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Pode-se afirmar que o MST foi se constituindo com raízes fortes, fertilizadas por
significados de vida comum – resistir e lutar pela ocupação da terra, em uma dinâmica de
relações, criação e recriação das formas de ser e estar no mundo. Todavia, esse processo não se
efetiva de forma passiva, mas em constante conflito. Sobre essa questão, Brandão se posiciona:
(...) As culturas não existem prontas na gaveta da história nem ocupam uma estante à
parte na estrutura de qualquer formação social. Elas existem em processo e em
conflito. Na cultura do povo há significados latentes de identidade de classe e de
compreensão crítica do real que compete a um trabalho político através da cultura
desvelar supletivamente...(BRANDÃO, 2002, p. 90).
Para maior entendimento da forma como se processa esse conflito e de como a profissão
docente se relaciona com ele, recorremos ao esquema de Brandão (2002, p.91), que esclarece o
conflito entre a cultura dominante e a do dominado em uma sociedade desigual.
Em uma sociedade desigual (feudal, colonialista, capitalista) há uma cultura dominante que, por imposição simbólica
difusa ou por agenciamento ideológico motivado,
Invade, controla, impregna e/ou influencia o modo de vida das classes dominadas e, portanto, as formas e expressões
de sua cultura: modos de viver, sentir, pensar e expressar a vida com uma lógica própria, cognitiva e valorativa de
significar o real.
De modo geral uma cultura subalterna reproduz-se
mesclando os seus valores e símbolos com aqueles
impostos pela cultura dominante e incorporados a ela,
como cultura do povo.
Mas uma cultura de subalternos preserva modos próprios e
relativamente autônomos de orientação da ação, de
representação do real e de sua reprodução como cultura
popular.
Assim, a cultura das classes populares é ambígua, porque resulta de uma mistura de seus próprios significados com
significados estranhos impostos e incorporados: há elementos da cultura do povo na cultura popular.
Programas de mediação sob o controle de mediadores
de um sistema qualquer de dominação atuam sobre a
cultura ambígua das classes populares, no sentido de
atualizá-la, agindo sobre o que é tradicional nela, para
apropriar-se do trabalho econômico e político de seus
sujeitos.
Programa de mediação através da cultura sob o controle de
grupos e movimentos comprometidos com um projeto
popular de libertação, atuam sobre a cultura ambígua das
classes populares no sentido de torná-la culturalmente
própria do povo, para que ela seja progressivamente
orgânica das classes populares: capaz de refletir para elas a
realidade de sua condição e de sua ação coletiva.
Este é o trabalho cultural dominante de reprodução de
significados estranhos sobre a cultura do povo,
obstaculizando que nela se manifeste o que é popular e
conduzindo-a a ser uma ambivalente cultura
subalternamente modernizada e ajustada a um sistema
social dominante, do que deriva uma:
Este é o trabalho cultural comprometido de explicação do
que é genuinamente popular na cultura do povo, de modo a
separar o que é estranho do que é próprio e conduzindo-a a
ser instrumento de reforço de significados ao poder
popular, de que resulta uma:
Cultura do povo, funcionalmente modernizada como
cultura de massa: a lógica e os significados dominantes
na expressão simbólica do dominado.
Cultura do povo tornada politicamente orgânica, como
cultura de classe: a lógica e os significados do trabalho
popular de participação e/ou conquista do poder.