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MARIA JUCILENE LIMA FERREIRA
ESPERANÇA E PERSISTÊNCIA:
Os significados da docência em uma escola do assentamento Bela Vista, do MST
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da PUC-Minas Gerais,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Magali de Castro
Belo Horizonte - MG
Março de 2006
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APROVAÇÃO DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Maria Jucilene Lima Ferreira
ESPERANÇA E PERSISTÊNCIA:
Os significados da docência em uma escola do assentamento Bela Vista, do MST
Aprovada em:
______________________, ____/____/_____
Banca Examinadora:
Professora Drª Magali de Castro (Orientadora) – PUCMINAS
Professora Drª Inês Assunção de Castro Teixeira - UFMG
Professora Drª Anna Maria Salgueiro Caldeira - PUCMINAS
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Dedico este trabalho
Aos meus filhos,
Ludmila e Erik Juan, com quem conto com apoio e dedicação incondicional aos projetos de vida
que ousamos conquistar.
Aos professores do contexto da luta pela terra
que, diante deste desafio, mantém viva a esperança e persistência na construção de uma
sociedade justa, digna e humana.
Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra,
que tem bravamente enfrentado a exclusão social no nosso país, lutando por valores sublimes
como terra, dignidade humana e conhecimento.
4
Agradecimentos
“È tão bonito quando a gente entende que nunca está sozinho, por mais que pense estar...”
(Gonzaguinha)
Meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram com a
feitura deste texto, mas, sobretudo:
À Professora Magali de Castro, orientadora desta pesquisa, pela interlocução competente
e generosa, sempre muito disposta e interessada nas discussões pertinentes à construção deste
objeto de pesquisa.
Ao Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Profissão Docente GEPPDOC, pelas
oportunidades de discussão e debates sobre a pesquisa, ao longo do curso de Mestrado.
Às Professoras Ana Maria Casasanta, Sandra Tosta, Maria Auxiliadora Oliveira e Leila
Mafra, pela preocupação sempre dedicada ao nosso processo de estudo.
Aos colegas do curso, pela amizade, companheirismo e acolhida tão carinhosa, em
especial a Anacélia, Ely, Terezinha, Wanderlei e Welessandra, pela preocupação constante e
apoio sempre dedicado.
À Elzicleia, pelo fortalecimento de nossa amizade na difícil tarefa de cursar o Mestrado
em Belo Horizonte, ora morando em BH, ora morando e trabalhando em Teixeira de Freitas-Ba.
Foi muito bom termos enfrentado esse momento juntas.
À Dona Mirian Gomes, pelo apoio, confiança e amizade dedicada enquanto estivemos
hospeda, em sua casa, durante todo o período do curso.
Às amigas e companheiras de trabalho, de lutas e de sonhos Luzeni F. de Oliveira
Carvalho e Maria Nalva de Araújo, pelo incentivo, apoio, auxílio intenso durante todo o processo
de construção do objeto de estudo.
A Valdir Nunes e Nelcida Cearon, amigos e companheiros com quem contei em alguns
momentos de incertezas.
À Ivo Fernandes, pela disponibilidade, atenção e apoio no uso do recurso tecnológico, na
etapa final deste trabalho.
A Pedro de Paula, amoroso companheiro, pela paciência dedicada a escuta dos percalços
cotidianos.
5
À minha família, Mãe Mariete, às irmãs Célia, Zeu e Neidinha; aos irmãos Gede e Bel e
minha cunhada Ecilda, porque sei que, mesmo distantes, torceram por mais essa conquista na
minha carreira profissional.
Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e às Representantes do Setor de
Educação do Movimento, Solange C. dos Santos e Josenilza Figueira, por terem disponibilizado
os seus bancos de dados e pelo apoio no trabalho de campo.
Agradeço, também, à Universidade do Estado da Bahia e, mais particularmente, ao
Departamento de Educação-Campus X, de Teixeira de Freitas, permitindo meu afastamento para
a realização deste estudo.
6
Cansado da viagem, o retirante pensa interrompê-la por uns instantes e procurar trabalho
ali onde se encontra
- Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida Severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais Severina para o homem que retira).
Penso agora: mas porque
parar aqui eu não podia e como o Capibaribe
interromper minha linha?
ao menos até que as águas
de uma próxima invernia
me leve direto ao mar
ao refazer sua rotina?
Na verdade, por uns tempos,
parar aqui eu bem podia
e retomar a viagem
quando vencesse a fadiga.
Ou será que aqui cortando
agora a minha descida
já não poderei seguir
nunca mais em minha vida?
(será que a água destes poços
é toda aqui consumida
pelas roças, pelos bichos,
pelo sol com suas línguas?
será que quando chegar
o rio da nova invernia
um resto da água do antigo
sobrará nos poços ainda?)
Mas isso depois verei:
tempo há para que decida;
primeiro é preciso achar
um trabalho de que viva.
Vejo uma mulher na janela,
ali, que se não é rica,
parece remediada
ou dona de sua vida:
vou saber se de trabalho
poderá me dar notícia. (João Cabral de Melo Neto, 1985)
7
RESUMO
Nesta pesquisa teve-se como propósito estudar a construção cotidiana da profissão docente que
inclui sentidos, significados, saberes, formação, interações e escolhas do profissional que atua em
um Assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST. Desse modo, as
articulações e elaborações realizadas procuram desvelar e problematizar os jeitos de ser da
docência no contexto do Movimento Social, bem como suas lutas e labutas enfrentadas no dia-a-
dia, buscando explicitar e dialogar com os significados que a profissão de professor(a) tem para
os atores sociais envolvidos no processo ensino-aprendizagem. A presente pesquisa norteou-se a
partir dos seguintes questionamentos: Quem são os professores do Assentamento Bela Vista?
Como e por que exercem a profissão nesse contexto? Quais os sentidos e significados da
profissão docente para os professores, para os alunos, pais e o próprio Movimento? Quais os tipos
de interações que são ou não estabelecidas entre professores e outros atores do MST e do
assentamento? Quais as dificuldades inerentes ao exercício da docência nos assentamentos e
como elas são enfrentadas? O campo empírico foi composto por entrevistas com professoras das
séries iniciais do ensino fundamental, pais de estudantes, direção da escola, secretária da escola,
uma representante do setor de educação do MST e dois grupos de estudantes das diferentes séries
do ensino fundamental. O procedimento metodológico se constituiu num estudo de caso,
utilizando-se diferentes técnicas e instrumentos de pesquisa para a coleta de dados. Os resultados
evidenciaram peculiaridades do jeito de ensinar das professoras, os valores cultivados nas
interações socioculturais e os percalços enfrentados no dia-a-dia do exercício docente. Concluiu-
se este trabalho, sintetizando os significados que a docência tem para os atores da pesquisa e as
implicações que valores como esperança e persistência têm na luta pela efetivação de um trabalho
pedagógico qualificado, a favor das necessidades do povo camponês.
Palavras-chaves: profissão docente, movimento social, vivências socioculturais, dificuldades e
alternativas no exercício docente, significados da profissão de professor.
8
ABSTRACT
This research had the objective of studying the daily formation of teaching profession including
sense, meanings, knowledge, formation, interactions and choices of a professsional that works in
a Settlement of Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST. In this manner, actions
and experiments done here try to present and emphasize the ways teaching is in the context of the
Social Moviment, as well as its conflicts and works from day to day, trying to clear and dialogue
with the meanings the teacher’s profession has for social actors involved in the teaching learning
process. This research was guided by the following questions: Who are the teachers from Bela
Vista Settlement? How and why do they practise the profession in this context? What are sense
and meanings of teaching profession for teachers, students, parents and the same Movement?
What kinds of interactions are established or not between teachers and other actors of MST and
the settlement? What are the difficulties of teaching exercise in settlement and how are they
solved? Experimental field was formed by interviews with teachers of the first series of
fundamental teaching, student’s, parents, school administration, school secretary, one
representative of education sector of MST and two groups of students from the different series of
fundamental teaching. Metodological processis constituted by a study of case, using different
techniques and research instruments for data gathering. Resuts evidenced peculiarties of way if
teachers teaching, volue developed in socialcultural interactions and troubles faced from day to
day at teachers exercise. This work was concluded through synthesis of meanings that teaching
has to the actors of research and implication that molue as hope and persistence heve in the fight
for becoming pedagogical work effective and qualified, in behalf of necessities of rural people.
Key-words: teaching profession, social movement, socialcultural lives, difficulties and
alternatives ate teaching practice, meanings of the teacher’s profession.
9
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabela 1 – Faixa etária .........................................................................................................56
Tabela 2 – Nível de Formação Profissional ........................................................................57
Tabela 3 – Cursos realizados na área de educação ou em outras áreas ...............................57
Tabela 4 – Experiência profissional no Magistério .............................................................58
Tabela 5 – Situação contratual .............................................................................................59
Tabela 6 – Vínculo com o MST ..........................................................................................59
Quadro 1 – Caracterização das professoras entrevistadas no processo de pesquisa ............61
10
SUMÁRIO
PROFISSÃO? PROFESSORA: NOTAS INTRODUTÓRIAS............................................... 12
CAPÍTULO 1 - PROFISSÃO E PROFISSIONALIDADE DOCENTE: LUTAS E
LABUTAS AO LONGO DE SEU PROCESSO DE CONSTRUÇÃO ................................... 20
1.1 – O QUE É SER PROFESSOR? .................................................................................................. 20
1.2 – FORMAÇÃO DOCENTE E PROFISSIONALIDADE PRODUZIR A PROFISSÃO........................... 26
CAPÍTULO 2 - O MST, EDUCAÇÃO E DOCÊNCIA ........................................................... 33
2.1 – ASPECTOS HISTÓRICOS DA GÊNESE DO MST E SUA LUTA PELA EDUCAÇÃO ESCOLAR NA
REGIÃO DO EXTREMO SUL DA BAHIA......................................................................................... 33
2.2 PROFISSÃO E PROFISSONALIDADE DOCENTE NO MST: ASPECTOS SOCIOCULTURAIS ............ 40
CAPÍTULO 3 - A PROFISSÃO DOCENTE EM UM ASSENTAMENTO DO MST:
APORTES METODOLÓGICOS .............................................................................................. 50
3.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA: O ESTUDO DE CASO .............................................................. 50
3.2 – ASSENTAMENTO BELA VISTA E O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DO CAMPO DA PESQUISA. 53
3.3 – OS ATORES DA PESQUISA ................................................................................................... 55
3.3.1 – Sobre os professores e professoras do Assentamento Bela vista .............................. 56
3.3.2 – A Diretora e a Secretária .......................................................................................... 62
3.3.3 – A Representante do Setor de Educação do MST....................................................... 63
3.3.4 – Os Pais....................................................................................................................... 64
3.3.5 – Os Educandos............................................................................................................ 65
3.4 – ESTRATÉGIAS UTILIZADAS NA TRABALHO DE CAMPO ........................................................ 66
3.4.1 – A fase exploratória e o preenchimento de fichas individuais, pelos professores...... 67
3.4.2 – A análise documental ................................................................................................ 67
3.4.3 – A observação ............................................................................................................. 68
3.4.4 – As entrevistas............................................................................................................. 68
3.4.5 – O grupo focal............................................................................................................. 71
CAPÍTULO 4 - VIDAS DE PROFESSORAS – LIÇÕES DE VIDA E DE CONSTRUÇÃO
DA DOCÊNCIA NO ASSENTAMENTO BELA VISTA........................................................ 73
4.1 – O JEITO DE SER PROFESSORA NO ASSENTAMENTO BELA VISTA......................................... 76
4.2 – LINHAS E ENTRELINHAS DO PROCESSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DAS PROFESSORAS.. 90
4.3 – LINHAS E ENTRELINHAS DA RELAÇÃO ENTRE DOCÊNCIA E COMUNIDADE ASSENTADA....... 99
4.3.1 A escola como lugar de encontro ............................................................................... 100
4.3.2 – A importância da escola sob o olhar dos diferentes atores da pesquisa ................ 102
4.3.3 – Docência e Responsabilidade Profissional: A luta pelo significado ...................... 108
CAPÍTULO 5 - DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DA DOCÊNCIA NO
ASSENTAMENTO BELA VISTA .......................................................................................... 112
5.1 – MOBILIDADE DO PROFESSOR UMA CARTOGRAFIA DA PRECARIZAÇÃO DA DOCÊNCIA.... 112
5.2 – DESVALORIZAÇÃO E PROLETARIZAÇÃO DA DOCÊNCIA ................................................... 128
5.3 – BUSCANDO O ENFRENTAMENTO E A SUPERAÇÃO DOS PERCALÇOS NO EXERCÍCIO DA
DOCÊNCIA................................................................................................................................. 132
5.4 – DESAFIOS DO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA........................................................................... 137
11
À GUISA DE CONCLUSÃO: SOBRE OS SIGNIFICADOS DA DOCÊNCIA NO
ASSENTAMENTO BELA VISTA .......................................................................................... 143
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 151
APENDICES.............................................................................................................................. 156
ANEXOS .................................................................................................................................... 168
12
Profissão? Professora: notas introdutórias
Somos o sendo. Somos aquilo que nos
tornamos na calidez de cada vivência pulsante
regada na labilidade da cotidianeidade.
A cada passo que damos como eternos aprendizes,
Abertos para a eterna novidade do mundo, passamos a ser outro,
nos repertórios de nosso sentir e de nosso pensar, nessa
ciranda vadia da roda movente do viver.
. .
.
(Miguel Almir)
Ser professor (a), então, é uma condição profissional que coloca o sujeito muito mais na
condição de aprendiz do que de ensinante. O professor ou professora que se encontra atento (a)
ao movimento da “roda do viver” viver a vida e a profissão tende a estar em constante busca
do ato de conhecer, do movimentar-se na luta pela construção de uma outra sociedade mais justa
e mais humana. Diante dessa convicção, a pesquisa científica se configura como um profícuo
exercício de conhecimento, mobilidade e criação, porque esta também se situa num contínuo
movimento de pensamento e ação sobre o objeto em estudo. (Bourdieu, 1989).
Antenada e em sintonia com o movimento da “roda do viver” é que situamos o início da
nossa carreira profissional. Essa começou com a conclusão do curso de Pedagogia, na Faculdade
de Educação de Serrinha – FES/UNEB
1
, em dezembro de 1996. Naquele momento, dentre outras
tantas vivências, quando participávamos do Seminário de Prática de Ensino e Estágio
Supervisionado, discutimos a concepção de formação de professor no âmbito da Universidade e
as implicações dessa formação na prática/práxis educativa. A partir das discussões ali
fomentadas, passamos a buscar novas leituras, novos estudos acerca da questão. Enveredamos
pelas reflexões de Selma G. Pimenta (1995) e Antônio Nóvoa (1992b, 1995) e fomos
aprofundando estudos sobre os processos de formação e de desenvolvimento da profissão
1
Faculdade de Educação de Serrinha - Universidade do Estado da Bahia.
13
docente. Iniciava-se, nesse instante, para nós, um novo movimento no campo profissional –
abriam-se caminhos de possibilidades para o exercício da docência no Ensino Superior.
A palavra movimento origina-se do latim movere que, dentre outras definições, também
significa “Pôr-se em movimento, partir, aparta-se...” (SARAIVA, 2000, p.755).
É nesse sentido “Pôr-se em movimento” que chegamos ao Extremo Sul da Bahia, em
agosto de 1997 e, na docência da disciplina Prática de Ensino e Estágio Supervisionado do
Departamento de Educação/Campus X UNEB
2
, passamos a interagir e a desenvolver, com o
grupo de professoras dessa mesma disciplina, projetos de práticas de ensino em espaços formais e
não formais, com o objetivo de oportunizar ao estudante graduando dos cursos de licenciaturas
Pedagogia, Letras, Biologia e Matemática vivências de situações concretas do seu campo de
atuação, bem como criar condições de interação e interlocução entre a Universidade e as
comunidades local e regional.
Diante de tais propósitos, o Estágio Supervisionado tem dado passos significativos e
irreverentes, orientando a elaboração, execução e avaliação de projetos de intervenção
pedagógica em espaços de diferentes contextos sócio-educativos, ao tempo em que se apóia em
fundamentos da pesquisa e da extensão universitária, para a qualificação das ações e a efetiva
interlocução com a comunidade local e regional
3
.
2
A UNEB é multi-campi e atualmente possui 24 Campi e 29 Departamentos localizados nas diversas regiões do
interior baiano. O Campus X está situado na cidade de Teixeira de Freitas, Extremo Sul da Bahia.
3
Destaca-se entre os projetos implementados: O processo de inclusão dos portadores de necessidades especiais nas
escolas do Ensino Regular de Itamaraju-Ba (com professores da rede pública municipal), Desvendando a Leitura e a
Escrita no Ensino Médio (com alunos do ensino médio), Educação Básica de Jovens e AdultosProjeto:Pé no Chão
(com professores formados, leigos e alunos do ano de Magistério de Posto da Mata - Nova Viçosa e Santo
Antônio Teixeira de Freitas), Projeto Com Viver: em busca do homem integral as relações humanas em debate
(com alunos do ano do curso de Magistério e Funcionários da Empresa de Transporte Coletivo Urbano Santa
Clara Teixeira de Freitas), Criando com arte (com pessoas da terceira idade, do Lar de Idoso São Francisco, Tx.
Freitas) e CLIBIOTI (com pessoas da terceira idade da comunidade de Nova Lídice-Ba).
14
Dentre tantos projetos, foi de especial importância a experiência em Assentamentos do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST, pela singularidade das vivências
produzidas durante a realização dos projetos: Sementes do Campus X em Movimento (realizado
com professores e com a comunidade do Assentamento 4045/Alcobaça-Ba); Saberes em
Movimento (realizado com professores e a comunidade do Assentamento Paulo Freire/Mucuri-
Ba) Liberdade em Movimento (realizado com professores do Assentamento Bela Vista e Corte
Grande/Itamaraju-Ba).
Essas experiências têm provocado importantes reflexões acerca da prática docente no
processo inicial da formação profissional dos(as) estagiários(as) e se constitui um dos motivos
que nos levou a realizar este estudo, pois é surpreendente a expressão de entusiasmo, de
esperança, de criticidade política que os professores demonstram no seu discurso e na produção
de leituras durante as atividades. Os professores do MST têm um jeito de caminhar diferente do
que comumente se observa em outras escolas, pois nos deparamos com atores políticos,
militantes de uma educação democrática preocupada em saber lidar com a diferença, cientes de
que a educação é um direito de toda criança, de todo jovem, de todo homem e de toda mulher.
Na proposta de educação do Movimento, as mulheres professoras são estimuladas a
participar das atividades de organização da luta política e também a propor novos
arranjos nas relações familiares. Esses desafios dimensionam a atividade profissional
de maneira a envolver todos os aspectos da vida e das relações sociais (BELTRAME,
2003, p.39).
Além desse aspecto, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra Movimento
Social organizado, reconhecido historicamente no Brasil e no exterior ao longo de sua história
de luta pela terra, tem reivindicado, também, o direito à educação e faz essa reivindicação a partir
do princípio de que a educação é um direito de todos – é uma das formas pela quais se viabiliza a
15
efetiva democracia, a cidadania e a vida com dignidade
4
e, portanto, dever do Estado
5
. Dessa
forma, o movimento atua como fator de resistência, de crítica e de utopia
6
diante da estrutura
capitalista em que se assenta a sociedade brasileira. O professor que atua nesse contexto político-
educativo, por sua vez, é personagem fundamental. O seu fazer educativo é uma das formas pelas
quais o MST difunde os princípios filosóficos, políticos e socioculturais da educação. Daí emerge
o interesse pelo estudo sobre o significado da profissão docente em Assentamento do MST.
Também é fruto dessa inquietação a percepção de que, diante do atual contexto de
modernização da sociedade capitalista e diante do avançado arsenal tecnológico, é comum se
escutar, no âmbito do senso comum, acusações aos professores pelo fracasso escolar dos alunos.
A substituição do docente pelas tecnologias educacionais e ainda o baixo salário, a falta de
condição satisfatória de trabalho afeta acentuadamente o prestígio social da profissão de
professor. Então é pertinente identificar as dificuldades que os profissionais enfrentam no dia-a-
dia e as alternativas que se utilizam ou vislumbram no processo de superação das mesmas.
Algumas pesquisas, mais recentes como: Basso (1998) e Beltrame (2003), têm sinalizado
a urgência de estudos que se refiram à voz, aos sentimentos, às identidades, às formas como os
atores-professores constróem sua profissionalidade no movimento social, no movimento da vida
e da própria profissão. Sobretudo no âmbito das instituições escolares e no incremento de
4
A educação enquanto direito de todos é aqui entendida na perspectiva do programa dos Direitos Humanos, onde a
educação se realiza de modo permanente e global, tendo como premissa que o aprendizado deve estar ligado à
vivência do valor da igualdade em dignidade e direitos para todos e deve propiciar o desenvolvimento de sentimentos
e atitudes de cooperação e solidariedade (...) (BENEVIDES, 2003, p.316).
5
Tendo em vista que o projeto neoliberal, instalado na sociedade capitalista, tem como princípio basilar a redução do
poder e das obrigações do Estado e a ampliação da liberdade e do poder do mercado (Oliveira, 1998), o MST
defende que o Estado e o poder público em geral garantam acesso, recursos e condições necessárias à plena oferta da
educação escolar, nos níveis da educação infantil, ensino fundamental e médio, a toda a comunidade assentada.
6
Aqui, a definição de utopia tem o mesmo significado elaborado por Karl Mannheim. “Para ele, ... utopia são
aquelas idéias, representações, teorias que aspiram uma outra realidade, uma realidade ainda inexistente. Têm,
portanto, uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente e se orientam para sua ruptura. Deste modo,
as utopias tem uma função subversiva, uma função crítica e, em alguns casos, uma função revolucionária.” Citado
por (LÖWY, 2002, p. 13) . Esse mesmo significado também se encontra definido no Dicionário de filosofia
(FERRATER, 1994, P. 3.623).
16
políticas públicas para a educação escolar e formação de professores, pouco se escuta a respeito
das intenções, referências, saberes e desejos desses profissionais sobre si mesmos e sobre sua
profissionalidade.
Para tanto, necessário se faz analisar a construção cotidiana da profissão docente que
inclui sentidos, significados, saberes, formação, interações e escolhas do (a) profissional que atua
em um assentamento do MST. Desse modo, as articulações e elaborações aqui realizadas
procuram desvelar e problematizar os jeitos de ser da docência no contexto do Movimento Social,
bem como suas lutas e labutas enfrentadas no dia-a-dia, buscando explicitar e dialogar com os
significados da profissão de professor(a) para os atores sociais envolvidos no processo ensino-
aprendizagem.
Cabe salientar que toda pesquisa social tem papel fundamental na produção do
conhecimento novo e de apreensão da “roda da vida”. No caso do estudo sobre o significado da
profissão docente em assentamento do MST, esse papel se re-significa, também, na função de
difundir o conhecimento acerca da profissão docente, pois hoje, dada a complexidade social dessa
profissão, bem como a complexidade do fenômeno educativo, essa temática pode redirecionar o
debate para a dimensão significativa e talvez revolucionária entre o profissional da docência e a
profissão.
Considerações sobre o objeto de estudo
Nas duas últimas décadas, que compreendem o final do século XX, a questão da formação
docente foi central no debate educacional, a partir do qual a figura do professor se evidenciou
como uma preocupação. Dessa forma, a vida dos professores, a relação entre a pessoa e o
profissional docente, os percursos e as carreiras profissionais, os saberes construídos no exercício
17
da docência são enfoques recentes no âmbito das discussões sobre a educação. No entanto,
temáticas sobre os significados da profissão docente, seus desafios e perspectivas têm sido pouco
exploradas nas pesquisas educacionais e os resultados de alguns estudos reforçam essa
afirmativa:
(...) É preciso levar em conta a voz do professor. Suas histórias, reivindicações e
sonhos devem fazer parte do conjunto dos conhecimentos a serem debatidos (...)
(BELTRAME, 2003, p.47).
(...) a composição de um arquivo de história de professoras como parte do processo de
constituição da memória do professor, figura o falada e tão pouco ouvida na história
da educação... (NARVAES, 2000, p 45) [grifo nosso].
Por outro lado, compreende-se que o significado que o profissional tem de sua profissão, a
forma como ele se identifica nesse exercício, os sentidos produzidos por si mesmo e por aqueles
que com ele interage podem ser reveladores de outras formas de viver, de sentir e de produzir a
profissão.
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de
técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e
de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é o importante
investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência (NÓVOA, 1992b, p.25).
(...) As práticas educativas, tal como os hábitos alimentares ou de higiene, geram uma
cultura alicerçada em costumes, crenças, valores e atitudes. Trata-se de formas de
conhecer e de sentir, que se inter-relacionam, dando suporte às atividades práticas
(SACRISTAN, 1992, p.70).
Interessa-nos o estudo dessa temática, sobretudo por entendê-la como possibilidade de
encontrar algumas respostas para o desgaste social da profissão docente e/ou alternativas de
superação desse fato, bem como uma outra forma de aprendizado sobre seu exercício num
contexto tão complexo, ambíguo e de desesperança frente ao poder sócio-político-econômico
vigente em nossa sociedade.
Entende-se por significado a importância ou valor que se designa a um objeto, “uma
representação graças à qual é possível expor, por meio de um discurso, aquilo que é
representado” (ABBAGNANO, 1998, p.857). Da mesma forma, para o estudo proposto – o
18
significado do exercício da profissão docente buscamos analisar a importância e o valor dessa
profissão para os professores, para o Movimento Social e Comunidade Assentada, bem como o
modo pelo qual o exercício dessa profissão é designado por seus atores. Nesse sentido, não se
pode prescindir de observar e analisar, também, o contexto em que se realiza esse exercício e as
condições objetivas e subjetivas em que o fazer docente se efetiva.
Necessário se faz salientar que o MST tem instigado importantes reflexões/debates acerca
das condições de vida do nosso povo, do grau de empobrecimento da população, desigualdade
social, sobretudo, defendido uma bandeira de luta por uma vida social mais digna e mais humana.
Além do mais, se reconhece a justeza da luta que o movimento tem travado no campo da
educação.
Assim sendo, são oportunas as seguintes questões: quem são os professores do
assentamento Bela Vista? Como e por que exerce a profissão nesse contexto? Quais os sentidos e
significados da profissão docente para os professores, para os alunos, pais e o próprio
Movimento? Quais os tipos de interações que são ou não estabelecidas entre professores e outros
atores do MST e do assentamento? Quais as dificuldades inerentes ao exercício da docência nos
assentamentos e como elas são enfrentadas? Quais as perspectivas da profissão docente nos
assentamentos?
Para a identificação desses fatores e compreensão das formas como os professores
desenvolvem sua profissão, os valores defendidos, os sonhos perseguidos no dia-a-dia da labuta
docente e demais aspectos vivenciados na dinâmica do fazer docente, foram utilizadas diversas
técnicas e instrumentos de pesquisa: questionário, entrevistas, análise documental, grupo focal,
observação, visando à efetiva configuração do estudo de caso.
No intuito de organizar as informações obtidas de modo coeso e coerente com o
procedimento metodológico realizado, optamos por dividir a exposição em cinco capítulos.
19
O primeiro e o segundo capítulos estão destinados à sustentação teórica para a análise dos
dados. Discute-se o contexto sócio-histórico da profissão docente e as relações existentes entre
formação profissional e profissionalidade, no capítulo 1, intitulado: “Profissão e profissionalidade
docente – lutas e labutas ao longo do seu processo de construção”.
Na capítulo 2, intitulado “O MST, Educação e Docência”, encontra-se o aporte teórico
acerca dos aspectos históricos da gênese do MST no Extremo Sul da Bahia; os traços marcantes
da luta dos Sem Terra pelo direito à educação e por fim uma discussão a respeito da profissão e
da profissionalidade docente no âmbito do MST, articulando o desenvolvimento da profissão com
os aspectos socioculturais produzidos no dia-a-dia do Assentamento.
O terceiro capitulo, intitulado “A profissão docente em um Assentamento do MST:
Aportes Metodológicos”, aglutina as principais informações inerentes à metodologia de pesquisa,
as concepções teórico-metodológicas, o contexto do campo da pesquisa e a caracterização dos
atores pesquisados.
No quarto e quinto capítulos encontram-se a análise dos dados obtidos. O quarto capítulo,
denominado “Vidas de Professoras: Lições de vida e de construção da docência no Assentamento
Bela Vista”, trata especificamente dos aspectos de caracterização da docência nesse espaço
singular de atuação profissional, das percepções dos sujeitos sobre a importância e implicações
da formação profissional no exercício da docência e a responsabilidade profissional como um dos
significados da docência.
O quinto capítulo, denominado “Dificuldades e alternativas da docência no Assentamento
Bela Vista”, trata das percepções dos sujeitos sobre as dificuldades enfrentadas pelas professoras
no desenvolvimento profissional do seu trabalho, das alternativas de superação dessas
dificuldades, bem como dos desafios que estão postos para a realização de uma docência com
mais dignidade, valorização e decência profissional por parte dos gestores públicos da educação.
20
Capítulo 1
Profissão e profissionalidade docente: lutas e labutas ao longo de seu processo
de construção
O professor tem muito a dizer, tem muito a informar
sobre o seu cotidiano na escola, suas relações profissionais
e pessoais.Os docentes têm muito a dizer sobre os motivos
para estarem satisfeitos com o seu trabalho e também as
razões para desanimar... ( Sônia Beltrame )
1.1 – O que é ser professor?
A palavra professor tem uma origem curiosa. Sua gênese data do século XVI, final da
Idade Média, quando a igreja não detinha o poder absoluto sobre a sociedade e a demanda por
escola aumentava gradativamente. Os párocos não conseguiam atender à procura crescente de
catequização das crianças, então a igreja se viu obrigada a contratar pessoas para colaborar na
missão desempenhada, até então, por ela – professar os desígnios de Deus. Nóvoa (1991).
O que de curioso nisso? A curiosidade está no fato de que a preocupação da igreja em
não permitir que o trabalho dos párocos fosse desviado de suas finalidades, no momento de
“contratação” do pessoal colaborador, a escolha passava pelo crivo da condição desse sujeito se
submeter a professar a doutrina católica daí o nome professor
7
entretanto, é também a partir
desse fato que começam a surgir os primeiros movimentos de organização e especificidade desse
ofício. Segundo Nóvoa,
A gênese da profissão docente é anterior à estatização da escola pois, desde o século
XVI, vários grupos sociais, leigos e religiosos, consagram cada vez mais tempo e
energia à atividade docente. È uma ação de longa duração, realizada no seio de
algumas congregações religiosas, ao longo da qual os docentes tendem a abandonar
suas múltiplas atividades para se concentrar sobre o ensino, diferenciando assim a
7
Kreutz (1986), citado por (HIPÓLITO, 1997, p.19). KREUTZ, Lúcio. Magistério: Vocação ou Profissão?
Educação em Revista, nº 3. Belo Horizonte, jun.1986, p.12-16.
21
função docente de toda uma série de outras funções e erigindo o campo educativo em
domínio de investimento de um grupo social específico e autônomo (NÓVOA, 1991,
p.118).
Assim, ser professor aqui é entendido como ser profissional aquele que toma como
prioridade ocupacional o ato de ensinar.
No cenário educacional brasileiro, e também em outros países, a profissão docente e o seu
processo de profissionalidade, comumente, foram alvos de intenso debate. Dentre outras
divergências sobre o tema apontam-se as que giram em torno da especificidade dessa profissão,
competências e habilidades inerentes a este profissional, bem como a natureza da autonomia ou
“das autonomias” necessárias ao ofício de ensinar.
No decorrer da sua história, a docência passou por diversas fases, a partir das quais
diferentes imagens sociais e auto-imagens foram sendo construídas sobre si e o ato de ensinar,
algumas dessas imagens são destacadas aqui: professor como sacerdote; professor como
funcionário; professor enquanto profissional; professor enquanto semiprofissional e professor
como ator político.
O Sacerdócio compreende as imagens produzidas no período em que a escola esteve sob o
domínio da igreja (século XVI a XVIII). A influência dessa Instituição no processo de construção
do ser professor se seguiu desde o fim da Idade Média, desembocando na era da modernidade, até
os dias atuais. Essa influência se deteve mais especificamente no direcionamento das
comunidades nos aspectos políticos, sociais, culturais e, principalmente, educativos e, por
conseguinte, é uma imagem tão presente na sociedade e no âmbito educacional.
É também da influência religiosa que por um bom tempo, e ainda hoje, se configura a
imagem do ser professor como vocação, um jeito de ser comum.
Tentamos superar uma herança social, vocacional, historicamente colada a
nosso ofício: a imagem do mestre divino, evangélico, salvador, tão repetida como
imagem em discursos não tão distantes. Discursos esquecidos, talvez, mas traços
culturais ainda tão presentes. O ofício de mestre faz parte de um imaginário onde
22
se cruzam trabalhadores traços sociais afetivos, culturais, ainda que
secularizados. A identidade de trabalhadores e de profissionais não consegue
apagar esses traços de uma imagem social, construída historicamente. Onde
todos esses fios se entrecruzam.(...) (ARROYO, 2001, p 33)
A imagem do professor funcionário se relaciona com a passagem do poder da igreja sobre
o controle da escola, para o poder do Estado. Essa imagem é também marcada pelo momento
histórico de valorização do estatuto profissional docente,
Os Docentes vão aderir a este projeto, na medida em que ele lhes propõe um estatuto de
autonomia e de independência frente aos párocos, aos notáveis locais e às populações, de
uma forma que eles não tinham nunca experimentado: de agora em diante, eles são
funcionários do Estado, com todos os direitos e deveres que isto implica. É preciso,
portanto, considerar a funcionarização como um projeto sustentado ao mesmo tempo
pelos docentes e pelo Estado: os primeiros buscando se constituir em corpo
administrativo autônomo e hierarquizado, o segundo buscando garantir o controle da
instituição escolar. (NÓVOA, 1991, p.121).
O processo de funcionarização do exercício docente compreende um jogo de interesses
bem definidos entre o Estado e os professores. No primeiro lado, o controle do corpo docente,
visando sua integração política e social; no segundo, melhoria do estatuto profissional por via da
qualificação profissional e pela definição de um “corpo de saberes e de sistemas de normas.”
(NÓVOA, 1991, p.124).
Em contrapartida, em meados do século XIX se acentua a ambigüidade desse estatuto, se
estabelecendo uma imagem intermediária dos professores que “não são burgueses, mas também
não é povo; não devem ser intelectuais, mas têm de possuir um bom acervo de conhecimento; não
são notáveis locais, mas têm influência importante nas comunidades, etc...” (NÓVOA, 1992a,
p.18).
A abordagem do professor enquanto profissional implica na definição de profissão, assim
colocada por Sacristán: “as profissões definem-se pelas suas práticas e por um certo monopólio
das regras e dos conhecimentos da actividade que realizam...” (SACRISTÁN, 1992, p.68). É com
essa concepção que a imagem de docente profissional vai se constituindo secularmente. É na
23
história de relações entre a docência e o seu saber, que essa profissão compõe um de seus
cenários mais fascinante.
Sacristán (1992) refere-se também ao professor semiprofissional. Segundo ele, a profissão
docente, desde sua origem, está atrelada a um conjunto de normas, valores, burocracias e formas
de controle que emperram a autonomia profissional e, por conseguinte, caracterizam um processo
de desprofissionalização da docência:
A profissão docente é uma semiprofissão. Em parte, porque depende de coordenadas
político-administrativas que regulam o sistema educativo, em geral, e as condições do
posto de trabalho, em particular. A própria profissão foi ganhando forma à medida que
ia nascendo a organização burocrática dos sistemas escolares e, por isso, é lógico que a
sua própria essência reflicta as condições do meio em que se molda. O papel dos
professores nos diferentes níveis do sistema educativo e as suas margens de autonomia
são configurações históricas que têm muito a ver com as relações específicas que se
foram estabelecendo entre a burocracia que governa a educação e os
professores(...).(SACRISTÁN,1992, p.71)
Desta forma, as características dessa profissão e os determinantes contextuais em que se
realiza não dependem exclusivamente da ão dos professores ou de uma deontologia própria e
específica. A profissão de professor se efetiva por normas, regras, especificidade de ocupação,
mas também por uma margem limitada de autonomia profissional que lhe confia o status de
semiprofissionalidade.
A imagem do professor enquanto ator político é construída por aqueles que entendem que
os docentes têm um discurso próprio. A docência tem na sua especificidade o espaço legítimo de
reflexão na e sobre a ação, cabendo ao professor as escolhas e decisões sobre o seu fazer
cotidiano. “Especificamente humana, a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é
artística e moral, serve-se de meios, de cnicas, envolve frustrações, medos, desejos. Exige de
mim, como professor, uma competência geral, um saber de sua natureza e saberes especiais,
ligados à minha atividade docente” (FREIRE, 2000, p.78).
24
Nesse sentido, o ofício de professor e sua profissionalidade foram absorvendo os impactos
resultantes das interrelações entre ideologia, educação, poder e escola, ao mesmo tempo em que
inferiu, através de ações e projetos coletivos, sobre os movimentos de fluxos e refluxos do
prestígio social, cultural e profissional dessa ocupação.
De acordo com Nóvoa, a figura do professor foi se constituindo no seio das
“congregações religiosas”, as quais vão se tornando “congregações docentes”. No decorrer dos
séculos: XVI, XVII e XVIII, “os jesuítas e oratórios, por exemplo, foram progressivamente
configurando um corpo de saberes e de técnicas e um conjunto de normas e de valores
específicos da profissão docente” (NÓVOA, 1992a, p.15-16).
Profissão docente, então, compreende um conjunto de funções sistematizadas e
específicas que constituem um campo educativo sob o qual permeia o domínio daqueles que se
empenham, se organizam e se dedicam aos saberes, às técnicas e valores do oficio de ensinar.
As tarefas docentes se misturavam entre leigos e religiosos e, aos poucos, foram
configurando um saber e um fazer próprios de um ofício que competiria ao professor. Ao longo
dessa caminhada a ação docente foi adquirindo uma dimensão muito própria – a dimensão
política, dada sua natureza social e de interação com os mais diversos grupos e campos sociais,
assim como a natureza dos projetos pessoais e profissionais, e as finalidades abraçadas por estes
atores sociais “fazendo-se funcionário do Estado, mas de um tipo particular, carregado de
intencionalidade política.” (NÓVOA, 1992a, p.17)
O professor é ator político que lida diretamente com uma comunidade educacional, uma
atividade social que exige dele uma responsabilidade político-social-cultural com o contexto em
que está inserido. está o desafio de ser professor nos dias atuais, pois toda a engrenagem
econômica, política e social está contrariamente posta a esse tipo de atitude, de postura
profissional.
25
Não se pretende, com essas afirmações, atribuir toda a responsabilidade da atividade
educativa à prática docente, pois concordamos com Apple (1995) e Paro (2001), quando
salientam que não se pode negar a influência das esferas econômicas, políticas e culturais sobre a
educação, a escola e a profissão docente.
Porém, é salutar compreender que o professor tem um papel fundamental a cumprir no
exercício de suas funções profissionais, porque enquanto mediador dos conhecimentos,
atividades e diálogos travados na dinâmica da sala de aula e da escola como um todo, se torna
também referencial para a reconstrução de outras tantas relações, rotinas, fatos, situações,
interesses, concepções de mundo. Em suma, esse ator sócio-profissional é instituído e instituinte
da vida escolar; contribui efetivamente com o processo formativo-educativo que se oportuniza a
cada aluno e, portanto, ocupa lugar especial na escola e fora dela, o que exige comprometimento
ético-profissional consigo mesmo e com o outro que, com ele partilha os espaços sociais.
Segundo Freire,
É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimento, conteúdos nem formar é ão
pela qual um sujeito criador forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado,
Não docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das
diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro...
(FREIRE,2000, p.23). [grifo do autor].
Ser professor é ser aprendiz, intérprete das mais variadas lições que o outro tem a
oferecer. É, portanto, realizar um ofício que se efetiva principalmente no diálogo com o educando
e com os diversos saberes que estão presentes no cotidiano da escola e da vida.
Ser professor-aprendiz não significa desqualificar a figura desse profissional, não
significa negar a especificidade do seu saber mas, sobretudo, significa a defesa de que se é
professor quando seu saber-fazer educativo se dá na mediação com o saber do outro.
26
1.2 – Formação Docente e Profissionalidade – produzir a profissão
“A escola moderna nasceu no seio do movimento social e de suas interações culturais,
com o objetivo de tomar a cargo a educação das crianças, da qual a escola, que já existia na Idade
Média, não se ocupava especialmente(...)” (NÓVOA, 1991, p.111). É dessa preocupação com a
educação da criança que a escola vai sedimentando a estrutura que conhecemos hoje. Se antes se
entendia que os processos educativos se davam mediados pela troca de experiência e convivência
das crianças com os adultos no cotidiano das comunidades, na gênese da sociedade moderna se
passa a entender que é preciso controlar, sistematizar e formalizar a educação infantil.
Cabe ressaltar que o final da Idade Média (século XV) e o começo da sociedade moderna
(séculos XVI a XVIII) compreendem um período de extrema transformação sócio-econômica, a
influência religiosa vai perdendo força e, em contra partida, a classe burguesa em ascensão vai
instituindo novo jeito de vida social, novos valores socioculturais e, por conseguinte, novas
formas de processos educativos.
Nesse cenário de intensas mudanças, de início de uma nova ordem sócio-econômica que
envolve a interlocução entre as esferas sociais, políticas e culturais, o Estado vai se constituindo
como eixo regulador, dono do controle e do poder sobre a sociedade. A onipotência, antes
legitimada socialmente à igreja, agora passava aos mandos do Estado.
A partir de então, a educação, sobretudo da criança
8
, passa a ser alvo de novos interesses e
novas manobras do Estado, para a instalação da nova ordem social, política e econômica. É nesse
contexto que a classe burguesa está em ascensão e, cada vez mais, fortalecida pelos seus ideais
capitalistas. A repercussão desses no processo de modernização da sociedade é bastante forte e
8
Segundo Nóvoa (1991), o novo modelo escolar e a preocupação do Estado com a Educação Infantil e dos
adolescentes, diz respeito ao desenvolvimento de uma determinada concepção de infância: a criança é um ser
inacabado, que deve ser moldado de acordo a uma moral e a um regime especial que a preparará para a vivência no
mundo dos adultos.
27
encontra terreno fértil no movimento de modernização social, o qual tem como pano de fundo a
industrialização dos meios de produção.
Aspectos da ambigüidade da docência
A escola moderna nasce com a função de reproduzir as normas da sociedade e a
transmissão cultural. No entanto, é salutar a consideração de que essa empreitada do Estado não
se limita apenas ao âmbito da educação, pois isso implicaria em afirmar que a educação sozinha
seria a propulsora da engrenagem de reprodução da norma e do poder vigente, mas além de
outras instâncias, os profissionais da educação responsáveis diretos pelo trabalho educativo
são também alvo de controle e manipulação.
Nesse sentido, a efetivação do ideário do Estado se constitui como uma forte investida no
controle da autonomia técnico-profissional dos docentes. Esses, por sua vez, são tomados pela
aspiração de independência total da igreja, assim como vêem nessa proposta a possibilidade de
“afirmação profissional” e reconhecimento social. Então, na medida em que o Estado enquadra o
professorado na regulamentação de um perfil profissional, estabelece condições e critérios para a
permissão do exercício da profissão docente; e o faz com a legitimidade dessa categoria. (Nóvoa,
1991, 1992a).
A profissionalização do fazer do professor edifica-se em interação com a
institucionalização e estatização das demarches educativas, por isso ao empenhar-se no processo
de significação da sua força de trabalho, tornam-se cada vez mais vulneráveis à autonomização
do seu ofício. Portanto, desse contexto de mobilização, projeto coletivo e de esforço desses atores
sociais pelo incremento do estatuto profissional, é que emerge uma ambigüidade no perfil do
sujeito professor e de sua profissão. Ao tempo em que esse grupo buscava a efetivação do seu
estatuto, sua valorização, qualificação dos saberes adquiridos e status profissional, em contra
28
partida se evidenciou o declínio do prestígio social, da autonomia e controle do exercício docente
e da estreita relação com a comunidade.
Nesse movimento histórico, em meados do século XIX, as escolas normais para formação
dos docentes também passam a ser alvo de interesse do governo. (Oliveira e Cabral 2003). No
Brasil, as primeiras escolas de formação de professores são fundadas no início do século XX e
esse evento marca de forma significativa o processo de profissionalização do professor,
primeiramente porque representam uma conquista importante para os próprios professores e
depois porque,
As instituições de formação ocupam um lugar central na produção de reprodução o
corpo de saberes e do sistema de normas da profissão docente, desempenhando um
papel crucial na elaboração dos conhecimentos pedagógicos e de uma ideologia
comum. Mais do que formar professores (a título individual), as escolas normais
produzem a profissão docente (a nível coletivo), contribuindo para a socialização dos
seus membros e para a gênese de uma cultura profissional (NÓVOA, 1992a, p. 18).
[grifo do autor].
Entretanto, é notório o fato de que, no Brasil, como em muitos outros países, a formação
dos professores pouco tem contribuído para o desenvolvimento pessoal-profissional desses
sujeitos e pelo menos três aspectos justificam tal afirmação: em primeiro lugar, o princípio basilar
dos cursos de formação é a dicotomia entre aquele que concebe a prática e aquele que a executa,
atribuindo a esse processo um caráter fortemente tecnicista; em segundo lugar, é que não se tem
priorizado o percurso de escolarização e profissionalização desse professor, bem como seu
projeto de vida e de profissão, ficando o processo de formação alheio às experiências empíricas,
aos sonhos e desejos tanto pessoais quanto profissionais; em terceiro lugar, a pouca atenção dada
ao fortalecimento e pertinência da docência coletiva uma docência que se desenvolve pelo
princípio da troca de experiência, pela reflexão crítica sobre as múltiplas vivências em sala de
aula e pelo estudo continuado acerca da dinâmica e gestão da aula.
29
Atualmente, a dimensão da ambigüidade da docência no processo de sua
profissionalização acentua-se cada vez mais, assim como a situação da precarização do trabalho,
no sistema capitalista de produção, se estende até o trabalho docente.
Segundo Antunes,
Trata-se, portanto, de uma aguda destrutividade, que no fundo é a expressão mais
profunda da crise estrutural que assola a (des) socialização contemporânea: destrói
força humana que trabalha; destroçam-se os direitos sociais; brutalizam-se enormes
contingentes de homens e mulheres que vivem do trabalho; torna-se predatória a
relação produção/natureza... (ANTUNES, 2001, p.16).
Tal processo sócio-econômico, ao contrário de favorecer um desenvolvimento
profissional significativo, de valorização da docência, de reflexão crítica sobre a função social
dessa profissão, na maioria das vezes, se processa à deriva do que os sujeitos pensam, sentem e
fazem no exercício da docência. Trata-se de uma situação similar à metáfora da tartaruga
marinha, que deposita seus ovos na areia da praia e os entrega à própria sorte. O lugar do ninho é
escolhido sem critério, sem análise do risco de predadores e sem a preocupação de quando, como
e em que condições o filhote chegará ao habitat natural.
A esse respeito, diz Severino:
(...) É por isso que, ao lado de subsidiar o futuro educador para apossar-se dos
conhecimentos científicos e técnicos, bem como dos processos metodológicos de sua
produção, é preciso garantir ainda que ele perceba aquilo que se pode designar como
as relações situacionais, de modo a dar conta das intricadas redes da vida objetiva no
seio da realidade social e da vida subjetiva de sua realidade pessoal, pois a partir
daí poderá apreender o significado e as reais condições do exercício de seu trabalho.
Por outro lado, cabe ainda à educação, no plano da intencionalidade da consciência,
ajudar o educador a desvendar os mascaramentos ideológicos de sua atividade,
evitando que se torne simplesmente força de reprodução social, para se efetivar como
elemento dinâmico que possa contribuir para o processo mais amplo de transformação
da sociedade, no momento mesmo em que continua inserindo os indivíduos no sistema
de produção e de manutenção de sua existência material (SEVERINO, 2003, p.78)
A decadência do processo de profissionalização da docência está cada vez mais
acentuada, pois a educação tem sido explorada sob os mais diversos aspectos: no âmbito do
currículo, dos recursos financeiros, dos materiais didáticos e pedagógicos, da estrutura física da
escola, do salário docente, da forma de admissão profissional, das condições do processo de
30
formação profissional e continuada. Nesse sentido, muitos pesquisadores têm se dedicado ao
estudo do processo de precarização da docência, entre eles, Antunes (2001), Paro (2001) e
Oliveira (2004). As abordagens que estão presentes nessas obras focalizam a interdependência
das diversas situações que envolvem tal processo.
No entanto, se se considerar que a escola é também produto de interação social,
necessário se faz pontuar sua outra face a de produtora social e os professores, por sua vez,
sujeitos de ação. Trata-se de entender que a sociedade instituiu as regras do jogo da vida social,
mas as relações sociais são também instituintes de si mesmas e da própria sociedade, portanto,
nenhum fenômeno social está dado, mas sujeito às mediações cio-históricas e culturais
elaboradas e reelaboradas pelos atores sociais. Nesse sentido, é oportuno o pensamento de
Nóvoa, quando afirma que
Os professores são funcionários do tipo particular. Com efeito, a profissão docente é
muito ligada às finalidades e aos objetivos; ela é fortemente carregada de uma
intencionalidade política. Os docentes são portadores de mensagens e se alinham em
torno de ideais nacionais. (NÓVOA,1991, p.122).
Isso significa que os docentes tanto podem atuar em defesa do discurso oficial, fazendo
valer sua condição de funcionários do Estado e, portanto, agentes passivos dessa instituição;
quanto podem atuar como agentes sociais e políticos, convictos de sua responsabilidade ético-
profissional com a sociedade, sobretudo, com a população menos favorecida na estrutura social.
A história da profissão docente vai se fazendo assim, na dialética entre pensamento e ação,
sujeitos e realidades sociais. A esse processo de construção da profissão denomina-se
profissionalidade. Trata-se de um conjunto de ações, valores, saberes, sentidos e significados,
tecidos no cotidiano social e escolar dos atores que vão processualmente reinventando o perfil
profissional, as dimensões técnica e política do exercício docente.
Segundo Sacristán,
31
O docente não define a prática, mas sim o papel que ocupa; é através da sua
actuação que se define e concretizam as múltiplas determinações provenientes dos
contextos em que participa. A essência da sua profissionalidade reside nesta relação
dialéctica entre tudo o que, através dele, se pode difundir conhecimentos, destrezas
profissionais, etc. e os diferentes contextos práticos. A sua conduta profissional pode
ser uma simples adaptação às condições e requisitos impostos pelos contextos
preestabalecidos, mas pode também assumir uma perspectiva crítica, estimulando o
seu pensamento e a sua capacidade para adoptar decisões estratégicas inteligentes
para intervir nos contextos (SACRISTÀN, 1992, p.74).
Profissionalidade docente, então, significa não as formas de desempenho do ofício de
ensinar, mas também a expressão dos valores e pretensões que se deseja alcançar e desenvolver
nessa profissão. Trata-se da instituição de um conjunto de ações, valores, formas de sentir,
pensar, agir que orientam as escolhas e decisões produzidas no processo de desenvolvimento
profissional – uma construção social e histórica do fazer dos professores.
Longe da retórica do profissionalismo “autonomia, responsabilidades, capacitação,
impostas a práticas e descrições ideologicamente presunçosas do status e dos privilégios sociais
trabalhistas aos quais se aspira” (CONTRERAS, 1992, p.73) a discussão sobre
profissionalidade não pretende ser uma caracterização do bom professor ou enquadrar o ensino
num conjunto de atuações, que ao contrário de serem construídas pelo professor, são
extremamente impostas a ele. Mas, um estudo do ensino que os professores realizam no contexto
social e histórico do cotidiano, produzindo normas, valores e especificidades desse ofício, no
bojo de uma estrutura profissional organizada política e ideologicamente para a manutenção dos
poderes vigentes.
Portanto, é forçoso afirmar que a ocupação profissional do professor se desenrola por um
prisma muito freqüente de tensão entre o que os professores são como profissionais, o que o
ensino é como prática real e concreta e o que seria uma aspiração educativa em ambos os
aspectos, ou seja, a profissão docente se realiza num movimento dialético entre, por um lado,
condições e restrições da realidade educativa e, por outro, formas de ser profissional, formas de
32
viver e desenvolver a profissão. (Contreras, 2002).
O processo de formação profissional dos professores tem muito a contribuir com a
profissionalidade docente, se esse processo se desenrolar por meio de um trabalho de
reflexividade crítica acerca das práticas e da construção permanente da identidade pessoal.
(Nóvoa, 1992b). Obviamente, não se trata de negar o conhecimento teórico, apropriação de
“habilidades” e “competências” necessárias ao exercício da docência qualificada. Entretanto, que
efeito pode ter um conhecimento teórico-metodológico desgarrado do contexto sociocultural em
que será desenvolvido e do jeito de viver e projetar a ocupação profissional própria dos
professores?
33
Capítulo 2
O MST, Educação e Docência
2.1 Aspectos históricos da nese do MST e sua luta pela educação escolar na
Região do Extremo Sul da Bahia
A abordagem da questão da educação no MST implica em algumas informações sobre
esse movimento, para o que recorremos à sua Agenda de 2004:
O MST é um movimento de massa, formado por trabalhadores rurais e por todos
aqueles que querem lutar pela Reforma Agrária, contra a injustiça e as desigualdades
sociais no campo. O MST surgiu ocupando latifúndios, constituindo-se como
movimento de caráter nacional, em 1984. Ao longo de quase duas décadas, foram
realizadas mais de 2 mil ocupações de latifúndio por cerca de 300 mil famílias, hoje
assentadas, conquistando 7 milhões de hectares. Essas famílias, por meio de sua
organização, pressionam pela implantação de escolas, por crédito para viabilização da
produção agrícola e construção de cooperativas, pela garantia do acesso à saúde...
Atualmente, há cerca de 500 acampamentos com 100 mil famílias sem terra no Brasil.
Assentados e acampados permanecem mobilizados para conquistar e fazer respeitar
sua cidadania, seus direitos políticos, sociais, econômicos, ambientais, culturais... (O
MST em dados. (Agenda MST – 2004)
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra nasceu oficialmente no período de 20
a 22 de janeiro de 1984, em Cascavel-Paraná, onde camponeses e camponesas de doze Estados
brasileiros participaram do I Encontro Nacional do MST, desencadeando um movimento social,
que não parou de crescer, de resistir e de lutar por terra, educação, cidadania, justiça e dignidade
humana.
Embora essas primeiras palavras possam dar a entender que o MST surgiu como um
insighit ou que é o único com tais características no Brasil, é preciso pontuar, pelo menos
brevemente, que o Brasil carrega consigo marcas históricas, originadas da luta camponesa.
Segundo Grynszpan,
O período que vai da década de 1940 ao início dos anos 1960 viu afirmarem-se os
camponeses como atores políticos, organizado, a princípio, em entidades como ligas
camponesas e associações de lavradores, entre outras, lutando por terra e por direitos.
Viu surgir a primeira organização nacional camponesa, a União dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab). Viu o campesinato ser disputado por
34
agentes diversos, como partidos políticos e a Igreja. Viu as primeiras ocupações de
terras como tática política para forçar a sua desapropriação, o que chegou mesmo a
atingir níveis consideráveis em estados como o Rio de Janeiro. O período assistiu às
primeiras ações do poder público voltadas para a redistribuição da propriedade da
terra, desapropriando-se fazendas e áreas de conflito, de início como investidas de
governos estaduais e, posteriormente, como políticas do governo federal, ganhando
corpo com a criação da SUPRA, a Superintendência de Política Agrária, já no governo
Jango. (GRYNSZPAN,, 2003,p.320).
O registro histórico que o autor apresenta demonstra engajamento e força dos
trabalhadores camponeses na luta por uma vida mais digna e mais humana. Talvez o MST tenha
herdado dessa marca histórica, o ímpeto, a garra e a sabedoria com a qual vem conduzindo as
ações do movimento.
O processo de globalização econômica incumbiu-se, durante toda sua história, que não é
recente, de definir espaços, forças e, sobretudo, formas de adesão das sociedades, dos sujeitos e
dos meios de produção à chamada “nova ordem social”. Isso ocorreu por meio do avançado
desenvolvimento tecnológico e científico das sociedades. No entanto, na tentativa de acompanhar
tal contexto de desenvolvimento, o movimento das relações econômicas, políticas, culturais e
educativas passou a atender prioritariamente às leis do mercado. Essa corrida desenfreada para a
modernização do sistema econômico e social trouxe vantagens significativas para as esferas da
saúde, da astronomia, dos meios de comunicação, dentre outras, e “algumas facilidades para o
cotidiano dos sujeitos”. Porém, é preciso questionar a quem atende esse desenvolvimento
científico-tecnológico? A serviço de quem e para que “a nova ordem” está instalada globalmente?
A esse respeito, Sebastião Salgado afirma que
o Movimento dos Sem Terra é um dos únicos movimentos senão o único que reúne
em suas ações as lutas pela dignidade e pela cidadania no Brasil. Sua ação é toda
centrada em uma preocupação, um eixo: promover a real justa divisão de renda
no país que tem o sistema de distribuição mais injusto do mundo. Acompanho sua luta
com atenção, desde o início. Creio também que sua maior importância está no fato de
incorporar e materializar todas as experiências anteriores, e que este sistema injusto
que domina nosso país vem tentando, ao longo dos anos, apagar da nossa memória.
Vejo no Movimento dos Sem Terra as experiências acumuladas pelas Ligas
Camponesas, pelas Federações dos trabalhadores agrários Fetags pelas
comunidades eclesiais de base.É um movimento cívico sério, que merece o respeito de
todos os brasileiros e uma atenção real e corajosa por parte das autoridades. (...)
35
Apoiar o MST é preservar meu direito a continuar confiando na história, a despeito de
tudo que o sistema vem fazendo no Brasil, ao longo dos tempos. (SALGADO, citado por
STEDILE e FERNANDES,1996)
9
Dentre as ações, decisões e características de responsabilidade de que trata o fotógrafo S.
Salgado, no texto acima, destaca-se a preocupação do MST com a educação. Essa tem sido uma
das frentes de trabalho/batalha e segundo, Stedile e Fernandes (1996), isso se deve, em primeiro
lugar, à necessidade concreta e política da comunidade acampada e assentada do conhecimento e
depois, pelo objetivo comum que se foi perseguindo ao longo da caminhada – O movimento quer
romper com três cercas: a do latifúndio, a do capital e a da ignorância.
Quando as famílias ocupam a terra, se deparam com um problema real que é a educação
escolar das crianças. Muitas vezes a escola mais próxima se encontra a milhas de distância,
depois outra questão vem à tona: “de que escola se precisa?”.
É importante salientar que o modelo de sociedade que gerou e gera os sem-terra
10
,
também os excluiu e os exclui de outros direitos sociais, entre eles o acesso à escola. Segundo
Caldart, “(...) A grande maioria dos sem-terra tem um baixo nível de escolaridade e uma
experiência pessoal de escola que não deseja para seus filhos: discriminação, professores
despreparados, reprovação, exclusão...” (CALDART, 2000, p. 147).
Esse cenário dificulta o avanço da luta e da conquista, porque inibe as ações dos sujeitos
que não dominam o conhecimento necessário para realizá-las. Por outro lado, no processo de luta
e organicidade, o Movimento adotou um programa agrário de cooperação, autonomia econômica
e trabalho coletivo, para cujo desenvolvimento o conhecimento escolar e a educação entendida
como formação humana são fundamentais, assim como o aprendizado de habilidades como a
leitura, a escrita e o convívio social também o são. (Stedile e Fernandes, 1996).
9
Os autores transcrevem, em sua obra, o pensamento de Sebastião Salgado, sem referência.
10
Há uma diferença conceitual entre as grafias Sem Terra e Sem-Terra. O primeiro termo é utilizado para se referir a
identidade que os Trabalhadores Rurais produziram ao longo de suas lutas e o segundo para se referir aos
camponeses na condição de não possuir a terra. (Caldart, 2000), (Bogo, 2004).
36
Nesse sentido, a educação escolar vai se configurando como bandeira de luta elementar na
conquista da reforma agrária, produzida no interior do movimento, ou seja, por iniciativa da base.
Em 1985, ano de realização do I Congresso Nacional do MST, se o inicio da
articulação nacional sobre a educação e, em 1987, a criação do Setor de Educação. Isso aconteceu
através de um primeiro encontro, que reuniu as pessoas que estavam começando a organizar esse
trabalho nos Estados onde o MST estava atuando. Nesse encontro, realizado em Vitória-Es,
foram formuladas duas questões para discussão, que acabaram sendo o ponto central para toda a
elaboração pedagógica que continua até então: “O que queremos com as escolas de
assentamento?” “Como fazer a escola que queremos?” ( CALDART, 1997, p.32).
Na continuidade da reflexão teórico-prática sobre a educação e registro desse processo
histórico, se identifica o avanço organizativo do Setor de Educação e de elaboração pedagógica
de suas propostas. Isso acaba por culminar na constituição mais efetiva de um “Coletivo Nacional
de Educação, responsável por um trabalho mais articulado e mais refletido em cada Estado, bem
como se inicio a uma experiência mais sistematizada de formação de educadoras/es para as
escolas de assentamento...” (CALDART, 1997, p.33).
Portanto, é possível afirmar que a educação no MST surge a partir do momento em que
o entendimento de que a reforma agrária se faz com a junção das duas conquistas: “ter acesso à
terra e ter acesso à escola, ao conhecimento, à educação” (STEDILE; FERNANDES, 1996, p.74).
Nesse sentido, a luta pela educação não se faz em um processo isolado e sim de forma coletiva.
No Estado da Bahia, em especial na região do Extremo Sul
11
, os trabalhadores rurais sem-
terra identificados como posseiros, arrendatários, bóias-frias e outros, começam a se organizar em
11
Identifica-se como extremo sul da Bahia a região situada ao sul do Rio Jequitinhonha até a divisa do Estado da
Bahia e do Espírito Santo. É constituída por 21 municípios (Alcobaça, Belmonte, Caravelas, Eunápolis, Guaratinga,
Ibirapuã, Itabela, Itagi Mirin, Itamaraju, Itanhém, Itapebi, Jucuruçu, Lagedão, Medeiros Neto, Mucuri, Nova Viçosa,
Porto Seguro, Prado, Santa Cruz de Cabrália, Teixeira de Freitas e Vereda). Abrange uma área de 30.420km.
Segundo o censo de 2000 do IBGE, essa região abriga 664.164 habitantes.
37
torno da luta pela terra e, por volta do ano de 1986, foi realizada a “primeira Assembléia
Regional do MST, a qual contou com a participação de 120 lavradores sem terra, para deliberar
sobre os rumos da organicidade da categoria e as respectivas mobilizações”. (ARAÚJO, 2000,
p.38).
Cabe ressaltar que a implantação do MST na região não se deu de forma rápida e pacífica.
De acordo com os estudos de Araújo, constata-se que a caracterização dessa implantação se deu
em quatro períodos, a saber: período 1985/1987: (surgimento dos primeiros grupos
organizados de sem terra; período 1987/1989: (formação e estruturação do Movimento;
período 1990/1992: (estagnação das ocupações de terra, isolamento, criação de setores) e
período 1993/1996: (retomada das ocupações na região, consolidação do Movimento). (Araújo,
2000).
Ainda segundo Araújo (2000), que realiza um significativo mapeamento das condições de
analfabetismo, violência, desemprego nas décadas de 80 e 90, após as mudanças sócio-político-
econômicas ocorridas com a abertura da Rodovia Federal (BR 101), o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra emerge como um contraponto no bojo da situação de exclusão
social e de negação dos direitos de cidadania plena aos trabalhadores rurais. Em outras palavras, a
autora afirma:
Essas transformações expressadas no crescimento do desemprego, no êxodo rural e na
concentração de terras, aliadas à exigência de uma proposta de organização concreta
que desse respostas econômicas a essa situação, propiciaram o nascimento do MST
nesta região da Bahia, contribuindo também, com a procura do emprego e a troca de
experiências com MST, organizado, na região Norte do Espírito Santo. (ARAÚJO,
2000, p.35).
Em síntese, pode-se dizer que a implantação e o fortalecimento do MST na região está
intrinsecamente relacionado ao chamado “desenvolvimento econômico”, ou seja, é a
contrapartida diante da abertura de rodovias, das instalações de empresas multinacionais para o
plantio e comercialização do eucalípto, da exploração desregulada de madeira e da conseqüente
38
destruição da Mata Atlântica, pois tal desenvolvimento se acirrando a desigualdade social,
desenraizando o agricultor de suas atividades e privilegiando as lei do mercado e do lucro em
detrimento das condições de vida digna para a grande massa popular que habita o lugar .
Desnecessário se faz acentuar que tal proposição não defende a negação do crescimento
econômico, mas defende um crescimento econômico e social que esteja implementado sob a
égide de um projeto social em defesa do povo, para o povo e pelo povo. (Araújo, 2000); (Caldar,
2000).
Quanto á luta pela educação escolar, conforme mencionado anteriormente, ocorreu e
ocorre paralelamente a outras tantas reivindicações feitas pelo movimento, como: regulamentação
da terra ocupada, loteamento, créditos especiais para a reforma agrária, infra-estrutura para
organização interna do acampamento e/ou assentamento. Nesse sentido, uma vez deflagrado o
enfrentamento do monopólio latifundiário, a luta se estende para além da conquista do “pedaço
de chão”, atingindo também a conquista do direito à educação.
Segundo Araújo (2000),
As primeiras mobilizações por educação escolar na Bahia surgiram nos anos 90.
Naquela época, os trabalhadores do assentamento de Abril formaram uma comissão
de pais, e junto com a direção das associações de produção dos assentados, foram à
prefeitura do Município de Prado, pedir a regulamentação das escolas precariamente
existentes. Reivindicavam contratação de professores e merendeiras para os quatro
assentamentos existentes: de Abril, Riacho das Ostras, Corumbau e Três Irmãos.
(ARAÚJO, 2000, p.89)
A exemplo dessas primeiras mobilizações por educação, o movimento segue em marcha,
enfrentando novas lutas em defesa desse direito.
Desse modo,
O MST propõe uma Educação que valoriza o saber dos educandos. Considera-se que
crianças, jovens, adultos, velhos, todos têm um conjunto de saberes, uma cultura e uma
história que precisam ser respeitadas e consideradas quando estes entram na escola.
Estes saberes precisam ser matéria-prima para a produção de novos saberes (...).
(ARAÚJO, 2000, p.121).
39
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra tem cultivado como bandeira de luta uma
relação inventiva entre o próprio movimento e a escola. Dessa forma, marca sua trajetória com
uma história de luta, de desocultação da exclusão social, de organicidade e solidariedade, fazendo
da educação uma conquista de benefícios que têm dimensões pessoais e coletivas. O professor,
por sua vez, tem um papel fundamental como sujeito intrinsecamente envolvido com o projeto
educativo do Movimento.
Segundo Caldart,
O sentido é de que a escola pode representar na relação, com um movimento social
como o MST, muito mais do que ela é como uma instituição educacional considerada
em si mesma. Não porque a escola seja, então, uma força educativa todo-poderoso,
mas porque através desse vínculo passa a integrar uma rede de vivências educativas,
esta, sim, com um poder maior de reacender esperanças e propostas. (CALDART,
2000, p. 180)
Na tentativa de construção de uma escola aguerrida, voltada para a cultura e os sonhos dos
educandos, da comunidade assentada do MST e, sobretudo, para um trabalho ressignificado no
processo de conscientização sócio-política dos sujeitos, não a terra, mas também as escolas
passam a ser lugar de ocupação do movimento. Assim, na medida em que o MST avança na
resistência contra a ordem social vigente, luta, também, pela edificação de uma escola que
contribua com a força do movimento, com o aquecimento do companheirismo, com a formação
crítica dos assentados, dos acampados e dos professores. (Caldart, 2000).
Por isso, para o MST a escola é compreendida como força educativa, no sentido de
desenvolver um trabalho de reencantamento da educação e dos sujeitos partícipes do processo
educativo. Esse contexto social, político e educativo, referenciado pelo MST, sinaliza uma nova
leitura sobre a função social da escola e, por conseguinte, caracteriza uma nova forma de fazer
educação.
40
2.2 Profissão e Profissonalidade Docente no MST: aspectos socioculturais
Fazer um estudo sobre a profissão e a profissonalidade docente no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra requer, sobretudo, um olhar antropológico, ou mais
especificamente, um olhar cultural, pois no MST locus singular de demarcação político-
ideológica no seio da nossa sociedade capitalista se vivencia realidades concretas muito
diferentes do que costumamos observar em outros espaços de atuação do professor. Essas
realidades expressam organicidade, cooperação, coesão entre o coletivo dos docentes e,
sobretudo, uma relação constante com a dimensão política da ação pedagógica.
Então, a referida diferença está nas formas críticas, criativas e reflexivas utilizadas no
dia-a-dia do fazer pedagógico. Ao contrário, os professores que atuam fora do movimento social,
muitas vezes, se encontram desencorajados para lutar por uma educação mais democrática, mais
digna de seus interlocutores e, ainda, a organização escolar, muitas vezes, não permite o
fortalecimento do trabalho coletivo entre os docentes, pois “é freqüente, nos meios de
comunicação, nos espaços estudantis, no discurso dos pais dos alunos, a desqualificação dos
saberes e práticas docentes...” (BELTRAME, 2003, p.29).
Pretende-se, aqui, abordar a dimensão e implicações dos princípios da cultura para o
significado da profissão de professor no MST. Isso não significa discorrer sobre um amplo e
aprofundado conceito de cultura, mas partir do entendimento de que a cultura é uma construção
coletiva de jeitos de viver, de formas de sentir, pensar e agir no mundo, de interagir e dialogar,
para então discutir o significado da profissão docente em assentamento do MST. E, também,
como afirma Brandão,
(...) A cultura e o que fazemos dela, nela e, em e entre nós, através dela, vida. A cultura
é o que devolvemos a Deus ou à Vida como a nossa parte no mistério de uma criação
de quem somos bem mais persistentes inventores do que aqueles que vieram assistir ao
que fizeram antes de havermos chegado. Os outros seres vivos do mundo são o que
são. Nós somos aquilo que nos fizemos e fazemos ser. Somos o que criamos para
41
efemeramente nos perpetuarmos e transformarmos a cada instante. Tudo aquilo que
criamos a partir do que nos é dado, quando tomamos as coisas da natureza e as
recriamos como os objetos e os utensílios da vida social, representa uma das múltiplas
dimensões daquilo que, em uma outra, chamamos de: cultura. (...) (BRANDÃO, 2002,
p.22).
Tal compreensão de cultura instiga os questionamentos que se seguem: qual a importância
da cultura para o movimento social? Qual a perspectiva de usos da cultura nas ões do
movimento e como essa perspectiva está imbricada no significado da profissão de professor
dentro do movimento?
Segundo Gohn,
Blumer, o grande teórico dos movimentos sociais na abordagem clássica do
paradigma americano, definiu os Movimentos Sociais como empreendimentos
coletivos para estabelecer uma nova ordem de vida. Eles surgem de uma inquietação
social, derivando suas ações dos seguintes pontos: insatisfação com a vida atual,
desejo e esperança de novos sistemas e programas de vida. (...) (GOHN, 2002, p.30).
Assim, chamamos a atenção para um dos cinco mecanismos que os movimentos sociais
específicos,
12
se utilizam para crescimento e organicidade de suas ações, os quais foram
identificados pelos estudos de Blumer: o esprit de corps (Gohn, 2002).
De acordo com Gohn, esse mecanismo é importante para criar ambiente de cooperação entre
os atores sociais, implicando em ações de fidelidade e solidariedade para com o movimento e
consigo mesmo, pois ao mesmo tempo em que estes atores estabelecem relações de cooperação,
as vivências aí produzidas vão, também, configurando um processo de aprendizado múltiplo
entre os mesmos. Trata-se do sentimento de pertença, de identificação como o outro e consigo
próprio, criando uma idéia do coletivo”. (GOHN, 2002, p.33).
12
Segundo Gohn (2002), Blumer dividiu os movimentos sociais em três categorias: genérico (movimento operário,
dos jovens, das mulheres e pela paz) específicos (se caracterizam por metas e objetivos bem definidos, organização e
estrutura desenvolvida, constituindo-se como uma sociedade. Eles possuiriam lideranças bem conhecidas e
reconhecidas e seus membros teriam consciência do “nós”. Alem disso deteriam um corpo de tradições, valores,
filosofias e regras.) expressivos (inclui os religiosos e o que ele denomina de movimento da moda. Eles não têm
objetivos de mudança e divulgam um tipo de comportamento expressivo que, com o passar do tempo, torna-se
cristalizado e passa a ter profundos efeitos na personalidade dos indivíduos, e no caráter da ordem social em geral...)
(p.31-35) [grifo nosso].
42
Essa experiência prática dos Movimentos Sociais muito se assemelha com a discussão que
Cuche (2002) faz sobre a abordagem interacionista da cultura: ‘O verdadeiro lugar da cultura são
as interações individuais’. Para Sapir
13
, citado por Cuche, uma cultura é um conjunto de
significações que são comunicadas pelos indivíduos de um dado grupo através destas
interpretações. [Sapir, apud CUCHE, 2002, p.105].
Ao longo dos anos e, em especial nas últimas décadas, o Brasil vivenciou um processo
bastante acelerado de modernização do cenário e industrialização dos modos de produção. Esse
fato se deve ao amplo movimento de globalização mundial da economia, o qual se caracteriza
pela finalidade de expandir o capitalismo triunfante. Tal fato tem expressão significativa no
processo de mecanização da agricultura brasileira no sul do país, nos anos 70, período chamado
milagre brasileiro. No final dessa cada, começam a aparecer os primeiros sinais de crise da
industrialização do modo de produção e os camponeses desenraizados da terra são alvos certos
dessa crise.
Do ponto de vista socioeconômico, os camponeses expulsos pela modernização da
agricultura tiveram fechadas essas duas portas de saída o êxodo para as cidades e
para as fronteiras agrícolas. Isso obrigou-os a tomar duas decisões: tentar resistir no
campo e buscar outras formas de luta pela terra nas próprias regiões onde viviam. É
essa base social que gerou o MST. Uma base social disposta a lutar, que não aceita
nem a colonização nem a ida para a cidade como solução para os seus problemas.
Quer permanecer no campo e, sobretudo, na região onde vive (STÉDILE;
FERNANDES, 1999, p.17).
É desse contexto de resistência e de luta que brotam as esperanças da conquista de um
Brasil mais igualitário e mais humano. O traço singular de resistência e de luta desses
trabalhadores, assim como a tomada de decisão a favor da sobrevivência e dignidade das
mulheres, dos homens e crianças camponesas, movimentou e movimenta ações de união do
grupo/famílias trabalhadoras rurais sem terra um movimento de ações coletivas e coesivas que,
segundo de Caldart (2000), pode ser denominado por uma “dimensão sociocultural”.
Trata-se de algo que talvez possa ser chamado de economia cultural, ou seja, uma
cultura gerada desde a materialidade específica do movimento social, que é expressa
em formas de luta, comportamentos pessoais e coletivos, convicções e idéias que se
formulam e socializam, bem como em toda uma simbólica que se produz desde as
circunstâncias e a intencionalidade do Movimento, e que revela, mais do que tudo, o
vínculo desta experiência atual de um presente que projeta desenlaces no futuro
(CALDART, 2000, p.29). [grifo da autora].
13
SAPIR, Eduard. Antropologic. Paris: Minut,1972.
43
Pode-se afirmar que o MST foi se constituindo com raízes fortes, fertilizadas por
significados de vida comum – resistir e lutar pela ocupação da terra, em uma dinâmica de
relações, criação e recriação das formas de ser e estar no mundo. Todavia, esse processo não se
efetiva de forma passiva, mas em constante conflito. Sobre essa questão, Brandão se posiciona:
(...) As culturas o existem prontas na gaveta da história nem ocupam uma estante à
parte na estrutura de qualquer formação social. Elas existem em processo e em
conflito. Na cultura do povo há significados latentes de identidade de classe e de
compreensão crítica do real que compete a um trabalho político através da cultura
desvelar supletivamente...(BRANDÃO, 2002, p. 90).
Para maior entendimento da forma como se processa esse conflito e de como a profissão
docente se relaciona com ele, recorremos ao esquema de Brandão (2002, p.91), que esclarece o
conflito entre a cultura dominante e a do dominado em uma sociedade desigual.
Em uma sociedade desigual (feudal, colonialista, capitalista) há uma cultura dominante que, por imposição simbólica
difusa ou por agenciamento ideológico motivado,
Invade, controla, impregna e/ou influencia o modo de vida das classes dominadas e, portanto, as formas e expressões
de sua cultura: modos de viver, sentir, pensar e expressar a vida com uma lógica própria, cognitiva e valorativa de
significar o real.
De modo geral uma cultura subalterna reproduz-se
mesclando os seus valores embolos com aqueles
impostos pela cultura dominante e incorporados a ela,
como cultura do povo.
Mas uma cultura de subalternos preserva modos próprios e
relativamente autônomos de orientação da ação, de
representação do real e de sua reprodução como cultura
popular.
Assim, a cultura das classes populares é ambígua, porque resulta de uma mistura de seus próprios significados com
significados estranhos impostos e incorporados: há elementos da cultura do povo na cultura popular.
Programas de mediação sob o controle de mediadores
de um sistema qualquer de dominação atuam sobre a
cultura ambígua das classes populares, no sentido de
atualizá-la, agindo sobre o que é tradicional nela, para
apropriar-se do trabalho econômico e político de seus
sujeitos.
Programa de mediação através da cultura sob o controle de
grupos e movimentos comprometidos com um projeto
popular de libertação, atuam sobre a cultura ambígua das
classes populares no sentido de torná-la culturalmente
própria do povo, para que ela seja progressivamente
orgânica das classes populares: capaz de refletir para elas a
realidade de sua condição e de sua ação coletiva.
Este é o trabalho cultural dominante de reprodução de
significados estranhos sobre a cultura do povo,
obstaculizando que nela se manifeste o que é popular e
conduzindo-a a ser uma ambivalente cultura
subalternamente modernizada e ajustada a um sistema
social dominante, do que deriva uma:
Este é o trabalho cultural comprometido de explicação do
que é genuinamente popular na cultura do povo, de modo a
separar o que é estranho do que é próprio e conduzindo-a a
ser instrumento de reforço de significados ao poder
popular, de que resulta uma:
Cultura do povo, funcionalmente modernizada como
cultura de massa: a lógica e os significados dominantes
na expressão simbólica do dominado.
Cultura do povo tornada politicamente orgânica, como
cultura de classe: a gica e os significados do trabalho
popular de participação e/ou conquista do poder.
44
Observa-se que duas dimensões da cultura se fazem presentes no cotidiano de uma
sociedade desigual uma daquele que domina e a outra daquele que é dominado. Aqui se situa a
relação de conflito, a qual se miniminiza e se maximiza num processo histórico de interação entre
os atores sociais. No caso do Movimento Social dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o princípio
basilar de formação de seus integrantes se constitui, segundo Caldart,
“(...) pela vivência pessoal em ações de luta social, cuja força educativa costuma ser
proporcional ao grau de ruptura que estabelece com padrões anteriores de existência
social destes trabalhadores e destas trabalhadoras da terra, exatamente porque isto
exige a elaboração de novas sínteses culturais.” (CALDART, 2000, p. 106). [grifo
nosso].
Esse princípio é que movimenta a “cultura subalterna”, fazendo-a ascender e que “educa”
o movimento e as ações dos sujeitos que dele fazem parte. Nesse sentido, a produção de
aprendizados coletivos no seio do movimento orienta novos contornos sociais e culturais, que vão
também configurando outros projetos, outras iniciativas, outros alvos de lutas e de conquistas.
Nesse movimento dinâmico, concebido aqui como sociocultural, a educação escolar dos Sem
Terra se constitui como um diferencial marcante porque, de forma processual e histórica, os sem-
terra passam a entender que, assim como a terra, a educação lhes foi negada. A partir de então,
buscam conquistar esse outro direito também negado.
Ocorre que não pode ser uma educação qualquer, mas uma educação que atenda
satisfatoriamente aos seus anseios. Dessa forma, como acontece na ocupação da terra, a ocupação
da escola implica também num processo de transformação dessa escola, de modo a produzir nela
uma proposta de educação que esteja em sintonia com seus novos sujeitos. (Caldart, 2000). Nesse
contexto de luta e de conquista por uma educação nova, entra em cena, ou melhor dizendo, é a
própria cena, o exercício da docência através do qual a educação escolar é mediada entre os
atores socioculturais.
45
Se a força educativa do Movimento se assenta num processo histórico-cultural, entendido
como condição humana para reinvenção do cotidiano, dos aprendizados e das relações sociais, o
MST e seus atores se fortalecem, se enraízam e seguem em marcha na busca de seus propósitos,
desenvolvendo práticas culturais que dão unidade às ações desses sujeitos. Assim, o exercício da
docência se processa na interação com a luta por uma educação escolar vivificada nos saberes dos
sujeitos.
Dessa forma, apontamos quatro aspectos de vivências e interações socioculturais que
estão estritamente relacionados ao exercício da docência no MST: a luta pelo direito à terra e à
educação escolar, uma concepção de educação bem demarcada, o processo de formação
profissional e a construção da profissionalidade e a mística dos Sem Terra.
No primeiro aspecto luta pelo direito à terra e à educação escolar a terra é a marca
maior de identidade, de referência e de aprendizados, pois é por ela que os camponeses decidiram
e decidem resistir e lutar mas, quando o fizeram e o fazem, passam a perceber que precisam de
algo mais da educação, no sentido da formação humana. É também da situação de resistência e
luta que passam a compreender que, na causa maior de suas ações, estão questões de
sobrevivência e dignidade humana valores imprescindíveis à própria natureza humana. Aqui se
constitui o elo de maior interação e vivência sociocultural, pois a partir da conquista da terra
ação coletiva, política e intencional – o que vier depois precisa estar em sintonia com a identidade
do movimento, se não se pretende correr o risco de enfraquecê-lo.
Segundo Caldart,
(...) Quando o sem-terra ocupa um latifúndio e o transforma em assentamento, ele
desapropria da terra conquistada o latifundiário e constrói com ela a sua própria
historia. Quando ocupa uma escola em busca de formação, o sem-terra precisa
aprender a apropriar-se dela sem desapropriar quem nela é dono do patrimônio que
procura. A relação pedagógica não é uma relação de desapropriação, mas de
apropriação compartilhada, o que talvez torne ainda mais complexa a ação do alicate
que corta este tipo de cerca, que separa o sem-terra da sua própria condição de sujeito
que aprende e ensina... (CALDART, 2000, p. 139-140).
46
Portanto, a consciência desse processo torna o ofício de ensinar cada vez mais político,
mais reflexivo e mais significativo para o sem-terra e para os professores e professoras sem-terra.
A concepção de educação, por sua vez, também cumpre papel fundamental de interação e
vivência sociocultural, pois é essa que mobiliza a busca de conhecimento, por parte daqueles que
se ocupam ou se ocuparão de materializá-la (comunidade assentada e professores) e que mantém
vivo o sonho, a esperança e utopias. Uma aliada da resistência e luta por dignidade e cidadania.
A convicção sobre a importância da educação e a busca desse direito vai delineando uma
outra concepção de educação escolar e uma outra função social para a escola a função de
ensinar para a vida e com a vida das pessoas; de não negar a história, mas mantê-la viva e
ressignificada no presente. Assim, o exercício da docência, por ser também uma prática social e
de interação com o outro, se constitui em meio a esse referencial sociocultural, político e
educativo.
Cabe ressaltar que esse processo não acontece sem algumas tensões e conflitos entre
valores, até porque algumas famílias trazem como herança o valor da escola como aquela que irá
resolver todos os problemas ou como aquela que é a única alternativa para um futuro melhor, ou
ainda aquela que não serve para nada.
Sobre esse processo histórico-cultural, Caldart afirma que,
Este imaginário se mistura com a nova representação que começam a construir à
medida que participam das discussões sobre o tipo de escola a ser implementada no
assentamento, provocando a necessidade de uma nova síntese que, em alguns casos,
terá um demorado processo de elaboração (...) e em outros pode acelerar esta nova
síntese...(CALDART, 2000, p.140).
O processo de formação profissional e a construção da profissionalidade docente
também são fatores de interação sociocultural entre os professores, a comunidade assentada e o
Movimento Social propriamente dito, pois as ações que se dão no contexto do MST se realizam
num contínuo histórico e cultural entre as pessoas. Além disso, quando o Movimento entende que
47
somente a conquista da terra não basta para fazer a Reforma Agrária se desencadea uma busca
incessante pelo estudo, pela educação e pela qualificação técnica dos profissionais do ensino e de
outras atividades em geral. “(...) os sem-terra não conseguiriam avançar na sua luta se não se
dispusessem a aprender e a conhecer melhor uma realidade cada vez mais ampla. É por isso que o
estudo foi incluído logo como um dos princípios organizativos do MST.” ( CALDART, 2000,
p.138).
O desdobramento desse princípio formativo-educativo está exatamente no jeito de ser e de
agir do Movimento organização política dos trabalhadores e dos atores socioculturais que
dele fazem parte. Dessa forma, o Setor de Educação, através dos coletivos de educação regionais,
organiza espaços de estudo, de troca de experiências, de discussão e debate sobre o projeto de
educação e as frentes de trabalho, onde se efetivam, mais claramente, as interações socioculturais
e aprendizados múltiplos sobre docência. Além do mais, a mística do Movimento, símbolos,
palavras de ordem, canções estão em toda parte e a todo momento, tornando viva a história da
luta pela terra, pela educação e, sobretudo, tornando cada vez mais viva a conquista da Reforma
Agrária e a participação num projeto de país mais humano.
A mística
14
dos Sem Terra é uma experiência prática de produção cultural. Configura-se
como auto-representação por meio de símbolos, da arte, de gestos que expressam sentimentos,
críticas, reflexões, denúncia e as mais diversas leituras sobre um tema ou contexto que um grupo
de Sem Terra se comprometa a produzir para um determinado fim.
Segundo Caldart,
(...) A mística é exatamente a capacidade de produzir significados para dimensões da
realidade, que estão e não estão presentes e que, geralmente, remetem as pessoas ao
futuro, à utopia do que ainda não é, mas pode vir a ser, com a perseverança e o
sacrifício de cada um. É uma experiência pessoal, mas necessariamente produzida em
14
Segundo Caldart (2000), essa palavra e boa parte do seu sentido foi trazida para o MST como herança de sua
relação de origem com a Igreja, por sua vez misturada com a própria cultura camponesa, acostumada a atribuir
novos significados às coisas da natureza com os quais convive e trabalha todos os dias.
48
uma coletividade, porque o sentimento que lhe gera é fruto de convicções e valores
construídos no convívio em torno de causas comuns. Neste sentido se pode dizer que o
MST re-significou a própria experiência da mística, ainda que mantenha sua raiz
cultural e utilize símbolos muito semelhantes aos dos grupos que lhe deram origem.
(CALDART, 2000,p. 134-135).
Dessa forma, a mística se ocupa do desafio de garantir a unidade do movimento, de
manter viva a história da luta dos trabalhadores e de oportunizar “momentos” de produção de
significados, de sentimentos, de beleza, de celebração e de homenagens solenes que se presta a
combatentes do povo. (Caldart, 2000). A mística está em toda parte, em todo lugar em que o
movimento se faz presente. Às vezes se expressa de forma planejada, previamente organizada
para um fim específico, outras vezes surge espontaneamente, de acordo com a irreverência e
sintonia do grupo e da atividade que está sendo realizada.
Em julho de 2004, estivemos no Assentamento de Abril, situado no município de
Prado-Ba, para participar do Encontro Regional de Educadoras e Educadores do MST, onde
pudemos observar alguns aspectos no desenvolvimento desse encontro que justificam,
fundamentam e esclarecem o potencial da mística como elemento sociocultural. O inicio dessa
atividade se deu com a expressão mística do grupo de professores que se propôs,
voluntariamente, a prepará-la. Nessa atividade, o grupo trouxe como elemento de reflexão,
movimentos corporais que simbolizavam marcas de sofrimento que a escola deixa no estudante,
quando não respeita sua singularidade, seus saberes, sua cultura... Cartazes nas paredes, no chão e
nas mãos de algumas pessoas traziam questionamentos sobre “que escola se deseja”, “para que
serve a escola”, “para que serve a simples transmissão do conhecimento...”. Canções, gritos de
ordem foram entoados, conclamando uma outra escola uma escola do povo e para o povo. A
experiência vivida numa atividade dessa natureza emana uma riqueza de aprendizados e de
interação mútua entre os sujeitos, de difícil explicação verbal, mas de fácil compreensão
simbólica.
49
O conteúdo latente nessa atividade se manifesta no corpo, no gesto, na voz, nos símbolos,
evocando o imaginário e o simbolismo daqueles que participam direta ou indiretamente da
mística e afetando expressivamente os sentimentos e a afetividade das pessoas.
Se se entende, como Paulo Freire (2004), que ninguém educa ninguém, ninguém se educa
sozinho, as pessoas se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo, então as professoras e
professores do MST têm numa vivência singular como essa, uma interação sociocultural de
significativo referencial para o exercício da docência, pois os significados produzidos sobre
concepção de conhecimento, de escola e de homem lidam diretamente com a subjetividade dos
atores sociais e, por conseguinte, com a essência e com os saberes desses sujeitos o que
oportuniza a compreensão do fazer docente de modo mais vivo, mais significativo e mais próprio.
50
Capítulo 3
A profissão docente em um assentamento do MST: aportes metodológicos
3.1 Abordagem metodológica: o estudo de caso
A questão metodológica no processo de pesquisa é de fundamental importância, pois é ela
que define as formas com que o sujeito-pesquisador aproximar-se-á do objeto para conhecê-lo,
bem como estabelece os procedimentos cabíveis para o valor científico da pesquisa.
Este trabalho de pesquisa buscou focalizar a construção cotidiana da profissão docente,
que inclui sentidos, significados, saberes, formação, interações e escolhas, em um assentamento
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST e os sentidos produzidos acerca da
profissionalidade docente. Para tanto, definiu-se pela Metodologia Qualitativa, pois é essa
abordagem que melhor possibilita ao pesquisador uma análise investigativa mais coerente com a
natureza do objeto em questão. Estamos falando de sujeitos, de atores sociais que vivem e atuam
num espaço de contexto político-ideológico bem demarcado. Portanto, a metodologia e os
procedimentos metodológicos precisam ser pertinentes a essa especificidade.
Assim,
Os pressupostos teóricos desta abordagem fundam-se na perspectiva de que o
pesquisador deve tentar encontrar meios para compreender o significado manifesto e
latente dos comportamentos dos indivíduos, ao mesmo tempo em que procura manter
sua visão objetiva do fenômeno. O pesquisador deve exercer o papel subjetivo de
participante e o papel objetivo de observador, colocando-se numa posição ímpar, para
compreender e explicar o comportamento humano. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.15)
O estudo de caso é uma metodologia de pesquisa adequada a estudos da área das ciências
sociais e tem contribuído, sobremaneira, com a produção do conhecimento em pesquisas do
âmbito educacional. Pode-se defini-lo como estudo aprofundado de uma unidade social,
observando sua dinâmica, complexidade e totalidade, situados num contexto próprio. Dessa
51
forma, o estudo de caso objetiva conhecer um determinado problema, fato, situação ou unidade
social em sua singularidade, explorando as múltiplas dimensões e/ou formas em que se apresenta.
Um outro motivo e/ou característica dessa metodologia é a sua relação intrínseca com a
pesquisa qualitativa. O estudo de caso só deve ser tomado como procedimento metodológico se o
pesquisador tiver como finalidade a produção do conhecimento na inteireza de sua complexidade
individual e coletiva, ou seja, nesse procedimento não se deve ater à relação formal entre
variáveis, ao teste de teorias e a formulações de generalidades sobre o caso. Ao contrário, deve-se
investigar profundamente e sobre rios ângulos as dimensões objetivas e subjetivas que
circundam o problema em questão, focalizando o “como” e o “porquê” das situações observadas,
descrevendo de modo preciso e denso o comportamento do caso.
Segundo Bourdieu,
(...) o estudo de caso é um espantoso instrumento de construção do objeto. É ele que
permite mergulharmos completamente na particularidade do caso estudado sem que
nela nos afoguemos, como faz a idiografia empirista, e realizarmos a intenção de
generalização, que é a própria ciência, não pela aplicação de grandes construções
formais e vazias, mas por essa maneira particular de pensar o caso particular, que
consiste em pensá-lo verdadeiramente como tal... (BOURDIEU,1989, p. 32-33). [grifo
do autor].
O exercício da profissão docente em um assentamento do MST é um caso. Primeiramente,
porque objetivou-se entendê-lo considerando seu contexto e sua complexidade; depois, utilizou-
se diversas fontes de pesquisa, visando um estudo profundo e exaustivo do objeto delimitado.
Assim, Goldenberg afirma, ainda, que:
O estudo de caso reúne o maior número de informações detalhadas, por meio de
diferentes técnicas de pesquisa, com o objetivo de apreender a totalidade de uma
situação e descrever a complexidade de um caso concreto. Através de um mergulho
profundo e exaustivo do objeto delimitado, o estudo de caso possibilita a penetração na
realidade social, não conseguida pela análise estatística (GOLDENBERG, 2002, p 33-
34).
O fato dessa metodologia se caracterizar pelo estudo denso de um determinado objeto
exige tempo e dedicação para a realização do estudo, bem como uma constante vigilância sobre
52
as interferências e características pessoais que podem vir a afetar as informações obtidas viéses
na informação coletada. Por outro lado, que se estabelecer um processo constante de
negociação entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa sobre aquilo que é relatado. “As
negociações, nesse caso, dizem respeito à acuidade e relevância daquilo que é selecionado para
apresentação, assim como sobre o conteúdo das informações, isto é, o que pode ou não e o que
deve ou não ser tornado público” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p. 56).
Para tanto, alguns cuidados foram tomados, com o intuito de garantir validade e
fidedignidade ao processo de conhecimento. O estudo de caso demanda que o pesquisador tenha
sensibilidade e clareza do que quer alcançar, fazendo modificação e ajuste no seu próprio
comportamento, de modo que possa avaliar o que lhe interessa e atribuir maior rigor, justeza e
validade dos resultados obtidos.
Outro cuidado foi a não generalização dos resultados, pois o procedimento da
investigação e suas conclusões dizem respeito a uma situação particular, com um contexto
próprio e singular e, por isso, os resultados obtidos devem ser restritamente referentes àquele
caso específico e não generalizados a toda e qualquer situação similar. O máximo que se permite
é a formulação de “generalizações analíticas”, referentes a evidências internas presentes em
vários aspectos do caso. Deve ficar a cargo de cada indivíduo o reconhecimento de semelhanças
entre os resultados obtidos e tantos outros alheios ao caso em questão.
Assim sendo, o estudo de caso se constitui como importante procedimento na produção do
conhecimento sobre uma dada realidade social, pois se efetiva de forma concreta, contextual e
profunda sobre a situação estudada, focaliza o particular sem prescindir da sua totalidade um
movimento dialético entre o estudo, os sujeitos da pesquisa e o pesquisador.
53
3.2 – Assentamento Bela Vista e o contexto sócio-histórico do campo da pesquisa
O Assentamento Bela Vista
15
faz parte da geografia política da cidade de Itamaraju, na
região do Extremo sul da Bahia. Essa região é marcada, mormente, pela sua vinculação com o
início do Brasil, mais de cinco séculos. Por esse traço histórico e pela beleza de suas praias,
hoje se constitui como um pólo de turismo do Estado. Nesse lugar também se encontram
ecossistemas considerados elementares para o país e para o mundo, como os Parques Marinhos
de Abrolhos, o Monte Pascoal e aqueles remanescentes de Mata Atlântica com sua fauna e flora
singulares, bem como remanescentes da cultura do povo Pataxó e dos Quilombolas. (Koopmans,
1997).
Todavia, que se registrar que a riqueza e o deslumbre dessas terras foi mais de
quinhentos anos e ainda é, na atualidade, alvo de desmedida exploração.
Segundo Koopmans,
A grande massa rural vivia a vida na simplicidade. As relações de trabalho eram de
natureza feudal, especialmente nas fazendas de cacau. Não havia mecanização no
campo. Toda a região contava apenas com dois tratores no ano de 1950. Mas, mesmo
assim, analisando esse momento histórico, podemos dizer que justamente a partir desta
época, iniciou-se a construção de uma estrutura que, mais tarde, tomaria conta de toda
a região, passando a vigorar até hoje. Tal estrutura, a concentração de dinheiro, de
terra, de gado e do poder político, nas mesmas mãos, ou em outras palavras, a
estrutura da concentração, prejudicaria não somente a socialização dos bens, mas
também impediria um desenvolvimento sustentável voltado para o povo. (KOOPMANS,
1997, p.54-55).
Desse modo, e de acordo com o que já foi pontuado no capítulo anterior, a região
comporta um cenário de avançado processo de miséria, pobreza, analfabetismo e desemprego,
dentre outros. O MST, nesse contexto, atua como ator social mobilizador da luta pela sua
transformação.
15
uma diferença entre Assentamento e Acampamento do MST. Essa diferença se situa entre duas fases distintas,
relacionadas ao processo de ocupação da terra. A primeira fase refere-se ao momento inicial em que a terra é
ocupada na sua forma original, sem infra-estrutura (os trabalhadores não dispõem de água, energia elétrica, casa/
abrigo de alvenaria e a terra não está regulamentada para ocupação, nem distribuição de lotes entre a comunidade), a
esta fase denomina-se acampamento. A segunda fase, com característica inversa à primeira, denomina-se
assentamento.
54
A região atualmente está organizada, pelo Movimento, em cinco Brigadas, que
compreendem agrupamentos de micro-regiões, onde se localizam 13 acampamentos e 22
Assentamentos
16
. Dentre esses, o Assentamento Bela Vista pertence à Brigada Olga Benário e
está situado a 35km do Município de Itamaraju; tendo na sua história o profícuo fato de ter sido a
terceira ocupação realizada na região, em 1988. Esse aspecto tem importância porque o Governo
do Estado da época foi radicalmente resistente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra e os expulsou da terra ocupada, com repressão. Somente em 1996, na segunda tentativa de
ocupação, é que os trabalhadores conseguiram se “plantar na terra”.
A área, com extensão territorial de aproximadamente 2.772 hectares, abriga, atualmente,
150 famílias assentadas e distribuídas em lotes de, aproximadamente, 18 hectares. Se
considerarmos a “multiplicação dessas famílias” com genros, noras e netos, o número pode
chegar a aproximadamente 304 famílias assentadas na mesma área.
Desde a segunda ocupação, em 1996, o Assentamento está organizado em 150 lotes, uma
farinheira que funciona como uma espécie de cooperativa, onde as famílias produzem farinha e
derivados (puba, goma, etc); uma vila de casas e um centro de formação com aproximadamente
250 alunos matriculados. Esse Centro possui 04 salas de aula, um salão de atividades para
educação infantil, um auditório e uma cantina. Funciona em três turnos: no turno matutino,
turmas de ensino fundamental (1ª, 2ª, 5ª e 6ª), no vespertino uma turma de Educação Infantil com
24 alunos em idade de 04 a 06 anos e e séries do ensino fundamental, no noturno, 6ª, e
séries do ensino fundamental e ano do ensino médio formação geral. Outros eventos do
Assentamento, fora do horário de aula, também se realizam nesse espaço como, por exemplo, a
missa dominical.
16
Outras informações sobre as Brigadas encontram-se no Quadro de relações das Brigadas do Extremo Sul da Bahia,
em anexo.
55
A escola possui 11 professores, uma auxiliar de serviços de secretaria escolar, uma
diretora, três funcionárias que cuidam da limpeza e da merenda escolar e uma representante do
Setor de Educação do MST, responsável pela orientação pedagógica das atividades escolares.
O Assentamento conta, ainda, com um Coletivo de Educação (formado por professores,
funcionários da escola, membros da comunidade, e presidente do Assentamento que é
responsável por deliberar e encaminhar as questões demandadas pela comunidade escolar e/ou
local). também o Setor de Produção, coordenado por uma pessoa da comunidade, escolhida
em Assembléia, que se responsabiliza por orientar as famílias no tocante à produção agrícola e
pecuária.
A escolha do campo se deu, não pela história do Assentamento mas, sobretudo, em
função do engajamento da comunidade assentada na militância política do Movimento. Uma vez
que se pretendia analisar a construção cotidiana da profissão docente que inclui sentidos,
significados, saberes, formação, interações e escolhas, em um assentamento do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra MST e os sentidos e significados produzidos acerca da
profissionalidade docente, seria preciso que o locus do estudo tivesse elementos que subsidiassem
a coleta de informações, do contrário a finalidade da pesquisa estaria, desde sua gênese,
qualitativamente comprometida.
3.3 – Os atores da pesquisa
Participaram mais diretamente da pesquisa 04 professoras, a Diretora e a Secretária da
escola, a Representante do Setor de Educação do MST, 03 educandos das séries iniciais do ensino
fundamental e 04 pais. Também foi pesquisada a turma de educação infantil.
56
Para a identificação dos professores, anteriormente à fase de campo, foi preenchida 1
ficha individual (apêndice E), contendo questões relativas a: identificação, vida escolar,
experiência docente, situação administrativa na escola e vínculo com o MST. Após uma
explanação sobre as finalidades e importância da pesquisa, todas as fichas foram preenchidas e os
dados foram organizados nas tabelas apresentadas a seguir:
3.3.1 – Sobre os professores e professoras
17
do Assentamento Bela vista
A escola pesquisada possui um corpo docente de 11 professores que atuam nos três níveis
de ensino (infantil, fundamental e médio). Desses, apenas 03 são do sexo masculino. Esses 3
professores não foram alvo da pesquisa, porque na época da seleção da amostra estavam
ingressando no quadro docente e, portanto, não possuíam experiência na docência em
Assentamentos, um dos critérios adotados.
TABELA 1
Faixa etária dos Professores
Assentamento Bela Vista – Itamaraju-Ba – 2005
Faixa etária Nº de Prof. %
Até 30 anos 8 73
31 a 40 anos 1 9
41 a 50 anos 2 18
TOTAL 11 100
Fonte: Ficha de identificação preenchida pelos professores
Os dados dessa tabela demonstram que a maioria dos professores está na faixa etária de
até trinta anos e apenas dois encontram-se na faixa etária de 41 a 50 anos. Esses dados refletem
17
Dentro do Movimento, esses profissionais são identificados por educadores e educadoras, devido à afinidade dos
mesmos com linguagem da Pedagogia Freireana. Por uma questão conceitual, diante do objeto de estudo, optamos
por tratá-los de professores e professoras.
57
que o quadro de professores da escola encontra-se em fase inicial da carreira, fato que será foco
de análise em capítulos posteriores.
TABELA 2
Nível de Formação dos Professores
Assentamento Bela Vista – Itamaraju-Ba – 2005
Curso concluído e em andamento Nº de Prof. %
Normal de Nível Médio – Magistério 9 82
Normal Nível Médio – Magistério cursando Pedagogia
1 9
Técnico em Agropecuária 1 9
TOTAL 11 100
Fonte: Ficha de identificação preenchida pelos professores
A maioria dos professores (82,0%) tem como formação inicial o Curso Normal de nível
médio Magistério. Um está cursando Pedagogia e outro tem o curso médio de cnico em
Agropecuária, o que também corresponde a (9,0%). Isso pode ser explicado pela dificuldade de
acesso ao nível superior. A única Universidade pública da região está localizada a
aproximadamente 110km do Assentamento e a cidade de Itamaraju tem apenas uma Faculdade
particular que, além de ter um custo alto para pessoas de baixa renda como a classe de professor
da Rede Municipal de Ensino, não oferece cursos na área de educação. Esse dado também será
aprofundado em capítulo posterior.
TABELA 3
Cursos realizados na área de Educação ou em outra área
Assentamento Bela Vista – Itamaraju-Ba – 2005
Cursos declarados Nº de Prof. %
Nenhum 8 73
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s 1 9
Programa de Formação de Alfabetizadores - PROFA 1 9
Enfermagem 1 9
TOTAL 11 100
Fonte: Ficha identificação preenchida pelos professores
58
A tabela 3 evidencia que considerável índice percentual de professores (73,0%) não
declarou a realização de cursos na área de educação ou em qualquer outra área. Dentre os
profissionais do magistério, dezoito por cento (18,0%) realizou curso de capacitação oferecido
pela própria instituição empregadora (Prefeitura Municipal) e 9,0% do total de professores
buscou por interesse próprio fazer um curso (enfermagem). Nota-se nesse caso, que uma
carência, ou melhor dizendo, um aspecto de precarização do processo de formação dos
professores. A região não oferece muitas oportunidades de formação continuada: Em Itamaraju
apenas escolas de ensino fundamental e médio e uma Faculdade particular, que oferece o
curso de Direito. A Prefeitura do Município não tem oferecido, com regularidade, cursos para a
continuidade do aperfeiçoamento profissional e quando oferece, nem sempre os professores têm
condição de trabalho ou financeira para participarem. Por essas razões, as oportunidades de
formação continuada através de cursos têm sido limitadas.
TABELA 4
Experiência Profissional no Magistério
Assentamento Bela Vista – Itamaraju-Ba – 2005
No Assentamento Fora do Assentamento Tempo de Experiência
Nº de Prof
%
Nº de Prof.
%
Nenhum 0 0 6 55
Até um ano 7 64 0 0
1 a 5 anos 2 18 2 18
6 a 10 anos 2 18 3 27
TOTAL 11 100 11 100
Fonte: Ficha de identificação preenchida pelos professores
A tabela 4 revela o engajamento dos professores com o Assentamento: todos vêm
exercendo o magistério nessa localidade, ainda que a maioria (64%) tenha menos de um ano de
experiência. Analisando esse dado à luz da evidência da tabela 1, de que 82% dos professores
59
têm menos de 30 anos e das tabelas 2 e 3, que indicam que a maioria dos professores tem apenas
o normal de nível médio e não possui outros cursos, pode-se inferir que esses professores estão
em início de carreira.
TABELA 5
Situação Contratual das Professores
Assentamento Bela Vista – Itamaraju-Ba – 2005
Forma de ingresso na instituição Nº de Professores %
Concurso Público 1 9
Contrato de Serviço 10 91
TOTAL 11 100
Fonte: Ficha de identificação preenchida pelos professores
A tabela 5 evidencia que 91% do total de professores são contratados pela Prefeitura Municipal
de Itamarajú e apenas 0,9% ingressou na instituição por concurso público. Esse fato denota uma
certa falta de estabilidade dos professores, na medida em que os contratos de serviços são por
tempo determinado. Isso explica a rotatividade de docentes, que pudemos observar no decorrer da
pesquisa. Esse dado é bastante relevante para a análise das condições do trabalho docente no
Assentamento e será aprofundado no capítulo 5.
TABELA 6
Vinculo dos Professores com o MST
Assentamento Bela Vista – Itamaraju-Ba – 2005
Vinculo com o MST Nº de Prof. %
Somente Professor (a) 7 64
Professor(a), Militante do MST e assentado (a) 2 18
Professor(a), Militante e filho(a) de assentado(a) 2 18
TOTAL 11 100
Fonte: Ficha de identificação preenchida pelos professores
60
Na tabela 6, observa-se que 64% dos professores não possuem outro nculo com o MST,
além de professor(a). Esse dado, se entrecruzado com as evidências das tabelas 4 e 5, merece
destaque especial, por se tratar das condições de trabalho do professor.
Embora a maioria dos professores tenha experiência profissional apenas no
Assentamento, conforme demonstra a tabela 4, essa experiência não implica em maior
engajamento com o MST, pois a relação de 64% desses professores com o Movimento limita-se
ao exercício da profissão docente. Observamos, nessa tabela, que 4 professores são militantes.
Analisando esse dado à luz da informação constante na tabela 5, de que apenas 1 professor é
concursado, pode-se inferir que mesmo professores militantes trabalham sem contrato e não têm
estabilidade. Essas informações também serão analisadas em capítulos posteriores.
A par desse panorama de identificação dos professores da escola, os quais se dedicam ao
ofício docente como principal ocupação profissional, foram selecionadas quatro professoras para
participação direta na pesquisa; de acordo com os seguintes critérios:
a) experiência docente em outros espaços, além dos Assentamentos, sendo consideradas 2
professoras que possuem essa experiência e duas que não a possuem;
b) tempo de experiência no assentamento superior a 2 anos. Foram selecionados professores com
tempo de experiência que varia de 3 a 8 anos;
c) diferentes níveis de escolaridade: Como todos possuem o curso normal de nível médio, foram
selecionadas 2 (duas) que não estão continuando estudos e duas que estão prestando vestibular
para o curso Pedagogia da Terra, oferecido, pela primeira vez, pela Universidade do Estado da
Bahia UNEB, em parceria com o Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária
PRONERA;
d) diferentes faixas etárias, sendo selecionadas: 1 (uma) professora com menos de 30 anos, uma
na faixa de 31-40 e 2 (duas) na faixa de 41-50;
61
e) professoras com experiência em diferentes séries, sendo assegurada a representação da
Educação Infantil e das séries iniciais e finais do Ensino Fundamental.
A seguir, encontra-se o quadro que sintetiza as características de identificação das
professoras selecionadas, que participaram mais efetivamente do processo de pesquisa.
QUADRO 1
Escola Oziel Alves Pereira
Professoras que participaram da pesquisa
Assentamento Bela Vista – Itamaraju-Ba – 2005
Caracterização das professoras entrevistada no processo da pesquisa
Professora
(pseudônimo)
Sexo Faixa
etária
Escolaridade/
Formação
Tempo de
serviço no
Assentamento
Série em
que
leciona
Experiência
fora do
assentamento
Forma de
ingresso
na
instituição
escolar
Vinculo
com o
MST
Nina
F
41 a
50
Cursando
Pedagogia
8 anos
2º série a
8º série
Sim
Contrato
Assentada
e
militante
Geo
F 41 a
50
Nível Médio
Magistério
5 anos
4ª série a
8ª série
Sim
Concurso Assentada
e militante
Ninha
F 31 a
40
anos
Nível Médio
Magistério
3 anos
1º série e
6ª série
Não
Contrato Filha de
assentada
Geisa
F Até
30
anos
Nível Médio
Magistério
4 anos
Educação
Infantil
5ª série
6ªsérie
Não
Contrato Filha de
assentada
Fonte: Ficha de identificação preenchida pelos professores
Como pode ser constatado, no quadro 1, considerou-se no procedimento de escolha das
profissionais, diferentes idades e níveis de formação, maior tempo de experiência profissional no
assentamento e fora do assentamento e maior vínculo efetivo com o MST. Tais critérios foram
62
elaborados com o intuito de selecionar professores mais experientes na profissão e nas vivências
com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Quanto aos nomes que identificam os
depoimentos das professoras, foram escolhidos por elas no momento de em que autorizaram a
publicação dos mesmos. A professora Nina optou por esse pseudônimo e a demais optaram pelo
nome que são chamadas no dia-a-dia.
3.3.2 – A Diretora e a Secretária
A administração da escola pesquisada é integrada pela Diretora e Secretária, que se
responsabilizam pelo funcionamento, encaminhamentos de documentos solicitados pela
Secretaria Municipal de Educação e também por um Coletivo de Educação, formado pelos
seguintes membros: Presidente do Assentamento, um representante do Setor de Educação,
professores da escola, uma representante do pessoal de limpeza, dois representantes da
comunidade e um aluno. Esse Coletivo se responsabiliza pelas questões de maior peso
administrativo como: reforma e/ou problemas na estrutura física da escola, demissão de
funcionários, transporte escolar, recursos financeiros e outros.
A Diretora e a Secretária também exercem a função pedagógica de auxiliar os professores
na produção de material didático (provas, atividades mimeografadas e indicação de textos); são
responsáveis pelo atendimento aos pais, aos alunos e substituem o professor que precisa se
ausentar. Essa diversidade de tarefas que ambas realizam, bem como a relação direta que
estabelecem junto aos professores da escola justifica, sobremaneira, a participação na pesquisa.
Lia, a Diretora da escola, encontra-se na faixa etária de 31 a 40 anos; é militante do
Movimento desde 1991, formou-se em Magistério (nível médio) em 1997 e está cursando o IV
semestre de Pedagogia, na cidade de São Mateus-ES, oferecido pelo Centro de Formação Maria
63
Olinda ligado diretamente ao MST. Em 1998, foi contratada como professora pela Prefeitura
Municipal de Itamaraju, através de Concurso Público. Atuou como docente no Assentamento no
período de 2002 a 2004 e hoje exerce a função de diretora.
Fabiana, Secretária da escola, tem 31 anos, formou-se em Magistério (nível médio) em
2000, atuou como Secretária administrativa em uma escola particular de Itamaraju no período de
2003/2004 e atualmente exerce essa mesma função na Escola Oziel Alves Pereira.
3.3.3 – A Representante do Setor de Educação do MST
Solange Santos é militante do Movimento desde sua fundação no Extremo Sul da Bahia,
entre os anos de 1986 a 1988. Formou-se em Contabilidade (nível médio) em 1986. É graduada
em Pedagogia e atualmente está especializando-se em Educação para o Campo. atuou como
professora do Assentamento Bela Vista e atualmente é a responsável direta pelas questões
pedagógicas e administrativas da escola.
De acordo com seu depoimento, no início das primeiras discussões e organicidade dos
posseiros da região junto ao MST, ela foi convidada a participar de alguns encontros. Naquele
momento atuava como professora, no Município e era uma das poucas pessoas que tinham o
grau completo, por isso afirma que:
Naquele momento ali, eu era a única que tinha o grau. Talvez, esse tenha sido o
fator que levou o companheiro Edgar, que estava coordenando, naquele período, a
Regional Nordeste aqui, a me convidar pra contribuir, pois se estava necessitando de
alguém que tivesse uma formação um pouco mais ampliada para vim contribuir com o
setor de educação. Vim sem saber o que era o setor, sem conhecer muito do movimento
e me dispus a fazer o trabalho e contribuir com o que fosse necessário. A partir d
comecei a participar de encontros. Naquele momento ali, realmente, a nível nacional, o
setor de educação estava começando a se formar e eu começando a participar dele;
fiquei responsável, naquele período, pela educação no Estado. Mas, o Estado, ele se
resumia um pouco ao Extremo Sul.
64
O Setor de Educação do MST é uma parte organizativa do Movimento que se dedica mais
especificamente às questões de Educação. Segundo sua representante,
O setor de educação em si ele tem a função de orientar a educação nos vários
aspectos: na questão da estrutura, de formação e escolha de educadores para atuar
nas escolas dos assentamentos, de reivindicações, em termos de Ensino Médio quando
tem necessidade, de Ensino Fundamental – séries finais – nas escolas onde só tem de 1º
à série; negociar com as prefeituras, com o governo do Estado, geralmente o Setor
de Educação vê essas questões específicas da educação.
Nesse sentido, buscamos a participação de uma pessoa com envolvimento mais direto no
MST, visando reunir informações específicas sobre a relação entre o Movimento e os professores
e professoras que atuam em área de Assentamento.
3.3.4 – Os Pais
Os pais dos educandos são trabalhadores rurais que ocuparam a terra em março de 1996 e
hoje, de posse da terra, se dedicam à produção agrícola de subsistência e ao fortalecimento do
Movimento no âmbito local do Assentamento, regional, estadual e nacional, participando de
Assembléias, Encontros, Manifestações políticas, como por exemplo, a ocupação da Prefeitura
Municipal do Prado (fev./2005) e Marchas (maio/2005).
No que se refere à participação dos pais na escola, esta é uma característica singular da
luta do MST e a preocupação com esse espaço de formação se inicia desde a ocupação da terra,
sendo a conquista da mesma responsabilidade de todos os sujeitos.
Segundo o depoimento da primeira professora do assentamento:
Meu objetivo, quando eu entrei na ocupação, foi a conquista da terra porque minha
maior vontade era ter um pedaço de terra. Depois com uns dias eu voltei para o
acampamento e fui dar aula e fiquei nesse trabalho. Eu fui pra uma barraquinha de
lona preta, as paredes de palha de coco, os banquinhos de ubaúba e fui fazendo meu
trabalho como eu podia (...), eram dez pessoas do mesmo grupo pra fazer essa
escolinha e foi onde comecei a trabalhar, não tinha quadro de giz. Tinha papel
madeira que era pregado na parede com palitinhos na parede entre as palhas e
65
começava a escrever esticando ele assim no chão, porque não era cimentado e eu
escrevia com carvão. (Professora Nina).
Desse modo, a escola é erguida logo após a ocupação da terra, de acordo às condições que
o lugar oferece. Também se lança mão do trabalho coletivo, da força de vontade, da necessidade
de formação escolar das crianças, jovens e adultos e da consciência do direito à educação, ou
seja, de acordo com o depoimento da professora Nina, se verifica que os pais têm participação
direta na aquisição da escola desde o momento em que as famílias se organizam para esticar a
lona, que abrigará professores e educandos durante as atividades escolares.
Todos esses elementos reunidos fazem da escola um espaço singular no processo de
formação dos sujeitos, bem como faz com que os pais/comunidade acampada e assentada
participem de forma mais efetiva do cotidiano escolar. Por esses motivos, os pais dos educandos
tiveram participação na pesquisa e a seleção dos mesmos foi feita por indicação de cada
professora entrevistada no processo do estudo.
3.3.5 – Os Educandos
O fato dos educandos estarem no centro do processo educativo e, por esse motivo,
estarem diretamente relacionados ao exercício da profissão docente, levou-nos a escutá-los acerca
da importância da escola, sobre a freqüência nas aulas, sobre a merenda escolar e sobre a relação
entre professores e educandos. Tais aspectos apareceram de forma contundente nos depoimentos
de pais, mães e professoras e foram priorizados nas atividades de pesquisa com os educandos.
Para a realização do trabalho de coleta de dados optou-se, pela técnica do grupo focal, o qual será
abordado no item seguinte.
66
Os educandos que participaram da pesquisa são filhos das famílias assentadas e sempre
estudaram nessa escola. Foram selecionados, por indicação das professoras três educandos da
série, três da 2ª, três da série e um educando da que por iniciativa própria pediu para
participar das atividades que aconteceriam naquele momento, no auditório da escola. Esses
estudantes encontram-se na faixa etária entre 7 e 8 anos, os educandos da série; entre 8 e 9, os
educandos da série; 11 anos, o educando da série e, entre os 11 e 13 anos, os educandos da
4ª série.
Foi pesquisado, também, o grupo de educandos da educação infantil, cuja professora foi
entrevistada, objetivando obter informações de seus alunos. Optamos por realizar a coleta de
dados com toda a turma, para não retirá-los do contexto da sala de aula e, assim, conseguir maior
diálogo entre pesquisador e atores. A turma é composta por 24 educandos que estão na faixa
etária entre 4 e 6 anos. No momento da atividade, estavam presentes 20 educandos e, dentre
esses, 04 se recusaram a participar.
3.4 – Estratégias utilizadas no trabalho de campo
Considerando que o estudo de caso prima pela análise aprofundada das informações sobre
um objeto em estudo, bem como a finalidade de analisar os significados da docência e a
construção cotidiana dessa profissão a partir das percepções dos atores envolvidos no contexto
sociocultural do Assentamento Bela Vista; realizamos diferentes estratégias de pesquisa, visando
“apreender a totalidade de uma situação e descrever a complexidade de um caso concreto (...)
(GOLDENBERG, 2002, p.33-34).
67
3.4.1 – A fase exploratória e o preenchimento de fichas individuais, pelos professores
Em um primeiro momento, foi realizada a fase exploratória, a qual forneceu subsídios
para a elaboração do projeto de estudo. Nessa fase, foi realizada uma visita à Sede Regional do
MST Itamaraju-Ba, na qual apresentamos a proposta de pesquisa, suas justificativas, seus
objetivos e obtivemos informações básicas sobre o funcionamento das escolas em áreas de
acampamentos e assentamentos localizados na região do Extremo Sul da Bahia. Nessa ocasião,
agendamos a primeira visita ao Assentamento Bela Vista, através da qual se desencadearia o
processo de trabalho de campo.
No primeiro contato com a escola e com os professores, apresentamos, também, a
proposta de pesquisa, suas justificativas e objetivos. Após anuência da diretora e dos professores,
fizemos observações e mapeamento do contexto social da escola e do assentamento, colhendo
idéias e informações. Para tanto, foi utilizado o diário de campo e fichas individuais, com a
finalidade de registrar os dados encontrados.
3.4.2 – A análise documental
Buscou-se analisar documentos produzidos no âmbito da escola e do Setor de Educação
do Movimento, que fossem esclarecedores do significado da profissão docente para o MST, para
a comunidade e para os próprios profissionais. Dentre os documentos existentes, destacamos para
análise: Agenda do MST 2004 e 2005; Cadernos de Educação do MST 1 e 8; Relatórios
de atividades realizadas com as professoras; Boletim de Educação 8 9; Atas de reuniões;
Pasta individuais dos professores; documentos administrativos da escola (grade curricular; fichas
de matrículas dos educandos); Quadro de horário semanal dos docentes.
68
3.4.3 – A observação
Segundo Goldenberg (2002), a observação se constitui como uma importante técnica de
pesquisa, porque revela informações e situações mais amplas do que aparecem no questionário e
em algumas entrevistas.
Nesse sentido, tal procedimento metodológico pressupõe uma atenção precisa acerca das
informações que vão sendo obtidas ao longo do processo de investigação. Assim, procurou-se
escutar a dinâmica das relações que circundam o cotidiano do exercício docente, visando a
obtenção de dados empíricos, informações sobre a dinâmica das ações cotidianas dos professores,
do Setor de educação do Movimento, do Coletivo de Educação no Assentamento e de pais e mães
dos educandos, em relação às atividades escolares.
O período de observação transcorreu entre os meses de abril e julho de 2005, com visitas
semanais regulares ao Assentamento, focando os seguintes aspectos: História do Assentamento e
sua estrutura organizativa e política; História da origem da escola desde a fase de acampamento
da comunidade até a organização em assentamento; Estrutura e organização da escola; Atividades
pedagógicas da escola e participação dos professores nas mesmas; Participação dos professores
no dia-a-dia da comunidade; participação dos pais e mães no dia-a-dia da escola; rotina diária dos
professores e coletividade/solidariedade entre educandos, professores e famílias assentadas.
3.4.4 – As entrevistas
Utilizamos a entrevista, por entendê-la como um processo de interação social entre o
pesquisador e o entrevistado, visando a obtenção de informações inerentes ao objeto de estudo.
Dessa forma, definiu-se pela entrevista não estruturada com as professoras e a representante do
MST, pois esse tipo de entrevista oportuniza a riqueza de detalhes e a diversidade de informações
sobre o tema em questão. Quanto aos demais entrevistados (pais, mães, diretora, secretária e
69
educandos), foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, com vistas a focalizar questões
especificas acerca da importância da escola e percepções sobre a profissão docente. Esse tipo de
entrevista se define como um tipo intermediário entre as entrevistas não estruturadas e
estruturadas – o uso da mesma permitiu obter informações baseadas num esquema básico, porém
não aplicado rigidamente, possibilitando adaptações que sejam necessárias ao roteiro de
entrevista e ampliação de informações, por parte do entrevistado, no momento da entrevista.
A realização das entrevistas ocorreu no primeiro semestre de 2005; em horários
escolhidos e adequados à disponibilidade de cada ator. Cabe ressaltar que, a cada entrevista
realizada, primeiramente eram esclarecidos os propósitos do estudo e solicitada a permissão para
se gravar os depoimentos.
A primeira entrevista foi feita com a Representante do Setor de Educação. Foi uma
entrevista tranqüila, a entrevistada estava muito à vontade e expressava segurança nas
informações relatadas. nos conhecíamos por intermédio da parceria entre a UNEB e o MST,
isso facilitou a interação entre ambas as partes e o não constrangimento diante do gravador. A
escolha do lugar foi a casa de sua mãe, em Itamaraju, no final da tarde. Não havia outras pessoas
no local naquele momento, a atividade transcorreu normalmente.
Quanto às demais entrevistas, durante as atividades de observação, no campo de
pesquisa, me aproximava das professoras e pedia a elas que agendassem um lugar e horário para
realizarmos a entrevista. Uma delas, a professora Nina, escolheu a própria escola, em horário
oposto às atividades docentes. Nessa entrevista, iniciamos por solicitar da entrevistada que
contasse a história do Assentamento e sobre o início do seu trabalho como professora no contexto
70
do acampamento
18
. Foi uma entrevista um pouco tumultuada, os alunos conversavam muito no
pátio e isso dificultou as gravações, mas a professora estava muito à vontade e expressava
segurança nas informações relatadas.
A partir de então, procuramos chamar a atenção para o barulho da escola quando algumas
das professoras ou dos demais atores citavam a escola como lugar para realizar a entrevista.
Mesmo assim uma das mães insistiu que a entrevista fosse realizada na escola e prontamente
atendemos seu desejo.
A entrevista com a primeira professora durou 01:15mim e agendamos um outro momento
para continuarmos, pois ainda precisávamos de suas informações sobre outros aspectos da
docência e da sua história como professora. As demais entrevistas ocorreram na residência de
cada ator.
Nas casas, na maioria das vezes, não houve a presença de outras pessoas, porque estavam
na roça ou na escola. Em uma das entrevistas, que foi realizada à noite, na casa de uma das mães,
encontrava-se no local seu esposo e, após os cumprimentos, no mesmo instante,
espontaneamente, ele se retirou da sala com as crianças e ficamos a sós.
As conversas ocorreram na mais absoluta cordialidade, sem preocupação por parte dos
entrevistados (as) em estarem falando a palavra certa ou errada. Por esse motivo e pela variante
lingüística ser uma especificidade marcante na oralidade do povo camponês, optou-se por manter,
na transcrição dos depoimentos, a originalidade das falas dos sujeitos. Em alguns depoimentos
encontra-se destaque, em negrito, para ressaltar aspectos considerados relevantes.
Também chamou-nos a atenção a prontidão dos atores para colaborar com a pesquisa e a
preocupação dos mesmos em que os objetivos propostos fossem alcançados. A esse respeito, os
18
Essa solicitação foi feita especificamente a essa professora, porque constatamos, na análise dos questionários e em
contato com a Professora Nalva Araújo (Pesquisadora e Militante do MST), que essa professora atua nessa
localidade desde a fase de acampamento.
71
autores Bogdan e Biklen (1994) e Lüdke e André (1986), discutindo a técnica de entrevista na
investigação qualitativa em educação, lembram que as “(...) boas entrevistas caracterizam-se pelo
fato de os sujeitos estarem à vontade e falarem livremente sobre seus pontos de vista”.
(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 136).
3.4.5 – O grupo focal
Para a realização do trabalho de coleta de dados, junto aos educandos, optamos pela
técnica do grupo focal, considerando a pertinência da mesma para suscitar percepções sobre a
realidade social dos sujeitos e as interações estabelecidas na discussão de um assunto comum a
um determinado grupo social.
Segundo Gatti,
O trabalho com grupos focais permite compreender processos de construção da
relidade por determinados grupos sociais, compreender práticas cotidianas, ações e
reações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes, constituindo-se uma técnica
importante para o conhecimento das representações, percepções, crenças, hábitos,
valore, restrições, preconceitos, linguagens, e simbologias prevalentes no trato de uma
dada questão por pessoas que partilham alguns traços em comum, relevantes para o
estudo do problema visado (...).”(GATTI, 2005, p.11)
Nesse sentido, a opção por essa técnica de pesquisa se deu pela sua coerência com os
objetivos propostos nessa etapa do estudo, pela potência do grupo focal em oportunizar a fluência
de um conjunto de informações de diferentes naturezas. (Gatti, 2005).
Para a realização do grupo focal foram formados dois grupos compostos segundo alguns
critérios: para o primeiro grupo, educandos de diferentes séries, na abrangência da atuação das
professoras entrevistadas e para o segundo grupo todos os alunos da turma de educação infantil.
As discussões produzidas nos grupos foram orientadas a partir de um roteiro previamente
planejado, o qual encontra-se no apêndice F.
72
Ao longo da atividade, buscamos observar as interações entre os educandos sobre suas
percepções acerca da escola e sobre as relações estabelecidas entre professores e educandos. As
informações obtidas foram bastante significativas para o aprofundamento deste estudo e as
análises encontram-se nos capítulos 4 e 5.
73
Capítulo 4
Vidas de Professoras – lições de vida e de construção da docência no
Assentamento Bela Vista
Quanto mais se afirma a especificidade do campo, mais se
afirma a especificidade da educação e de uma escola do campo.
Mais se torna urgente um pensamento educacional e uma cultura
escolar e docente que se alimentem dessa dinâmica formadora.
(ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 13).
Importantes pesquisas sobre a trajetória de vida pessoal e profissional de professoras
apresentam discussões sobre marcas de um processo histórico-cultural de profissionais que
vivenciaram, ao longo de suas caminhadas, diferentes imagens criadas por si e por aqueles que,
de fora da profissão, idealizam ou rotulam o ser professor (a)
19
. Nesse sentido, o texto que se
segue pontuará marcas, imagens e auto-imagens de professoras do assentamento Bela Vista, a
partir das fichas individuais, preenchidas no processo da pesquisa exploratória e dos depoimentos
colhidos por ocasião da atividade de campo.
A Escola Municipal Oziel Álvares Pereira, situada nesse assentamento, é a única da
comunidade; nesta, as quatro professoras com mais tempo de profissão, são mulheres que
carregam consigo marcas do trabalho com a terra, do pouco acesso às condições mínimas de
dignidade humana como alimento farto, moradia própria, saúde pública, transporte, educação
escolar e profissional. São oriundas de famílias pobres, que têm em suas histórias uma constante
luta pela sobrevivência. Filhas de pais pequenos agricultores e mães que se dedicavam ou se
dedicam apenas à labuta doméstica da casa, carregam consigo os limites da precariedade do
processo de escolarização, das condições materiais, culturais e sociais impostos pela estrutura da
sociedade capitalista, que não permite igualdade de condições para acesso a esses bens.
19
Dentre essas pesquisas, destacamos, Nóvoa (2000) e Arroyo (2000).
74
(...) Minha família é muito, assim, de origem humilde, quando a gente fala assim de
origem humilde, pobre, não é pobre de espírito, mas pobre de grana mesmo... Se não
fosse o Movimento, meus pais, meus amigos, meus irmãos, eu não teria esse meio de
sobrevivência, porque meu pai sempre trabalhou em roça, sempre, sempre, quando não
era na terra do meu aera na do vizinho, que precisava de alguém pra tomar conta
de sua roça, então ele fazia um tudo nessa roça (...).
(Professora Ninha).
(...) A família que eu considero mesmo, que eu tenho é a do MST porque eu convivo
aqui com esse povo dessa comunidade. E minha família é muito humilde e humildade
eu trago desde nascença (...) (Professora Nina).
No depoimento dessas professoras, observa-se o destaque dado ao adjetivo humildade.
Durante a entrevista, além das falas, se evidenciou no olhar, na expressão facial e no sorriso uma
satisfação em portar tal qualidade, como se isso fosse o bem maior alcançado em suas histórias de
vidas.
Considerando, como Nóvoa (1992b), que a vida pessoal tem implicações no
desenvolvimento profissional de cada professor e professora, é possível verificar no cotidiano
dessas professoras que suas práticas sociais e educativas apresentam nítidos traços de
simplicidade, afetividade e dedicação características que derivam da marca da humildade tão
presente em suas vozes e expressões. Por outro lado, no contexto da condição econômica e
sociocultural desses atores, se mobilizam ações e atitudes diante de tal situação, em uma luta por
outro espaço social, por vida mais digna, por melhores condições financeiras e por uma sociedade
mais justa e mais humana. Daí a adesão e/ou engajamento do Movimento Social dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. (Caldart, 2000).
Essas professoras vivenciam concomitantemente a vida pessoal, a militância política no
MST e a profissão docente, o que significa que a docência, enquanto atividade profissional, o
impede que elas se ocupem também de outras tarefas no cotidiano de suas vidas, pois a militância
e a lida na terra são obrigações que se misturam à atividade docente, na preparação da terra para o
plantio o adubo, a semente, a água, a enxada e o arado, são ingredientes e instrumentos que se
75
juntam para produzir o alimento; no caso da docência, os exercícios da profissão, da prática
política e da própria forma de tratar a terra se alimentam e se retro-alimentam uns dos outros no
processo de sua profissionalidade.
Segundo as professoras,
Nossas lutas, né? A marcha é a principal luta, assim, que s nos preocupamos
porque nós alcançamos alguma coisa marchando, marchando a gente vai e busca
mesmo e a nossa luta é através das marchas, buscando benefícios que são projetos, pra
melhoria, para plantio, pra acabar com a fome entre nós do assentamento e do
acampamento... s continuamos na marcha, ainda marchando pra gente reivindicar
nossos direitos, porque isso é um direito nosso e se não for assim, nós não conseguimos
obter o que nós queremos, através de marchas e para nós é privilégio marchar, pelo
menos eu gosto demais de marchar, eu tenho prazer, tenho orgulho de por meu na
estrada pra andar, não importa se é um mês, se é dois, mas eu tenho prazer (...)
(Professora Nina).
Antes de eu vir pr’aqui, em março de 1996, teve um encontro de professores em
Itamaraju, eu nunca sabia nada de Movimento, tava aqui, mas eu nunca tinha
ouvido falar nada de Movimento; eu fiquei apaixonada quando eu vi as falas das
pessoas, o tratamento das pessoas, todo mundo se tratava assim com aquela coisa bem
calorosa (...) eu estava ajeitando pra o negócio do concurso... Quando eu vim eu
não sabia, mas logo eu aprendi e abracei a luta, você tem que dividir solidariedade,
mansidão, sentir mais amor. (Professora Geo).
A referência dessas professoras à luta pela terra e ao processo de adesão ao Movimento
expressa o aspecto de interação que envolve a pessoa, a profissional e a militância política na
conquista de novos direitos. Portanto, essas vivências se dão em contextos muito próximos uns
dos outros e, por isso, se inter-relacionam compondo, de modo peculiar, o espaço social da
docência em área de reforma agrária. Trata-se de um espaço singular, onde ocorrem práticas
educativas escolares e não escolares, na grande maioria das vezes, contextualizadas com a
realidade sociocultural do lugar e das pessoas que ocupam e vivem nesse espaço ou, pelo menos,
onde se efetivam práticas educativas preocupadas em realizar essa contextualização sociocultural.
Nesse sentido,
(...) a construção da decisão de rebelar-se contra sua condição de sem (a) terra, o jeito
de fazer esta luta e o orgulho de passar a atender também por um outro nome que não
apenas o seu pessoal: quem é você: sou Sem Terra sim senhor, é através da luta e das
formas que ela vai assumindo, a passagem do sem-rosto a cidadão, ou seja, a
construção da identidade sem-terra como sujeito social de direitos: pessoas, coletivos,
76
que se sabem com direitos e que se organizam para conquistá-los. (CALDART, 2000,
p.85). [grifo da autora].
4.1 – O jeito de ser professora no Assentamento Bela Vista
Se, por um lado, a luta pela terra atua como produtora de aprendizados coletivos,
mobilizadora de novas performances culturais, sociais, políticas e educativas, do mesmo modo
imprime características peculiares às praticas educativas escolares e “aos jeitos de ser”
professoras. Então, é a partir das interações entre os mais variados aspectos socioculturais,
engendrados na convivência comunitária e nas finalidades que move homens, mulheres e famílias
inteiras a conquistar o direito à terra e à educação, que essas professoras constróem sua
profissionalidade docente. Segundo Contreras, pode-se definir a profissionalidade docente como
“(...) não descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas também expressar valores e
pretensões que se deseja alcançar e desenvolver nesta profissão (...)” (CONTRERAS, 2002,
p.74).
Sobre esses “jeitos de ser” específicos das professoras do Assentamento, destacamos:
1) O cuidado não com a formação escolar, mas também e, sobretudo, com a
formação humana dos educandos.
Nos depoimentos das professoras, pudemos constatar uma preocupação com a formação
humana e social e com a contextualização do trabalho educativo no Movimento como um todo.
(...) a proposta do movimento pra mim é uma das melhores que está tendo...valoriza o
ser humano, valoriza o aluno, sei lá, valoriza o ser humano como ser crítico construtor
da sua história (...) (Professora Geo).
A gente quer formar cidadãos conscientes daquilo que está acontecendo ao nosso
redor, pra poder defender suas causas e se defender. Então é uma proposta admirável
(...) (Professora Geisa).
(...) tem que ter o professor, não só na área de educação, mas educação ambiental e em
outras questões, né? Tem que ter alguém que orienta, que esclareça dúvidas, professor
não é aquele que ensina de a série; de 5ª a série, pra mim o é isso, é
77
muito mais. Ah! É professor, ensina o -a-ba, não. Não é isso, pra mim não (...)
(Professora Nina).
Além dessas falas expressarem uma compreensão de respeito no trato com o educando no
desenvolvimento do ensino, duas outras informações colhidas no processo da pesquisa
confirmam tal peculiaridade da docência. A primeira diz respeito aos depoimentos de uma das
Representantes do Setor de Educação na Região do Extremo Sul da Bahia Solange C. dos
Santos e da Diretora da Escola, Lia que, quando indagadas sobre possíveis diferenças entre a
escola da cidade e a escola do campo, disseram:
O tratamento de professor pra aluno precisa ser diferente, a gente vem buscando isso
sempre, mais diálogo, menos imposição, dialogar sempre, nunca esgotar o diálogo,
porque é conversando que a gente se entende (...) (Lia).
(...) A escola da cidade e, em especial as escolas particulares que é a que eu tenho mais
contato, eu vejo que eles têm uma preocupação muito grande com a formação
profissional, as pessoas estão muito preocupadas com o futuro no sentido de um
emprego bom, uma boa profissão (...) e nas escolas dos Assentamentos a gente está
preocupado com isso também. A gente quer que os meninos tenham realmente um
futuro melhor, mas não é o melhor pra mim, ou pra você, mas o melhor pra todo
mundo (...) então eu acho que a grande diferença é que nas escolas do assentamento a
gente tem o objetivo de trabalhar na formação da pessoa humana, de construir esses
valores de que falei anteriormente...se preocupando também com essa questão técnica-
profissional que você tem que ter; agora não afastando as pessoas do campo, não
desprendendo de suas raízes (...) (Solange).
Em outro trecho da sua fala, acrescenta:
Nós temos vários atores, educadores que vêm também contribuindo nessa efetivação,
mas eu diria que os dois, então os dois juntos são os principais atores na construção
dessa proposta do MST – os educandos e os educadores.
A segunda atém-se a alguns documentos produzidos pelo MST, a exemplo do Caderno de
Educação Nº 8, onde se discute cinco princípios filosóficos da educação no MST, dentre os quais
três merecem ressalva: 3 Educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4
Educação com / para valores humanistas e socialistas; 5 Educação como um processo
permanente de formação / transformação humana (1999, p. 8 - 9). E o Boletim de Educação
09, que apresenta um balanço da educação no MST por ocasião do vigésimo aniversário do
78
Movimento, fazendo a seguinte reflexão:
Os educandos estão no centro do processo educativo e é para eles que nossas ações
precisam voltar-se. Não os considerando seres passivos, mas participantes tanto no
sentido da construção do conhecimento, quanto da dinâmica escolar. Por isso é que a
auto-organização dos educandos constitui-se para nós num princípio educativo
fundamental. Espaço e tempo próprio para discutirem autonomamente suas questões e
intervirem no conjunto do processo em andamento (...) (MST, 2004, p. 36).
Esse cuidado com o educando e a finalidade da educação como formação humana se
constitui um dos elementos chaves do trabalho educativo que se realiza dentro do MST e, como
conseqüência, no Setor de Educação, no Coletivo de Educação e no Assentamento, pois qualquer
que seja a perspectiva de educação numa dimensão mais ampla ou na dimensão do processo
ensino-aprendizagem escolar jamais poderá prescindir do respeito ao outro como sujeito de sua
própria história. Como já nos disse Paulo Freire,
Por isso mesmo, pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente à escola, o
dever de não respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os da classes
populares chegam a elas, saberes socialmente construídos na prática comunitária
mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a
razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos.
(FREIRE, 2000, p. 30).
Então, quando Freire (2000) afirma o dever de não respeitar os saberes com que os
educados chegam à escola, mas a relação desses com o conteúdo formal / escolar, se expressa,
nessa convicção, o caráter eminentemente sociocultural e político do fazer docente, ou seja, do
ensino, não pelo fato de que a ação se entre sujeitos (educador e educando), mas também
pelo sentido de ensino como ato político, preocupado com a formação crítica dos atores
envolvidos no processo ensino-apredizagem. Além do mais, o ensino entendido como prática
social, no contexto da vida comunitária do assentamento, se efetiva em condições mais favoráveis
de reflexão sobre a cultura, o convívio social e de práticas mais democráticas.
79
Os educandos, por sua vez, também foram indagados sobre suas percepções acerca do
que é ser professor e da relação entre professor e aluno. Vejamos as figuras seguinte:
FIGURA 1
Fonte: texto produzido por uma educanda da 2ª série durante a pesquisa de campo
Fonte: texto produzido por uma educanda da 2ª série, durante as atividade de campo
FIGURA 2
Fonte: texto produzido por uma educanda da 1ª série, durante as atividade de campo
Os textos das educandas (Figura 1 e Figura 2) evidenciam uma percepção da professora
como aquela que “educa as crianças na aprendizagem da escrita” e demonstra uma relação de
80
afetividade na escola e no aspecto do convívio social com a professora que se além do dia-a-
dia na escola. Essa análise, confirma ainda mais, a afirmativa de que a docência e as relações
existentes entre professoras e educandos vão além do âmbito escolar, ou seja, estão implicadas na
convivência cultural, social, política e afetiva entre os sujeitos.
2) o valor da formação continuada no desenvolvimento da docência.
Esse segundo “jeito de ser” se apresenta, também, de forma relevante, na medida em que
a formação continuada é ponto decisivo para a construção processual da profissionalidade
docente, pois é desse processo que os profissionais da docência adquirem condições teórico-
metodologicas para poderem inferir e construir sua profissionalidade de modo consciente,
reflexivo e crítico.
Observou-se, nas falas das professoras e de outros atores da pesquisa, uma preocupação e
uma convicção da imprescindibilidade da formação continuada, ou seja, com os estudos e o
aprimoramento continuado dos saberes da docência como mola propulsora de aquisição de outros
tantos saberes e suportes qualitativos no desenvolvimento do ensino.
Se luta tanto por escola pra poder se adquirir conhecimento das coisas e saber o que é
de nosso direito, o que é dever da gente. E a gente tem que ir procurando fazer um
assentamento melhor, a partir daí a educação é de fundamental importância, porque as
pessoas mais esclarecidas se desenvolvem, é um meio de ir fazendo um assentamento
melhor e a gente vai conseguir ir transformando a sociedade. (Diretora da Escola
Lia).
(...) os encontros que eu vou, que participo, isso pra mim é uma... tanto eu aprendo
como também nas reuniões eu passo aquilo que eu aprendi lá fora, com minhas
companheiras aqui, quando o chegam a ir; eu falo a importância né, daquele
encontro que é muito bom, gratificante, a gente tem mais, no caso, de ter segurança no
que vai falar, aplicação dos conteúdos na sala de aula e é uma importância muito
grande desses encontros, desses cursos que s fazemos no Movimento Sem Terra, (...)
no encontro de educadores da Reforma Agrária, (...) foi muito bom, criativo, coisas
mesmo que a gente não pode deixar de passar na sala de aula, deixar de sempre estar
falando e temos que dar continuidade a esse tipo de educação até o dia que Deus
permitir (Professora Nina).
81
Um outro dado, que também diz respeito a essa característica, foi o Encontro Regional de
Educadores e Educadoras do MST, realizado no período de 14 a 16 de abril de 2005, no Centro
de Formação Carlos Marighella – Assentamento 1º de Abril – Prado-Ba . Nesse encontro,
evidenciou-se o modo crítico, reflexivo, político e sociocultural com que o Movimento promove
espaços de estudo, discussão e debate sobre a pedagogia do Movimento, ao mesmo tempo em que
também organiza outras atividades como oficinas, cursos, visando a qualificação continuada de
seus profissionais.
Então, tanto por parte dos docentes como por parte da administração da escola e do Setor
de educação, uma clara preocupação com a qualificação dos docentes. Apesar dessa
qualificação não estar ocorrendo através de cursos formais, como apontam os dados da tabela 3
(página 57), essa preocupação se manifesta nas reuniões periódicas do Setor de Educação do
Movimento, algumas das quais tivemos oportunidade de assistir e na fala da Representante do
Setor de Educação, reproduzida na página 97 deste relatório. Em todas elas, o problema da
formação continuada e do trabalho coletivo vem à tona. A questão do trabalho coletivo na escola,
apesar de sua valorização por parte dos atores envolvidos, apresenta alguns problemas, como
veremos a seguir:
3) O cuidado, preocupações e limites – aspectos do trabalho coletivo.
Também se constitui de fundamental importância o trabalho coletivo dos atores sociais
que compõem a escola. Observa-se, nitidamente, práticas democráticas nas tomadas de decisões
que envolvem a comunidade escolar e a comunidade assentada.
(...) quanto ao funcionamento da escola, a direção somos todos nós, não tem esse
negócio de “ah! Quem resolve é a diretora”, “o pepino maior fica pra diretora, fica
pra secretária”. Não, tem a diretora que é Maria Dias, mas a gente não deixa tudo pra
ela, nem ela resolve tudo sozinha; nas questões se reúne e se decide, no grupo. Não é
82
um professor que decide pelo grupo, como tem em muitas escolas por aí, fora daqui
(Professora Ninha).
(...) toda vida nós trabalhamos em conjunto: “oh! Reúne, nós vamos fazer isso, a
maioria é que vence”, primeiramente a diferença está ai na coletividade pelo menos
nas decisões que se vai tomar, qualquer coisa a gente trabalha coletivo (Professora
Geo).
Nós somos pessoas unidas, não é que cada um faz o seu, porque eu sou professora, eu
sou a diretora, eu sou a secretária. Nós somos uma família e a gente trabalha em
círculo, todo mundo é amigo e trabalhamos juntos de segunda a sexta. Nós aqui somos
uma comunidade, então não é cada um por si (...) (Secretária – Fabiana).
Uma fala da Diretora da escola também se referiu ao trabalho coletivo, embora tenha dado
maior ênfase às dificuldades encontradas,
(...) assim, a nossa escola é um pouco diferente, é complicado desenvolver sua
pedagogia, pois a gente não está habituado a trabalhar a coletividade e um dos
objetivos do MST é trabalhar o coletivo. É complicado tomar decisões coletivas, a
gente está acostumado a ter uma pessoa na escola, que manda, que determina tudo,
quando chega na escola e, daí, tenta implantar mais ou menos na direção coletiva,
onde todos possam dar a sua opinião pra desenvolver um trabalho melhor (...)
(Diretora – Lia).
No entanto, durante o período da atividade de campo, nenhuma questão relacionada ao
processo ensino-aprendizagem foi discutida coletivamente. Consideramos esse aspecto
importante para tecermos reflexões em torno da compreensão da docência na escola. Por
exemplo, as atividades de AC (atividades complementares), previstas no calendário escolar, com
a finalidade maior de elaboração do planejamento de aulas, se efetivam quando não um
outro assunto a ser tratado no horário disponível ao AC, ou seja, a prioridade não é o horário
destinado ao planejamento de aulas e sim um assunto pendente que mereça discussão coletiva.
Além disso, na atividade de AC que observamos, os professores espontaneamente formaram um
grupo na secretaria, outro numa sala de aula, alguns em dupla, outros em trio, outros
isoladamente e folheavam livros didáticos, anotavam assuntos e respectivas páginas no caderno
de planejamento, mas em nenhum momento discutiram problemas/aspectos do processo ensino-
aprendizagem, conforme consta no diário de campo, os registros de observações descrevem como
83
ações coletivas aquelas destinadas à realização de atividades coletivas da escola com a
comunidade assentada e não às questões de cunho pedagógico escolar.
Recorro então a Rodrigues (1998), quando se refere às características fundamentais do
educador necessário, com a seguinte reflexão:
(...) se a escola se pretende democrática, o educador necessário para ela deve assumir,
democráticamente, a sua tarefa educativa, como conseqüência ele deve compreender a
importância coletiva do seu trabalho. Se não compreende, ou é incapaz de
compreender que sua tarefa educativa não se encerra no âmbito de sua sala de aula e
na sua forma de avaliação, ele não vai concorrer para o exercício e para a formação
de uma escola e de uma educação democráticas. (RODRIGUES, 1998, p.67).
Portanto, identifica-se nessa característica do exercício docente, um limite na
compreensão e na prática do trabalho coletivo, que se configura como divisão de tarefas e
decisões na gestão da escola. Assim sendo, o exercício docente se apresenta predominantemente
mais “solitário do que solidário”.
No 11º princípio pedagógico da educação no MST, consta o seguinte,
“Sem uma coletividade de educadores não há verdadeiro processo educativo.‘Nenhum
educador tem o direito de atuar individualmente, por sua conta e sob sua
responsabilidade’ (Makarenko). (...) Um professor ou professora que trabalhe só, não
consegue pôr em ação estes princípios pedagógicos que aqui defendemos” (...)
(MST,1999, p.21).
Desse modo, reforça-se ainda mais a análise de que o trabalho coletivo dos docentes, no
âmbito do assentamento, precisa ser mais refletido criticamente, visando redefinições e novas
orientações ao exercício dessa prática.
4) A relação da docência com os pais e mães dos educandos
A relação da docência com os pais dos alunos é outro traço marcante no dia-a-dia da
escola. É evidente, nas falas das professoras e de alguns pais, a efetiva participação dos pais no
dia-a-dia da sala de aula. Os professores consideram fundamental a presença freqüente dos pais
84
no processo de ensino e de aprendizagem dos educandos e os pais, por sua vez, acompanham esse
entendimento. Assim se pronunciam duas professoras e uma das mães entrevistadas:
(...) A participação dos pais, por exemplo, aqui os pais participam muito mais, tem essa
diferença (...) (Professora Ninha).
(...) eu faço questão que eles venham, entrem na sala, assistam meu trabalho com os
filhos deles, o meu tipo de trabalho, o meu método de ensino; eu faço questão que ele
participe e, às vezes, não é todos os dias, mas de vez em quando eles me pegam assim
de surpresa, eu fico feliz por isso, que eles façam parte aqui da escola, eu digo:
“venham ver como é que a gente trabalha com seus filhos”. (Professora Nina).
Eu freqüento a sala dos meus filhos, não todos os dias porque eu não tenho tempo. Eu
venho uma vez, duas vezes, três vezes na semana, sento ali junto, observando (...) (Mãe
de aluno da 4ª série).
Então se mostra, com muita clareza, a participação efetiva dos pais no desenvolvimento
escolar dos filhos e, por conseguinte, uma colaboração significativa com o ensino, pois a
presença constante e a autonomia da comunidade assentada na reivindicação de direitos,
participação nas decisões sobre os rumos do assentamento se refletem na dinâmica da relação
entre docentes e pais. Os pais se ocupam do acompanhamento do filho na escola e em casa (nas
tarefas escolares) como um dever, uma obrigação.
Cabe salientar que essa prática não causa nenhum “mal estar” às profissionais. Nos
depoimentos, nas posturas observadas, na relação das professoras com os pais e com a
comunidade se verifica que as relações se dão com muita naturalidade e, de certa forma, uma
satisfação, por parte das professoras, em ter com quem contar e em ter apoio na gestão da aula, ou
seja, os professores avaliam que essa postura e comportamentos que os pais assumem, diante do
processo ensino-aprendizagem facilita a aprendizagem, e as relações inter-pessoais entre os
educandos. Os pais também acreditam que a sua colaboração e parceria nesse processo é
indispensável. Vejamos mais algumas falas:
Eu acho que elas fazem a parte delas. Agora eu é que tenho que fazer minha parte
também pra que ela aprenda. Se eu não sentar e ajudar . . . Ensinando ela aqui em
casa quando ela chegar, educando ela, sentando com ela, fazendo minha partezinha,
85
pra quando ela chegar ela. . . ter uma educação melhor, porque às vezes ela
ensina e às vezes não. (Mãe de uma aluna da 1º série).
Eu acho que quando tem reunião de pais, os que aparecem são aqueles que menos
necessitam da incentivação em casa e na escola. Os que precisam, esses não o, tem
vezes que passa o ano todo e eles não vão, são esses que criticam o professor,
desvalorizam o professor, até mesmo o próprio filho desvaloriza(...) (Professora
Ninha).
(...) a gente não pode errar, é fazer de um tudo porque a comunidade é boa, mas
também ela cobra demais, cobra mesmo e se vo pisar em falso. E tem razão de
cobrar, porque se não for cobrar tem pessoas que relaxam (...) (Professora Geo).
(...) na escola da cidade você satisfação ao diretor e ao secretário, aqui você dá
satisfação ao diretor, ao secretário, aos alunos, aos pais dos alunos, à direção do
assentamento, à representante regional do Movimento. Então aqui você tem que ter
mais responsabilidade e compromisso com as coisas, eu acho que essa é a diferença
um tentando ajudar o outro (...) (Professora Geisa).
Na primeira fala, quando indagada sobre o perfil da professora, a mãe enfatiza a
necessidade de sua participação no processo de aprendizagem da criança, afirmando nossa análise
de interdependência da participação de pais e professores no processo ensino-aprendizagem. Na
segunda, a fala da professora, quando indagada sobre a participação da comunidade na escola,
destaca a importância da “incentivação dos pais”. observa-se no contexto dessa expressão, que
quando isso não acontece há uma implicação direta e de forma desfavorável na relação entre pais
e mestres, assim como na aprendizagem do educando. Os demais depoimentos ressaltam a
importância e a razão da intervenção dos pais nos processos de ensinar e aprender. No entanto, de
qualquer modo, a participação dos pais no exercício da docência, no funcionamento da escola e
no desenvolvimento escolar dos filhos é uma realidade.
Um outro aspecto observado nessa característica, ainda referente à participação dos pais
na escola, é o modo como os pais interferem no processo de ensino, de forma que orienta
algumas posturas e práticas docentes a comunidade/os pais “educam os professores”
focalizemos então as falas, citadas, das Professoras Geo e Geisa: a gente não pode errar, é
fazer de um tudo porque a comunidade é boa, mas também ela cobra demais”; “na escola da
cidade você dá satisfação ao diretor e ao secretário, aqui você dá satisfação ao diretor, ao
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secretário, aos alunos, aos pais dos alunos, à direção do assentamento, à Representante Regional
do Movimento”.
Na análise de alguns documentos do MST, encontramos respaldo teórico-metodológico
para a participação e intervenção dos pais no desenvolvimento do ensino e da aprendizagem:
A comunidade, por sua vez, precisa assumir a escola como sua, levando a ela os temas
de seu interesse e abrindo-se para as possíveis contribuições. A comunidade tem o
direito e o dever de participar permanentemente da construção escolar, desde seus
aspectos pedagógicos, econômicos, culturais e políticos. (MST, 2004, p. 36).
Esse pressuposto se constitui como um dos elementos basilares para a construção da
escola e do exercício docente, que contribui efetivamente com a transformação da sociedade e
com a construção de homens e mulheres mais humanos e mais felizes. Nesse sentido, essa
característica compartilha, ainda, com o enriquecimento dos aspectos socioculturais que ocorrem
na dinâmica do convívio social da comunidade assentada e escolar.
5) A disposição para enfrentar qualquer batalha em busca da conquista de direitos e
melhorias para a comunidade, para a escola ou para o exercício da docência.
Queremos dedicar atenção especial a essa característica porque, durante todo o processo
da pesquisa de campo, essa marca de disposição política é evidente e peculiar ao exercício
docente na escola do assentamento pois, dada a singularidade desse aspecto, tão pouco comum
em outros espaços de atuação docente, consideramos que tem relevância significativa no
desenvolvimento da profissionalidade do professor. Assim, quando entendemos profissionalidade
docente como qualidade da pratica profissional e expressão de valores e pretensões requeridas no
desenrolar da profissão, temos claro que o contexto político e social mobiliza as ações e posturas
dessas profissionais diante da realidade em que vivem e do desenvolvimento da profissão. A esse
respeito, temos os seguintes depoimentos:
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(...) Mas é muito bom, é muito bom mesmo o Movimento Sem Terra. A gente adquire
mais experiência, aprende a ter mais compromisso com as nossas lutas, com o nosso
dever. Isso é muito importante na vida de cada um de nós, isso tem uma importância
muito grande. Eu tenho o maior orgulho de ir pra marcha e lugares que precisa ir
andando. (Professora Nina).
Na primeira parte dessa fala, observa-se a afinidade da professora com a luta e com os
princípios do Movimento, relação imprescindível na militância. Como tal aspecto não pode estar
dissociado de outras vivências e ações do sujeito, mais uma vez se evidencia a dimensão
sociocultural entre os docentes e as atividades políticas do MST. Desse modo, os professores,
numa tomada de decisão coletiva, se dispõem ao confronto direto com o poder vigente na luta por
direito à escola, por melhoria das condições de trabalho e dignidade na educação. Observemos,
então, o relato de uma atividade política do movimento pelo olhar de uma das professoras e da
representante do Setor de Educação,
(...) Agora mesmo, recente na pedagogia, a maioria dos educandos precisou ocupar a
Prefeitura do Prado, reivindicando nossos direitos; tem que brigar mesmo, agora
brigar assim com razão e pela nossa causa (...) O professor trabalha em área de
assentamento e o prefeito não paga, paga quem votou nele, então o que nós
fazemos? Nós vamos a na Prefeitura e ocupamos; fizemos nossa caminhada e
reivindicamos nossos direitos, colocamos o nosso povo na rua, porque é uma causa que
nós estamos aqui ali, não é em o não (...) E quantas vezes fizeram isso com o nosso
povo, estaremos lá para reivindicar (...) (Professora Nina). [grifos nossos].
Basicamente é o setor que puxa essas mobilizações em torno da escola. No momento da
mobilização, o Movimento vem todo, os diversos setores, porque é uma atividade que o
setor de educação identifica, né, e também pela função que desenvolve, por exemplo, a
ocupação da Prefeitura do Prado a gente tinha uma escola que funcionava 04
anos com o ensino fundamental de 1º à série e, no final desse ano, o Prefeito
resolveu acabar com a escola de a e deixar de à 4ª. Foi uma perda muito
grande para a comunidade, então a gente identificou isso, fez uma discussão com a
comunidade, tanto a comunidade em que a escola está localizada como as
comunidades vizinhas, que eram atendidas pela escola. A gente identificou que era um
problema, avaliou que a gente não podia deixar isso dessa forma, discutimos com a
direção do Movimento e resolvemos nos mobilizar, foi que a gente resolveu ocupar
a prefeitura e fazer aquela ação que você teve a oportunidade de participar(...)
(Representante do Setor de Educação). [grifos nossos].
Os trechos destacados nos depoimentos supracitados expressam similaridade e sintonia
entre os discursos, uma confluência de convicções e finalidades que forma a compreensão de
que é na luta e na resistência que se conquista a dignidade no plano da vida e da profissão. Nesse
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sentido, os aprendizados produzidos numa atividade dessa natureza transcendem aos limites do
momento presente, para tomar corpo em outras performances da vida e da profissão. Dizendo de
outro modo, a densidade de significados políticos e pedagógicos, aí contidos, imprime marcas no
processo identitário dos sujeitos, impossíveis de serem mensuradas, julgadas, questionadas,
porque estão intrinsecamente relacionadas aos processos histórico-culturais de cada homem e
cada mulher, professor, professora e militante do MST.
Nesse cenário de intenso movimento sociocultural, cabe ressaltar que o ato educativo é
eminentemente político e que a “educação, enquanto especificidade humana, é um ato de
intervenção no mundo a favor de mudanças profundas na sociedade, no campo da economia, das
relações humanas, da propriedade e dos diferentes direitos” (FREIRE, 2000, p.110). Então, na
vivência crítica e politicamente determinada que se verifica nos depoimentos, de fato, nelas
grandes possibilidades de se refletirem, também criticamente, no exercício da docência.
Todavia, segundo Contreras,
As qualidades profissionais que o ensino requer estão em função da forma em que se
interpreta o que deve ser o ensino e suas finalidades e, evidentemente, sobre este ponto
abre-se um leque de posições e análises. No entanto, em qualquer caso, reflete-se uma
tensão entre o que os professores são como profissionais, o que o ensino é como
prática real e concreta e o que seria uma aspiração educativa em ambos os aspectos.
(CONTRERAS, 2002, p.75).
Portanto, é dispensável acentuar que tais vivências não se dão de modo pacífico,
harmônico, pois conforme o pensamento de Contreras e como citado anteriormente, o
movimento entre ser professor e o exercício da docência também se mediado pelas condições
e limites do contexto educativo e pelo modo de viver e produzir a profissão, é por isso, então, que
não se tem um molde, uma receita, uma forma para fabricar formas adequadas para o “bom
ensino”, ficando a cargo da interação e do diálogo entre o profissional, sua vida pessoal, contexto
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da prática docente e o exercício docente, as respostas às qualidades do ensino e ao
desenvolvimento profissional.
Queremos, ainda, salientar o exercício constante de indignação que se realiza em
atividades como essa, de indignação com os mandos e desmandos do poder vigente, com um
Prefeito Municipal que pensa ter “autoridade” para fechar uma escola em pleno funcionamento e
também mobiliza a “justa raiva” das circunstâncias político-sociais que negam o acesso de
crianças, homens e mulheres à educação, mas que, por isso mesmo, enchem de coragem e
esperanças os corações de guerreiros e guerreiras da docência na busca de seus direitos.
As expressões “guerreiros” e “guerreiras” devem-se ao fato de que alguns depoimentos
demonstraram ressentimentos e indignação com a desvalorização da profissão docente, mas nem
por isso esses sujeitos se entregam à acomodação.
O professor tem uma função de grandes oportunidades pro educando e também é doar,
é doação, pra você ser um educador realmente você precisa se doar, porque acho que
não é o salário, como o salário hoje em dia está, tem que ter amor à profissão.
(Diretora da Escola – Lia).
Uma profissão que você trabalha muito, mas o reconhecimento, ele é, eu digo, o
reconhecimento econômico, de direito, coisa e tal, ele é muito desvalorizado, de certa
forma (...) Se você for pensar pelo lado econômico, realmente a gente tem muitos
desgastes, não é realmente valorizada, mas eu hoje estou vendo a profissão mais por
esse lado de estar contribuindo com a formação de novos seres, novas pessoas, novos
sujeitos. (Representante do Setor de Educação – Solange).
Muito sofredora... sabe por que? Às vezes, nós não somos é... todo mundo pra ser
qualquer coisa tem que passar pelo professorzinho primário e o valor dele não é
reconhecido. Eu sei que todo mundo tem categoria que defende, os professores é bem
menos, principalmente os professores primários e não somos, não temos privilégios,
não somos reconhecidos e somos mal remunerados (Professora Geo).
Eu acho que era um bom salário, eu não sei quanto as professoras ganham, mas pra
elas trabalharem com mais carinho, elas tem que ter um bom salário e ajuda dos pais,
porque tem pais que quando a escola um castigo ao filho eles acham ruim, eu não
sei aqui, que eu nunca estive a par dessas coisas, mas onde que eu morava, em
Teixeira, já vi(...) (Pai de aluno da 2ª série).
O termo guerreira é um substantivo adjetivado que designa aquela que defende um tempo,
lugar ou objeto. No caso das professoras e também pelo olhar de outros atores que com elas
convivem, essas defendem no dia-a-dia seu “ganha pão” com o exercício da docência uma
90
profissão cujas imagens denotam uma construção social, cultural e política arraigada de interesses
extra escolares. (Arroyo, 2000). Entretanto, essas imagens não negam o princípio da
responsabilidade profissional, do prazer e gratificação em ensinar e do amor pela profissão, por
isso a denominação também de “guerreiras do ensino” lhes é pertinente.
Passemos agora a um outro ponto de nossa leitura sobre aspectos da vida pessoal e
profissional das professoras, que é o processo de formação profissional das educadoras do MST.
4.2 – Linhas e entrelinhas do processo de formação profissional das professoras
Uma outra lição dessas professoras se refere ao seu processo de formação, o qual diz
respeito às razões pelas quais elas chegaram até o Magistério. Vejamos seus depoimentos:
Foi por acaso, eu digo assim por acaso, mas com muito orgulho. Porque, na época que
a gente estava pra decidir mesmo o que ia fazer da vida, em termos de escola,
terminando a 8ª série, aí um grupinho de colegas, a gente foi fazer a matrícula.
Chegando na escola, a secretária perguntou: “e aí, vocês vão fazer pra que: magistério
ou formação geral, só tem esses dois”. (Professora Ninha).
tinha duas opções: formação geral e o magistério, a formação geral é pra adquirir
conhecimento para você entrar na faculdade e o magistério tinha mais opção pra você
arranjar um emprego, aí eu optei pelo magistério. (Professora Geisa).
Eu não tinha muita opção porque em Itamaraju tinha contabilidade e magistério,
eu falei: “vou fazer magistério, o sei se esse é meu caminho”, mas na primeira
semana eu falei: “é aqui que eu vou ficar”, gostei mesmo. (Professora Geo).
Parei na sétima série e depois de muitos anos que tinha parado, meu marido disse
que eu continuasse, não parasse de estudar, estava na série, que era bom continuar.
Aí eu voltei a me matricular, a estudar, aí, quando foi em 1989, eu conclui o magistério
e aí, logo, logo comecei a trabalhar e até hoje estou trabalhando. (Professora Nina).
O conteúdo desses depoimentos demonstra que uma das razões mais acentuadas para o
ingresso no Magistério é a falta de opção que se apresenta ás professoras, no momento inicial de
traçar o projeto profissional, ou seja, no momento da matrícula para cursar o ensino médio as
escolas oferecem Formação Geral e/ou Magistério, então o Magistério, sendo um curso
profissionalizante, é o que melhor possibilita a viabilidade do emprego. Uma outra análise
91
pertinente, ainda referente ao ingresso no Magistério nos remonta a uma das proposições da
Reforma Capanema em 1930 o ensino profissionalizante idealizado para as camadas populares
da sociedade tal proposição implica na concepção de que às camadas populares bastava a
escolarização/instrução, em nível médio, para o exercício profissional. No caso das quatro
professoras citadas, três cursaram o magistério por oferecer mais oportunidade de emprego,
explicitamente, a urgência é do emprego e não do início de uma carreira com projeções de
qualificação profissional, ou seja, se garante a sobrevivência com o possível emprego e a
qualificação fica a cargo da dinâmica da vida e da própria profissão. A esse respeito, Nóvoa
(1991) e Sacristán (1992), em discussão apresentada no primeiro capítulo, confirmam que o
processo e o contexto da funcionarização do exercício da docência compreende um jogo de
interesses entre o Estado e os professores.
Todavia, ressalta-se, nessas mesmas vozes, o gosto e entusiasmo pela profissão: “eu digo
assim por acaso, mas com muito orgulho”; “na primeira semana eu falei: é aqui que eu vou ficar,
gostei mesmo”; “aí, quando foi em 1989, eu conclui o magistério e aí, logo, logo comecei a
trabalhar e até hoje estou trabalhando”.
Essa relação de afetividade com o exercício da docência produz auto-imagens que
delineiam um perfil profissional que, até certo ponto, se assemelha à imagem de dom, de sagrado,
de maternal. “É difícil sairmos de certos traços que vêm de longe, que não perdem relevância,
apenas são destacados sob um olhar secularizado” (ARROYO, 2000, p.33). Porém, é preciso se
considerar o discurso oral desses atores sociais na sua totalidade e não isoladamente. É o
conjunto de expressões e dos elementos de coesão e coerência textual - conversacional que
sinalizam o sentido da comunicação oral. (Cagliari, 1992), (Koch, 1997) e (Valverde, 2003).
Nesse sentido, nos referimos a outros trechos de falas, nos quais os atores da pesquisa
depõem sobre o modo de ser professor e neles se evidenciam performances profissionais que
92
transcendem à subserviência, passividade, acriticidade impregnadas na imagem do mestre divino,
salvador. Nesses depoimentos, destacamos os trechos que caracterizam diálogos com os
educandos, parceria com os colegas e com os discentes, reflexão crítica sobre os conteúdos
curriculares. Desse modo, é possível afirmar que um movimento conflituoso entre auto-
imagens, imagens produzidas socialmente e o exercício da docência.
Assim se pronunciam as professoras sobre os jeitos de atuarem no exercício da docência:
Meu jeito de ensinar é um jeito calmo, tranqüilo, né? Para que eles possam gostar do
meu trabalho, gostar de ir para a escola, permanecer sempre indo, porque o
professor, ele também é um motivador, né? Então eu faço de tudo pra agradar eles e
também espero que eles façam alguma coisa que me agrade.(Professora Nina).
Eu sou assim uma pessoa dedicada, companheira, amiga e sou muito carinhosa com os
alunos, sabe... eu acho assim que sou flexível, aceito qualquer sugestão pra me ajudar:
“oh, fulana, eu achei isso aqui”, eu aceito; não sou individualista, não. Sempre
quero dividir, se eu achei uma coisa e sei que pode ser importante pra alguém eu
quero passar e sempre dividir. (Professora Geo).
Eu me acho uma pessoa assim esforçada e preocupada com a educação desses
meninos. Eu o sei, eu não consigo me prender a um método só... então eu procuro
assim muito pesquisar métodos pra desenvolver na sala de aula para que eles possam
aprender, possam brincar, às vezes tem pessoas que criticam muito as brincadeiras
ah! O professor vai pra sala de aula brincar. Só que ele não sabe o que realmente está
acontecendo na sala de aula ou até mesmo fora porque acha que preso nas 4
paredes da sala de aula é que aprende, mas fora da sala de aula também se aprende,
em casa, no pátio da escola, na cantina, onde ele estiver, ele está aprendendo alguma
coisa, dependendo da pessoa que está ali orientando, explicando. (Professora Ninha).
Eu sou calma, eu sou carinhosa, eu tenho paciência... Gosto dos alunos, gosto de
conversar pra saber o que é que está acontecendo e saber se eles estão precisando de
alguma coisa (Professora Geisa).
Um outro dado de análise sobre o modo de ser das professoras se volta sobre o que
Contreras denomina “obrigações morais”. Segundo ele,
A primeira dimensão da profissionalidade docente deriva do fato de que o ensino supõe
um compromisso de caráter moral para quem a realiza (Contreras, 1990: 16 e ss.).
Este compromisso ou obrigação moral confere à atividade do ensino um caráter que,
como assinalou Sockett (1989), se situa acima de qualquer obrigação contratual que
possa ser estabelecida na definição do emprego (...) (CONTRERAS, 2002, p. 76).
Assim sendo, observamos, nos depoimentos que se seguem, a notoriedade dessa dimensão
da profissionalidade do professor, a qual se configura também como uma dedicação político-
93
pedagógica que se realiza, de forma espontânea, no exercício da docência, a partir do processo de
interação social entre professor e educando, ou seja, essa dedicação político-pedagógica é uma
prática docente isenta de qualquer dependência mercadológica ou de uma receita capturada num
curso de capacitação; é uma tomada de decisão diante do ato de ensinar. Vejamos, então, os
depoimentos:
(...)eu me esforço o mais que eu posso pra fazer o melhor para meus alunos e também
assim eu trabalho com essa criançada, já esses anos todos e também eu gosto de
envolver a comunidade, isso é muito bom (...)(Professora Nina).
(...) é uma responsabilidade muito grande, que, às vezes, a gente vem por uma
necessidade, precisão ou por falta de opção, mas na realidade é uma grande
responsabilidade, se você está consciente de que é através de seus conhecimentos,
ensinamentos, então é uma responsabilidade muito grande (...) Você está ali, convive
com ele mais do que o pai e a mãe. O pai sai pra roça de manhã e só chega de noite, às
vezes eles estão dormindo e você passou a tarde todinha ou a manhã todinha, quatro
horas inteiras, então votem nas suas mãos um ser que você pode manipular, você
pode formar um cidadão digno ou ao mesmo tempo você pode formar um cidadão que
não tem interesse por nada; que acha que o que os outros disserem es bom (...)
(Professora Geisa).
Na minha sala de aula o meu maior problema é, não sei se é muita ansiedade, eu quero
que a pessoa/o aluno aprenda, eu quero explicar e como eu sei. (...) O meu desafio é
esse, eu quero e tenho que estar ajudando. Meu desejo é isso, que a maioria dos alunos
aprendam. (Professora Geo).
Ser professor é sentir que você é capaz de fazer com que o educando aprenda a letra
“a”, a letra “e” (...) Então, quando eu vi que alguns alunos assim, que não sabiam
nada, que eu comecei a explicar, pegar na mãozinha e indo, indo, indo eu quase choro
na sala de aula, que um aluno chegou e o sabia fazer o nome dele aí começou AL
eu disse: “está faltando mais duas letras”; ele baixou a cabeça e escreveu A e N -
ALAN e disse: “aí professora, eu fiz”. Nossa, pra mim foi a glória assim, sabe, me
sentir capaz de ajudar o ser humano... (Professora Ninha).
Novamente recorremos a Contreras, no sentido de subsidiar a reflexão de que depende da
forma como cada professor e professora se posiciona e se decide por esta ou aquela prática, por
este ou aquele comprometimento político-profissional diante do exercício da docência, assim, é
no desenvolvimento da profissão que se processa a identificação do professor e da sua prática
educativa.
O professor ou professora tem que inevitavelmente se defrontar com sua própria
decisão sobre a prática que realiza, porque ao ser ele ou ela quem pessoalmente se
94
projeta em sua relação com alunos e alunas, tratando de gerar uma influência, deve
decidir ou assumir o grau de identificação ou de compromisso com as práticas
educativas que desenvolve, seus níveis de transformação de realidade que enfrenta etc.
Esta consciência moral sobre seu trabalho traz emparelhada a autonomia como valor
profissional. Apenas a partir da assunção autônoma de seus valores educativos e de
sua forma de realizá-los na prática pode-se entender a obrigação moral.
(CONTRERAS, 2002, p. 78).
Nesse sentido, o que antes apontamos como aspecto negativo – o fato das professoras não
terem escolhido ou optado pelo Magistério no processo de análise dos depoimentos, deixa de
ter relevância, porque a dinâmica do processo de profissionalidade traçou outros contornos no
exercício da docência, ou seja, a dedicação e o comprometimento com a qualidade do ensino, os
quais se apresentam, nessas falas, em algumas posturas observadas e em algumas expressões
durante a entrevista, como repletos de valores que dão sentido à docência e orientam o
desenvolvimento profissional nesse espaço tão singular da docência o seio de uma comunidade
assentada.
Com essas afirmações, de modo algum pretendemos negar e/ou contradizer as
interpretações produzidas sobre as razões pelas quis essas professoras chegaram até o magistério,
mas salientar as transformações ocorridas no processo da profissionalidade dessas professoras. O
fato delas não terem escolhido a profissão e o ingresso na mesma ter se dado de modo mais
impositivo do que livremente ou com mais autonomia não implicou, nesse caso específico, em
insatisfação profissional ou descompromisso com a qualidade do ensino. Ao contrário disso,
percebe-se claramente as características de um ofício prazeroso, comprometido e dedicado com
as causas de um ensino mais qualificado politica e pedagogicamente.
Na continuidade da análise acerca da formação docente, situamos as fichas individuais,
preenchidas, pelos professores, sobre a trajetória escolar, onde se observou que as quatro
professoras selecionadas para a pesquisa possuem a formação inicial para o Magistério, conforme
o Art. 62 da LDB 9394/96:
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A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal.
(LDBEN - LEI 9394/96, art. 62)
Dessa forma, está assegurada a legitimidade do curso de Magistério em nível médio, ao
tempo em que se afirma a importância a exigência da formação docente em nível superior e,
assim, se pode afirmar que as professoras estão em processo de formação inicial e continuada,
engajadas na carreira do magistério. Nesse sentido, as professoras, dessa pesquisa, têm a
legitimidade legal para exercerem sua profissão.
Um dado bastante visível nos depoimentos dos atores da pesquisa refere-se à importância
da formação continuada dos professores que, conforme já explicitamos, tem sido objeto de
discussão nos Encontros de Educadores promovidos pelo MST.
Ainda por ocasião da pesquisa exploratória, constatou-se que a professora Nina estava
prestando vestibular para o curso de Pedagogia da Terra pela Universidade do Estado da Bahia
UNEB e, atualmente, encontra-se como discente do referido curso. Todavia, essa não é uma
condição fácil de se conquistar para mulheres nordestinas/baianas e sem-terra, para as quais o
acesso ao conhecimento é ainda mais escasso do que em outras regiões, isso sem se levar em
conta que a entrada no ensino superior, no nosso país, é ainda privilégio de poucos.
Ao comentar sobre sua decisão de fazer o curso superior, Nina assim se manifesta:
Uma pessoa com 50 anos enfrentar e agora voltar a estudar pra conseguir ser mais;
assim ajudar no que puder, dar o melhor de mim na educação dentro aqui da minha
área da Bela vista e também compartilhando com outros fora na área de educação,
compartilhando (...) (Professora Nina).
No dizer de Veiga,
A formação constitui um dos instrumentos privilegiados no processo de construção de
uma identidade profissional nos professores. Ela é um processo contínuo que se inicia
antes do exercício das atividades pedagógicas (pré-serviço), prossegue ao longo da
carreira e permeia toda a prática profissional, numa perspectiva de formação
permanente (...) (VEIGA, 2003, p.84).
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Partindo dessa concepção de formação continuada, chamou-nos a atenção o significado e
a relevância que a formação profissional tem para essas professoras. Vejamos seus depoimentos:
Eu espero que os nossos governantes valorizem mais a nossa profissão, que nos dêem
capacidade, que nos capacitem com cursos, com tudo que for necessário para que, a
cada dia, o professor possa ser porque é uma profissão que não pode deixar de
existir – isso que eu acho que é principal (Professora Geisa).
Eu procuro participar de cursos porque, é um ponto a mais na minha profissão e eu
gosto de participar tem pessoas que dizem assim: “ah eu vou participar porque é o
jeito”. Não, eu nunca fui pra esse curso com esse propósito de estar sendo obrigada
não. Eu vou porque eu quero aprender, apesar de ter o 2º grau e de ter outros
conhecimentos (Professora Ninha).
Também Nóvoa, quando discute desenvolvimento profissional: produzir a profissão,
refere-se à importância da “formação que possa estimular o desenvolvimento profissional dos
professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão (...)” (NÓVOA, 1992b, p.
27). Além de reforçar a perspectiva processual de construção da identidade profissional,
acrescenta premissas basilares indispensáveis a esse processo, como valorização dos saberes que
os professores já possuem, responsabilidade com o próprio desenvolvimento profissional. No
momento em que as professoras do Assentamento Bela Vista reconhecem o valor qualitativo
da formação profissional, isso por si se configura um grande avanço no seu desenvolvimento
profissional, pois a qualidade do processo de formação profissional depende, sobretudo, do grau
de envolvimento desses profissionais no processo de sua formação enquanto sujeitos autônomos
na dinâmica da autoformação participada ( Nóvoa, 1992b), (Severino, 2003).
Essa importância do processo de formação docente é também observada em falas de
outros sujeitos da pesquisa, o que se configura traço marcante no exercício da docência nesse
espaço social:
Eu acho que tem uma coisa que precisa mudar mais um pouco para os professores: é o
acesso à faculdade, porque pouca gente ainda está podendo, tem muita gente aí de
uma geração nova que tem o sonho de fazer faculdade e não pode, pra poder crescer
mais; eu acho que é isso, acho que deveria existir uma maneira de colocar todo mundo
na faculdade. Inclusive, eu gosto desse trabalho no MST, eles aqui...eles escolhem as
97
pessoas pra fazer a faculdade, eu acho isso muito bom, é uma oportunidade que está
dando para os professores (Secrétária da Escola – Fabiana).
(...) tem as atividades de formação com os professores; a gente tem vários cursos
formais, que o setor de educação tem também a atividade de coordenar e de
encaminhar esses cursos junto às Universidades; o projeto de educação,
principalmente, na educação de jovens e adultos, é uma atividade do setor estar
implementando esses cursos nos assentamentos; projetos, na área de educação infantil,
também, os parques infantis, as próprias cirandas infantis o nossos grandes desafios
(...) (Representante do Setor de Educação – Solange).
Em outro trecho da sua fala, a Representante do Setor de Educação do MST acrescenta:
A gente faz encontros com os educadores, então, todos os anos também a gente realiza
encontros regionais, onde a gente reúne basicamente todos os educadores de toda
regional e se trabalha temas que são relevantes pra formação desses educadores, como
a questão da proposta de educação do MST, um dos temas que a gente tem trabalhado
em todos os encontros, porque a gente tem certeza que vai contribuir com o trabalho
que eles vêm desenvolvendo. Agora é o Projeto Político Pedagógico da Escola, que é
um desafio nosso, estar construindo esse projeto em todas as nossas escolas, é uma
necessidade. Também fazer momentos de trocas de experiências, às vezes eles
apresentam um pouco o que estão construindo nas escolas, as oficinas onde a gente
vai construir juntos algumas coisas, alguns trabalhos que podem ser desenvolvidos na
sala de aula, com educadores e educandos (...).
Do mesmo modo, documentos do Movimento como: Caderno de Educação 8 (1999),
Cadernos do Iterra (2002) e Boletim da Educação número 09 (2004), que sistematizam
concepções, perspectivas, bandeiras de lutas, princípios filosóficos e pedagógicos acerca da
educação no Movimento, evidenciam a preocupação com o processo formativo de seus
professores. Essa preocupação, além de subsidiar a busca de qualificação profissional dos
docentes, oferece a esses profissionais a oportunidade que lhes foi negada em tempo regular
durante sua vida escolar e, ao mesmo tempo, atende às exigências da atual LDBEN, conforme o
citado Art. 62.
Todavia, cabe ressaltar que, por ocasião da promulgação da LDBEN, em 20 de dezembro
de 1996, conflitos e tensões entre o Governo do Estado e a categoria docente foram bastante
visíveis, haja visto o parágrafo 4
º
do Art. 87 das Disposições Transitórias dessa mesma Lei, o
qual foi interpretado com poder legislativo maior que o caput do Art. 62:
98
Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores
habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço. (LEI
9394/96, art. 87, § 4º)
O equívoco na interpretação desse artigo provocou uma corrida desenfreada em busca da
exigida qualificação, bem como triplicou a oferta de cursos de formação/capacitação aligeirados,
que comprometem a qualidade do processo de formação dos professores. “Uma exploração
mercadológica da formação de professores em nível superior” (Pereira; Andrade e Pimenta, 2004,
p. 65).
A questão se esbarra o na busca de qualificação, mas na exigência de que até 2006
prazo previsto para o término da chamada década da educação – todos os professores da
educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental teriam que portar o diploma de nível
superior para atuar ou continuar atuando nesses níveis de ensino.
Segundo Castro,
Particularmente a consideramos um delírio do legislador, que foi capaz de imaginar
que, em um país como o Brasil, com a imensa extensão territorial, as grandes
diversidades sociais e econômicas, onde a mais extrema miséria convive com a maior
opulência e onde inúmeros professores leigos, que às vezes nem possuem o ensino
fundamental, transmitindo o pouco que sabem aos futuros cidadãos das regiões
desfavorecidas, é permitido sonhar com todos os professores formados em nível
superior no ano de 2006, quando terminará a chamada Década da Educação. Essa
regra, naturalmente, teria condições de funcionar nas regiões mais desenvolvidas.
(CASTRO, 2005, p.26).
Em consonância com a provocação da autora, as condições de vida e de trabalho das
professoras do assentamento Bela Vista são exemplos concretos de que não depende da vontade
e/ou interesse do sujeito a busca pela qualificação profissional e conhecimento acadêmico, mas
de uma série de fatores políticos, sociais e econômicos que interrompem o processo de
escolarização da grande maioria de crianças, jovens, homens e mulheres do nosso país.
Nesse sentido, o MST busca qualificar seu quadro de profissionais, não preocupado com o
aligeiramento da formação de professor em nível superior, mas visando a qualificação processual
do seu quadro de profissionais.
99
4.3 – Linhas e entrelinhas da relação entre docência e comunidade assentada
O campo e seus trabalhadores e trabalhadoras não são inferiores à cidade e às pessoas da
cidade e a natureza da sua realidade (terra, cultura, enxada, semente) não tem menos valor que a
outra são lugares e situações diferentes. Tal diferença deve atrair e fortalecer o princípio da
igualdade de deveres, mas também e, sobretudo, dos direitos de condições dignas de vida em
sociedade.
Para tanto, esse Movimento Social dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e seus atores
entenderam e entendem que a escola no campo e do campo deve ser mais que escola – é
sinônimo de conhecimento ressignificado nas vivências, leituras e sabedorias que esses atores
possuem. Os professores e professoras, por sua vez, têm papel fundamental na viabilidade desse
projeto de educação não-formal, pois sendo eles e elas sujeitos que labutam diretamente com o
processo de educação escolar, esse ofício carrega consigo o desafio de efetivar um processo de
ensinagem
20
articulado com a realidade do campo e para o campo, mas sem negar a relação dessa
realidade com o contexto da sociedade e do mundo que o acolhe.
Ocorre que essas convicções não se efetivam num passe de mágica, na dependência
apenas do desejo, é preciso que, antes, se busque, num intenso processo de luta que inclui
resistência, consciência política, projeto de vida e de profissão condições materiais para
implementação dos objetivos e finalidades que se quer alcançar. Daí porque os jeitos de ser
professor e professora, nesse contexto, se materializam mediados pelas inter-relações
20
“Termo usado para indicar uma prática social complexa efetivada entre os sujeitos, professor e aluno, englobando
tanto ação de ensinar quanto de apreender, em processo contratual, de parceria deliberada e consciente para a
construção do conhecimento escolar, resultante de ações efetivadas na e fora da sala de aula”. (ANASTASIOU,
2004, p. 63).
100
socioculturais entre os sujeitos sociais. E, ainda, é nesse contexto sociocultural que se efetivam
relações singulares entre a docência e a comunidade assentada.
4.3.1 A escola como lugar de encontro
Durante as atividades de observação, registramos em diversos trechos do Diário de
Campo a presença freqüente de várias pessoas na escola, mais especificamente no tio da
escola. A escola fica situada no centro da Agrovila e não muro ou qualquer outra forma de
cercamento que a isole da vizinhança. Vejamos a foto nº 1, a seguir:
FOTO 1 – Estudantes da escola jogando gude durante o recreio
Fonte: Arquivo fotográfico produzido durante a pesquisa de campo.
Essa disposição geográfica favorece o fluxo, o acesso das pessoas à escola para buscar
uma informação, para cumprimentar quem por ali esteja ou mesmo para visitar quem ali trabalha
ou esteja fazendo alguma atividade.
A escola, ou mais especificamente o pátio da escola, pode ser caracterizado como um
ponto de encontro, freqüentado por diferentes sujeitos e com diferentes finalidades. As fotos 2
101
e 3 se referem à “atividade de formação” que se realiza também no pátio, todas as segundas e
sextas-feiras, um pouco antes do início das aulas, nos turnos: matutino e vespertino.
FOTO 2 – Atividade de formação
Fonte: Arquivo fotográfico produzido durante a pesquisa de campo
FOTO 3 – Atividade de formação
Fonte: Arquivo fotográfico produzido durante a pesquisa de campo.
102
Em síntese, as fotos revelam os mais variados momentos de uso do pátio e, dentre esses,
está a visitação da comunidade à escola. Um outro momento que merece destaque é a hora da
distribuição da merenda. Os alunos formam fileiras em frente da janela da cozinha recebem a
merenda, nesse momento quem estiver por perto (pais, professores, motorista do transporte
escola, etc) colabora com a distribuição. Desse modo, chamamos a atenção para essa dinâmica de
partilha dos afazeres da escola, que se distancia do entendimento de instituição formal indiferente
aos sujeitos que dela participam, para moldar-se como propriedade de cada um. é demandado
cuidado especial em toda e qualquer atividade que ao mesmo tempo, é de todo mundo: todos
chegam e tomam conta, com intimidade cabível ao uso daquilo que lhe pertence. No dizer de uma
das professoras,
Olha aqui, a comunidade é amiga da escola e a escola é amiga da comunidade, todos
dois andam juntos e isso faz muito bem, está na sala de aula, dando aula, cada um fala
o que tem, e eles vêm participando da aula, de chegar e perguntar: “e meu filho como é
que está?” e o professor dizer: “seu filho está bem entra e senta pra você assistir como
é nosso trabalho com os filhos de vocês”. A participação aqui é ótima, mas que
precisa de mais, participarem mais. Mas hoje em dia você sabe que não tem aquela
participação ativa, mas participam, caminham juntos (...) (Nina).
4.3.2 – A importância da escola sob o olhar dos diferentes atores da pesquisa
O atual contexto de globalização econômica, política e cultural constituiu-se sob a égide
do sistema capitalista e, como tal, acentua as desigualdades sociais e deixa um grande
contingente de homens, mulheres, crianças e idosos excluídos do acesso, uso e fruto dos bens
materiais e culturais produzidos pela humanidade.
Esse sistema global, prioritariamente, impulsiona a direção de investimentos públicos
para grandes obras de infra-estrutura como estrada, hidrelétricas, meios de comunicação, entre
outros, em detrimento de investimentos destinados aos setores sociais. Conseqüentemente, a
pobreza de grandes populações é crescente e amplia-se, cada vez mais, dentre outros aspectos, a
103
fome, a miséria, a violência, a criminalidade, o analfabetismo. (Cortela, 2002). Nesse sentido,
coadunamos com a afirmação de que,
(...) ao longo do território do quinto maior país do mundo, alguns ‘acampamentos’
de inclusão social em meio a uma ampla ‘selva’ de exclusão, que se estende por
praticamente todo o espaço brasileiro. Além disso, a exclusão social parece ser
especialmente clara em determinadas áreas geográficas localizadas acima do Tropico
de Capricórnio, compreendendo o Norte e o Nordeste. Aí também são registrados
alguns ‘acampamentos’ de inclusão social, todavia em menor quantidade. Nessas
áreas, a ‘selva’ da exclusão configura-se intensa e generalizada, expressando o que se
poderia identificar como a manifestação de uma ‘velha’ exclusão social.
(POCHMANN; AMORIM, 2003, p. 21).
Assim, nesse cenário global, o povo está fadado a vegetar em meio ao turbilhão de
produtos e imagens que instigam o consumo exacerbado de inutilidades e que muito pouco
corroboram com a qualidade de vida das pessoas, ou, ao menos, as tornam mais felizes e mais
imbuidas de solidariedade, ética e amor.
Quando, nessa linha de reflexão, focalizamos o aspecto da territorialidade, a situação é tão
ou mais alarmante que o foco anterior, por exemplo, as desigualdades existentes entre o campo e
a cidade, o interior e a metrópole, países ricos e países periféricos; são dimensões político-
geográficas demarcada por altas taxas de desigualdade social, cultural, econômica e etc. (vide
mapas em anexo).
Talvez por isso, essa grande maioria, dominada, discriminada, excluída, compreenda a
escola como a riqueza maior para a vida de seus filhos. (Caldart, 2000). Vejamos os depoimentos
dos pais:
Tenho minha filha na escola, aprendendo para que, quando ela estiver adulta, saber
de alguma coisa. (mãe de aluna da 1ª série).
Sempre traz boas coisas, bom futuro, bons frutos e por em diante. Eu sou um pobre,
não sou formado, mas tenho até a série, foi uma coisa que meu pai e minha e
morreram e deixaram pra mim e eu não formei porque eu não quis, mas já estava velho
e aí não quis seguir, mas meus filhos eu quero ver eles chegarem além do que eu
cheguei. (pai de aluno da 2ª série).
(...) mas pessoas humildes, e o que a gente tem que fazer é dar educação para os filhos.
Eu acho fundamental na vida do ser humano a educação (mãe de aluno da 4ª série).
104
(...) É fundamental. Aqui a escola começou foi bem no inicio (época do acampamento),
foi bem importante pra nós. Hoje está bem melhor, porque antes era da série até a
4ª série. Hoje tem até o 1º ano (Ensino Médio), então pra mim é boa. (mãe de aluno).
Desse modo, a comunidade entende a escola como um caminho possível para a saída de
sua condição de excluído e uma fonte de esperança para o exercício de sua cidadania, de
direitos e de vida com mais dignidade. Observa-se, nas falas, a relação direta que os atores fazem
entre a educação escolar e a formação humana e, diante disso, a imprescindibilidade da educação
escolar na vida dessas pessoas. De acordo com Enguita,
De um lado, a educação é um dos mecanismos que, com maior freqüência, influem
sobre as oportunidades vitais das pessoas – sobretudo das pessoas que não herdam um
capital suficiente, que são a imensa maioria, nem um cargo, que são praticamente a
totalidade – ; desaperecida a sociedade de classes e concentrada enormemente a
propriedade da riqueza e dos meios de produção, as oportunidades das pessoas
dependem em grande parte, de seu desempenho escolar: tanto das capacidades reais
adquiridas ou consolidadas na escola como das credenciais formais obtidas nelas. Por
isso, a escola tem estado sempre no centro das atenções na luta contra as
desigualdades sociais, e particularmente contra suas formas mais violentas, as
desigualdades de classe, de gênero e étnicas. (ENGUITA, 1998, p. 17).
Portanto, a escola, nesse espaço singular do Assentamento, tem como tarefa maior o
enfrentamento de desafios, como cumprir a função social que lhe foi legada, ao longo da sua
história, enquanto instituição social a serviço da formação humana. Vejamos, então, outras vozes
que se referem à pertinência da escola na vida do campo:
Os educandos
“Eu gosto da escola porque, eu aprendo e estou aprendendo mais. E quando eu falto a
aula, é porque eu estou doente.” (educando da 4ª série).
“A minha escola é assim, às vezes ela é boa e às vezes ela é ruim. Gosto até de
conversar com a professora; gosto muito dela e ela é muito legal, por isso eu gosto da
minha escola” (educando da 4ª série).
“Minha escola às vezes é boa e às vezes é ruim. (...) Tem brincadeira,tem apresentação
de capoeira, tem várias coisas. Eu gosto de estudar”. (educando da 4ª série).
Nesses depoimentos, as crianças revelam o gosto pela escola, a importância dela para a
aprendizagem e a fala do segundo educando da série relaciona o gosto pela escola ao gosto
105
pela professora. Desse modo, a escola é percebida pelas crianças de acordo com as vivências
afetivas e de prazer e, como é óbvio que a “criança enxerga grande, enxerga belo (...)
(BACHELARD,1988, p.97),
21
citado por (REDIM, 2002, p. 21), pode-se afirmar que para as
crianças, “importante na escola não é estudar, é também criar laços de amizade, é conviver, é
se amarrar nela.” (Paulo Freire, citado por ALMEIDA, LIMA e SILVA, 2002, p. 70)
22
.
As dirigentes da escola e a Representante do Setor de Educação
Na minha visão tem fundamental importância, porque às vezes as pessoas acham que o
trabalhador rural não precisa de educação, não precisa de escola. E a escola do
movimento, aqui no assentamento; em termos de festividade é quem o movimento, a
alegria, está tudo em torno da escola. Eu acredito que em torno dos assentamentos a
escola sempre puxa muitas atividades e, se não tem a escola no assentamento, fica tudo
parado (Lia).
Eu vejo que a escola é um lugar privilegiado, pra você está trabalhando essa questão
da formação, é onde a gente deve estar construindo e centrar força. È onde estão as
crianças, os jovens estão ali no dia-a-dia, então o as ações do dia-a-dia dali da
escola que realmente vão formar essas pessoas. É o ambiente que eles estão vivendo
hoje, uma grande parte de suas vidas, então pra mim a escola hoje é o espaço
privilegiado e fundamental para construir esses novos sujeitos....
Então, assim, a gente faz parte do espaço educativo que tem dentro do assentamento
(Solange).
Aqui, a visão das dirigentes sobre a escola não é muito diferente da dos pais, quando se
trata da sua importância na vida social e na formação dos sujeitos. Porém, essa compreensão vai
além, na medida em que as dirigentes pontuam, em alguns trechos de suas falas, essa instituição
como espaço social e, por conseguinte, de formação do sujeito. Então, se situa o entendimento de
que a formação/aprendizagem é eminentemente coletiva / social, ou seja, uma implicação
direta da vivência social das pessoas com o processo de formação humana, ao que recorremos ao
pensamento Freireano, como sustentação teórica, quando nos diz que “ninguém educa ninguém,
ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE,
2004, p.68).
21
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
22
As autoras transcrevem, em sua obra, o texto de Freire: “A Escola”, sem referência
106
As Professoras
O Movimento Sem Terra tem a maior preocupação quando ocupamos uma terra. A
primeira coisa em que eles se preocupam é em fazer o barraco pra escola. É o que
mais eles se preocupam o pessoal do setor de educação. Olha, um assentamento sem
escola ele não existe, ele não é um assentamento. Como eu disse, vou repetir, a maior
preocupação do MST é a escola em área de acampamento e assentamento. Não existe
assentamento e acampamento sem educação, o existe, não existe, se alguém
dissesse que existe eu diria que não é verdade, que o Movimento Sem Terra não usa
essa prática, não usa. (Professora Nina).
Agora está mais diferente um pouco, porque a escola tem secretária, o sei o que, eu
não sei muito, mas a vida da escola quase todas as coisas de pai de aluno, também
ajudava no final de ano a fazer matrícula, conselho de classe, como aqui é roça um
aluno tem que vir acompanhado do outro olha põe esse aluno em tal horário, com
esse em tal horário eu sei onde todo mundo mora e não mora, o poucos os que eu
não conheço e não sei onde moram. (Professora Geo).
É importante. E o movimento está dando chance pra melhorar o sistema de educação
dentro do movimento, dos assentamentos e fora também. Atende também ao educando
que vem de fora, estudar dentro do movimento, como aqui a gente tem; gente que não
tem vínculo nenhum com o movimento. (Professora Ninha).
Eu acho que, pelo que eu conheço do magistério, é a melhor proposta que eu vi. A
gente tenta, apesar de ser uma escola de assentamento, é uma escola que faz parte de
uma prefeitura que é um órgão que você precisa dar satisfação além do Movimento.
Então você tenta encaminhar as duas coisas. (Professora Geisa)
No capítulo 2 desta dissertação, que se refere à relação entre o MST, a educação e a
docência, se discute a iniciativa do Movimento em ocupar a escola, arrematando-se tal discussão
com a clareza de que, para os Trabalhadores Rurais Sem Terra, somente a ocupação da terra não
daria conta da reforma agrária, então, ocupar a escola significaria lançar mão de um direito
negado ao longo da vida de homens, mulheres e de famílias inteiras desbravadores da vida. Na
condição de excluídos, muito pouco se tem a fazer, senão desbravar formas de não morrer diante
da barbárie que é a “cerca” da fome, do latifúndio, do capital, da ignorância, da devastação
ambiental, do preconceito lingüístico, racial e outras tantas “cercas” que limitam a qualidade de
vida das pessoas e seu exercício de cidadania plena. Nesse sentido, a construção de uma educação
do campo, pelo campo tem sido o alvo maior na prática desse movimento social.
107
Conscientes dessa luta, as falas das professoras testemunham concepções e finalidades de
uma educação que se dispõe ao diálogo e, sobretudo, é entendida como um direito e que tem
importância fundamental na vida do ser humano e, em especial, do povo do campo.
Nesse sentido,
Um projeto popular de desenvolvimento do campo é uma realidade que começa a ser
construída. Conseqüentemente, exige uma educação que prepare o povo do campo
para ser sujeito desta construção. Uma educação que garanta o direito ao
conhecimento, à ciência e à tecnologia socialmente produzidas e acumuladas. Mas
também que contribua na construção e afirmação dos valores e da cultura, das auto-
imagens e identidades, a diversidade que compõe hoje o povo brasileiro do campo.
(ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 14).
Daí a preocupação dessas profissionais em realizar o seu ofício, visando a formação do
sujeito de modo construtivo, participativo, dialogado e, ainda, numa perspectiva do
fortalecimento de valores da cultura local, sem negar sua relação com a dimensão global dessa
cultura e do conhecimento. A esse respeito, se destacam mais duas falas:
(...) alguns acham que quem mora no interior, mora na roça acha que não tem valor,
tem valor o que vem de lá, quem mora lá, o que vem de é que é bom; então a gente
trabalha muito pra se valorizar, claro que tem que conhecer a cidade, tem que ter
conhecimento e voltar para as nossas raízes. (Professora Geo).
Então eu me sinto orgulhosa de estar sendo capaz de mudar a mente deles, de mudar a
consciência deles em relação à escola e à vida de um modo geral que aqui talvez a
gente tenha dificuldades de Internet, de um telefone. Tem uns (alunos) que não
conhecem, nunca viram um telefone; assim às vezes num livro e muitas vezes não
sabe o que é. Aí eu explico pra eles, pra quando forem pra cidade não ficarem
perdidos, assim um bobo, um tabarel, tem uns meninos aqui que não são
desenvolvidos e, quando vão pra lá, ficam com vergonha (Professora Ninha).
Segundo alguns autores que abordam sobre a Educação do Campo,
As reflexões que abarcam a complexidade dos problemas da Educação do Campo, o
podem ser compreendidas sem se analisar a dificuldade maior, que é a de
sobrevivência no espaço rural, na sociedade brasileira. É preciso educar para um
modelo de agricultura que inclui os excluídos, que amplia os postos de trabalho, que
aumenta as oportunidades do desenvolvimento das pessoas e das comunidades e que
avança na produção e na produtividade centradas em uma vida mais digna para todos
e respeitadora dos limites da natureza (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 13).
No entanto, é preciso dizer que muito se tem a fazer para o avanço qualitativo da proposta
de educação, na prática da Instituição escolar e da profissão docente, para a implementação do
108
projeto de educação do campo e, em particular, para a educação no Assentamento Bela Vista.
Além disso, a docência é convocada freqüentemente, pela comunidade, pela prefeitura local e
pelo Setor de Educação do Movimento, a dar respostas de natureza pedagógica e administrativa
aos problemas desse processo de educação (ver o capítulo subseqüente sobre dificuldades e
alternativas enfrentadas pelas professoras).
4.3.3 – Docência e Responsabilidade Profissional: A luta pelo significado
As professoras mencionam, em vários trechos de suas falas, sua responsabilidade
profissional e os reflexos do não envolvimento do professor no dia-a-dia do assentamento. Nesse
contexto, a responsabilidade está referenciada à freqüência às aulas e ao maior envolvimento do
professor com as tarefas coletivas da escola.
Na manhã do dia seis de julho, fomos recebidas por algumas professoras externando uma
preocupação com os alunos da quarta série, que estavam sem aula. Chamou-nos a atenção o fato
desse assunto ter sido a referência das primeiras palavras do dia, pois rotineiramente minha
chegada sempre fora recebida com cumprimentos, saudações e interesses sobre como eu passara
o fim de semana, por exemplo. Naquele dia, algo diferente estava acontecendo e, durante todo o
dia, se observava flashes, burburinhos acerca do assunto.
O negócio está feio. A 4ª série está sem aula, os alunos indo e voltando da escola, todos
os dias. Uns que moram longe vem andando e não tem aula... (Professora Nina).
Aqui está um caso sério, a 4ª série está sem aula, os meninos todos aí, às vezes vem de
longe e não acha a aula... (Professora Geo).
No dia seguinte, quando chegamos à Secretaria pela manhã, as pessoas pareciam curiosas
e inquietas. O assunto do dia e motivo da inquietação era o problema com os professores faltosos
e tudo indicava que iriam ser demitidos. Não a professora da série (manhã), que faltava ao
trabalho com freqüência, mas um outro professor, que estava ausente desde as festas juninas.
109
Naquele momento, nos lembramos de um comentário de uma das professoras, feito na noite
anterior: “eu pretendia dispensar meus alunos e ir para Itamaraju resolver problemas de saúde,
mas como a professora da série tem faltado muito, então vou transferir o exame para a semana
que vem”. Durante todo o dia, as rodas de conversas, no pátio e na Secretaria, entre professores,
funcionários e pessoas da comunidade, tinham como assunto principal a demissão do professor.
À noite, na frente da escola, alunas do Ensino Médio e pessoas da comunidade
conversavam sobre a demissão do professor, uma dizia: “estou com pena do professor que foi
demitido, porque ninguém viria trabalhar aqui se não precisasse de emprego”. Uma outra fala:
“essa atitude de demissão vai fazer com que os outros professores pensem duas vezes antes de
fazer coisa errada. Vão se consertar”. A outra diz: “penso que isso vai fazer com que os
professores se responsabilizem mais com as aulas”. A conversa se alonga, cada uma buscando
argumento para suas posições. O que fica evidente é que a responsabilidade da existência da aula
é do professor. A assiduidade desse profissional na realização da sua tarefa é imprescindível, é
significado de fundamental importância para todos os sujeitos e deve ser perseguida com
veemência, sobretudo, pelos professores(as) e dirigentes da escola. Assim se pronuncia um dos
pais durante a entrevista, falando de uma das diferenças entre a escola do Assentamento e da
cidade,
Aqui tem vezes que sempre tem um dia que não tem aula, quase toda semana tem um
dia que falta aula. Na cidade não, a não ser um feriado; as vezes elas tem razão,
porque moram longe. E tempo de chuva elas não podem estar presentes na classe (...).
(pai de aluno da 2ª série).
Embora haja uma justificativa para a queixa da falta de aula, é notório seu
descontentamento com esse fato e, quando faz comparação com a escola da cidade, isso fica mais
evidente. Portanto, o acontecimento da aula é condição elementar para uma avaliação positiva
sobre a escola, por parte dos pais, dos alunos, dos funcionários e até dos professores.
110
É uma preocupação generalizada a ausência do professor na escola e, conseqüentemente,
a não realização das aulas. Se entendermos como Basso, que “o significado é a generalização e a
fixação da prática social humana” (BASSO, 1998, p.24) e, portanto, uma construção social,
veremos que as falas, os posicionamentos e os argumentos utilizados pelos atores diante da
ausência do professor, denotam um cuidado e uma luta para que não se reforce a
irresponsabilidade do profissional com as atribuições que lhes são confiadas, ou seja, elas
indicam que é preciso zelar/lutar pela docência como uma atitude responsável perante a
efetivação da aula.
Um outro aspecto da responsabilidade docente se verifica no tocante ao comprometimento
das professoras com a profissão, direcionamento e ritmo das aulas. Alguns depoimentos se
reportaram a essa forma de responsabilidade:
(...) e o que mais me dói é que ele vai (pra escola) é por medo mesmo, pela falta, não
tem aquele compromisso de ser espontâneo, porque eu trabalho de dia, de noite, eu
trabalho qualquer hora, de dia, de noite, não me preocupo com horário e o fico com
aquela agonia: “ah eu não vejo a hora de ir”. eu não, eu trabalho nas festas, em tudo,
tenho o maior prazer de trabalhar, falei para as meninas (colegas de trabalho)
(Professora Geo).
Em outro trecho da entrevista, a Professora Geo continua:
Minha rotina é minha luta, ir para a escola, preparar meus planos, chega , surge
outro, bolar outro na hora e começa. Se é um dia que eu não vou pra escola, é porque
eu fui para o hospital.
Outra professora, se referindo à sua percepção da profissão, diz:
É uma responsabilidade muito grande. Às vezes, a gente vem por uma necessidade,
precisão ou por falta de opção, mas na realidade é uma grande responsabilidade, se você
está consciente de que é através de seus conhecimentos, ensinamentos, então é uma
responsabilidade muito grande, você tem o poder de manipular o indivíduo (...)
(Professora Geisa).
Os depoimentos supracitados expressam uma certa indignação das professoras com
colegas profissionais que não se responsabilizam pelas tarefas que lhes são confiadas, na
111
condição de professor. Estar indignada com práticas desrespeitosas, perante o ofício da docência,
é fortalecer a consciência de que não podemos atuar no mundo sem maior envolvimento com
aquilo que pensamos, fazemos e sentimos, conforme afirma Freire (2000). Na condição de
sujeito, precisamos agir com a clareza de que cada ação humana é uma tomada de posição diante
do mundo. Desse modo, o pronunciamento da Professora Geisa caracteriza, de forma mais
evidente, a pertinência dessa tomada de consciência no exercício da docência.
112
Capítulo 5
Dificuldades e alternativas da docência no Assentamento Bela Vista
Queremos mais felicidade
No céu deste olhar cor de anil
No verde esperança sem fogo
Bandeira que o povo assumiu.
Amarelo são os campos floridos
As faces agora rosadas
Se o branco irradia
Vitória das mãos calejadas.
(Zé Pinto)
A análise das dificuldades enfrentadas pelo conjunto das professoras, no Assentamento
Bela Vista e das respectivas alternativas se propõe ao anúncio das condições concretas em que se
realiza o exercício da docência, nesse espaço sociocultural tão singular e de suas implicações no
processo da profissionalidade docente.
Nossa análise circunscreve-se a duas questões anteriormente apresentadas: Quais as
dificuldades vividas pelas professoras no exercício da profissão e que mecanismos os atores
sociais têm utilizado para a superação ou minimização das mesmas?
Durante as sessões de entrevistas, nos vários depoimentos dados pelas professoras e
demais sujeitos da pesquisa, alguns aspectos relacionados a esses questionamentos se sobressaem
de forma contundente, os quais são aqui explorados em quatro sub-itens dispostos a seguir:
5.1 Mobilidade do Professor uma cartografia da precarização da
docência
Conforme consta no primeiro capítulo, a precarização do exercício da docência tem sido
uma constante na realidade educacional brasileira, haja vista o crescente movimento mundial da
globalização econômica e o incremento, cada vez mais preponderante, das políticas neoliberais,
sobretudo para os países em desenvolvimento, como o Brasil.
113
No caso dos processos pedagógicos e educativos concernentes à Escola Oziel A. Pereira,
a profissão docente é fortemente afetada pelas manobras políticas do sistema capitalista, por
exemplo, condições de trabalho, formação profissional, remuneração docente e admissão. Os
sujeitos da pesquisa se referem a esse fato como dificuldades vividas no dia-a-dia da escola.
Vejamos os depoimentos:
(...) a escola tem um grupo, aí esse grupo vai embora. Agora mesmo, nós estamos todos
num grupo novo, temos três que era dos antigos, né? Então, a gente tenta trabalhar
coletivamente, tenta, tem hora que é meio assim, porque cada um quer pensar diferente:
“não, não pode ser dessa maneira, porque aconteceu isso” (...) fora trabalha mais o
individual... (Professora Geo).
Tem uma rotatividade de educadores, isso acaba atrapalhando o trabalho que a gente
começa, então, a cada ano, um professor que sai, é novo trabalho que você vai fazer,
que você vai começar e tudo mais, tem sido um dos entraves que a gente tem
encontrado com os trabalhos nos setores, o vínculo dos professores. (Representante
do Setor de Educação).
Nessas falas, tanto a professora quanto a representante do Setor de Educação expressam
as dificuldades com o trabalho coletivo, diante da rotatividade de docentes, pois o trabalho
coletivo e o desenvolvimento da proposta pedagógica do MST exigem afinidades entre os pares,
conhecimento da realidade em que a escola está inserida e do projeto político-pedagógico da
mesma, bem como disposição para desempenhá-lo e interesse em implementar ações coletivas no
interior da escola e junto à comunidade externa. Tais condições complexificam ações dessa
natureza, porque requerem um grupo de trabalho coeso e engajado nos mesmos propósitos. Do
contrário, o resultado “é meio assim...” como disse a professora Geo, ou seja, não atende
satisfatoriamente aos objetivos propostos pelo coletivo.
O quadro de docentes da escola sofre muitas variações num curto espaço de tempo, a
exemplo disso, em outubro de 2004, por ocasião da pesquisa exploratória, quando foram
aplicados os questionários de identificação dos docentes, a escola contava com nove professoras.
114
No início do ano letivo de 2005, quando retornamos à escola para a continuidade das atividades
de investigação, fomos surpreendidos com um novo corpo docente, modificado quase em 50%.
Das nove professoras da escola em 2004, apenas cinco permaneceram para o ano
subseqüente, dessas cinco, somente três têm mais de quatro anos na escola, caracterizando a
rotatividade de professores. Outra consideração importante diz respeito ao ingresso na
Instituição: das nove professoras atuantes, apenas duas ingressaram na carreira por concurso
público, o que facilita a mobilidade dos professores de uma escola para outra e provoca a
instabilidade no emprego. E ainda, as professoras que não ingressaram por concurso e
permanecem por mais tempo na escola, têm um vínculo familiar ou de militância muito forte, no
Movimento
23
.
Segundo Oliveira,
O aumento dos contratos temporários nas redes blicas de ensino, chegando, em
alguns estados, a número correspondente ao de trabalhadores efetivos, o arrocho
salarial, o respeito a um piso salarial nacional, a inadequação ou mesmo ausência, em
alguns casos, de plano de cargos e salário e perda de garantias trabalhistas e
previdenciárias oriunda dos processos de reforma do Aparelho de Estado têm tornado
cada vez mais agudo o quadro de instabilidade e precariedade do emprego e do
magistério público. (Oliveira, 2004, p. 1140).
O conceito de precarização do trabalho docente, tão bem formulado pelos estudos de Paro
(2001), Oliveira (2004), Santos (2004), Sampaio e Marin (2004), dentre outros, está diretamente
relacionado à perda de autonomia e controle do sujeito sobre sua ocupação profissional. No caso
da docência, além desses dois aspectos, incluem-se ainda as condições de formação e de trabalho
dos professores. Trata-se de um crescente processo de precarização da docência, que se estende
não sobre o direcionamento dos rumos da profissão, mas abrange, sobretudo, o seu
desenvolvimento.
23
As informões atuais sobre o corpo docente da escola, encontram-se no apêndice, página 155.
115
Esse aspecto da rotatividade do professor na escola afeta também a relação entre a escola
e a comunidade, conforme pode ser observado no pronunciamento dos pais de alunos:
Os professores novos eu o conheço, o sei, mas Geo, Geisa e Helenice elas
colaboram com a comunidade como deve ser, como tem de ser. São freqüentes.
Inclusive na área de saúde, Geo é uma pessoa muito boa, muito maravilhosa. (mãe de
aluno da 4ª série).
(...) a professora do meu filho que eu não conheço, porque nunca tive assim um
contato com ela, sabe? Conversar saber como está o filho na escola, mas a mulher
foi numa reunião com ela lá, mas não sei o que elas conversaram. (pai de aluno da
série).
A educação aqui na escola nós passamos aqui por fase de . . . aula que a gente
estava mais a par do MST, mas que agora parou, não sei por que, mas parou. (...)
Agora deu uma parada não sei bem por quê, né? Ela ensinava não da escola, mas
também do MST e é uma coisa que a gente tem que aprender também. Hoje eu estou
aqui em casa, sou assentada, nossos filhos estão crescendo aí, e não tem, muito, a
estrutura do que é o MST. Tem aluno que, pra cantar o hino do MST, não quer, não
conhece. Então, se pudesse aumentar mais. (mãe de aluno da educação infantil).
Esses pronunciamentos apresentam em comum um desconforto dos pais/mães em não
conhecerem a professora nova, em não saberem de quem se está falando e a incerteza sobre as
contribuições desse profissional para a comunidade e para o Movimento.
Outras dificuldades apresentadas pelos atores da pesquisa podem ser também analisadas
sob o ângulo da precarização do exercício da docência. Vejamos, então, as seguintes falas:
(...) a gente se formou numa escola em que as coisas sempre foram muito arrumadas, é
uma coisa nova, para a educação brasileira, vo estar trabalhando uma coisa
específica do movimento social, dos camponeses de forma geral. Então essa formação
que os educadores receberam anteriormente, ela acaba atrapalhando a formação que
a gente está querendo construir, a partir de agora. Então, pra mim, essa é uma das
dificuldades que a gente tem. (representante do Setor de Educação). [grifo nosso].
O assentamento não tem pessoas formadas a nível de ensino médio, pelo menos pra
preencher essas vagas, acaba que o Setor de Educação do Movimento precisa
contratar outras pessoas e é isso que acontece. E essas pessoas que vêm não têm lote,
não têm nada, vêm pra trabalhar mesmo e se aparece outra proposta de emprego
fora, mais perto da família e tal, ele sai daqui (...). (diretora da escola). [grifo nosso].
(...) como eu falei do grupo, quando tem a história de luta, está trabalhando ali,
a gente aplica de um jeito, mas quando chega um povo assim novato, que o tem
muita experiência, como agora está tendo (essas pessoas) é mais difícil, vai é devagar
(...) (Professora Geo). [grifo nosso].
116
Essas falas tratam mais especificamente do aspecto relacionado à formação do professor,
colocada em duas dimensões diferenciadas, mas complementares entre si. A primeira dimensão
refere-se à base inicial da formação docente, a qual de modo geral não tem afinidade com os
princípios pedagógicos e filosóficos do movimento social e a segunda se reporta à escassez de
pessoas formadas/qualificadas, vinculadas ao movimento social e ao assentamento, para
desenvolver a proposta pedagógica do movimento. Tais depoimentos merecem destaque, porque
tocam num ponto crucial do exercício da docência, que é a formação do professor.
No momento em que o MST entende que precisa lançar mão da educação na luta pela
terra e empunhar uma educação escolar diferenciada para os trabalhadores do campo, necessário
se faz que os profissionais da docência tenham uma preparação adequada às exigências que o
contexto do seu campo de atuação requer.
No caso da escola do assentamento, seria preciso profissionais mais qualificados, uma
escola mais democrática, pautada no trabalho coletivo, na participação dos sujeitos envolvidos,
na proposição de uma educação de qualidade. No entanto, a história da educação um
testemunho pouco condizente com o atendimento a essa carência e isso nos reporta mais uma vez
à discussão da precarização do trabalho docente.
Segundo Sampaio e Marin,
Problemas ligados à precarização do trabalho escolar não são recentes no país, mas
constantes e crescentes, e cercam as condições de formação e de trabalho dos
professores, as condições materiais de sustentação do atendimento escolar e da
organização do ensino, a definição de rumos e de abrangência do ensino secundário e
outras dimensões da escolarização, processo esse sempre precário, na dependência das
priorizações em torno das políticas públicas. (SAMPAIO; MARIN, 2004, p. 1205).
Desse modo, a precarização da docência vai além da forma contratual dos professores e
dos mecanismos de controle, pelo Estado, do fazer docente, para abranger também outros
aspectos relacionados ao desenvolvimento da docência, como por exemplo, reconhecimento
117
profissional e qualidade do ensino. Assim, as dificuldades apresentadas até então, pela
professora, diretora, representante do Setor de Educação, pais e mães dos educandos podem ser
entendidas a partir do processo de precarização do trabalho docente.
Esse processo de precarização se configura como característica preponderante do sistema
capitalista, da globalização econômica e da hegemonia política do neoliberalismo sobre a
educação brasileira. (Oliveira, 2000; Antunes, 2001; Paro 2001; Sampaio e Marin, 2004). Nesse
sentido, há um manejo político que privilegia o crescimento econômico, em detrimento da
ampliação do número de empregos, da superação das desigualdades sociais e da diminuição da
pobreza.
No caso específico do território camponês, afirma-se que
(...) a situação se torna mais crítica, à medida que sistematicamente o campo vem
sendo desqualificado como espaço de prioridade para políticas públicas. O próprio
Plano Nacional de Educação é um exemplo claro disto. Trata-se do documento oficial
da política educacional brasileira para os próximos dez anos, e não se encontra nele
nenhuma preocupação em delinear políticas específicas para uma população de
33.929.020 pessoas (IBGE, 1996). Da mesma forma, a recente elaboração dos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação também insiste em trabalhar apenas
com referência da escola urbana. Os desdobramentos a nível local são inevitáveis. São
exceções as prefeituras e os governos estaduais que têm políticas e discussões
específicas sobre a educação do campo. (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p.40).
Outra dificuldade que os atores da pesquisa apontaram se refere aos recursos materiais e
de pessoal para a gestão administrativa da escola e para a realização da aula. Assim se
apresentam alguns pronunciamentos:
(...) a escola da Bela Vista, de 03 anos pra cá, é que tem uma pessoa pra cuidar dessas
questões burocráticas. Esse ano a gente conseguiu duas: uma diretora e uma
secretária, mas nos outros anos era apenas uma pessoa pra cuidar de tudo, questões
administrativas, questões burocráticas, vida de aluno, então a gente tem essas
dificuldades em organizar a vida dos alunos ali, porque está deslocado. (representante
do setor de educação). [grifo nosso].
A gente deveria ter assim .... um meio pra nossas aulas ficarem mais divertidas. Esses
dias mesmo, eu estava trabalhando com problema e deveria ter mais recurso para as
aulas ficarem mais animadas, mas o que tem dá pra superar, a gente é criativo, a gente
bola tantas atividades. (Professora Geo). [grifo nosso].
118
O professor na sala de aula é tudo: é o pai, a mãe, é o irmão, é o amigo, às vezes até o
inimigo, tem aquele aluno que não gosta de determinada disciplina e, às vezes, ele tem
aquela imagem de professor: “ah! Eu não gosto da disciplina de fulano de tal”, “eu
odeio!”, “se eu pudesse matava aquele professor”, mas não é isso que ele sente, às
vezes, ele tem dificuldade naquela disciplina e não procura meios pra resolver aquilo
ali e joga a culpa para o professor ou põe a culpa na disciplina. (Professora Ninha).
[grifo nosso].
Embora as dificuldades levantadas pela representante do MST e pelas professoras não
façam referências a questões basilares do cotidiano escolar, como papel, livro didático, lápis, giz,
recurso audiovisual, etc, podemos observar os trechos das falas em destaque, quando elas se
referem, mais especificamente, às condições de trabalho, e isso é um sinal relevante de
precarização do processo de ensino.
Tal processo de precarização envolve, atualmente, um aparato bastante diversificado de
situações que abarcam desde os baixos salários às turmas superlotadas, falta de assessoramento
didático, precariedade e/ou ausência de recurso material escolar, multiplicidade das funções do
professor e tantas outras insuficiências nas condições de trabalho, as quais dizem respeito a um
amplo processo de precarização da escola pública e do trabalho docente, que deve ser analisado
sob os vários ângulos e não por pontos específicos. (PARO, 2001) e (OLIVEIRA, 2004).
Desse modo, Paro ainda reforça que,
(...) Os baixos salários e as condições impróprias de trabalho do professor, por
exemplo, não são confrontados com as exigências que se deve fazer para esse tipo de
função. Por isso, não se percebe que a gravidade, para o ensino público, dos baixos
salários docentes, não está, fundamentalmente, apenas no fato de os professores
estarem passando fome, ou em condições subumanas de sobrevivência embora não se
duvide de que muitos até estejam –; a gravidade está na defasagem de suas condições
de trabalho (onde inclui seu salário) quando comparadas com o mínimo necessário
para um ensino de qualidade para a formação de cidadãos. Quando todas essas
determinações são esquecidas ou abstraídas, fica difícil contrapor-se às autoridades
governamentais que, de forma enganosa, insistem em propagar aos quatro ventos que o
problema da educação pública está na incompetência do professor ou inadequação
administrativa da direção escolar. (PARO, 2001, p.38).
119
Quanto à estrutura física da escola, conforme consta no capítulo sobre o campo da
pesquisa, a mesma apresenta condições satisfatórias de funcionamento. A esse respeito, enfatiza
uma professora que:
Graças a Deus, nossa escola tem recurso, vem apesar de ser pouco, atende a escola, o
que a gente precisa a gente tem de material, a escola é bem estruturada. A escola é
uma escola estruturada que tem de tudo, tem cadeira, tem quadro, tem a cantina. Muita
gente do Movimento ainda aula no acampamento, aula embaixo de lona, os
alunos sentam no chão, escrevem em papelão, porque não tem um quadro, então a
nossa escola, em relação a outros companheiros que tem por aí, é uma escola muito
bem estruturada, em vista de outras. (Professora Geisa).
A expressão “Graças a Deus” pode ser analisada sob o viés do alívio em exercer a
profissão num lugar que oferece uma estrutura física adequada à realização do seu serviço. Sem
entrar no mérito da ingenuidade política da expressão, o fato é que o conjunto de suas
informações referem-se à satisfação que a estrutura escolar oferece para o desenvolvimento do
seu trabalho, quando outras escolas e outros professores (companheiros de luta) não têm a mesma
condição de trabalho. Contudo, as falas explicitam que, se houvesse outras condições materiais
para o exercício do magistério, o alcance de seus objetivos poderiam ser mais satisfatórios.
Ainda quanto à estrutura física da escola, apenas uma professora pontuou uma
consideração negativa:
Olha, a estrutura da escola tem algumas dificuldades, na minha opinião; por falta de
interesse da comunidade; teve várias assembléias discutindo essa questão,
tiramos a madeira, tem esse recurso aqui, fizemos tudo. Tem as caixas d’água, temos
duas pra isso e até agora nada (...), então, a gente tem muita dificuldade em água.
(Professora Nina).
A questão da água é colocada pela professora como um complicador na limpeza dos
banheiros. Existe a água, mas o há reservatório (caixa d’agua) para sua distribuição nas
dependências da escola (cantina e sanitários); toda a limpeza é feita carregando-se baldes de
água, o que dificulta o uso da mesma.
Observa-se, nos depoimentos, que as dificuldades citadas pelos atores da pesquisa
assemelham-se às situações enfrentadas por outras escolas em território urbano e em outras
120
localidades do país. Portanto, insistimos na afirmação de que a realidade vivenciada nessa escola
tem relação direta com as escolhas intencionais dos governantes da educação e com as
prioridades que o poder público faz, na gestão dos recursos financeiros. Nesse sentido, se
pronuncia uma professora:
Têm muitos políticos sérios, mas a minoria não tem força pra lutar e combater isso
aí, a maioria na verdade, são ladrões do dinheiro público, o olham pra educação,
moradia própria e condições de emprego, nossos maiores problemas (...). (Professora
Ninha). [grifo nosso].
Se se considerar, como anteriormente afirmamos, o fato de que a escola está localizada
no campo, evidencia-se ainda mais o descaso dos governantes com a educação e, por
conseguinte, com a formação de professores e com as condições de trabalho desses profissionais.
Segundo uma das entrevistadas,
Tem uma articulação da educação no campo, essa educação de certa forma não é,
ainda, reconhecida pelo poder público e de forma geral. Então, uma das atividades
que a gente tem hoje e que tem centralizado bastante força, junto com a comunidade,
com os educandos e educadores é levar ao conhecimento do poder público, que a
escola do campo tem que ser reconhecida como escola do campo e negar o que
sempre aconteceu: levar a escola urbana para dentro do campo. (Representante do
Setor de Educação do MST). [grifo nosso].
A entrevistada fala de uma articulação da educação no campo (trecho em negrito), a qual
tem sido uma bandeira de luta popular pela escola pública como direito social e humano e como
dever do Estado. Nas últimas décadas, os movimentos sociais, em especial o MST, vêm
pressionando o Estado e os diversos segmentos administrativos a exercer sua responsabilidade no
dever de garantir escolas, profissionais, recursos e políticas educativas capazes de configurar a
especificidade da Educação do Campo como política pública. Esse processo de articulação
desencadeou a aprovação das Diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do
campo
24
. ARROYO; CALDART; MOLINA (2004).
24
Resolução CNE/CEB Nº 1, de 03 de Abril de 2002: Institui Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo.
121
Portanto, os movimentos sociais têm buscado incansavelmente a construção de condições
dignas para o povo brasileiro do campo, direito à educação, às letras, ao conhecimento e à cultura
universal, mas muito, ainda, se tem a fazer na luta por condições mais dignas de trabalho e da
vida no campo, pelo reconhecimento profissional do magistério, quer seja no campo, quer seja na
cidade ou em qualquer outro canto desse país.
Na continuidade dessa discussão, as professoras fazem menção às dificuldades
relacionadas à aprendizagem dos educandos e, a esse respeito, os educandos também deram seus
depoimentos. Essas dificuldades serão analisadas focando quatro aspectos distintos:
1) As condições geográficas do campo e as dificuldades de transporte
As condições geográficas do campo, relacionadas às distâncias existentes entre um
assentado e outro; entre o centro da agrovila (onde está situada a escola) e as localidades onde
moram os educandos se caracterizam, no dizer de uma das professoras, como uma dificuldade
encontrada no exercício da docência no assentamento:
Os meninos moram longe e, quando chove não vem todo mundo, não tem carro, né? No
ônibus o pra vir todo mundo. Então, você tem a dificuldade de não poder passar
atividade, porque depois tem que voltar tudo de novo, tem que estar repetindo tudo.
eles falam: “professora, isso eu já vi”. (Professora Geo).
Não se trata aqui de discutir apenas a distância em si, mas o que ela representa quando
impossibilita o aluno de chegar até à escola – a ausência na aula e, conseqüentemente, no
desenvolvimento do conteúdo curricular. Se tecermos relação entre esse dado e o significado da
escola para o Movimento, para o Assentamento e para as professoras, discutido no capítulo
anterior, então se confirma mais uma vez que a docência, nesse Assentamento, se propõe a ir
além do “bê-a-bá”, para abranger uma formação mais integral e mais humana
25
.
25
Numa das canções do MST: Pra soletrar a liberdade, de autoria de Zé Pinto é reforçada a compreensão da
educação como direito e a serviço da cidadania. (CD nº 1, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – Arte
em Movimento). [o texto completo encontra-se no anexo A].
122
Desnecessário se faz ressaltar que, se o campo tivesse o devido cuidado por parte do
poder público, mantendo estradas com condições decentes de serem trafegadas e com transporte
satisfatório para atender à demanda dos camponeses estudantes, certamente essa dificuldade
colocada pela professora não existiria.
Portanto, a dificuldade com o transporte escolar representa, por um lado uma preocupação
das professoras com o desenvolvimento de sua profissão e, por outro, mais um sinal do processo
de precarização das condições de vida dos camponeses e da situação da escola.
2) A merenda escolar e as condições precárias da vida dos trabalhadores rurais
Durante as observações em atividade de campo, presenciamos a alegria de jovens e
crianças no momento da merenda. Se compararmos a hora do recreio escolar quando merenda
e quando não há, a diferença é explícita. No dia de merenda, toda a escola se mobiliza para a
distribuição do lanche. Embora haja um interesse implícito em também saboreá-lo, há um
entusiasmo contagiante na hora do recreio escolar.
Diante dessa convicção, as professoras se queixam da dificuldade em lidar com o
processo ensino-aprendizagem, quando não há merenda escolar:
Quando falta merenda, o rendimento na escola é pouco, eles ficam tristes, ficam
diferentes, quando não tem merenda.(Professora Geo).
Às vezes, há dificuldade no dia-a-dia, como falta de alimentação (...) (Professora
Geisa).
Quando se fala assim: “a merenda acabou”, “não tem merenda amanhã não”. Eles
respondem: “ah! Amanhã eu não venho não”. Então, a merenda escolar é um
incentivo muito grande. É um grande incentivo para a criança não faltar nas aulas
(...). (Professora Nina). [grifo nosso].
A merenda escolar se configura como um reforço na carência de alimentos que as
crianças e jovens possuem e, por conseguinte, a falta da mesma afeta o rendimento dos
educandos na sala de aula, porque há um desconforto físico e mental quando não se está
devidamente alimentado para realizar, sobretudo, atividades que exigem esforço intelectual. No
123
entanto, tal situação não significa que a alimentação inadequada interrompe a condição de
aprender do educando, mas influencia o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem pois,
de algum modo, a alimentação adequada/satisfatória e um ambiente climático confortável
colaboram positivamente com a aprendizagem dos alunos.
Por isso, quando as professoras se referem à merenda escolar como “um incentivo para a
criança não faltar às aulas” se evidencia, nesses pronunciamentos uma percepção das dificuldades
que as faltas acarretam para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.
Os educandos, por sua vez, também foram indagados a respeito da merenda escolar, com
a finalidade de identificarmos a percepção deles sobre esse aspecto tão marcante no cotidiano da
escola. Segundo um educando, “sem merenda é ruim, no intervalo não tem o que comer, às vezes
não tem dinheiro pra comprar...” (educando da 4ª série). Nesse sentido, a falta da merenda escolar
também é um complicador, pois afeta a satisfação e o prazer do “intervalo”/recreio. No momento
em que esse aspecto foi abordado na discussão do grupo focal, com os educandos de à série
a expressão, “sem merenda é ruim” foi pronunciada e enfatizada várias vezes pelos demais
participantes do grupo. Tal fato evidencia a predominância do sentimento de insatisfação das
crianças com a falta da merenda escolar.
Quanto aos educandos da educação infantil, no desenvolvimento da metodologia de
trabalho questionou-se o que tinha na escola que eles mais gostavam e as informações citadas por
eles foram: “desenho”, “lápis de cor”, “brinquedo”, “merenda”, “caixa de ovo”, “deveres”,
merenda”, “balde”, água pra tomar banho”, “lápis”, “lápis pra quando nós não tem”,
“balinha”, merenda”, chipis”, “café com leite”, “armário pequenininho”, “mesa
pequenininha”, “leite com café”, “cavalinho de brincar”, “biscoito”, “eu gosto de tody”, bala”,
“bonequinha”, “merenda”, “maçã”, “chocolate”, “biscoito”, “tem números”.
124
Observa-se nessas palavras que há uma concentração de referência a merenda escolar ou a
elementos de alimentação. Das 28 palavras citadas, a merenda aparece 04 vezes, alimentos
aparecem 11 vezes, o que correspondem a um percentual de 39% das crianças se referindo a
merenda ou aos alimentos oferecidos pela escola, como o que elas mais gostam. Esse dado
confirma, ainda mais, a análise de que a merenda escolar é um aspecto de grande relevância no
cotidiano da escola e, por conseguinte, a falta da mesma interfere nas mais variadas relações entre
os educandos, os professores e a escola, ou seja, se a merenda escolar é tão importante para as
crianças, o acesso ou a falta desse elemento na escola interfere necessariamente no processo
ensino-aprendizagem e na vivência da criança com os pares e com a comunidade escolar de um
modo geral.
3) A descontinuidade da freqüência do educando na sala de aula
Há, nesse aspecto, um dado relevante para a compreensão do sentido e significado da
docência no assentamento, que é a atitude das professoras diante da ausência do aluno na sala de
aula. É pouco comum o professor dispensar um tempo à visitação dos educandos, pois dada a
baixa remuneração do seu trabalho, ele precisa assumir uma carga horária de 60 (sessenta) horas
semanais. Assim, não encontra tempo para ocupar-se dos motivos pelos quais esses educandos
deixam de ir à escola. Todavia, as professoras do Assentamento têm essa tarefa como um
princípio da docência, ou seja, ensinar inclui também se responsabilizar pela freqüência do aluno,
na sala de aula. Por isso, entendem que a ausência do educando na aula se constitui numa
dificuldade para o pleno exercício da docência. A esse respeito, se pronuncia uma professora:
O aluno chega na sala de aula, começa a estudar duas ou três semanas e depois ele
não retorna mais. E vo quer alcançar aquele objetivo proposto com aquele
educando e não consegue, porque ele não freqüenta muito a sala de aula. tem que
sair na casa de cada um e perguntar o motivo porque está faltando. Se está doente,
qual o motivo? os pais falam: “amanele vai”, “tal dia ele vai” e esse dia nunca
chega (...). São essas as dificuldades mais encontradas. (Professora Nina).
125
Por diversas vezes, observamos professoras se aproximando de alunos, nos corredores da
escola para perguntar: “O que houve, fulano? Por que não veio mais pra escola?”; “Olha, não
falta não, teve tanta coisa boa essa semana e você perdeu”. Essas expressões foram ouvidas
durante a atividade de campo e se reportam às preocupações com a freqüência dos alunos,
confirmando-se como um dado singular entre professoras e educandos.
Tal peculiaridade da docência confere ao seu exercício uma prática que se estende para
além da sala de aula, situando-se também no cuidado fraterno com o educando. “Cuidado provém
de cogitare (pensar), que é pensar com zelo ante uma situação que exige cautela”. (CURY, 2002,
p. 22) [grifo do autor]. Nesse sentido, as professoras cuidam zelosamente da freqüência dos
educandos, porque essa freqüência tem uma implicação direta no processo ensino-aprendizagem,
ou seja, sem o aluno não há docência e a prática da ensinagem não pode se efetivar. Daí porque a
expressão da professora: “...E você quer alcançar aquele objetivo proposto com aquele educando
e não consegue, porque ele não freqüenta muito a sala de aula”, demarca o ponto central da
dificuldade encontrada por ela no desenvolvimento do seu ofício de mestra.
Os educandos, por sua vez, percebem esse cuidado das professoras com a freqüência nas
aulas e também com a formação escolar e humana. Nas discussões realizadas no grupo focal com
os educandos de à séries, uma expressão se destacou: “A professora é educada”, quando
citada primeiramente pelo educando da série, os demais participantes do grupo reafirmaram tal
expressão dizendo: “É. É educada.”, “Minha professora é educada”.
Nesse sentido, a ênfase que os educandos deram a essa expressão e a interação
desencadeada a partir dela, evidencia, de forma contundente, a relação de respeito, de atenção e
dedicação que se estabelece entre as professoras e os educandos. Em outra atividade com o
mesmo grupo foi solicitado dos educandos que escrevessem e/ou desenhassem sobre o que é ser
126
professor e, de acordo com a percepção dos educandos, as duas figuras (1 e 2), apresentadas no
capítulo anterior, demonstram uma relação afetiva entre professoras e educandos e uma relação
que transcende à sala de aula.
4) A postura e o desempenho do aluno na sala de aula
Nesse item, as professoras se referem, mais especificamente, às dificuldades relacionadas
ao trato com os educandos e com o desempenho satisfatório dos mesmos na sala de aula.
Atribuem essa situação às diferenças existentes entre o período de convivência no acampamento
e no assentamento e à não participação dos pais no processo de aprendizagem dos filhos:
Então, assim, eu acho que antigamente, os meninos daqui, no começo, eles eram
mais amorosos do que hoje, tinham mais empenho, tinha pouco tempo no
acampamento, tinha mais entrosamento, mais companheirismo. Hoje também tem,
que antigamente era mais. Tinha mais calor humano. Quando todo mundo tinha
vindo do acampamento, todo mundo juntinho ali; todo mundo morava ali nos barracos,
todo mundo perto um do outro (...) (Professora Geo). [grifo nosso].
Eu sinto muita dificuldade com a família deles, porque não tem base de família que
eu tive. Tem pessoas mais esclarecidas e menos esclarecidas e quando a gente o
tem, assim, base da família, que é saber educar seus filhos no caminho certo, ele tem
muita dificuldade na escola, de lidar com os outros educandos, então a maior
dificuldade que eu sinto é nisso aí. Eu percebo que aqueles que têm o apoio dos pais
eles são mais desenvolvidos. (Professora Ninha). [grifo nosso].
Segundo a Professora Geo, no período de convivência no acampamento mais
amorosidade entre os próprios educandos e entre os educandos e as professoras. Segundo ela, de
certa forma, parece que alguns laços afetivos são perdidos no processo de transição do
acampamento para o assentamento. A esse respeito, outra professora acrescenta: “A melhor fase
que tem é de acampamento, é uma fase que tem mais união e até o trabalho é assim, coletivo, o
trabalho desenvolve mais, todo mundo tem aquela obrigação e o coordenador vai com aquele
grupo pra roça. Dentro desse coletivo, todo mundo compartilha”. (Professora Nina).
Segundo Caldart,
127
(...) o acampamento traz para nossa reflexão o sentido pedagógico do cotidiano da
organização e da vida em comum das famílias sem-terra debaixo de lonas, em situação
de extrema precariedade de material e, ao mesmo tempo, de muita riqueza humana,
seja antes ou depois de uma ocupação de terra. Um sentido que nos remete ao processo
através do qual um conjunto de famílias que mal se conhece, e que, na maioria das
vezes, porta costumes e heranças culturais tão diversas entre si, acaba por reconhecer-
se em uma história de vida comum, e um sentimento compartilhado de medo, de dor, de
fome, mas também de convívios fraternos e de pequenas alegrias nascidas da
esperança de uma vida melhor, que aos poucos lhe identifica como grupo (...).
(CALDART, 2000, p. 114).
Nesse sentido, a Professora Geo e a Professora Nina se referem a um tempo e a um contexto
singular da luta pela terra e pela escola, os quais se modificam, na medida em que vão surgindo,
nessa realidade, outras necessidades e outras formas de interação sociocultural entre os sujeitos.
a Professora Ninha se refere ao comportamento e desempenho satisfatórios dos
educandos, mas não atribui a dificuldade encontrada, nessa conquista, às relações interpessoais
em acampamento e assentamento, e sim à participação dos pais e das mães no processo de
aprendizagem das crianças.
A diretora da escola também fez menção à participação dos pais na aprendizagem dos
alunos, defendendo positivamente essa participação:
O aluno aprende mais se a família está ali também, preocupada na aprendizagem do
aluno, com a qualidade do ensino que o aluno está tendo e assim por diante. Fica
muito mais fácil do professor desenvolver seu trabalho, se a família está ali
participando, está interessada, facilita para o professor desenvolver seu trabalho.
(diretora da escola).
Em seus depoimentos, as professoras revelam as dificuldades encontradas no exercício da
docência e tentam relacionar, de alguma forma, a não aprendizagem dos educandos com a não
participação efetiva dos pais/mães na escola. Nesse caso, se a família não orienta as tarefas de
casa, não se preocupa com a aprendizagem da criança e não freqüenta a escola para saber como
as crianças estão se comportando, então a dificuldade para o desenvolvimento do ensino é ainda
maior. O fato é que as professoras se sentem desamparadas para lidar com a complexidade do
cotidiano na sala de aula e vêem nos pais, na ajuda em casa, uma possibilidade de minimização
do problema.
128
Esse dado, se entrecruzado com o anseio das professoras pela qualificação constante e
com a preocupação acentuada do Setor de Educação com a formação contínua dos docentes,
permite afirmar que uma carência na preparação técnica do professor. Essa carência é
percebida, pelas próprias professoras e demais atores da pesquisa, mesmo que de forma nebulosa
e sem a clareza do tenso processo de precarização em que estão envolvidos.
Além disso, muitos estudos produzidos sobre a educação no campo (Caldart, 2000;
Araújo, 2000; Molina, 2002; dentre outros) revelam a urgência de uma educação específica, “que
assuma, de fato, a identidade do meio rural, não só como forma cultural diferenciada, mas
principalmente como ajuda efetiva no contexto de um novo projeto de desenvolvimento do
campo (...)” (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p.27 ). Desse modo, reforça-se a análise
de que, por mais que as professoras se esforcem, não podem sozinhas dar conta dessa
especificidade da educação no campo, sem o aprofundamento de sua formação profissional e sem
a colaboração da família
.
5.2 – Desvalorização e Proletarização da Docência
Uma das questões orientadoras das entrevistas realizadas se referia às percepções dos
pais, da direção da escola, da representante do Setor de Educação e das professoras acerca da
profissão docente. Objetivávamos entender como essa profissão é sentida e vivida por esses
sujeitos no contexto cotidiano do Assentamento. Na coleta dos dados, dois aspectos se
sobressaíram na percepção dos atores da pesquisa: remuneração/reconhecimento profissional e
valorização/ respeito ao professor.
Quanto à remuneração profissional, há referências generalizadas sobre aos baixos salários
e à luta que se trava para uma pessoa tornar-se professor(a). Assim se pronunciaram os sujeitos
129
da pesquisa:
(...) não é fácil ir pra sala de aula, você estuda, se prepara, pra ganhar um salário.
Praticamente, é um salário mínimo, tem alguns acréscimos, mas muito pouco, a
remuneração é muito pouca. Quem trabalha com amor tudo vai, mas amar, amor
não enche barriga não, a gente tem despesa, quem trabalha no interior tem passagens,
tem tudo (...) (Professora Geo).
eu não sei quanto as professoras ganham, mas pra elas trabalharem com mais carinho,
elas tem que ter um bom salário. (Pai de aluno da 2ª série).
Ser professor é pesado. Eu acho assim, porque é muita conseqüência. Agüenta tanta
coisa dos alunos, às vezes eles merecem e às vezes não, o salário também o é muito
legal. (mãe de aluna da Educação Infantil).
Pra mim é uma das piores, porque eu não suportaria o que elas suportam. É uma
profissão assim que Deus, pra ter misericórdia delas. Porque a pessoa se esforça e
gasta tanto pra chegar, pra se formar professora. E quando chega a conseguir, que vai
pra sala de aula, o aluno, como aqui mesmo tem, aluno que não valor. (mãe de
aluno da 4ª série).
Não é reconhecida em termos de salário, mas é importante porque todos os outros
profissionais tem que passar pela mão de um professor. Ser professor, como posso
dizer, é muito complicado, mas também é gratificante quando você, depois de
determinado tempo, você encontra um aluno seu e diz assim: “poxa professor! Aquela
disciplina eu aprendi muito com você e tal e tal...” por mais que você não tenha sido
remunerado, é reconhecido sim, eu, na verdade, gosto muito. (diretora da escola).
Porque se for comparar o que a gente ganha, o professor na área de educação e as
outras profissões, nossa mãe! É tremenda a diferença, ou seja, o voto nosso faz com
que eles cheguem lá em cima e eles não valorizam isso aí, roubam, fazem o que
querem. (Professora Ninha).
Embora nos depoimentos, como por exemplo a fala da mãe de aluno da série e da
diretora da escola, haja divergências quanto à relação entre remuneração e reconhecimento
profissional, ambas tocam no mesmo ponto central, que é o baixo salário do magistério. O fato é
que o conjunto dessas duas falas e das demais evidenciam um dos aspectos da desvalorização
profissional da docência, objeto de debate e de lutas no âmbito da análise do processo de
profissionalidade do professor.
Segundo Lüdke & Boing,
Talvez o aspecto mais básico e decisivo, com relação a um processo de declínio da
ocupação docente, tanto entre nossos professores como entre os da França, seja a
decadência do seu salário e do que isso representa para a dignidade e o respeito de
uma categoria profissional. (LÜDKE & BOING, 2004, p.1165).
130
Nesse sentido, os baixos salários interferem concretamente na profissionalidade das
professoras, na medida em que a remuneração percebida é o principal meio de subsistência.
Dessa forma, inclui gastos com as necessidades elementares da pessoa como: alimentação,
moradia, transporte, saúde, educação, cultura. Então, uma pergunta se faz imprescindível: como
sustentar dignamente todas essas despesas e, ainda, diante dessas condições precárias, como se
manter bem humorada, satisfeita, empenhada em incrementar a atuação profissional?
Ao contrário do que pensam e fazem os gestores públicos, qualquer profissional e, em
especial o professor, necessita do acesso a bens culturais, pois esses bens culturais se constituem
como fonte de revitalização dos saberes do professor e da própria profissão. (Lüdke & Boing,
2004).
Quanto à valorização e respeito aos professores, os três primeiros depoimentos dos pais e
mães dos educandos, que apresentamos a seguir, se reportam, especificamente, à forma como os
educandos tratam as professoras:
Os filhos da gente, tem uns que são mal criados mesmo, não respeitam o professor,
ficam brigando (...) (mãe de aluna da 1ª série).
Não vou mentir, certos alunos não dá o prazer delas fazerem melhor; tem muito menino
mal educado e traquino (pai de aluno da 2ª série)
Ainda a respeito da dificuldade com o desenvolvimento do ensino em sala de aula, os
educandos se pronunciam, dizendo que:
Ser professora é bom, ensina fazer os desenhos, ensina os alunos. Mas tem hora que
tem dificuldade, porque os alunos bagunçam. (educando da 3ª série).
Eu também acho que é bom, mas às vezes, quando os meninos estão bagunçando,
botam a culpa no professor que não ensina. Eu não acho que é assim. A culpa é dos
alunos que bagunçam. (educando da 4ª série).
Ser professor é bom que ensina aos alunos a ler e escrever. A professora não fica
gostando da bagunça não...manda os alunos pra Secretaria. (educando da 2ª série).
Os depoimentos dos educandos revelam que eles consideram uma dificuldade para o
professor quando os alunos bagunçam a aula. De acordo com a história da escola, ela edificou-se
131
sob a égide da ordem, da disciplina, do silêncio. Portanto, até hoje se tem a limitação histórico-
cultural de gestar a aula ou participar dela fora do contexto da harmonia, do consenso e da ordem
necessária à realização do trabalho do professor. Talvez por esse motivo a questão do
“desrespeito ao professor” e a “bagunça” em sala de aula sejam tão enfatizados pelos atores da
pesquisa.
Cabe salientar, ainda, que se faz imprescindível, por parte dos docentes, uma leitura da
sala de aula, quanto ao clima das relações entre educandos e professores. Nessa leitura, deve-se
questionar o significado das atividades que estão sendo apresentadas/defendidas pelo profissional
da docência no processo de aprendizagem dos educandos, pois se observa atividades corriqueiras
que não provocam o entusiasmo dos educandos na realização das mesmas.
Segundo Redim, “A escola faz questão de substituir a curiosidade, a imaginação, a
descoberta, pela mesmice, pela ordem, pela linearidade, pela autoridade de práticas e de rituais
que permanecem e perpetuam-se no tempo.”(REDIM, 2002, p. 19).
Uma das professoras fez menção ao aspecto do desrespeito ao professor, porém com um
diferencial, não se referiu ao desrespeito por parte dos educandos, mas por parte dos governantes:
Falta é incentivo dos governantes, um pouco de sonho pra melhorar a educação do
campo. Lá na cidade tem condições de melhorar isso aí e muitas vezes não tem
incentivo. (Professora Ninha).
Em outro trecho de sua entrevista, acrescenta:
Eu acho assim que deveria ter uma participação dos professores, porque, às vezes, o
que eles decidem em cima, não está de acordo com a nossa realidade. Então, às
vezes, o que vem de a gente tem que mudar, por que não bate com a realidade aqui.
(Professora Ninha).
O desrespeito enfatizado pela professora em seu depoimento se volta ao descaso dos
governantes com os profissionais do magistério, não há a menor consideração, por parte do poder
público, em consultar, promover debates acerca do currículo escolar, aquisição de material
132
escolar, do processo de formação inicial e continuada dos professores e sobre as políticas
educacionais e públicas de modo geral.
No primeiro depoimento, a professora Ninha acentua a “falta de incentivo” por parte dos
gestores da educação escolar e, no segundo, revela o descaso dessas mesmas autoridades com a
participação dos professores nos processos de decisões sobre os rumos da educação, ou seja, os
professores não têm poder de decisão acerca das questões da educação, nem ao menos são
convidados a participar. Em ambas as falas a denúncia do não reconhecimento desse
profissional.
Isso nos reporta ao primeiro capítulo, quando discutimos a ambigüidade do processo de
profissionalização da docência, quando se evidenciaram os dois lados da mesma moeda: por parte
da categoria, a possibilidade de se concretizar reconhecimento e valorização do seu ofício e, da
parte social, uma forma de adiar esse reconhecimento. Tal situação de ambigüidade da
profissionalização é amplamente discutida por vários autores, dentre eles, Nóvoa (1991), Arroyo
(2000) e Contreras (2002).
5.3 Buscando o enfrentamento e a superação dos percalços no exercício da
docência
Um significado marcante no exercício da docência no Assentamento Bela Vista é a
pertença da escola e de muitos de seus atores a um movimento social. O aspecto da interação
sociocultural entre a militância no Movimento e o processo da educação escolar denota um
entendimento e uma postura por parte desses atores, pouco comum a outras escolas e a outros
profissionais dessa mesma categoria. Esse entendimento e postura se conformam no
enfrentamento e na desacomodação das dificuldades vividas no dia-a-dia da escola e do
assentamento. Vejamos o seguinte depoimento:
133
Às vezes, quando se está com alguma dificuldade, eles são requisitados (poder
público), não vêm. fica aquela dificuldade; tem que fazer mobilização pra
reivindicar o que se necessita dentro do assentamento, dentro da sala de aula, dentro
do colégio. (mãe de aluno da 4ª série).
O trecho dessa fala anuncia o enfrentamento das dificuldades com indignação, luta
resistência e coragem. Poder-se-ia perguntar: Por que a precarização do trabalho docente é tão
acentuada? Seria ingenuidade política da nossa parte achar que magicamente bastaria ir à luta
para mudar a realidade. Uma frase de Freire, bastante expressiva, diz que: “Mudar é difícil, mas é
possível!”. (FREIRE, 2000, p. 88).
Essa lição de vida saber lidar com a relação existente entre dificuldade e possibilidade –
nos leva a pontuar que o processo de precarização da docência tem raízes fecundas no sistema
capitalista de produção e de sociedade em que estamos inseridos e, portanto, o processo de
enfrentamento das dificuldades é lento e não depende somente da comunidade local e escolar
e/ou do MST se rebelarem, mas também da participação de outros sujeitos (o poder público,
instituições governamentais e não-governamentais, imprensa e a mídia em geral) e de outras
esferas políticas advindas do Estado, esferas culturais, sociais e educativas da sociedade.
No entanto, os ensinamentos e as aprendizagens produzidos nas vivências com o
cotidiano do movimento social são fundamentais para o processo de possíveis mudanças que
venham ocorrer na escola, no assentamento e no próprio Movimento.
No dizer de Caldart,
Cada Sem-Terra aprende a sê-lo do seu jeito e no seu ritmo, empurrado pelas
circunstâncias que forçam esta consciência da necessidade de aprender. Mas esta
diversidade não nos impede de identificar os aprendizados que são produtos da
vivência coletiva no processo de construção do MST. um modo de ser Sem Terra
que se compreende como tendência de ser das pessoas que fazem parte do Movimento
(...). (CALDART, 2000, p. 106.).
Um outro aspecto, também preponderante nas interações socioculturais e que se constitui
como alternativa para o enfrentamento do dia-a-dia, é a esperança e persistência nas convicções
que fazem parte da construção da profissionalidade docente. Assim se pronuncia uma professora:
134
Que não pegasse as dificuldades e colocasse na frente, tipo dizer não vou fazer isso,
porque está difícil, não vou fazer aquilo, porque não tenho condições (...) (Professora
Nina). [grifo nosso].
O trecho em destaque demonstra a convicção da professora em não deixar que as
dificuldades imobilizem ações que possam vir a modificar as situações de precarização do ensino.
Se expressa, aqui, uma dimensão eminentemente política da postura profissional, pois na medida
em que se decide lutar por melhores condições de trabalho, se desenrola o processo de
intervenção diante da situação vivida. Sobre isso, Freire diz que:
O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente,
interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no
mundo não é o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém
como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito
igualmente. (FREIRE, 2000, p. 85).
Este estar sujeito de que Freire nos fala é próprio da iniciativa humana de fazer escolhas,
de tomar partido acerca desta ou daquela postura diante da situação vivida. Nesse sentido, a
professora se impõe e se propõe como sujeito no processo de melhoria das condições do trabalho
docente.
Ainda sobre essa alternativa da esperança e da persistência, percebida no trabalho de
campo, uma outra fala acentua:
Eu acho que ser professor hoje, ser educador e não simplesmente ser professor,
principalmente, quando você está inserido num Movimento Social. É uma profissão
muito gratificante pelos resultados que você vê, eu digo resultado de formação humana
quando você as pessoas realmente com visões diferenciadas, com valores,
constróem valores diferentes. Isso pra mim é uma grande gratificação. (Representante
do Setor de Educação do MST).
Do ponto de vista da Representante do Setor de Educação, a pista de saída das
dificuldades é o significado da especificidade da docência em lidar diretamente com a formação
humana. E, nessa labuta, o trabalho com os ensinamentos e aprendizados sobre a humanização de
todo homem e toda mulher, jovem e criança, dá uma significação ao exercício docente, que tende
a minimizar efeitos da precarização do trabalho docente no desenvolvimento da sua
135
profissionalidade.
O diálogo é também citado, pelos atores da pesquisa, como uma alternativa de saída para as
dificuldades:
O Setor de Educação em si ele tem a função de orientar a educação nos vários
aspectos: na questão da estrutura, de educadores para atuar nas escolas dos
assentamentos, de reivindicações, em termos de Ensino Médio quando tem necessidade,
de Ensino Fundamental séries finais nas escolas onde tem de à séries;
negociar com as prefeituras, com o governo do Estado. Geralmente o setor de
educação vê essas questões específicas da educação. (Representante do MST).
Deveria ter de 15 em 15 dias uma reunião e os pais saber educar seus filhos, porque
hoje em dia pra professora ser uma boa professora, vem de casa o educar dos filhos,
porque na escola ela não tem tempo de educar os filhos, ela educa de um jeito e aqui de
outro pra quando chegar o ter como o filho querer xingar professor, bater em
professor, isso é falta de moral... (pai de aluno da 2ª série).
É muito estudo que se faz normalmente nos encontros. Estou pensando com eles numa
forma de estudar também, fazer grupo de estudo pra gente começar a estudar juntos,
cada um vai ajudando, vai esclarecendo alguma coisa. Nem todo mundo sabe das
coisas, um vai tirando as dúvidas do outro.
(Diretora da escola).
Essas quatro falas têm em comum a referência ao diálogo e foram citadas num contexto
de alternativas para a superação das dificuldades encontradas pela comunidade escolar e local.
Dentre outros estudiosos, Demo (1997), Freire (2000) e Gadotti (2001) definem o diálogo não
como simples conciliação nas disputas inerentes às questões de uma negociação, conversa ou
discussão, mas como comunicação crítica entre atores que se encontram e se defrontam. Dessa
forma, a alternativa do diálogo se configura como uma prática coerente com a proposta
pedagógica do Movimento, com a prática de decisões coletivas, com a prática das Assembléias
que a comunidade realiza regularmente.
No tocante à dificuldade com a merenda escolar, anteriormente discutida, observa-se que
as alternativas são mais tímidas politicamente, porque não apresentam proposições mais
contundentes acerca da cobrança sobre a responsabilidade do poder público para cuidar da
regularidade da merenda escolar. Vejamos o que diz a professora:
136
Se a merenda escolar, se pudesse ter assim direto, não falhasse de jeito nenhum, tivesse
do começo do ano até o final, eu acho que a aprendizagem avançava mais...(Professora
Nina).
Uma outra professora faz menção a essa questão:
Trabalhar, conscientizar eles de que, quando não tiver merenda eles tragam de casa,
nosso povo, eles têm tudo, mas, às vezes, eles não dão valor ao que eles têm não; (...)
então a gente tem que está dizendo:“ isso tem química”, procurar conscientizar eles de
que o que nós temos é mais importante do que aquela comida que tem química, que
tem tudo, então é a maneira que eu encontro pra conscientizar as crianças,
conscientizar os pais: “traz uma farofinha de ovo, traz uma banana. Pra que coisa
melhor que banana! Tem vitamina, tem tudo”. (Professora Geo).
Nessa fala, a professora se reporta implicitamente ao diálogo com os alunos, para
buscarem uma forma de estar se superando a ausência da merenda escolar. Na continuidade do
seu discurso, verifica-se a intenção de que o próprio sujeito resolva o problema, levando seu
alimento. Nesse momento específico, não criticidade na proposição defendida, pois para ela a
saída seria do educando garantir a merenda com as próprias condições.
Se, por força de Lei Federal, 8.913, de 12 de Julho de 1994, Art. 1º, “os recursos
consignados no orçamento da União, destinados a programas de alimentação escolar em
estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino fundamental, serão repassados em parcelas
mensais, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”, a comunidade escolar tem todo
direito de reivindicar a regularidade da merenda escolar e não o contrário disso, deixar a cargo do
educando ou da família a resolução do problema gerado pela falta da merenda escolar.
O conjunto das informações contidas nesse capítulo demonstra variações na postura das
professoras, ou seja, num determinado contexto e situação elas se mostram aguerridas, dispostas
a enfrentar qualquer batalha para alcançar o objetivo desejado. Em outro momento, se valem de
posturas ingênuas e acomodadas para se referirem a determinadas situações. Em síntese, pode-se
afirmar que as ações e posturas de enfrentamento e de reivindicação das professoras diante do
contexto social e educativo da escola e do ato de ensinar passam por momentos de fluxo e
refluxo.
137
Esse dado pode ser entendido em relação ao quadro de intercâmbio entre a cultura
dominante e a do dominado em uma sociedade desigual, elaborado por Brandão e citado na
página 43, ou seja, as professoras vivem o conflito e a tensão de pertencerem a um movimento
social e de também fazerem parte de uma cultura capitalista. Então, no plano das posturas e ações
individuais, o conflito e a tensão são maiores e, aí, o agir mais imediato desse sujeito favorece a
manutenção da cultura dominante, caracterizando assim o momento de refluxo de suas atitudes
políticas diante da realidade vivida. Já no plano do coletivo, o conflito e a tensão se miniminizam,
esses sujeitos se fortalecem e agem de forma mais aguerrida, mobilizando a luta por dignidade
social e caracterizando desse modo o momento de fluxo de suas atitudes políticas. (Brandão,
2002), (Hall, 2003).
5.4 – Desafios do exercício da docência
A análise dos desafios apontados pela comunidade assentada e pelas professoras se
caracteriza como uma síntese do que até então, nesse capítulo, já foi interpretado, pois os desafios
com os quais nos deparamos, sobretudo no cotidiano da escola e da sala de aula, estão
diretamente imbricados no contexto social e educativo dessa profissão e nas dificuldades e
alternativas acentuadas pelos sujeitos que fazem a educação escolar nesse espaço sócio-
educativo-cultural de ensino.
Segundo o Minidicionário da Língua Portuguesa, desafiar significa: “1.propor duelo ou
combate; 2.instigar, provocar, reptar; 3.afrontar, arrostar.”( FERREIRA, 2000, p. 212). Desse
modo, retomaremos as dificuldades e as alternativas, analisadas, para delinear novas leituras
sob o prisma do combate e do afrontamento necessários à construção e reconstrução do contexto
social e educativo em que se desenvolve a profissionalidade docente.
138
Os desafios que se apresentam às professoras estão organizados em dois momentos
distintos: o primeiro se refere às leituras que a comunidade assentada faz sobre os desafios da
docência nos dias atuais e o segundo se refere aos desafios da docência considerados pelas
próprias professoras.
Quanto ao primeiro momento, se verifica que a preocupação maior da comunidade é com
o desrespeito, por parte dos educandos, que os professores sofrem no exercício de seu ofício.
Assim se pronunciam as mães:
Agradecia a elas, porque têm paciência de ficar ensinando a gente, tanto a gente como
os filhos da gente. Tem uns que são mal criados mesmo, não respeitam o professor,
ficam brigando, no caso de ser o lugar para o professor ensinar, sem elas a gente não
sabia falar alguma coisa. (mãe de aluna da 2ª série). [grifo nosso].
Um outro depoimento, acrescenta:
Antes não, tinha mais respeito, mas agora os alunos acham que os professores são
obrigados a suportar tudo aquilo que eles tem a dizer e a fazer em sala de aula. Eu
mesma acho muito sofrida, sabe, não acho essas vantagens. (mãe de aluno da
série). [grifo nosso].
Nessas falas e, em especial, nos trechos destacados, se verifica uma intensa preocupação
com o desrespeito que os professores sofrem em sala de aula. um reconhecimento do esforço
que as professoras dedicam à sua formação e ao exercício da profissão e, desse reconhecimento,
emerge a indignação dos pais com a forma com que os alunos se comportam diante das
professoras.
Desse modo, identifica-se que os pais têm uma imagem das professoras como de uma
autoridade superior, detentora de um saber específico e de um domínio didático-pedagógico ao
qual poucos têm acesso e, portanto, merecem todo respeito, reconhecimento e valor por parte dos
governantes e da comunidade estudantil.
Nesse aspecto, o desafio das professoras se ancora em exercer a autoridade, sem serem
autoritárias. A autoridade do professor se constrói naturalmente, no dia-a-dia da prática educativa
139
e, para tanto, o professor (a) não se apresenta apenas como ministrador (a) da ação pedagógica,
mas atua como orientador(a), mediador(a), coordenador(a) do processo ensino/ aprendizagem.
Assim, a partir de uma perspectiva de parceria com o educando (a), aos poucos se vai edificando
sua autoridade cabível ao processo de construção do conhecimento. Segundo Paulo Freire:
Segura de si, a autoridade não necessita de, a cada instante, fazer o discurso sobre sua
existência, sobre si mesma. Não precisa perguntar a ninguém, certa de sua
legitimidade, se ‘se sabe com quem está falando?’ Segura de si, ela é porque tem
autoridade, porque a exerce com indiscutível sabedoria (FREIRE, 2000a, p. 102).
[grifo do autor].
Em consonância com essas afirmações de Freire, a autoridade, longe de ser uma
imposição da docência para com o grupo de educandos, se a partir da legitimidade que o
educador tem para exercê-la.
Outro aspecto relevante, que precisa ser perseguido no desenvolvimento da profissão,
ainda na visão da comunidade assentada, é a remuneração profissional. Conforme se
pronunciaram pais e mães dos educandos (página 129), para eles(as), as professoras trabalham
muito, precisam se dedicar carinhosamente ao seu ofício e, portanto, se faz indispensável uma
remuneração condizente com a natureza e importância dessa profissão. Assim sendo, a
valorização salarial dos professores e professoras se configura como um desafio a ser também
perseguido no desenvolvimento da profissionalidade docente.
As professoras também se referiram ao aspecto salarial e, nesse sentido, retomamos a fala,
já apresentada na página 129, devido à sua significação para essa análise:
Porque o é fácil ir pra sala de aula, você estuda, você se prepara pra voganhar
um salário, porque praticamente o salário meu é um salário mínimo tem alguns
acréscimos, mas muito pouco, a remuneração é muito pouca e quem trabalha com
amor tudo vai, mas amar, amor não enche barriga não a gente tem despesa, quem
trabalha no interior tem passagens, tem tudo (...) (Professora Geo). [grifo nosso].
Então, a remuneração profissional se constitui como outro grande desafio a ser enfrentado
pela categoria, pois é visível a defasagem salarial dessas profissionais e, por conseguinte, seu
crescente empobrecimento. Na continuidade do seu discurso, a professora reclama a implicação
140
desse valor salarial, para o seu sustento. Isso reforça a nossa análise sobre a urgência do combate
a essa defasagem salarial, o qual necessita ser pensado a partir da organicidade da categoria e da
implementação de um plano de carreira que subsidie o estabelecimento de metas, a clareza de
direitos e deveres desses profissionais para com o Município, a escola, os educandos. Embora
estejamos diante do acelerado enfraquecimento das organizações sindicais, das modificações
contratuais para admissão dos professores e do avançado processo de precarização da docência,
por isso mesmo, cada vez mais, se faz necessário que a categoria desafie essa situação e busque o
seu contrário: intercâmbio sindical, reivindicação de melhores condições de trabalho.
Nesse sentido, se pronuncia a Representante do MST:
A gente precisa estar discutindo e vê o que se faz com os cursos específicos para a área
do campo e com os educadores do campo, mas não é uma luta que a gente vai fazer
sozinho. Tem que ser uma luta mais conjunta, no sentido de não esmorecer, de dizer
que s estamos vivos, porque tem uma causa, que a gente tem uma luta, quer
conquistar, quer construir essa educação do campo e ir em frente, pra que no futuro a
gente tenha dias melhores em todos os sentidos, (...) porque se o educador de um modo
geral ele não é reconhecido, no campo é pior.
Em outro trecho da sua fala, acrescenta:
O campo é um lugar de gente, de pessoas que merecem respeito, merecem ter bons
profissionais e pra isso a gente tem que estar disposto a lutar e não é uma luta simples
porque é uma História de vários quadros.
Quanto às professoras, suas percepções acerca dos desafios que se apresentam no
exercício de sua profissão apontam como desafio maior a aprendizagem das crianças. Para essas
professoras, “há uma barreira muito grande” no exercício da profissão, que é a dificuldade do
educando, no processo da leitura e da escrita. Vejamos seus depoimentos:
Este ano eu estou com 28 alunos e às vezes você pega aluno que ele não sabe uma
letrinha, não sabe nem pegar no lápis pra fazer um rabisco e a gente consegue
conversar com ele, ajudar ele e, ao chegar no meio do ano ele sabe ler, sabe
escrever, isso é um desafio muito grande pra enfrentar, né? (Professora Nina). [grifo
nosso].
é um desafio muito grande, pra mim uma barreira muito grande que tem criança que
tem facilidade de pegar as coisas têm outros que tem a maior dificuldade. Quando eu
trabalhava na primeira série mesmo, você faz tudo; me uma ajuda aqui, me uma
141
dica, às vezes o menino não consegue, outros avançam e aquilo eu fico
angustiada.(Professora Geo). [grifo nosso].
Eu acho que o desafio maior do professor é justamente esse – é você ensinar o
educando a ler e escrever e a ter responsabilidade, a pegar um texto e ler e entender o
que está dizendo no texto, não saber ler mecanicamente, mas saber ler e não o
que está escrito, mas também o mundo ao seu redor do que ele vive então eu acho
que ainda é um desafio. (Professora Geisa). [grifo nosso].
Conforme os depoimentos, podemos constatar que a aprendizagem dos educandos é ponto
crucial para as professoras, pois essa aprendizagem está diretamente ligada ao resultado do seu
ofício e, por conseguinte, a uma avaliação ou a uma imagem do seu desempenho como
profissional.
De acordo com Contreras,
A competência profissional é uma dimensão necessária para o desenvolvimento do
compromisso ético e social, porque proporciona os recursos que a torna possível. Mas
é, ao mesmo tempo, a conseqüência destes compromissos, posto que se alimenta das
experiências nas quais se devem enfrentar situações de dilemas e conflitos nos quais
está em jogo o sentimento educativo e as conseqüências da prática escolar. Da mesma
maneira, podemos dizer que a competência profissional é o que capacita o professor
para assumir responsabilidades, mas que dificilmente pode desenvolver sua
competência sem exercitá-la (...). (CONTRERAS, 2002, p.85).
Dessa maneira, o desafio do ensinamento da leitura e da escrita, para as professoras, pode
ser analisado sob o prisma da inter-relação entre competência técnica e compromisso ético e
social para com os educandos, a comunidade local e a sociedade. Essa inter-relação não se
descontextualizada das condições materiais e humanas para o desenvolvimento da competência
técnica e para o cumprimento do compromisso ético e social, ou seja, o exercício consciente das
múltiplas dimensões do fazer pedagógico e a intervenção do professor sobre elas implica na
autonomia profissional. (CONTRERAS, 2002).
Quanto aos educandos, por sua vez, também se pronunciaram acerca da leitura e da
escrita. Vejamos seus depoimentos:
Eu acho que ser professor é muito importante porque a gente aprende muitas coisas
como ler e escrever e muito mais. Um professor é muito importante para a gente, por
isso nunca deixe de estudar porque o estudo é muito importante. (educando da
série).
É bom o ensino. Os alunos aprendem a ler e escrever... (educando da 4ª série).
142
Observa-se, nesses depoimentos, uma ênfase dada à aquisição da leitura e da escrita como
aspecto relevante para seus processos de formação escolar e humana. Diante desse dado, pode-se
inferir que a aprendizagem da leitura e da escrita é também vista pelos educandos como uma
necessidade elementar no desenvolvimento do ensino e da aprendizagem.
143
À guisa de conclusão: sobre os significados da docência no Assentamento Bela
Vista
Antes de tecermos as considerações conclusivas sobre o exercício da docência e os
significados produzidos no decorrer de suas construções históricas e socioculturais, necessário se
faz salientar o desconforto sentido, vivido no momento em que nos aprontamos para concluir o
estudo – “por término, levar a cabo, terminar de falar...” (FERREIRA, 2001, p.171). Pois,
intensos e tensos foram os meses de estudo. Intenso pela dedicação que o pesquisador precisa
dispensar a um trabalho dessa natureza e tenso pela labuta dedicada aos diversos momentos de
interpretação e de desvelamento do objeto, que, em ciências sociais lidamos com o
complicador da dinâmica do objeto que está sempre em construção.
Recordamo-nos, nesse instante, de uma das leituras feitas em Bourdieu (1989), quando ele
reflete sobre o ofício do sociólogo e afirma que o estudo de um objeto, sobretudo o objeto social,
não é algo que se toma de uma vez só, mas em sucessivas doses de aproximação da realidade.
Esse dado implica necessariamente em se considerar o objeto de estudo no âmbito do tecido das
relações que o constitui, ou seja, implica pensá-lo relacionalmente.
Desse modo, as considerações conclusivas que teceremos a seguir devem ser
compreendidas na perspectiva das relações existentes entre a pessoa do professor, sua formação,
sua profissão e o contexto social de que faz parte.
Como explicitado anteriormente, a nossa intenção maior na proposição desse estudo foi
analisar o processo de construção da profissão docente no que se refere aos sentidos e
significados dessa profissão, aos valores e posturas que esses profissionais assumem diante do
contexto da luta pela terra, suas formas e reformas para exercer o ofício da profissão de
magistério.
144
De acordo com as análises produzidas no processo de estudo, no exercício da docência se
desencadeia uma diversidade de pensamentos, ações, atitudes e posturas do profissional, que
dificulta uma previsão, controle, caracterização e identificação de um tipo específico de docência,
pois o movimento desse exercício é lubrificado cotidianamente pela seiva dos aspectos históricos,
culturais, sociais, econômicos e políticos e pela densa complexidade que engendra a dinâmica das
relações socioculturais e idiossincráticas que cada sujeito carrega consigo.
Nesse sentido, observa-se que, quando a profissionalidade docente é entendida sob o
prisma da história, da cultura e do contexto social em que a docência está inserida, não um
modelo de atuação profissional a ser constatado ou constituído, o que é um movimento
dinâmico de invenção, construção e reconstrução cotidiana desse ofício.
Essa dinâmica, circunstanciada pelas relações socioculturais, alimenta, dia-a-dia, a
ressignificação do exercício da docência. Trata-se de um processo acumulativo de referências e
valores existentes entre a pessoa, o/a profissional e a pertença a um movimento social, de modo
que em alguns momentos se percebe uma docência regulada pelos conteúdos formais, práticas
formais e burocráticas da instituição escolar e, em outros, se percebe uma docência mais
autônoma, significativamente articulada com o contexto sócio-econômico-político e cultural da
comunidade assentada e comprometida com justiça social e dignidade humana.
Portanto, não basta apenas fazer parte de um movimento social para o professor agir
crítica e reflexivamente sobre sua prática, pois o exercício da sua profissão não comporta apenas
a referência do Movimento e do seu projeto de educação, ele carrega em si outras tantas
referências e marcas apreendidas ao longo dos processos históricos e culturais vividos pelo
professor.
Nesse contexto de interações socioculturais, os significados da docência, no
Assentamento Bela Vista, se configuram como: ato solidário; pertença ao MST; cuidado com a
145
formação humana dos educandos; busca da formação profissional; estabelecimento de parceria
com a comunidade assentada; demonstração de competência técnica e compromisso ético e
social; aprendizagem da leitura e da escrita pelos educandos; responsabilidade profissional; luta
por condições de trabalho mais dignas, pelos direitos do povo do campo à educação, dignidade e
cidadania plena e amor a profissão.
As professoras do Assentamento Bela Vista sentem-se importantes no ato de ensinar, pois
consideram sublime poder contribuir com a construção do conhecimento dos educandos e dessa
convicção emerge o significado da docência como ato solidário. Isso pode ser constatado quando
fazem as seguintes afirmações:
(...) Sempre que tem um curso eu procuro fazer, mesmo que eu não usar pra mim,
mas possa ajudar a comunidade do assentamento, então valeu e muito o sacrifício que
fiz de estudar. (Professora Ninha).
Às vezes, quando o aluno começa a ler e escrever, que eu peguei aquele aluno que não
sabia nada ainda, eu até choro de emoção. (Professora Nina).
Nesse sentido, o ato de ensinar combina dois sentimentos bastante expressivos: a) o de
que ao ensinar ajuda-se o outro, porque esse ofício inclui os conhecimentos formais da escola e
também aqueles que dizem respeito à formação política e humana dos educandos; b) a
aprendizagem da leitura e da escrita é entendida não como atividade de ensino, mas,
sobretudo, como um compromisso solidário perante o povo camponês, porque quando essa
aprendizagem é evidenciada para a escola e para os pais, as professoras sentem-se competentes
tecnicamente e comprometidas com os anseios da comunidade assentada em geral.
O vínculo afetivo com o Movimento e com a justeza da luta por terra, dignidade e
conhecimento também atribui um certo orgulho/vaidade à condição de professora:
Eu o entendia muito como era essa participação, esse envolvimento dentro do
Movimento Sem Terra, do MST e eu fui me envolvendo e nisso eu estou até hoje,
gosto dessa luta do Movimento Sem Terra, tenho respeito e admiro. (Professora
Nina).
146
Eu demorei me acostumar, mas acostumei, agora eu é que não quero ir mais pra
cidade. Já opino mais pra zona rural mesmo... (Professora Nina).
Não me arrependo de ser quem eu sou hoje e a chance que eu tive e tenho, sempre eu
agarro. (Professora Ninha).
(...) nunca me vi fora daqui dando aula, porque foi aqui que comecei, foi aqui que eu
tive oportunidade, através do Movimento. (Professora Ninha).
Desse modo, por mais queixas que as professoras façam sobre as condições de trabalho,
os desafios que circundam o exercício da profissão docente, o fato delas poderem exercer essa
profissão, por si só, é um privilégio e, ainda, o contexto da luta pela terra e a pertença ao
Movimento desencadeiam sentimentos e atitudes enriquecidos por um imenso desejo de lutar
pela construção de uma nova realidade para a educação e para o povo do campo.
A pesquisa de campo demonstrou também uma intensa preocupação das professoras com
a formação humana dos educandos e com o respeito ao outro, atitudes indispensáveis ao processo
ensino-aprendizagem. Dessa forma, a docência nesse lugar assume o traço de não se portar de
forma impositiva, sectária, neutra; preocupa-se fundamentalmente com a humanização dos
educandos, no sentido de cuidar de valores como: amor ao próximo, respeito ao outro,
convivência comunitária e diálogo entre as pessoas.
Um outro resultado que a pesquisa evidenciou foi a importância que a formação
profissional continuada do professor/a tem para os pais, para a coordenação pedagógica do
Movimento, para os educandos e para as próprias professoras. Percebemos que tanto por parte
dos docentes e da direção da escola, como por parte da Coordenação Pedagógica do Movimento,
uma convicção da necessidade da formação continuada dos professores. Acredita-se que ela é
o canal de busca do aperfeiçoamento profissional, ou seja, a formação profissional continuada é
percebida como fonte de revitalização dos saberes existentes, assim como é um instrumento de
difusão do Projeto de Educação do Campo e dos princípios filosóficos e pedagógicos do
Movimento.
147
Em outro momento, constatou-se que a formação dos professores é uma conquista que se
adquire com muita luta e esforço dos docentes, portanto, o respeito a esse profissional deve ser
prioridade, ele deve ser mais valorizado socialmente e também por parte do poder público que
administra a sua remuneração e condições de trabalho.
Durante a realização do trabalho de campo, foi importante a análise documental e o
período de observação, como referência para interpretação das relações entre escola e
comunidade assentada e as interações socioculturais produzidas, pois somente com um olhar
criterioso e a disposição para perceber as artimanhas das vivências e interações socioculturais, o
pesquisador tem condições de se aproximar com mais propriedade do conhecimento sobre essas
experiências inter-pessoais.
Nesse sentido, constata-se uma estreita relação entre a comunidade, os pais, a escola e os
professores (as). Primeiramente, porque uma participação efetiva da comunidade nas decisões
do funcionamento e de questões administrativas da escola, através de representações da
comunidade no coletivo de educação local. Mudanças, alterações, e/ou decisões sobre o horário
escolar (início e término das aulas), por exemplo, são tomadas com a participação da
comunidade. De outra forma, e conforme acentuamos no capítulo 4, a escola não se configura
como um ponto isolado, fechada em si mesma, mas como uma extensão do assentamento. As
famílias assentadas se utilizam dela como ponto de visita, de encontro entre amigos e de
realização de eventos.
A escola busca, ainda, a efetiva participação dos pais em suas atividades eventuais,
comemorações, festas, homenagens, no acompanhamento dos filhos e no processo ensino-
aprendizagem propriamente dito. Os pais dos educandos participam desse processo, freqüentando
as reuniões de pais e mestres e, sobretudo, acompanhando as atividades cotidianas da sala de
aula. Nesse caso, a docência se fortalece na parceria estabelecida entre as partes e com o apoio de
148
pais e mães nas tarefas escolares dos educandos. Os docentes consideram de fundamental
importância a participação e colaboração dos pais no processo ensino-aprendizagem.
É cabível afirmarmos, ainda, que a escola é percebida pela comunidade e pelos docentes
como um instrumento de superação de sua condição de excluídos do acesso à terra, moradia,
saúde, educação, formação profissional e condições dignas de trabalho. Vêem nela uma fonte de
esperança para o exercício da cidadania plena, de direitos e de vida com dignidade. Essa
percepção se relaciona de tal modo com o fazer docente que se configura como uma preocupação
constante no desenvolvimento da profissão pois, a partir dela, se desenrola toda uma prática
docente na perspectiva de buscar a participação dos educandos na realização da aula, no diálogo
entre professores/as e educandos e no fortalecimento da cultura local, sem negar sua relação com
a dimensão global dessa cultura e com o conhecimento produzido socialmente.
A docência é entendida pelos pais como um canal em que a escola veicula o seu papel
social e, por isso, eles têm a expectativa de uma efetiva aprendizagem da leitura e da escrita pelos
filhos. Os docentes, por sua vez, se sentem responsabilizados em corresponder a esses anseios da
comunidade, mesmo que tenham dificuldades para realizar tal propósito ou não tenham condições
de trabalho satisfatórias para cumprí-lo.
Nessa relação de expectativas e de auto-responsabilidades, pais e mestres vivenciam um
movimento de ânimo (quando a docência cumpre o esperado) e de desânimo (quando o desejo
não é atendido). Os docentes tentam, de forma persistente e esperançosa, acertar o passo para
fortalecer suas ações na luta pela construção de um projeto de educação para o campo e pela
transformação da sociedade. Buscam, dentro do seu contexto social e de seus limites, driblar o
processo de precarização em que se assenta a docência, numa analogia com o poema de João
Cabral de Melo Neto, “Morte e Vida Severina” (1985), morrendo e vivendo severinamente todo
dia, um pouco por vez.
149
Ainda em relação à docência, um outro aspecto detectado na percepção dos atores da
pesquisa foi a importância que o gosto pela profissão tem no cultivo da esperança e persistência
para a conquista de um magistério mais valorizado socialmente e mais respeitado pelo poder
público. Assim afirmou uma professora:
(...) a mensagem que eu tenho que eles (professores) o desistam, que trabalhe com
amor, com dedicação, procure meios dos educandos aprenderem com mais
facilidade. (Professora Ninha).
Esse apego à profissão pode ser entendido como um mecanismo de defesa frente ao
desrespeito e desprestígio social dessa ocupação profissional, ou seja, as professoras acreditam
que somente o afeto pela profissão pode mover a esperança e a luta constante na superação das
dificuldades vivenciadas por elas.
No entanto, talvez pelo fato das profissionais estarem enfronhadas no contexto de sua
realidade social e profissional, as mesmas não percebem a atividade complementar do calendário
escolar (AC) como mais uma possibilidade para dirimir angústias e construir de forma coletiva,
com os pares, projetos didático-pedagógicos, a curto, médio e longo prazo, os quais venham
agilizar o atendimento de seus sonhos, projetos, valores e lutas travadas no processo de
desenvolvimento de sua profissionalidade.
Nesse aspecto do exercício docente, encontra-se uma fragilidade, pois as professoras não
utilizam esse espaço para fortalecerem a labuta diária com o processo ensino-aprendizagem,
trocando experiências, definindo metas educativas, socializando os avanços e limites da prática
pedagógica. Ao contrário, usam-no como momento rotineiro para selecionar ou confeccionar
material didático.
Essa constatação provoca-nos alguns questionamentos: O que pensam as professoras
sobre a troca de experiências profissionais? Qual as concepções e práticas de planejamento de
ensino no contexto da luta pela terra? Até que ponto a compreensão de trabalho coletivo se
150
articula-se com a prática pedagógica de cada professor/a? Quais as implicações do trabalho
coletivo na escola, para o fortalecimento do Projeto de Educação para o campo? Essas e outras
inquietações não puderam ser analisadas no presente estudo, em função do seu recorte temático,
mas se apresentam como proposições para novos estudos acerca do exercício da docência no
contexto da luta pela terra.
É preciso ainda considerar que os desafios postos não se dissiparão simplesmente como
num toque de mágica, com o esforço da comunidade assentada ou das ações individuais das
professoras, mas a partir de articulações da educação do campo com outras frentes de lutas, como
afirma a Representante do Setor de Educação do Movimento:
a gente tem que se articular também em torno da educação do campo de forma geral,
fazer articulação com a educação indígena, com a educação de outros sujeitos que
estão no campo hoje pra fortalecer essa coisa dos docentes do campo. (Solange).
Em síntese, o fato da docência estar intrinsecamente relacionada a um movimento social,
por si não pode levar a cabo as transformações necessárias à valorização do Magistério, das
práticas docentes e superação dos desafios, nem são essas as intenções do MST, mas o exercício
da profissão atrelado às vivências socioculturais dos professores e professoras, nesse locus de
atuação, influencia e é influenciado pela intencionalidade política, tão bem demarcada no
interesse das professoras pela formação profissional continuada, na construção de um projeto de
educação do campo, na luta pela terra e pela importância que a profissão tem na vida de cada um
e cada uma.
Assim, a profissão de professor/professora se desenvolve num conflituoso movimento de
morte e de vida, pois combina momentos de desânimo e entusiasmo, cansaço e coragem,
desesperança e esperança e persistem na árdua tarefa de levar à frente um projeto de educação
que tem como finalidade maior a formação de novos sujeitos e a construção de um sistema social
humanitário.
151
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156
APÊNDICES
Apêndice A – Quadro de identificação dos professores nº 2
Apêndice B – Quadro de identificação dos professores nº 3
Apêndice C – Instrumentos da coleta de dados
Apêndice D – Roteiro de Entrevista
Apêndice E – Fichas individuais
Apêndice F – Roteiro de discussão para o grupo focal
157
Quadro de identificação dos professores – nº 2 /outubro de 2004
Professora
(pseudônimo)
Faixa
etária
Escolaridade
Tempo de
serviço no
Assentamento
Série que
leciona
Experiência
fora do
assentamento
Formas de
ingresso na
instituição
Vínculo com o
MST
Lia
31-
40
Cursando
pedagogia
4 anos
Educação
infantil
sim
Concurso Militante
Lena
41-
50
Fazendo
vestibular
8 anos
2º asérie
Não
Contrato Assentada e
militante
Lelia
Até
30
anos
Nível Médio
3 anos
4º série
Não
Contrato Professora
Geo
41 –
50
Nível Médio
5 anos
1º asérie
Sim
Concurso Assentada e
militante
Lúcia
Até
30
anos
Nível Médio
1 ano
5º asérie
Não
Contrato Professora
Lene
31 a
40
anos
Nível Médio
4 anos
3º série
Não
Contrato Professora
Geisa
Até
30
anos
Fazendo
vestibular
3 anos
2º série
Não
contrato Filha de pais
assentados
Leila Até
30
anos
Nível Médio 6 meses 3ª, 6ª a 8ª
séries
não contrato Professora
Ninha A
30
anos
Nível Médio 2 anos Multisseriada não contrato Filha de pais
assentados
professoras selecionadas. Fonte: Ficha de identificação preenchida pelos professores
Observação: 1) não foi incluída neste quadro a professora que exerce a função de secretária, a qual será entrevistada
em virtude dessa função; 2) duas professoras estavam ausentes do assentamento na época da fase exploratória da
pesquisa.
158
Quadro de identificação dos professores – nº 3 /abril de 2005
Professora
(pseudônimo)
Sexo Faixa
etária
Escolaridade/
Formação
Tempo de
serviço no
Assentamento
Série em
que
leciona
Experiência
fora do
assentamento
Forma de
ingresso
na
instituição
escolar
Vinculo
com o
MST
Nina
F
41-
50
Cursando
Pedagogia
8 anos
2º série a
8º série
Sim
Contrato
Assentada
e
militante
Geo
F 41 –
50
Nível Médio
Magistério
5 anos
4ª série a
8ª série
Sim
Concurso Assentada
e militante
Ninha
F 31 a
40
anos
Nível Médio
Magistério
3 anos
1º série e
6ª série
Não
Contrato Filha de
assentada
Geisa
F Até
30
anos
cursando
4 anos
Educação
Infantil
5ª série
6ªsérie
Não
Contrato Filha de
assentada
Aline F Até
30
anos
Nível Médio
Magistério
2 meses Séries
finais do
Ens.
Fund.
Sim Contrato Professora
Marcio M Até
30
anos
Nível Médio
Magistério
2 meses Séries
finais do
Ens.
Fund.
Sim Contrato Professor
Patrícia F Até
30
anos
Nível Médio
Magistério
2 meses série Não Contrato Professora
Max Well M Até
30
anos
Nível Médio
Técnico em
Agropecuária
2 meses Séries
finais do
Ens.
Fund.
Sim Contrato Professor
Lívia F Até
30
anos
Nível Médio
Magistério
2 meses Séries
iniciais e
finais do
Ens.
Fund.
Sim Contrato Professora
Elvis M Até
30
anos
Nível Médio
Magistério
2 meses Séries
finais do
Ens.
Fund
Não Contrato Professor
Dilma F Até
30
anos
Nível Médio
Magistério
2 meses série Não Contrato Professora
Fonte: Ficha de identificação preenchida pelos professores e arquivos da escola
159
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Parte 1: Formação Profissional e Construção da profissionalidade docente
Quando e como ingressou na profissão de magistério;
Razões que levaram a escolher o magistério e contexto sócio-econômico-político da época
em que estudou;
Curso de magistério: como foi realizado, fatos marcantes, estágio, atividades
complementares oferecidas pela Instituição formadora;
Descrição do perfil profissional - Auto percepção profissional: competência, valorização,
realização, etc.
Trajetória profissional: níveis, série e disciplinas de atuação, outros cargos na área de
educação, tempo de trabalho, jornada, fatos marcantes, conflitos, dificuldades, colegas de
trabalho, diretores, etc.
Tipo de leitura que foi importante em diferentes momentos da atividade docente.
Disciplina e/ou curso que mais ajudou no exercício da profissão.
Perspectivas para a profissão docente: qual seu futuro e que sugestões daria para melhorá-
la.
Parte 2: Trajetória Profissional no MST e construção da profissionalidade docente
Quando e como ingressou no MST;
Rotina da escola; funcionamento e principais atividades;
Principais acontecimentos na vida de professora no Assentamento;
Cursos e/ou eventos que tem participado sobre o ensino;
Dificuldades enfrentadas para a docência no assentamento e alternativas para seu
enfrentamento;
Relação com colegas, especialistas, diretores, coletivo de educação, com órgãos
administrativos do sistema, e com os pais dos alunos.
160
Tipo de experiência de magistério que mais agradou (nível, série, disciplina, tipo de
escola (pública ou privada), etc.) e por quê.
Impressões sobre a profissão: melhores e piores momentos, sucessos e fracassos,
entusiasmos e desesperanças, crises, decepções
Maior desafio enfrentado na profissão.
Experiências dentro de sala de aula: fatos que definiram ou modificaram a conduta como
professor, dificuldades e alternativas encontradas, preparação de aulas, domínio de classe,
avaliação, disciplina, lembrança dos alunos, conflitos, gratificações experiências que
marcaram, desafios, etc.
Melhores e piores experiências que viveu como professora. Satisfação/Insatisfação com
a profissão;
outras atividades no assentamento, além da docência em sala de aula.
Parte 4 – Percepções sobre educação, escola e profissão docente.
O que pensa sobre a profissão de professor. Se começasse tudo de novo seria professora
novamente ou escolheria outra profissão;
Perspectivas para a profissão docente;
Importância da família e da educação familiar dentro da sala de aula.
Diferenças entre o ensino na escola do MST e em outras escolas que exerceu a profissão:
professores, alunos, regulamentação, etc.
Considerações sobre a proposta pedagógica do MST;
Mensagem para os professores de hoje.
SECRETÁRIA E DIRETORA DA ESCOLA
Concepção de professor que atua no assentamento;
O que pensa da profissão de professor;
Perspectivas para a profissão docente;
Importância da escola;
161
Importância da educação e consideração do projeto de educação do MST;
De que a escola precisa e do que ela não precisa;
Quando e como encontra com a professora;
Alternativas para a qualidade do ensino;
Funcionamento e as principais atividades realizadas na escola;
Principais atividades realizadas na comunidade;
Importância da família e da educação familiar dentro da sala de aula;
Diferenças entre o ensino na escola do MST e em outras escolas que exerceu a profissão:
professores, alunos, regulamentação, etc.
PAIS DOS ALUNOS
Descrição do perfil das professoras – competência, valorização, etc;
Participação na escola e na educação do filho;
Importância da escola;
Importância da educação e consideração do projeto de educação do MST;
De que a escola precisa e do que ela não precisa;
Quando e como encontra com a professora;
Alternativas para a qualidade do ensino;
Funcionamento e as principais atividades realizadas na escola
Principais atividades realizadas na comunidade
Importância da família e da educação familiar dentro da sala de aula.
Diferenças entre o ensino na escola do MST e em outras escolas que exerceu a profissão:
professores, alunos, regulamentação, etc.
REPRESENTANTE DO MST
Parte 1. O ingresso no MST e a estrutura organizativa do Setor de Educação
Quando e como ingressou no MST;
Organização do Setor de Educação;
Considerações sobre a finalidade das ações do Setor de Educação
162
Principais atividades realizadas como os professores, pais de alunos e alunos;
Principais dificuldades de trabalho com os professores;
Principais dificuldades com a comunidade;
Principais dificuldades dos professores com o ensino
Alternativas para superação das dificudades.
Parte 2. O Coletivo de Educação e seus objetivos
O que pensa da profissão docente;
Considerações sobre a proposta pedagógica do MST;
Considerações sobre a finalidade das ações do Coletivo de Educação;
Funcionamento e as principais atividades realizadas na escola
O papel do professor no projeto de educação do Movimento e do Assentamento;
Principais atividades realizadas como os professores, pais de alunos e alunos;
Diferenças entre o ensino na escola do MST e em outras escolas que exerceu a profissão:
professores, alunos, regulamentação, etc.
Importância da família e da educação familiar dentro da sala de aula.
Perspectivas para a profissão docente: qual seu futuro e que sugestões daria para melhorá-
la.
163
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS – PUCMG
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO
Título da Pesquisa: DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA PROFISSÃO DOCENTE EM
ASSENTAMENTO DO MST: ESTUDO DE UMA REALIDADE
Mestranda: Maria Jucilene Lima Ferreira
Orientadora: Professora Drª Magali de Castro
FICHA INDIVIDUAL DOS PROFESSORES ENTREVISTADOS
1) Informações Pessoais
Nome:_________________________________________Pseudônimo:________________
Endereço (rua, av, pç): ______________________________________________________
Bairro: ______________Cep: _________________ Cidade:__________________UF____
Telefone Residencial: _________________Estado Civil___________________________
e-mail:__________________________fax______________________________________
Faixa etária: Até 30 anos ( )
31 a 40 anos ( )
41 a 50 anos ( )
acima de 50 anos ( )
2) Informações Familiares:
Filiação: Pai_______________________________________Profissão:________________
Mãe______________________________________Profissão: _______________
Cônjuge:_________________________________________Profissão________________
Número de filhos________________ Idade______________________________________
3) Trajetória Escolar
a) Cursos Regulares:
Fundamental de 1º à 4º série – ano de conclusão_________________
Fundamental de 5º a 8º série – ano de conclusão_________________
164
Curso Médio Escola____________________________Cidade___________________ ano de
conclusão _________
Curso Superior Instituição________________________________________________ano de
ingresso ___________ano de conclusão__________
b) Outros Cursos (especifique)
4) Trajetória Profissional
a) Magistério no Ensino Fundamental
Escola,
Instituição ou
Programa
Cidade Período Série em
que
lecionou
Empregador
Forma de
Ingresso
na
Instituição
Assentamento
b) Magistério no Ensino Médio:
Escol, Instituição
ou Programa
Cidade Período Série/Disciplina
165
c) Magistério no Ensino Superior:
Instituição Cidade Período Curso Disciplina
d) Outras atividades educacionais na escola e em órgãos administrativos do sistema
( ) Direção ( ) Coodernação Pedagóg
ica/ Supervisão ( ) Auxiliar secretaria ( ) Inspetora de
Encino
Outras (especificar): ___________________________________________________________
e) Outras atividades profissionais:
Instituição Cidade Período Tipo de atividade
5) Trajetória no MST
a) Qual o seu vínculo com o MST?_________________________________________
b) Desde quando participa do MST?________________________________________
c) Como você ingressou na Profissão Docente no
Assentamento?______________________________________________________
d) Há quanto tempo leciona nesse Assentamento?_____________________________
e) Já lecionou outras séries nesse Assentamento? A resposta sendo afirmativa, por que
mudou de série?_____________________________________________________
166
Roteiro de discussão para a atividade de campo com o grupo focal – educandos que
estudam no Assentamento Bela Vista (17 a 20 de outubro de 2005).
Sobre a família
Quem é
Quantos são
Como vivem
O que fazem
Sobre a escola
Importância da escola
Sobre sua percepção de escola
Interesse e motivação na escola
Melhores lembranças da escola
Piores lembranças da escola
Dificuldades vivenciadas na escola
Alternativas de superação das dificuldades
Sobre a freqüência nas aulas
Sobre a merenda escolar
Descreva um dia na escola com a merenda
Descreva um dia na escola sem a merenda escolar
Sobre os professores
Sobre o respeito com os professores
O que mais gosta em um professor
O que menos gosta em um professor
Descreva sua professora quanto ao jeito de ser e de ensinar
Uma mensagem para os professores
167
Grupo Focal 1 – Atividade de Pesquisa com os educandos do Assentamento B. Vista
(participarão dessa atividade três alunos das professoras da série; série e série escolhidos
pelas respectivas professora e um aluno da 3ª série que pediu para participar
expontâneamente.)
I MOMENTO
Leitura e movimento da música: Ser Criança (Rubinho do Vale)
Dinâmica do nome em movimento
Numa roda, cada aluno pronuncia seu nome realizando um movimento e os
demais participantes imita o movimento.
Dinâmica do desafio (O que é o que é...)
Atividade de caracterização dos educandos: em uma folha em branco citar o próprio
nome; citar a cor que mais gosta e a que menos gosta; citar o animal que mais gosta e o
que menos gosta; fazer um desenho do seu gosto.
Numa folha de papel em braço desenhar a escola e tudo que o educando acha de
melhor e mais interessante.
Formar uma roda de conversa para comentários dos desenhos – nesse momento de
discussão eu coloco os itens do roteiro de entrevista sobre a escola e a merenda escolar.
Produção de um texto sobre a escola.
II MOMENTO
Dinâmica: O que você faria se....
Completar a frase: Ser professor é...
Roda de conversa comentando as frases (focalizar o respeito ao professor e a relação
entre professor e aluno);
Produzir uma mensagem para as professores;
Leitura e movimento da Musica: Ser Criança (Rubinho do Vale)
Produzir um desenho livre de fechamento (expor os desenhos no chão para um passeio
sobre eles e possíveis socializações).
168
Grupo Focal 2 – Atividade de Pesquisa com os educandos do Assentamento B. Vista
(participarão dessa atividade a turma de Educação Infantil)
Apresentações
Dinâmica: No meio do mar tem? No meio céu tem? No meio do rio tem? No meio
do sol tem? No meio da lua tem?
Leitura da Música:
Diálogo: E na escola o que tem? E a professora, como ela é?
Leitura de desenhos de crianças em livros infantis;
Leitura e movimento da Musica: Ser Criança (Rubinho do Vale)
Desenho livre
169
ANEXOS
Anexo A – Pra soletrar a liberdade (música de Zé Pinto)
Anexo B – Quadro de relação das Brigadas do Extremo Sul da Bahia
Anexo C – Mapa Índice de Exclusão Social
Anexo D – Mapa Índice de Escolaridade
Anexo E – Mapa Índice de Alfabetização
170
PRA SOLETRAR A LIBERDADE
(Zé Pinto)
R: Tem que está fora da moda
Criança fora da escola, pois há tempo
Não vigora o direito de aprender
Criança e adolescente numa educação
Decente pra um novo jeito de ser
Pra soletrar a liberdade da cartilha do ABC.
Ter uma escola em cada canto do Brasil
Com um no jeito de educar pra ser feliz
Tem tanta gente sem direito de estudar
É o que nos mostra a realidade do país.
Juntar as forças, segurar de mão em mão,
Numa corrente em prol da educação
Se o aprendizado for além do Be A Ba,
Todo menino vai poder ser cidadão.
171
QUADRO DE RELAÇÃO DAS BRIGADAS DO EXTREMO SUL – BA
BRIGADA MUNICIPIO ACAMPAMENTO ASSENTAMENTO
N. FAM.
ALOISIO
ALEXANDRE
MUCURI CANADÁ 56
20 ANOS MST 90
PAULO FREIRE 100
LAGOA BONITA 119
JEQUITIBA 139
ZUMBI 83
JOAQUIM
RIBEIRO
PRADO MODELO 17
PATATIVA ASSARE 100
ROSA DO PRADO 250
1.º ABRIL 41
4045 154
CORUMBAU 65
3 IRMÃOS 65
RIACHO OSTRAS 82
GUAIRA 25
OLGA
BENÁRIO
ITAMARAJU EUCLIDES NETO 40
BELA VISTA 150
NOVA DELY 53
PEDRA BONITA 41
CRUZ DO OURO 129
CORTE GRANDE 39
TERRA NOVA 31
CHÊ
GUEVARA
GUARATINGA MARIANA/ITATIAIA 80
SANTA MARIA 30
ROSELI NUNES 80
OJEFERSON 70
LIBERTAÇÃO EGITO 60
NOVO HORIZONTE 60
GILDÁSIO
BARBOSA
44
CHICO MENDES II 65
ELIAS DO
PARANÁ
PORTO SEGURO SEBASTIÃO SALGADO 50
COROA 60
MACADAMIA 95
SERRO AZUL 180
05 05 13 22 2.704
Fonte: Arquivos da Secretaria do MST – Itamaraju-Ba, em 09/02/2006
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