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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO
RURAL
A UNIDADE FAMILIAR E AS NOVAS FUNÇÕES ATRIBUÍDAS À
AGRICULTURA: o caso dos agricultores ecológicos do Território da Encosta da
Serra Geral
Tatiana Ferreira Nobre de Lacerda
Porto Alegre
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO
RURAL
A UNIDADE FAMILIAR E AS NOVAS FUNÇÕES ATRIBUÍDAS À
AGRICULTURA: o caso dos agricultores de ecológicos do Território da Encosta
da Serra Geral
Tatiana Ferreira Nobre de Lacerda
Professor Orientador: Prof. Dr. Paulo Eduardo
Moruzzi Marques
Professor Co-orientador: Prof. Dr. Sérgio
Schneider
Dissertação submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Rural da
Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para obtenção do Grau de Mestre
Desenvolvimento Rural
Série PGDR - Dissertação nº 58
Porto Alegre
2005
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Dedico esta dissertação à minha mãe; por
ter sido sempre minha grande amiga.
AGRADECIMENTOS
Este é o momento de tentar nomear as pessoas e instituições que de maneiras variadas
contribuíram no processo de aprendizagem, nesta etapa da vida, que esteve prioritariamente
voltado ao mestrado e que está agora parcialmente materializado nesta dissertação.
Inicialmente cabe agradecer ao meu companheiro, Fernando do Carmo Bragança aquele
que com toda a certeza esteve junto nos momentos de dúvidas, angústias e aprendizagem
presente em cada linha desta dissertação.
Ao meu orientador pelo convívio, pela troca de conhecimentos e, principalmente, pela
amizade, que foram fundamentais para a realização das reflexões presentes neste trabalho de
pesquisa.
Ao meu co-orientador pelas sugestões finais.
Aos agricultores e às famílias rurais, por terem me recebido em suas casas, por terem
partilhado suas vidas e experiências, afinal por terem enriquecido minha vida e possibilitado as
análises aqui apresentadas.
Ao professor Dr. Wilson Schmidt pela disponibilidade do material e pelas orientações.
À Agreco e a Acolhida da Colônia pela atenção dedicada.
À todos os meus colegas da turma 2003 de Mestrado do PGDR, pela amizade em todos
os momentos e pelo convívio nas aulas, no cafezinho dos intervalos e, é claro, nos barzinhos da
Lima e Silva.
Àqueles que se tornaram meus melhores amigos e que assim continuaram sendo: Ale,
Má, Gis, Vini.
Aos professores e funcionários do PGDR pelo ensino, conhecimento e atendimento.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de
estudo sem a qual não teria sido possível a realização deste trabalho, cabendo ressaltar a
importância do incentivo à pesquisa e à pós-graduação na construção da educação e da
liberdade das pessoas e do país.
1
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS..................................................................................................................................................3
RESUMO ......................................................................................................................................................................4
ABSTRACT ..................................................................................................................................................................5
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................6
CAPÍTULO 1 - CAMPONESES E AGRICULTORES FAMILIARES: REFLEXÕES E DEFINIÇÕES
TEÓRICAS.................................................................................................................................................................15
1.1 - R
ELAÇÕES FAMILIARES CAMPONESAS E AGRICULTURA FAMILIAR......................................... 16
a) Os estudos e características da organização social e produtiva camponesa.............................. 16
b) Organização social e produtiva dos agricultores familiares...................................................... 20
1.2 O
S NOVOS TEMAS DE PESQUISA E AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES DA AGRICULTURA FAMILIAR
....................................................................................................................................................... 26
CAPÍTULO 2 - EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS AGRÁRIOS DA REGIÃO DO TERRITÓRIO DA
ENCOSTA DA SERRA GERAL ..............................................................................................................................34
2.1 C
ARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO................................................................................... 35
a) A área física da região............................................................................................................... 35
b) Caracterização da Evolução dos Sistemas Agrários do Território da Encosta da Serra Geral ou
da região de Sta Rosa de Lima - Sc............................................................................................... 38
2.2 A
LGUMAS CONCLUSÕES DOS CAPÍTULOS 1 E 2......................................................................... 49
CAPÍTULO 3 - OS DIFERENTES DESENVOLVIMENTOS E A CONFIGURAÇÃO DAS NOVAS
ESTRATÉGIAS (MACRO) SOCIAIS .....................................................................................................................53
3.1 O
DESENVOLVIMENTO ENQUANTO MODERNIZAÇÃO ................................................................. 54
3.2 A
PERDA DA HEGEMONIA DO MODELO DE MODERNIZAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DE NOVOS
ENTENDIMENTOS PARA DESENVOLVIMENTO
................................................................................... 59
a)O processo de crise..................................................................................................................... 59
b) Os novos adjetivos para“desenvolvimento”.............................................................................. 63
3.3 A
S NOVAS ESTRATÉGIAS SOCIAIS: O DEBATE DA MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA E DA
DIVERSIFICAÇÃO DOS MODOS DE VIDA
............................................................................................ 70
a)A multifuncionalidade da agricultura......................................................................................... 70
b)Diversificação das estratégias de modos de vida ....................................................................... 74
3.4 A
GRICULTURA FAMILIAR E NOVOS DESENVOLVIMENTOS NO BRASIL: O CONTEXTO DO PRONAF
....................................................................................................................................................... 76
CAPÍTULO 4 - O CONTEXTO DE DESENVOLVIMENTO E AS ESTRATÉGIAS CONSTRUÍDAS NO
TERRITÓRIO DA ENCOSTA DA SERRA GERAL.............................................................................................79
2
4.1O
ESPAÇO E A HISTÓRIA DA AGRECO ...................................................................................... 81
4.2 ESTRATÉGIAS LOCAIS OU TERRITORIAIS ................................................................................... 89
4.3 A
LGUMAS CONCLUSÕES DO CAPÍTULO 3 E 4 ............................................................................ 95
CAPÍTULO 5 - AS ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO ELABORADAS PELAS UNIDADES
FAMILIARES ............................................................................................................................................................99
5.1U
NIDADE DOMÉSTICA FAMILIAR.............................................................................................. 100
5.2 A
S OCUPAÇÕES NAS ESTRATÉGIAS DE REPRODUÇÃO DAS FAMÍLIAS AGRICULTORAS .............. 104
5.3A
S FONTES DE RENDA E A REPRODUÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR ..................................... 112
CONCLUSÃO ..........................................................................................................................................................122
BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................................................127
APÊNDICE I ............................................................................................................................................................132
APÊNDICE II...........................................................................................................................................................149
ANEXO I...................................................................................................................................................................151
3
Lista de tabelas
Tabela 2.1 - Distribuição Populacional do Território entre Urbana e Rural........................36
Tabela 2.2 -Evolução do Processo de Distribuição Populacional de Santa Rosa de
Lima/SC................................................................................................................................36
Tabela 2.3 - Estrutura Fundiária no município de Santa Rosa de Lima (1970-1995)..........38
Tabela 2.4 - Evolução do Processo de Mecanização de Santa Rosa de Lima – SC.............42
Tabela 2.5 - Evolução da renda em R$ dos produtores de fumo no período 1994/98(Br)..44
Tabela 2.6 - Sistema de cultivo dos agricultores Agreco.........................................45
Tabela 2.7 - Insumos e técnicas dos agricultores Agreco por freqüência de uso.................46
Tabela 5.1 - Distribuição por Faixas de Idade dos Agricultores Entrevistados..................100
Tabela 5.2 -Distribuição em Faixas de Idade dos Agricultores Entrevistados que Pertencem a
Agreco...............................................................................................................................101
Tabela 5.3 - Distribuição por idade, posição na família e sexo..........................................102
Tabela 5.4 - Condição Legal da Terra................................................................................103
Tabela 5.5 - Proximidade dos Filhos..................................................................................104
Tabela 5.6 - Perspectiva em Relação aos Filhos................................................................105
Tabela 5.7 - Ocupação principal e secundária dos membros das famílias.........................107
Tabela 5.8 - Ocupação principal dos membros das famílias, segundo o sexo...................108
Tabela 5.9 - Distribuição da ocupação principal por membro da família..........................109
Tabela 5.10 - Distribuição da ocupação secundária por membro da família.....................110
Tabela 5.11 - Principal Fonte de Renda.............................................................................112
Tabela 5.12 - Uso e fonte de Crédito.................................................................................113
Tabela 5.13 - Remuneração da ocupação principal pelo parentesco dos agricultores
Agreco................................................................................................................................118
Tabela 5.14 – Remuneração da ocupação secundária pelo parentesco dos agricultores
Agreco.................................................................................................................................119
Tabela 5.15 - Portifólio das atividades familiares...............................................................120
4
Resumo
Título: A unidade familiar e as novas funções atribuídas a agricultura familiar:
o caso dos agricultores ecológicos do Território da Encosta da Serra Geral
Essa dissertação busca analisar as estratégias de reprodução social de agricultores familiares
vinculados a projetos de desenvolvimento rural amparados pelos recentes discursos sociais,
ambientais e políticos. Assim, busca-se compreender em que sentido os novos discursos e
expectativas sobre o rural e sobre o agricultor têm possibilitado às unidades a elaboração de
ocupações e fontes de renda, que garantam sua reprodução enquanto agricultores familiares.
Neste sentido, duas idéias aparecem como chave neste trabalho. De um lado, destaca-se a criação
de novos espaços rurais, caracterizado pela diversificação de atividades e pela intensificação de
relações entre diferentes atores calcadas, sobretudo, na questão ambiental expressa na busca de
alimentos “saudáveis” e na valorização da paisagem e do modo de vida rural. De outro lado,
considera-se a elaboração de estratégias pelos agricultores familiares, no sentido de garantirem a
reprodução da unidade e do patrimônio familiar, articulando as diferentes oportunidades que
emergem destas novas configurações.
Palavras Chaves: agricultura familiar, estratégias de reprodução, desenvolvimento territorial,
desenvolvimento sustentável, multifuncionalidade da agricultura, diversificação de atividades.
5
Abstract
Title: The household and the new functions given to family agriculture: The case of
ecological farmers of the “Território da Encosta da Serra Geral”).
This dissertation searches to analyse strategies of social reproduction of family
agriculturists linked to rural development projects supported by recent social, political and
environmental speeches. Therefore, there is a search to understand in what sense the new
speeches and expectations about the rural and the farmer have made possible to the unites the
elaboration of settlements and incomes that certify its reproduction while family farming.
On this sense, two ideas come up as a key on this paper. On none side outstands the
creation of new rural areas, characterized by the diversity of activities and by the intensification
of relation among different actors based, mainly, on the environmental issue stated on the search
of healthy food and on the valorization of the landscape and the way of rural life. On the other
hand, to believe the elaboration of strategies to be by the farmer) families, on the meaning of
guaranteeing the reproduction of the household and the family patrimony, articulating the
different opportunities that emerge from these new configurations.
Keywords: family farming, reproduction strategy, territorial development, sustainable
development, agriculture multifunctionality, activity diversification.
6
Introdução
Este estudo resulta de um processo de reflexão iniciado no final do curso de graduação e
no período em que trabalhei em alguns assentamentos e acampamentos organizados pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Inicialmente, a relevância deste período para a
construção desta dissertação se associa à minha aproximação com as famílias rurais, com seus
modos de vidas e produção, além do espaço e da paisagem rural. Contudo, as questões levantadas
neste trabalho foram elaboradas num segundo momento, durante meu trabalho de conclusão de
curso realizado junto com o professor Doutor Fernando Lourenço
1
. Com efeito, a noção de que o
espaço rural estava tendo outras finalidades que não as exclusivamente agrícolas era observado
nitidamente no campo de pesquisa escolhido para a realização deste trabalho, o bairro de Carlos
Gomes no município de Campinas
2
. A falta de concordância entre a “idéia” de rural e a realidade
observada se fazia permanentemente presente nas minhas discussões e constatações junto ao meu
então orientador. E neste sentido, o entendimento de uma diversificada ruralidade se tornou
imperativo. O espaço rural tomava outras feições ao mesmo tempo em que as famílias rurais
exerciam atividades não exclusivamente agrícolas: as relações entre o rural e o urbano se
ampliavam. De certa forma, tornava-se claro que a realidade rural não coincidia com a realidade
agrícola, se é que um dia essa coincidência existiu plenamente. Ademais, estabeleciam-se novas
perspectivas sobre estes espaços, visando uma maior dinamização social e, principalmente,
econômica. Diferentes discursos recaiam sobre a realidade local, ora por ser uma área de
preservação ambiental, ora por ser uma área de “vocação agrícola”, ora por possuir uma cultura
especifica que deveria ser mantida. A nova administração municipal
3
– preocupada com a
manutenção das áreas rurais, o inchamento das periferias e a criação de organizações que
representassem os interesses locais frente ao poder público (em torno da implantação do
1
Fernando Lourenço é professor da Universidade de Campinas (Unicamp), do instituto de Ciências Sociais.
2
No caso em particular, o bairro estudado pertence ao Município de Campinas e por estar muito próximo a cidade as propriedades
estão sendo vendidas e transformadas em casas para o fim de semana, ou para a realização de festas. As famílias que continuam
morando na localidade, na sua maioria, trabalham na cidade, em empregos refúgios (de acordo com Graziano), ou em serviços
públicos. Poucos permanecem vinculados a agricultura ou a atividade agrícola, quando muito mantêm uma roça para a
sustentação da família.
3
O estudo foi realizado no ano de 2000, ano em que inicia a administração petista encabeçada pelo prefeito recém-eleito Toninho.
Esta administração criou um núcleo de desenvolvimento rural, que na época era administrada por Sonia Moraes.
7
Orçamento Participativo) – reforçava uma renovação do discurso. No estudo busquei analisar o
processo de construção destes diferentes discursos, que em sua grande maioria vinham de fora
para dentro, ou seja, eram enunciados pelos sujeitos da administração e pelos denominados novos
rurais.
O fato é que estão sendo atribuídas outras funções para os espaços rurais e para a
agricultura: da concepção de um desenvolvimento produtivista, calculado para o curto prazo e de
forma estritamente econômico, partia-se para a noção de um desenvolvimento sustentável,
concebido para o longo prazo e numa perspectiva territorial respondendo aos âmbitos social,
econômico e ambiental. Esta noção de desenvolvimento estava assentada sobre uma nova
categoria social, que até então havia sido relegada pelo Estado, pelas políticas públicas e pelo
imaginário rural da sociedade como um todo. Tratava-se de uma agricultura praticada e mantida
pela unidade familiar.
Existem outros fatores relevantes que justificam e embasam as mudanças no espaço rural
e o entendimento desta nova categoria social como agente do desenvolvimento, como veremos ao
longo deste trabalho. Em termos preliminares, podemos mencionar entre outros a questão
ambiental, a qualidade alimentar, a precariedade da vida nas áreas urbanas e rurais, o avanço nos
meios de comunicação e transporte, a mudança substancial no processo de acumulação e
consumo, as transformações nas relações de trabalho e mercado e a construção da importância da
participação dos agentes na elaboração de política e projetos.
No contexto atual, a categoria da agricultura familiar é considerada como uma forma
social de trabalho e de produção, que contém o âmbito da agricultura (como atividade de
produção de bens agrícolas visando o mercado) e o âmbito da família (entendido como um grupo
social, ligado por relações de parentesco e pela tradição). De outra forma, a agricultura familiar é
caracterizada por ter sua reprodução social dependente do mercado, apresentando, contudo,
especificidades em relação a outras unidades produtivas, no que se refere tanto à existência de
uma racionalidade familiar e uma certa campesinidade na tomada de decisões, como quanto à
natureza da força de trabalho.
Desta maneira, a agricultura familiar não deve ser entendida nem simplesmente por seu
comportamento econômico e, nem tampouco, somente por sua organização familiar. As condutas
e estratégias construídas por essas unidades são entendidas a partir da maneira como constroem
8
socialmente o território
4
em que estão inseridas, nos sentidos: cultural, econômico, político e
ambientalmente. Por isso a importância de se entender as redes inicialmente construídas no
território, para onde convergem diferentes interesses do grupo familiar, das unidades produtivas e
da sociedade como um todo. Partindo principalmente do leque de interações compartilhadas por
estas unidades com o mercado consumidor, instituições políticas, sociais e ambientais (Ong´s,
associações, técnicos), políticas e órgãos públicos.
A questão central sobre a qual este trabalho se debruça consiste em entender como as
famílias agricultoras têm elaborado sua reprodução, no âmbito econômico-produtivo (ocupações
e rendas da unidade produtiva) e social (estratégias das unidades domésticas) a partir das
transformações sobre as novas perspectivas sobre o rural e sobre a agricultura. A análise sobre as
estratégias de reprodução das famílias rurais se inscreve no quadro das indagações e do debate
sobre a sobrevivência das explorações familiares diante o modo de produção capitalista e
sobretudo, as recentes transformações do mercado de trabalho no meio rural marcado pelo
crescimento das atividades não agrícolas.
Ponto de observação desta pesquisa, a família rural permite examinar o processo mais
amplo de transformação da sociedade e da agricultura. Parte-se do pressuposto de que a família
rural constitui uma unidade social que se reproduz em regime de economia familiar, onde os
membros compartilham um mesmo espaço, a propriedade de um pedaço de terra e mantêm
vínculos de parentesco ou consangüinidade (Maluf, 2003). Trata-se do entendimento de ser uma
unidade doméstica e de produção, que tem por objetivo a reprodução (social e econômica) do
grupo a partir da elaboração de estratégias individuais e coletivas.
O conceito de estratégia utilizado na questão central do estudo é importante por permitir a
construção de um elo de ligação entre as famílias rurais e a sociedade (e o território), colocando
em evidência as noções de escolha, interação, possibilidades, suscitando ainda, (segundo Crow
apud Schneider:2003) uma discussão sobre o tipo de ação, racional ou não racional empreendidas
por aqueles que colocam em prática tais estratégias. Neste sentido entendemos que as estratégias
são elaboradas e colocadas em prática pelas decisões dos atores em função da disposição do
ambiente externo, não podendo ser consideradas causais nem teleológica, simplesmente. As
estratégias refletem as escolhas/decisões dos indivíduos em relação às famílias, e da família em
relação aos indivíduos, ou da sociedade sobre as famílias, e das famílias sobre a sociedade.
4
A noção de território é utilizada aqui com o entendimento dado por Abramovay de que o território é composto não somente por
uma base física mas também por uma trama de relações construída ao longo da historia, das configurações políticas e identidades.
9
Enfim, “(...) a ligação que parece superar a dicotomia sociológica em torno do problema da
relação estrutura-agente ou processos micro versus macro” (Schneider, 2003: 108).
O presente trabalho é um estudo de caso sobre algumas famílias localizadas em diferentes
municípios próximos à Encosta da Serra Geral no interior do Estado de Santa Catarina, orientado
pelo professor doutor Paulo Moruzzi Marques
5
.A escolha do lugar embora resulte de diferentes
considerações, teve como elemento fundamental, o fato das famílias estudadas participarem de
um projeto de desenvolvimento rural que busca contemplar as noções de um desenvolvimento
territorial, através da construção de políticas e projetos comuns entre as localidades, fundados,
sobretudo, na diversificação das atividades, na produção agrícola orgânica e na valorização da
cultura local e tradicional. Sendo, pois uma experiência representativa de um projeto de
desenvolvimento que envolve, de maneira geral, as novas expectativas e representações que
recaem sobre a família e o espaço rural.
A investigação está centrada em entender as estratégias de reprodução elaboradas pelas
famílias a partir deste contexto territorial permeado por novos projetos de desenvolvimento, com
implicações na elaboração de parcerias e intensificação ou dinamização das interações
econômicas, produtivas e sociais. Objetivo geral consiste em compreender a organização
produtiva e familiar das estratégias de reprodução social elaboradas pelas famílias rurais,
entendendo: 1. as práticas familiares e ocupacionais construídas pela unidade doméstica a partir
do processo de interação entre a família e o território; 2. a repercussão da dinamização local na
reprodução social da unidade doméstica e produtiva das famílias. Nosso objetivo específico
consiste em entender de que forma as estratégias reprodutivas voltadas à prestação de serviços no
agroturismo ou a inserção na cooperativa ecológica tem possibilitado o reforço da reprodução da
unidade familiar enquanto unidade doméstica e produtiva.
Partimos do pressuposto de que, numa situação em que a reprodução social das famílias
esteja relacionada a novos projetos de desenvolvimento (territorial, sustentável, multifuncional,
entre outros) as unidades elaboram estratégias de reprodução que não questionam a relação
existente entre propriedade, trabalho e gestão familiar. Assim, temos como hipótese, a idéia
central de que a partir da dinamização local, provocada pelas novas funções atribuídas, e
sobretudo pelas novas representações sobre o espaço e às famílias rurais, as unidades familiares
elaboram estratégias de reprodução que procuram não colocar em causa nem a lógica familiar
5
O professor Paulo Moruzzi Marques é professor convidado do Curso de Pós de Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR)
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
10
nem os vínculos com a agricultura. De forma mais especifica: a dinâmica local, ou a existência
de condições favoráveis no território às novas funções atribuídas à agricultura possibilitam que as
unidades familiares recorram às estratégias de reprodução que não colocam em causa a condição
de agricultores.
Os novos projetos de desenvolvimento rural se referem as recentes transformações da
agricultura familiar em objeto “privilegiado” das políticas públicas, passando a ser (a unidade
produtiva familiar) considerada agente de um específico modelo de desenvolvimento rural
relacionado a novos valores sócio- políticos e ambientais. Conseqüentemente têm recaído sobre o
espaço e famílias rurais novas perspectivas, em relação, a capacidade de: diversificar e manter
fontes de renda e ocupações; respeitar o meio ambiente e a biodiversidade; favorecer a
construção de um desenvolvimento participativo e democrático que preserve das tradições
culturais. Neste sentido torna-se fundamental a compreensão dos modos como essas unidades
familiares de produção têm se mantido e se reproduzido e, é essa a maior contribuição deste
trabalho. Pois, trata-se de repensar as possibilidades de reprodução das famílias rurais, tornando-
se conveniente reler e analisar, neste contexto, tanto as estratégias construídas pelas políticas
públicas, como as elaboradas pelas famílias rurais.
Para o desenvolvimento do trabalho, optamos por fazer um estudo de caso no território
anteriormente citado. O principal instrumento de pesquisa de campo empregado foi um
questionário único aplicado aos responsáveis pelas famílias selecionadas. Este questionário foi
elaborado pelo grupo de estudo coordenado pelo professor Renato Maluf da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro e aplicado na região em estudo por um grupo coordenado pelo
professor Wilson Schmidt da Universidade Federal de Santa Catarina, durante o ano de 2001. O
questionário foi originalmente utilizado nas pesquisas realizadas no âmbito do projeto Estratégias
de desenvolvimento rural, multifuncionalidade da agricultura e a agricultura familiar:
identificação e avaliação de experiências em diferentes regiões brasileiras, apoiado pelo CNPq.
Este projeto leva em consideração três níveis de análise: às famílias rurais, ao território e à
sociedade. Elaborado para responder principalmente aos objetivos do primeiro nível de análise, o
questionário em exame tem o foco nas famílias rurais, os outros dois âmbitos sendo tratados em
etapas posteriores da pesquisa. Nesta primeira etapa o questionário considerou quatro dimensões
principais das famílias rurais, a saber: a) dinâmica de reprodução das famílias e comunidades
rurais; b) características técnico- produtivas e sustentabilidade da atividade agrícola; c) questões
11
de identidade, integração social e legitimidade relativas às famílias rurais; d) relações com o
território e com a natureza.
Para a definição da amostra, partiu-se de uma lista, gerada pela Agreco, dos 70
agricultores que estavam efetivamente comercializando produtos orgânicos via Associação.
Assim, optou-se por trabalhar com o tamanho mínimo de amostra, de 20 entrevistados. A escolha
destes se deu pela preferência às famílias mais “distantes” da Agreco, tanto fisicamente da sua
sede, quanto da participação nas suas esferas de decisão.
Ainda com muitas possibilidades de exploração, as informações e dados obtidos graças à
aplicação deste questionário foram considerados pertinentes para os objetivos do presente
trabalho. Além do mais, o professor e orientador Paulo Moruzzi Marques conhecia com
profundidade o questionário por ter sido um dos responsáveis pelos ajustes nele efetuados com
vistas à sua aplicação no Vale do Taquari, Rio Grande do Sul. Oportuno mencionar que a equipe
gaúcha faz parte do grupo nacional de pesquisa sobre a multifuncionalidade da agricultura,
anteriormente citado.
De fato, algumas precauções e cuidados foram necessários para as análises dos dados
obtidos neste questionário, principalmente no que se refere à diferença temporal entre as épocas
de aplicação do questionário, de realização da nossa pesquisa de campo e de análise dos dados.
Neste intervalo, ocorreram algumas modificações significativas que, na medida do possível,
foram sendo consideradas para os devidos ajustes:
Na localidade a aplicação do questionário abrangeu um universo de 20 famílias. Deste
total, dez não pertencem mais a Agreco (nove por opção estratégica e uma pelo
falecimento do responsável e pelas dificuldades advindas para a continuação das
atividades por parte dos herdeiros). Assim, a análise dos dados foi dividida em 2 níveis: o
primeiro referente às onze famílias que ainda integram a Agreco; o segundo abrangendo
todo o universo das famílias consideradas pela pesquisa. Neste caso, a análise se refere,
sobretudo, à caracterização da região ou do território. Apesar da diminuição da
amostragem houve também, neste intervalo de tempo, a diminuição dos agricultores que
comercializam via Associação. Atualmente, a Agreco conta com 48 famílias
comercializando e, desta forma, a amostra chega a considerar 26% das famílias, sendo
portanto representativa.
12
O transcurso de tempo implicou mudanças no que se refere, principalmente, à produção
principal e às ocupações. Estas informações foram retificadas por uma nova pesquisa
junto às 11 famílias pertencente a Agreco, assim como foram investigados outros pontos
considerados relevantes para a análise. A mudança mais significativa ocorreu nas famílias
que tinham como carro chefe à produção de hortaliças, abandonada pela maioria dos
agricultores em razão das dificuldades encontradas no transporte e na conservação e
qualidade do produto
6
. Essas dificuldades resultaram na saída de muitas famílias da
Associação e no endividamento de muitas destas, pois não reembolsam o financiamento
contraído para a instalação das agroindústrias, que estão sem operar. Contudo, as famílias
que continuam na Associação inovaram em relação ao seu produto principal, sendo
variadas as escolhas: conservas, abatedouro, cana, merenda escolar. Outra mudança
significativa se refere à implantação da certificação dos produtos orgânicos pela Ecocert,
o que gera mudanças principalmente no comportamento do agricultor diante do produto
final (que passa a ser motivo de orgulho para a família) e, do processo de produção. O
processo de certificação, segundo o coordenador da Agreco Adilson Maia Lunardi, gerou
a diminuição do número de famílias que comercializavam matérias primas para a
associação (de 70 para 48 famílias).
Neste meio tempo, a Agreco estabeleceu novos canais de comercialização, assinou novos
convênios que podem significar uma ampliação das potenciais ocupações dos
agricultores. É o caso do convênio para a produção de peixes orgânicos (ver Box II).
Entretanto, este projeto ainda está em fase de implantação não tendo ocasionado nenhuma
mudança significativa nas unidades de produção e familiar.
Outra mudança que ocorreu neste período mas que não afeta o universo de discussão
restrito aos dados dos questionários, embora afete as conclusões, é a alteração das famílias
que fazem parte do projeto de agroturismo proposto pela Acolhida da Colônia. Isto
porque esta alteração não ocorreu em nenhuma das 11 famílias selecionadas pelo
questionário e que ainda pertencem a Agreco. Ou de outra forma, nenhuma das famílias
que compõem o universo Pertence a Agreco optou neste período de tempo pela inclusão
do agroturismo como outra fonte de renda, e a família que já estava inserida continua
atuando regularmente.
6
Para a análise desta mudança no produto principal ver Cabral (2004) e Muller (2001).
13
Além dos dados retirados do questionário, foi realizada uma pesquisa bibliográfica
referente à realidade da região e do estado, sobretudo dissertações e teses elaboradas sobre o
território estudado. Num terceiro momento, foram realizadas “visitas” de campo, que podem ser
divididas em 3 períodos (cada um com a duração de aproximadamente uma semana): o primeiro,
em março de 2004, teve como objetivo um reconhecimento da localidade, com o qual as
primeiras impressões foram registradas, particularmente em função dos primeiros contatos com
as famílias e com a Agreco; o segundo, em setembro de 2004, visou obter dados sobre a produção
e a organização familiar junto às 11 famílias de agricultores selecionadas, como anteriormente
explicado; e o terceiro, em janeiro de 2005, consistiu na realização de uma pesquisa de campo
acompanhando o processo de produção junto ao 3 famílias. Esta pesquisa permitiu a obtenção
dos dados apresentados no apêndice. Convém mencionar que, entre esses três períodos, foram
realizadas outras visitas a campo, de maneira informal, para o acompanhamento de cursos de
capacitação e para a convivência e aproximação junto às famílias da localidade. Vale ressaltar
que os municípios de Sta Rosa de Lima e de Anitápolis estão integrados ao projeto local de
agroturismo, oferecendo uma infraestrutura voltada à hospedagem nos estabelecimentos
familiares.
O presente texto está dividido em 5 capítulos. O primeiro capítulo consiste na
apresentação da discussão teórica e conceitual sobre o tema e sobre nossa principal categoria de
análise: a agricultura familiar. O segundo capítulo apresenta a constituição da agricultura familiar
do território da Encosta da Serra Geral, sobretudo da região de Santa Rosa de Lima, a partir da
reconstituição sistêmica feita com o instrumental da evolução e diferenciação dos sistemas
agrários, cuja fundamentação se encontra na obra de Marcel Mazoyer e Laurence Roudart (2001).
Através desta metodologia, buscamos ressaltar a confluência entre o contexto macro do país e, as
realidades e políticas locais no processo de construção dos sistemas produtivos locais,
desenvolvidos pelas famílias e grupos domésticos. O terceiro e quarto capítulos a partir de um
enfoque territorial, no sentido de considerar os fluxos econômicos e sociais e, as interações entre
os espaços (relativizando a importância dos limites geográficos), apresentam as estratégias
objetivas sobre as quais interpretamos as escolhas e opções estratégicas familiares. Neste sentido,
o terceiro capítulo corresponde ao primeiro nível, ou ao nível macro da realidade social, onde o
conceito de estratégia é considerado para descrever as ações e perspectivas do Estado e da
14
sociedade como um todo. Assim neste capítulo se apresenta os vetores de conformação da nova
ruralidade a partir da apresentação dos entendimentos teóricos e conceituais acerca da noção de
desenvolvimento (sobretudo, desenvolvimento rural). De nossa ótica a difusão e a incorporação
de elementos singulares das novas perspectivas de desenvolvimento forjam e são forjados pelas
estratégias elaboradas pelas famílias rurais e pelos agricultores, a fim de assegurar a reprodução
econômica e social do grupo. Numa segunda parte deste capítulo, discute-se o reflexo destas
novas estratégias de desenvolvimento na realidade brasileira, tomando-se em conta a elaboração
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
O quarto capítulo, através da exploração de dados secundários e de observações em
campo, apresenta a reconstrução, do que seria o segundo nível de análise, e que entendemos ser
as estratégias de interações locais, construídas pelas ações dos grupos, pelas formas de
organização coletiva das famílias e as opções políticas e comerciais. Enfim, redesenha-se o
campo local de disputa sobre o qual incidem as estratégias do plano macro e a partir do qual as
famílias colocam em prática as estratégias de reprodução, que são apresentadas e examinadas no
quinto capítulo. Neste sentido, o quinto capítulo apresenta o terceiro nível de análise e objetivo
deste trabalho, onde procuramos reconstruir as estratégias elaboradas pelas unidades familiares.
Para isto, utilizamos os dados obtidos nos questionários e nas observações de campo, que estão
organizados em três partes, a estrutura familiar, a estrutura das atividades e alocações do trabalho
e a estrutura dos recursos e fontes de renda.
O trabalho ainda traz dois apêndices. O primeiro onde buscamos apresentar as estratégias
de reprodução social de três unidades familiares, através da utilização de uma linguagem
fotográfica, no intuito de aproximar o leitor do território analisado. As famílias foram
selecionadas aleatoriamente com a única condição de que as unidades de produção estivessem
funcionando. O que acarretou a exclusão das unidades familiares vinculadas a produção agrícola
destinada às agroindústrias de conserva, ou que atendem a demanda de merenda escolar, que no
período da realização do campo, se encontravam paradas devido ao período de não safra e as
férias escolares, respectivamente. O segundo se refere a apresentação dos dados referentes às
linhas de crédito e os beneficiados do Programa Nacional de Fortalecimento da agricultura
familiar, no sentido de complementar o terceiro capítulo.
15
Capítulo 1 - Camponeses e Agricultores familiares: reflexões e definições teóricas
A ruralidade como uma problemática social e tema de pesquisa surgem com a
reestruturação do capitalismo contemporâneo e das transformações no âmbito econômico, sócio-
cultural e ambiental. De fato, o rural aparece como um problema de pesquisa particularizado a
partir da sociologia rural norte americana nas décadas de 20 e 30, sob um viés urbano-industrial.
Nestes estudos, o rural é analisado e entendido pela caracterização de uma sociedade e economia
camponesa construída a partir das diferenças e atrasos em relação à organização de produção
industrial e o modo de vida cultural urbano. De modo geral, as análises previam um intenso
processo de urbanização das áreas rurais com a conseqüente desagregação das especificidades do
modo de vida e relacionamentos camponeses.
Entretanto, as mudanças na realidade desafiam os pressupostos de pesquisadores das
diferentes disciplinas (economia e ciências sociais) e das análises referentes ao rural e, neste
processo, os conceitos são retomados e revigorados sofrendo re-significações de acordo com as
transformações dos objetos científicos. Especificamente no espaço rural, novas dinâmicas têm
atribuído significantes transformações tanto na realidade quanto nas análises feitas, suscitando
dúvidas quanto as previsões consideradas até então eminentes. Hoje, observa-se uma
revalorização das especificidades rurais espaciais e culturais, admitindo-se a permanência de
características sociais e econômicas próprias, provocando a contestação da ideologia urbana
industrial dos estudos e análises realizadas até então. Surge assim um novo viés analítico que
busca entender as relações e as especificidades num contexto territorial, seja urbano, rural ou a
junção de ambos.
Tendo em vista estas transformações analíticas e empíricas, nesta primeira parte
buscamos apresentar reflexões e transformações acerca da categoria social da agricultura
camponesa e dos agricultores familiares, buscando demonstrar a diferença na constituição de
ambas as categorias e os interesses envolvidos. Desta forma, procuramos definir o objeto de
estudo do presente trabalho, qual seja, as unidades familiares de produção presentes na região de
Santa Rosa de Lima (ou no território das Encostas da Serra Geral), sua constituição e a
caracterização das estratégias de reprodução por elas elaboradas.
16
1.1 - Relações familiares camponesas e agricultura familiar
a) Os estudos e características da organização social e produtiva camponesa
As primeiras pesquisas rurais norte americanas das décadas de 20 e 30, adotaram a
perspectiva da dicotomia comunidade-sociedade. Nestes primeiros estudos, o rural é entendido
como uma realidade de características especificas e isoladas que se contrapõem a realidade
urbana. Os estudos propostos por este enfoque buscam ressaltar e determinar evidências que
distinguissem a realidade rural e urbana (não se voltando a identificar as potenciais relações que
ocorreriam entre as mesmas), além de fundar interpretações da realidade em que o rural é
entendido através de suas diferenças em relação ao urbano, sendo por isso adjetivado como
tradicional, atrasado, conservador, etc.
A partir da década de 30, os estudos se fundam numa perspectiva de continuum entre o
rural e o urbano. Nestes, a polarização antagônica é substituída por um gradiente de variações que
vão de uma situação típica a outra. A diferença entre os dois tipos é evidenciada por dados
empíricos, como as diferenças ocupacionais, sistemas de integração e mobilidade social,
homogeneidade da população, entre outros. Para esta leitura empírica da realidade, a
intensificação das trocas entre os pólos opostos (a sociedade urbano-industrial e as pequenas
aldeias rurais) evidencia a redução das diferenças e o conseqüente processo de urbanização do
campo pela absorção das técnicas e hábitos de origem urbana.
No Brasil, os estudos de Candido (1964) sobre os caipiras paulistas, seguindo estes
modelos de análises, demonstram, entre outras coisas, que os bairros rurais se organizam em
torno da parcialidade e da existência de uma evolução histórica abrangendo as sociedades
primitivas, rústicas e urbanas. O autor busca compreender as transformações sofridas pelos
caipiras diante da intensificação das trocas e contato com as cidades, o caipira tradicional paulista
aparece como portador de uma cultura rústica e de uma economia semifechada marcada pela
precariedade
7
. O bairro aparece como a unidade de sociabilidade caipira, com a realização de
7
Como bem coloca Wanderley (1999) o autor Antonio Candido entende haver uma escala de valores que mede a natureza
camponesa de um grupo social de agricultores. No caso dos caipiras paulistas, os elementos definidores dos camponeses
tradicionais encontram-se em níveis mínimos vitais e sociais (as famílias enfrentam sérias dificuldades na implantação de um
sistema produtivo diversificado, como a policultura-pecuária; e se reproduzem através da mobilidade espacial, da prática da
agricultura itinerante e, sobretudo, pela posse precária da terra).
17
atividades religiosas e da prática de mutirões. A cultura caipira é apresentada, pelo autor, como
um todo equilibrado ameaçado pelo desenvolvimento (no sentido de evolução) da sociedade
urbana.
A cultura do caipira, assim como a do primitivo, não foi feita para o
progresso: a sua mudança é o seu fim, porque está baseada em tipos
tão precários de ajustamento ecológico e social, que a alteração destes
provoca a derrocada das formas de cultura por eles condicionadas
(Candido, 1964:15)
A análise antropológica feita por Redfield (1965) na década de 60 propõe a idéia de
continuum folk/urbano, evidenciando que a sociedade camponesa diferentemente das sociedades
primitivas mantêm trocas com a sociedade envolvente, para a elaboração das estratégias de
reprodução social e biológica. Os estudos de Mendras observam a existência de uma sociedade
de interconhecimento, no sentido horizontal, entre os agricultores e, no sentido vertical, entre os
membros da comunidade.
A relação entre as comunidades camponesas e a sociedade envolvente é traduzida pela
noção da consolidação de uma sociedade parcial com uma cultura parcial . Parcialidade no
sentido da capacidade de estruturar a vida em torno de um conjunto de normas próprias e
específicas elaboradas através da tradição e sob a influência da sociedade envolvente.
Abramovay (1992) ressalta que a parcialidade se refere também à estruturação dada na
relação dos camponeses com o mercado, na especificidade dos vínculos econômicos da
agricultura camponesa com o mercado na venda de mercadorias. E neste sentido, o autor
apresenta a noção dada por Frank Ellis de que o campesinato se defini pela integração parcial
aos mercados e o caráter incompleto destes mercados. Para este autor, a parcialidade se refere ao
fato de que parte da subsistência (das famílias) vem da autoprodução e de que existe uma certa
flexibilidade nas relações mercantis, na qual o camponês pode (freqüentemente) se retirar sem
comprometer sua reprodução social.
“Camponeses são unidades domésticas ( peasants are farm house-
hold) com acesso a seus meios de vida na terra, utilizando
principalmente trabalho familiar na produção agropecuária, sempre
localizadas num sistema econômico global, mas fundamentalmente
caracterizadas pelo seu engajamento parcial em mercados que tendem
a funcionar com alto grau de imperfeição” (Ellis, apud Abramovay,
1992).
A integração parcial ao mercado se refere à flexibilização entre consumo e venda, ou
seja o camponês atua segundo uma estratégia na qual o grau de integração ao mercado não é dado
18
anteriormente. E mercados incompletos se referem à existência da influência individual de
agentes econômicos na formação dos preços e na existência de determinações extra-econômicas
no uso dos recursos naturais.
Afrânio Garcia (1989) também afirma a especificidade da relação dos camponeses com o
mercado e a sociedade envolvente, observa em seus estudos, no sul do Brasil, que a reprodução
dos camponeses é garantida pela articulação e complementação entre a atividade mercantil e a de
subsistência efetuada sobre a base de uma divisão do trabalho interno da família e da prática do
princípio da alternatividade. Neste sentido, determinados produtos (como a mandioca) possuem a
marca da alternatividade entre serem consumidos diretamente (atendendo as necessidades
domésticas de alimentação) e serem vendidos, para que a renda seja revertida na compra de
produtos de consumo domésticos obtidos externamente.
Wanderley (1999) corrobora com esta análise ao em atribuir importância a capacidade de
articulação dos camponeses. Defende que diante a precariedade e a instabilidade estrutural do
rural brasileiro a integração ao mercado e a garantia de consumo constituem o patrimônio sócio-
cultural deste campesinato. Assim, estes procuram em suas estratégias econômicas obter
atividades estáveis e rentáveis, articulando a busca pelo acesso a atividades mercantil ou de um
produto comercializável que seja o carro chefe do sistema produtivo adotado, com a produção
destinada ao consumo, que constitui a face oculta da economia e da sociedade colonial.
Enfim, tendo por base estes estudos e análises podemos afirmar que a especificidade da economia
camponesa não está na base técnica do processo produtivo, mas na maneira como o camponês
socializa o produto do seu trabalho. A particularidade da sociedade camponesa está na
importância atribuída à racionalidade familiar na elaboração das estratégias de reprodução e nas
opções tomadas frente às oportunidades. E ainda as especificidades são afirmadas em relações
familiares que são construídas pela oposição (muitas vezes complementar) entre os sexos e pela
hierarquia dos grupos de idade. A cultura camponesa é analisada tendo como referencial do
processo simbólico as relações de parentesco
8
. Os valores familiares para os camponeses
aparecem como responsáveis pela definição das identidades sociais dentro do espaço doméstico e
entre os membros dos diferentes grupos, sendo principalmente determinantes na organização do
trabalho.
8
A respeito ver Woortmann, K. 1988
19
Para Tepicht, o trabalho camponês aparece organizado em função de “forças produtivas
não transferíveis” (ou marginais), entendida na capacidade de envolver na atividade produtivas,
o trabalho de pessoas ligadas entre si pelo parentesco em razão da mesma comunidade doméstica
de interesses. O autor destaca a função do tempo de não trabalho, isto é, o tempo em que o
desenvolvimento da produção segue seu curso natural e biológico prescindindo do trabalho
humano; possibilitando que as famílias rurais redirecionem o trabalho de alguns membros das
unidades com atividades agrícolas, não agrícolas, dentro ou fora da propriedade sem
comprometer a produção e possibilitando a manutenção do patrimônio. Assim, o autor afirma a
especificidade do trabalho familiar camponês no processo de negociação no mercado e na lógica
organizacional do processo produtivo e obtenção de renda ( Tepicht 1973 apud Wanderley, 1999)
.
Também é na centralidade da família, como portadora do esforço de trabalho (capacidade
de auto-exploração) e, também, como definidora das necessidades de consumo, que decorre a
importância da evolução de sua composição, o que Chayanov (1974) denominou de
diferenciação demográfica (variação entre consumidores e produtores, ao longo do ciclo
geracional). A economia camponesa, para este autor, busca a satisfação das necessidades
familiares de consumo e a constituição de uma situação de equilíbrio entre a produção, o
trabalho empregado e a reprodução da unidade de produção e doméstica.
As relações no interior da família camponesa, como ressalta Wanderley (1996), citando os
estudos realizados por Lamarche, ao contrário do que possa parecer num primeiro momento, não
se voltam exclusivamente para a produção de subsistência. A família define estratégias que visam
assegurar sua sobrevivência imediata e garantir a reprodução das gerações subseqüentes, o que
distingui a agricultura camponesa de uma agricultura de subsistência, nestes termos:
“conforme os objetivos a que se propõem os agricultores, para si
mesmos e para suas famílias, e conforme também os contextos
socioeconômicos locais e o respectivo nível de desenvolvimento,
deve-se distinguir as unidades de produção camponesas de outras
consideradas de subsistência. Se a função de subsistência está bem
presente no modelo camponês, ele não se reduz jamais a isto; há neste
modelo, profundamente arraigada, uma vontade de conservação e de
crescimento do patrimônio familiar”( Wanderley:1996)
A constituição e reprodução do patrimônio familiar adquirem grande importância,
delimitando a maneira como as unidades familiares e as comunidades se estruturaram (uma força
estruturadora) tanto no âmbito material como simbólico, e por isso, se expressa na propriedade
20
da terra e no arcabouço de tradições e costumes (Carneiro,1998). Neste sentido, a especificidade
da agricultura camponesa está na relação que mantém com a família, traduzida na reprodução do
patrimônio familiar, na relação que mantém com o trabalho, sob a predominância da articulação
da mão de obra dos membros familiares, e na relação que mantém com a comunidade, no sentido
da parcialidade. Ou seja, “(..) a família camponesa serve de matriz para as relações sociais em
diferentes esferas da sociedade: na casa, no trabalho e na aldeia” (Carneiro, 1998)
b) Organização social e produtiva dos agricultores familiares
Nesta parte, retomamos estudos sobre como a forma familiar de produção e de vida se
relaciona com o capitalismo ou, com outras palavras, a integração da dita sociedade tradicional
(supostamente conservadora) com o modo de produção e vida capitalista (supostamente
moderna).
Apesar de se atrelar ao desenvolvimento capitalista no campo o fim do modo de produção
familiar e do modo de vida camponês, a forma familiar de produção na agricultura tem, de uma
maneira geral, assumido feições muito particulares, evidenciadas, sobretudo, nas estruturas de
produção dos países desenvolvidos. Em alguns casos, essa forma social acaba sucumbindo e
sendo absorvidas pelo próprio capitalismo, mas em outras a agricultura familiar desenvolve
relações estáveis e duradouras. A sua transformação vai depender da relação construída com as
formas distintas e heterogêneas de estruturação social, cultural e econômica capitalista nos
espaços e contextos históricos específicos. Embora a forma familiar seja afetada e de certo modo
condicionada pelo mercado e, pela dinâmica capitalista de produção, tem revelado capacidade de
se adaptar e estabelecer estratégias garantindo sua reprodução social. A propósito, as análises
recentes evidenciam que a reprodução do modo de produção familiar depende do continuo
rearranjo das estruturas internas e externas das unidades familiares. A pluriatividade e a
diversificação das atividades econômicas dos indivíduos e das famílias que vivem no campo são
estratégias evidenciadas pelos estudos recentes.
No Brasil, permanecem muitas divergências entre os estudiosos em relação ao uso da
noção de agricultura familiar, apesar desta noção se referir aos mesmos grupos sociais que
estudos econômicos e sociais analisam desde os anos 50. De modo geral, indaga-se em que
medida tais noções vêm em substituição aos conceitos e idéias presentes nas análises referentes
21
ao campesinato e a pequena produção. Sobre os quais, podemos citar os estudos de Oliveira
(1988) e Graziano da Silva (1978) Tavares dos Santos (1978), Heredia (1979), Garcia Junior
(1983) e Wanderley (1985).
“(...) os camponeses analisados por Garcia Jr e Heredia são
descritos por sua relativa autonomia na forma de gestão da força de
trabalho e do processo produtivo que se articula com o sistema
econômico dominante.(...) o trabalho de Tavares além de demonstrar
os mecanismo internos de gestão e funcionamento da economia
camponesa, mostrou como esta se subordina ao capital. Partilhando a
idéia de que a relação dos pequenos produtores com o capital ocorria
de forma subordinada, surgiram também outros trabalhos de
referencia obrigatória, como o de Wanderley... (Schneider, 2003:34).
Os estudos de Abramovay (1992) e Lamarche (1993 e 1999) foram responsáveis por
revelarem para o Brasil que a agricultura familiar é uma forma social reconhecida e legitimada
em diversos países desenvolvidos onde predomina uma estrutura agrária baseada no trabalho
familiar. Entretanto, a incorporação da expressão agricultura familiar ganha projeção no Brasil no
final dos anos 80 e início dos 90, e se deu pelo resultado dos embates sociais, especialmente no
movimento sindical (CUT e CONTAG) sobre o papel dos pequenos produtores rurais além dos
trabalhos acadêmicos, acima citados. Os movimento sociais e sindicais possibilitaram a
formação (e em certa medida o reconhecimento) de uma nova categoria política, reconhecida nos
agricultores familiares e, legitimada pelo Estado através da criação do Pronaf em 1996, ao qual
faremos referência no próximo capítulo.
No Brasil muitos autores e estudos têm insistido no uso do termo camponês visando
ressaltar a centralidade das decisões no núcleo familiar e não no mercado, afirmando uma
racionalidade não exclusivamente econômica para estas unidades ao mesmo tempo domésticas e
produtivas. Apresentam, por isso, uma certa resistência ao uso do conceito de agricultura
familiar, apesar de suas análises destacarem a dinâmica das estratégias elaboradas por essas
unidades familiares de produção diante a estruturação do modo de produção e interesses
capitalistas. De qualquer modo, estes estudos constatam a existência do uso da mão de obra
familiar na estrutura de produção dos camponeses brasileiros no sentido de aumentar a
possibilidade da ampliação do número de homens e da capacidade produtiva no processo de
produção, ao mesmo tempo em que admitem a confluência de outras formas de trabalho dentro
das unidades familiares.
22
O campesinato brasileiro em razão do contexto em que se reproduz apresenta uma longa
tradição de trabalho para terceiros ou do uso de trabalhadores alugados nos estabelecimentos
familiares. Wanderley (1999) demonstra que esta estratégia sempre esteve presente nas formas de
reprodução dos camponeses brasileiros, pelo fato de existir uma grande oferta de empregos
sazonais vindas das grandes propriedades, citando o exemplo dos corumbas nas usinas de
Pernambuco. Ademais, a precariedade e a instabilidade estrutural fazem com que o trabalho
externo se torne uma necessidade para a reprodução da família e do estabelecimento familiar,
ponto de vista afirmado também por José Vicente Tavares:
“a transformação periódica do camponês em trabalhador
assalariado é fonte de uma renda monetária que suplementa o
rendimento obtido com a venda da uva(...) Somente são limitadas
pelo ciclo de existência da família que em algumas épocas os libera e
noutras os impede de desempenhar alguma atividade acessória.
Assim, se explica porque aceitam a perspectiva de serem jornaleiros,
isto é, trabalhadores diaristas ou trabalhadores por tarefa ( empreita),
enquanto negam a sorte de serem peon, ou seja, trabalhadores
permanentes. (Tavares apud Wanderley, 1999:50)
.
Por outro lado, o uso do emprego do trabalhador externo se inscreve na própria lógica
interna da reprodução familiar através de mecanismos tradicionais e do envolvimento de pessoas
da comunidade camponesa. Para Afrânio (1989), a utilização de trabalho de terceiros decorre de
uma necessidade de “diminuir a auto-exploração da força de trabalho do grupo doméstico(...) a
substituição de trabalhadores domésticos pelos alugados não é algo que é feito de uma vez para
sempre. Há uma avaliação constante e renovada a cada ciclo agrícola, entre utilizar a força de
trabalho doméstica na agricultura, ou poupá-la destas tarefas utilizando alugados”. O autor
ressalta o fato da produção mercantil poder não se assimilar a produção capitalista, assim como a
existência de trabalhadores pagos em dinheiro não caracterizar necessariamente um processo de
trabalho assalariado.
No entanto apesar destes estudos evidenciarem a diversidade de estratégias de reprodução
construídas pelas famílias rurais e, assim, atribuírem aos camponeses um dinamismo não se
referindo a eles de modo conservador e arcaico, como na maioria das vezes o conceito é
empregado, a noção de agricultura familiar – enquanto categoria de análise dos processos de
modernização – somente foi evidenciada pelos estudos, como é o caso da pesquisa internacional
coordenada por Lamarche, o estudo realizado pela Fao/Incra e, pelos estudos de Abramovay,
citados anteriormente.
23
Para o grupo de Hugues Lamarche (1998), as análises realizadas procuram determinar o
caráter familiar dos estabelecimentos agrícolas e as formas de funcionamento das unidades. Para
isto, fazem uso de um enfoque tipológico com a construção de modelos de análises a fim de
interpretar a agricultura familiar. Neste, a agricultura familiar moderna (modelo da organização
das unidades familiares) decorre das transformações históricas por que passaram as formas
camponesas. A relação entre agricultura familiar e camponesa se revela no entendimento de que a
primeira corresponde a uma categoria genérica da qual a agricultura camponesa é um tipo, entre
outros. Assim, o conceito agricultura familiar funda-se na existência de uma estrutura produtiva
que associa família- produção- trabalho e revela a possibilidade de diferentes combinações entre
propriedade e trabalho, resultando numa diversidade de formas sociais (entre elas a camponesa)
que variam no tempo e no espaço.
Para Moruzzi (2000), os autores concebem nesta pesquisa de comparação internacional
uma tipologia que permite identificar formas de organização das unidades de produção, variando
conforme o grau de relação com o mercado. Nesta escala, dois modelos situados em suas
extremidades foram caracterizados: o original e o ideal. O primeiro corresponde aos traços
clássicos do camponês, notadamente sua relativa autarquia, assentada no trabalho familiar em
torno do qual a relação entre as necessidades de consumo e a organização produtiva é muito forte.
No pólo oposto se situa o modelo ideal, caracterizado por uma total integração à economia de
mercado. Entre os dois pólos, existem infinitas possibilidades, sendo recorrente nas explorações
de caráter familiar à lógica de orientar as ações visando a reprodução social dos membros do
grupo doméstico.O chamado agricultor familiar moderno não surge absolutamente em função de
uma ruptura total e definitiva com as formas anteriores, portando uma tradição camponesa que
permite sua adaptação às novas exigências e conformações da sociedade. Conseqüentemente,
torna-se possível compreender a diversidade de tipos de agricultores familiares e a coexistência
de diferentes unidades de produção familiares. Pela pesquisa a diversidade parece resultar em
grande medida pela situação de bloqueio e de ruptura pelas quais as famílias são submetidas. A
primeira explica porque algumas unidades obtém sucesso em suas trajetórias e projetos
conseguindo se aproximar do tipo ideal enquanto outras não. E a segunda faz referência ao
modelo dominante preconizado pela sociedade, podendo viabilizar ou não as estratégias
construídas pelos agricultores. Podemos considerar que a pesquisa salienta a diversidade para
justificar a presença e resistência da agricultura familiar. As análises feitas pela equipe de
24
pesquisa em diferentes países e no Brasil em diferentes regiões, identificaram dois mecanismos
determinantes no funcionamento destas unidades: as lógicas familiares, considerando as
dimensões internas apreendidas pelo tipo de relação dos agricultores com a terra, com o trabalho
e a reprodução da propriedade e a lógica da relação entre as unidades com a sociedade global,
considerando os graus e níveis de dependência tecnológica, financeira, ou de mercado, o que
implica na capacidade de adaptação das propriedades diante das escolhas definidoras do
desenvolvimento.
“A ruptura, por tantos tentada, entre um campesinato visto como
atrasado e uma agricultura familiar de quem se cortam as raízes
camponesas poderia ser assim superada pela percepção dos elementos
de continuidade, observados na capacidade de adaptação e de
resposta dos agricultores às demandas da sociedade moderna”(
Wanderley,2003:14).
Neste sentido, o trabalho agrícola ou não, externo à propriedade, ou a contratação de
trabalhadores dentro da unidade produtiva são entendidos como uma forma de adaptação dos
agricultores diante da sociedade envolvente, ou seja trata-se de uma estratégia familiar de
reprodução que garante a manutenção da propriedade, seu desenvolvimento ou sua
modernização, dependendo do caso em questão.
Na década de 90, as pesquisas realizadas em conjunto pela Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (Fao) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), mencionadas anteriormente, reforçaram a evidência da noção de agricultura
familiar, ao estabelecerem as diretrizes para um modelo de desenvolvimento sustentável. Este
estudo operacionalizou o entendimento da separação dos estabelecimentos agropecuários
brasileiros em dois modelos, entendidos pela forma de trabalho empregado: o patronal e o
familiar. Esta tipologia constituiu-se em suporte fundamental para as políticas públicas de apoio
direto aos agricultores familiares, que será detalhado no próximo capítulo.
O estudo realizado por Abramovay (1992) foi definitivo para a caracterização da
agricultura familiar, demonstrando que a dicotomia entre campesinato e agricultura familiar
decorre de imposições teóricas dos paradigmas adotados e não do ambiente empírico. O autor
propõe, então, por fim a falaciosa dicotomia em torno do caráter moderno/tradicional ou
capitalista/camponês, nos trabalhos focados na forma familiar de produção.
Nos estudos deste autor, os agricultores modernos são reconhecidos e identificados pela
noção de agricultura familiar, que é entendida como uma nova categoria social marcada pela
25
ruptura total com o passado e definida, sobretudo, pelos interesses e iniciativas do Estado. Neste
sentido, novas abordagens e análises surgem centradas em discutir e situar a atuação do Estado
moderno enquanto vetor de conformação estrutural e designador de papéis e atribuições. O
mundo rural vai perdendo os contornos de sociedade parcial/cultura parcial marcado pela
personalização de vínculos sociais, se integrando plenamente a sociedade nacional e aos
mercados. A agricultura se torna uma profissão e deixa, aos poucos, de ser considerada como um
específico modo de vida, tanto no âmbito acadêmico quanto político.
Neste sentido, Abramovay (1992) caracteriza o agricultor familiar moderno por sua
inserção em uma sociedade na qual predominam relações capitalistas de produção e troca e pela
capacidade de incorporar os avanços técnicos e de responder às políticas governamentais. A
persistência e a afirmação da agricultura familiar, sobretudo nos países desenvolvidos, são
atribuídas a opção do Estado por uma forma social que apresente as melhores condições de
cumprir uma função estrutural importante no modelo fordista, barateando o custo de reprodução
social da força de trabalho. Para Schneider (2003) essa perspectiva de análise, centrada na
funcionalidade da produção familiar ao capitalismo, reduz a explicação, no sentido de não
reconhecer qualquer elemento endógeno como variável na compreensão da reprodução da
agricultura familiar, como por exemplo, o papel da família ou do parentesco (Schneider, 2003).
"(...) uma agricultura familiar, altamente integrada ao mercado,
capaz de incorporar os principais avanços técnicos e de responder
às perguntas governamentais não pode nem de longe ser
caracterizada como camponesa" (Abramovay,1992:35).
O processo de elaboração do modelo do agricultor profissional é ressaltado sobremaneira
pelos estudos rurais europeus, principalmente os franceses, que buscam ressaltar a importância da
atuação do Estado e da estrutura sindical
9
. No processo de elaboração das leis de orientação
agrícola, desenhou-se os contornos do estabelecimento agrícola desejado ou seja aquele que foi
privilegiado pelas políticas públicas e beneficiado pelas subvenções e pelo apoio técnico e
econômico.
“o modelo do bom agricultor dos anos 60 e 80 do século passado
é representado por um casal de agricultores (ou um responsável
com um ajudante da família) dotado de um razoável nível de
formação, instalado num estabelecimento de tamanho suficiente
9
Ver mais a respeito Moruzzi, e Bleil., 2000.
26
para, em princípio, obter uma renda comparável àquela de um
citadino médio. Por exemplo: o caso daquele agricultor que
produz leite num estabelecimento especializado e intensivo, com
estabulação livre e sala de ordenha tipo espinha de peixe e que
está inscrito no controle leiteiro (a partir do qual os agricultores
são acompanhados em termos de gestão) e pertence a um Grupo
de Desenvolvimento Agrícola (GDA) e pode assumir ainda a
forma de um GAEC (Grupamento Agrícola de Exploração
Comum), modalidade criada por uma lei de agosto de 1962, que
exprimia a vontade de um movimento de agricultura de grupo
que preconizava a reunião de unidades familiares com a
finalidade de permitir uma repartição de tarefas entre os
associados, inclusive especialização por atividade” (Remy, 2004:
4)
Essa caracterização do agricultor familiar profissional alijou, por muito tempo, outros
modelos profissionais das políticas de apoio à agricultura, pois muitas estratégias de reprodução
elaboradas pelas famílias rurais não assistidas foram ignoradas e consideradas um arcaísmo e um
socorro do qual faziam uso em situação de extrema necessidade, como é o caso do exercício de
diferentes atividades pelos membros.
1.2 Os novos temas de pesquisa e as transformações recentes da agricultura familiar
Num curto espaço de tempo tanto o plano político como acadêmico, as considerações e
valorações acerca do exercício de outras ocupações e atividades pelo agricultor ou da chamada
agricultura a tempo parcial modificaram-se radicalmente. Na esfera política, partindo de uma
visão do fenômeno como um obstáculo à modernização ou um resquício do processo de evolução
das estruturas agrárias, evolui-se para uma situação na qual a diversidade de ocupações e
atividades é considerada como passível de promover tanto o fortalecimento do tecido produtivo
local, quanto o equilíbrio territorial e social e, também, a preservação ambiental. No plano
acadêmico, antes considerado um fenômeno sem importância que expressava a transitoriedade
para uma agricultura moderna, tal fenômeno atualmente é alçado como fundamental para se
entender a flexibilidade de uma agricultura familiar que resiste a contextos desfavoráveis e
adversos.
As modificações a respeito no plano político serão apresentadas detalhadamente no
próximo capítulo, aqui nos deteremos no plano acadêmico. Para isso, apresentamos um quadro
27
elaborado por Anjos (2003) no intuito de delinear diferentes etapas que o entendimento de
agricultura teve ao longo dos anos, o que, em certa medida, retoma o que foi anteriormente
discutido e introduz o próximo capítulo, no qual serão apresentadas a Evolução e Diferenciação
dos Sistemas Agrários do empírico do estudo. De maneira breve, podemos afirmar que o
camponês tradicionalmente se ocupou de múltiplas atividades. A partir do processo de
modernização da agricultura, as transformações apontam para uma crescente especialização e
para o surgimento do agricultor profissional. Atualmente se reivindica, em razão de uma
considerável evolução do referencial em torno da concepção de políticas publicas (agrárias,
ambientais e territoriais), o retorno ao caráter diversificado do agricultor e do espaço rural.
Vista no início deste capítulo, a primeira etapa desta evolução, cujas principais
formulações teóricas fundamentam-se numa abordagem antropológica, diz respeito ao que se
denomina agricultura tradicional, tendo como ator os camponeses. No âmbito dos processos
produtivos, observa-se uma autonomia dos produtores, baseada no conhecimento autóctone, na
policultura, diversidade genética, rotação de culturas e na integração da produção animal-vegetal.
O processo extensivo de produção assegura a absorção da força de trabalho familiar e favorece a
convergência das dimensões: unidade de produção, unidade de consumo e a unidade de
residência. Assim, no interior das explorações que conservam traços fundamentais do modelo
camponês, desenvolve-se um amplo leque de atividades produtivas, incluindo o trabalho na terra,
o comércio, o artesanato, a fabricação e manutenção dos instrumentos de trabalho Os espaços
rurais abrigam em seu interior um baixo nível de diferenciação social e de divisão social do
trabalho.
A segunda etapa é caracterizada por uma agricultura modernizada, determinada por um
crescente processo de especialização e que tem como protagonista a figura do agricultor
(enquanto profissional). Esse é entendido como uma nova categoria social
10
, cujos traços
essenciais e a lógica de atuação contrastam radicalmente com o campesinato. Sua vocação
implica a adoção de uma racionalidade empresarial voltada à especialização produtiva e à
exclusão do exercício de atividades alheias à produção agrícola strictu sensu. Neste sentido, a
aparição do agricultor profissional se assenta na decomposição do campesinato tradicional e na
perda da diversidade do espaço rural que se torna um espaço exclusivo da atividade agrária.
10
“...o status de “profissional” comumente está associado à aquisição de uma competência específica e não à
transmissão de um patrimônio”(Remy, 2004)
28
Neste contexto, o exercício de outras atividades é interpretado como manifestação do processo
de transição e ajuste entre a agricultura tradicional e a moderna, expresso sobretudo na noção de
uma agricultura em tempo parcial assentada na figura do camponês-trabalhador (colono-
operário).
A terceira etapa se assenta na noção determinantemente geográfica de um novo espaço
rural delineado sobretudo na figura do agricultor familiar (ou, camponês moderno, Carneiro
2001:12). Aqui, retoma-se noções do campesinato (principalmente a centralidade na família),
integrado-o ao mercado e à sociedade capitalista envolvente, só que como ator social responsável
pela elaboração de estratégias de reprodução. Neste sentido, o entendimento agora emprestado as
explorações pluriativas permite analisar o dinamismo da exploração familiar e as distintas
iniciativas e atividades complementares no cotidiano dos grupos domésticos, deixando de
constituir um fenômeno de transição, para se caracterizar como estratégia de reprodução.
Feito esse panorama, pode-se aqui inicialmente destacar a diferenciação existente entre o
conceito de agricultura em tempo parcial do conceito de pluriatividade. Anjos (2001) considera
que, no âmbito acadêmico, o termo pluriatividade somente ganha importância a partir da segunda
metade dos anos 80. Até então, as alusões ao fenômeno eram expressas por agricultura em tempo
parcial (part time farming) em que o foco de análise recai sobre a industrialização e os processos
de urbanização sofridos pelas áreas rurais. O trabalho em tempo parcial é aqui considerado como
um fenômeno de transição, uma estratégia de sobrevivência utilizadas por famílias com
explorações pouco modernizadas e condenadas a definitiva desaparição (tal como havia sido
previsto por autores clássicos como Kautsky). O uso do termo “pluriatividade” reflete as
alterações na perspectiva dos debates sobre o desenvolvimento agrário e o papel da agricultura
familiar . A evolução recente destes debates pode ser expressa, sobretudo, na passagem do
paradigma da modernização produtivista ao recentemente denominado paradigma da
multifuncionalidade, no qual se introduzem novos critérios para valorar os espaços rurais e
redefinir a função da agricultura.
Nos estudos referentes a pluriatividade realizados por Schneider (2003), a principal
diferença entre as noções é afirmada pelo fato do primeiro termo referir-se à parte do tempo de
trabalho empregado na propriedade pelo indivíduo ou pela família, ao passo que a noção de
29
pluriatividade refere-se à combinação de uma ou mais formas de renda ou inserção profissional
dos membros de uma mesma família
11
.
No Brasil o estudo realizado por Seyferth (1974) é a primeira referência acerca da dupla
inserção do campesinato nos termos tratado pela literatura internacional. Este estudo coloca em
evidência as particularidades do colono-operário do Vale do Itajaí Mirim, inserido no processo de
industrialização têxtil regional ocorrido no Estado de Santa Catarina. A autora conclui ser a
agricultura em tempo parcial uma forma de transição dos agricultores, embora demonstre a
importância deste tipo de estratégia para a reprodução social das famílias envolvidas.
Recentemente, novos estudos foram realizados em outras localidades da região sul do
país, no Vale dos Rios Caí e Taquari no Estado do Rio Grande do Sul (Schneider, 1995) e no
litoral norte do Estado de Santa Catarina ( Anjos,1995). Em ambos, a figura do colono-operário
vincula-se à existência e consolidação de um dinâmico mercado de trabalho industrial e de uma
infra-estrutura particular que absorve a mão de obra rural, permitindo sua permanência nas
regiões de origem e favorecendo o processo de descentralização industrial.
Entretanto, ao contrário da análise feita por Seyferth (1974), os estudos citados não
entendem ser a “pluriatividade” uma estratégia transitória de reprodução da agricultura familiar,
não se tratando de um fenômeno conjuntural, mas o resultado do processo de transformação da
agricultura, do mercado de trabalho, das novas dinâmicas econômicas e da reestruturação do
modo de produção capitalista. Neste sentido, centram sua atenção no propósito de mostrar que a
inserção dos agricultores (colonos-operários) no mercado de trabalho industrial se justifica na
busca pela reafirmação e reprodução da condição camponesa.
11
Existe, de fato, um longo debate histórico acerca desses termos. Na ótima revisão empreendida por Fuller (1984),
podemos acompanhar as diferentes conotações e conceituações que a expressão "agricultura de tempo parcial" (part-
time farming, termo cunhado por Rozman em 1930) foi adquirindo desde os anos 30 até meados dos anos 80, em
função da importância econômica e política atribuída ao fenômeno nos diferentes países da América, Europa e Japão.
Em outro trabalho (Fuller, 1990) pode-se acompanhar a passagem do termo "agricultura de tempo parcial" para
"empregos múltiplos" (multiple job-holding, termo usado inicialmente por Fuguitt nos anos 50-60) e, finalmente,
para "pluriatividade" (pluriactivity, expressão típica do fim dos anos 80 na Europa, no contexto das reformas da
PAC). Na visão de Fuller há uma evolução que vai do conceito de agricultura de tempo parcial para empregos
múltiplos (MJH) e, finalmente, para pluriatividade, no sentido de ampliar o peso dado às atividades e condições
externas à agricultura, bem como às relações que se estabelecem entre as unidades produtivas e os contextos
regionais, especialmente os mercados de trabalho. É no bojo dessas discussões que há uma "redescoberta", segundo
Fuller, do desenvolvimento local e das comunidades.
30
Para Schneider a pluriatividade é um fenômeno através do qual membros das famílias de
agricultores que habitam no meio rural optam pelo exercício de diferentes atividades, ou mais
rigorosamente, optam pelo exercício de atividades não agrícolas, mantendo a moradia no campo e
uma ligação, inclusive produtiva, com a agricultura e a vida no espaço rural. Assim, apesar de ser
decorrente de fatores exógenos, como o mercado de trabalho, ela é uma prática que depende das
decisões dos membros e das famílias (Schneider, 2003:91).
Para Anjos a pluriatividade trata-se de um fenômeno no qual os componentes de uma
unidade familiar executam diversas atividades com o objetivo de obter uma remuneração pelas
mesmas, que tanto podem desenvolver-se no interior como no exterior da própria exploração,
através da venda da forca de trabalho familiar, da prestação de serviço a outros agricultores ou de
iniciativas centradas na própria exploração que conjuntamente impliquem no aproveitamento de
todas as potencialidades existentes na propriedade e/ou em seu entorno ( Anjos,2003:90).
Em 1997, um grupo de pesquisadores
12
de diferentes estados do Brasil, coordenado por
Graziano da Silva, busca caracterizar e analisar o que consideram a face do novo rural brasileiro.
Para estes, o aparecimento de novas atividades introduzem um conjunto de novas funções no
espaço rural (ligadas principalmente às ocupações não agrícolas da população), que desta forma
deixaria de estar associada apenas à produção agrícola e pecuária. Neste novo rural está inserida
a família pluriativa, em que os membros deixam de ser trabalhadores agrícolas especializados
para se converterem em trabalhadores que combinam formas diversas de ocupação em diferentes
ramos de atividades, agrícolas e não-agrícolas. E esta nova inserção do agricultor se dá pelo fato
de que as atividades agrícolas não demandam todo o tempo de trabalho disponível das famílias
rurais e por não gerarem renda suficiente para todas as pessoas ocupadas em tempo integral .
Posteriormente, pode-se destacar que, numa dimensão sociológica da pluriatividade, os
estudos indicam que a modernização da agricultura e da sociedade gera rupturas nas unidades
familiares de produção, sobretudo nos princípios que fundam a unidade família-lavoura
(Carneiro, 1998). Assim, em decorrência das imposições de novas condições de reprodução
social (ampliação das relações assalariadas, mecanização acentuada e declínio da atividade
agrícola), cuja efetivação torna-se cada vez mais um grande desafio para o grupo doméstico, a
12
O chamado Projeto Rurbano é coordenado pelo professor Graziano da Silva e no qual participam diversos pesquisadores e
instituições acadêmicas, buscam analisar as principais transformações ocorridas no meio rural brasileiro nas últimas décadas
mediante o exame de dados demográficos. Para maiores informações - www.eco.unicamp.br/projeto/rurbano
31
família tem liberado seus membros das tarefas produtivas domésticas, para trabalhos rurais ou
urbanos, dentro ou fora da propriedade
Em razão de todas essas transformações, estudos recentes começam a questionar a
validade do entendimento clássico de família agrícola (baseado no modelo: uma propriedade,
uma família, uma atividade). Recaindo, sobretudo, no fato, evidenciado por Schneider (2003)
citando Lacombe, das unidades familiares de produção abrigarem diversos tipos de ocupações e
atividades entre os membros. E neste sentido, as atividades passam a ser consideradas um
atributo individual e a propriedade um local de moradia, como afirmado por Barthez, citado por
Schneider, 2003.
A pluriatividade estaria alterando o conteúdo da unidade familiar,
pois passa de uma situação na qual a propriedade era, ao mesmo
tempo, lugar de residência e de produção para outra na qual ela é
somente o local de moradia, uma vez que o trabalho e a produção
dissociam-se geograficamente”( Barthez apud Schneider: 2003;101).
Por outro lado, apesar dos autores reconhecerem o aumento da autonomia das estratégias
individuais e a conseqüente reestruturação do espaço rural, salientam que estas podem
permanecer condicionadas e mediadas pela estratégia familiar na distribuição dos recursos. A
família, em muitos casos, continua definindo a divisão social e sexual do trabalho e, assim,
legitimando e dando continuidade às relações internas de hierarquia e poder.
Para estas análises, a especificidade da agricultura familiar continua residindo na
estruturação da família, que responde pela organização técnica da produção, pela execução das
atividades e, sobretudo, pelo destino dado aos seus resultados. Entretanto, a família deve ser
entendida como uma unidade que sustenta uma rede de relações sociais diversificadas, sendo
percebida como uma estrutura flexível, passível de incorporar novos valores e construir novas
percepções e práticas (Carneiro; 1998) .
“É importante lembrar que a noção de família também inclui um
processo de individuação que pode negar, romper, modificar e, até
mesmo recriar, valores num espaço de negociação e de tensão”(
Carneiro, 2000: 155).
Para este entendimento, a unidade familiar tem a capacidade de elaborar estratégias para
se adaptar às condições econômicas e sociais, dialogando permanentemente com a tradição seja
para rejeitá-la ou revalorizá-la. Novos valores podem ser formulados ou antigos valores serem
resgatados na construção de estratégias reprodutivas.
32
Segundo Carneiro (1998), identificar a capacidade de articulação do caráter familiar da
agricultura familiar moderna é fundamental para a real compreensão das transformações no
campo brasileiro. Isto por permitir compreender que o aumento das atividades não agrícolas, a
individualização da força de trabalho e as novas atribuições do rural ocorrem ao mesmo tempo
em que as famílias criam novas estratégias, visando conjugar os projetos individuais aos esforços
coletivos de manutenção do patrimônio familiar. Com isso, a autora refuta as previsões de
decomposição das relações familiares de produção pela inexorável individualização da força de
trabalho nas sociedades capitalistas modernas em virtude, sobretudo, da persistência de algum
nível de participação familiar na tomada de decisões. Salienta, neste sentido, a importância do
contexto na compreensão do que vem a ser a pluriatividade, uma vez que este termo termina por
homogeneizar fenômenos sociais distintos, com significados que variam segundo a dinâmica de
reprodução das pequenas unidades produtivas. Ou, de outro modo, trata-se de uma questão
metodológica mais geral, que impõe saber até que ponto o estabelecimento familiar agrícola é um
mero agrupamento de estratégias individuais ou desenvolve seus próprios objetivos coletivos (
Kageyama, 1998).
Concluindo, podemos dizer que o estudo da pluriatividade pode ser feito em diversos
níveis analíticos e isto não se define abstratamente nem a priori, mas está relacionado com o fato
de que esse fenômeno, mesmo pensado como mera noção descritiva empírica, tem significados
distintos conforme o nível (ou estágio) de desenvolvimento da economia agrícola familiar e seu
contexto. No nível micro, a unidade pode ser a família – seja no sentido estritamente demográfico
do termo, ou enquanto unidade familiar de produção – porque a decisão de um de seus membros
de combinar atividades externas (não-agrícolas) com a atividade agrícola implica na realocação
dos recursos produtivos de toda a família. O cálculo do balanço entre tempos de trabalho e rendas
pertence ao âmbito familiar. Mas essa unidade também pode ser o indivíduo, se a família passou
a ser o agregado de qualificações e estratégias profissionais de seus membros, com a atividade
agrícola já restrita a um papel secundário. Entretanto, a "segunda atividade" não se exerce em
abstrato ou descolada do resto da economia, e sim num mercado de trabalho, e este constitui um
outro nível analítico. Kageyama (1998), estima que este novo nível analítico não é propriamente
macro, mas talvez "mesoeconômico" , uma vez que a manutenção do vínculo com a propriedade
rural (inclusive como moradia) implica atividades em mercados de trabalho locais não muito
distantes. Essas atividades podem estar localizadas indiferentemente nas áreas ditas rurais
33
(serviços ligados ao turismo rural, por exemplo) ou em áreas urbanas próximas (indústrias,
comércio, serviços de todo tipo). O que importa é a existência de mercados de trabalho com
necessidades que possam ser satisfeitas pelos membros das famílias rurais pluriativas, o que por
sua vez não depende da delimitação urbano-rural e, sim, de características econômicas, sociais e
culturais das economias locais, um nível analítico relativamente novo.
Com isso evidencia-se que as análises das estratégias elaboradas pelas famílias de
agricultores devem considerar o meio ao qual estão inseridas. Concordando com as noções de
estratégias de reprodução apresentadas por Schneider (2003) e por Frank Ellis (1998).
Respectivamente, no sentido de que as estratégias são o resultado do processo de intermediação
entre os indivíduos com as famílias e, de ambos com o ambiente social. E no sentido, de que as
estratégias resultam das diferentes combinações entre os capitais (social, humano, financeiro)
realizadas pelas unidades familiares a partir do contexto e das relações local.
De maneira mais ampla, podemos considerar que a reestruturação do trabalho e
conseqüentemente do espaço rural tem provocado alterações dos enfoques e dos conceitos
utilizados nas análises e estudos. Nos últimos anos, os autores brasileiros passaram a utilizar
novas terminologias, noções e conceitos para se referir ao rural como tema de investigação
analítica. O que tornou difícil precisar até que ponto os pressupostos utilizados estão re-
apropriando concepções analíticas utilizadas no passado, ou se estão construindo novas
concepções. Contudo ao proporem novas definições conceituais e operacionais para o rural, os
autores os fazem sob um quadro de mudanças e dinâmicas, que será apresentado com maior
detalhamento do terceiro capítulo, podendo ser assim resumido: 1) o processo de globalização
econômica e a redefinição do modo de produção e mercado; o avanço da tecnologia
principalmente as de comunicação e a redefinição das fronteiras entre global/ local, urbano/ rural;
2) O processo de redefinição do mercado de trabalho, com uma maior flexibilização das relações,
redefinição da dicotomia rural x urbano ou agrícola x não agrícola; 3) A emergência da
legitimação da problemática ambiental como forma de relacionar o rural e o urbano.
34
Capítulo 2 - Evolução dos Sistemas Agrários da região do território da Encosta da
Serra Geral
Neste capítulo, apresentamos um estudo das transformações ocorridas ao longo do anos
no território da Encosta da Serra Geral em Santa Catarina, considerando seus aspectos históricos,
físicos, econômicos, sociais e ambientais. Através da elaboração no âmbito analítico da Evolução
e diferenciação dos Sistemas Agrários, procuramos interpretar a conformação dos atuais sistemas
produtivos, a fim de desenharmos as bases sobre as quais são elaboradas as estratégias de
reprodução dos agricultores nos dias atuais. Os sistemas produtivos e as estratégias elaboradas
hoje resultam dos sistemas e estratégias reprodutivas elaboradas e transformadas ao longo da
história, ainda que se assentam também da conformação macro-estrutural e dos sentidos e
representações dadas pela sociedade.
Neste sentido, Mazoyer e Roudart (2001) sugerem que o conceito de sistemas agrário
deve ser empregado para caracterizar e avaliar as transformações que afetam, no longo prazo, o
conjunto ou um conjunto dominante de estabelecimentos agrícolas de uma região ou país e,
também compreender as condições e conseqüências econômicas, e culturais implicadas em suas
evoluções e diferenciações. Para estes autores Sistema Agrário “é um modo de exploração do
meio historicamente constituído e durável, um conjunto de forças de produção adaptado as
condições bioclimáticas de um espaço definido e respondendo as condições e necessidades
sociais de um certo momento”( Mazoyer- 1987 apud Fao Incra1999).
A fim de recortar o ambiente e definir os limites da realidade a ser estudada, optamos pela
região compreendida pelo território da Encosta da Serra Geral. A escolha se relaciona ao fato de
abranger agricultores e unidades produtivas familiares envolvidas no projeto de desenvolvimento
sustentável e na agricultura orgânica promovido pela Associação Agreco. A noção de território se
refere, sobretudo, ao nome utilizado por esses projetos e pela identidade que as associações
buscam construir entre as famílias e os agricultores. Para o resgate histórico da evolução e
diferenciação dos sistemas agrários da região, foi utilizado dado secundário como livros e
dissertações. No que se refere a caracterização da área de estudo foram utilizados alguns critérios
definidos por Mazoyer e Roudart (2001), como as variáveis Meio cultivado, Instrumento de
produção, Modo de artificialização do meio, Divisão social do trabalho, Relação de força e de
35
propriedade, Conjunto de idéias e instituições, Excedente agrícola e relação de troca, Fontes de
renda, Mudanças significativas ocorridas no período, Situação determinante da ruptura.
2.1 Caracterização da área de estudo
Apresentamos informações sobre a área, dados históricos, dados da situação atual e da
evolução dos indicadores socioeconômicos e dos sistemas agrários de uma região composta por
pequenos municípios localizados na Encosta da Serra Geral, na região próxima a Florianópolis,
em Santa Catarina. O município de Santa Rosa de Lima foi considerado em momentos
específicos como representativo das características socioeconômicas, políticas e ambientais deste
território, o que nos levou a considera-lo como uma referência neste estudo
A construção deste território se associa a um projeto de desenvolvimento local
13
e
sustentável coordenado principalmente pela Associação Agreco (Associação dos Agricultores
Ecológicos da Encosta da Serra Geral). A construção deste território se deu pela implementação
de um projeto de desenvolvimento que busca estabelecer parcerias e construir estratégias
socioeconômicas alternativas às famílias rurais.
A definição da área de estudo se deu inicialmente pelo intuito de entender as estratégias
de reprodução elaboradas pelos atores sociais a partir da implantação deste projeto de
desenvolvimento. Contudo, ao entender a evolução e diferenciação dos sistemas produtivos da
região nos deparamos com atores sociais que não fazem parte deste processo constituindo outros
sistemas produtivos. E ainda percebemos que atores sociais implementam diferentes sistemas
produtivos, havendo portanto, uma diferenciação nítida e excludente entre eles, no sentido de se
completarem e se oporem continuamente na conformação de um novo sistema agrário.
a) A área física da região
O Município de Santa Rosa de Lima possui uma área de 154 Km, está localizado na
mesorregião sul do Estado de Santa Catarina. Distante cerca de 120 Km de Florianópolis, situado
geograficamente junto ás encostas da Serra Geral e Vale do Rio braço do norte, integrando
juntamente com outros 16 municípios, a microrregião de Tubarão. O município está delimitado
ao norte por Anitápolis, ao sul por Rio Fortuna, a leste por São Francisco e São Martinho e a
13
O desenvolvimento local entendido como um processo de criação, de valorização, e de retenção das riquezas de um território,
controlados progressivamente pelo conjunto dos habitantes( Inde,1994 apud Schmidt2003).
36
oeste por Rio Fortuna e Urubici. Todos esses fazem parte do que chamamos de território da
Encosta da Serra Geral.
Os municípios apresentam, de modo geral, uma baixa densidade demográfica
, enquanto o
Estado (SC) apresenta uma densidade de 51 hab/Km, Sta Rosa está numa proporção de
10,24Km². Os dados, segundo o IBGE
14
, demonstram que mais de 73% da população está
domiciliada em zona rural. Ocorrendo um decréscimo da população rural em torno de 0,62% ao
ano. Assim, os municípios são eminentemente rurais, com exceção de Gravatal, que por ficar
mais próxima de tubarão conta com uma maior circulação de pessoas em função de uma hotelaria
baseada nas águas termais (ver tabela1).
Tabela 2.1
Distribuição Populacional do Território da Encosta da Serra Geral entre Urbano e Rural
Municípios Pessoas Residentes Urbano Rural
Anitápolis 3230 1116 2114
Armazém 6873 3520 3353
Grão Pará 5814 2676 3140
Gravatal 9911 3865 6046
Rio Fortuna 4316 1213 3103
São Martinho 2386 888 2386
Santa Rosa de Lima 2007 423 1584
Total 35425 13699 21726
Fonte: Icepa-SC, 2000 apud Schmidt 2003
Desde os anos 70 não houve alterações significantes em relação à população total do
município de Sta Rosa de Lima. Embora chame a atenção o fato de que, neste mesmo período
houve um deslocamento crescente da zona rural para a urbana do município. No início dos anos
90 este movimento foi se acentuando, e atualmente o município apresenta 79,07 % de sua pop
residindo no campo, permanecendo ainda assim predominantemente rural (tabela2. 2).
Tabela 2.2
Evolução do Processo de Distribuição Populacional de Santa Rosa de Lima – SC
Ano
População
1970
N %
1980
N %
1991
N %
1996
N %
Urbana
Rural
45 2,54
1.728 97,46
121 7,08
1.587 92,92
332 17,51
1.564 82,49
392 20,93
1.481 79,07
Total 1.773 100 1.708 100 1.896 100 1.873 100
Fonte: IBGE, 1970 e 1991/ Anuário estatístico de Santa Catarina – 1995 apud Muller (2001)
O clima
regional é definido como mesotérmico úmido, sem estação seca no decorrer do
ano, com verões quentes e temperaturas médias anuais entre 14 e 20 graus Celsius. A região,
14
IBGE – Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística
37
pertencente à bacia Rio Braço do Norte
que tem como principais afluentes o Rio do Meio, dos
Bugres, Santo Antonio e dos Índios, é reconhecida como um corredor ecológico entre o Parque
Nacional de São Joaquim e o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (Schmidt, 2003).
Originalmente, a vegetação
era composta por florestas Umbrófilas Densas (Mata
Atlântica) e Mistas (predomínio das araucárias). Mas atualmente como conseqüência do
desmatamento, prevalecem vegetações secundárias, principalmente nas áreas anteriormente
destinadas ao cultivo agrícola ou ao reflorestamento de eucalipto e pinus. Remanescentes das
florestas originárias estão localizados junto à Serra geral, em locais de difícil acesso. Mais
recentemente, o meio ambiente vem sendo comprometido também pela inadequação das políticas
de saneamento básico, do desenvolvimento da suinocultura e do uso de pesticidas químicos na
atividade agrícola. A adoção de práticas inadequadas de uso e conservação do solo tem
provocado processos erosivos e, conseqüentemente, o assoreamento de rios e riachos (Schmidt,
2003).
Do ponto de vista geológico
, destacam-se formações rochosas compostas por granitóides,
associados à presença de água mineral (termal ou não) e a diversos minerais (alcário, caulim,
quartzo). Os solos mais comuns na região são os Argissolos Vermelhos-Amarelos e os
Cambissolos. O primeiro se caracteriza por serem solos ácidos, por ocorrerem em relevo
ondulado e por serem de fácil erodibilidade, apresentando pouca ou nenhuma condição de
mecanização. São utilizados principalmente para pastagem natural e para culturas de subsistência.
O segundo, são solos de baixa profundidade, com relevo que varia do suave ondulado até
montanhoso, com ou sem pedras na superfície. São utilizados para o cultivo de arroz, feijão,
milho, batatinha, fumo, soja e para pastagens e reflorestamentos.
Quanto à evolução da estrutura fundiária, mais de 80% dos estabelecimentos
agropecuários da região possuem menos de cinqüenta hectares, ocupando 45% da área total. 88%
dos responsáveis são proprietários (Ibge,1995/1996 apud Schmidt, 2003). No município de Santa
Rosa, cresceu o número de pequenas propriedades enquanto diminuiu o número de grandes
propriedades entre os censos agropecuários de 1970 e 1995. Neste último, dos 303
estabelecimentos agrícolas do município, 210 unidades têm até 50 hectares, representando
69,31%, e 94 unidades têm até 20 hectares representando 31,02% (Tabela 2.3).
38
Tabela 2.3
Estrutura Fundiária no município de Santa Rosa de Lima (1970-1995)
1970 1985 1995
Grupos de Área
(há)
N Área N Área N % Área %
Até 10 23 119 40 189 43 14,19 199 1,59
10 a menos de 20 19 262 26 372 51 16,83 738 5,88
20 a menos de 50 107 3.612 78 2.606 116 38,29 3.758 29,96
50 a menos 100 98 6.690 82 5.451 74 24,42 5.098 40,65
100 a menos 200 21 2.871 22 2.702 16 5,28 2.081 16,59
200 a menos de 500 3 844 5 1.387 3 0,99 668 5,33
500 o mais - - 1 1.050 - - - -
Total 271 14.398 254 13.757 303 100 12.542 100
Fonte: IBGE, 1970 e 1991/ Anuário estatístico de Santa Catarina – 1995 apud Muller (2001)
Economicamente, o município depende da agricultura e pecuária. Segundo os dados do
Censo Agropecuário 95-96), a atividade agrícola predominante é a lavoura temporária, com
destaque para o fumo de estufa, seguido pela cana de açúcar, cereais - arroz e milho - batata
inglesa e outros produtos de subsistência. Vale destacar a importância da produção de hortaliças
ecológicas, presente em cinqüenta e sete propriedades, substituindo em grande medida o cultivo
do fumo.
A região é caracterizada pelo isolamento relativo, uma vez que está fora de qualquer eixo
viário importante. Por isso, apresenta precárias estradas que interligam os municípios e uma
estrutura deficiente de comunicação, como a telefonia.
b) Caracterização da Evolução dos Sistemas Agrários do Território da Encosta da Serra Geral ou
da região de Sta Rosa de Lima - Sc
Sistema Indígena (...- 1800)
No passado da região estudada, os índios Xokleng viviam às margens do rio e nas áreas
de várzeas. Utilizavam instrumentos de pedra polida e cerâmica. Cultivavam mandioca, milho,
algodão, frutas, tabaco e grãos. Com queimadas periódicas da floresta, faziam roças através da
coivara e da rotação de terras, abandonadas após a colheita. Tinham uma agricultura e uma vida
social comunitária na forma de tribo. Não havia a propriedade da terra ou dos meios de produção,
as atividades eram organizadas principalmente a partir da divisão sexual do trabalho e visando a
subsistência da tribo. A crise do sistema de produção indígena se deu sobretudo pela ocupação
39
extensiva da terra cultivada pelos colonizadores inseridos numa política de colonização
financiada e estimulada pelo Estado. No período de colonização os índios tiveram uma
significativa redução no número da população.
O sistema Agrário Colonial (1800 – 1950)
A política de colonização do Estado de Santa Catarina teve início em meados do século
XVII com a criação de 3 núcleos: Nossa Sra do Rio São Francisco (1658), Desterro (1662) e
Santo Antonio dos Anjos da Laguna (1682). Em 1828 visando garantir vias de penetração e
comunicação entre o planalto e o litoral, ligando Lages a Florianópolis, foi criada a primeira
colônia européia, de origem alemã, no estado, em São Pedro de Alcântara. Os imigrantes
encontraram bastantes dificuldades devido à densa floresta e ao relevo acidentado e montanhoso.
Os colonos foram gradativamente se deslocando em direção ao atual Vale do Rio do Braço Norte
e do Rio Capivari em busca de terras menos montanhosas, mais favoráveis ao cultivo. Assim, a
partir de 1895, surgiram outras colônias como Braço do Norte, Rio Fortuna, e Santa Rosa de
Lima.
O processo de colonização de Santa Rosa foi iniciado em 1905, com a chegada dos
colonos alemães na localidade. Em 1920, intensificam-se os fluxos migratórios de italianos e
açorianos que se deve ao incentivo dado por políticas públicas de colonização. Ao contrário de
outras colônias da região, os imigrantes de Santa Rosa de Lima não contaram com nenhum apoio
estatal, dando-se por iniciativa dos próprios agricultores (Schmidt, 2000).
15
O isolamento geográfico da região dificultou o estabelecimento de uma rede de
comercialização e acesso aos centros consumidores, devido à presença de uma densa floresta e a
ausência do auxílio estatal. A ocupação das terras pelos agricultores estabeleceu uma relação de
confronto com os índios Xokleng, que já habitavam a região e que constituíram o primeiro
sistema agrário da região. Destes, foram incorporadas algumas técnicas agrícolas, como a coivara
e a rotação de terras, adotadas pelas famílias visando suas subsistências. O suíno da raça Macau
era o elemento principal da dinâmica econômica e organizativa dos sistemas de produção dos
primeiros colonos (Schmidt , 2003).
15
Em geral o governo financiava lotes coloniais às famílias imigrantes ( a ocupação obedecia a formação de picadas abertas no
meio da mata pelos administradores), além de uma possível ajuda de custos para os primeiros meses.
40
As regiões de várzeas eram destinadas à construção das casas, ao pomar, à horta e à
criação de animais, as demais áreas de propriedade, situadas nas encostas, sendo destinadas às
lavouras.
Os instrumentos de produção utilizados neste período são na sua maioria rústicos, como
facões e foices, machados e serrotes. As práticas culturais eram feitas manualmente, tendo a
enxada como principal instrumento. A aração da terra, com auxílio de bois, desenvolveu-se
somente anos depois. O cavalo ou o carro de boi eram os meios de deslocamento utilizados para
o trajeto da propriedade até a praça. Para o transporte das mercadorias, eram utilizados os burros,
com cestos de cipó ou taquara, pois eram os únicos animais que passavam pelas “picadas" que
conduziam até Laguna, principal ponto de comércio.
O modo de artificialização do meio era ordenado principalmente pelo sistema de criação
do porco Macau voltado à comercialização na forma de carne, mas principalmente na forma de
banha, além da venda eventual de outros produtos como manteiga, nata, ovos, feijão e,
eventualmente, madeira.
O sistema de criação do porco Macau, segundo Muller (2001), pode ser dividido em 3
etapas: 1) período em que os filhotes permanecem com a mãe no chiqueiro, até o momento do
desmame; 2) período em que a criação é conduzida ao pasto onde permanecem soltos, recebendo
milho como alimento complementar; 3) momento da engorda, os porcos são conduzidos aos
chiqueiros onde permanecem até o abate, tendo como alimentação básica a “lavagem”, uma
espécie de cozido com batata doce, mandioca, milho e abóbora. Havia ainda a policultura
associada à criação de pequenos animais, através da coivara ou rotação de terras. A atividade
inicial consistia na derrubada da floresta. Após a secagem do material vegetal restante, este era
queimado. As toras mais grossas eram utilizadas na construção de casas e benfeitorias, enquanto
as menores eram utilizadas como lenha. Depois do período de cultivo, se procedia a rotação de
terras, deixando a área em pousio, para criar novamente capoeira. O tempo de pousio era variável
conforme o tamanho da propriedade, seu relevo e a necessidade de seu uso. No primeiro ano de
roçado, após a queimada, era plantado o milho, podendo estar associado à abóbora, e, no segundo
ano, cultivavam-se a mandioca e a batata doce, utilizada para a engorda dos animais. Além
destes, eram cultivados de maneira secundária o arroz, o feijão e a batata inglesa. Existia um
pequeno comércio de excedentes onde o agricultor obtinha outros gêneros alimentícios e
41
utilitários que não eram produzidos na propriedade como sal, roupas, querosene e alguns
instrumentos.
As mudanças significativas ocorridas neste período se associam à ampliação das picadas,
que permitiu o transito de carros de bois, e, uma década depois, ao alargamento da estrada que
liga Santa Rosa a Anitápolis para a passagem de automóveis e carros. Aos poucos, foram
surgindo descascadores de arroz, ferrarias, engenhos de açúcar, produção de fubá e farinha de
mandioca em engenhos movidos por rodas d`água. Nos anos 40, foi aberto um abatedouro em
Rio Fortuna, intensificando o comércio de porcos vivos, que será, posteriormente, ampliado pela
construção da estrada ligando Tubarão a Florianópolis.
A partir dos anos 60, este modo de vida e de produção entra em crise, juntamente com
diminuição do mercado e dos preços do porco, da banha (em razão da entrada no mercado do
óleo vegetal) e da manteiga (substituída pela margarina). Convém observar também a diminuição
do tamanho das propriedades que passaram a ser redivididas para constituir novos núcleos
familiares. Fatores esses que ocasionaram a intensificação da migração rural-urbana em direção
ao alto do vale do Itajaí e ao oeste do estado. A crise gera a necessidade da busca de outras
estratégias de reprodução e fontes de renda, que associada às políticas públicas de apoio à
modernização da agricultura provoca uma situação de ruptura no sistema de produção e conduz à
integração das famílias às agroindústrias fumageiras.
Sistema de mercado integrado ao complexo agroindustrial (1960- 1996)
A integração a cadeia agroindustrial do fumo permitiu a otimização do uso das áreas
planas, com o cultivo do milho nas encostas do morro. Este período se caracteriza pela introdução
de estufas para o cultivo do fumo, assim como o uso de pacotes tecnológicos (sementes
selecionadas, fertilizantes e agrotóxicos). O processo de costura manual dos “sacos” utilizados no
processo de secagem do fumo foi posteriormente substituído pelo uso das tecedeiras. Os
agricultores ainda realizavam a operação de capação, visando evitar que o fumo emitisse botões
que prejudicariam o tamanho e o peso das folhas. Inicialmente feito manualmente demandado
certa mão de obra durante todo o ciclo produtivo. Posteriormente, foi introduzido o uso de um
agrotóxico anti-brotante. E ainda utilizavam equipamentos agrícolas, arados, adubação química, e
42
tobata (Tabela 2.4). O uso da tração animal permaneceu, por se adaptar melhor às restrições
econômicas e ecológicas presentes nas unidades familiares da região ( Muller, 2001).
Tabela 2.4
Evolução do Processo de Mecanização de Santa Rosa de Lima – SC
Ano Total Microtratores
( tobata)- até 20cv
Tratores -
potencia
média
de 20 a 50
cv
Tratores -
potencia
média e alta
+ de 50 cv
Número total de
propriedades
%
propriedades
com tratores de
potencia média
a média/alta
1970 2 - 1 1 271 0,7
1975 4 2 1 1 249 0,8
1980 14 4 1 9 205 4,9
1985 43 26 4 11 254 6,0
1995/96 60 30 4 26 303 9,0
(Fonte: fundação ibge – censo agropecuário de Sc – 1970,1975, 1980, 1985 e 1995/1996), Muller
A integração agroindustrial do fumo, implantada em Santa Rosa no início da década de
60, ocorreu em função da instalação da empresa Souza e Cruz. O fumo de estufa foi introduzido
na forma de pacote – a empresa fornece sementes, adubo químico e agrotóxico, incluindo a
assistência técnica através dos instrutores. O agricultor recebe da empresa um crédito que deve
ser utilizado para a construção das estufas e de todos os insumos necessários no ciclo produtivo;
o pagamento da dívida contraída é feito anualmente, no momento da entrega do produto. O prazo
para a devolução total do crédito podia ser parcelado em até 5 anos.
A inserção das famílias na produção de fumo se associa a aspectos econômicos, como
uma renda fixa e garantida, a assistência técnica e existência de crédito agrícola e de
investimentos voltados a essa produção, proveniente do governo federal e repassados pelas
fumageiras. Como forma indireta de complementação importantes de renda para o consumo
direto da família estão a produção de carne, banha, manteiga e farinha de milho.
Embora inicialmente a modernização e a utilização de pacotes tecnológicos estivessem
restritas ao cultivo do fumo, posteriormente seu uso foi estendido a outras culturas, como a
introdução do milho híbrido (estimulada e incentivada pela ACARESC - Associação de Crédito
e Assistência Rural de Santa Catarina).
Estas inovações deram origem ao processo de sucessão fumo-milho híbrido possibilitado
pelo plantio tardio deste milho, que é plantado na mesma verga do fumo para o reaproveitamento
do adubo. Poderia vir a constituir um outro sistema produtivo embora permaneça vinculado ao
sistema do fumo. Essa associação intensifica o uso de herbicidas entre os produtores vinculados
43
às fumageiras. A produção de milho está voltada à alimentação dos animais, se associando à
atividade leiteira da propriedade.
A força de trabalho utilizada neste período ainda é predominantemente familiar, só que
agora com a eventual contratação de assalariados (trabalhador temporário ou diarista) nos
períodos de maior carência de mão de obra. Também convém mencionar a realização de “troca
de serviço” entre as famílias, visando suprir a falta de mão de obra e de capital para o pagamento
de assalariados.
O fumo é vendido para as empresas fumageiras (financiadoras) e o valor pago depende da
verificação da qualidade do produto, que é classificado em a, b,c e d. Surge também a figura do
feirante, graças a certas melhorias das estradas, principalmente das vias secundárias de acesso às
comunidades, o que amplia os canais de comercialização. Os feirantes são comerciantes que
percorrem as propriedades rurais para a compra da produção dos agricultores para serem
revendidas em feiras populares nos centros próximos. Além disto, efetuam a venda de produtos
aos agricultores, como insumos e gêneros alimentícios. Vale ressaltar que, em ambas as
atividades, o feirante tem a prerrogativa de estabelecer o preço de compra e venda dos produtos.
Como principais mudanças do período, podemos citar: a formação de instituições
representativas, como o sindicato; mudanças nas unidades produtivas fomentadas principalmente
pela assistência técnica; redução da auto-suficiência das propriedades levando a uma maior
dependência econômica e tecnológica; a perda de conhecimentos, da lógica de decisão e gestão e
de práticas tradicionais e culturais; a mercantilização da produção; introdução de uma infra-
estrutura semelhante à urbana e o aumento da auto-exploração familiar principalmente nos
períodos de colheita, onde é exigida uma grande quantidade de mão de obra. Embora todas essas
transformações, permanecem o uso de alguns instrumentos rústicos de trabalho, a produção
diversificada (venda ou subsistência), a presença da figura política/econômica do intermediário
e a pratica da troca de serviços entre vizinhos. E surgem as primeiras preocupações ambientais.
No início da década de 90, há uma queda nos preços do fumo e uma elevação dos custos
de produção, ocasionando a queda da renda dos agricultores (Tabela 2.5). A contratação de
trabalhadores assalariados tornou-se mais difícil e a troca de serviço entre os vizinhos deixou de
funcionar em função da diminuição das famílias, seja pelo ciclo geracional, seja pela migração
para centros próximos a procura de emprego ou estudo. O aumento conseqüente da auto-
exploração familiar deixa de ser uma alternativa “compensatória”, principalmente quando
44
considerado o aumento dos problemas de saúde trazidos pelo trabalho exaustivo
16
e pelo uso
intenso de agrotóxicos. A esta conjuntura se acrescenta a instabilidade econômica do mercado
fumageiro, restrições do crédito agrícola, perda de garantia por parte do governo federal de
destinação de recursos financeiros para a construção de estufas e de agroindústrias de pequeno
porte. Estas precariedades e dificuldades determinam a situação de crise do sistema de produção
caracterizado pela predominância ao cultivo do fumo. E assim, o fumo vai aos poucos deixando
de ser a única alternativa de renda para os agricultores da região.
Tabela 2.5
Evolução da renda em R$ dos produtores de fumo no período 1994/98 (Brasil)
Safra Renda bruta/ha Custo de produção/há Lucro/há
1993/94 2.801,40 2.185,18 616,22
1994/95
3.207,40
2.789,18 418,22
1995/96 4.060,00 3.758,00 302,00
1996/97 4.060,00 3.601,48 458,52
1997/98
4.060,00
3.674,12 385,17
Fonte: Deser (1999) apud Muller (2001)
Em meados da década de 80, a atividade de produção de carvão vegetal é intensificada na
região, devido, em parte, a uma conjuntura de crise, mas também pela instalação da empresa
carvoeira Cecrisa. Além de explorar diretamente as áreas vegetadas, esta última passou a atuar
também como intermediária na comercialização do carvão, adquirindo-o dos agricultores. No
entanto, a atividade carvoeira tem diminuído gradativamente em decorrência da saída da
empresa, a fiscalização ambiental, como também pelo processo de conscientização dos
agricultores. Apesar deste recuo, a atividade continua sendo praticada por alguns agricultores que
se encontram em situações econômicas precárias, residindo em comunidades distantes da sede do
município e apresentando maiores dificuldades de acesso à infraestrutura básica como estradas,
meios de transporte, comércio, serviços públicos de saúde, educação, informações, assistência
técnica, crédito, etc (Muller, 2001:117).
Sistema Agrário Atual (1996 - ...)
O Sistema Agrário atual é composto por quatro sistemas produtivos: o agroecológico ou
orgânico, o leiteiro, o reflorestamento e o fumo. Tal composição indica a consolidação de uma
16
A produção do fumo demanda muita mão de obra durante todo o seu ciclo por ser composto de diversas etapas, mas há uma
forte concentração de trabalho na etapa de colheita e secagem.
45
diversificação de sistemas produtivos e a consolidação de diferentes interesses e funções para a
ocupação do solo e para a agricultura, retomada no capítulo 4.
O primeiro sistema produtivo está organizado em torno da Agreco, a associação de
agricultores voltados a produção orgânica e a transformação em pequenas agroindústrias
familiares. É sobre este sistema produtivo que se debruça os objetivos deste trabalho, isto é,
buscamos entender a organização familiar e produtiva de algumas unidades que pertencem à
associação de agricultores, orientada para um desenvolvimento territorial e sustentável e que, por
isso, encoraja a prática do sistema produtivo orgânico.
No que concerne ao manejo produtivo praticado pelos agricultores filiados à Agreco, tem-
se um quadro bastante diversificado, ilustrado por Cabral (2005) pela concepção de uma escala,
onde:
a) Num extremo, estariam os produtores de leite que ainda continuam utilizando uréia na
produção de milho destinado à alimentação das vacas e por isso, se aproximariam de
uma forma de agricultura com baixo uso de insumos externos.
b) Numa posição intermediária, encontramos a maioria dos produtores cujo manejo está
baseado principalmente na eliminação do uso de agroquímicos e no emprego de
adubação orgânica e que se aproxima do que se apregoa a agricultura orgânica e
ecológica.
c) Noutro extremo, estariam alguns produtores que inspirados nas abordagens da
agroecologia e da permacultura, vêm construindo agroecossistemas que, além do
emprego de técnicas ecológicas elementares, procuram integrar as diferentes
atividades e planejar a propriedade como um todo.
De outra forma, podemos pela tabela 2.6 perceber a porcentagem de adoção dos Sistemas de
Cultivos implementados pelos agricultores pertencentes a Agreco.
Tabela 2.6
Sistema de cultivo dos agricultores que pertencem a Associação Agreco
Adota Não adota Tipos
número % número %
Cultivo Convencional 7 63,4% 4 36,6%
Cultivo Direto 11 100% 0 -
Cultivo Orgânico 11 100% 0 -
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
46
A opção pela produção orgânica é efetuada a partir da construção da Associação Agreco
(cuja trajetória e estrutura serão vistos na seqüência do trabalho) em 1996, da garantia de
mercado (vinda de uma rede de supermercado) e do uso menos intensivo da mão de obra
familiar
17
. Algumas famílias passam a estarem inseridas a um sistema produtivo, que integra
técnicas “tradicionais”, no sentido de serem conhecimentos familiares, um patrimônio sócio-
cultural (Lamarche, 1993), com o uso de alguns equipamentos agrícolas, visando um manejo
ecológico e uma gestão integrada sustentável da propriedade. A substituição de adubo químico e
de uréia é a maior dificuldade encontrada pelos agricultores, sendo que a aquisição externa traz
uma maior dependência e onera os custos de produção. Posteriormente, vem a questão em torno
do herbicida dessecante (round up, utilizado na eliminação de inços) e do retorno (ou da
continuação para alguns) do uso da enxada e da tração animal na realização da tarefa. E, por
último, o desafio do controle de pragas e doenças sem o uso de agrotóxico. Os insumos e as
técnicas utilizadas pelos agricultores vinculados à Agreco podem ser percebidos pela tabela 2.7
seguinte.
Tabela 2.7
Insumos e técnicas dos agricultores Agreco por freqüência de uso
Freqüente Pouco freqüente Não Utiliza Tipos
número % número % número %
Total de
famílias
Utilização da
adubos químicos
_ _ 2 18,18% 9 81,81% 11
Utilização de
adubo Verde
4 36,36% 5 45,45% 2 18,18% 11
Utilização
Agrotóxico
_ _ 11 100% 11
Utilização de
composto
orgânico
1 8,86% 4 36,36 6 54,54% 11
Utilização de
esterco
8 72,72% 3 27,27% _ 11
Utilização de
irrigação
2 18,18% 3 27,27% 6 54,54% 11
Utilização
descanso do solo-
pousio
3 27,27% 2 18,18% 6 54,54% 11
Utilização de
queimada
_ _ 4 36,36% 7 63,63% 11
Utilização rotação
de cultura
7 63,63% 3 27,27% 1 9,09% 11
17
Segundo Muller, a quantidade de mão de obra empregada na produção orgânica pouco se difere da necessária para a produção
do fumo, embora a maioria dos depoimentos recolhidos em sua pesquisa indique o contrário. A diferença está em que o tempo e o
trabalho necessário na produção orgânica é mais bem distribuído no decorrer do ano agrícola, o que torna o trabalho passível de
ser executado por menos pessoas, deixando a sensação de “ser mais leve” ( Muller; 132: 2001).
47
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
Posteriormente, a produção orgânica se vincula a uma rede de pequenas agroindústrias
familiares (Projeto Intermunicipal de Agroindústrias Modulares em Rede), responsáveis pela
agregação de valor aos produtos in natura. Os principais produtos beneficiados e comercializados
são: a cana de açúcar, na forma de açúcar mascavo e melado; o mel; a cebola, beterraba, pepino,
vagem, couve flor, entre outros, na forma de conserva; o leite, na forma de queijo; e as hortaliças
orgânicas embaladas a vácuo.
A introdução da produção orgânica gerou modificações na organização do sistema
produtivo destas unidades, seja na escala de produção, ou nas etapas do processo, como o uso de
estufas, o processamento e industrialização. Ademais, algumas famílias passaram a diversificar a
renda com atividades voltadas ao agroturismo através da associação Acolhida da Colônia.
Portanto, podemos afirmar que os agricultores e unidades produtivas envolvidas neste sistema de
produção têm como fontes de renda e atividades, além da produção orgânica, o beneficiamento
em agroindústrias de pequeno porte e o agroturismo.
Os produtos orgânicos beneficiados ou não atendem à demanda de um mercado de
clientela constituído por consumidores de classe média dos centros urbanos, além da parceria
com o governo estadual com vistas a fornecer merenda de algumas escolas da região. Por outro
lado, o agroturismo atrai diferentes pessoas, desde aquelas interessadas em conhecer a
experiência da produção orgânica de alimentos até aquelas que buscam descanso “junto à vida
rural” distante do dia a dia das cidades.
Os agricultores e unidades produtivas vinculadas ao projeto de desenvolvimento
sustentável fazem uso de enxada, tração animal e manual; uso de esterco, capina com enxada,
cultivador tracionado pelo boi; plantio com matraca ou manual. Eles ainda têm um sistema
produtivo caracterizado pela substituição parcial do adubo químico e da uréia pela adubação
orgânica e por um uso não muito freqüente da adubação verde e do plantio direto.
A produção e as agroindústrias são, em sua maioria, financiadas por programas
específicos do Pronaf e, portanto, incentivadas pelo governo federal, além da própria Associação
da qual fazem parte.
As mudanças significativas estão na criação da figura do supermercadista como
intermediário entre produtor-consumidor. O trabalho associativo, tanto na produção quanto no
beneficiamento dos produtos, permite agregar mais valor e atribuir maior importância à qualidade
48
e à melhoria visual do produto. Os produtos são garantidos junto a Ecocert, através da
certificação em grupo.
Segundo Schmidt (2005), o recenseamento da agricultura orgânica que o Instituto de
Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina publicou em dezembro de 2002 (ICEPA,
2002), apontou 94 propriedade orgânicas nos sete municípios que compõe a região em estudo.
Se para a maioria deles, como no caso brasileiro ou catarinense, estas unidades representam
muito pouco
18
, para o município pólo do processo esses números tomam uma outra dimensão.
Santa Rosa de Lima aparece com 61 propriedades orgânicas. Se considerarmos que o total de
estabelecimentos agropecuários no município é de 303, chegamos ao expressivos percentual de
20%, ou 1 unidade orgânica para cada 5. O que corresponde aproximadamente 50 vezes os
índices nacional e catarinense. Em termos absolutos, ele é também o município que tem o maior
número de propriedades orgânicas em Santa Catarina. Mais do que isso, sozinho o município
entra com 9% do número total de unidades de produção orgânica existente nos 97 municípios em
que se identificou pelo menos uma delas.
O Sistema Produtivo leiteiro pode ser dividido em dois: a produção orgânica e a produção
convencional. Ambos estão pautados na venda do produto in natura e do produto processado na
forma de queijo. Entretanto, diferem quanto ao modo de produção. O primeiro, usa adubação
orgânica e se baseia do sistema de pasto rotativo. Geralmente, está associado a alguma
agroindústria pertencente à rede Agreco, atingido o mercado específico de orgânicos. Seus
agricultores são assistidos pelos técnicos da Associação, assim como usufruem de toda a infra
estrutura existente. Por outro lado, o segundo atinge a demanda do mercado tradicional de
laticínios da região ou fornece os produtos a atravessadores que os revende em feiras. Este grupo
conta com a assistência dada pelos técnicos da Epagri e da prefeitura, através de cursos técnicos e
melhoramento genético dos animais (Muller, 2001).
Este sistema provoca uma alteração na dinâmica interna das famílias, sobretudo em razão
da renda que passa a ser mensal e do uso menos intensivo da mão de obra familiar. Ademais, gera
18
Apesar da inexistência de dados consolidados, os números melhor aceitos são os de que há, neste momento, em torno de 20.000
produtores individuais orgânicos (em 12.800 projetos certificados). Considerando-se os dados do Censo Agropecuário de
1995/96, o total de estabelecimentos agropecuários – que podem ser associado grosso modo ao número de unidades produtivas – é
de 4.859.865, temos 0,4% das unidades produtivas orgânicas ou 1 para cada 243. Para Santa Catarina, identificou-se 706
propriedade orgânicas, num total de 203.347 estabelecimentos agropecuários, o que equivale a 0,35, ou 1 orgânico para cada 288.
Para Anitápolis: (13/621) 2% ou 1 unidade produtiva orgânica para cada 48; Armazém (1/670); Gravatal (5/835) 0,6% ou 1 para
167; Grão Pará (5/841) 0,6% ou 1 para cada 168; Rio Fortuna (9/697) 1,3% ou 1 para cada 77 (Schmidt, 2005).
49
modificações na paisagem local, com o crescimento da derrubada de matas e a substituição por
pastos.
O terceiro sistema produtivo da região é o de reflorestamento de pinus e/ou eucalipto,
destinado à venda na forma de lenha, com as toras sendo retiradas no período de 8 a 10 anos. A
madeira pode ser também destinada à construção civil, neste caso, sendo vendidas para as
madeireiras no período de 15 a 20 anos. Apesar de mal visto por grande parte da população local
que reproduz o discurso ambientalista quanto à importância da preservação das matas nativas e
nascentes de água da região, este sistema está presente junto às famílias mais abastadas e, aos
poucos, domina a paisagem local, fazendo surgir sobretudo, a figura política e os interesses dos
madeireiros (Schmidt, 2004 ).
Por último, temos o sistema de produção do fumo que segue a cartilha do pacote
tecnológico detalhado anteriormente quando do sistema colonial de mercado integrado ao
complexo agroindustrial.
2.2 Algumas Conclusões dos capítulos 1 e 2
O território estudado apesar de apresentar uma relativa homogeneidade ecológica, se
difere e se especifica pela história e pelas diferenças sociais e econômicas dos municípios.
Inicialmente vale a pena saber que os modelos agrícolas ou as transições por que passou o
significado de agricultura, resultaram no processo de seleção de agricultores, produtos e regiões.
Neste sentido, as características dos sistemas agrários são amplamente dadas no âmbito político-
institucional, mas são operacionalizadas nas localidades através de redes e, terminam por
configurar as estratégias elaboradas pelos indivíduos ou famílias. E todo esse processo reflete a
escolha de determinados projetos e estabelecimentos em detrimentos de outros. Daí, no primeiro
momento ter-se o interesse público pela colonização e ocupação das terras, no segundo o
interesse em integrar o pequeno agricultor familiar a cadeia agroindustrial e, no terceiro
momento, o interesse na consolidação de um agricultor familiar que saiba produzir e viver de
forma saudável e de bem com a natureza. À família rural cabe se articular no intuito de viabilizar
sua reprodução social e econômica, podendo se inserir ou não nos projetos locais, mas sabendo
que a pouca disponibilidade de capital para amortizar possíveis perdas ou frustrações em relação
aos investimentos pode prejudicar a sobrevivência e a reprodução social e patrimonial da família
e, no limite, levar a expropriação da condição de agricultores.
50
Enfim, a caracterização da Evolução e Diferenciação do Sistema Agrário em etapas ou
período de transições permite observarmos que existem diferentes estratégias territoriais
dependentes do Estado, da localidade e das famílias. Reafirmando a noção de que a organização e
gestão dos sistemas produtivos dos agricultores familiares se definem pela interferência direta do
ambiente político-institucional e econômico ligado ao setor agrícola (como políticas de crédito,
incentivos por produtos ou modos de produção, modelo de desenvolvimento rural adotado, etc),
as especificidades da dinâmica sócio-política e econômica local (arena local na qual estão
inseridos os atores sociais do desenvolvimento) e, principalmente o funcionamento interno das
unidades familiares de produção, que presidem a lógica e a tomada de decisão dos agricultores.
As interferências na consolidação e construção dos sistemas produtivos não conduzem às
transformações em uma única direção, resultando na conformação de combinações de
diversificados sistemas de produção : tradicionais (via tradição e reprodução do patrimônio
familiar), convencionais (via revolução verde) e orgânico (via uso adubos orgânicos e equilíbrio
natural do meio). A constituição de um novo sistema agrário não exclui totalmente o anterior,
essa caracterização apenas busca demonstrar que os padrões e os entendimentos se transformam
ao longo do tempo, ainda que não possamos atribuir o caráter evolutivo, no sentido usual de
progresso, avanço.
Resumidamente, retomando o quadro das diferentes etapas dos entendimentos sobre a
agricultura e o agricultor composto por Anjos, apresentado no capítulo anterior, podemos
compreender que até o período pós-colonização, a agricultura estava articulada ao saber e a
organização e gestão do sistema produtivo e da propriedade tradicional da unidade familiar.
Neste período, podemos encontrar indicadores no modo de vida e trabalho que se aproximam dos
indicados e tratados na primeira etapa da transição. O denominado aqui de Sistema Colonial de
mercado integrado ao complexo agroindustrial (1960- 1996) é o que mais se aproxima do
segundo período, com uma lógica de ocupação da propriedade e organização da produção e da
família articulado ao modo de gestão prescrito pelas empresas fumageiras, ainda que não
possamos identifica-los com a figura do agricultor profissional, construído principalmente pelas
políticas públicas e pela realidade européia. De qualquer maneira, é o sistema de produção que
traz uma maior incidência dos chamados “inputs” de origem industrial (Anjos, 2003).
A terceira etapa ou período de transição é vivido pelos agricultores vinculados direta ou
indiretamente a Agreco e ao processo de desenvolvimento territorial, no sentido de não se voltar
51
exclusivamente ao produto mas de articular as unidades e a localidade como um todo. Neste a
agricultura se vincula a noção de sustentabilidade e diversificação de produção e atividades. O
conhecimento, quanto ao modo de produção e à organização tradicional do agricultor, é retomado
e valorizado ainda que articulado aos conhecimentos científicos e a avanços tecnológicos
específicos.
Podemos entender que a integração agroindustrial do fumo, neste sentido, não se tratou,
de uma mera opção por uma alternativa econômica, mas um meio de melhorar as condições de
vida, proporcionando maior conforto aos filhos, ou uma das únicas possibilidades de se manter na
condição de agricultor em função da crise da agricultura tradicional e a necessidade de se inserir
na sociedade envolvente. Retoma-se a idéia de uma incorporação parcial ao pacote tecnológico
da cultura do fumo em seus sistemas de produção que representou (a ainda representa) para
muitas famílias a segurança de mercado, a captação de incentivos financeiros através do
beneficio de créditos subsidiados e a ocupação da mão de obra familiar.
No mesmo sentido, a passagem para a produção ecológica está atrelada a um quadro de
crise, só que agora configurado em torno da integração agroindustrial do fumo. A diminuição dos
ganhos, o discurso ambientalista aliado ao trabalho desgastante e aos problemas de saúde
decorrentes do uso intensivo do agrotóxico foram elementos chaves para a busca de alternativas.
A construção de um canal de comercialização para produtos orgânicos e a organização dos
agricultores em torno da Agreco, fizeram instaurar um novo sistema de produção. Além, da
considera-se efetivamente a possibilidade de poder produzir e viver sem o uso de agrotóxicos,
dadas através de garantias e políticas apresentadas e sustentadas pelo governo para este tipo de
agricultura.
Da constituição destes dois modelos podemos extrair duas observações:
1. A caracterização da evolução e diferenciação dos sistemas agrários não é linear, no sentido de
que os períodos são compostos por diferentes sistemas de produção, sendo que alguns
predominam sobre outros por determinado período, mas que no sistema posterior aquele que
predominava pode ser agora subjugado. Assim, podemos entender que as unidades familiares
que no sistema agrário vinculado as agroindústrias do fumo foram excluídas por não integrarem
ao sistema produtivo da fumicultura, por terem sido capazes de manter específicos modos de vida
e de produção, podem no sistema atual, se inserir perfeitamente ao sistema de produção
vinculado à Agreco e as novas funções da agricultura, como o agroturismo.
52
2. A viabilização ou não das estratégias elaboradas pelas famílias se dá pela aceitação ou pela
conformação junto ao modelo preconizado pela sociedade e pela própria família. Ou, de outra
forma, pela capacidade de adaptação das propriedades diante das escolhas definidoras do
desenvolvimento, traduzidas, como visto anteriormente, ora na interação às cadeias
agroindustriais, ora na interação territorial e na sustentabilidade da propriedade.
53
Capítulo 3 - Os diferentes desenvolvimentos e a configuração das novas estratégias
(macro) sociais
Não existe um consenso sobre o significado da palavra desenvolvimento. Trata-se de um
termo que se generalizou nas ciências sociais contemporâneas após a Segunda Guerra Mundial e,
que muito freqüentemente, ainda hoje, é confundido com crescimento econômico. De qualquer
forma, atualmente percebe-se que o entendimento atribuído a noção de desenvolvimento altera-se
conforme se transforma o projeto social, por vezes corresponde exclusivamente ao crescimento
econômico, cientifico e tecnológico, e mais recentemente abarca também noções sócio- políticas
e ambientais.
Para os fins sustentados por este trabalho apresentamos o debate acerca do
desenvolvimento visando construir os sentidos atribuídos a agricultura que recaem, sobretudo, na
identidade atribuída ao agricultor e ao espaço rural. Neste sentido, a noção de desenvolvimento
nos permite entender os projetos e as estratégias sociais sobre as quais são elaboradas as
estratégias de reprodução das unidades familiares rurais, objetivo deste estudo.
Através da reconstrução, no capítulo anterior, da Evolução e Caracterização dos Sistemas
Agrários do “território” de Sta Rosa de Lima, podemos perceber que a forma de produção e o
portifólio dos produtos é dado, sobretudo, pela demanda do mercado consumidor e pelos
incentivos públicos, ainda que consideramos que existe uma margem de escolha promovida pelas
unidades de produção envolvidas. E neste entendimento consolida-se a noção de que ambos os
fatores repercutem o entendimento atribuído a agricultura, ao espaço rural e ao agricultor.
Através da reconstrução, no capítulo anterior, da Evolução e Caracterização dos Sistemas
Agrários do território de Santa Rosa de Lima, podemos perceber que a forma de produção e o
portifólio dos produtos são dados, sobretudo, pela demanda do mercado consumidor e pelos
incentivos públicos, ainda que consideramos que existe uma margem de escolha promovida pelas
unidades de produção envolvidas. E neste entendimento consolida-se a noção de que ambos os
fatores repercutem no entendimento atribuído à agricultura, ao espaço rural e ao agricultor.
54
3.1 O desenvolvimento enquanto modernização
A idéia de desenvolvimento funda-se na crença de que o avanço técnico-científico gera
crescimento econômico e, conseqüentemente, o progresso nas áreas sociais, culturais e políticas.
Trata-se com efeito de um conjunto de pressupostos que se associam ao que os estudos tem
denominado de paradigma etnocêntrico do humanismo ocidental, a partir do qual se elabora um
desenvolvimento universal concebido nos paises ricos e seguidos por todas as sociedades;
inclusive as sociedades ditas em desenvolvimento que devem neste sentido orientar suas
políticas. “É um modelo idêntico que se propaga em detrimento de todas as diferenças de
situação, de regime e de cultura” (Almeida, 37: 1997). A este sentido de desenvolvimento, se
acrescenta a noção de modernização e progresso, exaltando a ação e condução do Estado:“a
modernização é um processo e o desenvolvimento uma política” (Almeida,1997)
Para o desenvolvimento rural, esse modelo se materializara na busca do aumento
constante da produtividade e da produção através do avanço dos conhecimentos técnicos e no uso
de fatores produtivos provenientes da indústria como máquinas e insumos. Neste processo, o
Estado tem o papel de promover, através de políticas públicas, a difusão das novas técnicas de
produção, comercialização e gestão.
Esse modelo de desenvolvimento e produção, idealizado no âmbito da modernização da
agricultura, foi comumente denominado de Revolução Verde e gerou profundas transformações
sociais e produtivas sofridas, sobretudo, pelos agricultores, como também mudanças alimentares,
que alteram hábitos e padrões de consumo. Tal fenômeno está estritamente vinculado à
conjuntura do pós-guerra, vivenciada diretamente pelos países europeus, Japão e EUA,
respondendo à crise de oferta no mercado de cereais e alimentos e ao crescimento populacional.
A consolidação de um modelo de desenvolvimento rural baseado na ampliação da
dependência deste setor à indústria e ao mercado inaugura um novo entendimento acerca da
agricultura, que rapidamente se legitima e se torna hegemônico
19
no plano científico e na
constituição dos sistemas agrícolas. Sob esse novo padrão tecnológico, altera-se a compreensão
acerca do mundo rural (ruralidade), rompendo-se com o passado e com as tradições, as famílias
rurais se integram nas novas formas de racionalidade produtiva, mercantilizando gradualmente a
vida social e suscitando o processo de perda da autonomia setorial que até então caracterizava a
19
Navarro e Almeida (1997) estimam que esse modelo de agricultura sustentado por um ideário produtivista torna-se
hegemônico por sustentar as propostas de desenvolvimento presentes tanto no modelo capitalista como socialista.
55
agricultura (Almeida, 1997). Esse novo entendimento de agricultura faz com que as famílias
rurais re-elaborem suas estratégias, a partir da concepção do agricultor familiar profissional.
Neste sentido, as diferentes teorias econômicas difundem a noção de que a agricultura
cumpre um papel funcional às economias nacionais enquanto fornecedora de matérias primas,
força de trabalho e enquanto mercado consumidor para bens industriais. Com isso, a agricultura
deixa de ser um setor interpretado como arcaico e isolado para se transformar num setor
moderno, integrado à economia nacional. Segundo Almeida (1997), no âmbito ideológico da
modernização, a agricultura incorpora quatro elementos: a noção de crescimento aliada à idéia de
fim do atraso; a noção de abertura ou fim da autonomia técnica, econômica e cultural; a noção de
especialização ou o fim da polivalência, associada ao triplo movimento de especialização da
produção, da dependência à jusante e à montante da produção agrícola e a inter-relação com a
sociedade global; o aparecimento de um novo tipo de agricultor, individualista, competitivo e
questionador da concepção orgânica da vida social tradicional.
Enfim, o processo de modernização da agricultura e o respectivo modelo de
desenvolvimento significam uma mudança quantitativa, na produção e na comercialização, e
qualitativa, nas transformações radicais das estruturas rurais até então vigentes. No campo
ideológico, a agricultura passa a abarcar uma função econômica no sentido restrito de aumentar a
produção, comprar produtos industrializados (finais e intermediários) e criar divisas para os
países.
No Brasil, o regime militar impôs o fim do debate sobre o desenvolvimento rural, no qual,
em grandes linhas, duas teses se confrontavam: a modernista e a reformista. A opção tomada
conduziu às políticas públicas de modernização da agricultura, com as características acima
referidas, mas com algumas especificidades. Aqui, torna-se pertinente evocar a idéia de uma
modernização conservadora, no sentido de que a estrutura agrária e política permanecem
inalteradas (Leite, 2001). Privilegia-se os interesses em torno do latifúndio e consolida-se um
padrão de financiamento que permite o predomínio de políticas setorializadas por ramos ou
cadeias produtivas com a intensificação da influência de forças do setor rural/agroindustrial
frente às políticas públicas.
Ao longo da década de 70, as opiniões dos autores diferem consideravelmente diante das
mudanças desencadeadas pelo processo de modernização. Enquanto alguns denunciam os
problemas sociais e ambientais advindos deste modelo, outros o defendem arduamente, com base
56
no aumento de produção e da produtividade, que gerou o aumento das exportações e a ampliação
do saldo positivo da balança comercial. No âmbito político, os êxitos servem de justificativa para
que o Estado desconsidere a necessidade de uma reforma agrária, vista freqüentemente como
uma proposta anacrônica, apenas se justificando enquanto uma política social compensatória ao
invés de se constituir uma “alternativa viável de reorganização produtiva” (Martine apud Anjos,
195). Assim, a modernização conservadora significou uma opção à reforma agrária, em prejuízo
dos agricultores familiares, tanto no plano político como econômico
20
.
“...o que parece claro é que tratou-se de um processo parcial e
concentrado, tanto no âmbito geográfico espacial quanto no âmbito
econômico, social e político. Pode-se afirmar, em outras palavras, que
a exclusão de produtores, regiões e atividades parece ser o adjetivo
que permite qualificar a dinâmica da modernização do campo no
Brasil”( Anjos, 188)
O Estado financiou, assim, a manutenção da estrutura agrária e dos privilégios políticos,
concentrando seus benefícios em regiões (Centro e Sul), produtos (exportáveis) e produtores
específicos (grandes proprietários). Também criou e ampliou agências de extensão e estações
experimentais, visando difundir e adaptar tecnologias importadas de outros países, além da
instalação de um sistema de ensino agronômico e técnico para a formação de pesquisadores e
extensionistas (Anjos, 2003).
Em tal contexto de modernização e desenvolvimento, as transformações socioeconômicas
e a melhoria da qualidade de vida das populações rurais mais pobres, em especial os pequenos
produtores proprietários ou não de terra, foram concebidas no âmbito do Estado e das políticas
públicas como um resultado natural do processo de mudança produtiva na agricultura. Como se o
aumento da produção e da produtividade proporcionasse necessariamente o aumento da renda
das famílias e, conseqüentemente, o seu desenvolvimento. A partir deste entendimento, as
políticas públicas com objetivos sociais na agricultura serviram apenas para atenuar os conflitos
sociais que o modelo de modernização adotado gerava.
No nível técnico, o desenvolvimento via Revolução Verde favoreceu sistemas de
produção orientados pela utilização de pacotes tecnológicos, caracterizados pela utilização
intensiva de motomecanização, de fertilizantes inorgânicos, de agrotóxicos, de equipamentos
20
Durante os anos 50 e 60 a questão da reforma agrária é colocada no país pelos movimentos sociais ( ligas camponesas) pelos
partido de esquerda (PCB) e pela igreja (CNBB – MEB) como uma necessidade estrutural no âmbito econômico, social e
trabalhista. A Questão agrária é retomada na agenda política a partir de 95, colocada pelos movimentos sociais (MST
principalmente) e pelo movimento sindical.
57
pesados de irrigação, de variedades e híbridos de alto rendimento, ocasionando alto impacto
ambiental (Almeida, 1997).
Por conseqüência, a modernização conservadora da agricultura gerou um forte êxodo
rural (provocado, principalmente, pela crise das pequenas unidades de produção rural, pela
diminuição das ocupações agrícolas e, enfim, pela migração da população rural), acelerando um
rápido e desorganizado processo de urbanização. O diversificado conjunto de pequenos
produtores rurais tenta ingressar na revolução verde rompendo com um conjunto tradicional de
práticas agrícolas, abandonando a vocação da policultura e substituindo a pauta diversificada dos
produtos tradicionalmente cultivados pelas monoculturas de alto valor comercial (Anjos: 2003).
Contudo, esta inserção, ou esta tentativa de reprodução social, muitas vezes fracassa diante do
quadro de amplas dificuldades: falta de apoio institucional, concentração fundiária, inexistência
de uma política diferenciada, desleal competição com a agricultura patronal na distribuição de
crédito agrícola ou com a exploração protagonizada pelos grandes complexos agroindustriais
(carne, leite, fumo, etc).
O processo de modernização agrícola no Sul do Brasil ( box I e II) apresenta
especificidades. Ao contrário das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, os estados do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul assistiram, em considerável medida, a perpetuação
do modo de produção familiar através da introdução de insumos industriais e dos pacotes
tecnológicos nos sistemas produtivos. Este fenômeno é, por exemplo, evidente nos casos do
binômio trigo-soja e da produção de fumo. Na conjuntura de modernização, parte dos agricultores
familiares do sul teve condições de se “modernizar”, convertendo sua produção para as culturas
de exportação, com proteção de políticas oficiais e da garantia de comercialização. Contudo, essa
reconversão tem como principal conseqüência o abandono das culturas e atividades destinadas ao
consumo familiar, e “os agricultores passam da categoria de cultivadores de múltiplas linhas de
produção para a condição de tributários do regime do mono-cultivo em meio a uma crescente e
contraditória especialização funcional” (Anjos, 187: 2003).
58
Box I - Especificidades do processo de modernização no Sul do Brasil
O processo de modernização agrícola no Sul do Brasil apresenta especificidades. Ao contrário das regiões Sudeste,
Centro-Oeste e Nordeste, os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul assistiram, em considerável medida, a
perpetuação do modo de produção familiar através da introdução de insumos industriais e dos pacotes tecnológicos nos sistemas
produtivos. Este fenômeno é, por exemplo, evidente nos casos do binômio trigo-soja e da produção de fumo. Na conjuntura de
modernização, parte dos agricultores familiares do sul teve condições de se “modernizar”, convertendo sua produção para as
culturas de exportação, com proteção de políticas oficiais e da garantia de comercialização. Contudo, essa reconversão tem como
principal conseqüência o abandono das culturas e atividades destinadas ao consumo familiar, e “os agricultores passam da
categoria de cultivadores de múltiplas linhas de produção para a condição de tributários do regime do mono-cultivo em meio a
uma crescente e contraditória especialização funcional” (Anjos, 187: 2003).
Neste sentido é que Anjos (2003) apresenta em seus estudos tabelas que demonstram como o processo de mecanização
(em particular, o uso de tratores) nas pequenas áreas produtivas, cultivadas pela força de trabalho familiar, é mais intenso no Sul
do país, com destaque para Santa Catarina.
Neste sentido Anjos (2003) apresenta em seus estudos tabelas que demonstram como o
processo de mecanização (em particular, o uso de tratores) nas pequenas áreas produtivas,
cultivadas pela força de trabalho familiar, é mais intenso no Sul do país, com destaque para Santa
Catarina.
Box II - Especificidade das dinâmicas de modernização em Santa Catarina
O estado de Santa Catarina é o menor dos três estados que integram a Região Sul do Brasil. Apesar disto, apresenta
relevante importância econômica do país em produtos e atividades. Nas últimas décadas, a agricultura do Estado também vem
sendo submetida a um intenso processo de transformação de sua base produtiva e tecnológica. O processo de modernização da
agricultura, com as conseqüentes transformações das relações de trabalho e sistemas produtivos em função, sobretudo, da
incorporação de insumos modernos, iniciou-se a partir da década de 70. Em especial, o fenômeno é observado na região oeste –
em razão da expansão da integração às agroindústrias de pequenos animais (aves e suínos), que hoje dominam o mercado nacional
de embutidos e constituem um dos maiores exportadores mundiais – onde se encontram as sedes de grandes empresas agro-
alimentares como a Sadia, a Perdigão, além do frigorífico Chapecó. Além disso, o modelo agroindustrial baseado no cultivo de
monocultura abarcou outras produções como a rizicultura, o fumo e a maça, a cebola e o alho.
Em outras regiões, sobretudo na mesorregião do Vale do Itajaí, onde se encontra o segundo maior pólo de têxteis e de
confecções do país, o modelo de desenvolvimento via revolução verde foi acompanhado por processos específicos de mudanças
no mercado de trabalho não agrícola, patrocinado pelo processo de industrialização difusa
21
. Processo que resultou na emergência
de uma nova categoria social, denominado por Seyferth (1974), de colonos-operários, ao qual fizemos referência no primeiro
capítulo.
Atualmente, o estado de Santa Catarina concentra três pólos de produção industrial apontados por Anjos (2003): (1) ao norte o
pólo eletrometalmecânico, com sede na cidade de Joinville; (2) o chamado pólo florestal, localizado numa ampla zona que cobre
parte central e setentrional do estado, abrangendo um total de 1900 empresas do ramo madeireiro, 117 fábricas de papel e papelão
e 1180 indústrias de móveis; (3) o pólo mineral, com uma das maiores reservas de carvão mineral, fluorita e sílex do país.
21
Para maiores detalhes quanto a esse processo ver Schneider ( 2003) , Raud (1999).
59
3.2 A perda da hegemonia do modelo de modernização: a construção de novos
entendimentos para desenvolvimento
a)O processo de crise
A partir dos anos 70, é válido afirmar que se rompeu com a hegemonia do modelo de
desenvolvimento produtivista-modernizante. Os motivos são variados, podendo ser encontrados
em todos os âmbitos econômico, social, político e ambiental. Mas, de maneira geral, parece
correto afirmar que esse modelo de desenvolvimento começa a ser questionado diante do
aumento da pobreza (e das desigualdades socioeconômicas, principalmente em ambientes rurais)
e a emergência (ou invenção
22
) dos temas ambientais como problemática social (expresso no
desmatamento continuado, na redução dos padrões de diversidade preexistente, na intensa
degradação dos solos agrícolas, na contaminação químicas dos recursos naturais, entre outros
impactos). No âmbito econômico, a crescente elevação dos custos de produção, associada à
queda real dos preços pagos aos produtores (agravada pelo fato dos governos não conseguirem
manter os subsídios aos agricultores) não assegura um nível de renda satisfatório. Antes visto
com empolgação e otimismo, a partir de então aparece como uma impossibilidade de
desenvolvimento (Navarro, 2001).
A crise do modelo de desenvolvimento (e, em particular, de desenvolvimento rural)
fundado na modernização dos padrões tecnológicos, ocorre diante um complexo conjunto de
novos arranjos sócio-econômicos, cuja constituição permite ênfase, para alguns estudiosos, no
processo de globalização e, para outros, nos processos de acumulação pós-fordista, apesar de
ambos os processos serem complementares na medida em que se referem à estruturação social e
econômica contemporânea. O fato é que se altera a estrutura societária e os modelos
convencionais de interpretação, assim como as propostas de ações governamentais e da sociedade
civil. Mais especificamente para os nossos propósitos, cria-se ou recria-se novas concepções
sobre os sistemas agrícolas e o modo de vida rural. Por exemplo, o processo recente de
22
“(...) uma abordagem possível seria pensar a aparente crise ambiental não como simples espelho das condições objetivas da
sociedade ou como produto incondicional e inequívoco de causas estruturais e funcionais dos sistemas de arranjo político-
econômico-institucionais planetários (e/ou estatais, cientifico e financeiro). Mais do que mera conseqüência do modo como se
organizam e funcionam estas estruturas (econômicas, sociais, políticas, produtivas, etc.), a invenção do meio ambiente como
problemática social relevante incluiria-se dentro de um processo dinâmico de reestruturação, onde o que estaria em jogo seria a
própria modificação da forma como a sociedade se organiza, pensa e elabora seus valores, suas prioridades e seus desejos”. (
Almeida e Gerhardt 2002)
60
revalorização da sociedade rural, como específico modo de produção e de vida marcado pelas
características culturais tradicionais.
A globalização pode ser entendida como um determinado estágio da concentração e
centralização do capital. Um conjunto complexo de fatores, podendo ser focado pelo avanço dos
meios de comunicação, a integração da economia mundial, o remodelamento da divisão
internacional do trabalho, a reorganização do espaço das relações sociais, as mudanças no papel
do Estado e no modo de governar, a intensificação ou limitações para a homogeneidade de
consumo e comportamentos humanos, enfim, uma infinita rede de reestruturação e estruturação
dos âmbitos, políticos, econômicos e sociais. Cabe, contudo, destacar que esses processos
ocorrem de diversas maneiras e com diferentes intensidades dependendo das localidades.
Os processos de transformação denominados de globalização redefiniram o mercado,
dando origem a novos padrões culturais, alimentares e ambientais. Numa ótica econômica, estes
fenômenos se refletem principalmente no estabelecimento de nichos de mercado, que se referem
à demanda por produtos com características específicas e de alto valor como, por exemplo, os
alimentos livres de resíduos químicos ou que causem menores impactos ambientais durante a
produção. Os nichos de mercado geralmente atendem à demanda das classes sociais mais ricas, já
que a população em geral ainda demanda alimentos baratos, obtidos por processos de produção
de massa.
Neste processo de reestruturação, nações, regiões e, sobretudo locais são incluídos nas
cadeias enquanto outros são excluídos
23
. Ocorre por isso, um processo de deslocamento do poder
e das políticas de um arcabouço forte nacional/fraco local para um arcabouço fraco nacional/forte
local (Graziano, 2000), com alterações no uso do espaço e a possibilidade da participação dos
atores locais sociais envolvidos. Deste quadro, resulta, no Brasil, um processo de
descentralização administrativa ou de municipalização, que visa, de maneira geral, o
fortalecimento da capacidade decisória das instâncias sub-nacionais do governo. Esta tendência
tem estimulado e permitido o reforço das identidades locais através do rompimento com
entidades mais abstratas como as de âmbito nacional. Reforça, assim, outro sentido da
globalização, ou seja, a importância das localidades e da participação social que permitem, numa
perspectiva de sustentabilidade, uma gestão mais adequada dos recursos naturais.
23
Sobre este aspectos da inclusão e exclusão das novas cadeias produtivas geradas pela reestruturação do mercado, vale a pena o
aprofundamento nos estudos que se referem aos Sistemas Produtivos Locais. Estes buscam caracterizar os elementos locais que
servem de atrativos para estes novos mercados, citando, a qualidade do produto final, o capital social existente na localidade, vias
de acesso e matéria prima, entre outros. Ver a respeito as pesquisas realizadas pelo grupo de estudo coordenado por Desjardin
61
As análises e estudos realizados, sob o aspecto da alteração no processo de acumulação
capitalista, denominada de pós-fordista, têm ressaltado as transformações acima mencionadas
pela mobilidade do mercado de trabalho e pela flexibilização do modelo socioeconômico. Nestes
estudos, é pertinente inicialmente realçar os aspectos que caracterizam ambos os processos, o
fordismo e o pós-fordismo. Vejamos:
“O capitalismo fordista combinou empresas com alta
racionalização, centralização e integração vertical com sindicatos
nacionais e com uma substancial expansão do Estado, (...) usava-se a
elevada especialização e mecanização da produção, a burocratização
das empresas, o planejamento extensivo e o controle burocrático de
cima para baixo.(...) o fordismo coordenou a produção, o consumo de
massa, a acumulação constante e aumentou a legitimidade, gerando
crescimento econômico e uma abundância sem precedentes (...)”
“Os aspectos mais decisivos do pós fordismo tem sido o aumento
da flexibilização em escala global, a mobilidade de capital e a
liberdade para colonizar e mercantilizar praticamente todas as esferas,
destruindo-se a fronteiras sociais e espaciais relativamente fixas e
gerando-se uma descentralização da produção. Esta agora está
decomposta em subunidades e em subprocessos produtivos,
conduzidos pelas empresas que se dispersam globalmente e
apresentam elevadas divergências nas formas de organização do
trabalho, do gerenciamento e das finanças” (Bonano 1999: 51-53)
O processo de acumulação, consumo e produção fordista imperaram até os anos 70,
quando então entra em crise, pelos mesmos motivos anteriormente mencionados, como a
desigualdade social, o impacto ambiental, a mobilidade do capital. As conseqüências da
passagem de um modelo ao outro, além dos fatores já ressaltados, como a redefinição da relação
local-global, a criação de um novo mercado por produtos diferenciados em seu processo de
produção, ressaltamos a expansão do processo de mercantilização abarcando elementos que até
então não tinham nenhum valor de troca, mas apenas de uso, como por exemplo, a paisagem e o
modo de vida rural.
Enfim, o regime de acumulação pós-fordista gera alterações no conjunto de idéias e
teorias acerca da natureza na sociedade moderna. As relações e o capital tornam-se mais
flexíveis, aumenta-se a velocidade e a intensidade da interação entre o local/global e
principalmente, cresce a complexidade da relação entre tecnologia/meio ambiente/segurança
alimentar, gerando novas relações de mercado, por exemplo, a preocupação do consumidor sobre
o processo de produção. Pelo fato de se valorizar o local, revigora-se a participação dos atores
sociais no âmbito das decisões políticas. Assim, o período em que o Estado se descentraliza é o
62
mesmo em que cresce a mobilidade de capital externo e busca-se construir novas redes e trocas
econômicas (Marsden, 1992).
Diante destes processos de transformação micro e macro estruturais, Marsden questiona o
papel dos espaços rurais na re-estruturação do avanço da economia capitalista. Como tentativa de
resposta, propõe que do ponto de vista produtivo o espaço rural está atraindo mais capital quando
comparado ao anterior processo de acumulação fordista. Ressalta a importância do avanço das
telecomunicações e dos sistemas de transportes e considera que os espaços rurais podem, do
ponto de vista do consumo e acumulação de bens, proporcionar muitas fontes de oportunidades
como espaços de recreação, divertimento, turismo de final de semana, parques temáticos,
complexos de golfe, entre outros.
Assim, o modelo pós fordista proporciona uma dinamização econômica e social dos
espaços rurais, através principalmente, de um processo "extra agricultural" e de uma
diversificação da agricultura; expresso na crescente concentração de novas atividades e no
desenvolvimento de novas conexões e redes entre os atores e os espaços, redefinindo os artefatos
rurais e expondo-os a novas relações e novas demandas. A expansão do capital gera a ampliação
das possibilidades de exploração e reprodução dos mercados, dos modos de produção e dos
modos de vida dos atores rurais.
O processo de transformação dos espaços rurais é explicado, principalmente, pelo
processo de rearranjo do capitalismo, e em parte pela desestruturação das políticas estatais de
suporte da agricultura. Para Marsden, essas transformações nos espaços rurais estão expressas no
processo de comoditização. Especificamente, o termo comoditização descreve a ampliação do
mercado para novas esferas de atividades e novos tipos de relação de mercado, baseada na
criação de novas necessidades e demandas. De outra forma, a noção expressa o processo no qual
o capital nacional e internacional transformam, sistematicamente, valor de uso em valor de troca.
Desenvolve-se, para isso, novas necessidades e mercados, expressos, sobretudo, no crescimento
de atividades não-agrícolas e na instauração de novas relações sociais e novos interesses nos
espaços rurais.
Deste modo, o processo de re-estruturação do capitalismo gera uma re-estruturação do
espaço e do significado da ruralidade, resultante do processo de expansão do capital através da
comoditização do modo de vida e do espaço rural. Nesta perspectiva, a localidade rural passa a
ser um meeting place, ou seja, um lugar de confluência de distintos atores coletivos que passam a
63
disputar o uso da terra e do espaço rural e o controle das instâncias decisórias da vida local. O
fenômeno revela um confronto entre os discursos sobre a ruralidade destes diferentes grupos
sociais, a propósito de diversas questões: agricultura - outras atividades; eficiência econômica -
preservação ambiental; espaço produtivo - espaço de lazer; produção - consumo (Marsden, 1999).
Neste contexto de mudanças, o desenvolvimento deixa de ter um significado unívoco para
se capilarizar em diferentes e diversas expressões. O termo desenvolvimento aparece, deste
modo, sempre adjetivado, seja como desenvolvimento sustentável, local, territorial, entre outros.
Para Barqueiro, essas diferentes denominações refletem a construção de um novo paradigma que,
segundo o autor, está sintetizado na idéia do desenvolvimento endógeno. De qualquer modo,
podemos entender que a crise da hegemonia do modelo de desenvolvimento sob a égide da
modernização se dá sob dois aspectos centrais: a colocação da questão ambiental pelos
movimentos ambientalistas e a retirada do Estado centralizador enquanto agente promotor,
financiador e regulador do crescimento. Estes fenômenos favorecem o reforço dos campos de
debate em torno dos projetos de desenvolvimento sustentável e territorial. Especificamente no
âmbito do desenvolvimento rural, tem-se ressaltado novas estratégias de reprodução concebidas
no âmbito dos territórios e implementadas principalmente para a agricultura familiar, idéias
forjadas notadamente no debate da diversificação dos modos de vida e da multifuncionalidade da
agricultura.
b) Os novos adjetivos para“desenvolvimento”
Desenvolvimento endógeno
Para Barqueiro(2002), a formação do paradigma do desenvolvimento endógeno (ou de
baixo pra cima) se enraíza a partir da convergência de duas linhas de pesquisa. A primeira de
caráter teórico surge da tentativa de encontrar uma noção de desenvolvimento que considere os
efeitos da atuação pública na evolução das localidades atrasadas. A segunda de caráter mais
empírica vem em decorrência da interpretação dos processos de desenvolvimento industrial em
localidades do sul da Europa. Enfim, forma-se como reação a insatisfação provocada pelo
esgotamento do modelo de desenvolvimento hegemônico, e articula três questões: o conceito de
desenvolvimento, os mecanismos que favorecem o processo de desenvolvimento e as formas
64
mais eficazes de atuação dos atores econômicos e sociais. Propõe notadamente atender as
demandas da população local através da participação ativa da comunidade a partir de um enfoque
territorial do desenvolvimento e do sistema produtivo. O conceito de endógeno se baseia na idéia
de que as localidades e os territórios dispõem de potenciais recursos econômicos, humanos,
institucionais, culturais e de economias de escala, que devem ser articulados em torno das
necessidades das populações visando garantir o desenvolvimento e a melhoria na qualidade de
vida. Nas palavras no autor:
“o desenvolvimento endógeno é, antes de mais nada, uma estratégia para
a ação. As comunidades locais tem uma identidade própria, que as leva a
tomarem iniciativas visando assegurar o seu desenvolvimento. Quando
conseguem fortalecer sua capacidade organizacional, tem condições de
evitar que empresas e organizações externas limitem sua potencialidade de
atuação. É a capacidade de liderar o próprio processo, aliada a mobilização
de seu potencial, que torna possível falar em desenvolvimento endógeno”
(Barqueiro,2002: 38).
Num aspecto mais político, a concepção de um desenvolvimento endógeno assegurado
pelas potencialidades do próprio território permite solucionar, ainda que em parte, os problemas
provocados pela reestruturação produtiva. As comunidades locais precisam conjugar os âmbitos
econômicos, sociais e ambientais a fim de alcançar: a eficiência na alocação dos recursos
públicos e privados, a equidade na distribuição de renda e o equilíbrio ambiental. O Estado deve
trabalhar de forma descentralizada através da atuação de organizações intermediárias prestadoras
de serviço as empresas e organizações ( Barqueiro, 2002).
Desenvolvimento sustentável
Largamente difundido a partir de meados dos anos 80, o desenvolvimento sustentável, ou
mais especificamente, desenvolvimento rural sustentável, busca incorporar noções de equidade
social
24
e maiores cuidados com o meio ambiente. A idéia de sustentabilidade se afirma da
percepção acerca dos impactos ambientais, como anteriormente ressaltado, incorporando a
dimensão ambiental nas estratégias de desenvolvimento e desenvolvimento rural. Neste sentido, a
24
Para os nosso propósitos, o termo “eqüidade” se associa à possibilidade das diferenças serem manifestadas e
respeitadas, sem discriminação. É a condição que favorece o combate das práticas de subordinação ou de
preconceito, em relação às diferenças de gênero, étnicas, religiosas, políticas, culturais, das minorias, etc. O conceito
de eqüidade é concebido como o reconhecimento e a efetivação, com igualdade, dos direitos da população, sem
restringir o acesso a eles. É também o resultado de uma adequada e equilibrada distribuição dos recursos e das
riquezas geradas pela sociedade, no processo de desenvolvimento econômico”. (Sposati, 2000 apud Política Nacional
de Assistência Técnica e Extensão Rural)
65
idéia de desenvolvimento sustentável busca uma integração sistêmica entre os diferentes níveis
da vida social, entre a exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e a
mudança social. Enfim, um novo modo de desenvolvimento e de agricultura que seja
“socialmente justo, economicamente viável, ecologicamente sustentável e culturalmente aceito,
recuperando técnicas, valores e tradições“ (Almeida,1998: 43 ).
No campo de debate em torno do tema, o desenvolvimento sustentável pode ser
considerado como um processo de mudança social e elevação das oportunidades da sociedade,
compatibilizando, no tempo e no espaço, o crescimento e a eficiência econômica, a conservação
ambiental, a qualidade de vida e a eqüidade social, assumindo um compromisso com o futuro e
com a solidariedade entre gerações (Buarque: 1994 apud Política Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural)
25
.
A noção de desenvolvimento rural sustentável não apresenta unanimidade de
entendimento entre os estudiosos, constituindo um campo de disputa em torno da noção de
sustentabilidade, o mesmo acontece com as noções de agricultura sustentável e agroecologia.
Quanto a essas últimas, o debate aponta para a busca do reconhecimento da natureza sistêmica da
produção de alimentos, forragens e fibras, sugerindo tratar com igualdade questões tais como:
equilíbrio ambiental, justiça social e viabilidade econômica. Ademais, implica na necessidade de
estabelecimento de relações solidárias entre diferentes setores da população, incluindo diferentes
povos e gerações. A agricultura sustentável, sob o ponto de vista agroecológico, é aquela que,
tendo como base uma compreensão holística dos agroecossistemas
26
, seja capaz de atender, de
maneira integrada, aos seguintes critérios: a) baixa dependência de inputs comerciais; b) uso de
recursos renováveis localmente acessíveis; c) utilização dos impactos benéficos ou benignos do
meio ambiente local; d) aceitação e/ou tolerância das condições locais, antes que a dependência
da intensa alteração ou tentativa de controle sobre o meio ambiente; e) manutenção em longo
prazo da capacidade produtiva; f) preservação da diversidade biológica e cultural; g) utilização do
conhecimento e da cultura da população local; e h) produção de mercadorias para o consumo
interno e para a exportação (Gliessman, 2001). Num entendimento mais voltado ao manejo
técnico e produtivo, Altieri entende que agricultura sustentável se refere à “busca de rendimentos
25
Outras informações – www. pronaf.gov.br
26
“Um agroecossistema é um local de produção – uma propriedade agrícola, por exemplo – compreendido como um ecossistema.
O conceito de agroecossistema proporciona uma estrutura com a qual podemos analisar os sistemas de produção de alimentos
como um todo, incluindo seus conjuntos complexos de insumos e produção e as interconexões entre as partes que os compõem”.
(Gliessman, S, 2001: 62)
66
duráveis, a longo prazo, através do uso de tecnologias de manejo ecologicamente adequadas”, o
que requer a “otimização do sistema como um todo e não apenas o rendimento máximo de um
produto específico” (Altieri, 2002 apud Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural).
A noção de agroecologia é entendida como um enfoque científico destinado a apoiar a
transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos
de desenvolvimento rural e de agricultura sustentáveis (Caporal e Costabeber, 2000; 2001; 2002
apud Política nacional de assistência técnica e extensão rural). A Agroecologia constitui um
enfoque teórico e metodológico que, fazendo uso de diversas disciplinas científicas, busca
entender a atividade agrária sob uma perspectiva ecológica. Sendo assim, a partir de um enfoque
sistêmico o agroecossistema é adota como uma unidade de análise que tem como propósito, em
última instância, proporcionar as bases científicas (princípios, conceitos e metodologias) para o
processo de transição do atual modelo de agricultura convencional para estilos de agriculturas
sustentáveis. Num horizonte temporal, parte-se do conhecimento local que, integrado ao
conhecimento científico, dará lugar à construção e expansão de novos saberes sócio-ambientais,
alimentando assim, permanentemente, o processo de transição agroecológica (Gliessman, 2001).
Por isto mesmo, quando se fala em Agroecologia, está se tratando de uma orientação cujas
atribuições vão muito além de aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da produção,
incorporando dimensões mais amplas e complexas, que incluem tanto variáveis econômicas,
sociais e ambientais, como variáveis culturais, políticas e éticas da sustentabilidade (Caporal e
Costabeber 2003; 2004 apud Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural). E ainda
fornece ferramentas metodológicas necessárias para que a participação da comunidade venha a se
tornar a força geradora dos objetivos e atividades dos projetos de desenvolvimento. Em suma, o
objetivo é que os camponeses se tornem os arquitetos e atores de seu próprio desenvolvimento
27
(
Chambers, 1983, apud Altiere: 1998; 21)
27
Os modelos de desenvolvimento rural baseados na agroecologia têm como eixo norteador uma abordagem
endógena no sentido de orientar-se de “baixo para cima”, utilizando recursos disponíveis como, a população local,
suas necessidades e anseios, seus conhecimentos agrícolas e os recursos naturais autóctones. É considerado como
pressuposto que as estratégias baseadas na participação, capacidades e recursos locais aumentam a produtividade ao
mesmo tempo em que preservam a base dos recursos naturais. Conseqüentemente, ao contrário do modelo de
desenvolvimento via revolução verde (voltado para os agricultores bem providos de recursos na expectativa que os
outros seguissem o exemplo num processo difusionista de tecnologias), concentra seus esforços em agricultores com
poucos recursos, combinando o conhecimento agrícola tradicional com a moderna ciência agrícola (Altieri, 1998).
67
.
Desenvolvimento territorial
A noção de desenvolvimento territorial retoma a noção de ruralidade, apresentada
anteriormente, afirmada no contexto de perda de uma nítida separação entre o rural e urbano, no
que tange principalmente às sociedades desenvolvidas. Esta falta de nitidez se refere ao processo
no qual o espaço rural deixa de ser exclusivamente agrícola, passando a abrigar uma mescla de
atividades produtivas e serviços das mais diferentes naturezas (Marsden, 1995). Contudo, a noção
vai além no sentido de que à diversificação da natureza das relações de trocas entre o rural e o
urbano, acrescenta-se a necessidade de um enfoque territorial para os estudos e políticas de
desenvolvimento. Pois a noção de territórios permite entender a intensificação dos fluxos
econômicos e sociais e das interações entre rural e urbano por relativizar a importância dos
limites geográficos entre os dois espaços. Conseqüentemente, esvaziam-se de sentido as
interpretações dicotômicas que definem as cidades pelas indústrias e o meio rural pela
agricultura.
No meio rural brasileiro, os estudos indicam um crescimento da incorporação de
ocupações rurais não-agrícolas (prestação de serviços domésticos, empregos em agroindústrias,
serviços públicos, pedreiro, balconistas atendentes, motoristas, etc.) assim como da ocupação do
espaço rural para outros fins que não a atividades agrícola (moradia, lazer)
28
. Para Graziano
(2000), a nova conformação do meio rural, entendida como “novo rural” se caracteriza,
sobretudo, pela diversificação na opção de ocupações presentes no espaço e nas rendas, que
passam a apresentar um menor grau de dependência em relação à atividade agropecuária.
Abramovay (2003) estima que ao fato da diversificação de ocupações no meio rural se
acrescenta a idéia de que a ruralidade também passa a expressar sobretudo um valor
29
ao qual as
sociedades têm atribuído crescente importância, por seu significado na preservação da
biodiversidade, no fortalecimento de manifestações culturais variadas e por um estilo de vida
28
Pelas analises de Graziano sobre as atividades rurais, o ramo da Prestação de Serviços se sobressai ocupando quase um milhão
e trezentas mil pessoas, em 1999. Posteriormente vem a Indústria de Transformação, com 800 mil pessoas, a Indústria da
Construção Civil, com 600 mil pessoas e o Comércio de Mercadorias e Serviços Sociais com 500 mil pessoas cada ( Graziano
2002:109).
29
“A ruralidade não é uma etapa do desenvolvimento social a ser superada com o avanço do progresso e da urbanização. Ela é e
será cada vez mais um valor para as sociedades contemporâneas”. Em torno deste valor que se defini as características mais gerais
do meio rural: relação com a natureza, regiões não densamente povoadas e inserção em dinâmicas urbanas ( Abramovay,
2003:51).
68
cada vez mais valorizado pelas áreas urbanas
30
. Conseqüentemente, o autor entende que os
espaços rurais e a agricultura familiar são portadores de um grande potencial, que pode ser
incorporado ao mercado através de políticas públicas adequadas. Nesta linha, defende a
viabilidade da elaboração de um desenvolvimento rural que repouse na sustentação da
capitalização e desenvolvimento de uma agricultura familiar empreendedora. No meio rural,
existem oportunidades de geração de renda capazes de promover melhor sua integração com as
populações urbanas, do que a simples migração em direção as cidades:
“A idéia de que a emancipação das populações rurais passa pela
intensificação dos processos migratórios não é apenas perversa, mas
corresponde a subestimação do valor da própria ruralidade paras
sociedades contemporâneas” (Abramovay, 2003:51)
.
A noção de ruralidade parece assim compreender o processo simultâneo entre a
diminuição da população economicamente ativa na agricultura e a manutenção e dinamização das
áreas rurais. Por isso, é entendida numa abordagem de natureza territorial e não setorial,
associada a uma realidade que deixa de ser definida pela agricultura. Sobre este prisma, o meio
rural passa a ter um papel importante no desenvolvimento contemporâneo, ainda que as funções
convencionais de fornecimento de matérias primas e mão de obras para o crescimento estejam
perdendo importância diante dos atributos territoriais que passam a definir, conceitualmente, a
ruralidade (relação com a natureza – em que a biodiversidade e a paisagem são convertidas em
pilares para o desenvolvimento, relação com as cidades – de onde provem parte das rendas das
populações rurais, relação dos habitantes entre si – definido por uma economia de proximidade e
pelas relações de interconhecimento).
Neste sentido, Carneiro averigua que a fronteira entre campo e cidade ou entre rural e
urbano é questionada na atualidade por dois fatores: o crescimento do recurso a atividades não-
agrícolas por parte das famílias rurais ou, de outra forma, “a inserção plural do agricultor e da
população rural, de maneira geral, no mercado de trabalho e nas trocas de bens materiais e
simbólicos” e a revalorização do modo de vida rural e do espaço rural resultante, sobretudo, do
pensamento ecológico (Carneiro, 2001).
30
Diante o fato de que 72% dos franceses urbanos e 61% daqueles que vivem no meio rural consideram que o campo é mais uma
paisagem que um local de produção, as políticas públicas européias tem sido criticadas por não promover os benefícios ambientais
que podem resultar da agricultura como forma de uso do solo, garantindo a preservação do tecido social que se apóia nesta
atividade, caracterizando a oposição entre espaço produtor e espaço consumido (Abramovay, 2003).
69
Conseqüentemente e da mesma forma como examinado anteriormente no capítulo 1
quando se referiu à pluriatividade, Carneiro ressalta a necessidade de se observar e analisar as
diferentes expressões de ruralidades, inseridos em contextos culturais, sociais e espaciais
heterogêneos, enfim nas localidades
31
.
“(...) a ruralidade pensada como um processo dinâmico em
constante reestruturação dos elementos da cultura local, a partir de
incorporação de novos valores, hábitos e técnicas”( Carneiro,
2001:13).
Neste sentido, Carneiro (2001) afirma a possibilidade da existência de um processo de
redefinições de identidades locais a partir da incorporação dos novos elementos econômicos,
culturais e sociais, expresso na diversidade das dinâmicas locais. E concordando com esta
afirmação, Wanderley (2000) assevera estar em curso um processo de “ressignificação das
funções sociais” da ruralidade e do agricultor familiar. Para esta autora:
" Seria vão procurar em uma realidade física, econômica ou
ecológica os fundamentos de uma ruralidade; seria também vão
procurar nesta realidade apenas um imaginário que faria do rural uma
pura construção mental. Só há espaço porque há uma série de
diferenças, mas a definição do rural é uma dialética: grupos e
instituições o definem atribuindo sentido a estas diferenças e sua ação
- notadamente política - afeta estas diferenças, cria e revela outras, às
quais são atribuídos novos sentidos" (Wanderley,131:2000).
No sentido da reestruturação da ruralidade enquanto espaço e enquanto identidade que se
verifica a pertinência das análises se voltarem a compreender os atores sociais (indivíduos,
famílias, instituições, poder público) e as relações e interações estabelecidas no território, como
sugere Abramovay:
“mais que uma simples base física para as relações entre
indivíduos e organizações: possui um tecido social, uma organização
complexa, feita por laços que vão muito além de seus atributos
naturais. Um território representa uma trama de relações com raízes
históricas, configurações políticas e identidades. Embora o município
seja uma importante unidade administrativa de um território, em
algumas regiões o território ultrapassa os limites de um município,
facilitando o processo de integração entre municípios”( Abramovay,
2000 apud Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
)
31
Para a autora a noção de localidade não define a natureza rural ou urbana de um grupo ou de suas práticas, ressaltando as
contradições e conflitos resultantes da relação entre sistemas de valores e interesses distintos sem o recorte de serem rurais ou
urbanos ( CARNEIRO:2001
a
).
70
Neste contexto, a noção de desenvolvimento territorial, no Brasil, tem buscado abarcar os
entendimentos dados pelo desenvolvimento sustentável e endógeno, sendo definido como:
“ Um processo de criação, de valorização e de retenção das
riquezas de um território, progressivamente controlado pelo conjunto
dos habitantes. É o resultado da ação articulada do conjunto de
diversos agentes sociais, culturais, políticos e econômicos, públicos
ou privados, existentes no município e na região, para a construção de
um projeto estratégico que oriente suas ações de longo prazo. Supõe
o uso economicamente racional e ambientalmente sustentável dos
recursos disponíveis. (Bianchini, 2001 apud Política Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural).
3.3 As novas estratégias sociais: o debate da multifuncionalidade da agricultura e da
diversificação dos modos de vida
Todas essas noções de desenvolvimento (territorial, endógenos e sustentável) têm levado a
reestruturação dos espaços rurais (e, também dos urbanos), no sentido de que passam a ocupar
novas funções no imaginário social e nas políticas públicas e no sentido de abrigar
transformações nas diretrizes ocupacionais e nas trocas de interação social. Nesta perspectiva
tem-se falado numa ampliação das funções da agricultura, antes restritas a produção de alimentos
em quantidade e ao consumo de bens industriais. Da mesma forma, tem possibilitado a ampliação
dos modos de vida que passam a abarcar uma diversidade de ocupações e de trocas materiais e
simbólicas. Assim, o desenvolvimento apreendido a partir das noções de multifuncionalidade e
de diversificação das estratégias dos modos de vida que operacionalizam essas novas demandas e
funções possibilita a construção de estratégias alternativas nos territórios (espaços locais) e,
conseqüentemente nas famílias rurais, seja pela ampliação do leque de opções de ocupações e
fontes de renda, seja na intensificação do processo de interação entre os atores sociais
(indivíduos, associações, instituições, etc).
a)A multifuncionalidade da agricultura
O desenvolvimento conceitual de multifuncionalidade está intimamente relacionado ao
contexto europeu e, sobretudo, à construção de uma política comum de desenvolvimento rural.
Na prática a política de desenvolvimento rural européia tende a apresentar uma orientação mais
social e menos produtivista e exportadora, buscando romper com o enfoque setorial da
agricultura. Com isto, delinearam-se novas perspectivas à agricultura, além da produção de
71
gênero alimentares ou matéria prima industrial, voltadas sobretudo, a proteção ao meio ambiente
e a manutenção da vida no campo.
“A integração de normas e de princípios éticos não ocorre sem
adversidades. Mas ocorre, ainda mais porque se estabelece em torno
dos próprios agricultores um corpo profissional, constituído por
especialistas recrutados pelos organismos agrícolas ou provenientes
dos escritórios independentes de engenharia ambiental ou de controle
de normas, atores estes relativamente novos numa área em que – pela
multiplicação de selos e certificações, com normas de procedimento-
oferece vastas oportunidades para o trabalho técnico de consultoria e
de controle(...)”
Na França, pode-se destacar que as recentes leis de orientação
agrícola mencionam que “ a política agrícola leva em conta as
funções econômica, ambiental e social da agricultura e contribui para
o ordenamento do território, almejando um desenvolvimento
sustentável” ( Remy, Jaques, 2004).
Deste modo, podemos considerar que a noção de multifuncionalidade é uma resposta à
disseminação do modelo produtivista de modernização da agricultura e, aos seus efeitos nefastos
provocados aos níveis econômico ( a superprodução), social ( expansão de espaços socialmente
vazios ou esvaziados) e ambiental ( desgaste dos recursos naturais e qualidade dos alimentos).
Surge daí a polarização entre duas concepções distintas da atividade agrícola. Por um lado, uma
visão econômica, baseada nas leis do mercado, da crise da agricultura traduzida na drástica
redução do número de agricultores e na extinção desta atividade em parte do território nacional.
E, de outro lado, a visão sociopolítica defendendo o princípio de que a atividade agrícola não se
esgota na oferta de produtos ao mercado, mas que oferece igualmente outros bens a sociedade,
inclusive bens imateriais, fazendo com a agricultura seja uma atividade com múltiplas funções,
isto é, multifuncional ( Wanderley, 2003).
A noção de multifuncionalidade é operacional se entendida como um instrumento
metodológico para abordar e compreender o meio rural que: possibilita a construção de uma
visão integradora das esferas sociais no desenvolvimento da agricultura e das localidades; revela
e busca significados de atividades/elementos e relações /fatos sociais que até então eram
ignorados pelas análises e por último, legitima formas de produção e fontes de renda
anteriormente descartada pelos quadros analíticos hegemônicos, como as atividades não agrícolas
remuneradas e as atividades diversas ligadas ao estabelecimento agrícola (atividades de
comercio, e serviços). Enfim, responde à necessidade de se perceber a agricultura familiar no
contexto dos novos desafios de interação entre valores, práticas sociais, culturais e econômicas
72
diversificadas. E principalmente, permite levar para o debate técnico-politico a noção, já
consagrada nas ciências sociais, de reprodução social definida não apenas pela satisfação das
necessidades econômicas, como também pelas demandas culturais e sociais (Carneiro,2001)
" Ao privilegiar a integração das diversas esferas sociais e
econômicas, essa noção provoca um redirecionamento dos
procedimentos analíticos, de maneira a resgatar ( e tornar visível) a
condição humana ( e não apenas econômica) dos agricultores e suas
famílias. Assim, promove-se uma quebra da hegemonia e da
exclusividade da função ( ou melhor, lógica) econômica sobre as
demais".(...) Ao direcionar a atenção para o que se nomeou de
funções não diretamente produtivas da agricultura, promove um
recorte analítico que favorece uma percepção holística ( e não
setorial) da sociedade...( Carneiro, 2002).
De outra forma, a noção de multifuncionalidade “ favorece a passagem do –
desenvolvimento- agrícola para o familiar e rural analisados por uma ótica territorializada (
Maluf,2003:22)”.
A partir de um marco conceitual francês essa noção tem sido associada às funções, de
garantir " à segurança alimentar - garantia da qualidade e origem dos produtos e manutenção
de um potencial produtivo, - os cuidados com o território - preservação das características
paisagísticas e do quadro de vida, - à proteção do meio ambiente, à salvaguarda do capital
cultural, á manutenção de um tecido econômico e social rural pela diversificação das
atividades/ desenvolvimento de novas atividades ligadas à atividade agrícola, tipo agroturismo" (
Maluf, 2002:309).
Ao ser introduzido na realidade brasileira essa noção tem que buscar abarcar as
peculiaridades e diversidade desta realidade. Assim, como visto no primeiro capítulo, a estrutura
agrária e social do país não está assentada na figura de um agricultor familiar profissional, no
sentido de exercer a atividade agrícola em período integral e com a absorção de tecnologias
modernas que permitem o aumento da produtividade da terra e da mão de obra familiar. No
Brasil a categoria familiar de produção, até recentemente ignorada pelo modelo de
desenvolvimento agrícola, sempre fez uso da diversificação das atividades e fontes de renda
visando garantir sua reprodução econômica e social. Convém, por isso, associar a noção de
pluriatividade à de multifuncionalidade. Por outro lado, apesar do aumento de produção agrícola
nos últimos anos, o país está distante do resolver o problema da suficiência agroalimentar. Ao
73
contrário dos países europeus em que a questão está centrada na qualidade do produto, o Brasil
mantém como pauta a quantidade e a distribuição do alimento.
“A promoção de uma agricultura multifuncional no Brasil não se
desvincularia do aumento da produção agroalimentar por razoes de
segurança alimentar ( abastecimento e auto consumo das próprias
familias rurais), como parte do combate a pobreza rural e, mesmo,
relacionada as exportações”( Maluf, 2003: 149)
.
Com o intuito de entender a agricultura a partir de sua multifuncionalidade um grupo de
pesquisadores (de diferentes regiões do Brasil) vem buscando aproximar as noções emprestadas a
este conceito à realidade e estruturas sociais presentes no país
32
. Os estudos de caso, procuram
considerar quatro dimensões principais, a saber:
1) reprodução sócio-econômica das famílias rurais – os principais aspectos abordados
são as fontes geradores de ocupações e de renda para os membros familiares, as
condições de permanência no campo, as práticas de sociabilidade, as condições de
instalação dos jovens e as questões relativas à sucessão do chefe da unidade produtiva;
2) promoção da segurança alimentar das famílias e da sociedade – abrange a produção
para o autoconsumo familiar e a produção mercantil de alimentos, bem como as
opções técnicos produtivas dos agricultores e os canais principais de comercialização;
3) manutenção do tecido social e cultural – se refere à preservação e melhoramento das
condições de vida das comunidades rurais, levando em conta os processos de
elaboração e legitimação de identidades sociais e de promoção de integração social;
4) preservação dos recursos naturais e da paisagem rural – abrange o uso dos recursos
naturais, as relações entre as atividades econômicas e a paisagem, e a preservação da
biodiversidade.
32
A pesquisa citada faz parte do projeto Estratégias de desenvolvimento rural, multifuncionalidade da agricultura e a agricultura
familiar: identificação e avaliação de experiências em diferentes regiões brasileiras, apoiado pelo CNPq/COAGR, e, conta com
um grupo de pesquisadores formado por: Ademir Cazella, Ana Maria G.M.Linhart, Bernard Roux, Dione Moraes, Estelle
Fournell, Georges Flexor, Jacques Remy, Jean-Louis Fusillier, Joel Henrique Cardoso, Margarita Gaviria, Maria José Carneiro,
Miguel Ângelo Silveira, Philippe Bonnal, Renato Sergio Maluf, Sergio Vilela, Wilson Schmidt. A referida pesquisa ainda está em
andamento e alguns dos resultados apresentados e publicados numa coletânea intitulada de Para Além da Produção –
multifuncionalidade e agricultura familiar, serão apresentados e discutidos sobretudo no próximo capítulo.
74
b)Diversificação das estratégias de modos de vida
A introdução da noção de território nas análises da realidade dos espaços rurais e da
agricultura familiar contribuiu, como vimos, para iniciar o processo de reconstrução dos
entendimentos a cerca do significado de desenvolvimento rural. Para Frank Ellis, essas
transformações instauram um novo entendimento durante as décadas de 80 e 90, no qual o
desenvolvimento deixa de ter uma abordagem pré-concebida, de cima para baixo, caracterizada
por tecnologias externas e políticas de nível nacional, para ter uma abordagem de processo, de
baixo pra cima, incentivando a construção de um processo participativo através da ação dos
atores sociais
33
.
Para o autor, o desenvolvimento rural nos países desenvolvidos pode ser entendido
através de três períodos. No primeiro, desconsiderava-se simplesmente a pequena agricultura. No
segundo, as políticas de desenvolvimento consideravam a família rural como parte integrante de
uma máquina de produção através da absorção constante de novas tecnologias. Entretanto, “ the
accomplishmente of a serious chance in intellectual direction does not result in the immediate
demise of the set ideas which is being replaced” (Ellis, 2001). Assim, com base no desacordo
entre o direcionamento intelectual e a prática e, principalmente, pela constatação de que a
tradicional estratégia de desenvolvimento não resolveu a questão da pobreza rural, mas agravou-
a, inaugura-se, na década de 80, o terceiro período. Este novo entendimento a respeito do
desenvolvimento é balizado em diferentes noções, muitas já tratadas anteriormente, entre elas: o
reconhecimento da validade dos conhecimentos técnicos dos “nativos” na construção de soluções
para os problemas por ele enfrentados; o aumento do método de participação; o advento da
perspectiva do “ator orientado” no interior das políticas rurais, enfatizando que os participantes
do desenvolvimento rural são atores que entendem diferentemente os processos de mudanças nos
quais estão envolvidos; a busca de novas “parcerias”; o aumento de ONG`s como agentes para o
desenvolvimento rural; a rejeição de antigas teorias com base em noções pós-modernas que
enfatizam a singularidade do local e a experiência individual; o crescimento da consideração das
questões de gênero para o desenvolvimento rural (Ellis, 2001).
Neste contexto, a noção de desenvolvimento rural passa a ser entendida como uma
construção social de diversificação, presente na produção agrícola, nas formas de obtenção de
renda (outras que não ligadas à agricultura), na diversidade do portifólio de atividades, e
33
Faz referência, deste modo, ao paradigma do desenvolvimento endógeno, acima apresentado.
75
principalmente nas estratégias e modos de vivência construídos pelos atores sociais e pelas
households. Assim, os estudos rurais devem partir da constatação da diversidade dos modos de
vida (livelihood diversity
34
) construídas pelas famílias, comunidades e atores rurais, afetando as
dimensões econômicas e sociais.
A noção de processo de diversificação num contexto de desenvolvimento rural é pensada
no sentido de mudar a anterior natureza de ocupações full-times, buscando capacitar os
indivíduos e as householde para o engajamento em múltiplas ocupações, permitindo uma
diminuição da vulnerabilidade destas unidades diante do declínio e da instabilidade dos mercados
internacionais e nacionais. O autor demonstra que está em processo a consolidação de um
específico modo de vida encontrado em diferentes espaços rurais e sustentado por diferentes
níveis de renda e, portanto não restrito as famílias rurais altamente empobrecidas. Deste modo,
pode ocorrer tanto como uma estratégia deliberativa das households, como uma resposta
involuntária à determinada situação de crise, ou seja, atuando tanto como válvula de escape para
a pobreza rural como meios para a acumulação de riqueza ( Ellis, 2000).
Neste quadro explicativo, a noção de estratégias dos modos de vida (livelihood strategies)
desenvolvidas pelas households rurais permite a construção de conexões entre as circunstâncias
micro e os contextos macro e a consideração de que as households e os indivíduos são
diferenciados por seus ativos (capital natural, capital físico, capital humano, capital financeiro e
capital social), rendas e posições sociais nas comunidades e de que os modos de vida
(livelihoods) construídos pelos indivíduos e households são modelados também pelas instituições
locais, nacionais ou internacionais, pelas relações sociais (expresso em relações de gênero e de
parentesco) e pelas oportunidades econômicas.
34
"A livelihood comprises the assets ( natural, physical, human, financial end social capital), the activities, end the acess do these
( mediated by institutions and social relations) that together determine the living gained by the individual or household" -
Ellis:2000; 10); "Rural livelihood diversification is defined as the process by which rural households construct an increasingly
diverse portfolio of activities end assets in order to survive end to improve their standart of living" (Ellis:2000;15).
76
3.4 Agricultura familiar e novos desenvolvimentos no Brasil: o contexto do Pronaf
As noções voltadas para a construção desta nova agricultura e deste novo sentido
atribuído à ruralidade encontram respaldo, no Brasil, sobretudo na consolidação da agricultura
familiar enquanto privilegiada categoria social e política e como agente deste novo
desenvolvimento. A criação de um programa
35
de apoio à agricultura familiar (Pronaf) posiciona-
se contra a marginalização histórica enfrentada pela organização familiar de produção, em termos
das políticas públicas brasileira. O fortalecimento da agricultura familiar, assim, se inscreve na
crítica às conseqüências sociais e ambientais desastrosas da modernização conservadora, bem
como na crítica à regressão econômica que o modelo adotado, fundado nas grandes fazendas
patronais assalariadas, trouxe na distribuição de renda e na intensificação da exclusão social.
Em larga medida, o Pronaf se inspira no exemplo do desenvolvimento de alguns países
industrializados, no qual se ressalta as conseqüências favoráveis do apoio aos agricultores
familiares no que diz respeito à dinamização econômica, na substancial redução das
desigualdades sociais e do êxodo rural em direção aos centros urbanos e, finalmente, ao processo
de democratização. Sobretudo, cabe salientar no debate francês, no que se refere à ênfase na
importância da consolidação da agricultura familiar para a preservação das tradições agro-
alimentares, das paisagens rurais e na contribuição para a segurança alimentar (num sentido
qualitativo) e o equilíbrio territorial. Essas idéias, nos últimos anos, segundo Moruzzi Marques e
Bleil (2000), têm sido fortificadas na França notadamente pela reinvenção do termo paysan
(questionando a idéia do agricultor profissional e as teses vigentes, até então, baseadas na
necessidade da superação da condição do camponês para a efetiva modernização do campo) e
pelo debate acerca da multifuncionalidade da agricultura.
36
Neste sentido, entendemos que a consolidação de uma política pública específica para a
agricultura familiar corresponde a uma estratégia proveniente da sociedade, buscando responder à
idéia de criação de uma demanda efetiva por produtos e serviços, de construção de uma
35 A consolidação do Pronaf ocorre em meio a um campo de lutas política e conflitos, marcado pelos debates promovidos pelo
grupo de pesquisa internacional coordenado por Lamarche (1998), pelas pesquisas realizadas sob o convênio Fao- Incra , pelo
movimento sindical protagonizado pela Cut-Contag e por movimentos sociais, como o Mst. Ver a respeito Moruzzi, 2005.
36 Ambas as idéias são levadas ao debate sobretudo pela Confédération Paysanne, uma organização sindical que se opõe ao
modelo produtivista e defende que a função do camponês é a de produzir, de forma combinada, bens materiais (alimentos, fibras,
etc) e não materiais (paisagem, territórios, meio ambiente). Neste sentido, a agricultura camponesa é entendida como capaz de
preencher as três dimensões essenciais para a sociedade: (1) social, com a criação e manutenção de empregos; (2) econômica, com
a produção agrícola combinada com a agregação de valor; (3) ambiental, com a qualidade dos alimentos, o equilíbrio ecológico, a
preservação das paisagens e a biodiversidade. Maiores detalhes ver Moruzzi Marques e Bleil (2000).
77
determinada representação do imaginário rural (presente, por exemplo, no debate acerca do
agroturismo) e de escolha de um projeto de desenvolvimento alternativo (e não hegemônico)
vinculado às ações do Estado e das elites. Com este sentido, o programa tem buscado dinamizar o
espaço rural através da criação e ampliação das estratégias de reprodução dos territórios e das
famílias rurais, refletindo as novas funções atribuídas à agricultura e possibilitando a
diversificação dos modos de vida através da ampliação das fontes de renda e das ocupações das
unidades familiares. Daí, o programa conter diferentes linhas de atuação, como pesca,
agroturismo, pecuária familiar, agroecologia, entre muitos outros (Apêndice II).
A não hegemonia deste projeto de desenvolvimento se deve a perpetuação de um modelo
político bimodal no Brasil. De um lado, o projeto fundado no desenvolvimento da agricultura
familiar, apoiado na qualidade de vida de um desenvolvimento rural voltado a preservar as
unidades de produção agrícola familiar com respeito ao meio ambiente. De outro, a continuidade
de um projeto fundado sobre a agricultura patronal apoiado nas idéias do agrobusiness e no qual
as grandes propriedades são afirmadas como fundamentais para a absorção dos avanços
tecnológicos e para o aumento da produtividade
37
.
Efetivamente, opondo a agricultura familiar à patronal, o programa pode estar
colaborando para a perpetuação do sentido atribuído pela revolução verde ao desenvolvimento
rural, não constituindo, neste sentido, uma alternativa às lógicas de desenvolvimento até então
vigentes. Vejamos. Se considerarmos que o programa entende (classifica) a agricultura familiar
nos termos propostos pelo convênio Fao-Incra (2000) – consolidada (integrada ao mercado,
possui acesso às políticas públicas e às inovações tecnológicas); em transição (parcialmente
integrada ao mercado e aos circuitos tecnológicos, o que favorece sua eventual viabilidade
econômica); e periférica (grupo mais numeroso cuja viabilidade econômica é negada, o que
implica em dependência de atividades não agrícolas e de intervenções de reforma agrária). Tal
classificação foi recentemente modificada, notadamente com o abandono do termo periférico:
capitalizados (grupo A), em via de capitalização (grupo B), em via de descapitalização (grupo C)
e descapitalizados (grupo D) – podemos, com efeito, visualizar uma certa evolução entre os tipos,
37
Nos documentos provenientes do convenio FAO/Incra (2000) e que servem de base para o Pronaf, o modelo patronal,
compreendendo um conjunto de 554.501mil explorações, é entendido pela completa separação entre trabalho e gestão, num
sentido de forte especialização e tributário do trabalho assalariado. De outro lado, o modelo familiar, com um total de 4.139.369
explorações, é caracterizado pela articulação entre trabalho e gestão, pela ênfase na diversificação, pelo uso de práticas menos
agressivas ao meio-ambiente e pelo predomínio do uso da mão de obra familiar.
78
onde o primeiro termo (consolidada ou capitalizada) se configuraria como o melhor ou mais
adequado para a agricultura familiar.
Neste sentido é que encontramos as críticas mais severas ao programa, sobretudo nos anos
pós-implementação (1995), como a limitação de somente atender os interesses do grupo de
agricultores que apresentavam determinada viabilidade econômica (mais capitalizado). As
formulações do programa davam indício de que se privilegiava assim o objetivo econômico da
sustentação das unidades familiares de produção agrícola em detrimento dos outros aspectos
relativos a reprodução social (culturais, sociais, políticos). Trata-se assim da afirmação, através
da incorporação do modelo bimodal, da reprodução marginal de uma agricultura familiar voltada
a abastecer o mercado interno, ao mesmo tempo em que se estimula a produção de bens
exportáveis com o uso de mão de obra assalariada.
Apesar deste quadro inicial e das políticas relacionadas ao Pronaf ainda estabelecerem um
grande campo de disputa entre diferentes autores e correntes, percebemos que atualmente está se
buscando reverter o modelo inicialmente proposto, através da incorporação de uma ampla
diversidade de agricultores familiares, independente da sua viabilidade econômica imediata. Esta
tendência parece ainda reforçada pela criação e gerenciamento de um aparato institucional que
busca ampliar o entendimento dado à agricultura familiar e à noção de desenvolvimento,
enfatizando para isso a reversão de uma abordagem setorial para uma ênfase na família e no
território (desde a criação do Pronaf, em 1996, ocorreram diversas modificações institucionais,
como a recomendação da criação dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, o
surgimento do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Secretária da Agricultura Familiar, a
transferência da coordenação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para
o Ministério do Desenvolvimento Agrário e, mais recentemente, a criação, em 2003, da
Secretaria do Desenvolvimento Territorial - Apêndice II) .
79
Capítulo 4 - O contexto de desenvolvimento e as estratégias construídas no
território da Encosta da Serra Geral
O estudo empírico contemplou um campo de observação em que às unidades familiares
estivessem, de alguma forma, envolvidas num projeto (ainda que em construção) de
desenvolvimento que faça referência às novas representações acerca da ruralidade. Tratou-se de
uma escolha que favorecesse uma perspectiva territorial sobre as noções de sustentabilidade,
multifuncionalidade, diversificação de atividades, ocupações e rendas. Nestes sentido, nos
pareceu pertinente à experiência vivida por algumas famílias rurais da Encosta da Serra Geral, no
oeste catarinense, agregadas em torno da Associação dos Agricultores Ecológicos das Encostas
da Serra Geral (Agreco), como visto anteriormente. Vale destacar que para além do incentivo à
produção orgânica e às atividades não agrícolas, a associação busca forjar a construção de um
território (a partir da coerência entre as diversas intervenções locais – Schmidt, 2003) com uma
referência de identidade. Nesta perspectiva, ressalta-se a importância ambiental da região
enquanto corredor ecológico entre o Parque Nacional de São Joaquim e o Parque Estadual da
Serra do Tabuleiro e a valorização do conhecimento e da cultura tradicional dos agricultores,
especialmente dos mais idosos (Schmidt, 2003). Na prática, como veremos detalhadamente
adiante, foi incentivado o beneficiamento da produção orgânica através da implantação de
agroindústrias de pequeno porte, articuladas em rede, sob um âmbito intermunicipal.
“Lideranças e assessores da Agreco afirmam que o principal mérito
da Associação, ao longo desse período, foi a mudança nas
perspectivas com que algumas das lideranças e habitantes locais
percebem a região. De um isolamento combinado com um certo
conformismo e acomodação às tendências de estagnação e
esvaziamento, passou-se a uma abertura a novos desafios e a novas
relações com o mercado e com outros espaços e territórios”( Schmidt,
2003:51)
.
No capítulo 2 no qual apresentamos a Evolução e Diferenciação dos Sistemas Agrários,
percebemos que os Sistemas Produtivos se diferenciam conforme às perspectivas para a
agricultura e o desenvolvimento se transformam, assim conforme as mudanças das políticas
públicas envolvidas, dos arranjos locais e das configurações intrafamiliares. Assim, por muito
tempo o desenvolvimento foi traduzido quase hegemonicamente no avanço tecnológico aliado ao
80
aumento da produtividade, respondendo exclusivamente aos interesses da cadeia do fumo.
Atualmente, contudo, políticas e ações de desenvolvimento se articulam à idéia de fortalecimento
da agricultura familiar e considera as questões ambientais e sociais, além das econômicas. Este é
o caso das articulações estabelecidas a partir dos agricultores familiares associados à Agreco.
A criação da Agreco se vincula à implantação de uma opção de renda e atividade para que as
famílias da região consigam se reproduzir de forma a garantir um grau desejado de qualidade de
vida. Foi implantado um projeto de desenvolvimento rural assentado sobre o tripé agroecologia,
agroindústria e agroturismo, fazendo convergir para o território diferentes políticas, programas e
interesses, possibilitando a diversificação das estratégias familiares e locais.
Neste sentido, ao caracterizar o espaço mobilizado pela Agreco, buscamos neste capítulo
evidenciar não somente o quadro empírico da pesquisa, mas também reconstruir e apresentar o
contexto local no qual são articuladas as estratégias elaboradas pelas famílias (ou a oferta de
trabalho interno as unidades produtivas familiares) e no qual recaem as políticas públicas e as
representações e expectativas dos diferentes atores sociais (gerando possíveis demandas de força
de trabalho relacionadas a produtos ou serviços). Trata-se de uma espécie de nível meso de
análise, que ultrapassa a unidade produtiva, a família e os atores individuais (micro) e fica aquém
do nível geral de desenvolvimento do país ou da grande região (macro) -, na qual a economia
agrícola familiar está inserida.
Com este intuito, inicialmente apresentamos a trajetória da entidade e a caracterização do
espaço da Agreco, num segundo momento, buscamos re-construir a rede de parcerias e interações
promovidas visando à implantação do projeto de desenvolvimento e, em seguida apresentamos as
estratégias territoriais responsáveis pela dinamização local em torno das quais as famílias
elaboram suas estratégias de reprodução social.
“A integração agroturismo/agroecologia/agroindústrias rurais visa,
de acordo com a Agreco, além do aproveitamento das paisagens
naturais e dos produtos da região, a valorização do aspecto humano,
ou seja, do patrimônio sócio-cultural local, o qual pretende- se que
seja preservado e, em alguns casos inclusive, recuperados. Também
os turistas não são vistos somente como potenciais consumidores dos
produtos agroecológicos in loco, mas também em seus centros de
origem, quer seja, o meio urbano, atuando inclusive como difusores
da proposta. Em adição, as propostas de ‘agregação de valor’ são
vistas pelas prefeituras e pela Agreco, não como soluções individuais
para um ou outro agricultor, mas como instrumentos de
desenvolvimento rural. Além disso, a expansão geográfica da
atividade agroecológica pressiona a formulação de políticas públicas
81
locais para a preservação do ambiente natural, fortalece a organização
dos agricultores e consolida processos de trabalho no espaço rural
que aumentam a qualidade de vida do agricultor familiar. Finalmente,
permite colocar no mercado, a disposição dos consumidores,
produtos de ótima qualidade biológica e nutricional” ( Cepagro, s/d:
3 e 4, apud Muller: 2001; 130)
4.1O espaço e a história da AGRECO
A formação da Agreco esta estreitamente vinculada às iniciativas da família Schmidt da
comunidade do Rio do Meio, pois foi ela a pioneira em investir numa estratégia de reprodução
alternativa a fumicultura (no caso a apicultura), ligada à agroindustrialização de pequeno porte e
visando atender uma demanda de mercado proveniente de Florianópolis. Os resultados positivos
da busca de alternativas produtivas e de comercialização da família Schmidt incentivaram pouco
a pouco outros agricultores da região, que se organizaram, inicialmente, em torno da atividade
olerícola sem o uso de agrotóxico e de fertilizantes sintéticos, ocupando uma área cultivada de
aproximadamente seis hectares em diferentes propriedades (principalmente, alface, almeirão,
rúcula, mostarda, temperos, etc) e fornecendo o produto a uma rede de supermercados da capital.
A produção semanal era transportada para Florianópolis e vendida in natura ou minimamente
processada. Posteriormente o grupo passa a ser assessorado por professores da Ufsc e técnicos da
Cepagro e Epagri. Em 1996, doze famílias reunidas em caráter de assembléia geral constituem a
Agreco a Associação de Agricultores Ecológicos da Encosta da Serra Geral
38
.
No plano de trabalho da Agreco: 1997-2000, o papel da associação foi descrito como sendo o
de “melhorar a qualidade de vida dos associados em termos financeiros, de trabalho,
conhecimento, experiência, saúde, cultura, lazer, possibilitando o pleno exercício de sua
cidadania, através do desenvolvimento de atividades econômicas em agroecologia, agroindústria
ecológica e turismo ecológico no meio rural” (Schmidt apud Cabral, 2004). Em regimento interno
foram estabelecidos os princípios agroecológicos e as técnicas relacionadas à produção orgânica,
bem como a forma coletiva de produção, com a proibição do uso de agrotóxico e adubos
sintéticos na propriedade como um todo
39
.
38
Dois aspectos são evidenciados por Cabral (2004) quanto a formação da primeira diretoria : o elevado grau de parentesco e
afinidade e o papel decisivo da família Schmidt no processo de organização e constituição da entidade.
39
Os agricultores reunidos em Assembléia em 1996 registraram as concepções e procedimentos da produção “A
agroecologia constitui-se numa abordagem alternativa da agricultura, cujos princípios, técnicas e procedimentos
são orientados por idéias, concepções ou conceitos de respeito, preservação e valorização da vida e da natureza” –
Agreco, 1996); “ entende-se por agricultura orgânica, o método de produção agrícola que busca conciliar a produção
82
No ano de 1997, o núcleo inicial de produção ampliou-se de 12 para 20 famílias, envolvendo
cerca de 50 associados. Em 1998 a Agreco estava com 200 associados, ou seja, com mais de 50
famílias que moravam dentro ou fora do município de Sta Rosa, como Rio Fortuna, Anitápolis,
Gravatal, Grão Pará, São Martinho e Armazém.
O crescimento rápido do número de associados se justifica pela implementação do Projeto
Intermunicipal de Agroindústrias Modulares em Rede, concebido, na época, de acordo com os
princípios da linha de financiamento do Pronaf- agroindústria (Programa Nacional de
Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura voltado ao incentivo de agroindústrias no
meio rural), explicado adiante.
Atualmente a AGRECO possui uma equipe multidisciplinar de 5 técnicos, envolvendo um
veterinário com especialidade em homeopatia e fitoterapia, uma engenheira agrônoma com
especialidade em certificação, dois técnicos agrícolas e um administrador, que presta assistência
técnica, além da parceria com Centro de Formação que busca ampliar o processo de formação
dos agricultores envolvidos. Através da parceria com outras entidades, possui Agroindústrias
instaladas, logísticas para comercialização e distribuição, com escritório na cidade de Santa Rosa
de Lima. (Documento Agreco, 2004).
O surgimento da Agreco resultou em grande parte da capacidade de organização dos
agricultores em elaborar uma diversidade de estratégias, atividades e fontes de renda articulando
e constituindo instituições que correspondem às potencialidades do território em que estão
inseridos. Para isso ampliou-se o espaço da Agreco e estabeleceu-se um espaço
intrainstitucional
40
formado pela Cooperativa de Profissionais e Crédito, Centro de Formação da
com a manutenção dos recursos naturais, excluindo os pesticidas e outros meios artificiais de manejo das lavouras e
criações – Agreco, 1996; “ Os associados poderão organizar-se em núcleos de produção, de comercialização e de
consumo, com identidade jurídica própria.(...) Entende-se a organização em grupos dos agricultores com atividades
de produção, transporte e comercialização, bem como, dos consumidores, nas modalidades de condomínios rurais,
cooperativas, empresas comunitárias e micro empresas, cada qual com sua estrutura administrativa própria” –
Agreco, 1996).
)
40
Durante a permanência em campo ocorreram alguns eventos emblemáticos das ações promovidas por este âmbito
intrainstitucional: 1) Um curso de capacitação em agroturismo social e trocas de experiências, promovida pela Associação
Acolhida da Colônia, junto ao Centro de Formação e a Secretária de Turismo. Estiveram presentes, além de representantes do
poder publico, da Agreco, Acolhida e Centro de formação, algumas famílias da região e representantes de experiências turísticas
de diferentes lugares do Brasil (Ceará, Rio de Janeiro, Roraima, Bahia). O curso incluiu a visita a algumas pousadas e o café
colonial. 2) Um curso de capacitação em agricultura agroecológica para os técnicos da Agreco, durante dois dias ministrados pelo
professor Dr convidado Altieri. O curso foi promovido pela Agreco, pelo Centro de Formação em parceria com a Universidade
Federal de Sta Catarina e a Universidade da Califórnia nos Estados Unidos. Ao final foi realizada uma parte prática na
propriedade de uma das famílias pertencentes a Agreco e, fechado uma orientação e assistência técnica, que será promovida pela
equipe de pesquisadores do professor convidado, voltada a propor soluções as duas maiores dificuldades enfrentadas pelos
agricultores junto a produção orgânica.
83
Encosta da Serra Geral, Fórum de Desenvolvimento ( atualmente substituído gradativamente pela
ADS – Associação de Desenvolvimento Sustentável) e Associação Acolhida na Colônia (Box I).
De maneira geral, cada uma destas instituições busca consolidar bases que garantam o
processo de desenvolvimento rural e as estratégias de reprodução implementadas pela Agreco e
pelas famílias rurais. Neste sentido, a cooperativa de crédito busca facilitar o acesso do agricultor
as linhas de crédito oferecidas pelo poder público, além de atuar como intermediário na captação
de recursos visando o desenvolvimento local, principalmente considerando que os municípios
não possuem agências do Banco do Brasil, somente do Banco do Estado de Santa Catarina. A
Cooperativa de Profissionais visa suprir os projetos da Agreco e os agricultores em orientação
técnica relativa tanto às questões de produção quanto às questões mais amplas sobre o projeto de
desenvolvimento. O Centro de Formação visa a capacitação tanto dos técnicos envolvidos quanto
das famílias, promovendo, sobretudo, cursos de capacitação relativos ao tripé agroecologia,
agroturismo e associativismo. O Fórum de desenvolvimento dos Pequenos Municípios das
Encostas da Serra Geral além de promover a identidade territorial articulando os projetos de
desenvolvimento rural às especificidades dos municípios, facilita na captação dos recursos
necessários. Essa instância funcionou bem durante dois anos, mas, muito marcada pelas
administrações municipais e com pouca participação de organizações da sociedade civil,
começou a passar por sucessivos impasses, que se agravavam com a aproximação de processos
eleitorais. A Associação de Desenvolvimento Sustentável – ADS, que vem para substituir o
Fórum, é uma instituição, criada em 2004, que articula as diversas organizações não
governamentais da região e mobiliza atores e competências externos ao território.
E, por fim, a Associação Acolhida na Colônia que implantou um projeto de agroturismo
caracterizado por um conjunto de atividades que devem ser desenvolvidas pelas famílias
agricultoras, de modo a possibilitar a permanência dos membros em suas atividades e orientadas
pelos seguintes princípios: a hospedagem deve complementar – e não substituir – a atividade
agrícola desenvolvida na propriedade; a hospedagem deve se dar em habitações já existentes na
propriedade e adaptadas para tal; deve haver a disposição dos agricultores para trocar
experiências de vida, para valorizar suas atividades agrícolas, para garantir a qualidade se seus
produtos e serviços, para preservar o meio ambiente e para oferecer preços acessíveis
(Documento Agreco 2004).Neste sentido, o projeto de agroturismo busca criar atividades e renda
alternativas às famílias, tendo em vista a valorização do agricultor e do modo de vida tradicional,
84
além de promover a conscientização da questão ambiental e a ampliação da interação social entre
as pessoas locais e os “de fora”. O público alvo inicial se concentrou em pessoas atraídas em
conhecer a Agreco e o projeto de desenvolvimento que estava sendo colocado em prática.
Posteriormente, o público se ampliou para famílias, casais e grupos de terceira idade atraída pela
oportunidade de lazer e convívio com a família rural, pela produção agrícola saudável e pela
proximidade com a natureza.Atualmente, a Associação tem buscado construir novas parcerias,
principalmente junto a outros projetos que estão se instalando na região, como o rafting e as
águas termais, que será visto adiante.
A constituição de uma rede de parcerias permitiu (e permite) a constituição de um
diversificado espaço de negociações, possibilitando a ampliação da escala de abrangência das
propostas e dos instrumentos de desenvolvimento. Este espaço entendido como interinstitucional
é formado por parcerias junto ao poder público nos âmbitos federal, estadual e municipal e junto
a Associações, Ong’s e Universidades. E de maneira geral, a rede tem permitido a promoção das
estratégias territoriais promovidas pela Agreco e das estratégias elaboradas pelas unidades
familiares e a manutenção das propostas de desenvolvimento articuladas às novas representações
sociais do espaço rural e da agricultura.
85
Box I – Espaço Intrainstitucional
COOPERATIVA DE CRÉDITO
A cooperativa de crédito dos agricultores foi criada em 1999 visando facilitar o acesso do agricultor familiar ao crédito
agrícola, superando diversos fatores que o impedem de se beneficiar de linhas de financiamento. A cooperativa de crédito serve
como um instrumento na captação, na gestão e na aplicação de recursos financeiros voltados ao desenvolvimento tanto da
atividade agricultura como da economia local, intermediando os recursos financeiros e humanos e contribuindo para a
consolidação dos diversos projetos locais.
Esse processo resultou na constituição da CrediColônia que trabalha com municípios de Rio Fortuna, Santa Rosa de
Lima e Anitápolis e que tem atualmente mais de 500 associados entre produtores agroecológicos ou não. Atualmente, a Agreco
apoiar a CrediColônia – fazendo, por exemplo, todos os seus recursos tramitarem por ela – e seus associados procuram agir, como
filiados da cooperativa, para que ela se constitua em mais um importante instrumento para fortalecer a perspectiva solidária no
desenvolvimento local.
CENTRO DE FORMAÇÃO DAS ENCOSTAS DA SERRA GERAL
O centro tem por finalidade capacitar as pessoas para o exercício pleno da cidadania e para a promoção do
desenvolvimento sustentável. Suas atividades estão voltadas para:
a formação e capacitação dos agricultores para o desenvolvimento da agroecologia, do agroturismo, do
associativismo, através da realização de estudos e pesquisas, produção e divulgação de informações e
conhecimentos técnicos e científicos .
A promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico e preservação do meio
ambiente;
A entidade está sediada no município de Santa Rosa de Lima, numa antiga casa recentemente restaurada e com
infraestrutura para abrigar cursos e palestras, é coordenada por um Conselho Gestor composto por representantes das diversas
instituições que atuam na região.
COOPERATIVA DE PROFISSIONAIS – ALIAR
A cooperativa de Profissionais em Desenvolvimento Sustentável das Encostas da Serra Geral (ALIAR), reúne cerca de
30 profissionais que atuam na região e garante recursos humanos capacitados necessários para a manutenção dos programas de
desenvolvimento. A Cooperativa presta serviços para entidades públicas e privadas que atuam com objetivos do Desenvolvimento
Local Sustentável, tendo como compromisso os princípios ecológicos, a sustentabilidade econômica, social, política e ambiental,
a valorização da identidade cultural da região; a busca da competitividade a partir da cooperação, solidariedade e do espírito
inovador e empreendedor de seus/uas associados/as; a construção de relações interinstitucionais baseadas em parcerias e no
estabelecimento de redes; a preocupação com a saúde, educação, lazer, cultura e qualidade de vida dos/as associados/as,
parceiros/as e clientes ; contribuir para o exercício da cidadania de seus/uas associados/as e clientes.
FÓRUM DE DESENVOLVIMENTO
O Fórum de Desenvolvimento dos Pequenos Municípios das Encostas da Serra Geral foi criado por representantes do
poder público e da sociedade civil dos municípios de Santa Rosa de Lima, Anitápolis, Rio Fortuna, Gravatal, Grão Pará e São
Martinho, no ano de 1999. Visa auxiliar na construção de alternativa aos pequenos municípios com população
predominantemente rural, como forma de se contrapor à fragmentação e ao esvaziamento do seu território, através da articulação
entre si, numa mesma região. Assim, estes municípios atuam de forma conjunta, em ações de interesse comum assegurando o
desenvolvimento sustentável da região. Substituído desde de 2004 pela ADS ( Associação de desenvolvimento sustentável, que
articula além do poder publico outros atores sociais.
ASSOCIAÇÃO ACOLHIDA NA COLÔNIA
Com o intuito de elaborar um projeto de desenvolvimento que promovesse outras fontes de renda e ocupações
ampliando as estratégias de reprodução social foi coordenado um circuito agroturístico que envolve diversas famílias de
diferentes locais e com diferentes empreendimentos (pousada, quarto colonial, restaurante, café colonial, agroindústria familiar,
posto de venda de produtos).
Dentre as ações mais significativas da Acolhida Da Colônia sobressaem-se: a assistência técnica ou assessoria prestada
aos agricultores e suas famílias; promoção de cursos de capacitação; realização de reuniões e de dias de visitação para discussão e
deliberação e trocas de experiência; formulação de projetos e captação de recursos. Além dessas iniciativas e da existência de
instrumentos legais (Estatuto e Regimento Interno) que estabelecem os princípios das atividades agroturísticas, foi implantado
ainda um caderno de Normas visando aprimorar, padronizar e assegurar a qualidade dos serviços e produtos prestados aos turistas.
Neste sentido, as parcerias promovem e incentivam a criação de ocupações agrícolas e
não agrícolas (a produção orgânica, o beneficiamento, agroturismo), a assistência e capacitação
técnica dos profissionais e dos agricultores e, principalmente, a demanda por produtos (orgânicos
e coloniais) e serviços (essenciais na manutenção econômica das unidades produtivas, mas
também e, sobretudo, na reprodução da base material e cultural das unidades familiares).
86
Observamos com isso, diversas parcerias desde a criação da Associação Agreco, como o projeto
Piamer, a Merenda Escolar, o Programa Desenvolver, o Projeto de peixes orgânicos, entre outros
(Box II) .
Em poucas palavras, o Projeto
Intermunicipal de Agroindústrias Modulares em Rede
(Piamer), considerado um dos mais importantes na estruturação do atual sistema de produção das
famílias vinculadas a Agreco, foi elaborado no ano de 1998, de acordo com as diretrizes do
Pronaf – Agroindústria. Assim, visando atender os parâmetros impostos pelo Ministério da
Agricultura, o número de associados da Agreco praticamente triplicou
41
.Apesar do aumento
significativo do número de filiados ter sido essencial para a projeção da entidade e,
principalmente, para a agregação de valor aos produtos, acabou também ampliando o quadro de
tensões e dificuldades relacionadas à cadeia produtiva e ao gerenciamento da entidade. Outra
importante dificuldade consistiu no bloqueio da liberação dos recursos, pois ao mesmo tempo da
implementação da linha agroindústria do Pronaf, houve o desmantelamento da Secretaria de
Desenvolvimento Rural do Ministério da Agricultura em razão das reestruturações em torno do
Ministério do Desenvolvimento Agrário em janeiro de 1999 ( Schmidt, 2002). A esta dificuldade,
Muller (2001) acrescenta a existência de todo um quadro de crises, (relacionado ao fechamento
da rede de supermercados responsável pela compra de 60% da produção e aos problemas
advindos da ampliação da produção de matérias primas e de mercados agravados pelo aumento
de associados), que estabelece um divisor de águas, um antes e depois que se refere não somente
a aspectos econômicos, como também a “saudade das discussões e do processo de tomada de
decisões mais impessoais e participativos”. Para Schmidt (2003) todo esse contexto gerou uma
crise de dimensões razoáveis exatamente no momento em que os agricultores estavam sendo
estimulados a construírem novas formas de governança, relativa ao reconhecimento da
importância de se beneficiar os produtos e de se estruturar territorialmente.
Ao final, o projeto foi implementado pelo governo estadual e, por extensão, pelo Banco
do Estado de Santa Catarina (Besc). Das 53 agroindústrias previstas pelo projeto original somente
27 foram instaladas, e atualmente a Agreco possui 18 agroindústria ativas (documento Agreco
2004) . Neste transcorrer de tempo, algumas agroindústrias fecharam, ou saíram da Associação
(três agroindústrias ao todo) e, outras alteraram seu produto principal, sobretudo as agroindústrias
que inicialmente estavam voltadas ao beneficiamento de hortaliças.
41
Em 1998 o contingente de filiados chegou a aproximadamente 500, envolvendo formalmente 211 famílias dos municípios de
Sta Rosa de Lima, Rio Fortuna, Anitápolis, Gravatal, São Martinho, Armazém e Grão Para.
87
Box II – Espaço Interinstitucional
Projetos Realizados
PROJETO PIAMER
A agroindustrialização de pequeno porte como estratégia de reprodução da agricultura familiar e comercialização dos
produtos foi consolidada a partir da parceria da Agreco com a Cepagro articulado e financiado pelo Pronaf Agroindústria
42
.Desta
forma, foi concebido o Projeto Intermunicipal de Agroindústrias Modulares em Rede ( Piamer), que objetivava alavancar um
amplo processo de desenvolvimento solidário na região, pela agregação de valor a produção da agricultura familiar e pela geração
de oportunidades de trabalho e renda. ( Agreco 2000, apud Cabral, 2004). Para isto o projeto previa que as unidades
agroindustriais fossem de âmbito intermunicipal e articuladas em rede. A idéia era de que as unidades produtivas se
diversificassem no sentido de que além de produzirem a matéria prima para a agroindústria que estava associado fornecessem
outros produtos ( excedente) para outras unidades. O ministério da Agricultura estabelecia um mínimo de 200 famílias para ter
acesso ao recurso de R$ 30.000,00 a fundo perdido para ser aplicado em assistência técnica e infraestrutura. Os grupos de
agricultores foram enquadrados juridicamente sob a forma de condomínios rurais. Todo condomínio seria proprietário de uma
agroindústria e composto por um número variável de famílias.
O projeto visava agregar valor aos produtos da agricultura familiar atendendo específicas demandas, previa a
implementação de 53 agroindústrias de pequeno porte, envolvendo 211 famílias de agricultores, além de outros empregos
vinculados a produção.
PROGRAMA DESENVOLVER ( Programa de desenvolvimento da Agricultura Familiar Catarinense pela
Verticalização da Produção)
Diante da necessidade de pessoal qualificado comprometido com a assessoria e assistência técnica para a construção e
gerenciamento das agroindústrias, a Agreco se integrou ao programa Desenvolver ao final do ano de 1997. Por meio do
assessoramento técnico e da difusão de tecnologias apropriadas para as etapas da cadeia produtiva na (dd a produção até a
comercialização) buscava apoiar a criação e consolidação de unidades de beneficiamento da produção oriunda da agricultura
familiar catarinense. O programa estabeleceu parceria com o governo federal e estadual, afirmando um acordo de cooperação
técnica entre o Cnpq e a Funcitec ( Fundação de Ciência e Tecnologia do Estado de Santa Catarina). Através deste foi
disponibilizado a cooperação por 2 anos de quatro técnicos com atuação exclusiva (2 engenheiros agrônomos/1 engenheira de
alimentos/1engenheira química) e três técnicos esporádicos(1 engenheiro civil/ 1engenheiro sanitarista/ 1 técnico de marketing).
Este projeto esteve vinculado a Agreco até 2001.
Box II – Espaço Interinstitucional
Projetos Recentes em Realização
CRIAÇÃO DE PEIXES EM PEQUENAS PROPRIEDADES ORGÂNICAS
Este projeto busca organizar a implantação de criação de peixes, manejados em sistemas orgânicos de produção, de
forma a contribuir para diversificação da produção nas propriedades, além de aumentar a produção das agroindústrias associadas
a este setor e contribuindo para a preservação da água doce em Santa Catarina. Ainda prevê gerar 60 (sessenta) novos postos de
trabalho, possibilitando principalmente ao jovem sua permanência no meio rural. Mantém parceria com a Secretaria Especial de
Aqüicultura e Pesca.
PROJETO DE CERTIFICAÇÃO EM GRUPO - Ecocert
Existem atualmente cerca de 40 produtores que cultivam suas propriedades de forma orgânica, com produtos
certificados conforme especificações internacionais concedida pela ECOCERT.
O projeto junto ao governo Estadual de fornecimento de alimento orgânico para merenda
escolar das escolas estaduais e municipais constitui hoje o mais importante mercado da Agreco,
atingindo 50% da venda total e estabelecendo uma importante parceria entre a Associação e o
Estado, com a construção de um mercado institucional. Da mesma forma, podemos ressaltar a
importância da parceria com a Ecoccert que garante um selo de qualidade aos produtos através da
42
Atualmente o pronaf Agroindústria é constituído de duas linhas de credito: O Pronaf Agroindústria, que disponibiliza recursos
para a implementação, ampliação, recuperação ou modernização de unidades agroindustriais; e Pronaf Custeio de Agroindústrias
Familiares, que atende as demandas de custeio de atividade agroindustrial como a aquisição de estoque de embalagens, rótulos,
matérias primas, produto final, entre outros. Maiores detalhes ver site www. Pronaf.org.br
88
certificação em grupo
43
. O processo de certificação inicialmente gerou uma diminuição relativa
no número de famílias que fornecem matérias primas para as agroindústrias da Agreco. E, ainda
das 24 agroindústrias ativas na rede Agreco atualmente, apenas 18 estão certificadas, as outras 6
estão em processo.
Entretanto, em Sta Rosa de Lima, pode ser identificado um outro modelo de desenvolvimento
que se confronta com o modelo de desenvolvimento territorial e multifuncional elaborado pela
Agreco e construído pelos espaços intrainstitucional e interinstitucional apresentado até aqui. Em
grande linhas, este outro modelo, que podemos denominar de “desenvolvimentista”, está
representado, sobretudo, pelos sistemas de produção sustentados pelas agroindústrias
fumageiras e pelas madeireiras. Neste, o desenvolvimento é sinônimo de crescimento econômico
de curto prazo, estimulando o surgimento de novos atores (como os empresários madeireiros) e
novas redes sociopolítica. Pelas evidências obtidas, seus interesse expressam por exemplo no
Plano Municipal de desenvolvimento rural e nas diretrizes dadas pelo Conselho Municipal de
desenvolvimento rural.
Box II – Espaço Interinstitucional
Projetos Consolidados em Realização
PROJETO VIDA RURAL SUSTENTÁVEL
No final do ano de 2000 foi lançado o Projeto Vida Rural Sustentável em parceria com o Sebrae (Serviço
Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas Empresas), visando consolidar as ações protagonizadas pela Agreco(
viabilização técnica- econômica, social, ambiental e cultural das unidades de produção familiares) e tomá-las como
referência para outras iniciativas de desenvolvimento local. Busca incentivar a permanência das famílias no meio rural e
a produção e oferta de alimentos sadios aos consumidores. As primeiras ações se voltaram para a estrutura de
comercialização com a contratação de um gerente e o inicio do processo de informatização do sistema. Atualmente está
sendo incentivado as trocas de conhecimento com visitações entre organizações, regiões e os agricultores.
PROJETO MERENDA ESCOLAR
Através de uma parceria com a Secretaria da Educação, em 2001 a escola estadual de Educação Lauro Muller
no centro de capital adotou a merenda orgânica duas vezes por semana. No ano de 2004, o governo estadual lançou o
projeto escola integral que inclui alimentação saudável e orgânica para os alunos da rede municipal e estadual. O
fornecimento de alimentos ( verduras, frutas e carnes) para o Estado é hoje o principal mercado consumidor da rede
agreco atingindo 50% da venda total realizada pela entidade
ASSOCIAÇAO ACOLHIDA NA COLONIA
Apresentada anteriormente esta Associação resultou da parceria da Agreco junto a Cepagro, Senac( Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial), o Ministério do desenvolvimento agrário (através do Pronaf), Embratur
(Empresa Brasileira de Turismo) e a Accueil Paysan( Associação Francesa de agroturismo relacionada a confederação -
ver nota de rodapé ), que juntos elaboraram um projeto de apoio ao agroturismo no território da Encosta da Serra Geral,
como mais uma estratégia de desenvolvimento local. A associação Acolhida na colônia é responsável pela captação de
recurso e realização de parcerias. Visando principalmente oferecer cursos de capacitação para as famílias envolvidas e, as
que desejam se inserir( como o exemplo acima apresentado) mediante a aprovação de projetos de capacitação via Pronaf
turismo e outras linhas de crédito oferecidas pela Secretaria de Turismo do Estado. E ainda promove a criação de infra-
estrutura e valorização da arquitetura e do espaço local. À titulo de exemplo podemos considerar a parceria recentemente
fechada entre essa Associação, a ADS, e o banco Mundial para a restauração da primeira igreja da região abandona por
falta de recursos. Ou o convenio firmado entre o Conselho Municipal de Turismo e a Associação na construção de placas
de sinalização ao longo do território e na manutenção das vias locais.
43
Na certificação em grupo a própria entidade representativa dos agricultores é que é certificada por um sistema de controle
interno, através do acompanhamento das propriedades e agroindústrias, da documentação e pela inspeção obrigatória pelo menos
uma vez ao ano de cada unidade. Cabe a certificadora realizar a inspeção direta de um determinado numero de unidades
selecionados por amostragem e sorteio ( Agreco, 2003 apud Cabral ;2004)
89
A dinâmica do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, segundo verificações de
Schmidt (2004), se concentra nas questões relacionadas à produção agrícola e a infraestrutura
básica das zonas rurais, deixando de lado outras atividades e investimentos que poderiam
melhorar a qualidade de vida. De fato, está longe de configurar uma arena de debates e lugar
efetivo de tomada de decisões do plano municipal, não constituindo um espaço de negociação e
de coordenação entre os atores do desenvolvimento, como era previsto pelas diretrizes do Pronaf
( apêndice II).
Ainda podemos entender que além de outro projeto de desenvolvimento, o espaço territorial
tem assumido outras funções além da agricultura, seja ela ecológica ou produtivista, e que não
estão diretamente vinculada ao projeto colocado em prática pela Agreco, como as atividades
relacionadas à oferta de serviços em torno do oferecimento de rafting, das águas termais e da
formação de dois loteamentos para “casas de campo” na porção leste do Município junto a
Encosta da Serra Geral, para pessoas oriundas de diferentes cidades e Estados. Estas outras
funções do espaço implicam na emergência de diferentes interesses conformando assim um
campo de disputa, no sentido empregado por Marsden através da consolidação do processo de
comodização.
4.2 Estratégias locais ou territoriais
A compreensão da unidade familiar e suas formas de inserção no território se dão através da
análise das estratégias de reprodução oferecidas ao mesmo tempo reconstruídas no espaço e na
economia local e, elaboradas frente as diferentes possibilidades de conexões entre o nível micro e
macro social. De outra forma, podemos entender que o território da Encosta da Serra Geral,
construído pelas ações e parcerias coordenadas pela Agreco, mas também através do campo de
disputas estabelecidos, constrói e compartilha com as famílias rurais algumas opções de renda e
ocupações. Consideramos assim que pertencer a uma associação, produzir organicamente,
realizar o beneficiamento do produto em pequenas agroindústrias rurais e oferecer serviços
turísticos constitui uma estratégia territorial na medida em que se ancora numa perspectiva de
valorização das especificidades do território graças à constituição de redes de atores agindo em
cooperação. Trata-se de estratégias Elaboradas, sobretudo, pela convergência de interesses e
ações que buscam dinamizar a economia local e manter a unidade familiar no espaço rural.
90
As famílias associadas de fato a Agreco têm em comum a opção por pertencerem a um novo
espaço, a partir do qual passam a estabelecer as estratégias de reprodução social da unidade
familiar, doméstica e de produção. Este espaço é novo no sentido de que se difere muito do
âmbito familiar e da comunidade a qual as unidades tradicionalmente pertenciam e pertencem. É
um novo espaço que se materializa tanto na construção e convivência de um novo espaço físico
como nas novas relações, assentadas, sobretudo, em novas representações e entendimentos. Além
do espaço físico da Agreco propriamente dito, muita das unidades também passam a construir e
participar dos espaços
44
vinculados às agroindústrias, entendido, na maioria das vezes, como
uma extensão da unidade produtiva e, para um número reduzido de família, ainda se estabelece o
espaço organizado em torno da associação de agroturismo.
As agroindústrias foram organizadas juridicamente como condomínios, construídos por
afinidades, pelo critério da vizinhança e por laços de parentesco. Variando por isso em relação à
composição e ao número, as agroindústrias são em média constituídas em torno de quatro
famílias ou núcleos familiares(no caso das agroindústria formadas pelo critério dos laços de
parentesco). Os nomes atribuídos aos condomínios variam, se reúne mais de uma família, o nome
é o da localidade (Rio do Meio, Rio Bravo Alto), ou de algum traço natural que identifica o local
(Morro Verde, Recanto dos Pumas...) ou ainda, nomes que caracterizam o produto beneficiado
(doce encanto, delícias da cana...). No caso de reunir poucas famílias com um forte grau de
parentesco, predomina o nome dos sócios (Wiemes, Willemann, Becker...).
Os conflitos e as dificuldades encontradas na ampliação do convívio social promovido pelas
agroindústrias variam de condomínio para condomínio, as histórias possuem especificidades,
podendo ser de sucesso (agroindústrias que permanecem ativas) ou de fracasso (agroindústrias
que se encontram desativadas ou que sofreram modificações em suas estruturas iniciais). Da
mesma forma, a organização das atividades varia entre as agroindústrias, podendo ser executadas
por um ou dois membros de cada família associada, ou por apenas uma parte das famílias
reunidas, que assim beneficiam a produção dos sócios ou, no caso da agroindústria ser familiar,
as atividades podem ser executada diferentemente pelos membros. Não há uma divisão do padrão
do trabalho de beneficiamento, no entanto é facilmente notada uma questão de gênero, as
44
A organização destes novos espaços e grupos é estimulada pela Agreco por um fator de ordem estrutural, relacionado as
facilidades e ao menor custo no acompanhamento e orientação técnica das famílias. Também resultou da exigibilidade para a
implantação do projeto de agroindústria ( Piamer) cujo financiamento foi assumido coletivamente, dado o alto investimento
necessário frente as exigências sanitárias, técnicas e de escala mínima de produção. No caso do agroturismo o espaço é
organizado sobretudo pela proposta de agroturismo colocada pela Associação Acolhida na colônia fixado determinados princípios
e normas
91
mulheres estão muito mais presentes (como se verificará no próximo capítulo) e, geralmente,
ocupam as funções de limpeza e organização do ambiente. Cabral (2004) identifica ainda uma
questão relativa ao nível de escolaridade no sentido de que, geralmente, os mais jovens se
ocupam das funções de pesagem, registro de planilha, contabilidade.
O beneficiamento do produto e a atividade na agroindústria são considerados como
vantagem pelos agricultores, mesmo por aqueles que estão com suas agroindústrias fechadas. No
geral, esta avaliação ressalta as possibilidades de agregação de valor ao produto, a qualificação
técnica adquirida para ocupar novos espaços na mesma cadeia de comercialização onde estavam
inseridos, a obtenção de um produto mais padronizado e de melhor qualidade. Especificamente
quanto ao trabalho em cooperação, convém salientar a divisão de tarefas e de responsabilidade; a
realização de atividades conjuntas; e o reconhecimento do papel feminino.
O estudo realizado por Cabral (2004) sobre a formação e constituição dos condomínios
revela que apesar das famílias se manifestarem a favor do espaço construído no entorno da
Agreco existem também algumas desvantagens, como as dificuldades enfrentadas em torno da
organização do processo produtivo frente à diversidade de idéias e lógicas e a colocação de novas
instâncias de decisão que ultrapassam o nível familiar.
A repercussão positiva da experiência de produção e comercialização da Agreco começa a
atrair para a região, técnicos, agricultores e consumidores interessados em conhecer a
experiência. E este fluxo indicou o potencial para atividades ligadas ao turismo.
O agroturismo como estratégia de desenvolvimento vem se demonstrando viável a um
número reduzido de famílias
45
. Os motivos e as dificuldades são de diferentes naturezas, tanto
economicamente (falta de infra-estrutura adequada quanto a equipamentos, instalações e
comunicação; falta de recursos financeiros; aumento da jornada de trabalho da unidade familiar
uma vez que os mesmos se somam às atividades já realizadas; fluxo limitado e sazonal de
visitantes, deficiência na infra-estrutura municipal voltado ao lazer e ao entretenimento; pouca
manutenção de estradas), como socialmente e culturalmente (natureza e amplitude das mudanças
necessárias, enquanto reorganização da propriedade e do modo de vida, com impacto no ritmo de
vida familiar e comunitário e com o comprometimento dos dias de descanso (domingos e
45
Tanto é assim que esta estratégia de obtenção de renda e de reprodução social foi encontrada apenas em 1 família das 11 que
compõem o universo Pertencem a Agreco na análise do questionário. Mas, durante os períodos em campo, convivi e me hospedei
junto às famílias que fazem parte projeto de Agroturismo, além de ter participado de algumas reuniões da Acolhida da Colônia
junto aos associados e em cursos de capacitação. Além disso, acompanhei uma das famílias que processa mel e também possui
uma pousada, além da esposa ser a coordenadora da Acolhida em Santa Rosa de Lima.
92
feriados); novos relacionamentos, novas posturas quanto aos hábitos alimentares e de higiene, à
forma de se vestir; timidez).
Devido a estas dificuldades, as famílias da região que optaram pela atividade de serviço
relacionada ao turismo rural em sua maioria contam com uma renda monetária proveniente de
outras fontes que não relacionada diretamente à produção agrícola ou à agricultura. Um estudo
sobre estas famílias constataria que apresentam, em sua maioria, membros que possuem
ocupações não-agrícolas fora da propriedade: seja como funcionário público, atividades de
comercio, entre outros. A explicação deste fenômeno está além dos objetivos deste trabalho, mas
com certeza se relaciona aos gastos em infra-estrutura e às dificuldades diante da convivência
junto aos hóspedes.
Entre os empreendimentos voltados ao agroturismo, percebe-se uma grande diversidade
quanto a: 1) a natureza do serviço prestado e/ ou oferecido como pousada e café colonial,
camping, posto de venda de produtos e visitação às agroindústrias. 2) o papel da mão de obra
familiar e a contratação esporádica ou regular de terceiros ou familiares para a execução de
serviços; 3) a participação maior ou menor da renda obtida na receita familiar. Apesar de ser uma
atividade complementar, o agroturismo vem participando de forma bastante presente na renda
familiar, principalmente devido às dificuldades enfrentadas pelas unidades na produção
agropecuária de base ecológica. Mesmo nas unidades onde seu peso econômico é menor, o
agroturismo contribui significativamente para ampliar e diversificar as funções do
estabelecimento.
Quanto aos aspectos positivos da atividade, os estudos realizados por Cabral ressaltam:
oportunidade de trabalho e mudanças no seio da família quanto ao papel da mulher e filhos no
gerenciamento e administração do empreendimento; o aumento da receita da família tanto no
pagamento do serviço prestado como por permitir agregar valor aos produtos da agricultura
familiar, consumidos nas refeições elaboradas para os visitantes, no aspecto do processo de
“expansão do autoconsumo” da unidade familiar, reduzindo os custos operacionais; ganhos em
termos de convívio, de aprendizado e de relacionamento pessoal e familiar; valorização e
reconhecimento do papel e do oficio do agricultor através da convivência com o outro e na
relação campo-cidade; valorização da natureza enquanto paisagem através da valorização da
pujança da mata nativa, dos recursos hídricos, formas de relevo ou da desaprovação do
desmatamento e do reflorestamento com exóticas.
93
Ao identificar a lógica espacial do agroturismo devemos notar a
valorização dos aspectos cênicos ou estéticos do espaço rural.
Expresso pela organização do espaço enquanto paisagem, na medida
que vai ao encontro da demanda por conhecimento e lazer dos
visitantes, na escala dos estabelecimentos familiares. Isto é, nos
estabelecimentos agroturísticos percebe-se uma maior preocupação e
cuidado, de um lado, numa dimensão utilitária da propriedade, com a
residência e com outras instalações utilizadas pelo visitante, como o
saneamento domiciliar e com determinados hábitos alimentares (
alimentação, higiene, vestuário, tradições, etc) , e de outro, numa
dimensão estética da propriedade, com a ornamentação e
embelezamento dos lugares freqüentados pelos visitantes. (Cabral,
2004:202).
Além da opção pela construção de um novo espaço de relacionamento, os agricultores
vinculados ao território estudado, mantém em comum a introdução do cultivo orgânico no
sistema produtivo. De acordo com o que já foi analisado no capítulo 1 na caracterização da
Evolução dos Sistemas Agrários da região da Encosta de Serra Geral, a introdução da produção
orgânica se deu em parte devido a crise (em inúmeros aspectos) da produção agroindustrial do
fumo associado as empresas fumageiras. Essa conjuntura estimulou que, a partir do contraste
percebido entre as formas de fazer a agricultura, os agricultores optassem pela proposta de uma
agricultura orgânica, com relevância na percepção negativa dos agricultores quanto ao uso dos
agrotóxicos e do trabalho na fumicultura.
.
“os agricultores optaram pela produção de fumo devido as
vantagens oferecidas por intermédio da integração agroindustrial.
Com o passar do tempo, no entanto, estas vantagens, principalmente
em se tratando do crédito agrícola e do maior rendimento obtido com
a cultura, deixaram de ser percebidas como tal. Por outro lado, as
desvantagens, como o uso dos agrotóxico e o trabalho exaustivo -
inicialmente minimizadas e aceitas pelos fumicultores frente as
vantagens obtidas com a cultura – agora passam também a contar
como elementos centrais para o abandono da atividade”( Muller,
2001:120).
Também deve ser considerado como fator preponderante para a opção pela produção
orgânica a construção da Associação da Encosta da Serra Geral. A constituição da Agreco
representa a oportunidade de exercer uma atividade adequada às condições ecológicas de
pequenas propriedades da região e a garantia de comercialização da produção, relevante na
tomada de decisões dos agricultores. Aqui, contribuiu fundamentalmente a existência de
94
políticas públicas voltadas a financiar a produção orgânica e ações sociais que buscam ampliar a
demanda por produtos orgânicos, vistos como de maior qualidade.
Entretanto, a produção orgânica traz diversas dificuldades já apontadas, como a
substituição do adubo químico e da uréia por adubo orgânico, a não utilização de herbicidas e a
dificuldade de controlar os inços com a enxada pela penosidade e a quantidade de mão de obra
despendida nesta tarefa.
Essas dificuldades resultam na crescente especialização da produção observada em
algumas unidades (conforme será apresentado no capítulo seguinte). Ainda que os fatores
explicativos possam estar localizados no ambiente externo, como o ritmo imposto pela lógica de
mercados e a falta de tecnologias específicas, também é justificado por elementos internos às
unidades familiares de produção, como a pouca disponibilidade de mão de obra para dar conta de
tudo, o que faz com que determinados produtos ou atividades tenham prioridade. Esta orientação
tem implicado, muitas vezes, no abandono ou na diminuição da produção de algumas lavouras,
hortas e pomares.
Percebemos assim que os agricultores estão se voltando para uma produção orgânica, o
que tem trazido um aumento da consciência ambiental e da qualidade alimentar, mas ao mesmo
tempo as condições reais de reprodução têm dificultado a construção de uma produção
agroecológica, baseada no aumento da integração e diversificação dos produtos, como
apresentado anteriormente.
Apesar das dificuldades, as famílias reconhecem que passaram a ter interesse e a se
sentirem responsáveis por produzirem, consumirem e ofertarem alimentos mais sadios, aliados ao
respeito à natureza. Neste sentido, confirma-se que, ao lado de uma racionalidade econômica-
instrumental que orienta o processo produtivo, tem-se a presença de outros valores subjetivos
numa dimensão simbólica, construídos a partir da prática orgânica e da ampliação do convívio
social. Elementos que geram um processo de auto-valorização através do resgate da estima de ser
agricultor.
O espaço de comercialização constitui um importante elemento para o sucesso das
estratégias locais, sendo elemento decisivo na viabilização de estratégias de reprodução
socioeconômica e, no estabelecimento e manutenção do poder. Haja vista o campo de disputa
marcado pelos diferentes discursos e projetos de desenvolvimento.
95
A comercialização é estruturada pela existência de um Contrato de Produção e
Comercialização
46
, um instrumento jurídico que institui, de um lado, produtores que passam a ser
tratados como fornecedores e, de outro a Cooperagreco ( empresa jurídica responsável pela
comercialização da Agreco) que passa a assumir o papel de distribuidora da Agreco, ficando
assegurado que certos produtos sejam comercializados primeiramente através da Agreco e não
por iniciativa dos próprios agricultores. A associação tem comercializado apenas produtos
orgânicos certificados e por isso tem trabalhado com 18 agroindústrias. Porém, como visto
anteriormente, seis agroindústrias estão esperando serem certificadas e neste tempo, a associação
tem buscado construir negociações em que as agroindústrias comercializem direto com os
mercados, garantindo o escoamento da produção e a reprodução das famílias envolvidas.
Segundo o coordenador da Agreco em entrevista publica no site do MDA
47
, 50% da
produção dos trabalhadores associados é destinado ao mercado institucional. O restante é vendido
em 54 supermercados conveniados
48
. Os produtos comprados pelo governo compõem a merenda
escolar de 60 mil estudantes de escolas das regiões de Itajaí, Florianópolis, Laguna, Criciúma e
Araranguá. Além da conquista de novos mercados fora de Santa Catarina, como redes de
supermarcados no Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná.
Os agricultores avaliam favoravelmente a existência de uma garantia de comercialização,
ainda mais que a demanda está superando a produção, embora ressaltem as dificuldades em
aumentar a produção, pela falta de investimento e força de trabalho.
4.3 Algumas Conclusões do capítulo 3 e 4
Ao focalizarmos a trajetória da agricultura familiar observamos que através da influência
de processos de diferentes escalas (sociedade, territorial e unidade familiar), parte das unidades
de produção transitou pelas duas lógicas na forma de organizar a produção e de se relacionar
com a sociedade envolvente. A primeira eclode da crise da agricultura colonial e vincula-se à
integração a cadeia do fumo e ao entendimento de um desenvolvimento voltado à produção de
46
Na ocasião do cadastramento dos produtores para processo de certificação, os agricultores envolvidos assinaram um termo de
compromisso que vai ao encontro do estabelecido pelo contrato de produção e comercialização.
47
Maiores informações ver www.mda.gov.br
48
Uso dos conceitos de circuito longo e circuito curto ( Schmidt, 2001). Cadeias curtas têm como atores principais as formas de
venda direta ao consumidor, feiras, cestas e lojas especializadas. As cadeias longas têm como ator principal as redes de
supermercado (médias e grandes). O mercado buscado pela Agreco baseou-se no pressuposto de que a venda em circuitos curtos
não garantiria o escoamento de um volume significativo de produtos e, por isso, seria necessário ampliar as frentes de
comercialização nos circuitos longos.
96
mercado através do uso de pacotes tecnológicos. O segundo processo se vincula à perda de
hegemonia do modelo de modernização da agricultura e está assentado sobre a constituição atual
de um sistema agrário formado por um conjunto de diferentes sistemas de produção, embasados
sobre uma lógica produtivista mas também por projetos que buscam a construção de um novo
sistema produtivo baseado na conversão ecológica (no sentido de uma produção ecológica,
sobretudo pela eliminação do uso de agroquímicos) e multifuncionalização (no sentido, da
agricultura buscar criar e manter outros aspectos da vida social que não somente o econômico) da
agricultura familiar. Neste, as noções presentes nas expectativas, ações e projetos de
desenvolvimento formulados no âmbito macro da sociedade são levadas a nível local (ou nível
meso de análise) pelas ações empreendidas pela Agreco. As estratégias locais de
desenvolvimento, como visto, estão organizadas sobre a diversificação das ocupações
relacionadas ao tripé agricultura orgânica, agroturismo e agroindustrialização que busca atender à
demanda por produtos ou serviços vindo da sociedade como um todo.
A constituição do nível meso na análise é fundamental para entendermos, sob um enfoque
territorial, o contexto sobre no qual as famílias constroem suas estratégias cujo sucesso ou
insucesso na finalidade de garantir a reprodução do grupo se associa, em última análise, ao
espaço de possibilidades de trabalho e renda abertos aos membros das famílias rurais. O espaço
local, que constitui esse plano de análise, não se restringe às delimitações geográficas, mas
implica no reconhecimento de uma pluralidade de fronteiras que se cruzam formando diversos
núcleos de sociabilidade.
Para isso enfocamos nesta última parte a dinâmica espacial concernente aos instrumentos
de desenvolvimento que atinge mais diretamente os agricultores familiares filiados a agreco. O
recurso de analisar separadamente os projetos e parcerias foi empregado somente para identificar
melhor o papel de cada um na redefinição e atualização da relação do agricultor familiar e do
espaço rural.
Especificamente as estratégias elaboradas pela associação e mantidas pela rede de
parcerias intrainstitucional e interinstitucional foram estabelecidas em torno da : produção
orgânica , o beneficiamento da produção em agroindústrias familiares de pequeno porte, a
mobilização de recursos através do cooperativismo de crédito, a comercialização via Associação
e os serviços turísticos. E, como visto, essas estratégias são mantidas graças à realização de
parcerias entre os atores sociais, que trazem em comum a finalidade de construir um novo
97
modelo de agricultura e desenvolvimento rural, ainda que, para isso, utilizem noções
diferenciadas, seja desenvolvimento local, territorial, sustentável, endógeno, multifuncional.
Neste ponto, pode-se ressaltar, a título de exemplo, as ações empreendidas pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário, sobretudo através de cursos de capacitação financiados pelo
Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar, beneficiando à Agreco, à Acolhida da
colônia, e ao Centro de Formação.
Com isso as estratégias locais de ecologização, agroindustrialização da produção e do
agroturismo, como vimos, provocam mudanças na organização do espaço e das unidades
familiares. Resumidamente, podemos estimar que a produção agrícola baseada na eliminação do
uso de agroquímicos permite valorização dos recursos naturais e dos insumos biológicos
disponíveis na propriedade, a satisfação e realização pessoal por produzir alimentos saudáveis
para a família e para a sociedade, o resgate de práticas de manejo tradicionais, etc. Porém,
convém insistir sobre as dificuldades apresentadas, sobretudo em relação à produção primária, (
falta de recursos financeiros, deficiência de insumos biológicos próprios, exigência de mão de
obra, etc) enquanto inibidoras desta conversão.
Quanto ao processo de agroindustrialização, mostramos que as agroindústrias apesar de se
constituírem no prolongamento da unidade produtiva, vão de encontro as tradicionais relações de
convívio centrado, sobretudo, na família e na comunidade. E este novo espaço de convivência é
contraditoriamente lembrado por seus aspectos positivos (podendo citar a: cooperação no
trabalho,fortalecimento na sociabilidade das famílias integradas, agregação de valor aos produtos,
espaço de trabalho para as mulheres e os jovens) e, negativos (podendo citar: tensões e conflitos
nas relações de trabalho, comprometimento das decisões individuais).
Quanto ao agroturismo podemos citar as transformações nos estabelecimentos que
oferecem esse serviço, como também a importância destas atividades para o reconhecimento da
Associação junto aos de fora e na afirmação da identidade do agricultor enquanto produtor de
alimentos e enquanto modo de vida, para as próprias unidades familiares. Na escala do município
e da propriedade fez-se referência a valorização e organização das dimensões estéticas e
utilitárias. No interior das propriedades, essas dimensões têm permitido a ampliação e
diversificação dos usos e das funções atribuídas, de forma que passa a ser considerada um objeto
de consumo dos turistas, um local agradável de vida para a família além da produção
agropecuária.
98
Assim, apesar das dificuldades enfrentadas e das limitações impostas que impedem,
muitas vezes, o aumento de unidades familiares inseridas nesta proposta, as vantagens associadas
ao agroturismo colocam em evidência que essa atividade não está restrita a uma alternativa de
renda, mas que se amplia na medida em que inclui bens e valores provenientes do convívio com
os visitantes ( entre eles: reconhecimento do papel e do oficio do agricultor, a troca de
experiência e o crescimento pessoal e familiar, a revalorização de determinados hábitos e valores
tradicionais, etc).
De outra parte, buscamos colocar em evidência a importância do Estado e da sociedade na
construção dos contextos locais. E, neste sentido, os novos projetos de desenvolvimento ampliam
o reconhecimento do trabalho do agricultor, que passa a ser considerado não somente através de
mercadoria, mas através do manejo e conservação dos recursos e do patrimônio cultural,
essencial para a manutenção da base material e cultural que sustenta a sociedade. Esse
reconhecimento se realiza através de políticas publicas de incentivo (fomento a construção de
tecnologias e práticas de base ecológica, criação e fortalecimento de grupos e instituições locais
de produtores e consumidores, democratização e criação de linhas de credito rural especificas,
etc) e do apoio da sociedade através do consumo e da mobilização junto às instituições para a
efetivação destas políticas de desenvolvimento.
99
Capítulo 5 - As estratégias de reprodução elaboradas pelas unidades familiares
Neste capítulo, serão apresentados e discutidos os dados obtidos do questionário,
buscando dar conta de entender as estratégias de reprodução social (ou de modos de vida)
elaborada pelas unidades familiares. A família rural constitui a unidade de análise deste trabalho,
pois no âmbito familiar se organiza a inserção produtiva e social dos membros integrantes do
grupo, assim como as estratégias individuais e coletivas.
A unidade família constitui o último nível da análise sob uma perspectiva territorial e, é
ela a responsável pela prática das múltiplas estratégias, sendo responsável pela articulação dos
diferentes fatores, que podem garantir ou não, a reprodução do grupo familiar enquanto
agricultores familiares. Assim, embora seu objetivo seja a reprodução do grupo, não existe um
caminho pré-determinado, mesmo no caso estudado em que as estratégias familiares estão
vinculadas às estratégias locais elaboradas a partir da Associação. Como visto nos capítulos
anteriores, (sobretudo, nos capítulos 2 e 4), as estratégias econômicas das unidades familiares
estão atreladas às estratégias locais elaboradas no território e às estratégias da sociedade,
elaboradas a partir da constituição de um novo entendimento de desenvolvimento e das políticas
públicas que se voltam a dinamizar os territórios e a construção de um novo portifólio de
demandas e funções da agricultura.
A separação, para fins de análise, das unidades familiares em unidades de produção e
unidades domésticas, se dá, fundamentalmente, com o intuito de evidenciar mais facilmente a
relação mantida entre as duas unidades na tomada de decisões e na elaboração das estratégias de
reprodução. Desta forma, por exemplo, trata-se de um meio para a análise da relação entre a
variável demográfica e a composição entre homens e mulheres dos membros da família na
estruturação do sistema produtivo.
De outro modo, entendemos as estratégias de reprodução social através da diversificação
ocupacional e de renda, que conforme verificado neste capítulo se centram, sobretudo, na
combinação de atividades agrícolas com atividades não agrícolas. E através da estruturação
produtiva e familiar resultantes dos arranjos elaborados pelas unidades domésticas.
100
5.1Unidade doméstica familiar
A distribuição etária das 90 pessoas que integra o universo da amostra e que, atualmente,
se divide entre as famílias de agricultores pertencentes e não pertencentes a Agreco é apresentada
na tabela 5.1, a seguir. Vale dizer que com exceção desta tabela, adiante as tabelas tem como
amostra apenas os agricultores que em 2004 permanecem vinculados a Agreco.
Tabela 5.1
Distribuição por Faixas de Idade dos Membros dos grupos domésticos
Anos Pessoas %
Até 10 15 16,67
11 – 17 11 12,22
18 – 35 31 34,44
36 – 59 27 30
60 ou mais 6 6,67
Total amostra 90 100
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
A maior porcentagem de idade se concentra na faixa dos 18 aos 59 anos, demonstrando
que a população da região é composta de pessoas com grande capacidade de força de trabalho,
isto é, 64,44% do total da população pesquisada se encontra numa faixa de idades composta por
pessoas nem muito jovens (em idade escolar), até os 17 anos, nem idosos, acima de 60 anos.
A mesma composição se repete ao observarmos a mesma tabela, só que com a amostra
atual, com um universo reduzido para os 11 agricultores que pertencem a Agreco.
Tabela 5.2
Distribuição em Faixas de Idade dos Membros dos grupos domésticos ( Agreco)
Anos Pessoas %
Até 10 10 20%
11 – 17 7 14%
18 – 35 17 34%
36 – 59 14 28%
60 ou mais 2 4%
Total amostra 50 100
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
101
Além da composição dos agricultores pela estratificação de faixas etárias, é interessante
observarmos a composição dos agricultores pela idade e pela posição na família, tabela 5.3 a
seguir. A tabela referida está organizada conforme o questionário em que o responsável foi
identificado como o pai da família e a cônjuge é identificada na figura da companheira. No caso,
pai e mãe se referem aos pais ou do cônjuge ou do responsável. Nesta, podemos perceber uma
concentração da população masculina com 58% da amostra atual. E ainda, que 32% do conjunto
das pessoas que fazem parte do universo total ocupam a posição de filhos e, destes, 37,5% estão
na faixa dos 18 aos 35 anos, constituindo importante força de trabalho para a unidade de
produção. Ou, de outra forma, os filhos e filhas somam 54% do total de pessoas consideradas.
Destes, uma importante porcentagem é de filhos, numa proporção de 32% contra 22% de filhas.
Dado importante se considerarmos, como será visto mais adiante, que grande parte dos filhos têm
como ocupação principal a atividade agropecuária.
Tabela 5.3
Distribuição por Idade, Posição na Família e sexo do grupo doméstico ( Agreco)
Cônjuge Filha Filho Mãe Pai Responsável Faixa etária
N°
%
N°
%
N°
%
N°
%
N°
%
N°
%
Até 10 - 4 36,4 6 37,5
11-17 - 3 27,2 4 25
18-35 3 33,3 4 36,4 6 37,5 4 36,4
36-59 6 66,7 - 1 100 7 63,6
Mais que 60 - - 2 100
Total 9 18% 11 22% 16 32% 1 2% 2 4% 11 22%
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
A variável demográfica constitui um importante elemento na reprodução social da família, no
sentido de expressar a disponibilidade de “braços” na unidade familiar. Para Schneider (2003), é
manifesta a relação entre a disponibilidade de membros das unidades produtivas e o
desenvolvimento da pluriatividade. No caso em estudo, as famílias têm uma maior proporção de
membros com idades superiores aos 17 anos e inferiores ao 60 e, a estes, acrescentamos que as
famílias são formadas predominantemente por 4 membros, na forma de pai, mãe e 2 filhos
49
.
Com este sentido, poderíamos pressupor que por serem compostas por poucos membros,
49
Pelo banco de dados em exame, no universo de famílias Pertencem a Agreco, 9% são formadas por 3, 6 e 8 membros; 18% são
formadas por 5 membros e 55% são formadas por 4 membros. E ainda 8 famílias das 11 são estruturadas na forma responsável,
mãe e filhos; 1 famílias na estrutura pai, mãe, filhos e avós; 1 família na estrutura pai e filhos e 1 família na estrutura responsável
e pais aposentados.
102
apresentem menor capacidade de deslocar parte de sua força de trabalho para fora da unidade
produtiva, sendo todos os membros necessários para as tarefas da propriedade. Daí, os dados que
mostram que 63,6% dessas famílias estudadas não tiveram nos últimos cinco anos outras
ocupações remuneradas
50
além da sua condição atual de agricultor familiar. De outro lado, 27,3%
das famílias tiveram algum dos seus membros em ocupações assalariadas fora da agricultura.
Contudo, como indica os dados, grande parte dos agricultores possui outras atividades, exercidas
dentro da unidade produtiva e relacionadas à agricultura. Podemos considerar estas unidades
familiares como pluriativas, na medida em que combinam mais de uma atividade e possuem mais
de uma fonte de renda.
Outro indicador importante para a caracterização das unidades familiares e suas
estratégias de sobrevivência e reprodução refere-se à natureza e à forma de obtenção da terra
51
.
Sobre este aspecto, os dados indicam que 82% das propriedades familiares são próprias e destas
66,7 % foram obtidas através de herança. Desta porcentagem (as terras obtidas por herança), 90
% não sofreram alterações de tamanho nos últimos cinco anos, e os 10% que se ampliaram foram
por receber nova herança. Todo o restante, 33,3 % dos que têm terra própria e que têm como
forma de aquisição a compra de parentes e/ou vizinhos, sofreram alterações nos últimos cinco
anos (90% aumentaram a propriedade através de novas compras e 10% diminuíram pela venda a
pessoas de fora). E os 18% em que a terra não é própria (9% arrendada e 9% cedida por parente),
não sofreram nenhuma alteração nos últimos 5 anos, conforme revela a tabela 5.4.
Tabela 5.4
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
Condição Legal da Terra
Não sofreram alterações (90%)
Herança (66,7%)
Sofreram alterações (10%)
Vizinho (22,3%) Sofreram alterações (100%)
Própria
(82%)
Parente (11%) Sofreram alterações (100%)
Arrendada (9%) Não sofreram alterações (100%)
Cedida pelo sogro (9%) Não sofreram alterações (100%)
50
No questionário as opções eram: trabalho assalariado na agricultura, trabalho assalariado fora da agricultura, comércio, outras (
especificar), não exerceu.
51
Conforme a amostra de grupos domésticos pertencentes a Agreco: 5 famílias possuem de 10 a 30 Ha de terra, e 6 pessoas,
possuem de 30 a 60 Ha de terra.
103
Podemos extrair da tabela 5.4 a percepção de que a utilização da rede familiar ainda parece
ser a principal estratégia de obtenção de terras. Isto porque 86,7% das famílias obtiveram a terra,
não importando a forma, de parentes. E ainda, 100% dos que aumentaram suas propriedades o
fizeram através de parentes, adquiridas por herança, ou compra.
A perpetuação do patrimônio e do modo de produção familiar é expresso também na
permanência dos filhos e filhas junto à propriedade e à família, numa proporção bastante
expressiva de 63,6 % que permanecem contra 36,4% que não permanecem, tabela 5.5 a seguir. A
maioria (90%) dos filhos que saíram da propriedade dos pais o fizeram por terem se casado e
terem herdado outra propriedade, constituindo um novo núcleo familiar, permanecendo no meio
rural e tendo a agricultura como ocupação principal.
Tabela 5.5
Proximidade dos Filhos
Condição número %
Residem fora da propriedade 4 36,4%
Residem na propriedade 7 63,6%
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
Ademais, os pais, em sua grande maioria (81,8%), gostariam que seus filhos permanecessem
agricultores, morando no meio rural e, principalmente, mantendo a propriedade familiar e dando
continuidade ao trabalho sobre a terra, reafirmando, desta maneira, a tradição familiar e uma
identidade social baseada na produção (e comercialização) de alimentos (tabela 5.6). Os motivos
apresentados são os mais variados, podendo citar, o gosto pela lavoura, a qualidade de vida e o
saber fazer. Em contrapartida, os que gostariam que seus filhos buscassem outro modo de vida,
apesar de assegurarem que a vida na cidade é mais fácil, quando questionados sobre o que
gostariam que eles fizessem, a resposta predominante é que gostariam que eles se formassem em
agronomia. De certa forma, isto pode indicar o desejo de que os filhos tenham a possibilidade de
estudar (identificado como uma melhora na qualidade de vida) agregado ao projeto de que
venham a “ajudar” na propriedade.
104
Tabela 5.6
Perspectiva em Relação aos Filhos
Condição número %
Gostaria que viessem a ser agricultores 9 81,8%
Não Gostaria que viessem a ser agricultores 2 18,2%
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
Referente à composição familiar das unidades estudadas, cabe ainda ressaltar que 100% das
famílias entrevistadas utilizaram somente força de trabalho familiar, não fazendo uso de diaristas
ou empregados permanentes nas parcelas. A este dado, acrescentamos outros que são ignorados
no questionário, mas que ressaltam aos olhos durante a permanência no campo e que são
observados também na discrição do apêndice I. A primeira observação se refere ao fato de que as
famílias fazem uso da troca de dias entre parentes e vizinhos, de modo a complementar a força de
trabalho necessária com baixos custos (a contraprestação se dá na forma de dias de
trabalho/produtos/lenha, entre outros). A segunda se refere ao fato de que muitas famílias
contratam pessoas para “ajudar” nos serviços de casa, ainda que não adquira um caráter de
empregado contratado, mas como uma forma de “ajudar o vizinho” que precisa de um dinheiro
extra. A terceira é que as agroindústrias compostas por mais de uma família, ou mais de um
núcleo familiar, geralmente “contratam” um dos associados para beneficiar a produção,
utilizando neste caso uma relação de trabalho em que a contraprestação se faz, além do dinheiro,
em porcentagem da produção/produto beneficiado.
5.2 As ocupações nas estratégias de reprodução das famílias agricultoras
A caracterização do quadro de ocupações estabelecidas pelos agricultores e pelos membros
familiares permite discutir e analisar as relações que estes estabelecem com a sociedade, no
âmbito sócio-cultural e econômico a partir da elaboração das estratégias sociais pelas unidades
familiares.
No caso estudado, as ocupações dos entrevistados e as estratégias construídas, como visto no
capítulo 2, têm influência da Associação da qual fazem parte e das oportunidades estabelecidas
dentro do território em que estão inseridos, o que nos permite observar as particularidades da
inserção social e econômica deste grupo.
105
Em relação à ocupação da força de trabalho dos membros familiares, podemos verificar pela
tabela 5.7 que grande parcela das famílias de agricultores tem como ocupação principal a
atividade agrícola, numa porcentagem de 46% em relação às outras atividades (atividades não
agrícolas exercidas fora da unidade de produção com 2%, ou dentro com 16%)..
Interessante verificarmos que o universo do que denominamos de atividades não agrícolas é
formado por ocupações que tem na sua origem a agropecuária (agroindústria rural familiar,
agroturismo, comercialização direta). Ou ainda atividades relacionadas à manutenção direta da
unidade de produção familiar, para incluirmos os serviços domésticos. Portanto, não se referem,
como apresentado no capítulo 1, nem ao emprego refúgio – observado por Graziano (2001) até
porque os centros urbanos estão distantes e de são de difícil acesso para estas comunidades – nem
fazem menção às atividades industriais referidas por Schneider (2003) e Anjos (1995). Ainda que
parte destas atividades se encontre ligadas ao processo de beneficiamento dos produtos, não
podem ser comparados ao processo de consolidação de um dinâmico mercados de trabalho
industrial a que fazem referência os estudos citados. O que se verifica é o estímulo à instalação de
agroindústrias de pequeno porte que aumentam o valor agregado da produção local evitando os
passeios de safra” com os atravessadores, promovem a criação de emprego e a absorção da
força de trabalho agrícola familiar. De certa forma, este quadro permite retomar as críticas feitas
por Alentejano de que não se deve associar a pluriatividade apenas aos processos de urbanização
e industrialização, pois o trabalho pluriativo cresce também associado a outras formas, como o
turismo e o lazer (Alentejano, apud Anjos, 1995: 63)
Com isso, consideramos, com as devidas precauções, as unidades familiares articuladas pela
Agreco como pluriativas, no sentido de que combinam diferentes atividades, mas não podemos
entendê-las realizando uma agricultura em tempo parcial, uma vez que as atividades agrícolas e
não agrícolas são realizadas dentro da unidade de produção em tempo integral. Assim, podemos
concluir que a estratégia das unidades estudadas consiste em criar empregos internamente
mediante a multiplicação de atividades. Retomamos, neste sentido, a diferença entre as noções de
pluriatividade e agricultura em tempo parcial, para entendermos porque no estudo sobre os
agricultores franceses, Roux (2003) chega a mesma conclusão, não fazendo, porém, referência a
uma situação de pluriatividade na medida em que estes agricultores exercem suas atividades em
tempo integral em suas unidades.
106
No Brasil muito recentemente, alguns estudos têm se referido às atividades não agrícolas
desempenhadas dentro do estabelecimento rural de “para-agrícola”, tal como sugerido pelo
programa de pesquisa do Arkleton Trust
52
. Contudo, esta noção não é empregada em detrimento
da noção de pluriatividade, mas no sentido de ampliar o sentido anteriormente empregado pela
noção de empregos múltiplos ou em tempo parcial. A adoção do termo pluriatividade pelo
referido estudo busca incluir além das atividades “para-agrícolas” em questão, o emprego em
outros estabelecimentos agrícolas, por exemplo, trabalho assalariado; atividades não-agrícolas no
estabelecimento, como turismo e alojamento; atividades externas não-agrícolas, como
assalariamento (Fuller, apud Kageyama, 1998: 367).
Podemos com tudo isso ressaltar que as outras atividades presentes entre as famílias
estudadas vinculadas à Agreco resultam da busca pela ampliação e valorização das noções, de
família, espaço rural e agricultura, promovendo outras atividades além das produtivas tradicionais
(cultivos e criação de animais), como o turismo, a pequena agroindústria, comercialização via
associação, transporte de mercadoria. Desta forma, promovem benefícios ambientais ao mesmo
tempo em que priorizam a agricultura como forma de uso do solo. Daí não se constituir uma
oposição, entre os entrevistados, entre o espaço consumido e o espaço produtivo (Abramovay:
2003), como ocorre em alguns países europeus em que o rural e o sentido de ruralidade é
relacionado cada vez menos com um espaço fundamentalmente produtivo, como visto
anteriormente.
De outra forma, também não identificamos uma disputa entre terra de trabalho e terra de
proteção observada por Carneiro (2003). Os próprios agricultores reconhecem que existem áreas
que não são apropriadas à lavoura e que devem ser preservadas, como as estabelecidas pela
legislação (reserva legal), as que protegem nascentes e cursos d’água e as que ficam no topo dos
morros.
Isto porque, a existência da associação de produtores ecológicos atuantes, com acesso à
assistência técnica, e a presença de turistas atraídos pelo agroturismo
53
possibilitou a criação de
uma consciência ecológica expressa na ampliação do número de agricultores que desenvolvem a
52
Esse programa de pesquisa foi um marco no estudo da pluriatividade, cobrindo 24 regiões da Europa, com surveys em 1987 e
1991 em uma amostra estratificada de 300 estabelecimentos e painéis com 70 estabelecimentos nos anos intermediários.
53
Agroturismo entendido como um turismo voltado a valorizar as atividades e produções agrícolas e que se opõe a noção de um
turismo rural ou ecológico centrado, sobretudo, na noção de uma natureza intocada que ao mesmo tempo em que contribui para a
ampliação do emprego, desestimula a atividade agrícola. Também se opõe as noções que aparecem vinculadas ao turismo de
aventura que recentemente vem sendo implantado na localidade através do rafting.
107
agricultura orgânica ou, ao menos, uma produção menos contaminada de agrotóxico
54
. E ainda,
como visto no capítulo 2, a opção pela produção orgânica advém de experiências vividas (morte
ou doença de familiares ou de vizinhos). Neste sentido, as noções de paisagem e de natureza não
se opõem a atividade agrícola, cujo malefício é imputado de forma concentrada sobre a produção
de fumo e a queima de madeira. Ao contrário, portanto, dos casos analisados por Carneiro (2003)
em que a função ambiental vem de fora, imposta pelos organismos de proteção ambiental e pelos
turistas que entendem a agricultura como uma agressão ao meio ambiente. Contudo,
identificamos um conflito de outra natureza, centrado, sobretudo, entre as unidades familiares
integradas à cadeia do fumo e as unidades inseridas no projeto Agreco, estas sob uma lógica
assentada na defesa de uma agricultura que cumpra a função produtiva associada à manutenção e
preservação do meio ambiente, da qualidade dos alimentos e da cultura local. O conflito entre
espaço produtivo e espaço consumido ou entre terra de trabalho e terra de proteção, apesar de
ausente no território constituído pelo projeto Agreco, pode se constituir a partir dos outros
serviços recentemente oferecidos, sobretudo no município de Santa Rosa, ligados ao rafting e às
águas termais, pois nestes a natureza não mantém elos diretos com a atividade agrícola.
Tabela 5.7
Ocupação principal dos membros das famílias
Atividades Número %
Atividade agrícola 23 46%
Atv. não agrícola dentro da propriedade* 8 16%
Atv. não agrícola fora da propriedade** 1 2%
Estudante 5 10%
Não trabalha 9 18%
Aposentado 2 4%
Outros 2 4%
Total 50 100%
Ocupação secundária dos membros das famílias
Atividades Número Porcentagem
Atividade agrícola 8 16%
Atv não agrícola dentro da propriedade* 7 14%
Estudante 2 4%
Não trabalha 33 66%
Total 50 100%
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
*incluí – serviço domestico, atividade agroindustrial, comercio de mercadorias
** incluí - prestação de serviço
54
Interessante contatar que 100 % dos entrevistados responderam positivamente quando perguntados se a agricultura que eles
praticam ajuda a cuidar da natureza. As justificativas são: porque não usa veneno ou agrotóxico”, “pratica agroecologia” , “não
faz queimadas e não usa químico” , “não usa agrotóxico e não desmata”, “não devasta o ambiente”, “preserva a água” ,“faz
plantio de cobertura”, entre outros.
108
Ainda pela tabela 5.7, observamos que os 16% dos membros que possuem como atividade
principal a atividade não agrícola dentro da propriedade se dedicam às atividades relacionadas à
agroindústria rural e à comercialização de produtos. Verificamos que, apesar da atividade
agrícola ser a principal ocupação secundária dos membros (16%), a atividade não agrícola dentro
da propriedade ainda aparece na proporção de 14%, indicando que há uma combinação entre
estas duas ocupações pelas famílias estudadas. Isto porque os membros têm como ocupação
principal e secundária, com 46% e 16% respectivamente, a atividade agrícola, seguida da
atividade não agrícola dentro da propriedade, com 16% e 14% respectivamente. O que confirma
o fato das estratégias de reprodução elaboradas pelas famílias agricultoras pertencentes à Agreco
se concentrarem na criação de ocupações dentro da propriedade familiar e ligada diretamente à
atividade agrícola, no caso o beneficiamento em agroindústrias rurais e a comercialização. Com
isto, podemos afirmar que o recurso à atividade não agrícola está estruturalmente integrado às
estratégias de reprodução social das famílias, sobretudo se verificarmos que grande parte da
produção é vendida na forma beneficiada para a Associação. Dos 10 entrevistados, apenas um
não transforma os seus produtos.
Pela tabela 5.8 a seguir, verificamos, mais uma vez, a reprodução da divisão sexual e da
hierarquia familiar com a distinção significativa entre homens e mulheres com relação à
ocupação nas atividades agrícolas. A mesma proporção de diferença entre as ocupações segundo
os sexos, aparece quando se observa a ocupação em atividades não agrícolas dentro da
propriedade. Isto é, na atividade agrícola, 51,7% dos membros ocupados são homens contra 38%
de mulheres, totalizando uma diferença de 13,7%. Se verificarmos a atividade não agrícola dentro
da propriedade, teremos que 23,8% dos membros são mulheres enquanto 10,3% são homens,
totalizando uma diferença de 13,5%, praticamente equivalente a diferença anterior. Enfim,
enquanto os homens se ocupam principalmente da atividade agrícola, as mulheres se ocupam em
prioridade da atividade não agrícola dentro da propriedade. O que, de certa forma, nos leva a
concluir que as mulheres assumem a responsabilidade pela atividade de transformação
agroindustrial, ao mesmo tempo em que permanecem se responsabilizando pelos serviços
domésticos, âmbitos que podem ser caracterizados como espaços predominantemente feminino.
109
Tabela 5.8
Ocupação principal dos membros das famílias, segundo o sexo
Masculino Feminino Atividades
número % número %
Atividade agrícola 5 51,7% 8 38%
Atv. não agrícola dentro da propriedade* 3 10,3% 5 23,8%
Atv. não agrícola fora da propriedade** 1 3,5% - -
Estudante 2 6,9% 3 14,3%
Não trabalha 5 17,2% 4 19,2%
Aposentado 2 6,9% - -
Outros 1 3,5% 1 4,8%
Total 29 100% 21 100%
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
Para um melhor entendimento, é importante os dados extraídos da tabela 5.9 a seguir, uma
vez que esta nos permite verificar a divisão do trabalho por membros da família. E, assim,
podemos observar que não existe uma diferença tão expressiva entre a ocupação principal dos
responsáveis e aquela os cônjuges, no sentido de que ambos exercem a atividade agrícola de
forma predominantemente, com 90% e 77,8 % respectivamente (sendo que os outros 10% dos
responsáveis têm como ocupação principal a aposentadoria). Entretanto, os cônjuges femininos
possuem outras atividades principais, como os serviços domésticos (11%) e a transformação
agroindustrial (11%). Importante ainda notarmos, pela tabela 5.10, a seguir, que 72,7% dos
responsáveis não possuem ocupações secundárias, enquanto apenas 33,34% dos cônjuges
femininos estão na mesma situação. Assim, ao contrário dos responsáveis, a maior parte dos
cônjuges femininos possui uma segunda ocupação, 44% serviços domésticos, 11% transformação
agroindustrial e 11% agricultura, aproximadamente. Vale lembrar que todos os responsáveis das
unidades familiares são do sexo masculino.
Tabela 5.9
Parentesco Ocupação Principal número
Trabalho por conta própria na agricultura 10 Responsável
Aposentado 1
Serviços domésticos 1
Trabalho por conta própria na agricultura 7
Cônjuge
Transformação Agroindustrial 1
Comercio de mercadorias 1
Estudante 3
Agroindústria 1
Serviço domestico 1
Filha
Outras 1
110
Sem atividade 4
Comercio de mercadoria 2
Estudante 2
Prestação de serviço 1
Agricultura por conta própria 4
Agroindústria 1
Outras 1
Sem atividade 3
Filho
Não se aplica 2
Mãe Agricultura por conta própria 1
Aposentado 1 Pai
Agricultura por conta própria 1
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
A divisão sexual do trabalho é mais acentuada entre a ocupação principal dos filhos em
comparação com a ocupação principal das filhas, numa proporção de 25% para os primeiros. Isto
é nenhuma filha declarou ter como ocupação principal a atividade agrícola. O mesmo se repete se
observarmos a ocupação secundária, na tabela 5.10, a seguir. Em compensação, os serviços
domésticos aparecem tanto como ocupação principal como secundária das filhas, com 9,1% em
ambas as categorias, reafirmando a reprodução do âmbito predominantemente feminino das
ocupações atreladas ao espaço doméstico.
Tabela 5.10
Distribuição da ocupação secundária por membro da família
Parentesco
Ocupação Secundária Porcentagem
Transformação Agroindustrial 3 Responsável
Sem Atividade
8
Serviços domésticos 4
Trabalho por conta própria na agricultura 1
Transformação Agroindustrial 1
Cônjuge
Sem atividade
3
Estudante 1
Transformação Agroindustrial 1
Serviço domestico 1
Filha
Sem atividade
8
Estudante 1
Agricultura por conta própria 4
Filho
Sem atividade
11
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
Insistindo no ponto, podemos mais uma vez observar pela tabela de atividades por membro da
família, o fato de que a atividade agroindustrial é exercida como ocupação principal e secundária,
em grande proporção, pelas mães e pelas filhas, com 11% e 9,1 % respectivamente. Tal atividade
111
aparecendo como principal somente para 6,25% dos filhos homens. Mas, em contrapartida, a
ocupação em atividades não agrícolas fora da propriedade é realizada somente pelos filhos, ainda
que numa baixa proporção (6,25%).
112
5.3As fontes de renda e a reprodução da agricultura familiar
Esta seção pretende apresentar as fontes de rendas declaradas pelos entrevistados, sem,
contudo, se preocupar em quantificá-la. O objetivo consiste, em primeiro lugar, em identificar as
fontes de renda, monetárias ou não, principal e secundária, das famílias entrevistadas e
pertencentes à Agreco, em segundo lugar, em analisar quais são os membros das famílias
responsáveis por obtê-la e, enfim, em verificar a utilização de fontes de crédito por parte das
unidades de produção.
As fontes de renda são fundamentais no êxito das estratégias de reprodução social
elaboradas pelas famílias. E, igualmente importante, o quadro de ocupações indica a maneira
como as famílias interagem social e economicamente com a sociedade como um todo e com o
Estado.
Por estar ciente das dificuldades em obter dados confiáveis para a quantificação das
rendas por uma certa resistência por parte das famílias em transmitir este tipo de informação, cujo
interesse aqui é menor visto a finalidade deste trabalho, os dados apresentados se limitam a
construir um quadro da combinação das fontes de renda declaradas pelas famílias.
Assim, no que se refere à principal fonte de renda para a manutenção da família, 45,5%
dos entrevistados têm como fonte a atividade agropecuária e outros 36,4% a aposentadoria ou
pensão fornecidas pelo Estado, como observado na tabela 5.11. Apenas, 9,1% das famílias têm
como fonte de renda principal a atividade agroindustrial, apesar de grande parte das famílias
(90%) beneficiarem seus produtos antes da venda, como será visto adiante (tabela 5.15). Esta
aparente incoerência nos dados obtidos deixa evidente de que para a maioria dos entrevistados,
apesar de beneficiarem seus produtos e de colocá-los no mercado de forma transformada, a
principal atividade de remuneração e a garantia da reprodução social permanece sendo atribuída a
atividade agrícola propriamente dita. O que demonstra, por um lado, a importância conferida a
esta atividade e, por outro, a afirmação e reprodução da identidade do agricultor como produtor
de alimentos.
113
Tabela 5.11
Principal Fonte de Renda
Agroindústria 1
Aposentadoria/Pensão 4
Atividade agropecuária própria 5
Renda mais importante na
manutenção da família
Não respondeu 1
Outras Fontes de Renda
Aposentadoria/pensão 3
Agroturismo 1
Outras Fontes de receita e auxilio
da família
Não tem 7
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
Além disso, notamos a importância da aposentadoria para a reprodução das famílias, o
que concorda com a afirmação de Schneider (2003) de que o Estado é responsável pela
manutenção de parte dos agricultores, principalmente se observarmos que esta forma de renda é a
principal das outras entradas monetárias. O agroturismo aparece como fonte de renda secundária
para 9,1% dos entrevistados. O que, de certa forma, representa uma pequena importância na
manutenção monetária das famílias entrevistadas, mas, como visto no segundo capítulo, esta
atividade, apesar de não ter importância direta na reprodução das famílias, é considerada como
fundamental para as estratégias de comercialização e a visibilidade alcançada pela Associação
Agreco. Além disso, é vista como fundamental no processo de auto valorização do agricultor
pelas famílias que fazem parte da Acolhida da Colônia.
As famílias adquirem diretamente do governo, principalmente, os créditos do Pronaf
voltados ao investimento, numa proporção de 90% dos entrevistados; utilizando numa pequena
proporção o crédito Pronaf voltado ao custeio, com apenas 18% dos entrevistados, como
demonstrado pela tabela 5.12. Os motivos para a não utilização variam entre os entrevistados,
ressaltando a falta de conhecimento e os altos juros. Contudo, importante lembrar, como visto no
capítulo 2, que essas famílias se beneficiam, ainda que de forma indireta, de outras políticas
públicas e créditos oferecidos pelo Estado (sobretudo, as linhas do Pronaf destinadas à
capacitação) expresso, por exemplo, na possibilidade de criação e manutenção da Associação, do
projeto das agroindústrias, da infra-estrutura turística e, por fim, na ampliação da demanda por
alimentos orgânicos e produtos “artesanais” provenientes da agricultura familiar.
114
Tabela 5.12
Uso e fonte de Crédito
Crédito para custeio Fonte de crédito Número %
Sim Banco – Pronaf 2 18%
Sim Proger 1 9%
Não Não 8 73%
Crédito para investimento
Sim Banco – Pronaf 10 90%
Não Não 1 10%
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
Quanto à origem da renda, podemos observar pela tabela 5.13 e 5.14, que os responsáveis
têm 100% da atividade principal e secundária remunerada, enquanto os cônjuges apresentam uma
porcentagem de 66,5% e 77,8%, respectivamente, das atividades remuneradas devido,
principalmente, à ocupação com os serviços domésticos. No mesmo sentido e confirmando a
reprodução da hierarquia familiar e das relações de poder definidas pelo núcleo familiar, numa
proporção menor se comparada com os pais, os filhos e filhas têm 37,5% e 27,3%,
respectivamente, de suas atividades principais remuneradas. Os filhos apresentam uma maior
proporção de remuneração, por ter como principal ocupação a atividade agrícola, enquanto as
filhas se ocupam principalmente dos estudos e dos serviços domésticos, que não apresentam uma
contraprestação monetária.
Tabela 5.13
Remuneração da ocupação principal pelo parentesco dos agricultores Agreco
Parentesco* Atividade principal
Remunerado
Atividade principal
não remunerado
Cônjuge 6 3
Filha 3 8
Filho 6 10
Mãe 1 -
Pai 1 -
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
O responsável tem 100% atividade remunerada
115
Tabela5.14
Remuneração da ocupação secundaria pelo parentesco dos agricultores Agreco
Parentesco*
Ocupação Secundária Remunerada
Ocupação Secundária não remunerada
Cônjuge 22,2% 77,8%
Filha 9% 91 %
Filho 6,7% 93,3%
Mãe - 100%
Pai - 100%
Fonte: banco de dados da pesquisa da Multifuncionalidade/2001
Os responsáveis que tem atividades secundarias elas são 100% remunerada
Ainda quanto à renda, temos que grande parte do dinheiro recebido pelas famílias é
destinada ao reembolso do financiamento das agroindústrias, principalmente para as famílias que
arcam sozinhas com as dívidas, por opção ou pela desistência dos sócios. O restante do capital
permanece, na maioria das vezes, sob a responsabilidade do casal e destina-se, principalmente, à
manutenção do núcleo familiar, aos investimentos na propriedade, nas agroindústrias rurais e no
agroturismo, aos estudos dos filhos e à contraprestação pelo trabalho dos filhos que ajudam na
lavoura ou na agroindústria.
Além da produção agrícola destinada à venda, entendida como fonte de renda direta,
devemos considerar a porcentagem da produção destinada ao consumo familiar ou à produção
voltada exclusivamente ao auto consumo, que podem ser entendidas como fontes indiretas de
renda. Se considerássemos o valor destes produtos no mercado, a família teria um gasto de
manutenção que talvez não possibilitasse sua reprodução como agricultores. A tabela 5.15 nos
permite verificar que parte da produção (vegetal, animal, derivados e beneficiados) destina-se ao
consumo da família, ainda que esta importância se reduza quando se verifica a produção
exclusiva para o consumo familiar (54,54% dos informantes mantêm uma produção exclusiva
para consumo, contra 45% que não).
A produção para o auto consumo envolve todos os membros da unidade familiar e integra
tanto parte dos produtos que são comercializados como alguns que são voltados especificamente
para o consumo doméstico, como o carvão com 30% das famílias, o ovo (85%), leite (20%),
aves (80%), bovinos (25%), suínos e peixes (100%) e alguns produtos beneficiados, como o mel,
molho, açúcar mascavo e produtos obtidos em pomares e hortas.
116
Interessante registrar dois fatores sobre a lavoura para o auto consumo. Em primeiro lugar, o
fato dela não ser reconhecida como produção agrícola pelo agricultor, já que o que define a
atividade do agricultor é a produção para o mercado. Conseqüentemente, as pequenas roças, que
normalmente se encontram mais perto de casa, não são valorizadas pelo produtor por ser
considerada “pouca coisa” e pelo fato de não serem transacionadas como mercadorias. Por esses
motivos, o trabalho nelas investido também não é reconhecido como trabalho, mas sim como
uma atividade que integra as demais atividades desempenhadas no cotidiano dentro da esfera
doméstica, associada à família e realizada durante o “tempo-livre”. Assim, apesar de sua
importância para a manutenção da família, essa atividade não é considerada prioritária.
Em segundo lugar, cabe destacar que algumas unidades familiares, associadas, sobretudo,
à produção do melado e açúcar mascavo, estão cada vez mais se voltando para a produção
exclusiva de cana, abrindo mão, muitas vezes, da produção de outras lavouras, destinadas ou não
ao consumo da unidade. Isto se deve a diversos fatores, entre eles, a falta de força de trabalho
disponível nas unidades (como verificado anteriormente) e a ausência de tecnologias apropriadas
ao cultivo orgânico. Neste sentido, os dados corroboram com Marsden na idéia de que as
unidades familiares no pós-fordismo optam por uma diversificação de atividades em detrimento
de uma diversificação da produção
55
. E, conseqüentemente, afasta a aplicação do “princípio da
alternatividade” (Garcia Jr., 1989) como um dos mecanismos das estratégias de reprodução social
das famílias estudadas para enfrentar os momentos de maior ameaça. Com isso, podemos
destacar duas conseqüências diretas para estas unidades familiares: 1. o aumento da compra de
produtos adquiridos no mercado (caminhão) ou dos vizinhos que variam de tempos em tempos
conforme o período e que, geralmente, é pago na forma de troca de produtos e 2. uma
dependência em relação à venda de um produto chave no mercado que, em algumas
circunstâncias, poderia significar uma grande instabilidade nas estratégias de reprodução (como
salientado por Ellis, capítulo 3), mas que, no caso especifico, é revertida pela segurança
fornecida pelo beneficiamento do produto que o torna menos perecível e pela existência da
Associação, que de certa forma lhe garante um mercado.
Assim, verificamos que à diversificação de combinações de atividades não significa
automaticamente a diversificação na produção, devida, em parte, pela necessidade de atender a
demanda de matéria prima pelas agroindústrias e, em parte, pela estrutura familiar e pela
55
Importante salientar que pelos dados do questionário grande parte dos agricultores, aproximadamente 70% contra 30 %,
gostaria de modificar os tipos de produtos que cultivam no sentido de diversificar mais.
117
estrutura tecnológica. Contudo, para os membros das famílias, a diversificação de atividades,
através da importância dada à transformação agroindustrial ou à prestação de serviços, não
acarreta na perda da identidade do agricultor com o reconhecimento de uma eventual nova
categoria profissional, mas pelo contrário a afirma. Durante a permanência no campo, foi
claramente percebido que essas outras atividades são inseridas naturalmente na profissão do
agricultor, possibilitando um aumento da auto valorização, pela construção de estratégias de
reprodução junto a produção agrícola, além de possibilitar a manutenção dos membros familiares
pela criação de novas ocupações no meio rural e dentro da propriedade.
De qualquer forma, em outras unidades familiares, sobretudo, as que estão vinculadas à
produção de conservas ou as que atendem à merenda escolar, a produção agrícola é bem
diversificada, o que exige uma relativização das análises anteriormente feitas principalmente
sobre as unidades vinculadas ao beneficiamento de cana. E ainda cabe ressaltar que essas
unidades, além de encontrar uma maior diversificação da produção (mais variedade) atrelada a
uma maior flexibilização no sentido de poderem ser consumidas, vendidas in natura ou
beneficiadas, ainda encontram uma maior capacidade de articular sua atividade agroindustrial a
outras unidades familiares, no sentido de adquirir produtos externamente.
A diversificação de atividades pode ser verificada também pela tabela 5.15 na qual se
colocam em evidência a multiplicidade de situações encontradas, a partir da classificação em
categorias de atividades e no leque de opções de produção agrícola e a criação de animais. Assim,
se considerarmos a agricultura a partir de sua relação com as outras esferas sociais, percebendo a
importância das funções não diretamente produtiva, verificamos que no território estudado,
especificamente no que se refere à valorização do espaço rural, cabe realçar: a diversificação das
possibilidades de comercialização, como a venda direta e a venda via Associação; a apresentação
do produto articulada à idéia de uma produção saudável e ética, como os produtos beneficiados e
os produtos orgânicos certificados; os serviços, como o agroturismo, o pesque-pague, guias para
realização de caminhadas, etc.
Neste sentido, podemos retomar o debate atual acerca da noção de uma agricultura
multifuncional (capítulo 3), no sentido de valorizar outras funções da agricultura além da
produção primária, com destaque para as formas de inserção das unidades domésticas no
território com ênfase nas práticas não imediatamente produtivas. Schmidt (2003,45) destaca dois
componentes da multifuncionalidade na agricultura praticada pelos agricultores vinculados à
118
Agreco: o econômica e social – expresso na agregação de valor e na geração de empregos pela
agricultura orgânica (mais intensiva de mão de obra) – e o ambiental e territorial – promovido
pela construção de redes e arranjos produtivos na consolidação do território e pelo impacto
positivo sobre o conjunto dos componentes do meio ambiente(Schmidt,2003:45) .
Com isto, desdobramos a menção da agricultura em duas dimensões
56
, a agricultura em suas
dimensões produtivas ( tabela 5.15 A) e agricultura em suas dimensões além da produção ( tabela
5.15 B). A primeira, abarcando as atividades e ocupações tipicamente agrícolas, como a produção
vegetal, a criação de animais, a produção dos derivados e a atividades extrativa, direcionados à
mercantilizaçao ou ao autoconsumo. A segunda dimensão, que abarca outras atividades além da
produção, recentemente valorizadas e inseridas no espaço rural, expressa o novo significado da
ruralidade vinculado, sobretudo, à preservação dos recursos naturais, à conservação das
paisagens, à qualidade dos alimentos e à dinamização e reprodução da agricultura familiar,
através da criação de ocupações e da dinamização do território.
A tabela 5.15, de modo geral, mostra que, no âmbito da ocupação agrícola (vegetal,
animal, derivados e extrativismo), os produtos são destinados ao consumo familiar ou animal ou
vendidos na forma in natura ou beneficiada. No âmbito das atividades em geral, temos a
transformação e a agregação de valor do produto in natura, a venda direta ao consumidor, aos
intermediários ou à associação/cooperativa e a oferta de serviços ligados ao agroturismo.
Podemos, assim, constatar que as famílias apresentam uma variada possibilidade de
combinação entre as ocupações. Além da produção agrícola e da criação de animais, que todos os
estabelecimentos praticam, apesar da heterogeneidade dos produtos e da finalidade, outras duas
ocupações são bastante freqüentes: a transformação agroindustrial, associada à venda pela
associação, e a produção agrícola in natura associada à venda direta ou à associação.
56
Dimensões propostas por Maluf (2003) visando entender a reprodução socioeconômica das famílias rurais no contexto de uma
agricultura multifuncional.
119
Tabela 5.15A
Portifólio das atividades familiares: atividade agrícola
Produção Vegetal - Produto Principal
venda (60%) in natura (100%) agroindústria(100%)
consumo (27,5%)
Aipim
22,22%
alimentaçãoanimal(12,5%)
agroindústria (50%) venda (55%) in natura (100%)
direto (50%)
consumo próprio (34,5%)
Alface
22,22%
alimentaçãoanimal(10,5%)
venda (70%) in natura (100%) agroindústria (100%)
consumo próprio (20%)
Beterraba
11,11%
alimentação animal(10%)
venda (95%) transformação(100%) agroindústria(100%)
Cana
22,22%
alimentação animal(5%)
in natura (80%) agroindústria(100%) venda (70%)
transformação (20%) Agreco (100%)
consumo (15%)
Cenoura
11,11%
alimentação animal(15%)
venda (90%) in natura (100%) Agreco (100%)
Frutas
11,11%
consumo (10%)
Produção Vegetal para o consumo familiar
Pomar (100%) Laranja, Ameixa,Uva,Banana,Pêssego Produzem 54,5%
Horta (100%) Alface, Beterraba,Tomate,Repolho,Couve,Temperos
Não produzem 45,5%
Criação Animal
Peixe 10% consumo (100%)
Suínos 20% consumo (100%)
Agreco (16,7%) venda (64%) in natura (100%)
intermediário(83,3%)
consumo e venda (75%)
consumo(36%)
Bovinos 80%
consumo somente (25%)
agroindústria (50%) in natura 90%
direto (50%)
venda (80%)
transformação(10%) agroindústria(100%)
consumo e venda (20%)
consumo(20%)
Aves 90%
consumo somente 80%
Derivados da Criação Animal
agroindústria (50%)
intermediário (35%)
venda in natura (74%)
venda direta (15%)
venda com transformação (18%)
intermediário (100%)
consumo e venda
80%
consumo (8)%
Leite100%
consumo somente (20%)
venda (90%) agroindústria (100%) consumo e venda (15%)
consumo (10%)
Ovos 7%
consumo somente (85%)
Extrativismo
agroindústria (25%)
intermediário (50%)
venda somente(70%) venda com transformação
(100%)
transportadores(25%)
Carvão
55%
consumo somente(30%)
120
Portifólio das atividades familiares: atividades em geral
Processamento Regular de matéria prima
agroindústria (25%)
intermediário (50%)
venda (70%) transformação
100%
transportadores (25%)
Beneficiam
90%
consumo (30%)
Não beneficiam 10%
Atividade de Beneficiamento - produto principal - dentre os 90% que beneficiam
venda (90%) Agreco (100%) 1 pessoa Doce de fruta,
molhos e geléias
consumo (10%)
2 pessoas Açúcar mascavo e
melado
venda (100%) Agreco (100%)
4 pessoas Conservas venda (100%) Agreco (100%)
venda (90%) Agreco (100%) 2 pessoas Merenda escolar –
sopão
consumo (10%)
venda (99%) Agreco (100%) 1 pessoa Mel
consumo (1%)
Atividades de serviços
Agroturismo
1
Associação
Acolhida na Colônia
Passeio ecológico
Visita a casa do mel
Venda direta do mel
De outro modo, podemos considerar que as unidades familiares a partir da diversificação
de ocupações, encontram diferentes estratégias socioeconômicas de reprodução
57
, que são
diferentemente articulados pelos sujeitos sociais e unidades dando origem a diversificados
arranjos e estratégias de modos de vida. Entretanto, apesar desta diversificação as estratégias de
reprodução elaboradas pelas unidades familiares estão indiscutivelmente embasadas na rede
familiar, presente na obtenção de terra, na força de trabalho empregada, nas expectativas e
projetos futuros. Esta conclusão se reforça pela descrição dos modos de produção, apresentado no
apêndice I.
Outro ponto conclusivo se refere à afirmação da importância da agricultura na construção
das estratégias de reprodução social das famílias, na qual a produção agrícola permite uma
flexibilização, no sentido de que pode ser consumida, vendida no espaço local ou associativo, na
forma in natura ou beneficiada. Desta forma, a agricultura responde pela geração de ocupações,
pela segurança alimentar dos membros familiares e pela dinâmica do território, ainda que tenha
57
Por exemplo, as famílias, ao mesmo tempo em que beneficiam 100% do seu produto através da agroindústria, vendem parte da
produção para a Agreco (cooperativa) e consomem a outra parte. Outra família ao mesmo tempo em que vende toda sua produção
de frango para um intermediário, entrega toda sua produção vegetal para a Associação, tendo como renda mais importante a
aposentadoria dos pais. Outra vende a produção in natura direto ao consumidor, ao intermediário, à agroindústria e o restante
destina ao consumo da família e aos hóspedes da pousada.
121
diminuído a importância da atividade agrícola própria na composição da renda monetária direta
das famílias pela queda nos preços reais.
Contudo, podemos considerar que a coesão social, a manutenção do tecido econômico e
social e a preservação ambiental, ou melhor, a reprodução familiar e econômica das unidades e a
dinamização do território e preservação ambiental são funções da agricultura promovidas pelas
unidades familiares, entendidas enquanto unidades domésticas e de produção, vinculadas à
Agreco. Estes predicados desta agricultura familiar são explicitados, sobretudo, no fato da
agricultura orgânica constituir a principal atividade, como visto no capítulo 2, e no fato da
agricultura se colocar como ponto de partida das ocupações e das estratégias de fontes de renda
das unidades familiares consideradas.
122
Conclusão
A análise da realidade empírica nos permite afirmar estar sendo implantado no território
estudado um projeto de desenvolvimento rural, que busca garantir a reprodução econômica e, ao
mesmo tempo a unidade familiar, no sentido dos significados nas suas relações culturais e
ambientais. Todas as noções trazidas com os novos entendimentos sobre desenvolvimento
convergem no projeto colocado em prática pela Agreco. Assim, busca-se consolidar um
desenvolvimento que abarque o social, o econômico, político e ambiental.
Na realidade local, a Agreco consolida estratégias de desenvolvimento apoiadas no tripé:
agroecologia, agroindústria e agroturismo.Cada qual se refere, de modo mais direto, a um
determinado aspecto do desenvolvimento. Assim, como os projetos, programas e parcerias
buscam assegurar diferentemente os meios relacionados às estratégias.
Por um lado, no conjunto, as estratégias consolidam uma agricultura que vai em direção
da multifuncionalidade, afinal tem permitido a : 1) preservação dos recursos naturais, como
qualidade dos solos e das águas, 2) a preservação da paisagem, no sentido de natureza
(manutenção das áreas verdes) e no sentido de rural (revalorização das tradições, de antigos
objetos, preocupação com o embelezamento da propriedade e da agroindústria); 3) a reprodução
sócio-econômica das famílias, assegurada pela ampliação e criação de empregos através da
diversificação de atividades agrícolas e não agrícolas e pela dinamização local nos setores,
comercial, industrial, serviços, possibilitando a manutenção do tecido social local, como a
permanência dos mais jovens e a reprodução das unidades domésticas e produtivas; 4) a
segurança alimentar, garantida à sociedade e às famílias através da produção agrícola de
alimentos em qualidade e quantidade.
Por outro lado, as estratégias locais têm possibilitado a pluriatividade das famílias rurais
através da dinamização do mercado de trabalho, impulsionado, sobretudo, pela agroindústria e o
agroturismo (dois setores em que os jovens e as mulheres se destacam), além da manutenção das
ocupações relacionadas à produção agrícola propriamente dita e das ocupações proporcionadas
pelo vinculo às associações (como cargos administrativos, serviços de entrega, etc). Assim, as
unidades familiares vinculadas à Agreco, de maneira geral, têm diversificado suas ocupações e
123
rendas através da ampliação das funções da propriedade e das atividades dentro da unidade
produtiva.
A estratégia consolidada na pluriatividade aparece imbricada, no território estudado, ao
desenvolvimento da multifuncionalidade da agricultura. Esta relação é afirmada de modo geral
pelos estudos rurais realizado sobre a realidade brasileira, como por Maluf (2003) quando retoma
o argumento de que a atividade agrícola tem perdido centralidade na reprodução econômica de
um grande contingente de famílias rurais, embora permaneça central no sentido de garantir
alimento e habitação.
“(...) a estratégia de obtenção de renda monetária pelas famílias
rurais caracteriza-se pelo recurso sistemático as atividades não-
agricolas tipicamente urbanas, mas também inclui o trabalho
temporário em atividades agrícolas realizadas em estabelecimentos de
terceiros. A combinação de atividades agrícolas e não agrícolas insere
a família rural em diferentes setores e amplia seu campo de atuação e
de inserção social e econômica, associando o enfoque da
pluriatividade, diretamente, ao da multifuncionalidade”( Maluf,
2003:138).
Para Carneiro (2001), ao questionar as fronteiras entre os setores de atividades e emprego,
o debate da multifuncionalidade aciona o tema da pluriatividade. Na concepção da autora, a
pluriatividade toma sentido como conseqüência da política de modernização agrícola que cria o
agricultor profissional e, no mesmo sentido, a noção de multifuncionalidade tenta resgatar a
importância do conjunto de contribuições da agricultura para a dinâmica econômico-social dos
territórios. Ambos os processos resgatam características da agricultura camponesa (como modo
de vida), desvalorizadas até então pelas políticas clássicas de modernização da agricultura.
Outros estudos, como o realizado por Moruzzi (2002), destacam a diferença entre os
dois termos, no sentido de que as reflexões sobre a pluriatividade insistem sobre as estratégias de
reprodução dos agricultores no contexto da modernização da agricultura. Trata-se de estratégias
que se desenvolvem a fim de ajustar as unidades familiares de produção agrícola às
circunstâncias socioeconômicas que lhes são desfavoráveis. E, neste sentido, a pluriatividade não
constitui em si uma ruptura com as lógicas produtivistas, favorecendo, em certa medida, a
continuação de uma lógica que gera a concentração fundiária, a degradação ambiental e a
exclusão social. No modelo multifuncional, as atividades dos agricultores se reconciliam com as
funções de preservação ambiental e de harmonia social da agricultura.
124
Contudo, é certo afirmar que no território estudado a pluriatividade tem favorecido a
construção de uma agricultura multifuncional, ou vice versa. O fato é que, a existência de um
projeto de desenvolvimento assentado sobre a multifuncionalidade e a diversificação de fontes de
renda e ocupações tem se articulado a estratégias de reprodução familiar ligadas ao exercício da
pluriatividade, com a especificidade de ser para-agrícola.
A pluriatividade, aquela acionada pelas unidades familiares analisadas com vistas à sua
reprodução econômica, está atrelada à criação de ocupações dentro da unidade de produção,
vinculada diretamente à atividade agrícola, podendo ser entendida como o prolongamento do ato
de produção. E, neste sentido, a atividade agrícola é responsável tanto pela reprodução
econômica das unidades como pela reprodução familiar. Assim, pode-se enquadrar tais
agricultores familiares na condição de uma agricultura familiar “bem sucedida”, no sentido das “
famílias auferirem uma renda monetária da atividade agrícola significativa a ponto de
colocarem esta atividade no centro da estratégia de reprodução econômica da unidade familiar
rural” (Maluf,2003;138).
Ou seja, a pluriatividade conjugada a multifuncionalidade tem permitido que as unidades
familiares se reproduzam enquanto agricultores familiares, através da afirmação da identidade do
agricultor como produtor de alimentos mas também como produtores de bens imateriais (como
meio-ambiente, território, qualidade alimentar). A agricultura desempenha aqui um papel de
destaque no espaço rural. Não se trata de uma agricultura convencional, favorecendo a afirmação
dos vínculos familiares na tomada de decisões da unidade de produção. Portanto, estas lógicas se
afastam das conclusões apresentadas por Seyferth em relação aos agricultores do oeste
catarinense na região do Vale do Itajaí, vistas anteriormente, em que a unidade familiar garante a
reprodução do grupo através da pluriatividade exercida dentro do Pólo têxtil na forma de
colonos- operários.
Em todo caso, a dinamização local ou a existência de um projeto de desenvolvimento
que estimule e mantenha a economia local, criando a possibilidade da unidade familiar
desenvolver a pluriatividade como estratégia, é fundamental para que o grupo consiga se
reproduzir tendo em conta a atividade agrícola, ainda que restrita ao consumo da família. Pois do
contrário, a unidade familiar poderia vir a migrar para os grandes centros, vender o lote de terra
ou se empregar numa cidade próxima não mantendo nenhum vínculo com a agricultura ou com a
produção agrícola. É neste sentido, que a pluriatividade se consolida como uma estratégia
125
importante, afirmada no momento em que diversos estudos rurais vêm apontando o crescimento
das ocupações não agrícolas entre as famílias rurais.
Entretanto, é o processo de construção de uma agricultura que vai além da produção que
permite que as unidades familiares elaborem estratégias voltadas em criar ocupações dentro da
unidade de produção, apesar das restrições em termos de quantidade de terra e de modernização
técnico-produtiva dos sistemas agrícolas. O novo sentido atribuído à agricultura e ao
desenvolvimento possibilita que os agricultores consigam se reproduzir dentro da unidade
familiar através da diversificação de atividades vinculadas à agricultura. E é por esta via que as
unidades familiares, vinculadas à Agreco, tem conseguido elaborar estratégias de reprodução que
não coloquem em risco a unidade familiar de produção.
A produção orgânica de alimentos, o selo de garantia da qualidade do produto ou a troca
horizontal de conhecimento com os de fora, vinculada ao discurso do agroturismo, têm, num
certo sentido, possibilitado a geração de atividades e ocupações que geram uma revalorização da
identidade do agricultor, afirmada na produção de alimentos (saudáveis), mas também enquanto
modo de vida, no sentido de retomar sua campesinidade, sua relação com a terra e a importância
do patrimônio familiar. Essa identidade também parece ser afirmada através de uma relação de
oposição sobre a cidade, insistindo-se sobre a idéia de uma vida saudável, segura, em
contraposição aos perigos e a violência das cidades. Assim, a agricultura aparece às unidades
familiares vinculada à paisagem rural, daí não notarmos, nas famílias, uma oposição entre espaço
de produção e espaço de proteção.
Com tudo isto, apresentamos que as estratégias de modo de vida são elaboradas através da
diversificação da renda, do portifólio de atividades e ocupações e, em menor proporção, da
produção agrícola propriamente dita. Essas estratégias elaboradas pelas famílias rurais
pertencentes à Agreco, de maneira geral, resultam da conjugação de um conjunto de fatores que,
para fins de análise, podem ser divididos nos diferentes âmbitos da vida social. Num âmbito mais
econômico, mencionamos a atividade agrícola e as atividades não agrícolas dentro da unidade
familiar de produção, sobretudo, o beneficiamento em pequenas agroindústrias, a
comercialização direta e via associação e a produção para o autoconsumo. No âmbito social e
coletivo, pode-se realçar a criação de novos espaços de produção e de convivência, traduzido no
pertencimento aos espaços da agroindústria, do agroturismo e da Agreco. Espaços que promovem
a valorização do agricultor ao permitir a reprodução da unidade familiar através da produção de
126
alimentos e por afirmar a identidade social do agricultor familiar enquanto categoria
social/política, econômica/produtiva. No âmbito familiar, temos a criação ou manutenção de
redes de parentesco, sustentada na organização produtiva como na força de trabalho empregada,
na troca de dia entre parentes, na divisão sexual e hierárquica de trabalho, na obtenção de terra e
na manutenção dos membros familiares através da ampliação das ocupações e diversificação das
atividades e funções da agricultura. No âmbito mais político, a conquista de um espaço como
agente (não típico) do desenvolvimento, sobre o qual recaem expectativas socioeconômicas e
políticas públicas específicas.
Associamo-nos, assim, as conclusões de Ademir Cazella e Bernard Roux (1999) que,
examinando, é verdade, o caso francês, consideram a pluriatividade das famílias dos agricultores
uma realidade, estimando também que a capacidade das atividades agrícolas de se articular com
outras ocupações dos membros da família tende a colocar a agricultura no primeiro plano das
estratégias de desenvolvimento rural.
Enfim, notamos que as famílias buscam reproduzir e realizar valores e elementos
subjacentes à sua cultura e tradição, não se definindo exclusivamente por uma racionalidade
econômica. A propriedade se mantém representando o lugar no qual se trabalha, mas também o
lugar em que se vive e, neste sentido, as razões simbólicas e práticas não se reproduzem enquanto
dimensões separadas, mas imbricadas na concretização do ato e do espaço produtivo. Com efeito,
a identidade do agricultor não é reproduzida apenas por uma produção voltada a manutenção do
grupo, nem simplesmente pela produção de alimentos, mas pela manutenção e preservação da
paisagem e do modo de vida rural.
127
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Apêndice I
Pequena apresentação
O apêndice é constituído pela apresentação de 3 famílias, no intuito de tentar resgatar os
modos de vida elaborados, buscando visualizar os diferentes modos de interação o território e
com o espaço local. Assim, as fotos permitem colocar rostos e paisagem nas análises feitas até
agora, numa tentativa de trazer um pouco do espaço e da identidade do agricultor familiar do
território estudado. Neste sentido, os dados retirados de tabelas e de questionários padrões,
tomam corpo através da imagem, que aos poucos vai se tornando um elemento da própria
sociabilidade.
As fotos foram tiradas durante dois períodos (que somados dão um dia) de permanência
junto a cada família, espaço para onde converge à unidade de produção e a unidade doméstica.
Por isso a caracterização dos lugares ocupados pelos membros dentro da unidade familiar: pai,
mãe, filhos, nora, cunhado, netos, etc.
Como já dito as famílias foram selecionadas quase que aleatoriamente, somente tendo
como prerrogativa, estarem com suas unidades de produção funcionando indiferentes da
estratégia adotada. As três famílias pertencem ao projeto de desenvolvimento da Agreco, ainda
que de diferentes maneiras.E nenhumas das três famílias fizeram parte do questionário analisado
anteriormente, ampliando assim, os dados e as análises anteriormente realizadas.
As fotos foram feitas por Adriana Busso e contou com a expressa anuência dos membros
familiares.
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A família
Pai, mãe, filho mais novo, filha mais velha. Residem na cidade de Sta Rosa de Lima, próximo ao centrinho. Os dois
filhos estão na escola, mas ambos ajudam nas atividades de casa, da roça e da pousada. Segundo a mãe, a
menina, ajuda principalmente na roça, pq o filho não gosta, e nos serviços domésticos relacionados à pousada mas
principalmente cuida da casa da cidade fazendo almoço e janta. Segundo ela, tem vontade de fazer faculdade de
veterinária pra ficar próximo a família, mantendo os negócios. Segundo a mãe,o filho, quando muito, ajuda
conversando com os hóspedes, e acompanhando-os (guiando) nas pescas, nas caminhas, enfim, guiando nos
passeios e entretenimentos oferecidos. A mãe cuida da roça, e principalmente da manutenção da pousada, do
apiário, da agroindústria, e ainda recentemente assumiu a coordenação da Acolhida na Colônia em Sta Rosa de
Lima . O pai é professor de geografia na escola estadual e escreve no jornal local e segundo a mãe, assume muitas
vezes as atividades da pousada como a manutenção do terreno e o “churrasquinho” nos finais de semana.
Muito próximo à casa da pousada, moram juntos a cunhada, um dos irmãos e o pai da mãe. O terreno da frente,
que tem um açude de pesca, é do irmão mais velho da mãe, que mora em São Paulo, trabalhando de caseiro na
praia do Guarujá. Segundo a mãe: “ele morava lá (na propriedade) e plantava fumo mas não tava mais dando e só
trabalhar na lavoura tu vive muito bem dd que não tenha que comprar nada, mas todo mundo quer comprar
algumas coisas (carro, televisão, telefone)...então ele não tava adquirindo nada, a não ser que ele detonasse tudo e
queimasse carvão mas seria só por um tempo...então ele foi pra SP trabalhar de caseiro na praia, no Guarujá. E
agora ele colocou que está com vontade de voltar pra trabalhar no agroturismo, tem um projeto de fazer um
pesque pague, e tb uma pousada, roda d’água.”
Ultimamente freqüentam pouco as missas de domingo e a novena, deixaram de ir por causa da pousada, segundo a
mãe, eles se afastaram da comunidade e a comunidade se afastou deles, se sentem mais isolados.
A casa onde a família mora fica na cidade de Sta Rosa, e a pousada fica na comunidade onde a mãe nasceu e onde
ainda moram os pais e o irmão. A roça fica na propriedade do irmão que está em São Paulo, próximo a propriedade
do outro irmão e da nora, que cuidam das criações. Entre a propriedade da mãe, onde está a pousada, e a
propriedade em que moram o pai, o irmão e a nora, tem um vizinho que planta fumo.
As atividades: a pousada, o apiário, a roça...
No apiário quem trabalha é a mãe, o irmão e a cunhada, os filhos e o marido somente nos períodos de férias.
Inicialmente o marido revendia mel da localidade em latas para comerciantes locais, depois apareceu a oferta de
comprar um apiário e resolveram colocar como sócio a família do irmão da mãe. Atualmente possuem juntos 135
caixas, meio a meio. A idéia do beneficiamento veio posteriormente, junto com a Agreco, como os investimentos
eram altos resolveram arranjar outros sócios. São 5 sócios no total e, cada um arca com uma dívida de $100 reais
por mês. A escolha dos sócios, segundo a mãe, se deu pelo critério da vizinhança. Atualmente, a mãe, o irmão e a
cunhada têm se responsabilizado pelo beneficiamento do mel dos outros sócios, em troca de parte do produto e,
pelo pagamento em espécie calculada sobre as horas de serviço para o beneficiamento. Segundo a mãe, este
método está sendo melhor, por que anteriormente, por elas serem as únicas mulheres, acabavam ficando
sobrecarregadas com os serviços de limpeza.
Inicialmente a idéia do agroturismo estava vinculada a necessidade de atender os consumidores que vinham
verificar se o alimento era de fato orgânico. Então eles construíram uma casa e depois a outra maior, mas
“deixaram a primeira para manter a historia...” .
Os serviços relacionados a pousada são distribuídos por todos os membros, mas principalmente pela mãe, pela filha
e pela cunhada. Esta se responsabiliza principalmente, pela limpeza diária, e recebe em troca a compra de mês,
137
feita pela mãe. Segundo a mãe: “Qualquer coisa que eu precisar, ela larga o que estiver fazendo e vem me ajudar,
não é qualquer pessoa que faz isso...”. Eventualmente a família paga alguém, geralmente um primo, pra roçar o
terreno da pousada, mas eles preferem fazer, porque “as pessoas de fora chegam e cortam tudo”.
No começo segundo mãe e filha, a relação com o outro era a maior barreira, elas tinham muita vergonha de
receber os hóspedes - “quantas vezes a gente escutava o ônibus e a gente pensava assim, é agora, a gente vai
atender ou vai se esconder, agora é normal.A gente cresce, do que a gente tinha vergonha, senti orgulho, antes eu
tinha vergonha de dizer até para os meus amigos aqui próximo que eu ia junto no apiário tirar mel, hoje é
diferente.” E a mãe ainda acrescenta - “sempre teve vontade de estudar, fazer as coisas...mas era muito caro,...
hoje eu já digo assim, já tenho mais de uma faculdade com o tanto que eu aprendi com as outras pessoas, aprendi
muita, muita coisa”.
A comida oferecida para os hospedes vem parte do roçado mantido pela mãe, e a filha, e das galinhas cuidadas
pela cunhada, e em parte da Agreco, como compotas, conservas, queijo, salame lingüiça, molho de tomate, mel,
geléia, e o resto do supermercado.
A renda -
A renda da família vem do mel, da pousada (e do salário pago a mãe pela Associação), da venda do peixe e do
salário do marido. Em determinados períodos a mãe ainda tira um extra, da venda de cobertores de lã que ela
costura, ou da produção de ovos de páscoa, ambos são vendidos diretamente ao consumidor e, no comércio local.
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A Família –
pai, mãe, 1 filha e 3 filhos. Um filho, o mais velho (20 anos), não mora com a família, mora na cidade de Santa
Rosa. Segundo a mãe saiu porque não tem jeito pra mexer na roça e porque queria ganhar mais dinheiro. Mas
lamenta a perda de força de trabalho, justamente na hora que mais podia ajudar. Este filho trabalha e mora no
posto de gasolina junto a uma outra família que, é considerada por ele que nem parente...A filha é a mais nova,
tem 9 anos, e segundo ela, durante o dia vai a escola, brinca, assiste a tv e ajuda a mãe em casa e na
agroindústria. O segundo filho mais novo, segundo a mãe (14 anos), ajuda na lavoura, estuda e lava a louça de vez
em quando. O terceiro filho (16 anos) está acabando a escola, trabalha na lavoura , ajuda na agroindústria. E
segundo a mãe, é trabalhador, prefere carregar lenha a ter que lavar louca . A mãe cuida da casa, lava roupa,
cozinha o feijão, toma conta dos filhos, corta cana, e trabalha na agroindústria. O pai trabalha na lavoura, cuida da
cana, ajuda na agroindústria. A pouco tempo atrás ainda tinha o sogro da mãe que morreu a menos de um ano, e
segundo a mãe em breve terá a mãe dela, que já está bastante idosa e mora com a irmã já um certo tempo-
“Ano que vem ela vem morar comigo, porque antes meu sogro morava com nois, e eu cuidei dele por 20 e tantos
anos e agora eu disse que vou cuidar da minha mãe também”.
Ao redor da casa, tem a antiga estufa de fumo, hoje o espaço é utilizado para a produção de pinga, uma pequena
horta, um jardim de girassóis, criações, vaca, terneiro, porco...e ao fundo a agroindústria.
.
O pai e a mãe se casaram há 22 anos, ela se casou com 17 anos, “o meu sogro e o Valdemar moravam sozinhos e
ai eles precisavam de uma mulher, porque moravam bem sozinhos...” .
Freqüentam o terço todo final de semana. A missa só ocorre uma vez por mês. A igreja é cuidada pela associação
da comunidade, constituída por 6 famílias eleita pelos sócios a cada 3 anos. A igreja é de Nossa Senhora de Fátima,
e a padroeira foi doada a comunidade pelo avô da mãe, que se orgulha bastante do fato.
Estão na Agreco desde o começo e, já faz 10 anos que deixaram de plantar fumo, optaram pelo beneficiamento da
cana em açúcar mascavo e melado. A agroindústria pertencia a mais uma família, que era vizinha, “mas o marido
bebia, a mulher foi embora e ele foi atrás...ficaram somente eles”.
A agroindústria fica ao lado da casa e em volta só tem cana ...
As atividades: cana, açúcar, melado, pinga –
O trabalho com a cana é considerado pesado pela mãe. Mas gratificante no sentido de que atualmente tudo que é
produzido é vendido. Na época de colheita são 3 dias seguidos, faço sol ou chuva. A maior dificuldade está na falta
de mão de obra e conseqüentemente, na manutenção do controle do mato e a garantia do tamanho da cana,
principalmente por ser orgânico. A família tem ao todo 30 ha e só não planta mais cana por falta de força de
trabalho. Pelo mesmo motivo não conseguem manter o roçado – “muita coisa pra fazer, porque com a cana tem
que está o tempo inteiro ali, quando não é na roça e na agroindústria”. Tem plantado a batata doce, o aipim,
couve, o feijão e de criação um porco, algumas galinhas, e duas vacas leiteiras e gado para o caminhão de boi
(junta de boi)- “Vez em quando compram um boi para “ carnear”. O restante do alimento ( temperos, salada, fruta)
é comprado do feirante que passa de caminhão todo final de semana. E geralmente é pago com cachaça. “ Ficam
elas por elas” .
O problema da carência de mão de obra é, em parte, resolvido pela troca de dia de serviços junto a dois primos que
moram próximo, assim, em determinados períodos, os dois filhos ajudam na colheita e plantio de fumo e depois
eles ajudam no corte de cana.
142
O trabalho na agroindústria é realizado pelo pai, a mãe e os dois filhos mais novos quando não estão na escola. A
mãe prefere o trabalho com agroindústria ao da lavoura de fumo, “não pelo trabalho, porque ambos dão trabalho,
mas por não ser no sol ou chuva”.
Para ela o trabalho na agroindústria não a torna menos agricultora porque “ continua na lavoura também, tem que
fazer os dois, não tem como só ir para a agroindústria tem que fazer um pouco de tudo” .
A Renda –
Todo o dinheiro é ministrado pelo pai e a mãe. Atualmente grande parte dele é guardado para o pagamento do
financiamento da agroindústria. Eles conseguiram um credito do pronaf que cobriu quase todas as despesas, mas
ainda tiveram que pegar dinheiro com comerciantes e agricultores locais. A divida junto ao Banco do Brasil, foi
recentemente renegociada e, conseguiram mais dois anos de carência, já que nos dois primeiros anos a geada
matou toda a produção. O que de certa forma tem dado a família uma certa tranqüilidade e estabilidade
A produção de pinga também tem assegurado uma certa renda para família, tanto na forma de pagamento dos
produtos adquiridos do feirante, como na forma de renda monetária, quando o produto é vendido junto a
comerciantes locais. Para a família a produção de pinga, também é considerada o reaproveitamento total da
lavoura, por usar o melado que não está bom para fazer açúcar. Beneficiam ainda a cana de mais dois vizinhos que
levam a lenha necessária para o processo e que ficam com parte da produção.
A família vende também “areão” para o Der que é utilizada na construção das estradas. Neste caso, a venda é
negociada junto a prefeitura de Santa Rosa de Lima que serve assim de intermediária.
O filho mais velho que trabalha no posto de gasolina, ajuda com dinheiro quando a família precisa, mas geralmente
o dinheiro é “ para ele comprar as coisas dele, afinal mora na cidade e precisa de mais coisas”. O segundo filho
mais velho trabalha grande parte do tempo na lavoura, as vezes consegue algum dinheiro “ ajudando” os primos,
principalmente na venda de carvão na cidade. Mas sempre que precisa de dinheiro pede pra mãe (pra depois ela se
acertar com o pai) que lhe entrega. Parte do último dinheiro ganho pela venda do areão foi usado para comprar
um aparelho de som que ele estava querendo e, o próximo os pais planejam dar entrada na moto que o filho quer
- “a gente tem medo que o ele desanime e resolva trabalhar fora”.
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A Família
Pai, mãe, duas filhas , um filho, neta, genro. O filho homem é o mais novo. Os filhos, a neta e o genro moram
juntos numa casa no centro da cidade de Sta Rosa de Lima. Os pais moram sozinhos na propriedade. A filha mais
velha é casada e mãe de uma filha, eles são donos de três comércios na cidade, um mercado cuidado por ela e pelo
marido, uma agropecuária administrada pelo irmão mais novo; uma loja “vende tudo” cuidada pela irmã do meio,
localizada embaixo da casa onde moram. O marido é responsável pela venda e compra externa de produtos de
diversos gêneros (a venda está voltado basicamente a dois tipos de produtos: mercadorias relacionadas à atividade
produtiva e produtos alimentícios in natura e, a compra é diversificada e se volta a abastecer o mercado) com o
uso de um caminhão que circula toda a região, passando pelas diversas propriedades.
O filho mais novo cuida da agropecuária, uma das únicas do município, cursa faculdade de veterinária na
universidade no período noturno, e transporta e vende ao Ceasa –Florianópolis, produtos in natura adquiridos de
diferentes agricultores da região.
A filha do meio cuida da loja, a única do município, e viaja freqüentemente a São Paulo e Brusque para comprar as
mercadorias e produtos vendidos. O estabelecimento vende de tudo que se pode imaginar: coisas para a casa,
material escolar, material diverso, roupas, sapatos, etc. Além da loja faz cursos de artesanato relacionados à
pintura, em tela, madeira, etc. E tem projetos de fazer um curso de administração.
Os pais moram na propriedade rural. A mãe é responsável pelos serviços da casa, pela retirada de leite pelas
manhãs, pelo cuidado com as hortas e,pelos serviços prestados junto aos hóspedes. O pai junta as vacas pela
manha, trata das criações: gado, porco, galinhas, peixe e, cuida da roça. Algumas vezes por semana a filha da
vizinha vai dar “uma ajuda” para a mãe, nos serviços domésticos e nos serviços junto aos hóspedes.
Os filhos, a neta e o genro diariamente vão à casa dos pais, pra uma simples visita e conversa, e pra dar uma
mãozinha nos serviços relacionados à pousada. No mesmo sentido, a mãe e o pai, freqüentam a propriedade dos
seus respectivos pais e famílias, que ainda moram em comunidades próximas. Também, segundo a mãe, costumam
freqüentar as festas e comemorações relacionadas a igreja, o que as vezes tem sido prejudicado pelos serviços
junto aos hóspedes, concentrado principalmente nos finais de semana.
A casa em que moram os pais fica na mesma propriedade da antiga casa, hoje pousada e, da casa construída pela
filha mais nova, que também destinasse a hospedagem. Ao redor da antiga casa está a horta de tempero, próximo
à estufa de fumo e a estufa de hortaliças, ambas abandonadas. Ainda próximo da antiga casa, um grande barracão
hoje serve para abrigar as crianças da colônia de férias. Um pouco mais adiante se encontram o açude destinado à
pesca, e a criação de porcos. Entre a antiga casa e a nova tem uma horta de verduras e hortaliças. E mais adiante,
estão as roças e o gado.
As ocupações: Agroturismo, produção agrícola, leite...
Deixaram de plantar fumo a pelo menos 8 anos, estão tentando fazer outras coisas. Apesar de ser um trabalho
pesado e sujo, os filhos foram criados com o dinheiro tirado da venda do fumo, embora afirmam que não gostavam
do trabalho, mas “na época é o que tinha pra se fazer”.
Participaram da Agreco e da Acolhida desde o inicio, a idéia do agroturismo é vista com entusiasmo pela mãe, pelo
pai e pelos filhos. Possuem duas casas voltadas para o agroturismo. Uma que segue os preços da Acolhida da
colônia, casa mais rústica, antiga moradia da família. E outra que não segue os preços estabelecidos pela
associação, casa nova, com arquitetura moderna, construída pela filha mais nova ao lado da casa dos pais com o
intuito de futuramente, quando casar, ir morar . A renda fica parte com ela parte com a mãe. A filha mais velha
ajudou na construção do refeitório, que fica próximo a casa dos pais, anteriormente as refeições eram servidas na
casa mais antiga, porém o serviço era dificultado pela distancia que fica da cozinha, onde são preparadas as
refeições.
147
Atendem a colônia de férias, que segundo eles não está compensando muito porque pagam menos, por um acordo
feito com a Acolhida, e dão muito mais trabalho por serem grupos grandes e de crianças.
A comida oferecida para os hóspedes vem da roça, das criações,da horta e do apiário.Também fazem os bolos e
pães. “O alimento a gente tira bastante da terra, porque se você chega no lugar e precisa buscar tudo, então esse
não é agricultor não”. Eventualmente pegam coisas no supermercado da filha, da mesma forma enviam toda
semana para a casa dos filhos uma cesta com alimentos da horta, por serem mais fresquinhos...
Grande parte da divulgação da pousada é feita boca a boca. Segundo o pai “Dependem muito pouco da Acolhida da
colônia, retiraram dela algumas idéias e noções sobre o como receber os hóspedes e a valorização do agricultor.
Outras receitas é deles mesmos porque senão não funciona. As idéias que vem de outro lugar às vezes não
funcionam ali, precisam de adaptação. Tiveram que estabelecer uma infra- estrutura, arrumar a propriedade para
receber os hóspedes. A manutenção nunca acaba”.
O agroturismo significa um aumento de renda, de compensação pelo trabalho empregado, mas também a
oportunidade de conhecer pessoas, trocar conhecimento. Por outro lado, segundo a mãe, tem que trabalhar
bastante, feriado, domingo, fica amarrado, não tem horário certo, tal dia tal hora.
“Quando o visitante tem a intenção de freqüentar as festas, a comunidade, é mais interessante, porque eles
também podem ir”.
Já tiveram e ainda pagam a agroindústria de legumes, e folhas....não deu certo por causa da dificuldade de
convivência e, principalmente, pela dificuldade de venda e transporte, vindo principalmente pela ineficiência da
Agreco.
Segundo a mãe, gostava bastante de trabalhar na agroindústria, principalmente pela convivência com as outras
mulheres mas, infelizmente não estava compensando, ao final, pagavam para trabalhar, porque tinha que pagar
alguém para fazer as coisas em casa e não recebiam nada pelo trabalho na agroindústria.
A Renda
O pai e mãe têm como principal renda à venda do leite para as agroindústrias locais e os serviços de turismo. A mãe
é quem `cuida`de receber o pagamento feito pelos hóspedes, o pai se retira dizendo que é coisa dela e que ele não
sabe os valores. De resto, vivem da produção agrícola e da criação de pequenos animais, voltada,
principalmente,ao consumo próprio e dos hóspedes. E, eventualmente vendem o excedente agrícola no Ceasa. De
resto não possuem gastos em relação aos filhos, já que cada um tem uma ocupação não- agrícola realizada na
cidade de Santa Rosa de Lima. Ao contrário, são os filhos que investem na propriedade dos pais, como a construção
da casa e do refeitório.
Para a mãe o fato de ter outras fontes de renda não os torna menos agricultores, “ pq tem que fazer os dois
sempre, pq tem bastante trabalho”. Para ficar na terra natal, e não ter que fugir pra cidade, tem que fazer outras
coisas...”“.
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149
Apêndice II
Pronaf
Objetivos e Definições
Objetivo geral – “As ações buscam satisfazer a necessidade da criação e/ou fortalecimento de mecanismos que permitam a
agricultura familiar, em especial a agricultura familiar, maior capacidade de compatibilizar a produção para o seu próprio
consumo e para o mercado, especialmente de alimentos que compõem a cesta básica; a manutenção e/ou geração de ocupações
produtivas; a diversificação das atividades rurais; e a construção de mecanismo que permitam a agregação de valor”.(Manual do
plano safra 2003/2004).
Objetivos específicos – ajustar as políticas publicas de acordo com a realidade dos agricultores familiares; viabilizar a
infraestrutura necessária a melhoria do desempenho produtivo dos agricultores familiares; elevar o nível de profissionalização dos
agricultores familiares através do acesso aos novos padrões de tecnologia e de gestão social; estimular o acesso desses
agricultores aos mercados de insumo e produtos.Ainda prevê a necessidade da capacidade de articulação dos diversos autores
envolvidos e comprometidos com a agricultura familiar, tais como: movimentos sociais, ministérios, governos estaduais e
municipais, agentes financeiros, Ong’s e outros.
Definição e Caracterização dos agricultores familiares –São considerados agricultores familiares os produtores rurais que
atendam aos seguintes requisitos : sejam proprietários, posseiros, parceiros ou arrendatário ou concessionários da Reforma
Agrária; utilizar mão de obra familiar, podendo manter até dois empregados permanentes; residam na propriedade ou local
próximo, detenham sob qualquer forma no máximo quatro módulos fiscais de terra, quantificados conforme a legislação em vigor,
ou no máximo seis módulos, quando se tratar de pecuarista familiar; no mínimo oitenta por cento da renda bruta deve ser
proveniente da exploração agropecuária ou não agropecuária do estabelecimento. (Manual Operacional do Plano Safra da
Agricultura Familiar 2003/2004).
Pronaf
Linhas de Atuação
Linhas de atuação - (1) Financiamento da produção, através de recursos para o custeio e investimento*. 2) Financiamento de
infraestrutura e serviços municipais através de recursos para a realização de obras de infraestrutura e serviços básicos
municipais.3) Capacitação e profissionalização dos agricultores familiares através da promoção de cursos de capacitação e
treinamento dos agricultores, conselheiros municipais e equipes técnicas, através da transferência de recursos financeiros ás
entidades publicas e privadas. 4) Financiamento da pesquisa e extensão rural.
*Segmentação dos beneficiários do Financiamento da Produção – Grupo A) Agricultores assentados pela reforma agrária.
Grupo B) Agricultores familiares e remanescentes de quilombos, trabalhadores rurais e indígenas com a renda bruta anual atual de
até R$ 2.000,00. Grupo C) Agricultores Familiares com renda bruta anual atual entre R$ 2.000,00 a R$ 14.000,00, que apresentem
explorações com relativo potencial de resposta produtiva, sendo beneficiados com crédito de custeio e investimento. Grupo A/C)
Agricultores oriundos do processo de reforma agrária e que passam a receber o primeiro credito de custeio apos a obtenção do
credito de investimento. Grupo D) Agricultores estabilizados economicamente com renda anual bruta entre R$14.000,00 e R$
40.000,00, sendo beneficiados com crédito de custeio e investimento. Grupo E) ( Proger Familiar Rural) Agricultores com renda
bruta anual entre R$ 40.000,00 e 60.000,00, sendo beneficiados com crédito de custeio e investimento (se enquadram nos grupos
B,C e D os pescadores artesanais, os extrativistas, os silvicultores e os aquicultores).
Em 1999 foram criadas três novas linhas de credito especiais para os agricultores dos grupos B,C,D: Credito rotativo –
operado exclusivamente pelo banco do Brasil e funciona como um cheque especial em que o agricultor usa o recurso conforme
suas necessidade.Integrado coletivo, destinado a associações, cooperativas e outras pessoas jurídicas compostas por beneficiários
do pronaf. Pronaf Agregar, destinado a financiar infraestrutura , prestação de serviços, beneficiamento de produtos.
*Segmentação das linhas Pronaf
Pronaf Alimentos – Crédito especial para estimular a produção de cinco alimentos básicos da mesa dos brasileiros -
arroz, feijão, mandioca, milho e trigo. Os agricultores terão 50% a mais de crédito, em relação à safra passada, para a
produção dessas culturas.
Pronaf Semi-Árido – Crédito especial para os agricultores da região do semi-árido. Os agricultores terão recursos para a
construção de pequenas obras hídricas, como cisternas, barragens para irrigação e dessalinização.
Pronaf Mulher – As mulheres agricultoras poderão acessar crédito até 50% superior aos dos financiamentos de
investimento dos grupos C e D para viabilizar seus projetos no campo.
Pronaf Jovem Rural – Os jovens que estiverem cursando a partir do último ano em escolas técnicas agrícolas de nível
médio, com idade entre 16 e 25 anos, poderão acessar crédito até 50% superior aos dos financiamentos de investimento
dos grupos C e D.
Pronaf Pesca – Linha de investimento para pescadores artesanais com renda anual bruta familiar até R$ 40 mil. Assim
os pescadores terão recursos para modernizar e ampliar suas atividades produtivas.
Pronaf Florestal – Estimula o plantio de espécies florestais, apoiando os agricultores familiares na implementação de
projetos de manejo sustentável de uso múltiplo, reflorestamento e sistemas agroflorestais.
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Pronaf Agroecologia – Incentivará projetos seja para a produção agroecológica ou para a transição para uma agricultura
sustentável. O governo estimulará o adequado manejo dos recursos naturais, agregando renda e qualidade de vida aos
agricultores familiares.
Pronaf Pecuária Familiar – Crédito para aquisição de animais destinados à pecuária de corte (bovinos, caprinos e
ovinos), outra importante fonte de renda para a agricultura familiar.
Pronaf Turismo Rural - Os agricultores familiares terão mais recursos para desenvolverem projetos de turismo rural em
suas propriedades, como pousadas, restaurantes e cafés coloniais, por exemplo.
Pronaf Máquinas e Equipamentos – Crédito para os agricultores familiares modernizarem suas propriedades,
melhorando a produção e produtividade.
Pronaf Agregar – visa incentivar os projetos de agregação de valor aos produtos da agricultura familiar a partir da
criação de pequenas agroindústrias para beneficiamento da produção. Os agricultores familiares que se dedicarem à
industrialização de sua produção poderão obter crédito de investimento também para ampliação e modernização das
suas atividades. Até então, as linhas de crédito se restringiam à implantação das unidades agroindustriais. Os projetos
agora terão assistência técnica garantida. O produtor receberá instruções sobre organização da cadeia produtiva, como
por exemplo processos de embalagem, rotulagem de produtos e logística de distribuição
1
Categorização utilizada pelo plano Safra para a Agricultura Familiar 2003-2004 , maiores detalhes – www.pronaf.gov.br
Quadro Institucional
1-Secretaria da Agricultura Familiar – SAF, busca consolidar o conjunto das políticas para a agricultura familiar, visando
contribuir: para a melhoria da qualidade de vida das populações rurais e urbanas; a produção e oferta de alimentos sadios; a busca
da segurança alimentar; a proteção e conservação dos recursos naturais renováveis; a inclusão social das famílias rurais menos
favorecidas. O principal programa das diversas linhas de ação e atividades desenvolvidas pela SAF/MDA, é o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf. Além disso, a SAF coordena (decreto nº 4.739 de 16 de junho de 2003) a
implementação da Política e do Programa Nacional de ATER através de programas de Assistência Técnica e Extensão Rural
DATER, executados de forma descentralizadas por entidades governamentais e não governamentais. A nova Política Nacional de
Assistência e Extensão Rural tem como maior desafio se converter de organismo voltado à assistência aos agricultores, em
unidade que planeja, juntamente com os atores locais, o processo de desenvolvimento territorial, estabelecendo um crescente
comprometimento político com a agricultura familiar. Visto que predomina ainda a presença do extensionista rural voltado
exclusivamente ao planejamento das unidades de produção agropecuária integrado ao sistema produtivista.
“A extensão é uma das organizações mais capilarizadas pelo interior do País e sem ela esta peça decisiva na montagem, o
pronaf não teria vindo a luz”( Abramovay, 2003;75) .
2- Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural - O CMDRS é formado por representações/instituições de agricultores
familiares e por instituições que atuam no município. Pelo menos 50% de seus membros devem ser agricultores familiares. O
Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural tem por finalidade analisar e aprovar o Plano Municipal de Desenvolvimento
Rural - PMDR, sugerir mudanças nas políticas municipais, estaduais e federais, promover articulações para implementação do
Plano, e auxiliar no acompanhamento e fiscalização da boa aplicação dos recursos públicos. O Conselho é um fórum permanente
de debate dos interesses dos agricultores familiares. No caso do Pronaf Infra-estrutura e Serviços, serão beneficiados os
municípios que forem selecionados, a cada ano, de acordo com critérios técnicos estabelecidos pelo Conselho Nacional e que
tiverem o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural - PMDRS, aprovado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural
Sustentável - CMDRS. A partir de uma conjuntura territorial de desenvolvimento os Conselhos não devem se confinar ao
universo restrito dos agricultores, procurando contemplar possibilidades de geração de renda existentes no território indo além
daqueles contidos no crescimento da agropecuária
3- Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT, busca adotar uma nova unidade de referência, atribuindo outro enfoque
para as políticas publicas, além do reconhecimento definitivo dos agricultores familiares como participantes do processo de
construção das políticas públicas no meio rural. O território é assim entendido como “um espaço físico geograficamente definido,
geralmente continuo, compreendendo cidades e campo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como, ambiente,
economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população, com grupos sociais relativamente distintos, que se
relacionam interna e externamente, por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que
indicam identidade e coesão social, cultural e territorial” (MDA/SDT, 2003 apud Nead – Serie textos para discussão 4. 2003, p.
43). Tendo ainda em conta o fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestão participativa do desenvolvimento
sustentável, além de avançar em direção a novos conceitos nas relações entre Estado e Sociedade. E tem por objetivo “contribuir
efetivamente para o desenvolvimento harmônico de regiões que predominem agricultores familiares e beneficiários da reforma e
do reordenamento agrário, colaborando para ampliação das capacidades humanas, institucionais e da autogestão dos
territórios”(MDA/SDT, 2003).
“ O enfoque territorial e uma visão essencialmente integradora de espaços, atores sociais, agentes, mercados e políticas publicas
de intervenção, e tem na equidade, no respeito a diversidade, na solidariedade, na justiça social, no sentimento de pertencimento
cultural e na inclusão social, metas fundamentais a serem atingidas e conquistadas ( MDA/SDT. 2003)
151
Anexo I
Questionário nº: ......... Município: ............................................................
Entrevistador(es): ...................................................................................................
Data da entrevista: / / 2003
Pessoa entrevistada (nome e posição na família): ..............................................
Atenção:
- a unidade familiar é composta pelo conjunto das pessoas que habitam o mesmo domicílio
- famílias rurais são aquelas cujo responsável trabalha diretamente a terra, em uma ou mais parcelas
- ANTES DE COMEÇAR: a dupla de entrevistadores deve repassar o questionário, já preenchendo informações que
podem evitar de ser perguntadas dado o conhecimento dos alunos da realidade local (exemplo: quadro 11)
I. Dinâmica econômica e de reprodução da unidade familiar
Quadro 1 - Identificação da propriedade ou parcela de terra
N
ome do(a) responsável:
Comunidade: Município:
Residência do responsável: [ ] No estabelecimento [ ] Em outro local - urbano [ ] Em outro local - rural
Cidade mais próxima: Distância: Tempo de deslocamento da sede do município:
Há quanto tempo trabalha nesta propriedade ou parcela de terra?
01. 20 anos ou mais [ ] 02. entre 15 e 20 anos [ ] 03. entre 10 e 15 anos [ ]
04. entre 5 e 10 anos [ ] 05. entre 1 e 5 anos [ ] 06. menos de 1 ano [ ] 07. outro especificar) [ ]
Condição legal da terra:
01. própria [ ] 02. arrendada [ ] 03. parceria [ ] 04. posse [ ] 05. outra (especificar) [ ]
Se terra própria:
Forma de aquisição: 01. herança do pai/mãe [ ] 02. herança do pai/mãe da/o esposa/o [ ] 03. compra de vizinho [ ]
04. compra de parente [ ] 05. assentamento [ ] 06. outros (especificar) [ ] :
___________________________
Alteração na área nos últimos 5 anos: 01. aumentou [ ] 02. diminuiu [ ] 03. não se alterou [ ]
Se aumentou: 01. comprou de parente [ ] 02. comprou de vizinho [ ] 03. outro (especificar)[ ] :
______________________________
Se diminuiu: 01. vendeu p/ parente [ ] 02. vendeu p/ vizinho [ ] 03. vendeu p/ gente de fora [ ] 04. outro (especificar) [ ]:
____________
Informações complementares:
Quadro 2 - Utilização das terras nos últimos 12 meses
Atenção: - quando o(a) entrevistado(a) explorar áreas descontínuas, considerar o total das áreas
exploradas e
especificar o número de parcelas (ou glebas) na linha 2.10
- quando se tratar de exploração coletiva, considerar a área total explorada pelo grupo e
especificar
embaixo do quadro o número de famílias participantes do grupo
Utilização Hectares Utilização Hectares
Estratégias de desenvolvimento rural, multifuncionalidade da agricultura e a
agricultura familiar: identificação e avaliação de experiências em diferentes
regiões brasileiras – Estudo de caso gaúcho
Questionário - Famílias rurais
152
2.1. Lavoura 2.5. Sede e outras construções
2.2. Pastagem 2.6. Área de recreação para
turistas
2.3. Horta ou roça para auto-consumo 2.7. Açude
2.4. Mata nativa e plantada e capoeira (total) 2.8. Outra (especificar):
2.4.1. Área de preservação ambiental 2.9. Área total
2.4.2. Reflorestamento (anotar se for com espécie
nativa)
2.10. Número de parcelas ou
glebas
Quadro 3 - Composição e ocupação dos membros da unidade familiar
3.0. Número de horas diárias trabalhadas nesta época do ano: _______ horas
Atenção para o quadro a seguir:
- cada campo deverá ser preenchido de acordo com os códigos apresentados abaixo do quadro. Entretanto,
recomenda-se que durante a entrevista seja preenchido de acordo com o que diz o entrevistado... mais tarde o
entrevistador preencherá os códigos
- RENDA MENSAL: apenas se aplica em caso de atividade remunerada, externa à propriedade
- Nos itens i e j: anotar o número de horas diárias dedicadas, para mais tarde fazer o cálculo da porcentagem (aí
deverá ser levado em conta o tempo total de ocupação, que inclui o tempo dedicado ao estudo)
Nome
a. Parentesco
com
responsável
b.
Sexo
c.
Idade
d.
Escola-
ridade
e.
Ocupação
principal
f.
Renda
mensal
na
ocupa-
ção
principal
g.
Ocupação
secundária
h. Renda
mensal na
ocupação
secundária
i. Dedicação
à
atividade
agropecuária
j.
Dedicação
ao
trabalho
da casa e
arredores
3.1
Responsável
3.2
3.3
3.4
3.5
3.6
3.7
3.8
3.9
153
a. parentesco c/
responsável
01 responsável
02 cônjuge
03 filho/filha
04
pai/mãe/sogro(a)
05 nora/genro
06 neta(o)
07 agregados
08 outros
b. sexo
01 masculino
02 feminino
d. escolaridade
01 analfabeto
02 lê e escreve
03 Mobral
04 Até 4
a
Série
(Primário)
05 1
o
G incompleto
06 1
o
G completo
(Ginásio)
07 2
o
G incompleto
08 2
o
G completo
(Colegial)
09 Nível técnico
10 Superior
incompleto
11 Superior completo
12 não soube informar
e./ g. ocupação principal e secundária
01 trabalho por conta-própria na
agricultura
02 trabalho assalariado na agricultura
03 trabalho não remunerado na agricultura
04 serviços domésticos
05 estudante
06 aposentado(a)
07 transformação agroindustrial
08 comércio de mercadorias
09 serviços de transporte
10 administração pública
11 atividades de ensino
12 indústria da construção
13 outras (especificar
)
14 não se aplica
f. / h. renda mensal
01 até R$ 200
02 R$ 200 a 400
03 R$ 400 a 600
04 R$ 600 a 1.000
05 mais de R$ 1.000
06 não se aplica
i. dedicação à
atividade agrícola
(média anual)
01 Mais de 80% do
tempo de trabalho
total
02 Entre 50 e 80%
t.t.t.
03 Menos de 50% t.t.t.
04 Trabalhos
esporádicos
Atenção nos quadros 4.1 a 4.3 (a seguir):
- eles se referem aos produtos parcial ou integralmente comercializados, bem como aqueles destinados à criação
animal ou à transformação no estabelecimento; anotar o percentual (aproximado) da produção total destinado a
cada finalidade
- caso não haja produtos em qualquer destas condições, anotar o motivo
- o quadro 4.4.é específico para as atividades (e produtos) destinadas exclusivamente para o auto-consumo
Quadro 4.1 - Produção, consumo e comercialização de produtos vegetais (período agosto/2001 a julho/2002)
Principais Produtos
Produção
média
anual
(kg)
Venda
(%)
Alimen-
tação
animais
(%)
Transform
. no
estabel.
(%)
Consumo
Próprio
(%)
Forma de
Comercia-
lização
(a)
(a) 01. Cooperativa 02. Intermediário 03. Agroindústria 04. Ceasa-entreposto
05. Varejo (supermercado e outros) 06. Feira 07. Direto ao consumidor
08.Outros (especificar): ___________________________________________________________________
Quadro 4.2 - Produção, consumo e comercialização de produtos animais (no último ano: período outubro/2002 a
setembro/2003)
154
(a) 01. Cooperativa 02. Intermediário 03. Agroindústria 04. Ceasa-entreposto
Principais
Produtos
Rebanho
(cabeças)
Produção
média anual
Venda
(%)
Transform.
no estabel.
(%)
Consumo
Próprio
(%)
Forma de
Comercia-lização
(a)
Aves cab
Bovinos cab
Suínos cab
Ovinos-caprinos cab
Leite lt
Ovos dz
Peixes kg
Mel kg
05. Varejo (supermercado e outros) 06. Feira 07. Direto ao consumidor
08.Outros (especificar): ___________________________________________________________________
Quadro 4.3 - Produção, consumo e comercialização de produtos extrativos (período outubro/2002 a
setembro/2003)
Principais Produtos
Produção
média anual
Venda
(%)
Transform.
no estabel.
(%)
Consumo
Próprio
(%)
Forma de
Comercia-
lização
(a)
Lenha-carvão
Ervas medicinais
Outros
(a) 01. Cooperativa 02. Intermediário 03. Agroindústria 04. Ceasa-entreposto
05. Varejo (supermercado e outros) 06. Feira 07. Direto ao consumidor
08.Outros (especificar): ___________________________________________________________________
1. Qual o a renda monetária anual aproximada da produção agropecuária? R$ ________________________
(referente às atividades mencionadas nos quadros 4.1 a 4.3, descontadas as despesas de produção)
07. não sabe responder [ ] 08. não quis responder [ ]
NÃO PERGUNTAR: mais tarde, o pesquisador deve calcular a renda mensal equivalente:
01. até R$ 200,00 [ ] 02. R$ 200,00 a 400,00 [ ] 03. R$ 400,00 a 600,00 [ ]
04. R$ 600,00 a 1.000,00 [ ] 05. R$ 1.000,00 a 2.000,00 [ ] 06. mais de R$ 2.000,00 [ ]
Quadro 4.4. Atividades exclusivas para auto-consumo
Atividades de
auto-consumo
Principais produtos Quem responde pela
atividade (a)
Observações
complementares (b)
Pomar
Roça
Horta
Criação animal
(a) 01.Responsável 02.1.Filho 02.2. Filha 03. Cônjuge 04. Outros (especificar):
_______________________
(b) Quando mencionado, especificar caso haja pessoas encarregadas por tarefas específicas
2. Caso tivesse que comprar os alimentos que obtém diretamente na(s) sua(s) propriedade, quanto o(a) senhor(a)
avalia que gastaria por mês? (atenção: considerar o total do auto-consumo informado nos quadros 4.1. a 4.3 e na
questão 2)
01. até R$ 50,00 [ ] 02. R$ 50,00 a 100,00 [ ] 03. R$ 100,00 a 200,00 [ ]
155
04. mais de R$ 200,00 [ ] 05. não sabe avaliar [ ]
2.1. Qual o gasto mensal aproximado da família na aquisição de alimentos?
01. até R$ 50,00 [ ] 02. R$ 50,00 a 100,00 [ ] 03. R$ 100,00 a 200,00 [ ]
04. mais de R$ 200,00 [ ] 05. não sabe avaliar [ ]
Quadro 4.5. Aquisição de alimentos
Principais itens
adquiridos
Participação no consumo
total do item pela família
(%)
Freqüência de aquisição
(a)
Onde compra (b)
Carne
Farinha
Verduras
Frutas
(a) 01.Semanal 02.Mensal 03.Eventualmente 04. Outro (especificar): _______________________
(b) 01.Supermercado 02.Venda na comunidade 03.Feira 04.Direto do produtor 05.Troca com vizinhos
06. Outro (especificar): __________________
Quadro 5 - Atividade agroindustrial rural - agregação de valor
5.1. Realiza processamento regular de matéria-prima*? 01. Sim [ ] 02. Não [ ]
5.2. Principais produtos e quantidades vendidas:
5.3. Unidade de processamento: 01. Individual [ ] 02. Associativa rural [ ] 03. Associativa urbana [ ]
5.4. Origem da matéria prima: 01. Própria [ ] 02. Terceiros [ ] 03. Ambos [ ]
5.5. Renda líquida anual total: R$ Não sabe informar: [ ]
5.6. O(s) produto(s) que vende é(são) inspecionado(s) ou registrado(s)? 01. Sim [ ] 02. Não [ ]
Se não, por quê?
5.7. O(s) produto(s) que vende é(são) certificado(s) [selo]? 01. Sim [ ] 02. Não [ ]
Qual selo?
(*) Exemplos: farinha, queijo, requeijão, iogurte, embutidos de carne, conservas, doces, polpa de frutas, açúcar,
cachaça, rapadura, etc.
Quadro 6 - Outras fontes de receitas e auxílios da família - período outubro/2002 a setembro/2003
Valor bruto recebido
Tipos de receitas monetárias
(R$)
Não sabe
6.1.
6.2.
6.3.
6.4.
6.5. Total outras receitas monetárias
Exemplos: renda fundiária (arrendamento, parcerias), aluguel de pasto, aluguel de máquinas e
equipamentos, aluguel de casa de farinha e engenho, venda de esterco, aluguel de casa em área urbana, aluguel de
alojamento para turismo rural, pesque-e-pague, bolsa-escola, bolsa-alimentação, cesta básica, recursos enviados por
parente, etc.
156
3. NÃO PERGUNTAR, CALCULAR DEPOIS: Qual a renda monetária mensal total da família (incluindo rendas
pessoais, da atividade produtiva e outras receitas)?
01. até R$ 200,00 [ ] 02. R$ 200,00 a 400,00 [ ] 03. R$ 400,00 a 600,00 [ ]
04. R$ 600,00 a 1.000,00 [ ] 05. R$ 1.000,00 a 2.000,00 [ ] 06. mais de R$ 2.000,00 [ ]
07. não sabe responder [ ] 08. não quis responder [ ]
4. Qual a renda mais importante para a manutenção da família?
01. atividade agropecuária própria [ ] 02. trabalho em atividade agropecuária de terceiros [ ]
03. aposentadoria/pensão [ ] 04. comércio [ ] 05. artesanato [ ] 06. extrativismo [ ]
08. atividade remunerada (não agropecuária) de membro da família [ ] 07. outra (especificar) :
______________________
Quadro 7 - Força de trabalho utilizada na(s) parcela(s) - período outubro/2002 a setembro/2003
Atividades
Diarista
(b)
Empregado(a)
Permanente
(nº.)
Troca de dias de
trabalho
(c)
7.1. Atividades agropecuárias
7.2. Indústria rural/caseira
7.3. Artesanato
7.4. Extração vegetal
(b) Total de “homens”-dia-ano (total obtido tomando-se o número de diaristas contratados no último ano,
multiplicado pelo número de dias trabalhados por cada um deles no mesmo período)
(c) 01. grupo familiar 02. grupo de vizinhança 03. grupo familiar e grupo de vizinhança
04. outro - especificar: _______________________
Quadro 8 - Fontes de crédito
Finalidade Utiliza (a) Fonte (b)
8.1. Custeio
8.2. Comercialização
8.3. Investimento
8.4. Animais
8.5. Outro (especificar)
(a) 01. Sim 02. Não
(b) 01. Banco - contrato Pronaf 02. Banco - crédito pessoal 03. Intermediário
04. Cooperativa 05. Outro (especificar): _______________________
Se não utiliza(ou), por quê? _______________________________________________
5. Adota alguma prática que confere qualidade diferenciada aos produtos que comercializa (produtos orgânicos,
artesanais, etc.)?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
Caso sim:
5.1.Quais?______________________________________________________________________________
5.2.Porque decidiu por esta prática?____________________________________________________
5.3.Contou com algum estímulo ou apoio (especificar)? _______________________________
Se não
:
5.4.Por que?____________________________________________________________________________
6. Quando necessita de assistência técnica, a quem costuma procurar?
01. ONG’s [ ] 02. Cooperativas [ ] 03. Empresas particulares [ ] 04. Sindicato [ ]
157
05. Agroindústria integradora [ ] 06. Empresas públicas [ ] : identificar: ________________________
07. Outros [ ] especificar: _____________________
7. O(a) senhor(a) gostaria de modificar os tipos de produto que cultiva?
01. Diversificar mais [ ] 02. Especializar mais [ ] 03. Outro [ ] - especificar:_______________________
04. Não [ ]
7.1.Por quê? __________________________________________________________________________
8. O(a) senhor(a) pensa em outras possibilidades de utilização da terra além da atividade agropecuária?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
8.1.Se sim, quais? _______________________________________________________________________
9. O(a) senhor(a) considera que sua família:
9.1. Está protegida contra o risco de não ter alimentos suficientes para comer?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
9.2.Por quê? _____________________________________________________________________
9.3. Possui hábitos alimentares saudáveis?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
9.4. Por quê? ___________________________________
10. O(a) senhor(a) considera que sua família e as demais famílias rurais da sua comunidade contribuem para que a
sociedade não tenha falta de alimentos e para que estes alimentos sejam de boa qualidade e saudáveis?
01.Sim [ ] 02. Não [ ]
10.1.Se sim,como?_________________________________
10.2.Se não,porquê? _________________________________
10.3. Qual sua opinião sobre os alimentos transgênicos?
II. Recursos naturais e meio ambiente
11. Qual(is) o(s) sistema(s) de cultivo que o(a) senhor(a) adota?
01. convencional - ____________ ha
02. plantio direto - ____________ ha
03. cultivo mínimo - ____________ ha
04. orgânico - ____________ ha
05. sistema agroflorestal - _________ ha
06. outro (especificar: _________________ ) - ______________ ha
Atenção: Plantio convencional: refere-se ao sistema de preparo do solo baseado fundamentalmente na remoção do
mesmo com aração e gradagem, em geral, com tração mecânica.
Plantio direto: refere-se à pratica de utilizar uma cobertura verde, em geral com gramínea, durante o período de
inverno; em seguida, essa cobertura é "acamada" (com rolo-faca) ou dessecada (com herbicida), para posterior
plantio da cultura de verão (milho ou soja no sul do pais)
Cultivo mínimo: refere-se ao sistema de preparo do solo com o mínimo de removimento possível; na maioria das
vezes, utiliza-se algum tipo de cobertura vegetal, sendo realizado o sulcamento para posterior plantio.
11.1. Esclarecimentos adicionais (combinação de sistemas, existência de certificação de cultivo orgânico, etc.):
________________________________________________________________
158
Quadro 9 - Uso de máquinas e Equipamentos
Máquina-
Equipamento
Utiliza
(S/N)
Quantidade
(a)
Condição
(b)
9.1 Trator
9.2 Plantadeira
9.3. Arados
9.4. Tração
animal
(a) 01. nenhum 02. um 03. dois 04. três 05. outro (especificar): _________________________
(b) 01. próprio 02. alugado 03. associação 04. outro (especificar): _____________________
Quadro 10 - Uso de insumos e outras técnicas
Insumos e técnicas Utilização
(a)
Orientação
(b)
10.1. Adubos químicos
10.2. Esterco
10.3. Adubo verde
10.4. Composto orgânico
10.5. Semente certificada
10.6. Semente própria
10.7. Agrotóxicos
10.8. Herbicidas
10.9. Controle biológico
10.10. Descanso do solo - pousio
10.11. Conservação de solo
10.12. Rotação de culturas
10.13. Consórcio de culturas
10.15. Queimada
10.19. Irrigação
(a) 01. freqüentemente 03. eventualmente 05. não utiliza
(b) 01. Outros agricultores 02. Emater 03. Cooperativa 04. Empresas particulares
05. ONG´s 06. Prefeitura 07. Tradição familiar 08. Outro (especificar) __________________
12. Nos últimos 10 anos, a produtividade das culturas (quantidade produzida por área):
01. aumentou [ ] 02. diminuiu [ ] 03. permaneceu igual [ ]
12.1. Por quê? ______________________________________________________________
13. O(a) senhor(a) utiliza agrotóxicos?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
13.1. Por quê? ________________________________________________________________________
Se sim:
13.7. Utiliza:
01. Herbicidas [ ] 02. Inseticidas [ ]
03. Fungicidas [ ] 04. Outros [ ] - especificar: ________________
13.2. Equipamento:
01. Pulverizador manual [ ] 02. Pulverizador motorizado [ ]
03. Tratorizado [ ] 04. Outros [ ] - especificar: __________________
13.8. Quem costuma realizar a aplicação?
01. Responsável [ ] 02. Filho [ ] 03. Filha [ ] 04. Cônjuge [ ] 05. Empregado [ ] 06.
Outro [ ] Especificar: _______________________
159
13.3. Usa equipamento de proteção durante a aplicação?
01. Sim [ ] 02. Não [ ] 03. Às vezes [ ]
Caso sim, quais equipamentos utiliza? ____________________________________
Caso não, por quê? ___________________________________________________
13.4 Onde lava o equipamento?
01. No rio [ ] 02. Perto do poço [ ] 03. Lagoa [ ] 04. Outro [ ] especificar: _________________
13.5. Alguém da família já teve problemas de intoxicação com os produtos utilizados?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
Caso sim, quem, e como se tratou? _______________________________
13.9. Algum conhecido já teve problemas de intoxicação com agrotóxicos?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
Caso sim, quem, e como se tratou? _____________________________
13.6 Qual o destino dado às embalagens de agrotóxico?
01. Lixeira tóxica [ ] 02. Queima [ ] 03. Reutiliza [ ]
04. Deixa no campo [ ] 05. Faz tríplice lavagem [ ] 06. Devolve para a revenda [ ]
07. Outro [ ] especificar: ________________________
14. Nos últimos 10 anos:
14.1. O uso de agrotóxicos (venenos) na região:
01. aumentou [ ] 02. diminuiu [ ] 03. não sabe opinar [ ]
14.2. Por quê? _________________________________________________________________________
14.3. As pragas e doenças nas lavouras da região:
01. aumentaram [ ] 02. diminuíram [ ] 03. não sabe opinar [ ]
14.4. Por quê? _________________________________________________________________________
14.5. Na sua opinião, com as lavouras transgênicas, a utilização de herbicidas:
01. aumenta [ ] 02. diminui [ ] 03. não sabe opinar [ ]
Quadro 11 - Abastecimento de água e saneamento
11.1. Qual sistema de abastecimento de água utilizado? 11.2. Qual o destino dado aos dejetos humanos
?
[ ] 01. Poço com proteção [ ] 05. Poço s/ proteção [ ] 01. Privada
[ ] 02. Mina/fonte c/
proteção
[ ] 06. Mina/fonte s/
proteção
[ ] 02. Privada com fossa negra/séptica
[ ] 03. Poço profundo-
artesiano
[ ] 07.Direto do rio [ ] 03. Descarregado no rio
[ ] 04. Rede pública [ ] 08. Outro [ ] 04. Outro
11.3. Qual o destino dado aos dejetos animais ? 11.4. Qual o destino das águas usadas?
[ ] 01. Céu aberto [ ] 01. Sumidouro
[ ] 02. Buraco no chão [ ] 02. Céu aberto
[ ] 03. Esterqueira [ ] 03. Outros
[ ] 04. Outro
11.5. Usa água para irrigação? 01. Sim [ ] 02. Não [ ]
15. Existe nascente ou rio na propriedade?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
15.1. Caso sim, o volume nos últimos 10 anos:
01. aumentou [ ] 02. diminuiu [ ] 03. permaneceu igual [ ]
16. Existe um período de escassez de água?
160
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
16.1. Se sim, qual o motivo principal?
01. Seca [ ] 02. Uso intensivo e seca [ ] 03. Muitos usuários [ ]
04. Outros [ ] - especificar: ___________________
17. Nos últimos 10 anos, as matas na região (de proteção às margens dos rios e nascentes e de topos de morro ou
chapadas):
01. aumentaram [ ] 02. diminuíram [ ] 03. não se alteraram [ ]
17.1. Por quê?__________________________________________
18. Nos últimos 10 anos, as enchentes na propriedade ou na região:
01. aumentaram [ ] 02. diminuíram [ ] 03. não sabe opinar [ ]
18.1. Por quê? ________________________________________
19. Em relação à fauna e à flora da região, nos últimos 10 anos:
19.1. Os tipos de animais silvestres que são vistos com freqüência:
01. aumentaram [ ] 02. diminuíram [ ] 03. permaneceram iguais [ ]
19.2. Explicar: _____________________________________
19.3. A quantidade e a variedade de peixes:
01. aumentaram [ ] 02. diminuíram [ ] 03. permaneceram iguais [ ]
19.4. Explicar: ______________________________________________________________
19.5. A quantidade e a variedade da flora:
01. aumentaram [ ] 02. diminuíram [ ] 03. permaneceram iguais [ ]
19.6. Explicar: ______________________________________________________________
19.7. Em sua opinião, atualmente o controle que os agricultores têm das sementes utilizadas nas lavouras:
01. aumentou [ ] 02. diminuiu [ ] 03. permaneceu igual [ ]
19.8. Explicar: ________________________________________________________
19.9. O sr. considera que com as lavouras transgênicas o controle que os agricultores têm das sementes tende a:
01. aumentar [ ] 02. diminuir [ ] 03. permanecer igual [ ]
19.10. Explicar: _________________________________________________________
III. Identidade e condições de vida e de trabalho
20. Qual é (ou era) a profissão de seus pais?
20.1- Pai: ___________
20.2- Mãe: ___________
01. agricultor(a) 02. trabalhador(a) assalariado(a) na agricultura 03. comércio
04. trabalhador(a) assalariado(a) fora da agricultura 05. outra (especificar) ____________________
21. Que outras ocupações remuneradas o(a) senhor(a) exerceu nos últimos 05 anos, além da sua condição atual?
01. trabalho assalariado na agricultura [ ] 02. trabalho assalariado fora da agricultura [ ]
03. comércio [ ] 04. não exerceu [ ] 05. outra [ ](especificar) :_________________.
21.1.Se sim, com que freqüência? ___________________________________________________
22. Que nome o(a) senhor(a) acha mais acertado para definir a sua condição, considerando o seu trabalho na
agricultura?_________________________________
Atenção: se
o(a) entrevistado(a) não responder espontaneamente, oferecer as alternativas a seguir:
05. trabalhador(a) rural [ ] 06. camponês(a) [ ]
10. colono [ ] 11. pequeno(a) agricultor(a) [ ]
01. agricultor(a) [ ] 02. agricultor(a) familiar [ ] 03. produtor(a) rural [ ] 04. pequeno(a)
produtor(a) [ ]
161
09. outro [ ] - especificar: __________________________
23. Das atividades desempenhadas pelo(a) senhor(a), atualmente, qual a que o(a) senhor(a) considera a mais
importante?
___________________________________________________________________________
24. Em relação a seus pais, o(a) senhor(a) considera que vive, hoje :
24.1. [ ] Melhor- Em quais aspectos? ___________________________________________________
24.2.[ ]Pior- Em quais aspectos?________________________________________________________
24.3.[ ]Igual- Por quê? ________________________________________________________________
25. Vê possibilidade de melhorar a sua situação, em relação a como ela se encontra hoje ?
01. sim [ ] 02. não [ ] 03. não tem opinião a respeito [ ]
25.1. Se sim, como? Se não, porquê?_______________________________________________
26. O(a) senhor(a) acha que as políticas e programas do governo contribuem para a agricultura familiar ?
01. sim [ ] 02. não [ ] 03. não tem opinião a respeito [ ]
26.1. Se sim, quais? Se não, por quê?__________________________________
27. Em sua opinião, o número de famílias agricultoras em sua comunidade e município, tem:
01. diminuído [ ] 02. permanecido o mesmo [ ] 04. aumentado [ ] 03. não sabe [ ]
27.1. Caso esteja diminuindo o número de agricultores, isso:
01. vem acontecendo com muitos agricultores [ ] 02. acontece em número muito pequeno [ ]
04. vem acontecendo apenas com os jovens [ ] 03. não sabe avaliar [ ]
28. Tem algum filho que não reside com o(a) senhor(a)?
01. Sim [ ] 02. [ ] Não
Quadro 13 – Destinos dos(as) filhos(as) que migraram
sexo (a) idade atual saiu quanto
tempo (anos)
motivo que
levou a sair (b)
onde vive (c) relação com
casa paterna
(d)
pretende
voltar
(sim/não)
(a) 01. masculino 02.feminino
(b) 01. estudo 02.trabalho 03..constituição de nova unidade familiar 04. outro – especificar:
________________
(c) 01. cidade próxima 02. cidade na região metropolitana PoA 03.cidade em outra região do RS
04. cidade em outro Estado 05.área rural próxima 06.área rural outra região do RS 07.área rural outro
Estado
08. outro – especificar: __________________
(d) 01. vem em finais de semana 02.vem várias vezes durante o ano 03.vem nas férias 04. vem raramente
05. nunca vem
29. Gostaria que seus filhos viessem a ser (fossem) agricultores?
01. Sim [ ] 02. Não [ ] 03. Não tem opinião a respeito [ ]
29.1. Por quê?
162
29.2. Se não, que profissão gostaria que seus filhos viessem a seguir (ou tivessem seguido)?
29.3. Pensa do mesmo modo em relação aos filhos e às filhas? Explicar
______________________________________________________________________________________________
30. Na sua opinião, qual a principal contribuição da agricultura para sua família e para sua comunidade?
______________________________________________________________________________________
31. O(a) senhor(a) gostaria de deixar a agricultura?
01. Sim [ ] 02. Não [ ] 03. Não tem opinião a respeito [ ]
31.1. Por quê?
______________________________________________________________________________________
31.2. Que outra atividade gostaria de exercer?
______________________________________________________________________________________
32. Na sua opinião, qual deveria ser o papel dos agricultores para o desenvolvimento da sociedade? O(a) senhor(a)
acha que os agricultores têm desempenhado este papel atualmente? Por quê?
______________________________________________________________________________________
33. Na sua opinião:
33.1. Em quê a vida no campo é melhor que a da cidade?
___________________________________________________________________________________________
33.2. Em quê a vida no campo é pior que a da cidade?
___________________________________________________________________________________________
34. Na sua opinião, quais são as três coisas mais importantes para que sua família possa viver bem no campo? Por
quê?
Atenção: se necessário
, citar os exemplos a seguir, porém, cuidando para não induzir a resposta: ser proprietário;
área maior; número de filhos; existência de associação ou cooperativa; preços dos produtos; crédito; tecnologia;
capacitação ou recursos para desenvolver atividades não-agrícolas, etc.
_____________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
34.1. Quais são os principais problemas que dificultam a vida de sua família no campo?
______________________________________________________________________________________
_____________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
IV. Sociabilidade e manifestações culturais
35. Qual destes locais o(a) senhor(a) freqüenta com maior freqüência?
01. comunidade rural [ ] 02. bairro/distrito mais próximo [ ] 03. sede do município/cidade mais
próxima [ ]
35.1. Por quê? Com que finalidade?__________________________________________________
36. O(a) senhor(a) vai regularmente à cidade mais próxima (mencionar o nome da cidade, se necessário)?
01. sim [ ] 02. não [ ]
36.1. Se sim, para quê? especificar por ordem de importância: ___________________________
163
36.2. Com que freqüência?______________________________________________________
37. Com que pessoas o(a) senhor(a) e sua família se relacionam com maior freqüência?
(tentar construir a rede de sociabilidade, por ordem de importância: 1, 2, 3, etc.)
01. parentes [ ] 02. vizinhos [ ] 03. grupo religioso [ ]
04. grupo de trabalho [ ] 05. outros [ ] especificar :____________________
38. Quais as atividades de lazer mais importantes da sua família? (ordem de importância: 1, 2, 3, etc.)
01. Festas comunitárias [ ] 02. Jogos na comunidade [ ] 03. Viagem de férias [ ]
04. Visita a familiares [ ] 05. Excursões [ ] 06. Pescaria [ ]
07. Baile, discoteca (danças) [ ] 08. outra [ ] especificar: ______________________________
38.1. Faltam alternativas de lazer acessíveis para sua família? Se sim, quais ou de que tipo? Distinguir necessidades
dos diferentes membros da família:
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________________
Quadro 12: Participação da família na vida da comunidade e do município
Discriminação Existe Al
g
uém da família
participa
Membros da
família que
participam
(a)
12.1 Associação comunitária de produtores Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.2 Associação de feirantes Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.3 Condomínios agrícolas Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.4 Cooperativas – qual? Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.5 Entidade ambientalista Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.6 Sindicato de trabalhadores rurais Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.7 Sindicato patronal rural
Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.8 Associação de mulheres/clube de mães Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.9 Associação/clube de jovens Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.10 Associação de igreja (pastorais, etc.) Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.11 Associação de pais e mestres da escola Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.12.Conselho municipal (especificar qual
ou quais):
Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.13 Partido político Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
12.14 Outro – especificar: Sim( ) Não ( ) Não sabe ( ) Sim ( ) Não ( )
(a) 01.Responsável 02. Cônjuge 03.Filho 04.Filha 05..Outros (especificar): _______________________
39. Algum membro da família ocupa ou ocupou cargo(s) diretivo(s) em alguma(s) das entidades listadas no quadro
anterior?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
39.1. Se sim, especificar (mencionando
quem):__________________________________________________________________________
39.2. Em sua opinião, quais dessas são as entidades mais importantes/atuantes na comunidade e no município? Por
quê?_____________________________________________________________________________
39.3. Qual(is) delas promovem reuniões/debates a respeito de políticas públicas para o meio rural? Quais os
temas?_________________________________________________________________________________
164
40. Que atividades e festas o(a) senhor(a) acha que são importantes para a vida da comunidade? (por ordem de
importância: 1, 2, 3, etc.)
01. festas da igreja [ ] 02. festas da comunidade [ ] 03. reuniões de famílias [ ]
04. esportes - torneios esportivos [ ] 05. forró - bailes [ ] 06. cultos religiosos [ ]
07. feira agrícola ou de produtos regionais [ ] 08. outra [ ] - especificar: ______________________
40.1. Em qual delas o(a) senhor(a) participa com maior freqüência? _________________________________
41. Qual a sua opinião sobre as pessoas que vêm de fora (turistas, novos residentes, novos agricultores, etc.)?
01. trazem mais vantagens que desvantagens [ ]
02. trazem mais desvantagens que vantagens [ ]
03. não interferem em nada [ ]
04. outra [ ] - especificar :____________________________________
41.1. Quais as principais vantagens que o pessoal de fora traz? ___________________________________
41.2. Quais as principais desvantagens que o pessoal de fora traz? ____________________________________
______________________________________________________________________________________
41.3.. Quais as principais contribuições que o pessoal daqui dá para o pessoal de fora? ________________
______________________________________________________________________________________
42. Em sua comunidade, existe algum tipo de conflito entre:
42.1. agricultores locais e pessoal que vem da cidade (turistas)?
01. sim [ ] 02. não [ ]
Se sim,de que tipo? ___________________________________________________________
42.2. agricultores locais e os novos produtores que se instalam na região ?
01. sim [ ] 02. não [ ]
Se sim, de que tipo? ______________________________________________________________
43. Em relação ao lugar (comunidade ou região) em que mora:
01. gosta do lugar onde mora [ ] 02. gostaria de morar em outro lugar [ ]
43.1. Por quê? ______________________________________________________________
44. O que o(a) senhor(a) destacaria como mais importante para sua permanência neste lugar? __________
______________________________________________________________________________________
45. De um modo geral, o que acontece com os jovens daqui, eles saem ou permanecem na comunidade?
45.1. Rapazes: __________________________________________________________________________
45.2.Moças: ____________________________________________________________________________
Se saem, para onde vão?
45.3. Rapazes: __________________________________________________________________________
45.4.Moças: ____________________________________________________________________________
O que vão fazer/procurar?
45.5. Rapazes: __________________________________________________________________________
45.6.Moças: ____________________________________________________________________________
45.7. O senhor acha importante que os jovens permaneçam na comunidade? 01. Sim [ ] 02. Não [ ]
45.8. Se sim, o que o senhor considera mais importante para que os jovens permaneçam?______________
_____________________________________________________________________________________
46. Com relação aos hábitos e aos costumes da sua família:
46.1. Quais o(s) senhor(a) acha que estão se mantendo e por
quê?_______________________________________________________________________________
46.2. Quais o(s) senhor(a) acha que estão se perdendo e por quê? __________________________
165
Atenção: por hábitos e costumes estamos entendendo aspectos da vida familiar tais como tradição culinária, hábitos
alimentares, tipos e freqüência das reuniões familiares, festas familiares, forma de moradia e padrão das
construções, etc.
47. Com relação aos hábitos e costumes da sua comunidade:
47.1. Quais o(a) senhor(a) acha que estão se mantendo e por
quê?________________________________________________________
47.2. Quais o(a) senhor(a) acha que estão se perdendo e por quê? ______________
48. A sua comunidade tem alguma característica que a distingue das demais? 01. Sim [ ] 02. Não [ ]
48.1. Se sim, qual? _______________________________________________________________________
48.2. Qual a importância da agricultura para a manutenção desta característica? ______________________
______________________________________________________________________________________48.3.
O(a) senhor(a) e sua família contribuem para a preservação desta característica? Como?
______________________________________________________________________________________
49. Na sua opinião, quais são as principais mudanças para melhor e para pior que ocorreram na sua comunidade nos
últimos dez anos?
49.1.Para melhor: ____________________________________________________________________
49.2.Para pior:_______________________________________________________________________
V. Relações com o território e a natureza (paisagem rural)
50. Liste os cultivos e outras atividades produtivas rurais mais importantes na região:
-Há 20 anos atrás: ___________________________________________________________________
-Há 10 anos atrás:___________________________________________________________________
-Atualmente:_______________________________________________________________________
50.1. Quais as alterações na paisagem rural da região que foram provocadas pelas mudanças havidas nas atividades
produtivas rurais? Qual sua opinião a respeito?____________________________________
51. O(a) senhor(a) acha que a agricultura que o(a) senhor(a) pratica, ajuda a cuidar da natureza?
01. Sim [ ] 02. Não [ ] 03. não tem opinião [ ]
51.1.Por quê ?_________________________________________________________________
52. O(a) senhor(a) participa de alguma atividade (individual ou coletiva) ou projeto relacionado com a proteção da
natureza ?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
52.1. Em caso afirmativo, qual ? ___________________________________________________________
53. Algum órgão para proteção da natureza atua aqui em sua comunidade ou no município ?
01. sim [ ] 02. não [ ] 03. não sabe [ ]
53.1. Especificar órgão e tipo de atuação: ____________________________________________
53.2. Esta atuação gera algum tipo de conflito? Porquê? ________________________
53.3. Qual sua opinião a respeito? ___________________________________________
______________________________________________________________________________________
54. O seu estabelecimento tem alguma característica particular ou recurso natural que o(a) senhor(a) considera
importante?
01. Sim [ ] 02. Não [ ]
54.1. Em caso afirmativo, especificar: ______________________________________________
55. O senhor(a) estaria disposto a mudar suas práticas agrícolas em função de programas de governo que
propusessem um maior cuidado com a natureza?
01. Sim [ ] 02. Não [ ] 03. não tem opinião [ ]
166
55.1. Em caso afirmativo, que compromisso(s) estaria disposto a assumir, e de que forma pensa que este
compromisso deveria ser recompensado?
55.2. Em caso negativo, porque não?
______________________________________________________________________________________
x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x
Para o entrevistador :
Anotar após o preenchimento do questionário :
1. Onde foi realizada a entrevista :
01. Na casa do(a) entrevistado(a) [ ]
02. Na área de trabalho [ ]
03. Outro [ ] - especificar : ______________________________________
2. Esteve presente durante a entrevista, além do(a) entrevistado(a) :
01. Cônjuge [ ]
02. Filho (a)(s) [ ]
03. Pais [ ]
04. Amigo(a)s [ ]
05. Outros(as) parentes [ ]
06. Outro [ ] - especificar : ________________________________________
3. Endereço do entrevistado para contato/correspondência :______________________________
4.Observações complementares que considere relevante destacar:_________________________
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