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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
AS RELAÇÕES ENTRE PRODUTORES DE LEITE E COOPERATIVAS:
UM ESTUDO DE CASO NA BACIA LEITEIRA DE SANTA ROSA – RS
Ângela de Faria Maraschin
Porto Alegre - RS
2004
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
AS RELAÇÕES ENTRE PRODUTORES DE LEITE E COOPERATIVAS:
UM ESTUDO DE CASO NA BACIA LEITEIRA DE SANTA ROSA – RS
Autor: Ângela de Faria Maraschin
Orientador: Paulo Dabdab Waquil
Dissertação submetida ao
Programa de Pós-Graduação e
m
Desenvolvimento Rural d
a
Faculdade de Ciências
Econômicas da UFRGS, como
quesito parcial para obtenção do
grau de Mestre e
m
Desenvolvimento Rural.
Porto Alegre - RS
2004
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3
Àqueles produtores que se dedicam a uma tarefa sem finais de semana ou
feriados, que enfrentam uma remuneração aviltante pelo seu trabalho e esforço,
mas que mesmo assim acreditam na atividade e tem orgulho de serem chamados
leiteiros.
4
AGRADECIMENTOS
Devo, antes de qualquer pessoa, agradecer aos meus pais, pelo exemplo, incentivo e
apoio, dando todas as condições para que eu pudesse me dedicar exclusivamente ao mestrado.
Sei que eles estão felizes por me ver completar esta etapa, e ansiosos assim como eu
aguardando o que vem pela frente a partir de agora.
Agradeço ao meu noivo, Caco, que foi fundamental na elaboração deste trabalho,
participando desde a escolha do tema do estudo, até a sua estruturação final. Sem sua ajuda
talvez não tivesse tido a facilidade que tive para realizar o estudo desta cooperativa. Agradeço
também a compreensão pela falta de tempo e de atenção. Agradeço ainda por compartilhar do
mesmo interesse e admiração pela atividade leiteira.
Agradeço a todo o pessoal da Cooperativa Mista São Luiz, seus diretores, funcionários
e produtores por terem me dado a oportunidade de conhecê-los, por terem me recebido de
forma tão acolhedora e terem colaborado sobremaneira para a realização deste trabalho.
Agradeço especialmente ao Milton Racho, que participou desde o início da elaboração do
trabalho, sendo meu “informante chave”, me ajudando a definir o foco dado ao trabalho.
Agradeço também ao Jaime, que com uma paciência sem limites deixava de realizar seu
próprio trabalho para elaborar relatórios requisitados sempre com a máxima urgência.
Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ao Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural e ao CNPq pela oportunidade de participar de um
programa público, gratuito e de qualidade como este. Em uma época em que muitas pessoas
pagam (e muito) pela oportunidade de realizar um pós-graduação, temos a honra de conseguir
participar de um programa extremamente qualificado e ainda contar com uma bolsa auxílio,
dando-nos toda a tranqüilidade para realizar o trabalho a que nos propomos.
Dentro do PGDR, devo agradecer a todos os professores, que em seu trabalho me
apresentaram a um mundo rural bem mais rico do que aquele que conhecia. A passagem pelo
programa me permitiu expandir o horizonte de observação do mundo rural, saindo do enfoque
estritamente técnico no qual me formei. Agradeço pelo tempo dedicado aos alunos e admiro a
dedicação que vocês apresentam para a consolidação deste projeto multidisciplinar.
Especialmente, agradeço ao meu orientador, Prof. Paulo Waquil, que foi quem
primeiro me apresentou ao PGDR, ainda na faculdade de graduação. Agradeço pela
5
orientação, pelos conselhos e pelo tempo dispendido na elaboração deste trabalho, sempre
encontrando tempo no meio das inúmeras tarefas cumpridas durante este ano. Agradeço
também à Eliane, que incansável nas suas tarefas diárias, sempre encontrava tempo para
resolver qualquer um de nossos problemas cotidianos.
Finalmente, agradeço aos produtores de leite, que com seu trabalho são a inspiração
para a minha vida profissional e a quem dedico este trabalho.
6
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS
LISTA DE FIGURAS
RESUMO
ABSTRACT
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................12
1.1. PRODUÇÃO DE LEITE NO RS..................................................................................15
1.2. COOPERATIVISMO DE LEITE .................................................................................16
1.3. PROBLEMATIZAÇÃO................................................................................................18
1.4. OBJETIVOS..................................................................................................................20
1.4.1. Objetivo Geral:.......................................................................................................20
1.4.2. Objetivos Específicos.............................................................................................20
1.4.3.Hipóteses .................................................................................................................21
2. COOPERATIVISMO: ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E NOVOS ENFOQUES A
PARTIR DA ÓTICA DA NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL.
................................22
2.1. O MOVIMENTO COOPERATIVISTA – HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO
NO RS:
.................................................................................................................................22
2.2. COOPERATIVISMO E A ACADEMIA......................................................................27
2.3. CARACTERÍSTICAS DAS EMPRESAS COOPERATIVAS.....................................29
2.4. TIPOS DE COOPERATIVAS E O MODELO DE EVOLUÇÃO DE 5 ESTÁGIOS..30
2.5. VANTAGENS DOS EMPREENDIMENTOS COOPERATIVOS..............................33
2.6. DIFICULDADES NA GESTÃO DAS COOPERATIVAS..........................................35
2.7. A ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO – CONCEITOS BÁSICOS ........42
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................................48
3.1. MÉTODO DE ABORDAGEM.....................................................................................48
3.2. ESCOLHA DA REGIÃO E COOPERATIVA DE ESTUDO......................................49
3.3. INSTRUMENTOS E TÉCNICAS ................................................................................52
3.3.1. Coleta de Dados da Cooperativa ............................................................................52
3.3.2. Realização de Entrevistas.......................................................................................53
3.4.AMOSTRAGEM E REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS.........................................55
3.5. ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS NA COOPERATIVA .................................56
3.6. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS.................................................................................58
4. AS RELAÇÕES ENTRE COOPERADOS E COOPERATIVA ...................................62
7
4.1. COOPERMIL – HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL ...............................................62
4.2. DESEMPENHO DA COOPERATIVA E PARTICIPAÇÃO DOS SETORES ...........64
4.3. A PARTICIPAÇÃO DOS COOPERADOS NAS ATIVIDADES DA COOPERATIVA
..............................................................................................................................................69
4.3.1. Entrega de Produtos na Cooperativa ......................................................................70
4.3.2. Compras Realizadas na Coopermil ........................................................................78
4.3.3. Gastos em Conta Leite: ..........................................................................................81
4.4. A PARTICIPAÇÃO DA COOPERATIVA NAS ATIVIDADES DOS COOPERADOS
..............................................................................................................................................83
4.4.1. Prestação De Serviços Comerciais.........................................................................83
4.4.2. Auxílio na Organização e Fomento da Produção...................................................84
4.5. INFLUÊNCIA DO PRODUTO LEITE SOBRE O RELACIONAMENTO DOS
PRODUTORES COM A COOPERATIVA
.........................................................................86
5. A ATIVIDADE LEITEIRA INFLUENCIANDO A RELAÇÃO ENTRE
COOPERADO E COOPERATIVA:
....................................................................................92
5.1. CARACTERIZAÇÃO DOS PRODUTORES ASSOCIADOS À COOPERMIL ........92
5.1.1. Dados do Produtor..................................................................................................93
5.1.2. Produção Agrícola..................................................................................................93
5.1.3. Comercialização.....................................................................................................98
5.1.4. Associação e Relacionamento com a Cooperativa...............................................102
5.1.5. Setor Leiteiro:.......................................................................................................105
5.2. PAPEL DA COOPERATIVA NA ATIVIDADE LEITEIRA DE SEUS
COOPERADOS .................................................................................................................109
5.3. DIREÇÃO DA COOPERATIVA: OBJETIVOS DA EMPRESA E ESTRATÉGIAS
PARA CONCRETIZÁ-LOS
..............................................................................................111
5.3.1. Função da Cooperativa e Objetivos......................................................................111
5.3.2. Aspectos Limitantes para as Estratégias Delineadas............................................114
5.3.3. Importância do Leite nas Estratégias:...................................................................117
5.4. FIDELIDADE – FATORES QUE AFETAM.............................................................119
6. CONCLUSÕES.................................................................................................................124
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................129
APÊNDICE A .......................................................................................................................132
APÊNDICE B........................................................................................................................139
APÊNDICE C .......................................................................................................................145
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Alinhamento dos contratos.....................................................................................46
Tabela 2 - Ranking das dez maiores microrregiões em relação à quantidade produzida de leite
..........................................................................................................................................50
Tabela 3 – Estratificação dos produtores de leite associados a COOPERMIL – Ano 2003....55
Tabela 4 – Estratificação dos produtores de leite e amostragem..............................................56
Tabela 5 – Variáveis explanatórias – composição dos índices.................................................60
Tabela 6 – Faturamento e resultado líquido 2000-2004...........................................................65
Tabela 7 – Produção anual de leite por estrato (litros).............................................................76
Tabela 8 – Número de produtores por estrato ..........................................................................77
Tabela 9 – Média de entrega de grãos e compras antes e depois de parar de entregar leite.....86
Tabela 10 – Estimativa do valor do negócio leite para a Coopermil........................................88
Tabela 11 – Área total e útil de acordo com o estrato de produção .........................................94
Tabela 12 – Número de vacas, sistema de ordenha e resfriamento do leite nos diferentes
estratos de produção .........................................................................................................95
Tabela 13 – Média da classificação dos fatores considerados no momento de vender a
produção ..........................................................................................................................99
Tabela 14 - Média da classificação dos fatores considerados no momento de comprar insumos
........................................................................................................................................101
Tabela 15 - Média por estrato do tempo de associado ..........................................................102
Tabela 16 – Média da classificação do uso da renda do leite nos grupos de despesa............106
Tabela 17 – Composição dos índices de participação e percepção da importância da
cooperativa .....................................................................................................................121
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Participação dos diferentes setores no faturamento da Coopermil.........................66
Figura 2 – Resultados líquidos por setor – 2000 a 2004 ..........................................................67
Figura 3 – Recebimento dos principais produtos – Coopermil................................................71
Figura 4 – Participação dos tipos de produtores na entrega de grãos.......................................72
Figura 5 – Participação dos estratos de produção na entrega de grãos dos produtores de leite74
Figura 6 – Participação dos estratos de produção na entrega total de leite – 1998 e 2004 ......75
Figura 7 – Evolução da distribuição dos produtores nos estratos de produção........................77
Figura 8 – Participação do tipo de cliente nas compras totais..................................................79
Figura 9 – Participação dos estratos de produção nos valores das compras dos produtores de
leite
...................................................................................................................................80
Figura 10 – Participação dos estratos de produção nos gastos em conta leite..........................82
Figura 11 – Média do percentual do valor a receber gasto em conta leite...............................82
10
RESUMO
O setor leiteiro passou por profundas transformações nos últimos 15 anos que modificaram o
papel exercido pelas cooperativas de produtores de leite. Em 2003, a mudança de estratégia da
principal empresa do setor no RS em relação a suas cooperativas parceiras reacendeu o debate
sobre qual deve ser a função das cooperativas neste cenário. Na bacia leiteira de Santa Rosa-
RS, as cooperativas que trabalham com o leite são cooperativas tritícolas que possuem o leite
como uma alternativa de negócio. Elas são integradas ao Sistema Elegê, e decidiram adotar
diferentes estratégias de atuação frente às mudanças ocorridas recentemente: duas decidiram
abandonar a atividade leiteira, cedendo suas bacias leiteiras para a Elegê, e uma decidiu
continuar e investir no setor, construindo uma plataforma para recebimento de leite. Neste
contexto, realizou-se um estudo de caso junto à cooperativa que decidiu investir no leite,
buscando entender qual a importância do trabalho com o produto leite para uma cooperativa
tritícola e como ele pode afetar as relações entre cooperado e cooperativa, em especial a
fidelidade do produtor à instituição, sob a ótica da Nova Economia Institucional. Foram
realizadas entrevistas com a direção e conselheiros da cooperativa e com produtores de leite
associados à cooperativa. Foram ainda coletados dados relativos ao desempenho econômico
da cooperativa e do relacionamento comercial entre cooperados e cooperativa. A análise dos
dados demonstrou que os produtores de leite participam com um percentual expressivo dos
negócios da cooperativa, sendo responsáveis por 30% da entrega de milho e trigo, 40% da
entrega de soja e 35% das compras realizadas na cooperativa. Os produtores que pararam de
entregar leite na cooperativa diminuíram sua entrega de grãos e as compras realizadas. Nas
entrevistas com os produtores de leite, os principais fatores apontados como importantes para
a fidelidade do produtor foram a participação na cooperativa e a percepção da importância da
cooperativa para as suas atividades. A atividade leiteira, por promover relações freqüentes
entre produtor e cooperativa, aumenta a participação do produtor no cotidiano da cooperativa
e faz com que ele perceba os benefícios da continuidade da relação, aumentando o custo da
atitude oportunista e aumentando a fidelidade. A análise das entrevistas com os gestores da
cooperativa demonstra a percepção de que o leite é uma importante forma de vincular o
produtor à cooperativa, sendo estratégico na tentativa de fidelizar o produtor à cooperativa. O
trabalho com o leite melhora o desempenho geral da cooperativa, ao promover o
desenvolvimento de confiança entre o cooperado e cooperativa, fazendo com que o produtor
negocie mais com a empresa.
Palavras-chave: Cooperativas Tritícolas, Fidelidade dos Cooperados, Produtores de Leite.
11
ABSTRACT:
Over the last 15 years, the Milk sector in Brazil has passed through several changes that have
affected the role of milk cooperatives in this context. In 2003, the main industry in this sector
in Rio Grande do Sul has changed its strategy towards its associated cooperatives, triggering
the debate about the role that these cooperatives might have in helping family farmers to stay
in the market. In the milk district of Santa Rosa – RS, there are 3 cooperatives that work with
grains and that have the reception of milk as an alternative business. They are all members of
“Elegê-System”, and decided to adopt different strategies facing the changes occurred: two of
them decided to abandon the activity, giving the rights over their production regions to Elegê,
while the other one decided to continue receiving milk from its associated producers, and
started to build a milk receiving industrial plant. In that context, a case study of the
cooperative that decided to continue working with milk was conducted, trying to understand
the importance of receiving milk in a cooperative that has its main business in receiving and
selling other agricultural commodities, such as soybean, corn and wheat. This study tries to
explain how the cooperative’s involvement with the reception of milk can affect the
relationship between the cooperative and its associates; specially what regards the fidelity of
the associated towards the institution. This analysis was carried out based on the New
Institutional Economics approach. Interviews were conducted with the board of directors of
the cooperative and with milk producers. Information about the commercial relationship
between producers and the cooperative and the financial results of the cooperative were
collected. The analysis of the data collected showed that the milk producers participated with
a significant share of the cooperative business; they are responsible for the delivery of 30% of
all the corn and wheat and 40% of all the soybean received by the cooperative. The milk
producers that have stopped to deliver milk to the cooperative have decreased the amount of
grain delivered and the amount of inputs purchased in the cooperative. The milk producers
interviewed demonstrated that the participation in the activity of the cooperative and the
perception of the importance that the institution has in their activities are the main factors that
affect the fidelity of the producer towards the cooperative. The production of milk and the fact
that the cooperative is the one that receives the milk promote more frequent relations between
the cooperative and the associate, therefore promoting an increase in the producer’s
participation in cooperative’s everyday activities, making him realize the benefits coming
from this relationship, increasing the cost of opportunism and increasing the fidelity. The
board of directors also has the perception that the work with milk is a way to enhance the
producer’s fidelity. The work with milk improves the cooperative’s overall performance and
deepens the bonds between the milk producers and the institution.
.
Key Words: Agricultural Cooperatives, Fidelity, Milk Producers.
12
1. INTRODUÇÃO
A economia brasileira e mundial tem passado por grandes transformações nas duas
últimas décadas. Entre as mudanças mais marcantes, podemos destacar a abertura dos
mercados e a globalização, que trazem implicações importantes para todos os setores
produtivos, inclusive nos cenários regionais. Isto faz com que a competitividade dos sistemas
produtivos torna-se a palavra de ordem dos analistas econômicos, em face dos mercados cada
vez mais disputados.
Neste contexto, o estudo das estruturas produtivas e dos elos que unem estas estruturas
em cada setor torna-se uma ferramenta para a eleição de quais estruturas e quais elos seriam
os mais eficientes para gerir o processo produtivo. Os sistemas agroindustriais encontram-se
neste cenário de transformações, e neles também se buscam estruturas que demonstrem
competitividade.
As mudanças do ambiente institucional nacional e internacional afetaram os sistemas
agroindustriais no Brasil de diferentes formas. O Sistema Agroindustrial (SAG) do leite foi
particularmente afetado por estas mudanças ocorridas a partir da década de 90. PEDROSO
(2001), BITENCOURT et al. (2000) e PRIMO (2000) analisaram os impactos das mudanças
no ambiente institucional sobre o SAG do leite no Brasil e mais especificamente no RS. Os
autores ressaltaram que a desregulamentação dos preços pelo governo, a abertura do mercado
nacional para produtos importados, a entrada no mercado de empresas multinacionais, o
crescimento da demanda por leite UHT, e a criação de novas exigências sanitárias tiveram
conseqüências sobre os produtores de leite e sobre as indústrias de processamento do produto
que atuavam no Brasil nesse período. Várias indústrias, em especial cooperativas de
produtores de leite, fecharam ou foram adquiridas por empresas multinacionais. O número de
produtores no mercado formal diminuiu sensivelmente, e a produção de leite aumentou.
Também existem indicações de que houve um crescimento do mercado informal, em virtude
destas transformações.
JANK et al. (1999), analisando os cenários do SAG do leite em 1999 e projetando um
cenário para 10 anos à frente, aponta as seguintes tendências:
13
- Curto prazo: diminuição do número de produtores médios e médio-grandes, em
especial aqueles que contam com mão de obra assalariada, com custos mais altos
de manutenção; prosseguimento de grande oferta de leite de baixo custo e baixa
qualidade; aumento do mercado informal; prosseguimento e intensificação do
processo de aquisições e alianças no setor industrial, com forte presença de capital
multinacional.
- Longo prazo: Com a intensificação da fiscalização sanitária, ocorrerá um aumento
da importância de um número menor de produtores especializados. Estima-se o
desaparecimento da um terço dos atuais produtores, sendo o processo de exclusão
impossível de ser revertido.
Estas tendências apresentadas resultam de uma análise que visa à competitividade e
eficiência. No entanto, o futuro SAG do leite não deve ser encarado somente como uma
questão de competitividade e eficiência. Se somente os mais eficientes pudessem se manter na
atividade, não teríamos a União Européia como a maior exportadora mundial de lácteos. É
evidente que seus produtos recebem pesados subsídios na origem, mas isto ocorre exatamente
porque os governos dos países europeus entendem a importância de manter os produtores de
leite na atividade, por uma questão social, entre outros fatores. O papel social que esta
atividade possui é muito significativo, e estas tendências de exclusão devem ser
cuidadosamente analisadas.
Definir o que é um produtor eficiente e competitivo é bastante relativo e podem-se
elaborar vários trabalhos tentando caracterizá-lo. Esta questão da eficiência na produção é
importante, mas não será o foco deste trabalho. O que interessa deste contexto para este
trabalho é a percepção de que o Brasil possui um contingente significativo de produtores
rurais que dependem da atividade leiteira, independente da escala de produção. O leite, em
especial para os produtores de escala reduzida, é muito importante na formação de sua renda
por ser uma receita mensal e mais segura, menos sujeita a quebras por variações climáticas.
Além disso, a atividade leiteira pode significar ocupação da mão de obra da família, ou uma
estratégia de subsistência para algumas famílias e ou ainda ser parte importante de uma
estratégia integrada de produção e de diversificação produtiva. A atividade leiteira também
pode significar um ativo, um seguro, para enfrentar emergências, suavizando impactos à
propriedade como no caso de uma seca, por exemplo.
No Rio Grande do Sul, segundo o Censo Agropecuário do IBGE de 1995/1996, são
187,1 mil estabelecimentos agropecuários que tiveram a produção de leite como principal
finalidade. Bitencourt et al. (2000) aponta dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e
14
Abastecimento do ano de 1999, contabilizando 71.561 produtores que entregam leite sob
inspeção federal e estadual no RS. Neste número não se encontram aqueles produtores que
entregam leite para estabelecimentos com inspeção municipal e nem aqueles que se
encontram no mercado informal. Ainda para exemplificar a importância da atividade leiteira,
Bitencourt et al. (2000) ressalta que são 730 mil pessoas que estão envolvidas direta ou
indiretamente na atividade, o que equivale a 7,5% da população do estado. Destes produtores,
ainda segundo Bitencourt et al. (2000), 66,6% produzem até 50 l/dia, equivalente a 30,2 % da
produção, e o restante, 34,4%, que produzem mais de 50 l/dia produzem 69,8% do total.
As discussões envolvendo o SAG do leite, portanto, não devem simplesmente focar a
análise da eficiência a partir de ganhos de escala, prevendo a inevitável exclusão da grande
maioria dos produtores, que possuem escalas reduzidas, pois isto teria um efeito social
bastante grave. Ao contrário, os estudos devem ser focados nas iniciativas e nas organizações
que buscam manterem-se no mercado, demonstrando competitividade, mas que permitem a
manutenção dos produtores de escala reduzida no sistema.
Neste contexto, as cooperativas ressurgem nos debates do meio acadêmico como uma
possível forma de viabilizar o processamento e distribuição da produção destes produtores de
escala reduzida. Possibilidade esta reforçada pela crise da Parmalat ocorrida em janeiro de
2004, que reacendeu o debate sobre formas mais sustentáveis e seguras de geração de renda
aos produtores rurais. O leite, por toda a importância social que tem, deve possuir um setor
industrial que trabalhe visando também a sustentação do produtor a longo prazo. Se as
cooperativas serão capazes de garantir isto, ainda é cedo para dizer.
No Rio Grande do Sul existe um sistema cooperativo forte, com tradição na
participação de cooperativas na coleta do leite e na industrialização de produtos lácteos. A
Cooperativa Central Gaúcha de Leite (CCGL) foi fundada em 1976, reunindo 21 cooperativas
singulares. A CCGL atuou por praticamente 20 anos, contribuindo para o desenvolvimento da
produção de leite em diversas bacias leiteiras em todo o estado do RS. Esta cooperativa
central foi vendida em 1996 para um grupo nacional, uma empresa não cooperativa (Avipal -
Elegê). As cooperativas que formavam a central continuam hoje trabalhando em parceria com
a Elegê, atuando basicamente como cooperativas singulares. Este sistema de captação e
industrialização do leite (Sistema Elegê) domina hoje 53% do mercado gaúcho de leite com
inspeção (RODRIGUES, 2000; KRUG, 2000).
Pelos dados do relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da
Assembléia Legislativa do RS realizada em 2001, mais de 90% do leite no estado é captado
por cooperativas. O cooperativismo de produtores de leite, portanto, ainda é uma estrutura
15
importante dentro do SAG do leite no RS, e deve ser dada maior atenção ao seu
funcionamento.
1.1. PRODUÇÃO DE LEITE NO RS
A atividade leiteira no RS caracteriza-se por uma forte concentração de produtores na
Mesorregião Noroeste (66,34%), e o restante (33,66%) localiza-se nas demais regiões do
estado. No Noroeste, a produção baseia-se principalmente em pequenas propriedades que
desenvolvem culturas de soja, milho e trigo como atividades principais, sendo a pecuária
leiteira muito importante como complementação de renda mensal para o produtor
(BITENCOURT et al., 2000). A concentração de produtores nesta região do estado é uma
tendência que se consolidou em especial nesta última década, aliando o sistema de produção
agrícola já consolidado (sojicultura) com a produção de leite. Este deslocamento da produção
leiteira ocorreu devido a uma série de fatores. A introdução da tecnologia do leite UHT foi um
destes fatores, ao permitir que as unidades produtoras se instalassem longe dos principais
centros consumidores.
Além disso, mudanças nos sistemas de produção dos produtores rurais permitiram que
uma maior área da propriedade fosse destinada para a atividade leiteira. A diminuição da área
destinada para o trigo no inverno permitiu estabelecer pastagens de qualidade que serviram de
forragem aos animais, o que permitiu um aumento da produtividade. A adoção da tecnologia
do plantio direto para as culturas de milho e soja também promoveu aumentos de
produtividade. Isto ocorreu porque as pastagens formadas para cobertura de solo para as
culturas de verão acabavam sendo utilizadas pelo gado leiteiro, para que estas áreas não
ficassem ociosas durante o período de inverno.
PEDROSO (2001) confirma a ocorrência desta realocação das microrregiões
produtoras de leite. Na década de 80, destacavam-se como as maiores do estado as
microrregiões mais próximas de Porto Alegre, como Caxias do Sul e Pelotas. A importância
destas bacias leiteiras, no entanto, não se manteve nos anos 90. As microrregiões localizadas
no planalto/noroeste do Rio Grande do Sul, como Santa Rosa, Três Passos, Passo Fundo e
Ijuí, aumentaram a quantidade produzida de leite, e hoje têm maior importância no SAG do
leite no RS. Ainda segundo PEDROSO (2001), a bacia leiteira de Santa Rosa era a nona
colocada no ranking das microrregiões com maior produção de leite de acordo com o Censo
Agropecuário de 1985. Já no Censo de 1995, a região encontrava-se em segundo lugar no
ranking, apresentando um aumento de mais de 100% na quantidade produzida. Este
16
crescimento na importância da bacia leiteira de Santa Rosa é uma das justificativas para a
escolha deste local para a realização do estudo.
A produção de leite no RS é bastante atomizada, com quase 70% dos produtores
entregando menos de 50 l/dia e sendo responsáveis por pouco mais de 30% da produção. A
produtividade por vaca também é baixa (em torno de 4,5 l/vaca/dia), mas ainda superior à
decantada média nacional.
1.2. COOPERATIVISMO DE LEITE
A importância das cooperativas para o SAG do leite no RS já foi destacada
anteriormente. Além das cooperativas singulares que integravam a CCGL, existe uma série de
cooperativas que possuem suas próprias plantas de processamento de leite, que funcionam
como cooperativas independentes, com marcas próprias. São exemplos destas cooperativas a
COAPEL, COSUEL, SANTA CLARA e COSULATI. Estas empresas, no entanto, são
responsáveis por pequenas fatias do mercado. Mais de 50% do recebimento de leite com
inspeção no RS provém das cooperativas integradas ao Sistema Elegê, e, portanto, este
Sistema pode ser considerado como bastante representativo do sistema cooperativista de leite
no estado.
As cooperativas que integram o Sistema Elegê são, em sua maioria, cooperativas
tritícolas que incorporaram o produto leite ao seu negócio. O modelo de produção de leite
estruturado por estas cooperativas no RS teve seu início na segunda metade da década de 70,
com o objetivo de oferecer ao produtor uma alternativa complementar à monocultura de soja.
A entrada das cooperativas no setor foi uma imposição da necessidade histórica de criar
alternativas de renda, especialmente aos pequenos produtores (RODRIGUES, 2000).
Para os produtores inseridos neste sistema de produção diversificada (leite e grãos), o
leite representa uma fonte de renda constante durante o ano capaz de auxiliar o produtor em
seus gastos diários (luz, supermercado, insumos). Para as cooperativas tritícolas, a atividade
leiteira não é uma das mais importantes em termos de faturamento, mas ela é importante
dentro da gama de atividades em que as cooperativas atuam. A receita que o produtor recebe
pela venda do leite muitas vezes nem mesmo sai da cooperativa, sendo toda ela gasta pelo
cooperado em consumo de insumos e supermercado, através da conta leite. O recebimento de
leite pela cooperativa também representa uma forma de fidelizar o produtor junto à
instituição, com o objetivo de que este entregue para a cooperativa também sua produção de
grãos, que hoje possui maior valor.
17
O papel das cooperativas que integram o sistema Elegê é reunir a produção de seus
cooperados para vendê-la em conjunto, a um preço único, para a indústria que realiza a
industrialização do produto (Elegê). As cooperativas também fornecem assistência técnica,
crédito, facilidade na aquisição de insumos, entre outros benefícios importantes aos seus
cooperados. Na prática, elas seguem funcionando como cooperativas singulares, como na
época da CCGL.
Em 2003, no entanto, a Elegê começou a modificar sua estratégia de atuação junto às
cooperativas parceiras, reclamando para si os direitos sobre o recolhimento de leite dos
produtores associados a algumas cooperativas, retirando a cooperativa da intermediação da
relação entre produtor e indústria. Na bacia leiteira de Santa Rosa, duas das maiores
cooperativas do Sistema Elegê, a Cooperativa Tritícola Santa Rosa (COTRIROSA) e a
Cooperativa Tritícola Alto Uruguai (COTRIMAIO), cederam seus direitos sobre a produção
de leite de seus cooperados. A COTRIROSA possui 4000 produtores de leite associados e a
COTRIMAIO, 5700. A Elegê passará a fornecer a assistência técnica e crédito a estes
produtores, o que antes era realizado pela cooperativa. A indústria se relacionará diretamente
com os produtores, individualmente. As cooperativas seguirão trabalhando com seus outros
grupos de negócios, como recebimento de grãos, venda de insumos, supermercados.
Claramente, com esta manobra, a Elegê passará a ter maior poder de barganha junto
aos produtores, que perderam sua representatividade junto à empresa para qual vendem seu
leite. O interesse da empresa neste negócio é bem nítido. Mas para a cooperativa, qual a
vantagem de se desfazer de um grupo de negócio como o leite? O leite representa o quê
dentro da gama de atividades que a cooperativa opera? Será que a retirada da cooperativa de
uma atividade praticada por grande parte de seu quadro social não faz com que o associado
perca a sua identificação com a instituição?
Na região de Santa Rosa, existe uma outra cooperativa também integrada ao sistema
Elegê, a Coopermil (Cooperativa Mista São Luiz). Esta cooperativa, contudo, adotou uma
estratégia diferente das suas co-irmãs. A Coopermil tem a particularidade de ter sido a última
cooperativa da CCGL a vender suas cotas para a Elegê, e hoje, ter sido a única cooperativa da
região a não ceder sua bacia para a Elegê. Ela está construindo uma plataforma própria para
recebimento de leite, rompendo com a exclusividade de fornecimento para a Elegê. Ela optou
por manter o trabalho com o produto leite, e investir na atividade, mesmo possuindo 70% dos
produtores com uma entrega diária inferior a 50 l e apresentando balanços negativos na
atividade leite por dois anos consecutivos.
18
Estas transformações recentes ocorridas no setor leiteiro provocam o questionamento
sobre o papel que as cooperativas do Sistema Elegê têm dentro do SAG do leite no RS. As
cooperativas podem assumir diferentes estratégias de atuação neste cenário, como:
- reunir a produção de seus produtores e repassá-la à indústria, para que esta realize
as atividades de produção com maior valor agregado e que exigem maior
investimento em ativos específicos de marca e reputação;
- assumir as atividades de maior valor agregado, investindo em plantas de
processamento, estabelecimento de redes de distribuição, desenvolvimento de
produtos e marca, ou
- retirar-se do setor, como ocorreu recentemente com as duas cooperativas na região
de Santa Rosa.
A tomada de decisão nas cooperativas deve levar em consideração vários aspectos que
não são considerados no caso de uma empresa de capital. As cooperativas, por pertencerem
aos produtores rurais, que são ao mesmo tempo donos e usuários da empresa, são instituições
com particularidades na sua gestão.
Vários autores ligados à Nova Economia Institucional (NEI) têm trazido contribuições
ao entendimento de como operam estas instituições cooperativas, quais suas vantagens e suas
deficiências. Esta corrente teórica considera que as cooperativas são um tipo importante de
estrutura de governança presente nos sistemas agroindustriais. Ela considera que a relação
entre cooperado e cooperativa é uma relação contratual, uma vez que envolve a obtenção de
quase-rendas associadas a ativos específicos da transação. Os preceitos doutrinários do
cooperativismo não impedem, no entanto, que o cooperado quebre o contrato ex-post. Os
autores utilizam-se dos conceitos de direitos de propriedade, incentivos, assimetria
informacional, oportunismo e custos de transação para entender como ocorrem estas relações
entre cooperado e cooperativa e quais fatores influenciam no sucesso do empreendimento. A
NEI dá a fundamentação teórica para nosso trabalho, e a revisão de seus principais conceitos e
as relações destes com o estudo serão melhor explorados no Capítulo II.
1.3. PROBLEMATIZAÇÃO
Na região de Santa Rosa, no caso das cooperativas tritícolas, encontramos uma
situação interessante para análise envolvendo governança das empresas cooperativas e as
relações que se estabelecem entre cooperado e cooperativa. Em especial o caso da Coopermil,
19
que adotou uma estratégia diferente das suas co-irmãs frente às mudanças ocorridas no SAG
do leite.
A Coopermil está realizando investimentos no setor leiteiro, enquanto as outras
cooperativas da mesma bacia leiteira decidiram abandoná-lo, com a alegação de que era uma
atividade deficitária e, portanto, prejudicial para o desempenho da cooperativa como empresa.
Afinal, qual a importância do produto leite para o desempenho de uma cooperativa tritícola,
cuja base do faturamento vem do recebimento de grãos e vendas na área de insumos e
supermercado?
Sabe-se que as cooperativas dependem das atividades dos seus cooperados: a entrega
dos seus produtos, suas compras de insumos e de supermercado. O sucesso da cooperativa
depende em grande parte da fidelidade do produtor à instituição. É o cooperado, nas suas
transações com a cooperativa, quem sustenta a instituição. A fidelidade é, portanto, peça
fundamental para os empreendimentos cooperativos.
Neste contexto pretende-se, através de um estudo de caso da Coopermil e de seus
produtores, verificar qual a importância do produto leite para uma cooperativa tritícola, dando
especial ênfase para a questão da fidelidade dos produtores à instituição. Será que a atividade
leiteira pode influenciar na fidelidade dos cooperados, fazendo com que estes também
entreguem seus outros produtos para a cooperativa? Até que ponto a atuação em um setor que
individualmente apresenta resultado econômico negativo pode influenciar o desempenho geral
da cooperativa?
Para realizar esta análise, será necessário caracterizar as relações entre cooperado e
cooperativa, descrevendo quais interesses, motivações ou necessidades sustentam estas
relações; quais são os fluxos de bens, informações e serviços que as caracterizam. É
importante também analisar quais as percepções que os associados situados em diferentes
estratos de produção têm a respeito da cooperativa, e se estas percepções afetam a fidelidade à
instituição. Ainda em relação aos produtores, seria interessante examinar se existe diferença
na fidelidade à instituição entre os diferentes estratos de produtores, de acordo com sua escala
de produção.
Neste contexto apresentado, de estratégias de atuação de cooperativas em um cenário
em transformação, deve-se ainda analisar a questão do papel que as cooperativas teriam como
agências de integração dos produtores, em especial aqueles de escala reduzida de produção.
Levando em consideração as transformações recentes do setor leiteiro e as tendências de
exclusão de produtores apresentadas pelos analistas do setor, pretende-se analisar como a
participação da cooperativa no SAG do leite pode influenciar na manutenção de produtores de
20
escala reduzida dentro deste sistema, examinando como está a sua situação e quais suas
perspectivas, comparando-as com a situação e as perspectivas dos produtores de leite que se
encontram fora do sistema cooperativista, relacionando-se diretamente com a indústria.
O tema do cooperativismo de leite ganha cada vez mais importância dentro do cenário
em transformações do SAG do leite. As cooperativas surgem como uma oportunidade para
melhorar as condições dos produtores frente ao poder de mercado cada vez maior das
indústrias de processamento de lácteos. Em especial para os produtores de escala reduzida, o
associativismo pode representar uma maneira de sobrevivência no ambiente concorrencial e
seletivo em que se encontram.
Neste sentido, este estudo pode contribuir com informações a respeito da situação e
das perspectivas dos produtores associados a uma cooperativa, fornecendo também
informações relativas às vantagens que estes produtores possam ter a partir da relação com a
cooperativa. É importante ressaltar que a grande maioria dos produtores associados a
cooperativas é de pequena escala de produção (menos de 100 l/dia), e possivelmente só se
manterão no mercado formal através das cooperativas. Conhecer como este sistema funciona
é importante para encontrar formas de torná-lo sustentável, mais eficaz e competitivo.
Pretende-se também demonstrar como o trabalho da cooperativa com o produto leite
pode contribuir para o melhor desempenho da cooperativa nos outros produtos e setores em
que ela atua, ao influenciar na dinâmica da relação cooperado-cooperativa. A atividade
leiteira pode representar, então, uma forma de dar maior sustentabilidade aos
empreendimentos cooperativos.
1.4. OBJETIVOS
1.4.1. Objetivo Geral:
- Caracterizar as relações entre cooperados e cooperativa, analisando como o trabalho da
cooperativa com o produto leite pode afetar a dinâmica destas relações e influenciar o
desempenho e a estratégia da cooperativa e dos produtores para sua manutenção no SAG do
leite.
1.4.2. Objetivos Específicos
- Identificar os fatores responsáveis pela fidelização do cooperado à cooperativa.
21
- Caracterizar as percepções dos produtores situados em diferentes estratos de produção a
respeito da cooperativa, verificando como estas percepções afetam as transações realizadas e a
fidelidade à instituição.
- Caracterizar a situação e as perspectivas dos produtores de leite associados à cooperativa e
de produtores independentes, em especial aqueles de escala reduzida.
1.4.3.Hipóteses
- A captação de leite pela cooperativa e manutenção de vínculo do produtor com a instituição
diminui as relações de oportunismo e melhora o desempenho geral da cooperativa em outros
setores.
- Existe diferença na percepção do papel da cooperativa e da fidelidade à instituição entre os
estratos de produtores.
- Os produtores de leite de escala reduzida têm maiores chances de permanecer na atividade
através das cooperativas
22
2. COOPERATIVISMO: ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E NOVOS
ENFOQUES A PARTIR DA ÓTICA DA NOVA ECONOMIA
INSTITUCIONAL
2.1. O MOVIMENTO COOPERATIVISTA – HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO NO
RS:
O cooperativismo surgiu no mundo ocidental na segunda metade do séc. XIX. Aquela
que é considerada pelos pesquisadores do tema como a primeira cooperativa moderna foi
fundada em 1844, em Rochdale, na Inglaterra. Era uma cooperativa de consumo, formada por
tecelões, e representava uma reação defensiva destes trabalhadores contra altos preços dos
bens de primeira necessidade e contra fraudes na qualidade dos produtos comercializados na
época. Esta cooperativa se diferencia das demais que já existiam na época porque seus
fundadores não se limitaram a constituir a associação, mas elaboraram um corpo de idéias e
regras gerais, o “Estatuto dos Probos Pioneiros de Rochdale”. Este estatuto continha os
princípios que determinavam a estrutura e as regras de funcionamento da cooperativa, e que
são considerados até hoje como os princípios gerais do cooperativismo: gestão democrática
entre os membros (um homem, um voto); livre adesão e desligamento; pagamento de juros
limitados ao capital; distribuição dos ganhos proporcionalmente entre os associados;
estabelecimento de quotas de reserva para o aumento do capital, intercooperação e educação
cooperativista.
Esta cooperativa cresceu e deu origem a outros tipos de cooperativas (habitação,
produção). A partir do exemplo de sucesso, se multiplicaram pela Europa as cooperativas de
consumo, sendo que em 1881 já existiam 1000 sociedades e 550 mil associados (VEIGA E
FONSECA, 1999). A história do movimento cooperativista e seus principais idealizadores já
foram objeto de estudo de diversos pesquisadores (PINHO, 1982; FLEURY; 1983; VEIGA E
FONSECA, 1999), e não será o foco deste trabalho.
No Brasil, o movimento cooperativista moderno surge ainda no século XIX quando
são criadas as primeiras cooperativas de consumo, no Rio de Janeiro, imbuídas do mesmo
propósito das cooperativas européias, que era de tentar melhorar as condições de vida dos
trabalhadores, combatendo a carestia dos gêneros de primeira necessidade.
No RS, as cooperativas surgem logo em seguida, no início do século XX. O
surgimento das cooperativas agrícolas no estado representaria um movimento de reação dos
colonos ao controle dos intermediários, contra fraudes na comercialização. Duarte (1992)
23
aponta três elementos chave para a genealogia do cooperativismo agrícola no estado, em um
contexto de evolução da pequena produção. O primeiro destes elementos foi a existência de
pequenos produtores que visavam a comercialização da sua produção sem a figura do
intermediário. Como segundo elemento, a autora aponta a experiência e ideologia
cooperativista transplantada da Europa por imigrantes e por técnicos e idealizadores, como o
Pe. Teodoro Amstad, que em 1902 fundou cooperativas de crédito nas colônias alemãs, e
Stefano Paterno, que em 1911 ajudou a fundar as primeiras cooperativas de produção
agropecuária nas colônias italianas. O terceiro elemento da genealogia foi a atuação do
Estado, incentivando a criação de cooperativas desde 1930.
Fleury (1983) também destaca a atuação do Estado como um “divisor de águas” no
desenvolvimento do cooperativismo brasileiro. Em 1932 o governo do Estado Novo publica
um decreto-lei regulamentando a constituição e funcionamento das cooperativas, seguindo os
princípios Rochdaleanos. O Estado tinha interesse em utilizar o cooperativismo como forma
de solucionar o problema do abastecimento urbano, diminuindo os preços dos produtos
básicos. O incentivo ao cooperativismo pelo Estado veio através de isenções fiscais e de
fornecimento de crédito.
Apesar deste incentivo do Estado, Duarte (1992) aponta que de 1911 a 1950, no RS,
houve uma descontinuidade no desenvolvimento das cooperativas. Somente a partir de 1950,
com o desenvolvimento da indústria de bens duráveis e do complexo agroindustrial, as
cooperativas passaram por um processo de desenvolvimento empresarial e adaptaram-se à
dinâmica do modelo de acumulação e expansão do capital. As cooperativas mistas (coloniais)
foram desaparecendo, dando lugar a um novo tipo de cooperativismo, mais desenvolvido
empresarialmente.
Fleury (1983) destaca que durante o governo militar, em meados da década de 1960,
houve uma diminuição do crédito às cooperativas, e em um contexto de livre concorrência,
muitas associações se dissolveram. Schnneider (1981) também aponta uma redução no ritmo
de crescimento das cooperativas a partir de 1966.
Em 1971 o governo aprova uma nova legislação regulamentando o funcionamento das
cooperativas. Esta legislação, segundo Schnneider (1981), apresentou uma orientação
nitidamente empresarial, retirando todos os entraves que impediam as cooperativas de
funcionarem como qualquer outra empresa capitalista, permitindo até mesmo a ruptura com
os chamados princípios doutrinários. Esta nova legislação ainda permitiu a associação das
cooperativas com capital de terceiros.
24
Estas mudanças ocorridas no ambiente institucional propiciaram o desenvolvimento de
um cooperativismo empresarial no RS, em substituição ao cooperativismo colonial, como
aponta Duarte (1992). Este cooperativismo empresarial se desenvolveu voltado para os
setores mais dinâmicos da economia na época, e que já contavam com os maiores benefícios
do Estado, que eram as culturas de trigo e soja.
Duarte (1992) novamente aponta 3 elementos principais para a genealogia do
cooperativismo empresarial de trigo e soja no RS. O primeiro elemento seria a atuação do
Estado. O Estado, a partir de 1950, viu as cooperativas como um caminho para fazer a
modernização da agricultura. Outros fatores também faziam com que o Estado tivesse
interesse no desenvolvimento das cooperativas tritícolas: a alta cotação do trigo no mercado
internacional e a política de substituição de importações e abastecimento do mercado interno.
O Estado, ao incentivar as cooperativas, tinha o objetivo de que estas armazenassem,
organizassem e controlassem a produção.
Este incentivo do Estado para o desenvolvimento das cooperativas veio principalmente
através de crédito abundante e subsidiado, mas restrito basicamente ao binômio trigo – soja.
Isto forçou as cooperativas e especializarem-se produtivamente. O resultado foi o
desenvolvimento de cooperativas tritícolas fortes e consolidadas, e o quase desaparecimento
das cooperativas mistas, coloniais, que ficaram sem o amparo do governo.
O segundo elemento da genealogia do cooperativismo empresarial identificado por
Duarte foi a existência dos chamados “granjeiros”, indivíduos que acumularam capital em
atividades urbano/rurais e tinham a capacidade necessária para investir na formação e
desenvolvimento das cooperativas, que serviam a seus interesses.
O terceiro elemento foram os pequenos produtores rurais, que se articularam
funcionalmente a este sistema que se estruturava. Esta articulação era interessante para os dois
lados: para o cooperativismo empresarial os pequenos produtores eram importantes para
aumentar a quantidade de produto recebido pela cooperativa e também para aumentar o
capital da cooperativa, com a incorporação da cota-capital pelos novos sócios. Para os
pequenos produtores, a associação à cooperativa significava acesso a mercados, tecnologia e
financiamento, que nesta época era destinado a produtos específicos (trigo e soja) e repassado
através das cooperativas.
Este cooperativismo empresarial de trigo e soja teve um período muito efêmero de
sucesso. Nos anos 80 este sistema entrou em uma grave crise, muitas cooperativas grandes
fecharam, outras passaram por um processo de reestruturação e continuam nos dias de hoje.
As causas desta crise estão situadas principalmente nos problemas de capitalização das
25
cooperativas. A estrutura das cooperativas, determinada por suas origens doutrinárias, não
permite que ela busque capital de membros estranhos à sociedade para realizar investimentos.
Sua capitalização depende das cotas-parte integralizadas pelos cooperados e dos fundos de
reserva que consegue formar a partir dos resultados positivos de seus negócios. Até o final da
década de 1970, as cooperativas tiveram como estratégia básica de capitalização os
empréstimos junto a redes bancárias oficiais ou privadas. Isto era fruto da situação favorável
na época, de juros baixos e abundância de capital.
Este crédito abundante permitiu que as cooperativas empresariais experimentassem um
crescimento espantoso na década de 1970, acompanhando o surto de expansão das lavouras
de trigo e soja. No final da década, no entanto, este ritmo de crescimento desacelerou-se, em
virtude da estratégia adotada de crescimento via endividamento. A crise das cooperativas e
seu endividamento foram agravados ainda mais pela decisão tomada pela maioria das
cooperativas empresariais de diversificar sua produção e investir na agroindustrialização. A
necessidade de capital para atender a estes novos investimentos era grande, e as cooperativas
já se encontravam endividadas. O que ocorreu, então, foi que muitas vezes as cooperativas
utilizavam empréstimos de curto prazo para pagar empréstimos anteriores, para poderem se
manter em atuação (EW, 2001).
Com a maxidesvalorização da moeda nacional nos anos de 1979 e 1983, houve um
aumento considerável no passivo destas cooperativas. O endividamento foi ainda reforçado
pela crise econômica geral do início dos anos 80, com uma retração geral no fornecimento de
empréstimos.
Ew (2001) afirma que em 1982 era evidente a precária situação financeira das
cooperativas de grãos, que não conseguiam mais tomar empréstimos para rolarem suas
dívidas ou para fazerem novos investimentos, pois o crédito havia se tornado escasso e caro.
A autora ressalta que além da falta de recursos, a crise do mercado de grãos, em especial da
soja no mercado internacional pós-80, foi um dos fatores que agravaram a situação das
cooperativas. Ela afirma que “o endividamento, na medida em que foi um dos fatores que
levou o cooperativismo empresarial à crise, foi reforçado pela crise econômica, piorando
ainda mais a crise do setor” (EW, 2001, pg 40).
Ew (2001) ainda aponta outros fatores que contribuíram para a crise das grandes
cooperativas, como anos de pequenas safras, períodos de alta inflação e recessão econômica,
problemas próprios da monocultura e problemas administrativos próprios da estrutura rígida
do cooperativismo. A falta de capacidade administrativa e também a atitude paternalista por
parte da cooperativa, protegendo produtores ineficientes, são apontadas por alguns autores
26
como alguns dos fatores que levaram as cooperativas a uma situação de crise
(BIALOSKORSKI, 1997).
Para manterem-se no mercado, as cooperativas tiveram que passar por um processo de
reestruturação. Algumas empresas cooperativas conseguiram se reorganizar
administrativamente e sair de situações de risco. É o caso da COCAMAR, no oeste
paranaense, que reduziu seu quadro de associados, ficando somente com aqueles produtores
que transacionavam mais com a cooperativa e conseguiu se recuperar.
Nem todas as cooperativas, no entanto, tiveram sucesso em seu processo de
reestruturação, e não conseguiram saldar suas dívidas. O Estado, novamente, teve um papel
importante na manutenção da viabilidade destes empreendimentos. Ciente da importância do
segmento cooperativista para a agricultura do país, o governo lançou, na década de 90, um
programa para a revitalização das cooperativas. Segundo Ew (2001), o Programa de
Revitalização de Cooperativas de Produção Agropecuária – RECOOP tem o objetivo de
reestruturar econômica e administrativamente as cooperativas de modo a torná-las adaptáveis
às mudanças na economia e mais competitivas. O programa compreende a concessão de
financiamentos para investimento por intermédio das cooperativas e o alongamento do atual
endividamento das cooperativas e dos seus associados. Ele também prevê a concessão de
recursos para capital de giro. É importante destacar que o programa engloba não apenas a
reestruturação econômico-financeira das cooperativas, mas também busca resolver os
problemas de ordem administrativa e estrutural.
Segundo dados do BRDE (2004), a princípio o Tesouro Nacional destinaria ao
RECOOP recursos na ordem de R$ 2,1 bilhões. No entanto, quando colocado na prática, nem
todos os recursos foram utilizados. BRDE (2004) mostra que apenas 132 cooperativas
conseguiram firmar contratos no âmbito do RECOOP, envolvendo R$ 796 milhões, o que
representa 37,9% dos recursos destinados originalmente para o programa. Um dos motivos
apontados para a baixa amplitude do programa foi o não interesse pelos bancos privados em
trabalhar com este tipo de crédito. O Banco do Brasil foi responsável por 76% dos contratos
firmados, o BRDE por 13% e bancos privados por 11%. Além disso, a maioria dos contratos
firmados foram para o alongamento de dívidas, e não para a concessão de crédito para novos
investimentos.
A reestruturação e recuperação das cooperativas não é resultado somente deste
RECOOP, como mostram os dados de alcance do programa, mas ele mostra o interesse do
Estado em preservar e fomentar estes empreendimentos. Mesmo com a crise por que passou, e
mesmo tendo perdido espaço para empresas de capital em atividades em que era
27
tradicionalmente líder de mercado, o cooperativismo agropecuário hoje ainda ocupa uma
posição de destaque no cenário do agronegócio nacional. Segundo dados da Organização das
Cooperativas Brasileiras - OCB de dezembro de 2003, as cooperativas agropecuárias ainda
são responsáveis pela produção de 62% do trigo nacional, 39,7% do leite e 29,4% da soja. No
RS, as cooperativas respondem por um terço da comercialização do arroz, 80% do leite e 90%
do trigo (BRDE, 2004). Hoje, no Brasil, existem 1.519 cooperativas agropecuárias, que
contam com 940.482 associados e 110.910 empregados. Estas cooperativas exportam por ano
US$1,09 bilhões, contribuindo para o desempenho positivo da balança comercial brasileira.
No RS são 162 cooperativas agropecuárias, que possuem 160.040 associados e empregam
19.498 pessoas. Estes dados são somente para ilustrar a magnitude que o movimento
cooperativista ainda possui no RS e no Brasil.
Este histórico do desenvolvimento do cooperativismo no RS é importante para que se
consiga explicar melhor a estratégia da Coopermil, que é o alvo deste estudo de caso. A sua
decisão de investir na atividade leiteira, por exemplo, pode estar relacionada a sua origem
colonial e ao seu comprometimento com o agricultor familiar, que foi quem deu origem à
cooperativa. A decisão de investir, por outro lado, traz à tona a questão da capacidade de
investimento das cooperativas. Como foi demonstrado neste breve histórico, as cooperativas
agropecuárias no RS passaram por um grave período de crise, e hoje buscam se reestruturar
para se manterem no mercado. Portanto, a decisão de uma cooperativa de investir tem de vir
acompanhada de um planejamento para a obtenção dos recursos necessários para o
investimento.
2.2. COOPERATIVISMO E A ACADEMIA
O cooperativismo já foi alvo de diferentes estudos no meio acadêmico, com diferentes
enfoques. Pode-se dizer que dos anos 60 ao início dos anos 80, predominaram estudos
realizados dentro do escopo da sociologia, que preocupavam-se basicamente em avaliar o
potencial transformador do movimento cooperativista e verificar a sua capacidade de permitir
ou auxiliar na manutenção dos pequenos produtores à medida que avançava a modernização
da agricultura. A perspectiva teórica predominante era a teoria marxista de desenvolvimento
do capitalismo na agricultura. Exemplos disso são os trabalhos de Loureiro (1981),
Schnneider (1981) e Fleury (1983).
Pinho (1982) aponta dois períodos para o pensamento cooperativista no Brasil: um que
começa com as primeiras cooperativas no século XIX e vai até 1970, dominado pelo
28
pensamento Rochdaleano, respeitando os princípios doutrinários; e outro, a partir de 1970,
quando se torna nítida a priorização do caráter empresarial das cooperativas brasileiras. Nesta
tendência, encontram-se ainda alguns trabalhos focando a crise das grandes cooperativas no
Rio Grande do Sul e no Brasil, colocando ênfase nas dimensões financeiras das cooperativas
(EW, 2001).
Estes estudos focando o tema do cooperativismo pareciam ter se esgotado no final dos
anos oitenta, e seguiu-se um período de baixa produção científica nesta área. Mais
recentemente, com a retomada de crescimento de algumas cooperativas importantes, e com a
crescente preocupação do governo em recuperar e incentivar estes empreendimentos, novos
estudos estão sendo propostos.
A partir da segunda metade da década de 90 começam a surgir trabalhos dentro da
teoria econômica que tratam da gestão cooperativa, de suas particularidades em relação às
empresas de capital, de suas vantagens a partir das novas tendências de mercado e de seus
problemas de gestão. Estes trabalhos fogem do aspecto doutrinário ou financeiro que
dominaram o foco das pesquisas realizadas até então. Conforme afirma Menegário (2000),
hoje existe uma preocupação em desenvolver um instrumental teórico para o cooperativismo
longe do conteúdo doutrinário, e que procure explicar a organização cooperativa sob a
perspectiva econômica e administrativa. Nesta produção recente sobre cooperativismo,
destacam-se os trabalhos realizados dentro do escopo da Nova Economia Institucional (NEI),
como os de Cook (1995), Fulton (1995), Sykuta et al. (2001), Zylbersztajn (2002) e
Bialoskorski (2001). Estes trabalhos introduzem a questão do relacionamento da cooperativa
com os cooperados, tratando da governança destas relações e dos incentivos que as permeiam.
Pontos em comum em todos estes trabalhos são a percepção de que a relação entre cooperado
e cooperativa pode ser considerada contratual, uma vez que envolve a obtenção de quase-
rendas associadas a ativos específicos da transação, e o entendimento de que a cooperativa
possui problemas intrínsecos de gestão associados com direitos de propriedade mal definidos.
Sykuta et al. (2001) aponta que com o aumento da concentração das cadeias
agroalimentares tanto à frente quanto para trás, há um aumento do espectro do papel
tradicional da cooperativa agropecuária de contrabalançar poder de mercado. A cooperativa
pode passar a ter novas funções. Além disso, o aumento da demanda por coordenação entre os
agentes em todo o sistema agroalimentar aponta para um diferente papel das empresas de
recebimento e processamento de produtos agrícolas no qual as cooperativas podem ter uma
vantagem única. Este autor trabalha com a idéia de que a estrutura de propriedade de uma
empresa de processamento pode ter implicância na eficiência do sistema agroalimentar, e é
29
neste contexto que ele insere a questão das cooperativas, que por terem uma estrutura de
governança e de propriedade particulares, podem se tornar instituições mais eficientes na
gestão da produção de produtos agrícolas de qualidade.
O referencial teórico da NEI apresenta uma nova ótica para entender como funciona a
governança cooperativa e o porquê de seus problemas. Em particular a Economia dos Custos
de Transação – ECT - pode oferecer instrumentos para analisar especificamente o
relacionamento entre cooperados e cooperativa, de forma a entender como ele se sustenta,
quais seus incentivos e de que forma este relacionamento afeta o desempenho da cooperativa
como empresa e dos seus cooperados como produtores rurais inseridos no mercado.
O trabalho destes autores forma grande parte do referencial teórico que embasa este
estudo, e neste capítulo serão apresentados os conceitos básicos de gestão de cooperativas que
serão utilizados para análise dos resultados obtidos no trabalho de campo.
2.3. CARACTERÍSTICAS DAS EMPRESAS COOPERATIVAS
As Sociedades Cooperativas são caracterizadas como sociedades de pessoas, na qual
cada associado tem direito a um único voto, diferentemente das sociedades de capital, nas
quais o voto é proporcional ao capital de cada investidor. As cooperativas não possuem uma
existência autônoma e independente de seus membros, do ponto de vista econômico, como
ocorre nas sociedades de capital (BIALOSKORSKI, 1997).
Bialoskorski (2001) aponta que o objetivo de uma cooperativa é a prestação de serviços
a seus associados, ou seja, o objetivo é trabalho, e não lucro como nas empresas de capital.
Nas empresas cooperativas, a participação nos resultados (denominados sobras ou resíduos)
ocorre de acordo com as transações de cada produtor com a cooperativa, o que é chamado de
pro rata, e não de acordo com a participação no capital da empresa, como nas empresas de
capital.
A partir destas características fundamentais, as cooperativas são dirigidas por um órgão
máximo de gestão, que é a assembléia geral, onde todos os associados podem participar. A
assembléia geral escolhe obrigatoriamente um conselho fiscal e um conselho de
administração, responsáveis, respectivamente, pela fiscalização dos atos administrativos da
sociedade e pela administração da empresa coletiva. As decisões do conselho administrativo
são sancionadas pela assembléia geral. Este organograma é obrigatório por lei
(BIALOSKORSKI, 2001).
30
A participação no capital da cooperativa se dá através da subscrição de cotas-parte pelo
produtor no momento de sua associação à cooperativa. Estas quotas-parte não são negociáveis
como ações de uma empresa, portanto, não é possível vendê-las a terceiros estranhos à
sociedade.
Esta sumária descrição da estrutura das cooperativas mostra uma das diferenças
marcantes das sociedades cooperativas apontada por Bialoskorski (2002), que é em relação ao
seu ambiente institucional, diferente das sociedades mercantis. Pela sua origem e constituição,
as cooperativas apresentam duas lógicas motoras, a social e a de mercado, enquanto as
sociedades não cooperativas apresentam apenas uma lógica de maximização, em um ambiente
institucional diferente.
Estas duas lógicas das cooperativas devem ser equacionadas para que sejam ambas
atendidas. Bialoskorski (2002) afirma que, apesar da maioria das cooperativas declarar que
foca seu trabalho na dimensão social, é a eficiência econômica que determina o bom
desempenho social da cooperativa. Bom desempenho social pode ser avaliado por nível de
renda dos produtores associados, nível de educação, igualdade na posse da terra, entre outras
variáveis. Realizando um trabalho de identificação de variáveis que mensuram desempenho
econômico e social das cooperativas, e então ordenando as cooperativas pelo seu desempenho
social, o autor chegou à conclusão de que não foram as variáveis sociais, como participação
em assembléias ou educação as variáveis-chave que definiram o desempenho social, mas as
variáveis econômico-financeiras. Ele chega à conclusão de que o desempenho econômico e de
mercado é condição fundamental para o bom desempenho social das cooperativas.
2.4. TIPOS DE COOPERATIVAS E O MODELO DE EVOLUÇÃO DE 5 ESTÁGIOS
Cook (1995) aponta existirem dois motivos econômicos básicos para a formação de
cooperativas. Normalmente, as cooperativas surgiriam em cenários em que os mercados
falham, ou seja, quando os produtores rurais encontram-se confrontados com mercados
oligopolizados, sentindo-se prejudicados no processo de formação de preços. Estes motivos
econômicos seriam: a) os produtores individuais precisam de mecanismos institucionais para
levar o equilíbrio do poder econômico para seu lado; b) os produtores individuais precisam de
mecanismos institucionais para combater o oportunismo e garantir-se em situações em que os
mercados falham. Os preços baixos ou falhas de mercado seriam incentivos para os
produtores reagirem coletivamente. As cooperativas seriam este mecanismo institucional
31
necessário aos produtores. Ele finaliza apontando que a estratégia de formação das
cooperativas é defensiva por natureza.
Bialoskorski (2001) reforça a idéia de Cook quando afirma que o cooperativismo
desenvolve-se de forma mais intensa no setor primário da economia, devido às estruturas de
mercado encontradas. Dessa forma, a existência de estruturas econômicas intermediárias,
como as cooperativas, possibilita uma diminuição dos riscos e uma agregação de valor pra os
produtores rurais que, isoladamente, em muitos casos, não teriam condições favoráveis de
relacionamento com estes mercados concentrados.
Este é o caso do leite. Dada a pulverização dos produtores e a grande concentração no
setor industrial, as cooperativas de produtores de leite aparecem como uma alternativa para
dar maior poder de barganha aos produtores. Esta atividade de barganha é uma das funções
tradicionais das cooperativas agropecuárias, e a cooperativa alvo do estudo sempre atuou
neste segmento tentando exatamente contrabalançar poder de mercado. No cenário atual do
SAG do leite na região noroeste do RS, esta questão se torna bastante evidente. Será que os
produtores associados às cooperativas que abandonaram a atividade leiteira conseguirão,
individualmente, negociar com o laticínio, ou estes produtores terão que buscar alguma forma
de associativismo? Existe a necessidade da existência da cooperativa para os produtores
atuarem neste mercado oligopolizado? Estes são alguns questionamentos que serão retomados
na discussão dos resultados.
Cook (1995) identifica 4 tipos básicos de cooperativas agropecuárias nos EUA, todas
evidenciando que o incentivo para sua formação teve raízes em estratégias de sobrevivência:
1. Cooperativas locais: estas unidades econômicas operam em um espaço geográfico
definido, atingindo economias de escala e escopo na comercialização de commodities.
Fundada inicialmente para prover um serviço inexistente, para prevenir o
estabelecimento de firmas com poder de mercado, para reduzir risco e atingir
economias de escala. Normalmente, são monopolistas/monopsonistas no mercado
local.
2. Cooperativas regionais multifuncionais: Com foco na competitividade, as cooperativas
regionais trabalham em diversos setores como compra de insumos, prestação de
serviços e venda de produtos dos agricultores. Muitas são integradas a frente ou para
trás, podendo ser organizadas em centrais ou federações. Elas diferem das
cooperativas locais por dificilmente serem monopolistas/monopsonistas nos mercados
em que atuam.
32
3. Cooperativas de Barganha: As cooperativas de barganha se dirigem a falhas de
mercado através de integração horizontal. Os produtores se organizam nessas
associações com o intuito de tentar afetar os termos de troca em favor dos membros da
cooperativa quando negociando com os compradores de seus produtos agrícolas. As
funções destas cooperativas são aumentar as margens dos produtores e garantir
mercado para seus produtos. Elas são comumente encontradas servindo produtores de
commodities perecíveis, em que a especificidade de ativo temporal cria uma situação
de oportunismo pós-contratual potencial.
4. Marketing cooperatives: Marketing cooperatives são uma forma de integração vertical
que compete com firmas não cooperativas. Os objetivos desta instituição são desviar
do intermediário (uma empresa não cooperativa), aumentando os preços pagos ao
produtor, aumentando as margens e evitando firmas com poder de mercado.
Segundo esta tipologia apresentada por Cook, a cooperativa alvo do estudo pode ser
situada em uma posição intermediária entre os tipos 3 e 4. Tradicionalmente, ela sempre foi
uma cooperativa de barganha. Hoje, no entanto, ela busca se tornar uma “Marketing
Cooperative”, ao começar um processo de beneficiamento de seus produtos.
A evolução destas cooperativas a partir de sua formação segue, segundo Cook (1995),
um modelo teórico de cinco estágios. O primeiro estágio seria o já descrito, de encontro de
situações de mercado desfavoráveis aos produtores e a formação da cooperativa como forma
de se defender destas estruturas. O estágio II seria de consolidação dos objetivos da
cooperativa, sendo que a cooperativa poderia vender insumos mais baratos e comprar a preços
melhores do que as firmas orientadas para o investidor (empresas não cooperativas).
O estágio III se caracterizaria pelo alívio dos impactos negativos das falhas de
mercado. Conseqüentemente, o comportamento estratégico dos competidores no mercado
começa a mudar. Os preços praticados pela cooperativa e pelas empresas orientadas para o
investidor já não variam muito. Neste estágio, surgem na instituição cooperativa dificuldades
na gestão associadas a direitos de propriedade de usuário versus de proprietário mal definidos.
Surgem também conflitos a respeito dos direitos sobre os resíduos da cooperativa e sobre
controle decisório. Estes problemas serão melhor detalhados adiante.
No estágio IV os gestores da cooperativa tornam-se cientes dos problemas
relacionados com a gestão da cooperativa e com a definição dos direitos de propriedade. O
33
administrador se vê diante de 3 alternativas: fechar a cooperativa, continuar ou passar por um
processo de transição para tentar solucionar seus problemas de capitalização.
O estágio V seria a consolidação de uma destas estratégias. No caso da cooperativa
fechar, poderia ser feita a liquidação, que é o caminho mais comum para as cooperativas de
baixa performance, ou a reestruturação com a conversão para uma empresa de capital,
orientada para o investidor. Este seria o caminho para aquelas cooperativas de alta
performance, mas que enfrentam sérios problemas com definição de direitos de propriedade.
No caso da decisão de continuar, a cooperativa, para enfrentar os problemas de direito
de propriedade e a tendência dos cooperados de descapitalizá-la, pode buscar capital
externamente sem virar uma firma de capital, através de subsidiárias, joint-ventures com
empresas cooperativas e não cooperativas; ou pode buscar capital internamente, através de
seus associados.
A alternativa restante seria a de passar por um processo de transição para as
Cooperativas de Nova Geração, que possuem uma forma de funcionamento que diminui os
desincentivos dos direitos de propriedade que aparecem no estágio III.
A cooperativa alvo deste estudo situa-se no estágio III de desenvolvimento, de acordo
com o modelo de Cook. Ela consegue aliviar os impactos das falhas de mercado encontradas
nos setores em que atua, mas seu comportamento não se diferencia muito das empresas não
cooperativas, e enfrenta problemas na gestão. O que se pode questionar a partir deste modelo
são as estratégias utilizadas pela direção da cooperativa para superar os problemas de gestão.
Não necessariamente ela terá que fechar, se converter a uma empresa de capital ou a uma
cooperativa de nova geração. O que se objetiva com este estudo é tentar entender como a
cooperativa pode trabalhar com estes problemas e ainda continuar a ser uma cooperativa
tradicional. É importante definir em que estágio ela se encontra como forma de entender
melhor os problemas que ela está enfrentando. Por este motivo, este modelo de evolução é
interessante para a análise que está sendo realizada neste trabalho.
2.5. VANTAGENS DOS EMPREENDIMENTOS COOPERATIVOS
As cooperativas, no cenário concorrencial, apresentam algumas vantagens em relação
a empresas de capital. Bialoskorski (2001) aponta que estes empreendimentos
comprovadamente aumentam o nível de renda dos produtores rurais. Este aumento de renda
ocorre principalmente por 3 vertentes. A primeira é que ela propicia uma estrutura
34
mesoeconômica de agregação de economias particulares, beneficiando as transações ao longo
da cadeia agroalimentar, facilitando o relacionamento do produtor com as estruturas de
mercado oligopolizadas, trazendo economias em seus negócios através de escalas de
negociação. Esta facilitação das negociações se refere também ao estabelecimento e
coordenação da qualidade dos produtos. As cooperativas são capazes de atuar em mercados,
sem discriminar pequenos produtores e podendo ainda controlar melhor os processos de
produção primária, certificar qualidade e produtos, pelo relacionamento mais próximo que
possuem com os produtores.
A segunda vertente vem da diminuição dos custos de transação dos produtores rurais,
pois a forma organizacional cooperada permite economias nas transações de mercado, na
utilização de ativos específicos e nas transferências de preços, de informações estratégicas e
de tecnologia. Esta é uma vertente muito importante e bastante presente no caso estudado,
pois a cooperativa alvo do estudo atua de forma muito evidente na transferência de
informação e tecnologias, que permitem que seus produtores sigam acompanhando as
exigências do mercado. Um exemplo disso é a necessidade de adequação dos produtores de
leite à Instrução Normativa 51, que determina a necessidade de granelização do leite. Os
produtores de leite associados à cooperativa tem uma maior facilidade em adquirir
resfriadores de expansão, com possibilidade de pagamento parcelado e aval por parte da
cooperativa. A cooperativa facilita o acesso desta tecnologia a seus produtores, para que eles
possam atender às exigências do mercado.
A terceira vertente para o aumento de renda dos produtores diz respeito a distribuição
pro rata das sobras do exercício, que possibilita uma prática de preços de médio prazo
menores que os de mercado, fazendo com que os custos de produção diminuam e aumente a
renda do produtor.
Em resumo, as vantagens das empresas cooperativas estão relacionadas com a
utilização correta de algumas de suas particularidades: a possibilidade de melhor
coordenação da cadeia agroalimentar como um todo, pelo maior contato que estabelece com
o produtor e pelos incentivos que sua estrutura de propriedade fornece; o estabelecimento
conjunto de estratégias corporativas através das assembléias gerais de associados; a maior
clareza na transferência de preços, de oportunidades e de informação.
Além disso, alguns autores apontam que com a crescente necessidade de coordenação
em todo o sistema agroalimentar, as cooperativas podem ter vantagem no relacionamento com
os produtores agrícolas. Segundo Sykuta et al. (2001), isto ocorre porque a relação entre uma
firma de capital, orientada para o investidor (IOF), e seus fornecedores de insumos
35
(produtores agrícolas) é de soma-zero. Qualquer aumento em pagamento de insumos significa
um decréscimo na renda residual para os investidores. Uma IOF não tem nenhum interesse
inerente no bem estar de seus fornecedores de insumos. Por causa disso, há uma desconfiança
inerente entre as partes e prevalece uma maior assimetria informacional entre as partes. Já
com as cooperativas, ocorre uma situação diferente, por causa de sua estrutura de propriedade
diferenciada.
Nas cooperativas, a renda residual é distribuída baseada não em investimento de
capital, mas na quantidade de produtos comercializados na cooperativa. A relação com os
fornecedores de insumos não é de soma-zero, pois um preço maior pelos insumos representa
um pagamento equivalente para os investidores (que são as mesmas pessoas, os produtores
rurais). A renda residual é paga na forma de maiores preços aos produtores, não
necessariamente na valorização de ações da empresa. Além disso, as cooperativas possuem
uma orientação inerente para o produtor. Os produtores estão envolvidos na governança da
instituição, portanto, há um menor grau percebido de assimetria informacional e há maior
confiança.
Sykuta et al. (2001) aponta que com a especialização da agricultura, a fonte de valor
do produto (o valor embutido no produto) é mais difícil de determinar de um modo
transparente. Com isso, as empresas de capital provavelmente terão mais dificuldade em
implementar estratégias de preços que forneçam os incentivos mais eficientes aos produtores.
Neste caso, as cooperativas podem apresentar uma vantagem.
2.6. DIFICULDADES NA GESTÃO DAS COOPERATIVAS
Segundo a literatura neo-institucional, a base dos problemas de gestão das cooperativas
agropecuárias está na definição dos direitos de propriedade sobre os resíduos da cooperativa.
Fulton (1995), analisando o futuro das cooperativas agropecuárias canadenses, discute a
importância da definição dos direitos de propriedade. Para o autor, direitos de propriedade de
indivíduos sobre bens seriam “os direitos ou poderes de consumir, obter renda de ou alienar
tais bens”.(Fulton, 1995, pg 1145). O autor afirma que existem custos de transação quando os
atributos dos bens não são bem definidos e os direitos sobre estes bens também não são
entendidos. É o que ocorre nas cooperativas. Na cooperativa, os produtores são os donos do
empreendimento, a cooperativa é um bem comum. Se os produtores tiverem claros seus
direitos de propriedade sobre os resíduos da cooperativa, eles serão comprometidos com a
empresa e entregarão produtos de qualidade.
36
Fulton (1995) resgata um estudo de Barzel (1989) a respeito de direitos de propriedade.
Barzel apud Fulton (1995) afirma que quanto maior for a habilidade de uma parte de afetar o
retorno que um bem pode gerar, maior deve ser a parte do resíduo que esta pessoa deve ficar.
Esta pessoa seria o reclamante de direito do resíduo. Nas cooperativas, quem gera retorno
sobre os bens são os cooperados, que são os reclamantes do resíduo e devem ficar com as
sobras geradas pela cooperativa. Fulton (1995) questiona se esta não seria uma forma de
evitar que os membros da cooperativa agissem oportunisticamente, ao fazê-los detentores de
direitos sobre os resultados da cooperativa.
Barzel apud Fulton (1995) afirma que as cooperativas seriam um meio relativamente
eficiente de garantir que insumos de qualidade fossem oferecidos pelos agricultores, ao fazer
deles detentores dos resíduos da cooperativa. Barzel ainda aponta que com a industrialização
da agricultura, modifica-se a parte detentora do resíduo. Com a industrialização, quem é o
responsável pela qualidade dos produtos gerados não é mais o agricultor, mas sim as
indústrias fornecedoras de insumos e processadoras. É a elas que cabe agora o resíduo da
atividade.
Fulton (1995), no entanto, aponta uma limitação à teoria de Barzel, que seria a de
acreditar que a definição clara de direitos de propriedade levaria a máxima eficiência do
sistema. Baseando a teoria em eficiência, o autor acaba deixando de fora aspectos
importantes da definição dos direitos de propriedade, como o que é considerado moral e justo.
Partindo então de uma definição clara sobre o que são os direitos de propriedade, pode-
se passar para a discussão dos outros autores sobre os problemas enfrentados na governança
cooperativa. Zylbersztajn (2002) aponta que os problemas apresentados estão relacionados ao
pressuposto do oportunismo e aos incentivos que afetam as relações entre cooperado e
cooperativa. O autor deixa claro que ele parte do pressuposto de que os aspectos doutrinários
não são suficientes para garantir baixos custos de transação entre cooperativa e cooperado.
Zylbersztajn (2002) afirma que o duplo papel do cooperado, sendo ao mesmo tempo
dono e usuário da cooperativa acarretaria problemas relacionados a não separação entre
propriedade e controle, em especial em organizações com elevado grau de complexidade. Esta
não separação faz com que a firma perca eficiência gerencial. O cooperado aporta capital para
a cooperativa, mas o valor das suas cotas não varia de acordo com o valor da empresa. Desta
forma, o cooperado, que também é gestor, não tem incentivo para maximizar o valor da
empresa, pois isto não lhe traz vantagens. O que existe é o incentivo para o produtor
maximizar o valor da sua empresa agrícola, via mecanismos de preços favoráveis.
Bialoskorski (2002) também aponta que o cooperado não possui a percepção sobre a
37
remuneração do capital de suas quotas-parte, e o crescimento da cooperativa e a distribuição
das sobras normalmente são consideradas menos importantes do que preços mais favoráveis
do que os de mercado. Isto denota o horizonte de curto prazo dos cooperados, que preferem a
maximização imediata de suas atividades, via incentivos de preços.
Esta falta de percepção sobre ser dono da cooperativa e ser o reclamante de direito dos
resultados da empresa é a responsável por grande parte dos problemas de gestão que as
cooperativas enfrentam. Cook (1995) e Zylbersztajn (2002) apontam 5 problemas básicos da
gestão das cooperativas derivadas da mal definição dos direitos de propriedade sobre os
resultados da cooperativa.
1. Problema do Horizonte: este problema é decorrente das restrições a
transferências dos direitos do capital e da falta de liquidez para a transferência
destas cotas. Desta forma, cria-se um desincentivo para os membros investirem
em oportunidades de crescimento, que se agrava quando se consideram
investimentos em pesquisa, desenvolvimento, propaganda e outros artigos
intangíveis. Os cooperados, conforme dito anteriormente, preferem benefícios
diretos, via preços, rejeitando estratégias que impliquem em imobilização do
capital por longos períodos.
2. Problema do carona (Free-rider): É um problema típico de ação oportunista, o
cooperado usa a estrutura da cooperativa quando convém, mas não é fiel e
realiza negócios com outras empresas quando é mais conveniente do que
negociar com a cooperativa. Este problema é causado quando os direitos de
propriedade não são negociáveis, são inseguros e não designados. Ocorre
normalmente em firmas com associação aberta. Um exemplo deste problema é
quando um novo membro recebe o mesmo resíduo do que os membros já
existentes. Pela taxa de diluição do retorno aos membros já existentes, se cria
um desincentivo nestes membros para investir na cooperativa.
3. Problema do porfolio: É decorrente do problema do horizonte. Os cooperados
são avessos a risco, é difícil tomar decisões para investir em atividades de maior
valor agregado. A falta de crédito para estas empresas agrava o problema,
ficando a cooperativa normalmente restrita a projetos das etapas de produção de
menor valor agregado.
4. Problema de controle: surge da divergência de interesses entre membros e seu
corpo representativo (principal) e gerentes (agente). Existem custos de agência
envolvidos na prevenção destes conflitos. Estes custos aumentam com o
38
aumento do tamanho da cooperativa. Novamente, este problema está
relacionado com o duplo papel do cooperado, pois o conselho de administração
se vê no conflito entre maximizar os ganhos da empresa ou dos cooperados.
5. Problema de custos de influência: quando a cooperativa realiza uma série de
atividades, podem surgir diferentes objetivos entre os membros da cooperativa,
dando origem a atividades de influência. A magnitude dos custos de influência
depende da existência de uma autoridade central, do tipo de procedimento que
governa a tomada de decisão e do grau de homogeneidade ou conflito de
interesses entre os membros da cooperativa. Estes custos de influência geram
ação política sobre a gestão, gerando e acentuando assimetrias de informação.
Estes problemas apresentados possuem uma magnitude diferenciada de acordo com o
tipo de cooperativa com o qual se trabalha. Cooperativas de associação aberta, por exemplo,
estão mais sujeitas ao problema do carona do que organizações com associação fechada, isto
porque a cooperativa aberta tem que comprar qualquer volume e qualidade de produto que o
produtor quiser entregar. Cooperativas diversificadas, que trabalham com uma gama maior de
produtos, possuem produtores com interesses de investimento diferentes, o que agrava o
problema de influência (Sykuta et al, 2001).
Entre estes problemas citados por Cook, interessa para este trabalho, na análise dos
resultados, verificar quais os problemas que esta cooperativa estudada realmente apresenta e
se eles ocorrem pelos mesmos motivos apontados pela literatura. Provavelmente, algum
destes 5 problemas será mais evidente, e não necessariamente todos estarão presentes.
Outro problema sério da gestão das cooperativas e que afeta sensivelmente sua
competitividade frente às empresas de capital, orientadas para o investidor, é a questão das
estratégias de capitalização. Conforme dito anteriormente, as cooperativas formam seu capital
social através das cotas-parte integralizadas pelos cooperados no momento da sua associação.
Desta forma, ela possui grandes limitações para aportar mais capital próprio, pois os
produtores muitas vezes não têm como destinar recursos para a cooperativa. Se não aceita
novos sócios, sua fonte de financiamento fica restrita aos fundos de investimento que são
formados a partir dos resultados econômicos da empresa. Se a cooperativa não possui
resultados positivos, não tem como formar fundos e não tem como investir. Segundo
Bialoskorski (2001), o custo financeiro das cooperativas é muito alto, devido a baixa
flexibilidade em captar recursos próprios, a existência de ativos específicos e a morosidade
em efetuar adaptações na linha estratégica de projetos. Além disso, elas representam um risco
adicional ao agente financeiro por não estarem sujeitas a legislação específica de falências.
39
Em relação à capacidade de financiamento própria Bialoskorski (2002, pg 94) diz que
“A arquitetura organizacional da cooperativa não gera incentivos aos associados para a
capitalização desta, uma vez que a cota-parte não apresenta mercado secundário desenvolvido
e as “sobras operacionais” repartem-se de acordo com o volume de transação do cooperado
com a cooperativa.”. Desta forma, observa-se incentivos quase nulos para que o cooperado
invista em mais cotas-parte e desta forma capitalize a cooperativa. O desafio para a gestão
está em encontrar formas alternativas de obtenção de recursos próprios.
Estes problemas de capitalização são derivados dos 5 problemas já descritos por Cook
(1995). Se o cooperado percebesse a cooperativa como uma empresa, um investimento, e
percebesse uma remuneração de suas cotas-parte, seria mais provável que investisse na
capitalização desta instituição. É o que ocorre nas chamadas cooperativas de nova geração,
que são cooperativas que rompem com o aspecto doutrinário, tentando diminuir os
desincentivos dos direitos de propriedade. Nestas cooperativas, as cotas-parte são na verdade
direitos de entrega de produto, que são transferíveis. Além disso, o cooperado é obrigado a
realizar investimentos na cooperativa, e o faz, pois percebe a valorização de seu capital, e
pode abandonar a atividade quando quiser, vendendo suas cotas no mercado como ações de
uma empresa.
Sykuta et al. (2001) afirma que os membros estão mais dispostos a investir capital na
empresa quando a cooperativa é caracterizada por estruturas como associação fechada,
acordos de comercialização, cotas transferíveis, que são maneiras de reduzir os problemas do
carona, de horizonte e de portfolio.
Fulton et al. (1995b), ao falar do crescimento da cooperativa, afirma que o limite para
seu crescimento está na sua capacidade de financiamento, ou seja, o crescimento da
cooperativa fica restringido quando há insuficiente capital. Para superar estas restrições, a
cooperativa pode optar por fusões, aquisições, vendas de cotas não votantes, joint-ventures.
No entanto, o baixo crescimento da cooperativa pode ter sido escolhido, como parte do
objetivo da cooperativa e de seus membros. A cooperativa tem de fazer a escolha entre
crescer, com o sacrifício do bem-estar de alguns de seus membros, ou reduzir o crescimento,
utilizando uma parte do lucro como retorno para seus membros. O importante, neste caso, é
definir qual o objetivo da cooperativa, que não necessariamente é o de crescimento e
maximização, para aí então avaliar se a cooperativa tem sucesso ou não na sua gestão. O autor
ainda aponta que poderia existir um auto-limite para o crescimento da cooperativa, pois
quando a cooperativa cresce, os membros se distanciam da instituição e abandonam o
negócio.
40
Neste aspecto da capitalização da cooperativa, é interessante analisar se este é
realmente um problema enfrentado na cooperativa estudada, quais as estratégias de
capitalização que a cooperativa utiliza e se ela tem necessidade de buscar associações com
outras empresas para implantar seus projetos.
Outro problema da governança corporativa cooperativa e que interessa particularmente
neste trabalho por ser um dos pontos analisados no estudo de campo é o problema da
fidelização dos cooperados. Fidelidade esta que pode ser entendida ainda dentro do universo
dos 5 problemas descritos por Cook, pois todos estes aspectos já descritos vão ter alguma
influência sobre a fidelidade dos cooperados a sua cooperativa. Segundo Zylbersztajn (2002),
as relações entre cooperado e cooperativa devem ser consideradas como contratuais, uma vez
que envolvem ativos específicos e quase-rendas associadas à transação. Existem
investimentos realizados pela cooperativa cujo sucesso depende da fidelidade dos cooperados.
Existem quebras de contrato ex-post quando o cooperado vende a sua produção para outro
comprador, por exemplo. Os preceitos doutrinários não impedem que o cooperado rompa o
contrato. Esta quebra de contrato mais uma vez reforça a idéia de horizonte de curto prazo,
pois por não receber incentivos via valor da empresa para vender seu produto para a
cooperativa, mesmo sendo seu dono, o cooperado prefere vender seu produto para outra
empresa, enfraquecendo a estrutura da empresa cooperativa.
Para lidar com o problema da fidelidade, Zylbersztajn (2002) e Bialoskorski (2002)
defendem que devem ser desenvolvidos incentivos para que o produtor não tenha vantagens
em quebrar o contrato. Esta fidelização deve ser feita através de mecanismos formais ou
informais. Mecanismos formais incluem a elaboração de contratos e/ou estabelecimento de
penalidades para quem não entrega seus produtos. Mecanismos informais incluem o estímulo
da participação do cooperado, a sua reputação junto aos outros produtores, pagamento de
bonificação por fidelidade. Bialoskorski (2002) enfatiza que estratégias que tornam mais clara
a participação do cooperado no capital da cooperativa são interessantes. Ele ainda defende
que os incentivos econômicos são eficientes para estimular a fidelidade, e estes benefícios
devem ser tais que o cooperado deve perceber que obtém mais benefícios coletivamente do
que se estivesse isolado. Estes benefícios podem ser expressos em premiação por qualidade,
premiação pela constância na entrega de produto ou uma premiação por um maior uso das
facilidades oferecidas pela cooperativa, como modalidades de crédito, por exemplo.
Existe uma grande dificuldade em definir fidelidade do cooperado à cooperativa, e
poucos estudos exploram este assunto, apesar de ele ser fundamental para o desempenho da
41
cooperativa. Neste estudo, a questão da fidelidade assume um ponto chave na discussão sobre
a importância do leite para a cooperativa. Neste sentido, então, é necessário definir o que é
fidelidade, para então buscar explicar quais os fatores que a afetam e que estratégias podem
ser utilizadas para aumentá-la.
Existe um senso comum em apontar fidelidade como simplesmente a entrega de
produtos pelo cooperado. Mas será que ela é somente isto, ou deve abranger questões mais
amplas, como o sentimento de pertencimento à instituição, a percepção de ser dono do
negócio, “vestir a camiseta” da instituição? Como definir e como medir a fidelidade, se
tornarmos a sua acepção mais ampla? Como não existem trabalhos definindo a fidelidade do
produtor a instituição, decidiu-se, neste trabalho, analisar a fidelidade a partir de uma série de
variáveis, que envolvem desde aspectos quantitativos, como o percentual de produção
entregue para a cooperativa, o percentual de compras realizadas, até aspectos qualitativos,
como a participação nas atividades da cooperativa, o conhecimento sobre a estrutura da
cooperativa e o sentimento de representatividade dentro da instituição.
A literatura sobre o tema do cooperativismo ainda não abordou com profundidade o
tema da fidelidade, e que é central dentro deste estudo. Buscou-se, então, dentro do
referencial teórico escolhido, ferramentas que pudessem auxiliar na discussão do tema da
fidelidade do cooperado à cooperativa e da discussão de como o leite pode afetar estas
relações entre cooperado e cooperativa e a fidelidade à instituição.
Neste sentido, a Economia dos Custos de Transação – ECT – fornece um referencial
teórico interessante para analisar o relacionamento da cooperativa com o cooperado, em
especial como abordar a questão da fidelidade ou do comportamento oportunista nesta
relação. A ECT é um corpo teórico interessante para este caso por apresentar conceitos de
pressupostos comportamentais e de atributos das transações que podem ser bastante
explicativos das estratégias delineadas pelas organizações e pelos atores (produtores rurais) no
estudo de caso em questão. Dentro da teoria econômica, a ECT é a perspectiva teórica que
aborda as questões relacionadas ao comportamento oportunista dos agentes, quais os
problemas advindos da possibilidade deste comportamento e seus custos associados. A ECT
ainda oferece um modelo de previsão de estrutura de governança que minimiza custos de
transação, baseada nos atributos das transações.
Desta forma, a ECT, complementada por outros trabalhos dentro da NEI, é um
referencial teórico com capacidade para explicar as relações entre cooperado e cooperativa,
42
indicando em que pontos o que se observa na realidade contradiz ou confirma o que se espera
na análise teórica, verificando assim possíveis pontos de ganho ou perda de eficiência.
2.7. A ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO – CONCEITOS BÁSICOS
A Economia dos Custos de Transação (ECT) está inserida em um contexto teórico da
Nova Economia Institucional – NEI. Segundo Zylbersztajn (2000), foi o trabalho de Ronald
Coase que inspirou os avanços do que se convencionou chamar de NEI, dando uma nova
perspectiva para o estudo das organizações. Coase inova ao expandir o conceito de firma,
deixando de considerá-la como uma função de produção e passando a analisá-la como uma
relação orgânica entre agentes que se realiza através de contratos, a firma passa a ser
considerada uma estrutura de governança. Além disso, ele ressalta a noção de que os
mercados funcionam, mas existem custos associados ao seu funcionamento.
A partir das idéias iniciais de Coase, segue-se uma extensa produção teórica em torno
do tema das organizações. Williamson, em especial, desenvolve um corpo teórico bastante
rico, explorando exatamente um dos aspectos levantados por Coase: a coordenação vertical da
produção (os limites da firma).
Vários trabalhos apresentam uma extensa revisão bibliográfica sobre o tema (Xavier,
2002; Arbage; 2004; Miele, 2003), e inclusive as fontes originais da teoria estão disponíveis
para consulta (Williamson, 1989; Coase, 1937). O objetivo deste trabalho não é apresentar
uma profunda reflexão teórica sobre os avanços da ECT, mas sim apresentar somente o
instrumental da teoria que será relevante para este estudo.
A ECT permite analisar a firma a partir de suas transações, estudando como parceiros
em uma transação protegem-se dos riscos associados às relações de troca. A redução dos
riscos implica em redução dos custos de transação, sendo um elemento de eficiência na
concorrência entre empresas (FURQUIM, 1997).
Williamson (1989) afirma que o estudo das organizações depende basicamente de dois
pressupostos comportamentais: a racionalidade limitada e o comportamento oportunista.
Racionalidade limitada: os agentes humanos estão sujeitos a racionalidade limitada, o que
quer dizer que o comportamento é intencionalmente racional, mas somente de forma limitada.
Esta limitação decorre da complexidade do ambiente que cerca a decisão dos agentes. A
racionalidade limitada implica em que os agentes não consigam visualizar antecipadamente
43
todas as respostas possíveis para uma dada situação. Por causa disto, os contratos firmados
são necessariamente incompletos, e os agentes estão cientes de que há necessidade de
adaptações e negociações contratuais ex-post. Se os agentes fossem plenamente racionais,
seriam capazes de formular contratos completos e não surgiria a necessidade de estruturar
formas sofisticadas de governança. Furquim (1997) aponta que o pressuposto da racionalidade
limitada é decisivo, distinguindo a ECT da genericamente denominada teoria dos contratos,
que ainda considera racionalidade plena por parte dos agentes econômicos. É o entendimento
de que nem todas as situações são previsíveis ex-ante que torna os reajustes ex-post tão
importantes para a ECT. A racionalidade limitada implica em custos de transação devido à
incompletude dos contratos e à necessidade de ajustes ex-post.
Oportunismo: O oportunismo é a busca do interesse próprio intencionalmente
(WILLIAMSON, 1989). Zylbersztajn (2000) afirma que aceitar o pressuposto do oportunismo
implica dizer que os agentes não somente buscam o auto-interesse, pois isto já era previsto
nos modelos neoclássicos, mas podem fazê-lo através da manutenção de informação
privilegiada, rompendo contratos ex-post com a intenção de apropriar-se de quase-rendas
associadas àquela transação ou ferindo códigos de ética tradicionalmente aceitos pela
sociedade. É importante ressaltar que não se afirma que os agentes ajam sempre
oportunisticamente, somente não se ignora que eles possam agir assim em algum momento.
Isto já é suficiente para que se estruturem todas as salvaguardas possíveis para o caso do
oportunismo acontecer. A estrutura de governança da transação é modelada para impedir a
conduta oportunista por uma das partes envolvidas (FURQUIM,1997)
Zylbersztajn (2000) ressalta que nem todos os contratos são rompidos por atitudes
oportunistas, e identifica 3 razões para a continuidade dos contratos:
Reputação: É uma motivação pecuniária para o não rompimento do contrato. O indivíduo não
rompe o contrato porque sabe que se o fizer terá interrompido o fluxo de renda futura, sendo o
custo do rompimento maior de que os benefícios da atitude oportunista.
Garantias Legais: A existência de um mecanismo punitivo instituído pela sociedade significa
um desestímulo para a quebra contratual oportunística. Muitas vezes, o ambiente institucional
formal é substituído por sanções impostas pela sociedade de modo informal, que podem ser
bastante eficientes, como no caso do “jogo do bicho”.
44
Princípios éticos: Algumas organizações assumem que podem conseguir a estabilidade de
seus contratos a partir dos princípios éticos dos seus membros. O autor ressalta, no entanto,
que estes princípios éticos são tênues e de generalização difícil. Ele apresenta o exemplo das
quebras contratuais nas cooperativas agrícolas. Pelo princípio doutrinário, os cooperados
deveriam entregar a sua produção para a cooperativa. Baseada neste acordo tácito, a
cooperativa realiza, por exemplo, investimentos em uma planta industrial, contando com o
produto do cooperado. No entanto, o produtor pode ter incentivo de uma indústria concorrente
para entregar o produto a um preço levemente maior, e o faz. Isto indica, segundo o autor, que
os aspectos de ética dos negócios são frágeis como meio para estabelecer relações duradouras.
Em relação às transações, estas diferem umas das outras. Por esta razão, existem
diferentes estruturas de governança regendo estas transações. Para a ECT, existem três
dimensões básicas das transações, que vão definir suas características e a estrutura de
governança provável: a) freqüência, b) incerteza, c) especificidade de ativos.
A freqüência das transações está associada ao número de vezes que dois agentes
realizam determinadas transações. Ela é bastante importante para definir a estrutura de
governança da relação. Segundo Furquim (1997), a importância desta dimensão se manifesta
através de dois aspectos: a) pela diluição dos custos de adoção de um mecanismo complexo
por várias transações e b) a possibilidade de construção de reputação entre as partes
envolvidas na transação. A reputação é particularmente importante quando está também
presente na transação a especificidade de ativos e incerteza.
Em relação ao primeiro aspecto, a freqüência muitas vezes determina a forma de
governança. Por exemplo, o custo de transação relativo a uma única transação não é
suficientemente grande para que se monte uma estrutura de controle desta transação, de tal
modo que esta operação será regida muito provavelmente pelo mercado.
A reputação, por sua vez, tem maiores implicâncias para os agentes. A repetição de
uma transação permite que os agentes adquiram conhecimento uns sobre os outros, o que
reduz a incerteza. Ela também permite que se crie, algumas vezes, um compromisso crível em
torno da continuidade da relação. A reputação, portanto, permite diminuir os custos de
transação, uma vez que há confiança entre as partes no cumprimento dos contratos.
A maior freqüência das relações permite estabelecer um compromisso confiável, pois
eleva-se o custo da atitude oportunista. Transações freqüentes têm a perspectiva de
continuidade, e uma atitude oportunista tem com penalidade a interrupção da relação. O custo
da atitude oportunista é dado pelo valor presente descontado dos ganhos futuros advindos da
transação interrompida. Quanto maior a freqüência da relação, maior é o custo associado à
45
atitude oportunista. Quando o custo da ação oportunista for maior do que o benefício advindo
da quebra do contrato, as promessas contratuais tornam-se plenamente confiáveis, pois não há
incentivos para a quebra de contrato.
A incerteza pode ser considerada como desconhecimento ou como assimetria
informacional. Em ambos os casos, ela enfatiza os limites da racionalidade e evidencia a
incompletude dos contratos. Contratos com mais lacunas estão mais sujeitos a atitudes
oportunistas das partes envolvidas, possuindo, portando, maiores custos de transação.
Zylbersztajn (2000) destaca que a incerteza é uma das características das transações
menos trabalhada pela literatura. Ele destaca que incerteza se diferencia do risco porque
incerteza está associada a efeitos não previsíveis, portanto não passíveis de terem uma função
de probabilidade a eles associada. Desta forma, ela não permite que os agentes desenhem
cláusulas que estipulem a distribuição dos efeitos no caso de choques, pois eles não são
conhecidos ex-ante. A incerteza pode levar a rompimento de contratos de forma não
oportunística.
Ativos específicos são aqueles que perdem valor quando empregados em outra
atividade diferente da qual foram planejados. Esta característica, associada ao oportunismo e à
incompletude dos contratos torna o investimento nestes ativos de alto risco, gerando custos de
transação.
Como os ativos específicos possuem maior valor quando empregados na transação à
qual são específicos, gera-se uma quase-renda na transação. A quase-renda é definida como a
diferença entre o retorno de um ativo empregado em uma transação específica e seu retorno
em outro emprego alternativo (FURQUIM,1997). Esta diferença é motivo de barganha entre
as partes envolvidas na transação, pois a geração desta quase-renda depende da continuidade
do negócio.
Williamson (1989) define especificidade de ativos como sendo a perda de valor dos
ativos envolvidos em uma determinada transação no caso de esta não se concretizar ou no
caso de rompimento contratual. Zylbersztajn (2000) afirma que se apenas uma das partes
envolvidas na transação tiver feito investimentos em ativos específicos para aquela transação,
certamente haverá motivação para defender-se dos efeitos de eventual ruptura contratual pela
outra parte. No caso das duas partes terem feito investimentos específicos, então surge uma
situação na qual ambas terão o incentivo para que o contrato continue, há uma dependência
bilateral.
Williamson (1989) distingue quatro tipos de especificidade de ativos: a) especificidade
locacional, b) especificidade temporal, c) especificidade de ativos humanos e d) ativos
46
dedicados. A especificidade locacional está relacionada à perda de valor no caso de
deslocamento físico. É o caso dos produtos agrícolas, que devem ser produzidos próximos às
plantas de processamento. A especificidade temporal se caracteriza pela perda de valor se o
produto não for processado ou comercializado rapidamente. Novamente é o caso dos produtos
agrícolas perecíveis. A especificidade de ativos humanos está relacionada ao conhecimento
acumulado pelos indivíduos em atividades especializadas, que não terão grande valia em outra
atividade. Os ativos dedicados estão relacionados a investimentos específicos a uma dada
transação.
Segundo Zylbersztajn (2000), a especificidade de ativos é a característica das
transações mais destacada pela teoria e aquela que apresenta melhor visualização pelos
agentes em torno do problema do desenho contratual. À medida que se eleva a especificidade
de ativos em uma transação, maior é a necessidade de controle na transação, menos
provavelmente será encontrado o mercado como estrutura de governança desta relação.
Ainda segundo o autor, as organizações serão formatadas buscando o alinhamento
entre as características das transações, as características dos agentes, todos regidos por um
ambiente institucional. A teoria prevê que a forma de governança eficiente para uma dada
transação emerge da interação entre as características das transações com os pressupostos
comportamentais, conforme apresentado na Tabela 1:
Tabela 1 Alinhamento dos contratos:
Incerteza
Baixa Média Alta
Baixa
Mercado Mercado Mercado
Média
Contrato Contrato ou
Integração
Vertical
Contrato ou
Integração
Vertical
Especificidade de Ativos
Alta
Contrato Contrato ou
Integração
Vertical
Integração
Vertical
Fonte: Brickley, Smith e Zimmerman (1997) apud Zylbersztajn (2000)
Este quadro resume um dos objetivos da ECT, que é o de tentar explicar a existência
de formas de coordenação como o mercado, os contratos e a hierarquia a partir da análise do
ambiente institucional e sobretudo das características das transações (MIELE, 2003). A
47
análise do conjunto destas características permite prever qual a forma de governança seria a
mais eficiente para reger uma dada transação.
Para o estudo em questão, serão interessantes para a análise do caso os conceitos de
comportamento oportunista e dos atributos das transações. Estes conceitos ajudarão a
compreender porque a cooperativa assumiu determinada posição estratégica a respeito do
produto leite, e ainda será possível avaliar se a forma de governança utilizada para reger a
relação entre cooperado e cooperativa é a mais eficiente do ponto de vista da ECT.
Os conceitos apresentados pela ECT possuem uma aplicação clara no trabalho, ao
definir o comportamento oportunista do cooperado frente à cooperativa como próprio da
natureza humana, e esperado. Desta forma, a cooperativa deve trabalhar com a possibilidade
de comportamento oportunista. Neste sentido, os conceitos dos atributos das transações, em
especial a freqüência e a possibilidade de desenvolvimento de reputação são fatores
importantes na explicação da função da atividade leiteira dentro da cooperativa.
48
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1. MÉTODO DE ABORDAGEM
Foi realizado um estudo de caso da Cooperativa Mista São Luiz Ltda – COOPERMIL
e de seus associados, fazendo um trabalho analítico-descritivo do desempenho da cooperativa
e de seus produtores no setor leiteiro, assim como das relações que se estabelecem entre a
cooperativa e cooperados, em especial aqueles que se dedicam à atividade leiteira.
Optou-se pelo estudo de caso por este método proporcionar uma análise detalhada de
uma empresa cooperativa, tentando entender como se dão as relações entre cooperado e
cooperativa. Yin (2001) afirma que “os estudos de caso devem ser as estratégias preferidas
quando se colocam questões de pesquisa do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador
tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.”(YIN, 2001, pg 19). Bressan
(2000), ao explicar a metodologia do estudo de caso, complementa as palavras de Yin quando
afirma que os estudos de caso são uma inquirição empírica que pode ser utilizada quando a
fronteira entre o fenômeno estudado e o contexto não é evidente, e onde múltiplas fontes de
evidência são utilizadas. Yin (2001) ainda aponta que o estudo de caso beneficia-se do
desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e análise de dados.
Pelas características apontadas por Yin, este trabalho reúne os requisitos para se optar
por um estudo de caso. Primeiro, o problema de pesquisa do estudo é saber como se dão as
relações entre cooperados e cooperativa, como o trabalho da cooperativa com o leite pode
afetar estas relações e por que a cooperativa decidiu investir no leite. São tipos de questões
apropriadas para serem analisadas através de um estudo de caso. Além disso, como
pesquisador, não é possível controlar ou alterar nenhuma das variáveis ou fatores que podem
influenciar nestas relações entre cooperado e cooperativa. Este poder de controle sobre as
variáveis seria necessário se quiséssemos fazer um trabalho experimental, por exemplo. Como
não há controle, o estudo de caso mais uma vez se mostra adequado para este estudo. Por fim,
este estudo se baseia em um fato contemporâneo inserido em um contexto real, e a análise
deste problema de pesquisa não pode ser realizada de forma alguma dissociada de seu
contexto, pois perderia todo o seu valor.
49
O pesquisador, no entanto, está ciente das limitações da metodologia do estudo de
caso, em especial a dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de realizar generalizações
para uma população ou para outros casos. Conforme aponta Yin (2001), o objetivo do
pesquisador ao realizar um estudo de caso é expandir e generalizar teorias (generalização
analítica), e não enumerar freqüências. O que se espera com este estudo, portanto, não é uma
regra geral para o cooperativismo de leite, mas sim compreender melhor as relações entre
cooperados e cooperativa, à luz do referencial teórico da NEI. Este estudo de caso pode servir
de base para outros estudos, mais abrangentes e com maior poder de generalização.
3.2. ESCOLHA DA REGIÃO E COOPERATIVA DE ESTUDO
A região e a cooperativa de escolha são representativas do SAG do leite no RS, e
apresentam particularidades que justificam a sua escolha como alvo do estudo. A região de
Santa Rosa, localizada no noroeste do estado, é a bacia leiteira que mais cresceu no estado nos
últimos 15 anos, de acordo com os dados dos Censos Agropecuários de 1985 e 1995/96. Em
1985, a bacia leiteira de Santa Rosa produzia 57.308.000 litros/ano. No Censo de 1995/96, a
produção anual declarada foi de 123.615.000 litros, um aumento de 115% em 10 anos. Em
1985, ela era a sexta colocada no ranking das 10 maiores microrregiões produtoras, e em
1995/96 passou para o segundo lugar, como mostra a Tabela 2.
50
Tabela 2 Ranking das dez maiores microrregiões em relação à quantidade
produzida de leite
Microrregiões 1985 1995/1996
Lajeado - Estrela 1 1
Caxias do Sul 2 9
Pelotas 3 7
Erechim 4 6
Três Passos 5 3
Santa Rosa 6 2
Frederico Westphalen 7
Santa Cruz do Sul 8
Passo Fundo 9 4
Ijuí 10 5
Guaporé 10
Cruz Alta
8
Fonte: PEDROSO (2001)
Este crescimento das bacias leiteiras no noroeste do estado é uma tendência que vem
se consolidando. Hoje, a região noroeste é responsável por 66% do leite do estado
(BITENCOURT et al., 2000). A atividade leiteira encontrou nesta região um fértil terreno
para seu desenvolvimento, com a estrutura de pequenas propriedades, mão-de-obra familiar e
plantio de soja em sistema de plantio direto. O plantio de pastagens para formação de palha
para plantio de milho e soja contribuiu muito para o desenvolvimento da atividade leiteira,
pois estas pastagens de inverno são uma excelente forragem para as vacas, e a produção deste
modo ficou mais simples e barata. A adoção do leite UHT pelos consumidores também
contribuiu para o desenvolvimento destas regiões, conforme apontaram PEDROSO (2001) e
BITENCOURT et al.(2000).
Além de ser uma das bacias leiteiras mais importantes do estado, foi em Santa Rosa
que começou a mudar a estratégia de atuação da Elegê junto de suas cooperativas parceiras.
As duas maiores cooperativas da região, que possuem o maior número de produtores de leite
associados, foram as que cederam suas bacias leiteiras para a indústria. Este fato já justificaria
a escolha desta bacia leiteira para estudo.
Em relação à escolha da cooperativa alvo do estudo, a Coopermil faz parte do
chamado Sistema Elegê. Este Sistema engloba a indústria processadora (Avipal - Elegê
51
Alimentos) e suas 25 cooperativas parceiras. Ele é responsável pela captação de 53% do leite
com inspeção no RS, o que equivale hoje a algo em torno de 2 milhões de litros/dia
(CORREA et al, 2004). Cerca de 90% deste leite provém das cooperativas parceiras. No SAG
do leite no RS, pode-se dizer que existe mais uma empresa com uma parcela significativa do
mercado, a Parmalat, com 19,30%. O restante do mercado é ocupado por cooperativas
independentes e outros laticínios, cada um com percentuais pequenos do mercado, no máximo
5% (ASSEMBLÉIA, 2001).
Analisando estes dados, pode-se dizer que o Sistema Elegê é muito significativo
dentro do SAG do leite no RS. Portanto, estudar as suas cooperativas parceiras, entender
como elas se relacionam com seus cooperados e qual a importância do leite para elas é uma
forma de entender como todo este Sistema funciona.
As cooperativas parceiras da Elegê possuem características semelhantes, em sua
maioria são cooperativas tritícolas, que incorporaram o leite em seu negócio ao longo da
década de 1970 como uma forma de criar uma alternativa de renda para os seus associados.
Segundo Rodrigues (2000), as cooperativas no RS organizaram suas bacias leiteiras de acordo
com suas características internas e de seus associados, e montaram um modelo de produção
muito semelhante, com um grande número de produtores oriundos de pequenas propriedades
produzindo um leite de baixa qualidade, baixa produção por unidade e baixa produtividade.
Ainda segundo este autor, a grande característica e talvez o grande obstáculo que a atividade
leiteira enfrenta para se desenvolver neste sistema é o da escala de valor. Ele enfatiza que nas
cooperativas tritícolas, o leite continua sendo encarado como uma alternativa, um negócio
secundário, sendo que esta visão é refletida pelo seu quadro social, que acaba também
colocando o leite em um plano secundário.
Neste Sistema, a Coopermil, mesmo tendo características muito semelhantes às outras
cooperativas parceiras, possui particularidades, em especial no relacionamento com a Avipal -
Elegê. Como já mencionado anteriormente, a Coopermil foi a única cooperativa da bacia
leiteira de Santa Rosa a não ceder seus direitos sobre a produção de leite de seus associados
para a Indústria. Esta “rebeldia” já existe desde a época da venda da CCGL, pois ela foi a
última cooperativa a vender suas cotas. Só concordou com a venda porque tinha ficado
sozinha, e sem poder decisório algum.
Neste momento, quando as outras cooperativas, que possuem uma estrutura maior,
decidem abandonar a atividade, a Coopermil decide investir no leite, construindo uma
plataforma própria para recebimento de leite e passando a vender leite para outras indústrias.
52
Esta estratégia diferenciada torna a Coopermil uma interessante instituição para análise da
importância do leite para uma cooperativa tritícola integrada ao Sistema Elegê.
3.3. INSTRUMENTOS E TÉCNICAS
3.3.1. Coleta de Dados da Cooperativa
A caracterização da cooperativa e das relações que se estabelecem entre cooperado e
cooperativa foram feitas a partir de dados coletados junto ao departamento de processamento
de dados da cooperativa, que disponibilizou os relatórios solicitados em formato digital.
Para a análise do desempenho econômico da cooperativa e da importância do produto
leite para os negócios da empresa foram analisados os balanços da cooperativa de 2000 a
2003. Não foi possível obter dados dos anos anteriores, pois estas informações não foram
armazenadas. Somente a partir de 2000 foi adotado um sistema de informatização na emissão
dos balanços, com geração de dados mensais separados por setor e por unidade. Antes disso,
os dados eram gerados anualmente, sem discriminação de setores e unidades. Em relação aos
dados dos balanços, foi dada especial atenção aos valores de receita bruta e de resultado
líquido, buscando definir a participação de cada setor no faturamento e no resultado da
empresa. Além disso, deu-se especial atenção ao desempenho da área leite nestes 4 anos.
Para caracterizar as relações entre cooperado e cooperativa de uma forma quantitativa,
foram coletados dados do relacionamento comercial estabelecido entre produtores e
cooperativa. Estes dados são importantes para ajudar a descrever os atributos das transações,
como a freqüência das relações que se estabelecem. Foram obtidos dados dos produtores
referentes a: quantidade de produto entregue (leite, soja, milho e trigo); valores recebidos por
estes produtos, e valores gastos na cooperativa em compra de insumos e supermercado. Para o
leite, soja e milho, foram obtidos dados desde 1998. Para o trigo, somente de 2003 e 2004,
pois os dados anteriores foram armazenados em fitas que se deterioraram ao longo do tempo,
não sendo possível a sua recuperação. O mesmo ocorreu com os dados anteriores a 1998 para
os outros produtos.
Em relação aos gastos dos produtores na cooperativa, eram armazenados somente os
valores referentes a compras à prazo. As compras à vista não eram identificadas. Isto criava
uma distorção nos dados, pois geralmente os produtores maiores compram à vista, e quando
se analisavam os dados de gastos na cooperativa, tinha-se o falso resultado de que estes
produtores compravam pouco. A partir de 2003, a cooperativa começou a identificar as
53
compras à vista, tentando exatamente mensurar quais os produtores que compram mais. Os
dados de gastos na cooperativa, portanto, somente são considerados a partir de 2003.
Seria interessante para o trabalho obter dados dos valores repassados aos associados na
forma de crédito. No entanto, dada a diversidade de formas de repasse de valores que a
cooperativa trabalha, não foi possível recuperar estes dados de forma confiável, pois os
códigos para estas operações no software utilizado pela contabilidade variam muito, e nem
mesmo o responsável pelo setor sabia informar como recuperar esta informação em uma série
histórica. No sistema, eles conseguem recuperar somente o que no momento encontra-se
pendente na conta corrente do produtor, mas não o seu histórico.
3.3.2. Realização de Entrevistas
Além desta análise quantitativa, grande parte da caracterização das relações entre
cooperado e cooperativa e da importância do leite para este sistema foi obtida a partir de
entrevistas realizadas com os gestores da cooperativa e com os associados. Foram realizadas
entrevistas abertas com os gestores abordando as seguintes dimensões:
- Objetivos da instituição
- Estratégia de atuação (diversificação, agregação de valor, crescimento, exclusão de
produtores)
- Investimento na atividade leiteira – curto e longo prazo
- Problemas observados na gestão do empreendimento e nos planos propostos
- Participação e fidelidade dos cooperados
- Comprometimento com o associado
- Perfil do associado
- Objetivo de produto
O roteiro da entrevista aplicada encontra-se no Anexo C.
Foram realizadas ainda entrevistas com produtores de leite associados, tentando
caracterizar suas percepções sobre a cooperativa e sua situação e perspectivas em relação à
atividade leiteira. Para tanto, foram aplicados questionários padronizados (Anexo A) a uma
amostra de produtores da Coopermil, abordando as seguintes dimensões:
- Histórico da associação à cooperativa
- Participação nas atividades da cooperativa
- Pertencimento/ comprometimento com a instituição
54
- Vantagens e desvantagens que percebe na cooperativa
- Formas de relacionamento com o mercado
- Produtos produzidos na propriedade
- Importância do leite/ Situação atual e perspectivas para o futuro
Como forma de perceber melhor a situação dos produtores associados à cooperativa,
seria interessante analisar aqueles produtores que estão fora do sistema cooperativista de leite,
para verificar qual a sua situação e perspectivas, tentando analisar qualitativamente quais as
diferenças percebidas em relação àqueles que estão integrados a uma cooperativa. Foram
aplicados questionários padronizados (Anexo B) a uma amostra de produtores que entregam
leite para a unidade da Elegê em Santa Rosa. O questionário abordou as seguintes dimensões:
- Produtos produzidos na propriedade
- Importância do leite/ Situação atual e perspectivas para o futuro
- Mudanças percebidas com a saída das cooperativas
- Comprometimento com a indústria
- Entrega de outros produtos para a antiga cooperativa
- Vantagens e desvantagens que percebe no relacionamento direto com a indústria.
- Formas de relacionamento com o mercado
Para testar a coerência e aplicabilidade dos questionários, foi realizado um pré-teste
dos formulários antes da aplicação na amostra efetiva. Foram aplicados 6 questionários a
produtores de diferentes estratos de produção. Após este teste, foram feitos algumas
modificações em algumas questões, os dados foram examinados e foram realizados os ajustes
necessários nos questionários.
Além das entrevistas formais, foram realizadas conversas informais com os gestores
da cooperativa para a obtenção de informações a respeito do histórico da cooperativa, de sua
situação atual, do cenário do leite. Foi utilizada também a técnica da observação direta, com o
acompanhamento das atividades diárias da cooperativa durante os meses de fevereiro a maio
de 2004, enquanto durou a coleta de dados das entrevistas.
55
3.4.AMOSTRAGEM E REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS
Na entrevista com os gestores da cooperativa, optou-se por não fazer uma
amostragem, foram entrevistados o presidente e o superintendente da Coopermil, além dos
diretores de área (comercial, técnica, administrativa e política leiteira) e gerentes das unidades
da cooperativa em que o leite é um produto importante, de acordo com indicação da direção
da cooperativa. Este mesmo roteiro de entrevista ainda foi aplicado aos conselheiros titulares.
Ao total, foram realizadas 16 entrevistas, no período de fevereiro e março de 2004.
Em relação aos produtores de leite, foi feita uma amostragem de 8 produtores
independentes que entregam o leite diretamente para a Elegê. Esta amostra foi aleatória, os
produtores foram escolhidos ao acaso, sendo as entrevistas realizadas no mesmo período em
que se realizaram as entrevistas com os produtores associados a Coopermil. Na mesma rota de
leite de produtores da Coopermil, procurava-se qual produtor entregava leite para a Elegê, e
aplicava-se o questionário.
Dos produtores que entregam leite para a Coopermil foi feita uma amostragem mais
criteriosa. Foi feita uma amostragem aleatória estratificada, sendo a estratificação dos
produtores realizada de acordo com a sua média diária de produção no ano de 2003, conforme
a Tabela 3:
Tabela 3 Estratificação dos produtores de leite
associados a COOPERMIL – Ano 2003:
ESTRATO (l/dia) Nº PRODUTORES
0 – 10 265
10–30 834
30-50 358
50-100 341
100-300 175
> 300 34
Fonte: Elaborado pela autora
Como pode se observar pela Tabela 3, existe uma grande concentração de produtores
nos estratos mais baixos de produção. Inicialmente, optou-se por fazer esta estratificação
segundo um critério de sistema de produção e nível tecnológico adotado. Pensava-se haver
diferenças entre um produtor que produz até 10 litros por dia, que teria somente uma ou duas
56
vacas, e a venda do leite seria um resíduo da produção para auto-consumo; para um produtor
que produz entre 10 e 30 litros, que já teria uma produção mais voltada para a
comercialização, trabalhando com um número maior de animais e portanto com um maior
comprometimento com a atividade. No entanto, após a aplicação do teste dos questionários e
no decorrer do trabalho, percebeu-se não haver diferença significativa entre os dois primeiros
estratos no que diz respeito ao modo de produção e nível tecnológico. Estes dois estratos
foram unificados e a estratificação ficou conforme ilustrado na Tabela 4:
Tabela 4 Estratificação dos produtores de leite e amostragem
ESTRATO (l/dia) Nº PRODUTORES AMOSTRAGEM
0 – 30 1099 14
30-50 358 6
50-100 341 10
100-300 175 9
> 300 34 5
Fonte: Elaborado pela autora
Foram aplicados 44 questionários aos produtores associados da Coopermil, no período
entre fevereiro e abril de 2004. Foram entrevistados produtores de diferentes unidades da
cooperativa. A escolha dos entrevistados era bastante aleatória, com o gerente da unidade
indicando uma rota de leite ao pesquisador, que seguia por esta rota, entrevistando os
produtores que encontrasse em casa naquele dia. No dia seguinte, se escolhia outra rota. As
entrevistas foram sendo aplicadas até que não se encontrasse mais uma grande variabilidade
nas respostas, dentro de um mesmo estrato. Este foi o motivo de ter sido feita uma
amostragem menor do que o inicialmente planejado, pois detectou-se que com o número de
entrevistas realizadas já havia sido coberta a variabilidade do grupo. Permite-se uma amostra
menor também porque o conteúdo das respostas ao questionário é bastante qualitativo, e não
se necessita, portanto, de uma amostra mais numerosa.
3.5. ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS NA COOPERATIVA
Entre os dados coletados na cooperativa, os valores foram separados em três grupos:
dados do balanço e desempenho econômico da cooperativa; dados de entrega de produto
57
(grãos e leite) e dados das compras dos associados. Estes dados foram tabulados em planilhas
eletrônicas do Microsoft Excel e SPSS 12.0, para proceder as análises.
Em relação aos dados do balanço, os valores foram atualizados pelo IGP-M da FGV
para agosto de 2004, e foi feita a descrição da participação de cada setor da cooperativa no
faturamento geral e no resultado líquido.
Obtiveram-se os dados de entrega de produto e de compras para cada produtor
individualmente. De posse desta informação, foram calculados os totais de entrega dos
produtos (soja, milho, trigo e leite). Foram ainda calculadas as médias de entrega de produto e
de compras para cada produtor, para cada período (mensal e anual) e para cada estrato. Os
estratos utilizados foram os mesmos da realização das entrevistas, mas para fazer a separação
utilizou-se a média de produção de cada produtor em todo o período analisado, ou seja, de
1998 a 2004. A média obtida no período todo definia em qual estrato o produtor se localizava.
Foi ainda feita a separação entre produtores que só entregam grãos e produtores que entregam
grãos e leite e foram calculadas então as médias para estes grupos. O objetivo do trabalho com
estes dados era definir a participação de cada grupo ou estrato de produtores nos negócios da
cooperativa, dando ênfase em definir o papel que os produtores de leite possuem para a
cooperativa.
Em relação aos grupos de produtores (só grãos ou grãos e leite), era interessante
definir se a freqüência de negociação com a cooperativa era diferente, partindo da idéia de
que os produtores de leite transacionariam com mais freqüência com a cooperativa e,
portanto, seriam mais fiéis. Para medir a freqüência, além do número de vezes que o produtor
transacionou com a cooperativa, foi calculado o coeficiente de variação das entregas de grãos
e das compras dos produtores nos dois grupos. As médias dos coeficientes de variação foram
submetidas ao teste t para diferenças de médias ao nível de significância de 5%.
Ainda em relação aos dados individuais dos produtores de leite, foram calculadas as
médias dos valores gastos em conta leite por produtor, por período e por estrato de produção.
Estes valores também foram atualizados pelo IGP-M da FGV para agosto de 2004.
Para avaliar se existe relação entre a entrega de leite para a cooperativa e a entrega de
outros produtos (grãos) e a realização de compras, foram identificados os nomes dos
produtores que pararam de entregar leite para a cooperativa. Verificou-se, então, a diferença
existente entre os valores e quantidades negociadas com a cooperativa antes e depois do
produtor parar de entregar leite através do Teste t ao nível de significância de 5%.
58
3.6. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
As entrevistas realizadas com a direção da cooperativa foram submetidas à análise de
conteúdo. Foi uma análise qualitativa, buscando explicar as estratégias de atuação adotadas.
Em relação aos dados obtidos nas entrevistas com os produtores, foram realizadas análises
qualitativas e quantitativas.
Inicialmente foi realizada uma caracterização dos produtores entrevistados, separando-
os por dois critérios: primeiro uma estratificação por escala de produção (a mesma utilizada
para a amostragem) e uma seguindo um critério de fidelidade. Definiu-se, a partir das
entrevistas com os gestores, que o produtor para ser fiel tinha que entregar 100% da produção
e realizar um percentual expressivo das suas compras de insumos e supermercado na
cooperativa. Definiu-se este percentual em 70% das compras. Para entrar no grupo de maior
fidelidade, o produtor tinha que entregar 100% da soja para a cooperativa e realizar mais de
70% das compras na cooperativa. Se ele não cumpria um destes requisitos, era classificado no
grupo de menor fidelidade.
A caracterização foi feita nas duas classificações, tentando identificar diferenças entre
os estratos de produtores ou entre os grupos de fidelidade. Foram analisados dados relativos a:
idade, grau de escolaridade do chefe da família, tamanho da propriedade, regime de
propriedade, sistema de produção, evolução da produção, nível de envolvimento na atividade
leiteira, acesso a crédito, associação na cooperativa, percepção da importância da cooperativa,
participação nas atividades da cooperativa, fatores considerados na hora de comprar ou vender
produtos, utilização da renda do leite, se o leite é a principal atividade, perspectivas para o
futuro da atividade leiteira.
As diferenças entre os grupos foram testadas através do teste Qui-quadrado, para o
nível de significância de 5%, quando se tratavam de variáveis categóricas e a informação que
se tinha era de freqüências nos grupos. Quando se tinham variáveis numéricas, as médias dos
grupos foram submetidas à análise de variância para avaliar se havia diferença entre os
grupos, seguido de Teste t para determinar quais as médias que diferiam ao nível de
significância de 5%.
Como um dos objetivos do trabalho é determinar os fatores que afetam a fidelidade do
produtor à instituição, construiu-se um modelo de regressão múltipla para estimar o efeito de
59
diferentes variáveis sobre a fidelidade. Considerou-se fidelidade como a média entre o
percentual de entrega de soja e o percentual de compras realizadas na cooperativa para cada
produtor:
y =
% entrega soja + % compras
2
Como variáveis explanatórias, foram definidos índices a partir da média aritmética de
uma série de variáveis. Estas variáveis foram definidas arbitrariamente a partir dos fatores
indicados na literatura como importantes para a fidelização do cooperado à cooperativa. Os
valores destas variáveis (algumas qualitativas) foram colocadas em uma escala de 0-100, de
acordo com a Tabela 5. A estimação do modelo foi feita com o uso do Microsoft Excel.
60
Tabela 5 – Variáveis explanatórias – composição dos índices:
Índice Variáveis Variação
Idade Chefe Família Idade Variável numérica
Escolaridade Chefe Família Grau escolaridade Até 4ª Série = 0
5ª - 8ª = 25
Fund. Completo = 50
Médio Incompleto = 75
Médio Completo = 100
Área total trabalhada 0-100 (em relação à menor e maior área da
amostra)
Número de vacas ordenhadas 0-100 (em relação ao menor e maior
número da amostra)
Se leite é a principal atividade Não = 0
Sim = 100
Tipo de ordenha Manual = 0
Mecânica = 50
Mecânica Canalizada = 100
Envolvimento na Atividade Leiteira
Resfriamento do leite Refrigerador = 0
Resfriador de imersão = 50
Resfriador de expansão – 100
Tempo de associado 0-100 (em relação ao menor e maior
número da amostra)
Se sempre foi sócio desta cooperativa Não = 0
Sim = 100
Participação em Mini-assembléias Nunca = 0
Eventualmente = 33
Várias vezes = 66
Sempre = 100
Participação na Assembléia Geral Nunca = 0
Eventualmente = 33
Várias vezes = 66
Sempre = 100
Participação em dias de campo/palestras Nunca = 0
Eventualmente = 33
Várias vezes = 66
Sempre = 100
Participação em eleições Nunca = 0
Eventualmente = 33
Várias vezes = 66
Sempre = 100
Se conhece o estatuto da cooperativa Não = 0
Somente algumas partes = 50
Muito bem = 100
Participação na Cooperativa
Se conhece os conselheiros Não = 0
Alguns = 50
Todos = 100
Se considera que a cooperativa representa
seus interesses
Não = 0
Sim = 100
Se a cooperativa é a principal fonte de
assistência técnica
Não = 0
Sim = 100
Se a cooperativa é seu aval em algum
financiamento
Não = 0
Sim = 100
Se acha que os produtores participam do
processo decisório
Não = 0
Sim = 100
Como estão os preços da cooperativa na
compra de produtos
Abaixo do mercado = 0
De acordo com o mercado = 50
Acima do mercado = 100
Como estão os preços da cooperativa na
venda de insumos
Abaixo do mercado = 100
De acordo com o mercado = 50
Acima do mercado = 0
Se prefere negociar com a cooperativa em
relação a outra empresa
Não = 0
Sim = 100
Percepção da Importância da Cooperativa
Se prefere negociar com a cooperativa
mesmo com condições melhores na outra
empresa
Não = 0
Sim = 100
Fonte: Elaborado pela autora
No entanto, quando os estimadores das variáveis explanatórias foram calculados,
nenhum resultou estatisticamente significativo, ficando o modelo com um r
2
bastante baixo,
61
em torno de 10%. Isto quer dizer que a variação nos negócios realizados com a cooperativa,
que neste modelo significava fidelidade, não pode ser descrita por um modelo linear, não
pode ser prevista a partir das variáveis selecionadas. Muito provavelmente, a fidelidade não
pode ser prevista, pois depende de fatores mais subjetivos e individuais, difíceis de
quantificar.
Por estas razões, a análise deste modelo e das diferenças existentes entre os estratos foi
complementada pela análise qualitativa de uma série de perguntas relacionadas à percepção
do cooperado a respeito da cooperativa e da importância da cooperativa para sua manutenção
no SAG do leite, sua situação atual e suas perspectivas para o futuro na atividade leiteira.
Os índices criados para o modelo de regressão ainda podem auxiliar na identificação
de fatores que afetam a fidelidade, e por isso foi realizado o Teste t para determinar se existe
diferença nas médias destes índices entre os grupos de fidelidade.
Em relação às entrevistas realizadas com os produtores independentes, aqueles
associados à cooperativa que saiu da atividade leiteira, a análise dos dados foi mais
qualitativa, buscando identificar em que aspectos a situação e as perspectivas dos produtores
diferem daquelas dos produtores associados à Coopermil.
62
4. AS RELAÇÕES ENTRE COOPERADOS E COOPERATIVA
Neste capítulo começaremos a descrever os resultados obtidos no trabalho de campo.
Inicialmente, iremos realizar um breve histórico da cooperativa, descrevendo sua área de
atuação e ramos de atividade, para situar sua posição na região e no cenário do agronegócio
gaúcho.
Como um dos principais objetivos do trabalho é analisar as relações entre cooperado e
cooperativa, para então entender como o produto leite pode afetar estas relações, será
realizada uma caracterização deste relacionamento entre produtor e cooperativa. Esta
caracterização será feita inicialmente a partir das informações coletadas junto à base de dados
da cooperativa, e no capítulo seguinte será feita a análise destas relações a partir das
entrevistas realizadas no trabalho de campo, dando maior ênfase à percepção dos atores a
respeito desta relação.
O objetivo deste capítulo é descrever de forma quantitativa a relação entre cooperados
e cooperativa, enfatizando o papel que o produto leite e os produtores de leite possuem nas
atividades da cooperativa e o papel que a cooperativa possui nas atividades dos cooperados.
4.1. COOPERMIL – HISTÓRICO E SITUAÇÃO ATUAL
A Cooperativa Mista São Luiz - Coopermil - foi fundada em 27 de agosto de 1955, na
localidade de Cinqüentenário, município de Tuparendi. Seus fundadores, 47 famílias, eram
todos agricultores familiares que buscavam no associativismo uma forma de enfrentar as
dificuldades existentes na época, em especial a exploração imposta pelos comerciantes,
principalmente na atividade suinícola, que era a mais importante naquele momento. O motivo
básico para a formação da Coopermil confirma o que Cook (1995) apontava como fator
presente na origem das cooperativas: o encontro de situações de mercado desfavoráveis, e a
tentativa de associação para contrabalançar poder de mercado, sendo uma estratégia defensiva
por natureza. Pensando ainda na análise feita por Duarte (1992) a respeito da origem das
cooperativas no RS, pode-se situar a formação da Coopermil no período de desenvolvimento
das cooperativas mistas coloniais, período chamado de “romântico” no cooperativismo
brasileiro (BRDE, 2004). Este adjetivo vem do fato de que estas cooperativas tinham como
63
principal objetivo eliminar o intermediário da comercialização dos produtos dos cooperados,
sem grande preocupação com economias de escala e especialização produtiva que tanto
caracterizaram o cooperativismo empresarial, que sucedeu este cooperativismo colonial. Estas
cooperativas mistas (coloniais) trabalhavam tanto com a compra em conjunto de insumos e
bens de consumo quanto com a comercialização dos produtos de seus associados, sem focar
em um único produto.
Ao longo da evolução da Coopermil, ela manteve a palavra “mista” em seu nome, mas
sua trajetória assemelha-se muito mais à de uma cooperativa empresarial. Sua origem é
colonial, mas ao longo do tempo ela especializou-se produtivamente (fruto da especialização
dos seus próprios cooperados) e hoje pode ser considerada como uma cooperativa
empresarial, tritícola.
Desde sua fundação, sempre buscou a ampliação de sua área de atuação e de sua
estrutura física. No início dos anos 70 ela já abriu uma filial em Santa Rosa, duplicando seu
quadro social. Seguiu-se a abertura de filiais em Santo Cristo, Tuparendi, Novo Machado,
Cândido Godói e Giruá, já no ano de 1996. Em 2000, realizou sua última expansão em área de
atuação, adquirindo a estrutura de duas cooperativas: Cooperativa Mista Candeia, com
unidades em Santa Rosa e Tuparendi, e Cooperativa Mista Agrícola de Tuparendi, com
unidades em Tuparendi.
Hoje a Coopermil atua em 6 municípios da região Noroeste do RS, todos fazendo
parte da região da Grande Santa Rosa. Sua estrutura física é composta por 10 unidades
distribuídas nestes 6 municípios, dispondo nestas unidades de 10 supermercados, 9 lojas de
insumos, 6 graneleiros, 4 moegas para recebimento de grãos, depósitos de calcário e adubo e
uma fábrica de ração. Sua estrutura de recebimento e armazenamento de grãos tem
capacidade estática para 1.280.000 sacas, sendo que em 2003 a cooperativa recebeu 1.506.489
sacas de soja.
A cooperativa atua no recebimento e comercialização de leite, soja, milho, trigo,
girassol e canola. Este é seu principal negócio, não em resultado econômico, mas em
importância para seus cooperados. Fazer esta comercialização é seu objetivo primordial, e
para o qual ela foi constituída. Hoje, com o crescimento da cooperativa, ela passa a atuar em
outros segmentos, que passam a representar uma parcela considerável do resultado econômico
positivo da cooperativa. É o caso do varejo. Hoje a atuação da cooperativa no varejo através
de suas lojas de supermercado e de vendas de insumos e ferragens também é um negócio
bastante importante para a cooperativa.
64
Além destes dois setores, a cooperativa ainda possui uma unidade produtora de leitões,
que fornece leitões para os cooperados integrados; uma fábrica de rações, que produz rações
para suínos, aves e bovinos; uma marca de cerealista, que embala e vende diferentes tipos de
cereais, e um moinho de trigo, este último em conjunto com uma central de cooperativas, a
Coceagro. No ano de 2004, a Coopermil decidiu investir na atividade leiteira em virtude das
transformações ocorridas no setor. Ela construiu uma plataforma de recebimento de leite, com
capacidade de resfriamento de 100 mil litros por dia. Toda esta estrutura montada para a
prestação de serviços para os cooperados representa uma série de ativos específicos da relação
cooperado-cooperativa, e reforça a idéia da importância da fidelidade dos cooperados para a
viabilização destes investimentos.
A Coopermil possui 3.909 associados. Destes, em torno da metade são produtores de
leite. Comparando estes números com os das outras cooperativas tritícolas da região, pode-se
dizer que a Coopermil não é uma cooperativa grande. A Cooperativa Tritícola Santa Rosa –
Cotrirosa – e a Cooperativa Tritícola Alto Uruguai – Cotrimaio -, que são as duas
cooperativas da região que entregaram suas bacias leiteiras para a Avipal-Elegê, possuem um
quadro social bem maior. A Cotrirosa possui 4.000 produtores de leite associados, e a
Cotrimaio, 5.700. Estes números são somente de produtores de leite, então se somarmos
também aqueles produtores que entregam somente grãos, tem-se um quadro social bastante
expressivo. Analisando estes números, pode-se dizer que estas cooperativas tinham um
envolvimento maior com a atividade leiteira do que a Coopermil, pelo maior número de
produtores envolvidos na atividade. A lógica destas cooperativas ao tomar a decisão de
abandonar a atividade foi diferente da lógica adotada pela Coopermil, que não admitiu a
possibilidade de abandonar seus associados produtores de leite à mercê do mercado.
Em relação a faturamento, a Coopermil supera muitas cooperativas da região,
colocando-se em segundo lugar, atrás somente da Cotrimaio. O desempenho da cooperativa
nestes últimos anos, na opinião dos dirigentes e dos associados, tem sido bastante satisfatório,
como será demonstrado a partir da análise dos balanços.
4.2. DESEMPENHO DA COOPERATIVA E PARTICIPAÇÃO DOS SETORES
Nos 4 anos de balanços analisados, a Coopermil teve um crescimento no faturamento e
no resultado líquido do exercício. Os dirigentes se orgulham em dizer que ela é a única
cooperativa da região a distribuir sobras aos cooperados no final do ano, sendo que em 2003
foram distribuídos R$ 0,34 por saca de soja entregue na cooperativa. Estas sobras foram
65
distribuídas depois de terem sido recolhidos os valores destinados aos fundos de reserva e
investimento, de acordo com o que está previsto no estatuto da sociedade. Na Tabela 6
podemos observar o faturamento e o resultado líquido obtido nestes 4 anos. Os dados
mostram o crescimento do faturamento da cooperativa, explicado principalmente pela alta do
preço da soja e pelo aumento no recebimento de sacas de soja, como será demonstrado
posteriormente.
Tabela 6 – Faturamento e resultado líquido 2000-2004
ANO FATURAMENTO (R$) RESULTADO LÍQUIDO(R$)
2000 88.082.331,38 -71.878,93
2001 105.155.102,88 1.326.116,92
2002 119.481.390,83 5.915.162,54
2003
148.023.547,78 749.764,12
Fonte: Elaborado pela autora – valores atualizados para Agosto 2004 pelo IGP-M da FGV.
Em relação à participação dos setores no faturamento da empresa, a Figura 1 ilustra
como ocorreu a variação na participação dos diferentes setores, motivada pela oscilação nos
preços dos grãos.
66
Participação dos setores no faturamento - 2002
MERCADOS
20%
INSUMOS
22%
CEREALISTA
3%
SOJA
31%
LEITE
14%
MILHO
1%
TRIGO
4%
UPL
2%
RAÇÃO
3%
Participação dos setores no faturamento - 2000
LEITE
20%
SOJA
17%
INSUMOS
21%
CEREALISTA
4%
MERCADOS
27%
MILHO
3%
UPL
3%
TRIGO
2%
RAÇÃO
3%
Participação dos setores no faturamento - 2003
MERCADOS
17%
INSUMOS
23%
CEREALISTA
3%
SOJA
37%
LEITE
10%
TRIGO
5%
RAÇÃO
2%
UPL
2%
MILHO
1%
Participação dos setores no faturamento - 2001
MERCADOS
25%
INSUMOS
18%
CEREALISTA
3%
SOJA
31%
LEITE
16%
TRIGO
1%
RAÇÃO
2%
UPL
2%
MILHO
2%
Figura 1 – Participação dos diferentes setores no faturamento da Coopermil
Fonte: Elaborado pela autora
Como pode ser observado pelos gráficos, o setor de recebimento e comercialização de
soja foi o que mais cresceu nestes 4 anos. O faturamento aumentou motivado pelo aumento no
recebimento através do crescimento da cooperativa nas suas novas áreas de atuação, em
especial no município de Giruá, que conta com grandes propriedades e uma maior produção
de grãos por produtor. Além disso, a alta do preço da soja contribuiu para o aumento do valor
do faturamento deste setor. O crescimento da participação da soja tomou espaço da
participação do leite no faturamento geral. A participação dos outros setores se manteve
relativamente estável nestes 4 anos. Pelo depoimento dos dirigentes da cooperativa,
historicamente os setores responsáveis pelo maior faturamento são a soja ou o supermercado,
variando o primeiro lugar dependendo do preço da soja. É interessante observar, no entanto,
que nestes últimos 2 anos o segundo lugar no faturamento ficou com o setor de venda de
insumos, o que pode ser explicado pelas boas safras e bons preços, que geraram uma maior
demanda por insumos.
Se a soja é o setor mais importante para o faturamento geral, o mesmo não pode ser
dito quando analisamos os resultados líquidos por setor. A Figura 2 mostra os resultados
líquidos de cada setor nestes últimos 4 anos, e podemos então observar que os setores de
67
supermercado e insumos são os que realmente garantem o resultado positivo final da
cooperativa como empresa.
Alguns pesquisadores ainda ligados a um caráter mais doutrinário do cooperativismo
podem criticar o fato da cooperativa sobreviver às custas do lucro que consegue nas vendas
realizadas nas áreas de insumos e supermercado. Isto porque um dos objetivos da cooperativa
é conseguir comprar insumos em conjunto, para baratear os custos de produção dos seus
cooperados. No entanto, a cooperativa coloca uma margem sobre os produtos que vende, e
acaba vendendo estes produtos para os próprios cooperados por um preço maior do que
aquele que ela conseguiu no mercado através da vantagem de comprar em grande quantidade.
A atuação da cooperativa neste setor de varejo, em especial no setor de supermercados, se
afasta um pouco do papel tradicional da cooperativa agropecuária de somente comercializar
os produtos de seus cooperados, tentando corrigir falhas de mercado. No entanto, esta atuação
parece ser importante dentro da gama de atividades que a cooperativa realiza, como pode ser
observado pelos resultados líquidos obtidos.
RESULTADOQUIDO POR SETOR - 2001
-400.000,00
-200.000,00
0,00
200.000,00
400.000,00
600.000,00
800.000,00
1.000.000,00
1.200.000,00
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SETOR
RESULTADOQUIDO
(R$)
RESULTADOQUIDO POR SETOR - 2000
-2.000.000,00
-1.500.000,00
-1.000.000,00
-500.000,00
0,00
500.000,00
1.000.000,00
1.500.000,00
M
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SETOR
RESULTADO LÍQUIDO (R$)
RESULTADO LÍQUIDO POR SETOR - 2002
-1.000.000,00
0,00
1.000.000,00
2.000.000,00
3.000.000,00
4.000.000,00
5.000.000,00
M
E
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L
SETOR
RESULTADO LÍQUIDO (R$)
RESULTADO LÍQUIDO POR SETOR - 2003
-1.500.000,00
-1.000.000,00
-500.000,00
0,00
500.000,00
1.000.000,00
1.500.000,00
2.000.000,00
2.500.000,00
M
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O
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S
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C
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L
SETOR
RESULTADO LÍQUIDO (R$)
Figura 2 – Resultados líquidos por setor – 2000 a 2004
Fonte: Elaborado pela autora.
68
Pela análise dos gráficos podemos ver que os setores de insumos e supermercados,
mais o setor da fábrica de ração, são os únicos que tiveram resultado positivo nos 4 anos
analisados. Nos outros setores, de caráter mais dependente da produção agropecuária, há uma
variação muito grande no resultado devido às características intrínsecas da produção
agropecuária, que está sujeita a variações climáticas, de preço, sanitárias, entre muitos outros
fatores que afetam seu desempenho.
Ainda em relação aos resultados líquidos, é interessante chamar atenção para o
desempenho do setor leiteiro, que vem perdendo importância ao longo dos anos no
faturamento e no ano de 2003 fechou com mais de R$ 800.000,00 de prejuízo. Um dos
principais motivos para isso foi a entrada na região de uma outra cooperativa que passou a
assediar os produtores de leite da Coopermil, pagando um preço superior. Como a Avipal
Elegê alegou não poder aumentar o preço pago para a Coopermil, a cooperativa decidiu
subsidiar o preço pago aos seus produtores, tirando recursos próprios para aumentar o preço
recebido pelos produtores, tentando evitar sua saída da cooperativa. Esta estratégia teve um
sucesso parcial, pois como será demonstrado posteriormente, a cooperativa perdeu muitos
produtores para a concorrência. Esta saída dos produtores de leite da cooperativa para
entregar leite para outra empresa é uma clara situação de rompimento de contrato oportunista,
demonstrando falta de fidelidade do produtor com a cooperativa. Diante desta situação,
questiona-se o porquê do produtor, mesmo sendo sócio, dono da cooperativa, decidir entregar
seu produto em outra empresa porque ela tem um preço melhor. Será que o produtor só
enxerga preço na hora de decidir vender seu produto? Este é um questionamento importante
que será explorado ao longo deste trabalho. Zylbersztajn (2000) já chamava a atenção para a
fragilidade dos compromissos éticos, como a doutrina cooperativista, para garantia do
cumprimento de contratos. Por este motivo, Bialoskorski (2002) enfatizava que a cooperativa
tem de criar mecanismos de incentivo à fidelidade do cooperado, fora do aspecto doutrinário.
Estes incentivos, segundo o autor, devem ser econômicos, para que o cooperado perceba as
vantagens que possui em negociar com a cooperativa.
Além disso, o resultado econômico negativo também está ligado à retirada do repasse
financeiro que a Elegê fazia para as cooperativas parceiras, como forma de auxiliar nos custos
com assistência técnica e financiamentos para a produção leiteira.
Apesar do resultado econômico negativo e da perda de desempenho ao longo do
tempo, os dirigentes acreditam que a cooperativa teria um desempenho muito pior se não
trabalhasse com o leite e com os produtores de leite. A participação dos produtores de leite
69
nos negócios da cooperativa é expressiva, como será demonstrado nos itens seguintes, ao
caracterizarmos as relações entre produtores e cooperativa. Além dos produtores de leite
terem participação direta nos negócios da cooperativa, os dirigentes da Coopermil acreditam
que o leite seja uma atividade que faça com que o produtor fique mais vinculado à
cooperativa.
4.3. A PARTICIPAÇÃO DOS COOPERADOS NAS ATIVIDADES DA COOPERATIVA
A caracterização das relações entre cooperados e cooperativa começa com a descrição
das funções que o cooperado exerce na cooperativa, ou seja, a parte do cooperado nesta
relação. Este relacionamento pode ser dividido em dois tipos: o relacionamento gerencial,
com a participação direta do cooperado na gestão da cooperativa, e o relacionamento
comercial, a partir da entrega de produtos e das compras realizadas na cooperativa. É este
relacionamento comercial a base da sustentação dos negócios da cooperativa, é o cooperado,
ao transacionar com a cooperativa, quem sustenta o empreendimento. Neste sentido que se
torna tão importante a questão da fidelidade dos cooperados, pois são eles mesmos os
responsáveis pelo sucesso ou insucesso desta empresa, que é de sua propriedade.
Infelizmente, esta percepção de propriedade não é muito clara, o que leva os cooperados
muitas vezes a agirem oportunisticamente e só transacionarem com a cooperativa quando lhes
for mais conveniente, caracterizando o problema do carona descrito por Cook (1995). A
relação entre cooperado e cooperativa, de acordo com o referencial teórico adotado neste
trabalho, deve ser considerada contratual, e a não entrega de produto para a cooperativa deve
ser considerada como uma ruptura de contrato oportunística.
Neste capítulo, o foco da análise estará no relacionamento comercial, no capítulo
seguinte, será dada maior ênfase ao relacionamento gerencial, enfatizando a questão da
participação do cooperado, da percepção que ele possui da cooperativa, de sua importância e
de seu sentimento de pertencimento à instituição.
Para caracterizar o relacionamento comercial, será feita uma divisão dos dados
coletados em três itens: entrega de produto, compras realizadas e gastos em conta leite. Cabe
aqui um esclarecimento sobre o que é a conta leite. Ela funciona como um cartão de crédito
dos produtores que entregam leite. Os produtores podem debitar na conta leite todos os gastos
que realizam na cooperativa, inclusive gastos nos supermercados, que serão pagos no
recebimento da nota do leite, normalmente no dia 15 de cada mês. Valores debitados em conta
leite não são acrescidos de juros, desde que pagos em dia. Atrasos no pagamento da conta
70
leite, quando o valor debitado excede o valor que o produtor tinha para receber, incorrem em
juros em torno de 3% ao mês.
A conta leite é um importante vínculo que se estabelece entre produtor e cooperativa,
pois pela facilidade de comprar nesta modalidade, os produtores acabam realizando grande
parte das suas compras na cooperativa. Além disso, a conta leite permite parcelar os valores
gastos, muitas vezes sem juros. Devido a estas facilidades, grande parte do valor recebido
pelo produtor pela entrega de leite fica na cooperativa, para cobrir os gastos feitos em conta
leite. É uma facilidade para a cooperativa e para o produtor. Os gastos em conta leite fazem
parte da discussão em torno das compras realizadas pelos produtores de leite e da importância
de cada estrato de produção de leite nestas compras, e este assunto será retomado
posteriormente, pois antes serão apresentados os dados relativos e entrega de produtos na
cooperativa.
4.3.1. Entrega de Produtos na Cooperativa
Esta é a mais tradicional função do cooperado junto da cooperativa, e a mais
importante, do ponto de vista dos dirigentes, para o sucesso da cooperativa. Sua importância é
tanta que consta no estatuto da sociedade que o cooperado é obrigado a entregar 100% da sua
produção para a cooperativa, em relação àqueles produtos com os quais a cooperativa
trabalha. O cooperado que não cumprir com esta exigência torna-se passível de expulsão pelo
conselho. Apesar de ser tão importante para a direção da cooperativa, nenhum cooperado foi
expulso até hoje por não entregar seu produto.
Os gráficos da Figura 3 ilustram o recebimento anual total de grãos e leite da
cooperativa. Como pode ser observado, o recebimento de soja e trigo tem aumentado,
principalmente pela incorporação de novas áreas de atuação da cooperativa (município de
Giruá) e pela ocorrência de boas safras. Já o recebimento de milho tem oscilado bastante e até
diminuído um pouco, fruto da perda de espaço para as lavouras de soja. O recebimento de
leite vinha em uma tendência de crescimento, mas caiu em 2003, fruto da entrada de
concorrentes na região. A outra queda no recebimento que se observa, em 1998, também foi
em decorrência da entrada no mercado de concorrentes. Nesta ocasião, era a entrada da
Parmalat na região. Pela análise dos gráficos, observa-se que o problema da falta de fidelidade
traz efeitos consideráveis no recebimento de leite na cooperativa. É interessante destacar que
neste trabalho tenta-se demonstrar o papel que a atividade leiteira pode ter no aumento da
71
fidelidade do produtor à cooperativa; no entanto, enfrenta-se problemas de fidelidade na
própria atividade leiteira.
Apesar destes problemas de falta de fidelidade, é importante enfatizar o crescimento
no recebimento de leite pela cooperativa nestas duas últimas décadas. O recebimento
praticamente triplicou desde 1980, demonstrando o crescimento que a atividade leiteira teve
nesta região. Crescimento este que se deve também à própria atuação do departamento técnico
da cooperativa, que através da assistência técnica e de crédito direcionado para a atividade
conseguiu fazer com que muitos produtores se dedicassem à produção de leite.
568.674
1.506.489
-
200.000
400.000
600.000
800.000
1.000.000
1.200.000
1.400.000
1.600.000
Sacas
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002
Ano
Recebimento de Soja
83.697
50.775
149.896
124.562
70.360
212.040
309.315
179.409
-
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
350.000
Sacas
1992 1994 1996 1998 2000 2002
Ano
Recebimento de Milho
303.674
93.132
138.051
266.696
645.155
-
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
Sacas
1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002
Ano
Recebimento de Trigo
656
29.971
36.831
30.754
-
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
Mil litros
1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998 2001
Ano
Recebimento de leite
Figura 3 – Recebimento dos principais produtos – Coopermil
Fonte: Elaborado pela autora
Além das entregas totais de produtos é interessante analisar a participação de cada tipo
de produtor nas entregas realizadas, para avaliar a importância dos produtores de leite nos
negócios da cooperativa. A Figura 4 ilustra a participação dos produtores de grãos e dos
produtores de leite na entrega de grãos da cooperativa. É importante ressaltar que os dados de
entrega de grãos de 2004 ilustram a entrega até maio deste ano, quando os dados foram
coletados. Para os dados de entrega de milho, por exemplo, isto é bastante importante, pois o
72
milho produzido na safrinha não tinha sido todo entregue, o que pode explicar a diminuição
da participação dos produtores de leite na entrega deste grão em 2004.
Pela análise dos gráficos, pode-se dizer que os produtores de leite tem uma
participação significativa na entrega de grãos, em torno de 30% no milho e trigo e 40% na
soja.
20%
80%
29%
71%
28%
72%
32%
68%
34%
66%
30%
70%
19%
81%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
% da entrega
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Ano
Entrega de Milho
Produtores
de grãos
Produtores
de leite
42%
58%
40%
60%
42%
58%
40%
60%
38%
62%
29%
71%
30%
70%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
% Entrega
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Ano
Entrega de Soja
Produtores de
Grãos
Produtores de
Leite
28%
72%
26%
74%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
% Entrega
2003 2004
Ano
Entrega de Trigo
Produtores de Grãos
Produtores de Leite
Figura 4 – Participação dos tipos de produtores na entrega de grãos
Fonte: Elaborado pela autora
73
A participação menor na entrega de milho e trigo pode ser explicada por alguns
fatores. Os produtores de leite utilizam o milho na alimentação dos seus animais, praticamente
todo o milho produzido vai para auto-consumo. Somente aqueles produtores com uma área
maior conseguem produzir milho excedente, que é entregue então na cooperativa. No caso do
trigo, ocorre uma situação semelhante. Somente aqueles produtores com uma maior área se
dedicam ao plantio de trigo, pois os produtores menores preferem formar pastagens nas áreas
de lavoura de verão para alimentar seus animais durante o inverno, ao invés de plantar trigo.
Aqueles que produzem leite e ainda plantam trigo, muitas vezes preferem fornecer o grão na
forma de ração aos animais do que vendê-lo para a cooperativa, pois o preço tem ficado pouco
atraente nestes últimos dois anos.
Se for levada em consideração a importância que o trigo e principalmente o milho
possuem na alimentação dos animais, chegamos à conclusão de que os produtores de leite
ainda conseguem produzir uma quantidade de grãos excedente bastante significativa,
excedente este que é vendido então para a cooperativa.
Já na entrega de soja, o percentual da participação dos produtores de leite é um pouco
maior porque, historicamente na região, a soja sempre foi um produto importante para os
agricultores familiares, e os produtores de leite destinam a maior parte da área de lavoura da
sua propriedade para o plantio de soja, ao invés de outros grãos. A queda na participação
percentual da entrega dos produtores de leite que ocorreu nos dois últimos anos se deve
principalmente ao aumento na entrega de grãos dos produtores do município de Giruá, que
são somente granjeiros, possuem propriedades maiores e se dedicam exclusivamente à
produção de grãos. Prova disto é que a quantidade de soja entregue pelos produtores de leite
se manteve estável, mesmo com o aumento no preço da soja. A diminuição da participação
percentual dos produtores de leite se deve ao aumento da entrega dos produtores de grãos.
Pensando agora nos produtores de leite somente, pode-se determinar a participação de
cada estrato de produção na entrega de grãos dos produtores de leite, sendo que os estratos
foram feitos de acordo com a média de produção diária de leite, conforme descrito no capítulo
3. Entre os produtores de leite, é importante saber qual ou quais os estratos que contribuem
com a maior parcela da entrega de grãos. A Figura 5 ilustra a média da participação dos
diferentes estratos de produtores de leite na entrega de grãos dos produtores de leite,
utilizando os dados de 1998 a 2004.
Pela análise dos gráficos, podemos ver que os estratos de maior produção de leite são
aqueles que menos entregam grãos. Isto pode ser explicado por dois fatores principais: os
produtores de maior escala de produção passaram por um processo de especialização
74
produtiva e produzem pouca quantidade de grãos para a venda, pois o leite é seu principal
negócio, e a área útil da propriedade é destinada para pastagens. O outro fator, muito
relacionado com a especialização produtiva, é o direcionamento da produção de grãos para a
alimentação dos animais, e não para a venda. As áreas que não são utilizadas para pastagens
são direcionadas, na sua maioria, para produção de milho para silagem. Quando produzem
grãos, os produtores de leite de maior escala tem optado pela soja, que hoje possui um preço
mais atraente. Além de individualmente não produzirem tanto grão, os produtores dos estratos
de maior produção são em menor número, o que faz a produção total do estrato ser menor do
que nos estratos com um número maior de produtores.
Participação dos estratos na entrega de milho dos
produtores de leite
33,0%
18,2%
25,3%
20,1%
3,4%
0-30 l/dia
30-50 l/dia
50-100 l/dia
100-300 l/dia
>300 l/dia
Participação dos estratos na entrega de soja dos
produtores de leite
25,5%
19,1%
28,6%
22,2%
4,6%
0-30 l/dia
30-50 l/dia
50-100 l/dia
100-300 l/dia
>300 l/dia
Participação dos estratos na entrega de trigo dos
produtores de leite
27,2%
20,0%
24,5%
26,3%
2,0%
0-30 l/dia
30-50 l/dia
50-100 l/dia
100-300 l/dia
>300 l/dia
Figura 5 – Participação dos estratos de produção na
entrega de grãos dos produtores de leite
Fonte: Elaborado pela autora
A informação mais importante contida nestes dados, no entanto, é relativa à
participação e à importância dos produtores situados nos menores estratos de produção de
leite na entrega de grãos. Esta informação mais do que confirma que a produção de leite é
uma das atividades exercidas por estes produtores, sendo importante dentro da sua estratégia
de sobrevivência, mas não a única atividade. Um cuidado que se deve ter ao analisar estes
gráficos é de que a quantidade de grãos entregue por produtor é pequena nestes estratos de
75
produção, mas como são muitos produtores, o estrato como grupo passa a ter importância para
os negócios da cooperativa.
A produção de grãos para este tipo de produtor é importante, talvez até mais do que o
leite, mas a atividade leiteira representa uma entrada de receita mensal, que permite ao
produtor sustentar sua família durante o ano, podendo muitas vezes até mesmo poupar o
dinheiro da colheita do grão, como será demonstrado no Capítulo 5.
Analisando estes números, pode-se entender porque para a cooperativa interessa
manter todos os seus produtores de leite, mesmo aqueles que entregam até 30 litros por dia.
Se somarmos a entrega de grãos dos produtores que produzem até 100 litros/dia, que é uma
escala ínfima do ponto de vista da maioria dos laticínios e dos analistas do mercado de
lácteos, temos 20,9% do milho, 24,9% da soja e 19,5% do trigo total recebidos pela
cooperativa. É uma quantidade de grãos expressiva para qualquer empresa abrir mão. Se estes
produtores não entregassem leite para a cooperativa, talvez não entregassem também o grão
que produzem. Neste momento, é interessante tentar relacionar a entrega de leite, que é uma
atividade que provoca uma maior freqüência de relações, com a fidelidade na entrega de
grãos. O produtor de leite, por transacionar com mais freqüência com a cooperativa, pode
desenvolver um relacionamento mais próximo com a instituição, fazendo com que ele seja
mais fiel. É esta relação entre entrega de leite e fidelidade que se tenta estudar neste trabalho.
Dos principais produtos que a cooperativa trabalha, ainda falta apresentar os dados
relativos à entrega de leite de acordo com os estratos de produção criados. A Figura 6 mostra
a evolução da participação dos estratos de produção de leite no leite total recebido pela
cooperativa.
Participação dos estratos na produção total de leite -
1998
20,68%
15,91%
26,02%
30,60%
6,78%
0-30 l/dia
30-50 l/dia
50-100 l/dia
100-300 l/dia
>300 l/dia
Participação dos estratos na produção total de
leite - 2004
16,16%
14,29%
22,93%
31,12%
15,50%
0-30 l/dia
30-50 l/dia
50-100 l/dia
100-300 l/dia
>300 l/dia
Figura 6 – Participação dos estratos de produção na entrega total de leite – 1998 e 2004
Fonte: Elaborado pela autora
76
Pode-se dizer que não houve grandes variações na participação dos estratos de
produtores na entrega total de leite, houve somente o crescimento na participação do estrato
de mais de 300l/dia, retirando percentual de participação principalmente dos estratos menores.
Isto aconteceu porque os produtores de mais de 300l/dia aumentaram sua produção, e não
porque os produtores dos estratos menores diminuíram a sua produção, que se encontra
bastante estabilizada se forem analisados os anos de 1998 e 2003 isoladamente, conforme
pode ser visualizado na Tabela 7. Os dados da Tabela 7 mostram que houve um crescimento
na produção nos anos de 2000 e 2001, com posterior queda em todos os estratos, menos no
estrato de mais de 300l/dia, que manteve o crescimento. Esta queda na produção pode ter
ocorrido pela saída dos produtores da cooperativa, passando a entregar leite para a
concorrência, que entrou na região exatamente em 2002, como já demonstrado no gráfico de
recebimento de leite total da cooperativa.
Tabela 7 – Produção anual de leite por estrato (litros):
0-30 l/dia 30-50 l/dia 50-100 l/dia 100-300 l/dia >300 l/dia Total
1998 5.780.060 4.447.092 7.272.614 8.550.433 1.895.622 27.945.821
1999 5.569.906 4.603.711 7.986.189 9.461.028 2.316.008 29.936.842
2000 6.763.134 5.721.111 9.269.998 10.567.807 3.017.982 35.340.032
2001 6.712.521 5.859.289 9.695.161 11.250.979 3.316.254 36.834.204
2002 5.904.873 5.423.243 8.858.222 10.816.458 4.002.660 35.005.456
2003 5.028.576 4.572.057 7.321.900 9.405.444 4.406.109 30.734.086
2004*
1.765.513 1.560.784 2.504.467 3.399.698 1.693.530 10.923.992
* Dados até maio 2004
Fonte: Elaborado pela autora
Os dados de produção por estrato devem ser analisados juntamente com os dados de
número de produtores por estrato, para que se possa avaliar como se distribui a produção de
leite nesta cooperativa, suas semelhanças e diferenças em relação ao cenário do SAG no RS.
A Tabela 8 apresenta o número de produtores por estrato ao longo destes 7 anos, e a Figura 7
mostra a evolução da distribuição dos produtores entre os estratos.
77
Tabela 8 – Número de produtores por estrato:
0-30 l/dia 30-50 l/dia 50-100 l/dia 100-300 l/dia >300 l/dia Total
1998 1.015 352 324 195 17 1.904
1999 931 353 334 195 18 1.832
2000 1.020 384 351 189 19 1.963
2001 1.026 394 359 186 19 1.984
2002 941 378 339 177 20 1.855
2003 821 328 284 151 22 1.605
2004
736 297 262 142 24 1.461
Fonte: Elaborado pela autora
igura 7 – Evolução da distribuição dos produtores nos estratos de produção
Como pode ser observado nos dados, houve uma diminuição do número de produtores
total, enquanto em
de leite entregue por produtor.
Percentual de produtores em cada estrato de
produção de leite - 1998
53,3%
18,5%
17,0%
10,2%
0,9%
0-30 l/dia
30-50 l/dia
50-100 l/dia
100-300 l/dia
>300 l/dia
Percentual de produtopres em cada estrato de
produção de leite - 2004
50,4%
20,3%
17,9%
9,7%
1,6%
0-30 l/dia
30-50 l/dia
50-100 l/dia
100-300 l/dia
>300 l/dia
F
Fonte: Elaborado pela autora
de leite, mas esta diminuição não ocorreu em um estrato especificamente, ela foi geral. Além
disso, a diminuição do número de produtores não significa que estes produtores saíram da
atividade, mas sim que pararam de entregar leite para a cooperativa. Como já foi relatado
anteriormente, muitos produtores saíram da cooperativa para entregar leite para outras
empresas, o que explica em parte a diminuição do número de produtores.
Em alguns estratos houve estabilização da quantidade produzida
outros houve aumento da quantidade produzida. Aumento ou manutenção da quantidade de
litros produzida com diminuição do número de produtores significa aumento da quantidade de
litros entregues por produtor. O aumento da quantidade entregue por produtor por dia, em
especial dos produtores com mais de 100 l/dia, foi bastante significativo, sendo de 42% para o
estrato de 100 a 300 l/dia e de 83% para o estrato de mais de 300 l/dia, no período de 1998 a
2003. No geral, considerando todos os produtores, houve um aumento de 30% na quantidade
78
Os dados de número de produtores e produção por estrato também mostram que as
tendências apresentadas pelos an
alistas do SAG de saída do mercado formal de um expressivo
SAG do RS. Krug (2000) aponta que, na
relacionamento do cooperado com a cooperativa,
mos as compras realizadas, tanto de supermercado quanto de insumos. Conforme explicado
, compras dos produtores de grãos e compras de não associados, pois as
contingente de produtores que não possuem uma escala mínima de produção não se
confirmam totalmente. Ao longo destes 7 anos, em um período de transformações no SAG do
leite, a participação dos estratos de produção de menor escala segue sendo representativa. Os
produtores com menos de 50 l/dia representam nesta cooperativa em torno de 70% dos
produtores e 30% da produção. Se chegarmos até o estrato de 100 l/dia, encontramos 88% dos
produtores e quase 50% da produção. Estes números vêm se mantendo ao longo do tempo, e
fica cada vez mais difícil acreditar nas previsões feitas pelos analistas do SAG do leite de que
os pequenos produtores serão excluídos do sistema.
As proporções entre número de produtores e participação na produção total por estrato
se assemelham aos apresentados na literatura sobre o
Elegê, 13,81% dos produtores entregam mais de 100 litros/dia, representando 52,91% do
volume da produção, enquanto 86,19% entregam até 100 litros/dia e são responsáveis por
47,11% da produção, e este é um número bem próximo do encontrado na Coopermil.
Bitencourt et al. (2000) também aponta um dado geral do estado que mostra que 66% dos
produtores entregam até 50 l/dia, e são responsáveis por 30% da produção. Na Coopermil, os
produtores até 50 l/dia chegam a ser 70% dos produtores.
3.3.2. Compras Realizadas na Coopermil
Seguindo para a outra vertente do
te
do Capítulo 3, os dados das compras foram disponibilizados somente a partir de 2003. Os
dados de gastos em conta leite, que indiretamente também indicam compras realizadas, mas
somente compras à prazo, estão disponíveis desde 1998, mas são dados que só existem para
os produtores de leite, não é possível, portanto, avaliar as compras dos produtores de grãos
anteriores a 2003.
As compras realizadas na cooperativa foram divididas em três categorias: compras dos
produtores de leite
lojas são abertas para o público geral, e como aparece na Figura 8, os não associados
participam com um percentual não desprezível das compras.
79
Participação Percentual nas compras totais
15%
51%
34%
% Não Associados
% Produtores Grãos
% Produtores de Leite
Figura 8 – Participação do tipo de cliente nas compras totais
Fonte: Elaborado pela autora
o os principais compradores na cooperativa, o que se explica
ela alta demanda por insumos que esta atividade possui. Esta informação confirma a
port
tais reforça a idéia de que os supermercados e as lojas de insumos são uma boa
alterna
a demanda menor quantidade de
sumo
Os produtores de grãos sã
p
im ância que a produção de grãos tem para os negócios da cooperativa. Como
demonstrado anteriormente, é o resultado positivo nos setores de insumos e supermercados
que garantem a sobrevivência e estabilidade da cooperativa, para que ela possa continuar
prestando os serviços necessários aos seus cooperados. A demanda por insumos para a
produção de grãos é, portanto, um dos principais fatores para o bom desempenho da
cooperativa.
A informação de que os não associados participam com um percentual considerável
nas compras to
tiva de negócio para a cooperativa, pois pessoas não pertencentes à sociedade têm
como contribuir para seu bom desempenho econômico. As compras dos não associados em
2003 significaram quase 10 milhões de reais, uma quantia bastante razoável para uma
empresa com 148 milhões de faturamento neste mesmo ano.
Já os produtores de leite apresentam uma participação bastante significativa nas
compras, se levarmos em consideração que a atividade leiteir
in s do que as lavouras para produção de grãos. Os valores dispendidos por eles nas
compras anuais não são desprezíveis, sendo que no ano de 2003 este valor chegou a quase R$
22.000.000,00. A decisão da cooperativa de continuar no leite foi influenciada por esta cifra,
80
pois os gestores imaginavam que se ela tivesse vendido a bacia leiteira para a Avipal – Elegê,
seus produtores não continuariam a comprar na cooperativa da mesma forma.
Outro dado interessante a respeito das compras dos produtores de leite se refere à
A análise deste gráfico chama atenção para o fato dos produtores de maior escala de
o às compras realizadas pelos estratos de menor escala de produção de leite,
participação dos estratos nos valores totais das compras dos produtores de leite. A Figura 9
ilustra esta distribuição.
Participação dos estratos nas compras dos
produtores de leite
19,8%
16,7%
27,6%
27,5%
8,3%
0-30 l/dia
30-50 l/dia
50-100 l/dia
100-300 l/dia
>300 l/dia
Figura 9 – Participação dos estratos de produção nos valores
das compras dos produtores de leite
Fonte: Elaborado pela autora
produção (> 300 l/dia) serem os que menos realizam compras. Isto pode ser explicado pelo
fato deles produzirem menor quantidade de grãos, que é uma atividade que demanda maior
quantidade de insumos, e também pode ser explicado pelo fato de talvez estes produtores
serem menos fiéis e realizarem compras em outros locais, pois como compram insumos para a
produção leiteira em quantidade, podem ter vantagens também em outros lugares. Além disso,
são menos produtores no estrato, o que faz com que eles no total não tenham uma participação
tão expressiva.
Em relaçã
já se esperava que eles tivessem um percentual significativo das compras por serem também
os estratos com o maior percentual na entrega de grãos. Sabe-se que a produção de grãos
demanda um maior volume e maior valor em insumos do que a produção leiteira, portanto
seria natural esperar que estes fossem os produtores que mais gastassem na cooperativa.
81
3.3.3. Gastos em Conta Leite:
A conta leite é um cartão de crédito disponível para os produtores de leite realizarem
compra
mais benevolente
m os
ades de crédito para
agam
m relação aos dados de gastos em conta leite, é interessante conhecer os valores
m em torno de 20% do
s na cooperativa. Este tipo de instrumento é possível dada a maior estabilidade,
regularidade e freqüência de negociação que existe na atividade leiteira, em comparação com
as outras atividades agrícolas. Não existe na cooperativa, por exemplo, uma “Conta Soja”, em
que o produtor realiza compras para serem pagas na safra de soja, simplesmente porque não
há garantias de que o produtor vai entregar a soja na cooperativa, nem garantias de que ele vai
colher uma quantidade “x” de soja, pois podem haver frustrações de safra.
Já com o leite existe esta segurança, a cooperativa não está sendo
co produtores de leite. A cooperativa fornece este crédito porque o produtor de leite já
entregou sua produção para a cooperativa, já que o leite entregue no dia 1° do mês só será
pago 45 dias depois, no dia 15 do próximo mês. Desta forma, o crédito em conta leite é uma
forma de retribuir a confiança que o produtor já depositou na cooperativa, ao entregar seu
produto para receber o pagamento até 45 dias depois. A cooperativa já sabe que terá a
produção do produtor, e portanto fornece este crédito com tranqüilidade.
É claro que no caso da soja a cooperativa também fornece modalid
p ento na safra, mas isto ocorre mediante a assinatura de um contrato e de uma
promissória, pois não há garantias da entrega do produto. No caso da soja, existe uma menor
freqüência de negociação, o que torna necessária a assinatura de um contrato que estabelece
as responsabilidades entre as partes. No leite, a maior freqüência de negociação e a
dependência do produtor de ter que entregar seu produto diariamente pela sua perecibilidade
fazem com que não haja necessidade de formalização de contratos para o fornecimento de
crédito.
E
totais gastos, a participação de cada estrato nos gastos totais e também o percentual do valor a
receber pela entrega do leite que é gasto em conta leite. Este valor pode ajudar a determinar a
importância deste instrumento (conta leite) nas compras dos produtores de leite,
particularmente para os produtores dos estratos de menor produção.
Em relação aos valores totais gastos em conta leite, eles fica
valor total das compras realizadas pelos produtores de leite. Isto é interessante por mostrar
que mesmo utilizando grande parte do dinheiro proveniente da atividade leiteira na
cooperativa (como mostra o percentual do valor a receber pelo leite que é gasto em conta leite
na Figura 11), os produtores ainda buscam recursos de outras atividades e reinjetam capital na
82
cooperativa através de suas compras. Não é somente o dinheiro proveniente da atividade
leiteira que é gasto pelos produtores na cooperativa, eles realizam a maioria de suas compras
através de outras modalidades, não somente através da conta leite.
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
%
0-30 30-50 50-100 100-300 >300
Estrato
% do valor a receber gasto em conta leite
A Figura 10 mostra que os produtores de menor escala de produção foram os que
realiza
Figura 11 – Média do percentual do valor a receber
Média da participação dos estratos nos gastos
em conta leite
16,7%
14,8%
24,7%
32,3%
11,5%
0-30 l/dia
30-50 l/dia
50-100 l/dia
100-300 l/dia
>300 l/dia
Figura 10 Participação dos estratos de produção nos gastos em conta leite
Fonte: Elaborado pela autora
ram a maior parte dos gastos em conta leite. Isto se explica em parte porque estes
estratos possuem um número muito grande de produtores, o que torna o valor total gasto pelo
estrato maior. Nestes estratos, no entanto, somente em torno de 38% do valor que o produtor
tinha para receber pela venda do leite é gasto em conta leite, conforme mostra a Figura 11.
pela entrega do leite gasto em conta leite
Fonte: Elaborado pela autora
83
Em relação à Figura 11, cabe ainda destacar que os dirigentes da cooperativa
imagin
.4. A PARTICIPAÇÃO DA COOPERATIVA NAS ATIVIDADES DOS COOPERADOS
ão destina-se a apresentar, de forma descritiva, qual a parte da cooperativa
nesta r
.4.1. Prestação De Serviços Comerciais
A cooperativa, na prestação de serviços comerciais, está realizando aquelas que são as
tras cooperativas. O serviço
e com
facilidade
moega para recebimento.
avam que os produtores de leite gastavam em torno de 70% do valor a receber na nota
do leite em conta leite. Pelos dados apresentados pelo departamento de informática, vemos
que este percentual não ultrapassa os 50%, ficando em torno de 38% na maioria dos estratos
de produtores. Como a conta leite representa somente 20% das compras dos produtores de
leite na cooperativa, e somente em torno de 40% do valor a receber pelo leite é gasto na conta
leite, chega-se à conclusão que este não é um mecanismo tão importante para a realização de
compras pelos produtores de leite, apesar do entendimento de que ele é um facilitador do
relacionamento entre cooperado e cooperativa e poderia servir para vincular mais o produtor à
cooperativa. No Capítulo 5, serão discutidas as impressões dos produtores de leite a respeito
da importância da conta leite.
3
Esta seç
elação. A cooperativa oferece benefícios aos seus cooperados basicamente através de
duas vertentes principais: a prestação de serviços comerciais, facilitando a compra e venda de
produtos por seus associados, e o auxílio na organização e fomento da produção.
3
funções tradicionais das cooperativas agropecuárias: comprar e vender em conjunto para
conseguir melhores condições e enfrentar as falhas de mercado.
Na Coopermil, estas atividades não diferem muito das ou
d ercialização é realizado mediante a cobrança de uma taxa de administração, que fica
em torno de 1% do valor transacionado. O ato cooperativo, que é a transação entre a
cooperativa e o cooperado, ainda recebe benefícios fiscais, como isenção de PIS/COFINS, o
que torna a venda dos produtos através da cooperativa atraente em termos de preço.
Um outro fator importante para a venda de produtos para a cooperativa é a
de escoar a produção. Para isso, a Coopermil possui estruturas de recebimento de grãos em
todas as unidades. Quando a unidade não possui um graneleiro, ela possui pelo menos uma
84
Além disso, a cooperativa realiza a venda de produtos em supermercados e lojas de
insumos, o que facilita ba
stante a vida dos produtores, pois podem ter a sua disposição lojas
róxim
e leite podem realizar compras na conta leite, pagando à prazo pelo preço à vista.
das cooperativas, que se expressa
rincipalmente pela transferência de tecnologia, através da assistência técnica e fornecimento
bém para os produtores de leite. A Coopermil conta em seu
te um maior número de técnicos disponíveis e
p as de suas propriedades. Esta é uma vantagem destacada nas entrevistas realizadas com
os produtores, e o fornecimento de insumos e bens de consumo é um serviço importante
prestado pela cooperativa. Tão importante que mesmo com desempenho econômico não
satisfatório, a cooperativa mantém supermercados em todas as suas unidades. Alguns
supermercados, localizados em unidades de pouco movimento, apresentam resultado líquido
ou até mesmo operacional negativo, mas são mantidos dentro da idéia de prestar serviços ao
associado.
As compras realizadas na cooperativa, à vista, possuem desconto de 3%. Os
produtores d
Estas vantagens são somente para os associados. Os não associados que negociam com a
cooperativa não têm os benefícios fiscais nem os descontos.
3.4.2. Auxílio na Organização e Fomento da Produção
Esta é mais uma das funções tradicionais
p
de insumos, e transferência de recursos, através do fornecimento direto de crédito e facilitação
do acesso a crédito bancário.
Em relação à assistência técnica, a cooperativa possui um programa de assistência para
os produtores de grãos e tam
quadro técnico com 3 veterinários, 9 agrônomos e 13 técnicos agrícolas. O fomento da área
veterinária é direcionado para os maiores produtores de cada unidade, que são visitados
periodicamente pelo veterinário responsável. Os produtores de menor escala de produção
(menos de 50 l/dia) recebem a visita do veterinário quando solicitam. Alguns destes
produtores são assistidos por um técnico agrícola, que é capaz de dar as orientações básicas a
respeito de alimentação e manejo dos animais.
Em relação à assistência agronômica, ela consegue ser mais abrangente, atingindo uma
grande parcela dos produtores, isto porque exis
as visitas dos agrônomos às propriedades são mais rápidas. A existência de assistência técnica
gratuita na cooperativa é uma das vantagens da cooperativa mais citadas nas entrevistas com
os produtores. Até mesmo o fato de um técnico agrícola estar no balcão para orientar sobre o
85
plantio ou a aplicação de um herbicida é considerado por alguns produtores como assistência
técnica.
É
claro que este não é o tipo de assistência que a cooperativa almeja fornecer aos seus
nica também se faz presente na promoção de dias de campo e
ressaltar que o corpo técnico é o responsável pela transferência de
form
te para a transferência de
A Coopermil também trabalha com os avais de crédito bancário, facilitando o acesso
cooperados, mas ela é ciente do alto custo de manutenção de um departamento técnico
qualificado e tenta, por isso, direcionar esta assistência para aqueles produtores que possuem
um maior relacionamento com a cooperativa e nos quais há possibilidade de retorno dos
investimentos realizados. Esta situação pode até mesmo ser caracterizada como oportunismo
por parte da cooperativa, pois ela investe mais naquele produtor que os técnicos imaginam
que possa dar o maior retorno para a empresa, e deixa de lado produtores que são associados
da mesma forma, que contribuíram com cota-capital da mesma forma, mas que tem uma
menor escala de produção.
A atuação da área téc
palestras para apresentação de produtos ou orientações sobre plantio, manejo dos animais,
entre outros tópicos.
É interessante
in ações aos cooperados, e o poder destes técnicos em direcionar e orientar a produção
para um determinado enfoque é bastante grande. Isto pode ter efeitos prejudiciais ou
benéficos, dependendo do lado em que se analisa a questão. Este poder do corpo técnico é
interessante a partir do momento em que se necessita de uma maior coordenação da origem
dos produtos, com padrões rígidos de qualidade. Neste momento, a capacidade da cooperativa
de coordenar a produção pode se tornar uma vantagem competitiva.
Além da transferência de tecnologia, a cooperativa é importan
recursos aos seus associados. Esta transferência se dá de diversas formas na Coopermil.
Primeiro, ela trabalha com recursos próprios, em um fundo rotativo, emprestando dinheiro aos
cooperados a juros em torno de 1,5% ao mês, para custeio de lavouras. Na safra 2003-2004, a
cooperativa tinha 8 milhões de reais na mão dos cooperados, em custeio para as lavouras de
verão.
dos cooperados ao crédito bancário tradicional, em especial o crédito de investimento. O
papel da cooperativa nesta situação é servir de aval para as operações dos cooperados, e desta
forma muitos produtores estão conseguindo, por exemplo, se adequar à Normativa 51 que
trata sobre as normas de qualidade do leite. Dezenas de produtores financiaram seus
resfriadores de expansão diretamente com a indústria, a partir do aval da cooperativa. Um
outro exemplo deste tipo de ação é um acordo firmado no ano de 2004 com o Banrisul para o
86
repasse de R$ 500.000,00 em contratos do Pronaf D, direcionados para a compra de matrizes
leiteiras, sistemas de resfriamento e de ordenha. Este direcionamento dos recursos para a
atividade leiteira mostra a preocupação da cooperativa em incentivar seu produtor associado
para que ele continue na atividade leiteira.
3.5. INFLUÊNCIA DO PRODUTO LEITE SOBRE O RELACIONAMENTO DOS
O recebimento de leite pela Coopermil exerce um papel de dinamizar os negócios da
tante da entrega de leite sobre a entrega de milho
tor
abela 9 – Média de entrega de grãos antes e depois de parar de entregar leite:
ariação
Percentual
PRODUTORES COM A COOPERATIVA
cooperativa. Quantificar esta dinamização é difícil, e a forma encontrada neste trabalho para
realizar esta quantificação foi através da análise dos dados dos produtores associados à
cooperativa que pararam de entregar leite. Foram analisadas as médias de entrega de grãos
(milho e soja) e de compras de quando o produtor entregava leite para a cooperativa e de
quando ele já tinha parado de entregar leite.
Os dados mostraram um efeito impor
e soja. As médias de antes e depois do produtor sair do leite foram submetidas ao Teste t, e as
diferenças encontradas nas médias foram significativas, ao nível de significância de 5%.
Para a entrega de soja, houve uma redução de 52% na média entregue por produ
depois que ele parou de entregar leite para a cooperativa. Para o milho, esta redução foi ainda
maior, de 60%. A Tabela 9 ilustra o efeito do produtor parar de entregar leite para a
cooperativa sobre os negócios que ele realiza com a empresa.
T
Média Anual Média Anual Variação V
Antes Depois
Soja 5.512 kg 2.643 kg - 2.869 kg -52,05%
Milho
534 kg 213 kg - 321 kg - 60,11%
Fonte: Elaborado pela autor
Realizou-se também a comparação entre as médias de Antes e Depois dos produtores
pararem
a
de entregar leite para cada estrato de produção de leite, para avaliar se havia
diferença no comportamento dos produtores. A redução na entrega de grãos variou entre os
estratos de produtores. Foram os estratos de maior escala de produção que apresentaram as
menores reduções percentuais na entrega de grãos, tendo até mesmo reduções não
87
significativas para o teste t. Esta menor redução percentual, no entanto, não significa um
efeito menor para a cooperativa. Percentualmente a redução é menor, mas a quantidade de
grãos que deixa de ser entregue por produtor é maior nos estratos de maior produção, pois
estes produtores entregam uma quantidade maior de grãos por produtor. Quando se analisa a
quantidade de soja ou milho que deixa de ser entregue por produtor, há uma diferença grande
entre os estratos, sendo que um produtor do estrato de 0-30 l/dia deixaria de entregar 27 sacos
de soja quando parasse de entregar leite, o que significa uma redução de 58% na quantidade
entregue. Já um produtor pertencente ao estrato de > 300 l/dia deixaria de entregar 119 sacos,
que representa uma redução de 51% na entrega. De posse desta informação, a cooperativa
pode decidir em qual tipo de produtor ela deve investir para manter no leite, pensando nos
efeitos que a saída deles pode provocar nos negócios da cooperativa. Cabe lembrar que no
estrato de 100-300 l/dia, existem somente 150 produtores, enquanto que no de 0-30 l/dia são
750 produtores no ano de 2004 na Coopermil. Estes dados do conjunto do estrato devem ser
levados em consideração nesta análise do impacto dos produtores pararem de entregar leite
para a cooperativa.
Em relação a
o efeito da entrega de leite sobre as compras efetuadas na cooperativa,
soment
pode-se fazer uma
timaç
cooperativa com a perda do negócio leite?
e o estrato de 100-300 l/dia apresentou diferença estatística significativa entre as
médias de compras Antes e Depois, com uma redução média de R$ 10.776,00 por produtor
por ano depois que eles pararam de entregar leite. Nos outros estratos, não houve diferença
estatística entre as compras nos dois períodos. Isto pode ser explicado pelo fato destes
produtores não terem muitas outras opções de local de compras, e acabam continuando a
realizar suas compras de supermercado, principalmente, ainda na cooperativa. O volume de
compras individual neste estrato de produção já era pequeno, e a variação devida ao fato do
produto parar de entregar leite acaba sendo não significativa. Já para os produtores de maior
escala de produção, existem outras opções de locais de compras, e suas compras são de maior
valor, e a falta de vínculo da atividade leiteira acaba fazendo com que eles passem a comprar
mais em outros locais quando param de entregar leite para a cooperativa.
Com os dados de diminuição percentual na entrega de grãos
es ão do valor que a atividade leiteira possui para os negócios da cooperativa. Esta
estimação é interessante por mostrar quanto realmente o negócio leite significa para uma
cooperativa tritícola como a Coopermil, pensando no que ocorreu na região de Santa Rosa em
2003 quando duas outras cooperativas tritícolas, com um funcionamento bastante semelhante
ao da Coopermil, decidiram abandonar a atividade leiteira. Qual o impacto no faturamento da
88
Para fazer esta simulação, analisando o ano de 2003, tem-se um faturamento no setor
de recebimento de soja de R$ 45.230.437,0
0. Como os produtores de leite foram responsáveis
Faturamento
Estimativa de Valor Estimado
)
Percentual de
cada setor na
pela entrega de 28,7% da soja, supõe-se que também foram responsáveis por 28,7% do
faturamento do setor. Isto significa que os produtores de leite foram responsáveis por R$
12.981.135,00 do faturamento do setor soja. Se estes produtores não entregassem leite para a
cooperativa haveria, de acordo com os dados apresentados, uma redução de 52% na
quantidade entregue de soja, o que significaria uma redução de 52% no faturamento do setor
soja dos produtores de leite, o que equivale a R$ 6.750.190,00 no ano de 2003. Já em relação
ao milho, seguindo o mesmo raciocínio, chega-se à cifra de R$ 258.645,00 ao ano. No total,
temos um impacto de R$ 7.008.835,00, o que equivale a uma redução de 5% no faturamento
total da empresa em 2003. A Tabela 10 resume a estimativa apresentada.
Tabela 10 – Estimativa do valor do negócio leite para a Coopermil:
Produtores de
Perda da Perda (R$
Leite (R$)
perda total
Soja 12.981.135,00 2% 5 6.750.190,00 96,3%
Milho 431.075,00 60% 258.645,00 3,7%
Total
7.008.835,00 100%
Fonte: Elaborado pela aut
a entrega de grãos e nos valores das compras (para o estrato de 100-
prova que o fato do produtor entregar leite para a cooperativa influencia nas
suas de
ora
Esta diminuição n
300 l/dia) com
cisões de venda, tornando-o mais fiel à cooperativa. Esta diminuição na entrega de
grãos sinaliza um comportamento oportunista, pois ela (a diminuição) não pode ser explicada
por outro fator a não ser a entrega do produto para outra empresa. O produtor não está
produzindo menos grãos depois que parou de entregar leite, salvo raros casos em que o
produtor pára de entregar leite porque encerrou suas atividades como produtor rural. Na sua
maioria, os produtores param de entregar leite mas seguem produzindo grãos e seguem como
sócios da cooperativa. Se o leite não produz efeitos sobre a fidelidade, a entrega de grãos do
produtor que parou de entregar leite deveria continuar a mesma, e não diminuir. A diminuição
significa que ele passou a vender produtos para outros compradores, caracterizando uma
quebra de contrato oportunística.
89
Utilizando os conceitos da ECT, o leite poderia ser um fator a aumentar a fidelidade
do produtor à cooperativa ao prom
over uma maior freqüência nas relações entre cooperado e
cooper
atividade agrícola do que o
produto
tiva do que o produtor de grãos, e como o fato da cooperativa
trabalh
ativa. Esta maior freqüência diminui as incertezas e a assimetria informacional,
aumentando a confiança entre as partes e aumentando o custo da atitude oportunista, porque o
produtor percebe os benefícios que tem na continuidade da relação. O produtor de leite possui
uma maior freqüência de negociação do que o produtor de grãos. A característica da atividade
já promove esta maior freqüência. Como afirmaram os gestores da cooperativa entrevistados,
o produtor de leite está pelo menos 2 vezes por mês na cooperativa, isto se ele só for buscar a
nota do leite. Normalmente, semanalmente ele vem à cooperativa para comprar algum
produto para a produção leiteira. O produtor de grãos vai muito pouco à cooperativa, duas a
três vezes no ano, na época de plantio e de entrega de grãos. Desta forma, o contato do
produtor de leite com os técnicos, com o gerente de unidade é muito maior, o que contribui
para a construção de uma relação de confiança e respeito mútuo.
Além disso, o produtor de leite acaba participando muito mais da vida da cooperativa,
tendo uma maior percepção da importância da cooperativa na sua
r que só produz grãos. Conhecendo mais a cooperativa, ele passa a compreender que
os benefícios da instituição não estão presentes somente nos preços pagos ao produtor, mas
em uma série de outros fatores, o que acaba aumentando o custo da atitude oportunista. Além
do trabalho com o leite proporcionar uma visão mais completa da instituição, existem
mecanismos informais no relacionamento com o produtor de leite que acabam tornando-o
mais fiel, como, por exemplo, no caso da ida do produtor à cooperativa para comprar um
medicamento para as suas vacas e neste momento ele já é questionado pelo técnico ou pelo
gerente da unidade sobre a sua colheita, sobre os resultados, sobre preços. Esta conversa já é
uma forma de pressão para a entrega de grãos na cooperativa, e uma pressão que o produtor
de grãos não sofre, pois ele não vai com tanta freqüência à cooperativa. No Capítulo 5, será
discutido como o produtor de leite toma a decisão de escolher o local de venda de seus
produtos, e desta forma poderá ser explicado como o leite pode influenciar numa maior
fidelidade na entrega de grãos.
Neste momento, a preocupação é em tentar demonstrar como o produtor de leite
transaciona mais com a coopera
ar com o produto leite acaba tendo influências nos outros setores que ela atua. No
próximo capítulo serão então explorados os fatores que podem ser responsáveis por este efeito
da atividade leiteira no relacionamento da cooperativa com o cooperado.
90
Um outro dado que pode mostrar o efeito do leite sobre o relacionamento do produtor
com a cooperativa é a freqüência de compras realizadas. Existem 3.5
36 produtores que
entrega
cooperado-cooperativa diz respeito à variação nas quantidades de grão
entregu
ca não pelo fato dos produtores de grãos
ram grãos na cooperativa a partir de 2003. Destes, 38,6%, ou 1.366 produtores,
apresentam média zero nas compras. Isto significa que mais de um terço dos produtores que
entregaram grãos não compraram nada na cooperativa. O caso destes produtores mostra um
exemplo do problema do carona, descrito por Cook (1995). Eles usaram a estrutura da
cooperativa quando foi conveniente (um bom preço pela soja e garantia de pagamento), mas
não mostram nenhum outro envolvimento com a instituição, pois não compram nada dos
insumos para produção na cooperativa, eles só usam esta estrutura quando ela é a melhor
opção de negócio. Já no caso dos produtores de leite, somente 241 (11,2%) dos 2.152
produtores que entregaram leite para a cooperativa desde 2003 apresentam média zero de
compras na cooperativa. Isto mostra como o produtor de leite tem um vínculo muito maior
com a instituição do que o produtor de grãos, e este vínculo é causado pela própria natureza
da atividade leiteira, que demanda insumos durante o ano todo, insumos estes que podem ser
comprados através da conta leite. Esta facilidade de comprar através da conta leite pode ser
um dos fatores que explica que poucos produtores de leite não realizam compras na
cooperativa.
Finalmente, um último dado que expressa a influência do produto leite sobre o
relacionamento
e e nas compras realizadas. Sabe-se que a produção de grãos está sujeita à variação por
diversos fatores, principalmente climáticos. No entanto, as variações climáticas afetam
praticamente todos os produtores. Desta forma, se os dois tipos de produtores (produtores de
leite e produtores de grãos) entregam toda a sua produção de grãos para a cooperativa, a
variabilidade da quantidade entregue deve ser semelhante. No entanto, ao calcular o
coeficiente de variação da entrega anual de grãos de cada produtor e comparar as médias dos
dois grupos de produtores através do Teste t, chega-se ao resultado de que a média do
coeficiente de variação da entrega de grãos dos produtores de grãos é maior do que a dos
produtores de leite, ao nível de significância de 5%. Ou seja, os produtores de grãos variam
mais a quantidade entregue de grãos. Isto pode significar que os produtores de grãos não
entregam sempre toda a sua produção para a cooperativa, eles vendem também para outros
comerciantes, de acordo com as oportunidades de negócio que aparecem, o que explica a
variação na quantidade vendida para a cooperativa.
Nas compras realizadas, o coeficiente de variação dos produtores de grãos também é
maior do que dos produtores de leite. Isto se expli
91
compra
os sobre as
ativida
rem em outros locais, mas pelo fato de terem um padrão de compras mais sazonal, de
acordo com os períodos de plantio, quando aumentam as compras significativamente em
relação aos outros meses do ano. Os produtores de leite também aumentam suas compras nos
períodos de plantio, mas não na mesma proporção, pois produzem menos grãos, tendo uma
demanda menor por insumos nesta época. Além disso, os produtores de leite possuem gastos
mais regulares porque a atividade leiteira demanda insumos durante todo o ano.
A atividade leiteira intermediada pela cooperativa apresenta uma clara influência sobre
as relações que se estabelecem entre cooperado e cooperativa, tendo efeit
des da cooperativa em geral. Os efeitos não são causados pela atividade leiteira em si,
mas no relacionamento mais freqüente que ela promove. No capítulo seguinte, será feita uma
discussão mais qualitativa a respeito do papel do leite nestas relações e como ele pode
influenciar na fidelidade dos produtores à instituição.
92
5. A ATIVIDADE LEITEIRA INFLUENCIANDO A RELAÇÃO ENTRE
COOPERADO E COOPERATIVA:
Tendo já demonstrado como são as relações entre cooperado e cooperativa a partir da
base de dados da cooperativa, enfatizando principalmente a relação comercial que se
estabelece entre estes agentes e qual a participação da atividade leiteira nesta relação,
pretende-se agora destacar as percepções dos agentes a respeito deste relacionamento,
analisando os dados coletados nas entrevistas com a direção da cooperativa e com os
produtores de leite associados. Estas percepções vão complementar e de certa forma explicar
o efeito que a atividade leiteira possui nos negócios da cooperativa, efeito este que foi
demonstrado no capítulo anterior.
Inicialmente, será feita uma caracterização dos produtores entrevistados, destacando as
variáveis que apresentaram diferenças entre os estratos de produtores analisados. Dentro desta
caracterização, destacaremos a importância que a atividade leiteira possui para a
sobrevivência destes produtores e qual a importância da cooperativa nas atividades destes
produtores rurais. Posteriormente, será apresentada a visão da direção da cooperativa a
respeito das estratégias de negócio para a área leite e para a cooperativa como um todo,
destacando quais os fatores que podem ser limitantes para o sucesso destas estratégias e que
papel a atividade leiteira pode ter para auxiliar neste sucesso.
Finalmente, serão apresentados os resultados relativos aos testes realizados para tentar
identificar quais fatores podem influenciar na fidelidade dos cooperados à cooperativa, e se o
leite pode ser apontado como um destes fatores.
5.1. CARACTERIZAÇÃO DOS PRODUTORES ASSOCIADOS À COOPERMIL
O objetivo desta caracterização é tentar identificar quais as variáveis que diferem entre
os estratos de produtores, tentando apontar que fatores são determinantes do relacionamento
com a cooperativa e se existe realmente diferenças neste relacionamento entre os estratos de
produtores. Os dados coletados nas entrevistas foram divididos em itens: dados do produtor,
produção agrícola, comercialização, relacionamento com a cooperativa e setor leiteiro.
93
5.1.1. Dados do Produtor
A idade média dos produtores entrevistados é de 45,45. Não existe diferença na média
de idade entre os estratos de produtores. Dos entrevistados, 95% são casados, e também não
houve diferença entre os estratos de produtores em relação ao estado civil. Em relação ao grau
de escolaridade do chefe da família, 73% dos entrevistados possuem somente o ensino
fundamental incompleto e não há diferença entre os estratos de produtores ao nível de
significância de 5% para as freqüências dos níveis de escolaridade.
Em relação aos dados do produtor, interessa particularmente para a análise os dados
referentes à idade e grau de escolaridade, pois imagina-se que estas variáveis possam
influenciar nas decisões dos produtores. Um produtor com um maior grau de escolaridade
pode ter uma maior compreensão da estrutura e funcionamento da cooperativa, levando-o a
tomar decisões diferenciadas em relação a um produtor com um nível de escolaridade menor.
Não necessariamente um produtor com maior grau de escolaridade será mais fiel à
cooperativa. Pelo contrário, por ele conhecer melhor como funciona a estrutura da cooperativa
e a valorização das suas cotas-parte, pode optar por não vender para a cooperativa por achar
que não terá benefícios advindos da valorização de suas cotas.
5.1.2. Produção Agrícola
É neste item que encontramos as diferenças mais marcantes entre os estratos de
produtores, o que é compreensível já que a estratificação foi realizada baseada em critérios
relacionados ao sistema de produção.
A caracterização do sistema começa com os dados relativos a área total e área útil, na
Tabela 11.
94
Tabela 11 – Área total e útil de acordo com o estrato de produção:
Estrato (l/dia) Área Total (ha) Área Útil (ha)
0-30 16,95ª 10,18
a
30-50 32,58
ab
24,75
ab
50-100 18,32
ab
15,05
ab
100-300 35,08
b
28,33
b
>300
50,00
b
43,50
b
Médias seguidas da mesma letra são iguais para o Teste t ao nível de significância de 5%.
Fonte: Elaborado pela autora
Pelos dados da tabela vemos que não existe diferença na área utilizada entre os
estratos de 30-50 l/dia até o estrato de mais de 300 l/dia. Ou seja, a partir de 30 l/dia, a área
disponível não é fator determinante da escala de produção de leite. Cabe aqui uma ressalva
em relação à média da área do estrato de 30-50 l/dia. Como se observa pela Tabela 11, ela é
superior à média da área do estrato de 50-100 l/dia, mas as médias foram consideradas
estatisticamente iguais porque a variância deste dado no estrato de 30-50 l/dia era muito
grande, pois havia um produtor com mais de 100 ha neste estrato, o que acabou fazendo com
que a média calculada fosse maior, mas não estatisticamente diferente. Em relação ao regime
de propriedade desta área de produção, existe diferença significativa entre os estratos de
produção. Até 100 l/dia, há um predomínio de proprietários, enquanto a partir de 100 l/dia
aumenta o percentual de produtores que além de serem proprietários de um lote de terras,
também arrendam terras. Isto pode ser explicado pela maior necessidade de área para
produção de alimentação para os animais, que ultrapassa muitas vezes a área que é de
propriedade do produtor e ele tem então que arrendar outra área. O arrendamento de terras
também demonstra uma postura mais empreendedora destes produtores, que não ficam
limitados à área de sua propriedade, tem coragem de investir, expandindo a área trabalhada. É
importante ressaltar que apesar destes produtores arrendarem terras, a área total trabalhada
não difere estatisticamente da área dos produtores com menor escala de produção.
Arrendatários exclusivos, aqueles que não são proprietários de nenhuma área, foram
encontrados somente nos estratos até 50 l/dia. A grande maioria dos produtores (89%) não
arrenda suas terras para outros, quando isto ocorre, é muitas vezes feito arrendamento para um
funcionário, como forma de se proteger contra ações trabalhistas.
Em relação ao tipo de produtos produzidos, não existe diferença entre os estratos de
produtores. Todos são produtores de leite e produzem ainda outros produtos. No geral, metade
95
dos produtores se dedica à produção de soja para venda, milho em duas safras (safra e
safrinha) para autoconsumo e venda do excedente e cultivo de pastagens de inverno (aveia e
azevém) nas áreas de lavoura de verão para pastejo do gado leiteiro. A outra metade adota o
mesmo sistema, com a diferença que utiliza uma parte da área das lavouras de verão para
cultivo de trigo durante o inverno, destinando só parte da área para o cultivo de pastagens. O
trigo produzido não é todo destinado para venda, sendo parte dele muitas vezes utilizado para
alimentação dos animais. Nos estratos a partir de 50 l/dia, a maioria dos produtores declarou
que a produção de grãos e leite aumentou em relação há 10 anos atrás.
Detalhando alguns aspectos da produção de leite, vemos que existem diferenças
marcantes entre os estratos de produtores, conforme ilustra a Tabela 12. A média de vacas por
produtor foi estatisticamente diferente para todos os estratos de produção. Em relação ao tipo
de ordenha e de sistema de resfriamento, as freqüências entre os estratos também foram
estatisticamente diferentes a partir do teste do Qui-quadrado, ao nível de significância de 5%.
Tabela 12 – Número de vacas, sistema de ordenha e resfriamento do leite nos diferentes
estratos de produção:
Estrato (l/dia) 0-30 30-50 50-100 100-300 >300
Número de vacas ordenhadas
4,43 5,83 8,25 13,17 23,80
Ordenha:
Manual
71% 50% 0% 0% 0%
Mecânica
29% 50% 100% 100% 0%
Mecânica Canalizada
0% 0% 0% 0% 100%
Resfriamento:
Refrigerador
71% 33% 10% 0% 0%
Resfriador Imersão
29% 67% 60% 11% 0%
Resfriador Expansão 0% 0% 30% 89% 100%
Fonte: Elaborado pela autora
Como a estratificação foi feita baseada na escala de produção de leite, já se esperava
que o número de vacas ordenhadas por produtor aumentasse à medida que aumentasse a
escala de produção. Em relação ao nível de adoção de tecnologias na ordenha e resfriamento
do leite também esperava-se um aumento à medida que aumentasse a quantidade produzida.
Isto é uma necessidade inerente da atividade. Um volume maior de leite produzido por dia
cria a necessidade de um sistema de ordenha mecânica ou até de ordenha canalizada, quando
96
a quantidade passa dos 300 l/dia. O mesmo ocorre com o sistema de resfriamento. O
refrigerador não tem como esfriar e manter a qualidade de um volume de leite superior a
50l/dia, principalmente no verão. Volumes acima de 200 l/dia também criam dificuldades
para o bom funcionamento de um resfriador de imersão, pela dificuldade em manter tarros
para todo este volume de leite, pelo espaço que um resfriador destes ocupa e pelo gasto de
energia elétrica que ele provoca. Resfriadores de imersão possuem um gasto de energia
elétrica bem maior do que os resfriadores de expansão, que são mais eficientes e de mais fácil
manutenção. É a necessidade de diminuir custos (pela economia de energia) e mão de obra
(no trabalho de higienização dos tarros) que os produtores com uma maior escala de produção
optam pelo resfriador de expansão, que tem um preço de aquisição mais elevado. Além disso,
existe uma bonificação no preço do leite para os produtores que possuem resfriador de
expansão, o que é um estímulo que a indústria dá para que os produtores possam se adequar à
Normativa 51.
Surpreende que 30% dos produtores do estrato de 50-100 l/dia já contem com o
resfriador de expansão, mostrando que o resfriador é uma necessidade e uma imposição da
indústria que aos poucos os produtores estão conseguindo se adaptar. Para que um número
maior de produtores possa se adequar às normas de qualidade, são necessárias formas de
acesso ao produto, com programas de financiamento a longo prazo. Neste ponto, temos um
exemplo da atuação da cooperativa junto aos associados, promovendo o acesso a crédito por
parte dos cooperados. Conforme já apontado no capítulo anterior, a cooperativa é responsável
pelo aval do financiamento dos resfriadores junto às empresas que fabricam estes produtos.
Estes financiamentos são feitos em prazos de até 60 meses, e as parcelas são descontadas
diretamente na conta leite do produtor.
Na questão do acesso à crédito, existe diferença entre os estratos de produtores no
número de vezes que acessaram o crédito de investimento. No estrato de 100-300 l/dia, 100%
dos produtores tiveram acesso à crédito de investimento nestes últimos 10 anos pelo menos
uma vez, 67% conseguiram acessar mais de uma vez. No estrato de > 300 l/dia, 80% dos
produtores acessaram crédito de investimento mais de uma vez. Estes produtores utilizaram
este crédito principalmente para realização de benfeitorias na propriedade (como construção
de sala de ordenha), compra de sistemas de ordenha e de resfriadores. No geral, poucos
produtores utilizaram o crédito de investimento para a área de lavouras, os investimentos
estiveram relacionados à atividade leiteira, principalmente. Uma informação interessante é
que nos estratos de até 50 l/dia de produção, 50% dos produtores nunca tiveram acesso a
crédito de investimento. Existem inúmeros fatores que podem explicar este dado, como falta
97
de garantias para a retirada do empréstimo, falta de orientação sobre como acessar este
recurso ou a falta de interesse por parte do produtor. O que se sabe é que sem este tipo de
crédito é difícil realizar grandes investimentos na atividade leiteira, pela baixa rentabilidade
que ela apresenta. O acesso ao crédito de investimento, pelos dados apresentados, parece ser
um diferencial dos produtores com maior escala de produção. Sem crédito de longo prazo, o
produtor não tem como investir e aumentar a sua produção. No caso do crédito de custeio, não
existe diferença entre os estratos na freqüência do acesso. A maioria (55%) declarou ter
crédito de custeio todos os anos, através do Pronaf.
Em relação à mão de obra utilizada nas propriedades, ela é basicamente familiar. Os
estratos de menor escala de produção não utilizam mão de obra contratada em nenhum
período (70%), enquanto nos estratos a partir de 100 l/dia, já há utilização de mão de obra
contratada em 50% dos casos, mas esta mão de obra tem caráter temporário, sendo utilizada
nos períodos de maior demanda, como nas épocas de colheita de milho para silagem.
Finalizando o item de produção agrícola, é interessante definir a importância dos
diferentes tipos de produtos que são produzidos na composição da renda do produtor,
tentando definir qual seria o mais importante. Não houve diferença entre os estratos de
produção em relação à fonte de renda mais importante. No geral, 39% declararam que a
produção de grãos é a atividade mais importante na sua renda, 25% disseram que grãos e leite
contribuem da mesma forma na formação da renda e 34% disseram que o leite é o produto
mais importante na formação da sua renda. Não haver diferença significativa entre os estratos
foi uma informação surpreendente, pois acreditava-se que os produtores de leite de maior
escala de produção, por terem se especializado mais produtivamente, tivessem a maior parte
da renda advinda da atividade leiteira. Por outro lado, como os produtores de leite de menor
escala acabam tendo no leite uma das principais formas de renda monetária mensal, a
percepção que eles tem da participação do leite na sua renda pode ser superestimada, o que
explicaria porque o percentual de produtores de escala reduzida que declarou que o leite é sua
principal fonte de renda não diferiu do percentual dos produtores de maior escala de
produção.
Somando o número de produtores que consideram o leite como atividade principal e
os que consideram o leite com a mesma importância dos grãos, temos 59% dos produtores
que tem o leite como atividade mais importante ou igual ao grão, ou seja, o leite não é mais
somente uma alternativa de renda à produção de grãos, como apontado por diversos autores
(Bitencourt et al., 2000; Pedroso, 2001; Rodrigues, 2000), ele é muitas vezes a atividade mais
segura e importante e a produção de grãos passa a ser a atividade alternativa.
98
Ainda em relação à composição da renda dos produtores, 77% declararam que
possuem outras fontes de renda, que advém, no caso dos produtores com mais de 300 l/dia,
principalmente de aposentadorias de algum membro da família, e no caso dos produtores até
50 l/dia de trabalhos realizados fora da propriedade, como a prestação de serviços como
diaristas para outros produtores ou a manutenção de um emprego na cidade.
5.1.3. Comercialização
Um dos objetivos deste tópico é analisar a participação da cooperativa como forma de
acesso a mercado de seus cooperados. Neste sentido, é importante verificar o percentual de
negócios que os cooperados realizam com a cooperativa e também avaliar quais os fatores que
os produtores consideram no momento de escolher com quem realizarão seus negócios. A
compra e venda de produto pelos cooperados são um dos pontos chave deste trabalho, pois
estas ações são a base de sustentação do relacionamento que se estabelece entre cooperado e
cooperativa, e a partir de onde começamos a discussão sobre fidelidade do produtor à
instituição.
Pela análise dos dados das entrevistas, a cooperativa é a principal parceira comercial
dos produtores, tanto na venda de produtos como na compra de insumos. Ao contrário do que
se esperava, não houve diferença entre os estratos de produtores no percentual de compras
realizadas na cooperativa de produtos individuais ou na média geral. Esperava-se que os
produtores de menor escala de produção dependessem mais da cooperativa e realizassem um
percentual maior de compras e venda de produtos do que os produtores de maior escala, mas
não foi este o resultado que se chegou. Na verdade, os destinos da produção dos cooperados
entrevistados variaram muito pouco, sendo sempre a cooperativa a principal parceira.
A entrega de produtos na cooperativa é decisiva para a classificação do produtor no
grupo de maior fidelidade, de acordo com o que foi estipulado no Capítulo 3. Os produtores,
pelo estatuto, são obrigados a entregar 100% da sua produção na cooperativa. No geral, a
cooperativa recebe 85% da soja produzida pelos cooperados entrevistados, 18% do milho
(pois a maior parte é destinada ao autoconsumo) e 100% do leite. Nenhum dos entrevistados
declarou vender leite para outro cliente que não a cooperativa. Quando questionados sobre a
venda de leite informalmente na cidade, declararam ser uma prática muito pouco comum, pois
é difícil encontrar clientes de confiança que garantam o pagamento pelo produto recebido e
também porque é muito trabalhoso ir para a cidade fazer a distribuição do leite.
99
Este aspecto da confiança no pagamento pelo produto entregue é o principal fator que
leva os cooperados e escolherem a cooperativa na hora de comercializarem seus produtos.
Quando perguntados sobre quais fatores eles levam em consideração na hora de venderem
seus produtos, os cooperados, utilizando uma escala de 1 a 5, classificaram os itens de acordo
com a Tabela 13.
Tabela 13 Média da classificação dos fatores considerados no momento de vender a produção
(1 – não importante; 5 – muito importante):
Fator Média Classificação Teste de Médias
Facilidade de escoamento da Produção 2,73 a
Comprometimento com a empresa que está
comprando os produtos
3,32 a b
Compensação – recebimento de outros
benefícios
3,33 a b
Preço 3,52 b
Confiança no pagamento
4,57 c
Fonte: Elaborado pela autora
Pela classificação dos produtores, observa-se que critérios como facilidade de
escoamento não são muito importantes, pois eles alegam que há muita facilidade em entregar
seu produto para qualquer comerciante, sempre existe mais de um próximo às suas
propriedades e todos os compradores cobram frete para buscar o produto, então este não é um
fator que vai determinar o local de venda.
O preço de venda também não é o fator mais importante, pois ele ficou com a mesma
classificação do comprometimento com a empresa e o recebimento de outros benefícios por
causa da venda de produtos. Na verdade, os produtores alegam que preço é importante, sem
dúvida, mas não decidem vender para outro comerciante baseado somente no preço. O fator
que é levado mais em consideração na hora da venda do produto é a confiança do produtor de
que ele receberá o preço combinado pela entrega do produto. Na região houve, segundo o
depoimento de produtores, muitas empresas que apareceram oferecendo preços melhores do
que a cooperativa, receberam o produto de uma safra e nunca pagaram os produtores. Com
medo de perder sua produção, os produtores preferem vender para quem eles confiam, mesmo
que isto signifique um preço menor pelo produto.
100
Agora quando o produtor tem a sua disposição mais de uma empresa com solidez no
mercado, que transmite confiança de que tem como pagar pelo produto que recebe, os fatores
como preço, recebimento de compensações pela entrega do produto e comprometimento com
a empresa começam a ser importantes e passam a definir o local de venda do produto.
Neste ponto é que a cooperativa deve trabalhar para aumentar a fidelidade do produtor.
Se confiança no pagamento e preço competitivo podem ser oferecidos pelas outras empresas,
então a cooperativa deve manter seu produtor fiel através dos outros fatores que ele considera
como importantes na hora de definir o local da venda de insumos: o sentimento de
comprometimento com a empresa para qual ele está vendendo e o sentimento de que existe
uma compensação pela venda. Neste sentido, o leite pode auxiliar nesta estratégia, ao fazer o
produtor participar mais da vida da cooperativa e começar a perceber que existe um
compromisso em entregar a produção para ela e de que haverão compensações por esta
entrega.
Quando questionados se preferem negociar com a cooperativa ou com outra empresa,
95% dos entrevistados declararam que preferem a cooperativa, porque ela tem sempre
produtos de qualidade, preços de mercado, uma maior confiança, o produtor já conhece
melhor as pessoas que trabalham na cooperativa e ele considera que é bem atendido. E
quando se questiona se as condições do negócio forem melhores na outra empresa, ainda 57%
dos entrevistados afirmam que preferem negociar com a cooperativa, principalmente por
terem uma maior confiança, estarem mais ligados à empresa. Alguns associados dizem que as
vantagens de uma empresa em um negócio são transitórias, e não valeria a pena romper com a
cooperativa para ter uma vantagem em um único negócio. Quando declaram isto, os
produtores estão demonstrando que percebem qual o custo que a atitude oportunista tem, e
fazem a opção de continuarem fiéis. Fazer o produtor perceber o custo da atitude oportunista é
uma das estratégias que a cooperativa pode lançar mão para aumentar a fidelidade de seus
produtores.
No caso da compra de produtos, os cooperados também têm na cooperativa sua
principal fornecedora de insumos. Em média, as compras dos cooperados na cooperativa
ficam em torno de 74% do total consumido pelos produtores. Foi feita também uma
classificação dos fatores que os cooperados levam em consideração na hora de comprar
insumos, conforme pode ser visualizado na Tabela 14.
101
Tabela 14 Média da classificação dos fatores considerados no momento de comprar insumos
(1 – não importante; 5 – muito importante):
Fator Média
Classificação
Teste de
Médias
Compensação – recebimento de outros benefícios 3,09 a
Comprometimento com a empresa que vende os
produtos
3,23 a b
Preço 3,50 a b c
Confiança no produto/empresa 3,65 a b c
Facilidade de acesso 3,73 b c
Assist Técnica no local de venda 3,82 c
Característica do Produto
3,93 c
Fonte: Elaborado pela autora
Pelos dados apurados, fatores que são mais importantes na hora de vender os produtos
não são tão decisivos na hora de comprar insumos, como a ocorrência de compensações pela
compra e o comprometimento com a empresa que vende os insumos. Na verdade, na decisão
de compra é bem mais difícil apontar um fator chave, como no caso da venda. Existe uma
variação grande nos resultados e os produtores tendem a apontar todos os itens listados no
questionário como importantes. Na verdade, foi muito freqüente a resposta de que um dos
fatores que levam os produtores a optar por um local de compra era a possibilidade de
compras a prazo ou parceladas e o bom atendimento, fatores estes que não estavam na lista do
questionário e eram espontaneamente sugeridos pelos produtores, e devem, portanto, ter um
peso significativo na escolha do local da compra de insumos.
A escolha do local da compra de insumos não parece ser uma decisão à qual os
produtores dedicam muito tempo para escolher onde comprar. Pelas respostas apresentadas,
eles valorizam características relativas ao produto e ao bom atendimento, além do preço. No
caso do preço, a cooperativa oferece descontos aos associados, e este parece ser um dos
motivos que levam os produtores a optarem por ela na hora das compras.
102
5.1.4. Associação e Relacionamento com a Cooperativa
O item de relacionamento com a cooperativa é um dos mais importantes deste
trabalho, pois serão analisadas as percepções que os cooperados possuem da cooperativa,
assim como seu envolvimento e participação nas atividades da instituição.
O primeiro item avaliado a respeito da cooperativa é relacionado ao tempo de
associado que o produtor possui. Entende-se que produtores mais antigos, que muitas vezes
tiveram familiares como sócios fundadores da cooperativa possam ter um maior
comprometimento com a instituição. Inclusive esta variável é incluída na composição do
índice de participação do cooperado na cooperativa, que faz parte da discussão sobre fatores
que afetam a fidelidade do cooperado. Existe diferença significativa entre os estratos de
produção de leite no tempo de associado, conforme ilustra a Tabela 15. Além de serem
associados há vários anos, 75% dos produtores sempre foram associados da Coopermil, nunca
de outra cooperativa.
Tabela 15 - Média por estrato do tempo de associado:
Estrato (l/dia) Tempo de associado (anos) Teste de Médias
0-30 13,11 a
30-50 18,08 a b
50-100 17,90 a b
100-300 20,89 b
> 300
34,40 c
Fonte: Elaborado pela autora
Em relação aos motivos que levaram os produtores a se associarem na cooperativa, os
mais importantes foram relacionados à facilidade de comercialização dos produtos, facilidade
na compra de insumos, facilidade de acesso à crédito e acesso à assistência técnica. Estas são
funções tradicionais das cooperativas: comercializar os produtos dos cooperados, fornecer
insumos e bens de consumo, prover serviços (de assistência técnica) e facilitar acesso à
crédito, quando não é ela mesma uma cooperativa de crédito.
Quando solicitados a citarem espontaneamente as vantagens da cooperativa, a maioria
dos produtores listou a assistência técnica, o acesso a crédito, o bom atendimento, a
segurança e vantagens nos preços (descontos). Em relação às vantagens que Bialoskorski
(2001) apontou para as cooperativas em relação às empresas de capital, os produtores
103
conseguem identificar duas das três apontadas pelo autor. Bialoskorski (2001) aponta que as
cooperativas propiciam uma estrutura mesoeconômica de agregação de economias
particulares, beneficiando as transações ao longo da cadeia agroalimentar, facilitando o
relacionamento do produtor com as estruturas de mercado oligopolizadas, trazendo
economias em seus negócios através de escalas de negociação. Esta vantagem é percebida
pelos produtores, quando apontam as facilidades comerciais que conseguem na cooperativa.
Além disso, Bialoskorski (2001) afirma que a forma organizacional cooperada permite
economias nas transações de mercado, na utilização de ativos específicos e nas transferências
de preços, de informações estratégicas e de tecnologia. Os cooperados reconhecem a
cooperativa como forma de acessarem mercados, tecnologia e preços melhores.
No entanto, os cooperados não reconhecem a terceira vertente para o aumento de
renda dos produtores apontada por Bialoskorski, que diz respeito a distribuição pro rata das
sobras do exercício, que possibilita uma prática de preços de médio prazo menores que os de
mercado, fazendo com que os custos de produção diminuam e aumente a renda do produtor.
Na verdade, somente dois produtores citaram a distribuição de sobras como uma vantagem da
cooperativa. Ter acesso à distribuição de sobras também não foi considerado como um
motivo importante para os produtores se associarem à cooperativa.
Quando questionados sobre as desvantagens da cooperativa, a maioria respondeu que
não havia desvantagens, alguns citaram que nem sempre ela tem o melhor preço e outros
ainda citaram que a cooperativa não tem programas de valorização da fidelidade do produtor.
Este ponto é bastante importante para este trabalho por mostrar que até mesmo os cooperados
sentem a necessidade da criação de mecanismos de incentivos à fidelização do produtor, pois
muitas vezes estes produtores são fiéis à cooperativa por um sentimento cooperativista mais
exacerbado, mas não percebem um benefício econômico nesta fidelidade, e não se sentem
valorizados por este ato.
Em relação à participação do cooperado nas atividades da cooperativa, não houve
diferença entre os estratos nas variáveis analisadas. No geral, as atividades que os produtores
declaram participar mais são as mini-assembléias e as palestras e dias de campo. A assembléia
geral é a atividade com a menor participação dos produtores. Quando questionados dos
motivos para a não participação nestes eventos, a maioria alega que falta tempo ou não tem
como se deslocar até o local da reunião, principalmente no caso da Assembléia geral, que
ocorre somente em Santa Rosa. A falta de divulgação dos eventos não foi apontada como um
motivo para o não comparecimento às atividades, já que os produtores alegaram que sempre
ficam sabendo das reuniões através do programa de rádio da cooperativa.
104
Este item de participação é extremamente importante, pois a maior participação
permite uma maior compreensão da estrutura da cooperativa e da importância que o
cooperado tem para a manutenção desta estrutura. A atividade leiteira vai influenciar na
participação do cooperado na instituição, e é através desta participação que ela parece
influenciar na fidelidade do produtor à instituição. Apesar de não haver diferença entre os
estratos nas variáveis individuais relativas à participação na cooperativa, quando se combinam
estas variáveis em um índice de participação, encontramos diferenças entre os estratos. Os
estratos de produção até 50 l/dia possuem um índice de participação menor do que dos outros
estratos.
Em relação à compreensão dos produtores da estrutura da cooperativa, somente 7%
deles declararam conhecer bem o estatuto da sociedade, e só 14% dizem conhecer todos os
membros do conselho administrativo. Em relação à participação no processo decisório, 45%
dos produtores acredita que os produtores também decidem os rumos da cooperativa, através
da participação na assembléia geral. Apesar disso, somente 20% dos produtores declararam ir
sempre à assembléia geral.
Borgen (2001) afirma que o produtor precisa se sentir identificado com a cooperativa
para que seja mais fiel, ele tem que sentir que a cooperativa representa os interesses dos
produtores. Neste contexto, 90% dos produtores entrevistados declararam que sentem que a
cooperativa representa seus interesses, pois ela tenta sempre conseguir o melhor preço
possível e trabalha em benefício do produtor. Não houve diferença entre os estratos em
relação a este sentimento de representatividade.
Também não houve diferença entre os estratos de produtores a respeito do que eles
esperam da atuação da cooperativa, se preços melhores ou uma maior distribuição de sobras.
A grande maioria, 70% dos produtores, afirma que prefere que a cooperativa tenha preços
melhores para os associados, pois as sobras não são significativas. Ainda em relação às
sobras, não há uma percepção clara sobre como elas são distribuídas. A maioria aponta que
elas são distribuídas de acordo com o que foi vendido para a cooperativa, mas somente 20%
apontam que as sobras dependem também de outros fatores como montante que é retido para
investimento nos projetos da cooperativa ou desempenho da cooperativa na compra e venda
de produtos como a soja, por exemplo.
A não percepção da importância das sobras e o desejo de que a cooperativa pratique
preços melhores são evidências dos problemas apontados por Cook (1995), Zylbersztajn
(2002) e Bialoskorski (2001). A opção por preços melhores é a demonstração do problema de
horizonte. O cooperado aporta capital para a cooperativa, mas o valor das suas cotas não varia
105
de acordo com o valor da empresa. Desta forma, o cooperado, que também é gestor, não tem
incentivo para maximizar o valor da empresa, pois isto não lhe traz vantagens. O que existe é
o incentivo para o produtor maximizar o valor da sua empresa agrícola, via mecanismos de
preços favoráveis. Bialoskorski (2002) também aponta que o cooperado não possui a
percepção sobre a remuneração do capital de suas quotas-parte, e o crescimento da
cooperativa e a distribuição das sobras normalmente são consideradas menos importantes do
que preços mais favoráveis do que os de mercado. Isto denota o horizonte de curto prazo dos
cooperados, que preferem a maximização imediata de suas atividades, via incentivos de
preços. Pelas entrevistas realizadas, o produtor prefere negociar com a cooperativa porque ela
tem preços melhores ou porque confia na instituição, e não por ser uma forma de obter retorno
de um investimento.
A não valorização pelo cooperado da distribuição de sobras e da valorização das suas
cotas-parte pode se tornar um problema de fidelidade quando o cooperado, por não visualizar
o crescimento da cooperativa como importante, passa a entregar sua produção para outra
empresa quando tiver uma oportunidade de negócio melhor. A percepção da NEI é de que se
o produtor entender como funciona a distribuição dos resíduos da cooperativa, ele será mais
fiel, pois estará contribuindo para seu próprio investimento. Para o produtor chegar a este
nível de compreensão, no entanto, ainda são necessários esforços consideráveis de educação
do produtor. Pelas entrevistas realizadas, os produtores buscam a cooperativa como uma
forma de acesso a mercado e tecnologia, e não como uma forma de investimento. É por não
ter esta percepção de associação como forma de investimento que o produtor pode preferir
resultados de curto prazo, traduzidos em preços melhores.
5.1.5. Setor Leiteiro:
Em relação à importância do setor leiteiro para os cooperados, o primeiro ponto a
destacar seria a respeito dos motivos que os levaram a começar a produzir leite. A grande
maioria aponta que foi uma necessidade de criar uma fonte de renda extra, mensal, que
ajudasse a fazer o “rancho” do mês no supermercado. Mesmo aqueles que hoje tem um
volume maior de leite começaram com poucos animais e decidiram investir no leite para
terem uma segunda fonte de renda, mais segura do que a produção de grãos. Isto confirma o
que Rodrigues (2000) descreveu como razão para o fomento da produção de leite pelas
cooperativas tritícolas na década de 1970, que era a necessidade de criar alternativas de renda
aos produtores familiares. No entanto, é importante ressaltar que conforme foi demonstrado
106
na caracterização dos produtores, o leite muitas vezes não é mais uma alternativa de renda, é a
renda principal.
Um dos pontos importantes neste trabalho e de onde surgiu a discussão sobre
importância da atividade leiteira na manutenção de produtores no campo foi a questão da
função social da atividade. Neste sentido, é necessário saber, além da participação da renda do
leite na renda total dos produtores, que usos são dados a esta renda, quais despesas a atividade
leiteira consegue pagar. Além disso, interessa saber se os produtores situados nos diferentes
estratos de produção destinam a renda do leite da mesma forma. A Tabela 16 ilustra a média
da classificação dada para a participação da renda do leite para cada grupo de despesas, de
acordo com a seguinte escala: 4 – Responsável por todas as despesas neste grupo; 3 –
Responsável por grande parte das despesas neste grupo; 2 – Responsável por uma parte das
despesas neste grupo; 1- não é utilizado nestas despesas.
Tabela 16 Média da classificação do uso da renda do leite nos grupos de despesa:
Grupo de despesa Média Classificação Teste de Médias
Poupança 1,05 a
Compra equipamentos em geral (trator,
arado)
1,20 a
Reinvestimento na propriedade 1,66 b
Aquisição de insumos para a produção
agrícola
2,55 c
Compra equipamentos de ordenha 2,70 c
Despesas gerais (luz, combustível) 3,05 c
Compras na cidade (supermercado,
roupas, etc)
3,66 d
Fonte: Elaborado pela autora
Como os dados mostram, o principal uso da renda do leite é para as compras na
cidade. É neste grupo de despesa que o leite consegue contribuir com a maior parte das
despesas. Depois temos o conjunto de despesas como aquisição de insumos para a produção
agrícola, compra de equipamento de ordenha e despesas gerais, como luz e combustível. O
leite contribui menos para atividades que necessitam de um maior aporte de recursos, como
reinvestimento na propriedade através da melhoria de solos, formação de pastagens,
realização de benfeitorias, e compra de equipamentos em geral. Na percepção dos produtores,
107
o dinheiro do leite não consegue formar poupança. Na verdade, como os produtores muitas
vezes utilizam o dinheiro do leite para saldar os gastos diários da propriedade, como foi
demonstrado no quadro, o grão produzido que foi depositado na cooperativa pode ser
guardado, sendo faturado no momento de realizar um investimento maior, como uma correção
de solo, por exemplo. Por este motivo que o leite não participa diretamente nestas despesas,
mas é através desta receita do leite que o produtor consegue guardar o grão que colheu para
vender fora da safra.
Alguns produtores já têm esta percepção, de que conseguem poupar o grão porque o
leite pagou todas as contas. A estratégia destes produtores parece ser a de ter uma atividade
segura como o leite que seja responsável pelas contas diárias da propriedade, e uma segunda
atividade com maior rentabilidade mas com maior risco, que é a produção de grãos. Nos anos
de boas safras e bons preços, o produtor consegue reinvestir na propriedade. Nos anos de
frustração, a venda do leite garante a manutenção da família.
Ainda em relação aos usos da renda do leite, existe diferença entre os estratos na
participação da renda do leite nos gastos de alguns grupos de despesas. Por exemplo na
compra de insumos e de equipamentos de ordenha, a participação da renda do leite nas
despesas é maior nos estratos a partir de 100 l/dia. Isto já era esperado, pois estes produtores
tem uma renda do leite maior, que pode cobrir uma maior parte das despesas. Não há
diferença, no entanto, na participação da renda do leite nas compras na cidade (que é uma
média alta para todos os estratos) e na compra de equipamentos em geral (que é baixa para
todos os estratos). Este dado mostra que o principal uso da renda do leite é mesmo para a
realização de compras no supermercado.
Acompanhando o dia-a-dia da cooperativa, observa-se claramente a importância do
dinheiro do leite para a realização do “rancho”. Os produtores, especialmente os menores que
não vêm com freqüência para a cidade, pegam a nota do leite e já vão ao supermercado da
cooperativa fazer compras. É com o dinheiro da nota do leite que eles também pagam
algumas contas em lojas. É evidente o aumento do movimento no comércio nos dias de nota
do leite, em especial nas cidades menores. Pelo depoimento de um produtor entrevistado, a
nota do leite “é o único dinheiro vivo que o colono tem. O colono não é pobre, mas a gente
paga as contas com o produto que entrega na cooperativa, e o dinheiro que a gente tem na
mão para pagar a luz e o rancho é o dinheiro do leite”.
Em relação à situação do produtor e perspectivas para o futuro da atividade, os
produtores pertencentes aos diferentes estratos de produção não apresentaram opiniões
divergentes, que possam definir que um estrato encontra-se em situação melhor ou pior que
108
outro. As reclamações são gerais, principalmente em relação a preço. Em geral eles apontam
que há 10 anos atrás o preço era bem melhor, e que hoje o preço mal cobre os custos de
produção. Eles afirmam que seguem produzindo porque não têm outra alternativa e porque
esperam que a situação melhore, pois acreditam que muitos produtores vão sair da atividade, e
então o preço vai subir. Quando questionados sobre os principais motivos que levam os
produtores de leite a abandonar a atividade, 82% apontam o preço baixo, enquanto que 27%
apontam o aumento nas exigências sanitárias.
Não existe uma preocupação evidente com aumento das exigências sanitárias, nem
com exclusão de produtores que não estejam de acordo com as normas da nova legislação
sobre o leite. Os produtores dizem “que eles ameaçam que não vão vir buscar o leite de quem
não tiver resfriador, mas o leiteiro sempre vai pegar meu leite, porque ele passa aqui na
frente...” , ou ainda questionam que “se não pegarem meu leite, vou fazer o quê? Roubar,
virar mendigo na cidade?” O não cumprimento de uma série de normas e prazos já
estabelecidos sobre a qualidade do leite tornaram os produtores descrentes de que realmente
haverá uma exclusão dos produtores que não se enquadrarem. Além disso, a percepção que os
produtores possuem sobre qualidade do leite está distante daquilo prescrito nas normas
sanitárias, principalmente nos produtores de menor escala de produção. Estes produtores não
pensam que têm um leite de pior qualidade porque não têm resfriador, pois afirmam que
produzem com higiene. Além disso, eles reclamam que não concordam com o pagamento por
qualidade, porque o leite de todos é misturado no caminhão, então não seria justo só alguns
produtores receberem bonificação por qualidade.
A preocupação com a qualidade do produto está muito mais relacionada com os
programas de pagamento de bonificações por resfriador de expansão, por baixa contagem de
células somáticas e níveis de sólidos do que medo da exclusão. Os produtores buscam uma
maior qualidade pelo benefício que conseguem em preço, e não porque atender às exigências
seja uma necessidade.
Em relação às perspectivas para o futuro, a maioria responde que tende a estabilizar ou
aumentar a produção, sem haver uma diferença significativa nas respostas entre os estratos de
produção. Mantendo-se na atividade, os produtores na maioria (89%) acreditam que vão
seguir vendendo leite para a cooperativa em um horizonte de 5 a 10 anos. Isto denota que a
cooperativa, na visão dos produtores, ainda vai ser a forma que eles terão de acessar o
mercado, e que a intermediação que ela realiza é importante.
109
5.2. PAPEL DA COOPERATIVA NA ATIVIDADE LEITEIRA DE SEUS COOPERADOS
A cooperativa exerce uma série de influências sobre as atividades dos cooperados,
conforme descrito no Capítulo 4, e nas entrevistas com os produtores foram abordados
aspectos qualitativos desta influência, tentando identificar a percepção dos produtores sobre a
importância que a cooperativa tem na sua manutenção no SAG do leite. Neste sentido, será
interessante analisar os dados das entrevistas dos produtores que não estão mais ligados à
cooperativa e relacionam-se diretamente com a indústria, para verificar o que possa ter
mudado na sua situação.
Inicialmente, é preciso avaliar qual a importância que os produtores acreditam que a
cooperativa tem no SAG do leite. De modo geral, não há diferença entre os estratos na
percepção da importância da cooperativa, 86% dos produtores afirmam que a cooperativa é a
principal fonte de assistência técnica e 30% tiveram a cooperativa como avalista em alguma
operação de crédito.
Em relação à participação da cooperativa no mercado de leite da região, a percepção
da situação é bem mais clara nos estratos acima de 50 l/dia. Os produtores de menor escala de
produção têm grande dificuldade de elaborar opiniões frente a questionamentos sobre a
conjuntura do mercado, como por exemplo opinar sobre o que aconteceria se a Coopermil
também tivesse saído do mercado de leite e ficasse só uma empresa (Avipal-Elegê) na região
comprando leite. Os produtores dos maiores estratos já conseguiam apontar que neste caso
haveria uma queda de preço, pois uma empresa sozinha, sem concorrentes, acaba pagando um
preço bem inferior do que se tivesse concorrência. Este papel da cooperativa como balizadora
de preços parece bem claro para os produtores, em especial aqueles com uma maior escala de
produção (a partir de 50 l/dia).
O papel da cooperativa no SAG do leite na percepção dos produtores, no entanto, não
parece ir além do fornecimento de assistência técnica, de crédito e de ser uma forma de
representação do produtor. Quando questionados sobre o que mudaria se eles entregassem o
leite diretamente para a indústria, de modo geral os produtores responderam que nada
mudaria, e muitos ainda disseram que possivelmente o preço recebido aumentaria, pois não
sofreria o desconto das taxas da cooperativa.
Nas entrevistas com os produtores que deixaram de ter a intermediação da cooperativa
e passaram a entregar o leite diretamente para a indústria, fica a percepção de que na prática
110
pouca coisa mudou. Os produtores afirmam que depois da saída da cooperativa o preço
baixou, mas por uma questão de mercado, a queda no preço teria sido geral. Eles não
mudaram muito seu relacionamento com a cooperativa, e nem decidiram trocar de cooperativa
porque sua cooperativa parou de trabalhar com o leite. O que os produtores que estão
entregando o leite direto para a indústria reclamaram foi que agora eles não têm mais
representação, eles não têm para quem reclamar se o preço baixa, não têm acesso aos
dirigentes da empresa, não conhecem as pessoas para quem estão vendendo seu produto. Esta
percepção reflete aquilo que Sykuta et al. (2001) dizia sobre as vantagens das empresas
orientadas para o produtor (como as cooperativas) em relação a empresas orientadas para o
investidor. Nas cooperativas, pela sua estrutura de propriedade e pela participação dos
produtores no processo decisório, há um maior grau de confiança entre fornecedores
(produtores) e indústria. Os produtores confiam que a cooperativa está fazendo o melhor pelo
produtor. Já com a empresa de capital, além dos produtores sentirem que não têm
representação, existe muita desconfiança, pelo maior grau de assimetria informacional que
existe na relação. Os produtores não acreditam que a empresa, no caso a Avipal-Elegê, tenta
fazer o melhor pelos produtores.
A análise da saída da cooperativa do leite pode ter sido prejudicada pelo pouco tempo
decorrido desde a saída da cooperativa até a realização das entrevistas (6 meses), o que talvez
não tenha permitido que os produtores percebessem melhor as mudanças ocorridas. Além
disso, apesar da cooperativa não comprar mais o leite dos produtores, ela segue trabalhando
com insumos para a área leite e com a conta leite, facilitando as condições de negócio para
que o produtor de leite siga trabalhando com ela. Neste primeiro momento, no dia-a-dia do
produtor não houve muitas mudanças.
Mesmo os produtores não identificando grandes mudanças com a saída da sua
cooperativa do setor leiteiro, fica clara a importância da cooperativa como órgão de
representação dos produtores e como balizadora de preços, em uma região que se não
houvesse a Coopermil, teríamos somente uma empresa com mais de 90% da captação de leite,
o que certamente baixaria os preços pagos ao produtor.
Neste momento, questiona-se qual a necessidade da existência de cooperativas no
SAG do leite. Na verdade, como este sistema é caracterizado pela grande pulverização de
produtores de pequena escala de produção, grande concentração no setor industrial e alta
especificidade de ativos temporal, cria-se uma situação de desequilíbrio de poder de mercado
em favor do setor industrial. Os produtores precisam da união em torno das cooperativas
como forma de se protegerem do desequilíbrio de forças que encontrariam se estivessem
111
negociando individualmente. Aqui se torna claro o motivo básico já apontado por Cook
(1995) para a formação de cooperativas, que é o encontro de situações de mercado
desfavoráveis e a união em torno da cooperativa como forma de contornar situações de
desequilíbrio de forças entre os atores. Na situação da bacia leiteira de Santa Rosa segue
havendo um grande desequilíbrio de forças favorecendo o setor industrial. A necessidade da
existência de cooperativas para contrabalançar poder de mercado, portanto, segue existindo.
5.3. DIREÇÃO DA COOPERATIVA: OBJETIVOS DA EMPRESA E ESTRATÉGIAS
PARA CONCRETIZÁ-LOS
Depois de ter apresentado a percepção dos cooperados a respeito da cooperativa e da
atividade leiteira, interessa apresentar a percepção da cooperativa a respeito dos seus
negócios, do seu relacionamento com o cooperado, das suas estratégias, dos problemas
enfrentados na concretização destas estratégias e do papel que a atividade leiteira pode ter
neste contexto. Além disso, interessa particularmente neste trabalho saber como a cooperativa
pretende trabalhar para se manter em atuação no SAG do leite da região, que tem sofrido
modificações com a mudança de postura da principal indústria de processamento em atuação
naquela região.
5.3.1. Função da Cooperativa e Objetivos
Nas entrevistas, os gestores apresentam a noção clara de que a cooperativa deve ter o
objetivo de viabilizar as atividades do cooperado. É através do bom desempenho do
cooperado que a cooperativa também terá sucesso como empresa. Esta percepção dos
entrevistados sobre a necessidade de viabilização econômica das atividades do cooperado
corrobora o que afirmou Bialoskosrki (2002) sobre a importância do desempenho econômico
da cooperativa para seu bom desempenho social. Os entrevistados também apontam, no
entanto, que a cooperativa não pode esquecer de que é uma empresa e que deve ser
competitiva e obter resultados econômicos satisfatórios, para justamente garantir a prestação
de serviços para seus cooperados. O auxílio aos cooperados não deve comprometer o
resultado econômico do empreendimento. Esta busca por competitividade não significa, no
entanto, exclusão de produtores. A cooperativa nunca teve e não pretende ter a política de
excluir membros do seu quadro social em busca de uma maior eficiência.
112
Para viabilizar as atividades de seus produtores, portanto, a cooperativa está tendo de
adotar novas estratégias, tentando melhorar a remuneração que seus produtores recebem por
seus produtos. No caso do leite, a viabilização do cooperado, na visão dos gestores, passava
pela independência da cooperativa na comercialização do produto. Para isto ela construiu a
plataforma de leite, para ter maior poder de barganha na negociação e conseguir um melhor
preço pelo seu produto. A decisão de ficar na atividade e investir no leite foi uma forma de
manter sua representatividade frente ao seu quadro social, reafirmando o compromisso que
ela tem com a viabilização das atividades de seus cooperados. Se saísse da atividade leiteira,
estaria abandonando uma atividade praticada por grande parte do seu quadro social.
No sistema que a Coopermil trabalhava com a Avipal-Elegê, a cooperativa tinha muito
pouco poder de barganha, porque o leite já era recolhido diretamente para os caminhões da
Elegê, e era resfriado na plataforma de recebimento da Elegê. Hoje, com o recolhimento em
caminhões próprios e a venda do leite já resfriado, espera-se um preço melhor pelo produto.
Este recolhimento próprio ainda permite que seja feita uma separação do leite de acordo com
sua qualidade, e no futuro próximo, a venda de um produto com características determinadas,
com maior qualidade, a exemplo do que já ocorre hoje no Paraná, com o “Pool de leite
ABC”
1
.
No setor leiteiro, a cooperativa ainda pretende, após a construção da plataforma,
investir em uma indústria de leite na região. Esta indústria, no entanto, deverá partir de um
investimento conjunto com outras cooperativas, provavelmente através desta central de
cooperativas criada recentemente, a Coceagro. A idéia também é industrializar o produto em
parceria com as outras cooperativas de leite do estado que já possuem suas próprias plantas
processadoras. A princípio, a Coopermil produziria leite em pó e leite condensado, que são
produtos ainda não trabalhados pelas cooperativas do estado, e comercializaria os produtos
com as marcas já consolidadas destas cooperativas que já industrializam seu produto. A
Coopermil ainda aproveitaria os canais de comercialização já estabelecidos, economizando
desta forma no estabelecimento de marca e logística de distribuição.
O estabelecimento de parcerias para a industrialização torna-se indispensável pela
dificuldade, já apontada por Bialoskorski (2002) e Cook (1995), das cooperativas buscarem
recursos para investimento. A plataforma de recebimento está sendo construída com recursos
próprios e com financiamento do BRDE. A criação de uma indústria, no entanto, requer um
1
Pool de leite ABC é o nome dado ao projeto de captação de leite de qualidade feito pelas cooperativas Arapoti,
Batavo e Castrolanda, no PR. Através deste projeto, são selecionados produtores que se enquadram nos
requisitos de qualidade do leite, este leite é coletado separadamente e vendido para a produção de derivados
específicos, de qualidade, e por isso recebem um preço premium.
113
volume muito maior de capital, que exige o trabalho em conjunto. Os gestores apontam que a
Coopermil tem facilidade em adquirir empréstimos hoje, pela situação financeira em que se
encontra. Os empréstimos junto à rede bancária ainda são necessários para a realização de
investimentos de maior porte, pois os fundos gerados pelo desempenho econômico positivo
muitas vezes não são suficientes. Estes fundos poderiam ser maiores, se a cooperativa
decidisse pela não distribuição de sobras, mas esta é uma opção que ela faz tentando
aumentar a satisfação do cooperado.
É importante destacar que a cooperativa, ao tomar a decisão de investir na
industrialização de seus produtos, encontra-se em um período de transição entre uma
cooperativa de barganha e uma marketing cooperative, de acordo com a classificação
proposta por Cook (1995). É importante também destacar que a cooperativa, nesta transição,
cresce em complexidade, ficando mais sujeita aos problemas de gestão apontados no
Capítulo 2.
Os gestores entrevistados apontam que a cooperativa pretende seguir trabalhando com
os produtos que já trabalha hoje, sem aumentar seu leque de produtos. Eles entendem que no
recebimento de produtos dos associados não há muito mais espaço para a diversificação, por
uma questão de cultura do produtor. Os gestores não acreditam em políticas de
redirecionamento da produção que partem da cooperativa, pois na região já existiram vários
exemplos de projetos que fracassaram. O objetivo da cooperativa no curto e longo prazo é
agregar maior valor aos produtos comercializados, mesmo da forma bruta. É o caso do leite,
que já foi descrito, e da soja, através de um programa de produção de soja convencional, com
pagamento de bonificações para o produtor.
Além de comercializar os produtos de seus cooperados pelo melhor preço possível,
existe a idéia de que a cooperativa presta importantes serviços para o cooperado. É bastante
presente nas entrevistas a noção de que a cooperativa é um importante meio de transferência
de informações, de tecnologias e de oportunidades de negócio. Desta forma, a cooperativa
provê tecnologia para o plantio, infra-estrutura para armazenamento da produção e busca
mercados para os produtos produzidos por seus associados.
114
5.3.2. Aspectos Limitantes para as Estratégias Delineadas
Os entrevistados apontaram que um dos principais problemas para o sucesso das
estratégias delineadas, em especial no leite, é o imediatismo do produtor. O produtor quer
preços competitivos, ou melhores do que os de mercado. O produtor não vai, por exemplo,
aceitar receber um preço menor do que o pago pelas outras empresas, nem por um curto
período. Se isto ocorrer, é possível que muitos produtores deixem de entregar leite para a
cooperativa e passem para a concorrência, como já ocorreu anteriormente. Isto traz um
grande problema para a cooperativa, pois ela tem uma plataforma construída, com custos
altos de manutenção, e que precisa do máximo de leite que puder receber para que o
investimento se pague. A cooperativa investiu em ativos específicos para a relação com o
produtor de leite, e agora está mais vulnerável à quebra de contrato oportunística. Antes da
plataforma, a cooperativa possuía poucos ativos dedicados a esta relação, basicamente eram
recursos humanos especializados nas atividades de fomento e organização da produção.
Agora, a cooperativa está completamente envolvida na atividade e precisa do retorno do
produtor.
Esta preocupação dos entrevistados com o imediatismo do produtor confirma o que
Cook (1995) e Zylberztajn (2002) chamaram de problema do horizonte. O produtor está mais
interessado em benefícios a curto prazo, como o benefício de preços, e acabam não apoiando
projetos de longo prazo, com investimento em ativos intangíveis. Este problema é agravado
pelo problema de portfólio, que faz os cooperados não investirem em projetos de longo prazo
por serem avessos a risco.
Na Coopermil, no entanto, temos uma situação particular. O problema do horizonte é
bastante visível nos produtores associados, mas não nos membros do conselho, que são
aqueles que têm o maior poder em influenciar nas decisões da cooperativa. Os membros do
conselho, que são cooperados e deveriam também enfrentar o problema do horizonte,
demonstraram na entrevista um discurso bem claro a favor dos investimentos a longo prazo,
visando o crescimento da cooperativa. Eles inclusive apontam que devem investir para deixar
uma estrutura produtiva e lucrativa para seus filhos”, nas palavras de um dos conselheiros
entrevistados. No conselho também não se observa o problema do controle, pois os
conselheiros têm a noção bem clara de que a cooperativa tem de ter um desempenho
satisfatório, e não necessariamente precisa apresentar o melhor preço do mercado. As
vantagens da cooperativa não são expressas em preço, mas no fornecimento de assistência
técnica, crédito e credibilidade no vencimento de seus compromissos.
115
O problema do horizonte leva à falta de fidelidade, que é um problema importante
apontado pelos entrevistados como limitante para o sucesso da cooperativa como um todo,
tanto em grãos como em leite. A fidelidade do produtor, para os gestores, não inclui somente
a entrega do produto, ela abrange a compra de insumos, a compra no supermercado, a defesa
da cooperativa, a participação nas decisões. Esta fidelidade, na opinião deles, está ligada a
um sentimento cooperativista mais ou menos forte. Aqueles que tem este sentimento mais
sedimentado, que se sentem como donos da cooperativa, são mais fiéis que aqueles que só
enxergam a cooperativa como uma intermediária.
Para os entrevistados, a fidelidade seria um reflexo da confiança que o produtor tem de
que a cooperativa está fazendo o melhor que pode pelo produtor, e representa a reciprocidade
do produtor pelo que a cooperativa fornece a ele. A falta de fidelidade é um exemplo do
problema do Free-rider, apontado por Cook (1995). O cooperado usa a estrutura da
cooperativa quando esta oferece vantagens, e negocia com outras empresas quando é
conveniente. Entre os problemas citados por Cook, o problema do carona é um dos mais
visíveis pelos entrevistados. O problema do carona cria ineficiências na gestão da cooperativa
porque ela passa a não poder contar com a produção de seus cooperados. Quando a
cooperativa realiza um investimento, como a plataforma de leite, ela conta com o recebimento
de uma quantidade “x” de produto para que o investimento seja economicamente eficiente e
se pague. Estes investimentos são feitos baseados na demanda dos próprios cooperados.
Quando há falta de fidelidade, a cooperativa tem que arcar com os custos de manutenção de
uma estrutura que opera abaixo da sua capacidade ótima.
Como apontaram Zylberztajn (2002) e Bialoskorski (2002), a cooperativa pode trabalhar
com incentivos à fidelidade. A Coopermil não trabalha com mecanismos formais de incentivo
à fidelidade, como estabelecimento de contratos, somente com mecanismos informais, através
de uma classificação dos produtores em 3 estratos, de acordo com a porcentagem de produto
produzido entregue na cooperativa. É feita uma estimativa pela área técnica da quantidade de
produto que cada associado pode produzir. Compara-se esta estimativa com o que foi
efetivamente entregue e de acordo com a porcentagem atingida ele é classificado em um
determinado estrato. Produtores mais fiéis deveriam ter mais facilidade de acesso a crédito,
enquanto os menos fiéis sofreriam penalidades. Na prática, no entanto, este programa não se
efetivou. Os gestores admitem que falta na cooperativa um programa de incentivo à
fidelidade, o que é inclusive reivindicado por alguns cooperados entrevistados.
Posteriormente, na discussão específica sobre fidelidade, será retomada a importância destes
programas de classificação de produtores.
116
Ainda segundo Bialoskorski (2002), a compreensão do funcionamento da cooperativa
e de como suas cotas-parte se valorizam contribuiria para o aumento da fidelidade do produtor
à instituição. Neste contexto, a opinião dos entrevistados é de que a participação do cooperado
na administração da cooperativa e a compreensão que ele tem do funcionamento da instituição
são muito fracas, e que nem mesmo todos os membros do conselho entendem como funciona
o balanço da cooperativa e a distribuição das sobras. Segundo a NEI, como o cooperado não
entende que o melhor desempenho da cooperativa vai significar uma maior valorização das
suas cotas-parte, como ele não percebe este benefício, ele prefere o benefício imediato de
preço, mesmo que isso signifique entregar o produto para um concorrente da cooperativa.
Estratégias que explicitem melhor a valorização das cotas-parte do associado não
parecem ser as que vão ter um resultado mais satisfatório no caso estudado. Não
necessariamente o produtor associado busca valorização das suas cotas-parte como retorno de
um investimento. Pelas entrevistas realizadas com os produtores, eles preferem benefícios de
preço ao invés de retornos. Sykuta et al. (2001) afirma que a prática de preços melhores que
os de mercado é uma forma de retorno que a cooperativa pode estar fornecendo aos seus
associados, e é mais visível, mais palpável do que o retorno do investimento através da
distribuição de sobras operacionais ou de valorização de cotas-parte. O que não pode mudar
nesta estratégia, no entanto, é a necessidade do produtor saber que ao entregar sua produção
na cooperativa, ele estará tendo um benefício maior do que somente a vantagem em preço.
A ocorrência destes problemas na gestão da cooperativa caracteriza que ela encontra-
se no estágio III do modelo proposto por Cook (1995), onde começam a se manifestar os
problemas originados na má definição dos direitos de propriedade sobre os resíduos da
cooperativa. Segundo Cook, a cooperativa a partir de agora deve buscar alternativas para
superar estes problemas. As opções apresentadas pelo autor para o futuro da cooperativa, no
entanto, não estão próximas dos projetos apresentados pelos entrevistados para o futuro da
Coopermil.
Os gestores entendem que a Coopermil deve continuar como uma cooperativa
tradicional, sem se tornar uma joint-venture ou uma cooperativa de nova geração, mas
admitem a necessidade de ajustes no modo como se relaciona com os seus cooperados,
criando incentivos para a fidelização destes. Os gestores não têm uma percepção clara sobre
direitos de propriedade, e nem entendem que se houvesse uma melhor definição dos direitos
de propriedade sobre os resíduos da cooperativa não haveria o problema do carona ou do
horizonte. Na verdade, eles têm pouco conhecimento sobre como funciona a tomada de
117
decisões do produtor e sobre como eles poderiam estar convencendo o produtor a entregar seu
produto na cooperativa.
Um outro aspecto limitante para a estratégia delineada para o setor leiteiro é o perfil do
produtor de leite da Coopermil. Agora que a cooperativa tem a responsabilidade de buscar
compradores para o leite fluído resfriado ou precisa industrializar seu produto, as questões
relacionadas à qualidade da matéria prima produzida e escala de produção começam a ser
mais importantes. Quando a cooperativa vendia leite indiferenciado, na verdade não
interessava muito a que temperatura ele era coletado, em quantos produtores o freteiro tinha
que passar para encher o tanque do caminhão ou qual o rendimento industrial do produto.
Agora que precisa vender um produto com características definidas, ela sente a necessidade
de ter um leite de qualidade (com alto rendimento industrial), bem resfriado (para diminuir
seus custos na plataforma com resfriamento) e com menor custo de transporte, o que implica
na necessidade de maiores escalas de produção.
Apesar de ser a instituição que admite ter um compromisso social com todos os
produtores associados, independente da escala, os gestores entendem que será necessário fazer
um trabalho intenso sobre os produtores de menor escala para que eles aumentem sua
produtividade e a qualidade do produto que entregam. Dos estratos analisados, na opinião dos
entrevistados, o que não é viável seria aquele de 0-30 litros/dia. Eles entendem que este
produtor, com um pouco de trabalho, com assistência técnica e programas de crédito pode
facilmente duplicar sua produção. Eles acreditam que este produtor não é viável com a escala
de produção que possui hoje, e é papel da cooperativa tentar viabilizar este produtor, até
mesmo porque são muitos produtores (mais de mil) e que exercem uma função importante nos
negócios da cooperativa. Viabilizar este produtor é um desafio para a gerência da cooperativa,
e na opinião da gerência, a viabilização passa pelo aumento tanto da escala de produção
quanto da qualidade do produto. Cabe ressaltar aqui que para que este aumento de escala
ocorra, são necessários investimentos que muitas vezes o produtor não tem condições de
arcar. Mais uma vez, a atuação da cooperativa como meio de transferência de recursos e de
conhecimento técnico é estratégica para a manutenção destes produtores em atividade no
mercado formal.
5.3.3. Importância do Leite nas Estratégias:
Para os gestores entrevistados, o produto leite é estrategicamente o mais importante
para a cooperativa. Os gestores apontam que, em faturamento, a atividade leiteira isolada não
118
é um dos produtos principais, mas os gestores acreditam que se não fosse o leite, o
desempenho nos outros setores seria muito pior. Pela análise das entrevistas, pode-se dizer
que o trabalho com o leite para a cooperativa é importante em muitos aspectos. Primeiro, pela
movimentação financeira que a atividade traz. O dinheiro proveniente da venda do leite
muitas vezes nem mesmo sai da cooperativa, sendo grande parte dele gasta em compras de
insumos e supermercado.
O segundo motivo, e mais importante para este trabalho, é o vínculo que o trabalho
com o leite proporciona. Segundo os entrevistados, o produtor de leite vai à cooperativa com
grande freqüência, semanalmente ele vai à cooperativa para comprar algum produto para a
produção leiteira. Eles afirmam que o produtor de grãos vai muito pouco à cooperativa, duas a
três vezes no ano, na época de plantio e de entrega de grãos. Desta forma, eles percebem que
o contato do produtor de leite com os técnicos, com o gerente de unidade é muito maior, o que
contribui para a construção de uma relação de confiança e respeito mútuo. Eles afirmam que o
produtor conhecendo e confiando na cooperativa se torna mais fiel, entrega sua produção, se
sente à vontade também para comprar lá, pois é bem atendido e já conhece as pessoas. O
comprometimento com a instituição é maior para quem também entrega leite.
O maior contato com o produtor se manifesta também na assistência técnica de
fomento da produção de leite, que é mensal. Além disso, existe uma série de reuniões técnicas
que giram em torno da produção de leite. Este contato maior com a estrutura da cooperativa
torna o produtor mais fiel.
Esta noção de vínculo e confiança que aparece nas entrevistas pode ser traduzida nos
atributos das transações, de acordo com a ECT. A relação do produtor com a cooperativa, por
ser mensal, contribui para o aumento da freqüência destas relações, diminuindo a
possibilidade de comportamento oportunista e os custos de transação. O oportunismo é menos
provável porque com a maior freqüência das relações, estabelece-se uma reputação entre os
parceiros, e a perda desta reputação com uma ação oportunista acaba trazendo mais prejuízos
do que o benefício da ação oportunista. Esta reputação deve ser considerada em ambos os
lados. A cooperativa confia que o produtor entregará a produção, e em nome desta confiança
fornece recursos em adiantamento. O produtor, por sua vez, confia que a cooperativa efetivará
o pagamento dos produtos entregues. E esta confiança no pagamento é o principal fator que o
produtor leva em consideração na hora de decidir onde vender sua produção. Esta confiança
só se estabelece ao longo do tempo, através da maior freqüência das relações.
A maior participação do cooperado nas atividades da cooperativa pela entrega do leite
também faz com que se diminua a incerteza e assimetria informacional presente nas relações.
119
Este maior contato faz com que a cooperativa conheça melhor a situação do cooperado, o que
é importante para realizar empréstimos para este produtor, por exemplo. E, por outro lado, o
cooperado conhece mais como a cooperativa funciona, qual o preço que vai ser pago, o que a
cooperativa planeja fazer.
O leite permite que as relações entre cooperado e cooperativa tenham uma maior
freqüência e uma menor incerteza, resultando em menores custos de transação. Em relação a
especificidade de ativos, este investimento da cooperativa na plataforma mudou a situação.
Da forma como a cooperativa trabalhava com o leite antes, dentro do sistema Elegê, os ativos
específicos da cooperativa na relação com o produtor de leite eram mais baixos, eram ativos
humanos, basicamente. Após este investimento, a cooperativa passou a possuir um montante
expressivo de recursos em ativos físicos específicos. Desta forma, ela depende do cooperado
para ter retorno deste investimento.
Por outro lado, o cooperado que trabalha com o leite também possui uma série de
ativos específicos dedicados a esta relação: ele possui um rebanho específico para a atividade,
instalações, equipamentos. A produção de leite também possui uma especificidade temporal
bastante grande, pela perecibilidade. Desta forma, a especificidade de ativos na relação
produtor de leite-cooperativa é muito alta. Esta relação, na cooperativa, só não necessita ser
regida por contrato por causa dos outros atributos da transação, que são a alta freqüência e a
baixa incerteza.
O trabalho da cooperativa com o leite, portanto, promove uma maior freqüência das
transações e acaba contribuindo para a diminuição da incerteza e da necessidade de
mecanismos formais como contratos para garantir a continuidade das transações. Este fator
isoladamente, no entanto, não explica a fidelidade do cooperado, que depende de outros
fatores conforme será demonstrado no próximo item.
5.4. FIDELIDADE – FATORES QUE AFETAM
Como encerramento da discussão sobre relacionamento entre cooperado e cooperativa,
é necessário discutir os fatores que afetam aquele que é um dos principais problemas
apontados pela direção da cooperativa como limitante para as suas estratégias de atuação. Se a
cooperativa é necessária aos produtores como forma de auxiliar sua manutenção no mercado,
a manutenção da cooperativa depende da fidelidade de seus cooperados.
Dentro das entrevistas realizadas, buscou-se identificar quais os fatores que podem
influenciar na fidelidade do produtor à cooperativa, e se a atividade leiteira gerenciada pela
120
cooperativa é um destes fatores. Conforme descrito no Capítulo 3, para estudar a fidelidade,
testou-se um modelo de regressão linear para tentar identificar quais fatores afetariam a média
do percentual de compras e de entrega de soja na cooperativa. No modelo proposto, no
entanto, nenhum dos estimadores das variáveis explanatórias foi estatisticamente
significativo. Isto quer dizer que os fatores que afetam a fidelidade dos produtores à
cooperativa não podem ser definidos a partir da variação no percentual de compras e de
entrega de grãos, a fidelidade não seria um comportamento previsível por um modelo, ela na
verdade acaba sendo influenciada por uma série de fatores, de diferentes formas.
Tentando identificar estes fatores de outra forma, sem tentar quantificar seus efeitos
sobre a fidelidade, dividiu-se os produtores em dois grupos: fiéis e não fiéis, conforme
descrito no Capítulo 3. Todas as variáveis analisadas na caracterização dos estratos de
produtores foram testadas para diferenças entre os grupos de fidelidade. Não houve diferença
entre os dois grupos para nenhuma das variáveis relacionadas com a produção ou com a
importância do setor leiteiro, o que pode indicar que a fidelidade independe da escala de
produção ou do sistema de produção adotado pelos produtores de leite.
Os grupos de fidelidade apresentaram médias diferentes para os índices de
participação na cooperativa e percepção da importância da cooperativa no Teste t ao nível de
significância de 5%. As médias de participação e de percepção da importância da cooperativa
foram maiores para o grupo de maior fidelidade. Ou seja, os produtores mais fiéis são aqueles
que participam mais das atividades da cooperativa e tem uma percepção maior da importância
dela nas suas atividades. A Tabela 17 traz novamente a composição destes dois índices, para
que se possa observar que variáveis são importantes na fidelização do produtor na
cooperativa.
121
Tabela 17 – Composição dos índices de participação e percepção da importância da
cooperativa:
Índice Variáveis Variação
Tempo de associado 0-100 (em relação ao menor e maior
número da amostra)
Se sempre foi sócio desta cooperativa Não = 0
Sim = 100
Participação em Mini-assembléias Nunca = 0
Eventualmente = 33
Várias vezes = 66
Sempre = 100
Participação na Assembléia Geral Nunca = 0
Eventualmente = 33
Várias vezes = 66
Sempre = 100
Participação em dias de campo/palestras Nunca = 0
Eventualmente = 33
Várias vezes = 66
Sempre = 100
Participação em eleições Nunca = 0
Eventualmente = 33
Várias vezes = 66
Sempre = 100
Se conhece o estatuto da cooperativa Não = 0
Somente algumas partes = 50
Muito bem = 100
Participação na Cooperativa
Se conhece os conselheiros Não = 0
Alguns = 50
Todos = 100
Se considera que a cooperativa representa
seus interesses
Não = 0
Sim = 100
Se a cooperativa é a principal fonte de
assistência técnica
Não = 0
Sim = 100
Se a cooperativa é seu aval em algum
financiamento
Não = 0
Sim = 100
Se acha que os produtores participam do
processo decisório
Não = 0
Sim = 100
Como estão os preços da cooperativa na
compra de produtos
Abaixo do mercado = 0
De acordo com o mercado = 50
Acima do mercado = 100
Como estão os preços da cooperativa na
venda de insumos
Abaixo do mercado = 100
De acordo com o mercado = 50
Acima do mercado = 0
Se prefere negociar com a cooperativa em
relação a outra empresa
Não = 0
Sim = 100
Percepção da Importância da Cooperativa
Se prefere negociar com a cooperativa
mesmo com condições melhores na outra
empresa
Não = 0
Sim = 100
Fonte: Elaborada pela autora
A maior participação nas atividades da cooperativa faz com o que produtor conheça
mais como a cooperativa funciona e passe a perceber mais a importância que ela tem nas suas
atividades, e qual a importância dos negócios que ele realiza com a cooperativa para o seu
bom desempenho, fazendo com que ele seja mais fiel.
A fidelidade, se for entendida como não somente a entrega de grãos, mas como o
sentimento de que o cooperado faz parte da instituição, depende diretamente da participação
que ele tem na vida da cooperativa e da compreensão do funcionamento da empresa. Entre os
fatores que levam os produtores a escolherem o local da venda de insumos, já foi apontado
que o sentimento de comprometimento com a instituição e a noção de que existe uma
122
compensação pela entrega do produto podem ser os diferenciais da cooperativa frente aos
outros concorrentes da região.
O sentimento de comprometimento é um fator subjetivo, ligado ao fato do produtor
entender qual a importância da entrega do seu produto para o desempenho da cooperativa,
qual a participação que ele tem nos negócios da cooperativa. Este sentimento vai se
desenvolver à medida que ele participar mais ativamente do cotidiano da cooperativa,
conhecer as pessoas que trabalham nela, ter um maior envolvimento com a cooperativa em
todos os aspectos.
Em relação à noção de compensação pela venda do produto, se tornam importantes as
estratégias que tornam clara a participação do cooperado no resultado positivo da cooperativa
(valorização da cota-capital, possibilidade de melhores preços), conforme apontaram
Bialoskorski (2002) e Sykuta et al. (2001). Também são importantes estratégias que
valorizem a fidelidade do produtor, como programas de classificação de produtores, com
vantagens econômicas para aqueles produtores que são fiéis à cooperativa.
Para ser fiel, o produtor precisa ter a percepção de que a atitude oportunista de desviar
a produção tem algum custo, porque senão ele desviará a produção sempre que encontrar uma
situação favorável de negócio em outra empresa. Conforme afirmou Zylbersztajn (2000), os
princípios éticos, como a doutrina cooperativista, são muitas vezes insuficientes para garantir
o cumprimento do contrato entre cooperado e cooperativa. Bialoskorski (2002) afirma que o
cooperado deve ter incentivos econômicos para ser fiel à cooperativa, para que perceba que
possui mais benefícios coletivamente do que se estivesse sozinho.
Nesta idéia de que a fidelidade depende de um maior envolvimento e compreensão da
estrutura da cooperativa por parte do cooperado que se insere a importância da atividade
leiteira como forma de garantir a fidelidade do produtor à cooperativa. Conforme já
demonstrado no capítulo 4, o fato da cooperativa receber o leite dos associados tem um efeito
bastante significativo sobre seus negócios, o leite ajuda a vincular o produtor à cooperativa.
Mas como ocorre esta vinculação, esta maior fidelidade?
Como já demonstrado nas entrevistas com os gestores da cooperativa, o produtor de
leite tem uma participação muito mais ativa no cotidiano da cooperativa que o produtor que só
entrega grãos. Esta participação maior se deve às características próprias da produção leiteira,
que demanda uma freqüência maior de transações. A maior freqüência de transações permite
o desenvolvimento de reputação entre os agentes e a diminuição da incerteza, diminuindo os
riscos da atitude oportunista.
123
O produtor de leite, por estar mais envolvido com a cooperativa, por estar mais
envolvido com os técnicos da cooperativa, acaba tendo uma percepção melhor do seu
funcionamento e valorizando este relacionamento. A continuidade deste relacionamento
depende da fidelidade do produtor à cooperativa, e ele efetivamente se torna mais fiel,
negocia mais com a cooperativa quando também entrega seu leite na cooperativa.
Sabe-se, no entanto, que somente o leite não é suficiente para garantir a fidelidade do
produtor, pois muitos produtores de leite optaram por parar de entregar leite para cooperativa
e foram para outras empresas, seduzidos por um preço melhor. Neste sentido, torna-se cada
vez mais importante o desenvolvimento de estratégias que mostrem para o produtor associado
o custo que a atitude oportunista de desviar a produção possa ter, para que então ele tome a
decisão de onde vai entregar a sua produção.
Para mostrar o custo da atitude oportunista é necessário que existam na cooperativa
programas de esclarecimento do produtor para que ele perceba as vantagens da cooperativa,
que ele perceba como funciona a valorização de sua cota-capital, a distribuição de sobras, os
prêmios por fidelidade, o acesso a assistência técnica, para que ele perceba que a venda do seu
produto para a cooperativa lhe renderá benefícios além do preço recebido pelo produto. A
maior freqüência que a atividade leiteira promove pode auxiliar nestes programas de educação
do produtor.
124
6. CONCLUSÕES
A partir das entrevistas realizadas e análise dos dados baseada no referencial teórico
adotado, podem ser definidas algumas conclusões a respeito do trabalho da Coopermil com o
produto leite. As conclusões deste trabalho se aplicam a este estudo de caso em particular,
como já previsto na escolha da metodologia de estudo. Este trabalho, no entanto, pode servir
de referência para novos estudos focando a questão da fidelidade do cooperado a sua
cooperativa e da importância das cooperativas no SAG do leite, abordando um número maior
de instituições e podendo apresentar um maior poder de generalização. As conclusões
apresentadas explicam os fenômenos observados neste caso em particular, mas podem fazer
parte de uma discussão mais abrangente em torno do cooperativismo agropecuário.
Além do mérito acadêmico do trabalho, ele ainda pode significar uma contribuição
para a cooperativa alvo do estudo. Os resultados obtidos no trabalho foram apresentados à
direção da cooperativa, e ela pode utilizar estas informações como auxílio, buscando abordar
a questão da fidelidade de seus produtores.
O que para a cooperativa alvo do estudo foi uma das grandes virtudes do trabalho, pela
análise detalhada que se realizou na instituição, talvez para a academia tenha sido sua grande
limitação, pois ao optar por um estudo de caso, o pesquisador acaba limitando o poder de
generalização do trabalho. Além disso, o trabalho ficou focado em somente um dos aspectos
das relações entre cooperados e cooperativa. As relações, neste estudo, foram estudadas sob a
ótica da fidelidade, e quais fatores a afetam, em especial como a atividade leiteira poderia
afetá-la. A análise entre produtor e cooperativa poderia ter sido mais completa se tivessem
sido analisados também outros aspectos tratados pela ECT, como a racionalidade limitada ou
a incerteza, tentando analisar se a governança que se estabelece nesta relação é a mais
eficiente do ponto de vista da ECT. O pouco tempo disponível para a realização do trabalho
foi um dos principais motivos que determinaram a escolha de somente um aspecto da relação
para análise, visando aprofundar a discussão sobre este tema. Fica a possibilidade de
realização de novos estudos sob a ótica da ECT para discutir a relação entre cooperado e
cooperativa.
O foco na análise da fidelidade acabou guiando a escolha da NEI e da ECT como
referencial teórico para o trabalho, mas a fidelidade é um tópico ainda pouco explorado na
125
teoria econômica, e encontrou-se grande dificuldade em definir e principalmente mensurá-la.
No trabalho conseguiu-se relacionar fidelidade com freqüência, mas falta ainda quantificar ou
mensurar em que grau a freqüência pode influenciar a fidelidade e como os outros atributos
das transações podem estar afetando a fidelidade.
Pode-se questionar até mesmo a escolha da ECT como um referencial teórico
adequado para o estudo das organizações cooperativas. Sabe-se que a ECT parte de um
individualismo metodológico, e é adequado para a análise de ações individuais. Neste
trabalho, como as ações dos produtores cooperados foram entendidas como um conjunto de
ações individuais, a ECT ainda mostra-se adequada. No entanto, sabe-se da necessidade de
desenvolvimento de um corpo teórico mais apropriado para o estudo das organizações
cooperativas, que incorpore outros conceitos, como o de capital social, e contribuições de
outras disciplinas, como a sociologia, por exemplo.
Analisando ainda algumas limitações do trabalho, o ideal seria que tivesse sido
realizado um número maior de entrevistas com os associados, buscando uma maior
significação estatística dos dados. No entanto, o ideal nem sempre é exeqüível, e a amostra
coletada, por ser estratificada, serviu aos propósitos da análise qualitativa que se objetivava.
Apesar de apresentar limitações, no estudo de caso da Coopermil, ficou evidente que o
trabalho da cooperativa com o produto leite influencia no desempenho da cooperativa nos
outros setores. Isto se comprova pela participação que os produtores de leite possuem nos
negócios da cooperativa e principalmente pela diminuição que ocorreu no volume destes
negócios quando os produtores pararam de entregar leite para a cooperativa. O papel que o
produto leite exerce nas relações que se estabelecem entre cooperado e cooperativa parece ser
o de aumentar a freqüência destas relações, permitindo o desenvolvimento de uma maior
confiança entre as partes, diminuindo incertezas e assimetrias informacionais, criando
reputação. O desenvolvimento de reputação, confiança e diminuição da incerteza acabam
diminuindo a chance de ocorrência de comportamento oportunista. O cooperado, ao participar
mais da vida da cooperativa (pela maior freqüência de relações que a atividade leiteira
proporciona), acaba percebendo quais os benefícios que a cooperativa possui, adquire
confiança nesta estrutura e opta por negociar com ela. Portanto, pode-se afirmar que a
atividade leiteira gerenciada pela cooperativa aumenta a fidelidade do produtor à instituição,
ao promover relações mais freqüentes.
Esta conclusão é reforçada quando identifica-se, a partir da análise feita no Capítulo 5,
que os fatores que diferenciam os produtores localizados nos dois grupos de fidelidade são a
participação na cooperativa e a percepção da importância da cooperativa nas suas atividades.
126
A maior participação na cooperativa faz com que os produtores percebam a importância que a
cooperativa tem nas suas atividades e os benefícios que adquirem ao transacionar com ela, o
que cria um incentivo para o produtor ser mais fiel. Portanto, a atividade leiteira, por
promover uma maior participação no cotidiano da cooperativa, também deve auxiliar na
criação de incentivos à fidelidade.
Esperava-se que houvesse uma diferença entre os estratos de produção de leite no
relacionamento com a instituição e na fidelidade do produtor à instituição. O trabalho de
campo, no entanto, não demonstrou esta diferença. A escala de produção não interferiu na
fidelidade do produtor. Os gestores da cooperativa imaginavam que os produtores de menor
escala de produção negociassem mais com a cooperativa por não terem outra alternativa, por
serem mais dependentes desta estrutura. O contrário ocorreria com os estratos de maior escala
de produção, que por terem mais acesso a outros comerciantes, seriam menos fiéis. O trabalho
mostrou que nos grupos divididos por fidelidade havia produtores de todos os estratos, não
havendo diferença na freqüência de produtores por estrato nos dois grupos. A fidelidade,
portanto, não está ligada à escala de produção, e sim a outros fatores como participação e
compreensão da estrutura da cooperativa.
Ainda em relação aos estratos de produção, não é possível afirmar que a situação dos
produtores de leite, em especial os de menor escala, é melhor quando estão vinculados à
cooperativa. Nas entrevistas realizadas, não há a percepção por parte dos produtores de que a
cooperativa seja a melhor forma de comercializar o leite que produzem, eles não enxergam
benefícios claros da cooperativa em relação a outros laticínios. O que existe é a percepção de
que a Coopermil, no caso da bacia leiteira em estudo, é um importante meio de representação
dos produtores e uma forma de balizar preços, impedindo que a Avipal-Elegê fique sozinha
no mercado como compradora de leite. Eles entendem que sem a cooperativa ficam sem
representação, e sem ter como reivindicar preços melhores. Além disso, pelas atividades
realizadas pela cooperativa nas áreas de fomento à produção e concessão de financiamentos, o
produtor associado se torna capaz de manter-se integrado ao mercado e capaz de adaptar-se às
exigências de aumento de escala e melhoria da qualidade do produto. Na ausência de políticas
públicas específicas para o setor, sem a atuação da cooperativa, o produtor, em especial
aquele de menor escala, teria mais dificuldade em se manter no mercado.
Em relação às exigências para manutenção no mercado, a Coopermil, ao passar a
vender um produto diferenciado como estratégia para se manter no SAG do leite, precisa que
seus produtores tenham uma maior escala de produção e uma maior qualidade de produto,
como é exigido pelas indústrias do setor. Pelo comprometimento que tem com os associados,
127
principalmente os de menor escala de produção, ela tem a preocupação de tentar manter estes
produtores na atividade através de programas de fomento da produção. Os gestores
demonstram claramente esta preocupação, ao tentar formular políticas de fomento
direcionadas especialmente para os estratos de menor escala de produção.
Um aspecto importante do trabalho e que talvez não tenha sido abordado com
profundidade foi a análise dos motivos que levaram a Coopermil a adotar uma estratégia
diferente das suas co-irmãs frente às mudanças ocorridas no SAG do leite. No trabalho foi
demonstrado a importância que a atividade leiteira tem para os negócios da cooperativa, e
acredita-se que para as duas cooperativas que saíram da atividade, o leite tenha esta mesma
importância. O que fez com que só uma continuasse na atividade foi a atuação da direção da
cooperativa. A compreensão que os gestores, incluindo aí o conselho de administração
composto por produtores rurais, possuem da situação como um todo foi mais completa, eles
conseguiram enxergar a atividade leiteira além do seu resultado contábil. Esta maior
compreensão, este diferencial da gestão fez com que se adotasse uma estratégia diferente em
relação às outras cooperativas da região.
Quem foi o responsável por esta maior compreensão, pela tomada de decisão direta, é
difícil de apontar, pois o processo de tomada de decisão na cooperativa não foi avaliado com
profundidade neste trabalho. O que se pode afirmar a partir das entrevistas realizadas é que as
decisões partem mais dos gerentes de área, da gestão profissionalizada, do que do conselho de
administração, composto pelos produtores rurais, que tem mais o papel de sancionar as
decisões tomadas pela gerência profissional. A análise deste processo de decisão por si só
poderia ser alvo de estudo de uma dissertação de mestrado, e seria importante, pois neste
trabalho ficou bastante claro que o diferencial na estratégia adotada foram as pessoas
responsáveis pela gestão da cooperativa. Definir quem são estas pessoas, qual sua formação,
quais suas motivações para a tomada de decisão podem ajudar a entender quais são os
diferenciais destas empresas.
O trabalho realizado permitiu demonstrar que a atividade leiteira ainda é bastante
importante dentro da estrutura de trabalho de uma cooperativa tritícola, contribuindo para um
melhor relacionamento entre produtor e cooperativa, além de exercer um papel econômico
inerente à atividade. Continuar na atividade leiteira, pelos dados analisados, parece ter sido
uma atitude importante para a manutenção do bom desempenho financeiro da empresa. A
compreensão de que a atividade é importante para grande parte do seu quadro social manteve
a cooperativa como órgão de representação de seus produtores, aumentando o sentimento de
representatividade que os produtores tem pela instituição.
128
Utilizando um conceito da ecologia, a relação entre produtores de leite e a Coopermil
parece ser simbiótica, pois não se pode afirmar que um dos dois não sobreviveria se
estivessem separados, mas ambos tem benefícios pela continuidade da relação.
129
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132
APÊNDICE A
QUESTIONÁRIO PADRONIZADO – PRODUTORES COOPERMIL
1. IDENTIFICAÇÃO:
1.1. Estrato:
1.2. Nome:
1.3. Idade:
1.4. Participantes da entrevista:
1.5. Estado Civil: ( ) Casado ( ) Solteiro ( ) Separado ( ) Viúvo
1.6. Município: _________________
1.7. Pessoas que vivem na unidade familiar:
( ) esposa – idade?_____________
( ) filhos – quantos? ___________ Idades? ______________
( ) sogros/pais – quantos? ________ Idades? _____________
2. ESCOLARIDADE:
2.1. Qual o grau de escolaridade dos membros da família?
Chefe da família:
Esposa:
Filhos:
3. PROPRIEDADE:
3.1.Área Total Trabalhada:
3.2.Área Útil:
3.3. Regime de propriedade:
1( ) Própria
2( ) Arrendada
3.4. Arrenda para alguém uma parte da propriedade?
4.PRODUÇÃO:
4.1. Produtos produzidos (listar tipo e hectares utilizados no último ano agrícola)
4.2. Em relação aos últimos 10 anos, a produção aumentou, diminuiu ou se manteve estável,
em relação a grãos e a leite?
Produção Leiteira:
4.3 Número de vacas ordenhadas
4.4. Existe variação na quantidade produzida ao longo do ano? Quanto e em que épocas?Por
quê?
4.5. Tipo de ordenha: 1( ) manual
2( ) mecânica
3( ) mecânica canalizada
4.6. Resfriamento do leite:
1( ) refrigerador
2( )resfriador de imersão
3( ) resfriador de expansão
133
4( ) sem resfriamento
4.7. Rebanho
1.( ) Holandês
2.( ) Jersey
3.( ) Misto
4.8.Fonte principal da assistência técnica:
1( ) cooperativa
2( ) particular
3( ) emater
4( ) prefeitura
5( ) ONGs
6( ) indústrias de insumos
7( ) outros
4.9. Acesso a crédito nos últimos 10 anos:
1( ) custeio – quantas vezes?
2( ) investimento – quantas vezes?
4.10. Qual a instituição fornecedora do crédito?
1( ) banco estatal
2( ) banco privado
3( ) crédito cooperativo
4( ) cooperativa
5( ) indústria de insumos
6( ) agroindústria
4.11. Quem foi o avalista nas operações de crédito?
1( ) próprio produtor
2( ) cooperativa
3( ) indústria de insumos
4( ) agroindústria
5( ) amigo/parente
6( ) outro
4.12. Qual o objetivo do crédito?
1( ) compra de insumos para o plantio
2( ) compra de animais
3( ) realização de benfeitorias
4( ) aquisição de equipamentos para lavoura
5( ) aquisição de equipamentos para ordenha/resfriamento
6( ) outro
4.13. Pretende obter novos financiamentos?
1( ) Sim
2( ) Não
4.14. Se sim, será com a mesma entidade? Por quê?
5. MÃO-DE-OBRA:
134
5.1. Quais as pessoas da família que trabalham na atividade agrícola?
5.2. Utiliza mão-de-obra contratada? ( ) Sim ( ) Não
5.2.1. Se sim, quantas pessoas? Idades?
Período:
6. RENDA:
6.1. Ordenar as três principais fontes de renda agrícola da maior para a menor. Se souber,
indicar a percentagem da renda proveniente de cada atividade:
( ) leite
( ) grãos
( ) hortigranjeiros
( ) suínos
( ) aves
( ) gado de corte
( ) fruticultura
( ) outros
6.2 Outras fontes de renda
1( ) aposentadoria - quem
- valor
2( ) trabalho fora da propriedade – quem
- valor
7. COMERCIALIZAÇÃO:
7.1. Para quem vende a produção? (utilizar porcentagem ou quantidade destinada a cada um)
Leite Soja Milho Trigo Outros
Consumo
propriedade
Direto consumidor
Cooperativa
Indústria/graneleiro
Outros
7.2. De quem compra insumos? (utilizar porcentagem ou quantidade para cada fornecedor)
Fertili
zantes
Semen
tes
Rações Medi-
cam.
Sêmen Defen
sivos
Equipa
mentos
Equip
para
ordenha
Cooperativa
Indústria
Fornecedor
local
Outro
7.3. Onde compra alimentos que não produz na propriedade? (utilizar porcentagem das
compras totais)
( ) supermercado cooperativa
( ) mercado local
135
( ) rede supermercado/ supermercado cooperativa em que não é sócio
7.4. Quais a importância dos seguintes itens para escolha do local da compra de
insumos?(Utilizar escala – 5 –Muito importante; 4 – Importante; 3 – Razoavelmente
importante; 2- pouco importante; 1- não é importante)
1( ) Preço
2( ) Facilidade de acesso
3( ) Fornecimento de Assist. técnica
4( ) Característica do produto
5( ) Comprometimento com a empresa que vende os insumos
6( ) Compensação (fornecimento de outros benefícios)
7( ) Confiança no produto/ empresa
8( ) Outro
7.5. Qual a importância das variáveis para a escolha do local de venda de produtos? (Utilizar
escala – 5 –Muito importante; 4 – Importante; 3 – Razoavelmente importante; 2- pouco
importante; 1- não é importante) Existe diferença entre os produtos?
Leite Grãos
Preço
Facilidade
escoamento
Comprometimento
com a empresa
Confiança no
pagamento
Compensação
(outros benefícios)
Outro
8. COOPERATIVA:
8.1. Há quanto tempo é associado da cooperativa?
8.2. Sempre foi associado desta cooperativa?
8.3. Por que se associou? (Utilizar escala – 5 –Muito importante; 4 – Importante; 3 –
Razoavelmente importante; 2- pouco importante; 1- não é importante)
1( ) conseguir preços melhores
2( ) ter maior facilidade de comercialização
3( ) ter maior facilidade na aquisição de insumos
4( ) acesso a assistência técnica
5( ) facilidade de acesso a crédito
6( ) ter acesso a distribuição das sobras no final do ano
7( ) porque o pai já era sócio
8( ) outros – quais
8.4. Quais são as vantagens que o sr. percebe sendo associado da cooperativa?
136
8.5. Quais são as desvantagens que o sr. percebe sendo associado da cooperativa?
8.6. Em que atividades da cooperativa o sr. participa e com que freqüência?
Sempre Várias vezes Eventualmente Nunca
Mini-assembléias
Assembléia geral
Dias de campo/
palestras
Eleições conselho
fiscal
Eleições da direção
executiva
8.7. Por que o sr. participa das atividades?
1( ) É importante saber o que está acontecendo
2( ) É importante opinar porque são os produtores que decidem os rumos da cooperativa
3( ) outro
8.8. Por que o sr. não participa das atividades?
1( ) Não fica sabendo quando vão acontecer
2( ) Não tem como se deslocar
3( ) Falta tempo
4( ) Nas reuniões que foi não teve oportunidade para falar
5( ) Não tem interesse pelos assuntos tratados
8.9. O sr. conhece o estatuto da cooperativa?
( ) Muito bem
( ) Somente algumas partes
( ) Não
8.10. O sr. conhece seus conselheiros?
( ) Sim, todos
( ) Sim, alguns
( ) Não
8.11. O Sr. considera que a cooperativa representa seus interesses? Por quê?
( ) Sim
( ) Não
8.12. Na sua opinião, quem decide os rumos da cooperativa?
1( ) Os produtores, através da Assembléia
2( ) Conselho
3( ) Dirigentes
8.13. O sr. prefere, no seu relacionamento com a cooperativa, ter preços melhores ou uma
maior distribuição das sobras no final do ano?
8.14.Do que depende a distribuição de sobras? (Escolha múltipla)
( ) Depende do que é retido para investimento nos projetos da cooperativa
( ) Depende dos preços dos produtos
( ) Depende da quantidade de produtos que vendi ou comprei da cooperativa
( ) Outro motivo – Especificar qual
137
( ) Não entendo como varia a distribuição de sobras
8.15. Na sua opinião, os preços praticados pela cooperativa na compra e venda de produtos
estão:
COMPRA DE PRODUTOS: VENDA DE INSUMOS:
( ) abaixo dos preços de mercado ( ) abaixo dos preços de mercado
( ) seguindo os preços de mercado ( ) seguindo os preços de mercado
( ) acima dos preços de mercado ( ) acima dos preços de mercado
8.16. Quando o sr. tem a opção de negociar com cooperativa ou com outra empresa, qual o sr.
prefere? Por quê?
8.17. E se as condições do negócio forem melhores na outra empresa, o que o sr. faz? Por
quê?
9. SETOR LEITEIRO:
9.1. Quando o sr. começou a produzir leite? Por que começou a produzir?
9.2. Para o que é utilizada a renda proveniente do leite? (Utilizar escala – 4 – Responsável por
todas as despesas; 3 – Responsável por grande parte das despesas; 2 – Responsável por uma
parte das despesas; 1- não é utilizado nestas despesas)
1( ) compras na cidade (supermercado, roupas, etc)
2( ) aquisição de insumos para a produção agrícola (fertilizantes, defensivos, rações,
medicamentos, etc)
3( ) despesas gerais (luz, combustível)
4( ) reinvestimento na propriedade (melhorias no solo, formação de pastagens)
5( ) compra equipamentos (tratores, carreta, arado, roçadeira)
6( ) compra equipamentos de ordenha (ordenhadeira, resfriador)
7( ) poupança
8( ) outros – quais
9.3. Qual a importância de ter a conta leite na cooperativa?
9.4. Se não tivesse a conta leite, o sr, seguiria usando o dinheiro da mesma forma? Se não,
como usaria?
9.5. Como o sr. vê a produção de leite em relação à:
9.5.1.Preço
- Há 10 anos atrás
- Hoje
- Daqui há 5 anos
9.5.2. Exigências sanitárias (resfriamento)
- Há 10 anos atrás
- Hoje
- Daqui há 5 anos
9.5.3. Venda direta ao consumidor
- Há 10 anos atrás
- Hoje
- Daqui há 5 anos
138
9.6. Na sua opinião, o que mais dificulta a permanência dos produtores de leite na atividade?
1( ) preço baixo
2( ) exigência de resfriamento
3( ) baixa produtividade
4( ) outros
9.7. Quais suas perspectivas para o futuro na atividade leiteira (daqui a 5-10 anos)?
1( ) investir em animais e equipamentos, aumentando a produção
2( ) estabilizar a produção
3( ) diminuir
4( ) parar
9.8. Daqui a 5 – 10 anos, para quem o sr. acha que estará vendendo a produção?
1( ) cooperativa
2( ) direto para indústria
3( ) direto consumidor
9.9. Se o sr. vendesse o leite diretamente para a indústria, o que o sr. acha que mudaria?
9.10. Se a Coopermil também tivesse saído do mercado de leite, você mudaria seu
relacionamento com a cooperativa?
9.11. Se a Coopermil também tivesse saído do mercado e ficasse somente uma empresa
comprando leite, o que o sr. acha que mudaria?
9.11. Que impactos o sr. acha que ocorrerão no setor com a crise da Parmalat?
DATA:
139
APÊNDICE B
QUESTIONÁRIO PADRONIZADO – PRODUTORES INDEPENDENTES
1. IDENTIFICAÇÃO:
1.6. Estrato:
1.7. Nome:
1.8. Idade:
1.9. Participantes da entrevista:
1.10. Estado Civil: ( ) Casado ( ) Solteiro ( ) Separado ( ) Viúvo
1.6. Município: _________________
1.7. Pessoas que vivem na unidade familiar:
( ) esposa – idade?_____________
( ) filhos – quantos? ___________ Idades? ______________
( ) sogros/pais – quantos? ________ Idades? _____________
2. ESCOLARIDADE:
2.1. Qual o grau de escolaridade dos membros da família?
Chefe da família:
Esposa:
Filhos:
3. PROPRIEDADE:
3.1.Área Total Trabalhada:
3.2.Área Útil:
3.3. Regime de propriedade:
1( ) Própria
2( ) Arrendada
3.4. Arrenda para alguém uma parte da propriedade?
4.PRODUÇÃO:
4.2. Produtos produzidos (listar tipo e hectares utilizados no último ano agrícola)
4.2. Em relação aos últimos 10 anos, a produção aumentou, diminuiu ou se manteve estável,
em relação a grãos e a leite?
Produção Leiteira:
4.3 Número de vacas ordenhadas
4.4. Existe variação na quantidade produzida ao longo do ano? Quanto e em que épocas?Por
quê?
4.5. Tipo de ordenha: 1( ) manual
2( ) mecânica
3( ) mecânica canalizada
4.6. Resfriamento do leite:
1( ) refrigerador
140
2( )resfriador de imersão
3( ) resfriador de expansão
4( ) sem resfriamento
4.7. Rebanho
1.( ) Holandês
2.( ) Jersey
3.( ) misto
4.8.Fonte principal da assistência técnica:
1( ) cooperativa
2( ) particular
3( ) emater
4( ) prefeitura
5( ) ONGs
6( ) indústrias de insumos
7( ) outros
4.9. Acesso a crédito nos últimos 10 anos:
1( ) custeio – quantas vezes?
2( ) investimento – quantas vezes?
4.10. Qual a instituição fornecedora do crédito?
1( ) banco estatal
2( ) banco privado
3( ) crédito cooperativo
4( ) cooperativa
5( ) indústria de insumos
6( ) agroindústria
4.11. Quem foi o avalista nas operações de crédito?
1( ) próprio produtor
2( ) cooperativa
3( ) indústria de insumos
4( ) agroindústria
5( ) amigo/parente
6( ) outro
4.12. Qual o objetivo do crédito?
1( ) compra de insumos para o plantio
2( ) compra de animais
3( ) realização de benfeitorias
4( ) aquisição de equipamentos para lavoura
5( ) aquisição de equipamentos para ordenha/resfriamento
6( ) outro
4.13. Pretende obter novos financiamentos?
1( ) Sim
2( ) Não
141
4.14. Se sim, será com a mesma entidade? Por quê?
5. MÃO-DE-OBRA:
5.1. Quais as pessoas da família que trabalham na atividade agrícola?
5.2. Utiliza mão-de-obra contratada? ( ) Sim ( ) Não
5.2.1. Se sim, quantas pessoas?
Período:
6. RENDA:
6.1. Ordenar as três principais fontes de renda agrícola da maior para a menor. Se souber,
indicar a percentagem da renda proveniente de cada atividade:
( ) leite
( ) grãos
( ) hortigranjeiros
( ) suínos
( ) aves
( ) gado de corte
( ) fruticultura
( ) outros
6.2 Outras fontes de renda
1( ) aposentadoria - quem
- valor
2( ) trabalho fora da propriedade – quem
- valor
7. COMERCIALIZAÇÃO:
7.1. Para quem vende a produção? (utilizar porcentagem destinada a cada destino)
Leite Soja Milho Trigo Outros
Consumo
propriedade
Direto consumidor
Cooperativa
Indústria/graneleiro
Outros
7.2. De quem compra insumos? (utilizar porcentagem para cada fornecedor)
Fertili
zantes
Semen
tes
Rações Medi-
cam.
Sêmen Defen
sivos
Equipa
mentos
Equip
para
ordenha
Cooperativa
Indústria
Fornecedor
local
142
Outro
7.3. Onde compra alimentos que não produz na propriedade? (utilizar porcentagem das
compras totais)
( ) supermercado cooperativa
( ) mercado local
( ) rede supermercado/ supermercado cooperativa em que não é sócio
7.4. Quais são as variáveis de decisão para escolha do local da compra de insumos? (Utilizar
escala – 5 –Muito importante; 4 – Importante; 3 – Razoavelmente importante; 2- pouco
importante; 1- não é importante)
1( ) Preço
2( ) Facilidade de acesso
3( ) Fornecimento de Assist. técnica
4( ) Característica do produto
5( ) Comprometimento com a empresa que vende os insumos
6( ) Compensação (fornecimento de outros benefícios)
7( ) Confiança no produto/ empresa
8( ) Outro
7.5. Quais as variáveis de decisão para a venda de produtos? (Utilizar escala – 5 –Muito
importante; 4 – Importante; 3 – Razoavelmente importante; 2- pouco importante; 1-
não é importante) Existe diferença entre os produtos?
Leite Grãos
Preço
Facilidade
escoamento
Comprometimento
com a empresa
Confiança no
pagamento
Compensação
(outros benefícios)
Outro
8. COOPERATIVA:
8.1. É associado de alguma cooperativa?Há quanto tempo?
8.2. Sempre foi associado desta cooperativa?
9. SETOR LEITEIRO:
9.1. Quando o sr. começou a produzir leite? Por que começou a produzir?
9.2. Para o que é utilizada a renda proveniente do leite? (Utilizar escala – 4 – Responsável
por todas as despesas; 3 – Responsável por grande parte das despesas; 2 – Responsável
por uma parte das despesas; 1- não é utilizado nestas despesas)
143
1( ) compras na cidade (supermercado, roupas, etc)
2( ) aquisição de insumos para a produção agrícola (fertilizantes, defensivos, rações,
medicamentos, etc)
3( ) despesas gerais (luz, combustível)
4( ) reinvestimento na propriedade (melhorias no solo, formação de pastagens)
5( ) compra equipamentos (tratores, carreta, arado, roçadeira)
6( ) compra equipamentos de ordenha (ordenhadeira, resfriador)
7( ) poupança
8( ) outros – quais
9.3. Com a saída da cooperativa do setor leiteiro, o que mudou na sua atividade em relação à:
9.3.1. Preço do leite
9.3.2. Local de compra de insumos
9.3.3. Acesso à assistência técnica
9.3.4. Acesso à crédito para compra de insumos para a produção leiteira
9.3.5. Local de venda da produção de outros produtos (grãos)
9.4. Com a saída da cooperativa do setor leiteiro, o sr. pensou em trocar de cooperativa?
9.5. Esta saída influenciou nos outros negócios que o sr. realiza com a cooperativa?
9.6. Quais as vantagens que o sr. vê em vender o leite diretamente para a indústria?
9.7. Quais as desvantagens que o sr. vê em vender o leite diretamente para a indústria?
9.8. Por que motivos o sr deixaria de vender leite para a indústria que vende hoje e passaria a
vender para outra empresa? (Utilizar escala – 5 –Muito importante; 4 – Importante; 3 –
Razoavelmente importante; 2- pouco importante; 1- não é importante)
( ) a outra empresa oferece um preço melhor
( ) a outra empresa oferece outros benefícios (assist.técnica, crédito)
( ) a outra empresa oferece preço constante durante o ano
( ) a outra empresa é uma cooperativa, e terei outros benefícios se vender para ela
( ) não deixaria de vender para esta indústria, pois estou comprometido com ela e confio nela
9.9. Como o sr. vê a produção de leite em relação à:
9.9.1.Preço
- Há 10 anos atrás
- Hoje
- Daqui há 5 anos
9.9.2. Exigências sanitárias (resfriamento)
- Há 10 anos atrás
- Hoje
- Daqui há 5 anos
144
9.9.3. Venda direta ao consumidor
- Há 10 anos atrás
- Hoje
- Daqui há 5 anos
9.10. Na sua opinião, o que mais dificulta a permanência dos produtores de leite na atividade?
1( ) preço baixo
2( ) exigência de resfriamento
3( ) baixa produtividade
4( ) outros
9.11. Quais suas perspectivas para o futuro na atividade leiteira (daqui a 5-10 anos)?
1( ) investir em animais e equipamentos, aumentando a produção
2( ) estabilizar a produção
3( ) diminuir
4( ) parar
9.12. Daqui a 5 – 10 anos, para quem o sr. acha que estará vendendo a produção?
1( ) cooperativa
2( ) direto para indústria
3( ) direto consumidor
9.13. Que impactos o sr. acha que ocorrerão no setor com a crise da Parmalat?
DATA:
145
APÊNDICE C
ROTEIRO DE ENTREVISTA – COOPERMIL
1. Na sua opinião, qual deve ser o objetivo da cooperativa como instituição?
2. Qual é a estratégia de atuação da cooperativa no curto e longo prazo em relação a:
2.1. Diversificação de produtos
2.2. Agregação de valor aos produtos comercializados
2.3. Crescimento (nº cooperados, nº unidades, área abrangida)
2.4. Exclusão de produtores
3. Qual a previsão de investimentos na atividade leiteira no curto e longo prazo?
4. Que tipo de produto desejam trabalhar na atividade leiteira (leite fluído, em pó,
derivados de maior valor agregado?
5. Que problemas observados podem ser limitantes para as estratégias de atuação
delineadas?
6. Qual o perfil desejado de associado em relação a:
6.1. Produtos produzidos
6.2. Escala de produção
6.3. Participação na cooperativa
6.4. Freqüência de transações
7. O que entende por fidelidade do cooperado à cooperativa?
8. O trabalho com o produto leite pode influenciar esta fidelidade?
9. Por que trabalhar com o leite, mesmo tendo resultado econômico negativo na
atividade?
10. Como o Sr. enxerga a participação do cooperado nas atividades da cooperativa e a
compreensão que ele tem do funcionamento da instiuição?
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