Roberto Carlos: - Eu descobri quando tinha seis... logo que cheguei na FEBEM eu descobri, com seis
anos pra sete, que todo doente tem prioridade de atendimento.
Entrevistador: - Todo o que?
Roberto Carlos: - Todo doente. Todo doente tem prioridade de atendimento. E na FEBEM era a
mesma coisa. E um dia então foi um médico lá...uma psicóloga lá na FEBEM e foi fazer uma avaliação
psicológica comigo e tudo mais. Com seis anos de idade. Era um quebra cabeça de seis peças. Seis
pecinhas, né?! Eu era hiperativo fiz [thum, thum, thum]. Peguei, tia, acabei! E daqui a pouco o pessoal
tsi,tsi,tsi. E botaram alguma coisa lá! Eu pensei: oba! Deve ser um brinquedo que vão me dar. Só que
não veio brinquedo. Veio outro quebra cabeça. Aí eu fiz [thum, thum, thum], tia acabei! Aí veio outro
quebra cabeça.E a mulher falou assim [tsi, tsi, tsi]. E eu pensei: gente que coisa é essa? Teve uma hora
que eu errei! Na hora que eu errei a mulher deu um nome de uma doença que eu tinha, que eu nem
sabia que eu tinha. Aí o pessoal falou assim: ó coitado! A aí veio uma estagiária, morrendo de dó de
mim, porque eu tinha aquela doença e me deu um biscoitinho pra me consolar. Aí eu entendi: a, toda
vez que eu errar, aquela mulher me dá uma doença, mas a outra me dá um biscoitinho. [risos]
Aí comecei a errar de propósito, pegar a pecinha redonda e colocar no buraquinho quadrado.
Opa eu errei, me dá um biscoitinho. Eu errei tudo que podia, mas eu comi um pacote inteiro de biscoito
recheado, bebi duas xicrinhas de café, mas saí lá do laboratório cheio de doença que eu não sabia que
eu tinha. Ela falou que eu tinha dislalia, dislexia, discalculia e faltava a tal da coordenação motora. Mas
ninguém me explicou e eu pensei, deve ser doença do corpo da gente, então eu saí mancando. Gente, eu
tenho dislalia, dislexia, discalculia. Mas o que é isso? Não sei, mas ela falou que eu tenho, eu tenho.
Pra quem não sabe eu vou explicar: dislalia gente, é uma doença que manifesta ao nível da fala.
Quando a pessoa fala embolado, gaguejando, atrapalhado, ou fala rápido que nem eu falo, tem dislalia.
Dislexia é dificuldade na escrita, quando a pessoa escreve invertido, de cabeça pra baixo, ou faz
inversão silábica. Discalculia é dificuldade na matemática. Mas ninguém me explicou, eu pensei, deve
doer no corpo. Aí eu fui mancando. Aí tava na fila do almoço, aquela meninada! Eu era o último da
fila. Eu falei: -Seu cozinheiro, deixa eu entrar, tenho dislalia tá doendo demais! Ele falou: -que você
tem? -Tenho dislalia, ta doendo tudo aqui. –A minha vó também tem isso, é dislalia mesmo. [risos] Eu
ganhava dois pedaços de carne porque não tinha coordenação motora. Podia morrer sem esse negócio.
Entrevistador: - Tinha que comer mais. E aí você continuou lendo, sendo o leitor oficial da FEBEM
até que idade? Quando você aprendeu a ler, como é que foi?
Roberto Carlos: - Eu aprendi com treze anos, quando fui adotado por uma pedagoga francesa. Mas
antes de ser adotado eu descobri que falar bem é fundamental. Eu descobri que cada tribo tinha sua
linguagem, então de dez palavras que eu falava onze eram palavrões. E um dia [...] Os colegas
adoravam, tudo que eu falava eu colocava um palavrão. Nossa, que cara desbocado. O cara é fera! E
um dia me mandaram pra uma instituição que era cuidada por umas irmãs sexi-sagenária. [risos]. Então
não podia falar palavrão. Aí um dia eu tava na sala de aula, a mulher falou pra mim assim: - imbecil,
estúpido, insignificante, larápio, rélis, vil, torpe, enfim. Eu falei: - nossa que coisa bonita! Isso é
poesia? - Idiota, eu tô te xingando, isso é palavrão. Eu falei: - é palavrão? Eu vou ensinar pra senhora.
Eu falei: vai tomar banho. A mulher falou: - Heim, o que você falou comigo? Ela começou a chorar. Eu
falei: - Gente, ela ficou nervosa. Eu falei, vai tomar banho e bunda. Ela: - O que???? Vai tomar banho,
bunda e perereca, ela : - Ai!!!! Caiu no chão. Aí eu vi que a perereca era o ponto fraco da irmã. Aí eu
dei então um adjetivo pra perereca. Perereca grande, cabeluda, recheada, careca, amarfanhada. Eu não
sei se ela teve derrame ou ataque cardíaco, mas ela aposentou naquele dia. Mas fez um laudo que ia
mudar minha vida. Ela escreveu assim: baseado em Piaget, Vigoski, La Fontaine, Freud, Jesus Cristo,
tudo que é mais sagrado não tem jeito. É irrecuperável.
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