Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
LUCIANE LEIPNITZ
COMPOSTOS NOMINAIS EM LÍNGUA ALEMÃ EM MEDICINA
EM TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS
Porto Alegre
2005
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
LUCIANE LEIPNITZ
Bacharel em Letras Português/Alemão
COMPOSTOS NOMINAIS EM LÍNGUA ALEMÃ EM MEDICINA
EM TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS
Dissertação de Mestrado em Teorias do Texto e do Discurso
Para a obtenção do título de Mestre em Letras
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Letras
Instituto de Letras
Lexicografia e Terminologia: Relações textuais
Orientadora: Prof
ª
Dra. Maria José Bocorny Finatto
Porto Alegre
2005
ads:
3
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS, a seus professores e
funcionários;
Às colegas de curso e amigas de longas jornadas, por transformarem esta caminhada
em algo muito especial;
Aos professores de pós-graduação, pela competência, pelo exemplo e pela dedicação;
Aos professores do setor de Alemão: Elke, Erica, Cléo e Michael, pela confiança em
meu trabalho.
Agradeço especialmente
À minha orientadora, Profa. Dra. Maria José Bocorny Finatto, pela sabedoria e pela
competência, pelo exemplo de profissionalismo, pela compreensão, motivação, dedicação e
amizade constantes;
Aos meus avós paternos e maternos, especialmente à vó Miloca, o carinho pela língua
alemã;
Ao meu pai, por me fazer acreditar em minhas potencialidades;
À minha mãe, pelo exemplo de luta, pelo apoio de sempre e amor constante;
Ao meu esposo Mário, pela compreensão e ajuda constante, pelo amor incondicional;
Ao meu filho Carlos Estevan, pela sabedoria na solução dos problemas, pela
compreensão das ausências e pelo carinho de sempre.
4
RESUMO
Este trabalho observa e descreve o processo de composição de termos em textos de Medicina
em língua alemã e sua tradução para o português. Ao buscar o reconhecimento de padrões de
construção da terminologia e da sua tradução, a pesquisa faz uma revisão da literatura que
inclui o tratamento gramatical e lexicográfico dos compostos em alemão, de trabalhos que
tratam da tradução de Komposita, além de revisar fundamentos teóricos de Terminologia e de
Tradução e sua relação com a composição de termos. A perspectiva adotada pela pesquisa
vincula Lingüística de Corpus e enfoques de perspectiva textual de Terminologia, além de
relacionar padrões de tradução de compostos a uma maior ou menor inserção cultural do texto
traduzido. O trabalho apresenta um levantamento quantitativo e qualitativo de ocorrências de
compostos e de suas traduções em um corpus formado por textos didáticos de Medicina nas
subáreas Fisiologia e Genética. O corpus alinhado alemão-português é composto por 99
parágrafos de texto. A diversidade de escolhas de tradução verificada e a concentração de
escolhas no padrão substantivo+preposição+substantivo apontam uma baixa inserção cultural
da tradução produzida para o português.
Palavras-chave: Komposita – tradução – terminologia – textos de Medicina
5
ABSTRACT
This research observes and describes terms composition process in German medical texts and
their translation into Portuguese. In the search for recognition of terminological construction
patterns and their translation, this research reviews the literature on the grammatical and
lexicographical treatment given to Komposita, and it also reviews works about translation of
German compounds. Furthermore, this study reviews Terminology and Translation theoretical
foundations as well as their relation to the composition of terms. The perspective adopted in
this study establishes a relationship between Corpus Based Linguistics and Textual
Terminology approaches, and also relates translation patterns of compounds to a higher or
lower level of cultural insertion of the translated texts. In this sense, this work presents a
qualitative and quantitative inquiry of occurrences of compounds and their translation in a
Portuguese-German parallel corpus composed of Physiology and Genetics didactical texts.
The parallel corpus comprises 99 paragraphs of aligned texts. The variety of translation
choices found in this study, and the concentration of the pattern noun+preposition+noun
points out to a low cultural insertion of translations produced in Portuguese.
Keywords: Komposita – translation – terminology – Medical texts
6
SUMÁRIO
Resumo.................................................................................................................................4
Abstract.................................................................................................................................5
Lista de Quadros, Tabelas e Figuras.....................................................................................8
Lista de Abreviaturas............................................................................................................9
INTRODUÇÃO..................................................................................................................10
Problema de pesquisa....................................................................................................13
Questões de pesquisa e hipóteses..................................................................................15
Organização do trabalho...............................................................................................17
1 CORPUS DE ESTUDO E METODOLOGIA INICIAL.................................................20
2 REVISÃO DA LITERATURA.......................................................................................23
2.1 Komposita e estudos da linguagem – perspectivas das gramáticas utilizadas para
ensino da língua alemã, da Gramática Textual e da Lexicografia
2.1.1 O processo de composição em língua alemã nas gramáticas utilizadas para
ensino da língua alemã................................................................................24
2.1.2 Perspectiva da Gramática Textual de Weinrich.............................................27
2.1.3 Dicionarização dos compostos.......................................................................36
2.1.3.1 Komposita em dicionários monolíngües...............................................36
2.1.3.2 Dicionários monolíngües para aprendizes de língua alemã..................40
2.1.3.3 Síntese...................................................................................................42
2.2 Komposita e a Lingüística de
Corpus.....................................................................44
2.3 Komposita em tradução nas linguagens especializadas..........................................47
2.3.1 Komposita da Eletrotécnica: chinês e alemão................................................47
2.3.2 Os Komposita em textos em língua francesa.................................................50
2.3.3 Os Komposita em textos de Economia..........................................................53
2.4 Komposita e Teorias de Terminologia....................................................................58
2.4.1 Da Terminologia como área de estudos e da sua evolução............................59
2.4.2 Escolas de pensamento em Terminologia......................................................60
2.4.3 Terminologia e Estudos de Tradução.............................................................65
2.4.4 Problemas da delimitação de terminologias e o estudo dos Komposita
em tradução.............................................................................................................67
2.5 Komposita, Teorias de Tradução e Tradução Técnico-Científica...........................68
2.5.1 Tradução de Komposita e terminologias do português .................................72
2.6 Quadro geral da revisão da literatura......................................................................73
3 PERSPECTIVAS TEÓRICAS ADOTADAS NESTE TRABALHO.............................76
4 OBSERVAÇÃO DO CORPUS.......................................................................................81
4.1. Fase-piloto..............................................................................................................81
4.2 Incrementação do corpus de estudo........................................................................83
4.3 Montagem do corpus alinhado L1/L2 e marcação dos Komposita.........................86
7
5. SÍNTESE DE RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO....................................................90
5.1 Quadro geral de escolhas de tradução no corpus alinhado.....................................90
5.2. Resultados..............................................................................................................95
5.3 Outros aspectos observados....................................................................................99
6. RETOMADA DE QUESTÕES DE PESQUISA E HIPÓTESES................................104
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................125
ANEXOS..........................................................................................................................131
8
LISTA DE QUADROS, TABELAS E FIGURAS
Lista de Quadros
Quadro 1 – Komposita no DUW 37
Quadro 2 – Variedade de Komposita com determinantes vinculados ao tema do texto 82
Quadro 3 – Compostos observados no capítulo Genética Molecular. Determinantes
e bases vinculados a tópicos do texto 84
Quadro 4 – Compostos no texto do Atlas de Fisiologia e no Atlas de Bioquímica 86
Quadro 5 – Segmento do corpus alinhado L1/L2 88
Quadro 6 – Adjetivações antepostas às composições e escolhas tradutórias 100
Lista de Tabelas
Tabela 1 – Segmento do instrumento, exemplo 93
Tabela 2 – Instrumento de categorizações de escolhas tradutórias 136
Lista de Figuras
Figura 1 – Atlas de Bolso de Fisiologia 21
Figura 2 – Processo de composição 25
9
LISTA DE ABREVIATURAS
DUW – Deutsches Universalwörterbuch
ISO – International Standardization Organization
L1 – Língua de partida
L2 – Língua de chegada
LdC – Lingüística de Corpus
LsDaF – Langenscheidts Groβwörterbuch “Deutsch als Fremdsprache”
LsT – Langenscheidts Taschenwörterbuch Portugiesisch-Deutsch/Deutsch-Portugiesisch
TCT – Teoria Comunicativa da Terminologia
TGT – Teoria Geral da Terminologia
Wh – Wahrig Deutsches Wörterbuch
10
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como ponto de partida minha atuação como revisora de
traduções do alemão na área da Medicina. O trabalho para uma editora brasileira de grande
volume de publicações possibilitou-me contato com uma boa parcela do universo da assim
chamada “tradução técnica”. Esse contato, cabe destacar, consubstanciou-se principalmente
pela via da leitura crítica de uma tradução feita por uma outra pessoa, geralmente um médico.
Esse profissional, em uma situação anterior à minha ação, tomou suas próprias decisões em
função do que lhe parecesse melhor ou que fosse o mais apropriado em um determinado
escopo de re-textualização. Cabia a mim, entretanto, verificar se suas decisões, numa
perspectiva mais ampla, estavam coerentes ou não e apontar outras possibilidades.
Em meio a todo um universo de regularidades e diferenças com as quais tive
contato, algumas opções de tradução, especialmente de compostos em língua alemã, os
Komposita, pareciam não ser muito adequadas. Muitas correspondiam a sintagmas nominais
de diferente feição e ordenamento na língua de chegada.
Komposita são aquelas célebres “palavras grandes” da língua alemã,
constituídas de, no mínimo, uma base e um determinante. A base é a parte final do composto,
à qual correspondem os traços gramaticais, o gênero, o número, o caso e a flexão. O
determinante é a parte inicial, tendo, em geral, a função de atributo, podendo ser constituído
de um ou mais substantivos, adjetivos ou verbos, e, mais raramente, pronomes, interjeições ou
numerais.
1
O determinante não é flexionado.
1
Para fins deste trabalho, foram consideradas como composições nominais apenas aquelas constituídas de
“nome + nome’. De modo que desconsideramos aqui formações do tipo “adjetivo + nome” ou “verbo + nome”,
referidas por Weinrich (1993, p.926) também como composições nominais.
11
A tradução de um Kompositum do tipo “substantivo + substantivo” para o
português corresponde, superficialmente, a uma forma do tipo “nome + preposição + nome”,
podendo também apresentar a forma “nome + adjetivo”. Assim, tem-se, por exemplo, um
composto como die Muskelkontraktion, cuja base corresponde a die Kontraktion (a contração)
e o determinante corresponde a der Muskel (o músculo). Na tradução para o português,
teríamos “a contração do músculo” ou “a contração muscular”.
A partir da primeira constatação de dificuldade de tradução, qual seja, duas
escolhas tradutórias para um mesmo composto, e da regularidade de exigência de intervenção
da revisão justamente sobre esse tipo de termo, colocou-se, quase naturalmente, como uma
necessidade de investigação, explorar os compostos em alemão e a sua problemática de
tradução para o português, sobretudo em função do seu estatuto terminológico em meio à
linguagem da Medicina. Afinal, grande parte das terminologias, técnicas ou científicas, têm
apresentação polilexemática.
Essa problemática levou-me também a refletir sobre o modo como me foram
apresentados os compostos nominais durante o período em que estive em sala de aula como
estudante de língua alemã como língua estrangeira, tanto no Instituto Goethe quanto nesta
Universidade. Percebi que um processo tão recorrente como esse, sobretudo em textos
especializados, com tantos problemas de tradução para o português, deveria ter recebido
maior atenção ao longo da minha formação.
A partir da percepção dessa lacuna, reportei-me às gramáticas da língua alemã.
Busquei nelas algum apoio teórico e tentei reconstituir a forma como havia tomado contato
com tal processo durante tantos anos de estudo. Numa primeira exploração do tema, em
conjunto com pesquisadores, estudantes e bolsistas de iniciação científica do Projeto Termisul
da UFRGS, rastreamos trabalhos de Estudos de Linguagem que abordassem o tema dos
Komposita. O material teórico angariado, sobretudo artigos de periódicos e trechos de
gramáticas, apenas confirmava a impressão de grande complexidade do tema e de uma
abordagem desproporcional à sua amplitude. Ao mesmo tempo, alertou para a reduzida
bibliografia sobre a tradução de Komposita para o português.
12
Nesse sentido, além de pretender contribuir para diminuir uma lacuna de
conhecimento, esta dissertação busca investigar um tópico pouco explorado em meio ao
cenário da pesquisa acadêmica brasileira.
Esta pesquisa foi desenvolvida em duas etapas: em uma fase-piloto e em uma
fase posterior, com um corpus ampliado. Na fase-piloto, organizei um corpus composto por
textos de Medicina em língua alemã, extraídos de um Atlas de Bolso
2
(Taschenatlas), o qual
foi utilizado para a observação do modo de formação dos compostos, regularidades e
irregularidades, aspectos qualitativos e quantitativos na língua fonte.
Para as observações iniciais dos Komposita nesse corpus, utilizei como
ferramenta de coleta o software WordSmith Tools, com o qual obtive uma listagem de
palavras do texto. A partir desta listagem, realizei buscas mais específicas, direcionadas a
componentes específicos dos compostos, de acordo com o perfil terminológico da área de
conhecimento analisada.
Na segunda fase do estudo, delimitada pelo período de elaboração
propriamente dita do texto desta dissertação, parti para uma tentativa de descrição das
escolhas de tradução dos compostos encontrados no corpus na língua de chegada. Nessa fase,
organizei um corpus paralelo, correspondendo a um acervo de parágrafos originais e suas
respectivas traduções.
Nessa trajetória, a primeira etapa desta pesquisa tomou como um guia
metodológico a Lingüística de Corpus; a segunda etapa, como se verá no desenvolvimento do
trabalho, esteve alicerçada em dois pilares referenciais principais – a Terminologia e a
Tradução –, a primeira em sua perspectiva textual. A partir da observação de uma série de
Komposita em tradução, o objetivo deste trabalho é também fornecer alguns subsídios para a
elaboração de materiais de apoio tanto para o ensino de alemão como língua estrangeira,
quanto para o ensino específico da tradução de Medicina.
2
São livros em formato de Atlas, compostos por páginas de textos às quais correspondem páginas de figuras
com o objetivo didático. Saliente-se aqui que a expressão “atlas de bolso” não corresponde a nossa noção de um
livro em dimensão pequena, mas corresponde a um livro em formato e tamanho “normal”.
13
Problemas de pesquisa
O principal problema desta pesquisa é saber, a partir de uma observação
empírica, como se realiza a composição na língua de partida e entender como tende a se
processar sua tradução para o português no âmbito de textos de Medicina.
A composição é reconhecida como um processo extremamente freqüente e
importante no alemão (VILELA, 1979, p. 267-279). Mas, mesmo que tenda a representar um
ponto de dificuldade de compreensão na leitura de textos para estudantes de alemão como
língua estrangeira, a maioria dos Komposita com os quais me deparei raramente constavam
em dicionários. A tendência, ao que parece, é o registro apenas de suas partes em isolado, o
que pouco auxiliará o aprendiz, visto que raramente a interpretação de sentido de um
composto se reduz à mera soma de significados das partes ou a uma simples leitura de trás
para frente de duas ou mais partes justapostas.
Considerando a grande demanda de traduções de Medicina e o valor
terminológico da maioria dos compostos, torna-se importante investigar o tema. Não obstante,
parece um paradoxo que a produção de material de pesquisa sobre tradução, notadamente
sobre a tradução de textos técnico-científicos de áreas específicas, seja, ainda hoje, no Brasil,
relativamente pequena. Sem dúvida, a maior parte do que se produz no Brasil sobre tradução
refere-se à tradução de textos literários, deixando-se, muitas vezes, a tradução técnico-
científica como um assunto secundário (AZENHA, 1999).
Frente à relativa falta de estudos sobre esse tipo de tradução, também é de
conhecimento geral que é justamente a tradução técnica a que mais remunera o profissional
tradutor, exigindo um bom conhecimento de linguagens especializadas e familiaridade com
suas terminologias. Além disso, é sabido que muitas editoras investem na tradução médica em
função do seu bom retorno comercial.
Alguns trabalhos realizados até o momento sobre a tradução de textos
especializados do alemão (doravante L1) para o português (doravante L2) e os manuais de
gramática de língua alemã, quando abordam o tema dos Komposita, tratam, via de regra, de
modos de constituição, regras de formação e elementos de ligação entre as suas partes.
14
São, em geral, ao que parece, enfoques bastante genéricos. Falta, assim, para o
tradutor que se ocupe de uma linguagem como a da Medicina, uma maior identificação,
nesses e em outros materiais, de quais são e como se constituem seus compostos. Falta,
basicamente, alguma indicação de quais elementos são comumente mais utilizados como base
e de quais elementos são utilizados como determinantes. Além disso, há um outro problema:
carência de maiores informações sobre como se dá esse processo de formação de palavras e
de terminologias não só em textos de Medicina, mas também em outras áreas de
conhecimento.
Segundo De Cort (1982, p. 18), o processo de composição da língua alemã
visaria a uma economia lingüística, sendo, de certo modo, um processo de simplificação.
Nessa concepção, poder-se-ia até mesmo pensar em uma “facilitação” para alguns processos
tradutórios. Afinal, um composto seria sempre um todo de sentido, um todo depreensível da
junção de partes combinadas em uma única palavra na L1. Teria essa concepção fundamento?
Para Sandmann (1990, p.9), a formação de compostos no alemão
corresponderia a um processo tão produtivo que chegaria a se aproximar da produtividade das
regras sintáticas de formação de sintagmas e sentenças. Segundo o autor, haveria, nessa
língua, um “molde fixo”
3
que faria com que a seqüência produzida, conforme tal molde, se
diferenciasse facilmente do grupo sintático paralelo. E, frente a essa provável alta
produtividade que se busca também reconhecer, justifica-se ainda mais a necessidade de
investigação.
Erben (1979, p.267-268) comenta que “aquele que se ocupar do fenômeno de
formação de palavras, ocupar-se-á tanto do contínuo enriquecimento do léxico, cujo registro
tantas dificuldades causa ao lexicógrafo, como de questões de semântica [...]”. E mais adiante,
afirma que
[...] se a formação de palavras é uma criatividade submetida a regras, consistindo na
realização de modelos previstos num sistema, pode pôr-se a pergunta: quais as
regras que determinam os processos de formação de palavras e quais os modelos
normativos realizados com freqüência no alemão actual pelos falantes e percebidos
3
O “molde fixo” ao qual se refere o autor corresponderia às partes constituintes, sua ordem invariável
(determinante + base), o acento único no primeiro elemento e a flexão apenas do último elemento.
15
analogamente pelos ouvintes/leitores de competência similar, sob determinadas
condições situacionais e contextuais? Uma resposta adequada, que conterá
necessariamente informações acerca da admissibilidade e do rendimento funcional
dos morfemas que estão ao serviço destes paradigmas de formação de palavras, não
se encontrará, nem por simples intuição, nem por interrogação ad hoc de poucos
“informantes”, se se desatender a ligação pragmática a determinadas situações.
Segundo Erben, a síntese deve preceder a análise, ou seja, são indispensáveis a
descrição e a análise das estruturas de formação existentes, a verificação de motivações
evidentes, a fim de se estabelecer o seu valor sincrônico, seu modo de formação, bem como
descobrir regularidades. Observar e descrever será, então, o interesse deste trabalho.
Embora pudesse simplesmente me aliar a alguns autores em suas reflexões
sobre o fato da composição corresponder a um processo extremamente freqüente na língua
alemã (VILELA, 1979) e também de corresponder a uma forma de economia lingüística (DE
CORT, 1982), resta muito a conhecer, principalmente no uso vivo das linguagens
especializadas.
Partindo das minhas impressões, já posso afirmar que uma pretensa facilidade
de compreensão do composto não poderia ficar reduzida ao fato de corresponder a um
“modelo fixo” (SANDMANN, 1990) de decodificação. Há, ao que parece, muitos e diferentes
fatores envolvidos no perfil da composição terminológica de Medicina.
Assim, é preciso ir além da problemática semântica, morfológica e sintática
implicada pelos compostos e sua tradução. É preciso enfrentar o problema de falta de
conhecimento e gerar novas compreensões sobre esse processo de alta complexidade. Esse é o
problema que move esta investigação.
Questões de pesquisa e hipóteses
A partir do problema colocado, este trabalho propõe-se a contribuir para um
maior conhecimento sobre o processo de composição, o que poderá ser aproveitado para o
ensino da L1 como língua estrangeira, além de, mais especificamente, subsidiar novas
reflexões sobre escolhas de tradução, principalmente de terminologias, na área de Medicina.
16
Conforme antes mencionado, percebi que algumas peculiaridades de formação
de palavras na L1 tendiam a gerar alguns problemas de tradução mais recorrentes. A título de
exemplo, cito as diferentes formas de tradução para um mesmo composto encontradas ao
longo de um mesmo texto. Havia, por exemplo, Zellmembran traduzido na forma “nome +
adjetivo” como membrana celular e, em seguida, na forma “nome + preposição + nome”, o
termo aparecia como membrana da célula. A presença dessas duas formas, num mesmo texto,
poderia, talvez, ser justificada por um desejo de evitar repetição lexical. Ainda assim, o termo
membrana celular é o uso mais consagrado em português, mas isso parece ter sido ignorado
pelo tradutor. Para evitar a repetição, nesse caso, poder-se-ia optar pela redução do sintagma,
indicando-se apenas membrana.
4
A partir dessas e de outras observações ao longo do meu trabalho como
revisora, estudante e docente da língua alemã e também a partir dos problemas antes
referidos, esta pesquisa pretende colher evidências que permitam responder as seguintes
questões:
a) Como é o composto nominal no texto de Medicina em L1?
b) Que papel o composto nominal desempenha nos textos na L1?
c) Como o Kompositum tende a ser traduzido para o português?
d) Como melhorar suas condições de tradução?
Essas perguntas deverão ser respondidas ao final do trabalho, após a análise
empírica de dados. Nesse sentido, acredito, de acordo com os princípios básicos da
Lingüística de Corpus, que a observação de práticas textuais em um corpus é capaz de revelar
padrões e especificidades de um uso de linguagem, valendo isso também para usos de
tradução.
Além de buscar subsídios para responder as questões colocadas, esta pesquisa
pretende verificar a validade e o alcance das seguintes hipóteses:
4
Tal redução é característica dos textos em língua portuguesa no Brasil se comparados a textos em língua alemã.
A repetição do item lexical é uma característica dos textos em língua alemã. Tal fato pode ser relacionado a
aspectos culturais da língua alemã: a especificidade de sentido através da manutenção da consistência
terminológica.
17
a) Há uma tendência, na tradução dos Komposita em textos de Medicina, de
se seguir uma orientação de interpretação que vai “da base para o determinante”, com
predominância da forma “nome + preposição + nome”.
b) Determinadas opções de tradução dos Komposita revelam uma maior ou
menor inserção cultural do tradutor e da sua tradução.
A primeira hipótese prende-se, como é fácil perceber, a uma impressão
recorrente da experiência de trabalho de revisão. Origina-se, também, das colocações de
alguns materiais, sobretudo os de perfil didático, de modo que quero averiguar em que medida
um tal padrão de “leitura” do composto na L1 incidiria ou não sobre a tradução da
terminologia no texto de Medicina na L2.
A segunda hipótese relaciona inserção cultural e escolhas de tradução,
partindo-se do pressuposto de que ambos elementos podem estar profundamente vinculados.
Por inserção cultural, entendo a capacidade que tradutor e tradução têm de espelhar práticas
lingüísticas adotadas pelos membros de uma comunidade discursiva, compatibilizando a
cultura de partida e a cultura de chegada. Assim, à medida que há escolhas tradutórias pouco
usuais, produtoras de padrões de construção distantes dos padrões usuais de cunhagem da
terminologia da L2, haverá uma menor inserção cultural. Isso, naturalmente, poderá gerar
menor adequação terminológica, conceitual, expressiva e textual. Assim, na segunda hipótese,
busco verificar, basicamente, quais padrões de escolhas tradutórias seriam mais recorrentes
em Medicina e o quanto esses padrões seriam mais ou menos distantes de um uso mais
consagrado
5
.
Organização do trabalho
Na seqüência deste trabalho, faço a apresentação e a caracterização do corpus
de estudo e da metodologia inicial.
Na revisão da literatura, Capítulo 2, traço um panorama do processo de
composição em gramáticas utilizadas para o ensino da língua alemã, buscando colher dados
5
Neste sentido, a abrangência de usos poderá ser confirmada através da consulta a buscadores (Google ou
Webcorp) na internet.
18
sobre esse processo de formação de palavras, desde sua origem, passando pelos modos de
aglutinação ou juntura, até os modos de interpretação em sua tradução.
Depois disso, busco identificar o processo de composição em uma gramática
de perspectiva textual, na qual o processo de composição não se restringe à mera interpretação
de um item lexical isolado, mas é analisado como parte de um “todo”.
A revisão é seguida por um apanhado geral sobre o tratamento da composição
em dicionários monolíngües da língua alemã. Considerando que a lexicografia tende a
espelhar concepções sobre a gramática e o léxico da língua, pareceu bastante útil verificar
empiricamente, em uma pequena amostra de dicionários, que subsídios sobre a composição
encontrarão os usuários tradutores e aprendizes da língua.
Em seguida, faço uma revisão sobre princípios básicos da Lingüística de
Corpus, especialmente em suas indicações sobre a adequada constituição de um corpus para
observação e descrição da língua em funcionamento, procurando identificar sua contribuição
potencial para o estudo da composição em textos especializados.
Nas seções seguintes da dissertação, são revisados alguns estudos específicos
sobre compostos em diferentes linguagens especializadas (Fachsprachen) e suas
especificidades de tradução para diferentes línguas.
Por fim, enfeixando a revisão da literatura, trago um panorama sobre teorias de
Terminologia e de Tradução e suas interfaces com a problemática dos compostos em textos
técnico-científicos. Apresento, ao final do capítulo, um quadro geral de revisão da literatura.
No Capítulo 3 apresento, a partir do reconhecimento da problemática dos
Komposita frente aos estudos lingüísticos em geral e aos estudos de Tradução e Terminologia,
o posicionamento teórico que embasa o trabalho de observação e tratamento do corpus.
No Capítulo 4, descrevo a metodologia seguida para a análise de dados na fase-
piloto e na fase ampliada. No capítulo seguinte, faço uma síntese de observações sobre as
escolhas de tradução verificadas no corpus, o que é seguido no Capítulo 6 com resultados
19
apresentados sob a forma de retomada das questões de pesquisa e avaliação das hipóteses
colocadas.
Por fim, o trabalho traz as conclusões obtidas a partir da observação do corpus,
as reflexões sobre os indicativos observados e algumas reflexões para futuras ampliações da
pesquisa.
20
1 CORPUS DE ESTUDO E METODOLOGIA INICIAL
O corpus utilizado neste estudo é composto de textos originais em língua alemã
e suas respectivas traduções, obtidos junto à editora que tem os direitos de tradução do
original. Os textos originais foram digitalizados, sendo então efetuada a correção de eventuais
problemas de reconhecimento de caracteres e o armazenamento dos textos em formato TXT
para busca com o software WordSmith Tools. As traduções foram fornecidas pela editora em
arquivo em disquete e armazenadas em formato TXT para busca posterior com o referido
software.
Faz-se necessário salientar novamente que as traduções sob exame não
sofreram qualquer tipo de revisão ortográfica ou tentativa de padronização. Tais textos, poder-
se-ia dizer, corresponderiam à tradução “bruta”, antes de qualquer interferência de revisão.
Os textos utilizados foram retirados dos livros Taschenatlas der Physiologie,
de autoria de Stefan Silbernagl e Agamemnon Despopoulos (2001), e do Taschenatlas der
Biochemie, de autoria de Jan Koolman e Klaus-Heinrich Röhm (2003), escolhidos
aleatoriamente dentre os livros da série Taschenatlas da Editora Georg Thieme da Alemanha,
cujas traduções seriam ainda revisadas por mim. A série Taschenatlas é composta de
pequenos livros em formato de “atlas”, nos quais uma página de texto corresponde sempre a
uma página de ilustrações
6
que objetivam esclarecer visualmente aos leitores o conteúdo
textual desenvolvido. Esses livros destinam-se a estudantes de graduação e a profissionais de
Medicina e Bioquímica, servindo tanto como base teórica para exames de graduação como
para sua prática clínica.
6
É necessário salientar aqui que tais páginas de ilustrações não foram utilizadas em nosso corpus, pois não
conteriam novas composições, mas apenas as formações já referidas na parte em formato texto do livro. Dessa
forma, foram dispensadas já no momento do processo de escaneamento.
21
Na pesquisa exploratória inicial, foram examinados apenas os três capítulos
iniciais do Atlas de Fisiologia – Fundamentos, Fisiologia Celular; Nervos e músculos;
Trabalho e Sistema Nervoso Vegetativo. Na segunda fase da pesquisa, foi utilizado o capítulo
Genética Molecular do Atlas de Bolso de Bioquímica, o qual não foi escolhido aleatoriamente,
mas buscando um contraponto entre Fisiologia e Bioquímica. Os capítulos de Fisiologia
correspondem a um corpus de 14.900 palavras, e os de Bioquímica têm 8.906 palavras,
totalizando o corpus em língua alemã de 23.806 palavras.
A figura abaixo apresenta uma página do Atlas de Bolso de Fisiologia para
melhor compreensão do formato “atlas”, sob análise neste trabalho.
Figura 1: Atlas de Bolso de Fisiologia
Para a constituição do corpus inicial, foi necessário, primeiramente, ter em
mente a definição de corpus “um conjunto de dados lingüísticos (pertencentes ao uso oral
ou escrito da língua, ou a ambos), sistematizados segundo determinados critérios,
suficientemente extensos em amplitude e profundidade, de maneira que sejam representativos
da totalidade do uso lingüístico ou de algum de seus âmbitos, dispostos de tal modo que
possam ser processados por computador, com a finalidade de propiciar resultados vários e
úteis para a descrição e análise” (SANCHEZ, apud BERBER SARDINHA, 1999a).
Os critérios utilizados para a definição do corpus, conforme Berber Sardinha
(1999a) foram:
22
a) origem: os dados devem ser autênticos;
b) propósito: o corpus deve ter a finalidade de ser objeto de estudo lingüístico;
c) composição: o conteúdo do corpus deve ser criteriosamente escolhido;
d) formatação: os dados devem ser legíveis por computador;
e) representatividade: o corpus deve ser representativo de uma língua ou
variedade;
f) extensão: o corpus deve ser vasto para ser representativo.
Conforme a Lingüística de Corpus, deve-se definir o tipo de corpus a ser
utilizado, ou seja, falado, escrito, sincrônico, diacrônico, histórico, de amostragem, monitor,
dinâmico, estático, equilibrado, especializado, regional ou dialetal, de aprendiz, multilingüe,
paralelo, alinhado, de treinamento ou de teste. Nesta pesquisa, utilizou-se um corpus escrito,
sincrônico, de amostragem, estático, especializado, multilingüe e paralelo.
Utilizaram-se, inicialmente, apenas os textos originais, os quais foram
analisados com o auxílio das ferramentas WordList e Concordance do software WordSmith
Tools. Com essas ferramentas, obtive uma listagem de todas as palavras dos textos, através do
que foi possível identificar as composições e, a partir delas, buscar suas combinatórias.
Na segunda fase de análise, organizou-se um corpus alinhado de textos
originais e suas respectivas traduções. Para exploração do corpus alinhado, não utilizei as
ferramentas do programa WordSmith Tools em função de suas limitações. Dessa forma,
marcações de compostos e das respectivas traduções foram feitas manualmente, sendo
visualizadas na tela do computador ou em fragmentos de texto impressos para melhor
visualização. O corpus de textos em língua portuguesa do texto de Fisiologia é composto de
18.683 palavras e o de Bioquímica de 10.670 palavras, totalizando 29.353 palavras de texto
traduzido.
Para obter um quadro geral das escolhas de tradução, utilizei apenas uma parte
do texto de Fisiologia (99 parágrafos iniciais). As escolhas de tradução foram categorizadas
em uma tabela que se encontra na íntegra na seção de anexos deste trabalho.
23
2 REVISÃO DA LITERATURA
Nesta seção faço inicialmente uma revisão sobre o tema de estudo – os
Komposita – e suas abordagens em gramáticas utilizadas para o ensino da língua alemã
(WELKER, 1992; HOPPE, s.d.; FUHR, 1988). A seguir, analiso abordagens de cunho textual
(WEINRICH, 1993). Na seqüência, trago uma breve apreciação do tratamento lexicográfico
dos Komposita em dicionários monolíngües para falantes nativos e aprendizes da língua
alemã, objetivando observar o modo como tais compostos estão dicionarizados, quais os
critérios utilizados em sua lematização, de que forma o aprendiz encontra tais compostos nos
dicionários monolíngües de língua alemã e se existem distinções na abordagem de tal
processo para o falante nativo e para o aprendiz.
A Lingüística de Corpus, alavancada no Brasil pelos estudos de Berber
Sardinha (1999, 2000, 2001, 2002, 2004) e fornecedora dos métodos de coleta de contextos de
uso, também integra a revisão da literatura.
Na seqüência, reviso trabalhos de autores que enfocam a tradução dos
Komposita em distintas áreas do conhecimento.
Como o composto é um elemento-chave de contextos especializados, reviso
também as teorias de Terminologia, parto dos estudos terminológicos realizados na Escola de
Viena, mas priorizo também, de acordo com os estudos mais contemporâneos, os que
desenvolvem uma abordagem textual (HOFFMANN, 1988; CIAPUSCIO, 2000a; CABRÉ,
1999; KRIEGER e FINATTO, 2004).
Faço uma retomada de teorias de Tradução, buscando verificar os estudos
atuais, os quais abandonam a noção primária da simples transposição de termos, priorizando
os condicionantes culturais (AZENHA, 1999) e tomando como ponto de partida uma análise
24
textual tanto do texto de partida quanto do texto de chegada. Afinal, é sabido que uma boa
tradução depende da inserção do texto no seu contexto de produção.
2.1 KOMPOSITA E ESTUDOS DA LINGUAGEM – PERSPECTIVAS DAS
GRAMÁTICAS UTILIZADAS PARA O ENSINO DA LÍNGUA ALEMÃ, DA
GRAMÁTICA TEXTUAL E DA LEXICOGRAFIA
2.1.1 O processo de composição em língua alemã nas gramáticas utilizadas para ensino
da língua alemã
A composição é um processo extremamente freqüente e
importante no alemão. (WELKER, 1992, p.340)
A formação de palavras pertence ao âmbito dos estudos da Lingüística,
correspondendo à Morfologia, ao ensino dos elementos ou partes integrantes das palavras e
seus significados, mas diferenciando-se desta por reger-se de modelos de formação que
podem ser novamente utilizados. Trata-se, por um lado, de formar palavras de palavras já
existentes, os morfemas básicos, e, por outro lado, da formação de novas palavras, que
precisam então designar novos conteúdos (da técnica ou de alterações de situações da vida)
(GÄRTNER, 1996, p.5).
O composto recebe, em alemão, o nome de Kompositum ou Zusammensetzung,
ao passo que o grupo sintático permanente é chamado de Mehrwortlexem ou
Mehrwortbenennung (respectivamente, “lexema de mais de uma palavra” ou “denominação
de mais de uma palavra”).
Segundo Gärtner (1996, p.5-6), podem-se diferenciar dois tipos de Komposita
(plural de Kompositum) – Kopulativkomposita e Determinativkomposita. Os
Kopulativkomposita (compostos copulativos) vinculariam um conteúdo do tipo “assim-como-
também”, como, por exemplo, Strumpfhose (meia-calça), seria uma “meia” que também é
“calça”. O número de composições desse tipo na formação de substantivos é reduzido, sendo
mais freqüente junto aos adjetivos. Já os Determinativkomposita (compostos determinativos)
são os mais freqüentes, correspondendo a unidades constituídas de, no mínimo, uma base
(Grundwort), também referida nas gramáticas alemãs como núcleo (Kernwort), e um
25
determinante (Bestimmungswort). A base condiciona a marcação sintática da unidade e o
plural do composto (LATOUR, 1989, p.196-201). O determinante tem a função de atributo da
base, tal como em Blumenvase (Blumen = flor e Vase = vaso, então “um vaso para flores”), o
determinante Blumen especifica a base Vase, mostrando uma finalidade determinada.
A base corresponde à parte final do composto, a qual carrega traços
gramaticais como gênero, número, caso e flexão do composto. É, portanto, sempre uma forma
nominal. O determinante é a parte inicial, tendo, em geral, a função de atributo, podendo
corresponder a um substantivo, adjetivo ou verbo, e, mais raramente, a pronomes, interjeições
ou numerais. O determinante não é flexionado.
A leitura (ou tradução em leitura) de um composto se dá, conforme
especificam as gramáticas da língua alemã, de trás para frente, ou seja, a primeira parte do
composto a ser traduzida/lida será a base (Grundwort), a qual corresponde à generalidade do
composto, passando-se depois ao determinante (Bestimmungswort). Esse, como o próprio
nome refere, determina a base. Dessa forma, uma mudança na ordem dos elementos de um
composto alterará o seu significado: por exemplo, enquanto a tradução de Muskelkontraktion
é “contração muscular”, a de Kontraktionsmuskel seria “músculo da contração”.
A figura 2 a seguir esquematiza o processo de composição na língua alemã,
identificando o determinante (Muskel) e a base (Kontraktion), a qual determina o gênero da
palavra.
Muskelkontraktion = der Muskel + die Kontraktion
(subst.masc.= músculo) (subst.fem.= contração),
portanto,
die Muskelkontraktion
(a contração muscular)
Figura 2: Processo de composição
O determinante é a parte do vocábulo que tem maior tonicidade. Dessa forma,
na composição acima exemplificada, a maior tonicidade está em Muskel, devendo a ênfase de
pronúncia ser Muskelkontraktion.
26
Adjetivos atributivos e artigos definidos e indefinidos se relacionam sempre à
base. A propósito, vale registrar que, segundo Latour (1989, p.197), o determinante não
possui nem artigo nem adjetivo atributivo
7
,
mesmo que o composto seja antecedido por um
adjetivo.
Os primeiros componentes de um Kompositum podem ser substantivos,
adjetivos, verbos, advérbios, preposições. A parte final corresponde a um substantivo ou uma
substantivação. As relações semânticas existentes entre os integrantes de um composto são
múltiplas e geralmente não explícitas, de modo que, em situação de tradução e de leitura da
L1, é preciso recuperar essas relações. A recuperação é feita de várias formas: via situação
comunicativa, via especificidade textual, etc. A relação entre determinante e base pode
corresponder a diferentes conteúdos semânticos: tempo, lugar, razão, objetivo, seqüência,
meio, maneira, matéria-prima, comparação, pertencimento, etc. (HOPPE, s.d., p.70-81).
8
Komposita curtos e longos. Os mais curtos são constituídos em geral de
“nome + nome”. Seus equivalentes no português tendem a apresentar a forma “nome +
preposição + nome” ou “nome + adjetivo”. Como exemplos de Komposita curtos e de suas
traduções temos: Aktivierungsenergie e Energiereserve (grifadas as bases), traduzidos
respectivamente como energia de ativação e reserva de energia.
Komposita mais longos, como Gruppenübertragungsreaktionen ou
Hautfeuchtigkeitsgleichgewicht, cujas traduções para o português corresponderiam
respectivamente a reações de transferência de grupos e equilíbrio da umidade da pele. Há
também compostos muito longos, mas os casos integrados por dez ou mais partes parecem ser
mais “mito” do que realidade da língua alemã, visto que sua freqüência de emprego em textos
autênticos é pequena (ZÍLIO, FICHTNER e FINATTO, 2004).
Uma outra especificidade dos compostos substantivos é a juntura entre seus
integrantes por meio de um morfema de ligação, chamado “Fugenelement” (LÜHR, 1988,
p.148-191). O “s” é o morfema de ligação mais conhecido, “Fugen-S”, fato relacionado
originalmente à correspondência do determinante ao genitivo da base. Mas também são
7
Em nossa análise, a observação das adjetivações dos compostos não confirma a realização de tal princípio, pois
as adjetivações tanto referem-se à base como ao conjunto todo do composto, dependendo do grau de consagração
do todo. Dessa forma, este também será um princípio a ser relativizado no ensino.
27
utilizados o “n”, o “e”, o “en” e o “er” (WELKER, 1992, p.341-349), sendo o seu uso
condicionado por regras
9
.
Finalmente, vale destacar que o substantivo composto em alemão, na sua
dimensão interna, representa via de regra uma “economia de declinação” e uma especificidade
de sentido. De tal modo, uma forma aglutinada como, por exemplo, Nervenzelle (Nerven +
Zelle, nervos + células, traduzido como “células nervosas”) não terá nem funcionalidade nem
sentido igual ao uso da forma não aglutinada, intercalada por declinação de genitivo, Zelle der
Nerven (células dos nervos). A utilização de compostos, diferente do que se dá nas formas não
aglutinadas, como se reconhece na literatura (VILELA, 1979, p.267-279), tem o custo de uma
possível ambigüidade de interpretação
10
.
Este processo de formação de palavras, a composição, é, segundo Roelcke
(1999, p. 71-75), o mais produtivo e, em comparação com a linguagem comum, é
característico das linguagens especializadas em alemão e representa, em geral, um ponto de
dificuldade de compreensão na leitura de textos para estudantes de alemão como língua
estrangeira (BREDEMEIER et al., 1997, p.15).
11
Se, por um lado, os compostos permitem
uma economia lingüística, por outro, podem levar a uma desvantagem comunicativa, ou seja,
à falta de clareza e à ambigüidade; exigem uma apurada competência lexical dos
interlocutores e tendem a trazer problemas na tradução para o português.
2.1.2 Perspectiva da Gramática Textual de Weinrich
Sprache ohne Sprachkultur ist für mich etwas Monströses.”
(A língua sem a cultura lingüística é para mim algo monstruoso.)
Harald Weinrich
12
8
Saliente-se aqui a pouca consideração a este aspecto nos livros didáticos para ensino da língua alemã.
9
Tais regras serão contempladas no item a seguir (2.1.2), em que tomamos como referência a Gramática Textual
de Weinrich (1993).
10
Tais ambigüidades podem ser evidenciadas, por exemplo, em um composto como Käsebrot, cuja tradução
“pão de queijo” não corresponderia ao referente que se tem na L1, que corresponde a “pão com queijo”.
11
O trabalho de Bredemeier et al. merece referência especial. Trata-se de um pequeno glossário, organizado por
professores da Universidade Federal do RGS, da Pontifícia Universidade Católica do RGS e da Universidade do
Vale dos Sinos. Constitui-se de termos da língua alemã, coletados pelos professores durante dois anos de
trabalhos de leitura e compreensão de textos em sala de aula. Os vocábulos do glossário, extraídos de textos de
jornais e revistas alemãs, representavam dificuldades de compreensão na leitura de textos para estudantes de
alemão como língua estrangeira e não constavam em dicionários bilíngües. Em um meio tão carente de análises,
tal trabalho é de grande contribuição; porém, parece não ter recebido merecida divulgação no meio acadêmico.
12
Entrevista à revista on-line do Deutsches Institut für Erwachsenenbildung em outubro de 2001. Tradução
minha.
28
Alguns estudos lingüísticos têm adotado uma perspectiva de cunho textual,
buscando entender os fenômenos que se processam na língua não como fatos isolados, mas
como produtos de uma rede de relações tanto horizontais (no co-texto) quanto verticais (no
contexto). De acordo com esse entendimento, reviso aqui a perspectiva de Harald Weinrich,
reconhecido representante da lingüística textual germânica, sobre os Komposita, em especial
suas idéias apresentadas na obra Gramática Textual da Língua Alemã (1993). Trata-se, sem
dúvida, de uma referência dos estudos da gramática alemã e das línguas em geral, o que
justifica o destaque neste trabalho.
Em seus estudos, Weinrich (1994, p.158, apud CIAPUSCIO, 2003, p.33-34)
adverte sobre o perigo de se reduzir o problema da comunicação na ciência ao problema
terminológico, criticando que as investigações tenham-se concentrado sempre no nível
lingüístico, desconsiderando aspectos tão ou mais interessantes. Para ele, a investigação da
linguagem científica não deve se restringir à lingüística da palavra e da oração, mas ser
ampliada à lingüística do texto e à pragmalingüística.
Em sua Gramática, encontrei apoio à apreciação dos compostos como partes
de um todo de sentido, o texto, que se constrói tanto em suas relações sintáticas, intratextuais,
como em suas relações semânticas e pragmáticas.
Segundo Weinrich (1993, p. 913), o vocabulário de uma língua natural não
corresponde a um inventário estável e limitado de unidades, mas está sujeito a uma
transformação constante pela sociedade lingüística do falante. Através da mudança dos
assuntos que nos cercam, através de novos modos de agir, através de avaliações modificadas
de relações e estruturas do mundo, mas também através das exigências específicas do texto,
como certa variação, tensão ou efeito poético, existe uma necessidade de novos sinais
lingüísticos. As linguagens especializadas, nas quais, paralelamente às inovações tecnológicas
ocorre um desenvolvimento de expressões especializadas que podem ser introduzidas na
linguagem comum, têm expressiva participação na ampliação do inventário lexemático.
Na língua alemã, de acordo com o autor, a necessidade de criar novas
denominações pode concretizar-se basicamente de dois modos. Primeiro, por meio do uso de
signos lingüísticos já existentes, que possuem um lugar no vocabulário da língua, empregados
29
com uma mudança de significado (por exemplo, com valor de metáfora). Por outro lado,
novos signos lingüísticos podem ser formados. A construção do vocabulário através de uma
formação “artificial”
13
de novos lexemas que são agregados de forma mais ou menos
arbitrária ao sistema é mais rara. É freqüente a incorporação de novos lexemas estrangeiros à
língua alemã, tal como já ocorria nos séculos passados com o latim e o francês. Atualmente,
observa-se uma ampliação do léxico por incorporações do inglês (WEINRICH, 1993, p.913).
Weinrich considera que a formação de palavras é o instrumento mais
importante para a ampliação do vocabulário de uma língua. Deste processo podem participar
tanto lexemas e morfemas da língua alemã formados segundo determinados modelos, quanto
signos lingüísticos novos ou derivados de outros signos preexistentes. O processo de
formação de palavras não se restringe, ao contrário dos chamados processos de formação de
palavras “artificiais” e da citação de línguas estrangeiras, ao âmbito de sua aplicabilidade, mas
trata-se de uma forma de economia à qual o falante pode recorrer. Dessa forma, formam-se
novos signos lingüísticos complexos, em grande parte auto-identificáveis ou com a
compreensão da relação de significado das partes componentes da nova formação limitada ao
contexto no qual estão inseridos (op. cit. p.914).
Essa compreensão do significado através do reconhecimento das partes
isoladas não pode, entretanto, segundo o autor, ser aplicada para todos os signos lingüísticos
complexos, pois estes são por elas “motivados”. Lexemas e morfemas, que são o resultado de
processos de formação de palavras, são ordenados em uma escala entre os pólos “motivação”
e “desmotivação”. Signos lingüísticos novos formados espontaneamente são sempre
motivados em relação ao contexto, de forma a serem compreendidos pelo leitor/ouvinte. Uma
formação, criada em um determinado contexto lingüístico ou situacional, tornar-se-á
relativamente compreensível através do uso freqüente por todos os falantes da língua e de sua
conseqüente inclusão no vocabulário, perdendo a dependência originalmente vinculada ao
contexto lingüístico ou situacional, o que torna a sua compreensão menos vaga. O contexto
originalmente determinante, então, não seria mais necessário à compreensão de tal formação,
passando a ser incorporado ao léxico da língua (p.914).
13
Weinrich (1993, p.913) exemplifica tal formação “artificial” citando, por exemplo, a palavra alemã Gas (gás),
cuja origem remontaria à palavra grega cháos (= espaço vazio).
30
Weinrich acredita que os signos lingüísticos complexos podem, no decorrer do
tempo, tornarem-se completamente desmotivados, pois seu significado não dependerá mais da
compreensão das partes isoladas (por exemplo, Walfisch [baleia] não é um peixe [Fisch], mas
um mamífero). A desmotivação pode sobrevir de uma mudança no mundo do objeto e pode
ser atribuída à redução de um lexema a seu uso. É o caso, por exemplo, de Heuschrecke
(gafanhoto Heu = feno + Schrecke = medo/fobia), em que os falantes reconhecem hoje
apenas uma das partes como lexema ou morfema com significado próprio. Além disso, essa
mudança pode ser obscurecida: alguns signos lingüísticos que não correspondem a formas
simples, mas a lexemas complexos constituídos de mais partes, podem não ser mais
reconhecidos pelo falante atual da língua alemã.
14
Para o autor, com processos de formação de palavras “produtivos” são
formados espontaneamente novos signos lingüísticos complexos. Na língua alemã, existem
quatro processos de formação de palavras, que possuem pesos diferenciados nas diferentes
classes lexemáticas – composição, derivação, constituição e conversão. A formação de
palavras é particularmente importante no âmbito dos substantivos, pois o vocabulário nominal
da língua alemã compreende mais da metade das palavras complexas compostas formadas de
mais de um signo lingüístico (WEINRICH, 1993, p.917).
Os Komposita, que são muito utilizados, entram no vocabulário, deixando de
ser percebidos como complexos. Mas, a língua alemã permite que seus falantes também
façam uso de palavras formadas espontaneamente. Sua compreensão se dá num contexto
específico.
Na composição dos substantivos, tem-se uma base determinada por um
determinante. É a base que determina os conteúdos sintáticos do determinante: seus traços
gramaticais, gênero, número, caso e tipo de flexão são válidos para todo o composto. Por isso,
a base de uma composição nominal é sempre um substantivo, o determinante pode pertencer a
outras classes gramaticais. Esse tipo de informação é bastante presente em manuais de estudo
da língua.
14
Considerando que o falante comum não tem, naturalmente, conhecimentos de etimologia.
31
Porém, de acordo com Weinrich, ambas as partes da composição carregam
importantes informações lexicais e estão em estreita relação: o significado da base é limitado
e preciso pelo significado do determinante. Quer dizer, um composto forma, segundo sua
visão, uma ligação lexical sólida, que pode ser determinada por um adjetivo atributivo apenas
em seu todo. Assim, por exemplo, em Reitende
15
Artilleriekaserne, o adjetivo reitende
(montada/a cavalo) não se refere à “caserna”, mas sim à “artilharia”. Esse caso mostra que o
determinante de um composto não poderia, sozinho, corresponder à base de um adjetivo
atributivo. Só seriam possíveis atribuições cujo adjetivo atributivo tenha apenas um
significado classificatório, como, por exemplo, französische Literaturgeschichte, cuja
tradução corresponderia a “história da literatura francesa” (p.924)
16
.
Nos compostos nominais, o determinante pode ser um nome, um adjetivo ou
um verbo. Em casos raros, encontram-se também pronomes ou outros sinais lingüísticos. Em
todos os casos, o determinante é um lexema puro, que não possui morfemas flexionáveis. A
sílaba tônica do composto está localizada sempre no determinante. Se a base começa com
uma vogal, o limite lexemático será marcado por uma pausa.
Segundo Weinrich, visto que o vocabulário da língua alemã contém menos
formas lexemáticas simples do que palavras já existentes e um ou o mesmo lexema pode ligar
mais palavras de classes lingüísticas distintas, não é possível identificar nos compostos
nominais a que classe pertence o determinante. Por exemplo, na composição “die
Spielkameraden” (os companheiros de jogo) não é possível identificar se o determinante
Spiel- é formado do substantivo Spiel (jogo) ou do verbo spielen (jogar). Isso, todavia, não
compromete o entendimento do composto.
Weinrich destaca também que, embora em um composto como Stiefvater
(padrasto), Stief- não possa ser visto como prefixo, faltam-lhe as propriedades de morfema,
15
A grafia do adjetivo com maiúscula acompanha o registro da obra.
16
Tem-se aqui uma nova consideração sobre a adjetivação do composto. De acordo com o item anterior (2.1.1),
que faz referência às gramáticas utilizadas para ensino da língua, o adjetivo atributivo refere-se sempre à base, e
o determinante não possui adjetivo (LATOUR, 1989, p.197). Nessa abordagem mais textual de Weinrich, tem-se
já uma consideração do composto como um todo de sentido, podendo o adjetivo atributivo estar relacionado a
este todo e não apenas à base. Na parte final deste trabalho, faço uma análise das escolhas de tradução de tais
adjetivos atributivos antecedendo as composições.
32
como, por exemplo, ter significado lexical característico, pertencer a um paradigma
gramatical delimitado ou possuir concisão formal (p.926)
17
.
O processo de composição pode, segundo o autor, utilizar as formas nominais
reiteradamente. Assim, surgem compostos “compostos”. O determinante também pode
constituir a base de um composto. A base pode, da mesma forma, ser novamente limitada em
seu significado pela crescente composição. A extensão do significado de tal substantivo
determinado é tanto mais estreita quanto maior for seu conteúdo. Por exemplo:
Determinante Base
Vertrag (contrato)
Tarifvertrag (contrato de salário)
Angestelltentarifvertrag (contrato de salário do funcionário)
Bundesangestelltentarifvertrag (contrato de salário do funcionário federal)
Tais formações de mais elementos são encontradas, de acordo com o autor,
principalmente nas linguagens do Direito e da Administração, nas quais o processo de
composição é utilizado para a constituição de nomenclaturas. Compostos mais especializados
são um modo relativamente fácil de utilizar uma terminologia específica com uma maior
transparência da forma.
A complexidade e a abrangência do composto seriam, segundo o autor, em
princípio, delimitadas pelo contexto. Conforme comenta, composições de mais de três
lexemas seriam raras na linguagem comum; as linguagens especializadas, entretanto,
apresentariam grande liberdade nessas composições (p.926-927)
18
.
Segundo o autor, se compostos altamente complexos de um vocabulário
especializado “invadissem” a linguagem comum, surgiria a necessidade de uma formulação
mais econômica da palavra. Assim, por exemplo, temos:
17
Tais composições não serão objeto de análise deste estudo. Restrinjo-me aqui à análise de composições
nominais.
18
Minhas observações mostraram que composições de mais de dois elementos são raras em textos de Medicina;
entretanto, confirma-se o fato do número de elementos da composição ser relativamente proporcional à maior
especificidade. Assim, tem-se, por exemplo, Zellmembran (membrana celular) e Muskelzellmembran (membrana
33
a) das Foto die Fotografie (desconsidera-se a base e o determinante dá
significado ao composto, modificando-se, assim, o gênero e o tipo de
flexão);
b) das Rad das Fahrrad (a bicicleta) (desconsidera-se o determinante,
sendo o significado da redução igual ao significado do composto. O
contexto situacional ou lingüístico determina o entendimento);
c) der Tankwart der Tankstellenwart (o frentista) (a base é colocada junto
com o determinante mais exterior de um composto de mais elementos,
transformando-se em um composto de dois elementos);
d) die Stabi die Staatsbibliothek (biblioteca do estado) (redução do
determinante e da base de um composto a um lexema formado pelas sílabas
tônicas);
e) PKW Personenkraftwagen (veículo para pessoas) (as iniciais das formas
que compõem o composto formam uma sigla e podem ser pronunciadas)
(p.930).
O autor faz extensa referência ao elemento de ligação entre as partes de um
composto. Conforme explica, nos compostos nominais, observa-se entre o determinante e a
base um elemento de ligação. Por exemplo: Bundeskanzler (chanceler federal)
Bund es kanzler
determinante base
elemento de ligação
Weinrich explica que, na maioria dos casos, esse elemento não tem
significado, ele apenas identifica o limite entre as partes da composição. Tal elemento,
conhecido como “Fugenelement”, corresponde originalmente ao sinal de flexão da
declinação, ligação esta perdida na evolução da língua. Entretanto, alguns desses elementos de
ligação ainda hoje mantêm relações formais com os tipos de declinação. De acordo com os
tipos de declinação, existem cinco tipos de Fugenelement (WEINRICH, 1993, p.930-938):
celular do músculo).
34
a) N-Fuge ocorre como -n- ou -en-, principalmente junto a substantivos
femininos com declinação de número, por exemplo: das Tortenstück (a
fatia [Stück] de torta [Torte]).
b) E-Fuge ocorre em Komposita com determinantes nominais ou verbais.
Em alguns substantivos corresponde à forma de plural, podendo receber
então um trema. Por exemplo, der Getränkeautomat (a máquina [Automat]
de bebidas [Getränke]).
c) R-Fuge ocorre em determinantes nominais masculinos ou neutros que
formam o plural com R. Por exemplo, die Männerherrschaft (o domínio
[Herrschaft] masculino [Männer = homens]).
d) S-Fuge é o mais freqüente na língua alemã. Em geral ocorre como -s-,
mais raramente como -es- e apenas em poucos casos como -ns- ou -ens-. O
Fugenelement -s- ocorre quando o determinante é um substantivo derivado,
que apresenta um dos seguintes sufixos: -ung, -heit, -(ig)keit, -schaft, -tun,
-ling, -ion, -är, -um, -ität, -thek, por exemplo, der Bibliothekskatalog (o
catálogo [Katalog] da biblioteca [Bibliothek). Em alguns casos corresponde
à declinação de genitivo, por exemplo, das Gebirgsklima (o clima [Klima]
da montanha [Gebirg]).
e) Null (nulo)-Fuge presente geralmente em Komposita cujo determinante
pertencia a uma outra classe gramatical (adjetivo, particípio, pronome,
partícula, palavras reduzidas), por exemplo, das Fotoalbum (o álbum
[Album] de fotografia [Foto]). É freqüente também em composições cujo
determinante é uma forma verbal.
Visto que o Fugenelement não tem significado, em alguns casos a oposição
“singular versus plural” pode ser expressa na forma denominada Numerus-Fuge. Neste caso, é
necessário que o Fugenelement concorde com as flexões de número, por exemplo, die
Bettdecke (a coberta [Decke] da cama [Bett] = colcha) / die Bettenzahl (o número [Zahl] de
camas [Betten]).
35
Weinrich faz referência ao fato dos compostos nominais serem descritos como
aglutinações de segmentos textuais, contendo, desta forma, mais significado, pois manifestam
relações não especificadas e suas oposições são neutralizadas
19
.
Os compostos formados por dois substantivos assemelham-se em suas relações
à estrutura dos atributos nominais. Visto que os Komposita contêm ordenamentos de
determinação não-específicos, essas relações de significado entre o determinante e a base são
compreendidas apenas no contexto. Em compostos formados espontaneamente e não-
lexicalizados, portanto, o significado-texto pode variar segundo o contexto.
É condição mínima da relação de significado de cada Kompositum, de acordo
com o autor, que os referentes descritos pelo determinante e pela base “tenham algo em
comum”. O tipo mais provável e mais próximo de conexão de significados pode ser deduzido
também sem o auxílio do contexto através das propriedades prototípicas ou condições
pragmáticas de uso. O conhecimento geral que o falante ou ouvinte tem sobre estados ou
acontecimentos em seu ambiente possibilita ou facilita o reconhecimento das relações de
significado no Kompositum.
Assim, por exemplo, tem-se o significado do composto Stahlmesser (faca de
aço) em oposição a Brotmesser (faca para pão). Objetos são descritos segundo propriedades
intrínsecas como tamanho, cor, forma, etc., mas também de acordo com seus modos de
utilização. Trata-se de uma propriedade prototípica das facas que elas são feitas de material
resistente e utilizadas para cortar. Dessa forma, o composto Stahlmesser contém uma
determinação, através da qual a base Messer (faca) é descrita pela forma de determinação
contida no material Stahl (aço); em Brotmesser, ao contrário, a determinação é reconhecida
através de um modo de utilização – o cortar do pão. Com esses significados, os dois
compostos entram no vocabulário da língua. De forma semelhante, em compostos como das
Holzregal (a prateleira de madeira), faz-se referência ao material e em das Bücherregal (a
prateleira de/para livros), faz-se referência ao modo de utilização, sendo os significados de
cada um fornecidos pragmaticamente.
19
Faz-se referência aqui à complexidade do processo de composição. Se o composto corresponde a uma
aglutinação de segmentos textuais, obviamente sua tradução não poderá restringir-se a uma leitura do final para o
início, desconsiderando o entorno textual. Dessa forma, reitera-se a necessidade de maior esclarecimento de tal
36
Segundo Weinrich (1993, p.938-940), a relação de significado entre o
determinante e a base de um composto é mais facilmente reconhecida se a base for derivada
de um verbo transitivo. O determinante será interpretado, então, como objeto de um verbo
contido na base. Por exemplo, em die Englischlehrerin (a professora de inglês), a base
nominal Lehrerin (professora) originar-se-ia do verbo lehren (ensinar), sendo então Englisch
o objeto do verbo.
A minuciosa análise do processo de composição em língua alemã,
desenvolvida na gramática de Weinrich aqui revisada, confirma minha suposição inicial sobre
a necessidade de apreciação mais extensa sobre o tema em foco.
Weinrich vai além das análises morfológicas; considera a composição como
um processo cujas relações devem ser resgatadas num entorno textual. Isso, sem dúvida, é
muito importante tanto para tradutores como para aprendizes. Afinal, o processo de
composição é multifacetado e sobre ele atuam diferentes condicionantes. É preciso ir além da
visão simplista de uma aglutinação de base e determinante.
2.1.3 Dicionarização dos compostos
Nesta seção, faço uma observação de modos de dicionarização das
composições, inicialmente em dicionários monolíngües da língua alemã e, a seguir, em um
dicionário monolíngüe para aprendizes da língua. O objetivo é verificar como tal processo de
formação, freqüentemente utilizado, principalmente nas linguagens especializadas, é tratado
pela lexicografia.
2.1.3.1 Komposita em dicionários monolíngües
O Deutsches Universalwörterbuch (2001, p.727-728), doravante DUW,
relaciona como entrada os compostos. Entretanto, somente são representados compostos
curtos, ou seja, constituídos de duas partes, um determinante e uma base, ou, no máximo, três
partes. Por exemplo, a partir da Haut (pele) tem-se as entradas: Hautabschürfung (escoriação
processo no ensino da língua alemã.
37
da pele), Hautarzt (dermatologista), Hautatmung (respiração da pele), Hautausschlag
(eczema da pele), Hautcreme (creme para a pele), Hautkrankheit (doença da pele), Hautkrebs
(câncer de pele), etc., todos compostos constituídos a partir de Haut, mas formações de
apenas dois elementos.
O quadro a seguir traz mais alguns exemplos de Komposita constituindo
entradas a partir de seu determinante no DUW.
Muskel (p.1109) Nerv (p.1133) Herz (p.760-761) Zelle (p.1847)
Muskelarbeit Nervenbahn Herzanfall Zellenbildung
Muskelatrophie Nervenbelastung Herzanomalie Zellforschung
Muskeldystrophie Nervenbündel Herzattacke Zellgewebe
Muskelentzündung Nervenchirurgie Herzbad Zellgift
Muskelfaser Nervenentzündung Herzblock Zellkern
Muskelfaserriss
Nervenfaser Herzblume Zellkörper
Muskelfleisch Nervengift Herzblut Zellmembran
Muskelgeschwulst Nervenkern Herzchirurgie Zellplasma
Muskelgewebe Nervenklinik Herzfehler Zellstoff
Muskelkater Nervenkrankheit Herzform
Zellstofffabrik
Muskelkontraktion Nervenkrieg Herzfrequenz Zellstoffwechsel
Muskelschmerz Nervenschmerz Herzfunktion Zellteilung
Muskeltonus Nervensystem Herzgeräusch Zellwand
Quadro 1 – Komposita no DUW
Note-se que, de todas estas composições a partir dos determinantes Muskel
(músculo), Nerven (nervos), Herz (coração) e Zelle (célula), apenas duas (em negrito)
correspondem a formações de mais de dois elementos –
Muskelfaserriss (Muskel = músculo,
Faser = fibra, Riss = ruptura ruptura da fibra muscular) e Zellstofffabrik (Zell = célula, Stoff
= matéria, Fabrik = fábrica fábrica de material celular). A definição, nestes casos, é sempre
remissiva às composições de dois elementos. Dessa forma, Muskelfaserriss corresponde a: der
Riss einer Muskelfaser (a ruptura de uma fibra muscular), e Zellstofffabrik corresponde a: die
Fabrik, in der Zellstoff hergestellt wird (a fábrica na qual é produzido material celular). Já a
formação Zellstoffwechsel não seria considerada de três elementos, visto ser formada por uma
outra composição de dois elementos já consagrada e, portanto, dicionarizada Stoffwechsel,
38
que corresponde, em português, a “metabolismo”. Sua tradução, portanto, seria “metabolismo
celular” e não “troca de substância celular”.
Compostos longos não aparecem como entradas únicas no DUW. Desta forma,
um aprendiz da língua alemã necessitará conhecer o modo de constituição de tais compostos,
ou seja, a delimitação de cada uma de suas partes, para que obtenha sucesso na busca do
significado.
Assim, um composto longo, como Hautfeuchtigkeitsgleichgewicht, constará no
dicionário apenas dividido em suas partes constituinte Haut = pele, Feuchtigkeit = umidade,
Gleichgewicht = equilíbrio. Observe-se que Feuchtigkeit é formado pelo adjetivo feucht =
úmido + ig (= oso, sufixo que indica provido ou cheio de) + keit (= dade, sufixo que indica
qualidade, propriedade) e Gleichgewicht é um composto formado pelo adjetivo gleich (=
igual) e pelo substantivo Gewicht (= peso). Observe o Fugen-S ligando Feuchtigkeit +
Gleichgewicht.
No Front Matter do Dicionário Wahrig (1986, p.10-120), doravante Wh, tem-
se algumas considerações sobre o processo de composição (item Zusammensetzung, p.115-
117).
De acordo com o Wh (1986, p.115), o Kompositum é formado por uma ou mais
palavras independentes. De acordo com o conteúdo e o ponto de vista apresentado pelo
composto, pode ser classificado como: determinativo (Goldschmied Gold = ouro + Schmied
= ferreiro ourives); copulativo (Butterbrot Butter = manteiga + Brot = pão pão com
manteiga), possessivo (Plattfuß Platt = plano + Fuß = pé pé chato) e frasal (Wagehals
wagen = ousar, atrever-se + Hals = pescoço atrevido).
Segundo critérios formais do Wh (1986, p.115) tem-se Komposita verdadeiros
e falsos (grifo meu). São denominados falsos os que apresentam um elemento de ligação
(Fugenelement) que identifica as partes do composto (Weihnachtslied Weihnacht = noite de
Natal + S [Fugenelement] + Lied = canção canção natalina). Por outro lado, verdadeiros são
aqueles nos quais a junção das partes ocorre sem elemento de ligação (Energiemangel
Energie = energia + Mangel = falta/carência falta/carência de energia).
39
A maioria dos Komposita é constituída, segundo o Wh (1986, p.117), por
apenas duas palavras pré-existentes e independentes. Existem, entretanto, compostos de mais
elementos, mas também nestes existe uma regra de separação. De acordo com esta regra, há
sempre uma maior coesão entre algumas partes da composição (em geral entre o primeiro e o
segundo elemento), sendo possível identificar em que ponto se pode proceder a ruptura. Por
exemplo: Zimmermannsaxt Zimmer = sala, quarto + Mann = homem marceneiro + Axt =
machado machado do marceneiro).
No Wh (1986, p.117), os Komposita são entradas individuais, organizadas
alfabeticamente a partir do determinante do composto e constituídas em geral por apenas dois
elementos. A composição de três elementos, quando ocorre, está intimamente relacionada à de
dois elementos, pois sua definição faz apenas uma remissão ao composto anterior, constituído
de duas partes apenas, como ocorre no DUW (2001).
Assim, ao buscar no Wh (1986, p.618) a entrada Haut, encontrei, a partir dela,
entradas como Hautabschürfung, Hautarzt, Hautatmung, Hautentzündung, Hautjucken,
Hautpflege, Hautplastik, etc., do mesmo modo como havia observado no DUW (2001).
O Wh (1986, p.728) sinaliza a divisão silábica com pontos entre as sílabas;
desta forma, tem-se: Haut·arzt, Haut·ent·zün·dung, Haut·pfle·ge. A sílaba tônica é assinalada
por um apóstrofe anterior, por exemplo: ‘Haut·ab·schür·fung, sinaliza como tônica a primeira
sílaba da composição. Isso vem ao encontro das regras de composição em língua alemã, que
estabelecem ser a parte inicial da composição aquela que apresenta a maior tonicidade. Dessa
forma, todos os compostos que têm Haut como determinante apresentam esse apóstrofe
antecedendo a sílaba Haut, indicando sua maior tonicidade em relação aos outros elementos
da composição.
As diferentes acepções da entrada Haut estão relacionadas a partir do número
1, sendo exemplificadas dentro de parênteses através da utilização de alguns compostos com
Haut. Por exemplo, na definição de “superfície externa total do corpo, composta de três
camadas que protegem o organismo de agentes externos, estando ao mesmo tempo unida a
ele” tem-se entre parênteses (Gesichts~, Ober~), ou seja, Gesichtshaut (pele do rosto, pois
Gesicht = rosto) e Oberhaut (pele superior ou epiderme, pois ober = acima).
40
Além da marcação da divisão silábica, o Wh (1986) não utiliza outra
sinalização para identificação das partes do composto. Entretanto, partindo-se da entrada Haut
e considerando que a maioria dos compostos formados a partir dela são constituídos por
apenas dois elementos, esta depreensão não é dificultada.
Como composto de mais de dois elementos formados a partir da entrada Haut,
encontramos no Wh (1986, p.619) apenas Hautsäuremantel (Haut = pele + Säure = ácido +
Mantel = manto manto ácido da pele, cuja definição é “uma reação em geral ácida na
epiderme, uma importante função de proteção da pele”).
A observação, no Wh (1986), das mesmas entradas utilizadas como referência
no DUW (2001) – Muskel, Nerv, Herz e Zelle – e dos compostos formados a partir destas,
demonstra que a maioria das composições formadas a partir dos determinantes mencionados
se repetem. Existem algumas diferenças nas considerações que podem estar relacionadas,
além dos diferentes critérios de seleção, à época de elaboração das duas obras de referência
(um intervalo de quinze anos), o que mostraria a transformação da língua, no sentido de se
incorporar palavras novas ou substituir algumas entradas em desuso por expressões mais
atuais relativas à evolução do conhecimento científico.
Os compostos de mais de dois elementos apresentam em sua definição a
repetição da parte do composto definida como de maior coesão entre os elementos, o que
facilita o entendimento global do composto e dispensa a marcação das partes constituintes.
Assim, tem-se, por exemplo, Zell·ge·webs·ent·zün·dung definido como
“inflamação progressiva e purulenta do tecido celular”, que aparece como entrada anterior
Zellgewebe. Da mesma forma tem-se: Herz·klap·pen·feh·ler definido como “estreitamento da
válvula cardíaca”, que aparece como entrada anterior Herzklappe; Herz·mus·kel·ent·zün·dung
definido como “inflamação da musculatura cardíaca”, que aparece como entrada anterior
Herzmuskel e Herz·mus·kel·in·farkt definido como uma igualdade “= Herzinfarkt”, que
aparece anteriormente como entrada.
2.1.3.2 Dicionários monolíngües para aprendizes da língua alemã
41
A observação da estrutura do Langenscheidt “Deutsch als Fremdsprache”
(1993), doravante LsDaF, revela que os critérios utilizados em um dicionário para aprendizes
são bem diversos dos adotados pelos outros dois dicionários. Particularmente, tal dicionário
contém a metade do número de entradas de um dicionário como o DUW, por exemplo.
Já no Front Matter, encontramos um item (Palavras compostas: Komposita e
palavras derivadas) que esclarece: “o número de composições no alemão é teoricamente
ilimitado, pois a maioria dos substantivos pode, com outros substantivos ou com um outro
Kompositum já existente, formar uma nova palavra” (LsDaF, 1993, p.IX).
Seria melhor, naturalmente, que todos os compostos fossem esclarecidos, mas
as significações de muitos deles podem ser depreendidas da própria compreensão da entrada
principal; portanto, muitos Komposita transparentes estão listados neste dicionário como
subentradas e sem uma definição específica. Isso, conforme se vê, possibilitaria uma reserva
de espaço para outras informações.
Os Komposita são apresentados nas entradas com um “K” que pode se
apresentar de duas formas: “-K”, quando a entrada corresponde à última parte do composto,
ou “K-“, quando a entrada constitui a primeira parte do composto.
Por exemplo, no LsDaF (1993, p.449) tem-se a entrada Haut (pele):
Haut die; -, Häute, [...] || K-: Haut-, -arzt (médico/dermatologista), -ausschlag
(eczema), -creme, -entzündung (inflamação), -krankheit (doença), -krebs (câncer),
-transplantation (transplante) || -K: Geschichts- (rosto), Kopf- (cabeça). [traduções
minhas]
Entretanto, o mesmo item no Front Matter esclarece que alguns Komposita não
têm o seu significado total compreendido apenas a partir de suas partes. Desta forma, tais
compostos terão novas entradas no dicionário. Por exemplo, na entrada Muskel (músculo)
encontramos (LsDaF, 1993, p.671):
42
Muskel der; -s, -n; mst Pl. [...] || K-: Muskel-, -kraft (força), -krampf (cãibra), -
riß
20
(rotura), -schmerz (dor), -schwund (atrofia) e || -K: Arm- (braço), Bein-
(perna), Gefäß- (vaso), Herz- (coração), Rücken- (costas). [traduções minhas]
Mas também temos entradas como Muskelkater (dor muscular) e Muskelprotz
(sentido pejorativo: alguém que tem orgulho de seus músculos), sendo que ambas as partes só
têm este significado na composição, pois, por exemplo, Kater isoladamente significa “gato”, e
Protz significa “ricaço”.
De acordo com esse mesmo critério de organização do dicionário, a partir de
Herz têm-se vários outros compostos constituindo novas entradas, correspondendo a palavras
cujas bases não têm o mesmo sentido se tomadas isoladamente. Assim temos: Herzanfall
(ataque cardíaco), Herzfehler (malformação cardíaca), Herzinfarkt (infarto cardíaco),
Herzkammer (ventrículo), Herzklopfen (palpitações), Herzschlag (ataque cardíaco),
Herzschrittmacher (marca-passo cardíaco), Herztropfen (medicamento para o coração).
Dos exemplos apresentados, pode-se perceber também que no LsDaF (1993) só
aparecem compostos com no máximo três elementos, sendo a maioria de apenas dois
elementos. Entretanto, esse dicionário adota um critério específico (esclarecido no Front
Matter no item “Separação de sílabas”) para compostos de mais de dois componentes, utiliza
uma barra vertical para identificar a primeira parte da composição e pontos para marcar a
separação silábica. Além disso, indica a tonicidade da composição através da sinalização com
um ponto ou um traço subescrito à vogal, o que corresponde à pronúncia de vogal curta ou
longa, respectivamente. Desta forma, tem-se: Herz·feh·ler, Herz·kam·mer, Herz·schlag, mas
Herz|kranz·ge·fäß e Herz|schritt·ma·cher, cuja vogal “e” de Herz está devidamente marcada
com um ponto subescrito, o que corresponde à pronúncia de vogal curta.
2.1.3.3 Síntese
A descrição aqui apresentada mostra haver preocupação por parte da
lexicografia alemã quanto à temática da composição, o que pode ser comprovado pela
20
A diferença na grafia de Riss em Muskelfaserriss e em Muskelri
β
corresponde às determinações da reforma
ortográfica alemã, ocorrida em 1998, segundo a qual o “β” será substituído por “ss” após vogais curtas. A grafia
com “ss” corresponde ao DUW (2001) e a com “β” corresponde ao LsDaf (1993), portanto anterior à reforma.
43
consideração dada ao respectivo tema no Front Matter nos dicionários analisados (DUW,
2001; Wh, 1986; LsDaF, 1993). Porém, ao observar os Komposita em tais obras, encontrei
lematizadas em geral apenas composições de dois elementos. As composições de três
elementos, quando presentes, estão vinculadas às de dois em um processo de remissão ao item
anterior. Tal fato encontra explicação nas obras lexicográficas aqui analisadas, segundo as
quais a composição em língua alemã corresponde a um processo teoricamente ilimitado, visto
que a maioria dos substantivos pode formar, com outro substantivo ou com um Kompositum
já existente, uma nova palavra. Assim, conforme se vê, o registro lexicográfico tende a incidir
apenas sobre um núcleo básico da composição.
Não obstante, é preciso salientar também que as composições de dois
elementos já dicionarizadas (lematizadas) correspondem em geral ao que denominamos neste
trabalho como formações consagradas, ou seja, aquelas cuja tradução deixa de corresponder à
soma das partes, passando a compor um todo de sentido já reconhecido pelo leitor/tradutor.
Um exemplo disso seria o registro de Stoffwechsel, que tem já um sentido global
correspondente a “metabolismo” e não o que se poderia depreender como “troca de
substância”.
Tais comprovações vêm ao encontro de minhas impressões iniciais sobre as
dificuldades de tradução das respectivas composições tanto, mais especificamente, em textos
de áreas especializadas, quanto na tradução em geral e no ensino da língua alemã.
A lexicografia alemã, aqui representada pelos dicionários DUW (2001), Wh
(1986) e LsDaF (1993), mostra-se criteriosa ao apontar, em um Kompositum, a separação
silábica. Trata-se de um facilitador do processo de identificação das partes e demonstra
preocupação do lexicógrafo com o usuário, tanto o aprendiz da língua quanto o falante nativo.
Da mesma forma, refere as possibilidades de composição de cada item lematizado e sinaliza,
nas composições de três elementos, através do uso de uma barra vertical, a primeira parte da
composição. Entretanto, tais informações, ainda que extremamente úteis, não suprem outras
necessidades do usuário.
De acordo com minhas observações, o preenchimento dessa lacuna não estaria
vinculado apenas aos dicionários, mas à produção de material teórico-didático específico
sobre o processo de composição nas mais diversas áreas. Essa produção poderia contribuir
44
para a elaboração de glossários e dicionários terminológicos e terminográficos, que
destacassem a composição de palavras da língua alemã.
2.2 KOMPOSITA E A LINGÜÍSTICA DE CORPUS
A Lingüística de Corpus, doravante LdC, desenvolvida a partir dos anos 60
com a organização de bancos de dados textuais (Corpus Brown, 1964), se expandiu, devido ao
progresso vertiginoso dos recursos informatizados, como um dos campos mais promissores
dos estudos da língua. A LdC contribui com o apoio teórico-metodológico para esta pesquisa.
Afinal, há uma importante interface entre Lingüística de Corpus, Tradução e Terminologia.
O objeto de estudo da LdC é a língua em uso. Mas, é preciso que se tenha claro
que seu conceito de corpus não se aplica a um aglomerado aleatório de textos que possam ser
lidos pela máquina. Ao contrário, é preciso que seja composto por textos autênticos,
produzidos em situação real de comunicação, organizados e marcados para fins de pesquisa
lingüística com apoio informatizado. São coleções de textos inteiros ou de segmentos maiores
do que a simples frase, legíveis pela máquina, recolhidos, ordenados e marcados segundo
critérios precisos, com o objetivo primordial de serem usados para a análise lingüística. Desta
forma, excluem-se textos produzidos para outras finalidades que não a comunicação entre os
falantes, tais como textos criados para fins de aprendizagem de língua ou inventados como o
propósito de exemplificar o uso da língua (MACIEL, 2000).
21
As bases teórico-metodológicas da LdC podem ser encontradas em Firth
(1957, p.1) que defende a idéia de que o significado se configura no contexto em que o
usuário faz escolhas entre alternativas sistematicamente definidas dentro de padrões
estruturais ou distribucionais, em função de fatores lingüísticos e extralingüísticos. Também
Stubbs (2001, p.19-20), uma importante referência da LdC, afirma que o significado é função
21
Os textos aqui observados, produzidos por profissionais médicos em situação real de comunicação,
correspondem, assim, a um corpus autêntico.
45
de convenções lingüísticas e extralingüísticas que guiam e/ou restringem as escolhas léxico-
gramaticais do falante.
22
A proposta metodológica da LdC depende do uso do computador, pois parte
das evidências reveladas pela análise de textos, privilegiando três métodos: os dois primeiros
são basicamente algorítmicos e dão conta da extração automática de dados e de seu
tratamento estatístico; o terceiro é essencialmente humano e racional, preside a validação e a
interpretação dos dados e implementa qualitativamente a pesquisa. Ou seja, evidência e
intuição são indispensáveis para a análise lingüística na LdC; uma não pode subsistir sem a
outra, perfazendo duas faces de uma mesma moeda (FILLMORE, apud MACIEL, 2000).
Trata-se de unir a introspecção e a observação empírica da língua (LEECH, 1995, p.74), não
se optando por um racionalismo ou empirismo.
23
A LdC não é um conjunto de ferramentas computacionais, embora dependa
essencialmente da informática, pois sem o computador não é possível manipular grandes
quantidades de dados em corpora. O uso da estatística se aplica pela necessidade de avaliar
qual a significância dos dados e qual seu valor como amostragem do sistema da língua, seja
em grande extensão ou em recortes de uso. A LdC não se opõe à Lingüística Computacional,
pois ambas têm campos de estudo distintos, princípios e objetivos diferentes – comunicação
dos falantes entre si e comunicação do homem com a máquina.
Berber Sardinha (2002) reforça em seus trabalhos a importância de corpora
para a tradução, não pela quantidade, mas pelo impacto causado pela pesquisa, embora ainda
seja uma área em desenvolvimento. Os corpora evidenciam usos de palavras, podendo ser
encontrada nos usos a melhor tradução. Segundo ele, a integração entre a LdC e a Tradução
tem sido muito lenta, e este pouco relacionamento se deve não apenas ao preconceito dos
lingüistas de corpus em relação ao texto traduzido, considerado por eles como desviante e não
representativo da linguagem, mas também ao difícil acesso a corpora bilíngües, mais raros e
22
Os compostos aqui sob análise têm confirmado que sua significação precisa ser resgatada no contexto.
23
A análise na primeira etapa desta pesquisa está baseada na observação empírica do modo de formação dos
compostos em textos de Medicina aliada à prática, não desconsiderando a intuição, pois, como refere Berber
Sardinha (2002, p.31), “o papel da intuição é um elemento-chave para a Lingüística de Corpus, funcionando
como pontapé inicial à pesquisa. O corpus tem o papel de refinar a intuição, mas proporciona elementos para
desvendar aspectos não-contemplados pelos pressupostos iniciais”. Assim, de certo modo, o corpus é também
um apontador de evidências e de novas questões.
46
de difícil coleta, e aos programas alinhadores e concordanceadores. Apesar disso, nos últimos
anos, verificou-se valorosas contribuições da LdC para a tradução.
A pesquisa com corpora tem revelado aspectos da constituição do texto
traduzido e a sua relação com o texto-fonte, auxiliando a compreensão de aspectos do
processo tradutório, inclusive os culturais. Até mesmo a subjetividade tem sido trabalhada
sem antagonismo, longe da dualidade “objetivo versus subjetivo”.
Bowker (2000, p.17-52), ao partir de uma classificação dos tipos de corpora
utilizados em estudos de tradução (corpus comparativo monolíngüe, corpus bilíngüe ou
multilíngüe alinhado, corpus bilíngüe ou multilíngüe comparável e corpus especializado de
língua-alvo), aponta o uso de corpora para a tradução, para a solução de problemas
apresentados pelos dicionários, como, por exemplo, a descontextualização, a freqüência ou o
uso de uma palavra, além do tempo necessário à compilação, que pode refletir divergências
no uso corrente de um termo e a possibilidade de erro na consulta. Defende que a consulta a
textos paralelos em forma de corpus eletrônico tem numerosas vantagens, podendo os
corpora ser incrementados de acordo com a necessidade do tradutor e possuírem uma imensa
capacidade de processamento. Aponta a facilidade de pesquisa e manipulação desses corpora.
Entretanto, ressalta que, na composição e análise de corpora eletrônicos, critérios como
tamanho, tipo de texto, domínio, data da publicação, autor e língua também devem ser
contemplados.
Segundo o autor, as ferramentas utilizadas até o momento foram criadas
originalmente para professores e lexicógrafos. Desta forma, os próprios tradutores, baseados
em suas necessidades e experiências, deverão desenvolver ferramentas úteis ao seu trabalho,
pois as utilizadas até o momento, devido ao fato de terem sido desenvolvidas para outros fins,
em geral são classificadas como pouco úteis e de resultado duvidoso.
Bowker aponta o WordSmith Tools como um conjunto de ferramentas
integradas para a análise, que contém um número de opções úteis que possibilitam ao usuário
a manipulação de listas de palavras, concordâncias e colocações e aponta muitas estratégias e
47
técnicas específicas que podem auxiliar o tradutor a identificar e extrair informações do
corpus.
Entretanto, a ferramenta tem seus limites.
24
Embora haja grande crescimento da produção de material sobre a LdC, existe
muita preocupação com o objetivismo, o cientificismo e a condenação do elemento subjetivo.
É preciso distinguir o que está no texto e o que é do texto. Não se deve restringir aos aspectos
de superfície à manifestação lingüística, mas englobar o nível textual (a constituição, questões
culturais, ideologia).
Por essa razão, este trabalho utiliza uma abordagem com apoio da LdC e
analisa o texto como um todo de sentido. Ao analisar os Komposita em língua alemã, filia-se
aos aspectos comunicativos das linguagens especializadas (CABRÉ, 1999). De acordo com o
princípio comunicativo, uma unidade lexical pode assumir o caráter de termo em função de
seu uso em contexto e situação determinados. Conseqüentemente, o conteúdo de um termo
não é fixo, mas relativo, variando conforme o cenário comunicativo no qual se inscreve
(KRIEGER e FINATTO, 2004).
Importa também salientar que, embora apoiada em princípios da LdC, esta
pesquisa não perde de vista o estatuto terminológico das unidades sob exame, quer no âmbito
do léxico, quer no âmbito dos textos.
2.3 KOMPOSITA EM TRADUÇÃO NAS LINGUAGENS ESPECIALIZADAS
Esta seção tem por objetivo revisar o processo de composição em determinadas
áreas do conhecimento, bem como a tradução de compostos do alemão. Essa revisão, além de
apontar para a problemática envolvida, visa demonstrar a necessidade de estudos
exploratórios da tradução de compostos para o português, especialmente na Medicina, haja
vista a grande demanda de traduções.
24
Nesse sentido, de acordo com indicativos de estudantes bolsistas do Projeto TextQuim
(www.ufrgs.br/textquim), haveria limitações na segunda fase da pesquisa, no momento da organização do corpus
alinhado de textos em língua alemã e língua portuguesa, de modo que esse trabalho foi feito manualmente, sem o
auxílio do software.
48
Os trabalhos aqui revisados, embora relativamente antigos, mostram algumas
dificuldades comuns à tradução de Komposita para diferentes línguas. Essas dificuldades
permanecem atuais.
2.3.1 Komposita da Eletrotécnica: chinês e alemão
Ao analisar traduções da língua alemã para a língua chinesa em textos da área
de Eletrotécnica, Yaqin (1983, p.109) já confirmava que a composição de substantivos é
muito produtiva nas linguagens especializadas, tendo em vista tal modelo de construção servir
especialmente para a designação de novas realidades.
Segundo o autor, no momento em que as áreas do conhecimento alcançam
maior desenvolvimento, percebe-se também, junto ao vocabulário da área, um incremento das
terminologias especializadas. Assim ocorreu, por exemplo, com a Eletrotécnica, que, tendo
alcançado grande desenvolvimento nos anos oitenta, teve seu vocabulário ampliado,
acompanhando o desenvolvimento dos conhecimentos humanos, processo de ampliação
lexical que já despertava o interesse de diversos pesquisadores.
Wüster, após o desenvolvimento de suas pesquisas sobre o que denominou de
“sublinguagens”, publicou, já em 1931, uma Norma Lingüística Internacional especial para a
Eletrotécnica. Da mesma forma, Herzog (1976) já havia pesquisado as tendências na
formação de palavras na língua alemã com relação à utilização da estrutura do Kompositum
nessa terminologia.
O estudo de Yaqin sobre a relação entre compostos alemães em Eletrotécnica e
seus correspondentes no chinês (YAQIN, 1983, p.109) apresenta resultados bastante
interessantes. Analisou, inicialmente, a estrutura morfológica dos compostos, passando então
à observação das traduções da terminologia em alemão para o chinês. Suas observações
demonstraram inúmeras problemáticas tradutórias relativas à polissemia/monossemia das
línguas (alemão/chinês), ao uso de metáforas e aos diferentes pontos de vista envolvidos na
cunhagem da terminologia (p.110).
Nesse trabalho, há a confirmação da superioridade do número de compostos
que têm substantivos como determinantes, tanto em compostos de dois como de três
49
elementos. Tem-se também a verificação de que a maioria das composições é constituída de
apenas dois elementos (70%), estando as composições de três elementos em número bem
menor (23%) e sendo as composições maiores cada vez mais raras. O autor também indica a
superioridade de compostos determinativos
25
.
Segundo Yaqin (1983, p.115), os termos da língua alemã têm a tendência a
serem formados de palavras já existentes na linguagem comum
26
, as quais seria agregado um
significado especializado. Por essa razão, conforme vê, não existiria nenhuma diferença
formal em muitas palavras comuns e as terminologias.
27
Essa influência da linguagem comum
na formação de palavras especializadas é observada também na sublinguagem da
Eletrotécnica.
Yaqin mostra também que as composições nas linguagens especializadas
alemãs são formações econômicas. Em comparação a formas de expressão pormenorizadas,
como, por exemplo, atributos preposicionais ou orações relativas, o significado da palavra da
composição, em muitos casos, não é “transparente”. Ou seja, a forma da composição pode ser
fixa, mas o conteúdo a ser vinculado pelo Kompositum pode ser variável. Na tradução dos
compostos de Eletrotécnica do alemão para o chinês, freqüentemente é necessário que se
resolva essa ambigüidade, o que dependerá da compreensão, por parte do tradutor, de todo um
espectro de relações semânticas existentes entre os elementos (p.116).
Segundo o autor, temos também a presença de metáforas nessa terminologia,
sendo comumente utilizadas nas linguagens especializadas para a constituição de compostos.
A tradução de termos metafóricos é, naturalmente, difícil, visto que seus sentidos são distintos
nas diferentes línguas (p.117).
25
Conforme já referido no item que apresenta o processo de composição nas gramáticas utilizadas para o ensino
da língua alemã (2.1.1), o processo de composição em língua alemã contempla Komposita copulativos e
determinativos (GÄRTNER, 1996, p.5-6). Neste trabalho, o foco de análise estará nos compostos
determinativos, pois entendo que os compostos copulativos correspondem a composições já consagradas.
26
No texto original “gemeinsprachliche Wörter”. Trata-se do “sistema” de Hoffmann (1988), dentro do qual
estariam localizados os diferentes “subsistemas”, ou seja, refere-se à linguagem compartilhada por todos os
falantes e não a um sistema de domínio de uma esfera dita “mais especializada”.
27
Nos textos utilizados neste trabalho, tem-se, por exemplo, Aktionspotenzial (potencial de ação), que
corresponde a uma composição de duas palavras já existentes na língua alemã: Aktion – ação planejada que visa
alcançar um objetivo específico, tendo em geral um sentido social (LsDaF, 1993, p.28); Potenzial – conjunto de
todos os meios, possibilidades, capacidades, energias existentes e disponíveis (LsDaF, 1993, p.751). As duas
palavras da língua alemã formam então um composto, com um significado específico em textos de Medicina,
correspondente a quedas de tensão entre locais excitados e não excitados da membrana das células nervosas
(DUW, 2001, p.76).
50
Para o autor, cada estado, fenômeno, procedimento ou ferramenta apresenta
muitas especificidades. Na denominação de dados técnico-científicos não é possível abranger
todas as especificidades em uma palavra ou em um grupo de palavras. Muitas vezes, são
escolhidos determinados elementos de um todo de especificidades para construir uma
denominação. A escolha de quais são os traços que melhor representam um conceito, de quais
são os mais representativos tecnicamente, estará relacionada ao ponto de vista, ao modo como
“se vê o mundo” na ótica da especialidade. Há, portanto, uma relação com a cultura, muitas
vezes totalmente distinta entre a L1 e a L2 (aqui a língua alemã e a língua chinesa). Dessa
forma, a tradução de um composto com valor de termo, que sofreu uma redução no todo de
suas especificidades de acordo com o “olhar” daquele que o denominou na L1, não dependerá
exclusivamente do entendimento das partes que o compõem, mas de uma visão do todo,
contexto e co-texto
28
.
O trabalho de Yaqin reitera algumas de minhas impressões com relação às
terminologias do alemão. Inicialmente, confirma a superioridade de compostos
determinativos, cujo determinante corresponde a uma nominalização. Também são mais
freqüentes as composições de apenas dois elementos, estando as composições de três
elementos em número bem menor, e sendo raras as de mais de três elementos.
Confirma também a dificuldade de compreensão das relações semânticas entre
os elementos da composição, perdidas em detrimento de uma economia lingüística da língua
alemã. Isso coloca em relevo a impossibilidade da tradução da composição limitar-se a uma
simples leitura das partes do composto, reafirmando a necessidade da consideração de todo
um entorno textual, incluindo o resgate do sentido da forma em seu contexto de produção, sua
inserção em um âmbito especializado específico e a consideração de condicionantes culturais
da língua de partida e da língua de chegada.
2.3.2 Komposita em textos em língua francesa
28
Um composto como Käsebrot, por exemplo, não reflete uma relação de composição (de ser feito de), mas
apenas de sobreposição (pão com queijo).
51
Em um outro texto em que se faz uma reflexão sobre dificuldades de tradução
de textos especializados do alemão para o francês, também há subsídios para uma
compreensão dos problemas de tradução de Komposita para o português.
Segundo as observações de Allignol (1998, p.64-66), um olhar sobre os textos
especializados seria suficiente para reconhecer a freqüência com que são utilizados os
Komposita, particularmente os compostos substantivos. A autora também comenta que, na
língua alemã, um grande número de conceitos é criado a partir da composição e que a
formação de palavras através da composição apresenta alta produtividade. Desse modo, a
cada especialista seria oferecida a possibilidade de estabelecer novos conceitos.
Nesse trabalho, coloca-se que, se um texto especializado da língua alemã
precisar ser traduzido para uma outra língua que não dispõe das mesmas possibilidades de
composição, o tradutor será confrontado com as mesmas dificuldades que a autora encontrou
na tradução para o francês. Conforme salienta, visto que os substantivos corresponderiam à
maioria das composições nos textos especializados, os problemas de compreensão e de
tradução estariam vinculados sobretudo aos substantivos compostos. O conteúdo de um
composto em alemão tenderia a ser traduzido para uma língua românica como um grupo de
palavras, um sintagma.
De acordo com a autora, os dicionários especializados bilíngües conteriam, de
algum modo, o conhecimento técnico da área. Mas, evidentemente, tais dicionários não
contêm todos os compostos presentes nos textos especializados. Além disso, devido à alta
produtividade da composição em cada texto especializado, muitos Komposita não estarão
dicionarizados. O tradutor precisaria então, ele mesmo, encontrar o grupo de palavras
correspondente em língua francesa, “destrinchando”, assim, a composição alemã, de modo a
tornar compreensível a relação lógica e semântica existente entre os morfemas isolados.
Das observações de Allignol, depreende-se que há casos em que um
equivalente francês para um Kompositum corresponderá a um grupo de palavras que não
necessariamente terá valor de um “termo”. Isto é, há casos em que o sintagma resultante não
será reconhecido como termo pelos “lingüistas da linguagem especializada”.
29
Assim, o
29
O termo aqui empregado corresponde ao modo como é referida, ainda hoje, a Terminologia e seus estudiosos
no âmbito dos estudos de origem germânica (Fachsprache e Fachsprachenlinguistik/Linguistik der Fachsprache
52
equivalente francês em textos especializados de uma área poderia variar em sua forma de
apresentação, podendo ser representado por um grande número de variantes. Quer dizer, do
lado alemão, constituiríamos com uma palavra um conceito especializado fixo, mas, do lado
francês, formular-se-ia o equivalente através de um número de variantes.
Para a constituição, a partir de um Kompositum em língua alemã, de um
equivalente (grupo de palavras) útil em língua francesa, o tradutor precisaria inicialmente
decompor a palavra e esclarecer as relações existentes entre os morfemas isolados. Portanto,
seria necessário compreender as unidades de informação implicitamente contidas no
Kompositum (p.64). Essa é a recomendação da autora.
Na tradução dos Komposita seria, então, necessário buscar a preposição correta
a ser utilizada entre os dois ou mais substantivos constituintes da composição nominal. Numa
área especializada, um composto como Wasserkühlung (resfriamento da/pela/por meio de
água) poderia, dependendo da preposição utilizada, corresponder a diferentes momentos ou
processos. Dessa forma, seria necessário verificar, no contexto textual, a que parte ou
momento do processo se referirá o respectivo composto (op. cit. p.65).
De acordo com a autora, não raramente o tradutor confronta-se com
dificuldades, porque uma parte da composição é utilizada incorretamente ou aparece numa
forma não usual. Para a tradução correta da composição, seria necessário, então, um
conhecimento da área especializada (p.65),
isto é,
o conhecimento da trajetória de
denominações e das práticas textuais utilizadas.
Nesse trabalho, a autora também menciona a freqüência com que os compostos
utilizados por especialistas sofrem racionalizações (reduções) em determinadas partes. Assim,
o tradutor não precisaria apenas esclarecer as ligações lógicas implícitas, nem sempre claras,
entre os morfemas isolados ou partes da composição, mas também precisaria preencher uma
provável incompletude da palavra. Por exemplo, um composto como Kondensbildung
(formação de condensação), pertencente ao âmbito de cobertura de silos, deveria ser
interpretado como Kondenswasserbildung (formação de água de condensação), visto ter
– linguagem especializada e lingüistas/lingüística das linguagens especializadas), diferentemente dos estudos
desenvolvidos no Canadá, na Espanha, na Argentina e, mais recentemente, também no Brasil, os quais se
referem, respectivamente, à Terminologia e aos terminólogos.
53
havido elipse de água. Entretanto, essa interpretação dependeria do grau de conhecimento da
área pelo tradutor.
Para a autora, uma outra problemática relativa aos Komposita estaria
relacionada às palavras compostas com elementos compartilhados, isto é, àquelas
composições que supostamente utilizariam a mesma base, estando o determinante no texto
seguido de um hífen, o que indicaria a repetição da base do composto seguinte. O tradutor
deparar-se-ia, então, com duas questões: a) a parte comum realmente pertence aos dois
compostos? b) deve-se traduzir como singular ou plural? Por exemplo, tem-se em um texto
Informations- und Entwicklungswege. O hífen após o primeiro determinante Information
sinaliza a composição com a base Wege (caminhos); dessa forma, a tradução seria “caminhos
de informação e desenvolvimento”. Entretanto, ao verificar o contexto no qual tais
composições estão inseridas, é possível perceber que a composição Informationswege é
adequada ao âmbito discursivo no qual está inserida, mas a composição Entwicklungswege
teria como tradução mais adequada “momentos de desenvolvimento”, portanto,
Entwicklungszeiten.
Como bem sabemos, há casos em que um Kompositum comporta duas
possibilidades distintas de tradução. Há também casos em que se encontram variantes de um
mesmo composto em um mesmo texto na L1. Nesse caso, pode-se pensar em sinonímia. Há,
ainda, casos extremos, como o exemplo relatado pela autora, em que, na descrição das partes
de um aparelho, encontrou Trommelsieb ou Siebtrommel (Trommel = tambor/Sieb = peneira).
Em função de um alto grau de especificidade do texto, deveriam ter ambos uma mesma
tradução como “tambor de peneiramento” (p.66).
30
Segundo a autora, quanto maior forem as composições, mais unidades de
informação não explícitas estarão nelas contidas. Isso exigirá, obviamente, maior capacidade
de interpretação do tradutor. A tradução dependeria, então, do conhecimento do tradutor sobre
uma determinada terminologia, ainda que esta não fosse utilizada em seu país.
30
Cabe salientar aqui que se trata de uma situação completamente atípica, visto que a tradução contraria a teoria
da formação do composto. Na Gramática Textual de Weinrich registra-se que a composição corresponde a uma
economia de declinação e que sua leitura dá-se da base para o determinante. Um tal caso inverteria totalmente o
sentido da composição. Dessa forma, ter-se-ia Siebtrommel como “tambor de peneiramento” e Trommelsieb
como “peneira do tambor”.
54
Assim, conforme depreendemos das colocações da autora, vemos que, da
mesma forma como o tradutor brasileiro, freqüentemente o tradutor de língua francesa se
confronta com Komposita que não constam em dicionários ou obras de referência. Hoje,
embora possamos contar com acervos terminológicos e bases de dados na internet, não é
demais considerar que o profissional poderá entender e traduzir corretamente apenas quando
desvendar as ligações semânticas vinculadas pelas partes do composto.
2.3.3 Komposita em textos de Economia
De Cort (1982, p.18) realizou algumas observações em textos de Economia
que reforçam a composição como expressão polissêmica. O autor considera ser necessário
diferenciar a composição como processo e a composição como produto. No primeiro caso,
trata-se de cunhar novas formas, nas quais se reconhecem duas ou mais palavras autônomas.
No segundo caso, trata-se de novas unidades, as quais possuem valores internos e externos e
que descrevem relações semânticas entre seus constituintes.
De acordo com o autor, sob influência da teoria gerativa da sua época, ou seja,
sob uma perspectiva sintática, as formações de palavras seriam produtos de transformação.
Portanto, o composto seria fruto de uma transformação que modificou a estrutura profunda de
um sintagma, emprestando-lhe uma nova estrutura de superfície. A estrutura profunda deve
ser interpretada semanticamente, através da busca por modelos de estrutura que devem
esclarecer o processo de formação das palavras.
Para o autor, segundo as teorias de formação de palavras baseadas no conteúdo
e no significado, as questões sobre as construções de compostos constituiriam uma parte
especial da semântica. Nessa ótica, as palavras estruturar-se-iam quanto ao seu conteúdo de
modo diferenciado, sendo ordenadas em diferentes classes gramaticais. Os produtos da
formação de palavras nunca seriam, então, equivalentes em seu significado às suas bases de
constituição, pois conteriam sempre mais do que apenas fundamentos lexicais (p.20).
A composição caracterizar-se-ia, então, por um meio produtivo de formação de
palavras em razão da economia lingüística, mas também por fundamentos estilísticos, ou
simplesmente para uma denominação precisa de estados, conhecimentos, métodos, etc. A
composição, nessa dimensão, é um fenômeno de superfície, de performance, e não de
55
competência. Embora o sistema lingüístico alemão possibilite formações longas, formas
extensas não são recorrentes, pois existem limites não apenas semânticos, mas também
morfológicos, assim como fonéticos e fonológicos para a aceitabilidade de palavras longas.
Tais processos exigiriam do falante/ouvinte grande capacidade de abstração e de memória.
Por esta razão, compostos longos seriam utilizados apenas na língua escrita, onde poderiam
ser mais facilmente manejados pelo leitor (p.21).
Para De Cort, a sintaxe das linguagens especializadas corresponderia a um
sistema fechado. O léxico, ao contrário, seria aberto, sendo possível nas formações de
palavras surgirem sempre novas combinações com constituintes de diferentes classes
gramaticais. Sua observação de textos de Economia apontou o fato de mais da metade dos
termos pesquisados corresponder a composições de apenas dois elementos.
Na composição de mais de dois elementos, ou seja, dois ou mais determinantes
antecedendo a base, seria possível, segundo ele, que tais constituintes apresentassem
diferentes combinações.
Nas suas observações de compostos em textos de Economia, as composições
de três elementos estariam representadas pela forma (a + b) + c, correspondendo “c” à base
(determinado). Mas o autor questiona se “a + b” constituiria, então, uma unidade.
De acordo com suas observações, temos as seguintes formações:
1) (a + b) + c formação mais freqüentemente encontrada. Exemplos:
Gleichgewichtsstörung (perturbação do equilíbrio), Offenmarktpolitik
(política do mercado aberto) e Arbeitsmarktpolitik (política do mercado de
trabalho). Fatores idiomáticos e alguma motivação condicionariam tal
disposição.
2) a + (b + c) em tais compostos, a base já seria constituída por uma
composição. Por exemplo: Kapitalgrundlage (base de capital),
Emissionszeitplan (horário de emissão) e Allokationsgleichgewicht
(equilíbrio de alocação). Também aqui o significado de (b + c) seria
fortemente idiomático, conduzindo a formas lexicalizadas.
56
3) a + [(b + c) + d] a base corresponderia ao último elemento, o primeiro
determinante seria substituível, mas no meio encontrar-se-iam constituintes
mais lexicalizados. Por exemplo: Lastkraftwagenbestand (estabilidade de
automóveis de carga).
4) (a + b) + (c + d) composição de dois compostos de dois elementos. A
segunda parte seria identificável por apresentar distinto grau de
lexicalização. Por exemplo: Durchschnittswachstumsrate (quociente de
crescimento médio).
5) [(a + b) + c] + d os três primeiros constituintes poderiam formar um
composto independente, no qual o determinante (a + b) já estaria
lexicalizado. Estes três ligar-se-iam a uma base. Por exemplo:
Lebenshaltungkostenindex (índice de custo de vida) ou
Freihandelszonenvertrag (acordo de zona de livre comércio).
Em suas análises não se verificaram outras formas; entretanto, tais tipos de
formação não seriam estanques, podendo um composto como Weltwirtschaftskrise
corresponder a “crise da economia mundial” ou a “crise da economia que se dissemina pelo
mundo”. Tais formações são polissêmicas e as relações hierárquicas entre os constituintes
poderiam ser determinadas apenas através do contexto.
Esse autor, tal como os anteriormente revisados, comenta que as relações
semânticas entre base e determinantes, por um lado, e entre os determinantes, por outro,
ficariam obscurecidas, podendo ser esclarecidas apenas através de conhecimento específico.
Entretanto, considera que a regra que determinaria que a base corresponderia à última parte da
composição torna previsível e transparente o conteúdo dos compostos alemães, inclusive o
das composições mais longas (p.25-27).
Ainda assim, segundo o autor, a análise semântica das composições ofereceria
dificuldades, algumas vezes intransponíveis. O significado de uma composição não
corresponderia à soma dos significados de suas partes constituintes. A estabilidade interna da
palavra permitiria apenas uma reduzida explicitação das relações semânticas entre os
constituintes (p.27).
57
O autor questiona, então, até que ponto o determinante orientaria, na própria
composição, o significado da base. Como seria possível na composição do tipo (a + b) + c
determinar o significado de “c” através de (a + b)? Se a regra determina que a base “c” é
polissêmica, sendo seu significado fixado por (a + b), ter-se-ia, então, o surgimento de um
termo?
Para De Cort, antes de um lexema polissêmico ser utilizado como elemento de
um vocabulário especializado, seu conteúdo precisa ser determinado e delimitado, na língua,
pela freqüência dos seus determinantes (p.28). Já tive a oportunidade de experimentar essa
indicação na fase-piloto desta pesquisa e isso se mostrou muito interessante.
O autor considera que não se pode excluir o fato do significado do
determinante ser limitado pelo significado da base. Assim, por exemplo, o mesmo
determinante Geld (dinheiro) em diferentes composições poderia corresponder a “forma de
pagamento”, “cédulas e moedas” e “capital”. Embora não se questione a polissemia da
palavra Geld, no termo ela apresenta um significado único (p.29).
O crescimento do grau de especialização através do número de componentes
corresponde, de acordo com o autor, a principal razão para que compostos especializados
raramente estejam dicionarizados. A freqüência é em geral o critério de lematização. No caso
da Economia, freqüentemente também estariam relacionadas a parceiros econômicos (p.30).
Em resumo, para o autor, através da formação de Komposita no alemão seriam
evidenciadas sucessões de conceitos e de graus de descrição onomasiológica. Dessa forma, a
composição seria exitosa nas linguagens especializadas e científicas. O crescimento do
número de constituintes tornaria sempre mais evidente um dos possíveis significados da base.
Ao mesmo tempo, o significado dos determinantes seria orientado pelo significado da base
(p.30).
As observações do autor em textos de Economia reiteram a complexidade do
tema em estudo. Já em sua frase inicial, quando considera a composição como expressão
polissêmica, distinguindo um processo de um produto, salienta a não restrição aos aspectos
formais da constituição do composto, expandindo-os aos valores internos e externos que
descrevem as relações de sentido entre as suas partes.
58
Seu entendimento da composição correspondente a uma parte da semântica
vem ao encontro de minhas impressões. Não se pode restringir a análise aos aspectos
meramente morfológicos da composição, ainda que pareçam suficientes ao ensino da língua
alemã como língua estrangeira.
Ao analisar estruturalmente as composições de mais de dois elementos em
Economia, De Cort demonstra haver relações semânticas distintas entre as partes, salientando
que o significado de uma composição não corresponde à soma das partes constituintes. E foi
justamente o estranhamento de algumas escolhas de tradução de compostos para o português
em Medicina que levou à constituição deste trabalho e à impressão de que tais relações estão
contrapostas a uma abordagem estritamente morfológica. Essas relações precisam ser
resgatadas através da observação, não apenas do composto em si mesmo, mas de um todo
textual, da área do conhecimento na qual está inserido, do público ao qual se destina o texto, o
leitor. Precisam também ser resgatadas à luz de condicionantes culturais da língua de partida e
de chegada.
Neste trabalho não aprofundarei minhas observações sobre os diferentes modos
de constituição de compostos de mais de dois elementos, visto ter consciência de que, para tal
observação, necessitaria da ampliação do corpus de estudo, pois minhas observações
confirmam que composições de mais de dois elementos são raras em textos de Medicina.
Entretanto, a revisão desses trabalhos que exploram compostos em diferentes
áreas de conhecimento comprova que mesmo os Komposita mais freqüentes, aqueles
formados por apenas dois elementos, não raramente possuem particularidades que podem
comprometer a compreensão do tradutor. Isso mostra que é preciso avançar para além dos
enfoques tradicionais, que tomam o composto isoladamente, limitando a análise à leitura
final-início, base-determinante. É preciso resgatar relações semânticas e pragmáticas
ocultadas em favor de uma economia lingüística. O tradutor deverá recuperar, na tradução, as
relações sublimadas no momento da cunhagem do composto.
2.4 KOMPOSITA E TEORIAS DE TERMINOLOGIA
59
Esta seção busca reconhecer estudos que tomam o Kompositum como parte
integrante do texto especializado, que o concebem como terminologia. Afinal, esse é um
processo freqüentemente utilizado nas áreas especializadas do conhecimento, que não deve
ser tomado de forma isolada, mas considerado dentro de todo o contexto de produção que
envolve uma comunicação técnico-científica.
A Terminologia é uma disciplina ou área de estudos que está relacionada tanto
ao modo de constituição dos compostos, ao seu modo de construção e à freqüência de sua
utilização nos textos de uma área do conhecimento, bem como à forma de tradução para a L2
e ao modo como serão constituídas as novas unidades lexicais. Isso se aplica sobretudo
porque muitos Komposita poderão ter estatuto terminológico.
2.4.1 Da Terminologia como área de estudos e da sua evolução
A Terminologia pode ser compreendida como o estudo sistemático dos
fenômenos da comunicação técnico-científica. Ainda que o nome remeta a uma relação entre
um logos que se ocupa de termos, o escopo da Terminologia não se limita apenas às
denominações empregadas no âmbito das ciências ou tecnologias, usualmente referidas como
“termos”. Isso porque, embora o seu foco inicial tenha sido a denominação, houve uma
expansão em direção da apreensão de uma totalidade de comunicação, de modo que hoje se
pode dizer que a Terminologia se ocupa da linguagem que é utilizada em situação de
comunicação profissional, abarcando, naturalmente, o estudo de práticas textuais e
discursivas.
Ao constituir-se como expressão lexical dos saberes científicos, técnicos e
tecnológicos,
as terminologias correspondem a elementos inerentes às chamadas
comunicações especializadas, usualmente associadas à redação de artigos científicos, teses,
resenhas, manuais e textos especializados em geral. Não ficam restritas ao padrão escrito, mas
também participam ativamente de intercâmbios comunicativos orais entre especialistas
(KRIEGER e FINATTO, 2004, p.16).
As terminologias não são um fenômeno recente, entretanto, os estudos
sistemáticos sobre o componente lexical das comunicações especializadas são relativamente
recentes.
60
Apesar dessa atualidade, o reconhecimento formal da existência de
vocabulários específicos de determinadas áreas de conhecimento especializado se dá no
século XVII, período em que as terminologias passam a ser incluídas como entradas em
alguns dicionários clássicos, e a expressão “terminologia” é definida como a matéria que se
ocupa de denominações de conceitos próprios das ciências e das artes. Todavia, é difícil
estabelecer quando se inicia exatamente a história das nomenclaturas, relacionada, em boa
medida, à história das classificações e das sistematizações. Determinadas estratégias se
efetivaram concretamente, por exemplo, através do estabelecimento e da normatização da
terminologia elétrica em Paris, em 1881, ou, já no século XX, com a normatização da
terminologia da astronomia em 1992. A fixação de nomenclaturas para a Botânica, a Química
e a Anatomia também colaborou para o reconhecimento da existência de terminologias.
O aumento das unidades terminológicas é, obviamente, resultado do avanço
das ciências e das tecnologias, as quais requerem novas denominações para as novas
descobertas e invenções. Além disso, é correto afirmar que, à medida que os conhecimentos
evoluem, algumas terminologias podem se tornar obsoletas, sendo, então, substituídas por
novas. O processo de globalização também motivou o interesse pelo componente lexical em
virtude do incremento das relações comerciais e o surgimento dos blocos econômicos,
ampliando o interesse pelas terminologias para além do uso restrito de especialistas e
conduzindo a um incremento da tradução especializada. Dessa forma, o interesse deixou de
estar restrito aos especialistas, havendo hoje uma extensa gama de profissionais preocupados
com as terminologias, considerados usuários indiretos, dentre os quais podemos citar
tradutores, intérpretes, jornalistas, documentalistas, lexicógrafos, terminógrafos, entre outros.
Eugen Wüster, fundador da Teoria Geral da Terminologia (doravante TGT),
desenvolveu estudos teóricos e estabeleceu as bases da Terminologia como disciplina,
objetivando delinear diretrizes práticas para a normatização das terminologias, visando a
unificar usos terminológicos em nível mundial. Sua vinculação com a ISO (International
Standardization Organization) e com outras instituições de normatização reforça seu objetivo
de padronização terminológica, de modo que variação e polissemia devem ser controladas.
61
As bases teóricas iniciais da Terminologia estão, dessa forma, intimamente
relacionadas ao propósito de favorecer a comunicação das ciências no plano internacional
pela via da uniformização denominativa e conceitual.
2.4.2 Escolas de pensamento em Terminologia
Estudos sobre termos fazem surgir as Escolas de Terminologia de Viena, de
Praga e a Escola Russa, às quais, posteriormente, se agrega a Escola do Canadá e outras que
vieram a se constituir. As escolas clássicas, na esteira de Wüster, privilegiam um enfoque
cognitivo, visando à padronização dos termos técnicos e o aparelhamento das línguas para
responderem a uma comunicação profissional eficiente, com base no princípio de que os
termos são designações de conhecimentos científicos. Assim, as terminologias passam a ser
vistas não como elementos das línguas naturais, mas como unidades de conhecimento que
comportam denominações, ou seja, expressam conceitos e não significados. Instaura-se,
então, a concepção de que termos não são propriamente “palavras”.
Entretanto, na última década do século XX, a Terminologia inicia um novo
percurso, pautado pelo incremento de investigações de base lingüístico-comunicacional,
considerando o comportamento do léxico especializado no âmbito das comunicações
especializadas. Fortifica-se a perspectiva de que as terminologias, em que pesem suas
especificidades, são tão “palavras” quanto quaisquer outras, diluindo-se a oposição
termo/palavra e significado/conceito, que dava sustentação à TGT.
Vinculada a essa nova tendência, a Teoria Comunicativa da Terminologia
(doravante TCT), proposta por Maria Teresa Cabré (1993), baseia-se na valorização dos
aspectos comunicativos das linguagens especializadas, bem como na compreensão de que as
unidades terminológicas fazem parte da linguagem natural e da gramática geral das línguas.
Isto é, uma palavra comum poderá assumir o caráter de termo em função de seu uso em um
contexto e situação determinados. Quer dizer, o conteúdo e o valor de um termo não são fixos,
mas variam de acordo com o cenário comunicativo em que se inscrevem. Não há, assim, nem
termos nem palavras, somente unidades lexicais que adquirem estatuto terminológico no
âmbito das comunicações especializadas. A TCT também reconhece a polissemia como
inerente ao universo das comunicações científicas e técnicas, o que é uma das suas grandes
62
rupturas em relação aos fundamentos cognitivos da teoria clássica, que negavam diversidades
conceituais no plano do conhecimento especializado.
No percurso de renovação dos estudos terminológicos, nos anos noventa,
destacam-se as proposições em favor de uma Socioterminologia, a qual propôs a suplantação
do ideal normatizador para a produção terminográfica pelo exame do contexto de produção
dos léxicos especializados. Ao reconhecer como natural a variação presente nos diferentes
usos do léxico científico e técnico, alerta para a necessidade de efetivar um diálogo
multidisciplinar entre as áreas de conhecimento que produzem as terminologias (KRIEGER,
2000, p.221).
Nesse momento, completa-se um deslocamento de um plano estritamente
conceitual de apreciação de terminologias e da comunicação especializada para um plano
lingüístico, passando a unidade terminológica a ser compreendida à luz de um ponto de vista
descritivo, não mais normativo. Trata-se, então, em Terminologia, de questões das línguas e
não de um construto formal idealizado a serviço de uma comunicação restrita ao âmbito de
especialistas. Passa-se a estudar as terminologias no cenário in vivo das práticas textuais
técnico-científicas, ou seja, não se estuda somente o que uma terminologia idealmente deveria
ser, de acordo com normatizações recomendadas por associações profissionais de classe ou
instituições nacionais de normas e padrões, mas consideram-se as condições gramaticais das
terminologias, principalmente as relacionadas a uma competência gramatical especializada. O
objetivo passa a ser, num primeiro momento, compreender a competência lingüística do
usuário da língua (FINATTO, 2004, p.343). Mais tarde, os usos e suas variedades passam a
receber atenção especial, sobretudo em suas vinculações com determinados segmentos sócio-
profissionais.
De acordo com esse novo direcionamento, sócio-terminológico, o
funcionamento dos termos é tão complexo como de quaisquer outras unidades da língua
natural, devendo o reconhecimento terminológico incluir, além dos elementos subjacentes,
especificidades gramaticais e de vocabulário, também especificidades da dimensão do uso,
abarcando variação, polissemia, diacronia, entre outros fatores condicionantes
sociolingüísticos e também lingüístico-textuais (op.cit. p.344-345).
63
Um pouco mais recentemente, surge a Teoria Sociocognitiva da Terminologia,
proposta por Rita Temmerman (2000). Em seus princípios, os termos são unidades de
compreensão e de representação, funcionando em modelos cognitivos e culturais. Segundo
essa concepção, as unidades terminológicas estão em constante evolução, de forma que
comportam sinonímia e polissemia. A definição de um termo variará de acordo com o tipo de
unidade e o nível de especialização do emissor e do destinatário da mensagem. Na perspectiva
sócio-cognitiva, as terminologias estão determinadas por modelos cognitivos idealizados,
construídos por uma “cultura” da área de conhecimentos em que se inserem. As
terminologias, nessa visão, também são dependentes da trajetória histórica da especialidade.
Novas teorias terminológicas compartilham pontos de vista e refletem os
avanços dos estudos lingüísticos, criticando posições redutoras na apreensão do fenômeno
terminológico e harmonizando-se apenas com posições que acolham o pleno funcionamento
da linguagem. Da mesma forma, não se limitam a enfoques estritos, mas avançam em direção
a uma perspectiva textual, pois os termos são usados em situação de comunicação. Trata-se de
tentar compreender as terminologias in vivo e não mais as in vitro.
A abordagem textual é uma tendência da Terminologia moderna que tem
permitido identificar os fatores pragmáticos da comunicação especializada, que ativam a
feição terminológica que distintas unidades lexicais assumem no contexto das comunicações
especializadas (KRIEGER e FINATTO, 2004, p.109). Uma série de pesquisas tem
demonstrado o papel da textualidade, dos universos de discurso e dos componentes
pragmáticos do processo comunicacional na compreensão do funcionamento das unidades e
sintagmas terminológicos, bem como de outros fenômenos complexos relacionados à
Terminologia. O enfoque textual tem-se mostrado produtivo também para o exame de
aspectos que envolvem, predominantemente, a dimensão conceitual de um objeto como a
definição terminológica (FINATTO, 2001). Nessa visão, a variação de termos seja formal,
seja conceitual, estará condicionada por fatores de natureza textual (KRIEGER e FINATTO,
2004, p.112).
A abordagem textualista foi desenvolvida principalmente a partir dos trabalhos
de Lothar Hoffmann (1988), embora se possa afirmar que sua origem remonta já à Escola
Russa de Terminologia. Conforme Hoffmann, as linguagens especializadas são subsistemas
64
da linguagem, que se atualizam nos textos dos âmbitos comunicativos especializados.
31
Uma
sublinguagem, nessa ótica, não se caracteriza apenas pelo léxico, mas pela totalidade dos
recursos lingüísticos que são mobilizados por seus textos. Uma parte desses recursos co-
ocorrerá em diversas sublinguagens, mas uma outra parte determinará, exclusivamente, a
especificidade de uma sublinguagem determinada. Esses recursos, enquanto sublinguagem,
correspondem a uma parte do inventário total da língua.
A especificidade das linguagens especializadas expressa-se de modo mais
saliente pela terminologia, mas também pelo uso de determinadas categorias gramaticais,
construções sintáticas e estruturas textuais. As terminologias são unidades semânticas
dominantes nos textos técnico-científicos; entretanto, o termo como unidade lexical terá sua
acepção definida no texto-fonte, integrando, dessa forma, a tessitura textual. O texto e o
sistema da língua são, assim, complementares. Termos não são apenas elementos do sistema
da língua, mas também ocorrências no interior do texto. Nessa abordagem textual da
Terminologia, em síntese, não se desvinculam termos e textos e se privilegia um estudo do
texto que tem termos, distanciando-se de um estudo de termos em textos (FINATTO, 2004,
p.351-352).
As análises de Guiomar Ciapuscio (2003), nessa mesma direção textualista,
confirmam que a seleção, o tratamento e a variação dos termos estão condicionados por
fatores de cunho textual. Termos são unidades léxicas utilizadas preferencialmente em textos
especializados, mas que, em razão da crescente “alfabetização” científico-tecnológica da
sociedade, transcendem esta fronteira, incorporando-se à comunicação cotidiana. Não é
possível, assim, fazer uma divisão estanque entre palavra e termo, mas apenas estabelecer
uma diferença de graduação, pois, afinal, os termos são poliédricos, ou seja, conjugam
aspectos cognitivos, sociais e lingüísticos; são empregados para diferentes fins, sendo-lhes a
variação formal e conceitual uma propriedade intrínseca. Essa percepção é compartilhada pela
TCT.
Desta forma, na perspectiva textualista, não há diferenças “ontológicas” entre
termos e palavras. Há, sim, unidades léxicas, as quais potencialmente podem se atualizar
31
A divisão linguagem/sublinguagem desse autor é derivada da concepção de sistema/norma de Coseriu (1980).
De tal sorte, a sublinguagem corresponde a um subsistema que está integrado a um continuum de subsistemas
inter-relacionados.
65
como termos ou como palavras, de acordo com diversos fatores textuais de ordem superior:
função, tema e situação. Tais fatores condicionam o nível temático do texto e, deste modo, o
conteúdo conceitual dos termos (CIAPUSCIO, 2003, p.35-55).
Uma outra percepção do enfoque textualista é que a problemática da densidade
conceitual que os termos assumem nos textos especializados pode contribuir para prover
critérios e fundamentos lingüístico-textuais para a determinação do grau de especialidade dos
textos. Todavia, a determinação do maior ou menor grau de especialidade do texto deve
apoiar-se na descrição e na caracterização do objeto em toda a sua complexidade, ou seja, será
preciso recorrer a informações referidas em todos os níveis ou dimensões do texto. A noção
de especialidade, então, deverá definir-se a partir de um estudo lingüístico e estrutural dos
textos.
O texto especializado pode definir-se a partir de critérios funcionais,
situacionais e temáticos, sendo que esses critérios “externos” ou globais têm seus
correspondentes em traços lingüísticos, devendo, por isso, uma descrição dos textos
especializados partir de uma concepção ampla e compreensiva do texto com ênfase na forma
lingüística (CIAPUSCIO, 2003, p.30). Nessa concepção gradual de especialidade, não
existem cortes nítidos, mas zonas de transição e a inclusão da ambigüidade na delimitação de
textos como especializados.
Ciapuscio, ao desenvolver o enfoque de Hoffmann e de outros autores de uma
escola germânica de pensamento que se ocuparam da Fachsprache (linguagem especializada),
demonstra que os termos sofrem, além da variação formal, uma variação conceitual numa
íntima relação com os distintos graus de especialização, peculiares a determinadas classes
textuais (KRIEGER e FINATTO, 2004, p.116). Desse modo, em um mesmo tema científico,
as terminologias serão heterogêneas. Haverá variações denominativas, conforme se trate de
textos altamente especializados ou de divulgação geral. Do mesmo modo, variará o grau da
densidade informativa, se os destinatários do texto forem especialistas ou público leigo.
Portanto, podem ser repetidas e renovadas as afirmações de Hoffmann (1988)
de que o reconhecimento terminológico não pode limitar-se à terminologia nem se restringir
apenas ao “dicionário das palavras técnicas” de uma determinada especialidade. Deve-se, ao
66
contrário, tratar conjuntamente aspectos textuais, sintáticos e lexicais, observando também
fatores extralingüísticos. O reconhecimento lexical não pode desvincular termos e textos,
unidades e o todo, devendo a linguagem especializada ser observada a partir de sua
apresentação e inserção textuais (FINATTO, 2004, p.353-354). Isso, sem dúvida, também
vale para a observação de Komposita na linguagem médica.
2.4.3 Terminologia e estudos de Tradução
Apesar de os estudos sobre tradução possuírem larga tradição, a sua relação
com a Terminologia ainda é bastante recente. Entretanto, trata-se de uma área que tem
avançado muito, desenvolvendo reflexões e descrições sobre o processo tradutório em seus
mais diferentes aspectos, componentes e perspectivas. No que se refere ao tema desta
pesquisa, a inter-relação entre Terminologia e Tradução é indispensável.
Uma primeira motivação do encontro “Tradução e Terminologia”, em
diferentes situações, relaciona-se ao fato dos termos técnico-científicos corresponderem a
elementos-chave dos textos especializados. E, é em relação a essa tipologia textual que se
efetua a chamada tradução técnica ou especializada. Por outro lado, o crescente interesse do
mundo globalizado pela informação referente à produção científica e tecnológica, bem como a
intensificação das trocas comerciais e tecnológicas em nível mundial, são fatores que
determinam o incremento das relações internacionais e, conseqüentemente, da tradução
técnica (KRIEGER e FINATTO, 2004, p.66).
Segundo Krieger e Finatto (op.cit.), visto que a tradução técnica incide sobre
textos especializados, habitat natural das terminologias, o profissional tradutor se defrontará
com os léxicos temáticos, assim como uma série de outros aspectos.
Interessa ao tradutor, nesse exercício, um manejo terminológico competente,
expresso pela adequada seleção na língua de chegada dos termos equivalentes aos utilizados
pelos especialistas na língua de partida. Para isso, o profissional precisará conhecer os
repertórios terminológicos utilizados nas comunicações especializadas em ambas as línguas.
São úteis, então, obras de referência especializadas elaboradas em mais de um idioma (p.67).
67
Entretanto, uma mera transposição interlínguas do componente lexical
especializado não assegura a qualidade tradutória. Afinal, o texto especializado não se reduz à
presença de termos. O domínio de uma terminologia corresponde, então, à condição
necessária, mas não suficiente, para uma boa tradução.
Em função disso, os tradutores integram a categoria de usuários indiretos da
Terminologia. A recíproca também é verdadeira, pois interessam à Terminologia os estudos
sobre tradução, na medida em que estão vinculados à elaboração de glossários, dicionários
técnicos e bancos de dados bi ou multilíngües (p.68).
É preciso lembrar que a tradução se dá de língua para língua como um todo de
sentido, de um modo distinto do que se concebia no passado, quando a imagem que se tinha
da linguagem científica se resumia a listas de nomenclaturas técnico-científicas, formuladas
pelos próprios cientistas. Essas nomenclaturas, cunhadas a partir de componentes greco-
latinos, objetivavam criar uma espécie de “língua universal das ciências”, uma língua precisa
e sem ambigüidades. Este deslocamento de perspectiva da tradução está atestado a seguir:
No início, a atenção se concentrava quase que exclusivamente no
vocabulário técnico e, mais especificamente, na terminologia. Depois, pouco a
pouco, a sintaxe passou a ser alvo de estudo. Atualmente, o interesse volta-se cada
vez mais para o texto técnico como um todo estrutural e funcional. (HOFFMANN,
1984, p.91, apud AZENHA, 1999, p.63)
A parceria Terminologia/Tradução é, portanto, de uma parceria de campos de
conhecimento e de atuação que possuem objetivos e particularidades próprias, mas que
apresentam pontos de confluência.
2.4.4 Problemas da delimitação de terminologias e o estudo dos Komposita em tradução
Uma problemática que enfrenta a Terminologia é justamente a delimitação
lexical nas linguagens especializadas, pois os ditos “tecnoletos”, diferentemente da linguagem
comum, representam um subsistema lingüístico particular, mas vinculado à linguagem
comum, cotidiana. Estudos sobre as linguagens especializadas mostram que os processos que
constituem seu léxico constituem-se predominantemente de formações sintagmáticas de mais
de dois elementos, que correspondem a um único conceito (ALVES, 1999). Isto é, a maioria
68
das terminologias tem apresentação polilexemática. Termos de uma palavra só, como, por
exemplo, osteoporose, são minoria frente aos termos de mais de uma unidade, tal como
osteoporose secundária, diabetes senil ou síndrome da imunodeficiência adquirida.
Tendo em vista o objeto de estudo desta pesquisa – Komposita em textos de
Medicina em língua alemã e sua tradução para o português – a Terminologia é um pilar
teórico fundamental, pois está interessada pelos modos de constituição de seus termos
compostos. Interessam o seu modo de construção e a freqüência de sua utilização nos textos
de uma área do conhecimento, bem como a forma como se procederá a sua tradução para a
L2.
Entretanto, diferentemente do que postulavam as teorias clássicas da
Terminologia, que consideravam as unidades terminológicas como itens de uma língua à
parte, os termos são elementos da língua em funcionamento, ou seja, sofrem os efeitos de
todos os mecanismos sintagmáticos e pragmáticos das cadeias discursivas que dão suporte à
comunicação especializada (KRIEGER e FINATTO, 2004, p.107). Portanto, em sua análise, é
necessário que se considere o contexto discursivo das comunicações especializadas, pois
“uma unidade lexical adquire o estatuto de termo em razão do cenário comunicativo em que é
inscrita” (PEARSON, 1999, apud KRIEGER e FINATTO, 2004, p.107).
O tradutor de um texto médico do alemão para o português se deparará com
várias dificuldades ao reformular, na língua de chegada, uma unidade aglutinada na língua de
partida, produzindo, via de regra, um sintagma.
2.5 KOMPOSITA, TEORIAS DE TRADUÇÃO E TRADUÇÃO TÉCNICO-
CIENTÍFICA
A tradução já foi referida, na tradição teórica, como transferência ou
substituição. Entretanto, a tradução torna-se praticamente impossível se esperarmos dela
apenas uma transferência de significados estáveis. O que ocorre, na verdade, “é uma
transformação de uma língua em outra, de um texto em outro” (DERRIDA, 1975, apud
ARROJO, 1986, p.42).
69
Segundo Arrojo (1986, p.44), uma tradução de qualquer texto não será fiel ao
texto “original”, mas àquilo que consideramos sê-lo ou constituí-lo, ou seja, fiel à
interpretação do tradutor para o texto de partida, que será “produto do que somos, sentimos e
pensamos”. Tal afirmação pode ser relativizada quando pensamos em uma tradução técnico-
científica, sobretudo se agregarmos a ela a idéia de que a tarefa da tradução compreenderia,
segundo a autora, aprender a “ler”, ou seja, a “produzir significados aceitáveis para a
comunidade cultural da qual participa o leitor a partir de um determinado texto” (op.cit.p.76).
Conforme compreende a autora (op.cit.), para que um leitor de um
determinado texto científico possa “lê-lo” criticamente, seria necessário que estivesse
informado acerca dos pressupostos e concepções científicas da comunidade que o produziu e
que conhecesse as convenções que deveriam reger sua leitura. Isso certamente se aplica ao
texto de Medicina.
Dessa forma, a tradução exigiria do tradutor a capacidade de confrontar áreas
específicas de duas línguas e duas culturas diferentes, sendo esse confronto sempre único, já
que suas variáveis são imprevisíveis. É preciso concordar com a autora, pois, se traduzir
dependesse simplesmente de decorar regras gramaticais e conhecer a língua de partida,
máquinas já teriam substituído o homem nessa tarefa.
Para atingir tal concepção, a maioria das teorias de tradução normalmente
tomou como referência textos literários, sendo legada à tradução técnica uma importância
secundária. Paulo Rónai (apud OTTONI, 1998), entretanto, ao discutir problemas e
dificuldades do ensino de línguas estrangeiras e da tradução no Brasil, comenta a
imprescindibilidade do trabalho do tradutor técnico para a disseminação do conhecimento,
justificando a necessidade de se atribuir à tradução técnica um nível superior de importância,
visto as graves conseqüências que podem advir de um erro nesse tipo de tradução.
Em regra geral o nível da tradução técnica é mais elevado que o da
literária, pelo menos no que diz respeito à fidelidade. Um erro na versão de uma
peça de Shakespeare, quando muito, indignará um crítico; mas na de uma bula de
remédio ou de um formulário de materiais de construção pode ter conseqüências
imprevisíveis. (RÓNAI, apud OTTONI, 1998, p.92)
32
32
A questão da fidelidade está relacionada, segundo Ottoni (1998), a uma outra dicotomia: “original” e tradução.
Sabe-se que a problemática da tradução está originalmente vinculada a esta e outras dicotomias. Ao mencionar-
se já a dicotomia “original x tradução”, cria-se então uma nova problemática: existe realmente um texto original?
Ou este texto já é fruto de outros textos? Até que ponto é possível “ser fiel” ao texto original no sentido de
70
Segundo Azenha (1999, p.9), muitos erros nas traduções técnicas têm sido
associados apenas ao desconhecimento, pelo tradutor, de uma terminologia. Para o autor, os
textos técnicos, de modo distinto dos textos literários, eram considerados um universo à parte,
sujeitos aos ditames do mercado e marcados pela estabilidade de sentido dos termos técnicos.
Admitia-se para a tradução técnica a noção de sentidos estáveis, centrada numa operação de
transcodificação, processada à margem de um enquadramento cultural (op.cit. p.10).
Entretanto, a experiência de tradução de textos técnicos mostra que há formas expostas a um
elevado número de variáveis e uma terminologia dinâmica, que inclusive abriga
subjetividade:
É certo que a tradução técnica não é de modo algum um exercício literário,
mas, sendo o estilo na verdade a maneira de exprimir o pensamento com o auxílio
dos recursos da língua, os mesmos problemas hão se surgir sempre, qualquer que
seja o domínio no qual se exerce a atividade de tradutor. (RÓNAI, apud OTTONI,
1998)
Estudos como os de Hoffmann (1988) mostram que o texto técnico possui,
sim, um comprometimento com a realidade cultural, o que condiciona a sua produção,
tradução e recepção. O texto técnico passa a ser, então, de acordo com Azenha (1999, p.12),
“uma estrutura multidimensional” ancorada historicamente e composta por diferentes planos
interrelacionados, todos eles portadores de sentido e, portanto, de relevância para o tradutor.
Para Azenha (op.cit.), a tradução não pode desconsiderar a dimensão cultural.
Não pode ser vista como uma simples substituição de signos, mas como transferência e
adaptação cultural de conteúdos extralingüísticos (p.30). De outro lado, segundo Rónai (apud
OTTONI, 1998), “Ainda que o tradutor supere todas as dificuldades da terminologia técnica,
só poderá fazer trabalho satisfatório se manusear com igual eficiência os termos não-técnicos:
verbos, pronomes, conjunções e preposições”.
Dessa forma, o tradutor precisa familiarizar-se com “o espírito do idioma” para
que possa realizar um trabalho satisfatório e consiga utilizar os termos não-técnicos. Pois,
buscar-se um entendimento em outra língua, vinculada a contextos culturais e não isolada em seu entendimento?
Entretanto, não é objetivo deste trabalho equacionar ou resolver tais questionamentos.
71
conforme Ottoni (1998), não pode separar da língua a terminologia técnica que irá traduzir.
Para traduzir o sentido, precisará também, além de conhecer as palavras, conhecer as coisas a
que o texto se refere.
Portanto, não se pode considerar que a tradução ocorra exclusivamente entre
códigos, existem variáveis capazes de influenciar o resultado final do trabalho do tradutor: a
pessoa do tradutor, a situação de recepção, o grau de interferência de um ou vários
profissionais durante o processo de revisão e preparação do texto final, todos estes fatores
ligados a uma determinada realidade sócio-cultural. Assim, confirma-se a concepção de
Azenha (1999), segundo a qual é o tradutor que viabiliza a comunicação entre as culturas,
buscando identidade em meio à diversidade.
As tentativas de classificar textos demonstram que a realidade tende a
contradizer noções estanques. Mesmo o texto técnico constitui um grupo de práticas
heterogêneas.
Uma ilusão, segundo Azenha, consiste em imaginar um vocabulário técnico
único nas diferentes línguas, pois existem “incongruências conceituais condicionadas por
problemas de interculturalidade” (SCHMITT, apud AZENHA, 1999, p.78-83). Tais
incongruências envolvem diferenças conceituais hierárquicas, diferenças de construção
condicionadas por normas específicas, diferenças climáticas, recomendações e padronizações
específicas, exemplos e ilustrações específicos, e métodos de medição específicos de cada
cultura, bem como a falta de padronização entre empresas de um mesmo ramo de atividade.
Com relação à tradução técnica, o imperativo de preservar “as condições
mínimas de legibilidade” muitas vezes força o tradutor a optar pela adoção de um
certo estilo, em detrimento de outro, a fim de atender às exigências da língua e da
cultura em que o texto técnico traduzido será recebido. (AZENHA, 1999, p.134)
Para o autor, a noção do comprometimento dos textos com uma situação de
comunicação e com uma realidade cultural também imporá ao tradutor a necessidade de
reflexões prévias, estratégias de trabalho, escolha de caminhos mais eficazes e positivamente
avaliados. Assim, a importância do saber específico ao tradutor também não pode ser
contestada. Entretanto, não é condição única para a realização de traduções técnicas, pois tal
72
conhecimento não pode garantir, sozinho, a qualidade da tradução de um texto. Afinal, a
produção e a tradução de textos não técnicos também envolvem conhecimentos específicos
sobre os mecanismos de produção de sentido na linguagem.
Mittmann (2003, p.18-23), por sua vez, percebe as teorias de tradução de
acordo com duas grandes perspectivas – a tradicional e a contestadora. Para a primeira, o
trabalho do tradutor baseia-se na possibilidade de descobrir/decodificar o pensamento do
autor e recodificá-lo em outra língua, admitindo, mas não eliminando, a sua subjetividade.
A outra perspectiva, como o nome bem diz, contesta a perspectiva tradicional.
Esta perspectiva apresenta uma teoria firmada no sentido como matriz para a realização da
tradução, que não representa apenas as intenções do autor. O sentido não está contido no texto
original, mas é resultado de um ato de interpretação do tradutor, devendo ser determinado por
fatores externos que agem sobre ele e que têm uma relação particular com cada língua,
estando a voz do tradutor presente em todo o texto (op.cit. p.24-34).
A concepção de tradução como transporte de significados está construída sobre
a base ilusória de uma língua transparente, unívoca e regular. Se há tal transparência, tal
univocidade lógica da língua, então a tradução possibilita apenas o acerto, não havendo
espaço para equívocos de tradução. Entretanto, segundo a autora, cada língua teria um modo
particular de recortar o real. O que significa que a tradução não é mero transporte, mas
produção de sentidos dentro de uma historicidade específica, que marca a língua, o discurso, o
texto. Dessa forma, o processo tradutório revela haver diferenças e semelhanças, distâncias e
proximidades, equívocos e deslizamentos, falta e excesso, tanto entre as línguas, como dentro
de cada língua.
Para a autora, no processo tradutório, seria comum a busca em dicionários,
enciclopédias, livros de temas específicos e até de outras traduções já realizadas do mesmo
original. Estabelece-se, assim, uma relação de sentidos não prevista pelo autor do original,
mas que faz parte das condições de produção do discurso da tradução, dos sentidos
produzidos. Isso é o que ela denomina de “contexto da tradução”. O texto original não seria,
então, mais um modelo a ser seguido, mas apenas “uma das formulações possíveis”, um ponto
de partida, de referência.
73
2.5.1 Tradução de Komposita e terminologias do português
Para o profissional da Linguagem interessado na identificação de
terminologias, estabelecer onde começa e onde termina uma unidade terminológica de uma
dada área de conhecimento não é tarefa fácil. Essa dificuldade, como já referido
anteriormente, está relacionada à dificuldade de delimitação do léxico da linguagem comum
frente ao da linguagem especializada. Nesse âmbito, uma dúvida já se coloca na análise de um
sintagma terminológico de Medicina: na composição com anteposição de um adjetivo
atributivo, tal como postganglionäre Nervenendigungen, o termo é terminações nervosas ou
terminações nervosas pós-ganglionares?
Por outro lado, quando um tradutor se depara com os Komposita, sabe de
antemão que essas unidades da língua de partida correspondem a um todo de sentido. São
unidades formais que, enfim, representam uma associação nominal mais ou menos fixa da
área de conhecimento. A função das unidades terminológicas, sejam uni ou polilexemáticas, é
representar núcleos do conhecimento especializado e/ou científico e, desta forma, transmitir
esse conhecimento. Daí por que constituírem um núcleo de interesse dos estudos de
Terminologia, sendo importante conhecer suas peculiaridades de tradução. Além disso, vale
salientar, novamente, que a maior parte das terminologias, das mais diferentes áreas de
conhecimento, tende a ser formada por elementos polilexemáticos ou, como no caso da língua
alemã, por termos compostos.
Em Medicina, há uma grande demanda por traduções e versões. Ao mesmo
tempo, recrudescem algumas dificuldades e pressões, pois o profissional tradutor sabe que
qualquer termo mal empregado poderá resultar em falha irreparável, acarretando risco a
pacientes e comprometimentos ao profissional médico envolvido. Desse modo, torna-se
sempre necessária toda uma preparação prévia do tradutor, como também se faz
imprescindível a colaboração de “revisores técnicos” que aliem competência na língua-alvo e
na língua de chegada, conhecimento da área e de tradução. Além disso, é indispensável a
consulta ao profissional da saúde para, em equipe, dirimir determinadas dúvidas conceituais
ou denominativas.
74
Assim, como é fácil perceber, buscar conhecimentos sobre Komposita na
linguagem médica e seu perfil em tradução poderá contribuir para o aprimoramento da
tradução e da qualidade como um todo do texto que se oferece.
2.6 QUADRO GERAL DA REVISÃO DA LITERATURA
A revisão de referenciais teóricos aqui realizada, abrangendo áreas distintas,
mas complementares dos estudos da linguagem, confirma a complexidade da temática da
composição, revela lacunas e indica possíveis alternativas teóricas e metodológicas para a
exploração do tema.
A partir da observação de algumas gramáticas utilizadas para ensino
33
da
língua, objetivou-se apresentar o modo usual de abordagem da composição, ficando evidente
uma forte redução aos aspectos morfológicos. Na seqüência, apresentou-se uma gramática
textual, buscando reconhecer novas perspectivas dos estudos da linguagem para o tema dos
Komposita. Na retomada teórica, um enfoque textual pode ser observado não apenas nessa
gramática, mas também perpassando a Lingüística de Corpus, a Terminologia e a Tradução.
Na seqüência da revisão, os modos de tratamento lexicográfico dos compostos
reforçam as impressões registradas no início deste trabalho. Trata-se de processo freqüente e
importante, mas que apresenta dificuldade de compreensão e raramente está dicionarizado
com a amplitude necessária.
A Lingüística de Corpus, que se coloca como uma nova via para a Lingüística,
sinaliza que a observação, a freqüência de usos e a distribuição dos compostos em corpora
são passos básicos para seu estudo.
A observação das reflexões de diferentes autores, em estudos mais antigos e
mais recentes sobre a ocorrência das composições alemãs em diferentes áreas do
conhecimento, reitera a complexidade do processo de formação para além da sua tradução
33
Vale aqui considerar que, embora haja uma distinção importante entre ensino de língua e ensino de tradução,
não haveria como sublimar a relação entre a formação em língua alemã do tradutor. Daí porque entendo que é
importante resgatar a visão de gramáticas sobre o tema.
75
para o português. A relação entre uma língua germânica e uma língua latina adquire destaque
em termos de escolhas de tradução.
Característicos do texto especializado, os Komposita tendem a constituir
terminologias, sobretudo quando já se sabe que 80% dos termos têm apresentação
sintagmática. Por isso, o tema da composição aparece também em Terminologia. O
Kompositum, ao ser um termo, merece atenção quanto ao seu modo de constituição, à
freqüência de utilização na L1, bem como ao modo de tradução para a L2, em que
constituirão novas unidades lexicais de feição polilexemática.
É importante salientar que esses termos não podem ser tomados de forma
isolada. Devem, sim, ser integrados textualmente, de acordo com perspectivas textuais e
sociocognitivas, que considerem a interferência de fatores pragmáticos na determinação de
feições lexicais distintas em L1 e L2.
Alguns estranhamentos quanto a escolhas tradutórias da língua alemã para a
língua portuguesa motivaram este trabalho. O desenvolvimento das observações sobre um
corpus, apresentado a partir do Capítulo 4, busca verificar a relação entre escolhas de
tradução e a configuração morfológica e textual na L1. Para poder refletir sobre o que se
apresenta, utilizam-se os referenciais teóricos da Tradução e segue-se uma perspectiva textual,
tomando-se como referência a situação de comunicação e a realidade cultural que perpassam
o texto de Medicina sob exame.
Em resumo, apesar de consciente da extensão da revisão teórica, considero que
cada uma das seções abordadas neste capítulo cumpriu uma função. Cada uma, ao seu modo,
reitera a complexidade do tema e confirma a necessidade de se explorar o assunto com o
devido destaque. A partir da revisão da literatura, apresentam-se, a seguir, as perspectivas
teórico-metodológicas que guiarão as observações do corpus selecionado para estudo.
76
3 PERSPECTIVAS TEÓRICAS ADOTADAS NESTE TRABALHO
A revisão da literatura no Capítulo 2 teve por objetivo apresentar diferentes
modos de abordagem do tema composição. Ao mesmo tempo, tentou demonstrar que o tema
se coloca, como tópico, para a Terminologia e para a Tradução. Tratar de compostos é tratar
de cunhagem de terminologias.
Este trabalho reconhece como válidas as perspectivas da Gramática Textual de
Weinrich (1993). Isso porque o autor busca entender o composto não como um fato isolado,
mas como produto de uma rede de relações, tanto horizontais como verticais. Desse modo, a
análise do objeto aqui desenvolvida, embora ainda limitada a uma lingüística da palavra,
77
tendo em vista o resgate inicial dos modos de constituição das composições na área do
conhecimento sob análise, considerará tanto fatores co-textuais como contextuais.
A opção metodológica que adotarei envolve listar os compostos encontrados
nos textos da língua de partida e observá-los em sua constituição morfológica, contrastando
unidades e respectivas soluções de traduções. Essa opção pode parecer, à primeira vista, uma
contradição em relação à perspectiva textual e cultural aqui defendida. Não se trata de
paradoxo, e penso que vale justificar tal encaminhamento: há a necessidade de estabelecer
um ponto inicial e referencial para o reconhecimento e categorização dos compostos para que,
a partir deles, seja possível identificar-se um entorno textual. Assim, ao estabelecer um
percurso de estudo que vai dos termos compostos ao texto, sublinho que o procedimento se
justifica por permitir a constituição de um alicerce para o prosseguimento da observação em
dimensão sintagmática e macroestrutural. Ainda assim, acredito que o exame da incidência
de compostos, mesmo que relativamente "descontextualizado", contribui de diferentes modos
para o estudo do texto e da linguagem em foco. Uma contribuição é possibilitar a percepção
de elementos tais como, por exemplo, o respeito ou desrespeito de tradutores ao princípio
da consistência terminológica, que envolve homogeneidade de tradução ao longo de todo
o texto de chegada. Outro elemento que poderia ser investigado a partir dos núcleos de
compostos identificados no corpus é a presença mais ou menos recorrente de determinados
adjetivos que os antecedem.
Assim, as unidades lexicais aqui analisadas os Komposita não serão
tomadas como construtos cognitivos idealizados, mas inseridas em um universo discursivo
o da Medicina , de acordo com as subáreas que correspondem aos textos analisados, os quais
por sua vez compõem um determinado gênero textual. Esses compostos, portanto, são
unidades de significação especializada. São unidades cujo valor terminológico é ativado em
um discurso/texto.
Não é objetivo aqui discutir a problemática de gêneros ou tipologias textuais.
Entretanto, se reconhece que o fato dos textos sob exame terem uma vinculação com textos do
tipo didático e integrarem um “atlas” que se caracteriza por uma relação de
complementaridade entre texto escrito e ilustrações, provavelmente repercutirá sobre a
configuração da linguagem, da terminologia e do léxico em geral. Todavia, não é objetivo
78
deste trabalho mensurar tal repercussão sobre a tradução ou a apresentação dos compostos,
seja na L1 seja na L2.
Nessa direção, a observação das ocorrências no corpus não deixa de considerar
outros elementos de fundamental importância, os aspectos sociocomunicativos envolvidos no
texto especializado. Afinal, trata-se de um evento comunicativo, que compreende o discurso e
seus participantes, o papel desse discurso e seu ambiente de produção e de recepção,
incluindo também fatores histórico-culturais. O texto traduzido insere-se nesse universo,
como um tipo de comportamento de linguagem particular.
Para os fins deste trabalho, utiliza-se apenas o conceito de gênero textual de
Swales (1990). Gênero, para esse autor, é um conjunto de eventos comunicativos modelado
por uma comunidade discursiva. Compreende: 1) eventos comunicativos, o discurso e seus
participantes, ou seja, o papel desse discurso e seu ambiente de produção e recepção,
incluindo associações históricas e culturais; 2) propósitos comunicativos compartilhados pelos
membros da comunidade discursiva, sendo os gêneros veículos para atingir determinados
objetivos; 3) variação dos gêneros de acordo com a estrutura retórica prevista; 4) sistema que
limita as contribuições lingüístico-discursivas em função do conteúdo do texto, do
posicionamento do autor e da forma textual compartilhada pelos pares; 5) terminologia
utilizada pela comunidade discursiva. Assim, os compostos aqui enfocados recebem um
tratamento que não desconsidera a sua inserção em um determinado gênero textual, o gênero
científico-didático.
Os textos utilizados neste trabalho são produzidos por profissionais da área
médica e destinados a uma comunidade discursiva que inclui estudantes de medicina e
profissionais médicos que, desta forma, compartilham atividades, objetivos e significados.
Trata-se de textos não destinados a público leigo, mas a especialistas da área, que veiculam,
portanto, a terminologia específica de Medicina. Apresentam também tendência à
criatividade
34
e pressupõem um amplo domínio do tema pelo público leitor.
Saliente-se aqui, novamente, que a freqüência de presença de compostos e sua
variedade em um texto em língua alemã também estão diretamente relacionadas a um maior
34
O que se atesta pela não repetição dos compostos na L1.
79
grau de especialização do texto. Além disso, há condicionantes culturais integrados ao texto
na L1 e à composição nominal nele inserida, os quais devem ser resgatados pelo tradutor
(AZENHA, 1999). Trata-se de uma situação comunicativa emoldurada por valores culturais,
sobre as quais o tradutor técnico deverá refletir. Entre a língua alemã e o português, há, por
exemplo, padrões de repetitividade lexical diferentes. Isso, além de condição gramatical, é
também, provavelmente, condição cultural.
Dessa forma, de acordo com Azenha (1999, p.69), julgo importante para a
recepção, a produção e a tradução de textos como os aqui examinados, a consideração de
variáveis ligadas ao emissor, ao receptor, à situação comunicativa e ao efeito de comunicação.
Na comunicação técnico-científica, isso permite perceber mais claramente relações entre
recursos lingüísticos e fatores extralingüísticos condicionantes do seu emprego. Isso,
naturalmente, reflete sobre a composição e sobre o todo do texto.
Neste trabalho, considero que situações comunicativas distintas, em uma
mesma instância especializada, deverão adequar forma e conteúdo às exigências de cada
situação. Não apenas a terminologia sofrerá alterações de língua para língua, mas também as
estruturas sintáticas e outros elementos sistêmicos, pois a linguagem especializada
corresponde a um todo complexo de recursos lingüísticos e não-lingüísticos, assim como
fatores subjetivos e objetivos (AZENHA, 1999, p.71).
Nesse sentido, também a compreensão dos compostos alemães deverá
considerar a dimensão cultural à qual estão vinculados, pois não é suficiente o conhecimento
morfológico e sintático do par de línguas envolvidas no processo tradutório. Há, sim, a
necessidade de um conhecimento tanto amplo quanto específico da especialidade e das
relações que a língua mantém com a cultura na L1 e na L2. Esse conhecimento é o elemento
que possibilitará um efetivo resgate de relações vinculadas ao contexto situacional-
comunicativo.
O contexto de situação é o meio mais imediato dos Komposita, no entanto
existe também um pano de fundo mais amplo, o seu contexto de cultura. Esse contexto
cultural não é mera mistura casual de características, mas um “todo” de coisas que as pessoas
fazem em determinadas ocasiões e às quais atribuem valores (HALLIDAY e HASAN, 1985,
apud AZENHA, 1999, p.29). Enquanto termos, os compostos, além de nomearem conceitos
80
de Medicina, estão vinculados a um tempo e a um lugar, de forma que não são definitivos pois
estão sujeitos a alterações, conforme reconhece Stolze (1982, p.204-205). Assim, o tradutor
precisará também adequar culturalmente o termo escolhido à língua de chegada. Para essa
adequação, deverá considerar, entre outros fatores, diferentes hierarquias conceituais, normas,
leis e recomendações específicas de cada cultura (AZENHA, 1999, p.78).
Mesmo não pretendendo obter um quadro da totalidade de relações
estabelecidas entre os compostos e outros elementos do todo do texto, como, por exemplo, a
vinculação mais ou menos recorrente de determinadas fraseologias a determinados
compostos, minhas observações não desconsideram a perspectiva da inter-relação com
variados fatores condicionantes da produção e da recepção do texto, especialmente do texto
que é fruto de tradução. Adoto, portanto, uma perspectiva macroestrutural. Assim, os
Komposita sob estudo não são tomados isoladamente, mas compreendidos como partes de um
sistema, regidos então pelas suas leis e considerados tanto do ponto de vista lingüístico-
estrutural quanto de uma perspectiva funcional-comunicativa.
Ao lidar com termos, que são os compostos, faço, então, uma investigação de
Terminologia, que se alia a uma investigação sobre Tradução, compreendendo que a
linguagem médica se mostra em um uso realizado em textos. Não se reduz, todavia, às suas
terminologias. Por fim, esta pesquisa assume que há toda uma série de condicionantes
culturais, discursivos e de gênero, que sobredeterminam tanto a feição quanto a tradução dos
compostos, quer na L1, quer na L2.
No Capítulo 4, a seguir, apresento um passo-a-passo da metodologia adotada
para as observações realizadas no corpus. Inclui-se uma fase-piloto da pesquisa, que, embora
não corresponda à parte mais importante do trabalho, é necessária para o entendimento da
evolução do processo de observação empreendido. Essa fase inicial corresponde a uma etapa
de observação preponderantemente estatística das ocorrências de compostos nos textos e dos
seus modos de formação em termos de bases e determinantes.
Na seqüência, apresento a ampliação do corpus textual. Essa incrementação
objetivou verificar se haveria uma relação entre tipos de compostos e o recorte temático do
texto.
81
A organização do corpus paralelo L1/L2 e a marcação dos Komposita integram
a parte final das observações. A partir do reconhecimento dos Komposita e da sua respectiva
tradução para o português, busco reconhecer alguma sistematicidade de escolhas de tradução.
Dessa observação constrastiva são colhidas evidências que permitam melhor reconhecer a
gama de fatores envolvidos tanto no texto fonte quanto no texto de chegada.
4 OBSERVAÇÃO DO CORPUS
4.1 FASE-PILOTO
Com o uso da suíte de aplicativos WordSmith Tools e a ferramenta WordList
(que gera uma lista de palavras em um texto) procedi à localização de todos os Komposita
presentes no texto do Atlas de Fisiologia. O corpus inicial, apenas em língua alemã,
apresentou 14.900 palavras, sendo 3.252 palavras diferentes.
82
Nessa lista de palavras, foi possível identificar a ocorrência de 232 Komposita
diferentes no texto. Parti, então, para uma análise morfológica de cada composto, buscando
identificar, num primeiro momento, quais eram e como se constituíam tais composições na
referida área do conhecimento.
Aproveitando indicativos de estudos do Projeto Termisul, busquei também
reconhecer freqüências e modos de formação, com vistas a um reconhecimento prévio da
incidência de Komposita no corpus. Nessa via, parti da suposição que a parte inicial do
composto, o determinante, quando integrasse um tópico temático do texto, por exemplo,
Muskel-, num capítulo intitulado Nerv und Muskel, Arbeit, tenderia a ser repetido na posição
de determinante. De modo contrário, supus que poderia haver uma tendência a pouca
repetição desse segmento na parte final de um composto. O que corresponderia, por exemplo,
à incidência de -muskel como determinado. Isso se confirmou: no texto em que o assunto
principal não corresponde a “músculos”, houve apenas duas ocorrências de compostos com
Muskel como base: Skelettmuskel e Herzmuskel.
Assim, por exemplo, a partir de Nervensystem (sistema nervoso) com 15
ocorrências, cujo determinante integra o título do capítulo, busquei reconhecer a freqüência de
Nerven em compostos. Como resultado obtive uma listagem de 60 ocorrências, das quais 9
correspondiam a composições com outro substantivo, 8 composições de apenas dois
elementos, uma composição de três elementos e uma formação de adjetivo composto.
35
Da mesma forma, procedi com determinantes como Muskel (músculo) e Herz
(coração). Os resultados dessa primeira análise, que buscou relacionar o tema do texto à
presença de determinadas bases ou determinantes, estão discriminados no quadro 2.
Muskel- Nerven- Herz-
1 -faser -faser -krankheit
2 -kraft -endigung -zeitvolumen
3 -dehnbarkeit -system -frequenz
4 -stoffwechsel -leitungsgeschwindigkeit -erregung
5 -erregbarkeit -impuls -vorhof
35
Nesse momento da observação, desconsiderei outros compostos possíveis (como os formados por adjetivos,
verbos), visto não haver presença significativa no corpus.
83
6
-gefäß
-signal -muskel
7 -zelle -zelle -muskulatur
8 -länge -duchtrennung -infarkt
9 -typ -typ -gewicht
10 -spannung
11 -art
12 -masse
13 -krampf
14 -kontraktion
15 -durchblutung
16 -hypertrophie
17 -schwäche
18 -kater
19 -relaxation
20 -dehnung
Quadro 2 - Variedade de Komposita com determinantes vinculados ao tema do texto
Da busca realizada, foi possível concluir que, embora freqüentemente
empregados na linguagem médica especializada da língua alemã, os Komposita do corpus
também são formados em sua maioria de apenas dois componentes. Os de três ou mais
elementos são raros. Em um total de 62 combinações, apenas 7 correspondiam realmente a
compostos de mais de dois elementos, sendo estes formados de apenas 3 elementos. Tendo
em vista o número inicial de compostos com mais de 14 caracteres apontado pela modalidade
WordList (232), houve uma tendência a se imaginar que se tratavam de compostos de mais de
dois elementos. Todavia, pelo que observei, palavras extensas não correspondem, no corpus,
necessariamente a compostos de mais de dois elementos.
Também, nesse segmento de corpus, foi possível observar que as bases que se
aglutinam aos determinantes tópicos temáticos, como Muskel, Nerven, Herz, Membran e
Ionen são variáveis. Ao que parece, há maior produtividade de composição com Muskel,
talvez por maior relevância temática no todo do texto de Fisiologia.
4.2 INCREMENTAÇÃO DO CORPUS DE ESTUDO
84
Em uma segunda fase da observação, foi utilizado o capítulo Molekulare
Genetik (Genética Molecular) do Atlas de Bolso de Bioquímica. Foi também digitalizado com
scanner e armazenado em arquivo formato TXT para análise com o software WordSmith
Tools.
A escolha de tal texto não foi aleatória, mas buscou realizar um contraponto
com a análise anteriormente efetuada, tentando confirmar algumas suposições iniciais de que
a área temática considerada condicionaria a freqüência e a distribuição dos elementos da
composição. Dessa forma, busquei um tema objeto de pesquisa em larga escala na atualidade
– a genética –, objetivando observar como se processa a composição na sua linguagem.
Com a ferramenta WordList, foi gerada a listagem total das palavras do texto.
Há um total de 8.906 palavras e 2.325 palavras diferentes. A seguir procedi à busca apenas de
compostos.
A partir da observação das composições mais recorrentes na lista, busquei,
através da ferramenta Concordance, identificar os tipos de composições associadas ao tema
“genética”.
O quadro 3, a seguir, apresenta os resultados desse reconhecimento.
85
Conforme se vê, o elemento DNA-, determinante do composto, é o que tem
maior presença no texto, seguido por Protein-. Assim, confirma-se uma tendência distributiva
indicada no exame do corpus na primeira etapa. Outro aspecto interessante é a maior
distribuição do elemento -sequenz como base, frente a uma única ocorrência como
determinante. Sem dúvida, parece haver uma inter-relação entre relevância temática da
unidade e sua posição e freqüência como determinante ou base de um composto na L1.
Um outro aspecto que chama atenção é a presença de hífen. No quadro 3,
indicamos a presença da hifenização através da inicial maiúscula após o hífen.
De acordo com as gramáticas da língua alemã, a utilização do hífen não é
muito freqüente. Quando houver a possibilidade de compreensão errada de um substantivo
composto – sobretudo se constituído de mais de duas partes – o hífen será empregado para
86
facilitar a leitura e esclarecer entre quais componentes há uma relação mais estreita, sendo
denominado, então, de “composição ocasional”. Por exemplo, Musikerleben poderia
corresponder a Musiker-Leben (vida de músico) ou Musik-Erleben (vivência da/na música). O
hífen também é utilizado na língua alemã na composição de nomes de ruas, locais e
instituições (praças, universidades, teatros, etc.). Assim, tem-se, por exemplo, Richard-
Wagner-Straβe e Max-Weber-Platz.
Na segunda fase de observação do corpus, os compostos com DNA são sempre
hifenizados. Com relação a Schwann-Zellen, foi possível verificar o cumprimento da regra de
uso do hífen quando relacionado a nomes de pessoas, ruas, locais, praças, etc. Em Schwann-
Zellen, o uso se dá em função de tais células terem sido descobertas pelo fisiologista alemão
Theodor Schwann.
Fora esses dois casos, parece haver uma total assistematicidade no uso do hífen
na constituição de compostos a partir dos mesmos elementos. É o que se percebe, por
exemplo, em Protein-Sequenz e Proteinsequenz (seqüência de proteínas) e Peptid-Kette e
Peptidkette (cadeia de peptídeos), grafados, no mesmo texto, ora com hífen, ora sem hífen.
36
Para a identificação das composições comuns aos dois corpora (Atlas de
Fisiologia e Atlas de Bioquímica), utilizei a ferramenta Concordance que gera listas de
contextos.
O quadro 4 apresenta os compostos presentes nos dois segmentos do corpus.
Muskel- Nerven- Herz-
1 -stoffwechsel -system -muskel
2 -kontraktion -impuls
3 -arbeit -zelle
Quadro 4 – Compostos comuns aos textos do Atlas de Fisiologia e do Atlas de Bioquímica
A observação das composições presentes nos dois Atlas confirma a suposição
inicial de inter-relação entre a relevância temática da unidade e sua posição e freqüência como
36
Tal fato encontra referência no glossário intitulado Überflieger? Deutsche Komposita (BREDEMEIER, 1997,
p.18): “Na grafia dos compostos – que, em alemão, pode ocorrer livremente, com ou sem hífen [...]”. Isso reforça
a importante contribuição do referido trabalho.
87
determinante. Ao compararmos os quadros 2 e 4, percebe-se o reduzido número de
composições com determinantes ligados à temática Fisiologia localizados no texto de
Bioquímica. Das 20 composições com determinante Muskel no texto de Fisiologia, apenas 03
foram localizadas no texto de Bioquímica. A mesma redução pode ser observada com Nerven
e Herz na posição de determinantes: das 09 ocorrências de Nerven no texto de Fisiologia
apenas 03 foram encontradas no texto de Bioquímica e das 09 ocorrências de Herz no texto de
Fisiologia apenas uma também estava no texto de Bioquímica. Além disso, se confirma a
menor distribuição do elemento relativo à temática como base da composição: apenas uma
ocorrência de Muskel como base da composição Herzmuskel nos dois Atlas.
4.3 MONTAGEM DO CORPUS ALINHADO L1/L2 E MARCAÇÃO DOS
KOMPOSITA
Após a ampliação do corpus, objetivando reconhecer escolhas de tradução para
os compostos, foram organizados dois arquivos de textos paralelos. O primeiro com os
capítulos do Atlas de Fisiologia e o segundo com o capítulo de Genética do Atlas de
Bioquímica. Todo o corpus foi alinhado em parágrafos L1/L2, sendo o texto em língua alemã
sempre seguido de sua tradução para o português. O corpus total compreende o somatório de
81 páginas, sendo 47 do texto de Fisiologia e 34 do texto de Genética. São 224 parágrafos
alinhados, 147 no texto de Fisiologia e 77 no texto de Genética.
Procedeu-se, então, à marcação com destaque das composições tanto no texto
de partida quanto no texto de chegada. Os elementos foram marcados em vermelho, para fácil
identificação visual. Após a marcação, o objetivo seria uma tentativa de classificação das
escolhas de tradução.
Apresento a seguir, no quadro 5, um fragmento de texto, composto por três
parágrafos alinhados do corpus sob análise, para melhor compreensão das etapas do trabalho.
Os parágrafos em língua alemã estão diferenciados pela marcação em negrito,
sendo seguidos de sua tradução para o português sem negrito. Os compostos estão sinalizados
em vermelho, sublinhados quando acompanhados de adjetivo atributivo. Esse sistema de
marcação visou facilitar a observação de escolhas de tradução.
88
Setzt man in Gl. 1.21 realistische Werte z.B. für eine ruhende Nervenzelle ein (fv. = 0,90, FNA = 0,03, fCl = 0,07; EK = - 90 mV, Eua
= + 70 mV, Ea = -83 mV), so errechnet sich ein Em von - 85 mV. Aus Ein - Ex errechnet sich für K+ dann eine Triebkraft von +5
mV, für Na+ von -145 mV und für Cl- von - 2 mV, d.h. K+ wird mit geringer Triebkraft (aber bei hohem g) nach außen fließen, und
Na+ strömt trotz seiner hohen Triebkraft nur deshalb in geringen Maße in die Zelle, weil gNa bzw. fNa der ruhenden Zelle so klein
ist. Öffnen sich hingegen beim Aktionspotenzial (S.46) vermehrt die Na+-Kanäle, so steigt INa enorm an.
Utilizando-se valores próximos aos reais para uma célula nervosa em repouso (fk = 0,90, fNa = 0,03, fCl = 0,07; EK = ?90mV, ENa = +70
mV, ECl = 83 mV), por exemplo, obtém-se um Em de 85 mV. Com base em Em EX, é obtida então uma força propulsora de +5mV para
K+, de 145mV para Na+ e de 2mV para Cl, isto é, K+ irá fluir com baixa força propulsora (mas com alto g) para fora e, por isso, Na+ flui
em pequena quantidade para o interior da célula, apesar de sua alta força propulsora, pois o gNa ou fNa da célula em repouso é muito
baixo. No potencial de ação (46), ao contrário, quando se abrem os canais de Na+, há um aumento enorme da INa.
Das Potenzial, das durch Transport einer Ionenart hervorgerufen wird, treibt auch andere Kationen oder Anionen durch die
Membran („Elektrodiffusion", S.22, wenn diese für solche Ionen permeabel ist. So tritt infolge des K+-Diffusionspotenzials z.B. Cl-
aus der Zelle aus, und zwar so lange, bis Ecl = Em, was nach Gl. 1.18 bedeutet, dass die intrazelluläre Cl--Konzentration auf 1/25 der
extrazellulären abgesenkt ist (sog. passive Cl--Verteilung zwischen extra- und intrazellulär). In obigem Beispiel bestand allerdings
auch für Cl- eine geringe Triebkraft von intra- nach extrazellulär (Em - ECl = - 2 mV); das heißt, Cl- ist in diesem Fall im Zytosol
höher konzentriert als es einer passiven Cl-Verteilung (ECl = Em) entspricht und muss daher aktiv in die Zelle aufgenommen
worden sein (sog. aktive Cl'-Verteilung), z.B. durch einen NaCl-Symport-Carrier (S. 29 B).
89
O potencial gerado por meio do transporte de um determinado íon também impele outros cátions ou ânions a atravessar a membrana
("eletrodifusão", pág. 22), desde que esta seja permeável para esses íons. Assim, em virtude do potencial de difusão de K+, Cl, p. ex., é
secretado da célula até que ECl = Em, o que significa, conforme a equação1.18, que a concentração de Cl intracelular caiu a 1/25 da
concentração extracelular (é a chamada distribuição passiva de Cl entre os meios extra- e intracelular). No exemplo acima, entretanto, havia
também para Cl uma leve força propulsora de dentro para fora da célula (Em ECl = 2mV); isso significa que Cl, nesse caso, está mais
concentrado no citossol do que o que resultaria de uma distribuição apenas passiva de Cl e, por essa razão, necessita ser reabsorvido de forma
ativa (distribuição ativa de Cl), por meio de um carreador-simporte de NaCl, por exemplo (pág. 29 B).
Für den Ionentransport besitzt die Membran mehr oder weniger spezifische Kanäle (Poren), so solche für Na+, Ca2+, K+ oder Cl-,
d.h., die Leitfähigkeit der Zellmembran (s.o.) wird davon bestimmt, welche und wieviele Ionenkanäle gerade offen sind. Die Patch-
clamp- oder Saugelektrodentechnik (s.u.) hat es ermöglicht, den Ionenstrom durch einzelne Kanäle direkt zu messen (B). Dabei hat
sich gezeigt, dass die Leitfähigkeit der Membran nicht darin besteht, dass die Ionenkanäle mehr oder weniger offen ist, sondern dass
sie im Durchschnitt öfter oder seltener offen sind, d.h. ihre Offenwahrscheinlichkeit bestimmt die Ionendurchlässigkeit. Der Kanal
öffnet sich häufig repeti-tiv in Salven (bursts; B2), wobei eine einzelne Kanalöffnung, bei der Zehntausende von Ionen durch den
Kanal strömen, nur wenige ms dauert.
Para o transporte iônico, a membrana possui canais (poros) relativamente específicos, como os canais para Na+, Ca+, K+ ou Cl, ou seja, a
condutibilidade da membrana (ver acima) é determinada conforme quais os canais iônicos e quantos deles estão abertos no momento. A
técnica patch-clamp (ver adiante) possibilitou a medição individual da corrente iônica através de um canal (B). Mostrou-se, com isso, que a
condutibilidade da membrana não está relacionada à maior ou menor abertura dos canais iônicos, mas sim à freqüência média com que estão
abertos, isto é, a sua probabilidade de abertura determina a permeabilidade iônica. Freqüentemente o canal se abre em descargas repetitivas
(bursts; B2), sendo que uma única abertura de canal, durante a qual passam dezenas de milhares de íons, dura apenas poucos ms.
Quadro 5 – Segmento do corpus alinhado L1/L2
A partir desse fragmento do corpus, já se podem verificar algumas
regularidades em termos de escolhas de tradução. Há também particularidades. Procurando
um modo de obter uma visão panorâmica das escolhas de tradução, construí uma tabela que
classifica as escolhas de tradução dos 99 primeiros parágrafos do texto do Atlas de Fisiologia.
A tabela completa encontra-se na seção de Anexos.
Do apresentado até aqui, neste capítulo, pode-se depreender que a metodologia
utilizada para a observação do todo do corpus consiste basicamente das seguintes tarefas:
1) Desenvolvimento de um estudo-piloto aproximativo: com as ferramentas
WordList e Concordance do software WordSmith Tools, verifiquei quantos e
quais eram os compostos presentes;
2) Seleção de um foco de análise no universo dos Komposita: opção pelos
compostos do tipo “nome + nome” por serem os mais freqüentes no corpus;
3) Reconhecimento da distribuição de bases e determinantes dos compostos em
relação com temas dos textos;
4) Observação de regularidades e especificidades de bases e determinantes;
90
5) Montagem do corpus paralelo L1 e L2;
6) Marcação das composições em L1 e L2;
7) Observação das escolhas de tradução: tendências, regularidades e
especificidades;
8) Categorização e quantificação das escolhas de tradução em uma tabela;
Restam, agora, duas tarefas:
9) Observação e análise do quadro geral de escolhas de tradução;
10) Apresentação de sugestões para a melhoria da tradução, do ensino de
tradução e do ensino de L1 no que se refere a Komposita na linguagem
médica.
No próximo capítulo, são descritas as 14 categorias que propus para tentar
sistematizar as diferentes escolhas de tradução observadas. O capítulo envolve, basicamente, a
execução das tarefas 9 e 10 e uma síntese geral das observações.
5 SÍNTESE DE RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO
Este capítulo, além de cumprir as tarefas 9 e 10, apresenta um quadro geral das
observações realizadas durante o desenvolvimento deste trabalho. É, assim, uma parte da
pesquisa, pois corresponde justamente a uma tentativa de reflexão sobre as escolhas de
tradução de Komposita em textos de Medicina. Essas observações permitem algumas
conclusões sobre o processo de composição de termos nessa área do conhecimento. Do
mesmo modo, reafirmam a necessidade de um maior espaço para a problemática da
composição no ensino da língua alemã.
A partir da observação do corpus alinhado L1/L2, foi necessária a elaboração
de um instrumento para classificar as escolhas de tradução verificadas. O instrumento obtido
91
tenta ser uma síntese que possa descrever regularidades ou irregularidades tradutórias. De
uma percepção global do quadro de escolhas de tradução, imagina-se ter subsídios suficientes
para responder às questões de pesquisa e verificar a validade das hipóteses apresentadas no
início deste trabalho.
5.1 Quadro Geral de Escolhas de Tradução no Corpus Alinhado
Após a observação inicial das escolhas de tradução, houve a necessidade de
alguma forma de categorização para a diversidade revelada.
Criei, então, um sistema de classificação, em forma de tabela, que se encontra
na seção de Anexos. As linhas corresponderam aos 99 primeiros parágrafos alinhados
(alemão/português) do texto de Fisiologia; as colunas correspondem às diferentes escolhas
tradutórias, que foram distribuídas em 14 categorias relacionadas a seguir.
1) Apagamento parcial – corresponde ao apagamento, pelo tradutor, de uma das
partes do composto. Esse apagamento pode estar vinculado a uma provável
tentativa de não repetição do item lexical no texto traduzido, a um outro “modo
de dizer”
37
diferente do presente no texto, bem como a uma impropriedade
tradutória. Exemplo: Zellmembran, no parágrafo 3, traduzido apenas por
“membrana” e não por “membrana celular”.
2) Apagamento total – não se encontra, na tradução, uma unidade lexical ou um
sintagma correspondente ao composto do texto de partida. Exemplo:
Saugelektrodentechnik, no parágrafo 3, que consta no texto de partida como
sinônimo da técnica patch-clamp, não foi traduzido.
38
3) Construção tipo “nome + preposição + nome”. Exemplo: Aktionspotenzial,
no parágrafo 1, traduzido por “potencial de ação”.
4) Construção tipo “nome + adjetivo”. Exemplo: Triebkraft, no parágrafo 1,
traduzido por “força propulsora”.
37
Utilizo “outro modo de dizer” aqui no sentido de se redizer sob outro formato algo que já foi mencionado no
texto.
38
No texto em L2, o tradutor utilizou apenas “técnica patch-clamp”. A opção pelo apagamento, neste caso,
poderia encontrar explicação no fato do composto Saugelektrodentechnik (técnica de sucção por eletrodos)
corresponder a uma definição da técnica patch-clamp de domínio do leitor do texto médico.
92
5) Construção tipo “adjetivo + nome”. Exemplo: Ionenart, no parágrafo 2,
traduzido por “determinado íon”.
6) Decalque – corresponde a uma tradução que foge à leitura da base para o
determinante, estando literalmente colada ao original, ou seja, tradução termo a
termo na mesma ordem apresentada no texto de partida. Exemplo,
Elektrodiffusion, no parágrafo 2, traduzido por “eletrodifusão”.
7) Acréscimo – trata-se da utilização de um novo item lexical, ausente no
composto na L1. Tal acréscimo poderia corresponder a uma tentativa de maior
esclarecimento para o leitor, estar vinculado a uma impropriedade tradutória,
mas, também, de acordo com Allignol (1998, p. 65), corresponder a um
processo de racionalização, cabendo ao tradutor o preenchimento, na L2, desta
“incompletude”. Exemplo: Knochenbildung, no parágrafo 10, traduzido por
“formação de tecido ósseo”, com acréscimo do item “tecido” que não consta na
composição em L1.
8) Inversão/Impropriedade – corresponde ao que considero uma inversão na
escolha de tradução, ou seja, a uma leitura que inverteria a ordem consagrada
dos compostos (da base para o determinante – do final para o começo). Essa
categoria inclui o que considerei como escolha imprópria de tradução.
Exemplo: Energiebedarf, parágrafo 12, traduzido por “energia de que
necessitam” e não “necessidade de energia”, que corresponderia à leitura base-
determinante; Potenzialgefälle, no parágrafo 11, traduzido por “diferença de
potencial”, sendo que Gefälle corresponde à “queda”
39
.
9) Duas composições x uma solução – trata-se da tradução de dois compostos
distintos por uma mesma forma na língua de chegada. Exemplo: Nervenzelle,
traduzido por “célula nervosa” no parágrafo 1 e por “neurônio” no parágrafo
31.
10) Construção tipo “nome + preposição + nome + adjetivo” – corresponde aos
compostos de mais de dois elementos cuja tradução tem esta ordem de
apresentação. Exemplo: Summenaktionspotenziale, no parágrafo 42, traduzido
por “potenciais de ação somatórios”.
11) Construção tipo “nome + preposição* + nome” – o asterisco tem como
finalidade marcar o uso de uma preposição “estranha”. Quer dizer, o tradutor
39
Teço breve comentário sobre essa escolha tradutória em nota posterior neste capítulo.
93
optou por associar base e determinante com uma preposição que não
corresponde à preposição “de”. Exemplo: Hautelektroden, no parágrafo 42,
traduzido por “eletrodos sobre a pele”.
12) Híbrido “adjetivo + composição” – tradução de composto intercalada pela
adjetivação, de modo que já não é possível fazer uma distinção entre o termo
original e a parte da composição a receber a adjetivação. Exemplo:
vorgegebener Membranspannung, no parágrafo 4, traduzido por “tensão da
membrana pré-determinada”.
13) Construção tipo “nome + preposição + nome + preposição + nome”
corresponde à idéia original de tradução de todas as composições de mais de
dois elementos. Exemplo: Nervenleitungsgeschwindigkeit, no parágrafo 42,
traduzido por “velocidade de condução do nervo”.
14) Composição consagrada – tratam-se de composições que já se encontram
dicionarizadas em razão de sua consagração de uso. Exemplo: Sauerstoff, no
parágrafo 12, que corresponde a “oxigênio” e não a interpretação das partes
em isolado Stoff = matéria e Sauer = ácida.
Apresentamos a seguir, como exemplo, um fragmento do instrumento,
salientando que o número em cada linha corresponde ao número do parágrafo alinhado, sendo
cada coluna correspondente às categorias anteriormente descritas.
Note-se que, originalmente, a tabela apresenta 17 colunas. A segunda coluna
indica o número total de composições no referido parágrafo (Nº), sendo o fragmento aqui
apresentado seguido pelas colunas correspondentes a: apagamento parcial (Apag.Parc.),
apagamento total (Apag.Total), composição tipo “nome + preposição + nome” (N + Prep +
N), composição tipo “nome + adjetivo” (N + Adj), composição tipo “adjetivo + nome”
(Adj+N), decalque da composição (Decalq.), acréscimo do tradutor (Acrésc.), inversão ou
impropriedade tradutória (Invers./Impr.) e composição já consagrada (Comp.Cons.).
Inver.Parágrafo Apag.
Parc.
Apag.
Total
N+Prep
+N
N+Adj Adj+N Decalq. Acrésc.
Impr.
Comp.
Cons.
01 03 01 02
02 03 01 01 01
94
03 08 01 01 02 04
Tabela 1 – Segmento do instrumento, exemplo.
O segmento do corpus alinhado a que se aplicou o instrumento foi apresentado
no Capítulo 4 (Quadro 5).
Assim, tem-se, por exemplo, no primeiro parágrafo do corpus de textos
alinhados as três composições Nervenzelle, Triebkraft e Aktionspotenzial, traduzidas
respectivamente por célula nervosa, força propulsora e potencial de ação, que constam na
tabela assim categorizadas:
Parágrafo 1 (linha 1 da tabela): 03 composições (Nº = 03), 01 composição tipo
“nome + preposição + nome” (N+Prep+N) correspondente a “potencial de ação” e 02
composições tipo “nome + adjetivo” (N+Adj) correspondente a “célula nervosa” e “força
propulsora”.
No segundo parágrafo, há 03 composições: Ionenart, Elektrodiffusion e
Diffusionspotenzial,
40
traduzidas respectivamente por determinado íon
41
, eletrodifusão e
potencial de difusão. Estão classificadas conforme a seguir:
Parágrafo 2 (linha 2 da tabela): 03 composições (Nº = 03), 01 composição tipo
“nome + preposição + nome” (N+Prep+N) correspondente a “potencial de difusão”, 01
40
São contabilizadas aqui apenas novas formações, isto é, não considero formações que já constam em
parágrafos anteriores. Portanto, tanto no primeiro quanto no segundo parágrafo foi desconsiderada para a
contagem as repetições da composição Triebkraft (força propulsora).
41
Embora considere uma provável impropriedade tradutória a opção de “determinado íon” para Ionenart - pois
originalmente se tem “tipo (Art) de íon (Ion)”, e a opção por “determinado” parece alterar o sentido, conferindo
ao íon uma determinação não presente no texto original -, tal composição não foi distribuída na tabela como
impropriedade neste momento, tendo sido classificada como “adjetivo + nome”. Também, cabe referir
novamente que os textos aqui analisados correspondem às primeiras versões de tradução, não tendo sofrido
qualquer interferência de revisão, da mesma forma como não é objetivo deste trabalho o julgamento de tais
traduções, mas apenas a observação da problemática envolvida. Entretanto, em alguns momentos julgo
necessária a classificação “impropriedade”, pois são, ao meu entendimento, escolhas realmente inadequadas.
Casos, por exemplo, de traduções como Konzentrationsgefälle (Konzentration = concentração + Gefälle =
queda) traduzido por “gradiente de concentração”. Tratando-se aqui mais especificamente de escolha
inadequada, visto haver a opção por um item (gradiente) que tanto pode corresponder a uma queda quanto a uma
elevação da concentração, houve, neste caso, uma “desespecificação” em relação ao texto original, o que me
levou à opção “impropriedade”.
95
composição tipo “adjetivo + nome” (Adj+N) correspondente a “determinado íon” e um
decalque (Decalq) correspondente a “eletrodifusão”.
No terceiro parágrafo do fragmento do corpus, há 08 composições
42
Ionentransport, Zellmembran, Ionenkanäle, Saugelektrodentechnik, Ionenstrom,
Offenwahrscheinlichkeit, Ionendurchlässigkeit e Kanalöffnung. Esses compostos foram
traduzidos, respectivamente, por transporte iônico, membrana, canais iônicos, omissão de
tradução, corrente iônica, probabilidade de abertura, permeabilidade iônica e abertura de
canal. A categorização foi a seguinte:
Parágrafo 3 (linha 3 da tabela) = 08 composições (Nº = 08), 01 apagamento
parcial (Apag.Parc.) correspondente a Zellmembran traduzido apenas por “membrana”,
havendo omissão do especificador “celular”, 01 apagamento total (Apag.Total) da tradução
de Saugelektrodentechnik, 02 composições tipo “nome + preposição + nome” (N+Prep+N)
correspondentes a “probabilidade de abertura” e “abertura de canal”, 04 composições tipo
“nome + adjetivo” (N+Adj) correspondentes a “transporte iônico”, “canais iônicos” e
“permeabilidade iônica”.
5.2. Resultados
Ao observar os 99 parágrafos alinhados L1/L2, tem-se 318 Komposita. Após a
categorização, foram também ordenados alfabeticamente. A lista obtida está na seção de
Anexos. Indica-se ao lado de cada composto o número de ocorrências no texto.
Há composições que se repetem com maior ou menor freqüência:
Aktionspotenzial (potencial de ação) – 17 vezes; Muskelfaser (fibra muscular) – 11 vezes;
Nervenzelle (células nervosas) – 9 vezes. Há também composições que apareceram apenas
42
A presença da composição Leitfähigkeit não foi considerada em minhas análises, visto não corresponder a uma
composição nominal com forma determinante também nominal como as demais composições em estudo. Trata-
se de uma forma de composição nominal referida por Weinrich (1993, p.943) com formas de determinante de
outras classes gramaticais. A forma reduzida Leit pode ter-se originado do verbo leiten (conduzir) assim como do
substantivo Leiter (condutor), fazendo composição com Fähigkeit (capacidade). Tal composição corresponderia,
entretanto, se considerada, a uma composição consagrada, visto estar lematizada nos dicionários de língua
alemã. A tradução das partes em isolado corresponderia a “capacidade de condução”, constando no dicionário
bilíngüe Langenscheidts Taschenwörterbuch (1988, p. 942), doravante LsT, como “condutibilidade”.
96
uma única vez em todos os 99 parágrafos, como Arbeitszeit (tempo de trabalho),
Energiemangel (carência de energia) ou Zellregulation (regulação celular).
É preciso salientar o elevado número de palavras que ocorrem uma única vez
no corpus. Das 318 composições, 239 têm apenas uma ocorrência nos 99 parágrafos. Sabe-se
que tal fato está diretamente relacionado à variedade vocabular de um texto. Assim, tem-se
aqui a confirmação da criatividade na formação de novos compostos no texto especializado.
Tais compostos, entretanto, estão intimamente relacionados à temática do texto sob análise,
razão pela qual não se repetem quando observados em outras áreas de conhecimento. Essa
constatação já encontrou confirmação em minhas observações, quando busquei comparar as
composições presentes nos corpus de Fisiologia e de Bioquímica.
Ao observar o todo do quadro de escolhas de tradução, poço tecer os seguintes
comentários, com base em minhas constatações:
1º) O maior número de escolhas de tradução segue os seguintes padrões:
a) nome + preposição + nome: 154 ocorrências – cerca de 48% das
escolhas de tradução;
b) nome + adjetivo: 94 ocorrências – cerca de 29% das escolhas de
tradução;
2º) Os índices de apagamento total ou parcial somaram cerca de 8% (2,5% e
5,7%, respectivamente);
3º) Os acréscimos e inversões/impropriedades correspondem cada um a 3%
das escolhas de tradução;
4º) As composições já consagradas pelo uso correspondem a cerca de 2,5% do
total de composições;
5º) As escolhas de tradução com apagamento ou troca da preposição
correspondem a cerca de 1,5%;
6º) Composições de mais de dois elementos correspondem a cerca de 4%,
distribuídas nas formas “nome + prep + nome + adj” (1,5%) e “nome + adj
+ prep + nome” (2,5%).
A partir dessas evidências estatísticas, pode-se concluir que a forma mais
freqüente de tradução das composições alemãs ainda segue a ordem final-início (base-
97
determinante), recebendo como elo de ligação a preposição “de”: potencial de ação, tensão da
membrana, proteínas da membrana, troca de energia. Além dessa forma, têm-se as traduções
do tipo “nome + adjetivo”, como célula nervosa, força propulsora, membrana celular, ilhotas
pancreáticas, canais iônicos, etc.
As observações levam a crer que as traduções do tipo “nome + adjetivo”
correspondem às composições consagradas pelo uso na L2, ou seja, ter-se-ia inicialmente uma
composição do tipo “nome + preposição + nome”, por exemplo, canais de íons, que a
popularização do uso acabaria por transformar em canais iônicos. Entretanto, é possível
encontrar no mesmo texto os dois tipos de composições, o que demonstra uma
assistematicidade do texto traduzido. Assim, tem-se também superfície celular e superfície da
célula a partir do original Zelloberfläche (sendo Oberfläche = superfície e Zell = célula, o que
corresponderia originalmente a “superfície da célula”, mas cuja adjetivação seria totalmente
justificada em razão da consagração do termo superfície celular em português).
Uma outra assistematicidade do texto traduzido pode ser comprovada, por
exemplo, em traduções semelhantes para composições distintas. Assim, as composições
Potenzialgefälle (Gefälle = queda) e Potenzialdifferenz encontram-se traduzidas igualmente
por diferença de potencial, tendo sido ignorado o fato de a primeira composição corresponder
a uma queda, um declive no potencial, uma diferença para menos, ou seja, a tradução deixou
de especificar se a diferença correspondia a um valor maior ou menor do potencial, o que, em
um texto científico, corresponde a um dado especificador de importância incontestável. Além
disso, foi encontrada no mesmo texto a tradução de Gefälle em Ionengefälle para gradiente
iônico. Novamente, um item que corresponde a queda/declive foi traduzido para gradiente
que, assim como diferença, não especifica tratar-se de uma redução ou aumento, tendo
novamente sido desconsiderado o especificador.
Nesse mesmo sentido, há a tradução de Reaktionsgeschwindigkeit para
velocidade de reação, mas também Ratenkonstante como constante de velocidade, sendo que
a tradução de Rate corresponderia mais especificamente à cota/taxa
43
em português.
43
Observações em textos de Química (FINATTO et al., 2002, p.232-233) já referem à problemática na tradução
de conceitos como rate. Rate é freqüentemente traduzido do inglês para o português por “velocidade”, em
detrimento da sinonímia apontada pelos dicionários de língua inglesa correspondente a “taxa/rapidez”.
“Velocidade” e “taxa/rapidez” correspondem, entretanto, a grandezas de naturezas distintas. “Velocidade” é
expressa uma grandeza vetorial que tem direção e sentido, representando movimento e deslocamento, e “taxa e
98
Em alguns momentos é possível observar acréscimos ou reduções nas
respectivas traduções das composições. Por exemplo, Zellmembran traduzido apenas por
membrana, tendo sido omitido o especificador “celular”. Aqui é necessário salientar que este
tipo de redução é justificável no momento em que se busca, no texto traduzido, a não
repetição de itens lexicais, de forma a não tornar o texto repetitivo e até mesmo monótono,
visto que tal informação seria irrelevante, pois o contexto textual informa tratar-se
especificamente da membrana celular. Assim, tem-se também a tradução de
Erregungsantwort (resposta da excitação) para resposta, tendo sido omitido o primeiro item
da composição. Já a composição Erregungsübertragung foi traduzida por transmissão da
excitação, não tendo sido omitido o especificador da composição.
44
Por outro lado, a redução da tradução de Entropiezuwachs (aumento da
entropia) para entropia não encontra justificativa. Houve a omissão de um item da
composição, aqui a base, alterando o sentido original.
Da mesma forma, foi possível observar também acréscimos feitos pelo tradutor
às composições originais. Por exemplo, Nerven- und Muskelerregbarkeit foi traduzido por
excitabilidade das células nervosas e musculares, sendo que o item “célula” não fazia parte
da composição original; Knochenbildung foi traduzido por formação de tecido ósseo, sendo
que a composição original é formada apenas pelos itens lexicais ossos e formação;
Nahrungsstoffe foi traduzido por nutrientes energéticos, sendo que o original não apresenta o
item lexical “energia”; Transmitterfreisetzung foi traduzido por liberação de
neurotransmissores, não havendo na composição original referência ao item lexical que
correspondesse a “neuro”. Tais acréscimos poderiam ser justificados pelo tradutor como uma
necessidade de especificação dentro do contexto textual. Para tanto, seria necessária uma
análise mais detalhada do entorno textual, o que foge ao objetivo deste trabalho, podendo ser
objeto de análise em estudo posterior.
rapidez” expressam uma grandeza escalar sem direção ou sentido, indicando uma mudança de estado ou
quantidade em um determinado período de tempo. Dessa forma, para uma escolha de tradução adequada, há a
necessidade de esclarecimento, pelo tradutor, da terminologia utilizada na respectiva área do conhecimento.
44
Nesse sentido, é preciso considerar que a repetição lexical constitui também um importante mecanismo para
manutenção da isotopia e da progressão textual. Dessa forma, textos de caráter técnico-científico tenderiam a
apresentar freqüências de repetição mais elevadas devido ao fato de possuírem uma nomenclatura própria,
podendo a substituição lexical tornar-se improdutiva e até mesmo comprometedora. O baixo grau de reiteração
poderia comprometer a coesão lexical (FINATTO, 2002, p.229-230).
99
Ainda com relação às assistematicidades de escolhas de tradução, há os
exemplos de Energiebedarf, traduzido por energia de que necessitam e necessidade de
energia, e Energiegehalt, traduzido por energia contida e conteúdo de energia.
Com referência às relações de sentido que podem ser vinculadas pela
composição, é preciso retomar aqui alguns exemplos de Komposita encontrados na fase de
incrementação do corpus, quando utilizei o Atlas de Bioquímica
45
. Poder-se-ia, então, citar os
exemplos de Antibiotika-Therapie, traduzido por terapia com antibióticos,
Restriktionsspaltung, traduzido por quebra por restrição, e Kettenabbruch, traduzido por
desmonte em cadeia. Saliente-se que, em geral, o aprendiz da língua alemã será instruído a
traduzir a composição da base para o determinante, ou seja, de trás para frente, não estando
explícita esta relação de sentido existente entre as partes da composição, mas devendo ser
compreendida no entorno textual, o qual não está restrito ao texto em si, mas compreende um
conhecimento cultural do par de línguas envolvido.
Um outro aspecto observado diz respeito à recorrente utilização de hífen nos
compostos do texto de Genética, embora tenha sido observado também não haver
sistematicidade nesta utilização. Em algumas composições foi possível confirmar as regras
apresentadas pelas gramáticas da língua alemã, por exemplo, todas as composições com DNA
ou RNA são hifenizadas, visto tratar-se de uma abreviatura. Entretanto, foi possível encontrar
também composições formadas pelos mesmos itens lexicais hifenizadas e não-hifenizadas, o
que corresponde a uma impropriedade de utilização. Justificar-se-ia uma hifenização em uma
composição recentemente constituída, devendo a consagração do uso de tal composição
dispensar a utilização do hífen. Entretanto, o uso ou não do hífen em uma composição
formada pelos mesmos itens lexicais em uma mesma seqüência textual não encontra
justificativa.
45
Embora tal texto não tenha sido utilizado no momento das categorizações das escolhas de tradução, as
observações realizadas nas buscas com o software WordSmith Tools precisam ser aqui retomadas, tendo em vista
a contribuição no sentido de reforçar a necessidade de maior atenção à composição no ensino da língua e da
tradução da língua alemã. A desconsideração do corpus de Bioquímica, assim como dos demais parágrafos do
corpus de Fisiologia, está relacionada ao fato das observações confirmarem que as demais escolhas tradutórias
encontrariam categorização no instrumento criado durante a análise dos 99 parágrafos iniciais do texto, razão
pela qual não acrescentariam dados novos às minhas constatações.
100
Por outro lado, a hifenização de Aminosäure-Reste (resíduos de aminoácidos)
encontra justificativa na necessidade de especificação da composição já consagrada pelo uso
e, conseqüentemente, na maioria das vezes, já lematizada (aminoácidos).
5.3 OUTROS ASPECTOS OBSERVADOS
Na observação das escolhas de tradução de tais composições, deparei-me
também com um outro aspecto – a questão dos qualificadores da composição, ou seja, como
se procederá a tradução das adjetivações antepostas à composição.
Na revisão da literatura, nas gramáticas utilizadas para o ensino da língua
alemã, faz-se referência ao fato de que adjetivos atributivos se relacionariam sempre à base,
não possuindo o determinante adjetivo atributivo, mesmo que o composto seja antecedido por
um adjetivo (LATOUR, 1989). Na gramática textual de Weinrich (1993), encontrei referência
ao fato do composto formar uma ligação lexical sólida, que pode ser determinada por um
adjetivo atributivo apenas em seu todo, sendo que o determinante não pode sozinho ser a base
de um adjetivo atributivo. No quadro a seguir, relaciono uma série de composições retiradas
do corpus sob análise, acompanhadas de adjetivos atributivos. As composições foram
marcadas em vermelho e as adjetivações em preto, para melhor identificação da disposição
das adjetivações nas escolhas tradutórias.
Texto original em língua alemã Tradução para o português
101
glatten Muskelfasern
muskarinischen Acetylcholinwirkung
digitale Informationsübertragung
freien Standardenthalpie
individuelles Energieniveau
neuronale Signalübertragung
chemische Treibkraft
ursprünglichen Ruhepotenzials
intrazellulären Ionenmenge
ruhende Nervenzelle
hohen Triebkraft
geringe Triebkraft
kleinen Membranfleck
vorgegebener Membranspannung
freie Enthalpieänderung
freien Standardenthalpie
aktiven Stofftransport
dauernde Entropieverminderung
peripheren Nervensystem
höhere Leitungsgeschwindigkeit
geordnete Informationsübertragung
neuronale Signalübertragung
dauernde Entropieverminderung
spezifische Basenpaarungen
ribosomales Strukturelement
kurzen RNA-Primer
spezielle RNA-Polymerase
entstandenen DNA-Doppelhelices
basalen Transkriptionsfaktoren
basalen Transkriptionskomplex
gestellte Peptidkette
instabiler Zellwände
hohe Mutationshaufigkeit
zahlreichen bekannten
Restriktionsenzyme
vorhandenen mRNA-Moleküle
genetischer Fingerabdruck
fibras musculares lisas
ação muscarínica da acetilcolina
transmissão digital de informação
entalpia livre padrão
nível de energia individual
transmissão neuronal de sinais
força propulsora química
potencial de repouso original
íons intracelulares
célula nervosa em repouso
alta força propulsora
leve força propulsora
pequeno fragmento de membrana
tensão de membrana pré-determinada
livre variação da entalpia
entalpia livre padrão
transporte ativo
constante diminuição da entropia
sistema nervoso periférico
velocidade de condução muito mais alta
transmissão ordenada
transmissão neuronal de sinais
constante diminuição da entropia
pareamento de bases específico
elemento estrutural ribossomal
pequeno primer de RNA
RNA-polimerase especial
duplas-hélices que são assim formadas
fatores de transcrição basais
complexos de transcrição basais
cadeia peptídica até então formada
parede celular instável
freqüência muito grande de mutações
numerosas enzimas de restrição
conhecidas
molécula existente de mRNA
impressão digital genética
Quadro 6: Adjetivações antepostas às composições e escolhas tradutórias
102
Na observação das escolhas tradutórias de compostos acompanhados de
adjetivos atributivos, tem-se, por exemplo, glatten Muskelfasern traduzido por fibras
musculares lisas. Neste caso, o adjetivo qualifica a composição como um todo. Na mesma
situação há, por exemplo: individuelles Energieniveau (nível de energia individual),
ursprünglichen Ruhepotenzials
(potencial de repouso original), ruhende Nervenzelle (célula
nervosa em repouso), hohen Triebkraft (alta força propulsora), peripheren Nervensystem
(sistema nervoso periférico).
Por outro lado, tem-se digitale Informationsübertragung, traduzido por
transmissão digital de informação, freie Standardenthalpie, traduzido por entalpia livre
padrão, neuronale Signalübertragung, traduzido por transmissão neuronal de íons, que
corresponderiam à regra das gramáticas utilizadas para o ensino da língua alemã, segundo as
quais o adjetivo qualificaria a base.
Em um total de 36 adjetivações atributivas, relacionadas aos compostos, foram
observadas:
21 adjetivações para o todo da composição, assim distribuídas:
11 compostos na forma “nome + preposição + nome”
10 compostos na forma “nome + adjetivo”;
14 adjetivações da base da composição;
1 adjetivação do determinante da composição.
Tais resultados apontam para um índice de cerca de 60% de adjetivações do
todo da composição, em relação a aproximadamente 40% de adjetivações da base.
De acordo com as referências das gramáticas, os adjetivos atributivos
corresponderiam sempre à base do composto (LATOUR, 1989, p.197). No entanto, minhas
observações mostram que, embora tal modo de adjetivação apresente porcentagem expressiva
nas traduções, existem outras formas de adjetivação a serem consideradas na análise do
processo de composição, devendo ser relativizada uma consideração tão categórica das
gramáticas ditas “tradicionais”. Entretanto, é preciso salientar também a ocorrência, nessa
forma de adjetivação, de duas reduções do determinante (geordnete Informationsübertragung
103
e aktiver Stofftransport traduzidos respectivamente por “transmissão ordenada” e “transporte
ativo”). Na primeira composição, foi suprimido o determinante “informação”, de forma que
deveríamos ter “transmissão ordenada de informação”. Na segunda composição, observa-se a
supressão de Stoff (substância), de forma que teríamos “transporte ativo de substância”.
Reiteramos aqui que tais escolhas tradutórias não estão sendo julgadas neste
trabalho, apenas observadas. As escolhas podem estar relacionadas tanto ao conhecimento do
tradutor da não necessidade de consideração das duas nominalizações, talvez por constituir-se
em redundância, quanto podem corresponder a uma tentativa de não repetição do item lexical,
momento em que o tradutor optou pela forma reduzida. Tal forma de redução é normalmente
observada em textos da língua portuguesa, não correspondendo a procedimento comum na
língua alemã.
A Gramática Textual de Weinrich (1993, p.924) refere o fato do composto ser
determinado pelas adjetivações apenas em seu todo. A adjetivação do todo correspondeu à
maioria das composições aqui analisadas; entretanto, não corresponde à totalidade das
escolhas tradutórias. A referência do autor a uma “ligação sólida” parece esclarecer-se no
momento em que nos deparamos com composições cuja tradução corresponde à forma “nome
+ adjetivo”. Tal formação parece conter realmente um maior grau de solidez ao assumir uma
forma adjetival em detrimento da formação “original”, correspondente a “preposição +
nome”.
É preciso salientar também a observação de Weinrich (1993, p.924) quanto à
impossibilidade do determinante corresponder à base de um adjetivo atributivo. Embora tal
forma de adjetivação esteja relacionada também a um apagamento da base do composto,
precisa ser considerada. A escolha tradutória de Ionenmenge pela forma reduzida “íons” em
detrimento de “quantidade de íons” pode justificar-se no fato de, em português, o item lexical
“íons” já abarcar o conteúdo semântico correspondente à “quantidade de”.
Dessa forma, tanto
base como determinante estariam solidamente ligados na tradução em um único item lexical
que, então, recebeu o adjetivo atributivo.
Tais resultados complementares, especificamente sobre a adjetivação atributiva
e sua participação na tradução do composto, confirmam as observações desenvolvidas ao
longo deste trabalho. Comprovadamente, há a necessidade de consideração do composto
104
dentro de todo um entorno textual, aqui representado pela associação sintagmática do
adjetivo, em detrimento de considerações reducionistas do composto em si mesmo. Em todo
um contexto da língua de partida, é preciso que se considere as relações semânticas inseridas
nos Komposita alemães, resgatando também, no momento de tradução, as relações
correspondentes aos condicionantes culturais também da língua de chegada.
Por exemplo, no caso de glatten Muskelfasern, a escolha tradutória por “fibras
musculares lisas” corresponde a um conhecimento do tradutor do uso na língua de chegada.
Se, desde o momento da tradução do composto em si, desconsiderando-se ainda a adjetivação
atributiva, houvesse a opção pela leitura “base para o determinante”, teríamos então “fibra do
músculo”. Considerando o que aponta Latour (1989) sobre a adjetivação atributiva, teríamos
“fibras lisas do músculo”. Esta opção, entretanto, é absolutamente inadequada. É preciso,
enfim, conhecer a terminologia para além da sua simples configuração morfológica e da
tradição de leitura da base para o determinante.
Tais observações mostram como a pesquisa sobre o composto pode ainda ser
expandida em relação às suas associações sintagmáticas, por exemplo.
105
6. RETOMADA DE QUESTÕES DE PESQUISA E HIPÓTESES
Este trabalho é fruto de minhas observações como revisora de textos
traduzidos. Tais impressões, difusas, levaram a uma reflexão sobre o modo de apresentação
dos Komposita para o aprendiz da língua alemã. E, nesse início, a minha própria experiência
como aprendiz da língua parecia apontar lacunas.
Hoje, a minha prática como docente, ocupada com o ensino da língua alemã
como língua estrangeira, confirma as lacunas do meu tempo de aprendiz o material didático
disponível oferece apenas uma visão morfológica bastante rasa sobre um processo que abarca
relações semânticas extremamente importantes. Essas relações, muitas vezes, são
desprezadas, havendo ênfase apenas para aspectos de juntura de morfemas, economia de
declinação e especificação de uma base por um determinante.
No início deste trabalho, com base em tais impressões e através de uma
observação empírica, formulei algumas questões de pesquisa. Essas questões conduziram o
trabalho na busca pelo reconhecimento de algumas regularidades.
A revisão da bibliografia sobre o processo de composição, a observação do
modo de tratamento lexicográfico, bem como a revisão sobre Terminologia e Tradução,
paralelamente à manipulação do corpus, permitiram-me responder tais questionamentos
iniciais.
As respostas, para as questões colocadas, são as seguintes:
106
1ª questão de pesquisa:
a) Como é o composto nominal no texto de Medicina em L1?
Nos textos de Medicina aqui analisados, o composto é constituído em geral de
apenas dois elementos, sendo que o determinante está diretamente relacionado à área temática
sob análise. Composições nominais de três elementos aparecem em número bem reduzido e as
de mais elementos são quase inexistentes.
Trata-se de um composto determinativo, cujo primeiro elemento tem a função
de especificar uma noção mais genérica contida na base. Assim, tem-se, por exemplo,
Nervenfaser (fibra nervosa), uma formação de dois substantivos Nerven (nervo) e Faser
(fibra), na qual a base corresponde a uma generalização (fibra) e o determinante especifica a
base (do nervo/nervosa).
Entre as formas nominais que integram a unidade, aquelas que correspondem a
tópicos temáticos da área do conhecimento encontram-se geralmente na posição de
determinantes, estando sua ocorrência como base em número extremante inferior. Dessa
forma, observou-se, por exemplo, que, no corpus de Fisiologia, no capítulo sobre “Nervos e
músculos”, são freqüentes as composições cujos determinantes correspondem a Nerven ou
Muskel. Nas buscas por combinações cujas bases corresponderiam a tais nominalizações,
obteve-se um número bem reduzido de formações, enquanto na posição de determinante
pode-se constatar um número elevado de formações. Por exemplo, na listagem final de
composições obtidas na análise dos 99 parágrafos iniciais do texto de Fisiologia, de um total
de 318 composições, tem-se 18 composições cujo determinante corresponde a Muskel e
apenas 4 composições com Muskel como base. Considere-se, ainda, que tal freqüência não se
observa com as demais nominalizações, não tendo sido registrada nenhuma composição com
Nerven na posição de base.
As análises revelam uma alta criatividade no processo de formação de
compostos nesta área do conhecimento, a Medicina. Em outras palavras, há uma grande
variedade de formas diferentes que ocorrem no corpus. Nas 318 composições presentes nos
parágrafos alinhados do texto de Fisiologia há extrema superioridade de composições não-
repetidas em relação às composições que se repetiram. Por exemplo, 17 repetições de
107
Aktionspotenzial nos parágrafos analisados correspondem a uma exceção frente ao volume de
formações de única ocorrência.
Durante a realização das primeiras análises, com o uso do software WordSmith
Tools, quando obtive uma primeira listagem das palavras do corpus inicial, já foi possível
observar que o composto nominal correspondia à maioria das composições presentes nos
textos de Medicina.
46
Tais constatações vêm ao encontro das observações de Weinrich (1993, p.917),
em sua referência ao fato de o vocabulário nominal da língua alemã corresponder a mais da
metade das palavras complexas compostas formadas de mais de um signo lingüístico. Nesse
sentido, Yaqin (1983, p.109), em suas observações em textos da Eletrotécnica na tradução
para a língua chinesa, confirma a superioridade do número de compostos que apresentam
substantivos como determinantes, tanto em compostos de dois como de três elementos. Tal
superioridade, segundo o autor (YAQIN, 1983, p.116), está relacionada ao fato de os termos
serem formados de palavras já existentes da língua alemã, aos quais seria agregado um
significado terminológico.
Allignol (1998, p.64) refere a facilidade com que se observa, nos textos
especializados, a freqüência das composições, “particularmente de composições formadas
com substantivos”.
2ª questão de pesquisa:
b) Que papel o composto nominal desempenha nos textos na L1?
Nos textos de Medicina aqui analisados, a composição representa uma
economia de declinação e uma especificidade de sentido. Isso, sem dúvida, consta da revisão
da literatura apresentada no Capítulo 2.
Uma vez que os textos sob exame carregam grande número de informações, ao
mesmo tempo em que visam uma especificidade de conteúdo, a necessidade de economia
lingüística se justificaria como em uma tentativa de “enxugamento” do texto. A constatação
46
Reitere-se aqui que, neste trabalho, desconsiderei formações do tipo “adjetivo + nome” ou “verbo + nome”,
também referidas como nominais (WEINRICH, 1993, p.926).
108
de um número tão expressivo de composições, 318 compostos diferentes, leva a uma reflexão
sobre a extensão de tais textos, caso as referidas composições correspondessem ainda ao seu
formato “original”, ou seja, a declinações de genitivo. Assim sendo, teríamos para cada uma
das composições aqui analisadas o número mínimo de duas nominalizações ligadas por um
artigo definido declinado, o que corresponderia a um acréscimo mínimo de duas palavras para
cada Kompositum. Dessa forma, em um fragmento do texto na L1 do qual retirei 318
compostos, teríamos um aumento aproximado de 600 palavras na L2, o que acarretaria um
acréscimo considerável na extensão do texto traduzido.
47
Isso demonstra também uma grande
atenção para se manter a consistência terminológica
48
.
Nesse sentido, retomo as considerações de Yaqin (1983, p.109) quanto à
produtividade das composições nominais nas linguagens especializadas corresponder à
designação de novas realidades, o que se reflete no incremento das terminologias
especializadas.
A composição, como característica marcante das linguagens especializadas,
corresponde às terminologias das diversas áreas do conhecimento e carrega em si uma
tentativa de especificação. Na área de conhecimento aqui analisada – Medicina, mais
especificamente Fisiologia –, não é diferente. As composições aqui observadas, embora em
geral formadas por apenas dois elementos, carregam em si uma especificidade de sentido
diversa da que teriam se consideradas em sua forma “original” de declinação de genitivo. Tal
fato encontra confirmação quando, na tradução para o português, por exemplo, tem-se uma
forma correspondente a “nome + adjetivo” em detrimento de “nome + preposição + nome”.
Assim, por exemplo, conforme já referido no Capítulo 2 deste trabalho, a tradução de
Nervenzelle corresponderia a “células nervosas” e a tradução da forma declinada Zelle der
Nerven corresponderia a “células dos nervos”. Tal distinção, além de caracterizar uma
economia de declinação tanto no texto em L1 quanto em sua tradução para a L2, distingue
uma maior especificidade, caracterizando uma maior aglutinação da forma composta.
47
Se compararmos, por exemplo, o número de palavras no texto do Protocolo de Quioto em alemão e em
português, vemos que o texto em alemão tem cerca de 7.802 palavras, enquanto o mesmo texto em português
chega a 8.482 palavras (ZILIO, FICHTNER e FINATTO, 2004).
48
A consistência terminológica é um princípio da tradução técnico-científica segundo o qual, uma vez escolhida
uma forma de tradução para um termo X na L1, essa escolha deverá manter-se idêntica ao longo de todo o texto.
109
Entretanto, as observações realizadas durante o desenvolvimento deste trabalho
apresentaram a forma “nome + adjetivo” como a segunda forma mais utilizada na tradução
para o português. A forma “nome + preposição + nome” ainda corresponde à opção de maior
escolha, tendo atingido, em minhas análises um índice de quase 50%, enquanto a forma com
adjetivo corresponde a aproximadamente 30%. Tal fato merece consideração, podendo refletir
o modo de abordagem das composições no ensino da língua, assim como a tendência à
criatividade.
Compostos recém-formados na L1 tendem a ser traduzidos, num primeiro
momento, na forma “nome + preposição + nome”. Seria o caso, por exemplo, de “célula dos
nervos”. Entretanto, com o passar do tempo, tende a se firmar a forma “nome + adjetivo”,
caso de “célula nervosa”. De acordo com as observações, as duas formas corresponderiam a
momentos distintos do processo de composição: composto recém-formado versus composto já
consagrado. Tal consagração estaria, ao longo do tempo, vinculada à dicionarização
(lematização) de tais formações em obras lexicográficas. Por exemplo, “célula dos nervos
versus célula nervosa”.
3ª questão de pesquisa:
c) Como o Kompositum tende a ser traduzido para o português?
Em minhas análises das escolhas de tradução dos Komposita nos 99 parágrafos
alinhados do texto de Fisiologia, pude constatar que quase a metade dos 318 compostos
encontrados teve como escolha a forma a qual poderíamos referir aqui como “tradicional”, ou
seja, “nome + preposição + nome”. Assim, tem-se, por exemplo, Aktionspotenzial traduzido
por “potencial de ação”.
Tal escolha de tradução corresponde à leitura “base para determinante”
cultivada pela maioria do material didático utilizado no ensino da língua alemã. Embora tal
leitura e a posterior tradução possam encontrar, na língua de chegada, com o passar do tempo,
um correspondente “adequado”, como no exemplo acima citado, tal mecanismo não pode ser
utilizado como regra. A tradução de Käsebrot, por exemplo, não corresponde em português a
“pão de queijo”. “Pão de queijo” em português identifica um item lexical específico e típico
da culinária regional brasileira. A tradução do Kompositum alemão Käsebrot corresponderia,
em português, a “pão com queijo”. Isto significa que não se pode simplesmente esperar um
110
movimento de acomodação do composto, mas é preciso mobilizar diferentes conhecimentos
para que a tradução se torne “adequada”.
A segunda opção de escolha preferida pelos tradutores é a forma “nome +
adjetivo”. Tal escolha, de acordo com minhas observações, parece mais adequada na medida
em que corresponde, em português, também a uma forma adjetivada, mais usual na linguagem
médica. Aliás, cabe ressaltar que alguns estudos
49
já apontam que as terminologias médicas se
caracterizam pela predominância de uma terminologia composta por “nome + adjetivo”
(ESTOPÁ, 1999; CANO, 2001).
Na seqüência, mas em porcentagem bem menos significativa, tem-se os índices
de apagamentos parciais, que podem corresponder à consagração da tradução da palavra, o
que não exigiria, no contexto, a repetição de todo o sintagma terminológico. Esse apagamento
parcial também encontra justificativa tanto na não repetição, pelo tradutor, de um mesmo item
lexical, de acordo com critérios estilísticos da língua de chegada, quanto de um processo de
“enxugamento” do texto. Há uma tendência a aumentar-se o número de palavras do texto da
L2 em relação ao texto da língua L1
50
; contudo, em textos especializados em língua alemã,
verifica-se uma maior repetitividade de um mesmo composto, que tende a ser menos reduzido
do que um sintagma no português. Isso mostra que o tradutor também deve adequar o padrão
de repetitividade do composto na L1 ao padrão na L2.
As diferentes categorias adotadas neste trabalho para tentar obter uma
sistematização das escolhas de tradução, apresentadas no Capítulo 5, correspondem a outras
12 possibilidades tradutórias, além de “nome + preposição + nome”, “nome + adjetivo” e
“redução”. Tais categorias incluem:
a) apagamento total do item lexical (cerca de 5,6%);
b) acréscimos e inversões do sentido “original” de leitura do composto (ambas
com aproximadamente 3,14%);
c) composições consagradas (cerca de 2,5%);
d) composições de mais de dois elementos (aproximadamente 2,20%);
49
Além das autoras, Finatto e Huang (2003) apontam um caráter eminentemente adjetival vinculado à linguagem
e à terminologia médica. São reconhecidos sintagmas terminológicos constituídos por um nome e vários
adjetivos em cadeia a ele associados. Um exemplo seria “cistite bacteriana aguda simples”. A adjetivação
também ocorre antepondo-se aos sintagmas terminológicos.
50
Mona Baker, em Corpus linguistics and translation studies (1993) e Sara Laviosa, em The corpus-based
111
e) o apagamento ou troca da preposição intercalada entre as nominalizações
(cerca de 1,5%);
f) a mesma tradução para compostos diferentes (aproximadamente 0,6%);
g) forma “adjetivo + nome” (cerca de 0,3%).
Essa diversidade vem confirmar minhas suposições iniciais quanto à
problemática tradutória de tais composições, que está em relação direta com seu alto grau de
complexidade. Essa complexidade, entretanto, recebe pouca consideração no ensino da língua
alemã.
Novamente, é necessário salientar que este trabalho não corresponde a uma
avaliação de propriedade ou não de escolhas tradutórias. Trata-se aqui apenas de reconhecer
diferentes facetas do tema e incentivar uma atenção ao assunto no ensino da língua e da
tradução. Assim, a maior incidência observada no corpus da forma “original” “nome +
preposição + nome” pode não refletir a melhor escolha, mas, ao contrário, vincular
problemáticas tradutórias diretamente relacionadas a uma falsa concepção da simplicidade do
processo. Tal concepção entende a tradução do Kompositum como uma “simples”
decodificação do final para o início, que vai do item mais geral para o mais especifico sem
maiores ponderações.
4ª questão de pesquisa:
d) Como melhorar suas condições de tradução?
A resposta para esta questão está associada às respostas das questões
anteriores. Há um envolvimento de aspectos gramaticais, textuais, pragmáticos, etc. Entre
vários aspectos, é preciso levar em consideração os aspectos culturais tanto da língua de
partida quanto da de chegada, a fim de melhorar as condições de tradução.
As relações semânticas que são ocultadas no momento da composição do
termo na língua alemã precisam ser resgatadas de algum modo na tradução para o português.
Tais relações, entretanto, não são recuperadas ao tomar o composto como um item lexical
isolado com sentido nele mesmo, mas precisam ser resgatadas no contexto de produção. O
approach: a new paradigm in translation studies (1998).
112
contexto do composto não se restringe apenas ao texto no qual está inserido, mas, é, sim, um
somatório de considerações, as quais incluem, em L1 e L2, o emissor do texto, o público ao
qual se destina, o contexto de produção, a área do conhecimento, bem como os condicionantes
culturais tanto da língua de partida quanto da de chegada. Um exemplo disso seria a
preferência da comunidade discursiva por uma terminologia composta por “nome + adjetivo”
ou o índice de repetitividade de um mesmo termo ao longo do texto.
Para a melhoria das escolhas de tradução dos compostos em Medicina, não é
suficiente ao tradutor o conhecimento da língua de partida e da de chegada, mas é necessário,
segundo De Cort (1982, p.25-27), um conhecimento específico. Tal conhecimento está longe
de limitar-se à área envolvida, pois não existe um vocabulário especializado único nas
diferentes línguas. Existem, sim, incongruências conceituais condicionadas por problemas de
interculturalidade (SCHMITT, apud AZENHA, 1999, p.78-83), que exigem do tradutor
conhecimentos específicos não apenas da área do conhecimento envolvida, mas também dos
mecanismos de produção de sentido tanto da língua de partida quanto da de chegada
(AZENHA, 1999, p.136).
A partir das respostas obtidas, retomo, agora, as hipóteses levantadas no início
do trabalho.
A primeira hipótese foi a seguinte:
c) Há uma tendência, na tradução dos Komposita em textos de Medicina, de
seguir uma orientação de interpretação que vai “da base para o determinante”, com
predominância da forma “nome + preposição + nome”.
Hipótese confirmada. A partir do quadro geral de categorizações das escolhas
de tradução, comprova-se a preferência para tradução de compostos seguindo a orientação “da
base para o determinante”.
Essa orientação poderia levar a uma grande quantidade de inadequações de
tradução, visto que os tradutores se mostram “presos” a uma tradição de leitura e interpretação
cristalizada em manuais de ensino da língua.
113
A confirmação dessa hipótese mostra haver riscos na orientação única de
leitura do composto. Entretanto, grande parte do material utilizado para o ensino da língua
alemã ainda vincula a compreensão da composição a uma simples leitura do “final para o
início”.
A existência de múltiplas e distintas escolhas de tradução para tais compostos
comprova a complexidade envolvida em tal processo de formação de palavras na língua
alemã. Essa complexidade, vinculada em suas origens, na língua de partida, a uma economia
de declinação e a uma especificidade de sentido, não corresponde a um processo de
compreensão simples ao leitor/tradutor. Nesse sentido, também a tradução para a língua de
chegada não pode, de maneira nenhuma, permanecer restrita ao item lexical, pois compreende
uma infinidade de relações semânticas que deverão ser resgatadas pelo profissional tradutor.
A análise do corpus de textos alinhados, original em língua alemã seguido de
sua tradução para o português, e a marcação das composições e suas respectivas escolhas de
tradução levaram à constituição de categorias, tendo em vista o elevado número de escolhas
tradutórias observadas, fator revelador da complexidade do processo.
Se a compreensão e a conseqüente tradução dependem apenas de uma
orientação de leitura “do final para o começo”, o que justificaria um número tão elevado de
escolhas tradutórias? Se a leitura se limitasse a tal orientação, o resultado final deveria
corresponder a uma totalidade de escolhas pela forma “nome + preposição + nome”. As
informações vinculadas pela tabela de categorizações e fruto das observações dos textos
alinhados comprovam a impossibilidade de tal simplificação.
A tradução do composto não se limita, em hipótese alguma, a uma
interpretação das partes em isolado e a uma leitura “da base para o determinante”, mas
envolve conhecimentos específicos, que precisam ser resgatados pelo tradutor num âmbito
textual.
Nesse sentido, tem-se comprovada a segunda hipótese surgida quando do início
deste trabalho, sobre a qual teço agora algumas considerações.
A segunda hipótese colocada foi a seguinte:
114
b) Determinadas opções de tradução de compostos revelam uma maior ou
menor inserção cultural do tradutor e da sua tradução.
Hipótese confirmada. A maioria das opções de tradução pela forma “nome +
preposição + nome”, bem como a ocorrência, no mesmo texto, de duas escolhas tradutórias
distintas para um mesmo Kompositum (“membrana da célula” e “membrana celular”, por
exemplo, para Zellmembran), demonstra a baixa inserção cultural do tradutor tanto em L1
quanto em L2.
No primeiro caso, como em “membrana da célula”, o tradutor provavelmente
apenas segue uma tradição de leitura, bastante redutora, apresentada pelas gramáticas, que é a
leitura da base para o determinante intercalando a preposição “de”. Nesse procedimento
parece ausente uma reflexão maior sobre apreensão das relações de sentido existentes entre as
partes do composto, assim como parece faltar a consideração a todo um entorno textual e
terminológico.
No segundo caso, quando temos duas formas para uma mesma unidade da L1,
o que implica inconsistência terminológica, o tradutor demonstra carência de conhecimento
até mesmo da linguagem médica brasileira, na qual a grande maioria dos termos tem a feição
“nome + adjetivo”.
Embora sem o intuito de apontar problemáticas tradutórias específicas, a
verificação dessas hipóteses leva à compreensão de que a tradução, para ser melhor sucedida,
não poderá restringir-se ao item lexical (o Kompositum) como um todo de sentido em si
mesmo. Será preciso, sim, resgatar relações de sentido perdidas no momento da composição e
encontrar, na língua de chegada, um correspondente adequado.
Desde o princípio deste trabalho, tenho seguido orientações de cunho textual.
Essas orientações mostram que o Kompositum, como quaisquer outras unidades
terminológicas e léxico-gramaticais, deve ser tomado em um contexto de produção. Esse
contexto inclui todo um ambiente, desde o momento histórico no qual se insere, o leitor ao
qual se destina, a tipologia textual na qual está inserido e as características culturais tanto da
língua de partida quanto da de chegada.
115
Nesse sentido, Weinrich (1993), em sua Gramática Textual, que corresponde a
um marco nos estudos da língua alemã, já faz referências às incongruências tradutológicas de
itens lexicais freqüentemente utilizados na língua de partida. Sua advertência ao perigo do
reducionismo terminológico, comumente vinculado à ciência, e sua crítica à concentração das
investigações ao nível lingüístico frasal/oracional vai ao encontro dessas observações. É
imprescindível a extensão da análise ao âmbito textual e pragmático para a eficácia da escolha
tradutória.
Nesse mesmo sentido, também os estudos de Terminologia têm fugido a tal
simplificação, entendendo que o termo não corresponde a um fato isolado, mas é fruto de todo
um sistema de relações tanto horizontais quanto verticais. Dessa forma, a perspectiva dos
estudos de Terminologia, de viés textualista, expande-se para além do texto em si, buscando
também relações desse texto com outros textos e, nesses, relações culturais das línguas.
Igualmente, os estudos de Tradução atuais rompem com o modelo reducionista
da tradução “termo a termo” e se encaminham para a textualidade em amplo sentido.
Dentre as perspectivas contemporâneas sobre a tradução técnica, compactuo
com as considerações de Stolze (1999, p.83) quanto à necessidade de esclarecimento no
âmbito do contexto de expressões especializadas que não encontram esclarecimento de suas
relações semânticas quando tomadas isoladamente. A autora refere o fato de uma
problemática lexical de tradução não encontrar sua solução no âmbito exclusivo do dicionário,
mas apenas através da contextualização. Vincula a não consideração de tais “sinais
contextuais” a prováveis erros na tradução, sendo categórica ao declarar: “Aquele que não
considera o pano de fundo junto aos termos no texto especializado não pode traduzir”
(STOLZE, 1999, p.90).
Do mesmo modo, Azenha (1999, p.78-83), citando Schmitt, refere às
“incongruências conceituais condicionadas por problemas de interculturalidade”. Trata-se,
então, de considerar diferenças conceituais hierárquicas, diferenças de construção
condicionadas por normas, recomendações de padronização e sistemas de medição específicos
de cada cultura. Quer dizer, o tradutor deve atender às exigências das línguas e das culturas
tanto de partida quanto de chegada.
116
Por isso, conforme entendo, a apreensão de sentido dos compostos alemães
aqui observados deverá considerar a dimensão cultural da terminologia médica alemã na qual
estão inseridos, adaptando a sua tradução também aos condicionantes culturais da língua de
chegada, ou seja, a linguagem médica brasileira. Desse modo, não é suficiente ao tradutor o
conhecimento morfológico e sintático do par de línguas envolvidas no processo tradutório. A
tradução dessas terminologias requer um conhecimento específico da área sob análise para
além do “termo”. Compreende, sim, todo um resgate de relações, vinculadas tanto ao contexto
situacional-comunicativo quanto ao contexto cultural no qual estão inseridas.
O tradutor precisa considerar variáveis ligadas ao emissor, ao receptor, à
situação e ao objetivo da comunicação, mas também variáveis ligadas aos códigos lingüísticos
e não lingüísticos envolvidos, adequando forma e conteúdo às exigências de cada situação
(AZENHA, 1999, p.69-71). Embora os termos técnicos tenham o objetivo de nomear de
forma exata e unívoca coisas e fenômenos, também o léxico especializado está vinculado a
um tempo e a um lugar, de forma que não é definitivo, estando sujeito a alterações (STOLZE,
1982, p.204-205). Sabe-se que pode haver “equivalência” de conceitos na passagem de textos
técnicos de uma cultura para outra, mas tais denominações não são intercambiáveis em
qualquer contexto (AZENHA, 1999, 77).
Da mesma forma, o tradutor precisa adequar o termo escolhido à língua de
chegada, o que depende, entre outras coisas, da função textual na cultura da L2. Entenda-se
aqui o conceito de cultura abarcando “todos os aspectos da vida humana socialmente
condicionados” (SNELL-HORNBY, apud AZENHA, 1999, p.28, grifos da autora), ou seja,
tudo que um indivíduo precisa conhecer, dominar e sentir, a fim de poder avaliar como se
comportar conforme as expectativas ou de forma inusitada dentro de uma sociedade.
No caso específico da tradução de Komposita para o português, o tradutor
precisa conhecer, além do par de línguas envolvido, a terminologia médica brasileira e as
teorias da tradução técnico-científica. Além disso, e, principalmente, conhecer também as
“coisas” próprias da cultura brasileira. Pois, assim como o ensino de língua estrangeira não
alcança bons resultados sem uma inserção cultural, também a ciência da tradução não pode
desconsiderá-la. A tradução não corresponde a uma simples substituição de signos, mas
compreende a transferência e a adaptação cultural dos conteúdos extralingüísticos.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As expressões especializadas não têm suas relações semânticas
esclarecidas quando observadas isoladamente, mas precisam considerar os sinais
contextuais. Os termos apresentam-se ao tradutor nos textos, tornando-se de
domínio comum através de sua vinculação especializada ou situacional. Assim, um
problema lexical de tradução não encontra solução apenas no uso do dicionário,
mas através de contextualização. Se os sinais contextuais não forem reconhecidos,
podem ocorrer erros na tradução.
(STOLZE, 1999, p.83, tradução minha)
Este trabalho objetivou observar Komposita em textos de Medicina e a sua
tradução para o português. Findo o trabalho, acredito ter contribuído com alguns subsídios
úteis para a elaboração de materiais de apoio sobre o tema para estudantes/aprendizes da
língua e de tradução da língua alemã. Pelo que pude identificar, há pouco material disponível
específico; muitas obras didáticas, quando tratam do tema, tendem a oferecer uma perspectiva
bastante restrita ou superficial da composição.
Ao longo da experiência como revisora de traduções de textos de Medicina,
pude perceber algumas dificuldades recorrentemente vinculadas aos compostos, e isso me
levou a buscar uma melhor compreensão da problemática envolvida. Para começar, procurei
saber quais eram os compostos mais utilizados e quais seriam as regularidades no seu modo
de formação na L1.
A opção por pesquisar especificamente a tradução de composições nominais,
formadas por, no mínimo, “nome + nome”, em detrimento de outras formas, tais como as
composições com adjetivos ou verbos, esteve diretamente relacionada à sua maior ocorrência
em textos técnico-científicos. Desse modo, a idéia foi contribuir para que se possa reconhecer
o tipo de composição mais freqüente.
118
No corpus de Medicina, foi possível comprovar estatística e empiricamente,
através de buscas com um software específico, a maior incidência desses compostos em
relação a qualquer outro tipo de composição.
Verifiquei também que a presença de composições nominais em textos
especializados relaciona-se à necessidade de criação de termos que, em formas aglutinadas,
correspondem a um elevado grau de especificação de sentido. A composição na língua alemã,
como é de praxe reconhecer, também representa uma economia de declinação e, nesse
processo, ocorre um apagamento das relações de sentido em relação a uma forma não
aglutinada. Esse ocultamento poderá gerar problemas na tradução para outras línguas,
inclusive o português.
Desse modo, tomando como orientação princípios da Lingüística de Corpus,
da Lexicografia, da Terminologia e da Tradução, esta pesquisa pretendeu contribuir para que
se conheça mais essa faceta da linguagem médica em tradução.
A Lingüística de Corpus ofereceu o apoio teórico-metodológico ao trabalho,
tendo em vista a sua natural inter-relação com a Terminologia e a Tradução. A constituição do
corpus de estudo seguiu seus preceitos básicos: textos autênticos, produzidos em situação real
de comunicação. Com apoio do software WordSmith Tools, localizei e listei todos os
compostos do corpus em L1, identificando os modos de formação e a vinculação entre bases e
determinantes e o tema do texto.
Da Lexicografia, colhi importantes subsídios sobre a dicionarização dos
compostos. A observação nos dicionários DUW (2001), Wh (1986) e LsDaF (1993) revelou
que, em geral, são dicionarizadas composições de apenas dois elementos, sendo as de três em
número significativamente inferior.
A prática lexicográfica reproduz os resultados das buscas com as ferramentas
do software WordSmith Tools: é reduzida a ocorrência de composições de mais de dois
elementos. Uma única ocorrência para mais de mais de 200 compostos em um total de 318 ao
longo de 99 parágrafos alinhados L1/L2 confirmou a tendência à criatividade.
119
A consulta a estudos sobre a problemática da tradução dos Komposita em
textos de outras áreas do conhecimento reiterou a necessidade de maior atenção a esse
processo de formação de palavras. A leitura/tradução do Kompositum corresponde a um
desmembramento na L2 de partes originalmente aglutinadas na L1. Esse desmembramento
gera um grupo de palavras, um sintagma terminológico, cujas relações de sentido precisam ser
resgatadas e adaptadas à língua de chegada.
Há, assim, uma necessidade de compreensão das unidades de informação
“embutidas” no composto. Para uma leitura/tradução adequada, é necessário, então, o
conhecimento da trajetória de denominações e das práticas textuais utilizadas na Medicina,
práticas essas culturalmente condicionadas.
Como expressão lexical do saber científico que particulariza o texto
especializado, os Komposita foram aqui considerados também sob a ótica dos estudos de
Terminologia Textual. O Kompositum foi tomado como “termo”, considerado parte de uma
situação comunicativa, instaurada pelo texto de Medicina em formato “atlas”.
Nesse sentido, fatores pragmáticos da comunicação especializada também
influenciam a feição que os Komposita assumem no corpus. E, embora a pesquisa não tenha
se detido sobre esses fatores, cabe salientar que a especificidade das linguagens especializadas
não se expressa apenas na sua terminologia, mas também pelo uso de determinadas categorias
gramaticais, construções sintáticas e estruturas retórico-textuais. O foco do trabalho incidiu
sobre uma parte, mas não se ignora que tal parte se insere em um todo de relações.
Nesta pesquisa, a inter-relação entre Terminologia e Tradução foi
indispensável, pois os Komposita, como termos técnico-científicos, correspondem a
elementos-chave dos textos especializados. O tradutor precisa, então, de um manejo
terminológico competente, o qual compreenderá a seleção na língua de chegada dos termos
equivalentes aos utilizados pelos especialistas na língua de partida. Para tanto, precisará
conhecer os repertórios terminológicos utilizados nas comunicações especializadas em ambas
as línguas.
Construí uma metodologia de análise que partiu da observação de textos de
Medicina em língua alemã. Para a observação empírica, utilizei textos originais em língua
120
alemã, a partir dos quais busquei reconhecer regularidades na formação de compostos; o
ponto de partida foi uma listagem das palavras que compunham os textos. Essa listagem
apontou todo um universo de possibilidades, levando-me a buscar junto a outras explorações
sobre o tema, levadas a cabo no Instituto de Letras da UFRGS, mais especificamente no
Projeto Termisul, um foco específico de estudo dentre todo um leque de possibilidades que a
composição revelava.
Partindo do reconhecimento da presença repetida de alguns determinantes em
textos de temáticas específicas, foi possível verificar algumas regularidades e irregularidades
no processo de formação do composto, validando-se a vinculação entre escopo temático do
texto e constituição das partes da composição. Conforme observei, os compostos localizados
no texto de Fisiologia dificilmente se repetem no texto de Bioquímica, e vice-e-versa. De
acordo com a temática do texto, têm-se distintas bases e determinantes. Além disso, os dados
revelaram que a área temática está mais claramente associada ao determinante e não à base,
ou seja, a área está de algum modo reproduzida pelos elementos especificadores dos
compostos.
Assim, em Fisiologia, grande número de Komposita têm determinantes Zell,
Nerven ou Muskel (respectivamente, célula, nervos e músculo). Em Bioquímica, mais
especificamente Genética, tem-se grande número de Komposita com determinantes DNA, Gen
e Sequenz (respectivamente DNA, gens e seqüência). Isso, sem dúvida, é um elemento
importante a considerar quando se pensa em caracterizar essas terminologias.
A partir dessas constatações, constituí um corpus alinhado de textos originais e
traduzidos. Nele busquei observar as correspondências tradutórias para compostos nominais.
O corpus, em que pese os avanços dos softwares específicos, foi todo alinhado manualmente
e marcado com um sistema de cores distintas para melhor visualização das escolhas
tradutórias. Isto é, nessa etapa da pesquisa, não foram utilizadas ferramentas informatizadas.
A constatação de todo um quadro de diferentes escolhas tradutórias apontou a
necessidade de alguma categorização das ocorrências. Produziu-se, então, uma tabela de
categorizações e de número de ocorrências. A categorização proposta corresponde aos
diferentes modos de tradução na L2. Ao dividir as escolhas tradutórias em 15 categorias,
busquei confrontá-las com as informações da literatura sobre a composição.
121
A observação revelou um leque de problemáticas tradutórias, todas elas
relacionadas à falta de conhecimento, por parte do tradutor, da complexidade do processo.
Isso, ao que parece, é sintoma de que o ensino do processo de composição na língua alemã
está muito aquém do desejável.
O fato da grande maioria das escolhas de tradução dos compostos ainda
corresponder ao padrão “nome + preposição (de) + nome” contribui para que se possa
perceber que, muito provavelmente, o modo de ensino deve estar preso ao tradicional “leia a
palavra do final para o início”.
De outro lado, este trabalho demonstrou a necessidade de esclarecimento aos
estudantes/aprendizes da língua alemã, bem como os estudantes de tradução da referida
língua, de que a tradução de Komposita não pode se restringir a uma leitura “do final para o
início”. É preciso que compreendam que tal compreensão/tradução envolve aspectos
extralingüísticos, que englobam os conhecimentos culturais da língua de partida e a adaptação
à língua de chegada.
Lutero, em sua Carta do traduzir, já em 1530 (apud HEIDERMANN, 2001,
p.13), salientava, para uma boa tradução da língua alemã, a necessidade de consulta ao falante
nativo, o que pode ser interpretado como uma consulta à cultura da língua de partida:
Não se deve consultar, pois, as letras na língua latina para saber como se
deveria falar em alemão, como o fazem esses burros, mas deve-se perguntar à mãe
em casa, às crianças na rua, ao homem comum no mercado, e deve-se olhar para a
boca deles, como eles falam, e traduzir conforme essa maneira; assim, eles
entendem e percebem que se fala alemão com eles.
O conhecimento cultural, naturalmente aliado ao conhecimento gramatical-
morfológico e textual, corresponde a tudo que um indivíduo precisa saber ou em que precisa
acreditar para que possa agir de modo “aceitável” perante os membros de uma comunidade
discursiva. Dessa forma, a cultura não corresponde a um conhecimento material, mas, sim, às
“coisas que as pessoas têm na cabeça”, a modelos que usam para perceber, relacionar e
interpretar essas coisas.
122
Tudo que as pessoas dizem ou fazem, seus acordos sociais são subprodutos de
sua cultura, pois são aplicados no intuito de perceber e lidar com as circunstâncias. Assim, um
contexto real de situação que origine um texto, não é um simples “amontoado” casual de
características, mas um todo de coisas típicas da comunidade discursiva em questão. Portanto,
a tradução não é apenas um processo lingüístico, mas um evento bi-cultural, pois é usada
tanto para transmitir conhecimento e propiciar a compreensão entre os povos, como também
para transmitir cultura.
Como bem referiu Schlegel (1767-1845, apud HEIDERMANN, 2001, p.11),
“O tradutor é um mensageiro de uma nação a outra, um mediador de respeito e admiração
mútua, onde sem ele haveria indiferença ou mesmo aversão”. Nesse contexto, também o
composto precisa ser inicialmente compreendido como característica do texto especializado.
Entretanto, “O reconhecimento do texto de natureza técnico-científica não se esgota na
obtenção de um conjunto de termos peculiares e recorrentes, ditos ‘técnicos’, mas esse
relacionamento envolve a observação de um todo de significação” (HOFFMANN, 1998, apud
FINATTO, 2002, p.215).
Dessa forma, a compreensão do “termo”, seja ele um composto ou um
sintagma, não deverá limitar-se ao âmbito da área do conhecimento na qual está inserido, mas
deverá estender-se ao todo de significação, transformado em um único item lexical. Seu
sentido precisa ser resgatado em um entorno textual, pois, conforme Stolze (1999, p.90), o
tradutor que desconsiderar o “pano de fundo especializado” junto aos termos nos textos não
poderá traduzir.
Esse pano de fundo compreende desde hierarquias conceituais diferenciadas
até normas e leis, fórmulas textuais, ilustrações e exemplos específicos de cada cultura
(AZENHA, 1999, p.78-83), dentre tantos outros fatores que precisam ser considerados tanto
para o entendimento do composto na L1 quanto em sua tradução para a L2.
Embora este trabalho filie-se às teorias textualistas, que analisam o “termo”
em seu contexto de uso, as observações aqui realizadas não abarcaram todo o entorno textual
do composto. Trata-se de trabalho de grande extensão, que deverá ser desenvolvido num
segundo momento de estudos. Apesar disso, devido ao fato de serem escassos no Brasil
estudos sobre Komposita em textos de Medicina, contemplou-se uma temática relativamente
123
nova entre nós. Uma análise do entorno textual foi iniciada apenas quando considerei as
adjetivações atributivas junto ao composto. Naturalmente, em momento posterior, é
importante expandir a observação ao eixo horizontal do texto, às suas relações sintagmáticas,
considerando sempre as relações verticais que o identificam como parte de um sistema
condicionado por valores culturais.
A observação das traduções limitou-se aos 99 parágrafos iniciais do texto de
Fisiologia, tendo sido desconsiderado o restante do texto, bem como o texto de Genética no
Atlas de Bioquímica. Essa restrição ocorreu devido ao fato de as observações das
composições nos corpora, através da verificação com o software WordSmith Tools, já terem
indicado um padrão de escolhas tradutórias. Ciente de um conjunto de recorrências e limitada
pelo prazo para a conclusão deste trabalho, deixei a ampliação das observações para um
segundo momento, no qual deverão ser considerados também textos de outras áreas técnico-
científicas para que se obtenha um contraponto para os resultados aqui obtidos.
Ao estarem um pouco mais conscientes sobre todo quadro de relações
envolvidas na formação e na transformação do composto, o estudante e o tradutor terão novos
subsídios para uma escolha tradutória mais “adequada”. Afinal, a adequação deve ser
prioridade do tradutor, pois, de acordo com Schlegel (1767-1845, apud HEIDERMANN,
2001, p.14), “o que nos importa não é defender nossas traduções, mas aproximá-las da
perfeição”.
A pouca consideração dos Komposita, em meio ao ensino
51
da língua alemã, da
tradução e, fundamentalmente, em meio à ação-processo da tradução, mostra algo a ser
modificado. Os estudos de Terminologia e Tradução têm, sem dúvida, um fértil terreno a
explorar no vasto território da composição. As observações do trabalho foram desenvolvidas à
luz de uma perspectiva textual e comunicativa das terminologias, de modo que a feição dos
compostos deve ser considerada como parte da linguagem em funcionamento.
O composto sob estudo, então, é parte da linguagem médica, mas que também
está inserido na linguagem comum. Influenciado por todo um universo de relações horizontais
51
Estou consciente de que as problemáticas de ensino da tradução e de ensino da língua estão em níveis
distintos. Não se pretendeu aqui aprofundar a discussão para o âmbito do ensino. Entretanto, como os tradutores
dos textos sob exame, em tese, já foram aprendizes da língua alemã como língua estrangeira, não há como
124
e verticais, traduzir o Kompositum significará resgatar relações de sentido na língua de partida
e restabelecê-las na língua de chegada de um modo adequado. Não basta conhecer a
morfologia das línguas, suas gramáticas, tampouco apenas conhecer a especialidade. É
necessária a consideração de todo um universo cultural da língua alemã, da Medicina alemã e
das suas práticas textuais. O leque de exigências para a boa tradução é amplo; o caminho a
percorrer é árduo. Mas, com certeza, prestar mais atenção ao tema da composição, nesse
universo da comunicação técnico-científica, pode contribuir para facilitar o percurso.
O presente estudo limitou-se a uma análise do composto que, apesar do
esforço, pode parecer fracamente relacionada ao plano texto. Entendo, entretanto, que a
textualidade está resgatada em diversos momentos do trabalho, principalmente pelas relações
entre temas e configuração de elementos do composto. A carência de bibliografia sobre o
tema obrigou-me a instituir uma metodologia de estudo particular. Fica clara, obviamente, a
necessidade de ampliar as observações em diferentes direções, no plano oracional-
sintagmático, no plano textual e terminológico, sobretudo no plano da interseção entre
terminologias e modelos culturais.
52
Na expansão desse primeiro passo, poderão ser considerados fatores tais como
a adjetivação que acompanha os compostos, mas também fatores relativos aos contextos de
produção do texto de partida e do texto traduzido, incluindo-se o exame de incongruências
conceituais e terminológicas condicionadas por problemas de interculturalidade.
Não há dúvida de que este trabalho colabora para reduzir uma lacuna existente
no tratamento do tema. É, entretanto, apenas uma primeira etapa de toda uma construção.
Saliento, assim, a necessidade de continuidade de tal edificação, expandindo tais observações
para outras áreas do conhecimento, produzindo-se, então, um material prático de apoio para o
estudante/aprendiz, assim como para o professor/tradutor, bem como para o ensino da
tradução
53
.
desconsiderar tal implicação.
52
A respeito de terminologias e modelos culturais, veja-se a obra Terminología y Modelos Culturales, publicada
pelo Instituto Universitário de Lingüística Aplicada, Universidade Pompeu Fabra de Barcelona em 1999. Nela se
destacam os trabalhos de Luís Fernando Lara, Término y cultura: hacia una teoría del término, de Marcel Diki-
Kidiri, o texto La diversité dans lobservation de la réalité (1999).
53
O material aqui referido corresponderia a glossários específicos das diversas áreas do conhecimento. Nesses
glossários, a lematização das composições se daria a partir dos determinantes, visto serem estes característicos da
125
Ao finalizar esta etapa, solidarizo-me aqui com Schlegel (1767-1845, apud
HEIDERMANN, 2001, p.11), considerando justo que, nas traduções, “a crítica deva vir
acompanhada de uma sugestão construtiva”. Este trabalho sugere ao profissional, professor
e/ou tradutor a consideração do Kompositum não apenas como um “termo técnico” do texto
de Medicina, isolado em si mesmo e sujeito a uma análise estritamente morfológica, mas a
necessidade de que se lance sobre ele um olhar “contestador”, mais atento, analisando-o
também sob as lentes da cultura na qual está inserido, na língua de partida e de chegada, de
acordo com as influências culturais que o produzem e condicionam
área especializada sob análise, o que foi possível comprovar através da observação desenvolvida neste trabalho.
126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALLIGNOL, C. Die zusammengesetzten Wörter: eine Schwierigkeit bei der Übersetzung
technischer Fachtexte aus dem Deutschen ins Französische. Lebende Sprachen, n.2, 1998,
p.64-66.
ALVES, I. M. A delimitação da unidade lexical nas línguas de especialidade. Palavra, USP,
1999.
ARANHA, S. Contribuições lingüísticas para a argumentação da introdução acadêmica.
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Araraquara,
Araraquara, 2004. Tese de Doutorado em Letras/Lingüística e Língua Portuguesa.
ARROJO, R. Oficina de Tradução: A teoria na prática. São Paulo: Ed.Ática, 1986. Série
Princípios.
AZENHA JR., J. Tradução técnica e condicionantes culturais: Primeiros passos para um
estudo integrado. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 1999.
BAKER, M. et al. (Eds.) Corpus linguistics and translation studies. In: Text and Technology:
in honour of John Sinclair, 1993. Disponível em http://www2.umist.ac.uk/ctis/staff/mona.htm.
Acesso em 20/01/2005.
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 19.ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1973.
BERBER SARDINHA, T. Lingüística de corpus. São Paulo: Manole, 2004.
___. Corpora eletrônicos na pesquisa em tradução. In: TAGNIN, S. E. O. (Org.). Cadernos
de Tradução: Corpora e Tradução. Florianópolis: NUT, 2002, v. 1, n. 9, p. 15-59.
___. The Bank of Portuguese: A multimilion Word monitor corpus of Brazilian Portuguese,
2001. Disponível em < http://lael.pucsp.br/~tony/download.htm. Acesso em 15/05/2003.
___. Lingüística de Corpus: histórico e problemática. DELTA, n.16, v.2: p.323-367. São
Paulo, 2000a. Disponível em http://lael.pucsp.br/~tony/download.htm. Acesso em
15/05/2003.
127
___. Compilação e anotação de um corpus de português de linguagem profissional. The
Especialist. São Paulo, v.21, n.1, p.111-147, 2000b. Disponível em
http://lael.pucsp.br/~tony/download.htm. Acesso em 05/06/2003.
___. Noções de compilação de corpus. I Seminário Estudos de Corpus, USP, outubro 1999a.
Disponível em http://lael.pucsp.br/~tony/download.htm Acesso em 05/06/2003.
___. Representatividade de corpus. São Paulo: LAEL/PUC-SP, 1999b. Disponível em
http://lael.pucsp.br/~tony/download.htm. Acesso em 10/06/2003.
BORBA, F.S. Organização de dicionários. São Paulo: UNESP, 2003.
BOWKER, L. Towards a methodology for exploiting specialized target language corpora as
translation resources. Internacional Journal of Corpus Linguistics. v.5, n.2, p.17-52, 2000.
BREDEMEIER, M.L et al. Überflieger? Deutsche Komposita/Palavras compostas alemãs.
São Leopoldo: Editora Unisinos, 1997. 97p.
CABRÉ, M.T. Una nueva teoria de la terminologia: de la denominación a la comunicación.
In: La Terminologia. Representación y comunicación. Barcelona: IULA/UPF, 1999.
___. La terminologia: teoria, metodologia, aplicaciones. Barcelona: Antardida/Empúries,
1993.
CANO, V.M. Teoria e práxis de um dicionário escolar de ciências. Araraquara: Universidade
Estadual Paulista, 2001. Tese de doutorado em Lingüística e Língua Portuguesa.
CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1989.
CIAPUSCIO, G. Textos especializados y terminologia. Barcelona: IULA, 2003.
___. La terminologia desde el punto de vista textual. Organon, Porto Alegre, n.26. p.43-63,
2000a.
___. Hacia uma tipologia del discurso especializado. Discurso y Sociedad, v.2, n.2,
jun.2000b. Barcelona: GEDISA. p.39-72.
___. La Terminologia desde el punto de vista textual; selección, tratamiento y variación.
Organon. Porto Alegre: UFRGS/Instituto de Letras, n.26, v.12, 1998.
COSERIU, Eugenio. A língua funcional. In: Lições de lingüística geral. Rio de Janeiro: Ao
Livro Técnico, 1980. p.101–117.
CRUSE, D.A Lexical semantic. Cambridge: CUP, 1991.
CUNHA, C. Gramática do português contemporâneo. 10.ed.ver. Rio de Janeiro: Padrão,
1983.
128
DE CORT, J. Nominale Komposita aus drei oder mehr Konstituinten. Bemerkungen zu der
Komposition in der wissenschaftlichen Fachsprache der Wirtschaft. Fachsprache, 9, Heft 1,
1982, p. 18-31.
DEUTSCHES UNIVERSAL-WÖRTERBUCH. 4.neu bearbeitete und erweiterte Auflage.
Mannheim, Leipzig, Wien, Zürich: Dudenverlag, 2001.
DICIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
DIKI-KIDIRI, M. La diversité dans l’observation de la réalité. In: CABRÉ,M.T; LORENTE,
M. (Orgs.) Terminología y modelos culturales. Barcelona: IULA,1999.
DUDEN. Das Wörterbuch medizinischer Fachausdrücke. 5.vollst.überarb.und erg.Aufl.
Mannheim: Duden-Verlag, 1992.
DUDEN Band 4. Die Grammatik. 6.neu bearbeitete Auflage. Mannheim, Leipzig, Wien,
Zürich: Dudenverlag, 1998.
ERBEN, J. Sobre a formação de palavras em alemão. In: VILELA, M. Problemas de
lexicología e lexicografia. Porto: Civilização, 1979.
ESTOPÀ, R. Extracció de terminologia: elementos per a la construcció d’un SEACUSE. Tesi
doctoral. Barcelona: IULA, 1999.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2.ed. ver.
ampl. 19 impr. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
FINATTO, M.J. Termos, textos e textos com termos: novos enfoques dos estudos
terminológicos de perspectiva lingüística. In: ISQUIERDO, A.N. e KRIEGER, M.G. (Org.).
As ciências do léxico. V.II. Porto Alegre: Editora UFMS, 2004. p.341-357.
___. O papel da definição de termos técnico-científicos. Porto Alegre: PPG Letras/UFRGS,
2001a. Tese de doutorado em Teorias do Texto e do Discurso.
FINATTO, M.J.B; HUANG, C. Da adjetivação em manuais de química e de medicina em
língua portuguesa, aspectos qualitativos e quantitativos: um estudo contrastivo. Texto de
comunicação apresentada do 13º INPLA, PUC-SP, 2003. Inédito. 9p.
FINATTO, M.J. et al. Manuais acadêmicos de química geral em língua portuguesa: aspectos
lingüístico-terminológicos e aspectos conceituais. TradTerm n.8. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 2002.
FIRTH, J.R. A synopsis of linguistic theory, 1930-1955. Studies in Linguistics Analysis.
Philological Society, special V, p.1-32, 1957.
FUHR, G. Fachdeutsch für Wissenschaftler. Gramática do Alemão Científico. Heidelberg/São
Paulo: Julius Gross Verlag/E.P.U., 1989. p.75-76.
129
GÄRTNER, A. Das Thema Wortbildung im DaF-Unterricht. São Paulo: Instituto Goethe,
1996. Seminar.
HAUSMANN, F. J. REICHMANN, O.; WIEGAND, H. E.; ZGUSTA, L. Wörterbücher,
Dictionaries, Dictionnaires. Ein internationles Handbuch zur Lexikographie. Berlin, New
York: Walter de Gruyter, 1989-1991.
HEIDERMANN, W. (Org.). Clássicos da teoria da tradução. Antologia bilíngüe. Volume 1-
Alemão-Português. Florianópolis: UFSC, 2001.
HERZOG, R. Gegenwärtige Tendenzen in der terminologischen Wortbildung –
Untersuchungen zur Verwendung der Kompositumstruktur in Fachwörter der amerikanischen
und deutschen Datenverarbeitungsterminologie. In: Fachsprachen-Terminologie. Struktur.
Normung. Hrsg.von K.-H.Bausch u.a., Berlin, 1976, p.73-79. In: YAQIN, S. Deutsche
Substantivkomposita und ihre Entsprechungen. Eine morphematische Analyse im
Fachwortschatz der Elektrotecnik. Fachsprache 5. Heft 1, 1983.
HOFFMANN, L. Grundbegriffe der Fachsprachenlinguistik. Germanistisches Jahrbuch für
Nordeuropa. Helsinki, 1988.
HOPPE, A. Inhalte und Ausdrucksformen der Deutschen Sprache. 4.ed. Frankfurt am
Main/Berlin/Bonn: Moritz Diesterweg, s.d. p.70-81.
KANNGIESSER, S. Strukturen der Wortbildung. In: SCHWARZE, C.; WUNDERLICH, D.
Handbuch der Lexikologie. Bonn: Athenäum Verlag, 1985.
KRIEGER, M. G. Terminologia revisitada. DELTA, São Paulo, v.16, n.2, p.209-228, 2000.
KRIEGER, M.G.; FINATTO, M.J. Introdução à terminologia: teoria e prática. São Paulo:
Contexto, 2004.
KRIEGER, M.G.; MACIEL, A.M. Temas de Terminologia. Porto Alegre/São Paulo: Editora
da Universidade/UFRGS/Humanitas/USP, 2001.
LANDAU, S. Dictionaires: the art and craft of lexicography. Cambridge: CUP, 2001.
LANGENSCHEIDTS GROSSWÖRTERBUCH. Deutsch als Fremdsprache. Berlin,
München, Leipzig, Wien, Zürich, New York: Langenscheidt, 1993.
LANGENSCHEIDTS TASCHENWÖRTERBUCH. Portugiesisch-Deutsch/Deutsch-
Portugiesisch. Berlin, München, Leipzig, Wien, Zürich, New York: Langenscheidt, 1988.
LARA, L. F. Término y cultura: hacia una teoría del término. In: CABRÉ,M.T; LORENTE,
M. (Orgs.) Terminología y modelos culturales. Barcelona: IULA,1999. p.39-60.
LATOUR, B. Mittelstufen – Grammatik für DaF. München: Hueber, 1989.
LAVIOSA, S. The corpus-based approach: a new paradigm in translation studies. Revista
Meta XLIII, 4, 1998.
130
LEECH, G. Corpora. In: MALMKAJAER, K. (ed.) The Linguistics Encyclopaedia. London:
Routledge, 1995. p.73-80.
LÜHR, R. Neuhochdeutsch. 2.ed. München: Wilhelm Fink, 1988. p.148-191.
MACIEL, A.M.B. Bases teóricas metodológicas da LdC. PPG-Letras, dez. 2000.
MITTMANN, S. Notas do tradutor e processo tradutório. Análise e reflexão sob uma
perspectiva discursiva. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
MORENO, C. A formação dos compostos no português. In: Letras de Hoje, Porto Alegre,
v.37, n.1, p.99-129, mar.2002.
MOUNIN, G. Os problemas teóricos da tradução. São Paulo: Cultrix, 1975. (Tradução de
Heloysa de Lima Dantas).
ORTNER, H. Zur Theorie und Praxis der Kompositaforschung. Tübingen: Gunter Narr
Verlag, 1984.
OTTONI, P. A formação do tradutor científico e técnico: necessária e impossível. Actas do
Seminário de Tradução Técnica e Científica em Língua Portuguesa, Lisboa/Portugal, 26 de
novembro de 1998, p.92-95. Disponível em <www.pauloottoni.com.br>. Acesso em
29/06/2004.
PASCHOALIN, M. A.; SPADOTO, N. T. Gramática: teoria e exercícios. São Paulo: Editora
FTD S.A., 1996.
RIO-TORTO, G. M. Mecanismos de produção lexical no português europeu. In: O estado
das artes nas ciências do léxico: lexicologia, lexicografia e terminologia. Alfa, v.42, n.esp.,
p.15-32, Ed.Unesp, 1998.
ROELCKE, T. Fachsprachen. Berlin: Erich Schmidt, 1999. (Grundlagen der Germanistik;
37)
RÓNAI, P. A tradução técnico-científica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
SANDMANN, A.J. O que é um composto. Delta, v.6, n.1, p.1-18, 1990.
SCHLAEFER, M. Lexikologie und Lexikographie. Eine Einführung am Beispiel deutscher
Wörterbücher. Berlin: Erich Schmidt Verlag, 2002.
STOLZE, R. Übersetzungstheorien: eine Einführung. 3.ed. Tübingen: Narr, 2001.
___. Die Fachübersetzung: eine Einführung. Tübingen: Narr, 1999.
___. Grundlagen der Textübersetzung. Heidelberg: Groos, 1982.
STUBBS, M. Using large collections of texts to study semantic shemas: a reserarch note.
2001. Disponível em: >http:/www.uni-tier.de/uni/fb2/anglistik/Projekte/stubbs/largtext.htm>
131
___. Words in use: introductory examples. In: Words and phrases. Corpus studies of lexical
semantics. Oxford: Blackwell, 2001. p.3-23.
SWALES, J. Genre analysis: English in academic and research settings. Cambridge
University Press, 1990.
TANGRAM 1. Deutsch als Fremdsprache. Ismaning: Max Hueber Verlag, 2002. Lektion 4.
TEMMERMAN, R. Towards new ways of terminology description: the sociocognitiv
approach. Amsterdam & Philadephia: John Benjamins, 2000.
VILELA, M. Problemas da lexicologia e lexicografia. Porto: Civilização, 1979.
WAHRIG DEUTSCHES WÖRTERBUCH. Jubiläumsausgabe. München: Bertelsmann
Lexikon Verlag, 1986.
WEINRICH, H. Textgrammatik der deutschen Sprache. Mannheim: Dudenverlag, 1993.
WELKER, H.A. Gramática Alemã. Brasília: Edunb, 1992.
WÜSTER, E. Die allgemeine Terminologielehre – ein Grenzgebiet zwischen
Sprachwissenschaft, Logik, Ontologie, Informatik und den Sachwissenschafte. In: Linguistics,
n.119, p. 61-106, 1974.
YAQIN, S. Deutsche Substantivkomposita und ihre Entsprechungen. Eine morphematische
Analyse im Fachwortschatz der Elektrotechnik. Fachsprache 5. Heft 1, 1983. p.109-120.
ZILIO, L.; FICHTNER, M.; FINATTO, M.J. (Coord.) Estudos de termos compostos na
língua alemã: perfis de Komposita no Protocolo de Quioto e suas correspondências em um
glossário multilíngüe de gestão ambiental. XVI Salão de Iniciação Científica e XIII Feira de
Iniciação Científica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 25 a 29 de
outubro de 2004.
Do corpus de análise
KOOLMAN, J.; RÖHM, K.-H. Taschenatlas der Biochemie. 3.vollständig überarbeitete und
erweiterte Auflage. Stuttgart: Georg Thieme Verlag, 2003.
SILBERNAGL, S.; DESPOPOULOS, A. Taschenatlas der Physiologie. 5.komplett
überarbeitete und neu gestaltete Auflage. Stuttgart: Georg Thieme Verlag, 2001.
132
ANEXOS
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo