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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: TEORIAS DO TEXTO E DO DISCURSO
A DIVULGAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO SOB UMA
, PERSPECTIVAENUNCIATIVA
ELIANE DE FÁTIMA MANENTI RANGEL
Porto Alegre, 2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: TEORIAS DO TEXTO E DO DISCURSO
A DIVULGAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO SOB UMA
PERSPECTIVA ENUNCIATIV A
ELIANE DE FÁTIMAMANENTI RANGEL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da UFRGS
como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Estudos da
Linguagem.
Orientadora: Professora D(IEIsa Maria Nitsche Ortiz
Porto Alegre, 2005
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DADOS TNTE:R.NAÇIQNAISPE ÇATA~OGAÇÃQ-NA-P{J}lbI€AÇÃO(CIP)
BmLIOTEC~"ItlOS RESPONSÁVEIS: Leonardo Ferreira Scaglioni
CftB;;lo./1635
Raquel da Rocha Schimitt
- CRB-I0/1138
R196D
Rangel, Eliane de Fátima Manenti
A divulgação do conhecimento científico sob
uma perspeCtivaenunciativa / Eliane de Fátima
Manenti Range!. - Porto Alegre, 2005.
141f
Dissertação (Mestrado em Letras) -
Univ~rsi~lçtd~F~d~raldQRiQGrand~dQSul.
Instituto de Letras, Programa de Pós-Graduação
em Letras. Porto Alegre, BR-RS, 2005.
Orientadora: Profa. Dra. EIsa Maria Nitsche
Ortiz.
1.Linguística. 2. Divulgação científica. 3.
Discurso científico. 4. Conhecimento científico.
S. Gênerotextual. 6. Polifonia. 1.TítulQ.
CDD 410
"...em todo enunciado, contanto que o examinemos
com apuro, levando em consideração as condições
concretas da comunicação verbal, descobriremos as
palavras do outro ocultas ou semi-ocultas, e com graus
diferentes de alteridade. Dir-se-ia que um enunciado é
sulcado pela ressonância longínqua e quase inaudível
da altemância dos sujeitos falantes e pelos matizes
dialógicos, pelas fronteiras extremamentes tênues entre
os enunciados e totalmente permeáveis à
expressividade do autor"
Estética da criação verbal
-Bakhtin
,..-
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Á professora D,.aEisa Maria Nitsche Ortiz
Agradeço pela maneira tranqüila, segura e competente com que conduziu a
orientação do presente trabalho, indicando leituras e possibilitando que eu
traçasse as diretrizes que queria seguir.
Agradeço também a compreensão nos momentos difíceis e as palavras de conforto,
na tentativa de mostrar o lado bom de tudo.
E, principalmente, sua maneira de ser e de trabalhar,fazendo com que umpercurso
queparecia tão árduo se tornasse uma caminhadaprazeirosa.
RESUMO
Esta dissertação focaliza um gênero textual denominado texto de divulgação
científica, o qual tem por objetivo divulgar as recentes descobertas científicas. Ao se
tratar de um modelo textual com peculiaridades próprias, busca-se, a partir do conceito
bakhtiniano de gênero, classificá-Io cornoum gênero emergente, por estar cadavez mais
freqüente na rnídia impressa e eletrônica. Assim, o objetivo desse trabalho é mostrar
como esse gênero textual é configurado por meio de estratégias lingüísticas que
caracterizam o dialogismo e a polifonia. Para atingir tal propósito procedeu-se a uma
análise enunciativa de textos de divulgaçãocientífica veiculados na Folha online,
procurando verificar os diferentes recursos lingüísticos empregados para reformulação
do referido texto a partir do texto original -o artigo científico. Os resultados apontam o
texto de divulgação científica como um gênero predominantemente politõnico, pois, ao
jogar com recursos disponíveis na língua, como por exemplo aspas, parênteses e certos
marcadores discursivos, o divulgador tem a possibilidade de transformar um texto que
apresenta maior grau de objetividade, imparcialidade e emprego de palavras técnicas,
características próprias do artigo de cunho científico, em um texto constituído por uma
- linguagem com palavras próximas do cotidiano do leitor e, portanto, permitindo uma
leitura mais acessível.
Palavras-chave: gênero, texto de divulgação científica, polifonia.
..,...
ABSTRACT
This dissertation focuses a textual genre that spreads
recent scientific
discoveries.As it is a textual model with special characteristics, it was c1assifiedas an
emergent genre called scientific spread text and the theOIYused is based on Bakhtin' s
conceptof genre. So, the objectiveof this studyis to show as this textual genre is
constructedthrough linguistic strategies in order to characterize the dialogism and the
polyphony. To reach this purpose, we procedure an analyze of scientific spread texts
veiculatedon Folha onIine in order to verify different linguisticresources used to
reconstructthe referred text based on original text: scientific article. The results point
out the scientific spread texts as a polyphonic genre that employs resources available in
the language: quotation marks, parentheses and certain discourse markers. In this way,
the spreaderpresentsthe possibilityto changea text with high leveI of objectivity,
impartialityand use of technical words, characteristics own of scientific artic1ein a text
constituted by a language with vocabulary c10sed to the reader and, furthermore,
allowing a more accessible reading.
Key-words: genre, scientific spread text, polyphony
sUMÁRIo
RESUMO ""'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' VI
ABSTRACT VII
INTRODUÇÃO "'''''''''''''''' , ..09
1. OTEXTODEDIVULGAÇÃOCIENTÍFICACOMOGÊNERO 22
1.1Textoe seqüênciatipológica
'''''''''''''''''' ..25
1. 2 Discurso definitório .30
1. 3 O texto de divulgação científica (DC) 32
1.4 O discurso propriamente científico ..,... 33
1. 5 Ciência, divulgador e leitor: os diferentes lugares nos textos de DC 36
1. 6 Reformulação do texto de DC: um processo paraftástico 40
1. 7 O texto de DC e sua natureza social 44
1.8 Gênero discursivo nas escolas , 46
2. O TEXTO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA SOB UMA ÓPTICA
ENUNCIATIVA """"""" """""'"'''''''''''''''''' 50
2. 1Princípios teóricos da enunciação 51
2.2 A concepção dialógica nos textos de DC 57
2.3 A concepção polifonica nos textos de DC 60
3.DIFERENTESFORMASDEPOLIFONIANOSTEXTOSDEDC 71
3.1 O discurso do outro """""""" '''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' ...71
3. 1. 1 SegundoBakhtin ., 71
3. 1.2 Segundo Authier- Revuz 73
3. 1.2. 1 Emprego do discurso direto e indireto 80
3. 1.2. 2 Emprego das aspas ""'''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''' 81
3. 1.2. 3 Emprego dos parênteses 84
3.2 Marcadores discursivos nos textos de DC: perspectivas semântico-
discursivas """""""'"'''''''''''''''''''''''''''''' .85
3.2. 1 Marcadores discursivos de contraste ou oposição 93
3. 2. 2 Marcadores discursivos de adição ..101
3. 2. 3 Marcadores reformulativos """""""""""""""""""""""""""""" .105
3.2.4 Marcadores de explicação (ou causal) 110
! 3. 2. 5 Marcadores de atribuição ..112
CONSIDERAÇÕESFINAIS.. 115
REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS ,.00.. 120
ANEXOS. o '.0... 0""'00000000 o "00""'0"""'0""00"""""""""""""""" .124
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é discutir as relações entre o emprego de certos
recursos de linguagem e a produção de conhecimento científico, através da análise de
textos de divulgação científica. Acredita-se que esta investigação é relevante no
contexto contemporâneo, uma vez que a rápida propagação dos saberes científicos tem
ocorrido por meio dos referidos textos, os quais são constituídos por uma linguagem
menos formal associada a termos especializados pertencentes ao universo da ciência.
A discussão entre linguagem e produção de conhecimento iniciou-se com os
gregos, implicando na sobreposição da filosofia e das ciências. Estas somente
adquiriram estatuto próprio a partir da mudança de paradigma científico na revolução
copernicana, no final da Idade Média e no início da Moderna e a partir do
aprofundamento da proposta metodológica de Galileu.
Contudo, é nas últimas décadas que as relações entre linguagem e produção
científica têm se desenvolvido, através das modernas tecnologias que envolvem a
linguagem e devido à propagação das descobertas científicas por meio de textos não
especializados.
Evolução das ciências e mudanças de paradigmas
O conhecimento científico teve início com a revolução metodológica
impulsionada por Galileu, no século XVII. A partir dessa época, os métodos passaram a
dar um estatuto mais rigoroso e diferenciado às ciências, tornando-as distintas da
10
filosofia. A preocupação voltou-se para a descoberta de regularidades que pudessem
existir nos fenômenos. Assim, podemos perceber que o rigor do conhecimento
científico é uma conquista de aproximadamente 300 anos.
Já no final do século XVIII, com a Revolução Industrial, a ciência expandiu-
se por meio da evolução tecnológica, a qual mudou a vida das pessoas. Tal mudança
levou Santos (2001, p. 34) a enfatizar que:
a industrialização da ciência acarretou o compromisso desta com os
centros de poder econômico, social e político, os quais passaram a ter
um papel decisivo na definição das prioridades científicas
.
Logo, a linguagem que perpassa os discursos científicos não é imparcial, pois
vem ao encontro da necessidade de certos grupos que detêm o poder econômico e
político e que manipulam, por meio de instituições de fomento à ciência, os temas a
serem pesquisados e os propósitos a serem atingidos. Assim, a linguagem está presente
nos discursos sobre o saber científico, atendendo aos interesses de classes.
Essa parcialidade do saber científico tornou-se ainda mais evidente no final do
século XIX. Nessa época surgiram as ciências sociais, as quais até os nossos dias,
tentam estabelecer métodos adequados à compreensão dos fenômenos do
comportamento humano bem como fazem a discussão em torno do próprio estatuto do
que é ciência. Este fato ocorre porque o rigor científico exigido às ciências naturais é
um ideal quase impossível de ser aplicado às ciências humanas, uma vez que os
fenômenos pertencentes a estas são de ordem qualitativa e subjetiva. Nesse sentido,
enquanto as ciências naturais exigem objetividade, as ciências sociais apresentam
dificuldade de descentrar-se das emoções e da subjetividade, já que sujeito e objeto são
da mesma natureza (Santos, op.cit).
11
No centro dessa discussão, está a transferência da subjetividade e do
simbolismo da linguagem para o conhecimento. Assim, o saber positivo ligado às
ciências sobretudo empíricas, que era abordado de uma forma objetiva passou a ter uma
abordagem simbólica e subjetiva. Tal fato se deve ao saber positivo ser mediado e
transmitido pela linguagem, pois “o fundamento da subjetividade está no exercício da
língua”, (Benveniste, 1995, p. 288).
Entretanto, apesar do mencionado estatuto de subjetividade na língua, alguns
textos, principalmente da área científica, devem conservar um certo grau de
objetividade e clareza dos fatos, com o intuito de criar um efeito de sentido que
transmita racionalidade empírica ao leitor, apesar de muitos teóricos sugerirem a
impossibilidade de existirem discursos científicos absolutamente neutros ou imparciais
1
.
No que se refere aos domínios dos saberes do conhecimento científico,
Bouquet (2001, p. 27-31) ressalta que eles podem ser divididos em dois tipos:
1) saber positivo – o qual pode ser formalizado, literalizado e passível de verificação; os
conceitos dos objetos de um saber positivo são considerados a posteriori, ou seja,
seu valor de verdade tem uma referência externa à linguagem;
2) saber não-positivo – é aquele em que os conceitos dos objetos são considerados a
priori ou primitivos, ou seja, ele se confunde com o próprio referente lingüístico.
Tais domínios dos saberes, além da possibilidade de serem complementares,
não precisam necessariamente serem excludentes. Como exemplo deste fato, pode-se
citar as ciências sociais, em que ambos os saberes - positivo e não-positivo - coexistem
simultaneamente.
12
É importante lembrar que a filosofia passou ao domínio exclusivo dos saberes
não positivos e que as ciências lutam constantemente para permanecer nos domínios dos
saberes positivos. Assim, a designação ciência, na acepção contemporânea, compreende
um saber caracterizado por ser positivo, empírico, objetivo e experimental. Cumpre
destacar que essa afirmação é relativizada, segundo Bouquet (op.cit, p. 27-31), para as
ciências sociais, por acreditar-se haver nesse caso uma complementaridade entre saber
positivo e não positivo.
Sánchez Mora (2003, p.7), no seu livro A divulgação da ciência como
literatura, escreve que, desde o início do século XX e mais precisamente a partir da
Segunda Guerra Mundial, a ciência passou a utilizar cada vez menos a linguagem do
senso comum, empregando uma linguagem especializada de difícil compreensão para o
leitor que não fazia parte da área. Tal tendência acarretou um abismo entre a
comunidade científica e o público em geral. Além disso, a autora frisa que, para além da
preocupação lingüística, esse quadro precisa urgentemente ser transformado, sob pena
de criar-se mais uma forma de exclusão na sociedade.
Diante de tal situação, a divulgação da ciência, por meio dos textos de
divulgação científica, torna possível a expansão do saber científico para o grande
público, devido ao emprego de um vocabulário compreensível ao leitor não iniciado nas
práticas científicas. Cria-se, desse modo, uma ponte entre o universo científico e o não-
científico, possibilitando ao público leigo a integração do conhecimento das ciências à
vida cotidiana.
Coerente com as idéias anteriores, Santos (op. cit) constata que existe uma
crise nos paradigmas da ciência contemporânea dando origem a um paradigma
1
Como exemplo de teóricos que sugerem não haver tal imparcialidade no discurso científico, podemos citar
13
emergente. Para ele, a ciência pós-moderna
2
procura reabilitar o senso comum, que foi
abandonado pela ciência moderna. Dentro da nova perspectiva, o senso comum tem
uma virtualidade que enriquece nossa relação com o mundo, podendo ser ampliado
através do diálogo com o conhecimento científico.
A hipótese é justamente a necessidade de abertura e de difusão da ciência,
através da qual nasça um novo posicionamento por parte da comunidade científica. Tal
posicionamento permitiria um relacionamento dialético entre saberes da ciência e
saberes não-científicos, de tal forma que os cientistas repensem e considerem os saberes
do senso comum. Além disso, esse novo posicionamento evitará levá-la a um pedestal
que a coloca como a “dona da verdade”, tentando, a qualquer custo, excluir os aspectos
subjetivos que envolvem toda atividade humana.
Nesse sentido, importante lembrar que as ciências têm um poder heurístico,
não um conhecimento certo ou infalível. A discussão em torno dela é contínua, através
de um longo percurso cheio de questionamentos e contradições. Faz-se necessário
também que as ciências reavaliem seus conceitos, procedimentos e sua relação com a
realidade, bem como a sua validade empírica.
Na relação entre o saber erudito restrito à elite científica e o saber obtido das
experiências cotidianas, a linguagem apresenta-se como mediadora da difusão dos
avanços científicos. Santos (op.cit) denominou isso como a passagem de um
“conhecimento prudente” para um “conhecimento decente”. Assim, este estudo
concebe a divulgação através dos textos de divulgação científica como representativa de
uma evolução em prol da sociedade.
o filósofo Thomas Kuhn e o sociólogo Boaventura de Souza Santos, entre outros.
2
Vale lembrar que o termo é empregado pelo autor, embora muitos outros teóricos descordem da expressão
empregada por acreditarem que a modernidade não chegou ao seu limite máximo, mas apenas alterou suas
formas de manifestação.
14
A configuração do fazer persuasivo dos textos de divulgação científica é um
trabalho do divulgador que, por meio de escolhas lexicais, sintáticas e de certos
recursos da língua, visa facilitar a compreensão da leitura por parte dos receptores
leigos, os quais através de um texto menos erudito e, portanto, mais próximo das suas
realidades lingüísticas, poderão associar seus conhecimentos do senso comum com o
conhecimento científico veiculado no texto.
Nesta perspectiva, a difusão dos saberes científicos para a sociedade é de
suma importância, uma vez que o indivíduo, ciente das novas descobertas e avanços,
terá a possibilidade de tomar certas providências e atitudes em relação ao seu próprio
corpo e comportamento, bem como ao meio ambiente em que vive. Assim, segundo o
paradigma emergente mencionado por Santos (op. cit), o conhecimento científico
ensina a viver e traduz-se num viver prático, que não se trata tanto de sobreviver como
de saber viver. Com isso, percebe-se o aspecto positivo da divulgação da ciência ao
contribuir para a construção de valores, mostrando que certas atitudes e
comportamentos tornam os indivíduos mais saudáveis, conscientizando-os das
conseqüências de seus atos.
A título de exemplo, podemos citar a ampla divulgação pela mídia dos
benefícios da amamentação para o recém-nascido. Muito se tem insistido a respeito
desse assunto através de campanhas, desde que se comprovou cientificamente que o
aleitamento materno é fonte de saúde para o bebê. Desse modo, pode-se dizer que a
ciência está em parceria com o senso comum, valorizando e reforçando um
conhecimento que já existia a respeito dessa questão. Afinal nada adiantaria as
pesquisas avançarem se esse fato não fosse divulgado fora das fronteiras da
comunidade científica. Felizmente, esse quadro tem mudado graças à divulgação
simplificada e voltada para a sociedade.
15
Partindo da constatação de que há uma tendência de um novo paradigma de
cientificidade, poder-se-ia dizer que essa mudança diz respeito à maneira como o
universo científico têm-se portado diante da atual conjuntura. Ou ainda pelo fato de os
cidadãos terem necessidade do saber científico, procurando tomar conhecimento e
entender a evolução científica. Talvez essa “sede” pelo saber tenha se intensificado
devido ao crescimento do mundo globalizado, em que as informações circulam em
poucos segundos. É a era da informação, que veio para tornar o ser humano mais
curioso e desejoso de tomar conhecimento das descobertas universais.
Por outro lado, a comunidade dos pesquisadores, em resposta às demandas da
população, tem-se mostrado sensível à necessidade de socializar o saber e adotar uma
atitude responsiva em relação aos apelos da sociedade. Nesse sentido, pode-se dizer
que há uma mudança de paradigmas alterando o comportamento de um grupo
hermético – os cientistas –, tornando-os abertos à divulgação da ciência.
Apesar de a disseminação da ciência ter aumentado nos últimos anos, Goulart
(2004, p. 4-9), jornalista da revista online MIC que publica assuntos relativos à mídia e
ciência, ressalta que a divulgação científica ainda encontra “várias barreiras que vão
desde a limitação do papel até a recusa de textos por serem muito técnicos e
acadêmicos”, privando os leitores de assuntos importantes voltados à melhoria de sua
qualidade de vida. Além disso, “alguns pesquisadores resistem à propagação do
conhecimento por temerem imprecisão”. Com isso, perde não só a sociedade, mas
também o cientista, o qual “acaba no ostracismo”, divulgando seu trabalho apenas
para um público segmentado.
A mesma autora divulga percentuais representativos da imagem que a
população urbana brasileira tem da ciência e da tecnologia, através de um levantamento
16
concebido pelo CNPq. De acordo com a pesquisa, “52% da população acha o Brasil
atrasado em pesquisa científica e tecnológica” e “71% dos brasileiros demonstram
algum interesse por descobertas científicas”. Os entrevistados também declaram que
os “cientistas ocupam o 5º lugar entre os profissionais que mais contribuem para o
desenvolvimento de um país”. Percebe-se que os dados poderiam ser melhores se
existisse uma cultura científica mais desenvolvida em nosso país, que valorizasse a
importância da ciência para o desenvolvimento de uma nação e que diminuísse a
distância entre o mundo científico e o mundo leigo.
No entanto, tem-se que admitir que muitos avanços ocorreram desde a metade
do século XX e mais intensamente nos últimos anos. Em outra reportagem, o jornal
Estadão de São Paulo, divulga aspectos positivos relativos à produção científica,
publicados na revista estrangeira Nature. De acordo com o relato, “o Brasil está entre
os 31 países que concentram 98% dos artigos com descobertas científicas de maior
relevância no mundo”. A revista ainda enfatiza que o país teve um salto no número de
artigos produzidos e citados.
Entretanto, o otimismo deve ser relativizado, pois, segundo a reportagem, “os
benefícios práticos na qualidade de vida da população” em conseqüência desta
produção ainda “não condizem com os esforços dos pesquisadores”. Apesar de o
Brasil estar avançando significativamente, “o resultado confirma o que já se sabe: a
produção científica é mais intensa nos países ricos”. Além disso, seus resultados “são
mais efetivos entre os cidadãos mais abastados do planeta”. Assim, percebe-se que
existe a necessidade de um crescimento no campo da divulgação científica e, para
tanto, é necessário um maior diálogo entre cientistas e jornalistas-divulgadores, de tal
forma que estes se familiarizem com a linguagem técnica e os pesquisadores explicitem
17
a terminologia especializada a fim de que os benefícios possam ser compartilhados por
um maior número de leitores.
Além disso, há o problema da falta de acesso à cultura científica que atinge
grande parte da população brasileira que não dispõem de modernos veículos de
comunicação, a exemplo da internet. Entretanto, se, nas escolas, os professores
praticarem a leitura de texto de divulgação da ciência, já seria uma forma de acesso à
tal cultura ou, tal como é sugerido no artigo Ciência na mídia: um desafio para
cientistas e jornalistas, veiculado na revista Minas faz ciência, em que aparece a
sugestão da divulgação da ciência não só por intermédio da mídia, mas também
através do teatro, do museu e da literatura, já que esses meios de informação prendem
a atenção especialmente do público infanto- juvenil.
Além dos aspectos sociológicos, Santos (op. cit, p. 48-49) destaca a
diversidade do conhecimento, uma vez que este avança à medida que seu objeto se
amplia em busca de novas e variadas interfaces, procurando estabelecer um diálogo
entre diversas disciplinas. Com isso, a diversidade do conhecimento constitui-se a
partir da pluralidade metodológica, o que só é possível a partir da transgressão
metodológica. Assim, para o autor, a ciência moderna parece não ter um estilo
identificável. Nesta fase de transição, há sinais de fusão de estilos e interpretações entre
cânones que podem ser visíveis também na linguagem escrita.
Ao estudar as relações entre linguagem e produção de conhecimento
científico, com ênfase no texto de divulgação científica, percebe-se que houve
mudanças de paradigmas em resposta às necessidades sociais e históricas, ou seja,
antes se visava somente o controle e a manipulação da natureza por parte da
comunidade científica. Atualmente, as ciências estão se voltando aos interesses e
18
necessidades sociais, motivo pelo qual a divulgação das descobertas científicas está em
fase ascendente.
Desse modo, a propagação dos saberes científicos através do texto de
divulgação vem beneficiar a vida do ser humano, no sentido de alterar determinados
comportamentos, tornando-o mais engajado com as práticas sociais vigentes e
conseqüentemente mais consciente dos problemas pessoais e sociais que o cerca.
Optamos por analisar em nosso trabalho as características lingüísticas dos
textos de divulgação científica que os tornaram mais acessíveis a diferentes leitores,
devido ao trabalho do divulgador. Este tem a preocupação de transmitir informações
claras e precisas por meio de uma linguagem simplificada, com recursos lingüísticos
didatizantes, os quais possibilitam a compreensão de um texto de conteúdo por vezes
complexo e que antes era privilégio apenas de um pequeno segmento da sociedade - a
comunidade científica.
Coerente com esse contexto, as seguintes questões nortearam nossas
primeiras inquietações:
a) A mudança de paradigmas nas maneiras de compreender e divulgar o saber
científico teria conduzido a alterações nas escolhas lexicais e sintáticas, assim como
no emprego de certos recursos lingüísticos? Com que propósitos?
b) O emprego de palavras que tradicionalmente eram concebidas como simplesmente
gramaticais poderia ser indicativo de uma polifonia subjacente que revelasse as mais
variadas perspectivas de diferentes enunciadores organizadas pelo divulgador do
texto?
Para atender a essas questões, foi selecionado o referencial teórico da
Lingüística da Enunciação, por entendermos que esta é a linha de pesquisa que mais se
19
aproxima da nossa proposta, já que considera o enunciado como um evento
comunicativo único que leva em conta o aspecto dialógico da linguagem e o caráter
polifônico dos textos.
Assim, a base teórica que assumimos em relação à linguagem centra-se na
abordagem enunciativo-discursiva dos trabalhos de Benveniste, que enfatiza o
enunciado como interação verbal entre interlocutores, e também nas reflexões de
Bakhtin e Ducrot, que ampliam tal conceito, por entendermos que a linguagem é a
responsável pela disseminação das descobertas científicas e conseqüentemente das
constantes transformações sociais.
Desse modo, busca-se delinear parâmetros para o texto de divulgação
científica, considerando-o como um gênero emergente, devido a sua presença crescente
nas revistas e nos jornais impressos e eletrônicos veiculados nos mais variados meios
de comunicação.
Com base nessas considerações, um dos objetivos do presente estudo está
centrado na tentativa de verificar as particularidades do texto de divulgação científica,
de tal forma que o conceba como um gênero textual que emergiu há algumas décadas.
Além disso, procura-se, mais especificamente, demonstrar que o objeto de análise é
composto de diferentes vozes que compõem o fenômeno polifônico nos referidos textos,
marcado pela presença de certos sinais, palavras ou expressões lexicais que atestam a
natureza polifônica.
Nosso corpus, é composto de 16 textos de divulgação científica, cujos temas
versam sobre saúde, comportamento e meio ambiente, sendo que os temas da área da
saúde estão subdividido nos seguintes tópicos: câncer, obesidade, impotência, HIV,
infertilidade e colesterol, totalizando 10 textos. O campo do comportamento está
20
subdividido nos seguintes tópicos: troca de parceiros, déficit de atenção como
conseqüência de muito tempo em frente à televisão e influência do chocolate no
comportamento, perfazendo um total de 3. Já no âmbito do meio ambiente, destacam-se
as temáticas da biodiversidade, aquecimento global e mudanças de clima, também
totalizando 3. Os referidos textos, os quais se encontram anexados ao final da
dissertação, foram extraídos do jornal Folha de São Paulo
3
, versão online
4
, no período
compreendido entre novembro de 2003 a setembro de 2004. A escolha recaiu sobre
esse veículo de comunicação por se tratar de um jornal bem conceituado no Brasil, além
de ser um dos maiores veículos de comunicação que abrem espaço para a divulgação
das descobertas científicas.
Embora o acesso à rede mundial de computadores tenha aumentado
cumulativa e rapidamente, acredita-se que os estudos voltados aos textos de divulgação
científica, veiculados nesse contexto, apresentam-se ainda em fase inicial. Tendo em
vista o exposto, um estudo das características lingüísticas que considere os aspectos
dialógico e polifônico nos textos em discussão parece pertinente e necessário, não só
para as práticas pedagógicas no ensino de língua, tanto materna quanto estrangeira, mas
também para leitores que desejam efetuar leituras desse gênero.
Nosso estudo se organiza em três capítulos, além da introdução e das
considerações finais. No primeiro capítulo, tomando por base os nossos
questionamentos e as perspectivas teóricas de diversos estudiosos da linguagem como o
russo Bakhtin, o francês Adam, o suíço Bronckart e o brasileiro Marcuschi, iniciamos o
nosso percurso teorizando em torno de texto, visto como uma entidade concreta
3
Cabe informar que alguns textos da BBC inseridos no corpus o veiculados no site da Folha online.
4
É importante dizer que não abordaremos as semelhanças ou diferenças entre os textos de divulgação da
Folha impressa e os da Folha on line objeto do nosso estudo.
21
corporificada em algum gênero textual, sendo que a discussão mais significativa recai
sobre esse último tópico.
No capítulo de número dois, a ênfase está na natureza enunciativa da
concepção de interação verbal entre interlocutores, discutida por Émile Benveniste e
também do dialogismo, característica intrínseca da linguagem e reveladora da
alteridade, proposto por Bakhtin. Num segundo momento, partindo-se da relação
dialógica, a atenção centra-se na polifonia, fenômeno destacado pelo já mencionado
filósofo russo e pelo lingüista francês Oswald Ducrot.
O terceiro capítulo é ancorado pela teoria enunciativa de Jacqueline Authier-
Revuz, na representação da voz do outro, juntamente com a abordagem de Bakhtin e a
de outros teóricos cujas preocupações voltam-se para as peculiaridade lingüísticas,
dando base para delimitar alguns sinais e marcadores discursivos que estão presentes
nos textos de divulgação científica, com o intuito de verificar os diferentes índices de
polifonia através do emprego desses elementos.
No que tange às traduções dos artigos e livros em língua estrangeira
utilizados para a concretização dessa pesquisa, é importante dizer que as mesmas foram
realizadas por mim ou pela orientadora dessa dissertação, profª. Drª. Elsa Maria Nitshe
Ortiz.
22
CAPÍTULO I
1. O TEXTO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA COMO GÊNERO
No final do século XX e início do século XXI, o campo dos saberes tem se
apresentado propício à democratização do conhecimento científico em função dos
avanços tecnológicos. Por esse motivo, o período atual tem sido freqüentemente
denominado de era da informação, devido à grande expansão que os modernos meios
de comunicação têm atingido.
Nesse universo, que compreende a produção e a difusão do conhecimento,
mais propriamente no campo intelectual, destacam-se os textos de divulgação científica
(doravante DC), encontrados com freqüência nos jornais e revistas veiculados na mídia
impressa e eletrônica. Ao analisar os textos de DC, percebe-se que se trata de um
gênero emergente, conforme destacam alguns autores (Auría & Alastrué, 1998, p.79-
88), por apresentarem novos elementos de linguagem em relação às formas de
enunciação, ao adotarem recursos lingüísticos que facilitam a compreensão da produção
dos sentidos e possibilitam as regularidades no funcionamento dos enunciados.
O termo emergente para o gênero discursivo em discussão explica-se pelo fato
de que os gêneros mudam com o decorrer do tempo em resposta às alterações e
necessidades sócio-históricas dos usuários da linguagem. Assim, tem-se assistido ao
surgimento de alguns gêneros juntamente com a evolução tecnológica, entre eles, os
23
chats (grupos de discussão eletrônica), bem como os blogs (diários virtuais). É
importante destacar que, nestas práticas discursivas, utiliza-se vocabulário simples e
informal, como abreviaturas e gírias, por tratar-se de um passatempo apreciado
principalmente por adolescentes.
Pode-se citar também o surgimento de gêneros mais complexos, como as
videoconferências, os e-journals (periódicos acadêmicos veiculados na internet) e,
como já foi mencionado, os textos de DC encontrados nos sites informativos. Estes
últimos surgiram já há algumas décadas. No entanto, eles têm recebido maior atenção
na atualidade, devido ao crescimento da rede mundial de comunicações - internet -,
sendo, portanto, passíveis de uma análise mais detalhada.
Segundo Bakhtin (1996, p.60), as diversas áreas das atividades humanas
envolvem o uso da linguagem e esta é realizada na forma de enunciados individuais, que
podem ser orais ou escritos
5
, por parte dos participantes destas atividades. Os
enunciados lingüísticos refletem as condições e objetivos específicos do assunto de
interesse de cada falante. Isso ocorre não somente através do conteúdo temático e do
estilo lingüístico, que compreende a seleção de recursos lexicais, frasais e gramaticais,
mas, acima de tudo, através da estrutura composicional do texto que dá origem a um
gênero específico.
Coerentemente com o que foi exposto acima, compreende-se o conceito de
gênero, não no seu sentido literário, mas como gênero discursivo que, conforme Bakhtin
(1997, p.284), constitui “um dado tipo de enunciado, relativamente estável do ponto de
vista temático, composicional e estilístico”. É necessário ressaltar que, a partir dos
5
Vale lembrar que os enunciados escritos podem ser manuscritos, impressos ou eletrônicos.
24
estudos bakhtinianos a respeito de gêneros, muitos são os autores e as vertentes teóricas
que se ocupam deste assunto.
Marcuschi (2003, p. 19-36) compreende os gêneros como “formas verbais de
ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de
práticas sociais e em domínios discursivos específicos”. Além disso, os gêneros “são
definidos basicamente por seus propósitos (funções, intenções, interesses) e não por
suas formas”. Contudo, o autor lembra que, embora os gêneros caracterizem-se mais
por “aspectos sócio-comunicativos e funcionais”, isso não significa desprezar “o poder
organizador das formas composicionais dos gêneros”, uma vez que o próprio Bakhtin
considerava a constituição composicional, o conteúdo temático e o estilo como as três
características dos gêneros.
Para Marcuschi (op. cit.), em muitos casos, são as formas que determinam o
gênero, em outros são as funções. Também há casos em que o suporte ou o ambiente
onde os textos são veiculados determinam o gênero. Por exemplo, um determinado
texto que circula em uma revista científica constitui um gênero denominado artigo
científico. Já o mesmo conteúdo, ao ser veiculado em um jornal diário (impresso ou
eletrônico), origina um novo gênero chamado texto de divulgação científica. É obvio
que há distinções bastante claras quanto aos dois gêneros. No entanto, trata-se do
mesmo conteúdo abordado diferentemente, ou seja, escrito com características distintas.
Bakhtin (1997) classifica os gêneros discursivos, dentro da heterogeneidade
dos discursos, como primários ou simples e secundários ou complexos
6
. O gênero do
discurso primário constitui-se em decorrência da comunicação verbal espontânea, tendo
6
É importante destacar que a distinção entre gênero simples e complexo empregada por Bakhtin não levava
em conta a complexidade existente atualmente, mesmo nas enunciações informais, sobretudo no âmbito
virtual, quando o repertório da língua é acrescido de vocábulos técnicos, estrangerismos, imagens e sons
presentes na comunicação virtual.
25
como exemplos certos tipos de diálogos familiares ou entre amigos, enquanto que o
gênero do discurso secundário constitui-se na comunicação cultural, apresentando uma
melhor elaboração sintática, principalmente na modalidade escrita, tendo como
exemplos: contratos, crônicas, cartas oficiais, documentos científicos, Além disso, pode-
se afirmar que o gênero secundário utiliza-se do primário, modificando-o e tornando-o
mais complexo.
Assim, a diversidade de gêneros do discurso é imensa, bem como sua riqueza,
porque são muitas as possibilidades de exposição da linguagem nas diferentes esferas da
atividade humana. Cada esfera possui um repertório de gêneros que cresce e se
transforma devido às necessidades sociais, dando origem, em muitos casos, a novos
gêneros do discurso, como é o caso do texto de DC em foco, que tem como discurso-
fonte o discurso de cunho científico. Reforçando esta idéia, podemos acolher Todorov,
apud Swales (1993, p.36), ao afirmar que “um novo gênero é sempre a transformação
de um ou vários gêneros velhos, por inversão, deslocamento ou por combinação”.
1.1 Texto e seqüências tipológicas
Antes de prosseguirmos com a discussão em torno de gênero textual, faz-se
necessário uma exposição a respeito da definição de texto, entidade que organiza as
atividades de linguagem em diferentes tipologias. Segundo Bronckart (1997, p.71), a
definição de texto, numa acepção geral, “pode ser aplicada a toda e qualquer produção
de linguagem oral ou escrita”, apresentando-se em diversos tamanhos. Entretanto, o
texto pode ser dotado de características comuns e pode também estar relacionado ao
contexto em que é produzido. Além disso, apresenta um modo de organização em
26
relação ao seu conteúdo e frases articuladas de acordo com regras de composição. Nas
palavras de Bronckart (op. cit, p 71), texto designa:
toda unidade de produção de linguagem que veicula uma mensagem
lingüisticamente organizada e que tende a produzir um efeito de
coerência sobre o destinatário. Conseqüentemente, essa unidade de
produção de linguagem pode ser considerada como a unidade
comunicativa de nível superior.
Por serem considerados produtos das atividades humanas, os textos estão
associados às necessidades, aos interesses e às condições de funcionamento das
formações sociais e estas são muito diversas e evoluem com o curso da história,
exigindo diferentes modos de configuração, aos quais Bronckart (op.cit) denomina
espécies de textos. Para ele, o surgimento das espécies de textos pode estar relacionado
ao “aparecimento de novas motivações sociais”, tais como a emergência dos artigos
científicos no decorrer do século XIX, ou ao aparecimento de novas circunstâncias de
comunicação, como os textos comerciais e publicitários, em função de um novo
produto a ser comercializado.
Além disso, as novas espécies de textos mencionadas pelo autor podem estar
associadas ao surgimento de novos suportes de comunicação como entrevistas
radiofônicas ou televisivas. Os chats, os e-mails e as videoconferências, por exemplo,
além de usarem um novo suporte comunicativo, surgiram como uma resposta à
necessidade de uma comunicação mais rápida, devido ao corre-corre da vida
contemporânea e em decorrência da evolução tecnológica.
Diante dessa diversidade de espécies de textos, existe a preocupação com a sua
classificação, fato que ocorre baseado na noção de gênero textual ou gênero discursivo.
A tarefa de classificar, de acordo com Petitjean (1989, p.87), parece para alguns autores
27
“um empreendimento quase impossível ou impensável”. Já para outros teóricos, é uma
atividade possível e, além disso, necessária.
Contudo, não podemos ignorar que os modos de classificação utilizados pelos
diferentes autores que tratam da questão são pouco precisos, especialmente se
prestarmos atenção nos livros didáticos veiculados nas escolas (Petitjean, 1989, p. 86-
87). No que diz respeito a essa discussão em torno da clareza ou precisão, na
concepção de Bronckart (op.cit, p.73), a classificação dos gêneros de textos é
“profundamente vaga”. Na seqüência, o autor afirma que “as múltiplas classificações
existentes são divergentes e parciais e nenhuma delas pode ser considerada como um
modelo de referência estabilizado e coerente”.
Para o mesmo autor, as dificuldades e diversidades de classificação explicam-
se a partir dos diversos critérios, que podem ser empregados para definir um gênero,
podendo variar de acordo com:
a) o tipo (finalidade) de atividade humana implicada, o que dá origem ao gênero
literário, científico e jornalístico;
b) os efeitos comunicativos visados, dando surgimento ao gênero poético, épico ou
lírico;
c) tamanho ou natureza do suporte midiático utilizado, originando a novela, o romance
ou a reportagem;
d) conteúdo temático, o que resulta no romance policial, ficção científica ou receita
culinária.
Além disso, a dificuldade de classificação também pode ser analisada em
função do aspecto histórico das produções de textos, ou seja, alguns gêneros
desaparecem, assim como outros surgem, como é o caso do texto de DC, objeto de
28
estudo deste trabalho. Nesse sentido, os gêneros estão em constante movimento e por
esse motivo, suas fronteiras não são claramente estabelecidas, apresentando critérios e
definições móveis ou divergentes, ou, conforme Marcuschi (2003, p. 19), gêneros “não
são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa, ao contrário,
caracterizam-se por ser maleáveis, dinâmicos e plásticos”
Em se tratando de atividades de linguagem, é importante destacar a
contribuição de Adam (1997, p. 34), ao apregoar que “a natureza composicional de
toda produção linguageira é profundamente heterogênea”. Essa heterogeneidade é a
base da rejeição das demarches tipológicas e é um fato que os lingüistas não podem
ignorar. Por esse motivo, define texto como “uma estrutura hierárquica complexa que
compreende n seqüências – elípticas ou completas – do mesmo tipo ou de tipos
diferentes”.
Por outro lado, Bronckart (op. cit.) sugere primeiramente que o critério mais
objetivo para a identificação e a classificação dos gêneros poderia ser o das unidades e
das regras lingüísticas específicas, mas, num segundo momento, reconsidera esse
pensamento, ao afirmar que um mesmo gênero pode ser composto por vários
segmentos distintos, o que corrobora a idéia de Adam. Esse autor postula uma teoria
baseada na concepção de uma tipologia seqüencial da textualidade constituída por
várias seqüências prototípicas, não podendo, portanto, ser definida por critérios
puramente lingüísticos.
Para Bronckart (op.cit., p. 138), “os gêneros são intuitivamente
diferenciáveis”, não podendo nunca ser “objeto de uma classificação radical, estável e
definitiva”. Nessa perspectiva, pode-se considerar que os textos não pertencem a um
determinado tipo textual estanque, o que era aceito até há alguns anos. Numa visão
29
contemporânea, os textos são constituídos por seqüências tipológicas com variações
lingüísticas e sintáticas, que podem ser de natureza narrativa, descritiva, argumentativa,
explicativa ou dialogal, sendo uma delas predominante (Adam, 1997). Assim, definir o
texto como uma estrutura constituída por seqüências tipológicas permite abordar a
heterogeneidade composicional em termos hierárquicos.
Se recorrermos aos principais autores que tratam de gênero, podemos
perceber que as diversas abordagens dos fenômenos textuais apresentam diferentes
classificações e terminologias. No entanto, a noção de gênero, de acordo com
Bronckart (op.cit., p.139), “está associada à de discurso e a noção de tipo está
relacionada à de textos”. Portanto, a dimensão textual está subordinada à dimensão
discursiva.
Marcuschi (op. cit, p. 22) contribui no sentido de esclarecer as noções de tipo
textual e gênero textual, as quais, por vezes, são empregadas indistintamente.
Entretanto, essa distinção é fundamental em todo trabalho de compreensão e produção
textual. O autor parte das idéias de Bakhtin e Bronckart bem como de outros teóricos
que tratam a língua em seus aspectos discursivos e enunciativos, privilegiando a
natureza funcional e interativa da mesma. Assim, a expressão tipo textual é empregada
para
designar uma espécie de seqüência teoricamente definida pela natureza
lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos
verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem cerca
de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação,
exposição, descrição e injunção
7
.
ao passo que a expressão gênero textual é usada como uma
noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que
encontramos em nossa vida diária e que apresentam características
7
Observe-se que nas seqüências tipológicas propostas por Adam (1997) existe diferença na classificação.
30
sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais,
estilo e composição características. [...] os gêneros são inúmeros.
O termo gênero normalmente é associado aos estudos literários advindo, daí,
talvez, a tendência nos estudos lingüísticos para o uso da expressão tipologia ou tipo
textual considerado mais tênue.
1. 2 Discurso definitório
Toda tipologia textual é constituída de um determinado discurso
predominante, que pode ser religioso, cotidiano, jurídico, jornalístico, científico, etc.,
ao que Marcuschi (op. cit, p.23) denomina domínio discursivo, outra noção importante
para o estudo do texto. Tal expressão é usada para “designar uma esfera ou instância
de produção discursiva ou de atividade humana. Esses domínios não são textos nem
discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante específicos”.
Dentre os diferentes discursos, principalmente os de textos especializados e
mais eruditos, que descrevem conceitos novos ou pouco conhecidos para os leitores, o
produtor do texto pode sentir a necessidade de explicar ou definir termos que
designam tais conceitos. Assim, de acordo com Candel (1992, p. 33), buscam-se
“elementos de informação necessária para compreender, descrever ou reformular um
equivalente do termo utilizado”, sendo essencial dispor de elementos definitórios que
permitam construir uma definição compreensível para os leitores não-especialistas.
Nesse sentido, alguns textos são reelaborados, e, para tal empreendimento,
utiliza-se uma linguagem de natureza metalingüística e mais particularmente
autonímica, o que compreende um retorno aos dizeres. Para Candel (op.cit, p.34), trata-
se de discurso definitório, que é:
31
constituído de um conjunto de enunciados nos quais transparece uma
atividade definitória ou, mais genericamente, uma reflexão sobre as
palavras, permitindo meios para apreender seu sentido.
A título de exemplo, pode-se citar os textos de DC. Muitos dos termos
encontrados nesse gênero são especializados e, na sua grande maioria, não são
definidos pelos dicionários, o que leva o divulgador a investir em definições e
descrições informativas para assegurar o entendimento do enunciado (Candel, op.cit, p.
36). Nesse sentido, os termos que se apresentam como desconhecidos, obscuros ou
opacos para o leitor leigo são postos em conjunto de associações, tornando-os mais
transparentes e conseqüentemente de mais fácil compreensão. O termo definido ou
explicado não é sempre um neologismo, nem é necessariamente um termo pertencente
às disciplinas de ponta, mas pode-se tratar de um uso comum a um grupo especializado,
sendo, desta forma, indispensável aos autores explicitar seu emprego para que os
destinatários possam compreendê-lo.
Entende-se que os diferentes modos de dizer através de definições sejam
utilizados devido à visão didática dos textos técnicos. Assim, o recurso do discurso
definitório é um uso recorrente para explicitar o sentido de uma palavra pouco ou mal
conhecida. Nos discursos especializados, além das variações, podem ser empregadas
reprises, repetições, recuperações em um vai e vem incessante, as quais tem por
objetivo enriquecer e tornar mais claros os enunciados.
32
1. 3 O texto de divulgação científica (DC)
É interessante destacar que uma definição precisa do texto de DC, como
gênero, é tarefa complexa, pois, na concepção de Sánchez Mora (2003, p. 13), “cada
divulgador tem sua própria definição de divulgação”. Contudo, é sugerido o seguinte
conceito operativo: “a divulgação é uma recriação do conhecimento científico, para
torná-lo acessível ao público”. Cumpre lembrar que se trata de um público distanciado
das ciências ou de alguns de seus ramos.
Authier-Revuz (1998, p.107) considera que o texto de DC seja uma
associação do discurso científico com o discurso cotidiano e conceitua divulgação
científica ao afirmar que é:
uma atividade de disseminação, em direção ao exterior, de
conhecimentos científicos já produzidos e em circulação no interior
de uma comunidade mais restrita; essa disseminação é feita fora da
instituição escolar-universitária, não visa à formação de especialistas,
isto é, não tem por objetivo estender a comunidade de origem.
Horta Nunes (2003, p. 43-62) também faz uma aproximação entre os dois
discursos ao tratar do texto de DC, afirmando que “há uma justaposição entre os
discursos cotidiano e científico”, como se houvesse uma concorrência de quem sabe
mais: o conhecimento científico ou o tradicional, estabelecendo-se posições que
demonstram a hierarquização das formas do saber. Já Leibruder (2000, p.229-253)
compreende o texto de DC como a fusão do discurso de cunho acadêmico-científico
com o discurso jornalístico. Assim, a partir do pensamento destes autores, pode-se
pensar no texto de DC como um gênero híbrido, com particularidades e recursos
lingüísticos a serem analisados.
33
1. 4 O discurso propriamente científico
Utiliza-se a expressão propriamente científico para distinguir tais textos dos
de divulgação científica, que empregam uma linguagem híbrida, a qual mescla o
discurso científico e cotidiano dentro de uma perspectiva jornalística.
É importante destacar primeiramente algumas características típicas do
discurso propriamente científico, por ser este a origem do objeto de nosso estudo.
Coracini (1991, p.57) destaca as seguintes marcas:
a) dirige-se a ouvinte que se situa no espaço e no tempo, a saber, o grupo de
especialistas da área;
b) pressupõe ouvinte conhecedor da matéria e dos métodos utilizados. Em decorrência,
algumas informações, como explicações e termos específicos, são suprimidas por
serem julgadas como não necessárias, tornando o discurso hermético para o leitor
leigo;
c) tem a intenção de persuadir sobre a validade e o vigor científico;
Há no discurso propriamente científico uma tentativa de “apagamento” do
sujeito, já que são os próprios objetos que assumem a voz da verdade e que falam como
se tivessem vida própria. Ou seja, substitui-se o ponto de vista de um sujeito por uma
perspectiva universal, supostamente objetiva, típica do paradigma de cientificidade
(Leibruder, op.cit, p. 240).
No entanto, não podemos esquecer que os procedimentos metodológicos, bem
como as escolhas de materiais e os resultados das descobertas científicas são
desenvolvidos e atingidos por intermédio da intervenção e da interpretação dos seres
humanos. São indícios de que existe, mesmo nos processos científicos, a subjetividade,
característica própria dos seres humanos.
34
Assim, para Leibruder (op. cit), o uso de alguns recursos lingüísticos como,
por exemplo, o emprego de verbos na 3ª pessoa do singular acrescidos da partícula se -
índice de indeterminação do sujeito - revela uma certa impessoalidade e se presta a uma
tentativa de “camuflar” ou obscurecer a subjetividade em prol de uma objetividade
científica.
Ao contrário dos textos científicos em que se pretende a maior objetividade
possível, nos textos de DC verifica-se maior grau de subjetividade revelado através de
certos elementos lingüísticos, os quais Leibruder (op.cit, p. 241-246) denomina
elementos didatizantes. Os elementos mencionados pela autora são os seguintes:
definição, nomeação, exemplificação, comparação, metáfora e parafrasagem, os quais
são utilizados com o intuito de promover uma aproximação entre o divulgador e seus
interlocutores. Tais recursos mantêm a veracidade das informações veiculadas pelos
cientistas em seus trabalhos. Assim, os jornalistas utilizam-se de forma didática, de
diferentes modos de dizer, os quais possibilitam atingir um maior números de leitores.
Os textos de DC também podem ser vistos sob a perspectiva jornalística, pois
pretendem expressar uma abordagem objetiva, clara e imparcial da realidade, tendo a
característica preponderante de serem construídos para se tornarem atrativos e
compreensíveis para um maior público possível, uma vez que o jornal tem o
compromisso funcional bem como empresarial de atingir diversos segmentos da
sociedade. Para alcançar tal propósito, tanto a temática abordada quanto a disposição
do texto com manchete atrativa e foto (se houver) devem estar articuladas para despertar
o interesse dos leitores. Além disso, o tratamento dispensado à linguagem depende do
público-alvo a que se destina, podendo apresentar uma escrita mais formal ou uma
escrita tendendo mais ao coloquial.
35
Sabe-se que tanto o texto jornalístico quanto o acadêmico-científico
apresentam estruturas e normas bastante distintas (Coracini, op.cit). Entretanto,
acredita-se que há algo em comum entre essas duas tipologias discursivas, ou seja,
ambas devem estar comprometidas com a veracidade dos fatos, a objetividade e,
portanto, com uma correta divulgação, distinguindo-se pelo uso de diferentes estratégias
lingüísticas que tornam o texto de divulgação mais didático. Assim, metáforas,
personificações, glosas, apostos, exemplificações e comparações
8
são freqüentemente
encontrados nos textos de divulgação científica, conforme relacionados por Colussi
(2002, p.28-35).
O emprego dos recursos lingüísticos nos textos em discussão visam,
principalmente, possibilitar uma melhor compreensão por parte do leitor não-iniciado
nas práticas científicas, já que o discurso de divulgação é direcionado a um público que
não coincide com o dos cientistas, ao contrário do que acontece com o discurso da
ciência, em que a tendência é escrever para seus pares (Horta Nunes, op.cit). Essa
reformulação no modo de explicitar os saberes científicos realiza-se em função de um
dos pólos
9
- o leitor - que compõem o circuito da divulgação científica.
8
Observa-se que algumas dessas categorias levantadas por Colussi (2002) coincidem com as mencionadas
por Leibruder (2000), outras não. Tais categorias não serão analisadas nessa dissertação sobre textos de DC
por já terem sido abordadas pelas autoras.
9
Authier-Revuz (1998, p.114-115) diz haver dois pólos na divulgação científica, a ciência e o leitor, sendo
que o divulgador empenha-se para manter o contato entre ambos via texto de DC.
36
1. 5. Ciência, divulgador e leitor: os diferentes lugares no texto de DC
Sabe-se que o escritor do texto de DC é o divulgador da pesquisa científica.
Normalmente, trata-se do próprio cientista ou de um jornalista, o qual deve demonstrar
valores como imparcialidade, objetividade e compromisso com a verdade, tendo como
trabalho a reformulação dos enunciados e a composição de um texto relativamente
previsível na escolha lexical e no esquema sintático, convergindo para o propósito de
relatar o objetivo, a metodologia e os resultados da pesquisa divulgada. Entre estas
partes, percebe-se o predomínio de certos verbos que relatam as ações desenvolvidas
ao longo da pesquisa. Swales (1993, p.151) aponta que os verbos de relato podem ser
divididos em dois grupos principais, a saber:
a) com maior comprometimento, como por exemplo, os verbos mostrar, demonstrar e
estabelecer.
b) com menor comprometimento, como por exemplo, sugerir, propor e examinar.
A hipótese é que esses últimos verbos sejam mais empregados no nosso
objeto de estudo, especialmente para exprimir os resultados. A título de exemplo, leia-
se o seguinte fragmento de um texto de DC, extraído do corpus:
Os resultados sugerem que o mundo biológico se aproxima da sexta
extinção de sua história. (Folha online – 21/03/2004)
Esse posicionamento, através do uso de verbos com menor comprometimento,
é de certa forma compreensível, pois se sabe que a conclusão, em decorrência do
resultado de uma pesquisa, pode ser modificada a partir de uma nova descoberta, uma
vez que a ciência está em constante movimento à procura do novo, do desconhecido,
podendo, portanto, alterar seus saberes. Resta a dúvida de saber se esses verbos foram
empregados pelos autores do texto-fonte ou do texto de DC. Acreditamos terem sido
37
empregados pelos primeiros e utilizados novamente pelo divulgador, embora não
possamos comprovar aqui.
Nos textos do corpus, verificamos um outro grupo de verbos não citados
explicitamente por Swales, mas que, em nossa opinião, deve também ser elencado
como de maior comprometimento: usar, verificar, descobrir, indicar, identificar, etc.
Tais verbos retratam os procedimentos metodológicos e as constatações das
descobertas, sempre empregados no pretérito perfeito, o que se justifica, pois, como se
sabe, trata-se da descrição metodológica de um acontecimento já acabado. Além
disso, em alguns fragmentos, notamos, além do verbo sugerir e propor mencionados
por Swales (op.cit), a utilização de especular. Todos eles são empregados no tempo
presente, justamente por se tratar do resultado ou da conclusão, o que pressupõe uma
verdade e, nesse caso, verifica-se o emprego do presente do indicativo. Nossa hipótese
é a de que esses verbos demonstram uma certa hesitação ou incerteza em relação às
afirmativas concernentes às descobertas, ou, como diz Swales (op.cit), expressam “um
menor comprometimento” por parte da comunidade científica.
Se o divulgador do texto de DC é previsível, não se pode dizer o mesmo dos
seus interlocutores e do modo de reformulação do texto. Os receptores são complexos
porque ocupam diferentes posições sociais, com conhecimentos diversificados, em
lugares e culturas diferentes. Em contrapartida, o modo de reformulação do texto
depende particularmente de quem o escreve e de sua experiência no assunto.
Nesse circuito, tem-se a interação do divulgador com a comunidade científica,
a qual é a responsável pela divulgação primeira da pesquisa, através de seus relatórios
ou artigos acadêmicos, que são escritos de uma forma mais elaborada e com linguagem
específica das coletividades científicas. Além disso, não podemos esquecer da
38
responsabilidade de divulgar fatos precisos e da preocupação, por parte do divulgador,
de configurar o texto de DC utilizando termos e expressões não complexas, com o
intuito de torná-lo mais compreensível ao público que não conhece os termos
específicos da área científica. Diz-se que é uma relação complexa porque o texto de
DC mostra o discurso de cunho científico através de diferentes formas - o discurso
relatado, a citação, a glosa, etc (Authier-Revuz, 1998, p.114-115).
Para a autora, na enunciação da DC, existem três lugares enunciativos com
duas extremidades ou pólos e com diferentes papéis:
a) a Ciência, vista como um primeiro lugar ocupado por pessoas que se exprimem,
identificadas pelos nomes próprios, o que confere a garantia de autoridade,
emprestando seriedade ao texto;
b) o leitor, tido como um segundo lugar, em torno do qual se constrói a imagem do
homem desejoso por conhecimento, curioso pelas ciências, mas distanciado dos
especialistas e, principalmente, de seus modos de falar;
c) o divulgador, mediador ou intermediário, aquele que articula os dois pólos - a
ciência e o leitor em contato - através do texto de DC.
Quanto ao procedimento de identificar as pessoas envolvidas no trabalho de
pesquisa mencionado anteriormente, é pertinente destacar-se a importância que tem a
voz de autoridade, isto é, em se tratando de uma descoberta feita por um cientista
renomado ou por uma instituição reconhecida, a validade do resultado torna-se
incontestável. Nesse sentido, vejamos o que Bakhtin (1986, p.153) comenta a respeito
do valor dessa prática:
quanto mais forte for o sentimento de eminência hierárquica na
enunciação de outrem, mais claramente definidas serão as suas
fronteiras, e menos acessível será ela à penetração por tendências
exteriores de réplica e de comentário.
39
Em função da posição de um interlocutor distanciado do vocabulário
científico, o fazer discursivo do texto de DC não compreende apenas a simplificação
lexical, com o propósito de torná-lo mais familiar ao público não especialista. É
essencial uma reformulação ampla, que envolva os campos semântico e estilístico em
função do tipo de veículo e também as expectativas dos seus interlocutores - jovens
universitários, adolescentes do ensino fundamental ou médio, aposentados, donas de
casa, etc. Desse modo, acredita-se que a reformulação do texto de DC a partir do
texto-fonte não compreende simplesmente uma substituição de termos técnicos por
termos coloquiais. Defende-se que seja um trabalho de reformulação textual que
envolva diferentes características e objetivos, além de variados receptores com
diferentes conhecimentos.
Nesse sentido, Swales (op.cit) contribui, ao afirmar que o escritor, nesse caso,
o divulgador, procura imaginar o conhecimento prévio do leitor, bem como seu
potencial em processar possíveis problemas de compreensão. No outro pólo, encontra-
se o leitor, o qual busca prever os argumentos e idéias do divulgador. Em outras
palavras, o leitor questiona-se sobre o que o divulgador pretende com aquele discurso.
Assim, nesse processo, pode-se verificar um esforço semântico por parte de ambos em
uma atividade sócio-cognitiva.
Reforçando a questão da expectativa dos interlocutores, podemos lembrar as
palavras de Bakhtin (1986, p.146), ao destacar:
toda transmissão particularmente sob forma escrita, tem seu fim
especifico: narrativa, processos legais, polêmica científica, etc. Além
disso, a transmissão leva em conta uma terceira pessoa – a pessoa a
quem estão sendo transmitidas as enunciações citadas, Essa orientação
para uma terceira pessoa é de primordial importância: ela reforça a
influência das forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão
do discurso.
40
Acredita-se que a produção do saber científico e, conseqüentemente, sua
propagação através dos textos de DC esteja estritamente associada ao processo de
paráfrase como diferentes formas de dizer. Assim, a paráfrase constitui a matriz do
sentido, pois, ao reformular os modos de dizer, está-se diante de algo que já foi dito de
outra maneira, em outro lugar e que já fez sentido em outro momento.
1. 6 Reformulação do texto de DC: um processo parafrástico
Nos textos em geral, percebe-se os mesmos temas reescritos de diferentes
maneiras, principalmente quando se referem a assuntos polêmicos que geram
preocupações há várias décadas, tais como o meio ambiente e doenças letais como o
câncer e que suscitam inúmeras pesquisas em diferentes contextos. Cada nova pesquisa
busca avançar na direção de um resultado positivo em relação ao que já foi feito, mas
não sendo necessariamente revolucionária a ponto de representar um novo paradigma
10
naquele determinado campo do saber (Thomas Kuhn, 1975).
Enquanto não houver uma ruptura nos paradigmas da cientificidade, que
substitua radicalmente os resultados buscados, os dizeres continuarão sendo expostos
no nível do repetível, do reformulável, destacando-se alguns avanços atingidos. No
entanto, não é especificamente neste sentido que queremos destacar a questão do
retorno a determinado tema, mas no que diz respeito ao processo de paráfrase que,
segundo Fuchs (1982, 35-36) “constitui uma atividade metalingüística espontânea, que
o sujeito exerce de modo ‘pré-consciente’, a propósito de enunciados da língua”.
10
Kuhn em sua obra A estrutura das revoluções científicas (1975) destaca que somente uma grande
descoberta científica como, por exemplo, a evolução das espécies, representa uma ruptura e uma mudança de
paradigma científico.
41
De acordo com a autora, a atividade de parafrasagem é estabelecida entre
duas seqüência X e Y cada vez que um sujeito falante produz (ou reconhece) Y como
uma reformulação parafrástica de X. Sabe-se que o produtor da paráfrase visa o
mesmo sentido do texto-fonte. Contudo, há de se reconhecer que existe uma distância
entre a escrita do primeiro texto e a do segundo considerado uma reformulação.
Ao transpormos esse aspecto teórico ao objeto do nosso estudo, pode-se
pensar o texto de DC como uma paráfrase do texto-fonte - artigo ou relatório científico,
entrevista ou tradução - em termos de equivalência semântica. Ou seja, nos enunciados
comparados haveria um núcleo semântico ao qual se “colariam” diferenças semânticas
secundárias (Fuchs, 1982). Nesse sentido, em frases consideradas parafrásticas,
haveria o “igual” e o “não igual” com a possibilidade de graus de equivalência entre
elas.
Assim, no âmbito da paráfrase, está a significação mais ou menos modificada,
pois, por meio do viés da reescritura do texto, tem-se o espaço para o reformulado, para
o que é dizível de outra maneira, gerando, algumas vezes, outra espécie de texto ou
outro gênero com diferentes características. Portanto, também a divulgação da ciência
- processo fundamental na produção dos saberes - pode ser parafraseada, à medida que
o divulgador expressa, no novo texto, uma linguagem menos especializada e mais
próxima do cotidiano. É em função desse processo de reescritura, envolvendo tanto o
locutor quanto o interlocutor que, segundo Bakhtin (1997, pg. 286), o
desenvolvimento da língua escrita acarreta:
em todos os gêneros a aplicação de um novo procedimento na
organização e conclusão do todo verbal e uma modificação do lugar do
falante/ouvinte, o que leva a uma reestruturação e renovação dos
gêneros do discurso.
42
Ao produzir uma paráfrase, pode-se pensar em (re)dizer aquele determinado
enunciado com o mesmo sentido. Entretanto, acaba-se por enunciar “outra coisa”.
Para Fuchs (op.cit), trata-se de um processo contínuo de transformação e,
conseqüentemente, deformação. O fato pode passar despercebido pelo produtor do
enunciado parafrástico. No entanto, essa variação pode ser notada pela reação e opinião
de diferentes pessoas ao serem questionadas sobre o sentido produzido a partir do
processo de reescritura do enunciado, o que, segundo a autora, mostra o “caráter
fugidio e subjetivo da relação entre o mesmo e o outro”. Desse modo, acredita-se que
toda mudança de forma induz a uma mudança de sentido.
As paráfrases podem apresentar diferentes tipos de variações, caracterizando
tipologias de paráfrase. Nesse sentido, destacaremos a distinção proposta por Ungeheur
(apud Fuchs, op.cit, 42-43), que destaca três grandes níveis de variações, por
acreditarmos ser tal distinção mais abrangente e mais próxima do nosso objeto de
estudo:
a) variação mínima: pode compreender: 1) redução ou expansão de uma palavra; 2)
transformação sintática ou conservação lexical; 3) mudança sinonímica; 4)
mudança lexical de ordem retórica;
b) variação total: em que ocorre uma mudança tanto do léxico quanto da sintaxe;
c) variação máxima: pode-se reformular um texto inteiro, resumindo-o em apenas uma
frase.
No texto de DC, existe a possibilidade de ocorrerem todas essas variações,
uma vez que o divulgador se utiliza da expansão através de sinônimos ou, ainda, ao
definir termos técnicos, utilizando-se de discurso definitório, além de outras
estratégias, que explicitam a palavra desconhecida de modo a possibilitar uma melhor
compreensão do leitor leigo. Assim, o escritor altera, substitui o léxico e, em
43
conseqüência, muda também a sintaxe, tendo em vista a concordância nominal ou
verbal.
Outra variação diz respeito à extensão do texto de DC. Sabe-se que ele
apresenta-se na maioria das vezes em tamanho menor se comparado ao tamanho do
texto original, já que é para ser veiculado em um suporte (revista, jornal impresso ou
eletrônico, etc.) que geralmente disponibiliza um espaço reduzido. Além disso, um
texto menor encoraja mais o leitor
11
.
Fuchs (op.cit, 32) diferencia dois tipos de questionamentos adotados em
relação ao sujeito, no que diz respeito à paráfrase:
a) procedimento analítico: quando se pede ao sujeito que interprete seqüências dadas
para saber se elas são decodificadas como parafrásticas ou não, empregando-se uma
comparação entre as expressões;
b) procedimento sintético: quando se solicita ao sujeito que produza seqüências
parafrásticas de uma seqüência dada. Esse procedimento permite iniciativa, por
parte do sujeito parafraseador, de escolher seu modo próprio de reformulação.
Nesse caso, não se trata de testar a capacidade de reconhecer paráfrases, mas
evidencia-se um processo criativo de reformulação a partir de um texto-fonte.
Observando o texto de DC, percebe-se que ocorre o procedimento sintético,
uma vez que ao divulgador é solicitado - ou permitido - por parte da comunidade
científica a reescrever um texto que é de natureza científica, não mais para os pares,
mas para a comunidade em geral. O divulgador, por sua vez, tem ampla liberdade,
desde que não desvirtue ou deturpe as idéias do texto original, para escolher o léxico,
bem como as combinações sintáticas e recursos disponíveis na língua para a
11
Ainda mais quando usado como recurso didático em escolas.
44
constituição do novo texto. Assim, ao divulgador, cabe a tarefa de parafrasear o texto-
original, podendo ser criativo na sua reescritura.
Já o receptor, que tem acesso à leitura do texto de DC, e que poderia pôr em
prática o primeiro procedimento - o analítico - não tem condições de analisar e avaliar
se as seqüências discursivas estão de acordo com o texto que lhe deu origem, por não
ter acesso ao texto-fonte. Resta-lhe, então, confiar nas informações transmitidas pelo
divulgador.
1.7 O texto de DC e sua natureza social
A linguagem, característica complexa e própria dos seres humanos, funciona
como mediadora das diversas relações sociais, pois perpassa, reflete e refrata todas as
esferas das atividades humanas, sendo responsável, em grande parte, pelo processo
histórico da humanidade no que diz respeito à evolução cultural e científica.
Nesse sentido, entendemos a linguagem como uma prática social cotidiana,
que envolve a experiência do relacionamento entre diferentes sujeitos. Por este motivo,
as atividades linguageiras e, em conseqüência, os gêneros discursivos formam-se e
transformam-se em resposta às necessidades históricas e sociais. Em outras palavras, os
gêneros discursivos surgem à luz de uma concepção de enunciado como possibilidade
de utilização da língua. Assim, Pires (2002, p.46) compreende que:
as variações percebidas nos diferentes gêneros decorrem em
conformidade às circunstâncias, à posição social e ao relacionamento
dos interlocutores do discurso.
É evidente a natureza social da linguagem e, por extensão, dos gêneros
discursivos em que a relação dos enunciados dos sujeitos acontece em função do meio
45
social circundante. Complementando essa idéia de que os gêneros discursivos são uma
conseqüência das necessidades sociais dos seres humanos, Flores (2001, p. 37) lembra
as palavras de Bakhtin ao dizer:
a ação humana está diretamente ligada à utilização da língua. Como
esta ação emana de determinadas esferas da atividade humana, a
utilização da língua conseqüentemente reflete as condições e
finalidades de cada uma.
É interessante destacar também o pensamento de Caldas (2003, p.74), ao
ressaltar que existe uma “responsabilidade social por parte do jornalista” (divulgador)
e do cientista que trabalham em regime de parceria, ao promover o processo de difusão
dos saberes e contribuir para o processo de alfabetização científica e melhores
condições de vida para os cidadãos, tornando o “conhecimento científico um
instrumento de transformação social”.
Assim, o divulgador dos textos de DC tem como principal função interpretar a
comunidade científica, trazendo para a sociedade em geral os saberes do universo da
ciência, priorizando, assim, a natureza educativa e social próprias do seu ofício. Nesse
sentido, o papel do jornalista (divulgador) é promover um diálogo entre ciência,
educação e mídia para possibilitar o aprimoramento da cultura científica. De acordo
com Caldas (op. cit, p.80), “democratizar o acesso ao conhecimento significa permitir a
divisão do saber e do poder, significa reconhecer a força da informação como processo
de libertação social”.
Nessa perspectiva, pode-se pensar a leitura do gênero texto de DC como uma
prática formadora de opinião, permitindo aos diversos segmentos sociais o direito à
informação bem como à discussão, no que diz respeito a assuntos polêmicos, que antes
eram privilégio de poucos e atualmente são veiculados na mídia. Tal prática promove o
46
desenvolvimento cognitivo dos leitores, tornando-os cidadãos mais atuantes e com visão
mais abrangente.
O contato com o texto de DC bem como de diferentes gêneros textuais é uma
oportunidade não só do grande público, mas também dos estudantes lidarem com a
linguagem em seus diversos usos concretos, por intermédio de jornais ou revistas, com
o propósito de identificar o gênero textual, sua função, composição, estilo e nível
lingüístico. Enfim, cumpre lembrar que o trabalho com gêneros é uma maneira de dar
conta do ensino de língua - tanto materna como estrangeira - nas escolas, de acordo
com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), de tal forma que os
estudantes possam realizar usos autênticos da língua na sociedade e não apenas no
universo escolar.
1.8 Gêneros discursivos nas escolas
Embora não seja ponto nodal em nosso trabalho, não poderíamos deixar de
colocar nossas reflexões sobre a leitura de texto de DC em sala de aula, pois, conforme
a proposta dos PCNs, é pertinente e aconselhável trabalhar com os mais diferentes
gêneros textuais.
Dessa forma, iniciaremos esse item com uma pergunta: como associar a
divulgação do conhecimento científico aos estudos do currículo escolar a fim de tornar
os estudantes leitores mais críticos e cidadãos mais conscientes?
Uma concepção esclarecedora a respeito dos vários tipos de gêneros é
indispensável para qualquer estudo, seja qual for a área das ciências – sociais ou exatas,
pois “conhecer a natureza do enunciado e as particularidades dos gêneros discursivos
47
fortalece o vínculo entre linguagem e os saberes” (Bakhtin, 1997, p. 282). Dentro
dessa perspectiva, destaca-se a necessidade do ensino dos gêneros aos estudantes,
especialmente da área de línguas, já que é das diferentes tipologias que são extraídos os
fatos lingüísticos concretos.
Assim, o contato com os mais variados gêneros – da vida cotidiana ou
institucional – como receitas, documentos oficiais, textos de DC, desde uma simples
carta à complexidade de um artigo científico, exercita a habilidade cognitiva e
aprofunda a capacidade de compreensão e produção textual dos aprendizes, tornando-os
mais aptos para transitar entre os diferentes setores sociais e exercer com maior
facilidade a cidadania. Nesse sentido, Schneuwly, apud Koch (2002, p. 55) entende o
domínio do gênero como:
o próprio domínio da situação comunicativa, domínio este que se pode
dar através do ensino das capacidades de linguagem, isto é, pelo ensino
das aptidões exigidas para a produção de um gênero determinado. O
ensino de gênero seria, pois, uma forma concreta de dar poder de
atuação aos educadores e, por decorrência, aos seus educandos.
Além disso, Koch (op.cit.) destaca que, para entendermos a configuração dos
gêneros textuais, faz-se necessário analisá-los no contexto de situação e de cultura em
que se desenvolvem, já que estão relacionados às diversas situações sociais.
A abordagem dos diferentes gêneros textuais e discursivos nas escolas deve ser
pensada não só como objeto de análise, mas também como uma ferramenta para o
desenvolvimento da linguagem, no sentido de que o educando possa conhecer melhor o
gênero, assim como compreender o lugar social e principalmente sua função social fora
da escola.
Nesse sentido, entendemos que a prática discursiva, seja oral ou escrita, deve
levar em conta alguns aspectos, tal como a relação entre o texto e o seu registro. Para
48
tanto, deve ser observada e respeitada a distância social entre os interlocutores. Em
outras palavras, a relação de poder ou de hierarquia entre eles deve ser considerada. Tal
aspecto determinará as escolhas lingüísticas que o locutor deve empregar ao configurar
seus dizeres. Diante desse contexto, cabe ao professor de línguas proporcionar o
desenvolvimento da capacidade de comunicação dos aprendizes, colocando-os em
contato com os mais diversos gêneros e empregando atividades que os torne aptos a
reconhecer, compreender e usar os elementos e recursos lingüísticos adequados para
cada gênero textual. Eis algumas atividades que podem proporcionar uma visão mais
ampla de utilização adequada da língua, seja ela:
a) língua materna:
apresentar, observar e analisar diferentes gêneros com o objetivo de discutir a
função social de cada um deles;
observar a organização textual de cada gênero, fazendo comparações com outros;
destacar as formas lexicais, expressões e recursos gramaticais mais empregados;
observar o nível lingüístico (formal, informal) para cada gênero;
seja ela:
b) língua estrangeira:
observar a organização discursiva da referida língua;
comparar a estrutura textual dos gêneros em língua estrangeira com a estrutura
textual da língua materna.
Tomando por base essas perspectivas, é fácil perceber a importância do estudo
dos gêneros textuais no ensino das habilidades lingüísticas. Assim, ao delimitar os
textos de DC difundidos na mídia como objeto de investigação, está-se diante de um
49
gênero que tem muito ainda a ser analisado. É precisamente esse fato que torna
instigante a análise desta forma de enunciação, sobretudo porque contempla as
múltiplas possibilidades que envolvem a linguagem. Ao falar em enunciação, aborda-
se um campo de estudos muito amplo que deve ser definido e determinado em seus
limites. Isso será feito no próximo capítulo.
50
CAPÍTULO 2
2. O TEXTO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA SOB UMA ÓPTICA
ENUNCIATIVA
Sabe-se que as atividades que envolvem a linguagem apresentam múltiplas
abordagens que podem ser desde sintáticas até pragmáticas. No entanto, sem deixar de
levar em conta esses aspectos, nesse capítulo será abordada a natureza enunciativa da
linguagem nos textos de DC sob a perspectiva da lingüística da enunciação, buscando-
se as contribuições de Benveniste, de Bakhtin e de Ducrot. Na discussão bibliográfica
que se seguirá, leva-se em consideração tanto o fenômeno dialógico quanto o
polifônico, ambos propostos por Bakhtin, sendo que o último, anos mais tarde, foi
estudado sob outra perspectiva por Ducrot.
Para atingir tal propósito, primeiramente, faz-se necessário tecer alguns
comentários a respeito dos princípios da lingüística da enunciação, teoria que abarca os
conceitos de dialogismo e de polifonia. Na seqüência, serão discutidos o aspecto
dialógico da linguagem e a multiplicidade das diferentes vozes que constituem o
enunciado, fenômeno denominado polifonia. Ambos serão desenvolvidos sob a óptica
enunciativa.
51
2. 1 Princípios teóricos da enunciação
A proposta deste trabalho é promover uma discussão sobre texto de DC à luz
dos pressupostos teóricos da lingüística da enunciação, campo de conhecimento
lingüístico bastante amplo e heterogêneo. Contudo, sabe-se que toda e qualquer
abordagem dentro deste limite teórico, de acordo com Flores (2001, p. 11), “busca
evidenciar as relações da língua não apenas como sistema combinatório, mas como
linguagem assumida por um sujeito”.
A linguagem é alvo de muitos debates entre especialistas da área e disciplinas
afins, o que contribui para que se constituam diferentes abordagens do fenômeno.
Ainda que seu conceito esteja longe de ser unânime, Récanati (1979) aponta duas
grandes interpretações: antes e depois do redimensionamento da lingüística, em que as
proposições que eram analisadas por condições de verdade ou falsidade de acordo com
a Filosofia Analítica, passam a ser analisadas diferentemente.
Na antiga análise, concebia-se a linguagem como transparente, voltada para o
que é encarregado de representar. Em contrapartida, na análise mais recente, a nova
concepção de linguagem mostra que não há simetria entre pensamento, linguagem e
sentido, pois existe a necessidade de levar em consideração o meio social em que ocorre
o enunciado. Assim, de acordo com Récanati (op.cit., p. 9):
a visão de que são os enunciados, como acontecimentos discursivos
inseridos em um contexto, acrescenta à significação das frases uma
determinação semântica suplementar, sem a qual os enunciados só tem
um sentido incompleto: o sentido de um enunciado não é, pois,
independente do fato de sua enunciação.
Percebe-se que a teoria da enunciação, suporte teórico desse trabalho, integra a
nova perspectiva de linguagem e leva em conta um locutor, sujeito falante de uma
determinada língua, que assume uma posição numa dada situação e, considerando o
52
outro como alocutário, instiga-o a dar continuidade à ação comunicativa. A enunciação,
de acordo com Bakhtin (1997), é a própria relação dialógica entre sujeitos. A língua, na
enunciação, é empregada para uma certa relação com o mundo.
Já Benveniste na sua obra “Problemas de lingüística geral II” (
1995b, p. 87),
preconiza que a enunciação é:
a acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou
imaginário, individual ou coletivo. Esta característica coloca
necessariamente o que se pode denominar o quadro figurativo da
enunciação. Como forma de discurso, a enunciação coloca duas
“figuras” igualmente necessárias, uma origem, a outra, fim da
enunciação. É a estrutura do diálogo. Duas figuras na posição de
parceiros são alternativamente protagonistas da enunciação.
Entenda-se diálogo, mencionado por Benveniste, como uma forma de
interação, não se tratando somente da preocupação com a presença face a face, pois ele
menciona a possibilidade do parceiro imaginário. No entanto, também não se trata de
diálogo entre textos e/ou entre obras, em que se espera uma resposta ou atitude
responsiva, conforme propõe Bakhtin (1997).
É importante destacar que as abordagens empregadas em relação à
lingua(gem), por parte de Benveniste e Bakhtin não são as mesmas. Para Benveniste
(op.cit, p.84), a presença do pronome pessoal ‘eu’ denota o indivíduo que profere a
enunciação, tornando o discurso um centro de referência interna, ou seja, o ‘eu’ não
existiria se não fosse o ‘tu’. Instaura-se, portanto, uma relação de intersubjetividade que
se constrói na e pela enunciação, em que o sujeito, por ser uno, está centrado na figura
do locutor e se reconhece através de marcas lingüísticas da sua inscrição no enunciado
por um processo em que se “apropria do aparelho formal da língua”.
Dentro da perspectiva bakhtiniana (1997), tem-se a concepção dialógica,
princípio construtivo e fundador da linguagem e condição de sentido do discurso. O
53
discurso nunca é um evento comunicativo individual, ao contrário, o discurso constrói-
se entre, pelo menos, dois enunciados.
Assim, Bakhtin enfatiza não apenas a relação eu/tu, que confere a
intersubjetividade. O pensador russo concebe o dialogismo interacional pelo
descentramento
12
do sujeito. Nesse sentido, Barros (2003, p 02-03) destaca que, para
Bakhtin, “o sujeito perde o papel de centro e é substituído por diferentes (ainda que
duas) vozes sociais, que fazem dele um sujeito histórico e ideológico”. Ainda sob esta
perspectiva, Brandão (2000, p. 62) afirma que “só se pode compreender a interação
eu/tu pela descentração do sujeito, o qual perde o papel de centro da enunciação e
passa a dividir o espaço com o outro”.
Para melhor compreender essa idéia, pode-se buscar subsídios na teoria da
heterogeneidade proposta por Authier-Revuz (2004)
13
. A autora defende que o
descentramento do sujeito articula-se à teoria da heterogeneidade dos discursos, uma
vez que em um sujeito dividido não há centro de onde emanariam os sentidos.
Sabe-se que Benveniste trata a língua como linguagem assumida por um
sujeito-falante, em que o ‘eu’ propõe-se como sujeito, opondo-se ao ‘tu’, lembrando a
proposta estruturalista de Saussure, em que o sistema de valores funciona por oposição
uns aos outros. Por sua vez, Bakhtin dá ênfase à fala, sem, no entanto, desconsiderar a
língua. Para o filósofo russo, a linguagem é uma prática social que tem na língua sua
materialidade. Por esse motivo, Bakhtin (1986, p.109) considera a enunciação como um
acontecimento de âmbito social.
Conforme o próprio autor:
12
O termo descentramento é empregado por alguns autores, a exemplo de Authier-Revuz (2004). No entanto,
pode ser encontrada também a palavra descentração empregada por Brandão (2000)
54
o ato de fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode
de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do
termo; não pode ser explicado a partir das condições fisiológicas do
sujeito falante. A enunciação é de natureza social.
Baseado nesta concepção, Bakhtin critica tanto o objetivismo abstrato proposto
pelos formalistas, por considerar que só o sistema poderia dar conta dos fatos da língua,
quanto o subjetivismo individualista que somente leva em conta a fala.
Cabe lembrar que na enunciação existem termos usados para articular os
enunciados com sua exterioridade, possibilitando, dessa maneira, atribuir-lhes os
sentidos possíveis dentro do quadro enunciativo. Assim, diferentes tipologias
discursivas implicam diretamente a utilização de certas categorias específicas de
signos, como por exemplo, os embrayeurs. A respeito desse assunto, Maingueneau
(1981, p. 07) esclarece:
certas classes de elementos lingüísticos presentes no enunciado têm o
papel de refletir sua enunciação, de integrar certos aspectos do
contexto enunciativo. Esses elementos são parte integrante do sentido
do enunciado (...). Esses são aqueles elementos que nós chamamos de
embrayeurs.
A classe dos embrayeurs pode ser dividida em duas sub-classes, a saber, as
pessoas e os dêiticos. Deste modo, as pessoas eu/tu não são simplesmente signos
lingüísticos de um tipo particular de embrayeurs. Estes, segundo Maingueneau (op. cit,
p. 08), “permitem a conversão da língua como sistema de signos virtuais em
discurso”. Os dêiticos
14
, por sua vez, tem a função de inscrever os enunciados no
tempo e no espaço em relação ao ponto de vista do falante.
Em um trabalho publicado mais recentemente, Maingueneau (1996, p. 33)
lembra que Jakobson introduziu o termo traduzido do inglês shifter e acrescenta que a
13
Vale lembrar que 2004 é o ano da publicação da tradução brasileira e que o original é de 1982.
14
A título de exemplo, pode-se citar o advérbio aqui, o qual expressa um lugar de proximidade do
enunciador.
55
referida categoria recupera particularmente as pessoas lingüísticas eu/tu, os
demonstrativos esse, isso, aquilo, etc. e os tempos verbais. Nesse sentido, o autor
reforça que os embrayeurs são unidades lingüísticas com valor referêncial que
dependem do ambiente espaço/temporal de suas ocorrências. Os pronomes pessoais são
considerados embrayeurs porque são identificados como indivíduos que, a cada
ocorrência, a cada evento enunciativo podem dizer eu.
Assim, a utilização da língua não se limita somente à mudanças ou à
articulações lingüísticas. Para cada tipo de discurso são empregadas palavras ou
expressões específicas, pois, cada tipologia discursiva caracteriza-se por um
funcionamento, de acordo com a estrutura lingüística e as pessoas que são parte
integrante desta estrutura, conforme observou Maingueneau (1981).
Além disso, cumpre lembrar que a classe dos embrayeurs jamais deve ser
analisada independentemente do seu emprego efetivo. Em outras palavras, esses
elementos devem ser definidos no interior de cada texto para que se possam fazer as
devidas e corretas referências.
Sabe-se que o discurso científico se caracteriza pelo uso específico de certos
embrayeurs no interior de seus enunciados. No que diz respeito às pessoas, verifica-
se, predominantemente, a presença da 3ª pessoa do singular, geralmente acrescido de se
- partícula de indeterminação do sujeito - (cf. 1º capítulo) e conseqüentemente a
ausência dos pronomes eu e tu. No entanto, o pronome pessoal eu pode ser empregado
pelo locutor. Maingueneau (op. cit.) é bastante enfático quando avalia essa
característica dos discursos científicos, ao ponto de afirmar que, ao empregar o eu, este
pronome é desprovido de todo o valor individualizante. Entretanto, é necessário
relativizar essa afirmação do autor, pois todo o enunciado que emana de um eu, por
56
mais que carregue em suas palavras as palavras do ‘outro’, ainda assim, identifica seu
enunciador através de certos traços de subjetividade.
Ao observar as descrições e relatos dos procedimentos metodológicos e dos
resultados nos textos de DC, percebe-se que, no momento da enunciação, ocorrem
tentativas de “ocultação” do sujeito, substituindo-se termos que representam o agente
por palavras que representam o processo ou o produto, ou seja, um estudo... no lugar
de o cientista. A metonímia
15
atua, nesse caso, como forma de manter uma certa
impessoalidade. Portanto, essa prática, que é empregada nos textos propriamente
científicos, verifica-se também nos de DC, conforme os extratos abaixo, retirados dos
textos intitulados Exercício físico aumenta capacidade intelectual na terceira idade e
Ejaculações freqüentes podem reduzir risco de câncer de próstata.
Um estudo com idosos que iniciaram um programa para melhorar as
condições físicas constatou que os exercícios ajudaram no rendimento
intelectual, segundo pesquisa divulgada pela Academia Nacional de
Ciências dos Estados Unidos.(Folha online – 19/03/2004)
O estudo sugeriu que ejaculações freqüentes podem reduzir a
concentração de “carcinógenos químicos (substâncias que provocam
a formação de tumores malignos) que se acumulam facilmente no
fluído prostático” e podem reduzir o desenvolvimento de pequenos
cristais que foram associados ao câncer de próstata em alguns casos.
(Folha online – 09/04/2004)
Outro aspecto a ser considerado é que a linguagem, além da função
comunicativa, é usada para que o locutor exerça sua influência sobre o comportamento
do interlocutor, e, segundo Benveniste (1995b, p.86), ela dispõe, para tais fins, de várias
formas de expressão, como a interrogação, a intimação e a asserção. Nos textos de DC,
a hipótese é que há o predomínio de asserções, já que o gênero mencionado visa
15
Nesta figura, o processo se desenvolve em apenas um campo sêmico (traço significativo), pois os termos
que se relacionam pertencem ao mesmo campo, um substituindo o outro na expressão. Há uma contigüidade
entre os termos ( RIBEIRO, M.P.).
57
comunicar avanços ou descobertas da ciência e mostra a presença da voz autorizada nos
enunciados.
Pode-se, desse modo, pensar em enunciação como a lingüística da fala sem, no
entanto, manter a distinção língua/fala proposta por Saussure. Essa distinção é
metodológica para distinguir o individual do social, pois não se poderia descrever a
língua em termos de valores com interferências externas, ou seja, por meio do uso que o
locutor faz dela. Nesta perspectiva, para Lahud (1979), os fenômenos que ocorrem no
momento da enunciação são conseqüência da utilização da língua.
Vale lembrar que décadas antes, as noções teóricas de enunciação
16
, levantadas
por Bakhtin, possibilitaram a esse teórico discutir o estatuto dialógico da linguagem e a
natureza polifônica nos romances e, mais tarde, serviram como base a que Ducrot
desenvolvesse sua teoria a respeito da polifonia, analisada sob uma perspectiva diferente
daquela proposta por Bakhtin.
2. 2 A concepção dialógica nos textos de divulgação científica
Tratar da concepção dialógica proposta por Bakhtin não é uma tarefa fácil
devido à amplitude e à diversidade
17
de suas reflexões. No entanto, de acordo com
Flores (2001), esse fato não diminui sua relevância, ao contrário, demonstra seu caráter
dialógico.
Além disso, as relações que dizem respeito ao dialogismo são um objeto de
investigação pertencente à translingüística. Na língua, objeto da lingüística, não existe
16
Embora o nascimento da lingüística voltada para a enunciação, especialmente marcada pela subjetividade,
tenha surgido com a teoria de Émile Benveniste, Bakhtin também trata da enunciação.
17
Esses são aspectos a serem considerados, além da questão da autoria de suas obras.
58
relação dialógica (Authier-Revuz, 2004, p.28). Contudo, para a autora, as duas
vertentes devem se complementar, jamais se excluir.
Na concepção de Bakhtin, a enunciação funciona como uma marca do
processo de interação entre sujeitos, não apenas como realidade da linguagem, mas
também como estrutura sócio-ideológica, uma vez que a palavra parte do locutor em
direção ao destinatário e assim instituí-se o princípio dialógico.
Barros (2003, p. 02), parafraseando Bakhtin, destaca que o dialogismo
discursivo pode ser entendido sob dois aspectos: “o da interação verbal entre o
enunciador e o enunciatário do texto e o da intertextualidade no interior do discurso”.
Assim, a partir das reflexões bakhtinianas, pode-se pensar em duas dimensões
dialógicas.
Na primeira perspectiva, a palavra é um elemento dialógico que estabelece a
relação entre os seres humanos e funda a experiência da intersecção ou interação.
Assim, o homem encontra-se numa relação dialógica entre o eu e o tu/outro. O eu não
existe senão em abertura para o outro, estabelecendo, deste modo, uma relação de
alteridade, fundamental à noção de dialogismo (Pires, 2002, p. 39).
Em contrapartida, na segunda dimensão, percebe-se que “o indivíduo não é a
origem do seu dizer”. Em outras palavras, o sentido não é originado no instante da
enunciação, ele faz parte de um processo contínuo, ou seja, “tudo vem do exterior por
meio da palavra do outro”, sendo o enunciado, para Pires (op.cit., p.39), “um elo de
uma cadeia infinita de enunciados, um ponto de encontro de opiniões e visões de
mundo”.
Nos textos de DC, o processo de interação entre o locutor - divulgador - e o(s)
interlocutor(es) - os leitores - corresponde ao eu e ao(s) outro(s) respectivamente. É, de
59
um lado, a comunidade científica, que até algumas décadas portava-se de forma
hermética, revelando, através de um divulgador, as descobertas científicas para a
população em geral que, de outro lado, necessita do saber científico para entender
melhor as mudanças históricas que vêm ocorrendo tanto com o ser humano quanto com
o mundo (físico, químico, biológico, etc.) que o cerca.
Assim, o leitor, ao ler os textos de DC e ficar ciente das informações
científicas, poderá tomar certas atitudes responsivas
18
em relação a si próprio e ao
mundo. Tais atitudes podem ocorrer devido ao processo de interação entre locutor(es) e
interlocutor(es) proporcionado pela natureza dialógica, propriedade intrínseca da
linguagem.
Dentro da concepção dialógica, Bakhtin (1997) ressalta que, assim como nos
diálogos, os textos pressupõem uma atitude responsiva ativa do leitor, podendo ser
fônica
19
ou não. Isto implica que todo enunciado tem um caráter de resposta a algo dito,
seja naquele momento ou anteriormente.
Além disso, existe também a possibilidade de se permanecer calado diante de
certos gêneros do discurso
20
. Entretanto, esse fato encontrará um eco no comportamento
subseqüente do sujeito num determinado momento. Neste sentido, os enunciados, os
quais podem ser elaborados e respondidos, mesmo numa ação retardada, para usar a
expressão bakhtiniana, podem concordar ou discordar, complementar ou contrapor-se a
textos anteriores. Por esse motivo, Bakhtin (op. cit., p. 298) reitera que os textos são
“um elo na cadeia da comunicação verbal” .
18
Termo utilizado por Bakhtin.
19
Bakhtin exemplifica com um ato subseqüente a uma ordem dada como uma atitude responsiva ativa, sem,
no entanto, ser resposta fônica.
20
Bakhtin sugere que diante de alguns gêneros como o lírico, o teatral ou o musical, o receptor pode
permanecer calado.
60
Nesta perspectiva, quando se lê um texto de divulgação científica tem-se uma
ressonância, um diálogo, uma intertextualidade
21
, uma polifonia composta a partir da
entrevista, da tradução, do artigo acadêmico ou do relatório feito pelo(s) responsável(is)
pela pesquisa científica que se desenvolveu, ou ainda, uma ressonância com algo que o
próprio leitor já tenha lido, escutado ou vivenciado. Tanto o conceito de dialogismo
quanto o de polifonia são importantes e complementares para o estudo dos textos de
DC.
Faz-se necessário destacar que as acepções de polifonia e dialogismo são,
algumas vezes, consideradas sinônimas por alguns estudiosos, a exemplo de Beth Brait
(2003, p.22), que declara ser a polifonia “apenas um outro termo para o dialogismo”.
No entanto, para Barros (op. cit., p. 05), os fenômenos são distintos, pois a polifonia é
empregada “para caracterizar um certo tipo de texto, aquele em que se deixam entrever
muitas vozes, por oposição aos textos monofônicos, que escondem os diálogos que os
constituem”, enquanto que o termo dialogismo é reservado para “o princípio
constitutivo da linguagem e de todo discurso”. No âmbito deste trabalho, o
posicionamento de Barros é indispensável, pois concebe que um fenômeno é
complementar ao outro.
2.3 A concepção polifônica nos textos de DC
Sabe-se que houve um grande avanço em relação aos estudos de análise da
linguagem baseados na Filosofia Analítica, a qual analisava os enunciados por
21
A expressão é usada pela Lingüística Textual, e, de acordo com Koch (1997), num primeiro momento,
pode-se pensar que intertextualidade e polifonia sejam sinônimos. No entanto, para a autora, e no âmbito
deste trabalho, o conceito de polifonia é mais amplo . A intertextualidade ocorre quando, em um texto, está
inserido outro texto produzido anteriormente e que faça parte da memória. Já na polifonia, ocorre uma
conjugação de vozes em que se apresentam as perspectivas ou pontos de vista de diferentes enunciadores.
61
condições de verdade ou falsidade. Tem-se atualmente uma nova abordagem da
linguagem que não leva em conta somente aqueles princípios, mas também aspectos da
exterioridade (cf. 2.1), fato esse provocador de uma grande mudança na lingüística
tradicional.
Diante de tal mudança, faz-se necessário destacar a idéia de Ducrot apud
Flores (op. cit., p. 40), de que a língua é passível de uma análise lógica, diferente da
perspectiva que tratava a linguagem com bases nas operações de verdadeiro ou falso,
ao mesmo tempo em que buscava o estatuto ilocucional da teoria dos atos de fala como
determinante de relações intersubjetivas.
Ainda, segundo Flores (op.cit., p. 40-41), embora Ducrot se apoie em bases
estruturalistas, por considerar que a língua é passível de uma análise lógica, sabe-se
que é de uma forma diferente daquela que a reduz às condições de verdade ou
falsidade. Ducrot considera as perspectivas pragmáticas em integração com a língua.
Assim, os estudos desse teórico situam-se na linha da Semântica Pragmática ou
Pragmática Lingüística. Neste sentido, dentro do quadro teórico desenvolvido por
Ducrot, ainda de acordo com Flores (op.cit., p. 44), muitas questões de investigação
22
da linguagem tomam novas perspectivas ao serem situadas no plano polifônico.
A partir da noção de polifonia, Ducrot (1987, p.162) analisa e censura a
posição de Banfield, que insiste em manter a unicidade do sujeito na enunciação - um
enunciado, um sujeito - teoria que defende existir um único ser, autor do enunciado e
responsável pelo que é dito no mesmo.
22
A título de exemplo, podemos citar a pressuposição, o conceito de ilocucional e a argumentatividade como
algumas das temáticas desenvolvidas por Oswald Ducrot.
62
Segundo Ducrot (op. cit., p. 178), na tese da unicidade o sujeito apresenta as
seguintes características:
a) ser dotado de toda atividade psico-fisiológica necessária à produção do
enunciado (trabalho muscular). Atribui-se também a ele a atividade intelectual
subjacente (formação de um julgamento, escolha das palavras e regras
gramaticais);
b) ser autor e a origem dos atos ilocutórios realizados na produção do enunciado
(atos na forma de ordem, pergunta, asserção, etc.)
c) ser designado em um enunciado pelas marcas da primeira pessoa, quando elas
designam um ser extra-lingüístico.
Ducrot considera como óbvio que o ser designado pelas marcas da primeira
pessoa possa abranger ao mesmo tempo aquele que produz o enunciado e também
aquele cujo enunciado expressa as ordens, perguntas, etc., mas isso acontece em
enunciados simples, produzidos em contextos também simples. No entanto, quando se
trata de enunciados mais complexos em que haja uma retomada na conversação, por
exemplo, a tese da unicidade do sujeito começa a tornar-se questionável. Assim, o
teórico passa a defender a existência de perspectivas de diferentes sujeitos na
constituição do enunciado, fenômeno que dá origem à teoria polifônica.
A partir de tal concepção, Ducrot tem por objetivo construir um quadro geral
para o fenômeno polifônico e, para atingir tal propósito, o autor diferencia locutor de
enunciador, recorrendo e reelaborando a noção de polifonia mencionada por Bakhtin,
segundo a qual todos os falares estão atravessados pela voz do outro.
63
A noção de sujeito-autor do ato enunciativo não interessa a Ducrot. O próprio
teórico afirma não querer tomar partido em relação ao autor do enunciado. Dentro
desta perspectiva, (op.cit., p.181) declara:
quando defini a noção de enunciação tal como a utilizo enquanto
lingüista que descreve a linguagem, recusei-me explicitamente de aí
introduzir a idéia de produtor da fala: minha opção é neutra em relação
a tal idéia.
Na concepção de Flores (op.cit., p. 43), o sujeito, para Ducrot, não é um
meroprodutor da fala, mas de representações no sentido do enunciado”. Sendo
assim, o objetivo de Ducrot é sustentar a tese de que é possível verificar diferentes
representações do sujeito da enunciação construindo o sentido do enunciado. Desse
modo, a enunciação pode ser atribuída a um ou mais sujeitos que, para Ducrot,
podem ser distinguidos em, pelo menos, dois tipos de personagens: o locutor e o(s)
enunciador(es) que, juntos, formam um mosaico de vozes constituindo o plano
polifônico, uma vez que o locutor organiza a perspectiva dos enunciadores de tal
forma que o enunciado ou o texto se torne coerente.
Tanto Bakhtin quanto Ducrot discutem a questão da polifonia em suas teorias,
abordada, no entanto, de maneiras diferentes. O jogo polifônico, para Bakhtin, é
abordado dentro do universo enunciativo do texto de cunho literário, mais
precisamente no romance. Barbisan & Teixeira (2002, p.162) defendem:
Ducrot opera o conceito num nível lingüístico, indicando, através dele,
a possibilidade de um desdobramento enunciativo dentro do próprio
enunciado, à maneira de uma encenação teatral em que atuam
diferentes personagens.
Entretanto, não se pode ignorar que Bakhtin trata do discurso de outrem nos
estudos sobre o discurso direto, indireto e indireto livre, contemplando, desta forma, a
teoria polifônica da enunciação associada também à linguagem ordinária,
concomitantemente ao seu estudo relativo ao aspecto polifônico no gênero romance.
64
Dessa forma, a concepção de linguagem tanto para Bakhtin quanto Ducrot é a
de que não há enunciado homogêneo, ao contrário, todo enunciado é heterogêneo, já
que diversas vozes entrelaçam-se e habitam o mesmo discurso. Além disso, o sentido
é sempre produto da multiplicidade, da alteridade, do dialogismo e da polifonia, pois
os interlocutores dos enunciados constróem juntos os sentidos dos textos. Araújo
(2002, p.142-144), ao mencionar os conceitos levantados por Bakhtin, comenta que o
ser humano define-se em função da alteridade. Dito de outro modo, o “outro” é
imprescindível para a concepção de sujeito.
A noção de heterogeneidade revela que um texto é a reelaboração ou reecritura
de outros dizeres, os quais lhe dão origem ou lhe predeterminam, configurando, desse
modo, a ressonância, o dialogismo, em síntese, a polifonia. Tal fenômeno pode ser
para retomar determinado texto, concordando ou opondo-se ao mesmo. Para ilustrar,
destacam-se os textos de DC, que são originados, conforme já foi dito, a partir da
entrevista com o especialista, da tradução de uma determinada língua estrangeira, do
artigo científico ou do relatório de pesquisa. Neste caso específico, percebe-se que há
uma retomada sempre no sentido de concordância com seu texto de origem.
Entretanto, pode haver uma oposição em relação ao resultado de outra(s) pesquisa(s).
Volta-se ao binômio locutor / enunciador para definir seus conceitos,
estabelecendo a diferença entre ambos, bem como à função de cada um deles em
relação ao enunciado. De acordo com Ducrot (op.cit, p.193-195), o locutor é o
“responsável pelos enunciados” trazendo, através destes, a perspectiva de
enunciadores de quem ele organiza os pontos de vistas e as atitudes. O locutor é um
“ser do discurso” que se constitui no nível do dizer. Por outro lado, para Flores
(op.cit, p. 44), o enunciador:
65
é uma perspectiva expressa através da enunciação, ele não “fala” e sim
tem seu ponto de vista colocado, sem entretanto, ter atribuída precisão
às palavras (...) o enunciador existe em função da imagem que o
locutor oferece dessas vozes. Assim, a identificação dos enunciadores
somente é possível através do locutor, que pode ou não concordar com
os enunciadores.
Assim, locutor é aquele que promove a multiplicidade de perspectivas ou
pontos de vistas de vozes de outras pessoas e/ou do senso comum da sociedade. Estas
diferentes vozes trazidas e organizadas no enunciado pelo locutor é que evidenciam a
existência dos enunciadores.
Ao lermos os textos de DC, percebemos que são constituídos por várias vozes,
estratégia enunciativa que tem por finalidade obter credibilidade por meio da palavra
autorizada na constituição do gênero em discussão. Tal credibilidade é obtida através
da organização por parte do locutor - divulgador ou mediador - das perspectivas das
vozes dos diferentes enunciadores, que podem ser os cientistas com seus relatos da
pesquisa. A credibilidade pode também ser o resultado de outra pesquisa realizada
anteriormente, assim como as verdades universais presentes no senso comum.
Na teoria de Ducrot (op.cit), procurando dar conta do que é feito através da
fala, segundo o enunciado, o autor estabelece e mantém uma distinção rigorosa entre
enunciado e frase
23
, considerando esta última como sendo um objeto teórico não
pertencente ao domínio do observável e uma construção do lingüista. Além disso,
considera-a pertencente à gramática.
Já o enunciado, ainda para Ducrot (op.cit., p.164), “é observável e
considerado como a manifestação particular, como a ocorrência hic et nunc de uma
frase”. Considera-se essa distinção muito relevante para a teoria polifônica, uma vez
que se concebe o enunciado como objeto de análise da enunciação. Conforme o
66
próprio Ducrot (op.cit., p.168) declara: “a enunciação é o acontecimento constituído
pelo aparecimento do enunciado”.
Juntamente com a conceituação de frase e de enunciado, o teórico introduz a
diferença entre a significação e o sentido, sendo que, o primeiro termo está
diretamente associado à frase, enquanto que, o segundo termo diz respeito ao
enunciado. Assim, o sentido dos enunciados é constituído a partir da enunciação. Por
esse motivo, “o enunciado é uma qualificação da enunciação”.
Tomando por base os conceitos de frase e de enunciado, Ducrot (op.cit., p.
168) reflete ainda sobre a enunciação, fenômeno que pode ser designado por três
diferentes acepções, a saber:
a) atividade psico-fisiológica implicada pela produção do enunciado;
b) produto da atividade do sujeito falante, quer dizer, um segmento de discurso (ou
em outros termos, o que Ducrot chama ‘enunciado’);
c) acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado. A realização de
um enunciado é de fato um acontecimento histórico: é dada existência a alguma
coisa que não existia antes de falar e que não existirá mais depois.
Mesmo considerando as três acepções, é a terceira que o teórico adota como
conceito de enunciação, por tratar-se de um ato único que não pode ocorrer
novamente. Se for pronunciado outra vez, será uma nova enunciação. Além disso, não
encerra em si a noção de sujeito falante, como nas duas primeiras acepções, pois esse
fato não é relevante para o teórico.
23
Adam (1990) também faz distinção entre enunciado e frase, no capítulo O que é um texto?, na obra
Eléments de linguistique textuelle.
67
Ao desenvolver sua teoria polifônica, Ducrot apresenta novos aspectos que
merecem destaque, devido ao fato de terem evoluído no decorrer do seu percurso.
Entre eles, estão as diferentes posições que o locutor pode ocupar em relação aos
enunciadores. Assim, nas conferências de Cali (1988, p. 66-67), o autor mostra três
posições possíveis:
a) o locutor pode identificar-se com um dos enunciadores, como é o caso da asserção;
b) o locutor dá aprovação a um enunciador, como no caso da pressuposição;
c) o locutor opõe-se ao enunciador.
Estas diversas posições confirmam que o enunciado apresenta diferentes
pontos de vista e que o locutor, além de organizar, toma atitudes no sentido de
complementar, opor, adicionar, discordar, concordar plenamente ou parcialmente em
relação a esses pontos de vista expressos pelos diferentes enunciadores, aspectos que
caracterizam a teoria polifônica da enunciação.
Um exemplo de asserção, em que o locutor está de acordo com um dos
enunciadores, é quando o primeiro apresenta o ponto de vista do segundo, colocando
antes ou depois dos enunciados as expressões segundo o/a/um/uma...., de acordo
com..., ou ainda, empregando os verbos indica..., declarou..., anunciou...,
revelou...como pode ser observado, nos fragmentos de textos de DC, abaixo:
Atividade sexual não causa câncer de próstata, e homens que ejaculam
freqüentemente podem até estar se protegendo contra a doença,
segundo um estudo conduzido por cientistas americanos. (Folha online
- 07/04/2004)
De acordo com artigo publicado ontem na revista científica “New
Scientífic”, os filhos das mulheres que consumiam chocolate na
gravidez sob situação de estresse geralmente apresentavam menos
medo perante situações novas. (Folha online - 07/04/2004)
A acrilamina, uma substância considerada cancerígena, foi detectada
em diversos alimentos comercializados nos Estados Unidos, anunciou
na quinta feira(25) a FDA (Food and Drug Admistration), órgão
68
responsável pelo controle de alimentos e medicamentos no país. (Folha
online - 26/03/2004)
Crianças que começam a ver televisão muito cedo têm uma propensão
maior ao déficit de atenção na idade escolar, indica um novo estudo.
(Folha online – 05/04/2004)
Em relação à pressuposição, exemplo de polifonia não marcada
lingüisticamente, pode-se perceber que os textos de DC possibilitam a interpretação
de pressupostos subjacentes à linguagem, que remetem ou se referem ao
conhecimento prévio ou universal, em que parte do sentido ocorre por conta do leitor.
Analisemos um caso:
Mulheres que trocam de parceiro entre os dois primeiros filhos correm
um risco duas vezes maior de ter um bebê prematuro.
(Folha online
14/11/2003)
Nesse fragmento retirado do texto de DC intitulado Troca de parceiros
aumenta risco de nascimento de prematuros, cujo tema são as conseqüências para a
gravidez em mulheres que trocam de parceiros com freqüência, percebe-se que, para
além da descrição metodológica e da conclusão da pesquisa realizada, existem
pressupostos em relação à instituição do casamento, da relação conjugal ou da
liberdade sexual feminina, os quais não são explicitamente mencionados na
linearidade do texto, mas colocados de uma forma implícita. Isso pode ser percebido
no título e no início do primeiro parágrafo, em que existe o implícito de que ocorrem
relações sexuais com diferentes parceiros sem a obrigatoriedade dos laços
matrimoniais. Nos enunciados que constituem o texto, assim como no título, pode-se
implicitar que há mulheres que não trocam de parceiros, uma prática que é ainda mais
usual, segundo o padrão ético de nossa sociedade.
Conforme o exposto acima, a polifonia pode apresentar-se de forma não
explícita, no caso de não haver marcas formais que mostrem o discurso do outro, a
69
exemplo da pressuposição, ou ainda de forma explícita através das diferentes marcas
lingüísticas (cf. capítulo 3).
Outra maneira explícita de o fenômeno polifônico apresentar-se é na utilização
da ironia, em que se diz um referido enunciado para se levar a entender justamente o
contrário. Além disso, o emprego da negação também apresenta-se como uma forma
de polifonia. Segundo Brandão (2000, p.165), a negação permite que:
em um mesmo enunciado, coexistam pontos de vista antagônicos de
dois locutores distintos
24
: há um enunciado positivo atribuído a um
primeiro locutor por um lado e, por outro, um enunciado negativo, ao
qual um segundo locutor se opõe.
No entanto, nos textos de DC, não serão analisadas essas duas últimas
categorias: ironia e negação, por julgarmos que essas formas de polifonia não são
comuns nos referidos textos, indo, portanto, além dos limites deste trabalho.
Para completar nossas reflexões acerca da enunciação, cumpre ressaltar que o
cruzamento de saberes das múltiplas vozes na relação entre locutor e a perspectiva dos
enunciadores pode colocar em questão a objetividade do discurso da ciência, uma vez
que existe a idéia consagrada da neutralidade nos textos de cunho acadêmico-científico
como critério de cientificidade.
No entanto, no dizer de Finatto (2002, p. 88), “o texto especializado como
qualquer outro texto, caracteriza-se pela apropriação da linguagem por um segmento
de falantes-sujeitos”, isto é, há subjetividade envolvida mesmo nos textos de natureza
científica como em qualquer outro texto, apesar do ideal de impessoalidade.
Mas, além disso, em um gênero originado a partir de um outro texto
produzido com o uso de linguagem científica, percebe-se que ele difere em alguns
70
aspectos do texto-fonte, uma vez que seu objetivo é atingir um maior número de
leitores possível. Logo, é compreensível que o locutor-divulgador faça uso de certos
elementos lexicais estratégicos - elementos didatizantes (cf capítulo 1) - no intuito de
aproximar-se dos leitores, demonstrando, com isso, um grau maior de subjetividade
do que o texto de origem.
Contudo, a subjetividade mencionada por Finatto (op.cit., p.89), mesmo nos
textos especializados, não pode ser entendida como “falta de objetividade” ou “falta
de rigor científico”, mas “corresponde à existência de um sujeito que se manifesta e
se constitui como tal na e pela sua enunciação”.
24
A autora considera que, no discurso polifônico, existem diferentes locutores, enquanto que na perspectiva
deste trabalho, considera-se que um locutor organiza a perspectiva de diferentes enunciadores.
71
CAPÍTULO 3
3. DIFERENTES FORMAS DE POLIFONIA NOS TEXTOS DE
DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
Esse tema, por ser bastante abrangente, pode ser discutido sob diferentes
aspectos e à luz de diferentes teóricos, já que a representação da voz do outro pode
ocorrer por meio de discurso direto e do indireto, aspas, parênteses, marcadores
discursivos, entre outros. Nesse sentido, esse terceiro e último capítulo tem por
objetivo abordar alguns dos principais recursos de inserção polifônica nos textos do
corpus, fato que está ancorado nas discussões teóricas dos capítulos anteriores. Assim,
além da perspectiva teórica, proceder-se-á a algumas análises de fragmentos de textos
de DC.
3.1 O discurso do outro
3.1.1 Segundo Bakhtin
Em se tratando do discurso de outrem, ao analisar as tendências possíveis da
inter-relação entre discurso citado e discurso narrativo, Bakhtin (1986, p. 148) defende
que ambos “unem-se por relações dinâmicas, complexas e tensas.” Além disso, é
impossível a compreensão de qualquer discurso se não levarmos em consideração as
relações acima mencionadas. Desse modo, o teórico afirma que os discursos:
72
só têm uma existência real, só se formam e vivem através dessa inter-
relação, e não de maneira isolada. O discurso citado e o contexto de
transmissão são somente os termos de uma inter-relação dinâmica. Essa
dinâmica, por sua vez, reflete a dinâmica da inter-relação social dos
indivíduos na comunicação ideológica verbal.
Para o autor, essa tendência de inter-relação entre o discurso narrativo e
discurso citado pode seguir duas orientações:
a) a primeira orientação visa à conservação da integridade e autenticidade do
discurso citado. Há um esforço em delimitar o discurso citado com fronteiras
nítidas e estáveis, protegendo-o de simplificações ou de infiltrações através de
entoações do autor. Essa orientação é denominada por Bakhtin, estilo linear de
citação de discurso de outrem (Bakhtin, op.cit., p.148-150).
b) a segunda orientação apresenta processos de natureza exatamente oposta. O
contexto narrativo esforça-se por desfazer a estrutura do discurso citado e por
absorvê-lo, apagando suas fronteiras. Esse estilo de transmissão do discurso do
outro, que Bakhtin denomina estilo pictório, tem, portanto, a tendência de omitir
as marcas do outro. No interior dessa orientação, há ainda duas variantes: 1) o
narrador pode deliberadamente apagar as fronteiras do discurso citado, a fim de
colori-lo com suas entoações, seu humor, enfim, sua criatividade; 2) o domínio do
discurso é deslocado para o discurso citado, tornando-o mais forte e mais ativo do
que o próprio discurso narrativo que o engloba (Bakhtin, op.cit., p.150 -151).
O discurso do texto de DC joga com as duas orientações concomitantemente,
uma vez que, na maioria dos enunciados, como na introdução, por exemplo, o locutor
coloca marcas lingüísticas para mostrar a voz dos cientistas através das expressões:
segundo..., de acordo com... , conforme... ou de verbos como indicar..., apontar,
afirmar, revelar..., etc., (cf. exemplos do segundo capítulo).
73
Por outro lado, ocorre também a segunda orientação, em que o locutor omite
as marcas do outro, dando o seu próprio “tom”, como se as palavras fossem suas.
Embora, o locutor (divulgador) não sinalize a voz do outro, a presença dela é evidente,
pois se trata de uma síntese geral da pesquisa, como se percebe no extrato abaixo:
Uma droga experimental aumenta dramaticamente os níveis do bom
colesterol (HDL), uma descoberta que pode ser benéfica para os
tratamentos de doenças cardíacas. (Folha online – 09/04/2004)
Nesse enunciado, a palavra dramaticamente demonstra um certo tom que
determina mais ênfase, normalmente evitada nos textos propriamente científicos. Na
segunda oração, o divulgador agrega um comentário modalizador - pode ser benéfica -
que parece ser seu com o propósito de mostrar ao leitor a importância da descoberta
científica. Assim, percebe-se que os dizeres do outro não estão sinalizados, ou seja, não
são apresentados por meio de marcas lingüísticas. No entanto, as palavras alheias são
evidentes, pois se trata de uma síntese da pesquisa revelada no texto-fonte que, ao ser
reformulado em texto de DC, apresenta-se de tal forma que parece o discurso do próprio
divulgador e que, sem o querer, indicou sua própria voz ao utilizar efeitos
modalizadores.
3.1.2 Segundo Authier-Revuz
A partir das contribuições de Bakhtin e da psicanálise lacaniana, Authier-
Revuz tem seu trabalho consagrado ao que diz respeito às diversas formas de
heterogeneidade mostrada, entendidas como manifestações de diversos tipos de
negociação do locutor com o que ela designa de heterogeneidade constitutiva. Nesse
sentido, pode-se dizer que é no fio do discurso que o locutor elabora seus enunciados e
neles inscrevem-se os dizeres do outro.
74
A concepção de heterogeneidade nos discursos levou Authier-Revuz (1990,
p.26) a elaborar o conceito de heterogeneidade discursiva, que compreende a
articulação de dois planos e que distingue dois modos de presença de vozes no
enunciado ou no texto. Por “heterogeneidade mostrada entende-se as formas
lingüísticas de representação de diferentes modos de negociação do sujeito falante”,
que pode ser percebida na superfície textual através de marcas lexicais, travessões,
parênteses, aspas, itálico, entonação (no caso da oralidade), discurso direto e indireto.
Já a “heterogeneidade constitutiva do discurso trabalha com a dissolução dos dizeres
do outro no seu discurso”. Esta modalidade não é marcada na superfície do texto, mas
definida pela intertextualidade, isto é, na relação que um texto mantém com outros
textos. Dentro desta perspectiva, Authier -Revuz (op.cit., p. 34-35) reforça:
no campo da enunciação estão em jogo de maneira solidária esses dois
planos distintos – mas não disjuntos – condições reais de existência de
um discurso e da representação que dele se dá.
Em outro artigo, a mesma autora (2004, p. 71-72)
25
declara:
a heterogeneidade mostrada não é um espelho, no discurso, da
heterogeneidade constitutiva do discurso, ela também não é
‘independente’: ela corresponde a uma forma de negociação -
necessária - do sujeito-falante com essa heterogeneidade constitutiva
.
Assim, todo texto é heterogêneo ou, em outras palavras, todo texto é composto
por várias vozes que dialogam, seja no sentido de concordar, complementar ou opor-se
a outros. Nesse sentido, na pluralidade enunciativa, um locutor - responsável pela
enunciação - pode trazer outras vozes mostradas através de marcas ou não, que se
apresentam articuladas com o intuito de produzir um efeito de verdade.
25
Vale lembrar que a publicação do original do referido artigo é de 1982.
75
Nos textos de DC, a voz da verdade é a de um cientista ou de um grupo deles,
que se apresenta para o público-leitor através de um divulgador que difunde a voz de
um ou mais enunciadores autorizados a desenvolver o conhecimento científico.
Existem diversas formas, umas simples outras complexas de heterogeneidade
(cf. mencionado anteriormente) demonstradas por Authier-Revuz (2004, p. 13) de
“fórmulas de comentário - glosa, retoque, ajustamento”, as quais recebem “um
estatuto outro” em relação às outras partes do discurso. Essas marcas, de acordo com a
autora (op. cit, p. 14), constituem:
uma espécie de metadiscurso ingênuo, comum, que especifica e
explica o estatuto outro do elemento referido. Com efeito, elas
inserem-se no fio do discurso como marcas de uma atividade de
controle-regulagem do processo de comunicação.
Esse controle, por parte do locutor, apresenta-se como uma estratégia de
construção textual utilizada para delimitar e circunscrever o outro, pois, ao empregar as
marcas de heterogeneidade em seu discurso, o locutor tem a impressão de estar
regulando as palavras que não são suas e, em decorrência, tem a ilusão de que os
demais dizeres emanam dele próprio, como se os sentidos se originassem naquele
momento. Além disso, o locutor, como escreve Authier-Revuz (op. cit, p.73), pensa
que possui o domínio de separar o “um” do “outro”: “seu discurso do discurso dos
outros”. Assim, as marcas lingüísticas, bem como a omissão delas revelam os dizeres
do outro. Por essas razões, é que não se pode ignorar que a fala seja inevitavelmente
heterogênea.
Ao longo da reescritura do texto de DC, ao ser necessário empregar uma
variedade de língua - a técnica, por exemplo - comumente empregada na área
científica, o divulgador explicita o termo científico, utilizando palavras do cotidiano,
76
com o propósito de esclarecer e facilitar a compreensão para o interlocutor. Esse
esclarecimento, que pode ser feito por meio de um isto é, pelo uso de itálico ou
parênteses, entre outros recursos, é empregado imediatamente após o termo técnico,
efetivando-se o que Authier-Revuz (op. cit) denomina de “contato” no discurso. Essa
adequação realiza-se em função da situação - divulgar da forma mais acessível possível
- e dos interlocutores - leitores leigos nas práticas científicas - conforme pode-se
observar no exemplo:
De acordo com os cientista, o tecido do prepúcio (pele que recobre a
cabeça do pênis) pode ser altamente suscetível à infecção pelo vírus
HIV. (BBC online – 26/03/2004)
Para Authier-Revuz (2004, p. 74-75), somente dois tipos de discursos podem
não apresentar marcas de heterogeneidade mostrada: o discurso científico e o poético
26
.
Ainda, conforme a autora, o discurso que tende a se representar como discurso da
verdade oculta qualquer traço mostrado do outro. Dessa forma, a ausência da voz do
outro no discurso é interpretada como uma recusa da realidade, já que camufla, apaga,
dissimula no discurso qualquer manifestação explícita em relação à sua real
heterogeneidade”.
Essa é a tendência do discurso de cunho puramente científico que, segundo a
autora, deve-se a dois tipos de recusa: a) a um aspecto monológico que escapa aos
sujeitos e à língua materna; b) a um aspecto ideológico de representação que tende a
encobrir qualquer manifestação das determinações heterogêneas que pesam sobre sua
lógica interna
27
.
26
Somente o discurso científico tem relevância para este trabalho.
27
É importante destacar que a autora se refere aos textos predominantemente técnicos de fundamentação
estatística e de teor descritivo da experiência realizada. Um texto de História ou de Lingüística tem sua
cientificidade articulada com técnicas de narrativa e de redação que invalidam a monologia dos textos
científicos.
77
Ao contrário do discurso propriamente científico, o discurso do texto de DC,
por ser voltado para a sociedade em geral, apesar da necessidade de manter algum
termo do jargão científico, apresenta-se como um texto menos formal, abrindo espaço
para a voz do outro de tal forma que se constitui um texto essencialmente dialógico e
polifônico, marcado por meio dos parênteses e das aspas, como se percebe no
fragmento a seguir:
A soja contém estrogêneo (hormônio feminino) e os cientistas
acreditam que...
“O que muitos homens não percebem é que a soja não é consumida só
por vegetarianos, é um produto que existe na maioria dos alimentos
consumidos no dia-a-dia”, acrescentou a cientista Lorraine Anderson.
(BBC online - 26/02/2004)
Pode-se perceber que o discurso acima é configurado por outros discursos que
veicularam a temática abordada no passado, nos quais foi mencionado o fato de que os
alimentos que contêm soja apresentam benefícios para a saúde. Essa ressonância entre
os textos - dois ou vários - confirma a natureza dialógica da linguagem e o caráter
polifônico da maioria dos textos. Por esse motivo, diz-se que o discurso é constituído
pelo “discurso do outro” e, no extrato acima, a voz é a de um ou mais cientistas. Diante
dessa concepção, Authier-Revuz (op.cit, p.69) define:
o outro não é um objeto (exterior, do qual se fala), mas uma condição
(constitutiva, para que se fale) do discurso de um sujeito falante que
não é fonte-primeira desse assunto.
É através de determinadas palavras que se percebe a voz do outro, já que elas
revelam características do domínio discursivo a que pertencem. Desse modo, para
Authier-Revuz (op. cit, p.36), as palavras:
são ‘carregadas’, ‘ocupadas’, ‘habitadas’, ‘atravessadas’ por discursos,
é o que Bakhtin designa por ‘saturação da linguagem [...] socialmente
significante [...] por intenções e acentos determinados’.
28
28
Aspas, itálico e colchetes foram usados pela autora.
78
Podemos ir além e trazer para a discussão da heterogeneidade a própria
constituição e difusão do saber, tal como lembra Pierre Lévy (1996, p. 71) ao afirmar
que quando se lê uma palavra, “é ativada na mente uma rede de palavras, conceitos,
modelos, imagens, sons, sensações e lembranças que estão situadas numa rede
associativa que constitui nosso universo mental”. Prova de que elas estão habitadas e
atravessadas por dizeres anteriores. Tal universo apresenta-se em “metamorfose por
causa das novas informações que chegam e são agregadas à rede anterior”. Além
disso, sabe-se que diferentes pessoas atribuem sentidos diversos aos mesmos
enunciados, pois o que conta é a rede de associações que o leitor utiliza para
interpretá-los, levando em conta o conhecimento armazenado ou prévio assim como o
novo conhecimento apresentado, conforme mencionado por Beaugrande & Dresser
(1981) no capítulo sobre a Coerência.
Assim, toda palavra pertence a uma rede associativa, ou seja, cada palavra
pertence a um enunciado ou a um determinado campo semântico, remetendo
inevitavelmente a outros contextos em que figurou anteriormente.
Desse modo, ao analisar os enunciados existentes nos textos de DC,
compreende-se que os efeitos daquela mensagem podem modificar, complexificar ou
ratificar os saberes de cada leitor bem como criar novas associações numa rede
contextual anteriormente adquirida, de tal forma que uma leitura crítica do texto de DC
pressuponha a conscientização do leitor de que o conhecimento científico daquele
discurso possa alterar o seu comportamento ou a sua visão de mundo.
No entanto, uma mesma palavra pode figurar em diferentes estruturas
semânticas com diferentes significados. Nesse sentido, em relação ao significado das
79
palavras, Wittgenstein, em sua Investigações Filosóficas (1953), já dizia que não
devemos perguntar pelo sentido das palavras, mas por suas condições de uso.
Nessa perspectiva, concordamos com o filósofo e com Authier-Revuz (2004,
p. 68) quando ela diz que “nenhuma palavra vem neutra do ‘dicionário’”, elas são
todas “impregnadas” pelos discursos que habitaram antes. A autora afirma ainda que os
enunciados constituem-se pelas relações dialógicas, através de “acordos, recusas,
conflitos, compromissos” com outros enunciados. Por esse motivo, pode-se dizer que o
sentido de um determinado texto não está pronto, já que ele se constitui nas situações
dialógicas e, evidentemente, o sentido atribuído ao texto pelo interlocutor depende não
só de conhecimento lingüístico, mas também de conhecimento enciclopédico, o que
pode levar a uma “leitura plural”, para usar a expressão de Authier-Revuz ( op. cit,
p.36).
Pode-se pensar na relação locutor-interlocutor como uma relação dialética, ou
de “mão dupla”, em que o primeiro tem uma imagem não só do seu lugar mas também
do receptor, fazendo uma antecipação de como o seu interlocutor compreenderá a
mensagem em decorrência do próprio discurso interior. Por outro lado, a compreensão
do interlocutor é concebida não como uma recepção passiva, apenas “decodificadora”,
mas como um processo ativo que tenta imaginar o que o locutor quis dizer, tal como
concebe Bakhtin (1997), em sua “compreensão responsiva ativa”. Reforçando essa
idéia, acolhemos as palavras de Authier-Revuz (op. cit, p. 42), para quem todo discurso
é:
compreendido nos termos do diálogo interno que se instaura entre esse
discurso e aquele próprio ao receptor; o interlocutor compreende o
discurso através de seu próprio discurso.
Nos textos de DC têm-se a intenção de expor uma “certeza científica” que
toma como pressuposto um conjunto de saberes já difundidos na sociedade onde se
80
encontra o público leitor. Logo, o cientista acrescenta algo sobre o já dito e o já
conhecido. Mas é o divulgador o veículo da dialética, pois é dele a responsabilidade de
antecipar-se aos equívocos ou dúvidas que podem ocorrer ao leitor que efetivamente
não compartilha das premissas imaginadas pela comunidade científica.
3.1.2.1 Emprego do discurso direto e indireto
O outro faz-se sempre presente em todo discurso. No entanto, sua presença
pode ser configurada de diferentes maneiras, podendo ser claramente percebida nos
discursos direto e indireto. Nessa última modalidade, o locutor remete ao outro como
fonte do sentido. Além disso, ao abrir espaço para as palavras do outro (cf. 3.1.1 e
3.1.2), seu próprio discurso passa a caracterizar-se pela alteridade, fundamental ao
fenômeno do dialogismo. No discurso direto, são as palavras do outro que ocupam o
tempo e o espaço. O locutor, por sua vez, funciona como um porta-voz.
Sabe-se que existem maneiras implícitas e explícitas de a polifonia se
estabelecer. Entre as formas explícitas tem-se o emprego de um verbo dicendi ou de
relato acompanhado da conjunção integrante que após o sujeito, indicando o discurso
indireto. Esse recurso é bastante empregado nos textos de DC, como nos exemplos
abaixo:
Ele sugere que pode haver muitas razões para o maior risco de
nascimento de prematuros. (Folha online - 14/11/2003)
Leitzmann diz que agora as evidências são ainda mais fortes, porque
seu estudo acompanhou os homens ao longo do tempo. (Folha online -
07/04/2004)
81
3.1.2.2 Emprego de aspas
Conforme a gramática tradicional, as aspas são classificadas como um sinal
de pontuação empregado no início e no final de uma citação. Além disso, elas servem
também para realçar termos ou expressões como gírias e estrangeirismos. Entretanto,
sabe-se que existem outros usos para as aspas, conforme discutido por Authier-Revuz
(1998b, p. 01), uma vez que se apresenta como um sinal da escrita sem correspondente
na oralidade no intuito de “chamar uma especial atenção sobre a passagem em
questão”. É um sinal que pertence ao que Rey-Debove (apud Authier-Revuz, op. cit, p.
02) chama de “metalinguagem natural”, que compreende “o conjunto de sinais da
língua pelo qual pode ocorrer um exame reflexivo sobre ela própria”.
Nesse sentido, pode-se dizer que as aspas são um sinal pleno, autônomo, não
apenas um sinal de acompanhamento ou de repetição colocado à margem do código.
Para a autora (op.cit., p. 05), as aspas são um “sinal que marca uma modalização
autonímica, correspondendo, com um deslocamento para a perspectiva enunciativa, a
uma estrutura semiótica completa”. Reforçando essa idéia, a mesma autora, em outro
artigo, destaca que “as palavras aspeadas são palavras assinaladas como
‘deslocadas’, fora de seu lugar, pertencendo e adequando-se a um outro discurso”
(Authier-Revuz, 2004, p. 221). Pode-se dizer que as aspas pertenceriam à linguagem
dos sinais, que deslizam para a linguagem verbal, dando um novo “colorido” aos
eventos enunciativos.
Segundo Authier-Revuz (op. cit, p.11), existem dois aspectos interpretativos
que correspondem aos dois valores mais correntes atribuídos às aspas, por estarem
relacionados à “idéia de uma recusa em assumir a palavra do outro ou de uma
palavra inapropriada”. Desse modo, confirma-se a concepção de que o uso de aspas
82
nas palavras é uma forma de mantê-las à distância, demonstrando o caráter não-
apropriado delas, justamente por estarem “emprestadas”, por corresponderem a outros
discursos.
Nos textos de DC, verifica-se freqüentemente o emprego das aspas em duas
situações bem distintas, em que um dos sentidos se aproxima do destacado por Authier-
Revuz, a qual menciona a recusa em assumir os dizeres do outro. No corpus, o
emprego das aspas é para demonstrar um já-dito. O sinal destaca que aqueles dizeres
são palavras de outrem, o cientista ou grupo deles, fato que mostra com bastante
clareza a natureza polifônica nos textos em discussão. Veja-se o fragmento:
“Fiquei surpresa ao descobrir o aumento. Por outro lado, deveríamos
saber, já que temos visto um grande aumento de câncer de mama nas
mulheres”, disse Giordano. (Folha online – 19/07/2004)
Nos exemplos analisados, percebe-se que toda vez que o divulgador emprega
as aspas nos dizeres do(s) pesquisador(es), ao término da citação aparecem verbos
dicendi como: dizer, acrescentar, relatar, concluir, observar, revelar, afirmar, explicar
29
,
o que revela, juntamente com as aspas, a voz do outro, demonstrando assim o
fenômeno polifônico nos textos de DC.
Outro uso recorrente da utilização das aspas é nos nomes dos periódicos ou
revistas estrangeiras, onde está sendo publicado o artigo científico que deu origem ao
texto de DC. Esse caso distancia-se do segundo valor mais recorrente que Authier-
Revuz (op. cit.) coloca para o uso das aspas, ou seja, em palavras inapropriadas.
Acredita-se que o emprego do sinal ocorre com outro sentido, não só o de marcar
29
É importante destacar que esses verbos, nos exemplos com aspas, são empregados sem o uso da conjunção
integrante que, diferenciando-se, assim, do discurso indireto e assemelhando-se mais ao uso do discurso
direto, pois, se tomarmos o exemplo do nosso texto, podemos transformá-lo em: Giordano disse: - Fiquei
surpresa ao descobrir o aumento. Por outro lado, (...) Desse modo, podemos concluir que, no texto de DC,
em vez da utilização do travessão, característico do discurso direto, empregam-se as aspas para indicar a voz
do outro.
83
palavra estrangeira, conforme a gramática tradicional destaca. Nesse caso, esse sinal
está sendo usado para destacar o veículo de transmissão da pesquisa.
Conforme o exposto, podemos destacar quatro empregos recorrentes no
emprego das aspas: a) em palavra inapropriada; b) na recusa em assumir a palavra do
outro; c) em palavra estrangeira; d) na fonte de publicação. Poder-se-ia até pensar que
o uso de aspas no nome das revistas ou periódicos configuraria o emprego de palavra
inapropriada, por ser um termo de uma língua estrangeira em um texto de língua
portuguesa. No entanto, verificou-se o uso das expressões estrangeiras fast food,
Queen´s University, OraQuick e software sem aspas, o que nos leva a aderir à hipótese
de que os nomes dos periódicos e revistas
30
levam aspas com o propósito de destacá-los
como fonte da publicação e não apenas pelo fato de serem palavras pertencentes a
outro idioma. Além disso, encontramos nome de revista brasileira com aspas, mais
uma prova de que o sinal de aspas é para destacar o veículo da informação. Leiam-se os
fragmentos:
...revelou um estudo que será publicado na edição desta quarta-feira
do “Journal of the American Medical Association”. (Folha online -
19/07/2004)
...publicado este sábado na revista especializada “British Medical
Journal”. (Folha online - 16/11/03)
...foi publicado na última segunda-feira (15) pelo “Jornal do Clima”
(Folha online – 21/03/2004)
No entender de Authier-Revuz (1998, p.14), as aspas têm outras
possibilidades, como por exemplo, a do leitor ter espaço para fazer interpretação. Nesse
sentido, a autora propõe:
as aspas inscrevem no dizer de X um ‘buraco interpretativo’, um apelo
para construir aquilo que o enunciador reteve, ‘agarrado’ ao percurso
30
Algumas fontes de publicação, além de serem aspeadas, são escritas com letras coloridas.
84
‘escorregadio’ de seu dizer, é uma forma unívoca de língua cavando
um lugar para um processo de interpretação discursiva.
Acredita-se que exista um espaço para interpretação por parte do leitor. No
entanto, como discutido acima, observa-se que, nos textos de DC, o emprego das aspas
não tem uma abertura voltada a diferentes interpretações. Isso deve-se ao caráter de
seriedade e responsabilidade por parte da comunidade científica para evitar possíveis
confusões. Conforme a observação, trata-se de dois empregos bem definidos: o fato de
marcar a voz do outro, dando espaço à voz autorizada das pessoas responsáveis pela
pesquisa, e/ou para dar destaque ao nome do veículo em que foi publicada a descoberta
científica – revistas ou periódicos.
3.1.2.3 Emprego de parênteses
De acordo com a gramática tradicional, os parênteses são empregados para
intercalar qualquer indicação acessória. Entretanto, no corpus verifica-se o uso desse
sinal com um significado que vai além desse conceito. Na maioria das vezes, encontra-
se uma informação de grande relevância entre esses sinais de pontuação, como a
explicação de um termo técnico empregado somente na linguagem científica ou de uma
palavra pouco utilizada na linguagem do cotidiano. Vejamos:
Um grupo de voluntários que consumiu a droga, chamada
Torcetrapib, em combinação com a popular estatina (substância
usada no tratamento padrão para diminuir o mau colesterol) duplicou
seu índice do bom colesterol em apenas oito semanas. (Folha online -
09/04/2004)
Além disso, os parênteses também são empregados após uma sigla para
explicitar seu significado, como no excerto abaixo:
...chefe da equipe do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato, na sigla
em inglês) que projetou a câmera. (Folha online – 16/07/2004)
85
Comprova-se que, nos textos de DC, os parênteses não são usados apenas
para abrigar informações acessórias, mas também trazem informações de extrema
importância para a compreensão do texto, uma vez que explicitam a palavra
desconhecida ou técnica, na forma de um discurso definitório, possibilitando construir
o sentido para o termo em questão, por meio de uma definição compreensível para
leitores não conhecedores de termos especializados.
Nesse caso, percebe-se também a natureza polifônica dos textos do corpus,
pelo viés dos discursos definitórios usados dentro dos parênteses. É empregada uma
estratégia discursiva procedente de outros discursos que podem ser originários do senso
comum, do médico, do professor, enfim, do outro, para esclarecer uma palavra ou
expressão desconhecida do leitor que não pertence àquela área de conhecimento.
3.2 Marcadores discursivos nos textos de DC: perspectivas semântico-discursivas
Nos estudos lingüísticos, é comum que determinadas unidades da língua
despertem um interesse maior em serem analisadas mais detalhadamente,
especialmente quando essas unidades recebem uma abordagem limitada pela gramática
normativa. Nesse sentido, pretende-se analisar as conjunções (no âmbito deste trabalho
entendidos como marcadores discursivos) sob uma abordagem textual-discursiva. Essa
é uma das questões que nortearam nosso trabalho, além do fato de que os nexos
lingüísticos demonstram inserção polifônica na construção textual.
As unidades lingüísticas que serão observadas nesse capítulo compreendem
vários elementos como: e, mas, porém, embora, de acordo com, segundo, apesar de,
ao contrário, entre outros. Opta-se por empregar a expressão marcadores discursivos a
86
esses elementos, porque se está trabalhando com uma análise textual-discursiva,
conforme já mencionado.
Os estudos voltados aos elementos conectivos na gramática tradicional
brasileira visam, normalmente, à análise de ligações entre termos e orações,
apresentando uma lista dos conectivos (mais conhecidos por conjunções) com o
propósito de classificar as orações que compõem o período sem, entretanto, haver uma
preocupação com o papel que a Lingüística Textual atribui a esses elementos de
ligação, denominados por ela articuladores textuais. Além disso, de acordo com
Santos (2003), a gramática tradicional parece não ter uma preocupação rígida com o
sentido que pode ser obtido em virtude da escolha de um ou de outro elemento de
ligação.
Em função dessa visão tradicional, desenvolveram-se muitos estudos, nas
últimas décadas, por lingüistas de renome como Ducrot (1980;1982;1983) e Vogt
(1980;1987), e por seguidores desses estudiosos a exemplo de Guimarães (1987;2001),
Koch (1987;1993;2003), Oliveira (2001) e Santos (2003). Esses autores verificaram
que os conectivos desempenham outros papéis além do sintático, de onde se conclui
que esses elementos de ligação intrafrásticos, interfrásticos e intratextuais, apresentam
funções textuais e discursivas que atestam a polifonia enunciativa.
Os elementos conectivos recebem denominações variadas, de acordo com a
linha de pesquisa: podem ser articuladores textuais, conforme empregado por Santos;
operadores discursivos/argumentativos, a exemplo de Ducrot e Koch; ou ainda,
marcadores discursivos, para outros teóricos como Schiffrin e Portolés. Na concepção
discursiva, os marcadores assumem um aspecto coesivo entre porções maiores do texto
87
e não apenas entre orações ao mesmo tempo que promovem a progressão textual,
garantindo a coerência do texto.
No que diz respeito à nomenclatura, Portolés (1988, p.80) parafraseando
Ducrot, faz uma interessante distinção entre conector e operador argumentativos.
Segundo ele, um “conector argumentativo consiste em uma unidade que articula dois
membros de um discurso”. Como exemplos de conectores podem ser citados: mas
31
,
além disso, etc. Já um “operador argumentativo é uma unidade que, aplicada a um
conteúdo, transforma as potencialidades argumentativas desse conteúdo”. O quase,
um pouco, entre outros são exemplos de operadores. Cabe esclarecer que todos os
conectores são marcadores discursivos, no entanto, somente uma parte dos operadores
argumentativos podem ser chamados de marcadores discursivos.
É comum que os elementos de ligação, que estruturam a coordenação frasal,
articulem períodos, parágrafos e fragmentos maiores de textos, mostrando que a análise
desses elementos deve ir além das fronteiras entre frases. Desse modo, percebe-se que
na organização discursiva o papel de tais elementos passa a ser o de articulação entre
enunciados, os quais enfatizam ora uma idéia ora outra ao ligarem parágrafos ou
fragmentos de texto. Assim, os elementos de ligação estabelecem a coesão, a coerência
e a progressão textual.
A expressão operadores argumentativos foi cunhada por Oswald Ducrot para
designar certas unidades da gramática de uma determinada língua que têm por função
indicar a força argumentativa dos enunciados, a direção para o qual apontam, indicando
que vozes de diferentes enunciadores podem constituir os enunciados. As reflexões de
Ducrot a respeito do assunto nasceram do seu interesse em demonstrar a existência de
88
significados puramente lingüísticos. No entanto, de acordo com Portolés (2004), a
situação tem mudado nas últimas décadas pois, cada vez mais, pode-se justificar a
análise dos marcadores discursivos levando-se em conta também a realidade
extralingüística como componente do significado.
Nos estudos dos marcadores de discurso, assim como em qualquer estudo
relativo à linguagem, é necessário distinguir entre significado e sentido, sendo
primordial o estudo dos significados. Schiffrin (1988) demonstra que nem os
marcadores, nem o discurso dentro do qual eles funcionam, podem ser entendidos de
um ponto de vista isolado, mas somente como uma integração da estrutura, da
semântica, da pragmática e dos fatores sociais. Desse modo, percebe-se que Schiffrin
e Portolés, como a maioria dos teóricos mencionados, concordam ao considerar os
elementos extralingüísticos como elementos determinantes do sentido da enunciação.
Os marcadores discursivos são palavras ou expressões que têm como função
organizar os enunciados de um texto, ajudando na constituição do sentido textual, à
medida que vão estabelecendo relações entre as várias idéias expressas no texto. Causa,
adição, temporalidade, oposição, entre outras são algumas das relações observadas
pelos teóricos que se debruçam sobre a temática há muitos anos.
É importante ressaltar que os marcadores discursivos não pertencem somente
a uma determinada classe gramatical. Ao contrário, eles são encontrados em várias
categorias gramaticais, incluindo conjunções coordenadas ou subordinadas, advérbios,
preposições, etc. Contudo, todos esses elementos fazem parte da gramática da língua,
mas que, conforme observou Koch (2003, p. 40), têm recebido pouca atenção em livros
didáticos e em sala de aula, por pertencerem a classes invariáveis ou a palavras que não
31
É interessante lembrar a distinção entre mas
PA
e mas
SN,
feita por Vogt (1989), a qual é discutida no item
89
foram incluídas em nenhuma das dez classes gramaticais encontradas nas gramáticas
tradicionais da língua portuguesa.
Para Santos (2003), embora os marcadores utilizados sejam, às vezes, os
mesmos que aparecem nas estruturas intrafrásticas, as relações interfrásticas são
recursos mais discursivos do que sintáticos, já que, para Longacre (apud Santos, op.cit.,
29), os “parágrafos articulados comportam-se de maneira ligeiramente diferente de
orações articuladas, pois eles possuem ligações mais fluídas”. A partir dessa idéia,
Santos (id.ib.) enfatiza:
exatamente por serem segmentos diferenciados, não é possível
analisar, sob a mesma ótica, orações, períodos, parágrafos e outras
unidades discursivas. Na organização do texto, os articuladores
mesclam informações e unem segmentos, ocasionando efeitos de
sentido diversos, colaborando, como lembra Halliday, para a coesão
textual.
Dentro dessa perspectiva, nos textos do corpus, fica evidente a questão de
mesclar informações, de tal forma que o divulgador coloca no mesmo plano os dizeres
dos pesquisadores, do senso comum, de pesquisas anteriores e de outros discursos,
formando um mosaico de diferentes vozes que, articuladas, constituem polifonicamente
um texto coeso e coerente.
Parece não haver dúvidas de que o uso dos conectores é mais complexo do
que o modo como é abordado nos manuais de língua portuguesa e até mesmo nas
gramáticas tradicionais, já que levam em conta somente a questão sintática. Santos
(op. cit.), observa que, em alguns casos, consideram-se independentes as orações
coordenadas e dependentes as subordinadas, sem que se especifique a natureza dessa
in(dependência).
3.2.1.
90
Esse posicionamento decorre do fato de somente se adotarem critérios
sintáticos para análise das estruturas lingüísticas. No entanto, o funcionamento global
da língua pode ser explicitado por meio de um estudo integrado de três componentes, a
saber, o sintático, o semântico e o pragmático, conforme defende Koch (1993, p. 111).
A partir da perspectiva textual, a autora afirma:
torna-se inadequado falar em oração dependente (ou subordinadas) e
independente (ou coordenadas), já que se estabelecem entre as orações
que compõem um período, um parágrafo ou um texto, relações de
interdependência, de tal modo que qualquer uma delas é necessária à
compreensão das demais. E, além das relações entre os enunciados
(relações semânticas ou lógicas), há aqueles que se estabelecem entre
o enunciado e a enunciação, a que se pode chamar de pragmáticas,
“paralógicas ou argumentativas.
Assim, a partir de estudos realizados desde a década de 60, a concepção de
conectores vem mudando e ganhando uma dimensão discursiva. Nesse sentido, Santos
(op.cit., p. 13) destaca:
os estudos da Lingüística Textual vêm procurando mostrar que a
função dos conectivos, ou operadores discursivos ou articuladores
textuais, (...) é maior que apenas “ligar” termos, no nível oracional, nas
orações coordenadas ou subordinadas.
De acordo com Koch (1993, p. 105), é a macrossintaxe do discurso ou
semântica argumentativa que recupera os articuladores, por serem estes os responsáveis
por determinar o valor argumentativo dos enunciados, constituindo-se em elementos
lingüísticos importantes da enunciação. Dessa forma, grande parte da força
argumentativa dos enunciados que constituem o texto estão na dependência dessas
marcas lingüísticas.
É importante ressaltar a necessidade de o usuário da língua, tanto o locutor
quanto o interlocutor, de compreender o valor argumentativo dos marcadores
discursivos, a fim de que eles saibam empregar e interpretar corretamente no discurso
do outro a força da argumentação expressa por meio desses elementos. Um bom
91
exemplo verificado nos textos de DC é que, ao empregar o conector mas ou seus
semelhantes, o locutor está introduzindo uma direção argumentativa mais forte com o
propósito de levar seu interlocutor a concluir a partir dessa orientação.
Assim, o uso de encadeamentos possíveis entre enunciados, capazes de
promover um contínuo textual, é empregado com a pretensão de orientar o
ouvinte/leitor para certa conclusão e, obviamente, excluir outra. Esses elementos
responsáveis por tal tipo de relação são muitas vezes conectivos conhecidos. No
entanto, existem outros elementos que não se enquadram em nenhuma das classes
gramaticais listadas pela gramática normativa e que são conhecidos por palavras
denotativas de inclusão, de exclusão, de retificação, de situação, conforme
levantamento feito por Koch (1993, p. 105), a partir de diversos autores de diferentes
gramáticas.
Nesse sentido, espera-se colaborar para uma melhor compreensão das
estratégias de emprego dos marcadores discursivos como elementos de coesão e de
coerência enunciativa, tentando mostrar que o uso discursivo-textual dos marcadores
constitui um recurso fundamental para a progressão textual e para o estudo das
questões argumentativa e polifônica, características inerentes da enunciação dos textos
de DC.
Para a análise dos marcadores discursivos
32
, procedemos a um levantamento
desses elementos agrupados de acordo com um sentido aproximado entre eles. Além
disso, o enfoque recai sobre os marcadores discursivos mais expressivos, ou seja,
32
Propomos uma nomenclatura para os marcadores baseada na classificação de Koch (2003) e de Authier-
Revuz (2004), sendo que, para os últimos conectores do quadro, denominados marcadores discursivos de
atribuição, criamos o nome de acordo com o sentido por ele expresso, já que os elementos elencados
relacionam os enunciados através de sinalizadores da voz do outro, atestando o fenômeno da polifonia no
texto de DC.
92
aqueles que aparecem em maior número e sobre aqueles que representam a polifonia na
construção textual, conforme o quadro a seguir:
Marcador discursivo Especificação Ocorrências
1. De contraste ou oposição Mas (porém, entretanto, todavia, contudo),
embora (apesar de, ainda que), de/por um
lado...de/por outro, ao contrário, ao passo que.
22
2. De adição E, também, além disso, ainda, não só...mas
também.
48
3. De reformulação
Isto é, ou seja, em outras palavras, a saber, por
Exemplo.
2
4. De explicação ou causal Porque, já que, pois.
4
5. De atribuição
Segundo um/o, de acordo com, para (fulano) 21
Quadro 1- levantamento de marcadores discursivos nos textos de DC
Após a exposição teórica sobre os marcadores discursivos e o levantamento
quantitativo dos mesmos, passaremos à teorização de cada grupo de marcadores e à
exemplificação a partir de fragmentos dos textos do corpus.
93
3. 2. 1 Marcadores discursivos de contraste ou oposição
Os marcadores desse grupo representam, como o próprio nome diz, contraste,
oposição ou mudança de orientação argumentativa, direcionando para conclusões
opostas. Esse grupo pode ser dividido em sub-grupos: do mas (porém, contudo,
todavia, entretanto, no entanto); e do embora (ainda que, posto que, apesar de (que)).
Além disso, inclui-se nesse grupo: ao contrário, ao passo que, de/por um lado...de/por
outro.
O mas é considerado o marcador discursivo por excelência por Ducrot, Vogt e
outros tantos teóricos que tratam a respeito de elementos conectivos bem como de
argumentatividade.
Vogt (1989, p. 104) faz uma interessante distinção para o emprego do mas: o
mas
SN
e o mas
PA
33
. O mas
SN
é empregado quando a primeira proposição é negativa
e a segunda, introduzida pelo mas, apresenta-se como correta em relação à afirmativa
negada, tendo um caráter de retificação, refutação. Além disso, pode ser substituído
ou desenvolvido pela expressão ao contrário. O mas
PA
não exige que a proposição
precedente seja negativa. Sua função é introduzir uma proposição que orienta para
determinada conclusão oposta a uma conclusão que o primeiro enunciado poderia
conduzir. Dessa forma, o segundo enunciado funcionaria como um comentário do
anterior e teria grande valor argumentativo. De acordo com Koch (1993, p. 108), é “o
mas argumentativo em sentido estrito e que, do mesmo modo que o primeiro, permite
uma descrição polifônica”. Vejamos um exemplo de mas
PA
:
De acordo com Oliver Phillip, da Universidade de Leeds, no Reino
Unido, somente o aumento da biomassa poderia retardar os efeitos
33
SN corresponde ao alemão sonder e ao espanhol sino, enquanto que o PA equivale ao espanhol pero e ao
alemão aber.
94
das mudanças no clima global. Mas o desmatamento crescente anula
essa possibilidade. (Folha online –21/03/2004)
Nesse fragmento de texto de DC, tem-se a voz do pesquisador difundida por
meio do divulgador, afirmando que somente o aumento da biomassa poderia retardar
os efeitos das mudanças no clima global e, na seqüência, o locutor apresenta uma
voz provavelmente originária do consenso geral com a qual o pesquisador e também o
locutor se identificam, afirmando haver um desmatamento crescente que, como se
sabe, causa problemas ao clima ao impedir o aumento da biomassa. Com isso, a
direção argumentativa é redimendionada ao mesmo tempo que o caráter polifônico do
enunciado é manifestado por intermédio do conectivo mas.
Segundo Koch (2003, p. 36), baseado na metáfora da balança
34
proposta por
Ducrot, o marcador discursivo mas apresenta o seguinte funcionamento:
o locutor coloca no prato A um argumento (ou conjunto de
argumentos) com o qual não se engaja, isto é, que pode ser atribuído
ao interlocutor, a terceiros, a um determinado grupo social ou ao saber
comum de determinada cultura; a seguir, coloca no prato B um
argumento (ou conjunto de argumentos) contrário, ao qual adere,
fazendo a balança inclinar-se nessa direção.
A perspectiva de que o locutor coloca um argumento com o qual não se
engaja não parece a forma mais adequada de referir-se ao primeiro argumento, pelo
menos em nosso corpus. Pode-se dizer simplesmente que o conteúdo do argumento A é
mais fraco do que o conteúdo do argumento B e considerá-lo como um fato que pode
ser atribuído a outros ou ao saber comum, funcionando, desta forma, como um índice
do fenômeno polifônico, em que duas ou mais vozes co-habitam os enunciados,
formando um conjunto de vozes. Vejamos, a seguir, um exemplo com o marcador
discursivo mas
PA
em um texto de DC que relata a ingestão de uma droga
34
A autora adere à metáfora da balança, utilizada por Ducrot, sendo o prato A equivalente ao primeiro
enunciado e o prato B equivalente ao segundo enunciado.
95
experimental, que aumenta dramaticamente os níveis do bom colesterol (HDL), fato
que beneficiaria o tratamento de doenças cardíacas.
As descobertas se baseiam em uma pesquisa preliminar com 19
pessoas, mas os autores do estudo estão entusiasmados com o papel
do HDL na redução do mau colesterol. (Folha online - 09/04/2004)
O primeiro enunciado poderia direcionar o leitor para a seguinte conclusão: é
apenas um estudo preliminar que não representa uma grande descoberta, por causa do
número reduzido de participantes. No entanto, o segundo enunciado, introduzido pelo
mas, direciona à conclusão oposta, ao afirmar o entusiasmo dos pesquisadores em
relação ao papel do HDL (bom colesterol) na redução do LDL (mau colesterol). Trata-
se, portanto, de colocar o argumento mais forte no segundo enunciado. Parte dessa
interpretação é devida ao co-texto, pois, no início do primeiro parágrafo (exemplo do
item 3.1.1), comenta-se que a droga experimental eleva dramaticamente os níveis do
bom colesterol.
No próximo excerto de texto, pode-se verificar outro emprego do conector
mas
PA
também no sentido de contrapor-se ao enunciado anterior, conduzindo a uma
conclusão oposta. No texto em que foi extraído o fragmento, afirma-se que uma
substância considerada cancerígena foi detectada em vários alimentos comercializados
nos Estados Unidos, como em batatas fritas e aperitivos. Essa substância é encontrada,
especialmente, em alimentos à base de amido, fritos ou cozidos a altas temperaturas. A
surpresa da pesquisa foi encontrar essa substância também em azeitonas pretas, suco de
ameixa e em um tipo específico de bebida em pó. A partir da contextualização, leia-se
o fragmento:
Ainda não há estudos científicos sobre o efeito cancerígeno da
acrilamina nos seres humanos, mas está comprovado que altas doses
da substância podem causar infertilidade ou câncer nos animais.
(Folha online - 28/03/2004)
96
O leitor pode concluir que, se ainda não há estudos científicos nos seres
humanos a respeito da acrilamina, não deve haver alarme. Para derrubar essa idéia, o
locutor introduz o segundo enunciado com o conector mas
PA
, dizendo que está
comprovado que a acrilamina pode causar não só infertilidade mas também câncer no
animais. Assim, o leitor é exposto a uma nova direção argumentativa que pode levar a
outra conclusão: se a substância pode causar danos nos animais também pode causar
nos seres humanos; logo, deve-se evitar ou, pelo menos, diminuir os alimentos que
contêm essa substância.
Koch (1993, p. 107), seguindo a teoria de Ducrot (1987), esclarece que as
proposições representadas por p e q
35
apresentam orientações argumentativas oposta
em relação à conclusão. Contudo, a força de q é maior do que a força de p. Nesse
sentido, o não-dito transparece no uso do mas, recebendo um peso maior o enunciado
em que o marcador discursivo aparece, exatamente como ocorreu nos fragmentos de
textos de DC apresentados anteriormente.
Outro aspecto importante é o fato de mas como marcador discursivo
apresentar um caráter gradual, o qual pode ser de natureza discursiva ou pragmática. As
variações de sentido, segundo Santos (2003, p. 52), podem oscilar desde a “simples
desigualdade até a total negação do enunciado anterior, indicando algo contrário ao
esperado”. Esse fato vai depender do tipo de mas
SN
ou de mas
PA
, conforme propôs
Vogt. Assim, a identificação do papel desse articulador depende, em grande medida,
da interpretação das intenções argumentativas e, é claro, do contexto.
Oliveira (2001, p.86), parafraseando Vogt e Ducrot, esclarece que as
construções adversativas A mas B, A no entanto B e A porém B contêm três
35
P e q representam enunciados que apresentam diferentes direções argumentativas.
97
constituintes: dois explícitos e um implícito. O primeiro constituinte (A da fórmula), é
denominado concessão, o segundo constituinte (B da fórmula) restrição. O terceiro
constituinte corresponde a uma conseqüência negada da concessão (A da fórmula),
normalmente implícita. Vejamos o exemplo do autor:
Leonardo é brasileiro, mas prefere fórmula 1 a futebol.
(concessão) (restrição)
O terceiro constituinte (implícito) = conseqüência negada da concessão, neste
caso é: deveria preferir futebol a qualquer outro esporte. Entretanto, o segundo
enunciado orienta para a conclusão: é melhor convidá-lo para assistir a corrida. Em
outras palavras, a restrição é argumentativamente mais forte do que a concessão. Isso
significa que “A mas B” eqüivale a “A mas (o que importa é) B”. Segundo o autor, a
relação de concessão com sua conseqüência negada fundamenta-se no que Ducrot e
Ascombre denominam topoi
36
. Como a concessão é um argumento favorável à
conseqüência negada na restrição o conceito de topos ajuda a entender a relação entre
esses elementos.
Além da seqüência concessão + adversativa + restrição, há outra forma de
exprimir o par concessão/restrição por meio da conjunção concessiva, como no
exemplo:
36
Plural da palavra grega topos = “um princípio geral que serve de apoio ao raciocínio, mas que não se deve
confundir com esse raciocínio”. Esse princípio “é sempre apresentado como parte de um consenso”
Anscombre (1995). Ducrot utiliza o conceito de topos para explicar a relação entre tese e o argumento em
que ela se apóia. Para ilustrar esse conceito, veja-se os exemplos: “Vou comprar esse sapato. Ele custa
menos de R$ 40,00” e “Não vou comprar esse sapato. Ele custa menos de R$ 40,00”. Em ambos os
exemplos, o primeiro enunciado é a tese/conclusão e a segunda é um argumento orientado para essa
conclusão. Assim, os dois raciocínios estão apoiados em topoi diferentes. No primeiro exemplo o topos é
”quanto menos custa um produto, mais interessa comprá-lo. Provavelmente, o argumentador valoriza a
economia No segundo exemplo, o topos é “quanto menos custa um produto, menos interessa comprá-lo”.
Provavelmente, o argumentador valoriza a qualidade. Veja-se outro exemplo de Oliveira (2001, p. 87): Ele
bebe, mas é carinhoso. Nesse caso, a partir do primeiro enunciado pensa-se que se ele bebe seria de se
esperar que fosse grosseiro, assertiva que se apoia no topos quanto mais alguém bebe, menos carinhoso é.
98
Embora seja brasileiro, Leonardo prefere fórmula 1 a futebol.
O aspecto comum entre essas construções, de acordo com Oliveira (op. cit, p.
87), está no fato de que a asserção argumentativa mais forte é sempre a restrição que
direciona o interlocutor para a conclusão/tese a que o locutor/argumentador deseja
chegar. Ele concorda com a concessão, porém minimiza sua importância em proveito
da restrição. O autor destaca que a construção em que aparece a conjunção adversativa
introduz a restrição e a ordem do enunciados é fixa – concessão/restrição. Já na
estrutura que emprega a concessiva, a conjunção introduz a concessão e, por isso,
denomina-se concessiva. No entanto, existe a possibilidade de inversão das
proposições. Nesse caso há duas possibilidades: B, embora (apesar de) A e Embora
(apesar de) A, B.
Apesar de ambas as construções exprimirem a relação concessão/restrição,
essas estruturas não se equivalem discursivamente. Há sutis diferenças entre elas. O
emprego da conjunção concessiva como introdutora já anuncia que a segunda assertiva
apresentará orientação argumentativa inversa. Dito de outro modo, o emprego da
concessiva com anteposição da oração subordinada à principal é um modo de anunciar
a restrição. Assim, desde que ocorra o binômio concessão/restrição, a assertiva irá
sempre contra a expectativa gerada pela concessão. O que existe de especial na
fórmula Embora (apesar de) A, B é que essa construção explora a possibilidade do
sistema da língua de colocar a concessão no início da frase anunciando uma quebra de
expectativa, como descreveu Oliveira (op. cit, p 88). Para esse autor, o emprego da
concessão consiste em:
um recurso discursivo através do qual o argumentador concede razão a
uma tese contrária à dele, ou a um argumento a ela favorável, dando a
impressão de certa empatia para o ponto de vista da outra parte, para
em seguida invocar um argumento mais forte em favor da sua tese. Ou
99
seja, concorda, num aspecto de importância secundária, com um
opositor (real ou imaginário, presente ou ausente, que pode ou não ser
o leitor/ouvinte), para em seguida “tirar-lhe o tapete” sob os pés.
Ao refletir sobre a citação, percebe-se que o autor fala de um opositor que
pode ser real, imaginário, presente ou ausente, interlocutor ou não. Nesse caso, trata-se
da voz do outro, tal como ocorre nos enunciados com o marcador discursivo mas.
Igualmente, com os conectivos concessivos, percebe-se a natureza polifônica dos
enunciados em que se emprega a concessão. Leia-se o excerto:
Apesar de não haver dados sobre o diagnóstico para o déficit de
atenção nestas crianças, os pais apontaram problemas de atenção em
cerca de 10% delas. ( Folha online – 05/04/2004)
No fragmento extraído do texto de DC que aponta problemas de falta de
atenção em crianças que assistem à televisão durante muito tempo, o locutor considera
a perspectiva dos pesquisadores, introduzindo-a por meio do conector apesar de. No
entanto, esse fato torna-se minimizado ao introduzir o conteúdo do segundo enunciado
exposto pelos pais que é mais forte e leva o leitor a concordar. Assim, se os pais
apontam problemas, é motivo para ficarem alerta e controlarem o tempo das crianças
em frente à televisão. O enunciado é polifonicamente constituído pelos pontos de vista
dos pesquisadores e dos pais, sendo que o locutor tende a identificar-se com o último.
Na perspectiva de Koch (2003, p. 37), as estratégias empregadas no uso dos
operadores do grupo de mas e do grupo do embora são distintas. A autora afirma que,
de uma perspectiva semântica, ambos têm funcionamento semelhante, ou seja, opõem
argumentos colocados a partir de pontos de vista que orientam a conclusões contrárias.
A diferença entre eles diz respeito à estratégia argumentativa empregada pelo sujeito-
articulador, pois, ao utilizar o mas no segundo enunciado, ele emprega a “estratégia de
suspense”, fazendo com que o interlocutor conclua r. A seguir, o sujeito-articulador
introduz o segundo enunciado iniciado pelo conector, o que produzirá uma nova
100
direção argumentativa ao interlocutor, o qual poderá concluir por não-r. Dito de outro
modo, o receptor poderá ser levado à conclusão contrária.
No que se refere ao conector embora, a autora diz que o locutor utiliza a
estratégia de antecipação, ou seja, ele antecipa um argumento, explicitando que tal
argumento introduzido pelo conector não terá validade. O mesmo acontece com os
marcadores discursivos pertencentes ao seu grupo, como no caso do apesar de
verificado no exemplo acima.
Para Oliveira (2001), as concessivas poderiam ser agrupadas juntamente com
as adversativas, o que corrobora a concepção de Koch acima mencionada. Além disso,
para ele, as opositivas
37
poderiam também ser associadas com as duas categorias
anteriores, já que, em termos de valores semânticos, assemelham-se, motivo pelo qual
as três categorias estão associadas nesse mesmo grupo. Uma diferença importante
entre elas é que, tanto nas adversativas quanto nas concessivas, existe sempre um
terceiro constituinte, claro ou subentendido, o qual representa a conseqüência negada
da concessão. Nas construções com opositivas, esse terceiro elemento não existe, nem
explícita nem implicitamente.
Leia-se, a seguir, o fragmento do texto que trata do crescente número de casos
de câncer de mama em homens.
“Fiquei surpresa ao descobrir o aumento. Por outro lado
38
,
deveríamos saber, já que temos visto um grande aumento do câncer de
mama nas mulheres”, disse Giordano (Folha online – 19/07/2004)
37
Também denominados conectores de contraste por alguns teóricos, como Azeredo (1990), essa categoria
de conjunção não consta nas gramáticas tradicionais. Alguns exemplos são: ao contrário, ao passo que,
enquanto (proporcional para NGB), por/de um lado ... por/de outro, sendo que, nesses pares, pode-se omitir
o primeiro termo.
38
Esse marcador discursivo pode ser empregado também para dar progressão ao texto sem, contudo,
apresentar unicamente o caráter de oposição. Esse caráter fica como “pano de fundo”.
101
Acredita-se que o conector em destaque funcione como marcador de oposição
porque está pondo em contraste duas idéias diferentes: o fato de ficar-se surpreso por
descobrir o aumento do número de câncer de mama em homens, o que subentende não
se ter nem imaginado essa possibilidade e o fato de que se deveria saber (em função do
aumento da doença nas mulheres). É bem verdade que se trata de uma oposição mais
sutil se comparada às adversativas, que apresentam um argumento mais forte
introduzido pelo conector.
Embora não se esteja realizando uma análise estatística de ocorrências, é
interessante destacar que nos textos de DC há predominância de conectores mais
recorrentes na linguagem coloquial, aumentando a informalidade desse gênero se
comparado aos rigorosamente científicos. Isto porque, nos textos analisados, foram
encontradas 22 ocorrências de marcadores do grupo de oposição num total de 16
textos, havendo o predomínio do uso do marcador discursivo mas, totalizando 11
ocorrências. Quanto ao emprego dos marcadores entretanto e porém, verificou-se 3 e 4
ocorrências respectivamente. O conector de/por um lado.../por outro... foi verificado
em 3 textos e apesar de em apenas 1 texto.
3. 2. 2 Marcadores discursivos de adição
Esses marcadores representam soma ou adição de argumentos. Em outras
palavras, eles apontam para a mesma direção, favorecendo uma mesma conclusão. O
marcador mais empregado entre eles é o e, seguido de também, além disso, não
só...mas também e ainda.
102
Schiffrin (1988), ao analisar o emprego do e, destaca que ele desempenha
dois papéis: coordenar unidades e dar continuidade ao discurso. Observe-se nos
fragmentos dos textos de DC abaixo que a ocorrência mais empregada pelo divulgador
é a de adicionar elementos ou expressões, assim como acontece na maioria dos textos.
A FDA (Food and Drug Administration), órgão norte americano
responsável pelo controle de alimentos e medicamentos, aprovou um
novo teste de Aids que detecta a presença de anticorpos de HIV por
meio de uma raspagem oral em apenas 20 minutos. (Folha online -
26/03/2004)
A equipe da Universidade de Helsinque estudou os hábitos de
consumo de chocolate e o nível de estresse de 300 grávidas. (Folha
online – 07/04/2004)
Enquanto os efeitos da crilamina estão sendo estudados mais
profundamente, a FDA recomenda uma alimentação equilibrada, que
inclua muitas frutas e legumes. (Folha online- 26/03/2004)
Dos 16 textos de DC analisados, somente três deles não apresentaram
nenhuma ocorrência do conector e. Nos demais, a ocorrência variou entre 2 a 5 vezes
em cada texto analisado, confirmando resultados em pesquisas com esse conector em
outros tipos de textos. Observou-se também que a maioria das ocorrências foram entre
unidades ou expressões lexicais no sentido de somar idéias da mesma natureza. Outras
ocorrências surgiram com o sentido de dar continuidade ou progressão ao texto, e
poucas, somente duas ocorrências no mesmo texto, o marcador discursivo aparece com
o sentido de conseqüência, embora entenda-se que a idéia de continuidade ou
progressão ainda permaneça. Trata-se de um aspecto predominantemente textual, ao
passo que a conseqüência apresenta-se como um aspecto semântico, como podemos
perceber nos extratos abaixo:
A última e mais famosa (extinção) aconteceu a cerca de 63 milhões de
anos. Foi aparentemente provocada pela colisão de um asteróide com
a Terra e causou a morte dos dinossauros.(Folha online - 21/03/2004)
As causas das outras extinções são desconhecidas. A maior delas pôs
fim ao período Pérmico, há cerca de 250 milhões de anos, e dela só
103
sobreviveram 4% de todas as espécies existentes.(Folha online -
21/03/2004)
Em sua pesquisa com textos da literatura infantil e juvenil, Santos (2003)
verificou que o conector e foi encontrado em 48% do total dos exemplos analisados.
Um percentual bastante expressivo se comparado a outros conectivos, o que confirma
a idéia do uso do e com diferentes sentidos na produção textual, além de mostrar a
grande força de expressividade nas narrativas. Dessa forma, para a autora, assim como
para outros pesquisadores, o marcador em questão pode ser considerado um
arquiconectivo.
Vale lembrar que o conectivo e aparece com múltiplas funções, conforme
observou Koch e Santos, podendo ser capaz de causar efeitos de sentido variados e de
ligar segmentos de qualquer extensão. Esse marcador discursivo, quando se caracteriza
pela não dependência sintática entre os elementos por ele articulados, representa a
adição. No entanto, há outros valores possíveis, inclusive assemelhar-se ao conectivo
mas. Mesmo gramáticos tradicionais como Cunha e Cintra destacam que o marcador
em discussão adquire a função de contrajunção, aproximando-se do mas e relacionando
eventos em que se apresenta uma quebra de expectativas.
Santos (op. cit.) constatou que o marcador e ora colabora para a progressão
narrativa, caso em que existe a possibilidade de inverter a ordem dos enunciados, ora
predomina na seqüência temporal, o que impossibilita a inversão das informações
contidas nos segmentos discursivos devido a seqüência em que ocorrem os fatos
narrados (cf. exemplos analisados na página anterior). A autora destaca que o marcador
e também pode aparecer em algumas seqüências discursivas como um recurso de
ênfase, marcado pelo polissíndeto, estratégia característica do discurso bíblico e
poético, entre outros. Além disso, pode-se verificar que tal elemento em discussão pode
104
desempenhar a função de conseqüência, oposição, ênfase, causa/efeito
conclusão/finalização, etc.
Outro aspecto interessante é destacar que o funcionamento dos conectores de
adição nem sempre são passíveis de comutação sem alteração de sentido. Nesse
sentido, para Guimarães (1987, p. 129), o funcionamento do e exige condições
diferentes das que exige o funcionamento de não só...mas também. Segundo o autor, o
não só...mas também tem nas suas regularidades um lugar próprio para a perspectiva
do outro”, concluindo que a “significação dos recortes enunciativos com a expressão
não só...mas também é polifônica”.
No entanto, não foi registada nenhuma ocorrência do conector não só...mas
também nos textos do corpus. Fato um tanto curioso, já que os textos de DC
caracteriza-se pelo aspecto polifônico de suas enunciações.
Os enunciados com o conector e precisariam de outros elementos para
relacionar-se com a perspectiva do outro, uma vez que os enunciados com esse
conector não apresentam, necessariamente, uma dupla perspectiva. No decorrer do seu
trabalho, Guimarães (1987) sugere que a discussão em torno do conector e deveria ser
aprofundada, pois “pode até aparecer em enunciações que mobilizam polifonicamente
os enunciados”. Contudo, o teórico afirma não ser “este seu fim específico”. Além
disso, a polifonia deve estar associada a outros elementos da situação.
Nesse sentido, tomemos o seguinte fragmento do nosso corpus:
Pesquisadores analisaram o passado, a saúde e o histórico de
fertilidade de 31.683 mulheres ... (Folha online – 16/11/2003)
Façamos as devidas alterações para empregar o conector não só...mas
também.
105
Pesquisadores analisaram não só o passado e a saúde mas também o
histórico de fertilidade de 31.683 mulheres.
Verifica-se que a alteração é possível de ocorrer, e, nesse caso, poderíamos
dizer que esse enunciado é polifônico, segundo o pensamento de Guimarães. Para isso
teríamos que levar em consideração que o passado e a saúde das mulheres são fatores
que já haviam sido analisados em outras pesquisas e foram analisados juntamente com
o fator histórico da fertilidade. Assim, os dois primeiros fatores pertenceriam a uma
voz ou a mais vozes já enunciadas anteriormente e o terceiro estaria se associando a
eles, constituindo vozes de diferentes enunciadores. Esse fato nos leva a pensar
também em uma tênue idéia de seqüência temporal.
Dessa forma, podemos dizer também que o enunciado com o conector e é
polifônico. Entretanto, não podemos esquecer das palavras de Guimarães de que a
polifonia com o e depende de outros elementos da situação, como, por exemplo, saber
se realmente os dois primeiros fatores já foram analisados, o que acreditamos ser
possível.
3. 2. 3 Marcadores reformulativos
Esses marcadores introduzem uma idéia de esclarecimento ou reformulação
no sentido de retificar, esclarecer ou desenvolver um enunciado anterior, através de um
argumento mais forte. Os mais empregados são os seguintes: isto é, ou seja, em outras
palavras, a saber, ou melhor, na verdade, para ser mais exato, por exemplo, tal(is)
como, a saber, entre outros, sendo que alguns deles, em algumas gramáticas, são
considerados conjunções explicativas.
106
Entretanto, no entender de Oliveira (2001), não seria adequado tratá-los como
conjunções explicativas, já que estariam no mesmo grupo do porque e seus
assemelhados e o único ponto em comum entre as duas categorias é o fato de terem
como tema a enunciação de um fragmento anterior. Além disso, muitos desses
conectores apresentam uma classificação um tanto polêmica dentro do quadro das
conjunções ou nem pertencem a essa categoria.
Seguindo a reflexão metaenunciativa de Authier-Revuz (2004) e a perspectiva
semântica-discursiva de Oliveira (2001), empregaremos a expressão marcadores
reformulativos. Dentro desse grupo, foram analisados nos textos de DC apenas uma
ocorrência de isto é e outra de ou seja.
Ao falar ou escrever, o locutor administra a produção do texto, em outras
palavras, faz um percurso passo a passo na construção textual, de tal forma que, muitas
vezes, o locutor equivoca-se e retifica o que havia dito, outras vezes, acha que o
interlocutor poderá ficar em dúvida e ratifica o que foi dito anteriormente. Às vezes, o
locutor julga que o interlocutor poderá não entender e parafraseia fragmentos do texto a
fim de torná-lo mais claro. Ou ainda, pode considerar inexatas alguma das palavras
empregadas, reformulando-as com termos que ele pense ser menos confusos (Oliveira,
2001, p. 97). É para todos esses fins que existem os chamados marcadores
reformulativos, ou, como prefere Authier-Revuz, reformuladores.
Authier-Revuz (2004) faz um estudo bem detalhado e abrangente da
configuração enunciativa da reflexão metaenunciativa, teoria a partir das noções de
opacidade de Récanati e de conotação autonímica de Rey-Debove, as quais abrangem
os reformuladores. Contudo, o que nos interessa nesse estudo, particularmente, é a
questão que envolve os reformuladores isto é e ou seja, por serem os registrados no
nosso corpus.
107
A expressão isto é, apresentada na fórmula X, isto é, Y para Authier-Revuz
(op.cit, p. 108, 109) representa uma duplicação dos dizeres de tal forma que a “relação
entre os dois termos é explicitamente e sempre metaenunciativa”. Nesse sentido, o
reformulador “pode estabelecer-se em planos distintos: de argumentação, de
referência, de sinonímia, nos quais entram em jogo ou não a opacificação dos
elementos X e Y.” A título de exemplo, leia-se:
(1) Ele estava faminto, isto é, estava esfomeado.
(2) Ele estava faminto, isto é, que teve de parar.
No primeiro enunciado, tem-se uma relação de sinonímia entre dois modos de
dizer, uma dada em faminto e outra dada em esfomeado, pertencente à modalização
autonímica
39
, pois na equivalência entre os dois dizeres tem-se um “jogo subjacente
das relações semânticas” (Authier-Revuz, 2004, p. 110).
No segundo enunciado, estão postos dois fatos, em que o primeiro acarreta o
segundo, tratando-se, portanto, de uma relação causal de natureza argumentativa não
metalingüística e, conseqüentemente, não pertencente ao campo da modalização
autonímica. A grande diferença do primeiro para o segundo enunciado é que se tem,
respectivamente, relação entre as palavras e relação entre os fatos.
Authier-Revuz (op.cit., p.119-124) faz um levantamento de diversas relações
possíveis de interpretações quanto ao emprego do isto é, ressaltando o caráter não
nítido dos contornos da modalidade autonímica. Veja as diferentes relações:
a) propriedade não definicional de X, correspondendo a um julgamento do enunciador
do tipo X é Y;
b)
a relação X e Y corresponde a X consiste em Y;
c)
na relação X, isto é, Y existe uma relação de caráter explicativo;
108
d)
X em relação de implicação, suposição, conseqüência com Y;
e)
X e Y eqüivalendo a um a respeito disso, sobre isso. Nesse caso, diz-se que há um
vínculo extremamente fraco entre X e Y.
Vale lembrar que em alguns casos o termo ou seja é empregado como
sinônimo de isto é, conforme pode-se observar no exemplo abaixo:
Para Giordano, os tumores são facilmente perceptíveis no sexo
masculino. Porém, médicos e pacientes acabam acreditando que se
trata de um caso de ginecomastia, ou seja, crescimento benigno das
mamas. (Folha online - 19/07/2004)
Acredita-se que esse fragmento pertença à relação descrita em c, acima
especificado. O enunciado depois da expressão ou seja tem um caráter explicativo, por
meio do uso de um vocabulário não especializado, e, portanto, de melhor compreensão
para o termo científico ginecomastia. Também percebe-se a polifonia nesse enunciado,
uma vez que o locutor coloca, após o termo ou seja, uma explicação que pertence ao
discurso outro. Dito de outro modo, a expressão crescimento benigno das mamas é
empregada na linguagem de médicos para paciente, portanto, mais compreensível do
que ginecomastia utilizada entre médicos ou entre especialistas.
No exemplo a seguir, temos um exemplo da relação estabelecida em b, ou
melhor, da relação X e Y, que corresponde a X consiste em Y. Em outras palavras, o
dito do primeiro enunciado “o que se pensava há 20 anos” consiste no fato de
explicitar o pensamento “que os insetos eram muito mais resistentes por poderem se
deslocar”. Vejamos:
39
Segundo Authier-Revuz, (2004, p. 106), a expressão compreende “um modo de dizer pelo qual a
enunciação de um elemento X qualquer de uma cadeia é duplicado por – isto é, comporta – sua própria
representação, reflexiva portanto, e opacificante”.
109
É exatamente o inverso do que se pensava há 20 anos, isto é,
que os insetos eram muito mais resistentes por poderem se
deslocar. (Folha online – 21/03/2004)
Nesse fragmento, além de destacar-se a modalidade autonímica percebe-se
duas perspectivas distintas separadas pelo marcador isto é. Logo, a partir dos dois
pontos de vistas em tempos diferentes, organizados pelo locutor, têm-se uma
demonstração do aspecto polifônico do texto. Assim, pode-se concluir que também os
marcadores reformulativos apresentam-se como um índice de inserção polifônica.
No que diz respeito aos marcadores reformulativos, Oliveira (op. cit., p. 98-
99) propõe uma classificação em 5 subtipos:
a) empregado para o falante retificar radicalmente;
b) usado para ratificar o que se disse anteriormente;
c) utilizado a serviço da clareza;
d) empregado para retificar parcialmente;
e) empregado para exemplificar.
Acreditamos que a classificação proposta poderia conter somente 4 subtipos,
uma vez que as descrições contidas nas letras a e d diferem apenas em escalaridade.
Desse modo, poderiam ser reunidas em um só tipo.
Para Oliveira (2001), exemplificar também é uma forma de reformular. O
autor faz a distinção entre a expressão a saber, que deve ser empregada quando a
exemplificação abrange todo o conjunto a que se refere, e os demais conectores: por
exemplo, tal(is) como, como, que devem ser usados ao ser limitado a alguns elementos
dentro de um conjunto.
110
Cabe observar que o número de ocorrências de conectores empregados para
exemplificação não foi significativo nos textos de DC do corpus, ao contrário dos
resultados apontados por Leibruder (2000) e Colussi (2002). Ainda assim, vejamos um
exemplo do nosso corpus:
(...) as mulheres que rompem com um parceiro ou que estão
procurando um novo são mais suscetíveis a adotar comportamentos de
risco, como fumar, beber em excesso e comer incorretamente. (Folha
online – 16/11/2003)
3. 2. 4 Marcadores de explicação (ou de causa)
Os marcadores de explicação mais utilizados desse grupo são porque, já
que, pois, quando não funcionam como causais.
De acordo com Oliveira (2001, p.64), as conjunções explicativas aproximam-
se das causais, por demonstrarem uma semelhança semântica entre ambas. O fato de
ser explicativa ou causal depende da frase, do texto e da situação comunicativa. Assim,
Oliveira (op.cit, p. 70) destaca que “a afinidade semântica entre as duas categorias é
óbvia pelo simples fato de ter de empregar critério para diferenciá-las”. Isso mostra
que há um índice de parentesco semântico entre esses elementos.
A conjunção será explicativa se servir para justificar a enunciação do primeiro
enunciado. Desse modo, para Oliveira (op. cit., p. 71), uma justificativa é uma
seqüência de palavras (B) que se diz a respeito de outra seqüência de palavras (A).
Assim, em:
Choveu, porque o chão está molhado,
tem-se um caráter argumentativo, portanto, a conjunção é explicativa.
111
Essas mesmas conjunções podem funcionar como causais ao exprimir a causa
de um fato relatado no enunciado precedente. Desse modo, em:
O chão está molhado porque choveu,
a conjunção é causal porque está introduzindo a causa.
Veja-se agora o excerto de um texto de DC:
Ele afirma que os resultados levantam importantes questões
sanitárias, porque mais e mais mulheres na sociedade ocidental têm
filhos de pais diferentes. (Folha online – 14/11/2003)
Nesse caso, o fato de mulheres terem filhos de pais diferentes é apresentado
como a causa de questões sanitárias. A perspectiva do enunciado introduzido pelo
marcador discursivo porque pode ser atribuída ao senso comum, aos médicos ou às
autoridades sanitárias, enquanto o ponto de vista do primeiro enunciado é o do
pesquisador. Assim, pelo viés das diferentes vozes organizadas pelo locutor,
demonstra-se o caráter polifônico do texto.
Guimarães (1987, p. 106-107) ressalta que, mesmo que as enunciações com
os conetivos pois e já que pareçam sinônimas, existe uma grande diferença entre elas.
Para o autor, numa perspectiva enunciativa, o poisnão articula enunciações de
locutores diferentes
40
: a significação do recorte representa um locutor que apresenta
um argumento para um ato que ele próprio realiza”. Com o conetivo já que pode-se
articular enunciações de dois locutores, conferindo natureza polifônica ao enunciado.
Leia-se o fragmento do texto:
40
Guimarães coloca o seguinte exemplo: “Trabalhe, pois isto lhe será útil” considerando que “isto lhe será
útil” sustenta o ato de ordenar, de aconselhar e não o predicado trabalhar. O autor defende que essa hipótese
parece adequada para explicar porque o conectivo pois não articula enunciações de locutores diferentes e, na
seqüência, afirma que a explicação introduzida pelo pois apresenta um argumento para um ato que o próprio
locutor realiza.
112
Porém, como em ambos os sexos a doença está ligada ao estrogênio, a
obesidade pode ser um fator de risco, já que as células gordurosas
produzem este hormônio. (Folha online – 19/07/2004)
No enunciado acima, verifica-se que o conteúdo introduzido pelo conector
que pertence a uma perspectiva diferente do ponto de vista do enunciador da oração
precedente. O fato de que células gordurosas produzem o hormônio estrogênio já era
conhecido cientificamente antes da pesquisa em discussão, o que resulta em um
enunciado polifonicamente caracterizado por diferentes vozes de diferentes pesquisas.
3. 2. 5 Marcadores de atribuição
Nesse grupo inserem-se os seguintes marcadores: segundo um/o, de acordo
com, para o(s) autor(es)/fulano (nome próprio do pesquisador). Essas expressões são
registradas como marcadores discursivos, pois estabelecem a relação entre dois
enunciados discursivos ou entre os parágrafos do texto, constituindo o sentido textual.
Além disso, esses marcadores mostram que a responsabilidade do enunciado pertence
a um enunciador diferente do locutor
41
, apresentando a perspectiva do outro e, portanto,
atestando o fenômeno da polifonia, conforme os parágrafos retirados de um texto do
corpus:
(...) “Há numerosas razões para as crianças não verem televisão.
Existem estudos que até associam esse passatempo à obesidade e à
agressividade”, afirmou Dimitri Christakis, um dos autores do artigo
publicado na última edição da revista “Pediatrics”
(...)
41
Nesse caso, parece-nos que o emprego das expressões em questão assemelha-se tanto ao emprego do
discurso indireto quanto do direto. Vejamos o exemplo: De acordo com Christakis, o conteúdo dos
programas é pouco relevante, o que no discurso indireto seria: Christakis disse que o conteúdo dos
programas é pouco relevante. Já no discurso direto, teríamos: Christakis disse: - o conteúdo dos programas é
pouco relevante. Podemos, assim, concluir que muda a estrutura frasal, mantendo-se o propósito principal,
que é atribuir os dizeres ao ‘outro’ - o especialista.
113
Apesar de não haver dados sobre o diagnóstico para o déficit de
atenção nestas crianças, os pais apontaram problemas de atenção em
cerca de 10% delas(...)
De acordo com os depoimentos dos pais, as crianças apresentavam
dificuldade de concentração, comportamento impulsivo e ficavam
confusas facilmente.
Segundo o artigo, 37% das crianças passavam uma a duas horas por
dia em frente à televisão e 14% três a quatro horas por dia.
De acordo com Christakis, o conteúdo dos programas é pouco
relevante. O perigo vem das imagens excessivamente aceleradas, que
podem alterar o desenvolvimento normal do cérebro. (Folha online -
05/04/2004)
Conforme se pode observar nos parágrafos acima, a função dessas expressões,
além de demonstrar a voz de outra(s) pessoa(s), também é a de servir como elementos
coesivos entre os conteúdos dos enunciados, promovendo conseqüentemente a
coerência e a progressão textual, já que, ao empregar a expressão de acordo com o
depoimento dos pais, o locutor está remetendo ao parágrafo anterior onde consta a
informação.
Na expressão segundo o artigo, o locutor está também remetendo para uma
informação localizada em um parágrafo anterior, onde aparece o nome completo de um
dos autores do artigo e o nome da revista em que foi publicado o artigo-fonte. Mais
uma vez, pode-se perceber a dupla função da expressão.
E, finalmente, ao empregar a expressão de acordo com Christakis, o
divulgador está igualmente referindo-se a uma informação antecedente que diz ser
Christakis um dos autores do artigo publicado na revista Pediatrics .
Outro exemplo também bastante ilustrativo pode ser verificado nos parágrafos
de outro texto de DC, que revelam informações a respeito do aumento do câncer de
mama em homens. Leia-se:
114
(...) De acordo com artigo publicado na revista “Cancer” pela
pesquisadora Sharon Giordano, da Universidade do Texas, a doença
continua rara, representando apenas 0,6 % do total de câncer de
mama e menos de 1 % dos tumores malignos em homens.
(...)
De acordo com a especialista, os homens tinham uma média de
67 anos quando diagnosticavam a doença (...)
Para Giordano, os tumores são facilmente perceptíveis no sexo
masculino. Porém, médicos e pacientes (...)
Segundo a especialista, ainda, não se sabe exatamente o motivo
pelo qual a incidência de câncer de mama está crescendo entre
os homens. (...) (Folha online – 19/07/2004)
Os três marcadores discursivos em destaque estão remetendo para
informações contidas no parágrafo anterior, no qual é apresentado o nome da
pesquisadora, bem como a revista em que foi publicado o artigo e a universidade a que
pertence a especialista. Além disso, esses marcadores representam a voz do responsável
pela pesquisa juntamente com outra(s) voz(es), formando um mosaico de vozes numa
configuração polifônica.
Optou-se por considerar para como marcador discursivo desse grupo, pois
entende-se que ele pode ser substituído pelas expressões de acordo com Giordano ou
ainda segundo Giordano, também para mostrar que aqueles dizeres pertencem ao
outro.
Dessa forma, percebe-se uma rede de articulações lingüísticas por meio das
quais o texto de DC é reconstituído por um divulgador, a partir de um discurso de
cunho científico, transformando-o em um texto com uma linguagem mais acessível e
levando em consideração a voz do outro a fim de formar um conjunto de vozes que
constituem o sentido do texto.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do mestrado deparamo-nos com várias questões relativas à
linguagem (falada ou escrita), aos textos e aos discursos, entre as quais destacaram-
se aquelas referentes à característica dialógica da linguagem e aos enunciados
polifônicos. A partir dessas questões iniciais, foram surgindo inquietações, às quais
foram associados novos tópicos, resultando no percurso desta pesquisa.
Podemos dizer que nossas questões foram respondidas, mas não temos a
pretensão de que esse trabalho possa esclarecer todos os aspectos a respeito dos
tópicos abordados. Mesmo porque sabemos que a linguagem, com suas
peculiaridades, evolui por ser maleável e dinâmica. Além disso, na área dos estudos
lingüístico-discursivos, novas pesquisas estão sempre sendo desenvolvidas com o
intuito de aprofundar mais o conhecimento a respeito dessa enigmática faculdade
que caracteriza e diferencia o ser humano.
A presente pesquisa teve três momentos que merecem destaque nestas
considerações finais. Inicialmente, as reflexões teóricas acerca da relações
estabelecidas entre algumas das mais essenciais categorias que foram exploradas na
análise lingüística dos textos de DC: linguagem, texto e gênero textual.
Para atender a esse propósito, realizou-se uma pesquisa bibliográfica
enfatizando que os textos se configuram em gêneros textuais. Estes, além de serem
fenômenos históricos associados à vida cultural e social, são fruto de um trabalho
116
coletivo e contribuem para organizar as atividades linguageiras. Ainda nesse bloco,
enfatizou-se que os gêneros não são instrumentos estáticos, pelo contrário, são
passíveis de alterações em resposta às necessidades sócio-culturais. Prova disso, é o
surgimento de novos gêneros textuais que surgiram em virtude das inovações
tecnológicas da atual cultura eletrônica.
Num segundo momento, teorizou-se acerca de dialogismo e polifonia,
procurando mostrar que os textos de DC são essencialmente caracterizados pelo
estatuto dialógico, característica inerente à linguagem, e polifônicos, peculiaridade
que se opõe aos textos ditos monológicos. Assim, mostrou-se que os textos do
corpus apresentam pontos de vista de diferentes enunciadores e uma potencialidade
de mesclar diferentes recursos lingüísticos disponíveis na língua a fim de produzir
um texto polifônico com efeito de sentido claro e coerente, propiciando aos leitores
de vários segmentos sociais o contato com o universo da ciência por meio de uma
linguagem que lhe seja acessível ou, em outros termos, familiar.
Nesse sentido, no fio do discurso de um locutor que parece ser a única voz,
vão-se inscrevendo diferentes perspectivas de diferentes enunciadores, como se
fosse um quebra-cabeças, formando um conjunto de vozes que, juntas, configuram
um texto com alto índice de informações. Essa característica faz com que os textos
de DC afastem-se dos textos essencialmente científicos que são os textos-fonte, por
tratar-se de um texto voltado para o grande público leitor. Desse modo, o emprego
de certos recursos lingüísticos tem o propósito de aproximar-se do leitor, utilizando
uma linguagem menos técnica e menos formal. Tal emprego confere mais
subjetividade ao texto de DC
117
No terceiro momento do nosso percurso, procurou-se observar, nos textos
de DC selecionados, os elementos lingüísticos e sinais gráficos que proporcionaram
a comprovação dos aspectos enunciativos destacados na discussão teórica. Assim,
mostrou-se que os textos do corpus apresentam vários recursos de linguagem que
demonstram a inserção polifônica, tais como: discurso indireto, aspas, parênteses e
os marcadores discursivos que normalmente são vistos pela gramática normativa
apenas como conjunções, as quais tem como propósito classificar as orações em
coordenadas ou subordinadas, dependentes ou independentes.
Assim, nossa abordagem em relação a esses elementos é de ordem
discursiva-textual, considerando esses recursos não apenas como instrumentos de
análise sintática. Tais elementos, além de ligarem orações, associam também
parágrafos ou porções maiores de textos, além de serem responsáveis pela natureza
polifônica do texto de DC.
Vale lembrar que, além da classificação dos conectores de oposição,
adição e explicação ou de causa já conhecidos através dos estudos gramaticais,
acrescentamos como conectores duas novas categoria, a saber, os reformulativos e
os marcadores de atribuição. Os reformulativos são mencionados na teoria
metaenunciativa de Authier-Revuz (2004) e nos trabalhos de Oliveira (2001). No
que diz respeito aos marcadores de atribuição, no entanto, não temos conhecimento
de terem sido mencionados em outros trabalhos.
Desse modo, podemos ressaltar os marcadores de atribuição como ponto
de destaque da nossa pesquisa por apresentarem dupla função. Além de estarem a
serviço da polifonia, os marcadores de atribuição destacam-se como marcadores
118
discursivos responsáveis pela natureza coesiva dos textos, especialmente os de DC,
promovendo coerência e progressão textual.
Cumpre ressaltar que, além de analisarmos os aspectos lingüísticos do
corpus, defendemos que a propagação das descobertas científicas, por meio dos
textos de DC apresenta aspectos positivos, já que a sociedade só tem a ganhar ao
manter-se informada sobre as descobertas. Esse ganho diz respeito à aquisição de
uma cultura científica que desenvolve a capacidade intelectual dos leitores à medida
que estes se inserem no universo envolvente das investigações dos seres, do mundo
e da relação entre ambos. Além disso, a partir da assimilação das informações, os
leitores poderão viver melhor, pois estarão informados acerca das conseqüências
positivas ou negativas de seus atos.
Outro aspecto que não pode deixar de ser destacado, embora não seja essa
a ênfase do nosso trabalho, é o uso do texto de DC em sala de aula, o qual pode ser
utilizado tanto no ensino de língua materna quanto estrangeira. Desse modo, o
professor estará trabalhando de acordo com a proposta dos PCNs de entrar em
contato com diversos gêneros, os quais promovem o desenvolvimento das
habilidades lingüísticas, além de propiciar aos alunos uma leitura de textos
interessantes que apresentam, além dos aspectos gramaticais a serem explorados,
informações científicas importantes, indicadoras de como proceder diante de tantas
complexidades envolvendo o ser humano e o meio que o circunda, possibilitando-
lhe assim uma melhor qualidade de vida.
A partir do exposto, podemos afirmar que este estudo mostra o percurso
das investigações produzidas e registradas ao longo do mestrado, mas não de uma
maneira totalmente conclusiva, pois muito tem-se a pesquisar acerca dos tópicos
119
discutidos, especialmente a respeito da polifonia em relação aos marcadores
discursivos, ficando assim a sugestão para o desenvolvimento de futuras pesquisas
acerca dessa temática. No entanto, se este trabalho apresenta algo novo ou se presta
algum esclarecimento, já podemos dizer que valeu a pena, pois atingimos nosso
propósito.
120
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124
ANEXOS
125
Anexo A
126
Anexo B
127
Anexo C
128
Anexo D
129
Anexo E
130
Anexo F
131
Anexo G
132
Anexo H
133
Anexo I
134
Anexo J
135
Anexo K
136
Anexo L
137
Anexo M
138
Anexo N
139
Anexo O
140
Anexo P
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