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Nota-se essa construção, que legitima essa diferença socialmente construída, entre
os gêneros e que instaura relações de dominação-exploração (SAFFIOTI, 2004) dos
homens sobre as mulheres nas falas envergonhadas dessas senhoras acerca de sua
sexualidade, como algo proibido de ser tratado, como algo negativo e impuro.
Eu...uma moça... ela...sempre falava para mim...essas coisas. [...]Então,
eu não sabia e ela me falava tudo. Aí eu... fiquei sabendo![...] Mas minha
mãe não falava nada. [...]Sabe que minha mãe, sabe que minha mãe não,
nunca lavava a minha roupa? Porque eu tirava e já ia lavar! Deixava só
ensaboada, aí eu falava para a minha mãe pegar, falava assim: “mãe
pega, deixei uma calça aí na paredinha, está ensaboada... a senhora torce
para mim.” Porque se nós... se limpava logo e torcia! [...]Torcia. Nós
tínhamos o varal pertinho assim da casa, no quintal, torcia e estendia.
Quando não estava, não estava muito suja, é, limpava logo. E quando
estava assim, estendia num... num quarador! Atrás da, da horta assim. A
horta ficava assim, tinha o quarador do lado de lá e estendia lá.
(D.
MARIA, 91 anos)
Ah, nós tínhamos, quando nós apanhávamos café, então as moças
falavam... apanhava café, depois quando a gente ia...chamava as vezes
para ir no mato, então a gente ia com elas no mato, fazer xixi, aí elas
contavam e mostravam. Teve uma que mostrou. [...]Teve uma, coitada, ela
não tinha, não tinha mãe, morava com a madrasta. Isso lá no São
Joaquim
[outra fazenda]
que nós morávamos. Coitada! Ela um dia me
chamou, nós estávamos perto, abanando café, catando café assim, pondo
na peneira para abanar, então, aí, ela estava [...]agachada e falou: ô
Maria, vem cá. O pai dela estava rastelando, o pai dela e o irmão. Aí ela
falou assim, aí ela mostrou para mim, aí eu falei assim: “ai Dica”, [...]e
aí ela mostrou para mim e falou assim[...]“ai, como que eu faço, agora,
Maria, como é que eu faço, heim?”. Eu falei assim: “olha Dica, a turma
já está tudo lá adiante”, [...]Aí “a turma está tudo lá para frente. Não tem
ninguém para cá. Então você pega vai aqui por baixo...”, que logo era a
casa dela.[...]Eu falei assim: “você passa para o fundo...”, para não
passar na... colônia, as vezes tem algum homem sempre em casa, que vem
fazer uma coisa ou outra, vem pegar água, então “você passa aqui, aqui
para o fundo e passa a cerca e já é sua casa. E aí você toma banho, troca
de roupa”. Aí ela foi, foi e falou assim:“ como que eu falo para o meu
pai?”. Falei assim: “ah você quer que eu fale para o seu pai...que você
está com dor de dente [...]Aí eu falei assim, cheguei perto dele, ele estava
mais para adiante assim, cheguei e falei: “ô sr. Chico, a Dica está
chorando porque está com dor de dente. Ela quer ir em casa pôr o
remédio no dente.”Ele falou: “ah, fala para ela ir.” Aí ela foi!
(D.
MARIA, 91 anos)