14
grande modelo a ser seguido nos misteres da caracterização
22
e da unidade
23
, com o resultado
de que todo detalhe secundário seria visto como excrescência. O importante, segundo esse
sistema, era tratar de verdades universais, e não de particularidades geográficas ou históricas.
Shaftesbury observaria: “O mero retratista, com efeito, tem pouco em comum com o poeta;
antes, como o mero historiador, ele copia o que vê e traça minuciosamente toda feição e
marca abstrusa; não é assim com homens de invenção e engenho”
24
. Depois dessas regras
gerais, a doutrina neoclássica apresentava outras, mais específicas, que regravam os diversos
tipos poéticos, especialmente a comédia, a tragédia e a epopéia. A violência explícita da
tragédia elisabetana, por exemplo, seria banida para os bastidores, e toda ação extravagante
deveria ser narrada em vez de encenada
25
. Descontadas ocasionais divergências, tal era a
essência do pensamento neoclássico que os ingleses receberam da França
26
.
Grande parte dos princípios neoclássicos parecia aos augustanos saudável e conforme
ao bom senso. De fato, após sua sistematização no último quartel do século, o neoclassicismo
se tornou o credo ortodoxo. Mas a intransigência das regras menores (e especialmente das
unidades de ação, tempo e lugar) era vista como um obstáculo à inventividade. Essa objeção
já vinha sendo feita na própria França por autores como La Bruyère, Saint-Évremond e o
Corneille da fase final, de modo que o neoclassicismo que desembarcou na Inglaterra foi logo
acompanhado de sua crítica. O crescente interesse por Longino, cujo tratado Do Sublime se
difundiu na tradução de Boileau, favoreceu uma atitude mais liberal no julgamento poético.
“[D]evemos preferir uma grandeza com alguns defeitos, ou uma mediocridade correta, em
tudo sã e impecável?” Os ingleses, que tinham sempre presente a obra de Shakespeare como
prova de que era possível ser grande sem ser exato, se dispuseram à tolerância. “[A] precisão
22
“Quando se experimenta assunto nunca tentado em cena, quando se ousa criar personagem nova, conserve-se
ela até o fim tal como surgiu de começo, fiel a si mesma.” Horácio, op. cit., p. 59. (As citações da poética antiga
provêm do volume A Poética Clássica, em que Roberto de Oliveira Brandão reuniu os textos de Aristóteles,
Horácio e Longino.)
23
“Em suma, o que quer que se faça seja, pelo menos, simples, uno.” Horácio, Arte Poética, p. 55. Ver também
Aristóteles, Poética, VIII, p. 28.
24
“The mere face painter, indeed, has little in common with the poet but, like the mere historian, copies what he
sees and minutely traces every feature and odd mark. It is otherwise with the men of invention and design.”
Shaftesbury, “Sensus Communis”, in Characteristics of Men, Manners, Opinions, Times (1711). In ECCE, p.
174.
25
Horácio, op. cit., p. 60.
26
Atkins, English Literary Criticism: 17
th
and 18
th
Centuries, pp. 11-12.