado com os demais
profissionais desta Diretoria Técnica.
MARCIA MATHIAS
Diretora Técnica de Serviço
152
ANEXO 4
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
1- Título do projeto – “Avós, pais e netos: relações socioafetivas
intergeracionais em situação de Guarda na Vara da Infância e Juventude”.
2- O objetivo deste estudo é identificar os Pedidos de Guarda na Vara da
Infância e Juventude da Comarca de Santos e conhecer a afetividade
presente nas famílias envolvidas nestes tipos de processo .
3- Serão efetuados com a família no mínimo dois encontros e no máximo
cinco, agendados previamente. Nestes encontros serão utilizados como
instrumento o genograma, desenho e se necessário entrevista semi-
estruturada.
4- O ganho da família em participar desta pesquisa será resgatar sua história
e refletir sobre suas relações socioafetivas intergeracionais.
5- A assistente social responsável pela pesquisa Maria de Lourdes Bohrer
Antonio, poderá ser contatada para esclarecer qualquer dúvida sobre essa
pesquisa, durante ou depois que esta se realize, através do telefone celular
(13)9711-2630 ou se necessário, pessoalmente no Tribunal de Justiça –
Fórum de Santos, situado à Av. S. Francisco 242, 2
o
. Andar, Centro,
Santos.
6- Direito de confidencialidade – os nomes serão trocados, os endereços não
serão mencionados, para que os sujeitos desta pesquisa não sejam
identificados.
7- Direito de ser mantido atualizado sobre os resultados parciais da
pesquisa, ou de resultados que sejam do conhecimento da pesquisadora.
8- Direito de retirar o consentimento para participar da pesquisa no período
em que ela estiver ocorrendo, sem qualquer prejuízo.
9- Não há qualquer compromisso financeiro para participar deste estudo.
Também não há compensação financeira relacionada à sua participação.
10- Há um compromisso da pesquisadora em utilizar os dados e o material
coletado somente para esta pesquisa.
153
Acredito ter sido suficientemente informado a respeito das informações que foram
lidas para mim, às quais acompanhei com uma leitura simultânea, descrevendo o
estudo “Avós, pais e netos: relações socioafetivas intergeracionais em situação de
Guarda na Vara da Infância e Juventude e do Idoso”.
Eu apresentei à assistente social Maria de Lourdes Bohrer Antonio, a minha decisão
em participar deste estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos do
estudo, os procedimentos a serem realizados, as garantias de confidencialidade e de
esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação é isenta
de despesas.
Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu
consentimento antes ou durante o mesmo, sem penalidades ou prejuízo.
Santos, ______/______/2005.
________________________________
Assinatura do representante legal
Santos, ______/______/2005.
_______________________________
Assinatura da testemunha
(Somente para o responsável do projeto)
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento livre e
esclarecido do representante legal da família para participação neste estudo.
Santos, ______/______/2005.
_______________________________
Assinatura do responsável pelo estudo
154
ANEXO 5
Roteiro da entrevista semi-estruturada
Para a avó:
1 - Pensando em seu neto e no convívio do dia-a-dia com sua família, o que é mais
difícil na relação entre você e sua filha?
2 - Quais sentimentos acompanham estas dificuldades do dia-a-dia?
3 - Quem você pensa que em sua rede de relações: amigos, parentes, profissionais,
equipamentos do Estado (Centro de Tratamentos, Escolas, Conselho Tutelar) poderia lhe
ajudar a lidar com as dificuldades e sentimentos que você citou?
Para a mãe:
1 - Pensando em seu filho e no convívio do dia-a-dia com sua família, o que é mais
difícil na relação entre você e sua mãe?
2 - Quais sentimentos acompanham estas dificuldades do dia-a-dia?
3 - Quem você pensa que em sua rede de relações: amigos, parentes, profissionais,
equipamentos do Estado (Centro de Tratamentos, Escolas, Conselho Tutelar) poderia lhe
ajudar a lidar com as dificuldades e sentimentos que você citou?
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