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Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Paternidades nas adolescências: investigando os sentidos
atribuídos por adolescentes pais à paternidade e às
práticas de cuidado dos filhos.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia à
acadêmica Renata Orlandi, sob a orientação da Prof. Dra. Maria
Juracy Filgueiras Toneli
Florianópolis, fevereiro de 2006.
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2
TERMO DE APROVAÇÃO
RENATA ORLANDI
Paternidades nas adolescências: investigando os sentidos
atribuídos por adolescentes pais à paternidade e às práticas de
cuidado dos filhos.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Psicologia.
__________________________________________________
Orientadora: Prof. Dra. Maria Juracy Filgueiras Toneli (UFSC)
___________________________________________________
Prof. Dra. Kátia Maheirie (UFSC)
___________________________________________________
Prof. Dra. Zeide Araújo Trindade (UFES)
Suplente: ___________________________________________________
Prof. Dra. Mara Coelho de Souza Lago (UFSC) - suplente
FLORIANÓPOLIS, fevereiro de 2006.
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3
Agradecimentos
Vários foram os inícios frustrados de redação destes agradecimentos. Deparei-me com
grande dificuldade em limitar ao espaço que estipulei, de uma página, para citar os nomes de
tantos sujeitos que fizeram parte deste processo. Sendo assim, optei por mencionar os nomes
de algumas pessoas que estiveram mais próximas no decorrer do curso de mestrado, apesar do
reconhecimento do fato de que, em maior ou menor grau, tantas outras também contribuíram
diretamente para que fosse este e não outro, o produto desta trajetória. As primeiras pessoas
que se destacam neste cenário são o Jean e a minha mãe, os quais foram os primeiros leitores
deste trabalho e que apontaram alguns aspectos com gentileza e carinho, transmitindo para
mim a certeza de que eu não estava sozinha. O meu pai, os meus irmãos e sobrinhos também
sempre estiveram por perto, ajudando até mesmo quando aparentemente atrapalhando,
mostrando-me quando era preciso parar, descansar e brincar. Agradeço também aos meus
amigos. A Lia representa as amizades feitas durante o mestrado, agradeço a ela,
especialmente, pelos momentos em que, despida de vaidade, reconheceu suas dificuldades e
ouviu as minhas. Como foi bom compartilhar nossas semelhanças e diferenças! Carol, Mari,
Mi, Pati e Sheilinha representam as minhas amigas e amigos psicólogos, aliás elas
representam A AMIZADE. A acolhida da Zaira, psicóloga da maternidade do Hospital
Universitário também foi muito importante, assim como as contribuições das professoras
Kátia Maheirie e Mara Lago na banca de qualificação, além da Neni que revisou as
referências deste trabalho. Eu não poderia deixar de citar o meu amigo Marquinhos, que
apesar de não ter lido uma página sequer deste trabalho, tem plena certeza de que eu fiz o que
estava ao meu alcance para realizá-lo. Faltam-me palavras para expressar o meu
agradecimento aos adolescentes pais que, mesmo sem me conhecer, em meio a outros
compromissos, se dispuseram a participar desta investigação. Finalmente, gostaria de
agradecer ao pai desta dissertação, a minha orientadora, a Jura. Seja no lugar de provedora (de
livros, artigos, enfim, de grande parte da literatura especializada...) e/ou de cuidadora, perto
ou distante, de alguma maneira, ela participou desde a fecundação deste trabalho. Diante de
um exame de verificação da paternidade autoral dela, é possível localizar, em cada item,
pontos de compatibilidade que indicam a sua mediação neste trabalho. A todos que não foram
mencionados, mas que busquei representar através dos nomes acima citados, muito obrigada.
4
RESUMO
Este trabalho aborda o exercício da paternidade na adolescência, a partir da investigação de
sentidos que adolescentes pais atribuem à paternidade e à sua participação nas práticas de
cuidados dos filhos. Para tanto, oito adolescentes pais com idades entre 16 e 19 anos foram
entrevistados, tendo eles sido localizados no ambulatório de atendimento pré-natal ou na
maternidade do Hospital da Universidade Federal de Santa Catarina. Por intermédio da
análise do discurso dos sujeitos entrevistados, buscou-se compreender o movimento
dinâmico, histórico e cultural de atribuição de sentidos à paternidade e ao lugar paterno no
cuidado dos filhos. Entre os oito participantes, dois planejaram a gestação junto à parceira,
cinco deles não haviam planejado a gravidez, mas consideravam o filho desejado e um deles
não considerou a paternidade planejada nem desejada, mas ainda assim considerou-se feliz em
ser pai. A dificuldade em lidar e, especialmente, de negociar com a parceira o uso de métodos
preventivos denuncia a escassez e/ou a ineficácia de políticas públicas voltadas para a
emancipação da população jovem na esfera dos direitos sexuais e reprodutivos. Os sujeitos
consideraram que foram pais do primeiro ou do segundo filho cedo e o hipotético
adiamento da paternidade estava relacionado, principalmente, à espera pela conquista da
estabilidade financeira e em alguns casos, à conclusão dos estudos objetivando o mesmo fim,
sendo estes os principais aspectos também citados para a contra-indicação da paternidade a
um amigo com idade próxima à sua ou como critérios para avaliar se alguém tem condições
de tornar-se pai, ainda que alguns entrevistados não apresentassem tais condições. O aspecto
etário não foi destacado na avaliação da precocidade da paternidade. Todos os participantes
destacaram a vinculação amorosa com os filhos como uma das atribuições do pai. Os sujeitos
entrevistados também atrelaram a paternidade à educação e à proteção dos filhos, atribuições
diretamente relacionadas ao estabelecimento de regras e limites a estes, sendo que a maior
parte destes pais pretende compartilhar com as mães das crianças tais negociações. Apesar de
associarem a paternidade ao exercício de cuidados dos filhos, os participantes atribuem ao pai
uma maior responsabilidade pelo provimento, em consonância com prescrições tradicionais
de gênero circulantes em nossa sociedade que delegam ao pai o lugar de provedor da família.
Ainda que estes sujeitos tenham declarado sua disponibilidade para participar dos cuidados
demandados por seus filhos, a ênfase estava em localizar o pai como um coadjuvante,
cabendo a ele auxiliar a companheira a realizar esta tarefa. Na medida em que o lugar do pai
no cuidado é delineado em contraste com o da mãe, identifica-se uma maior valorização desta
a quem, nesse ínterim, é delegada maior responsabilidade pelo cuidado dos filhos.
Palavras-chave: adolescência, paternidade, cuidado, sentidos.
5
ABSTRACT
This work approaches the exercise of the paternity in the adolescence, from the inquiry of
sense that adolescent parents attribute to the paternity and its participation in the cares’s
practical of the children. For in such a way, eight adolescent parents with ages between 16
and 19 years had been interviewed, having they been located in the clinic of prenatal
attendance or the maternity of the Hospital of the Federal University of Santa Catarina.
Through the interviewed citizens speech analysis, it was tried to understand the dynamic,
historical and cultural movement of attribution of felt to the paternity and the paternal place in
the children care. Between the eight participants, two had planned the gestation together to the
partner, five of them had not planned the pregnancy, but they considered the son desired and
one of them did not consider the paternity planned nor desired, but considered himself happy
for being a father. The difficulty in dealing and, especially, to negotiate with the partner the
use of preventive methods denounces the scarcity and/or the inefficacy of public politics
directed toward the emancipation of the young population in the sphere of the sexual and
reproductive rights. The citizens had considered that they had been parents of the first or the
second child "early" and the hypothetical adjournment of the paternity was related, mainly, to
the wait for the conquest of the financial stability and in some cases, to the conclusion of the
studies objectifying the same end, being these the main aspects also cited for the
contraindication of the paternity to a friend with next age or as criteria for valuating if
someone has conditions to be a father, even that some of the interviewed did not present such
conditions. The age aspect was not pointed out in the evaluation of the precocious paternity.
All the participants had pointed the loving entailing with the children as one of the father’s
attributions. The citizens interviewed also associated the paternity to the children education
and protection, attributions directly related to the establishment of rules and limits to these,
knowing that most of these parents intends to share with the children mothers such
negotiations. Although associating the paternity to the exercise of children cares, the
participants attribute to the father a bigger responsibility for the provisions, accordinhg to
traditional gender prescriptions in our society that delegate to the father the place of the
family supplier. Even though these citizens have declared its availability to participate in the
children demanded cares, the emphasis was in locating the father as a assistant, fitting it to
assist the partner to carry through this task. Since the place of the father in the care is
delineated in contrast with the one of the mother, it is noticed a bigger valuation of this to
whom, in the interim, bigger responsibility for the children care is delegated.
Key-words: adolescence, paternity, care, sense.
6
SUMÁRIO
1. Introdução...............................................................................................................................7
2. Referencial Teórico..................................................................................................... .......16
2.1 Puberdades, Juventudes e Adolescências............................................................................16
2.2 Uma breve abordagem do conceito de gênero....................................................................24
2.3 Paternidade..........................................................................................................................32
2.4 Paternidade na adolescência................................................................................................41
3. Método ............................................................................................................................... .49
3.1. Procedimentos de coleta das informações....................................................................... .49
3.2. Procedimento de análise das informações....................................................................... .56
4. Resultados da pesquisa e discussões .................................................................................. .59
4.1 Síntese dos depoimentos registrados...................................................................................59
4.2 Caracterização dos sujeitos entrevistados...........................................................................71
4.3 Vivências na família de origem .........................................................................................75
4.4 Sobre o pai dos participantes .............................................................................................81
4.5 Relação com a parceira ......................................................................................................87
4.6 Negociações dos métodos contraceptivos e os projetos de paternidade ............................91
4.7 Paternidades e cuidados dedicados ao (s) filho (s) ............................................................96
4.8 O lugar do trabalho e do provimento no delineamento das paternidades ........................113
4.9 A reação dos familiares à notícia da gestação .................................................................115
4.10 Significações das paternidades nas adolescências como um evento precoce.................119
4.11 Sobre a recomendação ou a contra-indicação da paternidade para amigos com idade
próxima a dos participantes.....................................................................................................123
5. Considerações Finais ........................................................................................................125
6. Referências..................................................................................................................... .134
7. Anexos ..............................................................................................................................148
7
1. INTRODUÇÃO
No decorrer dos primeiros anos de graduação, em parceria com a professora doutora
Vivian Leyser da Rosa (Universidade Federal de Santa Catarina), desenvolvi um projeto de
extensão que resultou em uma cartilha que enfatizava o favorecimento do vínculo entre
crianças afetadas pela fibrose cística e seus pais ou responsáveis, aspecto este que se constitui
como um dos fatores determinantes da sua adesão ao tratamento e, em última instância, do
favorecimento da sua saúde e bem-estar. Com o objetivo de estudar com maior profundidade
a questão da paternidade sob um enfoque de gênero, passei então a realizar uma atividade de
pesquisa com a doutora Maria Juracy Filgueiras Toneli (orientadora deste trabalho). Esta
atividade consistiu na investigação das representações e práticas sexuais de adolescentes,
empregando uma analítica de gênero e problematizando questões referentes à sexualidade e
saúde reprodutiva dos sujeitos investigados, sendo o seu objetivo último contribuir para as
políticas públicas que dizem respeito a esta população.
Segundo Mackey (1996), a partir da década de 70, em função da atuação do
movimento feminista, das contribuições dos estudos de gênero, das transformações nas
organizações familiares, com a inserção das mulheres no mercado de trabalho, as pesquisas
referentes à paternidade passaram a se destacar no cenário acadêmico. Neste sentido, alguns
questionamentos fizeram parte do repertório de estudiosos apontando para a escassez de
investigações sobre os pais, à exclusão destes de programas em saúde pública, à assimetria
nas relações entre homens e mulheres/pais e mães e aos impasses na promoção da
participação dos homens/pais em atividades que envolvem o cuidado (Lyra, 1997; Figueroa
Perea, 1998; Siqueira, 1999).
Ao longo da história ocidental, a temática da maternidade foi problematizada,
freqüentemente, por diversos campos do saber, destacando-se a contribuição da Psicologia (a
esse respeito, freqüentemente, são citados Spitz, 1945; Bowlby, 1969 e Winnicott, 1971).
Diante da identificação da lacuna na literatura especializada dedicada à abordagem do lugar
do pai em relação aos cuidados exigidos pelos filhos, pode-se verificar o fato de que
publicações sobre a paternidade foram impulsionadas, sobretudo, pelos estudos de gênero (são
exemplos destes trabalhos os de Lamb, 1983; Figueroa Perea, 1998 e Fuller, 2000a).
No que diz respeito à relação de cuidado destinada às crianças, o recém-nascido da
espécie humana depende totalmente dos pais ou responsáveis para a sua sobrevivência, bem
como para o favorecimento de seu processo de constituição. Apesar desta dependência ser
comum aos seres humanos no processo de inserção no plano da cultura e, em última instância,
8
de humanização, às práticas atribuídas culturalmente ao campo da paternidade são atrelados
múltiplos significados e sentidos produzidos em contextos históricos singulares.
Sentido é um conceito empregado pela matriz histórico-cultural (Vygotsky, 1984)
1
e
compreende as experiências da subjetividade do sujeito que são únicas, pessoais, embora não
individuais e sim constituídas na dinâmica dialógica, como produtos do contexto histórico e
cultural. O termo significado está atrelado à noção de compartilhamento social; duas ou mais
pessoas podem se entender na medida em que estão inseridas em um mesmo contexto
semântico e empregam um grande número de palavras às quais atribuem o mesmo
significado. Portanto, só é possível acessar o significado do signo em um contexto, na medida
em que o signo é partilhado na relação entre as pessoas.
Todo significado é um sentido, mas compartilhado, mais dicionarizado e relativamente
estável. Sentido é a soma de todos os eventos relacionados ao fato e como este fato afeta o
sujeito. O sentido atribuído por um determinado sujeito a um determinado fato é, portanto,
dialeticamente, singular e coletivo.
A possibilidade de o sujeito atribuir sentidos diversos ao socialmente
estabelecido demarca a sua condição de autor, pois, embora essa possibilidade
seja circunscrita às condições sócio-históricas do contexto em que se insere,
que o caracteriza como ator, a relação estabelecida com a cultura é ativa,
marcada por movimentos de aceitação, oposição, confrontamento, indiferença
(Zanella, 2004, p. 129).
No decorrer de séculos, na história desta civilização, tanto na esfera privada, quanto na
pública, freqüentemente foi associada, de forma essencializada, a feminilidade ao cuidado das
crianças. Assim, a maternidade e o amor aos filhos seriam atribuídos aos instintos que
constituiriam as mulheres, conseqüência de um processo natural pautado pelas diferenças
percebidas entre os sexos. O livro “História social da criança e da família” escrito por Ariès
(1981) aborda o processo de produção do sentimento de maternidade e da noção de infância
nos séculos XVIII e XIX no Ocidente. Contudo, segundo Machado (2004), “Um grande
silêncio permanece sobre a paternidade enquanto sentimento na relação com os filhos. Este
silêncio está inscrito na redução da paternidade ao valor do provimento e ao poder de controle
que dele deriva” (p.53). Segundo a autora, comparado à noção de infância e maternidade,
1
Estão presentes na literatura diversas grafias para a escrita do nome de Vigostski (Vigotski,Vigotsky, Vygotski,
Vygotsky). Ao longo deste trabalho serão apresentadas grafias diferentes de acordo com a referência do trabalho
citado.
9
pouco foi ‘inventado’ sobre o sentimento de paternidade na literatura científica, tendo em
vista o fato de este lugar social estar circunscrito à figura do provedor.
Conforme Trindade (1991), ao longo da história ocidental, atribuiu-se tradicionalmente
ao pai o lugar de provedor-protetor ou ‘líder instrumental’ da família, cabendo à mãe o de
cuidadora ou líder expressiva-afetiva. Porém, atualmente, haja vista as transformações e
rupturas no conceito de família e relações de gênero, “em algumas áreas da atividade humana
os pais são reconhecidos não como afetivamente importantes para os filhos como também
aptos para providenciar todos os cuidados necessários para o seu bem-estar, inclusive aqueles
antigamente restritos exclusivamente às mães” (Trindade, 1998, p. 151).
Nesta pesquisa, os marcadores sociais de gênero, classe social e geração são investidos
de especial importância, na medida em que esta investigação se refere às práticas de cuidados
de adolescentes pais oriundos de famílias com baixa-renda. De acordo com a ancoragem
analítica aqui adotada, a abordagem histórico-cultural em Psicologia, os processos singulares
de constituição dos sujeitos ocorrem em meio às relações sociais que, dialeticamente, são
produzidas/produtoras pelos/dos sujeitos.
No contexto das relações sociais, mediadas semioticamente, os sujeitos apropriam-se
dos significados produzidos e acumulados na história de seu grupo e atribuem sentidos aos
mesmos (Vygotski, 1995). Conforme esta matriz teórica, só existem sujeitos em relação e o
sujeito não é passivo, ele se apropria dos significados compartilhados pelo seu grupo de
maneira singular. O processo de constituição do sujeito, por sua vez, é estudado sob uma
perspectiva histórica. Este processo é entendido como um movimento onto e filo-genético
(sendo esta divisão apenas didática). uma herança genética, mas ela se objetiva nas
relações estabelecidas com o meio, tendo em vista as condições que estão postas, as relações
entre elas e a maneira como o sujeito se apropria destas no seu processo de constituição. O
que nos torna humanos é a dimensão cultural, que é condição, mas não é suficiente, assim, o
ser humano é devir.
De acordo com Safiotti (1994), os sujeitos históricos situam-se em diversos eixos de
distribuição de poder, na medida em que as assimetrias nas relações são organizadas segundo
várias categorias sociais, tais como gênero, etnia e classe social. Assim, o sujeito pode ser
melhor compreendido como contraditório do que dividido, tendo em vista as diferentes
posições de dominância e sujeição que pode ocupar (Saffioti, 1994).
Conforme Fuller (1997), o gênero trata-se de um marcador social muito importante no
processo de constituição do sujeito, na medida em que, desde o momento em que este é
concebido, o mesmo é investido por significados e prescrições produzidos ao longo da
10
história e partilhados em determinados grupos culturais que normatizam a sua conduta, tendo
como pano de fundo as diferenças anatômicas percebidas entre os sexos. Tendo em vista o
fato de que, geralmente, a paternidade é atrelada no imaginário social à noção de virilidade,
Fuller compreende este evento como um aspecto significativo para a experiência da
masculinidade. Assim, a paternidade pode ser significada como um momento importante no
processo de transição da adolescência para a vida adulta, na medida em que implica em novos
arranjos no cotidiano do homem, de modo a favorecer a conquista do status de adulto e de um
maior reconhecimento social.
Segundo Scott (1990), a categoria analítica gênero refere-se às idéias, instituições,
estruturas, práticas cotidianas, aos rituais, enfim, a todos os aspectos envolvidos na produção
das relações sociais e, conseqüentemente, ao processo de constituição dos sujeitos. Portanto,
as relações de gênero só podem ser compreendidas quando situadas historicamente. Na
medida em que o gênero produz o sentido conferido à realidade biológica, suas relações
consistem em um modo de ordenamento das práticas sociais. Partindo-se do entendimento
deste marcador como uma categoria de análise relacional, os estudos de gênero passaram a
contribuir tanto para o entendimento da maternidade assim como da paternidade, pois se
tratam de temas e processos que envolvem identificações em curso, masculinas e femininas,
que se constituem nas/pelas relações sociais no decorrer da história, em meio à dinâmica
social que hierarquiza as relações entre o masculino e o feminino.
No que diz respeito ao cenário das paternidades, entendidas no plural, tendo em vista
as múltiplas formas de exercício desta atribuição social, Fuller (2000) indica mudanças e
permanências no significado que, para a população masculina, tem o exercício da paternidade.
Segundo a autora, resultados de estudos realizados no Brasil, Chile, Colômbia, México e
Peru, indicam que o pai é significado, além de protetor e provedor, também como formador e
educador de seus filhos, verificando-se, portanto, uma ampliação das práticas atribuídas à
esfera da paternidade.
Ao longa das últimas décadas, investigações sobre as paternidades passaram a apontar
no imaginário social o “surgimento de um pai cuidador, um novo pai, com uma nova
paternidade em que um envolvimento maior dos homens-pais nos cuidados dos filhos,
acentuando as relações de afeto, a subjetividade e a liberdade no relacionamento familiar”
(Resende & Alonso, 1995, p.67). Essa tendência em situar as discussões sobre a “nova
paternidade” associada ao surgimento de um “novo homem” implica em uma crítica ao
entendimento da masculinidade, costumeiramente, pensada no singular. Verifica-se uma
tendência nos estudos de gênero em empregar o termo masculinidades tendo em vista a
11
pluralidade de vozes masculinas, em contraposição à abordagem naturalizada do fenômeno da
masculinidade como um discurso hegemônico, como força opressiva predominante.
No processo de realização deste estudo, as análises foram efetivadas pautando-se nos
conceitos de direitos sexuais e reprodutivos, uma vez que o próprio objeto da investigação
inclui-se neste campo. Nesta perspectiva, a discussão oficial sobre os eixos principais das
políticas de saúde reprodutiva destaca o direito à regulação da fecundidade, à segurança na
gravidez e no parto, ao cuidado da criança e ao exercício pleno da sexualidade.
O Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento
(CIPD, 1994) ressalta o direito de se usufruir uma vida sexual satisfatória, bem como destaca
a liberdade de cada sujeito para procriar ou não. Nesta conferência também foi explicitada a
importância do desenvolvimento de estratégias de intervenção em saúde pública que
contemplem a participação do homem no âmbito da reprodução, assim como da produção
teórico-conceitual a respeito desta população (Marcondes, 1999). Mundigo (1995) destaca a
importância da superação de barreiras culturais entre homens e mulheres para o
favorecimento da participação dos primeiros no campo da saúde reprodutiva.
No campo dos direitos humanos, a discussão dos direitos reprodutivos significou um
avanço ao defender que, independente do lugar das pessoas em meio à intersecção dos eixos
de poder atrelados às categorias de sexo/gênero, religião, idade, etnia ou grupo social de
pertença, todo o ser humano deve ser reconhecido como sujeito de direitos, devendo lhe ser
asseguradas as condições para o exercício pleno dos mesmos. Aqui, convém resgatar a
definição de saúde reprodutiva apresentada no relatório da IV Conferência Mundial Sobre a
Mulher. De acordo com o relatório, a saúde reprodutiva consiste em um estado de bem-estar
bio-psico-social e não meramente na ausência de sintomas que caracterizam uma dada
enfermidade relacionada ao sistema reprodutivo de alguma maneira. “A saúde reprodutiva
implica, assim, a capacidade de desfrutar de uma vida sexual satisfatória e sem risco, em que
se tem a capacidade de procriar e a liberdade para decidir fazê-lo ou não fazê-lo, quando e
com que freqüência” (Conferência Mundial Sobre a Mulher, 1996, p. 77).
Uma das temáticas que vem sendo alvo de pesquisa no campo dos direitos humanos
trata-se da saúde sexual e reprodutiva das populações adolescentes e, conseqüentemente, nos
trabalhos de intervenção destinados a estes sujeitos nesta área. Em um projeto de pesquisa
desenvolvido por Siqueira e cols. (2002), foram investigados quatro programas públicos que
prestavam atendimento pré-natal a gestantes adolescentes, com o intuito de verificar os
processos de inclusão/exclusão do pai nestes serviços. Constatou-se, assim como a literatura
científica tem apontado, que a área da saúde sexual e reprodutiva tem sido considerada um
12
território feminino, entendimento este que dificulta o acesso dos homens pais a esses setores.
Tal situação, por sua vez, não auxilia a que estes sujeitos (adolescentes, no contexto da
investigação citada) possam discutir as concepções que elaboram e as práticas a elas atreladas
no âmbito de sua sexualidade. Siqueira e cols. (id) destacam a importância de se repensar as
pesquisas e debates nesta área, bem como as políticas públicas de atenção ao adolescente, de
forma a promover a compreensão e conseqüente abordagem deste sujeito como cidadão. Em
outras palavras, trata-se de assegurar as condições para um exercício da sexualidade de forma
segura e apoiada, conforme as recomendações das grandes conferências internacionais, em
vez de julgar tal exercício como irresponsável ou necessariamente prejudical.
De acordo com Abramo (1997), projetos e programas voltados para o público jovem,
geralmente, são destinados ao atendimento de sujeitos oriundos de famílias com baixa renda
ou em situação de ‘risco’ social, tais como contextos de violência ou abandono. A mesma
autora destaca o fato de que essas iniciativas têm sido desenvolvidas mais tempo e em
número maior por entidades do terceiro setor, quando confrontadas às iniciativas atreladas às
políticas públicas. No que diz respeito à produção teórica e metodológica para lidar com os
jovens, a estudiosa chama a atenção para a escassez de subsídios para abordar as
especificidades dos mesmos. “É quase como se, apesar de terem crescido o número de ações e
programas destinados a adolescentes e jovens, eles continuem apenas desfocadamente
visíveis, obscurecidos por uma sensação de que esta falta de instrumentos e ‘jeito’ se deve ao
fato de que a ‘adolescência é mesmo uma fase difícil’ de se lidar” (Abramo, 1997, p. 27).
Quanto à definição de adolescência que pauta este trabalho, diante da adoção da teoria
histórico-cultural como matriz teórica, seria incoerente a compreensão da adolescência como
um fenômeno essencializado, de caráter universal. Considera-se a adolescência como um fato
social produzido em sociedades urbanas industrializadas. As experiências vividas pelos
adolescentes são plurais, bem como os sentidos atribuídos a tais experiências, sendo que o
processo de constituição dos sujeitos envolve uma multiplicidade de aspectos tais como a
etnia, classe social, tradições culturais e religiosas, orientação sexual, entre outros que
particularizam cada adolescente.
Ariès (1981) aponta o processo de produção da noção de adolescência como período
específico e demarcado, caracterizado pela transição da infância para vida adulta, em
decorrência da conquista da independência financeira. Chama a atenção o fato de que na
literatura especializada, geralmente, a definição da adolescência é delineada, paradoxalmente,
não pelos aspectos que a caracterizam ou pela sua positividade, mas pela passagem da
infância para a adultez com a manifestação de alguns aspectos e ajustes psicológicos e sociais
13
tidos como próprios da vida adulta, que demarcariam o fim deste período no processo de
constituição do sujeito. Os aspectos que caracterizam este processo não costumam ser
abordados, sendo a adolescência é definida pelo que não é (nem infância nem adultez).
Visando conhecer dados referentes aos índices de paternidade na adolescência,
deparei-me com a invisibilidade dos adolescentes pais diante de órgãos como o Ministério da
Saúde e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo dados do
DATA/SUS/MS
2
, o índice de partos de garotas com idade oscilando entre 15 e 19 anos
consistiu em 24,63% do total de partos realizados no SUS em 1996. De acordo com o órgão,
no Brasil, o número de casos de gravidez de garotas com idade entre 15 e 19 anos aumentou,
contrariando a tendência nacional de diminuição das taxas de fecundidade (Brasil, 2000).
Quanto aos resultados da amostra do Censo Demográfico de 2000
3
, no tocante à
fecundidade, são investigados somente o mero de mulheres que se tornaram mães e o
número respectivo de filhos (nascidos vivos e nascidos mortos, bem como o número de filhos
sobreviventes), não havendo dados correspondentes aos homens pais destas crianças.
Portanto, o foco das investigações, tanto do Ministério da Saúde quanto do IBGE, denota um
desinteresse em se reconhecer a participação dos pais no cenário da fecundidade, legitimando
a exclusão destes em determinados programas de políticas públicas (IBGE, 2005).
Quanto ao lugar do pai nas pesquisas demográficas brasileiras, com o intuito inicial de
identificar o número de adolescentes pais no Brasil, Lyra e Medrado (2000), investigaram
instrumentos de coleta de dados empregados por diversas instituições tais como: o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, Ministério da Saúde, Sociedade Civil Bem-Estar
Familiar no Brasil e, em São Paulo, o Sistema de Análise de Dados. Surpreendentemente,
constataram que “os atos de conceber e criar filhos constituem, inclusive na demografia,
experiências humanas atribuídas culturalmente às mulheres, incluindo muito discretamente o
pai” (Lyra e Medrado, p. 155, 2000). Os instrumentos de coleta de informação das quatro
instituições citadas contrariam a recomendação da Conferência Internacional de População e
Desenvolvimento (1994), no que concerne ao incentivo à participação dos homens no âmbito
da reprodução e à produção teórica sobre políticas públicas atreladas a este campo.
2
Ministério da Saúde. DATASUS. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/saude
>.
3
IBGE.Indicadores Sociais. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>.
14
Quanto à produção brasileira de artigos científicos referentes à temática da paternidade
na adolescência, ao rastrear-se o Banco de dados denominado Scielo
4
foram localizados
quatro artigos. Entre estes artigos, três apresentavam resultados de pesquisas de campo que
contemplavam adolescentes pais em sua amostra, sendo que o quarto trabalho consistia em
uma revisão de literatura sobre a maternidade e a paternidade, através da qual verificou-se a
carência de estudos que abordam a temática da paternidade na adolescência. Quanto aos
trabalhos de campo, um deles tratava de uma investigação comparativa referente à relação de
cuidado estabelecida entre adolescentes ou adultos pais e seus filhos, outro artigo
problematizava a inclusão dos adolescentes pais em programas públicos de atendimento pré-
natal e o último abordava a repercussão do advento da paternidade na história de adolescentes.
Tendo em vista o objetivo de visualizar o ‘estado da arte’ da produção relativa à
temática do meu interesse, realizei um rastreamento no Banco de Teses e Dissertações da
CAPES
5
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Por intermédio
deste rastreamento, foram acessados trinta e oito resumos de trabalhos, sendo que vinte e nove
deles não tinham relação imediata com os dois descritores- oito destes, contudo, abordavam a
experiência da maternidade na adolescência. Isto ocorre na medida em que, através desta
ferramenta, são selecionados todos os resumos que contém os decritores solicitados e não em
função da problemática abordada ou das palavras-chave de cada um dos trabalhos. Entre os
nove resumos restantes e selecionados (oito dissertações de mestrado e uma tese de
doutorado), quatro foram produzidos na região sudeste, quatro na nordeste e um na sul. Em
Santa Catarina, mais especificamente, foi elaborado um destes trabalhos, sendo que o mesmo
refere-se aos valores e práticas atrelados à regulação da fecundidade de adolescentes com ou
sem filhos, e não à especificidade da paternidade na adolescência, indicando a importância da
realização de estudos que contemplem este fenômeno entre os habitantes deste estado.
4
O acesso a este banco de dados, que se encontra disponível no endereço eletrônico http://www.scielo.br, foi
realizado no dia 30 de junho de 2004, empregando-se as palavras-chave adolescência e paternidade.
5
O acesso a este banco de dados, que se encontra disponível no endereço eletrônico http://www.capes.gov.br,
foi realizado no dia 31 de janeiro de 2004, com o objetivo de conhecer a produção acadêmico-científica
brasileira desenvolvida no período compreendido entre 1987 e 2002 (período que contemplava todos os
trabalhos disponíveis neste banco de dados). Para tanto, foi acessado o endereço eletrônico desta base de dados
utilizando os seguintes critérios ou filtros: 1) Ano de defesa: > e = 1987; 2) Palavras-chave: adolescência e
paternidade; paternidade; maternidade; maternidade e adolescência 3) Nível: todos; 4) Instituição: todas.
15
No que diz respeito ao ano de defesa destes trabalhos, os dois primeiros foram
publicados em 1997, dois deles em 1998, um em 1999, dois em 2001, um em 2002 e um em
2003. Quanto ao enfoque dos estudos, estes diziam respeito a aspectos tais como: significados
ou representações atribuídos à paternidade (2); arranjos no cotidiano do adolescente pai (1);
repercussões da paternidade para o adolescente pai e sua família de origem (1); paternidade na
adolescência e identidade masculina (1); interação entre pais e filhos (1); vulnerabilidade’ à
paternidade (1); proposta de intervenção voltada para o favorecimento da inclusão de
adolescentes pais na vida reprodutiva e familiar (1); controle da fecundidade (1).
Ao rastrear-se a produção sobre a maternidade na adolescência neste mesmo banco de
dados tal como realizado em relação à paternidade, foram localizados 100 trabalhos dos quais
77 tinham relação direta com a temática. Entre 77 resumos, identificou-se, em sua maior
parte, o pressuposto mais ou menos explícito de que a maternidade o seria favorável para o
processo de constituição da adolescente. Portanto, tendo em vista a combinação dos
descritores empregados (adolescência e paternidade; adolescência e maternidade), esta
distribuição da quantidade de estudos realizados contemplando cada um destes enfoques
indica a escassez de investigações científicas que abordem o tema da paternidade na
adolescência, especialmente quando comparadas às que tratam da maternidade na
adolescência. Destaca-se o fato de que nenhum resumo de tese ou dissertação acessado com
os descritores paternidade e adolescência tratou da participação do adolescente pai nos
cuidados destinados aos seus filhos, assunto este que se constitui como uma lacuna no restrito
cenário de obras comprometidas com a investigação de adolescentes pais.
Ao justificar a importância do estudo sobre a paternidade, especificamente sobre o
comportamento parental, Prado (2005) destacou a relevância do entendimento da relação
entre o cuidado exercido e a implicação dele no desenvolvimento da criança, cognitiva,
emocional e socialmente. Além da repercussão da relação entre pais e filhos no
desenvolvimento destes últimos, no contexto deste trabalho, considera-se também a
relevância do advento da paternidade na subjetividade dos próprios pais, tendo como pano de
fundo o campo dos direitos sexuais e reprodutivos, neste caso, dos adolescentes.
No presente estudo, enfatizou-se a investigação dos sentidos atribuídos à paternidade e
aos cuidados paternos em termos de concepções referentes ao(s) lugar (es) do pai no processo
de desenvolvimento do(s) seu(s) filho(s) e às maneiras como se dão ou são projetadas as
relações cotidianas entre pais e crianças, considerando-se contextos de populações urbanas de
baixa-renda. Como decorrência deste estudo, pretende-se contribuir para com a produção
acadêmica referente à temática da paternidade e dos direitos sexuais e reprodutivos, além do
16
favorecimento de condições para uma vida sexual e reprodutiva mais saudável, sobretudo no
que diz respeito ao incentivo à participação dos adolescentes pais na relação de cuidados
destinados aos seus filhos, entendendo-se este trabalho como um subsídio para a elaboração
de políticas públicas destinadas a estas populações. Para tanto, buscou-se responder à seguinte
pergunta de pesquisa: Quais os sentidos que adolescentes pais atribuem à paternidade e ao
lugar paterno no cuidado dos filhos?
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Puberdades, Juventudes e Adolescências.
Quando o período vital que sucede a infância e antecede a idade adulta é abordado, três
termos são empregados com freqüência na sociedade ocidental: puberdade, adolescência e
juventude. Geralmente, estes três termos são abordados como uma seqüência de fatos; a
puberdade seria anterior à adolescência que, por sua vez, antecederia a juventude, havendo,
contudo, tanto impasse quanto equivalência no emprego destes dois últimos. Apesar do fato
de não haver um consenso no que diz respeito à definição precisa de cada um destes
processos, tentar-se-á atribuir um significado, mesmo que provisório, a cada um deles,
buscando contemplar, na medida do possível, a sua polissemia.
A puberdade do latim puberstate – sinal de pêlos, barba, penugem, corresponde à
etimologia da palavra, remetendo a uma particularidade que caracteriza este período do
processo de constituição dos sujeitos: o surgimento da atividade hormonal que desencadeia os
caracteres sexuais secundários, geralmente, em torno dos nove e quatorze anos de idade
(Cunha, 1982). Sendo assim, o termo puberdade, freqüentemente, é empregado para
denominar o conjunto de modificações fisiológicas relacionadas com a transição da infância
para a vida adulta, no que se refere à capacidade reprodutiva dos sujeitos. (Palácios, 1995).
Acerca das condições em que se o desenvolvimento puberal, apesar das diferenças
cronológicas entre as pessoas na ocorrência deste processo (em função de características
orgânicas pessoais, hábitos e outras condições ambientais que podem retardar ou acelerar o
mesmo) e dos significados atribuídos a este fenômeno, a puberdade, tendo em vista o seu
caráter predominantemente biológico, é considerada um fenômeno universal e previsível,
vindo a ocorrer sempre na mesma seqüência (Palácios, 1995).
Destaca-se o fato de que cada cultura ou grupo pode, ou não, marcar determinados
aspectos e conferir significados a esse fenômeno, de acordo com a relevância atribuída ao
advento da puberdade. Quanto à dimensão cultural da própria puberdade, chama-se a atenção
para o fato de que Palácios (1995), ao citar algumas mudanças ocasionadas pela puberdade
17
que seriam mais evidentes ao observador externo - “mudança de voz, pigmentação dos pêlos
axilares e do rosto, no caso dos meninos; primeira menstruação, desenvolvimento das mamas
nas meninas” (p.266) - deixando de mencionar a visibilidade dos pêlos axilares e do rosto
(como é o caso de algumas garotas) das púberes e embutiu na invisibilidade deste caracter um
elemento cultural presente em nossa sociedade, a prescrição da depilação entre as mulheres.
Portanto, considera-se que a ênfase nos correlatos biológicos na definição da puberdade é tão
somente didática, na medida em que tais aspectos são dinâmica e semioticamente
contextualizados no plano da cultura.
Quanto ao termo juventude, o mesmo refere-se etmologicamente ao latim ‘joviális’- que
significa tardio (Cunha, 1982). A juventude é definida por Groppo (2000), primeiramente,
como uma categoria social, transcendendo os conceitos que se limitam à determinação de uma
faixa etária restrita. Porém, deve ser destacado o fato de que o critério etário sempre é
empregado na definição de juventude, de forma explícita ou implícita. Uma alternativa da
Sociologia para não restringir esta categoria social a uma faixa etária, é a de relativizar o
critério social e relacioná-lo, dinamicamente, com outros marcadores sociais como classe
social, gênero e etnia, por exemplo. Assim, a juventude é comumente abordada pela
Sociologia, disciplina que emprega este termo com maior freqüência, como um período de
adequação do sujeito e transição deste entre as funções sociais da infância e as funções sociais
na idade adulta.
Segundo Groppo (2000), a definição da juventude não implica na compreensão dos
jovens como integrantes de um grupo coeso, homogêneo ou uma classe de fato. A juventude,
então, refere-se a uma representação simbólica, produzida pelos grupos culturais e pelos
próprios sujeitos enquadrados nesta categoria, os jovens, para conferir um significado às
condutas e atitudes atribuídas a estes, bem como se trata de uma situação social compartilhada
por determinados indivíduos. O mesmo autor considera a juventude um direito social. Dessa
forma, as atribuições e cuidados destinados aos jovens seriam um direito de todos os sujeitos
que estão vivenciando este período vital.
Com freqüência, autores tais como Erikson (1972) e Freud (1946), reservadas as suas
especificidades, entendem a juventude como um período de ‘definição da identidade’ e,
principalmente, de ajustamento ao grupo social a que o sujeito pertence. No entanto, de
acordo com Levi e Schmitt (1996, p.7) “não se trata de encontrar uma única definição válida
em todos os quadrantes e todas as épocas”, na medida em que, assim como os demais
períodos do processo de constituição do sujeito, a juventude consiste em uma produção
cultural. No contexto deste trabalho, considera-se que o processo de constituição do sujeito
18
não se dá por encerrado com a aquisição de status de adulto no plano da cultura, prolongando-
se ao longo de toda a sua vida. Margulis (1996) aborda o caráter dinâmico da conceituação do
termo juventude:
Juventud es um concepto esquivo, construcción histórica y social y no mera
condición de edad. Cada época y cada sector social postula formas de ser
joven. Hay muchos modos de experimentar la juventud, y variadas
oportunidades de presentar y representar la persona en las múltiples tribus
que emergen en la estallante socialidad urbana ( p.11).
No que diz respeito à categoria juventude, Margulis (1996) pensa que além de
consistir em uma modalidade sócio-cultural que faz sentido quando se articulam as noções de
idade, classe, geração e gênero, atualmente a juventude também se apresenta como um signo
especialmente atrelado à imagem e à corporalidade, implicando em sua comercialização. Mais
que uma ‘etapa’, ‘estado’ ou ‘condição social’, a juventude é vista como um produto.
O termo adolescência, por sua vez, remonta a dois termos latinos: ad (para, a) e olescer
(crescer), dando origem, ainda no latim, a adolescere (adoecer), estando o seu emprego
atrelado à transição da infância para o lugar social de adulto. (Cunha, 1982) “A adolescência
refere-se a esse período de latência social constituída a partir da sociedade capitalista gerada
por questões de ingresso no mercado de trabalho e extensão do período escolar, da
necessidade do preparo técnico” (Kahhale, 2003, p. 92).
Sobre as categorias que definem as adolescências, Margulis e Urresti (1996) citam a
idade e os correlatos biológicos da puberdade, a classe social e as possibilidades diferenciadas
de privilégio e de moratória social. Quanto à noção de geração, os autores a consideram
como:
(...) la circunstancia cultural que emana de ser socializado con códigos
diferentes, de incorporar nuevos modos de percibir y de apreciar, de ser
competente en nuevos hábitos y destrezas, elementos que distancian a los
recién llegados del mundo de las generaciones más antiguas (p.19).
Apesar de um grande mero de culturas empregar rituais de passagem para marcar o
início da vida adulta, nem sempre é reservado, concebido ou mesmo designado um período de
transição, bem como seus idiomas podem não reservar terminologias para nomear este
período (Egypto e Bock, 2001). Como um produto da cultura, a adolescência não é fixa e
pode ser compreendida tendo como pano de fundo os contextos históricos nos quais os
sujeitos se inserem, sendo que discursos de diversos campos do saber podem concorrer à sua
definição, tais como os discursos médico, sociológico, jurídico, psicológico, religioso, entre
outros.
19
Acerca da visibilidade social deste fenômeno, marcas percebidas e investidas de
significados podem ser empregadas em um determinado contexto cultural para identificar a
adolescência e os adolescentes. “Mudanças no corpo e no desenvolvimento cognitivo são
marcas que a sociedade destacou para identificar a adolescência. Muitas outras coisas podem
estar acontecendo nesta época da vida do indivíduo e nós não destacamos” (Kahhale, 2003,
p.92).
A adolescência é significada de maneiras diversas nas culturas que a designam, bem
como em meio a cada grupo, sendo, em última instância, particularizada em cada sujeito,
tendo em vista a singularidade do processo de constituição de cada um. Como fenômeno
psicológico e cultural, a adolescência passou a ser assim designada e, portanto, produzida
como tal - a partir do começo do século XX e, na medida em que se trata de um produto
histórico, não um padrão comportamental essencial exclusivo e característico da
adolescência (Egypto e Bock, 2001). Considerando-se a multiplicidade de configurações
diferentes da adolescência, apesar de parecer paradoxal, a pluralidade consiste em um
aspecto definidor da mesma. É por isso que alguns estudiosos (Caridade, 1999, Machado Luz
& Castro e Silva, 1999; Lyra et al, 2002) têm preferido empregar o termo adolescências, com
o intuito de destacar a tentativa de superação do uso de conceitos genéricos, diante da
diversidade de grupos sociais e especificidades históricas que acarretam na produção deste
fenômeno.
Sobre a demarcação da adolescência, quando esta é designada em um determinado
grupo cultural, diversos critérios podem estar em jogo para defini-la. O critério etário destaca-
se em nossa sociedade, entretanto, a delimitação da adolescência pode variar em um mesmo
contexto cultural, podendo um sujeito ser entendido ou não como adolescente tendo em vista
aspectos como o seu estado civil e a condição financeira, por exemplo.
De acordo com Margulis e Urresti (1996), tanto a idade quanto o sexo, consistem em
eixos ordenadores do cotidiano, como bases de classificações sociais e de elaboração de
sentidos. Reconhecem, no entanto, que os critérios de delimitação da idade são ambíguos e
imprecisos, remetendo a antigos rituais de passagem atrelados à prescrição de lugares nas
instituições tradicionais, em especial no que se refere ao plano econômico, social e cultural.
De acordo com Lyra e Medrado:
Em particular, a aparente imprecisão dos parâmetros que definem a
adolescência pode ser entendida, também, como uma quebra da suposta
linearidade da passagem entre as fases do desenvolvimento humano e
ressalta a historicidade das categorias etárias (Lyra e Medrado, 1999, p. 232).
20
Quando o termo adolescência for empregado no contexto deste trabalho, estar-se-á
fazendo referência a determinados sujeitos inseridos na cultura ocidental urbana com idades
entre 10 e 19 anos, conforme faixa etária estabelecida pela Organização Mundial de Saúde.
No que diz respeito à delimitação etária da juventude, a mesma organização sugere a faixa
entre 20 e 24 anos de idade (World Health Organization, 2004a).
Apesar da adoção deste recorte etário, destaca-se o entrecruzamento entre as categorias
adolescência e juventude, bem como a localização destas em campos de saber distintos. De
acordo com Sposito (1997) a juventude consiste em uma categoria sociológica equivalente à
adolescência que, por sua vez, refere-se ao campo da Psicologia. Rios e cols (2002) observam
uma ambigüidade no emprego dos termos adolescência e juventude, porém, identificam uma
diferenciação no que se refere à “utilização do termo ‘adolescente’ em produções e pesquisas
que abordam a sexualidade, saúde reprodutiva e gravidez e o termo ‘jovem’ em iniciativas
ligadas à violência, ao trabalho e à profissionalização, tradicionalmente campos de estudos
das ciências sociais” (p. 9). Os mesmos autores associam ao emprego do temo ‘adolescente’
um viés biologizante, “mesmo quando as pesquisas são desenvolvidas com uma preocupação
em relação aos determinantes culturais e sociais da saúde sexual” (2002, p. 9).
Diante da multiplicidade de discursos referentes à adolescência e à juventude, sendo
estes por vezes contraditórios e discordantes, a polêmica se intensifica no que se refere à
delimitação do fim da adolescência e da juventude, na medida em que, em última instância,
este momento é demarcado pelo reconhecimento social do status de adulto conferido ao
sujeito. Tal status é definido de diversas maneiras de acordo com o grupo no qual o sujeito
está inserido. A juventude como categoria sociológica é definida como um período de
moratória da infância à espera de assumir as responsabilidades da vida adulta. Assim, o fim
deste período do ciclo vital seria estabelecido de acordo com alguns aspectos, tais como o
afastamento do ambiente escolar, a inserção do sujeito no mundo do trabalho, a independência
do núcleo familiar e a formação de sua própria família (Stern e Medina, 2000). De acordo
com os autores argentinos:
La juventud termina- en el interior de las clases que pueden ofrecer este
beneficio a sus miembros recién llegados a la madurez física- cuando éstos
asumen responsabilidades centradas, sobre todo, en formar el proprio hogar,
tener hijos, vivir del proprio trabajo (Margulis e Urresti, 1996, p. 15-16).
Conforme Rios e cols (2002), no que se refere aos segmentos brasileiros de baixa
renda, os aspectos que definem a transição da adolescência para a adultez “são o início da
vida sexual ativa, da organização familiar, da inserção no mercado de trabalho ou de outros
21
indicadores sociais que nada têm a ver com indicadores biológicos” (p.9). Quanto à
pluralidade de adolescências e às possibilidades de delimitação das mesmas, Lyra (1997)
destaca a importância da observação da diferenciação dos sujeitos, pautada pelas prescrições
sociais de gênero. Segundo este autor, enquanto o projeto de autonomia do rapaz está
atrelado, principalmente, ao seu ingresso no mundo do trabalho, a autonomia da garota pode
contemplar duas possibilidades: a sua inserção no mercado de trabalho que pode promover a
sua independência econômica, ou a constituição de uma nova família, casando-se ou tendo
filho.
Sobre a articulação da categoria classe à de juventude, de acordo com Margulis e
Urresti (1996), os jovens oriundos de famílias de média e alta renda têm ampliadas as
oportunidades de estudar e postergar a responsabilidade implicada em determinadas
atividades atribuídas à vida adulta, tais como o casamento e a filiação. Estes jovens poderiam
gozar de um período marcado pela possibilidade de experimentação, isento de grandes
responsabilidades ou exigências, em um contexto protetor que favorece a ampliação deste
signo denominado juventude. Sobre o contexto acadêmico brasileiro:
Parece existir um consenso entre os estudiosos sobre a necessidade de se
estabelecer uma concepção teórica que permita a comparação da situação dos
jovens em distintos contextos. O parâmetro que se vem utilizando é a idade,
mesmo que ele seja julgado ineficiente. Os pesquisadores consideram arbitrário
o corte de 11-19 anos para adolescência, sendo esse período aplicável apenas
em algumas circunstâncias da classe média brasileira, na qual prevalece o
discurso médico (Rios e cols, 2002, p.9).
Quanto aos jovens oriundos de setores populares, a moratória social que caracterizaria
a juventude seria reduzida, na medida em que, freqüentemente, os mesmos ingressam no
mundo do trabalho ‘precocemente’, realizando trabalhos mais duros e menos atrativos,
podendo também contrair obrigações familiares com menor idade, carecendo de tempo e
dinheiro para viver este período caracterizado por uma relativa despreocupação (Margulis e
Urresti, 1996; Stern e Medina, 2000). Contudo, faz-se necessária a relativização desta
relativização da moratória na adolescência, na medida em que, assim como em setores
populares podem ser identificados jovens isentos da inserção no mundo do trabalho (entre
outras possíveis), entre os sujeitos oriundos de famílias de média renda pode estar destacada a
responsabilidade pela aprovação no concurso vestibular, por exemplo. O emprego acrítico do
critério ‘despreocupação’ para caracterizar a juventude também é problemático, assim como é
questionável o aspecto crise, sendo os dois ambíguos entre si. Como o jovem pode estar em
crise, ocupado em definir-se sexual, profissionalmente, em última análise como indivíduo e,
22
simultaneamente, estar ‘despreocupado’, isento de responsabilidades? Esta contradição ilustra
a imprecisão dos aspectos que definem a juventude e, conseqüentemente, a importância da
contextualização do emprego desta categoria analítica.
No que diz respeito à noção de ‘tempo livre’ que caracterizaria, em parte, a
adolescência, Margulis e Urresti (1996) o problematizam de maneira muito interessante
quando se referem ao imaginário social sobre este ‘tempo’ quando designado aos jovens
oriundos de famílias de baixa renda: “...no es el tiempo ligero de los sectores medios y altos,
está cargado de culpabilidad e impotencia, de frustración y sufrimiento.” (p.18). Referindo-se
a programas e projetos públicos voltados para populações jovens, em especial os oriundos de
populações de baixa renda e afastados de seus núcleos familiares, Calazans (2000) afirma que
“adolescentes e jovens são vistos como indivíduos que necessitam de ajuda para que possam
‘reintegrar-se’ à ordem social, estando essas iniciativas preocupadas, muitas vezes, em
‘afastá-los das ruas’ ou simplesmente ‘ocupá-los’” (p.48).
No que diz respeito às divergências na abordagem da temática da adolescência, apesar
da adoção da faixa etária sugerida pela Organização Mundial de Saúde, verifica-se que o
conceito de adolescência proposto pela mesma instituição ilustra as contradições e polêmicas
em torno de sua definição. Segue abaixo a definição atual de adolescência da Organização
Mundial de Saúde:
Adolescence is a time of transition from childhood to adulthood, during which
young people experience changes following puberty, but do not immediately
assume the roles, privileges and responsibilities of adulthood. Experiences of
adolescence vary by age, sex, marital status, class, region and cultural context.
Moreover, social, economic and political forces are rapidly changing the ways
that young people must prepare for adult life (World Health Organization,
2004a).
Nesta definição é esboçada uma tentativa de relativizar a noção de adolescência ao
admitir a pluralidade da mesma, que, no entanto, não abre precedentes para a dimensão
histórica de sua produção e ao fato de que, não necessariamente, toda a cultura compartilhe
esta designação. Sendo assim, a adolescência é universalizada ao se partir do princípio de que
toda a cultura a produz e nomeia, bem como por ressaltar a experiência das mudanças
puberais inerentes ao desenvolvimento, em detrimento de experiências outras, tais como as
que ocorrem em meio às relações estabelecidas com as pessoas que ocorrem ao longo do
processo de constituição de cada sujeito.
Além do mais, o aspecto de preparação para a vida adulta’ camufla a positividade
própria da adolescência, esvaziando o fenômeno, que passa a ser definido pelo que não é (nem
23
criança, nem adulto). A noção de que a experiência da adolescência conduz à vida adulta
também pode ser considerada adultocêntrica, sendo o adulto entendido como o estágio final
de um processo, como se a constituição do sujeito se desse por encerrada com a aquisição de
status de adulto, bem como se, automaticamente, a partir de uma certa idade, os ‘adultos’
passassem a se tornar independentes, autônomos. Neste sentido, destaca-se a fragilidade da
definição de adolescência proposta pela Organização Mundial de Saúde (2004a), embora tal
entendimento seja coerente com uma série de discursos circulantes sobre este fenômeno, tanto
no meio acadêmico quanto entre a população em geral, inclusive entre os adolescentes.
Freqüentemente, é vinculada na mídia uma imagem admirável do adolescente,
caracterizada pela ousadia, liberdade e vigor. Paralelamente, colocada em relação a este
discurso, verifica-se a retórica do terror e da marginalidade, geralmente pautada por
estatísticas que abordam a juventude como um problema social (Lyra e cols, 2002). Quanto às
concepções homogeneizadoras, essencialistas e patologizantes da adolescência, concepções
estas que podem, inclusive, propor a tolerância como alternativa para lidar com os
adolescentes, Medrado e Lyra chamam a atenção para a associação entre esta categoria e a
noção de crise, inconseqüência, irresponsabilidade, agressividade, desordem e problema
social, de sorte que O risco generalizado parece, assim, definir e circunscrever
negativamente esse período da vida, possibilitando a construção de expressões absurdas como
a própria prevenção da adolescência” (Lyra e Medrado, 1999, p. 231).
Abramo (1997) destaca a questão da crise e da ruptura na caracterização da
adolescência. No âmbito do senso comum, a adolescência é designada pelo neologismo
“aborrecência”, quando considerada como um período de crise e turbulência, face aos
“aborrecimentos” que engendra para os adultos com os quais os adolescentes convivem. Neste
sentido, Lyra e Medrado (1999) afirmam que “mesmo reconhecendo a noção de crise-
problema-desordem como um dos elementos mais marcantes na concepção contemporânea de
adolescência, consideramos que a noção de adolescência associada à concepção de problema
tem fundamentos históricos e, portanto, dista de ser considerada real ou natural” (p. 233).
De acordo com Bock e Liebesny (2003), a contradição entre as condições que
apresentam e o impedimento em ingressar no mundo social adulto “será responsável pelo
surgimento da maior parte das características conhecidas hoje como dos adolescentes:
rebeldia, conflito geracional, indefinição da identidade e onipotência” (p.203). Este trabalho,
por sua vez, é balizado pelo entendimento de que todo processo de constituição dá-se em
meio a transformações e conflitos bio- psico-sociais, não estando o sujeito isento de crises,
mudanças e angústias ao longo de sua existência. Neste contexto, os sujeitos são
24
compreendidos como co-autores dos personagens que vivenciam no cotidiano, processo de
invenção este aberto e inacabado (Maheirie, 1997; Maheirie, 2002).
Portanto, a cultura não é meramente responsável pelo favorecimento ou estímulo’ do
processo de desenvolvimento da adolescência; ao contrário, a cultura produz a adolescência
ou, considerando-se o dinamismo deste fenômeno, as adolescências. Neste contexto, “é
necessário superar as visões naturalizantes presentes na Psicologia e entender a adolescência
como um processo de construção sob condições histórico-culturais-sociais específicas”
(Ozella, 2003, p.22),
Groppo (2000) apresenta três grupos de questionamentos referentes à relevância da
juventude para a compreensão das sociedades contemporâneas. O primeiro grupo de críticas
diz respeito ao caráter genérico e pouco definido da juventude. O segundo grupo acusa este
conceito de ideológico e considera que o mesmo poderia camuflar uma realidade produzida
sobre estratificações sociais. Finalmente, o terceiro grupo denuncia o risco de que o conceito
seja reduzido a uma definição fisiológica, psicológica ou aculturalista. Contudo, este mesmo
autor advoga pela categoria juventude também considerando os demais grupos de idade, na
medida em que os considera produtos culturais singulares e fundamentais para a configuração
e, conseqüentemente, entendimento das sociedades contemporâneas.
Tendo em vista tudo o que foi exposto a respeito da adolescência neste trabalho, pode-se
afirmar que não um consenso no meio acadêmico referente à sua definição. A polifonia da
noção de adolescência e a volatilidade deste fenômeno também ilustram a complexidade dos
fatos humanos e a necessidade de cautela ao buscar sua abordagem e sistematização no
discurso científico. Apesar do reconhecimento da polêmica em torno da conceituação da
adolescência e da juventude, no contexto deste trabalho, considera-se relevante o seu estudo
no meio acadêmico. Isto porque, na nossa sociedade, especialmente no meio urbano, tais
termos têm sido empregados, correntemente, tanto no discurso científico quanto no senso
comum. Este fato denota a importância de considerar estes fenômenos, não perdendo de vista,
contudo, o seu caráter histórico, dinâmico, múltiplo e contraditório.
2.2 Uma breve abordagem do conceito de gênero
No decorrer do processo de elaboração desta dissertação, buscou-se investigar os
sentidos que adolescentes pais atribuem à paternidade e às relações de cuidado dos filhos que
se dão no cotidiano ou são projetadas por estes sujeitos. A arena do exercício da paternidade e
da maternidade pode ser marcada pela negociação de tarefas, delegação de lugares
diferenciados entre os sexos e, em última análise, por relações de poder entre os sujeitos que
25
dela participam e/ou ‘deixam de participar’ (participando com sua ausência e também
simbolicamente). Sendo assim, o emprego da analítica de gênero é importante no processo de
realização desta investigação, tendo em vista o pressuposto de que as relações de gênero
regulam as práticas sociais e legitimam as assimetrias produzidas culturalmente em meio às
relações entre o masculino e o feminino. Segundo Flax (1992), “As relações de gênero entram
em qualquer aspecto da experiência humana e são elementos constituintes dela” (p. 220).
De acordo com Cabral (2003), a pequena quantidade de investigações voltadas para o
estudo da paternidade na adolescência “acompanha a tradição dos estudos de gênero, cuja
produção está em larga medida voltada para o gênero feminino” (p. 3). Neste contexto,
entende-se que a produção acadêmica pautada pela categoria de gênero tem muito a contribuir
para o entendimento da paternidade, na medida em que esta se constitui como um fato social
generificado, especialmente no que diz respeito às atribuições de lugares destinados ao campo
das masculinidades e feminilidades, em um determinado contexto histórico e cultural.
No que se refere aos estudos de gênero, haja vista a multiplicidade de autores e
temáticas problematizadas pelos mesmos, o se constitui como objetivo deste trabalho o
esgotamento da questão e, portanto, serão contemplados somente alguns dos mais importantes
autores que publicaram estudos referentes a esta temática. Sendo assim, este tópico consiste
em uma breve exposição sobre os estudos de gênero, na medida em que serão abordadas tão
somente algumas entre as múltiplas referências importantes que poderiam ser citadas.
Sobre o conceito de gênero, o interesse em estudá-lo teve início no campo das Letras e
da Literatura. Isto porque o gênero, na linguagem, expressava o englobamento do feminino
pelo masculino, sendo o homem tratado como representante da espécie. Um exemplo deste
fato seria a equivalência entre as expressões homem e ser humano. Neste sentido, as
feministas passaram a questionar o por quê de as mulheres estarem sub-sumidas nesta relação.
Então, estudiosos, em especial, estudiosas, oriundos/as de diversos campos do saber (História,
Ciências Sociais, Filosofia, Psicologia...) passaram a se interessar pela temática.
A história do movimento e do pensamento feminista marcou-se pela recusa do
entendimento hierárquico entre os sexos, pela problematização e ênfase nos locais e formas de
resistência à opressão da mulher, bem como pela tentativa de deslocar ou reverter o
funcionamento deste modelo. As feministas começaram a empregar o termo gênero para se
referir à organização social da relação entre os sexos, insistindo no caráter fundamentalmente
relacional, cultural e histórico das distinções produzidas sobre o sexo. De acordo com Scott
(1990), o objetivo dos estudos de gênero era compreender o alcance dos papéis sexuais e do
simbolismo sexual em diferentes culturas e períodos históricos, entender o seu sentido e
26
funcionamento, referente à manutenção da ordem social e às possibilidades de mudança desta,
uma vez que “A história do pensamento feminista é uma história da recusa da construção
hierárquica entre masculino e feminino, em seus contextos específicos; é uma tentativa de
reverter ou deslocar seus funcionamentos” (p.13). Conforme esta autora, quanto mais o
gênero é problematizado e desenvolvido como categoria de análise, maior é a
complexificação da história das mulheres.
Portanto, ao longo da história do movimento feminista, o foco dos estudos sobre
mulheres e feminilidade foi deslocado para os estudos de gênero, sendo que tais estudos
superaram a denúncia da opressão sofrida pelas mulheres e a descrição das vivências
femininas, passando a apresentar modelos explicativos, a articulação de paradigmas de
diversas disciplinas, bem como a elaboração de novos paradigmas nas ciências humanas. De
acordo com a historiadora Scott (1990), “Na sua utilização mais recente, o gênero parece
primeiro ter feito sua aparição entre as feministas americanas que queriam insistir sobre o
caráter fundamentalmente social das distinções fundadas sobre o sexo” (p. 5).
Rubbin (1975) também aborda a questão da opressão exercida sobre as mulheres em
termos históricos, contextualizando-a, portanto, no sistema social, como um produto deste
baseando-se na obra Lévi-Strauss após leitura crítica da mesma. Esta autora cunhou a
expressão sistema sexo-gênero, como ela mesma avaliava, na falta de outra mais apropriada,
como uma alternativa aos conceitos de patriarcado e reprodução, por considerar a primeira
expressão mais neutra, bem como possibilitar a abordagem da opressão como um fenômeno
que consiste em um produto das relações sociais. Inicialmente, Rubbin (1975) define o
sistema sexo-gênero como conjunto de arranjos através dos quais a sociedade transmuta a
sexualidade biológica em produtos da atividade humana, bem como constitui o sistema no
qual as necessidades biológicas são satisfeitas de forma convencionada culturalmente.
Esta estudiosa justifica a relevância da conceituação deste sistema pelo fato de que
haveria uma lacuna na teoria marxista referente à problemática da opressão sexual. De acordo
com Rubbin (1975), Freud e Lévi-Strauss, ao contrário de Marx, contemplam em suas obras a
questão da assimetria entre as experiências sociais de homens e mulheres. Neste sentido, a
autora entende o gênero como a exarcebação das diferenças sexuais que transformaria machos
e fêmeas em categorias excludentes, homens e mulheres, tratando-se de um tabu contra as
semelhanças entre estas duas categorias. Rubbin entende que homens e mulheres podem ser
diferentes uns dos outros, contudo, mulheres e homens também são diferentes entre si (ao
contrário do ditado popular brasileiro, todos os homens são iguais), bem como no espectro de
diferenciação entre estes dois grupos considerados tão diferentes verifica-se considerável
27
sobreposição e, portanto, semelhanças. Sendo assim, a autora entende as categorias
excludentes de gênero mais como conseqüência da supressão das semelhanças naturais entre
os sexos, do que um produto das diferenças biológicas entre estes.
Scott (1990), por sua vez, propõe a designação estudos de gênero com vistas à superação
do estudo das feminilidades, destacando o caráter relacional deste conceito, atrelando o
mesmo ao entendimento foucaultiano de poder. Neste contexto, Scott (1990) passou a aplicar
o termo gênero para designar as relações assimétricas entre homens e mulheres, indicando o
caráter social da produção dos lugares atribuídos e considerados adequados aos sujeitos do
sexo masculino e aos do sexo feminino, tratando-se o gênero, portanto, de uma categoria
social imposta sobre um corpo sexuado. “Uma teoria que repousa sobre a variável única da
diferença física é problemática para as (os) historiadoras (es): ela pressupõe um sentido
permanente ou inerente ao corpo humano- fora de uma construção social ou cultural- e em
conseqüência a não historicidade do gênero em si mesmo” (Scott, 1990, p. 8).
Sendo assim, Scott (1990) alerta os estudiosos para a importância de atentarem para os
sistemas simbólicos, os modos como as sociedades representam o gênero e o empregam para
articular os padrões de relações sociais ou produzir o sentido da experiência. Deste modo,
partindo-se do princípio de que o gênero legitima e constrói as relações sociais, o lugar da
mulher na sociedade humana não tem relação direta com o produto do que ela faz, mas com o
sentido atribuído a estas atividades em meio à interação social concreta (Scott, 1990).
A definição de gênero proposta por Scott (1990) é composta por duas proposições
fundamentais: “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as
diferenças percebidas entre os sexos e, o gênero é um primeiro modo de dar significado às
relações de poder” (p.14). Tendo em vista a primeira proposição, a estudiosa destaca quatro
elementos que precisariam ser investigados no contexto da pesquisa histórica referente à
problemática de gênero: 1) “os símbolos culturalmente disponíveis que evocam
representações simbólicas (e com freqüência contraditórias)” (p.14), como as figuras de Eva e
Maria; Adão e José; 2) “os conceitos normativos que põem em evidência as interpretações do
sentido dos símbolos, que se esforçam para limitar e conter suas possibilidades metafóricas”
(p.14), conceitos estes que abordam de maneira categórica e inequívoca o sentido do
masculino e do feminino de forma binária através de doutrinas políticas, religiosas, educativas
e científicas; 3) a importância da compreensão do gênero tendo em vista o nível da política,
das instituições e organizações sociais e não apenas as relações familiares ou as relações de
parentesco; 4) o quarto aspecto que caracterizaria o gênero seria a identidade subjetiva, de
28
acordo com a autora “Os homens e as mulheres reais não cumprem sempre os termos das
prescrições da sua sociedade ou de nossas categorias de análise” (p. 15).
Sobre a segunda proposição da definição de Scott (1990), que expressa o entendimento
da historiadora de que as relações de gênero consistem na primeira forma de conferir um
significado às relações de poder, tal afirmação tem sido alvo de críticas, na medida em que
esta primazia do poder da categoria de gênero é questionável, pois o gênero é atravessado por
outros marcadores sociais. Neste sentido, Safiotti (1994) vai chamar a atenção para o fato de
que as pessoas situam-se em diversos eixos de distribuição de poder, ao passo que as
assimetrias das relações são organizadas segundo várias categorias sociais, tais como gênero,
etnia e classe social, aspectos estes que se articulam e interferem-se mútua e dinamicamente.
Esta autora ainda ressalta o fato de que as relações de gênero implicam na regulação tanto das
relações entre homens e mulheres, como entre homens e entre mulheres.
Em entrevista realizada com Scott por Grossi, Heilborn e Rial em 1998, no que diz
respeito à definição de gênero atual da historiadora, a mesma afirma que, ao empregar este
termo, refere-se ao discurso da diferença dos sexos. O gênero diz respeito às idéias,
instituições, às estruturas, às práticas cotidianas, aos rituais, enfim, a tudo o que constitui as
relações sociais. Neste sentido, a autora continua entendendo o gênero como organização
social da diferença sexual. Assim, o gênero produz o sentido atribuído à realidade biológica.
Portanto, a diferença sexual deve ser compreendida nos seus diversos contextos históricos. A
pesquisadora também aborda a questão das estratégias de igualdade e de diferença, sendo que
a mesma considera estes dois termos inseparáveis da história do feminismo, considerando-os
o paradoxo deste movimento (Grossi e cols., 1998).
De acordo com Louro (1998), os estudos feministas são pautados pela preocupação com
as relações de poder. Na medida em que, inicialmente, tais estudos focavam a demonstração
das formas de opressão às quais as mulheres eram submetidas, a autora destaca a importância
destas denúncias para a causa feminista, porém, alerta para o perigo da cristalização da
vitimização ou da condição social hierarquicamente subordinada da mulher, bem como da
naturalização das diferenças entre homens e mulheres. Louro (1998) também afirma que
vários estudiosos e estudiosas têm abordado o lugar da resistência feminina e o ônus da
posição de ‘superioridade’ masculina, bem como têm buscado a superação da noção
dicotômica de masculinidade e feminilidade, na medida em que o entendimento polarizado
não contempla a pluralidade entre os pólos desta divisão ou a singularidade de cada sujeito.
No que se refere à contribuição das leituras da obra de Foucault realizadas pelos
estudiosos/as das relações de gênero, Louro (1998) destaca a importância deste autor para a
29
compreensão das assimetrias nas relações de poder entre homens, mulheres e entre homens e
mulheres. Scott (1990) afirma que “temos necessidade de substituir a noção de um poder
unificado, coerente e centralizado por qualquer coisa que esteja próxima do conceito
foucaultiano de poder, entendido como constelações dispersas de relações desiguais,
constituídas pelos discursos nos ‘campos de forças’ sociais” (p.14).
Sendo assim, o exercício do poder é constituído por manobras, técnicas ou disposições
dos sujeitos, havendo um espaço de manobra destes, possibilitando-lhes a resistência e a
contestação, sendo estas ações inerentes ao exercício do poder. Outro conceito de Michel
Foucault empregado na literatura feminista é o de bio-poder, que consiste no poder de
controlar as populações podendo implicar, por exemplo, em medidas de incentivo ao
casamento ou de controle da natalidade, bem como no desenvolvimento de disposições e
práticas, criadas no decorrer da história, que determinaram locais socialmente diferenciados
destinados a homens ou mulheres (Foucault, 1996).
Quanto à produção do discurso referente à ‘História oficial’ do Ocidente, de acordo com
Flax (1992), a História ‘deles’ e a ‘nossa’ são equiparadas enquanto a ‘delas’ é colocada à
parte, secundarizada. Portanto, a história dos homens é entendida como equivalente à história
geral, oficial. A autora afirma que os seres humanos masculinos ou femininos, fisicamente, se
parecem mais do que diferem uns dos outros e problematiza a relevância das diferenças no
processo de constituição dos sujeitos no Ocidente. Neste sentido, Flax (1992) justifica este
fato com a hipótese de que as diferenças anatômicas entre homens e mulheres estão
diretamente relacionadas com duas funções muito valorizadas no meio cultural, a sexualidade
e a reprodução.
Flax (1992) chama atenção para o fato de que os conceitos científicos também são
produtos da cultura e não simples reflexos da ‘realidade’. Neste sentido, ela afirma que o
entendimento do gênero como relação social depende da desconstrução dos significados
atrelados às noções de biologia, sexo, gênero e natureza. A autora aborda o fato de que,
geralmente, o discurso ocidental expressa a compreensão da mulher como próxima da
natureza, da biologia e do sexo e o homem, por sua vez, do campo cultural e social,
consistindo estas correlações em um antagonismo subjetivamente produzido. Segundo Flax
(1992), a oposição entre homem e mulher é abordada no meio social como a única relação
possível, compreendida como um aspecto permanente (portanto, naturalizado e a-histórico) da
condição humana e atrelada a um caráter hierárquico entre homens e mulheres. Assim, a
autora propõe a desconstrução dos estudos pautados pela compreensão das relações entre
homens e mulheres colocada sobre as bases das díades dominante X dominado (relação
30
homem dominante X mulher dominada) e englobante-englobado (homem englobante X
mulher englobada).
Referindo-se ao emprego da desconstrução de Jacques Derrida pelos estudiosos de
gênero no tocante ao questionamento da naturalidade atribuída ao binarismo (homem-
dominante X mulher-dominada), Louro (1995) afirma que “A desconstrução dessa oposição
(o que implica também no reconhecimento que ela é construída e não imutável) nos tornaria
mais ‘livres’ para inventar e reinventar questões e respostas originais” (p. 115).
No que diz respeito à produção acadêmica engajada nos movimentos feministas
brasileiros, destaca-se a publicação de textos como o de Franchetto, Cavalcanti e Heilborn
(1981). A partir desta publicação, pode-se constatar um aumento do número de trabalhos
sobre a temática de gênero, revelando uma preocupação em desconstruir a naturalização a-
histórica da ‘condição feminina’ presente nos estudos anteriores. A partir de então, abriu-se a
perspectiva complexa de conceituar o nero como uma categoria relacional, que permitiria
compreender a dinâmica social que determina as relações de poder que pautam as prescrições
culturais.
Os estudos feministas marcaram-se pela substituição das categorias papéis sexuais e
sexo pela categoria de gênero, com o objetivo de desconstruir a atuação de fatores biológicos
como determinantes da constituição das assimetrias nas relações entre o feminino e
masculino. Portanto, a iniciativa de substituir o termo sexo pelo de gênero consistiu em uma
tentativa de politização do campo, bem como de superação do entendimento a-histórico da
oposição entre masculinidade e feminilidade, até então percebidas como única relação
possível, um dado imutável da ‘natureza humana’.
No plano epistemológico, Harding (1993) problematiza a instabilidade das categorias
analíticas e conceitos empregados na teoria feminista oriundos, por exemplo, da teoria
marxista ou da psicanálise freudiana, na medida em que tais formulações teóricas não foram
fundamentadas na experiência de mulheres, bem como suas experiências não necessariamente
geraram os problemas a que tais teorias procuram responder. A mesma autora ainda aponta a
instabilidade da própria categoria mulher: “Uma vez entendido o caráter arrasadoramente
mítico do ‘homem’ universal e essencial que foi sujeito e objeto paradigmático das teorias
não-feministas, começamos a duvidar da utilidade de uma análise que toma como sujeito ou
objeto uma mulher universal - como agente ou como matéria do pensamento” (Harding, 1993,
p. 8).
Quanto à instabilidade das categorias analíticas, a autora considera que o esquema
polarizado linear não dá conta da complexidade social, bem como percebe como um delírio de
31
poder a possibilidade de se produzir uma teoria feminista perfeita e totalizante, na medida em
que o mundo é plural, instável e incoerente, portanto, a instabilidade teórica é, na verdade,
coerente com a instabilidade social. Neste sentido, a instabilidade das categorias analíticas
pode contribuir com a reflexão sobre a ‘realidade’, na medida em que esta também é instável
(Harding, 1993).
Sobre a problematização da categoria de gênero, Laqueur (2001, p.23) aborda o
processo histórico de produção do sexo (e não do gênero), sendo que o mesmo não tem a
intenção de negar a dimensão anatômica, mas compreender como a significamos como
dismorfismo. Contudo, o autor “deseja mostrar, com base em evidência histórica, que quase
tudo que se queira dizer sobre sexo - de qualquer forma que o sexo seja compreendido - já
contém em si uma reivindicação sobre o gênero”. Este autor chama atenção para a invenção
do próprio conceito de sexo e ressalta o fato de que a literatura feminista, freqüentemente,
emprega o termo gênero para se referir ao sexo ou fundamenta esta noção na categoria sexo
que é naturalizada. Laqueur afirma que a marcação sobre as diferenças biológicas é histórica,
contingente, contextual, sendo a distinção dos sexos uma convenção.
Butler (2003, p.25) também problematiza o caráter de evidência atribuído ao termo
sexo. A autora questiona qual seria o fato que determinaria o sexo, se esta designação teria
uma dimensão, em última instância, anatômica, cromossômica ou hormonal e, neste sentido,
interroga-se a respeito de como a crítica feminista deve avaliar os discursos científicos que
concorrem para o estabelecimento da compreensão destes fatos. “Se o caráter imutável do
sexo é contestável, talvez o próprio constructo chamado ‘sexo’ seja tão culturalmente
construído quanto o gênero; a rigor, talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma
que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma”. Neste contexto, a
autora pensa que, tendo em vista o objetivo de marcar o caráter social da produção do gênero,
este conceito pode atrelar-se a um determinismo ‘às avessas’, pois, com a tentativa de
transcender a compreensão associada ao determinismo biológico, diversos autores recaíram
no determinismo cultural, na medida em que o processo de constituição dos sujeitos
encerrava-se em duas únicas possibilidades, a masculinidade ou a feminilidade. Neste sentido,
a materialidade corporal, ‘masculina’ ou ‘feminina’, é percebida como simples recipiente dos
dois possíveis e implacáveis destinos culturais: a masculinidade e a feminilidade.
No contexto deste trabalho, considera-se que são os sujeitos históricos, no contexto
cultural, que estabelecem os critérios do que pode ou é conveniente ser considerado como
evidência científica, independente do modelo de compreensão do sexo. Um exemplo
contemporâneo deste fato, consiste na descoberta de que o embrião humano, inclusive o
32
masculino, é anteriormente feminino, fato este que pode ser interpretado como se a matriz
humana fosse feminina. Tal fato não foi investido de significância em nossa cultura e apesar
desta evidência, a ‘costela de Adão’ prevalece como determinante na produção do feminino.
Outra constatação científica refere-se ao fato de que o cromossomo sexual X que,
geneticamente, define o feminino, quando comparado ao Y, que estabelece o masculino,
apresenta um número imensamente maior de genes, porém, tal fato não foi empregado para
questionar a completude/incompletude masculina, permanecendo a compreensão da mulher
como o ‘ser faltante’.
Tendo em vista a multiplicidade de possibilidades de identificações em curso, no
processo de constituição dos sujeitos, a noção de gênero, torna-se tão imprecisa quanto as
noções de classe e raça. Sendo assim, não havendo um critério decisivo para a definição do
sexo/gênero, torna-se um desafio a abordagem crítica desta temática, tendo a categoria gênero
sido alvo de muitos debates no que diz respeito à sua validade científica, apesar de tal status
não necessariamente estar em jogo na abordagem dos estudiosos interessados na temática. No
contexto deste trabalho, buscou-se explicitar toda a polêmica em torno da categoria nero o
que não a invalida como ferramenta analítica, desde que seu emprego seja devidamente
contextualizado e relativizado.
2.3 Paternidade
Independente da diversidade de possibilidades de atribuição de importância e status à
participação de cada sexo no processo reprodutivo, mães e pais biológicos, de uma forma ou
de outra, são implicados no mesmo. Porém, a certeza da maternidade biológica é favorecida
pelo fato de que é a mulher quem gesta o filho em seu útero ao longo de nove meses, certeza
esta que só pode ser abalada diante de uma troca de bebês em uma maternidade, por exemplo,
ou em alguma outra situação correlata, além das novas tecnologias reprodutivas, na medida
em que estas rompem com a tradicional destinação da maternidade à mulher que gesta e pare.
Entretanto, ainda que tenha aumentado a acesso a novas tecnologias reprodutivas e o lugar de
mãe possa ser delegado a outra ou a rias mulheres simultaneamente (Fonseca, 2002), em
linhas gerais, o vínculo genético entre mãe e filho raramente é questionado.
Em nossa sociedade o que acontece? O vetor útero é considerado o principal
vetor da gestação. Após a participação biológica do pai, com o esperma
fecundante, ao longo da gestação a importância do pai não é muito
considerada (Trindade e Bruns, 1999, p.13).
33
Sobre a importância socialmente atribuída ao lugar do pai no processo reprodutivo
Lyra (1997) afirma:
O pai, por sua vez, após o coito fecundante, enfrenta uma grande lacuna em
sua atuação, recuperando algum espaço apenas quando a criança está na
idade de ir para o pré-escolar (p.38).
Destaca-se aqui a importância da mãe na determinação da paternidade. Em geral, o pai é
o homem a quem a mãe designa este lugar, sendo a mãe portanto, fundamental no processo de
legitimação da paternidade. Quanto à certeza da paternidade, apesar da possibilidade de
identificação de semelhanças entre o pai e seu filho, ou de realização de um teste de
identificação de paternidade (DNA), não há uma evidência da paternidade biológica tão
concreta quanto a gestação e o parto que identificam a mãe. Trindade e Bruns (1999)
destacam a importância de se considerar a paternidade biológica, “... dado que em nossa
sociedade o pai social e o biológico geralmente são a mesma pessoa” (Trindade e Bruns,
1999, p.12).
A representação de parentesco nomeada por Strathern (1995) como "euro-americana" o
concebe como um conceito híbrido, na medida em que se constitui como um produto da
“sociedade” pautado por fatos “biológicos”. Radke (2005) abordando adolescentes pais
constatou a condição de insubstituível atribuída pelos entrevistados ao homem vinculado
geneticamente com a criança.
Apesar de o genitor, geralmente, ser reconhecido socialmente como o pai da criança
gerada, faz-se necessário problematizar o fato de que determinadas práticas sociais favorecem
determinados lugares paternos e conseqüentes arranjos familiares. Neste sentido, a
paternidade como um fato social transcende a questão do vínculo genético, não podendo ser
reduzida ao modelo hegemônico de exercício da ‘função paterna’, associada ao plano do
vínculo biológico, do provimento e disciplinamento da família. Quanto aos significados
atrelados ao exercício da paternidade, de acordo com Villa (1997, p.136), os conteúdos dos
mesmos podem permanecer relacionados de forma limitada ao campo da feminilidade e
maternidade, conteúdo este verificado pelo autor entre homens adultos, ou podem
transformar-se, especialmente entre os mais jovens, na busca de um desejo pessoal de ser
pai”.
Quanto ao genitor, este pode desconhecer a sua paternidade biológica, fato que parece
óbvio, mas acarreta em muitos significados atribuídos culturalmente à paternidade e à
maternidade. Olavarría (2001) associa o comportamento dos homens que não assumem as
conseqüências do exercício de sua própria sexualidade, com a forma como os mesmos
34
interpretam seus corpos (a necessidade de satisfazer seus desejos seria mais intensa do que as
conseqüências do exercício sexual, pois tal necessidade comporia a sua ‘natureza’). Neste
sentido, a responsabilidade pelas conseqüências do exercício da sexualidade do casal seria
culturalmente atribuída, em grande medida, à mulher, em função do fato de que a gestação se
daria em seu corpo.
Referindo-se ao contexto latino-americano, Fuller (2000) afirma que “Para estas
poblaciones los hijos pertenecen a la madre más que al padre porque ella garantiza su
supervivencia corporal y emocional” (p.87). Apesar da atribuição de responsabilidade às
mulheres no que se refere à esfera da reprodução, o mérito relativo a esse processo destina-se
aos homens, entendidos como os agentes do mesmo na medida em que “o homem engravida e
a mulher se deixa engravidar” (Figueroa Perea, 1998, p. 88).
A maternidade da mulher é, portanto, essencializada, correspondendo à naturalização da
não-paternidade do homem, não sendo estes dois processos complementares, nem fixos, mas
interdependentes. No que diz respeito a estes processos Lyra afirma que:
Instituições operam neste sentido, associando à mulher o cuidado para com a
prole e associando ao homem provento material para estes filhos. Homens e
mulheres atualizam ou não estas prescrições, assumindo mais ou menos os
modelos sociais. Porém, nem todas as mulheres amam seus filhos, como nem
todos os homens rejeitam a paternidade psicológica. Homens que não
rejeitam a paternidade psicológica encontram, muitas vezes, barreiras para
expressá-la, colocadas pelas instituições, por outros homens, por mulheres ou
por suas próprias limitações (Lyra, 1997, p.118).
Grande parte das pesquisas voltadas para o estudo dos processos reprodutivos ainda
enfoca as experiências das mulheres, sendo os homens entendidos enquanto meros
coadjuvantes no que se refere ao controle da fecundidade (Villa, 2001 e Figueroa Perea,
1998). O entendimento da saúde - englobando a saúde sexual e reprodutiva – como um direito
implica em reconhecer a equidade de gênero como condição para a sua consecução, na
medida em que problematiza as prescrições e os modelos de relações sociais e institucionais
referentes ao campo da reprodução. (Figueroa-Perea, 1998). Os resultados da investigação
realizada por Duarte (1998) com jovens universitários sugerem que “a responsabilidade
reprodutiva está começando a ser assumida pelos homens” (p.129), sendo que a autora supõe,
de forma otimista, que esta população possa vir a se constituir como formadora de opinião.
Fuller (2000a) define a paternidade como um campo de práticas e significados culturais
relativos à reprodução, ao vínculo com a prole e aos cuidados dos filhos, sendo que estes dois
últimos aspectos podem, ou não, ser estabelecidos entre o genitor e o filho. A vulnerabilidade
do ser humano ao nascer e o longo período de dependência dos cuidados realizados,
35
geralmente pelos pais, para garantir a sua sobrevivência consistem em características
marcantes da espécie humana. “A imaturidade do bebê humano e a duração da infância, a
mais longa nos primatas, exigem dos pais investimento significativo de tempo e recursos na
criação dos filhos” (Rodrigues, 1998, p.281).
Segundo Vygotski (1995), a relação dos seres humanos com o mundo é sempre mediada
pelo outro, através do qual torna-se possível a apropriação dos significados culturalmente
produzidos e compartilhados no decorrer da história do grupo no qual estão inseridos, sendo
os sujeitos ativos no processo de atribuição de sentidos a tais significados. Conforme Geary e
Flinn (2001), a principal função da relação de cuidados estabelecida entre adultos e crianças é
o favorecimento das condições necessárias para a elaboração de habilidades complexas e,
conseqüentemente, do ingresso dos sujeitos no contexto cultural.
Ao longo de toda a história, cada sujeito exerceu a paternidade de maneira particular,
contudo, vigorava a figura simbólica do pai associada aos compromissos com o provimento e
a autoridade familiar. Segundo Costa (2003), mesmo que no exercício da paternidade o
homem exerça atividades tradicionalmente consideradas femininas, o provimento ainda é uma
prerrogativa masculina. Contudo, atualmente, aumentou a visibilidade da atuação de homens
pais marcada pela apresentação de comportamentos que décadas atrás eram considerados
inapropriados para o exercício da paternidade. Neste contexto, a literatura especializada tem
apontado um fenômeno designado como novas formas de paternidades”. Este fenômeno diz
respeito à “participação mais efetiva dos homens no cotidiano familiar, particularmente no
cuidado com a criança”
(Lyra, 1998a, p. 194). Destaca-se, no delineamento destas novas
paternidades, a importância da relação afetiva estabelecida entre pais e filhos e a visibilidade
da figura do pai cuidador.
Quanto à figura de pai cuidador, Resende e Alonso (1995) perceberam que a maioria
dos pais que entrevistaram vivenciaram uma infância marcada pela participação ativa dos seus
homens/pais, experiência essa que favoreceu a apropriação de modelos de relações de gênero
diferenciadas. Esses homens relataram que seus pais estabeleceram com os mesmos relações
marcadas por contatos físicos e afetivos, bem como afirmaram que m prazer em cuidar dos
seus filhos, reconhecendo a importância da figura paterna no processo de desenvolvimento
infantil. Entre outros aspectos, uma questão muito importante no processo de constituição da
maneira como um pai irá exercer a paternidade, consiste nos significados dos quais o mesmo
se apropriou no contexto de sua família de origem, em meio às relações estabelecidas com seu
próprio pai, com a sua mãe, além dos sujeitos que compõem os grupos culturais nos quais o
mesmo se insere, uma vez que:
36
A constituição do sujeito enquanto objeto de estudo requer, portanto, o olhar
sobre as condições sociais, históricas e econômicas em que este se insere e as
características dos grupos sociais a que pertence. Ademais, a atividade
mediada que pressupõe as ações que esta compreende, igualmente
mediadas - e/em sua significação é categoria fundamental de análise, pois é
através desta que o homem transforma o contexto social e, via apropriação de
sua(s) significação(ões), constitui-se a si mesmo como sujeito. (Zanella,
2004, p. 11)
Lewis (1997) e Lewis e Dessen (1999) afirmam que se existem diferenças entre a
atuação de homens e mulheres, mães e pais, a medida delas não é precisa e seus efeitos no
processo de desenvolvimento dos filhos não foram demonstrados na literatura especializada, o
que fez com que estudiosos como ele mesmo repensassem a questão do caráter natural até
então atribuído aos relacionamentos familiares. Este autor considera a família um micro-
cosmo e como membro deste sistema o pai é importante, contudo, sua atuação no processo de
constituição dos filhos pode ser estudada considerando-se o contexto no qual cada família
encontra-se inserida.
Autores referenciais como Lamb (1977, 1983), Pleck (1997) e Hetherington e Stanley-
Hagan (1997) têm constatado o fato de que pais/homens, quando atendem adequadamente às
demandas de cuidado de seus filhos, estabelecem vínculos com esses de modo que as crianças
sentem-se protegidas em sua companhia, vindo a recorrer tanto aos pais quanto às mães em
situações estressantes. Lamb (1977, 1983) e Pleck (1997) destacam o fato de que a relação de
cuidados aos filhos pode ser estabelecida independente do dimorfismo sexual.
Klaus e cols (2000) definem o vínculo como “um relacionamento específico, único entre
duas pessoas, que dura ao longo do tempo” (p.16). Segundo Lamb (1977) e Pleck (1997), o
que torna possível a formação do nculo entre pais e filhos é o estabelecimento da relação
constante entre estes, relação esta que engloba as brincadeiras e, especialmente, os cuidados
destinados às crianças, que favorecem o desenvolvimento da intimidade.
Segundo Fuller (2000a), o campo da paternidade é produto do entrecruzamento dos
discursos sociais que definem e prescrevem o que é ser pai, implicando na produção de guias
de comportamentos reprodutivos e parentais. Estes comportamentos reprodutivos e parentais,
por sua vez, variam de acordo com o momento histórico e o próprio momento do ciclo de vida
de cada sujeito e segundo a relação que estabelecem com a co-genitora e com os filhos. Além
disso, o campo da paternidade ainda é definido pelas categorias de idade, gênero, classe e
etnia (Fuller,2000a; Keijzer, 2000, Keijzer, 2003).
Para Fuller (2000a), a paternidade é um lugar onde se constitui e se reproduz a
masculinidade, no qual os homens se colocam em uma situação de poder e controle em
37
relação aos filhos e à mulher. É vivida como um momento em que se encerra a etapa juvenil e
em que um reordenamento da vida do homem e sua inserção em um novo período no qual
se obtém pleno reconhecimento social, sendo o ponto em que o jovem se transforma em
adulto.
As masculinidades e as paternidades consistem em produções culturais, sendo que os
seus estudos fazem sentido quando contextualizadas as dimensões sociais, econômicas,
culturais e históricas que constituem o contexto no qual os sujeitos investigados estão
inseridos. No campo das teorias psicológicas, a relação adulto-criança tem sido investigada,
freqüentemente, sob a restrita ótica da relação mãe-criança. Esta preocupação com a
maternidade em detrimento da abordagem da paternidade está atrelada à naturalização da
relação mãe-filho e conseqüente descontextualização do processo histórico-cultural de
produção desta relação. O interesse focado na importância da figura materna no processo de
constituição dos sujeitos, de acordo com Trindade (1998), é pautado pela ideologia do instinto
e sacrifício materno.
A paternidade, quando tratada, é concebida, na maioria das vezes, sob a ótica
feminina, reforçando a idéia de que são as mulheres que carregam a gravidez.
Quase nunca se pergunta ao homem sobre a sua participação,
responsabilidade e desejo no processo de reprodução (Lyra, 1997, p.19).
Olavarría (2001) afirma que os modelos dominantes de paternidade e maternidade
estabelecidos na cultura tratam-se de referências a partir das quais os sujeitos se comparam e
são comparados. Segundo Arilha (1999a), “‘fazer filhos’ seria uma capacidade de todo
homem, mas sustentar e prover de respeito seria um passo importante na obtenção de status
mais elevado entre os pares” (p.464).
De acordo com Olavarría (2001), tendo em vista o modelo de masculinidade dominante
os homens são caracterizados, entre outros aspectos, pela realização de trabalho remunerado,
constituição de uma família, incluindo a filiação, sendo os mesmos a figura de autoridade,
além dos provedores do lar. No contexto da cultura ocidental judaico-cristã, segundo Siqueira,
a figura do pai esteve sempre relacionada com as noções de autoridade, honra e respeito.
“Nunca é demais recordar o pater famílias, figura do Direito Romano que impregnou não
apenas o imaginário social mas, também, as formas concretas de relações sociais e a
legislação formal” (Siqueira, 1999, p.189).
No que se refere às prescrições culturais da ordem do gênero, circula ainda no
imaginário social o pressuposto de que aos homens estariam destinadas as esferas sociais
referentes ao exercício da sexualidade e ao espaço público e produtivo, portanto, a proteção e
38
provimento da família, sendo que às mulheres, por sua vez, a esfera da reprodução e do
cuidado dos filhos, circunscrita ao espaço privado, esfera esta pouco visível e,
conseqüentemente, desvalorizada socialmente (Arilha, 1998, Villa, 1997 e Olavarría, 2001).
Neste contexto, freqüentemente, mesmo quando os dois cônjuges exercem atividades
remuneradas no espaço público, o homem é visto como provedor de bens materiais para a
família e a esposa como responsável pelo bem-estar doméstico” (Trindade e Bruns, 1999,
p.16). Amato (1998) considera os pais como líderes instrumentais da família, consistindo no
suporte econômico dessa, sendo também disciplinadores, modelos de realização e de trabalho,
cabendo-lhes a responsabilidade pelo status familiar.
Quanto às prescrições de gênero destinadas às mulheres, Villa (1997) aponta duas grandes
demandas sociais dirigidas a elas: o atendimento das necessidades individuais dos homens,
que consiste na realização dos afazeres domésticos (cozinhar, lavar a roupa, oferecer
companhia e atenção ao mesmo) e a domesticação dos companheiros, no sentido de moralizá-
los, buscando mantê-los no espaço doméstico, como se as mulheres “possuíssem uma espécie
de pedagogia familiar, para ensinar aos homens como desempenhar os papéis de marido e
pai” (p. 123). Keijzer (2000) também aponta a associação entre o cuidado dos filhos e o
campo feminino. Conforme Siqueira e cols. (2002), a área de saúde reprodutiva é
correlacionada com a dimensão do feminino. A presença maciça de mulheres, tanto nas
equipes profissionais quanto no grupo de usuários, demonstra bem a associação entre saúde
reprodutiva e as mulheres” (p.71).
Referindo-se à redação de 1916 do Código Civil brasileiro, Barsted (1999) afirma que
cabia ao marido o lugar de provedor da família, enquanto à mulher cabia o direcionamento
moral do núcleo familiar, o que implicava em garantir a perversa reprodução do próprio
modelo que a oprimia. Sendo assim, a autora destaca o fato de que A lei reproduz e reforça
os papéis de gênero cultualmente atribuídos a homens e mulheres” (p.57).
Em entrevistas realizadas por Olavarría (2001), alguns homens investigados relataram
incômodos e conflitos atrelados às exigências impostas por este modelo tradicional de
organização familiar, também presente no contexto chileno, na medida em que, apesar do
fardo em correspondê-lo, o enquadramento ao mesmo também favorece o gozo de lugares
privilegiados de poder em relação às mulheres e demais sujeitos significados como
‘inferiores’ na hierarquia social. De acordo com este autor, nos últimos vinte e cinco anos, o
cenário da paternidade tem se transformado radicalmente no que diz respeito às práticas e às
identificações dos sujeitos como pais. As prescrições atreladas ao trabalho, provimento e
chefia da família têm sido submetidas à prova e superadas, na medida em que os homens
39
passaram a questionar o sentido da paternidade e dos recursos que dispõem para exercitá-la.
Tendo em vista as mudanças no mundo do trabalho, a precariedade de oferta de empregos e as
demandas da economia, a paternidade e a família patriarcal têm sido questionadas.
Olavarría (2001) caracteriza a família nuclear patriarcal pela delegação da autoridade
máxima ao pai, sendo este o único provedor, havendo a divisão sexual do trabalho e a
separação entre o espaço público e o privado. Referindo-se ao contexto latino-americano,
mais especificamente à sociedade chilena, o autor considera que a viabilidade, tanto presente
quanto futura, desta configuração familiar tem sido afetada por transformações sociais tais
como o aumento do controle da fecundidade e a crescente autonomia das mulheres. Conforme
Olavarría (2001), a continuidade da família patriarcal tal como descrita no século XX, assim
como os processos identitários de homens/pais e as relações de gênero têm sido afetados
diante deste cenário de transformações sociais.
De acordo com Castells (1999), o modelo de família patriarcal está em crise, posto que
os aspectos jurídicos, sociais, econômicos, entre outros, que estruturavam a paternidade aa
segunda metade do século XX estão sendo superados. O mesmo autor entende que o padrão
da família patriarcal está sendo contestado, cedendo lugar para novos modos de vida e
relações de poder nos relacionamentos familiares. Uma forma de manifestação desta crise
consiste na atual visibilidade de uma diversidade de configurações familiares, posto que as
diferenças entre as famílias sempre existiram, contudo, tais diferenças ficavam sub-sumidas
pelo modelo hegemônico de organização familiar.
Keijzer (2000) aborda as repercussões culturais, nas relações de gênero e nas
organizações familiares, das mudanças ocasionadas por processos políticos e sócio-
econômicos no xico, que ocasionaram a deterioração do poder aquisitivo de muitos
homens, implicando na ruptura do entendimento do pai como provedor. O autor mexicano
também cita a questão da migração masculina, que afasta os homens das organizações
familiares nas quais seus filhos estão inseridos, e o fato de que o aumento da população
economicamente ativa diz respeito somente às mulheres, além da relação entre a diminuição
da fecundidade feminina, o maior acesso a métodos contraceptivos e a ação do movimento
feminista favorecendo a maior independência das mulheres.
No panorama ocidental, incluindo o brasileiro, as mudanças referentes às pautas
tradicionais da paternidade implicaram em novas práticas sociais e, conseqüentemente, nos
processos de constituição dos sujeitos. Castells (1999) sugere, em nível hipotético, que tais
mudanças foram promovidas por determinadas condições, especialmente as mudanças
econômicas no mundo do trabalho, que oportunizaram a participação das mulheres no mesmo,
40
atreladas ao incremento da presença destas nos bancos escolares, contribuindo para a sua
emancipação. Outra hipótese do autor está relacionada aos avanços no campo da Biologia,
Medicina e Farmacologia, que promoveram um maior controle sobre o planejamento familiar
e da mulher sobre o seu próprio corpo, na medida em que as novas tecnologias reprodutivas
põem em cheque as posições tradicionais referentes à maternidade e à paternidade.
Castells (1999) também destaca a importância da atuação dos movimentos sociais,
especialmente o feminista, em relação às mudanças econômicas e tecnológicas ocasionadas
que contribuíram para com as transformações nos arranjos familiares. De acordo com Fuller
(2000), essa revisão das bases hierárquicas e patriarcais da paternidade tradicional relaciona-
se com as tensões e transformações no âmbito econômico, social e cultural que caracterizam a
passagem das sociedades tradicionais e hierárquicas para as modernas.
O papel do homem, particularmente do pai de família, anteriormente
negligenciado, tem emergido nas agendas das instituições internacionais e
nacionais que propõem e implementam políticas públicas, como uma forma
de promover a igualdade de gênero (Lyra, 1997, p.36).
Nas conclusões da Conferência Regional “Paternidades en la América” elaboradas a
partir dos resultados de diversos estudos realizados no Brasil, Chile, Colômbia, México e
Peru, Fuller (2000a) aponta a constatação da pluralidade de práticas e, portanto, de
possibilidades de exercício da paternidade. Porém, no que diz respeito ao delineamento da
paternidade ideal, o pai é definido como aquele que protege, provê, educa, disciplina e
representa a autoridade. Neste sentido, em geral, os sujeitos concordam em um ideal de
paternidade. Portanto, apesar de muitos pais apresentarem dificuldades para atuar de acordo
com o próprio modelo que descrevem, na medida em que, freqüentemente, verifica-se uma
defasagem entre a dimensão do ‘dever ser’ e suas práticas cotidianas, identifica-se um ideal
compartilhado que contempla outras competências, que não a dimensão do provimento da
família.
No contexto latino-americano, a responsabilidade é entendida como um dos núcleos
que constituem a paternidade (Arilha, 1999 b). Assim, o reprodutor ou genitor não é
necessariamente quem é intitulado pai. O que torna um homem pai é a responsabilidade
assumida publicamente de prover, formar e proteger. Contudo, a definição deste aspecto da
noção de paternidade pode ser muito variada, implicando em diferentes estratégias nas quais
influem diversos aspectos, tais como o momento do ciclo vital dos pais, a classe, a etnia, a
situação de trabalho ou a relação conjugal. A partir da dimensão da responsabilidade são
expressos muitos impasses e dilemas da paternidade. Neste sentido, o exercício da
41
paternidade pode ser significado como difícil, ambivalente, ou simplesmente não vivido, no
sentido de não assumido, quando o pai tem conhecimento da filiação (Fuller, 2000a).
De acordo com Fuller (2000a), em todas as populações latino-americanas estudadas,
constatou-se um novo mandato moral que pode ser sintetizado em duas grandes demandas:
diálogo horizontal entre pais e filhos/filhas e maior participação do pai na educação destes. A
autora ressalta o fato de que isto não significa que no passado não houvessem pais que
participavam com maior proximidade do cotidiano dos filhos, mas afirma que, atualmente,
especialmente entre os jovens pais, identifica-se em suas práticas um contraste com um
modelo de paternidade mais distante, tendo em vista a reivindicação por maior contato com os
filhos.
2.4 Paternidade na adolescência
Na medida em que este trabalho tem como pano de fundo o campo dos direitos
humanos, parte-se do princípio de que o exercício pleno da sexualidade e da reprodução é um
dos direitos assegurados aos adolescentes. Diante das dificuldades encontradas entre
adolescentes para lidar com o uso de métodos preventivos, Ribeiro (2002) afirmou que os
direitos sexuais e reprodutivos desta população não estão efetivamente sendo garantidos.
A sexualidade é uma dimensão da vida cotidiana, portanto, faz parte também do dia-a-
dia dos(as) adolescentes. Segundo Pino, o sujeito “é uma versão singular e personalizada da
realidade cultural em que está inserido” (1996, p.23). Nesse sentido, assim como em relação
às demais esferas da vida de um sujeito, “a sexualidade vivida pelo adolescente ganha a feição
do contexto cultural em que se insere” (Caridade, 1999, p. 206).
A sexualidade dos adolescentes tem sido objeto de estudo e alvo de políticas públicas,
tendo sido cada vez mais polemizada, principalmente, diante do aumento dos índices de
gravidez e de casos notificados de Aids desta população. Paiva (2000) e Orlandi (2004)
identificaram um alto número de jovens que não usam ou fazem uso irregular do preservativo
tendo em vista a maior ênfase na preocupação com uma gravidez, em detrimento da
prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. A autora chama a atenção para a
vulnerabilidade da saúde sexual e reprodutiva destes adolescentes, na medida em que não só a
gravidez não planejada, como a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis
(DST’s) pode decorrer do mesmo relacionamento sexual desprotegido.
A atual geração de adolescente se vê, portanto, diante de uma transformação
das instituições e discursos sobre a sexualidade, das condições técnicas do
controle da reprodução e dos valores envolvidos nas relações de gênero e
42
organização da família. Esses problemas podem ser vividos e representados
de forma muito variável e com diferentes graus de profundidade. Ainda que
não sejam percebidos ou racionalizados têm um impacto na trajetória dos
jovens (Afonso, 2001, p.223).
A partir da segunda metade da década de 60, com a difusão do uso de
anticoncepcionais orais, passou-se a observar no Brasil uma queda nas taxas de fecundidade
da população feminina adulta. Porém, contrariando a tendência entre as mulheres adultas,
pode-se verificar um discreto aumento desta taxa referente às mulheres com idade oscilando
entre 10 e 24 anos, especialmente, nos grupos etários entre 10-14 e 15-19 anos, tendo sido
também constatado um incremento no número de curetagem pós-aborto nesses grupos,
conforme dados do DATA/SUS/MS, referente aos atendimentos a este público realizados pelo
SUS no ano de 1996 (Brasil, 2004). Contudo, estes dados referem-se em seu maior número às
adolescentes oriundas de famílias de baixa renda. “Essa é uma constatação importante, pois é
sabido que o índice de natalidade e de fecundidade geral no país está em declínio, enquanto na
população jovem está aumentando.” Brito e cols. (2001, p.12), Olavarría e Parrini (1999)
também destacam o incremento da fecundidade entre adolescentes chilenos nas últimas
décadas, especialmente a partir da década de 90. Estes autores destacam a alta porcentagem
de ilegitimidade destas crianças, que não são assumidas/registradas pelos adolescentes pais.
A paternidade e a maternidade na adolescência são significadas, aceitas e reconhecidas
de maneira diferenciada, de acordo com o contexto histórico no qual este fenômeno é
produzido. Entretanto, nos meios urbanos do Ocidente, em especial entre as camadas com
renda média e alta, as motivações ou causas da gravidez na adolescência são apontadas
tendendo para uma patologização deste fenômeno. Face à valorização da capacitação
acadêmica e profissional, o projeto de maternidade e/ou constituição de uma família é adiado,
de maneira a favorecer a inserção no mercado de trabalho e a conseqüente independência
financeira (Pinheiro, 2000). De maneira que:
(...)os pais de classe média, bem como as instituições sociais, de um modo
geral, parecem incorporar um modelo de transição da adolescência (pelo
menos masculina), para a idade adulta na seqüência: terminar os estudos,
encontrar boa colocação no mercado de trabalho, casar-se (com alguém da
mesma classe social), fixar nova moradia e, finalmente, ter filhos (Lyra,
1997, p.56).
Tendo como pano de fundo determinados aspectos e estereótipos atrelados ao
imaginário social referente à noção de adolescência, tais como as noções de transição,
instabilidade, experimentação, irresponsabilidade e crise, a gravidez ocorrida no período da
adolescência tem sido entendida como um problema, sendo freqüente o estabelecimento de
43
relações de causalidade entre a procriação e o abandono escolar, o desemprego, a
instabilidade familiar/conjugal, a morbidade e a mortalidade da criança e da mãe, além da
continuidade do ciclo da pobreza (Rosenberg, 1998). Pinheiro também critica esta relação de
causalidade entre a procriação e dificuldades enfrentadas pelos adolescentes:
Atualmente considerada como indesejável por sua incompatibilidade com as
novas demandas sociais de qualificação profissional para inserção no
mercado de trabalho, como indicam a Organização Mundial de Saúde e o
Ministério da Saúde, a maternidade na adolescência vem sendo apontada
como origem de problemas os mais diversos, embora os resultados de
pesquisas sejam controversos (Pinheiro, 2000, p. 3).
Segundo Cabral (2003), “os qualificativos ‘precoce’ e ‘indesejada’ sempre
acompanham a caracterização do fenômeno que representa, segundo concepções médico-
epidemiológicas, um desvio ou transtorno para a vida do (a) jovem.” (p. 3) Convencionou-se
que a gravidez ocorrida na adolescência seria precoce, tendo em vista correlações estatísticas
entre a gravidez na adolescência e o abandono do ambiente escolar (apesar deste poder ser
anterior à gestação) e em função da exigência de especialização em contextos urbanos. Porém,
conforme a autora, as expectativas de autonomia financeira e consumo, favorecidas pelo
ingresso do jovem no mercado de trabalho, podem implicar na evasão escolar antes do
advento da paternidade que, por sua vez, vem aumentar as dificuldades e/ou o desinteresse em
freqüentar os bancos escolares.
No que diz respeito à maternidade na adolescência, algumas pesquisas identificaram a
baixa escolaridade e desempenho escolar atrelados à escassa aspiração profissional de
adolescentes que se tornaram mães (Corrêa e Coates, 1992; Fávero e Mello, 1997; Shor et
al,1996). Quanto aos riscos à saúde da adolescente mãe e do bebê, ressaltados na literatura,
Stern e Medina (2000) apontam o fato de que, freqüentemente, as populações investigadas por
estudiosos da temática correspondem a adolescentes de setores de baixa renda, fator que pode
estar atrelado à dificuldade de acesso a serviços de saúde, bem como a outros aspectos, por
exemplo, deficiência nutricional. Em última instância, o fator renda, mais que o etário,
poderia estar comprometendo o pré-natal. Sobre a polêmica entre paternidade e geração, Lyra
(1997) afirma:
Analisando a máxima ‘pai adolescente é mais adolescente e menos pai’,
quando pesquisadores e clínicos partem deste pressuposto, a tendência mais
comum é atribuírem todas as dificuldades enfrentadas pelos (as) pais/mães
adolescentes ao fato deles, exatamente, serem adolescentes (53).
Nóbrega (1995), em uma pesquisa realizada com adolescentes grávidas oriundas de
famílias de baixa renda, constatou que a maternidade era considerada um papel social
44
privilegiado, consistindo no projeto de vida destas garotas “ter uma família, marido e filhos,
poder se dedicar aos cuidados da casa, ter seu sustento garantido pelo homem provedor: eis,
resumidamente, em que consiste uma vida feliz e a plena realização da mulher” (p.68). Esta
autora sublinha a necessidade de se apreender o fenômeno da gravidez na adolescência
considerando-se os valores que circulam no grupo social no qual o mesmo acontece, situando-
o neste contexto. No que diz respeito à importância da contextualização histórica deste
fenômeno, Heilborn (1998) lembra que “aquilo que hoje se abriga sob o rótulo de ‘gravidez
na adolescência’ refere-se a uma faixa etária de 14 a 18 anos- que, por muito tempo e nos seus
últimos segmentos etários, foi considerada a etapa ideal para a mulher ter filhos” (p.24).
No que diz respeito à gravidez no mundo adulto, parte-se do pressuposto de que toda a
gestação ocorrida neste período do ciclo é o produto de uma decisão, de um planejamento ou
de um desejo de ambos os parceiros. Contudo, o aspecto etário não é condição para o
estabelecimento de um vínculo entre pais e filhos. Siqueira e cols. (2002) observaram entre os
adolescentes pais (grávidos) entrevistados o interesse em acompanhar suas parceiras no
atendimento médico pré-natal, sendo que apenas um dos rapazes não demonstrou tal interesse,
enquanto os demais queriam acompanhar a gestação com maior proximidade. Contudo,
verificou-se que a sugestão de que estes adolescentes participassem desse processo junto com
as parceiras parece não fazer parte da rotina dos programas estudados.
Em revisão da literatura internacional referente à paternidade na adolescência,
Levandowski (2001) identificou uma ênfase nos trabalhos preventivos deste fenômeno, tendo
reconhecido a importância destes. Porém, a autora entende que a insistência neste enfoque
pode estar indicando um preconceito em relação à paternidade na adolescência, considerada
como uma vivência indesejável, com conseqüências necessariamente ruins devendo ser
prevenida em qualquer situação. “Não parece haver uma preocupação maior em ajudar estes
pais a perceberem aspectos positivos dessa transição, a tirarem proveito de sua experiência,
enfim, em auxiliá-los a serem pais efetivos” ( p.5).
De acordo com Levandowski (2001), o cenário acadêmico internacional se assemelha
muito ao nacional quanto à escassez de investigações relacionadas à paternidade na
adolescência. Olavarría e Parrini (1999) destacam a insuficiência e precariedade de estudos
sobre os jovens progenitores. Lyra (1997, 1998b) também aponta a desconsideração da
participação do pai na abordagem da gravidez na adolescência, tendo observado que, em
geral, as pesquisas relacionadas à sexualidade na adolescência têm privilegiado a população e
vivências femininas, problematizando recorrentemente este fenômeno na perspectiva da
adolescente e de seu filho, em detrimento do parceiro e/ou pai da criança.
45
A nosso entender, o não lugar da paternidade adolescente decorre de: 1) o
filho ser percebido, em nossa sociedade, como sendo ‘da mãe’, e 2) o(a)
adolescente ser, principalmente, reconhecido(a) no papel de filho(a) (Lyra,
1997, p.11).
Levandowski e Piccinini (2002) apontam como a maior contribuição de sua pesquisa a
demonstração de que a paternidade na adolescência não necessariamente implica em
conseqüências desastrosas na vida dos jovens, tal como é apontado, freqüentemente, na
literatura acadêmica. “É claro que os jovens enfrentam dificuldades na tarefa de ser pai, mas
estas dificuldades não são necessariamente intransponíveis, especialmente quando eles
recebem apoio de sua família e da família da namorada/companheira” (p.12). Neste momento,
não pode deixar de ser lembrado o fato de que o nascimento de uma criança demanda arranjos
e modifica a rotina de qualquer família, independente da idade cronológica dos pais e/ou
responsáveis pelo bebê. Dessen e Braz (2000) destacam a importância da rede de apoio de
uma família em momentos de transição decorrentes do nascimento de uma criança.
Sobre o status da maternidade em condições de pobreza, diversos autores m apontado
o fato de que a gravidez na adolescência pode estar vinculada a um projeto de autonomia
destes pais, consistindo em uma decisão ponderada por vários adolescentes (Lyra, 1997,
Arruda, Cavasin, 1998, Stern e Medina, 2000).
(...) nem sempre a gravidez tem sido um peso para as adolescentes,
principalmente para aquelas que se situam na faixa entre 17-19 anos.
Observou-se que muitas vezes a gravidez está coerente com um
planejamento que inclui, também, o abandono temporário da vida escolar e
de outros possíveis projetos (Arruda e Cavasin, 1998, p.111).
Tendo em vista o desejo desses jovens de exercer a paternidade de maneira efetiva, a
autora chama a atenção para a não correspondência entre o discurso destes adolescentes e os
estereótipos relacionados à paternidade na adolescência, denunciando os preconceitos
vinculados a esta população.
Dessa forma, estes resultados indicariam uma tendência positiva no que diz
respeito ao envolvimento de pais adolescentes, que iria contra a tendência
comumente aceita de que estes pais abandonam suas parceiras e/ou não
querem se envolver com elas ou seu bebê devido à pouca idade
(Levandowski, 2001, p.7).
Trindade e Menandro (2002) investigaram as transformações ocorridas na vida de
adolescentes pais e seus entendimentos quanto a estas transformações, além de verificar os
processos de significação da paternidade e maternidade apresentados por estes jovens. A
pesquisa aponta como resultados a permanência de vínculos com os modelos tradicionais de
46
exercício da paternidade, apesar da constatação da emergência de relações mais afetivas e
mais íntimas entre os jovens pais e seus filhos. Quanto às percepções dos sujeitos sobre a
gravidez na adolescência, os mesmos referem sentimentos negativos sobre a paternidade na
adolescência, no que diz respeito à perda de liberdade e dificuldade de inserção no mercado
de trabalho, na medida em que o exercício da paternidade significa para os mesmos, o
provimento e a educação das crianças, além do estabelecimento de uma relação de carinho e
atenção. Contudo, como conseqüências da paternidade, os jovens também referem algumas
mudanças que consideram um ganho pessoal, tais como: aumento da responsabilidade,
desenvolvimento pessoal e a própria relação afetiva com o filho.
No discurso dos adolescentes pais (homens) investigados por Trindade e Bruns (1999),
Trindade e Menandro, 2002 e Lodetti (2005), a figura do pai-provedor é emblemática na
significação da paternidade, independente da renda destes sujeitos, expressando a
permanência deste modelo em nossa cultura. Palma e Quilodrán (1997) também identificaram
a relação entre paternidade na adolescência e aspectos como a responsabilidade,
especialmente pelo provimento do filho, além da vinculação destes sujeitos à família
constituída. Porém, mudanças na configuração da paternidade também foram identificadas
por Trindade e Menandro (2002) na medida em que adolescentes pais relacionam à figura do
pai o adjetivo cuidador; além de provedor, o pai também é apontado como fator importante no
processo de desenvolvimento dos filhos, bem como fonte de carinho e afeto.
Domíngues (1998) realizou uma pesquisa com jovens homens com idade entre 15 e 19
anos, moradores da área metropolitana de Buenos Aires, de diversos setores econômicos. De
acordo com os adolescentes investigados pela pesquisadora, outros fatores que transcendem
as condições econômicas dos sujeitos contribuem para que um homem esteja “preparado para
tener hijos” (p.251). Os sujeitos destacam a importância de uma certa maturidade que
independente da idade dos homens, consistindo na competência para responder às demandas
das crianças, estabelecer uma relação estável com a parceira e dispor de experiências para
poder transmitir sua aprendizagem sobre o mundo aos filhos. De acordo com este autor, estes
jovens demonstram uma mudança no que se refere à figura tradicional do exercício paterno,
implicando na extensão da mesma com a incorporação de elementos antes circunscritos ao
campo da maternidade e, conseqüentemente, em uma maior atuação dos pais na relação de
cuidados estabelecida com os filhos.
Todos os jovens entrevistados por Domíngues (1998) manifestaram o desejo de serem
pais, contudo, não desejavam ser pais na adolescência. Quando lhes foi perguntado sobre a
sua reação diante do comunicado de suas atuais parceiras de que estariam grávidas, os
47
mesmos tiveram dificuldade até mesmo de fantasiar esta possibilidade e não sabiam dizer
como iriam reagir. Diante da insistência da pesquisadora em abordar o contexto de uma
gravidez na adolescência, os jovens afirmaram que iriam se comprometer com esta situação,
sendo que tal comprometimento podia significar casar-se com a parceira; acompanhar a
gestação, reconhecer o filho sem casar-se com a parceira; outros afirmaram que assumiriam as
suas obrigações sempre que pudessem demonstrar a sua paternidade e o último grupo afirmou
que não iriam abandonar as parceiras, sendo que a decisão de terem ou não o filho deveria ser
tomada avaliando-se as conseqüências de qualquer uma das escolhas.
Entretanto, histórias de reconhecimento da paternidade consistem, provavelmente, na
ponta do iceberg, pois o contemplam os casos em que o jovem não toma conhecimento da
gravidez ou os casos de aborto, que também podem ser realizados sem o consentimento do
garoto. Luengo (2002) aponta algumas dificuldades enfrentadas por adolescentes pais no
processo de assumir responsabilidades quanto ao relacionamento com a mãe de seu filho e
com a própria criança. De acordo com a autora, a família da mãe pode interferir no
relacionamento dos pais, assim como no exercício da paternidade do adolescente. A família
do rapaz, por sua vez, pode desestimulá-lo a assumir a responsabilidade pela criação do filho,
especialmente se este é muito jovem e se tem possibilidade de ingressar no nível de ensino
superior. Sobre a participação dos adultos na produção do caráter patológico atribuído à
paternidade na adolescência, Lyra (1997) considera que, na medida em que este fenômeno é
reprovado por princípio, independente da particularidade de cada caso, é dificultado o
processo que poderia ser vivido pelo adolescente de refletir, prevenir ou exercer a
paternidade.
Palma e Quilodrán (1997) investigaram jovens pais com idade oscilando entre 15-24
anos, oriundos de famílias de baixa renda, moradores da região metropolitana de Santiago,
Chile. Quanto à disposição para o casamento esta se funda na noção de amor, sendo uma
decisão voluntária. Neste contexto, a gravidez e o nascimento do filho são percebidos como
legítimos e dotados de sentido, posto que tais circunstâncias são definidas, nomeadas e, pode-
se dizer até, justificadas pela prescrição social do amor, “independentemente ou apesar de a
mesma ordem proscrever sua realização em condições não institucionalizadas, isto é, fora do
casamento” (Palma e Quilodrán, 1997, p.158).
No caso dos homens, a diferença de ordem biológica qual seja a de que a
gravidez ocorre fora do corpo masculino torna possível que, no plano da
cultura, ocorra uma resposta de fuga radical, relativamente à situação de
gravidez e de paternidade. Assim, configura-se um conjunto de respostas
masculinas possíveis em relação à gravidez: fuga, aborto, paternidade
solteira, convivência e casamento (Palma e Quilodrán, 1997, p.144).
48
Olavarría (2001), tendo investigado o significado da experiência de ser pai com jovens
de Santiago, Chile, aponta que no decorrer da adolescência os adolescentes dos setores
populares passam a assumir responsabilidades ligadas ao provimento de suas famílias, seja
esta responsabilidade imposta, requerida ou realizada por iniciativa de contribuir para com a
manutenção da família. Neste contexto, para um grande número de jovens oriundos de
famílias de baixa renda, ocorre a gravidez da parceira e a paternidade, em um momento em
que já estavam inseridos, mesmo que precariamente, no mundo do trabalho.
Diante da notícia de que serão pais, estes jovens podem lidar com vários sentimentos,
dentre eles, inquietações sobre o seu futuro, frustração ou raiva, tendo em vista as mudanças
em seus projetos de vida, e simultânea alegria, em função do nascimento da criança. “A
paternidade é vivenciada assim, como uma possibilidade de mudanças, que integra sentido à
vida pessoal e implica responsabilidades e desafios a enfrentar: conviver, quem sabe casar,
trabalhar. Sua vida se estrutura, adquire sentido” (Olavarría, 2001 p.139).
Olavarría e Parrini (1999) abordam a heterogeneidade da juventude como grupo e a
diversidade de realidades nas quais os jovens se inserem, bem como a multiplicidade de
marcadores sociais que os constitui, enfatizando a categoria de gênero. Portanto, tendo em
vista esta multiplicidade, os autores destacam a importância de singularizar cada caso. Ao
longo deste trabalho, destacou-se a questão da pluralidade, mais especificamente, a
singularidade dos processos de constituição da adolescência e da paternidade, considerando-se
a diversidade de categorias e aspectos presentes no contexto em que os sujeitos se inserem e
que engendram tais processos. Sendo assim, no que diz respeito à investigação da paternidade
na adolescência, torna-se fundamental singularizar cada história de vida, contemplando-a no
contexto em que cada sujeito se insere.
49
3. MÉTODO
Conforme Vygotsky (1984), o método está atrelado à perspectiva do pesquisador
diante dos processos estudados. Os fatos humanos são pensados por este autor como produto
das relações sociais e a análise dos mesmos tem a cultura como pano de fundo.
Toda a perspectiva que simplifica a complexidade do comportamento humano é
reducionista segundo Vygotski (1995). “Estudiar algo históricamente significa estudiarlo en
movimiento. Esta es la exigencia fundamental del método dialéctico” (Vygotski, 1995, p. 67).
O autor recomenda que as investigações partam do complexo para o simples para se
transcender a imediaticidade e vislumbrar a complexidade dos fatos humanos.
Dicho en pocas palabras, la tarea que se plantea un análisis así se reduce a
presentar experimentalmente toda forma superior de conducta no como un
objeto, sino como un proceso, y a estudiarlo en movimiento, para no ir del
objeto a sus partes, sino del proceso a sus momentos aislados (Vygotski,
1995, p.101).
Referindo-se à dimensão contextual e histórica dos processos de elaborações
discursivas, Orlandi (1993) afirma que o discurso de um sujeito é atravessado por uma
infinidade de discursos preexistentes à sua produção discursiva. Tendo em vista o dinâmico e
fluido processo de transformação da história e a volatilidade dos fenômenos sociais, buscou-
se compreender os sentidos atribuídos à paternidade pelos participantes desta pesquisa como
uma metáfora, uma parte, um momento de um processo maior de significação. A partir do
pressuposto de que nenhum fenômeno é fixo, Vygotski (1995) afirma que o sujeito também
não é o mesmo em todos os momentos; na medida em que os sujeitos são produtores e
produtos das relações sociais, em diferentes contextos, conseqüentemente, eles assumirão
singulares lugares sociais.
3.1 Procedimentos de coleta das informações
Participaram deste estudo, como sujeitos de pesquisa, adolescentes pais. A faixa etária
adotada para delimitar a adolescência baseia-se no referencial da Organização Mundial de
Saúde: dez a 19 anos (World Health Organization, 2004). Muitas críticas podem ser tecidas à
rigidez do estabelecimento de uma delimitação etária para um grupo, porém, tal escolha foi
feita com fins didáticos, bem como para tornar possível o delineamento de critérios para a
localização de informantes para a realização desta investigação. Tal faixa etária é somente
uma entre outras tantas propostas de delimitação etária identificadas na literatura, contudo,
fez-se esta escolha, tendo em vista o alcance da Organização Mundial de Saúde, buscando-se
empregá-la, na medida do possível, de maneira dinâmica e contextualizada.
50
Os sujeitos foram selecionados considerando-se a idade destes, sua disponibilidade em
participar da pesquisa e o fato de sua parceira e/ou seu filho estarem sendo atendidos no
Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina. Foram orientados sobre a
ética e o sigilo das informações da pesquisa, bem como se destacou a importância de sua
participação para o processo de produção do conhecimento. O formulário de consentimento
livre e esclarecido (em anexo) foi apresentado e assinado no início da entrevista, de acordo
com as normas da bio-ética, expressas na Resolução 196/CONEP.
Foram utilizados como instrumentos de coleta e registro de informações o diário de
campo, onde foram registradas impressões e percepções da pesquisadora durante as
observações e encontros com os entrevistados; o roteiro de entrevista (em anexo) e o
gravador, que foi utilizado com o consentimento do sujeito, encontrando-se em local visível.
O processo de transcrição de cada uma das entrevistas resultou em um total de 216 páginas e
buscou contemplar minuciosos detalhes das falas de cada um dos participantes, constando no
corpo do texto os risos, o registro de pausas e interrupções no discurso, reformulações das
sentenças, incluindo sílabas isoladas, seguidas por palavras com prefixos distintos
pronunciadas pelos mesmos.
Quanto ao roteiro de entrevista, deve ser ressaltado o fato de que este consistiu em
apenas uma ferramenta empregada para gerar o diálogo entre a pesquisadora e os
participantes, pautando-o de acordo com os objetivos da pesquisa. Ao longo da entrevista,
através dos temas geradores contidos no roteiro, buscou-se favorecer o diálogo sobre a
temática da paternidade e, ao mesmo tempo, promover a liberdade para o participante falar
em um ambiente de escuta acolhedor, consistindo em uma tentativa de compreensão da
singularidade da história de cada sujeito, situando-a no próprio contexto narrado por eles.
O sujeito desconhece o projeto do entrevistador, vindo a abordar a sua experiência a
partir das expectativas do interlocutor e na relação com o mesmo. O reconhecimento de sua
participação na realidade estudada não isenta o pesquisador do compromisso com a
cientificidade, mas, justamente, consiste na descrição de um importante aspecto presente no
processo científico- o fato de que o fenômeno investigado ocorre diante de um determinado
pesquisador, tendo em vista a relação dialógica entre ele e o entrevistado, estando ambos
inseridos em um dado contexto.
Durante a realização deste trabalho, foram acessados discursos de adolescentes pais
referentes ao exercício da paternidade. Para tanto, a pesquisadora passou a freqüentar a sala
de espera do ambulatório de atendimento pré-natal e a maternidade do Hospital da
51
Universidade Federal de Santa Catarina. Contudo, constatou-se que é baixa a freqüência de
homens que acompanham suas parceiras neste local.
Considerando-se a dificuldade em localizar os parceiros adolescentes de gestantes
atendidas neste programa, aplicou-se um questionário semi-aberto (em anexo) para identificar
a idade dos respectivos parceiros de cada uma delas. No período entre abril e junho de 2005,
foram abordadas todas as gestantes (153) atendidas no Hospital Universitário, seja no
ambulatório ou em dois grupos de gestantes promovidos por esta instituição, um deles sediado
nas instalações do próprio Hospital Universitário e outro na paróquia da comunidade na qual
está inserido o campus universitário, sendo que uma delas não aceitou participar da pesquisa.
Destaca-se o fato de que se optou pela abordagem às gestantes diante da dificuldade em
acessar os parceiros das mesmas, visando localizar os participantes desta investigação. Os
dados coletados através deste instrumento, referentes às questões abertas do questionaário,
não constam neste trabalho e serão enviados para uma revista em forma de artigo.
As conversas informais e observações também integraram as estratégias de investigação
e foram registradas no diário de campo. No momento da aplicação do questionário, foi
observado se a gestante estava sozinha ou acompanhada, sendo que 70,6% das participantes
estavam sozinhas na sala de espera do ambulatório, 8,5% foram acompanhadas por outras
pessoas que não o parceiro (mãe, amiga, irmã ou filha) e 20,9% foram acompanhadas pelos
pais de seus filhos. Neste último grupo, composto por 32 gestantes, quatro delas estavam
também acompanhadas por outra pessoa (pai/mãe da gestante, ou filhos) além do parceiro.
Através da aplicação do questionário foram localizados nove adolescentes pais, entre os quais
quatro puderam conceder uma entrevista à pesquisadora.
Algumas funcionárias da maternidade (estagiárias de Psicologia, psicóloga e assistente
social) estavam cientes desta investigação e se dispuseram a comunicar à pesquisadora sobre a
circulação de adolescentes pais, bem como parturientes ou puérperas parceiras destes
adolescentes neste local. Foram localizados quatro sujeitos através da mediação destas
colaboradoras, sendo que três destes estavam disponíveis para a realização da entrevista.
Ainda na maternidade, a pesquisadora localizou um adolescente pai que estava
acompanhando sua parceira no pós-parto e que se dispôs a participar da pesquisa. No
ambulatório de pediatria, a pesquisadora identificou três parceiras de adolescentes pais,
contudo, não foi possível a realização da entrevista com estes rapazes. Ao longo de três meses
freqüentando o ambulatório de atendimento pré-natal em todos os horários de atendimento e
em quatro meses de contato com a maternidade do Hospital Universitário, foram localizados,
no total, 15 parceiras de adolescentes pais, sendo que oito rapazes foram entrevistados.
52
Inicialmente, a pesquisadora deparou-se com a dificuldade em demonstrar a relevância
científica da pesquisa para uma população que não tem acesso fácil ao meio acadêmico.
Apesar de ter ressaltado o seu lugar de pesquisadora, ao identificar-se como psicóloga e
fornecer um número de telefone de contato ao primeiro sujeito entrevistado (cujo nome foi
aqui substituído por Cláudio
6
), favoreceu-se a ocorrência de um mal-entendido. No dia da
entrevista, a parceira de Cláudio (sujeito que será devidamente apresentado em outro
momento) estava completando a última semana de gestação e o parto aconteceu alguns dias
depois.
No decorrer de toda a entrevista, este rapaz disse que precisava de ajuda, sugerindo
que a pesquisadora poderia ajudá-lo a conseguir um emprego melhor, por exemplo. Buscou-se
esclarecer o lugar de pesquisadora (da ouvinte) e a contribuição da investigação para subsidiar
a elaboração de políticas públicas voltadas para outros adolescentes, uma contribuição que,
infelizmente talvez só se efetivasse em longo prazo. Também foi indicado o Serviço de
Atendimento Psicológico da Universidade Federal de Santa Catarina e ele afirmou, ao final do
encontro, que a própria entrevista teria se constituído em um momento de escuta quando ele
não havia sido escutado por ninguém até então.
Durante o trabalho de parto da parceira, este entrevistado e o padrasto da garota
realizaram uma ligação telefônica para a pesquisadora cerca de duas horas da manhã, na
medida em que acreditavam que a acadêmica teria influência política no Hospital
Universitário para conseguir um leito na maternidade. Buscou-se esclarecer o procedimento
padrão da instituição diante da falta de leitos (transferência para outra maternidade ou
recomendação de que a gestante volte para casa dependendo do estágio do trabalho de parto).
A acadêmica ressaltou o seu vínculo com o Hospital na condição de pesquisadora e o fato de
que não haveria modos de influenciar uma internação. Após este primeiro incidente, não
houve outros do mesmo nero e depois se identificou no discurso deste rapaz a importância
por ele atribuída ao meio político para a conquista de vantagens, como emprego para si e
educação para a sua filha.
Neste momento, considera-se importante a abordagem do que não foi abordado, o dizer
sobre o não dito. Além dos silêncios, lacunas, omissões e incongruências no discurso dos
sujeitos que foram entrevistados, refere-se, especialmente, ao não dito pelos participantes não
entrevistados. Os sete adolescentes pais localizados, contatados através de suas parceiras e
6
Todos os nomes foram substituídos com o intuito de garantir o anonimato dos sujeitos entrevistados e de suas
parceiras.
53
não entrevistados, no contexto desta investigação, são também considerados participantes,
destacando-se a sua importância em fazer lembrar que a temática não foi esgotada, que os
dados coletados são parciais, heterogêneos, singulares e localizados, mesmo quando inspiram
uma transposição para uma análise mais ampla.
Sobre os aspectos que podem ter contribuído para a indisponibilidade destes rapazes em
participarem da investigação, várias hipóteses podem ser delineadas. Através de contatos
telefônicos e encontros com suas parceiras, foram apontados como impedimentos para a
participação destes jovens na pesquisa dificuldades financeiras para dirigir-se até o local da
entrevista, problemas com o horário do emprego e/ou a escola. Contudo, considerou-se que
outros complicadores poderiam estar em jogo impedindo a participação dos mesmos na
investigação.
Em geral, as gestantes não estavam sendo acompanhadas nos atendimentos pré-natais
por seus parceiros, impondo-se a necessidade da mediação destas mulheres para a localização
destes homens, implicando problemas no estabelecimento deste contato. Dois dos sujeitos que
foram localizados na maternidade e cujas entrevistas ocorreram sem a mediação direta das
parceiras apontaram os ciúmes das mesmas e o suposto incômodo que elas poderiam estar
sentindo diante do fato de que uma pesquisadora estava realizando entrevistas com eles. Este
é tão somente um dos aspectos que podem ter causado ruído na comunicação entre a
pesquisadora e os participantes quando dependente da mediação das parceiras deles. Algumas
delas também apontaram conflitos ou até mesmo a perda de contato com o pai do bebê.
Um dos rapazes localizados e não entrevistados estava disponível para participar da
pesquisa, mas, tendo em vista o nascimento do seu filho logo após o contato inicial, optou-se
por não entrevistá-lo em respeito à adaptação do casal e da família da parceira ao nascimento
do bebê. Em um contato telefônico com um dos rapazes que não foi entrevistado em
decorrência da incompatibilidade de horários em função de seu emprego, chamou a atenção
em sua fala a forma carinhosa como ele se referia à filha (“minha nega
7
) que havia nascido
prematuramente e estava prestes a receber alta do Hospital Universitário.
Uma das tentativas frustradas de realização de uma entrevista promoveu alguns
questionamentos teóricos e metodológicos. No ambulatório de atendimento pré-natal
localizou-se uma gestante cujo parceiro enquadrava-se nos critérios desta investigação. Ela
firmou que imaginava que o rapaz aceitaria participar da pesquisa, tendo fornecido o seu
7 O destaque em itálico será empregado para as citações de trechos das falas dos participantes desta investigação
de maneira a diferenciá-las das citações formais de outros autores.
54
próprio telefone e o do rapaz para que fosse possível o estabelecimento de um contato com
ele. Diante da dificuldade em localizar o rapaz por telefone em sua casa, ocorreram alguns
telefonemas para a casa da garota que disse poder ajudar a realizar o contato. Em uma destas
ligações, a mãe desta gestante atendeu ao telefone e, após a identificação da pesquisadora e a
comunicação do objetivo daquela ligação (contatar o pai do bebê para investigar a paternidade
entre adolescentes), a senhora declarou: O pai sou eu porque eu criando”. A mãe da
adolescente ainda disse que o pai do bebê havia terminado o namoro e se distanciado de sua
filha, também comentou que este rapaz tinha um irmão gêmeo o qual namorava a sua outra
filha e, portanto, costumava freqüentar sua residência.
Decidiu-se interromper o contato com estas famílias em respeito à indisponibilidade do
rapaz em participar da investigação. Contudo, a especificidade deste caso continuava a
intrigar a acadêmica que se perguntava se estes rapazes seriam meos univitelinos. Nunca
veio a saber, mas esta possibilidade promoveu algumas reflexões sobre a produção cultural da
designação da paternidade.
As tecnologias médicas no campo da reprodução têm questionado a dimensão sexual
como determinante do lugar paterno. Também chama a atenção no contexto brasileiro a
super-valorização do lastro genético na determinação da paternidade conseqüência do
favorecimento do acesso, seja por vias públicas ou privadas, à realização de exames
laboratoriais de verificação da paternidade (“DNA”). Fonseca (2004) destaca a “sacralização”
desta tecnologia que passou a ser considerada como prova cabal de uma relação de parentesco
que ao longo da história havia sido estabelecido em meio aos laços sociais de proximidade
entre os sujeitos.
Em tempos de investigação e determinação da paternidade mediadas pelo mapeamento
genético como meio de prova, partindo-se do princípio de que os dois rapazes apresentam o
mesmo genótipo, neste caso, paradoxalmente, a dimensão biológica define e indefine a
paternidade. Dois homens geneticamente compatíveis com a paternidade da criança haveriam
circulado no ambiente da família da mãe, mas apenas a um deles foi delegado o lugar paterno:
ao que teria se relacionado sexualmente com a gestante. Ainda assim, diante do
distanciamento do ‘pai biológico’, a avó da garota declarou-se “pai” do neto.
Seja este dado genético real ou metafórico, ele põe em cheque os limites do pano de
fundo biológico como última instância na delegação da paternidade a um homem, na medida
em que apenas um entre dois sujeitos geneticamente idênticos é definido e responsabilizado
como pai, tendo em vista o campo do exercício da sexualidade entendida como pré-requisito
para a reprodução (unidade de ação esta que, em termos didáticos, pode ser caracterizada
55
como biológica e social, tendo ainda sido questionada pelas tecnologias reprodutivas). Apesar
do campo biológico estar posto na definição do pai, este fator é significado e re-significado no
plano da cultura, de modo a excluir a paternidade de um sujeito estreitamente vinculado
geneticamente com a criança. Destaca-se aqui o fato de que quem funda a paternidade é a mãe
da criança quando designa a paternidade a um determinado homem. Atualmente, apesar da
crescente demanda por exames de verificação de paternidade, na maior parte dos casos, é
mulher quem legitima a paternidade ao declarar o nome do pai de seu filho.
No caso acima citado, como se não bastasse, haja vista a indefinição do exercício da
paternidade pelo sujeito designado como pai na perspectiva da amaterna, esta mulher, em
um determinado contexto discursivo, intitula-se paido neto rompendo definitivamente não
com o campo biológico-genético, como também com a ordem vigente de parentesco que
pauta a determinação da paternidade. Quanto à ordem de gênero, esta ‘avó/pai’ da mesma
criança manifesta o caráter dinâmico desta categoria relacional, na medida em que rompe com
a prescrição tradicional que atribui a paternidade a um homem, mas, simultaneamente,
corresponde ao modelo tradicional de exercício da paternidade que consiste no provimento
dos filhos, dado o silogismo: o pai é o provedor da criança, eu provenho o meu neto, logo, sou
o pai.
O contato com esta senhora, mãe de uma adolescente gestante, também abriu
precedente para uma reflexão que será aprofundada na discussão deste trabalho que aponta a
importância de ouvir o que tem a dizer a família de adolescentes pais. O discurso da família
de origem de adolescentes pais indica outras possibilidades de pesquisa que não foram
projetadas nesta investigação.
A localização dos participantes aconteceu em um espaço de atendimento pré-natal,
sendo que, tal como foi verificado na observação participante, grande parte dos homens pais
não participam dos atendimentos médicos, outros talvez não acompanhem a gestação das
parceiras com proximidade e/ou não tenham notícia da gestação de seus filhos. Sendo assim,
tem-se o registro científico de, somente, um grupo (talvez tendencioso) de adolescentes pais,
geralmente os que estão acompanhando a gravidez da companheira com proximidade e que,
em função de uma constelação de aspectos, se dispuseram a participar da investigação, ao
contrário de outros rapazes. Portanto, o próprio fato de que não é o pai quem carrega o filho
no ventre já implica um limite intrínseco à composição do grupo de participantes desta
pesquisa. A formação do grupo de sujeitos que foram entrevistados pode indicar uma
tendência, devendo ser destacada, novamente, a singularidade de cada história de vida tendo
ela sido aqui registrada ou não.
56
3.2 Procedimento de análise das informações
A análise das informações foi realizada a partir do discurso dos sujeitos, obtido tanto
no contexto das observações exploratórias iniciais, quanto no das entrevistas. Por intermédio
deste tipo de análise, pretendeu-se compreender o movimento dinâmico, histórico e cultural
dos sentidos atribuídos pelos sujeitos ao lugar paterno no cuidado aos filhos e os aspectos que
caracterizam esta relação, considerando-se o próprio discurso dos sujeitos como o objeto de
estudo. Discurso não reflete uma situação, ele é uma situação. Ele é uma enunciação que torna
possível considerar a performance da voz que o anuncia e o contexto social em que é
anunciado (Bakhtin, 1998, p. 225).
Conforme Vygotski (1995), o pensamento se realiza e se refunda na palavra. Não
identidade entre pensamento e palavra, uma unidade. A língua é constitutiva do sujeito e a
consciência reflete e refrata a realidade.
Todo discurso é produzido socialmente e a análise do discurso é empregada buscando-
se articulações entre texto e subjetividade. Destaca-se o fato de que, por intermédio do
processo de análise do discurso, “não se objetiva alcançar o sentido do texto, até porque, de
certo modo, isto seria reduzir a sua riqueza. Ao contrário, sua finalidade é, antes, fornecer
uma interpretação dentre as várias possíveis” (Coutinho, p.328, 1998).
A pesquisadora realizou as entrevistas, as transcrições na íntegra e uma síntese de cada
uma delas. Após todos este contatos com o material coletado, que implicaram várias leituras,
estabeleceu-se uma familiaridade com o discurso dos entrevistados, que pode ser manuseado
com maior facilidade. Quanto ao movimento de escritura do texto, ele também foi dialético.
No processo de elaboração desta dissertação, as informações foram condensadas,
“desorganizadas” de acordo com o referencial anterior e reorganizadas de maneiras outras, em
todas as direções, até a elaboração da versão que ora se apresenta, que não necessariamente
foi a mais satisfatória para a autora, mas a considerada possível dentro do contexto,
especialmente tendo em vista a recém-encerrada situação de greve e os prazos estabelecidos
pelos órgãos financiadores desta investigação.
Inicialmente, no produto das transcrições foram identificados “temas” gerais. Em
seguida, trabalhou-se nestes temas com o intuito de se elaborar categorias mais específicas
que permitissem a interpretação do material por intermédio do diálogo com a literatura
especializada. Estas categorias de análise foram estabelecidas à posteriori, a partir das falas
dos sujeitos, “elas vão sendo criadas, à medida que surgem nas respostas, para depois ser
interpretadas à luz das teorias explicativas” (Franco, 1994, p.176).
57
O emprego da estratégia de análise do discurso sobre o material obtido favoreceu a
identificação de contradições, lacunas e inconsistências discursivas, possibilitando um certo
rigor analítico no processo de realização da investigação. Nesse sentido, os depoimentos
foram alvo de análises em profundidade/verticais (internas a um mesmo discurso) e
transversais (entre os discursos dos sujeitos).
Durante a análise do material obtido em campo, procurando-se compreender os dados
que emergiram nas situações de observação ou de entrevista, foram identificados alguns
pontos de encontro, similaridades, como também diferenças e particularidade dos sujeitos
investigados. Assim, o grau de abrangência e transposição dos “resultados” e reflexões
produzidos depende do tipo de relação que se possa estabelecer entre o micro-universo
investigado e os universos sociais mais amplos.
Conforme Vygotski (1995), o estudo do singular é a chave da Psicologia Social,
cabendo aos estudiosos deste campo legitimar o estudo da singularidade, a partir da
consideração do sujeito como um modelo, um tipo, um exemplo ou um microcosmo da
sociedade na qual está inserido. Esta relação entre singular e universal é possível na medida
em que o sujeito se constitui em uma coletividade, compartilhando determinados significados
produzidos ao longo da história dos grupos culturais nos quais se insere e, portanto, refrata e
reflete este contexto no seu processo de constituição e modo de vida.
No processo de realização desta pesquisa não se tinha a pretensão de esgotar a temática,
nem de forjar uma neutralidade, à priori, considerada inviável. Com fins de descrição e
transparência científicos, aqui é reconhecida a intersubjetividade no processo de produção do
conhecimento. De acordo com Bakhtin (1995), toda comunicação diz respeito ao contexto
relacional entre os interlocutores e possibilita a atribuição de uma infinidade de significados.
Vygotski (1995), por sua vez, afirma que En determinadas condiciones, las palabras
modifican su sentido y significado habituales y adoptan un significado especial proporcionado
por las condiciones específicas de su aparición” (p.337).
O discurso elaborado pelos participantes foi produzido em um determinado contexto,
entre outros aspectos, na relação com esta pesquisadora, tratando-se de um produto daquele
momento, nem mais, nem menos do que isso. A produção sobre o também produto das
entrevistas possibilitou a reflexão sobre o processo de constituição do sujeito face à
paternidade, mas consiste em uma entre interpretações outras possíveis.
A passagem da entrevista com um dos participantes que será citada a seguir ilustra de
maneira quase que didática a relação entre participante e interlocutor na produção discursiva.
Cláudio estava narrando um episódio no qual uma garota disse que estava grávida dele,
58
contudo, ambos não haviam tido uma relação sexual com penetração vaginal, nem mesmo
com ejaculação, limitando-se a beijos”, nas palavras do rapaz, tendo ele acreditado que viria
a ser pai. Então o rapaz afirmou: “Naquela época, a senhora pode até achar infantil, porque é
infantil, eu não fiz relação sexual com aquela guria. (...) Pô, até acho que a senhora pode
pensar, como é que ele não aprendeu na escola isso?”.
Tendo em vista o lugar social provavelmente atribuído à interlocutora (seja o de
pesquisadora, ‘detentora de conhecimentos’, psicóloga e/ou adulta, entre outros), este
participante passou a antecipar o que a mesma poderia estar pensando e a justificar-se a partir
destas suposições. Este fenômeno é denominado por Orlandi (1993) como antecipações, as
quais possibilitam ao falante avaliar as possibilidades de respostas no processo de
argumentação.
Além do fato de que os significados elaborados pelos participantes são produtos
daquele momento, para uma determinada ouvinte, declara-se aqui o reconhecimento da
participação desta acadêmica no fenômeno estudado, na medida em que, até aquele momento,
alguns dos sujeitos poderiam não ter sistematizado o que pensavam a este respeito. Esta
carência de espaços voltados para a reflexão sobre seus projetos de vida, sugere a escassez ou
ineficácia de políticas públicas que propiciem isto para a população adolescente.
Uma boneca russa pode consistir em metáfora do processo de escrita desta
dissertação- um recorte de um fenômeno social, no caso, a paternidade, a escuta de alguns
sujeitos entre tantos, discurso de cada um deles em um determinado contexto para esta
investigadora, infinidade de possibilidades discursivas para cada investigador de posse do
material coletado à luz de um determinado referencial teórico... Diante da análise
combinatória de tantos fatores que contribuíram para que esta dissertação -e não outra- se
tornasse o produto desta investigação, que se abordar o caráter literário e (por que não?)
ficcional deste trabalho, haja vista a maneira como foi administrada essa informação, a
polissemia do que está registrado e o processo de criação dos personagens que foram sendo
descritos da maneira que se considerou mais didática e possível.
A complexidade dos fatos aqui abordados supera os recursos lingüísticos disponíveis
para descrevê-la e esgotá-la, ainda assim o produto desta investigação é polissêmico, bem
como parcial e provisório. Segundo Orlandi (1999), "a condição da linguagem é a
incompletude. Nem sujeitos nem sentidos estão completos, feitos, constituídos
definitivamente. (...) Essa incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta é também
o lugar do possível" (1999, p. 52).
59
4. RESULTADOS DA PESQUISA E DISCUSSÕES
Todos os temas contemplados neste estudo estão diretamente relacionados. Visando
conferir ao texto um caráter didático, estabeleceu-se algumas sub-divisões na apresentação
dos resultados, encontrando-se as informações agrupadas em algumas temáticas que serão
apresentadas na seguinte seqüência: caracterização dos sujeitos entrevistados, vivências na
família de origem, relacionamento com o pai, relacionamento com a parceira, negociação do
método contraceptivo e projeto de paternidade, paternidade e cuidados dedicados ao (s) filho
(s), o lugar do trabalho e do provimento no delineamento da paternidade, a reação dos
familiares à notícia da gestação, a significação da paternidade na adolescência como um
evento precoce e a recomendação ou contra-indicação da paternidade para amigos com idade
próxima à dos participantes.
4.1 Síntese dos depoimentos registrados
Tendo em vista a multiplicidade de dados coletados e a forma como eles foram
organizados (dissolvidos ao longo do trabalho), optou-se pela inclusão de uma síntese de cada
um dos depoimentos registrados, visando-se favorecer ao leitor o acesso, mesmo que de forma
abreviada, ao conteúdo das entrevistas como um todo. Abaixo segue, na ordem em que foi
realizada cada uma das entrevistas, uma breve descrição do histórico dos sujeitos tendo como
pano de fundo a vivência da paternidade.
Cláudio- “Pra minha filha, eu pretendo dar tudo que eu não tive.”
Cláudio tinha 18 anos no dia da entrevista, é natural de Florianópolis e, naquele
momento, sua parceira, chamada Alessandra, estava na iminência de entrar em trabalho de
parto e o casal estava desempregado. O rapaz considerava-se “legalmente solteiro”, mas
afirmava que estava junto de Alessandra dois anos, chamando-a de esposa. O casal
morava na casa da mãe dela. O domicílio tinha dois quartos, um destinado à mãe e ao
padrasto da garota (o qual foi alvo de diversas denúncias do casal de adolescentes no
Conselho Tutelar) e o outro aos três irmãos dela, ao casal e, futuramente, ao bebê, não
havendo, contudo, espaço para um berço.
Em contraste com os demais participantes, mesmo com caráter pejorativo, no discurso
de Cláudio destacaram-se os familiares da parceira, com quem ele estava morando, tendo
enumerado uma série de conflitos, especialmente com a mãe e o padrasto da garota. Quanto
ao padrasto, a problemática relacionava-se ao fato de que ele não deixa ninguém namorar a
60
Alessandra, porque ele tem ciúme da Alessandra, porque ele quer ficar com a Alessandra”. O
padrasto da garota, segundo Cláudio, teria dito que ela não prestava”, um dos motivos pelos
quais sua mãe não permitia que o casal vivesse na sua casa. Além da impossibilidade de
morar com a mãe, o rapaz responsabilizou àquele homem pela interrupção de seus estudos
(apesar de seu atraso escolar ser anterior ao namoro) e a conseqüente dificuldade em
conseguir um emprego, bem como pela noite que passou em uma delegacia quando fugiu com
a garota.
Este participante não tinha irmãos e por volta dos seus sete anos de idade (ele teve
dificuldade em precisar o momento) seus pais separaram-se. Segundo Cláudio, a sua guarda
ficou com o pai, pois a mãe era de festa e ficou revoltada quando o pai virou a cabeça”,
referindo-se à infidelidade do pai, bem como na época da audiência, ele não fumava
maconha, ele bebia. Mas trabalhava, certinho”. Lembrou-se que seu pai, a partir da morte
dos avós maternos, passou a trair sua mãe, agredi-la e roubá-la para manter a dependência de
drogas. O pai, nesse período, trabalhava como cobrador de ônibus.
Enquanto morou com seu pai, o garoto era responsável por todas as tarefas domésticas e
ficava em casa sozinho no horário em que não estava na escola, apesar de morar no mesmo
terreno que a avó paterna, porque meu pai também não se bem com a mãe dele”. Seu
discurso a respeito do período em que viveu com o pai é dicotômico, oscilando entre a
satisfação e o descontentamento com sua solidão, o temor do pai e, principalmente, pelo
consumo de drogas dele e seus amigos na casa onde moravam.
Após a conquista da guarda pela mãe do garoto, com 10 anos de idade, Cláudio
passou a morar com a sua mãe e o padrasto, a quem no dia seguinte, pediu para que pudesse
chamá-lo de pai, apesar de ter considerado que o pai não podia ser substituído. A partir deste
momento, Cláudio não teve mais contato com o pai, em suas palavras, verdadeiro”. Na
entrevista, o rapaz declarou seu agradecimento pelo padrasto complementar a educação que
eu tive”. A última vez que teve notícias do pai foi através de um jornal televisivo que
noticiava a fuga de prisioneiros do presídio de Florianópolis, no qual viu a imagem dele, e
portanto, pensava que este, provavelmente, encontrava-se preso, incriminado por tráfico de
drogas. O rapaz declarou não ter vontade de encontrar o pai, pois pensava que este não
poderia ajudá-lo, bem como ainda teria de ajudar o mesmo. Cláudio lamentava a morte do avô
materno, pois dizia que este, se estivesse vivo, o ajudaria e a sua filha seria criada “como uma
deusa, uma rainha”.
Disse ter vontade de voltar a morar na casa da mãe em função das brigas com a família
de Alessandra, mas não o fazia, para não abandonar a companheira, bem como porque era a
61
mãe de Cláudio quem sustentava a casa, pois o padrasto não tinha emprego fixo e que a mãe
não é rica”. Sobre a sua participação na realização de tarefas domésticas, ao morar com a
mãe, ajudava-a com atividades mais simples, como estender os lençóis de sua cama.
Cláudio pensou que poderia ocorrer a situação de sua parceira trabalhar e ele assumir as
tarefas domésticas, contudo, no período em que viveu com a parceira e um amigo, os rapazes
trabalhavam e ela cuidava das tarefas domésticas, pois considerava que a parceira não
precisava trabalhar, apesar dos três jovens estarem vivendo em condições extremamente
precárias, segundo a sua própria opinião. Apesar de considerar que começou a namorar
muito cedoe que por isso perdeu a adolescência, afirmou que Alessandra e a filha eram o
que havia de mais importante em sua vida.
O casal teve a confirmação da gestação quando a parceira foi conduzida para o Hospital
Universitário em função de fortes dores abdominais que o entrevistado considerava serem de
ordem alimentar. Na emergência a moça chegou e falou, ‘tu pega esse papel e sobe na
maternidade’. Daí eu: Que maternidade, é clínico geral que ela tem que consultar. Daí ela
falou: ‘Não, vocês são crianças, isso aí é gravidez”. Segundo o entrevistado, a parceira
observou o período de atraso menstrual, mas pensou que poderia acontecer”. Ele por sua
vez, achava que ela estivesse engordando, pois estava comendo muito”. Diante da notícia
inesperada da gestação da parceira, grávida em torno de 28 semanas, Cláudio disser ter ficado
feliz, tendo o casal passado a imaginar qual seria o sexo e o nome da criança, como fariam o
chá de bebê. Segundo Cláudio, desde o início do namoro, o casal combinava:
Ah, quando a gente for de maior, vamo se casar, vamo ter um filho. (...) Mas
assim, eu prefiro que a minha filha faça o que eu não faço, porque eu indo
bastante encrencado. (...) Prefiro que a minha filha curta a adolescência
dela. (...) Não faz mal, se apaixonar é bonito, isso e aquilo, mas, nem por
isso, uma responsabilidade desse tamanho que eu tô tendo hoje.
Amoroso- “Fez junto tem que tá junto!”
Amoroso tinha 19 anos, é natural de Florianópolis e considerava-se amasiadocom a
parceira, com quem começou a namorar há três anos e seis meses, estando “casados há cerca
de 18 meses. Quando foi localizado e entrevistado, encontrava-se ao lado do primeiro filho
(Lucas que tinha em torno de nove meses de idade) e da parceira (Sílvia), grávida de seis
meses, todos aguardando o primeiro atendimento pré-natal. O casal morava em um reservado
localizado no terreno da residência da mãe de Amoroso, assim como uma de suas irmãs e o
cunhado. A casa, portanto, não era própria, mas o casal possuía um carro e uma moto
(instrumento de trabalho do rapaz).
62
A família de origem deste participante era composta por duas irmãs mais velhas (uma
das quais tinha dois filhos) e pela mãe, tendo o pai morrido quando Amoroso tinha 12 anos de
idade. Quando o pai faleceu, o garoto parou de estudar e passou a trabalhar assim como as
suas irmãs, sendo que todos estes, até a data da entrevista, ajudavam a mãe que nunca realizou
atividade remunerada.
Até o período em que o pai faleceu, Amoroso costumava dormir no quarto de seus pais.
Quanto às reuniões escolares, era sempre a mãe quem comparecia, sendo que ele desejava que
o pai também o fizesse quando era vivo. A mãe era a principal responsável pelas questões de
saúde, pelos cuidados dos filhos e pelas tarefas domésticas auxiliada, sobretudo, pelas filhas.
O entrevistado considerou que não contribuía muito com estas tarefas na relação com a
família de origem, com a parceira, porém, afirmou que faziam “tudo junto”.
O pai era a figura de autoridade na família. Após a sua morte, Amoroso disse que sua
mãe passou a ser o pai e mãe”. Disse que apesar da mãe repreendê-lo em alguns momentos,
era o pai, quando vivo, quem ele temia. O rapaz afirmou que cabe ao homem/pai ser o maior
responsável pela negociação das regras com os filhos, mas declarou que, ao contrário de sua
esposa, a qual pensava que tenderia a bater nas crianças, irá recorrer ao diálogo, pois preferia
ser respeitado e não temido.
Quanto à relação de sua mãe com seu primeiro filho, Amoroso afirmou que vovó” foi a
primeira palavra pronunciada por este, que demonstrava gostar da avó. Amoroso considerava
boa a sua relação com o pai e disse que sentia a falta dele, ele me carregava pra tudo quanto
é lugar... Saindo pra viajar ia só eu e ele”.
Amoroso disse que não sentia dificuldade quando ficava sozinho com o filho, destacou
que tinha prazer em cuidar dele. Relatou uma situação de conflito com a parceira durante a
qual ela voltou para a casa da mãe, pois estava insatisfeita com o horário de trabalho dele (que
é moto-boy) e considerando que o rapaz não contribuía muito com os cuidados do filho. O
rapaz teria ficado desesperado com a distância do filho, vindo a mudar seu horário de
trabalho e tendo ficado satisfeito com a alteração da rotina.
O participante considerou que a mãe é mais importante do que o pai no cuidado dos
filhos, sendo aconselhável a sua maior proximidade para o bem-estar destes. Porém,
afirmou que era só ele quem fazia o filho dormir, tendo a esposa ciúmes da afinidade entre ele
e o filho. Considerou que a mulher sente mais por dar a luz”, mas que ser pai é
maravilhoso”. O exercício da paternidade, na perspectiva de Amoroso, consistia em dedicar
atenção aos filhos, aconselhar, ser um exemplo, dar limites, amor e carinho, enfim, o
deixar faltar nada e ajudar em casa pra não deixar só pra um, só pra esposa no caso”.
63
Segundo Amoroso, a paternidade o tornou mais maduro, tendo o rapaz gostado da
mudança. Casado, considerava-se em maior segurança. A descoberta de que seria pai
novamente fez com que sentisse que teria ainda mais responsabilidade, bem como passou a
preocupar-se com a possibilidade do primeiro filho ficar com ciúmes do segundo.
Tadeu-“ Vou tentar ser como o meu pai foi pra mim, né.”
Tadeu, tinha 18 anos no dia da entrevista. Nascido em Florianópolis, morava na casa de
seus pais com a parceira, a quem conheceu cerca de um ano. Ele era o filho mais velho,
tinha três irmãos, duas garotas e um rapaz. Quanto ao estado civil, afirmou estar junto”. Sua
filha havia nascido no dia anterior. Trouxe a namorada para morar em sua casa (apesar de seu
pai ter reprovado a gestação no início, pois pensava que ele deveria primeiro fazer o seu
de meia”), uma vez que ali havia mais espaço. Contudo, sua irmã passou a dormir no quarto
dos pais para que o casal pudesse ter um quarto para eles.
Ambos os pais se dedicaram à realização de seus cuidados quando criança, sendo o pai o
responsável pela manutenção das regras, o homem da casa, ”. Quanto às questões
escolares, a avó paterna assumiu esta responsabilidade, comparecendo às reuniões na escola,
financiando as passagens de ônibus e o material didático.
Segundo o participante, sua mãe foi diagnosticada como maníaca-depressivae sofreu
de depressão após o nascimento de todos os filhos. Em diversos momentos, sua mãe foi
internada, quando o pai assumia todas as tarefas domésticas com o auxílio da avó paterna;
lembrou que o pai ficou um ano sem trabalhar em função de um episódio como esse. Em seu
discurso destacou a amizade que tinha com o pai.
A partir de cerca de 11 anos de idade, Tadeu passou a ajudar mais a família; lavava
roupas e a louça, varria a casa e cuidava dos irmãos. Disse que quando não tinham máquina
de lavar, costumava ver o pai lavando roupa no tanque com um de seus irmãos no colo. Ao
abordar a sua definição de dedicação de um pai aos filhos, destacou o fato de que caberia ao
pai ensinar e subsidiar o estudo dos filhos. Quanto aos seus estudos, disse ter parado de
estudar, pois tinha que ficar em casa para ajudar a família e pela gravidez da parceira, porque
teve que passar a trabalhar como roupeiro em um hotel.
O participante disse que estava pensando em ser pai. Certo dia a camisinha estourou,
a parceira fez o exame farmacêutico de confirmação de gravidez e deu tudo certo”. Tadeu
buscou acompanhar tanto o pré-natal quanto o grupo de gestantes, tendo se ausentado em
apenas uma situação em função do seu emprego. O mesmo considerou boa a relação com a
parceira e, apesar das “briguinhas”, não mudaria nada na relação com a mesma.
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Tendo em vista a dimensão financeira, considerou que talvez fosse melhor ser pai em
outro momento, mas pensa que também poderia ser agora”. Sobre um segundo filho,
pensava demoraria para gerá-lo. Disse estar emocionado por ter acompanhado o parto e o
primeiro dia de vida da filha. Sobre sua participação no processo de desenvolvimento desta,
pensava que estaria à disposição dela, pretendia dar conselhos e acompanhar seus estudos. A
amamentação era a única tarefa que Tadeu pensava que um pai não poderia realizar. O rapaz
afirmou que gostaria de participar de tudo, porém, pensava que algumas tarefas não seriam
conciliáveis com o seu horário de trabalho, como levar a filha ao médico, por exemplo.
Apesar de ser seu pai quem dava os limites em sua casa, pensou que ele e sua parceira
iriam juntos fazê-lo. Na medida em que ambos pensavam em trabalhar, imaginava que a
divisão das tarefas domésticas e as atreladas ao cuidado da filha seriam igualitárias e
pretendia “dar tudo de melhor para ela”.
Inácio – “Tudo que eu possa, tudo que eu puder fazer pela criança, eu vou fazer.”
Este participante tinha 18 anos no dia em que foi realizada a entrevista. Ao definir seu
estado civil, disse que apesar de não estar casado em nível legal, tamo junto”, união que
estava prestes a completar dois anos. Inácio e Camila viviam em domicílio próprio.
Preocupando-se com o bem-estar da parceira no puerpério, a convite da mãe e da adele, o
casal iria morar na casa da mãe do rapaz por este período, pois devido ao seu horário de
trabalho, não poderia estar disponível para cuidar da parceira e da filha.
Inácio estava trabalhando antes de passar a morar com a parceira. No início viviam
na casa da mãe dela, até que ele construísse a casa no terreno que comprou com suas
economias. Sobre o comportamento sexual preventivo do casal, costumavam conciliar o uso
da camisinha com pílulas anticoncepcionais, métodos que foram interrompidos quando o
casal decidiu ter um filho.
Com cerca de três anos de idade conheceu o pai por acaso na rua, mas nunca teve
oportunidade de conversar com ele, Inácio disse que praticamente não o conhece, via
assim, ele passava, falava oi. Mas não ficava assim conversando, não vou na casa dele”. O
garoto, quando criança, esperava que o pai lhe dedicasse atenção, tendo afirmado que, na
atualidade, não tinha interesse em procurá-lo, pois pensa que essa deveria ter sido uma
iniciativa do pai quando ele era uma criança. O rapaz não via seu pai aproximadamente 10
anos.
Por parte de mãe, o sujeito tinha um irmão de 11 anos de idade. A mãe era a maior
responsável pela execução das tarefas domésticas, contudo, quando Inácio tinha em torno de
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11 anos, passou a ajudar mais a cuidar do irmão, entre outras tarefas, sendo o responsável por
levá-lo e buscá-lo na escola. O entrevistado, apesar de gostar do pai de seu irmão, o qual foi
casado com a sua mãe por cerca de dois anos, disse que nenhuma pessoa poderia representar o
seu pai.
Destacou-se no discurso do participante a admiração sentida pela mãe Porque a minha
mãe é uma guerreira”. O rapaz afirmou que sua mãe sempre trabalhou muito, que contava
com ela, que conversava muito com ela apesar da vergonha em função do fato dela ser
mulher, preferindo que o pai estivesse presente em sua vida para abordar determinados
assuntos. A ausência do pai também o preocupava tendo em vista o fato dela ficar sobre-
carregada, disse que respeitava muito a mãe e que foi ela quem o ensinou a aprender a ser
homem e ter juízo”.
Declarou-se muito feliz por estar casado, apesar de considerar-se novo para tal
compromisso. Eu perdi um monte de coisa”. Em seguida, ressaltou o fato de que o
casamento mudou sua cabeça”, mas preferiu que tivesse sido assim, pois, por estar casado,
conquistou tudo o que tinha. Quanto à paternidade, apesar do planejamento da gestação, após
a confirmação desta, passou a questionar-se sobre a adequação desta ao momento que o casal
estava vivendo. Pensou que ambos poderiam viver algumas experiências, ganhar mais um
pouco de juízo”, curtir”, antes de assumir a responsabilidade pela educação de um filho.
Ainda assim, disse estar feliz com este momento, mas que quando o bebê nascesse ficaria
ainda mais feliz porque agora eu não posso ver, não posso pegar no colo, essas coisas, dar
carinho. Quando nascer eu vou fazer tudo isso”.
Oscar- “Era o que ela queria.”
No dia da entrevista, Oscar tinha 19 anos de idade e estava trabalhando como pedreiro.
Quanto ao estado civil, considerou-se “bem dizer, casado”. Sua parceira, com quem namorava
dois anos (desde quando ela tinha 12), havia parido a filha do casal cinco dias. O
participante sentia-se responsável pela filha e pela esposa a qual considerava novapara ser
mãe. Quanto a ele, considerava-se “um pouco novo, porque tem que estudar né. Estudar mais.
Ser alguma coisa na vida”.
O pai de Oscar faleceu em torno de um mês após o seu nascimento. Ele tinha sete
irmãos e uma irmã. Com exceção desta, todos moravam em Florianópolis na mesma
residência ou perto da mãe. oito meses, o participante morava com a parceira na casa da
mãe, junto com dois de seus irmãos. Em uma outra casa no mesmo terreno viviam dois outros
irmãos, suas respectivas esposas e oito sobrinhos de Oscar. Destacou-se, nesse cenário, a
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figura da cunhada mais velha, a qual participou ativamente dos seus cuidados. O rapaz estava
trabalhando e iria voltar a estudar, pois esta sua cunhada havia matriculado ele e o seu
sobrinho em um supletivo. Oscar descreveu com satisfação a união de sua família,
pretendendo continuar morando ali para ajudar a mãe.
Até cerca de dez anos de idade, o rapaz dividiu a cama com a mãe que o fazia dormir
quando ele tinha medo de assombração”, pois disse, rindo, que seus irmãos o assustavam.
No que diz respeito à ausência do pai, disse que gostaria de tê-lo conhecido, mas que a mãe e
os irmãos falavam dele. Quando precisava de dicas recorria aos irmãos. Entre estes, um
irmão em especial dedicou-lhe muita atenção, o qual brincava com Oscar, auxiliava-o na
realização das tarefas escolares e lhe preparava a comida. Contudo, não considerava que o
mesmo representasse uma figura paterna, afirmou que o pai era insubstituível. O participante
considerava que um pai ideal ama, cuida, dá carinho e respeita os filhos.
Disse que tinha uma relação de amizade com os irmãos com idade mais próxima da sua
e que costumavam sair juntos no final de semana. A mãe sempre trabalhou como empregada
doméstica. Na infância, todos contribuíram na realização das tarefas domésticas, apesar da
mãe ser a maior responsável pela execução das mesmas; costumava organizar a participação
dos filhos delegando uma atividade para cada um. Em casos de desobediência, Ah, daí a
vara pegava.” Quando à relação com a filha, no que diz respeito a negociação de limites,
afirmou que seria diferente, “vou conversar, aconselhar”.
O rapaz pensava em ser pai de um filho com a parceira e o casal já havia conversado
sobre sexo, contudo, ele achava que era cedo para a namorada ter relações sexuais. De acordo
com o participante, a garota começou a dizer que gostava muito dele e que queria ter um filho
com o mesmo, então, passaram a ter relações sexuais para gerar a criança e após dois meses,
ela estava grávida.
Na medida em que a parceira estava morando na casa da mãe dele, pensava que devia
cuidar dela. Quanto ao exercício da paternidade, Oscar disse que o pai pode participar de
todos os cuidados que a criança demandar; referiu-se à alimentação, à higiene, à saúde e à
educação. Imaginou-se também Tirando ela de briga por namorados, ensinando-a a
respeitar os professores e a “não falar mal dos outros”. O rapaz ficou triste com a dor do parto
de Gisele, gostaria de ter dividido este sofrimento, mas entende que a responsabilidade para
com os filhos é maior para a mãe, pois a criança “veio da barriga da mãe”.
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Moisés- “Quando meu filho nascer, vou ter que ter mais de 18 anos”.
Moisés é natural de Chapecó, tinha 16 anos, declarou-se solteiro e estava namorando a
parceira cerca de três anos. No dia da entrevista, não estava trabalhando, nem estudando.
Há três anos seus pais se separaram. Ele já morou com a mãe, mas a maior parte deste período
morou com o pai e estava residindo na casa dele.
Sobre a relação com seus pais, disse que preferia conversar a respeito de sexo e
intimidade com a mãe. Porém, apesar desta trabalhar, tratava de questões financeiras somente
com o pai e não recebia pensão desta. Afirmou que se ele morasse com a mãe, o pai poderia
financiá-lo. O rapaz preferia morar com o pai; apesar de ser relacionar bem com a mãe, tinha
dificuldade de entendê-la, pois esta tinha “problema de cabeça (...) epilepsia”, mas costumava
contatá-la por telefone e visitá-la.
Moisés lembrou-se da vizinha que ficava responsável por ele enquanto seus pais
trabalhavam. Disse que chorava muito quando a mãe saía”. Em períodos em que estes
trabalhavam mais, o garoto passava até uma semana na casa desta mulher e o casal o buscava
nos finais de semana. Quanto à sua rotina quando criança comentou:
Na realidade, eu sempre fui muito sozinho assim. (...) quando eu tinha cinco
anos de idade, meu pai e a minha mãe saíam pra trabalhar, me deixavam
sozinho. (...) Esquentava o almoço, comia e ficava na frente da televisão a
tarde inteira. De manhã eu ia pra aula. Fazia meus deveres, deixava tudo
pronto, a casa limpa, a louça lavada.
O pai representava a autoridade na casa, enquanto a mãe, apesar da significativa
contribuição dos demais, era a maior responsável pelas tarefas domésticas. O pai lhe
acompanhava nos atendimentos médicos e, principalmente, nos odontológicos, passa uma
segurança, ”. Ao descrever a mãe disse que ela era trabalhadeirae o pai também, mas
disse que ele tinha seus probleminhas referindo-se à dependência ao álcool do mesmo,
contudo, disse que ele diminuiu o consumo e que a convivência de ambos estava melhor
agora “só meu pai sabe me tratar do jeito que eu gosto”.
Quando tinha 12 anos o entrevistado conheceu o irmão que naquela época tinha cerca de
23; disse não saber porque o pai perdeu o contatocom o seu irmão, com quem gostava de
sair e conversar. Quanto à perda de contato de ambos: não sei o que que aconteceu pra ele
ter saído fora da história. sei que se ele não tivesse saído fora da história, eu não taria
aqui hoje (ri)”, insinuando que graças ao abandono do irmão, seus pais conheceram-se e ele
nasceu.
O rapaz pretendia voltar a trabalhar e a estudar para garantir um futuro melhor para o
seu filho”. Disse que havia trabalhado, pois o pai não tinha dinheiro pra lhe dar, bem como
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teve problemas com drogas; foi dependente por três anos de maconha e cocaína. O consumo
era mantido através do tráfico para amigos mais próximos. Segundo Moisés, uma semana
parara de fumar cigarros. Moisés estava abstinente, pois percebeu que tava atrasando a
minha vida”, bem como porque a parceira não aprovava tal prática.
Sobre a gestação da parceira, considerava que a maior dificuldade enfrentada foi noticiar
este fato para a mãe dela. O rapaz havia pensado em ter um filho com Letícia, contudo, em
um futuro distante. Disse que algum tempoestavam fazendo sexo sem camisinha, pois
Moisés sentia-se desconfortável com o uso. O casal, contudo, preocupava-se com a
possibilidade de uma gravidez e surpreendia-se com o fato de que ela não ocorria.
A mãe de Moisés tinha uma casa desocupada para onde ele planejava se mudar. Imagina
que isso iria acontecer quando o filho completasse um ano de idade. A partir do pós-parto,
achava que iria ficar na casa da parceira. De acordo com o garoto, o pai pode participar de
todos os cuidados e pensava que seria ele o maior responsável pelo estabelecimento de regras
com o filho. O entrevistado estava aguardando ansiosamente o nascimento do filho,
considerando que, a partir deste evento, a sua mentalidade iria mudar, tornado-se mais
responsável, pretendendo vir a ser “um pai pai”.
Olavo- “Quando eu era mais pequeno eu não tinha uma vida muito boa”.
Recentemente, Olavo tinha completado 18 anos. O filho nasceu no dia seguinte ao seu
aniversário, tendo sido considerado um presente”. O rapaz não costumava freqüentar a casa
da namorada, pois após uma discussão por uma pipa, passou a sentir-se ameaçado por um
rapaz que morava no bairro onde ela mora.
Olavo tinha nove irmãos por parte de mãe e três irmãs por parte de pai, sendo que estas
últimas ele não conhecia. Ele morava com a mãe, três irmãos (um dos quais tornou-se surdo
quando criança) e uma sobrinha, sendo que somente a sua mãe trabalhava. Os demais irmãos
viviam na casa de uma irmã, tendo esta configuração familiar sido estabelecida mais de
dez anos. O entrevistado mencionou também duas irmãs que teriam falecido, ainda antes do
nascimento, em decorrência das agressões sofridas pela mãe pelo primeiro e pelo terceiro
marido desta, ambos falecidos. Olavo foi o único filho do segundo casamento da mesma,
portanto, o único irmão cujo pai estava vivo na ocasião da entrevista.
O pai biológico separou-se de sua mãe quando Olavo tinha alguns meses de idade, pois
ele não queria nada com nada”, não tendo convivido com ele ao longo dos anos. Assim
como o pai e o primeiro marido da mãe, seu padrasto era adicto ao álcool e cabia às crianças
financiar esta dependência pedindo dinheiro nas ruas do Centro de Florianópolis. Assim como
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alguns de seus irmãos e sobrinhos, Olavo viveu em situação de rua, aproximadamente, no
período entre os seus sete e oito anos de idade, tendo fugido de casa em decorrência dos
graves episódios de violência sofridos, sendo o padrasto que freqüentemente o agredia.
Destaca-se no discurso deste entrevistado a ambivalência de sentimentos, especialmente
em relação à mãe e ao padrasto, amados e reprovados pelo rapaz simultaneamente. Quanto ao
padrasto, homem com o qual conviveu por quase toda a sua infância e cuja data da morte ele
tem dificuldade em precisar (oscila entre o ano de 2001 e 2004), Olavo não o considerou um
substituto do pai, pois ele o agredia, chegando a quebrar seus dentes em uma ocasião.
Referente à gestação da parceira, o casal costumava usar camisinha, bem como o rapaz
considerava o coito interrompido um método contraceptivo eficaz. Disse que se ocorresse
uma gestação era só alegria”, mas o casal não conversava sobre a possibilidade de terem um
filho. Após a confirmação de que Olavo não era portador de nenhuma DST, a namorada,
durante uma relação sexual, retirou a camisinha que ele estava usando. Após a confirmação da
gestação da parceira (Ana), a quem chama de mulher”, Olavo parou de freqüentar a escola,
de acordo com o mesmo, para dar atenção à namorada e porque não queria nada com nada
no colégio. A namorada tentou realizar um aborto através da ingestão de um chá e ele
reprovou este ato, apesar de considerar que foi ela quem quis a gestação.
Em função do fato de ser menor de idade, disse que não estava trabalhando, mas que iria
passar a procurar um emprego na semana seguinte quando a parceira recebesse alta da
maternidade. No período entre um ou dois anos, pensava que iria economizar a quantia
suficiente para comprar uma casa onde planejava morar com a namorada e o filho, intervalo
durante o qual pensava que visitaria e seria visitado por ambos. A tia da namorada era a
responsável pelas despesas da mesma, bem como pelos cuidados dela e de seu filho. Olavo a
considerava mais apta para tal tarefa, pois, de acordo com a sua opinião, esta mulher tinha
mais experiência”. Ele, ao contrário, sentia-se despreparado para cuidar do filho. entretanto,
tendo ouvido algumas recomendações do pediatra, passou a buscar corrigir Ana, dizendo-lhe
como deveria fazê-lo.
Quanto à relação com a parceira, disse gostar dela e que como terão um filho juntos,
pretendia “tomar vergonha na cara”, referindo-se ao relacionamento com outras garotas
durante o namoro. Apesar de considerar-se mais responsável pelo provimento, pensava que
poderia participar de todos os cuidados que serão destinados ao filho, pretendendo negociar as
regras familiares conversando com o mesmo e não recorrendo à violência.
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Fabrício- “Tenho muito medo ainda de tocar nela, sabe. Por ela ser muito pequena”
No dia da entrevista, Fabrício tinha 17 anos. Natural de Urussanga e criado em Morro da
Fumaça, naquele momento, o rapaz estava morando com a sua parceira em Criciúma em uma
casa emprestada por amigos do casal. O momento em que o casal foi morar junto foi
considerado precipitado pelo participante, que preferia ter casado com cerca de 20 anos, tendo
sido motivado pela sua expulsão de casa pelo pai. Contudo, Fabrício considerou-se feliz em
estar “casado”, “não acho errado tá casado agora”.
Sobre a família da origem, além de seus pais, tinha duas irmãs mais velhas (32 e 27
anos), um irmão de 23 anos e uma irmã de 11 anos. Fabrício destaca o fato de que a irmã
mais nova era sua sobrinha, quarta entre os cinco filhos de sua irmã mais velha e que desde a
infância tinha uma relação conflituosa com o irmão com quem não estava falando no
momento da entrevista. A irmã mais velha (mãe biológica de sua irmã mais nova) foi
freqüentemente lembrada como sua cuidadora e comparada com a mãe que foi por ele
considerada boa”, mas não carinhosa”. O pai, por sua vez, foi descrito como um homem
que não demonstra sentimentos”, eu nunca tive muito afeto com ele. De ganhar um abraço
assim”. A lembrança mais forte dele referia-se ao dia de sua expulsão de casa.
Fabrício declarou: “sempre fui muito rebelde, sabe?”, contudo, considerou que em 2004,
ano em que este fato aconteceu, ele “só trabalhava, estudava e namorava”. Nos anos
anteriores, disse que fez muita besteira”, referindo-se ao consumo de drogas, às saídas
noturnas e às amizades com pessoas erradas”; achou que por isso os familiares o
rotularam”. O motivo da expulsão apontado foi o fato de que ele deixou a bicicleta da
família em um lugar, esqueceu de pegá-la e que, quando o pai foi buscá-la, esta não estava
onde Fabrício havia falado, “uma bicicleta pra nós era muito” reconheceu o rapaz.
Em se tratando da gestação da parceira, disse que nunca usaram camisinha e que ela
fazia uso de anticoncepcional. A partir do momento que o ginecologista desta recomendou a
ela a interrupção do uso, a gravidez ocorreu; Daí a gente... no fim esqueceu! Assim, sabe,
não se ligamos, não se cuidamos e foi o que aconteceu”. Apesar da gravidez não ter sido
planejada, Fabrício a considerava desejada.
Quando soube da gestação, o casal não estava vivendo junto e a parceira deu a notícia
por telefone. O entrevistado disse que não soube reagir”, o que fez com que a gestante
pensasse que ele não havia aceitado a paternidade. Ambos não se consideravam separados
nesse período, tendo o casal voltado a morar junto quando o participante percebeu que a
parceira estava vivendo em condições precárias em Florianópolis. O casal voltou a morar
junto em Criciúma, mas o rapaz não acompanhou o pré-natal da parceira, em função de seu
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horário de trabalho e, principalmente, pelo fato de o parto ter sido precocemente induzido em
torno da vigésima sexta semana, de acordo com o casal, sem uma justificativa plausível.
Franciele, a companheira de Fabrício, apresentava uma prótese de platina na bacia e o
obstetra, além do ortopedista que estavam lhe acompanhando haviam determinado que o
procedimento de parto deveria ser obrigatoriamente uma cesariana. Contudo, o parto normal
foi forçado, ocasionando uma fratura em um dos braços da criança, tendo ela nascido com
uma série de hematomas. No momento da entrevista, a criança havia sido transferida para o
Hospital Universitário e estava respirando por aparelhos.
Tendo em vista o fato de trabalhar em Criciúma, o rapaz não podia acompanhar toda a
hospitalização da filha, estando na dependência de sua mãe para conseguir passagens de
ônibus para visitar a filha e a parceira em Florianópolis. Fabrício disse que gostaria de estar
presente no decorrer da hospitalização da filha, pois a psicóloga responsável pelo atendimento
psicológico da maternidade havia lhe falado que sua presença iria ser benéfica para a filha e
para a parceira, “quanto mais tempo eu puder ficar aqui, melhora pra mim, melhora pra ela e
pra neném”. Ressalta-se aqui a importância da atuação dos profissionais da área de saúde no
sentido de favorecer a presença do pai nos serviços voltados para a saúde das crianças.
Incentivado pela psicóloga, este pai avaliou a relevância da sua participação neste processo,
ainda que outros aspectos estejam em jogo obstaculizando o exercício paterno neste meio,
neste caso, o comprometimento com a provisão da família e a conseqüente dificuldade de
afastamento do ambiente de trabalho, além da distância entre a moradia do rapaz e o hospital,
dificultando o acesso constante à instituição.
Apesar do receio do rapaz e da parceira (a quem acompanhei por mais tempo) de que a
filha não sobrevivesse, após dois meses de internação, contrariando os prognósticos, a criança
recebeu alta e estava morando com Franciele na casa da família de origem dela em Biguaçu
para dar continuidade ao acompanhamento realizado pela maternidade do hospital a bebês
prematuros.
4.2 Caracterização dos sujeitos entrevistados
No que tange ao mero de filhos de cada participante desta investigação, sete deles
eram pais do primeiro filho, sendo que Amoroso era pai de uma criança (de cerca de nove
meses) e estava experienciando o quinto mês de gestação do segundo filho. Outros três
rapazes estão acompanhando a gestação das parceiras. Os filhos dos demais sujeitos (4)
tinham nascido recentemente, entre um dia e duas semanas.
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Quanto ao local de nascimento, cinco entrevistados nasceram em Florianópolis, um em
Cerro Negro (morava em Florianópolis cerca de dez anos), um em Chapecó (em torno de
oito anos morando em Florianópolis) e um deles em Urussanga (atualmente, mora em
Criciúma, tendo sua filha recém-nascida sido internada por aproximadamente dois meses no
Hospital Universitário).
Neste momento, pretende-se esboçar um panorama geral das condições de vida e do
perfil sócio-econômico dos participantes desta pesquisa. Abaixo, encontra-se um quadro que
contém aspectos gerais do cotidiano dos oito adolescentes pais entrevistados.
* Idade dos adolescentes pais participantes na data em que foi realizada a entrevista.
** No que diz respeito à escolaridade, os algarismos se referem às séries completas do ensino
fundamental.
*** Quanto ao estado civil, nenhum dos sujeitos é legalmente casado. Os termos citados
acima dizem respeito às respostas destes quando perguntados sobre esse aspecto legal.
Todos os sujeitos estavam evadidos da escola e nenhum deles havia completado o
ensino médio. A escolaridade destes adolescentes foi marcada por um histórico escolar de
Nome
Idade
*
Escola-
ridade**
Estado
civil ***
Com quem
Mora
Ocupação
Renda
mensal
Religião
Cláudio 18
Legalmente solteiro, mas
junto”- há cerca de 10 meses.
Parceira, sogra, padrasto da
parceira e três irmãos desta.
X X X
Amoroso 19
Amasiado cerca de 18
meses.
Parceira (que está grávida) e
com o primeiro filho, em um
reservado no terreno da mãe do
rapaz.
Moto boy
Em torno
de 500
reais.
X
Tadeu 18
Junto cerca de oito
meses
Parceira, pais, ire irmão do
rapaz.
Roupeiro
em um
hotel.
Em torno
de 300
reais.
Católico
Inácio 19 Junto”- há cerca de dois anos Parceira.
Servente de
limpeza.
Em torno
de 500
reais.
Católico
Oscar 19
Bem dizer casado”- cerca
de oito meses.
Parceira, mãe, quatro irmãos,
duas cunhadas e oito sobrinhos
do rapaz.
Pedreiro.
Em torno
de 600
reais.
Evangélico
Moisés 16 Solteiro”. Pai. X X X
Olavo 18 Solteiro”. Mãe e três irmãos. X X X
Fabrício 18
Casado”- em torno de um
ano.
Parceira.
Servente de
pedreiro.
Em torno
de 400
reais.
Católico
73
incompatibilidade entre sua idade e o nível de ensino, havendo atraso escolar (entre um e
seis anos) na época da interrupção dos estudos. Em geral, os sujeitos pararam de estudar para
trabalhar, mas outros aspectos também foram enumerados, como: “matar aula” para encontrar
a namorada, ajudar a família em função de problemas de saúde da mãe (Tadeu), prática de
esportes (Moisés), dedicar-se à parceira grávida e porque não queria nada com nada na
escola (Olavo). Olavo estava com sete anos de atraso escolar e entre as suas justificativas para
a evasão escolar estava a dedicação à parceira na gestação, contudo, em diversos momentos, o
rapaz demonstrou não ter acompanhado com proximidade a namorada.
Oscar acabara de ser matriculado em um supletivo por sua cunhada, Moisés e Fabrício
afirmaram que em breve voltariam a estudar, Cláudio, Amoroso, Tadeu e Inácio acreditavam
que retomariam seus estudos quando seus filhos estiverem maiores e/ou matriculados em
uma creche, sendo que Amoroso pretendia fazê-lo com o propósito de dar um exemplo
para os filhos. Portanto, o projeto de voltar a estudar foi identificado no nível do discurso de
todos os participantes, porém, só Oscar iria começar a cursar um supletivo e isto porque uma
de suas cunhadas teve a iniciativa de matriculá-lo. Quanto aos demais, o objetivo de retornar
ao meio escolar foi lançado para um momento pouco preciso do futuro e não havia clareza
sobre o modo como concluiriam seus estudos (a pretensão era o ensino médio). A conclusão
do ensino médio, por sua vez, não engendrava um projeto de ascensão profissional, estando
mais associada à conquista ou manutenção de um emprego. Os dados coletados entre estes
rapazes assemelham-se aos de pesquisas realizadas com adolescentes mães (Corrêa e Coates,
1992; Fávero e Mello, 1997; Shor et al,1996) que identificaram a baixa escolaridade e
desempenho escolar, atrelados à escassa aspiração profissional entre as adolescentes mães
participantes de suas investigações.
Conforme Cabral (2003), a paternidade na adolescência é tida em nossa sociedade como
um transtorno, um desvio do projeto de vida do adolescente, que, de acordo com o imaginário
social, ‘deveria’ estar vinculado ao estudo, haja vista a exigência de qualificação profissional
para a inserção dos sujeitos no mercado de trabalho. Porém, para os adolescentes oriundos de
famílias de baixa renda, entre os quais é maior o número de casos notificados de paternidade
(até mesmo porque, haja vista a desigualdade social no contexto brasileiro, é imensamente
superior o número destes sujeitos, pais ou não, comparados aos oriundos de camadas de
média e alta renda), o acesso ao meio universitário é difícil e mesmo o ínfimo grupo destes
jovens que o acessa enfrenta grandes obstáculos para concluir uma faculdade. Portanto, para
este adolescente, seja ele pai ou não, o projeto social idealizado para a adolescência pode não
fazer parte de seu dia-a-dia, no qual uma série de aspectos além da paternidade podem estar
74
envolvidos na evasão escolar, tais como o trabalho infantil, o cuidado de irmãos e/ou outras
crianças, bem como outros complicadores de ordem econômica e pedagógica.
Quanto aos participantes desta investigação, a interrupção dos estudos (sete
participantes) e/ou o atraso escolar (todos os participantes) aconteceu em momento anterior à
gestação da parceira. Portanto, a gravidez não determinou a evasão, mas dificultou o retorno
ao meio discente.
Desta forma, a gravidez na adolescência, entre jovens do sexo masculino das
camadas populares, vem acirrar as dificuldades e/ou desinteresse existentes
com a escola, inviabilizando tentativas de retorno e/ou conclusão da
escolaridade (Cabral, 2003, p.6).
Sobre o estado civil, todos os participantes eram legalmente solteiros. Entre os oito, seis
consideravam-se casados, sendo que o tempo que coabitavam com a parceira, geralmente,
estava em torno do período em que a gestação ocorreu ou foi verificada. Inácio e Fabrício
passaram a morar com a parceira antes da ocorrência da gestação que, no caso de Fabrício,
ocorreu cerca de quatro meses após a união. Rafael e Olavo não moravam com suas parceiras,
destacando-se no caso do segundo, maior confusão na definição do estado civil.
Referente à casa onde estavam residindo, apenas um deles (Inácio) morava em casa
própria, sendo ela adquirida e construída como fruto do seu trabalho. Fabrício, por sua vez,
estava morando em uma casa emprestada por um amigo, porém, ele havia feito uma série de
mudanças no último ano e, após a entrevista, veio a mudar-se novamente. Em geral, os
participantes moravam com familiares (seis), sendo que um deles morava na casa de seu pai
(Moisés) e outro na de sua mãe (Olavo), três deles residiam na casa de sua família com a
parceira (Amoroso, Tadeu e Oscar) e um na casa da família da parceira (Cláudio).
Quanto à renda mensal dos participantes, três deles não tinham renda (Cláudio, Moisés e
Olavo). Quanto aos demais, a renda de Tadeu estava em torno de 300 reais, a de Fabrício, em
torno de 400, a de Amoroso e Inácio, em torno de 500 reais e cerca de 600 reais a de Oscar.
No que diz respeito à tradição religiosa, entre os quatro sujeitos que declararam um
vínculo com alguma religião, não foi referida a freqüência de sua participação em atividades
relacionadas a esta instituição, bem como não se destacou a relação entre o posicionamento
destes e valores de caráter religioso. Nenhum dos entrevistados era casado com a parceira nos
moldes religiosos. Dois sujeitos que não se consideravam vinculados à igreja acompanhavam
esporadicamente a parceira nos ritos da religião das mesmas. Quando questionados sobre esta
temática, cinco participantes (entre eles todos que não se consideravam atrelados a uma
religião) falaram com maior ênfase na religião de pessoas próximas.
75
4.3 Vivências na família de origem
Neste momento, serão abordados aspectos gerais referentes à família de origem dos
participantes. A especificidade da reação das famílias dos participantes e/ou de suas
respectivas parceiras à gestação será tratada em um item à parte. Tendo em vista a matriz
teórica que fundamenta este trabalho, a Psicologia Histórico-Cultural fundada por Vigotski, os
questionamentos dirigidos aos sujeitos entrevistados quanto às suas famílias de origem
tiveram como propósito a identificação de significados referentes ao cuidado e à paternidade
que circulam no discurso familiar e engendram as significações produzidas por estes sujeitos
sobre a experiência de ser pai.
No que tange à renda, todos os entrevistados eram oriundos de famílias de baixa renda.
Quanto à escolaridade dos pais dos sujeitos, entre os que souberam responder, não superava o
ensino fundamental completo. O distanciamento do pai ocasionado por morte ou separação
conjugal deste foi vivido por cinco entrevistados e será abordado no item dedicado ao
relacionamento dos sujeitos com seus pais. Cláudio, Inácio, Moisés e Olavo mencionaram a
figura do padrasto em suas famílias em contraste com a figura do pai e, portanto, o lugar do
padrasto será abordado juntamente com o relacionamento entre estes entrevistados e seus pais
no próximo item deste trabalho.
A narrativa de Cláudio sobre a sua família de origem estava diretamente atrelada à
convivência atual com a família da parceira, mesmo que marcada pelo caráter pejorativo do
discurso sobre os familiares da garota. Este rapaz mantinha contatos telefônicos com a mãe,
mas, estava totalmente dependente da família da companheira com a qual o casal estava
vivendo. Este rapaz narrou uma série de conflitos entre ele e os familiares da companheira e
lamentou o fato de ter adoecido e ficado dependendo deles pra comprar remédio, isso e
aquilo. Tendo que ouvir o padrasto dela falar que a minha mãe não gosta de mim.” Isso
porque na frente deles eu não ligo e a minha mãe não liga pra lá. Daí ele pensa que ela não
dá bola pra mim, entendeu?”. Cláudio disse que naquele mesmo dia havia ligado para a mãe e
que ela havia lhe chamado a atenção para o fato de que, se ele houvesse estudado, estaria
trabalhando em uma empresa de ônibus assim como alguns de seus amigos do bairro.
Quanto ao relacionamento entre Amoroso e sua mãe, esta sempre foi responsável pelo
cuidado aos filhos, assim como pelo acompanhamento destes em atendimentos na área de
saúde e em reuniões escolares, tendo passado a assumir a autoridade diante dos filhos após a
morte do pai, quando o rapaz considerou que ela tornou-se “pai e mãe” dele e das irmãs.
Diante do fato de que a mãe de Tadeu foi diagnosticada como portadora de depressão
bi-polar, a divisão das atribuições familiares entre seus pais foi narrada pelo rapaz como
76
marcadamente igualitária, apesar de destacar o lugar do pai como figura de autoridade. Nos
períodos em que a mãe foi internada em instituições psiquiátricas, o pai de Tadeu assumiu,
com a contribuição da avó paterna do rapaz, todos os cuidados dos filhos e afazeres
domésticos.
A mãe de Inácio foi quem o proveu e cuidou, assim como o seu irmão. O rapaz, diante
da ausência tanto do seu pai quanto do pai de seu irmão, preocupava-se com a sobrecarga da
mãe, considerando o fato de que criou os dois filhos sozinha. Inácio demonstrou admirá-la
por este feito.
Oscar não conheceu seu pai que morreu logo após o seu nascimento. Conforme o
participante, a mãe sempre trabalhou e representou para os irmãos a figura de autoridade.
Com exceção da única irmã, todos os irmãos estavam vivendo junto ou próximos da mãe de
Oscar e este entrevistado pretendia continuar vivendo com ela. Referindo-se ao fato de
conviver com a mãe e vários irmãos, Oscar considerou que “família unida é melhor”.
Moisés, na ocasião da entrevista, estava morando com o seu pai. cerca de três anos
os seus pais separaram-se. Nesse intervalo, morou três meses com a mãe, mas apesar de
relacionar-se bem com ela, disse: eu não consigo entender ela, o meu pai, eu consigo
entender”. Moisés associou esta dificuldade em comunicar-se com a mãe ao diagnóstico a ela
atribuído de epilepsia. Este rapaz costumava telefonar para a mãe e visitá-la. Apesar da mãe
trabalhar remuneradamente, disse nunca ter cogitado a possibilidade de receber pensão da
mesma e declarou: muito ignóbil, uma mulher dar pensão pra dois homens e hoje eu tenho
16 anos, eu sei trabalhar, eu sei me virar sozinho”. Porém, chama a atenção o fato de que este
rapaz não estava empregado no momento da entrevista.
No caso de Moisés, assim como no de Tadeu, seus pais participaram ativamente do
cuidado dos mesmos. A mãe de Moisés, ao contrário da mãe de Tadeu, trabalhava de maneira
remunerada. Entretanto, Moisés excluiu a contribuição da mãe na provisão a partir do
momento em que ela se separou do pai, deixando de fazer parte do núcleo familiar. Contudo,
caso a sua guarda estivesse com a mãe, Moisés disse que aceitaria uma pensão do pai. Tal
como verificado por Costa (2003), homens podem exercer atividades tradicionalmente
atribuídas ao campo do feminino, como o cuidado dos filhos e/ou a realização de tarefas
domésticas. Entretanto, a atividade remunerada e o provimento dos filhos permanecem como
deveres dos homens pais. Portanto, o cuidados das crianças pode compor o repertório
masculino de homens pais, porém, a paternidade legítima não admite a não provisão.
O discurso de Olavo sobre a família de origem foi marcantemente desorganizado e
ambivalente, principalmente no que se referia ao que sentia pela mãe e pelo padrasto, falecido
77
cerca de dois anos. Ele teve dificuldade para descrever a mãe apesar de tudo ela é mãe”.
Diz que passou um período sem falar com sua mãe e, na ocasião da entrevista, afirmou que
apesar dos conflitos, costumava provocá-la brincando e abraçando-a. Quanto à violência e as
agressões que sofreu, diz que gostaria de ter uma família “normal”.
Quanto à relação de Fabrício com a família de origem, destacou-se, em sua narrativa, o
fato de que seu pai o expulsou de casa, segundo o rapaz, injustamente. Apesar da sua mãe não
saber ao certo o que aconteceu, defendeu-o e não quis que ele fosse embora, mas o garoto
passou a morar com a namorada em uma cidade próxima. Depois desse fato, o rapaz havia
voltado a morar com seus pais em duas ocasiões. Na sua infância, a mãe era incumbida das
tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos, bem como por levá-los a atendimentos
médicos e odontológicos. Ao descrever a mãe, comparou-a com a irmã:
Não é muito carinhosa, mas boa. Não porque, eu vejo a minha irmã, sabe,
com os filhos dela. Nossa senhora! Ela tem o maior carinho pelos filhos
dela. Eu nunca tive essas coisas, de ficar abraçado com a mãe.
Inácio e Oscar apesar de contarem com suas mães para tudo, não as consideravam as
pessoas mais adequadas para conversar sobre intimidades pelo fato de tratar-se de uma
mulher, tendo ambos apontado a falta do pai nestes momentos. Moisés, ao contrário, declarou
preferir tratar com a mãe sobre assuntos relacionados à intimidade, especialmente à
sexualidade.
Algumas outras figuras, em sua maior parte mulheres, foram apontadas como
coadjuvantes no cuidado de seis dos entrevistados. Fabrício destacou a importância de sua
irmã mais velha na sua infância, tendo ele sido cuidado junto com a sua sobrinha de idade
aproximada. Na medida em que é oriundo de uma família numerosa, formada por vários
núcleos familiares, Oscar apontou a participação de um de seus irmãos e de suas cunhadas,
destacando-se a importância de uma delas até o dia da entrevista. Esta cunhada era casada
com seu irmão mais velho e tinha um filho (sobrinho de Oscar) cuja idade era próxima da
deste rapaz, fazendo com que os cuidados de ambos, assim como de outras crianças da família
fossem realizados em conjunto, por exemplo, as idas à unidade de saúde. Estes entrevistados
apontaram um padrão de convivência familiar denominado pelo IBGE (2005) como famílias
conviventes.
Os significados atribuídos ao termo família, na atualidade, têm sido ampliados e
legitimados por entidades tais como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Destaca-se aqui a contribuição do IBGE que define família em uma acepção mais ampla e
coerente com as realidades brasileiras: “Conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco,
78
dependência doméstica ou normas de convivência, todos residentes na mesma casa” (IBGE,
2005). Tendo em vista a pluralidade de configurações familiares possíveis a partir deste
conceito, a mesma instituição definiu algumas denominações para contemplar esta
diversidade: família unipessoal, família mono-parental, família uni-sexual, famílias
conviventes, entre outras.
A avó paterna de Tadeu foi responsável pelo acompanhamento e financiamento dos
estudos de Tadeu e continuava realizando a mesma atividade em relação aos seus irmãos,
além de contribuir com todos os cuidados dos netos junto com o filho, durante os
internamentos da nora em instituição psiquiátrica. A avó e uma tia maternas de Inácio
auxiliaram nos cuidados dele nos seus primeiros anos de vida, quando a mãe encontrava-se
trabalhando.
Moisés e Olavo declararam que uma vizinha foi responsável por seus cuidados em
determinado período da infância. Moisés lembrou-se de uma vizinha que cuidava dele
enquanto os seus pais trabalhavam- de vez em quando, eu passava uma semana com a
mulher. Mas eles sempre voltavam pra me pegar no final de semana”.
O lugar da mãe na família de origem destes rapazes estava, principalmente, associado ao
cuidados dos filhos. Todos os participantes buscavam de alguma forma, manter o contato com
suas mães e mesmo os que citaram a vivência de conflitos com estas mencionaram a
dimensão afetiva atrelada especialmente à mãe, mesmo quando idealizada (Fabrício gostaria
que a mãe fosse mais carinhosa). Apesar das mães de quatro sujeitos (Inácio, Oscar, Cláudio e
Moisés) trabalharem de forma remunerada, os seus lugares de provedoras não foram
declarados, destacando-se o caso de Moisés que considera muito ignóbil, uma mulher dar
pensão pra dois homens”.
Conforme Flax (1992), o antagonismo subjetivamente produzido entre homem e mulher é
abordado no contexto ocidental como uma possibilidade única, compreendida como um
aspecto natural, permanente e a-histórico da condição humana que institui um caráter
hierárquico na relação entre homens e mulheres. No que tange à divisão sexual do trabalho,
no plano simbólico, o campo do masculino ainda encontra-se associado às esferas do
exercício da sexualidade e da atividade remunerada, logo ao espaço público e produtivo,
portanto, atrelado à proteção e ao provimento da família. O campo do feminino, por sua vez,
diria respeito à esfera da reprodução e do cuidado dos filhos, logo, circunscrita ao espaço
privado. Neste sentido, o lugar da mulher na família na condição de cuidadora tem sido
apontado pela literatura especializada (Trindade, 1991; Lyra, 1997; Villa, 1997; Arilha, 1998;
Trindade e Bruns, 1999; Keijzer, 2000 e Olavarría, 2001).
79
Com exceção de Cláudio, todos os demais participantes tinham irmãos. Amoroso era o
irmão mais novo. Ele tinha duas irmãs que, junto com ele, vinham auxiliando a mãe
financeiramente desde que o pai falecera. Tadeu tinha duas irmãs e um irmão e a partir de
cerca de 11 anos passou a participar do cuidado destes. Inácio a partir de 11 anos passou a
ajudar mais a cuidar do seu único irmão por parte de mãe. Oscar tinha sete irmãos e uma irmã,
sendo ele o mais novo, tendo, portanto, sido criado junto também com sobrinhos de sua idade.
Moisés, quando tinha 12 anos, veio a ter conhecimento do irmão por parte de pai; este irmão,
10 anos mais velho que ele, costumava encontrá-lo esporadicamente, tendo o entrevistado dito
que gostava de conversar com o mesmo.
Olavo tinha nove irmãos por parte de mãe e três irmãs por parte de pai, as quais ele não
conhecia. Entre seus irmãos por parte de mãe, cinco deles viviam na casa de uma de suas
irmãs mais de dez anos. Olavo ainda citou dois abortos da mãe ocorridos, segundo o
participante, em decorrência de agressões por parte do primeiro e do terceiro maridos dela.
Fabrício tinha duas irmãs mais velhas (32 e 27 anos), um irmão de 23 anos e uma irmã
de 11 anos, tendo destacado o fato de que a irmã mais nova era sua sobrinha, sendo a quarta
filha biológica de sua irmã mais velha que foi mãe pela primeira vez aos 17 anos. Este rapaz
enfatizou a relação conflituosa com o irmão que ele considerou Péssima. A gente não se
fala”.
Sobre a divisão das tarefas domésticas na família, Cláudio lembrou-se de que, quando
morava com o pai, o garoto era responsável pela realização de todas as tarefas domésticas e
no período em que morou com a sua mãe, executava tarefas mais simples. Tadeu e Inácio
passaram a contribuir mais com os afazeres domésticos a partir de cerca de 11 de idade, sendo
que, na família do primeiro, o pai era bastante ativo neste cenário. Na família de Oscar todos
os irmãos colaboravam com as tarefas domésticas que eram delegadas para cada um deles
pela mãe.
Moisés disse que ele, seu pai e sua mãe contribuíam com as tarefas domésticas.
Amoroso considerou que tinha menor responsabilidade pela realização de tarefas domésticas
comparando-se às suas irmãs. Olavo não falou sobre a divisão de tarefas domésticas em sua
família (em meio à narrativa marcada por agressões e abandonos no contexto familiar, não foi
encontrado espaço para lhe questionar sobre esse aspecto). Fabrício disse que sua mãe era a
maior responsável pela realização destas tarefas, tendo ele passado a contribuir a partir do
momento que se considerou crescido, assim como seu pai depois que a mãe adoeceu. Entre os
sete sujeitos que abordaram a negociação da realização de tarefas domésticas, cinco deles
apontaram a mãe como a maior responsável, sendo que na família de Moisés e Tadeu havia
80
uma maior distribuição das mesmas, apesar de ainda assim, haver uma discreta tendência em
colocar a mãe neste lugar. Portanto, na família de origem destes adolescentes a mulher é a
maior responsável pelo trabalho doméstico, mesmo quando realiza atividade remunerada,
cabendo aos demais membros da família ajudar”. Trindade e Bruns (1999) constataram que
a responsabilidade pelo bem-estar doméstico é atribuída à mãe, mesmo quando esta exerce
atividade remunerada no espaço público.
Quanto ao estabelecimento de regras, identificou-se uma diversidade de meios de
exercício da autoridade e/ou formas de negociação de limites nas famílias de origem destes
rapazes, inclusive ao longo da história de cada família. Em relação aos demais participantes,
destacou-se a violência sofrida por Cláudio e Olavo, o primeiro agredido freqüentemente pelo
pai e o segundo pelo padrasto. Apesar das diferenças, verificou-se uma correlação negativa
entre a legitimidade da autoridade da mãe e a presença do pai.
Nas famílias de Inácio e de Oscar não havia a presença do pai. No caso do segundo,
tratava-se do filho mais novo e o pai morrera logo após o seu nascimento. Estes rapazes foram
os únicos que apontaram a primazia da mãe no estabelecimento das regras na família.
Segundo Inácio, a mãe “Dava um puxão de orelha, botava de castigo, essas coisas assim”. Na
família de Oscar em casos de desobediência “a vara pegava”.
Tadeu e Cláudio não citaram a mãe nesta arena, destacando a autoridade do pai. O
primeiro, quando questionado sobre como ele considerava que o pai assumiu este lugar,
respondeu: Não sei, ele é o homem da casa, né. Ele botava regra em casa”. O pai de
Tadeu exercia a autoridade através do castigoe às vezes me batia também, se eu fizesse
alguma coisa errada”. Cláudio mencionou o medo que sentia do pai desde quando seus pais
eram casados, mas enfatizou o período em que ambos, ele e o pai, viveram juntos após a
separação do casal. Entre outras ilustrações de eventos pautados pela violência, o rapaz
narrou: O meu pai nem me chamava, meu pai assobiava. E se o meu pai desse o segundo
assobio... ôh, o bicho pegava dentro de casa! (...) ‘Vai comprar cerveja pra mim’.
pai, tá”.
Os demais sujeitos, apesar de apontarem a participação de suas mães neste campo,
enfatizaram a autoridade, em última análise, conferida ao pai. Amoroso disse que o pai nunca
lhe bateu, mas tinha mais medo e respeito por ele, apesar de ter sido repreendido com maior
freqüência pela mãe. Depois da morte de seu pai, a mãe passou a representar a figura de
autoridade, exercendo-a conversando com o garoto. Moisés, falando do período em que seus
pais eram casados, fez uma declaração de conteúdo semelhante ao de Amoroso:
81
Eu apanhei duas vezes do meu pai. Da minha mãe eu já perdi a conta. Mas o
meu pai eu respeitei sempre bem mais ele. Mesmo não apanhando, eu
respeitava mais ele (...) Não sei, acho que sei lá, o jeito de falar mais
autoritário né. Tu entendia que... que se não fizesse ia ser grande o negócio.
Em princípio, Fabrício e Olavo disseram que suas mães estabeleciam regras em suas
famílias, porém, às figuras masculinas, em última instância, era sancionada a autoridade. Na
família de Fabrício, diante de uma indisciplina, comia o pau”, sendo o pai quem batia nos
filhos. De acordo com Olavo: às vezes também não era muito a mãe não, porque a mãe
falava e ele teimava que mulher era pra ter filho do jeito dele, entendeu?”.
Referindo-se especialmente ao contexto latino-americano, Olavarría (2001) destaca
alguns aspectos que compõem a caracterização dos homens de acordo com o modelo de
masculinidade dominante: realização de trabalho remunerado, constituição de uma família,
incluindo a filiação, provimento do lar e exercício de autoridade. Apesar do reconhecimento
do fato de que cada sujeito exerce e/ou exerceu a paternidade de maneira singular, a figura
simbólica do pai associada aos compromissos com o provimento e a autoridade familiar
esteve presente ao longo da história Ocidental e ainda se destaca no cenário atual, assim como
foi verificado no discurso destes participantes, ainda que não haja rigidez no delineamento
destas atribuições.
4.4 Sobre o pai dos participantes
Alguns aspectos referentes ao pai dos sujeitos entrevistados foram apontados
anteriormente neste trabalho. Porém, considerou-se que seria importante o aprofundamento
das narrativas dos participantes sobre o lugar paterno neste item à parte.
Os pais de Tadeu e Fabrício encontravam-se casados com as suas mães (tendo o
segundo participante sido expulso de casa pelo pai, apesar de ter voltado a morar com a
família em diversos momentos após este evento). Tadeu, por sua vez, enfatizou a amizade que
cultivava pelo pai. Os pais de Amoroso e Oscar eram falecidos. Amoroso perdeu o pai aos
doze anos e o pai de Oscar morreu quando o garoto era recém-nascido.
Os pais dos quatro demais sujeitos haviam se separado de suas mães, sendo que
Cláudio, Inácio e Olavo não mantinham contato com o pai. Moisés, por sua vez, após a
separação de seus pais cerca de três anos, morou com a sua mãe, mas a maior parte do
tempo morou com o pai.
Amoroso, referiu-se à convivência com o pai enquanto ele era vivo, Tadeu e Moisés,
falaram da boa qualidade do relacionamento com seus pais, especialmente no caso de Tadeu.
82
Destacou-se, entre os participantes desta pesquisa, o fato de que cinco deles encontravam-se
distantes de seus pais e um sexto (Fabrício) enfatizou um conflito entre ele e o seu pai.
Abaixo, segue uma síntese do relato de cada um de dos entrevistados sobre o seu
relacionamento com o pai.
Cláudio iniciou sua fala sobre o pai afirmando: O meu pai verdadeiro ele me
abandonou quando eu era pequeno”. Quando Cláudio tinha cerca de dez anos seu pai perdeu
a sua guarda e ele passou a morar com a sua mãe. Desde então, ele não teve notícias do pai,
mas acreditava que o pai encontrava-se preso, pois o teria visto em um jornal televisivo que
estava noticiando uma fuga da penitenciária de Florianópolis. Este rapaz lamentou o consumo
de drogas pelo pai e as agressões sofridas pela mãe; caso o pai não tivesse agido dessa forma,
pensou que a família poderia estar unida. Homem que é homem não bate em mulher”.
Cláudio considerou o pai como um mau exemplo: Se eu fosse cabeça fraca, eu seguia o
caminho dele, mas eu não sou. O que ele fez, eu não quero fazer”. Quanto ao padrasto,
lembrou-se que deu na telha de começar a chamar ele de pai e não consegui mais chamar
ele de tio (...). Vai ver que era porque eu tinha tudo na mão dele”. Apesar do sentimento de
gratidão pelo padrasto, considerou o pai insubstituível.
O pai de Amoroso faleceu quando ele tinha 12 anos. O jovem avaliou que sua relação
com o mesmo foi boa até então, que o pai o incentivava a fazer coisas boas, especialmente, a
estudar. Contudo, disse que gostaria que ele, quando vivo, tivesse comparecido às reuniões da
escola, nas quais somente a mãe participava. Considerou que o pai era atencioso e parceiro.
Amoroso costumava acompanhar seu pai em viagens, passeios e na casa de amigos dele.
Segundo Tadeu, tendo em vista o sofrimento psíquico de sua mãe, a participação de seu
pai, tanto nos cuidados dos filhos como em relação às atividades domésticas, sempre foi
intensa e constante, especialmente, nos momentos de crise de sua mãe. O rapaz considerou o
pai um amigo” e diz que ambos se ajudavam. Quando perguntado sobre como espera exercer
a paternidade, Tadeu respondeu-me: Vou tentar ser como o meu pai foi pra mim, né. (...)
Meu pai foi um espelho pra mim”.
Tendo em vista que Inácio nunca conviveu com o pai, afirmou que nada pensava sobre
ele: Nem assim, nem vem na minha cabeça”. Contudo, admitiu (com os olhos lacrimejados)
que, na infância, ficava triste quando pensava que não tinha pai, enquanto seus primos tinham.
Apesar de gostar do pai do irmão, sendo que este visitava a família com freqüência, nunca o
considerou um pai. O participante pensava que mesmo que sua mãe tivesse casado quando ele
ainda era um bebê, não consideraria este homem seu pai.
83
Oscar não conheceu seu pai, pois este faleceu quando ele era recém-nascido. Disse que o
conheceu somente por fotos e que a mãe falava sobre ele. Apesar de um de seus irmãos ter
participado ativamente de seus cuidados, Oscar não o considerava um pai e sim um irmão
que o atendia em suas necessidades cotidianas quando criança.
Apesar do bom relacionamento que Moisés teve com o ex-marido da mãe, o rapaz
enfatizou que não considerou este homem como um substituto do pai na medida em que a
relação entre ele e o pai era singular e outro homem não conseguiria estabelecê-la da mesma
forma. De acordo com o rapaz, seu pai participou de seus cuidados na infância com muita
proximidade e o único aspecto que gostaria que tivesse sido diferente na relação com o pai
era a dependência ao álcool dele, sobre esse fato comentou: “(...) nunca levantou um dedo
pra minha mãe. Nunca. Pra mim também nunca. (...) Mesmo assim eu achava ruim porque
aquele tempo que ele tava ali só deitado, ele podia tá em casa dialogando”.
Olavo, quando tratou de descrever seu pai, proferiu as seguintes frases que são
emblemáticas: Meu pai, pá... ele é um cabeça também. Bebe um monte (...) Ele é pai, tipo
assim, mas não foi meu pai, ”. O entrevistado achava que seus pais haviam se separado
quando ele tinha alguns meses, não tendo convivido com ele após este período, sendo raros os
momentos em que o viu (ele parecia estar surpreso com o fato de que seu pai o havia
procurado na maternidade naquela semana).
Apesar de ter achado que não tinha intimidade com o pai, Olavo valorizou o fato de que
foi ele quem o localizou quando se encontrava em situação de rua, apesar de tê-lo conduzido à
casa da avó paterna (que não o conhecia) e se afastado novamente. Naquela ocasião, a mãe de
Olavo pediu para que ele retornasse à casa dela, mas as agressões cometidas pelo padrasto não
cessaram. O rapaz lembrou-se de situações em que o padrasto escondia uma faca chinesa sob
suas roupas para não ser flagrado armado nos bares. Contudo, disse que quando não estava
bêbado, o padrasto “era legal”, em seguida, riu ao narrar o dia em que conseguiu agredi-lo.
Fabrício, ao falar sobre o seu pai, destacou que não tinha muitas lembranças boasda
relação com ele, com exceção do fato de que o pai adorava fazer brinquedos de madeira
para ele. Apesar da intensidade da lembrança do dia da briga que culminou em sua expulsão
de casa e de ter destacado que ele nunca foi de me dar muito carinho e que gostaria de
superar essa barreira que tem entre a gente”, descreveu o pai como bom, que sabe educar,
porque ele soube educar, educação nossa muito boa”.
Este rapaz confundiu-se ao afirmar que gostaria de preservar alguns conceitosdo pai,
referindo-se, primeiramente à sua opinião sobre a virgindade, ao preconceito racial e de
orientação sexual, por fim ele disse que gostaria de aliviaresses conceitos”, citando os
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relativos à homossexualidade e à virgindade, mas que gostaria de conservar os conceitos
bonsdo pai, sendo estes referentes a esse negócio de família, sabe. (...) De sempre por
perto”. Ao narrar os problemas financeiros que teve quando veio com a parceira morar na
casa de uma irmã desta na Grande Florianópolis, declarou: apesar de tudo que aconteceu,
dentro de casa eu ganhava tudo do bom e do melhor do meu pai”. Portanto, se destacaram no
discurso deste sujeito as contradições quanto aos sentidos atribuídos à sua relação com o pai,
reprovando-o e idealizando-o por vezes no mesmo contexto.
Cláudio, Moisés e Olavo destacaram os problemas dos pais (no caso de Olavo, também
do padrasto) com dependência de drogas, especialmente o álcool, além da menção à maconha.
Estes três sujeitos também narraram problemas relacionados ao consumo de drogas. A
dependência química foi diretamente relacionada por Cláudio e Olavo à violência por eles
sofrida na infância. Alguns dos entrevistados não conviveram com os pais e não abordaram
esta temática (que não estava prevista no roteiro).
Cinco participantes desta investigação abordaram a questão do seu próprio
envolvimento com o uso de drogas (Cláudio, Moisés, Olavo e Fabrício declaradamente,
enquanto Amoroso deixou este dado sub-entendido). No caso de Moisés, ele estava traficando
para manter a dependência em um período anterior à gestação da parceira e às complicações
médicas decorrentes do uso de cocaína que desenvolveu. Na ocasião da entrevista, estes
sujeitos disseram não estarem fazendo uso das drogas ilícitas que costumavam usar. Moisés
estava tentando também se manter abstinente dos cigarros de nicotina,vendidos no comércio
legal e disse não fazer uso de bebida alcoólica.
Keijzer (2000) e Fuller (2000a) falam em paternidades, destacando a pluralidade de
formas bastante diferenciadas entre si de exercício desta atribuição social. A pluralidade de
paternidades também se deve ao fato de que, apesar de incluir a dimensão biológica, a
paternidade supera esta esfera (sendo que esta também não é estática), apresentando variações
entre as culturas, bem como entre os distintos grupos que compõem uma determinada
sociedade. Conforme Arilha (1999b), no contexto latino-americano, a responsabilidade é um
dos núcleos que constitui a paternidade. Assim, o reprodutor ou genitor não é necessariamente
quem é intitulado pai. O que torna um homem pai é a responsabilidade assumida
publicamente de prover, formar e proteger.
Entretanto, no discurso dos participantes desta investigação sobre a possibilidade de o
pai ser substituído, com exceção de Fabrício que não falou explicitamente sobre o assunto, os
demais sujeitos destacaram que tal situação não é possível. Estes sujeitos, portanto, não abrem
mão de responsabilizar pelo exercício da paternidade o homem que participou da fecundação,
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que é compatível geneticamente com eles, mesmo que este homem seja deles desconhecido
ou se encontre distante, ainda assim ele é o pai. Chamou a atenção o fato de que grande parte
destes rapazes constituiu-se à distância ou se distanciou do pai. Alguns passaram a conviver
com padrastos com os quais estabeleceram vínculos afetivos (inclusive Olavo, mesmo que
houvesse ambivalência declarada de sentimentos). Ainda assim, nenhum deles considerou o
pai substituível por qualquer outra pessoa da família ou que tenha participado de alguma
forma do seu processo de constituição.
Olavo, apesar de considerar o padrasto “legal” quando não estava alcoolizado, não o
considerou um substituto do pai em função das agressões que lhe dirigiu ao longo da infância.
Abaixo seguem algumas citações dos participantes que ilustram o posicionamento deles
contrário à possibilidade do pai ser substituído:
Acho que no lugar dele eu não colocaria nenhum, só ele” (Tadeu).
Pai é pai e mãe é mãe, o verdadeiro é o que faz, falar que o pai é o que
cria, essa expressão tá errada” (Cláudio).
Porque dizem que pai é aquele que cria, mas pra mim não”. (Inácio)
Só meu pai sabe me tratar do jeito que eu gosto”. (Moisés)
A atribuição da condição de ‘pai verdadeiro’ ao genitor e portanto esta ênfase na
dimensão biológica da paternidade está em consonância com a representação de parentesco
nomeada por Strathern como "euro-americana", que o concebe como um conceito híbrido, na
medida em que se constitui como um produto da “sociedade” pautado por fatos “biológicos”.
Esta representação engendra a valorização dos laços genéticos tendo em vista a
preponderância de fatos como a relação sexual, a transmissão de genes, a gestação e o parto
na determinação do parentesco (Strathern, 1995). Radke (2005) abordando adolescentes pais
também constatou a condição de insubstituível atribuída pelos entrevistados ao genitor.
Fonseca (2002) concluiu, após pesquisa etnográfica, que apesar da popularidade do
ditado "Mãe é uma só", muitas pessoas empregam este título para mais de uma mulher, sendo
possível, outras “normalidades”, além do padrão hegemônico de delegar a apenas uma mulher
este lugar. Para estes garotos a legitimidade da paternidade é conferida pelo vínculo genético.
Digo genético e não biológico que alguns deles conviveram com padrastos pelos quais
foram providos, dos quais receberam o alimento. Os pais adotivos e/ou os padrastos,
geralmente, são vistos tão somente como pais sociais. Contudo, não deixam também de ser
pais biológicos considerando-se que podem contribuir para com a alimentação destas crianças
entre outras condições necessárias para a sua sobrevivência. São também, portanto (e por
não?), pais biológicos delas ao favorecer a manutenção da vida quando as mesmas ainda não
são capazes de fazê-lo por si próprias, dependendo da mediação de um outro como condição
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biológica para existir. Neste contexto, enfatiza-se o fato de que a definição de paternidade é
mais complexa e dinâmica do que pode parecer a princípio, englobando dimensões semânticas
derivadas do discurso médico, jurídico, religioso, psicológico, entre outros, não havendo
fronteiras bem delineadas, rígidas e impermeáveis entre os (didáticos) aspectos sociais e
culturais.
Apesar do destaque para a participação da mãe no exercício dos cuidados demandados
pelos participantes ao longo das suas histórias, dois deles mencionaram a proximidade de seus
pais neste processo. Tadeu afirmou que seu pai assumia todos os cuidados e tarefas
domésticas quando a mãe era internada em uma instituição psiquiátrica. De alguma forma, a
maior proximidade do pai estava atrelada a um impedimento da mãe para exercer o cuidado.
Moisés enfatizou a importância do acompanhamento do pai em atendimentos médicos e
odontológicos: Oh, dentista com ele!”. Isto porque, na presença do pai, o garoto sentia-se
mais seguro, denotando a importância do lugar do pai como protetor. Este entrevistado
também narrou a participação do pai no exercício de seus cuidados: Ele levantava... até hoje
a minha mãe comenta. (...) ele levantava, pegava, botava pra mamar. Duas vezes por noite e
a minha mãe nem via nada”.
De acordo com Trindade (1991), tradicionalmente, atribuiu-se ao pai o lugar de
provedor-protetor ou líder instrumental’ da família, competindo à mãe o de cuidadora ou
líder expressiva-afetiva. Entretanto, atualmente, em face das transformações e rupturas no
conceito de família e nas relações de gênero, o lugar do pai no processo de desenvolvimento
dos filhos tem sido reconhecido tanto no plano afetivo, quanto no que se refere à realização de
tarefas relacionadas aos cuidados destes, atuação antes destinada exclusivamente às mulheres
(Trindade, 1998).
No caso destes dois sujeitos (Moisés e Tadeu) que relataram a proximidade do pai na
sua relação de cuidados, chama a atenção o fato de que estes foram também os únicos
participantes que mencionaram diagnósticos psicopatológicos atribuídos às mães, no caso da
mãe de Tadeu, graves episódios de depressão considerados decorrentes do parto. Portanto, no
processo de identificação de seus pais com um lugar paterno mais engajado com o cuidado
dos filhos, poderia estar em jogo um importante aspecto: o sofrimento psíquico das mães e os
problemas enfrentados por estas para lidar com esta demanda.
No que diz respeito ao provimento dos filhos, os pais de Amoroso, Tadeu, Fabrício e
Moisés foram os que mais se enquadraram no lugar de provedor, ainda que a mãe deste último
trabalhasse de forma remunerada e que estes rapazes tenham passado a trabalhar para ajudar
nas despesas domésticas com idades entre 12 e 16 anos. No caso de Amoroso, aos doze anos,
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quando seu pai faleceu, ele e suas irmãs passaram a assumir integralmente o provimento da
família.
Cláudio foi provido pelo pai enquanto morava com ele e depois ambos perderam o
contato. O pai de Oscar faleceu quando ele era recém-nascido e sua mãe foi a maior
responsável pelo provimento da família. A mãe de Inácio também foi quem o proveu, sendo
que o pai não estabeleceu uma relação de proximidade com o filho.
No caso de Olavo, seus pais separaram-se quando ele ainda não tinha completado um
ano de idade e depois o rapaz viu o pai raras vezes. Olavo, ao contrário dos demais
participantes, não havia trabalhado de maneira remunerada em um emprego formal para
contribuir com as despesas familiares, mas, quando criança, costumava pedir dinheiro na rua
junto a outras crianças da família, segundo ele, para manter a dependência do álcool do
padrasto.
Com exceção de Moisés, cuja guarda encontrava-se sob responsabilidade do pai, os
demais participantes cujos pais não conviviam com eles o estabeleceram com suas mães
acordo de pensão. Quanto aos pais falecidos, não foi mencionada pensão seguida à sua morte,
e, caso existisse, não representava uma quantia suficiente para o provimento da família, posto
que a mãe e/ou os filhos trabalhavam remuneradamente com este fim. Portanto, na
configuração familiar da maior parte dos sujeitos entrevistados não se destacou a participação
do pai no provimento. Entretanto, o lugar da mãe na provisão não foi ressaltado, mesmo entre
as que desempenharam esta tarefa, além do cuidados dos filhos. Os pais de Tadeu e Moisés,
contudo, tanto representaram o lugar de provedor, como participaram ativamente da relação
de cuidados estabelecida na infância destes sujeitos. Sendo assim, a maior parcela destes pais
não corresponde ao modelo tradicional de exercício da paternidade, porém, também não
correspondem ao delineamento das novas paternidades, descrito por pesquisadores como
Lamb (1986), Lyra (1998), Resende e Alonso (1995) e Fuller (2000).
4.5 Relação com a parceira
Cláudio e Alessandra (18 anos) na ocasião da entrevista estavam juntosdois anos.
Antes deste período, o casal havia começado a ficar. (...) Daí terminamos por causa do
padrasto dela”. Este participante apontou a sogracomo causa dos conflitos entre o casal.
Citou em tom acusatório o fato de que foi a sograquem escolheu os padrinhos do bebê e
que iria entrar na sala de parto com a parceira. Sobre o vínculo afetivo com a parceira, este
participante afirmou: Podia até ser um sentimento qualquer, porque eu tinha 16 anos, mas
eu não sabia que ia se tornar algo tão forte”. Pode-se pensar que este entrevistado sugere que
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a adolescência é um momento passageiro (apesar de todos serem), logo entende que os
sentimentos dos sujeitos neste período também seriam passageiros, tendo surpreendido-se
com a continuidade do nculo com a namorada. Portanto, o próprio rapaz questionava a
legitimidade de seu sentimento no início do namoro em função do aspecto etário, tal como na
literatura, por vezes, são banalizadas as especificidades dos adolescentes.
Sílvia (21 anos) e Amoroso estavam juntos três anos e seis meses, estando “casados
cerca de 18 meses. O casal experienciou um grande conflito pela negociação dos cuidados
do primeiro filho, tendo o rapaz mudado seu horário de trabalho para melhor dedicar-se a esta
tarefa e gostado da mudança. As tarefas tem que ser dividida junto, pra depois, no caso,
fazendo rápido as coisas que tem que fazer, depois é só alegria com eles”.
Roberta (17), a parceira de Tadeu, havia parido no dia anterior à realização da
entrevista. O casal havia se conhecido cerca de um ano e a garota havia parado de
estudar e trabalhar antes da gestação. Tadeu gostou de participar do pré-natal e Roberta fazia
questão da sua participação.
Inácio namorou Camila (16) por quatro meses e então passaram a morar juntos, união
que estava prestes a completar dois anos. O entrevistado avaliou que a decisão de casar foi
uma loucura”, pois considerava ambos novos”. Contudo, disse estar feliz e preferir que
tenha sido assim, pois estão “construindo uma vida” e que não mudaria nada neste
relacionamento. Inácio imaginou que o casal voltaria a estudar quando a filha estivesse
“maior” e apoiava a parceira que pensava em ter um emprego. No decorrer de toda a
entrevista, especialmente no final, Inácio demonstrou seu vínculo com a parceira que estava
internada na maternidade do HU com 36 semanas de gestação: Eu aqui e a minha cabeça
tá lá. (ri) Porque eu não consigo ficar longe dela sem saber o que tá acontecendo”.
Gisele (14 anos) era a parceira de Oscar e, até a mudança para a casa dele (há cerca de
oito meses), a garota era responsável pelo cuidados de seus irmãos. O rapaz disse que Gisele
gostava de morar com a família dele. O rapaz declarou que ambos se respeitam, mas que ela
tinha ciúmes dele, especialmente, em função de suas vizinhas que ele considera bonitas”.
Durante a gravidez, a garota estava cursando a quinta série do ensino fundamental, tendo
parado de estudar. Oscar sentia-se especialmente responsável pela companheira, mas
depositava grande parcela de responsabilidade pela gestação à mesma: Faz tempo que ela
dizia que queria ter um filho meu, que gostava muito de mim”.
Letícia (18) e Moisés, no dia da entrevista, estavam namorando uns dois anos e
meio, três anos direto”. Letícia parou de estudar após noticiar a gestação para sua mãe,
tendo a decisão sobre a interrupção dos estudos sido tomada a partir das opiniões de seus
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familiares e de Moisés: A gente achou melhor porque ela é de se sentir constrangida
entendeu?”. O garoto, no entanto, imaginou que ela pretendia voltar a estudar. Quanto ao
relacionamento do casal, o participante afirmou que costumavam brigar com freqüência e
ele considerava-se muito ciumento. Demais, demais, demais, demais”. Na ocasião da
entrevista, Moisés estava considerando seu ciúme sob controle:
um pouco antes dela engravidar, eu comecei a me tranqüilizar um pouco
mais... Mas ela deu várias provas de que ela me ama muito. (ri) (...)
Porque ela me respeita muito. (...) Mas quando a gente de bem, a gente tá
bem mesmo.
Ana (17 anos) e Olavo estavam namorando cerca de um ano e três meses. Ela estava
morando com uma tia e o parceiro não a visitava com freqüência em função de uma briga
motivada por uma pipa com um rapaz que morava na mesma localidade. Olavo declarou que
pretende começar a trabalhar e economizar dinheiro para comprar uma casa no período de
dois anos. Nesse ínterim, imagina que ele e a namorada irão se visitar. Este participante
considerou sua parceira ciumenta, mas afirmou que agora não iria mais traí-la Agora mais
apegado a ela agora (...) porque a gente vai ter um filho”. A paternidade para este rapaz,
portanto, estava atrelada ao compromisso com a fidelidade à parceira.
A parceira de Fabrício chama-se Franciele (23 anos). Segundo o rapaz, a decisão de
casar foi muito de momento”, o casal ficoualgumas vezes, namoraram durante dois meses
e decidiram morar juntos na casa onde Franciele morava, após ele ter sido expulso de casa
pelo pai.
Quando todo mundo tava contra mim dizendo que eu era um marginal, que
eu era um vagabundo, não sei que, ela ficou do meu lado, ela acreditou em
mim. Então foi onde eu me apaixonei realmente por ela e vi que ela era a
mulher da minha vida e até hoje é, eu sei disso (...) Eu acho que se eu tivesse
sido criado de outra maneira, sabe, com mais carinho, eu não procurasse
isso fora. (...) ela é muito carinhosa comigo. (...) Mesmo se separar, nunca
vou deixar ela desamparada, por tudo o que fez por mim, mesmo se eu tiver
outra mulher.
O casal realizou uma série de mudanças de local de moradia, algumas juntos outras não.
Os momentos em que viveram em cidades diferentes não foram considerados por Fabrício
como uma separação, mas houve mal-entendidos entre o casal nesse ínterim. O rapaz
considerou que não soube reagir diante da notícia sobre a gravidez, transmitida por
telefone:
Ela achou que eu não tinha aceitado bem. (...) Quando ela ficou grávida, ela
decidiu que não queria contar, porque achou que eu ia ficar com ela por
causa da gravidez. (...) eu amo ela, eu batalhei pra ficar com ela, não seria
90
agora que eu não ia ficar com ela (...) Até porque eu não deixaria de ser pai
se eu não tivesse casado com ela.
Em diversas passagens do discurso deste entrevistado, ele enfatizou que independente da
modalidade de relacionamento com a parceira, ele iria ser pai da filha do casal, ainda que
chame a atenção o fato de que a garota cogitou a possibilidade de não lhe noticiar a gestação.
Portanto, de alguma forma, Franciele, a partir do momento em que decidiu comunicar ao
parceiro a sua gravidez, nomeou-o pai e legitimou a sua paternidade.
Verificou-se que seis desses rapazes moravam com a mãe de seu(s) filho(s) e os dois
entrevistados solteiros (Olavo e Moisés) mencionaram o projeto, mais delineado no caso de
Moisés, de vir a residir na mesma casa que a namorada. Inácio e Fabrício, consideraram o
casamento loucura, produto de uma decisão impulsiva, mas estavam satisfeitos em estarem
casados. Em geral, os participantes estavam satisfeitos com o relacionamento com suas
parceiras. Olavo não sabia ao certo se estava gostando da situação que estava vivendo e, em
um momento da entrevista, declarou que preferia não ter uma namorada.
Cláudio disse que quer ficar do lado da Alessandra que é a pessoa que eu mais amo
nessa vida”. Porém, também destacou alguns aspectos que gostaria de mudar na relação
como: a comunicação com a parceira- que ela fosse mais aberta, como um casal normal”, o
fato de morar com a sogra e de estar com uma responsabilidade desse tamanho”, referindo-
se à paternidade, que para ele implicou na contração de dívidas com eletrodomésticos e
roupas para o bebê, além da necessidade de com a cabeça quente pra procurar outro
serviço”.
Amoroso, por sua vez, considerou que o namoro foi muito bom” e estava satisfeito com
o casamento, apesar dos conflitos, ocasionados especialmente com a segunda gestação
sucessiva, tendo o rapaz reprovado a sugestão de aborto feita pela parceira. Sílvia estava
terminando um curso de massoterapia, preferindo que a gestação ocorresse mais tarde.
Oscar, Olavo, Fabrício e Moisés apontaram o ciúme como um dos principais causadores
de conflitos entre eles e suas parceiras. Moisés foi o único deles que se descreveu como
ciumento, os demais mencionaram o ciúme das parceiras.
Fabrício declarou que, antes do nascimento da filha, freqüentemente, costumava brigar
com Franciele mas deu um desconto para a companheira, pois se considerou muito
irritado”. Pensou que o estabelecimento de regras e limites para a filha será o campo onde
haverá mais conflitos entre o casal, na medida em que avaliou que ambos tem conceitos
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muito diferentes, tendo em vista as suas origens- ela da capital paulista e ele do interior de
Santa Catarina, sendo ela considerada por ele mais “liberal” e ele “antigo”.
Sobre a motivação das parceiras para a ocorrência da gestação, dois sujeitos abordaram
problemas em relação à família de origem da parceira. Cláudio destacou graves e constantes
conflitos, especialmente com o padrasto da garota e Olavo apontou o fato de que a parceira
iria se mudar e não gostaria que o namoro tivesse fim. Sarti (1994) afirma que a gestação,
para algumas adolescentes por ela entrevistadas consistiu em instrumento para garantir a
continuidade do relacionamento com o parceiro diante de uma reprovação da família ou a
insegurança em relação à própria relação do casal, aspectos estes que também podem ter feito
parte do cenário da paternidade destes dois rapazes, estratégia esta, entretanto, que não é aqui
considerada prerrogativa exclusiva nem do universo dos adolescentes, nem das mulheres.
Os oito participantes apontaram a ocorrência de conflitos com suas parceiras. Diante dos
desentendimentos, no processo de resolução, mencionaram os comportamentos de sair pra
um canto”, pedir desculpas e, principalmente, conversar. Ainda assim, Moisés declarou que,
quando houve uma “briga” entre o casal ele não compareceu a um atendimento pré-natal.
Quanto às prescrições de gênero destinadas às mulheres no contexto familiar, Villa
(1997) enumera duas grandes esferas de responsabilidades atribuídas às mesmas: o
atendimento de necessidades dos homens, tais como a realização dos afazeres domésticos
(que incluem as atividades de cozinhar, lavar a roupa, limpar a casa, oferecer companhia e
atenção) e a domesticação/moralização dos mesmos, buscando mantê-los no espaço privado,
como se coubesse às mulheres ensinar aos homens quanto ao desempenho dos lugares sociais
de marido e pai. Estas duas demandas foram identificadas neste estudo, destacando-se no
discurso dos participantes a presença de suas companheiras no âmbito privado. Entretanto, a
delegação dos afazeres domésticos às parceiras não é rígida, havendo, mesmo que só no plano
do discurso, um incentivo à inserção delas no mundo do trabalho. Quanto à
domesticação/moralização dos homens, Olavo declarou que a com a paternidade pretendia
passar a ser fiel à parceira, denotando que a filiação em comum vincula o casal de modo a
estabelecer o compromisso com a fidelidade. Neste caso, portanto, o processo de
‘moralização’ de Olavo parece mais vinculado à paternidade do que à atuação direta da
parceira em sua ‘domesticação’.
4.6 Negociação do método contraceptivo e o projeto de paternidade
A Conferência Internacional de População e Desenvolvimento e a IV Conferência
Mundial Sobre a Mulher, ambas promovidas pela ONU na década de 90 do século XX,
92
incentivaram explicitamente a realização de investigações que contemplem a participação dos
homens na esfera da saúde sexual e reprodutiva, incentivo este justificado em vista do
aumento da incidência da Aids, especialmente preocupante no segmento composto por
mulheres casadas, a importância da negociação entre os casais no que diz respeito à prevenção
das DST’s e o planejamento familiar, além da melhoria dos resultados em programas de saúde
voltados para infância com a inclusão do pai (Mundigo, 1995). Entretanto, grande parte dos
estudos referentes aos processos reprodutivos ainda são limitados às experiências das
mulheres, enquanto os homens são tratados como meros coadjuvantes no campo do controle
da fecundidade (Villa, 2001 e Figueroa Perea, 1998).
Nesta investigação, todos os sujeitos entrevistados, com maior ou menor freqüência,
haviam vislumbrado a possibilidade de virem a ser pais. Porém, apenas dois participantes
estavam mantendo relações sexuais planejando a gestação (Inácio e Oscar), ainda que estes
mesmos sujeitos tenham considerado este empreendimento precipitado após a confirmação da
gravidez de suas parceiras.
Inácio e sua parceira planejaram a gestação e interromperam o uso do preservativo e do
anticoncepcional (combinação de métodos que este rapaz considerava mais segura) com este
fim. Oscar namorava a parceira cerca de dois anos (desde que ela tinha 12 anos) quando o
casal planejou a gestação, aliás, eles começaram a ter relações sexuais com esse propósito e
após dois meses ela estava grávida. Este sujeito, apesar de haver pensado em ser pai antes,
enfatizou que era a parceira quem desejava mais a gestação: Achava ela nova, mas ela disse
que queria ter um filho meu”. Neste caso, a paternidade e a maternidade pareceram estar
relacionadas a uma autorização para a ocorrência das relações sexuais. Fávero e Mello (1997),
ao abordar a maternidade na adolescência, identificaram associações entre o sexo e a
transgressão, consistindo o casamento em reparação desta infração.
Olavo declarou que a gravidez não foi planejada nem desejada, não se implicando na
fecundação e considerando o evento como coisa dela (da parceira). Quanto aos demais
participantes, as gestações das companheiras não foram consideradas planejadas, mas
desejadas.
O roteiro de entrevista não contemplava diretamente a temática do aborto, mas Amoroso
e Olavo manifestaram reprovação a esta prática, diante da sugestão de suas parceiras. Estes
dois casos demonstram a inversão do mito do amor materno, na medida em que são os
adolescentes pais que se posicionam contrariamente à prática do aborto frente à sugestão das
parceiras. Por outro lado, pode-se pensar que justamente a ênfase na atribuição do cuidado
dos filhos à mãe (e a conseqüente maior responsabilização desta) pode ter implicado na
93
iniciativa destas garotas em propor esta prática ao parceiro. Arilha (1999) também identificou
entre os homens que entrevistou a crença que eles têm de que podem determinar o
posicionamento das parceiras frente ao aborto, direcionando a sua decisão. Palma e Quilodrán
(1997), por sua vez, constataram que os rapazes por eles entrevistados contribuíram para com
as respostas adotadas pelas parceiras frente à gestação.
No que diz respeito à adoção de métodos contraceptivos, Tadeu foi o único sujeito que
apontou o uso constante da camisinha, porém, segundo este participante, um dia o
preservativo estourou e o casal não se preocupou com este fato, pois desejava a gestação,
apesar de não ter havido planejamento. Sobre a confirmação da gravidez através de um exame
laboratorial, este jovem disse: “Daí deu tudo certo”.
Sobre o comportamento preventivo dos cinco demais participantes, houve uma
interrupção ou descontinuidade do uso de métodos contraceptivos e/ou o emprego de métodos
de baixa eficácia como a tabelinha e o coito interrompido, denotando uma dificuldade para
lidar com outros métodos que não a camisinha. Abaixo, segue uma síntese da fala destes
participantes sobre esse aspecto de sua vida sexual.
Cláudio não havia planejado ser pai naquele momento, mas conversava sobre o assunto
com a parceira antes de ela ficar grávida. Quanto ao comportamento preventivo do casal, no
início do namoro, costumavam usar camisinha, tendo a parceira dito que ela não queria
mais, ela falou que eu era o homem da vida dela, que tinha plena confiança em mim”. O
rapaz disse ter alertado a parceira sobre a possibilidade de uma gravidez e ela passou a tomar
anticoncepcionais. Em outro momento, ela teria proposto a suspensão do anticoncepcional,
mas ele teria considerado cedoe Alessandra, segundo o rapaz, havia dito que continuaria
usando o contraceptivo; que ela não continuou tomando o remédio. (...) Mas assim, eu
não brigo com ela (...) porque a minha vida não completamente um inferno por esse
anjinho que vai nascer”. O rapaz pretende ser pai novamente daqui dez anose sua
esposa irá implantar um dispositivo intra-uterino que irá mantê-la esterilizada nesse
período.
Amoroso considerou ter ficado muito feliz quando soube da primeira gestação da
parceira, pois falava para ela que queria ter um filho, tendo reprovado a iniciativa da
família dela que sugeriu um aborto, tendo, portanto, levado a parceira para morar na casa de
sua mãe. Disse não ter ficado tão feliz com a notícia da segunda gestação quanto da
primeira, “o segundo veio um pouco adiantado”, mas pensa que o filho não tem culpa,
discordando da parceira que queria provocar um aborto: graças a Deus não aconteceu
nada”. Quanto ao comportamento preventivo do casal, Amoroso considerava desconfortável o
94
uso do preservativo. Até a primeira gestação o método empregado foi a tabelinha. Após o
nascimento do primeiro filho, passaram a usar o preservativo, mas um dianão usaram e a
segunda gravidez ocorreu. Este participante demonstrou desconhecer os métodos que podem
ser combinados com a amamentação com fins contraceptivos.
Moisés declarou que interrompeu o uso da camisinha porque não achava confortável”.
Quando questionado se pensava em ter um bebê antes de a parceira engravidar, respondeu:
Não, assim, a gente conversava, a gente brincava. Eu sempre falava pra ela que eu queria
ter um filho com ela entendeu? A gente nunca pensou que ia vim”. Sobre o comportamento
preventivo do casal disse:
(...) eu usava camisinha, só, e ela não tomava anticoncepcional porque ela
falava que engordava. (...) que umas duas ou três vezes agora, não na
realidade, a gente ficou um bom tempo transando sem camisinha. (...) Sem
camisinha, sem nada. Altas cara, né. A gente até ficava de cara, porque
mesmo a gente tando sem camisinha não dava nada. (...) Não, não pensando
em ter o filho. (...) É... a gente ficava preocupado assim, um pouco. Mas
depois... ficava... tranqüilizado.
Olavo e sua parceira usaram o preservativo até a realização de exames de DST’s, diante
dos resultados negativos, interromperam este comportamento preventivo. O rapaz demonstrou
dificuldades em compreender o funcionamento das pílulas anticoncepcionais: Não, ela
pensou em usar quando ela soube que ela tava grávida, ela quis usar, mas eu não deixei.”
Apesar de afirmar que a parceira pensou em realizar um aborto, Olavo considerou que o filho
foi a solução dela para ficar ao seu lado, quem veio com essa idéia de ser pai foi ela, não
tem?”. Isto porque ela teria de ir morar com o seu pai em Criciúma contra a sua vontade.
Apesar do casal ter dispensado o uso de preservativos no período que antecedeu a gestação e
o rapaz ter admitido, na entrevista, que o coito interrompido não é um método contraceptivo
seguro, o mesmo não reconhece sua responsabilidade na fecundação da parceira, Eu... se eu
sabia que podia acontecer a gravidez? Olha, pela minha parte não fui eu, não fui eu (...)
uma vez eu fui sair e ela falou outra coisa. (ri) Aí chegou entendeu?”.
Fabrício pensava em ser pai antes da gestação da parceira. Sobre o comportamento
preventivo do casal, este entrevistado disse que nunca usaram camisinha, ele falou que tinha
meio que alergia, eu não me sinto bem com camisinha”. Franciele fazia uso de
anticoncepcional fazia muito tempoe eu confiava nela e ela confiava em mim”. Devido ao
prolongado tempo de uso, a parceira teve de interromper o anticoncepcional porque o útero
dela tava secando”. Em se tratando da possibilidade de uma gravidez, o rapaz afirmou: Não,
nem... não tava nem aí. Nem me preocupava. (...) Nunca passou pela minha cabeça”.
95
No que tange ao controle da fecundidade, Fabrício, Cláudio e Olavo (especialmente,
estes dois últimos) depositaram uma maior parcela de responsabilidade na parceira. Conforme
Olavarría (2001), o comportamento dos homens que não assumem as conseqüências do
exercício da sexualidade está associado com a forma como interpretam seus corpos
(determinados por desejos instintivos cuja necessidade de satisfação superaria as
conseqüências do exercício sexual). Na medida em que a gestação dá-se no corpo ‘feminino’,
a responsabilidade pelo exercício da sexualidade do casal seria culturalmente atribuída, em
grande medida, à mulher. Neste sentido, Trindade e Menandro (2002) chamam a atenção para
a associação rápida entre gravidez e maternidade, que coloca o pai no lugar de coadjuvante,
fazendo pensar que, após a fecundação, o pai estaria dispensado deste processo.
Mundigo (1995) enfatiza a necessidade de superação de barreiras culturais entre homens
e mulheres para a promoção do incremento na participação dos primeiros no campo da saúde
reprodutiva. A perspectiva de compreensão da saúde - englobando a saúde sexual e
reprodutiva como um direito demanda o reconhecimento da equidade de gênero como
condição para a sua consecução, na medida em que diz respeito à problematização das
prescrições e os padrões de relações sociais e institucionais referentes ao campo da
reprodução (Figueroa-Perea, 1998).
Com exceção de Oscar que passou a ter relações sexuais com a namorada com fins
procriativos e, portanto, não mencionou a adoção de qualquer método preventivo, os
participantes demonstraram saber acessar e usar a camisinha, apesar de Tadeu ter declarado
que a gravidez da parceira ocorreu como conseqüência da ruptura de um preservativo, fato
que geralmente decorre do seu uso inadequado.
A camisinha, quando empregada, teve um fim contraceptivo, com exceção de Olavo que
usou o preservativo até a realização de um exame (não especificou de quais DST’s ou se
somente da Aids) o qual foi por ele considerado como uma garantia de prevenção do contágio
por DST’s. A confiança também foi apontada como garantia de prevenção às DST’s, tendo
sido explicitada no discurso de Cláudio e Fabrício. Segundo Paiva (2000), pesquisas têm
constatado que o amor e a paixão dissolvem o risco, sendo que a cogitação de que o parceiro
sexual pode ser portador de uma DST, equivale a uma ofensa, uma demonstração de
desconfiança do outro. Portanto, a prevenção das DST’s geralmente não foi abordada no
discurso destes jovens e, quando citada, foi tratada como uma preocupação secundária
rapidamente contornada, tendo como pano de fundo a confiança, mesmo quando a
problemática da infidelidade masculina e da desconfiança feminina é tangenciada por Olavo e
96
Fabrício. Oscar também citou o ciúme da parceira, mas não foi identificada em sua
entrevista uma situação de deslealdade com a parceira.
Orlandi (2004) entrevistou estudantes, de ambos os sexos, matriculados em escolas
públicas de Florianópolis e São José e também constatou entre alguns destes adolescentes
irregularidades na adesão às práticas de comportamento preventivo. Quando a inconstância ou
a não cogitação do uso da camisinha foram abordados por estes sujeitos, a confiança foi um
tema recorrente, considerada como um aspecto de garantia de que o jovem está protegido
contra doenças sexualmente transmissíveis, justificando o não uso do preservativo. O
relacionamento sexual com um parceiro fixo pode representar segurança para estes
participantes, uma auto-percepção errônea (da ausência) do risco em contrair DST’s. Segundo
Paiva (2000), o comportamento preventivo não regular denuncia a existência de risco para a
saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes por ela abordados, na medida em que a gravidez
não planejada e a infecção pelo HIV decorrem do mesmo relacionamento sexual
desprotegido.
Quanto à dificuldade em lidar com a sexualidade e suas implicações, Fabrício
responsabilizou a sua família, na qual não havia diálogo sobre este tema. Cláudio e sua
parceira conheceram-se em um projeto da prefeitura de Florianópolis voltado para a educação
sexual de jovens. Ainda assim, este rapaz demonstrou dificuldades em lidar com a negociação
do uso de métodos contraceptivos/preventivos.
No relato de Cláudio, o próprio rapaz demonstrou-se surpreso com seu nível de
informação sobre sexualidade em um momento anterior à gravidez da parceira. Diante dos
empecilhos causados pelo padrasto dela no início do namoro do casal, ambos se distanciaram
por um período, durante o qual Cláudio namorou outra garota, tendo ela dito que estava
grávida. Contudo, este casal jamais havia tido uma relação sexual com ejaculação, o
relacionamento do casal, segundo o rapaz limitava-se a beijos”. Retomando-se a narrativa
deste evento: Pô, até acho que a senhora pode pensar, como é que ele não aprendeu na
escola isso? (...) Só sei que eu achava que tinha engravidado ela com os meus beijos!”.
De alguma forma, os jovens participantes desta investigação denunciam a escassez de
espaços destinados ao favorecimento do acesso à informação, à discussão e à reflexão sobre
aspectos envolvidos no exercício da sexualidade, tais como as relações de gênero que
circunscrevem a negociação do uso de métodos contraceptivos/preventivos. Neste contexto,
Ribeiro (2002) afirmou que os direitos sexuais e reprodutivos não estão efetivamente sendo
garantidos aos jovens brasileiros.
97
4.7 Paternidade e cuidados dedicados ao (s) filho (s)
No que diz respeito aos sentidos que cada um dos sujeitos atribuíram à paternidade, ao
longo de todo este trabalho, o processo de significação deste evento pautará outras temáticas
aqui abordadas. Abaixo porém, serão citadas algumas falas que se destacaram no discurso dos
participantes desta investigação.
Cláudio declarou-se feliz por ser pai, pois agora eu tenho certeza de que se acontecer
alguma coisa comigo, a gente nunca sabe o dia de amanhã, deixei alguma coisa como meu
sangue e se ela tiver maior, com tudo que eu puder deixar”. Estava satisfeito, portanto, em
deixar sua marca à posteridade através da paternidade. Tornar-se pai é uma forma de
superação da finitude do ser humano, através da perpetuação de seus genes e da espécie. A
importância do sangue neste contexto também pode estar vinculada à valorização do vínculo
genético na determinação da paternidade e a conseqüente conferência do status, a este ‘pai
biológico’, de pai, adulto e homem viril.
Amoroso abordou a paternidade em contraste com a maternidade em detrimento da
importância da primeira, destacando a dimensão afetiva:
Ser pai... acho que... acho que é tudo. A coisa mais maravilhosa do mundo.
Deus deu a oportunidade pro homem criar outra vida. Acho que a mulher
sente mais, por ser, por ela dar a luz. Ela cuidar durante aqueles nove
meses, ela amamentar. Acho que a criança tem mais afeto, carinho pela mãe
também. Só que é maravilhoso ser pai. Sensação incrível.
Tadeu mostrou-se abatido no momento da entrevista, tendo em vista o recente
acompanhamento da parceira e da filha no trabalho de parto e no puerpério. Ainda assim,
declarou que teve facilidade para cuidar da filha no primeiro dia de vida dela e exclamou “Ah,
foi maravilhoso!”.
Inácio, sorrindo, afirmou que está gostandoda paternidade, por enquanto bom”,
referindo-se ao período que antecede o nascimento da filha. O rapaz visualizou as futuras
noites de sono tumultuadas, os cuidados que a criança irá demandar do casal, surpreendendo a
pesquisadora com a declaração sobre esta rotina após o nascimento do bebê: Depois vai ser
melhor ainda porque agora eu não posso ver, não posso pegar no colo, essas coisas, dar
carinho. Quando nascer eu vou fazer tudo isso”. Este participante avaliou as implicações de
uma criança no cotidiano de um casal, mas ainda assim mostrou-se satisfeito com a
proximidade da chegada do filho.
Oscar ao deparar-se com a filha, disse ter pensado: agora tem que cuidar, . Agora
que veio tem que cuidar, ”. Apesar de depositar grande parcela do desejo e da
98
responsabilidade pela gravidez em sua companheira, Oscar surpreendeu-se com sua satisfação
diante do contato direto com a filha.
Apesar da gestação não ter sido planejada, Moisés está satisfeito: Não vejo a hora de
ver o bichinho nascer”. Até então, ele havia considerado como a sua maior preocupação
diante da paternidade, a tarefa de noticiar a gestação à mãe de sua parceira e definiu que ser
pai é ter “responsabilidade e mostrar pro filho o que é ser certo e o que é errado”.
Diante da paternidade, Olavo, falou que “agora é só botar a cabeça no lugar e trampá e
família” e que ser pai é “uma coisa bem bacana, bem legal assim (...) Agora é alegria né.
Tenho um filho. Ser pai já, legal, carinho, apoio”. Durante a entrevista, Olavo pareceu mais
interessado em narrar suas aventuras com garotas e no futebol, entre outras, do que em
abordar a paternidade, colocando-se com mais facilidade no lugar de filho, ao abordar seu
drama familiar enquanto o padrasto era vivo e o cotidiano com sua mãe na atualidade.
Fabrício lamentou durante a entrevista o fato de não poder permanecer em Florianópolis
acompanhando a parceira e a filha que estava internada na maternidade do HU. O rapaz
considerou dolorosa esta situação pois esperava, neste momento, estar acompanhando a
gestação da parceira ou cuidando da filha em sua casa. O rapaz tinha receio de não “levar ela
pra casa” e cada dia de internação representava uma vitóriada filha que estava batalhando
para viver: a minha filha vai ser o orgulho da minha vida, daria a vida pra ela sem pensar”.
A paternidade e o trabalho para ele, de alguma forma, provam a sua masculinidade:
Ser homem, não me chamam de menino, fico ofendido quando me chamam de
menino. Porque as pessoas vão me ver de outro modo, as pessoas não sabem
o que eu passo pra chamar de menino, eu batalho por mim mesmo desde
cedo.
Quanto à associação entre paternidade, virilidade e hombridade explicitadas por
Cláudio e Fabrício, Arilha (1999) e Sarti (1994) verificaram a relação entre paternidade e
atividade remunerada à masculinidade, à hombridade e ao status perante os pares. Na
sociedade ocidental é freqüente o entendimento de que o provimento da família contribui para
a consolidação da identidade masculina. Fuller (1997) constatou que a paternidade é
considerada um aspecto significativo na experiência da masculinidade, na medida em que esta
vivência, no imaginário social, é atrelada à noção de virilidade.
No contexto deste trabalho, sete entre os oito participantes abordaram com maior
profundidade o seu projeto de exercício de paternidade em detrimento de sua convivência
propriamente dita com os filhos, na medida em que estes haviam nascido poucos dias ou
suas parceiras ainda encontravam-se grávidas. Fuller (2000a) verificou que apesar de muitos
homens manifestarem dificuldades para exercer a paternidade conforme o próprio modelo que
99
descrevem (geralmente, verifica-se uma defasagem entre a esfera do ‘dever ser’ e suas
práticas efetivas de cuidado), identifica-se um ideal compartilhado que abarca outras
atividades, que superam a provisão da família. No discurso dos participantes deste estudo
também foram verificadas outras dimensões de atuação, além do provimento.
No delineamento da paternidade, todos os participantes apontaram a dimensão amorosa
como uma atribuição do pai, destacando-se os substantivos amor, carinho e atenção. Cláudio
enfatizou a importância da afetividade, pois considerava que na ausência do vínculo amoroso
o filho pode se revoltar contra o pai e a mãe. (...) Por isso que vou tratar bem a minha
princesinha”. Este rapaz preocupava-se também com o fato de que a filha poderia colocá-lo
em um asilo, quando ele envelhecesse, contra a sua vontade. Moisés, por sua vez, considerou
que ideal é o pai que, sei lá, presente na hora que o filho precisa. (...) como no primeiro
dia de aula, por exemplo, ir ao médico, essas coisas assim. No começo é sempre difícil”.
Cláudio afirmou que, além do patrimônio financeiro, pretendia que a filha herdasse a
educação, os valores e o carinho que lhe deu, assim como Amoroso que declarou que o pai
ideal não deixa faltar nada”, referindo-se tanto a condições materiais quanto ao amor e o
carinho. A vivência da paternidade atrelada ao estabelecimento de vínculos afetivos com os
filhos tem sido apontada pela literatura especializada (Trindade, 1991; Resende & Alonso,
1995). Trindade e Menandro (2002) verificaram transformações na configuração da
paternidade, na medida em que adolescentes pais relacionam à figura do pai, além do adjetivo
provedor, o de cuidador, sendo também apontada a importância do pai no processo de
desenvolvimento dos filhos, na condição de fonte de carinho e afeto.
Entretanto, o compromisso com a manutenção ou conquista de um emprego são cruciais
na definição de paternidade destes rapazes, que em diversos momentos justificam as suas
ausências no cuidado dos filhos em função da atividade remunerada. A problemática do
trabalho e do provimento destacou-se no discurso dos sujeitos entrevistados de tal maneira
que será abordada à parte, no próximo item desta dissertação.
Haja vista a constatação do desejo de adolescentes pais investigados exercerem a
paternidade de maneira efetiva, Levandowski (2001) ressaltou a não correspondência entre o
discurso destes sujeitos e os estereótipos associados à paternidade na adolescência,
denunciando os preconceitos dirigidos a esta população. Sobre o exercício da paternidade,
destacou-se no discurso dos participantes desta pesquisa o compromisso de Tentar dar tudo
de melhor para o filho (Tadeu), que também foi expressamente declarado por Cláudio,
Amoroso, Inácio e Fabrício. De acordo com estes sujeitos dar tudo engloba tanto a
100
dimensão afetiva quanto condições financeiras/materiais. O lugar do pai como educador e/ou
disciplinador dos filhos também foi abordado.
O caráter didático do exercício da paternidade ficou evidente nos discursos de todos os
entrevistados. Os participantes ao delinearem o exercício da paternidade, empregaram
expressões como: ensinar”, aconselhar”, mostrar” ao filho o caminho certo”, dizer o que
é o certo e o que é errado”. O certo e o errado em suas falas geralmente está associado ao
estudo e ao respeito pelos demais. Moisés, Amoroso e Inácio pretendem ensinar tudoe/ou
tudo o que sabem aos filhos.
Cláudio e Fabrício chamaram a atenção para a educação sexual, preferindo que seus
filhos não sejam pais com a mesma idade deles: eu até dez, 12, 13 anos tinha uma idéia
errada sabe, do que era sexo e essas coisas. E drogas também. Eu fui descobrir o que que era
pra saber o que que era. Por isso que eu me meti nisso. (...) eles (seus pais) só sabia dizer que
era errado. Que não era pra mim, porque eu era muito novo(Fabrício). Este rapaz falou da
importância de mostrar para a sua filha como são as coisaspara que ela possa discernir o
que for melhor para si própria. Amoroso destacou a importância de dar o exemplo aos
filhos, planejando voltar a estudar justamente com este objetivo.
Os participantes que vincularam a paternidade à indicação do certo e do erradoaos
filhos o fizeram mesmo após terem reprovado seu uso anterior de drogas (Moisés e Fabrício),
declarado o fato de que havia feito todo tipo de maluquice(Amoroso) ou de que naquele
momento considerava-se encrencadoem função das vidas contraídas após a notícia da
gestação (Cláudio). Cláudio tinha a expectativa de que a filha se tornasse mais cabeçado
que ele. Portanto, estes jovens pretendiam apontar para seus filhos o que consideravam certo e
errado, mesmo quando o achavam apropriadas algumas de suas próprias escolhas. Tadeu,
por exemplo, apesar de ter evadido da escola, pretendia aconselhar a filha a estudar
porque hoje sem estudo, não dá pra viver”.
Considerando-se a pluralidade de paternidades, tendo em vista as múltiplas formas de
exercício desta atribuição social, Fuller (2000), referindo-se aos significados atribuídos pela
população masculina de países como Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru ao exercício da
paternidade, apontou mudanças e permanências na produção destes significados.
Corroborando a autora, tal como foi verificado na presente investigação, o pai tem sido
significado, além de protetor e provedor, também como formador e educador de seus filhos,
havendo, portanto, uma ampliação das práticas atribuídas ao campo da paternidade.
A questão da educação dos filhos citada acima está diretamente relacionada ao
estabelecimento de regras e limites para os filhos. No contexto da cultura ocidental judaico-
101
cristã, segundo Siqueira, a figura do pai esteve sempre relacionada com as noções de
autoridade, honra e respeito (Siqueira, 1999). Cláudio, Tadeu, Oscar, Olavo, Fabrício
consideraram que cabe tanto à mãe quanto ao pai esta tarefa. Amoroso e Moisés pretendiam
representar a maior figura de autoridade em relação aos filhos, o primeiro porque considerou
que cabia ao pai fazê-lo e o segundo porque pensou que a parceira não irá conseguir”.
Inácio, por sua vez, pretendia delegar esta tarefa à parceira que é por ele considerada mais
apta, na medida em que ele adora crianças e portanto pensou que não iria conseguir”,
rompendo com a tradicional designação da autoridade ao pai no contexto familiar.
Sobre a negociação de limites com a filha, Cláudio pensou que os pais poderiam fazê-la,
ela tem direito, eu também tenho, agora da minha parte, eu não pretendo encostar um dedo
na minha filha. (...) Mais vale botar de castigo, conversar com ela”. Amoroso preocupava-se
em estabelecer limites para o filho; Tirar alguns costumes de querer tudo (...) Tem gente que
na verdade deixa solto, não impõe regras nenhuma, é onde depois que cresce fica meio
revoltado, essas coisa assim”. Quanto ao estabelecimento de regras com a filha, Fabrício
declarou que esta é a área onde pensava que haverá maior conflito de conceitos entre o
casal: A gente pensa diferente, ela é mais liberal e eu mais antigo, fui criado de um jeito
diferente. Ela é de São Paulo e eu do interior”. Contudo, ponderou que “vamos resolver
conversando (...) a gente vai se entender e se adaptar, vai se entender”.
Fuller (2000) menciona um novo mandato moral no campo da paternidade que se
refere à maior participação do pai no cuidado dos filhos e ao diálogo horizontal com os
mesmos. Olavarria (2000), por sua vez, abordou a tensão vivida por muitos homens entre o
modo de expressão de afetos pelos filhos e o exercício da autoridade que crêem ser seu dever.
Este autor observou com maior freqüência entre os pais mais jovens a expressão de seus
sentimentos dirigidos aos filhos, tocando-os e lhes fazendo carinho. Porém, estes pais, em
determinados momentos, procuram distanciar-se dos filhos com o objetivo de estabelecer
regras e limites. De acordo com Olavarria, a modulação da expressão de afetos estaria
atrelada ao exercício da autoridade.
Foram citados como instrumentos para o estabelecimento de limites a conversa e os
castigos. A busca da conquista do respeito(Amoroso), o amor(Oscar) e palmadas se
precisar (Moisés) também foram citados. Moisés disse que estava assistindo programas
televisivos sobre comportamento infantil com o propósito de educar melhor o seu filho. Tadeu
considerou que sem a participação do pai, o filho pode ir por um mal caminho”. Exceto no
caso de Moisés que mencionou as palmadascomo último recurso educativo, o emprego da
violência foi descartada por todos, mesmo entre os que mencionaram o uso da “vara” ou de
102
“puxões de orelha” em sua família, incluindo os sujeitos com histórias de vida marcadas pela
violência familiar (Cláudio e Olavo). Constatou-se que as estratégias que estes pais projetam
para o estabelecimento de regras familiares estão comprometidas com o intuito de não se
valeram da violência com fins didáticos, superando, deste modo, mesmo que no plano do
ideal, o modelo da família de origem, em alguns casos, pautado pelo emprego sistemático da
violência.
Keijzer (2000) ressalta a importância da associação entre as noções de reprodução e
paternidade, já que para os homens é a primeira (às vezes a única) objetivação de sua
participação no campo da reprodução. No que diz respeito à participação dos entrevistados no
pré-natal, Amoroso, Tadeu, Inácio e Oscar buscaram estar presentes em todos os
atendimentos médicos, ausentado-se de um ou alguns deles somente quando não foi possível a
negociação com seus empregadores para a dispensa do trabalho no horário das consultas. No
caso de Oscar, quando não pôde comparecer, uma de suas cunhadas ou sua mãe o fizeram.
Tadeu e Oscar destacaram sua satisfação em ter participado também do parto e pós-parto das
companheiras. Moisés afirmou que buscava participar do pré-natal, sendo que às vezes em
que não compareceu foram justificadas pelas brigas do casal, quando eles brigavam, ele não
comparecia.
Tadeu e Moisés também participaram com suas parceiras de grupos de gestantes, no
caso de Tadeu, de todos os encontros. Verificou-se que determinadas respostas fornecidas por
estes sujeitos, especialmente no que se refere à relação de cuidados que pretendiam
estabelecer com seus filhos, estavam fundamentadas na experiência com o grupo de casais
grávidos.
Amoroso, Inácio e Fabrício comentaram sobre o hábito que tinham de conversar com o
bebê no útero da parceira. Portanto, estes jovens consideravam, em maior ou menor grau, que
o exercício da paternidade pode ser anterior ao nascimento do filho.
Cláudio, Olavo e Fabrício não participaram do pré-natal de suas companheiras. No
decorrer da entrevista, diversas vezes, Cláudio afirmou: Eu quero do lado da minha filha
quando ela nascer”, contudo, não estava presente no momento do parto. Fabrício, por sua vez,
disse que não acompanhou o pré-natal em função de seu horário de trabalho e que gostaria de
ter participado e visto um ultra-som ao menos.
Com exceção dos casos de Inácio e Moisés, o primeiro filho dos demais participantes
havia nascido. Contudo, entre os seis entrevistados cujo filho havia nascido, apenas Tadeu
e Oscar acompanharam a parceira no parto de seus filhos. Tadeu ficou preocupado com a
parceira durante o trabalho de parto e disse ter ficado aflito com a dor sofrida por ela. Oscar,
103
por sua vez, ficou triste durante este evento porque ela tava sentindo dor e eu não”, mas
avaliou que a experiência de participar do trabalho de parto foi boa né... ficar olhando ali
nascer”.
O incentivo à presença dos pais na sala de parto surgiu entre famílias urbanas em países
tidos como ‘desenvolvidos’ na década de 70, com o intuito de promover a afetividade, a
valorização da mulher e o resgate da referência familiar, prejudicados com a realização do
parto no contexto hospitalar. Neste cenário, o pai contribuiria com o trabalho de parto
apoiando a parceira e, ao mesmo tempo, identificar-se-ia, desde este momento, com o lugar de
pai (Salem, 1987). Fabrício gostaria de estar presente na sala de parto, mas não foi convidado
pela equipe da maternidade onde sua filha nasceu, em Criciúma. Olavo não esteve presente no
trabalho de parto do filho, pois sua parceira solicitou a presença de uma tia da mesma neste
momento. Cláudio, por sua vez, disse que gostaria de acompanhar a companheira no trabalho
de parto e que não aceitava o fato de que a sogra iria fazê-lo: “Eu acho que ela já curtiu a vez
dela. Acho que na hora dela deixar o pai da criança curtir!”. Porém, ele e o padrasto da
parceira entraram em contato comigo durante o trabalho de parto da parceira que foi
acompanhada até o Hospital Universitário por sua mãe, enquanto o garoto foi a uma entrevista
de emprego. Portanto, destaca-se o fato de que mesmo os sujeitos que não participaram e/ou
que não estavam disponíveis para participar do trabalho de parto de suas parceiras, em algum
momento, vislumbraram a possibilidade de fazê-lo.
Ainda muita polêmica quando o assunto é a presença de um acompanhante no parto.
Fala-se do direito reprodutivo do pai, do direito da mãe à privacidade, da necessidade de
esclarecimento à parturiente e seu acompanhante e a importância da negociação entre o casal
de pais. Na medida em que as recomendações neste âmbito têm como objetivo melhorar as
condições de parto, tem especial destaque o respeito às escolhas da mãe, sobretudo no que se
refere à eleição do acompanhante, na medida em que o parto dá-se em seu corpo.
Em pesquisa realizada por Carvalho (2003) foram destacados como fatores impeditivos
para a participação do pai da criança no trabalho de parto da parceira: o medo dos homens
pais (percebido por eles ou suposto pelas parceiras), o constrangimento das mulheres e as
questões de trabalho remunerado dos homens. Com o advento da lei do acompanhante, de
alguma forma o pai da criança passou a ser apontado como a pessoa mais indicada para
acompanhar o trabalho de parto de sua parceira. Este princípio poderia estar relacionado às
transformações em curso referentes às atribuições do pai no processo de desenvolvimento dos
filhos. Quanto aos sujeitos entrevistados nesta investigação, o pai foi apontado como aquele
que busca ou deve “fazer tudo” pelo filho, sendo esta figura considerada insubstituível,
104
inclusive durante o trabalho de parto da parceira, havendo a valorização do vínculo genético
na determinação da paternidade.
Apesar da declaração de um vínculo com seus filhos anterior ao nascimento deles,
Cláudio, Amoroso e Oscar manifestaram que a reação ou a identificação com a paternidade
ocorre efetivamente após o nascimento da criança. Amoroso, quanto ao primeiro filho
declarou: Ele é a minha vida”; quanto ao segundo: A reação acho que é só quando nasce
mesmo”. Cláudio, afirmou que apesar de sentir amor pela filha, ainda não se como pai:
ainda não consigo, quando ela falar pai, vai ser um impacto muito forte, vai ser gostoso, vou
ficar dizendo ‘repete’, aquele pai bem bobo”. Segundo Oscar, o fato de ver a filha superou as
suas expectativas: “Foi melhor do que eu pensei”.
Estes três rapazes destacaram a importância da relação objetiva com o outro,
especialmente o filho, para a significação de seu lugar de pai. Conforme Ciampa (1987), o ser
humano só se reconhece ao ser reconhecido por outros e o sujeito se faz na ação. O sentido da
paternidade é produzido na relação dialógica, no processo de relacionamento com o próprio
filho, portanto, como produto histórico e cultural. No processo de constituição dos sujeitos,
estes se apropriam dos recursos sígnicos disponíveis no grupo cultural de pertença os quais
mediam a produção de sentidos, portanto, ainda que sozinho, em um monólogo, o sujeito está
em relação (Vygostski, 1984). Ainda assim, estes três participantes enfatizaram a importância
da relação direta e concreta com o filho nos processos identitários com o lugar paterno.
Alguns sujeitos abordaram a relação de cuidados com os filhos comparando-a
diretamente com a de sua família de origem. Neste sentido, Cláudio declarou: À minha filha
eu pretendo dar tudo o que eu não tive, muito carinho, muita atenção e uma família bem
unida, bem feliz”. Este entrevistado ainda comentou um aspecto comum na história dele e da
parceira: “a gente cresceu sem os nossos pais do nosso lado”.
Olavo pretendia não beber tendo imaginado, ao chegar em casa do trabalho, encontrar a
família toda reunida. Moisés, imaginou-se levando o seu filho ao parquinho e jogando futebol
com ele; ninguém fazia essas coisas comigo quando eu era criança”. Amoroso, por sua vez,
pretendia ter momentos para estar totalmente disponível para os filhos assim como foi a
relação de seu pai com ele, mas pensava que com o tempo iria procurar ser diferente do
mesmo, por exemplo, participando das reuniões na escola dos filhos ao contrário de seu pai
que se ausentava. Tadeu esperava ser como meu pai foi pra mim, . Tentar ser bom pra
ela”. Amoroso mostrou que, dialeticamente, pretendia assemelhar-se e diferenciar-se do seu
próprio pai.
105
Vygotski (1995) afirma que a apropriação dos significados culturalmente produzidos
no decorrer da história dos grupos humanos só é possível através da mediação do outro, sendo
os sujeitos, por sua vez, ativos no processo de atribuição de sentidos aos significados
compartilhados naquele contexto. No cenário ocidental, confere-se especial importância à
família como mediadora do capital cultural, haja vista os próprios significados produzidos
sobre tal instituição, considerada uma das maiores responsáveis pela socialização dos sujeitos.
De acordo com Olavarría (2000), destaca-se a figura do próprio pai do sujeito que se torna
referencial do que é ser pai, seja para espelhar-se nele (Tadeu), seja para diferenciar-se deste
(Cláudio e Olavo) ou, como no caso de Amoroso, assemelhar-se e diferenciar-se do pai de
acordo com o contexto.
Lewis (1997) considera a família um micro-cosmo e como membro deste sistema o pai é
importante, contudo, sua atuação no processo de constituição dos filhos pode ser estudada
considerando-se o contexto no qual cada família encontra-se inserida. A narrativa de Olavo
sobre a família de origem foi pautada pela sobreposição de faltas, distâncias e desamparo não
em relação ao pai, como também à mãe e ao padrasto. Os demais rapazes que o estavam
convivendo com o pai, especialmente, Inácio e Oscar, que assim como Olavo, haviam se
distanciado do pai antes de completarem um ano de idade, demonstraram a estabilidade do
vínculo com a mãe e outros familiares, sugerindo que a referência que norteia o exercício da
paternidade pode não estar centralizada no pai, figura que também pode ser declarada como
um anti-modelo, um exemplo de como não pretendem ser. Portanto, a família de origem
representa um importante aspecto no delineamento do exercício da paternidade, entretanto,
processos identificatórios contrastivos estão em jogo em meio a uma série de outras
mediações, engendrando projetos diferenciados, como o de exercer a paternidade de maneira
diferente em relação a esta referência. Neste sentido, além do exercício da paternidade atual,
pensa-se no devir, no lugar de pai como um projeto aberto e inacabado. Isto porque no
contexto deste trabalho os sujeitos são entendidos como devir, cabendo-lhes a co-autoria dos
personagens que vivenciam no cotidiano (Maheirie, 1997; Maheirie, 2002).
No caso de Olavo, chamou a atenção o emprego de uma mesma expressão para
caracterizar tanto o posicionamento do rapaz diante do estudo- não queria nada com nada”
na escola, assim como do pai em relação a ele- não queria nada com nada, não tem? Não
ajudava a minha mãe em nada e deixava eu assim né. (...) a minha mãe não quis mais ele
(...) quando ele vem falar comigo eu falo (...)”. A maneira deste rapaz se implicar com a
paternidade, faz pensar sobre uma re-significação e transposição, na relação com o filho e a
parceira, do padrão de relacionamento que seu pai estabeleceu consigo e sua mãe. Sobre a
106
possibilidade de visitar o filho na casa onde estava morando a sua parceira, afirmou: “Eu não
vou me arriscar também pra ir né! (ri) depende de mim.”, em função do conflito
citado com um rapaz que morava no mesmo bairro que a garota.
Este rapaz pretendia ver o filho nos finais de semana ou quando a parceira quiser ir
”, supondo que a namorada iria levar o filho para visitá-lo na casa de sua mãe. Olavo
enfatizou o seu lugar como provedor, contudo, estava desempregado, tendo dito que iria
procurar um emprego após a alta da parceira na maternidade, apesar de ter dito que no dia
anterior, no qual a parceira estava internada, havia saído para jogar futebol com seus vizinhos.
No que diz respeito às tarefas com as quais os participantes pretendiam ou se
encontravam engajados diante da demanda de cuidados de seus filhos, foram citadas uma
série delas, incluindo os cuidados com a higiene, a alimentação, saúde e acompanhamento dos
filhos em questão escolares, além de momentos dedicados à brincadeira com os mesmos.
Fabrício disse que, com exceção da orientação à filha sobre os cuidados com o seu corpo
(menstruação, higiene...), pretendia realizar todos os demais cuidados demandados por ela-
eu não sei lidar com isso, o resto a gente tem que dividir”. Estes rapazes, uns mais outros
menos, pareciam enquadrar-se no conceito de nova paternidade abordado por Lamb (1986;
Fuller, 2000; Resende e Alonso, 1995). A nova paternidade caracteriza-se pela participação
mais intensa e significativa dos homens pais no cotidiano familiar, especialmente na execução
dos cuidados das crianças. Os pais cuidadores relatam o prazer que têm em cuidar dos filhos e
manifestam considerar importante a figura paterna no processo de desenvolvimento destes.
Referente à figura de pai cuidador, Resende e Alonso (1995) constataram que a maior
parte dos pais que entrevistaram tiveram sua infância marcada pela participação ativa dos seus
homens/pais, experiência essa que consideraram relevante no processo de apropriação de
modelos de relações de gênero diferenciadas. Os pais cuidadores abordados por estes autores
haviam estabelecido com os seus próprios pais relações marcadas por contatos físicos e
afetivos. Portanto, conforme Resende e Alonso (id), no processo de constituição da maneira
como um pai irá exercer a paternidade destaca-se a importância dos significados dos quais o
mesmo se apropriou no contexto de sua família de origem, em meio às relações estabelecidas
com seu próprio pai. No contexto deste trabalho, chama a atenção o fato de que a maior parte
dos sujeitos nunca conviveu ou perdeu o contato com o pai, seja pelo afastamento ou pela
morte do mesmo. Ainda assim, a maior parte destes adolescentes pais relatou a estabilidade
do vínculo estabelecido com a mãe e/ou outros familiares, sugerindo que entre as mediações
que norteiam o processo de constituição do exercício da paternidade podem se destacar
significados derivados da convivência com uma série de outras pessoas, enquanto a própria
107
ausência do pai pode ser significada como um anti-modelo, um exemplo de como não
pretendem ser com seus filhos.
Moisés considerou que cabe ao pai participar de tudo, inclusive da amamentação, apesar
de preferir que a parceira cuide do filho ao invés dele ser matriculado em uma creche. Em
seguida, falou da comunicação que pretende estabelecer com o filho: Meu filho quando tiver
seus seis aninhos, vou dar um celular pra ele (ri). Todo dia eu quero falar com ele na
creche, onde tiver”. Moisés também pretende aumentar a freqüência com que vai na igreja
com a parceira, eu tô ali cuidando (...) ela presta atenção na missa. (...) Porque ela gosta”.
Tadeu, por sua vez, declarou que somente a amamentação é tarefa exclusiva da mãe,
pretendendo compartilhar as demais atividades com a companheira.
Inácio, parecendo emocionado, disse que costumava imaginar-se cuidando da filha,
assim como de um primo: A minha tia tem um filho agora de um ano, daí às vezes ela tava
dando papinha, mamá, eu ficava olhando, imaginando, assim, eu ali dando comida pra ele,
depois trocando”. Mesmo falando da divisão de tarefas com sua esposa, Amoroso
indiretamente abordou a responsabilização da mãe, o casal se reveza pra não deixar pra
um, pra esposa no caso”. Em seguida afirmou: “Amor e carinho acho que não se divide, se dá
junto, né?”. Quanto aos demais cuidados, disse que uma noite eu atendia ele, uma noite ela
atendia ele”.
Oscar, ao falar sobre a relação de cuidados que pretendia estabelecer com a filha,
comparou-a com os cuidados que dedicava à parceira eu cuido bem dela, tudo que ela quer
eu dou”. Em seguida, imaginou-se tirando ela das brigas”, pois supõe que a filha com cerca
de 12 anos irá disputar namorados e brigar por este motivo.
Quanto aos cuidados que o bebê irá demandar, Cláudio disse não saber quem vai fazê-
los. Em seguida, imaginou uma solução ideal na qual o casal trabalharia em horários
contrários e cada um ficaria responsável pelo bebê enquanto o outro estivesse trabalhando,
eu troco a fralda, faço mamadeira, é só me ensinar que eu faço”. Quanto à matrícula da filha
em uma creche do SESC (Serviço Social do Comércio), o rapaz conta com uma bolsa a partir
do momento em que a criança completar três anos por causa que eu sou conhecido dos
vereadores”.
Sobre a possibilidade de cuidarem dos filhos sozinhos por um determinado período,
Amoroso manifestou sentir-se totalmente seguro para a realização desta atividade, tendo
vivido esta situação. Na ocasião da entrevista, Tadeu logo foi narrando o seu abatimento, na
medida em que estava há duas noites sem dormir em função do trabalho de parto e da
primeira noite com o bebê, que segundo ele havia chorado a noite inteira; preocupado em não
108
incomodar as demais pessoas internadas no quarto, passou todo o período com o bebê no
colo, tendo se sentido familiarizado com a filha e gostado da experiência.
Fabrício, durante a gestação da parceira, imaginava-se pegando a filha recém-nascida no
colo. Contudo, em função da fragilidade de seu estado de saúde, o rapaz tinha naquele
momento muito medo ainda de tocar nela”. A parceira de Fabrício, no momento da
aplicação do questionário, também declarou seu receio em pegar a filha no colo tendo em
vista a precariedade de seu estado de saúde nas primeiras semanas. Moisés não se imaginou
ficando sozinho com o filho, principalmente, quando recém-nascido. Pensou que poderia
machucá-lo.
Olavo também não conseguiu imaginar-se cuidando do filho recém-nascido, entretanto,
exigia da parceira que o fizesse da maneira como ele considerava correta a partir das
orientações dos profissionais de saúde da maternidade:
Ah! Não tenho nem jeito pra isso! (ri) (...) mas eu tô em cima também. Ela faz
um negócio errado ‘Oh, não é assim! Oh, é assim.’ Que nem a moça
disse... que não era pra deixar o neném de barriga pra cima, porque podia
uma coisa, né. Tem que deixar de lado. ‘Bota de lado!
Olavo disse que também podia fazer pelo seu filho o que os profissionais da
maternidade recomendaram, porém, preferia participar do cuidado da criança supervisionando
a atuação da parceira: mas quando eu vejo, eu dou um cascudo nela (ri), mas incentivo assim
ela. (ri)”, referindo-se às críticas destinadas à parceira. Conforme o discurso deste rapaz,
parecia caber ao pai liderar a família e à mãe atuar de acordo com suas orientações, tal como
sua mãe e seu padrasto se organizavam em sua família de origem.
Todos os rapazes entrevistados afirmaram que pretendiam acompanhar o filho em
atendimentos por profissionais de saúde. Contudo, Amoroso, Tadeu, Inácio e Olavo
afirmaram que o emprego poderia vir a ser um empecilho para tal participação. Ainda assim,
Amoroso disse que sempre que seu filho necessitava de atendimento médico ele o levava,
preferia participar desses eventos para saber o que estava acontecendo e o que poderia fazer
por ele.
Segundo Oscar, tanto ele, quanto suas cunhadas poderiam levar sua filha à creche ou a
um atendimento médico: qualquer um vai”. Como já foi abordada anteriormente, a família
de origem deste rapaz configurava-se como um aglomerado de núcleos familiares, no qual os
cuidados das crianças eram realizados de maneira coletiva.
Quanto o conheci, Tadeu estava na maternidade do Hospital Universitário
encaminhando-se para uma sala onde estava sendo realizado um exame em sua filha em
função de um sinal que a mesma possuía no rosto, estando inteirado da situação e buscando
109
participar de todos os procedimentos realizados com a criança. Olavo imaginou que quando
estiver trabalhando irá pedir dispensa do trabalho para levar o filho ao médico, especialmente
tratando-se de uma emergência.
Moisés e Fabrício, quanto à tarefa de levar o filho ao médico, pensavam que ambos os
pais são responsáveis pela sua execução. Contudo, o primeiro ausentava-se do pré-natal
quando havia um conflito com a parceira, enquanto o segundo não participou do processo de
internação da filha no Hospital Universitário com a freqüência que havia pretendido no dia da
entrevista (informação obtida com a parceira deste rapaz que permaneceu internada na
maternidade cerca de seis semanas após a entrevista com este sujeito).
Sobre a participação no processo de constituição do filho no campo da educação formal,
os participantes manifestaram o interesse em auxiliá-los nas tarefas escolares, em participar
das reuniões promovidas pela instituição e/ou incentivá-los a estudar. Referindo-se à sua
participação em todos os cuidados da filha, Fabrício destacou que buscará saber como foi na
escola, buscar se inteirar, até num mínimo detalhe porque tudo é importante”.
Olavo declarou que pretendia incentivar o filho a estudar, tendo imaginado que a criança
iria lhe pedir ajuda na realização das tarefas mais fáceis, pois pensava que ele próprio teria
dificuldade para escrever. O único obstáculo apontado pelos sujeitos na participação deles na
educação dos filhos foi o compromisso com o emprego.
Apesar de manifestarem comprometimento em participar da realização de todas as
tarefas atreladas ao cuidado dos filhos, todos os sujeitos presumiram futuras ausências em
detrimento de sua atividade remunerada. O trabalho é apontado como complicador ou
impeditivo para o acompanhamento do filho no campo do cuidado, da saúde e da educação.
No discurso de todos os participantes, em maior ou menor grau, o pai foi definido como
um coadjuvante no cuidados aos filhos. O lugar do pai no cuidado é delineado em contraste
com o da mãe, havendo maior valorização desta que, conseqüentemente, é mais
responsabilizada. Quatro sujeitos explicitaram este contraste em suas falas.
Olavo seguidamente entrou em contradição ao abordar a negociação da relação de
cuidados com a parceira; sobre os cuidados do filho afirmava que Os dois têm que saber”,
mas justificou a possibilidade dele não participar, pois não tem experiência”. Criticou a
parceira, pois a mesma não tinha a experiência que ele imaginava que ela tivesse e já tinham
se passado três dias!após o nascimento. Em seguida, afirmou que pretendia participar de
tudo, mas que não sabia trocar fraldas e imaginou que a parceira iria lhe ensinar a fazê-lo,
supondo, portanto que, apesar de ambos serem por ele considerados inexperientes, caberia à
companheira aprender primeiro e depois ensiná-lo.
110
Apesar de ter demonstrado sua intenção em participar com proximidade dos cuidados da
filha, Oscar declarou que a responsabilidade pela execução de tais tarefas é mais da mãe do
que do pai, né. Porque veio da barriga da mãe. É a mãe que tem que cuidar”.
Amoroso, apesar de reconhecer que algumas mães se encontram afastadas dos filhos,
entende que o aconselhável é a maior proximidade da mãe: A mãe tem que sempre
presente. Na verdade, é a pitadinha que precisa pra criança ser feliz”. Em seguida, o rapaz
reconheceu que era ele quem fazia o seu filho dormir, fato este que contribuía para com
que a parceira expressasse ciúmes da relação de afeto entre ele e o filho, poisÉ só eu chegar,
eu convido ele pra vir comigo, ele se joga”. Cláudio, por sua vez, declarou que cabe ao pai
ajudar a mãe em tudo”, mas, considerou que as mães são mais capazes de identificar as
necessidades da criança.
Instituições operam neste sentido, associando à mulher o cuidado para com
a prole e associando ao homem provento material para estes filhos. Homens
e mulheres atualizam ou não estas prescrições, assumindo mais ou menos os
modelos sociais (Lyra, 1997, p.118).
O verbo ajudar foi empregado por todos os sujeitos ao se referirem à relação de
cuidados que estabeleceram ou pretendem estabelecer com seus filhos. Tendo em vista a
ênfase no provimento da família, estes sujeitos pretendiam “ajudar” as parceiras quando
estivessem disponíveis- “Eu vou ajudar ela, né. Quando eu tiver em casa, trocar, essas
coisas, dar bainho, ajudar ela(Inácio). Sobre a participação do pai no cuidado dos filhos,
Olavo declarou que o pai pode ajudar a mãese esta estiver ocupada fazendo um rango”,
por exemplo. Apesar de contemplarem a sua atual e/ou futura atuação no cuidados dos filhos,
a ênfase estava em delegar esta atividade à mãe da criança.
Na história da sociedade ocidental, freqüentemente, atrelou-se, de maneira
essencializada, a feminilidade ao cuidado das crianças, tendo em vista o vetor uterino. Neste
sentido, a maternidade e o amor aos filhos estariam associados aos instintos que constituiriam
as mulheres, considerados conseqüências de um processo natural estabelecido pelas
diferenças percebidas entre os sexos. Ao longo da história oficial do ocidente, ao pai foi
atribuído o lugar de provedor-protetor ou ‘líder instrumental’ da família, destinando-se à mãe
o de cuidadora ou líder expressiva-afetiva. Contudo, na contemporaneidade, diante de
transformações nos significados tradicionalmente atrelados à família e às relações de gênero,
os homens pais passaram a ser reconhecidos não só na dimensão afetiva da paternidade, como
também na condição de sujeitos aptos para o exercício dos cuidados demandados pelos filhos,
até então realizados exclusivamente pelas mães (Trindade, 1998).
111
Corroborando Ribeiro (2002), identificou-se a singularidade do processo de significação
da paternidade nos relatos de cada um dos sujeitos entrevistados, ainda que havendo pontos de
compartilhamento e similaridade entre seus discursos. Keijzer (1995) ao tratar das
paternidades, enfatiza a importância de se considerar os modos de vida e as especificidades
culturais que particularizam a história de cada família e cada sujeito. Ao longo desta
investigação, buscou-se contemplar a especificidade da história de cada um dos participantes.
No que tange aos significados atrelados ao exercício da paternidade, conforme Villa
(1997), os conteúdos dos mesmos podem manter-se restritos ao campo da feminilidade e
maternidade, assim como verificado pelo autor entre pais homens adultos, ou podem ser re-
elaborados, sobretudo entre os pais mais jovens, comprometidos com o próprio desejo de
tornarem-se pais. Entre os sujeitos participantes desta investigação mudanças e permanências
em relação ao modelo hegemônico de exercício da paternidade foram identificadas.
Segundo Fuller (2000), não múltiplos e heterogêneos como também contraditórios
significados podem ser atribuídos à paternidade tanto por uma coletividade quanto por um
sujeito ao longo do seu exercício da paternidade. Assim como estes jovens consideraram que
podem participar dos cuidados demandados por seus filhos, de maneira sutil ou explícita,
enfatizam o vínculo entre a parceira e a criança, implicando na naturalização da relação mãe-
filho.
Conforme Fuller (1997) e Cabral (2003), a paternidade é significada por alguns sujeitos
como um marco no processo de transição da adolescência para a vida adulta, na medida em
que pode demandar novos arranjos no cotidiano do homem, favorecendo a conquista do status
de adulto, além de maior prestígio entre os pares. No contexto desta pesquisa, Amoroso,
Moisés, Fabrício e Cláudio relacionaram a paternidade à condição de adulto.
A responsabilidade foi diretamente atrelada à definição de paternidade de Cláudio,
Amoroso, Moisés, Olavo, Oscar e Inácio (estes dois últimos explicitaram a associação entre a
paternidade e responsabilidade por suas parceiras, que têm 14 e 16 anos respectivamente).
Amoroso considerou que passaria a ter mais responsabilidade aindacom o nascimento do
segundo filho. Arilha (1999b), ao investigar a polifonia do termo responsabilidade,
considerou que:
Não se pode pensar em responsabilidade como atributo particular e específico
de alguém, como algo que se tenha ou não, mas como resultante de processos
sociais que constroem e determinam práticas que acabam sendo associadas a
esta ou aquela forma de ser homem ou mulher, jovem ou adulto (Arilha,
1999b, p. 105).
112
No que diz respeito ao emprego diferenciado do termo responsabilidade em contextos
distintos, a autora acima citada identificou um descompasso entre o Programa de Ação da
Conferência do Cairo e os discursos de homens e mulheres jovens, com ou sem filhos por ela
abordados. Estes sujeitos assim como os participantes desta investigação, neste caso, todos
pais, pensam que podem tornar-se responsáveis a partir do momento em que passam a ter um
filho. O referido Programa, por sua vez, destaca que homens e adolescentes devem favorecer
a sua responsabilidade justamente adiando a paternidade, a partir do controle da vida
reprodutiva (Arilha, 1999b). Conforme Cabral (2003) a paternidade é considerada por
adolescentes pais como um importante aspecto que contribuiu no processo após o qual
tornaram-se mais responsáveis.
Amoroso, Moisés e Fabrício pressupunham que a paternidade amadurece a pessoa
(Amoroso), muda a mentalidade (Moisés). Moisés imaginou que, quando o filho nascer,
deverá ter mais de 18 anos”. Neste sentido, Amoroso entende que a paternidade também
protege o jovem de riscos: “Gostei. Ah, muda bastante a pessoa. Eu, se de repente não tivesse
tido o filho, acho que eu não ia mais tá casado, ia por se divertindo, na verdade. Quem
na rua o risco, acabar acontecendo alguma coisa”. Portando, para estes jovens, a
paternidade promove a responsabilidade e não o contrário.
Cabral (2003) constatou que, freqüentemente, os adolescentes que abordou enumeram
os ganhos pessoais advindos com a paternidade, não havendo a manifestação de
arrependimento pelo nascimento do filho, destacando-se o ‘amadurecimento’ e o vínculo
afetivo com a criança, aspectos estes também apontado pelos participantes deste estudo.
Apesar da precariedade de condições para a continuidade dos estudos e inserção definitiva no
mundo do trabalho, além da dificuldade de acesso ao lazer e a melhores condições de
moradia, os adolescentes participantes desta investigação, corroborando os resultados de
Lodetti (2005), significam o exercício da paternidade como uma contribuição para o seu
processo de constituição, especialmente, no plano da responsabilidade pelo desenvolvimento
de uma nova geração.
Keijzer (2003) apresenta razões declaradas por homens peruanos que os fazem
considerar ser muito importante ter filhos: demonstração de virilidade, seguro na velhice,
transmissão de herança e continuidade dos bens; perpetuação da família e da espécie,
incluindo o sobrenome; relação afetiva com os filhos; paternidade como símbolo máximo da
união conjugal e como garantia de amor e estabilidade no relacionamento.
Quanto aos participantes desta investigação, algumas categorias puderam ser delineadas
para apontar didaticamente as razões apontadas pelos mesmos para serem pais. Deve ser
113
ressaltado o fato de que todas estas categorias estão diretamente relacionadas umas com as
outras, como pode ser verificado abaixo:
1) Paternidade como realização do cuidado dos filhos- diz respeito ao atendimento de
demandas dos filhos, consistindo em cuidados básicos dos quais o pai participa: o
estabelecimento de regras, a provisão e o afeto, destacando-se estes dois últimos no
discurso de todos os sujeitos entrevistados.
2) Paternidade como experiência emocional diferenciada que promove o processo de
constituição do sujeito- os sujeitos apontaram que a paternidade os torna mais
“maduros”, desenvolvidos e adultos.
3) Paternidade como status social- categoria que se refere à noção de virilidade, além
da condição de adulto, favorecendo a aquisição de status perante aos pares.
4) Paternidade como perpetuação da espécie– a partir do momento em que se torna pai,
o sujeito deixa um legado, participando da continuidade da espécie humana.
Os temas agrupados nestas categorias foram significados como aspectos positivos do
exercício da paternidade na adolescência agregando valor a este evento. No que diz respeito à
relação entre estas quatro categorias, o conceito de responsabilidade trata-se do fio condutor
entre elas. A categoria referente ao cuidado dos filhos está associada ao processo de
constituição do sujeito, ao status social e à participação na continuidade da espécie, tendo
como aspecto em comum o plano da responsabilização, pois, na medida em que assumem
novas e maiores responsabilidades em relação ao cuidado dos filhos, especialmente a de
prover, estes pais consideram que se desenvolvem, podendo passar a ocupar o lugar social de
adultos e deixando como legado o seu patrimônio genético e/ou a perpetuação da
humanidade.
4.8 O lugar do trabalho e do provimento no delineamento da paternidade
Nos relatos de adolescentes pais (homens) abordados por Trindade e Bruns (1999),
Trindade e Menandro (2002) e Lodetti (2005), a figura do pai-provedor é emblemática na
significação da paternidade, demonstrando a permanência deste modelo em nossa sociedade.
Palma e Quilodrán (1997) também identificaram a relação entre paternidade na adolescência e
aspectos como a responsabilidade, sobretudo, pelo provimento da criança, além da vinculação
dos adolescentes pais à família constituída.
A dimensão do trabalho foi abordada pelos entrevistados ao longo das entrevistas, tanto
na identificação do sujeito, como na relação com a parceira e/ou de cuidados para com o filho,
114
e, especialmente, na condição de importante aspecto no delineamento da paternidade. Todos
os participantes, em maior ou menor grau, indicaram o pai como o maior responsável pelo
provimento da família, mesmo quando em suas famílias de origem isto não ocorreu.
Todo o homem, em princípio, pode ser um genitor. Porém, segundo Arilha (1999), o
provimento dos filhos confere ao homem status entre os seus pares. Olavarría (2001)
constatou que os padrões hegemônicos de exercício da paternidade e da maternidade
produzidos em uma dada cultura tratam-se de referências a partir das quais os sujeitos se
comparam e são comparados.
É importante ressaltar que seis participantes desta pesquisa trabalhavam ou haviam
trabalhado antes da gestação da parceira. Conforme Olavarría (2001), no decorrer da
adolescência, jovens dos setores populares de Santiago (Chile) assumem responsabilidades
atreladas ao mundo do trabalho, seja esta responsabilidade imposta, requerida ou realizada por
iniciativa de contribuir para com o provimento da família de origem. Para os rapazes que
conciliam o estudo com a realização de trabalho remunerado tem início uma dupla jornada.
Para grande parte destes jovens, a gravidez da parceira e a paternidade ocorrem quando estes
estavam realizando, mesmo que em condições precárias e/ou de maneira informal,
atividades remuneradas.
Olavo, Cláudio e Moisés encontravam-se desempregados no dia da entrevista, sendo que
o primeiro nunca havia trabalhado formalmente. Entretanto, Olavo, como foi mencionado
anteriormente neste trabalho, quando criança, costumava pedir dinheiro nas ruas de
Florianópolis para manter a dependência do álcool do padrasto. Estes três participantes
consideraram que, futuramente, tornar-se-iam responsáveis financeiramente pelos filhos,
tendo Olavo abordado esta questão com menor segurança: “Eu não sei porque daí tem que ver
né. Eu acho que é eu (ri)”. Tadeu passou a trabalhar após a confirmação da gravidez da
parceira. Amoroso, no dia da entrevista, estava recebendo seguro-desemprego, tendo ele
planejado a demissão, para vir a ser admitido em um emprego cujo salário era maior, na
medida em que estava aguardando o nascimento do segundo filho. Villa (2001) constatou que
a paternidade contribui para a inserção permanente de jovens homens no mercado de trabalho
argentino.
Cláudio, Moisés e Olavo, que se encontravam desempregados no momento da
entrevista, depositaram em terceiros a responsabilidade pelo seu desemprego. Moisés
esperava que conhecidos em empresas grandeslhe favorecessem a conquista do emprego.
Cláudio enfatizou que tinha de “matar” aulas para encontrar a parceira quando o padrasto dela
proibia o namoro e, portanto, ele era responsável por sua baixa empregabilidade. Este rapaz
115
mencionou uma série de trabalhos que executou por curtos períodos e motivos pelos quais
havia decidido parar de trabalhar. Olavo, por sua vez, disse que tinha dificuldade em
conseguir um trabalho enquanto era menor de 18 anos. Considerava que a partir de então
(recentemente, havia completado 18 anos), teria facilidade para ser contratado. Também disse
que estava aguardando a parceira receber alta da maternidade para começar a procurar um
emprego.
A parceira de Amoroso era a única que estava trabalhando, mesmo que somente alguns
dias da semana, no estabelecimento comercial de sua mãe. Sílvia trabalhava alguns dias por
semana e o parceiro considerou o seu trabalho uma distração para ela que ajuda no
orçamento familiar. As companheiras de Fabrício e Tadeu haviam trabalhado e estavam
desempregadas alguns meses antes da constatação da gravidez. Cláudio declarou que gostaria
que a sua parceira não precisasse trabalhar e Fabrício que poderia trabalhar pelos dois”,
enquanto Moisés imaginou que terá dificuldade para matricular o filho em uma creche,
preferindo que a parceira ficasse cuidando do mesmo, mas também pensou que seria bom ela
trabalhar para ajudar com as despesas. Inácio e Oscar, cujas parceiras tinham,
respectivamente, 16 e 14 anos de idade, sentiam-se especialmente responsáveis pelo
provimento das mesmas.
Olavo descartou a possibilidade da parceira vir a trabalhar de maneira remunerada, pois
considerava que ela não se sentia capaz. Moisés, por sua vez, ressaltou que, se sua parceira
trabalhasse e ele estivesse desempregado, o mesmo não ficaria em casa cuidando do filho,
pois imaginou que a família dela iria reprová-lo. Os seis demais participantes imaginaram
que, caso suas companheiras viessem a trabalhar, a divisão das tarefas domésticas seria
igualitária (com destaque para Inácio e Amoroso). O planejamento da inserção das parceiras
destes jovens no mercado de trabalho, por sua vez, estava vinculado ao momento em que os
filhos estiverem matriculados em uma creche ou mais crescidinho (s)” ficando aos cuidados
de alguém da confiança do casal, sendo a renda destas mulheres considerada complementar à
deles. O lugar da mulher como coadjuvante na obtenção da renda do casal aparece aqui como
identificado por Trindade e Bruns (1999).
Portanto, entre os sujeitos entrevistados pode-se verificar a manutenção do lugar de
provedor atribuído ao pai, tal como também descrito por Palma e Quilodrán (1997), Trindade
e Bruns (1999), Trindade e Menandro (2002) e Lodetti (2005). Esse lugar associa-se à
organização tradicional da família que mantém uma divisão binária de tarefas e atribuições,
pautadas pelas prescrições e assimetrias das relações de gênero.
116
4.9 A reação dos familiares à notícia da gestação
A problemática do trabalho e da renda foi abordada por alguns dos participantes de
maneira estreitamente relacionada com a reação à notícia da gestação em sua família ou na
família da parceira. Portanto, a seguir serão abordados, brevemente, aspectos citados pelos
sujeitos sobre a reação destas pessoas à notícia da paternidade deles.
Cláudio disse que a parceira teve receio de noticiar a gestação à família dela. Segundo
este entrevistado, o padrasto da garota, quando soube, levou uma pancada”, mas depois
aceitou o fato. O entrevistado disse que a opinião do padrasto da parceira, de qualquer
maneira, não lhe interessava, pois não era ele quem iria prover a criança. Destacou que
quando a gravidez foi constatada, ele estava morando com a parceira e um amigo em outro
lugar e que foram a mãe e o padrasto da parceira que pediram para o casal morar na casa
deles. Contudo, em outro momento da entrevista, disse que naquela época estava
desempregado e que as condições em que moravam eram precárias. No momento da
entrevista, a família da parceira era responsável financeiramente pelo casal.
Sobre a reação da família da parceira à notícia da gestação, Amoroso narrou:
A família dela que não gostou muito. Queriam que ela tirasse, tudo. Eu disse:
‘Não, tirar, tu não vai’. Peguei e carreguei ela pra minha casa. (ri) Depois de
uns seis, sete meses, eles começaram a tratar bem, hoje eles adoram ele.
Credo. Fazem de tudo por ele. E agora, inclusive, ela engravidou de novo e
eles não deram a mínima, eles sabem que caso o que precisa eu dou. A gente
não pede nada pra eles. Aí eles nem ligaram dessa vez.
Quanto à sua mãe, destacou a dimensão afetiva entre avó e neto: Na verdade, a
primeira palavra que ele falou foi vovó, pra minha mãe”; Ah, ela é chegar perto e ele
pula”.
O discurso de Tadeu sobre a aceitação da família da sua condição de pai estava
estreitamente relacionado com aspectos de ordem financeira. Segundo Tadeu,
No começo, o meu pai não aceitava. Mas depois eu conversei com ele e ele
começou a aceitar assim, né. Ele disse pra mim que não era a hora. Mas
depois ele aceitou (...) Ele dizia pra mim que eu tinha que fazer o meu de
meia, depois, pra ter um filho, senão não teria como sustentar.
Quanto à relação do rapaz com a família da parceira, pude observar uma situação
protagonizada por Tadeu e sua sogra, cujo cenário consistiu em uma sala da maternidade onde
a filha dele estava sendo examinada. Ela o criticou por ter ficado com a filha no colo durante a
primeira noite na maternidade, considerando que estaria mimandoa criança. O rapaz, por
sua vez, argumentou que o bebê estava chorando e que o fez por respeito às demais pessoas
internadas no mesmo quarto. Encerrado o exame na criança, apesar da familiaridade deste pai
117
com sua filha, a sogra precipitou-se para pegá-la é melhor que eu pegue”, em seguida,
sorrindo, afirmou que ela estava sem experiência”. Esta mulher, portanto, pareceu
considerar-se mais capaz do que este adolescente pai para cuidar da criança tendo em vista,
provavelmente, duas categorias: gênero e geração. Por tratar-se de uma mulher e possuir mais
idade que o rapaz, naturalizou que estaria mais apta para a tarefa. Entretanto, em seguida
reconheceu que estava sem experiência”, sugerindo que a habilidade para realizar tal
atividade demanda um conjunto de aprendizagens que devem ser atualizadas. No que diz
respeito à questão geracional, Lyra (1997) afirma:
Apreendemos uma relação perversa da sociedade adulta com o adolescente:
ao patologizar a paternidade adolescente, sempre e por princípio, acaba por
patologizá-la mesmo, pois dificulta ao adolescente pensar, prevenir ou
assumir sua condição de pai real ou virtual (p.11).
Moisés, ao abordar a experiência de ser pai aos 16 anos, declarou: O mais difícil de
tudo foi dar a notícia pra mãe dela. Pra minha mãe não teve problema nenhum, pro meu pai
também não teve. Pro pai dela também não teve. (...) Ela chorou um monte e tal. Mas depois,
tudo certo, felizmente.” A mãe deste rapaz que incentivou e acompanhou o casal quando a
garota realizou o exame para verificar a gravidez, minha mãe é muito amigona”. Quanto ao
pai da parceira, afirmou: não é aquele pai (...) É pai-pai, pai de nome. (...) ela grávida, se
ele fosse, se ele gostasse bastante dela, (...) pelo menos uma vez por dia ele ia ligar pra ela
pra saber”. No momento da entrevista, a mãe da parceira estava responsável pelas despesas
relacionadas à gestação, mas o rapaz imaginava que, futuramente, seria ele.
Segundo Moisés, quando o filho completar em torno de um ano de idade, o casal
pretende morar em uma casa que a mãe dele teria em um bairro de Florianópolis. O rapaz
afirmou que sua parceira iria continuar estudando em uma escola particular, supondo que a
mãe dela pagaria a mensalidade. Ela eu quero que continue estudando porque a mãe dela é
funcionária pública, eu quero que ela também faça um concurso público (...) Porque ser
funcionário público é relax”.
Olavo, que nunca havia trabalhado e estava morando com a sua mãe, declarou que, em
momentos de conflito, quando discutiam, a mãe costumava lhe dizer: tens que arranjar uma
casa pra ti, não sei o que”. Na data do nascimento de sua filha, Fabrício que havia sido
expulso da casa de seus pais em Morro da Fumaça, estava morando em Criciúma e dependia
de sua mãe para conseguir passagens de ônibus para que ele visitasse a filha internada no
Hospital Universitário em Florianópolis. Após a alta da criança, a família da parceira havia
preparado um quarto para a criança na casa deles em Biguaçu para que mãe e filha tivessem o
118
acesso a Florianópolis facilitado, visando a continuidade ao acompanhamento do bebê na
maternidade nos primeiros meses. Após alguns meses, o casal passou a morar em Morro da
Fumaça, em outra casa que não a dos pais dele.
Inácio e a parceira haviam planejado a gravidez e estavam morando na casa que o rapaz
havia construído com suas economias. Sobre a opinião de seus familiares e os de sua
companheira em relação à gestação, disse que: São tudo a favor”. Apesar de possuírem casa
própria, o casal iria morar na casa da mãe do rapaz durante o puerpério, para que a mãe e a
avó dele pudessem auxiliar nos cuidados da parceira e da filha nesse período, porque eu
trabalho”. O casal morava perto delas e ambas se disponibilizaram para tal tarefa.
Segundo Oscar, a sua mãe ficou faceira”. Isto porque seus sobrinhos ainda na infância
são todos do sexo masculino e daí uma guria agora”. Quanto à reação da mãe da parceira
que tem 14 anos e era responsável pelos cuidados dos irmãos mais novos: A mãe dela ficou
meia... assim, . (...) Ela ficou dizendo que ela é muito nova. Daí eu falei pra ela que eu
também achava, ela que queria. Ela (parceira) disse que ela queria. E a mãe dela disse: ‘Ah,
não podia fazer nada, né, se ela quer”.
O roteiro de entrevista consistiu em um referencial do que se esperava que fosse
abordado pelos inter-locutores para os fins da pesquisa tendo em vista a problemática dos
sentidos atribuídos por estes sujeitos à paternidade e à relação de cuidados aos filhos. Neste
sentido, a abordagem da especificidade da reação das famílias de origem à gestação de acordo
com a perspectiva dos sujeitos não estava contemplada neste roteiro, porém, tendo em vista a
flexibilidade dele, esta temática foi de alguma forma tratada por todos os sujeitos.
Levandowski (2001) chama a atenção para a importância da participação da família da
parceira no decorrer da gravidez, bem como a de sua própria família, especialmente, no que se
refere à experiência com modelos de relação apresentados pelo próprio pai, geralmente,
considerados negativos pelos adolescentes pais por ela abordados.
Dessen e Braz (2000) afimam que, no processo de transição da família face ao
nascimento de uma criança, as mudanças no cotidiano exigem uma adaptação de seus
membros às novas demandas. O sucesso desta re-configuração, de acordo com as autoras, está
diretamente relacionado à atuação da rede social de apoio das famílias.
No que diz respeito ao cuidado, considera-se importante descrever, mesmo que
sucintamente, o contexto imediato no qual a criança estava ou seria inserida após o
nascimento. Isto porque as famílias formadas pelos participantes não correspondem ao
modelo nuclear caracterizado pela configuração: mãe, pai e filho(s). Somente Inácio morava
com a parceira em domicílio separado das famílias de origem de ambos, mas ainda assim, a
119
mãe e a avó do rapaz, que moravam nas proximidades, haviam se disponibilizado para
contribuir com os cuidados do bebê, ao menos durante o puerpério da parceira. No dia da
entrevista, Fabrício também estava morando com a parceira (apesar dela ter passado dois
meses acompanhando a filha internada no HU). Contudo, tanto no ano anterior à pesquisa,
quanto durante a realização desta, o casal ou a parceira realizaram mudanças de casa
sucessivas, tendo morado em diversas cidades, sozinhos ou na casa de familiares.
Sobre a estrutura da casa onde a criança seria abrigada, Cláudio disse que no
apertamento” onde morava com a companheira e a família dela não havia espaço para
colocar o berço de sua filha e ele não soube responder como iriam resolver este problema. A
mudança da companheira de Tadeu para a casa de seus pais implicou no deslocamento de sua
irmã, que passou a dormir no quarto dos pais. Moisés planejava mudar-se para uma casa
disponível de sua mãe, mas mencionou o projeto de mudar a configuração da casa da sogra
para abrigar ele e o bebê junto com sua parceira. Olavo declarou que em momentos de
discussões entre ele e a mãe, ela lhe pediu para que se mudasse já que agora iria ser pai.
Oscar também contava com os seus familiares, tendo ele, durante toda a entrevista,
narrado a cotidianidade do cuidado coletivo das crianças de sua família. Olavo, por sua vez,
preferia que a tia da namorada cuidasse dela e de seu filho, pois ela “cuida mais direitinho (...)
mulher, topa um pouco mais. (...) Enquanto isso eu vou batalhando”. Porém, ele não estava
empregado no dia da entrevista.
O fato de que a maior parte dos sujeitos estava morando na casa de familiares ou
próximo deles sugere que as implicações da paternidade, de alguma forma, também poderiam
estar atuando na família de origem deles. Sendo assim, destaca-se a importância da realização
de estudos que contemplem a dinâmica da família extensa de adolescentes pais, face à
paternidade na adolescência posto que, em maior ou menor grau, verificou-se o envolvimento
direto destes familiares com a gravidez das companheiras e/ou o cuidado dos filhos dos
participantes desta pesquisa.
A investigação dos discursos das famílias de origem de adolescentes pais (pais e mães)
referente à paternidade/maternidade destes constitui uma lacuna neste campo de estudos. Na
medida em que os pais e/ou responsáveis por estes sujeitos não foram entrevistados, esta
temática não foi aprofundada, bem como não consistia no problema desta pesquisa, porém,
destaca-se a importância das implicações, do impacto, das conseqüências, enfim, dos sentidos
atribuídos à paternidade na adolescência por famílias de adolescentes pais.
Levandowski
& Piccinini (2002) apontam que os jovens encontram dificuldades no
exercício da paternidade, entretanto, tais complicações não são exclusivas, sendo também
120
enfrentadas por pais adultos, e, em ambos os casos, superáveis, sobretudo, quando estes
sujeitos contam com a contribuição da sua família e da família da companheira. Trindade &
Menandro (2002) também constataram a importância do suporte da rede familiar no processo
de adaptação dos sujeitos às mudanças no cotidiano face à gravidez na adolescência, tal como
apontado em diferentes graus de destaque por todos os participantes desta investigação.
4.10 Significação da paternidade na adolescência como um evento precoce.
Segundo Cabral (2003), o emprego de termos como ‘precoce’ e ‘indesejada’ referindo-
se à paternidade na adolescência remetem a uma caracterização do fenômeno que representa,
segundo concepções médico-epidemiológicas, um desvio dos projetos de vida reservados aos
adolescentes. Nóbrega (1995) também chama a atenção para a patologização deste fenômeno
e destaca a relevância da apreensão da gravidez na adolescência considerando-se as
especificidades do contexto no qual ocorre. Neste sentido, ao propor a relativização deste
fenômeno, Heilborn (1998) sugere, em primeiro lugar, a desnaturalização da própria
adolescência e a abordagem da questão em termos geracionais, considerando-se as
expectativas sociais quanto à idade em um determinado momento histórico. Esta autora
lembra o fato de que parte do período hoje considerada inapropriada para uma gestação (14-
18 anos), em outros momentos históricos, já foi considerada o momento ideal para uma
mulher tornar-se mãe. Entretanto, também deve ser mencionada a pesquisa realizada por
Domíngues (1998) com adolescentes (sem filhos), na qual a autora identificou no discurso dos
participantes o desejo de virem a ser pais, contudo, não planejavam ser pais na adolescência.
No contexto desta investigação, todos os participantes em algum momento declararam
que consideraram que a paternidade aconteceu em um período anterior ao imaginado, sendo
que Amoroso considerou cedo somente o momento da segunda gestação de sua parceira.
Ainda assim, todos se declararam felizes por serem pais. Abaixo segue a especificidade da
abordagem de cada um deles sobre o caráter precoce atribuído à paternidade.
Cláudio preferia que a gestação da parceira houvesse acontecido em outro momento de
sua vida, Não posso falar quando eu for grande, porque eu sou grande. (...) É um sonho
que se realizando. se realizando cedo, mas se realizando”. Amoroso, declarou que o
primeiro filho veio na hora certae o segundo veio um pouco adiantado”. Tadeu disse que
a gestação poderia ter acontecido mais tarde”, mas, por outro lado, poderia ser qualquer
hora”. Inácio, apesar de ter planejado a gestação com sua parceira, diante da confirmação da
gravidez, pensou que poderia ter adiado tal empreendimento. Oscar, por sua vez, considerou-
121
se um pouco novo para ser pai, mas a ênfase está em considerar precoce a gravidez da
parceira que tem 14 anos.
Moisés, apesar de não fazer uso de nenhum método contraceptivo com sua parceira,
imaginava que viria a ser pai de um filho dela em um futuro Bem mais pra frente, bem mais
pra frente mesmo! Mesmo. Acabou acontecendo”. Fabrício também havia projetado a
gestação da parceira, mas o projeto não seria pra agora, mais pra daqui um ano, dois anos
(...) mas não deu, fazer o quê? Paciência, ”. Contudo, este entrevistado considerou-se
preparado para ser pai, entendeu. Eu preparado pra ser pai, eu acho que eu tô,
entendeu.” Isto porque a sua vontade é grande”, assim como porque entre seus amigos,
apesar de ser o rapaz mais novo, dava conselhos para todos, considerando-se o “mais ajuizado
da turma”.
Apesar do fato de que Olavo não estava estudando, nem trabalhando no momento em
que a gestação da namorada ocorreu, durante a entrevista, este participante vislumbrou o
futuro que desejava para si antes do advento desta gravidez, não tendo incluído o namoro e a
paternidade de imediato neste projeto: Antes, eu e não ter namorada... Ah, pensava em
terminar meus estudo, arrumar um trampo pra mim. Sei lá, ser alguma coisa... Adevogado,
sei lá, algum... uma pessoa experiente”. Ele projetou, no momento da entrevista, um futuro
que ele teria vislumbrado antes da gestação. A namorada não fazia parte deste projeto embora
estivesse namorando no momento em que supostamente havia imaginado tal seqüência. Os
estudos e a conseqüente ascensão profissional estavam inclusos, ainda que ele não estivesse
freqüentando os bancos escolares. Este registro ilustra o movimento de produção do discurso
deste participante na relação com o interlocutor (Vygotski, 1984), neste caso, a pesquisadora.
Pode-se pensar, talvez, que este participante não tenha vivenciado anteriormente à entrevista
um momento no qual ele pudesse refletir sistematicamente sobre seus projetos de vida.
O hipotético adiamento da paternidade está relacionado, principalmente, à estabilidade
financeira e, em alguns casos (Cláudio, Oscar, Olavo, apesar de terem evadido da escola antes
da gestação da parceira), à conclusão dos estudos objetivando este mesmo fim. A avaliação da
gestação da companheira como precoce também estaria atrelada ao lazer (Inácio e Cláudio
frisaram esta dimensão com palavras como curtire aproveitarmais antes de serem pais).
Quanto ao processo de constituição do sujeito face à paternidade na adolescência, antes de
tornar-se pai, Cláudio gostaria de ter mais experiência, Inácio Queria amadurecer mais um
pouco. Ganhar mais um pouco de juízo, essas coisase Moisés declarou que a adolescência
É uma fase que tu, tu ainda se desenvolvendo, entendeu? (...) mais o psicológico da
pessoa assim. (...) Tem pessoas de 16 anos que tem o físico se desenvolvendo ainda. Eu não
122
tenho cara de 16. Mas principalmente o psicológico, a parte financeira, isso tudo. (...)
Precisa ser responsável e ter um bom trabalho”.
Portanto, corroborando os resultados de Cabral (2003), identificou-se entre os sentidos
que estes adolescentes pais atribuem ao momento no qual se tornaram pais aspectos que são
considerados necessários para o exercício da paternidade, havendo destaque para a dimensão
financeira, que inclui condições de prover o filho e a parceira, podendo abarcar a posse de
uma casa, entre outros bens. Entretanto, uma idade ideal para ser pai não é apontada. Sendo
assim, a avaliação da paternidade como precoce deriva da precariedade de condições
financeiras para lidar com as demandas dos filhos e não em função do aspecto etário
propriamente dito.
O lamento pela perda da adolescênciafoi apontado por Cláudio e Inácio, na medida
em que relacionaram este período ao lazer e ao descompromisso, enquanto a paternidade à
responsabilidade. Apesar de estarem felizes com o nascimento de seus filhos, disseram que
gostariam de ter aproveitado mais o período de suas vidas que antecedeu a gestação das
parceiras, considerando que, a partir de então, abririam mão desta condição. A observação
destes dois rapazes está intimamente relacionada com as suas definições de adolescência e
explicitam o caráter dinâmico que supera a delimitação cronológica deste período do ciclo
vital. (Ariès, 1981; Caridade, 1999; Machado Luz & Castro e Silva, 1999; Lyra & Medrado,
1999 e Kahhale, 2003).
No que diz respeito à quantidade de filhos que pretendiam ter, nenhum entrevistado
planejava ter um outro logo após o que tiveram ou que estava sendo gestado. Tadeu e Moisés
não excluíram a possibilidade de ter um filho daqui a bastante tempo(Tadeu), quem sabe,
bem mais tarde! (...) até o nosso filho fazer uns 17, 18” (Moisés).
Oscar, Inácio e Fabrício não mencionaram o projeto de terem outros filhos. Oscar,
apesar de sua origem em uma família numerosa, considerou que não terá outros filhos. Inácio,
quando criança, costumava dizer para sua mãe que iria lhe dar uma netinha, pois ela teve
filhos do sexo masculino e estava feliz, pois teria uma filha. Fabrício não pretendia ter outro
filho, assim, meu sonho é ver uma menina no meu colo toda de rosa, sabe. Bem bonitinha,
bem bonequinha, sabee ele havia tido uma filha. Inácio e Fabrício, portanto, justificaram o
fato de que não pretendiam ter outros filhos, na medida em que desejaram ser pais de uma
menina e o foram. Cláudio também demonstrou grande satisfação com o sexo de sua filha,
empregando adjetivos como “princesa” para referir-se à criança.
Amoroso que foi pai pela segunda vez, gostaria de ter esperado um intervalo maior entre
o nascimento dos filhos, mas que agora o casal i cuidá-los como se fossem gêmeos e
123
deseja que este bebê seja uma menina. Caso desta vez não seja formado “o casal” de crianças,
pretende ter um terceiro filho mais tarde”, número máximo de filhos que admite. Amoroso
demonstrou estar preocupado com a possibilidade de o primeiro filho ficar enciumado com o
nascimento do irmão. Cláudio também gostaria de ter um casalde filhos e preferia que a
diferença entre eles fosse de dois anos pra que um pudesse cuidar do outro, meu sonho era
ter me criado com um irmão”, mas imaginou que daqui dez teria condiçõesde ter um
outro filho. Olavo pretendia ter uma filha quando ele estivesse trabalhando e estudando, além
do filho estar matriculado em uma creche.
O questionamento sobre o sexo dos filhos não constava no roteiro de pesquisa. Contudo,
com exceção de Tadeu e Moisés que não abordaram esta temática, verificou-se que entre os
demais sujeitos o sexo do bebê foi apontado como importante variável na projeção do número
da prole. Identificou-se uma discreta tendência na preferência pelo nascimento de crianças do
sexo feminino, constatando-se também a importância da formação de um casal de filhos.
Apesar das dificuldades apontadas para suprir as demandas de uma criança, que abarcam
especialmente, aspectos de ordem econômica, três destes sujeitos explicitaram o projeto de
investir em gestações sucessivas com o fim de formar um casalzinho(Cláudio, Amoroso e
Olavo). Este intuito de formar uma família com filhos de ambos os sexos faz pensar sobre
expectativas naturalizadas e estereótipos que estes sujeitos elaboram em relação aos sexos dos
filhos e às prescrições da ordem de gênero que estão em jogo, engendrando o desejo pela
filiação de um ‘menino’ ou de uma ‘menina’. Este dado sugere a importância da
problematização do imaginário social referente ao sexo dos filhos e a questão de gênero nos
programas públicos voltados para o controle da natalidade.
Trindade & Menandro (2002) verificaram que alguns sujeitos que vivenciam a gravidez
na adolescência buscaram adaptar-se a este novo contexto. Estes adolescentes identificaram as
transformações ocorridas em seu cotidiano e destacaram os aspectos positivos do exercício da
paternidade. Apesar dos participantes desta investigação significarem a paternidade na
adolescência como um evento precoce, que poderia ter acontecido em outro momento de suas
vidas, quando estivessem de posse de determinadas condições, destaca-se o fato de que todos
demonstraram satisfação com o nascimento dos filhos.
4.11 Sobre a recomendação ou a contra-indicação da paternidade para amigos com
idade próxima a dos participantes.
Quando questionados sobre a possibilidade de recomendar a paternidade a um amigo
adolescente, as respostas fornecidas pelos participantes foram emblemáticas. Tadeu foi o
124
único sujeito que recomendou a paternidade na adolescência, contudo, dependendo das
condiçõesdo amigo hipotético: Tem que ter força de vontade, né. Ir à luta. Tentar dar
tudo de melhor para o filho”. Oscar, Inácio, Moisés, Cláudio e Fabrício declararam
enfaticamente que não recomendariam. Amoroso e Olavo, em princípio, também não
recomendaram, mas em seguida apontaram outras perspectivas para a questão.
No caso de Olavo, houve muita confusão na formulação de sua resposta: “(...) porque é
difícil não tem? Mas eu não acho isso”. Primeiramente, Olavo disse que recomendaria a um
amigo de sua idade o uso da camisinha e a realização de exames para o diagnóstico de DST’s,
em seguida, citou algumas condições necessárias para que um colega fosse pai, como um
emprego, uma casa e responsabilidade. Amoroso, em princípio, afirmou que não
recomendaria a paternidade na adolescência, especialmente, para os rapazes que estivessem
estudando, “acho essencial continuar estudando, tocar a vida assim pra frente”. Porém, tendo
em vista a sua consideração de que a paternidade “amadurece” o sujeito, recomendaria aos
amigos que tivessem filhos em vez de tá fazendo qualquer outra besteira por ”, na medida
em que iriam ter mais responsabilidades, vai querer criar uma família, em vez de ficar
fazendo coisas que na verdade agora, quem tá na rua é arriscado”.
Apesar de não recomendar a paternidade na adolescência, Fabrício declarou que Não
depende da idade, depende da pessoa em si. (...) se ele tem capacidade, se ele realmente
com vontade de fazer aquilo, se ele realmente pode criar e manter a criança, eu diria que
sim, não vai fundo”. Citou como exemplo um amigo seu que tem 23 anos que não considera
capaz de exercer a paternidade: Ele é uma criança! Menos do que eu assim, uma criança em
tudo o que faz. Entendeu? Se ele virasse pra mim e perguntasse se ele poderia ser pai, eu
diria que não”. Chama a atenção o fato de que para ressaltar a infantilidade do amigo,
Fabrício compara-o consigo próprio considerando-o mais incapaz que ele mesmo.
Os aspectos citados pelos sujeitos atrelados ao delineamento da recomendação ou
contra-indicação da paternidade na adolescência dizem respeito, especialmente, à
continuidade do estudo, bem como às condições de trabalho e, conseqüentemente, à condição
financeira, não havendo destaque para aspectos cronológicos. Estes critérios coincidem com
os aspectos apontados com maior freqüência pelos entrevistados ao avaliarem a sua própria
experimentação da paternidade como precipitada, preferindo que ela viesse a acontecer em
um outro momento de suas vidas, mesmo que estando satisfeitos em serem pais.
125
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo voltou-se para a investigação dos sentidos que adolescentes pais
atribuem à paternidade e à relação de cuidados demandados pelos filhos. Os participantes
foram localizados no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo
todos oriundos de famílias de baixa renda. Identificou-se a especificidade da vivência da
paternidade na história de cada um dos sujeitos entrevistados. Apesar de não haver um padrão
homogêneo de significação desta experiência, verificou-se dimensões de compartilhamento
nos depoimentos registrados, tal como constatado por Ribeiro (2002).
Considera-se importante registrar que, na medida em que a localização dos
participantes aconteceu em um espaço de atendimento pré-natal, obteve-se depoimentos de
somente um grupo (talvez tendencioso) de adolescentes pais, tendo ele sido composto por
rapazes que, com maior ou menor proximidade, estavam acompanhando a gravidez da
parceira, além de uma constelação de outros aspectos, que contribuíram para que eles se
dispusessem a participar da pesquisa, ao contrário de outros rapazes localizados através de
suas parceiras. Chama-se a atenção, portanto, para a singularidade de cada história de vida
tendo ela sido registrada ou não no contexto deste trabalho.
De acordo com Cabral (2003), em nossa sociedade é freqüente o entendimento da
paternidade na adolescência como um transtorno, um desvio do projeto de vida do
adolescente que, conforme o imaginário social, ‘deveria’ estar vinculado ao estudo, tendo em
vista a exigência de qualificação profissional para a inserção dos sujeitos no mercado de
trabalho. Contudo, quanto ao adolescente oriundo de classes populares, seja ele pai ou não, o
projeto social idealizado para a adolescência pode não fazer parte de seu cotidiano, no qual
uma infinidade de outros aspectos que transcendem a paternidade podem estar envolvidos na
evasão escolar, tais como o trabalho infantil, o cuidado de irmãos e/ou outras crianças, bem
como outros complicadores de ordem econômica e pedagógica.
O histórico escolar dos rapazes abordados caracterizou-se pela incompatibilidade entre a
idade e o nível de ensino, havendo atraso escolar (entre um e seis anos) na época da
interrupção dos estudos, na maior parte dos casos, anterior à gestação das parceiras e
justificada pela inserção dos mesmos no mundo do trabalho. A gravidez, portanto, não é
responsável pelo abandono da escola, mas, segundo os entrevistados, dificultou o retorno
destes ao meio escolar.
Nenhum dos participantes estava casado no plano legal ou religioso. Contudo, verificou-
se que seis deles moravam com a mãe de seu(s) filho(s) e os outros dois entrevistados
126
mencionaram o projeto de vir a residir na mesma casa que a namorada. Entre os seis rapazes
que se consideravam casados com a companheira, o tempo de co-habitação, geralmente,
estava em torno do período em que a gestação ocorreu ou foi verificada, havendo uma relação
entre a decisão de casar-se e o campo da reprodução. Os rapazes que haviam passado a
conviver com as parceiras antes da gestação destas consideraram o casamento uma loucura”,
produto de uma decisão impulsiva, mas se declararam felizes por estarem casados.
Em geral, os sujeitos demonstraram estar satisfeitos com o relacionamento com as
parceiras, apenas um deles teve dificuldades em avaliar a situação que estava vivendo e, em
um momento da entrevista, disse que preferia não estar namorando naquele momento. No
processo de resolução de conflitos, diante dos desentendimentos com a companheira, os
entrevistados mencionaram os comportamentos de sair pra um canto”, pedir desculpas e,
sobretudo, conversar.
Entre os oito participantes, verificou-se que eles haviam, em um momento anterior à
gestação das parceiras, com maior ou menor delineamento, vislumbrado a paternidade. Dois
destes sujeitos planejaram a gestação junto à companheira, cinco deles não haviam planejado,
mas consideravam o filho desejado, e somente um sujeito não considerou a paternidade
planejada, nem desejada, mas ainda assim considerou-se feliz em ser pai.
A temática do aborto não estava diretamente contemplada no roteiro de entrevista, mas
dois entrevistados, diante da sugestão de suas parceiras, manifestaram sua reprovação a esta
prática. Quanto à prevenção das DST’s, em geral, a adesão ao uso do preservativo não foi
abordada no discurso destes jovens e, quando mencionada, tratou-se de uma preocupação
secundária, sendo a questão do sexo seguro rapidamente contornada, tendo como pano de
fundo a relação de confiança entre o casal, mesmo havendo relatos de infidelidade e/ou
desconfiança e ciúmes acentuados entre os casais.
Paiva (2000) e Orlandi (2004) também verificaram que a inconstância ou a não
cogitação do uso da camisinha é freqüentemente justificada pela confiança estabelecida entre
o casal, sendo considerada como um aspecto de garantia de que o jovem está protegido contra
doenças sexualmente transmissíveis justificando a não adesão às práticas de comportamento
preventivo. O uso irregular de métodos contraceptivos e/ou preventivos, sugere o fato de que
a maioria destes adolescentes o se considerava em posição de vulnerabilidade frente às
DST’s e, portanto, a existência de risco para a saúde sexual e reprodutiva destes, na medida
em que não a gravidez não planejada, como a contaminação por DST’s podem decorrer do
mesmo relacionamento sexual desprotegido (Paiva, 2000).
127
A dificuldade em lidar e, especialmente, de negociar com a parceira o uso destes
métodos denuncia a escassez e/ou a ineficácia de políticas públicas voltadas para a
emancipação da população jovem no que se refere ao campo dos direitos sexuais e
reprodutivos. Neste trabalho, destaca-se a importância de oportunizar aos adolescentes um
espaço voltado para o favorecimento do acesso à informação e ao debate sobre aspectos
envolvidos no exercício da sexualidade, tais como as relações de gênero que circunscrevem a
negociação das práticas de comportamento preventivo, incluindo a reflexão sobre os seus
projetos de vida, suas vulnerabilidades, direitos e (im) possibilidades.
Por meio da abordagem de temas relacionados à família de origem dos participantes,
visou-se a identificação de significados atrelados ao cuidado e à paternidade que circulam no
discurso familiar e engendram as significações por eles produzidas referentes à paternidade. O
lugar da mãe na família destes rapazes estava conectado, principalmente, ao cuidados dos
filhos. Todos buscavam, até o dia da entrevista, de alguma forma, manter o contato com suas
mães e, mesmo os que citaram a existência de conflitos com estas, mencionaram a dimensão
afetiva especialmente relacionada à mãe. Quanto à realização das tarefas domésticas, mesmo
quando apontada a divisão das mesmas entre os membros da família, identificou-se uma
tendência em colocar a mãe neste lugar. Portanto, nas famílias de origem destes sujeitos, com
maior ou menor intensidade, à mãe era delegado o lugar de cuidadora ou líder expressiva-
afetiva, terminologia esta também empregada por Trindade (1991). No que diz respeito ao
estabelecimento de regras e limites na família de origem, apesar de apontarem a participação
de suas mães neste campo, a legitimidade da autoridade era conferida ao pai ou às figuras
masculinas.
Entre os resultados desta pesquisa chamou a atenção o fato de que grande parte dos
entrevistados se constituiu à distância ou se distanciou do pai. Alguns passaram a conviver
com padrastos com os quais estabeleceram vínculos, porém, ainda assim, nenhum deles
considerou o pai substituível por qualquer outra pessoa que tenha participado de alguma
forma do seu processo de constituição. Estes sujeitos não abrem mão de responsabilizar pelo
exercício da paternidade o homem que participou da fecundação, mesmo que este homem seja
deles desconhecido ou se encontre distante, destacando-se, portanto, a importância do lastro
genético na determinação da paternidade.
Apesar da delegação do tradicional lugar de cuidadora às mães, haja vista o
distanciamento dos pais de cinco rapazes entrevistados, na configuração familiar da maior
parte deles não se destacou a atribuição do provimento ao pai. A maior parte destes pais não
se enquadra no modelo tradicional de exercício da paternidade, entretanto, também não
128
corresponde ao delineamento das ‘novas paternidades’, abordado por autores como Lamb
(1986), Resende e Alonso (1995), Lyra (1998) e Fuller (2000).
A literatura especializada tem apontado um fenômeno designado como ‘novas formas de
paternidades’ que se refere à “participação mais efetiva dos homens no cotidiano familiar,
particularmente no cuidado com a criança” (Lyra, 1998, p. 194). Destaca-se, no delineamento
destas novas paternidades, a importância da relação afetiva estabelecida entre pais e filhos e a
visibilidade da figura do pai cuidador.
Alguns sujeitos abordaram a relação de cuidados com os filhos comparando-a
diretamente com a estabelecida pela sua família de origem consigo próprio. Conforme
Vygotski (1995), o processo de apropriação dos significados compartilhados por um
determinado grupo cultural é possível através da mediação do outro. Em nossa sociedade a
família é significada como uma das maiores responsáveis pela socialização dos sujeitos.
A família de origem de cada pai representa um importante aspecto no delineamento do
exercício da paternidade. Entretanto, na medida em que os sujeitos são ativos no processo de
atribuição de sentidos aos significados compartilhados no decorrer de seu processo de
constituição (Vygotski, 1995), além do fato de que os pais circulam em outros grupos e
sistemas além do familiar, verificam-se processos identificatórios contrastivos que estão em
jogo em meio a uma série de mediações, engendrando projetos diferenciados como o de
exercer a paternidade de maneira outra em relação à sua referência paterna. Portanto, parte-se
do pressuposto de que cabe às pessoas (personas) a co-autoria dos personagens que vivenciam
no cotidiano (Maheirie, 1997; Maheirie, 2002). Tendo em vista a perspectiva de que o
processo de constituição do ser humano é devir, pensa-se no exercício da paternidade como
um projeto aberto e inacabado, além da atuação no lugar de pai atual, que não pode ser
esgotada, nem totalmente capturável.
Identificou-se nos depoimentos registrados significados referentes ao cuidado e à
paternidade que circulam no discurso familiar e engendram as significações produzidas por
estes sujeitos sobre a experiência de ser pai. Contudo, estes rapazes demonstraram
nitidamente o processo de reinvenção do exercício da paternidade através do compromisso de
buscar fazer tudopelo filho (mesmo quando avaliam que seus pais não o fizeram) e/ou de
exercer a paternidade de maneira diferenciada de seus pais. As estratégias que estes sujeitos
projetam para o estabelecimento de limites e regras familiares aos filhos ilustram este
compromisso. A maior parte dos sujeitos considerou que cabe tanto à mãe quanto ao pai esta
tarefa e todos declararam o intuito de não se valeram da violência com fins didáticos, deste
modo, mesmo que em um plano idealizado, superaram o padrão de estabelecimento de regras
129
e limites da família de origem, em alguns casos, pautado pelo emprego sistemático de
violência, bem como pela atribuição de autoridade legítima às figuras masculinas.
De acordo com Olavarría (2000), a figura do próprio pai do sujeito consiste em um
referencial do que é ser pai, seja para espelhar-se nele, seja para diferenciar-se, ou assemelhar-
se e diferenciar-se do pai de acordo com o contexto. Movimentos dialéticos de constituição
das subjetividades e identificação (seja pela afirmação, negação e, sobretudo, contradição) dos
sujeitos com as posições assumidas por seus pais no processo de exercício da paternidade
também foram observados entre os participantes desta investigação. Nos relatos coletados, o
lugar do pai como referência no exercício paterno foi verificado (figura que pode ser
declarada como um exemplo, bem como anti-modelo ou um exemplo de como não pretendem
atuar). Contudo, os sujeitos entrevistados também demonstraram a importância do vínculo
estabelecido com a mãe e outros familiares, sugerindo que a referência que norteia o exercício
da paternidade pode não estar centralizada no pai. Da mesma forma, apesar da relevância da
mediação familiar no processo de apropriação dos recursos sígnicos para lidar com o
exercício da paternidade, destaca-se a relevância de outros grupos e espaços entre os quais
estes sujeitos também circularam, na medida em que promoveram mediações outras, além das
familiares. Neste contexto, entre uma infinidade de outros determinantes, também pode fazer
parte deste cenário o apelo da mídia que veicula múltiplas posições de sujeitos, entre elas,
algumas performances pautadas por saberes e fazeres igualitários.
Ainda no que diz respeito à dimensão familiar do fenômeno aqui estudado, o fato de que
a maior parte destes participantes estava morando na casa de familiares ou próximo deles
sugere que as implicações da paternidade destes adolescentes, de alguma forma, também
poderiam estar atuando na sua família de origem. Verificou-se, em maior ou menor grau, a
contribuição dos familiares dos rapazes e/ou os de suas parceiras no que se refere às
demandas das gestantes, dos próprios participantes e, especialmente, dos filhos destes casais.
Sendo assim, destaca-se a importância da realização de estudos que contemplem discursos da
família extensa de adolescentes pais (pais e mães) face à paternidade na adolescência, posto
que a investigação referente à dinâmica da rede de apoio destes sujeitos constitui uma lacuna
neste campo de pesquisa.
Referente ao acompanhamento da parceira no trabalho de parto e no puerpério, os dois
sujeitos que o fizeram consideraram importante a sua participação neste evento e
demonstraram empatia com suas parceiras, considerando-se angustiados com a dor sofrida
pelas mesmas. Quanto aos sujeitos que não participaram e/ou que não estavam disponíveis
para participar do trabalho de parto de suas parceiras, estes rapazes, em algum momento,
130
vislumbraram a possibilidade de estar presente neste acontecimento. Conforme Salem (1987),
ao participar do trabalho de parto, o pai tem a chance de apoiar a parceira e, simultaneamente,
identificar-se, desde este momento, com o lugar paterno.
Segundo os participantes deste estudo, o processo de identificação com o lugar paterno é
intenso durante toda a gestação da parceira. Contudo, alguns sujeitos destacam a importância
da relação com o outro (parceira, familiares do casal, amigos) para este fim. Estes
participantes destacam a preponderância da concretude da presença do filho após o
nascimento para a identificação com a paternidade. Conforme Vygotki (1995), a atribuição de
sentidos a um determinado evento dá-se na relação dialógica, como produto da história e da
cultura. Mesmo sozinho, em um monólogo, o sujeito está em relação, na medida em que,
como produto da cultura, apropriou-se dos recursos sígnicos disponíveis no contexto social os
quais mediam a produção de sentidos, ainda que o sujeito não esteja em relação direta com
outrem. Ainda assim, estes adolescentes pais enfatizam a importância da relação objetiva
com o outro nos processos identitários com o lugar paterno.
Na medida em que a paternidade é associada à responsabilidade, assim como a definição
de adolescência de alguns participantes é atrelada ao lazer e ao descompromisso, constatou-se
entre dois sujeitos (um dos quais havia planejado a gestação) o lamento pela adolescência
perdida. Todos os participantes, em algum momento da entrevista, relataram considerar que a
paternidade aconteceu “cedo, no caso de um dos rapazes, apenas a chegada do segundo filho
foi considerada precipitada. Antes da notícia da gestação da parceira, imaginavam que se
tornariam pais em um período no qual contassem com melhores condições, sobretudo
financeiras, para lidar com as demandas da paternidade, destacando-se a provisão dos filhos.
Portanto, o critério etário não é o mais importante na avaliação da precocidade do advento da
paternidade, tal como verificado por Cabral (2003).
Ao abordarem a recomendação ou a contra-indicação da paternidade na adolescência, os
entrevistados mencionaram critérios que deveriam ser observados antes de um adolescente
decidir ser pai, mesmo que alguns deles próprios não apresentassem tais condições. Os
aspectos que foram atrelados pelos participantes ao delineamento da recomendação ou contra-
indicação da paternidade na adolescência diziam respeito, especialmente, à continuidade do
estudo e à estabilidade no mundo do trabalho, conseqüentemente, à condição financeira. Tais
aspectos coincidem com os mesmos apontados pelos sujeitos ao avaliar a própria
experimentação da paternidade como precoce. Esta ênfase na esfera financeira da paternidade
está diretamente relacionada com o lugar tradicional de provedor, sendo este marcadamente
atribuído ao campo da masculinidade na cultura ocidental (Sarti, 1994; Villa, 1997; Villa,
131
1998; Amato, 1998; Arilha, 1998; Dominguez, 1998; Trindade e Bruns, 1999; Arilha, 1999;
Siqueira, 1999; Olavarría, 2001; Siqueira et al, 2002).
A problemática do trabalho e do provimento destacou-se no discurso dos sujeitos como
uma atribuição do pai. Nos relatos, as parceiras foram consideradas, no máximo, coadjuvantes
no provimento da família, estando as suas inserções no mercado de trabalho hipotéticas ou de
fato (a companheira de apenas um dos entrevistados trabalhava remuneradamente)
condicionadas pela matrícula dos filhos em uma creche ou pela negociação de seus cuidados
por alguém considerado de confiança pelo casal ou um de seus membros.
Sendo assim, entre os participantes pode-se constatar a manutenção do lugar de
provedor destinado ao pai, conforme também encontrado por Palma e Quilodrán (1997),
Trindade e Bruns (1999), Trindade e Menandro (2002) e Lodetti (2005). A delegação deste
lugar associa-se à organização tradicional da família que conserva uma divisão binária de
tarefas e atribuições, pautadas pelas prescrições e assimetrias das relações de gênero. O
compromisso com o trabalho foi empregado como justificativa para as ausências ocorridas
desde o pré-natal e as que imaginaram que poderão acontecer no processo de
desenvolvimento dos filhos, isto porque pressupunham dificuldades em negociar com seus
empregadores saídas para o acompanhamento de atendimentos médicos, reuniões escolares,
entre outras atividades concernentes aos cuidados dos filhos.
No que se refere às atividades que os sujeitos entrevistados declararam que pretendiam
realizar ou com as quais se encontravam engajados face à demanda de cuidados de seus
filhos, foram citadas uma série delas, incluindo os cuidados com a higiene, a alimentação, o
acompanhamento em atendimentos por profissionais na área da saúde, a participação em
questões escolares, além de momentos dedicados à brincadeira com os mesmos. Quanto à
amamentação, alguns entrevistados citaram a importância da participação do pai nesta
atividade e outros a excluíram.
As dimensões educativa e afetiva do exercício da paternidade foram destacadas, estando
em consonância com o delineamento teórico das novas paternidades. Estes adolescentes pais,
uns mais outros menos, pareceram enquadrar-se neste conceito. A questão da educação está
vinculada à indicação do certo e do errado aos filhos, mesmo entre os sujeitos que
reprovaram algumas de suas próprias condutas, como a evasão do meio escolar, o consumo de
drogas, a paternidade na adolescência, entre outras. Também foi enfatizada a dimensão
amorosa como uma atribuição do pai, destacando-se os substantivos amor, carinho e atenção.
Fuller (2002) apontou mudanças e permanências na produção de significados atrelados ao
exercício da paternidade; tal como foi verificado na presente investigação; o pai tem sido
132
significado além de protetor e provedor, também como formador e educador de seus filhos,
havendo portanto, uma ampliação das práticas atribuídas ao campo da paternidade.
No depoimento de cada um dos participantes, ao se referirem à relação de cuidados que
estabeleceram ou pretendem estabelecer com seus filhos, chamou a atenção o modo como foi
empregado o verbo ajudar”. Haja vista a ênfase na provisão dos filhos, estes sujeitos
pretendiam ajudar as parceiras quando estivessem disponíveis para a participação no
cuidado dos filhos. Portanto, apesar de relatarem o comprometimento com a sua atual e/ou
futura participação no cuidados dos filhos, a ênfase estava em delegar esta tarefa à mãe da
criança.
Estes adolescentes pais declararem sua disponibilidade para a realização dos cuidados
demandados por seus filhos, entretanto, a ênfase estava em localizar o pai como um
coadjuvante, competindo a ele auxiliar a companheira no cuidados aos filhos. Na medida em
que o lugar do pai no cuidado é delineado em contraste com o da mãe, verifica-se uma maior
valorização desta a quem, em contrapartida, é delegada maior responsabilidade na arena do
cuidado dos filhos.
Quanto às razões mencionadas pelos entrevistados para se tornarem pais, quatro
categorias puderam ser delineadas para descrevê-las em nível didático: paternidade como
realização do cuidado dos filhos; paternidade como experiência emocional diferenciada que
promove o processo de constituição do sujeito; paternidade como status social e paternidade
como perpetuação da espécie. Deve ser salientado o fato de que estas categorias estão
intimamente relacionadas umas com as outras, tendo como fio condutor o conceito de
responsabilidade. Todos os temas que compuseram cada uma das categorias foram
significados como aspectos positivos do advento da paternidade na adolescência.
Corroborando Fuller (2000), afirma-se que não múltiplos e heterogêneos como
também contraditórios significados podem ser atribuídos à paternidade tanto por uma
coletividade quanto por um sujeito ao longo do seu singular exercício da paternidade. Estes
jovens consideraram-se, uns mais outros menos, credenciados para participar dos cuidados
demandados por seus filhos. Contudo, sutil ou explicitamente, enfatizaram o vínculo entre a
parceira e a criança, insinuando a naturalização da relação mãe-filho. Assim como rompem
com o modelo tradicional de exercício da paternidade, estes sujeitos, à sua maneira, também
reproduzem em seu cotidiano algumas práticas filiadas a este modelo.
Semelhanças e diferenças quanto às posições assumidas pelos participantes referentes à
paternidade foram identificadas, bem como diferentes níveis de compartilhamento, seja em
relação aos significados atrelados ao tradicional lugar paterno de provedor e/ou ao de
133
cuidador. Isto porque não correspondem totalmente às prescrições de gênero que instituem a
mãe como cuidadora dos filhos e o pai como provedor, bem como não se satisfazem de todo
os critérios que abarcam a definição de pai cuidador.
A maior parte destes adolescentes pais explicitou o projeto de viver com a companheira
uma relação igualitária no que se refere à divisão das tarefas domésticas e do cuidado dos
filhos, incluindo o incentivo à escolarização e à inserção dela no mundo do trabalho. Porém,
deve ser lembrado que os processos de produção de significados sobre a família e de
ocupação de posições sociais são dinâmicos, marcados pela volatilidade e contradição. Não
necessariamente, no cotidiano destes sujeitos, tais projetos são viabilizados, nem por vezes
negociados com estas mulheres.
No cotidiano em nossa sociedade, freqüentemente, a paternidade na adolescência é
reprovada, partindo-se do pressuposto de que o adolescente não tem condições de atuar como
pai, atuação esta fortemente atrelada ao provimento dos filhos. A maior parte dos sujeitos
entrevistados apontou dificuldades vividas diante da paternidade, mas ainda assim se
consideraram em condições para exercê-la da maneira como significavam como mais
adequada.
Considera-se que o viés alarmista que norteia vários olhares voltados para a paternidade
na adolescência pode contribuir para com o afastamento do jovem de sua responsabilidade
perante a participação na gestação de sua parceira. A banalização das implicações de uma
gestação, por sua vez, pode acarretar na omissão dos serviços de saúde e educação, no que se
refere ao favorecimento da possibilidade dos adolescentes discernirem sobre os seus projetos
de vida e as conseqüências de seus atos e escolhas, independente de os mesmos decidirem
tornarem-se pais ou não neste momento de suas vidas. Assim como no mundo adulto, a
paternidade na adolescência pode ser significada de maneiras diversas, podendo ser desejada
ou indesejada, planejada ou não planejada, satisfatória, desagradável, emancipadora... Sendo
assim, não cabe aos pesquisadores culpabilizá-la, nem enaltecê-la, fazendo-se necessário
situá-la nos diversos contextos sociais nos quais se dá, considerando-se, em última instância, a
singularidade dos sentidos atribuídos por cada um dos sujeitos que a vivencia.
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148
7. ANEXO
ANEXO 1
ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Todas as questões desse roteiro são reformuladas ou omitidas de acordo com o
contexto da entrevista e com o fato de os filhos dos sujeitos já serem ou não nascidos
I – IDENTIFICAÇÃO
- Nome (iniciais):
- Data de nascimento: Local de Nascimento:
- Estado civil:
- Escolaridade:
- Nº. de filhos:
- Idade dos filhos:
- Sexo dos filhos:
- Município de residência:
- Etnia:
- Tradição religiosa:
- Renda mensal:
- Profissão/ocupação:
- Casa própria: ( ) sim ( ) não
- Tipo: ( ) madeira ( ) alvenaria
- Nº de cômodos:
- Mora com alguém/quem?
II- Vivência na família de origem (Fale-me um pouco sobre sua história de vida,
sua família de origem...)
1- Profissão dos pais:
2- Escolaridade de ambos:
3- Número de irmãos e sexo deles:
149
4- Quantas pessoas moravam na casa:
5- Ordem de nascimento em relação aos irmãos:
6- Você lembra de alguma situação, quanto era criança, em que alguém estava
cuidando de você? Quem era esta pessoa? Qual era o contexto desta relação de
cuidado?
7- Quem era responsável pelas regras e disciplina na casa?
8- Quem costumava ir às reuniões da escola?
9- Quem levava você ao médico ou dentista?
10- Quem fazia você dormir? Como?
11- Algum adulto costumava brincar com você? Você lembra que brincadeiras eram? E
seus pais?
12- Quem cuidava das tarefas domésticas?
13- Você ajudava nessas tarefas? Como?
14- Se tiver irmãos menores...Quem cuidava deles? Você ajudava a cuidar deles?
15- O que você lembra que seu pai fazia com relação aos cuidados dos filhos?
16- Como você descreveria sua mãe? E seu pai?
17- O que você considera ser um “pai ideal”?
18- Como foi sua relação com seu pai? Como gostaria que o seu pai fosse?
19- O que considera importante na relação com seu pai?
20- Você acha que algo poderia ser diferente nessa relação?
21- O que você continuaria preservando nessa relação?
22- Você acha que alguém pode substituir o pai?
III – Sentidos da Paternidade
23-Você mora com a mãe do seu filho?
24- Como é sua relação com ela?
25- Gostaria que algo fosse diferente nessa relação com a mesma?
26- Você pensava em ser pai? Quando?
27- A gestação foi planejada?
28- Foi desejada? (em caso de negativa, você conhece algum método contraceptivo?)
150
29- Como você recebeu a notícia de que ia ser pai?
30- E hoje, como se sente com relação à paternidade?
31- Como você imaginava o seu futuro antes da notícia de que iria ser pai? Como se
lança nesse futuro atualmente? De que forma a paternidade se inclui aí?
32- Como você se sente em relação ao seu filho?
IV- Cuidados com os filhos (Fale-me um pouco sobre sua relação com seu(s) filho
(s)...)
33- O que você considera importante nos cuidados dos filhos?
34- O que é “cuidar” do (s) filho(s), na sua opinião?
35-Para você, como o pai participa nos cuidados dos filhos? ou O que um pai faz? Você
acha que alguma tarefa é de responsabilidade da mãe? E do pai?
36- Você já ficou sozinho cuidando de seu filho? Em que ocasiões? Como foi a
experiência?
37- Quem deve cuidar da higiene do(s) filho(s)?
38- Quem deve cuidar da alimentação?
39- Com relação ao sono, quem faz a criança dormir?
40- Quem auxilia o(s) filho(s) em suas tarefas escolares?
41- Quem leva o filho ao médico?
42-Quem ensina o(s) filho(s) as regras dentro de casa? E quais são elas? Alguém em
especial estabelece essas regras?
43- Quem dá os limites aos filhos e como é feito isso?
44- Quem leva e busca o filho na creche/escola?
45- Quem é o responsável pelas despesas relacionadas à manutenção da criança?
46- O que você considera importante ensinar ao(s) seu(s) filho(s)?
47- Você mudaria algo na sua relação com seu filho?
48- Descreva “um dia” com seu(s) filho(s).
49- O que significa para você ser pai hoje?
50- Como você pensa que será como pai no futuro?
51- Você recomendaria a outros adolescentes ser a paternidade na adolescência?
52- Você gostaria de ter outro filho nesse momento?
151
ANEXO 2-
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Meu nome é Renata Orlandi e estou desenvolvendo a pesquisa PATERNIDADE NA
ADOLESCÊNCIA: UM ESTUDO SOBRE OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS ÀS
PRÁTICAS DE CUIDADOS AOS FILHOS, com o objetivo de conhecer o que os pais
adolescentes pensam da paternidade e quais as práticas de cuidados que eles estabelecem
com seus filhos. Esta investigação é necessária porque se conhece pouco sobre os
adolescentes pais. Para tanto, serão realizadas entrevistas gravadas em um encontro com
você, de preferência com a presença de seu filho. Este momento pode trazer algum
constrangimento para você, porque pedirei que você me conte algumas coisas de sua vida
pessoal e pedirei a você permissão para usar um gravador para registrar a sua fala, mas
esperamos que traga benefícios para você e para os outros adolescentes pais pois, com esta
pesquisa, poderemos ajudar os programas voltados para adolescentes nesta área de saúde
sexual e reprodutiva. Se você tiver alguma dúvida em relação ao estudo ou não quiser mais
fazer parte do mesmo, pode entrar em contato pelo telefone 3318215. Se você estiver de
acordo em participar, posso garantir que as informações fornecidas serão confidenciais e só
serão utilizadas neste trabalho.
Assinaturas:
Pesquisador principal ________________________________________
Orientadora do pesquisador responsável _____________________________________
Eu, ______________, fui esclarecido sobre a pesquisa PATERNIDADE NA
ADOLESCÊNCIA: UM ESTUDO SOBRE OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS ÀS
PRÁTICAS DE CUIDADOS AOS FILHOS e concordo que meus dados sejam utilizados
na realização da mesma.
(local e data)
Assinatura: ______________________________________________________
RG: ___________________________
152
ANEXO 3-
Universidade Federal de Santa Catarina - Departamento de Pós-Graduação em
Psicologia
Questionário:
Meu nome é Renata Orlandi, sou psicóloga e estou realizando uma pesquisa sobre a paternidade. Esta
investigação é necessária porque poucos estudos foram realizados sobre a participação dos homens na
gestação de suas parceiras e no processo de desenvolvimento de seus filhos. A sua participação é voluntária,
se você quiser participar deste estudo, peço para que preencha este questionário e devolva para a pessoa que o
entregou. Por favor, não deixe nenhuma questão em branco e não escreva seu nome nas folhas, sua
participação é anônima. Em caso de dúvida, chame a pessoa que lhe entregou este questionário pois ela estará
disponível para esclarecimentos. O que me interessa é a sua opinião sincera sobre o que for perguntado.
Desde já agradeço a sua participação.
1- Esta é a sua primeira gestação?
sim ................................ ......... não
2- Há quanto tempo você está grávida? ________________________________________
3- Há quanto tempo você soube que estava grávida? ______________________________
4- O pai do seu filho tem conhecimento da sua gravidez?
sim ................................ ......... não
Caso a resposta da questão 4 seja afirmativa:
Como o pai de seu filho comportou-se ao saber da sua gravidez?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
____________________________________________________________
Como você gostaria que o pai de seu filho reagisse ao saber da gravidez?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
____________________________________________________________
5- Qual é a idade do pai de seu filho? ___________________________________
6- O que você pensa sobre a participação do pai no processo de desenvolvimento do filho?
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
____________________________________________________________
Faça uma revisão em seu questionário para ver se ficou alguma resposta em branco. Neste caso, por
favor, preencha.
Obrigada por sua atenção!
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