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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
CURSO DE MESTRADO
SABINOS E DIVERSOS:
emergências políticas e projetos de poder na revolta baiana de 1837
DOUGLAS GUIMARÃES LEITE
Salvador
Janeiro de 2006
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SABINOS E DIVERSOS:
emergências políticas e projetos de poder na revolta baiana de 1837
DOUGLAS GUIMARÃES LEITE
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História
Social da Universidade Federal da Bahia – UFBa, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. João José Reis
Salvador
Janeiro de 2006
2
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SABINOS E DIVERSOS:
emergências políticas e projetos de poder na revolta baiana de 1837
Douglas Guimarães Leite
Orientador: Prof. Dr. João José Reis
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em História
Social da Universidade Federal da Bahia – UFBa, como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em História.
Aprovada por:
_____________________________________________________
Presidente – Prof. Dr. João José Reis
__________________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Luigi Negro
_________________________________________________________
Prof. Dr. Walter Fraga Filho
Salvador
Janeiro de 2006
3
RESUMO
Essa dissertação tem o objetivo de estudar a diversidade política dos discursos
revoltosos na Sabinada em 1837, na Bahia, demonstrando a existência de grupos
políticos específicos que fazem da revolução um espaço para o diálogo de suas
diferenças. Para isso, pretende identificar esses pensamentos a partir de sua trajetória
própria de formação e do uso de mecanismos expressivos correspondentes, demarcando
suas duas principais tendências políticas: o federalismo monárquico e o republicanismo.
Pretende ainda fornecer um quadro do debate público no período que cobre as lutas da
Independência e se estende até a Regência, situando os sabinos no conjunto das
formulações revolucionárias de seu tempo.
PALAVRAS-CHAVE: POLÍTICA – REVOLUÇÃO – DISCURSO.
4
ABSTRACT
The goal of this thesis is to discuss the diversity of political discourses in the Sabinada
revolt in Bahia, 1837, by demonstrating the existence of different groups who used the
movement as a public arena for debating their ideas. The work intents to distinguish
those thoughts in their own social experience and means of expression, pointing their
main tendencies on monarchist federalism and republicanism. It also intends to provide
a portrait of the public debate in the period between the struggles for Independence and
the Regency, contextualizing the sabinos within the revolutionary scenario of their time.
KEY-WORDS: POLITICS – REVOLUTION – DISCOURSE.
5
AGRADECIMENTOS
Ao Professor João José Reis, minhas palavras de reconhecimento por seu
trabalho de orientação segura, zelosa da autonomia, pela confiança e pelo apoio
dispensados nos momentos justos. Para mim, aprender a escrever história se deve, em
boa medida, aos diálogos com seus textos. Sobretudo aos mais silenciosos e mais
amistosos possíveis.
À Professora Jeanine Philippi, por ter me ajudado a escolher fazer mais.
À memória do Centro de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de
Santa Catarina, e em especial a seus professores Antônio Carlos Wolkmer e Cecília
Caballero Lois. Ela também incluída entre os amigos de Florianópolis, que são muitos,
mas que lembro nas figuras dos “queridos” Camila Prando, Lia Cavalcante, Márcia
Bernardes, Daniel Maurício e Fernando Pereira. Estiveram todos perto quando tudo
esteve por um fio.
Ao programa PROCAD/CAPES, por me ter financiado, durante a elaboração
desse trabalho, quatro meses de um “doce exílio” nos arquivos e nas entre-salas da
Universidade de Campinas.
Aos sajuanos, porque há muita história e muito coração aí, sem nunca esgotá-
los: Luciana Khoury, Isaac Reis, Marilson Santana, Edson Macedo, Adriana Lima,
Gustavo Melo, Maurício Azevedo, Luciana Garcia, Vladimir Luz.
A Isabela Fadul, pela sua presença, em qualquer hora e em qualquer lugar, sem
querer quase nada em troca.
A Uirá Azevedo, companheiro de longa data, por ter segurado muitas barras.
A Fátima Noleto, porque, pensando no meu futuro, nunca admitiu que eu não
“defendesse logo”. A Clóvis Caribe, que me deu uma carona decisiva.
A Tonho e a Sarinha, considerações diárias que se estendem à pequena Clara.
6
A Tarcísio Oliveira, parceiro e amigo queridíssimo, consultor de todas as horas.
A Rogério Dultra, querido irmão e interlocutor, sobre quem o sabor das lidas
antigas não permitiu os malvados efeitos da distância.
A Juliana Brainer, por seu carinho atento, sempre que precisado. E pela ajuda
nos anexos, na bibliografia, nos mapas, na capa, sumário, resumo, nas notas, e em todas
as mais miúdas coisas cheias de enorme valor. Muito, muitíssimo obrigado. Só assim
foi possível.
Ao companheiro de batalhas imperiais, Daniel Afonso, pelo suporte valiosíssimo
do material de trabalho, pela estima gratuita, e por ter, generoso anfitrião, deixado que
eu checasse meus e-mails na sala do Temático.
À minha orientadora, livreira, ouvinte, bruxa, amiga, sabina e diversa como eu,
Juliana Serzedello. Às vezes penso que essa dissertação é nossa. A você, tão longe e tão
perto.
Aos meus colegas de mestrado e aos meus alunos bons, como Maíra Caffé.
Ao meu irmão, Carlos, que quando dei por mim era história o que ele fazia, e
que hoje reencontro por outra história, que não é só minha.
À minha irmã Cláudia, pelo entusiasmo e pela alegria com que sempre quis me
ver mover pra frente. Merecemos muitas festas.
À Karla, minha irmã, que vive junto comigo cada gota derramada no esforço de
eu me fazer. E que se faz junto comigo, como se fôssemos um.
Aos meus sobrinhos, Hugo, Camila, Amanda e Helena, com quem lerei muitas
vezes essas e outras estórias. Jane e Felipe também estão convidados para a roda.
Aos meus pais, Romilda e Carlos, a quem acontece de eu não saber o que dizer.
No silêncio que antecede a mais forte das emoções, eles bem sabem o que isso significa.
A eles dois dedico essa tradução da minha vida.
7
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................
09
Capítulo 1 - Bravos Experimentados no Teatro das Operações............................ 21
1.1. “O sempre memorável dia 7 de novembro”..................................................... 21
1.2. Sabinada: a revolta da cidade ...........................................................................
1.2.1. De Salvador para o Recôncavo: sociabilidades políticas da Sabinada ......
1.2.2. Conspiração e Vigilância: o entreato da repressão ......................................
1.2.3. Salvador: cidade “vazia” ................................................................................
1.3. Salvador da Bahia: a política de sua integração ao Recôncavo .....................
24
27
34
43
49
Capítulo 2 - Separação ou Maioridade: A Revolução e o Arco da Promessa ......
58
2.1. Dia 11 de novembro – a unanimidade na diversidade ...................................
2.2. As inflexões do vocabulário político no “tempo das divergências”.............
62
76
Capítulo 3 – Papéis Revolucionários: Os Documentos da Diferença ...................
87
3.1. Dos acordos e das estratégias em matéria de revolução no Império .............
3.2. 1837: Monarquia Federativa versus República - versão da Sabinada...........
87
101
Considerações Finais ................................................................................................ 112
Anexos ....................................................................................................................... 119
Fontes e Bibliografia ................................................................................................ 143
8
INTRODUÇÃO
No dia 07 de novembro de 1837, a cidade de Salvador foi acordada pelos sinos
da Câmara Municipal. Dobrados de ordinário em dias de festa e de júbilo público, nesse
dia suas badaladas se deveram a um fato extraordinário. Reuniam-se no Salão Principal
da Casa dos vereadores todos aqueles que, por diversos motivos, viam na sessão que ali
se abriria a pouco uma ocasião coletiva: estava declarada livre a Província da Bahia. Era
a Sabinada.
Conhecida hoje pelo nome daquele que foi tido por um de seus principais
líderes, Francisco Sabino, a Sabinada seguiu a sorte de revoltas que, durante o mesmo
período – a Regência (1831-1840) – declararam a independência plena ou provisória de
outras províncias frente ao governo central da Corte, sediado no Rio de Janeiro.
Extraordinário fato estava não na revolução propriamente dita. Elas aconteciam
ano a ano, em todos os lugares do disputadíssimo “território nacional”. O que a
distinguiria das demais, entre outras coisas, era o inusitado de, na Bahia, vingar por
mais do que dois ou três dias, e também a circunstância de traduzir a síntese dos
movimentos regenciais seus contemporâneos, proclamando na mesma revolução a
separação e a independência provisória da Bahia. Aí sim temos um bom mote.
Durante pouco mais de quatro meses (novembro de 1837 a março de 1838), o
movimento dos sabinos ocupou a cidade, estabeleceu seu governo e, sobretudo, obrigou
os “legalistas” a acamparem no Recôncavo, num veraneio pouco parecido com o de um
passeio na ilha de Itaparica. Ao longo de todo o seu desenvolvimento, a Sabinada deu o
que falar. Proclamações, ofícios, manifestos e jornais. Além das bombas e tiros, é claro,
9
que, apesar de não deporem em favor da qualidade dos exércitos de parte a parte,
produziram bom estrago na cidade à beira mar.
A Sabinada se abriu e se fechou com o verão. Como na fábula, porém, não pôde
prosperar sozinha. Reforçados pela máquina de todo o Império, os “homens bons” da
“velha Bahia” tornaram as coisas para o “seu devido lugar”. Em 15 de março de 1838,
entraram na cidade e, do incêndio que se alastrava pelo campo de batalha, ainda
conseguiram salvar alguns de seus bens, sua maior estimação.
As páginas seguintes se ocupam de contar a história do que os sabinos disseram,
do que pensaram e do que projetaram para a Bahia que um dia imaginaram poder tomar.
A eles.
Raposas e Perus: liberdade ou morte nas trincheiras da cidade
Em decreto datado de 20 de janeiro de 1838, os rebeldes, que haviam posto a
correr as autoridades constituídas da Bahia há então pouco mais de dois meses,
baixaram importante medida à frente do novo governo instalado na cidade. Chamaram-
na: “Determinação”. Seu enérgico e breve teor parecia estar ciente da eloqüência das
poucas mas bem escolhidas palavras:
Convindo distinguir os verdadeiros amigos e defensores da causa da Independência d´este
Estado, para que não reste dúvida entre os que a adotam e aqueles que infelizmente ou são
seus inimigos ou se não decidem por parte alguma, hei de bem ordenar que todos os
brasileiros que de coração adotem a sobredita causa da independência d´este Estado, da qual
independência lhe vem a liberdade, tragam no braço esquerdo um ângulo de metal amarelo
com a legenda – Liberdade ou morte.
1
Assinado por João Carneiro da Silva Rego, vice-presidente do “Estado Livre e
Independente da Bahia”, e por seu secretário e Ministro do Interior, Francisco Sabino
1
Determinação, 20.01.1838, Publicações do Arquivo do Estado da Bahia (PAEBa), 1938, vol. II, p. 85.
10
Álvares da Rocha Vieira, dois dos mais importantes líderes do movimento, o decreto
representa um último acerto de contas entre os revoltosos e seus oponentes radicados na
cidade. Esses seriam tidos como inimigos do “sistema jurado no sempre memorável dia
7 de Novembro”, e assim reconhecidos
.
2
Não é preciso exagerar a importância desse documento, simbólico por vários
motivos. Trata-se de uma peça pela qual as questões mais decisivas da revolta podem
ser reconstituídas e pensadas em retrospectiva. Com ele, sobretudo, os discursos em
torno da revolução podem ser entendidos pela linguagem da guerra. Também podem ser
articuladas as técnicas do campo de batalha aos sentidos dos projetos políticos que
ambos os lados proclamavam para seduzir em seu favor a população da Província. O
ultimato em que se manifesta o ato de governo é a sinalização de uma crise que reclama
endurecimento, ao mesmo tempo em que o acusa nas condições de vida da cidade
sitiada e já bastante desfalcada dos bens mais ordinários para se manter.
Situada num tempo avançado da guerra, a “Determinação” difere bastante dos
outros documentos pelos quais os “raposas” habitualmente se dirigiam aos seus “Irmãos
da Província”.
3
Seu tom adquire um caráter dramático especialmente distinto daquele
mais brando e persuasivo das Proclamações em que procuravam dispor de razões e
princípios com o propósito de ir ganhando adeptos à sua causa. A escolha de um outro
método de discurso não implica que as Proclamações tivessem sido abandonadas, mas
certamente sugere que entre os revolucionários um certo estado de coisas se constatava:
2
Determinação, 20.01.1838, PAEBa.
3
“Raposas” e “Perus” foram os nomes atribuídos pelo povo da Bahia aos rebeldes e legalistas,
respectivamente, e que eles mesmos usaram para se referir mutuamente. A informação é fornecida por
muitos historiadores, embora não seus motivos. Dentre outros, Braz do Amaral, “A Sabinada”, PAEBa,
II, p. 3; A. J. de Souza Carneiro, “A Sabinada em Nazaré”, PAEBa, 1945, vol. IV, 1945, p.77.
11
para o bem do novo regime seria preciso reconhecer sem engano as fronteiras que os
separavam do inimigo.
4
Recompondo os lugares da batalha, e impelindo para o Recôncavo aqueles que
não estivessem “de coração” associados à revolução, a Sabinada exigiu do povo aquilo
que até então ele não tinha conseguido perceber nos seus discursos e práticas: uma mais
clara e distinta identidade política. Possivelmente por esse motivo, não se podia
desprezar a expressiva “massa dos indiferentes”. Nem aqueles materialmente presos a
ela, impedidos de sair, ou outros provavelmente pouco afetados pela coloração política
do movimento revoltoso, tal como conduzido até ali.
5
Um dos melhores exemplos dessa indefinição o fornece o próprio decreto. A ata
do “sempre memorável dia 7 de novembro”, documento fundamental da revolução,
havia sido substancialmente alterada pouco depois de sua aclamação, circunstância que
não teria sido capaz de evitar êxodos de toda ordem.
6
Esses êxodos haviam certamente
contribuído para a situação sobre a qual a “Determinação” se debruçara. E se antes os
rebeldes não os haviam impedido, agora entendiam ter o dever de induzi-los,
taticamente.
Pretendendo, portanto, que os habitantes da Bahia ostensivamente
manifestassem sua filiação política, os revoltosos lançaram luz sobre a sua própria e
sobre aquela dos “perus” que os cercavam do Recôncavo. Permitiram assim colocar a
questão fundamental do processo de formação de ambos os lados contendores: seus
correligionários, suas forças armadas, seus motivos políticos, seus dispositivos de
poder. Atualizando-se na guerra, a análise detida desse processo permitirá entender
4
Algumas das mais importantes proclamações da guerra se encontram no Apêndice à obra de Amaral, “A
Sabinada”, pp. 56-133.
5
Interrogatório de Nicolau Soares Tolentino, PAEBa, 1939, III, 14.11.1838, pp. 33-4. Tolentino expressa
as razões pelas quais ficou na cidade, alegando dificuldade de “finanças”. Outros depoimentos nessa
direção seriam relativamente comuns. Como depoentes, a veracidade dos seus motivos pode ser posta em
xeque; por outro lado, a sua reiteração induz a crer que se esperava que eles pudessem ter algum tipo de
credibilidade.
6
Sacramento Blake, “Ainda a Revolução da Bahia de 7 de Novembro de 1837”, PAEBa, I, p. 69.
12
porque àquela altura pareceu fundamental aos revolucionários contar as peças de cada
lado. Voltando contra si a força ou a fraqueza de seu projeto político, numa verdadeira
prova de fogo, os revoltosos apostaram em definir, para melhor explorá-las, ideológica e
materialmente, as trincheiras da cidade.
Rebeldes e Legalistas: a guerra e suas formações sócio-políticas
A história da Sabinada pode ser contada pela história de sua guerra. Ou antes,
pela história do aparato construído de ambos os lados para transformá-la, em última
instância, num conflito armado. Afinal uma “guerra estática” prevaleceu ao longo dos
quatro meses de ocupação da cidade, os desenhos e manobras militares tomando o lugar
da guerra real.
7
Nesse período, um número máximo de cinco ou seis importantes
combates resumiu o fogo trocado, o que se pode atribuir não apenas a uma estratégia
militar de ambas as partes, mas também à debilidade dos seus corpos, dado o momento
de transição e de franca construção política em que a Sabinada encontrou as forças da
Província e do Império brasileiro.
8
A guerra estática não faz perder de vista, porém, sua intensa militarização.
9
E ela
se deve não apenas à maciça presença de militares no comando e nas fileiras dos
rebeldes, mas também ao fato de que, durante o seu curso, o movimento não se
desvencilhou da urgência do tempo de guerra, restando incapaz de, ao lado da “batalha
fria”, estabelecer um tempo político próprio, necessário ao desenvolvimento das bases
revolucionárias anunciadas em seus textos. Os sabinos não puderam superar os limites
7
“Guerra estática” é um termo utilizado por F. W. O. Morton para designar o estado das batalhas na
Sabinada, e para também compará-lo com a situação da guerra de Independência entre o Exército
Restaurador e os portugueses na Bahia em 1822-23. F. W. O. Morton, “The Conservative Revolution of
Independence”, Tese de Doutorado, Universidade de Oxford, 1974, p. 353.
8
Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 352-8.
9
Hendrik Kraay, Race, State and Armed Forces in Independence- Era Brazil, Stanford, Stanford
University Press, 2001, pp. 231-39; também dele, ver “‘As Terrifying as Unexpected’: The Bahian
Sabinada, 1837-1838”, Hispanic American Historical Review, 72:4. Durham: Duke University Press,
1992, pp. 508-515.
13
de suas condições de sustentação material, e a constante ameaça de conflito armado não
logrou ser razoavelmente substituída pela consistência de um plano de governo. Talvez
por isso, como anotou Paulo César Souza, continuassem a falar muito.
10
Nessa guerra, o choque entre os dois lados foi também o confronto entre dois
acúmulos políticos, até então não resolvido. Do lado dos rebeldes, numa série de
acontecimentos que remontam à campanha da Independência, jogam importante papel a
intensificação dos “clubs” revolucionários e a viva produção da imprensa militante,
ambos responsáveis por uma sociabilidade política que muito aproveitou às ações
desestabilizadoras do período em questão.
11
Dessa imprensa saiu o Novo Diário da
Bahia, periódico editado por Sabino que consistiu em verdadeira crônica teórica da
revolta, em tempo real. Também resultaram desse contexto as tramas e conspirações que
deram frutos na tradição de levantes, motins militares e lusófobos, e ainda em toda sorte
de manifestações das camadas médias contra o modelo político estabelecido na Bahia
desde o seu governo provisório, já independente. Entre esses movimentos pós-
independência destacam-se os de base militar e as revoltas federalistas de Cachoeira e
São Félix (1832) e do Forte do Mar (1833), pela identificação ideológica com que
marcariam o episódio de 1837.
12
Toda essa agitação social encontrava, no entanto, limites importantes no caráter
escravista e no padrão de relações clientelistas típicos da sociedade brasileira da época.
Esses “canais abertos pela Independência”, diz F. W. O. Morton, permitiam o fluxo de
uma nova atividade intelectual e criavam nessas pessoas novas “bases de esperança”,
10
Paulo César Souza, A Sabinada, São Paulo, Círculo do Livro, 1987, p. 13.
11
João José Reis, Rebelião Escrava no Brasil, São Paulo: Cia. das Letras, 2003, p.58; Luiz Viana Filho, A
Sabinada (A República Bahiana de 1837), Rio de Janeiro: José Olympio, 1938, pp 08-10.
12
Reis, Rebelião Escrava, pp. 44-67; Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 309-13; Ignácio
Accioli, Memórias Históricas e Políticas da Bahia, vol. IV, edição anotada por Braz do Amaral,
Salvador, Imprensa Oficial, 1933, pp. 354-78.
14
alcançando diferentemente os diversos grupos sociais.
13
No caso da Sabinada, o
horizonte político não se estendeu muito além daquele que poderia advir de um
movimento concebido por elementos da classe média letrada. A entrada de livres
pobres, libertos e escravos complicou o jogo dos projetos e, como se verá adiante,
lançou a revolta diante de dilemas práticos que lhe seriam fatais.
Esses “acúmulos de experiência política”, na expressão de Istvan Jancsó,
representavam processos sócio-políticos não lineares que teriam colhido aos
movimentos anticoloniais sua energia de mudança, mas costurando outras estratégias,
“reativando tensões” contemporâneas a um quadro econômico – de crise –
incomparável àquele do florescimento pré-Independência.
14
Esses processos também
fizeram frente a uma outra crise, de recrutamento de uma nova elite burocrática, que
tendia a aprofundar o processo de centralização do poder e assim cooptar elementos das
elites locais num novo acordo político com a classe dos aparelhos do Estado Nacional.
Decerto esse novo acordo não contemplava radicalismo de nenhuma espécie, e
explorava o veio pragmático de um liberalismo tão amplo quanto apenas necessário para
suportar os localismos sem pôr em risco a integração do Império.
15
Assim, em contraponto às formações rebeldes, é possível pensar também a
articulação sócio-política dos legalistas dentro da guerra. Em favor do aparato
repressivo erguido das bases econômicas dos senhores de engenho e altos comerciantes
13
Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 336-7. István Jancsó, “A sedução da liberdade: cotidiano e
contestação política no final do século XVIII” in Laura de Mello e Souza (org.), História da Vida Privada
no Brasil: Cotidiano e Vida Privada na América Portuguesa, vol. 1 (São Paulo, Companhia das Letras,
1997).
14
Jancsó, “A sedução da liberdade”, p. 435; João José Reis, “O jogo duro do Dois de Julho: O ‘Partido
Negro’ na Independência da Bahia”, in Eduardo Silva, João José Reis, Negociação e Conflito, São Paulo,
Companhia das Letras, 1989, p. 88; Kátia Mattoso, Bahia: A Cidade do Salvador e seu mercado no
século XIX, São Paulo: Hucitec, 1978, pp. 151-69; Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 324-39.
15
Sobre o assunto, consultar Thomas Flory, El Juez de Paz y el Jurado en el Brasil Imperial, 1808-1871:
Control Social y estabilidad política en el nuevoEstado, México, Fondo de Cultura Económica, 1986;
Istvan Jancsó (org.), Brasil: Formação do Estado e da Nação, São Paulo, Hucitec/ Ijuí, Unijuí, 2003, pp.
15-28; Marcus Carvalho, “Hegemony and Rebellion in Pernambuco (Brazil), 1821-1835”, PhD Thesis,
University of Illinois, 1989. Ilmar Rohloff de Mattos, O Tempo Saquarema, 5. ed, São Paulo, Hucitec,
2004.
15
do Recôncavo e da Bahia atuaram as virtualidades de uma história de poder e de
autoridade locais, que estavam impressas nos dispositivos materiais prontamente
acionados por esses coronéis da milícia “regressista”. Mas com essas virtualidades
operaram, por outro lado, as dificuldades de uma outra empresa, surgidas exatamente do
propósito de unir, no ato repressivo mesmo, o velho ao novo, representado pelas
instituições que a construção do Estado Nacional passara a demandar. Polícia e Guarda
Nacional despontaram como seus principais suportes. Criadas entre o final da década de
20 e o início da seguinte, seu propósito não era outro senão o de cunhar definitivamente
a força regular e a identidade de um Estado centralizado. A Sabinada lhes expôs a
dimensão do empreendimento, indicando as fraturas ideológicas que teriam de
contornar, bem assim o vazio institucional – e de sentido – que haveriam de ocupar. Ela
serviu ao final, vencida, à exploração sob medida da imagem da integridade e ao reforço
do simbolismo de uma identidade em construção.
16
Mobilizada pelo conflito, a cidade e suas divisões sociais também podem ser
alcançadas pela inteligência da guerra. Nomeadamente o perfil de seus atores e as
formas como suas escolhas políticas induzem seus lugares na hierarquia sócio-
econômica, além de suas possibilidades de ascensão social, fora ou dentro de uma
ordem revolucionada. As propostas formuladas pelos rebeldes sensibilizam uma
estrutura dada que se dá a conhecer pelo modo como se move em direção àquilo que a
revolução quer representar.
Pois esse é o motivo fundamental do trabalho: pensar a partir da consistência dos
projetos políticos elaborados pelos sabinos a sociedade que eles interpelam, cruzando as
compreensões sociais que se embatem de cada lado – e também fora, apesar de em
relação a eles – indagando como essas compreensões nos permitem conhecer melhor as
16
Kraay, “As Terrifying as Unexpected”, pp. 523-27.
16
pretensões, as interpretações e os horizontes políticos dos sujeitos contemporâneos. E
também a própria sorte da revolução.
A historiografia moderna parece ainda não ter desenvolvido as conseqüências de
uma interpretação propriamente política da Sabinada. As obras até aqui produzidas a
estudaram ora como um assunto incidental de outro mais amplo, ora – com o intuito de
cobrir o silêncio sobre sua história – ao largo de um tratamento mais detido da questão
estratégica e tática dos discursos de poder e da diversidade política que o material a seu
respeito oferece. Outras vezes, até, como é o caso especial de Luiz Viana Filho,
sugerindo boas interpretações, mas sem uma fundamentação documental mais ampla
que lhe correspondesse.
A respeito da produção literária acerca da Sabinada é possível distinguir três
fases. A primeira delas é representada pelas memórias escritas pelos seus
contemporâneos, muitos dos quais figuras ativas da revolução. Elas se encontram nas
publicações reunidas pelo Arquivo Público do Estado da Bahia por ocasião do
centenário da revolta.
17
A segunda consiste, de um modo geral, na re-interpretação feita
sobre o movimento de 1837 entre o final do século XIX e o início do século XX, a
cargo sobretudo do IGHB: as obras de Braz do Amaral, Luiz Viana Filho e Francisco
Vicente Vianna estão entre as mais destacadas.
18
A última dessas fases é aquela em que,
sob o enfoque da chamada história social, a partir do último quarto do século XX,
alguns historiadores se preocuparam em submeter a Sabinada a uma revisão
interpretativa, descobrindo novos documentos e analisando os demais sob a ótica de
leituras teóricas como as de classe e de raça, bastante alentadas desde então. F. W. O.
17
Publicações do Arquivo do Estado da Bahia (PAEBa), 5 v., 1937-1948.
18
São elas: Braz do Amaral, “A Sabinada”, in PAEBa, vol. II, 1938. Francisco Vicente Vianna, “A
Sabinada, História da Revolta da Cidade da Bahia em 1837”, in PAEBa, vol. I, 1937. Luiz Viana Filho, A
Sabinada (A República Bahiana de 1837), Rio de Janeiro, José Olympio, 1938.
17
Morton, Paulo César Souza e Hendrik Kraay escreveram obras importantes direta ou
indiretamente ligadas à revolta baiana de 1837.
19
Nessa última geração de autores, porém, a caracterização da Sabinada como um
evento liberal-radical não bastou para explicar as formas de convivência entre grupos de
origem social tão diversa como aqueles que, ao final, foram reunidos por ela. Há vozes
inexploradas e, é verdade, há outras que sequer puderam ser ouvidas. Portanto, diante
desse quadro – que em última análise diz respeito ao tratamento das fontes disponíveis –
uma interpretação cujo propósito é contribuir com o aprofundamento da leitura política
da Sabinada deve especialmente considerar uma questão que parece central, trazida para
o âmago desse trabalho: as supostas ambigüidades e vacilações reveladas pelos
discursos e por algumas das medidas práticas dos revoltosos, antes de representarem
incerteza ou contradição programática, indicam a co-existência de apreensões distintas
da sociedade e do poder político. Elas são traduzidas em estratégias e apostas de que os
avanços e recuos no tempo negociado e articulado da revolução podem equacioná-las.
Trata-se de uma luta comum contra o poder estabelecido, mas também de uma disputa
interna, que se dá não apenas pela hegemonia revolucionária, mas também para que
sejam garantidos espaços políticos correspondentes às diferentes visões de mudança
integradas no complexo “liberal-radical”.
Na Sabinada, essa interpretação ajudaria a matizar o campo político dos
“radicais” na medida em que, procurando distinguir suas respectivas identidades ou
propostas, acenaria não só para os líderes da revolução, mas também para os demais
sabinos que, por sobre a diferença das condições políticas e materiais que os separavam,
também se empenharam na revolta.
19
Trata-se das obras já citadas: F. W. O. Morton, “The Conservative Revolution”; Paulo César Souza, A
Sabinada; Hendrik Kraay, Race.
18
Por sua vez, no plano de um recurso heurístico adotado na presente análise, a
imagem de uma “guerra permanente” – estática ou fria, no sentido de presente embora
não atual – serve como chave importante do estudo das narrativas produzidas durante a
guerra como textos densamente explicativos das formações sócio-políticas de legalistas
e rebeldes, iluminando-se assim as raízes do conflito.
Tomando de empréstimo a Michel Foucault a inversão do aforismo de
Clausewitz, segundo o qual a guerra é a continuação da política por outros meios, é
possível analisar de que forma os discursos da Sabinada investem na política imperial a
idéia de que ela continua a guerra por outros meios, reproduzindo juridicamente nas
instituições políticas as desigualdades a que o Estado de Direito visaria em tese superar.
Nesse sentido, a fundamentação revolucionária, propondo uma leitura histórica da
dominação desse Estado, retira sua legitimidade da idéia de que, mesmo com a
emancipação política, a guerra não havia acabado. Ela justifica assim a Sabinada como
a segunda – e verdadeira – revolução da Independência.
20
Nessa dissertação, no primeiro capítulo estudaremos a formação sócio-política
dos rebeldes dentro da cidade agitada pela guerra. Um roteiro de abordagem da
revolução se estabelece desde logo, articulando dois processos decisivos para seu
entendimento: sua expansão para o Recôncavo e sua propaganda na cidade. Aclamada a
revolta, essas duas tarefas concentrarão a energia dos revoltosos e permitirão conhecer
sua preparação para a tomada da cidade, a construção de sua conspiração na teia de suas
sociabilidades, e os principais obstáculos colocados para a ampliação de suas forças.
Esse capítulo se concentra na primeira dessas tarefas.
20
Michel Foucault, Em Defesa da Sociedade, São Paulo, Martins Fontes, 1999. O conceito de guerra
permanente é desenvolvido na aula de 21 de janeiro de 1976. Sobre a noção de “revolução permanente”
para Sabino, ver Novo Diário da Bahia, edição de 04.12.1837. Os exemplares dos jornais baianos citados
nesse trabalho encontram-se disponíveis na Seção de Microfilmes da Biblioteca Nacional, e nos Centros
de Documentação em História da USP e da UFBa, exceto quando indicado.
19
No outro campo da expansão da revolta, o segundo capítulo ilumina as
discussões políticas abertas na capital pelo episódio central da mudança do teor da sua
ata de fundação. Delineiam-se aqui as propostas políticas do movimento através da
análise de textos revoltosos que ajudam a entender os sentidos das forças representadas
em ambas as atas. O capítulo ainda fornece um quadro das principais idéias políticas
debatidas na Corte no período que cobre as lutas da independência até à eclosão da
revolta, aproximando o debate das idéias manifestadas na Sabinada.
A questão de uma identidade da Sabinada será discutida na terceira parte da
dissertação. Restrita a pesquisa às fontes primárias impressas, o eixo fundamental da
análise será constituído pelos jornais publicados pelos revoltosos, especialmente por O
Sete de Novembro e pelo Novo Diário da Bahia, editado por Sabino. Serão exploradas
as duas principais correntes políticas da revolta, seguindo-se a análise de algumas de
suas principais referências teóricas. Pretende-se demonstrar a existência de dois grupos
políticos bem definidos, lutando pela hegemonia interna da revolução e apresentando
suas diferentes idéias de uma sociedade dos sabinos.
Agora voltemos aos sinos do “sempre memorável dia 7 de novembro”.
20
Capítulo 1
BRAVOS EXPERIMENTADOS NO TEATRO DAS OPERAÇÕES
1.1. “O sempre memorável dia 7 de novembro”.
A queda do regente Diogo Feijó do governo imperial em setembro de 1837
pareceu ao “Plano e Fim Revolucionário” um fato incontornável. O documento,
encontrado entre os pertences de Francisco Sabino na busca que sucedeu a sua prisão,
abria com a seguinte avaliação:
É certo que no Rio uma facção dos nossos pequenos ambiciosos e aristocratas, sem títulos,
derrubaram o único simulacro que tem o Brasil de um Governo livre, isto é, a Regência de
um só homem, verificado no Padre Feijó; e porque assim tem acontecido, esta Província
deve se pôr a salvo dos golpes do partido e da facção aristocrática-portuguesa.
21
Ruim com Feijó, pior sem ele. Estava dado o sinal que faltava para a revolução,
prestes a estourar a qualquer momento. O Novo Diário da Bahia, folha de Sabino,
voltaria ao assunto, dessa vez em edição publicada no curso da revolta, justificando o
ato extremo:
Nenhum povo do mundo poderia conter-se tanto tempo nos limites da paciência e
moderação quanto o povo da Bahia; fazendo-se sempre renascer nossas esperanças pela
salvação da Pátria, nós as víamos em breve tempo desfazerem-se como num sonho.
22
Os preparativos da revolta levaram à ocupação do Forte de São Pedro na noite
de 6 de novembro. Dias antes, o chefe de polícia Francisco Gonçalves Martins, moço na
idade mas já experiente na repressão aos levantes urbanos, montara tocaia na casa de
um dos rebeldes. Tinha sido avisado de que ali se reunia um dos clubs políticos da
cidade, que tramava para data próxima a derrubada do governo.
21
Interrogatório de Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, 07.11.1838, PAEBa, IV, pp. 219-20;
Souza, A Sabinada, p. 158; Plano e Fim Revolucionário apud Francisco Vicente Vianna, “A Sabinada,
História da Revolta da Cidade da Bahia em 1837”, PAEBa, 1937, vol. I, pp.125-6.
22
Novo Diário da Bahia, 25.12.1837.
21
Apesar dos seus esforços – que não teriam sido poucos, segundo os detalhes
narrados na memória que legou sobre sua participação no combate à Sabinada – Martins
não foi capaz de evitar o levante, logo deflagrado. E fugiu, deixando atrás de si a cidade,
cruzando a baía em direção ao Recôncavo. Fugiu antes de raiar o dia seguinte, e não viu
a Praça do Palácio tomada pelo “imenso povo”, entre curiosos e adeptos da revolução,
todos amparados na força do corpo militar que, também revoltado, velava o “sempre
memorável 7 de novembro”.
23
Nesse dia foi aclamada na Câmara Municipal de Salvador a ata extraordinária
que marca a fundação do governo rebelde. Não se sabe ao certo a medida de força e de
persuasão que usaram os revolucionários para ratificar na Câmara suas conquistas
militares. Vereadores presentes à sessão declararam em juízo que o documento tinha
sido aprontado no Forte de São Pedro, no qual se aquartelara o 3.º Batalhão de
Caçadores consumando a revolta, e que reuniu os líderes da revolução na noite anterior.
O então presidente da Casa encontrara as cadeiras dos vereadores ocupadas pelos
entusiastas do movimento, para quem o conteúdo da ata foi lido e submetido à
aprovação dos presentes.
24
Desse conteúdo importa, por ora, salientar dois pontos centrais: o primeiro diz
respeito ao sentido de legitimidade que os revoltosos pretenderam emprestar ao seu ato,
firmando na Câmara Municipal a declaração fundamental da revolução, consagrada
pelas “pessoas mais gradas da Província, autoridades militares e civis, e grande número,
ou concurso de povo de todas as classes”. Esse gesto distinguia a Sabinada como uma
23
Francisco Gonçalves Martins, “Nova edição da simples e breve exposição do Senhor Dr. Francisco
Gonçalves Martins”, PAEBa, II, pp. 225-62. Martins já era chefe de polícia quando da rebelião dos Malês
em 1835, e esteve à frente também da repressão à revolta do Campo Santo, no ano seguinte, ambas na
capital da Bahia. Antônio Rebouças, nas anotações à sua Exposição, fez questão de lhe lembrar desses
fatos; João da Veiga Muricy, “Um Padre de Réquiem” apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 152-5.
24
“Processo dos Vereadores”, Depoimentos de José Pedreira França, Luiz de Souza Gomes, Luiz Antônio
Barbosa de Almeida, Antonio Gomes Villaça apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 127-34. Claro, há
outras versões para o ocorrido no Salão da Câmara e arredores, a exemplo da expendida na “Narrativa dos
sucessos da Sabinada, desde a fuga de Bento Gonçalves, escrita por um rebelde ou simpático àquela
revolução”, PAEBa, I, pp. 335-43.
22
revolta da cidade, traço marcante das muitas revoltas do período: fixadas nas cidades as
forças políticas, e carentes de uma mais ampla articulação regional, era a partir das
Câmaras Municipais que os movimentos revolucionários se legitimavam e procuravam
ganhar força geral. Anos antes, Cachoeira e São Félix, importantes cidades do
Recôncavo Baiano, haviam testado a mesma fórmula.
25
O segundo ponto, por sua vez, toca o cerne mesmo dessa declaração: “A
província da Bahia fica inteira e perfeitamente desligada do governo denominado
central do Rio de Janeiro, e considerada Estado livre e independente pela maneira por
que for confeccionado o pacto fundamental (...)”.
26
A Sabinada era assim perfeitamente separatista.
Daí se pode concluir que o propósito bem ambicioso dos rebeldes não era outro
senão o de separar a Província a partir da cidade. Naturalmente, essa não era uma tarefa
simples. O desafio que eles se impunham era o de ampliar o arco da revolução para
além da capital, conquistando ou confirmando os diversos focos revoltosos
possivelmente espalhados na Província, de modo a impedir que o cerco histórico
formado pelo Recôncavo nas guerras travadas na Bahia frustrasse, de saída, seu
movimento.
27
Ao lado disso, o projeto político separatista desenhado com evidente
clareza no documento da Câmara deveria parecer suficientemente convergente a todas
as vontades revolucionárias que porventura pudessem contemplar na revolução um
horizonte legítimo de mudança. Esse efeito político interessava estender tanto aos de
fora quanto aos de dentro da cidade, alertados os sabinos de que o êxodo dos habitantes
consistiria numa forma de sangria equivalente ao cerco externo.
25
Cf. Accioli, Memórias, pp. 354-78.
26
Ata da Sessão Extraordinária de 7 de novembro de 1837, PAEBa, 1948, vol. V, pp. 113-5 (Anexo 1).
27
Luís Henrique Dias Tavares conta a história do famoso cerco das tropas portuguesas pelo Exército
Pacificador das forças brasileiras em 1822-23 em A Independência do Brasil na Bahia, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira/ Brasília, INL, 1977, pp. 100-1.
23
Abria-se assim o tempo da campanha ao lado do tempo da propaganda. Era
preciso, afinal, “ampliar a fundação”. E para isso era essencial articular esses dois
processos na condição de táticas de ampliação do movimento. Fazendo-os dialogar, a
sorte da revolução estaria na dependência não só do desempenho militar dos revoltosos
na projeção do movimento até o Recôncavo. Estaria antes, sobretudo, na capacidade de
controlar publicamente os sentidos políticos com os quais acenava, a ponto de alimentar
sua expansão territorial ao tempo em que garantia a ordem revolucionária na cidade.
Para isso dois flancos foram abertos: a expansão da cidade para o interior e a
mudança da ata. O presente capítulo e o seguinte analisam cada um desses processos,
suas conexões e suas conseqüências.
1.2. Sabinada: a revolta da cidade.
Moreira de Azevedo, cerca de 50 anos depois da Sabinada, em memória lida no
Instituto Histórico Brasileiro, escreveu: “Se triunfou a revolução na primeira cidade da
província, ali ficou circunscrita, não avançou nem mais um passo, porque a maioria da
província reagiu (...)”. A série de ofícios dirigidos por Antônio Barreto Pedroso aos
juízes das cidades e vilas da região do Recôncavo e de outras regiões da província
revela, de fato, que uma minoria existiu, e que teve de ser batida para que o “pendão da
revolta e da anarquia” não se espalhasse com ela.
28
Pedroso havia chegado em
Cachoeira pouco mais de uma semana após a tomada de Salvador. Vindo da Corte, onde
exercia mandato de deputado pelo Rio de Janeiro, havia sido designado Presidente da
Bahia antes mesmo do estouro da revolução. Na cidade que sediava o “governo legal” –
28
Moreira Azevedo, “A Sabinada da Bahia em 1837”, PAEBa, I, pp. 18-38, esp. 20; Ofícios de Barreto
Pedroso aos juízes de paz e de direito de: Cachoeira, 04.01.1838, PAEBa, V, p. 155, na repressão à Feira
de Santana; Jacobina, 09.01.1838, PAEBA, V, pp. 165-6; Valença, 13.01.1838, PAEBa, V, pp. 171 e
15.01.1838, PAEBa, V, p. 176; Caravelas, 20.02.1838, PAEBa, V, pp. 205-6 e 07.03.1838, pp. 219-20;
Nazaré, 09.03.1838, PAEBa, V, pp. 222; sobre a vila da Barra, ofício de Barreto Pedroso ao Ministro da
Guerra, 06.02.1838, PAEBa, IV, p. 447; em Itaparica, ofício do Presidente Pedroso ao Ministro do
Império, 23.11.1837 apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, p. 149 e notícia do Constitucional
Cachoeirano, 23.11.1837, PAEBa, IV, pp. 413-4; sobre a Sabinada no Recôncavo e particularmente em
Nazaré: A. J. Souza Carneiro, “A Sabinada em Nazaré”, PAEBa, IV, pp. 77-96.
24
como há quinze anos no cerco da Independência – foi recebido sem festa, pesando-lhe
sobre os ombros a responsabilidade de devolver ao Império sua “bela província”.
29
Em Itaparica, na vila de Feira de Santana, em Jequiriçá, ou Nazaré; em Barra,
Caravelas, na Vila Nova da Rainha (Senhor do Bonfim) ou em Porto Seguro: as notícias
da disseminação do espírito revoltoso atingiram como balas os legalistas estabelecidos
em Cachoeira. Eles sabiam da importância do aniquilamento pronto desses focos
rebeldes, e conheciam seus principais agitadores. Eram, como eles, “bravos
experimentados” em outras campanhas desde as guerras da independência baiana. Sua
experiência seguiu sendo testada ao longo daqueles anos: uns engrossando a fileira dos
movimentos sediciosos, outros se acostumando a combatê-los.
30
Entre os primeiros se destacam Manoel Joaquim Tupinambá, juiz de paz da vila
de Itaparica, e Hygino Pires Gomes, dono de engenho e traficante de escravos, cujos
motivos para engajamento na revolução estavam longe de ser óbvios.
31
Tupinambá liderou um pequeno grupo que, quatro dias depois da capital,
declarou na Câmara de Itaparica a mesma independência declarada na sua congênere de
Salvador; apenas para no dia 15 desse mesmo mês reintegrar-se a vila, com os novos
emigrados da cidade firmando naquela Câmara contra-declaração que a restituía ao
governo de Pedroso. Insistente, o juiz rebelde fez nova carga, dessa vez reforçado de
29
Souza, A Sabinada, p. 59; Souza Carneiro, “A Sabinada”, pp. 81-2; Ofício do Presidente Barreto
Pedroso ao Ministro da Guerra, 17.03.1838, PAEBa, II, 94.
30
Homens de frente da Sabinada tinham feito a sua estréia em campo nos combates contra os portugueses
na Bahia e nos levantes que se seguiram à Independência. Anos mais tarde, integraram as rebeliões
federalistas de 31-33; alguns deles foram enviados com a tropa para reprimir as revoluções em províncias
do Império. Esse grupo incluía Francisco Sabino, Daniel Gomes de Freitas, Sérgio Velloso, José Nunes
Bahiense, José Joaquim Leite, Alexandre Sucupira, Antônio Tibiriçá Bahiense, Ignácio Pitombo e
Inocêncio Eustáquio Ferreira de Araújo. Souza Carneiro, “A Sabinada”, p. 76; Souza, A Sabinada, p. 165;
Tavares, A Independência, pp. 46-9; Defesa do acusado sargento mor Inocêncio Eustáquio Ferreira de
Araújo, 23. 06.1838, PAEBa, V, pp. 91-8, esp. 92.
31
Pierre Verger divulga lista de suspeitos do tráfico de escravos na cidade de Salvador, enviada pelo
cônsul inglês ao Foreign Office. Lá está “Aigines Pires Gomes”: Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos
entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX, Salvador, Corrupio, 2002,
p. 505. Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 366-7.
25
homens do exército que, ainda embarcados, receberam fogo a que logo adiante em terra
não puderam resistir.
32
O caso de Pires Gomes é mais curioso. Talvez se possa dizer que seu destemor
fosse proporcional ao desinteresse propriamente político que ele tinha pelo movimento.
Para Morton, ele participou da revolta porque ela lhe abria possibilidades como homem
de empreendimentos, o que ajuda a compor um tipo certamente heterodoxo de
revolucionário.
33
Se a paixão pelos ideais não o distinguia, sua destreza em burlar as
vigilâncias, em driblar os bloqueios navais e em persistir até o fim da revolta como um
“fantasma” pelo Recôncavo afora, tornou-o temido entre os adversários. A bordo do
brigue Trovão, forneceu gado aos rebeldes, amenizando seu estado de necessidade;
correu a barra do Jaguaripe e do Jequiriçá, buscando o providencial contato com Feira; e
foi visto “a um só tempo em Santo Amaro, Maragogipe, Nazaré, Cachoeira, São
Gonçalo, na capital, aliciando gente, embora no seu encalço andassem os que se diziam
legalistas”. A. J. Souza Carneiro salientou o impacto quase-heróico que essa figura
produziu entre os habitantes de Nazaré, avaliando que
o que interessava mais à população era conhecer onde achava-se na verdade Hygino Pires
Gomes, se no Pedrão, Jaguaripe, Nazaré, Valença, Inhambupe, São Félix, Curralinho, São
Francisco, na capital ou onde, pois dizia-se que em todos esses lugares conseguiria reforços,
munições de guerra e de boca, além de muito dinheiro e adesões (...).
34
O imaginário popular decerto era livre para produzir seus vôos. Mas até ali,
malgrado todo o empenho duro e por certo arriscado desses missionários sabinos, o fato
era que os ideais revoltosos não tinham podido “achar guarida em nenhum ponto fora da
capital”.
35
Ou em quase nenhum. A vila de Barra e a Vila Nova da Rainha foram
exemplos dos poucos e distantes lugares em que o ânimo da revolta encontrou alguma
32
Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 143-9.
33
Morton, “The Conservative Revolution”, p. 367.
34
Souza Carneiro, “A Sabinada”, pp. 87-92.
35
Ofício de Barreto Pedroso ao Juiz de Paz da Estiva, 03.01.1838, PAEBa, V, p. 154.
26
sobrevida fora da capital; lugares remotos que, como lembrou Morton, encontravam-se
em zonas não-açucareiras, caracterizadas por um tipo de produção social especialmente
diferente daquele das vilas do Recôncavo, essas integradas a um sistema sócio-
econômico típico de regiões densamente escravistas.
36
Tais circunstâncias, se ainda não
fornecem uma explicação dessa desarticulação entre as cidades simpáticas à Sabinada,
ao menos podem indicar questões relevantes para que, nesse passo da narrativa, melhor
se compreenda o desacerto da expansão da capital.
1.2.1. De Salvador para o Recôncavo: sociabilidades políticas da Sabinada.
Em abril de 1836, o juiz de direito de Nazaré oficiou ao Presidente da Província:
pretendia lhe avisar do apuro por que passava aquela vila por conta da existência “de
uma Sociedade Cardeal, com cerca de 90 membros de todas as cores e profissões, que
se encontram abertamente há mais ou menos um mês”. Sua proposta oficial era de ajuda
mútua entre os seus membros, mas o juiz estava avisado de que um de seus integrantes
era agente de um “club” revolucionário em Salvador, com passagem reconhecida na
revolta de 1833, no Forte do Mar.
37
Esse tipo de associação não era novo. Na Bahia temos notícia dele desde a
Conspiração dos Alfaiates em 1798. Essa “sociabilidade” que despontava em fins do
período colonial teve importância decisiva na circulação de idéias sediciosas e de
“desafeição ao trono”, marcando nesse processo a sua distinção em relação a toda sorte
de motins e levantes que até então não haviam formulado um discurso que pusesse
decididamente em questão os fundamentos do poder estabelecido. A composição social
da conspiração baiana era particular, se considerarmos a maior homogeneidade social de
outro grupo contemporâneo de “associados políticos”: os mineiros de 1789. Naquela,
36
Relatório sobre a situação da Vila de Barra, 22.02.1838, PAEBa, IV, pp. 383-8.
37
Citado por Morton, “The Conservative Revolution”, p. 341.
27
assim como na “Sociedade” de Nazaré, reuniram-se pessoas de “todas as cores e
profissões”, embora só os alfaiates se tenham desgraçadamente celebrizado, dada a
típica seletividade repressiva dos mecanismos de justiça oficial.
38
Clubs como o de Nazaré naturalmente também eram ativos na capital. No
período da revolta, sua relevância tinha certamente crescido e, embora o tipo de
agremiação não fosse inédito, havia novidade no fato de que, na Regência, os clubs
adensaram os novos temas políticos sugeridos pelo debate aceso e franco a respeito do
estatuto de poder válido para o Brasil no pós-Independência. Articularam também ao
lado dos temas novos métodos. O principal dentre eles se aproveitou de outra novidade
dessas associações políticas regenciais: seu caráter cada vez mais explícito e a ousadia
cada vez mais ostensiva de sua linguagem redundante pela revolução.
39
Sobretudo
depois da Abdicação, em 1831, na avaliação de Luiz Viana Filho, “todas as idéias
cabiam nesse ambiente inquieto. Por mais absurda, cada uma tinha os seus prosélitos, os
seus defensores, o seu club e o seu jornal, todos a acreditarem e a repetirem que na
revolução estava o remédio necessário”. Nesse clima, ele concluiu, até o governo
conspirava.
40
A importância dessas sociedades para a construção da Sabinada é amplamente
reconhecida. Seus próprios opositores as tinham como redutos anárquicos. Das
associações empenhadas na conspiração para a revolta de 37 não se pode, porém, supor
que tenham representado tão diversamente os extremos da sociedade da província como
aquelas do movimento dos Búzios. Os mais altos cargos do “Estado Livre e
Independente” estiveram ocupados por oficiais do exército e da antiga milícia,
38
Jancsó, “A sedução da liberdade”, pp. 387-472, esp. 388-92, 399-416, 424-32.
39
Marco Morel, As Transformações dos Espaços Públicos: Imprensa, Atores Políticos e Sociabilidades
na Cidade Imperial (1820-1840), São Paulo, Hucitec, 2005, pp. 99-117, 261-276; Renato Lopes Leite,
Republicanos e Libertários: Pensadores Radicais no Rio de Janeiro (1822), Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2000, pp. 227-233.
40
Luiz Viana Filho, A Sabinada (A República baiana de 1837), Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora, 1938, p. 8.
28
comerciantes e médios proprietários, funcionários públicos de alto e médio escalão,
bacharéis, quadros que muito provavelmente traduziam a composição dessas sociedades
já não tão secretas, firmando sua liderança à frente dos negócios da revolução. F. W. O.
Morton dirá que de nenhuma forma a liderança sabina poder-se-ia considerar
“proletária”, fornecendo notícias biográficas de alguns de seus membros.
41
E se é
possível reconhecer, a essa época, uma efervescência de heterogêneas vontades
revolucionárias, é razoável, por outro lado, concluir que esse caráter dos clubs que
tramaram a Sabinada não podia dar conta de organizá-las todas desde o princípio, vale
dizer, no ato de sua concepção.
Há as sempre lembradas palavras de Argolo Ferrão, da linha de abastada família
do Recôncavo, que teria escolhido o lado da legalidade “não porque não adote a
revolução que acho boa mas porque não quero ser governado pelo Dr. Sabino”. João da
Veiga Muricy, ilustre professor baiano e figura de proa da Sabinada, disse algo
semelhante de seus adversários: que eles, vociferando contra o “aurisedento governo
central do Rio de Janeiro”, “se não se animavam a promover a revolução, era por
temerem a oposição da tropa, ou a licença da gente, que eles apelidavam – canalha”.
Mas, pontuou: “à exceção dos mais cevados de ordenados”. E logo na primeira edição
em que o Jornal do Comércio publicou notícia da Sabinada, a Corte foi informada de
que os capitalistas da Bahia haviam depositado seus bens de valor no vaso de guerra
inglês Samarang.
42
41
“Narrativa dos sucessos”, pp. 336-7; Walter Spalding menciona a ajuda de membros de lojas maçônicas
baianas à fuga de Bento Gonçalves do cárcere no Forte do Mar, em seu “A Sabinada e a Revolução
Farroupilha”, PAEBa, IV, pp. 98-103; Relação dos rebeldes que eram autoridades e que se achavam
presos, PAEBa, II, pp. 103-4; Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 363 e 365-8.
42
Blake, “Ainda a Revolução”, p. 65; João da Veiga Muricy, “Um Padre de Réquiem” apud Vicente
Vianna, p. 154. Paulo César Souza supõe uma “tendência separatista mais generalizada” que, inclusive,
“explicaria em parte a relutância inicial de certas autoridades em reprimir o movimento – as reações
desencontradas de Souza Paraizo e Luís da França, por exemplo”. Souza, A Sabinada, p.172; “A
‘Sabinada’ no noticiário do ‘Jornal do Comércio’ do Rio de Janeiro”, PAEBa, IV, p. 166.
29
Esses depoimentos demarcam a relação importante que há entre posições
políticas e elementos de classe e de prestígio social. Mas isso não era tudo. A
complexidade da sociedade baiana obrigava os sabinos a considerarem outras questões
fundamentais do cotidiano daqueles entre os quais pretendiam abrir espaço e conquistar
adesão. Nessa linha, seu projeto de sociedade deveria flertar com as pretensões políticas
das camadas livres e pobres da cidade, sobre as quais a incidência das questões de
classe, imbricada com problemas de cunho racial, manifestava-se de maneira distinta
daquela como se dava, por exemplo, entre os mulatos de classe média letrada, caso de
Francisco Sabino. Ou seja, a condição de classe dos libertos e de muitos desses mulatos
quase brancos – não-letrados e não proprietários – que a Sabinada houve ao final de
incorporar, aproximava-os das temidas “classes perigosas”, camadas para as quais a
primeira ata parecia tímida, se não corporativa. Afinal, seis dos seus sete artigos
liquidavam uma dívida histórica do poder público com a caserna, recompensando
largamente os militares pelas perdas salariais e demissões em massa promovidas pelo
governo da Regência.
43
Atentos ao fato de que a revolução era uma palavra de ordem, era uma
“salsaparrilha política” extensiva a todas as camadas sociais; atentos a isso, portanto, os
sabinos haviam de ser mais precisos e contundentes se queriam dar credibilidade e
conseqüência à consolidação da sua revolução dentro da capital e à sua expansão fora
dela.
44
Marco Morel, falando dos “liberais exaltados” da Corte, afirma que sua
composição social não era muito diferente daquela dos “moderados” e dos “caramurus”
43
João Reis acentua a importância transversal do escravismo para a regulação da mobilidade social à essa
época, e diz que “podiam-se encontrar advogados mulatos, mas não negros”, Rebelião Escrava, pp. 27-
33, esp. 29; Marco Morel nota a presença crescente de mulatos nas agremiações políticas da década de 20
na Corte. Eles eram, não raro, associados às “classes perigosas”: Morel, A Transformação, pp. 291-2; Ata
da Sessão Extraordinária de 07 de novembro de 1837, PAEBa.
44
Viana Filho, A Sabinada, p. 16.
30
– como eram conhecidos os monarquistas de pretensões restauradoras. Campo político
amplo dentro do qual os sabinos poderiam ser incluídos, Morel chama a atenção para o
“esquematismo” que há em associá-lo necessariamente às camadas pobres da sociedade.
E não deixa de considerar que: “mesmo se aceitamos a concepção que eles tinham do
popular, eles não seriam exatamente ‘Povo’, embora se apresentassem como
representantes dessa ‘soberania do povo’”.
45
Dessa questão, da concepção da sociedade insinuada pela revolução, para aquela
de suas “condições operativas” há apenas um passo. Parece claro que as condições do
movimento de 1837 não podem ser comparadas com aquelas que a conspiração de 1798
desenhava, conspiração que disso mesmo não passou. Ainda assim, nesse último caso,
os processos contra os envolvidos demonstram a relutância dos “homens bons” em
admitir sua convivência com os outros debaixo dos princípios que seus panfletos
divulgavam. Essas circunstâncias sugerem que a sociedade que eventualmente surgisse
dali não seria “dos alfaiates” como foi também a tão-só conspiração.
46
Os sabinos, por sua vez, tinham o apoio de boa parte da tropa, em si mesma
reveladora da complexidade social do movimento. Sabe-se que durante algum tempo
circularam muitos boatos entre os quartéis de que uma revolução seria tramada para dar
cabo do elo entre a província e o Império. As circunstâncias de grave descontentamento
em que se encontravam os militares frente ao governo regencial – muitos dos seus
batalhões sendo extintos e dissolvida grande parte da tropa – podem ter feito os boatos
soarem como música a alguns desses ouvidos.
47
45
Morel, As Transformações, p. 109.
46
Jancsó, “A Sedução da Liberdade”, pp. 429-32.
47
Sobre os boatos: Depoimento de Ignácio José Jambeiro apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 127-8;
Acórdão em processo militar, PAEBa, V, pp. 374-84. Para uma discussão do quadro de reorganização das
forças militares na década de 30, e a conseqüente extinção de batalhões do Exército e de forças da milícia,
ver Kraay, Race, especialmente seu capítulo 8.
31
A par de tudo isso, a vulgarização da imprensa militante desempenhou um papel
importante na divulgação dessas idéias revolucionárias, firmando no imaginário político
um horizonte de agitação que passou a se reconhecer no espaço de discussão pública.
Renato Lopes Leite trouxe à tona a valiosa figura de João Soares Lisboa, editor do
Correio do Rio de Janeiro, diário publicado à época da Independência e que pelas idéias
que defendia ficou conhecido por seus detratores como “supremo tribunal
revolucionário”. A oficina tipográfica que o editava funcionou também como um club
revoltoso, “com o nome de loja maçônica para disfarçar a intimidade que ligava a
tantos”. Lisboa, no Rio de Janeiro, foi com o seu jornal um dos principais divulgadores
críticos dos ocorridos às Cortes Constitucionais portuguesas em 1822.
48
Na Bahia, Viana Filho calculou em 60 o número de jornais publicados entre os
anos de 1831 e 1837. Neste contexto se fundou o Novo Diário da Bahia, a nova folha de
Francisco Sabino. Ele, principal ideólogo da revolta que lhe tomaria emprestado o
nome, após um ano preso e outros dedicados à carreira de médico, voltara ao debate na
melhor forma de agitador revolucionário. Em 1831, publicara O Investigador
Brasileiro, conhecido por posições políticas conciliadoras. Já em 1837, em coro com
outros “amigos das novidades”, “no jornal a sua ação tocava as raias do temerário.
Aconselhava, aos olhos do governo, a revolução”. Chegou a ser levado a julgamento
junto com suas palavras, mas o espírito da “década liberal” o absolveu.
49
Na Corte, Morel localizou em 1832 o primeiro texto maçônico publicado sem o
recurso cauteloso do anonimato. As perseguições políticas seriam de esperar. Ali, em
1831, o padre Marcelino Pinto Ribeiro, redator d’O Exaltado, suspendeu sua publicação
depois das ameaças de morte que recebera, o mesmo acontecendo com o responsável
48
Leite, Republicanos, pp. 227-9.
49
Viana Filho, A Sabinada, pp. 9, 87-90; Souza, A Sabinada, p.174. A “década liberal” compreende os
anos de 1827 a 1837, período dentro do qual, para Flory, a efervescência do debate e das reivindicações
políticas em torno de idéias e de práticas de liberdade marcou a continuidade do processo de
Independência no Brasil. Flory, El Juez, 18-25.
32
pelo Jurujuba dos Farroupilhas, também um dos redatores do Nova Luz Brasileira,
João Batista de Queirós. A consolidação progressiva de um espaço público de
circulação de idéias no Império Brasileiro havia relaxado os controles políticos
centralizados, mas seus operadores ainda estavam à espreita.
50
E apesar de que essa rede sediciosa estivesse em plena formação, há de se
considerar as dificuldades de consolidação das conexões entre os clubs e de circulação
das folhas políticas entre as cidades da província. Pesava aqui o caráter ainda
predominantemente local da política, agravado pelas precárias condições de
comunicação entre essas localidades. A correspondência das sociedades federalistas
baiana e fluminense, citada por Morel, não faz supor que essa fosse a regra no que toca
às pequenas cidades.
51
Por isso, a tarefa divulgadora de Higino Gomes, que seguiu pelo Recôncavo de
posse do manifesto revolucionário, não pôde encontrar em Nazaré mais do que uns
poucos clubs desarticulados, sem grande efeito para sua propagação. As proclamações
dos revoltosos, encontradas nos cadáveres que a guerra ia deixando pelo caminho,
morriam com seus soldados.
52
Tratava-se, pois, como se vê, de um teste das fronteiras políticas de uma dada
sociabilidade, transformada então num núcleo revolucionário em ato. Se queriam
crescer os sabinos com a sua revolução, era preciso aprender a compor com os seus
limites. Aprendê-lo no curso mesmo da revolução. E se para isso eles tinham a
contextura dos clubs, dos jornais e o rastilho dos rumores nos quartéis – antecipando e
amadurecendo a proposta revolucionária – não foi senão sobre o controle desses meios
que a prevenção das autoridades “aos boatos desorganizadores” se levantou. Eles
50
Morel, As Transformações, pp. 23-4, 114-7, 287.
51
Morel, As Transformações, p. 275. A notícia da restauração da cidade chega à Corte com atraso de duas
semanas, e de navio, O Wizard, que também levara a notícia de sua queda em favor dos rebeldes, “A
Sabinada no noticiário”, p. 178.
52
Souza Carneiro, “A Sabinada”, pp. 87-8; Ofício de Pedroso ao Ministro da Guerra, PAEBa, IV, p. 454.
33
estavam abertos a quem quisesse ver. Falou-se até em escritos e proclamações
sediciosas, “aparecidos nos lugares mais públicos da cidade”, no mês de outubro de
1837, um mês antes da ação rebelde. Dependente dessas articulações, a expansão da
revolta para o Recôncavo pode ter sido dificultada em boa medida pela possível
precipitação forçada do movimento, provocada pela vigilância das autoridades sobre os
meios usados para sua preparação. Se elas não foram competentes para evitá-lo, ao
menos o podem ter sido para abreviar seu período necessário de maturação.
53
1.2.2. Conspiração e Vigilância: o entreato da repressão.
Não foi outro o motivo da carta enviada pelo então presidente da província,
Francisco de Souza Paraíso, ao Ministro da Justiça na Corte, seu conterrâneo Francisco
Montezuma, três meses antes do episódio no Forte de São Pedro:
Por dever do cargo que ocupo de Presidente desta Província, vou comunicar a V. Exa. para
que não ignore o Governo Geral qualquer circunstância nela ocorrida, que nesta capital tem,
há dias, aparecido boatos desorganizadores os quais, posto que diferentes, contudo parecem
estar de acordo quanto à separação da Província, mas não tendo ainda dados para avaliar
como filhos de uma mesma combinação entre pessoas que possam influir nos destinos da
mesma Província, inclino-me a crer que não passam por ora de desejos dos amigos das
novidades que se nutrem com espalhar tais idéias, para o que talvez lhes tenha fornecido
matéria a linguagem da folha há pouco aparecida na mesma capital com o título de “Novo
Diário da Bahia” (...)
54
Anexos ao ofício estavam dois exemplares do Novo Diário em que, sem meias
palavras, Sabino perguntava: “É possível dispensar a revolução?”. Sua indagação
continuava, sugerindo a todos que “os negócios do Brasil vão assim em tão grande
desmantelação pela falta de ingerência do povo nas cousas públicas”. Sem querer levar
53
Azevedo, “A Sabinada”, p. 18.
54
Ofício de Francisco de Souza Paraíso a Francisco Gê Acayaba de Montezuma, 12.08.1837, PAEBa, IV,
pp. 395-6.
34
a culpa sozinho, trazia Rousseau para expiá-la consigo: “Temos, pois, sido e
continuaremos a ser felizes com o sistema atual sem que se lhe dê algumas
modificações, tomadas imediatamente pelo poder soberano inalienável?”. Não
satisfeito, arrematava seu livre pensamento em tom de decreto: “Senhora Corte central,
cuide no seu centro que nós só podemos ser felizes cuidando cá na nossa periferia.
Ganhe por lá se quiser gastar tanto que nós não estamos mais para sustentar semelhante
madrasta”.
55
Paraíso era hábil, não se pode negar: percebera o nascimento de um dos
principais jornais de oposição ao regime. Mas apesar da veemência insofismável do seu
editor, continuou tranqüilo. Contava com a disciplina da tropa e com o caráter ordeiro
da população da província. No dia 17 de novembro, recebia ofício do Ministro do
Império, que se dizia já devidamente informado da revolução que ele, Paraíso, há tanto
receava.
56
Outro que parece só ter se movido quando não era mais útil foi Gonçalves
Martins, chefe de polícia. Da leitura de sua “exposição”, sabe-se que não ocultava “os
receios que há muito tinha de tal revolução e que os fiz patentes a algumas pessoas
notáveis do Rio e mesmo do ministério, dizendo-lhes que muito convinha retirar por
enquanto o resto da tropa para o Rio Grande”. Suas desconfianças da tropa foram
participadas ao presidente Paraíso e também ao comandante das armas Luiz da França.
Acabaram, no entanto, contribuindo mais para um conflito à parte entre polícia e
exército – nas pessoas de Martins e Luiz da França – do que para a prisão dos acusados.
55
“Novo Diário da Bahia”, 11 de agosto de 1837, PAEBa, IV, pp. 396-403 (anexos 8 e 9).
56
Ofício de Francisco de Souza Paraíso a Francisco Gê Acayaba de Montezuma, 12.08.1837, PAEBa;
Ofício do Ministro do Império a Francisco de Souza Paraíso, 17.12.1837, PAEBa, V, pp. 321-2. Em
depoimento na condição de testemunha, D. Baltazar da Silveira, ajudante de ordens do Comandante das
Armas que fora preso pelos rebeldes logo quando do estouro da revolta, disse ter ouvido de Sérgio
Velloso a afirmação de que ela aproveitara a ocasião, “pois que o governo já sabia da revolução, o que
[José Nunes] Bahiense e Daniel [Gomes de Freitas] confirmaram na presença d´ele, testemunha”, apud
Vicente Vianna, p. 130.
35
Isso porque o batalhão destacado por sugestão do primeiro para lutar na frente gaúcha,
não indo ter ao Rio Grande por objeção do segundo, aquartelou-se no dia 6.
57
Uma ligação da Sabinada com o Rio de Janeiro foi alegada por muitos daqueles
historiadores da geração do Instituto Histórico, dentre eles Braz do Amaral e
Sacramento Blake Supunham, por diferentes motivos, que a revolta havia sido tramada
na Corte, e ultimada mesmo com a queda de Feijó, cabeça do movimento. Ou seja, era o
governo conspirando pelo golpe contra os conservadores, com o apoio dos
revolucionários nas províncias. O próprio Amaral admite a falta de evidências da
hipótese, que se enfraquece ainda mais diante do texto do “Plano Revolucionário” que
abre esse capítulo, segundo o qual a presença de Feijó no governo era a última
esperança institucional dos futuros rebeldes, e que, portanto, não era ele o mentor da
revolução, mas antes quem a podia evitar. Saído ele, isso sim, não havia outra escolha.
58
Mais sentido ainda tem essa interpretação quando outra ligação com o Rio, mais
verossímil, une as palavras do “Plano e Fim Revolucionário” às de um outro “exaltado”,
Borges da Fonseca, redator de “O Repúblico”, revelando a mesma frustração com o
governo da Regência:
São passados 6 anos ao depois d´essa promessa terrível, e que é do desempenho a ela? O
que se fez para aproveitar a revolução? Míseros macacos somos nós que só vivemos para
imitar os outros, para copiarmos a Europa, como se a Europa nos aproveitasse. Assim
mesmo os doutrinários de Luís Felipe aproveitaram os três dias de julho para reformar a
Carta; para condenar os ministros traidores (...).
59
Se o Rio forneceu motivos à revolução na Bahia, eles foram ideológicos e não
logísticos. A rebelião era nativa e se precipitou com o aperto promovido por Martins ao
57
Gonçalves Martins, “Nova edição”, p. 226.
58
Braz do Amaral, “A Sabinada”, PAEBa, II, pp. 3-51 e esp. 4-5; Blake, “Ainda a Revolução”, p. 58.
Morton confirma não ver sequer leves evidências dessa trama na Corte, “The Conservative Revolution”,
p. 347.
59
O Republico, 19.01.1837 apud Morel, As Transformações, p. 112.
36
tomar conhecimento de que no club da Piedade estava Sabino e que ali havia se
pronunciado a palavra “revolução”. Isso era mais do que uma prova, ainda que tardia.
60
A responsabilidade completa que os baianos tinham, portanto, por sua revolução,
tornava-os senhores de sua expansão. Mas eles não aproveitaram o tempo que tinham.
Tempo que corria a seu favor, haja vista o quase completo desaparelhamento dos
legalistas no momento imediatamente seguinte ao da tomada da cidade. E era deles,
legalistas, a culpa por esse cenário. A dispensa progressiva dos batalhões do exército e
sua substituição por uma milícia civil que se submetesse mais facilmente ao controle
centralizado do Estado em formação custaram caro aos governos central e das
províncias, ponta onde rebentavam todos os contratempos.
61
Na cidade, no entanto, “perdeu-se tempo em proclamações, em ditirambos à
vitória”. Os rebeldes não viram – mas podiam tê-la imaginado – a comunicação feita
por Barreto Pedroso ao Ministro Bernardo de Vasconcelos, na qual, a par de lhe
requerer ajuda, acusava todas as carências materiais dos seus homens de guerra: “Há
nesta brigada 1175 praças, porém armadas só 792, por isso que continuara a
experimentar a mesma falta de armamento ainda que com suma dificuldade algumas
armas tenham sido obtidas”. As armas enviadas pela Corte, ainda em novembro,
voltaram para lá, inteiras, com o navio que as conduzia, quebrado. “Foi no dia 21 de
dezembro que recebi 260 espingardas de Sergipe e no dia 22 à noite que aqui chegaram
na Barca de vapor Paquete do Norte 300 do Rio de Janeiro”, péssimas muitas delas,
60
Gonçalves Martins, “Nova edição”, pp. 227-30; Morton diz que a extensão que tomou a trama do
movimento tornou impossível que ele não se tornasse conhecido pelas autoridades, “The Conservative
Revolution”, pp. 347-8.
61
Viana Filho, “A Sabinada”, pp. 100-2; Kraay, Race, pp. 226-31.
37
escreveu Barroso ao Presidente da Província de Pernambuco, Francisco de Rego
Barros.
62
Esvaziado pela tropa e inerme, o exército legalista havia de se formar – além da
polícia – com os elementos da recém-criada Guarda Nacional, ainda em fase de
experimentação e pouquíssimo profissionalizada. Até aquele momento, as guardas não
haviam sido postas em ação regular sequer em cidades importantes como o Rio de
Janeiro e Salvador. Funcionavam apenas em momentos de crise. Portanto, foi por causa
dela que, a 13 de janeiro, o presidente Pedroso instou todas as vilas e comarcas a
organizarem sua guarda e colocá-las à disposição do combate, recordando-lhes de
cumprir a lei que existia.
63
Mas ainda antes disso, autorizado pelo governo central a
recrutá-la, o efetivo que arregimentara “nenhuma disciplina tinha, nenhuma obediência
reconhecia aos superiores”, por isso “não me animo a pô-lo já em execução, porquanto
receio que apareça o maior desalinho, quando não completo abandono das forças
reunidas”. Assim ele só teve algum descanso quando chegou a tropa de Pernambuco,
desembarcada a caminho do Rio Grande do Sul. Não era bastante, mas conferia às suas
fileiras um ar de organização militar pouco mais apresentável. Os pernambucanos
ganhariam a companhia dos alagoanos, sergipanos e da tropa da Corte. Havia mais isso:
o exército que existia tinha de viajar de norte a sul, literalmente, com escala na Bahia.
As forças da Corte e das províncias combinadas lutavam nas frentes do Pará,
conflagrado pela Cabanagem, e, outro extremo, na longa Guerra dos Farrapos, que
62
Viana Filho, “A Sabinada”, p. 101; Ofício do Presidente Barreto Pedroso ao Ministro Bernardo Pereira
de Vasconcelos, 29.11.1837, PAEBa, IV, pp. 435-6; “A Sabinada no noticiário”, p. 168; Ofício de
Barreto Pedroso ao Presidente da Província de Pernambuco, 03.01.1838, PAEBa, IV, pp. 439-40.
63
Kraay, Race, p. 229; Souza Carneiro, “A Sabinada”, p. 90.
38
sobreviveu mais sete anos à dos sabinos. Eis o belo pacto federativo que se lhes
deparava.
64
Sobre os dilemas da expansão, ninguém entre os contemporâneos e ativos da
revolta fez melhor análise do que Manoel Tupinambá, a respeito de como impunha se
comportar diante desses flancos que a tomada pronta da cidade tinha aberto à sua frente.
Lotado em Itaparica, de onde proclamou e oficiou ao vice-presidente do governo
rebelde, o juiz de paz deu mostras da lucidez que parece ter faltado aos seus colegas da
capital que, ilhados em pleno continente, não conseguiram convertê-la em prática.
No ofício que escreveu ao comando rebelde, um dia depois de ocupar a Câmara
de Itaparica, considerou as precárias condições de defesa do município, grifando ser
“urgentíssimo apartar-nos das influências do prazer, e aplicar-nos a uma séria defesa
desta vila, que sendo um ponto circulado de mar pode ser invadido por muitas partes”.
No mesmo texto, afirmou “que toda e qualquer defesa que se aplique deve ser pronta e
forte, a fim de que todos se convençam da disposição do Governo de V. Exa., o que
formando confiança produz imediatamente força moral a favor do governo”.
65
Antecipando sobre si mesmo a aplicação das lições que dava aos baianos, e por
conta de “desarmada absolutamente” a vila, juntou suas vinte armas desconcertadas e
“tomei o expediente de as mandar consertar aqui, pressuposto o devido pagamento pelo
Governo; e isto V. Exa. resolverá”. Isso ele o fez com toda a eficiência de um recém-
empossado estadista, “bem que não seja da competência de um juiz tratar dos empenhos
e circunstâncias de uma defesa bélica”. E como, apesar de lúcido, não era dois, terminou
o ofício com solicitações ao centro da revolução, “asseverando a V. Exa. que um
64
Ofício do Presidente Barreto Pedroso ao Ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos, 29.11.1837,
PAEBa; Ofício do Presidente Pedroso ao Ministro da Guerra, 12.01.1838, PAEBa, II, p. 88; Ofício do
Ministro da Guerra ao Presidente Pedroso, 17.11.1837, PAEBa, V, p. 327.
65
Ofício Tupinambá ao Vice-Presidente do Estado, 12.11.1837, PAEBa, II, pp. 71-2.
39
aparato aqui de força, e duas canhoneiras, muito influiria nos ânimos, e resolveria
vontades indecisas; enfim V. Exa. resolverá”.
66
Essas vontades, seguindo indecisas, muito provavelmente importaram para que
até janeiro “nada tivesse avançado”. Ainda que, como reconhecera o próprio presidente
legalista, houvessem os rebeldes “elevado sua força de 2500 a 3000 homens”, e
“encontrado bastante armamento nos arsenais e quartéis”. No Recôncavo, onde a
batalha da propaganda promovida de cada lado confundia os interessados, a falta de
clareza acerca dos horizontes da revolução e do avanço de sua guerra teria contribuído
para que houvesse poucas manifestações ofensivas de apoio à causa. No dia 2 de
janeiro, um dia antes de aportarem no Recôncavo os pernambucanos, decretava-se
oficialmente o bloqueio da capital pelas forças do Império. Carneiro nem precisara
responder as comunicações de Tupinambá porque, como se demonstrou, onde sobrava
energia faltava braço armado, e Itaparica logo caiu. Depois dela caiu também a maioria
das outras vilas que experimentaram a fantasia da revolução, e até o Trovão que
conduzia Higino Pires Gomes baía afora debandou para o lado legalista com o seu
comandante, desguarnecendo outra importante figura impetuosa dessa expansão.
Completando o ciclo, à Marinha que os sabinos tinham criado faltavam marinheiros e o
mar que os banhava estava fechado.
67
Talvez naquilo que pudesse representar uma qualificada – e última – esperança
de ampliação do movimento, o contato com os estrangeiros foi estabelecido pelos
rebeldes na condição de membros de um novo Estado. O professor Muricy publicou no
seu Philopatro incisiva posição em defesa da obrigação jurídica das nações estrangeiras
em reconhecer a independência dos novos Estados criados pela via revolucionária. A
66
Ofício Tupinambá ao Vice-Presidente do Estado, 12.11.1837, PAEBa.
67
Amaral, “A Sabinada”, p. 28; Ofício de Barreto Pedroso ao Presidente da Província de Pernambuco,
03.01.1838, PAEBa; Souza Carneiro, “A Sabinada”, pp. 86-89; Ofício de Manoel da Sa. Baraúna ao Juiz
Municipal da Vila Nova da Rainha, 26.01.1838; Daniel Gomes de Freitas, “Narrativa dos sucessos da
Sabinada”, PAEBa, I, p. 270.
40
eles tocaria prezar pela continuidade das relações de comércio, abstendo-se de interferir
em suas questões políticas internas, ou de discutir sua legitimidade. Assim diziam as
instituições de direito público.
68
O sentido prático dessa argumentação é evidente. O assédio militar feito à cidade
de Salvador havia reduzido drasticamente as suas provisões de alimentos, e em janeiro
já se contavam mortes por inanição, sobretudo de escravos, sem mencionar o incentivo
nada ideológico que essa situação representava para o êxodo crescente da cidade. Para
Morton, nessa fase dos acontecimentos a economia havia superado a política como
centro das preocupações revolucionárias.
69
Ocorre que, donos do mar de todos os santos, os “imperialistas” não
descuidaram de cercar também os estrangeiros. Ao ofício de João Carneiro que
assegurava para o cônsul inglês a amizade do governo revolucionário, requerendo-lhes
recíproca atitude, correspondeu a ação prática dos legalistas que, estabelecendo em
Itaparica os negócios da Alfândega, alertaram os traficantes do reino de Sua Majestade
que os impostos pagos fora dela não seriam reconhecidos. Houve algumas poucas
tentativas bem sucedidas feitas por barcos de nacionalidade inglesa e dinamarquesa de
furar o bloqueio e comerciar com os rebeldes. Mas, sabendo disso, logo o governo de
Cachoeira expressou sua contrariedade ameaçadora em ofícios de linguagem ríspida
como o dirigido por Pedroso ao representante diplomático dos Estados Unidos. Nesse
documento, o cônsul estadunidense não era mais alvo de um pedido, mas de uma
intimação.
70
68
João da Veiga Muricy, “Philopatro”apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 180-4.
69
Declaração do capitão da barca inglesa Lord Goderick, “A Sabinada no noticiário”, pp. 168-9; Morton,
“The Conservative Revolution”, p. 372.
70
Ofício de João Carneiro da Silva Rego ao Cônsul Inglês, 08.11.1837, PAEBa, V, p. 389; Ofício do
Secretário Antônio Joaquim da Silva Gomes ao Cônsul Inglês, 28.11.1837, PAEBa, V, pp. 391-2; “A
Sabinada no noticiário”, pp. 173-4; Ofício do Presidente Pedroso ao Cônsul dos Estados Unidos,
04.01.1838, PAEBa, V, p. 156.
41
Até fevereiro, os ofícios de parte a parte acusam a presença de vasos ingleses
ancorados na proximidade das praias baianas. Imóveis e suspeitos de colaboração com a
legalidade, porém, eles nada ajudaram. E pouco adiantou a liberação do comércio de
cabotagem por estrangeiros decretada por Carneiro Rego nos últimos dias do ano: não
tinham o que conduzir. As Fragatas Imperiais formavam já a linha indefectível que
fechava a entrada da baía, apenas além das quais fundeavam os navios vindos de fora do
país.
71
Tal era o conforto da situação dos “imperialistas” que, em meados de janeiro, na
comunicação feita ao juiz de Valença, Pedroso lhe recomendou tranqüilidade e que não
tivesse receio de “que os rebeldes para aí se dirijam, ou tenham na Comarca de sua
jurisdição algum desembarque, porquanto, além do cerco de tropas que por terra os
contém na Capital (...) temos hoje por mar uma respeitável linha de embarcações que
lhes embarga a saída para o recôncavo”. Sequer os barcos que saíam do sul da província
podiam fazê-lo sem pagar fiança ou sem exibir no retorno de seus destinos comerciais o
carimbo das autoridades do Império, sob pena de serem presos seus tripulantes pelo
crime de colaboração sediciosa. Muitos deles carregavam farinha, alimento básico de
grande parte da população da província, sobretudo sua extensa parte pobre. Na cidade,
durante a guerra, vendia-se a 50$ a barrica, informa uma “carta particular” dirigida ao
Jornal do Comércio no mês de janeiro. A mesma barrica um mês depois não saía por
menos de 150$, segundo notícia do mesmo periódico fluminense.
72
Diante desse estado de coisas, com o cerco militar grassou o inevitável aperto da
fome, impávido general. A farinha que ainda restava era de trigo e se comia
71
Ofício do Presidente Pedroso ao Cônsul Inglês, 09.02.1838, PAEBa, V, p. 401; Ofício de Francisco
Sabino Álvares da Rocha Vieira ao Cônsul Inglês, 13.02.1838, PAEBa, V, p. 401; Ofício de João
Carneiro da Silva Rego ao Cônsul Inglês, 15.12.1837, PAEBa, V, p. 395; Resolução, 23.11.1838,
PAEBa, V, p. 397.
72
Ofício do Presidente Pedroso ao Juiz de Direito de Valença, 13.01.1838, PAEBa, V, p. 171; Ofício do
Presidente Pedroso para o Juiz de Direito da Comarca de Ilhéus, PAEBa, pp. 183-4; Bert Jude Barickman,
Um Contraponto Baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860, Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 2003, pp. 89-92; “A Sabinada no noticiário”, pp. 172-3.
42
“desmanchada em duras bolachas”. Ainda mais dura, porém, devia ser a casca da jaca,
que um anônimo disse servir de alimento ao “povo decidido”, “pois o exército sempre
teve recursos”.
73
A máxima do professor Muricy, um dos cérebros do movimento, segundo a qual
“a lei da revolução é tudo aquilo que tende a fazê-la prevalecer” se tornara letra morta.
A fome e a falta de ousadia bélica a haviam matado. No meio tempo entre a deflagração
revolucionária e a montagem do aparato repressivo, a ausência de uma estratégia militar
mais inteligente tornou os sabinos dependentes de variáveis que dali em diante não mais
controlariam. Pelo mar, do lado do oceano e para dentro da baía; por terra, na Estrada
das Boiadas, em Pirajá e, na outra ponta, na estrada de Itapuã, a cidade estava
definitivamente cercada e não trabalhava senão para dentro, talvez contando o tempo
com amargo sabor de dejá vú. Sua propaganda, seus decretos e proclamações assumiam
já uns ares de delírio, do que dá boa prova a incorporação por decreto das terras de
Itaparica ao território do “Estado Livre e Independente”, em 27 de janeiro, quinze dias
depois de o governo de Cachoeira organizar os “Defensores do Império”, batalhão
sediado naquela mesma ilha. Afinal, eles tinham a força.
74
1.2.3. Salvador: cidade “vazia”.
Esse estado de revolta presa e radicada na cidade é, em todos os sentidos,
perfeitamente representado pela Câmara Municipal de Salvador. Simbólica de muitas
maneiras, a Casa dos Vereadores aclamaria a revolução, daria posse às suas lideranças e
73
Ofício do Presidente Pedroso ao Presidente da Província de Sergipe, PAEBa, 07.01.1838, IV, p. 441;
“Narrativa dos sucessos”, p. 341; Souza, A Sabinada, pp. 89-90, 132. A hipótese de que havia distribuição
privilegiada de alimentos na capital é fortalecida pela declaração de Barreto Pedroso, já como deputado à
Assembléia Geral, segundo a qual “no dia 16, em que as armas da legalidade triunfaram completamente,
havia na cidade bastante carne e farinha”, cf. No Parlamento Nacional, Sessão de 12 de maio de 1838,
PAEBa, II, p. 120.
74
Apud Vicente Vianna, A Sabinada, p. 156; Souza, A Sabinada, pp. 100-2; Proclamação de Sérgio
Velloso sobre a expedição de Hygino Pires Gomes, 10.03.1838, PAEBA, II, p. 87; Souza Carneiro, “A
Sabinada”, p. 91; Souza, A Sabinada, Confisco das Terras de Itaparica, 27.01.1838, p. 249; Proclamação
de Barreto Pedroso, 14.01.1838, PAEBa, V, p. 174.
43
funcionaria até o seu último suspiro. Nota importante é que, para funcionar, teria de
recrutar incessantemente novos eleitos para suprir a falta daqueles que iam renunciando
aos seus mandatos, em especial pelo medo da derrota e da repressão vindouras. O tom
curioso fica por conta das justificativas apresentadas às autoridades: elas contêm
queixas de toda a sorte de moléstias porque a revolução parece ter espalhado pela cidade
um “ar danado de doença” que só o clima do Recôncavo seria capaz de curar.
75
No dia 24 de novembro, ainda nos albores da revolução, em ofício dirigido ao
único vereador remanescente – Vicente José Teixeira – o vice-presidente rebelde
expressou suas preocupações com o fato de não ter a Câmara se reunido fora das duas
sessões extraordinárias que abriram a rebelião, e lhe solicitou fossem recrutados novos
colegas para pôr em marcha os negócios daquela Casa. De fato, seis dos nove
vereadores haviam assinado a ata do dia 7 de novembro; um deles, por “doente”, não
compareceu à reunião do dia 11. Daí em diante, até o dia 20 desse mês, outros quatro
haviam emigrado e Teixeira se viu na missão de recompor, sozinho, os oito lugares
restantes, na forma da Lei de Organização das Câmaras Municipais, promulgada em 1.º
de outubro de 1828.
76
Dos ofícios que dirigiu aos cidadãos mais votados, Teixeira obteve como
resposta alguns atestados médicos. Mas outro fato igualmente precioso para visualizar a
falta de pessoal revolucionário resultou desse recrutamento da Câmara. Entre os mais
votados estavam Daniel Gomes de Freitas e Manoel Pedro de Freitas Guimarães, ambos
militares. O primeiro, na resposta que deu a Teixeira, confirmou “o interesse que tenho
em ver progredir a causa pública”, prometendo aparecer mesmo em plena função de
75
Processo dos vereadores apud Vicente Vianna, pp. 130-5; Ata da Sessão Extraordinária da Câmara
Municipal, 13.12.1837, PAEBa, V, p. 120.
76
Ofício de João Carneiro da Silva Rego a Vicente José Teixeira, 24.11.1837, PAEBa, V, p. 127;
Processo dos vereadores, apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, 130-5; Lei de Organização das Câmaras
Municipais, 1.º de outubro de 1828 apud Paulo Bonavides e Roberto Amaral, Textos Políticos da História
do Brasil, Brasília, Senado Federal, 2005, vol. I, pp. 848-860.
44
guerra. E apareceu. Nomeado ministro daí a dois meses, porém, abriu nova vaga entre
os colegas. O mesmo aconteceu com Guimarães, que a 13 de janeiro era dispensado da
vereança “por se achar encarregado de várias comissões pelo Governo do Estado”. Não
satisfeito o Estado, houve por bem ainda nomeá-lo Ministro da Marinha. Em 15 dias, no
entanto, Carneiro Rego lhe dava baixa de todas as funções “por suas moléstias”. A este,
antigo experimentado nas lutas pela independência, a revolução parece ter,
verdadeiramente, esgotado.
77
O que se pode notar desses casos exemplares é que o esvaziamento da cidade e
de sua primeira casa faria par com o de seu aparato administrativo. Em alguns livros da
secretaria de Governo “não se encontra um só documento daquela época como se ela
tivesse sido um parêntese na vida pública e na administração da Bahia”, comenta Braz
do Amaral, não sem algum exagero. Na ata da sessão que retoma os trabalhos da
Câmara, em 4 de dezembro, seu presidente arrola o considerável número de cargos
vagos cujo provimento demandava pronta atenção das autoridades. Um de seus colegas
“observou que a falta de um juiz de direito era sensível tanto que não havia quem
abrisse testamentos, e praticasse outros atos de absoluta necessidade”. Dos juízes em
seguida nomeados, Antônio José de Sá Freire cumularia a magistratura com a chefia de
polícia, funções cuja flagrante incompatibilidade deve tê-lo forçado a escolher. O
mesmo desconcerto se deu com os juízes de paz, cuja nomeação exigiu manobras
constantes da parte do governo. E às sobreposições na Câmara se sucederam muitas
77
Ofício de Manoel Domingues Lopes ao Presidente da Câmara Municipal, 27.11.1837, PAEBa, V,
p.127; Ofício de Theodoro Praxedes Fróes ao Presidente da Câmara Municipal, 27.11.1837, PAEBa, V, p.
128; Ofício de Daniel Gomes de Freitas ao Presidente da Câmara Municipal, 28 de novembro de 1837,
PAEBa, V, p. 128; Decreto do Governo Rebelde: Criação de um Ministério, 19.01.1838, PAEBa, II, p.
68; Ata da Sessão Ordinária de 13 de Janeiro de 1838, PAEBa, V, p. 121; Decreto, 08.03.1838, PAEBa,
II, pp. 69-70. O então brigadeiro reformado Manoel Pedro de Freitas Guimarães foi uma das principais
figuras da resistência baiana ao brigadeiro português Madeira de Mello, enviado ao Brasil para assumir
em seu lugar o Comando das Armas da Província, por decisão das Cortes Portuguesas no início do ano de
1822. Guimarães seria preso e enviado para Lisboa, num processo que se concluiria com a expulsão de
Madeira e suas tropas da Bahia. Cf. Tavares, A Independência, pp. 23-50, 55-6; Berbel, A nação como
Artefato: deputados do Brasil nas cortes portuguesas (1821-1822), São Paulo: Hucitec, Fapesp, 1999, p.
58.
45
outras, além de outras tantas vagas abertas pelo deslocamento de antigos empregados,
que passavam a acumular novos cargos, haja vista as lacunas que se verificavam com o
abandono dos postos. Francisco Sabino, pontífice da revolta, foi, além de Secretário do
Governo, Ministro do Interior efetivo, Ministro de Estrangeiros interino e físico-mor do
Exército. Sem parar de escrever seu “novo diário”.
78
Não se pode dizer, portanto, que a revolução estava completamente parada. Por
outro lado, é notório que o Estado gastou muito do seu tempo com as incertezas a
respeito “de que quadros poderia dispor”, conforme o texto daquela mesma ata. Não
restavam muitos dentre aqueles que a revolução acreditava poder recrutar para a
máquina pública, o que naturalmente lança nova luz sobre os já discutidos limites de sua
sociabilidade e de seu horizonte políticos. Na composição de sua burocracia, como em
outras situações, algumas certezas haveriam de ser revisitadas, e, diante das
circunstâncias graves do êxodo, era preciso decidir para onde estender a revolução,
mantendo ainda o controle sobre suas ações. Afinal não era só a quantidade de
emigrantes que importava, mas sobretudo a “qualidade” dos que ficavam. A cidade,
esvaziada por um ângulo, encheu-se daqueles a quem os sabinos não tinham dado uma
sinalização política firme e positiva de que eram bem-vindos à revolução, mas que
possivelmente arriscaram ficar, feito o cálculo dos riscos e das dependências. A “luta de
ricos contra pobres e de brancos contra pretos”, que Morton identifica na Sabinada,
torna-se mais evidente, segundo ele, com a definição do caráter de sua liderança no
tempo. Algo que, porém, não se pôde traduzir, da parte desses líderes, numa atitude
78
Amaral, “A Sabinada”, p. 18; Ata da Sessão Extraordinária em 04 de Dezembro de 1837, PAEBa, V,
pp. 116-7; Decreto: Organização das Repartições, 23.01.1838, PAEBa, II, pp. 61-4, esp. 63; Ofício de
João Carneiro da Silva Rego à Câmara Municipal, 30.01.1838, PAEBa, V, p. 137.
46
decidida de organização dos elementos ideológicos ali presentes em resposta ao crítico
estado de coisas. Tal era a sua heterogeneidade.
79
Nesse sentido, o decreto datado de 3 de janeiro que cria, com escravos nascidos
no Brasil, o “Batalhão Libertos da Pátria” poderia soar como uma tentativa de romper
essa indefinição e de elaborar uma resposta. Mas o modo como ela se formula é
sintomático e revelador da inflexibilidade do projeto revolucionário num momento de
crise. Amplia-se o estado revolucionário pelo recrutamento de novas fileiras que se
destacam das original e genuinamente sabinas. A divisão dos crioulos num batalhão
específico obedece ao mesmo tipo de padrão racial organizador do Exército vigente até
as reformas liberais na Regência. E não há nenhum indício razoável de que os protestos
de humanidade que abrem o decreto se sustentavam numa mais ampla proposta
abolicionista do movimento. Como se verá adiante, ela não seria consistente com o
pensamento e com a vida cotidiana dos revolucionários, sem falar que seus documentos
políticos omitem qualquer referência a esse respeito. As reações de alguns sabinos a
esse expediente demonstrarão ainda que muitos deles não julgavam que os escravos se
incluíssem no grupo daqueles que se podiam convocar, mas antes em outro do qual
deveriam se defender. Gomes de Freitas repugna, em sua memória, não só o batalhão de
crioulos em si, mas a convivência tolerada por alguns comandantes de pretos e livres na
mesma companhia, como foi o caso dos “Bravos da Pátria”. A inconsistência dessa
nova tentativa de expansão ia lhes custar ainda mais caro: a convocação de escravos
renderia aos líderes da revolta a acusação de insurreição – quer dizer, de organização de
levante escravo – o que acrescentaria mais uma morte no rol de suas penas.
80
79
Ata da Sessão Extraordinária em 04 de Dezembro de 1837, PAEBa; Morton, “The Conservative
Revolution”, pp. 362-3; Kraay, “As Terrifying”, pp. 516 e ss.
80
Criação do Batalhão Libertos da Pátria, 03.01.1838, PAEBa, II, pp. 83-4; Kraay, Race, pp. 21-30;
Freitas, “Narrativa”, pp. 267-8; Souza, A Sabinada, pp. 147-8; Morton, “The Conservative Revolution”,
p. 356. O Julgamento dos Rebeldes, 02 de junho de 1838, PAEBa, II, pp. 112-4; Razões de Recurso de
João Carneiro da Silva Rego, 28.02.1839, PAEBa, III, pp. 131-3.
47
A cidade tinha definido, assim, o verdadeiro limite das estratégias bem ou mal
sucedidas dos sabinos. A centralidade e a persistência da Câmara Municipal como um
símbolo da Sabinada marcaram, ainda naquele momento histórico, a localidade como o
espaço privilegiado da política e a Câmara como sua instância pública representativa. É
nela, no seu contraponto cachoeirense, que também toma posse Barreto Pedroso ao
chegar da Corte para assumir a Província da Bahia. Por causa dela, também, não se
investem em seus postos os deputados da Assembléia Provincial, pois era sua a
responsabilidade, de acordo com a legislação em vigor, de expedir os diplomas
necessários à posse deles. Além disso, a convocação da Assembléia afastaria do
trabalho de vigilância e de repressão muitos juízes de direito que tinham mandatos
provinciais. Sua tarefa como magistrados servia mais ao restabelecimento da capital,
assim o justificou Pedroso ao Ministro do Império.
81
No lugar da Câmara, ao longo dos anos que viriam, a então tímida Assembléia
Provincial iria se estabelecer. Instalada desde 1835 na Bahia e surgida da reforma que o
Ato Adicional instituiu um ano antes, a Assembléia resultou de um projeto de poder que
o novo acordo entre as elites local e burocrática firmava para consolidar o Estado
centralizado e garantir sua convivência com as virtualidades econômicas das paróquias.
A disciplina e a restrição das funções legais dos municípios têm mesmo antes disso um
importante exemplo na citada lei de 1828, que organiza as cidades com a atenção de
uma regulamentação detalhada. Esse processo será visto com mais detalhe à frente.
Aqui basta dizer que a Sabinada o atravessou e o fez reavaliar-se.
82
81
Amaral, “A Sabinada”, p. 30; Lei de Organização das Câmaras Municipais, 1.º de outubro de 1828, art.
53, apud Bonavides, Textos Políticos, p. 854 ; Portaria determinando o dia da instalação d´Assembléia
Legislativa Provincial, 24.01.1838, PAEBa, V, p. 186; Ofício do Presidente Barreto Pedroso ao Ministro
Bernardo Pereira de Vasconcelos, 29.11.1837, PAEBa, IV, pp. 437-8.
82
Portaria determinando o dia da instalação d´Assembléia Legislativa Provincial, 24.01.1838, PAEBa.
48
E os periodistas da legalidade, em meio ao quadro de necessidades que já
despontava na cidade à entrada de janeiro, convenciam-se dos rebeldes “que seu reinado
efêmero está expirando”. Um mais virulento editor do Constitucional Cachoeirano,
antes mesmo de virar o ano, vaticinava “que a sua república se há de limitar ao forte de
São Pedro”. Ao menos durante um tempo, porém, a Salvador dos rebeldes foi mais que
o Forte de São Pedro. Mas até onde ia a cidade do Salvador? Aproveitemos o motivo e
investiguemos até onde se estende a cidade da Bahia; vejamos como um incidente
natural recorta essa narrativa e se impõe, levando-nos a examinar com mais clareza as
múltiplas relações entre Salvador e o Recôncavo, de modo a perceber melhor o que
significavam a cidade, sua hinterlândia, o cerco, a revolução e suas mudanças de
rumo.
83
1.3. Salvador da Bahia: a política de sua integração ao Recôncavo.
Considerada de um modo geral pela historiografia como um exemplo típico da
chamada economia de “plantation”, a Bahia foi estudada principalmente por esse viés
no que toca ao seu regime de produção. Aquela Bahia que mais fornecera elementos
para esses estudos é uma região composta por uma interconexão de cidades e vilas que
se estende de Salvador – à época também conhecida como cidade da Bahia ou
simplesmente Bahia – até os limites do seu Recôncavo, área situada no fundo da Baía
de Todos os Santos, grande mar interno que junto com uma importante confluência de
rios une e distingue suas povoações. Nessa área da capitania, depois província,
desenvolveu-se um tipo de produção largamente caracterizada como monocultura
exportadora de gêneros alimentícios, explorada pela força escrava de trabalho no
universo de grandes propriedades rurais.
83
Carta de uma pessoa fidedigna apud “A Sabinada no noticiário”, p. 166; Constitucional Cachoeirano,
23.11.1837, PAEBa, IV, pp. 413-4.
49
A ênfase dada a esse modelo como elemento definidor do sistema de reprodução
da economia nacional no período encontra-se em não poucos autores clássicos. Um dos
mais notáveis dentre eles é Caio Prado Jr., enfático em dizer que “a nossa economia se
subordina inteiramente a este fim, isto é, se organizará e funcionará para produzir e
exportar aqueles gêneros. Tudo mais que nela existe, e que é aliás de pouca monta, será
subsidiário e destinado unicamente a amparar e a tornar possível a realização daquele
fim”. Escrevendo sobre a passagem do Setecentos para o Oitocentos, ele afirmará ainda
que esse sistema não é típico do regime colonial, e sobrevive após a emancipação
política brasileira, refazendo suas dependências e caracterizando-se como uma
economia de crescimento e crise, incapaz de constituir “a infra-estrutura própria de uma
população que nela se apóia, e destinada a mantê-la”.
84
Raymundo Faoro, tratando dessa mesma transição, acentuará o caráter de
“sistema fechado” com que a grave crise econômica do início do século XIX marca as
grandes lavouras saídas do último apogeu colonial. Retraído aos próprios recursos, e
inibida a circulação de capital comercial, o grande proprietário se transmudaria no
senhor de rendas, comandante de uma autarquia produtora. Esse engenho transformado
em fazenda alargaria sua base agrícola para além da antiga centralidade monocultora,
principalmente em virtude da impossibilidade de aproveitamento ágil da capacidade
instalada nos tempos áureos do açúcar. Nesse sentido, o mercado interno e a agricultura
de subsistência assumiriam uma importância literalmente vital no processo econômico
decorrente da decadência do ciclo produtivo. Mas o fariam tutelados pela grande
propriedade. Desempenhariam assim em larga medida o papel de substituição das
importações, sobretudo de gêneros de primeira necessidade.
85
84
Caio Prado Jr., Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo, Brasiliense, Publifolha, 2000, pp. 117,
125-6.
85
Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, São Paulo, Globo, Publifolha, 2000, pp. 275-81.
50
O sentido mais amplo da fórmula explicativa que se induz dessa interpretação de
ambos os autores confirma uma leitura da estrutura econômica brasileira na qual a
predominância da empresa exportadora relegaria a um lugar periférico a atividade de
produção e de abastecimento internos. Com efeito, não se pode pretender que o
florescimento desse comércio tenha podido sobre-determinar a produção monocultora.
Não se trata disso. Antes, o fato é que essa visão a que se chamou “plantacionista” teria
impedido que os historiadores atentassem para uma “diversidade possível” das relações
sócio-econômicas num cenário em que o mercado interno desempenha funções que
podem ser tão especializadas quanto aquelas da empresa agro-exportadora. Portanto,
funções que seriam relevantes não só na crise do sistema, como também seriam úteis
para a sua expansão. Essa especialização de ambos os mercados representava uma
tendência “muitas vezes contrabalançada pela gama mais ampla de atividades
produtivas desenvolvidas em engenhos específicos. Ainda assim, como sugerem as
compras de farinha, era uma tendência forte”.
86
Estudos mais recentes têm possibilitado pôr em xeque aquele tipo de noção
estrutural do sistema produtivo exportador, colocando em questão a idéia geral segundo
a qual o mercado interno figuraria na condição de uma variável absolutamente
dependente das flutuações da economia de exportação. Principalmente a articulação
desse mercado com as condições locais de produção e de força de trabalho garantiu a
sua permanência, mesmo nas fases de refluxo da atividade exportadora, dependente do
mercado internacional. O “contraponto baiano” descoberto por Barickman na produção
da farinha de mandioca no Recôncavo, do período que cobre os anos de 1780 a 1860,
permite estudar diretamente a rede de relações erguidas dentro do próprio universo
86
Barickman, Contraponto, pp. 305-8, 123.
51
exportador onde despontam o açúcar e o fumo, dinamizando com ele um regime
equilibrado de abastecimento interno e de produção para o exterior.
87
Barickman pretende demonstrar como se constrói uma teia complexa de fatores
que permitem distinguir com mais clareza a natureza da interação sócio-produtiva
estabelecida entre a cidade do Salvador e o Recôncavo. Nessa linha, ele aponta também
para a importância da utilização da força escrava de trabalho em padrões de posse que
caracterizam a especificidade das roças de subsistência nas vilas ao sul do Recôncavo
baiano, comparadas aos distritos açucareiros do norte. Esse estudo da escravidão
interessa também para rever a opinião difusa de que o trabalho escravo contribuíra para
inibir a formação de um mercado interno, na medida em que prova que o engenho era
um dos principais consumidores dos seus produtos. Ele permite ainda concluir que, não
obstante seu menor nível de concentração nas lavouras de subsistência, a utilização do
trabalho escravo generalizou-se também nesse tipo de atividade. Ao lado de pequenos
proprietários ou de chefes de família arrendatários, despidos do “glamour de um senhor
de engenho freyriano”, os escravos foram elementos fundamentais nessa empresa.
Dados expressivos da estrutura de posses de escravos no Recôncavo indicam que um
número não desprezível deles era propriedade de “pretos, pardos e cabras livres – entre
eles, alguns forros”, que na vila de São Gonçalo dos Campos detinham 29,8% dos fogos
com escravos, subindo essa cifra para 46,55 em Santiago do Iguape.
88
Nessa crítica substancial à noção consagrada de “plantation”, novos elementos
se juntam àqueles já salientados pela historiografia contemporânea, num esforço de
revisão interpretativa dos modos de reprodução sócio-econômica da sociedade baiana
entre o fim do período colonial e o início do Império.
87
Barickman, Contraponto, 28-33, 122-4.
88
Barickman, Contraponto, pp. 237-52, 124-7, 213-26.
52
Estudando a vila de Iguape como uma área exemplar dessa complexa teia de
relações que Barickman aprofunda em seu “contraponto”, Kátia Mattoso assinalara sua
importância para a produção de milho e de mandioca voltada para o mercado local. De
tal modo que “as quantidades produzidas ultrapassavam as necessidades do consumo
local indo então os excedentes para o mercado consumidor de centros maiores como
Cachoeira ou mesmo Salvador”. A relativa independência que essa produção
conquistara ao mercado da capital e aos seus momentos de crise lhe permitiu tecer com
ele “laços estreitos e bastante diferentes daqueles tradicionalmente descritos quando o
Recôncavo aparece como zona de monocultura latifundiária de cana-de-açúcar”.
Alimento indispensável no prato dos baianos, a farinha tinha um mercado de demanda
quase inelástica em Salvador.
89
Mattoso anotou ainda outro importante traço da diversificação que o século XIX
imprimiu ao cenário da região. “Entre 1800 e 1835 o número de engenhos no
Recôncavo dobrou: passou-se de 400 a 811. Mas o processo dessa evolução é ignorado,
como também são ignorados os tamanhos e as produtividades dos novos engenhos”. Na
verdade, Morton produziu com os dados disponíveis algumas especulações a respeito
desse parcelamento da propriedade rural na região. Ele sugere que o aprimoramento do
maquinário e das técnicas de fabricação permitiu aos proprietários produzir em
engenhos menores, e também atribui um peso importante ao fato de que, desde 1827,
deixara de ser necessária a licença junto ao governo provincial para a construção de um
novo engenho. Esses dois fatores associados talvez possam ter desencorajado a
construção de grandes unidades de produção.
90
89
Kátia Mattoso, Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX, São Paulo, Hucitec, 1978,
pp.54-6; Barickman, Contraponto, 96-103.
90
Mattoso, Bahia: a cidade, nota à p.50; Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 329-34.
53
Ocorre que esse crescimento já se verificava desde antes da independência, e se
conservou debaixo da expectativa de que o açúcar continuava a ser um produto rentável.
O período compreendido entre 1818 e 1828 assistiu ao surgimento de 110 engenhos.
Essa taxa aumentou com a ligeira recuperação do preço do açúcar entre 1833 e 1834,
mas o processo de divisão das propriedades seguiu adiante nas fases de preço baixo e de
crise do produto. Entre 1829 e 1839, 220 engenhos foram criados, dobrando a cifra da
década anterior e igualando o número de engenhos construídos em toda a Bahia até
1790.
91
A já sensível decadência do açúcar e das condições naturais de sua reprodução
também tem um quê de responsabilidade nessa história. Isso talvez indique o motivo da
expansão dos engenhos em direção a zonas não tradicionais e situadas fora das áreas do
massapê. Em 1833, relatórios oficiais acusam os efeitos da seca sobre a produção de
cana. Mas também nos distritos do açúcar, como demonstrou Morton, essa tendência de
multiplicação de pequenas e médias unidades produtivas parecia incontestável,
paisagem que levou Mattoso a se perguntar: “onde encontram-se os ‘latifundia’ de
várias dezenas de milhares de ha. dos quais nos fala a historiografia tradicional?”
92
Essa supremacia do açúcar que a plantation evidenciou não impediu também
que outras culturas de exportação se desenvolvessem, marcando outros traços da
diversificação desse regime sócio-econômico. Nomeadamente, a produção de fumo teve
maior sorte entre as demais implementadas na experimental atividade exploradora da
colônia. Stuart Schwartz menciona “uma organização social e econômica distinta no
Recôncavo”, promovida pela produção de fumo nas regiões não aproveitadas pelo
açúcar – especialmente as dos solos de areias nas regiões vizinhas de Cachoeira e
Maragogipe. O espaço sócio-produtivo criado pela lavoura familiar, de menor
91
Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 329-31.
92
Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 332-3; Mattoso, Bahia: a cidade, pp. 40-1.
54
envergadura e de menores custos, não era, porém, suficiente para dispensar o trabalho
escravo nesses empreendimentos. A separação geográfica e social das duas principais
culturas de exportação da Bahia “alicerçava-se fortemente no braço escravo”. Sua
concentração nessa região era ao menos “bastante para afastar qualquer idéia de uma
cultura de pequenos proprietários a lavrar sozinhos sua própria terra”.
93
Esse é, então, o cenário que nos permite pensar, nos idos do tempo sabino, as
relações havidas entre a cidade da Bahia e o seu Recôncavo. Posto que plantadas em
outras raízes, elas eram inegáveis. E não obstante se possa considerar a dependência de
ambos, como uma região, frente ao sertão fornecedor de gado – ampliando-se o foco
dessas conexões econômicas – ali está o cerne geográfico da nossa revolução.
94
Do
ponto de vista daquilo que mais de perto nos interessa – as conseqüências sócio-
políticas desse quadro – a descoberta da natureza dessa mútua dependência importa para
perceber que a expansão da revolução para o Recôncavo tinha o caráter de um
imperativo: se a cidade não poderia sobreviver militarmente sem o Recôncavo era
porque ela não poderia sobreviver materialmente sem ele. Talvez apenas “por uns três
anos”, arriscou Souza Carneiro, comparando a pretensão política dos sabinos com
aquela dos “baianos pacificadores” de 1822-33, que para se fazer “gloriosa apenas mas
sem a vitória, necessária foi a adesão do Imperador Pedro I à causa dos que repeliram
Madeira com suas tropas, naus, ordens e arbítrios”.
95
Carneiro comparava, do ponto de vista do apelo político, a precariedade dos
valores defendidos pelos revolucionários da capital frente à consistência do acordo
multifacetado que permitira a união de baianos de todas as cores e classes contra os
portugueses anos antes. Mas além dessa comparação, outra pode ser feita. Como os
93
Stuart Schwartz, Segredos Internos, São Paulo: Companhia das Letras, 1988, pp. 84-5.
94
Stuart Schwartz, Segredos Internos, pp. 88-9.
95
Souza Carneiro, “A Sabinada”, p. 81.
55
legalistas, os baianos do “Exército Pacificador” se estabeleceram no Recôncavo e de lá
moveram a “guerra estática” do cerco, baseada no princípio da dependência
verdadeiramente alimentar em que se encontrava a capital diante da sua hinterlândia.
Em 1837, porém, esse acordo já estava implodido. E seus protagonistas ocupavam lados
opostos. Desviada a rota das embarcações estrangeiras para o Recôncavo, pior para os
sabinos que comandavam um porto sem navio e um centro de abastecimento sem
comida. Suprema ironia, eram os portugueses da vez.
Braz do Amaral, usando a mesma comparação, bradara bem ao seu estilo que “a
agricultura abastada é o mais seguro alicerce da força das nações”. Ele recordou que
“foi o Recôncavo quem matou a rebeldia na capital como havia sido o Recôncavo a
alma da guerra da Independência”. Kátia Mattoso, em outro tom, dirá que “mais do que
qualquer outra cidade, Salvador acha-se ligada à sua hinterlândia imediata da qual ela é
o mercado e o ponto de ligação com o mundo externo, e sobretudo a sua respiração, o
seu eco sensível”.
96
A oferta da farinha com que os da capital enganavam a fome é exemplar. Afinal,
o preço do “pão da terra” sofrera variação de 200% em um mês no mercado da cidade
sitiada. Consideradas as advertências dos estudiosos sobre a importância da mandioca
na dieta dos baianos, essa flutuação espantosa de preço pode ser considerada bom
indício da gravidade da situação dos revoltosos, e do tipo de sentimento à espreita das
mais firmes convicções revolucionárias. Barickman afirmou que “quando o preço da
farinha subia, a maior parte da população de Salvador não tinha escolha, tinha de pagar.
Comprava-se menos carne; pedia-se dinheiro emprestado; mas só se comprava menos
farinha em último caso, pois significaria fome”.
97
96
Amaral, A Sabinada, p. 20; Mattoso, Bahia: a cidade, pp. 26-7; Schwartz, Segredos Internos, p. 79.
97
Apud “A Sabinada no noticiário”, pp. 172-3; Barickman, Contraponto, pp. 101-2.
56
Contando com algumas freguesias de caráter nitidamente rural, Salvador e seu
termo não constituíam, ainda assim, uma cidade auto-suficiente. Suas freguesias
periféricas produziam em alguma medida itens de subsistência, articulada essa produção
por vezes às muitas chácaras, aos sítios e mesmo pequenos engenhos situados na
freguesia de Brotas ou na Vitória. Portanto, a falta de circulação regular de
mantimentos, especialmente entre uma população que comprava comida todos os dias,
criava por si mesma um clima de guerra.
98
Assim, a impossibilidade de se compreender a cidade de Salvador e seus
acontecimentos sem compreender o que lhes corresponde para além da baía se retrata,
por fim, nas considerações de Mattoso, para quem “não há uma família da cidade que
não esteja ligada a uma família do campo, não há uma trovoada na baía que não encha
as águas dos rios, não há uma má colheita ali que não trague (sic) a fome”.
99
Isso se mostrou de uma verdade que revolução nenhuma pôde contestar. No dia
20 de janeiro, a “Determinação” do governo sabino exigiu as credenciais políticas do
povo da capital, supondo talvez assim acelerar de uma vez o seu passo. Mas a lei da
revolução, pregada pelo professor Muricy, parecia ter ganhado uma nova emenda de
interpretação: expandir a qualquer custo ou morrer de fome. É ver quanto custou.
98
Mattoso, Bahia: a cidade, pp. 117-8; Barickman, Contraponto, p. 97; Morton, “The Conservative
Revolution”, p. 327.
99
Mattoso, Bahia: a cidade, p. 77. PAEBa, I, 156; Determinação, 20.01.1838, PAEBa.
57
Capítulo 2
SEPARAÇÃO OU MAIORIDADE: A REVOLUÇÃO E O ARCO DA
PROMESSA
As forças militares sabinas dividiriam os custos da expansão revolucionária com
a propaganda política na capital. Em Salvador, sua conta seria cobrada na Câmara
Municipal. A Casa dos Vereadores ainda protagonizaria um episódio fundamental para
o destino da Sabinada, apenas quatro dias depois de aclamada a ata do dia 7.
Antes, no dia que se seguiu à ocupação da cidade, o clima entre os rebeldes era
de euforia. E nada daquele quadro de angustiosa necessidade que o passar dos meses
traria poderia talvez ser divisado pelo mais pessimista dos revoltosos. Havia os
prudentes, é verdade, representados na ilha de Itaparica pelo juiz Tupinambá, que
exortou os baianos a se afastarem “urgentíssimo das influências do prazer”.
100
Mas o
cordão dos otimistas era puxado pelo governo, que no dia seguinte, no “bando” que fez
publicar pela cidade em “demonstração do júbilo que deve caracterizar tão fausto
acontecimento”, concedia “perdão a todos os Militares que por quaisquer motivos
tenham deixado seus corpos, logo que a estes espontaneamente se apresentem”. Aos
militares da capital fixava prazo de 15 dias; aos das vilas próximas, 30; aos das remotas,
três meses. Gesto de pai generoso que viraria ordem autoritária na “Determinação”
desse mesmo governo, refeitos os cálculos e minguada a fantasia do poder em fins de
janeiro.
101
100
Ofício Tupinambá ao Vice-Presidente do Estado, 12.11.1837, PAEBa.
101
Bando, 08.11.1837 apud Amaral, “A Sabinada”, p. 17; Determinação, 20.01.1838, PAEBa.
58
Ato contínuo à aclamação da ata, o vice-presidente Carneiro Rego soltou
“Proclamação” aos baianos, confirmando daquele novo regime a sua natureza de
“Estado Livre e Independente, sem a menor oposição e com a maior glória que se pode
imaginar”. Concluía sua comunicação, garantindo aos seus compatriotas o respeito
decidido aos seus direitos sagrados, e que entrassem sem receio em seus misteres.
Tranqüilos. E foi com o mesmo qualificativo que o redator anônimo de uma “Narrativa”
definiu o momento em que a Bahia esteve sem governo, em conhecida passagem dos
leitores sabinos.
102
Os impactos de uma defesa tão segura da separação da Província foram
imediatamente sentidos. Fugiram logo, “desde o dia 7 pela manhã, negociantes,
especialmente portugueses, e pessoas ricas, que sabiam ter inimigos entre os
vencedores”. Segundo carta publicada pelo Jornal do Comércio, “todos os empregados
públicos, todos os desembargadores desampararam os lugares e foram para Cachoeira; e
na cidade não há senão os rebeldes (entre os quais não se conta uma só pessoa limpa) e
os estrangeiros que se conservam totalmente neutros”. Exagero.
103
Do êxodo importante de funcionários já tivéramos notícia com os inconvenientes
do esvaziamento da burocracia na cidade. Mas entre os signatários da ata contam-se
alguns deles, ao lado de outros “grados da província”. Oficiais militares, médios
comerciantes, professores ilustres. Mesmo entre os capitalistas, dirá Sacramento Blake,
poder-se-ia encontrar quem apoiava o movimento. De um deles, Francisco Vicente
Vianna – que Blake diz ser um dos sabinos de primeira hora que não chegou a assinar o
102
“A cidade esteve por mais de 24 horas sem governo pela indecisão do Vice-Presidente eleito e nunca a
Bahia esteve mais tranqüila que nessas horas que esteve sem governo”, “Narrativa dos sucessos”, p. 339.
Souza, A Sabinada, p. 38; Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 350-1.
103
Amaral, “A Sabinada”, p. 18; “A Sabinada no noticiário”, p. 165. Sabino foi preso depois de
encontrado num armário “neutro” da casa do cônsul francês, v. Ofício do chefe de polícia Martins sobre a
prisão dos rebeldes, 23.03.1838, PAEBa, II, pp. 102-3. Souza Carneiro abre seu texto dizendo que “a
revolução de 7 de janeiro (sic) de 1837 deu lugar a que muitas famílias possuídas de verdadeiro terror
procurassem refúgios nas vilas e cidades do recôncavo”, cf. dele “A Sabinada”, p. 77.
59
documento – sabe-se que foi um dos proprietários a quem se solicitou gado para os
acampamentos legalistas, sinal de que não durou muito a sua fé. Assim como não durou
a de Ignácio Accioli, tenente da guarda nacional que, pouco tempo depois de registrar
seu nome, fugiu com o corpo da polícia no dia 13 do mesmo mês. Casos exemplares.
Segundo o “simpático rebelde” da “Narrativa”, arriscando um dos motivos importantes
para essas fugas, “muitos dos conjurados recusaram entrar na revolta por ver nela
figurar Francisco Sabino da Rocha Vieira”.
104
Hendrik Kraay enxerga muito bem o caráter pouco representativo da ata para
indicar os adeptos pobres e iletrados da revolta. O apoio progressivamente crescente da
massa de trabalhadores livres e libertos ia se destacando nos claros abertos por Viannas
e Acciolis, esses atraídos pelo chamado de sabor antigo, porém claramente mais seguro,
das seduções proclamadas pelo governo legalista, e dos prazos assinados logo do seu
estabelecimento no Recôncavo. Se consultarmos a “relação dos rebeldes que eram
autoridades e que se achavam presos”, elaborada pelo reintegrado governo legalista,
veremos que nenhum deles foi recrutado dentro daquele que seria, ao final da revolta,
um numeroso grupo. Ou uma “incontrolável turba”, no dizer de muitos. Disso se pode
saber porque as listas de presos e deportados nos põem a par desses que, embora não
autoridades, também se diziam ou foram processados como sabinos.
105
A tomada revolucionária da cidade não derramou sangue, nem conheceu a
imagem das romanescas batalhas animadas pela participação do povo. Mas a sua
ulterior presença seria registrada. Revoluções, insurreições e levantes eram corriqueiros
o suficiente para que as pessoas pudessem lhes opor simplesmente a sua ignorância. E
104
Ata da Sessão Extraordinária de 7 de novembro de 1837, PAEBa; Blake, “Ainda a Revolução”, p. 68;
Kraay, “As Terrifying”, p. 516; Muricy, “Um Padre de Requiémapud Vicente Vianna, “A Sabinada”, p.
153; Ofício de Barreto Pedroso ao Comendador Manoel João dos Reis, 08.01.1838, PAEBa, V, p. 164;
“Narrativa dos sucessos”, p. 337.
105
Kraay, “As Terrifying”, pp. 501, pp. 516-7; Proclamação aos Soldados, 20.11.1837, PAEBa, II, pp.
74-7; Relação dos rebeldes que eram autoridades e que se achavam presos, 24.03.1838, PAEBa, II, pp.
103-4.
60
eram comuns não só entre os letrados da classe média, mas também entre as fileiras e os
oficiais militares, junto aos pobres livres, aos libertos e, até pouco antes daquela época,
largamente entre os escravos.
106
Sobre essa possível participação do povo nos momentos iniciais da revolta, duas
leituras se sucedem na avaliação de Francisco Gonçalves Martins, figura decisiva na
repressão à Sabinada depois do seu estouro, e nem tanto antes dele. Em sua alentada
memória, Martins diria saber “que a notícia do triunfo dos revoltosos animaria a
população, sempre pronta a cantar o triunfo de qualquer partido; e que em tal caso adula
o sol nascente com insultos ao que se esconde, que são as autoridades decaídas”.
Decaído, Martins temeu por sua vida ao deixar o Palácio em direção ao porto. Armou-se
de duas pistolas, e o “imenso povo” com que deparou, justiça se lhe fizesse, “este não
tinha tomado parte na revolução; a populaça mesmo indiferente, e os indivíduos dela
nenhum sinal até deram de falta de respeito durante minha retirada”.
107
Que a “populaça” não tenha concebido a revolta, isso não significa, porém, que
lhe tenha permanecido indiferente. Esse era um dos trunfos e, ao mesmo tempo, um dos
medos das autoridades sabinas; era um dos problemas cuja extensão o comando
revoltoso haveria de regular. Provavelmente por temerem esse “descontrole”, os líderes
revolucionários se ergueram da euforia e começaram a trabalhar desde o momento em
que as conseqüências de sua declaração separatista fizeram supor que o recurso à
“populaça” precisaria ser maior do que o eventualmente planejado.
A expansão que os rebeldes sabiam ter de conduzir ao Recôncavo dependia de
que, na cidade, o êxodo não levasse quem por ela pudesse responder à frente dos cargos,
velando os “mais sagrados direitos” dos baianos. Era necessário então que os sabinos
106
Ofício do Vice-Presidente João Carneiro ao Presidente de Sergipe, convidando-o a aderir ao
movimento, 14.11.1837, PAEBa, II, p. 66; Reis, Rebelião Escrava, pp. 44-67, 68-121.
107
Gonçalves Martins, “Nova edição”, p. 244.
61
acenassem para eles, que fizessem valer o timbre de sua sociabilidade, assegurando no
horizonte a visão de sociedade inscrita nos objetivos políticos dessa gente.
Assim, no dia 11 de novembro, um fato capital sucedeu e se precipitou na forma
de uma petição lançada ao colo do presidente da Câmara. Vinha diretamente da vice-
presidência rebelde, e requeria urgente medida. Durante os quatro dias que mediaram
até ali, a cidade vivera os sobressaltos da agitação pós-revolucionária, e o núcleo
revoltoso decerto perdera o sono. O êxodo seguia “sob os olhos complacentes do
governo rebelde” Mas eles ainda julgavam ter na manga cartas políticas.
108
2.1. Dia 11 de novembro – a unanimidade na diversidade.
O ofício que o governo rebelde encaminha à Câmara de Vereadores no dia 11 de
novembro de 1837, não mais que quatro dias após o festim revolucionário do dia 7, pela
sua importância merece inteira atenção:
Recebendo este Governo a inclusa representação, assinada por mais da maioria dos cidadãos
que assistiram ao ato da aclamação da Independência d´este Estado, na qual mostram ter
havido omissão na ata, que ante essa Câmara foi lavrada em o memorável dia 7 do corrente
mês, em que teve lugar a dita aclamação, quanto a não ter expressamente declarado que a
separação da Província em Estado independente era até a maioridade de S. M. o Imperador,
o Sr. D. Pedro 2.º, como diz o Art. 121 da Constituição do Império do Brasil, transmito a
Vmces. a mencionada representação para que, mandando lavrar uma ata da declaração
requerida, façam isso mesmo publicar por Editais, convidando ao mesmo tempo os cidadãos
que quiserem assinar a referida declaração. Deus guarde a Vmces.
109
108
Ofício de João Carneiro da Silva Rego ao Presidente da Câmara Municipal, 11.11.1837 apud Vicente
Vianna, “A Sabinada”, p. 118; Depoimento do vereador Barbosa Almeida, pp. 132-3; Souza, A Sabinada,
p. 44.
109
Apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, p. 118.
62
Não é menos relevante o texto da representação a que remete o ofício acima
transcrito. Ele é dirigido ao vice-presidente Carneiro Rego, datado de 9 de novembro:
Os cidadãos abaixo assinados, desejosos de que a tranqüilidade pública por nenhuma
maneira sofra a mais leve alteração, por isso que se há conhecido que o lapso de pena da ata
que teve lugar em o memorável dia 7 do corrente ante a Câmara Municipal, quanto a não se
ter expressamente declarado que a separação d´este Estado será até a maioridade de dezoito
anos de S. M. o Imperador, o Sr. D. Pedro 2.º, como diz o Art. 121 da Constituição para o
Império do Brasil, há introduzido receios e desconfianças n´esta Capital, em conseqüência
de se ter assentado n´esta medida, quando se tratou do glorioso feito provido n´aquele dia, e
por aquela ata, vem representar o expendido a V. Exa. para que se digne, com a brevidade
possível, convocar a Câmara Municipal, e as classes gerais d´este Estado, a fim de que,
reunidas, se proceda em ata a mencionada declaração, pois que estão convencidos de que
esta medida é tanto de suma vantagem quanto a única capaz de fazer conseguir todos os
ânimos a abraçarem a causa proclamada, livrando o Estado do flagelo que ordinariamente se
experimenta, quando as mudanças políticas do governo não são unanimemente abraçadas.
110
A ata do dia 7 de novembro, lembremos, punha a Bahia “inteira e perfeitamente
desligada do governo denominado central do Rio de Janeiro”. Perfeito lapso, dirão os
missivistas do dia 9. Mas a “Proclamação” publicada por Carneiro no mesmo dia 7
incorria na mesma falta e frisava a natureza “livre e independente, sem a menor
oposição” do novo Estado da Bahia.
111
Duplo lapso?
Parece-me que para entender os sentidos dessas declarações, a atenção deve ser
dirigida para além desses textos, considerando que seu riquíssimo valor documental
consiste precisamente em indicar os numerosos roteiros que permitem concluir pelo
caráter nada episódico desses lapsos, omissões ou esquecimentos. Parece lícito supor
que tudo se tratava de um diálogo interno entre as forças já constituídas da revolução.
Diálogo forçado, haja vista as imperiosas circunstâncias.
110
Representação, 09.11.1837 apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 117-8.
111
Proclamação apud Amaral, “A Sabinada”, p. 17-8 (os grifos são meus).
63
Não há como negar que os sabinos responderam rápido às mudanças da cidade, e
logo se debruçaram a falar – diferentemente do que aconteceu com a sua leniente
estratégia militar. Precipitadas as graves conseqüências do êxodo, as circunstâncias
levam a crer que, imediatamente após essa constatação, os líderes revoltosos se puseram
à procura de uma nova justificativa pública para a revolução, na esperança de reverter
os efeitos dos “receios e desconfianças” produzidos na “tranqüilidade pública” dos
“grados” da capital. E para isso eles não precisaram inventar nada. A justificativa já
estava ali, à mão, pronta para uso. Assim, a fuga da cidade acionou na revolução já em
marcha a primeira prova de um acontecimento propriamente político: a diversidade
virou “unanimidade” em nome do seu próprio e suposto bem.
Por isso, se as atas não são um retrato fiel da composição social da Sabinada,
elas são do ponto de vista das idéias políticas exatamente aquele retrato que os
revoltosos pretendiam emoldurar. Editado, modulado e angulado, o horizonte desse
enquadramento político deveria servir ao gosto daqueles cujo apoio era fundamental
para a conservação da revolta como um movimento coletivo. É claro que não se tratou
de uma mudança ideológica arbitrária. Os elementos dessa equalização conviveram
durante toda a revolução, como já conviviam desde o seu princípio. Nesse particular, as
atas interessam sumamente ao descortino dessa diversidade quando lidas a partir dos
demais escritos revoltosos que lhes sustentam.
Vejam-se os textos do “Plano e Fim Revolucionário” e do “Plano de Revolução”
que o introduz, documentos encontrados entre os papéis dos sabinos e que, como
sugerem seus títulos, esboçavam antes da instalação do regime as condições do novo
governo e da nova sociedade. Trata-se a rigor de um único texto com duas partes.
Ambas se comprometem com a independência provisória, manifestada com o intervalo
da menoridade do Imperador. A primeira parte, apesar disso, não deixa de declarar que
64
“o Povo Baiano reassume a sua soberania, em toda a extensão da palavra”; a segunda
parte, por outro lado, é clara em afirmar que devem “largar o cambão da corte enquanto
menor o imperador para chegarmos ao que devemos ser”. Aquilo que eles devem ser,
como se depreenderá do seguimento do “Plano de Revolução”, é republicanos. Haveria
um sentido natural no caminho do Brasil em direção à República, ora obstado pelos que
usurparam a “vara do tirano para se subdividi-la infinitamente por déspotas pequenos,
ambiciosos, turbulentos”. Nesse processo, “o Brasil, em semelhante marcha, não tardará
a reduzir-se aos principados da Itália e da Alemanha”, fragmentando-se num “governo
feudal”. Portanto, a separação se impõe. Por enquanto.
112
Temos, por outro lado, o “Manifesto” de João Carneiro da Silva Rego, vice-
presidente do Estado, lançado junto com a “Proclamação” que acima referimos. Nesta
peça, que é uma verdadeira reconstituição sintética da história política brasileira desde
as lutas do pré-independência nas Cortes de Lisboa em 1822, Carneiro fundamenta a
revolução sem falar palavra a respeito de um termo final que se lhe assine. Reconhece
que “a menoridade do Imperador é o alvo de todas as pretensões”, mas diz ser preciso,
“neste apuro de circunstâncias”, “quebrar as cadeias que roxeiam os pulsos, fechar para
sempre os cofres da província aos luxos da Corte”. Para sempre. Como nos “vivas” que
encerram a “Proclamação”, não se encontra menção ao Imperador menino.
113
A autoria desses textos certamente ajudaria a entender sua articulação, definindo
melhor seus perfis ideológicos e esclarecendo o que parece se tratar de uma luta por
hegemonia dentro da revolução. Porque, até o dia 11, apenas as declarações
“perfeitamente separatistas” tinham vindo a público, marcando oficialmente o caráter
112
Plano de Revolução e Plano e Fim Revolucionário apud Vicente Vianna, pp. 122-6. Seus textos
completos se encontram no anexo 6 a este trabalho; Interrogatório de Francisco Sabino, pp. 219-20;
Souza, A Sabinada, p. 158.
113
Manifesto, 07.11.1838 apud Vicente Vianna, pp. 120-2. Consulte-se por inteiro o Manifesto no anexo
5; Proclamação apud Amaral, “A Sabinada”, pp. 17-8.
65
irrestrito da independência do Estado. O êxodo parece ter sido a melhor oportunidade
para que os adeptos do “intervalo separatista” reivindicassem a apresentação dos seus
objetivos para a revolução. Afinal de contas, era um argumento plausível e disponível
para, mexendo com a identidade pública do movimento dentro de um arco político
possivelmente já existente, tentar arregimentar em maior escala.
Mas, diferentemente dos escritos do dia 7, assinados por Carneiro Rego, o
“Plano de Revolução” é anônimo, o que nos conduz a procurar elementos indiretos para
lhe precisar a autoria. Paulo César Souza atribui a Francisco Sabino a concepção desse
“Plano e Fim Revolucionário”, pois acredita que sua primeira parte “harmoniza em
tema e estilo com os editoriais do Novo Diário da Bahia”, também anônimos, mas
amplamente reconhecidos como de sua responsabilidade. Acontece que Souza tem um
motivo mais forte para essa associação: ele quer provar que Sabino, haja vista a dupla
menção à menoridade feita no texto em questão, prestava “a mesma profissão de
vassalagem ao imperador [que] reaparece em manifestações diversas dos revoltosos”.
114
Creio que há motivos muito bons para se duvidar dessa interpretação.
Comecemos pelo próprio Novo Diário da Bahia, material que firma a escolha de
Souza quanto à autoria do “Plano”. Em nenhum outro escrito baiano da época talvez se
possa encontrar crítica tão acesa ao regime monárquico como naqueles que surgem da
pena de Sabino. Edição de agosto de 1837 do NDB abre seu texto com uma citação de
Rousseau em defesa da reciprocidade e da igualdade fundamental de todos os sujeitos,
salientando o escritor suíço o efeito necessário que decorre dessa condição política para
o caráter da soberania popular. Lembrando Diderot, Sabino dirá que “todos os homens
nascidos com os mesmos órgãos e naturalmente conformados são aptos para o mesmo
grau de inteligência e para a recepção das mesmas idéias, tendo todos a mesma
114
Souza, A Sabinada, pp. 158-60.
66
educação (...)”. E no seguimento a Rousseau, Sabino terá dito: “Tal é a base
fundamental de toda a associação humana; ninguém aliena a sua liberdade natural,
ninguém reconhece a outro homem, seu igual, com o direito de governar, com a regalia
de prescrever-lhe regras e preceitos para a sua conduta (...) senão porque espera (...) os
benefícios que lhe resultam do contrato social”. De fato, Rousseau o confirmaria ao
assegurar que um homem livre não se aliena a um rei, pois, do contrário, seria escravo,
haja vista que “longe de prover à subsistência dos seus súditos, o rei apenas tira a sua
deles, e, segundo Rabelais, um rei não vive com pouco”.
115
Mas Sabino não ficará apenas nos fundamentos. Ele será mais claro. Depondo
em favor da sua larga admiração pelos “Americanos do Norte”, seguramente embebida
na fresca leitura de A Democracia na América, de Alexis de Tocqueville, a inveja de
Sabino quanto ao seu “governo livre” o fará dizer que “eles saborearam sempre as
doçuras da liberdade e igualdade civil; eles, finalmente, nunca foram escravos de
nenhum Rei; nem quando porventura se desligaram dos ferros coloniais modificaram
suas instituições pelo tipo da mãe pátria”. Falando sobre a soberania estadunidense,
Tocqueville grifa a sua marca profunda na história das ex-colônias inglesas, aduzindo as
razões pelas quais conformaram verdadeira cultura política em favor do governo
democrático.
116
E Sabino sequer esquecerá dos seus “vizinhos ex-espanhóis” porque frisará que
suas discussões “versam sobre meras modificações do sistema sempre livre, mas
nenhum representante da nação pediu ali um rei ou um imperador de doze anos para
governar um vasto império como o Brasil”. E antes de se cogitar que a restrição de
Sabino se dirigia apenas ao imperador menor, ele se apressará em dizer mais
115
Novo Diário da Bahia, edições de agosto apud PAEBa, IV, pp. 396-403 (anexos 8 e 9); Jean-Jacques
Rousseau, O Contrato Social, 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. 14.
116
Novo Diário da Bahia apud PAEBa, pp. 396-403; Alexis de Tocqueville, A Democracia na América,
São Paulo, Martins Fontes, 1998, pp. 65-8.
67
amplamente, na linha seguinte: “Não. A tanto ainda não se degradou o povo ex-
espanhol que suponha um homem já nascido com as qualidades para governar”. Se
todos os homens são livres e iguais quando submetidos às mesmas oportunidades de
educação, aquilo contra o que Sabino se levantava era a legitimação da desigualdade
entre os sujeitos por um tipo de comando político que consagrasse a figura do Rei ou do
Imperador. Afinal, recordemos: “não cessaremos de repetir: os negócios do Brasil vão
assim em tão grande desmantelação pela falta de ingerência do povo nas cousas
públicas”.
117
E não adiantaria Rei debaixo de Constituição porque “com o governo
constitucional monárquico nada temos feito, antes cada vez mais retrogradado”. Note-se
que esse é um trecho do próprio “Plano”, que faz eco com a edição de 04 de dezembro
de 1837, do NDB, na qual Sabino defende a necessidade da revolução para o
cumprimento do destino progressivo dos baianos em direção à república, da qual não
poderiam retroceder, “assim como não retrocede a marcha da Natureza”. Nada justifica
assim que a “reforma mais social” defendida por Sabino implicasse a re-incorporação
futura do Estado da Bahia ao governo de qualquer rei – e não apenas ao de um pequeno
príncipe – cuja legitimidade ele definitivamente não reconhecia.
118
Era, portanto, o regime monárquico que Sabino punha na mira de sua crítica
ferina, não um ou outro imperador; era o governo Imperial, essa “semente muito
venenosa e que deixa sempre infestada o campo por onde é semeada”, e que os
americanos do norte não haviam importado dos “carcomidos princípios da acanhada
Europa”, era ele que Sabino rejeitava com toda a força de suas palavras.
119
117
Novo Diário da Bahia apud PAEBa, p. 399.
118
Plano apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 122-6; Novo Diário da Bahia apud PAEBa, pp. 396-
403; v. também Novo Diário da Bahia, edição de 06.12.1837.
119
Novo Diário da Bahia apud PAEBa, p. 402.
68
Ele ainda reservaria outras menções ao sistema do monarca nas edições do NDB
publicadas ao longo da revolta, demonstrando a sua rejeição e por vezes mesmo a sua
irritação com as fórmulas do seu governo.
120
Seu apelo final se deu pela recuperação
imediata do “poder soberano inalienável” da parte dos baianos, a fim de que, à maneira
dos estadunidenses, fizessem varrer de sua vida política qualquer pálida lembrança
régia. À maneira de comparação, encontra-se em Tocqueville a idéia de que os
estadunidenses só com a Revolução puderam espalhar pela nação o princípio da
soberania, que se antes já existia, sofria a ação constrangedora de obstáculos que
“retardavam sua marcha invasora”. Nesse particular os EUA eram seu modelo e
Tocqueville, seu professor.
121
Poder-se-iam multiplicar as citações a esse respeito e elas não fariam falta ao
estudo do perfil ideológico de Sabino que mais adiante será desenvolvido. A
exuberância dessa prova nos leva a crer que a identificação que Souza produz de Sabino
com a monarquia não é no NDB que pode encontrar abrigo. Ter se contentado com essa
pista, porém, levou-o a não considerar que Sabino pode não ter sido o único autor do
“Plano”. Essa circunstância, de fato, pode mudar decisivamente toda a interpretação que
Souza construiu sobre a identidade ideológica da revolta, e que tem sua pedra
fundamental fincada no consentimento ideológico de Sabino com o regime monárquico.
Vejamos.
Pelo menos, um outro importante ideólogo da Sabinada apresentava credenciais
para redigir, junto com o republicanista Francisco Sabino, as peças políticas da revolta.
Afinal, ele já o fazia nas edições pré-revolucionárias do NDB. João da Veiga Muricy,
companheiro de jornal e parente de Sabino, não deixou dúvidas quanto ao seu interesse
120
Consultem-se em especial as edições de 30.11.1837, e as de 6 e 25.12.1837 do Novo Diário.
121
Novo Diario da Bahia apud PAEBa, IV, p. 403; Tocqueville, A Democracia, p. 66.
69
na separação provisória.
122
Ele também demonstrou não render muitos votos ao
“elemento democrático” tão encarecido por Sabino em seus escritos. Num dos
manifestos de O Philopatro, sob cujo título Muricy publicara por vezes no NDB e cuja
autoria não é contestada pelos seus intérpretes, ele nos dá elementos importantes para
alimentar essa hipótese. Comentando a saída da cidade dos batalhões de polícia e de
alguns de seus chefes a 13 de novembro, Muricy em importante passagem diz:
Não lhes pode servir de salvaguarda à sua servil dissensão e torpe arrependimento o não ter
aparecido a 1.ª ata fora de toda a ambigüidade acerca do monarca, porque sendo de princípio
sua pessoa reconhecida supremamente na revolução, logo que se viu ambigüidade na
redação da ata, tratou-se de dar todo o expresso e terminante esclarecimento.
123
Esse trecho se completa com outro:
E parece até que depois de ter assim praticado é que Sande e os mais começaram a pôr-se
em fuga, oferecendo-nos de seu caráter duas ilações: ou que são homens destituídos de
honra civil ou que apoiavam a ambigüidade da ata, e então eles é que queriam alguma
democracia a fim de serem mais fortes os grandes da sociedade.
124
Esses valiosos excertos nos permitem arriscar um pouco. A “pessoa do
Imperador” havia sido “supremamente reconhecida” desde o princípio da revolução,
afirma Muricy. Ora, o princípio da revolução é tudo aquilo que se acredita estar
expresso nos textos que a projetam: os resultados de suas reuniões nos clubs, a sua
trama conspiratória, a concepção do movimento. De fato, o Imperador está lá nas duas
partes do “Plano”. Mas nelas também estão a recusa à monarquia e a defesa da república
como um regime naturalmente necessário. Na Sabinada, o desenvolvimento da noção de
governo republicano ficou a cargo de Sabino e de seu jornal. Quanto a Sabino parece
122
Souza, A Sabinada, p. 158; Vicente Vianna, “A Sabinada”, p. 155.
123
Apud Vicente Vianna, 153.
124
Apud Vicente Vianna, 153.
70
não haver mais dúvidas de seu antimonarquismo. Então, parece que temos um
problema.
O mesmo “Plano de Revolução” que reconhece sem ambigüidade a “supremacia
do Imperador” nos diz que com o “governo constitucional monárquico antes só temos
retrogradado”. E vai além, para dizer que “nós somos os Americanos como uma bola
rolando com um movimento acelerado sobre um plano inclinado; e que não pode parar
senão em seu fim”. Leia-se: república. Que o reconhecimento do Imperador não
importava república ou democracia é o que se pode estimar das expectativas que tem
Muricy de um governo democrático, ou demagógico, na tradição aristotélica.
125
Por que
então não podemos pensar que Imperador e república conviviam em um regulado
conflito, como imagens de dois tipos de governo pouco conciliáveis, mas dentro de um
consentido quadro de possibilidades cujo uso político a própria sorte da revolução
definiria? Assim, por que não supor que os textos revolucionários podem ter sido
escritos debaixo dessa orientação que, para ampliar o apoio político à revolta e garantir
a sua efetivação, conferiu-lhe alternativas políticas que poderiam ir sendo aproveitadas
no diálogo com os acontecimentos futuros e imprevistos?
Um último motivo se acrescenta à complexidade dos anteriores e nos obriga a
adiar uma possível resposta a esse “enigma”. Se acreditarmos na argumentação
constante da representação enviada ao governo rebelde no dia 9 de novembro, a omissão
em que haviam incorrido os redatores da ata do dia 7 nada mais seria do que um
acidente: um verdadeiro “lapso de pena”. Mas não precisamos acreditar nela. Não há
ambigüidade nenhuma na ata do dia 7, como quer fazer crer – se já nos é permitido falar
assim – o grupo monarquista integrado por Muricy. Muito ao contrário, ela é bem clara
e o advérbio (“perfeitamente”) que acompanha o núcleo de sua declaração não parece
125
Plano de Revolução apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, p. 125; Aristóteles, A Política, São Paulo,
Martins Fontes, 1998, pp. 113-7, 119-126, 161-86.
71
resultar de qualquer “esquecimento”, mas antes indicar a mensagem dirigida por um
grupo – o republicano – ao seu adversário monarquista na luta pela hegemonia
revolucionária. Nessa mensagem, a separação perfeita promovida em relação ao
governo da Corte se sobrepõe por inteiro e publicamente à “vassalagem imperial”, e é
por aquela que a revolução será de início tomada. Não à toa a natureza dessa separação
incontrastável será confirmada nos textos de Carneiro, no mesmo dia, e não há amnésia
possível que o possa também explicar. Tática ou golpe, o sentido desse gesto não se
pode precisar, mas o jogo dos diversos já apresentava seus frutos. O que os
revolucionários fizeram com isso depois é mais um capítulo do seu acordo de
sobrevivência, porque a diversidade que havia eles não queriam alardear.
Então, a pensar que há qualquer contradição nessa estranha “tentativa
conciliadora”; a supor, como Souza, que os sabinos autores dos planos e das atas
estavam a criar uma “república monarquista sui generis” – de fato algo inovador no
quadro das opções políticas em voga na discussão brasileira do período, como veremos
à frente; a pensar isso prefiro, pelas razões expostas, encontrar a teia de uma
composição. Composição política do caráter das estratégias, dos acordos, das apostas na
indefinição atual de rumo que se espera corrigir no curso da luta revolucionária.
Enxergaremos dessa maneira mais os políticos treinados – e treinando-se – para a
revolução do que a imagem de confusos mentores de uma via político-institucional
ambivalente e inconseqüente. Talvez assim os salvemos postumamente do riso e do
escárnio que essa interpretação provocou entre alguns de seus contemporâneos.
126
O episódio da ata do dia 11 de novembro foi então a entrada triunfal do grupo
monarquista na revolução. Eles queriam entrar pela frente ao mesmo tempo em que
126
Souza menciona a opinião do redator de O Carapuceiro, periódico ultra-conservador publicado em
Pernambuco, para quem era “eminentemente ridícula” a idéia de uma “república interina”, como a que ele
supunha equivocadamente sair da proposta dos sabinos. Ver Souza, A Sabinada, pp. 156-7, 162.
72
lutavam para afastar do caminho de sua imagem pública qualquer vestígio de indecisão
ou imprecisão programática. Por isso, três dias depois de lavrada a ata corretora, no
convite que formula ao Presidente de Sergipe para que “coadjuve a pátria onde V. Exa.
nasceu”, Carneiro já inclui Pedro II entre os agraciados da nova ordem, dando claro
efeito de propaganda política à restrição por ele assimilada depois do dia 11: a
independência se dará “somente durante a menoridade de S. M. o Imperador, ou até que
ele toque a idade marcada no art. 121 da Constituição”, diz o texto da comunicação.
Carneiro provavelmente aprendera rápido que parecer fiel às vezes dispensa sê-lo.
127
Mas não bastava parecer fiel aos seus, e tanta astúcia não foi suficiente para conter o
fluxo da cidade, segundo palavras de Blake. Os que fugiram no dia 13 – e entre eles
havia comerciante, médico, advogado, professor e tenente da Guarda Nacional –
escolheram ser realistas ao lado do rei, e migraram para a sede do governo imperialista
no Recôncavo.
128
Vê-se que nem todos os ânimos “abraçaram a causa proclamada” em sua nova
versão, como pretendiam os revoltosos. Mas a pressa dos que se amigaram desse seu
novo rumo se revelou também no procedimento utilizado “por mais da maioria dos
cidadãos” que enviaram ao vice-presidente Carneiro a representação que se
transformaria em ata.
Mais uma vez, a Câmara não funcionou como uma casa deliberativa, mas antes
como extensão da vontade revolucionária que ali ia encontrar sua sanção. Como no
episódio do dia 7, se considerarmos o depoimento de D. Baltazar Silveira e de alguns
vereadores, o documento já chegara pronto e, encaminhado pelo chefe do Executivo,
seguira com ordem de que na Câmara fosse lavrada a ata que ali ficasse à espera dos
127
Ofício do Vice-Presidente João Carneiro ao Presidente de Sergipe, convidando-o a aderir ao
movimento, 14.11.1837, PAEBa.
128
Blake, “Ainda a Revolução”, p. 69; Kraay, Race, p. 516.
73
“cidadãos que quiserem assinar a referida declaração”. 29 pessoas se deram o trabalho
de assiná-la, diz Kraay. Muito menos do que a maioria dos presentes ao ato de
aclamação de Independência no dia 7 de novembro.
129
A representatividade mais ampla desse ato parece tão retórica quanto o apelo à
unanimidade que conclui o texto da ata. Esse apelo sela retoricamente o acordo político
da liderança, demonstrando publicamente aos interessados o perfil dentro do qual seus
atores decidiriam a sorte da revolução. Ou seja, a “correção de rumo” da revolução foi
provavelmente tão concertada quanto a redação de seus textos. Ela fixou uma nova
posição pública, cobrando compromisso da que antes se exibira. Apesar disso – ou por
causa disso – a tensão entre os dois grupos se prolongaria revolução afora. Esse perfil
composto do discurso revolucionário não ficaria sem conseqüências. Duas delas
merecem destaque e nos levam às próximas questões de trabalho.
Em primeiro lugar, os projetos de poder inscritos na revolta, liberados de seu
suposto caráter contraditório, devem ser estudados de per si. O diálogo que produzem é
o debate atual de duas posições que se elaboram com seus similares no vocabulário
político de uma época que ligou os discursos pró-independência – organizados de
maneira trans-classista nos anos de 1822-23 – às pesadas críticas ao seu processo de
consolidação. Como em 1822-23, elas vieram de grupos politicamente muito diferentes
entre si. Críticas que atravessaram a Abdicação de Pedro I em 1831 e escoaram, sempre
se reformulando, na Regência que se lhe sucedeu. Heuristicamente, a oposição desses
dois campos dentro de um evento revolucionário nos remete ao par conceitual sugerido
por István Jancsó para analisar os discursos de contestação em fins do período colonial:
129
Depoimento de D. José Balthazar da Silveira apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 128-30;
Representação, 09.11.1837, PAEBa; Kraay, “As Terrifying”, p. 506.
74
o dístico “motim x sedição” pode nos ajudar a seguir de perto as linhas de cada um
desses planos identificados e atribuídos ao núcleo intelectual da revolta.
130
Em seguida, importa notar quais foram as conseqüências da diversidade política
do programa revolucionário sobre a prática do governo rebelde. Trata-se de saber se foi
possível que a construção de um novo perfil de Estado, pressuposta na promessa
revolucionária, colhesse da variedade de referências presentes no seu horizonte
ideológico. E ainda saber como se comportou a direção do novo governo diante da
tarefa de administrar a diferença em pleno tempo de guerra.
Em seu estudo sobre a Sabinada em Nazaré, Souza Carneiro expôs sua opinião
sobre a percepção de parte dos habitantes dessa vila e de outras do Recôncavo a respeito
da reorientação política expressa na mudança da ata. Fiado em que o interesse dos
sabinos não era outro senão o de declarar a independência irrestrita da Bahia, Souza
Carneiro dirá que “o espírito público só poderia manter-se receoso ou suspenso das boas
intenções dos chefes do movimento, que não souberam manter ou justificar a idéia de
estado livre e independente nem apresentam melhor escusa do que essa de um lapso de
pena para conseguirem adeptos”. Para ele, as conseqüências dessa avaliação não seriam
benéficas aos revoltosos, e “foi seguramente esta razão porque em Nazaré, como em
quase todo o recôncavo, a Sabinada foi uma revolução que encontrou poucos adeptos e
muitos que se faziam indiferentes à marcha de seus sucessos, justamente para aderirem
depois dos resultados”.
131
Sem dúvida, é sedutora a idéia dos grupos formando-se ou transformando-se ao
longo da revolta. Na Sabinada, para esse diálogo eles tiveram pelo menos dois eixos
bem marcados. O tópico seguinte ampliará o foco da narrativa para o universo mais
130
Sobre debates políticos na Regência, ver, por exemplo, Miriam Dolhnikoff, “Entre o centro e a
província: as elites e o poder legislativo no Brasil oitocentista” in.Almanack Brasiliense, Revista
Eletrônica, São Paulo, n.º 1, maio de 2005, pp. 80-92; Jancsó, “A Sedução da Liberdade”, pp. 389-394.
131
Souza Carneiro, “A Sabinada”, p. 79. Os grifos são originais.
75
amplo do seu cenário político e o de seus interlocutores espalhados por outros cantos
dessa comunidade de idéias. Ao lado deles poderemos, por fim, ter a noção mais geral
dos grupos que, na revolta, disputaram com as suas idéias a dianteira do processo de
poder.
2.2. As inflexões do vocabulário político no “tempo das divergências”.
Na defesa que fez de seu filho, Inocêncio Eustáquio Ferreira de Araújo, ante o
Conselho de Guerra em 23 de junho de 1838, Manoel Ferreira de Araújo Guimarães,
brigadeiro reformado, fez largo uso da consagrada retórica jurídica do sacrifício. Em
outras palavras, muito pelejou para transformar em vítima o réu outrora rebelde. Para
tanto, forjou suas alegações no argumento de que viviam então no “tempo das
divergências”, procurando dele colher seus resultados abonadores.
132
A exploração do caráter desse “tempo” muito interessava à sua defesa, visto que
Inocêncio Araújo, como muitos da sua classe e da sua profissão, era um “severo
observador das Leis Sociais, bom filho, bom esposo, bom amigo, no centro d´uma
família”. Como militar, “com pouco mais de 6 anos de praça, se apresentava no posto de
Capitão, sem patronato, e só por efeito de sua boa conduta”. Estivera sempre longe “de
sentimentos contra a legalidade, pugnando constantemente a favor do Império, a que
sacrificou vigílias, fadigas, e até a própria vida”. Tanta dedicação o fez “repelir os
inimigos da Integridade do Império que a discórdia suscitou na Província de
Pernambuco no ano de 1824, como provam os documentos”.
133
Inocêncio se engajara na revolta como General de Divisão, comandante do
mesmo corpo que a legalidade logo extinguira, mas que na capital atuava como uma
132
Defesa do acusado sargento mor Inocêncio Eustáquio Ferreira de Araújo, 23. 06.1838, PAEBa.
133
Defesa do acusado sargento mor Inocêncio Eustáquio Ferreira de Araújo, 23. 06.1838, PAEBa.
76
espécie de símbolo da resistência: o 3.º Batalhão de Caçadores, lotado no Forte de São
Pedro, que ali iniciou a revolta. A sua participação atribui-a seu defensor a “este
exemplo lamentável da nossa fragilidade”, seguro, porém, de que se ele não desertou foi
porque, “algemado nos seus projetos de evasão”, esteve sempre ali para prevenir o
pior.
134
As divergências desse tempo foram bastante exploradas pelos contemporâneos
para a justificativa de seus atos políticos. O largo espectro de argumentos oferecidos ao
debate público nesse período se deve especialmente ao caráter vivamente disputado das
interpretações sobre a natureza do estatuto político a ser implementado na transição
nada linear do fim do regime colonial para a formação do Império do Brasil. O estudo
dessa diversidade nos servirá aqui para pontilhar pequenas amostras de um pensamento
político agitado e extremamente fluido em suas manifestações expressivas, com o qual
será indispensável dialogar para adiante bem colocar o debate das opções políticas
ensaiadas na Sabinada.
Pode-se dizer que as mais profundas motivações dessa discussão política
remontam ao tempo um pouco mais recuado das tensões que antecedem os movimentos
de independência no Brasil. Recuado, mas ainda muito vivo. E se é verdade que essas
tensões “ativaram muitas energias” em distintos grupos na sociedade brasileira, não se
pode perder de vista que até meados de 1822 em muitas províncias ao sul do Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves a “questão nacional” ainda não estava resolvida.
Quer dizer, a idéia de que os movimentos políticos que se sucedem no final do período
colonial continham em si os germens de um discurso emancipatório, tal como ao final
134
Souza Carneiro, “A Sabinada”, p. 88; Acórdão em processo militar, PAEBa; Defesa do acusado
sargento mor Inocêncio Eustáquio Ferreira de Araújo, 23. 06.1838, PAEBa.
77
prevalecente nos anos de 1822-23, não explica o processo histórico dos diferentes
acordos regionais para a montagem do Império do Brasil.
135
A “associação liberal-constitucionalista entre brasileiros e portugueses”,
resultante dos efeitos ultramar da Revolução Liberal do Porto em 1820, prolongou-se
com a convocação das Cortes Gerais da Nação Portuguesa, chamadas com o propósito
de elaborar as bases de uma Constituição para o Reino que até aquela altura incluía o
Brasil.
136
A transição que se abriu com o movimento liberal em Portugal – chamado
“Vintismo” pelos nativos desse país – determinou alterações importantes na organização
político-burocrática das agora províncias do Brasil. Essas mudanças vinham a reboque
do processo político que institucionalizava a passagem do modelo da soberania real para
aquele da soberania nacional no Estado Português. As “Cortes Gerais, Extraordinárias e
Constituintes da Nação Portuguesa” passariam a representá-lo. Instaladas em Lisboa,
em janeiro de 1821, somente em setembro se realizaram na Bahia as eleições dos
deputados que a ela também concorreriam como portugueses desse hemisfério.
137
A participação desses deputados baianos – dentre os quais certamente se destaca
a figura do experimentado revolucionário Cipriano Barata – ficou marcada por sua
decidida intenção de formular um modelo constitucional que, “‘conservando-se o
príncipe como centro do poder executivo’, governe todas as províncias ‘como um todo
135
Reis, “O jogo duro”, p. 88; Jancsó, “A Sedução da Liberdade”, pp. 389-92. Também de Jancsó, sobre a
“questão nacional”, a introdução à obra coletiva já mencionada, Jancsó (org.) “Formação do Estado e da
Nação”, pp. 15-20. Ver também István Jancsó e João Paulo G. Pimenta, “Peças de um mosaico (ou
apontamentos para o estudo da emergência da identidade brasileira)” in Carlos Guilherme Mota (org.),
Viagem incompleta. A experiência brasileira (1500-2000): Formação: histórias, São Paulo: SENAC, pp.
135-8; Fernando A. Novais, “As Dimensões da Independência” in Carlos Guilherme Mota (org.), 1822:
Dimensões, São Paulo, Perspectiva, 1972, pp. 15-26; Berbel, A nação, pp. 57-81.
136
Tavares, A Independência, pp. 17-8; Berbel, A nação, pp. 43-56.
137
Berbel, A nação, pp, 19, 50-8. A idéia da Nação Portuguesa como inclusiva dos brasileiros era
desenvolvida tanto por naturais de Portugal quanto do Brasil. Sobre a nação portuguesa veja-se Jancsó,
“Peças de um Mosaico”. Também sobre esse assunto, as falas de deputados brasileiros nas Cortes
estudadas por Leite, Republicanos, pp. 161-227.
78
indivisível’”.
138
Por isso, numa das sessões das Cortes que decidia o futuro dos
negócios políticos do Brasil, em julho de 22, Barata censurou o gesto “impolítico” de
paulistas e fluminenses que, no início desse mesmo ano, haviam dirigido ao Regente
uma petição na qual solicitavam a sua permanência para, no Brasil, organizar um Poder
Executivo próprio, embora sujeito à Constituição Portuguesa.
139
O episódio celebrizado como “O Fico”, naturalmente em virtude da aceitação do
príncipe, era apenas uma das respostas que seriam dadas ao decreto de 29 de setembro
de 1821, da lavra dos constituintes portugueses em consórcio com o governo do Reino.
Esse documento, sinalizando o uso de uma nova prerrogativa soberana, ordenava o
retorno imediato do sucessor “del Rei” à Europa, e sujeitava o Comando das Armas de
cada província diretamente às Cortes de Lisboa, desobrigando-o da obediência às
determinações da Junta de Governo instaladas no Brasil.
140
As resistências diferentemente orquestradas no Brasil ao endurecimento da
atitude européia precipitaram força ainda maior dos portugueses. Assim, a chegada de
tropas na Bahia para garantir a posse do brigadeiro português Madeira de Mello,
nomeado por execução do famigerado Decreto, foi o golpe que faltava à já combalida
associação política entre os dois lados do Atlântico, nas palavras de Luís Henrique Dias
Tavares.
141
A Bahia era uma das províncias sobre as quais Lisboa ainda possuía controle
militar. Pernambuco era outra delas. Formou-se então uma polarização entre as
Províncias Coligadas – puxadas pelo Rio de Janeiro, por São Paulo e Minas – e as
províncias do Norte e do Nordeste, resistentes à aclamação do Regente, mas
138
Discurso do deputado Cipriano Barata, sessão de 1.º de julho de 1822 apud Leite, p. 186.
139
Discurso do deputado Cipriano Barata, sessão de 1.º de julho de 1822 apud Leite, pp. 184-5; Berbel, A
nação, pp. 77-9.
140
Tavares, A Independência, pp. 23-4; Leite, Republicanos, pp. 170-78.
141
Tavares, A Independência, p. 17.
79
progressivamente transformadas em bases militares de Portugal.
142
Os episódios de
intolerância repressiva que Madeira de Mello não cessava de patrocinar na cidade, na
pretensão de se impor militarmente aos descontentes, empurram e vão forçando a
organização dos baianos no Recôncavo. Tavares vê que “começavam por aí as
definições que uniriam as tendências dos mais diversos grupos na aclamação ao
Príncipe D. Pedro”.
143
Na capital, fica a campanha pela união debaixo dos princípios liberais-
constitucionais sustentada pela pena de O Constitucional, editado pelo vereador e futuro
ministro do Império, Francisco Gê de Acaiaba Montezuma. Era o resíduo de alguma
confiança dos baianos na solução em favor da nação portuguesa. Advertidos das
indóceis intenções dos portugueses, os baianos também não descuidaram das
adivinhadas intenções absolutistas da união sob o Regente.
144
Enquanto isso em Portugal, sete deputados brasileiros abandonaram os trabalhos
parlamentares, em outubro de 1822, portanto um mês depois da declaração de
Independência na Corte por obra de D. Pedro I. Seus motivos, Cipriano Barata, um dos
deputados a fugir, não poderia pintar melhor: “tudo quanto eles (os deputados)
acabavam de decidir para o Brasil eram bulas do papa para o imperador da China, pois
que nem o príncipe era tolo em obedecer a tais coisas nem o povo do Brasil em tal
consentiria”. De fato, a essa altura, portugueses e brasileiros falavam línguas
diferentes.
145
Aos ataques das Cortes em bases que pouco honravam as idéias liberais
pregadas pelo vintismo, sucederam-se contra-golpes que permitem a um só tempo
142
Berbel. A nação, p. 79; Leite, Republicanos, pp. 214-6.
143
Tavares, A Independência, pp. 63-4.
144
Tavares, A Independência, pp. 76-8, 80.
145
Jancsó, “Peças de um mosaico”, p. 129. As palavras de Barata estão em Leite, Republicanos, pp. 218-
9.
80
distinguir os diferentes traços do pensamento político nativo no período e firmar a
convicção de que, se a Independência acabaria acontecendo em breve, nem por isso era
possível entrever algo que se pudesse nomear seu “partido”.
146
José Bonifácio de Andrada e Silva, em duas oportunidades no mês de agosto de
1822, publicou Manifestos assinados pelo Regente D. Pedro em que blaterava contra os
“furores da democracia”, identificados nas “facções republicanas” que o absolutismo
das Cortes teria ajudado a se espalhar. Apontando a necessidade de um “governo forte”
que garantisse a união dos dois lados do Reino, sob os auspícios do herdeiro da Coroa,
Bonifácio mirou de uma só vez dois alvos: as pretensões de reconquista dos
constituintes portugueses e os elementos republicanos que via perigosamente
disseminados.
147
No mesmo Rio de Janeiro, por outro lado, forjara-se uma importante resistência
à permanência de D. Pedro no Brasil. Mas não se pense que era um grito de
independência. Os membros do “club” sediado à Tipografia Silva Porto – talvez a mais
importante “facção republicana” visada por Bonifácio – redigiram a chamada
“Representação do Rio de Janeiro”, assinada por mais de seis mil pessoas, para propor,
dentre outras coisas, a convocação de uma Assembléia Constituinte no Brasil pelo voto
direto. Sua estratégia incluía a saída do Regente para Portugal e a instauração de um
regime político que preservasse a “união do Reino Português em justas condições. Um
dos seus redatores era o presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, José
Clemente Pereira; outro era João Soares Lisboa, editor do periódico Correio
Fluminense, conhecido por suas “libertárias” e “carbonárias” idéias.
148
146
Tavares, A Independência, pp. 26-7.
147
Leite, Republicanos, pp. 164-70.
148
Leite, Republicanos, pp. 17-27, 78-87.
81
O contraponto dessas duas diferentes reações ao processo político conduzido
pelas Cortes Portuguesas nos oferece desde já um quadro dentro do qual as orientações
políticas brasileiras no tempo da Independência iriam se mover. Posições situadas nos
pólos do debate, que definem muitas vezes a linha entre o institucional e o clandestino,
abrindo o campo das formulações alternativas entre os extremos que bem representam.
Renato Lopes Leite dirá que “o significado do federalismo como desmembração
separatista talvez seja, para a historiografia da Independência, a definição mais forte do
conceito de república entre 1822 e 1824”.
149
Mas, como ele mesmo demonstrará, os
mais eminentes partidários das idéias republicanas a essa época não fugiam ao
compromisso com o Rei. Assim como Barata, Frei Caneca prestou seu apoio ao governo
monárquico representativo antes e logo depois de concluído o processo de
independência nos quatro cantos do Brasil. Algumas notas a esse respeito se fazem,
porém, necessárias.
Caneca colocou toda a sua ênfase no elemento constitucional representativo
desse sistema de governo, e sua “tolerância” ao monarca se devia basicamente ao fato
de que o rei ou o imperador aparecia como figura capaz de garantir o processo de
reformas, mantendo a integridade do Estado. Por outro lado, como deixa clara a
passagem do texto de Leite, havia em algumas situações um uso equivalente das
expressões federalismo e república, aquela por vezes querendo significar os elementos
desta. Isso se explicaria por um certo “silêncio em torno da palavra república”,
entendido como uma “reação à vulgarização que aquela concepção política sofreu por
meio de sucessivos ataques dos periódicos absolutistas”.
150
Em palavras do próprio
149
Leite, Republicanos, p. 167.
150
Leite, Republicanos, pp. 32-42, 47-54, 168; Marco Morel nos fala do livreiro francês Pierre Plancher,
chegado ao Brasil numa fase em que a imprensa começava a se libertar da censura. Apesar de que seu
liberalismo fosse moderado, Plancher não pôde resistir às perseguições e regressou à Europa. Morel, As
Transformações, pp. 23-60. O Código Criminal de 1830 incriminava a defesa pública do regime de
82
Barata, dirigidas contra a tarefa espiã do grupo de Bonifácio nos idos de 1823: “Andam
perseguindo a gente honrada e os cidadãos liberais debaixo do nome de Republicanos
ou Carbonários. Que triste sorte do Brasil! É neste sistema que o cidadão honesto anda
mudo e solitário como em terra estranha, e não acha asilo seguro nem em sua própria
casa”.
151
O que Leite quer então sugerir é a existência de um compromisso político dos
ideólogos republicanos com uma forma de governo que lhes parecia a única capaz de,
naquele momento e pela via institucional, equilibrar as garantias de integridade
territorial com os elementos de um “governo o mais livre possível”. Porque, assim, dizia
Caneca, “esperamos ser felizes em um Império Constitucional”. Portanto, não estavam
sonegadas as suas convicções de legítimo republicano: a separação de poderes, a
representatividade democrática, o direito à desobediência, a liberdade como não-
dominação.
152
Como também não estavam as de seu parceiro e correligionário Cipriano
Barata, notadamente conhecido pela sua formulação da soberania popular. Em 1823, seu
apelo em favor da “federação imperial” traduziu a reserva possível contra a mão pesada
de um Imperador pronto para deitar por terra os últimos traços de uma liberdade
instituída. Diante da iminente dissolução da Constituinte, temos prova dessa escolha
articulada, dessa estratégia que mais adiante também seria necessária a radicais como
Sabino.
153
governo republicano, e Sílvia Carla Pereira Brito Fonseca chamará a atenção para o fato de que, por esse
motivo, as idéias republicanas “se confundiam” com outras formas mais amenas de apresentação. Ver
Sílvia Carla Pereira de Brito Fonseca, “A Idéia de República no Império do Brasil: Rio de Janeiro e
Pernambuco (1824-1834)”, Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004, pp. 89-93.
151
Apud Marco Morel, Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade, Salvador: Academia de Letras da
Bahia; Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, 2001, p. 181.
152
Leite, Republicanos, pp. 34-5; Philip Petit, Republicanismo: una teoría sobre la libertad y el gobierno,
Barcelona: Paidós, 1999, pp. 95-99.
153
Morel, Cipriano Barata, pp. 245 e ss; Leite, Republicanos, pp. 43-7.
83
Na história desses compromissos, o rei ainda seria fiel de algumas balanças
revolucionárias. Sob o título da união monárquico-federativa, rebentariam as revoluções
de 1832 e 1833 na Bahia, e seria publicada, durante a Sabinada, a folha revoltosa O Sete
de Novembro, em defesa da separação provisória do Estado da Bahia. Seus redatores, no
entanto, rejeitariam a “pecha” de republicanos. No dia 07 de dezembro de 1838, já no
curso da revolta, um enfurecido editor do jornal baiano desafiou seu colega do Eco da
Religião e da Pátria, impresso em Santo Amaro: “Somos invectivados de havermos
proclamado uma República, e de havermos derribado o trono do Sr. D. Pedro II. Onde a
prática desses atos? Apresente-se”. República para eles era anarquia. Falando assim
eram tão conservadores quanto os “dissidentes do Recôncavo”.
154
Ao longo das experiências de poder do Primeiro Reinado, e em seguida da
Regência, uma melhor definição dos campos políticos monarquista-federalista e
republicano, na militância da imprensa e por vezes na própria lida revolucionária,
contribuiria para escandir seus projetos e conteúdos programáticos. Sílvia Carla Pereira
de Brito Fonseca, em estudo sobre a idéia de república na Corte e em Pernambuco entre
os anos de 1824 e 1834, defenderá que “em estreita relação com a percepção de ruptura,
o discurso republicano revela a esperança de um ‘novo’ tempo impulsionado pelo
desligamento político com Portugal a partir de 1822, pela reação pernambucana à
dissolução da Constituinte em 1823, mas sobretudo pela abdicação do imperador em
1831”. A idéia de nação portuguesa será minada, diz ela, porquanto o trânsito semântico
da expressão “português” a conduzirá de uma opção de integração nacional ao assombro
de um fantasma absolutista.
155
Na chamada “década liberal”, que prepara a deposição de Pedro I e se fecha após
o ciclo de revoltas duramente reprimidas pelo Estado em obras, podemos falar que a
154
O Sete de Novembro, 07.11.1838; Morton, “The Conservative Revolution”, p. 322.
155
Fonseca, “A Idéia de República”, p. 43.
84
ascese republicana consolidara seu completo antimonarquismo. Fonseca, citando a
Bússola da Liberdade, já em 1832, anota: “Não temos sustentado a Monarquia já
Absoluta, já temperada? E que bens nos têm dela resultado? (...) Em um ano de
Governo de Regências, que temos ganhado? (...) Um bem único (...) o conhecimento da
incompatibilidade da Monarquia com a felicidade dos Povos da América”.
156
E os mesmos “pais fundadores” que antes haviam tolerado o monarca,
afastaram-se de sua insustentável sombra, então refeitos do seu erro. “Em 1824 João
Soares Lisboa será categoricamente um republicano”. E se em 1822 ele também fechara
com um “tipo de monarquia”, “dois anos depois, no Recife, quando já se havia
proclamado a república federalista de 1824, ele diz que naquela época estava
enganado”.
157
Junto com Caneca, decidira rumar para mais perto do Equador.
Para o Novo Diário da Bahia, publicado junto com O Sete de Novembro na
revolta baiana de 1837, também havia chegado ao fim o tempo das ilusões. A Sabinada
conclui o processo de 14 anos dentro do qual “virtualmente todos os grupos
desprivilegiados se rebelaram contra o novo imperador”. Em 1837, estudioso do
americanismo, descrente do federalismo no Brasil, farto do “monopólio da Corte”, e
seguro de que o povo brasileiro “só não paga tributo para andar mais ou menos
apressado”, Sabino não quer mais ouvir falar do Imperador. A não ser que seja para
aviar uma revolução.
158
Portanto, se o rei conferiu por um tempo a garantia que adiou a ruptura
institucional entre Brasil e Portugal, inclusive entre os republicanos, esse também foi o
sentido que permitiu à figura do Imperador permanecer no horizonte político de grupos
conciliadores e menos radicais, como era o caso dos federalistas na Sabinada. Porém, os
156
Sobre os principais traços do pensamento político brasileiro na “década liberal”, v. Flory, El Juez, pp.
17-35; Bússola da Liberdade, 13.05.1832 apud Fonseca, “A Idéia de República”, p. 106.
157
Leite, Republicanos, p. 42.
158
Morton, “The Conservative Revolution”, p. 286; Novo Diário da Bahia, 25.12.1837 e
85
episódios políticos da Regência sepultarão por completo o concubinato espúrio entre
monarquia e república na Bahia. Ali, onde se lê república, leia-se separação com
elemento democrático.
A esse propósito, Sabino tinha algo a confessar.
86
Capítulo 3
PAPÉIS REVOLUCIONÁRIOS: OS DOCUMENTOS DA DIFERENÇA
3.1. Dos acordos e das estratégias em matéria de revolução no Império.
Ligando as pontas da ação do “tempo das divergências” na Bahia, Luís Henrique
Dias Tavares afirmou que “a luta armada contra as forças militares portuguesas
construiu argumentos para as manifestações de autonomia e federalismo identificáveis
de 1822 a 1837, inclusive com a repetição de personalidades”.
159
Os argumentos e as personalidades levaram mesmo todo esse tempo
mutuamente se recompondo, não pararam. Rebentando no final dos anos 30, a Sabinada
pintou um quadro dramático das mudanças políticas, e propiciou o ápice da carreira
revolucionária de muitos que, debelado em definitivo o foco das agitações, serviriam ao
Estado como se houvessem nascido no berço da ordem.
160
Nesse sentido, o acúmulo político representado pelas forças sabinas é o
contraponto da reorganização da estrutura do Estado Nacional, representada pelo novo
acordo das elites, postadas entre a tradição dos tempos coloniais e o desafio de
reinvenção das peças que pudessem equilibrar os interesses das velhas nobrezas locais e
das novas nobrezas letradas da cidade. Em meio a isso, a imperiosa necessidade de
conter os arroubos dos livres pobres, dos “partidos republicanos” e dos escravos
aspirantes a haitianos.
159
Tavares, A Independência, pp. 18-9.
160
Henrique Praguer fornece uma cronologia dos principais movimentos políticos brasileiros desde a
queda de Pedro I, em 1831, até a Sabinada. Dentre os mais importantes, figuram a Cabanagem, no Pará
(1835-40), a Balaiada, no Maranhão (1838-41) e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul (1835-45).
Henrique Praguer, “A Sabinada: História da revolta da cidade da Bahia em 1837”. Marcus Carvalho conta
a história dos Cabanos em Pernambuco no seu “Hegemony and Rebellion”, pp. 236-83. Essas revoltas
estiveram, de um modo geral, ligadas ao prolongamento dos conflitos de independência, em alguns casos
adicionando a seus perfis importantes elementos de caráter étnico – como no Maranhão e no Pará – e
movendo seus horizontes ideológicos em torno da idéia de república e de separação com protestos de
fidelidade ao Imperador menor; Sobre relações entre a Sabinada e a Farroupilha, Walter Spalding.
87
Nesse processo, os lugares nunca estiveram dados, e os atores trocaram de
papéis com a mesma velocidade com que pululou a rebeldia. O acordo socialmente
diversificado que “superou tendências conflitantes” em direção ao completo
desligamento do Estado Português cobrou seus pesados custos na passagem histórica de
um processo que a repressão à Sabinada representa muito bem.
161
Nele, o Estado
Nacional se reforçou no estágio que cumpriu, equipando as suas novas forças militares e
nacionalizando seus esforços no curso da guerra.
Do ponto de vista das idéias políticas figuradas no debate, pode-se dizer que a
revolta de 37 atualizou de maneira dramática a diferença desse tempo porque abrigou
dentro dela mesma os elementos de sua mudança. Nação versus pátria, Rei versus
república, união versus separação, o equilíbrio tenso que a revolução manteve se pautou
num diálogo de forças que se demandavam de um ponto de vista pragmático: a
revolução tinha de sair.
Na Sabinada, Paulo César Souza se refere a muitos que logo “renegaram o
movimento: Ignácio Accioli, Almeida Sande e outros menos ilustres”. O primeiro deles
legou suas memórias acerca dos movimentos políticos da época, hoje uma peça
importante para perceber as conexões entre eles. Souza ainda aponta a presença de um
ex-presidente da Província da Bahia na “comissão de comerciantes encarregada por
Sabino e João Carneiro Rego de abrir os armazéns fechados”. Era João Gonçalves
Cezimbra.
162
Mesmo seu elemento mais radical, Francisco Sabino, conheceu uma trajetória
que não era atípica nessa época de posições fluidas. Em 1832, um ano após a Abdicação
161
Tavares, A Independência, p. 18.
162
Souza, A Sabinada, pp. 172-3; Na Corte, Morel fala dos ex-exaltados, Nicolau Vergueiro e Francisco
Sales Torres Homem, que depois de cumprirem carreira à frente de panfletos radicais foram,
respectivamente, nomeados Senador Vitalício e Ministro das Finanças, no final da década de 20 desse
século XIX. Morel, As Transformações, p. 113. Os exemplos não são poucos. Veja-se também Morton,
“The Conservative Revolution”, p. 286.
88
do “Tirano”, Sabino era editor de O Investigador Brasileiro e nele protestava em favor
da confiança nos novos regentes da política imperial. Souza notou a sua ausência nos
movimentos federalistas que assolam a cidade de 1831 a 1833, mas sua folha dá provas
de perfeita compatibilidade com a visão reformista que os manifestos daquelas revoltas
trariam à luz. Respondendo às acusações de um outro periodista, a quem ele parecia
“tão amigo da ordem”, Sabino diz não haver lógica em ser inimigo de todos os
governos. E pede a seu detrator que relembre os motivos pelos quais ele fizera oposição
à gestão de Pedro I:
era porque, e era verdade, a conduta daquele ingrato não era franca, e leal; seus atos
administrativos tendiam sempre para uma liga, mais ou menos apertada, com Portugal. Seu
amor e predileção para os seus era a toda prova; seu amor ao Brasil, e sua
Constitucionalidade, era a todas as luzes forçado; donde, e de outros muitos princípios
irrefragáveis se retirava, ajustadamente, a ilação de que ele não podia completar a felicidade
do Brasil, e da Nação que o elegeu para seu chefe.
163
Sabino se sentia traído como brasileiro. Queria reformar o governo e pôr
brasileiros à testa das coisas públicas. Seu discurso era nacional. Era um reformista
como muitos. E estava quieto. Porque “este Governo, esta Administração ainda não tem
encetado seus trabalhos; ainda não se sabe o que ela será, nem o que poderá de si
produzir”.
164
A queda do Imperador parecia mesmo ter operado no cenário político efeito
similar àquele dos acordos interclassistas da Independência. A esse respeito, falando de
Barata, outro incontestável ícone do pensamento libertário, Marco Morel escreveu que
“para Cipriano e os que comungavam das mesmas idéias e práticas o tempo era de festa.
163
O Investigador Brasileiro, 08.06.1832.
164
O Investigador Brasileiro, 08.06.1832.
89
A oposição ao Imperador começava a forjar uma aliança ampla de grupos políticos, num
processo equivalente ao de 1822”.
165
Mas o Sabino de tipo conciliador não demoraria em pé. Talvez tenha dado a ler
com mais atenção os livros de sua biblioteca. Voltaire, Rousseau, Sieyès. E em 1835, já
podia completá-la com uma nova aquisição: A Democracia na América seria lançada
naquele ano. Mas não se pense que Sabino era um visionário. Lia os relatórios escritos à
Assembléia Provincial e às suas mãos chegavam os ofícios trocados entre as
autoridades. Era uma espécie de cronista teórico. E o seu novo jornal, O Novo Diário da
Bahia, fundado em julho de 1837, assumiria o papel de uma consciência crítica e
militante da política do dia, lida a partir de “doutrinas gerais e filosóficas do Direito
Político”.
166
Passou a clamar abertamente pela revolução, pois a Regência, em quem
antes confiara, não cessava de lhe dar motivos. Justificando-se em tom quase
confessional, ele diria:
Nenhum povo do mundo poderia conter-se tanto tempo nos limites da paciência e
moderação, quanto o povo da Bahia; fazendo sempre renascer nossas esperanças pela
salvação da Pátria, nós as víamos em breve tempo desfazerem-se como um sonho; fomos
por certo até a nossa Revolução o ludíbrio e o escárnio de um poder arbitrário, que surdo aos
nossos clamores, indiferente para com as nossas desgraças, contemplava-nos sem dó a
desempenharmo-nos no precipício dos mais acerbos males.
167
Nesse discurso revolucionário de Sabino, importa notar o uso dado a um
conjunto de conceitos expressivos da teoria política, que sugerem não só a sua leitura
dos clássicos e de seus contemporâneos, como também a sua capacidade de consagrá-
los na interpretação dos fatos da narrativa diária do poder. As inflexões conceituais
165
Morel, Cipriano Barata, p. 242.
166
Inventário de Francisco Sabino, PAEBa, IV, pp. 203-9; Novo Diário da Bahia, edição de ( ), PAEBa,
IV, pp. 397-8; Novo Diário da Bahia, edição de 30.12.1837.
167
Novo Diário da Bahia, edição de 25.12.1837.
90
construídas para a formulação histórica da revolução indicam ainda que a troca de idéias
com outros periodistas libertários era bastante provável.
Sílvia Fonseca examinou os argumentos de jornais da Corte simpáticos ao
republicanismo, e é possível notar com clareza que muitos dos argumentos apresentados
por Sabino para a sua defesa, e para a crítica ao sistema de poder da Regência, estavam
presentes, por exemplo, em O Repúblico, no Nova Luz Brasileira, e no Tribuno do
Povo.
168
Aproximações com o pensamento de O Republico já tivéramos, páginas atrás,
na demonstração da intolerância de Borges da Fonseca, seu redator, com a “promessa
regencial”. Mas os topoi republicanos não eram poucos.
A evidente inspiração da “comunidade republicanista” brasileira buscada na
fórmula estadunidense era proporcional à rejeição do modelo dos americanos do sul.
Sabino teve a oportunidade de desenvolver esse tema no Novo Diário, respondendo a
recorrente questão dos conservadores, para quem os exemplos de “desordem e
anarquia” das repúblicas do sul não recomendavam a forma republicana de governo.
Sabino diria: “Não balbuciamos, nem este argumento nos confunde”. Porque “dito
deixamos pouco acima que os antigos usos, hábitos e costumes, formando uma segunda
natureza, concorrem muito para obstáculo a outros usos e costumes que porventura se
queira adotar”.
169
Em matéria de uma “segunda natureza”, os “ex-espanhóis” não
tinham o seu Tocqueville.
Na argumentação para sua defesa contra o júri que examinava o caráter
“incendiário” de suas idéias, Ezequiel Corrêa dos Santos, do Nova Luz Brasileira,
retoricamente indagou: por “pensar que o Governo dos Estados Unidos, esse governo
168
Fonseca, A idéia, pp. 94-104.
169
Novo Diário da Bahia apud PAEBa, IV, p. 402.
91
que tem feito a delícia e a ventura dos conterrâneos de Washington; deverei (...) ser
declarado criminoso? Não de certo”.
170
Borges da Fonseca, seu colega do Republico, completou o pensamento:
Os inimigos da forma de governo americano quebram-nos a cabeça todos os dias com os
horrores da ex-América espanhola (...). A causa das desordens da ex-América espanhola não
depende da forma de governo, mas sim da matéria que não estava disposta para receber a
forma. Os Americanos, já educados em um governo constitucional, com luzes e civilização
necessárias, não lhe (sic) foi preciso dar o salto mortal que deu a América do Sul, da
escravidão a mais abjeta (...) para um governo democrático onde deve reinar a virtude e o
saber.
Por sua vez, fala Sílvia Fonseca, o redator do Tribuno do Povo considerava “um
‘pretexto’ a declaração de que o povo brasileiro não possui as virtudes necessárias à
República”. Para ele: “isto não nos priva de clamar que o Governo Republicano é o
único que nos pode fazer felizes; e que por isso convém irem se dispondo para abraçá-
los. Então não se diga decididamente: a República é má; é danosa aos Povos’”.
171
É idêntica a preocupação de Sabino, que na edição do dia 30 de novembro de
1837, elabora o seguinte:
As fórmulas republicanas não quadram com o Brasil, sendo tão nascente, e acanhada a
ilustração do seu povo. Lógica estranha!! Se vós reconheceis a fraqueza da educação
política, franqueai-lhe os meios mais prontos de melhorar sua miserável condição; se o
Governo republicano é o supra-sumo da organização mais apropriada para nivelar os
Cidadãos, para derramar as luzes, e produzir emulação com a estima das capacidades em
todo o gênero, por que não sancionais o Governo Republicano?
172
170
Nova Luz Brasileira, 3.09.1831 apud Fonseca, A idéia de República, p. 94.
171
O Tribuno do Povo, 14.02.1832 apud Fonseca, A idéia de República, p. 94.
172
Novo Diário da Bahia, 30.12.1837.
92
Mas naquilo que mais de perto interessa à hipótese desse trabalho, um outro
diálogo de Sabino é mais eloqüente. Silvia Fonseca notou que O Tribuno do Povo
“distingue aqueles que defendem a federação e a autonomia provincial, no contexto da
reforma constitucional, e os republicanos”. Seu redator o justifica na base de uma
“contradição indesculpável” entre o apoio à monarquia federativa e o sistema
republicano, ciente da necessidade dos “contrapesos” ao poder do Imperador, que nem o
sistema, nem a cultura brasileira apresentavam. Ora, é exatamente isso o que Sabino
vive na revolta. E se ele se mantém na mesma luta com aqueles que pensam diferente, é
porque bem devia saber das dificuldades de reunir bom número de adeptos à sua causa.
Faça-se a observação de que esses periódicos da Corte escrevem para o período
da intensa discussão em torno da abdicação de D. Pedro, cinco ou seis anos antes,
portanto, de que Sabino expressasse publicamente seus dotes de pensador republicano.
Registre-se, no entanto, que Sabino foi obrigado a se retirar da vida pública por conta de
sucessivos problemas pessoais. Esteve preso até 1834, dedicou-se a pesquisas na área de
medicina, sua profissão, nos anos seguintes, e só voltaria a escrever em 1837, fundando
precisamente o Novo Diário.
173
Nada impede que, junto com o pensamento, revisasse as
folhas antigas.
Proceder, portanto, a esse levantamento mais geral dos traços do pensamento
político manifestado na revolta tem o grande interesse de colocar a questão relativa à
identidade da Sabinada, e nos aconselhar a não tomar a parte pelo todo. Falo aqui,
especialmente, de uma tendência da historiografia contemporânea em tratar a Sabinada
como uma revolta de cunho federalista tout court. E também dos insondáveis motivos
para a ausência de Francisco Sabino e de sua literatura republicana dos textos de autores
que se dedicam ao assunto no Brasil. Talvez por conseqüência da primeira atitude.
173
Viana Filho, A Sabinada, pp. 87-90.
93
Afinal, não se pode deixar de ver uma certa lógica nisso: república é uma coisa,
federação é outra. Mas em 1837, elas convivem. Tensas, é verdade; mas convivem. Mas
por que se chamou a revolta Sabinada? Sabino era apenas um federalista mais ousado?
O fato é que, prolongando a imprecisão dos antigos, que viam na Sabinada uma confusa
“mancha republicana” – e que tinham nisso um sinônimo da anarquia e em Sabino o
maior dos anárquicos – os historiadores de hoje não puderam identificar ou desenvolver
seu legítimo veio republicano, distinto da sua contraparte federalista. Assim como
também distinto da anarquia de antanho.
174
Por isso, ao lado da proposta federalista, unionista, nacional e imperialista do
grupo da ata do dia 11 de novembro, temos o “projeto” republicanista, separatista e
antimonarquista de Sabino, manifestado na ata do dia 7. Se ele tinha um séqüito é algo
que talvez possamos apenas supor, e sem deixar de considerar ainda que o aspecto
moral de sua liderança possivelmente supria as adesões orgânicas às idéias que
professava. Até porque seu currículo era vistoso e suas idéias estavam em trânsito
acelerado.
Luiz Viana Filho reconhece nele “o mais notável dos revolucionários”. E
também o mais culto deles, “o que conhecia das últimas tendências d´além-mar,
sabendo a última palavra sobre o regime republicano”. Por isso, “não era preciso nem
dizer nem proclamar – todos sentiam que ele era o chefe”. Sobretudo pelos serviços
prestados à causa da revolução, fosse na independência, onde lutou em Itaparica, sendo
preso por insubordinação, fosse logo depois na tentativa de corrigir seus rumos ao lado
dos Periquitos, em 1824, na cidade de Salvador. Nesse quesito, era um experimentado.
174
Tavares chama Sabino de “líder federalista de 1837”, A Independência, p. 27; João Reis inclui a
Sabinada no campo das “revoltas pelo federalismo”, analisando as rebeliões promovidas por livres e
libertos “não-alinhados” na Bahia do período, cf. Reis, Rebelião Escrava, pp. 57-67, esp. 64. Sobre a
confusão entre federação, república e democracia, v. Accioli, Memórias, pp. 159, 353. Falando da
“ampliação da esfera pública” e da responsabilidade das idéias republicanas nesse processo, Renato
Lopes Leite vai até as revoltas escravas da década de 30, menciona “insurreições de pardos” em Salvador,
mas Sabino talvez não lhe tenha saltado aos olhos, cf. Leite, Republicanos, pp. 306-7.
94
No campo ideológico, era versátil, “nele as idéias produziam o efeito dum incêndio:
enquanto ardia era deslumbrante; passadas as chamas, tudo era cinza, mesmo a idéia por
que se inflamara”. Sua única firmeza era o “espírito liberal, que, embora tomando
tonalidades diversas, nunca o deixou”. Viana Filho lhe empresta uma sonora voz.
175
E para pensar as diferentes vozes do núcleo revoltoso da Sabinada, uma boa
imagem é fornecida por Marco Morel, no seu estudo sobre os atores políticos da Corte
entre as décadas de 20 e 40 do século XIX. Segundo as suas tendências políticas e a sua
posição relativa frente ao espectro da Revolução Francesa, os grupos poderiam ser
divididos em três: aqueles que combatiam o advento da revolução; os que, uma vez
nela, queriam detê-la; e os últimos, que a queriam ver ampliada.
176
Na Sabinada, essa imagem nos aproxima de uma forma diferente da questão do
Estado legalista, erguendo-se da nuvem revolucionária para combatê-la, e também do
problema dos que pretendiam controlar a revolução ao lado de outros que investiam na
sua permanência. A revolta baiana traduz essa tensão entre reforma e revolução, ou,
num par mais moderno e elegante, entre motim e sedição, no confronto de suas forças
que divergem sobre os rumos a serem tomados e sobre os limites a serem impostos às
mudanças promovidas.
177
O federalismo manifestou-se na Sabinada por um discurso em que as críticas à
má administração e ao mau governo sobrepuseram o desenvolvimento de um projeto de
sociedade ou uma formulação mais atenta aos fundamentos do regime político. Esse
“viva o rei, morra o mau governo”, segundo Jancsó, “não subverte os fundamentos da
ordem, antes busca restaurá-los”: é o motim.
178
Tanto é que, assim como nas revoltas
175
Viana Filho, A Sabinada, pp. 76-92; Souza Carneiro, “A Sabinada”, p. 77.
176
Morel, As Transformações, p. 40.
177
Morton, “The Conservative Revolution”, pp. 321-3; Souza chama a atenção para a “sua dupla natureza
de rebelião contra a Corte do Rio de Janeiro e revolta popular contra os poderosos”, cf. A Sabinada, p. 13.
178
Jancsó, “A Sedução da Liberdade”, p. 389.
95
federalistas que a antecederam e nas quais esse federalismo sabino tem reconhecida
inspiração, não há dúvidas do seu interesse de atender ao chamado do Imperador, tão
logo ele tocasse a idade legal. São palavras de O Sete de Novembro, periódico revoltoso
afinado com essas idéias:
Dizem, por exemplo, que temos proclamado uma república, uma república que os malvados
dizem ser o reinado dos crimes – mas a Bahia, o Recôncavo, o Brasil todo, o mundo inteiro,
vê e conhece que o que temos feito é separarmo-nos da união recolonizadora do Rio de
Janeiro, subtraindo-nos à obediência dos tiranos do interregno, dos déspotas da Corte
central, até que o Sr. D. Pedro II chame à sua emancipação, nos 18 anos de sua idade, tempo
em que a constituição do Império o reconhece habilitado para tomar as rédeas do
governo.
179
Isso não é sedição. Porque ela vai até os “alicerces”, diz o Novo Diário da
Bahia:
a Revolução não envolvia destacadamente a separação da Província. A nossa desmembração
da Corte do Rio de Janeiro, o rompimento da Integridade do Brasil, foi um meio, foi um
passo indispensável, sem o que nós não poderíamos realizar o pensamento de nossa
insurreição. A Revolução de 7 de Novembro, como mais filosófica, como mais social,
propôs-se a reconstituir o mecanismo na nossa organização política: se para obter este
último resultado, promoveu-se a desligação da província, foi pela mesma razão porque se
não pode erigir um novo edifício para substituir outro, sem que procedamos pela sua
demolição até os alicerces. Como estabelecer a ordem democrática, por sua natureza
independente, e soberana, sem desunir-nos do laço comum, da integridade; como
sustentarmos a supremacia do poder atribuída, segundo a índole do Sistema antigo, à Corte
do Rio de Janeiro, e ao mesmo tempo criarmos uma Administração toda revestida de
faculdades, a fim de desenvolver uma atividade própria, sem influência de uma força
179
O Sete de Novembro, edição de 23.11.1837.
96
estranha, de um poder superior? Seria tal contradição uma anomalia não conhecida em
Política, um monstro incapaz de mais leve aparência de realidade.
180
Era “só” por isso que Sabino entendia necessário se separar.
Portanto, não se trata de tentar conciliar as duas posições. Nem essas são “linhas
a explicar em termos similares a separação”. “Deixar” que essas duas correntes
convivam contrárias, ou até contrariadas, é então o mesmo que admitir que fazer
política implica fazer alianças e compor entre contrários ou diversos, para que se possa
chegar a um resultado comum. E à questão colocada por Paulo César Souza a esse
respeito: “como conciliar lealdade a um monarca com fé republicana?”, responda-se: os
sabinos não tinham intenção de conciliá-las. O que estava em jogo era cerrar fileiras em
prol do acontecimento revolucionário. Assim, não parece acertada a sua avaliação,
segundo a qual a Sabinada
foi um movimento caótico nas ações e contraditório nas intenções. A incoerência não estava
tanto na afirmação simultânea de república e federação. Afinal, não eram excludentes. O
modelo que mais invocaram, os EUA, era uma república federativa. (...) No caso, o
compromisso, a contradição foi a nunca negada submissão a D. Pedro.
181
De fato, república e federação não eram excludentes nos EUA. Mas aqui, para
Sabino, sim. A comparação com os Estados Unidos, que Sabino certamente gostaria que
fosse positiva, frustrava-se com o fato de que, ao contrário dos estadunidenses, nós,
dizia Sabino em agosto de 1837, “temos constituição bem liberal, cujos princípios vão
todos por terra, por falta do espírito democrático”. Ele continuava: “É esse espírito
democrático que tem feito a felicidade dos Estados Unidos. É esse espírito democrático
180
Novo Diário da Bahia, edição de 06.12.1837.
181
Souza, A Sabinada, pp. 157, 166, 170.
97
que conserva a igualdade e liberdade na Inglaterra, cuja constituição é bem pouco
liberal”.
182
Por isso, o caráter de “reforma mais filosófica, mais social” da proposta do Novo
Diário aponta para um sentido de república como o governo das virtudes, interessado
sobremaneira nas “luzes” da educação política que pudesse abrir “a porta à difusão geral
destes conhecimentos ou cultura, que caracteriza o bom senso de um Cidadão, que
forma o precioso catecismo das virtudes nacionais”. Foi assim que Sabino contestou a
fórmula conforme a qual “República não é para o Brasil”.
183
Nessa linha, o “Sistema antigo” dava lugar a uma “Administração toda revestida
de faculdades”, o que, conceitualmente, não se pode tomar por federação. Ao programa
federativo, como lembrou o próprio Souza no exame dos manifestos federalistas de
1832/33, interessava saber “qual seria a fronteira entre ‘negócios internos’ e ‘gerais”. A
separação animada por Sabino conduziria a uma fase ainda mais à frente daquelas que o
corpo político já atravessara, superando os “males da integridade” e temperando “a
gravidade dos inconvenientes causados pela Monarquia”.
184
A Monarquia de qualquer
Pedro.
Então, não há “contradição”, como pensa Souza. Há diferença. E isso faz uma
grande diferença. Porque passaríamos a reconhecer nessa trama um acordo vazado, uma
polissemia de intenções políticas que se pode alcançar pela idéia de estratégia, vale
dizer, pela compreensão de que a revolução é possível pelo acerto mais ou menos
precário de grupos sociais politicamente diversos, que não representam por si sós uma
suposta identidade do movimento, mas que nele se engajam pela aposta de controlar o
seu curso, ou, na pior das hipóteses, aproveitar as brechas e melhorar o seu nível de
182
Novo Diário da Bahia, edição de 11 de agosto de 1837, PAEBa, IV, p. 399.
183
Novo Diário da Bahia, edição de 30.11.1837.
184
Novo Diário da Bahia, edição de 06.12.1837; Souza, A Sabinada, p. 163.
98
dependência.
185
Vejam-se o quadro das ocupações e o perfil social dos sabinos, e essas
considerações farão sentido. As assinaturas da primeira ata já indicam o caráter de uma
revolta de classe média, que teria o apoio de pobres livres distintamente ocupados. Os
documentos da repressão e a impressão dos contemporâneos nos certificam de que a
proporção desse último grupo ao final da revolta foi bem maior do que aquela expressa
na ata.
186
. Que poderiam querer eles?
A leitura da sociedade brasileira do período, informada dos traços fundamentais
do escravismo que sobre ela se abatiam, ajuda a entender melhor esse processo das
alianças possíveis e precárias. Ou o processo das impossíveis. João Reis dirá que
ninguém entre os livres pretendia se aliar com escravos, e mesmo os libertos tinham
interesse em conservar a ordem que os definia, atuando nos intervalos, haja vista a
enorme dificuldade imposta à construção de um consenso político, fosse pelo diálogo,
fosse pela força.
187
Note-se, a esse propósito, que as revoltas de escravos não estiveram abertas à
participação de elementos de outros grupos sociais, e mesmo as comunhões interétnicas
não eram óbvias na política das armas entre os negros. Falo, sobretudo, dos africanos,
tendo em vista que os crioulos, escravos nascidos no Brasil, deram poucos exemplos de
rebeliões. Era outro o seu “jeito” de negociar a mudança.
188
Na Sabinada, criou-se o Batalhão Libertos da Pátria, com escravos crioulos.
189
Mas pouco se pode dizer a seu respeito, a documentação consultada é quase silenciosa
sobre a sua atuação. Não podemos, portanto, considerar o que pensavam os escravos,
185
Schwartz, Segredos Internos, pp. 380-5; Reis, “O jogo duro”, pp. 88-96.
186
Kraay, “As Terrifying”, pp. 516-7.
187
Reis, Rebelião Escrava, pp. 65-6; Reis, “O jogo duro”, pp. 88-96.
188
João Reis, “O Levante dos Malês: uma interpretação política” in Eduardo Silva, João José Reis,
Negociação e Conflito: a resistência negra no Brasil escravista, Companhia das Letras, 1989, pp. 99-
122, esp. 100-11; Reis, Rebelião Escrava, pp. 94-121, esp. 119-21; Schwartz, Segredos Internos: pp. 383-
4.
189
Criação do Batalhão Libertos da Pátria, 03.01.1838, PAEBa.
99
quais eram os seus projetos políticos, se é que existiu nesse caso o embrião de um
“partido crioulo”. A sua presença, assim como a de muitos do povo pobre, livre e
liberto, não nos pode induzir sequer à conclusão de que a sua participação foi decisiva
de algum modo na sorte propriamente política da revolução. Esse temperamento
obviamente não nega o caráter de sua emergência social e política – note-se que os
crioulos foram “convocados” pelos líderes revoltosos – mas indica que, na falta de
dados específicos a esse respeito, a sua participação no movimento deve se informar das
linhas mais gerais de seu comportamento em situações de conflito dessa ordem.
O que a literatura sobre os movimentos políticos do período demonstra é que as
revoltas da classe média não puderam vencer as hierarquias estabelecidas pela
sociedade escravocrata, e que a convivência revolucionária entre figuras de classe e de
condição legal especialmente distintas não se deu em favor da igualdade. “A sociedade
escravista colonial criara um conjunto de divisões de raça e status que interditava
efetivamente a cooperação”, dirá Stuart Schwartz.
190
São conhecidas as declarações de
líderes revoltosos acerca da rejeição de combatentes libertos em “se ombrear” com
escravos. Que era também rejeição de comandá-los.
191
Nisso a Sabinada não destoou, por exemplo, da sua antecessora “Revolta dos
Alfaiates”, de 1789. Estudando a conspiração baiana, István Jancsó marcará que “a base
das esperanças que convergiam para a sedição era, em cada caso particular, a condição
social de seu portador”. Uns queriam ascender a mais altos títulos, outros suprimir a
escravidão. Duas “filosofias práticas da liberdade”, ainda nas palavras de Jancsó, cuja
190
Schwartz, Segredos Internos, p. 381.
191
Gomes de Freitas, “Narrativa”, pp. 267-280.
100
sintonia esbarrava nos sólidos obstáculos da tradição, dos restritos espaços da ordem
escravocrata e da ética “competitiva” do clientelismo.
192
Não é possível, portanto, pôr muita fé na análise em que Sabino, tratando da
felicidade que lhes teria sobrevindo à derrubada de uma monarquia abusiva e
oligárquica, dizia “bem que entre nós não haja verdadeiramente separação de classes”. E
é de se supor que ele estava à procura de apoio dos moderados quando declarou que
“depois da maneira porque já as fórmulas Monárquicas, se acha, vão entre nós, tão
moderadas e modificadas pelo elemento Democrático, supomos que a nossa Revolução
foi um passo bem pouco agigantado da Política anteriormente abraçada”. Afinal de
contas, essa declaração não acompanha suas críticas à falta de uma “cultura
democrática” entre os brasileiros, fato inclusive marcante da sua opção por uma
revolução republicana.
E ainda que os passos de Sabino e de seu grupo de letrados da classe média fosse
assim tão “pouco agigantado”, o mesmo não se poderia dizer das esperanças de
liberdade dos demais sabinos. Não era esse o seu “liberalismo”.
193
Falar deles e de seus
projetos de poder é, porém, uma outra história. Por ora, fiquemos com os projetos da
liderança, que por si já são assunto bastante. Porque a sorte estava lançada e ela nunca
estivera tão ao lado dos rebelados baianos.
3.2. 1837: Monarquia Federativa versus República – versão da Sabinada.
A falta de uma interpretação política contemporânea sobre o movimento dos
sabinos se acusa especialmente pela riqueza das alternativas abertas ainda hoje pelo uso
da documentação Com efeito, afora Paulo César Souza, nenhum outro autor da chamada
192
Jancsó, “A Sedução da Liberdade”, pp. 427-8; Dele também Na Bahia Contra o Império, São Paulo,
Hucitec/ Salvador: EdUFBa, 1996, pp. 203-6.
193
Reis, “O jogo duro”, p. 93. Carvalho, Hegemony, pp. 8-10.
101
história social se ocupou de rastrear os indícios da complexidade dos interesses
revoltosos para além de documentos políticos mais ostensivos, como as atas da
aclamação revolucionária. Esse exercício permitiria não só ampliar o repertório de
questões sugeridas para o debate, como também enriquecer a leitura dos documentos já
conhecidos, propondo-lhes abordagens novas, ou talvez assegurando a pertinência de
outras, antes já sugeridas.
Esse motivo nos leva a revisitar a obra de Luiz Viana Filho, escrita por ocasião
dos cem anos da Sabinada, e que é a única dentre todas a desenvolver com mais atenção
o aspecto da transação e das estratégias que se impuseram à existência de, pelo menos,
dois grupos políticos na revolta. Para ele, as revoluções “uma vez lançadas na vida real
(...) são obrigadas a adaptar-se, transigir, mutilar-se, ganhando em vigor, em força, o
que perdem em pureza doutrinária, em limpidez ideológica”.
194
Naturalmente, ele estava se referindo ao episódio das atas. Ardoroso defensor do
caráter sobremaneira republicano da revolta sabina, Viana Filho entende que a “corrente
republicana” fora obrigada a recuar, pois “para a consecução dos seus objetivos, mais
convinha, no momento, a solução conciliatória”. Mantendo a autonomia dos grupos,
Viana Filho acredita que, do ponto de vista tático, “aos idealistas da ‘Sabinada’ não
repugnasse a sugestão de se retificar a ata de 7 de Novembro”, haja vista que as revoltas
do Pará e do Rio Grande do Sul tinham adotado condição semelhante.
195
Por conseguinte, para ele o Trono era tido como um anacronismo, e sua elevação
ao lugar de fiança revolucionária não “faria desaparecer a corrente republicana, que
havia deflagrado o movimento, e que, se não pudera conter dentro dos seus limites
ideológicos, continuava na direção da rebelião”. Subterfúgio para uma “república
194
Viana Filho, A Sabinada, p. 110.
195
Viana Filho, A Sabinada, pp. 108, 117.
102
definitiva”, a natureza estratégica da mudança da ata não precisou, para Viana Filho,
comprometer a distinção de suas tendências políticas.
196
Estavam seguros diante do
incerto.
A estrutura da análise de Viana Filho, tal como apresentada, parece-me
irreparável. Pretendo no seguimento do trabalho, continuando as suas hipóteses,
oferecer outros elementos, e outros aportes documentais que fixem a interpretação na
linha da identificação dos monarquistas-federalistas ao lado dos republicanistas, lutando
pela revolução e também dentro dela. E as notícias das traições, dos golpes e das
tentativas de contra-revolução que as memórias sobre a revolução suscitaram seriam
apenas mais uma forma de luta.
197
Aqui ficaremos com as que preferem o verbo.
Então voltemos às atas, nossos curtos documentos densos. Dentre as questões
que soam ainda inexploradas no teor de suas declarações, uma se destaca: a arquitetura
jurídica da argumentação da ata do dia 11 de novembro e suas conseqüências para o
caráter da revolta.
A separação “perfeita” prometida na ata do dia 7 de novembro era coerente com
a convocação de uma Assembléia Constituinte que “confeccionasse o Pacto
Fundamental”, cujo objetivo era precisamente fixar as condições da independência do
Estado, ou, em outras palavras, criar a sua Constituição. Ocorre que o texto da
“Representação” do dia 9 se antecipa à instalação de uma Assembléia – que de resto
nunca ocorreu – e fixa desde então os limites dessa independência. Nela, a menção ao
artigo 121 da Constituição do Império, para justificar a separação provisória, nada mais
é, juridicamente, do que a sonegação ao movimento do seu caráter propriamente
revolucionário, haja vista que apoiar o regime jurídico de uma província separatista na
196
Viana Filho, A Sabinada, pp. 116-8.
197
Souza, A Sabinada, p. 93, “Narrativa”, p. 341; Kraay, “As Terrifying”, p. 519.
103
Carta do Estado de que ela acaba de se desligar ou é a demonstração de uma bizarra
teoria do “direito constitucional à revolução” ou é mais um elemento de prova da
diversidade de referências, dessa vez jurídicas também, dos atores revolucionários. Que
nesse caso não se empenharam em ser muito verossímeis.
198
Por essa via, é possível chegar a uma fundamentação jurídica semelhante dos
movimentos que inauguram o federalismo armado na década de 30 na Bahia, e que
figuram como antepassados próximos desse que, no final da década, divide as
responsabilidades com o grupo de Sabino. Muitos dos que estiveram em 1832, na
revolta de Cachoeira e São Félix, e em 1833, na rebelião que tomou o Forte do Mar,
marcaram presença na Sabinada, contribuindo certamente para a ligação entre a história
e os princípios partilhados nesses movimentos.
199
Os revoltosos do Recôncavo em 1832, no preâmbulo do manifesto que escrevem
e promulgam na Câmara de Cachoeira, alegam exercitar “aquele mesmo direito que
tiveram os Fluminenses de expelir o Tirano D. Pedro Primeiro”. Falam de província
para província porque acreditam estar no uso do mesmo título que cabe às demais, que
inclusive convidam para compor a “Federação e pede se reúnam para a solidez do
Governo Geral e força da Nação Brasileira para o que haverá Assembléia Geral do
Império”.
200
Debelados no seu intuito meio-revolucionário, os rebeldes presos na Fortaleza
do Mar, anos depois, reproduzem o mesmo documento, salvo algumas alterações, no
levante que fazem irromper em tiros de canhão contra a capital. No manifesto do
movimento, sobressaem as palavras do artigo 10, que é a sua síntese: “O Povo quer
reformas na Administração Pública”. E no comunicado que os líderes do movimento
198
Ata da Sessão Extraordinária de 7 de novembro de 1837, PAEBa; Representação, 09.11.1837.
199
Daniel Gomes de Freitas, Sérgio Velloso, José Joaquim Leite, Alexandre Sucupira são alguns deles.
Viana Filho, A Sabinada, p. 65.
200
Accioli, Memórias, pp. 354-6.
104
encaminham ao Conselho da Província, fazem questão de salientar que a bandeira que
haviam içado para manifestar o júbilo que os assaltara pela proclamação da federação
somente “significa paz e alegria e este ato não prova mudança do Pavilhão Nacional,
nem na forma atual de governo e sim reforma, porque nas Províncias Federadas das
Nações Estrangeiras conserva-se e faz Nação uma só Bandeira”.
201
Instados a levantar a
bandeira imperial, com as balas que receberam em troca do comunicado, logo
perceberam que nem só de alegria se faz uma revolução.
Os do Mar estavam convencidos, como os de um ano atrás, que o motim
desaguava nas águas harmonizadoras do Imperador, a quem reconheciam como Chefe
Geral da Nação. A rigor, pelo teor de suas declarações e pela natureza jurídica de suas
propostas, as duas revoltas mais se assemelham a um direito de petição com o reforço
das armas do que propriamente à construção de um aparato político que tomasse para si,
não só o direito, mas também o ônus de fazer as reformas e definir as mudanças em
questão. Sintomático disso é o último artigo do manifesto de 32, que declara que o povo
da Província da Bahia “protesta não largar as armas sem que primeiramente veja
cumpridos os artigos acima referidos”. Ora, cumpridos por quem, se “o povo da
Província da Bahia” é quem decidiu ir às armas?
202
É bem verdade que na Sabinada uma questão correspondente a essa que acaba de
se anotar para os movimentos de 32 e 33 é a natureza do engenho prometido para
quando, alçado o Imperador à maioridade, a Província da Bahia decidisse regressar à
condição de “filha obediente” da comunhão. Se era por isso que os federalistas
protestavam, por que haveriam de pensar que a auto-entrega seria aceita ao cabo do
tempo sem mais? E se era uma comunhão no Império, por que esperariam o decurso do
tempo, com armas em punho, ao invés de constitui-la à sua maneira? Provavelmente, o
201
Accioli, Memórias, pp. 368-9.
202
Accioli, Memórias, p. 356.
105
horizonte de suas estratégias era a proliferação do movimento federalista no entorno
regional, o que lhes poderia conferir força material e política suficientes para renegociar
as condições da federação imperial. Mas não se viu, quer nos textos políticos, quer na
capacidade de ampliação da revolução, qualquer traço decidido nesse sentido. Sergipe
logo negou o convite, e Pernambuco até mandou tropas que resolveram o combate em
favor dos imperialistas da lei.
Já no “Plano de Revolução”, a menção temerosa feita à direção que o Brasil
perigosamente tomava no sentido dos governos feudais da Itália e da Alemanha é um
claro apelo à integridade nacional, e o equivalente de um alerta às províncias co-irmãs
para que tomassem as rédeas de seus destinos políticos e se pusessem a evitar a “sul-
americanização” do Brasil, imitando os baianos, paraenses, maranhenses, rio-
grandenses.
203
Por isso, com razão, Souza vê motivos para incluir a Sabinada na tradição dessas
revoltas federalistas baianas. Mas apenas em parte.
204
Nessa parte em que a razão lhe
assiste, vemos João da Veiga Muricy, professor e ideólogo da Sabinada, e Manoel
Joaquim Tupinambá, o juiz de paz de Itaparica, como alguns dos que publicamente
declararam sua adesão à separação provisória, confirmando essa semelhança com os
precursores.
Muricy formulou uma comparação: “Qual a diferença entre o governo do
recôncavo e o governo da capital da Bahia? O governo do recôncavo obedece ao
imperador constitucional do Brasil, o governo da capital também”. No interregno que
supunha a Regência, Muricy declarou que, em nome da mesma majestade imperial, o
governo da capital decidira dirigi-lo da Bahia. A fórmula é a mesma que adota
203
Plano de Revolução apud Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 122-26.
204
Souza, A Sabinada, p. 162.
106
Tupinambá, que em sua proclamação ao povo itaparicano, consagra a separação
provisória como “uma forma tão regular, e segura, que nos ponha ao abrigo do arbítrio
de alguém”.
205
Possivelmente com o temor de arbítrio semelhante e pouco afeito ao “elemento
democrático puro”, o federalismo sabino encontrou n´O Sete de Novembro um porta-
voz dessa tendência que se ocupava em demarcar claramente as suas intenções não-
republicanas, ao lado da fidelidade ao Imperador. Se considerarmos que a formulação
republicanista está historicamente associada à noção de igualdade, a edição do dia 19 de
dezembro de 1837 dessa folha unionista foi longe em sua vontade de esclarecimento.
Filosofando sobre a “igualdade social”, estabeleceu que: “Deve-se, pois, consagrar esta
verdade, que todos os membros do corpo político são iguais aos olhos da lei, e não
estabelecer, como um princípio fundamental, que todos os homens nascem iguais em
direitos”. Isso porque “este princípio, que apenas seria aplicável a uma sociedade
nascente, é uma inconseqüência em um Estado a séculos civilizado”. Prender a
sociedade já desenvolvida à obediência dessa lei de “igualdade indefinida” era destruir a
“emulação, e sem emulação não há prosperidade”. Os fatores dessa “emulação”, os
setenovembristas apontam nas posses, nos títulos, nas dignidades que separam os
sujeitos. O reforço desses signos de prosperidade numa sociedade escravista de estrutura
social profundamente hierarquizada não parecia ter nada de revolucionário.
206
No fogo cruzado da guerra, a sentinela do Sete de Novembro era a mais fiel
defensora dos direitos estabelecidos na cidade. “Zelosos da liberdade, e independência
nacional, nós não amamos menos a ordem, e a paz; nós temos empregados todos os
205
Proclamação de Tupinambá, 11.11.1837, PAEBa, II, p. 71; “Um Padre de Réquiem” apud Vicente
Vianna, “A Sabinada”, p. 152.
206
O Sete de Novembro, edição de 19.12.1837.
107
meios de a manter, e temos tido a glória de o conseguir até hoje”. E para prová-lo,
rematam com uma lição moral:
Diz-se um Povo moralizado e civilizado sempre que a maior parte dele, principalmente a
plebe, respeita os direitos inalienáveis, e imprescritíveis, que a Natureza outorga ao homem.
Ora, já se não duvida que os Baianos sabem respeitar esses direitos, pois nenhuma ocasião
melhor haveria para se poder evidenciar do que a presente época. Logo, não falta à Bahia a
necessária moral e civilização.
207
Se essas eram as entranhas mais lógicas e profundas da comunhão imperial, o
desenvolvimento dos traços de um projeto republicano no Novo Diário da Bahia não
permite supor que a “moral e a civilização” pudessem se atingir pelos mesmos métodos.
Não permite, ainda, concluir que então houvesse compatibilidade entre as visões de
igualdade, de regime social e de projeto de poder de seu editor, Sabino, e as daqueles
outros que acenavam do lado imperial da fronteira sabina.
Souza, no entanto, procurou também fazer com que o grupo republicano
estivesse na esteira dessa tradição, ou ao menos que confirmasse a sua vocação para a
mesma “comunhão imperial”. Ele reconheceu, creditando-o à análise de Viana Filho, o
“republicanismo dos sabinos, embora sem partilhar algumas razões queridas por ele. E
sem deixar de reconhecer como sui generis a república que pretendiam. Não podemos
negar a fidelidade a Pedro II: impossível afirmar que ‘o Trono era visto como um
anacronismo’”. Nessa direção, sua conclusão é a de que “a Sabinada pertence a uma
linha de revoltas federalistas baianas que propunham o fim da integridade do Império,
por uma comunidade imperial das províncias. À união deveria suceder a comunhão”. E,
na pista de uma hipótese que se inicia desde a atribuição da autoria do “Plano e Fim
Revolucionário” a Sabino, Souza encontra uma prova no sentido do “complicado”
207
O Sete de Novembro, edição de 05.12.1837.
108
republicanismo do Novo Diário em sua edição natalícia de 1837: “a nossa organização
política não deve autorizar-nos a iludir obrigações a que estamos (sic) religiosamente
sujeitos como membros da comunhão imperial”.
208
Na edição do dia 25.12, Sabino se pusera a arrazoar sobre a necessidade
econômica da separação da província, já consumada, portanto num típico raciocínio a
posteriori. O trecho mais amplo em que a citação acima está contida diz:
Eis aqui uma inapreciável vantagem, que compramos com a separação da nossa província,
eis aqui o grande benefício, que colhemos, impedindo o enraizamento de um cancro, que ia
a devorar todas as fontes de riqueza pública, e reduzir-nos a penúria e condição miserável de
um povo, que, sobrecarregado com um débito oneroso, vinha a não possuir coisa alguma,
que pudesse chamar verdadeiramente sua. Forçoso é confessar que não nos libertamos no
todo de um inconveniente tão gravoso, que consumia os nossos recursos, porquanto a nossa
organização política não deve autorizar-nos a iludir obrigações a que estávamos
religiosamente sujeitos como membros da comunhão Imperial.
209
Ou seja, para Sabino, a comunhão imperial já era. Era coisa do passado. E num
lapso tempo-verbal, Souza acreditou encontrar uma prova que, na verdade, depunha em
contrário da idéia que acabou por defender. A república de Sabino era legítima.
E porque o projeto de Sabino não era o de uma comunhão, ele queria ser quitado
de suas obrigações com ela. Porque não mais suportaria os “males da integridade”, era
preciso demonstrar como a Bahia, sua pátria, “pode sem a menor dúvida manter-se
sobranceira a qualquer gênero de necessidades”. A Bahia se bastava para ser Nação, e aí
se ouve um eco como a dizer que “o Terceiro Estado é uma Nação Completa”, e que,
até aquele momento não tendo ele sido nada, imperioso demonstrar “que os
privilegiados, longe de serem úteis à nação, só podem enfraquecê-la e prejudicá-la.” Os
208
Souza, A Sabinada, pp. 162-3.
209
Novo Diário da Bahia, 25.12.1837. Os grifos são meus.
109
“fofos aristocratas”, os “zangões da sociedade”, os “parasitas políticos”, Sabino ia
reunindo motivos e imagens para justificar a vida sem eles.
210
Portanto, na medida em que a sociedade escravista o permitiu, sociedade cujas
bases produtivas mais profundas Sabino não questionou, sua adesão aos ideais de
igualdade pareciam sinceros e compatíveis com a moldura do elemento democrático que
ele pensava projetar para o futuro. Futuro certamente pensado a partir de um lugar de
classe, mas extensivo, de alguma maneira ousada, ao diálogo com a mudança.
A estratégia de Sabino, muito diferente daquela de seus colegas federalistas, não
incluía devolução. Por isso seus principais métodos táticos passaram pela
fundamentação da “separação perfeita” da província, animada pela idéia, nitidamente
tomada à Ilustração, de “revolução permanente”. À catequese do seu jornal incumbia
acelerar a revolução, pois “não há para os povos senão um meio de prevenir grandes
revoluções, que é colocar-se em um Estado de revolução permanente, e sabiamente
regulada”.
211
Sabe-se lá onde ele ia parar.
A nós apenas restou saber que a revolução parece ter parado antes de Sabino e
de sua vontade de expansão. Os problemas da ampliação da revolução para o
Recôncavo, aliados a uma administração pífia da capacidade de converter a diferença
política em ação, esses problemas não foram resolvidos e a revolta sucumbiu à urgência
do tempo da guerra. Francisco Vicente Vianna pontuará que
eram decorridos já 85 dias depois que na capital se proclamou o governo de João
Carneiro, e em todo esse tempo quase nada tinha ele feito para sua garantia. Seus tinham-
se tornado os arsenais, força militar e os dinheiros da Província, ocasiões as mais
210
Emmanuel Joseph Sieyès, A Constituinte Burguesa: Que´est-ce que le Tiers État?, 4. ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2001, pp. 1-12, esp. 4; Novo Diário da Bahia, 07.12.1837.
211
Novo Diário da Bahia, edição de 04.12.1837.
110
propícias para conquistar a Província, mormente durante o longo tempo em que ela esteve
inerme, não lhe faltavam. E por que, pois, tal resultado depois de 85 dias?
212
Na verdade, Carneiro Rego nunca deixou de ser vice. Aclamado presidente, mas
exilado político, Inocêncio Rocha Galvão virou uma espécie de Godot sabino. Ante essa
imagem bastante simbólica da falta de uma ação decidida, o governo rebelde virou uma
espécie de “controlador de êxodos”, regulando a entrada e saída de gente na cidade:
complacente ao início da revolta, proibitivo no seu curso, e autoritário, ao final.
213
Mas
os rebeldes não conseguiram determinar a identificação das pessoas com o seu regime.
E as vozes políticas emudeceram sob o estampido da guerra.
212
Vicente Vianna, “A Sabinada”, p. 204.
213
Souza, A Sabinada, pp. 35, 44; Decreto regulando.... II, p. 73; Determinação, 20.01.1838, PAEBa.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Forte de São Pedro, dia 15 de março de 1838, cai a tarde e uma bandeira branca
se levanta à vista do Marechal João Chrisóstomo Callado. É Sérgio José Velloso,
General e Comandante em Chefe das forças rebeldes, que lhe dirige os termos da sua
proposta de rendição: “A força militar sob o comando do abaixo assinado, desejando
evitar de uma vez o derramamento de sangue brasileiro, propõe: 1.º Que se depõem
desde já as armas sob a condição de liberdade de todos, que jamais devem ser tidos
como criminosos pelo simples fato de dissentimento de opiniões políticas”.
214
Ele sabia perfeitamente que nada havia de simples em discordar tão violenta e
organizadamente dos fundamentos da ordem que, a custo, as elites em processo de
recomposição procuravam firmar, aqui e ali, no vasto Império que resultara das forças
fragmentárias de independência.
215
E divisava quanto sangue ainda lhes custaria
derramar até o fim desse empreendimento. Afinal, diante de si e de sua guarnição, tinha
a prova desses acordos temerários que se faziam para salvar a pele: o Marechal Callado,
a quem o Império conferira a decisiva incumbência de resgatar a Bahia da sedição, era
ele mesmo um militar português outrora “corrido d´esta cidade em 1831 pelos mais
214
Amaral, “A Sabinada”, p. 44.
215
Carlos Guilherme Mota (org.), 1822: Dimensões, São Paulo: Perspectiva, 1972.
112
veementes indícios ou mesmo por evidentes demonstrações de querer aqui reparar o
governo absoluto, por comissão de Pedro I”.
216
Na coerência das alianças políticas de então, antes um absolutista calado do que
um libertário em plena obra palavrosa de salvação da pátria. Aliás, essa pátria, cujos
sentidos se disputavam, para Velloso era a Bahia, que ele queria livre. Para os
empregadores de Callado, a idéia de pátria se forjava cada vez mais próxima da idéia de
nação – que era o Brasil – cuja imagem vinha demandando o reforço das batalhas
ganhas, nos mais longínquos lugares, debaixo da combinação mais diversa das forças de
regiões que se reconheciam literalmente na luta contra seus patrícios.
217
Fosse qual
fosse o seu método. Afinal, no Império, guerras vencidas sempre rendem novos
escravos; escravos que o Império, quando é vivo e generosa a sua mão, sabe bem
perdoar. E nesse múnus repressivo-construtivo os burocratas imperialistas já tinham
aberto as inscrições dos convertidos. E esses nem precisavam ter muita fé: logo
apareceram os novos cristãos saídos da fogueira da Sabinada.
218
E em se tratando de auto de fé, ninguém melhor que o padre “Carapuceiro”,
talvez um dos mais cáusticos interlocutores da Sabinada, para expressar as energias
conservadoras que a sua debelação provocou nos adoradores da ordem, como ele. Foi
dos que mais lutou para transformar “dissentimentos de opinião política” em crimes de
lesa-pátria. Não havia um mês que Salvador tinha sido retomada, e ele considerou:
“Ainda não posso crer: todavia desmanchou-se a mais gostosa das Repúblicas, república
de encher o olho, e as tísicas bolsas dos seus seguidores, boa laia de Patriotas”.
219
216
Proclamação de Sérgio Velloso, 8.03.1838, p. 86.
217
Jancsó, Brasil: Formação do Estado e da Nação, pp. 15-28; Jancsó, Peças, pp. 134-40.
218
Documento sobre a anistia concedida por D. Pedro II em 1840, PAEBa, I, pp. 347-9; Ofício do
Visconde de Abaeté ao Presidente da Bahia sobre a anistia condicional aos rebeldes de 1837 e sobre a
deportação de Sabino e outros, 14.09.1840, PAEBa, I, pp. 383; Defesa do acusado sargento mor
Inocêncio Eustáquio Ferreira de Araújo, pp. 91-8; Sobre o incêndio que recebe os legalistas na capital, v.
Vicente Vianna, “A Sabinada”, pp. 228-9.
219
O Carapuceiro, edição de 4 de abril de 1838.
113
O padre tocara fundo a questão. Porque se a bolsa dos sabinos era “tísica”, não o
era absolutamente a dos regressistas. A base de sua segurança, a verdadeira força de
suas vontades, os imperialistas as retiravam, claro, do próprio Estado. Nesse sentido, a
Sabinada pode ser interpretada como a guerra das Proclamações, a guerra da sedução
política em forma de avisos, convites, ameaças informadas por análises políticas,
menções à lei e ao erário, que, de parte a parte, das trincheiras da revolta,
revolucionários e legalistas faziam chegar àqueles que queriam ver ao seu lado: irmãos
da capital ou irmãos do Recôncavo. Afinal, os sabinos também tiveram por um tempo
um Estado a que velar e explorar.
Do lado de lá, a formação do exército da reação foi a sensibilização progressiva
dos elementos dispostos à proteção de seu patrimônio, eles se utilizando dos
dispositivos historicamente construídos sob o seu poder de mando, intercalando
propriedade e força pública, levantadas solidamente como um só símbolo de
dominação. É o périplo de Gonçalves Martins pelo Recôncavo, para onde ele se dirigiu
a “excitar o contra-movimento”, lembrando aos senhores de terras as suas
responsabilidades pelo restabelecimento da cidade, convocando-os ao “sacrifício” em
nome da conservação do estado das suas coisas.
220
Essas máquinas estavam prontas para todo e qualquer uso. Esses dispositivos
formaram a condição retórica do sentido dos seus discursos, suas condições materiais de
credibilidade; foram o âmago concreto do seu liberalismo: tudo o que se podia usar e de
que se podia abusar na sedução aos “ambiciosos despossuídos”.
221
Na transição que a Sabinada representou, o novo – a polícia e a Guarda da
cidade – e o velho – os coronéis das antigas milícias, proprietários rurais, e seus homens
220
Gonçalves Martins, “Nova edição”, pp. 247-52, Morton, “The Conservative Revolution”, p. 351.
Amaral, “A Sabinada”, p 16.
221
Carvalho, “Hegemony”, p. 2.
114
– sentariam praça juntos na feitura atual de um novo modelo de poder.
222
A revolta de
1837 constituiu, junto com outras revoltas provinciais, a oportunidade de testar esse
novo aparato. Seu teste foi mesmo a sua primeira montagem. Foi sua verdadeira prova
de fogo.
Dirigindo-se aos soldados, em proclamação do dia 19 de novembro de 1837, o
Presidente Barreto Pedroso, recém-empossado, indagou: “Soldados que restais na
capital da província! Que é que vos aí detém?”.
223
Respondendo anos depois a questão,
o promotor público que ofereceu denúncia contra réus da Sabinada apontou alternativas:
“sedução, magia, desleixo ou falta de disciplina militar”. Não devia ser o mais esperto
dentre os seus pares.
224
Porque nesse documento em particular, Barreto Pedroso mobiliza diante dos
militares o topoi da lealdade, advertindo-os da traição em que incorriam ao obedecerem
a superiores retirados da autoridade da Constituição Imperial. Tratava-se da lógica do
serviço e da remuneração, dirá Kraay, que conformava a relação entre Estado e militares
debaixo da regra da lealdade em troca de favores.
225
Com a palavra, o Presidente:
O interesse do soldo que os rebeldes vos têm prometido? É a maior desonra em que
poderiam cair os soldados brasileiros, a de perjurar, sacrificando a pátria à troca de um certo
número de dinheiro; é o mais infame dos crimes em que os perversos vos procuram
envolver, pois que esse dinheiro que vos prometem é roubado dos cofres públicos, dos
órfãos e dos depósitos particulares, que eles não podiam abrir, e muito menos arrombar.
Mas ele não se furtou a lembrar ao Ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos
que a tropa legal queria aumento de soldo – como o tinha recebido a sua co-irmã rebelde
– e “se acha muito animada e que nela confio, pois está comandada por bons oficiais,
222
Kraay, “As Terrifying”, p. 515.
223
Proclamação aos Soldados, 20.11.1837, PAEBa, II, pp. 74-6.
224
Denúncia oferecida pelo Promotor Público ao Juiz de Paz contra os réus da Sabinada, PAEBa, I, 111.
225
Kraay, Race, pp. 37-9; Proclamação aos Soldados, 20.11.1837, pp. 74-6.
115
mas é absolutamente preciso não descontentá-la, nem lhe faltar às promessas feitas,
posto que muitas tenham sido importantes”.
226
Na história dessa política particular, ninguém mais do que Callado, o general
absoluto, representou a figura do pai admoestador, na “benevolência e brandura” do seu
procedimento. Falando aos “Baianos iludidos”, Callado os alertou para o crime “em que
vos achais submergidos”. Mas lhes assegurou que “vossos erros serão perdoados pelo
Governo uma vez reconhecido o vosso arrependimento”. Por isso, “meus braços estão
abertos para receber-vos, minhas ordens estão dadas a toda a tropa do meu comando
para acolher-vos com fraternidade”.
227
Por sua vez, Francisco Paraíso, sem meias palavras, encerrou a tríade, dizendo
“singelamente que nunca pensou pudesse um grupo de homens, que não tinham grandes
posses, nem antecedentes de moralidade; que homens que tinham no passado crimes e
dívidas pudessem embair e impor a sua vontade e os seus interesses a toda a população
de uma grande cidade, capital de uma grande província”.
228
O que se entrevê daí é uma linha de força muito marcada do tipo de
compreensão das relações políticas que animavam as autoridades legais. Evidenciam-se
na sua idéia os pressupostos de que as convicções e as identidades políticas de seus
interlocutores não resistiam ao peso dos favores. Portanto, esses favores estariam
prontos a ser oferecidos pela causa. Não quero com isso, por outro lado, exagerar o
papel da ideologia para a caracterização da autonomia política desses sujeitos, mas antes
sinalizar sua importância relativa nessa sociedade frente a outros fatores não
propriamente ideológicos de convencimento.
226
Ofício do Presidente Pedroso ao Ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos, 29.11.1837, PAEBa, IV,
pp. 437-8.
227
Proclamação aos Baianos iludidos, 26.02.1838, PAEBa, IV, 334-5.
228
Amaral, “A Sabinada”, p. 46.
116
Numa sociedade de tipo escravista, sobretudo, para os pobres livres, as
proclamações dos legalistas não podiam representar, em última instância, mais do que
um chamado à boa submissão. Ocorre que no amplo jogo político dos favores e das
dependências, essa boa submissão ao lado do “medo da morte” pode ter decidido muitas
das vontades daqueles que, como a maioria dos sabinos, estavam entre o terceiro e o
quarto andares da pirâmide social.
229
Nas relações políticas de trato patrimonial, Richard Graham dirá que “os
agregados provavelmente tinham outras idéias, mas, com raras exceções, guardavam-
nas para si mesmos”. E depois de dizê-las, costumavam defender-se alegando coação.
“Por esse motivo, continua ele, cada homem buscava um patrão para protegê-lo, e cada
um se esforçava para arrebanhar seu próprio grupo de seguidores”.
230
Portanto, não era admissível que Sabino, homem de tino, desconsiderasse essas
importantes balizas da sociedade em que vivia. No entanto, ele nos confunde, ao se
perguntar:
Como é que se sacrificam sem fruto tantas vítimas, que fazendo a guerra a seus irmãos da
Capital, não podem certamente nutrir o menor vislumbre de esperanças para o
melhoramento da posição miserável em que se acham colocados? Tão forte é o poder das
ilusões! Tão feroz é o ânimo dos malvados, que as alimentam!
231
Ora, mas por que brigariam os “irmãos do Recôncavo” ao lado dos da capital se
contra os favores daqueles os sabinos lhe acenavam apenas com brechas?
Assim, no outro lado da identificação com os sabinos, parece-me que os
elementos não propriamente ideológicos, mas igualmente políticos, responderiam em
larga medida pela desigualdade da batalha, desequilibrada pelo peso das relações
229
Sobre os “andares” dessa conformação social baiana, v. Mattoso, Bahia: a cidade, pp. 160-167.
230
Richard Graham, Clientelismo e Política no Brasil do século XIX, Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1997, pp.
38, 40. A coação irresistível é um dos principais motivos alegados, em seus depoimentos, pelos réus
militares para justificar suas ações. Cf. Acórdão em processo militar, PAEBa, V, pp. 374-84.
231
Novo Diário da Bahia, edição de 07.12.1837.
117
patrimoniais e clientelistas. Seria preciso desenvolver isso, mas essa já é uma outra
história.
Nesse trabalho, investigando a diversidade das idéias entre os sabinos,
pretendeu-se chamar a atenção para a riqueza de seus horizontes políticos e também
para o nível de circulação de seu pensamento, em contato com a “comunidade
libertária” espalhada pelo Brasil. Mas não se perderam de vista seus problemas, seus
limites, seus tabus.
Falando bem como falavam os sabinos, se nos fosse dado imaginar a Bahia mais
longamente governada por eles, talvez no fundo não chegássemos a resultado muito
diferente. Sem pretender abstrair as próprias diferenças dos projetos entre os grupos
revoltosos, com isso quero apontar não só para os “limites operativos” dos meios de sua
sociabilidade política, mas também para o que eles – os sabinos e também a
historiografia sobre a Sabinada – não puseram em discussão: a luta de classes na ordem
clientelista e escravocrata e as suas conseqüências para qualquer debate político que
reunisse elementos de diferentes origens sociais em nome comum. Especialmente
quando associados a escravos.
232
Parece residir aí, sobretudo, a fraqueza material do seu projeto político e os
problemas de sua longevidade. Parece estar aí grande parte das razões pelas quais a
Sabinada não foi capaz de organizar as energias revolucionárias a partir das suas
propostas ou do “arco de sua promessa”.
A falta que faz esse estudo para a Sabinada se alia a outra importante ausência,
que é a de um adensamento analítico das relações políticas na Bahia durante o período
da Regência, o que subsidiaria em larga medida o estudo da imprensa militante da época
232
Marcus Carvalho procura demonstrar como, na construção de um sistema hegemônico de poder numa
sociedade escravista, a luta de classes, ainda que incipiente, manifestou-se na rede de relações
clientelistas. Ver seu “Hegemony”, pp. 8-9; Edward Thompson, "La sociedad inglesa del Siglo XVIII:
¿Lucha de clases sin clases?" in Tradición, Revuelta y Conciencia de Clase, Barcelona, Crítica, 1979, pp.
39-42.
118
e ajudaria a rastrear, com as idéias em confronto no espaço público, as linhas ainda que
um pouco gerais dessas instâncias de associação e de sua inscrição na vida como
cultura. Mas isso fica mais pra frente. A Sabinada não acabou, e os documentos a seu
respeito ainda pedem novas explorações. A sua diversidade é o seu grande interesse.
ANEXOS
ANEXO 1
ATA DA SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DE 7 DE NOVEMBRO DE 1837
Aos sete dias do mês de Novembro de mil oitocentos e trinta e sete, presente o
Sr. Presidente Souza Gomes, e vereadores Antunes, Villaça, Lucio, Teixeira e Barboza
d’Almeida, servindo de secretário por grave impedimento de saúde do atual, José de
Barros Reis, concorreram aos paços da câmara municipal d’esta cidade as pessoas mais
gradas da província, autoridades militares e civis, e grande número, ou concurso de
todas as classes, e fizeram declarar, que a opinião geral da província continha-se nos
seguintes artigos, que foram altamente lidos pelo advogado José Duarte da Silva.
Declaração: - A tropa, povo baiano, guardas nacionais e policiais reunidos no
forte de São Pedro, em vista das necessidades públicas, as bem conhecidas más
intenções do governo central, que a todas as luzes procura enfraquecer as províncias do
119
Brasil, e tratá-las como colônia com menoscabo notável de sua dignidade e categoria,
tem liberado adotar os seguintes artigos:
Artigo 1º - A província da Bahia fica inteira e perfeitamente desligada do
governo denominado central do Rio de Janeiro, e considerada Estado livre e
independente pela maneira por que for confeccionado o pacto fundamental, que
organizar a assembléia constituinte, que deverá desde já ser convocada, procedida à
eleição de eleitores na capital, e ao mesmo tempo proceder-se por toda a província a
eleição de eleitores, que elegerão nova assembléia para desenvolver as bases
apresentadas pela primeira. O número dos deputados de trinta e seis, conforme a
declaração feita.
Artigo 2º - O Senhor Innocencio Rocha Galvão é o nomeado para presidir o
Estado, e na sua ausência aquele que for de presente diretamente eleito.
Do comando das armas, porém fica encarregado o Senhor Major do 3º Corpo de
Artilharia Sergio José Velloso, elevado a coronel efetivo, e brigadeiro graduado, em
atenção aos relevantes serviços por ele prestados.
Artigo 3º - Os demais oficiais militares gozarão de dois postos de acessos
atentos aos seus serviços e preterições que têm sofrido.
Artigo 4º - O comando do brioso Corpo de Artilharia é confiado ao Sr. Major
Innocencio Eustaquio Ferreira de Araujo, no posto de tenentes coronel efetivo e coronel
graduado.
Artigo 5º - O governo executivo proverá na segurança da província com aquela
tropa que for necessária, nomeando oficiais de sua confiança, e tendo sempre em vista
aqueles das extintas milícias, que tem prestado importantes serviços à Pátria.
120
Artigo 6º - Fica elevado ao posto de tenente-coronel o Senhor 1º tenente Daniel
Gomes de Freitas, e a Major o Senhor 2º tenente José Nunes Bahiense, atentos seus
serviços.
Artigo 7º - O soldo da tropa de linha fica igualado do Corpo de Polícia.
Depois desta leitura, que foi aprovada por aclamação das pessoas que se
achavam presentes, houve o Senhor presidente em vista do art. 2º, lembrar que se devia
nomear desde já quem houvesse inteiramente de tomar conta da presidência do Estado
visto que a província se achava acéfala; razão porque a câmara se havia reunido, e sendo
por um dos concorrentes apontado o Sr. João Carneiro da Silva Rego, foi unanimemente
eleito, e a câmara o convidou para tomar conta das rédeas do governo, depois de prestar
o respectivo e necessário juramento de bem desempenhar o lugar para que interinamente
tinha sido eleito e aceitado. Feito o que, e depois de dois discursos recitados pelo
mesmo senhor eleito, e pelo Sr. Francisco Ribeiro Neves, retirou-se o povo, e o Sr.
presidente da câmara houve a sessão por levantada.
Bahia, 7 de Novembro de 1837. E eu Luiz Antonio Barbosa de Almeida,
vereador servindo de secretário, o escrevi e o assino.
ANEXO 2
Representação. – Ilm. e Exm. Sr. – Os cidadãos abaixo assinados desejosos de
que a tranqüilidade publica por nenhuma maneira sofra as mais leves alterações, por
isso que se há conhecido o lapso de pena da ata que teve lugar em o memorável dia 7 do
corrente ante a Câmara Municipal, quanto a não se ter expressamente declarado que a
separação d’este Estado será até a maioridade de dezoito anos de S.M. o Imperador o Sr.
D. Pedro 2.º como diz o Art. 121 da Constituição para o Império do Brasil, há
introduzido receios, e desconfianças n’esta Capital, em conseqüência de se ter assentado
121
n’esta medida, quando se tratou do glorioso feito provido n’aquele dia, e por aquela ata,
vem representar o expendido a V. Exa. para que se digne, com a brevidade possível,
convocar a Câmara Municipal, e as classes gerais d’este Estado, a fim de que, reunidas,
se proceda em ata a mencionada declaração, pois que estão convencidos de que esta
medida é tanto de suma vantagem, quanto a única capaz de fazer conseguir todos os
ânimos a abraçarem a causa proclamada, livrando o Estado do flagelo que
ordinariamente se experimenta, quanto as mudanças políticas do Governo não são
unanimemente abraçadas. Bahia, 9 de Novembro de 1837. (seguião-se as assinaturas).
ANEXO 3
Ofício – Recebendo este a inclusa representação, assinada por mais da maioria
dos cidadãos que assistirão ao ato da aclamação da Independência d’este Estado, na
qual mostrarão ter havido omissão na ata, que ante essa Câmara foi lavrada em o
memorável dia 7 do corrente mês, em que teve lugar a dita aclamação, quanto a não se
ter expressamente declarado que a separação da Província em Estado independente era
até a maioridade de S. M. o Imperador o Sr. D. Pedro 2.º, como diz o Art. 121 da
Constituição para o Império do Brasil, transmito a Vmces. a mencionada representação
para que, mandando lavrar uma ata da declaração requerida, façam isso mesmo publicar
por Editais, convidando ao mesmo tempo os cidadãos que quiserem assinar a referida
declaração. Deus guarde a Vmces. Palácio do Governo da Bahia, 11 Novembro de
1837. – João Carneiro da Silva Rego. – Srs. Presidente e membros da Câmara
Municipal desta Cidade.
122
ANEXO 4
ATA DA SESSÃO EXTRAORDINÁRIA DE 11 DE NOVEMBRO DE 1837
Presente os Srs. Luiz Antônio Barbosa d’Almeida, Lucio Pereira d’Azevedo, Dr.
João Antunes de Azevedo Chaves, Vicente José Teixeira e Antonio Gomes Villaça,
faltando com parte de doente o Sr. Souza Gomes, e sem ela os Srs. Abreu, Angelo da
Costa, e Ponce Leão, tomou o lugar de Presidente da Câmara o Sr. Luiz Antonio
Barboza d’Almeida, e declarou, que o objecto da sessão de hoje era uma Portaria do
Vice-Presidente do Estado, que mandava convocar a Câmara a fim de que a vista da
representação que remetia, assinada pela maioria dos Cidadãos que assistirão ao ato da
aclamação da independência d’esta Província, pedindo declaração da ata de 7 corrente,
acerca de considerar-se a Independência somente até a maioridade do Imperador o Sr.
D. Pedro 2.º, em conformidade do Art. 121 da Constituição do Império, fizesse a
Câmara a referida declaração; depois do que o Sr. Presidente mandou ler os preditos
ofícios e representação.
E resolveu-se que se mandasse publicar por Editais, não só a declaração feita,
senão, também o convite aos cidadãos para que comparecessem no Paço d’esta Câmara
a fim de assinarem a presente ata, que se mandou imprimir.
Feito o que, passou-se à nomeação interina de Juiz Municipal para a Cidade, em
conseqüência do impedimento de moléstia do atual e foi eleito o bacharel formado
Antonio José Pereira de Albuquerque, a quem se mandou fazer o competente aviso para
vir prestar o juramento do estilo. Fechou-se a sessão.
123
ANEXO 5
MANIFESTO
« Tendendo o Brasil para o Governo livre, e conhecida a necessidade de transigir
com o espírito público, publicou-se a 10 de Fevereiro de 1821 a constituição, que,
porque fosse toda portuguesa, acarretou consigo um sem número de inconvenientes, já
deixando em oscilação grande parte da província da Bahia, que almejava sua inteira
independência do governo português, já dando armas ao governo para destruí-la, e
privar-nos assim de um pequeno passo para liberdade.
O governo provisório, levado deste último intuito, sem dúvida, e temendo
sobremaneira o primeiro, em despeito da confiança dos baianos prendeu a vários
patriotas brasileiros, e deportou-os violentamente para Lisboa, entregando-os d’est’arte
ao furor daqueles que desejavam aniquilado o primeiro intróito para independência das
províncias brasileiras.
Este passo, assaz traidor, indiscreto, demasiado impolítico, deu azo a um perfeito
choque entre a tropa portuguesa e brasileira do qual foram testemunhas os deploráveis
dias 19, 20 e 21.
Desesperados os ânimos, e entrevista a mão que dirigiu o governo provisório, os
habitantes da Bahia não recearam perda de seus bens, de sua vida, e gritando às armas,
correram para o interior, só tendo nas ações valor e no peito independência.
Mas um recurso havia ainda a Portugal para n’um dia frustrar tantas fadigas a
bem da pátria.
124
Este recurso apareceu na declaração do príncipe D. Pedro 1º em aderir à causa
do Brasil, e se aclamar sua independência, que felizmente se fez.
Porém, como as intenções do príncipe, que más eram, deixavam ver-se sob o
encapotado de suas expressões, tudo nos antolhou como um feito em balde.
Convocava-se a constituinte para lisonjear os olhos brasileiros, que postos
estavam na conduta do Monarca, e esta constituinte é dissolvida pelo espetáculo das
bocas de fogo, que rodeavam a casa das sessões.
Aparecem novas deportações, e a marcha do gabinete secreto apresenta uma
tendência progressiva para o absolutismo.
Tenta-se proclama-lo de mãos com os portugueses, e rebenta o glorioso 7 de
Abril, que soado na Corte, reflete como o movimento da eletricidade em todas as
províncias do Brasil, e o trono fica vazio de um príncipe que não simpatizava com as
fórmulas constitucionais.
Aclama-se seu filho o Snr. D. Pedro 2.º, e a ambição rompe os diques que lhe
impunha o bem estar do Brasil e a menoridade do Imperador é o alvo de todas as
pretensões.
Recolhem-se as impressões simbólicas da vontade geral, um brasileiro liberal
reúne os apanágios do império e sobe à cúpula.
O descontentamento, filho primogênito da ambição, não dorme, inventa,
pretexta, cria sistema que, apelidando-se de regresso, tende a fazer descer da primeira
magistratura aquele mesmo que tinha sido a ela elevado pelo voto público.
Efetua-se em verdade, a 19 de Setembro, e com ele a aspirada abertura dos
cofres nacionais, onde são depositados os rendimentos da Bahia, que só para sustentar o
luxo espantoso da Corte, mal se serve e esgota os cofres provinciais, diminuindo na
125
grandeza que lhe cabe, e privando-se dos melhores esclarecimentos que porventura se
poderiam construir.
Criam-se novos tributos, e o povo geme debaixo do peso de tanta opressão.
O Rio-Grande se declara independente, mas o governo dos Calmons e
Vasconcellos tudo intriga, tira a tropa das províncias, prepara e arma os portugueses
para suplantar os rio-grandenses.
A Bahia conhece a marcha errada da administração, as más intenções daqueles
que a governam, treme, trem a vista dos continuados saques sobre as rendas das
províncias para o aspecto da fome, censura o governo, reconhece no presidente Paraiso,
míope no ramo administrativo, a cega obediência as ordens traiçoeiras do centro e o
menosprezo aos clamores públicos.
Pronuncia-se a opinião contra ele, contra seus atos, tudo a pior!
Fala-se de planos de revoluções; muita gente é indigitada; arma-se a
marinheirada; os portugueses têm ordem de fazer oposição aos baianos; um trem de
guerra prepara-se e tudo anuncia nossa escravidão, há tanto projetada!
Neste apuro de circunstancias o que cumpre fazer? Quebrar as cadeiras que nos
roxeam os pulsos, fechar para sempre os cofres da província ao luxo da Corte, declarar
nossa independência e esperar tudo de nossa prudência, de nossa adesão a causa da
liberdade, de nosso amor a ordem e de nossos desejos pela paz pública. Tudo está em
nós mesmos; força, constância, reflexão e liberdade no comércio, e não tenhamos nada
do Rio de Janeiro, que escravos não podem dar luz, que fortes empunham a peitos
livres.
Bahia, 7 de Novembro de 1837. – João Carneiro da Silva Rego, vice-presidente.
Tipografia do Diário. Impressor – F.T. de Aquino. ».
126
ANEXO 6
- Plano de revolução:
« Que o Brasil se acha numa crise, a qual devia por as províncias em um
verdadeiro e seguro estado de liberdade o que se não pode nem livremente duvidar, e os
fatos das províncias do Pará e Rio Grande do Sul etc., confirmam esta verdade.
Entre o estado atual do Brasil e aquilo que ele deve ou promete ser há uma
diferença que se não compraz com a menor idéia de grandeza, prosperidade, segurança
e liberdade.
Temos corrido, por assim dizer, após constituições imaginárias; nada tem sido
real entre nós, tudo é engano, tudo é ilusão, e sempre se diz: não é mais tempo de
enganar os homens quando tudo que se há até aqui feito, tem tido por fim somente
enganar; o regime atual é em verdade pior que quantos tem aqui tido infeliz brasileiro; é
mister que cesse este estado de oscilação, de dúvida, de monopólio político que vai
acabando com o brio e caráter brasileiros.
Todo o mistério da riqueza e felicidade dos povos consiste em serem bem
governados; o interesse geral deve ser o único fim de quem governa; as leis devem ser
feitas para o interesse de todos; a igualdade perante ela uma estável garantia do sistema
livre; e é isto que se tem obrado no Brasil?
Té aqui o governo executivo aspirava usurpar todas as regalias de um poder
quase absoluto.
Pedro 1.º aspirou a tirania, as opiniões se reuniram, o fogo do patriotismo
consumiu seu trono para erigir um novo a seu augusto filho. Uma menoridade que vem
desenganar de quem é um povo pequeno e ainda pouco cheio de notabilidades
científicas, as ambições chegam a tomar o domínio entre as massas e as dirigem como
rebanhos brutos. Tirou-se a vara do tirano para se subdividi-la infinitamente por
127
déspotas pequenos, ambiciosos, turbulentos e sem o menor vislumbre de igualdade e do
bem de seus semelhantes que, cuidando só de seus pequenos interesses, nada pensam,
nada empreendem que não seja para sua elevação, e de seus parentes, de seus amigos e
de seus apaniguados.
Neste sentido eles têm procurado à custa de baixezas e ignomínias, sentar-se nos
bancos parlamentares, e daí não tardarão que não reduzam o miserando Brasil a um
governo feudal, ou de pedaços de terra e distritos pertencentes a juizes de direito por ora
e logo donos ou senhores desses mesmos terrenos.
Enfim, o Brasil em semelhante marcha não tardará reduzir-se aos principados da
Itália ou da Alemanha.
Muitos patriotas de boa fé julgaram que, passando o Brasil do estado de
monarquia absoluta sob os governos dos ferozes reis portugueses, de João VI para o
governo Constitucional com um monarca também constitucional, se fosse possível
acha-lo poderia ir por gradações sucessivas até o estado republicano que era possível
então aparecer o combate das armas sem o tiro do canhão, sem o jugo da espada, e só
pelo progresso e poder irresistível da razão e da inteligência (não da pra ver se são dois
pontos ou ponto e vírgula); mas os cálculos falharam como falha a maior parte dos
cálculos humanos.
O sempre sábio Achiles Murat admira-se do fato notável que « observa na
história, o estado de barbaridade mais ou menos completo em que alguns povo têm
jazido, enquanto outros têm levado a civilização a seus últimos limites »; e nós devemos
ainda mais admirar de que, estando o Brasil implantado na América, tenha ido cada vez
mais em atraso quanto as fontes e princípios de sua tão gabada riqueza e origem de
prosperidade.
128
O mesmo republicano Murat, talvez aprendendo de Thomaz Penn, crê e afirma
que a Europa será republicana n’estes cinqüenta anos.
De certo, com a marcha que teve o Brasil, esse gigante, que para assim dizer
podia ser a cabeça da América, nem n’estes outros trezentos e trinta e sete anos pode lá
chegar.
Não é de certo pelos defeitos das raças, como alguns escritores pretendem,
porque a raça brasileira é das mais vivas e talentosas, mas somente pela boa fé e falta de
experiência com que se deixam amordaçar por estes fraxinotes ambiciosos. É que um
governo repetimos, nem deve nem pode obrar senão no sentido e só no sentido do
interesse dos governados, e entre nós cada um tem subido ao mando e aos lugares para
si, e seus amigos e suas famílias. O que nos pode enganar é ver que qualidade de gente,
que jamais foi coisa na Bahia, se acha hoje dando as leis! Entretanto eles aí estão
deputados, com votos para senadores, e uns ou foram desde a guerra da Independência,
ou têm visto tudo por detrás do armário, e saem só para comerem os doces, que nele se
hão guardado.
O verdadeiro governo é o governo das minorias ou opinião pública; as massas
não devem estar à disposição de meia dúzia de espertos; o governo absoluto não presta;
com o governo constitucional monárquico nada temos feito, antes cada vez mais
retrogradamos; as reformas das constituições foram quimeras; a tropa ficou na mesma; o
monopólio da corte de se conserva; tudo para lá vai; tudo só lá se pode ver; as
promoções militares são somente para a corte; alferes e tenente de 12, 16 e 20 anos
enganados estavam e enganados ficaram com tais reformas, dinheiro só circula na corte;
a pobreza e miséria das províncias vai em espantoso aumento.
Vede a Bahia, a 2º. capital do império, a que se acha reduzida! Que é do seu
comércio? Onde sua lavoura? Impostos e mais imposto para saciar os ladrões é o que
129
nos há de enriquecer? Que resta, pois? Está bem claro e nem é plano de ambição que
devemos cuidar em nossos interesses, largarmos o cambão da corte enquanto menor o
imperador para chegarmos ao que devemos ser.
Não só nos diz o citado republicano Achiles Murat – nós somos os americanos
como uma bola rolando com um movimento acelerado sobre um plano inclinado; e que
não pode parar senão em seu fim.
PLANO E FIM REVOLUCIONÁRIO
É certo que no Rio uma facção dos nossos pequenos ambiciosos e aristocratas
sem títulos, derribarão o único simulacro que tem o Brasil, de um governo livre, isto é, a
regência de um só homem, verificado no padre Feijó; e porque assim tem acontecido,
esta Província deve se por a salvo dos golpes do partido e facção aristocrática-
portuguesa.
Declara pelo povo e tropa em movimento:
Primeiro. – A Bahia, fica, desde já, separada e independente da Corte do Rio de
Janeiro, e do Governo Central, a quem desde já desconhece, e protesta não obedecer
nem outra qualquer autoridade ou ordens dali emanadas, enquanto durar, somente, a
menoridade de D. Pedro 2º.
Segundo. – O povo baiano reassume sua soberania, em toda a extensão da
palavra, anulando assim, e desde já, todos os poderes que há até aqui delegado a todos
os Srs. Representantes, mandatários e Autoridades eletivas de qualquer categoria e
natureza que possam ser.
Terceiro. – O povo baiano desconhece e protesta não obedecer a quaisquer atos,
não só dessas Autoridades e Empregados emanados do seu poder, como de outro
qualquer ramo dos poderes até aqui constituídos.
130
Quarto. – Uma Assembléia Constituinte será convocada composta de Deputados
pela Capital, seis por uma das Vilas mais populosas e quatro pelas mais pequenas.
Quinto. - Um presidente será já eleito interinamente, por aclamação entre o
Povo, e Tropa reunida na Capital, enquanto a Assembléia Constituinte organiza a Lei do
Estado.
Sexto. – Um comandante das armas, também interinamente será feito a escolha,
e confiança do Presidente, e submetido à aprovação da assembléia constituinte.
Sétimo. – Enquanto a Assembléia Constituinte não se organizar as bases da
Constituição do Estado da Bahia de Todos os Santos – o Presidente nas ocasiões em que
correr perigo a Pátria, e segurança do Estado, assumirá o comando em chefe das forças.
Oitavo. – O Presidente durante a atual crise, e enquanto não passar a outro o
poder executivo, de que fica interinamente investido, é estritamente responsável pela
tranqüilidade da atual ordem das coisas.
Nono. – O Presidente é investido pelo Povo e Tropa de todos os poderes
necessários para por em prática todos os meios concernentes ao fim acima declarado.
Dez. – Ao Presidente compete a nomeação do Secretário ou mais Secretários, e
mais agentes e delegados que julgar convenientes ao serviço e segurança do Estado da
Bahia.
Onze. – O Presidente desde já declarará um Exército permanente e próprio do
Estado da Bahia de todos os Santos, procedendo à organização, numerações e postos
respectivos.
Doze. – O Estado da Bahia garante somente a dívida pública externa do império,
constituída antes do presente ato, amortizando-as com as quotas até aqui estipuladas.
131
Treze. – Todos os rendimentos de qualquer espécie, ou natureza que sejão não
poderão sair do Estado a qualquer título ou requisição que sejão, porque todos ficam
desde já destinados a suas despesas e economias.
Quatorze. – O Presidente afinal é chefe supremo do Estado, todas as mais
autoridades de qualquer classe, condição ou hierarquia lhe serão subordinadas e
obedecerão prontamente às suas ordens, donde claro fica não são aqui excetuadas as
Autoridades Eclesiásticas, etc., etc. ».
ANEXO 7
NOVO DIÁRIO DA BAHIA – JORNAL POLÍTICO E COMERCIAL
Tip. – Rua da Ajuda 34. Imp. José Bezerra
Quinta – 9 de Agosto de 1837.
Mais propriedade crescente do Brasil
BENEFÍCIOS DA CENTRALIZAÇÃO
Bem amargo é o prazer que pode ter o escritor público quando tem ocasião de
provar com fatos suas opiniões emitidas sobre os males da Pátria e quando esses fatos se
apresentam em abono de suas asserções.
O amor próprio natural de que a verdade é só a verdade dirige a sua pena, como
que lisonjeia, é certo, o seu natural e bem entendido orgulho.
Mas, quanto melhor fora, quando se trata de negócios do mais aro objeto social,
não falasse assim.
Quanto melhor fora os fatos viessem desmentir os escritos dos jornalistas que
censura a administração: que assevera o nenhum benefício que o povo há colhido do
132
atual estado de coisas; e que finalmente propõe uma modificação, seja qual for, na
máquina social.
Lembrados estarão nossos leitores quem em nosso golpe de vista sobre a Bahia
atual fazemos pesar sobre o corpo Legislativo com especialidade o peso dos males que
atualmente sobrepesam sobre o povo brasileiro.
Tem-se dito que o “Novo Diário”, bem amestrado pela experiência e só levado
dos fatos na análise histórica do Brasil, 1831 para cá, atribui ainda a demasia da
centralização o entorpecimento da nossa prosperidade, mormente no que diz respeito à
parte financial ou uso das rendas da nação.
Já bastante temos clamado para tão poucos números, contra os saldos idos no 7 e
Abril, e firmados no Rio de Janeiro sem daí nos vir benefício algum.
Ainda pouco dissemos que um dos usos que se dava a receita geral ou ao
dinheiro que o vento leva para a Corte Central, é para a organização da esquadra ou para
marinha.
E quer o leitor recordar-se, porque já deve saber se o “Novo Diário” é
anarquista, é brulote?
Passe de novo a vista no seguinte ofício do ministro da tal marinha que já foi
publicado em outras folhas.
“Tendo chegado ao conhecimento do Regente em nome do imperador, por carta
que uns negociantes dessa praça dirigiram aviso à Secretaria de Estado dos Negócios da
Marinha haverem os rebeldes de Piratinim dado muitas cartas de marcas para inquietar
e hostilizar o nosso comércio e não existindo atualmente neste porto uma só
embarcação de guerra de que se possa lançar mão para sair e cruzar ao encontro dos
piratas, determina o mesmo Regente que o paque brigue Constança seja quanto antes
armado em guerra para o mencionado fim, devendo em seu lugar sair com as mais no
133
dia designado por editais a barca de vapor Uranio que proximamente viera do Rio
Grande do Sul e passe a ser comandado pelo 2º tenente Augusto Cesar de Castro
Menezes, o que participo a V. Exa. para seu devido conhecimento e governo.
Deus guarde V. Exa. Paço, em 19 de Junho de 1837.
Tristão Pio dos Santos.
Ilmo. Sr. Manoel Alves Branco”
E então, meus patrícios Baianos, não é isto escarnecer impudentemente de nosso
patriotismo, de nossa paciência?
Que glória adquirir podeis com tanta indiferença pelas coisas públicas?
Nem acrediteis brasileiros de todas as províncias, no que se vos conta todos os
dias, isto é, que as nações civilizadas da Europa respeitam o Brasil por sua união e
integridade.
As nações da Europa respeitam o Brasil pelo interesse material que dele tiram.
A Inglaterra, por exemplo, que caso faz do Brasil senão porque é sua feitoria?
Nós temos também os escritos da Europa e nos envergonhamos em nosso pequeno
gabinete e no silêncio da noite do menosprezo, do escárnio com que lá se escreve sobre
o estado mísero do Brasil.
Todos os escritores que se esforçam por arredar, ou ao menos minorar a
tempestade que todos prognosticam ultimamente sobre o Brasil, não parece se não
apresentar como remédio a este aguaceiro que há de ser infalível à manutenção da
ordem, a integridade do Império, e, sobretudo o crescimento da civilização.
Sobre este último curativo já deixamos dito, tomado este termo como a reunião
dos poderes, incumbe dar a mão para chegarmos ao necessário ponto dessa civilização
134
por si mesmo, e quando ele alienou sua liberdade natural quando ele consentiu que
homens como ele lhe ditassem leis e o governassem não foi senão para se encarregarem
do cuidado dessa civilização, donde, em verdade, provém todos os benefícios sociais.
São idéias bem corriqueiras e supérfluo é nelas insistir.
Quanto à manutenção da ordem.
Quer-se mais ordem do que a que se tem observado, mormente em nossa Bahia?
E quem faz a desordem?
Não será a Câmara dos Deputados Gerais que a mais de três meses trabalha esse
ano e o único benéfico que disso tirar pretendemos é o gasto de 7000 ou 8000 e tantos
mil cruzados.
E é isto ordem?
É ordem descomposturas, hostilidades de parte a parte, sandices e chocarrice,
indolente e pela maior parte das vezes ignorante?
Não provirá da extraordinária condescendência do atual presidente que admite
ao pé de si aduladores? Que não promove um exemplo nos comissariados do Chaxá,
que não olha para o mal estado do corpo policial onde há um comandante geral, que a
despeito do que dele se diz e se sabe está ali ad vitam eternam.
Não provirá enfim do atual Presidente cujos relatórios a Assembléia Provincial
falam mais alto do que nós e prol de suas vistas curtas e nenhum jeito administrativo?
Bahia minha amada pátria que procura te levantar da miséria a que estás
humilhada.
Quando terás um Presidente que além de não deixar ir por diante os segredos de
tesouraria, manda prontamente saldos sabidos e não sabidos da Corte?
135
Presidente que estando os cofres gerais regurgitando de dinheiro, não convoca
Assembléias extraordinárias para darem medidas à falta de dinheiro na Caixa
Provincial?
Quando, Oh, Bahia! Sairás do aviltramento que te achas abatida?
Quando? Quando?
Integridade do Império
Bastava somente o ofício ou rescrito do ministro da marinha em que assevera
que nem uma só embarcação de guerra há para se armar contra os corsários com carta
de marca da Piratinim para nos certificarmos que o nosso dinheiro, o sangue do povo
brasileiro, não tem o destino que se inculca ao povo brasileiro que como tão
expressivamente diz um nosso hábil colega – só não paga atributo para andar mais ou
menos apressado –
Haverá ou haveria separação da Província ou desintegridade do Império se
nossas precisões fossem satisfeitas se víssemos ultimamente empregados em bem geral
a soma em ouro dos dinheiros das províncias e com especialidade da Bahia, saem em
saques e em saldos para o Rio de Janeiro, a Corte Central.
Não cessaremos de repetir. Os negócios do Brasil vão assim em tão grande
desmantelação pela falta de ingerência do povo nas coisas públicas.
É esse espírito democrático que tem feito à felicidade dos Estados Unidos. É
esse espírito democrático que conserva a igualdade e liberdade na Inglaterra, cuja
constituição é bem pouco liberal.
Nós, ao contrário, temos constituição bem liberal, cujos princípios vão todos por
terra, por falta de espírito democrático.
O espírito é o interesse do povo, porque vai no seu país, essa conta mestra que
tem cada cidadão, o direito de tomarem aqueles a quem denegarem a parte respectiva
136
de sua soberania e isso fará que os representantes da nação não abusem dos poderes que
sabe Deus lhes foram conferidos.
Quiséramos saber que remédio se poderá dar a esses terríveis abusos como, por
exemplo, o de se propor cinqüenta contos de reis (cento e vinte cinco mil cruzados)
para a duquesa de Bragança lá em Portugal, cem contos (duzentos e cinqüenta mil
cruzados) para a mobília do palácio do menino.
Como isto se remediará senão dizendo cada província “Integridade assim não
teremos” isto é contrato de Caim.
Senhora Corte Central, cuide no seu centro que nós só podemos ser felizes
cuidando cá na nossa periferia.
Ganhe por lá se quiser gastar tanto que nós não estamos mais para sustentar
semelhante madrasta.
Sexta, 11 de agosto de 1837.
ANEXO 8
“NOVO DIÁRIO DA BAHIA” – JORNAL POLÍTICO E COMERCIAL
Typ. Rua da Ajuda 34. Impr. José Bezerra.
Poder-se-há dispensar a revolução no Brasil?
As obrigações que nos ligam ao corpo social não são obrigatórias senão porque
são recíprocas; e sua natureza é tal que em seu cumprimento não lhe possível trabalhar
em favor de outrem, sem que se tenha em vista a compensação “– cada um em favor de
si mesmo – Rousseau” Contrato Social Capítulo 4, pág. 53.
137
Tal é a base fundamental de toda a associação humana; ninguém aliena a sua
liberdade natural, ninguém reconhece a outro homem, seu igual, com o direito de o
governar, com a regalia de prescrever-lhe regras e preceitos para sua conduta, ninguém,
em suma, se submete à obediência às leis senão porque espera, sem falência, os
benefícios que lhe resultam do contrato social, senão porque espera melhorar a sua
sorte ligado ao cumprimento das especulações que constituem o código da sua
felicidade – o melhoramento da espécie humana.
A segurança de sua pessoa e de seus bens, ou os fins únicos e essencialíssimos a
que tendem, ou a que se devem dirigir as instituições sociais “– o bem comum, diz o
insigne Diderot, deve ser a regra suprema da conduta dos governos”. Em outro lugar,
diz o mesmo iluminado escritor, e filósofo “– ninguém nasce superior a outro, nem
governa a outro”.
Se um governa outro não governa por direito que para isso tenha nem é
benefício seu, mas unicamente para bem dos governantes; nem é para sua própria
satisfação e para sua grandeza particular, mas unicamente para felicidade dos que lhes
são submetidos “–“.
Na ordem da natureza nem um é mais homem do que o outro. A natureza cria
uma alma ou uma inteligência superior?
E quando assim fosse tem, porventura, nenhum homem mais desejos, mais
necessidades de viver mais satisfeito e mais feliz do que outro?
Posto estes princípios sagrados que constituem contratos formal ou tácito, em
todos os homens reunidos em sociedades, passemos de novo uma vista rápida sobre o
Brasil e digamos com sinceridade se há preenchido os fins do nosso contrato especial,
depois dos esforços que temos feito para mudar de condição política e depois de tanto
sacrifício para melhorar nossa sorte entre as mais nações?
138
Não há dúvida que nada ou quase nada temos adiantado na carreira da
prosperidade.
E onde estará o estorvo a esta marcha?
Estará no homem? Isto é, não serão ainda os brasileiros aptos para serem
regidos pelas formas livres?
O contrário já fizemos ver, ou outra opinião já sustentamos em diversos
números do novo Diário.
E de mais, é um princípio geral sustentado pelo mesmo Diderot e pelo imortal
Helvécio que “– todos os homens nascidos com os mesmos órgãos e naturalmente
conformados são aptos para o mesmo grau de inteligência e para a recepção das
mesmas idéias, tendo todos a mesma educação, ou os meios de desenvolvimento de
suas faculdades”.
Estará ainda o defeito nas nossas instituições ou no desenvolvimento da nossa
constituição?
E para que mais nos inclinamos, não deixando contudo de reconhecer que
também concorrem para o nosso atraso muitos hábitos e costumes que a iluminada mãe
pátria nos legou.
Sim. Os maus hábitos, os vícios, a estupidez, o espírito de escravidão dos
portugueses são ainda um estorvo à glória, à magnitude e respeito de que é suscetível o
Brasil, esse colosso da América Meridional, hábitos, costumes e inclinações que já
deviam ou podiam, todavia, estar quase dissipados, se a ambição desusada e a falta de
sinceridade não se tivesse sempre posto adiante da extensibilidade de nossos meios de
grandeza, quer naturais, quer intelectuais.
Os Americanos do Norte gozaram sempre, mais ou menos, das formas de um
governo livre. Eles saborearam sempre as doçuras da liberdade e igualdade civil; eles,
139
finalmente, nunca foram escravos de nenhum Rei; nem quando porventura se
desligaram dos ferros coloniais modificaram suas instituições pelo tipo da mãe pátria.
Não podiam eles, visto que estavam já habituados à forma monárquico-
representativa, porem seu rei constitucional e ainda melhor se fosse da dinastia da mãe
pátria.
Instituíram eles. Mas Oh!
Povo venturoso, modelo de felicidade, mereceis o respeito, a consideração que
tendes sabido granjear das nações mais poderosas e mais adiantadas da terra na carreira
de civilização.
Invejas tu hoje esse máximo de civilização.
E o que serias se tivesse adorado em tua santa revolução esse simulacro da mãe
pátria, esses carcomidos, acanhados princípios da acanhada Europa?
Por quantas crises não terias passado?
Quantas vezes a intriga não teria já renegado de sangue de irmãos o vosso solo,
o trono da liberdade?
Olhai para o Brasil e enchei-vos do mais nobre orgulho.
Mas um grito me fere já o ouvido.
E a América do Sul não tem adotado as formas republicanas e a desordem e a
anarquia não lavra em seus campos, o sangue de irmãos de compatriota não tem tantas
vezes ensopado a terra destes federalistas?
Não balbuciamos, nem este argumento nos confunde.
Dito deixamos pouco acima que os antigos usos, hábitos e costumes formando
uma segunda natureza concorrem muito para obstáculo a outros usos e costumes que
porventura se queira adotar.
140
Eis, portanto, a vista um dos motivos das calamidades dos nossos vizinhos ex-
espanhóis e eis o motivo por que eles tiveram também a infeliz lembrança e descoco de
fazerem seu Iturbide seu imperador.
E não terá sido a realização dessa idéia de governo Imperial o ponto de partida
dos males que a intriga tem feito desabrochar sobre o terreno da América do Sul?
Não terá essa nomeação deixado uma lembrança sempre risonha aos ambiciosos
e falsa ao sossego e tranqüilidade dos nossos irmãos?
Oh! Que sem dúvida!
É esta uma semente muito venenosa e que deixa sempre infestado o campo por
onde há semeado.
A isto, pois, ajuntando-se que o Povo Americano ex-espanhol, educado com
inquisições, frades, reis terríveis, por sua barbaridade, ignorância infernal, despotismo e
outros mortais venenos da dignidade do homem e do crescimento da razão (o que não
tiveram norte-americanos), está ainda com a intriga e com todas as armas manejadas
pela ambição, mas quanto ao adiantamento interno ou doméstico ainda assim muito
mais adiantados que nós eles se acham.
Ali as indústrias, os estabelecimentos literários florescem, as universidades
trabalham.
Não são feitoria dos ingleses.
Há um tipo, há um caráter nacional.
Há finalmente independência. Há um corpo de nação de fato representado
externamente e onde não entrou ainda nenhum Roussin de morrões acesos para
metralhar nenhuma das suas capitais.
141
Note-se mais que as discussões dos americanos do Sul versam sobre meras
modificações do sistema sempre livre mas nenhum representante da nação pediu ali um
rei ou um imperador de doze anos para governar um vasto império como o Brasil.
Não.
A tanto ainda não se degradou o povo ex-espanhol, que suponha um homem já
nascido com as qualidades para governar.
Não se ouviu ainda que em uma assembléia nacional dos países do Sul pedisse a
consignação de somas enormes para uma mulher estrangeira.
Ainda não se ouviu pretender que estrangeiros viessem dar leis ao país, tendo
assento no alcançar das leis.
Ali todos os reditos não são para fazer a abastança de uma só cidade, com o
título de Corte Central.
Ali, finalmente, o povo tem espírito democrático, isto é, tem interesse pelos
negócios de seu país e não vive, como o nosso, sujeito unicamente aos deveres e sem
que o governo se lembre de seus direitos.
Ali brigam uns com os outros, mas um para o outro diz – eu sou um cidadão
como tu, eu sou igual a ti –.
E o povo brasileiro goza dessa igualdade civil dessa irmã gêmea da liberdade.
Temos, pois, sido e continuaremos a ser felizes com o sistema atual sem que se
lhe dê algumas modificações, tomadas imediatamente pelo poder soberano inalienável?
É o que faremos por mostrar em outro número.
142
FONTES PRIMÁRIAS IMPRESSAS
Publicações do Arquivo do Estado da Bahia. A Revolução de 7 de Novembro de 1837, 5
vols., 1937-1948. Reúnem documentos e textos historiográficos sobre a revolta, além de
memórias produzidas por seus contemporâneos.
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por Braz do Amaral, Salvador, Imprensa Oficial, 1933.
AMARAL, Braz do. “A Sabinada”, PAEBa, II.
143
AZEVEDO, Moreira. “A Sabinada da Bahia em 1837.” PAEBa.
BLAKE, Sacramento. “Ainda a Revolução da Bahia de 7 de Novembro de 1837.”
PAEBa, I.
CARNEIRO, A. J. Souza. “A Sabinada em Nazaré”. PAEBa, IV.
FREITAS, Daniel Gomes de. “Narrativa dos sucessos da Sabinada”. PAEBa, I.
MARTINS, Francisco Gonçalves. “Nova edição da simples e breve exposição do
Senhor Dr. Francisco Gonçalves Martins”. PAEBa, II.
PRAGUER, Henrique. “A Sabinada: História da revolta da cidade da Bahia em 1837”.
PAEBa.
SPALDING, Walter. “A Sabinada e a Revolução Farroupilha”. PAEBa, IV.
VIANNA, Francisco Vicente. “A Sabinada, História da Revolta da Cidade da Bahia em
1837”. PAEBa, 1937, vol. I.
JORNAIS
O Carapuceiro
Novo Diário da Bahia
O Sete de Novembro
144
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São Paulo: Corrupio, 1988.
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149
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