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MARIO DESTRO MONTEIRO
AS MANIFESTAÇÕES AFETIVAS NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA:
ANÁLISE DE UMA CLASSE DE 3ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL
NA PERSPECTIVA DE HENRI WALLON
EDUCAÇÃO: PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo - 2006
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MARIO DESTRO MONTEIRO
AS MANIFESTAÇÕES AFETIVAS NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA:
ANÁLISE DE UMA CLASSE DE 3ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL
NA PERSPECTIVA DE HENRI WALLON
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em Educação:
Psicologia da Educação sob orientação da Profª. Dr.ª
Laurinda Ramalho de Almeida.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo - 2006
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BANCA EXAMINADORA
_________________________________
_________________________________
_________________________________
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta dissertação/tese por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.
Assinatura:______________________Local e Data:_______________
À Deus e à minha família, que me deram
forças em todos os momentos de minha
jornada.
AGRADECIMENTOS
À Profª. Dr.ª Laurinda Ramalho de Almeida, que nas orientações foi
paciente, disponível e entusiasmada.
À Profª. Dr.ª Abigail Alvarenga Mahoney e à Profª. Dr.ª Vilma Leni
Nista-Picollo, pelas valiosas sugestões durante o exame de qualificação.
À amiga Sandra Papesky, pela revisão atenta e sensível, além das
preciosas sugestões para aperfeiçoamento deste trabalho.
À Karina, minha companheira de todas as horas; e sua família, que
sempre me apoiou e acolheu.
Às amigas do grupo de estudos: Angélica, Ione e Maria Cristina, que
demonstraram que a pesquisa não é um momento solitário.
À amiga e professora Greice, que foi quem me apresentou às amigas
do grupo de estudos.
Aos professores e secretárias do programa, pela paciência e
disponibilidade.
À Capes e CNPq, pelo apoio financeiro.
RESUMO
Este estudo buscou compreender como se manifesta a dimensão afetiva nas
aulas de Educação Física na terceira série do ensino fundamental em uma escola
pública estadual da zona norte da cidade de São Paulo. Foram observadas cinco aulas,
em uma única 3ª série, com o mesmo professor de Educação Física. A coleta e análise
dos dados foram guiadas pelo aporte da teoria psicogenética de Henri Wallon. As
observações foram descritas, guiadas pelo problema da pesquisa, referendadas pelos
conceitos de afetividade que esta concepção teórica apresenta. Posteriormente,
agrupadas em sensações de bem-estar e mal-estar, tanto do professor como dos
alunos, emergindo as categorias das manifestações que foram captadas pelo
pesquisador. Os resultados obtidos revelaram a pouca importância dada pelo professor
quanto às manifestações afetivas dos alunos. As demonstrações de mal-estar foram
mais abundantes que as de bem-estar. Isso ressalta a necessidade, principalmente de
os professores de Educação Física Escolar, repensarem suas práticas; tendo em vista
um aproveitamento do contexto pedagógico, que respeite, sensivelmente, as
necessidades dos alunos e do próprio professor, no que tange especialmente, à
afetividade.
ABSTRACT
This study aimed to understand how the affective dimension manifests in physical
education classes on the third grade of elementary school at a public school in the north
region of the city of São Paulo. Five classes were observed, at only one third grade
class, with the same physical education teacher. The data harvesting and analysis were
guided by Henri Wallon’s psychogenetic theory. The observations were described,
guided by the research’s problem, with the influence of affectivity concepts that this
theorical conception presents and put in attached. Later, we grouped in sensations of
satisfaction and indisposition, both from the teachers and the students, and raised
manifestation categories that were captured by the researcher. The results obtained
revealed the little importance given by teacher towards the student’s manifestations. The
indisposition manifestations were more abundant than the satisfaction manifestations.
This calls our attention, mainly to physical education teachers, so that they can rethink
their practices, having as a basis the improvement of the pedagogical context, which
respects sensibly the needs of the students and teachers.
SUMÁRIO
1. Introdução................................................................................................ 10
1.2 Apresentação ..........................................................................................10
1.3 Revisão de Literatura...............................................................................14
2. A Educação Física Escolar.................................................................... 24
3. As Contribuições Teóricas de Henri Wallon ........................................32
3.1 Vida e Obra do Autor ................................................................................32
3.2 Princípios da Teoria de Wallon .................................................................34
3.3 Os Conjuntos Funcionais..........................................................................41
4. Procedimentos Metodológicos .............................................................. 53
5. Discussão Sobre os Dados Obtidos...................................................... 61
5.1 O Contexto da Pesquisa........................................................................... 61
5.2 A Prática do Professor de Educação Física Decorrente das Múltiplas
Determinações................................................................................................ 64
5.3 Manifestações de Bem-Estar no Professor............................................... 67
5.4 Manifestações de Bem-Estar nos Alunos ................................................. 71
5.5 Manifestações de Mal-Estar no Professor ................................................ 73
5.6 Manifestações de mal-estar nos alunos.................................................... 80
6. Considerações Finais.............................................................................. 93
7. Referências Bibliográficas...................................................................... 98
8. Anexos.......................................................................................................103
1. INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação
Tendo feito graduação em Educação Física, escolha feita na base de interesse
pela área, trabalhei desde o período de estudos, como estagiário e posteriormente
como professor, em academias de ginástica, como professor de musculação, natação e
hidroginástica. Contudo, estas atividades não me motivavam o suficiente. Passei,
portanto, a buscar no mercado de trabalho, como recém formado, novos desafios que
pudessem me proporcionar maiores aprendizagens e também satisfazer minha
curiosidade sobre o trabalho de professor de Educação Física nas escolas.
Procurei, por indicação de um amigo, a Rede Pública Estadual que, segundo ele,
seria abundante na oportunidade de ingresso para o trabalho nas escolas. Contudo,
participei das três primeiras atribuições de aulas no início de 2003, mas não consegui
aulas para mim. Procurei, em março daquele ano, oportunidade como professor
eventual em uma das escolas da rede que atendia alunos de 5ª série do Ensino
Fundamental a 3ª série do Ensino Médio, e passei a cobrir a falta de outros professores
de Educação Física nesta escola.
Foi a minha primeira fonte de desconforto e uma primeira percepção sobre a
influência das emoções na relação pedagógica, pois me deparei com adolescentes,
com a agitação própria da idade e o fato de virem de um bairro carente de periferia,
cada qual com ações e manifestações de agressividade e impulsividade que eu não
sabia ao certo o que fazer a respeito.
10
Contribuiu bastante o fato de a escola funcionar de maneira deficitária. Por
exemplo, quando os alunos ficavam, vez ou outra, sem um professor de outras
disciplinas, no caso da direção não conseguir repor com outro professor eventual,
ficavam andando pelos corredores. Alguns invadiam a quadra, local onde eu ficava com
os alunos e outros sujeitos não identificados pela direção da escola, mas que vinham
da comunidade e pulavam o muro para participar de atividades junto aos alunos. Com
essa quantidade elevada de pessoas, e a forte pressão que vinha, na maioria das
vezes, desses “sujeitos de fora” eu não conseguia ter voz ativa e comandar as aulas
com tranqüilidade.
Não suportei e abandonei esse cargo de professor eventual no mesmo mês em
que comecei e continuei participando das atribuições nas outras escolas. Consegui, ao
longo dos meses, conquistar uma carga horária de aulas que me foram atribuídas para
um trabalho ininterrupto até o fim do ano. Ministrei aulas de Educação Física para 1ª, 2ª
e 4ª séries do Ensino Fundamental e para 2º ano do Ensino Médio no curso de
Magistério (CEFAM
1
). Em novembro, eu consegui conquistar, na atribuição, aulas para
a 3ª série do ensino fundamental, que era a única série que eu, até então, não tinha tido
contato. Foram quatro classes de 3ª série. Confesso ter sido um período difícil
2
, pois eu
não possuía uma base teórica consistente para dar conta de compreender a afetividade
que estava presente na relação pedagógica e não entendia como eu poderia intervir
adequadamente para ter melhores respostas e uma otimização do meu trabalho que
me proporcionasse satisfação com os resultados.
1
Centro de Formação e Aperfeiçoamento para o Magistério
2
Será aprofundada a explicação sobre a 3ª série no Capítulo de Estratégias Metodológicas, pois justifico o porquê da
escolha desta para o desenvolvimento da pesquisa.
11
Desde a graduação, tive interesse pela psicologia, pelos fenômenos emocionais
e seus impactos, mas nada que pudesse ser aprofundado em um curso de formação
profissional. Surgia, então, a idéia de uma pós-graduação para que eu pudesse
aprofundar meus conhecimentos nessa área.
Após ter começado minhas aulas com essas classes de 3ª série, fui até a
Faculdade que havia me formado, a fim de consultar e pedir auxílios de alguns ex-
professores. Antes disso, eu pude ter contato com algumas pesquisas
3
e livros
4
que
foram importantes para compreender o papel das emoções no comportamento humano,
mas não o suficiente para atender a todas as minhas necessidades. Assim, tive um
contato com uma ex-professora
5
que foi decisivo para o meu primeiro encontro com
Henri Wallon, psicólogo e educador. Ela me sugeriu conhecer mais a respeito desta
teoria a partir de um grupo de estudos que se reunia há vários anos com o objetivo de
aprofundar os conhecimentos desse aporte teórico
6
.
A partir desse primeiro contato com Wallon, meu encantamento pela temática
das emoções cresceu, por possibilitar enxergar a afetividade em uma visão integrada
do ser humano, tendo, portanto, uma teoria que poderia servir como facilitadora da
minha prática pedagógica no trabalho com a Educação Física. Resolvi prestar o
3
HIRAMA, E. P. As emoções na educação física escolar. 2001. 271 p. Tese (Doutorado em Educação Física).
Unicamp, São Paulo; PICCOLO, V. L. N.; WINTERSTEIN, P. Análise fenomenológica da percepção das emoções
em aulas de educação física. Revista da Educação Física, Maringá, v. 6, n. 1, p. 28-34, 1995; WINTERSTEIN, P. J.;
PICCOLO, V. L. N. Análise comparativa das emoções vivenciadas pelos alunos com a descrição que seus
professores fazem das mesmas. Revista Paulista de Educação Física, o Paulo, v. 10, n. 1, p. 59-67, jan./jun. 1996.
4
DAMÁSIO, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Trad. Dora Vicente e Georgina
Segurado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996; LEDOUX, J. O cérebro emocional: os misteriosos alicerces da
vida emocional. Trad. Terezinha Batista dos Santos. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.
5
Trata-se de Greice Kelly Oliveira, a quem eu presto agradecimentos pelas orientações, carinho e influências que
resultaram no encaminhamento desse curso de Mestrado e nesta pesquisa.
6
Organizado e orientado pela Prof. Dr. Abigail Alvarenga Mahoney. Naquele momento (novembro de 2003) só
haviam três pessoas: Angélica do Rocio Carvalho Silva, Ione Collado Pacheco Dourado e Maria Cristina Scavazza.
12
processo seletivo do curso de Mestrado no Programa de Estudos Pós Graduados em
Educação: Psicologia da Educação.
Para mim estava claro que o meu interesse de estudo era conhecer mais
profundamente o papel da afetividade na relação pedagógica e pretendia que a 3ª série
do Ensino Fundamental fosse o público escolhido para uma possível investigação
empírica.
As conversas informais com os professores e as aulas no programa de
Psicologia da Educação aliadas às orientações permitiram-me estruturar o problema da
pesquisa desta forma:
Como se manifesta a dimensão afetiva nas aulas de Educação Física na
3ª série do Ensino Fundamental?
Deste problema, decorrem os seguintes objetivos:
Identificar os sentimentos, e as respectivas situações provocadoras, nos
alunos, durante a aula de Educação Física;
Identificar os sentimentos, e as respectivas situações provocadoras, no
professor, durante a aula de Educação Física.
Acredito que, orientado pelo problema referido, a pesquisa possa oferecer os
seguintes subsídios:
Primeiramente, melhorar minha visão sobre essa temática que envolve a
Educação Física Escolar e a Afetividade na relação pedagógica
(relevância pessoal);
13
Contribuir junto aos profissionais da área da Educação e, especialmente
da Educação Física Escolar, para que possam aprimorar a visão sobre
afetividade na prática pedagógica e no processo de ensino e
aprendizagem;
Chamar a atenção para que surjam novas pesquisas que busquem
investigar mais sobre a relação pedagógica sensível, pautada no respeito
às necessidades do professor e dos alunos.
1.2 Revisão de Literatura
A escola continua enfatizar, talvez de forma exagerada, o
desenvolvimento intelectual, muitas vezes em prejuízo dos aspectos
físico, emocional, moral e social. Embora a finalidade original da escola
tenha sido a de proporcionar desenvolvimento intelectual, atualmente,
cada vez mais ela se vê forçada a atender aos demais aspectos da
educação. Para José Augusto Dias
7
, a ampliação do campo de ação da
escola se deve a “razões de ordem social – a sociedade vem exigindo
sempre mais da escola – e por razões de ordem lógica – a educação é
um processo integral, não podendo desenvolver-se parceladamente.
(Piletti, 2004 – p. 10)
O enfoque na educação integral começa a ganhar força no meio educacional,
pois por conta dos inúmeros prejuízos na formação nos educandos, tivemos de
7
Dias, 1979.
14
repensar a educação no que concerne a seus objetivos, campos de atuação e
princípios a serem seguidos.
Na Educação Física não foi diferente. Uma crise
8
, que se instalou devido à falta
de consenso e compreensão de seus próprios objetivos profissionais, assim como pela
necessidade de redelineamento da profissão, nos anos 80, teve de positivo a
conseqüência de repensar seus objetivos, sua identidade e chamar a atenção sobre
essas questões. Diante disso, o olhar sobre as emoções e sentimentos também
cresceu. Começaram a investigar seus impactos nas relações humanas de modo geral
e, particularmente, na relação pedagógica.
Neste estudo, procuramos na literatura o que já foi produzido sobre a relação
entre Educação Física Escolar e a dimensão afetiva ou termos adjacentes a esta (como
emoções e sentimentos) e, depois, por estudos que estabeleciam esta mesma relação,
porém, com o aporte teórico da psicologia integrada de Henri Wallon, referencial teórico
de base desta pesquisa.
Durante esta busca, encontramos uma obra de referência, que consiste na
publicação de duas teses de doutoramento sobre a Pedagogia da Educação Física e os
componentes afetivos: Shigunov e Pereira (1993). Na primeira parte do livro, os autores
trazem uma abordagem que eles chamam de comportamental, dizendo que o estudo
pretendeu captar e analisar os componentes afetivos manifestados pelos professores
de Educação Física. Foram selecionadas duas categorias de afetividade: positiva e
negativa. A afetividade positiva manifesta-se através das ações de elogiar, usar o
primeiro nome, demonstrar afeto e expressar-se com manifestação de urbanidade (por
8
Para maiores informações sobre a crise da Educação Física, consultar o capítulo de Oliveira, 2003 – p. 59 a 61.
15
favor, obrigado, desculpe, etc); já ações como criticar, agredir e punir caracterizam o
que chamaram de afetividade negativa. Nessa obra, usa-se o raciocínio que coloca o
uso de feedback (retorno) como resposta do professor como devolutiva que expressa o
reconhecimento dos resultados e esforços dos alunos, assim como o uso de perguntas
que sejam indutoras de participação dos alunos na organização do ensino feita pelo
professor.
Shigunov e Pereira (1993) discursam sobre o gesto motor, a cooperação e a
colaboração e, por ultimo, a motivação. Manifestam uma visão que prioriza o
comportamento do professor na relação pedagógica.
Em outra direção, pudemos tomar contato com a obra de Oliveira (1985) que,
inspirado na Psicologia Rogeriana
9
, ressaltava a importância de se abandonar os
métodos coercitivos e considerar a possibilidade de tornarmos a Educação Física mais
humanista:
A Educação Física escolar deve – numa perspectiva humanista – criar
um ambiente liberal, de forma a permitir a livre expressão dos alunos
(...)
A satisfação em movimentar-se livremente e o envolvimento afetivo
proporcionado por essa liberdade criam a verdadeira disciplina. Esta
não será alcançada sob forma coercitiva, mas sim através de
participação espontânea. (p. 39)
Sobre esse mesmo respeito à liberdade de movimentos e, sobre a importância
da afetividade em aulas de Educação Física, Freire (1989) afirma que “... de modo
9
Trata-se de Carl Rogers, psicólogo americano (psicologia humanista)
16
geral, os professores não possuem estrutura afetiva para suportar a relação com corpos
livres em movimento...” (p. 170) e complementa:
é preciso mais que um conhecimento metódico de técnica de dar aulas
para formar um educador, seja em sala de aula, seja no pátio de
Educação Física. Uma relação educativa pressupõe o conhecimento
dos sentimentos próprios e alheios. (p. 171)
Contudo, podemos imaginar as inúmeras dificuldades de se trabalhar com as
emoções, tanto próprias como alheias. Carlos Byngton citado por Freire (1989) diz que
praticamente todas as emoções humanas podem ser objeto de elaboração,
aprendizado e controle durante um jogo. Brotto (2001) corrobora essa afirmação
dizendo que
o jogo é uma janela para a vida emocional das crianças. A oportunidade
de a criança expressar seus afetos e emoções através do jogo só é
possível em um ambiente e espaço que facilitem a expressão: é o
adulto quem deve criar esse espaço. (p. 16)
Esta última afirmação admite não apenas o fato do jogo ser considerado um bom
instrumento para se trabalhar a afetividade, mas também converge com Oliveira (1985)
e Freire (1989) quando pressupõe a liberdade de expressão fazendo menção ao
ambiente, ao espaço e à responsabilidade do adulto em organizar o espaço do jogo
para a expressão da afetividade.
Andreazza (1997) investigou a influência do nível de afetividade entre professor e
aluno no rendimento escolar, com alunos da 3ª Série de 2º Grau (atual Ensino Médio)
17
em Escolas Estaduais de Santa Rosa (RS). Nesta pesquisa o autor discute que a
afetividade é muito importante para o desenvolvimento pessoal do aluno e constata,
através da coleta de dados empíricos, que a falta desta prejudica mais os alunos do
sexo feminino do que os do sexo masculino no que se refere ao desenvolvimento
escolar dos alunos.
Tanto na pesquisa de Andreazza (1997), como nas obras anteriormente citadas
(Oliveira, 1985; Freire, 1989; Brotto, 2001) não foi possível conhecer melhor a questão
das manifestações emocionais (ou afetivas) na relação professor-aluno, o que foi
possível nas pesquisas de Antunes (1993), Hirama (2001), Nista-Picollo e Winterstein
(1995), Winterstein e Nista-Picollo (1996).
Em Winterstein e Nista-Picollo (1996), os autores visam verificar se há
discrepância entre o que os alunos relatam sobre as emoções que sentem nas aulas de
Educação Física e as emoções que seus professores relatam como vivenciadas pelos
seus alunos, tanto na sua qualidade quanto em sua freqüência. Trata-se de uma
pesquisa de análise quantitativa que trás um levantamento estatístico das
manifestações de emoções e sentimentos e as discrepâncias de interpretação destas
ocorrências por parte dos seus professores.
O estudo de Nista-Picollo e Winterstein (1995) trata do mesmo objetivo do estudo
anterior, pois também foi dada ênfase ao estudo das emoções na relação entre
professor e alunos, mais especificamente como os alunos expressam as emoções
vividas durante as aulas de educação física e quais emoções os seus professores
descrevem como vividas por esses alunos. A principal diferença foi por ter sido
18
analisada qualitativamente utilizando uma matriz nomotética
10
. Os autores levantam
uma discussão sobre as possíveis conseqüências das interpretações equivocadas,
dadas pelos professores sobre emoções de seus alunos; apontam também para
possíveis explicações dos resultados e possibilidades de equívocos no relato das
emoções e sentimentos. Nos dois artigos de Nista-Picollo e Winterstein (1995; 1996),
podemos dizer que os autores discutem as possíveis conseqüências das interpretações
equivocadas, dadas pelos professores sobre emoções de seus alunos; apontam
também possíveis explicações dos resultados e possibilidades de equívocos no relato
das emoções e sentimentos. São importantes estudos que visam detectar essa
essencial sintonia na relação professor-aluno.
Esses dois últimos estudos possuem algumas semelhanças, em sua essência e
procedimentos metodológicos, com o de Hirama (2001). Uma das principais diferenças
é que Hirama (2001) trata-se de uma Tese de Doutorado, por isso mais completa e
detalhada que os estudos de Nista-Picollo e Winterstein (1995; 1996), que são artigos
publicados em revistas científicas.
Hirama (2001) buscou compreender como ocorrem as manifestações de
emoções de crianças de terceira série do Ensino Fundamental em aulas de Educação
Física. As aulas observadas foram descritas de forma ingênua
11
, depois reduzidas em
unidades de significado, para, então proceder-se à análise ideográfica e nomotética. Os
resultados obtidos revelam, principalmente, que, entre as emoções analisadas, a
alegria e a raiva foram as mais manifestadas nas aulas acompanhadas, sendo que esta
10
Análise ideográfica que aparecerá mais a frente e a matriz nomotética são instrumentos da abordagem
metodológica da fenomenologia.
11
Forma de explicar a descrição utilizada pela abordagem fenomenológica; é a palavra utilizada pela própria autora.
19
última (raiva) se manifestou com freqüência nas interações entre as crianças. A autora
colocou que este dado deve servir de alerta aos professores sobre a necessidade de
tornar-se sensível aos contatos sociais com e entre seus alunos, buscando estratégias
que visem interações positivas entre eles, propiciando instrumentos para intervenções
importantes no aproveitamento pedagógico.
Antunes (1993), em sua dissertação de mestrado, utilizando-se da abordagem
fenomenológica, teve por objetivo a compreensão do modo como se relacionam
professores e seus alunos, de 3ª e 4ª Séries, diante das suas manifestações
emocionais que ocorrem no processo de aprendizagem, nas aulas de Educação Física
Escolar. Ela propõe, a partir dos resultados, que haja intervenções com propósitos
educacionais mais altruístas e conscientes. Afirma que a Educação Física evidencia
uma fonte inesgotável de situações emocionais, propiciadas pela natureza própria às
atividades, reforçadas pelo contato próximo na relação professor-aluno. Por isso,
propõe uma abertura para focar a atenção e buscar a compreensão dos inúmeros
aspectos intrínsecos aos indivíduos, que permitiriam a adoção de procedimentos
didático-pedagógicos como catalizadores das situações emocionais para o sucesso do
processo de aprendizagem da Educação Física Escolar. A autora ressalta, para isso, o
processo de comunicação para troca e construção de experiência.
Este estudo de Antunes (1993) possui um objetivo muito semelhante ao nosso,
que é a compreensão de como se manifesta a afetividade na relação professor-aluno
na Educação Física Escolar. Porém, para dar continuidade à construção do
conhecimento, pretendemos verificar como isso acontece na cidade de São Paulo
20
(Antunes, 1993 - o fez na cidade de Bauru – SP) e com outras estratégias
metodológicas, mais de uma década depois, e com o aporte teórico de Henri Wallon.
Da mesma forma que Antunes (1993) pensou em responder às manifestações
afetivas, propondo uma intervenção após os resultados da observação, Schwartz
(1999) objetivou em seu estudo, a contribuição para a reflexão teórica sobre a
articulação das experiências estéticas e lúdicas no contexto da Educação Física.
Concentrou atenção especial às congruências existentes entre a arte e o jogo,
focalizando aspectos relativos à afetividade inerente a ambos os conceitos. A autora
afirma que a carga afetivo-emocional presente em ambos pode interferir positivamente,
desencadeando o processo de mudança axiológica, através da possibilidade de expor
os indivíduos à conscientização da inconsistência de suas crenças e valores atuais,
bem como, da abertura de espaços onde ocorra o desequilíbrio afetivo-cognitivo,
especialmente conseguido através da valorização das relações intra e interpessoais.
Schwartz diz que auxiliar a ampliar sentidos e valores nos alunos, é tarefa decisiva para
que eles possam fundamentar a ação diretamente na cultura, de modo a estimular a
dialética entre o sentir, pensar e o agir. Tratou-se de uma proposta teórica para
reflexão, com forte ênfase nas questões afetivas e que estimula o encorajamento para
novas propostas de estudos de intervenção.
Além desse primeiro grupo de pesquisas (Shigunov e Pereira, 1993; Oliveira,
1985; Freire, 1989; Brotto, 2001; Andreazza,1997; Nista-Picollo e Winterstein, 1995 e
1996; Hirama, 2001; Antunes, 1993 e Schwartz, 1999) que ajudaram na compreensão
sobre como a Educação Física Escolar se relaciona com o tema da afetividade e das
emoções, encontramos também aquelas que estabelecem esta mesma relação, porém,
21
com a utilização do aporte teórico de Henri Wallon, como: Limongelli (1998), Garcia
(2002), Arantes (2003), Malaco (2004) e Loberto (2005).
Limongelli (1998) identificou a concepção de professores-monitores de natação
para adultos sobre a relação nadar e consciência corporal no meio líquido. É um estudo
que se baseia nas sensibilidades que dão base a afetividade no sentido Walloniano,
mas trata-se de um estudo que tem como sujeitos da pesquisa professores-monitores
de instituições do ensino superior.
Já o estudo de Garcia (2002), por meio dos relatos de ex-alunos, permite o
conhecimento das características de um bom ensino de Educação Física numa escola
de Ensino Fundamental. As categorias de análise, provindas dos dados coletados em
entrevistas individuais, foram analisadas à luz da teoria psicológica de Henri Wallon.
Arantes (2003), por sua vez, buscou analisar a inserção da Educação Física na
Educação Infantil, a partir das categorias “movimento”, “jogo” e “afetividade”, à luz de
Wallon e Vygotsky, assim como Malaco (2004), que também utilizou estas teorias, para
compreender o significado das vivências práticas dos estagiários do curso de Educação
Física e como estes lidam com a afetividade e suas manifestações, tanto deles próprios
(os professores estagiários) como dos alunos, ocorridas no cotidiano das escolas onde
se realizam as atividades de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado.
Loberto (2005) fez um estudo utilizando um instrumento de coleta ainda pouco
aproveitado nas pesquisas em Educação, que são os incidentes críticos. Buscou
compreender se os estudantes de curso superior em Educação Física percebem o
papel da afetividade no processo de ensino-aprendizagem e quais são suas respostas
diante das situações indutoras da afetividade que permeiam a relação pedagógica nas
22
aulas de Educação Física. Os resultados são animadores, pois, segundo a autora,
permitem afirmar que o futuro professor de Educação Física considera como
fundamental o papel da afetividade no processo de ensino-aprendizagem. Loberto
explica que os futuros professores enfatizam a integração das dimensões afetivas e
cognitivas nas suas respostas aos incidentes críticos apresentados. As relações de
mediação feitas pelo professor de Educação Física, durante as atividades pedagógicas,
devem ser de sentimentos de respeito, aceitação, valorização de si e do outro.
Sentimentos estes que favorecem a autonomia, fortalecem a confiança em suas
capacidades e decisões e também, nas de seus alunos.
Este segundo grupo de pesquisas citadas (Limongelli,1998; Garcia, 2002;
Arantes, 2003; Malaco, 2004; Loberto, 2005) nos propiciou a compreensão de que
precisamos de mais investigações que favoreçam uma visão mais abrangente sobre
este tema da afetividade, emoções e sentimentos; sobretudo na área da Educação, que
conta com uma relação de convívio muitas vezes frágil e delicada entre professores e
alunos.
Essas pesquisas também evidenciaram as polêmicas da área de Educação
Física Escolar que busca sua identidade e sua função social. Para compreendermos
isso, precisamos entender qual o contexto atual desta área tão abrangente, assim como
resgatar um pouco de sua história, como veremos a seguir.
23
2. A Educação Física Escolar
Este capítulo tem por objetivo trazer alguns dados sobre a evolução histórica da
Educação Física escolar no Brasil e a formação de professores nesta área, como forma
de possibilitar a compreensão sobre o contexto atual no desenvolvimento das funções
do Educador Físico no interior das escolas.
Por não ser o foco deste estudo, não será aprofundada a discussão do assunto,
tampouco seus pormenores. Trata-se apenas de uma contextualização que busca na
história algumas explicações sobre o que se pode ver no dias atuais. Como descreve
Koliniak Filho (1998) sobre as tendências pedagógicas, todas elas ainda coexistem na
atualidade, com maior ou menor difusão”. O autor explica que a emergência de uma
nova corrente pedagógica não elimina as anteriores – “o novo convive com o velho,
como em toda a prática social”. (p. 39)
Neste sentido convém mencionar, ainda segundo Koliniak Filho (1998), que “no
Brasil, a educação física escolar apresentou predominância de diferentes vertentes
metodológicas, sempre em consonância com os interesses político-econômicos e a
respectiva ideologia dominantes em cada momento histórico”. (p. 38)
Em diferentes épocas, a Educação teve sua aplicação voltada
predominantemente para o atendimento de necessidades que surgiram, ou que eram
levantadas pelos líderes políticos como questões relevantes, ora para se manter a
ordem vigente, ora para transformações que eles julgavam importantes, como no caso
24
da ginástica escolar
12
. Trataremos de resgatar a partir do século XIX, pois foi à forma
adotada pelos principais referenciais teóricos que buscamos (Koliniak Filho, 1998;
PCNs, 1997; Taffarel, 1993; Borges, 1998). Sobre a ginástica escolar, considerada como
a Educação Física entre o fim do século XIX e começo do século XX, Koliniak Filho
(1998) afirma que
“Os objetivos fundamentais relacionados com a ginástica escolar, entre 1837 e
1930, centravam-se em duas preocupações básicas: saúde e eugenia (preocupação
com a melhoria da raça). (p. 40)
Dessa forma, podemos dizer que as origens da Educação Física no Brasil
articularam-se por meio de dois discursos distintos e complementares: o discurso
médico e o militar.
Visando melhorar a condição de vida, muitos médicos assumiram uma
função higienista e buscaram modificar os hábitos de saúde e higiene
da população. A Educação Física, então, favoreceria a educação do
corpo, tendo como meta a constituição de um físico saudável e
equilibrado organicamente, menos suscetível às doenças. Além disso,
havia no pensamento político e intelectual brasileiro da época uma forte
preocupação com a eugenia. Como o contingente de escravos negros
era muito grande, havia o temor de uma “mistura” que “desqualificasse”
a raça branca. Dessa forma, a educação sexual associada à Educação
Física deveriam incutir nos homens e mulheres a responsabilidade de
manter a “pureza” e a “qualidade” da raça branca. (PCNs, 1997)
12
O que poderia ser tido como a Educação Física do século XIX e início do século XX, segundo os PCNs (1997).
25
Desta maneira foram-se anos de preocupação com as questões de saúde física,
como tentativa de prevenção de doenças, purificação da raça (eugenia) e
fortalecimento orgânico da população visando a preparação militar para os possíveis
casos de guerra.
O profissional da área de Educação Física e sua formação acadêmica foram
ganhando pouco a pouco a importância aos olhos dos responsáveis pela Educação no
país: a obrigatoriedade da Educação Física nas escolas do município da corte pela
Reforma Couto Ferraz, em 1851; a equiparação dos professores de Ginástica aos das
outras disciplinas, pelo parecer de Rui Barbosa na Reforma Leôncio de Carvalho, em
1879 (PCNs, 1997); e nas quatro primeiras décadas do começo do século XX sendo
marcadamente influenciada pelos métodos Ginásticos Europeus e pela Instituição
Militar, responsável pela formação de profissionais da área até aproximadamente 1939,
que delineou uma formação diferente dos demais profissionais do magistério; esta se
dava na formação acadêmica
13
e se evidenciava na menor exigência para ingresso no
curso de Educação Física
14
. (Taffarel, 1993).
Os anos 30 tiveram novos elementos incorporados à prática da Educação Física
Escolar, por característica de uma mudança conjuntural bastante significativa no país: o
processo de industrialização e urbanização e o estabelecimento do Estado Novo.
Assim, a Educação Física na Era Vargas, ganhou novas atribuições: fortalecer o
trabalhador, melhorando sua capacidade produtiva, e desenvolver o espírito de
cooperação em benefício da coletividade, como o civismo e o patriotismo. No período
de 1930 a 1945, predominou como metodologia de ensino da Educação Física o
13
Dois anos apenas para o processo de formação.
14
Exigiam apenas o curso secundário.
26
chamado método francês, que fora adotado no exército brasileiro já na década de 1920.
(Koliniak Filho, 1998; PCNs, 1997)
Somente em 1945 ocorreu a primeira mudança que procurou aproximar a
formação do professor de Educação Física às demais licenciaturas, com a alteração do
curso que passou de dois para três anos. No entanto, somente em 1950, por pressões
do movimento estudantil, que se passou a exigir, para prestar o exame vestibular, o
certificado do curso clássico ou científico. (Borges, 1998)
Do final do Estado Novo até a promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação de 1961, houve um amplo debate sobre o sistema
de ensino brasileiro. Nessa lei ficou determinada a obrigatoriedade da
Educação Física para o ensino primário e médio. A partir daí, o esporte
passou a ocupar cada vez mais espaço nas aulas de Educação Física.
O processo de esportivização da Educação Física escolar iniciou com a
introdução do Método Desportivo Generalizado, que significou uma
contraposição aos antigos métodos de ginástica tradicional e uma
tentativa de incorporar o esporte, que já era uma instituição bastante
independente, adequando-o a objetivos e práticas pedagógicas. (PCNs,
1997 – p. 20)
Porém, além desta esportivização da Educação Física, que passou a assumir o
esporte como principal referência para seu planejamento e aplicação nas escolas,
também houve os impactos do tecnicismo adotado na Educação como um todo.
(Koliniak Filho, 1998; PCNs, 1997) Essa influência se dava, na Educação, com o intuito
de formar mão-de-obra qualificada para acompanhar a revolução industrial, e na
27
Educação Física, segundo a definição da Lei 6251/75 que veio da articulação com o
Acordo MEC-USAID (Ministério da Educação e Cultura e a United States Agency for
International Development), teria como objetivos centrais a melhoria da aptidão da
população, o aumento da participação estudantil e popular em práticas desportivas e o
aprimoramento técnico dos desportistas, para melhorar o desempenho das
representações nacionais em competições internacionais.
Como professor de Educação Física, observo que este tecnicismo é sentido e
debatido até hoje pelos profissionais e alunos de Educação Física que atuam ou se
envolvem com a escola, pois constantemente é pauta para discussões entre nós,
professores desta área. A discussão se dirige pela questão da validade educacional do
movimento aprendido pelos nossos alunos. Se o movimento for tecnicamente correto,
ou seja, se passa pela aprovação do educador como uma execução tecnicamente
apropriada é válida (tecnicismo); no entanto, se o aluno participa ativamente, mas tem
dificuldades de reproduzir o movimento como o professor idealizou/ensinou, esse aluno
sofre as críticas e discriminações do professor, que passa a dar mais importância
àqueles que conseguiram obter maior êxito nas tentativas durante as aulas. Um bom
exemplo pode ser sobre uma aula de Basquetebol, assim como caberia qualquer outra
modalidade. Um aluno é requisitado para fazer um arremesso à cesta e, por sua vez,
acerta-a. Porém, caso seja avaliado por um professor de concepção tecnicista este
avaliará se a execução foi apropriada e dará maior valor a este quesito do que ao êxito
do aluno por ter acertado a cesta, além de outras questões voltadas à relação
pedagógica.
28
Muito se discute sobre o aspecto humano disso tudo, por conta dos impactos na
auto-imagem do aluno, taxado muitas vezes de “incompetente” e “incapaz” de obter
êxito e sucesso durante as aulas de Educação Física. É importante se pensar sobre
isso no sentido de que muitos reflexos dessas características ainda são sentidos hoje, o
que esta pesquisa pretende também discutir.
O tecnicismo já se desgastava no período entre 1969 a 1980, época que a
Educação Física escolar apoiava-se no valor educativo do esporte, tendo como
objetivos a melhoria da aptidão física dos alunos e a iniciação esportiva. Porém, por
motivos de insatisfação com o tecnicismo educacional americano, por volta de 1975 já
notava-se a busca, por parte de professores universitários, por outros referenciais
teóricos em algumas faculdades, como a teoria psicocinética de Le Boulch e autores
como Ajuriaguerra e Wallon. (Koliniak Filho, 1998)
Na década de 80, os efeitos do modelo esportivista começaram a ser sentidos e
contestados. O Brasil não se tornou uma nação olímpica e a competição esportiva da
elite não aumentou significativamente o número de praticantes de atividades físicas.
Iniciou-se então uma profunda crise de identidade nos pressupostos e no próprio
discurso da Educação Física, que originou uma mudança expressiva nas políticas
educacionais: a Educação Física Escolar, que estava voltada principalmente para a
escolaridade de 5ª a 8ª séries do primeiro grau, passou a priorizar o segmento de 1ª a
4ª e também a pré-escola. O enfoque passou a ser o desenvolvimento psico-motor do
aluno, tirando da escola a função de promover os esportes de alto rendimento. (PCNs,
1997)
29
Ainda nessa década, se formaram os primeiros mestres em Educação Física
egressos da Escola de Educação Física da USP (primeiro mestrado em Educação
Física no Brasil, iniciado em 1977). Na mesma época, surgiram professores de
Educação Física ingressantes em outras áreas, como, por exemplo, Educação.
Portanto, podemos considerar que as tendências atuais da Educação Física tenham
começado sua configuração na década de 80. (Koliniak Filho, 1998)
Atualmente se concebe a existência de algumas abordagens para a Educação
Física Escolar no Brasil que resultam da articulação de diferentes teorias psicológicas,
sociológicas e concepções filosóficas. Todas essas correntes têm ampliado os campos
de ação e reflexão para área e a aproximado das ciências humanas, e, embora
contenham enfoques científicos diferenciados entre si, com pontos muitas vezes
divergentes, têm em comum a busca uma Educação Física que articule as múltiplas
dimensões do ser humano. (PCNs, 1997)
Em anexo, apresentamos dois quadros que ilustram as inúmeras abordagens
que hoje configuram a Educação Física escolar.
Mesmo diante desse contexto complexo, retomamos o que foi colocado no
começo do capítulo: todas as tendências ainda podem coexistir. E, como afirma Koliniak
Filho (1998), “não é impossível, por exemplo, encontrar-se professores que colocam o
tradicional 1, 2, 3, 4... em suas aulas. Outros, ainda, vêem no esporte os valores
educativos fundamentais da educação física escolar.” (p. 52) Mas o autor reconhece
que existe um segmento mais crítico e academicamente produtivo que pode ver a
Educação Física numa perspectiva transformadora, apoiada numa realidade social, com
um compromisso político-ideológico de transformação nas estruturas político-
30
econômicas que se façam necessárias para equilibrar a estrutura social num patamar
mais justo e igualitário. (Koliniak Filho, 1998)
Diante desse panorama, ainda não há uma solução para a crise de identidade,
citada anteriormente, da Educação Física Escolar e os conflitos em sua prática nas
escolas. Entendemos que muitas alternativas poderão ajudar a subsidiar a prática do
professor dessa área.
Vejamos como a teoria psicogenética de Henri Wallon pode contribuir neste
sentido e também através desta pesquisa.
31
3 - As Contribuições Teóricas de Henri Wallon
Embora possamos reconhecer que há diversas teorias do desenvolvimento e
teorias psicológicas que venham a ser úteis para explicação de fatos e fenômenos que
constituem as relações humanas, a escolha por Henri Wallon foi feita com base nos
seguintes elementos de sua teoria: A integração dos campos funcionais - o motor, o
cognitivo e o afetivo - e na constituição da pessoa; a maneira como concebe a unidade
indissolúvel entre organismo e meio; a preocupação com as questões educacionais que
influenciaram diretamente sua carreira; a atualidade das implicações educacionais de
sua teoria.
3. 1 - Vida e obra do autor
15
Henri Wallon nasceu e se fixou por toda sua vida em Paris, no período de 1879 a
1962, ano de seu falecimento.
Sua formação teve grande influência de sua família, principalmente do avô, por
desenvolver-se em um ambiente que valorizava discussões e um envolvimento social e
político. Wallon mostrou esse engajamento ético e político e voltava seu olhar
humanista à importância do desenvolvimento pessoal integrado para a formação de
uma sociedade justa e igualitária.
Formou-se na escola normal superior em 1902, ano em que deu início sua
atividade de professor agregado de filosofia. Entre 1903 a 1908 estudou medicina em
Paris, e, ao final do curso, defendeu sua primeira tese sobre delírio de perseguição.
15
Baseado em: Wallon, 1975; Mahoney e Almeida, 2004.
32
Teve oportunidade de tratar dos feridos da primeira guerra, e um trabalho numa
clínica com crianças que possuíam distúrbios psico-motores, o que possibilitou seu
doutoramento em Letras
16
, defendido em 1925. Neste estudo, ele projeta uma visão
voltada para a localização orgânica das causas psíquicas no desenvolvimento motor e
mental. (Wallon, 1984)
Um dos mais importantes elementos desta tese é sua forma de análise que
demonstra um novo olhar para a ciência do desenvolvimento e para os estudos das
patologias neurofisiológicas além da comparação com o desenvolvimento normal do
indivíduo. (Wallon, 1984)
Depois disso, sua produção foi se ampliando. Escreveu, dentre outras obras: As
origens do caráter na criança (1934), A vida mental (1938), A evolução psicológica da
criança (1941), As Origens do Pensamento na Criança (1945), muitos de seus artigos
foram reunidos em edições especiais da revista Enfance, fundada por ele, e depois
transformadas em coletâneas, tais como: Psicologia e Educação da infância (1959) - a
qual evidencia sua forte ligação com a questão educativa -, Objetivos e Métodos da
Psicologia (1963).
Sua vida social e profissional foi intensa, como professor, médico e pesquisador,
com ativa participação política: participou do movimento da Resistência Francesa
durante a Segunda Guerra Mundial e foi Deputado na Assembléia Constituinte de Paris
em 1946. Sua experiência e interesse voltados à área pedagógica fez com que
elaborasse juntamente com o físico Paul Langevin e um grupo de educadores um
projeto modelar para a Reforma do Sistema do Ensino Francês, o projeto Langevin-
16
Com a tese L’enfant turbulent: Étude sur lês retards et lês anomalies du développement moteur et mental.
33
Wallon. Nesse projeto, são discutidas questões para uma mudança profunda no ensino
deste país, visando acabar com a seletividade perversa do sistema. A justiça social era
um dos pilares que sustentavam as idéias desse plano, que carregava implicitamente
grande parte da teoria construída por Wallon, ao longo de sua vida profissional e
acadêmica.
3. 2 – Alguns elementos da teoria de Wallon
Na teoria walloniana não há como compreender o ser humano longe de suas
condições de existência. Essas condições são fatores que implicam diretamente no
ritmo do desenvolvimento. A relação entre organismo e meio constitui um par
indissociavelmente complementar, colocando as disposições genéticas como potencial;
somente irão se desenvolver se encontrarem possibilidades do meio que habita.
... a sociedade coloca o homem em presença de novos ambientes, de
novas necessidades e de novos meios que aumentam as suas
possibilidades de evolução e de diferenciação individual. A constituição
biológica da criança no nascimento não será a lei única do seu destino
posterior. Os seus efeitos podem ser amplamente transformados pelas
circunstâncias sociais da sua existência, de onde a opção pessoal não
está ausente. (Wallon, 1979 – p. 163)
Para Wallon, portanto, o contexto é importante para se compreender o
desenvolvimento humano. O contexto pode propiciar o aparecimento ou extinção de
formas de ações, que modificam e são modificadas dialeticamente, pelas condições
34
que o meio oferece. Assim, o desenvolvimento se dá pela união entre o orgânico e o
social.
Nesse sentido, é importante compreender que no social, temos os meios e os
grupos, que a ele são inerentes. O ser humano é geneticamente social e participa dos
meios e grupos para se integrar à realidade concreta e se desenvolver. Para diferenciar
os meios dos grupos, Wallon (1979) diz que:
Meios e grupos são noções conexas, que podem por vezes coincidir;
mas que são distintas. O meio não passa do conjunto mais ou menos
durável das circunstâncias em que continuam existências individuais.
Comporta evidentemente condições físicas e naturais, mas que são
transformadas pelas técnicas e pelos usos do grupo humano
correspondente. A maneira como o indivíduo pode satisfazer as suas
necessidades mais fundamentais depende disso e igualmente certos
requintes de costumes que podem nos mesmos locais fazer coexistir
pessoas de meios diferentes. (p. 163-164)
Wallon (1979) explica que há três tipos de meios: o físico-químico, que oferece
as condições no ambiente, como oxigênio, a água, etc; o meio biológico que se
superpõe ao físico-químico, diz respeito à inter-relação que nós humanos temos com
outras espécies vivas (desde microorganismos até outros mamíferos como as baleias) e
o meio social, que se reúne aos outros dois para também estabelecer condições de
existência coletivas, mas muito mais variadas. Wallon diz que essas condições do meio
social são mais móveis e freqüentemente transitórias, e, sobre as quais podem se
destacar diferenciações individuais. (Wallon, 1979)
35
Assim, temos os meios que determinam as condições de interação do indivíduo
pelas circunstâncias que este oferece. Sobre os grupos, Wallon (1979) diz serem
indispensáveis à criança não apenas para a sua aprendizagem social, mas para o
desenvolvimento da personalidade e da consciência que possa tomar dela. Ele define
que o grupo é o veículo ou iniciador de práticas sociais. Ultrapassa as relações
puramente subjetivas de pessoa para pessoa. (p. 178)
O desenvolvimento está sujeito a algumas leis: a Lei da Alternância Funcional,
Lei da Predominância e a Lei da Integração Funcional.
As diferentes idades entre as quais se pode decompor a evolução
psicológica da criança foram opostas como fases de orientação
alternativamente centrípeta e centrífuga, virada para a progressiva
edificação do próprio indivíduo ou para estabelecimento das suas
relações com o exterior, para a assimilação ou para a diferenciação
funcional e adaptação objectiva. Mas sob a orientação global dos
períodos é possível encontrar componentes mais elementares que
expliquem este vaivém, e mesmo reconhecer, em cada uma, uma
ambivalência que lhe faz assumir, em comparação com outras, quer o
papel de íntima elaboração quer o de reacção ao meio. (Wallon, 1995a
– p. 111-112)
Na passagem dos estágios de desenvolvimento, descritos pelo autor, a
alternância funcional que orienta a direção do movimento predominante, em sentidos
opostos: ora alterna-se para o conhecimento de si, para a direção centrípeta (Impulsivo-
emocional, Personalismo e Puberdade e Adolescência), ora alterna-se para o
36
conhecimento do meio, do outro, para a direção centrífuga (Sensório-motor e Projetivo
e Categorial).
Outra lei reguladora do desenvolvimento, segundo Wallon, apontada por
Mahoney (2003) sugere:
Alternância na predominância de conjuntos diferentes a cada estágio:
configuração das relações entre eles mostra qual deles fica mais em
evidência ou é o motor (impulsivo-emocional) ou o afetivo
(personalismo, puberdade e adolescência) ou o cognitivo (sensório-
motor e projetivo, categorial). Cada um deles predomina em um estágio,
e se nutrem mutuamente; o exercício e amadurecimento de um interfere
no amadurecimento dos outros. É o que nos mostra a lei da
sucessão da predominância funcional. (p. 14)
Nos diferentes estágios, um dos conjuntos funcionais predomina sobre os outros.
No Estágio Categorial, por exemplo, o conjunto funcional predominante é o cognitivo.
Neste estágio a criança precisa organizar e melhorar sua compreensão do mundo em
que vive, e para isso, há uma predominância do conjunto cognitivo, com o suporte dos
conjuntos motor e afetivo, esses três integrados e se expressando na pessoa. Nas
aulas de Educação Física, temos a pessoa completa (conjuntos motor, afetivo e
cognitivo integrados), mas há uma predominância do conjunto motor nesse tipo de
situação.
Da mesma forma como Wallon integra o par organismo-meio como
complementares e interdependentes, os conjuntos funcionais também o são, integrados
e complementares um ao outro, divisíveis somente como artifício de compreensão, mas
37
somente verdadeiramente compreendidos no contexto de integração funcional. (Wallon,
1995a)
O motor, o afetivo, o cognitivo, a pessoa, embora cada um desses
aspectos tenha identidade estrutural e funcional diferenciada, estão tão
integrados que cada um é parte constitutiva dos outros. Sua separação
se faz necessária apenas para descrição do processo. Uma das
conseqüências dessa interpretação é de que qualquer atividade
humana sempre interfere em todos eles. Qualquer atividade motora tem
ressonâncias afetivas e cognitivas; toda disposição afetiva tem
ressonâncias motoras e cognitivas; toda operação mental tem
ressonâncias afetivas e motoras. E todas tem um impacto no quarto
conjunto: a pessoa, que, ao mesmo tempo em que garante essa
integração, é resultado dela. (Mahoney, 2003 - p. 15)
É por meio dessa integração que ocorre o desenvolvimento humano, que pode
ser identificado em fases. O método empregado por Wallon, a análise genética
comparativa multimensional, que contava com recursos do materialismo histórico e
dialético, fundamentou a sistematização das fases de desenvolvimento proposta por
ele. (Tran-Thong in Wallon, 1984)
Conforme explicita Mahoney (2003) embasada na obra de Wallon:
O método consiste em fazer uma série de comparações para esclarecer
cada vez mais o processo de desenvolvimento: comparações da
criança patológica com a criança normal; da criança normal com o
adulto normal; do adulto de hoje com o de civilizações primitivas; de
38
crianças normais da mesma idade e de idades diferentes; da criança
normal com o animal... conforme as necessidades da investigação. O
fenômeno é um conjunto de variáveis e só pode ser compreendido pela
comparação com outros conjuntos. (p. 16)
Por meio deste método, Wallon sistematiza, então, a seqüência das fases de
desenvolvimento: impulsivo-emocional, sensório-motor e projetivo, personalismo,
categorial e puberdade e adolescência. O processo de desenvolvimento, desde o
nascimento, acontece pela interação no mundo, em especial entre os humanos, e com
o ambiente onde o indivíduo passa a habitar. Tais fases, coerentes com os princípios
estabelecidos pelo autor para construção de sua teoria, não buscam uma inflexível
fixação nas idades sugeridas, mas sim uma caracterização de similaridades
desenvolvidas na relação do sujeito com o meio em suas condições sócio-culturais que
possibilitam aflorar funções e instrumentos de interações do indivíduo integrado em seu
meio, como apresenta Wallon (1985):
O conjunto da vida mental não é mera sucessão de acontecimentos, de
etapas, de idades, mas sim integração e conquista. Conquista da
personalidade de cada um, através de si mesmo. Integração na pessoa
das situações em que se viu envolvida e arrastada em sua vida.
Integração dos fatores biopsíquicos que animam os objetivos de sua
vida. A integração pode ser mais ou menos firme, exclusiva e rigorosa.
Mas é indispensável a existência e a consciência do adulto.
17
(p. 231)
17
Tradução livre do autor.
39
Dessas fases iremos detalhar apenas o estágio categorial (7 a 12 anos de
idade), pois esta pesquisa se volta para as crianças de uma 3ª série do ensino
fundamental que apresentam, em média, 9 anos de idade.
Sobre este estágio, Wallon (1956) afirma:
... o sincretismo da pessoa e da inteligência vão poder resolver-se,
dando lugar às diferenciações necessárias. Deve ser por este motivo
que esta idade corresponde em todos os países à idade escolar. As
relações exigidas pela camaradagem e pela disciplina são muito mais
variáveis do que na família e devem poder mudar conforme o ambiente
e as circunstâncias, elas próprias mutáveis. Aprenderá a conhecer-se
como uma personalidade polivalente, considerando evidentemente
temperamentos mais ou menos maleáveis ou rígidos. Ao ajustar as
suas condutas às circunstâncias particulares, longe de se dispersar
indefinidamente, ela tomará consciência de suas virtualidades; terá de
si própria um mais preciso e completo conhecimento. (p. 138)
Os progressos da inteligência, no Estágio Categorial, permitem que a criança
melhore, qualitativamente, sua relação com o meio pela conquista do atenção
(fortalecimento dos centros inibidores) e por isso a menção do autor sobre a entrada na
escola. Nessa fase, a criança pode aprender mais sobre si própria através da
convivência com o outro. O jogo das relações interpessoais, a vivência em diferentes
grupos, o exercer de diversos papéis que se pode ocupar em diferentes circunstâncias,
permite a criança um avanço no conhecimento de suas próprias potencialidades e
limites, o que a faz categorizar suas ações, ajustando-se. As explicações verbais e as
40
manifestações de inteligência que a criança ganha, à medida que se aperfeiçoam e
avançam, podem facilitar as relações interpessoais e propiciar uma relação mais
harmônica e dentro da realidade, nas condições oferecidas pelo meio.
Contudo, para compreendermos este estágio, temos que compreender o papel
do conjuntos funcionais na teoria Walloniana.
3. 3 – Os conjuntos funcionais
Devido à importância dos conjuntos funcionais para compreender a dinâmica do
ser humano contextualizado em seu meio de existência, abordaremos os mesmos de
forma mais detalhada.
Por ser o recorte do nosso trabalho, daremos um destaque ao conjunto funcional
da afetividade. Na visão Walloniana corresponde a um dos domínios funcionais.
Reforçamos que olhá-la separadamente para compreendê-la pode ser útil quando feito
de maneira apropriada, porém considerá-la como funcionamento isolado ou
independente é descaracterizar o pensamento na ótica desta teoria. Deve-se sempre
pensá-la no contexto da integração funcional e vinculada a seus motivos exteriores, às
circunstâncias do meio.
Conforme descrito sobre a lei de alternância da predominância nos domínios
funcionais, o domínio cognitivo é que predomina no estágio categorial, alvo deste
trabalho. Podemos entender esse domínio funcional por aquilo que os filósofos antigos
chamavam (e nós ainda utilizamos o termo) de razão. Trata-se do recurso de
apreensão do conhecimento e análise, recurso de explicação do mundo, das coisas e
41
dos fenômenos; material que pode compor a linguagem e a comunicação verbal e
escrita e outras formas de conhecimento.
Esse campo do conhecimento se desenvolve de acordo com as possibilidades
que a maturação orgânica e as determinações sociais permitem (da mesma forma que
os outros campos funcionais) e, assim, pelas características da espécie humana, temos
uma dada direção, que é possibilitada pela passagem de uma inteligência prática para
uma mais abstrata, a discursiva.
Para Wallon, a transição da inteligência prática à discursiva é possibilitada pelos
avanços nos quais o ato motor é o principal suporte para representação e capacidade
simbólica:
Os gestos de simbolização, de que o simulacro é o exemplo mais
concreto, pode facilmente contribuir, na medida em que perdem a sua
semelhança imediata com a acção ou o objecto, para levar a imagem e
a idéia para além das próprias coisas, para um plano mental em que se
possam formular relações menos individuais, menos subjectivas e cada
vez menos gerais. Mas, ao mesmo tempo, na medida em que são
necessários a fixação, evocação e ordenação das idéias, impõem-lhes
as suas próprias condições especiais. O pensamento perde-se quando,
na miragem das crescentes abstracções, julga poder desatar todos os
laços que o unem ao espaço, o único que, por graus, o pode voltar a
fazer trazer coisas. (Wallon, 1995a - p. 171)
Desta forma, a inteligência evolui do gesto feito, a atividade mental parte da ação
do sujeito no mundo. Aparece, primeiramente, uma inteligência simbólica e
42
representativa, que evolui de um pensamento sincrético, quando a primeira unidade é o
par, para depois evoluir até um pensamento mais complexo e explicativo, a inteligência
discursiva. (Wallon, 1989)
Esse pensamento aos pares se forma tendo por referência a predominância
afetiva do estágio anterior ao Categorial (o Personalismo
18
), que se expressa pela
escolha explicativa que possa mais agradar, ou ter aproximação sonora com um tom ou
palavra semelhante, ou uma palavra que tenha ouvido há pouco tempo e tenha
chamado atenção, etc. Não há uma lógica formal e compreensível como a do adulto
nesta fase. Exemplos que possam ilustrar esse pensamento é o caso das parlendas,
rodas cantadas e outras brincadeiras infantis com jogo de palavras observadas entre as
crianças. (Wallon, 1989)
A contradição de estar em mundo falante e não se expressar de acordo com o
que é exigido pelo meio para manter as relações sociais gera um conflito. A afetividade
possui um importante papel para solucionar o conflito e usá-lo a favor do
desenvolvimento cognitivo. Dando ênfase às análises de Wallon, Dantas (1992) afirma
que a afetividade:
realiza a transição entre o estado orgânico do ser e a sua etapa
cognitiva, racional, que só pode ser atingida através da mediação
cultural, isto é, social. A consciência afetiva é a forma pela qual o
psiquismo emerge da vida orgânica: corresponde a sua primeira
manifestação. Pelo vínculo imediato que se instaura com o ambiente
18
Estágio que tem a função da formação da personalidade na criança, a afirmação do eu psíquico. Ele vai dos 3 aos 6
anos em média e possui três fases distintas e complementares: a oposição, a sedução e imitação, para que possa dar
condições para o desdobramento psíquico da criança. (Wallon, 1956)
43
social, ela garante o acesso ao universo simbólico da cultura, elaborado
e acumulado pelos homens ao longo de sua história. Dessa forma, é ela
que permitirá a tomada de posse dos instrumentos com os quais
trabalha a atividade cognitiva. Neste sentido, ela lhe dá origem. (p. 85-
86)
A afetividade possibilita esta evolução intelectual e, ao mesmo tempo, neste
estagio, começa a ser expressa de uma forma mais cognitivizada, pois como nos
explica Dantas (1993), é a superação da afetividade da lambida
19
, das necessidades
mais epidérmicas. Passa a ser este momento uma forma mais elaborada de expressão
afetiva com o progresso e as conquistas da linguagem verbal, do campo cognitivo.
Wallon entende afetividade como a disposição ou capacidade de ser afetado
pelo mundo interno e externo, por sensações agradáveis ou desagradáveis, prazerosas
ou desprazerosas. Ela se origina nas sensibilidades orgânicas e primitivas,
denominadas sensibilidades interoceptiva e proprioceptiva, que, junto aos
automatismos, são os recursos de comunicação e sobrevivência da criança desde o
nascimento. (Wallon, 1995b)
A sensibilidade interoceptiva é ligada às vísceras e permite o sentir como estão
os órgãos que desempenham algumas funções de expressão importantes para a
sobrevivência, como a indicação da fome, as cólicas intestinais, etc. Já a sensibilidade
proprioceptiva é responsável pela consciência corporal, pois está ligada à musculatura
estriada-esquelética e responde principalmente pela manutenção da postura,
deslocamento e equilíbrio. Estar numa mesma posição por muito tempo pode gerar um
19
Termo utilizado pela autora, referindo-se a uma primeira forma de manifestação da afetividade.
44
incômodo, que por sua vez, é percebido graças à sensibilidade proprioceptiva. (Wallon,
1995b)
Somando-se as duas primeiras sensibilidades, aparece no desenvolvimento
ontogênico a sensibilidade exteroceptiva, que corresponde ao canal que liga a pessoa
ao mundo exterior, também vista como o mundo dos sentidos: a visão, a audição, o
olfato, o paladar e o tato. É por meio destas sensibilidades que o conjunto funcional
afetividade se desenvolve. (Wallon, 1995b)
A afetividade ocupa um lugar central na teoria Walloniana. Ela é o primeiro meio
de sobrevivência, por ser responsável a conduzir as manifestações da criança recém
nascida, mobilizando os adultos para o atendimento de suas necessidades. Nesse
sentido é que Wallon coloca que a criança é geneticamente social. (Wallon, 1995b)
Afetividade é considerada um conceito maior que engloba as emoções,
sentimentos e a paixão. Na emoção há um predomínio da ativação fisiológica, de base
orgânica; já o sentimento é representacional, pois a leitura e análise cognitiva das
sensações é o que caracteriza o sentimento e, na paixão, é predominante o auto-
controle que fornece os meios de adiar a satisfação, podendo ser pensada a maneira
estratégica para o agir.
Quando faz a referência específica à emoção, Wallon destaca sua estreita
dependência frente a todo o sistema postural, reações tônicas dos músculos e das
vísceras, reações vegetativas e glandulares. Trata-se de uma forma de comunicação
primitiva e ancestral que foi conservada ao longo da evolução. Porém, a cultura na qual
se desenvolve a pessoa pode construir a maneira de expressar a afetividade, podendo
optar em exteriorizá-la ou reprimí-la, além de selecionar a forma mais apropriada de
45
manifestá-la, sendo indicativo do desenvolvimento na direção de uma afetividade
orgânica para uma de caráter moral, ou social. (Wallon, 1995b)
Wallon (1975) diz que
... a emoção consiste naquilo que une o indivíduo à vida social pelo que
pode haver de mais fundamental na sua existência biológica, e esta
ligação não sofrerá ruptura, embora as reações orgânicas da emoção
tendam a esbater-se à medida que a imagem das situações ou das
coisas se intelectualiza. (p. 119-120)
A emoção garante a passagem do orgânico para o social e atrai as pessoas para
que possam participar, se integrarem mutuamente, interagirem e produzir em sua
cultura.
A emoção possui uma base tônica, ligada à questão muscular do corpo. É ela a
responsável pela expressão da afetividade, mas com um importante papel do
movimento. É importante que se diga o que representa para Wallon (1995b) a relação
entre tônus, afetividade e movimento:
... fonte de impressões agradáveis é o movimento. Pelas sensações
que lhe correspondem no aparelho muscular e articular, ele suscita uma
excitação que se traduz, como a ação de carícias íntimas, em uma
exaltação de gestos (...) são exatamente comparáveis a expressão de
alegria. A alegria nasce com a facilidade dos movimentos. (p. 120)
O movimento, como provocador de alegria é importante de ser ressaltado, uma
vez que para se fazer menção a Educação Física Escolar, falamos diretamente de uma
46
educação que utilize o movimento como meio e/ou fim educacional. Portanto, Wallon
ajuda-nos a compreender a importância desse fator (que predomina na postura
pedagógica do professor) no processo de ensino-aprendizagem de Educação Física.
Ainda sobre o tônus, da mesma maneira como ele estabelece a relação existente
com a alegria ou prazer, também o faz com a melancolia, ou tristeza. É importante essa
compreensão, uma vez que o movimento pode alterar a atividade tônica e modificar a
predisposição do sujeito sobre as suas emoções e sentimentos, como afirma Wallon
(1995b):
As emoções dividiram-se em hiper ou hipostênicas, segundo sua
posição em relação à alegria ou à tristeza (...) A atitude contraída do
melancólico, no qual Dumas estudou a tristeza, seu pulso fraco, duro e
tenso, sua respiração irregular e ofegante, não são sinais de inércia e
sim, de contratura, ou melhor, de hipertonia. Ao mesmo tempo que há o
retardamento, ou antes, a inibição de suas reações motoras ou mentais,
há uma acumulação de tônus inaproveitado. Na alegria, ao contrário,
dir-se-ia que permanece largamente aberto o circuito entre a atividade
postural e a atividade de relação, que suas reações recíprocas são
fáceis e instantâneas. Assim, a alegria caracterizar-se-ia menos pela
exuberância das manifestações motoras do que pela preservação de
um equilíbrio exato entre as flutuações posturais e a atividade de
relação. Existem alegrias tranqüilas. (p. 114)
Wallon explica que na atividade de relação e suas flutuações posturais deve
haver um equilíbrio para a manifestação da alegria e por isso, a relação do sujeito com
47
o meio (principalmente o social) deve proporcionar esse equilíbrio. Mais uma vez
ressaltamos a importância da Educação Física para que, levando esse dado em
consideração, possa pensar sua prática para as aulas nas escolas; o bom
aproveitamento da relação entre tônus, movimento e afetividade pode evitar as
situações como a descrita sobre o estado melancólico. A atenção nos sinais que o
corpo manifesta deve ajudar consideravelmente para uma otimização do trabalho do
professor na busca para melhora do contexto de ensino e aprendizagem.
Neste mesmo sentido, podemos utilizar uma metáfora para dizer que o corpo
pode ser compreendido como uma janela para as emoções, uma vez que por meio dele
é que se mostra o que sente. Conforme afirmam Mahoney e Almeida (2005)
embasadas na obra de Wallon as emoções são sistemas de atitudes, reveladas pelo
tônus. Atitude é a expressão da combinação entre tônus (nível de tensão muscular) e
intenção; cada atitude é associada a uma ou mais situações. (p.20)
Atitudes são compreendidas como expressões corporais estruturadas na
integração de emoções, pensamentos e intenções, revelando uma predisposição para
alguma ação. É por meio das atitudes que, às vezes, podemos nos comunicar. Ele
nomeou essas comunicações não verbais, que acontece entre os indivíduos como
diálogo tônico. As emoções têm sua base tônica e são produtoras de postura física,
sendo assim expressivas. É essa uma base para o contágio emocional. (Wallon, 1995b)
O contágio emocional é explicado por Wallon como possibilitador da mobilização
do adulto frente às manifestações da criança. O contágio garante a sobrevivência desta
última que, por ser geneticamente social se manifesta e tem no adulto o suprimento de
suas necessidades. (Wallon, 1995b)
48
Mas essa comunicação para os seres humanos, apenas envolvendo as emoções
e sua expressão por meio do corpo se faz insuficiente diante dos avanços sociais e
culturais. Há muito tempo temos a linguagem que dá base para as nossas relações
humanas. As emoções sob a influência da linguagem muda suas características e
passa a ter um domínio cognitivo e a possibilidade de ser explicada ou ter um nome,
como a tristeza, a alegria, o medo, etc. Já estamos falando de sentimentos.
O sentimento caracteriza-se pela representação cognitiva da emoção. O
sentimento não possui a característica de arrebatamento como a emoção, mas tende a
reprimi-la e impor controles e obstáculos. Há um antagonismo entre a emoção e a
atividade intelectual, pois quando a atividade intelectual entra em cena, a emoção tende
a diminuir; assim, o sentimento pode ser visto como uma emoção diminuída. (Wallon,
1995b)
Essa relação inversamente proporcional coloca o pensamento e a emoção em
embate constante, pois quando a emoção se intensifica, o pensamento se confunde, se
atrapalha, e quando a emoção abre espaço para uma representação cognitiva,
podendo transformar-se em sentimento e dar possibilidade de analisá-lo, a emoção
diminui em seus efeitos. Pode-se dizer que, desta forma, é possível o controle a
respeito de quando e onde expressar o que se sente. (Wallon, 1995b)
Já a paixão não aparece antes do estágio Personalista, pois necessita da
representação para seu auto-controle; tenta silenciar a emoção esperando um
momento para agir apropriadamente. Geralmente é vista nas manifestações de ciúmes,
exigências e exclusividade. Um bom exemplo é o caso de uma criança que ganha um
irmãozinho, e, este último passa a ter mais atenção de seus pais, despertando um
49
sentimento de ciúmes na primeira criança. Esta criança, para se vingar do novo irmão, é
capaz de esperar a saída de seus pais para dar um beliscão ou fazer algo ruim a ele.
Casos como este mostram o auto-controle do seu sentimento de ciúmes que aguarda o
momento apropriado para se manifestar.
Somente para retomar, a afetividade se manifesta pela emoção, sentimento e
paixão e se expressa tendo o suporte da base tônica no corpo, utilizando para isso, o
ato motor como via de acesso.
Neste lento desenvolvimento da atividade psíquica, portanto, o ato motor
representa um importante papel. Conforme nos explica Wallon (1979), o estudo do
movimento na criança tem ainda muitas perspectivas, pois:
(...) Encontra-se primeiramente ligado aos progressos das suas noções
e das suas capacidades fundamentais e, quando estas passam para o
controle dominante da inteligência, permanece ainda implicado nas
formas sob as quais se exterioriza e se despende a actividade psíquica.
(p. 80)
O ato motor é um conjunto que corresponde a questão muscular do corpo,
responsável pela postura física e pelo movimento e deslocamento dos seguimentos,
além de ser o recurso de expressão para as emoções. Wallon (1995b; 1979) explica
que o sentido humano do movimento é definido pela capacidade de os músculos não
apenas gerarem tensão para os deslocamentos corporais, mas também por serem a
base estrutural das atitudes dos seres humanos. (Wallon, 1995b)
Para Wallon (1979):
50
O movimento não intervém apenas no desenvolvimento psíquico da
criança e nas suas relações com outrem, influencia também o seu
comportamento habitual. É um factor importante do seu temperamento.
Cada indivíduo tem uma compleição motriz pessoal, que depende das
regulações variáveis das suas diferentes actividades musculares. (p.
79)
Nesse sentido, é importante pensarmos sobre como a imperícia (Wallon, 1979)
pode estar relacionada às questões do ato motor e a movimentação corporal para
entender melhor o que aconteceu nas aulas de Educação Física que integram esta
pesquisa.
A imperícia é a imperfeição habitual dos movimentos. Dizemos que uma
pessoa é desajeitada quando não consegue executar o que desejaria
fazer ou o que nós gostaríamos de vê-la fazer. Assim, todos os factores
que intervêm na execução de um movimento podem, pela sua
insuficiência, tornar-se uma causa de imperícia. (p. 124)
De posse do que seja a imperícia nesse aporte teórico, podemos refletir sobre o
assunto, e arriscar dizer que todos, de alguma ou de muitas maneiras, já passamos por
situações que provocaram a imperícia. Para nós professores, por exemplo, a relação
pedagógica é repleta de situações de imperícia, quer do aluno ou do professor.
Segundo as palavras do próprio Wallon (1979):
A imperícia – não existe nada que nos possa ser mais familiar.
Conhecemo-la por nós mesmos e como educadores. De cada vez que
51
desejamos aprender um movimento novo ou ensiná-lo, debatemo-nos
com a nossa imperícia ou com a do nosso aluno. (p. 123)
Não saber exatamente como fazer um determinado movimento, ou então, para
um educador não saber como ao certo deve ensiná-lo ao aluno pode se tornar algo
frustrante, provocador de sentimentos ou emoções negativas como a própria frustração,
a raiva, o medo de não saber fazê-lo, o receio do contato ou o julgamento de terceiros,
etc.
O sincretismo provocado por uma situação nova é algo, às vezes, inevitável, por
reconhecer a variabilidade e os diferentes níveis de interação dos indivíduos com seu
meio, alguns com mais ou menos dificuldades de interação com as tarefas ou desafios
que surgem na vida.
Wallon (1979) alerta ainda que certos casos de imperícia não se devem a
imperícia, mas aquelas situações reflexas que se desenvolvem em nós devido a
impressão de nos encontrarmos em presença ou sob o olhar do outro. Todo o sistema
de atitudes, nesses casos, é afetado e a mesma incontinência de reações se manifesta
no aparelho motor, como um estado de rigidez ou contratura excessiva que
normalmente nos acomete.
Wallon (1979) diz ser perfeitamente normal essas reações, e que diante da
observação alheia, alguns indivíduos perdem a cabeça e seus movimentos a executar
são contrariados ou paralisados pela rigidez ou por tremores intempestivos.
52
4 - Procedimentos Metodológicos
20
Para dar conta de responder ao problema de pesquisa proposto, várias decisões
foram tomadas: a opção pela escola, a escolha da série, o instrumento metodológico e
os procedimentos de análise para encaminhamento da discussão dos dados.
Sobre a escola, inicialmente minha escolha foi feita pelo fator afetivo. Pensei em
pesquisar na escola onde havia trabalhado, porque já conhecia as crianças, alguns
professores e a direção; e não me sentiria incomodado com a nova situação, agora, de
pesquisador.
No exame de qualificação a banca sugeriu uma escola na qual não tivera, ainda,
contato. A escolha dessa segunda instituição foi feita a partir dos seguintes critérios:
1º) Ser uma escola pública da rede estadual de São Paulo; por já conhecer
características da rede ao trabalhar como professor de Educação Física, além de
reconhecê-la como mais carente de recursos materiais, humanos e estruturais.
2º) Atender às séries iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) pelo fato
desta pesquisa abordar a Educação Física na 3ª Série do Ensino Fundamental.
3º) Ser próxima e de fácil acesso a minha residência, a fim de otimizar meu
tempo, em uma cidade com o trânsito caótico como o de São Paulo, para atender
minhas atividades profissionais e de pesquisador.
A respeito da série, a escolha da 3ª Série do Ensino Fundamental deu-se por
razões ligadas à dimensão afetiva. Isto porque depois de formado e ter atuado durante
aproximadamente 10 meses como professor de várias séries, mas não de 3ª, na última
20
O texto deste capítulo foi escrito em primeira pessoa do singular devido a justificação das opções, mas podemos
considerar como a primeira pessoa do plural pelos direcionamentos e esclarecimentos da Orientadora desta pesquisa.
53
atribuição de aulas do ano de 2003, pela rede pública estadual, me foram atribuídas
quatro classes de 3ª Série em uma escola do Município de Guarulhos. Passei, durante
o contato com essas classes de 3ª Série, situações de muito desconforto - desde
administrar a agitação própria da idade, até lidar com uma carência de atenção ou de
cuidados, uma vez que se tratava de bairro carente da periferia do Município; além do
fato de ter ocorrido trocas de professores desta disciplina naquele ano, o que dificultava
o estabelecimento de rotinas - que incluía atender a maior parte dos pedidos e
vontades das crianças para aproveitar o prazer da participação no desempenho do
trabalho desenvolvido.
Ao sair dessa escola, às terças e quintas, avaliando o meu trabalho e a situação,
eu sentia uma imensidão de coisas. Às vezes um sentimento de inadequação, outras
vezes, um prazer por algum avanço feito ao longo do período trabalhado com as
crianças, mas também creio que tenha contribuído para o meu desconforto o fato de ser
recém formado naquela época. De qualquer forma, tinha muito interesse em observar
uma turma de 3ª Série “com um professor de Educação Física mais experiente”.
Como instrumentos metodológico, optei pela observação, porque considerei que
ela possibilitaria situar os alunos, o professor e o contexto no qual ocorreriam as
interações e mostrar de maneira concreta como se expressa a afetividade nesse
ambiente.
Observar, para Wallon (1979), é registrar o que pode ser constatado. Mas
registrar e constatar também inclui uma análise, é ordenar o real em fórmulas, é
submetê-las a perguntas. Este olhar guiou-me na maneira de fazer as observações.
54
Primeiramente, orientado pelo problema de pesquisa, observei cinco aulas de
Educação Física que ocorreram na quadra da escola, com o mesmo professor para a
mesma classe de 3ª Série, durante o segundo semestre de 2005. Em seguida, procedi
as descrições dos principais acontecimentos que revelados pelas interações aluno-
alunos e professor-alunos, com referência às manifestações afetivas que se mostram
durante as aulas de Educação Física, sabendo que afetividade é a predisposição do
sujeito se afetar por fatores internos ou externos.
Foram registradas ações, reações e atitudes dos sujeitos observados estando
estes inseridos em um contexto (um meio determinante - Wallon descreve a relação
organismo-meio como um par indissociável e irredutíveis um ao outro) essas
observações encontram-se em anexo nesta pesquisa.
A presença do pesquisador no momento das aulas pode ter afetado os
resultados relatados. Porém, a partir dos apontamentos sobre os momentos em que
esta presença manifesta algum impacto durante as aulas, não encontrei indícios ou
manifestações que pudessem dar relevo a esta questão, que pudessem ser relevantes
ou aprofundados e indicar maiores interferências. Apenas a última observação faz
referência ao contato do pesquisador com as crianças, mas nada que tenha revelado
algum impacto no andamento da aula de Educação Física.
Quanto à análise dos dados observados, a partir de uma leitura exaustiva das
descrições, levantei unidades de significado
21
que pude captar durante o registro das
observações. Refletindo, posteriormente, e tomando como critério um agrupamento de
categorias em comum, que se repetiram ao longo das aulas, não obstante as
21
O fiz baseado nos procedimentos de análise expostos no livro organizado por Szymanski (2002).
55
“entrelinhas” das atitudes e ações manifestadas pelos observados, tive como foco a
captação das manifestações afetivas. Este foi o primeiro movimento para a análise dos
dados obtidos nas observações registradas. O segundo movimento para sistematizar os
dados, depois de ler e reler as descrições e as unidades de significado foi o de agrupá-
las em duas grandes categorias: manifestações de bem-estar e manifestações de mal-
estar, tanto do professor, como dos alunos.
Apareceram aí os sentimentos e as situações provocadoras dos mesmos. Isso
me levou a encaminhar a discussão a partir dos seguintes temas:
Manifestações de Bem-Estar no Professor
Manifestações de segurança, no professor, diante da resolução de
problemas que surgem das interações nas aulas
Manifestações de diversão do professor diante da ingenuidade das
crianças
Manifestações de Bem-Estar nos Alunos
Participar da escolha e organização das atividades
Uma interação amistosa por uma ou ambas as partes envolvidas
Rever a professora polivalente
Ter vencido na competição
Estar diante da vingança
Imitar atividade de outrem que lhe pareceu prazerosa
Divertimento diante de seus próprios erros
56
Manifestações de Mal-Estar no Professor
Quanto a situações provocadoras de insegurança no professor
Corre o risco de perder o controle das ações dos alunos
Não sabe ao certo o efeito de suas ações durante as aulas
Quanto a situações provocadoras de desconforto no professor
Toma consciência da presença do pesquisador em diversas situações
Recebe as reclamações dos alunos
Quanto a situações provocadoras de irritação no professor
Sua solicitação não é atendida pelas crianças
Os alunos cometem erros
Quanto a situações provocadoras de desânimo no professor
Precisava dar aula para a 3ª Série que foi observada pelo pesquisador
Quanto a situações provocadoras de frustração no professor
Diante da tentativa fracassada de ensinar algo as crianças
Quanto a situações provocadoras de receio no professor
A diretora esta presente na sala que ele está responsável pela aula no
momento
Quanto a situações provocadoras de compaixão no professor
As crianças se mostram frustradas com sua atitude
Manifestações de mal-estar nos alunos
57
Quanto a situações provocadoras de ansiedade nos alunos
Querem aproveitar o tempo de atividade
Quanto a situações provocadoras de desconforto nos alunos
Pela necessidade de movimentação
Pela necessidade de resolver um desentendimento
Pela necessidade de se justificar ou se defender diante de acusações
Quanto a situações provocadoras de frustração nos alunos
Diante de um desacordo
Com a situação de injustiça
Quanto a situações provocadoras de irritação nos alunos
Não querem algum tipo de brincadeira no momento
Diante de um sol quente numa quadra descoberta
Quanto a situações provocadoras de medo nos alunos
Imaginam as conseqüências de suas próprias ações
Quanto a situações provocadoras de tédio nos alunos
Ficam um longo tempo na mesma atividade
Quanto a situações provocadoras de tristeza nos alunos
Se anuncia o término da aula
Pela desconsideração de suas vontade
58
Diante de uma interação mal sucedida
Surge a necessidade de manifestação da sexualidade nas interações
Quanto a situações provocadoras de desinteresse nos alunos
Pela atividade proposta pelo professor
Quanto a situações provocadoras de vergonha nos alunos
Ocorre uma humilhação diante das circunstâncias
Essa análise foi feita com base numa leitura exaustiva dos dados, por isso foram
levantadas e agrupadas as categorias de situações provocadoras e seus respectivos
sentimentos e emoções.
Durante a análise, pude perceber que, em alguns momentos, houve a
necessidade de trazer a descrição na íntegra, para não perder o “colorido emocional”.
No entanto, as demais situações foram trazidas como uma síntese explicativa das
situações que ocorreram na aula, que no caso, julguei que seriam suficientes para a
compreensão e discussão daqueles dados.
Foram trazidas, primeiramente, as manifestações de bem-estar, tanto do
professor como dos alunos, que se revelaram em menor número nas descrições feitas
pelas cinco aulas observadas. Depois de esgotada essa primeira parte, entramos nas
manifestações de mal-estar, tanto do professor quanto dos alunos.
Reforço o fato de chamar o Professor de Educação Física apenas de professor,
pois é ele o foco de análise do trabalho. Nos casos do aparecimento da professora da
classe, a chamamos de professora polivalente, conforme explicado no próximo tópico,
referente ao contexto da pesquisa.
59
As categorias levantadas para análise foram Professor-Alunos, que se refere ao
contato do professor com todos os alunos, ressaltando o dinamismo da relação e
adotando uma forma de ver, dialética, pois considera esta relação de mão dupla
(relação de contrários). Outra categoria trazida e discutida foi Aluno-Alunos, mais uma
vez justificando que há o contato de uns com os outros, podendo ser focado na atitude
de um influenciando os demais, de um se opondo aos demais, dos alunos se opondo
ou apoiando um ou mais, etc. Chamar de aluno-alunos foi apenas uma opção, pois
precisamos compreender que esta categoria foi vista como a relação de todos os
alunos, acontecendo durante as aulas de Educação Física.
Não foquei a presença de outros personagens (a professora polivalente, a
diretora e o pesquisador) que surgiram durante as observações, apesar de considerar a
influência de suas presenças, especialmente do pesquisador, durante a coleta de
dados. Considero importante a análise e aprofundamento sobre as influências desses
outros participantes, mas o foco deste trabalho se voltou para as duas categorias já
citadas.
Durante a discussão, foram surgindo às necessidades de trazer, ora o auxílio da
teoria de Wallon, ora as teorias que explicam a Educação Física Escolar. Busquei
estabelecer a comunicação entre estas sem perder o foco das manifestações afetivas
que ocorreram nas aulas.
Para se discutir, iniciei o tópico de Discussão sobre os dados obtidos com o
contexto da pesquisa, buscando facilitar a compreensão do meio que envolveu e
determinou as condições de existência daquele grupo.
60
5. Discussão Sobre os Dados Obtidos
5.1 O Contexto da Pesquisa
Como o nosso referencial teórico é Henri Wallon, é importante ressaltar o valor
que possui o contexto para o desenvolvimento da pessoa nessa concepção. O contexto
é tido como um par indissociável junto ao indivíduo e como determinante das ações dos
indivíduos. Não há como compreender a pessoa desligada do meio que justifique suas
ações, suas posturas e intenções.
Nesse sentido, é importante explicar-lhes o contexto do funcionamento da
instituição escolar que pesquisamos, mostrando alguns processos operacionais da
escola e, em alguns pontos, trazer detalhes da relação da professora polivalente com
seus alunos, bem como do professor de Educação Física com eles.
Trata-se de uma instituição pública estadual da zona norte de São Paulo, que
atende de 1ª a 4ª séries iniciais do ensino fundamental, com oito classes pela manhã
(7h às 12h) e nove à tarde (13h às 18h). Observei uma 3ª série do período vespertino.
Em ambos períodos as crianças são recepcionadas, na hora da entrada na escola, no
mesmo pátio que ficam no intervalo de recreio, e são orientadas pelos inspetores de
alunos a formarem filas dividindo-os por série e sala em ordem crescente (1ª a 4ª
séries). Esse processo parece dar mais trabalho no início do ano. Passado algum
tempo formando diariamente essa fila, cada qual em seu lugar, os alunos automatizam
o procedimento de rotina. A fila é formada com meninos de um lado e meninas do outro
e estabelecida por ordem de tamanho com os menores na frente. Esses inspetores
também possuem a função de controlar a disciplina e cuidar das crianças tanto na
61
recepção quanto no recreio, até que seus professores venham buscá-los para conduzi-
los a respectiva sala de aula.
As crianças passam a maior parte do tempo com o professor polivalente que
possui a incumbência de ministrar as seguintes disciplinas: Geografia, História,
Ciências, Português e Matemática, dando maior ênfase às duas últimas. São seis aulas
semanais para cada uma destas. Para as demais disciplinas, são apenas duas aulas
semanais, assim como para Educação Física e Educação Artística, que são ministradas
por outros professores, especialistas nestas disciplinas. Portanto, a influência do
professor polivalente, para o desenvolvimento das crianças, pode ser maior do que de
outros professores ou profissionais da instituição, tomando-se por base o tempo de
convivência com as crianças.
Para esta pesquisa, foi dada maior ênfase na descrição da rotina do professor de
Educação Física, uma vez que o foco foi a observação das manifestações afetivas
entre professor-alunos e aluno-alunos desta disciplina.
Antes de buscar as crianças em suas respectivas salas, função de
responsabilidade para ambos os professores especialistas (Educação Física e
Educação Artística), o educador físico avalia as condições de utilização da quadra de
esportes. Isso porque além da quadra desta instituição não possuir uma cobertura,
também não possui um piso regular, e, tampouco uma estrutura que favoreça um
escoamento de água das chuvas. Assim, mesmo que tenha chovido no dia anterior, é
possível haver algumas poças d’água na quadra, impossibilitando sua utilização de
maneira segura no trabalho com as crianças. Devido a tais circunstâncias, o professor
opta pela utilização de um rodo para remoção de excessos d’água, mas essa prática
62
nem sempre é viável devido os resíduos de água que ficam e a imprevisibilidade sobre
a estabilidade das condições climáticas na cidade de São Paulo.
A escola possui uma sala de jogos, onde há brinquedos para montagem, jogos
com dados para tabuleiros, jogo de botões, dominós, damas, xadrez, etc. Esta sala é
utilizada em geral quando chove ou a quadra permanece molhada, ou caso esteja no
planejamento do professor.
Como citado anteriormente, o professor especialista (de Educação Física para
este caso) terá a responsabilidade de buscar as crianças em sua sala, na qual poderão
estar com o professor polivalente ou o outro professor especialista, e levá-los ao local
onde serão desenvolvidas as atividades desta disciplina curricular. Suas duas aulas
semanais com cada classe já estão previamente definidas em um cronograma, por
horários, e todas as aulas já estão mutuamente associadas e organizadas desde o
início do ano letivo.
O contato entre o professor especialista e o polivalente se dá quando o
especialista busca as crianças para suas aulas e às traz de volta. Ocorre também no
intervalo de recreio das crianças e reuniões pedagógicas (HTPCs
22
). Portanto, a troca
de informações para uma melhoria pedagógica e discussões úteis seriam possíveis
dentro das condições de tempo e facilidade de encontro.
É importante ressaltar que, uma vez por mês, geralmente a última aula do mês, o
professor oferta às crianças uma aula livre, cuja finalidade é oportunizar às crianças a
escolha das atividades sem a interferência do professor.
22
A sigla significa Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo, que são as duas reuniões semanais que possibilitam o
encontro entre os professores para tratar do andamento das atividades coletivas e/ou individuais e planejar festas e
pequenos eventos pedagógicos, como também tratar problemas do exercício da profissão.
63
5.2 – A Prática do Professor de Educação Física Decorrente das Múltiplas
Determinações
Quando falamos de Educação Física Escolar falamos também da crise que esta
vive na sua prática cotidiana no interior das escolas.
A história mostra que as mudanças políticas, econômicas e sociais possibilitaram
as inúmeras mudanças nas configurações da prática dos professores de maneira geral,
e, conseqüentemente na prática do professor de Educação Física. Este, por ser o
sujeito da nossa pesquisa, será visto como aquele que carrega características das
tendências atuais e não atuais, pois o novo convive com o velho como em toda a
prática social
23
.
O professor de Educação Física, observado em suas aulas com os alunos da 3ª
série, disse-me informalmente que faltavam apenas dois anos para poder aposentar-se
na rede pública estadual, pois trabalhou por quase vinte anos na rede escolar privada e
a soma desse tempo quase totalizava o necessário para dar entrada em sua
aposentadoria. Isso deve ser levado em consideração para a compreensão e análise de
suas práticas na escola, uma vez que se trata de um profissional com anos de
experiência.
Este professor demonstrou atitudes predominantes de uma prática militarista, e
uma forte valorização pela eficiência técnica reveladora da concepção técnicista e do
movimento de esportivização como, por exemplo:
O professor manifesta necessidade de formação das filas para manter a
ordem das crianças;
23
Conforme citado no capítulo sobre a Educação Física Escolar.
64
O professor manifesta uma atitude de repreensão;
Necessidade do professor de corrigir as ações dos alunos, que considera
inadequadas;
Necessidade do professor de punir quem pratica ações inadequadas;
A intolerância do professor diante do imprevisto no decorrer da aula;
Inquietude do professor diante da inabilidade das duas meninas;
O professor se irrita, gritando constantemente com os alunos. Nesse caso
em específico ele não tolera a postura da menina, que faz o exercício
estando em movimento uma vez que deveria fazê-lo parada;
Uma aluna espontaneamente cria um movimento novo, como se quisesse
mostrar outras possibilidades de atividade. O professor se irrita com a
atitude da menina e não tolera a “fuga” do trabalho proposto;
O professor ignora os sentimentos da menina e a humilha publicamente
sem lhe pedir explicações sobre o ocorrido;
O professor não tolera nada que fuja à dinâmica proposta e barra a
criatividade e espontaneidade da criança;
O professor fica irritado e impaciente diante da agitação e desobediência
das crianças;
O professor grita irritado;
O professor se irrita com os erros de execução do menino;
65
Intolerância diante da incompreensão dos alunos e inabilidade do
professor;
Sensação do professor de estabelecimento de controle das ações dos
alunos;
O professor ignora a vontade e a predileção dos alunos;
O professor não se importa com a manifestação dos alunos e continua a
aula do seu jeito;
O professor não tolera o erro de execução da menina e a adverte diante
de toda a turma.
Tais atitudes reveladoras da Educação Física militarista se pautam na
obediência, na preparação física, no fortalecimento corporal e no cumprimento das
ordens do professor. Isso porque nasce como preparatória para as guerras e a
segurança nacional. Portanto, o soldado (aluno) deve saber seu lugar no batalhão
(escola) e não deve contestar ordens, sabendo seguí-las com destreza e eficiência,
sabendo que o não cumprimento das ordens será motivo de punição. Não há
possibilidade de contestação ou fuga nesse tipo de pensamento. Portanto, deve ser
sempre do professor a responsabilidade e escolha das atividades a serem executadas,
cabendo aos alunos apenas a execução eficiente e a obediência aos pedidos do
professor.
O tecnicismo valoriza a eficiência técnica, onde o papel do professor é ensinar a
melhor técnica de execução de seus alunos, e estes, por sua vez, cumprirem as
exigências com eficiência para não serem taxados de incompetentes e incapazes. O
66
esporte foi um forte instrumento para utilização desse tipo de raciocínio pedagógico,
lembrando que hoje há novas propostas para a utilização criativa do esporte no interior
das escolas, como a proposta de Kunz (2000).
Com essa vertente pedagógica predominante é importante ligar o fato de que, se
o professor manda e aos alunos somente cabe o papel de obedecer e executar, qual o
papel ou conseqüências da afetividade na relação pedagógica? Como a afetividade
pode vir a se manifestar em um ambiente onde o professor não tolera a fuga do
trabalho proposto, a opinião dos alunos ou a liberdade de movimento e escolha das
atividades? Quais sentimentos surgem nas interações professor-alunos e aluno-alunos
e o que os provocam?
Segundo Wallon, a afetividade está sempre presente, assim como os outros
conjuntos funcionais. O corpo possibilita a visibilidade que expressa o conjunto afetivo,
assim como, pelo fato de o pesquisador comungar da mesma cultura, o possibilita a
leitura e interpretação dessa manifestação afetiva. Em alguns momentos surgiram
expressões que manifestaram um bem-estar; e em outros momentos, um mal-estar,
tanto para o professor, como para os alunos. Foi possível identificar alguns indicadores
para essas manifestações.
5.
3 - Manifestações de Bem-Estar no Professor
Sobre as manifestações de bem-estar no professor, que ganham relevo por
terem sido em menor número do que as de mal-estar conforme a leitura atenta do
67
anexo 1 pode revelar, destacamos: a segurança na resolução de problemas
decorrentes das interações em aula e a diversão diante da ingenuidade das crianças.
Diversas foram as situações que manifestaram uma sensação de segurança,
como se já soubesse o que está fazendo por ter visto inúmeras situações semelhantes
ao longo dos anos como professor. A sua postura manifestada pelo seu olhar foram
decisivos para resolver alguns percalços, como os seguintes:
Aconteceu três vezes de um dos meninos invadir o espaço de
brincadeira das meninas que estavam organizadas e pegar a bola com a
qual as mesmas estavam brincando. Elas reagiram com gritos e
levantaram a voz para os meninos, mas como não foi suficiente para
que eles devolvessem a bola a elas, chamaram pelo professor e
somente o chamado já bastou para que eles largassem a bola, sem que
o professor tivesse se movido. Ele apenas lançou um olhar para ver o
que estava acontecendo;
Uma menina reclama ao professor sobre os empurrões de outro menino.
O professor nada responde, mas olha de uma maneira forte e
intimidadora. O menino desvia o olhar e também parece tentar se
esconder atrás de outros, meio que se abaixando e desviando do campo
de visão do professor;
Uma menina corre até o professor, com a testa franzida e os lábios
contraídos, para dizer que um garoto a xingou. O tal garoto, por sua vez,
se aproxima do professor, com as sobrancelhas erguidas e feição pálida,
68
para se defender. Ele diz que não o fez. O professor nada diz, apenas
observa tudo em silêncio;
Em outro momento, parecendo ignorar a situação, o professor demonstra ter a
segurança de suas ações consentindo a ação de um menino. Vejamos:
Um menino, com os olhos bem abertos e sobrancelhas erguidas,
pergunta se pode ir, querendo saber se pode fazer o exercício. A menina
junto dele reclama, argumentando que ele já o havia feito. O professor
ignora e deixa as crianças seguirem fazendo. O menino desiste.
Um dos meninos não é aceito no jogo dos outros meninos e pede para
brincar com as meninas, mas o professor responde-lhe: - “Não, você
sempre briga com as meninas!” O menino insistindo responde: - “Eu juro
que dessa vez eu não brigo, vai... deixa?” Sem lhe responder naquele
momento, o professor ignora a situação e deixa-o livre.
Neste caso, ele não apóia a ida do menino para brincar com as meninas, mas
consente por deixá-lo livre; no entanto, manifesta o histórico do menino para que possa
lhe ofertar a segunda chance. O consentimento a sua liberdade pode provocar um bem-
estar na relação com o menino pela nova oportunidade ofertada.
Contudo, essa segurança demonstrada nas ações não levaram em conta os
sentimentos da menina, na situação descrita abaixo:
Um menino reclama com o professor sobre uma menina que o mandou
afastar-se dela. O professor, com um sorriso na face, responde a todos
da seguinte forma: “- Esta menina é chata!” Ela ri, de uma maneira
contida e um tanto sem jeito, pois vira o rosto constantemente. Olha
69
pouco a pouco para os outros alunos e vez ou outra para o professor
que a observa depois do que falara.
Isso demonstra que o professor não mediu palavras e, por pensar estar
brincando, com um sorriso na face, provocou um constrangimento na menina, o que,
como diz Wallon, afeta a disposição postural e provoca um mal-estar, que trará
conseqüências indesejáveis na relação pedagógica.
Outra manifestação de bem-estar no professor foi diante da ingenuidade das
crianças, como aparece na situação descrita abaixo:
Um menino pega uma frutinha no chão, e esta é desconhecida por ele.
Ele afirma se tratar de uma uva. Outra criança diz que não o é. Para
resolver o impasse resolvem perguntar ao professor. Este responde com
um tom de brincadeira e bom humor: “- Só se for na orelha dele!”
Referindo-se ao erro no palpite do menino. O segundo menino ri muito, e
aponta ao primeiro com um ar de deboche.
Mais uma vez o professor se diverte, porém, novamente suas palavras não
revelam a preocupação sobre como afetará a criança a quem ele (o professor) se
refere.
De acordo com os nossos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), temos a
incumbência de trabalhar os temas transversais. Um deles diz respeito ao meio
ambiente, o que não foi levado em conta pelo professor, além do fato de que sua
maneira de responder a situação inverteu a disposição afetiva do menino que arriscou
um palpite sobre qual espécie de fruta estava em suas mãos. Claramente se instalou
um mal-estar pela resposta do professor.
70
5.4 - Manifestações de Bem-Estar nos Alunos
Sobre as situações provocadoras de bem-estar nos alunos, aconteceram por:
participar da escolha e organização das atividades; uma interação amistosa por uma ou
ambas as partes envolvidas; rever a professora polivalente; ter vencido na competição;
estar diante da vingança; imitar uma atividade de outrem que lhe pareceu prazerosa;
divertimento diante de seus próprios erros.
Participar da escolha e organização das atividades foi uma situação provocadora
de manifestações de bem-estar para os alunos. Contudo, é importante ressaltar que
essa situação somente ocorreu em um dia de aula livre, que é o dia dado pelo professor
para os alunos terem a liberdade de escolha e comando das próprias atividades. Isso
contrasta com o clima de todas as outras aulas dadas pelo professor ao longo do mês,
que segue o estilo descrito e exemplificado anteriormente (militarista e tecnicista).
O desejo dos alunos de interagir amistosamente, por meio de brincadeiras,
revelou a alegria de estarem em contato de uns com os outros e se manteve
constantemente durante as aulas. Nem sempre a disponibilidade de um aluno, para
uma brincadeira, estava em sintonia com o outro. Utilizando uma leitura da teoria, estar
em contato permanente com o outro é uma necessidade. Conforme Wallon, por sermos
geneticamente sociais, precisamos dessa interação dialética com outros humanos para
o nosso desenvolvimento. É por meio desta interação e integração com o social, nas
condições oferecidas pelo meio, que o indivíduo se desenvolve. Contudo, não
identificamos nenhuma valorização deste dado, por parte do professor, durante as
aulas.
71
Rever a professora polivalente foi outra manifestação dessa necessidade social
da aproximação. Foi uma situação isolada, mas que levanta a seguinte questão: Se
eles estivessem motivados com a atividade oferecida pelo professor, teriam percebido a
aproximação da professora e dispersado?
Não temos a resposta, mas vale a pena a reflexão.
Outra manifestação de bem-estar foi quando, mesmo sem que o professor
tivesse incitado a competição em uma das atividades, as crianças que a realizaram
rapidamente festejaram o êxito e começaram uma espécie de comemoração, que eles
faziam com entusiasmo diante de todos. O professor não a sustentou e seguiu com
suas atividades, por isso, essa manifestação foi diminuindo até perder completamente
sua força.
Estar diante de uma situação de vingança foi motivo de expressão e
manifestação de bem-estar. É importante para o educador, conforme Wallon (1979) se
atentar aos sinais dos valores morais emitidos pelos alunos, pois é sua função incutir
melhores valores e provocar transformações positivas nas atitudes de seus alunos, de
acordo com as oportunidades oferecidas pelo contexto.
A imitação foi uma importante manifestação de bem-estar, mas que não foi
valorizada pelo professor nas devidas circunstâncias. A imitação, para Wallon (1995a),
é um recurso de aprendizagem. É por meio dela que temos acesso a novos modelos,
novas formas de ação. Porém, tudo que pudesse fugir da atividade proposta era
rechaçado e reprimido pelo professor.
72
Divertir-se diante dos próprios erros pode ser considerado vantajoso. Vamos
recordar o conceito de afetividade para Wallon (1995b), que se trata da predisposição
de ser afetado por fatores externos ou internos e que se traduzem em emoções,
sentimentos e paixão. Nesse sentido, se diante de um erro, uma pessoa expressa um
bem-estar, não iria se opor a tentar novamente ou não teria prejuízos no tônus
muscular, o que inviabilizaria sua participação, sobretudo se falamos de Educação
Física. Mas, o professor respondeu à manifestação de uma menina com uma
reprimenda, o que não caberia se adotasse esta nossa visão teórica.
Para finalizar esse tópico sobre as manifestações de bem estar, temos de
evidenciar que, em nenhum momento, percebemos alguma palavra de incentivo vinda
do professor, durante as tarefas propostas, mas apenas cobranças e reprimendas.
5.5 - Manifestações de Mal-Estar no Professor
As manifestações de mal-estar no professor descritas como sentimentos e
emoções captados pelo pesquisador, sinalizaram: insegurança, desconforto, irritação,
desânimo, frustração, receio e compaixão.
O professor manifesta insegurança quando corria o risco de perder o controle
das ações dos alunos, observado nas situações:
Os alunos brigavam para tomar posse de bolas;
Os alunos não respeitavam os limites da quadra;
Um aluno, com histórico de desentendimentos, lhe pediam para brincar
com as meninas;
73
Após deixar um menino brincar junto as meninas, avisou que estava “de
olho”;
Os alunos não seguiam suas recomendações no final da aula;
Uma menina agredia um menino sob o olhar do professor;
Um dos alunos deu um soco de brincadeira em outro.
Essas situações refletem uma relação professor-aluno um tanto tensa. O
professor revela não ter muito controle sobre os alunos e, por isso, preocupa-se
constantemente. Além disso, sua aula revela uma dinâmica completamente
controladora, pois é diretiva, repleta de comandos que partem do professor, para que
os alunos os cumpram. O professor, neste sentido, manifesta uma tensão constante e
talvez por este fato é que se revelou maior quantidade de manifestações de mal-estar.
Lembremos da frase de Wallon (1995b): A alegria nasce com a facilidade dos
movimentos. (p. 120)
Outra manifestação de insegurança do professor ocorreu por resolver um
desentendimento dando um atributo negativo a uma aluna, por brincadeira.
Neste caso, o professor manifestou insegurança, por ter dito algo que o fez se
arrepender depois, gerando um mal-estar que poderia ter sido evitado.
Quanto a situações provocadoras de desconforto no professor, podemos afirmar
que uma delas diz respeito à presença do pesquisador. Isso justifica-se pelas atitudes
observadas:
O professor dirigia-se ao pesquisador para explicar o porquê de sua
dinâmica de aula;
74
O professor justificava sua atitude diante das crianças para o
pesquisador;
Um menino foi ao professor reclamar sobre outro que havia lhe dito
“safadezas”;
Um menino começou a bater em outro dizendo que ele havia se
esfregado em seu corpo;
O professor repreendeu as manifestações de sexualidade das crianças
olhando para o pesquisador;
O professor disse ao pesquisador que estava indignado por uma
criança de 3ª série não saber fazer a atividade proposta por ele e pediu
a opinião do pesquisador sobre isto.
Além do aparente desconforto em relação à presença do pesquisador, outras
situações parecem ter gerado desconforto no professor:
Quando um aluno reclamou da atitude de um colega;
Quando vários alunos reclamavam, ao mesmo tempo, sobre o fato de um
colega ter podido fazer duas vezes o mesmo exercício e eles não;
A insistência de dois meninos para que tivesse futebol;
Quando um dos meninos perguntou o porquê do professor ter dado
futebol para as 3ªs e 4ªs séries no dia anterior.
As reclamações das crianças não foram bem vindas. A postura do professor
diante das manifestações dos alunos não possibilitava um acolhimento, o que
75
provocava uma relação autoritária e sem abertura para melhora do contexto de trabalho
ou aproveitamento de conflitos, que segundo Wallon (1995a) são propiciadores de
desenvolvimento. Isso pode ser encarado também como uma espécie de imperícia do
professor, diante de problemas cotidianos que teria de resolver, provavelmente
acentuada pelo incômodo decorrente da presença do pesquisador. Como diz Wallon
(1979), também o fato de estar sob o olhar de outrem.
Outras ocorrências provocaram irritação no professor:
Algumas crianças não atendiam a solicitação do professor para
guardar as bolas, forçando-o a repetir isso inúmeras vezes e nas
últimas, com voz um pouco mais alta e forte.
Nos momentos que o professor passou alguma atividade para todos,
alguns não a executaram, ou não a fizeram da forma solicitada. O
professor, nesse caso, chamou a atenção, mas nem sempre conseguiu
o efeito desejado e os alunos continuaram a fazer os exercício de
maneira incorreta ou debochada.
Foi perceptível pela expressão dos alunos, frente a facilidade de
execução de movimentos, quem não soube fazer corretamente a
atividade e quem não a fez adequadamente por não querer levar a
sério o trabalho. O professor observou e repreendeu a todos aqueles
que estavam fazendo errado, dizendo: - Faz direito menino(a), presta
atenção no que está fazendo!
76
Aproximadamente cinco minutos passados, da situação anterior, o
professor percebeu que só a repreensão não resolveu o problema,
então foi até as duas meninas que apresentavam maiores dificuldades
de execução e tentou ajudá-las a conseguirem cumprir a tarefa.
Porém, mesmo tendo tentado executar junto a elas manipulando os
braços destas e explicando concomitantemente, não obtiveram
sucesso.
O professor fez questão de dizer ao pesquisador que estava indignado
com uma criança de 3ª série que não sabia fazer algo tão simples,
como os exercícios que ele estava passando (rotação de braços para
frente e para trás) e cogitou tratar-se de um problema motor, pedindo a
opinião do pesquisador. Este respondeu que o fato poderia ser apenas
a falta de experiências motoras e/ou falta de oportunidades de
vivências, que se escassas, justificariam a falta de jeito ou
inexperiência
24
. O professor concordou balançando a cabeça
positivamente e dizendo: -É, talvez.
Alguns minutos depois terminou a aula. Como a rotina estabelecida era
o professor acompanhar as crianças, neste horário de aula, até o pátio
de recreio, ele as chamou. Contudo, algumas crianças correram pela
quadra fazendo com que o professor tivesse de chamar a atenção,
aumentando seu tom de voz para fazê-las cumprir a rotina.
24
Wallon chama a isso de imperícia e que relatamos em um tópico no capítulo sobre as contribuições teóricas de
Henri Wallon.
77
Se temos a afetividade na concepção teórica de Wallon como a predisposição de
ser afetado por fatores internos ou externos, provocando a sua expressão por meio de
emoção, sentimento ou paixão, temos que pensar que o fato do professor não ser
atendido em suas solicitações durante a aula podem provocar emoções e sentimentos
que o façam responder ao contexto de uma maneira alterada pelo calor da situação.
As situações indicadas como provocadoras de irritação demonstram o alto preço
pelo estilo pedagógico adotado pelo professor, que pede um tipo de participação
apenas executivo, cumpridor das tarefas propostas, sem poder dispersar, divergir,
contestar ou sugerir algo diferente. A atenção do professor deve se voltar para verificar
se tudo está acontecendo como ele planejou e por isso, cada atitude das crianças em
transgredir o jogo de ações proposto pelo professor pode ser suficiente para provocar
sentimentos e emoções negativas e trazer uma irritação, frustração ou algo parecido.
A necessidade de manter as coisas funcionando como uma linha de
produção fabril, com cada um cumprindo exatamente sua função e o professor com o
papel de supervisor da produtividade de seus alunos causa muita preocupação pelo
fato de ter de corrigir tudo aquilo que foge às regras propostas e punir as ações
indesejadas.
O professor estava sempre próximo e vigilante, manifestando sempre algum
grau de irritação quando algo não saia conforme suas expectativas. A Educação Física
não precisa se portar de uma maneira tão diretiva e autoritária, mas pode aprender a
lidar com os imprevistos como conteúdo pedagógico, aproveitando a iniciativa dos
alunos para fazê-los aprender e se desenvolver durante o andamento das aulas, mas
não era a disponibilidade do professor observado.
78
Aumentar o tom de voz ou gritar foi uma atitude do professor que se
manifestou durante as observações. Transformando em números as vezes que o
professor lançou mão de gritos ou elevações de voz que puderam manifestar uma
irritação e não apenas se fazer ouvir durante as aulas, podemos notar que na primeira e
segunda aula houve apenas uma vez no final destas, para manter o controle e levarem
as crianças ao pátio para o horário do recreio. No entanto, na terceira aula o professor
gritou ou aumentou a voz por sete vezes. Na quarta aula, foram quatro vezes e na
quinta e última foram apenas duas vezes.
Estes números e a análise de como as coisas foram acontecendo durante as
aulas mostram um certo desgaste do professor, que verbalizou sentir desânimo ao dar
aula para essa classe de 3ª série.
É neste momento que o professor confessa o quanto lhe custa o trabalho que
precisa desenvolver com essa classe. Ele não revelou interesse em compreender o por
quê de toda a dificuldade. Ao contrário, suas palavras colocavam a culpa dos
problemas nas atitudes das crianças, conforme se pode observar em diversos
momentos relatados no anexo.
Ao professor perceber a dificuldade de um menino depois de tê-lo repreendido
sobre sua má execução de um movimento pedido, tentou ensinar-lhe novamente, mas
o aluno não obteve êxito.
Mais uma vez o professor esbarra na exigência tecnicista e se prende a
perfeição dos movimentos. O sentimento de frustração manifestado é provocado por
conta de tanta exigência, que se usufruísse mais liberdade, não provocaria mal-estar
nem nele (o professor) tampouco nos alunos.
79
Na quinta observação do anexo 2, descrevemos que houve a presença da
diretora em sala de aula provocando um receio por parte do professor. Como nossas
categorias eleitas foram professor-alunos e aluno-alunos, não iremos nos ater nessa
parte. Contudo, fica disponível para consulta e análise do leitor.
O professor manifestou sua compaixão quando as crianças se mostraram
frustradas com sua atitude, o que o levou a justificar melhor sobre o porquê de não dar
a atividade pedida pelas crianças insistentemente.
Apesar das insistências das crianças, depois de o professor negar por todas as
vezes, elas manifestam uma atitude de protesto com suas posturas e ações. Nesse
impasse, o mal-estar se estabelece tanto em um pólo como no outro, na relação
professor-alunos. O professor diante da manifestação dos alunos, e os alunos por
serem desconsideradas as suas predileções.
5.5 - Manifestações de mal-estar nos alunos
As manifestações de mal-estar nos alunos, como sentimentos e emoções
captados pelo pesquisador, sinalizaram: ansiedade, desconforto, frustração, irritação,
medo, tédio, tristeza, desinteresse e vergonha.
É importante notar que a ansiedade para o aproveitamento do tempo somente
surgiu na “aula livre” e que, por isso, eles sentiam a necessidade de se organizarem
para tirar o máximo de proveito daqueles momentos. Como apontam essas situações:
Mesmo com limitações motoras, um menino ficou junto das meninas
brincando com uma bola e olhando, vez ou outra, para a quadra dos
outros meninos;
80
Um dos meninos não foi aceito no jogo dos outros meninos e pediu para
brincar com as meninas. O mesmo menino insistiu;
Algumas crianças não atenderam a solicitação do professor para guardar
as bolas no final da aula e continuavam se movimentando, correndo;
Um menino, acusado por uma menina de já ter feito o exercício proposto,
perguntou se poderia fazê-lo, como se fosse a primeira vez;
enquanto aguardaram em fila, por uma nova oportunidade para fazer os
exercícios, alguns se juntaram para conversar ou inventar possibilidades
de movimentação que puderam ser vistas, como atividades de equilíbrio,
chutar o ar ou outros objetos que estejam ao alcance, rabiscar o chão com
o uso de uma pedra, agarrar a trave de gol e pendurarem-se nela, bater
palmas e rir bastante, fazer gestos de capoeira, como uma forma de
exibição mútua entre eles, em que alguns imitaram enquanto outros
fizeram novos gestos, etc;
A dinâmica da aula parecia insuficiente diante de tanto tônus desaproveitado.
Surge, portanto, o desconforto diante das necessidades não atendidas pela aula do
professor. Os alunos manifestavam constantemente a necessidade de interação, assim
como a imitação de gestos que eles próprios faziam surgir.
Consideremos, agora, estas situações:
Os meninos invadiram o espaço de brincadeira das meninas e
pegaram a bola que as mesmas estavam brincando contra a vontade
destas. Elas reagiram com gritos e levantaram a voz para os meninos,
81
mas como não foi suficiente para que eles devolvessem a bola a elas,
chamaram pelo professor;
Um menino, que mostrou-se notadamente voltado para outra direção,
chama a atenção do professor e pergunta, representando outro aluno,
se não haveria futebol.
O desconforto foi provocado pelo desentendimento, o que pode ser
compreendido como problemas de comunicação ou comum acordo de algum tipo de
interação para ambas as partes. Por exemplo, no primeiro caso, as meninas não
aceitam as interações dos meninos, pois contrariam a vontade delas e, neste caso,
surgiu o desentendimento. No segundo caso, o desentendimento surge pela vontade
dos meninos que um deles, apenas, representava, para saber se conseguiriam
convencer o professor a dar a sua atividade predileta, mas, não conseguiram e
manifestaram um certo abatimento diante da atitude do professor.
A necessidade de se justificar ou se defender diante de acusações também
indicava desconforto da parte dos alunos, como ilustram as descrições:
As crianças constantemente faziam alguma acusação dizendo ter
sofrido algo provocado por outro. O acusado, por sua vez, vinha até o
professor para justificar ou se defender das acusações;
Uma menina correu até o professor, com a testa franzida e os lábios
contraídos, para dizer que era xingada por um garoto. Ele, por sua vez,
se aproxima do professor, com as sobrancelhas erguidas e feição
pálida, para se defender e diz que não o fez.
82
Estas situações foram resolvidas de diferentes maneiras pelo professor. Às
vezes apenas com um olhar, em outros momentos o professor chamava a atenção do
acusado, mas o que nos chamou mais a atenção foi às vezes que ele repreendeu sem
dar a voz ao acusado, chamando a atenção de uma maneira rígida e com elevação de
voz, o que quase sempre provocava constrangimentos, que talvez pudessem ser
evitados.
Diante de desacordos e de resposta do professor, diferente das esperadas pelos
alunos, pudemos identificar o sentimento de frustração dos mesmos. As situações que
seguem ilustram esta interpretação:
As crianças chamavam o professor constantemente para
resolver problemas de relacionamento, como no caso do
menino que reclamou ao professor que seu colega lhe deu
um carrinho
25
e o mesmo lhe respondeu: - “Vai jogar, meu!”;
Uma das meninas de uma dupla que brincava falou em voz
um pouco baixa, mas ouvida pelo pesquisador, que gostaria
de jogar bola (futebol);
Ocorriam inúmeras reclamações entre os alunos pelas
conseqüências incômodas de pontuais atitudes das crianças,
que chegavam a se importunarem mutuamente e sempre
recorriam ao professor.
Nesses casos os alunos manifestaram a frustração de não poder resolver seus
desacordos e, constantemente apelavam para a autoridade do professor que,
25
Corresponde ao ato de escorregar com os dois pés na tentativa de tomar para si a bola do adversário. Às vezes
tocam no corpo do adversário e provocam pancadas.
83
freqüentemente, não correspondia ao que os alunos dele esperavam. O professor não
aproveitava situações como essas para mediar, para desenvolvê-los, para auxiliá-los a
resolver os desacordos.
As atividades que o professor passa são executadas apenas uma vez, depois
que todos executam-nas ele muda o exercício. Mas, certa vez, um menino reclamou
que uma colega havia feito duas vezes o mesmo exercício. Outros, da mesma maneira,
passaram a reclamar diante de uma possível “situação de injustiça”.
Essa manifestação de frustração diante da injustiça é apontada por Wallon
(1989), mais especificamente aflora e se exacerba na entrada do próximo estágio, a
puberdade e adolescência. Mas, as crianças não aceitavam a injustiça, e o professor,
por não ter conseguido acompanhar as situações, tentava resolver de diversas
maneiras: pedindo que esquecessem, ou perguntando ao acusado, ou até ignorando a
situação para que eles esquecessem também.
Consideremos as situações:
Os meninos invadem o espaço das meninas para lhes tirar a bola que
elas estavam utilizando;
Um menino começa a bater na cabeça de outro dizendo que ele foi
quem havia começado com a brincadeira;
Uma menina reclama ao professor sobre os empurrões de outro
menino
Nesses casos, as crianças manifestavam sinais de que não estavam dispostas a
aceitar as brincadeiras dos colegas, ou pelo menos, não aquele tipo de brincadeira que
84
estava sendo feito a eles. Eles se mostraram irritados e quase sempre apelavam para a
autoridade do professor. Essa irritação afetava o andamento das atividades durante as
aulas. Assim, o professor poderia ter se atentado mais a esse respeito, tentando
perceber as necessidades, de seus alunos, em se relacionarem uns com os outros.
Pois, se minimizasse o número e efeito desses percalços, poderia ter maior
aproveitamento do tempo de aula, com um clima emocional mais favorável para o
ensino e aprendizagem. Além do fato de que poderia ser propiciador de interações
amistosas, dependendo apenas dos conteúdos e estratégias que fossem adotadas para
as aulas, além da postura do professor na relação pedagógica.
Em outra situação, sob um sol quente numa quadra descoberta um aluno,
incomodado com o sol forte, diz: “- Ai, minha cabeça está esquentando! Vamos para a
sombra!” Falando com outros três alunos. Eles prontamente vão.
Aqui podemos perceber a interferência do meio físico-químico como exposto por
Wallon (1979) que determina as condições de desenvolvimento e ação junto com os
meios biológico e social. Dá uma prova clara sobre as necessidades que devem ser
atendidas para propiciar boas condições de trabalho pedagógico e afetar positivamente
o clima emocional da aula.
A manifestação do medo por parte dos alunos pôde ser verificada nas
ocorrências:
Os meninos que haviam invadido o espaço das meninas para lhes
tirarem as bolas que elas estavam usando sofreram a pressão do olhar
de autoridade do professor;
85
O professor repreendeu um menino que estava fazendo coisas
indevidas e lançou um olhar severo;
Em quase todos os momentos que algo inapropriado, segundo a ótica
do professor, salvo uma exceção, o professor chamava a atenção dos
alunos, eles se silenciavam e se imobilizavam momentaneamente;
Uma menina reclamou ao professor sobre os empurrões de outro
menino. O professor nada respondeu, mas olhou de uma maneira forte
e intimidadora. O menino desviou o olhar e também pareceu tentar se
esconder atrás de outros, abaixando-se e desviando-se do campo de
visão do professor;
Ao perceber que uma menina veio de chinelo, o professor reclamou,
dizendo que teria avisado que não deveriam vir com esse tipo de
calçado para fazer a aula, pois não era seguro. Além de atrapalhar o
desempenho das execuções, poderia causar um acidente por não dar
sustentação aos gestos. A menina ficou apenas olhando o professor
falar;
Um menino reclamou que uma colega havia feito duas vezes o mesmo
exercício. A menina, por sua vez, nega e modifica sua expressão
facial, olhando com o rosto levemente abaixado, a testa franzida e o
lábio inferior à frente;
Durante a permanência do professor na sala de aula para que fizesse
a chamada, a diretora da escola entrou subitamente e mesmo estando
86
os dois professores e o pesquisador no local, falou energicamente para
que as crianças guardassem seu material da outra aula, pois agora
teriam Educação Física e que o fizessem sentados, pois haviam
muitos alunos andando pela sala. Todos que estavam em pé correram
rápido para seus devidos lugares e a sala silenciou-se: crianças com
cabeças baixas, olhar perdido e desviante, e olhos espremidos;
Em um desses momentos de aguardo para nova atividade, em meio a
“brincadeiras de mãos”
26
, um dos meninos deu um soco no outro. O
professor viu, e o repreendeu energicamente, dizendo para que
parasse imediatamente com esse tipo de atitude. Ele olhou o professor
atentamente enquanto este falava, e depois abaixou a cabeça.
Nessas atitudes as crianças mostram o quanto elas testam as condições reais do
meio, como forma de categorizar suas ações e atitudes e aprender a diferenciar as
ações que possam vir a ser úteis no meio em que vivem. O professor agia
rigorosamente, tendo como parâmetro a imposição de limites, mas o erro era encarado,
na perspectiva deste, como passível de punição e reprimenda verbal, o que nestes
casos, não ensinam as crianças sobre o que se espera delas. Vejamos: as crianças
revelam necessidades de interação e as manifestam por meio de brincadeiras. O
professor repreende as ações destas, mas não esclarece o que espera que elas façam,
mostrando quais ações são admiradas por ele. Ao contrário disso, não notamos
palavras de incentivo do professor durante as cinco observações.
26
Caracterizam-se pela intenção de interagir amistosamente. Contudo, em um olhar superficial podem parecer
agressões, pois são predominantemente de toque físico. Exemplos: fazer cócegas, dar leves tapas ou socos, beliscões,
etc.
87
É possível que a falta de incentivo aliada à permanência de um longo tempo na
atividade provoquem nos alunos tédio que se manifesta pelas posturas, ações e
palavras.
Somente na situação de aula livre pudemos notar manifestações de tristeza ao
final da aula (caretas após o anuncio). Isso é importante para se refletir sobre a
dinâmica das demais aulas.
Nessas aulas livres, a não diretividade do professor dava o poder das crianças
decidirem seu destino naquele tempo de aula, ao contrário, durante os dias normais, o
professor guiava todos os movimentos e intenções dos alunos, o que poderia não
favorecer um clima de prazer na participação das crianças. Mais uma vez, podemos
lembrar das necessidades que emergem dos campos funcionais, pela teoria de Wallon.
Necessidades: afetivas, motoras e cognitivas; que se não satisfeitas irão manifestar
reações que denotam essa não satisfação.
Outras situações denotaram tristeza:
Um menino perguntou se haveria futebol. O professor respondeu
dizendo que já havia dito que não;
Dois meninos ficaram insistentemente perguntando se teria futebol.
O professor respondeu que não teria mais futebol, pois o final do
ano já havia chegado e não haveria mais “aula livre”. Cerca de uma
dúzia de alunos exclamaram em coro: “- Ah!”, acompanhado por
uma expressão de decepção;
88
Um dos meninos perguntou o porquê do professor ter dado futebol
para as 3ªs e 4ªs séries ontem e o professor respondeu gritando: “-
Porque vocês não merecem! Vocês acham que merecem?” Eles
chutaram o ar, escondendo os braços atrás do corpo. Mostraram
também em seus corpos, uma certa falta de jeito com uma agitação
na movimentação, para lá e para cá sem propósito e sem
finalidade, pois ainda estavam em fila, parados.
As descrições mostram o quanto de mal-estar acontece diante da
desconsideração das vontades e necessidades dos alunos. Ao professor, nada indica
que ele estivesse titubeando, mas sim agindo com a certeza de estar fazendo a coisa
certa, pois a ele cabia a decisão sobre o que deveria ser feito nas aulas. As crianças
não poderiam opinar sobre o que deveriam fazer, pois é ele o portador do
conhecimento, apoiado pelas concepções militarista e tecnicista.
O professor também não levantou questões e nem tentou discutir assuntos
ligados ao relacionamento interpessoal. Portanto, o mal-estar acabou sendo uma
conseqüência inevitável diante das tentativas de interação na relação aluno-alunos e
professor-alunos.
Ao surgir a necessidade de manifestação da sexualidade nas interações, os
alunos manifestavam desejo.
Não cabe aqui valorar o sentimento de desejo de expressão de sexualidade na
crianças, mas a conseqüência afetiva é o que deve ser ressaltada e por isso se
encontra dentro de manifestações de mal-estar nos alunos. A maneira como o professor
tratava essas manifestações se negava ao fato de que este, assim como o meio-
89
ambiente citado há pouco, também é um tema transversal que é colocado nos PCNs
(1997) como dever de todo o educador para que seja abordado e, apesar das
oportunidades, o professor nada fez, senão – empurrar o problema para os pais:
O professor olhou rápido para o pesquisador, um olhar que não se fixou
acompanhado de um sorriso curto e gestos embaraçados, repreendeu o
menino acusado das falas, sem lhe perguntar o que acontecera, e dizendo
que se continuasse ele iria ter de chamar seus pais.
Quando o professor passava alguma atividade para todos, alguns não a
executavam, ou não a faziam da forma solicitada. O professor, nesse caso, chamava a
atenção, mas nem sempre conseguia o efeito desejado e os alunos continuavam a
fazer os exercícios de maneira incorreta ou debochada. Era perceptível pela expressão
dos alunos, frente à facilidade de execução de movimentos, quem não sabia fazer
corretamente a atividade e quem não a fazia adequadamente por não querer levar a
sério o trabalho. O professor observava e repreendia todos aqueles que estavam
fazendo o movimento errado.
Outras situações surgiram, como parar de executar os movimentos, sem que o
professor o tivesse pedido, imitar o gesto artístico de uma bailarina (aproveitando que
os braços já estavam acima da cabeça, como pedido pelo professor, no exercício
passado), saírem de seus lugares enquanto aguardavam novas solicitações, imitavam
(dublavam) a fala do professor e faziam caretas e algumas formas de deboches, etc.
Atribuímos a isso o não atendimento às necessidades das crianças. Era,
portanto, inevitável que surgisse o desinteresse dos alunos pelas atividades, uma vez
que as suas vontades não eram consideradas pelo professor nesse contexto.
90
Em outros momentos, identificamos o sentimento de vergonha demonstrado
pelos alunos, como ilustram as descrições:
Um menino reclamou com o professor sobre uma menina que o
mandou afastar-se dela. O professor, com um sorriso na face,
respondeu a todos da seguinte forma: “- Esta menina é chata!” Ela riu,
de uma maneira contida e um tanto sem jeito, pois virava o rosto
constantemente. Olhou pouco a pouco para os outros alunos e, vez ou
outra, para o professor que continuou observando-a;
Um menino pegou uma frutinha do chão, desconhecida por ele.
Afirmou se tratar de uma uva. Outra criança diz que não era. Para
resolver o impasse resolvem perguntar ao professor, que respondeu
em tom de brincadeira e bom humor: “- Só se for na orelha dele!”
Referindo-se ao erro no palpite do menino. O outro garoto riu muito, e
aponta o colega com um ar de deboche. Acabrunhado, fez uma
expressão de constrangimento, voltando seus ombros para a parte
anterior do corpo e para baixo, como se quisesse se esconder por um
momento, quase ficando de costas;
Um menino, ao fazer o exercício, se atrapalhou com a bola. Por isso, o
professor soltou um forte grito: “- Faz direito, Caramba!” O menino dá
um sorrisinho embaraçado, quase se escondendo em meio a outros
alunos;
Ao passar um novo exercício, alguns alunos demonstraram estarem
um tanto confusos sobre o quê e como deveriam fazer. O professor
91
gritou desta forma: - “Não acredito que vocês não sabem fazer!” Um
dos alunos deu uma risadinha desconcertada, olhando para todos os
lados, mas continuou tentando.
Esses casos talvez sejam os mais alarmantes e possivelmente os maiores
provocadores de mal-estar, uma vez que esse tipo de constrangimento é um velho
conhecido daqueles que não suportam aulas de Educação Física, aqueles que
justificam tentando dizer que não possuem muito jeito e nem muita coordenação motora
para poder participar. Mas, qual o papel do educador, senão o de propiciar a mediação
necessária entre aquilo que deve ser aprendido e o aprendiz? Sentimentos como esse,
de vergonha, não deveriam se manifestar nas aulas, mas sim, a nosso ver, os
sentimentos positivos provindos do respeito, aceitação e acolhimento.
92
6. Considerações Finais
Na teoria walloniana, o professor desempenha um papel ativo na
constituição da pessoa do aluno. Como a teoria enfatiza a pessoa com
as dimensões afetiva, cognitiva e motora integradas e se nutrindo
reciprocamente, o professor deve basear sua ação fundamentado no
pressuposto de que o que o aluno conquista no plano afetivo é um
lastro para o desenvolvimento cognitivo, e vice-versa. A teoria
pressupõe uma íntima relação entre emoção e cognição, logo o
professor precisa criar condições afetivas para o aluno atingir a plena
utilização do funcionamento cognitivo, e vice-versa. (Almeida, 2004 – p.
126)
O mesmo raciocínio vale para as conquistas motoras, em relação aos campos
funcionais afetivo e cognitivo, como nas outras combinações dessas três dimensões
que se expressam de maneira integrada em seu quarto conjunto, a pessoa.
As manifestações afetivas, portanto, são fundamentais para compreendermos
como se expressa a pessoa, tanto do aluno como do professor. É por meio dessas
expressões que podemos buscar o atendimento, de maneira mais sensível, ao que
corresponda as reais necessidades que surgem no processo de interação com o meio.
Como afirma Almeida (2004) com base na obra walloniana: (...) ao professor
compete canalizar a afetividade para produzir conhecimento; na relação professor-
93
aluno, aluno-aluno, aluno-grupo, reconhecer o clima afetivo e aproveitá-lo na rotina
diária da sala de aula para provocar o interesse do aluno... (p. 126)
Este é o sentido desta pesquisa, que tratou de reconhecer esses sinais ou
manifestações que a afetividade emite por meio do corpo das pessoas. Essa expressão
é reveladora de bem-estar e mal-estar, que podem ocultar ou explicitar os reais
sentimentos e emoções. Sentimentos e emoções que perturbam o fluir pedagógico,
como intenções, medos, receios, vontades, perturbações, inseguranças, irritações, etc;
assim como os sentimentos e emoções que impulsionam a pessoa a continuar
buscando seus objetivos e romper suas barreiras e conflitos, como a alegria, o prazer, o
conforto, o acolhimento, a satisfação, o desejo, a vontade, etc...
Não saberíamos trazer todas as denominações sobre os estados de espírito ou
emoções e sentimentos que são criados e utilizados pelas culturas. O fato é que somos
constantes interpretes dessas linguagens emocionais. É essa leitura que nos propicia
melhorar a nossa relação com o mundo. Para o professor é ainda mais importante, pois
é esta leitura de que ele se nutre para sustentar sua prática junto aos alunos,
propiciando um clima emocional ora favorável, ora desfavorável para o ensino e
aprendizagem.
Justamente por essa necessidade que os estudos de Nista-Piccolo e Winterstein
(1995; 1996), na Educação Física Escolar, se preocuparam justamente com essa leitura
feita pelo professor sobre as emoções de seus alunos. Almeida (2004), fundamentada
na obra walloniana, corrobora essa preocupação, lembrando que a tonicidade, a
atenção, o interesse, o cansaço, são indicadores do andamento da aula, e devem ser
considerados pelo professor.
94
Se o professor, foco de nossa observação, estivesse alerta a estes indicadores
muitas manifestações afetivas poderiam ter sido aproveitadas para melhorar o contexto
das aulas de Educação Física naquela escola. Mas, para que façamos justiça e
continuemos pautados na realidade dos fatos, é necessário sair um pouco do foco da
pesquisa para explicar outros importantes fatores que se refletem nesses resultados,
para retomarmos de maneira aprofundada nestes.
Sabemos das inúmeras dificuldades vividas pelos professores das escolas
públicas, não apenas na cidade de São Paulo, mas em todo o Brasil. Estamos longe de
um funcionamento escolar adequado na realidade brasileira. Não dispomos de recursos
suficientes e os recursos existentes são mal empregados, legiões de crianças
continuam sem possibilidade de freqüentar a escola, os currículos e programas não se
renovam com a velocidade necessária, o pessoal docente, em grande parte não tem a
qualificação exigida, há excesso de reprovações e evasões, etc. (Piletti, 2004)
O caso desse professor observado corrobora a situação descrita acima, que em
conversas informais com o pesquisador, revelou não ter sido aprovado no ultimo
concurso público para professor de Educação Física na Rede Estadual de São Paulo, e
tinha, naquele momento (meados de Outubro de 2005) seu futuro incerto. Estava há
apenas dois anos para poder se aposentar e teria seu próximo ano com a promessa da
incerteza sobre ter ou não o seu emprego de professor. Os reflexos dessas condições
não podem ser medidos, mas devem ser considerados.
A Educação Física Escolar, a meu ver, é um lugar especialmente privilegiado
para provocar a alegria e o prazer durante os momentos de interação aluno-alunos e
professor-alunos, uma vez que, como dissemos sobre a teoria de Wallon (1995b),
95
referindo-nos a relação movimentação, tônus e afetividade, a alegria nasce com a
facilidade de movimentos. (p.120) E esta facilidade de movimentos, a espontaneidade,
a iniciativa devem ser instrumentos utilizados pelo professor desta disciplina. Como
dissemos na discussão, não notamos manifestações de incentivo, de valorização e
apoio por parte do professor para com os alunos.
Nesse caso, o professor pareceu não se preocupar em atender alguma
necessidade, dos alunos, que aparecesse durante suas aulas. A preocupação notada
foi apenas com a presença do pesquisador, como figura que pudesse julgar ou avaliar a
qualidade do seu trabalho ou a eficácia de seus ensinamentos. Como dissemos, essa
eficácia é produto da adoção da concepção tecnicista, que, misturada com
características militaristas, acabavam por criar um clima de perfeccionismo e excesso
de exigências que deveriam a todo custo serem cumpridas. Cabe lembrar que essa
concepção é produto do contexto e época nas quais foi formado o professor.
O custo deste tipo de concepção, desta postura de trabalho, é muito grande. O
professor se desgastou em inúmeras situações e os gritos e manifestações de
insegurança, desconforto, irritação, desânimo, frustração, receio e compaixão;
comprovam a inviabilidade desta. Temos hoje, conforme quadros anexos, inúmeras
abordagens que mostram formas de se estabelecer uma didática para a Educação
Física Escolar. No entanto, o professor que precisa trabalhar em duas, três ou até mais
escolas para se ter um salário suficiente, que cubra seus gastos e lhe dê uma vida
digna, dificulta a busca por um investimento profissional. Além do fato do desgaste que
o alto número de alunos nas salas de aula, somada a quantidade de aulas semanais
96
que precisa dar conta, proporciona. Nesta 3ª série observada, por exemplo, havia uma
média de 35 crianças.
Não queremos dizer, no entanto, que essas barreiras venham a ser a justificativa
para o resultado dessa pesquisa, mas apenas apontamos para a necessidade de não
fecharmos os olhos às circunstâncias do meio que pesam sobre a vida do professor.
Essa pesquisa, com certeza, contribuiu para meu enriquecimento pessoal. Mas,
espero ter podido dar alguma parcela de contribuição para, principalmente, os
professores de Educação Física, como alerta sobre o quão negligenciado está sendo o
fator afetivo nas aulas de Educação Física Escolar, que, de acordo com o que pude
sentir na minha prática como pesquisador e professor, pode ser fonte inesgotável de
prazer e satisfação, desde que encontre as condições propícias para que isso venha a
acontecer.
97
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102
103
ANEXO 1
Quadro 1 – Características das Abordagens Pedagógicas Preditivas da Educação Física
Preditivas
27
Abordagens
Aulas Abertas Construtivista
Crítico-
Superadora
Aptidão
Física
Desenvolvimentista
Educação Física
Plural
Principais
Autores
Hildebrandt &
Laging
João Batista
Freire
Coletivo de
Autores
Markus V.
Nahas;
Darta
g
nam P.
Guedes
Go Tani Jocimar Daolio
Obras e
publicações
Concepções
Aberta de
Ensino
Educação
Física de Corpo
Inteiro
Metodolo
g
ia do
Ensino da
Educação
Física
Fundamentos
da Aptidão
Física
relacionada à
Saúde
Educação Física:
uma Abordagem
Desenvolvimentista
Educação Física
Escolar uma
Abordagem
Cultural
Área Base
Sociologia Psicologia
Sociologia
Política
Fisiologia Psicologia Antropologia
Autores de
Base
Hessischer
Kugturminister
Jean Piaget;
Michael
Foucault
Saviani e
Libâneo
Corbin;
Bouchard
Gallahue Marcel Mauss
Finalidades
Objetivos
Construção
coletiva
Construção do
Conhecimento
Transformação
Social
Promoção da
prática e
manutenção
da Aptidão
Física
Adaptação
Historicidade da
Cultura Corporal
Temática
Principal
História de vida
na construção
do movimento
Cultura Popular
Lúdica
Cultura
Corporal
Estilo de Vida
Ativo
Aprendizagem
Motora
Diversidade
Pluralidade
Conteúdos
Conhecimento
sobre as
diversas
possibilidades
de movimento,
contextualizando
o sentido dos
mesmos
Brincadeiras
Populares,
Jo
g
o Simbólico
e de Regras
Conhecimento
sobre o Jogo,
esporte, dança,
ginástica
Programas
de atividades
físicas:
escolares;
comunitários
Habilidades Básicas,
Jo
g
o, Esporte, Dança
Historia Cultural
das formas de
Ginástica, as
Lutas, as
Danças, os
Jogos, os
Esportes
Estratégia
Metodológica
Temas
geradores e co-
decisão
Resgatar o
conhecimento
do Aluno
Reflexão e
Articulação
com o Projeto
Político
Pedagógico
Motivação e
incentivo
para adesão
de um estilo
de vida ativo
Aprendizagem do,
sobre e através do
Movimento
Valorização das
diversas formas
de expressão da
Cultura do
Movimento
Avaliação
Não punitiva,
Auto-avaliação
Não punitiva,
Auto-avaliação
Avaliação
baseada no
fazer coletivo
Não punitiva
Auto-
avaliação
Privilegia a
Habilidade,
Observação
Sistematizada
Considera as
diferenças
individuais como
essencial
Fonte: Adaptado a partir de DARIDO (1998, p.64) e SOUZA JÚNIOR (1999, p.21)
27
Concebem uma nova concepção de Educação Física, definem princípios norteadores de uma nova proposta.
104
Quadro 2 - Características das Abordagens Pedagógicas Não-preditivas da Educação Física
Não-Preditivas
28
Abordagens
Crítico
Emancipatória
Humanista Psicomotricista Sistêmica Tecnicista
Principais
Autores
Elenor Kunz
Vitor Marinho
de Oliveira
Airton Negrine &
Mauro Guiselini
Mauro Betti
Moacir B. Daiuto,
José Roberto Borsari
Obras e
publicações
Transformação
Didático-
p
edagógica do
Esporte
Educação
Física
Humanista
Aprendizagem &
Desenvolvimento
Infantil:
Perspectivas
Pedagógicas
Educação Física
e Sociedade
Qualidades Físicas na
E.F. e nos Desportos,
Educação Física da
Pré-escola à
Universidade.
Área Base
Sociologia
Filosofia
Sociologia e
Filosofia
Psicopedagogia
Sociologia e
Filosofia
Pragmatismo Norte-
americano
Autores de Base
Habermas Carl Rogers
Jean Le Boulch,
Flinchum,
Pangrazi et all
Bertalanfy James Cousilman
Finalidades
Objetivos
Emancipação
Crítico
Pedagógica
Promoção do
crescimento
p
essoal dos
alunos
Aprendizagem
através do
Movimento
Transformação
Social
Eficiência Técnica
Temática
Principal
Cultura do
Movimento
Aprendizagem
Significativa e
Potencial
Criativo
Aprendizagem e
Desenvolvimento
Motor
Cultura
Corporal
Esportivização
Conteúdos
Conhecimento
sobre os Esportes
através do
sentido de
movimentar-se
O jogo, o
esporte,a
dança, a
ginástica
Vivências de
Tarefas Motoras
Vivência
Corporal: do
Jogo, do
Esporte, da
Dança, da
Ginástica
Atividade Física e
Iniciação Esportiva
Estratégia
Metodologica
Contextualização
do sentido do
fazer o esporte
N
ão diretiva,
Aprendizagem
Integral para a
Vida
Estimulação das
Capacidades
Perceptivo
Motoras
Tematização
Diretiva baseada na
Prática Sistemática
Avaliação
N
ão punitiva
Auto-avaliação
N
ão punitiva,
Auto-avaliação
Observação
Sistematizada
Observação
Sistematizada
Mensuração da
Performance
Alcançada
Fonte: Adaptado a partir de DARIDO (1998, p.64) e SOUZA JÚNIOR (1999, p.21)
28
Abordam a Educação Física, sem estabelecer parâmetros, princípios norteadores ou metodologias para o seu ensino.
Anexo 2 - Observação da 3ª Série – 01/09/2005
DESCRIÇÃO
O professor de Educação Física vai até a sala de aula buscar as
crianças que estão acompanhadas da professora polivalente. O professor não fez
referência ao pesquisador. O professor faz a chamada, enquanto o pesquisador
aguarda na porta e ao terminar pede que as crianças formem as duas filas de
costume. Meninos e meninas separados e por ordem de tamanho. (1)
As crianças são trazidas de sua sala, conduzidas pelo professor
especialista para o início da aula de Educação Física na quadra da escola. São
14 meninos e 12 meninas.
Ao chegar à quadra, algumas meninas se dirigem ao professor para
pedir que seja dado o jogo de queimada. O professor nada responde e continua
caminhando até sua sala de materiais, que fica à direita da entrada da quadra,
aproximadamente uns 5 metros do portão. (2)
Nesse momento, as crianças tomam a dianteira e se dividem nas duas
quadras existentes. Meninos em uma e meninas na outra. (3)
Os meninos agilizam a formação de times para jogar futebol. O
professor deixa que eles mesmos se organizem para escolher os integrantes dos
dois times. O mesmo ocorreu com o grupo de meninas na outra quadra. (4)
Logo após o atendimento aos alunos, o professor veio até o
pesquisador e quis explicar que uma vez por mês a aula era recreativa e as
crianças escolhiam suas atividades livremente, sem a intervenção do professor.
(5)
As meninas tratam de iniciar sua brincadeira. O professor exclama:
UNIDADES DE SIGNIFICADO
Captadas Pelo Pesquisador
(1) O professor manifesta necessidade de
formação das filas para manter a ordem das
crianças.
(2) As meninas manifestam predileção para jogar
queimada e reconhecem a autoridade do
professor, solicitando-lhe permissão.
O professor manifesta desatenção para com as
perguntas das alunas.
(3) Autonomia dos alunos para organização de
suas atividades.
(4) Ansiedade por parte dos meninos para que
comece rápido o jogo de futebol.
Ansiedade também por parte das meninas em
não perder tempo.
O professor não interfere na organização.
(5) Preocupação do professor em explicar suas
atividades ao pesquisador.
(6) Medo ou receio do professor frente a
possibilidade das meninas brigarem na
decorrência de uma disputa por bolas sem
necessidade.
(7) Preocupação com a presença do
105
“cada um com sua bola!” (6) Dizendo isso para as meninas que ficam tentando
tomar a bola umas das outras. Ele explica ao pesquisador que faz isso porque há
bolas suficientes para que todas brinquem separadamente caso elas queiram. (7)
Sobre os meninos, somente quatro de todos destes presentes neste
dia não estão jogando futebol. Três deles estão brincando entre si enquanto
esperam sua vez para jogar. (8) O último dos meninos que possui uma limitação
motora fica junto das meninas brincando com uma bola, mas para de tempos em
tempos para olhar o jogo dos meninos. (9)
As crianças chamam o professor constantemente para resolver
problemas de relacionamento, como no caso do menino que reclama ao professor
que seu colega lhe deu um carrinho
1
e o mesmo lhe responde: (10)
- “Vai jogar, meu!” (11)
Outro exemplo desse tipo é quando um colega vem até outro e toma a
bola pelo uso da força. Aconteceu três vezes de um dos meninos invadir o espaço
de brincadeira das meninas que estavam organizadas e pegar a bola que as
mesmas estão brincando contra a vontade destas. (12) Elas reagiram com gritos
e levantaram a voz para os meninos (13), mas como não foi suficiente para que
eles devolvessem a bola a elas, chamaram pelo professor (14) e somente o
chamado já bastou para que eles largassem a bola, mesmo sem que o professor
tivesse se movido. (15) Ele apenas lançou um olhar para ver o que estava
acontecendo. (16)
As meninas deixam as brincadeiras que faziam isoladamente e se
reúnem para brincar de queimada. (17)
Algumas meninas estavam fora do alcance do olhar dos professores
pesquisador.
(8) Expectativa dos meninos.
Necessidade de alguns meninos em manter o
movimento.
(9) Mesmo com limitações motoras, o menino
sente necessidade de movimentar-se, vontade
de estar com os meninos e um sentimento de
inadequação frente à turma.
(10) As crianças mostram impotência na
resolução de problemas e manifestam
dependência do professor.
(11) O professor dá pouca importância para este
tipo de manifestação das crianças.
(12) Necessidade dos meninos para chamar a
atenção uns dos outros com brincadeiras.
(13) Irritação ou raiva por parte das meninas.
(14) Necessidade de recorrer ao adulto para
resolver os problemas.
(15) Medo e reconhecimento da autoridade do
professor pelas crianças.
(16) O professor manifesta uma atitude de
repreensão confiante dos resultados desta.
(17) Ficar fazendo a mesma atividade por muito
tempo causa tédio.
106
(de Ed. Física e da Professora Polivalente que aparecia às vezes para
acompanhar a aula do especialista
2
) e a presença da professora próximo a este
local chama a atenção das crianças e do professor. (18) Ele pede à elas para que
fiquem dentro dos limites da quadra. (19)
Uma das meninas de uma dupla que brincava fala em voz um pouco
baixa, mas ouvida pelo pesquisador, que gostaria de jogar bola (futebol). (20)
Ocorrem inúmeras reclamações entre eles pelas conseqüências
incômodas de pontuais atitudes das crianças, que chegam a se importunarem
mutuamente (21) e sempre recorrem ao professor, que por sua vez, chama a
atenção dos causadores das situações. (22)
Um dos meninos não é aceito no jogo dos outros meninos e pede para
brincar com as meninas (23), mas o professor responde-lhe:
- “Não, você sempre briga com as meninas!” (24)
O menino insistindo responde:
- “Eu juro que dessa vez eu não brigo, vai... deixa? (25)
Sem lhe responder naquele momento, o professor ignora a situação e
deixa livre. (26) Percebe mais tarde que ele e outros dois meninos estão lá, no
meio das meninas, mas brincando somente entre eles e logo avisa que está de
olho no que está acontecendo. (27)
Uma das meninas reclama de estar se sentindo mal, e por isso parada
no canto da quadra. A professora diz: “Eu te avisei, agora não venha
reclamar”.(28) A professora diz ter avisado a menina sobre a necessidade de
estar de camiseta branca na aula de Educação Física porque esta estava trajando
uma camiseta rosa. (29) Desta maneira a professora justifica que a reclamação
(18) Identificação com a figura da professora.
(19) Insegurança frente ao possível descontrole
das ações das crianças saindo da quadra.
(20) Vontade de uma criança de participar junto
com os meninos e um possível receio ou
incerteza sobre a aceitação por parte do
professor.
(21) Necessidade de algum tipo de interação
entre as crianças, causando ou não conflitos.
(22) Sentimento de impotência, por parte das
crianças, diante da resolução dos problemas.
(23) O menino queria continuar brincando, mas
como não conseguiu com os meninos, se
encorajou a tentar com as meninas e pede
autorização do professor.
(24) O professor sente insegurança e não dá
autorização, levando em conta o histórico desse
menino.
(25) O menino insiste no pedido por desejar
muito essa participação.
(26) O professor sente que pode confiar.
(27) O professor ameaça na tentativa de inibir
más ações.
(28) Necessidade da professora de não se sentir
107
desta menina era infundada.
Logo após, o professor ordena a todos que guardem as bolas, pois
havia chegado o fim da aula.
Para manter a ordem, segundo as palavras do professor, eles deveriam
vir atrás dos professores, sem bagunça, para desfrutarem do horário de intervalo
das aulas, também chamado de hora do recreio. (30)
Algumas meninas fizeram caretas após o anuncio do fim da aula. (31)
Os meninos que ganharam o jogo de futebol saíram com um sorriso na face. (32)
Os outros não deram sinais de expressão clara.
Algumas crianças não atendem a solicitação do professor para guardar
as bolas (33), forçando-o a repetir isso inúmeras vezes e nas últimas, com voz um
pouco mais alta e forte.(34)
Observação da 3ª Série – 25/10/2005
Na ida para a sala de aula para buscar os alunos, o professor diz ao
pesquisador:
-“Nossa, essa 3ª série...” e este lhe pergunta:
Essa sala causa desânimo? Ele afirma que sim. (35)
O professor foi até a sala, fez chamada e logo reuniu a turma para
levar até a quadra.
A aula começa e o professor passa as atividades como de costume.
Ele inicia com os alongamentos e logo entra na parte de exercícios físicos.
Durante a execução dos exercícios, um menino corre até o professor,
dizendo que seu colega estava lhe dizendo “safadezas” O professor olha rápido
para o pesquisador, um olhar que não se fixa acompanhado de um sorriso curto e
responsável pelo mal estar da menina.
(29) Intolerância da professora frente a
reclamação da menina.
(30) Insegurança diante das possíveis ações
inesperadas das crianças.
(31) Sentimento de frustração por ter terminado o
tempo de “aula livre”.
(32) Sensação boa dos ganhadores no futebol.
(33) As crianças não demonstram disposição
para seguir as regras da escola, colocadas pelo
professor.
(34) Irritação do professor que não teve sua
solicitação atendida pelas crianças.
(35) Desânimo frente a tarefa de encarar esta
classe. Preocupação em justificar
antecipadamente para o pesquisador a
possibilidade de perda de controle da sala.
(36) As crianças apresentam indícios de uma
manifestação de sexualidade e o professor
demonstra um certo embaraço ou desconforto
diante do pesquisador.
108
gestos embaraçados (36), e repreende o menino acusado das falas, sem lhe
perguntar o que acontecera, e dizendo que se continuasse ele iria ter de chamar
seus pais. (37)
Essas reclamações aconteceram com uma certa constância, pois mais
ou menos a cada cinco minutos um aluno ia até o professor para reclamar que o
outro estava lhe dizendo “safadezas”. Isso aconteceu tanto de menino para
menino, quanto de menino para menina. Não aconteceu entre as meninas.
Um menino começou a bater em outro dizendo que ele havia se
esfregado em seu corpo. (38)
O professor em todas as chamadas interveio e chamou a atenção
desses alunos, apaziguando e repreendendo energicamente, mantendo o controle
da situação. Ele dizia:
- Para com isso, hein! Não gosto deste tipo de coisa! (39)
As palavras acompanhadas de um olhar severo e gestos rígidos
afetavam as crianças imediatamente (40), pois elas paravam, olhavam o
professor com olhos bem atentos e paravam de fazer as coisas que foram
criticadas. Mas isso durava pouco, pois em alguns minutos alguns voltavam a
fazer tudo novamente, o que forçava o professor a repreendê-los novamente. (41)
Em quase todos os momentos, salvo uma exceção, o professor
chamava a atenção desses alunos (42), eles se silenciavam e se imobilizavam
momentaneamente (43), e a maioria tentava se defender das acusações (44),
dizendo que tudo não passava de uma mentira ou que não eram eles que haviam
feito tal coisa. A exceção foi um menino que não deu ouvidos ao professor e após
ter batido na cabeça do outro dizendo que fora ele quem havia começado,
(37) O professor repreende sem se importar em
dar a voz ao menino acusado e “empurra” a
solução para os pais, caso continue o problema.
(38) A necessidade de agitação motora com
conotação de sexualidade continua, apesar da
reprimenda do professor.
A necessidade de categorizar as ações como
“safadezas”, por não conseguirem expor a
situação concreta que ocorre.
(39) Inabilidade do professor diante desse tipo de
situação e necessidade de inibir esse tipo de
manifestação.
(40) Medo e respeito por parte das crianças
frente a manifestação do professor.
(41) Uma forte necessidade de falar e fazer
coisas de caráter sexual que o professor
desaprova, leva à repetição das falas e das
ações.
(42) Necessidade do professor de corrigir as
ações dos alunos, cujas quais considera
inadequadas.
(43) Respeito das crianças pela autoridade do
professor.
(44) Necessidade das crianças de manifestar
109
continuou a bater mesmo depois do colega ter chamado o professor (45). Este
último lhe pedia para parar e acabou por deixá-lo de castigo no canto da quadra.
(46)
Quando o professor passava alguma atividade para todos, alguns não
a executavam, ou não a faziam da forma solicitada (47). O professor, nesse caso,
chamava a atenção (48), mas nem sempre conseguia o efeito desejado e os
alunos continuavam a fazer os exercício de maneira incorreta ou debochada (49).
Era perceptível pela expressão dos alunos, frente a facilidade de
execução de movimentos, quem não sabia fazer corretamente a atividade e quem
não a fazia adequadamente por não querer levar a sério o trabalho (50). O
professor observava e repreendia todos aqueles que estavam fazendo errado,
dizendo:
- Faz direito menino(a), presta atenção no que está fazendo! (47)
Aproximadamente cinco minutos passados, o professor percebe que só a
repreensão não resolveu o problema (51), então vai até as duas meninas que
apresentavam maiores dificuldades de execução e tenta ajudá-las a conseguirem
cumprir a tarefa (52). Porém, mesmo tentando executar junto a elas manipulando
os braços destas e explicando concomitantemente, não obtiveram sucesso. (53)
O professor fez questão de dizer ao pesquisador que estava indignado
com uma criança de 3ª série que não sabia fazer algo tão simples (54), como os
exercícios que ele estava passando (rotação de braços para frente e para trás) e
cogitou tratar-se de um problema motor (55), pedindo a opinião do pesquisador
(56). Este respondeu que o fato poderia ser apenas a falta de experiências
motoras e/ou falta de oportunidades de vivências, que se escassas, justificariam a
uma justificativa ou defesa diante das acusações.
(45) A raiva do menino pelo outro que começou a
briga é tão grande que não respeita a autoridade
do professor.
(46) Necessidade do professor de punir quem
pratica ações inadequadas.
(47) O desinteresse pela atividade levava alguns
alunos a não executá-la, ou executá-la de forma
inadequada, o que neste caso testava o
professor.
(48) A intolerância do professor diante do
imprevisto no decorrer da aula.
(49) Desinteresse pela atividade e
desconsideração pela reprimenda do professor.
(50) A indisponibilidade das crianças para a
participação no trabalho proposto pelo professor
por não ter despertado interesse ou por não
terem compreendido a tarefa.
(51) Inquietude do professor diante da inabilidade
das duas meninas.
(52) Necessidade de tentar ajudar as meninas na
consecução da tarefa.
(53) Inabilidade do professor não resolve o
problema e o frustra.
110
falta de jeito ou inexperiência
3
. O professor concordou balançando a cabeça
positivamente e dizendo:
-É, talvez. (57)
Alguns minutos depois terminou a aula. Como a rotina estabelecida era
o professor acompanhar as crianças, neste horário de aula, até o pátio de recreio,
ele as chamou. Contudo, algumas crianças correram pela quadra fazendo com
que o professor tivesse de chamar a atenção (58), aumentando seu tom de voz
para fazê-las cumprir a rotina. (59)
Observação da 3ª Série – 11/11/2005
O professor vai buscar as crianças em sua sala de aula, que estavam
acompanhadas pela professora polivalente. Ao chegar ele faz a chamada e
depois leva as crianças até a quadra da escola para a aula de Educação Física.
A aula começa na quadra com a formação em duas colunas (meninos
e meninas).
Um menino que se mostrava voltado para outra direção, que não a
dada pelo professor para a aula, chama a atenção deste que acaba por
questioná-lo (60):
-
4
O que foi menino (61)?
O menino responde:
Ele
5
está perguntando se hoje não vai ter futebol. (62)
O professor grita
6
:
- Já falei que não! (63)
O menino se silencia e abaixa a cabeça, chutando levemente o ar e
balançando os braços. (64)
(54) Irritação do professor devido a
impossibilidade de resolver o problema diante do
pesquisador.
(55) Necessidade de explicação sobre o fracasso
da relação pedagógica.
(56) Preocupação com a opinião do pesquisador.
(57) Relutância em aceitar a explicação do
pesquisador.
(58) Necessidade das crianças em continuar o
movimento e em chamar a atenção do professor,
mesmo transgredindo as regras.
(59) Irritação do professor diante das ações das
crianças.
(60) Divergência de interesses entre o aluno e o
professor.
(61) Incômodo do professor frente ao
descompasso do menino junto à turma.
(62) O menino demonstra estar tão interessado
quanto outros alunos (que não foi possível
111
Após isso, todos começam a correr pela quadra e seguem os
movimentos que o professor pede: alguns alongamentos e exercícios físicos
como preparação para a atividade principal.
Um pouco depois, o professor pede que se distribuam pela quadra e
comecem a executar todos os movimentos ginásticos que ensina. Durante a
execução uma menina ficava tocando com a ponta de seus dedos a outra menina
(65), enquanto esta tenta fazer os movimentos pedidos. O professor
energicamente pede a primeira para que pare com isso e que se concentre em
seus próprios movimentos. (66)
Depois grita novamente, desta vez com outra criança:
- É para ficar parada, menina! Não é para andar enquanto faz o
exercício! E continua gritando com outros. (67)
Algumas crianças param de executar os movimentos, sem que o
professor o tivesse pedido (68). Outras continuam fielmente a execução até que o
professor peça para cessá-los.
Uma das atividades era para erguer os braços acima da cabeça como
forma de alongar alguns grupos musculares, e, durante este exercício uma
menina, aproveitando o fato dos braços estarem levantados, começou a rodar,
como se estivesse imitando o gesto artístico de uma bailarina (69). O professor
gritou forte pedindo que esta parasse com isso e fizesse direito aquilo que havia
pedido (70).
Um menino reclama com o professor sobre uma menina que o mandou
afastar-se dela (71).
O professor, com um sorriso na face, responde a todos da seguinte
mensurar) da turma.
(63) O professor se aborrece frente ao pedido.
(64) O menino se frustra com a resposta do
professor.
(65) A menina parecia querer brincar com outra
menina.
(66) O professor se aborrece com a atitude da
menina, mas sua atitude também aponta ao
atendimento a menina que está sendo
incomodada.
(67) O professor se irrita, gritando
constantemente com os alunos. Nesse caso em
específico ele não tolera a postura da menina,
que faz o exercício estando em movimento uma
vez que deveria fazê-lo parada.
(68) Alguns alunos demonstram falta de
interesse na atividade.
(69) Um dos alunos espontaneamente cria um
movimento novo, como se quisesse mostrar
outras possibilidades de atividade.
(70) O professor se irrita com a atitude da
menina e não tolera a fuga do trabalho proposto.
(71) O menino se entristece porque foi rejeitado
pela menina e reclama ao professor com raiva.
112
forma:
- Esta menina é chata! (72)
Ela ri, de uma maneira contida e um tanto sem jeito, pois vira o rosto
constantemente (73). Olha pouco a pouco para os outros alunos e vez ou outra
para o professor que a observa depois do que falara (74).
O menino que reclamou, por sua vez, fez uma expressão de
contentamento com um sorriso aberto e agitado
7
. (75)
Após isso eles passam para outra atividade, formando três colunas
para fazerem uma atividade com raquetes de plástico.
Cada um executa uma vez a sua atividade e depois caminha até o final
de sua coluna, aguardando por volta de 5 minutos para ter sua vez de executar
novamente.
Enquanto aguardam, alguns se juntam para conversar ou inventar
possibilidades de movimentação que puderam ser vistas, como atividades de
equilíbrio, chutar o ar ou outros objetos que estejam ao alcance, rabiscar o chão
com o uso de uma pedra, etc (76). Essa menina que começou a rabiscar o chão
pareceu influenciar a outros, que passaram a fazer o mesmo, imitando-a (77).
Uma criança, por estar no fim de sua coluna e esta, nesse caso, perto
da uma trave de gol, agarra esta trave e pendura-se nela (78).
O professor grita para que esta criança pare imediatamente com esta
atitude (79).
Em um dos exercícios, uma das meninas demonstra uma certa
inabilidade
8
e erra muito na execução.
O professor diz a ela aumentando a sua voz gradativamente:
(72) O professor ignora os sentimentos da
menina e a humilha publicamente sem lhe pedir
explicações sobre o ocorrido.
(73) A menina fica claramente constrangida pela
situação.
(74) O professor parece precisar da confirmação
sobre os efeitos da sua atitude na resolução
deste problema.
(75) O menino sente-se satisfeito diante do
desfecho do caso.
(76) As crianças demonstravam não
conseguirem ficar paradas, sem uso da
movimentação. A dinâmica da aula pareceu ter
sido insuficiente diante da agitação das crianças.
(77) Imitação diante do desinteresse no contexto
de aula.
(78) A necessidade de espontaneidade dos
movimentos e liberdade para criar leva as
crianças à busca e utilização dos objetos que
tem a frente.
(79) O professor não tolera nada que fuja à
dinâmica proposta e barra a criatividade e
espontaneidade da criança.
113
- Sem derrubar, Natália
9
! Caramba! (80)
Um menino pega uma frutinha no chão, e esta é desconhecida por ele.
Ele afirma se tratar de uma uva. Outra criança diz que não o é. Para resolver o
impasse resolvem perguntar ao professor (81).
Este responde com um tom de brincadeira e bom humor:
- Só se for na orelha dele! (82)
Referindo-se ao erro no palpite do menino.
O segundo menino ri muito, e aponta ao primeiro com um ar de
deboche. (83)
Acabrunhado, o primeiro menino faz uma expressão de
constrangimento, voltando seus ombros para a parte anterior do corpo e para
baixo, como se quisesse se esconder por um momento, quase ficando de costas.
(84)
Uma menina reclama ao professor sobre os empurrões de outro
menino. (85)
O professor nada responde, mas olha de uma maneira forte e
intimidadora (86). O menino desvia o olhar e também parece tentar se esconder
atrás de outros, meio que se abaixando e desviando do campo de visão do
professor (87).
O professor avisa que a aula terminou. Ao final da aula, as crianças
estão acostumadas a se organizarem em duas filas, meninos e meninas
separados. Mas, nesta aula, todos ignoraram isso, se movimentam muito, alguns
correndo pela quadra, outros movendo-se para todos os lados e conversando
muito (88).
(80) O professor se aborrece com a postura da
menina.
(81) Outros interesses surgem durante a aula.
(82) O professor se diverte com a situação e age
sem se preocupar com as conseqüências de sua
resposta.
(83) O menino se diverte com a humilhação do
outro menino, decorrente da brincadeira do
professor.
(84) Constrangimento intenso do menino diante
de seu erro e das gozações do(s) outro(s).
(85) A menina se incomoda com a atitude do
outro menino e sem tentar resolver já apela a
autoridade do professor.
(86) O professor confia em sua autoridade diante
das crianças.
(87) O menino demonstra medo e respeito pela
autoridade do professor.
(88) Desejo dos alunos de continuarem na
quadra.
(89) O professor fica irritado e impaciente diante
da agitação e desobediência das crianças.
114
O professor pede a entrega do material utilizado durante a aula e ao
ver a agitação de todos, grita (89) para que parem e que se ajeitem em fila para
que possa levá-los até o pátio de recreio.
Observação da 3ª Série – 18/11/2005
Como de costume, o professor vai até a sala de aula onde a professora
polivalente já o está aguardando com as crianças para a aula de Educação Física.
O professor faz a chamada dentro da sala e depois forma duas filas (meninos e
meninas separados) para caminharem juntos até a quadra.
Ao chegarem à quadra o professor começa sua aula e pede para que
eles formem três colunas. Desta vez com meninos e meninas misturados. E, logo
ao perceber que uma menina veio de chinelo
10
, reclama desta, dizendo que teria
avisado que não deveriam vir com esse tipo de calçado para fazer a aula, pois
não era seguro. Além de atrapalhar o desempenho das execuções, poderia
causar um acidente por não dar sustentação aos gestos (90). A menina ficou
apenas olhando o professor falar. (91) Este, depois da “longa advertência
11
permite que ela participe da aula. (92)
A proposta inicial é para os alunos atravessarem a quadra com dribles
do basquete utilizando uma bola de borracha.
A atividade começa e o professor vê que eles aceleram o passo. Ele
grita para que eles não corram. (93)
Um menino, ao fazer o exercício, se atrapalha com a bola. Por isso, o
professor solta um forte grito:
- Faz direito, Caramba! (94)
O menino dá um sorrisinho embaraçado, quase se escondendo em
(90) O professor se irrita com a aluna por não
estar com o calçado adequado, porque se
preocupa com a integridade física da criança.
(91) A menina se assusta um pouco.
(92) Incoerência diante da explicação dada a
menina sobre o calçado.
(93) O professor grita irritado.
(94) O professor se irrita com os erros de
execução do menino.
(95) O menino se assusta com o grito, se
envergonha diante do professor e dos colegas,
ficando claramente constrangido.
(96) Indignação do menino diante de uma
injustiça demonstrada na ação da menina.
(97) A menina nega a acusação por sentir medo
da resposta do professor. Ela esboça uma
intenção de choro.
(98) As crianças sentiram a necessidade de levar
adiante o julgamento da ação desta menina.
(99) O professor ignora o caso e tenta fazer com
que as crianças esqueçam o problema e voltem
a atividade.
(100) A menina se magoara com a situação e se
115
meio a outros alunos. (95)
Os trabalhos que o professor passa são executados apenas uma vez,
depois que todos executam ele muda o exercício. Mas, um menino reclama que
uma colega havia feito duas vezes o mesmo exercício. (96)
A menina, por sua vez, nega e modifica sua expressão facial, olhando
com o rosto levemente abaixado, a testa franzida e o lábio inferior à frente. (97)
Outros, da mesma maneira, passam a reclamar. (98) O professor pede
para que esqueçam isso e continuem as atividades propostas. (99)
Uma menina corre até o professor, com a testa franzida e os lábios
contraídos, para dizer que esta sendo xingada por um garoto. (100)
O tal garoto, por sua vez, se aproxima do professor, com as
sobrancelhas erguidas e feição pálida, para se defender. Ele diz que não o fez.
(101) O professor nada diz, apenas observa tudo em silêncio. (102)
A menina corre de volta para sua fileira, mas antes de voltar ela dá um
pequeno tapa no menino. (103)
O professor vê tudo, e a repreende. Recomenda que ela pare
imediatamente com isso. (104)
Um menino, com os olhos bem abertos e sobrancelhas erguidas,
pergunta se pode ir, querendo saber se pode fazer o exercício. (105) A menina
junto dele reclama, argumentando que ele já o havia feito. (106) O professor
ignora e deixa as crianças seguirem fazendo. O menino desiste. (107)
Enquanto aguardam uma nova oportunidade de fazer um exercício, os
alunos conversam entre si, inventam coisas para fazerem e se ocupam de alguma
maneira. (108)
sente incapaz de resolvê-la, então apela para a
autoridade do professor.
(101) O garoto teve medo de enfrentar a reação
do professor e se defende antes que esta
aconteça.
(102) O professor ignora tudo e observando
sente ter resolvido o problema.
(103) A menina não se contentou com o
desfecho e quis se vingar do menino que acusou
de xingá-la.
(104) O professor se receia em perder o controle
das ações das crianças e energicamente age.
(105) O menino se faz de ingênuo para conseguir
repetir o exercício.
(106) A menina fica indignada diante da atitude
desrespeitosa do menino.
(107) O professor não sente necessidade de se
manifestar e intui que o desfecho seja favorável
mesmo sem nada dizer, o que a atitude posterior
do menino comprova.
(108) A necessidade de movimentação não é
satisfeita. Os alunos se manifestam querendo
criar novas oportunidades motoras.
(109) As crianças gostam de competição e
116
Uma das equipes, formada por uma das três colunas, comemora o bom
desempenho de uma de suas integrantes. Eles gritam e se agitam euforicamente.
(109)
Enquanto aguardavam o surgimento de uma nova oportunidade de
participação, a maioria dos alunos vão saindo de seus lugares e isso pareceu ter
afetado bastante o professor; quando o mesmo percebeu, ele gritou forte para
que todos voltassem a seus lugares imediatamente. (110)
Ao passar um novo exercício, alguns alunos demonstraram estarem
um tanto confusos sobre o quê e como deveriam fazer. (111)
O professor grita dessa forma:
-“Não acredito que vocês não sabem fazer!” (112)
Um dos alunos da uma risadinha desconcertada, olhando para todos
os lados, mas continua tentando. (113)
Outro aluno, incomodado com o sol forte, diz:
- Ai, minha cabeça está esquentando! Vamos para a sombra! Falando
com outros três alunos. (114)
Eles prontamente vão. (115)
Depois disso, termina a aula e o professor os leva ao pátio para o
horário de intervalo e recreio.
Observação da 3ª Série – 22/11/2005
O professor de Educação Física entrou na sala de aula para buscar as
crianças que estavam acompanhadas da professora polivalente. O pesquisador
entra junto e fica em pé ao lado do professor que está sentado para fazer a
chamada. Durante a permanência do professor na sala de aula para que fizesse a
manifestam um espírito de equipe.
(110) As necessidades motoras das crianças não
se completam com a disponibilidade de
atendimento destas pelo professor.
(111) A falta de acompanhamento do professor
fez manifestar a incompreensão dos alunos
sobre a atividade proposta.
(112) Intolerância diante da incompreensão dos
alunos e inabilidade do professor.
(113) Este aluno se mostra envergonhado diante
de sua incapacidade de execução.
(114) Iniciativa do menino que age por liderança
para resolver um incômodo.
(115) Correspondência dos outros meninos
frente a decisão do líder.
(116) Desrespeito da diretora pela autoridade
dos professores que estavam dentro da sala de
aula com os alunos. A diretora ficou nervosa com
a falta de controle sobre as ações das crianças
dentro da sala de aula e tomou suas próprias
providências para resolver intimidando as
crianças com gritos enérgicos com as ordens a
serem seguidas.
(117) Medo, respeito e intimidação das crianças
117
chamada, a diretora da escola entrou subitamente e mesmo estando os dois
professores e o pesquisador no local, falou energicamente para que as crianças
guardassem seu material da outra aula, pois agora teriam Educação Física e que
o fizessem sentados, pois haviam muitos alunos andando pela sala. (116)
Todos que estavam em pé correram rápido para seus devidos lugares
e a sala silenciou-se: crianças com cabeças baixas, olhar perdido e desviante, e
olhos espremidos. (117) O professor e a professora apenas olhavam e nada
faziam ou falavam nesse momento. (118)
O professor explicou com um tom de voz mais alto aos alunos sobre
como deveriam se comportar durante a saída da sala e todos obedeceram
silenciosamente, o que não acontecia normalmente
12
. (119) A diretora
permaneceu na sala até a saída dos alunos. (120)
Ao chegarem à quadra para iniciar a aula, o professor pediu para que
formassem duas colunas (meninos e meninas separados), por ordem de
tamanho. (121)
Dois meninos ficaram insistentemente perguntando se teria futebol.
(122) O professor responde que não teria mais futebol, pois o final do ano já havia
chegado e não haveria mais “aula livre”. (123)
Cerca de uma dúzia de alunos exclamaram em coro: - Ah,
acompanhando uma expressão de decepção. (124)
O professor reclama sobre a falta de organização das colunas e pede
que se organizem rápido. (125)
Uma menina fica repetindo a fala do professor (em um gesto de
dublagem, pois não emitia voz), de maneira encoberta, para que este não a visse,
pela autoridade da diretora.
(118) Respeito dos professores pela autoridade
da diretora frente a toda a escola.
(119) Necessidade do professor de mostrar que
poderia ter retomado o controle da sala no
momento em que desejasse.
(120) Desconfiança da diretora frente a atitude
da classe e a ordem a ser cumprida pelos
alunos, sem considerar a presença dos
professores que estavam junto das crianças.
(121) Sensação do professor de estabelecimento
de controle das ações dos alunos.
(122) Predileção de alguns alunos para o jogo de
futebol. Vontade de jogar naquele momento.
(123) O professor ignora a vontade e a
predileção dos alunos.
(124) Os alunos se frustraram e se entristeceram
com a decisão do professor.
(125) O professor não se importa com a
manifestação dos alunos e continua a aula do
seu jeito.
(126) A menina demonstra falta de respeito
diante da autoridade do professor, uma vez que
a aula como esta sendo dada não desperta seu
118
fazendo caretas como num gesto de deboche. (126)
Um dos meninos pergunta o por quê de o professor ter dado futebol
para as 3ªs e 4ªs séries ontem (127) e o professor responde gritando: (128)
- Porque vocês não merecem! Vocês acham que merecem? (129)
Eles chutam o ar, escondendo os braços atrás do corpo. Mostraram
também em seus corpos, uma certa falta de jeito com uma agitação na
movimentação, para lá e para cá sem propósito e sem finalidade, pois ainda
estavam em fila, parados. (130)
Depois disso, o professor afirma que havia dado futebol no dia que ele
(um menino que se mostrou mais interessado e o que fez a pergunta ao
professor) havia faltado, pedindo a confirmação de outros meninos, que mesmo
sem querer confirmar, pois a expressão deles era claramente de decepção,
confirmaram a informação. Ficaram de cabeça levemente abaixada, chutando o ar
e com as sobrancelhas abaixadas e contraídas, a boca igualmente contraída.
(131)
O professor continua dirigindo-se a turma e ao pesquisador, dizendo
que com essa turma, ele não poderia fazer brincadeiras. Ele deveria se comportar
de maneira mais séria, pois eles não estavam correspondendo adequadamente
ao tratamento que ele vinha lhes dando. (132)
Após isso é passada uma atividade a eles. O professor chama a
atenção de uma menina que errou a execução. (133) Ela riu, como se achasse
engraçado a sua falta de jeito, ou por não saber o que fazer naquele momento,
pois sua risada foi descontraída e não um sorriso tímido e sem graça. (134) Mas o
professor a imitou na risada, como quem não aprova a sua postura diante de seu
interesse.
(127) A necessidade era tão forte que o menino
insiste.
(128) O professor não tolera mais a insistência e
se aborrece.
(129) O professor sente que é melhor
responsabilizar as crianças pela punição por ele
decidida.
(130) Eles querem explicitar a tristeza e
frustração diante da posição do professor.
(131) O professor sente necessidade de dar uma
melhor justificativa, sensibilizado pela tristeza
das crianças, que confirmaram sem nenhuma
vontade a afirmação do professor.
(132) Necessidade do professor de justificar a
rigidez em sua ação naquele momento, culpando
as crianças pela sua decisão.
(133) O professor não tolera o erro de execução
da menina e a adverte diante de toda a turma.
(134) A menina encara a situação de uma
maneira tranqüila, sem se preocupar com a
reação extremada do professor.
(135) O professor se irrita com a atitude da
menina.
119
chamado de atenção. (135)
Enquanto aguardavam em fila para fazerem a atividade, algumas
meninas faziam brincadeiras batendo palmas e rindo bastante. (136)
Outros meninos faziam gestos de capoeira, como uma forma de
exibição mútua entre eles. Alguns imitavam enquanto outros traziam novos
gestos. (137)
Em um desses momentos de aguardo para nova atividade, em meio a
“brincadeiras de mãos”
13
, um dos meninos deu um soco no outro. (138) O
professor viu, e o repreendeu energicamente, dizendo para que parasse
imediatamente com esse tipo de atitude. (139) Ele olhou o professor atentamente
enquanto este falava, e depois abaixou a cabeça. (140)
Uma menina ficou olhando o pesquisador por algum tempo, fixamente,
e pareceu querer ficar chamando a atenção, fazendo gestos e olhares que
pareciam não ter outra intenção, senão a de chamar a atenção. (141)
Um dos meninos perguntou ao pesquisador sobre o que ele estava
fazendo com o caderno, pois observava e escrevia o tempo todo durante as aulas
de Educação Física, este explicou que estava anotando tudo que acontecia
durante as aulas. (142)
(136) Necessidade das meninas em manterem o
movimento.
(137) Os meninos também sentiam a
necessidade de movimento, mas gostavam de se
exibirem uns para os outros sobre o que
conseguiam fazer com seus movimentos.
(138) A agressividade do menino diante de um
problema de interação com os alunos.
(139) O professor se irrita com a situação e age
energicamente para resolver o problema.
(140) Respeito do menino frente a autoridade do
professor.
(141) Interesse ou curiosidade pela figura do
pesquisador.
(142) Necessidade da criança por entender o que
o pesquisador fazia, uma vez que o professor
não havia esclarecido isso no início das
observações de aulas.
120
1
Corresponde ao ato de escorregar com os dois pés na tentativa de tomar para si a bola do adversário. Às vezes tocam no corpo do adversário e provocam pancadas.
2
Professora responsável por todas as disciplinas ministradas para a sala assumida no ano vigente, exceto pelas disciplinas de Educação Física e Educação Artística que ficam a cargo
de especialistas. Essa condição de polivalente acontece apenas de 1ª a 4ª séries na rede estadual de SP. Para os relatos desta pesquisa, iremos chamar esta polivalente apenas de
professora e o especialista de Educação Física de professor até o final do texto.
3
Wallon chama a isso de imperícia e possui um estudo sobre esse assunto em sua obra e que é exposto na fundamentação teórica deste trabalho.
4
Procuramos seguir a fala coloquial, pois esta se fez significativa para dar clareza ao que foi observado.
5
se referindo a outro menino que estava junto a ele
6
Quando no texto aparece o verbo gritar, deve ser interpretado literalmente, e não apenas uma elevação da voz que se faz quando queremos fazermos ouvir.
7
No sentido de o corpo acompanhar a expressão facial.
8
Wallon usa o termo imperícia e é explicado na fundamentação teórica deste presente trabalho.
9
Nome fictício
10
Também chamado de sandália.
11
Grifo meu;
12
Conforme outros dias de observações dessas aulas
13
Caracterizam-se pela intenção de interagir amistosamente. Contudo, em um olhar superficial podem parecer agressões, pois são predominantemente de toque físico. Exemplos: fazer
cócegas, dar leves tapas ou socos, beliscões, etc.
121
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