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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
A MIGRAÇÃO NORDESTINA PARA SÃO PAULO NO SEGUNDO GOVERNO VARGAS
(1951-1954) – SECA E DESIGUALDADES REGIONAIS
MONIA DE MELO FERRARI
SÃO CARLOS
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
A MIGRAÇÃO NORDESTINA PARA SÃO PAULO NO SEGUNDO GOVERNO VARGAS
(1951-1954) – SECA E DESIGUALDADES REGIONAIS
MONIA DE MELO FERRARI
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais do Centro de
Educação e Ciências Humanas da Universidade
Federal de São Carlos, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Villa
SÃO CARLOS
2005
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Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
F375mn
Ferrari, Monia de Melo.
A migração nordestina para São Paulo no segundo
governo Vargas (1951-1954) – seca e desigualdades
regionais / Monia de Melo Ferrari. -- São Carlos : UFSCar,
2005.
160 p.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2005.
1. Migração interna do nordeste para São Paulo. 2.
Secas. 3. Disparidades regionais. I. Título.
CDD: 304.8913061 (20
a
)
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Marco Antonio Villa, amigo e orientador, por sua orientação e atenção
especial.
Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pela atenção dedicada e pela bolsa
concedida no período da pesquisa.
Ao Prof. Dr. Jacob Carlos Lima que esteve presente na banca de qualificação deste
trabalho e muito contribuiu com suas observações.
À minha família, que além do incentivo e apoio desde o início sempre esteve disposta a
ajudar no que fosse possível.
À Stênio pelo apoio e muitas vezes participação efetiva na realização deste trabalho, o que
foi muito importante.
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO.............................................................................................................................01
2. MIGRAÇÃO: ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS................................................................05
3. DOIS CENÁRIOS NUMA MESMA CONJUNTURA: SÃO PAULO E O NORDESTE
NO SEGUNDO GOVERNO VARGAS..........................................................................................13
3.1 Regiões e populações diferentes.............................................................................................13
3.2 De região da cana-de-açúcar à região menos desenvolvida...................................................22
3.3 Desigualdades regionais.........................................................................................................29
3.4 A seca de 1951-1953 – fator de expulsão...............................................................................51
4. OS NÚMEROS DA MIGRAÇÃO NORDESTINA PARA SÃO PAULO.................................66
5. A VINDA DOS MIGRANTES NORDESTINOS PARA SÃO PAULO..................................102
6. PLANOS E MEDIDAS DO GOVERNO FEDERAL PARA A REGIÃO NORDESTE..........136
7.CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................156
8. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA............................................................................................158
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
TABELA 1: Áreas e populações do Polígono das Secas.................................................................15
TABELA 2: População por situação de domicílio no Nordeste, São Paulo e Brasil em 1950.......17
TABELA 3: Índice de analfabetismo no Nordeste, São Paulo e Brasil em 1950 (pessoas
a partir de 5 anos de idade)...............................................................................................................18
TABELA 4: Pessoas de 10 anos e mais, que possuem curso completo, segundo o grau de
ensino, no Nordeste, São Paulo e Brasil em 1950...........................................................................19
TABELA 5: Números de estabelecimentos, operários ocupados, salários, vencimentos e
valor da produção industrial no Nordeste, São Paulo e Brasil em 1949..........................................41
TABELA 6: Área cultivada referente as 29 principais culturas no Nordeste, São Paulo e
Brasil em 1951, 1952 e 1953............................................................................................................43
TABELA 7: Valor da produção referente as 29 principais culturas no Nordeste, São Paulo
e Brasil em 1951, 1952 e 1953.........................................................................................................44
TABELA 8: Imigração estrangeira e nacional para o estado de São Paulo no período de
1820-1970.........................................................................................................................................71
GRÁFICO 1: Imigração estrangeira e nacional para o estado de São Paulo no período de
1820-1970.........................................................................................................................................72
TABELA 9: Migrantes no estado de São Paulo em 1950 e 1960.....................................................77
TABELA 10: Migrantes nordestinos em trânsito pela Hospedaria de Imigrantes de São
Paulo na década de 1950...................................................................................................................79
GRÁFICO 2: Migrantes nordestinos em trânsito pela Hospedaria de Imigrantes de São
Paulo na década de 1950...................................................................................................................80
TABELA 11: Migrantes nordestinos em trânsito pela Hospedaria de Imigrantes de São
Paulo na década de 1950 em valores percentuais.............................................................................81
GRÁFICO 3: Média porcentual do número de migrantes nordestinos em trânsito pela Hospedaria
de Imigrantes de São Paulo em 1951, 1952 e 1953..........................................................................82
TABELA 12: Situação de domicílio dos nordestinos vivendo no estado de São Paulo em
1960..................................................................................................................................................85
TABELA 13: Situação de domicílio dos brasileiros de 1940 a 1991...............................................86
TABELA 14: Vias pelas quais os migrantes nordestinos entravam em São Paulo em 1951..........108
RESUMO
A migração nordestina para o estado de São Paulo, em especial para a capital, foi um
fenômeno social bastante expressivo ao longo do século XX, especificamente a partir da década de
1930, quando o número de imigrantes estrangeiros vindos para São Paulo foi superado pelo
número de migrantes nacionais (dos quais a maioria era de nordestinos); e especialmente na
primeira metade da década de 1950 – que compreende o período do segundo governo Vargas,
quando esta migração se tornou muito intensa, superando todos os números do êxodo nordestino
registrados até o momento.
É importante ressaltar que no período em questão, o local de destino dos migrantes, ou
seja, São Paulo, passava por um grande processo de desenvolvimento econômico-industrial, pois,
além de outros fatores, contava com um acumulo de capital do setor cafeeiro desde o século XIX e
com uma política protecionista e de substituição de importações do governo federal que, de certa
forma, favoreceu a região. Em contraposição, o local de origem dos migrantes, ou seja, a região
Nordeste, ainda sustentava suas antigas características: economia estagnada, agricultura atrasadas
e pouco diversificada, grandes proprietários de terra, concentração de renda, indústria com baixa
produtividade e também pouco diversificada e débeis relações capitalistas de produção; além de
sofrer com as secas periódicas.
Tais características das duas regiões acentuavam as desigualdades regionais e,
concomitantemente à seca de 1951-1953, criaram um cenário propício à migração nordestina, em
especial às áreas urbanas. Desta forma, neste período o êxodo nordestino passava a ser direcionado
não exclusivamente à agricultura paulista, mas também aos centros urbanos desenvolvidos,
especialmente à capital, onde rótulos e preconceitos em relação aos migrantes foram se
consolidando, generalizando todos os migrantes nordestinos na figura do baiano.
A grande migração gerou muitos debates na Câmara dos Deputados, artigos na revista O
Cruzeiro - que tinha grande importância e circulação no período -, algumas páginas exclusivas nas
Mensagens Presidenciais; enfim, uma certa preocupação social que, na maioria das vezes, estava
relacionada à migração e aos problemas que esta poderia causar e não aos migrantes em si, ou seja,
aos flagelados da seca e procedentes de uma região carente de atenção, projetos e investimentos.
Desta forma, ao menos no que pudemos constatar durante a pesquisa, não houve medidas
efetivas em relação aos migrantes e à migração. Porém, não podemos também afirmar que nada foi
realizado em relação à região Nordeste, pois neste período houve a criação do Banco do Nordeste
do Brasil (BNB), marco de uma nova fase das políticas do governo federal para a região das secas,
assinalando assim o segundo governo Vargas como o período de transição de uma fase em que as
políticas direcionadas para a região eram basicamente sustentadas em preocupações relacionadas à
falta de água para uma fase em que o desenvolvimento econômico do Nordeste passou a estar
também em pauta. Contudo, apesar de tal importância, o governo Vargas foi também palco da
maior migração da História do Brasil, explicitando assim que muito ainda deveria ser realizado
para a região das secas.
1
A MIGRAÇÃO NORDESTINA PARA SÃO PAULO NO SEGUNDO GOVERNO VARGAS
(1951-1954) – SECA E DESIGUALDADES REGIONAIS
1. INTRODUÇÃO
Processos migratórios são fenômenos sociais que se inserem em várias linhas de pesquisa,
pois abarcam muitas outras questões que não se restringem apenas ao aspecto do movimento
populacional em si. O contexto histórico, político e social do local de origem e de destino dos
migrantes estão intimamente relacionados ao fenômeno, o que torna fundamental que no estudo da
migração questões subjacentes sejam consideradas.
No caso das migrações internas no Brasil tais fenômenos estão, muitas vezes, relacionados
a certos fatores específicos:
“...pode-se afirmar que os deslocamentos em nosso país estão claramente
relacionados, entre outros fatores, com o processo de desenvolvimento das
relações capitalistas, com a questão fundiária, o crescimento econômico, a
urbanização e as desigualdades regionais.” (ESTRELA, 2003, p. 240)
Tais questões são muito importantes no estudo das migrações internas, fazendo assim parte
da discussão deste trabalho, que tem como objetivo estudar a migração nordestina para São Paulo
no segundo governo Vargas, a qual, como ressalta VILLA (2000), se transformou na maior
migração da História do Brasil. Nessa perspectiva podemos dizer que a questão das desigualdades
regionais e a seca do Nordeste também compõem o foco central deste trabalho, pois fazem parte
2
do contexto em que esta migração nordestina ocorreu, além de serem consideradas importantes
fatores de atração e expulsão desta migração.
É necessário ressaltar que o segundo governo Vargas, além de ter sido palco da grande
migração nordestina para São Paulo, também fez parte do período considerado o marco da
segunda fase das políticas do governo federal para o Nordeste, ou seja, quando a política
hidráulica passava a ser questionada e substituída por preocupações relacionadas ao
desenvolvimento da região, o que necessariamente resultava também em novos debates sobre a
migração nordestina. A criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), em 1952, é, mais
especificamente, considerada o marco desta nova fase e é aqui brevemente discutida no Capítulo
6, pois além de fazer parte do contexto histórico em que a migração em questão ocorreu, tinha-se
como principal objetivo em sua criação o financiamento do desenvolvimento econômico do
Nordeste - região de origem dos migrantes - questão esta de grande relevância no estudo de
processos migratórios.
Em relação a esta parte do trabalho não poderíamos deixar de destacar a atenção e
contribuição do Banco do Nordeste do Brasil, que através do envio de material bibliográfico de
seu acervo, contribuiu para a realização da pesquisa.
É importante enfatizar que tais questões aqui discutidas por fazerem parte do cenário da
migração nordestina para São Paulo no segundo governo Vargas, apesar de serem fundamentais
para o trabalho, não tornam menos importante o movimento migratório em si, que, por isso, não
foi menosprezado neste trabalho. A vinda dos migrantes, seus meios de transportes, as
dificuldades enfrentadas durante as viagens; enfim, todo este universo que bem descreve a odisséia
dos nordestinos também fez parte da pesquisa. Para isto foram utilizadas reportagens da revista O
Cruzeiro, fonte bastante rica por se tratar de uma revista semanal, de circulação nacional e de
grandes tiragens no período em questão.
3
A pesquisa nos periódicos foi realizada, em um primeiro momento, no Arquivo Edgard
Leuenroth, na Universidade Estadual de Campinas. Porém, o arquivo não possuía todos os
volumes da revista referentes à primeira metade da década de 1950, sendo então necessária, num
segundo momento, a pesquisa na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, onde todos os
periódicos sobre o período em questão foram encontrados.
Em relação aos dados da migração nordestina, as pesquisas no Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e especialmente no Memorial do Imigrante foram fundamentais,
pois disponibilizam dados oficiais que são a base quantitativa deste trabalho. Ainda em relação ao
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), seu acervo também foi muito importante
para a sucinta construção de algumas diferenças entre a região Nordeste e São Paulo aqui
realizada.
É importante ressaltar que discutimos também neste trabalho as propostas e pretensões do
governo federal em relação à grande migração nordestina para São Paulo e os fatores relacionados
a ela - de uma forma geral seca e desigualdade regional - expressas nos planos e medidas para a
região das secas e nas Mensagens Presidenciais, além de analisarmos também os debates gerados
na Câmara dos Deputados sobre tais questões.
Em relação a este último, apesar de conter várias reivindicações e discussões realizadas na
Câmara com objetivos privados e clientelistas de alguns políticos, é importante ressaltar que tais
Anais não poderiam ser desconsiderados, pois são fontes de pesquisa que retratam muitas das
preocupações e percepções do período sobre a migração e sobre os fatores relacionados a ela, o
que é fundamental para este trabalho.
Os Anais da Câmara dos Deputados foram primeiramente pesquisados no Centro de
Memória da Universidade Estadual de Campinas, porém o arquivo possuía poucos volumes sobre
o período do segundo governo Vargas, sendo necessária a pesquisa no Arquivo Municipal de São
4
Paulo, onde os documentos que foram possíveis de serem encontrados estavam empilhados sobre
armários de uma pequena sala. Contudo, após muita persistência, vários volumes dos Anais da
Câmara referentes aos anos de 1951 a 1954 foram localizados. Já as Mensagens Presidências, em
um primeiro momento, foram pesquisadas no Arquivo do Estado, em São Paulo. Porém,
posteriormente, por motivos de viabilidade, a pesquisa passou a ser realizada no site da
Universidade de Chicago, onde estão disponíveis as Mensagens Presidenciais dos governos
brasileiros de 1889 a 1993 e alguns Relatórios de Ministros dos anos de 1821 a 1960, dos quais
alguns foram utilizados neste trabalho.
Por fim e não menos importante, a pesquisa no Centro de Estudos Migratórios (CEM),
localizado em São Paulo, também foi relevante para a execução deste trabalho, pois além de
possuírem acervo bibliográfico, publicam a revista Travessia, a qual tem como foco central a
questão da migração.
É ainda necessário enfatizar que os Capítulos 4 e 5 são os que tratam da migração
nordestina de maneira mais específica. Porém, como já foi ressaltado, o estudo das migrações
exige também uma breve discussão sobre o contexto em que os movimentos populacionais
acontecem para que não se corra o risco de estudar a migração de forma descontextualizada,
negligenciando assim fatores importantes relacionados a ela. Desta forma, neste trabalho as
desigualdades regionais e a seca do Nordeste são discutidas mais especificamente no Capítulo 3.
Todavia, o estudo de tais fatores não nos distanciou demasiadamente do foco central da pesquisa,
ou seja, a migração nordestina, pois são discutidos de maneira sucinta.
5
2. MIGRAÇÃO: ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS
O estudo das migrações internas não consiste apenas na pesquisa isolada do movimento
populacional de um determinado grupo de indivíduos de uma região à outra pois, como ressalta
SOUZA (1980, p. 33), “O processo migratório não é algo mecânico que ocorre entre um pólo de
expulsão e outro de atração”. Seu estudo consiste também em compreender as causas da migração
e, conseqüentemente, a situação das regiões de origem e destino. Desta forma, duas questões
passam a ser centrais para o desenvolvimento do estudo: os fatores de atração e expulsão da
migração.
Em um primeiro momento, esta pode parecer uma consideração bastante simplista para
direcionar uma pesquisa, entretanto é importante ressaltar que tais fatores abrangem uma série de
outras questões fundamentais para o estudo da migração, ou seja, a compreensão do contexto
histórico, social e econômico em que ela acontece. Segundo SINGER:
“Como qualquer outro fenômeno social de grande significado na vida das
nações, as migrações internas são sempre historicamente condicionadas,
sendo o resultado de um processo global de mudança, do qual elas não
devem ser separadas. Encontrar, portando, os limites da configuração
histórica que dão sentido a um determinado fluxo migratório é o primeiro
passo para seu estudo” (1973, p. 31).
Um determinado contexto histórico marcado pelo desenvolvimento industrial é ressaltado
pelos teóricos e historicamente corroborado como um cenário favorável às migrações internas.
Desta forma, podemos dizer que a industrialização é muitas vezes uma das questões que devem ser
investigadas e exploradas ao se estudar certos processos migratórios.
6
SINGER, por perceber a industrialização como uma questão fundamental no estudo das
migrações, distingue pelo menos três modalidades de industrialização:
“ a) a Revolução Industrial ‘original’, que começou no século XVIII, na
Inglaterra e rapidamente se expandiu na Europa Ocidental e Central e na
América do Norte, da qual resultou o sistema econômico dos países
capitalistas desenvolvidos de hoje em dia; b) a industrialização dos países de
economia centralmente planejada, iniciada na União Soviética com o
Primeiro Plano Qüinqüenal (por volta de 1930) e que hoje tem lugar em
vários países da Europa Oriental, Ásia e América (Cuba); c) a
industrialização em moldes capitalistas, igualmente recente, das ex-colônias
européias da América Latina, Ásia e África” (ibid., p. 31-32).
O autor discute ainda a importância da “considerável manipulação ‘política’ dos preços que
desempenhou e continua a desempenhar um papel fundamental na industrialização em moldes
capitalistas” (ibid., p. 33). Exemplifica então esta questão citando algumas políticas econômicas
colocadas em prática em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Dentre tais exemplos, os
que mais contribuem à este presente trabalho são os relacionados aos países que, nas palavras do
autor, “chegaram tarde à corrida industrial” pois o Brasil faz parte desta categoria de países:
“Nos países que chegaram tarde à corrida industrial, a manipulação dos
preços para favorecer a industrialização tornou-se mais direta e, por isso,
mais óbvia. A reserva do mercado interno para a indústria nacional passou a
ser garantida por meio da fixação de taxas favorecidas de câmbio pelo
Estado e, muitas vezes, pela imposição de quotas de importações. O
barateamento do capital, na ausência de um mercado de capitais
suficientemente desenvolvido, passou a ser assegurado mediante o crédito
estatal a juros baixos ou mesmo negativos e subsídios de toda espécie,
principalmente sob a forma de isenções fiscais” (ibid., p. 34).
7
Ainda em relação à industrialização, podemos dizer que existem mais duas questões
associadas a este processo que são fundamentais no estudo das migrações: o surgimento de centros
industriais e as desigualdades regionais. Como enfatiza DURHAN:
“Embora esta visão constitua uma simplificação do problema, não resta
dúvida que, no Brasil, o desenvolvimento econômico resultante da
industrialização está associado a dois fenômenos complementares e
concomitantes: o incremento das desigualdades regionais e a constituição de
grandes metrópoles. Tanto um quanto outro fenômeno implicam na
formação de grandes correntes de migração interna através das quais se
processa uma maciça redistribuição da população” (1973, p. 20).
Sobre o desenvolvimento econômico-industrial - que aconteceu de maneira desigual em
relação às regiões do país - e o surgimento da grande cidade industrial, podemos dizer que no
Brasil implicaram na imigração estrangeira e também na migração de grande parte da população
da zona rural para áreas urbanas, desempenhando um papel fundamental na constituição das
grandes cidades. Desta forma, a autora afirma que “A expansão do capitalismo industrial tem sido
marcada, em todas as partes, por um movimento de urbanização” (ibid., p. 19), o qual tende a
concentrar em grandes metrópoles industriais um alto número de pessoas.
Já sobre desigualdades regionais, DURHAN ressalta que:
“A migração se apresenta como um aspecto das transformações econômicas
que constituem o elemento que orienta os movimentos migratórios. A
redistribuição da população causada por este movimento prende-se ao
desenvolvimento diferencial das diversas regiões do país” (ibid., p. 33-34).
De uma forma geral, podemos dizer então que, “todo o deslocamento interno da população
se orienta para as regiões mais profundamente atingidas pela introdução e expansão do capitalismo
8
industrial” (id. ibid., p. 39), pois as desigualdades existentes entre regiões prósperas e regiões
atrasadas são bastante relevantes em relação à migração e sua orientação.
A autora então enfatiza que as populações que vivem nas áreas menos favorecidas do país,
ou seja, nas regiões economicamente mais atrasadas, buscam, através do deslocamento geográfico,
oportunidades de melhoria de vida. Desta forma transferem-se para as regiões mais ricas e mais
prósperas, onde se concentram sistemas econômicos mais produtivos e também possíveis
oportunidades e benefícios do desenvolvimento econômico.
Podemos então destacar que a migração esfortemente relacionada à busca por melhores
condições de vida, mais especificamente à busca de um melhor “nível de vida ou de padrão de
vida” (id. ibid., p. 114):
“...a imigração não decorre, em geral, de uma situação anormal de fome ou
miséria, desencadeada por calamidades naturais. Ao contrário, a emigração
aparece como resposta a condições normais de existência. O trabalhador
abandona a zona rural quando percebe que ‘não pode melhorar de vida’, isto
é, que a sua miséria é uma condição permanente. Isto não quer dizer que
calamidades naturais ou acidentes não sejam fatores que precipitem a
emigração... Mas, fundamentalmente, a emigração decorre de uma situação
desfavorável que é vista como permanente.”( id. ibid., p. 113-114)
1
1
A autora cita o trabalhador da zona rural porque seu trabalho é baseado na migração rural-urbana. Porém, ela ressalta
que “Muitos dos imigrantes rurais que estudamos, especialmente os provenientes do Nordeste, moravam em vilas ou
pequenas cidades. Mas trata-se de vilas e cidades essencialmente pré-industriais” (p.40) Nestas regiões a autora
enfatiza que é conservado o modo de vida tradicional, como nas áreas rurais, e ainda que “a vida do agricultor nos
pequenos centros urbanos não significa necessariamente a transformação do seu modo de produção e do seu estilo de
vida. Os lavradores, tanto espalhados pelos sítios ou fazendas, como aglomerados nas vilas e cidades, aparecem como
componente de uma estratificação que é semelhante tanto em uma quanto em outra situação, e que se fundamenta no
mesmo tipo de relação de trabalho.”(p.40-41) Desta forma, DURHAN deixa bastante claro que há mais diferenças
entre vilas e pequenas cidades pré-industriais em relação às cidades industriais do que entre vilas e pequenas cidades
pré-industriais em relação à área rural, pois nestas localidades são geralmente conservados modos de vida tradicionais,
o que muito difere do modo de vida e relação de trabalho nas cidades industriais, onde existe um diferente sistema
socioeconômico.
9
Ainda em relação aos objetivos dos migrantes, DURHAN (1973) ressalta que na região de
origem dos trabalhadores, especialmente os envolvidos com a atividade agrícola, eles não deixam
de buscar alguma atividade que possa lhes gerar excedentes e assim possibilitar certa melhoria de
vida. Segundo a autora, esta atividade buscada pelos trabalhadores é a atividade comercial, a qual
classifica como um recurso tradicional, porém capaz de gerar capital: “Tanto para o proprietário
que abre um armazém na fazenda, como para o sitiante ou parceiro que vende em consignação nas
cidades ou nas feiras, a atividade comercial é por excelência a atividade geradora de capital”
(ibid., p. 118). Há ainda, segundo a autora, uma outra possibilidade vista pelos trabalhadores a fim
de atingirem o objetivo de melhoria de vida, contudo, esta se encontra fora da região do
trabalhador: a migração para regiões mais desenvolvidas economicamente.
SINGER (op. cit., p. 51) também discute a questão das motivações da migração e ressalta
que suas causas “são quase sempre de fundo econômico”, exemplificando sua afirmação com a
situação de trabalhadores desempregados que precisam migrar para outro lugar “em busca de
meios de vida”. Contudo, é importante ressaltar que estes ‘outros lugares’ não são regiões
aleatórias, e sim centros urbanos que, segundo SOUZA (1980), atraem ainda mais os migrantes
quando aumentam a concentração das indústrias nestes centros. O autor enfatiza também que os
desequilíbrios regionais, acentuados pela concentração industrial, podem resultar numa dicotomia
que também intensifica os fluxos migratórios em direção às áreas mais dinâmicas do país:
“A concentração espacial das indústrias em torno dos centros urbanos
aumenta fortemente a força centrípeta das cidades sobre a população
circundante. Num primeiro momento, são atraídos a estes centros urbanos os
grupos sociais residentes nas proximidades das áreas que estão se
industrializando... E, num segundo momento, são atraídos grupos sociais das
regiões mais distantes em decorrência dos desequilíbrios regionais,
caracterizados pela acumulação incessante de vários tipos de vantagens na
região em fase de industrialização e desvantagens nas regiões que
permaneceram com uma economia primária.” (ibid., p. 36-37)
10
SINGER (op. cit., p. 32) também discute estas questões e, em relação à primeira
(surgimento de centros industriais), ressalta que o processo de industrialização “não consiste
apenas numa mudança de técnicas de produção e numa diversificação maior de produtos, mas
também numa profunda alteração da divisão social do trabalho.” Isto resultaria para o autor no
surgimento da cidade industrial, a qual tende a atrair populações, pois para ele o processo de
industrialização implica na transferência de pessoas em direção às regiões específicas do país.
No que diz respeito às desigualdades regionais o autor ressalta que “A criação de
desigualdades regionais pode ser encarada como o motor principal das migrações internas que
acompanham a industrialização nos moldes capitalistas” (ibid., p. 39). A questão das
desigualdades leva então SINGER (1973) a discutir os fatores de expulsão dos migrantes – os
quais existem na região onde se originam os fluxos migratórios – , que para ele são de duas
ordens: fatores de mudança e fatores de estagnação.
Os fatores de mudança são aqueles que, segundo o autor, decorrem da introdução de
relações capitalistas de produção em certas áreas, mais especificamente quando o processo de
industrialização atinge a agricultura. Neste processo o objetivo é o aumento da produtividade do
trabalho através de mudanças técnicas e a conseqüência é a redução do nível de emprego, o que
resulta na expulsão de muitos camponeses em busca de trabalho em outras regiões.
Já os fatores de estagnação estão relacionados à deterioração das condições de vida de
grande parte da população de uma certa região devido à incapacidade de se elevar a produtividade
da terra. Desta forma, segundo SINGER tais fatores se manifestam:
“...sob a forma de uma crescente pressão populacional sobre uma
disponibilidade de áreas cultiváveis que pode ser limitada tanto pela
insuficiência física de terra aproveitável como pela monopolização de
grande parte da mesma pelos grandes proprietários (o Agreste no Nordeste
brasileiro, as comunidades indígenas nos Andes peruanos e colombianos)”
(ibid., p. 38).
11
O autor também ressalta que diferentemente das regiões sujeitas aos fatores de mudanças,
onde a produtividade aumenta e conseqüentemente há, de certa forma, melhoria nas condições de
vida, as regiões sujeitas aos fatores de estagnação funcionam “às vezes como ‘viveiros de mão-de-
obra’ para os latifundiários e grandes explorações agrícolas capitalistas” (ibid, p. 39).
Ainda em relação à questão das desigualdades, SINGER (1973) também discute os fatores
de atração dos migrantes – que existem na região para onde as migrações se destinam –, os quais
determinam a orientação dos fluxos migratórios, e ressalta que o fator de atração mais importante
é a demanda por força de trabalho:
“De uma forma geral, interpreta-se esta demanda por força de trabalho como
proporcionando ‘oportunidades econômicas’, que constituem um fator de
atração na medida em que oferecem uma remuneração mais elevada que a
que o migrante poderia perceber na área de onde provém.” (ibid, p. 41)
Na busca por estas oportunidades econômicas ou, nas palavras de SOUZA (op. cit., p. 34),
“Ao mercado que os atrai”, este autor ressalta que os migrantes concorrem com três possibilidades
de inserção: “com capitais a investir, com habilidades técnicas ou educacionais, ou apenas com a
sua força de trabalho.” Porém, é importante ressaltar que há certos obstáculos a serem enfrentados
pelos migrantes na busca pelas oportunidades econômicas. Segundo SINGER (1973), são
exemplos destes obstáculos a falta de qualificação, de bagagem cultural e de recursos para
enfrentarem a competição do mercado urbano capitalista, os quais podem resultar, muitas vezes,
em prejuízos aos migrantes na região de destino, como o subemprego e até mesmo o desemprego.
Porém, independentemente da situação em que se encontram ou se encontrarão no lugar de
destino, é importante ressaltar que os migrantes deixam sua região de origem – muitas vezes
prejudicada pelo desenvolvimento econômico industrial desigual – com o objetivo de buscar
12
oportunidades econômicas que os possibilitem melhorar suas condições de vida nos centros
industriais, os quais agem como pólo de atração em relação aos migrantes.
Por fim, é fundamental destacar novamente que um contexto de desenvolvimento
econômico-industrial e de desigualdade regional, construído em um determinado país, resulta em
um cenário bastante propício à migração interna que, de acordo com sua intensidade e
especificidade, pode fazer parte das transformações econômicas, políticas e sociais de uma nação.
13
3. DOIS CENÁRIOS NUMA MESMA CONJUNTURA: SÃO PAULO E O NORDESTE NO
SEGUNDO GOVERNO VARGAS
3.1 REGIÕES E POPULACÕES DIFERENTES
Na primeira metade da década de 1950 a região Nordeste e a região Sudeste, à qual hoje
pertence o estado de São Paulo, se encontravam divididas geograficamente ainda pelos critérios do
Conselho Nacional de Geografia de 1942, que dividia o país em cinco regiões - Norte, Nordeste,
Leste, Sul e Centro-Oeste; baseando-se fundamentalmente em critérios de natureza fisiográfica e
posição geográfica.
O estado de São Paulo fazia parte da região Sul, juntamente com os estados do Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Sua incorporação à atual região Sudeste se deu somente
quando esta foi criada, em 1969; por isso, na literatura de décadas anteriores a de 1970 é comum
encontrarmos descrições da migração nordestina tendo a região Sul como principal destino e nesta
sendo incluído o estado de São Paulo.
Já o Nordeste compreendia os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Fernando de Noronha; os estados de Sergipe e Bahia não faziam
parte da região Nordeste, pois se encontravam na região Leste junto a Minas Gerais, Espírito
Santo, Rio de Janeiro e o Distrito Federal. A incorporação de Sergipe e da Bahia à região atual
ocorreu somente em 1969 através de uma reformulação da divisão regional do país; porém, apesar
de 1969 ser a data oficial, a incorporação já havia sido considerada anteriormente pela área
demarcada pela Sudene para sua atuação. Entretanto, mesmo antes de fazerem parte da região
geográfica do Nordeste, o Sergipe e a Bahia possuíam parte de seus territórios no Polígono das
Secas, delimitado em 7 de Janeiro de 1936 e revisado no decreto de 13 de Setembro de 1946 e em
14
10 de Fevereiro de 1951, quando o Presidente Getúlio Vargas sancionou a lei nº 1.348, que dispôs
sobre a revisão de limites da área do Polígono:
“Art. 1º É estabelecida a seguinte revisão nos limites da área do Polígono
das Secas, previsto na Lei nº175 de 7 de Janeiro de 1936 e no Decreto-Lei nº
9.857, de 13 de Setembro de 1946: a poligonal que limita a área dos Estados
sujeitos aos efeitos das secas terá por vértices, na orla do Atlântico, as
cidades de João Pessoa, Natal, Fortaleza e o Ponto limite entre os Estados do
Ceará e Piauí, na foz do rio São João da Praia; a embocadura do Longá, no
Parnaíba, e seguindo pela margem direita deste a confluência do Uruçuí
Preto cujo curso acompanhará até as nascentes; a cidade de Gilbués, no
Piauí; a cidade de Barra, no Estado da Bahia; e pela linha atual, cidades de
Pirapora, Bocaiúva, Salinas e Rio Pardo de Minas, no Estado de Minas
Gerais; cidades de Vista Nova, Poções e Amargosa, no Estado da Bahia;
cidades de Tobias Barreto e Canhoba, no Estado de Sergipe; cidade de
Gravatá, no Estado de Pernambuco, e cidade João Pessoa, no Estado da
Paraíba.” (COMISSÃO INCORPORADORA - BNB, 1953)
O Polígono foi então ampliado de uma área de 978.291 Km
2
para uma área de 1.150.662
Km
2
, abrangendo os estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, Bahia, (o Maranhão é o único estado da região que está excluído da área do
Polígono) e pequena porção do norte de Minas Gerais sujeita aos efeitos das secas.
De acordo com a Tabela 1 (T1: Áreas e populações do Polígono das Secas – DNOCS), os
estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba eram considerados zonas secas em sua
totalidade, desta forma possuíam 100% de seu território na Área do Polígono. Já o estado do Piauí
possuía 98,5% do seu território nesta área, Pernambuco, 85,0%; Alagoas, 45,5%; Sergipe, 58,4%;
Bahia, 71,8%; e Minas Gerais, 22,3%.
Em relação à população destes estados vivendo na região do Polígono das Secas, de acordo
com Tabela, o Piauí possuía 98,5% de sua população na área do Polígono, Ceará, Rio Grande do
Norte e Paraíba, 100%; Pernambuco, 60,4%; Alagoas, 30,5%, Sergipe, 43,4%; Bahia, 56,8%; e
15
Minas Gerais, 7,1%. De uma forma geral podemos dizer que 51,3% dos habitantes vivendo nos
estados pertencentes ao Polígono se encontravam nesta área.
Tabela 1: Áreas e populações do Polígono das Secas
2
Fonte: DNOCS, In: Comissão Incorporadora do Banco do Nordeste do Brasil, 1953.
Podemos então afirmar que grande parte da população da região das secas vivia na área do
Polígono e, conseqüentemente, sofria com o flagelo das estiagens, que acentuava ainda mais as
difíceis condições de vida desta população, restando muitas vezes uma única alternativa: migrar.
Mas antes de entrarmos diretamente nesta discussão é interessante descrevermos algumas
características desta população e compará-las às características da população do local de destino,
ou seja, de São Paulo.
Primeiramente, em relação a situação de domicílio da população das regiões em questão,
através da análise da Tabela 2 (T2: População por situação de domicílio no Nordeste, São Paulo e
Brasil em 1950 – Anuário Estatístico do Brasil) podemos perceber que grande parte da população
2
Os valores referentes à população total de cada estado desta tabela são valores pouco diferentes dos valores
utilizados neste trabalho apesar de ambos serem referentes a 1950 e terem como fonte o IBGE, que também é fonte
para muitas outras análises deste estudo.
N% N%
Piauí 249.317 245.552
98,5% 1.064.438 1.048.791 98,5%
Cea 153.245 153.245
100,0% 2.735.868 2.735.868 100,0%
Rio G. Norte 53.048 53.048
100,0% 983.572 983.572 100,0%
Paraíba 56.282 56.282
100,0% 1.730.784 1.730.784 100,0%
Pernambuco 97.016 82.499
85,0% 3.430.630 2.073.205 60,4%
Alagoas 28.531 12.972
45,5% 1.106.454 337.693 30,5%
Sergipe 21.057 12.290
58,4% 650.132 282.206 43,4%
Bahia 563.281 404.711
71,8% 4.900.419 2.784.287 56,8%
Minas Gerais 581.975 130.063
22,3% 7.839.792 554.899 7,1%
Total
1.803.752 1.150.662
63,8% 24.442.089 12.531.305 51,3%
Estados
Área (Km
2
)
População
Total
Zona SecaZona Seca
Total
16
do Nordeste vivia em áreas não urbanas em 1950, pois somente 15,50% dos habitantes moravam
na zona urbana, ou seja, 2.787.212 nordestinos; enquanto que 10,89% viviam em região suburbana
e 73,94% na zona rural, o que corresponde à 1.957.596 e 13.228.605 de habitantes,
respectivamente. O estado que possuía maior população em zona urbana era Sergipe
(desconsiderando Fernando de Noronha), com 21,35% (137.623 habitantes); já o estado com
maior número de habitantes na zona rural era o Piauí, com 83,69% (875.112 habitantes).
O estado de São Paulo também possuía maior parte de seus habitantes na zona rural em
1950, ou seja, 47,41% (4.330.212 habitantes), contudo este valor não corresponde à metade da
população paulista, diferentemente da região Nordeste, onde o número de habitantes na zona rural
corresponde à quase três quartos dos nordestinos. Já nas zonas suburbana e urbana de São Paulo,
habitavam 12,66% e 39,93% da população respectivamente, o que corresponde a 1.156.407 e
3.647.804 habitantes.
Podemos então constatar aqui que grande parte dos possíveis migrantes nordestinos eram
provenientes de áreas rurais, já que somente 15,50% da população da região Nordeste habitava
áreas urbanas, diferentemente do estado de São Paulo, onde apenas 47,41% da população se
encontrava em área rural.
17
Tabela 2: População por situação de domicílio no Nordeste, São Paulo e Brasil em 1950
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil de 1950
Em relação ao índice de analfabetismo, analisando a Tabela 3 (T3: Índice de analfabetismo
no Nordeste, São Paulo e Brasil em 1950 - pessoas a partir de 5 anos de idade – Anuário
Estatístico do Brasil), percebemos que há grandes diferenças entre os estados da região Nordeste e
o estado de São Paulo em 1950. Enquanto mais da metade da população a partir de 5 anos de idade
de São Paulo era alfabetizada, somente 25,90 % dos habitantes a partir de 5 anos de idade do
Nordeste sabiam ler e escrever, o que corresponde à 4.627.329 e 3.876.166 habitantes,
respectivamente. Entre os estados pertencentes ao Nordeste, as diferenças nos índices de
analfabetismo não eram tão grandes, pois (excluindo Fernando de Noronha) todos os estados
tinham mais de 70% de sua população a partir de 5 anos analfabeta. Contudo, Alagoas era o que
possuía maior parte dos habitantes sem saber ler e escrever, ou seja, 79,75% da população a partir
N%N%N%
Maranhão
1.583.248 165.785 10,47% 108.503 6,85% 1.308.960 82,68%
Piauí
1.045.696 83.987 8,03% 86.597 8,28% 875.112 83,69%
Ceará
2.695.450 317.754 11,79% 361.850 13,42% 2.015.846 74,79%
Rio G. Norte
967.921 171.495 17,72% 82.270 8,50% 714.156 73,78%
Paraíba
1.713.259 314.197 18,34% 142.519 8,32% 1.256.543 73,34%
Pernambuco
3.395.185 499.033 14,70% 668.367 19,69% 2.227.785 65,62%
Fernando N.
581581100,00%----
Alagoas
1.093.137 149.310 13,66% 137.069 12,54% 806.758 73,80%
Sergipe
644.361 137.623 21,35% 67.361 10,45% 439.377 68,19%
Bahia
4.834.575 947.447 19,60% 303.060 6,27% 3.584.068 74,13%
Nordeste
17.973.413 2.787.212 15,50% 1.957.596 10,89% 13.228.605 73,94%
São Paulo
9.134.423 3.647.804 39,93% 1.156.407 12,66% 4.330.212 47,41%
Brasil
51.944.397 12.957.543 24,95% 5.825.348 11,21% 33.161.506 63,84%
Rural
Estados Total
Urbano Suburbano
18
de 5 anos; já Sergipe era o estado que possuía o maior percentual de alfabetizados, os quais
correspondiam a 29,41% da população a partir de 5 anos (desconsiderando Fernando de Noronha).
Tabela 3: Índice de analfabetismo no Nordeste, São Paulo e Brasil em 1950 (pessoas a partir
de 5 anos de idade)
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil de 1950
Ainda em relação à educação, mais especificamente ao grau de escolaridade, a Tabela 4
(T4: Pessoas de 10 anos e mais, que possuem curso completo, segundo o grau de ensino, no
Nordeste, São Paulo e Brasil em 1950 – Anuário Estatístico do Brasil) nos evidencia que as
diferenças entre o Nordeste e São Paulo são também grandes em 1950 no que diz respeito à
conclusão de curso, pois em São Paulo, o número de pessoas de 10 anos e mais que possuíam
curso completo era de 2.151.535 , ou seja, 23,55% da população. Já no Nordeste somente 4,50%
da população se encontrava na mesma situação, o que corresponde a 808.201 habitantes.
N%N%
Maranhão 1.334.320 289.908 21,73% 1.044.412 78,27%
Piauí 860.074 185.335 21,55% 674.739 78,45%
Ceará 2.212.237 591.078 26,72% 1.621.159 73,28%
Rio G. Norte 800.538 222.923 27,85% 577.615 72,15%
Paraíba 1.423.628 361.109 25,37% 1.062.519 74,63%
Pernambuco 2.838.308 780.663 27,50% 2.057.645 72,50%
Fernando N. 491 365 74,34% 126 25,66%
Alagoas 909.978 184.284 20,25% 725.694 79,75%
Sergipe 534.728 157.272 29,41% 377.456 70,59%
Bahia 4.052.049 1.103.229 27,23% 2.948.820 72,77%
Nordeste 14.966.351 3.876.166 25,90% 11.090.185 74,10%
São Paulo 7.796.857 4.627.329 59,35% 3.169.528 40,65%
Brasil 43.573.517 18.588.722 42,66% 24.984.795 57,34%
Sabem ler/escrever Não sabem ler/escrever
Estados
Total
pessoas a
partir 5 anos
19
Tabela 4: Pessoas de 10 anos e mais que possuem curso completo, segundo o grau de ensino, no Nordeste, São Paulo e Brasil
em 1950
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil de 1950
Total
da
populaçãoN % N%N%N%N%
Maranhão 1.583.248 50.843 3,21% 43.379 85,32% 6.769 13,31% 692 1,36%
3
0,01%
Piauí 1.045.696 33.065 3,16% 27.463 83,06% 5.006 15,14% 591 1,79%
5
0,02%
Cea 2.695.450 93.966 3,49% 70.974 75,53% 19.987 21,27% 2.835 3,02%
170
0,18%
Rio G. Norte 967.921 33.677 3,48% 26.451 78,54% 6.160 18,29% 892 2,65%
174
0,52%
Paraíba 1.713.259 55.567 3,24% 45.778 82,38% 8.515 15,32% 1.230 2,21%
44
0,08%
Pernambuco 3.395.185 217.961 6,42% 176.495 80,98% 36.161 16,59% 5.120 2,35%
185
0,08%
Fernando N. 581 171 29,43% 133 77,78% 28 16,37% 9 5,26%
1
0,58%
Alagoas 1.093.137 44.969 4,11% 36.705 81,62% 7.294 16,22% 952 2,12%
18
0,04%
Sergipe 644.361 28.299 4,39% 23.348 82,50% 4.373 15,45% 566 2,00%
12
0,04%
Bahia 4.834.575 249.683 5,16% 121.503 48,66% 31.271 12,52% 5.707 2,29%
202
0,08%
Nordeste 17.973.413 808.201 4,50% 663.229 82,06% 125.564 15,54% 18.594 2,30%
814
0,10%
São Paulo 9.134.423 2.151.535 23,55% 1793538 83,36% 309.085 14,37% 45.529 2,12%
3.383
0,16%
Brasil 51.944.397 6.542.679 12,60% 5388695 82,36% 987.148 15,09% 158.070 2,42%
8.766
0,13%
Es tados
Segundo o grau de ensino
Sem declarãoElementar Médio Superior
Pessoas de 10 anos e
mais
com grau completo
20
Contudo, as diferenças de grau de escolaridade entre a população com grau completo das
regiões de São Paulo e Nordeste eram poucas, ou seja, 83,36% desta população em São Paulo e
82,06% no Nordeste haviam concluído o ensino elementar, 14,37% e 15,54% o ensino médio,
2,12% e 2,30% o ensino superior, respectivamente.
De uma forma geral, as diferenças entre a região Nordeste e o estado de São Paulo aqui
ressaltadas referentes a três características populacionais básicas, ou seja, situação de domicílio,
índice de analfabetismo e escolaridade, eram grandes em 1950. Pode-se sintetizar esta questão
ressaltando que São Paulo era mais urbanizado que o Nordeste (respectivamente 39,93% e 15,50%
da população viviam em área urbana); possuía maior número de habitantes alfabetizados (59,35%
da população de 5 anos e mais de São Paulo sabia ler e escrever, enquanto no Nordeste o valor era
de 25,90%); e maior número de habitantes com algum grau completo (23,55% em São Paulo e
4,50% no Nordeste em relação à população total); ou seja, eram regiões bastante desiguais no que
diz respeito às características aqui analisadas.
Desta forma, o encontro entre “diferentes” – digo diferentes não apenas pelas diferenças
aqui analisadas, mas também pela cultura, cor, características físicas e outros atributos que muitas
vezes diferenciam populações de regiões distintas – que aconteceu como resultado do grande
processo migratório do Nordeste para São Paulo, resultou em discriminação e preconceito em
relação aos migrantes. Os nordestinos, provenientes, na sua grande maioria, da zona rural ou de
pequenas cidades e semi-analfabetos – como podemos constatar na análise das Tabelas – e ainda
em péssimas condições físicas e psicológicas – devido ao martírio da longa viagem –, eram
rotulados e discriminados, sendo todos classificados como baianos
3
e tendo suas características
físicas usadas a fim de materializar os estigmas preconceituosos.
3
Isto aconteceu especialmente porque a grande maioria dos migrantes nordestinos que veio para São Paulo no início
da década de 1950 era baiana. Desta forma, todos os outros migrantes nordestinos passaram a ser chamados de
baianos. No Rio de Janeiro a mesma situação ocorreu, porém neste estado os migrantes eram rotulados de paraíbas.
21
Sobre esta questão é interessante citar um artigo de Raquel de Queiroz na revista O
Cruzeiro, de 7 de março de 1953, intitulado “Seca: Assunto Nacional”, onde a autora discute os
rótulos colocados sobre os nordestinos:
“Muitos de vocês sofrem de uma prevenção tradicional contra o nordestino
– cabeça chata, amarelo e baixote, entrão e falador, que mete o ombro a
qualquer porta, empurra os outros, conta vantagem, e disputa asperamente o
seu lugar ao Sol. Com toda caricatura, esse retrato tem muito de verdade;
temos um pouco disso tudo, mas também temos muita coisa boa. E grande
parte dos nossos defeitos se explica: se lutamos mais de rijo que os outros, é
porque somos mais sofridos. Se temos tamanho, cor, estatura e cara e cabeça
chata de índio, é porque na nossa terra pobre não houve escravaria tratando
ricas lavouras que nos desse mais forte e boa pinta do negro; e igualmente a
terra pobre não atraiu emigrantes, que nos irmanasse com os meio-sangue
europeus do Sul. E somos pacientes, sofredores, resistentes. Corajosos,
agradecidos, decentes, com quem é descente conosco. E brasileiros como o
diabo. Sim, com todas as nossas falhas e qualidades, somos talvez o melhor
retrato do brasileiro, o mais definitivo, entre todos os tipos de brasileiros dos
nossos cinqüenta milhões de patrícios.” (p.122)
Como já foi ressaltado, muitos dos rótulos criados em relação aos nordestinos estão
relacionados às suas características físicas e sociais, como por exemplo a questão do analfabetismo
aqui exposta. Contudo, é importante ressaltar que os dados aqui analisados, além de sucintamente
descreverem algumas características da população nordestina e dos potencias migrantes,
evidenciam também parte das diferenças regionais no início da década de 1950. Todavia, as
desigualdades se reforçam ainda mais quando são analisados os dados referentes ao setor
econômico das duas regiões em questão.
22
3.2 DE REGIÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR À REGIÃO MENOS DESENVOLVIDA
Para que possamos melhor compreender as desigualdades econômicas entre a região
Nordeste e São Paulo no início da década de 1950 devemos, brevemente, através de uma
perspectiva histórica, analisar a estrutura econômica do Nordeste desde meados do século XVI, a
qual baseava-se numa economia-açucareira de exportação.
Esta economia, desenvolvida mais especificamente na região da zona da mata, era baseada
na monocultura, no latifúndio e no trabalho escravo, características que impediam o surgimento de
relações capitalistas de produção e inibiam o desenvolvimento de culturas adicionais na mesma
região.
“O dono da terra não permite, por princípio, quase por doutrina, que se
plante coisa alguma, a não ser açúcar. O morador, mesmo que haja terra
disponível, não ocupada pela cana-de-açúcar, não pode plantar outra coisa.
Primeiramente, porque o proprietário da terra tem medo que o indivíduo crie
qualquer benfeitoria e ao sair queira indenização; e em segundo lugar,
porque quer que o morador plante cana. De modo que há tremenda
resistência contra toda forma de cultura que não seja açúcar.” (FURTADO,
1959, p. 61-62)
Ao latifúndio estava vinculada também uma outra característica da economia açucareira,
que era a alta concentração de renda. Sobre esta questão, FURTADO (1959) ressalta que a
formação de um mercado interno ficava impossibilitada em uma economia altamente
concentradora de renda, pois um reduzido número de latifundiários absorvia a renda gerada com as
exportações do açúcar. Assim, a economia não era capaz de passar da etapa de crescimento na
base de exportação para a etapa de crescimento na base de mercado interno.
23
Esta economia açucareira desenvolvida no Nordeste em meados do século XVI entrou num
período de crise já na metade do século posterior, pois a concorrência mundial ficou mais acirrada,
reduzindo assim sua expansão. Contudo, FURTADO (1977) demonstra que a situação ficou ainda
mais grave no século XVIII, em decorrência do aumento nos preços dos escravos e da migração da
mão-de-obra especializada, determinados pela expansão da produção de ouro. Desta forma,
conforme a economia açucareira declinava e se tornavam menos favoráveis as condições de
sobrevivência na região úmida do litoral, aumentava a migração para as regiões do interior do
Nordeste, onde se desenvolveram os minifúndios, baseados na economia de subsistência.
“...quando as exportações do açúcar perderam o impulso de crescimento,
esgotou-se toda a força dinâmica do sistema, que se revelou incapaz de
propiciar a transição automática para a industrialização. O Nordeste deixou
de contar, há muito tempo, com um autêntico fator dinâmico, capaz de
substituir o açúcar. Quando o açúcar entrou em estagnação, o Nordeste
passou a constituir uma economia totalmente à mingua de impulso de
crescimento, embora continuasse a expandir-se horizontalmente, pela
economia de subsistência e a ocupação de terras de inferior qualidade e mais
sujeitas ao fenômeno das secas.” (FURTADO, 1959, p. 23-24).
Nas regiões interioranas do Nordeste surgiu então, atrelada à economia de subsistência,
uma outra atividade econômica: a pecuária. Entretanto, é importante ressaltar que não só às
dificuldades de sobrevivência nas regiões úmidas se atribui a causa desta atividade, pois a própria
economia açucareira induziu seu surgimento. Isto porque esta atividade necessitava de animais
para a execução de vários trabalhos e a criação de gado era vista como impraticável nas mesmas
terras produtoras de açúcar, resultando na prática da pecuária nas regiões mais ao interior do
Nordeste, denominadas agreste e sertão.
A criação de gado então desenvolvida nas regiões interioranas do Nordeste era uma
atividade dependente da economia açucareira, porém bastante distinta. Uma das diferenças está
24
relacionada ao meio em que tais atividades se desenvolveram: diferentemente da zona úmida
litorânea, onde se encontra a cultura da cana, o agreste e o sertão são regiões sujeitas às secas
periódicas, o que tornava a mobilidade humana uma ação necessária à sobrevivência,
proporcionando, como ressalta CANO (1998), a gravitação, dentro da própria região nordestina,
de imenso contingente demográfico.
Uma outra diferença está relacionada à forma de trabalho: na pecuária, o trabalho escravo
não sustentava a atividade, a qual estava bastante ligada à própria subsistência da população; já na
economia açucareira o trabalho escravo era predominante, o que impossibilitava a constituição de
relações capitalistas. Contudo, CANO ressalta que, mesmo com a abolição da escravidão tais
relações não foram constituídas na economia açucareira do Nordeste:
“Essa atividade escravista, de longe a principal da região, mesmo com a
passagem para o regime de trabalho livre, não constituiu relações de
produção capitalistas, senão de maneira débil: em face da extrema
concentração da propriedade e da renda, essa passagem foi mais formal do
que efetiva; seu mercado de trabalho foi de grande precariedade.” (ibid., p.
51)
Com a abolição da escravidão, CASTRO (1975) demonstra que foi encontrada uma
maneira de perpetuar as relações não-capitalistas vigentes através da contemplação dos
trabalhadores com pequenas terras não ocupadas pela cultura da cana. Estes cultivavam então as
pequenas terras para a própria subsistência e, conforme as necessidades ditadas pelo calendário
agrícola, eram convocados para o trabalho na economia açucareira, o qual era parcialmente
gratuito ou pago a preços bastante reduzidos. Quando não fossem mais necessários ao cultivo da
cana, os grandes proprietários os liberavam para seus pequenos roçados, que retiam os
trabalhadores próximos às fazendas de cana, funcionando como uma reserva de trabalhadores, sem
25
resultar em despesas aos grandes proprietários. Desta forma foi possível perpetuar as relações de
trabalho não-capitalista da economia açucareira.
Uma terceira diferença marcante entre a pecuária e a economia açucareira era a
importância e a rentabilidade das atividades. Diferentemente do açúcar, a pecuária sertaneja não se
consolidou como atividade de grande importância no mercado internacional e mesmo no mercado
nacional, onde desde cedo foi superada por outras zonas de criação. Desta forma a pecuária não
atingia a rentabilidade gerada pelo açúcar à economia nordestina, permitindo que o Nordeste
continuasse a ser percebido como a região do açúcar.
“A renda total gerada pela economia criatória do Nordeste seguramente não
excedia cinco por cento do valor da exportação de açúcar. Essa renda estava
constituída pelo gado vendido no litoral e pela exportação de couros... a
começos do século XVII, dificilmente se pode admitir que sua renda bruta
alcançasse cem mil libras, numa época em que o valor da exportação de
açúcar possivelmente superava os dois milhões.” (FURTADO, 1977, p. 57-
58)
As diferenças entre a pecuária e a economia açucareira possibilitaram que, mesmo
existindo a relação de dependência já citada, a região pecuária não fosse afetada nas mesmas
proporções que a região de economia açucareira nos períodos de crise, pois como evidencia
FURTADO (1977), em regiões onde a atividade desenvolvida era a pecuária a população se
alimentava do mesmo produto que vendia, desta forma a redução das vendas não afeta a oferta
interna de alimentos. No entanto, formou-se nesta região uma precária economia de subsistência,
onde não houve uma evolução das técnicas de divisão e especialização do trabalho.
“Numa região pecuária – porquanto a população se alimenta do mesmo
produto que exporta – a redução das exportações em nada afeta a oferta
interna de alimentos e, portanto, a população pode continuar crescendo
26
normalmente através de um longo período de decadência das exportações.
No Nordeste brasileiro, como as condições de alimentação eram melhores
na economia de mais baixa produtividade, isto é, na região pecuária, as
etapas de prolongada depressão em que se intensificava a migração do
litoral para o interior teriam de caracterizar-se por uma intensificação no
crescimento demográfico. Explica-se assim que a população do Nordeste
haja continuado a crescer – e possivelmente haja intensificado o seu
crescimento – em todo o século e meio de estagnação da produção
açucareira... A formação da população nordestina e de sua precária
economia de subsistência – elemento básico do problema econômico
brasileiro em épocas posteriores – estão assim ligadas a esse lento processo
de decadência da grande empresa açucareira que possivelmente foi, em sua
melhor época, o negócio colonial-agrícola mais rentável de todos os
tempos.” (id. ibid., p.64)
Para atenuar a prolongada agonia da economia açucareira, apareceu no Nordeste uma outra
importante atividade econômica: o algodão. Como a pecuária, a cultura do algodão quase não
empregava escravos e seu desenvolvimento se dava em regiões do sertão e do agreste, onde se
encontrava as já citadas atividades de subsistência. Uma outra característica desta atividade é
ressaltada por CANO (1998) quando afirma que o algodão no Nordeste era produzido de maneira
ineficiente e comercializado à preços baixos no mercado internacional, o que resultou na sua
denominação de cultura de pobres.
Não sendo exceção à regra da economia nordestina, o algodão enfrentou grandes
dificuldades com a concorrência no mercado mundial:
“O algodão nordestino jamais conseguiu se impor no exterior: sua
participação no mercado internacional só se tornava significativa por
ocasião de grandes crises nas demais fontes supridoras. Isto é
particularmente claro quando examinamos os avanços e recuos do Nordeste
e o Sul dos Estados Unidos. A Guerra de Independência, bem como a de
Secessão, permitiram grandes avanços do algodão brasileiro; mas o retorno
à normalidade norte-americana trouxe sempre o recuo da produção
brasileira. (CASTRO, op. cit., p. 19)
27
No período da Segunda Guerra Mundial, o setor têxtil do Nordeste teve grande avanço nas
exportações, porém declinou novamente com o término do conflito. Já em relação ao mercado
interno, esta produção teve expansão no período do advento da industria têxtil em São Paulo e no
Rio de Janeiro em fins do século XIX. Pode-se dizer que o mercado consumidor destes dois
estados foi fundamental para a sobrevivência não somente da cultura do algodão, mas também
para a economia açucareira. Contudo CASTRO ressalta que, se analisarmos a economia açucareira
ao longo do tempo, o comércio no mercado interno não foi tão bem sucedido:
“A tentativa do Nordeste de compensar no centro-sul a marginalização do
mercado mundial não teve, contudo, grande êxito. Com a famosa geada de
1918, ganha impulso um grande movimento de diversificação na agricultura
paulista e, a partir de então, por sucessivas ondas de expansão, a agricultura
de São Paulo substituiu a nordestina como supridora de algodão e açúcar...”
(ibid., p.149)
CANO (1998) observa que já no século XIX a economia açucareira encontrava-se na
situação de produto marginal no comércio internacional, com preços deprimidos; e no início do
século XX a produção industrial nordestina vinha declinando de maneira acentuada:
“Com alta concentração da propriedade, débeis relações capitalistas de
produção, com seus principais produtos (açúcar e algodão) marginalizados
no mercado externo e, portanto, dependentes agora do mercado interno,
porém com preços reduzidos, não poderia ter melhor desempenho.
Mantendo cerca de 40% da população nacional em 1900, perfazia em 1907
cerca de 17% da produção industrial que, em 1939, cairia para cerca de
10%.” (ibid., p. 52)
O autor ainda evidencia que a economia do Nordeste teve outro declínio após a crise de 29
devido à concorrência interna:
28
“Após a crise da 1929, quando o mercado nacional fica mais cativo à
produção nacional, o NE sofreria mais um golpe: a reestruturação do agro
paulista faria com que a economia de SP se tornasse a maior produtora
também de açúcar e algodão, os dois produtos básicos exportáveis da
economia nordestina.” (ibid., p. 52)
Segundo CASTRO (1975), neste contexto de estagnação da economia nordestina, surgiram
novas atividades de exportação, como o cacau e o sisal. O primeiro produto sofreu acelerado
crescimento no início do século XX, logo sofreu crise e entrou em estagnação a partir dos anos 30;
já o sisal teve suas exportações elevadas após a Segunda Guerra Mundial. Contudo o autor afirma
que estes sucessos parciais não revitalizaram a economia nordestina, pois suas principais
atividades (a agroindústria canavieira, a agricultura e a industria do algodão) encontravam-se
estagnadas e muitas vezes superadas até mesmo no mercado interno, como exemplifica o autor no
caso do açúcar:
“O importante mercado centro-sulino de açúcar, onde o Nordeste havia
logrado preservar quotas de exportação vê-se novamente ameaçado pela
retomada da expansão canavieira paulista. De 1946 e 1961, enquanto
duplicava a produção nordestina de açúcar, São Paulo iria decuplicar sua
produção.” (ibid., p. 152)
Nos anos 30, o país entrou em um novo período político e deixou para traz a Primeira
República, a qual era governada por uma elite agrária que mantinha a estrutura econômica agro-
exportadora como principal setor econômico do país, em detrimento dos investimentos no setor
industrial. Este novo período político impulsionou o desenvolvimento industrial do Brasil, mais
especificamente na região Centro-Sul, contrastando-a ainda mais à estagnada economia
nordestina.
29
“Dado o notável avanço industrial do sul do País a partir de meados dos
anos 30, suas vantagens locacionais, de infra-estrutura, crédito etc. e em
contraposição as deficiências de serviços básicos, o atraso tecnológico
acumulado e o acentuado tradicionalismo do empresariado nordestino,
concluímos (numa primeira aproximação) que era bastante difícil a situação
da indústria nordestina após a Segunda Grande Guerra.” (id. ibid., p. 151)
Em contraste à região Centro-Sul, o Nordeste no século XX ainda sustentava suas
características de economia estagnada, agricultura atrasada e pouco diversificada, grandes
proprietários de terra, concentração de renda, indústria com baixa produtividade e também pouco
diversificada e débeis relações capitalistas de produção. Desta forma, CANO (1998) ressalta que
se tornava cada vez mais difícil competir com a indústria paulista, que vinha se desenvolvendo.
Assim, na década de 1950, as diferenças entre a região Nordeste e a região Centro-Sul, mais
especificamente São Paulo, já estavam bastante acentuadas, resultando no aprofundamento do
problema das desigualdades regionais.
“Para que o Nordeste pudesse competir com os industriais de SP, em
qualquer parte do mercado nacional, deveria tornar-se competitivo. Mas isso
foi impossível – salvo raras exceções – pelo próprio desenvolvimento
histórico do Nordeste.” (id. ibid., p. 188)
3.3 DESIGUALDADES REGIONAIS
Nos anos 50, durante o período do segundo governo Vargas, a industrialização era
fortemente percebida como “o remédio” para todos os males do subdesenvolvimento e do atraso.
No plano internacional, a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina)
4
foi quem se
4
A Cepal foi criada pela ONU (Organização das Nações Unidas) no ano de 1948.
30
encarregou de defender e difundir esta idéia, pois se mostrava preocupada com o progresso dos
países subdesenvolvidos. Segundo a Comissão na resolução da 5ª Sessão da Assembléia Geral em
1950, este progresso seria decisivo para “o crescimento da economia mundial como um todo e
para a manutenção da paz e da segurança.” (MORAES, 1995, p. 10)
O ponto de partida do pensamento cepalino se concentrava na concepção de que a
economia mundial se encontrada dividida em uma estrutura bipolar de centro-periferia.
Consideravam centros as economias que primeiro absorveram as técnicas capitalistas de produção,
onde a estrutura produtiva era considerada homogênea e diversificada. Já a estrutura produtiva da
periferia (que era o caso do Brasil)
5
era chamada de heterogênea, para indicar a existência de
atividades onde a produtividade do trabalho era elevada ao lado de setores onde era muito baixa,
devido ao atraso tecnológico; e também de especializada, devido à atividade exportadora se
concentrar em poucos bens primários, ou seja, matérias-primas e alimentos. A Comissão definia
ainda as periferias como sendo constituídas pelas economias cuja produção permanecia
inicialmente atrasada, do ponto de vista tecnológico e organizativo, enquanto nos centros o
progresso técnico era mais acelerado, cabendo à eles produzir e exportar bens industriais.
Com a finalidade de resolver o problema de estagnação e atraso das periferias, os
estudiosos e intelectuais da Cepal acreditavam que as forças antiestagnação precisavam ser
organizadas pelo Estado através de uma política econômica intervencionista, protecionista e
industrializante. Dentro desta perspectiva, a Comissão defendia que somente a industrialização
5
A Cepal realizou uma de suas reuniões no estado do Rio de Janeiro, em abril de 1953. O encontro propiciou o
contato entre os dirigentes do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) - criado com o
auxílio da Comissão Mista Brasil – Estados Unidos, em 1952 - e os técnicos cepalinos, contato este que resultou na
criação do Grupo Misto BNDE – CEPAL, tendo como objetivo realizar um diagnóstico sobre a economia brasileira a
fim de propor um programa de desenvolvimento econômico ao país. Seus trabalhos se estenderam de 1953 a 1955.
Nesta conferência Rômulo Barreto de Almeida, nomeado delegado brasileiro, fez uma exposição sugerindo que no
estudo do desenvolvimento econômico dos países latino-americanos se levasse em conta o problema do equilíbrio
entre diferentes regiões. No mesmo sentido, o Departamento Econômico da Confederação Nacional da Indústria
apresentou um trabalho à Conferência da Cepal que focalizava o problema da região nordestina.
31
seria capaz de “reter na periferia os frutos do progresso técnico.” (id. ibid., p. 39) De uma forma
geral, pode-se dizer que para os países periféricos se desenvolverem industrialmente os cepalinos
defendiam que estes deveriam seguir o modelo de substituição de importações e de
desenvolvimento para dentro.
Em relação às principais dificuldades do processo de industrialização nesses países,
acreditava-se que estavam relacionadas com a inadequação da tecnologia e com estrutura da
propriedade e da posse da terra característica da agricultura periférica, na qual latifúndio e
minifúndio mantinham formas precárias de posse, gerando, desta forma, desemprego e limitação
da oferta agrícola. Segundo a Comissão, no latifúndio, a excessiva concentração da terra
dificultava a sua plena utilização devido à grande quantidade de capital que seria necessária para
explorá-la. Além disso, para proprietários que dispunham de grandes rendas era muitas vezes
viável e desejável manter terras não necessariamente produtivas por considerações de prestígio
social e poder local. Já em relação aos minifúndios, as formas precárias e rudimentares de cultivo
impediam o aumento da produtividade e conseqüentemente consolidavam o atraso das regiões.
Porém, apesar destas discussões sobre o setor agrário, a Comissão defendia que a indústria era
muito mais produtiva que a agricultura.
Pode-se sintetizar os estudos e discussões da Cepal - no período em questão - sobre o
subdesenvolvimento dos países periféricos latino-americanos pelo modelo do desenvolvimento
econômico industrial protegido e gerenciado pelo Estado, modelo este que interferiu e até mesmo
fez parte de governos e ideologias políticas do período:
“...foi comum que os sistemas e movimentos populistas assimilassem, como
suas, várias das idéias elaboradas em tais contribuições e as utilizassem ad
hoc como ponto de apoio da sua argumentação em diferentes temas ou
problemas.” (RODRIGUEZ, 1981, p. 270)
32
No plano nacional, o empenho em industrializar o país que já vinha ocorrendo desde o
primeiro governo Vargas continuou a ser questão central no seu segundo governo. Desta forma,
acelerar a industrialização do Brasil era um importante objetivo do governo federal, como
explicita Getúlio Vargas em sua primeira Mensagem Presidencial de seu segundo mandato:
“Sem que a produção nacional se expanda e fortaleça, com o emprego dos
processos de ação que a técnica moderna institui e vem aperfeiçoando dia a
dia, não é possível assegurar ao comércio exterior do país a amplitude e a
diversificação indispensáveis à satisfação das necessidades nacionais, no
que concerne aos suprimentos estrangeiros. A redução do grau de
dependência em que ainda se encontra o Brasil, em vários setores vitais da
sua atividade econômica, além do baixo consumo de muitos bens cuja
utilização continua inacessível ou mesmo desconhecida da maior parte da
população nacional, estão a reclamar, por outro lado, a instituição e o
cumprimento de uma sadia política de fomento da produção destinada a
abastecer e ampliar o mercado interno. Para isso, a Nação terá de fazer um
esforço decisivo e criar as indústrias de base que a estrutura econômica
nacional comporte e para as quais a mobilização de recursos financeiros e
humanos esteja ao seu alcance; terá de expandir a indústria manufatureira de
bens de consumo produzidos no País, em quantidades insuficientes a atender
as necessidades atuais e iniciar a produção de outros que se tornam
imprescindíveis à elevação do nível de vida da população; terá, ainda, que
fortalecer e ampliar a produção de bens primários, para seu próprio consumo
e para exportação, uma vez que as trocas externas nacionais assentam quase
totalmente no fornecimento de gêneros alimentícios e matérias primas aos
países industrializados – conquanto tal posição possa e deva ser
paulatinamente modificada em proveito do trabalho nacional.”(p. 99)
Desta forma, para sustentar seus planos de desenvolvimento econômico-industrial,
estruturas e instrumentos de planejamento eram necessários ao governo, o qual não ficou
desprovido de tais recursos, pois existiu neste período a Assessoria Econômica da Presidência da
República e a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Todavia, tais instrumentos de planejamento
e desenvolvimento econômico, apesar de estarem envolvidos em questões similares, possuíam
tendências políticas e econômicas opostas, o que torna interessante analisarmos brevemente cada
33
um destes instrumentos de planejamento e desenvolvimento econômico a fim de melhor
evidenciarmos seus objetivos e tendências específicas:
Assessoria Econômica da Presidência da República
Com o objetivo de desenvolver e industrializar o Brasil, o presidente Getúlio Vargas criou
a Assessoria Econômica da Presidência da República. Sua chefia foi entregue à Rômulo Barreto de
Almeida e, no momento em que deixou a Assessoria para ocupar a presidência do Banco do
Nordeste do Brasil, ela passou a ser chefiada por Jesus Soares Pereira. Em poucas palavras pode-
se dizer que a Assessoria era um órgão técnico para assessoramento e planejamento das questões
econômicas, dentro de uma perspectiva nacionalista. Segundo ALMEIDA:
“A Assessoria foi criada e se desenvolveu em torno dessa idéia de estudar
alguns problemas de base, propondo um programa de impacto
macroeconômico e, ao mesmo tempo, para atender à solicitação cotidiana de
assessoria ao Presidente da República e no seu despacho com os
Ministérios.” (1985, p. 44)
A criação deste órgão foi muito importante para o governo federal, pois era ligado
diretamente à ele, desta forma seus estudos e trabalhos obedeciam e seguiam as instruções da
Presidência da República.
“A criação dessa Assessoria, quando da instauração do Governo, representa
um fato inédito no Brasil. Pela primeira vez um Governo brasileiro criava
um órgão permanente de planejamento encarregado de estudar e formular
projetos sobre os principais aspectos da economia do país.” (ARAÚJO,
1992, p.152)
34
É importante ressaltar que, entre as tarefas executadas pela Assessoria, algumas delas
foram:
“...elaboração de projetos tais como Petrobrás, Fundo Nacional de
Eletrificação, Eletrobrás, Plano Nacional do Carvão, Capes, Reforma
Administrativa, Carteira de Colonização do Banco do Brasil, Instituto
Nacional de Imigração, Comissão Nacional de Política Agrária, Comissão
de Desenvolvimento Industrial (subordinada ao Ministério da Fazenda),
Banco do Nordeste do Brasil, Plano Nacional do Bagaçu, além do
planejamento para a indústria automobilística, através da criação da
Subcomissão de Jeeps, Tratores, Caminhões e automóveis, e a elaboração de
projetos relativos ao seguro agrícola e ao crédito rural” (id. ibid., p.152)
Em relação à questão das desigualdades regionais, mais especificamente em relação ao
Nordeste, a Assessoria enfatizava o desenvolvimento econômico como questão primordial para
solução de muitos dos problemas da região. Desta forma priorizava em seus estudos determinados
temas como: problemas econômicos; financiamentos através de instituições econômicas, como o
BNB, para o desenvolvimento do Nordeste; e industrialização como alavanca do desenvolvimento
regional. É importante ressaltar que o projeto de industrialização era uma questão muito
importante dentre os objetivos da Assessoria, o qual seguia uma orientação nacionalista e de
desenvolvimento econômico planejado. Desta forma o órgão estabelecia resistências ao capital
estrangeiro, com o objetivo de um desenvolvimento independente ao país, representando assim a
base técnica de sustentação da linha nacionalista do governo, diferentemente das orientações e
objetivos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
Através de uma tendência política oposta, existiu também no Governo Vargas a Comissão
Mista Brasil – Estados Unidos, a qual era um elo entre os interesses econômicos nacionais e o
35
capital internacional, particularmente o norte-americano. Desta forma seus trabalhos se voltavam
para uma linha inteiramente liberal, procurando racionalizar a ação do poder público quanto às
inversões públicas e facilitar os financiamentos estrangeiros, reduzindo assim, a estatização do
governo Vargas.
A Comissão foi criada em 19 de dezembro de 1950, ainda no governo Dutra, com o
objetivo de auxiliar o desenvolvimento econômico do país. Contudo suas atividades tiveram início
apenas em 19 de julho de 1951, no governo de Getúlio Vargas, quando os Estados Unidos
passaram a temer que a posição de Vargas pudesse radicalizar-se como uma posição nacionalista e
estatizante, criando, desta forma, obstáculos à sua “política de guerra fria”, que era baseada em
uma política de democratização e defesa do Ocidente contra o “perigo comunista” (sustentando
assim a hegemonia norte-americana). Neste contexto, segundo ALMEIDA (1985, p. 41), a
Comissão “representou um instrumento de uma política de conciliação, de apaziguamento das
impaciências e das suspeitas em torno da figura de Getúlio.” Desta forma é importante ressaltar
que as negociações brasileiras na Comissão eram realizadas por João Neves da Fontoura (Ministro
das Relações Exteriores) e Horácio Láfer (Ministro da Fazenda), que faziam parte da ala não
nacionalista do governo.
Na Mensagem Presidencial de 1951, Vargas cita a Comissão e seus objetivos:
“... Comissão Mista Brasil-Estados Unidos da América, destinada a facilitar
a execução do plano de assistência técnica. As diretrizes da Comissão são as
seguintes: a) exame do grau de assistência técnica mais conveniente para
acelerar a elaboração de determinados projetos, com prioridade para aqueles
que se relacionem com os transportes, energia elétrica e agricultura; b)
estudos de oportunidade para a utilização do conhecimento técnico, do
trabalho especializado e dos investimentos estrangeiros, que possam
contribuir para a realização de projetos específicos favoráveis ao
desenvolvimento do potencial econômico brasileiro; c) exame das medidas
de ordem geral e legal que sejam convenientes ou necessárias para remover
obstáculos e facilitar a realização dos projetos considerados necessários ao
desenvolvimento econômico.” (p. 28-29)
36
Na Mensagem Presidencial de 1952, quando suas atividades já tinham iniciado, a
Comissão é novamente citada:
“Era indispensável passar ao terreno da construção de um sistema prático,
que assegurasse a prestação de auxílio em tempo rápido e em escala
adequada, para que o Brasil pudesse superar as enormes deficiências,
agravadas desde a última guerra, no campo dos transportes, da energia e da
alimentação... Foi então que se logrou dar forma definitiva ao importante
organismo instalado no Rio de Janeiro sob a denominação de Comissão
Mista Brasil – Estados Unidos da América para o Desenvolvimento
Econômico. A esse organismo, integrado por economistas e técnicos que
representam os dois países, foi confiada a tarefa de estudar, sob o ponto de
vista da eficácia técnica e da produtividade econômica, cada um dos grandes
planos a cuja execução o governo do Estados Unidos daria direta ou
indiretamente a sua colaboração.” (p. 30-31)
Como podemos depreender das Mensagens, os objetivos de estudo e trabalho da Comissão
tinham três setores prioritários: agricultura, transporte e energia. Porém, na prática, estes dois
últimos foram os que receberam quase toda a atenção da Comissão, pois ela defendia que a
continuidade do processo de industrialização requeria esforços para romper pontos de
estrangulamento em transportes e energia, relegando o desenvolvimento agrícola a segundo plano.
É importante ressaltar que os estudos da Comissão Mista também se estenderam à assuntos
sobre o desequilíbrio regional no país. Em um de seus relatórios a Comissão afirma que:
“As várias regiões do Brasil, da mesma maneira que os diferentes setores da
sua economia, cresceram desigualmente nos últimos 14 anos. O produto real
per capita, por exemplo, aparentemente subiu duas vezes mais depressa nas
regiões adiantadas, como São Paulo e o Distrito Federal, do que no Brasil
como um todo, enquanto que em muitas partes do Nordeste esse produto
pouco ou nada variou. A produção industrial, que aumentou muitas vezes
mais depressa do que a mineira ou a agrícola, destaca-se entre as grandes
variações dos setores de evolução.” (Comissão Mista Brasil - Estados
Unidos para o desenvolvimento, 1954, p. 42. In: TAVARES, 1989, p. 76-
77)
37
A Comissão acreditava que o desenvolvimento desigual característico do Brasil se dava
devido ao crescimento industrial ser cumulativo, aumentando assim nas áreas em que já existisse,
ou seja, onde o processo de industrialização teria mais condições para se expandir. Em relação às
regiões desfavorecidas, especificamente a região Nordeste, acreditava-se que, no momento, ela
estaria sendo prejudicada pela valorizada taxa de câmbio, que contribuía para reduzir o volume das
exportações da região.
Porém, apesar de seus estudos comprovarem a grande desigualdade regional do país, a
Comissão dizia no mesmo relatório que sua maior contribuição seria:
[a formulação] de um programa de investimentos capaz de propiciar o
máximo incremento possível da produção, ou da produtividade potencial das
áreas ou regiões que melhores condições oferecessem para rápido
progresso.” (id. ibid., p. 143. In TAVARES, ibid., p. 80)
Após quase três anos de trabalho, com a afirmação da vertente nacionalista do governo
Vargas, o governo norte-americano retirou seu apoio à Comissão Mista Brasil – Estados Unidos,
desfazendo-a em 21 de dezembro de 1953.
Contudo, apesar da existência da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, pode-se dizer que
foi adotada no país uma política nacionalista e intervencionista baseada na substituição de
importações. O modelo econômico liberal (antiintervencionista e internacionalizante), seguido na
época do Governo Dutra, foi substituído por políticas que fizeram parte da construção das bases do
desenvolvimento industrial brasileiro e da constituição do capitalismo nacional.
Justificando sua orientação política-econômica, Vargas declarou em sua Mensagem
Presidencial de 1952:
38
“Essa intervenção do Estado no domínio econômico, sempre que possível
plástica e não rígida, impõe-se como um dever ao Governo todas as vezes
que é necessário suprir as deficiências da iniciativa privada, ou acautelar os
superiores interesses da Nação, quer contra a voracidade egoísta dos apetites
individuais, quer contra a ação predatória dessas forças de rapina, que não
conhecem bandeira e nem cultuam outra religião que não o lucro.”(p. 10-11)
Entretanto, a industrialização brasileira em curso aconteceu num âmbito regional, pois seus
investimentos se concentraram no Centro-Sul do país - região que desde o século XIX acumulava
capital do setor cafeeiro, dando base financeira à economia industrial do século XX. O estado de
São Paulo foi onde o desenvolvimento industrial se concentrou especificamente, passando então a
ser contrastado à estagnada e atrasada economia agrícola do Nordeste. Desta forma, criava-se no
país um cenário propício à migração de indivíduos da região menos desenvolvida para a região
mais desenvolvida. DURHAN discute esta questão ao abordar o tema da urbanização e migração:
“...no Brasil, o desenvolvimento econômico resultante da industrialização
está associado a dois fenômenos complementares e concomitantes: o
incremento das desigualdades regionais e constituição de grandes
metrópoles. Tanto um quanto outro fenômeno implicam na formação de
grandes correntes de migração interna através das quais se processa uma
maciça redistribuição de população.” (1973, p.20)
Podemos então dizer que a questão das desigualdades regionais está, de certa forma,
relacionada às migrações, pois seu volume pode variar quando os fatores positivos e negativos do
lugar de origem e destino são acentuados ou por períodos de expansão econômica ou por períodos
de depressão econômica. Desta forma, podemos afirmar mais especificamente que o volume das
migrações é afetado pelas condições econômicas que, no caso deste estudo, são consideradas como
condições favoráveis ao desenvolvimento de São Paulo e desfavoráveis à economia do Nordeste,
39
que se encontrava em situação de estagnação. Sendo assim, o contraste entre as duas regiões,
sustentado no decorrer de suas histórias econômicas e acentuado com o desenvolvimento
econômico-industrial desigual, criou um contexto de estímulo à migração, onde os migrantes,
impulsionados pelo fator de expulsão - ou seja, pelas más condições econômicas de sua região - e
pelas favoráveis condições econômicas de São Paulo - que podemos considerar como um forte
fator de atração -, passaram a buscar novas oportunidades na região em desenvolvimento.
O deputado nordestino, Teodoro Bezerra (PSD – RN), explicita esta questão das
desigualdades regionais na Sessão da Câmara de 4 de junho de 1951:
“Infelizmente nós, do Rio Grande do Norte, não temos indústria... Enquanto
os magnatas gozam boa vida nas grandes capitais do Sul, os nossos
trabalhadores lutam para ganhar a importância de 10 a 12 cruzeiros por dia,
quando encontram serviço.” (p. 333 - 334)
O deputado André Fernandes, também nordestino (UDN – RN), continua o debate em tom
de reivindicação:
“O que tem havido é apenas falta de continuidade, comum aliás, nos grandes
problemas brasileiros, porque a atenção dos administradores é atraída a todo
momento para grandes problemas existentes no resto do país e despertada
para o Nordeste quando este se apresenta em período de crise, quando atinge
o clímax com a falta absoluta de chuvas” (p.337)
A questão levantada pelo deputado Teodoro Bezerra sobre indústria e condição salarial no
Nordeste é explicitada na Tabela 5 (T5: Números de estabelecimentos, operários ocupados,
salários, vencimentos e valor da produção industrial no Nordeste, São Paulo e Brasil em 1949 –
40
Anuário Estatístico do Brasil), onde podemos perceber as diferenças entre a região Nordeste e o
estado de São Paulo relacionadas à indústria.
Uma das diferenças se encontra no número de estabelecimentos indústrias das duas regiões
em questão, pois no estado de São Paulo havia, em 1949, 22.885 estabelecimentos industriais, ou
seja, 29,18% dos estabelecimentos industriais do país. Já em toda a região Nordeste este valor era
de 19,53%, 15.315 em números absolutos. Em relação ao número de operários ocupados, São
Paulo possuía mais que o dobro do Nordeste, ou seja, 40,47% (453.117) do total dos operários
ocupados no país, já no Nordeste este valor era de 17,71% (198.241).
Considerando as questões financeiras, onde as desigualdades entre as duas regiões são
ainda maiores, o setor industrial de São Paulo pagou em salários e vencimentos o valor de
6.678.683 (em Cr$ 1.000), enquanto a região Nordeste pagou 1.123.944 (em Cr$ 1.000). Em
relação ao valor total pago no país, as porcentagens referentes às duas regiões foram 50,54% e
8,50%, respectivamente. Ainda em relação à questão financeira, o valor da produção industrial
alcançado por São Paulo foi de 50.726.022 (em Cr$ 1.000), no Nordeste a produção alcançou
9.601.644 (em Cr$ 1.000). Tendo por base a produção total do país, tais valores foram 48,40% e
9,16%, respectivamente.
Dentro da região Nordeste, o estado com menor número de estabelecimentos industriais,
menor número de operários, menores valores pagos em salários e vencimentos e menor valor de
produção era Piauí. Já Pernambuco foi o estado com melhor desempenho em quase todas estas
áreas, perdendo somente para a Bahia em relação ao número de estabelecimentos industriais.
41
N%N%N%N%
Maranhão
794 1,01% 7.312 0,65% 30.647 0,23% 260.121 0,25%
Piauí
358 0,46% 2.154 0,19% 7.821 0,06% 63.073 0,06%
Ceará
2.432 3,10% 25.719 2,30% 78.633 0,60% 822.975 0,79%
Rio G. Norte
1.063 1,36% 6.924 0,62% 24.673 0,19% 448.319 0,43%
Paraíba
1.406 1,79% 22.433 2,00% 95.362 0,72% 1.106.309 1,06%
Pernambuco
3.358 4,28% 71.464 6,38% 538.351 4,07% 4.368.193 4,17%
A lagoas
1.130 1,44% 19.774 1,77% 107.296 0,81% 841.807 0,80%
Sergipe
1.053 1,34% 13.103 1,17% 67.546 0,51% 455.176 0,43%
Bahia
3.721 4,74% 29.358 2,62% 173.615 1,31% 1.235.671 1,18%
Nordeste
15.315 19,53% 198.241 17,71% 1.123.944 8,50% 9.601.644 9,16%
São Paulo
22.885 29,18% 453.117 40,47% 6.678.683 50,54% 50.726.022 48,40%
Brasil
78.434 100,00% 1.119.642 100,00% 13.215.595 100,00% 104815043 100,00%
Estados
Produção Industrial*
dia mensal
operários ocupados
mero de
estabelecimentos
V alor da produção
(Cr$ 1.000)
Salários e vencimentos
(Cr$ 1.000)
Tabela 5: Números de estabelecimentos, operários ocupados, salários, vencimentos e valor da produção industrial no Nordeste, São
Paulo e Brasil em 1949
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil de 1949
* Indústria de transformação: transformação de minerais não metálicos, metalurgia, mecânica, material elétrico e material de comunicações, material de transporte
(construção e montagem), madeira, mobiliário, papel e papelão, borracha, couros e peles e produtos similares, química e farmacêutica, têxtil, vestuário, calçados, artef. de
tecidos, produtos alimentares, bebidas, fumo, editorial e gráfica, outras diversas.
42
Contudo, as diferenças econômicas entre as duas regiões não se limitavam ao setor
industrial. As desigualdades são também percebidas no setor agrícola, como podemos perceber na
Tabela 6 (T6: Área cultivada referente as 29 principais culturas no Nordeste, São Paulo e Brasil
em 1951, 1952 e 1953 – Anuário Estatístico do Brasil), onde são comparadas as áreas cultivadas e
o valores da produção agrícola do Nordeste e do estado de São Paulo nos anos de 1951, 1952 e
1953.
Através destes dados percebemos que em relação à área cultivada no Nordeste, referente às
29 principais culturas, no ano de 1951 o valor foi de 4.234.180 ha; no ano de 1952 o valor foi de
4.698.999 ha; e no ano de 1953 o valor foi de 4.932.952 ha. Em relação à produção total do país
tais valores correspondem à 23,69%, 25,01% e 25,46%. Nos mesmos períodos, os valores em São
Paulo foram de 26,34% (4.707.019), 26,66% (5.010.702) e 24,65% (4.775.505); valores estes de
um único estado que chegam até a superar os valores de uma região inteira (Nordeste).
43
Tabela 6: Área cultivada referente as 29 principais culturas no Nordeste, São Paulo e Brasil
em 1951, 1952 e 1953
Fonte: Anuário estatístico do Brasil de 1953
Entretanto, na Tabela 7 (T7: Valor da produção referente as 29 principais culturas no
Nordeste, São Paulo e Brasil em 1951, 1952 e 1953 – Anuário Estatístico do Brasil) podemos
perceber que a desigualdade entre as duas regiões em questão é ainda mais explicita em relação ao
valor da produção, pois em São Paulo, nos anos de 1951, 1952, 1953, o estado alcançou, em Cr$
1.000, 19.848.544, 23.658.592 e 25.668.417; respectivamente. Em relação à produção total do país
tais valores correspondem à 35,25%, 34,77% e 30,16%. Já a região Nordeste, nos mesmos
períodos, alcançou 19,20% (10.809.706), 18,57% (12.638.216) e 17,03% (14.494.661), ou seja,
pouco mais da metade dos valores alcançados por São Paulo.
N%N%N%
Maranhão 372.492 2,08% 417.067 2,22% 451.979 2,33%
Piauí 144.699 0,81% 169.504 0,90% 173.793 0,90%
Ceará 652.737 3,65% 781.295 4,16% 802.806 4,14%
Rio G. Norte 476.706 2,67% 517.505 2,75% 439.219 2,27%
Paraíba 506.315 2,83% 575.588 3,06% 595.229 3,07%
Pernambuco 886.333 4,96% 905.226 4,82% 993.590 5,13%
Alagoas 291.553 1,63% 312.898 1,67% 336.458 1,74%
Sergipe 128.034 0,72% 135.779 0,72% 150.354 0,78%
Bahia 903.345 5,05% 884.137 4,70% 989.524 5,11%
Nordeste 4.234.180 23,69% 4.698.999 25,01% 4.932.952 25,46%
São Paulo 4.707.019 26,34% 5.010.702 26,66% 4.775.505 24,65%
Brasil 17.872.529 100,00% 18.792.113 100,00% 19.373.565 100,00%
Estados
Área cultivada
(ha)
1951 1952 1953
44
Tabela 7: Valor da produção referente as 29 principais culturas no Nordeste, São Paulo e
Brasil em 1951, 1952 e 1953
Fonte: Anuário estatístico do Brasil de 1953
Neste contexto de diferenças regionais seguiu-se então no país o esquema da divisão
geográfica do trabalho: as regiões industrializadas (centro industrial) e regiões produtoras de
matérias primas; a primeira representada pelo Centro-Sul, principalmente por São Paulo, e a
segunda pela região Nordeste. FURTADO, em relação à esta questão, afirma que:
“Não podem coexistir, no mesmo país, um sistema industrial de base
regional e um conjunto de economias primárias dependentes e subordinadas,
por uma razão muito simples: as relações econômicas entre uma economia
industrial e economias primárias tendem sempre a formas de exploração.”
(1959, p.13)
N%N%N%
Maranhão 454.437 0,81% 628.748 0,92% 846.684 0,99%
Piauí 214.913 0,38% 288.709 0,42% 320.329 0,38%
Ceará 1.245.767 2,21% 2.019.255 2,97% 1.806.062 2,12%
Rio G. Norte 985.142 1,75% 1.063.261 1,56% 839.598 0,99%
Paraíba 1.140.578 2,03% 1.667.412 2,45% 1.499.726 1,76%
Pernambuco 2.573.109 4,57% 2.558.950 3,76% 3.234.247 3,80%
Alagoas 791.647 1,41% 864.453 1,27% 1.078.612 1,27%
Sergipe 441.510 0,78% 542.231 0,80% 642.691 0,76%
Bahia 2.962.603 5,26% 3.005.197 4,42% 4.226.712 17,03%
Nordeste 10.809.706 19,20% 12.638.216 18,57% 14.494.661 17,03%
São Paulo 19.848.544 35,25% 23.658.592 34,77% 25.668.417 30,16%
Brasil 56.307.269 100,00% 68.043.488 100,00% 85.121.380 100,00%
Valor da produção
(Cr$ 1.000)
1951 1952 1953
Estados
45
Como resultado deste cenário, reforçou-se naquele período o discurso de que o Brasil
enfrentava um problema nacional de desigualdade regional que se sustentava na dicotomia de
região rica e região pobre, como demonstra o deputado Adail Barreto (UDN – CE), na Sessão da
Câmara de 30 de Julho de 1952:
“Enquanto o Norte empobrece e se humilha a cada passo, o Sul progride
tomando-lhe os seus valores humanos e recebendo dinheiro de suas
exportações... Eis aí, aflorado apenas, um angustiante problema nacional. É
preciso atentar para ele, com urgência. Já uma vez dissemos que essa
desigualdade de tratamento e esse desequilíbrio de progresso das várias
regiões do país está prejudicando o que de mais caro e de mais belo temos
como Nação civilizada, o sentimento da nossa magnífica unidade nacional.
Realmente, o Brasil não deve ter filhos e enteados, não deve ter Estados
ricos e pobres, estes se sentindo humilhados na Federação como se fossem
pesos mortos vivendo a custa dos irmãos mais ricos. Precisamos ser todos
senão absolutamente, pelo menos relativamente iguais. Só assim este País
pode ser a Nação poderosa com que sonhamos. Não há exagero, nem
demagogia nem lirismo no que estamos dizendo. Examine o Governo os
fatos, estude o problema e verá que temos razão.” (p. 270-271)
Vargas também cita em sua Mensagem Presidencial de 1953 o problema dos desequilíbrios
inter-regionais, ressaltando-os como uma das causas dos ‘embaraços internos’ do país:
“Entretanto, o Brasil apresenta possibilidade de um progresso mais rápido e
mais amplo. Cumpre-lhe, para isso, libertar-se dos embaraços internos
decorrentes da insuficiência do aparelhamento de base da economia
nacional; das distorções que têm sua raiz na inflação; dos desequilíbrios
inter-regionais; do desajuste de muitas instituições aos imperativos da nossa
época e às reais necessidades do Brasil, e da falta de uma consciência
nacional, razoavelmente unificada quanto à solução dos nossos problemas, a
qual resguarde o País do clima de confusão, de exploração política, de
competição distrital e de aproveitamento particularista a que muitos
procuram levá-lo.” (p.6)
46
Todavia, apesar de se mostrar ciente do problema das desigualdades regionais, seus
investimentos econômico-industriais, como ressalta FURTADO (1989), aconteceram de forma
regional e, sustentados em uma política protecionista e de substituição de importações,
prejudicaram, de certa forma, a região Nordeste. Porém, Getúlio Vargas, em relação à esta
política industrial, justificou-se já em sua Mensagem Presidencial de 1951:
“Contudo, a experiência demonstrou, então, que a indústria nacional não
pode prescindir de uma sadia política de comércio exterior, tendente a por as
empresas instaladas para produção de artigos essenciais a coberto de
surpresas resultantes de liberalidades excessivas em relação à concorrência
externa. A falta de proteção aduaneira, e mais que isso, a situação cambial
exigem a instituição daquela política, que deverá ser seguida pelo menos
enquanto não se achar devidamente consolidada a posição industrial do país
em face das nações industrialmente desenvolvidas.” (p.128)
Uma das principais medidas da política industrial tomada pelo governo federal foi a
reforma cambial de 1953, que tinha como objetivo melhorar a capacidade de exportação dos
produtos brasileiros, além de garantir prioridade para as importações de bens essenciais. Na
Mensagem Presidencial de 1954 o presidente diz que:
“A questão por excelência de 1953, no âmbito econômico-financeiro, foi a
do câmbio. Exigia tratamento pronto e enérgico, não podendo esperar pelos
efeitos de medidas a longo prazo... Mediante corajosas medidas de natureza
cambial, foi resolvido o grave problema dos atrasos comerciais, inclusive
através do resgate, com recursos ganhos pelas nossas exportações e
poupados para esse efeito, de uma substancial parcela, equivalente a cerca
de 250 milhões de dólares, a maior parte em moeda norte-americana. A
economia nacional está agora dotada dos instrumentos necessários a impedir
que ressurja tal problema e a promover considerável expansão das vendas
para o exterior.” (p. 8-9)
47
Pela Instrução 70 da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito), que vigorou nos
anos de 1953 a 1957, foram instituídas cinco categorias de importações, com sobretaxas cambiais
crescentes, conforme o caráter essencial ou supérfluo das mercadorias. Segundo IANNI:
“Esquematicamente poderiam ser assim resumidas as principais
implicações desta reforma cambial no processo de industrialização: a)
consolidação da reserva de mercado para as produções substitutivas
mediante o encarecimento relativo das importações incluídas nas categorias
com taxas de câmbio mais elevadas; b) concessão de subsídios (implícitos
nas categorias com tipos de câmbio mais baixos) para internação de bens de
capital e insumos requeridos pelo desenvolvimento industrial; c)
possibilidade de que o Estado, através das operações de compra e venda de
divisas, voltasse a participar financeiramente das rendas de intercâmbio.”
(1979, p. 119)
Ao estabelecer categorias múltiplas para diversos tipos de importações, este sistema serviu
como poderoso instrumento para canalizar as importações para setores considerados essenciais ao
desenvolvimento econômico-industrial de base, favorecendo, desta forma, o Centro-Sul do país,
onde as possibilidades imediatas de industrialização eram maiores. Sendo assim, as disparidades
regionais que já existiam no Brasil tenderam a acentuar-se com o início do ciclo da
industrialização protegida.
Contudo, segundo FURTADO (1989), além do aumento das diferenças regionais, a política
de substituição de importações condicionou o Nordeste a contribuir com a industrialização do
Centro-Sul em prejuízo próprio:
“Se é verdade que a industrialização protegida ligou mais profundamente
regiões que haviam conhecido processos formativos distintos e
permaneciam mais vinculadas ao exterior que entre si, não é menos certo
que ela provocou transferências inter-reginais de recursos que tenderam a
minar o sentimento de solidariedade nacional.” (id. Ibid., p. 32)
48
FURTADO (1989) ainda afirma que isso aconteceu porque a região nordestina, que
anteriormente comprava produtos no mercado internacional - para o qual também mantinha
consideráveis saldos de exportação
6
-, passou a ser obrigada a adquirir produtos no Centro-Sul do
país a preços mais altos. Em outras palavras, o autor ressalta que: “o Nordeste compra muito mais
no Sul do que vende nessa área, vende muito mais ao estrangeiro do que compra no exterior.”
(1959, p. 47).
“...toda a política de câmbio no Brasil tem operado contra o Nordeste e
contra a industrialização da região... [Entretanto], isso não foi intencional,
mas involuntário, foi o resultado do tipo de política que se adotou no país
nos últimos 10 anos, no pós-guerra... Houve, na verdade, neste País, total
incompreensão dos aspectos regionais em toda nossa política de
desenvolvimento industrial” (id. ibid., p. 34 -35)
Desta forma, a opinião de que a industrialização estava sendo utilizada em beneficio de
certas regiões com sacrifício de outras começava a se fortalecer no discurso de políticos
nordestinos na década de 50. Reivindicações em relação as diferenças regionais e apelos ao
governo federal não cessavam na Câmara. O deputado Pereira da Silva (PSD – AM) e o deputado
Dix-Huit Rosado (PR – RN) expuseram esta questão na Sessão da Câmara do dia 28 de março de
1951, respectivamente:
“Acho que precisamos acabar com esta mentalidade de pedir de joelhos
aquilo que temos direito. O Norte, o Nordeste, o extremo norte precisam,
sem qualquer sentimento reservado, sem qualquer preocupação de política,
estar unidos para, formando um bloco de brasileiros que aspiram a um Brasil
melhor, reclamar dos outros irmãos, que compõem o Parlamento, o que lhes
pertence. A verdade é que nossa pátria continua a crescer errada. Dividimos
nosso país em um Brasil que tudo tem e um Brasil que vive ajoelhado, a
6
A região semi-árida vinculou-se ao exterior como exportadora de uma série de produtos primários, puramente
extrativos – como óleo e ceras vegetais, e de produtos agrícolas.
49
mendigar, quando deveria receber exatamente a paga de seu trabalho.”(p.
422)
“Precisamos que o Brasil reverta, em benefício de minha terra e do polígono
das secas uma parte de quanto lhe temos dado em séculos de canseiras e de
labor, trabalhando pela construção e engrandecimento de uma nacionalidade
que se faça respeitar no conceito das nações. Não estamos propriamente
pedindo, mas, com dignidade, apelando para que seja observado um direito
que julgamos ter.” (p. 422)
Os políticos das regiões Norte e Nordeste esperavam que o governo federal tomasse
medidas em relação ao desenvolvimento das regiões menos favorecidas, pois acreditavam que suas
regiões poderiam também se desenvolver se houvesse ajuda e apoio do governo federal. Segundo
eles, tais regiões também tinham potencial para o desenvolvimento, como defende o deputado
nordestino Medeiros Neto (PSD – AL) ao reforçar o discurso de Dix-Huit Rosado:
“Vossa Excelência não está esmolando, mas reclamando à Nação obras
permanentes e duradouras para a solução de um flagelo que assola,
incontestavelmente, uma das regiões mais promissoras do Brasil.” (p. 422)
Contudo, além das questões de política econômica e industrial, a estrutura agrária do
Nordeste também desfavorecia o desenvolvimento da região, pois, como já foi discutido, esta
estrutura não gerava um mercado interno suficiente para a expansão de uma economia capitalista.
Em outras palavras pode-se dizer que a concentração de terra e a atividade primária do Nordeste,
diferentemente do Centro-Sul em expansão urbana e industrial, mantinham grande parte da
população vivendo em nível de subsistência. Além disso, quando esta atividade gerava salários,
estes eram bastante baixos.
50
CANO (1998) observa que esta situação econômica do Nordeste foi conseqüência de seu
desenvolvimento histórico, o qual impossibilitou a região de competir com as indústrias de São
Paulo. No mesmo sentido, FURTADO (1959) também afirma que a economia nordestina, em
grande parte, foi somente uma decomposição e desagregação da economia açucareira. Desta forma
pode-se afirmar que a história econômica do Nordeste foi um conjunto de crises e estagnações de
suas indústrias e culturas, sustentadas em uma estrutura concentradora de renda. Assim, como
resultado de sua história econômica, na década de 1950, o Nordeste se transformou em uma região
atrasada, monopolizada por grandes proprietários de terra e habitada por inúmeros flagelados;
contrastando-se cada vez mais ao Centro-Sul do país, em especial São Paulo, e acompanhando de
longe o desenvolvimento econômico industrial brasileiro.
Em relação à esta discussão podemos ressaltar a fala do deputado Alencar Araripe (UDN –
CE), na Sessão da Câmara de 31 de Março de 1952, quando discute a questão das desigualdades
regionais como resultado de uma política que já vinha se perpetuando ao longo da história. É
interessante que, com o objetivo de reforçar seu argumento, o deputado cita trechos de falas dos
ex-deputados Tristão Alencar Araripe, em 1877, e Epitácio Pessoa, em 1918, ao saudar o
presidente eleito:
“A tendência para preterir uma região em benefício de outra não é de agora.
Vem desde longos anos e aqui mesmo, desta tribuna, o Deputado
Conselheiro Tristão de Alencar Araripe, jurisconsulto e homem de Estado
do antigo e do atual regime, o qual presidiu os Estados do Rio Grande do
Sul e do Pará, o Tribunal de Justiça de São Paulo e, depois, foi Ministro no
Governo de Deodoro da Fonseca e membro do Supremo Tribunal Federal,
em discurso proferido em 1877, declarou: ‘Além disso, Sr. Presidente, não é
exagerada exigência pedir igualdade. Quando em algumas províncias do Sul
gastam-se dos cofres gerais milhares de contos de réis para a sua
colonização, cujo imediato proveito elas auferem, é racional que peçamos
para uma província do Norte a dispensação de favor equivalente, cujo
grande escopo é salvar uma numerosa população de calamidades, que
podemos reputar periódicas, visto a série desses fatos com intervalos quase
iguais...’ E aí prossegue na demonstração de que, já naquele tempo, a
51
desigualdade de tratamento entre as diversas unidades da Federação
dominava nos altos conselhos do governo do país e era objeto de reparos e
reclamações.
Sr. Presidente, em 1918, Epitácio Pessoa, saudando o Presidente eleito,
Rodrigues Alves, advertia da inconveniência dessa desigualdade de
distribuição dos recursos nacionais, dizendo-lhes: ‘...Será honroso para o
Governo de um filho do Sul mostrar por medidas inequívocas, que essa
desigualdade não resulta de causas internacionais.
[E finalizando sua fala] ...de difícil está passando a impossível a vida das
populações acossadas pela seca na comunidade brasileira, devido à
indiferença com que os governos da República encaram problema de tão alta
magnitude.”(p. 33-34-35-36)
Podemos depreender do discurso do deputado Alencar Araripe que as desigualdades
regionais e as reivindicações em relação à elas não era algo novo no cenário econômico, político e
social da década de 1950. Contudo é importante ressaltar que tais desigualdades foram acentuadas
no período em que a região Centro-Sul, mais especificamente São Paulo, passou a sofrer um maior
desenvolvimento industrial. Entretanto, além da questão das desigualdades, o deputado também
nos evidencia um dos grandes problemas históricos do Nordeste: a seca, que além de resultar em
inúmeros flagelados e em prejuízos à região - contribuindo assim para aprofundar ainda mais as
diferenças regionais entre o Nordeste e o Centro-Sul do país - torna-se mais um importante fator
de expulsão aos migrantes nordestinos.
3.4 A SECA DE 1951-1953 – FATOR DE EXPULSÃO
No mesmo ano em que Getúlio Vargas retornou ao poder para seu segundo mandato
presidencial teve início uma longa seca no Nordeste. Esta estiagem assolou a região,
especialmente o estado da Bahia, durante os anos de 1951, 1952 e 1953 e, conseqüentemente,
52
acentuou as precárias condições socioeconômicas do Nordeste, se transformando num forte fator
de expulsão para a população flagelada.
É necessário ressaltar que uma importante característica da estrutura socioeconômica da
região, ou seja, a grande concentração de terra em mãos de poderosos latifundiários, já muito
prejudicava as condições de trabalho da população e o desenvolvimento regional. Porém, em
períodos de seca as condições de vida de muitos nordestinos se tornavam ainda mais difíceis, para
não dizer quase impossíveis; e a precária economia do Nordeste se tornava ainda mais estagnada.
Sendo assim, na seca de 1951-1953 o quadro do Nordeste não foi diferente. Contudo, neste
período, como já foi discutido, a região sofria também o peso das desigualdades regionais, pois as
diferenças em relação ao Centro-Sul do país, mais especificamente São Paulo, estavam bastante
acentuadas. Desta forma, no segundo governo Vargas, pode-se dizer que a seca que assolou a
região e agravou ainda mais as já precárias condições socioeconômicas do Nordeste ocorreu em
um cenário de acentuada desigualdade regional, resultando num contexto de fortes fatores de
expulsão.
O deputado Andrade Fernandes (UDN – RN), na Sessão da Câmara do dia 4 de junho de
1951, já anuncia a seca como um flagelo secular:
“De fato, neste ano de 1951, está o Nordeste, esse grande pedaço do Brasil,
pedaço bem brasileiro do nosso Brasil, submetido a mais um dos grandes
flagelos que o tem assolado secularmente.” (p. 335)
No mês de março, o deputado Pontes Vieira (PSD – PE), na Sessão da Câmara do dia 29,
descreve a situação da região ao se contrapor à declaração de um alto funcionário do DNOCS que,
segundo o deputado, afirmava que o noticiário geral estava exagerando sobre a situação do
Nordeste:
53
“Vim do meu Estado há cerca de 15 dias e tive oportunidade de ver e de
sentir, em contato com os meus conterrâneos, que a seca não está sendo
‘pintada com tintas exageradas pelo noticiário geral’, conforme afirmou à
‘Tribuna da Imprensa’, um alto funcionário do Departamento Nacional de
Obras Contra as Secas, fundamentando as suas declarações na alegação de
que ‘hoje temos estradas. Temos uma rede de açúde quase ideal. O
escoamento e a irrigação, conseqüentemente, que eram os problemas mais
angustiosos para a solução das secas, estão a caminho da perfeição.’ Oxalá,
Sr. Presidente, fosse essa a realidade e fossem essas as tintas maravilhosas
do quadro que reproduzisse a região nordestina do meu país. Infelizmente,
porém, a situação é muito outra e, para não nos alongarmos na descrição
realista das funestas conseqüências da calamidade que, atualmente, assola o
Nordeste, basta assinalar o fato, que toda a imprensa noticiou, de haver
centenas de brasileiros famintos, compelidos pelo desespero, invadindo uma
cidade daquela região e exigindo do prefeito da localidade a satisfação
imediata e imperiosa de suas necessidades substanciais mínimas, por terem
sido forçados a abandonar suas lavouras, destruídas pela seca inclemente, e
os rebanhos dizimados pelos campos à falta de pastagem e de água.” (p. 38)
Realmente em 1951 os jornais já descreviam os efeitos da seca na região, como ressalta o
deputado Adail Barreto (UDN – CE), na Sessão da Câmara de 1 de junho, enfatizando o problema
da fome que enfrentava os flagelados:
“Sr. Presidente, sirvo-me dos momentos iniciais desta sessão extraordinária
para transmitir à Casa a situação muito grave que se delineia não só no meu
Estado, como em todo o Nordeste brasileiro, relativamente à seca que ora
avassala a extensa zona nordestina. Os jornais de Fortaleza que chegam à
bancada cearense dão um sensação de tristeza a quem quer que os leia. As
notícias são as mais desoladoras possíveis e até mesmo os jornais do Rio
dão idéia de como se está tornando delicada a situação do meu Estado.
Tenho em mãos periódicos do Ceará, que fiz questão de trazer para
conhecimento do plenário, todos eles com notícias as mais desoladoras.
‘Situação difícil em Canindé. Flagelados afluem à cidade de São Francisco’
– é uma notícia. ‘Itapipoca viveu durante 24 horas sob a ditadura da fome’-
é outra notícia. ‘Situação do comércio no interior do Estado, um para
comprar, cinqüenta para pedir’ – é mais uma notícia. É dessa natureza a
situação de inquietação e de desassossego que reina em meu Estado.” (p.
256)
54
Como já foi ressaltado, a seca submeteu a região ao flagelo por quase todo o período do
governo Vargas, desta forma, em todas as Mensagens Presidenciais de seu segundo mandato a
questão da seca foi abordada. Porém, na Mensagem de 1951 esta abordagem serviu especialmente
para exaltar os feitos do presidente para a região desde 1930 e para expor seus planos para o
Nordeste:
“Muitos anos de esforço no combate aos efeitos das secas, que assolam
vastas regiões do Nordeste do País, já nos convenceram da necessidade de
nele persistir, em face dos resultados obtidos, e já nos ensinaram os métodos
adequados à recuperação e progresso econômico das áreas flageladas... A
partir de 1930, um grande impulso construtivo permitiu um ponderável
progresso da área das secas... Está o Governo disposto a reativar o ritmo de
trabalho, atualizar e melhor coordenar o plano de ação, dar-lhe o
característico homogêneo de verdadeiro plano regional, hierarquizar e
definir objetivos, programar com segurança sua realização, em face dos
recursos disponíveis, e criar um novo clima de trabalho e de esperança para
o laborioso homem do Nordeste.” (p. 178)
Contudo, apesar do presidente ter discutido sobre planos em relação à região das secas a
fim de beneficiar a população, em 1951 os nordestinos já sofriam drasticamente as conseqüências
do flagelo, como ressalta o deputado Dix-Huit Rosado (PR – RN) na Sessão da Câmara dos
Deputados do dia 28 de março ao descrever as condições da população que, segundo ele, se
encontrava obrigada a depositar toda a confiança nos mais altos poderes da República:
“Nós, os do Rio Grande de Norte, já perdemos a esperança do inverno. A
estiagem prolongada esmorecendo o espírito do sertanejo, quebrando-lhe o
físico estanguido pela desnutrição imemorial, obriga-o a depositar, em
ansiosa expectação, toda a sua confiança nos mais elevados poderes da
República. Os recursos estaduais já esgotados nada significariam num
programa de recuperação. Valem sim, como simples soro salgado, enquanto,
recebemos a mercê do plasma salvador. Não desejamos apontar a este
plenário o drama em toda a sua grandeza, em toda a sua desgraça; não
queremos exibir aos Senhores Deputados, mães mirradas de fome, nem
55
mostrar crianças emagrecidas e de ventre crescido pela verminose e por uma
alimentação insuficiente e desapropriada para receber a esmola de uma
generosidade tantas vezes comprovada. E não fazemos isto, porque temos
dentro do coração aquelas reservas naturais caldeadas frente ao desespero da
própria natureza, estamos vindo à porta desta Casa porque desejamos que o
nosso clamor seja escutado por todo o Brasil.” ( p. 420 - 421)
Já no primeiro ano de estiagem os deputados federais do Nordeste não cessavam de
receber telegramas de suas respectivas regiões, os quais descreviam o drama da seca e pediam por
auxílio e medidas públicas. Muitos destes documentos eram lidos na Câmara, como fez o deputado
Mirocles Veras (PSD – PI), na Sessão do dia 4 de junho. Seus telegramas, além de retratarem a
situação da região das secas, enfatizavam o problema da fome enfrentado pelos flagelados e a
necessidade de medidas do presidente Getúlio Vargas:
“Sr. Presidente, peço licença para ler vários telegramas que acabo de
receber de minha cidade – Parnaíba, no Piauí:
‘Diante amarga dolorosa situação se encontram classes pobres lutando
contra a falta trabalho e elevado custo vida seriamente agravado deficiência
inverno, vimos apelar distinto amigo sentido entrar em entendimento
autoridades inclusive o Sr. Presidente República, fim serem tomadas
medidas caráter urgente, pelo menos atenuar insustentável aflitiva situação
nossos irmãos pequeninos e humildes. Abras e sauds - José Barreto
Albuquerque, Presidente Sindicato Trabalhadores Indústria Construção
Imobiliária Parnaíba.’
‘Virtude calamidade seca nos aflige credenciamos prezado amigo pedir
nosso nome Presidente Vargas autorizar construção urgente obras
inadiáveis Parnaíba, fim minorar sofrimentos classes menos abastadas.
Agradecido - José Patrício Medeiro, Presidente Sindicato Contramestres,
Marinheiros Moços e Remadores Fluviais Piauí.’
‘Pobreza Parnaíba faminta percorre ruas cidade implorando alimento
matar a fome. Quadro tristíssimo deverá ser levado conhecimento
Presidente Vargas motivo autorizamos prezado amigo representar-nos
solicitando providências. Agradecido – José Viriato Sobrinho, Presidente
Sindicato Arrais Práticos Mestre Cabotagem.’
56
‘Conseqüência flagelo seca, classes menos favorecidas estão sofrendo
desesperadamente. Autorizamos distinto amigo pedir Presidente
República nome nosso Sindicato medidas atenuantes sofrimento povo
Parnaíba. Alvitramos construção urgente obras inadiáveis nossa cidade.
Abras - Nestor Bento Aguiar, Presidente Sindicato Trabalhadores Indústria
Carne e Derivados.’
‘Parnaíba assiste consternada doloroso espetáculo sofrimento povo
humilde nossa cidade. Começa a faltar gêneros primeira necessidade. Fim
evitar maiores conseqüências damos poderes bom amigo solicitar querido
Presidente Vargas medidas salvadoras. Agradecido - João Brito, Presidente
Sindicato Foguistas Carvoeiros em Transportes Fluviais.’
‘Designamos prezado amigo representar-nos Presidente, fim conseguir
autorização construção urgente obras necessita Parnaíba tendo por fim
evitar maiores conseqüências prejuízos causados grande seca. Diminuindo
sofrimentos desfavorecidos fortuna. Agradecido - Benedito Bittencourt
Sousa, Presidente Sindicato Oficiais Máquinas, Motoristas Condutores
Transporte Fluvial.’
‘Visando minorar situação classes menos favorecidas, cuja maioria não
dispõe meios suficientes sua subsistência, pela qual vem debatendo-se
desesperadamente contra elevado custo vida, agravado ainda perspectiva
flagelo secas, vimos credenciar ilustre amigo digno representante nosso
povo, para entrar em entendimento S. Ex.a Sr. Presidente República,
outras autoridades sentido serem estudadas executadas com urgência
medidas capazes atenuar tantos sofrimentos nossos infelizes patrícios
menos protegidos sorte. Confiamos seus esforços e tudo esperamos
magnânimo coração Presidente Getúlio Vargas, certos S. Ex.a determinará
urgentes providências. Saudações – Tiago José Silva, Presidente Sindicato
Estivadores Parnaíba.’
Sr. Presidente, os telegramas que acabei de ler, transmitidos pelos
presidentes de Sindicatos das diversas classes de trabalhadores de Parnaíba,
demonstram que a seca do Nordeste continua produzindo desastrosos efeitos
naquela região, principalmente aonde não foram, até agora, executados os
serviços de emergência autorizados pelo Sr. Presidente da República.” (p.
330 - 331)
Em fins de 1951, o Ministro da Viação e Obras Públicas, Álvaro Pereira Souza Lima
(PSP), no seu relatório sobre as medidas tomadas para a região das secas durante o ano, ressalta
que a crise climática havia sido satisfatoriamente superada devido as medidas públicas realizadas.
57
O Ministro também afirma que as chuvas que vinham caindo no Nordeste permitiam considerar
terminada a seca de 1951. Porém, o início do ano de 1952 não corroborou sua afirmação sobre o
fim da crise climática e sua previsão sobre o fim da seca.
O deputado Manoel Novais (PR – BA), na Sessão da Câmara de 25 de março de 1952,
evidencia a continuidade do flagelo no início deste ano através de telegramas recebidos de
municípios baianos, especialmente através do telegrama de Angelical, o qual ilustra uma das
principais questões relacionadas ao flagelo, ou seja, a migração nordestina para São Paulo:
“Deputado Manuel Novais, Apelo para vossa boa vontade, a fim socorrer
calamidade está atravessando nossa zona devido grande estiagem, lavoura
totalmente perdida, pobres passando fome, emigrantes para São Paulo e
Paraná. Só agora vieram chuvas não servindo mais para lavoura. Interior
município já emigraram quase todas famílias flageladas fim não morrer
fome... Sds. Ats. José Bonifácio Mariani Prefeito.” (p. 204)
As migrações nordestinas para São Paulo já preocupavam o presidente no início de 1952,
pois em sua Mensagem Presidencial, mais especificamente no capítulo que trata do Polígono das
Secas, Vargas ressalta que havia números impressionantes sobre a intensidade do êxodo e que tais
valores estavam em estudo.
7
Nesta Mensagem o presidente também destaca que no início do ano de 1952 a seca teve
continuidade e agravou-se em muitas zonas. Vargas ainda afirma que: “O novo surto do flagelo
que assola periodicamente o Nordeste encontrou inteiramente desaparelhado o Departamento
Nacional de Obras contra as Secas.” (p. 230)
Porém, como ressalta VILLA, o presidente faz este comentário:
7
O objetivo deste capítulo nos limita a simplesmente citar a migração nordestina para São Paulo como uma das
questões mais importantes relacionadas à seca de 1951 a 1953. Seu estudo mais específico será realizado nos
Capítulos a seguir.
58
“...como se não tivesse nenhuma responsabilidade histórica, esquecendo-se
de que tinha permanecido quinze anos como presidente da República e
pouco realizara para dotar o órgão de instrumentos eficazes de combate aos
efeitos das secas.” (2000, p. 169)
Entretanto, apesar das possíveis críticas que podem ser formuladas em razão do tratamento
dado às questões relacionadas ao Nordeste, é fundamental ressaltar uma importante medida
tomada pelo presidente em 1952, que foi a criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB)
8
, a qual
também é citada em sua Mensagem Presidencial deste ano: “O Banco representará a primeira
providência concreta para início desse novo modo de encarar o problema das secas...” (p. 231)
Em meados de 1952, o deputado Humberto Moura (UDN – CE), na Sessão de 15 de julho,
leva à Câmara um ilustrativo trecho do “popular vespertino O Globo”, como ele mesmo ressalta, a
fim de descrever a situação em que se encontravam os flagelados após mais de um ano de seca:
“Para dar maior força a estas minhas palavras, maior convicção ao meu
pensamento, vale a pena transcrever alguns trechos do popular vespertino
“O Globo”, onde se esboça com cores bem vivas os pródromos da tragédia
familiar ora presente aos nordestinos:
‘MARTÍRIO QUE VOLTA: Volta o Nordeste a viver a tragédia esquiliana
da seca. As notícias que de lá nos chegam são as mais confrangedoras. Toda
a zona sertaneja daquela vasta região do nosso país está sendo assolada pelo
implacável flagelo. Durante o dia a luz do sol não inunda os campos como
uma bênção esplendente à sua fecundidade, mas como uma maldição que se
abate sobre a terra em forma de labaredas cruelmente devastadoras. E este
martírio intenso começa a excruciar, mais uma vez, os sertões nordestinos.
Os horrores que já se estão registrando são indizíveis. Basta que se diga que
em Patos, na Paraíba, segundo telegramas publicados ontem, morrem de
fome, diariamente, nada menos de vinte crianças. Que pode haver de mais
pungente? Inaudito é o drama dos pais que vêem os filhos sucumbirem à
inanição, sem poderem atender aos seus doloridos e desesperados apelos
que, por fim, já não são sequer pronunciados, mas apenas esboçados em
movimentos agônicos de braços esqueléticos que a morte vai imobilizando
em número cada vez maior. Ainda anteontem, um desses pais supremamente
8
Uma discussão mais ampla sobre a criação do Banco do Nordeste do Brasil será realizada no Capítulo 6, onde
algumas medidas propostas e/ou tomadas pelo governo federal em relação ao Nordeste serão ressaltadas.
59
desventurados suicidou-se para não assistir ao inenarrável desfecho da
tragédia que o esmagava. Tudo isso está gritando a necessidade e a urgência
de um movimento de solidariedade de todos os brasileiros. Do Governo o
que se exige é presteza em tomar todas as medidas de sua alçada que possam
atenuar o sofrimento das populações flageladas.’” (p. 67-68)
Como neste trecho lido por Humberto Moura, muitas outras reivindicações foram feitas e
não cessavam em pedir por medidas do governo federal para a região das secas. Verbas, medidas
de combate à seca, assistência, planos, recursos; todas estas reivindicações faziam parte dos
discursos que tinham o Nordeste como foco central. Discussões sobre trabalho, baixos salários e
êxodo dos flagelados também compunham os debates sobre a região, como ressalta o deputado
Alencar Araripe (UDN – CE), na Sessão de 28 de março de 1952:
“Não faltam demonstrações de que pouco lhe interessa a sorte das
populações subdesenvolvidas. Vejam-se as iniciativas em torno do socorro
às vítimas da seca que veio de 1951. Paga-se salário de fome ao trabalhador
– Cr$ 16,00 por dia, sujeito a fornecimento, que por sua vez chega a ter em
atraso durante 6 meses o recebimento de contas. Tenham em vista os preços
dos cereais – litro de feijão, Cr$ 8,00; de farinha, Cr$ 5,00. O dinheiro chega
a vencer a juros de 40%. Tudo isso ocorre porque o governo nem paga em
dia os serviços que manda executar com recursos que fazem parte da caixa
de assistência à região. Com salários tão minguados, que os juros resultantes
da demora nos pagamentos ainda mais reduzem, e os preços exorbitantes
dos fornecimentos, é claro que ao invés de se fixar o homem do campo na
terra, dela se afugenta o mesmo.” (p. 479)
A fome era também um dos assuntos muito debatidos pelos deputados nordestinos, que
várias vezes descreviam situações bastante distantes da realidade dos estados brasileiros que não
sofriam com o flagelo das secas, como a invasão de cidades por grande número de sertanejos
famintos em busca de alimentos, saques e mortes decorrentes da fome. O deputado Dioclécio
60
Duarte (PSD – RN), na Sessão da Câmara de 7 de março de 1952 ressalta esta questão ao ler um
telegrama do prefeito de Caraúbas:
“Deputado Dioclécio Duarte: Constrange-me levar ao vosso conhecimento
que os flagelados neste município se encontram em verdadeiro desespero
por falta absolutamente de recursos. À frente de minha residência,
compareceram numerosas famílias em atitude ameaçadora, solicitando
alimento, sem que pudesse atender devido à ausência de recursos
municipais. Esta situação traz às autoridades graves apreensões.” (p. 435)
Em fins de 1952, o Ministro da Viação de Obras Públicas, após um ano de sua mal
sucedida previsão sobre o fim da seca, ressalta em seu relatório de 1952 que a estiagem não havia
chegado ao fim:
“A seca, que em 1951 flagelou o Nordeste, incidindo principalmente sobre
os Estados do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Piauí, não
desapareceu em 1952, embora haja sensivelmente declinado. Na Bahia
porém a situação pelo contrário se agravou em fevereiro, março e abril, para
depois lentamente se suavizar.” (p. 37)
Em 1953 a seca ainda continuava a flagelar a região Nordeste. A situação de miséria, fome,
perda de lavoura, falta de trabalho, necessidade de recursos, morte, êxodo; enfim, todo este
contexto já descrito sobre o ano de 1951 e 1952 ainda perdurava no terceiro ano do mandato de
Vargas. Porém, no início de sua Mensagem Presidencial de 1953, exaltando novamente seu
governo desde 1930, o presidente ressalta que apesar de grave a presente situação do Nordeste,
este flagelo estava sendo menor em relação à seca de 1932 “...graças às obras feitas na região a
partir da Revolução de 1930 e ao incremento dos meios de assistência.” (p. 6)
61
Contudo, no Capítulo da Mensagem que trata especificamente do Polígono das Secas,
Vargas descreve a difícil situação da região, enfatizando a continuidade da seca, os baixos índices
de produção agrícola e as migrações para o Centro-Sul do país, as quais estavam gerando grande
preocupação ao governo federal.
O deputado Alcides Carneiro (PSD – PB), já no início de 1953, na Sessão da Câmara de 20
de fevereiro, descreve a situação de flagelo da região ressaltando as várias mortes que vinham
ocorrendo devido à fome e sede que enfrentavam muitos nordestinos:
“Cadáveres sem conta pontilham já as estradas empoeiradas e mostram os
dentes ao sol num derradeiro protesto; e não lhes dão sequer uma cova por
piedade, pois os que morrem de fome e de sede pouco têm o que enterrar,
mesmo porque o coveiro piedoso é menos apressado do que o corvo voraz.”
(p. 351 - 352)
Como nos anos anteriores, nas Sessões da Câmara deste ano foram lidos muitos outros
telegramas pedindo ajuda para a região, assim como artigos de jornais descrevendo a situação do
Nordeste, além das já habituais reivindicações dos deputados. De uma forma geral, os discursos
em relação à seca do Nordeste continuavam, pois a região ainda enfrentava seu flagelo.
Na revista O Cruzeiro, na edição de 7 de março de 1953, há um artigo de Raquel de
Queiroz, publicado sob o título “Nordestinos em Copacabana”, que também apela por soluções
para o problema das secas, além de enfatizar questões decorrentes do flagelo, como a fome, a
migração, e a trágica perda do gado e da lavoura. Raquel de Queiroz ainda enfatiza em seu artigo
que os governos, ao longo do tempo, tinham tentado resolver tais problemas, porém, como ela
própria diz “tenta mal”, pois as medidas tomadas ou eram ineficientes ou não eram finalizadas.
De uma forma geral pode-se dizer que seu artigo resume a situação da região e as
reivindicações realizadas pelos deputados nordestinos na Câmara. Porém, diferentemente dos
62
debates da Câmara, sua discussão não se limitou às paredes do Congresso Nacional, pois O
Cruzeiro pôde espalhar por todo o país a descrição do Nordeste realizada por Raquel de Queiroz e
seu apelo por medidas efetivas para a região:
“Quanta criança já morreu de fome – sim, meu povo, em terra do Brasil
ainda morre muita criança de fome. Quanta família desfeita, quanto
trabalhador se largou do seu canto, e anda perdido por cidades
desconhecidas – perdido, pervertido, desganado. Homem ao mar, nessas
favelas de cidade grande, que o sertão nunca mais há de recuperar. E quanto
gado morto, quanto roçado abandonado para sempre, quanto desastre, minha
Nossa Senhora, quanto desastre. Esta revista anda por toda parte. Não há
recanto do país onde não se encontre gente que lê O CRUZEIRO, gente que
nos conhece de nome e de escritos e por isso se considera nossa amiga. Pois
a todos os amigos que lêem semanalmente o meio milhão de exemplares de
O CRUZEIRO, faço um apelo: pensem na seca, nas tragédias que a seca
acarreta, nas soluções possíveis para esse problema nacional, até hoje
insolúvel. Não são estranhos, não são chineses, não são gente do antípoda
que atravessam esse drama de fome e desgraça: é o povo do Brasil, são
irmãos de vocês, meus amigos, irmãos de sangue, de língua, de religião, de
sentimento, de tudo. Se o Nordeste fosse invadido por tropa estrangeira, qual
de vocês não se ofereceria voluntário para expulsar os intrusos? Pois o
Nordeste sofre invasão pior ainda do que soldados; com soldados se briga,
se ganha ou se morre. Mas com a desgraça que cai do céu ninguém pode
brigar. O mais valente foge, ou cruza os braços e se acaba, calado. O que eu
peço portanto é isto, se apresentem os voluntários para a luta contra a seca.
Ajudem os nordestinos. Não só com esmolas. Esmolas ajudam mas não é
com esmolas que se salva um povo. Ajudem o governo. Não se pode dizer
em injustiça que o governo não tem tentado. Desde os tempos de colônia,
passando pelo Sr. D. Pedro II e quase todos os presidentes da República, o
governo tenta. Mas tenta mal, intermitentemente. Manda socorros, que além
de escassos são demorados, obstruídos pela burocracia todo-poderosa. Faz
açudes; mas os açudes nunca se concluem direito, o serviço de irrigação que
dele se espera não se completa; de maneira que a solução da açudagem, de
todas a mais prometedora, ainda não foi realmente posta em uso. Fazem-se
estradas. Mas, desgraçadamente, a serventia maior das estradas tem sido até
agora dar vazão à procissão terrível dos “paus de arara”, tornando em
deserto o Nordeste... Queremos que se preocupem conosco, que nos dêem
interesse, estudo, apoio fraterno. Caridade não chega. Moços, homens de
estudo, profissionais de toda natureza, preocupam-se com o Nordeste.
Tentem descobrir uma solução nacional para o problema das secas. Nós
vivemos num governo do povo, só se fala em povo, só se espera do povo. O
próprio governo declara que as elites estão exaustas, dilaceradas pelas
batalhas encruentas da politicagem. Pois aos demais, aos brasileiros de toda
a espécie, pedimos: debrucem-se sobre o problema da seca nacional,
63
estudem-no como se esse problema fosse seu – porque o problema é seu, é
de todos. Descubram uma solução. Ajudem a tentar essa solução. O Brasil
não poderá viver e prosperar enquanto um terço de seus habitantes vive
periodicamente ameaçado de morrer de fome...” (p.122)
Em 1954 pode-se dizer que a seca do Nordeste, após três anos assolando a região, havia
acabado. Porém, suas conseqüências ainda perduravam, especialmente os problemas econômicos,
que foram bastante acentuados no período de estiagem e, desta forma, agravaram ainda mais a
situação econômica do Nordeste.
O deputado José Augusto (UDN – RN), na Sessão da Câmara de 6 de agosto de 1954,
enfatiza a crise econômica da região como conseqüência dos três anos de estiagem:
“Senhor Presidente, acabo de chegar do Rio Grande do Norte, e devo
confessar a V. Exa. que venho com o espírito muito apreensivo quanto à
situação econômica, não apenas do meu Estado, como de todo o Nordeste. É
que, como sabe muito bem Vossa Excelência, passados três anos da crise
econômica decorrente da escassez das chuvas e conseqüentes secas que
flagelaram aquela brava gente e a aniquilaram economicamente, ...” (p. 747)
Contudo, em sua última Mensagem Presidencial, Vargas relata a situação do Nordeste de
uma maneira um pouco distante da realidade a fim de exaltar mais uma vez as obras realizadas.
“O ano de 1953 transcorreu, ainda, no Nordeste brasileiro, sob o signo da
seca. Pelo terceiro ano consecutivo, o flagelo castigou as populações da área
do Polígono, exaurindo seus recursos materiais e atingindo-as, mesmo, em
seu vigor físico. A situação não chegou, todavia, a assumir proporções de
completa catástrofe e aniquilamento, graças ao programa de obras públicas
que, há décadas, se executa na região e às providências excepcionais
adotadas pelo Governo, desde 1951, para atender às presentes condições
relacionadas com essa anormalidade climática, assim como em virtude de a
seca se haver atenuado em algumas áreas da região, o que possibilitou se
operasse, nestas últimas, certa recuperação.” (p. 234)
64
Como já foi ressaltado, apesar do relato positivo do presidente em sua Mensagem, os
problemas econômicos do Nordeste que se agravaram com o período de estiagem não foram todos
solucionados em 1954. Desta forma não é possível afirmar que com o fim da seca todas as suas
conseqüências desapareceram. Neste sentido, podemos enfatizar uma outra questão que também
foi agravada devido à estiagem e que gerou conseqüências de grandes proporções: a migração para
o Centro-Sul do país. O deputado José Augusto (UDN – RN), na Sessão da Câmara de 8 de abril
de 1954, comenta o êxodo no período da seca ao falar sobre o fim da estiagem:
“E é certo que em muitas regiões do chamado polígono das secas as chuvas
apareceram, e em algumas até abundantes e fartas, fazendo correr regatos e
rios, enchendo açudes, dando recursos para os gados, e levando os sertanejos
que não emigraram (e foram muitos os que o fizeram) a plantar seus
roçados, a cuidar das suas lavouras.” (p. 436)
A migração nordestina no período da seca de 1951 a 1953 citada pelo deputado foi tão
intensa que se transformou, como ressaltada VILLA na maior migração da História do Brasil:
“Diferentemente das outras secas, a de 1951-1953 acabou impulsionando o
fluxo migratório do Nordeste em direção ao Sul, principalmente para São
Paulo, Rio de Janeiro e oeste do Paraná... Utilizando-se de vapores, que
percorriam o rio São Francisco até Pirapora, de trens e de caminhões,
centenas de milhares de nordestinos deslocaram-se para o Sul, sem nenhum
apoio oficial, na maior migração da História do Brasil.” (2000, p. 170)
Podemos então afirmar que a seca, associada ainda às condições econômicas desfavoráveis
da região - as quais se contrastavam ao desenvolvimento econômico-industrial do Centro-Sul do
país, mais especificamente de São Paulo, - funcionou como fator de expulsão aos migrantes
nordestinos. Desta forma, o quadro de desigualdade econômica e de estiagem foi decisivo para que
65
o fenômeno migratório acontecesse de forma tão intensa e se torna-se uma grande preocupação
aos governos e às elites do Centro-Sul do país, além de transformar o contexto social de São
Paulo.
Nos Capítulos a seguir, a migração será estudada mais profundamente, porém as
desigualdades regionais e a seca descritas neste Capítulo ainda serão brevemente discutidas, pois
são questões fundamentais para podermos estudar o fenômeno migratório nordestino do segundo
governo Vargas.
66
4. OS NÚMEROS DA MIGRAÇÃO NORDESTINA PARA SÃO PAULO
Antes de analisarmos os dados da migração nordestina para São Paulo no segundo governo
Vargas seria interessante discutir brevemente os movimentos populacionais nordestinos algumas
décadas antes do período em questão, assim como seu crescimento para o estado de São Paulo -
juntamente com as migrações nacionais, de uma forma geral - a fim de melhor compreender e
ressaltar a grande proporção da migração aqui estudada. Podemos então retomar, de maneira
breve, os movimentos populacionais nordestinos desde o século XIX, quando as secas que
assolavam a região ainda expulsavam grande número de flagelados para as regiões litorâneas,
resultando em movimentos migratórios curtos e restritos à própria região nordestina, pois a
densidade da população árida era baixa.
Este processo migratório basicamente intra-regional foi bastante reduzido com a grande
seca de 1877 – 1879, quando os retirantes passaram a migrar para a Amazônia, formando uma
corrente migratória em intenso movimento até o início do século XX. Segundo VILLA (2000, p.
64), desde o início desta grande seca até o final do século XIX é provável que 250 mil nordestinos,
em especial os cearenses, tenham ido para a Amazônia. LOPES (1972) também discute esta
questão ressaltando que este foi o momento em que ocorreu certa tomada de consciência em
relação ao flagelo:
“Pela primeira vez, porém, a Nação tomou consciência do flagelo. A seca
nordestina passou a ser problema nacional. As primeiras medidas do
Governo Central foram tomadas. Daí em diante, flagelados começam a sair
da região, atraídos pela borracha da Amazônia” (id. ibid. p. 57).
67
No final do século XIX, a borracha passou a ser a matéria-prima de grande procura por
países da Europa e pelos Estados Unidos devido ao desenvolvimento da indústria automobilística.
Segundo FURTADO (1977) a economia mundial da borracha pode ser dividida em duas etapas: a
primeira fase caracterizada pela solução de emergência que o mercado consumidor encontrou na
região da Amazônia; e a segunda fase caracterizada pelo período da produção organizada.
No período da primeira etapa da economia mundial da borracha, foi na Amazônia que se
encontrou uma grande reserva de seringais. O Brasil, praticamente o único país produtor de
borracha naquele período, produto com intensa e crescente demanda, obteve preços bastante altos
com exportação da borracha para a Europa e Estados Unidos.
“...as exportações de borracha extrativa brasileira subiram da média de
6.000 toneladas nos anos setenta, para 11.000 nos oitenta, 21.000 nos
noventa e 35.000 no primeiro decênio deste século [XIX]. Esse aumento da
produção deveu-se exclusivamente ao influxo de mão de obra, pois os
métodos de produção em nada se modificaram” (id. ibid., p. 131)
Este influxo de mão-de-obra para extração da borracha, citado pelo autor, foi proveniente
de migrantes nordestinos que fugiam do flagelo das secas e buscavam trabalho. Desta forma,
formaram-se correntes migratórias para a Amazônia, as quais passaram a ser percebidas pela
população flagelada e pelos governos da região Nordeste como solução para o problema das
secas. VILLA evidencia esta questão ao descrever as más condições das viagens para a Amazônia
dos migrantes cearenses:
“Na viagem, além da desonra, da escassez de alimentos, os retirantes
sofriam com as doenças epidêmicas (tifo, varíola, cólera) em virtude das
péssimas condições de higiene dos vapores. Muitos morriam no caminho e
os corpos eram jogados ao mar. Apesar das denúncias de maus-tratos, os
portos do Ceará, durante meses, embarcaram milhares de homens, mulheres
68
e crianças para a Amazônia, tamanho o desespero dos flagelados. O próprio
governo acabou estimulando a emigração ao diminuir as rações para os
flagelados, piorando ainda mais as condições de sobrevivência nas cidades
da província, especialmente em Fortaleza. E facilitou a ida para a Amazônia
pagando as passagens para os flagelados e suas famílias.” (op. cit., p. 63)
Tais correntes migratórias para a Amazônia também foram percebidas pelos governos
amazônicos e pelos proprietários das terras onde se produzia a borracha como solução para a
crescente demanda do produto de exportação, como ressalta FURTADO:
“Os governo dos Estados amazônicos interessados organizaram serviços de
propaganda e concederam subsídios para gastos de transporte. Formou-se,
assim, a grande corrente migratória que fez possível a expansão da produção
de borracha na região amazônica, permitindo à economia mundial preparar-
se para uma solução definitiva do problema.” (op. cit., p. 133)
Porém, as condições de trabalho da extração da borracha que os migrantes nordestinos
eram submetidos não correspondiam às suas expectativas. Os trabalhadores contratados pelos
proprietários de grandes extensões de terras, antes mesmo de começarem a trabalhar, já contraíam
enormes dívidas, pois deviam pagar parte ou todos os gastos da viagem e seus instrumentos de
trabalho (facão, machado, tigelas) que eram utilizados de modo rudimentar. Para sobreviverem, os
trabalhadores compravam os alimentos a preços muito altos também do mesmo proprietário de
terra para quem já deviam o dinheiro da viagem e dos instrumentos de trabalho. Desta forma, seus
salários eram gastos pagando as enormes dívidas contraídas já no primeiro mês. Todo este quadro
tornava a vida dos migrantes bastante precárias, a qual FURTADO denomina de regime de
servidão:
69
“Entre as longas caminhadas na floresta e a solidão das cabanas
rudimentares onde habitava, esgotava-se sua vida, num isolamento que
talvez nenhum outro sistema econômico haja imposto ao homem. Demais,
os perigos da floresta e a insalubridade do meio encurtavam sua vida de
trabalho.” (op. cit., p. 134)
Na segunda fase da economia mundial da borracha, a partir de 1910, entrou no mercado
internacional a borracha proveniente dos seringais plantados pelos ingleses em suas colônias,
especialmente no Ceilão e na Malásia. Desta forma, o preço da borracha brasileira passou a
declinar, a região Amazônica entrou em decadência econômica e, conseqüentemente, os migrantes
nordestinos que estavam trabalhando com a borracha se tornaram miseráveis, sobrevivendo em
condições precárias de subsidência.
Neste mesmo período, ou seja, no início do século XX, a migração dos nordestinos para o
Centro-Sul do país foi se transformando num movimento demográfico expressivo, porém era um
êxodo ainda tímido. Os migrantes se dirigiam especialmente para a agricultura paulista,
geralmente para trabalhar em fazendas de café, substituindo lentamente a mão-de-obra imigrante.
Dados do Departamento de Migração e Colonização de São Paulo, citados por LOPES,
evidenciam esta substituição de mão de obra estrangeira pela nacional:
“Somente ao aproximar-se a década dos anos 20 sobe a contribuição do
contingente nacional de 5 para 22 por cento. Na década dos anos 30 a
imigração estrangeira decresce, primeiro, sob o impacto da crise do café e,
depois de 1934, com a legislação restritiva do Governo Federal, ao
estabelecer o sistema de quotas. Os migrantes nacionais passam a constituir
a maioria das entradas no Estado. No período pós-guerra, quando volta a
imigração estrangeira em volume significativo, diminui para cerca de 3/4 a
parte total correspondente às migrações nacionais, permanecendo,
entretanto, em níveis absolutos altos (mais de meio milhão por qüinqüênio).
De especial relevância é notar as migrações nordestinas para fora da região,
de fenômeno periódico passa a ser contínuo.” (op. cit., p. 57-58)
70
Na Tabela 8 (T8: Imigração estrangeira e nacional para o estado de São Paulo no período
de 1820-1970 – Censo Demográfico) podemos constatar o alto valor de imigrantes e o baixo valor
de migrantes que entraram no estado de São Paulo no início do século XX; e também a inversão
em tais valores, ou seja, a redução de imigrantes e o aumento de migrantes (que eram na maioria
nordestinos) entrando no estado de São Paulo a partir da década de 1930, como é ressaltado por
LOPES (1972). Fica também evidente que a primeira metade da década de 1950 foi o período em
que a entrada de migrantes nacionais no estado de São Paulo foi maior (em números absolutos),
isto é: 762.707 indivíduos, o que equivale à 78.34% do total de migrantes e imigrantes que
entraram no estado de São Paulo naquele período.
9
9
É importante ressaltar que analisando tais dados somos capazes de constatar somente o número de pessoas que foram
registradas ao entrarem em São Paulo, como ressalta ROSSINI: “A tabela apresentada não espelha o movimento
migratório total em direção ao Estado, pois as Estatísticas de Movimento Migratório, feitas pela Secretaria da
Promoção Social, relacionam apenas as pessoas que passaram pelo setor de triagem. Reflete somente o número de
pessoas que tem conhecimento daquele serviço de atendimento social e que, ao migrarem para São Paulo, procuram
sua ajuda: pedido de passagens, abrigo, assistência à saúde ou emprego. Seu número real é muito maior e foge a esse
controle. Os migrantes que, por exemplo, viajaram de ônibus ou que vieram diretamente para casa de parentes e
conhecidos não constam daquela estatística.” (1977, p. 789)
71
Tabela 8: Imigração estrangeira e nacional para o estado de São Paulo no período de 1820-
1970
10
Fonte: Departamento de Imigração e Colonização, Secretaria da Agricultura do Estado de
São Paulo. In: ROSSINI, Éster Rosa. Estado de São Paulo – A intensidade das
migrações e do êxodo rural/urbano. In: Ciência e Cultura, nª 7, julho de 1977, p. 783.
Analisando o Gráfico 1 (G1: Imigração estrangeira e nacional para o estado de São Paulo
no período de 1820-1970), construído com base nos valores da Tabela 8, podemos perceber com
maior evidencia a inversão que houve em relação ao movimento populacional, isto é, a redução do
porcentual de estrangeiros entrando no estado de São Paulo e o aumento do porcentual de
migrantes nacionais a partir do período de 1931-1935. Além disso, podemos perceber tamm que
este fato se tornou constante, pois o número de imigrantes que entraram no estado de São Paulo
depois da década de 1930 não mais superou o número de migrantes, mesmo no período pós-
guerra.
10
Os dados do último período são referentes à uma década (1961-1970), diferentemente de todos os outros períodos
evidenciados na tabela.
N%N%
1820-1900 973.212 99,90 965 0,10 974.177
1901-1905 193.732 94,39 11.565 5,31 205.297
1906-1910 190.186 94,86 10.301 5,14 200.487
1911-1915 339.026 95,22 17.019 4,78 356.045
1916-1920 100.098 77,87 28.441 22,13 128.539
1921-1925 222.711 79,67 56.837 20,33 279.548
1926-1930 253.265 61,91 155.821 38,09 409.086
1931-1935 119.204 43,28 156.242 56,72 275.446
1936-1940 56.468 16,12 293.852 83,88 350.320
1941-1945 4.763 3,20 144.063 96,80 148.826
1946-1950 61.030 13,70 384.359 86,30 445.389
1951-1955 210.879 21,66 762.707 78,34 973.586
1956-1960 159.360 23,54 517.624 76,46 676.984
1961-1970 78.705 9,38 758.782 90,62 837.487
Estrangeiros Nacionais
Períodos Total
72
Fonte: Departamento de Imigração e Colonização, Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. In: ROSSINI,
Éster Rosa. Estado de São Paulo – A intensidade das migrações e do êxodo rural/urbano. In: Ciência e Cultura, nª
7, julho de 1977, p. 783.
GRAHAN E HOLLANDA também ressaltam a redução da imigração estrangeira e o
aumento da migração nacional para São Paulo através de um sucinto resumo do desenvolvimento
econômico desta região e do Nordeste, evidenciando o declínio da economia nordestina e o
crescimento da economia do Centro-Sul do país:
“...observamos que, no final do século, surgiu uma mudança significativa no
padrão de crescimento inter-regional. No começo do século dezenove, a
economia do açúcar no Nordeste ainda tinha uma participação importante no
lento processo de crescimento da economia brasileira, quando o Sul era uma
área de economia instável e pouco habitada. Entretanto, com o declínio da
escravidão e com a importância crescente da mão-de-obra livre, a fonte mais
importante de mão-de-obra barata para o Nordeste começou a desaparecer.
Primeiro, devido à transferência de escravos para as fazendas do Sul e, mais
tarde, pela própria abolição da escravatura. O Sul, nesse meio tempo,
conheceu um rápido desenvolvimento da economia da exportação de café,
enquanto o Nordeste sofria um declínio econômico, pois outras nações
mostraram-se muito mais eficientes na produção de açúcar para o mercado
mundial. Pelo fim do século, estas mudanças inter-regionais já estavam
Gráfico 1: Imi
g
ração estran
g
eira e nacional para o estado de
São Paulo no período de 1820-1970
0
20
40
60
80
100
1901-
1905
1906-
1910
1911-
1915
1916-
1920
1921-
1925
1926-
1930
1931-
1935
1936-
1940
1941-
1945
1946-
1950
1951-
1955
1956-
1960
1961-
1970
Peodos
Valores Porcentuais
Estrangeira Nacional
73
definidas, com o Nordeste sofrendo uma prolongada fase de estagnação
econômica e o Sul recebendo um grande fluxo de mão-de-obra livre
européia e tornando-se o maior centro de crescimento do país. Com o
declínio da imigração internacional a partir do final da década de 1920, o
Nordeste e o Leste viriam a se transformar na principal fonte fornecedora de
mão-de-obra migrante, inicialmente para o Centro-Sul...” (1984, p.45)
Contudo, apesar da migração nacional para o estado de São Paulo estar em grande
crescimento a partir da década de 30 - especialmente a migração nordestina que veremos no
decorrer deste estudo - a preocupação do governo federal era ainda com as imigrações
estrangeiras para o país, como fica evidente nas Mensagens Presidenciais de Getúlio Vargas do
período de seu primeiro governo. Mais especificamente, na Mensagem Presidencial de 1933 é
evidenciada a preocupação com o número de imigrantes entrando no país e, por isso, o presidente
dizia ser justificável as restrições à imigração. Na Mensagem Presidencial de 1935 são citados os
decretos que regulamentavam a entrada de imigrantes no Brasil, como o decreto de 12 e 19 de
agosto de 1931, determinando que o terço dos trabalhadores totais não fosse ultrapassado pelos
imigrantes no setor industrial e comercial, e decretando a nacionalização da marinha,
respectivamente; e o decreto de 9 de maio de 1934, que regulamenta a entrada no país de somente
imigrantes que estivessem classificados de acordo com as especificidades estabelecidas. Na
Mensagem de 1936 é citado o projeto de lei que instituía o Conselho Nacional de Imigração e a
Constituição de 16 de julho de 1934, na qual foi estabelecida a política imigratória de quotas. Por
fim, na Mensagem de 1937 é citada a Constituinte de 1934, desde a qual, segundo o presidente,
houve longos debates sobre a questão imigratória. É importante ressaltar que os migrantes
nacionais não são citados como uma questão preocupante nestas Mensagens como eram citados os
imigrantes estrangeiros, porém seus números estavam em grande crescimento.
74
“Depois de 1930, aparecem novos padrões de migração, a imigração
internacional diminui e quase se anula, por causa, primeiro, do impacto
causado pela grande depressão e, segundo, devido ao fim do programa de
subsídio para imigrantes e estabelecimento de um sistema restrito de cotas
pra futuras imigrações, pela primeira vez na história brasileira, grandes
migrações internas ocorreram do Nordeste e Leste para São Paulo e para
outros estados do Sul, substituindo, primeiramente, os imigrantes e seus
descendentes...” (id. ibid., p. 46)
Já na década de 1950, mais especificamente no segundo governo Vargas, não é
evidenciada apreensão em relação às imigrações estrangeiras nas Mensagens Presidenciais do
mesmo modo que ocorria na primeira metade do século XX. Há, de certa forma, uma preocupação
com esta imigração, porém, ao contrário das Mensagens Presidenciais da década de 1930, na
Mensagem Presidencial de 1953 são ressaltados os valores que constatavam a redução da
imigração estrangeira com o objetivo de discutir o estímulo do governo federal para a não
diminuição destas imigrações para o país, especialmente das imigrações européias. Nesta
Mensagem Vargas ainda ressalta que a imigração estrangeira era fundamental para o Brasil:
“Conquanto a imigração continue a ser um dos elementos fundamentais ao
desenvolvimento técnico e econômico de países jovens como o Brasil, não
conseguimos auferir dos movimentos imigratórios da Europa, neste após-
guerra, o máximo de seus benefícios. Lembre-se, por exemplo, que, ainda
em 1952, o Brasil não chegou a receber, pela imigração dirigida, 10.000
alienígenas, o que representa uma cota diminuta para um país de riquezas
inexploradas, extensão quase continental e com população rarefeita e carente
de experiência técnica. O Governo, porém, está disposto a encerrar o longo e
anacrônico período de restrições à entrada de estrangeiros em nossas
fronteiras. E, como resultado das iniciativas já tomadas, é confortador
salientar que a delegação brasileira junto ao Comitê Internacional para as
Migrações da Europa conseguiu elevar, para 1953, a cota destinada ao Brasil
para 23.000 imigrantes. A imigração espontânea que, em 1950, foi de 35
mil, em 1952 ultrapassou 55 mil. Todavia, não é demais insistir em que tal
cifra é ainda insuficiente e inexpressiva, frente às elevadas cotas destinadas
a outros países sul-americanos.” (p.223)
75
Neste período a preocupação em relação aos movimentos populacionais para São Paulo se
dirigiam para a migração nacional que, como já foi ressaltado, estava em crescimento desde a
década de 1930 e teve uma grande explosão no período do segundo governo Vargas. A Tabela 9
11
(T9: Migrantes no estado de São Paulo em 1950 e 1960 – Censo Demográfico) evidencia este
crescimento durante a década de 1950 através do número de brasileiros não paulistas vivendo no
estado de São Paulo no período dos censos de 1950 e 1960, mostrando também que este
crescimento ocorreu em relação aos migrantes vindos de todas as regiões do país – Norte,
Nordeste, Sudeste (desconsiderando o estado de São Paulo), Sul e Centro Oeste, tidas como
regiões de origem, porém com destaque à região Nordeste.
Mais especificamente, analisando os dados da Tabela 9, podemos perceber que a região de
origem que mais possuía migrantes no estado de São Paulo em 1950 era a região Sudeste
(54,75%), seguida pela região Nordeste (35,88%). Em números absolutos estes valores
correspondem à 591.553 e 387.612, respectivamente. Porém, deve-se considerar neste caso que
São Paulo faz parte da região Sudeste e então há grande proximidade com os estados do Rio de
Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, o que muito facilita a migração de indivíduos originários
destes três estados.
Contudo, já em 1960, apesar da proximidade de São Paulo a Rio de Janeiro, Espírito Santo
e Minas Gerais, a região de origem que mais possuía migrantes no estado de São Paulo era o
Nordeste (46,19%), seguida pela região Sudeste (43,25%). Em números absolutos estes valores
correspondem a 862.890 e 808.035, respectivamente. Podemos então constatar um grande
11
O total de habitantes no estado de São Paulo em 1950 e 1960 era de 8.440.768 e 12.030.025, respectivamente.
Os valores de 1950 somados e comparados ao total do IBGE resultam em uma diferença de 32, pois no total do IBGE
em relação aos brasileiros presentes no estado de São Paulo em 1950 estão sendo considerados os migrantes da região
da Serra dos Aimorés. Porém, esta região não está discriminada separadamente como os outros estados em 1950,
sendo assim seus valores somente constam no total. As porcentagens foram então calculadas com base no total do
IBGE.
76
aumento do número de nordestinos em São Paulo entre 1950 e 1960 decorrente das migrações da
década de 1950, o qual corresponde a um aumento de 122,62%. Assim podemos afirmar que,
dentre os migrantes nacionais que estavam no estado de São Paulo em 1960, o Nordeste era o
lugar de origem de quase a metade destes migrantes.
Em relação aos imigrantes estrangeiros vivendo no estado de São Paulo somados aos
migrantes nacionais sem especificação de origem que também estavam vivendo neste estado, os
valores são muito pequenos se comparados aos migrantes nacionais, ou seja, 1,52% e 1,99% dos
não paulistas vivendo em São Paulo em 1950 e 1960, respectivamente, eram estrangeiros e de
regiões do país não especificadas.
77
Tabela 9: Migrantes no estado de São Paulo em 1950 e 1960
Fonte: Censo Demográfico de 1950 e 1960.
* Território em litígio entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo
** Sem especificação e lugar e exterior
N%N%N%
Guaporé/Rondonia 8 0,001% 102 0,01% 94 1175,00%
Acre 261 0,02% 592 0,03% 331 126,82%
Amazonas 1.454 0,13% 3.192 0,17% 1.738 119,53%
Rio Branco/Roraima - 0,00% 37 0,002% 37 -
Pará 2.609 0,24% 5.406 0,29% 2.797 107,21%
Amapá 2 0,0002% 98 0,01% 96 4800,00%
Norte 4.334 0,40% 9.427 0,50% 5.093 117,51%
Maranhão 1.409 0,13% 4.339 0,23% 2.930 207,95%
Piauí 5.195 0,48% 15.966 0,85% 10.771 207,33%
Ceará 29.054 2,69% 70.615 3,78% 41.561 143,05%
Rio G. Norte 6.987 0,65% 21.282 1,14% 14.295 204,59%
Parba 10.712 0,99% 41.525 2,22% 30.813 287,65%
Pernambuco 62.745 5,81% 182.762 9,78% 120.017 191,28%
Fernando N. 4 0,0004% 79 0,004% 75 1875,00%
Alagoas 56.788 5,26% 121.041 6,48% 64.253 113,15%
Sergipe 25.033 2,32% 58.797 3,15% 33.764 134,88%
Bahia 189.685 17,56% 346.484 18,55% 156.799 82,66%
Nordeste 387.612 35,88% 862.890 46,19% 475.278 122,62%
Minas Gerais 512.736 47,46% 710.871 38,05% 198.135 38,64%
Serra Aimores* - 0,00% 289 0,02% 289 -
Espírito Santo 4.569 0,42% 7.394 0,40% 2.825 61,83%
Rio de Janeiro 56.076 5,19% 52.413 2,81% -3.663 -6,53%
Dist. Fed./Guanabara 18.172 1,68% 37.068 1,98% 18.896 103,98%
Sudeste 591.553 54,75% 808.035 43,25% 216.482 36,60%
Paraná 32.709 3,03% 68.215 3,65% 35.506 108,55%
Santa Catarina 15.410 1,43% 25.278 1,35% 9.868 64,04%
Rio G. Sul 13.743 1,27% 20.589 1,10% 6.846 49,81%
Sul 61.862 5,73% 114.082 6,11% 52.220 84,41%
Mato Grosso 13.016 1,20% 26.703 1,43% 13.687 105,16%
Goias 5.632 0,52% 10.034 0,54% 4.402 78,16%
Distrito Federal - 0,00% 20 0,001% 20 -
Centro Oeste 18.648 1,73% 36.757 1,97% 18.109 97,11%
S. esp. lu
g
ar e exter.** 16.387 1,52% 37.092 1,99% 20.705 126,35%
Brasil - S. Paulo 1.080.428 100% 1.868.283 100% 787.855 72,92%
Estados
1950 1960 aumento
78
Através da análise destes dados já fica evidente o significante número de migrantes
nordestinos vindos para São Paulo no período de 1950-1960 em comparação aos migrantes de
outras regiões. Todavia, de uma maneira mais específica, podemos dizer que a explosão desta
migração aconteceu na primeira metade da década de 1950, como podemos constatar na análise da
Tabela 10 (T10: Migrantes nordestinos em trânsito pela Hospedaria de Imigrantes de São Paulo na
década de 1950 – Departamento de Imigração e Colonização), construída com base no número de
migrantes que vieram para São Paulo e passaram pela Hospedaria de Imigrantes
12
.
Os dados da tabela evidenciam que nos anos de 1951, 1952 e 1953, período que
compreende o segundo governo Vargas e no qual ocorreu uma grande seca, os números de
migrantes nordestinos que passaram pela Hospedaria de Imigrantes em São Paulo foram os
maiores em relação aos outros anos da década de 1950, ou seja, 159.928 em 1951, 204.214 em
1952, e 87.798 em 1953.
12
A Hospedaria do Imigrante, localizada no Brás, foi inaugurada em 1887 e passou a receber migrantes nacionais a
partir de 1930. Desta forma muitos migrantes que tinham suas passagens pagas pelo governo obrigatoriamente
passavam pela Hospedaria. Lá tinham seus documentos verificados e ficavam por um ou dois dias. Neste período
passavam por consulta médica e dentária, pois para seguir aos seus destinos – que geralmente eram fazendas onde
trabalhariam na lavoura – tinham que estar em boas condições de saúde. Todavia, a partir da década de 1950, quando
as correntes migratórias passaram a se direcionar mais para áreas urbanas e para a capital, os migrantes não mais
contavam com o financiamento das passagens e a transferência da população deixara de prescindir dos órgãos de
arregimentação mantidos pelo Estado, desta forma nem todos se dirigiam mais à Hospedaria quando chegavam. Por
isso devemos considerar que os números do Departamento de Imigração e Colonização aqui apresentados não
correspondem ao valor total da migração, pois muitos migrantes entravam em São Paulo sem ter passado por registro
algum. Devemos então ressaltar que o valor do total de migrantes que entraram em São Paulo deve ser considerado
ainda maior em relação aos dados aqui apresentados.
79
BA PE AL CE SE PB PI RN Total
1950 36.290 11.658 11.848 3.636 4.311 639 1.008 783 70.173
1951 76.204 25.842 20.474 21.130 8.949 3.642 2.608 1.079 159.928
1952 113.758 31.731 28.125 15.025 9.182 3.148 2.625 620 204.214
1953 38.409 17.744 13.550 9.814 3.333 2.457 1.496 995 87.798
1954 26.289 14.855 15.442 5.789 3.928 1.556 979 557 69.395
1955 20.724 16.450 16.631 3.865 6.998 1.334 963 547 67.512
1956 19.789 17.287 17.114 3.231 7.039 1.811 1.012 308 67.591
1957 10.071 7.039 6.170 1.706 2.411 1.326 516 279 29.518
1958 14.889 24.911 12.403 18.007 4.803 5.855 763 944 82.575
1959 27.315 23.246 13.474 10.633 5.233 4.240 918 746 85.805
Total
383.738 190.763 155.231 92.836 56.187 26.008 12.888 6.858 924.509
Anos
Estados de origem dos migrantes
Tabela 10: Migrantes nordestinos em trânsito pela Hospedaria de Imigrantes de
São Paulo na década de 1950
Fonte: Departamento de Imigração e Colonização. Secretaria da Agricultura de São Paulo. In: Brasileiros na
Hospedaria de Imigrantes. São Paulo, 2001.
Analisando o Gráfico 2 (G2: Migrantes nordestinos em trânsito pela Hospedaria de
Imigrantes de São Paulo na década de 1950), referente aos dados da Tabela 10, podemos perceber
esta grande migração com mais clareza, pois a comparação com os outros anos fica mais evidente.
No Gráfico, o ano de 1952 é destacado como o período em que mais migrantes nordestinos
passaram pela Hospedaria de Imigrantes, vindo em seguida o ano de 1951 e 1953.
80
Fonte: Departamento de Imigração e Colonização. Secretaria da Agricultura deo Paulo. In: Brasileiros na
Hospedaria de Imigrantes. São Paulo, 2001.
Mais especificamente sobre cada região, podemos perceber na Tabela 10 que os migrantes
baianos foram os nordestinos que mais passaram pela Hospedaria de Imigrantes, só não sendo a
maioria no ano de 1958. Nos anos em que a migração foi maior, ou seja, em 1951,1952 e 1953, o
número de baianos registrados na Hospedaria foi de 76.204, 113.758 e 38.409; respectivamente. É
importante ressaltar que do total de migrantes nordestinos, o número de baianos no período em
questão é quase a metade de todos eles. A Tabela 11 (Migrantes nordestinos em trânsito pela
Hospedaria de Imigrantes de São Paulo na década de 1950 em valores porcentuais –
Departamento de Imigração e Colonização) deixa este fato mais explícito, evidenciando que em
1951, 1952 e 1953, do total de migrantes nordestinos que passaram pela Hospedaria, 47,65%,
Gráfico 2: Mi
g
rantes nordestinos em trânsito pela Hospedaria de
Imigrantes de São Paulo na década de 1950
70.173
159.928
204.214
87.798
69.395
67.512 67.591
29.518
82.575
85.805
0
25.000
50.000
75.000
100.000
125.000
150.000
175.000
200.000
225.000
250.000
1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959
Anos
Números absolutos
81
55,71% e 43,75% eram baianos, respectivamente. Porém, o número de migrantes vindos de
Pernambuco, Alagoas e Ceará é também bastante significativo
13
.
Tabela 11: Migrantes nordestinos em trânsito pela Hospedaria de Imigrantes de São Paulo
na década de 1950 em valores porcentuais
Fonte: Departamento de Imigração e Colonização. Secretaria da Agricultura de São Paulo. In:
Brasileiros na Hospedaria de Imigrantes. São Paulo, 2001.
No Gráfico 3 (G3: Média porcentual do número de migrantes nordestinos em trânsito pela
Hospedaria de Imigrantes de São Paulo em 1951, 1952 e 1953), tamm referente aos dados da
Tabela 10, podemos perceber com maior evidencia o grande número de baianos que passaram
pela Hospedaria através de uma média dos anos de 1951,1952 e 1953; a qual representa 50,53%
dos migrantes nordestinos. Os migrantes pernambucanos, alagoanos e cearenses, como já foram
13
Os dados aqui apresentados e discutidos não constam os valores referentes ao estado do Maranhão. Entretanto isto
não prejudica a análise, já que o número de migrantes maranhenses que vinha para São Paulo no período em questão
era baixo, como pudemos constatar na Tabela 9.
BA PE AL CE SE PB PI RN
1950 51,72% 16,61% 16,88% 5,18% 6,14% 0,91% 1,44% 1,12%
1951 47,65% 16,16% 12,80% 13,21% 5,60% 2,28% 1,63% 0,67%
1952 55,71% 15,54% 13,77% 7,36% 4,50% 1,54% 1,29% 0,30%
1953 43,75% 20,21% 15,43% 11,18% 3,80% 2,80% 1,70% 1,13%
1954 37,88% 21,41% 22,25% 8,34% 5,66% 2,24% 1,41% 0,80%
1955 30,70% 24,37% 24,63% 5,72% 10,37% 1,98% 1,43% 0,81%
1956 29,28% 25,58% 25,32% 4,78% 10,41% 2,68% 1,50% 0,46%
1957 34,12% 23,85% 20,90% 5,78% 8,17% 4,49% 1,75% 0,95%
1958 18,03% 30,17% 15,02% 21,81% 5,82% 7,09% 0,92% 1,14%
1959 31,83% 27,09% 15,70% 12,39% 6,10% 4,94% 1,07% 0,87%
Total
41,51% 20,63% 16,79% 10,04% 6,08% 2,81% 1,39% 0,74%
Anos
Estados de origem dos migrantes
82
ressaltados, também estão em evidencia no Gráfico devido aos seus números significativos,
especialmente se comparados aos migrantes de Sergipe, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte.
Fonte: Departamento de Imigração e Colonização. Secretaria da Agricultura de São Paulo. In: Brasileiros na
Hospedaria de Imigrantes. São Paulo, 2001.
É importante ressaltar que à esta grande migração de baianos podemos associar, de maneira
sucinta, alguns fatores, como a maior proximidade da Bahia à São Paulo do que os outros estados
nordestinos, à grande seca de 1951 e 1953 que assolou drasticamente a Bahia, ao tamanho do
estado e, conseqüentemente, ao seu grande número de habitantes. O rótulo de baiano que grande
maioria dos nordestinos, independentemente de seu estado de origem, passou a receber dos
paulistas também pode estar intimamente relacionado à grande migração baiana para São Paulo.
Não podemos também deixar de enfatizar que os migrantes de Minas Gerais – estado que
possui parte de sua porção Norte na região do Polígono das Secas –, assim como os baianos,
também representavam um grande número de migrantes dentre os que passaram pela Hospedaria
Gráfico 3: Média porcentual do número de migrantes nordestinos em
trânsito pela Hospedaria de Imigrantes de São Paulo em 1951, 1952 e 1953
16,67%
13,75%
10,17%
4,75%
2,05%
1,49%
0,60%
50,53%
0,00%
5,50%
11,00%
16,50%
22,00%
27,50%
33,00%
38,50%
44,00%
49,50%
55,00%
BA PE AL CE SE PB PI RN
Es t ados
Valores Porcentuais
83
no período em questão. Em 1951, 1952 e 1953 seus números correspondem a 46.866, 44.480 e
21.551, respectivamente. Entretanto, a migração nordestina, especialmente a baiana, foi sempre
muito mais enfatizada no discurso dos paulistas, relegando assim à migração mineira um caráter
silencioso.
Além da explosão da migração nordestina para São Paulo na primeira metade da década de
1950, estava acontecendo também neste período um certo redirecionamento desta migração, ou
seja, o movimento populacional adquiria um caráter diferente das migrações anteriores em relação
ao lugar buscado pelos migrantes, pois estes não tinham mais as lavouras de café como principal
destino. O êxodo para São Paulo passou a ser cada vez mais direcionado à áreas urbanas e,
conseqüentemente, trabalhos urbanos passaram a ser procurados pelos migrantes. Pode-se então
dizer que a partir de 1950 o caráter das migrações passava por uma transformação, como ressalta
ROSSINI:
“Depois de 1950, começou a diminuir o fluxo migratório para o campo.
Fatores ligados à industrialização e urbanização atraem cada vez mais os
migrantes em direção aos centros urbanos mais desenvolvidos; em primeiro
lugar a Capital (São Paulo), que passou a absorver quase 50,0% da mão-de-
obra oriunda de outros Estados.” (In: Ciência e Cultura. 1977, p.782)
Como cita a autora, “fatores ligados à industrialização e urbanização” começaram a atrair
os migrantes, fatores estes que passaram a se concentrar em São Paulo, onde os investimentos e
os alicerces da indústria estavam instalados na região há mais de meio século e, entre outros
fatores, já na década de 50, possibilitaram um grande desenvolvimento industrial, atraindo assim
trabalhadores em busca de emprego e de melhores condições de vida na região que passou a ser
vista como o centro moderno do país.
A Tabela 12 (T12: Situação de domicílio dos nordestinos vivendo no estado de São Paulo
em 1960 – Censo Demográfico) evidencia que mais da metade dos nordestinos viviam em áreas
84
urbanas do estado de São Paulo em 1960. De uma forma geral, 54,74% se encontravam no setor
urbano de São Paulo, o que equivale à 472.280 nordestinos.
Mais especificamente, o estado com maior percentual de indivíduos na área urbana de São
Paulo em 1960 era o Maranhão, ou seja, 84,65% dos maranhenses em São Paulo viviam nas
cidades – porém, como podemos perceber na Tabela 12, o número absoluto de maranhenses em
São Paulo era muito pequeno em relação aos migrantes provenientes de outros estados
nordestinos. Já os cearenses, ao contrário, eram os nordestinos que menos viviam,
porcentualmente, na área urbana, ou seja, 50,26% deles viviam nas cidades. Contudo, o número
dos cearenses que vivia nesta área era maior do que o número dos cearenses que estava na área
rural de São Paulo. Em relação aos baianos – os nordestinos mais presentes no estado de São
Paulo em 1950 e 1960 – pode-se dizer que a maioria também se encontrava nas cidades, ou seja,
51,68% do total de baianos em São Paulo viviam em área urbana em 1960.
Podemos então perceber que o número dos nordestinos vivendo em áreas urbanas do
Estado de São Paulo em 1960 é superior ao número dos que viviam em áreas rurais. Porém este
valor ainda não atingia 60%, o que nos possibilita constatar que este momento era uma fase ainda
em processo de transição das correntes migratórias nordestinas para São Paulo, ou seja, este
período era o momento de transição entre as migrações que tinham como destino principal a área
rural para as migrações que tinham como destino principal a área urbana, como é ressaltado por
ROSSINI (ibid., p. 782) quando discute as migrações nacionais de uma forma geral: “Depois de
1950, começou a diminuir o fluxo migratório para o campo.”
85
Tabela 12: Situação de domicílio dos nordestinos vivendo no estado de São Paulo em 1960
Fonte: Censo Demográfico de 1960
Seria significativo para o presente estudo se possuíssemos os dados sobre a situação de
domicílio dos migrantes da região das secas no estado de São Paulo em 1950 para podermos
compará-los aos dados do Censo Demográfico de 1960. Porém o Censo Demográfico de 1950 não
possui estas informações. Desta forma, seria relevante ao menos evidenciar a situação de
domicílio dos brasileiros nestes períodos e suas transformações ao longo das décadas.
Estes dados estão presentes na Tabela 13 (T13: Situação de domicílio dos brasileiros de
1940 a 1991 – Dados históricos dos censos), onde podemos constatar que em 1960, quando
54,74% dos nordestinos vivendo no estado de São Paulo se encontravam em área urbana do
estado, somente 44,67% dos brasileiros viviam em área urbana. Apenas no Censo de 1970 é que
se verificou que mais da metade dos brasileiros não mais vivia na área rural.
N%N%
Maranhão 4.339 3.673 84,65% 666 15,35%
Piauí 15.966 11.116 69,62% 4.850 30,38%
Ceará 70.615 35.494 50,26% 35.121 49,74%
Rio G. Norte 21.282 15.599 73,30% 5.683 26,70%
Paraíba 41.525 24.611 59,27% 16.914 40,73%
Pernambuco 182.762 106.680 58,37% 76.082 41,63%
Alagoas 121.041 62.378 51,53% 58.663 48,47%
Sergipe 58.797 33.681 57,28% 25.116 42,72%
Bahia 346.484 179.048 51,68% 167.436 48,32%
Nordeste 862.811 472.280 54,74% 390.531 45,26%
Estados
Popul. urbana Popul. rural
Total
86
Tabela 13: Situação de domicílio dos brasileiros de 1940 a 1991
Dados históricos dos Censos - IBGE
Esta busca dos migrantes pela cidade, especialmente pela capital São Paulo - que, segundo
ROSSINI (ibid., p. 782), passou a absorver quase 50,0% da mão-de-obra migrante que se dirigia
para o estado de São Paulo depois de 1950 - pode ser explicada por SINGER (1973), quando
ressalta duas questões fundamentais para se estudar processos migratórios: os fatores de atração e
os fatores de expulsão. Segundo o autor:
“...são os fatores de atração que determinam a orientação destes fluxos e as
áreas às quais se destinam. Entre os fatores de atração, o mais importante é a
demanda por força de trabalho... De uma forma geral, interpreta-se esta
demanda por força de trabalho como proporcionando ‘oportunidades
econômicas’, que constituem um fator de atração na medida em que
oferecem uma remuneração mais elevada que a que o migrante poderia
perceber na área de onde provém.” (ibid., p. 40-41)
Mais especificamente em relação às migrações nordestinas para São Paulo no segundo
governo Vargas, podemos dizer que as oportunidades econômicas percebidas pelos migrantes
eram um importante fator de atração decorrente do processo de industrialização amparado pelo
N%N%
1940 41.236.315 12.880.182 31,24% 28.356.133 68,76%
1950 51.944.397 18.782.891 36,16% 33.161.506 63,84%
1960 70.070.457 31.303.034 44,67% 38.767.423 55,33%
1970 93.139.037 52.084.984 55,92% 41.054.053 44,08%
1980 119.002.706 80.436.409 67,59% 38.566.297 32,41%
1991 146.825.475 110.990.990 75,59% 35.834.485 24,41%
Urbano Rural
Períodos Total
87
Governo Federal que o estado de São Paulo estava sofrendo, especialmente a capital paulista, para
a qual grande parte dos migrantes se dirigia.
Como já foi discutido no Capítulo 3, esta industrialização foi sustentada por políticas
protecionistas e de substituição de importações implantadas pelo governo, o que não só implicou,
principalmente, no desenvolvimento econômico e industrial de São Paulo, como também, de certa
forma, no aprofundamento das desigualdades regionais do país – implicações estas que
impulsionam as migrações internas. Como enfatiza SINGER (ibid., p. 37), “a criação de
desigualdades regionais pode ser encarada como o motor principal das migrações internas que
acompanham a industrialização nos moldes capitalistas”. Em outras palavras, podemos dizer que
tais desigualdades reforçam os fatores de atração os quais, neste caso, era o desenvolvimento
industrial de São Paulo e suas conseqüentes oportunidades econômicas; e reforçam também os
fatores de expulsão, ou seja, as desfavoráveis condições econômicas e sociais do Nordeste já
agravadas pela seca de 1951-1953, como foi discutido no Capítulo 3.
Sucintamente, pode-se então dizer que o processo de desenvolvimento econômico, a
industrialização e, conseqüentemente, as oportunidades econômicas são as principais
características de São Paulo na década de 1950 que atuaram como fator de atração aos migrantes,
especialmente aos migrantes nordestinos, que além de sofrerem o peso dos fatores de expulsão da
região das secas, migravam também atraídos por tais características do centro capitalista nacional
em que São Paulo se transformava. Como ressalta DURHAN:
“...todo o deslocamento interno da população se orienta para as regiões mais
profundamente atingidas pela introdução e expansão do capitalismo
industrial, das quais São Paulo pode ser considerado o centro.” (1973, p.39)
88
Tais condições de São Paulo neste período foram bastante discutidas na Câmara dos
Deputados por políticos nordestinos, dos quais muitos diziam que suas regiões eram desprezadas
pelo Governo Federal. Desta forma, o debate sobre as desigualdades regionais esteve muito em
pauta, como ilustra o deputado Adail Barreto (UDN - CE) na sessão da Câmara de 30 de julho de
1952:
“Sr. Presidente: pode talvez parecer a alguns observadores das coisas
brasileiras que os representantes nordestinos no Parlamento Nacional
exageram quando, vez por outra, reclamam contra a diversidade de
tratamento adotada por certos órgãos e setores da administração central em
relação às diversas regiões do país. De nossa parte, por mais de uma vez,
efetivamente, temos combatido esse erro, que já vem de longe, de beneficiar
a administração federal de preferência as zonas mais ricas, esquecendo ou
relegando a plano inferior na distribuição das messes oficiais às regiões mais
pobres e carecidas de recursos, quais sejam, o Nordeste, o Norte, e o Centro-
Oeste brasileiros.” (p. 268)
No mesmo sentido de enfatizar as desigualdades regionais, o deputado Tenório Cavalcanti
(UDN – RJ) – nascido na região das secas – na Sessão da Câmara de 7 de março de 1952, ressalta
que o nordestino é esquecido pelo governo federal:
“O que está ocorrendo com o homem do Nordeste chega a ser um
hipnotismo enervante, um misérrimo desprezo a um povo digno de sorte
melhor. O Governo precisa lembrar-se de que o homem do Nordeste
também é brasileiro.”(p. 499)
Neste período, o Nordeste, em contraposição ao ‘centro capitalista’, se encontrava em
condições bastante diferentes. Como já foi discutido, a própria história econômica do Nordeste
resultou em uma região de economia estagnada, agricultura atrasada e pouco diversificada, com
89
grandes proprietários de terra, concentração de renda, indústria com baixa produtividade e
também pouco diversificada e, conseqüentemente, em uma região com débeis relações capitalistas
de produção. Já a região Centro-Sul do país, mais especificamente São Paulo, se encontrava em
grande desenvolvimento na metade do século XX. Desta forma, enquanto as condições de São
Paulo atuavam como fatores de atração sobre os migrantes, as condições do Nordeste atuavam
como fatores de expulsão. Porém, segundo SINGER, há dois tipos de fatores de expulsão:
“Os fatores de expulsão que levam às migrações são de duas ordens: fatores
de mudança, que decorrem da introdução de relações de produção
capitalistas nestas áreas, a qual acarreta a expropriação de camponeses, a
expulsão de agregados, parceiros e outros agricultores não proprietários,
tendo por objetivo o aumento da produtividade do trabalho e a conseqüente
redução do nível de emprego (‘enclosures’ na Inglaterra, o desenvolvimento
da criação comercial de gado nos Pampas da Argentina, a expropriação das
terras comunais indígenas durante o ‘portiriato’ no México etc); e fatores de
estagnação, que se manifestam sob a forma de uma crescente pressão
populacional sobre uma disponibilidade de áreas cultiváveis que pode ser
limitada tanto pela insuficiência física de terra aproveitável como pela
monopolização de grande parte da mesma pelos grandes proprietários (o
Agreste no Nordeste brasileiro, as comunidades indígenas nos Andes
peruanos e colombianos).” (op. cit., p. 38)
No caso do Nordeste, os fatores de expulsão que atuavam sobre os migrantes eram os
relacionados à estagnação, como cita o próprio autor em um de seus exemplos, pois a estrutura de
posse de terra na região dificultava muito as condições de trabalho. Porém, em períodos de seca,
além desta dificuldade, a insuficiência física de terra aproveitável, como descreve SINGER
(1973), tornava o trabalho ainda mais escasso e a sobrevivência para muitos trabalhadores
impossível, transformando a região em um lugar que muitos flagelados esperavam abandonar ao
menos por algum tempo. Contudo, diferentemente dos efeitos sobre os trabalhadores, este cenário
da região das secas favorecia muitos grandes proprietários de terra, que tinham à sua
90
disponibilidade grande número de flagelados sem trabalho e muitas vezes sem as mínimas
condições de sobrevivência, como ressalta o autor ao diferenciar as áreas sujeitas aos fatores de
mudança e de estagnação :
“A distinção entre áreas de emigração sujeitas a fatores de mudança e áreas
sujeitas a fatores de estagnação permite visualizar melhor as conseqüências
da emigração. As primeiras perdem população mas a produtividade
aumenta, o que permite, em princípio, uma melhora nas condições de vida
locais, dependendo do sistema de forças sociais e políticas que condicionam
a repartição da renda. Já as segundas apresentam estagnação ou mesmo
deterioração das condições de vida, funcionando às vezes como ‘viveiros de
mão-de-obra’ para os latifundiários e grandes exploradores agrícolas
capitalistas.” (ibid., p. 39)
Desta forma, grandes proprietários e poderosos do Nordeste, além de utilizarem a situação
dos flagelados como instrumento de pressão política para conseguirem verbas para a região,
tinham também à sua disposição grande número de trabalhadores nordestinos. Estes, sem trabalho
e com baixas condições de sobrevivência, muitas vezes acabavam se submetendo a injustas e
exploratórias condições de trabalho, que era uma das poucas opções disponíveis para se tentar
sobreviver.
Mais especificamente em relação ao caráter do trabalho rural, DURHAN (1973) ressalta
que seus elementos centrais são a posse de terra e o trabalho simples, ou seja, ou se é proprietário
ou trabalha-se em suas terras. Segundo a autora, este situação da vida rural resulta na constituição
da hierarquia social baseada na propriedade, a qual ela descreve como hierarquia da propriedade:
“Assim, como a posse da terra e o trabalho simples constituem os elementos
centrais da produção rural,constituem-se na representação do universo rural
três categorias sociais fundamentais: os que não tem terra e trabalham em
propriedade de outrem; os que cultivam terra própria e os que tem terra
suficiente para não precisarem trabalhar... A posse da terra se coloca como
91
única forma de aumentar a renda e ascender socialmente. Desse modo, as
aspirações do homem rural definem-se em termos da propriedade e a crise
da sociedade rural se apresenta para ele como impossibilidade de se tornar
(ou dificuldade em se manter) proprietário. A posse da terra suficiente e,
portanto, a liberação da necessidade de pagar foro (quer sob a forma de dias
de serviço, parte da produção, ou quantidade de dinheiro) se afigura ao
trabalhador rural como a única forma imediata de ‘melhorar de vida’, isto é,
de obter uma renda mais elevada. É importante considerar que a aquisição
de terra não só é necessária para a ascensão dos assalariados ou parceiros,
como também é indispensável à manutenção do status dos sitiantes em geral
de prole numerosa. Para os filhos de sitiantes, a impossibilidade de aumentar
a propriedade significa a fragmentação no minifúndio, a passagem para
parceiros ou assalariados, ou a emigração.” (ibid., p.117)
Neste contexto de trabalho rural, podemos descrever as atividades possíveis ao homem do
campo através da classificação de quatro tipos de trabalhadores: o arrendatário, o parceiro, o
posseiro e o minifundista.
O arrendatário é o trabalhador que, para ocupar determinada porção de terra, paga em
dinheiro ao proprietário o aluguel desta terra. Este aluguel é conhecido como foro, denominando o
arrendatário de foreiro. Além do aluguel, o trabalhador também paga ao proprietário o cambão,
que é a concessão de alguns dias de trabalho gratuito. O parceiro também aluga uma porção de
terra para cultivar, contudo o pagamento deste aluguel é realizado através de uma parcela da
produção do trabalhador, do qual também são descontados os meios de produção fornecidos pelo
proprietário. Entretanto, se o valor do aluguel estipulado pelo proprietário não for atingido, este
deve ou ser pago em dinheiro ou na próxima colheita. O posseiro é o trabalhador que estabelece
moradia e trabalha em terras apossadas por ele e que não pertencem a ninguém, porém não eram
muitos os nordestinos nesta situação. Por fim, o minifundista é um pequeno proprietário que não
consegue obter excedente de produção para colocar no mercado, pois seus hectares de terra, que
vão de 1 a 10 hectares, são terras exíguas devido ao excessivo tempo de cultivo sem adubação.
Desta forma, o pequeno proprietário não é capaz de prover o sustento de sua família apenas com o
92
trabalho em sua propriedade, sendo então obrigado a trabalhar simultaneamente como assalariado
nas terras de um grande proprietário. (BASTOS, 1984).
É importante ressaltar que além dessas possíveis atividades, em períodos de seca há
também na região uma outra opção de trabalho bastante procurada pelos flagelados: as famosas
obras públicas. Tais obras tinham como principal objetivo empregar inúmeros flagelados sem
trabalho e, desta forma, possibilitar a sua sobrevivência e de sua família. Contudo, debates na
Câmara dos Deputados ressaltavam de forma bastante ilustrativa este caráter do trabalho no
Nordeste em períodos de seca como ações públicas não muito eficazes, pois a oferta de trabalho
era restrita e os salários muito baixos. Desta forma, além de descrever a situação, é também
interessante expô-la da maneira que era debatida pelos deputados, como o fez Nelson Carneiro
(sem partido – BA) e Aliomar Baleeiro (UDN – BA) na Sessão da Câmara de 28 de março de
1951, quando citam o grande número de desempregados no Nordeste em decorrência da ausência
de serviços federais na região, respectivamente:
“Enquanto V. Exa situa bem a necessidade de serem incrementados os
serviços federais, notícias da Bahia informam que cerca de 25 mil pessoas
ficarão ali sem emprego, somente nos serviços ferroviários. Foram mesmo
exonerados 600 funcionários da Estrada de Rodagem Feira de Santana à
Capital. O problema da seca é agravado com o da fome e o da miséria dos
trabalhadores nacionais.” (p. 391)
“Desejava trazer ao conhecimento da Casa, já que V. Exa está tratando do
assunto, que tenho recebido numerosos telegramas de meu Estado a respeito
das secas. E lá, além do flagelo da natureza, há medidas do governo
suprimindo a aplicação de verbas federais nas obras ferroviárias e
rodoviárias. Isso trouxe como conseqüência, desde já, o desemprego de
12.000 pessoas que sustentam, provavelmente umas 40.000.” (p.421)
93
No mesmo ano, o deputado Adail Barreto (UDN – CE), na Sessão da Câmara de 1 de
junho, discuti o valor dos salários pagos aos trabalhadores das obras do DNOCS (Departamento
Nacional de Obras Contra a Seca), e os compara aos preços de produtos de primeira necessidade,
como feijão, arroz, farinha, carne e açúcar, ressaltando que com tais salários o trabalhador não
tinha condições de comprar ao menos sua alimentação básica.
“Neste ensejo, gostaria sobretudo de declamar contra a miséria das diárias
que estão sendo pagas aos trabalhadores das obras em execução. Calculem
os Srs. Deputados que para solteiros é fixada a diária de Cr$ 12,00 e aos
casados, em geral pais de numerosa prole, como é muito comum no
Nordeste, paga-se a diárias ínfimas de Cr$ 14,00. É bem de ver-se que diária
tão mesquinha não dá, de forma alguma, para o custeio das despesas de
manutenção dos trabalhadores e suas famílias. Os preços dos gêneros de
primeira necessidade no Ceará são talvez dos mais caros das zonas
flageladas. Vou citar alguns, para conhecimento da Câmara: feijão – Cr$
3,50; arroz – Cr$ 5,00; farinha – Cr$ 3,80; a carne do Rio Grande do Sul,
conhecida no Ceará como jabá – Cr$ 17,00; açúcar – Cr$ 5,00 ...a diária
miserável que o Departamento de Obras Contra as Secas está pagando não
dá, em absoluto, para a manutenção dos operários que, famintos e
esperançosos, procuram aqueles serviços.” (p. 257)
No mesmo sentido de enfatizar os baixos salários dos trabalhadores nordestinos e de
compará-los ao valor de alguns alimentos, o deputado Teodorico Bezerra (PSD – RN) e o
deputado Alencar Araripe (UDN – CE), na Sessão de 4 de junho de 1951 e 28 de março de 1952,
respectivamente, também ressaltam, em tom de reivindicação, a desigualdade entre o Nordeste e o
Centro-Sul do país:
“Enquanto os magnatas gozam boa vida nas grandes capitais do Sul, os
nossos trabalhadores lutam para ganhar a importância de 10 a 12 cruzeiros
por dia, quando encontram serviço. E, no entanto, uma rapadura custa Cr$
2,50; um litro de farinha Cr$ 3,00; um litro de feijão Cr$ 7,00.” (p. 334)
94
“Sr. Presidente, o governo não perde oportunidade para demonstrar que a
desigualdade de recursos importa em desigualdade de tratamento no seio da
comunidade nacional. Não faltam demonstrações de que pouco lhe interessa
a sorte das populações subdesenvolvidas. Vejam-se as iniciativas em torno
do socorro às vítimas da seca, que veio de 1951. Paga-se salário de fome ao
trabalhador – Cr$ 16,00 por dia, sujeito a fornecimento, que por sua vez
chega a ter em atraso durante 6 meses o recebimento de contas. Tenham em
vista os preços dos cereais – litro de feijão, Cr$ 8,00; de farinha, Cr$ 5,00. O
dinheiro chega a vencer juros de 40%! Tudo isso ocorre porque o Governo
nem sequer paga em dia os serviços que manda executar com recursos que
fazem parte da caixa de assistência à região. Com salários tão minguados,
que os juros resultantes da demora nos pagamentos ainda mais reduzem, e
os preços exorbitantes dos fornecimentos, é claro que ao invés de se fixar o
homem do campo na terra, se afugenta o mesmo.” (p. 479)
Em fins de 1952, após já dois anos de seca, o deputado Aluísio Alves (UDN – RN), na
Sessão da Câmara de 11 de novembro, discute uma questão ainda mais prejudicial aos
trabalhadores nordestinos que os baixos salários. O deputado descreve, além do desemprego, os
vales pagos como salários pelo governo federal aos trabalhadores das obras públicas, ou seja,
papéis que declaravam os dias trabalhados e que tinham como objetivo serem trocados pelo
governo por seus respectivos valores em dinheiro. Contudo, era muito demorada a realização
desta troca, demora que chegava a atingir um ano, segundo o deputado. Desta forma, os
trabalhadores trocavam seus vales por dinheiro no comércio - com ágio de 20% a 30% - e/ou por
gêneros alimentícios, que, com o passar do tempo, já não eram mais suficientes para abastecer os
trabalhadores. Sendo assim, os barracões que forneciam tais gêneros alimentícios passavam a
depender exclusivamente do governo para recebê-los e, no momento de repassar aos
trabalhadores, vendiam a preços mais altos que no comércio local, onde os produtos eram de
melhor qualidade. Neste contexto, o trabalhador acabava comprando com seu vale o alimento
disponível no barracão, que poderia ser somente de um tipo, o que lhe obrigava a caminhar até
mesmo à outra cidade para trocar o saco de alimento no comércio por outros gêneros. Porém,
95
nesta troca seu salário era ainda mais desvalorizado, chegando a valer metade do que realmente
valia inicialmente. Na descrição do deputado podemos perceber os detalhes desta trágica situação:
“Em virtude da seca, milhares dos seus homens se acham desempregados,
sem trabalho na agricultura e na criação. Até mesmo aqueles serviços que o
Governo mandou realizar, para atender a essa situação, estão sendo
executados, porém os operários que neles trabalham não recebem o seu
salário em dinheiro. O que ocorre, então? O operário, em vez de salário,
recebe uma vale, ou seja, um papel com a declaração de que trabalhou tantos
dias e tem tanto a receber. O salário em média é de 14 a 18 cruzeiros.
Recebido o salário em vale, inicialmente trocavam-no no comércio local das
proximidades da obra pública, com ágio de 20 a 30%... Entretanto, demora
tanto o Governo a pagar que o próprio comércio local imobilizou seus
pequenos capitais e já não pode atender às solicitações, aos apelos dos
operários. Começou, então a trocar esses vales por gêneros de primeira
necessidade... Tive até a oportunidade de verificar o seguinte: um operário
que recebia numa semana um vale de Cr$ 180,00 ia a um barracão e lá, em
troca desse vale, obtinha um saco de milho no valor de Cr$ 180,00. Daquela
quantia, ainda descontava a parte relativa ao lucro do barracão, na medida de
20 a 30%. Enquanto isso, na mesma hora, o milho de melhor qualidade
estava sendo vendido, no comércio local, a Cr$ 120,00. E o operário, que
não podia comer o milho, tinha de levar aquele saco até a cidade próxima e
trocá-lo por outros gêneros; mas só conseguia, no comércio local, por aquele
saco de milho, CR$ 90,00 ou Cr$ 100,00, pois o comerciante estava
vendendo produto de melhor qualidade a Cr$ 120,00 e tinha que fazer o seu
lucro nessa base, isto é, receber o saco de milho do operário a Cr$ 90,00 ou
Cr$ 100,00. Em conseqüência, o salário que era de Cr$ 16,00 diários, ficava
reduzido, logo aí, a Cr$ 8,00, porque a metade, precisamente a metade, era
perdida pelo operário na permuta do milho recebido do barracão com outros
gêneros adquiridos no comércio.” (p. 65-66-67)
Sucintamente, pode-se dizer que a descrição destes debates na Câmara dos Deputados
evidenciam os baixos salários pagos aos trabalhadores nordestinos - em média de 10 à 16
cruzeiros por dia -, os pagamentos realizados em vales, os atrasos dos salários e os altos preços de
produtos de primeira necessidade. Além disso, evidenciam também o contraste que os deputados
nordestinos faziam em relação à região das secas e o Centro-Sul do país. Desta forma, todo este
quadro, ou fatores de expulsão, afugentava – como disse o deputado Alencar Araripe – os
96
sertanejos de suas terras em busca de melhores condições de vida e oportunidades, as quais já
eram procuradas nos grandes centros atrativos do Nordeste e que também passaram a ser
maciçamente buscadas em áreas urbanas do Centro-Sul do país e, em especial, em São Paulo.
Em relação à migração intra-regional, pode-se dizer que, especialmente em períodos de
seca, as cidades e regiões mais desenvolvidas do Nordeste recebiam um grande contingente de
flagelados em busca de melhores condições de vida. Os sertanejos deixavam o chão árido e o
trabalho quase inexistente do campo para tentar a sobrevivência em grandes centros urbanos.
Especificamente na seca de 1951 – 1953 não foi diferente. As três grandes cidades da região -
Recife, Salvador e Fortaleza - eram grandes centros atrativos que recebiam muitos migrantes
vindos de cidades menores ou de centros rurais, acentuando, desta forma, o processo de
urbanização nordestina e resultando no fenômeno de inchação dos grandes centros (pois não havia
instalação e elevação dos níveis de equipamentos urbanos ou desenvolvimento industrial na
mesma proporção do incremento demográfico). O deputado Arruda Câmara (PDC – PE), na
Sessão da Câmara de 23 de fevereiro de 1953 ressalta esta questão:
“Sr. Presidente, sabe V. Exa, e sabe a Câmara, que não é de meus hábitos
exagerar os quadros dolorosos da vida do nosso povo. Mas, como dizia, se
Deus não nos socorrer com chuvas dentro de poucos diais, ou e o Governo
não tomar as providências urgentíssimas que se impõem, vamos ver levas de
500, 600 e 1.000 famintos invadindo as cidades e as próprias capitais dos
Estados.”(p. 79)
As cidades nordestinas que recebiam os migrantes no período de seca, além de sofrerem
com a incapacidade de recursos para comportarem os retirantes, sofriam também com as ameaças
de saque, o que fazia muitos comerciantes fechar as portas de seus estabelecimentos preocupados
97
com a chegada de inúmeros flagelados famintos. VILLA enfatiza esta situação em alguns estados
do Nordeste ao discutir a persistência da seca no ano de 1952:
“No Ceará a situação no sertão era calamitosa. As cidades médias já
estavam com suas provisões esgotadas. Milhares de retirantes tinham recém
chegado a Fortaleza – engrossando ainda mais o número de famintos – e o
comércio fechava as portas a cada ameaça de saque. Na Bahia repetiam-se
as ameaças e os saques... Na Paraíba, segundo o governador José Américo,
cidades tinham sido invadidas por flagelados, prefeituras eram cercadas
pelos retirantes e feiras estavam sendo saqueadas.” (op. cit., p. 168-169)
Contudo, como na maioria das vezes, o movimento populacional nordestino não se
restringiu à própria região das secas. O êxodo para São Paulo do país foi muito intenso,
deslocando, na maior migração da História do Brasil, como ressalta VILLA (2000), muitos
nordestinos para a região onde o desenvolvimento industrial e seus postos de trabalho atraiam os
migrantes, como enfatiza DURHAN:
“Em 1950, distinguiam-se, portanto, nitidamente duas zonas de emigração.
A primeira (que nos interessa neste trabalho), formada por uma vasta área
que engloba Minas Gerais, Bahia e os estados do Nordeste, caracterizada
por uma grande população rural, relativamente muito densa em termos dos
recursos técnicos de que dispõe e presa ainda a relações de trabalho
tradicionais. A emigração desta área corresponde certamente ao abandono
de sistemas econômicos pouco produtivos por uma população que procura
integrar-se no sistema capitalista-industrial em desenvolvimento no sul do
país.” (op. cit., p. 32)
Em 1951, primeiro ano de seca, o deputado Tenório Cavalcanti (UDN – Rio de Janeiro) –
nascido na região Nordeste, na Sessão da Câmara de 16 de maio, discute esta questão da atração
que o Centro-Sul do país, em especial São Paulo, exercia sobre os flagelados. Segundo o
98
deputado, ir para São Paulo era um sonho dos nordestinos, pois acreditavam que neste lugar
teriam a oportunidade de ganhar dinheiro:
“É preciso que se dê a esse homem oportunidade, estimulo, prêmio, meio
para fixar-se, acabando, assim, com o sonho do nordestino, de viver a
pensar nas ilusões do sul, com se vê comumente os país a aconselhar: ‘meu
filho, cresce depressa para ir ganhar dinheiro em São Paulo’. Isso porque
São Paulo não sai da mente do sertanejo, que só serve para trabalhar, morrer
de fome, e sede, e nas eleições votar no partido do governo, quando sabe
ler.”(p. 151)
No mesmo sentido de ressaltar a visão que os nordestinos tinham do Centro-Sul, o
deputado Jaime Teixeira (PDS – Bahia), na Sessão de 12 de fevereiro de 1952, comenta uma carta
de um ex-prefeito de um dos municípios da Bahia sobre as condições dos flagelados e, dentre
outras questões, discute também a visão de ‘miragem de bons salários’ que os nordestinos tinham
em relação à região em grande desenvolvimento do país, o que atraía os migrantes sem trabalho e
sem condições em suas terras:
“Sem um plano de serviços permanentes, quer no setor da agricultura, quer
no da viação, sofremos por isso mesmo; muito acentuadamente, a falta de
meio com que amparar o braço desocupado, em conseqüência das
circunstâncias atinentes aos fenômenos climáticos. Ora, o Sul oferece a
miragem de bons salários, que ficar fazendo aqui este homem quando
apenas lhe ronda a casa a fome e a miséria? Como detê-los, nós que com
isso sofremos tanto, se não dispomos de recursos previstos em tempo, e em
condições sensatas e racionais?” (p. 87)
Diante das discussões sobre os bons salários e o sonho do nordestino de buscar melhores
condições de vida e melhores oportunidades de trabalho, é importante ressaltar que as diferenças
em relação aos trabalhos no Nordeste e em São Paulo não se restringiam à questões salariais.
99
Alguns trabalhos urbanos buscados pelos nordestinos - que, como já foi enfatizado, estavam
passando na década de 1950 a redirecionar suas migrações para regiões urbanas - contavam com
direitos trabalhistas regulamentados em leis que os trabalhadores rurais nordestinos não possuíam,
como salário mínimo, seguro contra acidentes, aposentadorias e pensões. Como descreve
ARAÚJO (1992 p. 97), “O trabalhador-cidadão ainda continuava uma categoria restrita aos
trabalhadores industriais.”
Este trabalhador-cidadão, descrito pela autora, surgiu no primeiro governo de Getúlio
Vargas (1930-1945), quando foi implantada no país a legislação trabalhista. Pode-se dizer que foi
um período de grande avanço na área dos direitos sociais do trabalhador. Contudo, o trabalhador
rural permaneceu desprovido destes direitos, os quais somente protegiam alguns dos trabalhadores
urbanos, deixando à margem das leis trabalhistas também os trabalhadores autônomos e
domésticos. Desta forma, uma das propostas de campanha de Vargas para seu segundo governo
era estender ao trabalhador do campo as leis trabalhistas, como também explicita em sua primeira
Mensagem Presidencial de seu segundo mandato (descrita abaixo). Porém, nos anos que se
seguem de seu governo, os direitos do trabalhador rural não foram mais discutidos nas Mensagens
Presidenciais e nem efetivamente implementados
14
:
“Atenção especial será dada aos complexos problemas do trabalho agrícola,
a fim de levar ao homem do campo todo o benefício da legislação trabalhista
social e liberá-lo das condições presentes de inferioridade. Para isso, o
Executivo aguarda com ansiedade a lei agrária, ainda em estudos no
Congresso Nacional, a fim de que se possa ajustar a atividade dos
trabalhadores rurais ao sistema de proteção já aplicado aos empregados na
indústria e no comércio. Não pode o operário rural, que tanto contribui para
o fomento da riqueza pública e particular, permanecer à margem dos
postulados do nosso direito social, inspirados nos sentimentos de
humanismo cristão que marcaram de tanta generosidade e grandeza os anais
da vida nacional.”(p.224)
14
No segundo governo Vargas foi criado o Serviço Social Rural, que segundo ARAÚJO (1999) foi o “embrião tímido
de uma assistência ao trabalhador do campo.” (p. 109)
100
Dentro desta discussão, é importante ressaltar, através de uma passagem de ARAÚJO, a
conotação paternalista e autoritária do governo federal ao defender o trabalhismo:
“Todo o discurso de Vargas em defesa do trabalhismo era, de fato, uma
forma indireta, porém clara, de reduzir a massa dos trabalhadores a uma
posição politicamente secundária, desvinculada de uma inserção partidária
mais sólida e atrelada a sindicatos cuja atuação se dava na exata medida do
consentimento do Estado.” (ibid., p.103)
Esta questão político-estratégica, característica do governo do ‘pai dos pobres’, é de grande
importância no debate sobre o trabalhismo no Brasil desde suas conquistas até suas limitações
impostas pelo Estado. Contudo, dentro dos limites deste trabalho, nos restringiremos ao
comentário de ARAÚJO (1992), o qual já provem o presente estudo ao menos com uma pequena
referência sobre o trabalhismo no segundo Governo Vargas. O que realmente nos interessa aqui é
ressaltar as diferenças das condições de trabalho no Nordeste - que era em grande parte o trabalho
rural e em obras públicas nos períodos de seca - e as condições de trabalho em São Paulo -
especialmente o trabalho urbano - que além de atraírem os migrantes pelos valores salariais,
podiam também possuir a proteção das leis trabalhistas, que, segundo SINGER (1973), também
faz parte das aspirações dos migrantes.
Temos então até o presente momento desta pesquisa características do Centro-Sul do país,
mais especificamente de São Paulo, no período do segundo governo Vargas, que atuaram como
fatores de atração aos migrantes nordestinos ao mesmo tempo em que certas características da
região das secas atuaram como fatores de expulsão aos migrantes. Como já foi ressaltado, tais
especificidades do lugar de origem e de destino construíram um contexto que favoreceu o grande
movimento populacional de nordestinos para São Paulo, o qual pudemos constatar nos dados aqui
analisados.
101
Desta forma, já tendo por base tais valores e os principais fatores de expulsão e atração
dos migrantes, no próximo Capítulo discutiremos a vinda dos nordestinos para São Paulo e suas
repercussões, especialmente no cenário político, a fim de melhor contextualizarmos esta grande e
importante migração de meados do século XX.
102
5. A VINDA DOS MIGRANTES NORDESTINOS PARA SÃO PAULO
Buscando melhores condições de vida em São Paulo e fugindo das precárias condições da
região Nordeste, ou seja, impulsionados pelos fatores de atração e expulsão, os migrantes
nordestinos enfrentavam uma longa e difícil viagem, sem nenhum apoio oficial, em navios, trens
ou caminhões, como é descrito na revista O Cruzeiro, de 21 abril de 1951, em uma reportagem de
Álvares da Silva, sob o título de “A tragédia dos deslocados nacionais - Sertanejos no asfalto”:
“Pelo asfalto das grandes cidades do sul se arrastam os sobreviventes da
contínua retirada da fome... Eles vieram, apertados como animais nos
vagões de carga, nas segundas classes dos trens. Ou empilhados, como aves
em engradados, nos caminhões que o povo já batizou de paus-de-arara. Ou
jogados, como fardos, nos porões de terceira dos navios costeiros. Muitos
ficam pelos caminhos. As estradas que descem do norte estão salpicadas de
cruzes toscas e solitárias que logo o matagal encobre.” (p. 15)
Em uma outra reportagem da revista o Cruzeiro, também de Álvares da Silva, sob o título
“Arigos em paus-de-arara – A fuga da seca e da miséria”, de 12 de abril de 1952, é descrito mais
especificamente uma das principais rotas feitas pelos migrantes rumo a São Paulo. Segundo o
repórter, os migrantes iam de trem, caminhão ou até mesmo a pé para Monte Azul (divisa da
Bahia com Minas Gerais), onde compravam passagem de segunda classe para a Estação
Roosevelt, em São Paulo, por 94 Cruzeiros. Entretanto, ESTRELA (2003, p. 113) ressalta que
apesar das possibilidades de outras formas de viagem até Monte Azul, os paus-de-arara eram
muito utilizados pelos migrantes. “Depois da década de 1920, a viagem de trem quase sempre
esteve associada à viagem de caminhão, os chamados paus-de-arara.”
Da estação de Monte Azul partia diariamente para São Paulo um expresso com dois carros
e um vagão, e de segunda e sexta-feira havia também um expresso noturno, os quais, durante o
103
percurso, se locomoviam muito devagar e viajavam bastante lotados, levando por volta de 250
passageiros por dia. Desta forma, os migrantes que tinham mais dinheiro e pressa de viajar
pagavam 260 Cruzeiros e faziam o percurso para São Paulo em primeira classe.
Um dos entrevistados de ESTRELA (2003), José Moreira, partiu de Caetité em 1954 e
viajou em pau-de-arara até Monte Azul. Chegando lá pegou um trem para Montes Claros, onde
passou a noite, e depois viajou para Belo Horizonte e de Belo Horizonte para São Paulo em
péssimas condições, como ele mesmo descreve:
“Posamos ali uma noite, tomamos banho, jantamos; fomos dormir. Uma
porção de pernilongos, que parecia um enxame de abelha, de noite... No
outro dia de manhã, apanhamos um outro trem até Belo Horizonte.
Passamos para um terceiro trem até São Paulo.” (ibid., p. 108)
“E aquela viagem, né? Horrível, o trem muito lotado, sem condições de
nada. Banco duro, de madeira, não tinha lugar pra todo mundo. Uns sentava
na trouxa do outro, nem mala tinha, era o saco. Saco era trouxa mesmo.
Criança chorando.” (ibid., p. 109)
Uma outra entrevistada de ESTRELA (2003), Rosa Terêncio, sempre viajou de Monte
Azul para São Paulo em primeira classe. Porém, certa vez conta que entrou no vagão de segunda
classe e ficou horrorizada com o que viu:
“Uma tristeza, as cadeiras... de madeira, tábua e aquilo cheio, cheio e eles
com excesso de bagagem, as comidas tudo em volta. Iam comendo aquelas
farofas e aquela ossada no pé, e menino sujando, e não tinha restaurante pra
eles nem nada. Simplesmente pediam água, aquele pessoal que trabalhava
fornecia água, vaso grande de água... mas uma tristeza... aquela imundície.
Gente doente, mas uma tristeza. O trem cheio. Cheiíssimo.” (ibid., p. 109)
104
Apesar do desgaste físico que tais descrições evidenciam em relação às viagens,
ESTRELA (2003) ressalta que o percurso também gerava desgaste emocional, resultando até
mesmo em perturbação mental. Segundo um ferroviário que entrevistou, era comum os
passageiros se jogarem do trem. Jaime Soares Mota, o ferroviário, descreve uma dessas cenas que
ele mesmo presenciou:
“Uma mulê estava assim numa cadeira sentada assim junto comigo. Num
instantim, ela se levantou, assim como coisa que tava dormindo, e foi se
meter pela janela, né? Aí, o home levantou e ainda pegou ela pela perna,
ainda puxou, ainda cortou assim no vidro na classe. Se joga assim de
repentim.” (ibid., p. 111)
Além do desgaste físico e emocional, os migrantes ainda enfrentavam durante a viagem a
fome e, conseqüentemente, enfermidades e até mesmo a morte, pois, como já foi brevemente
descrito por Rosa Terêncio, durante todo o percurso para São Paulo os nordestinos tinham acesso
a uma parca alimentação, ou seja, farinha e rapadura, que era o que basicamente levavam
consigo. Entretanto, na reportagem de Álvares de Silva “A tragédia dos deslocados nacionais -
Sertanejos no asfalto”, é descrito um acontecimento ocorrido durante uma dessas viagens que o
repórter considera como algo ainda mais trágico do que a fome, além de evidenciar as precárias
condições em que os migrantes viajavam:
“Um deslocado viajava em carro apinhadíssimo de passageiros. Estava de
pé, com um filhinho nos braços, enquanto a mulher, sentada cuidava dos
outros. Fora empurrado até a janela e ocupava um pequeno espaço. Moído e
cansado, quando cochilava, recebeu involuntário e imprevisto empurrão, e
deixou escapolir o garotinho pela janela do trem em movimento. O homem
ficou louco, com razão, e saltou pela janela também. Foi dado o alarma. O
trem parou. A criança morrera da queda. O homem se ferira também, pois
caíra sobre pedras. E veio ele chorando, ao longo dos trilhos, com o
cadaverzinho nos braços.” (p. 22)
105
O repórter ainda ressalta que, além das precárias condições das viagens, durante a espera
na estação a situação dos migrantes também era péssima. Isto porque em Monte Azul a venda
diária de passagens para São Paulo ocorria dentro de uma certa cota devido ao pequeno número de
carros de segunda classe. Desta forma os migrantes eram muitas vezes obrigados a ficar em Monte
Azul por até uma semana, resultando em enormes filas nas bilheterias, acampamentos
improvisados e, com o fim da farinha e da rapadura, em fome e tudo o mais que ela pode
acarretar.
A longa espera em Monte Azul também prejudicava os migrantes financeiramente, pois
acabavam sendo obrigados a gastar o exato dinheiro que tinham para chegar até São Paulo. Desta
forma muitos ficavam sem condições de chegar em seu destino ou voltar para sua cidade, como é
descrito na reportagem “Arigos em paus-de-arara – A fuga da seca e da miséria”:
“Muitos jovens da região da Bahia fazem o seguinte cálculo para atingir São
Paulo: 100 cruzeiros para a viagem inicial de caminhão, 94 cruzeiros para a
passagem Monte Azul – São Paulo, e mais alguns cruzeiros para o passagio.
Assim calculam chegar ao Eldorado com uma despesa mínima de 250
cruzeiros. Mas erram no cálculo, porque se esquecem da espera em Monte
Azul. Se ali passam uma semana, gastam na pensão o dinheiro da passagem
e do passagio. Procuram trabalho e geralmente não encontram. E ficam
naquela situação angustiosa: não podem voltar para o Norte, nem vir para o
Sul.” (p. 90).
Sobre Monte Azul, mais especificamente sobre seu distrito, como é descrito ainda na
mesma reportagem, o repórter conta que esta era uma pequena cidadezinha com 2.270 habitantes e
muitas pensões e rancharias. Contudo, devido ao grande êxodo para São Paulo, muitas vezes o
número de migrantes esperando a oportunidade de embarcar ultrapassava o número da população
local. Desta forma, alguns migrantes, para fugirem da espera, fretavam caminhão para ir até a
estação de Montes Claros (Minas Gerais), onde a concentração de pessoas era menor.
106
“O distrito da cidade de Monte Azul conta 2.270 habitantes. A cidadezinha
tem mais pensões e rancharias (18) do que ruas (17). Por vezes a
concentração de retirantes em torno da estação superava a população
permanente no lugar. No ápice da crise de fuga, Monte Azul já presenciou a
concentração de 2.000 e 4.000 retirantes.” (p.90).
Em Belo Horizonte a situação dos migrantes que passavam por lá com o objetivo de
chegar ao Centro-Sul também era muito difícil. Num exemplo bastante ilustrativo de Álvares de
Silva, na reportagem “A tragédia dos deslocados nacionais – Sertanejos no asfalto” são descritas
as dificuldades enfrentadas por eles na estação da Central do Brasil (em Belo Horizonte):
“Uma noite dessas, deparou-se-nos um quadro inesquecível no pátio da
estação da Central do Brasil em Belo Horizonte. Regressávamos de uma
viagem de subúrbio. Era meia-noite. Na plataforma havia uma galeria de
fantasmas. Eram os deslocados – homens, mulheres e crianças – enrolados
em lençóis, em panos brancos, tentando conciliar o sono, no ladrilho, no
cimento, nos bancos, tendo malas e sacos por travesseiro... Um funcionário
ferroviário chegou e disse: - ‘Isso que está aí é apenas uma parte. Isto é, a
parte que não teve sorte. No albergue não cabe todo mundo. De maneira que
mais da metade tem de dormir aqui... Acho que esse ladrilho, essas beiras de
muro, esses bancos da estação já estão gastos e polidos é de tanto ‘retirante’
que dormiu por aí, à espera do trem que vai para São Paulo... Agora, além de
padecerem na viagem, e tem gente que está viajando há mais de vinte dias,
chegam aqui e às vezes não encontram lugar para dormir... E sabe o que
aconteceu aqui uma vez? Os trens andavam atrasados e a concentração foi
ficando muito grande. Então o Prefeito de Belo Horizonte mando vir aqui
uma ‘vaca leiteira’ e distribuiu leite para todo mundo. Pois olhe, quase
todos os retirantes adoeceram...’” (p. 22)
Contudo, apesar das péssimas condições de espera e das viagens de trem, o repórter ainda
destaca que a possibilidade de tais viagens evidenciava o progresso do Brasil:
“Ainda bem que um trabalhador, expulso por uma conspiração da natureza
ou atraído pela melhor remuneração, já pode viajar de Pernambuco a São
107
Paulo, quase que somente em cima de trilhos. Sinal de que o Brasil
progrediu. Mas, vinte anos atrás, conhecemos uma turma de piauienses
duros, que bateram a pé de São Raimundo Nonato (sul do Piauí) à Serra do
Mar, em São Paulo. Inacreditável? Mas pode crer: A PÉ!” (p. 20)
É importante ressaltar que além dos trens, como já descrito, no início da década de 1950
um outro meio de transporte estava sendo também muito utilizado pelos migrantes afim de
chegarem em São Paulo: os caminhões. Estes, conhecidos como paus-de-arara, transportavam
grande número de passageiros pela rodovia Rio-Bahia, a qual, segundo BORGES (1955, p. 16)
propiciou “uma nova e importante via de escape aos migrantes.” O autor também ressalta que ano
a ano o número de migrantes vindo para São Paulo pela Rio-Bahia aumentava cada vez mais:
“Assim, em 1950 somente 12% dos migrantes entravam em São Paulo por rodovia; em 1951 cerca
de 20%; e em 1952 nada menos de 38%.” (p. 16)
O valor de 1951 citado por BORGES (1955) pode ser confirmado em uma reportagem da
revista O Cruzeiro, de Jorge Ferreira, de 19 de abril de 1952, intitulada “Retirantes em São Paulo
– Gado Humano”, onde o repórter ressalta que “A estrada de rodagem Rio-Bahia passou a ter
importância capital na migração.” (p. 68). Na reportagem, a porcentagem em relação a 1951 acima
citada é descrita em dados absolutos, descriminando tamm o número de nordestinos que vieram
para São Paulo por via marítima e estrada de ferro:
108
Tabela 14: Vias pelas quais os migrantes nordestinos entravam em São Paulo em 1951
Fonte: O Cruzeiro – Retirantes em São Paulo,
19-04-1952, p. 68
Segundo os repórteres Mário de Moraes e Ubiratã de Lemos, na reportagem da revista O
Cruzeiro, “Uma tragédia brasileira – Os paus-de-arara” de 22 de outubro de 1955, a rodovia Rio-
Bahia, com 1.589 Km da capital federal (Rio de Janeiro no período em questão) até Feira de
Santana (Bahia), transformou-se num cemitério:
“A Rio-Bahia transformou-se num cemitério. Suas curvas são assinaladas
por cruzes. E cada cruz é uma história: caminhões que perderam o freio e se
chocaram com barrancas, outros que saltaram da estrada nos abismos
laterais, outros que pegaram fogo, explodiram.” (p. 76)
Pela Rio-Bahia
15
, rodovia ainda não pavimentada até 1968, trafegavam dezenas de
caminhões diariamente que, seguindo para o Rio de Janeiro e para São Paulo, transportavam
muitos migrantes nordestinos de todas as idades, em condições de superlotação e precariamente
adaptados para o transporte de passageiros. É interessante ressaltar que tais características
15
Segundo ESTRELA (2003), a abertura da Rodovia Rio-Bahia foi concluída em 1949 e sua pavimentação foi
completada por volta de 1968, quando se deu efetivamente a mudança do itinerário dos migrantes que se deslocavam
para São Paulo. “As estações de Monte Azul e de Montes Claros vão aos poucos deixando de fervilhar com a presença
dos baianos.” (p. 119)
N%
Ferroviária 163.310 78,32%
Rodoviária 42.250 20,26%
Marítima 2.955 1,42%
Total
208.515 100,00%
1951
Vias/Ano
109
favoreceram para que estes caminhões passassem a ser chamados de paus-de-arara, como ressalta
VILAÇA:
“Têm-se três explicações de se chamar o caminhão de retirantes ‘paus-de-
arara’, anteriormente referidas por jornalista pernambucano, Zilde
Maranhão, quando, pela primeira vez, um repórter camuflado de igual
passageiro fez a viagem Pernambuco-Rio, contando-a mais tarde em jornal:
seria porque arara é termo também usado nos sertões para designar
atoleimados e os retirantes assim eram tidos; seria porque a armação de
madeira e a lona colocada nos caminhões lembram a engenhagem feita para
papagaios e araras, comuns nas casas do interior , daí o apelido para o
caminhão e, mais tarde, para os nordestinos, indistintamente; seria porque,
ainda levando em consideração o gradil, assemelhar-se-iam os retirantes, a
araras, agarradas aos paus.” (1987, p. 81)
Mais especificamente, podemos descrever os paus-de-arara como caminhões geralmente
velhos e em más condições, no qual 8 tábuas em média eram colocadas para servir de assentos e,
em alguns, lonas eram utilizadas como cobertura a fim de “proteger” os passageiros. Isto era tudo
que era feito para precariamente adaptar tais caminhões ao transporte de seres humanos, que,
tumultuados entre malas e gente, viajavam em média de 8 à 14 dias em pequenos e
desconfortáveis espaços - os quais, quanto mais reduzidos, maior seria o lucro do dono do
caminhão.
Em relação às viagens, segundo ESTRELA (2003, p. 115), “À semelhança da viagem de
trem, o deslocamento em caminhão ou pau-de-arara era muito penoso... A imobilidade e as
sacudidelas provocavam nos viajantes inchaço nas pernas e problema nos rins.” Além disso, a
autora também ressalta que durante o percurso os retirantes sofriam com a desinteira e com a
fome, que muitas vezes levavam à morte, pois, como nas viagens de trens, a alimentação que os
migrantes carregavam consigo era muito precária. Contudo, durante as viagens de caminhão era
110
possível fazer paradas e preparar alguns alimentos levados com os retirantes ou comprados no
caminho.
As condições de higiene durante a viagem eram outra característica do percurso nos paus-
de-arara também bastante precária, como descreve VILAÇA:
“As condições de higiene nessas travessias são as mais contundentes.
Chegam aos sessenta os que viajam, inclusive os meninos aceleradores da
fedentina, às vezes insuportáveis, provocadora de protesto nos lugares em
que escala o caminhão mal cheiroso. Na viagem os adultos atendem às
necessidades fisiológicas em sanitários dos postos de abastecimento ou
‘indo no mato’, nas paradas, geralmente, de três em três horas. Quando ‘vão
ao mato’, convenciona-se, os homens tomam a margem esquerda da estrada,
as mulheres a da direita. Prefere-se ‘ir ao mato’ que às privadas por serem
essas sempre imundas e espalhadoras de doenças.” (ibid., p.81)
Os farrapos que os migrantes vestiam quando chegavam no local de destino também estão
relacionados à precariedade das viagens, pois tais vestimentas, que já eram bastante precárias –
“trajavam, em geral, roupas de chita, brim e algodão, feitas artesanalmente” (ESTRELA, 2003, p.
133) – não resistiam às péssimas condições em que os migrantes viajavam.
“Os homens e as mulheres que saíam de seus locais de origem vestidos de
modo simples, mas limpos e asseados, durante o percurso se transformavam
em sujos e esmolambados andarilhos. Por isso, muitos paravam em
localidades mais prósperas para pedir roupas e calcados, visando continuar a
longa jornada.” (id. ibid., p. 133)
Ainda sobre esta questão, ESTRELA (2003) cita um ilustrativo trecho de uma matéria do
jornal A Folha da Manhã, de 5 de maio de 1953, que descreve a situação em que os migrantes
nordestinos chegavam em São Paulo, mais especificamente na Hospedaria dos Imigrantes:
111
“Centenas de inocentes seminus, espalhados pelos pátios ou nas salas frias,
tirintando sem agasalho porque no Nordeste não faz frio. Meninas com ralos
vestidos de algodão, encolhidas no colo das mães, chorando de frio,
buscando calor nos corpos magros e também sem agasalho das genitoras.
Meninos com calcinhas de brim, descalços, enfrentando a brusca mudança
de temperatura, sem ter uma roupinha de flanela, uma blusinha de lã para
vestir.” (“Seminuas, tremem de frio as crianças nordestinas no abrigo de
imigrantes.” Folha da manhã, 5-5-1953. In: ESTRELA, ibid., p. 134)
Contudo, ESTRELA ressalta que as viagens nos paus-de-arara apresentavam algumas
vantagens em relação ao transporte ferroviário:
“Era mais rápido e o passageiro tinha certa liberdade de escolha quanto à
freqüência das paradas e o tempo despendido em cada uma delas. Talvez
por isso a viagem de caminhão fosse mais alegre. Havia algazarra, e as
brincadeiras e o falatório eram uma constante.” (ibid., p. 115)
Além das más condições das viagens que os migrantes enfrentavam, muitas vezes eles não
eram levados pelos motoristas ao destino previsto, sendo deixados completamente desamparados
em cidades que não conheciam, sem dinheiro e sem condições de prosseguir viagem ou voltar.
Tais freqüentes acontecimentos ocorriam ou por vontade própria do motorista, que lucraria mais
reduzindo o percurso, ou por problemas do caminhão, que além de poder interromper a viagem
também representava grande riscos de acidentes. Todavia, é importante ressaltar que tais acidentes
também podiam acontecer por vários outros motivos, como negligência e inexperiência dos
motoristas, superlotação e precariedade da estrada.
“Há notícias de que muitos motoristas de paus-de-arara dirigiam muito mal
e não tinham noções de como funcionava o motor. Às vezes, os caminhões
faziam um trajeto bastante tortuoso até chegarem ao local de destino. Uma
das razões era que o pau-de-arara precisava estar completo para superar os
112
custos da viagem. Outra razão era que, sendo proibido o transporte de
passageiro em caminhões, o motorista usava de todos os meios para fugir
dos postos de fiscalização dos guardas, aquartelados nas rodovias federais
ou nos pontos de desembarque no local de destino, até mesmo ‘molhando a
mão’ dos ‘rodoviários’ e fiscais.” (id. ibid., p.117)
É importante ressaltar que multas pelo transporte de pessoas nas carrocerias dos paus-de-
arara e pelas más condições dos caminhões podiam ocorrer durante o percurso e até mesmo já em
Feira de Santana, ponto inicial da Rio-Bahia, tendo o valor de 500 Cruzeiros. Porém, isto não
resultava em grandes prejuízos ao dono do caminhão, pois o lucro com o transporte de no mínimo
60 passageiros compensava os possíveis “imprevistos” da viagem.
Na reportagem de Álvares da Silva “Arigos em paus-de-arara - A fuga da seca e da
miséria”, esta questão das multas aos paus-de-arara é discutida de forma interessante, pois o
repórter ressalta que apesar das possíveis multas, os gastos para transformar o caminhão em pau-
de-arara eram baixos, em média de 6.000 Cruzeiros apenas, resultando num lucro que variava
entre 20.000 a 30.000 Cruzeiros para o dono do caminhão, já que o valor da passagem era, em
média, de 500 Cruzeiros.
Segundo o repórter João Martins, na reportagem “A Retirada da Fome” da revista O
Cruzeiro de 14 de Abril de 1951, “Os proprietários e os motoristas dos caminhões de carga
descobriram uma autêntica mina de ouro no transporte dos sertanejos para o Rio e São Paulo, e em
conseqüência estão realizando uma verdadeira campanha de imigração.” (p. 22) O repórter
também enfatiza que já existiam empresas de transporte de migrantes em paus-de-arara
organizadas. Assim, muitos donos e motoristas de caminhão conseguiam fazer várias propagandas
da região Centro-Sul – as quais eram realizadas até mesmo em alto falantes de cidades do interior
nordestino – além de utilizarem agentes para conseguir mais migrantes, que segundo o Ministro
da Viação e Obras Públicas José Américo de Almeida, eram os culpados pela grande migração.
113
Desta forma o número de passageiros que conseguiam era grande, possibilitando que as multas
pagas pelos motoristas durante a viagem não prejudicassem os negócios, como é descrito na
mesma reportagem:
“Acontece que há um artigo no Código Nacional de Trânsito que proíbe o
transporte coletivo a veículos de carroceria aberta, sem portas de subida e
descida, sem bancos, etc, enfim, a caminhões de cargas. Para a infração
correspondente, prevê a multa de quinhentos cruzeiros. Não prevê nenhuma
medida em caso de reincidência. Ora, tal despesa não chega a prejudicar os
grandes lucros do negócio e os motoristas a pagam a cada viagem. O pior de
tudo é que a Polícia Rodoviária do 5º Distrito, sediada no entroncamento de
Feira de Santana e que tem a missão de patrulhar 360 quilômetros na Rio-
Bahia, 412 na Transnordestina e 45 na Feira Salvador não tem equipamento
adequado. ” (p.22).
Diante deste debate, é importante ressaltar novamente a reportagem “Uma tragédia
brasileira – Os paus-de-arara”, onde a viagem dos migrantes nordestinos aqui discutida é
detalhadamente descrita pelos repórteres Ubiratan de Lemos e Mário de Moraes, pois participaram
de uma dessas “aventuras” nos paus-de-arara pela Rio-Bahia, partindo de Salgueiro, sertão de
Pernambuco, até Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro.
16
Já em relação ao início da viagem os repórteres descrevem a chamada dos passageiros:
“Quem comprou passagem prô Rio e São Paulo pula logo no caminhão que nóis vamo virá
mundo.” (p. 71). 104 retirantes, entre homens, mulheres, idosos e crianças, estavam embarcando
por 500 Cruzeiros pagos na hora ou cobrados depois com juros - porém, para o pagamento poder
ser realizado depois, o passageiro deveria deixar seus documentos como garantia com o
16
Segundo Villa (2000), esta reportagem recebeu o prêmio Esso de Jornalismo e quase não saiu, pois ficou meses
aguardando publicação. “Como uma matéria paga, vinda de São Paulo, não chegou a tempo de ser publicada, o editor
resolveu tirar da gaveta a de Mário de Morais. Surgiu mais um problema: a reportagem de Morais tinha doze páginas,
e, como haviam sido reservadas oito para a matéria de São Paulo, o editor decidiu jogar no lixo as quatro páginas
excedentes.” (p. 171)
114
agenciador no momento do embarque, só podendo pegá-los novamente após o pagamento da
dívida.
Ainda sobre o começo da grande jornada, os repórteres deixam claro que tudo indicava
que teriam uma longa e difícil viagem no pau-de-arara, como já foi bastante evidenciado nas
outras reportagens, pois os passageiros não tinham ao menos espaço suficiente para se sentar nas
duras tábuas improvisadas ou para colocar seus pertences. Todos se ajeitavam da maneira possível
nos 30 centímetros quadrados que possuíam para acomodar seus braços, pernas e algumas
bagagens. Contudo, todos embarcavam esperançosos de conseguir trabalho e juntar dinheiro no
Centro-Sul do país.
“A nossa partida foi precedida de corre-corre maluco. Galgamos a carroçaria
ao lado dos velhos, mulheres e crianças, que lutavam para se ajeitar nas
tábuas farpentas, pregadas às pressas, e que serviram de bancos durante toda
a viagem. Quem não espremia roupas dentro de malotas ou sacos de farinha
de trigo, discutia por migalhas de espaço. E ao fim não se conseguia mais do
que 30 centímetros quadrados para arrumar o corpo, com pernas, braços e
tudo. O ajudante do caminhão – um arara carona – insultava a quem
reclamava a dureza das ripas. Os mais experientes amaciavam os bancos
com trapos. A bagagem foi distribuída por cima da cobertura de lona furada,
ou mesmo dentro da carroçaria. O nosso caminhão tomou o aspecto ridículo
de uma chocadeira: 7 pessoas em cada banco, o de trás com os joelhos
obrigatoriamente nas costas do da frente, imprensado pelos dois lados e
sentindo a tortura da quina das tábuas no osso da canela. Gaiolas,
encarcerando papagaios, pendiam da cobertura, e pequenas redes de
criancinhas balançavam sobre as cabeças da boiada humana. Mães
enfermiças pediam licença aos vizinhos: - Meu senhor, o senhor deixa eu
botá o meu menino nas suas costas? Ele não pesa nada não. ” (p.71)
Sobre o decorrer da viagem, em meio à insalubridade da carroceria, a choros de crianças,
cantorias para passar o tempo e breves refeições que consistiam de farinha com carne moída - que
chamavam de paçoca -, os repórteres descrevem o sofrimento e reclamações dos migrantes. Estas
eram basicamente dores nas pernas, pontadas nos rins e náuseas, além de tosses e espirros que
115
pioravam durante as noites frias ou dias chuvosos, quando a água acumulada na cobertura furada
da carroceria molhava todos os passageiros, formando uma grande confusão, pois todos tentavam
se proteger de alguma maneira.
Mais especificamente sobre as enfermidades, os repórteres citam uma mulher, que com
um filho nos braços e talvez grávida, passava muito mal, porém poucos a ajudavam:
“O estômago não lhe aceitava os alimentos. Tinha de expulsá-los a cada
instante. Fazia uma ginástica acima de suas forças. Galgava os ombros da
vizinhança, até alcançar o extremo da corroçaria, onde se entregava ao
suplício das náuseas. Brutalizados pela miséria vitalícia – por isso vacinados
contra a dor alheia – os “araras” olhavam indiferentemente ao sacrifício de
Alice. Apenas dois ou três homens se comoviam.” (p. 75)
Ressaltam ainda que a mesma senhora, num outro momento da viagem, reclamava muito
de dor nas pernas, pois não tinha espaço suficiente para poder esticá-las. Então os repórteres
contam que um garotinho lhe ofereceu uma possível e breve solução: “- Dona Alice, eu vou tirar a
perna do meu buraco e a senhora pode botar a sua dentro. Dá para esticar um pouco as juntas.
Depois a senhora me devolve o buraco, ouviu?” (p. 76)
Como este buraco oferecido pelo garoto à mulher, os repórteres descrevem algumas outras
soluções que eram buscadas pelos retirantes a fim de amenizar o martírio da jornada. Uma delas
era viajar com as pernas permanentemente do lado de fora da carroceria com o objetivo de reduzir
o problema da falta de espaço. Entretanto, deviam ficar bastante atentos nas curvas, quando o
caminhão passava muito perto das barreiras existentes na estrada, pois poderiam se machucar,
perder suas pernas e cair, já que os motoristas de paus-de-arara corriam bastante – quanto mais
rápidos fossem mais viagens fariam e mais lucros teriam.
116
Segundo os repórteres, um dos momentos mais dramáticos da viagem ocorreu quando o
toldo que cobria a carroceria do caminhão quase desabou sobre os passageiros e o motorista se
recusou a parar, dizendo que pararia na próxima cidade. Desta forma tiveram que sustentar o peso
do toldo, das malas que estavam sobre ele e até mesmo de uma máquina de costura que algum
passageiro levava consigo na viagem.
Os repórteres também não deixam de relatar os casos que os passageiros lhes contavam
sobre o sofrimento psicológico de outros migrantes diante de tanta precariedade: tinham os que
enlouqueciam durante a viagem devido à fome e às péssimas noites de sono; outros que,
desesperados, produziam vítimas, mães que eram obrigadas a sepultar seus próprios filhos pela
estrada, motoristas que tentavam violentar moças e até passageiros que desciam no meio da
viagem por não suportar tanto sofrimento, como aconteceu na viagem dos repórteres:
“Não podemos tampouco esquecer o episódio de uma noite, na fronteira
Minas-Bahia. Dez baianos insistiram para que o caminhão parasse.
Quebrando seus hábitos o motorista pisou nos freios. ‘– Que é que há aí em
cima? – A gente quer de volta o dinheiro das passagens. Ninguém agüenta
mais esse aperto. Nós vamos ficar na estrada. – Não devolvo o dinheiro. A
gasolina subiu muito e eu estou ‘limpo’.’ Mentiu, quanto à última parte, o
motorista. Mas os dez baianos não recuaram. Ficaram tiritantes na noite fria,
na estrada. Qualquer solução era negócio.” (p. 78)
Diante de tantos problemas e precariedade, é importante ressaltar que o motorista do
caminhão foi multado durante o percurso e obrigado a pagar 500 Cruzeiros ao policial. Todavia,
os repórteres viram o motorista entregando ao mesmo policial mais dinheiro além do valor da
multa. “Ficamos diante desse absurdo bem brasileiro: o tráfico de “araras” é proibido, mas
pagando a multa (e ‘molhando’ a mão dos guardas) o caminhão pode passar.” (p. 75) Desta forma
os lucros não eram prejudicados e futuras viagens não seriam impedidas de acontecer.
117
Ainda em relação ao percurso, os repórteres contam que o motorista fazia algumas bruscas
e breves paradas para que os passageiros pudessem esticar seus corpos comprimidos por horas nos
estreitos espaços da carroceria do pau-de-arara, dormir um pouco, lavar algumas roupas ou comer
e beber alguma coisa. Contudo, ressaltam que nestas paradas o tempo de sono era de no máximo
duas horas, a água bebida pelos passageiros era na realidade um líquido leitoso que parecia
magnésia e que a alimentação era basicamente paçoca, ou seja, farinha com carne moída, que era
a mais comum refeição da maioria dos migrantes, pois poucos tinham dinheiro para poder almoçar
nas pensões que existiam no caminho.
“Noventa por cento dos flagelados não puderam enfrentar o preço alto das
pensões do caminho, onde se serve, todo santo dia, bode torrado, bode
assado, bode guisado com farinha de mandioca e arroz. De cócoras – dentro
do caminhão ou à beira da estrada – os “araras” comiam na boca do saco a
“paçoca” indigesta, especialista em azia e dor de barriga. Havia alguns
mastigando requeijão de leite de cabra, lembrança gostosa do torrão. As
pensões (que usam esse nome por não terem inventado outro) são bodegas
imundas, com tapetes voadores de moscas, pratos rachados, talheres
enferrujados, toalhas ensopadas de gordura de bode.” (p. 76)
Entretanto, o cenário de miséria não era apenas visto entre os passageiros do pau-de-arara.
Os repórteres contam que mendigos pediam esmolas cercando o caminhão, que moças novas,
entregues à prostituição, ofereciam favores ao motorista por 20 Cruzeiros (preço de meio quilo de
carne de sol), e que até mesmo uma idosa senhora de aparência sofrida se submetia a
constrangedoras situações para ganhar alguma coisa.
“Foi nas cidades baianas de Serrinha, Araci, Paulo Afonso e outras daquela
zona, que assistimos aos piores quadros de miséria. Os mendigos (dezenas
de cegos, com crianças puxando a ponta do cacete que os guia) cercavam o
caminhão, a sotaquear uma esmola pelo amor de Deus. Muitos “araras”
deixavam pingar moedas. Uma velha, perto de Araci, chamou-nos a atenção.
118
Devia andar pela casa dos 70. Tinha as pernas finas e engelhadas, o rosto de
papel-crepom, a voz de taboca rachada. – Pula, velha, que eu te dou uma
banana. A vovozinha rodava na poeira. Parecia um carrossel, um circo
individual, a exibir toda a violência do desajustamento social das brenhas
nordestinas.” (p. 76)
Por fim, os repórteres ressaltam que pela Rio-Bahia alguns caminhões paus-de-arara se
encontravam durante o percurso, permitindo que os migrantes trocassem várias informações,
como, por exemplo, sobre o local de destino, sobre emprego e também sobre suas viagens.
Algumas dessas conversas são relatadas na reportagem, nas quais os retirantes falam de trabalho
em São Paulo e de motoristas de paus-de-arara que enganavam seus passageiros em relação à
chegada no local de destino, o que acontecia muitas vezes:
“- Há quanto tempo você deixou o sertão? - Faz um bocado. O motorista do
meu caminhão arribou em Feira de Santana. Disse que tinha chegado ao
Rio.”
“- Como é que tá a coisa em São Paulo? - Ruim! Tô voltando porque não
encontrei trabalho. - A gente metendo a cara consegue serviço. Quem tiver
‘arte’ se arranja logo.” (p. 76)
Tendo esta última conversa como um dos exemplos que retratam as incertezas sobre o
local de destino dos migrantes, é importante ressaltar novamente que mesmo diante das possíveis
dificuldades que poderiam enfrentar em São Paulo, este era o destino de muitos dos migrantes,
além de Rio de Janeiro e do Paraná. As péssimas condições de vida do Nordeste, ainda agravadas
pela seca de 1951-1953, e as esperanças que construíam sobre o desenvolvimento econômico-
industrial do Centro-Sul colocaram inúmeros paus-de-arara na Rio-Bahia lotados de passageiros,
como relatam os repórteres em relação ao ano de 1952:
119
“Outubro, novembro, dezembro de 52 (precisamente nesses meses),
engrossou a fuga do sertão pela central Rio-Bahia. 189 caminhões de
“araras” cruzaram, num dia de novembro, o posto sanitário de Feira. Um
deles bateu um recorde: 128 pessoas socadas dentro de uma carroçaria
imunda. O sertão esvaziava.” (p. 76)
Os números da migração eram realmente altos, especialmente se comparados aos anos
anteriores, como pode ser constatado nos dados do Departamento de Imigração e Colonização
analisados no Capítulo anterior.
Diante de tamanho êxodo, a elite da região de destino dos migrantes exigia rápidas
medidas do governo, pois temia que tal fenômeno pudesse gerar problemas sociais e até mesmo
transmissão de doenças, já que muitos acreditavam que os retirantes poderiam ser portadores de
moléstias contagiosas. A mesma inquietação também era presente nos jornais da época que
“cobravam do presidente Vargas imediatas providências para conter o êxodo, que, segundo eles,
estava despovoando o Nordeste e gerando tensão social no Sul.” (VILLA, 2000, p. 171)
No setor político a preocupação com a grande migração também era evidente, como
podemos perceber nas Mensagens Presidências, onde os valores do êxodo eram ressaltados com o
objetivo de discutir o ‘grande problema’, como descreve o presidente na Mensagem de 1952:
“Antes de examinado minuciosamente o grande problema, cabe aqui
registrar, à luz dos dados disponíveis, suas características mais evidentes...
Em 1951 assistimos, em conseqüência da seca, o agravamento do fenômeno,
registrando-se em São Paulo a entrada de 208.515 emigrantes nacionais,
mais do dobro do ano anterior, e verificando-se aumento da porcentagem
dos Estados da Bahia, Pernambuco, Sergipe, Paraíba e sobretudo Ceará.”
(p.243-244)
120
Na Mensagem de 1953 o ‘problema’ das migrações internas é novamente mencionado,
porém agora como sendo “o fato mais transcendente da demografia nacional e o mais dramático
aspecto do problema social.” (p. 219) São também citados os valores da migração nordestina,
assim como o número de migrantes nordestinos que haviam regressado à sua região de origem no
segundo semestre de 1952 pela Rio-Bahia; evidenciando, desta forma, a preocupação com o
retorno destes migrantes ao Nordeste.
Na Mensagem de 1954 a preocupação em relação aos altos valores da migração também
fica evidente, pois é ressaltado o número de migrantes que passou pela Hospedaria de Imigrantes
de São Paulo durante os anos de 1951,1952 e 1953, além de também serem citados os valores
relativos ao número de trabalhadores que passaram pela Rio-Bahia:
“Registra-se, que, pela Hospedaria de Imigrantes de São Paulo, passaram,
em 1951, 208.515 trabalhadores nacionais; em 1952, 253.169 e, em 1953,
113.723. Quanto à estrada Rio-Bahia, procedentes dos Estados do Piauí,
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia
e Espírito Santo, passaram por ela, rumo ao Sul do país, 62.073
trabalhadores, no segundo semestre de 1952; e 33.061, no mesmo período
do ano passado.” (p. 263)
É importante ressaltar que, diferentemente da preocupação que as migrações internas
geravam, as imigrações estrangeiras eram sempre enfatizadas nas Mensagens do segundo governo
Vargas como um fenômeno que deveria ter seus valores elevados, sendo então necessário seu
encorajamento por parte do governo, pois, como ressalta o presidente na Mensagem de 1952, os
imigrantes supriam a carência nacional de trabalhadores qualificados e técnicos:
121
“A intensificação das correntes imigratórias internas, que revela a existência
de braços à procura de emprego, não reduz o interesse nacional pela
imigração. Antes pelo contrário, pois os imigrantes nacionais são em regra
trabalhadores rústicos, sem habilitações técnicas, enquanto o imigrante já
não é mais o braço concorrente para o colonato, e sim o agricultor e o
artífice com um nível de instrução geral e de experiência técnica, que
representam um grande desafogo na carência nacional de trabalhadores
qualificados e técnicos.” (p. 245)
Por outro lado, como já foi ressaltado, as migrações internas, segundo o presidente na
Mensagem de 1952, deveriam ser estancadas, pois transportavam delicados problemas para outras
zonas do país:
“A fixação, no solo nordestino, de indústrias capazes de atrair o braço
sertanejo, permitirá o estancamento do doloroso êxodo que atualmente
depaupera aquela região sem fazer mais do que transportar para outras zonas
do país delicados problemas de reajustamento econômico e social.” (p.14)
A preocupação em relação à grande migração nordestina também pode ser percebida nos
Anais da Câmara dos Deputados, onde estão registrados muitos discursos de políticos nordestinos
preocupados com a região Nordeste e com sua população e também de políticos do Centro-Sul do
país - região para onde as correntes migratórias se dirigiam – que se demonstravam apreensivos
em relação às regiões de destino dos migrantes. Porém, de uma forma geral, todos que se referiam
a esta migração, independentemente da região à qual pertenciam, pediam por auxílio e
providencias do governo federal, pois o êxodo atingia grandes proporções e parecia estar se
tornando uma avalanche humana.
No ano de 1951, quando a seca teve início, o deputado Leite Neto (PSD – SE), na Sessão
da Câmara de 26 de março, já ressalta a questão da migração e um de seus fatores de expulsão: a
122
seca; destacando que os nordestinos eram forçosamente obrigados a migrar para outras regiões do
país:
“Hoje, entretanto, venho à tribuna dirigir veemente e caloroso apelo ao
Chefe do Executivo e ao Poder Legislativo da minha terra, a fim de que
atendam bem para a situação dos nossos infelizes compatrícios, vítimas dos
efeitos inclementes das secas periódicas, que crestam o chão, matam as
plantações, esgotam os pequenos açudes, sacrificam o gado pela sede e pela
fome, e obrigam os sertanejos nordestinos a imigrar para regiões mais
felizes do nosso país, onde não chegam os efeitos devastadores do flagelo.
Posso assegurar que, no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco, Alagoas e Sergipe – meu pequenino Estado, a menor unidade
da Federação brasileira – assistimos, neste momento, a um triste drama, o
drama do nordestino que não encontra subsistência na própria terra, e,
atacado pelos efeitos das secas, tem forçosamente de abandonar o rincão
bendito, em busca de outras regiões mais venturosas da nossa terra.” (p.
135)
No mesmo ano, o deputado Teodorico Bezerra (PSD – RN), na Sessão da Câmara de 4 de
junho, também enfatiza um outro fator de expulsão dos migrantes, ou seja, as más condições de
vida de grande parte da população da região Nordeste:
“E vemos diariamente, o êxodo daquelas populações, tangidas pela fome,
tangidas pela miséria, homens válidos, homens fortes, que pedem aos seus
compatrícios unicamente a oportunidade de trabalhar pelo Brasil e ganhar o
pão de cada dia, com honestidade, com o seu suor, com os seus esforços.
Continuamos todavia, a assistir a esse êxodo, causado por aquele motivo tão
bem expresso pelo rude sertanejo que diante da curiosidade do jornalista,
respondia com muita naturalidade: ‘O Sr. Sabe o que é uma casa com cinco
pessoas dentro sem terem o que comer?’” (p. 335)
Em 1952, quando alguns números da migração nordestina já estavam sendo divulgados,
transformando o êxodo em uma questão muito discutida entre políticos e a imprensa, o deputado
123
Humberto Moura (UDN – CE), na Sessão da Câmara de 16 de julho, citando Euclides da Cunha,
ressalta que o êxodo nordestino, diferentemente da imigração italiana, ocorria sem nenhum tipo de
assistência oficial:
“Está bem vivo na memória de todos, pela repercussão que tem tido na
imprensa, o quadro doloroso do êxodo. É o triste espetáculo dos que
sentindo a vida incerta e mal segura nos seus campos natais, vão deixando
os lares sem conforto e sem ventura. Vão sempre rumo ao desconhecido,
confiando apenas na proteção Divina. Fenômeno peculiar a todas as secas,
nunca houve, desde o Império até os nossos dias, o mais leve arremedo de
assistência oficial aos retirantes, conduzindo-os com segurança ao destino
em que se lhes possa dar guarida e trabalho. Curioso é transcrever aqui esta
apreciação de Euclides da Cunha – ‘Enquanto o colono italiano se desloca
de Gênova à mais remota fazenda de São Paulo, paternalmente assistido
pelos nossos poderes públicos, o cearense efetua, à sua custa e de todo ou
tudo desamparado, uma viagem mais difícil...’ Se Euclides vivesse mais 40
ou 50 anos confirmaria a exatidão de suas observações, porque, ontem como
hoje elas tem o mesmo senso de oportunidade.” (p.168)
O deputado cearense ainda cita, na mesma Sessão, uma matéria do jornal Correio da
Manhã a fim de evidenciar alguns valores da grande migração e tamm o problema da seca:
“SÃO PAULO FEFÚGIO DE FLAGELADOS: ...Mensalmente entram em
São Paulo cerca de 7.500 brasileiros provenientes de diversas regiões
notadamente do nordeste arrasado pelas secas. Enquanto estas aumentam e
se alastram, mais elevado número de retirantes impelem para as terras
bandeirantes. Só em 1950, o total ascendeu a 87.030 deslocados. Mas as
secas de 1951 foram muito mais extensas e danosas. A descida das vítimas,
famílias e famílias em grande número, alcançou o montante de 210 mil.”
(Correio da Manhã. In: Anais da Câmara dos Deputados, 16-07-1952, p.
169)
No mesmo sentido de ressaltar os valores da migração nordestina, o deputado Aluísio
Alves (UDN – RN), na Sessão da Câmara de 11 de novembro de 1952, cita o número de
124
nordestinos que deixavam mensalmente a região, além de discutir fatores de expulsão desta
migração - seca e situação econômica -, e enfatizar a falta de providências do Governo Federal
para a região:
“As denúncias aqui trazidas não conseguiram fazer com que o Governo
Federal, os homens públicos do Brasil, percebam toda a extensão da
calamidade. Essa minha suposição se funda sobretudo no fato de haver
constatado, mais de uma vez, em viagens consecutivas ao Nordeste, que as
providências até agora tomadas não tiveram o mínimo efeito para dirimir as
conseqüências da seca. Cerca de dezesseis mil nordestinos continuam a
deixar, mensalmente, o Nordeste, tangidos, não apenas pelas secas, mas,
principalmente, pela situação de exatidão econômica que cada dia se
agrava.” (p.64)
Ainda sobre os valores da migração nordestina, o deputado José Augusto (UDN – RN), na
Sessão da Câmara de 16 de março de 1954, enfatiza mais especificamente o êxodo rural, com
destino ao Centro- Sul ou ao Norte do país, verificado em um município do Rio Grande do Norte
entre os anos de 1951-1954. O deputado não deixa de ressaltar também que esta migração estava
acontecendo em todo o seu estado:
“Senhor presidente, é com grande amargura que presencio de 4 anos a esta
parte o fenômeno do êxodo das populações rurais do Nordeste, tangidas pela
calamidade das longas estiagens, em demanda de outras regiões do país, em
busca de salvação. No meu Estado o fenômeno está oferecendo proporções
alarmantes tal é a quantidade (de preferência gente moça e válida) que se
desloca ora para o Sul, ora para o Norte do país... Tenho em mãos, por
exemplo, dados... referentes a um município do meu Estado, o de São Tomé,
e que expressam a seguinte e dolorosa situação:
125
‘Êxodo rural verificado no Município de São Tomé:
...Esse é o número de que se tem certeza, pelos caminhões que saem da sede
do Município... Eis aí: um município cuja população total era em 1950 de
17.850 indivíduos viu abandonarem a terra e as suas lavouras em pouco
mais de três anos cerca de 3 mil pessoas válidas. E o mesmo ocorre nos
demais municípios rurais do Estado.” (p. 38-39)
Também sobre o Rio Grande do Norte, o deputado Augusto Meira (PSD – PA), na Sessão
da Câmara de 17 de novembro de 1952, evidencia o grande número de migrantes que estavam
deixando o estado com destino a São Paulo e ainda utiliza uma reportagem de um jornal deste
estado, de 11 de novembro, para reforçar sua descrição, o qual também relata a péssima situação
em que os migrantes chegavam nos paus-de-arara:
“Ainda agora, acabo de receber de pessoa de minha confiança, do Rio
Grande do Norte, uma carta que diz que as populações estão descendo dos
sertões aos bandos,... Essa pessoa me afirma também que, se não houver
providências, as cidades agrestes serão atacadas por essa gente que está
morrendo de fome. Tal comunicação foi confirmada pela notícia de um
jornal de São Paulo, que diz, entre outras coisas, o seguinte:
‘Cenas de inacreditável miséria e sofrimento foram presenciadas. Trapos
humanos, restos de gente, mulheres e crianças chorando, homens
apavorados, todos esfomeados, desciam do caminhão sinistro, sem forças
para suster os corpos frágeis...’
Estas cenas descritas por um jornal de São Paulo, de 11 deste mês, estão de
acordo com o que acabaram de comunicar-me, pois, no Rio Grande do
Norte, as populações estão descendo de maneira pavorosa e os comerciantes
das cidades agrestes encontram-se ameaçados de ataque à mão armada.” (p.
279)
Anos Pessoas
1951 600
1952 750
1953 1.250
1954 300
Total
2.900
126
É importante ressaltar que muitos deputados, com o objetivo de melhor expor a situação do
Nordeste e a grande migração, liam na Câmara telegramas que recebiam da região das secas
pedindo por auxílio e descrevendo os problemas que a população estava enfrentando, como é o
caso do deputado Manoel Novaes (PR – BA), que na Sessão da Câmara de 25 de março de 1952,
ressalta os problemas causados pela seca e o êxodo nordestino através de um telegrama do
prefeito do município de Angelical:
“Agora mesmo, Sr. Presidente, por esse fato tive a oportunidade de receber
protestos de municípios são-franciscanos, entre os quais se destacam os
seguintes: Angelical, Irecê e de Jacobina.
Angelical (prefeito José Bonifácio Mariani):
‘Deputado Manoel Novais, Apelo para vossa boa vontade, a fim socorrer
calamidade está atravessando nossa zona devido grande estiagem, lavoura
totalmente perdida, pobres passando fome, emigrando para São Paulo e
Paraná. Só agora vieram chuvas não servindo mais para lavoura. Interior
município já emigraram quase todas famílias flageladas fim não morrer
fome...” (p. 204)
O deputado alagoano, Medeiros Neto (PSD - AL), na Sessão de 7 de março de 1952,
também faz o uso de telegramas recebidos de sua região a fim de enfatizar a grande migração e
pedir por providências do governo federal para a região das secas, ressaltando também as
desigualdades entre a região Nordeste e o Centro-Sul do país:
“... venho transmitir à Nação, através da mais alta tribuna, a do Congresso
Nacional, o apelo formulado pelo Presidente da Associação Rural da cidade
de Palmeira dos Índios, aos mais elevados poderes da República, no sentido
de que uma colaboração pronta, urgente, inadiável, seja conferida aos
sertanejos, de molde a ser imediatamente evitada essa retirada, esse êxodo,
em procura do Paraná e de São Paulo por parte das populações rurais
nordestinas...
‘Palmeira dos Índios, 20 de fevereiro de 1952.
...Oxalá que as medidas governamentais ainda possam chegar em tempo de
atenuar o êxodo para o sul, que nestes últimos dias se converteu numa
127
verdadeira evacuação. Calcule o amigo que estamos perdendo uma média de
1.500 pessoas por semana, a contar pelo número de caminhões que se
destinam para São Paulo e o norte do Paraná. As autoridades estaduais têm
se empenhado em deter a onda, mas, em sã consciência ninguém pode
interromper a viagem de uma pessoa que, dentro do território nacional,
pretende se mudar em busca de melhoras de vida...’
‘Palmeira dos Índios, 22 de fevereiro de 1952.
...Com esta mesma data estou lhe telegrafando, encarecendo diligencia no
tocante a obras projetadas nos municípios sertanejos de Alagoas. Isso
porque estou observando o êxodo dos habitantes, processado tão
aceleradamente, lançando mão de caminhões e estradas de ferro, que nos
deixam estarrecidos. Os carros que trafegam para Colégio não comportam
mais os passageiros. Foge-se do sertão de Alagoas como se fora de uma
região afetada por peste devastadora e de natureza desconhecida.’
... Só existe, Sr. Presidente ... uma solução para o país na região do nordeste;
é o governo, dentro das verbas orçamentárias, executar as obras permanentes
que estão dentro da área poligonal das secas em que esses homens se
debatem sem recursos, à mercê da fome, da falta de chuva, da seca enfim...
Porque ainda no sul o homem tem pão e o nordestino, mesmo com chuva, é
difícil conseguir pão.” (p. 493 - 494 - 495 - 496 - 497).
Os pedidos de providências ao Governo Federal em relação ao Nordeste e à migração não
cessavam. Os deputados ressaltavam a necessidade de auxílio à população nordestina sem
trabalho - que conseqüentemente migrava para outras regiões em busca de algum tipo de ocupação
- planos de combate à seca, medidas econômicas direcionadas à questão das desigualdades
regionais; enfim, providências que de alguma forma atenuassem os problemas enfrentados na
região Nordeste.
Neste sentido o deputado Manoel Novaes (PR – BA), na Sessão da Câmara de 26 de março
de 1952, ressalta a necessidade de trabalho à população flagelada que, sem emprego em sua
região, deixava sua terra em direção ao Centro-Sul do país:
“... Chega-se então à conclusão de que o Governo da República, para sair
desse impasse, teria, imperativamente, de organizar um plano de trabalho,
através do qual prestaria assistência aos flagelados. Deste modo aqueles
homens que tem debandado de suas terras para o sul do país, aos trancos e
128
barrancos, tendo emprego em seu próprio solo, não o abandonariam;
viveriam ali com o dinheiro ganho de seu suor.” (p.253)
Enfatizando também a questão econômica como um dos fatores relacionados à causa da
migração nordestina, o deputado Alencar Araripe (UDN - CE), na Sessão da Câmara de 28 de
março de 1952, ressalta ainda que a migração em decorrência não era algo comum, mas um
“verdadeiro deslocamento de massas humanas”. O deputado discute tamm a questão dos
aliciadores, que segundo ele, eram ingenuamente apontados por alguns como causa da grande
migração, enquanto que no seu ponto de vista a causa se encontrava no setor econômico, mais
especificamente no que diz respeito às desigualdades regionais:
“Mas, Sr. Presidente, o que ora estamos a presenciar, no país, não é essa
migração interna comum: são verdadeiros deslocamentos de massas
humanas, que da região das secas se transferem, por uma vez, para o Sul e
para o Centro-Oeste do país. Achamo-nos em face de acontecimento de
extrema gravidade, que prenuncia o descalabro da vida econômica de vários
estados, com a perda de valiosos elementos imprescindíveis ao progresso de
suas múltiplas atividades... Será, essa migração interior, como ingenuamente
se divulga, Sr. Presidente, mero produto da habilidade dos aliciadores? Está
visto que não, quer porque a fenômeno dessa ordem nunca se emprestou tal
origem, como porque não seria tão ingênuo o homem daquelas paragens, a
ponto de abandonar a terra natal, família e afeições, graças apenas às lábias
de interessados nos transportes. Eis uma verdade que resulta à primeira
análise de observadores experimentados: a causa da torrente migratória em
apreço é essencialmente econômica. Basta ter em vista o profundo desnível
de vida, verificado entre as duas pré-aludidas zonas geográficas do país,
para logo se chegar a essa conclusão. O Nordeste com as suas naturais
dificuldades agravadas pelas crises climáticas, debate-se em constante
instabilidade econômica. O Sul e o Centro-Oeste experimentam cada dia
maior impulso de riquezas.” (p. 475 - 476 - 477)
Em relação aos deputados das regiões de destino dos retirantes nordestinos é interessante
ressaltar que as maiores preocupações ressaltadas por eles estão relacionadas aos ‘possíveis
129
problemas’ que tais migrantes poderiam levar para suas regiões, como é o caso do deputado Breno
da Silveira (UDN - DF), que na sessão da Câmara de 26 de março de 1951 destaca o grande
número de favelados no Rio de Janeiro, enfatizando que estes eram na maioria migrantes:
“Quando V. Ex.ª fala na situação de felicidade dos cariocas, lembro que
trezentos mil favelados, verdadeira massa de abandonados, são quase todos
constituídos de populações que vieram até aqui nesse êxodo ininterrupto a
que assistimos há muito tempo. Encontrei na minha viagem uma média de
35 caminhões de retirantes do Nordeste, por dia. Devemos por um paradeiro
definitivo a esse êxodo rural. Não é possível que a crise de material humano
venha frustrar, futuramente, todas as iniciativas de enriquecimento do Norte
do Brasil. Sabemos que o emigrado, uma vez aqui, não procura, jamais,
retornar ao Nordeste. É preciso que nós, parlamentares do Norte e do Sul,
coloquemos – digamos – um verdadeiro pára-choque, enfim sigamos uma
orientação que impeça, uma vez por todas, que essa crise de bravos, se torne
definitiva para a derrocada do Nordeste, sem qualquer outra alternativa
senão o choro.” (154)
Um outro comentário sobre a migração nordestina também importante de ser destacado é o
do governador de São Paulo, citado pelo deputado Alencar Araripe (UDN – CE) na sessão da
Câmara de 28 de março de 1952, pois o governador relaciona o êxodo à graves problemas
sanitários:
“Ainda há pouco, o Governador do Estado de São Paulo, em visita a esta
Capital, declarou à imprensa:
‘Só no Estado de São Paulo estão entrando, por mês, 45 mil nordestinos, em
média. A migração se faz sem a devida seleção, criando graves problemas
sanitários.’” (p. 475)
O deputado Arruda Câmara (PDC – PE), apesar de ser um deputado nordestino, na sessão
da Câmara de 23 de fevereiro de 1953 também enfatiza a migração como um grande problema ao
130
Centro-Sul do país, pois segundo ele esta gerava o agravamento da situação das populações das
regiões de destino:
“Já não é demais lembrar esse outro espetáculo melancólico das populações
sertanejas mudando-se, quando podem, em massa, nos chamados ‘paus de
arara’, vindo agravar a situação das populações do sul, principalmente em
São Paulo, Paraná e Minas Gerais.” (p.80)
Também discutindo a migração e seu lugar de destino, o deputado Tenório Cavalcanti
(UDN – RJ), na sessão da Câmara de 16 de maio de 1951, ressalta a vontade e necessidade dos
migrantes nordestinos de buscar trabalho e melhores condições de vida na região Centro-Sul, mais
especificamente em São Paulo, o que ele destaca como sendo sonho e ilusão. Segundo o
deputado, isto deveria acabar para que a grande migração fosse contida:
“É preciso que se dê a esse homem oportunidade, estímulo, prêmio, meio
para fixar-se, acabando, assim, com o sonho do nordestino, de viver a pensar
nas ilusões do sul, como se vê comumente os pais a aconselhar: ‘meu filho,
cresce depressa para ir ganhar dinheiro em São Paulo.’ Isso porque São
Paulo não sai da mente do sertanejo, ...” (p.151)
O “sonho” em relação ao Centro-Sul do país, como o deputado cita, pode ser melhor
descrito como uma certa esperança dos migrantes em encontrar trabalho e melhores condições de
vida em uma região não afetada pelos efeitos da seca e em desenvolvimento econômico-industrial.
Contudo, não podemos desconsiderar a questão da ilusão dos nordestinos descrita pelo deputado,
mas também não se pode generalizá-la ao ponto de dizermos que todos os sertanejos eram
iludidos pelos aliciadores em relação ao lugar de destino como comumente é discutido. Os “vai e
vem” dos migrantes, que muitas vezes acontecia, permitia que informações fossem trocadas entre
131
eles sobre as possibilidades e condições de vida no Centro-Sul do país. Sendo assim, seria melhor
descrever tal “ilusão” também como esperança, pois era esta que os fazia gastar seus poucos
recursos, abandonar sua terra e enfrentar dias terríveis de viagem, mesmo que esta esperança
viesse morrer na dura realidade das favelas do lugar de destino, como descreve João Martins na
reportagem da revista o Cruzeiro “A retirada da fome”:
“Venderam o pouco que porventura possuíam, juntaram os níqueis
amealhados em anos de trabalho e se puseram a caminho das terras da
promissão. O dinheiro é gasto no pagamento da passagem e o que sobra mal
dá para o sustento na grande jornada. A bagagem que carregam se resume
em velhas malas surradas ou simples trouxas com humildes pertences, além
da enorme esperança em dias melhores. Esperança tão vaga como o destino
que tomam. Esperança que geralmente via morrer na dura realidade do
asfalto e das favelas do Rio e de São Paulo.” (p. 18)
ESTRELA (2003, p. 225) discute esta questão da esperança que os nordestinos tinham em
relação à migração para São Paulo ressaltando as representações sociais construídas sobre o
estado e classificando-as em pontos favoráveis e desfavoráveis descritos pelos retirantes. Os
pontos favoráveis seriam: “modernização, oportunidades, abundância de emprego, melhoria da
qualidade de vida, escolaridade, integração, acesso aos bens materiais, dinheiro, ascensão social,
lazer, conhecimento de outras coisas / de outras pessoas.” Já os pontos desfavoráveis seriam:
“estranhamento, distância, impessoalidade, rigidez, hierarquia, isolamento, moradias precárias /
amontoadas, trabalho pesado, ilusão, solidão, frieza.” Todavia, apesar da existência de
representações desfavoráveis sobre São Paulo, é importante ressaltar que as más condições de vida
na região das secas e as grandes desigualdades regionais, além das representações favoráveis
sobre São Paulo, contribuíam para a decisão de que ainda assim valeria a pena migrar.
132
É importante ressaltar que de todos os fatores favoráveis citados por ESTRELA (2003), o
trabalho era a questão primordial para os migrantes, pois era ele que permitiria o acesso a maioria
de todos os outros fatores, como dinheiro, acesso a bens materiais, etc. Entretanto, os empregos
ocupados pelos migrantes eram na grande maioria das vezes em trabalhos não especializados,
como o serviço na lavoura – para o qual se dirigiam nas primeiras décadas do século XX,
construção civil
17
e serviços domésticos – que começaram a absorver os migrantes quando as
migrações passaram a se direcionar mais às áreas urbanas.
Os trabalhos mais leves ou de melhor remuneração também podiam ser conquistados pelos
trabalhadores nordestinos, porém, para isto, como ressalta ESTRELA (2003), estes deveriam ter
mais qualificação – pois a grande maioria dos migrantes nordestinos era analfabeta ou semi-
analfabeta, como pudemos observar no Capítulo 2 –, estar mais adaptados ao lugar de destino e
possuir uma ampla rede de relações.
Alguns destes trabalhos mais leves ou de melhor remuneração podiam ser encontrados nos
serviços semiqualificados das indústrias tecnicamente mais modernas de São Paulo, “onde as
funções do processo produtivo foram subdivididas de tal forma que podem ser executadas em
pouco tempo por pessoas sem qualquer experiência industrial.” (LOPES, 1972, p.63-64)
Já os trabalhos mais qualificados eram muito mais difíceis de serem ocupados por
migrantes nordestinos. Segundo LOPES tais trabalhos poderiam ser ocupados por um trabalhador
nordestino após duas ou três gerações após a migração:
“A ascensão do trabalhador rural para a posição de operário qualificado é
coisa que leva pelo menos uma e, via de regra, duas ou três gerações para
completar-se. O fato de exigir a aquisição de uma profissão qualificada
quase sempre um aprendizado desde a meninice, bem como o fato de o filho
de lavrador freqüentemente migrar para São Paulo quando rapaz (porque é
17
No período do pós-guerra e especialmente na década de 1950 houve um crescimento no campo da construção civil,
o que propiciou um grande aumento de trabalhos nessa área.
133
então que são maiores as suas possibilidades de emprego na cidade), tornam
muito difícil aquela mudança de posição em uma geração.” (1964, p.87)
Todavia, é importante ressaltar que os trabalhos na construção civil e em empregos
domésticos não atraiam os recém-chegados somente pela não exigência de qualificação.
ESTRELA (2003) enfatiza que tais empregos permitiam que o trabalhador preparasse sua própria
refeição e ainda conseguisse moradia através do trabalho, o que tornava possível a economia de
mais recursos. Além disso, no serviço doméstico as mulheres podiam receber doações de roupas e
outros bens de suas patroas, o que também compensava os baixos salários.
“Além da falta de qualificação, esse setor [construção civil] atraía o recém-
chegado, porque, tal qual o emprego doméstico, garantia a moradia e, ao
permitir que o indivíduo ‘quemasse lata’, ou seja, que preparasse a própria
refeição, criava a possibilidade de ele compensar os baixos salários, abrindo-
lhe a perspectiva de juntar pequenos recursos.” (id. ibid., p. 164)
Tais empregos tinham ainda um papel muito importante na nova vida dos migrantes, pois
como ressalta a autora, eram como uma ‘escola’ para os retirantes pouco acostumados com os
serviços urbanos. Além disso eram também espaços de socialização dos migrantes ao diferente
meio social ao qual se inseriam, pois possibilitavam, de certa forma, a vivência de novas
experiências e a construção de novas redes de relações.
É importante ressaltar que apesar destes trabalhos, na maioria das vezes, servirem também
de moradia aos migrantes, de um modo geral muitos recém-chegados passavam os primeiros dias
após a viagem na casa de parentes ou conhecidos:
134
“Depois de passar alguns dias em casas de parentes e conhecidos, os recém-
chegados tomavam o seu destino. Este podia ser a obra, o emprego
doméstico ou as pensões.” (id. ibid., p. 171)
Quando então “tomavam seu destino”, como cita a autora, os migrantes iam em busca dos
fatores favoráveis que esperavam encontrar, contudo tamm encontravam os fatores
desfavoráveis, como o estranhamento, distância, impessoalidade, rigidez, hierarquia, isolamento,
moradias precárias / amontoadas, trabalho pesado, ilusão, solidão, frieza; como já citado.
Contudo, além de tais dificuldades que podiam enfrentar, havia também a discriminação e a
imposição de rótulos de caráter preconceituoso em relação aos nordestinos.
De uma forma geral os migrantes vindos da região Nordeste eram chamados de paus-de-
arara, “expressão significativa por remeter aos caminhões nos quais chegam, amontoados, ao
Sudeste.” (NETO, In; Travessia, 1994, p. 20) Mais especificamente em São Paulo eram
chamados também de baianos, já no Rio de Janeiro também de paraíbas; rótulos que abarcavam
vários adjetivos depreciativos em relação a aspectos físicos e sociais dos nordestinos. Sobre o
primeiro, tais rótulos significavam negro, mestiço, cabeça chata, cabelo pixaim; ou seja, um
sujeito diferente dos paulistas e por isso feio. Em relação aos aspectos sociais, baiano e paraíba
subentendiam um sujeito analfabeto, pobre, ignorante, rude, mal-educado, preguiçoso e violento.
É interessante ressaltar que o rótulo de baiano ou paraíba que os migrantes nordestinos
recebiam, além de representar preconceito, também evidencia uma grande generalização, pois tais
migrantes não vinham somente da Bahia ou da Paraíba, e sim de todos os estados nordestinos:
“Por isso, podemos afirmar que os preconceitos são manifestações
ultrageneralizadoras, ancorados em juízos provisórios refutados pela ciência
e pela razão. Em suma, são representações estereotipadas e impingidas pelo
meio social.” (ESTRELA, 2003, p. 184)
135
ESTRELA (2003) ressalta que a discriminação era ainda mais sofrida pelos nordestinos
quando estes buscavam trabalhos que “não eram para eles”, ou seja, algum emprego que não fosse
na construção civil, emprego doméstico ou de serviços gerais, pois havia uma divisão de funções
bem demarcada em São Paulo:
“Aos nordestinos cabiam as atividades pouco qualificadas e mal
remuneradas, como a construção civil, os serviços gerais e o emprego
doméstico. Quando pleiteavam emprego nessas profissões, não enfrentavam
problemas, mas se pretendessem cargos mais elevados sofriam
discriminações, preconceitos, sendo raramente admitidos.” (id. ibid., p. 184)
Contudo, apesar de tais problemas que poderiam ser enfrentados na região de destino, os
migrantes ainda assim viam São Paulo como a região onde teriam a oportunidade de mudar de
vida, pois lá não enfrentariam o flagelo das secas e nem as desvantagens das desigualdades
regionais e ainda teriam a oportunidade de procurar melhores trabalhos, já que o estado estava em
pleno desenvolvimento econômico-industrial - o que tornava o contraste em relação à região
Nordeste ainda mais forte.
É importante ressaltar que este contraste entre São Paulo e a região Nordeste, além do que
diz respeito às desigualdades regionais baseadas em questões econômicas e sociais, também está
relacionado ao tratamento político que as regiões recebiam, ou seja, no caso de São Paulo,
políticas voltadas ao desenvolvimento econômico e industrial; e no caso do Nordeste, políticas
hidráulicas para “sanar” o problema das grandes estiagens. Esta visão sobre as políticas para a
região das secas perdurou por muito tempo, porém teve seus primeiros sinais de mudança no
período do segundo governo Vargas, como veremos no próximo Capítulo.
136
6. PLANOS E MEDIDAS DO GOVERNO FEDERAL PARA A REGIÃO NORDESTE
Segundo SOUZA (1980), podemos dividir em duas fases as políticas do governo federal
para o Nordeste, tendo o final da década de 40 como o marco divisório entre os dois períodos.
Sucintamente, ou autor ressalta que em relação à primeira fase a falta de água era vista
como o problema central da região, desta forma a preocupação com o desenvolvimento de
recursos hídricos era acentuada, direcionando assim as políticas do governo federal basicamente
neste sentido. Porém, já em relação à segunda fase, SOUZA (1980) enfatiza que a política
hidráulica passou a ser questionada, e a necessidade de um novo tratamento ao Nordeste foi então
percebida como fundamental. Desta forma as políticas do governo federal nesta nova fase
passaram a ser redirecionadas.
“A política do governo federal para o Nordeste pode ser dividida em duas
fases bem distintas. A primeira veio do final do Império e prolongou-se até o
final da década de 40. Preocupou-se acentuadamente com o
desenvolvimento dos recursos hídricos, pois, durante todo este período, o
problema do Nordeste se resumia na falta de água. Daí a preocupação de se
construir açudes e barragens para garantir a sobrevivência do povo e dos
rebanhos por ocasião da seca... As secas de 51, 53 e 58 ocasionaram o
questionamento da política hidráulica seguida até então pelo DNOCS, assim
como serviram para mostrar mais uma vez o envolvimento deste órgão com
os ‘industriais das secas’. Tais fatos, aliados a outros, determinaram a
formulação de uma nova política de desenvolvimento para o Nordeste. ” (id.
ibid., p. 78-79)
De acordo com as preocupações centrais de cada período, temos na primeira fase a
construção de açudes e barragens como principais preocupações e realizações dos governos para a
região, já que tinha-se como problema central a falta de água. Tais obras eram executadas pela
137
Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS) e, posteriormente, pelo Departamento Nacional de
Obras Contra a Seca (DNOCS).
18
É importante ressaltar que neste período foi criada a Companhia Hidrelétrica do São
Francisco (CHESF), evidenciada por SOUZA (1980, p. 79) como a única obra importante para o
Nordeste criada na fase em questão, pois propiciou “infra-estrutura enérgica indispensável à
industrialização da região.”
Na segunda fase das políticas do governo federais para o Nordeste - ou seja, quando o
DNOCS passa a ser discutido como órgão público envolvido com os industriais da seca e a
política hidráulica passa a ser questionada em relação a uma nova política de desenvolvimento
para a região -, podemos dizer que a criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), em 1952,
foi o marco inicial deste novo período. Contudo, após sua criação, o governo federal percebeu que
a região necessitava de um tratamento ainda mais abrangente, resultando no surgimento do Grupo
de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) em 1956 e na Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) em 1959.
Mais especificamente em relação ao período do segundo governo Vargas, o qual faz parte
do início da segunda fase das políticas do governo federal para o Nordeste, TAVARES evidencia
algumas de suas características neste novo contexto:
“A política nacionalista de Vargas, em seu segundo período de governo,
desempenhou um papel destacado no sentido da mudança de rumo da
intervenção do Estado no Nordeste, que iria se processar ao longo dos anos
50. Começa a tomar corpo no aparelho de Estado – com amplas
repercussões em setores da sociedade civil – uma nova visão sobre o
Nordeste, influenciada, sem dúvida, pelos debates de pós-guerra sobre o
desenvolvimento econômico e o uso, pelos países capitalistas, de práticas de
planejamento.” (1989, p. 60 - 61)
18
A Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS) foi criada em 1909 pelo governo federal e transformada, em 1945, em
Departamento Nacional de Obra Contra a Seca (DNOCS).
138
Houve então no período do segundo governo Vargas certo redirecionamento das políticas
para o Nordeste, as quais passaram a ter um caráter econômico, além de evidenciarem certa
preocupação com o planejamento e desenvolvimento da região.
19
TAVARES (1989, p. 110)
ressalta que este redirecionamento esteve relacionado à política econômica seguida pelo governo,
ou seja, ao intervencionismo estatal, pois este intervencionismo “reflete-se na questão regional,
dando margem ao aparecimento de novas idéias especificamente em relação ao Nordeste.”
Em suma, temos então no segundo governo Vargas o início de uma nova fase das políticas
do governo federal para a região das secas e, como já foi enfatizado, a criação do Banco do
Nordeste do Brasil como marco inicial desta nova fase. Porém, é importante ressaltar que em seu
governo houve outras realizações também importantes para o Nordeste: o aceleramento da
construção da hidrelétrica de Paulo Afonso e os primeiros passos para a elaboração de um Plano
de desenvolvimento para o Nordeste.
Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF)
A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), foi idealizada pelo Ministro da
Agricultura do primeiro governo Vargas, Apolônio Sales, e criada através do Decreto Lei nº8.031,
em 3 outubro de 1945, tendo como objetivo criar uma Companhia Hidrelétrica que realizasse o
aproveitamento econômico da energia produzida por Paulo Afonso. Contudo, como ressalta
ALMEIDA (1985, p. 33) a lei de criação da Companhia “hibernou até 1948, pois somente em 15
19
Este novo direcionamento no tratamento das questões do Nordeste é mais evidente através Assessoria Econômica da
Presidência da República, órgão que além do desenvolvimento econômico planejado para a região defendia também o
financiamento através de instituições econômicas para atingir este objetivo.
139
de março deste ano
20
foi realizada a primeira Assembléia de Acionistas, formalizando o início das
atividades da CHESF”.
TAVARES (1989, p. 98) ressalta então dois motivos – ou obstáculos, como escreve o autor
– que explicam o porque do projeto ter “hibernado” até 1948: um de ordem técnica e o outro
“relativo a posições contrárias ao projeto.” Em relação ao primeiro motivo o autor evidencia que a
realização da obra “representava um desafio para a engenharia nacional” devido aos aspectos de
construção e possibilidade de expansão da obra. Já sobre as posições contrárias ao projeto,
TAVARES (1989) ressalta que existiam opiniões que consideravam absurdo o empreendimento,
pois segundo tais opiniões o Nordeste não possuía um mercado interno, o que tornava loucura
aplicar tanto capital na região.
Entretanto, apesar de alguns obstáculos existentes para a criação da Chesf, em 1949 a obra
foi iniciada. Porém, somente em junho de 1952 a primeira unidade geradora da usina foi montada
e teve início a construção da linha de transmissão Paulo Afonso – Recife. TAVARES (1989, p. 98)
ressalta que tais medidas foram tomadas por Vargas a conselho da Assessoria Econômica com o
intuito de acelerar a obra. Assim, no último ano do seu governo entrou em operação a Usina de
Paulo Afonso I, com 180 mil KW de potência instalada.
No decorrer da construção da usina de Paulo Afonso, o autor ressalta que certas questões
passaram a ser discutidas, como “o uso que se faria da energia que seria gerada...; a distribuição,
que certamente continuaria sendo feita por empresas de capital estrangeiro; o preço das tarifas.”
(ibid., p.98). Desta forma, com o objetivo de direcionar os debates, foi promovido em Recife, em
agosto de 1952, uma Mesa Redonda para “discutir os problemas econômicos do Nordeste e
estimular a implantação de indústrias para melhor aproveitamento de energia elétrica gerada pelas
20
Em 1948 também teve início a construção da hidrelétrica de Paulo Afonso I, primeira grande usina da Chesf erguida
no rio São Francsico.
140
primeiras turbinas de Paulo Afonso.” (Teses e Sugestões à Mesa Redonda da CHESF. Recife,
1982. In: TAVARES, ibid., p. 98-99)
TAVARES (1989, p. 99) enfatiza que a abundância de energia elétrica que estava
começando a existir no Nordeste possibilitou que, nos debates existentes, partissem do princípio
de que esta energia seria a base para o desenvolvimento da economia regional, pois havia se
adotado “a tese de uma estreita relação entre energia elétrica e desenvolvimento”, como é
ressaltado na Mensagem Presidencial de 1952, quando discutida a Hidroelétrica de São Francisco:
“A importância da usina de Paulo Afonso na economia do Nordeste e na elevação do padrão de
vida da sua gente será decisiva.”(p.222)
É interessante ressaltar novamente que além de importante para o desenvolvimento da
região, a usina de Paulo Afonso também foi um dos marcos iniciais da nova fase das políticas do
governo federal para a região das secas, como já é basicamente destacado por Vargas em seu
discurso de 1953 ao citar a usina como um marco de uma nova fase em relação à economia do
Nordeste:
“Terão influência decisiva no soerguimento econômico do Nordeste as
obras de Paulo Afonso, em que o meu Governo já empregou 565 milhões de
cruzeiros, cifra particularmente significativa, quando cotejada com os 193
milhões anteriormente aplicados. Destinada a servir uma vasta região, que
vai da Bahia ao Ceará, a energia elétrica de Paulo Afonso assinalará o início
de uma nova era para a economia nordestina... Paulo Afonso e o Banco do
Nordeste serão os dois grandes marcos da redenção econômica da região
nordestina.”
21
21
Discurso de Vargas de 1953 que marcava o início da campanha de subscrição pública de ações do Banco do
Nordeste. Foi realizado em cerimônia no Palácio do Catete, no dia 1º de setembro.
141
Plano de desenvolvimento para o Nordeste
Na primeira metade da década de 1950, o economista das Nações Unidas, Hans Singer,
realizou um estudo sobre a região Nordeste e regiões atingidas pela seca a convite do BNDE. O
estudo resultou, em 1953, no relatório ‘Estudo sobre o desenvolvimento econômico do Nordeste’
que, como ressalta TAVARES (1989, p. 99) “representa um passo importante para o
conhecimento da economia do Nordeste e para o amadurecimento de uma política sobre a região.”
Contudo, sua visão sobre o Nordeste foi resultante de um contato ligeiro com a realidade
nacional, pois esteve no Brasil apenas duas vezes, a primeira em 1950 e a segunda em 1952, a
convite do BNDE, o que deu margem para que seu relatório possuísse algumas críticas como, por
exemplo, a precariedade de certos dados estatísticos, análises sobre dados antigos, conclusões
sobre valores médios e crença na dotação integral de 3% do orçamento federal para a região das
secas
22
. Todavia, apesar da possibilidade de tais críticas, seu trabalho foi um dos primeiros estudos
macroeconômicos da economia nordestina a fim de oferecer soluções para os problemas
econômicos da região das secas e meios para seu desenvolvimento.
Podemos brevemente descrever o relatório através de algumas das preocupações centrais
de Hans Singer para o desenvolvimento do Nordeste, tendo a primeira delas como a necessidade
de estimar os capitais necessários para promover o desenvolvimento econômico dos estados da
região das secas segundo dois critérios: o primeiro baseado na avaliação do montante dos
investimentos necessários para que, no prazo de 20 anos, a região atingisse uma renda per capita
igual à média brasileira de 1950; e o segundo baseado também na avaliação do montante
necessário para que, no mesmo prazo, a renda da região fosse elevada a um nível percentual
equivalente ao que possuía em 1939, eliminando, desta forma, o déficit de investimentos.
22
A constituição de 1946 determinava que 3% da receita tributária da União fosse repassada para as regiões sujeitas à
seca, mas isto geralmente não ocorria, resultando em inúmeras reivindicações na Câmara por parte dos deputados
nordestinos.
142
Uma outra questão bastante importante para o economista se concentra nas causas do
declínio econômico do Nordeste, as quais, segundo ele, estavam relacionadas à drenagem dos
recursos do Nordeste para outras regiões do país. É importante ressaltar que dentre tais causas
enfatizadas por Hans Singer a migração é uma delas, pois segundo ele o êxodo deslocava para o
Centro-Sul do país o elemento humano da região, ou seja, trabalhadores, especialmente
trabalhadores jovens que “constituem o elemento mais ativo da classe trabalhadora, e também a
fonte de novas especializações e novos técnicos.” (SINGER, Comissão de Desenvolvimento
Econômico de Pernambuco, 1962, p. 71) Além disso enfatiza que a migração também deslocava
capital, pois muitos recursos da região eram investidos nos futuros migrantes através de alimento,
vestuário, educação, etc. Desta forma Hans Singer ressalta que “O Nordeste até certo ponto,
gastou seus recursos, não em benefício próprio, porém em favor de outras regiões.” (ibid., p.72)
É também fundamental ressaltar que o economista, em muitos momentos, destaca a
questão da desigualdade regional entre a região Nordeste e a região Centro-Sul do país, em
especial São Paulo, discutindo o atraso e desenvolvimento econômico das duas regiões,
respectivamente. Segundo TAVARES (1989, p. 100), “Singer é um dos primeiros autores a
estudar o Nordeste segundo a ótica dos desequilíbrios regionais.”
“Desde 1939, a posição do Nordeste se tem deteriorado, enquanto a de
outras áreas como São Paulo e outras tem melhorado substancialmente. No
presente, parece que a disparidade entre o Sul e o Nordeste é demasiada
grande, e os laços entre as duas economias demasiados fracos... Um
programa de investimento no Nordeste poderia diminuir a disparidade e
integrar as duas economias num grau suficiente para permitir daí por diante
uma ‘infiltração’ dos benefícios do progresso do Nordeste.” (SINGER, ibid.,
p. 82)
143
Além de tratar dos problemas da região, Hans Singer também discute algumas
possibilidades para seu desenvolvimento, como o melhoramento econômico do Nordeste através
de investimentos em projeto industriais e também agrícolas, pois, segundo o autor, a região já era
naturalmente agrícola e produtora de artigos agrícolas de exportação e por isso tal setor não
poderia ser desprezado.
Uma outra possibilidade de desenvolvimento enfatizada pelo economista está relacionada
a medidas que não necessitassem de novos investimentos, ou seja, trabalhos focados no
melhoramento das instituições da região e na redução ou eliminação do desperdício das fontes de
recursos.
Por fim, após suas análises sobre a região e discussões sobre as desigualdades regionais,
Hans Singer demonstra-se confiante em relação ao desenvolvimento do Nordeste, porém
comparando-o a outros países subdesenvolvidos:
“Como resultado dos meus estudos e de minhas observações do Nordeste,
tenho uma impressão definitivamente favorável a respeito da sua capacidade
de desenvolvimento. Poderia dizer que seu potencial de desenvolvimento,
embora não seja o ideal, é bastante melhor do que o encontrado em média
nos países subdesenvolvidos.” (ibid., p.133)
Sem entrar em detalhes sobre sua comparação da região Nordeste a outros países, que pode
parecer inapropriada, é importante ressaltar sua preocupação em relação ao desenvolvimento
econômico do Nordeste e, conseqüentemente, sua preocupação com as desigualdades regionais,
que demonstram que Hans Singer não remete todos os problemas da região das secas a uma única
causa: à falta de água, como muito se fazia antes desta nova fase de percepção em relação à região
Nordeste.
144
Banco do Nordeste do Brasil
A criação do Banco do Nordeste do Brasil, em 19 de julho de 1952, foi o marco inicial da
nova fase das políticas do governo federal para o Nordeste mais discutido na literatura, pois como
ressalta Vargas em discurso de campanha de subscrição pública de ações do Banco em 1º de
setembro de 1953, a instituição teria por objetivo proporcionar amparo financeiro, incentivar
atividades econômicas, realizar financiamentos a fim de fomentar a produção; ou seja, seria um
banco direcionado ao incentivo do desenvolvimento econômico da região das secas,
diferentemente das medidas de caráter emergencial que ocorriam até então para o Nordeste em
períodos de estiagem.
“No programa governamental de assistência econômica, a criação do Banco
do Nordeste do Brasil veio atender a uma necessidade inadiável... O Banco
do Nordeste se destina a proporcionar amparo financeiro aos produtores da
região e aos poderes públicos locais. Será um Banco rural e um Banco
municipal, com o objetivo de incentivar as atividades econômicas das
populações regionais...O programa de atividades do Banco do Nordeste
inclui operações de financiamento agrícola e comercial, destinadas ao
fomento da produção, à melhoria das condições de abastecimento, ao
combate aos efeitos da estiagem e, afinal, à organização econômica da
região sob sua influência. Estão previstos financiamentos às
municipalidades para empreendimentos de relevante interesse econômico.”
O projeto do Banco foi elaborado pela Assessoria Econômica da presidência da República
e sua lei de criação foi fundamentada devido à exposição de motivos ao presidente apresentada
por Horácio Láfer, Ministro da Fazenda, em 25 de abril de 1951, ao retornar da viagem que havia
feito ao Nordeste para verificar os efeitos da seca.
Na exposição o Ministro ressalta a necessidade de crédito bancário especializado às
características dos empreendimentos agrícolas e industriais da região a fim de fortalecer a
145
economia do Nordeste. Enfatiza ainda como indispensáveis medidas relacionadas ao seu
desenvolvimento econômico, destacando como inúteis obras hidráulicas e de engenharia para o
combate à seca se estas não estivessem acompanhadas do fortalecimento da economia regional,
explicitando assim o novo direcionamento das preocupações e ações públicas para o Nordeste.
“Durante a recente visita feita aos Estados do Nordeste do país, flagelados
pela seca, pude observar a carência de crédito bancário para atender às
necessidades fundamentais da produção daquela parte do território nacional.
Os estabelecimentos de crédito particulares, e mesmo os oficiais, em que
pesem os relevantes serviços prestados pelo Banco do Brasil, nem sempre
podem servir às necessidades básicas da região, seja pelas limitações
impostas pelos regulamentos em vigor, seja pela falta de especialização para
determinadas atividades locais... Entretanto, o Nordeste, pela sua forte e
corajosa população, poderia contribuir mais vantajosamente para o
progresso do país, se tivesse a seu favor uma assistência crediária mais
ampla, especializada à natureza peculiar de seus empreendimentos agrícolas
e industriais. O combate às secas, através de grandes obras de engenharia,
como as projetadas, ou as de emergência, como o que se vai fazer no
momento, será sempre improfícuo, se não for acompanhado de elementos
capazes de fortalecer a economia regional, mediante o amparo às suas
atividades econômicas. Tenho a impressão de que, no combate às secas até
agora feito, muitas vezes a preocupação de engenharia ou das obras
hidráulicas sobrepujou o lado econômico propriamente dito... O Banco do
Nordeste do Brasil teria, por objetivo..., destacando-se acima de tudo, o
financiamento das safras agrícolas, principalmente através das cooperativas,
o estímulo à sua fundação, as obras de irrigação, aquisição de maquinaria
agrícola, construção de silos, exploração de plantas econômicas adaptadas à
região semi-árida, enfim, uma rede de serviços previstos em lei, mas até
agora sem andamento, certamente por falta de órgão financiador adequado
às peculiaridades e sistema de trabalho da região do Nordeste.”(In:
ALMEIDA, 1985, p. 183-184-185)
No mesmo ano da exposição de motivos do Ministro da Fazenda, em 23 de outubro, o
presidente já encaminhou o projeto de lei criando o BNB. Junto ao projeto Vargas expôs em sua
Mensagem os objetivos da instituição, ressaltando a necessidade de superar os métodos
146
tradicionais em relação ao tratamento do problema das secas através do planejamento regional,
dirigindo assim a atenção a questões econômicas e sociais do Nordeste.
“Tenho a honra de apresentar à elevada consideração de Vossas Excelências
o anexo projeto de lei, destinado a criar o Banco do Nordeste do Brasil. A
política do Governo Federal, no sentido de defender das secas as vastas
extensões do Nordeste e do Leste Setentrional, a elas sujeitas
periodicamente, e de integrar tais regiões na economia moderna, requer uma
revisão, com o aperfeiçoamento, quando não superação, dos métodos
tradicionais. O próprio título de ‘obras contra as secas’ expressa uma
limitação, focalizando o problema sobretudo pelo ângulo de obras de
engenharia. É tempo de, à luz da experiência passada e da moderna técnica
do planejamento regional, imprimir-se ao estudo e solução do problema uma
definida diretriz econômico-social.” (Id. ibid., p. 193)
O primeiro presidente do BNB foi Rômulo Barreto de Almeida, que tomou posse do cargo
em 15 de janeiro de 1954, ano em que tiveram início as atividades do Banco. Nesta ocasião o novo
presidente realizou um discurso de exaltação do governo e de suas preocupações e realizações para
o Nordeste, destacando os objetivos da nova instituição:
“Alta e pesada é a responsabilidade de presidir à implantação de uma
instituição financeira destinada a um papel decisivo no alevantamento da
economia nordestina... A região nordestina, em especial ocupou um lugar
destacado nas preocupações do eminente estadista que preside os destinos
do país. Sentiu ele que, ao lado de programas tradicionais de obras públicas,
das novas perspectivas que se abrem com Paulo Afonso, era necessário um
órgão financiador especializado no sistema das iniciativas federais para o
combate às secas e a organização da economia regional... O Banco do
Nordeste do Brasil é, desta forma, um instrumento adequadamente
concebido da política do governo federal no desenvolvimento da economia
nordestina. Vai o Banco do Nordeste do Brasil auxiliar o Ministério da
Viação e Obras Públicas, o da Agricultura e outros ministérios e órgãos,
como a Comissão do Vale do São Francisco, que atuam no desenvolvimento
econômico-social da região.” (Id. ibid., p. 167,168)
147
Contudo, apesar de tantos objetivos e expectativas em relação ao BNB, sua sede foi
instalada em Fortaleza, onde se localizava a oligarquia nordestina cearense, evidenciando, de certa
forma, a sobreposição dos interesses políticos e particularistas em detrimento dos interesses
públicos. Como ressalta VILLA:
“Novamente os critérios políticos acabaram se sobrepondo às necessidades
econômicas, favorecendo mais uma vez a oligarquia que usava as agências
da União como instrumento de barganha eleitoral.” (2000, p.170)
Todavia, apesar dos evidentes interesses políticos da oligarquia nordestina cearense
estarem intimamente relacionados à localização da sede do BNB, sua criação não deixa de ser uma
importante medida tomada pelo governo federal em relação ao Nordeste, especialmente se
analisada em conjunto à Usina de Paulo Afonso e o relatório de Hans Singer, que também
evidenciam certa preocupação com o desenvolvimento econômico da região. Desta forma, tais
realizações passaram a fazer parte das medidas que são tidas como marco do início de uma nova
fase das políticas do governo federal para a região das secas, como ressalta Vargas em sua
Mensagem Presidencial de 1952 ao citar o Banco do Nordeste do Brasil e a Usina de Paulo
Afonso:
“O Banco representará a primeira providência concreta para início desse
novo modo de encarar o problema das secas, expandindo e multiplicando os
centros de resistência econômica, num programa integrado de
aparelhamento e organização da produção, tendo como principal núcleo de
irradiação a Usina de Paulo Afonso.” (p. 231)
148
Além destas realizações do governo federal para o Nordeste que bem representam o início
de uma nova fase das políticas para a região das secas, foram elaborados tamm no governo
Vargas três planos para a região, os quais mais expressam as preocupações do que as realizações
do governo. Um dos Planos do governo federal realizado para o Nordeste, mais especificamente
para a seca, foi o Planejamento de Combate às Secas, elaborado entre fevereiro e abril de 1953
pela Assessoria Econômica da Presidência da República. As questões centrais do plano eram: “1ª
como enfrentar as emergências da seca; 2ª como reduzir progressivamente os efeitos das secas; 3ª
como organizar e valorizar economicamente a região sujeita às secas periódicas.” (In: ALMEIDA,
1985, p. 226)
É importante ressaltar que no plano não somente questões já muito discutidas sobre a seca
foram citadas, como por exemplo obras a serem executadas pelo DNOCS, mas também questões
econômicas da região, desigualdade regional, industrialização e a migração nordestina, a qual,
segundo o plano, deveria ser assistida pelo governo.
“Os excedentes populacionais das zonas menos favorecidas,
tradicionalmente deslocados para a Amazônia, o Meio-Norte, a Zona do
cacau e o Sul do país, deverão ser assistidos através de medidas constantes
do Plano, as quais exigirão um levantamento de áreas fora do Polígono para
onde se orientem as correntes migratórias assistidas. Cumpre, além disso,
preparar previamente áreas dentro do próprio Polígono, ou em zonas a ele
contíguas, para a localização de emigrantes, sobretudo nas fases de
emergência, tendo em vista ampliar os centros regionais de resistência.” (Id.
ibid., p.245)
Ainda sobre a migração, são também citados no plano o Instituto Nacional de Imigração e
Colonização e a Carteira de Colonização do Banco do Brasil (ainda projetos de lei elaborados pela
Assessoria Econômica), cuja principal finalidade, seria, segundo o plano, “o encaminhamento e
fixação de nordestinos na própria região ou em outras apropriadas.” (Id. ibid., p. 251)
149
No mesmo ano foi também elaborado pela Assessoria Econômica uma Exposição de
Motivos sobe a Colocação de Migrantes Nordestinos e Projeto de Colonização, que tinha como
objetivo principal alocar os migrantes nordestinos em suas próprias terras a fim de reduzir o êxodo
que, segundo o documento, estava se agravando:
“Não havendo dados sobre o êxodo na direção Norte ou Noroeste, sem
dúvida muito menos numerosos, os números apresentados indicam o
agravamento do fenômeno, destacando-se as alarmantes cifras da Bahia
(onde as obras contra as secas tiveram relativamente menor importância).”
(Id. ibid., p. 257)
Para atingir este objetivo foi proposto no projeto a criação de um sistema de núcleos
coloniais, pois segundo o plano seria fundamental para a alocação dos migrantes na região
Nordeste. É ressaltado ainda que este objetivo contava com dois fatores favoráveis à sua execução:
“ - a adoção, pelo Ministério da Agricultura (Diretoria de Terras e
Colonização), de métodos mais flexíveis e baratos de colocação de colonos
nacionais, inclusive utilizando sistemas de cooperação com outros órgãos
federais e estaduais; - a possibilidade de obter ainda boas terras
gratuitamente ou a um preço muito reduzido, em algumas boas partes do
Polígono das Secas, recentemente penetradas por vias modernas de
transporte, e em áreas contíguas ao Polígono, sobretudo na região litorânea
do Sul da Bahia (ao longo da BR-5 em construção), e zonas vizinhas do
Nordeste de Minas, e na região do rio Parnaíba e Maranhão.” (Id. ibid., p.
258)
No ano seguinte, entre março e julho, foi criado um Plano Federal para o Nordeste,
elaborado e coordenado por Rômulo Barreto de Almeida, no período em que esteve como
presidente do Banco do Nordeste do Brasil. O plano tinha como foco o desenvolvimento
econômico da região através da elaboração de pequenos programas: “Trata-se, em síntese, de um
150
plano de pequenos programas articulados no sentido de tocar nos pontos estratégicos para o
desenvolvimento geral da região.” (Id. ibid., p. 269)
É importante ressaltar que no plano há três tópicos específicos sobre a migração nordestina:
Melhoria da Habitação Rural; Habitação Rural – Pouso ou Hospedarias Rurais; e Pequena
Colonização Municipal. De uma forma geral os três programas buscavam estratégias para reter os
migrantes em suas terras, porém cada um de sua forma.
Em relação ao primeiro programa, “Melhoria da Habitação Rural”, tinha-se por objetivo
“contribuir para o desenvolvimento da produção, o combate ao êxodo rural, a melhoria das
condições sanitárias e para a maior estabilidade e difusão da pequena propriedade rural que tenha
condições econômicas.” (Id. ibid., p. 325) Mais especificamente sobre o combate ao êxodo rural,
o programa previa a melhoria da habitação e a criação de ocupações durante o período da estiagem
– o que também contribuiria para maior estabilidade da economia nordestina.
O programa referente à “Habitação Rural – Pouso ou Hospedarias Rurais”, dentre seus
vários objetivos, tinha também como foco os retirantes das secas:
“Tais Pousos e Hospedarias são um recurso para os motoristas que
constituem, hoje, o grupo pioneiro por excelência da penetração dos sertões,
os viajantes comerciais, outra classe de grande importância no contato
comercial e cultural, os fazendeiros, sitiantes, rendeiros e trabalhadores que
se deslocam constantemente por motivos de negócios, de trabalho, de
família ou de festividades religiosas e outras, e, ainda, as grandes levas de
migrantes ou retirantes, que são obrigados, pelas calamidades das secas ou
simplesmente pela alta taxa de crescimento da população, a se deslocarem
para zonas novas ou mais favoráveis.” (Id. ibid., p. 327)
Por fim, o programa “Pequena Colonização Municipal” tinha como finalidade localizar os
nordestinos em sua própria região, evitando as migrações para outras regiões do país, através da
criação de pequenos núcleos de habitação.
151
“Deveremos, com este programa, orientar, racionalmente, a localização dos
excedentes de população rural e dos retirantes das calamidades, mantendo-
os, na medida do possível, dentro da própria área nordestina, onde haja
condições favoráveis para tal localização.” (Id. ibid., p.329)
É importante ressaltar que apesar de certas realizações e planos para o Nordeste, o governo
Vargas recebia ainda muitas críticas em relação às medidas realizadas e não realizadas para a
região, pois muito era discutido em propostas e planos e pouco era efetivamente feito. Várias
destas críticas podemos constatar na Câmara dos Deputados, onde não cessavam protestos contra
as obras puramente assistencialistas e improvisadas, assim como reivindicações por medidas
efetivas à região.
Neste sentido, o deputado José Augusto (PSD – PA), na Sessão de 14 de novembro de
1952, ressalta que o governo não deveria ficar preso somente à estudos sobre o Nordeste, mas sim
partir também para a fase das realizações:
“O que urge é por mãos à obra, isto é, aceitar as indicações dos técnicos,
dos competentes e dos idôneos que vem desde a Monarquia, e não ficarmos
apenas na fase de estudos, a lembrar aquela famosa frase pessimista de um
ilustre filho do Nordeste que dizia em relação às secas: ‘estudos.’ Quer
dizer, só se faz estudar, mas não se passa ao período das realizações.” (p. 65)
Assim como José Augusto, os deputados Medeiros Neto (PSD – AL) e Adail Barreto
(UDN- CE), nas Sessões da Câmara de 29 de março de 1951 e de 1 de junho de 1951,
respectivamente, também reivindicam por medidas mais efetivas ao Nordeste; o primeiro
ressaltando o descaso com os açudes já existentes na região, e o segundo dirigindo seu apelo mais
especificamente ao Ministro da Viação e Obras Públicas.
152
“Permito-me, então, salientar que no meu estado existem vários açudes
construídos há quase 30 anos, mas completamente abandonados. A própria
zona hoje grassada pelo flagelo da seca, em Alagoas, é precisamente onde
estão dois açudes inteiramente abandonados, e porque tal acontece, não
conseguiram conter, não puderam deter a água que neste momento seria
meio de mitigar a sede do sertanejo, obrigado a percorrer 70 a 80
quilômetros para buscar água em Palmeira dos Índios.” (p. 44)
“Estou certo – ou melhor, para ser mais real – estou na expectativa simpática
de que S. Exª (Ministro da Viação e Obras Públicas), tendo regressado ao
Rio de Janeiro após haver visto bem de perto a miséria reinante em todo o
Nordeste brasileiro, se prepare para adotar providências mais efetivas, mais
reais, mais prontas para debelar a crise. Até antes da ida de S. Exª, a verdade
é que os serviços não estavam sendo capazes de socorrer toda a zona
flagelada.” (p. 257)
Já o deputado Humberto Moura (UDN – CE), na Sessão da Câmara de 16 de julho de 1952,
e o deputado Jaime Teixeira (PSD – BA), na Sessão de 12 de fevereiro de 1953, além de
ressaltarem a necessidade de serviços permanentes para a região das secas, enfatizam também que
as obras improvisadas não eram capazes de reter os nordestinos em suas terras, resultando assim
na migração de muitos trabalhadores:
“Tenho em mãos uma informação que me foi prestada pelo Sr. Ministro da
Fazenda sobre o montante das verbas destinadas às obras de emergências, no
montante de 22 milhões de cruzeiros. Sempre obras improvisadas em que a
aplicação das reservas financeiras não corresponde ao trabalho executado.
Estes recursos dados ao Governo do Estado não foram melhor aplicados,
como os seus antecessores, e por isso vivem sempre estes infelizes
acossados pela obrigação penosa de emigrar.” (p. 168)
“Sem um plano de serviços permanentes, quer no setor da agricultura, quer
no da viação, sofremos por isso mesmo; muito acentuadamente, a falta de
meio com que amparar o braço desocupado, em conseqüência das
circunstâncias atinentes aos fenômenos climáticos. Ora, o Sul, oferece a
miragem de bons salários, que ficar fazendo aqui este homem quando
apenas lhe ronda a casa a fome e a miséria?” (p. 87)
153
No mesmo sentido de enfatizar a migração, os deputados Sigefredo Pacheco (PSD – PI) e
Aluísio Alves (UND – RN), nas Sessões da Câmara de 26 de março de 1951 e 12 de novembro de
1952, respectivamente, ressaltam a situação econômica do Nordeste como sendo uma das causas
do êxodo, especificamente a falta de trabalho à população, que à obriga a buscar trabalho em
outras cidades ou regiões:
“É preciso que o trabalho seja levado, com o auxílio do governo federal,
não somente a certas zonas do Nordeste, mas a todos os seus municípios. Só
assim será eficiente a ajuda do governo federal. Por que estendermos esse
amparo somente a determinados municípios, se isto obriga o deslocamento
das populações; com ele o abandono do lar, e, com grandes aglomerações,
as epidemias?” (p. 153)
“As denúncias aqui trazidas não conseguiram fazer com que o Governo
Federal, os homens públicos do Brasil, percebam toda a extensão da
calamidade. Essa minha suposição se funda sobretudo no fato de haver
constatado, mais de uma vez, em viagens consecutivas ao Nordeste, que as
providências até agora tomadas não tiveram o mínimo efeito para dirimir as
conseqüências da seca. Cerca de dezesseis mil nordestinos continuam a
deixar, mensalmente, o Nordeste, tangidos, não apenas pelas secas, mas,
principalmente, pela situação de exatidão econômica que cada dia se
agrava.” (p. 64)
Especificamente sobre a seca e às obras de emergência, o deputado Manuel Novaes (PR –
BA), na Sessão da Câmara de 26 de fevereiro de 1953, critica o DNOCS, ressaltando que medidas
eram tomadas pelo departamento apenas quando a crise se agravava, o que não resolvia os
problemas do Nordeste. No mesmo sentido, o deputado Arruda Câmara (PDC – PE), na Sessão de
28 de março de 1951, enfatiza que os socorros de emergência representavam apenas um grão de
areia diante das medidas que realmente deveriam ser tomadas para a região:
154
“Tudo isso tem acontecido, Sr. Presidente, pela imprevidência dos homens
que vêm, continuamente, dirigindo o Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas, exceção feita ao Ministro José Américo de Almeida e ao
seu então Diretor do Departamento, Engenheiro Luiz Vieira. O
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas até hoje não apresentou à
Nação um plano de trabalho visando à solução deste importante problema
brasileiro. É um erro, e um erro palmar, Sr. Presidente, cuidar-se do amparo
aos flagelados nordestinos de um modo geral, apenas quando a crise se
agrava. O que quer dizer: ‘o Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas vive um eterno emaranhado de soluções de emergência, quando no
espírito de todos nós, sobretudo filhos do Nordeste, não paira a menor
dúvida de que o problema da seca é de caráter permanente.’” (p. 321)
“É de tal vulto, porém, a calamidade que pesa sobre o Nordeste e sobre seu
povo sofredor nesta hora, que esses chamados socorros de emergência
representam apenas um grão de areia num vasto deserto, ou, para empregar
expressão de uso vulgar, uma gota d’água no Oceano.” (p. 391)
Tais reivindicações para o Nordeste, apesar da nova fase das políticas do governo federal
para a região, bem evidenciam que muito ainda precisava ser feito e muito ainda era tratado com
descaso, especialmente se compararmos a atenção e os investimentos do governo na região
Centro-Sul do país e na região Nordeste, como ressalta VILLA:
“Não só não havia planos para enfrentar o flagelo, como o Nordeste tinha
sido deixado à própria sorte, concentrando-se a atenção e os investimentos
governamentais no Sudeste, principalmente nos estados de São Paulo e do
Rio de Janeiro.” (op. cit., p.175)
Como já foi discutido, no período em questão as desigualdades regionais já existentes entre
o Nordeste e o Centro-Sul do país estavam sendo ainda mais acentuadas devido ao
desenvolvimento econômico-industrial brasileiro em curso acontecer de forma regional,
155
reforçando a visão de que Nordeste era a região atrasada e o Centro-Sul, mais especificamente São
Paulo, a região desenvolvida.
“A expansão econômica significou, evidentemente, a constituição do
mercado interno, estruturado a partir das regiões industriais, nucleadas por
São Paulo. A atuação do Estado, sendo decisiva, no processo de
desenvolvimento em questão, teve também repercussão marcante na
dinâmica espacial. A forma e o caráter da atuação do Estado, em sua
amplitude nacional, na vigência da lei do desenvolvimento desigual, atende
aos interesses das áreas do país onde se concentrou a indústria.”(TAVARES,
1989, p.62)
Contudo, apesar das políticas do governo federal terem privilegiado e sido cruciais para o
acelerado desenvolvimento econômico-industrial do Centro-Sul, podemos dizer que medidas em
relação ao desenvolvimento do Nordeste também existiram, como a criação do Banco do Nordeste
do Brasil, embora tímidas se comparadas ao intervencionismo estatal em relação ao
desenvolvimento econômico-industrial regional.
156
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No período do segundo governo Vargas uma avalanche migratória deslocou um grande
número de migrantes nordestinos para São Paulo, superando todos os valores registrados sobre a
migração nordestina até o momento. Os maiores valores foram registrados, mais especificamente,
nos anos de 1951 e 1952 e 1953, marcando assim o segundo governo Vargas como o período da
grande migração nordestina.
Contudo, apesar de tais valores, já na década de 1930 esta migração passou a se destacar,
superando o número de imigrantes estrangeiros que entravam no estado de São Paulo e trazendo
assim para a região em desenvolvimento migrantes com características distintas dos trabalhadores
estrangeiros que ali viviam e da população local. Assim, na primeira metade da década de 1950,
quando a migração foi muito intensa, os estereótipos negativos em relação aos migrantes
nordestinos já estavam consolidados, resultando em preconceito, discriminação e generalizações,
que podem ser percebidas na rotulação de todos os migrantes vindos da região Nordeste como
baianos.
Sobre esta questão é importante ressaltar que os baianos eram os migrantes nordestinos
mais presentes no estado de São Paulo em 1950 e 1960 e os que mais passaram pela Hospedaria de
Imigrantes no período da grande migração, o que pode ter contribuído para a criação do rótulo de
baiano que generalizava todos os migrantes nordestinos.
O grande êxodo nordestino para São Paulo teve como pano de fundo um contexto de
acentuada desigualdade regional no país, especialmente entre a região de origem e de destino dos
migrantes, a qual estava em grande desenvolvimento econômico; e ainda um cenário de seca na
região Nordeste, que assolou a região durante três anos (1951-1953). Estas duas questões, ou seja,
seca e desigualdade regional, estiveram muitas vezes presentes nas discussões da Câmara dos
157
Deputados, especialmente quando a migração nordestina estava em pauta. Desta forma, nestes
debates os políticos ressaltavam o descaso com a região Nordeste, os problemas que a seca
acarretava, a situação da população flagelada, a atração que São Paulo e seu desenvolvimento
econômico ocasionava; enfim, todo um quadro que bem explicita a migração e os fatores
relacionados a ela era construído através de tais discussões. Todavia, apesar dos vários debates e
também dos comentários sobre a migração nas Mensagens Presidenciais, efetivamente aos
migrantes nada foi feito. As condições de trabalho no Nordeste permaneciam com o mesmo
caráter assistencialista de períodos de seca, a vinda dos retirantes continuava um martírio nos
vagões dos trens de segunda e nas carrocerias dos paus-de-arara e a adaptação no local de destino
transformava-se numa busca pelos trabalhos que a falta de qualificação e a discriminação
permitiam conseguir.
Entretanto, não poderíamos deixar de ressaltar que no período do segundo governo Vargas
houve a criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), que tinha como objetivo principal
financiar o desenvolvimento econômico da região, além de outras questões que evidenciam
também uma certa preocupação com este desenvolvimento. Desta forma, o governo tornou-se um
marco do período de transição de uma fase em que as políticas para o Nordeste estavam
sustentadas na preocupação da falta de água para uma fase em que o desenvolvimento econômico
da região passou a estar em pauta. Contudo, as medidas tomadas não foram suficientes para
atenuar os efeitos da seca e as grandes disparidades regionais, fatores que fizeram parte do
contexto da grande migração nordestina para São Paulo, evidenciando assim que muito ainda
deveria ser feito para a região Nordeste a fim de reduzir a migração para outras regiões do país.
158
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