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UFRGS – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS - MESTRADO
ÁREA: AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
A COMPREENSÃO DE DIRETIVOS POR CRIANÇAS
CIBELE BORTOLI BOHN
ORIENTADORA: PROFª Drª LUCIENE JULIANO SIMÕES
Porto Alegre, RS
Março de 2005.
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Ao meu filho, Pedro Henrique, pela sua inocência,
sabedoria e alegria de criança.
Ao meu esposo, Ilvio, pelo seu apoio e paciência por
encarar com serenidade tantos momentos em que estive
ausente.
Aos meus pais, José Antônio e Therezinha, por
serem o meu porto seguro nos momentos de dificuldades e
de incertezas.
Ao meu irmão, Diego, cujo empenho e dedicação ao
seu trabalho muito me estimula a respeitar as diferenças.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à Prof. Dra. Luciene Juliano Simões pela extrema dedicação, paciência
incansável e constante orientação a mim dedicadas.
À minha colega de pós-graduação, Ms. Elaine Capellari, por tantas discussões que
ajudaram a clarear nossa área de pesquisa comum, AL.
À Prof. Maria da Graça Azevedo Bortoli, minha madrinha, pela revisão extremamente
cuidadosa deste trabalho.
Às escolas, nas quais efetuei minha coleta de dados, sem elas não realizaria o
trabalho.
Às crianças que, sujeitos desta pesquisa, participaram do experimento com
curiosidade e alegria.
Agradeço a Deus, por sempre me acompanhar e iluminar de forma tão clara,
principalmente nos momentos em que os percalços se sobrepunham à minha dedicação a
este trabalho.
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RESUMO
Este estudo discute a compreensão de diretivos por crianças em dois grupos
etários e em dois tipos de situações. Nosso objetivo era, em primeiro lugar, saber se
as crianças interpretam pedidos indiretos baseadas no contexto situacional; em
segundo lugar, verificar se há um incremento na compreensão contextual de
diretivos com a idade; e, por fim, verificar qual é o efeito da forma lingüística na
compreensão contextual de diretivos indiretos.
Dessa forma, nos propusemos verificar como as crianças interpretam os
pedidos em diferentes contextos apresentados em duas situações de coleta:
narrativa e naturalística. Quando as crianças interpretam narrativas, encontram-se
em um papel indireto, estas não estão em uma situação concreta de interação em
que são envolvidas como falante e ouvinte, mas estão no papel de um participante,
ou seja, estas não são os personagens das histórias, mas precisam assumi-los,
como se fossem, para interpretar um pedido.
Nossos resultados apontam para uma interpretação significativa baseada no
contexto situacional. A diferença de percentuais encontrada na interpretação dos
grupos etários comprova que há um incremento na interpretação de diretivos
indiretos, assim como, a forma lingüística interrogativa é de mais fácil interpretação
pelas crianças.
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ABSTRACT
This research discusses the understanding of directives by children of two
different age groups and in two kind of situation. Our objective was, first, to find out
whether children interpret indirect demands based on the situational context; and
secondly, to verify if there is an increase in the contextual comprehension with age;
and finally, to verify the effect of the linguistic form in the contextual comprehension
of indirect directives.
Having this in mind we decided to verify how children interpret demands in
different contexts presented in two situations: narrative and naturalistic. When
children interpret a narrative, they find themselves in an indirect role; they are not in a
concrete situation of interaction in which they are involved as listener and speaker,
but they play the role of a participant which means that they are not the characters of
the stories, but they must assume them as if they were the characters to interpret a
demand.
Our results point to a significative interpretation based on the situational
context. The difference in percentage found in the interpretation of different age
groups proves that there is an increase in the indirect directives and that the
interrogative linguistic form is easier to be interpreted by children.
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LISTA DE QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS
Quadro 01 - Pares de Sentenças do Instrumento de Carrell (1980)......................... 93
Quadro 02 - Distribuição dos Sujeitos por Sexo e Idade – Grupo 1 (4 e 5 anos).........115
Quadro 03 - Distribuição dos Sujeitos por Sexo e Idade – Grupo 2 (6 e 7 anos).........116
Gráfico 01 - Forma de Resposta e Grupos ..................................................................135
Gráfico 02 - Grupos e Situações Narrativas..................................................................136
Gráfico 03 - Forma de Resposta e Situações Narrativas.............................................136
Gráfico 04 - Forma de Resposta Situação Narrativa e Grupos ....................................137
Gráfico 05 - Forma de Resposta e Grupos ...................................................................138
Gráfico 06 - Forma de Resposta e Situações Narrativas de Ajuda ..............................138
Gráfico 07 - Forma de Resposta e Situações Narrativas de Proibição.........................139
Gráfico 08 - Forma de Resposta e Situações Naturalísticas ........................................140
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 08
2 A TEORIA DOS ATOS DE FALA E A CARACTERIZAÇÃO DOS PEDIDOS.... 11
2.1 Atos de Fala – Uma Visão Geral................................................................. 11
2.1.1 Pedidos Diretos e Indiretos: a visão de Searle...................................... 26
2.1.2 Uso da Linguagem e co-construção de Pedidos................................... 32
2.2 Compreensão e Interpretação de Atos de Fala......................................... 41
3 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM........................................................................... 59
3.1 Aquisição dos Pedidos Diretos e Indiretos: Produção............................ 70
3.2 Aquisição dos Pedidos Diretos e Indiretos: Compreensão .................... 88
3.3 A pesquisa de Ervin-Tripp e colegas.......................................................102
4 METODOLOGIA ...............................................................................................114
4 .1 Sujeitos......................................................................................................114
4.2 Instrumentos..............................................................................................117
4.2.1 Situações Narrativas ...........................................................................118
4.2.2 Situações Naturais ..............................................................................127
4.3 Procedimento ............................................................................................129
4.4 Variáveis Explicativas...............................................................................131
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................................132
5.1 Análise de Dados.......................................................................................132
5.2 Resultados na Situação Narrativa............................................................135
6 CONCLUSÃO...................................................................................................143
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................145
ANEXOS.............................................................................................................148
8
1 INTRODUÇÃO
Os pesquisadores da aquisição da linguagem tiveram como preocupação
inicial observar como a criança adquire sua língua e a partir de que momento esta
demonstra compreender os enunciados dirigidos a ela. Ao investigar os dois
processos, processos esses importantes principalmente do ponto de vista cognitivo,
pois através deles a criança demonstra seus desejos e toma decisões, os
pesquisadores supunham que o processo de compreensão da linguagem ocorresse
antes do processo de produção da linguagem.
Mais tarde, alguns autores (DE VILLIERS e DE VILLIERS, 1978, ERVIN-
TRIPP 1976) fundamentados em pesquisas experimentais, contestaram essa idéia
postulando que, no primeiro estágio de aquisição da linguagem, a compreensão é
não-lingüística. No estágio inicial da aquisição da linguagem, a criança ainda
depende muito do contato através do olhar, das indicações gestuais e, de forma
crucial, do contexto familiar, ou seja, para compreender um enunciado, precisa estar
apoiada em pistas lingüísticas, situacionais e contextuais.
Por essa perspectiva, investigamos, neste trabalho, a compreensão de atos
de fala diretivos, em especial os pedidos por crianças em dois grupos etários, quatro
e cinco, seis e sete anos de idade. Escolhemos pesquisar os pedidos, pois,
conforme Ervin-Tripp (1976), estes são freqüentes em todas as idades e em
diferentes situações comunicativas, e facilmente levam o ouvinte a interpretar a ação
enunciada pelo falante.
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Nosso estudo leva em conta a interdependência entre linguagem e variáveis
situacionais. As situações sociais são eventos cotidianos constituintes e constituídos
através da linguagem. Neste tipo de contexto, procuramos observar como a criança
interpreta situações narrativas e situações naturalísticas, quando ela precisa colocar-
se no papel do personagem apresentado em histórias narrativas de ajuda e de
proibição para interpretar a ação.
As crianças demonstram interpretar pedidos em situações de fala
espontâneas em que o falante lhes dirige um enunciado desejando que
desempenhem uma ação, ou seja, numa interação conversacional em que estão
envolvidos somente o falante e o ouvinte, as crianças interpretam os pedidos.
A partir desta constatação, o que gostaríamos de descobrir é como as
crianças interpretam situações narrativas em que o processo de interlocução
acontece entre os personagens das histórias, isto é, o papel das crianças, nessas
situações, é interpretar um enunciado não dirigido diretamente a elas, mas a um
personagem, cujo papel as crianças deveriam assumir para interpretar a ação.
Assim, nossas crianças precisavam interpretar a ação, não dirigida a elas no papel
de ouvinte, mas dirigida a um personagem na história, cujo papel as crianças
deveriam assumir indiretamente na posição de participantes.
Com base nessa reformulação postulada por Clark (1992), sobre os diretivos,
nossos objetivos de pesquisa são os seguintes:
Saber se as crianças interpretam pedidos indiretos baseadas no contexto
situacional; verificar se há um incremento na compreensão contextual de diretivos
indiretos com a idade; e, finalmente, verificar qual é o efeito da forma lingüística na
compreensão contextual de diretivos indiretos.
A partir dos objetivos, organizamos este trabalho em cinco capítulos. Após a
introdução, o capítulo dois explica, nas duas primeiras seções, a teoria de atos de
fala a partir da teorização base de Austin (1962), e Searle (1981), em que este último
discute a proposta original, colocando algumas distinções que, na visão do autor,
são acréscimos necessários à teoria de Austin. As duas últimas seções estão assim
10
divididas: uma aborda o uso da linguagem e a co-construção de pedidos sob o ponto
de vista de pesquisadores, tais como, Goodwin (1980), Ervin-Tripp (1976) e
Schegloff (1984); a outra seção analisa o processo de compreensão e interpretação
de atos de fala em situações concretas de interação.
O capítulo três trata da aquisição de atos de fala enfatizando seus aspectos
pragmáticos sob o domínio de alguns autores, como Dore (1976), Garvey (1975),
Bates (1976), entre outros. A segunda seção do capítulo esclarece o processo de
produção de diretivos, e a terceira explica o processo de compreensão de pedidos
por crianças, nosso tema central. Finalmente, na última seção, apresentamos a
pesquisa de Ervin-Tripp et al. (1987), trabalho por nós parcialmente replicado.
No capítulo quatro, discutimos nossa pesquisa do ponto de vista
metodológico, apresentando os grupos etários dos sujeitos, os instrumentos de
pesquisa, o procedimento efetuado, os tipos de situações narrativas, subdivididas
em situação narrativa de ajuda e situação narrativa de proibição. Em cada situação
narrativa, havia duas subcondições denominadas situação ‘pergunta’ e situação
‘comentário’, a fim de verificarmos qual o efeito da forma lingüística na compreensão
dos pedidos. A seguir, as situações naturalísticas e as variáveis explicativas são
analisadas. No capítulo cinco, a análise dos resultados encerra os capítulos.
Seguindo a conclusão, estão as referências bibliográficas e os anexos.
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2 A TEORIA DOS ATOS DE FALA E A CARACTERIZAÇÃO DOS
PEDIDOS
2.1 Atos de Fala – uma visão geral
Nesta seção, abordaremos a teoria dos atos de fala introduzida por Austin
com How to do thinks with words (1962), e posteriormente revista por Searle (1981)
com Os Atos de Fala. Nossa abordagem será a de trazer os conceitos centrais das
teorias no que toca à definição de ato de fala e sua classificação, concentrando a
atenção nos atos classificados por Searle como pedidos.
O ponto central da concepção de Austin, e sua principal contribuição à
filosofia da linguagem, é que a linguagem deve ser tratada essencialmente como
forma de ação e não como mera representação da realidade. Desta forma, o
significado de uma sentença não pode ser estabelecido através da análise de seus
elementos constituintes, nem da contribuição do sentido e da referência das partes
com o todo da sentença, já que são as condições de uso da sentença que
determinam seu significado. Por esse prisma, fatores como elementos de contexto,
convenções de uso e intenção dos falantes são preponderantes e estão altamente
envolvidos no processo conjunto de construção de sentido.
A concepção austiniana contrapõe-se à dos filósofos que partiram
inicialmente de uma preocupação com o significado de determinados termos e
expressões lingüísticas e passaram a investigar como a linguagem tem significados,
sem levar em consideração a questão da responsabilidade que decorre de uma
ação. Por esse ângulo, tanto do ponto de vista da análise da linguagem ordinária,
12
quanto do ponto de vista de uma teoria sobre a linguagem, a visão de Austin é
sempre orientada pela consideração da linguagem a partir de seu uso, ou seja, da
linguagem como forma de ação.
A partir dessa perspectiva teórica, uma das principais conseqüências da nova
concepção de linguagem consiste no fato de a análise da sentença dar lugar à
análise do ato de fala, do uso da linguagem em determinado contexto, com uma
determinada finalidade e de acordo com certas normas e convenções. Agora não é
mais a estrutura da sentença a ser objetada; o foco de análise passa a ser as
condições sob as quais o uso de determinadas expressões lingüísticas produzem
certos efeitos e conseqüências em uma dada situação.
Austin (1990), num primeiro momento das conferências reunidas sob o título
de Quando dizer é fazer, afirma que usamos as palavras para realizar os seguintes
atos: a) constatar fatos, enunciar estados de coisas, relatar ocorrências, descrever
objetos, expor opiniões; b) realizar atos que só podem ser realizados pelo
proferimento de certas palavras como, por exemplo, prometer, aceitar, batizar, jurar,
legar, apostar etc... Com isso, o autor estabelece a dicotomia constativo-
performativo, pretendendo demonstrar que a língua comporta vários papéis
convencionais relativos aos atos do discurso reconhecidos socialmente.
Assim, definindo proferimento como a emissão concreta e particular de uma
sentença em um momento determinado, por um determinado falante, Austin
classifica em duas classes os proferimentos: a dos constativos e a dos
performativos, sendo a expressão constativo referente ao enunciado que
simplesmente descreve um acontecimento. O autor o apresenta como, por exemplo,
uma declaração. Ser verdadeiro ou falso é uma característica essencial desse
enunciado, que é usado para falar sobre as coisas.
Já o enunciado performativo, do inglês to perform, é caracterizado como um
enunciado lingüístico, indicando que, ao se emitir o proferimento, está se realizando
uma ação. Para exemplificar, citamos Aposto que é mentira, que é usado não só
para descrever um estado de coisas no mundo, mas para fazer algo. Assim como,
Prometo voltar logo é, em determinado contexto, a realização do ato de prometer.
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Portanto, esses enunciados, considerados por Austin especiais, não são
considerados meros equivalentes a dizer algo, mas constituem um fato.
Austin (1990, p. 27) postula que “uma ação pode ser realizada sem a
utilização do proferimento performativo, mas as circunstâncias, incluindo outras
ações, sempre têm que ser apropriadas”. Segundo o autor, os enunciados
performativos servem para estabelecer uma forma de interação do locutor com seu
interlocutor por meio da invocação de uma norma ou convenção social. Os
performativos são atos lingüísticos no sentido de um ato que tem efeito
convencional, isto é, são definidos por normas, mas, como foi dito anteriormente, as
circunstâncias sempre têm que ser apropriadas para que estabeleçam as condições
em que dizer é fazer.
Na segunda fase de sua análise, Austin abandona a dicotomia constativo-
performativo em favor do conceito de ato ilocucionário, com base no argumento de
que a divisão dos enunciados naquelas categorias acaba sendo uma classificação
artificial. A partir daí, Austin (1990) propõe a distinção de três atos que se podem
realizar num enunciado. Ao efetuarmos um ato de fala, distinguimos neste ato três
níveis que correspondem a três tipos de ação:
1) Ato locucionário: consiste no ato de dizer certas palavras pertencentes a
uma determinada língua, dotadas de um significado convencional. De acordo com o
teórico, o ato locucionário forma-se de três subatos: o fonético, o fático e o rético.
Para realizar um ato locucionário, é preciso primeiro articular certa seqüência
sonora, isto é, o ato fonético, que consiste na emissão de certos ruídos. O ato fático
consiste no proferimento de certos vocábulos pertencentes a um determinado
vocabulário, segundo as regras de uma determinada gramática. Exemplificando, “Ele
disse: - ‘O gato está sobre o tapete’”, relata um ato fático. No ato rético, o locutor
emprega o ato fático atribuindo-lhe sentido e referência, reconhecendo o significado
do enunciado, como exemplo, temos: “Ele disse que o gato estava sobre o tapete”,
portanto, teremos um ato locucionário se tivermos um ato rético. Para que o locutor
cumpra o ato rético, é preciso conhecer o significado da sentença e enunciá-la.
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2) Ato ilocucionário: é o ato que cumprimos dizendo alguma coisa acerca do
mundo ou para nele intervir de alguma forma. Implica um fazer, desejando informar,
avisar, aconselhar, pedir, prometer, etc. Isto quer dizer que a enunciação da frase
constitui em si própria um certo ato. Segundo Austin, o ato ilocucionário só se realiza
por intermédio da existência de uma espécie de cerimonial social, uma vez que se
inscrevem no enunciado certas marcas convencionalizadas, isto é, o enunciado tem
uma certa força (convencional). Neste ato lingüístico, é possível inferir outras
informações, pois ele se pauta em certas convenções.
Para Austin (1990), realizar um ato locucionário é, em geral, realizar um ato
ilocucionário. Os atos ilocucionários consistem, de modo efetivo, em pronunciar
palavras no interior de frases, em determinadas situações, sob certas condições e
com certas intenções. Para determinar que este ato ilocucionário é realizado, é
preciso determinar de que maneira usamos a locução. O teórico destaca estas
diferentes formas que incluem tanto os constativos quanto os performativos da
primeira classificação: perguntando ou respondendo a uma pergunta; dando alguma
informação, garantia ou advertência; anunciando um veredito ou uma intenção;
pronunciando uma sentença; marcando um compromisso; fazendo um apelo;
fazendo uma identificação ou uma descrição.
O filósofo ressalta que a ocasião de um enunciado é muito importante e que
as palavras empregadas têm de ser explicadas em função do contexto em que foram
faladas numa troca lingüística. Para ele, o ato ilocucionário é um ato convencional,
ou seja, o ato ilocucionário e, até mesmo, o ato locucionário podem estar ligados a
convenções.
3) Ato perlocucionário: é o ato que diz respeito aos efeitos que atingem o
ouvinte: convencer, persuadir, lisonjear, assustar, edificar, enganar. Dito isso, temos
que o ato perlocucionário não é convencional, não é um ato lingüístico, mas a
conseqüência de um ato.
Levinson (1983), ao resumir a teoria de Austin, esclarece que o ato
ilocucionário é o seu centro de interesse. E também nosso objeto de estudo neste
trabalho, ao observarmos os pedidos compreendidos por crianças pequenas.
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Austin (1990) expõe ainda que o ato ilocucionário é aquele realizado
diretamente pela força convencional associada à emissão de certo tipo de enunciado
convencional. Já o ato perlocucionário é específico às circunstâncias da emissão;
não é realizado de forma convencional, apenas pela enunciação de um ato em
particular, incluindo todos os efeitos, pretendidos ou não.
Por isso, aceitamos a idéia de que Austin apresenta um novo paradigma
teórico que vê a linguagem como ação, como forma de atuação sobre o real, que é
fundante e amplia os estudos para muitas discussões posteriores. Entretanto, neste
trabalho, partimos do suposto adicional de que a investigação de interações
vinculada às ações humanas, sociais, e na relação do homem com o homem, deva
ser passo crucial no avanço de nosso entendimento da linguagem a partir de tal
ponto de vista.
Austin estabelece cinco classes gerais de verbos em função de sua força
ilocucionária, dando-lhes as seguintes denominações: 1) vereditivos; 2) exercitivos;
3) comissivos; 4) comportamentais; 5) expositivos. Caracterizaremos cada um deles
a seguir:
Os primeiros enunciados, vereditivos, caracterizam-se por dar um veredito,
por exemplo, por um corpo de jurados, por um árbitro. Caracterizam-se pelo
estabelecimento de algo, fato ou valor. Como exemplos de verbos vereditivos,
citamos: absolvo, condeno, determino, analiso, avalio entre outros.
Os segundos, exercitivos, consistem no exercício de poderes, direitos ou
influências. Nestes enunciados, o locutor toma uma decisão a favor de uma
determinada ação, ou contra ela. Ele procura decidir que algo tem de ser de
determinada maneira. Trata-se de sancionar, de proclamar algo. Árbitros e juízes
empregam exercitivos assim como emitem vereditivos. Alguns exemplos de verbos
exercitivos são: demito, insisto em, nomeio, advirto, proclamo, anulo, suspendo,
revogo, ordeno e outros.
Os terceiros, comissivos, consistem em prometer ou, de alguma forma,
assumir algo, mas incluem também declarações ou anúncios de intenção que nem
16
sempre constituem promessas. O falante (F) compromete-se a fazer algo
1
. A
questão central dos comissivos é que compromete quem o usa a uma determinada
linha de ação. Exemplos de verbos comissivos: prometo, compactuo, estou decidido
a, me oponho a, tenho intenção de, garanto, pretendo, asseguro que, juro, entre
outros.
Em quarto lugar, os enunciados comportamentais, que incluem a idéia de
reação diante da conduta e da sorte dos demais, e de atitudes e expressões de
atitudes diante da conduta de uma determinada pessoa. Há evidentes conexões
entre declarar e descrever quais são os sentimentos das pessoas. Exemplos de
enunciados e verbos usados para expressar esses sentimentos: peço desculpas,
agradeço, cumprimento-o, abençôo, me congratulo, felicito, não me importo, seja
bem vindo, boa sorte, duvido que, protesto, desafio-o a.
Os últimos são os do tipo expositivos, usados nos atos de exposição.
Consistem em expressar opiniões, conduzir debates e esclarecer usos e referências.
Como exemplo de verbos, citamos: afirmo, nego, declaro, informo, menciono,
exemplifico, respondo, pergunto, relato, aceito, concedo, concordo entre outros.
Em síntese, podemos dizer que o vereditivo é um exercício de julgamento;
que o exercitivo é uma afirmação de influência ou exercício de poder; o comissivo é
assumir algo ou declarar uma intenção; o comportamental inclui a atitude do sujeito;
e o expositivo visa ao esclarecimento de razões, argumentos e comunicações.
Searle procurou sistematizar o trabalho de Austin em sua obra Os atos de fala
– um ensaio de filosofia da linguagem (1981), estabelecendo alguns critérios para
clarear certos problemas referentes, basicamente, à falta de um princípio consistente
para a classificação dos verbos ilocucionários e dos tipos de atos ilocucionários na
obra de Austin.
Segundo Searle (1981), falar uma língua é executar atos de fala, atos como
fazer afirmações, dar ordens, fazer perguntas e promessas etc. Esses atos, segundo
o autor, são mais concretos. Os atos classificados em um segundo tipo como, por
1
Doravante, entenda-se por F o falante, por O o ouvinte e por A a ação.
17
exemplo, referir e predicar são executados num domínio mais abstrato, pois, em
geral, só são possíveis graças a determinadas regras para o uso lingüístico, e é
apenas de acordo com elas que eles podem se realizar. Ele defende que toda
comunicação lingüística envolve atos lingüísticos. Mais precisamente, o autor
argumenta que a produção ou emissão de uma ocorrência de frase sob certas
condições é um ato de fala, e os atos de fala (de certos tipos) são a unidade básica
ou mínima da comunicação lingüística.
O teórico vê como pontos fundamentais na teoria dos atos de fala de Austin
que: a) os atos de fala constituem unidades fundamentais da comunicação verbal;
b) a fala realiza-se mediante manifestação dos atos de fala; c) os atos de fala podem
ser classificados em categorias correspondentes às formas de interação social
(ordens, promessas, perguntas); d) os atos de fala obedecem a certas regras
convencionais e constituem formas de comportamento, como já foi dito
anteriormente.
Para Searle, os atos ilocucionários têm como principal característica influir na
relação entre pessoas ao serem utilizados. Os enunciados são empregados para
conduzir a certos efeitos que atuam sobre o papel dos interlocutores e, também,
tentar modificar aspectos da vida social. Apresentaremos a seguir a classificação de
atos de fala proposta por Searle (2002), em que ele toma como base o propósito
ilocucionário e suas conseqüências, a direção do ajuste e as condições de
sinceridade expressas.
1) Ato ilocucionário assertivo: aquele que compromete o falante com a
verdade da proposição expressa declarando, reclamando, sugerindo. O falante
procura uma postura de maior ou menor certeza de um conteúdo e tenta convencer
o ouvinte a adotar a mesma atitude. Todos os membros da classe assertiva são
avaliáveis na dimensão de avaliação que inclui o verdadeiro e o falso. Ele é
expresso: a) pelos verbos representativos: asseguro, admito, duvido; b) pelas
expressões de crenças: acho possível que, considero certo; c) pelas afirmações ou
negações: não há nenhum mistério; d) pelas expressões que indicam atitudes de
certeza ou dúvida: claro, é óbvio.
18
2) Ato ilocucionário diretivo: aquele em que o falante tenta fazer com que o
ouvinte realize uma ação ao ordenar, mandar, proibir, aconselhar, avisar, pedir. O
falante espera que a ação seja feita. Searle diz que são tentativas, em graus
variáveis, de F de levar O a agir. Podem ser, às vezes, tentativas muito tímidas,
como quando o convida a fazer algo, ou tentativas muito veementes, como quando F
insiste em que O faça algo. O conteúdo proposicional é sempre que O faça alguma
ação futura A. Os verbos dessa classe são: pedir, convidar, ordenar, mandar,
suplicar, pleitear, permitir etc.
3) Ato ilocucionário comissivo: aquele que compromete o falante com a
realização de uma ação futura, como ameaçar, oferecer, prometer, propor. Ele pode
se realizar: a) pelo uso do próprio verbo comissivo prometer e por outros verbos: eu
me proponho, pretendo, tenciono; b) pelo emprego do futuro do presente do
indicativo ou do presente do indicativo dando idéia de futuro: buscarei..., levo aí mais
tarde...; c) pelas sentenças indicando possibilidade, condição, conseqüência: se ele
vier, iremos ao teatro.
4) Ato ilocucionário expressivo: aquele que expressa a atitude psicológica do
falante em relação a um determinado estado de coisas como agradecer, perdoar,
culpar, congratular, cumprimentar. Ele pode ser expresso: a) pelo emprego dos
verbos expressivos: desculpar, agradecer, cumprimentar e b) pelo uso das
expressões de opinião: que absurdo...
5) Ato ilocucionário declarativo: aquele que acarreta mudanças no estado de
coisas e que tende a apoiar-se em instituições extralingüísticas. Ele é apresentado
por alguém autorizado pela conjuntura institucional, como o juiz ao sentenciar: Eu os
declaro culpados. Neste caso, o locutor apresenta um conteúdo de natureza social
que, a partir de então, entra em vigor.
Searle mostra que o reconhecimento da intenção do falante pelo interlocutor
só pode ter lugar através do reconhecimento das regras que estabelecem
convencionalmente o significado do enunciado empregado pelo F. Essas regras não
se referem apenas às condições sintáticas e semânticas do idioma falado pelo F,
mas também determinam as condições em que um enunciado tem valor de uma
19
advertência, de um aviso ou de um pedido. A língua possui um conjunto de
convenções formando o sistema de regras que define cada tipo de ato. Essas regras
estipulam as condições de felicidade de um ato de fala.
A distinção entre a força ilocucionária de um enunciado e seu conteúdo
proposicional, apresentada por Searle (2002), é simbolizada da seguinte forma: F(p).
Toda a taxionomia proposta estabelece critérios para distinguir um tipo de ato
ilocucionário do outro. Quais são os critérios que nos permitem dizer que, em três
emissões, uma é um relato, outra é uma predição e outra é uma promessa? A partir
desta pergunta, fica evidente que “há diferenças que nos levam a dizer que a força
desta emissão é diferente da força daquela emissão(SEARLE, 2002, p. 2).
Searle (1981) apresenta, tentando clarear certas concepções um tanto vagas,
a distinção entre verbos ilocucionários e atos ilocucionários. O teórico esclarece que
muitos verbos denominados, grosso modo, verbos ilocucionários não são
marcadores de propósito ilocucionário, mas de alguma outra característica do ato
ilocucionário. Eis os exemplos:
Ao realizar um ato diretivo, o locutor pode insistir ou sugerir uma ação, por
exemplo, a ida ao teatro. Isso quer dizer que os verbos insistir e sugerir são usados
para marcar o grau de intensidade com que se apresenta o ato ilocucionário. Assim
também os verbos anunciar, insistir, responder, confidenciar não marcam propósitos
ilocucionários distintos, mas o estilo ou modo de realização de um ato ilocucionário.
Tais verbos são ilocucionários, mas não são nomes de espécies diferentes de atos
ilocucionários. Por essa razão, Searle (2002, p. 44), a partir de Austin, distingue e
estabelece uma taxionomia de atos ilocucionários e uma taxionomia de verbos
ilocucionários.
Para os atos ilocucionários, Searle (2002) expõe as dimensões significativas
que permitem distinguir uns dos outros. Tais dimensões são explicitadas a seguir:
1) Diferenças quanto ao propósito do (tipo de) ato - O propósito de uma
promessa é assumir a obrigação de fazer algo. O propósito de uma ordem pode ser
especificado quando ela é uma tentativa de levar o ouvinte a fazer algo. O propósito
20
ilocucionário é parte da força ilocucionária, mas não é o mesmo que esta. O
propósito ilocucionário dos pedidos é o mesmo que o dos comandos, ou seja, são
tentativas de levar o ouvinte a fazer algo. No entanto, as forças ilocucionárias são
diferentes. A noção de força ilocucionária é a resultante de vários elementos, sendo
que o propósito ilocucionário é apenas um deles.
2) Diferença quanto à direção do ajuste entre as palavras e o mundo: Alguns
enunciados têm o propósito ilocucionário de fazer com que as palavras
correspondam ao mundo; outros, de fazer o mundo corresponder às palavras. Os
pedidos estão ligados à segunda categoria. Searle (2002, p. 6) exemplifica da
seguinte maneira: “Suponhamos que um homem vá ao supermercado fazer compras
seguindo uma lista feita por sua esposa, relacionando feijão, manteiga, etc. O
propósito da lista é levar o mundo a corresponder às palavras”. O comprador deve
fazer com que suas ações se ajustem à lista de compras. A lista prevê o conteúdo
proposicional do enunciado, e a força ilocucionária determina como esse conteúdo
há de se relacionar com o mundo. Searle (2002) chama essa diferença de diferença
quanto à direção do ajuste. A lista do comprador tem a direção do ajuste mundo-
palavra. Os pedidos, promessas e comandos estão incluídos neste ajuste. A direção
do ajuste é uma conseqüência do propósito ilocucionário.
3) Diferenças quanto aos estados psicológicos expressos – Quem promete,
jura, ameaça ou se empenha em fazer ação (A), expressa uma intenção de fazer A;
quem ordena ou pede ao O (ouvinte) que faça A (ação), expressa um desejo de que
O faça A. Ao realizar qualquer ato ilocucionário com um conteúdo proposicional, o F
expressa uma atitude, um estado com respeito a esse conteúdo proposicional. O
estado psicológico enunciado na realização do ato ilocucionário é a condição de
sinceridade do ato. Desse modo, esta estabelece a atitude do falante. A crença
agrupa os enunciados, asserções, observações e explicações, mas também
postulações, declarações, deduções e argumentos. A intenção agrupará promessas,
votos, ameaças e empenhos. O desejo agrupará pedidos, ordens, comandos,
convites. O prazer agrupará congratulações, felicitações e outros.
As três dimensões citadas, segundo Searle, ou seja, o propósito ilocucionário,
a direção do ajuste e a condição de sinceridade lhe parecem as mais importantes,
21
pois o autor construiu parte de sua taxionomia em torno delas. As outras nove
dimensões seguintes são, segundo o autor, também dignas de nota.
4) Diferenças quanto ao estatuto ou posição do falante e do ouvinte, no que
isso concerne à força ilocucionária da emissão – Se o professor de uma turma
convida um aluno a retirar-se da sala, trata-se de um comando ou ordem. Colocando
a mesma situação numa ordem inversa, trata-se de uma sugestão, pedido, mas não
de uma ordem ou comando. Esta característica corresponde a uma das condições
preparatórias, que serão definidas ainda nesta seção.
5) Diferenças quanto à força ou ao vigor com que o propósito ilocucionário é
apresentado – Nos enunciados Sugiro que fiquemos aqui e Insisto para que
fiquemos aqui, temos o mesmo propósito ilocucionário com forças diferentes. Na
mesma dimensão do propósito ilocucionário, pode haver graus diferentes de força ou
compromisso.
6) Diferenças quanto ao modo como a emissão se relaciona com os
interesses do F e do O – No que tange às diferenças entre arrogâncias e
lamentações, congratulações e condolências, a questão está relacionada ao que é e
o que não é de interesse do falante e do ouvinte, respectivamente.
7) Diferenças quanto às relações com o resto do discurso – Por exemplo, as
expressões deduzo e concluo servem para relacionar emissões com outras
presentes no contexto circundante.
8) Diferenças quanto ao conteúdo proposicional determinado pelos
dispositivos indicadores da força ilocucionária – A diferença entre um relato e uma
predição é que a predição trata do futuro e o relato trata do passado ou do presente.
9) Diferenças entre os atos que requerem e os que não requerem instituições
extralingüísticas para sua realização – Há os atos ilocucionários que requerem que F
e O ocupem posições particulares naquela instituição para a qual o ato será
realizado. Melhor dizendo, para abençoar (assim como para batizar) não é suficiente
que um falante qualquer diga a outra pessoa qualquer Eu abençôo. Para que este
22
ato seja feliz, é preciso que o locutor ocupe uma posição numa instituição
extralingüística. Essas instituições extralingüísticas, geralmente, conferem estatuto
de uma maneira relevante para a força ilocucionária, mas nem todas as diferenças
de estatuto derivam de instituições. Searle (2002) cita, como exemplo, que um
assaltante armado com revólver pode ordenar a suas vítimas um determinado
comportamento que será atendido. Seu estatuto não surge de uma posição
institucional, mas de posse da uma arma.
10) Diferenças entre os atos que devem sempre ser atos de fala e os que
podem, mas não precisam ser realizados como atos de fala – Podemos fazer
estimativas, fazer diagnósticos e tirar conclusões dizendo estimo, diagnostico e
concluo. No entanto, para estimar, diagnosticar ou concluir não se faz necessário
dizer nada. Podemos simplesmente ficar diante de um edifício e estimar sua altura.
11) Diferenças entre os atos em que o verbo ilocucionário correspondente tem
um uso performativo e aqueles em que isso não acontece. A maior parte dos verbos
ilocucionários tem usos performativos, como enunciar, prometer, ordenar, concluir.
No entanto, não podemos realizar um ato de ameaçar, dizendo Eu ameaço.
Portanto, nem todos os verbos ilocucionários são verbos performativos.
12) Diferenças quanto ao estilo de realização do ato ilocucionário – A
diferença entre anunciar e confidenciar, por exemplo, não necessita implicar alguma
diferença de propósito ilocucionário ou de conteúdo proposicional, mas apenas de
estilo de realização do ato ilocucionário.
Estas doze dimensões re-agrupadas resultaram no conjunto de condições
para a realização feliz do ato ilocucionário com base nos seguintes tipos de regras
(SEARLE, 1981, p. 84):
1) A regra do conteúdo proposicional: num pedido, por exemplo, a regra
prescreve que o conteúdo proposicional deve consistir na predicação de um ato
futuro do O. Não tem sentido pedir que se faça o que já se fez ou já se está fazendo.
‘Ato futuro A de O’, esta é a regra do conteúdo proposicional para os pedidos.
23
2) A regra preparatória: estipula as condições pressupostas pelo enunciado.
Num pedido, por exemplo, espera-se que o ouvinte seja capaz de realizar o pedido:
não tem sentido pedir o impossível ou aquilo que provavelmente aconteça. O ouvinte
está em condições de realizar A. F acredita que O esteja em condições de realizar A.
3) A regra da sinceridade: conforme dito acima, esta estipula a atitude do F.
Um pedido implica que se quer aquilo que é pedido. Não há sentido em pedir aquilo
que não se quer. F quer que O faça A.
4) A regra essencial: define o significado e a força do ato de fala. Um pedido
como Feche a janela, por favor equivale à tentativa de conseguir que o ouvinte faça
o que lhe é pedido. Em geral, a condição essencial determina as outras.
Segundo Searle (1981), essas regras têm um caráter constitutivo. Elas tornam
possível um tipo de comportamento. É a invocação (tácita ou implícita) dessas
regras que constitui o ato de pedir. A regra constitutiva do ato de fala estabelece
uma equivalência entre fazer e dizer, e essa equivalência advém de uma convenção,
e não é uma conseqüência natural. O ato ilocucionário requer, portanto, a
obediência a certas regras, que, na verdade, não se restringem apenas à gramática,
mas que são regras contextuais. Para que a enunciação seja considerada
significativa, é importante que o locutor leve em conta as condições em que ela será
dita.
Para Searle, nenhuma frase é neutra ilocucionariamente. Toda frase possui
um potencial de ato ilocucionário. Assim, o teórico cria uma relação profunda entre
significação e ato ilocucionário. Conforme já visto anteriormente, na explanação
sobre a taxionomia dos atos ilocucionários, não é possível dissociar a significação de
uma frase do ato ilocucionário que ela realiza, quando enunciada. O autor, na
verdade, rejeita a dicotomia austiniana entre ato locucionário e ato ilocucionário,
distinguindo o ato ilocucionário de seu conteúdo proposicional. Ao dizer uma
sentença, o F exprime uma proposição. Searle define as proposições da seguinte
forma: a mesma proposição será expressa sempre que dois atos ilocucionários
tiverem a mesma referência e a mesma predicação. O autor coloca, como exemplo,
as seguintes sentenças:
24
a) João fuma muito.
b) João fuma muito?
c) João fuma muito!
Os enunciados exprimem, em tais exemplos, a mesma proposição, embora
realizem ilocuções distintas.
Neste sentido, Grice (1976, apud SEARLE 2002) parte do conceito de
significado, para responder a perguntas como que diferença há entre proferir sons e
realizar um ato ilocucionário. Grice afirma que um falante (F) querer dizer algo por
meio de X equivale a dizer que F teve a intenção ao dizer X, de produzir um efeito
sobre O através do reconhecimento dessa intenção. Na realização de um ato
ilocucionário, na enunciação literal de uma sentença, o F pretende produzir certo
efeito, fazendo com que O perceba a sua intenção de produzir aquele efeito.
Searle, portanto, aceita o conceito de significado de Grice (1976), mas propõe
algumas reformulações às concepções griceanas, representando-as da seguinte
forma: dizer que F profere a sentença S visando a dizer S, equivale a afirmar que F
profere S e que:
a) F, pelo enunciado P de S, tem a intenção (i-I) de fazer saber que o estado
de coisas especificado pelas regras de S se realizou (efeito ilocucionário EI);
b) F tem a intenção, por P, de produzir EI pelo reconhecimento da intenção
(i-I);
c) A intenção de F é que a intenção (i-I) seja reconhecida por meio do
conhecimento que O tem das regras que governam os elementos de S.
A significação para Searle (1981), sob esse ponto de vista, dá-se quando o
ouvinte compreende a intenção do locutor. Assim, os atos ilocucionários devem ser
descritos em termos de condições de felicidade - doutrina que consiste em o falante
querer que se realize A, por ocasião de um proferimento, incluindo certos
enunciados produzidos por determinadas pessoas, em determinadas circunstâncias,
procedimento este convencionalmente aceito.
25
Desse modo, a força ilocucionária de um enunciado deriva de uma série de
condições necessárias e suficientes, relacionadas às crenças e atitudes dos
interlocutores, que, extraídas dos fatores sociais, determinam seu significado, sua
adequação a determinado contexto. Se essas condições forem encontradas e se
houver compreensão mútua, então dizemos que o ato ilocucionário foi bem sucedido
ou feliz.
Searle (1981, p. 88), ao expor a fórmula para um pedido, especifica os papéis
dos interlocutores e o conteúdo proposicional, isto é, a ação futura de F. Então, para
que um pedido possa ser reconhecido, feliz, são necessárias as seguintes
condições:
F quer que O faça A
F assume que O pode fazer A
F assume que O deseja fazer A
F assume que O não fará A na ausência do pedido
Os pedidos também serão reconhecidos, felizes, se o ouvinte estiver ciente
de que F fez um pedido, atendendo à solicitação de seu interlocutor. Dessa forma,
são componentes obrigatórios do ato de pedir: o pedido de F e o reconhecimento de
O, respectivamente.
A obra de Searle tem merecido especial atenção pelo fato de que o teórico,
após detectar lacunas na teorização austiniana, criou uma taxionomia alternativa. O
autor centrou-se no propósito ilocucionário, explorando, desta forma, a relação entre
o significado das sentenças e o contexto onde elas são enunciadas.
Abordaremos na próxima seção, o tipo de atos ilocucionários classificados por
Searle (2002) como Diretivos, em que o autor os subdivide em direto e indireto,
especiais para este trabalho por abarcarem os pedidos e as proibições.
26
2.1.1 Pedidos Diretos e Indiretos: a Visão de Searle
Nesta seção, abordaremos a muito discutida distinção entre diretivos diretos e
indiretos. Fundamentaremos a descrição em Searle (2002), cujo trabalho estabelece
a referida diferença e sugere alguns critérios segundo os quais tais atos podem ser
analisados. Posteriormente, na seção seguinte, levantaremos algumas questões
colocadas por sociolingüistas e antropólogos relativamente à descrição já
estabelecida em Searle, uma vez que tais questões são cruciais para nossa
indagação. Fecharemos a próxima seção sobre diretivos apresentando alguns
resultados obtidos por autores como Clark (1992), na tentativa de observar as
estratégias usadas por falantes adultos na compreensão de diretivos.
Os atos diretivos podem ser classificados em duas grandes categorias: a) os
diretos (impositivos), que declaram de modo explícito uma proposição – por
exemplo, Pegue o lápis – nos quais, o locutor não tenta suavizar ou mitigar a forma
do enunciado; e b) os indiretos, subdivididos em indiretos convencionais (sugestões
ou alusões) e indiretos não convencionais (insinuações ou ironias), que não
declaram de modo explícito uma proposição – por exemplo, Poderia pegar o lápis?
Existem os casos de significação mais simples, em que o falante emite uma
sentença e quer dizer literalmente o que diz. O falante tem a intenção de produzir um
certo efeito ilocucionário no ouvinte, pois pretende, ao produzir este efeito, levá-lo a
reconhecer sua intenção tendo em vista o conhecimento que ele tem das regras que
governam a emissão da sentença.
Entretanto, nem todos os casos são tão simples. Há casos de significação
mais complexa, como em alusões, insinuações, e ironias. A significação da emissão
de F e a significação da sentença podem divergir em vários pontos. O falante pode
emitir um enunciado que quer dizer o que diz, mas que também possua outras
significações. Por exemplo, o falante, ao dizer o enunciado Você pode me passar o
sal? não pretende que essa sentença seja interpretada como uma pergunta, mas
como um pedido para que o ouvinte passe o sal.
27
Esses casos em que o enunciado tem duas forças ilocucionárias devem ser
considerados diferentemente dos casos em que o F diz simplesmente ao ouvinte
que quer que ele faça algo. O falante enuncia mais do que realmente diz para o
ouvinte. Nesse processo, também estão envolvidas as capacidades gerais do
ouvinte, tais como racionalidade e inferência. Verifica-se, então, que a teoria dos
atos de fala diretivos indiretos inclui alguns princípios básicos de conversação
cooperativa discutidos por Grice (1976 - 1982).
O pedido direto do ponto de vista do significado da sentença não apresenta
nenhum ou quase nenhum desvio com relação àquilo que o falante quer dizer. O
falante emprega mensagens explícitas, com significado literal. As formas diretas
impositivas são: a) aquelas em que o modo imperativo marca, no enunciado, a força
ilocucionária como um pedido, por exemplo, Pega o lápis; b) aquelas em que a força
ilocucionária é emitida pelo falante de forma explícita, por exemplo, Me dá aquele
lápis.
Desse modo, os pedidos diretos são aqueles que declaram de modo explícito
suas proposições. Nos atos diretivos, os propósitos ilocucionários são as tentativas
do F de levar o ouvinte a fazer algo. É nesse sentido que os pedidos diretos
expressam o conteúdo proposicional diretamente: O fará A. Segundo Koike (1992),
as estratégias são consideradas mais diretas quando há emprego do modo
imperativo com entoação própria de pedidos e sem uso de atenuadores lingüísticos,
como em Saia imediatamente da sala! No entanto, a maioria dos pedidos diretos
vêm acompanhados de recursos lingüísticos que enfraquecem a imposição e a
assertividade das formas diretas. Em resumo, nas formas diretivas explícitas diretas,
o F está numa posição mais alta de controle e subordina o ouvinte: os enunciados
têm menor polidez; o falante possui maior poder; há maior grau de familiaridade
entre os interlocutores e o enunciado terá, portanto, menor custo.
A fim de distinguir as formas diretas das indiretas, vale relembrar que, os
pedidos, como qualquer ato de fala, só serão felizes se preencherem determinadas
condições de adequação: na condição preparatória, o ouvinte precisa ser capaz de
realizar a ação, na condição de sinceridade, o falante precisa querer que o ouvinte
faça A, na condição de conteúdo proposicional o falante predica um ato futuro A a
28
respeito de O e, por fim, a condição essencial vale como uma tentativa de levar o
ouvinte a fazer A, esta em geral determina as outras condições.
Conforme exposto no início deste capítulo, para Searle (2002), o F pode
comunicar ao O mais do que ele diz a partir do que ambos compartilham em termos
de informação prévia, lingüística ou não. Nesse caso, teremos um ato indireto. No
ato indireto, o ouvinte compreende o ato de fala indireto baseado no seu
conhecimento de mundo e graças a suas capacidades gerais de racionalidade e
inferência.
Desse modo, na concepção de Searle, o ato diretivo indireto, o F tem a
intenção de produzir no ouvinte o conhecimento de que um pedido lhe foi feito e tem
a intenção de produzir esse conhecimento levando o ouvinte a reconhecê-lo, mas
deseja significar algo mais; ou seja, nos atos diretivos indiretos, o ato ilocucionário é
realizado indiretamente através da realização de um outro ato. As sentenças
imperativas categóricas, por exemplo, Saia da sala, ou as sentenças performativas
explícitas, Ordeno-lhe que saia da sala, são inadequadas para exprimir um ato
diretivo indireto, já que não são enunciadas através de formas polidas e, como tal,
não têm uma significação adicional. Assim, o autor sustenta que a indiretividade no
contexto dos pedidos é um meio encontrado para alcançar objetivos ilocutórios
frente às exigências interacionais da polidez. Tais mecanismos de polidez geram
formas como Gostaria de saber se você se importaria de sair da sala.
Segundo Searle (2002, p. 56), nos diretivos, a polidez é a principal motivação
do caráter indireto do ato. O autor argumenta que
no campo dos atos de fala indiretos, a área dos diretivos é aquela que é
mais útil estudar, pois as exigências conversacionais comuns de polidez
normalmente acarretam ser inconveniente a formulação de sentenças
imperativas categóricas.
Conforme Searle (2002), o problema relacionado aos atos de fala indiretos é,
do ponto de vista do falante, saber como é possível dizer alguma coisa construindo
significação através de um enunciado, mas também querer significar algo mais. Do
ponto de vista do ouvinte, a questão crucial é, justamente, saber como é possível
29
compreender o ato de fala indireto. Além disso, muitos enunciados parecem ser
empregados como pedidos indiretos de uma maneira convencional.
Searle (1981) argumenta que essas emissões realizadas de forma indireta
podem ser explicadas pelo fato de que as sentenças nelas aludidas sempre
precisam ter como pressuposto as condições de realização feliz dos atos de fala, isto
é, condições preparatórias, de conteúdo proposicional e condições de sinceridade, já
comentadas anteriormente. Desse modo, nos pedidos, a condição de sinceridade,
por exemplo, rege que o F quer que O faça A; assim, um pedido indireto produz de
forma indireta as condições de realização feliz de um ato de fala, mesmo que
implícitas: este, como todo e qualquer ato, precisa sempre levar em conta as
condições de realização feliz do ato para que se realize.
A realização dos atos de fala indiretos inclui a satisfação de uma condição
essencial, qual seja, a tentativa de levar o ouvinte a fazer A, por meio de uma
asserção ou uma pergunta relativa a uma das outras condições. Searle (2002)
exemplifica um caso típico do fenômeno dos atos de fala indiretos da seguinte forma:
Aluno X: Vamos ao cinema hoje à noite?
Aluno Y: Tenho que estudar para um exame.
A partir daí, surge a questão: como X pode saber que a emissão de Y é uma
rejeição da proposta?; e essa pergunta é parte da pergunta: como é possível para Y
ter a intenção ou pretender que sua emissão seja uma rejeição da proposta?
Vejamos o esclarecimento proposto por Searle para esta questão. Ela envolve
a introdução de dois termos técnicos: ato ilocucionário primário e ato ilocucionário
secundário. O autor refere-se ao ato primário e ao ato secundário, postulando que o
primeiro não é literal, mas o segundo sim.
Digamos que o ato ilocucionário primário realizado na emissão de Y
seja a rejeição da proposta feita por X, e que Y o realize por meio da
realização do ato ilocucionário secundário de fazer o enunciado de que tem
de se preparar para um exame. Ele realiza o ato ilocucionário secundário
por meio da emissão de uma sentença cujo sentido literal é tal que sua
emissão literal constitui uma realização deste ato ilocucionário (SEARLE,
2002, p. 52).
30
Searle (2002) distingue algumas sentenças convencionalmente usadas na
realização dos atos diretivos indiretos. Para tanto, estabelece diferentes grupos.
Para exemplificar, citaremos alguns:
Grupo A - Sentenças relativas à habilidade de O para realizar A:
a) Você pode alcançar o sal?
b) Você poderia fazer um pouco mais de silêncio?
Grupo B – Sentenças que expressam o desejo ou vontade de F de que O faça
A:
a) Eu gostaria que você comprasse o livro.
b) Eu quero que você faça isso para mim, João.
Grupo C – Sentenças relativas a O fazer A:
a) Você vai parar de fazer essa tremenda bagunça?
b) Você não vai parar de fazer esse barulho?
Grupo D – Sentenças relativas às razões para fazer A:
a) Você tem que ser mais educado com sua tia.
b) Seria melhor você vir agora.
O teórico destaca que o texto dos atos de fala e os princípios de cooperação
conversacional poderão proporcionar um quadro de referência no qual os atos
ilocucionários indiretos são significados e compreendidos. No entanto, algumas
formas poderão ser convencionalmente estabelecidas como as formas idiomáticas
padrão para os atos de fala indiretos. Mesmo mantendo seus significados literais,
adquirirão usos convencionais como formas polidas para pedidos. Searle (2002)
31
explica que can you? (você pode?), could you? (você poderia?), I want you to (Eu
também quero que você) e outras formas citadas anteriormente são meios
convencionais de fazer pedidos em inglês.
A polidez é tida pelo autor como proeminente motivação para pedidos
indiretos, e certas formas tornam-se os meios polidos convencionais de realização
de pedidos indiretos. Segundo Searle (2002), a polidez poderá nos encaminhar à
explicação de por que há, de uma língua para outra, diferenças quanto às formas de
atos indiretos. O autor esclarece que os mecanismos de polidez não são específicos
a essa ou outra língua; no entanto, ao mesmo tempo, as formas padronizadas de
uma língua nem sempre manterão seu estatuto de atos de fala indiretos; certas
formas são convencionalmente usadas como pedidos polidos, quer dizer, de uma
língua para outra os tipos de formas escolhidos poderão variar.
Nas formas diretivas implícitas indiretas, os enunciados envolvem uso de
maior polidez; o F procura minimizar seu poder sobre o ouvinte, ou sua imposição ou
ameaça ao ouvinte. Neste tipo de pedido, o enunciado não faz referência ao pedido
em si e a interpretação se dá pelo contexto. Desta forma, é freqüentemente dito que
formas sintáticas indiretas são mais mitigadas e mais polidas do que imperativos
diretos, e na verdade, os termos ‘indireto’ e ‘mitigado’ são, algumas vezes, tratados
quase como sinônimos.
Nas insinuações ou ironias, o falante tem a intenção de significar o oposto do
que diz. Por exemplo, o enunciado Parabéns, você conseguiu! dito a alguém que
acabou de quebrar um objeto valioso, é um caso típico de ironia, pois o significado
do F e o significado da sentença são opostos. Há, sem dúvida, alguns princípios
pelos quais o ouvinte é capaz de inferir o que o F pretende dizer.
Segundo Searle (2002), um enunciado irônico, tal como: O que você fez foi
brilhante! quando alguém acabou de colocar sal ao invés de açúcar em algum
alimento, por exemplo, tomado literalmente, não será, obviamente, adequado à
situação. Para ser adequado, o ouvinte precisa reinterpretá-lo, ou seja, é necessário
que este entenda o oposto do que na realidade ouviu.
32
Há, na verdade, um grande número de pistas lingüísticas e extralingüísticas
usadas nas diferentes culturas para a realização de emissões irônicas. No entanto,
Searle (2002) destaca que a ironia não requer nenhuma convenção extralingüística
ou de qualquer outra espécie. Segundo o autor, os princípios de conversação e as
regras gerais de realização dos atos de fala são suficientes para prover os princípios
básicos da ironia.
De acordo com nossa revisão bibliográfica, relativamente aos pedidos
indiretos não convencionais, ainda não existem muitas pesquisas no Português do
Brasil que possam comprovar em termos de dados suficientes o uso de formas
indiretas não convencionais, tais como insinuações e ironias, em situações naturais
de conversação.
Portanto, seria inadequado de nossa parte comentarmos essa questão
referente aos pedidos indiretos não convencionais sem termos uma sustentação
investigativa para tal. O que podemos fazer é nos perguntar até que ponto é comum
os adultos repreenderem seus filhos com sarcasmo e ironias, como, É claro que tu
podes usar o computador!, quando se quer dizer: Eu é que preciso usar o
computador, mas ainda assim não poderíamos inferir nenhum resultado diante da
ausência de investigações robustas sobre o assunto.
Apresentadas as definições de pedidos diretos e indiretos pela visão de
Searle (2002), considerando que este estudo tem como objetivo principal analisar a
compreensão de pedidos por crianças de quatro e sete anos de idade, abordaremos,
na próxima seção, o uso da linguagem e a co-construção de pedidos.
2.1.2 Uso da Linguagem e Co-construção de Pedidos
Na seção 2.1, abordamos a teoria de atos de fala postulada por Austin (1962),
na qual o autor contrapõe-se aos filósofos que se preocupavam com o significado de
certas expressões lingüísticas, sem levar em conta a responsabilidade que decorre
de uma ação. A análise da sentença, dessa maneira, deixa de ser a questão central
para dar lugar à análise do ato de fala, já que o uso de determinadas expressões
lingüísticas produz certos efeitos e conseqüências em uma dada situação.
33
Por esse prisma, a grande contribuição de Austin ao estudo da linguagem foi
postular que usamos as palavras para realizar atos. Ao defender que a língua
comporta vários papéis convencionais relativos aos atos do discurso reconhecido
socialmente, este propôs a dicotomia constativo-performativo, priorizando os
performativos, pois esses são enunciados lingüísticos que indicam, ao se emitir um
proferimento, que se está realizando uma ação. Austin, em um segundo momento,
abandona essa dicotomia a favor dos atos ilocucionários, apresentando cinco
classes gerais de verbos em função de sua força ilocucionária.
Posteriormente, Searle (1981- 2002), apoiado no trabalho de Austin, classifica
todos os enunciados em cinco tipos gerais de atos de fala: assertivos, diretivos,
comissivos, expressivos e declarativos. O sucesso da performance de cada um
desses atos de fala depende da reunião de certos critérios, tais como intenção e
contexto, que Austin chamou de Condições de Felicidade. A condição mais
importante dessas condições de felicidade, Searle chamou de Condição de
Sinceridade, ou seja, ao pedir p sinceramente, o falante precisa querer ou desejar p.
Na seção anterior, retomamos essa visão acerca dos atos de fala de Austin
(1962) e Searle (1981). Nesta seção, pretendemos avançar em relação a esta
posição, ao abordarmos os diretivos sob a visão de pesquisadores tais como
Goodwin (1980), Ervin-Tripp (1976) e Schegloff (1984).
Segundo Goodwin (1980), um recurso importante utilizado na fala para
coordenar a ação de indivíduos separados é o chamado enunciado diretivo, ou seja,
um enunciado designado para levar alguém a fazer algo. Uma das razões para a
pesquisa com os diretivos ser tão frutífera e atrativa, postula Goodwin, é que,
precisamente, eles oferecem um leque rico de formas lingüísticas alternativas
ligadas à importância do fenômeno social.
Para a autora, diretivos estão bem posicionados entre linguagem e ação
social. Embora construídos através da fala, estes são designados para fazer as
coisas acontecerem no vasto mundo de ação social, no qual a fala está inserida e do
qual ela é parte constitutiva.
34
A pesquisadora diz encontrar um contraste entre as formas diretas e indiretas
de construir um diretivo. Entretanto, a autora defende que a distinção a ser usada
não coloca simplesmente a questão de como um enunciado é interpretado como um
diretivo, mas também levanta a questão das relações entre a forma como um diretivo
é construído e fortes escolhas sociais.
Goodwin (1980), ao abordar as habilidades lingüísticas e sociais de crianças
em atividades diárias e em cujo cenário de interação o uso de diretivos é fortemente
utilizado, comenta a tipologia oferecida por Ervin-Tripp (1976) mais abaixo,
argumentando que, ocasionalmente, encontram-se elos entre a forma de um diretivo
e a importância do controle social que o falante propõe exercer sobre o interlocutor.
Nesse aspecto, esclarece a autora, tem-se argumentado que estes elos são a força
norteadora que resulta na proliferação de formatos diretivos alternativos.
A posição de Goodwin é também defendida por Ervin-Tripp (1976),
pesquisadora incansável de áreas afins tais como a lingüística, antropologia e a
psicologia, com destacadas investigações sobre pedidos. Segundo esta, existem
três razões centrais para privilegiar o estudo de diretivos: primeiro, estes são
freqüentes em todas as idades; segundo, eles são relativamente sensíveis às
características do interlocutor, uma vez que exigem trabalho do ouvinte e, terceiro,
freqüentemente levam à ação e, por isso, devem ser relativamente fáceis de
identificar.
A contribuição mais importante de Ervin-tripp (1976) foi uma investigação
sobre o uso dos diretivos em uma série de situações com grupos da comunidade de
Berkeley, incluindo cenários sociais centrais como escritórios, laboratórios e
pequenos grupos. A variação em como os diretivos são estruturados em diferentes
situações não foi somente extensiva, como também, sutil. Na verdade, a direção em
que os diretivos são precisamente planejados em situações particulares nas quais
ativamente ocorrem demonstra a necessidade de um estudo etnográfico altamente
elaborado para o uso do diretivo em cenários específicos.
Quando declarações são feitas sobre os tipos diferentes de diretivos e os
diferentes tipos de situações sociais, questões complexas são levantadas sobre a
35
natureza dessas relações. É uma relação puramente descritiva e estatística, ou
pode-se argumentar que os participantes se orientam a partir da situação e tratam
isto como algo que, de fato, restringe a escolha do diretivo? Por outro lado, pode-se
argumentar que a escolha de um formato diretivo particular, de fato, invoca a relação
social e, desta forma, a faz visível.
A tipologia proposta por Ervin-Tripp (1976:29) para os diretivos pauta-se no
relativo poder do falante e do interlocutor no uso convencional e no caráter explícito
do diretivo:
Declarações de necessidade, tais como “Eu preciso de fósforos”.
Imperativos, tais como “Me dê um fósforo” e na forma elíptica ”um fósforo”.
Imperativos encaixados, tais como “Poderia me dar um fósforo?”. Nesses
casos, agentes, ação, objeto e freqüentes beneficiários são explícitos como nos
imperativos encaixados, embora estes sejam encaixados em um contexto que
apresenta outras propriedades sintáticas e semânticas.
Diretivos para permissão, tais como “Posso ter um fósforo?”. O falante
realiza uma condição declarada requerendo mais uma ação do ouvinte do que
propriamente pedindo permissão.
Diretivos pergunta, tais como “Consegue fósforos?” que não especifica a
ação desejada.
Sugestões, tais como “Os fósforos estão todos gastos”.
Estas pesquisas levantam questões importantes sobre como os diretivos são
interpretados e socialmente utilizados. E é claro que, referente a isso, cresce a
importância do reconhecimento do ‘contexto’. Tal concepção foi mudando a noção
sobre a força diretiva que estava amplamente baseada na forma dos enunciados,
sem considerar o meio, no qual os diretivos são, de fato, usados.
36
É importante destacar, para os propósitos desta abordagem teórica, que a
noção de significado literal independente do contexto é simplesmente rechaçada,
pois o significado dos enunciados só pode ser extraído a partir do contexto em que
ocorrem, como já explicitamos, segundo Ervin-Tripp (1976).
A influência do contexto no uso dos diretivos e em sua interpretação é
extraordinariamente complexa. Ervin-Tripp (1976) nota que o contexto não é
simplesmente o único fator acima mencionado, existem muitos outros em estudos na
etnografia da comunicação.
O problema analítico colocado então é o seguinte: como um pedido indireto
pode ser interpretado como um diretivo, ou em termos mais gerais, como uma
mudança da estrutura de superfície de um enunciado faz para interpretar as palavras
enunciadas em um tipo de ação particular? Portanto, diretivos proporcionam um
ambiente prototípico para o estudo do problema observado por Austin (1962) em
How to do things with words.
Essa questão traz à tona o problema da teoria dos atos de fala, proposta por
Austin. A teoria analisa tipicamente enunciados isolados, ou seja, esta tem seu foco
central em enunciados individuais, isolados.
A análise da conversação, ao invés de focar-se nos traços da sentença
isolada, argumenta que o recurso primário usado para interpretar fala como ação é a
colocação do enunciado numa seqüência de ação, isto é, a interpretação, desse
ponto de vista, é seqüencial.
Recentes trabalhos têm dado cada vez mais atenção à importância da análise
de pedidos como componentes de seqüências. Em uma importante re-investigação
de tal questão sobre atos de fala indiretos, Levinson (1983) argumentou
persuasivamente que tanto uma ação como sua resposta podem ser melhor
analisadas como uma versão contraída de uma seqüência base de quatro partes, na
qual o pedido “indireto” é interpretado como o enunciado que inicia uma pré-
seqüência identificável. Para o autor, essas pré-seqüências, que no caso dos
pedidos chamam-se seqüências pré-pedidos, têm como objetivo central o de
37
organizar as respostas do O com o objetivo de não obter recusa, ou seja, segundo
Levinson, o pré-pedido prepara o pedido para evitar uma rejeição.
Uma lista de restrições sistemáticas na produção da ação (por exemplo, a
preferência por ofertas sobre pedidos) leva à eliminação de dois movimentos do
centro da seqüência (a resposta do interlocutor para o pré-pedido e a produção do
falante do atual pedido), com o efeito de que a ação a ser pedida imediatamente
segue mais o pré-pedido do que o pedido propriamente dito.
Em resumo, duas soluções muito diferentes são propostas para a questão de
como um enunciado é interpretado como um diretivo: uma descreve as máximas do
discurso e dá ênfase às regras constitutivas para a construção de um ato de fala,
enquanto que a outra enfoca a colocação de um enunciado em uma larga seqüência
de ações. Veremos que o trabalho de Ervin-Tripp (1987) chama atenção para a
importância de todos esses elementos serem levados em conta.
Diretivos são designados para levar alguém a fazer algo. Entretanto, existem
muitos caminhos diferentes para se chegar ao efeito de fazer um pedido, e contextos
muitos diferentes em que uma ação deste tipo pode ser desempenhada. Alguns
formatos de diretivos sugerem que o interlocutor tem completo controle sobre a ação
pedida, não havendo qualquer previsão anterior de que a ação vá de fato ser
desempenhada. Outros formatos propõem que o falante está levando o interlocutor
não a escolher, mas a simplesmente desempenhar a ação a ser pedida.
Tais diferenças são cruciais para a análise dos diretivos. Na verdade, teóricos
como Labov e Fanshel (1977, p. 84) argumentam que “em toda discussão
discursiva, analistas ressaltam o desejo do sujeito de mitigar ou modificar sua
expressão para evitar criar ofensa”. Os autores, então, descrevem em detalhes,
como formas diferentes de fazer um pedido expõem diferentes níveis de
agravamento ou de mitigação. As formas diretivas imperativas são classificadas
como as mais agravadas, enquanto que as formas indiretas exibem diferentes níveis
de mitigação.
38
Goodwin (1980) relata que uma grande quantidade de pesquisas demonstrou
elos entre formas alternativas de realizar e resultados em termos de controle social.
Por exemplo, diferentes analistas de interações infantis têm procurado demonstrar
que a utilização de formas agravadas na codificação de diretivos visa ao exercício do
controle frente ao interlocutor. Para Ervin-Tripp (1982) apud Goodwin (1980), as
crianças usam imperativos menos para levar alguém a fazer algo do que para testar
e fazer asserções sobre a relativa posição entre participantes. Posteriormente, no
capítulo 3, nos debruçaremos mais especificamente sobre a aquisição de diretivos
por crianças.
Goodwin (1980) esclarece que, na verdade, em pesquisas sobre os diretivos,
deu-se muito mais atenção para estratégias de mitigação e para formas indiretas,
em geral, do que para ações construídas com imperativos diretos. Pesquisadores
têm notado que, na maioria dos textos estudados por sociolingüistas, ações
mitigadas são muito mais comuns do que ações agravadas (LABOV e FANSHEL,
1977). Além disso, tem-se argumentado que estratégias de mitigação são mais
numerosas e mais elaboradas do que aquelas de agravamento.
Um certo interesse na relação entre a forma dos enunciados e o controle
social desta forma direciona mais os estudos para os pedidos indiretos. Além disso,
a pesquisa que focaliza o modo como enunciados podem ser interpretados como
diretivos partilha da mesma tendência, uma vez que formas indiretas colocam a
importância da interpretação com maior clareza.
Desse modo, a elaboração sintática é abordada em dois domínios
conceitualmente distintos de análise: (1) o modo como determinado enunciado
poderá ser interpretado como um diretivo, em virtude do fato de que diversas formas
alternativas, além do uso mais canônico dos imperativos podem ser usadas na
codificação, causando, talvez, problemas interpretativos especiais, e (2) estratégias
de mitigação junto ao interlocutor.
Estes são alguns dos problemas com os quais lida uma proposta que
investiga como os diretivos constituem-se como enunciados em uma situação que
desvela a organização social. Como analisamos a seguir:
39
- Atos de fala indiretos, tais como “Eu preciso de fósforos” podem ser, de fato,
completamente agravados na visão de Ervin-Tripp. Na verdade, a autora classifica
como “Declaração de Necessidade” na categoria esquema já descrita acima, formas
mais diretas e explícitas, logo agravadas.
- ErvinTripp (1976) nota também que “determinadas formas lingüisticas não
são automaticamente ligadas à polidez da mesma maneira em todas as condições
sociais”.
- Imperativos diretos certamente nem sempre constituem ações embaraçosas
ou ofensivas para um interlocutor. Em circunstâncias apropriadas, tais como tarefas
de atividades entre pares em um cenário de trabalho, um imperativo pode ser ouvido
mais como polido do que uma forma indireta.
- Em muitos casos, a situação do momento justifica por si mesma o uso de
formatos diretivos que, em outras circunstâncias, deveriam parecer agravados
(BROWN e LEVINSON, 1978). Por exemplo, no meio de uma brincadeira de pular
corda é completamente apropriado alguém gritar “Cuidado!” quando um carro chega,
ou “ Vai João!” para apressar um jogador a seguir em frente. O ambiente social em si
justifica tal ação, com o efeito de dispensar qualquer explicação da razão pela qual a
realização da ação é necessária. Assim, temos, nessas situações, formas diretas
que não podem ser definidas como ‘agravadas’ ou ameaçadoras em nenhum
sentido.
- Também já se sabe que formas ‘polidas’ indiretas oferecem um dos
recursos clássicos para fazer uma declaração sarcástica quando uma ação
esperada não foi desempenhada (ERVIN-TRIPP, 1976).
Portanto, formas sintáticas isoladas não podem ser usadas para medir o grau
de mitigação de um diretivo; uma forma imperativa direta não precisa ser ouvida
como uma imposição social, enquanto que uma forma indireta pode, de fato,
constituir uma ação realmente agravada.
40
Segundo Schegloff (1984), um imperativo ser interpretado como um diretivo
ou algum outro tipo de ação é uma questão mais relacionada à sua posição do que à
sua forma aberta. Da mesma forma, Ervin-Tripp (1976, p. 59) observa que ”o
trabalho do ouvinte não precisa iniciar com o enunciado... o primeiro trabalho do
ouvinte pode ser tão importante que um aceno é um diretivo”.
Brown e Levinson (1978), ao discutirem a relação entre as formas diretivas
alternativas indiretas e a polidez, postulam que esta é simplesmente uma estratégia
de caráter universal usada essencialmente por implicatura
2
pelos falantes para
codificar um conteúdo intencional. A opção de se produzir um diretivo indireto polido
depende da avaliação mútua dos participantes, ou seja, é preciso haver um motivo,
uma opção particular para se optar por um ato de fala indireto polido. Os autores
argumentam que os padrões de construção da mensagem, ou o ‘sentido em que as
coisas são colocadas’, ou simplesmente como as pessoas usam a linguagem, são
partes substanciais de como as relações sociais são constituídas.
Goodwin observa que sua opção pelo uso dos termos “agravado” e “mitigado”
ocorre quando fala em imposição social. A autora reconhece que, ao se usar tais
termos, que são de certa forma antagônicos, estes oferecem somente uma forma de
emprego polido que pode ser comparada à imposição social alcançada por formatos
de enunciados diferentes. Além disso, como uma faixa específica de fala deve ser
ouvida, se agravada ou mitigada, é algo que precisa ser demonstrado em termos de
dados a serem investigados, e não simplesmente afirmados com base na forma
sintática do enunciado.
Para analisar atos de fala diretivos, os pedidos, Goodwin (1980) discute,
então, como formatos diretivos alternativos revelam diferentes formas para
expressar um ato de fala que podem resultar em diferentes sentidos. Portanto, a
ênfase dada pela autora é em como o tipo de situação restringe a escolha da
interpretação do diretivo.
Em resumo, é possível ter duas posições diferentes na abordagem dos
diretivos. Uma delas parte da forma de um diretivo e move-se em direção ao
2
Violação intencional dos postulados de Grice (1976), ao se produzir um implícito.
41
fenômeno social. A outra inicia com uma tipologia existente do fenômeno social e
dirige o olhar para o modo como os diretivos ocorrem em situações particulares.
Vários estudos que combinam ambas as abordagens freqüentemente começam
examinando atentamente a forma dos diretivos que são, então, empregados como
uma tipologia para contrastar o uso dos diretivos em uma ampla variedade de
situações.
Desse modo, na visão de Ervin-Tripp (1976), Goodwin (1980), Schegloff
(1984) e até mesmo Brown e Levinson (1978), a questão crucial é que a teoria dos
atos de fala de Austin só levava em consideração o falante e o ouvinte. Para esses
autores, a teoria só se constitui e se justifica verdadeiramente como tal, se esta levar
em conta igualmente a seqüência da ação dos participantes: estes podem ser
ouvintes endereçados e ratificados em uma interação conversacional.
Passaremos, neste momento, à seção que aborda o processo de
compreensão e interpretação por adultos, mais ao início, para, ao final desta,
apresentar o processo de compreensão de atos de fala mais direcionado às
crianças.
2.2 Compreensão e Interpretação de Atos de Fala
Nesta seção, tratamos um pouco mais detidamente da discussão da
compreensão de um ato de fala em uma situação concreta de enunciação. É
pressuposto da discussão a ser apresentada o postulado teórico de que a
determinação de um ato de fala específico depende apenas parcialmente das
formas lingüísticas que o expressam, sendo fundamental para tal determinação o
reconhecimento das ditas condições de felicidade para o ato. Assim, considerando
este pressuposto, a pergunta em torno da qual se organiza a seção é a seguinte:
como se dá a compreensão dos atos de fala por falantes concretos, em situações
concretas de interação?
Os modelos típicos de interpretação para atos de fala, conforme Ervin-Tripp et
al. (1987), têm as seguintes características:
42
a) O ouvinte, primeiro, faz uma interpretação literal, ou, se apropriada,
idiomática do conteúdo proposicional e da força ilocucionária de um
enunciado;
b) Seguindo a interpretação inicial, o ouvinte checa a situação e, se existe
uma má combinação entre a interpretação literal ou idiomática e os traços
da situação, o ouvinte reinicia uma próxima interpretação em uma
hierarquia de possibilidades;
c) Se a incongruência permanece, O testa hipóteses sobre a intenção do
falante, dado o que é dito e que tipo de situação se encontra, usando
implicatura ou inferência;
d) Finalmente, O obtém a implicação para a ação, se há, de um construto da
intenção do falante.
Este modelo é inapropriado, já que, nele, o contexto e a situação
desempenham papéis secundários no processo de interpretação. Ainda considera
que o ouvinte, primeiro, faz interpretações literais para, só depois de descartá-las,
fazer interpretações não - literais.
Os autores, ao observar o uso de pedidos entre crianças brincando e também
em conversas entre adultos, apoiaram seu experimento em situações cotidianas,
argumentando que “nos impressiona a importância dos tipos de atividades familiares
e de trajetórias na coordenação da fala e da ação” (ERVIN-TRIPP, 1987, p. 111).
Desta maneira, os processos interpretativos estão diretamente implicados em
atividades cotidianas e familiares. Conforme Ervin-Tripp et al. (1987, p. 112), cenas
familiares “são aquelas em que os participantes reconhecem prováveis seqüências e
objetivos, mas nas quais para elas existe também variação e uma relação fraca com
as normas ou com a denominação do evento”. Quando falantes estão no meio de
uma atividade conjunta bem coordenada, eles nem precisam ser explícitos. Às vezes
somente um gesto pode ser suficiente para declarar o objeto desejado. A título de
43
elucidação, os autores indicam que ajudar a mãe a levar sacolas de supermercado
para casa pode ser caracterizado como uma cena familiar.
Tendo em mente, então, noções como a de cena familiar e situação
convencional, Ervin-Tripp et al. (1987) formulam uma proposta para a
contextualização baseada em um modelo alternativo de interpretação dos atos de
fala. A proposta supõe alguns passos interpretativos fundamentados na análise da
situação, tais como os seguintes:
a. O ouvinte identifica a situação e faz o que é normalmente esperado nela.
Se uma trajetória de ação pode ser prevista, e é apropriada ao papel de ouvinte, um
ouvinte cooperativo inicia a ação esperada.
b. Se o interlocutor fala sobre o cenário, o ouvinte observa o que é mencionado
e re-acessa a situação nesta direção, para iniciar a ação.
c. O ouvinte interpreta um enunciado idiomático por convenções interpretativas
e residualmente literais.
d. O ouvinte responde a pergunta de acordo com restrições culturais no papel
de um parceiro conversacional cooperativo.
e. O ouvinte testa a adequação da interpretação (c) com relação à ação
prevista (a) e, se há uma má combinação, reinicia o processo interpretativo
movendo-se para a próxima interpretação, seguindo uma hierarquia de
possibilidades.
f. Se a incongruência permanece, o ouvinte testa hipóteses sobre a intenção
específica do falante, lançando mão de implicaturas ou de outros tipos de inferência.
Ainda dentro dessa proposta de interpretação da fala, os pesquisadores
assinalam que, durante atividades definidas como livres, os interlocutores indicam,
mediante pistas presentes em sua fala e em seu comportamento, variações na
própria atividade ou nos papéis nela desempenhados. Tais variações podem ser
completamente inesperadas. Nesse ponto, o modelo de interpretação defendido por
44
Ervin-Tripp e colegas baseia-se na noção de pista de contextualização discutida por
Gumperz (GUMPERZ, 1982 - 2002).
A fim de corroborar os esquemas de interpretação por eles propostos, os
pesquisadores citam trabalho de Gee e Savasir (1985 apud ERVIN-TRIPP et al.,
1987) no qual os autores chamam atenção para distinções que as crianças
estabelecem com base em traços lingüísticos e que dependem da atividade global
na qual estão engajadas. Esta conclusão é retirada da observação do emprego
pelas crianças, dos verbos go (‘ir’) e want (‘querer’) em interações face-a-face.
Gee e Savasir descobriram que o emprego de go é reservado para expressar
planos para o futuro que envolvam intenções não-interpessoais, para expressar
fantasias relativas à atividade do próprio falante e em contextos que envolvem
oposição entre as crianças. Já o verbo want foi empregado na realização de
pedidos, na formulação de atos de fala de oferecimento e no curso de atividades
colaborativas.
Segundo Ervin-Tripp et al. (1987), então, é incorreto deixar o contexto em
segundo plano quando se trata do estabelecimento do sentido literal ou idiomático,
da ação ou da interpretação. O contexto pode ser determinante para a interpretação.
Além disso, a fala pode redefinir o contexto situacional em si, ou pode especificar,
modificar ou parar uma atividade ao redirigir a atenção ou modificar o conhecimento
do ouvinte.
Com esse posicionamento, os autores pretendem mostrar até que ponto os
interlocutores levam em conta as informações lingüísticas em oposição a pistas de
contextualização e ao conhecimento situacional para entender os atos de fala, em
particular os pedidos. Para tanto, eles apresentam as seguintes hipóteses:
Hipótese 1: Ouvintes podem interpretar pedidos de ação contextualizados
sem linguagem explícita;
Hipótese 2: A menção a um objeto desejado pode ser suficiente para obtê-lo
de ouvintes cooperativos;
45
Hipótese 3: Em casos de incongruência entre uma interpretação literal e
demandas contextuais, ou interpretações idiomáticas, implicaturas ou inferências,
permite-se buscar ajuda contextual. Entretanto, interpretações inferenciais da
intenção do interlocutor evidenciam-se somente com sujeitos mais velhos.
Hipótese 4: A interpretação da intenção do interlocutor ao fazer o pedido não
é nem necessária, nem suficiente para que o pedido seja atendido, exceto em casos
de incongruência e irrelevância.
Além dessas hipóteses mais específicas, Ervin-Tripp et al. (1987) partiram de
uma hipótese mais geral segundo a qual, se a criança fosse mais guiada por seu
conhecimento situacional do que pela linguagem usada na cena, suas respostas às
perguntas da história ilustrada usada no experimento revelariam uma tendência para
ver o final desta como envolvendo a ação cooperativa da criança. Essas finalizações
cooperativas independeriam de a criança interpretar a intenção da parte do
interlocutor de fazer um pedido de ação e de a criança interpretar literalmente o
pedido.
Clark (1992), em “Context for Comprehesion” trabalha com a noção de
Contexto, postulando que este possui um papel central para o entendimento da
linguagem. O teórico define Contexto Intrínseco como uma informação válida para
um processo que é potencialmente necessário para se ter êxito.
Após discutir a noção de contexto sob sua etimologia e sob a visão da
psicologia, Clark esclarece que o contexto é crucial para a compreensão da
linguagem, pois esse explica como as pessoas decidem que significado o falante
está tornando relevante. Portanto, uma teoria sobre contexto é intrínseca à
compreensão da linguagem.
O autor apresenta várias definições de contexto, sob a tutela de diferentes
autores, explicando que, para todas elas, existem seis características comuns,
abaixo explicitadas: informação, esta é usada no sentido da psicologia ‘informação
processada’, a informação é sobre objetos, eventos, estados ou processos. Pode
incluir, mas não está limitada ao conhecimento, às crenças, ou às suposições de
46
uma pessoa; relatividade própria, se o contexto é informação, precisa pertencer a
alguém; relatividade de processo, nem toda informação que uma pessoa possui é
considerada contexto; relatividade de ocasião, para se estar apto a falar em
mudança de contexto de um estado para outro ou de uma sentença ouvida para a
outra, precisamos tratar contexto como ocasião relativa; utilidade, na maior parte
dos usos, contexto é somente uma informação válida para a pessoa em um
processo particular em uma ocasião particular; e interação, para a informação ser
chamada de contexto na maioria de seus usos, precisa também estar apta a interagir
com o processo de forma útil.
A maioria dos psicólogos tenta fazer uma distinção entre duas partes do
contexto. O contexto incidental é aquele que ocorre durante uma ocasião. Ele afeta
o processo somente indiretamente, limitando a atenção para a tarefa, interrompendo
o processo ou tornando-o menos eficiente. O contexto intrínseco, estipulado por
Clark, é aquela parte que, a priori, tem potencial necessário em algumas ocasiões
para levar o processo em questão a se realizar. Para Clark (1992, p. 67), “o contexto
intrínseco é a base comum que o ouvinte acredita manter, até o momento, entre o
falante e o ouvinte para que este tente entender o que o falante quer dizer em uma
ocasião particular”. Desta forma, a proposta do autor é sobre como um ouvinte tenta
compreender o que o falante pretende que ele entenda, para delimitar, em parte, o
sentido da intenção do falante.
A segunda noção técnica bem importante que auxilia o processo de
compreensão é aquela que Clark denomina base comum. Esta consiste de
conhecimentos, crenças e até mesmo, suposições mútuas. A idéia central do
conhecimento mútuo é uma representação mental elementar que é inferida
indutivamente de certos tipos especiais de evidência. Existem três tipos de
evidências partilhadas entre interlocutores segundo Clark (1992): a física co-
presente, lingüística co-presente e a evidência do tipo membro de comunidade.
A evidência física co-presente é um tipo de evidência em que os
interlocutores participam em conjunto de um evento físico, e é esse evento que os
acompanha ao longo da experiência para que estes possam inferir o conhecimento
mútuo de ambos. A evidência física contrasta com a evidência lingüística co-
47
presente. Enquanto a evidência física co-presente refere-se à evidência “natural”, a
evidência lingüística co-presente refere-se à evidência “simbólica”. Membro de uma
comunidade é o último tipo de evidência. Para assumir o conhecimento mútuo de
algo conhecido em uma comunidade, os falantes precisam, primeiro, estabelecer
que sabem mutuamente que ambos são membros de uma comunidade. Se, na
compreensão, o contexto intrínseco é a base comum do falante e do ouvinte,
quando mencionado na literatura como relevante ao processo, então deveria ser
classificado em uma ou mais de três origens principais da base comum. O autor
postula que ele realmente é classificado desta maneira.
Clark se pergunta: qual é a evidência de que a base comum é a noção correta
para se chegar a uma definição de contexto intrínseco? Ele esclarece que a maioria
das evidências são formais. Existem demonstrações formais (SCHIFFER, 1972) de
que a base comum é um ingrediente necessário na convenção de atos de fala e na
definição de referência.
O teórico assume a noção de que o entendimento do que o falante pensa
consiste em tentar reconhecer, basicamente, as atitudes que o falante pretende que
seu ouvinte reconheça – os atos de fala que ele desempenha. Como os ouvintes
reconhecem as atitudes que o falante expressa? Para Schiffer, eles o fazem de
acordo com certas evidências – as palavras que o falante usa e certas outras
informações “contextuais”. O ponto crítico da demonstração de Schiffer é que esta
evidência tem que ser mutuamente conhecida ou reconhecida pelo falante e seus
endereçados. Se não o é, o ato de fala pode falhar, caso não ocorra o esforço do
ouvinte para reconhecer a intenção do falante.
O que a demonstração formal (SCHIFFER, 1972) mostra, então, é que o
contexto intrínseco para o entendimento de atos de fala é conhecimento mútuo ou
as crenças compartilhadas, isto é, a área comum. Assim, toda a conversação pode
ser vivenciada como uma série de atos de fala que incrementam a base comum dos
interlocutores ao longo da conversação. A base comum é essencial aos atos de fala,
que também são indiretos. Portanto, os participantes devem deixar pistas da área
comum para que o processo de compreensão se efetive, isto é, os participantes
48
devem ter uma base comum. Na compreensão da linguagem, o contexto intrínseco
é, na verdade, algo muito especial.
Clark (1992) desenvolve diferentes estudos experimentais na tentativa de
encontrar respostas para a pergunta central dessa seção. Segundo o autor, em uma
conversação envolvendo mais do que duas pessoas, a maioria dos enunciados é
planejada para ser entendida não somente pelas pessoas que são endereçadas,
mas também por outras.
Com base nesse argumento, Clark postula que o falante desempenha dois
tipos de atos ilocucionários para cada enunciado: um é o tipo tradicional, como
asserções, promessas, dirigido diretamente ao endereçado; e outro, chamado
informativo que é direcionado a todos os participantes na conversação, ou seja, do
mesmo modo aos endereçados e às outras partes. O pesquisador coloca a
evidência de que todo ato ilocucionário tradicional é desempenhado com sentido de
um informativo, isto é, direcionado a todos os participantes de uma conversação.
O autor argumenta com relação à teoria de atos de fala de Austin (1962),
denominando-a teoria padrão, que, nos atos ilocucionários indiretos, o falante pode
desempenhar um ato ilocucionário em direção ao endereçado e, dessa maneira,
desempenhar outros através do mesmo endereçado. O primeiro é chamado ato
ilocucionário direto; e o segundo ato ilocucionário indireto. Assim, para Clark,
existem dois tipos distintos de atos ilocucionários indiretos: aqueles em que o
endereçado direto e indireto são os mesmos e aqueles em que são diferentes.
Esses dois tipos são chamados de atos ilocucionários indiretos lateral e linear,
respectivamente. Os endereçados indiretos em dois tipos serão chamados
endereçados linear e lateral, respectivamente.
Os atos ilocucionários indiretos laterais colocam um problema para a teoria
padrão, isto é, como é possível desempenhar um ato ilocucionário indireto, um
pedido indireto, para um ouvinte ratificado? Na teoria padrão, os atos ilocucionários
indiretos são desempenhados diretamente para um mesmo ouvinte. Dentro do
quadro da teoria padrão, o pedido lateral não é possível.
49
Uma solução seria negar que o falante está desempenhando um ato
ilocucionário indireto, afirmando que este está desempenhando dois diretos, uma
asserção, e um pedido, por exemplo. Essa solução exige uma revisão drástica na
noção de endereçado.
Outra solução seria reduzir o critério da performance indireta. Assim o ato
ilocucionário indireto precisaria ser desempenhado como se fosse um ato
ilocucionário direto dirigido ao mesmo ouvinte ou ouvintes. Na teorização de Searle
(1975), é esse critério que torna indireto um ato ilocucionário. Uma terceira solução
seria introduzir os informativos que, conforme Clark, são atos locucionários,
ilocucionários e perlocucionários originalmente postulados por Austin, e ainda, para
Clark, são atos dirigidos a todos os participantes. Assim um informativo é um ato de
informar a posição em que os participantes se encontram sobre o que está sendo
dito, ou seja, é crucial para a proposta principal da conversação em andamento.
Portanto, ao falar lateralmente, o falante não aparece falando ao endereçado
indireto, mas a algum outro, e isso parece ser freqüentemente útil.
Desse modo, os atos ilocucionários indiretos laterais, embora onipresentes,
não podem ser acomodados pela teoria padrão. Eles parecem requerer o
reconhecimento de informativos. Outra forma de se olhar para essa teoria de Clark,
quando estão presentes três participantes ou mais, seria assumir que o falante
desempenha dois tipos de atos ilocucionários simultaneamente.
A proposta de Clark (1992) teve conseqüências de grande efeito para a teoria
dos atos de fala: até então ninguém havia inserido os participantes em um ato de
fala, que são componentes necessários à fala; sem esses, a teoria seria incompleta.
A reorganização teórica defendida pelo autor insere, portanto, um novo componente
ao ato denominado informativo.
A teoria padrão não está equipada para postular o falante dirigindo-se a mais
de um participante; ela pressupõe que o ouvinte sabe para quem ele está se
dirigindo em cada ato ilocucionário. Um pedido, diz Searle (1969, p. 57) “é uma
tentativa de levar o ouvinte a fazer A.”, em que O é o ouvinte na presença de quem a
sentença é enunciada.
50
Quando falantes planejam seus enunciados, eles determinam diferentes
ouvintes para diferentes papéis; e então decidem como dizer o que vão dizer com
base no que sabem, com base em suas crenças, e eles supõem que esses ouvintes,
em seus papéis determinados, sabem, acreditam e supõem. Esta é uma propriedade
fundamental do enunciado chamada de ‘audience design’. Clark defende que, para
caracterizar informativos adequadamente, primeiro precisamos definir o papel para
os quais os ouvintes estão determinados, e também o sentido no qual os falantes
determinam seus enunciados, tendo esses ouvintes em mente.
Relativamente aos papéis dos ouvintes, uma conversação consiste, muito
aproximadamente, de uma seqüência de enunciados que se alternam entre duas ou
mais pessoas; em cada enunciado, o falante desempenha um ou mais atos
ilocucionários dirigidos ao endereçado. Para todos os atos ilocucionários dirigidos ao
endereçado, podemos identificar quatro papéis básicos: o falante, agente do ato
ilocucionário, ou seja, a pessoa que desempenha o ato; os participantes, nos atos
ilocucionários direcionados aos endereçados, são os ouvintes que o falante
determina fazerem parte do ato ilocucionário que é direcionado aos endereçados; os
endereçados, do ato ilocucionário dirigido ao endereçado, isto é, certos
participantes pretendem fazer parte de papéis adicionais como endereçados de um
ato ilocucionário. Os participantes, então, dividem-se em duas subdireções: aqueles
que são também endereçados e aqueles que não o são; e os ratificados de um ato
ilocucionário dirigido ao endereçado. Estes são os ouvintes que não são
intencionados pelo falante a fazer parte no ato ilocucionário, no sentido direto de
fazer parte, mas que são, entretanto, ouvintes.
Esses quatro papéis são definidos pelo falante. É ele quem define seu papel
como falante; ele que define quem faz parte no ato ilocucionário, separando os
participantes de seus ratificados; e é ele quem define quem, através dos
participantes, são os endereçados. O falante tem o papel de designar o sentido
pretendido em seu enunciado de forma clara para que seja bem compreendido.
Entretanto, algumas vezes, o falante não consegue levar seus ouvintes a reconhecer
os papéis para o quais estão sendo designados, apesar de uma performance
perfeita.
51
Clark explica que, para a proposta dele, esse caso não é relevante. E sim, a
intenção do falante sobre quem assume tais papéis. É nesses papéis intencionados
que são designados o falante, o endereçado, o participante e o ratificado. O falante
determina seu enunciado com esses papéis em mente. Nesse sentido, a noção de
audience design pode ser dividida aproximadamente nos seguintes planos: plano do
participante, plano do endereçado e plano do ratificado.
O plano básico é dedicado aos participantes. Os ouvintes endereçados e
ratificados tomam conta da modulação no plano básico. Logo, este é caracterizado
pelo Princípio da Responsabilidade. Nele o falante é responsável pelo planejamento
de seu enunciado. Assim, na conversação, todas as partes podem deixar pistas do
que está sendo dito. Isto define o que deve ser chamado de uma Conversação
Canônica. Com cada contribuição, o falante determina em muitas outras partes, na
conversação, o papel de participante.
A tarefa do falante é, por essa razão, grandemente simplificada na maioria
das conversações, pois a maior parte das conversações segue uma forma canônica
reconhecida por todas as partes. Embora na maioria dos casos as conversações, ou
parte delas, sejam canônicas, os falantes, quando precisam, podem e fazem
participações que divergem em relação a sua base comum. Eles exploram essas
divergências dizendo uma coisa para um grupo de participantes, enquanto dizem
algo para o outro, ou para manter elaboradas encenações.
A maioria das “Condições de Felicidade” de Searle são satisfeitas como parte
de um plano do endereçado, não meramente como um plano do participante. Os
falantes também determinam seus enunciados com participantes ratificados em
mente. Embora eles não pretendam que os participantes ratificados tomem parte no
que está sendo dito – no sentido direto de fazer parte – eles realizam seus
enunciados de forma que os ratificados possam, todavia, formar conjeturas ou
hipóteses sobre o que está sendo dito.
Ao planejar seus enunciados corretamente, os falantes podem levar os
ratificados a formar hipóteses corretas e incorretas ou, até mesmo, hipóteses
coerentes para tudo. Se os falantes os conhecem, podem determinar o que está
52
sendo dito em seus enunciados para usá-los em um sentido particular partilhado e
conhecido por ambos. Isto é o que Clark chama de Ratificados Conhecidos. Todo
falante também reconhece um Ratificado Desconhecido. Assim, os falantes podem
abrigar intenções através de ratificados conhecidos e desconhecidos, podendo
determinar seus enunciados de acordo com a base comum de ambos. Outro
elemento na determinação de ratificados é a polidez e o registro. Em algumas
sociedades, certas palavras em certas circunstâncias são tabus, e não devem ser
ratificadas.
Uma questão bem importante discutida na análise informativa dos atos de fala
sob a visão de Clark é como os falantes realizam um tópico complicado. O autor
argumenta serem necessários cinco fatores, quais sejam, ajuste físico, história
conversacional, gestos, negociação da fala e conteúdo lingüístico. A maioria dos
enunciados é a combinação desses cinco fatores. Os participantes freqüentemente
são distinguidos dos ratificados por ajuste físico. Os ouvintes, no mesmo grupo dos
falantes, podem assumir geralmente sua intenção de ser participantes, enquanto
que outros ouvintes não podem.
Para Goffman (1971), o que constitui um grupo é altamente determinado por
ajuste físico. As pessoas precisam estar em uma proximidade relativa ao espaço
disponível, não separadas por óbvias barreiras físicas ou psicológicas e estar
acessíveis aos outros áudio e visualmente. Os participantes são também
distinguidos dos ratificados durante o andamento da conversação. Os endereçados
são, geralmente, designados em parte por gestos. A vantagem dos gestos é que
eles são atos públicos, facilmente reconhecidos simultaneamente por todas as
partes envolvidas. Finalmente, é claro que endereçados, participantes e ratificados
são freqüentemente designados através do conteúdo do que é dito. Endereçados
podem ser definidos por vocativos, e outros recursos. Os participantes são inseridos
em uma conversação por enunciados introdutórios. Os ratificados podem ser
excluídos como participantes por recursos similares.
Em suma, falantes pretendem que os ouvintes preencham determinados
papéis, e determinem seus enunciados de acordo com isso. Todos esses fatores,
lingüísticos ou não, precisam ser considerados como parte de um sentido em
53
direção ao qual o falante desempenha atos ilocucionários. Eles são cruciais para a
designação de para quem são dirigidos.
A partir do que foi explicitado com relação a uma análise informativa dos atos
de fala postulada por Clark (1992), gostaríamos de ressaltar a importância desta em
termos de inserção nas áreas envolvidas no estudo da linguagem e suas
abrangências, isto é, na forma com que esses estudos ampliam a extensão de
aplicação dessa teoria lingüístico-filosófica.
Na proposta do autor, cada ato ilocucionário tradicional, que é dirigido ao
endereçado, é desempenhado como um informativo – com uma prioridade lógica do
ato ilocucionário que é dirigido aos participantes. Quando somente um ouvinte está
presente, explica Clark, existe pouca mudança na análise da teoria padrão de atos
ilocucionários, esse é o motivo pelo qual informativos ainda não haviam sido
notados. Mas quando há mais de um ouvinte, informativos têm maior importância.
Com a análise informativa, Clark dá referência à fala coloquial, em toda a sua
complexidade. Sob essa análise, os falantes fazem distinção entre endereçados,
participantes e ouvintes ratificados – e no que comunicam para cada um.
Para Marcuschi (1998), em Atividades de Compreensão na Interação Verbal, a
compreensão na interação verbal face a face resulta de um projeto conjunto de
interlocutores em atividades colaborativas e coordenadas de co-produção de sentido
e não de uma simples interpretação semântica de enunciados proferidos. Entretanto,
segundo o autor, ainda não se tem claro que tipo de atividades é relevante em cada
situação. Parece que a construção de sentido em situações naturais de fala envolve
muito mais fatores outros do que somente analisar os enunciados em isolado. De um
lado, necessita-se coordenar conteúdos e, de outro, coordenar ações.
Em um modelo de compreensão sócio-interacional lidamos, segundo
Marcuschi, com seres humanos concretos em interação altamente complexa,
diferenciada e instável. Assim, fatores como identidade e determinação são
igualmente importantes, já que são estados finais de um trabalho em que a língua é
54
apenas um dos fatores essenciais. Desta forma, conforme define Wilkes-Gibbs
(1995, p. 240) apud Marcuschi,
para que o discurso opere apropriadamente, os participantes devem
coordenar ações entre si mais do que a ‘mecânica’ de sua interação. O
importante para os ouvintes não é imaginar o que uma palavra ou
enunciado pode significar abstratamente, mas o que o falante pretende que
se entenda com ele ao tê-los dito naquela situação e naquele momento do
discurso. Para administrar isso, os participantes precisam mais do que
cooperar no sentido de Grice. Eles devem também coordenar suas ações e
o que eles devem entender com essas ações.
Nesse contexto, Marcuschi (1998, p. 3) define a compreensão como um
esforço mútuo dos falantes para construir coerência, isto é, sentido. E é nesse
momento que este se propõe a dar conta da seguinte questão: como é que os
participantes de uma interação resolvem suas estratégias e processos de
compreensão de forma tão competente? Para que haja construção de sentido na
interação, é necessária uma coordenação ativa dos atos por parte de dois ou mais
participantes e que tudo o que é realizado seja criado dessas trocas interativas
seqüencialmente organizadas. A questão é que em um projeto conjunto exige-se
uma negociação, só que nem tudo pode ser negociável. Quando não há consenso,
por exemplo, sobre determinados assuntos que envolvem crenças e convicções, a
única forma de cooperar é o aborto do tópico. Assim, quando conhecimentos e
opiniões esbarram, a negociação torna-se difícil.
Os participantes, ao interagirem com o objetivo de construir sentido, precisam
de um foco comum, denominado de base comum por Clark (1992), discutido acima.
Este acontece quando, na interação face a face, ocorrem as trocas com interesses
comuns e referentes partilhados previamente existentes ou construídos no momento
desta, ainda que o trabalho mais difícil a fazer seja o de buscar uma sintonia
referencial e produção de interesse mútuo. Esta sintonia que pode ser referencial ou
cognitiva precisa existir sob pena da ‘morte’ do tópico. Para que a compreensão se
dê de uma forma concreta, é crucial a presença de cognição, interesse e atenção,
isto é, a compreensão é um processo de sinalização múltipla: referentes comuns,
atenção centrada e interesse construído conjuntamente (MARCUSCHI, 1998, p. 6).
55
Na criança, o padrão de interação lingüística típico da vida familiar já a
envolve, inicialmente, como um parceiro conversacional. E um aspecto crucial para
que se faça parte de uma conversação efetiva é a habilidade para entender os
enunciados de outra pessoa. Entretanto, a compreensão é muito mais do que
somente a habilidade para compreender mensagens lingüísticas isoladas, como já
ressaltamos. A compreensão significa para a criança o entendimento não somente
da linguagem, mas também de contextos interativos que dão origem ao uso da
linguagem. Desta maneira, as formas e funções da linguagem refletem e moldam a
coordenação de atividades essencialmente diferentes em diversos contextos em
direção a um cenário unificado e coerente para interações governadas por regras.
Os sentidos da fala, então, dependem também de contexto, embora esses sentidos
também sejam contextualmente situados e cristalizados em cenários interacionais.
De acordo com Wells (1981, p. 117), que estuda o desenvolvimento da
compreensão, este é um processo de alta complexidade psicológica: embora ambos
executem o processo e aprendam a realizá-lo, a criança é ajudada no sentido de
que o falante adulto a orienta na construção de uma mensagem lingüística,
colocando em prática o princípio cooperativo de Grice. Segundo este princípio, os
falantes devem ser informativos, verdadeiros, relevantes e claros, e os ouvintes
devem interpretar o que aqueles dizem no sentido de que eles estão tentando levar
suas idéias adiante. Neste instante, Wells ressalta que o sucesso da comunicação
nem sempre depende das condições de sinceridade, já anteriormente por nós
aludidas.
As crianças, em particular, precisam aprender a acompanhar as mensagens
ocultas nos enunciados dos adultos para que se tornem socialmente competentes
para compreender. Quando uma mãe diz a uma criança: Você ainda tem comida no
prato, isto deve ser entendido pela criança como uma ordem implícita para que ela
termine o seu jantar. Estas diariamente se defrontam com palavras repletas de
sentido autoritário enunciadas pelos adultos, principalmente em casa e na escola.
Elas precisam aprender a cooperar nessas situações, se elas estão aptas para
entender os enunciados que são dirigidos a elas.
Logo, para o pesquisador, a noção do Princípio de Cooperação ocorre em
resguardados casos em que os falantes são, pelo menos em parte, evasivos,
56
enganosos, irrelevantes e opacos; bem como para os casos em que são
informativos, verdadeiros, relevantes e claros. Desta forma, o autor argumenta que
essa versão do Princípio de Cooperação nos oferece uma subestrutura para o
entendimento da complexa relação entre relações sociais e processos cognitivos
que são básicos para o entendimento da linguagem.
Logo, para o autor, é provavelmente aparente que o contexto de comunicação
é de uma importância crítica na determinação da interpretação que os ouvintes
fazem em direção ao enunciado do falante. A compreensão é, nesse sentido, um
processo interativo. Para Wells, a compreensão da linguagem envolve um processo
de construção e desconstrução: em primeiro lugar, o ouvinte precisa identificar qual
aspecto está realmente sendo referido e, posteriormente, construir uma
representação adequada para ele. O ouvinte precisa identificar a proposta do falante
e, depois, relatar essa proposta utilizando a informação nova do enunciado do
falante para que essa representação aconteça.
Segundo Wells (1981), a compreensão é o resultado de um processo
interacional entre as sugestões deixadas pelo enunciado do falante e o
conhecimento do ouvinte para interpretar essas sugestões. Por essa razão,
argumenta o autor, o processo de compreensão acontece primeiro com a
decodificação do sentido, para posteriormente atuar sobre o entendimento do que
está entalhado sob a relação entre mensagem, intenção e contexto. O contexto
nunca é só uma realidade dada, mas uma estrutura intersubjetiva de referência
construída para quem a relação do enunciado está especificada, ultimada pelas
intenções dos participantes conversacionais: os ouvintes tratam o pedido por
diferentes objetos em termos da sua percepção da intenção do falante
proporcionada por seu conhecimento (ou noção baseada na experiência) sobre a
atividade em curso.
Isto quer dizer que os ouvintes, ao olharem para algo ‘diferente’, olham mais
para algo que preserva a intenção do falante com a ajuda do contexto, ao invés de
buscarem ‘algo completamente diferente’. Essas descobertas, feitas por Wells
(1981) ao investigar a compreensão, têm implicações claras em relação ao sentido
que os falantes freqüentemente testam na compreensão da linguagem da criança,
em cenários que se desviam de expectativas normais de interação conversacional.
57
Uma questão adicional sobre a relação entre contexto e compreensão é a
extensão que apresenta o desenvolvimento da comunicação e as habilidades de
compreensão na criança. Esta pode ser percebida como uma liberdade gradual da
criança com relação à sua dependência do contexto imediato.
Em suma, Wells (1981, p. 120) postula que a compreensão deve ser vista
como um processo interativo e construtivo: o sucesso da compreensão depende de
uma orientação cooperativa de parceiros conversacionais em busca de sentidos
partilhados e de sua negociação das relações de uma subestrutura distribuída entre
enunciado e contexto. Contudo, uma teoria adequada da compreensão precisa
incluir uma especificação de seus componentes e de suas relações para todo o
processo. Clark e Clark apud Wells (1981, p.121) sugerem que o estudo da
compreensão
divide-se naturalmente em duas áreas de estudo. O primeiro pode ser
chamado de processo de construção. É referente ao sentido que os
ouvintes constróem junto a uma interpretação de uma sentença das
palavras do falante. Eles parecem iniciar por identificar a estrutura de
superfície e terminar com uma interpretação do que parece uma
representação subordinada.
Wells descobriu que, para as crianças menores, o processo de compreensão
é visto basicamente em termos de estratégias para identificar a atividade que o
falante deseja que o ouvinte realize; enquanto que para as crianças maiores, o
processo de construção de interpretação de um enunciado acontece parcialmente
diferenciado do processo de utilização. Embora o autor defenda que essa
dissociação é somente parcial, o que realmente importa é como esses processos
são organizados em modos mais complexos de entendimento.
Este trabalho preocupa-se em investigar como as crianças, em uma faixa
etária entre 4 e 7 anos de idade, interpretam enunciados que se referem aos
aspectos do contexto imediato baseados em conhecimento situacional. Nos
propusemos a responder, nesta seção, como se dá a compreensão dos atos de fala
por falantes concretos em situações concretas de interação. Pensamos tê-la
respondido sob o arcabouço teórico de Clark (1992), que, com estudos
experimentais, discute o processo de compreensão de atos de fala, de Wells (1981),
58
referente ao desenvolvimento da compreensão, e ainda de Marcuschi (1998) que
aborda as atividades de compreensão em uma interação verbal.
Posteriormente a essa abordagem, trataremos, no próximo capítulo, da
aquisição de pragmática; ontogênese dos atos de fala, produção e compreensão de
pedidos; ponto central de nossa investigação. Após apresentaremos a pesquisa de
Ervin-Tripp por nós, parcialmente, replicada.
59
3 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
– ASPECTOS PRAGMÁTICOS
Nesta seção, trataremos do desenvolvimento lingüístico-pragmático da
criança, procurando enfatizar como esta se comporta em situações comunicativas
espontâneas, nas quais os atos de fala estão fortemente ligados ao contexto e à
situação.
A experiência com estudos lingüísticos fez dos pesquisadores da linguagem
infantil excelentes candidatos para a exploração da pragmática – uso sistemático da
linguagem no contexto. Os estudos sobre aspectos pragmáticos da linguagem
infantil iniciaram no final da década de 1970 e início da de 80, com pesquisadores
como Dore (1976), Garvey (1975), Bates (1976), entre outros, ligados à área da
aquisição da linguagem.
Discutiremos, a partir deste momento, as questões a serem discorridas ao
longo da seção. A primeira questão relativa ao processo de aquisição da linguagem
aborda o desenvolvimento da consciência pragmática. Esta constitui-se de um
conjunto de processos cognitivos, lingüísticos pelos quais seus participantes de
forma recíproca atribuem aos seus enunciados atos convencionais particulares. Ao
discutirmos a consciência pragmática, não podemos deixar de abordar a consciência
metapragmática. Esta é uma habilidade da fala que envolve todo ato de fala ou
coordena determinado ato de fala. A capacidade metapragmática possui menção
explícita ao contexto que coordena um ato de fala: falante e ouvinte, tempo e espaço
do enunciado e assim por diante.
60
A segunda questão enfatiza que o desenvolvimento da competência
pragmática dá-se, na criança, através do desenvolvimento lingüístico, da consciência
metalingüística e do desenvolvimento de suas relações sociais. Sob esse ponto de
vista, um enunciado só possui um conteúdo proposicional e força ilocucionária
própria se tomado em um contexto situacional, no momento concreto da interação.
A aquisição da linguagem envolve, portanto, a aquisição da competência
comunicativa pela criança. Cabe, aqui, retomar brevemente os conceitos de
competência lingüística, estabelecido por Chomsky (1965), e competência
comunicativa, definido por Hymes (1979).
Segundo Chomsky (1965), competência lingüística é o sistema de regras
interiorizado pelos falantes, que por constituir seu sistema lingüístico, dá a eles
competência comunicativa, deixando-os aptos para expressar um conteúdo
pragmático. Essa habilidade abrange o conhecimento do falante para se expressar
em diferentes situações sociais.
Na aquisição da linguagem, estar apto para expressar um conteúdo
pragmático é visto como um processo de construção em que a criança internaliza
um conjunto de regras gramaticais que a capacita a produzir um número ilimitado de
sentenças de uma determinada língua. De posse dessas regras, a criança formula
hipóteses que formam as estruturas lingüísticas. Essas regras são determinantes
para o uso da linguagem.
Para Chomsky (1965), a noção de competência está relacionada à existência
de uma gramática universal, ou seja, de mecanismos inatos que possibilitam ao
falante o uso de um sistema finito de regras ordenadas; embora, faz-se necessário
frisar aqui que, para o lingüista, justamente por existir essa noção de competência
ideal inata, este não leva em consideração o contexto situacional.
Já Dell Hymes (1979) posiciona-se contra o conceito de competência
lingüística chomskiano. Para o autor, a criança adquire concomitantemente
conhecimento da estrutura gramatical da língua, isto é, adquire competência
comunicativa e aprende a usá-la adequando-se às situações sociais.
61
Para esse autor de formação antropológica e sociolingüística, tanto a
competência gramatical quanto a competência comunicativa são adquiridas pelo
falante, concomitantemente, através das interações sociais. A competência
comunicativa envolve, na verdade, mais do que uma competência lingüística, isto é,
os interlocutores são portadores de uma sócio-semântica em que são determinantes
as crenças da comunidade dos falantes.
Instaura-se, nesse momento, a terceira questão relativa ao processo de
aquisição da linguagem. O processo de aquisição da linguagem infantil está
diretamente ligado ao processo de interação social: a comunicação é uma atividade
cognitiva, pois envolve processos mentais dos interlocutores e uma atividade social,
já que ocorre num processo interativo.
Ainda segundo Hymes (1979), os enunciados realizados são produtos da
interação da competência lingüística ao mesmo tempo que da competência
comunicativa. Em sua pesquisa etnográfica da fala, o autor explica que seu interesse
maior é explicar como os falantes e ouvintes fazem para manter uma conversação,
ou seja, como os participantes de uma conversação agem para construir e manter
um sentido intencionado.
Hymes, sob esse postulado, defende que, para a aquisição da competência
lingüística, os fatores sócio-culturais são determinantes, já que as situações sociais
são constituintes e constituídas pela linguagem.
Conforme Hymes (1979), a competência lingüística está estreitamente ligada
aos valores, atitudes e adaptações concernentes à linguagem, suas características e
usos, desta forma é produto de experiências sociais. Na abordagem funcionalista, o
teórico esclarece que as regras gramaticais não têm valor se desvinculadas de
regras contextuais.
Um sistema lingüístico contém inúmeras possibilidades para o falante
expressar determinado sentido, mas este nem sempre as possui disponíveis em seu
repertório. O conhecimento adquirido pelo indivíduo é particularizado, e a
62
competência que este apresenta ao fazer uso da linguagem inclui habilidades e
julgamentos relativos às características sócio-culturais e delas depende.
Adquirir competência comunicativa significa adquirir os aspectos fonológicos,
morfológicos, sintáticos e semânticos de uma língua adequando-as às mais diversas
situações. Para manifestar um comportamento através da linguagem, o interlocutor
faz uso de julgamentos e habilidades ditadas por um sistema de regras.
Durante o processo aquisicional da linguagem, Hymes (1979) postula ser a
internalização de atitudes lingüísticas fator primordial para que a criança seja capaz
de compreender e produzir atos de fala, de participar efetivamente em ações sociais
e de escolher o repertório mais adequado à determinada situação contextual.
Para isso, é necessário que a criança demonstre estar apta a negociar,
expressar ou manipular as relações sociais. Ou seja, a criança precisa estar madura
do ponto de vista de sua percepção das relações entre interlocutores para interagir
de forma adequada com o que a circunda, discernindo quando falar e não falar,
sobre o que falar, sobre quem ou com quem, quando, onde.
Para Hymes, a criança familiarizada com uma matriz, ou seja, com um
modelo de desenvolvimento lingüístico, está apta a enfrentar as mais diversas
situações comunicativas, isto é, é capaz de adaptar sua linguagem às situações em
que participa.
Já a quarta questão esclarece que o conhecimento pragmático da criança
aumenta à medida que esta se desenvolve como F e O: o conhecimento lingüístico e
o conhecimento de mundo da criança cresce de maneira gradativa. Ela pouco a
pouco apresenta capacidade para manter relações sociais, tornando-se, dessa
forma, comunicativamente eficiente. A aquisição dos aspectos pragmáticos da
criança ocorre através de sua interação com o mundo e com os outros.
A comunicação verbal infantil constitui-se através de uma série de etapas,
desde o balbucio, a aparição das palavras isoladas, denominadas de holófrase, dos
63
enunciados de uma só palavra, até o surgimento do enunciado mais complexo e das
seqüências discursivas mais longas.
Halliday (1975), em seu estudo sobre o desenvolvimento de conceitos
funcionais, criou uma taxionomia ao investigar a emergência dos enunciados
infantis, através da observação sistemática de seu filho, em um estudo longitudinal
durante o período de nove aos dezoito meses de idade.
O teórico postulou seis funções categoriais, assim denominadas: função
instrumental, a criança usa a linguagem para satisfazer suas necessidades para
obter objetos ou serviços, também chamada de função “Eu quero”; função
reguladora, usada para controlar o comportamento dos outros, função “Faça como
eu te digo” ; função interacional, usada para interagir com o que está a sua volta,
função “Você e eu” ; função pessoal, usada para expressar a singularidade da
criança, função “Estou aqui” ; função heurística, usada para explorar o meio, função
Me diga por que” ; e por fim, a função imaginativa, usada pela criança para criar seu
meio ambiente, função “Vamos fazer de conta”.
Halliday (1975), ao discutir o balbucio, por exemplo, afirma que, no estágio
pré-verbal do desenvolvimento infantil, o som [a] [a] incluído numa determinada
situação expressa me dá ou faça isto; o mesmo som a a produzido de forma
diferenciada e num tom mais alto do que o natural pode significar quero dormir.
Desta maneira, para este pesquisador e outros (BATES, 1976; ERVIN-TRIPP, 1976),
o balbucio serve como simples forma de comunicação, apoiada na entoação, e
compreensível somente através de ajuda contextual.
Halliday dividiu o desenvolvimento dessas seis funções em fases: a Fase 1
refere-se ao período de 16 meses e meio de idade, quando a criança usa
enunciados de uma só palavra e adquire poucas palavras, 50 aproximadamente.
Nesta, o sentido único é criado pela criança, não adquirido de seu meio lingüístico.
O autor denominou a linguagem criada pela criança, nessa fase, como
protolinguagem ou protopalavra. De acordo com Halliday, é durante esse período
que as seis funções emergem, embora as funções para um número limitado de
protopalavras possam variar.
64
A Fase 2 possui os seguintes traços: nesse período o vocabulário cresce de
52 para 145 palavras; a criança inicia os diálogos; a sintaxe começa a surgir na
forma dos enunciados; e há uma mudança nas funções: as seis funções da Fase 1
transformam-se em duas funções gerais, a função matemática e a função
pragmática.
Alguns traços da Fase 2 são parte do período da emergência de combinações
das palavras. Na etapa dos enunciados de uma palavra, a criança já inclui unidades
lexicais isoladas que logo são gramaticalmente reconhecidas, mas, para que o
conteúdo desse enunciado possa ser compreendido, é necessário ainda apoio da
entoação e, principalmente, do contexto situacional.
Para teóricos funcionalistas, como Halliday (1975), por exemplo, a ampliação
de funções ocasiona mudanças formais. Este postula a linguagem como um
fenômeno social, a competência para o uso é, então, parte integrante de uma base
de desenvolvimento gramatical. A aquisição da competência lingüística, em
específico a gramatical e para o uso, ocorrem simultaneamente.
Segundo o autor, o uso da linguagem é funcional e, assim sendo, as crianças
demonstram ser capazes de dar sentido à linguagem quando esta serve às
situações concretas de interação. As crianças possuem estratégias que se
desenvolvem gradativamente na interação social.
É importante ressaltar, com relação a tais etapas, que o desenvolvimento da
função comunicativa infantil está apenas sedimentando-se quando a criança começa
a dominar as formas gramaticais menos complexas da língua como, por exemplo,
quando demonstra ter condições de interpretar pedidos explícitos endereçados a
ela.
Ochs (1979, p. 6), ao investigar a linguagem infantil, questiona-se sobre o
que na linguagem da criança pode contribuir para o entendimento da linguagem no
contexto. A autora postula que tal estudo pode oferecer, além de uma base para
pesquisa multidisciplinar, uma metodologia baseada em observação empírica, a
oportunidade para observar a emergência de sensibilidade contextual e a transição
65
do contexto para a sintaxe, e ainda, a oportunidade para observar a socialização de
conhecimento essencial ao uso da linguagem.
Observar a emergência da sensibilidade contextual está, de maneira
intrínseca, ligada à observação do desenvolvimento infantil para perceber quando as
crianças demonstram interpretar as intenções pragmáticas que existem em um
determinado enunciado – interesse precípuo deste trabalho.
Para Ochs (1979), o contexto é crítico para apropriar e comunicar com
sucesso interações verbais. As crenças e o universo social dos interlocutores,
incluindo a linguagem, constituem um recurso para influenciar a forma de expressar
uma idéia, mas principalmente para a interpretação de expressões lingüísticas. O
falante precisa estar conectado em um conhecimento comum com o de seu
interlocutor, em uma comunidade de fala para garantir uma conversação, isto é, o F
deve adequar seus enunciados de acordo com sua crença ou não de que o ouvinte
conhece o referente em questão.
A habilidade necessária ao falante para considerar a perspectiva do ouvinte
pode determinar o sucesso das interações verbais. Como nos adultos, que também
adquiriram tal habilidade, a sensibilidade da criança cresce para colocar-se na
perspectiva do ouvinte. A capacidade de “pressupor” determina o sucesso desse
processo. Quando falamos de uma certa informação pressuposta pelo falante,
geralmente pensamos que o falante assume algo em determinado caso e assume
que o ouvinte partilha ou não esta noção. A criança que não considera o
conhecimento do ouvinte, ao produzir um enunciado, não está pressupondo, mas
simplesmente partindo do princípio de que algo está acontecendo
independentemente do outro.
A seleção do que dizer, na holófrase, está ligada à informação que é ou não
certa para criança. Somente mais tarde, ela parece levar em consideração o seu O e
escolher a palavra que melhor assegura a compreensão e o reconhecimento de seu
ato de fala pelo seu interlocutor.
66
Em muitas línguas, o suposto conhecimento do F sobre o conhecimento do O
afeta de forma determinante o uso de elipses, de artigos e demonstrativos, de
orações relativas, referências a entidades no passado, no futuro, a tonicidade das
frases e a ordem das palavras.
Ochs (1979) argumenta, baseada no que Greenfield (1978) discute, que a
noção de “certeza” é precursora da noção de “pressuposição” no desenvolvimento
da linguagem. A escolha do que expressar no estágio de enunciados de uma só
palavra é tida como informação do que é ou não certo para a criança: o
conhecimento do ouvinte não é uma consideração importante nesse estágio.
Na verdade, um traço universal em todas as línguas é que elas são,
basicamente, sensíveis ao contexto, assim como em todas as línguas naturais
existem categorias gramaticais, de acordo com o exposto acima, tais como a
estrutura de predicação tópico-comentário. As regras gramaticais, então, são
aprendidas pelas crianças por analogias com as regras da ação e atenção.
Estudos como os de Garvey (1975) e Ervin-Tripp (1976), demonstram que as
crianças aprendem a linguagem através da estrutura social. Elas aprendem que os
status sociais são ligados a obrigações e direitos particulares, e aprendem como
esses direitos e obrigações são manifestados no comportamento verbal. Assim, as
crenças e suposições sobre o universo social constituem um recurso para
compreender e expressar as intenções do F.
Dessa forma, para alguém se tornar competente comunicativamente é preciso
adquirir um conhecimento subjacente que os interlocutores de determinada
comunidade lingüística elegeram como adequado.
Ochs (1979) ressalta ainda que os dados sobre a aquisição da linguagem
revelam alternativas pragmáticas válidas antes mesmo que os enunciados de uma
só palavra tenham emergência. Inicialmente, a criança pode ter dificuldade em
considerar a perspectiva do ouvinte; no entanto, ao distanciar-se da fase
egocêntrica, automaticamente cresce sua sensibilidade em relação ao outro.
67
No início da aquisição, em um estágio que Piaget (2001) chama de pré-
operacional, a criança utiliza enunciados simples, que normalmente envolvem
objetivos e acontecimentos que ocorrem no seu meio social. Entretanto, a criança
rapidamente evolui para um estágio operacional, no qual é capaz de solicitar objetos
e pessoas que estão fora de seu alcance visual, por exemplo, chorar logo que sua
mãe sai do quarto. A fala que não é dirigida para o ‘aqui e agora’ é freqüentemente
inadequada no estágio inicial do desenvolvimento da linguagem infantil.
Posteriormente, cresce sua capacidade cognitiva relativa à memória e a criança será
capaz de descrever fatos ou acontecimentos passados.
Portanto, as crianças precisam adquirir tal capacidade para que, ao
produzirem seus enunciados, também possam concomitantemente colocar-se na
perspectiva de ouvinte. Assim, o processo de descentralização é crucial para que as
crianças interpretem atos de fala indiretos.
A maioria dos falantes desenha seus enunciados com o endereçado em
mente (SCHEGLOFF e SACKS, 1973 apud OCHS, 1979): para isso consideram a
identidade social do endereçado, sua biografia pessoal, e seu conhecimento e
crenças sobre o mundo. Isso quer dizer que o falante leva em consideração seu
ouvinte inserido em um contexto cultural ao planejar uma interação verbal.
Dessa maneira, o desenvolvimento lingüístico está ligado ao desenvolvimento
sociocognitivo, favorecendo a observação da estrutura da língua e do
comportamento lingüístico do adulto. Durante esse período do desenvolvimento, a
criança vai aprender certos aspectos funcionais de sua língua. Ela vai aprender que,
para enunciar certas palavras, é preciso considerar a situação em que se encontra,
já que as palavras mudam de significado, dependendo de quem as enuncia e da
situação em que são enunciadas.
As crianças pequenas, conforme defende Bruner (1975), no período pré-
lingüístico, atuam sobre unidades básicas denominadas de esquemas interacionais.
Os esquemas ou formats (BRUNER, 1975) são as inúmeras situações que o adulto
constrói junto com a criança na interação com objetos, tais como construir e derrubar
pilhas de blocos, esconder e procurar. A capacidade da criança de colocar-se como
68
parceiro ativo na interação com o adulto demonstra a construção do protodiálogo,
mesmo que formas lingüísticas interpretáveis ainda não estejam presentes. Para
Bruner (1975), o processo de aquisição da linguagem é altamente determinado pelo
conhecimento de mundo do sujeito cognoscente, pela maturação e pelo intercâmbio
social da criança com o adulto.
Sob essa perspectiva, Ochs (1979) demonstra que a criança, na fase inicial
de seu desenvolvimento lingüístico, aproximadamente dos 2;0 aos 2;5 anos de
idade, procura preencher turnos no diálogo com o adulto adaptando e moldando a
seqüência conversacional em uma interação face a face. A linguagem é adquirida
através de trocas da criança com seu interlocutor, ou seja, pais, irmãos, cuidadores,
através de interações verbais em uma ação coordenada por ambos de colaboração
conjunta ao redor de objetos e situações. É importante salientar que colaboração
aqui não significa consenso ou concordância, mas apenas a realização de ações
coordenadas (MARCUSCHI, 1998).
A partir dos 3;0 anos de idade, a criança já tem condições cognitivas e, a
partir dessas, condições lingüísticas, para relatar eventos ou ações passadas. É
nesse período que ela apresenta capacidade para construção e interpretação de
narrativas, em que se coloca, com maestria, algumas vezes no papel de falante e,
em outras, no de ouvinte, demonstrando ter adquirido plenamente essa habilidade
discursiva.
À medida que a criança desenvolve sua capacidade lingüística, adquire uma
consciência metalingüística, ou seja, quando a criança demonstra ter condições de
interpretar enunciados não-literais, isto é, enunciados implícitos, demonstra essa
capacidade para compreender atos de fala indiretos. Esses tipos de diretivos são
adquiridos mais tarde, já que estes exigem uma capacidade mais complexa da
criança, tais como discernimento, distanciamento do sentido literal das palavras e,
portanto, de perceber as ambigüidades. Além disso, nos pedidos indiretos, o F pode
emitir um enunciado que quer significar o que diz, mas também quer significar algo
mais. As formas indiretas colocam a importância da interpretação com uma clareza
maior.
69
O ato diretivo indireto envolve processos de racionalidade por parte dos
interlocutores, o conhecimento de mundo e, principalmente, das situações sociais,
além de exigirem um processamento de inferências lógicas, pois só podem ser
interpretáveis com ajuda contextual e conhecimento situacional.
Este tipo de pedido requer que a habilidade metalingüística da criança já
esteja adquirida: para que ela possa compreender que este tipo de enunciado
lingüístico nem sempre é explícito, ou seja, para que possa interpretar enunciados
de pedidos indiretos não-convencionais, sugestões ou alusões e ironias.
Dessa forma, Ochs (1979) defende que o desenvolvimento da competência
pragmática acontece concomitantemente ao desenvolvimento da consciência
metalingüística, que contribuirá para que a criança se torne apta a compreender o
sentido enunciado em relação ao papel do F e do O em um ato de fala.
No ato ilocucionário pedido há uma relação estreita entre a noção de
significado e a noção de intenção, ou seja, o efeito que o F quer causar no O. A
criança, além de deparar-se com a complexidade da mensagem em si, enfrenta
outro obstáculo que é em relação à força que determinado enunciado precisa ter
para modificar o comportamento do interlocutor. Há, então, uma dependência entre a
forma como o falante vai enunciar o conteúdo proposicional e o modo como o
ouvinte irá compreendê-la.
Tudo isso está relacionado à competência comunicativa, que, conforme vimos
no início desta seção, envolve, através das interações sociais, a competência
lingüística. Parece-nos, então, haver certa interdependência entre o
desenvolvimento da competência pragmática e o desenvolvimento da consciência
lingüística. Este último, visto como a capacidade de a criança refletir sobre as
unidades e estruturas da língua.
Faz-se necessário ressaltar, neste momento, conforme argumenta Ochs
(1979), que a consciência pragmática exige da criança capacidade de abstração e
descentralização. Essa capacidade ocorre de forma progressiva. Assim, o ato
70
comunicativo ocorre como uma atividade que se torna possível pelo processo de
descentralização, como uma prática social e intersubjetiva.
Ao expandirmos o estudo da linguagem da criança para dimensões
pragmáticas, estas nos possibilitam ver a variedade de habilidades comunicativas
que a criança pequena tem em situações sociais diárias. A pragmática oferece uma
explicação mais rica e adequada do conhecimento social e lingüístico da criança. O
emprego de alternativas pragmáticas em estruturas morfossintáticas é rico e
freqüente no comportamento da linguagem da criança pequena.
Após tratarmos brevemente os conceitos que embasam as fases de aquisição
referente aos aspectos pragmáticos da linguagem infantil, na seção seguinte,
apresentaremos a produção de atos de fala diretivos, com destaque especial aos
pedidos, para, posteriormente, abordarmos o foco mais importante deste trabalho,
qual seja, a compreensão dos pedidos pela criança.
3.1 Aquisição dos Pedidos Diretos e Indiretos: Produção
Nesta seção, ao partirmos do pressuposto de que existe uma ordem
hierárquica para a emergência de pedidos, abordaremos a aquisição desde sua
gênese até a produção de pedidos diretos, indiretos convencionais e indiretos não-
convencionais.
Na produção de pedidos por crianças, destacam-se várias pesquisas entre as
quais citamos Garvey (1975), Reeder (1980), Andersen (1992) e, no Brasil, Mariante
(1997). Abordaremos de forma resumida esses trabalhos para, posteriormente,
tratarmos, como já é sabido, do nosso maior interesse, qual seja, a compreensão de
pedidos por crianças.
A pesquisa de Garvey (1975) aborda a produção de pedidos por crianças. A
autora trabalhou com a fala espontânea de trinta e seis crianças de classe média
branca oriundas, predominantemente, de famílias de profissionais liberais. Havia
vinte e uma meninas e quinze meninos com idade entre 3;6 a 5;7 anos de idade. A
pesquisadora estabeleceu a seguinte divisão: seis díades de crianças menores (3,6
71
a 4,4) e doze díades de crianças mais velhas (4,7 a 5,7). Seu objetivo principal era
verificar como a criança constrói significação ao falar e como interpreta as intenções
dos falantes.
Durante o experimento, as crianças eram levadas ao laboratório pela
professora. A pesquisadora sorteava três crianças para ver quem brincaria primeiro
e para ver quem entraria primeiro na sala de brinquedos. A criança que tirasse a
haste mais longa ocupava-se da discriminação da tarefa, enquanto a díade
explorava a sala de brinquedos. Estas crianças eram filmadas através de um
espelho e não sabiam que estavam sendo observadas. Após quinze minutos, as
crianças eram trocadas de lugar. Nesse sentido, três crianças formavam um grupo e
cada criança era observada na sala de brinquedos com dois parceiros diferentes.
O método usado por Garvey para o experimento era transcrição de fala e uma
narrativa das atividades. Essas atividades incluíam exploração conjunta e individual
da sala e dos brinquedos, brincadeiras de faz-de-conta e somente conversas. As
díades produziam em média um enunciado a cada 4,6 segundos. Este corpus de
interação de pares oferecia uma amostra de fala espontânea livre da influência
imediata do adulto. Os brinquedos encontrados na sala levavam a atividades
similares para a maioria das díades. Por exemplo, a ação mais escolhida era um
carro de madeira com rodas e uma placa de autorização colocada no centro da sala
com um microfone. A maioria das díades eram absorvidas com brincadeiras e
atividades organizadas para dirigir o carro. De maneira similar, outras díades
mantinham conversas ao telefone e também cozinhavam no fogão. De acordo com a
autora, coordenar a ação do outro, nesses cenários, foi o motivo mais importante
para a fala.
A pesquisadora escolheu os pedidos de ação para observar, pois esses, se
bem empregados, são bem interpretados, são ouvidos pela criança da fala adulta e
também são enunciados intrínsecos às significações sociais, isto é, através do
código lingüístico com estruturas lingüísticas complexas se realiza, repleta de
intenção, a significação social.
72
Garvey primeiramente observou os pedidos diretos e depois os indiretos,
obedecendo à mesma ordem de sua emergência. Faz-se interessante apresentar a
proposta da pesquisadora quanto ao domínio estrutural do pedido.
Ela esclarece que, em uma interação conversacional, os participantes
precisam assumir cada um o seu papel, isto é, o falante precisa efetuar seu pedido
adequadamente para que o ouvinte também o interprete adequadamente. Caso o
ouvinte não consiga interpretá-lo, é necessário reparo para que este concorde ou
então recuse o pedido. As crianças, dependendo da fase, podem ainda não estar
prontas lingüística e cognitivamente para fazê-lo, mesmo que este tenha sido bem
produzido. A estrutura do pedido, portanto, outorga responsabilidades diferentes ao
F e ao O, permitindo que esse último tenha maior mobilidade para aceitá-lo ou
recusá-lo.
Abaixo, encontra-se a estrutura do pedido, no contexto da qual, segundo
Garvey, só são obrigatórios o pedido do F e o reconhecimento do O, o pedido e o
reconhecimento do pedido, indicando consciência do pedido do F. Os outros são
opcionais, isto é, (1a) preparação do conteúdo proposicional, (1b) adjunto do pedido
e o (3) esclarecimento:
F e O (1a) Preparação do conteúdo proposicional;
F (1b) Adjunto para o pedido;
F (2) Pedido;
O e F (3) Esclarecimento;
O (4) Reconhecimento do 2;
F (5) Reconhecimento de 4.
De acordo com esses componentes, alguns básicos e outros opcionais, a
produção do pedido acontece em:
73
1a) Preparação do conteúdo proposicional: o F antes de realizar o pedido
certifica-se de quais termos de referência da proposição são compartilhados pelo O.
Este componente é composto por um Par adjacente. Segundo Schegloff (1972), par
adjacente é uma seqüência de dois turnos que ocorrem e servem para a
organização local da conversação. Estes são conjuntos conversacionais em que a
produção de um acarreta a do outro, isto é, o primeiro turno depende da realização
do segundo. Portanto, ao efetuar o pedido, o ouvinte solicita uma resposta. Abaixo,
exemplos traduzidos por nós dos informantes do estudo:
F: (1a) Tu vês aquele martelo ali?
O: Sim.
F: (2) Passe-o para mim.
1b) Adjunto do pedido – o pedido direto é acompanhado por uma oração ou
frase que é sintaticamente independente da oração que contém verbo imperativo, ou
por uma tag, por exemplo tudo bem?, ou tudo certo? que, em inglês, pode ser uma
interrogativa constituída pelo verbo da frase declarativa que a precede e uma
partícula de negação, assim como O senhor já esteve aqui, não esteve? As
interrogativas tag expressam um pedido de confirmação do conteúdo proposicional
da declarativa que a precede e, concomitantemente, servem para que o ouvinte
tome o turno. O adjunto do pedido é produzido pelo F e precede ou imediatamente
segue o pedido (com exceção de tags, que somente seguem pedidos).
F: Enrola essa fita para mim.
O: Não consigo fazer isso.
2) Esclarecimento – seguindo o pedido, o O faz uma pergunta sobre o
enunciado. O componente de esclarecimento é composto de um par adjacente, isto
é, um pedido de informação por parte do O e uma resposta do F.
F: Me alcança o carrinho.
O: Qual deles?
F: O vazio.
74
3) Reconhecimento do pedido – se o pedido alcança seu efeito perlocutório,
então o F pode marcar o final do domínio estrutural do pedido, agradecendo ao O.
F: Amarra isto para mim, por favor.
O: (Amarra o cinto)
F: Obrigado.
Garvey (1975, p. 51) esclarece que o domínio estrutural do pedido oferece
uma base para a seqüência conversacional, isto é, uma estrutura mínima que pode
ser uma opção para servir de preparação ao pedido, para clarificar um
desentendimento ou para vencer desacordos. O domínio estrutural de um pedido
reflete um domínio de relevância, um entrelaçamento de crenças e motivos
associados.
Esse entrelaçamento mantém unidas as noções estruturais do pedido. Dessa
forma, garante o sucesso da produção e da compreensão deste. O entrelaçamento
organiza a base estrutural do pedido para que o ouvinte a reconheça e também
influencia a interpretação do F, bem como o comportamento do ouvinte para
interpretação do pedido.
Ao examinar o domínio do pedido direto, Garvey (1975) explica que, ao fazê-
lo, é necessário observar o que ela chama de fatores de significado. A pesquisadora
argumenta que pedidos são acompanhados por adjuntos. A maioria desses adjuntos
oferece uma razão para fazer um pedido. O exemplo seguinte ilustra alguns tipos de
adjuntos, expondo uma relação objetiva relativa ao pedido:
O F pede para ao O para parar de se apoiar nela:
F: Pára com isso. Você machucou minha cabeça. (causa para o pedido)
O F pede ao O para tirar o coldre:
F: Tirem isso! Vocês são meninas! (consideração normativa)
75
Outra razão encontrada nos adjuntos é que eles são mais subjetivos, isto é,
fazem referência às atitudes dos participantes. Segundo Garvey, existem três fatores
de significado encontrados nos adjuntos identificados:
(a) A razão do F para fazer o pedido.
(b) O desejo do O ou necessidade de um resultado da A.
(c) A disposição do O para fazer a A.
O reconhecimento embasa a evidência dos adjuntos de que o F e O
acreditam que o F tem razões para fazer o pedido, embora o ouvinte possa duvidar
dessa razão. Logo, as razões são invocadas nos adjuntos pelo F e nos
reconhecimentos pelo O.
Em resumo, adjuntos e reconhecimentos partilham dois fatores de
significados, um relata a crença de que o F e o ouvinte partem do princípio de que o
pedido foi motivado por uma razão e a outra relata a noção de que o ouvinte tem
disposição para fazer a ação. Reconhecimentos explícitos introduzem fatores
adicionais ao domínio do pedido.
Garvey (1975) esclarece que podemos modificar a lista de fatores,
adicionando outros e indicando que estes são interpretados como reflexo da
compreensão da condição de sinceridade do pedido. Os fatores mais importantes
para os pedidos são os que refletem a condição de sinceridade, já que os outros
fatores refletem condições mais gerais não só para pedidos, mas também para
outros tipos de atos de fala.
(a) O pedido e a resposta são razoáveis.
(b) O F quer que o ouvinte execute a A (Condição de Sinceridade (a)).
(c) O ouvinte está querendo fazer a A (Condição de Sinceridade (c)).
(d) O ouvinte está apto para fazer a A (Condição de Sinceridade (b)).
76
(e) O ouvinte é obrigado a fazer a A.
(f) O ouvinte é um receptor apropriado do pedido.
(g) O ouvinte tem direitos que podem entrar em conflito com a produção da A.
(h) Antes do pedido, o ouvinte não pretendia fazer A (Condição de
Sinceridade (d)).
Os fatores de significado dos pedidos diretos constituem a base dos pedidos
indiretos. O mecanismo pelo qual um enunciado conta como pedido é que o falante
assume a noção de que o ouvinte vai fazer a ação e então pede para que o ouvinte
não esqueça sua intenção. Esse tipo de estratégia pode ser interpretado como
violação da condição de sinceridade, pois o falante assume que o ouvinte não quer
fazer a ação na ausência do pedido.
Para Garvey (1975), a base para a análise de pedidos indiretos foi a
recorrência de um conjunto de fatores de significado identificados no domínio do
pedido direto. Adjuntos, reconhecimentos, esclarecimentos e pedidos repetidos
também ocorrem com pedidos indiretos e refletem o mesmo conjunto de fatores de
significado.
Assim, a partir desse quadro explanatório a autora procura evidências de que
os pedidos e as respostas das crianças a estes são baseados em um conjunto de
fatores de significado interpessoais específicos. Segundo ela, pedidos diretos e
indiretos e suas respostas oferecem suporte para a hipótese de que as crianças
estão aptas para o significado interpessoal, nos quais o ato de fala pedido está
baseado.
Garvey (1975), ao investigar a competência lingüística na fala espontânea de
crianças em relação aos atos ilocucionários, argumenta, a partir dos resultados
encontrados nessa pesquisa, que as crianças realizam mais pedidos de forma direta,
com poucas formas indiretas apresentadas. Para ela, as crianças demonstram certa
competência comunicativa, já que reconhecem a necessidade de se produzir
77
adequadamente um pedido para que este seja feliz, isto é, para que seja
reconhecido pelo ouvinte.
Por essa perspectiva, os resultados de Garvey (1975) mostram que as
crianças conseguem falar o que pensam, e ainda, está claro que as crianças
também podem querer dizer mais do que efetivamente dizem, utilizando enunciados
que contém implícitos. Elas podem transmitir um pedido ou uma recusa
indiretamente.
Na mesma direção, Reeder (1980), ao pesquisar a emergência das
habilidades ilocucionárias em sete crianças com dois grupos de idade, 2,5 e 3,0
anos, se propôs discutir duas questões importantes: (1) que conjunto de traços,
lingüísticos e pragmáticos constituem pistas para discriminação da força
ilocucionária por crianças pequenas? Ou seja, crianças de 2,5 e 3,0 anos de idade
empregam pistas contextuais para distinguir pedidos de propostas? E (2) qual é o
limite desenvolvimental inferior da emergência de discriminação de força
ilocucionária para pedidos e propostas? Isto é, a habilidade das crianças para esses
dois atos ilocucionários evoluem com a idade?
Dois níveis de variação do contexto foram inventados no sentido de
corporificar supostos atributos de pedidos e de propostas. Uma variante gravada em
fita cassete da forma Você poderia fazer A? era apresentada ao sujeito em cada
condição de contexto, com outros sujeitos servindo para controlá-lo. A discriminação
da força ilocucionária de cada performance era medida pela discriminação de uma
tarefa simples que elicitava um julgamento indiretamente feito pela criança da
relação da paráfrase entre um item do estímulo nesse contexto e de cada duas
respostas alternativas, uma das quais era a variante de Eu quero que você faça A e
a outra, a variante de Eu levarei você a fazer A.
Um desenho fatorial 2 x 2 era empregado. Este usava medidas repetidas na
variável do contexto, e na tarefa de discriminação. Os resultados da triagem múltipla
eram submetidos a uma análise variacional. O cenário físico era sempre o mesmo
em ambos os níveis de contexto. Ele consistia de uma mesa ocupada com seis
brinquedos legos: um trem, uma bicicleta, um cavalo, um avião, um carrossel e uma
78
caminhonete, com algumas figuras em forma de boneca designadas para
experimentar os legos. O falante no item estímulo era representado por uma figura
boneca adulta, cuja identidade era estabelecida como ‘o professor’. Um papel
aleatório era determinado às bonecas ouvintes através de triagem, com uma
tentativa aproximada para ver que o papel era igualmente distribuído através de três
figuras mulheres e três figuras homens disponíveis.
O único traço do contexto manipulado sistematicamente era a posição relativa
do F e do O em relação a cada brinquedo mencionado no conteúdo proposicional de
cada item do estímulo. Na condição de pedido, F ficava em pé em frente ao lego,
enquanto O ficava cinco ou seis passos distante do brinquedo, de frente para o
falante e o lego. Na condição proposta, a posição de F e O eram simplesmente
trocadas, O ficava diretamente de frente para o brinquedo. Uma triagem para
discriminação da tarefa consistia da apresentação de três itens, incluindo um item
estímulo e um par de respostas alternativas para o julgamento da paráfrase. O item
estímulo consistia de seis variantes da forma ‘Você poderia fazer A?, cada uma
diferindo somente em relação ao brinquedo. Dos seis itens estímulo aparecia
somente um em cada condição de contexto para um total de doze trios por sujeitos.
As respostas alternativas consistiam de seis variantes da forma ‘Eu quero que você
faça A’ e ‘Eu levarei você a fazer A’, e correspondiam a cada item do estímulo em
termos de brinquedo mencionado.
Assim, um trio de itens típico para a triagem da discriminação da tarefa era o
seguinte:
Item estímulo: Você gostaria de brincar com o trem?
Respostas alternativas: Eu quero que você brinque no trem.
Eu levarei você a brincar no trem.
As seis tarefas trios eram gravadas em um estúdio por uma professora. Os
doze itens estímulos eram, então, sorteados aleatoriamente e editados. As respostas
alternativas, entretanto, eram transferidas em pares de pistas especialmente
79
modificadas em fitas cassete, cada pista era ativada pelo sujeito ao pressionar um
dos botões colocados lado a lado. Assim, era possível que o sujeito ouvisse a
resposta alternativa como uma necessidade antes de fazer o julgamento da
paráfrase.
Enquanto que a força ilocucionária para propostas é estabelecida por volta
dos 2,6 anos de idade, as habilidades de discriminação para pedidos provavelmente
continuam a se desenvolver entre 2,6 e 3,0 anos.
Reeder se pergunta como é possível falar em uso apropriado de atos
ilocucionários como um aspecto da competência lingüística do falante nativo. Em
seguida, a autora estabelece quatro critérios para a atribuição do status de
competência. Primeiro, a produção e a compreensão de atos ilocucionários é
governada por regras; pode acontecer de se desempenhar atos ilocucionários
inapropriados e se reconhecer a diferença entre performances apropriadas e
inapropriadas dos atos ilocucionários. Segundo, o conhecimento de tais regras ou
restrições é idealizado em um nível no qual é possível corrigir esse ‘falso início’, que
está errado por razões fortuitas estritamente não comunicativas. Terceiro, o
conhecimento permanece em circunstâncias normais, tácito. Quarto, é possível
caracterizar a aquisição de tal conhecimento em termos muito similares àqueles
usados por teorias de aquisição de competência sintática estrita: o aprendiz
ativamente afirma, em uma análise da estrutura, fatos subordinados à fala (que pode
ter sido organizada de forma útil por cuidadores), e formula, testa e refina
progressivamente uma teoria da estrutura do input da linguagem (HYMES, 1972).
Enquanto a pesquisa de Reeder pergunta quando a competência para atos
ilocucionários emerge essencialmente na forma adulta, trabalhos importantes
postulam que a competência ilocucionária desenvolve-se em estágios embrionários
diferentes entre si.
Shatz (1974) apud Reeder (1980) argumenta que as crianças pequenas não
respondem apropriadamente aos pedidos de ação que são realizados na forma
Você pode me encontrar um caminhão e, ocasionalmente nas formas em que o ato
desejado não é explicitamente declarado. Ainda assim, essas crianças respondem
80
adequadamente ao ato A, quando A for encaixado em uma forma
convencionalmente usada para pedidos de ação, tais como Você poderia encontrar
um caminhão para mim. Shatz atribui corretamente a essas crianças uma regra
discursiva simples, ‘Mamãe diz, criança faz’, enquanto que Ervin-Tripp (1974) explica
casos similares pelo sentido de ‘Imperativos encaixados’.
Essa questão vai ao encontro da hipótese pragmática. Esta assume que as
crianças empregam pistas contextuais em ordem para discriminar a força
ilocucionária de Você gostaria de fazer A? e, portanto, selecionam “Eu quero que
você faça A” somente quando o estímulo estiver presente sob a condição de Pedido,
e “Eu levarei você a fazer A” somente sob condição de Proposta. A hipótese
pragmática oferece suporte considerável, com um efeito essencial e significativo do
contexto.
Na pesquisa de Reeder (1980), foram encontrados os seguintes resultados:
aparentemente os dois grupos de 2,5 e 3,0 anos discriminam propostas, mas o
grupo de crianças mais velhas discrimina pedidos de modo mais fidedigno do que o
grupo de crianças menores, com 2,5 anos. Existem, segundo o autor, duas
possibilidades de interpretação para esse achado: primeiro, deve-se olhar a
complexidade psicolingüística dos procedimentos, acima relatados, para computar
força ilocucionária para cada ato ilocucionário, na tentativa de colocar ou em ordem
de dificuldade ou, talvez, em ordem de domínio, as propostas de aquisição são mais
precoces do que os pedidos.
Reeder (1980) demonstra que uma análise informal do processo de
compreensão de cada ato ilocucionário não oferece base para se determinar que um
tipo é mais difícil que outro. Uma segunda possibilidade, nesse caso específica para
crianças falantes de língua inglesa, é que as crianças pequenas adquirindo o inglês
são expostas a um número pequeno de pedidos comparativamente a outros países.
Sob essa perspectiva, as conclusões de Reeder são as seguintes: as crianças
de 2,5 e 3,0 anos diferenciam atos ilocucionários do tipo propostas e do tipo pedidos
presentes em enunciados contextualizados; os julgamentos demonstram um nível
alto de qualidade com relação à paráfrase ilocucionária entre os itens testados; e,
81
enquanto os de 2,5 e 3,0 anos de idade fazem julgamentos aproximados aos de
falantes nativos no que concerne a propostas, já as crianças maiores de 3,0 anos
parecem significativamente mais maduras do que os de 2,5 anos para diferenciar
pedidos.
Três componentes, então, são necessários para explicar a competência
ilocucionária: um conhecimento proposicional das condições de felicidade através de
atos ilocucionários, o que pode ser dito para desempenhar um pedido e uma
proposta. Um conhecimento pragmático das condições de felicidade através de atos
ilocucionários, em que circunstâncias isso pode ser dito adequadamente. E, por fim,
as habilidades inferenciais gerais que atuam sobre os participantes conversacionais
através de informações sobre contextos e noções.
Outra pesquisa, elaborada por Andersen (1992), investiga qual é o alcance do
conhecimento lingüístico de vinte e quatro crianças entre quatro e sete anos de
idade, em situações de fala espontânea no sentido de uma variação sistemática da
linguagem. A escolha de uma forma lingüística sobre outra pode refletir algo e criar
um sentido social em uma dada situação. A pesquisadora explica que, enquanto os
adultos têm uma variedade de papéis mudando a cada situação, por exemplo, um
médico exercendo sua profissão tem uma identidade, sendo pai tem outra, sendo
filho assume outra, e assim por diante, as crianças têm seus papéis muito mais
limitados em situações diárias.
A autora esclarece que, como as categorias da criança não coincidem com as
dos adultos, não se pode fazer um procedimento experimental altamente
estruturado, pois este pode limitar a extensão de marcadores lingüísticos para
alguma situação pré-concebida. Uma solução, segundo ela, seria propor uma tarefa
que apresentasse critérios severos: primeiro, esta precisaria ser uma tarefa que a
criança achasse familiar e confortável; segundo, precisaria ser uma situação que não
restringisse a criatividade da criança e, por fim, que permitisse comparar as mesmas
dimensões através da criança.
A tarefa proposta por Andersen (1992) possuía três sessões de interação de
cada criança com bonecos. Os bonecos eram todos fantoches. A autora usou
82
fantoches para que as crianças pudessem manipulá-los com facilidade e também
para encorajá-las a falar e diminuir a comunicação por gestos ou outras ações. Em
cada uma dessas sessões, a experimentadora sugeria um contexto distinto
específico para medir quais amostras de fala seriam comparáveis através dos
sujeitos e usava um cenário simples de fantoches.
Os três cenários consistiam de uma família ou uma situação em casa, um
consultório médico e uma sala de aula de crianças. Para cada cenário havia três
fantoches diferentes com relação a sexo, status profissional, habilidade lingüística
etc. Em cada sessão, a pesquisadora pedia para a criança fazer dois papéis ao
mesmo tempo, para elicitar o contraste de estilos de falas para os dois papéis. De
vez em quando, se a criança esquecesse quem estava falando, a pesquisadora
perguntava a ela: É o papai/ a mamãe/ o bebê que está falando?
Na situação da família, os três fantoches principais eram uma mãe,
identificada por estar de vestido, com coque e brincos; um pai, de terno e bigode; e
uma criança pequena de pijama e uma faixa na trança. Às vezes, outros fantoches
eram acrescentados à sessão por insistência da criança, uma vovó, outras crianças
pequenas, como irmãos e amigos; até mesmo um professor, um médico e uma
enfermeira. A pesquisadora introduzia o cenário da situação da família da seguinte
forma: ‘Agora vamos brincar de família; e nós temos um papai, uma mamãe e uma
criança pequena que recém aprendeu a falar. Por que nós não fazemos de conta
que está na hora da criança ir para a cama e o papai/ a mamãe a levará e contará
uma história. Então eles combinarão o que fazer amanhã – talvez a criança faça
aniversário e eles façam uma festa. Agora porque tu não brincas de ser o papai/a
mamãe e a criança, e eu serei o (a) outro (a) pai/ mãe. Assim tu farás a fala do
papai/ da mamãe, certo? E o outro fará uma fala de uma criança pequena, ok?
Na situação do consultório do médico, a pesquisadora novamente oferecia
três fantoches: um com cabelo branco, de bigode, vestido com um uniforme branco,
outro com cabelos castanhos de coque e vestido com uniforme branco, e um
terceiro, reconhecido como o paciente, com a cabeça enfaixada e uma tipóia no
braço. Embora as crianças não fossem informadas qual fantoche era o médico e
qual era a enfermeira, todas elas assumiam o papel corretamente em cada boneco.
83
Nesta situação, houve um problema para análise relacionado a duas variáveis
sociais, gênero e status profissional. As crianças apresentavam dificuldade para
interpretar a motivação social em recursos lingüísticos particulares usados para
distinguir o médico da enfermeira. O cenário para essa situação era o seguinte:
Desta vez, que tal brincar de médico? Podemos usar um boneco médico, uma
boneca enfermeira e uma boneca ferida como paciente. Vamos fazer de conta que o
boneca ferida teve um acidente e não estava se sentindo muito bem, ok? Agora, por
que tu não és o médico e a enfermeira, e eu serei o paciente. Vamos fazer de conta
que o paciente chega ao consultório médico para uma consulta. Assim, você faz
alguém ser o médico e alguém ser a enfermeira, certo?
Na situação da sala de aula, os três fantoches eram um professor, com
cabelos cinza e óculos, e duas crianças. Havia duas partes nessa sessão. Na
primeira parte, a experimentadora sugeria que ela e a criança brincassem na escola,
a criança poderia ser o professor e um aluno, a experimentadora poderia ser um
aluno diferente. A cena era colocada para encorajar a criança não só a falar com um
estrangeiro, mas a falar como um estrangeiro para provocar alguns aspectos da fala
estrangeira no repertório lingüístico da criança. Durante o transcorrer da sessão, a
pesquisadora apresentava uma situação diferente. Ela propunha o seguinte: Por que
agora eu não sou o professor e tu podes ser as duas crianças. Só dessa vez, vamos
fazer de conta que uma criança veio para o nosso país de algum lugar distante e
onde não se fala inglês. Ela não fala inglês muito bem. Este é seu primeiro dia de
aula e ela não sabe o que fazer na escola. Então porque tu não dizes a ela o que
nós fazemos aqui, e talvez tu possas explicar a ela que vamos fazer uma excursão
para competir. Mas lembre-se de que ela fala pouco inglês.
Os sujeitos eram todos falantes nativos de língua inglesa, moravam em uma
área predominantemente de brancos, num subúrbio próximo à universidade
Stanford. Eles pertenciam a famílias de classe média e média-alta, nas quais, pelo
menos um, aproximadamente a metade dos casos, ou ambos eram profissionais.
Os dados foram transcritos com uma ortografia convencional modificada,
após gravação das sessões em fita-cassete. Nos casos de desvios de pronúncia, era
feita uma transcrição fonética. Cada gravação foi analisada por dois pesquisadores;
84
no caso de interrupções na gravação, estes ouviam a fita novamente e, após
discutirem o problema, decidiam sob um consenso.
A pesquisadora examinou os tipos de sentenças que constituíram cada papel
em termos de forma lingüística e de categoria de atos de fala. Três análises foram
efetuadas, quais sejam, tipo de sentenças (declarações, perguntas, exclamações,
imperativos), atos de fala (representativos, comissivos, diretivos, expressivos e
declarações) e forma e função.
Nas análises efetuadas em relação aos atos de fala, a pesquisadora
encontrou as seguintes ocorrências nas três sessões: na sessão da família, o status
hierárquico ocorreu sempre do pai para a mãe, da mãe para a criança. Na sessão do
médico, o status ocorreu do médico para a enfermeira, da enfermeira para o
paciente. Na sessão da sala de aula, deu-se do professor para o aluno, do aluno
para o estrangeiro. A análise do tipo de sentença revelou, segundo Andersen (1992),
diferenças gerais quanto ao status. O papel do pai, médico e professor era sempre
marcado por uso de forma imperativa. Nas análises de atos de fala, essa hierarquia
era especialmente refletida com o uso de diretivos. Especificamente o professor
usou mais diretivos do que o aluno ou do que o estrangeiro, e o médico usou mais
diretivos à enfermeira do que vice-versa.
Andersen (1992) descobriu que os dados revelaram um padrão de
desenvolvimento das habilidades sociolingüísticas da criança. Os padrões envolvem
uma ordem na qual os diferentes registros são adquiridos e uma ordem na qual os
traços particulares são adquiridos.
A pesquisadora, então, encontrou os seguintes resultados: na seção familiar,
cada criança produziu diferenças de registro no contexto familiar. Em geral, os
registros encontrados no contexto familiar pareciam ser mais fáceis, seguidos
daqueles no contexto do médico e, depois, no contexto da sala de aula. O registro
mais difícil apresentado pelas crianças foi o contexto do estrangeiro. Esta propôs
uma caracterização dos dados para calcular os padrões dos papéis desempenhados
e os dos papéis evitados em diferentes idades e propôs ver as diferenças de como
as adaptações sistemáticas de fala infantil relacionam-se com cada papel. Tal
85
caracterização mostra que: mesmo se a criança tenha pouco ou nenhum
conhecimento do registro associado com determinado papel, esta freqüentemente
mostra-se solícita para tentar adquiri-lo; se a criança está informada de que existe
um registro especial, mas não conhece seus traços, o evita; quando fazem
confidências e possuem um registro especial, eles o usam; as crianças preferem
desempenhar os papéis que eles dominam, até mesmo aqueles papéis que sabem
razoavelmente bem, eles preferem desempenhar aqueles com status altos.
Já Mariante (1997) investiga a produção de pedidos em crianças com cinco e
seis anos de idade. Nesse trabalho, a pesquisadora procurou determinar os tipos de
pedidos feitos por crianças, se há determinado padrão de desenvolvimento com
relação à produção de pedidos e se as estratégias selecionadas pelas crianças
estavam adequadas ao contexto.
A autora analisou os pedidos de permissão e os pedidos de ação produzidos
pelas crianças em seis contextos de interação diferentes, observando a relação
entre o tipo de pedido e a idade da criança, isto é, esta se preocupou em averiguar a
relação entre o tipo de pedido, a distância social – nível de familiaridade e a relação
de poder, se simétrica ou assimétrica, dos interlocutores.
A pesquisadora demonstrou que as crianças, nessa faixa etária, possuem
determinado padrão de desenvolvimento da competência comunicativa. Entretanto,
crianças com seis anos de idade são mais hábeis para negociar e renegociar suas
propostas, ao aplicar com maior freqüência enunciados com recursos de atenuação
e pedidos mais polidos.
Segundo Mariante (1997), a criança adquire maior competência à medida que
sua idade avança, para usar com maior freqüência estruturas complexas de sua
língua. Esta estabelece gradualmente conexões entre os enunciados apropriando-se
do discurso, de forma a tornar-se competente lingüisticamente, ou seja, ora como
falante e ora como ouvinte. Ela adquire uma compreensão gradual da importância
de aspectos relativos ao contexto e dos meios disponíveis para codificar contextual e
adequadamente os atos diretivos.
86
Deste modo, a criança, de início, realiza os pedidos diretos que expressam
seus desejos e suas intenções. As primeiras produções da criança dependem, em
grande parte, do contexto em que ocorrem para ser compreendidas. O adulto media
o processo, completando os enunciados da criança com muitas inferências
baseadas nas atividades interacionais e nos objetos disponíveis no ambiente.
Posteriormente, essas trocas de informação iniciais evoluirão progressivamente em
esquemas interacionais.
Quando a comunicação interacional efetiva-se, aproximadamente aos três
anos de idade, surge o interesse e a exploração ativa de fatos e objetos que
circundam a criança. É quando esta percebe que os objetos, as pessoas têm vida
própria e podem agir no mundo, assim como ela também. Logo, o processo de
aquisição lingüística e comunicativa é evolutivo e não linear, embora a capacidade
efetiva para refletir mais claramente sobre o uso das formas lingüísticas se dê por
volta de seis, sete anos de idade.
Quanto aos diretivos, as pesquisas confirmam a existência de uma época
para sua emergência e que o surgimento desses, igualmente, é bastante precoce na
criança. Os primeiros pedidos produzidos acontecem sempre em duas situações, ou
seja, ou em situações em que a criança deseja um objeto, ou naquelas em que quer
executar uma ação.
Os pedidos diretos são inicialmente declarações. Na verdade, a função
declarativa é um tipo particular de imperativo que chama atenção do interlocutor
para algum objeto, evento ou proposição. Os primeiros enunciados ligados ao
contexto e carregados de intenção imperativa surgem com declarativas que
simplesmente indicam o objeto, ou apenas o fato de que existe um desejo por parte
do F, para, então, logo surgirem os imperativos propriamente ditos.
Faz-se necessário enfatizar que o pedido direto exige a compreensão literal
da criança, isto é, exige habilidade para captar o sentido primeiro, literal, de um
enunciado. Esta compreensão inicial reflete o surgimento de uma escala hierárquica
na produção e obtenção de sentido e intenções.
87
Só a partir dos três anos de idade, mais tarde, portanto, emerge a habilidade
infantil para realizar pedidos diretos e alguns indiretos convencionais do tipo Posso
ver?
Os atos diretivos podem ser produzidos de formas diferentes e possuem
graus diferentes de complexidade, de acordo com os resultados encontrados nas
pesquisas aqui citadas. Esses enunciados são realizados hierarquicamente,
envolvendo diferentes estratégias, isto é, diferentes maneiras de se enunciar um
pedido.
Este trabalho, portanto, acolhe a idéia de que o desenvolvimento é
progressivo na aquisição dos atos diretivos. Os estudos sobre a linguagem da
criança relativos aos pedidos indiretos evidenciam a existência de graus de
dificuldades envolvendo-os.
Logo após os pedidos diretos surgem os pedidos indiretos convencionais. Os
primeiros pedidos indiretos são orientados por regras e normas, utilizados pela
criança para obtenção de algo e para garantir o reconhecimento do pedido. Ex:
Deixa eu pegar? Logo após as formas declarativas, surgem as formas interrogativas.
Conforme argumentamos na seção relativa à aquisição de aspectos
pragmáticos, parece ser aceitável defender que a criança, de forma gradual, torna-se
capaz de produzir e compreender atos de fala diretivos, bem como de participar
adequadamente em eventos sociais que exijam uma comunicação verbal
apropriada, assim como, a capacidade de avaliar a si e ao outro, à medida que ela
se desenvolve cognitiva e, também, socialmente.
Com isso, queremos dizer que a produção adequada em um contexto social
de um ato de fala diretivo é produto da experiência de mundo e de fatores sócio-
culturais. Dessa forma, quanto maior for o conhecimento de mundo da criança, tanto
melhor será sua condição ao fazer uso da linguagem num processo interativo.
Foi nosso propósito, nesta seção, caracterizar o desenvolvimento da criança
quanto à produção de pedidos diretos e indiretos. A seguir, descreveremos a
compreensão de pedidos por crianças, nosso maior interesse nesse trabalho.
88
3.2 Aquisição de Pedidos Diretos e Indiretos: Compreensão
Pretendemos discutir, nesta seção, o desenvolvimento da criança na
compreensão de pedidos diretos e indiretos, de modo a apresentar as pesquisas por
nós aqui tratadas.
Inicialmente, faz-se necessário abordar a carência que a área apresenta, até
o presente momento, de estudos experimentais que investiguem, de forma
sistemática, a compreensão de tipos específicos de pedidos, especialmente os
indiretos, na fala infantil. Tal constatação certamente dificulta o trabalho de
corroborar os resultados em pesquisas sobre diretivos, determinando maior precisão
em termos quantitativos.
Segundo Carrell (1980, p. 330), os estudos empíricos que olham para a
competência da criança com pedidos indiretos têm se preocupado primordialmente
com a competência produtiva, ao invés de investigar a fala espontânea ou a
elicitação estruturada de respostas a pedidos.
Ao tratarmos da compreensão de pedidos diretos e indiretos na fala infantil,
esperamos perpassar o conceito geral de compreensão, qual seja, o ouvinte
interpreta as ações do falante através de interação contextualizada. O contexto,
portanto, é determinante para que o processo de compreensão aconteça. Logo,
quanto mais indireto for o enunciado, mais dependente do contexto ele será. Daí a
dificuldade de interpretação por crianças ainda pequenas, três e quatro anos de
idade, especialmente, com os pedidos indiretos. O contexto determina a
compreensão nesse tipo de enunciado.
Sob essa perspectiva, quanto maior for o conhecimento de mundo, as
vivências e a experiência cognitiva da criança, tanto maior serão as possibilidades
para que esta consiga efetuar processos interpretativos de forma bem sucedida. Ou
seja, as crianças, inseridas em contexto com maiores trocas têm mais condições de
julgar se os atos de fala têm suas condições de adequação preenchidas ou não.
89
À aquisição da linguagem é necessária o domínio de padrões abstratos e
mais gerais da língua, concomitantemente à compreensão dos fatores sociais e de
conhecimento do mundo em que a criança convive, para que esta consiga se
comunicar, de forma apropriada, através de interações conversacionais.
Os pesquisadores na área de aquisição da linguagem inicialmente supunham
que a compreensão precederia a produção e postulavam que a compreensão e a
produção de uma estrutura lingüística progrediam em ritmos diferentes.
Shatz e Gelman (1975) realizaram pesquisas que ficaram conhecidas por
observar a interação entre as mães e seus filhos no período em que esses eram pré-
verbais. Os experimentos comprovaram que, nessa fase, as crianças demonstram
entender a maioria dos enunciados dirigidos a elas, embora ainda não estejam
prontas para repetir ou produzir o que acabaram de ouvir.
De Villiers e De Villiers (1978) contestam essa idéia em sua pesquisa,
defendendo que existem casos em que, aparentemente, a produção precede a
compreensão. Os autores colocam como contra-argumento que, nesse estágio, a
compreensão é não-lingüística: se eliminarmos o contato com os olhos, a direção do
olhar fixo, as indicações, os gestos e o contexto familiar particular, a compreensão
tem uma queda substancial.
Mais adiante, os pesquisadores da área de aquisição defendem,
fundamentados na teoria piagetiana, a idéia de que a criança com um, dois anos de
idade tem um conhecimento sofisticado dos eventos. Não confundem pessoas com
objetos, suas ações com as de outrem, ou ações com seus efeitos. Na
compreensão, está claro que a criança tem muito mais informação válida em que se
apoiar do que simplesmente a fala que escuta.
Segundo Bruner (1975), é possível que atos de fala distintos sejam
aprendidos de um modo primitivo através do sentido – a partir de uma demanda
prosódica envolvendo uma crescente entonação. No entanto, existe pouca
evidência concreta, exceto a observação freqüentemente repetida, de que padrões
prosódicos emergem já definindo expectativas na criança e que a criança não só
90
compreende a intenção nesses padrões, mas também aprende a produzi-los
repletos de intencionalidade. As crianças produzem enunciados com intenção que
sugerem um nível mais alto de desenvolvimento lingüístico do que realmente
atingiram. Nessa fase, ainda não se sabe ao certo se o que é produzido pela criança
é, de fato, compreendido adequadamente por esta.
De qualquer modo, uma evidência é transparente: a onipresença da
interpretação da mãe nas ações da criança. Esta interpretação quase inevitável toma
forma com as inferências maternas em relação à intenção dos bebês e de outros
estados diretivos.
Bruner (1975) observou, inicialmente, que as mães procuram simplificar
certas formas de ação conjunta com a criança – a maior parte delas nas
brincadeiras, mas também seriamente. Isto consiste habitualmente no
estabelecimento de formatos de ações comuns para que a criança possa ser
ajudada a interpretar os sinais da mãe, seus gestos e suas intenções.
É nessas ações comuns entre mães e filhos que as crianças aprendem a
sinalizar sua intenção, referindo-se a um objeto ou demonstrando algum desejo.
Nesse estágio de desenvolvimento da comunicação, o estabelecimento do sentido
ilocucionário é predominante, este existe para desenvolver o consentimento mútuo
para operar o objeto.
No caso de interações com intenção orientada, a principal forma de
sinalização é indicar o segmento de ação. A maior parte desses começa pelo uso de
marcas finais, o uso do que deve ser chamado de completivo. A criança, por
exemplo, oferece de volta um objeto segurado por ela, e a mãe exclama, lá!
Assim, Bruner (1975) argumenta que, para que a criança possa compartilhar
do mundo lingüístico e social que está ao seu redor, primeiro, necessita ao estar
inserida neste, experienciar socialmente determinados usos da linguagem
contextualizada, que se estrutura de forma gradativa à medida que esta interaja com
a mãe, no sentido de uma orientação partilhada, até compreender e dominar com
maestria os elementos lingüísticos.
91
Sob essa visão, os teóricos referendados anteriormente, conjugam a idéia de
que tanto o processo de compreensão quanto o de produção são extremamente
complexos e dependem, de forma concreta, do desenvolvimento cognitivo,
lingüístico - pragmático, bem como de fatores sociais e contextuais.
A compreensão infantil, faz-se necessário ressaltar, também passa por
estágios assim como a produção e, portanto também possui estruturas de aquisição
mais fáceis, bem como mais difíceis, tais como, orações encaixadas, formas
indiretas não-convencionais, inferências e ironias. Estas são, visivelmente, de
aquisição mais tardia no desenvolvimento lingüístico.
Somente após os oito anos de idade, como mostram as pesquisas, as
crianças demonstram condições de interpretar enunciados descontextualizados.
Sendo assim, a compreensão infantil está diretamente ligada a inúmeros fatores, da
mesma forma que a produção, não apenas a aspectos sintático-semânticos, mas
igualmente pragmáticos, entoacionais, a regras dialógicas e, de forma crucial, ao
contexto discursivo e situacional.
Conforme já dissemos anteriormente, as pesquisas acima citadas
desenvolvidas a partir da década de setenta, que descrevem a aquisição lingüística
da criança para compreender e produzir pedidos em diferentes estágios, abordando
a aquisição de atos ilocucionários, ainda não são suficientes em termos de dados
para elucidarmos com maior precisão como se dá o processo de compreensão de
atos de fala em crianças.
Nesta seção, ao abordarmos o desenvolvimento da compreensão de pedidos
diretos e indiretos por crianças, colocamos em destaque principalmente os
experimentos de Carrell (1980) e Kelly (2001). Em seguida, em uma seção especial,
descreveremos a pesquisa de Ervin-Tripp et al. (1987), por nós parcialmente
replicada.
Ao produzir um ato de fala diretivo, a criança, quando interpreta o enunciado,
procura, primeiramente, entender a sua forma através de uma espécie de dicionário
mental para, posteriormente, se este possuir mais de um significado, poder
92
comparar as variáveis sociais e situacionais do enunciado com as especificações do
dicionário e, assim, escolher a interpretação adequada.
Sob esse ângulo, esses pesquisadores realçam o postulado de que o tipo de
ato diretivo, sua função e sua estrutura formal devem ser determinados através da
cultura, das normas compartilhadas, enfim, da interação e rotina social imposta por
uma comunidade.
Nesse momento, priorizaremos com maiores detalhes os experimentos
relativos à compreensão de pedidos indiretos. Para Searle (2001), é preciso lembrar,
os pedidos indiretos são atos ilocucionários diretivos que apresentam certo grau de
complexidade, já que o F, ao dizer algo, busca a significação, mas também pode
desejar significar algo mais.
Na interpretação, o foco crucial então recai sobre o ouvinte. Este necessita
captar o sentido do enunciado para conseguir construir uma significação adequada.
Daí surge a dificuldade encontrada por uma criança menor em compreender esse
tipo de ato diretivo durante o seu desenvolvimento lingüístico.
A pesquisa de Carrell (1980) trabalha com a compreensão de pedidos
indiretos. Esta se pergunta quando, em que fase de seu desenvolvimento, crianças
de quatro a sete anos demonstram entender os pedidos indiretos. Carrell (1980)
baseia-se no experimento de sentenças de Clark e Lucy (1975), discutidas por
Gordon e Lakoff (1971), sobre a compreensão de diferentes tipos de pedidos
indiretos por adultos. A autora faz os seguintes questionamentos: até que ponto as
crianças de quatro a sete anos entendem o mesmo pedido indireto? Que relação
existe entre o tipo de pedido e a facilidade de compreensão ao se comparar adultos
e crianças?
Essa pesquisa envolveu 100 crianças, das quais 21 em idade escolar de
maternal, com quatro anos; 30 de jardim de infância, com cinco anos; 25 de primeiro
ano do ensino fundamental, com seis anos; e 24 de segundo ano do ensino
fundamental, com sete anos de idade.
93
O instrumento aplicado possuía quarenta sentenças diferentes construídas
sobre dez pares básicos. Em vinte sentenças era inserida a palavra azul, em outras
vinte a palavra vermelho. Primeiramente, era aplicado um par de sentenças de
pedidos diretos: (1a) Por favor, pinte um círculo de azul; (1b) Por favor, não pinte o
círculo de azul.
Os pares restantes eram todos pedidos indiretos de uma variedade ampla;
alguns, de sentenças declarativas, eram derivados das condições de sinceridade do
falante; outros, de sentenças interrogativas, eram derivados da condição de
sinceridade do ouvinte.
Quadro 01 - Pares de Sentenças do Instrumento de Carrell (1980)
1 – a - Por favor, pinte o círculo de azul.
b - Por favor, não pinte o círculo de azul.
2 – a – Você pode pintar o círculo de azul?
b - Você tem de pintar o círculo de azul?
3 – a – Por que não pintar o círculo de azul?
b – Por que pintar o círculo de azul?
4 – a – Eu adoraria ver o círculo pintado de azul.
b – Eu odiaria ver o círculo pintado de azul.
5 – a – Você deveria pintar o círculo de azul.
b – Você não deveria pintar o círculo de azul.
6 – a – Você não deveria pintar o círculo de azul?
b – Você deveria pintar o círculo de azul?
7 – a – O círculo realmente precisa ser pintado de azul.
b – O círculo realmente não precisa ser pintado de azul.
8 – a – O círculo não precisa ser realmente pintado de azul?
b – O círculo realmente precisa ser pintado de azul?
9 – a – Vou ficar muito feliz se você pintar o círculo de azul.
b – Vou ficar muito triste se você pintar o círculo de azul.
10 -a – Ficarei muito triste a menos que você pinte o círculo de azul.
b – Ficarei muito feliz a menos que você pinte o círculo de azul.
Dos dez pares básicos, as crianças com quatro anos de idade alcançaram
64,4% de respostas adequadas; as de cinco anos obtiveram 73,5% de respostas
apropriadas; as de seis anos atingiram 78% e, por sua vez, as de sete tiveram um
94
número significativamente mais altos de acertos, já que os escores aumentaram
para 92%. Portanto, os dados sugerem que, de fato, o desenvolvimento da
compreensão aumenta com a idade.
Carrell (1980) comenta que, com base nos resultados encontrados, as formas
interrogativas são de difícil interpretação. Já as formas declarativas são de mais fácil
compreensão: o percentual médio de respostas corretas para todas as formas
declarativas juntas foi significativo, 82,5%, enquanto que o percentual médio das
respostas corretas para todas as formas interrogativas juntas foi de apenas 66,7%.
Os resultados mostram, sobremaneira, que as formas declarativas são mais
facilmente compreendidas do que as interrogativas.
Apesar disso, vale ressaltar que nem todas as formas declarativas são
compreendidas automaticamente, pois algumas formas interrogativas apresentaram
escores mais altos de respostas corretas do que algumas declarativas. Por exemplo,
as interrogativas (2a) Você pode pintar o círculo de azul? e (3a) Por que não pintar o
círculo de azul? produziram maiores percentuais de respostas corretas, 83,5% e
81%, respectivamente, do que as declarativas (7b) O círculo realmente não precisa
ser pintado de azul, (10a) Ficarei muito triste a menos que você pinte o círculo de
azul e (10b) Ficarei muito feliz a menos que você pinte o círculo de azul,
respectivamente 77,5%, 72% e 28%.
Carrell esclarece que, a partir do estudo de Clark e Lucy (1975), citados
acima, a aquisição de formas interrogativas acontece em três estágios: 1) é mais
difícil compreender a forma literal de uma interrogativa do que de uma declarativa; 2)
é mais difícil deduzir o significado implícito ao significado literal de uma interrogativa
do que de uma declarativa; 3) as interrogativas são mais difíceis de compreender,
demonstradas nos percentuais, devido à inversão da ordem de palavras, quando
isso ocorre.
Esses achados dos autores levaram Carrell a esperar, de maneira geral, que
as formas interrogativas oferecessem dificuldade de compreensão às crianças.
Apesar de que, essa expectativa não foi totalmente confirmada, pois os enunciados
2(a) Você pode pintar o círculo de azul? e 3(a) Por que não pintar o círculo de azul?
95
assim como outros, obtiveram altos percentuais de acertos. Carrell esclarece que
uma explicação plausível para tal fato seja a interferência da escola, já que os
professores usam com freqüência formas interrogativas durante as atividades
escolares.
A autora, ao abordar os tipos de perguntas que são chamadas de ‘perguntas
de preparação’ ou ‘perguntas polidas’, sugere que esses tipos de perguntas são
provavelmente comuns durante os primeiros anos escolares da criança. As
‘perguntas de preparação’ são usadas nos eventos pelos falantes para organizar a
seqüência conversacional, enquanto que as ‘perguntas polidas’ são formas
convencionalizadas comumente usadas pelos professores para manter as crianças
fazendo o que elas supostamente deveriam estar fazendo, conforme a descrição do
discurso de sala de aula.
É necessário ressaltar que essa questão referente à complexidade das
formas interrogativas e igualmente das negativas ainda está em aberto. Carrell
postula, desse modo, que a dificuldade não está presa somente ao tipo de forma do
enunciado, mas, principalmente, relacionada ao significado deste, ou seja, esses
pedidos são, na maioria das vezes, apresentados de forma implícita às crianças.
A pesquisadora esclarece ainda com respeito à interpretação de pedidos
indiretos negativos que esses são de difícil compreensão seja qual for a fase de
desenvolvimento. Por exemplo, o pedido negativo (5b) Você não deveria pintar o
círculo de azul envolve dificuldade de compreensão em praticamente todas as
idades investigadas, de quatro a sete anos.
A partir daí, Carrell destaca que alguns tipos de pedidos foram mais difíceis
do que outros, induzindo a um número significativo de erros, especialmente entre as
crianças menores. A maior dificuldade quanto à compreensão foi o enunciado (10b)
Ficarei feliz a menos que você pinte o círculo de azul. Com relação a esse
enunciado, especialmente as crianças do maternal e do jardim, apresentaram
dificuldades sistemáticas de compreensão.
96
Portanto, segundo Carrell (1980), sobressaíram-se as seguintes evidências
referentes à compreensão de pedidos indiretos: as crianças entre quatro e sete anos
são capazes de compreender uma ampla variedade de tipos de pedidos indiretos; há
evidência de um padrão de desenvolvimento de aquisição de pedidos indiretos em
geral; os pedidos indiretos na forma interrogativa, de maneira geral, oferecem
maiores dificuldades do que pedidos na forma declarativa; os pedidos indiretos
negativos são mais difíceis para a criança do que os pedidos indiretos positivos; há
diferença entre os níveis de compreensão das crianças mais velhas, com sete anos,
e das mais novas, com quatro anos; a relação entre o tipo de pedido e a facilidade
de compreensão é surpreendentemente semelhante tanto para as crianças como
para os adultos; a autora reafirma a idéia já existente de que há etapas de aquisição
referentes aos pedidos; e por fim, as crianças, especialmente as mais jovens, ainda
têm de adquirir a habilidade para entender que as formas explicitamente negativas
podem carregar implicitamente significados positivos e, inversamente, as formas
positivas explícitas podem carregar significados negativos.
As pesquisas com adultos (CLARK e LUCY, 1975, apud CARRELL, 1980),
indicam que as interrogativas são mais difíceis do que as formas declarativas, tanto
para crianças quanto para adultos, pois os pesquisadores observaram que as formas
interrogativas levam mais tempo para serem processadas pelos adultos. A principal
diferença entre os adultos e as crianças é que os adultos tendem a interpretar todos
os pedidos de forma correta, embora levem mais tempo de processamento mental
para fazê-lo.
Ainda, segundo Carrell (1980), os pedidos indiretos, de um modo geral,
exigem raciocínio para que possam ser entendidos como tal. Para que um O
reconheça o enunciado A janela está aberta? como pedido para fechar a janela, ele
deverá compreender, primeiro, que o F, por exemplo, apanha muito vento em sua
mesa de trabalho, e que, dessa forma, não consegue trabalhar, pois seus papéis
voam. Segundo que, ao fechar a janela, resolver-se-ia o problema da condição do
falante. Por isso, esses enunciados são considerados de aquisição tardia, pois
envolvem interpretação contextualizada e, algumas vezes, processos inferenciais, a
não ser que sejam produzidos com freqüência no cotidiano da criança.
97
A partir dos cinco, seis anos de idade, para a pesquisadora, a criança já
compreende uma gama vasta de variáveis, tanto sociais quanto situacionais, e pode
coordená-las através de um número considerável de estratégias denominadas
instrumental moves, isto é, movimentos retóricos. Assim, os falantes desenvolvem e
selecionam estratégias que possibilitam a cooperação por parte do O, acontecendo,
então, o processo interativo.
A pesquisa de Kelly (2001) explora o papel de comportamentos não verbais,
entre eles, a direção do olhar e o gesto de apontar, na aquisição da linguagem entre
crianças de três e cinco anos de idade no entendimento da complexa comunicação
pragmática.
O autor trabalha com dois experimentos: o primeiro demonstra que as
crianças entendem melhor videotapes de pedidos indiretos feitos pela sua mãe,
quando esses são acompanhados de comportamentos dêiticos não verbais. No
segundo, uma metodologia diferente é usada, na qual as crianças são mais
participantes do que observadores; o objetivo, neste caso, é generalizar achados
naturalísticos em interações face a face.
Kelly postula que um problema sério para a compreensão da linguagem é a
ambigüidade. A criança pequena precisa aprender, face ao aprendizado de novas
palavras, que esta possui um número infinito de sentidos que podem ser usados
para fazer coisas no mundo. A ambigüidade pragmática, consiste, então, de um
problema básico: o que as pessoas dizem é, na maioria das vezes, muito diferente
do que querem comunicar. E a partir disso é que se constitui a grande dificuldade de
se interpretar um diretivo indireto; é aí que se centra a questão da interpretação de
pedidos implícitos dirigidos às crianças pequenas: essas, dependendo da sua idade,
ainda não possuem estruturas cognitivas e lingüísticas suficientes para fazê-lo de
modo adequado.
Segundo o autor, a razão para psicolingüístas estudarem pedidos indiretos é
que esses colocam um problema especial para o uso da linguagem: não há nada
inerente à fala que revele o sentido de um pedido. Daí a tradição de se associar o
contexto aos pedidos indiretos como forma de excluir ambigüidades na fala. Os
98
dados mostram que, crianças por volta dos cinco, seis anos de idade começam a
tirar informação do contexto físico para desmanchar ambigüidades de complexos
pedidos indiretos. Sob esse ângulo, os comportamentos não-verbais complementam
substancialmente a informação a ser comunicada através da fala. Além disso, esses
comportamentos são excelentes reveladores de intenção.
Quase todas as pesquisas que investigam o papel que têm os
comportamentos não-verbais na compreensão pragmática focalizam-se nos
primeiros estágios da aquisição da linguagem. Por exemplo Baldwin (1991), apud
Kelly (2001) defende que crianças usam a direção do olhar do adulto para
compreender a intenção deste para classificar um objeto. Contudo, há evidência de
que até mesmo os adultos usam comportamentos não verbais para interpretar
sentido pragmático. Por exemplo, Kelly et al. (1999), descobriram que o
entendimento do adulto de sentido pretendido de complexos pedidos indiretos era
significativamente influenciado pela presença da informação dirigida através da
direção do olhar e dos gestos.
Em adição ao não conhecimento total com relação ao papel que
comportamentos não-verbais têm sobre os estágios mais tardios do
desenvolvimento pragmático na criança, pouco é sabido sobre como
comportamentos não-verbais interagem na fala para revelar sentido pragmático. A
noção geral é que os comportamentos não verbais somente “ajudam” a comunicar
informação.
Clark e Grossman (1998) mudaram essa noção e argumentaram que a fala e
o comportamento não-verbal interagem inicialmente para co-determinar o sentido
pretendido.
Os dois experimentos de Kelly (2001) foram aplicados da seguinte forma: no
primeiro, foi usada uma metodologia com vídeo, na qual crianças com três a cinco
anos observavam vídeos em que uma mãe produzia pedidos indiretos a uma criança
com e sem comportamentos dêiticos não-verbais. O segundo experimento, usava
uma metodologia naturalística, na qual um pesquisador realizava pedidos indiretos a
crianças de três a cinco anos de idade com e sem comportamento não-verbal. As
99
respostas comportamentais das crianças a essas indagações eram usadas para
determinar a compreensão de pedidos indiretos.
Do primeiro experimento participavam vinte e nove crianças de três a cinco
anos de idade, com uma média etária de 4,3 entre dezoito meninas e onze meninos.
As crianças foram recrutadas de um abrigo da área metropolitana de Chicago. Estas
foram divididas em dois grupos: quatorze crianças menores do que 4,2 com média
etária de 3,8, entre 3,1 e 4,1 mês de idade.
No segundo experimento, participavam vinte e sete crianças entre três e cinco
anos de idade, com uma média etária de 4,7; eram quatorze meninas e treze
meninos. As crianças foram divididas em dois grupos: treze crianças menores com
uma média etária de 4,0 entre 3,7 a 4,4 meses de idade, e quatorze crianças
maiores com média etária de 5,0 entre 4,5 a 5,11 meses de idade. Essas crianças
foram recrutadas de duas pré-escolas da área metropolitana de Chicago.
Os resultados do primeiro experimento apontam para um entendimento
parcial de pedidos. As crianças menores deram respostas que revelavam não ter
havido entendimento em 29% dos casos em que a condição experimental era do tipo
Somente Fala”, ou seja, sem gestos. Quando havia gestos, na condição “Fala +
Condição Não-Verbal”, não houve compreensão da parte das crianças menores. As
crianças mais velhas demonstravam não entender os pedidos em 5% dos casos, em
ambas as condições.
As crianças, às vezes, interpretam pedidos como declarações literais. As
menores, produziam respostas em 12% dos casos para a condição “Somente Fala”,
e 11% para “Fala + Condição Não-Verbal”. As crianças maiores produziam
respostas em 10% dos casos para a condição “Somente Fala” e 3% para “Fala +
Condição Não – Verbal”.
Esses resultados preliminares sugerem que as crianças menores não
entendem as diferentes situações tão bem quanto as crianças mais velhas. Isto pode
explicar o fato de que as crianças mais velhas entendem as ações que são
requisitadas nas respostas a pedidos indiretos mais freqüentemente do que crianças
menores.
100
Com certa freqüência, as crianças interpretam mal o sentido pretendido de
pedidos, mas interpretam uma ação que foi realizada com sentido contextual de
pedidos, ou seja, a ação é relevante para a interpretação da criança. As crianças
menores produziam uma Ação Relevante em 25% dos casos para a condição
Somente Fala” e 30% dos casos para “Fala + Condição Não-Verbal”. As crianças
mais velhas realizavam uma Ação Relevante em 65% dos casos para a condição
Somente Fala” e 47% dos casos para a “Fala + Condição Não Verbal”.
Esses padrões Ação Relevante e Irrelevante, que são apenas descritivos,
sugerem que as crianças menores são menos sensíveis ao contexto de pedidos
indiretos do que as crianças mais velhas. Kelly (2001) defende que crianças
menores, de dois anos de idade, respondem à fala materna indiscriminadamente
com ações, enquanto que crianças maiores, de três anos de idade, começam a usar
o contexto para guiar as ações que desempenham. Assim, no grupo etário, existem
mínimas diferenças individuais na fala e nos gestos para interpretar o sentido dos
pedidos indiretos: crianças menores raramente beneficiam-se da combinação fala e
gestos, enquanto que as crianças maiores quase sempre a aproveitam.
Para concluirmos este relato do experimento de Kelly (2001), desejamos
ressaltar que comportamentos dêiticos não-verbais têm papel decisivo na
compreensão da fala pragmaticamente ambígua por crianças. Entretanto, a questão
de com que idade as crianças começam a fazê-lo ainda permanece em aberto. As
crianças mais velhas têm um melhor entendimento de pedidos indiretos, isto é, elas
produzem mais respostas de Ação, do que as crianças menores. Uma provável
explicação para isso é que os dois experimentos colocavam as crianças ora como
observadores, ora como participantes. Desde Piaget (2001), é bem conhecido que
as crianças pequenas têm dificuldades para considerar a perspectiva do outro.
Consequentemente, as crianças com três, quatro anos de idade, têm uma
performance pobre para considerar a perspectiva do ouvinte nas interações em
vídeo. Talvez somente as crianças mais velhas entendam pedidos indiretos como
observadores. Em outras palavras, os experimentos demonstram dois lados opostos
de como as crianças começam entender pedidos indiretos.
101
Essa possibilidade ajuda a explicar outra aparente discrepância entre os
experimentos. Recai sobre ela a diferença entre os padrões de idade no
entendimento específico das crianças de pedidos indiretos de um experimento para
o outro. Essa discrepância aparente faz sentido sob a visão de que os experimentos
capturam lados opostos do entendimento das crianças de pedidos indiretos. De
forma específica, a diferença no primeiro experimento entre crianças mais jovens e
mais velhas reflete a transição do não entendimento específico das crianças de
pedidos indiretos para o início do entendimento do sentido.
Inversamente, a diferença, no segundo experimento, entre crianças mais
jovens e mais velhas, reflete a transição das crianças do início do entendimento
específico de pedidos indiretos para o domínio do entendimento mais abrangente
destes. Na verdade, as crianças mais velhas do segundo experimento não eram
somente boas na Fala + Condição Não Verbal, mas em todas as três condições
apresentadas. Isto sugere que as crianças que estão recém aprendendo pedidos
indiretos necessitam inicialmente de uma combinação das modalidades, verbais e
não-verbais para entender o sentido pragmático, enquanto que crianças mais velhas
e adultos são aptas para compilar sentido somente em uma modalidade, isto é,
essas conseguem interpretar um pedido indireto mesmo quando o falante usa só a
modalidade verbal, por exemplo.
Com base em Carrell (1980) e Kelly (2001), que trabalham com pedidos
indiretos e pesquisam como as crianças demonstram compreendê-los, de que tipo
são esses pedidos e se o comportamento da criança é semelhante ao do adulto no
processo de compreensão, podemos defender, melhor fundamentados, que, para
este ocorrer, as crianças precisam dominar razoavelmente as estruturas de sua
língua materna, estruturas essas de determinados enunciados como um pedido
indireto não-convencional realizado através de uma forma interrogativa A janela está
aberta?
Ao referendarmos o processo de compreensão de atos de fala diretivos, com
especial atenção aos pedidos, por crianças pequenas, partiremos, nesse momento,
para uma explicitação mais detalhada da pesquisa efetuada por Ervin-tripp et al.
(1987), parcialmente replicada por nós neste trabalho.
102
3.3 A Pesquisa de Ervin-Tripp e Colegas
Susan Ervin-Tripp et al. (1987), em Understanding Request, estabelecem a
diferença entre dois modelos de compreensão de pedidos. Um modelo,
convencional, baseia-se na noção de que o processamento de pedidos se inicia com
a interpretação literal do que foi dito; em seguida, verifica-se o contexto, identifica-se
a intenção do falante e, finalmente, procede-se a escolha da ação.
Desta forma, segundo tal modelo, primeiro o ouvinte interpreta idiomática ou
literalmente o conteúdo proposicional e a força ilocucionária do enunciado para,
posteriormente, verificar a situação e, se não houver acordo entre a interpretação
literal ou idiomática e as características da situação predominante, reinicia o
processo, movendo-se para uma próxima interpretação, seguindo uma hierarquia de
possibilidades.
O segundo modelo, apoiando-se sobretudo na contextualização, assume que
os ouvintes identificam primeiramente uma situação e, se a trajetória de ação
apropriada ao papel do ouvinte pode ser prevista, este passa a ser cooperativo e dá
início à ação esperada, sem recorrer à interpretação literal do enunciado.
Para Ervin-Tripp et al. (1987), o primeiro modelo convencional é inadequado,
pois sua formulação fundamentou-se em métodos empíricos de descrição lingüística
que incluem introspecção, análise de textos obtidos através de técnicas de elicitação
e julgamentos de gramaticalidade ou julgamentos interpretativos de sentenças por
falantes nativos. Segundo os autores, esses métodos, que são importantes para o
estudo de padrões morfológicos e gramaticais, não funcionam bem para o estudo da
variação situacional da fala e da linguagem contextualizada.
Os pesquisadores comentam que a relação entre a forma de superfície da
sentença – seu conteúdo lexical e a forma gramatical – e sua função no contexto
está longe de ser simples; argumentam sobretudo que, com os atos de fala, essa
indeterminação se mostra de maneira saliente.
103
Com relação a isso, é interessante notar que, conforme os autores, para a
criança pequena não há distinção entre cenas familiares e situações convencionais,
exceto que a última pode-se nomear e, por essa razão, pode ser mencionada e
aguardada, como uma festa de aniversário, por exemplo.
Inicialmente, os autores realizaram um estudo piloto que envolveu onze
crianças com três, dez com cinco e onze crianças com sete anos de idade. Todos os
sujeitos eram falantes nativos de língua inglesa.
Para cada sujeito, uma sessão experimental foi montada em uma sala de aula
da escola em que estes estudavam. Na sala, havia uma mesa, cadeiras e os objetos
usados para os pedidos: uma caneta, um relógio, dez histórias ilustradas,
subdivididas em histórias de ajuda e histórias de proibição que seriam discutidas
com cada sujeito junto com uma entrevistadora e bastões.
Durante a sessão, o sujeito era apresentado a uma série de tarefas divididas
em situação narrativa e naturalística. A situação narrativa foi mais central para o
experimento. No contexto desses dois tipos de situações, cada criança era exposta a
um total de 15 pedidos ou proibições. As crianças eram informadas previamente que
falariam sobre alguns desenhos e seriam filmadas.
Para exemplificar uma das situações narrativas, vejamos o procedimento com
maior detalhe. A entrevistadora dizia Jack e Kate estão jogando bola [na parte
externa de uma casa, próximos à porta]. Willy e sua mãe estão chegando em casa
vindo das compras com sacolas de supermercado. Em seguida, ligava o gravador e
uma gravação do personagem da mãe dizia: A porta está aberta? A entrevistadora
perguntava, então, à criança:
O que Jack e Kate disseram quando a mãe disse isso?
O que Jack e Kate fizeram depois? Por quê?
Tu te lembras o que a mãe disse ao Jack e a Kate [se a criança esquecia, o
estímulo era retomado].
104
Quando a mãe disse... para Jack e Kate, o que ela queria dizer?
O que ela queria quando disse isso?
Eu vou colocar 2 desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a mamãe
pediu.
Quando ela diz...por que Jack e Kate não...?
O que ela poderia ter dito para levá-los a...?
Nesta parte do experimento, denominada de “situação narrativa”, as cenas
usadas eram divididas em duas condições uma de ‘ajuda’ e outra de ‘proibição’.
Como estímulo, havia duas condições diferentes, em alguns casos, a criança ouvia
uma pergunta; em outros, um comentário. A última condição aplicada era a
silenciosa, sem a presença de enunciados.
A proposta para a situação narrativa de ajuda era (a) estabelecer se a idéia
da criança do final da história envolvia conformidade com o pedido de ajuda e por
quê? e (b) estabelecer se a criança considerava que o falante estava fazendo um
pedido ou somente perguntava pela informação ou avaliava a situação.
Na situação narrativa de proibição, algo descrito como proibido poderia ser
reconhecido até mesmo por uma criança de três anos e era possível considerar que
o falante estivesse repreendendo ou querendo que o ato desobediente cessasse. A
ação desejada, parar, era mais óbvia nas narrativas proibitivas do que nas cenas de
ajuda.
As cenas de ajuda incluíam as seguintes histórias:
a. Supermercado. Jack e Kate estavam jogando bola no pátio. A mãe e
Willy estavam chegando pelos fundos, levando sacolas de supermercado. A porta
dos fundos da casa estava fechada. A mãe pergunta para Jack e Kate A porta está
aberta? ou simplesmente diz A porta está fechada.
105
b. Bolo. A família estava comendo bolo e os pedaços tinham quase
terminado. No centro da mesa havia uma garrafa de refrigerante que escondia do
falante o prato de bolo, que estava em frente de Jack e Kate. As crianças diziam à
mãe Tem mais bolo? ou Já comi tudo.
c. Coleira. A família havia decidido levar o cachorro para passear. A coleira
estava pendurada no gancho do cabide no quarto em que Jack e Kate estavam
jogando. A mãe perguntava do outro quarto Cadê a coleira do cachorro? ou Eu não
acho a coleira do cachorro.
d. Janela. Jack e Kate estavam jogando num quarto em que havia uma
janela aberta. A mãe estava tentando trabalhar no outro quarto, mas seus papéis
começaram a voar no corredor. Ela diz, A janela está aberta? ou Janela aberta!
e. Xadrez. Jack e Kate estão jogando no corredor perto de uma mesa em
que a mãe e Willy estão jogando xadrez. Uma peça do jogo cai no corredor perto de
Jack e Kate. A mãe diz Cadê a peça do xadrez? ou O xadrez caiu no corredor.
As cenas de proibição incluíam as seguintes histórias:
a. Pintura nas paredes. Jack e Kate pintaram a parede da sala de estar.
Havia pinturas no sofá, no tapete. A mãe dizia, Vocês estão pintando as paredes?
ou Vocês estão pintando as paredes.
b. Brincando no barro. Jack e Kate estão vestidos para uma festa, mas
enquanto esperavam a mãe se arrumar, começam a brincar no barro. A mãe diz,
Você estão brincando no barro? ou Vocês estão brincando no barro.
c. Brigas. Jack e Kate estão construindo blocos. Pegam o mesmo bloco e
repentinamente começam brigar. A mãe diz, Vocês estão brigando? ou Vocês estão
brigando.
d. Comida derramando. Jack e Kate decidem fazer um piquenique na sala
de estar. Durante o piquenique, derramam comida e leite no tapete e nos móveis. A
mãe diz, Vocês estão jogando comida fora? ou Vocês estão jogando comida fora.
106
e. Atirando flores. Jack e Kate estão brincando no jardim. De repente
começam arrancar as flores. A mãe diz, Vocês estão arrancando as flores? ou
Vocês estão arrancando as flores.
Na situação naturalística, após a terceira, sexta e décima narrativas, a
entrevistadora fazia comentários sobre objetos presentes no cenário experimental.
Estes pedidos, que eram expressos de diferentes maneiras, envolviam as seguintes
situações:
a. Fechar a porta da sala que era deixada aberta durante a sessão.
b. Entregar à entrevistadora uma caneta (deixada em frente à criança antes
da sessão).
c. Apanhar os desenhos da situação narrativa, derrubados acidentalmente
da mesa durante a sessão.
d. Encontrar o relógio da entrevistadora, que o tinha deixado sobre a mesa,
mas ao alcance da criança.
e. Pegar os bastões que a entrevistadora prometeu às crianças para
participação no estudo (estes ficavam localizados distantes da mesa, mas de fácil
alcance).
As formas dos pedidos empregados no experimento variavam quanto ao grau
de explicitação da ação a ser realizada pelo ouvinte. Essas envolveram:
a) pedidos indiretos convencionais polidos (agente – verbo – objeto),
interrogativo – pedido convencional. Ex.: Can you give me...? (‘Você pode me
alcançar...?’);
b) formas declarativas explícitas (verbo – objeto). Ex.: I can’t get/find/reach
my... (‘Eu não consigo pegar / achar / alcançar...’);
107
c) objeto – lugar, forma declarativa, focalizando lugar ou estado dos objetos.
Ex.: The missing/is on the floor/is open (‘A caneta que sumiu está no chão/ está
aberta...’);
d) formas interrogativas (objeto/lugar): perguntas focalizando o lugar ou
estado do objeto. Ex.: Is...on the floor/open/over there? (‘A caneta está no chão?
está aberta? está lá?’);
e) menção ao objeto exclamação – oh, the... (Oh! A caneta, O relógio!)
De um modo geral, os resultados do estudo-piloto mostraram que 92% dos
sujeitos cooperaram constante e satisfatoriamente com relação às formas de
pedidos convencionais e mais explícitos. Em contraposição, as crianças de três anos
tornaram-se menos cooperativas à medida que os pedidos eram menos explícitos.
Já as crianças de seis e sete anos foram mais cooperativas, mesmo quando os
pedidos eram menos explícitos.
Ficou evidenciado, também, que em contextos bem informativos, o caráter
explícito dos pedidos é um elemento de ajuda na compreensão destes, mas, com o
avanço da idade, torna-se desnecessário. Em crianças mais velhas, o contexto pode
conduzir ao comportamento esperado, às vezes até sem o auxílio da linguagem. Isto
confirma a evidência de que o contexto ainda pode ditar comportamento, até mesmo
quando a linguagem não dá indicação do que deve ser feito e até mesmo de que
algo deva ser feito.
Ervin-Tripp et al. (1987) nesse estudo preliminar concluíram que a
explicitação é útil, mas diminui com a idade em contextos informativos, pelo menos
para algumas crianças, o contexto sozinho pode dirigir o comportamento, sem ajuda
alguma da linguagem.
Nesse mesmo artigo, Ervin-Tripp et al. (1987) relatam outro experimento, o
denominado Estudo Europeu, que analisa a capacidade de a criança entender as
intenções dos falantes. Nesse caso, o objetivo do estudo é separar a análise da
108
informação lingüística da análise da situação pragmática em interlocuções
envolvendo aprendizes de uma segunda língua.
Os autores defendem que, se um ouvinte somente concorda com um pedido
depois de inferir corretamente a intenção do falante, começando por uma análise do
sentido literal ou convencional do que o falante diz, então os aprendizes de uma
segunda língua deveriam estar em desvantagem. Se, entretanto, os ouvintes
trabalham inseridos numa matriz pragmática, então a idade e a experiência social,
não a linguagem, deveriam ser determinantes.
Nas análises e discussão, os pesquisadores destacaram evidências de que a
única exigência lingüística para se fazer um pedido é um substantivo que desperte a
atenção do interlocutor para o objeto. O restante fica por conta das inferências a
partir das intenções cooperativas do ouvinte. Ervin-Tripp et al. dizem que na verdade
o aprendiz que julga a partir do contexto é mais adequado na atribuição de intenções
aos pedidos dos falantes do que uma criança que está apta a entender mais
facilmente a pergunta do ponto de vista lingüístico. Isso porque essa última, muitas
vezes, interpreta os pedidos como buscas de informações que transmitem
simplesmente o que o falante ‘quer saber’!
Os sujeitos dessa pesquisa são 24 crianças falantes de língua francesa (L2) e
50 falantes de língua inglesa (L2), variando a idade entre 4 e 9 anos. Todas as
crianças foram testadas em ou perto de Genebra. Os aprendizes testados em
Francês viveram em Genebra de três meses a um ano, período em que
freqüentaram a escola e não conheciam a língua francesa antes de chegar lá.
Na pesquisa piloto somente foram incluídas situações que eram
potencialmente óbvias. Os autores apresentaram um tipo de proibição usada na
Itália e na Suíça, que é bem específica culturalmente, denominada ‘Desafio
Conversacional’ por Giulia Centineo (1982 apud ERVIN-TRIPP et al., 1987).
Centineo mostrou que tais desafios são bem freqüentes na fala italiana, mas têm
restrições sociais, tais como uso para membros familiares e íntimos.
109
Os procedimentos para as situações narrativas e a situação naturalística eram
essencialmente os mesmos que aqueles usados na Califórnia, com poucas
modificações. Como na pesquisa piloto, a entrevistadora examinava um livro de
desenhos e contava uma história que se desenrolava ao longo de uma série de
quadros. Entretanto, em um ponto chave na história, a entrevistadora mesmo
produzia uma pergunta pré-selecionada, representando a mãe na história; tal
pergunta servia como estímulo às interpretações da criança. Como na pesquisa
piloto, a reação da criança a essas questões era o foco principal do experimento. A
entrevistadora usava uma linguagem bem cotidiana durante a sessão.
Nesse segundo estudo, as mesmas situações narrativas foram usadas,
exceto pela omissão da cena do barro. A cena do barro foi descartada porque a
atividade era tão atraente para as crianças, que elas não seriam compelidas a julgar
que os personagens parariam de brincar, mesmo diante da segunda proibição. A
análise seguida foi a mesma das situações narrativas, somente o personagem da
mãe enunciando unicamente a forma de pedidos implícitos. Para a história de ajuda,
a entrevistadora empregou somente perguntas implícitas do trabalho da Califórnia.
Por exemplo, A mãe está chegando em casa do supermercado com um saco de
produtos. Jack e Kate estão brincando perto da porta. A mãe diz, A porta está
aberta?
A forma interrogativa era similar no estudo da Califórnia. A versão em francês,
no estudo realizado na Europa era a seguinte:
Qu’est-ce que les enfants vont dire?/ O que as crianças vão dizer?
Qu’est-ce que les enfants vont faire? Pourquoi?/ O que as crianças vão fazer?
Por quê?
Qu’est-ce que la mère a dit?/ O que a mãe disse?
Qu’est-ce que la mère voulait dire?/ O que a mãe queria dizer?
(e/ou) Pourquoi a-t-elle dit cela?/ Por que ela disse isso?
110
Na versão em inglês, aplicada a um grupo de controle a entrevistadora usava
uma tradução literal da quarta pergunta. What did the mother want to say?/ O que a
mãe gostaria de dizer? Em vez de What did the mother mean?/ O que a mãe queria
dizer?.
Nas narrativas de proibição, foram usadas frases que poderiam ser
consideradas culturalmente equivalentes às frases usadas no estudo americano,
mas diferentes com relação ao sentido literal. Algumas das frases poderiam ser
caracterizadas como ‘desafios conversacionais’. Um exemplo usado foi o da cena
das flores: Isso, continua, joga as flores e o da cena de briga - Vamos. Continuem!
No estudo europeu, as cinco situações usadas no experimento naturalístico
foram fechar a porta, recuperar uma caneta, uma bolsa ou um notebook, e recuperar
uma caixa de fitas para gravação usada no experimento. Uma menção anômala
também era usada pela entrevistadora que fazia um comentário como Minha caneta
é azul ou Meu relógio é prateado.
Como na pesquisa piloto, as ações sugeridas na situação natural variavam
em termos de relevância situacional, do maior contexto limite (dar fitas para uma
gravação) para o menor (encontrar a bolsa da entrevistadora em cima da mesa).
A apresentação do experimento no caso das crianças bilíngues foi diferente
daquela do estudo feito nos Estados Unidos. Não havia um cenário que levasse à
interpretação do pedido, nem a entrevistadora agia de modo a torná-la
situacionalmente relevante. A informação adicional era mínima, sem gestos, exceto
a direção do olhar em direção ao objeto desejado. Das cinco situações, a sugestão
da fita cassete era a mais bem situada numa trajetória natural, desde que ocorresse
após a entrevistadora tirar a fita do gravador.
O estudo piloto indicou uma média alta de cooperação no caso dos pedidos
convencionais. Este teve sua freqüência reduzida e recolocada com a menção
anômala para todas as crianças, exceto seis sujeitos no grupo de controle do inglês.
A forma convencional foi usada com a maioria dos aprendizes franceses e do grupo
de controle do francês, mas os autores não estavam certos como isso seria
111
respondido em francês. Somente dois dos sujeitos do grupo de controle do francês e
oito dos aprendizes franceses ouviram a menção anômala.
As seguintes formas experimentais foram usadas:
Agente explícito-verbo objeto interrogativo: forma de pedidos polidos
convencionais, Can you give me my watch?/ Você pode me dar meu relógio? Est-ce
que tu peux me donner mon sac?/ Tu podes me dar minha bolsa?
a. Verbo explícito – objeto declarativo: I can’t reach my watch./Eu não posso
alcançar meu relógio. Je ne peux pas prendre mon sac./ Eu não posso pegar minha
bolsa.
b. Colocação do objeto/ estado declarativo: The ... ist over there/ is open. /O
...está lá/está aberto. My purse is there. / Mon sac est là./ Minha bolsa está lá.
c. Colocação do objeto/ estado interrogativo: Is.../ on the floor/ open/ over
there?/ Est-ce que mon sac est là? Está.../ no corredor/ aberto/ lá em cima?/ A minha
bolsa está lá?
d. Menção ao objeto: Oh, the...! / Ah, mon sac! Ah, minha bolsa!
e. Menção anômala: My purse is white. / Mon sac est blanc. / Minha bolsa é
branca.
Nas narrativas de ajuda, os pesquisadores procuraram observar os
julgamentos interpretativos das crianças: saber se as características na história
continuavam a ter um papel, qual seja, saber se as crianças ofereciam ajuda à mãe.
Houve apenas ajuda mínima na condição silenciosa na amostra piloto nos EUA,
assim se pode dizer que essas situações, ao contrário da cena proibitiva, dependem
pelo menos de mínima informação verbal para guiar a atenção.
Os dados mostraram que não há diferença significativa nas histórias entre as
faixas etárias ou entre os grupos de Genebra. A média de cooperação e
atendimento aos pedidos variou entre as histórias de 62% (na história do bolo) para
112
94% (na história da coleira). O que isso mostra, se compararmos os dois
percentuais, é que há um sucesso substancial em forma de pergunta, chamando
atenção para o problema da necessidade de reparo, que despista uma explicitação
ruim sobre o que o ouvinte vai fazer.
A capacidade da criança para interpretar as intenções dos falantes quando
os estímulos têm forma de sugestões ou de sarcasmos aumenta com a idade e com
a experiência cultural, mas sua resposta à ação parece resultar de sua interpretação
dos pedidos a partir da situação mais do que a partir da intenção do falante.
Esses resultados mostram que essa capacidade para interpretar os pedidos a
partir da situação surge mais tarde a partir dos seis, sete anos de idade; a
capacidade de as crianças interpretarem as intenções dos falantes a partir das pistas
ou ironias cresce com a idade e a experiência cultural, mas sua ação parece vir de
sua interpretação das exigências da situação muito mais do que das exigências do
falante; o alto grau de cooperação do aprendiz sugere que aprendizes de língua
estrangeira (L2) tornam-se sensíveis a informações contextuais, em função da
inabilidade lingüística; a análise de intenções na fala só é necessária em casos de
ambigüidade, incongruência ou falta de um contexto adequado.
As conclusões desse experimento mostraram que os ouvintes interpretam
pedidos de ação em contexto sem explicitação lingüística, entretanto o grau de
cooperação foi maior em alguns grupos de crianças mais velhas, seis, sete anos de
idade, aumentando com a idade, aparecendo mais fortemente em aprendizes de L2,
provavelmente por sua maior sensibilidade ao contexto. Em muitos casos, a
informação contextual é suficiente, já que a interpretação da intenção em fazer um
pedido não é necessária nem suficiente para gerar um comportamento cooperativo,
exceto em casos de ambigüidade e incongruências entre as exigências contextuais
e as palavras. Sob essa visão, os pedidos estão situados em contextos de relações
sociais e de atividade em andamento, e sua forma e interpretação dependem de
ambos.
Este estudo significativo de Ervin-Tripp et al. (1987), por nós replicado, é
crucial principalmente por apresentar uma nova perspectiva ao discutir até que ponto
113
os interlocutores confiam na informação lingüística versus no auxílio do contexto e
do conhecimento situacional para compreender atos de fala. Assim, os
pesquisadores esclarecem que os pedidos podem ser compreendidos com base no
contexto, sem depender da interpretação da estrutura lingüística.
A análise da intenção do falante na fala é central para teorias de interpretação
de atos de fala quando existe incongruência, ambigüidade ou falta de um contexto
adequado, conforme Ervin-Tripp et al. postulam acima. Na verdade, as autoras
argumentam que, a menos que entendamos a intenção do falante na presença
desses casos, nós não podemos identificar adequadamente um enunciado como um
pedido.
A partir disso, Ervin-Tripp et al. (1987) ressaltam que a cooperação resulta da
situação social e não necessariamente do enunciado que expressa um pedido.
Desse modo, a criança pode não compreender o enunciado do F e, no entanto,
interpretar e responder adequadamente ao pedido com base no contexto
pragmático.
Fica claro, portanto, conforme Ervin-Tripp et al. (1987), que crianças na faixa
etária de três a quatro anos de idade já compreendem os pedidos diretos, explícitos
e, em menor grau, pedidos implícitos; no entanto, a compreensão das diferentes
estratégias lingüísticas é, muitas vezes, dependente do contexto.
Neste momento passaremos ao capítulo de Metodologia, em que
descrevemos nosso exercício de pesquisa propriamente dito, inspirado na pesquisa
de Ervin-Tripp et al. (1987) acima explicitada, para, em seguida, apresentarmos os
resultados obtidos e discuti-los.
114
4
METODOLOGIA
4.1 Sujeitos
Seguindo o desenho de pesquisa do trabalho de Ervin-Tripp et al. (1987) aqui
replicado, as crianças participantes de nossa coleta pertenciam a dois grupos
etários, conforme descrevemos a seguir. O Grupo 1 constitui-se de dezenove
crianças com idade entre quatro e cinco anos; dessas, dezesseis crianças têm
quatro anos de idade, e três, cinco anos. Em termos de gênero, no Grupo 1, oito dos
participantes são meninas e os outros oito, meninos. O Grupo 2 constitui-se de vinte
crianças com idade entre seis e sete anos; desses, sete crianças têm seis anos de
idade, e as demais treze têm sete. A divisão do Grupo 2 em termos de gênero é a
seguinte: 11 das crianças são meninos e as outras 9, meninas. A distribuição dos
sujeitos por Grupo pode ser visualizada nos Quadros 2 e 3 a seguir.
Note-se que o número de crianças consideradas para análise é diferente nos
dois grupos. Isso se deveu à necessidade que tivemos de descartar uma das
entrevistas feitas na faixa etária menor, em virtude de a criança ter adotado uma
série de estratégias de evasão da tarefa. Resumidamente, a menina, de quatro
anos, respondeu às perguntas dirigidas a ela pela entrevistadora dizendo
predominantemente “não sei”, além de ter apresentado dificuldades de concentração
e compreensão das narrativas do primeiro teste.
As crianças do Grupo 1 são todas alunas de uma mesma escola privada bem
referenciada na comunidade local – cidade de cem mil habitantes no interior do Rio
Grande do Sul. A escola possui 36 alunos e os atende somente durante os anos pré-
escolares, hoje referidos no Brasil como “Educação Infantil”. A característica
115
principal dessa escola é o trabalho sempre em forma de projetos, tais como
educação ambiental, cuidado e trato, convívio com os animais, etc. A variável classe
social não foi controlada por nós, mas se pode inferir, a partir de conversa com uma
das proprietárias da escola e professora dessas crianças, que a condição
socioeconômica dos pais é a classe média em função da escolarização dos
mesmos, pois alguns têm curso superior e casa própria.
Quadro 02 – Distribuição dos Sujeitos por Sexo e Idade - Grupo 1 (4 e 5 anos)
Idade Nº Sexo Meses
4 anos 1 F 4;1 mês
4 anos 2 F 4;1 mês
4 anos 3 F 4;3 meses
4 anos 4 M 4;4 meses
4 anos 5 M 4;6 meses
4 anos 6 F 4;7 meses
4 anos 7 M 4;7 meses
4 anos 8 F 4;8 meses
4 anos 9 M 4;8 meses
4 anos 10 M 4;9 meses
4 anos 11 M 4;10 meses
4 anos 12 M 4;10 meses
4 anos 13 M 4;10 meses
4 anos 14 F 4;10 meses
4 anos 15 F 4;10 meses
4 anos 16 F 4;10 meses
5 anos 17 F 5;0 mês
5 anos 18 M 5;0 mês
5 anos 19 M 5;3 meses
116
Quadro 03 – Distribuição dos Sujeitos por Sexo e Idade - Grupo 2 (6 e 7 anos)
Idade nº Sexo Meses
6 anos 1 M 6;5 meses
6 anos 2 M 6;6 meses
6 anos 3 F 6;10 meses
6 anos 4 M 6;10 meses
6 anos 5 F 6;11 meses
6 anos 6 F 6;11 meses
6 anos 7 M 6;11 meses
7 anos 8 F 7;0 mês
7 anos 9 M 7;0 mês
7 anos 10 M 7;0 mês
7 anos 11 F 7;1 mês
7 anos 12 F 7;2 meses
7 anos 13 F 7;2 meses
7 anos 14 M 7;3 meses
7 anos 15 M 7;3 meses
7 anos 16 F 7;4 meses
7 anos 17 M 7;4 meses
7 anos 18 M 7;4 meses
7 anos 19 M 7;4 meses
7 anos 20 F 7;9 meses
Considerando que as crianças do Grupo 1 eram bastante jovens, a coleta de
dados foi antecedida por um período de familiarização das mesmas com a
pesquisadora. Esta realizou visitas à escola por duas semanas durante as quais
participou com as crianças das atividades escolares: hora da rodinha, brincadeiras e
trabalhos em sala, brincadeiras no pátio, etc. As visitas revelaram-se produtivas em
razão de se ter estabelecido um bom vínculo entre a entrevistadora e as crianças,
que passaram a solicitar que esta as ajudasse com o lanche, lhes contasse histórias,
etc. Na oportunidade, pôde-se constatar que as crianças estavam acostumadas a
117
participar, na hora da rodinha, de atividades de narração a partir de histórias em
seqüência, o que seria delas requerido para a realização dos testes.
As crianças do Grupo 2 são também todas alunas de uma mesma escola
privada, localizada no interior do Rio Grande do Sul. Essa escola oferece
escolarização até a 4ª série do ensino fundamental e totaliza 240 alunos. É bastante
nova, prima por uma metodologia bastante dinâmica e moderna, as crianças já
desde a educação infantil possuem sala equipada com computadores, ensino de
língua inglesa e língua espanhola. A escola conta com uma equipe de profissionais
qualificados trabalhando em conjunto, além de uma excelente infra-estrutura interna
com parquinho, ginásio coberto e transporte próprio.
Nessa escola, realizamos diretamente as entrevistas com as crianças, pois a
hora da rodinha já fazia parte de seu cotidiano. Estas também estavam
familiarizadas com as narrativas seqüenciadas e a serem filmadas: a cada festa de
aniversário, a escola já tem contratada uma equipe de filmagem para registrá-las.
Assim, não julgamos necessário fazer uma visitação prévia e efetuamos diretamente
a coleta.
A partir de conversa com as proprietárias da escola, podemos inferir que a
condição socioeconômica dos pais dessas crianças é classe média alta, já que a
maioria dos pais tem curso superior e possui casa própria.
4.2 Instrumentos
A coleta de dados subdividiu-se em duas situações: a situação narrativa (Ver
anexos) e a situação naturalística. A situação narrativa foi central em nosso
experimento e será descrita e analisada com maior detalhamento. Nela, havia dois
grupos de histórias. As “histórias de ajuda” constituíam-se de breves narrativas em
seqüência que culminavam em uma situação na qual um pedido de ajuda era
dirigido às crianças-personagens. As “histórias de proibição”, por sua vez,
culminavam em uma situação em que um adulto, supostamente a mãe das crianças-
personagens, recriminava o comportamento das mesmas, proibindo-as de fazer
algo. A situação naturalística era também divida em três condições, dependendo do
118
tipo de intervenção enunciativa realizada pela entrevistadora. Descreveremos o
desenho das duas situações em cada uma de suas condições nas seções que se
seguem. Faz-se necessário informar que os desenhos das histórias usados na
coleta de dados foram por nós produzidos e encontram-se nos anexos, conforme
aparecem relatados na seqüência de histórias abaixo.
4.2.1 Situações Narrativas
Na condição “história de ajuda’, havia cinco situações que envolviam as
seguintes histórias: História do Supermercado, História do Bolo, História da
Coleira, História da Janela e História do Dominó. A seguir, descrevemos cada
uma delas.
A História do Supermercado envolvia uma situação em que a mãe havia ido
ao supermercado com uma das crianças e outras duas crianças permaneciam em
casa jogando bola no pátio. No primeiro desenho, aparece uma casa murada com
um amplo jardim, no qual duas crianças brincam, e um portão que está fechado. No
segundo desenho, o portão está aberto, a mãe e a criança encontram-se fora do
carro chegando do supermercado com as mãos ocupadas com sacolas, enquanto as
outras duas crianças observam. No terceiro e último desenho dessa história, estão
mãe e filha com as mãos ainda ocupadas, olhando para as outras duas crianças que
haviam ficado em casa: todas as quatro personagens encontravam-se em frente à
porta da casa, que estava fechada. Posteriormente à análise da seqüência de
desenhos, a entrevistadora inseria um estímulo gravado, no qual as crianças ouviam
a seguinte pergunta: A porta está aberta? ou o seguinte comentário: A porta está
fechada. A diferença quanto ao estímulo usado, ora em forma de pergunta, ora em
forma de comentário, fez-se necessária para que pudéssemos verificar qual a forma
lingüística mais facilmente interpretada pelas crianças. Após o estímulo, a
entrevistadora fazia oito perguntas variando a condição de “pergunta” ou
“comentário”, são elas:
1) O que o João e a Ana disseram quando a mamãe disse isso?
2) O que o João e a Ana fizeram depois? Por quê?
119
3) Tu te lembras o que a mamãe disse ao João e à Ana? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
4) Quando a mamãe disse A porta está aberta? (condição pergunta), ou A porta
está fechada. (condição comentário) para o João e a Ana, o que ela queria dizer?
5) O que ela queria quando disse isso?
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
mamãe pediu.
7) Quando ela disse A porta está aberta? (condição pergunta), ou A porta está
fechada. (condição comentário), porque o João e a Ana não abriram a porta?
8) O que a mamãe poderia ter dito para que eles abrissem a porta?
Com relação à pergunta de número seis, acima, faz-se necessário esclarecer
que todas as histórias evoluíam igualmente numa seqüência de três desenhos por
história. Quando a fazíamos para as crianças, mostrávamos sempre os dois últimos
desenhos da seqüência, pois esses possuíam a diferença de que a mãe estava
sempre no último desenho. Assim, para que a criança interpretasse corretamente
qual dos dois desenhos mostrava o que a mamãe pedia, a criança deveria apontar
sempre para o último desenho.
A História do Bolo envolvia quatro personagens: os pais e as crianças. No
primeiro desenho, os personagens estão sentados em volta de uma mesa, em que a
mãe aparece servindo bolo. Nesse desenho, uma criança já está com seu prato
servido. No segundo desenho, a criança já servida tem seu prato vazio e aparece,
então, outra criança servida. No terceiro e último desenho, existe uma garrafa de
refrigerante tapando o bolo, os pais estão comendo e as crianças aparecem com
seus pratinhos vazios. Após a análise e discussão dos desenhos com a
entrevistadora, alguns sujeitos ouviam o seguinte estímulo gravado: Tem mais bolo?
e outros ouviam o seguinte comentário: Já comi tudo. A entrevistadora fazia, então,
as oito perguntas:
120
1) O que a mamãe disse quando a Ana/ o João disse isso?
2) O que a mamãe fez depois? Por quê?
3) Tu te lembras o que o João/a Ana disse para mamãe? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
4) Quando a Ana/ o João disse Tem mais bolo? ( condição pergunta), ou
comi tudo. ( condição comentário) para a mamãe, o que ela/ ele queria dizer?
5) O que ela/ ele queria quando disse isso?
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
Ana/ o João pediu.
7) Quando a Ana/ o João disse Tem mais bolo? (condição pergunta), ou
comi tudo. (condição comentário) porque a mamãe não serviu mais bolo para ela/
ele?
8) O que a Ana / o João poderia ter dito à mamãe para ganhar mais bolo?
Na História da Coleira os personagens eram os pais, as crianças e um
cachorro. No primeiro desenho, estão os pais e o cachorro em frente à casinha dele.
No segundo desenho, os pais estão dentro de casa, em frente a uma porta onde as
crianças estão jogando. O último e terceiro desenhos mostram as crianças brincando
e, ao fundo, aparece um cabide com uma coleira pendurada. Os sujeitos ouviam o
estímulo gravado com a seguinte pergunta: Cadê a coleira do cachorro?, ou o
seguinte comentário: Eu não acho a coleira do cachorro. Após, seguiam as oito
perguntas feitas pela entrevistadora:
1) O que o João e a Ana disseram quando a mamãe disse isso?
2) O que o João e a Ana fizeram depois? Por quê?
121
3) Tu te lembras o que a mamãe disse ao João e à Ana? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
4) Quando a mamãe disse Cadê a coleira do cachorro? (condição pergunta) ou
Eu não acho a coleira do cachorro. (condição comentário) para o João e a Ana, o
que ela queria dizer?
5) O que ela queria quando disse isso?
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
mamãe pediu.
7) Quando ela disse Cadê a coleira do cachorro? (condição pergunta) ou Eu
não acho a coleira do cachorro. (condição comentário) porque o João e a Ana não
alcançaram a coleira para a mamãe?
8) O que a mamãe poderia ter dito para que eles pegassem a coleira para ela?
Na História da Janela participavam duas crianças e a mãe. O primeiro
desenho apresentava as crianças jogando cartas em um quarto, em que havia uma
janela aberta. O segundo desenho mostrava somente a mãe trabalhando em um
outro ambiente da casa e alguns papéis voando. No terceiro desenho, que também
mostra papéis voando, aparece a mãe trabalhando com o rosto direcionado para o
quarto das crianças, que brincam com a janela aberta. Os sujeitos da pesquisa
ouviam o estímulo gravado em pergunta: A janela está aberta? ou o comentário:
Janela aberta! Posteriormente, como nas outras histórias, a entrevistadora propunha
as oito perguntas para as crianças:
1) O que o João e a Ana disseram quando a mamãe disse isso?
2) O que o João e a Ana fizeram depois? Por quê?
3) Tu te lembras o que a mamãe disse ao João e à Ana? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
122
4) Quando a mamãe disse A janela está aberta? (condição pergunta) ou Janela
aberta! (condição comentário) para o João e a Ana, o que ela queria dizer?
5) O que ela queria quando disse isso?
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
mamãe pediu.
7) Quando a mamãe disse A janela está aberta? (condição pergunta) ou Janela
aberta! (condição comentário) porque o João e a Ana não fecharam a janela?
8) O que a mamãe poderia ter dito para que eles fechassem a janela para ela?
A História do Dominó envolvia a mãe e as crianças. No primeiro desenho, a
mãe e uma criança estão jogando dominó em uma mesa e outras duas crianças
estão jogando bola. No segundo desenho, aparece uma peça do dominó no chão. O
terceiro desenho mostra uma criança e a mãe olhando para outra criança que está
em pé, em frente à peça do dominó, no chão. O estímulo gravado feito em forma de
pergunta nessa história era: Cadê a peça do dominó? e o comentário: O dominó caiu
no chão. A seguir, a entrevistadora colocava, como das outras vezes, as oito
perguntas para as crianças:
1) O que o João disse quando a mamãe disse isso?
2) O que o João fez depois? Por quê?
3) Tu te lembras o que a mamãe disse ao João? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
4) Quando a mamãe disse Cadê a peça do dominó? (condição pergunta) ou O
dominó caiu no chão. (condição comentário) para o João, o que ela queria dizer?
5) O que ela queria quando disse isso?
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
mamãe pediu.
123
7) Quando a mamãe disse Cadê a peça do dominó? (condição pergunta) ou O
dominó caiu no chão. (condição comentário) porque o João não apanhou a peça do
dominó para ela?
8) O que a mamãe poderia ter dito para que o João apanhasse a peça para
ela?
As cinco situações de ajuda, é necessário ressaltar, não possuíam igual
complexidade. Os desenhos fáceis eram a cena do dominó com a peça caída e a
cena do supermercado. A cena do bolo era mais difícil para a criança, já que exigia
um comportamento inadequado ao seu papel: uma criança pequena não deve usar
uma faca, já que ainda não possui as habilidades motoras necessárias para utilizá-
la.
Na condição “histórias de proibição” havia igualmente cinco situações:
Pintura nas Paredes, Brincadeira no Barro, Brigas, Comida Desperdiçada e
Arrancando Flores.
A primeira situação de proibição Pintura nas Paredes incluía três
personagens: a mãe e duas crianças. No primeiro desenho, as crianças estão na
sala, uma no sofá com um pincel na mão, pintando a parede, e outra segurando uma
lata de tinta. No segundo desenho, aparece somente uma criança com o pincel na
mão todo sujo de tinta derramada no sofá, no tapete e, igualmente, na parede. No
terceiro desenho, estão as duas crianças e a mãe observando. A seguir, a
entrevistadora inseria como estímulo gravado a seguinte pergunta: Vocês estão
pintando as paredes? e, em outros momentos, o seguinte comentário: Vocês estão
pintando as paredes. Eis as perguntas:
1) O que o João e a Ana disseram quando a mamãe disse isso?
2) O que o João e a Ana fizeram depois? Por quê?
3) Tu te lembras o que a mamãe disse ao João e à Ana? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
124
4) Quando a mamãe disse Vocês estão pintando as paredes? (condição
pergunta) ou Vocês estão pintando as paredes. (condição comentário) para o João e
a Ana, o que ela queria dizer?
5) O que ela queria quando disse isso?
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
mamãe pediu.
7) Quando ela disse Vocês estão pintando as paredes? (condição pergunta) ou
Vocês estão pintando as paredes. (condição comentário) porque o João e a Ana não
param de pintar?
8) O que a mamãe poderia ter dito para que eles parassem de pintar as
paredes?
A segunda situação proibitiva Brincadeira no Barro tinha como personagens
duas crianças e a mãe. No primeiro desenho, as duas crianças aparecem limpas e
arrumadas em frente a casa. No segundo desenho, estas se encontram sentadas,
sujas, junto a uma poça de lama. O terceiro desenho mostra a mãe desolada com a
sujeira das crianças. A entrevistadora ora usava o estímulo gravado com a seguinte
pergunta: Vocês estão brincando no barro? ora com o seguinte comentário: Vocês
estão brincando no barro. As perguntas foram:
1) O que o João e a Ana disseram quando a mamãe disse isso?
2) O que o João e a Ana fizeram depois? Por quê?
3) Tu te lembras o que a mamãe disse ao João e à Ana? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
4) Quando a mamãe disse Vocês estão brincando no barro? (condição
pergunta) ou Vocês estão brincando no barro. (condição comentário) para o João e
a Ana, o que ela queria dizer?.
5) O que ela queria quando disse isso?
125
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
mamãe pediu.
7) Quando ela disse Vocês estão brincando no barro? (condição pergunta) ou
Vocês estão brincando no barro. (condição comentário) porque o João e a Ana não
pararam?
8) O que a mamãe poderia ter dito para que eles não fossem no barro?
A terceira situação proibitiva envolvia Brigas. Crianças aparecem segurando
a mesma peça de um quebra-cabeças, no primeiro desenho. No segundo desenho,
duas crianças estão brigando. A mãe, no terceiro desenho, encontra-se com as duas
mãos na cintura, olhando seriamente para as crianças, enquanto essas brigam. O
estímulo gravado em forma de “pergunta” para essa situação era: Vocês estão
brigando? e o comentário: Vocês estão brigando. Fizemos as seguintes perguntas:
1) O que o João e a Ana disseram quando a mamãe disse isso?
2) O que o João e a Ana fizeram depois? Por quê?
3) Tu te lembras o que a mamãe disse ao João e à Ana? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
4) Quando a mamãe disse Vocês estão brigando? (condição pergunta) ou
Vocês estão brigando. (condição comentário) para o João e a Ana, o que ela queria
dizer?
5) O que ela queria quando disse isso?
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
mamãe pediu.
7) Quando a mamãe disse Vocês estão brigando? (condição pergunta) ou
Vocês estão brigando. (condição comentário) porque o João e a Ana não pararam
de brigar?
8) O que a mamãe poderia ter dito para que eles não brigassem?
126
A quarta situação proibitiva denominava-se Comida Desperdiçada. Os
personagens eram a mãe e duas crianças. No primeiro desenho, crianças estão
fazendo um piquenique. No segundo desenho, estas jogam o lanche fora. No
terceiro desenho, a mãe aparece com as mãos na cintura e rosto indignado. A
entrevistadora dessa vez colocava a seguinte pergunta como estímulo gravado:
Vocês estão jogando comida fora? e o comentário: Vocês estão jogando comida
fora. Nossas perguntas foram:
1) O que o João e a Ana disseram quando a mamãe disse isso?
2) O que o João e a Ana fizeram depois? Por quê?
3) Tu te lembras o que a mamãe disse ao João e à Ana? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
4) Quando a mamãe disse Vocês estão jogando comida fora? (condição
pergunta) ou Vocês estão jogando comida fora. (condição comentário) para o João e
a Ana, o que ela queria dizer?
5) O que ela queria quando disse isso?
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
mamãe pediu.
7) Quando ela disse Vocês estão jogando comida fora? (condição pergunta) ou
Vocês estão jogando comida fora. (condição comentário) porque o João e a Ana não
pararam de jogar a comida fora?
8) O que a mamãe poderia ter dito para que eles parassem de jogar comida
fora?
A quinta e última situação proibitiva foi chamada de Arrancando Flores. No
primeiro desenho, duas crianças brincavam com uma bola em um lindo jardim todo
florido. O segundo desenho mostrava duas crianças sentadas segurando flores e
algumas, em volta, arrancadas. O terceiro desenho apresentava a mãe indignada
127
com as mãos na cintura. O estímulo gravado em forma de pergunta dizia: Vocês
estão arrancando as flores? e o comentário: Vocês estão arrancando as flores. As
perguntas foram:
1) O que o João e a Ana disseram quando a mamãe disse isso?
2) O que o João e a Ana fizeram depois? Por quê?
3) Tu te lembras o que a mamãe disse ao João e à Ana? (Se as crianças não
lembravam da pergunta ou comentário, repetíamos.)
4) Quando a mamãe disse Vocês estão arrancando as flores? (condição
pergunta) ou Vocês estão arrancando as flores. (condição comentário) para o João e
a Ana, o que ela queria dizer?
5) O que ela queria quando disse isso?
6) Eu vou colocar dois desenhos e tu me dizes qual deles significa o que a
mamãe pediu.
7) Quando a mamãe disse Vocês estão arrancando as flores? (condição
pergunta) ou Vocês estão arrancando as flores. (condição comentário) porque o
João e a Ana não pararam de arrancá-las?
8) O que a mamãe poderia ter dito para que eles não arrancassem as flores?
4.2.2 Situações naturais
A situação naturalística foi dividida em três condições em que fizemos uso de
objetos, tais como uma caneta, um relógio e os desenhos da coleta.
Na primeira situação naturalística, uma caneta azul era deixada em cima da
mesa e, após a terceira situação narrativa de ajuda, a entrevistadora intervinha
dizendo para a criança: Onde está minha caneta? (menção ao objeto), se a criança
128
não demonstrava ter compreendido o pedido implícito, a pesquisadora continuava a
análise dos desenhos em seqüência junto com a criança (condição silenciosa) para,
posteriormente, fazer outra intervenção à criança: Minha caneta é azul. (condição
anômala).
Na segunda situação naturalística, era usado um relógio, que a entrevistadora
deixava em cima da mesa durante o experimento. Após a quinta situação narrativa
de ajuda, a pesquisadora enunciava para as crianças as três condições seguintes:
menção ao objeto: Onde está meu relógio? condição silenciosa, em que não havia
enunciados e, finalmente a menção anômala: Meu relógio é prateado.
Por fim, havia a situação relativa aos desenhos utilizados para a coleta pela
entrevistadora: esta os jogava propositalmente no chão sem que as crianças o
percebessem para que fossem apanhados para ela. A terceira e última situação
naturalística era colocada às crianças após a oitava, ou décima narrativa de
proibição.
Portanto, nas três condições da situação naturalística, havia sempre três tipos
de pedidos que variavam a forma de explicitação, do mais ao menos explícito:
a) menção ao objeto – em forma de pergunta (objeto-lugar/ estado interrogativo), b)
a condição silenciosa, sem enunciados, encarada por nós como um tempo
necessário para que a criança, se estivesse apta, fizesse uma inferência e
interpretasse o pedido implícito e, por fim, a condição anômala (verbo explícito –
objeto declarativo: declaração problemática quanto à sua forma), em que a criança
ouvia um enunciado, por vezes, até redundante.
Com relação a esta última condição anômala, gostaríamos de relatar que não
a efetuamos adequadamente, já que não a aplicamos em todos os sujeitos, ou seja,
não controlamos bem esse dado com todos os informantes. Portanto, não temos,
para essa condição, um número significativo de dados que possa contribuir para nos
demonstrar a evidência de que as crianças compreendem pedidos baseados,
principalmente, na ajuda contextual e no conhecimento da situação em que se
encontram. Voltaremos a essa questão no capítulo seguinte, que trata dos
resultados.
129
Nossa coleta de dados teve, então, dois tipos de situações: as situações
narrativas, com cinco condições de ajuda e cinco condições de proibição, e as três
situações naturais convencionais, silenciosas e anômalas. Para cada uma dessas
dez situações narrativas, subdivididas em ajuda e proibição, havia sempre um
estímulo gravado em forma de pergunta ou de comentário, como descrevemos
acima. A gravação constava como a fala da personagem – mãe das histórias, que
deveria ser ouvida estritamente sempre da mesma forma.
As situações em que o estímulo gravado era em forma de pergunta foram
efetuadas com vinte crianças; dessas, seis crianças com quatro e cinco anos de
idade, Grupo 1, e quatorze crianças com seis e sete anos de idade, Grupo 2. Nessas
situações, o estímulo sempre foi aplicado após o término da observação das
histórias em seqüência.
Já as situações em forma de comentário foram usadas em dezenove
crianças; dessas, treze crianças com quatro e cinco anos e seis crianças com seis e
sete anos de idade. O estímulo gravado também era aplicado, nessas situações,
sempre ao final de cada exame dos desenhos seqüenciados.
Para as três Situações Naturais, efetuamos um estímulo enunciado pela
entrevistadora em três condições: menção ao objeto, condição silenciosa, e
condição anômala. As condições, menção ao objeto e silenciosa, foram aplicadas na
totalidade de informantes. A situação natural em forma de pedido anômalo não foi
por nós totalmente controlada, conforme ressaltado anteriormente, já que não
usamos o pedido anômalo com todos os sujeitos.
4.3 Procedimentos
Montamos uma sessão experimental em uma sala de aula em duas escolas
particulares no interior do Rio Grande do Sul, já anteriormente descritas. Ao centro
da sala de aula havia uma mesa com cadeiras, em cima desta o gravador para
audição do estímulo, os desenhos utilizados nas situações narrativas e, para a
situação natural os objetos usados, quais sejam, uma caneta e um relógio.
130
Durante a sessão experimental, a criança sentava ao lado da pesquisadora,
que anteriormente lhes informava que suas respostas seriam gravadas. Todas as
situações foram permanentemente filmadas.
Primeiramente, efetuamos as cinco situações narrativas de ajuda para as
crianças, após aplicamos as cinco de proibição e, intercalando-as, fizemos os três
pedidos experimentais: primeiro a situação natural com a caneta, efetuada após a
terceira situação narrativa de ajuda. Posteriormente a situação natural com o relógio,
depois da quinta situação narrativa de ajuda e, por fim, apresentamos a situação
natural com os desenhos, jogados no chão sem que as crianças o percebessem,
conforme já anteriormente descrito, após a décima situação narrativa de proibição.
Nas situações narrativas, primeiramente apresentamos as características dos
desenhos para as crianças. Após a criança examinar os desenhos em seqüência,
que envolviam cenas familiares, a entrevistadora fazia um resumo para as histórias;
as crianças então ouviam o estímulo gravado. Conforme já descrito, em alguns
casos, foi colocada a pergunta, por exemplo, no caso da História do Supermercado,
A porta está aberta? e, em outros, foi apresentado um comentário, A porta está
fechada.
A criança que discutia a história com a entrevistadora deveria escutar com
cuidado o estímulo para, posteriormente, terminar o diálogo da história. Desta forma,
a criança ouvia um enunciado que deveria ser interpretado como um pedido
implícito. Esses enunciados gravados, usados como estímulo, referiam-se à cena
que induziam às interpretações dos sujeitos nas situações narrativas de ajuda e de
proibição, ou seja, incitavam uma ação interpretada pela criança. Nas situações
naturais, a entrevistadora mesmo aplicava o estímulo. Após o exame dos desenhos
com a entrevistadora e audição do estímulo, as crianças respondiam as oito
perguntas listadas depois de cada história.
Fizemos três pedidos na situação natural, intercalando-os entre as situações
narrativas usando objetos: uma caneta, um relógio e os desenhos. Na primeira
situação natural com a caneta, a entrevistadora apresentava três condições à
criança, conforme descrevemos anteriormente: menção ao objeto, a condição
silenciosa, e a condição anômala; da mesma forma a entrevistadora fazia as três
131
condições com o relógio. Finalmente, com os desenhos jogados no chão, terminava
o experimento com a criança.
Nosso principal interesse foi observar se as crianças interpretavam um pedido
implícito baseado em ajuda contextual, informação situacional e, primordialmente, de
forma determinante, pela informação lingüística.
4.4 Variáveis Explicativas
Este trabalho possui como variável dependente saber se as crianças
compreendem pedidos. Nossas variáveis independentes são as Situações
Narrativas de Ajuda e de Proibição, efetuadas com um estímulo ora aplicado em
forma de Pergunta, ora em forma de Comentário, e a Situação Natural que engloba
três pedidos já anteriormente descritos. A seguir, apresentaremos nossos
Resultados e Discussão.
132
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Retomando as perguntas e hipóteses de pesquisa, quais sejam, em primeiro
lugar, saber se as crianças compreendem pedidos indiretos baseadas em pistas
contextuais; em segundo lugar, verificar se há um incremento na compreensão
contextual de diretivos indiretos com a idade; e posteriormente, verificar qual o efeito
da forma lingüística na compreensão contextual de diretivos indiretos, organizamos
este capítulo apresentando os resultados de modo a servirem para a discussão das
perguntas assim formuladas.
5.1 Resultados Gerais
Objetivamos, com esse experimento, investigar a interpretação por crianças
pequenas de pedidos implícitos. Uma história narrada permite à criança interagir
numa atividade que lhe requisita ajuda ficcional. Ao desempenhar um papel não
dirigido a ela diretamente, mas a um personagem, a criança interpreta os pedidos.
Ao investigarmos o processo de compreensão de atos de fala diretivos por
crianças, em dois grupos etários, pretendíamos verificar, primeiramente, se as
crianças interpretam os pedidos indiretos baseadas em pistas contextuais quando
estão, não no papel de ouvintes, mas no papel de participantes. As pesquisas
experimentais feitas na área de aquisição e compreensão de diretivos já haviam
demonstrado que as crianças interpretam pedidos indiretos baseadas em pistas
contextuais e conhecimento situacional, quando, no processo interacional, estão
envolvidos somente o falante e o ouvinte.
133
Em segundo lugar, desejávamos saber se há um incremento na compreensão
contextual de pedidos indiretos com a idade; e, por fim, desejávamos conferir qual é
o efeito da forma lingüística na compreensão contextual de diretivos indiretos.
A partir de nossa coleta de dados, pudemos apresentar os seguintes
resultados: as crianças interpretam pedidos indiretos quando precisam colocar-se no
papel de participantes, como acontecem em narrativas. A diferença encontrada por
nós, referente à interpretação, foi em relação aos grupos etários.
Ficou evidenciado que, as crianças menores, do Grupo 1, de quatro e cinco
anos de idade, interpretam os pedidos baseadas em conhecimento situacional e
contextual, embora necessitem de mais tempo para colocar-se no papel de
participantes. As crianças menores, portanto, demonstraram, no experimento, serem
capazes de colocar-se no papel dos personagens presentes nas histórias narrativas
de ajuda e de proibição, embora tenham precisado de mais explicitação da parte dos
investigadores.
As crianças maiores, do Grupo 2, de seis e sete anos de idade,
demonstraram interpretar pedidos indiretos mais rapidamente quando estão no
papel de participantes, ou seja, essas não apresentaram necessidade de mais
insistência da parte dos investigadores.
Assim, pudemos confirmar que há um incremento na compreensão contextual
de diretivos indiretos com a idade. Nossos dados apontam uma diferença
interessante em relação à interpretação com e sem insistência respectivamente. O
Grupo 2, de crianças mais velhas interpretaram os pedidos indiretos sem
necessidade de insistência comparativamente ao Grupo 1, de crianças menores.
Quanto à forma de respostas com insistência, nossos dados apontam uma diferença
ainda maior: o Grupo 1 apresentou maior necessidade de insistência sobre o Grupo
2 em todas as situações de coleta.
Quanto à forma lingüística, demonstramos, através de nossa coleta de dados,
que a forma interrogativa foi melhor interpretada pelas crianças. Entretanto, ao
verificarmos as tabelas, parece que as crianças menores interpretaram melhor a
134
forma lingüística comentário, porque aplicamos mais vezes essa situação nas
crianças do Grupo 1, isto é, de crianças menores. E aplicamos mais a situação
pergunta nas crianças maiores do Grupo 2. Portanto, a forma lingüística interrogativa
é interpretada mais facilmente pelas crianças. Achamos que tal fato ocorra em
função de que as interrogativas estão bem presentes no cotidiano da criança.
Freqüentemente, as mães e também as professoras produzem formas interrogativas
para as crianças. A diferença crucial para sabermos se há um incremento em
relação à forma lingüística é verificada nos dados quando se compara a
interpretação das respostas das crianças com ou sem insistência. As crianças
interpretam a forma interrogativa bem mais diretamente, isto é, na primeira tentativa,
assim não precisávamos insistir como na situação da forma lingüística comentário.
Desse modo, demonstramos existir um incremento na compreensão contextual
quanto à forma lingüística em relação à idade.
De acordo com o Gráfico 01, a totalidade da amostra dividida em grupos
etários apresentou os seguintes percentuais: no Grupo 1, com crianças entre 4 e 5
anos de idade, sobre um total de 247 ocorrências, houve 153 (62%) respostas
esperadas sem insistência; no Grupo 2, de crianças entre 6 e 7 anos de idade com
um total de 260 ocorrências, 217 (83%) foram respostas diretas sem insistência.
Este resultado nos permite afirmar que as crianças mais velhas, Grupo 2 interpretam
um pedido implícito baseado em ajuda contextual e conhecimento situacional sem
maiores necessidades de insistência. Já as crianças menores, Grupo 1,
apresentaram necessitar mais insistência para a interpretação de um pedido
implícito.
Faz-se necessário explicitar o que se caracteriza ‘com insistência’ e ‘sem
insistência’ para nosso trabalho. Quando colocamos essa terminologia queremos
nos referir à interpretação feita pela criança: a criança que interpretasse o pedido na
primeira tentativa, logo que a experimentadora mostrasse a seqüência da história,
após o pedido, considerávamos que não precisou de insistência para que
interpretasse o pedido. Contrariamente, a criança que não interpretasse o pedido na
primeira tentativa, precisávamos fazê-lo novamente e, assim, considerávamos ‘com
insistência’.
135
Desse modo, relativamente à forma de resposta com insistência, o Grupo 1
obteve 30% de 73 respostas esperadas sobre um total de 247 ocorrências. O Grupo
2 apresentou um percentual bem mais baixo, 10% de 25 respostas esperadas sobre
260 ocorrências, reforçando a análise que fizemos com a forma de resposta sem
insistência. Pode-se verificar, portanto, que, o Grupo 2, de crianças maiores,
necessita menos explicitação para interpretar um pedido implícito, comparativamente
às crianças de menor faixa etária, isto é, o Grupo 1.
Gráfico 01 – Forma de Resposta e Grupos
Forma de Resposta e Grupos
92%
93%
62%
83%
30%
10%
7% 6%
2%
1%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Grupo I Grupo II
Grupos
Freqüência
Respostas
esperadas
Resposta sem
insistência
Resposta com
I insistência
o
respondeu
Respondeu
não sei
O gráfico 01 diz respeito às perguntas 1 e 2 de pesquisa mostrando, portanto,
que existe um incremento na compreensão de pedidos indiretos com a idade. À
medida que a criança vai crescendo, torna-se mais capaz de interpretar um
enunciado lingüístico baseado em pistas contextuais. O gráfico, desse modo,
representa os resultados, tornando as diferenças entre os grupos mais visíveis.
5.2 Resultados na Situação Narrativa
O Gráfico 02 apresenta um cruzamento entre grupos etários e a situação
narrativa subdividida em pergunta e comentário. Os dados mostram que as crianças
do Grupo 2 acertaram mais na condição pergunta. Em 260 respostas esperadas,
obtivemos 182 ocorrências com um percentual de 70%, comparativamente ao Grupo
1,30%, com 78 ocorrências.
Com relação à condição comentário, há uma inversão de acertos, pois houve,
sobre um total de 247, 168 ocorrências (68%) no Grupo 1, para 79 acertos (31%) no
136
Grupo 2. Esse resultado mostra que as crianças do Grupo 1 acertam mais na
situação comentário do que as crianças do Grupo 2, porque a aplicamos mais com
as menores, ou seja, já que não aplicamos igualmente distribuídas a situação
pergunta às crianças menores, na situação comentário estas têm um percentual
maior de acertos.
Gráfico 02 Grupos Situações Narrativas
Grupo e Situações Narrativas
30%
70%
68%
32%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
Grupo I Grupo II
Grupos
Frequência
Situação
Pergunta
Situação
Comentário
Conforme mostra o Gráfico 02, na situação pergunta obtivemos um total de
260 ocorrências, destas 78 (30%) no Grupo 1 e 182 (70%) no Grupo 2. Na situação
comentário, sobre um total de 247 ocorrências, com 168 ocorrências (68%) para o
Grupo 1 e 79 ocorrências (31%) para o Grupo 2.
Gráfico 03 – Forma de Resposta e Situações
Forma de Resposta e Situações
55%
45%
42%
58%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
Situação Pergunta Situação Comentário
Situação Narrativa
Frequência
Resposta sem
insistência
Resposta com
insistência
O Gráfico 03 acima confirma um número de acertos maior de respostas com
insistência na situação comentário (58%) comparativamente à situação pergunta
137
(42%). Nas respostas sem insistência, a situação pergunta apresenta maior
percentual de acertos (55%) ao compararmos com a situação comentário (45%).
Gráfico 04 - Forma de Resposta Situação Narrativa e Grupos
Forma de Resposta Situação Narrativa e Grupo
84%
74%
68%
90%
17%
26%
32%
10%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Situão
Pergunta
Situão
Comentário
Grupo I Grupo II
Situação Narrativa e Grupos
Forma de Resposta
Resposta
Direta
Resposta
com
insistência
O Gráfico 04 nos permite verificar as diferenças percentuais entre os grupos
etários, as situações narrativas e as formas de respostas com e sem insistência,
essas cruciais para nosso trabalho, já que mostram o nível de dificuldade encontrado
pelas crianças para interpretar pedidos feitos indiretamente no contexto de
narrativas. O Grupo 1 apresentou, quanto à resposta sem insistência, 153 acertos
(68%) comparativamente ao Grupo 2 com 217 ocorrências (90%). Com relação à
forma de resposta com insistência, as crianças mais velhas necessitaram ajuda
somente em 25 ocorrências (10%) para um total de 73 ocorrências (32%) com as
crianças menores. Note-se que precisamos insistir quase 2 vezes mais com as
crianças menores, para obtermos esse número de acertos. Assim, confirmamos que
a forma lingüística de interpretação mais fácil para as crianças foi a interrogativa.
Esse dado confirma a nossa pergunta de pesquisa relativamente à forma
lingüística influenciar na compreensão contextual de pedidos indiretos, ou seja, o
achado sugere que as crianças mais velhas necessitam menos insistência para
interpretar um pedido implícito, enquanto que as crianças mais novas demonstram
dependência de informação verbal para guiar sua atenção. Talvez isso ocorra pelo
fato de que crianças mais velhas já possuem mais estruturas, melhores condições
138
cognitivas de se colocar no papel dos personagens nas narrativas, enquanto que
crianças menores ainda não têm essa capacidade completamente adquirida.
Gráfico 05 - Forma de Resposta e Grupos
Forma de Resposta e Grupos
68%
32%
90%
10%
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
Resposta sem
insistência
Resposta com
Insistência
Forma de Resposta
Frequência
Grupo I
Grupo II
Também examinamos os dados a fim de verificar se houve diferenças nos
acertos das crianças resultantes das histórias propostas; ou seja, procuramos
averiguar se houve histórias mais difíceis para as crianças interpretarem, conforme
pode se verificar nos gráficos abaixo.
Gráfico 06 – Forma de Resposta e Situações Narrativas de Ajuda
Forma de Resposta e Situações Narrativas de Ajuda
19%
27%
13%
39%
14%
10%
22%
22%
24%
10%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
Resposta sem insistência Resposta com insistência
Forma de Resposta
Frequência
Supermercado
Bolo
Coleira
Janela
Domi
Os dados mostram que, relativamente à forma de resposta sem insistência,
com um total de 136 ocorrências, os desenhos mais fáceis para as crianças
interpretarem foram aqueles da situação narrativa de ajuda com a história do
dominó, com 24% de respostas diretas, sem insistência. Posteriormente, a história
139
da coleira e da janela com números percentuais iguais, 22%, a história do
supermercado com 19% e, por fim, a história do bolo, 12%. Esta última apresentou
maior percentual relativo à necessidade de insistência, 39%, portanto, de
interpretação mais difícil para as crianças.
Gráfico 07 – Forma de Resposta Situações Narrativas de Proibição
Forma de Res
osta e Situa
ç
ões Narrativas de Proibi
ç
ão
20%
15,%
24%
20%
24%
20%
18%
20%
18%
20%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
Resposta sem insistência Resposta com insistência
Forma de Resposta
Frequência
Pintando Parede
Brincando no
Barro
Brigas
Derramando
comida
A
rrancando Flores
Nas Narrativas de Proibição, o gráfico 07 acima mostra um percentual igual
para as histórias da Pintura nas Paredes, Brincadeira no Barro, e ainda, da história
intitulada Derramando Comida, 20%, relativo a respostas sem insistência. As outras
duas histórias, Brigas e Arrancando Flores também apresentam percentual igual
20% em relação à forma de resposta. Em relação à forma de resposta com
insistência, duas histórias com percentuais iguais foram Pintura nas Paredes e
Brincadeira no Barro com 24% respectivamente. Ainda, com os mesmos
percentuais, as histórias Derramando Comida e Arrancando Flores com 18%
respectivamente. Parece-nos que nas narrativas proibitivas não houve diferenças
interessantes entre as histórias, ou seja, não encontramos diferenças quanto ao
nível de dificuldade de interpretação. As cenas de proibição da pintura na parede,
barro e comida desperdiçada, por exemplo, foram bem interpretadas pelas crianças.
A interpretação feita pelas crianças mostra que estas já têm adquirido o
comportamento adequado para tais papéis.
Os sujeitos nas situações proibitivas, freqüentemente, sugeriam como as
crianças deveriam agir, ou seja, estes diziam o que é considerado correto para tais
situações: não se sujar quando se está pronto para ir a uma festa, não pintar as
140
paredes e jamais desperdiçar alimento, pois tem criança que não tem o que comer.
argumentou uma criança durante a coleta.
Ao efetuarmos a coleta, percebemos que, em geral, a vantagem da situação
narrativa foi ter possibilitado a variação sistemática do contexto situacional, em
condição de “pergunta” em um momento e, em outro, a condição “comentário”. A
seguir, explicitamos a Situação Naturalística.
Gráfico 08 – Forma de Resposta Situações Naturalísticas
Forma de Resposta e Situações Naturalísticas
26%
63%
27%
25%
47%
13%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
Resposta sem insistência Resposta com insistência
Forma de Resposta
Frequência
Caneta
Relógios
Desenhos
Na Situação Naturalística, as crianças obtiveram o mesmo número de acertos
entre a primeira situação naturalística com a caneta (6%), e a segunda situação com
o relógio (6%). Já com a última situação natural, desenhos derrubados, houve uma
média de acertos vantajosa em relação às duas primeiras situações: 10%.
O que os dados nos demonstram é que, no caso dos desenhos derrubados,
praticamente todas as crianças interpretaram o pedido sem necessidade de
insistência, demonstrando estar apoiadas em conhecimento situacional e ajuda
contextual, e que, pelo menos para esse caso, a informação lingüística é irrelevante.
Podemos inferir, através dessa amostra com o pedido anômalo, pouco
interessante em nossa coleta, que a forma lingüística se faz na maioria dos casos
preponderante para que ocorra ação. Quando colocamos para as crianças o pedido
anômalo Minha caneta é azul, ou Meu relógio é prateado, estas não interpretavam o
enunciado como um pedido, elas nem sequer mencionavam ouvir tal enunciado.
141
Desta forma, somente podemos supor que a presença do pedido anômalo
reforça a hipótese de que, nesse caso, a linguagem não é o único processo
envolvido para que as crianças interpretem um pedido, mas também participam
dessa ação conjunta, a ajuda contextual e o conhecimento situacional dos falantes e
dos ouvintes.
Nas duas Situações Narrativa e Naturalística, a forma de resposta sem
insistência demonstra que a história de ajuda com maior dificuldade de interpretação
foi a História do Bolo com o maior percentual alcançado: 10%.
De acordo com Ervin-Tripp et al. (1987), os resultados obtidos para as
histórias narrativas, saber se as características dessas mantinham uma ação
desobediente ou ofereciam ajuda após um pedido implícito por parte das crianças,
mostram que essas o fazem diretamente, ou seja, com altos percentuais de
respostas diretas: em crianças maiores, na situação narrativa de condição pergunta.
As crianças menores também o fazem, embora necessitem maior insistência. Em
relação à situação narrativa de ajuda, os dados parecem apontar uma interpretação
com uma diferença mínima de vantagem de acertos em relação à situação narrativa
de proibição. Nossa explicação para tal fato baseia-se no tipo de situação: nas
situações narrativas de ajuda, o próprio cotidiano da criança, na maioria das vezes,
determina uma interpretação correta das crianças. Por exemplo, muitas vezes, estas
colaboram nas tarefas domésticas, como ajudar a mãe com as compras do
supermercado, a levar o cachorro para passear, a cuidar do jardim. Essas tarefas
são normalmente interpretadas pelas crianças, pois fazem parte de seu cotidiano.
Do mesmo modo, nas situações narrativas de proibição, as próprias histórias já
possuíam experiências intrínsecas à interpretação exigida da criança. As crianças já
sabem, mesmo as menores, que não se pode pintar as paredes de casa, brincar no
barro quando se está pronto para ir a uma festa, brigar, jogar comida fora ou
arrancar as flores. Portanto, acreditamos que, por tais motivos, se expliquem os
números altos de percentuais corretos, demonstrados nas situações narrativas pelas
crianças ao interpretarem os pedidos indiretos. Tal evidência reforça nossa hipótese
de que as crianças interpretam pedidos indiretos baseadas no contexto situacional,
mesmo quando não estão em situações concretas de interação, mesmo quando
precisam colocar-se no papel de participantes das histórias narrativas.
142
No que se refere ao trabalho proposto por nós, os resultados obtidos para a
interpretação de pedidos indiretos em crianças evidenciam que essas já o fazem
desde bem pequenas, baseadas em informação lingüística, ajuda contextual e
conhecimento situacional.
Diante do que foi exposto, podemos perceber que, no que se refere à
interpretação de pedidos implícitos por crianças pequenas, os nossos resultados
corroboram os que Ervin-Tripp et al. (1987) encontraram para o fenômeno aqui
analisado.
Assim, os resultados sugerem que a criança interpreta pedidos implícitos já
desde bem pequena, guiada, principalmente, por pistas contextuais, pelo
conhecimento da situação em que se encontra e pela informação lingüística.
143
6 CONCLUSÃO
A pragmática, tal como uma importante área de estudo, nos ajuda a observar
as ações e as sinalizações das intenções infantis. O estabelecimento do sentido
ilocucionário ocorre quando a criança passa a compartilhar do mundo lingüístico e
social em que está inserida através do uso da linguagem contextualizada. A criança,
ao interpretar um ato de fala diretivo, demonstra comparar as variáveis sociais e
situacionais do enunciado com sua função e sua estrutura formal para interagir na
sua comunidade.
Gostaríamos de ressaltar, nesse momento, a importância do presente estudo
em relação ao conhecimento pragmático interpretativo demonstrado pelas crianças.
Essas, com três, quatro anos de idade, são capazes de interpretar pedidos indiretos,
colocando-se no papel de um participante de uma história narrativa.
As situações sociais e o contexto são, deste modo, igualmente importantes
para que a criança possa interpretar um pedido indireto. Em alguns casos,
dependendo da idade da criança, mostram-se cruciais para definir o processo de
interpretação de atos de fala diretivos.
Observar e analisar como a criança interpreta os enunciados dirigidos a ela,
significa também fazer avançar nosso conhecimento acerca das condições
pragmáticas da linguagem infantil para que possamos compreender mais claramente
o papel das trocas conversacionais que pautam a relação dos falantes.
144
Este estudo, faz-se necessário esclarecer, teve como limitação não termos
efetuado anteriormente à coleta um piloto, para que pudéssemos evitar algumas
dificuldades encontradas por nós. Talvez, se o tivéssemos feito, poderíamos ter
percebido o extremo esforço de concentração exigido e observado principalmente
nas crianças menores durante a coleta, já que tínhamos além de dez histórias
narrativas mais três situações experimentais.
Outra limitação deste estudo foi em relação a abordagem quantitativa por nós
adotada. Como não aplicamos nenhum teste estatístico, usamos somente o cálculo
de percentuais, talvez pudéssemos apresentar com maior precisão e mais
adequadamente nossos resultados, não só com relação a forma lingüística
interrogativa mais facilmente interpretada por nossas crianças, mas também
relativamente a todos os resultados.
Gostaríamos de ressaltar ainda, como se mostra a hierarquia de poder entre
entrevistadora e criança, quando aquela fazia o pedido sem usar a linguagem. Para
relembrar, a entrevistadora jogava os desenhos das histórias no chão sem que as
crianças o percebessem. Certamente se o pedido fosse feito de criança para
criança, ele não seria atendido, ou seja, não seria interpretado.
Através deste estudo, pensamos contribuir um pouco mais em relação à
investigação da interpretação de pedidos em crianças. Assim como a pragmática, a
teoria dos atos de fala é igualmente fundante para tentarmos compreender melhor
as ações e intenções demonstradas pelas crianças em seus pedidos.
145
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ANEXOS
150
ANEXO 01 - HISTÓRIA DO SUPERMERCADO
151
ANEXO 02 - HISTÓRIA DO BOLO
152
ANEXO 03 - HISTÓRIA DA COLEIRA
153
ANEXO 04 - HISTÓRIA DA JANELA
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ANEXO 05 - HISTÓRIA DO DOMINÓ
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ANEXO 06 – HISTÓRIA ‘PINTURA NAS PAREDES’
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ANEXO 07 – HISTÓRIA ‘BRINCADEIRA NO BARRO’
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ANEXO 08 – HISTÓRIA ‘BRIGAS’
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ANEXO 09 - HISTÓRIA ‘COMIDA DESPERDIÇADA’
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ANEXO 10 - HISTÓRIA ‘ARRANCANDO FLORES’
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