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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
CURSO DE MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
A ALTERNÂNCIA DE CÓDIGO
COMO PEDAGOGIA CULTURALMENTE SENSÍVEL NOS EVENTOS
DE LETRAMENTO EM UM CONTEXTO BILÍNGUE
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do Grau de
MESTRE EM LETRAS
CARMEN GRELLMANN BREUNIG
Prof ª Dr ª ANA MARIA STAHL ZILLES
Orientadora
Porto Alegre, 21 de dezembro de 2005.
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2
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que, de uma forma ou outra, me incentivaram a realizar
essa pesquisa, interessavam-se pelo que estava sendo feito, trocavam idéias e, direta ou
indiretamente, contribuíram para que fosse concluída. Este trabalho só chegou à sua
conclusão graças às muitas cabeças que comigo pensaram e discutiram e pelas inúmeras mãos
que me foram estendidas. Agradeço de modo especial:
Dr. Ana Maria Stahl Zilles, por ter feito um papel muito além do que se espera de
um orientador, isto é, ter agido com profissionalismo, competência, ter sido incansável nas
sessões de orientação e, ao mesmo tempo, ter sempre uma palavra de incentivo, bem como
entusiasmo em relação aos dados gerados, o que impulsionou muito o curso da pesquisa
através da lição prática de andaimento e valoração;
-aos professores e funcionários do PPG/UFRGS, especialmente aos professores com
quem tive aula e que, através de suas perspectivas teóricas, muito contribuíram para o meu
crescimento;
- ao prof. Dr. Cléo Vilson Altenhofen, que me incentivou a enfrentar o desafio de fazer
mestrado e a não desistir;
- a todos os colegas com quem, durante este percurso, tive também a oportunidade de
trocar idéias e crescer, especialmente à colega e amiga Cristina Uflacker pela amizade, troca
de idéias, incentivo e compartilhamento de material teórico;
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3
- à Escola Municipal de Ensino Fundamental Castelo Branco pela acolhida e
disponibilidade em me receber, especialmente à diretora Sabine Becker, com que tive a
oportunidade de conhecer melhor não a realidade da escola, mas a realidade da educação
do município;
- à professora Maria Inês Dapper Fröhlich, que me recebeu e acolheu carinhosamente
em suas aulas e que, na verdade, proporcionou uma coleta de dados para o presente trabalho
de forma prazerosa, além de me ensinar na prática o que é uma pedagogia culturalmente
sensível.
- à professora Márcia Fenner por, gentilmente, disponibilizar-se a acompanhar e
mediar as visitas nas casas de alguns alunos;
- aos meus pais, com quem troquei idéias sobre a comunidade pesquisada, que me
acompanharam em algumas visitas, entenderam pacientemente minha falta de tempo para eles
e não me deixaram desistir;
-ao meu primo Sérgio Gohlke e família, que, gentilmente, me emprestaram a
filmadora por um longo período para a geração de dados;
- ao meu irmão Jônatas, pela assessoria incansável quando a parte técnica trazia
dificuldades;
-ao Rubens pela compreensão, paciência, incentivo constante e ajuda com cálculos e
gráficos;
Sou, no entanto, especialmente grata a Deus, que não me apresentou um desafio fácil,
mas me deu forças para enfrentá-lo e colocou no meu caminho pessoas que muito me
ajudaram.
4
RESUMO
Este estudo investiga se a alternância de código é empregada como estratégia
culturalmente sensível em uma primeira série, primeira etapa em um contexto multilíngüe, na
localidade de Boa Vista do Herval, interior de Santa Maria do Herval, RS. Para tal, foram
feitos registros em vídeo e em áudio das atividades de sala de aula, regularmente, uma vez por
semana, durante um semestre. As aulas são compostas por três grandes momentos, as
atividades da hora da rodinha inicial, o trabalhinho nas mesas e a hora da rodinha final. Estas,
por sua vez, podem ser divididas em eventos, constituídos pelos enquadres (Goffman, 2002),
que podem ser considerados uma moldura em torno do alinhamento e das estruturas de
participação (Philips, 2002; Gumperz, 1982). Dentro dessa análise da interação, encontrou-se
a ocorrência da alternância de código com a função primordial de manter o curso da interação
(Auer, 1988) e, através disso, ser uma estratégia da pedagogia culturalmente sensível
(Bortoni-Ricardo e Dettoni, 2001), proporcionando voz, vez e acolhimento a crianças
provindas de uma realidade lingüística em que predomina o uso do alemão, em contraste com
a exigência escolar de uso do português.
5
ABSTRACT
This research investigates if code switching is used as a cultural responsive pedagogic
strategy for a first elementary school class, in a multilingual context, in Boa Vista do Herval,
a small place in the countryside of Santa Maria do Herval, RS. With that purpose, classroom
activities were both video and audiotaped, regularly, once a week, during the period of one
semester. The classes are made up of three main moments: initial sharing time activities,
activities developed at the tables and final sharing time activities. These activities can be
divided in events, that are constituted by frames (Goffman, 2002), that can be considered the
frame around the footing and around the participation structures (Philips, 2002; Gumperz,
1982). This analysis of interaction reveals the occurrence of code switching with the main
function of maintaining the course of interaction (Auer, 1988) which is then interpreted as a
strategy of cultural responsive pedagogy (Bortoni-Ricardo e Dettoni, 2001), giving voice and
opportunity as well as welcoming the children who are from a different linguistic reality in
which the use of German predominates, in contrast to the obligation of using Portuguese in
the school.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................9
1. CONTEXTO DO ESTUDO ............................................................................................13
1.1.A realidade multilíngüe presente no Brasil, que se reflete nas escolas.............................16
1.2.Os motivos propulsores para a realização do estudo......................................................22
2. CONSTRUINDO O ARCABOUÇO TEÓRICO...........................................................33
2.1. Letramento.......................................................................................................................37
2.1.1. Eventos de letramento...................................................................................................42
2.1.2. Práticas de letramento...................................................................................................46
2.2.Interação em sala de aula .................................................................................................50
2.3 Estruturas de participação.................................................................................................56
2.4. Enquadre e Alinhamento..............................................................,...................................63
2.5. Pistas de contextualização................................................................................................67
2.6. Alternância de Código......................................................................................................72
2.7. Pedagogia culturalmente sensível ....................................................................................83
3. METODOLOGIA DA PESQUISA................................................................................89
3.1. Pesquisa de cunho etnográfico.........................................................................................89
3.1.1 Procedimento de geração de dados................................................................................93
3.2. Comunidade alvo do estudo...........................................................................................112
3.2.1.Participantes do estudo.................................................................................................120
4. UMA VISÃO MICROANALÍTICA DA INTERAÇÃO COM PRESENÇA DE
ALTERNÂNCIA DE CÓDIGO. ...................................................................................126
4.1. Transições de um evento para outro dentro das atividades............................................135
4.2. Eventos com a presença de seqüência interacional tripartite (IRA)...............................141
4.3. Interação com ocorrência de alternância de código.......................................................159
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................170
5.1. A alternância de código é uma estratégia culturalmente sensível? Que função ela
tem?.................................................................................................................................174
5.2. Das implicações e limitações do estudo.........................................................................179
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................182
7. ANEXOS .........................................................................................................................190
7
ÍNDICE DE TABELAS, GRÁFICOS E SEGMENTOS
Tabelas
Tabela 1.Classificação de tipos de eventos a partir de Bortoni (1994).......................................45
Tabela 2. Tipos de estruturas participativas (Schultz, Florio e Erickson ,1982)........................60
Tabela 3. Datas selecionadas para transcrições..........................................................................95
Tabela 4. Número de alunos, turmas e séries da E.M.E.F. Castelo Branco...............................120
Tabela 5. Ordem cronologia da faixa etária das crianças...........................................................124
Tabela 6 Línguas dos alunos......................................................................................................125
Tabela 7. Atividades em que ocorre alternância de código............................. ........................127
Tabela 8 – Classificação dos eventos em mais, mais ou menos, menos institucionais..............146
Tabela 9 - Número total de ocorrências de alternância de código na HRI................................150
Tabela 10 - Número total de ocorrências de alternância de código no TBM............................150
Tabela 11- Tipos de ocorrência de alternância de código na HRI.............................................158
Tabela 12- Tipos de ocorrência de alternância de código na TBM...........................................158
Gráficos
Gráfico 1 – Curso de correspondência às alternâncias pela professora na HRI.........................151
Gráfico 2 – Curso de correspondência às alternâncias pela professora na TBM.......................152
8
Segmentos
Segmento 1- TBM- CD 12– Segmento 1 [15.03.04 – 19:57-21:08] ...........................................14
Segmento 2 - HRI- CD 11– Segmento 1 [15.03.04 – 09:28-10:17] ...........................................76
Segmento 3 - Transcrição da fita. 26.02.2004.[duração: 00:01:43]..........................................128
Segmento 4 -HRI- CD 2 – Segmento 2 [01.03.04 – 01:36-03:18].............. ..............................136
Segmento 5 -HRI- CD 2 – Segmento 3 [01.03.04 – 03:36-05:10].............................................139
Segmento 6 -TBM- CD 37 – Segmento 1 [28.06.04 – 27:16-29:12].........................................142
Segmento 7 - HRI- CD 22– Segmento 2 [26.04.04 – 34:58-36:47]...........................................146
Segmento 8 - TBM- CD 29– Segmento 3 [31.05.04 – 07:46-08:18]..........................................148
Segmento 9 - TBM- CD 4– Segmento 5 [01.03.04 – 08:24-08:36] ...........................................153
Segmento 10 -HRI- CD 11– Segmento 1 [15.03.04 – 20:53 -20:59].........................................154
Segmento 11 -HRI- CD 28– Segmento 6 [31.05.04 – 13:47-14:52] .........................................154
Segmento 12 HRI- CD 13– Segmento 6 [22.03.04 – 06:43-07:11]......................................... 158
Segmento 13 -HRI- CD 13– Segmento 8 [22.03.04 – 11:10-11: 31].........................................159
Segmento 14 - TBM- CD 14– Segmento 1 [22.03.04 – 19:13-19: 58]......................................160
Segmento 15 - TBM- CD 14– Segmento 2 [22.03.04 – 20:56-21:10] ......................................161
Segmento 16 - HRI- CD 07– Segmento 4 [08.03.04 – 14:21-16: 30]........................................163
Segmento 17 - TBM- CD 4– Segmento 1 [01.03.04 – 00:00-00:09]........................................ 166
Segmento 18 - TBM- CD 4– Segmento 6 [01.03.04 – 16:21-16:43].........................................166
Segmento 19 - HRI- CD 13– Segmento 9 [22.03.04 – 16:30-16: 38]........................................167
Segmento 20 - HRI- CD 22– Segmento 3 [26.04.04 – 37:00-37:26].........................................168
9
INTRODUÇÃO
Crianças que chegam à escola sem dominar o idioma oficial da instituição, o
português, e nela o aprendem é um tema que sempre me intrigou. Por mais que eu mesma
tivesse tido contato com o português praticamente na escola, essa experiência se mantinha
vaga na memória e o pouco que conseguia lembrar não se configurava positivamente.
Mesmo assim, o valor que o alemão tem em minha casa paterna é de prestígio e
destaque, sendo, ainda, a língua de interação, mesmo com muita alternância, quando a família
se encontra. Esse foi um fator que me levou a optar pela licenciatura plena em português e
alemão, área em que continuo atuando como professora.
Busquei, então, no mestrado, qualificação para entender melhor todos os mitos que
cercam o fato de não se ter o português como a primeira língua e descobri que é tema em
pauta não só em relação ao alemão, mas em relação a todas as minorias lingüísticas presentes
no Brasil (Altenhofen, 1998, 2002, 2003, Savedra, 2003) e em relação à própria variação da
língua portuguesa no Brasil (Bortoni 1984, Zilles, in prelo) e sobre a qual, segundo Oliveira
(2000, p. 83), ainda reside o mito de que se tem no país uma língua única, a língua
portuguesa.
10
A partir das concepções teóricas que fui conhecendo e depois de realizar visitas e
averiguar se o que eu queria observar ainda ocorria, isto é, se chegavam crianças à escola sem
saber falar português, optei por realizar observações na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Castelo Branco. Essa escola está localizada em Boa Vista do Herval, localidade
distante 5 km do centro de Santa Maria do Herval. O objetivo inicial era ver se a língua alemã
era permitida em sala de aula, em que momentos e que ações ocorriam mais especificamente.
Ao longo do processo de observação e da busca de respaldo teórico, as perguntas de
pesquisa foram se delineando mais claramente. As duas perguntas principais, em torno das
quais a análise foi desenvolvida, compreendem:
1. A alternância de código é uma estratégia culturalmente sensível?
2. Que funções tem a alternância de código?
Essas perguntas, por sua vez foram divididas, conforme será especificado na subseção
1.2. Para respondê-las e poder contribuir para a discussão dessa temática, organizei essa
dissertação em quatro capítulos.
O primeiro capítulo está dividido em duas subseções: na subseção 1.1, apresento
algumas discussões preliminares sobre os mitos em torno da língua no Brasil, como o de
considerar este um país monolíngüe, falante de português. Discorro, também, sobre políticas
lingüísticas, sendo de grande interesse os projetos que se preocupam em acolher,
principalmente na escola, as minorias lingüísticas. Na subseção 1.2, justifico minhas razões
pessoais e profissionais para a realização do presente estudo. Entre as pessoais, destaco o fato
de minha primeira língua ter sido o alemão e eu ter aprendido português ao ingressar na pré-
escola; entre as profissionais, a discussão em relação aos méritos ou desvantagens em se
aceitar a língua trazida do lar ou, ao contrário, proibi-la.
No segundo capítulo discorro sobre alguns conceitos que dão suporte teórico à análise
do presente trabalho. Divido o capítulo em sete subseções. A subseção letramento consta de
11
duas partes: eventos de letramento e práticas de letramento, pois este é o contexto onde ocorre
a observação. Passo então a discorrer sobre interação, separando em subseções, mesmo que
sejam os elementos que integram a interação, as estruturas de participação, o enquadre, o
alinhamento e as pistas de contextualização, pela sua importância na análise de uma
pedagogia culturalmente sensível, que leve em conta e respeite as culturas da criança.
Ainda no segundo capítulo, apresento brevemente alguns estudos sobre alternância de
código e a linha de análise que é seguida no presente trabalho. Finalizo o capítulo com
concepções a respeito do que vem a ser uma pedagogia culturalmente sensível e das premissas
para verificar se ela está presente nos dados gerados neste estudo ou não e de que forma.
O terceiro capítulo, sobre a metodologia da pesquisa, consta de duas subseções. Na
subseção 3.1, atenho-me à explicação e justificativa da metodologia usada, que é de cunho
etnográfico, prioritariamente qualitativa e interpretativa. Essa subseção está dividida em duas
partes, sendo que na parte 3.1.1 discorro sobre o procedimento de geração de dados, que está
embasado nos encaminhamentos propostos por Erickson (1992), e sobre os estágios de
análise, conforme Erickson e Schultz (2002). A coleta dos dados foi realizada de fevereiro a
julho de 2004, em visitas semanais. Na parte 3.1.2, apresento os participantes do estudo, 18
crianças da primeira série, primeira etapa, das quais três não falam português, e sua
professora.
Na subseção 3.2, faço uma descrição do município de Santa Maria do Herval, da
localidade de Boa Vista do Herval, onde se situa a escola, a história da fundação e como ela,
hoje, constitui-se em uma escola-núcleo.
No quarto capítulo apresento a análise propriamente dita. A partir dos conceitos
teóricos construídos para analisar se a alternância de código é uma estratégia da pedagogia
culturalmente sensível, percebi a necessidade de dividir a análise em três partes, para
demonstrar, à luz de segmentos transcritos, como se deu esse processo. Na parte 4.1. analiso
12
as marcas de transições de um evento para o outro, dentro das atividades, com o intuito,
também, de justificar o porquê dessa conceituação das partes que compõem as aulas. Na parte
4.2., apresento eventos com a presença da seqüência interacional tripartite (IRA), como um
dos critérios para a classificação dos eventos de letramento em mais ou menos institucionais.
A última parte da análise, na subseção 4.3, ocupa-se em verificar como ocorre a
alternância, identificando suas funções e buscando interpretar o que está acontecendo no
momento da alternância. A partir disso, são explicadas detalhadamente transcrições em que se
encontram episódios relevantes para a presente análise.
Procuro, ao longo da análise, responder as perguntas da pesquisa, porém retomo
todos os tópicos nas considerações finais, onde também apresento as implicações desta
pesquisa, na busca de uma pedagogia culturalmente sensível, bem como suas principais
limitações.
13
1. CONTEXTO DO ESTUDO
O presente estudo observa e relata o que ocorre com crianças oriundas de famílias em
que o alemão
1
é o principal idioma da interação até o primeiro contato com a escola. O
enfoque principal é o uso da alternância de código na sala de aula por falantes de alemão e
português, a forma como ocorre, as razões, as conseqüências e reações ao seu uso. Passo a
usar o termo “português”, neste estudo, sempre que fizer referência à variedade falada na
comunidade pesquisada, embora a maioria dos moradores empreguem o termo “brasileiro”
2
como denominação do “português”. O português padrão sedenominado como tal para fins
de distinção.
Em sua pesquisa sobre a variação lingüística em sala de aula, Bortoni (1994) considera
a escola pesquisada um ambiente bidialetal, denominando a língua falada pelas crianças em
casa de “variedade rural do Português do Brasil” e a linguagem da escola, isto é, o português
empregado na escola, de língua padrão. A mudança de código no estudo de Bortoni (1994) é
definida pelo aumento ou diminuição de traços não-padrão. No presente estudo, encontramos
uma realidade multilíngüe, pois há, em sala de aula, a presença do alemão, do português com
traços característicos da comunidade e do português padrão. Este último com pouca
1
Trata-se do dialeto local (ver Altenhofen, 2003), falado pelos descendentes de imigrantes e que continua sendo
a língua de interação na família e em conversas cotidianas entre os moradores da comunidade. Não entrarei em
detalhes sobre a origem e os traços característicos desse dialeto por ser uma questão para um trabalho mais
amplo.
2
A denominação “brasileiro” é usada pelos próprios moradores da comunidade pesquisada, tanto quando se
referem ao idioma em alemão, chamando-o de “Brasilianisch” como em português. A professora da classe
observada usava com mais freqüência a denominação “português”. Tal constatação já foi feita por Pereira
(1999).
14
freqüência e apenas em eventos bem formais, como a explicação da professora, conforme
mostra o segmento do TBM ( trabalho nas mesas) a seguir:
TBM- CD 12– Segmento 1 [15.03.04 – 19:57-21:08]
((Há muita conversa entre as crianças. A professora, para que as falas simultâneas cessem, usa uma
pista explícita (Schultz, Florio, Erickson, 1982, p. 42): ela conta “um, dois e três” prolongando as
sílabas. Após conseguir a atenção dos alunos, a professora redistribuiu os alunos nas mesas, para que
todas as mesas tivessem número igual de alunos e inicia a explicação do trabalho.))
01 Rose Ah:: (.) olha aqui:: ó::
02 (0,1) ((ouvem-se ainda conversas paralelas))
03 Rose s vamos terminar esses- esses [trabalhinhos ainda da sexta-feira.
04 [((ouvem-se ainda conversas paralelas))
05 Rose Ah:: Miltom,
06 (0,1)
07 Sandra O Profe::
08 (0,1)
09 Sandra Olha, acho que o Vasco, ( ) ele deixou os chinelos lá fora.
10 Rose Ele já foi buscar.
11 (0,3)
12 Rose :: olha aqui ó, Miltom, presta bem atenção.
13 (0,1)
14 Rose O Miltom eu ainda vou ter que dar a folha para ele pintar as parte::s, e o
José tem que recortar ainda e montar.
15 (.)
16 Rose Mas os ou::tros, que já começaram, (prá) eles eu vou dar papel
laminado::, (.) papel crepão, (.) e vocês podem enfeitar o palhacinho.
Seria aqui, tá::? (.)Enten[deram?]
17 ( ? ) [Tá e ( ] [ ) ?]
18 Coro [Si::m]
19 Rose ?
20 ( ? ) ( )
21 Rose Mas eu vou botar ( ) na cabecinha. A cabecinha vocês não vão
fechar. Olha aqui ó::
22 (0,1)
23 Rose Vocês só vão fechar o corpinho dele.Olha aqui, ó. Botar uma rou::pinha.
Pode ser , ah:: não precisam fechar tudo. Pode coloca::r pedacinhos de
papel, ou bolinhas. Como vocês quiserem. Tá?
24 Rose Se não ele vai tá pelado. Vamos fazer de conta que é a roupinha dele.
25 (.)
26 Rose Daí vocês vão faze::r uma roupinha colorida pra ele. Pode ser?
27 Coro Si::m.
Nas linhas 03, 14 e 16 a professora esforça-se para usar o português culto, isto é,
diferente do português do dia-a-dia na comunidade. Chama a atenção, ao ver e ouvir o vídeo,
que ela pronuncia bem os “r” finais dos verbos, o que não ocorre na maioria das interações
15
transcritas,
3
isto é, a professora geralmente usa a variedade da comunidade. Somente algumas
vezes, na hora em que ela está explicando como os alunos devem proceder no trabalho nas
mesas, que é, nesta sala de aula um dos momentos mais institucionais ( Rech, 1996), que se
percebe o uso do português culto. Mesmo assim, ao dizer “crepom” na linha 16, ela pronuncia
“crepão”, que é a forma como muitas terminações em “om”, como “marrom” são
pronunciadas na comunidade.
4
Para a pesquisa, foi observada a série, etapa na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Castelo Branco, em Boa Vista do Herval, localizada no interior de Santa Maria
do Herval. A classe observada é composta por 18 alunos, nove meninos e nove meninas.
Quanto às línguas das crianças, um menino e uma menina não falam alemão. Catorze crianças
dominam bem o português e o alemão e três crianças, três meninos, que falam somente
alemão, parecem compreender muito pouco português.
Como mencionado anteriormente, o estudo propõe-se a observar e descrever o que
está acontecendo na interação entre a professora e as crianças e as crianças entre si, nos
eventos de letramento em fase inicial, focando o uso da língua, mais especificamente, a
alternância de código. A seguir faço uma breve alusão à realidade multilíngüe existente no
Brasil, suas implicações e projetos que abordam a questão plurilíngüe, apresento as razões do
meu interesse por este aspecto teórico e prático e as perguntas que permeiam o estudo.
3
Essa diferença, isto é, se o “r” final dos verbos está presente ou não, não será percebida através das
transcrições. Optou-se, por não ser o foco primordial do estudo o uso do português padrão e não-padrão, em
transcrever as terminações normalmente suprimidas na linguagem oral.
4
No dia 01 de março, duas semanas antes, registrei nas notas de campo que a professora demonstrou
preocupação com o fato de que o seu sotaque de “alemoa” apareceria muito nas gravações. Essa preocupação
pode ser , também, a razão pela qual ela enfatiza as terminações do português padrão e procura ater-se a ele nos
momentos mais formais ou institucionais.
16
1.1 A realidade multilíngüe presente no Brasil, que se reflete nas escolas
Estão surgindo, cada vez mais, projetos e estudos preocupados com a questão
plurilíngüe presente no Brasil bem como com as línguas de imigrantes e seus usuários. Porém,
segundo Altenhofen (2004, p.87), alguns mitos continuam arraigados, como o de que o Brasil
é um país monolíngüe em português. Tal mito contribui para a ofuscação da presença de
populações bilíngües oriundas da imigração, das populações indígenas e da própria variação
do português, que, em muitas comunidades de fala, se afasta bastante do português padrão.
Zilles (in prelo, p.2 )
5
diz que os estudos sociolingüísticos realizados nos últimos 30
anos, assim como os estudos dialetológicos e filológicos desenvolvidos anteriormente ou em
andamento na época da redação de seu texto, demonstram não haver diferenças em muitos
aspectos entre o português do Brasil e o de Portugal, mas, também, existir grande variação
lingüística interna no país. A autora aponta duas dimensões principais: a geográfica e a social.
Esta última se desdobra em contrastes como rural-urbano; urbano de classe média letrada e
urbano popular; variedades formais e informais; oral e escrito, etc.
Conseqüentemente, esse fato leva a uma política de ensino e alfabetização ainda muito
despreparada e sem respaldo teórico adequado para receber alunos de universos lingüísticos
diferentes do considerado padrão. Com o intuito de analisar a presença do bilingüismo na
escola em uma comunidade de descendentes de imigrantes, é pertinente falar, brevemente,
sobre o contexto lingüístico brasileiro no qual está inserida a imigração alemã, e sobre a
política lingüística em vigor no país.
Savedra (2003, p.41) chama a atenção para a necessidade de se estabelecer uma
política lingüística mais adequada para o Brasil, visto que, conforme dados do censo
demográfico de 2000, coexistem mais de 180 nguas indígenas (línguas autóctones), além de
5
Fui autorizada pela autora para usar o seu texto.
17
cerca de 30 línguas de imigrantes (línguas alóctones) provenientes da Europa, da Ásia, do
Oriente Médio e até de outros países do continente americano.
A autora também ressalta em seu estudo que a Constituição atual, em seus artigos 215
e 216, admite que o Brasil é um país pluricultural e multilíngüe e que coexistência de um
grande número de línguas de imigrantes. Chama, no entanto, a atenção para o fato de que
ainda persiste o desprezo por minorias lingüísticas e que pouco foi feito por elas de fato.
Segundo Savedra (2003, p.40), apesar de a pluralidade lingüística no Brasil delinear situações
diversas de bilingüismo e multilingüismo, somente a educação indígena está contemplada
com propostas curriculares de educação bilíngüe na Lei de diretrizes e Bases (LDB) de 1996.
A partir da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), a educação especial,
de acordo com o tipo de aluno que freqüenta a escola, é uma situação prevista e, transparece,
nos textos que destaco abaixo, a preocupação com a integração de alunos falantes de línguas
diferentes do português padrão.
“... A falta de acolhimento é originada muitas vezes pelo fato da escola
não reconhecer a diversidade da população a ser atendida, com a
conseqüente diferenciação na demanda. O não reconhecimento da
diversidade faz com que toda e qualquer situação que não esteja dentro de
um padrão previsto seja tratada como problema do aluno e não como
desafio para a equipe escolar.” “... A falta de disponibilidade ou de
condições para considerar a diversidade dos alunos acarreta o chamado
fracasso escolar, com efeitos no plano moral, afetivo e social que
geralmente acompanharão esses indivíduos durante toda a sua vida,
podendo redundar em exclusão social.” (PCNs, 1998, p. 42, texto
“Acolhimento e socialização dos alunos”)
Reconhece-se, portanto, nos PCNs, que o fracasso e a desistência escolar são, muitas
vezes, conseqüentes de uma lacuna existente no sistema escolar que não considera em seu
currículo a necessidade do acolhimento adequado dos alunos, de acordo com a realidade
lingüística e social de onde são provenientes.
A ampla gama de conhecimentos construídos no ambiente escolar
ganham sentido quando interação contínua e permanente entre o saber
escolar e os demais saberes, entre o que o aluno aprende na escola e o que
ele traz de casa.” (PCNs, p. 43, no texto “Interação escola e comunidade”)
18
A construção do conhecimento e letramento a partir do que o aluno traz de casa ainda
é feita bastante intuitivamente (Bortoni, 1984, p. 92). Cabe, porém, citar projetos que, além da
preocupação com a aceitação e manutenção dos traços culturais trazidos de casa, têm
perspectivas bem concretas de integração e manutenção da primeira língua.
O Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Lingüística (IPOL)
tem como principais objetivos instaurar processos de Educação Lingüística visando a
desenvolver a reflexão e combater o preconceito na área de línguas; apoiar e realizar
pesquisas na área de Política Lingüística; capacitar profissionais; traduzir, publicar e divulgar
estudos na área; criar e gerir um centro de documentação; apoiar tecnicamente os falantes das
línguas minoritárias, indígenas ou de imigração; refletir e agir sobre as políticas
lingüísticas no/do Mercosul; refletir e agir sobre as políticas lingüísticas na/da Lusofonia.
Segundo o próprio coordenador do IPOL, Gilvan Muller de Oliveira, muito ainda se
tem por fazer. Apenas foi dada a partida.
“É verdade que temos hoje 115.000 alunos indígenas estudando em quase
3.500 escolas bilíngües, sob a coordenação de estados e municípios. Mas é
verdade também que os direitos lingüísticos indígenas não foram estendidos
aos falantes de outras línguas brasileiras, muito especificamente as línguas
alóctones. Línguas Brasileiras, um conceito com o qual temos a ganhar:
"Línguas brasileiras são línguas faladas no território nacional por
comunidades lingüísticas de cidadãos brasileiros". Indígenas, quilombolas ou
nipo-brasileiros, são todos brasileiros, logo, suas línguas são línguas
brasileiras.” (OLIVEIRA, G.M, Disponível em http://www.ipol.org.br/.
Acesso em 29 jul. 2005.)
A realidade lingüística da qual as crianças provêm deve ser considerada, conforme o
presente estudo procura demonstrar, principalmente como forma de acolhimento e valoração
do que a criança aprendeu no lar. A alfabetização nessa língua, porém, conforme o IPOL
sugere, precisa ser, ainda, melhor discutida e estudada.
No ano de 2004, em que se completaram 180 anos de imigração alemã, muitas
reportagens sobre esse assunto estiveram na mídia. No programa “180 Anos de Imigração
Alemã”, que foi ao ar de 19 a 23 de Julho de 2004, no Jornal do Almoço da RBS, foram
19
apresentadas situações de pessoas de origem alemã, que têm grande dificuldade ao terem de
falar português.
Entre as entrevistas do dia 20 de julho, realizadas na cidade de Ivoti, destaco o que um
senhor de aproximadamente 60 anos, Silvério Roque Berman diz a respeito de si mesmo:
6
“Fala brasileiro, mas não entende muito... melhor alemão.” Outro depoimento importante para
justificar o que ainda ocorre é do senhor Kampfhorst, de aproximadamente 40 anos, que diz:
“Quando entrei na escola, para pedir água em Português... tava difícil...” Esse é um relato
muito presente, também, entre os pais das crianças observadas em Boa Vista do Herval
durante a entrevista sobre usos lingüísticos e de letramento presentes nas famílias.
Nessa reportagem ainda, a repórter Luciana Kraemer comenta a respeito de uma
família cujos avós (entre eles o senhor Silvério Roque Berman) preferem falar o alemão: do
portão para a rua o português; dentro de casa o alemão. Os netos do senhor Silvério Roque
Berman também aprenderam primeiro o alemão. A mãe, Itamara Auler, conta que Rodrigo, de
4 anos, começou a freqüentar a escola e que ele estava gostando de aprender o português. Para
ele era uma língua nova.
No dia 22 de julho, a reportagem sobre os 180 Anos da Imigração Alemã foi realizada
em Panambi. O foco desta é o fato de ser praticamente pré-requisito saber falar alemão para
conseguir um emprego no comércio. Muitos clientes preferem ser atendidos em alemão. Em
uma loja de tecidos, a senhora Frida Keppler diz: Têm muitas lojas aqui que o pessoal não
gosta de ir, porque não falam alemão.” Percebe-se como o Português ainda é pouco
dominado, embora a maioria dos descendentes de imigrantes sejam da geração ou ade
gerações posteriores.
Após o término da reportagem, uma das repórteres âncoras do Jornal do Almoço fez o
seguinte comentário: “Se aquelas mulheres que procuram as lojas, onde os funcionários falam
6
Passagens transcritas da gravação em vídeo por mim, apenas com o objetivo apresentar o que foi dito, sem
análise da interação e tomada de turno.
20
alemão, se o funcionário não falar alemão, não vai nem entender de tanto sotaque que elas
têm.” Essa observação sociolingüisticamente pouco sensível, leva-nos a refletir sobre os
preconceitos existentes em relação aos sotaques e às diversas culturas. Percebe-se que há,
ainda, pouca conscientização da riqueza e da pluralidade lingüística e cultural do Brasil,
negativamente expressa na mídia.
Alguns exemplos positivos em relação ao plurilingüimo podem ser observados e
estão sendo divulgados. No caderno geral da Zero Hora, de 13 de junho de 2004, p. 30,
encontra-se a reportagem “Colônias alemãs têm currículo especial”. Na região do Rio Pardo,
nos municípios de Santa Cruz do Sul e de Sinimbu, as escolas municipais implantaram um
ano extra, antes da primeira série, para facilitar a adaptação das crianças que falam alemão.
Segundo a Secretária de Educação de Santa Cruz, Vera Hammes, esse período de
adaptação ajuda a superar dificuldades na comunicação. É uma forma de as crianças
ingressarem na escola num patamar mais homogêneo. A secretária acrescenta que há,
também, uma vantagem financeira para as instituições, pois recebem mais verbas do
FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério). Existe a intenção de expandir a iniciativa para outras cidades de
colonização germânica.
No FUNDEF existe o Departamento de Articulação e Desenvolvimento dos Sistemas
de Ensino Dase. Nesse departamento estão presentes duas coordenações: Coordenação-
Geral de Monitorização de Planos, Programas e Projetos Educacionais e a Coordenação de
Monitorização de Planos, Programas e Projetos Educacionais Cogepe. A primeira tem a
finalidade de estimular a criação de projetos de formação continuada de docentes.
A Cogepe, por sua vez, tem como principais metas orientar os sistemas de ensino na
elaboração de programas anuais; analisar e dar parecer técnico aos projetos educacionais
submetidos ao Ministério por organizações governamentais e não governamentais; articular,
21
junto aos órgãos financiadores, a formalização de acordos e convênios para a implementação
dos programas e projetos aprovados; acompanhar a execução da programação fruto de
acordos e convênios firmados pelo Ministério para apoiar a educação básica; avaliar os
resultados obtidos na implantação dos programas e projetos educacionais apoiados pelo
Ministério para a educação básica.
O último item é o que abre caminhos para os projetos como a introdução de uma
primeira série, primeira etapa, justificada, geralmente pela dificuldade encontrada pelas
crianças em adaptarem-se à realidade escolar. Essa primeira série, objeto de estudo do
presente trabalho, substitui a pré-escola, para a qual o governo não incentivo e, por isso,
poucas escolas públicas a oferecem.
No ano de 2005, porém, um novo quadro se delineia em torno da educação
fundamental. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) aumenta os recursos aplicados pela União,
estados e municípios na educação básica pública e melhora a formação e o salário dos
profissionais da educação. Com duração de 14 anos (2006-2019), o Fundeb atenderá os alunos
da educação infantil, do ensino fundamental e médio e da educação de jovens e adultos e será
implantado de forma gradativa nos quatro primeiros anos. O objetivo é atender, no quarto ano
de vigência, 47,2 milhões de alunos com investimentos públicos anuais de R$ 50,4 bilhões,
dos quais R$ 4,3 bilhões provenientes da União (Portal do Mec
http//portal.mec.gov.br/arquivos).
O Conselho Nacional de Educação determinou, em parecer de agosto de 2005, que a
antecipação de matrícula dos estudantes, aos 6 anos, deve atender à ampliação do Ensino
Fundamental para nove anos de duração (Extra Classe, Ano 10, número 97, novembro de
2005, p. 10). Essa ampliação entra em vigor a partir do ano letivo de 2006, conforme
22
regulamentação pela Lei 11.114, de 16 de maio de 2005, que determina alterações nos artigos
6º, 32 e 87 da Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional (LDBEN).
Segundo a redação do jornal Extra Classe editado pelo SINPRO/RS, a medida tem
causado polêmica, por ser consenso entre os educadores, mas contestada pelo governo do
Estado, pois, segundo o secretário da Educação, José Fortunati, implica aumento de gastos. A
primeira série, primeira etapa, que ocorria apenas em alguns municípios isolados, foi,
portanto, instituída como obrigatória.
Embora se esteja conquistando espaço para a reflexão sobre as realidades lingüísticas
no Brasil e haja muitos projetos em andamento, fui motivada, conforme exponho a seguir, a
verificar o que acontece de fato em uma escola de realidade plurilíngüe.
1.2 Os motivos propulsores para a realização do estudo
O interesse por este estudo deve-se, primeiramente, à curiosidade que me acompanha
desde que iniciei meus estudos na Universidade, em ter um maior contato com a realidade de
letramento em um contexto multilíngüe. Essa curiosidade tem sua origem na minha
experiência pessoal como falante de alemão que ingressou na pré-escola sem saber português.
Eu tive o privilégio de freqüentar o Jardim de Infância de uma escola particular com uma
professora bilíngüe. Ela estava habituada a receber crianças cujo primeiro contato com o
português dava-se na escola. Além disso, não havia a pressão em ter de alfabetizar ou cumprir
um programa rígido.
Apesar de ter tido um contato relativamente tranqüilo com a escola e de o ter sido
alfabetizada diretamente em português, língua que nem entendia, e de meus pais terem um
bom domínio do português, lembro-me bem de alguns episódios, que me assombram até hoje
com a idéia de que não sou um falante competente nem de Português nem de alemão. Na
23
série, em outra escola, não sabia o significado do termo “sublinhar”. Ao perguntar o que
deveria fazer na atividade, os colegas riram da minha pergunta e a professora me tratou como
incompetente lingüisticamente.
O fato de não ter esquecido tal episódio, entre outros relacionados principalmente à
pronúncia do português com sotaque, transformou meu sentimento de inferioridade em
preocupação a respeito do que ocorre atualmente na sala de aula e, conseqüentemente, em
objeto de estudo. Há episódios na vida escolar das crianças, principalmente no ingresso
escolar, que podem bloqueá-las ou estimulá-las. Não é um simples aprender a ler e escrever,
mas um interagir em um mundo diferente, com regras diversas das praticadas em casa, num
grupo maior, onde o social deve prevalecer sobre o pessoal.
Simons e Gumperz (1991) afirmam:
“O ingresso na escola marca transições sociais, lingüísticas e cognitivas
importantes para a criança. As crianças chegam à escola e devem aprender a
comunicar-se e a cooperar com os adultos e colegas, fora de suas casas, e
eles não compartilham seus backgrounds comunicativos. Elas devem
desenvolver habilidades de utilização de uma nova linguagem a fim de
participarem nas atividades de sala de aula, para terem acesso às
oportunidades de ensino, e para demonstrarem o que aprenderam” (SIMONS
e GUMPERZ, apud SIMONS e MURPHY, 1991).
Portanto, o que parece fazer parte séculos da vida das pessoas, como algo que tem
de ser enfrentado, isto é, o ingresso na vida escolar, pode produzir marcas profundas no
indivíduo, de acordo com o acolhimento que a instituição educacional proporciona. Uma das
adaptações é a que se refere à linguagem escolar. Se essa é algo novo, o fato de ter de
freqüentar e adaptar-se a um ambiente diferente do familiar, com outros rituais, outras
estruturas participativas (Philips, 2002) sem dominar ou até mesmo sem conhecer a língua,
merece ser repensado.
São inúmeros os testemunhos que podem ser encontrados de pessoas que tiveram
muita dificuldade, ao ingressarem na escola, pelo fato de terem pouco ou nenhum domínio do
português. Muitas vezes, e não somente em razão da Guerra Mundial, durante o Estado
24
Novo e a campanha de nacionalização, iniciada em 1937, mas até hoje, sanções eram sofridas
por quem não dominasse o português ou falasse outra língua, como o alemão.
Nesse contexto, cabe citar o artigo de Trezzi
7
publicado no jornal Zero Hora em 1989,
(apud Altenhofen, 1998, p.17), justamente em relação ao município de Santa Maria do
Herval, em que foram coletados os dados para o presente trabalho.
O artigo trata justamente do contato de crianças que falam o dialeto do Alemão e
procuram usá-lo na escola, bem como a postura da escola em relação a esse uso,
considerando-o prejudicial à aprendizagem do Português. Altenhofen (1998,p.17) comenta o
contexto da seguinte forma:
“O estudo stricto sensu, i.e. como objeto de estudo em si, das línguas de
imigrantes não tem recebido, no Brasil, uma atenção à altura da
importância do problema, de dimensões geográficas e sociais
considerabilíssimas, sobretudo no sul do país. Suas implicações teóricas
e práticas no que tange, por exemplo, à alfabetização e ao ensino de
línguas a crianças falantes de línguas de imigrantes revelam, em geral,
um descaso quase absoluto, senão arbitrário, na medida em que se trata
os problemas de aprendizagem como anomalias que a assimilação em
direção ao monolingüismo em português se encarrega de remover”
(ALTENHOFEN, 1998, p. 17).
Umas das razões para a escolha do município de Santa Maria do Herval, entre tantos
outros que apresentam uma realidade multilíngüe, tendo como língua minoritária o alemão, é
justamente a abordagem que Altenhofen faz a respeito da arbitrariedade do português e dos
castigos impostos aos que falassem alemão, à luz do artigo que cita Santa Maria do Herval.
Somente no Rio Grande do Sul, de acordo com o Atlas Lingüístico-Etnográfico da
região sul do Brasil (ALERS), 2.2, (Altenhofen , 2002)
8
, existem 30 regiões em que o uso da
língua alemã se faz, ainda, presente na conversa cotidiana. Em muitas regiões do Rio Grande
do Sul, inclusive Santa Maria do Herval, de Santa Catarina e do Paraná ocorre o ensino do
alemão padrão.
7
TREZZI, Humberto. “É proibido falar alemão!”Em Santa Maria do Herval, quem não sabe “brasileiro” vai
para o castigo. In: Zero Hora, Porto Alegre, 25/06/1989, p.30.
8
Anexos um e dois
25
Esse ensino tem o apoio principalmente didático-metodológico do governo federal da
Alemanha (Bundesverwaltungsamt), que possui um departamento para a divulgação e ensino
da língua alemã, chamado “Zentralstelle für das Auslandsschulwesen”
(http://www.auslandsschulwesen.de). Esse departamento conta no Brasil com a parceria do
Instituto Goethe e do IFPLA (Instituto de Formação de Professores de Língua Alemã) e,
através de um coordenador alemão enviado e mantido pela “Zentralstelle für das
Auslandsschulwesen” e de três coordenadores brasileiros, preocupa-se com a divulgação,
manutenção e qualidade do ensino do alemão padrão.
O segundo motivo é a sensação incômoda que vivenciei ao visitar escolas em que era
ensinado o alemão padrão. Trabalhei dois anos como coordenadora do ensino de Língua
Alemã na região oeste do estado do RS (1999 e 2000), que compreendia a grande Porto
Alegre, estendendo-se até Gramado, Carlos Barbosa, Montenegro e arredores.
Neste contexto, destaco a oportunidade de visitar a SMEC de Santa Maria do Herval e
num trabalho conjunto de orientação metodológica- didática introduzir o ensino de alemão em
nove escolas municipais, a partir da 5ª série e, posteriormente, acompanhá-lo.
Durante as visitas às escolas, para assessoramento do professor, preparação conjunta
de aulas adequadas à realidade e discussões metodológicas, pude observar, em contato com os
alunos em aula e no recreio, que na série, eles evitavam o alemão aprendido na família
quando em contato com adultos. O ensino do alemão padrão enfrentava resistências e não foi
bem recebido como esperado.
Com muito pouco fundamento teórico e leituras que tratassem dessa realidade,
procurei por intuição instruir a professora no sentido de aceitar mais o alemão do lar, deixar
os alunos interagirem mais livremente e envolver a família no processo de aprendizagem do
alemão padrão, com tarefas simples, e de comparação, para verificar as semelhanças entre o
alemão padrão e a variedade local. Sentia, porém, falta, para a realização do trabalho de
26
coordenação, de um suporte teórico adequado para uma sensibilização metodológica, que se
preocupasse com a língua materna do lar e com o desenvolvimento dessa como auxiliar no
aprendizado do alemão padrão e no letramento em português, principalmente se for
considerado que muitas crianças chegam à escola sem falar o português ou entendendo muito
pouco.
Outro aspecto que me incentivou a olhar mais de perto essa realidade plurilíngüe,
especialmente do município de Santa Maria do Herval, foi o fato de, durante as visitas a
algumas escolas perceber que as crianças ingressaram na escola sem saber português e na
série demonstram vergonha por falarem o alemão.
Além disso, ouve-se, principalmente dos professores de português, que os alunos
fazem muita “troca de letra”, formulam estruturas sintáticas inadequadas e apresentam muito
sotaque e dificuldades na expressão oral em função do alemão. Observa-se, portanto,
preocupação e uma busca de respostas, que eu não tinha, quanto à transferência lingüística de
traços da variedade da família para o português, até questões de identidade e de preconceitos
lingüísticos por parte de professores e alunos e a presença do mito da interferência do alemão
no português.
Chamou-me atenção, porém, ao caminhar pelo pátio, que quando os alunos estavam
em grupos afastados e nas suas brincadeiras longe dos olhos institucionais, principalmente na
entrada da escola, no recreio e na saída, ocorria o uso do alemão em alternância com o
português, também pelas crianças mais velhas, como se fosse uma forma de particularizar
esse espaço.
Os méritos ou as desvantagens em se manter a língua materna, ou L1, quando ela é
diferente da língua dominante, estão sendo discutidos nos Estados Unidos, mais de 30
anos, conforme Cummins (1996, p.36). Ainda continua sendo defendida por muitos
27
educadores e políticos, a tese de que o bilingüismo fecha portas e o monolingüismo as abre
(Cummins, 1984, p. 42).
Cummins (1984, p.46), porém, apoiando-se na psicolingüística e na sociolingüística,
argumenta a favor da educação bilíngüe e da continuação da pesquisa nesta área. No livro
Negociating Identities: Education for Empowerment in a Diverse Society, Cummins apresenta
várias teorias e pesquisas com experiências positivas e negativas em relação ao ensino
bilíngüe e à aquisição da L2, bem como situações de menosprezo da L1. Ele justifica seu
ponto de vista dizendo:
“As estruturas educacionais, no entanto, não são estáticas...
As estruturas educacionais, juntamente com a definição do papel do educador
determinam as micro-interações entre educadores, estudantes e comunidade.
Estas micro-interações formam um espaço interpessoal e interacional, no qual
a aquisição de conhecimento e as identidades são negociadas. O poder é
criado e dividido nesse espaço interpessoal, onde pensamentos e identidades
encontram-se. Como tal, as micro-interações constituem a determinante mais
imediata para o sucesso ou fracasso acadêmico dos estudantes”(CUMMINS,
1984, p.18).
9
Pode-se inferir, a partir da posição que Cummins assume que, mesmo a realidade
sendo adversa, ou as práticas culturalmente enraizadas, como é o caso da escola no Brasil, em
que a única língua de aprendizagem oficialmente permitida é o português, maneiras de
mudar esse quadro. O poder está nas mãos do educador, que pode construir uma ponte entre a
escola e o mundo, tanto lingüístico, como de valores, dos alunos que a freqüentam. O
educador, porém, precisa ter respaldo da escola e das autoridades responsáveis pela educação.
O presente estudo descreve um grupo específico de falantes de uma língua minoritária,
uma variação do alemão, que, contudo, representa a realidade de inúmeros outros grupos
falantes de alemão ou de outras línguas minoritárias. aspectos relevantes na escolha do
grupo de estudo tais como: ser uma comunidade rural, a maioria das famílias morarem
bastante afastadas umas das outras e em eventos sociais como missa, festas e inclusive
9
A tradução da citação foi feita por mim.
28
reuniões de pais na escola a língua de interação consistir na alternância entre o português e o
alemão.
Altenhofen (1998) diz em seu artigo que, com base em dados do projeto BIRS
(Bilingüismo no Rio Grande do Sul), estima-se uma população aproximada de 800.000
falantes do “Hunsrückisch” no Rio Grande do Sul. A sobrevivência do “Hunrückisch” ainda
tão presente deve-se a vários fatores, entre eles o isolamento geográfico.
“O imigrante, para quem o português constitui uma língua estrangeira
ainda não aprendida, tem na língua do seu grupo o código comum e
conhecido necessário à comunicação. O próprio meio brasileiro irá
reforçar o aspecto grupal dessa língua de imigrantes, ao definir áreas
específicas, à parte, para assentar exclusivamente esses contingentes de
emigrados. No Rio Grande do Sul, chama a atenção, na distribuição
geográfica dos grupos de imigrantes, a coincidência das áreas de
colonização destes com a vegetação originariamente de mata (subtropical),
fato, aliás, observado por Jean ROCHE (1996, p. 63). Poder-se-ia
concluir com BUNSE (1969, p. 499) que ainda não se tratava, nos núcleos
coloniais emergentes, e isso por algum tempo, de línguas realmente em
contato, visto se instalarem os imigrantes em áreas “virgens”,
ocasionalmente visitadas por elementos lusos falantes de
Português”(ALTENHOFEN, 1998, p. 19).
Esse isolamento tende a diminuir em função da melhoria das estradas, maior
disponibilidade de transporte público, introdução de firmas de calçado e frigoríficos, como no
caso de Santa Maria do Herval e pelos meios de comunicação de massa, principalmente o
rádio e a televisão. Mesmo assim, durante as entrevistas com os pais dos alunos observados
para conversar sobre o motivo do ensino do alemão aos filhos, a maioria afirmou ser a língua
de interação na família e na comunidade. A língua está tão arraigada e presente ainda, que
alguns entrevistados exemplificam dizendo que os animais, por exemplo, também entendem
bem o alemão e que eles não sentem a necessidade de falar português.
No presente estudo, numa conversa-entrevista gravada, a diretora da escola, diante da
pergunta que lhe fiz sobre como ela o fato de os alunos virem para a escola sem saber o
português, e sobre como a escola lida com essa situação, comenta haver para muitos a
necessidade de falar alemão, pois entram, realmente, sem saber falar português. Ela diz:
“A gente já parou, várias vezes, para pensar como se trabalha com essas
crianças. Porque a gente tá, do meu ponto de vista, ah...machucando, vamos
29
dizer assim, a identidade cultural deles. Mas como é o nosso trabalho
alfabetizar eles na nossa língua portuguesa, então fica meio assim: será que a
gente fazendo certo, será que não tá. Mas é a nossa proposta e a gente tem
que fazer, mas até que ponto a gente pode ir, exigindo deles. Então, o que a
gente permite muito é assim: em sala de aula, evita, na aula de alemão pode
falar de a série, na sala de aula evita, mas nos corredores, tu sabe, a
maioria fala alemão, e a gente também.”
Percebe-se que existe uma inquietação quanto à atitude adequada em relação ao uso da
língua e emerge, na conversa, a preocupação em respeitar a língua que os alunos trazem de
casa, como uma forma de não menosprezar essa identidade cultural. Mesmo assim, está
presente a missão da instituição, que é alfabetizar em português, portanto, a instrução é de que
o alemão não deve ser usado em aula, para que os alunos aprendam o Português.
Diante dessa situação, julgo ser pertinente verificar como a instituição escolar recebe
as crianças oriundas da realidade descrita acima. Altenhofen (1998, p.22) aponta para o fato
de as escolas alfabetizarem em português, como se esta fosse a língua materna e, muitas
vezes, atribuir à língua de imigrantes a culpa do fracasso escolar.
Essa realidade transpareceu também nas conversas na sala dos professores das escolas
atendidas durante o trabalho de coordenação. Atribui-se o baixo desempenho escolar à
sistemática das classes multisseriadas, por terem características menos institucionais e mais
familiares, que geralmente os alunos mais adiantados ajudam na tarefa dos menores. Além
disso, a professora da classe multisseriada é acusada de não exigir o suficiente, nem de
ensinar adequadamente o português e, além disso, interagir em alemão com os alunos.
Os alunos das classes multisseriadas freqüentavam-nas até a série. Depois eram
encaminhados para escolas maiores e mais centrais, onde, a partir da série, tinham um
professor por disciplina e, muitas vezes, eram considerados incapazes de usar corretamente o
português. Segundo alguns professores, eles vinham muito fracos. Os erros ortográficos que
cometiam eram inaceitáveis e eram atribuídos, principalmente ao alemão.
Na comunidade em que se realizou a geração de dados, houve desde agosto de 2003,
reformulação no atendimento propiciado pelo município em relação ao Ensino Fundamental.
30
As escolas multisseriadas, que atendiam alunos da a séries no interior do município, nas
pequenas comunidades, foram fechadas e os alunos transferidos para escolas de Ensino
Fundamental. Dessa forma, centralizou-se o atendimento aos alunos, que chegam às escolas
por meio de transporte escolar proporcionado pela prefeitura.
O município introduziu a chamada etapa da rie, justificando uma preparação
para os alunos ao ambiente institucional e por causa de sua constante dificuldade com o
português. Em algumas escolas municipais havia a pré-escola. Essa foi abolida e chamada,
então, de 1ª etapa da 1ª série; desta forma recebe o auxílio do FUNDEF.
Uma das curiosidades, portanto, do presente estudo, era de verificar como a professora
da primeira série, etapa lidava com a adaptação das crianças à escola, principalmente com
os alunos que não falam português e como ocorre a interação nos diferentes eventos de
letramento, face a uma situação em que a língua oficial de ensino na escola diverge e exclui a
língua materna do aluno.
A partir dessa observação, o presente trabalho visa a poder contribuir para os estudos
que se preocupam com uma pedagogia culturalmente sensível. Uma pedagogia preocupada
em diminuir as dificuldades de comunicação entre alunos e professores (Erickson 1987, p.
336), melhorar a adaptação daqueles à escola e, conseqüentemente, sua aprendizagem.
Para tal, o estudo se insere na área da Sociolingüística Interacional. De acordo com
Ribeiro e Garcez (2002), os sociolingüistas desta área de estudo perguntam-se o que está
acontecendo aqui e agora nesta situação de uso da linguagem. Cada momento de interação
face a face é visto como cenário de construção do significado social e da experiência,
passíveis de análise e de interesse sociológico e lingüístico.
“De acordo com a Sociolingüística Interacional, as pessoas produzem e
negociam comunicativamente identidades sociais, como identidade de
gênero, identidade etnolingüística, identidade de classe social.” (Gumperz e
Cook-Gumperz, 1982, apud Jung, 2002, p. 28).
31
O ambiente de observação do presente trabalho deu-se em todas as atividades
realizadas pelas crianças na escola, como a aula de Educação Física, em ambiente externo e
interno, a hora do conto na biblioteca, as brincadeiras na pracinha de brinquedos com a
professora, a hora do lanche, a hora da higiene bucal e prioritariamente na sala de aula. Além
disso, houve participação em eventos como palestras, reunião de pais, entrevistas aos pais e
visitas a algumas famílias, cujas entrevistas não foram possíveis realizar na escola.
Todas essas observações serão contributivas para o melhor entendimento e
interpretação da interação face a face na sala de aula com a presença ou não de alternância de
código, foco principal de atenção e análise. Gumperz (1982, p. 150) defende a idéia de que a
diversidade lingüística é mais que uma questão de comportamento. Ela funciona como recurso
comunicativo nas interações verbais do dia-dia, contradizendo as abordagens tradicionais da
Sociolingüística, que vêem os fenômenos sociais como generalizações a respeito de grupos
previamente isolados por critérios não-lingüísticos, como por exemplo, classe social, etnia,
residência, etc.
Auer (1998, p.2) diz, em relação ao papel da alternância de código, semelhantemente a
Gumperz (op. cit) que é um recurso para a construção de significado na interação. Ele diz
(Auer, 1988, p.3) que nem a abordagem sociolingüística nem a gramatical exploram todo o
espectro de regularidades observadas na fala bilíngüe. Segundo Auer (op cit), no estudo da
alternância de código devem ser abordados aspectos que vão além da frase, isto é, alternância
de código entre “movimentos interacionais” ou “unidades de entonação”, cada um
representando “unidades de construção” completas em termos de sua aparência sintática. Auer
defende que existe um nível da estrutura conversacional na fala bilíngüe que é
suficientemente autônoma, tanto da gramática, quanto da relação a aspectos ideológicos ou
sociais.
32
A partir de todas as questões colocadas anteriormente em relação ao que foi percebido
nos contatos com as escolas que recebem alunos descendentes de imigrantes alemães que,
muitas vezes têm parco ou nenhum domínio do Português, e a postura em relação a essa
situação, é importante compreender o que acontece no grupo observado, prioritariamente em
sala de aula. Segundo Jung (2002, p. 24), o professor pode, em muitas circunstâncias, avaliar
competência cognitiva a partir da competência comunicativa do aluno.
Abaixo, as perguntas que nortearão o desenvolvimento do trabalho:
1. A alternância de código é uma estratégia culturalmente sensível?
1.1. Em que atividades ocorre alternância de código e entre quem?
1.2. uma diferença na freqüência da ocorrência de alternância de código entre eventos
mais institucionais e menos institucionais?
1.3. A alternância de código influi nas estruturas participativas e conseqüentemente no
alinhamento?
1.4. A alternância de código é uma pista de contextualização que sinaliza uma pedagogia
culturalmente sensível?
2. Que funções tem a alternância de código?
2.1. A alternância de código é empregada por suposta falta de conhecimento do Português?
2.2. A alternância de código é empregada para a manutenção do curso interacional?
2.3. A alternância de código é usada para demonstrar aproximação e identificação
(situacional) ou o se dá pela mudança de tópicos ou assunto (metafórica)?
33
2 CONSTRUINDO O ARCABOUÇO TEÓRICO
Os aspectos mencionados nas seções 1.1 e 1.2, direcionam a busca dos conceitos
teóricos, como letramento, interação e alternância de código e suas implicações, para darem
suporte à análise dos dados, gerados na Escola Municipal de Ensino Fundamental Castelo
Branco na comunidade de Boa Vista do Herval.
Vários estudos (ALTENHOFEN, 1998; BORTONI, 1994; CAJAL, 2001; KLEIMAN,
2001 b; RECH, 1996; TERZI, 2001) foram realizados em instituições de ensino, sobre
aprendizagem, letramento, usos lingüísticos de descendentes de alemães, bem como sobre a
questão cultural e de identidade. Com o objetivo de demonstrar a caminhada que está sendo
empreendida, cito brevemente quatro (DAMKE, 1988; JUNG, 1997; JUNG, 2003, PEREIRA,
1999), mais próximos da linha de pesquisa do presente trabalho, cujos dados também foram
coletados em comunidades rurais.
Percebe-se que, cada vez mais, estes estudos se afastam da análise do mito da
interferência do alemão no português, comentado na subseção 1.2, para a busca da
compreensão do que realmente está acontecendo e de que valores estão envolvidos no
processo de adaptação às regras das instituições de ensino e ao próprio processo de
letramento. Os estudos que investigam a língua dos descendentes de imigrantes alemães
analisam desde interferências gramaticais e alternância de código em nível intra-sentencial no
plano dos condicionamentos gramaticais e sócio-pragmáticos até a língua e sua estrutura em
34
relação a ações e significados que ela permeia, bem como a relação disso com a identidade
dos participantes.
No campo da pesquisa de sala de aula, a dissertação de mestrado de Damke (1988)
estudou as interferências orais e escritas provocadas pelo uso de um dialeto alemão durante o
processo de aprendizagem da língua portuguesa, em uma comunidade bilíngüe, no município
de São Paulo das Missões, no Rio Grande do Sul. Ele propõe uma metodologia contrastiva
para melhorar e corrigir a aquisição do português. O foco está, pois, em buscar soluções para
evitar a interferência, e não em analisar como ocorre o uso da língua e seu significado.
Jung (1997) focalizou seu estudo no sentido de entender como acontece o ensino-
aprendizagem em uma comunidade rural bilíngüe do Paraná, no município de Missal,
colonizada por descendentes de alemães vindos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. De
forma semelhante à situação do presente estudo, a escola pesquisada por Jung recebia crianças
monolíngües em alemão, porém a classe era multisseriada. A autora procurou verificar como
os alunos, a professora e a comunidade (especialmente os pais) lidavam com a questão das
línguas em eventos de letramento de língua portuguesa.
A autora apresenta interessantes considerações que muito contribuíram para a reflexão
a respeito dos dados do presente trabalho. Ela verificou o uso efetivo das três línguas
alemão, português e brasileiro
10
- nos eventos de letramento, porém com diferentes funções.
Relata que a professora, embora considere a orientação monolíngüe português para a sala de
aula, recorre ao alemão como último recurso para auxiliar o seu aluno. Da mesma forma, ela
permite, principalmente, no trabalho em pares, que o alemão seja usado.
É importante atentar para a observação de Jung no que diz respeito à crença da
professora em relação ao uso das línguas. Ela, no entender de Jung (1997), parece duvidar que
10
Conforme Jung (1997, p. 49), este termo é usado para identificar o português oral da comunidade,
caracterizado não somente por um sotaque típico, mas também sinalizado por diferenças semânticas, sintáticas e
fonológicas, contrapondo-se ao português escrito. Essa terminologia foi adotada por Jung a partir de Pereira
(1997).
35
a questão do uso das línguas possa ser influente no ensino-aprendizagem, o que traça um elo
com o presente trabalho, que se aterá, principalmente, aos usos das línguas na escola.
Pereira (1999) apresenta em “um estudo etnográfico aspectos relativos ao continuum
oral/escrito em uma comunidade bilíngüe (alemão/português (brasileiro
11
)), localizada na
região oeste paranaense”, no mesmo município em que Jung (1997) realizou sua pesquisa. O
interesse pela pesquisa surgiu a partir de observações de acadêmicos da UNIOESTE, onde
Pereira atuava como professora da graduação em Letras, que já tinham tido experiência
docente na região e levantavam situações de dificuldade em relação ao ensino de Língua
Portuguesa.
A autora propõe como alternativa frente às dificuldades em relação à aprendizagem do
português a “transitividade dialetal”, que, segundo ela, proporcionaria às crianças acesso à
aquisição da escrita e de uma oralidade mais centrada no padrão escrito, sem julgamentos de
valor em relação à modalidade trazida de sua família. Percebe-se nas conclusões de Pereira
uma preocupação no sentido de buscar pelo que Bortoni (1994) chama de pedagogia
culturalmente sensível.
Jung (2003), por sua vez, fez outra pesquisa por ocasião de seu doutorado, de cunho
etnográfico que investiga a construção de identidades sociais de gênero, identidades etno-
lingüísticas, identidades religiosas e outras identidades sociais em uma escola núcleo de Ensino
Fundamental inserida em uma comunidade (comunidade lingüística GUMPERZ,1983)
multilíngüe (alemão/português/brasileiro), no município de Missal,
12
oeste paranaense. A
preocupação principal desse estudo é a construção do conhecimento em uma escola-núcleo
inserida nessa comunidade multilíngüe.
A autora aborda os fenômenos de inferência conversacional e de sua contextualização.
O lócus principal de observação e de descrição é a interação face a face na sala de aula, além da
11
Mesmo sentido da nota um, acrescentando o significado de “língua da solidariedade”, sendo o português,
então, a língua da escola.
12
Mesmo município do estudo de Jung (1997), porém em outra escola.
36
participação em eventos de letramento que aconteceram em domínios sociais na comunidade
pesquisada.
Há dois aspectos dos apontados por Jung (2003) que julgo muito relevantes:
“os indivíduos estão sempre negociando identidades sociais na interação face
a face” (Jung 2003, p. vi)
e
“para planejar um currículo ou programa educacional bilíngüe é preciso ter
conhecimento de como as pessoas negociam identidades sociais ou como a
situação multilíngüe se configura na comunidade contemplada” (Jung 2003,
p. vi).
Jung (2003) procura, portanto, mostrar que as pessoas têm um repertório lingüístico
social, historicamente determinado, que é negociado na interação face a face na construção
do contexto, dos sentidos e das ações que se sedimentam nas suas identidades sociais
tornadas relevantes na interação.
O estudo de Jung (2003) apresenta dois focos principais: o primeiro foco trata de como
as crianças de diferentes comunidades rurais, habituadas com o ensino multisseriado,
constroem conhecimento em Língua Portuguesa; o segundo foco fala sobre as diferenças em
relação ao aprendizado de meninos e meninas, uma vez que a autora verificou que a questão
étnico-lingüística alemã, isto é, o fato de terem dificuldades na aprendizagem pelo motivo
de serem falantes de alemão, não se revelou diretamente como fator determinante na
construção de conhecimento.
A autora constatou que muito mais forte do que serem falantes de uma língua diferente
da língua oficial de letramento, o português, são a identificações dos participantes dentro da
comunidade. O português está associado à identidade feminina, mais urbana que busca
conforto, enquanto que o alemão à identidade masculina, proprietário da terra, colono.
A autora concebe, para fins do estudo, a identidade como uma condição transitória e
dinâmica, moldada pelas relações sociais que vão sendo configuradas através de uma
37
interação intensa em diferentes redes sociais e/ou comunidades de prática e que são
negociadas situadamente, na interação face a face.
Jung (2003) conclui que o modelo de letramento da escola não contribui para a
aquisição do letramento em português dos meninos e das meninas por não possibilitar a
construção de um conhecimento que os capacite para atuar em outras comunidades que
exigem letramento pleno em português. Também não contribui para a manutenção da
identidade étnico-lingüística alemã, e chega mesmo a provocar um choque cultural ao sair
desta comunidade.
Os aspectos em relação à identidade de gênero, embora também presentes e
pertinentes para o presente estudo, pois os três alunos que não falam português são meninos, o
que nos leva à reflexão explorada por Jung (2003), não serão enfocados especificamente,
devido à necessidade de limitar este trabalho. Outra razão é ser o uso de alternância de código
no processo de letramento como uma forma de pedagogia culturalmente sensível o foco
principal da análise.
Os estudos citados acima, bem como muitos outros em relação à presença de variações
da língua materna ou da língua da família em relação à da escola (BORTONI, 1994; WELLS,
1991), ilustram a preocupação presente na Escola Municipal de Ensino fundamental Castelo
Branco, foco deste estudo, e expressa na fala da diretora. Percebe-se, porém, uma caminhada
no sentido de aceitar a língua em uso na comunidade e valorizá-la, pelo menos no
desenvolvimento das habilidades orais. São estudos cuja preocupação permeadora é encontrar
alternativas para lidar adequadamente com a variação lingüística.
2.1 Letramento
Percebe-se, na prática, que as ações pedagógicas tendem muito mais para o
“letramento” do que julgamos, porém o termo, para a maioria dos professores das séries
38
iniciais ainda não é corrente, nem a real distinção entre “letramento” e alfabetização”, que
passo a fazer a seguir.
Segundo Soares (2003), o termo surgiu da necessidade de se fazer uma distinção entre
a alfabetização e o letramento, em virtude de uma nova realidade social em que não basta
apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber
responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente.
O termo “letramento” foi usado pela primeira vez no Brasil por Mary Kato em 1986,
mas, segundo Soares, não é definido pela autora:
“Acredito ainda que a chamada norma-padrão, ou língua falada culta, é
conseqüência do letramento, motivo por que, indiretamente, é função da
escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada
institucionalmente aceita” (Kato, apud Soares, 2003, p. 32).
Para Soares (2003), a alfabetização é a ação de ensinar/aprender a ler e escrever, mas
não há necessariamente a incorporação da prática de leitura e escrita, isto é, os aprendizes não
adquirem, necessariamente, competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com
as práticas sociais da escrita. Portanto, para a autora, a distinção se faz no fato de letramento
ser um estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as
práticas sociais que usam a escrita.
“Uma pessoa pode ser alfabetizada e não ser letrada: saber ler e escrever,
mas não cultiva nem exerce práticas de leitura e de escrita, não livros,
jornais e revistas, ou não é capaz de interpretar um texto lido: tem
dificuldades para escrever uma carta, até um telegrama é alfabetizada,
mas não é letrada. Uma criança pode ainda não ser alfabetizada, mas ser
letrada: uma criança que vive num contexto de letramento, que convive
com livros, que ouve histórias lidas por adultos, que adultos lendo e
escrevendo, cultiva e exerce práticas de leitura e escrita: toma um livro e
finge que está lendo, toma papel e lápis e “escreve” uma carta, uma
história” ( Soares, 2003, p. 47).
Tfouni (1995, p. 9) faz uma clara relação da alfabetização com o processo de
escolarização, isto é, de instrução formal, como aquisição da escrita enquanto aprendizagem
de habilidades para a leitura, escrita e práticas de linguagem. A autora aponta para o fato de a
alfabetização ser entendida como um processo individual, cognitivo, enquanto o letramento
39
focaliza aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito. O sujeito do letramento
não é necessariamente alfabetizado.
Embora diga que a alfabetização e o letramento sejam processos de aquisição de um
sistema escrito, ela não o letramento como um processo, mas como uma concepção que
têm como objetivo investigar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam o
sistema de escritura. Salienta que o letramento não investiga somente quem é alfabetizado,
mas também quem não é, o que vem ao encontro da concepção de letramento de Soares
(2003), no sentido de considerar letrada uma pessoa que não decodifica a escrita, mas, mesmo
assim, sabe como lidar com ela, conhece o ritual do qual a escrita faz parte. Um exemplo é o
faz-de-conta de uma criança que não lê, ao pegar um livro e agir como se estivesse realmente
lendo. Ela está participando ativamente de um evento de letramento.
Kleiman (2001, p.17) introduz os estudos sobre letramento primeiramente de duas
formas: como trabalhos que examinam a capacidade de refletir sobre a própria linguagem de
sujeitos alfabetizados versus sujeitos analfabetos, isto é, ser letrado significa ter desenvolvido
e usar uma capacidade metalingüística em relação à própria linguagem; e letramento como
prática discursiva de determinado grupo social, onde o papel da escrita tem significado na
interação oral, como falar sobre o texto de um livro, mas não necessariamente envolver
atividades específicas de ler e escrever.
Kleiman (2001) denomina o segundo modelo de letramento de oralidade letrada, pois
trata-se do uso, em uma conversa informal, de termos como “fada madrinha”, por exemplo,
que evidenciam relação com o texto escrito e com o conto de fadas e que, portanto, pode ser
considerado um evento de letramento.
Duas concepções de letramento são apresentadas por Kleiman (2001, p. 21). O modelo
autônomo e o ideológico. No modelo autônomo, a escrita é associada principalmente ao
desenvolvimento cognitivo, é completa em si mesma e não está presa ao contexto de sua
40
produção. O processo de interpretação estaria determinado pelo funcionamento lógico interno
ao texto escrito, sem considerar nem depender do interlocutor.
O modelo ideológico vem ao encontro do novo trabalho proposto em termos de
letramento. Esse modelo alternativo foi descrito por Street (1999, p.1) como ideológico, com
o objetivo de apontar que as práticas de letramento são aspectos não apenas da cultura, mas
também das estruturas de poder em uma sociedade.
13
Segundo Kleiman (2001), isso não significa que o modelo ideológico negue os
resultados específicos dos estudos realizados na concepção autônoma do letramento. Mesmo
Street (1999, p. 65), analisando o modelo autônomo proposto por Goody, reconhece que esse
modelo forneceu suporte para hipóteses no campo da Lingüística, pois ele faz distinção e
reflete entre sociedade letrada e iletrada, entre sociedades que usam a noção de lógica e as que
não. Street (1999, p. 64) diz, no entanto, que o que Goody chama de “tecnologia do intelecto -
letramento” precisa ser vista, também, como um produto social, ideológico.
O processo de letramento escolar da criança é dependente, portanto, das práticas
interacionais orais, dos modos de participação da criança e do grau de letramento anterior,
trazido principalmente da família.
“A palavra de ordem nos estudos sobre letramento que se voltam para a
transformação da ordem social é “empowerment through literacy”, ou seja,
potencializar através do letramento.” ( Kleiman, 2001, p. 8)
Dessa forma, segundo Kleiman (2001), o fenômeno de letramento extrapola o mundo
da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzi-lo
formalmente aos sujeitos . Sabe-se que a escola é considerada a mais importante das agências
de letramento, porém ainda não se preocupa, em geral, com o letramento, prática social, mas
apenas com um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de
códigos (alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de competência
individual necessária para o sucesso e a promoção na escola. Já outras agências de letramento,
13
O modelo ideológico será retomado na subseção 2.1.2.
41
como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram orientações de letramento
muito diferentes.
Portanto, o processo precisa ser significativo para os envolvidos e não apenas
reprodutivo. As crianças devem ter voz e o conhecimento anterior deve ser aceito e
negociado. A partir da leitura de Kleiman, concluo que uma busca no sentido de mudar o
atual quadro de alfabetização, para letramento de fato, onde co-construção de
conhecimento e o aprendiz passa a ser agente nas práticas de letramento das quais participa.
Após esta breve distinção entre alfabetização e letramento, a partir de Soares (2003)
e Toufni (1995), que caminhava nesta direção, a distinção feita por Kleimann entre dois
modelos de letramento, é importante considerar, para o presente estudo, especificamente para
a observação em sala de aula, o que Cook-Gumperz (1991) diz a respeito do estudo da
alfabetização.
“Quando estudamos a alfabetização nas salas de aula, precisamos observar
não apenas a aquisição da habilidade de decodificação da palavra impressa,
mas as habilidades que formam a experiência da linguagem na escola como
um todo. Precisamos considerar como noções – embutidas na história e
específicas à comunidade de linguagem como um estilo de discurso e
como alfabetização comum são ou deixam de ser concretizadas na prática
escolar corrente. Sabemos, como usuários da linguagem e como membros da
comunidade, que são as habilidade discursivas e não a linguagem como um
fenômeno lingüístico abstrato que estão na base de nosso conhecimento
cotidiano.” (Cook-Gumperz, 1991, p. 54)
Esse conceito é relevante para o presente estudo pelo fato de a realidade de letramento
com que as crianças chegam à escola e, principalmente, o uso da língua, ter importância
fundamental. Além disso, Bagno (2002, p.21) aponta para a importância das características
do próprio sistema escolar, em que a língua usada nas escolas e na sala difere da usada no lar.
Ele diz, portanto, que explicar o fracasso ou sucesso da criança a fatores como proveniência
social ou inteligência individual é bastante simplista.
Percebeu-se na fala da diretora, transcrita anteriormente, que, mesmo intuitivamente,
essa preocupação existe, tanto que a escola (através de sua direção) permite o uso do
42
alemão e a própria diretora faz uso dele nos corredores. Deve, porém, segundo a diretora, ser
evitado na sala de aula, pois devem de aprender e usar o português. As observações feitas no
presente trabalho pretendem mostrar o que de fato acontece nesse contexto escolar.
2.1.1 Eventos de letramento
Prática e evento de letramento, na verdade se entrelaçam no processo de letramento e
se co-constituem. Segundo Jung (2003, p. 62), os eventos de letramento são a parte concreta
observável. Uma mudança espacial e temporal caracteriza, em princípio, uma mudança no
evento. Uma mudança de prática é observável nos modos de interagir com a leitura e a escrita,
ou seja, a mudança de modos culturais de interagir com o texto escrito caracteriza uma
mudança de prática. Ler uma historinha para uma criança é um evento de letramento, a
criança ter de ouvir em silêncio ou poder cooperar, bem como o tipo de perguntas feitas
durante a leitura pode caracterizar diferentes práticas.
Segundo Barton e Hamilton (2000, apud Marcuschi, 2001 p.37) os eventos são
episódios observáveis que emergem de práticas e são por elas moldados. O fato de ser um
evento frisa seu caráter de ser situado. Os eventos de letramento são eventos comunicativos
mediados por textos escritos, isto é, as pessoas usam a escrita, no seu dia-a-dia com
determinados objetivos. Na realidade, trata-se de usos da leitura e da escrita em contextos
contínuos, reais, etnograficamente desenvolvidos e não isolados.
O caráter primordial da interação das crianças antes de ingressarem na escola é oral,
visual e sensitivo. É corrente e perceptível que o primeiro ano escolar angustia pais, por
estarem entregando, por assim dizer, seus filhos para uma outra instituição social, a escola, na
qual é privilegiada a escrita.
43
Da mesma forma, as crianças sentem medo por terem de lidar com um novo contexto
social. Mesmo assim, ouve-se sempre que as crianças têm ansiedade em aprender a ler e
escrever, e isso é, também, esperado pelos pais. Tal situação foi percebida na primeira reunião
da professora do presente trabalho com os pais, em 29 de março de 2005. Ela precisa explicar
que o processo é lento e que as crianças vão, primeiramente, aprender a fazer “trabalhinhos”
em folhas soltas e só mais tarde farão uso do caderno.
Percebe-se que o que, provavelmente, foi vivido pelos pais, é esperado para seus
filhos, e o medo do fracasso escolar é inerente a essa preocupação. É comum, também, ouvir
em muitos espaços escolares que os alunos não sabem ler, escrever e nem expressar
adequadamente suas idéias.
Nesse contexto é importante uma transição e adequação do evento de letramento
familiar para o evento de letramento escolar. Evento, em si, ou evento social é, segundo
Garcez e Ostermann (2002, p. 261), definição social da atividade da fala que se desenvolve na
situação, dependendo das oportunidades e das restrições à interação proporcionadas pela
mudança de participantes e ou objeto da interação. Os eventos se desenvolvem ao redor de um
tópico ou no máximo de um âmbito limitado de tópicos e se distinguem por suas estruturas
seqüenciais. Eles são marcados por rotinas de abertura e fechamento estereotipadas e,
portanto, reconhecíveis.
Os eventos de letramento, segundo Kleiman (2001), são situações em que a escrita
constitui parte essencial para fazer sentido da situação, tanto em relação à interação entre
participantes como em relação aos processos e estratégias interpretativas. Ela não os restringe
à escola, mas dá, também, assim como Heath (2001), o enfoque de que o letramento trazido
de casa influencia na construção de significados para os eventos de letramento que são
apresentados pela escola.
44
Bortoni (1994) analisou como a conversa, as práticas de letramento e os processos
intelectuais se influenciam mutuamente em sala de aula e quais as implicações dessa
influência para a educação. Examinou, prioritariamente, como os padrões de mudança de
código na fala dos professores em uma escola bilateral
14
estão relacionados a práticas de
letramento.
Esta escola é considerada um ambiente bidialetal, porque todas as crianças são falantes
de variedade rural do português do Brasil e a linguagem da escola, ao menos em nível
pragmático, é a língua padrão, isto é, supõe-se que na escola seja falado o português padrão.
No estudo de Bortoni verifica-se, porém, que praticamente quando o uso do texto
escrito, ocorre o português padrão.
A importância do estudo de Bortoni para a presente pesquisa se deve ao fato de ter
sido realizada em um ambiente bidialetal e na identificação e especificação dos eventos de
letramentos que encontrou. No seu estudo, ela identificou quatro tipos recorrentes de fala ao
longo da aula.
Bortoni (1994, p.84) utilizou a conceituação de evento de acordo com a tradição da
Etnografia da Comunicação, isto é, eventos são percebidos como unidades com início, meio e
fim. O primeiro tipo de evento, quase sempre curto, é altamente sensível ao contexto e oral.
Consiste de respostas, explicações curtas, repreensões, brincadeiras ou observações destinadas
a controlar a fala dos alunos e as atividades de sala de aula em geral. O segundo tipo de
evento consiste em exposições institucionais mais longas, como a explicação de um problema
de aritmética ou comentário de um texto. É de caráter oral com presença do texto escrito em
plano secundário.
o terceiro caracteriza-se como um evento de oralidade secundária. O falante está
lendo um livro, manuscrito ou do quadro negro, ditando ou falando com base em um texto
14
Caracterizada pela assimetria do professor, com poder, em relação ao aluno, subordinado.
45
escrito ou, então, falando e escrevendo simultaneamente. O quarto tipo de evento segue a
estrutura tripartite típica de sala de aula, proposta por Sinclair e Coulthard (1975), e se
compõe de um turno de iniciação pelo professor- geralmente uma pergunta- seguido
sucessivamente da resposta dos alunos e da avaliação ou correção do professor: iniciação
resposta avaliação (IRA). Apresenta primordialmente aspectos orais, com suporte de textos
escritos.
Tabela 1.Classificação de tipos de eventos a partir de Bortoni (1994)
Evento 1
quase sempre curto altamente sensível
ao contexto
somente oral.
Evento 2
exposições institucionais mais longas oral com presença de texto
escrito
Evento 3
leitura, ditado, fala e escrita simultâneas
evento de oralidade secundária
Evento 4
IRA estrutura tripartite típica de sala de
aula
primordialmente aspectos orais,
com suporte de textos escritos.
Bortoni (1994, p.92) constata que os padrões de mudança de código e de intervenções
dos professores observados estão associados a estratégias intuitivas que estes desenvolveram
com base em seu sistema de crenças sobre o letramento. Segundo ela, as estratégias intuitivas
usadas pelos professores para lidar com a complexa questão da variação lingüística podem
contribuir para a implementação de uma pedagogia culturalmente mais sensível. Ao seu ver,
para que isso se torne mais efetivo, recomenda que se lhes proporcione acesso a informações
sistemáticas de sociolingüística.
Para fins de análise das cenas de sala de aula neste trabalho e delimitação dessas cenas
em eventos, conceituo evento de letramento como um episódio observável, que emerge da
prática social (Barton e Hamilton, 2000, apud Marcuschi, 2001, p. 37), em que uma peça
escrita ou uma prática que se refere ao conhecimento da escrita e sua interpretação envolvam
a interação dos participantes. A mudança de evento de letramento será caracterizada pela
troca de tópico, do objeto ou da estrutura social da interação.
46
O presente trabalho analisa o que acontece em relação ao uso da língua em alguns
eventos de letramento presentes na sala de aula e descreve como eles se constituem. Da
mesma forma, são tópicos de estudo as diferentes formas de participação e interação que
predominam nos eventos e como tal os caracterizam e moldam.
2.1.2 Práticas de letramento
As práticas de letramento podem ser consideradas as bases de análise do modelo de
letramento, isto é, através da observação delas pode-se inferir o modelo de letramento. Como
o próprio conceito diz, são a parte observável em relação ao que é realmente feito no
processo de letramento, e mesclam e constituem os eventos.
Para Kleiman (2001), as práticas de letramento estão determinadas pelas condições
efetivas de uso da escrita, pelos seus objetivos, e mudam conforme mudam essas condições.
Essa concepção pode ser considerada a partir do modelo ideológico, pois procura incorporar e
discutir não só a cultura, mas também as estruturas de poder da sociedade na qual está
inserida.
A autora coloca que a prática escolar ainda predominante revela uma situação de
desigualdade, uma separação polarizada entre oralidade e escrita, uma concepção de ensino
voltada para o desenvolvimento das habilidades necessárias para a produção de uma
linguagem abstrata. Diferentemente dessa prática, Kleiman propõe a transformação da
concepção de letramento, com práticas sensíveis à realidade advinda do aluno.
As práticas de letramento não são exclusividade da escola. As crianças têm sua
iniciação ao letramento em instituições como a família. Segundo Kleiman, as práticas de
letramento na família geralmente são coletivas e colaborativas, numa relação quase que
47
tutorial, ou através de participação em pequenos grupos, que discutem, por exemplo, o que
um texto jornalístico realmente quis dizer.
Heath (2001) pode ser considerada pioneira na discriminação de diferentes práticas de
letramento e na instituição do conceito de evento de letramento”, que ela descreve como
“ocasiões em que a linguagem escrita integra a natureza das interações dos participantes e seu
processo e estratégias interpretativas (das interações)” (Heath, 2001, p. 319)
15
. Em seu
estudo, realizado nos arredores de uma cidade na região sudeste dos Estados Unidos, ela
descreve três comunidades letradas, Maintown, Roadville e Trackton, com orientações
diferentes de letramento no convívio familiar (pré-escolar), e relaciona cada orientação com o
desempenho escolar das crianças.
A autora mostrou que, em algumas comunidades, a maneira aprendida em casa pode
ser similar à da escola, como é o caso das crianças de Maintown, cujos pais são mais letrados
e, com seis meses, a criança “dá atenção a livros e informações relacionadas a livros”,
conforme Heath ( 2001, p. 320) . As crianças de Roadville são filhos de operários brancos de
fábrica têxtil que são letrados e se preocupam com o sucesso escolar dos filhos, pois vêem
nele um futuro melhor. De semelhante modo como em Maintown, as crianças entram em
contato desde cedo com eventos de letramento.
Há, porém, segundo Heath, uma diferença marcante nas interações entre as duas
comunidades. Enquanto os adultos de Maintown fazem constantes relações entre o mundo
real e algum evento similar num livro, e continuam a fazê-lo durante o período escolar, os
adultos de Roadville não o fazem constantemente. O tipo de perguntas empregado na
interação também difere de um grupo para outro. O modelo de letramento familiar de
Maintown proporciona estruturas participativas e perguntas semelhantes à prática escolar,
enquanto que o modelo de Roadville valoriza a prática escolar, mas não ensina as crianças a
15
Tradução feita por mim.
48
distinguirem, por exemplo, entre narrativas reais e imaginárias ou a questionar a razão dos
fatos narrados.
o modelo de letramento familiar presente em Trackton, comunidade de operários
negros, é totalmente diferente do modelo escolar, chegando a ser conflitante. Desde o
ambiente em que vivem, onde não decorações nos quartos das crianças relacionadas a
histórias, até o material de leitura especial para crianças, é diferente, ou melhor, isso não faz
parte da realidade das crianças dessa comunidade..
Outra diferença marcante é a forma do uso da linguagem no cotidiano. O grupo
proveniente de classes mais escolarizadas recebe informações permeadas de letramento.
Quando os pais, por exemplo, orientam a criança sobre o modo correto de segurar uma bola,
usam termos mais específicos como: “coloca o polegar neste lugar e depois abre os dedos”,
enquanto que o grupo menos letrado diz: “faz assim ó” (Heath 2001, p. 329).
As experiências de letramento anteriores à escola, isto é, o tipo, a intensidade, as
interações envolvidas, devem ser, portanto, consideradas nas práticas escolares. O mundo de
onde as crianças procedem, participando em maior ou menor grau de eventos de letramento,
influenciam, segundo Heath (2001), as atitudes e a compreensão delas frente às atividades
desenvolvidas nos rituais institucionais.
Rojo (2001, p.70) diz que, apesar dos desdobramentos e avanços que o modelo
ideológico traz para o enfoque das práticas de letramento, ainda assim, a questão da relação
entre escolarização e letramento parece fora de foco. Ela teme a mudança, apenas da
nomenclatura, de alfabetização para letramento, mas não da prática de fato, que efetivaria o
processo.
Os estudiosos citados anteriormente apontam unanimemente para a necessidade de
rever as práticas de letramento, mas, sobretudo, de instrumentalizar o professor. Não basta
que o mundo acadêmico estude e se debruce sobre as causas do fracasso escolar se os
49
orientadores ou mediadores das práticas de letramento (lê-se professores e instituições de
ensino) continuarem a seguir o modelo autônomo e, quando muito, sensibilizarem-se com
práticas de letramento por intuição (Bortoni 1994, p.92).
Segundo Street (1999, p.1), os usos da leitura e da escrita são socialmente
determinados; portanto, têm valor e significado específicos para cada comunidade e
dependem do contexto. Não podem ser tratados isoladamente ou como “neutros”. Como
vimos, Street (1999, p. 95), baseando-se em estudos que desafiam o modelo de letramento por
ele denominado de “autônomo”, propõe o modelo de letramento “ideológico”.
No modelo autônomo a escrita é considerada um produto em si e o processo é visto
como puramente cognitivo. O contexto não é levado em consideração e o texto é completo em
si mesmo. O autor amplia seu posicionamento crítico em relação a esse modelo de letramento,
por ser, ainda, o mais freqüente nas instituições educacionais e por raramente ser questionado.
Ele diz que as pessoas e as instituições educacionais acreditam no processo de letramento
autônomo e, ao haver fracassos, atribuem-no à incapacidade individual.
O modelo “ideológico” proposto por Street amplia a responsabilidade da escola como
membro da comunidade, sendo que a instituição deve considerar o contexto do letramento.
Esse modelo de letramento deve ir além das escolas, observando também outras instituições
sociais. Isso significa que o texto adquire significado dependendo do contexto em que está
inserido.
Street propõe, com o modelo ideológico, que se preste mais atenção à natureza social
das práticas de letramento e sua inserção na estrutura ideológica e social. Isso vem ao
encontro de uma pedagogia culturalmente sensível, tema do presente estudo e que se
especificada na subseção 2.7.
Marcuschi (2001, p. 37) define as práticas de letramento como modelos construídos
para os usos culturais em que produzimos significados a partir da leitura e da escrita. A carta
50
pessoal é um evento de letramento, mas a sua leitura e comentário entre amigos, familiares,
etc. é uma prática de letramento que envolve mais do que interação com um texto escrito,
(Street 1999). Neste sentido o letramento não deixa de ser uma prática comunicativa, como
sugere Grillo (1989, apud Marcuschi, 2001). Para ele, “as práticas comunicativas incluem as
atividades sociais através das quais a linguagem ou a comunicação é produzida.”
Rojo (2000) considera que o domínio do código escrito é algo que se espera em todas
as comunidades nas quais os indivíduos sejam reconhecidos como alfabetizados, enquanto as
práticas de letramento podem variar de comunidade para comunidade, e amesmo de grupos
sociais para grupos sociais dentro de uma mesma comunidade. As pessoas podem estar mais
familiarizadas com certas práticas de letramento do que com outras, dependendo do
engajamento delas naquela prática social específica.
2.2 Interação em sala de aula
Para definir a interação específica de sala de aula, procurarei, primeiramente, defini-la
em termos mais gerais. Goffman (2002, p. 114) fala em “curso da interação”, no qual ocorre o
intercâmbio dos papéis de falante e ouvinte, com o objetivo de manter um formato de
afirmação/resposta, sendo que o direito ao piso conversacional, isto é, à palavra, vai e vem.
Essa troca de pisos conversacionais pode, segundo ele, ser denominada conversa ou fala. Ele
propõe um reexame das noções de falante e ouvinte, que será abordado na subseção seguinte,
relacionando estes conceitos às estruturas de participação.
Gumperz (1982 p.151), baseado na noção de enquadre de Goffman, introduz os termos
“tipo de atividade ou atividade” para refletir um processo dinâmico que se desenvolve e sofre
alterações à medida que as pessoas interagem. Essa interação possui variáveis lingüísticas que
contribuem para a interpretação do que está sendo feito na interação comunicativa. Na
interação uma elocução pode ser compreendida de várias maneiras, e as pessoas decidem
51
interpretar uma determinada elocução com base nas suas definições do que está acontecendo
no momento da interação.
Clark (2000, p. 49) defende a tese de que “o uso da linguagem é realmente uma forma
de ação conjunta, que é aquela ação levada a cabo por um grupo de pessoas agindo em
coordenação uma com a outra”.
Clark (2000, p.50) divide os cenários de uso da linguagem em cenário de formas
faladas e cenário de formas escritas. Para o presente estudo, mesmo que as interações sejam
indiretamente permeadas por textos escritos, não podem ser consideradas cenários de uso de
formas escritas. Embora as ações estejam relacionadas a eventos de letramento, o texto escrito
serve mais como referência do que como material de manipulação. As crianças estão sendo
introduzidas no mundo da leitura e escrita e esse processo ocorre de forma mais lúdica do que
instrucional. O foco da observação centra-se, pois, no uso da linguagem, principalmente na
conversa face a face, que Clark considera o cenário básico do uso da linguagem.
A definição de maior ou menor proximidade, do que Clark (2000, p.55) define como
conversa face a face, depende da presença de elementos característicos como co-presença,
visibilidade, audibilidade, instantaneidade, evanescência, ausência de registro (uso da escrita,
por exemplo), simultaneidade, improvisação, auto-determinação e auto-expressão.
Interpreto a ação conjunta definida por Clark (op cit) como interação, que é co-
construída e constantemente reintepretada, para que o fluxo dessa seja mantido. De momento
a momento em um encontro a interação é construída de forma diferente, dependendo do
número de participantes, da entrada ou saída de um participante e da interpretação das ações.
Alguém que não esteja participando de uma determinada interação face a face e,
inesperadamente entra, vai mudar a estrutura da interação. Os participantes, estando face a
face, também influenciam-se mutuamente.
52
Interessa, portanto, como conceito de interação para este estudo o uso da linguagem
face a face, em que, segundo Clark (2000, p.68) as pessoas a usam para fazer coisas, é uma
espécie de ação conjunta e sempre envolve o significado do falante e o entendimento do
ouvinte demonstrados um para o outro.
O conceito de interação em sala de aula, segundo a abordagem da sociolingüística
interacional (Gumperz, 1991, p. 79), focaliza o jogo de pressuposições lingüísticas,
contextuais e sociais que interagem para criar condições para o aprendizado em sala de aula.
A análise focaliza atividades didáticas fundamentais que se revelaram, a partir de observações
etnográficas, como cruciais para o processo educacional. Estas atividades são realizadas
através de eventos definíveis de fala que são diferentes das conversas cotidianas; elas têm
características que podem ser descritas por etnógrafos e reconhecidas pelos participantes.
Especificamente em relação à interação nos arranjos da sala de aula, assim como a
interação verbal em qualquer lugar, Gumperz (1991, p.81) presume que é orientada por um
processo de inferência conversacional que se baseia na percepção, pelos participantes, de
indicadores verbais e não verbais
16
que contextualizam o fluxo da atividade de fala diária.
Estes indicadores de sinalização criam em conjunto um nexo de significados através do qual a
interação progride e os movimentos formam eventos específicos.
Garcez (2002b, p. 70) alerta para o fato de que se deve, porém, ter cautela em
distinguir as formas institucionais de conversa da conversa cotidiana, e que se deve procurar
mostrar, através das marcas da própria fala analisada que o discurso é ou não institucional.
Não é o local que define o discurso, mas a forma como ele se estrutura e os tópicos que
contém. Cajal diz:
“Existe um ser-fazer-junto, um compartilhar da construção da interação, da
significação daquilo que está acontecendo naquele determinado contexto.
Como o contexto influencia, regula as ações que nele são estabelecidas, a
interação face a face está também exposta a um número infinito de regras,
em um fazer e refazer contínuos” (Cajal,2001, p. 128).
16
Grifo meu, por considerar esses indicadores como pistas de contextualização.
53
Tanto as relações entre grupos de estudantes quanto o relacionamento entre professor e
aluno, bem como as exigências organizacionais do sistema social em sala de aula, afetam não
o tipo de interação, mas conseqüentemente a aprendizagem. Schegloff et allii (2002, p.18)
dizem que, embora as práticas da fala em estilo conversacional sejam usadas em ambientes
institucionais, tanto para propósitos conversacionais quanto institucionais, muitas dessas
práticas da fala desenvolvem-se para atingir objetivos especificamente institucionais no
ambiente em que são usadas.
Há, por exemplo, alunos cuja participação nas interações em eventos mais
estruturados em sala de aula, que obedecem a determinadas normas ou rituais, é considerada
inadequada; no entanto, no momento de interação livre se comunicam tranqüilamente, com
argumentos e atitudes seguras, sem apresentarem dificuldades. Apesar de existir a consciência
de que as estruturas de caráter funcional presentes na escola sejam diferentes das estruturas
interacionais trazidas do lar, pois o número de participantes e o objetivo da interação
divergem, é preciso questionar, ao menos, o estilo de interação em sala de aula no período de
adaptação, para que esse vá ao encontro do que o aluno estava acostumado.
Cajal (2001, p.130) aponta para o fato de ser tão ou mais importante que a criança, nos
primeiros tempos de escola, aprenda os conteúdos interacionais, participe da construção de
novas formas de interação do que domine o conteúdo acadêmico.
Michaels (1991) analisou o efeito da qualidade da interação professor/aluno no ensino
pré-escolar, numa turma em que metade das crianças era branca e outra negra, considerando
as narrativas em sala de aula. Michaels observou a orientação dada pela professora na “hora
da rodinha”, no evento “mostre e fale”, em que é enfocada a narrativa da criança a partir de
um objeto, numa atividade cooperativa com a professora. Os resultados mostram que havia
cooperação mais positiva entre a professora e os alunos brancos do que entre a professora e os
alunos negros. Esse fato deve-se ao background de estilo discursivo trazido do ambiente
54
familiar e influenciado pelas diferenças étnicas, muitas vezes desconhecido ou ignorado pelas
instituições ou professores.
A autora observa que, em relação às crianças brancas nesta classe, que possuíam
mais elementos dos esquemas do discurso centrado no tópico, a professora era mais eficiente
em colaborar com elas e ao elaborar suas intenções narrativas. Com as crianças negras, por
outro lado, as questões da professora não possuíam sincronismo tmico e, portanto,
freqüentemente foram vistas pelas crianças como interrupções.
Tipicamente, as questões da professora resultavam em intercâmbios assincrônicos, em
fragmentação de tópicos e freqüentes interpretações errôneas da intenção semântica. Mais
importante ainda: os comentários da professora não construíam sobre o que a criança já sabia,
deixando de proporcionar uma prática e assistência que deveriam levar a um estilo de
narração expandido e lexicalizado.
O modelo de interação adotado pela professora estava muito distante da conversa
cotidiana e continha freqüentes avaliações do que era apropriado para um determinado evento.
Segundo Michaels (1991, p.121), quando o estilo de discurso da professora, principalmente
quanto à organização de tópico e desenvolvimento temático, difere do da comunidade, o
oferecimento de andaime para o desenvolvimento de uma história, por exemplo, fica longe de
ser eficaz. Segundo Donato(1994,p.40) “Na interação social um participante mais instruído
pode criar, através da fala, condições de apoio nas quais o novato pode concretizar e estender
o nível das habilidades e conhecimentos já existentes para níveis mais altos de competência”.
Para Michaels (op.cit), ao analisarmos a interação em sala de aula, é importante
reconhecer que o aprendizado não é uma simples transferência de conhecimentos do professor
para o aluno. Ao contrário, o aprendizado é mediado através de processos interativos e
interpretativos complexos, e a ocorrência ou não do mesmo é uma função do modo como uma
55
atividade é estruturada, da quantidade de contato, prática e instrução proporcionados e da
qualidade deste contato.
A noção de andaime é pertinente para o presente trabalho, no sentido de averiguar se
a alternância de código é uma forma de andaimento e, conseqüentemente uma pedagogia
culturalmente sensível. Isto é, se através do uso do alemão no ambiente escolar em que a
língua oficial é o português os alunos são levados a ampliar seus conhecimentos prévios.
“A sala de aula é, sem dúvida, um lugar onde se desenvolve o processo de
ensino/aprendizagem, mas também é vida.” Essa afirmação freqüente do professor Dr. Pedro
Garcez nas aulas do curso de Pós-Graduação na UFRGS, define, para mim, o olhar que deve
ser lançado para a sala de aula e me fez refletir sobre a minha própria prática: ver a vida que
está presente em sala de aula.
Cajal (2001, p.127), ao falar sobre a interação em sala de aula, fala da vida da sala de
aula e que esta não é definida “a priori”, nem tomada de empréstimo de outra situação; ao
contrário, é construída, definida e redefinida a todo o momento, revelando e estabelecendo
contornos de uma interação em construção. Portanto, a aparente similaridade entre as salas de
aula, segundo Erickson (2001, p.10), é enganadora. O conhecimento geral que temos delas é
um referencial inadequado para compreender o que se passa em cenas cotidianas particulares
que ocorrem em salas de aula particulares.
A interação em sala de aula é um processo, construído continuamente e complexo.
Cajal (2001, p.128) fala em interação construída pelos alunos e professores, com uma
dinâmica própria, marcada pelo conjunto de ações do professor, pelas reações dos alunos às
ações do professor, pelo conjunto das ações dos alunos, das reações do professor às ações e
reações dos alunos, pelo conjunto das ações e reações entre si, cada um interpretando e
reinterpretando os próprios atos e os dos outros.
56
Esse conjunto de ações e reações é permeado pela fala, e, segundo Cajal (2001, p.130),
numa situação de fala, o entendimento mútuo entre os falantes não depende somente de
ambos dominarem a estrutura gramatical dos enunciados, os sentidos comuns, mas também de
dominarem modos comuns de usar e interpretar a fala.
O presente trabalho observa a interação em sala de aula em um ambiente bilíngüe,
como um processo que é construído e reconstruído continuamente (Cajal 2001), através de
indicadores verbais e não verbais que contextualizam o fluxo da atividade de fala (Gumperz
1991). Essa interação face a face que ocorre neste ambiente, bem como os modos comuns de
interpretar essa fala serão importantes para a análise.
Em vista disso, as estruturas de participação, as pistas de contextualização, o enquadre,
o alinhamento e o uso dos códigos, em alternância ou não, que serão abordados a seguir,
tornam-se fundamentais. Tais premissas servirão para analisar e interpretar o que realmente
acontece na interação em sala de aula deste determinado grupo observado com o objetivo de
verificar se a alternância de código é uma forma de pedagogia culturalmente sensível.
2.3 Estruturas de participação
Segundo Garcez e Ostermann (2002, p. 261), a estrutura de participação é a
configuração da ação conjunta dos participantes de uma situação, de um encontro ou de um
enquadre interacional, envolvendo desde o arranjo logístico no cenário até a distribuição dos
direitos e deveres mútuos dos diferentes participantes quanto a quem pode falar e quem deve
ouvir em que condição social no decorrer da atividade e as conseqüências disso em termos de
quais comportamentos serão percebidos como socialmente apropriados.
Philips (2002) faz um estudo comparativo da organização da conversa entre duas
culturas: a dos anglo-americanos de classe média e a dos índios da Reserva de Warm Springs,
da região central do estado norte-americano de Oregon. Para caracterizar a constelação de
57
normas, de direitos e de obrigações mútuas que moldam os relacionamentos sociais, que
determinam a percepção dos participantes sobre o que é manifestado e influenciam a
aquisição de habilidades formais, ela faz uso da noção de “estrutura participante”.
Nesse estudo, a autora destaca o papel do ouvinte na co-construção da conversa e da
interação face a face (Ribeiro e Garcez, 2002, p. 21) e a importância de pistas não-verbais
para a seleção do ouvinte bem como a distinção do que é “fala” e do que é “fala ratificada”,
distinção que será melhor explicada na seqüência.
Goffman (2002, p. 118) reexamina as noções tradicionais de falante e ouvinte.
Segundo ele, os ouvintes (ou interlocutores ou ainda ouvidor)
17
que estão presentes em uma
interação, mas a quem, num dado momento, o falante não está dirigindo a palavra, são
chamados de interlocutores “não-ratificados”. Mesmo não sendo um participante oficial no
encontro, alguém pode estar acompanhando a conversa de perto, de dois modos sociais
diferentes: propositalmente, resultando em uma “intromissão”, ou não intencionalmente,
ouvinte por acaso.
Por outro lado, um ouvinte ratificado, isto é, a quem o locutor dirige a fala e que tem
um lugar reconhecido na fala (Goffman, 2002, p.118) pode simplesmente não estar ouvindo,
apesar das expectativas normativas do falante. Portanto, Goffman argumenta que:
“O processo de examinar o que um falante diz e de acompanhar o essencial de
suas observações escutar no sentido do sistema de comunicação deve logo
de saída ser diferenciado do momento social no qual essa atividade comumente
se processa ”(Goffman, 2002, p. 118).
Para a análise da organização da conversas em duas culturas diferentes, Philips (2002,
p.28) diz fazer uso dos conceitos cunhados por Goffman de “interlocutores ratificados” e
“interlocutores não-ratificados”. Segundo Philips, a identificação dos interlocutores
ratificados pelo falante se dá, em parte, pela maneira não verbal. Na sala de aula, por
17
Goffman ( 2002, p. 118) não faz distinção entre ouvinte, ouvidor e interlocutor.
58
exemplo, o professor muda o alinhamento do corpo, muda a direção do olhar ou até identifica
pelo nome o foco de sua atenção, isto é, o interlocutor que seleciona ou ratifica.
A ação conjunta dos participantes de uma dada situação pode apresentar características
adversas, e, conseqüentemente, outra configuração das estruturas de participação. Philips
(2002, p. 30) chama a atenção, portanto, para aspectos como identificação do interlocutor, não
pela fala, mas por gestos, postura corporal e olhar. Ao comparar as estruturas de
participação da comunidade indígena de Warm Spring, de onde provinham as crianças de seu
estudo, com as das comunidades anglo-americanas, identificou que os traços da estrutura
interacional, quando combinados, produzem um sistema de organização da interação
qualitativamente diferente, isto é, estruturas de participação diferenciadas.
Essa diferença na participação das crianças, devia-se ao modelo interacional de cada
uma das culturas comparadas, isto é, diferenças quanto ao que é permitido e esperado no
enquadre interacional em relação à organização do discurso. As crianças índias participavam
mais entusiasticamente e tinham um desempenho mais eficiente nas situações educacionais
que minimizavam tanto a obrigação dos estudantes, individualmente, de apresentarem
desempenho em público, quanto a necessidade de que os professores controlassem estilos
deste desempenho e corrigissem erros.
As preferências por estes contextos refletiam os tipos de interação com os quais as
crianças estavam acostumadas na reserva, onde as redes laterais de companheiros de
brincadeiras eram mais importantes para o aprendizado do que as redes hierárquicas, com
papéis diferenciados, de adultos e crianças. Philips atribuiu o desempenho escolar geralmente
fraco das crianças índias à freqüência bem maior, nas salas de aula convencionais, de
condições que criam, para estas crianças, estruturas de participação desconhecidas e
ameaçadoras.
59
Philips (2002, p.43) sugere uma contribuição contínua da abordagem etnográfica na
determinação do que é universal e do que é culturalmente variável na organização da
interação face a face, que também permeia o contexto da sala de aula. Através de seu estudo,
a autora demonstra claramente que existe uma variabilidade cultural na maneira que os modos
de comunicação verbal e não-verbal interagem na ordenação da fala. A contribuição do
ouvinte para essa organização varia de acordo com as diferenças no sistema como um todo.
Portanto, a partir dos estudos de Philips, constatou-se que há semelhança no uso e nos
meios comunicativos empregados por diferentes culturas, porém a organização e o
encadeamento das interlocuções entre falantes diferentes e sua organização, bem como o
alinhamento, a posição e a movimentação do corpo são diferentes em quantidade e forma.
Goffman diz que nós costumamos ritualizar estruturas de participação. Ele usa o termo
“autoconscientemente” para dizer que na interação sabemos o que é natural para certa
situação social em termos de interação e o que não é natural. Esse conhecimento, porém, deve
ser compreendido como diferente de cultura para cultura, conforme os dados de Philips
(2002).
Schultz, Florio e Erickson (1982, p. 24 a 27)
18
, no intuito de verificar as diferenças e
semelhanças entre a interação em casa e em sala de aula, descreveram diferentes
configurações de estruturas participativas durante o jantar de família em duas famílias, uma
norte-americana e outra ítalo-americana. Essas servirão de base, principalmente para
identificação de mudança de evento e também para identificação de um evento mais ou menos
institucional. Os tipos descritos por Schultz, Florio e Erickson não servirão, porém, como
modelo rígido de análise das estruturas no presente trabalho, pois esse está centrado na
interação em sala de aula.
18
Tive acesso somente ao manuscrito e, portanto a identificação das páginas corresponde a ele.
60
Segundo Schultz, Florio e Erickson (1982, p.50), mesmo eles tendo encontrado fases e
estruturas participativas semelhantes na hora do jantar e na lição de matemática, diferentes
demandas interacionais em cada uma delas. Os autores definiram os tipos de estruturas
participativas a partir de três dimensões: a) o número de pessoas falando ao mesmo tempo; b)
tipo de papel representado pelos participantes falante primário, falante secundário, ouvinte
primário, ouvinte secundário; c) número de pisos
19
conversacionais. A partir da presença ou
ausência dos aspectos citados acima, Schultz, Florio e Erickson (1982, p. 28) definem o tipo
de estrutura participativa, conforme tabela abaixo:
Tabela 2. Tipos de estruturas participativas (Schultz, Florio e Erickson ,1982)
Presença ou ausência de aspectos distintivos nas estruturas participativas
Mais de uma pessoa
falando por vez
Todos os participantes
têm os mesmos papéis
Mais de um piso
conversacional
TIPO I
- - -
TIPO II
- + -
TIPO III A
+ - -
TIPO III B
+ + -
TIPO IV
+ - ou + +
Segundo os autores, no tipo I de estrutura participativa há um piso conversacional com
somente algumas das pessoas presentes participando como falantes primários e participantes
primários. Outros presentes participam minimamente como participantes secundários. Há
pouca fala sobreposta. O tipo II também é constituído por um piso conversacional, porém com
todas as pessoas participando. Há somente um falante primário que se dirige a todos os
presentes. Não ocorre distinção entre os ouvintes.
O tipo III, assim como os tipos I e II, apresenta apenas um piso conversacional e todas
as pessoas presentes participando dele. uma ocorrência considerável de sobreposição de
turnos.
19
Schultz, Florio e Erickson (1982, p. 13 e 14) conceituam piso conversacional como “o direito do acesso por
um indivíduo ao turno de fala ao qual outros indivíduos, que ocupam no momento o papel de ouvintes, prestam
atenção. O simples falar, por si, não constitui o fato de possuir o piso. O piso é interacionalmente produzido, em
que falantes e ouvintes devem trabalhar juntos para mantê-lo.”
61
Esse tipo está dividido em dois subtipos: A e B. No subtipo III A a presença de um
piso conversacional único com múltiplos níveis de piso, isto é, como no tipo I, somente
algumas das pessoas presentes participando como falantes primários e participantes primários.
A diferença está no fato de os participantes secundários fazerem comentários ao que os
falantes/participantes primários estão dizendo. Não há interrupção ou intromissão na interação
dos falantes e participantes primários pelos participantes secundários. no tipo III B, o piso
conversacional primário dos tipos I ou II é suspenso por uma seqüência lateral, que pode
sobrepor-se, havendo retomada ou não do piso conversacional suspenso.
O tipo IV é caracterizado por múltiplos pisos conversacionais, com subgrupos das
pessoas presentes participando em conversas com tópicos distintos simultâneos. muita
sobreposição de fala através e dentro dos pisos conversacionais. Segundo Schultz, Florio e
Erickson ( 1982, p. 28), o tipo VI é composto por múltiplas conversas do tipo I.
Mehan (1985, p. 121) diz que os eventos de sala de aula têm estruturas constituintes
internas compostas pelo trabalho interacional dos professores com os alunos, sendo que a fase
instrucional, assim como as outras fases são compostas por seqüências interacionais
características. Essas seqüências interacionais são constituídas por três partes: um ato de
início, um ato de resposta e um ato de avaliação (Iniciação Resposta – Avaliação), cunhada
originalmente por Sinclair e Coulthard (1975). Segundo Mehan (1985, p. 121), essas
seqüências interacionais nas fases instrucionais são organizadas em torno de tópicos. Pode
haver também um conjunto de seqüências (Mehan, 1985, p. 122) em torno de um tópico que
normalmente é encerrado pelo professor. A esse conjunto o autor chama de “formas
estendidas”.
Ao comparar o discurso de sala de aula ao discurso no dia-a-dia, ele diz:
“Lições na sala de aula, assim como outros eventos de fala, são interacionais,
isto é, dependem da participação de muitas partes para a composição de sua
estrutura. Lições de sala de aula, como em outros eventos interacionais
realizados, têm uma organização seqüencial, na qual as falas mudam de uma
parte para outra quando o evento se desdobra, e uma estrutura marcada
62
hierarquicamente por recorrente configuração do comportamento. Em lições,
assim como em outros eventos de fala polida, os falantes tomam turnos, falas
sobrepostas não são bem aceitas e o acesso ao turno é obtido de forma
sistemática” (Mehan, 1985, p. 125).
20
Para Mehan, portanto, a não ser pelo fato de a interação de sala de aula depender do
envolvimento de seus participantes, ela não pode ser comparada com a interação na fala
cotidiana. Este modelo de interação raramente está presente em sala de aula, pois, segundo
Mehan (1985, p. 126), são os professores que determinam os turnos, chamando os alunos,
estabelecendo critérios para a tomada de turnos, enquanto que na conversa cotidiana isso
raramente acontece.
Cazden (2001, p. 30), ao fazer um comparativo entre aulas tradicionais e não-
tradicionais, diz que nem a hora de compartilhar uma experiência (hora da rodinha), presente
principalmente na pré-escola e nas séries iniciais, foge à estrutura da aula tradicional. Ele
justifica através da estrutura da atividade: a) professor chama o aluno; b) o aluno chamado faz
uma narrativa; c) a professora comenta a narrativa.
Segundo Cazden (2001, p. 46), a mais persuasiva crítica à estrutura tripartite (IRA /
IRF) é que o professor apenas faz questões das quais sabe as respostas, isto é, não autênticas.
Com base nessa crítica, os professores são freqüentemente admoestados a fazerem uso de
perguntas autênticas, mais típicas a conversa cotidiana. Cazden (2001, p. 47) conclui que o
valor da estrutura tripartite deve ser julgado por suas contribuições para a aprendizagem dos
estudantes, embora alguns objetivos defendidos atualmente requeiram diferentes estilos de
fala.
Em se tratando, no presente trabalho, de uma comunidade bilígüe, que pode apresentar
estruturas de participação culturalmente particulares, isto é, a organização da interação pode
ter características peculiares, por envolver uma determinada cultura (Philips, 2002), é de
interesse para análise descrever como essas estruturas participativas se organizam. Para isso
20
Tradução feita por mim.
63
será levado em conta se as estruturas apresentam aspectos mais e menos institucionais e se
ratificação ou não, tanto por parte da professora, quanto por parte dos alunos em relação aos
participantes na interação com falas usando alternância de código.
2.4 Enquadre e alinhamento
As estruturas de participação bem como as pistas contextuais não podem ser separadas
da análise de enquadres e alinhamentos. Segundo Ribeiro e Garcez (2002, p.107), o conceito
de “footing” foi introduzido por Goffman em 1979 e corresponde ao alinhamento, à postura, à
projeção do “eu” de um participante na sua relação com o outro, consigo próprio e com o
discurso em construção. Goffman o introduz como um desdobramento do enquadre, passando
a ser o aspecto dinâmico do enquadre.
Passo, portanto, a partir da conceituação acima, a usar o termo “alinhamento”. O
alinhamento, segundo Goffman (2002), é constituído predominantemente pela estrutura de
participação, que se refere ao ouvinte, e pelo formato de produção, que se refere ao falante.
Estas fornecem a base para a percepção da mudança daquele.
O alinhamento, portanto, é parte constitutiva do enquadre. Garcez e Ostermann (2002)
elaboraram a seguinte definição de enquadre no Glossário Conciso de Sociolingüística
Interacional:
“Enquadre é uma definição com base em elementos de sinalização na fala
em interação, quanto ao que está acontecendo em uma interação, sem a
qual nenhuma elocução (ou movimento ou gesto) pode ser interpretada.
Para compreender qualquer elocução, as pessoas constantemente se
deparam com a tarefa interpretativa de enquadrar eventos e ao mesmo
tempo negociar as relações interpessoais, ou alinhamentos (ou footings),
que constituem os eventos. Ao enquadrar os eventos, os participantes
fazem que certos focos de atenção se tornem relevantes, e que outros
passem a ser ignorados. Os enquadres, portanto, incluem e excluem
elementos contextuais
21
e, assim, emergem de interações verbais e não
verbais” (Garcez e Ostermann, 2002, p. 260).
21
O conceito de contexto que é usado no presente trabalho é de Garcez e Ostermann (2002, p. 259) “ trata-se de
um ambiente de significação que é interacionalmente constituído mediante o que as pessoas estão fazendo a cada
instante em termos de onde e quando elas fazem o que fazem.”
64
O enquadre pode ser interpretado como uma moldura em torno das estruturas
participativas, do alinhamento e das pistas de contextualização, isto é, engloba a interação
face a face com todas as suas nuanças. Incorpora a ação e a dinamicidade em que a interação
está implicada. Considera não o ambiente, mas também os objetivos dos participantes, a
manutenção do curso ou não da interação e a construção e reconstrução do tópico do discurso
bem como da manutenção da própria face, o participante pode impor-se e integrar-se na
interação ou retirar-se, isto é, mudar de alinhamento.
Para a análise da interação entre o professor e os alunos, considero o conceito de
“alinhamento” relevante, no sentido de verificar se ocorre mudança deste por parte da
professora e dos outros alunos, no momento em que os interlocutores são alunos que falam
somente o alemão e dos quais se espera que aprendam o português, em relação aos que são
bilíngües ou monolíngües português.
Segundo Goffman (2002, p.113), uma mudança de footing implica uma mudança no
alinhamento que assumimos para nós mesmos e para os outros presentes, expressa na maneira
como conduzimos a produção ou a recepção de uma elocução. Uma mudança em nosso
alinhamento é um outro modo de falar de uma mudança em nosso enquadre, porque aquele
provoca este.
Se o professor, por exemplo, está explicando algo para a turma e chama a atenção de
um aluno por ele não estar prestando atenção, o evento é de explicação, mas o alinhamento,
isto é, o tom de voz, o direcionamento do olhar e a projeção do corpo, bem como a ratificação
dos ouvintes podem mudar por haver uma suspensão do tópico em curso e, às vezes, do piso
conversacional (Schultz, Florio e Erickson,1982, p. 26). Pode ocorrer uma mudança
significativa no alinhamento entre falante e ouvintes, mesmo que por um momento e, então, o
evento não é mais de explicação, mas de repreensão do aluno.
65
Rech (1996) analisa os alinhamentos (Goffman 1981) do discurso de professores em
uma interação em sala de aula.
“Na interação em sala de aula, como nas demais interações face a face, as
pessoas estão continuamente trabalhando suas posturas, seus alinhamentos,
negociando seus objetivos e o contexto de fala, dentro de um consenso de
trabalho. Conseqüentemente, as mudanças de alinhamento e de quadros
também são contínuas e o quadro predominante surge do consenso dos
participantes a respeito do evento em curso” (Rech, 1996 p. 310).
A autora constatou que, ao assumir um estilo discursivo, o professor está sinalizando
qual o seu papel social e qual o seu alinhamento, de maior ou menor assimetria com os
alunos. Dessa forma, através do seu estilo, ele indica para os alunos qual o quadro
interacional
22
que ele quer que predomine em suas aulas.
Segundo Gumperz (1986, p. 80), uma das condições para evitar conflitos é reconhecer
e controlar certas regularidades mensuráveis em nível de estrutura social e de interação social.
Rech (1996, p. 310) considera, então, parte de tal habilidade o reconhecimento das estruturas
de participação vigentes em cada contexto, ou seja, reconhecer o conjunto de direitos e
deveres comunicativos dos participantes, os seus papéis comunicativos.
Rech (1996) percebeu que as aulas eram formadas por dois quadros interacionais
predominantes, resultantes principalmente do estilo do professor. Cada um destes quadros é
formado por diversos sub-quadros, que moldavam as atividades de fala que iam se
desenrolando no decorrer da interação.
O primeiro quadro foi denominado “formal ou institucional” devido ao alinhamento de
o professor aproximar-se mais das expectativas de assimetria de status na relação com os
alunos. O segundo quadro, por sua vez, foi denominado “conversacional” por ter uma
estrutura mais próxima à conversação realizada rotineiramente entre amigos (Rech, 1996, p.
311).
22
Rech (1996, p. 309) conceitua quadro interacional a partir de Tannen e Wallat ( 1987, p. 206) como “aquilo
que está acontecendo na interação no momento, quais são as mensagens ou ações significativas que servem
como instruções para atribuir significados aos enunciados daquela atividade, naquele instante”.
66
Apesar de o discurso pedagógico democrático, há predominância de uma prática
pedagógica totalmente assimétrica e autoritária nos dados de Rech (1996, p.317). Os poucos
professores que tentam interagir mais simetricamente com aos alunos se vêem cobrados,
algumas vezes pelos próprios alunos, a exercer abertamente o poder de controle e dominação
em sala de aula.
A partir do estudo de Rech (1996), introduzi a noção de simetria e assimetria presentes
na sala de aula. Em função disso, esses aspectos também serão observados na presente
análise, pois se tratando de conversa institucional, se fazem presentes.
Cajal (2001) diz o seguinte a respeito da presença da simetria e da assimetria em sala
de aula:
“Em sala de aula o aluno convive com dois interlocutores, os colegas e o
professor. Este, o locutor oficialmente constituído, aqueles, o interlocutor
constituído no desenvolvimento das atividades pedagógicas, seja em grupo,
seja em trabalhos individuais, podendo não ser os mesmos de uma atividade
para a outra, de um dia para o outro. Com os primeiros estabelece-se uma
relação predominantemente simétrica, pois são pares, têm os mesmos
direitos e obrigações. Em alguns momentos, porém, a simetria de papéis
cede lugar à assimetria em função das condições dos participantes da
interação, como diversidade de background sociocultural, a maior ou menor
participação na conversação e em outras ações de sala de aula; a própria
tomada da palavra por um aluno confere certo poder sobre os demais”
(Cajal, 2001, p. 139).
Portanto, além do quadro interacional de natureza institucional geralmente
caracterizado pela assimetria professor (com o poder) versus aluno (subordinado), outros
alinhamentos estão presentes e são pertinentes, principalmente quando observamos a
alternância de código ou não, pois no momento em que, por exemplo, um aluno traduz algo
dito pelo professor para outro aluno, por achar que esse não entendeu, o tradutor coloca-se, na
maioria das vezes, simetricamente em posição superior ao outro.
A interação observada neste estudo se em sala de aula e poderá apresentar simetria
e assimetria. Para analisar o curso das interações, descrever as mudanças de atuação e a
sinalização dessas é preciso observar o alinhamento, isto é, não a ratificação ou não do
67
interlocutor através da fala, mas também através de linguagem não-verbal. Observar como é
sinalizada a transição de um enquadre do encontro para o outro.
Além disso, é preciso observar como é feita a mudança de tópicos e a transição de um
evento social para outro (o que constitui comportamento apropriado antes da articulação e
difere das regras depois dela). Nos eventos, enquadres, pois os participantes de um evento
estão, a todo o momento, se alinhando ou não com os demais participantes.
2.5 Pistas de contextualização
Por ser o contexto do presente estudo bilíngüe, as pistas de contextualização que estão,
também, de alguma forma, relacionadas à alternância de código o pertinentes para a análise
dos dados. Elas acrescentam aos conceitos de estrutura participativa, enquadre e alinhamento
o aspecto da escolha do uso da língua.
Goffman (2002, p. 114) afirma que a mudança de alinhamento está geralmente
vinculada à linguagem ou pelo menos a marcadores paralingüísticos
23
. Para este trabalho, que
tem como foco verificar como ocorre a alternância de código, é pertinente citar o que
Goffman diz: “De fato, uma troca de código, às vezes, também funciona como marca dessa
mudança (alinhamento)” (Goffman 2002, p. 142).
Segundo Gumperz (1982, p.152), as pistas de contextualização são todos os traços
lingüísticos que contribuem para a sinalização de pressuposições contextuais. Tais pistas
podem aparecer sob várias manifestações lingüísticas, dependendo do repertório lingüístico de
cada participante. Os processos relacionados à mudança de código, dialeto e estilo, bem como
as possibilidades de escolha entre opções lexicais e sintáticas, expressões pré-formuladas,
23
Segundo Gumperz ( 2002, p. 168), voz, altura do som e ritmo.
68
aberturas e fechamentos conversacionais, e estratégias de seqüenciamento podem, todos, ter
função semelhante de contextualização.
Embora tais pistas sejam portadoras de informação, os significados são expressos
como parte do processo interativo
24
. Ao contrário das palavras, que podem ser discutidas fora
do contexto, os significados das pistas de contextualização são implícitos.
As pistas de contextualização, portanto, sinalizam mensagens que devem ser
interpretadas de momento a momento no contexto em que ocorrem e, para o presente estudo,
principalmente quando ocorre a alternância de código. O valor sinalizador das pistas de
contextualização só tem sentido se o significado deste for reconhecido pelos participantes.
Gumperz analisou as entrevistas de seu estudo em três níveis ou canais de
comunicação que segundo ele são:
“a) sinais não-verbais, tais como direção do olhar, distância proxêmica,
ritmo cinésico ou duração de tempo do movimento corporal e gesticulação;
b) sinais paralingüísticos voz, altura do som e ritmo; c) conteúdo
semântico das mensagens” (Gumperz, 1982, p. 167 - 168).
Gumperz (1982, p.153) propõe um distanciamento daquilo que se considera normal
em um ato de fala, a fim de evitar generalizações errôneas na análise. Segundo ele, o potencial
de sinalização em relação à direcionalidade semântica
25
é, em grande parte, universal,
enquanto que a interpretação local do significado de qualquer alteração dentro de um contexto
é sempre uma questão de convenção social. Os sinais extra-lingüísticos encontram-se no
cenário e no conhecimento que os participantes têm sobre o que aconteceu antes da interação.
Ele alerta para o fato de que podem ocorrer problemas de comunicação que resultam
em frustração mútua, especialmente quando os participantes acham que entendem as palavras
24
Goffman (2002, p.129) diz que existe uma vasta gama de práticas que influem na condução da interação. A
freqüência, a duração e a ocasião de olhadas mútuas e unilaterais podem marcar o início e o término do turno de
fala, a distância física, a ênfase, a intimidade, o gênero e assim por diante e, é claro, uma mudança no
alinhamento.
25
Segundo Gumperz (1982, p. 153) “...expectativas convencionais sobre o que é considerado normal e o que é
considerado marcado em termos de ritmo, volume de voz, entoação e estilo de discurso”.
69
uns dos outros. “Devido à suposição de que se entendem mutuamente, é menos provável que
questionem interpretações” (Gumperz, 1982, p. 172).
Quanto à interação em sala de aula, Gumperz (1982, p. 175) exemplifica com vários
episódios. No episódio “Num quero ler”, por exemplo, a professora primária pede para que o
aluno leia, ele se nega e ela não insiste. Ao mostrar essa interação a outras pessoas para que a
interpretassem, foram verificadas duas versões: uma de que a criança não queria cooperar e
outra de que a criança estava pedindo para que a professora insistisse mais. A segunda
interpretação foi gerada a partir da observação de que a fala da criança terminou em tom
ascendente.
Gumperz (1982, p. 180) diz que os problemas de comunicação causados por
convenções de contextualização refletem fenômenos que são tipicamente sociolingüísticos no
sentido de que seu peso interpretativo é muito maior do que seu significado lingüístico,
26
conforme medido pelas técnicas comuns da gramática contrastiva. Ele alega, portanto, que
dificuldades circunstanciais de comunicação, mesmo sem nenhum problema semântico ou
gramatical, podem ser consideradas como dificuldades lingüísticas. A proposta de Gumperz é
de que nos preocupemos mais com o estilo e as interferências culturais invisíveis e menos
com as visíveis.
Em um artigo sobre a cultura invisível e variação cultural na fala-em-interação social,
Garcez (2000, p. 495) discute a relevância da variabilidade cultural no uso da “língua/gem” e
“cultura” e a implicação que essa reflexão tem para a educação, principalmente para os
educadores da linguagem. O autor define os termos “língua/gem” e “cultura” da seguinte
forma:
“...estou usando o termo língua/gem liberalmente para me referir ao conjunto
de recursos usados na vida quotidiana para a comunicação e a interação
26
Grifo meu.
70
social humana. Da mesma forma, usarei o termo cultura
27
para me referir aos
“sistemas aprendidos e compartilhados de padrões para perceber, para crer,
para agir e para avaliar as ações dos outros (GOODENOUGH apud
ERICKSON, 1990, p. 105)” (Garcez, 2000, p. 495).
As definições empregadas por Garcez (2000) delíngua/gem” e “cultura” serão,
também, adotadas no presente trabalho, pois dão suporte adequado para a análise das pistas de
contextualização (Gumperz, 1982). Estas são estruturadas a partir de traços culturais visíveis e
invisíveis (Gumperz, 1982) que influenciam o curso e o entendimento da interação e
comunicação social humanas (Garcez, 2000) pelos participantes e também estão presentes na
sala de aula, lócus do presente estudo.
Segundo Garcez (2000, p. 500), os estudos da etnografia da comunicação, embasados
nas idéias de Hymes, demonstram que um padrão no uso da linguagem, que comunidades
distintas fazem usos interacionais diversos de recursos semelhantes ou idênticos oferecidos
pelo contexto e código(s) lingüístico(s). Os falantes/ouvintes/ sinalizadores variam no grau de
familiaridade que têm com as tradições comunicativas das comunidades das quais são
membros ou nas quais convivem.
A partir disso, segundo Garcez, uma mesma comunidade lingüística
28
pode conter
inúmeras comunidades de fala e de que uma mesma comunidade de fala pode utilizar os
recursos de mais de um código lingüístico. De acordo com Hymes (1972/1986, p. 54, apud
Garcez, 2000, p. 500) comunidade de fala é “uma comunidade que compartilha regras para a
condução e interpretação da fala e pelo menos uma variedade lingüística”.
Garcez (2000) continua dizendo que, ser nativo de uma comunidade lingüística não
significa automaticamente ser conhecedor, muito menos usuário competente, das tradições de
27
Grifos do autor.
28
Segundo Gumperz (1993, p.133), “grupo social, que pode ser tanto monolíngüe quanto multilíngue, unido por
freqüência de padrões de interação social e separado das áreas circunvizinhas por fragilidades das linhas de
comunicação. As comunidades lingüísticas podem consistir em pequenos grupos unidos pelo contato face a face
ou podem cobrir regiões amplas, dependendo do nível de abstração que queremos alcançar”.
71
padronização cultural do uso da linguagem em interação social das demais comunidades de
fala que utilizam o mesmo código lingüístico (ex. um norte-americano na Inglaterra).
A relação dessa reflexão com a realidade do presente estudo está no fato de a sala de
aula estar permeada de práticas culturalmente convencionadas como adequadas para aquele
contexto de interação e, muitas vezes, essas práticas passam invisíveis aos olhos dos
interagentes que as incorporaram e tornam-se uma ameaça para os interagentes que não as
identificam adequadamente ou as desconhecem.
A fala em interação se faz presente na sala de aula e é extremamente importante para o
fluxo das atividades. Segundo Garcez (2000, p. 509), é necessária uma reflexão a respeito dos
julgamentos do que seja adequação comunicativa que assumem papel central no processo do
que seja adequação social. Da mesma forma, ter em mente o fato de que o indivíduo deve
exibir conhecimento prático das convenções culturais de padronização do comportamento
comunicativo na fala-em-interação social para ser percebido como competente e merecedor de
acesso a bens sociais.
Segundo Gumperz (1982, p.152), a interpretação se realiza por implicaturas
conversacionais, baseadas em expectativas convencionalizadas de co-ocorrência entre
conteúdo e estilo de superfície. As pistas de contextualização são, portanto, traços presentes
na estrutura de superfície que os falantes sinalizam e os ouvintes interpretam. Segundo
Gumperz (op. cit.), as pistas de contextualização são todos os traços lingüísticos que
contribuem para a sinalização de pressuposições contextuais.
Como aludido anteriormente, nesta subseção, a presença da alternância de código
como pista de contextualização, bem como a sua interpretação pela professora e pelos alunos,
é importante para a análise, tanto no que se refere a como os participantes da interação
contextualizam suas pistas, quanto no que se refere à forma de interpretação dessas pistas de
contextualização. Será, sempre, analisado o contexto em que surge a alternância, para, então,
72
interpretar o seu significado e o seu papel dentro da interação, procurando, também, encontrar
traços de cultura invisíveis presentes nas manifestações e entendimentos das pistas de
contextualização.
2.6 Alternância de Código
A observação da ocorrência ou não da alternância de código, e da forma como ocorre,
bem como a interpretação desse uso, na interação face a face, é objeto de investigação deste
estudo. A observação, portanto, da ocorrência ou não da alternância de código implica,
diretamente, na observação da interação e do que os participantes estão fazendo nela, o que
querem sinalizar com a alternância de código e qual é, enfim, o papel do uso da alternância
nas interações presentes nos dados gerados.
Segundo Myers-Scotton (2000, p. 220), apesar de todos os estudos feitos desde a
década de setenta e depois uma retomada nos meados da década de noventa, ainda não existe
um consenso entre os estudiosos em relação ao que constitui a alternância de código. Myers-
Scotton (2000, p. 236) apresenta os estudos sobre alternância de código analisados em seu
artigo divididos em duas correntes predominantes dentro da sociolingüística: os pesquisadores
preocupados, principalmente, em relacionar os limites da alternância de código a teorias
sintáticas e os que, segundo a autora, têm uma preocupação mais ampla, como o que a
alternância de código diz sobre a produção da fala bilíngüe e sobre a natureza da competência
lingüística, isto é, sobre a organização mental da língua.
Percebe-se na abordagem da autora uma preocupação com a língua em si, com os
fenômenos que envolvem variações sintáticas e morfológicas e a direção em que a alternância
ocorre: se é da primeira língua para a segunda ou vice versa. A ocorrência ou não da
73
alternância de código se deve, segundo a autora, a diferentes “condições sociolingüísticas”
29
sob as quais as variedades se desenvolvem e a relativa proficiência dos falantes, isto é, ao
mostrarem, por exemplo, mais proficiência em uma língua do que em outra (Myers-Scotton
2000, p. 224).
Para os Aquisicionistas em Segunda Língua, o uso de itens lexicais da L1 ocorre em
conseqüência da incapacidade do aprendiz em usar a L2, e a importância dos fatores
contextuais é secundária em relação aos fatores de descrição dos processos básicos de
aquisição (Poulisse, 1997, p. 324).
Firth & Wagner (1997), no entanto, argumentam ser essa uma afirmação problemática
dentro da pesquisa da Análise da Conversa, pois os Aquisicionistas em Segunda Língua não
consideram fatores interacionais e sociolingüísticos. Segundo os autores, a pesquisa da
aquisição de Segunda Língua, principalmente a que se dedica a estudar a interação, possui
uma visão incompleta do processo, pois considera o falante não-nativo como participante
deficiente em relação ao falante nativo. Há uma ênfase no fracasso da comunicação em
detrimento ao sucesso ou ao fato de os participantes estarem mantendo o fluxo da interação
através de reparos.
Markee (2000, p. 165), no intuito de mostrar a importância da visão defendida pelos
teóricos da Análise da Conversa para os estudos de Aquisição da Segunda Língua através da
interação, diz que os aquisicionistas podem aprender dos estudos dos analistas da conversa
como e por que a compreensão e a aprendizagem ocorrem através de comportamentos
conversacionais.
O autor diz que uma necessidade de rever o papel da negociação da conversa na
aquisição da linguagem. Markee (2000, p. 141) exemplifica com a frase “We cannot get by
Auschwitz” que surgiu em uma aula de língua e cujo significado precisou ser co-construído
29
Classe social, gênero, idade, profissão, papel social desempenhado etc.
74
na interação. O tópico, porém, não é a dificuldade, em si, da compreensão da língua, mas sim,
de todo o contexto
30
, principalmente histórico e cultural, que envolve a compreensão do que é
“Auschwitz”.
Schlatter, Garcez e Scaramucci (2004), em um artigo que discute o conceito de
interação nos estudos de aquisição e sobre o uso de língua estrangeira, contrastando as
perspectivas dos pesquisadores filiados à Hipótese Interacionista (HI) em Aquisição da
Segunda Língua (ASL) com a Análise da Conversa Etnometodológica (AC), reiteram a
postura de Firth e Wagner (1997, op.cit) a partir de Wagner (1996). Segundo Schlatter,
Garcez e Scaramucci
“Ao passo que os defensores da HI em ASL parecem ver a língua como
uma espécie de máquina de produzir enunciados bem-formados e plenos
de sentido unívoco os analistas da conversa tendem a ver o uso da
linguagem como um objeto em si, um universo de construção conjunta da
ação social no qual está centralmente mobilizada uma língua (ou línguas)
que não gera enunciados bem-formados e plenos de sentido unívoco, mas,
mesmo assim, é uma forma de vida que serve aos propósitos de ação dos
participantes, para tanto sempre em trabalho contínuo uns com os outros”
(Schlatter, Garcez e Scaramucci, 2004, p. 350).
Esses pesquisadores (op.cit.) propõem que se revejam as concepções de erro e reparo
no sentido de que essas fazem parte da interação e não são unicamente conseqüências de
lacunas lingüísticas. A aquisição deve ser entendida como “resultado de uma construção
coletiva, intersubjetiva, instanciada na interação” (Schlatter, Garcez e Scaramucci (2004, p.
365).
Embora o contexto do presente estudo também apresente a aquisição de uma segunda
língua, pois alunos que usam apenas o alemão e passam a ter contato e serem letrados em
português, não se pode partir da premissa de que o uso da alternância se apenas pela falta
de domínio do português.
Bilíngües, em muitas comunidades de fala, usam o repertório lingüístico
como um recurso interacional, alternando entre (isto é, justapondo) seus
elementos durante um episódio interativo” (Auer, 1984, p.87).
30
Segunda Guerra Mundial, campo de concentração, extermínio de judeus.
75
Não se trata, portanto, de uma estratégia alternativa empregada pelos falantes por não
estarem capacitados a continuar a conversa no idioma no qual essa começou. Trata-se, isso
sim, de manter a conversa em curso, usando a alternância como estratégia comunicativa para
aproximar ou afastar interlocutores, por exemplo.
Appel e Muskey (1992, p. 117) discutem a alternância de código em comunidades
bilíngües e argumentam que, ao contrário de como muitos vêem a mistura de código,
julgando-a uma decadência lingüística, a “alternância o é um fenômeno isolado, mas parte
central do discurso bilíngüe” (Appel e Muskey, 1992, p. 117).
Appel e Muskey (1992, p. 118), a partir de um excerto de discurso caracterizam três
tipos de alternância de código: a emblemática, que é o uso de uma palavra de outra ngua,
geralmente como exclamação inicial; a intrasentencial, muitas vezes chamada de mistura de
código e que ocorre no meio da frase; e a intersentencial, que ocorre entre as frases. Apesar
disso, eles dizem ser difícil, muitas vezes, distinguir para fins de classificação o tipo de
alternância empregado. Essa visão preocupa-se centralmente com a estruturação dos
enunciados e não aprecia as ações em curso durante o uso da língua, isto é, que ao alternarem
o código, os participantes estão fazendo “coisas” com a língua.
Outro aspecto abordado por Appel e Muskey (1992, p. 118) é a razão pela qual as
pessoas alternam o código no curso normal da conversa. Baseando-se no modelo funcional de
Jakobson (1960), eles apresentam seis funções da alternância de código, que apenas citarei
brevemente: 1. função referencial, baseada na lacuna lingüística; 2. função diretiva, que serve
para incluir ou excluir pessoas presentes; 3. função expressiva ou emotiva, através da qual o
falante enfatiza sua identidade mista; 4. função fática, cuja função é indicar uma mudança no
tom da conversa, que os autores comparam com a alternância de código metafórica (Blom e
Gumperz, 2002), abordada a seguir; 5. a função metalingüística, que são comentários diretos
ou indiretos sobre as línguas envolvidas, ou têm a função de impressionar os outros
76
participantes; 6. função poética, que envolve trocadilhos e brincadeiras em outro código para,
por exemplo, homenagear ou referir-se a uma personalidade em forma poética.
O segmento abaixo, extraído da “hora da rodinha inicial”, poderia se considerado
como o uso da alternância de código com função metalingüística, principalmente ao
analisarmos a fala de Sandra, nas linhas 16 e 17 em relação à proficiência em português de
Davi e em relação à própria.
HRI- CD 11– Segmento 1 [15.03.04 – 09:28-10:17]
((Professora inicia a narração da historinha))
01 Rose O circo da aranha.
02 (.)
03 Rose Que que é aranha?
04 (0,1)
05 ( ? ) Aa[h::
06 Rose [Que que é [uma aranha?
07 ( ? ) [Aa[h
08 ( ? ) Spi::[nn
Aranha
09 (vários) [Spi:[:nn
aranha
11 (vários) [Spinn
aranha
12 Sandra Mas- (.) Spinn é aranha.
13 Rose É::
14 Sandra Sei tudo.
15 Rose é u[ma
16 Sandra [( ) Davi não consegue falar como a gente. (.)
17 Sandra Deutsch ele conse°gue falar°.
Alemão
17 Rose Mas ele vai apre[nde
18 Sandra [EU NÃO consigo só fala [isso daqui (eu consigo ( )
19 ( ? ) [( )
20 Sandra (OS PAIS FALAM [(Deutsch)=
21 Sandra (eles)não conseguem falar is[so.
22 Rose Só tu sabe falar portugu[ês?
23 Sandra [Eu (.) =((acenando afirmativamente com
a cabeça))
24 Sandra = eu falei com a minha amiga Nicole.
25 Rose Português? (.) Ela te ensinou?
26 Sandra ::o
27 Rose Ela sabe falar alemão também?
28 Sandra ((movimenta a cabeça negativamente))
29 Rose (não?)
30 (0,1)
77
31 Rose Então. O circo da aranha. (.)
32 Sandra ich sin Deutsch sprecha°) ((falando baixinho para Miltom))
(eu estou falando alemão)
33 Rose A aranha Tânia gosta de[ ( )
34 Sandra [ ( ) ((falando com Miltom))
35 Rose Pscht:: A aranha Tânia gosta de movi movimento.
Se levarmos em conta, que Rose iniciou a interação ao perguntar o que era “aranha”
(linha 03), e que não recebe uma resposta imediata, na linha 06, repete a pergunta e, então, os
alunos respondem em coro “Spinn”, isso pode ser interpretado, além de muitas outras formas,
como um significado real para praticamente todos. Dessa forma, todos saberiam claramente o
que é “aranha”. Os comentários metalingüísticos que se seguem estão relacionados,
principalmente, à nova realidade vivida pelas crianças: o fato de descobrirem que existem
dois códigos de interação presentes na sala de aula e que alguns possuem maior ou menor
proficiência no código oficial, o português.
Blom e Gumperz (2002) fizeram um estudo sobre a alternância de código em uma
pequena cidade da Noruega. Segundo Ribeiro e Garcez (2002, p. 45), Blom e Gumperz em
seu estudo sobre padrões de fala, observando os traços específicos desta e suas implicações
sociais, apresentam uma análise cuidadosa das relações sociais subjacentes entre os falantes.
O estudo retrata a diversidade lingüística de uma comunidade bidialetal e sua operação em
nível social e interacional. As alternâncias de código, mesmo sutis (do falar padrão para o
falar dialetal), emergem na relação do dia-a-dia, nas múltiplas interações do cotidiano.
Para a análise proposta em seu estudo, Blom e Gumperz (2002, p. 46) estabelecem
duas formas distintas de alternância de código: alternância de código situacional e metafórica.
O objetivo dos autores é investigar como o repertório lingüístico de um determinado grupo de
pessoas engajadas na interação face a face tem relação com o comportamento verbal dos
membros da comunidade em situações específicas.
78
Segundo Blom e Gumperz (2002, p.49), a opção pelo dialeto ou pela língua padrão
não é uma questão de intelegibilidade, pois a maioria dos falantes domina bem ambos os
códigos. O pressuposto mais razoável é de que a alternância entre o dialeto e a língua padrão
seja condicionada por fatores sociais, pois como a população adulta da cidade de
Hemnesberget, da Noruega, tem idêntico acesso a ambos os conjuntos de variantes, o
argumento baseado no processo de aquisição não é, segundo os autores, capaz de explicar a
manutenção dos dois códigos.
Outro aspecto relevante para a categorização de tipos de alternância à qual Blom e
Gumperz (2002) chegaram é o fato de terem constatado que as alternativas lingüísticas no
repertório simbolizam diferentes identidades sociais que os membros podem assumir, mas não
existe uma relação biunívoca. Segundo os autores, a fim de identificar o valor social de uma
elocução qualquer, precisa-se de informações adicionais sobre pistas contextuais que auxiliam
os nativos a interpretar corretamente o significado local.
A alternância de código pode, portanto ser uma pista lingüística, em meio a várias
outras pistas, como as contextuais, que, dentro de um mesmo cenário sinalizam a mudança de
evento social. Os autores exemplificam com o fato de, ao se aproximarem, durante a sua
coleta de dados, de um grupo de residentes que conversavam, a chegada dos pesquisadores
causou mudança de alinhamento (mãos foram tiradas do bolso, expressões faciais e postura
descontraída modificadas) e de pistas de contextualização, entre elas a alternância de código
do dialeto local para a língua padrão, pois a situação foi alterada: chegaram duas pessoas
consideradas estranhas ao grupo.
Blom e Gumperz (2002, p.69) concebem a noção de alternância situacional como uma
relação direta entre a língua e a situação social. As formas lingüísticas empregadas são
elementos fundamentais do evento, no sentido de que qualquer violação das regras de seleção
modifica a percepção do evento para os participantes.
79
Usar a língua padrão em situações de interação onde a variedade vernácula é
apropriada, pois esta indicaria aproximação e identificação, pode ser considerado como uma
violação das pistas de contextualização através de alternância de código. Na alternância
situacional, a escolha de variáveis é rigidamente balizada por normas sociais.
A noção de alternância metafórica não implica em mudança significativa na definição
dos direitos e deveres dos participantes. A postura corporal e as pistas relacionadas ao canal
comunicativo permanecem as mesmas. A mudança lingüística, nesse caso, está relacionada a
determinados tópicos e assuntos, e não a mudanças na situação social (Blom e Gumperz 2002,
p. 70). Um exemplo é quando os participantes de uma interação, estando em ambiente formal
de uso corrente da língua padrão, ao falar sobre família ou tópicos particulares, passam para a
língua vernácula.
Gumperz (1982) considera a alternância de código na conversa cotidiana um estilo
discursivo com significado específico na interação, isto é, como uma pista de
contextualização. Ele diz que a diversidade lingüística funciona como um recurso
comunicativo nas interações verbais do dia-a-dia no sentido de que, numa conversa, os
interlocutores - para categorizar eventos, inferir intenções e apreender expectativas sobre o
que poderá ocorrer em seguida - baseiam-se em conhecimentos e estereótipos relativos a
diferentes maneiras de falar.
Auer (1998) amplia a concepção de Gumperz (1982), que a alternância de código
como uma pista de contextualização e como recurso comunicativo nas interações verbais
cotidianas, e propõe estudar a alternância de código como parte de uma ação verbal. Como
tal, a alternância de código tem e cria sentido comunicativo e social e é necessária a
interpretação tanto dos co-participantes como dos analistas. A alternância de código é
discutida pelo autor a partir da abordagem da Análise da Conversa. Para eles, ou mais códigos
são usados alternadamente como recurso para a construção do sentido na interação.
80
Auer (1998) compilou análises e estudos de alternância de código que discutem uma
lacuna não abordada pelos sociolingüistas nem pelos gramáticos. Segundo Auer (op cit), para
os sociolingüistas a alternância de código está relacionada e é indicativa de um grupo de
membros de uma comunidade de fala em particular, de modo que as regularidades do uso
alternado de duas ou mais línguas na conversa cotidiana pode variar entre as comunidades
lingüísticas. Para os gramáticos, a alternância de código em foco é intrasentencial, e é
restringida por considerações sintáticas e morfológicas que podem ou não ser de caráter
universal.
Ao falar sobre as razões da alternância de código conversacional, Auer (1999, p. 310)
diz que o contraste entre um código e outro (uma língua e outra) é carregado de sentido e
pode ser interpretado pelos participantes como um indexador (contextualizando) quer de
algum aspecto da situação (discourse-related switching), quer de alguma característica do
falante que usou a alternância (participant- related switching).
Para Auer (op cit), a alternância de código é um recurso retórico do dia-a-dia e não
parte da gramática. É uma das estratégias disponíveis usadas pelo falante bilíngüe para
transmitir significado e, como (pista) contextualização (Gumperz 1982), marca o falante como
bilíngüe pertencente a determinadas comunidades de fala.
Auer (1999, p. 311) acrescenta que, embora as línguas envolvidas na alternância de
código possam indicar algum conhecimento exterior à conversa, ela não pode ser analisada
como conseqüência desse índice, sem que seja levada em conta a posição seqüencial na qual a
alternância ocorre e da qual ela recebe seu significado.
Auer (1998, 1999) ampliou a compreensão do papel da alternância de código para
manutenção da conversa em curso e construção de significado na interação. Isso, porém, não
exclui a identificação cunhada por Blom e Gumperz, de alternância situacional e metafórica,
pois é interessante observar se, ao construírem significado na interação através da alternância,
81
essa ocorre por mudança de tópico ou de alinhamento, isto é, agregando ao evento um
significado mais pessoal, mais íntimo e menos institucional.
Optei, portanto, para o presente trabalho em exemplificar na análise, também,
alternâncias de código situacional e metafórico, ciente de que toda a alternância é um recurso
para a construção do significado (Auer, 1988) e este significado pode ser balizado
socialmente (Blom e Gumperz, 2002). Essa decisão foi tomada, primeiramente, a partir das
reflexões teóricas acima mencionadas e, posteriormente, da experiência pessoal.
Na casa de meus pais, falamos, sem percebermos conscientemente, com alternância
(português para alemão e vice-versa), fazendo coisas com o uso das línguas, mantendo o
curso da interação (Auer, 1988). Porém, em alguns momentos, quando queremos nos
aproximar ou quando o tópico é bem familiar, parece ser inadequado fazê-lo em português.
Da mesma forma percebo que, principalmente meus pais, quando querem comentar algo que
não gostariam de compartilhar com as outras pessoas presentes, como, por exemplo, sobre um
produto numa loja, fazem esse comentário em alemão. Essa é claramente uma situação em
que a alternância é situacional, usada como forma de identificação entre meus pais e
afastamento em relação às outras pessoas presentes na interação.
Alvarez-Cáccamo (1990, p. 3) aborda, assim como Auer (1988,1999), a alternância de
código como um artifício sinalizador na conversa face a face. Segundo o autor, a extensa
literatura de cunho sociolingüístico sobre a alternância de código tem revelado que muitas
informações sociais, interacionais, discursivas e outras podem ser sinalizadas através da
alternância das variações de fala num sentido mais amplo.
Alvarez-Cáccamo (1990, p. 4), porém, em seus estudos sobre conversa bilíngüe e
revitalização da língua na Galícia, Espanha, registrou um número significativo de casos de
alternância na língua galega que desafiam as interpretações tradicionais da alternância de
código. Ele aponta que, às vezes, é difícil determinar o que exatamente está sendo sinalizado
82
pela alternância, embora possa ser visto, após detalhado exame da organização
conversacional, que as mudanças ocorreram em termos de estruturação das atividades ou
alinhamento dos participantes. Segundo o autor, ocorrem, também, alternâncias de código que
parecem ser totalmente sem sentido e imotivadas, ele, no entanto, não aprofundou o estudo
desses casos.
No intuito de contribuir para uma concepção mais ampla e dinâmica do que vem a ser
a alternância de código, Alvarez-Cáccamo (1990, p. 4), para abranger vários tipos de
alternância entre variedades de fala, registro, línguas, variantes ou marcadores isolados no
discurso, apóia-se no conceito de “pistas de contextualização” (Gumperz, 1982) para a
interpretação das mensagens, analisando, especificamente, o que está contextualizado em cada
caso de alternância de falas e variáveis, e, especialmente como isso está contextualizado. Seu
objetivo, portanto, é interpretar o que realmente está sendo dito, isto é, o sentido no contexto.
Consciente de que nos dados gerados para o presente estudo ocorre fala-em-interação
(Garcez, 2002b) em eventos mais ou menos instrucionais (Rech, 1996) e que três alunos
cuja língua de interação no início do semestre era exclusivamente o alemão, todas as
premissas teóricas abordadas nas subseções anteriores (letramento, práticas de letramento,
eventos de letramento, interação, estruturas de participação, enquadre, alinhamento e pistas de
contextualização) são suportes para verificar qual é o significado da alternância de código na
interação em sala de aula.
Será observado se a alternância ocorre por questões de lacunas lingüísticas e como ela
ocorre, isto é, se a professora ou os alunos traduzem quando algo não é entendido, se os
alunos cuja ngua de interação é o alemão apenas se comunicam nesta língua e em que
ocasiões usam o português.
Outro aspecto pertinente é o uso da alternância de código para a manutenção da
conversa em curso, como estratégia comunicativa para aproximar ou afastar interlocutores
83
(Auer, 1988), sendo observados, nesse contexto, o enquadre, o alinhamento, as estruturas de
participação e, principalmente, as pistas de contextualização, isto é, como dito
anteriormente, se a alternância não ocorre por mudança de tópico ou de alinhamento, como
forma de agregar à situação um significado mais pessoal, mais íntimo e menos institucional.
A expectativa principal a partir da análise é, portanto, através da observação dos
aspectos citados acima, verificar se a alternância de código no contexto deste estudo é uma
estratégia culturalmente sensível (Bortoni, 1984) e como esse recurso comunicativo
(Gumperz, 1982) funciona na interação em sala de aula.
2.7 Pedagogia culturalmente sensível.
Já mencionado anteriormente, o estudo de Bortoni (1994) inspirou o presente trabalho,
principalmente por abordar o código trazido de casa pelos alunos, que é divergente do
empregado no ambiente escolar. A partir das considerações feitas em relação à alternância de
código, definida por Bortoni (1994) pela apresentação de traços de português mais padrão e
menos padrão, a autora chegou a diferentes formas de intervenção em sala de aula: mais
construtivas e preservando a auto-estima dos alunos e menos sensíveis às características
culturais e psicológicas do aluno.
Erickson (1987) discute primordialmente duas explicações para o sucesso e/ou
fracasso escolar de alunos oriundos de uma minoria lingüística: uma orientada
sociolingüisticamente, surgida, segundo Erickson (1987, p. 336) nos anos 60 e que defende,
como fator negativo, a diferença cultural no estilo comunicacional entre professor e alunos;
outra, apresentada por Ogbu (1978a, 1982, apud Erickson, 1987, p. 336), em que a causa do
fracasso escolar estaria fora da escola, isto é, no mercado de trabalho. O aluno não vê
perspectiva de o estudo proporcionar oportunidades para ele crescer profissionalmente.
84
A explicação sociolingüística, segundo Erickson (1987, p. 336), é atribuída a fatores
dentro da escola que m um papel importante no baixo rendimento e moral dos alunos de
grupos étnicos ou de backround cultural minoritários, de classe socioeconômica baixa. A
diferença na forma de falar e ouvir entre a rede de comunicação
31
dos alunos e dos professores
leva a problemas de comunicação e desentendimentos em sala de aula.
A explicação apresentada por Ogbu (op.cit.) conecta, segundo Erickson (1987, p.341)
o pensamento e ação individuais com a situação do indivíduo na escola local e no nível social
bem como na sociedade como um todo e na economia política. Os fatores externos, que o
aluno traz de seu meio social, e as suas expectativas em relação à melhoria que a escola pode
lhe proporcionar frente ao mercado de trabalho são fatores importantes para o sucesso ou
fracasso escolar.
De fato, Erickson (1987, p. 345) conclui que as duas posições apresentam lacunas e,
por outro lado, se complementam, pois de nada adianta ocorrer uma adaptação cultural em
sala de aula, se o uma mudança social e vice-versa, isto é, deve-se olhar para dentro e
para o entorno da escola.
Além de outros estudos apresentados anteriormente (Bortoni, 1994; Heath, 2001;
Jung, 1997; Jung, 2003; Michaels, 1991; Pereira, 1999; Philips, 2002; Rech, 1996) é
pertinente acrescentar as conclusões de Piestrup (1973, apud Erickson, 1987, p. 346 – 347) ao
analisar classes primárias em que predominantemente crianças negras oriundas de famílias de
trabalhadores estudavam com crianças brancas, predominantemente pertencentes à classe
média.
Piestrup conclui que, naquelas classes, de crianças brancas e negras, em que a
professora sancionava negativamente o uso do Inglês vernáculo falado entre os negros, ao
final do ano, as crianças negras falavam mais dialeto do que no início do ano. outro lado,
31
Segundo Erickson (1987, p. 337) “As redes de comunicação são conjuntos de pessoas que se associam e que
compartilham concepções comuns sobre o uso e o estilo de comunicação apropriados.” Essa definição de redes
feita por Erickson assemelha-se ao conceito de “estruturas participativas” de Philips (2002).
85
nas classes em que não havia tal sanção, ao final do ano as crianças negras estavam usando
em sala uma variação do Inglês mais próxima ao padrão.
Em se tratando de séries inicias, Erickson (1987, p. 355) acredita ser a pedagogia
culturalmente responsável a mais apropriada, pois é um esforço por parte da escola para
reduzir as dificuldades de comunicação entre os professores e estudantes, cultivar a confiança
e prevenir os conflitos que passam de mal-entendidos interculturais a lutas identitárias
negativas entre alunos e seus professores. Erickson acrescenta que a pedagogia culturalmente
responsável é apenas “uma peça de um grande quebra-cabeça” (Erickson, 1987, p. 355), mas
representa uma opção para os professores que desejam, através da reflexão sobre sua prática,
melhorar as chances de aprendizagem de seus alunos e melhorar a sua própria vida
profissional.
Terzi (2001) fez um estudo direcionado para a aprendizagem da leitura com três
crianças, que segundo as professoras não tinham “cabeça para o estudo” e que “mais cedo ou
mais tarde abandonariam a escola” (Terzi, 2001, p. 10). Os dados revelam que na escola o
professor não respeita o aluno como alguém que tem algo a dizer e a contribuir no processo
do ensino-aprendizagem e parte de pressupostos comuns a todas as crianças sobre o
desenvolvimento lingüístico e a exposição à escrita.
Terzi (2001, p.22) critica a falta da busca de um maior grau de intersubjetividade por
parte do professor, em termos de ouvir e conhecer melhor o que o aluno traz para a escola. A
autora introduz o termo “valoração” como importante fator no engajamento do aluno. Terzi
(2001, p. 24) entende como valoração” que aquilo que está sendo ensinado deva ter um
valor, deva ter um sentido tanto para quem ensina como para quem aprende. E é esse sentido
que faz com que os participantes considerem que vale a pena se engajar na interação.
86
Considera, também, para que a aprendizagem se dê na interação adulto-criança, o fator
“afetividade”. Terzi (2001, p. 24) define “afetividade” não como demonstração de carinho,
mas como confiança e respeito mútuos. Ela diz:
“confiança do aluno em que o professor está interessado em seu progresso e
que buscará os meios necessários para ajudá-lo em seu desenvolvimento;
confiança do professor em que o aluno deseja aprender e que, portanto,
oferecerá um feedback contínuo para que o adulto possa adequadamente
direcionar sua prática. A confiança mútua pressupõe o respeito mútuo:
respeito do professor para com o aluno como ser humano, o conhecimento
que traz consigo, sua maneira de aprender, seu ritmo de aprendizagem;
respeito do aluno para com o professor como aquele que sabe mais e que,
como tal, está em condições de orientar o processo ensino-
aprendizagem”(Terzi, 2001, p.24).
Terzi (2001), em seu estudo, através da “valoração”, da “afetividade”, da construção
da intersubjetividade na relação professor/aluno e através do conceito de ZPD
32
, apresenta um
exemplo prático de como a sensibilidade em relação ao que o aprendiz sabe pode
determinar o desenvolvimento ou não dele e de que forma. Ela diz que a observação da
expressão não-verbal (Terzi, 2001, p. 23) tornou-se muito importante, pois serviu, muitas
vezes para apontar o grau de compreensão obtido pelas crianças na leitura individual, a
aceitação das tarefas, o interesse e, principalmente, as vacilações das crianças, fornecendo,
assim, dados para o direcionamento das atividades.
A autora tomou, em grande parte, para o desenvolvimento do seu estudo, a teoria de
Vygotsky, da aprendizagem mediada. Um dos aspectos destacado pela teoria de Vygotsky é o
fato de, na troca com outros sujeitos e consigo próprio, vão sendo internalizados
conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de conhecimentos e da
própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social - relações
interpessoais - para o plano individual interno - relações intra-pessoais.
32
Zona de Desenvolvimento Proximal, conceito cunhado por Vygotsky. A definição a seguir é de Lantolf e
Appel (1994, p. 10): “É a distância entre o nível de desenvolvimento atual determinado pela solução
independente de problemas e o nível do desenvolvimento potencial determinado pela solução de problemas sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com outros pares mais capazes”.
87
O estudo de Terzi (2001) demonstra que as crianças realmente aprenderam a ler, mas
foram reprovadas na escola. Isso nos leva a refletir sobre o papel da escola e sobre a inversão
dos valores: os alunos continuam à mercê da escola em vez da escola se aproximar das
necessidades deles, pois a escola existe para os alunos e não vice-versa.
Zilles (in prelo, p. 2) ao falar sobre os mitos presentes em torno da língua falada no
Brasil, diz acreditar que o reconhecimento da realidade lingüística da qual o alunos provém
por parte da escola permite uma compreensão melhor das dificuldades dos alunos diante da
tarefa de aprender a língua padrão e propicia ao professor que desenvolva uma atitude de
respeito ao aluno enquanto pessoa.
Esse entendimento e respeito propostos por Zilles caminham para uma pedagogia
culturalmente sensível, conforme proposto por Bortoni (1994) e Erickson (1987). Zilles (in
prelo, p.2) propõe uma concepção de língua que não se restrinja a privilegiar uma única
variedade de língua como a única certa, mas que reconheça, na prática diária dos falantes, que
a variação é a regra, no sentido de constante flexibilidade no uso dos recursos lingüísticos em
busca de intercompreensão, da sintonia entre interlocutores, do ajuste às situações em que as
pessoas se encontram e das formas mais adequadas de alcançar seus propósitos comunicativos
e suas representações sociais.
Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001, p.102) apresentam de estudos e experiências que
demonstram a presença de uma pedagogia culturalmente sensível, mesmo que as ações das
professoras observadas sejam resultantes, prioritariamente da intuição destas e não da
formação recebida. As autoras, procurando mostrar que a escola precisa tornar-se
culturalmente sensível para lidar competentemente com a variação lingüística e cultural dos
alunos, sugerem a observação do seguinte: aproveitar as experiências e vivências que as
crianças trazem consigo, reproduzindo padrões interacionais que lhe são familiares; respeitar
as peculiaridades; desenvolver recursos que façam a distinção entre eventos de oralidade e de
88
letramento (escrito)
33
;implementar estratégias de envolvimento, permitindo que a criança fale,
ratificando-a como falante legítimo; acolher suas sugestões e tópicos; incentivá-la a
manifestar-se, fornecendo-lhe modelos e estilos monitorados da língua e mostrando-lhe como,
quando e por que usar esses estilos.
Para o presente trabalho, a partir das definições de Erickson (1987) e das conclusões
de Bortoni (1994) e das concepções de Zilles (in prelo) e Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001), as
funções da alternância de código são analisadas em busca de uma constatação ou não de que
essa é uma estratégia culturalmente sensível. Não a chamarei de culturalmente responsável,
mas sim culturalmente sensível, por atentar ao que Bortoni (1994) concluiu, de que os padrões
de alternância de código e de intervenções dos professores estão associados a estratégias
intuitivas que estes desenvolveram com base em seu sistema de cren
ça sobre letramento.
33
Acrescentado por mim, pois conforme explicitado na subseção 2.1.1, os eventos de letramento podem ser
totalmente orais, referindo-se apenas ao texto escrito ou usando expressões típicas de eventos escritos.
89
3 METODOLOGIA DA PESQUISA
O objetivo principal do presente estudo é observar a interação em sala de aula e
analisar o uso da língua em relação à presença ou não da alternância de código na interação
face a face, como esse uso ocorre nos eventos selecionados
34
e refletir sobre as práticas em
sala de aula a partir desse uso, procurando entendê-los. Dentre as várias metodologias de
pesquisa possíveis para a análise e geração de dados, julgo uma análise qualitativa e
interpretativa mais adequada, o que será explicado na seção 3.1.
3.1 Pesquisa de cunho etnográfico
Ao iniciar a coleta de dados, não planejei um papel participante, pois não conhecia a
comunidade escolar e o primeiro contato foi para verificar qual era a realidade lingüística dos
alunos. O segundo foi para conhecer a professora e combinar os dias e a forma de visita.
Como era estranha à comunidade, procurei não interferir nem me manifestar nas observações
em aula.
no primeiro dia de observação, e terceiro contato, embora não tivesse trazido a
filmadora propositalmente, pois poderia ser um motivo de inibição ou de atenção para as
crianças, fui envolvida. Descobri que não iria conseguir observá-las, sem que essas
34
Os critérios de seleção dos eventos serão explicitados posteriormente nesta seção.
90
procurassem saciar sua curiosidade quanto à minha presença. De modo semelhante, a
professora procurava explicar a razão de determinados trâmites e conversar sobre as crianças.
Esse fato fez com que eu me sentisse bem acolhida, o que ocorreu não em sala de
aula, mas também com os demais integrantes da instituição. Por parte da direção houve uma
preocupação constante para que eu me sentisse integrada e obtivesse êxito no trabalho.
A pesquisa qualitativa costuma, portanto, ser direcionada ao longo de seu
desenvolvimento e não tem como prioridade enumerar ou medir eventos e, em geral não
emprega dados estatísticos. O propósito de Mason (1996, p. 171) em seu livro “Qualitative
Researsching” é explicar e dar ferramentas para futuros pesquisadores do método qualitativo.
Não nega, porém, a possibilidade de as duas linhas de pesquisa serem integradas, desde que
sejam focados os propósitos e o modo da integração bem como a base sobre a qual a
generalização pode ser feita (Mason 1996, p.167).
O estudo realizado por Eckert (2000) é um bom exemplo desta integração. A autora
pesquisa as variações na fala urbana como traços urbanos (Eckert, 2000, p.216), isto é, através
da análise da variação ela explica o comportamento lingüístico e faz uma analogia com o
comportamento social. Ela o observa os estilos de fala
35
que ocorrem, mas também a
forma de vestir, o cabelo, os movimentos e as expressões faciais. Eckert conecta a variação
sistemática da língua com a complexidade da prática social, isto é, através do tipo de variação
presente, ela analisa o que está acontecendo em termos de ação e relação social.
O foco de análise de Eckert tem como base a escola. Ela define a escola como
“comunidade de fala” (Gumperz, 1972) apenas como forma de limitar a sua população à
escola. Segundo Eckert (2000, p. 33), a escola tem um status próprio em relação à
organização da língua usada entre sua população.
35
Como estilo de fala Eckert (2000, p. 1) considera a construção do léxico, de elementos prosódicos, de
segmentos fonéticos, da morfologia, da sintaxe e do discurso.
91
Dentro da macroestrutura escola, Eckert (2000, p. 35) usa o termo “comunidade de
prática”, que é definida por seus membros e pelas práticas compartilhadas nas quais os
membros se engajam. É uma agregação de pessoas que se encontram para a realização de
algum empreendimento comum. A partir desse conceito, sua análise mostra como dois grupos
extremos da escola, os “jocks”
36
, que são os alunos “populares” na escola e também na
comunidade, e os “burnouts”
37
formam comunidades de prática que emergem dentro e em
resposta à estrutura institucional da escola.
Segundo Eckert (2000, p. xiv), as suas questões são a respeito do significado social
da variação, seu papel no espectro de mudanças lingüísticas e sua relação a classes sociais.”
Portanto, para a realização de tal trabalho, Eckert (2000, p.69) julgou necessária uma pesquisa
híbrida, pois, segundo ela, as categorias locais e seus significados somente são obtidos através
de um trabalho qualitativo, ao passo que o estudo da variação é essencialmente quantitativo.
Neste tipo de estudo, a prática costuma ser a de correlacionar aspectos da variação no uso
lingüístico com as características sociais que se acredita estarem relacionadas à escolha
lingüística, o que não é suficiente para a identificação do significado social da variação no
contexto em estudo.
Outro estudo, de Zilles e King (2005), cujo foco é o uso da linguagem para a apresentação
pessoal e a expressão da identidade individual, também une a pesquisa qualitativa e
quantitativa. O estudo foi realizado com dados gerados a partir de entrevistas
sociolingüísticas
38
a duas senhoras de Panambi/RS, uma região de imigrantes alemães, onde
ainda é usada uma variedade de alemão nas interações do dia-a-dia.
Zilles e King primeiramente analisaram a metalinguagem e o uso da linguagem que as
entrevistadas faziam para posicionarem-se em relação a si mesmas e a sua região, isto é,
36
Termo usado no oeste e centro-oeste dos EUA para referir-se a indivíduos corporativistas. (Eckert, 2000,
p.48).
37
A maioria proveniente de famílias de operários locais, os quais não vêem razões para se submeterem à
autoridade da escola (Eckert, 2000, p. 49).
38
Retiradas do banco de dados do projeto VARSUL
92
“como Lina e Alice revelam e representam aspectos de suas identidades através das
conversas” (Zilles e King, 2005, p. 78).
Os dados quantitativos desse estudo, a meu ver, como membro de uma comunidade de
origem germânica, dão um suporte coerente, validam os dados qualitativos. Na análise
qualitativa uma das entrevistadas, Alice, de 71 anos, apresenta uma visão mais romântica e
positivista em relação ao germanismo que Lina, 30 anos mais nova. Na análise quantitativa,
Alice tem em sua fala muito mais aspectos fonológicos marcadores de sua origem germânica,
enquanto Alice procura atenuá-los.
Mesmo reconhecendo a utilidade de trabalhos que combinam as duas metodologias,
neste estudo, até por razões de ordem prática, optei por empregar prioritariamente a
metodologia qualitativa, como procuro caracterizar a seguir.
Focar uma realidade plurilíngüe para esse estudo era um pré-requisito, bem como essa
ser uma sala de aula em trabalho de letramento. A presença da alternância de código e o fato
de haver participantes da pesquisa que falassem alemão não podiam ser previstos, apenas
supostos. Da mesma forma eu me propus a verificar o que acontecia na interação, sem
estruturar hipóteses prévias, mas sim perguntas que auxiliaram na determinação dos aspectos
relevantes a serem observados.
A pesquisa etnográfica, segundo Erickson (2001, p.12), ênfase para a descoberta de
coisas que fazem a diferença na vida social e prioriza a qualidade em relação à quantidade.
“Os propósitos essenciais dessas abordagens (etnográficas) são documentar
em detalhe o desenrolar dos eventos cotidianos e identificar os significados
atribuídos a eles tanto por aqueles que deles participam quanto por aqueles
que os observam” (Erickson 2001, p.12).
“Via de regra, o etnógrafo pergunta: “Qual é a gama completa de variação no
que as pessoas estão fazendo neste espaço?”e “Qual é a gama completa de
variação dos significados implícitos e explícitos atribuídos a essas várias
ações pelos vários atores sociais nelas engajados?”(Erickson 2001:13)”.
“Esse processo recursivo de rever a evidência tendo em mente a asserção e
de rever a asserção tendo em mente a evidência, e, então voltar à evidência,
chama-se método comparativo-recursivo de identificação e análise dos dados
e, na acepção clássica, de método de indução analítica” (Erickson, 2001,
p.15).
93
É viável e necessário algumas vezes, nesse processo, também rever as perguntas de
pesquisa, pois outras evidências, nuances e contingências não previstas anteriormente podem
surgir.
3.1.1 Procedimentos de geração de dados
Conforme relatado anteriormente, a partir do foco a ser observado, procurei contato
com várias escolas e as visitei, para verificar a possibilidade de fazer a observação. Focalizei
escolas nos municípios de Ivoti, Presidente Lucena, Dois Irmãos, Morro Reuter, Santa Maria
do Herval, Picada Café e Nova Petrópolis. Havia vários fatores que me levaram a escolher
uma das escolas de Santa Maria do Herval. O principal foi a constatação de que realmente a
escola ainda recebe crianças que não falam português e, mais importante, a disponibilidade da
escola e da professora para receber um pesquisador estranho, que iria estar presente nas
atividades por um longo período.
Acredito, porém, que um fator importante foi a minha postura: eu estava para
aprender e compartilhar, além de esforçar-me para entender o alemão que falavam e procurar
interagir adaptando o alemão que eu falo (padrão) ao alemão falado na escola. Isso para mim
não foi difícil, pois primeiramente procurei ouvir mais do que falar. Outro fator é o contato
anterior com outras variedades de alemão não-padrão, embora isso tivesse ocorrido mais na
minha infância do que atualmente.
A geração de dados consta de visitas periódicas à escola, a fim de observar, gravar e
filmar a interação em aula e os trâmites que fazem parte do dia-a-dia da escola, presença em
reuniões de pais e visitas a algumas famílias. A primeira observação foi realizada no dia 26 de
fevereiro de 2004 e a última no dia 19 de julho de 2004. Ao todo foram vinte tardes de aula
94
observadas, todas na segunda-feira. No dia 10 de abril não houve aula e no dia 03 de maio os
alunos foram dispensados em virtude de uma reunião dos professores.
“Nosso procedimento para descobrir a estrutura constituinte das ocasiões
consiste essencialmente em fazer julgamentos do tipo igual/diferente e
antes/depois, tendo por base o decorrer do tempo real da interação” (Erickson e
Schulz, 2002, p. 225).
Optei, para a análise específica das interações em duas atividades de aula
39
, a hora da
rodinha inicial (HRI) e o início do trabalho nas mesas (TBM), pois são as mais constantes e
há maior possibilidade de validação dos dados, devido à qualidade do vídeo e do áudio. Outro
fator é, visto que a organização social e os objetivos são diferentes nessas duas atividades,
analisar o curso e o significado da alternância de código em uma atividade mais social e
menos instrucional, a hora da rodinha inicial, doravante HRI e uma atividade mais
instrucional e mais centrada no letramento, o trabalho nas mesas, doravante TBM.
Embora apenas duas partes específicas dos dados sejam analisadas, é feita uma
organização dos dados gerados a partir de um corte não transversal. Essas atividades são
analisadas longitudinalmente e, a partir dos aspectos identificados, são transcritos todos os
momentos de ocorrência de alternância em dias determinados, por questão de tempo e limite
do presente trabalho.
Ao fazer a transcrição do dia 31 de maio, foi percebida uma grande diminuição
na ocorrência de alternância durante a HRI e, principalmente, no uso de alemão por parte da
professora. Para ter mais validade na geração dos dados, no mês de maio decidi verificar a
semana anterior, pois a redução da ocorrência de alternância poderia ter sido causada pela
atividade em curso, mais instrucional, jogo com as letras do alfabeto. No dia 24 de maio não
ocorreu filmagem do trabalhinho nas mesas, por isso foi transcrito o do dia 17 de maio.
39
Será usado o termo “atividade”, pois é a forma como a professora observada define os momentos da aula. A
razão da opção pelo termo será explicada posteriormente, nesta mesma seção.
95
Optou-se em transcrever todo o primeiro mês (março) e, a partir de abril, um dia por
mês, o último, acrescentando o dia 24 de maio na HRI e transcrevendo o TBM do dia 17 de
maio no lugar do dia 24, conforme tabela abaixo:
Tabela 3. Datas selecionadas para transcrições.
TRANSCRIÇÕES RODINHA INICIAL TRANSCRIÇÕES DO TRABALHINHO NAS
MESAS
DATA CD DATA CD
01.03 2 01.03 3 e 4
08.03 7 08.03 8 e 9
15.03 11 15.03 12
22.03 13 22.03 14 e 15
26.04 22 26.04 22
24.05 27 - -
31.05 28 31.05 28 e 29
28.06 36 28.06 37
19.07 45 19.07 47
Na pesquisa qualitativa, segundo Mason (1996, p. 1), o pesquisador deve identificar e
resolver uma gama de aspectos durante o processo. Dentre esses, alguns são específicos para
o estudo em foco e outros não podem ser previstos anteriormente. Portanto, durante uma
pesquisa qualitativa é importante “ativar capacidades que incluem identificar os aspectos
chave, explorando a forma como eles poderiam ser resolvidos e entender as implicações
intelectuais, práticas, éticas e políticas das diferentes maneiras de solucioná-los” (Mason, op.
cit).
O presente estudo, porém, não pode ser considerado genuinamente etnográfico, mas
sim de tipo etnográfico, pois, mesmo baseando-se nas concepções teóricas da etnografia, não
conseguiu preencher todos os quesitos metodológicos para tal, como por exemplo, o fato de a
pesquisadora não viver na comunidade, de participar de poucos eventos sociais da
comunidade e de ter tido apenas dois contatos com os pais. O primeiro na reunião na escola,
em que houve mais observação da interação desses com a professora e dos tópicos por eles
abordados, e um segundo momento quando da realização de uma entrevista.
96
Dentro das condições em que foi feita a geração de dados e posterior análise,
procurou-se seguir as orientações para um estudo de tipo etnográfico. Segundo Erickson
(1996, p. 283), a micro-análise etnográfica compreende o método e o ponto de vista, isto é,
usando vídeos ou filmes de ocorrências interacionais naturais, o pesquisador olha bem de
perto e repetidamente para o que as pessoas estão fazendo no tempo real da interação.
Ao enfocar especificamente a etnografia na educação, Erickson (1992, p. 202) aponta
como um dos principais objetivos revelar o que está dentro do que chama de “caixa preta”
(“black boxes”) do cotidiano nos ambientes educacionais. Através de identificação e
documentação do processo no qual os resultados educacionais são produzidos, as ações são
interpretadas e analisadas.
Segundo o autor, esses processos consistem em ações rotineiras que, por serem
habituais, podem passar despercebidas. Em função disso, a gravação em vídeo vem auxiliar a
observação detalhada e propicia uma constante volta à interação em pauta bem como a
verificação com os envolvidos na interação para comparar a interpretação do pesquisador com
a dos participantes da interação.
Para um estudo etnográfico, segundo Erickson (2001, p.13), são importantes os tipos
de perguntas para a investigação. Ele exemplifica dizendo que, em geral, o etnógrafo
pergunta: “Qual é a gama completa de variação no que as pessoas estão fazendo neste
espaço?” e “Qual é a gama completa dos significados explícitos e implícitos atribuídos a essa
várias ações pelos vários atores sociais nelas engajados?”
Para responder a essas perguntas, o etnógrafo usa o que Erickson (2001, p. 13) chama
de meios primários de coleta de dados: observar e perguntar. Isso pode gerar diferentes fontes
e tipos de dados: as notas de campo, os comentários das entrevistas e as gravações, que se
tornam base para transcrições dos comportamentos verbais e o verbais. Documentos locais
e material demográfico e histórico também. Para o autor, esses materiais coletados não
97
constituem, na sua forma bruta, dados; ele considera ser mais apropriado chamá-los de “fontes
de dados potenciais”.Na medida em que a análise é feita, cruzam-se as fontes de informação
fazendo a “triangulação” (Erickson, 2001, p.14), isto é, confirmando as interpretações e
analisando os dados gerados.
Usarei o termo “geração de dados” sugerido por Mason (1996, p. 36) em detrimento
de coleta de dados. De acordo com as perspectivas qualitativas e interpretativas, a idéia de que
o pesquisador (que coleta os dados) seja totalmente neutro é rejeitada. Segundo Mason (op
cit), o pesquisador é visto como construtor ativo do conhecimento sobre o mundo de acordo
com certos princípios e usando certos métodos, derivados da sua posição epistemológica.
Mason (1996, p.14) distingue as posições dos pesquisadores em duas: a ontológica e a
epistemológica. Na ontológica, o pesquisador valoriza as experiências, crenças, interpretações
das pessoas. Acredita que o conhecimento de senso comum é propriedade da realidade social
que a sua investigação deseja explorar. Na epistemológica, o pesquisador acredita que o falar
com as pessoas via interação gera dados passíveis de análise da língua e da construção do
discurso em que o conhecimento pode ser construído dentro da interação. O
conhecimento e a evidência são contextuais, situacionais e interacionais.
40
Para este estudo, os dados foram gerados a partir das seguintes “fontes para dados
potenciais” (Erickson, 2001, p.14): notas de campo, diários de classe, pareceres descritivos de
avaliação dos alunos para o primeiro trimestre, observação, entrevistas com os pais,
participação em eventos e reuniões na escola, visita a algumas famílias, conversas informais
com os professores no intervalo, conversa com as crianças nos corredores e pátio durante o
recreio, filmagem em vídeo e gravação em áudio.
Embora a geração de dados tenha sido feita ao longo do período que se estende de
fevereiro a julho de 2004, esta era feita apenas uma vez por semana, nas segundas-feiras, pois,
40
Grifo meu.
98
em função do trabalho profissional, infelizmente eu não dispunha de mais tempo para fazê-lo.
A distância de onde moro até o local da pesquisa é de 52 km e esta também foi uma das
dificuldades encontradas em termos de tempo e de custos.
Os fatos relatados acima compõem um aspecto que difere do estudo etnográfico
propriamente dito, visto que é suposta a inserção do pesquisador como membro participante,
como mencionado anteriormente. Segundo Rodrigues Júnior (2005, p.136), o pesquisador
precisa se inserir na comunidade pesquisada, elegendo um método de investigação em que
exercerá uma relação social próxima com seus informantes, isto é, observação participante
(Erickson, 1992, p.211).
Para a geração de dados, procurei seguir alguns encaminhamentos propostos por
Erickson (1992 p.211-215): a) tratei de evitar expor a rotina dos participantes, nesse caso
principalmente a da professora da turma observada, para seus superiores; b) solicitei uma
autorização escrita da professora e dos pais dos alunos para a gravação em áudio e vídeo;
41
c)
usei pseudônimos para as crianças e para a professora com o intuito de preservar a identidade
das pessoas, embora, como Erickson (op cit) declara, dados em vídeo são difíceis de
mascarar. Os professores e outros profissionais envolvidos serão denominados pela função
que exercem em relação às crianças: professor de Educação Física, professora da biblioteca,
diretora, merendeira, pois não é feita uma micro-análise dessas interações, d) coloquei as fitas
de vídeo à disposição da comunidade escolar. Eventualmente mostrava à professora e às
crianças o que tinha sido gravado no dia em questão, após o encerramento oficial da aula.
O fato mencionado no item “d” é um entre tantos que não podemos prever quando
fazemos uma pesquisa de tipo etnográfico. As interações livres frente ao visor da filmadora
seriam outro aspecto interessante para a análise de como ocorre e o que ocorre na interação.
Infelizmente, por ter uma filmadora com um pequeno visor, ter de manipulá-la e organizar
41
Anexos 3 e 4.
99
um pouco para que todos pudessem ver, apenas anotava alguns aspectos dos quais conseguia
lembrar posteriormente, nas notas de campo.
A definição pela Escola Municipal de Ensino Fundamental Castelo Branco deu-se no
dia 9 de dezembro de 2003. Nesse dia obtive a permissão para entrar na sala da pré-
escola.
42
Essas crianças estavam finalizando o seu primeiro ano letivo. Da mesma forma,
tive a liberdade de observar o recreio e a interação livre, bem como conversar com alguns
professores. A direção, já nesse dia, colocou sua preocupação quanto ao fato de receberem
crianças que deveriam ser alfabetizadas em português, mas mal conheciam o idioma e não
saberem exatamente como lidar com essa situação, agindo intuitivamente.
No dia 10 de maio participei da reunião de professores até às 15h. Depois,
acompanhada de meus pais
43
e da professora da biblioteca, que gentilmente se ofereceu para
nos acompanhar, fomos visitar algumas famílias dos alunos observados, que moram mais
afastadas da escola e que não haviam comparecido à reunião dos pais no dia 27 de março,
sábado à tarde.
44
O objetivo do contato com os pais era conhecer um pouco da realidade familiar e
lingüística da qual o aluno provinha, a fim de ter mais subsídios para triangular informações
dos dados gerados. Dessa forma, tive a oportunidade de conversar e entrevistar todos os
pais
45
, tendo recebido a permissão para filmar seus filhos. As entrevistas foram gravadas em
áudio e alguns tópicos anotados nas folhas do questionário.
46
É interessante observar que, durante as entrevistas, ao perceberem que eu falava
alemão, mesmo que eu estivesse fazendo as perguntas em português, os pais alternavam para
42
A pré-escola funcionava no turno da escola municipal, à tarde, mas ainda pertencia à escola estadual, que
funciona pela manhã e cujo prédio é cedido para a escola municipal funcionar à tarde.
43
Meu pai é pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e atendeu a região por muito tempo, até
que a paróquia fosse dividida em dois pastorados devido à extensão. Portanto, conhece bastante bem a região e
ali estava para me apoiar estratregicamente, ajudando-me na locomoção por estradas mais precárias que eu
desconhecia.
44
Participei da reunião e após aproveitei a oportunidade para conversar / entrevistar os pais.
45
Isto é, às vezes só o pai ou só a mãe e no caso de um dos meninos, que morava com os avós, só a avó.
46
Perguntas da entrevista no anexo 5.
100
o alemão. Uma das perguntas era a respeito da razão por que ensinavam alemão aos filhos. Eu
queira saber se era, como no meu caso, para que tivessem acesso a mais uma língua ou por
ser o código de comunicação da família.
Das 18 entrevistas
47
, apenas em três os pais responderam que um dos objetivos
também era a manutenção da língua dos antepassados. A maioria, porém, respondeu que era
“normal”. Um pai disse inclusive: “Nos somo alemão mesmo. Tomo acostumado a falar
alemão.” Outra mãe, respondendo em alemão diz que eles mesmos (os pais) não sabem
português e aprendem com os filhos. Ao perguntar a uma mãe sobre quando falava português,
ela respondeu “Se precisa... prá mim é ruim falar em português, porque sempre falamo em
alemão e têm algumas palavra em português que não entende”.
A faixa etária média dos pais está entre trinta e quarenta anos, isto é, nascidos entre
1960 e 1975. Quando perguntados sobre onde e quando aprenderam a falar português, com
exceção dos que não falavam alemão, todos disseram que aprenderam ao ingressarem na
escola, pois em casa falavam alemão. Trata-se, portanto, de uma comunidade bilíngüe, em
que os pais das crianças revelam uma atitude de identificação com o uso do alemão, chegando
a naturalizar esse fato como próprio de seu modo de ser.
A geração de dados propriamente dita começou, portanto, no dia 26 de fevereiro de
2004. Como mencionado anteriormente, nesse dia não filmei nada, apenas gravei em
áudio, mantendo o gravador escondido. Esse era o segundo dia das crianças na escola. Nas
demais observações, passei a gravar em deo, colocando o gravador de áudio em uma mesa,
no momento em que estavam fazendo os trabalhinhos nas mesas.
Para poder gravar também em vídeo, tive de pedir a filmadora emprestada a um primo,
pois não possuo uma própria. Ao iniciar a gravação com a filmadora, não sabia que o modelo,
47
Destes, uma menina não fala alemão, pois só o pai sabe e a mãe não; e um menino, que é criado pelos avós e
pertence a uma família proveniente de Canela (cidade vizinha), também não fala alemão.
101
embora fosse uma Sony Handycam Vision, Zoom Digital 200 e usasse fitas de 8mm, não
era compatível com os programas de gravação de vídeo em Cd no computador.
Para poder voltar inúmeras vezes à imagem com maior facilidade e poder registrar o
tempo e fazer uma transcrição mais apurada, eu insisti em passar todos os vídeos para CD.
Isso implicou na instalação de um programa de decodificação de vídeo para imagem digital, o
Play TV MPGE 2, pixelView.
Feito isso, uma nova surpresa: levou muito mais tempo do que pensei. Primeiro tinha
de passar o vídeo para o computador. Isso levava o tempo real da gravação. Depois dividir o
vídeo em arquivos de 700 MG, aproximadamente uma hora de gravação, para que coubessem
em um Cd. Para cada hora gravada são necessárias em torno de 5 horas de decodificação
nesse processo. O som continuou ótimo, mas a imagem perdeu em qualidade. Para verificar
alguma dúvida nas imagens dos Cds, mantive as fitas de vídeo.
Os dados em potencial de sala de aula constam de vinte observações, das quais
dezenove foram gravadas em vídeo
48
, onze fitas de vídeo, 47 Cds, com o total de 34h 23 min
05s. Os dados em potencial em áudio constam de oito fitas cassetes em aula, totalizando 230
minutos, e quatro com entrevistas de pais, de um professor, historiador especializado na
região de Santa Maria do Herval, não nato da região, mas morador desde sua iniciação
profissional, e da diretora da escola.
Depois de cada dia de observação, repassava o que havia sido filmado para observar o
que estava acontecendo nos diferentes eventos, fazendo observações nas notas de campo. Há
dias em que foi gravada somente uma hora em vídeo. Isso se deve, principalmente, a alguns
fatores que não estavam previstos.
As aulas de Educação sica ocorriam no início do período escolar. Como era uma
interação mais livre, no momento em que as crianças estavam mais familiarizadas comigo ou
48
O primeiro dia observado foi gravado apenas em áudio e tomei notas.
102
não queriam participar de determinada atividade proposta pelo professor, elas muitas vezes
vinham até mim para conversar, atrapalhando o curso normal da aula. Parei, então, de filmá-
las a partir da sétima visita. Observava de longe e apenas fazia anotações. Fiz nova tentativa
na 16ª e 17ª observações. Como nesse momento já havia, a partir do material gerado,
estipulado os eventos a serem observados, a filmagem foi feita para eventual triangulação dos
dados gerados.
A vida de pesquisador também revela outras surpresas. No dia da 11ª observação, 24
de maio, pude ficar somente até o intervalo, pois havia muito nevoeiro. Mesmo já conhecendo
melhor a estrada, fui aconselhada a não ficar. cinco quilômetros de estrada estreita de
terra, a estrada asfaltada não continha acostamento, e a sinalização das pistas era precária.
Realmente, não se enxergava quase nada.
Na 15ª observação, dia 14 de junho, a professora não veio, pois estava doente. Os
alunos tiveram Educação Física e depois viram um filme na biblioteca e às 15h foram
liberados. Além disso, durante a realização das filmagens em aula, os alunos, como
mencionei anteriormente, descobriram que conseguiam se ver no visor da filmadora. Algumas
dessas situações foram gravadas, mas em outros momentos tive de parar a filmagem, pois
estava atrapalhando o curso da aula. Isso ocorria, geralmente, durante o trabalho nas mesas.
Os alunos que já haviam terminado, levantavam e vinham para ver o seu trabalho filmado e se
ver.
Durante as filmagens, procurei não movimentar a filmadora, a não ser em momentos
em que acompanhava as crianças na Educação Física ou na pracinha e quando, durante a
rodinha inicial da aula, falavam individualmente.
49
Somente para a 17ª observação eu
consegui comprar um tripé para apoiar a filmadora, o que facilitou consideravelmente o
trabalho.
49
Há, em todos os dias, um momento inicial em que todos devem se manifestar, cada um na sua vez, sobre um
tópico estipulado pela professora.
103
Erickson (1992, p. 215) menciona a discussão sobre a filmagem com uma câmara fixa
ou em movimento. Ele cita a sugestão da câmara em movimento dada por Grimshaw (1982, p.
121-144), mas opta pela filmadora fixa. Quanto à filmagem em salas de aula, Erickson (1992,
p.216) sugere o uso concomitante de gravador. Como o áudio da filmadora é de boa
qualidade, utilizei o gravador apenas nos momentos dos trabalhos nas mesas, identificando
sempre no caderno de notas os alunos que estavam sentados na respectiva mesa. A gravação é
utilizada no trabalho apenas para validação e verificação dos dados gerados em vídeo.
Segundo Ribeiro e Garcez (2002, p.215), Erickson e Schulz preocuparam-se
especialmente com a análise da interação em instituições educacionais. Para a análise e
seleção dos dados, o presente trabalho tem como base os procedimentos adotados por
Erickson e Schulz (2002, p.226 – 233), chamados de estágios da análise de videoteipes
50
, que
apresento resumidamente abaixo. Os autores descrevem, da seguinte forma, seu sistema de
análise:
a) Estágio 1: assistir a cada fita por inteiro, seguido a seqüência em que foi gravado e
tomando nota continuamente, parando muito pouco, tornando as notas um índice de todas as
ocasiões principais na fita.
b) Estágio 2: escolher um exemplar de um tipo de ocasião para análise mais detalhada.
Os critérios de escolha incluem o interesse intrínseco que o exemplar pode ter para o
pesquisador. Ao assistir à ocasião, essa deve ser assistida como um todo, enfocando o que
todos os participantes estão fazendo conjuntamente, não o que indivíduos fazem
separadamente. Anota-se a localização cronométrica aproximada do começo e do fim da
ocasião, e a localização aproximada do que pareçam ser as articulações entre as partes
constituintes elementares do todo. Erickson e Schulz dizem que neste estágio, muitas vezes,
50
Não será feita uma análise tão minuciosa quanto a feita por Erickson e Schultz, devido à extensão do trabalho
e ao tempo disponível, mas serão seguidos os passos básicos.
104
mostram o vídeo aos participantes, entrevistando-os sobre a interação enquanto assistem ao
vídeo.
c) Estágio 3: localizar precisamente as seções de transição ou de articulação entre as
partes elementares da ocasião e identificar especificamente as diferenças na estrutura de
participação no âmbito das articulações, prestando atenção a um aspecto do
comportamento comunicativo por vez (linguagem verbal e não-verbal). Nessa fase é feita uma
descrição tão detalhada no mapeamento de cada articulação e seus arredores temporais
imediatos, quanto necessária para o esclarecimento da questão e interesse teórico. Se por
exemplo há interesse na transição de uma atividade mais instrumental para uma menos
instrumental, poderíamos analisar essa mudança no nível de detalhe do estágio 3 e fazer
apenas uma caacterização bastante geral da ocasião como um todo.
d) Estágio 4: descrição analítica com o propósito de construir um modelo descritivo.
Não há necessidade de ser transcrita toda a fala, nem mapeados todos os gestos, mas será dada
atenção a coisas intuitivamente “maiores” que estão acontecendo: quais as posições de
postura mantidos, quais os tópicos de conversa, quem fala e quem ouve mais do que quem,
enfim, estratégias interacionais passíveis de serem descritas em linguagem comum, que
ocorrem através de todo o segmento, como por exemplo: preparando-se para começar, lidando
com o assunto principal, pedindo tempo.
e) Estágio 5: teste inicial quanto à validade do modelo de estrutura da interação
construído nos estágios anteriores. As alterações na atuação interacional devem ser possíveis
de serem descritas: 1. durante os momentos de transição, estarão ocorrendo alterações na
atuação interacional capazes de ser especificadas descritivamente; 2. depois de um momento
de transição, formas e funções específicas de comportamento comunicativo encontram-se
distribuídas diferentemente; 3. após o momento de transição, os participantes se comportam
como se as regras quanto ao que constitui comportamento apropriado antes da articulação
105
diferissem das mesmas regras depois dela; 4. ao assistirem ao segmento de articulação e suas
adjacências, os relatos dos participantes estarão de acordo com a evidências descritas nos
itens 2 e 3.
f) Estágio 6: esse último estágio trata do estabelecimento da possibilidade de se
generalizar a análise de caso isolado realizada nos cinco estágios anteriores. A partir dos
dados gerados, buscar ocorrências análogas do tipo de ocasião que esteja sendo investigado. O
objetivo é mostrar que o caso isolado é típico ao menos dentro do corpus investigado.
Os próprios autores, em sua conclusão, colocam os procedimentos acima como
sugestões aplicáveis a uma série de problemas na análise da estrutura comunicativa e da
competência interacional (Erickson e Schulz, 2002, p.234), desde questões que requerem
estratégias de observação dos dados em vídeo e sistemas de notação mais “macro” até as que
requerem estratégias “micro”.
Erickson e Schulz (2002, p.233) defendem a “validade psicológica” dos resultados
derivados de tais métodos de análise, que acreditam ser congruentes com o modo como os
próprios participantes na interação devem estar construindo essa interação à medida que ela
ocorre, ou seja, prestando atenção primeiramente a segmentos mais longos e, então, a
segmentos menores, encaixados nas estruturas maiores.
À medida que trabalhava na decodificação dos deos para o Cd, fui fazendo a
segunda observação. Isso me levou a focar, para fins de análise, apenas determinadas
atividades das presentes nos dados e, portanto, gravar menos as atividades de interação mais
livre como a pracinha, o recreio, o lanche e a higiene bucal, que servem para triangulação e
não para a análise propriamente.
A opção em chamar de atividade esses momentos maiores e claramente detectáveis e
sinalizados pela professora surgiu ao longo da análise, pois a denominação evento e fase,
conforme usados por Mehan (1985, p. 120 e 121) e eventos, sub-eventos ou fases usados por
106
Schultz, Florio e Erickson (1982, p. 19) não parecia adequada ao que estava acontecendo na
sala de aula observada, nem para o foco da análise.
Ao verificar que a aula era constituída por unidades maiores detectáveis e essas, por
sua vez, continham subdivisões, verifiquei com a professora como ela as denominava. Ela
prontamente disse que eram as atividades que compõem a aula. Decidi, portanto, denominá-
las de atividades.
Mehan (1985, p. 120) conceitua evento, com base na literatura de Frake (1984) e
Hymes (1974), como segmentos dentro dos quais certas atividades ocorrem regularmente e os
participantes comportam-se diferentemente dentro deles. O autor usa como critério principal
para detectar a mudança de um evento para o outro a disposição física dos participantes
(círculo, pequenos grupos) que estão voltados, em um mesmo lugar, para um mesmo foco.
Schultz, Florio e Erickson chamam de evento a atividade “aula de matemática” ou
“jantar” e as subdividem em sub-eventos ou fases. Para detectar a transição de uma fase para a
outra, consideram a ocorrência de mudanças comportamentais (postura, voz, volume,
entonação, tempo e outros aspectos prosódicos) e a subseqüente mudança no modelo
interacional. Assim, dividem cada evento em fase inicial (preparação), fase central (foco na
atividade) e fase final (limpeza, “clean up”, “wrap up”).
A partir das reflexões teóricas consultadas (Jung, 2003; Barton e Hamilton, 2000;
Garcez e Ostermann, 2002; Kleiman, 2001; Heath, 2001; e Bortoni, 1994), optei no presente
trabalho em dividir as duas atividades analisadas em eventos, que, por sua vez, estão
subdivididos e permeados por enquadres constituídos a partir das estruturas de participação e
conseqüente alinhamento dos participantes. A razão dessa divisão está pautada no fato de as
atividades estarem constituídas por episódios menores observáveis através da mudança de
prática (Jung, 2003), principalmente na hora da rodinha inicial, como será detalhado a seguir.
107
A “hora da rodinha inicial” pode ser subdividida em eventos principais, que mais tarde
serão analisados de acordo com as interações que ocorrem. Primeiramente as crianças buscam
cadeiras nas mesas e fazem uma rodinha em frente ao quadro
51
. Então é realizada a chamada.
As respostas para a chamada eram variadas de dia para dia, de acordo com algo que tivesse
acontecido ou com um tópico tratado na semana anterior. Se por exemplo tivesse sido tratado
o corpo humano, deveriam dizer uma parte deste, em vez de dizer “presente”. Em outra
ocasião, diriam o time para o qual torcem, de que coleguinha mais gostam, uma cor, etc.
A partir de abril foi instituído o “ajudante do dia”. Sua função é ajudar na entrega do
material e na organização da sala no final do dia, contar a história e preencher o calendário. O
calendário é um cartaz em que estão registrados apenas os dias da semana e o nome do mês.
Os alunos devem colocar o número do dia, identificando o dia da semana. Esse evento é
construído com a ajuda dos colegas e orientação, através de perguntas IRA, da professora.
Após o calendário, alternadamente e na ordem em que estão sentados na rodinha, os
alunos devem contar sobre o fim de semana. Nesse evento, em combinação com a professora,
foi embutida uma mini-entrevista, com determinados tópicos, em três ocasiões: na
observação (22/03), na 10ª observação (10/05) e na 19ª observação (12/07). Esse é um dos
momentos em que a filmadora foi direcionada para a criança que estava falando, perdendo-se
um pouco as interações secundárias. Isto é, priorizando os locutores oficialmente ratificados
pela professora, conforme Goffman (2002).
Depois a professora conta uma historinha e juntos a recontam, a partir de perguntas
fechadas, segundo Bortoni (1994, p.85), construindo seqüências de IRA: iniciação, resposta,
avaliação. A partir de abril o ajudante do dia passou a ser responsável pela historinha, sem
que ela fosse recontada depois. A história que o aluno ajudante deveria contar poderia ser a do
livro que levou para ler com os pais em casa ou um dos livros à disposição na sala.
51
Disposição da sala no anexo 6.
108
Às vezes era cantada uma música e depois passava-se para o segundo momento: fazia-
se uma brincadeira com o objetivo de trabalhar a própria interação, a noção de espaço e
atividades lúdicas com letras ou números. Após a brincadeira, que muitas vezes não era mais
na rodinha, mas sim se mudava a configuração espacial, as crianças voltavam para a rodinha a
fim de cantar a música para o lanche ou rezar. Depois faziam fila para ir até o refeitório, que
na verdade era o final de um largo corredor, onde havia mesas e bancos. A professora ajudava
a merendeira a distribuir o lanche. De lá, se o tempo estivesse bom, as crianças podiam
brincar em torno de 30 minutos livremente no pátio.
Antes de retornarem para o trabalho na sala, faziam sua higiene bucal.
52
Havia duas
pias para as 18 crianças, que eram organizadas em duas filas, uma de meninos e outra de
meninas.
53
Após a higiene, dirigiam-se para a sala de aula e sentavam-se às mesas. Até a
Páscoa, 12 de abril, as crianças podiam escolher em que mesa gostariam de sentar, desde que
respeitassem o número máximo de integrantes por mesa, cinco. Após essa data a professora
começou, através de várias técnicas, a determinar os integrantes de cada mesa. Ela justifica,
conforme meu caderno de notas, que eles precisam aprender a trabalhar com todos os colegas
e não sempre com os mesmos.
A professora introduz o trabalho a ser realizado e dá as explicações institucionais mais
longas (Bortoni, 1984, p.85; Rech, 1996, p.312), nas quais evita, primeiramente, interrupções
e exige silêncio e atenção de todos. A seguir o material é distribuído. Normalmente o ajudante
do dia é encarregado de fazer isso e os alunos iniciam esse trabalho. No primeiro momento do
trabalho, há muitas perguntas por parte dos alunos, as quais são respondidas pela professora.
Geralmente os alunos que terminam seus trabalhinhos mostram-nos para a professora
e podem colocá-lo nos sacos plásticos afixados no fundo da sala com os respectivos nomes.
Eles têm, então, um momento de interação mais livre até que todos estejam prontos. Nesse
52
Pasta de dente, escova e toalhas são trazidas de casa e ficam na escola. Todas as sextas-feiras as
crianças deveriam levar a toalha para casa e trazer uma limpa na segunda-feira.
53
Todas as filas eram organizadas desse modo: fila dos meninos e das meninas.
109
momento, eu geralmente precisava desligar a filmadora, pois eles queriam terminar
rapidamente os trabalhos para poderem se ver, o que poderia atrapalhar a aula.
Quando todos estão prontos, as crianças ajudam a organizar a sala, guardar as cadeiras
e sentam-se na rodinha no chão. Se estiver frio, sentam-se nas cadeiras e guardam-nas antes
de irem para a fila de saída. Esse momento eu chamo de “rodinha final”. uma volta à
calma e o dia é avaliado. As crianças podem dizer, individualmente, do que gostaram naquele
dia e como se comportaram. um cartaz na sala com o nome de todas as crianças e elas
recebem, diariamente, nesta ocasião, uma estrela, se tiveram uma boa postura, ou um negativo
se não colaboraram adequadamente. Os colegas, juntamente com a professora, decidem qual é
a avaliação adequada e essa é justificada.
Para finalizar as atividades, na maioria das vezes, dependendo do tempo disponível,
são cantadas músicas aprendidas recentemente, o que os alunos apreciam. As crianças, então,
ao comando da professora, pegam sua mochila nos cabides e param em fila, de meninos e
meninas, dentro da sala em frente à porta até dar o sinal.
As aulas em sala de aula, portanto, são compostas por três grandes momentos, as
atividades da hora da rodinha inicial, o trabalhinho nas mesas e a hora da rodinha final.
Essas, por sua vez podem ser divididas em eventos, constituídos pelos enquadres que podem
ser considerados uma moldura em torno do alinhamento e das estruturas de participação, isto
é, dentro de um evento, se ocorrer mudança no alinhamento e nas estruturas de participação,
conseqüentemente haverá mudança de enquadre. Segundo Goffman (2002, p.136), a
delineação de estruturas de participação e formato de produção fornece a base estrutural para
a análise das mudanças de footing (alinhamento).
A especificação de como foi realizada a análise dos dados gerados para o presente
trabalho e os resultados derivados dessa análise, a partir das perguntas que o nortearam, serão
descritas detalhadamente no capítulo 4.
110
Para a triangulação dos dados, julguei importante observar a interação das crianças
com outra professora, a professora da biblioteca, que conduz a hora do conto. Gentilmente as
duas professoras se organizaram e a hora do conto foi transferida, em duas ocasiões, na 8ª e
observações, respectivamente dias 19 e 26 de abril, de quinta-feira para segunda-feira. Outros
fatores, como condições climáticas ou a falta do professor de Educação Física, também
influenciaram na alteração da rotina.
Para a transcrição, usei como base as convenções para transcrição elaboradas pelo
Grupo de Pesquisa Interação Social e Etnografia (ISE), do Instituto de Letras da UFRGS,
coordenado pelo professor Pedro M. Garcez. A tabela
54
de convenções para transcrição foi
elaborada por esse grupo de estudos a partir de Atkinson, J. Maxwell & John Heritage (1984).
Nestas convenções para transcrição há especificações de tempo em segundos e
décimos de segundos para a medida das pausas. Ater-me-ei à especificação de minutos e
segundos, substituindo, portanto, os segundos e décimos de segundos, visto que é o que o
programa “Windows Media Player” proporciona e por julgar que não afetará a análise
proposta, pois o foco é observar como ocorre a alternância de código e qual é a função desta,
sendo que as pausas menores do que segundos não alteram a interpretação das ações em curso
a partir dos postulados teóricos que embasam as perguntas de pesquisa.
À medida que fui realizando as transcrições, surgiu uma dificuldade de identificar os
alunos que falavam fora do foco da filmadora. Como são crianças e meu convívio com eles
foi suficiente para reconhecer a maioria das vozes bem como o estilo de interação, denomino
os participantes cuja identidade identifico claramente. Quanto às outras vozes, optei por
acrescentar à tabela de transcrição a categoria de “aluno não identificado”, representada pelo
símbolo ( ? ). Outro aspecto é a ocorrência freqüente de falas em coro, que identifico pela
palavra “coro”.
54
Tabela elaborada pelo Grupo de Estudos de Pesquisa Interação Social e Etnografia. Anexo 10.
111
A alternância de código passou a ser o foco central de observação quanto às
diferentes funções que desempenha no curso da interação. Por essa razão, optei por destacar,
nos excertos de transcrição, as falas em que ocorre o alemão através da marcação destas em
negrito e as respectivas traduções logo abaixo em itálico.
Ten Have (1999, p. 77), ao descrever os elementos constituintes e a forma de
transcrição sob a ótica da Análise da Conversa, diz que, “embora o sistema básico de
transcrição tivesse sido projetado por Gail Jefferson, tornou-se uma espécie de linguagem
comum, com vários dialetos, por assim dizer.” Para o presente trabalho, portanto, houve
necessidade de adaptar e explicar novas convenções em relação às elaboradas pelo ISE.
Segundo Ten Have (1999, p. 76), a transcrição é mais bem vista como uma tradução,
feita com vários propósitos, da fala produzida em uma versão da linguagem estandardizada de
uma comunidade particular. Isso ocorre nas transcrições para a presente análise nos seguintes
aspectos: no português oral, segundo Zilles (in prelo, p. 9 e 10), os “r” indicadores do
infinitivo, os “s” indicadores da primeira pessoa do plural e da concordância nominal plural,
bem como a marca da pessoa do singular, que forem suprimidos na fala serão
acrescentados, pois é uma ocorrência comum no uso da língua no dia-a-dia
55
; Caso a
concordância verbal da pessoa do singular seguir o que ocorre na linguagem oral, isto é,
usa-se o pronome “tu” e conjuga-se o verbo na pessoa do singular, não sendo apenas a
supressão do “s” final, será mantido.
No alemão as palavras serão escritas conforme pronúncia, não sendo transcrito o
termo padrão correspondente quando houver. Por exemplo, a palavra “weiβt” é pronunciada,
ao longo das interações gravadas de diferentes maneiras: “weescht”, “weischt”, “weesst e
será transcrita de acordo com a pronúncia.
55
Há momentos em que a professora marca o “r” e o “s” final. Esses serão comentados ao surgirem nas
transcrições.
112
Segundo Mason (1996, p. 84-85), devemos definir a natureza do interesse da
pesquisa e selecionar amostragens do universo de dados gerados que respondem às perguntas
que estão relacionadas direta e explicitamente à teoria ou explicação com a qual estamos
trabalhando. A autora diz que “grande parte do trabalho intelectual que envolve amostragem e
seleção concerne em estabelecer uma relação apropriada entre a amostragem ou seleção por
um lado e o grande universo ao qual está relacionado por outro lado” (p. 84).
56
Em uma pesquisa qualitativa, portanto, é importante, ao ser feita uma seleção ou
amostragem, levar em conta a pergunta de Mason (1996, p. 90) sobre a relação que o
pesquisador quer estabelecer ou assumir que existe entre a amostragem ou seleção feita e a
população geral ou o universo, isto é, se a amostragem é realmente representativa. A
alternância de código é enfocada no presente trabalho, prioritariamente, sob o aspecto de sua
função como estratégia para uma pedagogia culturalmente sensível, isto é, se através dela é
proporcionado acolhimento, pelo fato de aceitar a língua trazida do lar pelos alunos.
Segundo Mason (1996, p.128), a organização dos dados gerados a partir de um corte
não transversal envolve um olhar para partes discretas, partículas ou unidades do conjunto de
dados, documentando algo sobre essas partes especificamente. Neste sentido, é praticamente
guiado por uma busca pelo particular em detrimento do comum ou do consistente, e do
holístico em detrimento do transversal.
3.2. Comunidade alvo do estudo
Através de conversas e entrevistas com o a diretora da escola, que no turno da manhã
trabalha na Secretaria Municipal de Educação e Cultura do município, e com um professor
que trabalha na mesma secretaria e é responsável pelo acervo histórico do município, obtive
56
Tradução feita por mim.
113
muitas informações e essas me ajudaram a entender melhor os dados trazidos por Knorst
(2003) a respeito do município. Optei, portanto, como o sou natural nem moradora da
localidade, apresentar a comunidade alvo do estudo a partir de dados impressos (Knorst). As
informações obtidas com as entrevistas serão usadas para fins de triangulação e
complementação.
O município, segundo Knorst (2003, p. 15) tem uma área de 157 km
2
. A sua sede é um
vale cercado por três planaltos, cujas encostas e cimos estão cobertos de reservas da Mata
Atlântica ou de variadas espécies da tradicional policultura familiar, desenvolvidas,
majoritariamente, pelos descendentes dos imigrantes alemães.
Pelos dados do IBGE de 2000, a população é de 5.888 habitantes, sendo 3.052 homens
e 2.836 mulheres. A densidade demográfica é de 37,5 habitantes por km
2
, com um
crescimento vegetativo de 1,8%. Vivem na zona urbana 4.156 pessoas e, na zona rural, 1.732.
O município conta com 4.409 eleitores, sendo 2.351 do sexo masculino e 2.058 do sexo
feminino.
O município de Santa Maria do Herval faz limite ao norte com Gramado, a noroeste
com Nova Petrópolis, a nordeste com Três Coroas, a leste com Igrejinha, a oeste com Picada
Café e ao sul com Morro Reuter e Picada Hartz. A distância de Santa Maria do Herval a
Porto Alegre é de 75 km, a Dois Irmãos é de 21 km, a São Leopoldo de 43 km e a Gramado
de 26 km
57
.
Segundo Knorst, a região que compreende o atual município de Santa Maria do Herval
foi, prioritariamente, colonizada por imigrantes alemães. A vinda dos primeiros imigrantes
alemães ao município de Santa Maria do Herval ocorreu entre 1835 e 1838, sendo estes
originários da região agrícola do Hunsrück, na Alemanha. Várias foram as causas da
emigração dos alemães para o Brasil, entre as quais se destacaram: a) as guerras napoleônicas
57
Mapa no anexo 7 .
114
e a conseqüente crise econômica; b) as secas periódicas que empobreciam o povo alemão; c) a
explosão demográfica; d) as facilidades oferecidas pelo governo alemão e a expectativa de um
futuro promissor na nova terra.
Essa situação favorável à emigração na Alemanha foi intensificada pelo governo
brasileiro, através de Georg Anton von Schäfer, agente de imigração, que fez as seguintes
promessas aos imigrantes, a maioria infelizmente não cumpridas: a) viagem gratuita para o
Brasil; b) naturalização brasileira automática; c) pagamento de despesas de manutenção por 2
anos; d) 360 braças ou 792 m de terras gratuitas; e) recebimento de animais bovinos, suínos e
eqüinos; f) oferta de sementes e mudas para a lavoura; g) liberdade religiosa: católica ou
evangélica; h) isenção de impostos durante 10 anos.
Ao chegarem ao Brasil, porém, como a maioria dos imigrantes alemães, os
ascendentes dos atuais moradores da região de Santa Maria do Herval tiveram de enfrentar
muitas dificuldades, agravadas, em especial, pelo isolamento geográfico em que se encontrava
a região a ser colonizada. Segundo Knorst (2003, p. 14),
“Os imigrantes que atravessaram o Portal da Serra confrontaram-se com a
correnteza do Rio Cadeia, as agruras do solo montanhoso, os animais
selvagens de toda espécie, os índios e a mata virgem de difícil exploração.
Esta era riquíssima em madeira de lei como cedro, canjerana, louro,
timbaúva, canela e, sobretudo, uma enorme quantidade de pinheiros que
serviram para a construção das primeiras casas”.
A colonização começou pelo Alto Morro dos Bugres, às margens do Rio Cadeia, que
hoje é uma localidade que faz parte do Município de Santa Maria do Herval. Em 1849, em
Baixo Morro dos Bugres foi construída a primeira capela, escola e cemitério do município de
Santa Maria do Herval. Esta capela servia a três comunidades: Jammerthal, Walachei e Morro
dos Bugres. Essa construção foi iniciada por 40 famílias.
A região que forma hoje o município de Santa Maria do Herval encontrava-se bastante
isolada. A construção da estrada municipal ligando Boa Vista do Herval a Sapiranga, em
1907, facilitou o escoamento das safras agrícolas e o comércio local. Posteriormente, por
115
volta de 1910, foi construída a primeira ponte de madeira sobre o Rio Cadeia, que aproximou
a região a Dois Irmãos.
Somente em 12 de maio de 1988 Santa Maria do Herval passou à categoria de
município, ao qual foram integradas as regiões de: Baixo Morro dos Bugres, Alto Morro dos
Bugres, Canto Becker, Boa Vista, Marcondes, Nova Renânia, Alto Padre Eterno, Baixo Padre
Eterno, Padre Eterno Ilges e Vila Saeger.
58
Em 13 de setembro de 1949, com a Lei Municipal n° 121, mudou-se a sede do distrito
de Padre Eterno, da localidade de Boa Vista do Herval, para Santa Maria do Herval, alterando
seus limites. Em 1950, uma Lei Municipal estabelece que o nome do distrito de Padre Eterno
passe a ser "Santa Maria do Herval". Então começou, segundo Knorst (op cit), uma grandiosa
obra para a época, a construção do Hospital São José de Santa Maria do Herval.
várias versões para a origem do nome “Santa Maria do Herval”. Dentre as que eu
ouvi nas entrevistas, a mais corriqueira é ter surgido em homenagem à Santa Maria, padroeira
da primeira capela construída na sede do Município, a Igreja Matriz Nossa Senhora
Auxiliadora. A palavra "Herval" ressalta uma característica da região, que é a abundância de
"ervais", e, portanto, uma forma de particularizarem sua padroeira.
Até 10 de setembro de 1959 Santa Maria do Herval pertencia ao 8º. Distrito de São
Leopoldo, Padre Eterno. Nessa data ocorreu a emancipação de Dois Irmãos e, com isso, a
localidade passou a pertencer ao novo município e a ser o 3º. Distrito de Dois Irmãos.
A via de acesso ao norte é a RS 115 e, ao sul, a BR 116, com o Atalho Ecológico da
VRS 833, cujo asfaltamento, segundo Knorst, foi iniciado em 1998, pelo Governador Antônio
Britto, continuado pelo Governador Olívio Dutra e deverá ser concluído pelo Governador
Germano Rigotto, em 2003. Ele diz, que esta obra representa uma conquista histórica da
comunidade hervalense, pois passariam a ser trajeto da rota romântica, isto é, poder-se-ia
58
Mapa do município, de 1997, no anexo 8.
116
passar por Santa Maria do Herval para ir a Gramado. Até o momento, porém, o asfaltamento
ainda não foi concluído.
59
O município conta com três festas municipais, nas quais toda a comunidade se engaja,
sendo tema de discussão e explicação nas escolas. Percebe-se que são momentos culminantes
na vida social no município. A “Kartoffelfest” (Festa da Batata) é a principal festa do
município, realizada anualmente no segundo e terceiro finais de semana do mês de maio.
Juntamente com essa festa é comemorado o aniversário do município.
Presenciei, na escola, atividades relacionadas com a história do município, como uma
palestra, feita pelo professor historiador citado anteriormente. Observei, também que o
próprio município organiza meios de transporte para levar as crianças da escola para a festa
em uma determinada tarde durante a semana.
O “Kerb” é considerado uma festa tipicamente germânica, realizada sempre no
terceiro fim de semana do mês de outubro. Sua origem se deve ao aniversário da igreja e é
geralmente comemorada nas famílias, isto é, vai-se à igreja e depois se festeja em casa. A
“Festa do Colono” ocorre no mês de julho e é em homenagem aos agricultores do município,
que hoje é o maior produtor de Batata do Estado, com lavoura não mecanizada, tipo artesanal.
A escola do presente trabalho não está na sede do município, mas localiza-se no
interior, a 5 km de estrada de chão da sede, em Boa Vista do Herval. É a localidade central e
mais povoada do interior do município. Sua altitude média passa de 700m, daí o nome "Boa
Vista do Herval". O povoamento, segundo Knorst (2003, p. 132),começou em 1870.
Speckhoff (nome da localidade em alemão) provém do fato de que todos iam comprar Speck
(toucinho) no comerciante Hoff.
Boa Vista do Herval foi sede do Distrito de São Leopoldo, Padre Eterno, até 1949,
onde funcionavam a Sub-Prefeitura e Sub-Delegacia, sendo que no porão desta eram
59
Anexo 9: Fotos da região.
117
colocados os infratores da lei. Knorst destaca que na Sub-Prefeitura do Schpeckhoff, o Sub-
Prefeito mais lembrado pelos antigos foi o Sr. Apolônio Costa, famoso por discriminar os
descendentes alemães que não falavam a língua portuguesa.
O povoado de Boa Vista do Herval é formado por duas comunidades: na parte
elevada, a Comunidade Católica e, na parte baixa, a Comunidade Evangélica. Sempre em
torno da igreja e da escola se formava e crescia o povoamento. A escola do presente estudo
localiza-se na parte elevada. Knorst diz, em relação ao valor que a educação tem para a
comunidade, que:
“A educação para a formação humana e cristã e o aprendizado da leitura e
escrita, de cálculos matemáticos e da religião dos filhos sempre foi uma das
prioridades das famílias de imigrantes alemães”. (Knorst, 2003, p. 86)
Todo ensino na região era ministrado em alemão até ser proibido pelo governo, em
conseqüência da 2
a
Guerra Mundial e da nacionalização do ensino em 1938, quando as escolas
paroquiais foram fechadas e foram criados os grupos escolares. Knorst exemplifica a
proibição do alemão com o fato de a frase: "Maria, mit dem Kinde lieb, uns allen deinen
Segen gibt (Maria, com teu filho querido, abençoa a todos nós), escrita na boda da Igreja
Matriz do Herval em alemão, precisou ser apagada por ordem do governo.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Castelo Branco
60
, na qual foram gerados
os dados, funciona no prédio da E. E. de Ensino Fundamental Dr. Alberto Schweitzer, que foi
criada em 1947 com a denominação de Escola Rural de Boa Vista do Herval, ao lado do
cemitério evangélico. No dia 10 de março de 1991, foi inaugurado o novo prédio da E. E. de
Ensino Fundamental Dr. Alberto Schweitzer, na parte elevada de Boa Vista do Herval, onde
permanece até hoje, atendendo da primeira série, primeira etapa até a série pela manhã e a
Educação de Jovens e Adultos (EJA) à noite.
Os principais dados oficiais obtidos em relação à escola me foram fornecidos pela
diretora. Ela atua na direção desde julho de 2003. É nascida em Campo Bom, mas os pais são
60
O uso do nome original da escola na pesquisa me foi autorizado pela direção.
118
da localidade e, desde os dois meses de idade, mora em Boa Vista do Herval. É formada em
Pedagogia e está fazendo um curso de especialização em administração escolar.
Durante a entrevista com a diretora, no dia 12 de julho de 2004, surgiu o aspecto de
ela, no Ensino Médio, ter estudado alemão e não ter gostado. Ao perguntar as razões, ela disse
que se atrapalhava. Interpelei, então, dizendo que eu a tinha visto falando alemão
normalmente. Então ela explica: “Sim, mas e ele (o professor de alemão) cobrava o padrão.
Até pra ir ao banheiro. Se pedia errado tu não ia ao banheiro. era meio complicado... E
assim, também, eu tinha bastante dificuldade pra escrever o alemão gramatical. Então ele
sempre me dava tema separado e aquilo saturava, sabe.”
Percebe-se, nesse relato, uma experiência negativa em relação à aprendizagem do
alemão padrão. Observa-se, a partir do que diz a diretora, que ela sentiu uma grande
frustração em relação ao alemão, pois tudo que acreditava saber, não estava sendo “validado”
pelo professor. São histórias de vida que influenciam, de alguma forma, a postura das pessoas,
em seus distintos papéis na comunidade escolar.
O funcionamento da Escola Municipal de Ensino Fundamental Castelo Branco no
prédio da escola estadual ocorre desde 9 de agosto de 2003. Anteriormente ela funcionava em
uma pequena sede ao lado da igreja católica em Boa Vista do Herval. Desde 1986 ela
funcionava como escola de 1º Grau incompleto, isto é, até a 5ª série. A partir da mudança para
o prédio da escola estadual, ela passou a funcionar até a Série, sendo que a primeira série,
primeira etapa só foi instituída em 2004, turma observada neste trabalho.
Essa escola municipal tem como característica ser a que absorve as crianças que
provêm de escolas com classes multisseriadas fechadas no município, e, portanto, ser uma
escola núcleo. Já em 2001, ainda no prédio antigo, recebeu crianças oriundas da Escola
Municipal Theodomiro Porto da Fonseca, também em Boa Vista do Herval, mais
especificamente em Nova Boa Vista, na estrada para o Alto Padre Eterno.
119
Antes da transferência, porém, da escola municipal para o prédio da escola estadual,
no primeiro semestre de 2003, ocorreu, segundo a diretora, que participou ativamente do
processo, o fechamento de outras escolas com classes multisseriadas. As comunidades das
respectivas escolas que seriam fechadas, segundo a diretora, apresentaram muita resistência.
A administração municipal fez, então, um acordo: transformaria o prédio em que funcionava a
escola em uma sede cultural. Os alunos também são buscados em suas localidades de origem
pelo transporte escolar municipal, feito através de ônibus e kombis.
As escolas de classes multisseriadas fechadas são: E.M.E.F Professor João Klauck, de
Alto Morro dos Bugres, E.M.E.F. Padre José Scholl, de Alto Padre Eterno e E.M.E.F. Bento
Gonçalves de Linha Marcondes. Na turma observada neste trabalho, coincidentemente, havia
crianças oriundas de todas as comunidades cujas escolas foram fechadas. A mãe do aluno
Luiz, inclusive, na reunião dos pais, comentou que morava em frente à escola fechada e que
era difícil para ela ter de mandar o filho tão longe.
Atualmente a escola atende, principalmente, às comunidades de Linha Marcondes,
Canto Becker, Alto Morro dos Bugres, Baixo Morro dos Bugres, Nova Renânia, Alto Padre
Eterno e Boa Vista do Herval, ou seja, crianças de sete comunidades.
61
Não restrições
oficiais para a matrícula quanto ao local de moradia, mas segundo a diretora, os pais procuram
as escolas pela proximidade ou facilidade de transporte.
Ainda existem escolas com classes multisseriadas no município, sendo que a escola do
presente estudo recebe também, geralmente na 5ª série, crianças oriundas deste tipo de
escolas. No momento da realização deste estudo (1º semestre de 2004), crianças da
E.M.E.F. Maurício Cardoso, de Padre Eterno Baixo, e da E.M.E.F. Amizade, da Vila
Amizade. Além dessas existem, ainda, outras três escolas com classes multisseriadas, em uma
a professora atende a 1ª e a 2ª séries e na outra, a 3ª e a 4ª série.
61
Para melhor compreensão da localização, ver mapa no anexo 8.
120
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Castelo Branco tem em seu quadro de
funcionários 12 professores, uma bibliotecária, uma diretora, duas merendeiras e duas
faxineiras, todos funcionários municipais. Entre os professores há três que provêm das escolas
fechadas.
Funcionando em regime seriado, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Castelo
Branco tem, a partir do primeiro semestre de 2004, nove turmas, com o número total de 194
alunos no momento do presente estudo, distribuídos da seguinte forma:
Tabela 4. Número de alunos, turmas e séries da E.M.E.F. Castelo Branco.
Série Número de alunos Série Número de alunos
1ª série, primeira etapa
18 5ª série 24
1ª série, segunda etapa
22 6ª série 20
2ª série 19 7ª série 24
3ª série 26 8ª série 15
4ª série 26
TOTAL:
194
Segundo a diretora, não há mais de uma turma por série devido à falta de salas de aula.
As salas disponíveis, também, não comportam mais de 25 alunos adequadamente. Esta escola é
semelhante, quanto ao número de alunos, às demais escolas-núcleo do município.
3.2.1 Participantes do estudo
O foco do estudo será a interação entre os alunos da primeira série, primeira etapa, e a
professora da classe. As outras interações observadas com o professor de Educação Física e
com a professora da biblioteca, com dito anteriormente, servirão apenas para título de
triangulação.
A identificação dos participantes alunos será feita por um nome próprio, pseudônimo,
com o objetivo principal de preservar a identidade. Schegloff (1999, p. 565) também sugere
essa prática em detrimento da classificação dos participantes na interação em categorias
sociais, de identidades do discurso (interrogador / respondedor) ou de papéis profissionais que
121
desempenham. Ele justifica sua posição, por considerar a prática de identificação dos
participantes em categorias um empecilho para a análise do que está acontecendo realmente
na interação, levando a acionar conhecimentos, com base no senso comum, que podem não
ser relevantes e atrapalhar a análise. Ele exemplifica dizendo que em uma consulta médica,
nem tudo o que acontece no consultório tem a ver estritamente com o fato de o médico estar
exercendo o papel de “médico” e o paciente de “paciente”.
Segundo Garcez (2002 a), a identificação dos falantes é, muitas vezes, atribuída pelo
analista, que privilegia uma determinada categoria identitária, geralmente seguindo critérios
de seu interesse analítico, sem considerar que essas escolhas estão sendo feitas e, que,
portanto, trata-se de interpretação analítica.
Embora Schegloff (op cit) sugira não classificar os participantes da interação em
categorias, ele mesmo diz que, dependendo do objetivo da análise, ele também usou
categorias, algumas vezes relacionadas à seqüência da interação e outras a ocupações,
profissões, etc.
A partir dessas reflexões, decidi denominar a professora da classe de “Rose” nas
transcrições. Na análise de assimetria, do uso da alternância de código como um recurso
pedagógico e para diferenciar a interação professor x aluno(s) da interação aluno(s) x
aluno(s), eu a identifico como professora. Há, também, a necessidade de identificar os alunos
quanto ao domínio da língua que apresentam ao iniciarem o semestre letivo, pois é relevante
para a análise da interação, do uso das línguas e para a verificação de como o curso das
interações transcorre.
Outro aspecto a ser considerado para a análise da interação é o fato de três alunos,
Bruna, Ana e André, já terem freqüentado a pré-escola
62
no ano anterior e a estarem
62
A pré-escola que freqüentaram pertencia à escola estadual e não tinha como preocupação primordial a
alfabetização.
122
repetindo, por não terem a idade mínima exigida para o ingresso na primeira série segunda
etapa e por não estarem totalmente alfabetizados.
63
Discriminar a participante “professora tem como objetivo, portanto, analisar a
tomada de turnos, pois segundo Schegloff (op cit), igual participação não significa que a
tomada de turnos seja simétrica. No presente trabalho, portanto, as categorias entre os alunos
quanto ao domínio de língua serão amenizadas através dos pseudônimos.
As formas institucionais da fala em interação, segundo Garcez (2002 b, p. 54), exibem
uma organização modificada e peculiar com relação à matriz organizacional pela qual se
pauta a conversa cotidiana. Ele argumenta que tal distinção é relevante para a compreensão do
uso da linguagem e análise da fala-em-interação em situações institucionais e para o estudo da
competência comunicativa e social.
Quanto ao discurso de sala de aula, Garcez (2002, p. 56) diz haver uma distinção em
relação à conversa cotidiana. Os participantes demonstram que é um ritual de sala de aula.
Segundo ele, com freqüência, os encontros institucionais são organizados sob um formato
padrão ligado a certas tarefas, ainda que estes formatos, muitas vezes interajam com rotinas
que são geridas no momento e local da interação, isto é, não se refere tanto ao espaço físico,
mas sim à seqüência organizacional dos turnos, típica para uma conversa institucional. Se não
forem seguidas certas regras, uma percepção de desvio do que se considera adequado
naquela interação.
A partir disso, julgo ser mais uma razão para identificar a professora não por um
pseudônimo, mas sim como “professora”, pois diferença na organização da tomada de
turno e pode-se também analisar melhor os eventos de caráter menos ou mais institucionais.
A professora da turma era nova na escola e pela primeira vez estava trabalhando com
primeira série, primeira etapa. Ela é concursada pela prefeitura e trabalhou durante muitos
63
Explicação obtida com a diretora da escola.
123
anos na creche municipal no centro de Santa Maria do Herval, perto de sua casa. É natural do
interior de Santa Maria do Herval e aprendeu primeiro o alemão e depois o português. Com
sua filha e marido o alemão é, não só, mas também língua de interação.
Ela é formada em magistério e está cursando o quarto semestre de Pedagogia. Para ela,
a experiência com a primeira série está sendo um novo desafio. Em função disso, todas as
segundas-feiras, durante a Educação Física das crianças, ela tinha um momento de troca de
idéias e orientação com a diretora, que já tinha mais experiência com as séries iniciais.
Percebi, na primeira reunião que a professora fez com os pais, no dia 27 de março,
sábado à tarde, que ela procurava se colocar como pertencente à comunidade dos pais,
sensível às suas necessidades, mesmo desempenhando o papel de professora de seus filhos.
Ao iniciar a reunião e explicar como funciona a rotina, ela começa a falar em português.
Interrompe, porém, sua fala e pergunta se deve falar alemão. A partir de então ele alterna os
códigos e percebe-se, por parte dos pais, mais interrupções para esclarecimentos durante a fala
da professora quando usa alternância do que anteriormente, isto é, a participação dos pais
aumenta. A maioria dos pais só falou em alemão na reunião.
Outro aspecto interessante é a preocupação da professora em relação à adaptação das
crianças. Ela explica aos pais que é uma primeira experiência e que, mais importante do que
saber fazer os trabalhinhos é aprender a conviver em grupo, com “coleguinhas diferentes”. Ela
diz: ... se hoje eles não conseguem, devem ser valorizados pelo esforço”. Outra observação
pertinente à postura da professora é o que ela diz aos pais em relação ao código: “Às vezes
me esqueço de falar alemão com os que não entendem, então vocês têm que dizer para as
crianças pedir
64
de novo”.
Esse é um foco de observação do presente trabalho: analisar como o uso dos códigos
ocorre, se é uma forma de ajuda e se realmente seu discurso condiz com sua prática.
64
É comum o uso de “pedir” com o sentido de “perguntar”.
124
Das 18 crianças participantes do estudo, duas o nasceram na região: uma menina,
Marta, e um menino, José. Essas duas crianças também são as únicas na turma que não falam
alemão. Marta veio de Três Passos. O pai de Marta sabe alemão, mas a mãe não. Por isso, a
língua de interação em casa é o português. O pai inclusive comentou na entrevista que, às
vezes, ela vem com alguma palavra em alemão que ouviu na escola e quer saber o significado.
José nasceu em Canela e é criado pelos avós maternos, que não sabem alemão. O pai sabe
alemão, mas a convivência é rara.
Das outras 16 crianças, três não sabiam português ao ingressarem na escola e 13 falam
português e alemão. Apenas duas crianças moram no centro da localidade de Boa Vista do
Herval,
65
onde se localiza a escola. Todas as outras vêm com transporte escolar. A idade
média das crianças é de seis anos completos ou a serem completados no ano em curso (2004),
conforme tabela abaixo. Nas primeiras duas observações havia mais uma menina, que era a
mais nova da turma, que chorava muito
66
. Embora a professora procurasse lhe dar atenção
redobrada, ela no seu papel de professora, como mesmo declarou segundo meu diário de
campo
67
, precisa dar atenção a todos, pois para todos é um início diferente e difícil. Na minha
terceira observação perguntei pela menina e a professora disse que ela iria voltar no próximo
ano, pois ainda era muito pequena.
68
Tabela 5. Ordem cronologia da faixa etária das crianças
Ordem cronológica da faixa etária das crianças
Sandra
Davi
Ana
José
André
Jamile
Marcos
Vasco
Joana
Bruna
Carlos
Carol
Jaques
07/97
09/97
10/97
01/98
02/98
03/98
03/98
03/98
04/98
04/98
05/98
05/98
06/98
65
Vila localizada a cinco km do centro da cidade de Santa Maria do Herval.
66
Outro menino (Luiz) também chorou.
67
Do dia 01.03.2004
68
Diário de campo do dia 08.03.2004.
125
Tabela 6. Línguas dos alunos
alemão alemão e português
Luiz
Davi
Marcos
Carlos
Joana
Miltom
Ana
Sandra
André
Vasco
Rita
Jaques
Bruna
126
4 UMA VISÃO MICROANALÍTICA DA INTERAÇÃO COM PRESENÇA DE
ALTERNÂNCIA DE CÓDIGO
Para chegar a uma análise das interações nos eventos, procurei, seguindo as
orientações de Erickson e Schulz (2002), explicitadas no capítulo três, primeiramente, olhar as
atividades que compunham o dia-a-dia das crianças em aula e estavam registradas em vídeo.
À medida que assistia aos vídeos, fiz uma tabela com algumas observações, que me ajudaram
a definir, posteriormente, quais os tipos de ocasiões que seriam observados mais
detalhadamente.
Nesta tabela registrei as atividades presentes em cada vídeo de forma cronométrica,
apontando-as em minutos e segundos. Simultaneamente fiz algumas observações,
principalmente em relação ao que estava acontecendo quanto ao uso do alemão e a reação dos
co-participantes da ação em curso.
Percebi que, em alguns momentos, a professora respondia e atendia em alemão, não
as crianças cuja língua predominante é o alemão, mas também as que sabiam bem o
português. Em outros ela respondia em português e, se o aluno insistisse no alemão, ela
mudava de código. Essa é uma descrição bem superficial das primeiras observações, mas que
começa a delinear o que a pesquisa busca: verificar o que está acontecendo em termos de ação
através da língua quando ocorre ou é evitada a alternância de código.
A partir da análise das observações feitas neste primeiro momento, começa a se
delinear a resposta para uma questão do estudo: Em que eventos ocorre a alternância de
127
código e entre quem. Para isso julgo ser importante, também, a identificação dos participantes
de cada atividade.
Apresento, abaixo, uma tabela das ocorrências da alternância de código, porém, sem
o objetivo de quantificá-las, mas prioritariamente de constatar se elas ocorrem e entre quem,
como já dito acima.
Tabela 7. Atividades em que ocorre alternância de código.
Ocorrência de alternância de código (português x alemão ou vice-versa)
Professor(a) x alunos Alunos x alunos
Atividade
sim não sim não
a) entrada das crianças em sala para
guardar a mochila;
x x
b) aula de Educação Física;
x x
c) beber água antes de voltar para a sala;
x x
d) rodinha inicial;
x x
e) brincadeira;
x x
f) hora do lanche;
x x
g) hora da higiene bucal;
x x
h) brincadeira livre no pátio (recreio);
x
i) trabalho nas mesas;
x x
j) rodinha final;
x x
k) fila para saída da aula.
x x
i) Hora da Biblioteca
x x
Verifica-se, portanto, que ocorre alternância em todas as atividades em que a
professora de série atua e na hora da biblioteca. Da mesma forma verifica-se que a alternância
está presente nas interações entre os alunos em todas as atividades. Considero para a análise a
alternância do alemão para o português, pois a língua instituída como oficial na interação
escolar é o português. Analiso, porém, a correspondência que as falas em alemão recebem isto
é, se são correspondidos em alemão, em português, ignorados ou criticados. Toda vez,
128
portanto, em que for falado em turno com alternância, sem especificar que é para o português,
subentende-se do português para o alemão.
Logo no primeiro dia de observação, que não gravei em vídeo, apenas em áudio
69
,
ocorreu algo muito interessante no início da aula de Educação Física, às 13h e 10 min. Está
um dia muito quente e a aula é dada em uma quadra de cimento no sol. O segmento transcrito
abaixo pertence aos primeiros momentos de observação e, portanto, de contato com os alunos,
pois a primeira atividade de segunda-feira á tarde é a aula de Educação Física.
Eu sentei perto da quadra para observar e tentar gravar a aula. Alguns alunos,
achando que eu tinha água, vieram em minha direção. Como pode se perceber logo na linha
01, a aluna Sandra se dirige a mim em alemão, como se isso fosse algo natural. Identifico-me,
no segmento abaixo, na participação da interação, como pesquisadora.
Segmento 3: Transcrição da fita. 26.02.2004. [duração: 00:01:43]
01 Sandra (Deine) Noma?
(Teu) nome?
02 Pesq Ich? (.) Carmen.
Eu? Carmen.
03 (0,2)
04 Sandra (Hoscht keen Wassa?)
(Tu não tens água?)
05 Pesq Kein Wasser, nein.
Nada de água, não
06 Sandra ?
07 (0,1)
08 Pesq Kein Wasser, né?
Nada de água, né?
09 Sandra o, (ich) will Wasser hon.
Não, eu quero água.
10 Pesq. Willst du Wasser? (.) Aber der Professor lässt nicht.
Queres água? Mas o professor não permite.
11 (0,2)
12 Pesq. Willst du Wasser ham?
Queres água?
13 (0,2)
14 Pesq Nachher.
Depois.
15 (0,3)
16 Sandra Es is hei::β
ββ
β.
Está quente
69
Conforme explicado na subseção 3.1.
129
17 (0,2)
18 Pesq °Es is heiβ
ββ
β
Está quente.
19 (0,3)
20 Pesq Ihr misst dot spie::la.
Vocês têm de brincar lá.
21 Sandra Wa::s?
O quê?
22 Pesq Spiela dot. Fussball spiela.
Jogar lá. Jogar futebol.
23 Sandra °ahã°. ( ) (wie ) tust du net richtig varzähla?
( ) (Como) que tu não conversas direito?
24 (0,2)
25 Sandra ?
26 Pesq Ich? >Kann net richtig< verzähla?
Eu? Não sei conversar direito?
27 Sandra (na)
28 Pesq Ne::?
Não?
29 (0,2)
30 Pesq Und- e português tu fala?
E
31 (0,1)
32 Pesq Fala?
33 Sandra Deut::sch
Alemão
33 Pesq Deutsch? (.) E português?
Alemão?
34 (0,5)
35 Pesq Wie heiβ
ββ
βt du noch? (.) Wie ist dein Na[me?
Como tu te chamas? Como é teu nome?
36 Sandra [Sandra Knorst.
37 Pesq Sandra::?
38 ( ?) ( ?)
39 Pesq Und du?
E tu?
40 Doris °Doris°
41 Pesq Wie?
Como?
42 Doris Do::ri::s.
43 (0,1)
44 Pesq Doris, ahã::
45 (0,2)
46 Pesq Ahã::
47 (0,1)
48 Pesq Und du?
E tu?
49 Davi Davi.
50 Pesq A:: Davi::
51 (0,2)
52 Pesq Und du?
E tu?
53 Miltom °Miltom Schmitz°
54 Pesq Miltom::?
55 Miltom Schmitz
130
56 (0,2)
57 Pesq Ahã. (.) Spielst du kein Fussball, Miltom?
Tu não jogas futebol, Miltom?
58 (0,1)
59 Pesq Ne?
Não?
60 Miltom Ich (ruha) bisschen.
Eu (estou descansando) um pouco.
61 Pesq [Hã?
62 Sandra [(Du kannscht) net richtig varzehla wie ich.
(sabes) não conversar direito como eu.
63 (0,1)
64 Pesq Nee::, ich kann net richtig °verzehla.°
Não, eu não sei conversar direito.
65 Sandra Für was?
Por quê?
66 Pesq Ich verzehle ein bisschen anders.
Eu converso um pouco diferente.
67 Sandra .
68 Pesq Aber kannst du mich verstehn?
Mas tu consegues me entender?
69 (0,1)
70 Pesq Ja? (.) Dann is es gut.[Hã?
Sim? Então tá bom.
71 Sandra [Ein bisscha net.
Um pouco não.
72 Pesq Ein bisscha net? (.) Hãhã?
Um pouco não?
Como eu falo alemão padrão, procurei interagir em alemão e, à medida que a interação
avançava, aproximar o meu alemão à variedade falada por Sandra. Fui surpreendida com a
observação de Sandra na linha 23, quando ela me questiona sobre o fato de eu não saber falar
adequadamente. Eu parecia não querer compreender a colocação dela, isto é, não crê no que
eu estava ouvindo, pois, visto que eu sou professora de alemão, como eu não saberia falar em
alemão? Essa surpresa está expressa no reparo que faço na linha 26 e novamente na linha 28,
após ter recebido uma resposta negativa, isto é, Sandra reitera sua posição.
Procuro, então, seguir a interação, perguntando pelos nomes dela e dos outros alunos
presentes, mas qual a minha surpresa? Na linha 62, Sandra volta a insistir que eu não sei
conversar em alemão adequadamente e eu digo-lhe na linha 63 que falo de uma forma
diferente. Ela aceita a minha explicação na linha 64.
131
Isso me fez refletir sobre o valor e o prestígio que a variedade de alemão que a
comunidade fala tem para os membros da comunidade. Para Sandra, o modo como as pessoas
de sua comunidade falam alemão é o correto. Ela ainda as outras maneiras, a minha, por
exemplo, como uma “fala com problemas”. Percebe-se nesse episódio, que as crianças,
mesmo sabendo que na escola é falado o português, ainda usam a variedade do lar e essa tem
prestígio entre eles. Se alunos, como Sandra, forem introduzidos na escola por uma pedagogia
culturalmente sensível, eles manterão sua auto-estima, sua identidade o que, conforme
proponho no presente trabalho, contribuirá para o seu sucesso escolar.
na aula de Educação Física não ocorre alternância por parte do professor com os
alunos, pois ele não fala nem entende alemão. Há, nessa aula, muitos momentos em que as
crianças explicam umas para as outras o que o professor está querendo. Embora a aula de
Educação Física não seja foco de análise, é importante observar que as falas do professor não
são somente explicadas para as crianças que não sabem português, mas também para outras
quando os colegas percebem que elas não entenderam. Parece-me, principalmente por parte
dos três alunos que já freqüentaram a pré-escola no ano anterior, que, como eles conhecem
alguns procedimentos e rituais, sentem-se responsáveis por ajudar os que estão iniciando.
As aulas tinham uma estrutura rotineira. A professora inclusive se manifestou
espontaneamente a respeito da rotina, no dia 17 de maio (10ª observação), conforme anotei
nas notas de campo: “Gosto de rotina, para que eles se acostumem aos diversos ritos de aula,
para que eles sabem: agora é hora disso, depois daquilo”.
As aulas na segunda-feira eram compostas por momentos que podem ser facilmente
detectados e que chamarei de atividades da aula
70
, pois estão subdivididos em eventos
detectáveis, constituídos por mudança de enquadres, conforme Goffman (2002, p.113). São
eles: a) entrada das crianças em sala para guardar a mochila; b) aula de Educação Física; c)
70
Serão especificadas apenas as atividades de aula enfocadas no trabalho
132
beber água antes de voltar para a sala; d) rodinha inicial; e) brincadeira; f) hora do lanche; g)
hora da higiene bucal; h) brincadeira livre no pátio (recreio); i) trabalho nas mesas; j) rodinha
final; k) fila para saída da aula. Nem todas as tardes de segunda-feira ocorreram, porém, do
mesmo modo.
Para prosseguir a análise, selecionei, então, duas atividades, hora da rodinha inicial e
o início do trabalho nas mesas
71
para observar como a interação é co-construída,
principalmente quando ocorre a alternância de código. Decidi, a partir da identificação desses
momentos específicos, revê-los para fazer uma análise mais “micro” (Erickson e Schulz,
2002) das estruturas que compõem os segmentos selecionados.
A primeira atividade observada é a “hora da rodinha inicial”. Não a chamarei de
evento de letramento, pois não configura um evento único, como já mencionado no capítulo 3,
subseção 3.1.1. mudanças observáveis das estruturas participativas, do alinhamento e do
tópico dentro desta atividade que constituem eventos, ora de interação mais dirigida, como a
chamada, a oração e a historinha, ora menos dirigida, mas que segue certo ritual, como o
momento em que os alunos relatam algo sobre o fim de semana.
Esses eventos, por sua vez, são moldados pelas práticas de letramento, que estão
determinadas pelas condições efetivas de uso da escrita, podendo esse uso ser mais
diretamente identificável, como por exemplo, a leitura da historinha ou menos, como a hora
de contar sobre as atividades do fim de semana. Os eventos de letramento mudam, conforme
mudam essas condições (Kleiman, 2001). Os alunos participam de momentos que
possibilitam maior interação e interrupções para questionamentos e perguntas, havendo uma
co-construção da interação, e momentos em que a professora conduz, com mais assimetria o
fluxo da interação.
71
Conforme explicitado na subseção 3.1.1.
133
Mesmo tendo organização parecida a cada dia, a “hora da rodinha inicial” não é
sempre constituída dos mesmos eventos. No entanto, há eventos constantes na “hora da
rodinha inicial”: oração, chamada, momento de falar sobre si, historinha contada pela
professora ou por um(a) aluno(a) (sendo que, em alguns dias, este último passou para a “hora
da rodinha final”). Considero, em todas as observações, como encerramento da “hora da
rodinha inicial”, o momento em que a professora introduz uma brincadeira, um jogo ou
organiza e prepara as crianças para o lanche.
Na atividade “trabalho nas mesas”, por sua vez, identificam-se quatro eventos
principais, delimitados, principalmente pela estrutura social da interação (Barton e Hamilton,
2000). No primeiro evento, a professora explica a atividade a ser desenvolvida. No segundo
os alunos trabalham nas mesas, às vezes em grupos e outras individualmente e a professora
monitora e assessora. No terceiro momento o aluno submete seu trabalho para a aprovação e
comentário da professora. Se ela permitir, ele pode, então, brincar no tapete com os colegas e
os brinquedos disponíveis em sala, o que configura o quarto momento, até que a professora
encerre a atividade com todos, geralmente chamando-os para a “rodinha final”.
Procurando ater-me aos estágios de análise propostos por Erickson e Schulz (2002),
especificados na seção 3.1.1 deste trabalho, passei a localizar na atividade “hora da rodinha
inicial” os momentos de início e fim de eventos que a constituem, bem como as articulações
presentes para passar de um evento para outro. Essa localização foi feita em forma de tabela,
com descrição mais específica do que marcava a transição, bem como o início e fim dos
eventos. Na tabela consta a localização cronométrica em minutos e segundos e a especificação
em tópicos do que foi observado.
Ao mesmo tempo, fui demarcando, na mesma tabela, os momentos em que ocorria a
alternância de código, entre quem, e fazendo uma descrição superficial do que estava
acontecendo em torno da alternância. Realizei esse processo com seis das dezoito atividades
134
da “hora da rodinha inicial”, fazendo a transcrição das falas de alguns momentos, para olhar
mais especificamente o que exatamente estava acontecendo.
Percebi, então, que havia “coisas intuitivamente maiores” (Erickson e Schultz, 2002,
p.231) acontecendo como, por exemplo, o modo como a professora inicia cada atividade, se
ela atende ou não alunos que não reconhecem o evento em curso, isto é, se suspensão do
tópico ou suspensão do piso
72
e realinhamento das estruturas de participação. Segundo
Erickson e Schultz (2002, p.217), crianças e adultos devem saber quais formas de
comportamento verbal e não-verbal são apropriadas em cada contexto social. Em geral, os
professores esperam esse reconhecimento por parte dos alunos e, quando não ocorre, muitas
vezes é razão de conflito. De semelhante modo, no presente trabalho pode ser analisado o uso
do alemão em sala de aula, ambiente onde a língua de interação deveria ser o português.
Outro aspecto observado é como é feita a transição de um evento para o outro, isto é,
como a professora sinaliza a mudança, quais são as pistas de contextualização presentes para
que todos percebam o início de outro evento. A partir disso, concentrei-me em buscá-las e
descrevê-las mais detalhadamente nos dados gerados na atividade “hora da rodinha inicial”,
transcrevendo algumas transições dos dias pré-selecionados como foco de transcrição, já
explicitado no capítulo 3, subseção 3.1.1. A análise dessas transcrições será apresentada mais
adiante, neste capítulo.
A partir da tabela dos dados totais em vídeo com observações e da tabela da
localização dos momentos de transição e de algumas alternâncias, foram selecionados, então,
os dias cujas interações foram transcritas, como mencionado anteriormente, no capítulo 3,
deste trabalho. Todas as ocorrências de alternância nos dias selecionados, tanto na HRI como
72
Segundo Schultz, Florio e Erickson (1985, p.26), “Um comentário coletivo ou de algum participante é
sobreposto em relação à observação de falante primário, durante o qual o piso conversacional em curso pode ser
suspenso... O falante primário pode ou não participar e pode ou não retomar o piso que foi suspenso. ... Em
alguns casos o tópico anterior pode ser abandonado e uma nova conversa continua seu fluxo”.
135
no TBM foram transcritas.. Algumas transcrições serão usadas mais vezes, sendo analisado
um aspecto em cada momento.
Além disso, foram transcritas interações pertinentes para a análise de transições de
eventos e de ocorrência da estrutura tripartite IRA (Iniciação Resposta- Avaliação) ou IRF
(Iniciação Resposta Feedback), (Cazden, 2001, p. 31). A autora denomina essa estrutura
interacional de “fala
73
da aula tradicional".
4.1. Transições de um evento para outro dentro das atividades.
As reflexões sobre como definir evento e a decisão em optar por dividir o que está
acontecendo em sala de aula em atividades e essas em eventos apóiam-se nos conceitos
teóricos de evento (Garcez e Ostermann, 2002), estruturas participativas (Philips, 2002,
Schultz, Florio e Erickson, 1982), enquadre e alinhamento (Goffman, 2002) e pistas de
contextualização (Gumperz, 1982), a partir dos quais será procedida a análise de alguns
excertos transcritos nos dados gerados. A análise dos tipos de estruturas participativas será
calcada nas concepções teóricas desenvolvidas por Schultz, Florio e Erickson (1982, p. 24 a
27), explicitadas no capítulo 3, subseção 3.3.
O segmento analisado a seguir é retirado da primeira gravação em vídeo realizada na
classe. Os alunos estão iniciando a sua segunda semana de aula. A aula ocorre no turno da
tarde e os alunos entram às 13h. No primeiro período têm Educação Física e o segmento
abaixo corresponde à volta para a sala de aula e início das atividades com a professora da
classe. Professora e alunos pegam as cadeiras e sentam-se em círculo. A professora ainda
atende alguns alunos individualmente, fecha a porta e, antes de sentar definitivamente, dirige-
se a alguns alunos para que abram a rodinha, caso contrário não conseguiriam se enxergar.
73
Cazden usa “talk”
136
Segmento 4 -HRI- CD 2 – Segmento 2 [01.03.04 – 01:36-03:18]
(01:36)
74
01 Rose >Vamos fazer uma rodinha redondinha,=
02 (.)((ruídos de movimentação das cadeiras e algumas falas))
03 Rose = senão a gente não consegue enxergar todo mundo.<
04 (0,2) ((ruídos e falas baixas entre os alunos))
05 ( ? ) ::
06 Marcos: (he : horch ma ein [bissch]e ( ) ((dirigindo-se a um aluno não
07 identificado))
ei, escuta um pouco
08 Rose. : [eh : : ](( sentando-se))
09 (0,3)
10 Rose.: Antes a gente não : : tinha como fazer a oração, que o professor
11 veio buscar vocês (mas [temos que fazer a oração] tá ? =
12 Marcos: [(oi senta aqui ) ]
13 Rose.: = Alguém quer fazer a oração, de vocês?
14 (0,2)
15 Rose.: Alguém de vocês quer come[çar?]
16 Vasco: [e[u]
17 Sandra: [e[u] ((levantando o dedo))
18 Marcos: [eu]
19 Rose.: T[a, e]ntão pode começar.
20 ( ? ) eu.
21 Sandra: Quem vai começar?
22 Rose.: Tu – Tu disse que queria começar (.) então pode ser . (.)
23 Bruna: Eu :: quero começar ::
24 Rose.: Daí hoje a Sandra vai começar e amanhã pode ser você (.) Tá bom ?
25 (0,1) (( Bruna acena com a cabeça)).
26 Sandra: Que eu tenho que dizer?
27 Rose: Como tu quiser:: (.) O que tu quiser :: rezar.
28 (0,1)
29 ((Bruna sinaliza a vontade de fazer a oração e a professora se
30 dirige a ela))
31 Rose: Tu sabe? Então tu começa.
32 (0,1)
33 Bruna: Eu não sei.
34 Rose: Não sab[e?
35 Ana: [ ( )] (( levantando-se e indo em direção à janela)).
36 ( ? ) [(eu sei)]
37 Rose: En[tão ta ::
38 ( ? ) [ ( eu sei, eu )]
39 Rose: HOJE EU VOU fazer a ora[ÇÃO
40 ( ? ) [Es is he[iβ
ββ
β::
Está quente
41 Rose: [tá, ela já tá abrindo ali.
42 (0,2) ((Davi levanta correndo em direção à janela, bem como
43 várias outras crianças))
44 Rose: Davi :: ( 0,1) Davi ::
45 ((barulhos e falas incompreensíveis))
74
Tempo correspondente à localização da transcrição no CD.
137
46 Ana: Quando eu, eu levanto, os outros tam[bem (levantam)
47 Rose: [eh:: ]
48 (0,2) ((alunos voltam a sentar-se))
49 Marcos: ((estando perto das janelas)) (Eu vou ( )) (Ich hab da)
Eu tenho /fiz algo lá
50 Ana: (die kann schlapp we[rde)
Pode ficar tonta ( do calor)
51 Rose: [Deu?
52 (0,2) ((alunos continuam voltando para os seus lugares))
53 Ana: ( all da rauf run[na)
(Todos de cima para embaixo)
54 [Hh ((risadas))
55 (0,2)
56 ( ? ) >Casinha vai caí< ((referindo-se a uma estante com livrinhos que
57 está no canto da sala e fica em frente da última
58 janela que Marcos tenta abrir))
59 ( ? ) °Que casinha vai [caí ?°
60 Rose: [Deixa essa fechada->essa não dá< pra abrir.
61 (0,1)
62 ( ? ) ( [ )
63 Rose: [Ta, daí eu vou fazer a oração:: depois a gente começa daí,
64 as atividades. (.) Em nome do Pai, do Filho do Espírito Santo,Amém.=
65 San::to an[jo do Senhor,
66 Coro °[jo do Senhor,
Na linha 08 a professora senta-se pronunciando “eh” longamente. Esse sinal pode ser
interpretado na presente interação como uma pista de contextualização, através da qual a
professora procura focar a atenção dos alunos para a atividade que quer iniciar: a oração. Com
a pronúncia longa de “eh”, a professora faz uso de uma pista de contextualização explícita,
segundo Schultz, Florio e Erickson (1982, p.42), pois é uma forma indireta de chamar a
atenção dos alunos para um novo foco.
Anteriormente havia conversas laterais entre os alunos e a professora estava ocupada
com alguns alunos individualmente, o que configura a estrutura participativa tipo IV,
conforme Schultz, Florio e Erickson (1982). Posteriormente a professora conquista o turno
primário e passa a configurar-se uma interação cujas características das estruturas
participativas correspondem ao Tipo II, em que há apenas um falante primário que se dirige a
todos os presentes, devendo haver uma confirmação por parte dos ouvintes através da postura
corporal, de que estão atentos ao que está sendo dito.
138
Na linha 10 a professora explica porque a oração inicial estava sendo realizada
nesse momento e não quando os alunos chegaram à escola. Na mesma fala, ela justifica com
“mas temos que fazer a oração, tá?” o fato de que há rituais em aula que devem ser cumpridos
e aprendidos e que fazem parte dela, mas faz uma mitigação com a pseudo-pergunta “tá?”.
Oferece, então, o turno aos alunos, em que podem manifestar a vontade em fazer a
oração. É interessante observar que na linha 13 ela pergunta e, não obtendo resposta imediata,
pergunta de forma diferente na linha 15 e logo surgem manifestações. Passa-se então à
negociação, linhas 20 a 36, com Sandra e Bruna, pois Sandra não havia compreendido que ela
poderia fazer a oração e Bruna também manifestou vontade, mas parece não saberem o que
rezar.
Na linha 39, a professora retoma o turno e decide fazer a oração, quando o piso é
suspenso (Schultz, Florio e Erickson 1982, p.26) por uma seqüência lateral, linha 40 piso
composto pelo tópico “abrir as janelas” com comentários sobre o calor.
Na linha 63 a professora sobrepõe o seu turno a conversas ainda em curso e retoma o
tópico “oração”, passando imediatamente a fazer o sinal da cruz. Ela resolve a disputa e as
dúvidas das crianças impondo-se como a pessoa que vai fazer a oração. Dessa forma, ela
impõe limites claros ao que está acontecendo. É interessante, também, observar que a maioria
dos alunos apenas se alinha para a ação em curso na quarta sílaba da oração e, mesmo assim,
a professora não os repreende, esperando que todos se acomodem à ação em curso.
A oração é finalizada com o sinal da cruz e a professora passa para o próximo evento
da atividade HRI, segmento 3, linha um. Novamente a professora usa uma pista contextual
explícita “ah::” para que os alunos voltem sua atenção ao novo tópico a ser tratado: o
recolhimento de material, garrafas plásticas e caixinhas, e verificação de quem trouxe o
referido material.
139
Segmento 5 - HRI- CD 2 – Segmento 3 [01.03.04 – 03:36-05:10]
01 Rose: Ãh:: quem trouxe (.) quem trouxe o material?
02 (0,1)
03 (Bruna) E[u
04 [ de casa (.)as garrafas,
05 (0,1)
06 E as caixinhas,(.) alguém trouxe?
07 ( ? ) Eu não.
08 Carlos: °Eu° ((levantando o dedo))
09 Rose: Tu trouxe? ((dirigindo-se a Carlos))
10 ((Carlos levanta da cadeira, alguns alunos levantam o dedo, outros
falam))
11 ( ? ) Eu não, eu não
12 Rose: (então pode ) trazer aqui.
13 (0,3)((há movimentação e falas mistas em torno do tópico ter ou
não trazido o material))
14 (Ana) O que profe?
15 Rose: As garrafas,
16 (0,1)
17 ( Marcos ) ( eu esqu[eci )
18 Rose: [E as ]caixi[nhas.
19 ( ? ) [( ) ]
20 Rose: >Foi tu que me entregou aquelas lá?< ((dirigindo-se a Ana))
21 ((Ana acena positivamente com a cabeça))
22 (0,1)
23 ( ? ) Eu esqueci.
24 (0,2)
25 ( ? ) Profe eu es[queci ( ) ]
26 Rose: [Tá , então pode trazer amanhã, pra gente organizar o
nosso material::
27 (0,3) ((alunos estão alcançando material para a professora))
28 Rose: °Depois a gente coloca ali° (.)
29 Rose: Ou leva ali no cantinho com as outras °garrafas°.
30 Rose: Ali, (.) no cantinho lá. Pode levar. ((devolvendo garrafas para
Doris e Carol, que estavam alcançando o material))
31 (0,3)
32 Ana: Awa, ich hon viel ( geschluckt,wies ja gar nicht wie es geb hat.)
Mas eu (engoli ) bastante, nem sei como consegui .
33 Marcos: (Kriest da von net mehr Fuss,) aich[ hh
(Não pega mais pé ( na água)
34 Rose: [Wer du?
Quem, tu?
35 Ana: Ja.
Sim.
36 ((seguem-se falas em alemão por parte de Bruna com Marcos
e Ana sobre o tópico iniciado por Ana, enquanto a professora
orienta Carol e Doris em relação ao lugar em que devem colocar
as garrafas durante 10 segundos.))
37 Rose: Hast auch mitgebrum?
também trouxeste? ((dirigindo-se a Luiz que estava mexendo na
sua mochila))
38 (0,1)
39 Rose: Das brauchst net hola, °>não precisa pegar<°.
140
Isso não precisa pegar.
40 Rose: TÁ:: A GENTE RE[cebeu ,
41 Bruna: [ ( ) ((em alemão durante 0,6))
42 Rose: [Ah::
43 (0,2) ((algumas crianças ainda não estão sentadas))
44 Rose: A gente vai fazer a chamada,
45 (0,1)
46 Rose: =depois vocês vão contar, o que vocês fizeram no final de
semana.
A pergunta lançada pela professora é interpretada pelos alunos como convite ao turno
e envolvimento na atividade, isto é, eles respondem ou erguem a mão, levantam de seus
lugares e vão buscar o material que trouxeram ( linha 13). Há uma estrutura do tipo VI, isto é,
coexistência de múltiplos pisos conversacionais e sobreposição de falas. Na linha 32 o tópico
comentado por Ana com Marcos, com uso de alternância, se sobrepõe na interação em relação
aos demais pisos conversacionais em andamento concomitantemente. Num enquadre paralelo,
Ana comenta o fato de ter tomado muita água (em um banho de rio ou piscina)
75
e quase ter se
afogado, ao que Marcos concorda que não naquele lugar. A professora, na linha 34, se
alinha ao piso conversacional, e depois volta a se envolver com o recebimento do material,
como pode ser visto na linha 37.
O fluxo da interação das linhas 03 a 39 é bastante assimétrico, por permissão da
professora, contando com a simultaneidade de vários pisos, aos quais a professora em alguns
momentos se alinha ou também não e, portanto, estes correm paralelos. Na linha 40, ela
sinaliza implicitamente, falando em voz alta que quer retomar o turno e, portanto, o
alinhamento dos participantes deve ser modificado. Ela não é atendida, pois algumas crianças
continuam conversando. Na linha 43, ela faz nova tentativa com a pronúncia longa de “ah”,
contextualizando explicitamente que deseja uma mudança no alinhamento dos participantes.
Na linha 44 a professora entra diretamente no novo evento da atividade, mitigando, porém sua
entrada brusca na linha 46, prenunciando (Schegloff, 1995, p. 195) que os alunos terão chance
75
Não é possível descobrir através da interação.
141
de falar, isto é, direito a um turno mais longo, depois da chamada, ao contarem o que fizeram
no final de semana.
Há, portanto, nos segmentos quatro e cinco, a partir do conceito de evento (Garcez e
Ostermann, 2002), três eventos distintos na interação. O primeiro é a oração, composto por
quatro estruturas de participação (Schultz, Florio e Erickson, 1982) a) alunos e professora
sentam-se em círculo, linhas 01 a 07 do segmento dois; b) professora inicia a atividade da
oração e a negociação de quem quer fazê-la, linhas 09 a 36 do segmento dois; c) surge um
tópico encaixado, o calor e a abertura das janelas, fazendo com que o tópico “oração” seja
suspenso, linhas 38 a 57 do segmento dois; d) retomada da oração e realização desta pela
professora, juntamente com os alunos, linhas 58 e 59 do segmento dois.
O segundo evento é o recolhimento do material, no qual podem ser detectadas três
estruturas: a) recolhimento do material, linhas 01 a 31 do segmento três; b) suspensão do
curso da interação e saliência de um tópico paralelo ao qual a professora se alia, linhas 32 a 36
do segmento três e cujo tipo de estrutura participativa, segundo Schultz, Florio e Erickson
(1982, p. 27) é do tipo III B; c) volta à estrutura “recolhimento de material, linhas 37 a 39 do
segmento três. O terceiro evento é a chamada, do qual foi transcrito apenas o início.
Percebe-se nas interações comentadas acima, que a professora apresenta uma postura
receptiva, isto é, aceita comentários, alternância de código e pisos paralelos, sinalizando a
mudança de eventos, primeiramente por pistas contextuais implícitas e, só, posteriormente,
usa pistas contextuais explícitas. Com esse modo de agir, ela voz aos alunos, os ratifica e
respeita os seus turnos, o que está de acordo com a pedagogia culturalmente sensível.
4.2. Eventos com a presença de seqüência interacional tripartite (IRA)
Detectar a presença da estrutura tripartite (IRA) será um critério empregado no
presente trabalho para determinar se o evento analisado é mais ou menos institucional e,
142
portanto, analisar se igual forma de ocorrência da alternância de código ou não e não para
julgar o uso dessa estrutura. Isso não significa que o contexto da interação
76
será ignorado e
apenas a seqüência analisada. O contexto será tratado na perspectiva da Análise da Conversa,
segundo Drew e Heritage (1992, p. 19), como projeto e produto das próprias ações dos
participantes e, portanto, produção inerentemente local transformada a cada momento.
Adoto a postura de Cazden (2001, p. 56) em relação à estrutura de aula tradicional e
não tradicional, que diz que a importância do discurso no esforço em melhorar da escola não
está em decidir que estrutura é melhor, mas em discutir a necessidade dos professores em ter
um repertório de estruturas e estilos de ensino e de eles terem consciência quando um estilo é
mais ou menos apropriado, de acordo com os objetivos a serem alcançados.
O segmento abaixo foi retirado dos dados gerados na hora do trabalho nas mesas. Os
alunos haviam conversado sobre a festa de São João, que ocorreu na escola no sábado
anterior, durante a HRI. Na interação transcrita abaixo, a professora está iniciando a
explicação do trabalho que os alunos devem realizar naquele dia.
O trabalho nas mesas é a atividade em que a sinalização de se tratar de um evento de
letramento está mais presente, pois os alunos manipulam lápis pretos, giz de cera, lápis de cor
e canetinhas e recebem folhas para as tarefas. O material escrevente é colocado em uma
garrafa plástica cortada ao meio e usado coletivamente pelos alunos na mesa, enquanto as
folhas são distribuídas pelo(a) ajudante do dia ou pela professora.
Segmento 6 - TBM- CD 37 – Segmento 1 [28.06.04 – 27:16-29:12]
01 Rose Ó::, aqui (.) tem (.) quantas bandeirinhas=
02 (0,1)
03 Rose =nas folhas de vocês?
04 ( ? ) °uma,duas, três, quatro, [cinco, seis (
05 ( ? ) [se[is-
76
Seguirei para a análise a definição de contexto de Drew & Heritage (1992, p. 18): “O termo “contexto” é
usado aqui para referir-se à configuração local imediata da precedente atividade na qual ocorre a fala e, também,
ao “amplo” ambiente da atividade na qual aquela configuração reconhecidamente ocorre”.
143
06 ( ? ) [seis
07 ( ? ) seis-
08 ( ? ) OI::TO::
09 ( ? ) SE::te::
10 ( ? ) SE[IS-
11 (0,4) ((falas simultâneas dos alunos e da professora))
12 (0,6) ((falas simultâneas, citando números, dos alunos))
13 Rose Pss::t
14 (0,1)
15 Rose NÃO É PRÁ grita::r.(.) Quem falou oi::to, contou ce::rtinho.
16 (0,1)
17 ( ? ) Oi[to
18 ( ? ) [oito
19 (0,1) ((vários alunos dizem “oito”))
20 Rose Quem falou cinco, seis ou sete, não contou direiti::[nho.( )
21 [ ((vários alunos
dizem “oito”))
22 Rose Ó, uma, duas, três(.) quatro, cinco, [seis, sete, oito.]
23 André [°>um, dois, três,]
24 André =quatro, cinco, seis, sete, oito.°<
25 Rose Então aGO::ra vocês podem pint::ar as bandeirinhas,=
26 ( ? ) ( )
27 Rose = >aqui também< pode pinta::r.
28 (0,2) ((alunos já pegam os lápis para começar a pintar))
29 ( ? ) Lui::z
30 Rose Escuta aqui. (.) Eu não expliquei. Pode ir guardando.
31 (0,2) ((alunos que pegaram os lápis guardam-nos novamente))
32 Rose Já que tem °briga° por causa das canetinhas, então eu vou
>°tirar uma< daqui.°
33 (0,2)
34 Rose ::
35 (0,1)
36 Rose Aqui, as bandeirinhas também podem pintar, mas não com uma
cor muito forte, °daí° não aparece mais a letra >que tem dentro.<
37 (0,1)
38 Rose Tá::?
39 (.)
40 Rose E qual é- que que é isso aqui?
41 Coro Fo::go.
42 Rose Fogo?
43 Coro Foguei::ra.
44 Rose Foguei[ra.
45 Bruna [e LEnha.
46 Rose E quando que::, quais as festas que a gente:: bota fogueira?
47 Coro São Jo[ão.
48 Coro [São Jo[ão.
49 Rose [São Joã::o, né?
50 Rose Que que é isso aqui?
51 Coro Lenh[a
52 Coro [Le[nha
53 Rose [Que cor é a lenha?
54 (0,1)
55 Coro Marro::m.
56 Rose E o fo
go?
57 (0,2)
144
58 Coro Verme::lho
59 (0,2) ((falas simultâneas sobre a cor do fogo))
60 Rose Quê?=
61 (.) ((continuam as falas simultâneas dos alunos))
62 Rose Tá um pou[co]
63 ( ? ) [a]zu::l.
64 Rose Tá um pouco misturado.
65 (0,1)
66 Rose Os tons são em amarelo, a- alaranjado(.) um pouco avermelha::do.
67 (0,1)
68 Rose O azul é só no fogão a gás, (.) que a gente enxerga o fogo azu::l.
69 (0,1)
70 Rose só (no fogão a gás), mas é por causa do gás.
71 (.)
72 Rose Assim, quando é com lenha, (ger) o fogo é mais puxado pro amare::lo,
lara::nja, avermelhado, assim, [tá::?
Após a distribuição do material, a professora, na linha 01, contextualiza
implicitamente com um “Ó” prolongado e um turno com micro-pausas, devido à conversa de
alguns alunos, que querem ser falantes primários, para explicar a atividade, lançando em
seguida uma pergunta. A pergunta focalizava diretamente o material que os alunos tinham em
sua frente e, portanto, eles sentiram-se ratificados para alocarem turnos, tanto contando o
número de bandeiras quanto dizendo o número de bandeiras que julgavam estar na folha
(linhas 04 a 12).
A partir da linha 10, configurou-se uma interação com muita sobreposição de falas, a
qual a professora tentou implicitamente organizar, sem sucesso, o que a levou a utilizar uma
pista de contextualização explícita “Pss::t(linha13). Como ela ainda não havia atingido seu
propósito, ser falante primária novamente para fechar a seqüência fazendo uma avaliação das
respostas dos alunos, ela começa a falar mais alto na linha 15, dizendo claramente que não
deveriam gritar, em seguida fornece a resposta correta (linha 15).
Tem-se, portanto, da linha 01 à linha 20 uma seqüência de pergunta por parte da
professora (iniciação), resposta por parte dos alunos (resposta) e uma avaliação positiva na
linha 15 e negativa na linha 20, porém sem nomear o aluno que acertou ou errou. Logo a
seguir, a professora, (linha 25), autoriza os alunos explicitamente a iniciarem o trabalho, mas
145
tem intenção de continuar a explicação, o que é sinalizado quando reprende os alunos que
pegam o material para iniciar o trabalho. . O piso da explicação é suspenso, linha 30, por um
realinhamento da professora, que interrompe sua fala para o grande grupo e se dirige para um
determinado grupo, que iniciou o trabalho e está brigando por causa do material, retirando o
material e sanando dessa forma o conflito, a fim de continuar a explicação na linha 34.
A explicação é iniciada novamente com uma pista de contextualização explícita, a
fala de um “hã” prolongado, para retomar o tópico da explicação na linha 36. Inicia-se nesse
segmento, a partir da linha 40 até 64, uma nova seqüência de perguntas por parte da
professora e respostas em coro por parte dos alunos, conforme exemplificado no excerto
abaixo.
Segmento 6 - TBM- CD 37 – Segmento 1, linhas 53 a 58 [28.06.04 – 27:16-29:12]
53 Rose [Que cor é a lenha?
54 (0,1)
55 Coro Marro::m.
56 Rose E o fogo?
57 (0,2)
58 Coro Verme::lho
As perguntas são típicas pseudoperguntas, pois a professora sabe as respostas, os
alunos sabem disso e fazem o seu papel de tentarem responder corretamente. As perguntas
vão sendo encadeadas para receberem um retorno ou fechamento por parte da professora
(linhas 62 a 72). Com uma explicação final, ela faz o fechamento da seqüência interacional
iniciada na linha 62 e, conseqüentemente, da sua explicação.
Configura-se, portanto, segundo Cazden (2001), nesse segmento, uma interação
mais instrucional, em função das características das seqüências interacionais e mais
institucional (Rech ,1996), por constatar que a professora procura manter o papel de falante e
aos alunos é relegado o papel de ouvintes. Sendo assim, há um alinhamento assimétrico, entre
a professora e alunos, que é imposto por parte dela nesse evento, a explicação do trabalho.
146
Com base na divisão das duas atividades foco de análise (HRI e TBM) em eventos,
como justificado na subseção 3.1.1 e exemplificado na subseção 4.1, e na presença da
estrutura típica de interação em ambiente instrucional (IRA), classifiquei os eventos em mais,
mais ou menos e menos institucionais.
Tabela 8 – Classificação dos eventos em mais, mais ou menos, menos institucionais.
ATIVIDADE
EVENTO
+ + ou - -
HRI Chamada
x
HRI Oração
x
HRI Narrativa sobre o fim de semana
x
HRI Calendário
x
HRI Historinha
x
TBM Explicação
x
TBM Trabalho dos alunos
x
TBM Finalização dos trabalhos
x
Dos oito eventos principais, dois, a chamada e a oração que, são, sua natureza,
predominantemente institucionais, pois se apresentam mais ou menos institucionais, por haver
muita negociação no prenúncio do evento ou um comentário ao seu final, geralmente iniciado
a partir da pergunta de um aluno. Na chamada também ocorrem freqüentes encaixamentos de
tópicos ou turnos de alunos não ratificados, aceitos pela professora. Com uma pista contextual
implícita, como por exemplo, nomear o próximo aluno, procura voltar à chamada, como se
no segmento abaixo:
Segmento 7 - HRI- CD 22– Segmento 2 [26.04.04 – 34:58-36:47]
((Os alunos devem citar uma cor, em vez de dizer “presente” na hora da chamada.))
01 Rose Lui::z
02 Luiz :: hã o vermelho.
03 Rose Onde é que tem vermelho?
04 ((Lucas levanta e aponta o branco na camisa de André))
05 Bruna °°Joana°° , °°Jo[ana°° ]((sussurrando))
06 Rose [Nã::o, ] tem vermelho ali na camisa dele, mas tu=
07 Bruna [°°Joana°°]
08 Rose [= mostrou]branco.
09 (0,1)
10 Rose Do lado do branco, ali, tem vermelho. (.) Ro::t.
vermelho
11 (0,1)
147
12 Luiz ( ° °) ((apontando para o vermelho))
13 Rose Isso. Rot é vermelho, tá?
Vermelho
14 André Que nem tem [(aqui, aqui)
15 Rose [É::, lá também é rot ( ).
vermelho
16 ( ? ) (0,1)((conversas paralelas por parte dos alunos))
17 Rose Rot é vermelho. Rot tu sabe o que que é, né? ( [ )
Vermelho vermelho
18 André [Aqui tem azul
for::te, cin::za.
19 Rose É:: (.) Marcos.
(36:47)
Na linha 14, André toma o turno, procurando explicar para Luiz o que é vermelho.
Na linha 15 a professora ratifica o turno de André, que continua, então, na linha 18,
sobrepondo sua fala à da professora, para definir as outras cores. A professora novamente
aceita a fala de André e chama o próximo aluno - Marcos. A nomeação do próximo aluno é
uma pista de contextualização de que a conversa encaixada na chamada deveria ser encerrada
e a chamada continuaria. Essa pista é compreendida pelos alunos.
Portanto, durante certas atividades, a professora permite maior participação dos
alunos, inclusive permite a interação de Tipo III A, em que todos os participantes alocam
turnos e do tipo III B, em que o tópico em curso na interação é suspenso para observações dos
outros participantes. Segundo Schultz, Florio e Erickson (1982, p. 51), a professora abre a
estrutura da organização social da aula, de forma que é congruente com a forma de agir aceita
em casa, o que configura um aspecto da pedagogia culturalmente sensível.
Percebe-se em muitos momentos de caráter mais institucional e, onde há presença de
assimetria do professor em relação ao aluno, mesmo que implícita, como no segmento
transcrito acima, pois o professor sabe o que é vermelho e o aluno tem de mostrar que
identifica a cor, que o aluno André muda seu alinhamento em relação aos colegas e à
professora. Ele se coloca como superior em relação ao Lucas, ao mostrar na linha 14 o que é
vermelho, e é ratificado pela professora, isto é, ela aceita a mudança de alinhamento do André
148
em relação aos colegas. Em relação a si, ela, sutilmente, ao usar o alemão na linha 17, mostra
que o André sabe, mas é ela inicia o reparo e, para isso, usa a alternância de código, pois Luiz
é um dos alunos que chegou à escola sem falar português.
77
A atitude de André, em colocar-se simetricamente em posição superior aos colegas é
tentada por ele freqüentemente e poucas vezes repreendida pela professora. Na ocorrência de
alternância de código, onde a ão de André é, provavelmente, interpretada pela professora
como ajuda aos colegas, ele não recebe nenhuma advertência, no máximo ela não o ratifica
diretamente, como no segmento abaixo, no TBM.
Segmento 8 - TBM- CD 29– Segmento 3 [31.05.04 – 07:46-08:18]
((Os alunos estão jogando bingo com letras. A professora diz uma letra e, se eles a tiverem na cartela,
deverão colocar um feijão. Cada aluno recebeu uma cartela com seu nome. ))
01 Rose Lui::z, já terminou?
02 (0,2)
03 Rose Por que tu tá falando o tempo todo agora bingo?
04 (0,1)
05 Rose Só quando tu encher letrinhas.
06 (0,2)
07 Rose Onde é que tá a tua fichinha?
08 (0,2)
09 Rose Tem que botar mais perto de ti, (.) senão tu não vai achar °as letrinhas°.
10 (0,1)
11 Rose Bota a fichinha, (.)o teu nome mais perto de ti .
12 (0,1)
13 Rose Do outro lado.
14 (0,1)
15 Rose Mais perto.
16 (0,1)
17 Rose Na tua frente, ali.
18 ( ? ) Assi::m
19 André Far dich dein Noma.
Para ti o teu nome.
20 (0,1) (( professora se aproxima da mesa em que Luiz está sentado))
21 Rose I::sso. Assi::m.
77
Os tipos e a funções de alternância de código serão tratados a seguir, na subseção 4.3.
149
A professora repreende Luiz por ele dizer “bingo” sem ter completado a sua
cartela.Em vários turnos (linhas 07 a 17) ela tenta explicar em português para Luiz como ele
deve jogar e este parece não entender. André está sentado na frente de Luiz e assume uma
posição simetricamente superior em dois aspectos: primeiro, por explicar o que a professora
estava querendo, demonstrando, assim, que dominava a situação; segundo por fazer essa
explicação em alemão, o que coloca Luiz simetricamente em posição inferior, pois o fato de
ele não entender o que a professora disse é interpretado por André como falta de
conhecimento lingüístico.
André, na verdade, havia freqüentado a pré-escola no ano anterior e, de modo que
atribuo a isso a sua postura, pois tanto a professora quanto o professor de Educação Física
aceitam a interferência de André. Eles o vêem como um aluno que não precisa mais se adaptar
às regras e às rotinas.
4.3 Interação com ocorrência de alternância de código
Após uma breve exemplificação de dois aspectos que não podem ser separados na
análise da ocorrência de alternância de código, a localização e transições de eventos e eventos
com a seqüência interacional tripartite, passarei à análise das ocorrências de alternância de
código. O foco principal é verificar se essas alternâncias contribuem ou não para um melhor
acolhimento das crianças e, conseqüentemente, para uma pedagogia culturalmente sensível.
No presente trabalho, foram transcritas e mapeadas todas as ocorrências de
alternâncias de código na “hora da rodinha inicial” e no “trabalho das mesas”, para,
posteriormente, identificar as funções e interpretar o que está acontecendo no momento da
150
alternância.
78
A partir disso, são explicadas detalhadamente transcrições em que se encontram
episódios típicos para cada função relevante das alternâncias de código encontradas.
Para interpretar informações sociais, interacionais, discursivas e outras, sinalizadas
através da alternância de código (Alvarez-Cáccamo, 1990) foram estipulados dois focos de
atenção. Portanto, os critérios para definição de ocorrências relevantes serão basicamente
dois: a) a freqüência do tipo de alternância nos segmentos transcritos; b) as funções da
alternância e código apontadas pelos teóricos abordados no arcabouço teórico do presente
trabalho (Auer, 1984; Gumperz 1982; Bloom e Gumperz, 2002; Poulisse, 1997) resultantes de
estudos anteriores.
O número de turnos que contêm alternância de código foi mapeado nas transcrições,
separados por data e atividade em que ocorreram (HRI ou TBM), conforme tabela anexa.
Procurei, além de verificar o número total, verificar quem iniciava o turno com alternância e,
no caso do início partir de um(a) aluno(a), registrar como e por quem foi correspondido,
conforme tabelas abaixo:
Tabela 9 - Número total de ocorrências de alternância de código na HRI
Total de ocorrências de alternância de código HRI
158
2.Ocorrências de alternância de código iniciadas pela professora
56
3.Total de ocorrências de alternância de código iniciadas pelos alunos
102
Pela professora Pelos alunos
a. correspondidas em alemão 34 18
b. correspondidas em português 31 1
c. ignoradas 10 1
d. criticadas/ rejeitadas 12 -
Tabela 10 - Número total de ocorrências de alternância de código no TBM
Total de ocorrências de alternância de código no TBM
40
2.Ocorrências de alternância de código iniciadas pela professora
7
3.Total de ocorrências de alternância de código iniciadas pelos alunos
33
Pela professora Pelos alunos
a. correspondidas em alemão 16 6
b. correspondidas em português 5 3
c. ignoradas 3 -
d. criticadas/ rejeitadas - -
78
Alguns momentos de ocorrência de alternância entre alunos foram registrados nas transcrições, mas por
questões de inteligibilidade não foram transcritos.
151
A partir das tabelas gerais apresentadas acima, percebe-se que ocorrem muito mais
turnos com alternância na hora da rodinha inicial (158 no total) do que no trabalho nas mesas
(40 no total). Percebe-se, também, que o número de turnos com alternância de código
iniciados pela professora é oito vezes inferior na atividade TBM, com 7 ocorrências, em
relação à atividade HRI, com 56 ocorrências.
Com essa constatação, pode-se verificar que na atividade TBM, de caráter mais
institucional, devido ao alinhamento mais assimétrico da professora (Rech, 1996, Bortoni,
1984, Cajal, 2001) e pela sua preocupação em ensinar algo, com presença mais freqüente da
estrutura tripartite (Cazden, 2001), ela usa predominantemente português. O número de
alternâncias iniciadas pelos alunos também caiu consideravelmente, isto é, para um terço
apenas.
A partir dos dados gerados, foram elaborados dois gráficos para verificar o curso da
correspondência da professora aos turnos com alternância de código iniciados pelos alunos na
HRI e na TBM.
Gráfico 1 – Curso de correspondência às alternâncias pela professora na HRI.
0
2
4
6
8
10
12
14
1/mar
8/mar
15/mar
22/mar
26/abr
24/mai
31/mai
28/jun
19/jul
Alternâncias
correspondidas em
português
Alternâncias
correspondidas em alemão
152
Gráfico 2 – Curso de correspondência às alternâncias pela professora na TBM.
0
2
4
6
8
1/mar
8/mar
15/mar
26/abr
31/mai
28/jun
19/jul
Alterncias
correspondidas
em alemão
Alterncias
correspondidas
em portugs
Tanto no primeiro gráfico, correspondente à HRI, quanto no segundo, correspondente
ao TBM, percebe-se a mesma postura da professora: nos primeiros dias mapeados ela
corresponde mais em alemão, reduzindo a correspondência em alemão a uma ocorrência nos
últimos dias. No que diz respeito à correspondência em português, ocorre o inverso. Percebe-
se que ao longo do semestre ela não deixa de atender aos turnos iniciados em alemão, contudo
passa a correspondê-los em português. Essa mudança por parte da professora pode ser
interpretada como uma estratégia e pedagogia culturalmente sensível: no início se aproxima
mais da língua que os alunos trazem do lar, da língua na qual eles se sentem seguros e que
entendem melhor. Ao longo do semestre introduz gradativamente o português.
No dia 22 de março, aparece um pico na ocorrência da correspondência de
alternâncias de código, o que se deve à primeira entrevista feita pela professora aos alunos
para o presente trabalho
79
. Nas transcrições, pode-se verificar que, se um(a) aluno(a)
demorasse a responder, a professora julgava que ele(a) não estava entendendo, ou queria que
ele(a) falasse mais, correspondia os turnos com alternância e iniciava muitos turnos em
79
Foram realizadas duas entrevistas, conduzidas pela professora, com as mesmas perguntas para todos os alunos.
153
alemão. Percebe-se o uso da alternância de código com a função de manter o curso da
interação (Auer, 1988) e nessa manutenção, mostrar aproximação (Blom e Gumperz, 2002).
Ao analisar as tabelas do número de ocorrências de alternâncias dia após dia, percebe-
se que na atividade TBM as alternâncias ocorrem, primordialmente, no segundo evento e no
terceiro evento, isto é, quando a professora explicou o trabalho, e alunos que não
entenderam ou têm dúvidas em como realizar a tarefa, perguntam em alemão, conforme
segmento a seguir.
Segmento 9 -TBM- CD 4– Segmento 5 [01.03.04 – 08:24-08:36]
01 Marcos (Wie) Was (.) wed , wed dot gemacht?
(Como) O que é , é feito lá?
02 Rose Ja, host net uffgepasst?
Sim, não prestate atenção?
03 (0,2)
04 Rose Ja, (.) musst ( ) mehr spielen, dann wescht du’s net.
Sim, tens que brincar mais, então tu não sabes.
05 (0,4) ((Professora dá pedaços de papel higiênico para cada aluno))
06 Rose Isso aqui::, é pra limpar os dedinhos.
Esse episódio ocorreu na segunda semana de aula, primeira aula filmada. A professora
tinha explicado em português o que fazer com as tintas. Marcos o prestou atenção, pois
ainda entendia pouco português e ocupou-se com os pincéis que estavam sobre a mesa.
Esperou parar a explicação em português, para, então, perguntar em alemão. A professora
reage em alemão, mas o repreende, em vez de retomar a explicação.
Ao contrário da HRI, na atividade do TBM, a professora evita explicar em alemão.
Dos sete turnos iniciados em alemão por ela, quatro são repreensões, porém,
interessantemente, não ocorre nenhum turno de crítica ou rejeição ao uso direto do alemão.
Também não se verifica uma queda no uso da alternância do início da observação (março) em
relação ao fim (julho). No dia 28 de junho não ocorre nenhuma alternância, enquanto que no
dia 19 de julho ocorrem duas iniciadas por Luiz.
154
na atividade HRI, ela faz questão de iniciar turnos com alternância, principalmente
no evento em que as crianças contam o que fizeram em casa no final de semana. Nos dois
primeiros dias, que corresponde às duas primeiras semanas de aula, a professora inicia mais
turnos com alternância do que os alunos. A partir de 15 de março o número de turnos com
alternância de código iniciados pela professora diminuem. A partir de maio encontram-se um
ou dois turnos iniciados pela professora em relação a sete / oito iniciados pelos alunos.
A rejeição ou crítica ao uso do alemão ocorre na HRI. Não é verificada no TBM,
como dito anteriormente. As críticas aos turnos em alemão, nos dados aqui analisados, não
estão presentes até 31 de maio. Ocorre, no dia 15 de março, uma sanção por parte da
professora, mas que não pode ser interpretada como referente ao alemão e, sim, ao palavrão
dito em alemão por Bruna.
Segmento 10 -HRI- CD 11– Segmento 1 [15.03.04 – 20:53 -20:59]
01 Rose E tu?
02 Ana De Strolla
de monte de cocô
03 Rose De quê?
04 Bruna Eu brinquei de Strolla também.
05 Rose Pscht:: Bruna, deixa de falar besteira.
Pode-se considerar que a professora iniciou um reparo (linha 03), procurando
demonstrar que não havia ouvido bem e, ao Bruna se ratificar(linha 04), quando era apenas
ouvinte secundária, e repetir o palavrão que Ana havia dito, a professora a repreende (linha
05).
Em de 31 de maio, portanto, ocorre a primeira crítica da professora ao turno em
alemão iniciado por um aluno, conforme mostra o segmento a seguir:
Segmento 11 -HRI- CD 28– Segmento 6 [31.05.04 – 13:47-14:52]
01 Rose E tu?
02 Luiz °( )°
03 Rose Pode falar em português também, se tu quiser.
155
04 (0,4)
05 Rose Que que tu fez essa semana toda, que tu tava em casa?
06 Luiz Kugel (draus) gespielt.
Joguei bola (fora).
07 Rose Doente tu jogou bola?
08 (0,2)
09 Rose De catapora?
10 (0,1)
11 Rose Psch::t
12 (0,1)
13 Rose Hem? (.) Tua mãe te deixou ir no sol de catapora?
14 (0,2) ((Luiz acena afirmativamente com a cabeça.))
15 Rose Não te deu coceira?
16 (0,2) ((Luiz acena negativamente com a cabeça.))
17 Rose Não? ((Luiz acena negativamente com a cabeça.))
18 (0,2)
19 Rose Que que tu fez mais?
20 (0,3)
21 Luiz Puppchen geckuckt.
Olhei bonequinhos (desenho animado)
22 Rose Puppchen geckuckt? (.)Desenho?
Olhaste bonequinhos?
23 (0,1) ((Luiz acena afirmativamente com a cabeça.))
24 Luiz Und óia ringeholt.
E recolhi ovos.
25 Rose Óia?
Ovos?
26 (0,2) ((Luiz acena negativamente com a cabeça.))
27 Rose Hon die Hingel so viel Óia gelegt?
As galinhas botaram muitos ovos?
28 (0,1) ((Luiz acena afirmativamente com a cabeça.))
29 Rose Tá, e quando tu olha os bonequinhos, tu entende o que que eles falam?
30 (0,1) ((Luiz acena negativamente com a cabeça))
31 Rose Tu não entende o que eles falam?
32 (0,2) ((Luiz acena negativamente com a cabeça))
33 Rose Tem que aprender a fala::[r ](.)=
34 ( ? ) [Eu] sei [(.)eu sei.
35 Rose [=Daí tu escuta o que eles falam,=
36 ( ? ) [°eu sei°
37 Rose Que nem aqui na escola a gente fala portuguê::s, aí tu vai começar a
entender o que eles falam.
38 (0,1)
39 Rose Tem que prestar atenção.
40 (0,1)
41 Rose Daí tu só olha como eles correm por aí?
42 Luiz Hhhhh
43 Rose Hem?
44 (0,1)
45 Rose Tem que escutar, daí tu aprende a falar português.
156
Interpreto isso da seguinte forma: no início a professora iniciava os turnos em alemão
para que os alunos se sentissem à vontade, principalmente ao contar sobre seu final de
semana, suas vivências familiares. Com o tempo, ela esperava que os alunos, na interação, no
contato e com as explicações, inclusive metalingüísticas, que proporcionava, começassem a
usar o português.
Isso é percebido no segmento transcrito anteriormente. Na linha 03, ela convida o
aluno Luiz a falar português. Ao perceber que ele não falaria português, ela traduz os turnos
em português (linhas 05 a 19) chegando, então, a corresponder em alemão por três vezes
(linhas 22, 25 e 27). Na linha 29, porém, a professora inicia sua crítica ao fato de ele não
entender português. Na linha 33, ela diz que ele tem de aprender o português, reforçando nas
linhas 37, 39 e 45 que ele deve aproveitar as oportunidades oferecidas pela escola.
Observa-se que, na colocação da professora em relação a como Luiz iria aprender a
falar português, ela acredita numa forma simplista: ouvir para aprender. Ao compararmos a
postura da professora analisada anteriormente em relação a usar mais ou menos a alternância
ao longo do semestre e nos diferentes eventos, com a sua crença, podemos perceber que ela
age mais por intuição do que por formação adequada.
Após a verificação da freqüência da ocorrência de alternância de código nas atividades
HRI e TBM, se essa diminui ou não ao longo do semestre e como são as reações dos
participantes em relação aos turnos com alternâncias, bem como quem inicia esses turnos,
passo a verificar que funções as alternância exercem na interação.
As funções são analisadas a partir de três premissas: a) se a alternância de código é
empregada por suposta falta de conhecimento/ entendimento do português (Poulisse, 1997);
b) se ela é empregada para a manutenção do curso interacional (Auer, 1988 / 1999; Gumperz,
1982); c) se é usada para demonstrar identificação, aproximação (alternância de código
157
situacional) ou se pela mudança de tópico ou assunto (alternância de código metafórica)
(Blom e Gumperz, 2002).
Percebi, porém, assim como Alvarez-Cáccamo (1990, p. 4), conforme mencionado
no capítulo , subseção 2.6., que é difícil determinar o que exatamente está sendo sinalizado
pelo emprego da alternância. Para interpretá-las, portanto, observo o contexto em que
ocorrem, a posição seqüencial, o alinhamento e o sentido interpretado pelos participantes, isto
é, como as pistas de contextualização são interpretadas.
Para verificar os tipos de alternâncias de código que ocorrem, revi todos os segmentos
transcritos das duas atividades HRI e TBM, e os mapeei, separadamente, por dia e tipo em
uma tabela, cujos dados seguem no quadro a seguir. O tipo um corresponde à suposta falta de
conhecimento do português; o tipo dois à manutenção do curso interacional, parte da ação
verbal; e o tipo três à aproximação/ identificação (situacional S) ou mudança de tópico ou
assunto (metafórica – M).
Outras ões, porém, estão em curso e, como dito anteriormente, nesta subseção, é
muito difícil encontrarmos um tipo de alternância pura. O propósito do presente trabalho não
é classificar as alternâncias de código, mas usar a classificação para tentar interpretar e
explicar o que está acontecendo na interação e se a alternância de código está funcionando
como pedagogia culturalmente sensível.
As ocorrências foram, portanto, enquadradas em seus tipos através das características
predominantes, interpretadas a partir do contexto do qual emergem, isto é, do que está
acontecendo no momento. E, como o presente estudo apresenta seus limites, após verificar
todas as ocorrências de alternâncias, manter-se-á aos três tipos citados acima e apresentados
no quadro abaixo. Há, porém, ocorrências de alternâncias que estão construindo outros
significados ou cumprindo outras funções, como a do dia 15.03.2004, CD 11, segmento 1,
apresentada no capítulo 2, seção 2.6, que pode ser considerada com função metalingüística.
158
Tabela 11- Tipos de ocorrência de alternância de código na HRI
TOTAL - HRI
Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 ( M ou S)
Professora
07 25 10 S 01 M
Alunos
03 07 07 S 03 M
Tabela 12- Tipos de ocorrência de alternância de código na TBM
TOTAL - TBM
Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 ( M ou S)
Professora
15 03 S 01 M
Alunos
04 04 01 S
Na HRI, o número total de alternância por parte da professora é de 43 e por parte dos
alunos de 20, enquanto que no TBM é de 19 e 9 respectivamente. Este número diverge do
número das tabelas 9 e 10, na página 156, por naquelas ter sido feito o registro por turno e
nestas vários turnos em alternância de código constituírem um tipo de função de alternância
de código.
A partir das tabelas apresentadas acima, pode-se concluir que, embora haja na classe
alunos que vêm de casa sem saber português, de todas as ocorrências de código, apenas 14
podem ser caracterizadas como primordialmente suposta falta de conhecimento do português,
conforme exemplifico nos segmentos abaixo. Mesmo assim, o uso do alemão tem, por parte
da professora, principalmente, intuitivamente, a função de envolver o aluno que ainda tem
dificuldade com o português.
Segmento 12 HRI- CD 13– Segmento 6 [22.03.04 – 06:43-07:11]
01 Luiz Lui::z ( )
02 (0,2) ((falas incompreensíveis de alunos e da professora))
03 Luiz Tem seis ((mostrando com os dedos))
04 (0,3) ((risadas))
05 Rose Psch::t O que tu gosta de fazer?
06 (0,4)
07 Rose Was tust du gern machen?
O que tu gosta de fazer?
08 (0,2) ((falas incompreensíveis de outros alunos))
09 Luiz Biciclet fahren
159
Andar de bicicleta.
10 (0,2) ((falas incompreensíveis de alunos e da professora))
11 Rose Que que tu quer fazer quando for [grande?]
12 ( ? ) [( ] )
13 Rose Psch::t, Davi::
14 (0,3)
15 Rose Que tu quer fazer quando for[ grande?]
16 ( ? ) [ ( ] )
17 Luiz Der Paio helfen schaffen.
Ajudar o pai a trabalhar.
O segmento acima é retirado da primeira entrevista, em que os alunos devem dizer seu
nome, idade, o que gostam de fazer e o que querem ser quando crescerem. Na linha 05 a
professora faz a pergunta em português. Como Luiz demora a responder e risos de outras
crianças, ele repete a pergunta, mas em alemão. Pode-se considerar que a professora
interpretou a demora em responder de Luiz como falta de compreensão do que solicitou. Para
garantir o cumprimento da tarefa em curso, a professora alterna para o alemão, considerando a
falta da resposta como resultante de uma lacuna lingüística, porém não faz nenhuma
observação metalingüística, apenas alterna, para que a interação prossiga.
No segmento a seguir, retirado do mesmo dia, porém no evento “chamada”, os alunos
devem dizer uma parte do corpo no lugar do habitual “presente”.
Segmento 13 -HRI- CD 13– Segmento 8 [22.03.04 – 11:10-11: 31]
01 Rose Davi
02 Davi (° °)
03 Rose ?
04 Bruna Der (.) ele di[sse]
ele
05 Rose [°Psch]::t°
06 (0,2)
07 André Ele disse ( )
08 (0,2)
09 ( ? ) (° ° )
10 Rose Uma parte do corpo.
11 (0,1)
12 Davi Die Füss
Os pés
13 Rose Die Füss? (0,1) É os pés, (ta?).
Os pés
14 (0,2)
15 Rose Die Füss, os pés.
Os pés
160
Davi é um dos alunos que só fala alemão. Ao chegar sua vez, primeiramente responde
ininteligivelmente, o que faz a professora iniciar um reparo
80
(Schegloff et al, 2002,p. 6 ), isto
é, ela está procurando manter o fluxo da conversa e, portanto, com a expressão “hã”, na linha
03, demonstra não ter ouvido ou entendido perfeitamente o que Davi disse e, ao mesmo
tempo, que gostaria que ele repetisse. Bruna tenta interferir (linha 04), querendo explicar para
a professora a fala do Davi, mas não é ratificada por esta. A atitude de Bruna pode ser
interpretada como uma demonstração de que ela atribui a Davi falta de domínio do português,
bem como a fala do André (linha 07).
A professora insiste com Davi para que diga uma parte do corpo e ele a diz em alemão
na linha 12. Ela aceita o turno em alemão, mas traduz na linha 13, demonstrando,
implicitamente a Davi, que o correto seria ele dizer “pés”. A professora interpreta o uso do
alemão por parte de Davi (linha 12), portanto, como uma lacuna lingüística. Davi, então,
acena com a cabeça, mas não repete “os pés” em português.
Outro aspecto interessante em relação à consciência da lacuna lingüística do aluno
Luiz, por parte da professora, ocorreu na atividade do TBM. Mesmo sabendo que o aluno
teria dificuldades em buscar o papel crepom na secretaria e, apesar de outros pedirem para
fazê-lo, a professora insiste com Luiz, que, a partir de sua atitude e apesar da apreensão da
professora, demonstra ter confiança em si, de que conseguirá trazer o papel certo. Esse
episódio ocorreu no início da quarta semana de aula.
Segmento 14 - TBM- CD 14– Segmento 1 [22.03.04 – 19:13-19: 58]
((Professora está mostrando as cores de papel crepom com as quais os alunos irão trabalhar))
01 Rose Nem tem azul. Deixa eu ver.
02 (0,1)
03 Rose ::
04 Rose (0,3)
80
O conceito de reparo usado na presente análise é de Schegloff et al (2002, p. 6), que diz consistir esse: “na
principal fonte para lidar com problemas ou dificuldades que ocorrem na fala em interação em relação ao falar,
ao ouvir e ao entender.”.
161
05 Rose Luiz, sabe lá ir lá (para) a diretora e pedir papel azul?
06 ( ? ) Eu[
07 Rose [( [ )
08 ( ? ) [Eu que::ro.
09 (0,3) ((falas confusas))
10 Rose Der ( [ ) ]Papier.
papel
11 Luiz [Wie? Wie? ]
Como? Como?
12 Rose Der ( ) papier (kennscht). Azul.
O ( ) papel (conheces).
13 (0,1) Luiz dirige-se para a porta.
14 Rose Azul. Papel crepom azul.(.) Sabe dizer?
15 (0,2)
16 Rose Então diz uma vez.
17 (0,1)
18 Rose <Papel crepom azul.>
19 (0,1) ((Ouve-se o barulho de Luiz abrindo a porta))
20 Rose Tu vai saber?
21 (0,3) ((Luiz sai sem dizer nada))
22 Rose °Vamos ver o que vai sair.°
A professora explica em alemão, na linha 10 o que Luiz deve buscar. Quer, porém,
que ele diga a frase correspondente em português, conforme linha 14, insistindo na linha 16 e
ao não obter a resposta desejada, repetindo a frase novamente na linha 18, porém sem receber
a resposta desejada. Ela ainda tenta questioná-lo e ele sai sem dizer nada, o que a leva ao
comentário “Vamos ver o que vai sair” (linha 22).
Interpreto o fato de a professora ter enviado Luiz como uma oportunidade que ela
encontrou de fazê-lo precisar falar português, pois as pessoas que o atenderiam provavelmente
não o compreenderiam em alemão. Ele, por outro lado, sentia-se tão seguro, pois não tinha
vivido muitas adversidades em sala de aula nem na interação livre com os colegas por causa
de sua lacuna no português, que não exitou em atender a professora. Estava feliz por ter sido
escolhido e por ter entendido o que deveria fazer e saiu. Luiz levou apenas um minuto para
voltar trazendo o material, conforme mostra o segmento a seguir.
Segmento 15 - TBM- CD 14– Segmento 2 [22.03.04 – 20:56-21:10]
((Luiz volta. Professora está distribuindo material nas mesas))
162
01 Luiz PROFE::
02 (0,1)
03 Luiz O pro::fe.
04 (0,2) ((Luiz caminha na direção da professora))
05 Luiz Die ham die zwei geb.
Eles deram estes dois.
06 Rose ::leg sa uff den Tisch.
Está, deita-os sobre a mesa.
((Professora continua distribuindo material, Luiz coloca o papel que
buscou sobre a mesa e vai para o seu lugar.))
Luiz volta para a sala trazendo o material correto. Dirige-se à professora em alemão,
mostrando que lhe deram dois tipos, o que pode ser interpretado, ainda, como “Eu pedi certo,
eles deram dois, porque quiseram”. A professora responde em alemão, mas sem dar atenção
especial, pedindo apenas que Luiz coloque o papel sobre a mesa. Pode-se interpretar, pelo
estilo da professora em outros momentos, que, mesmo inconscientemente, ela não agradeceu
ao aluno, pois ele não havia atendido ao pedido dela, de falar em português, em uma das
poucas vezes em que ela lhe pediu.
Nos segmentos acima é perceptível o alinhamento mais instrucional por parte da
professora. Ela não demonstra mais que se preocupa tanto com a manutenção do curso da
interação ou em se aproximar do aluno, mas sim, que ele também retribua e faça um esforço.
Ela demonstra uma preocupação maior em que o aluno aprenda não só o ritual e a postura que
deve ter na atividade do TBM, mas também que faça progressos lingüísticos.
Diferentemente da ocorrência de alternância por lacunas lingüísticas, o tipo dois
correspondente à manutenção do curso interacional, parte da ação verbal (Auer 1998 e
Gumperz 1982); e o tipo três à aproximação/ identificação (situacional S) ou mudança de
tópico ou assunto (metafórica M) (Bloom e Gumperz, 2002), como mencionado
anteriormente nesta seção, o extremamente sensíveis ao contexto e sua classificação
depende da interpretação do pesquisador e dos participantes da interação, para então atribuir-
lhes um papel dentro da interação.
163
Auer (1998 e 1999) focaliza a alternância de código não apenas como indicativa de um
grupo de membros de uma comunidade de fala em particular, mas como uma estratégia de
criação de sentido comunicativo e social na interação, sendo necessária a interpretação dos
participantes. Bloom e Gumperz, por sua vez, dão maior ênfase ao significado social que a
alternância de código representa. O enfoque dado por Bloom e Gumperz (2002) é, na verdade,
complementado pela posição de Auer e, portanto, muitas vezes, na presente análise, motivo de
conflito para a devida distinção.
Esse conflito, porém, não invalida o objetivo da análise dos tipos e funções da
alternância de código como pedagogia culturalmente sensível, pois as duas posições teóricas
preocupam-se com a interação em curso e o seu significado, com enfoque mais social ou não.
Servem, portanto, para verificar se o que está acontecendo através do uso de alternância de
código, tanto por parte dos alunos, como por parte da professora é mais ou menos acolhedor,
em se tratando de alinhamento, assimetria, direito a turno, estruturas de participação.
A atribuição de papéis específicos das alternâncias pode ser interpretada de diferentes
maneiras, principalmente quando se trata da distinção entre a alternância de código
empregada para a manutenção do curso interacional e a situacional. Isto é, para alguns
analistas a alternância pode apresentar traços mais típicos de situacional e, para outros, de
manutenção de curso. Mesmo analisando o contexto, a seqüência de turnos, isto é, a ação em
curso, as duas apresentam muitas características comuns, como pode se ver no segmento
abaixo:
Segmento 16 - HRI- CD 07– Segmento 4 [08.03.04 – 14:21-16: 30]
((Durante a narrativa sobre o que fizeram no final de semana.))
01 Rose. Então a Bruna fala agora.
02 (0,1)
03 Bruna Eu brinque::i, (.) daí (.) daí (.) daí meu pai ve::nho (0,1)=
04 Bruna = daí o Miltom ( ) casinha geMACH HON Hh und bloβ
ββ
β ZEUG
05 Bruna =uffgehong.
Daí o Miltom ( ) fez uma casinha e só estendi a roupa.
06 Rose. Wer? (.) Du? (.)
164
Quem? Tu?
07 ((Bruna acena afirmativamente com a cabeça.))
08 Rose. Mit wem hascht du gespielt?
Com quem tu brincaste?
09 Bruna ( ) Daí o::ntem (0,1) eu (.) a minha prima veio Alana? (.)=
10 Bruna = e daí, ãhm :: tinha Hh um bebezinho ( . ) und ich hon bloβ
ββ
β der
E eu só (andei ) com o carrinho
11 carrinho ( gefahr ),
12 =bloβ
ββ
β der carrinho .hh (.) das Nenê hat drin gelegt und geschlofen
Só com o carrinho. O nenê estava deitado dentro e só dormiu.
13 (0,2) ((olhando para Ana e Marcos))
14 Bruna E mais nada.
15 (0,2)
16 Rose ( ) ist die Alana dein Prima?
A Alana é tua prima?
17 ((Bruna acena afirmativamente com a cabeça.)) (0,2)
18 Rose E tu?
19 Ana (Ich sin )Sonntag uff der Fussball gang.
Eu fui domingo ao futebol.
20 Rose Fussball ( ) gang? Mit wem? (0,1)
Ao futebol? Com quem?
21 Ana °Pai.°
22 Rose (Tut er ) Fussball spielen?
(Ele joga) futebol?
23 ((Ana acena afirmativamente com a cabeça.)) (0,2)
24 Ana ( ) der kanns schon ( ).=
( ) este já sabe ( ).
25 Ana ( Oms )Heim gekomm (.) (oms) Heim gekomm um (zehn Uhr)
(à noite) chegamos em casa.(à noite) chegamos em casa(às dez
horas)
26 (0,2)
27 Ana A::i (0,2) daí ( 0,2) daí hm (.)eu deixei minhas rou::pas um =
28 Ana = pouquinho e daí (0,1)
28 Marcos Das brauchst net sagen ( [ )
Isso tu não precisas dizer ( )
29 Rose [Jaque::s
30 Ana Daí eu (.) fui lá (.) olhei um [pouquinho de tevê (.)=
31 ( ? ) [ ah::n
32 Ana = daí eu fui na ca[::ma=
33 ( ? ) [ ah::n
34 Ana = und da sin ich schon schnella ingeschlof.
E daí eu já adormeci rapidamente.
35 Rose Und du Marcos?
E tu Marcos?
36 (0,2)
37 ( ? ) ( Aninha han ich [a::uch)( ) ]
(Aninha eu também ( ))
38 Marcos [(Ich musste früh] heim komme. Ich [( )
Eu tive de voltar cedo para casa. Eu ( [ )
39 ( ? ) [( )
40 Marcos ( ) (bisschen, da han ich ( )( gleich ingeschlofen).
Um pouco, daí eu ( ) logo adormeci.
41 Rose Bischt ingeschlofe?
Adormeceste?
42 ((Marcos acena afirmativamente com a cabeça.)) (0,1)
165
43 Rose Tust du noch Fläschche trinken?
Tu ainda tomas mamadeira?
44 Marcos Hã?
45 Rose Tust du noch Flä[sche trinken?
Tu ainda tomas mamadeira?
46 Marcos [Ich, ich trinke net (mehr)
Eu, eu não tomo (mais)
47 Bruna Ich TRINke net mehr, ich WILL [net mehr
Eu não tomo mais, eu não quero mais
48 Marcos [Die tut blos das sagen [( )
Ela só diz isso( )
49 Ana [I::o, ich
Sim, eu
50 Ana trinke noch.
ainda tomo.
51 Rose Schmeckst’ s besser?
É mais gostoso?
52 ((Ana acena afirmativamente com a cabeça.)) (0,1)
53 Bruna Ich trinke, ich trinke mit’m mit ein Glas dann immer.
Eu tomo, eu tomo do copo então sempre.
54 (0,1)
55 ( ? ) Ich o::ch.
Eu também.
Nas linhas 05 e 07 o uso do alemão por parte da professora tende mais para a
manutenção do curso conversacional, pois na comunidade local, diálogos com alternância o
comuns, do que como aproximação. na linha 16, ao perguntar a Bruna em alemão, se a
Alana era prima dela, a atitude da professora é de mostrar aproximação, assim como na linha
43, quando pergunta a Marcos se ainda toma mamadeira.
Ao verificar, portanto, que o segmento é retirado do dia 08.03.2004, da terceira
semana de aula, é importante observar alguns aspectos: as crianças sentem liberdade em
interagir alternando código; a professora não aceita a alternância de código, como busca
uma aproximação e manutenção da interação em curso usando também o alemão; a língua
alemã não é usada somente com as crianças que não falam português, mas todos têm direito
ao turno, mesmo não estando ratificados, como na linha 28, em que Marcos faz uma
observação em relação ao que Ana disse e a professora não o repreende.
166
Na atividade do TBM, a professora, como mencionado anteriormente, poucas vezes
iniciou turnos com alternância, mas os respondia em alemão e não os criticava, preferindo o
uso de outra tática, como nos segmentos a seguir:
Segmento 17 - TBM- CD 4 – Segmento 1 [01.03.04 – 00:00-00:09]
01 Marcos Mit der Finger
Com os dedos.
02 Rose Mit der Finger- ó- um dedinho a gente bota ( ), não bota >(logo)
Com os dedos
03 todos os dedinhos na tinta< =
04 ( ? ) Hã?
05 Rose =Um dedinho bota na tinta. Vou colocar aqui em cima do papel.
O episódio acima ocorreu logo após a explicação formal do trabalho que os alunos
deveriam fazer. Marcos certifica-se de que entendeu o modo como deve realizar a tarefa,
perguntando em alemão (linha 01). A professora responde em alemão, mas logo explica em
português, dirigindo-se a todos os alunos e, como ocorre um reparo por um aluno não
identificado, na linha 04, ela repete e demonstra como deve ser feito (linhas 02 a 05). Pode-se
concluir que o objetivo dela é que todos consigam cumprir adequadamente a tarefa.
No segmento abaixo, a professora caminha pela sala e olha os trabalhos, que já estão
em andamento. Os alunos conversam animadamente entre si e ocorre bastante alternância.
Como as falas são muito simultâneas e há apenas o microfone da filmadora de um lado da sala
e um gravador em cima de uma das mesas, em que estão Ana, Marcos, Jaques, Lucas e
Miltom, a transcrição é bastante difícil.
Segmento 18 - TBM- CD 4– Segmento 6 [01.03.04 – 16:21-16:43]
01 Luiz Ich kann noch net so richtig.
Eu ainda não consigo.
02 (0,2) ((Professora cesta caminhando em direção a outra mesa))
03 Luiz Profe::
04 (0,1)
05 Luiz Profe, ich kann noch net so richtig.
Professora, eu ainda não consigo tão direito.
06 Rose Io, >da mach wie du es kannscht.< Mach wie du es kannscht.
Sim, então faz como tu consegues. Faz como tu consegues.
167
Luiz dirige-se em alemão para a professora, que não o ouve logo, pois bastante
conversa. Ele é insistente, quer que ela lhe dê suporte, pois segundo ele, não consegue realizar
o trabalho como deveria. A professora o ratifica, dizendo em alemão que ele faça o trabalho
como consegue. Desta forma ela demonstra que está ao lado dele, e pode ser considerada uma
alternância de código com função situacional. Ela o acolhe de duas maneiras: pelo que ela diz
e pelo código que usou ao dizê-lo. A alternância de código configura, novamente, uma pista
de contextualização, isto é, o aluno é ratificado pela professora e a professora sinaliza que ele
está no caminho certo, assim como ela está à disposição para ajudá-lo.
Mesmo com pouca freqüência, episódios nos quais pode-se considerar que a
ocorrência da alternância de código apresenta a função metafórica, isto é, está relacionada à
mudança de tópico, assunto, conforme no segmento abaixo.
Segmento 19 - HRI- CD 13– Segmento 9 [22.03.04 – 16:30-16: 38]
01 Rose Uma coi[as ( )
02 Luiz [Pro::fe (.) kann ich, kann ich jetzt Wasser trinken?
Profe, posso beber água agora?
03 Rose I::o.
sim
04 Rose Uma coisa só [(pode pegar)]
05 ( ? ) [Kann ich ]auch Wasser trin[ken?
Também posso beber água?
06 Rose [Espera um pouco até=
07 [((palmas, ruídos por parte dos alunos))
08 Rose [=chegar tua vez.(.) Tá::?
Os alunos estavam engajados num evento de letramento sobre os cinco sentidos em
que tinham de, através do tato e com os olhos vendados, dizer o nome do objeto que pegaram
de uma caixa que a professora passava. Luiz interrompe a fala da professora que se dirigiaida
a todos explicando a atividade ( linhas 01 e 02) para pedir em alemão para tomar água e a
professora permite. No caso de Luiz, por ele ter dificuldade em falar português e por saber
que a professora o atende ao falar alemão, não podemos considerar uma alternância de código
168
exclusivamente metafórica, mas no caso do aluno não identificado (linha 05) poderia ser
considerado, pois caracteriza um assunto pessoal e não tem relação com o tópico em curso.
Os participantes das interações analisadas no presente trabalho interpretam e usam a
alternância de código, conforme demonstrado anteriormente, de variadas formas. Ela pode
mesmo ser considerada uma estratégia comunicativa à disposição da comunidade em contexto
multilígüe. A partir dessa premissa e, como o contexto analisado é interação em sala de
aula, permeado por eventos mais ou menos institucionais, é importante demonstrar que a
alternância de código serve no contexto analisado, também, como andaime.
81
Segmento 20 - HRI- CD 22– Segmento 3 [26.04.04 – 37:00-37:26]
01 Rose Onde?
02 (0,1)((Marcos aponta a camiseta de Ana))
03 Rose Isso é branco, Marcos?
04 Coro Na::o.
05 Rose Branco is weiss.
branco
06 (0,1)
07 Rose Wo is weiss?
Onde tem branco?
08 (0,1)((Marcos aponta para o blusão de Davi))
09 Rose Então levanta e mostra.
10 (0,2)((Marcos levanta e coloca o dedo no blusão de Davi.))
11 Rose Weiss é branco, né?
branco
12 Ana Isso aqui, [ó::=
13 ( ? ) [ ( )
14 ( ? ) Que cor é branco, Mar[cos?]
15 André [( ]) ( schwarz)
(preto)
16 Rose Que cor é branco?
17 (0,2)
18 Marcos Weiss
branco
19 Rose I::sso.
O segmento acima ocorre na HRI, em que os alunos, durante a chamada, em vez de
dizerem “presente”, devem dizer uma cor e mostrar onde essa cor se encontra. A professora,
81
Conforme Donato (1984, p. 40), citado na subseção 2.2.
169
primeiramente, demonstra ter identificado a lacuna lingüística e traduz, na linha 05, o que é
branco para o alemão. A seguir começa uma seqüência de perguntas em torno do que é branco
e, na linha 11, ao perguntar “Weiss é branco, né?”, a professora quer que ele reflita e analise.
Os colegas também tomam o turno, mesmo como ouvintes secundários, para auxiliar Marcos
na compreensão. O andaime é finalizado com a estrutura tripartite nas linhas 16 a 19, em que
a professora não exige que Marcos diga branco, mas quer verificar se ele compreendeu o que
é branco.
Como investigadora, portanto, e, em se tratando de um trabalho de cunho
interpretativo, procurei manter-me fiel aos preceitos teóricos propostos para a análise. Esses,
porém, embora tenham dado um considerável suporte para a interpretação das ações em curso
na sala de aula observada, muitas vezes, não foram suficientes. Considerei, portanto, também,
o que eu aprendi sobre o grupo observado durante o tempo em que estive com eles, o que
conheci da sua cultura local e de suas histórias familiares. Embora esse conhecimento seja
restrito, procurei considerá-lo. Justifico essa decisão, pois acredito que, conforme Erickson
(2002, p. 10) já afirmou, cada sala de aula é um novo mundo.
170
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para gerar os dados do presente estudo, observei durante um semestre, uma vez por
semana, as aulas de crianças da primeira série, primeira etapa na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Castelo Branco localizada em Boa Vista do Herval, no município de Santa
Maria do Herval, em uma região colonizada por imigrantes alemães.
O objetivo principal, inicialmente, foi olhar com atenção para o uso das línguas em
sala de aula, visto que ainda crianças que não sabem falar português ao ingressarem na
escola. muitos aspectos que alimentam crenças negativas em torno desse fato e que me
deixavam intrigada: o sofrimento de pessoas que chegaram à escola sem saberem o português
e a língua do lar lhes era proibida; as constantes afirmações feitas por professores,
principalmente de português, sobre o fato de que, se o aluno aprende primeiramente o alemão,
isso interfere negativamente na aprendizagem do português; a idéia de que as crianças que
falassem alemão em aula seriam castigadas; a constatação, muitas vezes repetida, de que a
língua alemã, trazida pelos imigrantes, por ser proibida e por perder o prestígio, estava
desaparecendo.
Havia, também, curiosidade em conhecer essa realidade por causa da experiência
pessoal, pois eu aprendi português apenas ao ingressar na escola. Meus pais ensinaram alemão
para os filhos, porque julgaram ser importante saber mais um idioma e por ser a língua de
interação na família até hoje.
171
A partir de conversas com a orientadora e da busca de respaldo teórico, foi se
delineando o verdadeiro objetivo: verificar qual era o papel da alternância de código e se essa
seria uma estratégia culturalmente sensível. Optou-se por um trabalho de cunho etnográfico e
prioritariamente qualitativo interpretativo, embora se faça uma análise da freqüência de
ocorrência de alternância de código. Essa é feita, principalmente, para verificar por quem era
iniciado o turno com presença de alternância de código, qual é o desenvolvimento das
ocorrências de alternância ao longo do semestre, isto é, se aumentam, diminuem ou se
mantêm e em que eventos a alternância de código está mais presente.
As expectativas não eram positivas, visto alguns estudos e artigos anteriores, que
apresentaram cenas de conflitos em sala de aula por questões relacionadas às estruturas de
participação diferenciadas entre o lar e a sala de aula, bem como às práticas de letramento
(Philips 2002; Heath 2001; Michaels,1991; Schultz, Florio e Erickson, 1982); ao desrespeito
pela língua que a criança traz do lar, até mesmo proibindo e, portanto, ameaça à identidade e
conseqüente baixa auto-estima (Altenhofen, 2002, 2004; Bagno, 2002; Oliveira 2000, Jung,
2003), dificuldades de aprendizagem da língua portuguesa por causa da língua trazida do lar
(Pereira, 1999, Terzi, 2001, Erickson, 1987).
Outro fator que alimentava uma expectativa negativa e preocupante estava relacionado
com o que eu ouvia, constantemente, ao visitar escolas no interior em que o alemão padrão
era ensinado: que as crianças não queriam mais aprender alemão, e que o alemão que eles
aprendiam em casa estava totalmente errado e atrapalhava, tanto nas aulas de alemão,
quanto nas aulas de português.
Não só a reflexão a respeito de todos os aspectos levantados anteriormente, mas
também a oportunidade de assistir às aulas nesta turma de primeira série, primeira etapa, nas
quais encontrei um quadro diferente do relatado acima, surpreendentemente, com muita
presença de alemão, foram enriquecedoras. Passo, agora, a discutir e comentar os resultados
172
com base nas perguntas de pesquisa, no processo de análise e nos conceitos teóricos que dão
suporte ao estudo.
Para fins de análise mais micro das interações, optei por duas atividades das que
compunham o dia-a-dia dos alunos: “a hora da rodinha inicial” (HRI), que apresentava
características de evento mais informal e oral, e “o trabalho nas mesas”, de caráter mais
institucional. Justifico a minha seleção com base no que Erickson diz em seu texto sobre
micro-análise etnográfica da interação:
“Dois aspectos são cruciais para a micro-análise etnográfica: 1) identificar
toda a extensão da variação na interação em qualquer ambiente, rede de
comunicação ou comunidade que esteja estudando; 2) estabelecer o que é
típico e atípico (relativo a freqüência da ocorrência) de vários tipos de
eventos e modos da organização interacional (e de instâncias particulares
desses) através de toda a extensão da diversidade nas relações sociais
encontradas no ambiente, rede de comunicação ou comunidade”
(Erickson, 1992, p.206).
82
Devido à extensão e natureza do presente estudo, o trabalho não atende exatamente o
que Erickson (1992) propõe, mas procurou seguir alguns passos propostos em Erickson e
Schultz (2002), que seguem na mesma direção: primeiro verificar o que está acontecendo em
termos de macro-estrutura e depois definir quais são os pontos pertinentes de análise a partir
da proposta de estudo.
Traduz-se isso para este trabalho com os seguintes passos: a) verificar o que está
acontecendo com o uso da língua; b) verificar em que atividades ocorre alternância; c)
selecionar as atividades mais significativas para a análise; d) verificar o que acontece dentro
das atividades selecionadas, o que é semelhante e diferente entre as duas; e) as semelhanças e
as diferenças são analisadas a partir de conceitos teóricos especificados; f) com suporte das
premissas construídas a partir dos conceitos teóricos e do que ocorre nas interações
observadas, procurar indícios que levem a considerar a presença da alternância de código uma
pedagogia culturalmente sensível ou não.
82
Tradução feita por mim.
173
Dentre os conceitos básicos discutidos no capítulo 2, para a construção do referencial
teórico pertinente à análise, estão:
a) letramento e práticas de letramento;
b) evento e evento de letramento;
c) interação analisada a partir das estruturas de participação, enquadre, alinhamento e
pistas de contextualização;
d) alternância de código;
e) pedagogia culturalmente sensível.
O lócus em que foram gerados os dados para a presente análise é um contexto de
letramento escolar. Normalmente, contudo, apenas a atividade do trabalho nas mesas tinha a
presença concreta de material escrevente além da narrativa da história. Com diferentes
atividades ao longo da tarde de aula, os alunos vão sendo introduzidos às práticas sociais de
letramento escolar, sem necessariamente haver a exigência legal de que estejam plenamente
alfabetizados.
As práticas de letramento presentes são constituídas por unidades que chamo de
atividades, conforme a própria professora da turma. Normalmente, a aula observada, das
segundas-feiras, está dividida em aula de Educação Física, hora da rodinha inicial, trabalho
nas mesas e rodinha final.
Essas atividades foram, a partir das observações e dos preceitos teóricos, divididas em
eventos. Foi adotada, na presente análise, a concepção de evento de letramento de Jung
(2003), que diz serem “os eventos de letramento a parte concreta observável. Uma mudança
espacial e temporal caracteriza, em princípio, uma mudança no evento”. Uma mudança de
prática é observável nos modos culturais de interagir com a leitura e a escrita.
As duas atividades analisadas mais profundamente foram divididas nos eventos de
letramento, pois seguem uma relativa rotina de práticas observáveis. A HRI, geralmente,
174
segue o ritual: pendurar a mochila; buscar as cadeiras e sentar-se em círculo; oração;
chamada; contar sobre o fim de semana; calendário; historinha; brincadeira; oração para o
lanche. O TBM constitui-se de três eventos principais: a explicação da professora, o trabalho
individual dos alunos com acompanhamento da professora, a avaliação individual sobre o
trabalho realizado e conseqüente autorização ou não para guardá-lo no saquinho plástico.
Os eventos de letramento são moldados pelo tipo de interação em sala de aula, que, no
presente trabalho, ocorre em um ambiente plurilíngüe. Essa interação é vista como um
processo construído e reconstruído continuamente (Cajal 2001), através de indicadores
verbais e não verbais que contextualizam o fluxo da atividade de fala (Gumperz 1991).
Para a análise desse processo são pertinentes os conceitos de estruturas de
participação, pistas de contextualização, enquadre, alinhamento e uso dos códigos. Esse
último com destaque, pois é no curso das interações presentes na sala de aula observada que
se definem as funções da alternância de código e se essa é uma estratégia culturalmente
sensível.
Em relação à análise sobre alternância de códigos, a premissa básica é que toda a
alternância é um recurso para a construção do significado (Auer, 1988) e este significado pode
ser balizado socialmente (Blom e Gumperz, 2002). Optei por exemplificar, na análise,
também alternâncias de código situacional e metafórico, ciente de que elas são apenas uma
especificação da ação construída através da alternância.
Passo, a seguir, à discussão dos resultados a partir das perguntas de pesquisa.
5.1 A alternância de código é uma estratégia culturalmente sensível? Que função
ela tem?
A validade da presença da alternância de código como uma estratégia culturalmente
sensível, isto é, segundo Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001), “aproveitar as experiências e
175
vivências que as crianças trazem consigo, reproduzindo padrões interacionais que lhe são
familiares; respeitar-lhe peculiaridades; desenvolver recursos que façam a distinção entre
eventos de oralidade e de letramento; implementar estratégias de envolvimento, permitindo
que a criança fale, ratificando-a como falante legítimo; acolher suas sugestões e tópicos;
incentivá-la a manifestar-se, fornecendo-lhe modelos e estilos monitorados da ngua e
mostrando-lhe como, quando e por que usar esses estilos” foi interpretada com o auxílio das
questões a seguir:
1. Em que atividades ocorre alternância de código e entre quem?
2. Há uma diferença na freqüência da ocorrência de alternância de código entre eventos mais
institucionais e menos institucionais ?
3. A alternância de código influi nas estruturas participativas e conseqüentemente no
alinhamento?
4. A alternância de código é uma pista de contextualização que sinaliza uma pedagogia
culturalmente sensível?
Verificou-se a ocorrência da alternância em todas as atividades em que a professora da
série atua e na hora da biblioteca. Da mesma forma, verifica-se que a alternância está presente
nas interações entre os alunos em todas as atividades. Somente na aula de Educação Física
não ocorre alternância por parte do professor com os alunos, pois ele não fala nem entende
alemão.
Isso transpareceu como um motivo de conflito, mais por parte do professor de
Educação Física em relação aos alunos, do que vice-versa. Ele os tratava rispidamente quando
não entendiam algo e também não aceitava estruturas participativas que ameaçassem seu
poder. Na aula do dia 01 de março, uma aluna, curiosamente, pergunta “O que tu quer?no
sentido de querer saber o que o professor queria fazer com as cordas. O professor diz:O que
176
que eu quero? Acho que sou teu professor, né? Então vocês tinham que ter um pouco mais de
respeito!”. Percebe-se, nesta aula, também, muito uso de alternância entre os alunos,
principalmente comentando sobre a vontade de tomar água. Pode-se supor, numa análise
preliminar e superficial das aulas observadas, que o professor se sente ameaçado pelo uso do
alemão entre os alunos.
No agir da professora, principalmente na HRI, percebe-se uma postura receptiva,
acolhedora e segura. Ela aceita comentários, alternância de código e pisos paralelos,
sinalizando a mudança de eventos, primeiramente por pistas contextuais implícitas e
posteriormente usa pistas contextuais explícitas. Com esse modo de agir, ela voz aos
alunos, os ratifica e respeita os seus turnos quando o julga pertinente. Mostra, porém, que
dependendo do evento em curso, o alinhamento dela e dos alunos deve mudar.
Ao repreender um aluno, geralmente o faz de forma indireta, como no segmento da
HRI- CD 7– Segmento 2 [08.03.04 08:45-09:26], quando Luiz levanta da rodinha e vai até
sua mochila pegar um biscoito. Ela diz para todos que Luiz ainda vai ter de aprender quando é
a hora adequada de comer. Com isso a professora mostra não confiança em si, mas coloca
o aluno em uma situação de compromisso frente à turma.
As críticas da professora são geralmente construtivas e com o objetivo de que o aluno
consiga se adaptar às estruturas participativas presentes em sala de aula bem como aos
diversos eventos que constituem as atividades, o que está de acordo com a pedagogia
culturalmente sensível apregoada por Bortoni-Ricardo e Dettoni (2001).
As crianças, mesmo sabendo que na escola é falado o português, falam e prestigiam a
variedade do lar e essa é a correta para elas, conforme episódio em que a aluna Sandra dirige-
se a mim em alemão e critica a minha forma de falar o alemão (mais próxima do padrão).
Para verificar se a alternância ocorria de forma e com freqüência diferentes nas duas
atividades selecionadas, a HRI e o TBM, usei como base as estruturas participativas propostas
177
por Schultz, Florio e Erickson (1982) e a discussão de Cazden (2001) sobre a estrutura
tripartite (IRA). Com essas premissas, primeiramente constatei que a HRI tinha características
menos institucionais e mais conversacionais e o TBM, mais institucionais, principalmente no
primeiro evento, em que a professora explica a tarefa. Não foram transcritos todos os dias
observados, mas sim, as interações com alternância dos quatro primeiros dias observados e
depois, de um dia por mês.
O convite à tomada de turnos por parte da professora na HRI é muito maior e mais
flexível. Ela permite suspensão de tópico, usa muito mais pistas contextuais implícitas do que
explícitas para tomar o turno, o tópico ou pedir silêncio, do que no TBM. As estruturas
participativas na HRI estão muito mais próximas das familiares do que no TBM. Isso leva à
conclusão de que a HRI é de caráter menos institucional e o TBM mais institucional.
Observou-se que o número de ocorrências de alternância de código é muito superior
na HRI , no total 156, do que no TBM, com 40 no total. Outra constatação é que a professora,
na HRI inicia muito mais turnos com alternância (56), geralmente com o objetivo de manter o
curso da interação do que no TBM (7). Da mesma forma um número menor de turnos
iniciados em alternância pelos alunos no TBM (33) do que na HRI (100). Isso sinaliza que em
eventos mais institucionais é usado mais o português.
mudança, ao longo do semestre observado, na presença de alternância de código
bem como na aceitação e uso desta, por parte da professora, tanto na HRI, quanto no TBM.
Até o final de março, a professora inicia em torno de 10 turnos com alternância na atividade
HRI. No final de abril, encontramos 4 turnos iniciados por ela com alternância, sendo que em
maio foram encontrados dois e, em junho e julho, apenas um nos dias transcritos.
De forma semelhante, a professora procedeu em relação à alternância iniciada pelos
alunos: no início correspondia prioritariamente em alemão, passando a corresponder cada vez
mais em português e, finalmente, no dia 24 de maio faz a primeira crítica a um turno iniciado
178
por alternância; tais críticas começam a aparecer, mesmo de forma indireta, com mais
freqüência, sendo que, no dia 19 de julho, último dia de observação, a professora faz sete
críticas à fala com alternância. uma mudança de postura concreta por parte da professora,
baseada na expectativa de que neste momento do ano letivo, as crianças deveriam ser
capazes de usar mais português.
Ao fazer uma ligação entre a forma como se constituem os eventos, através de
enquadres, que são moldados pelas estruturas participativas, alinhamento, tópicos e pistas de
contextualização, entre elas em destaque para a presente análise a alternância de código,
julga-se que o modo de agir da professora como um todo é culturalmente sensível. Esse
julgamento se dá, principalmente, em relação à alternância de código, que é o foco prioritário
desta pesquisa.
No transcurso do semestre, percebe-se claramente que a professora diminui seus
turnos com alternância e começa a exigir que os alunos esforcem-se em falar português,
mesmo que ainda precisem de ajuda. Ela primeiramente se aproximou dos alunos através da
língua da comunidade e depois passou, gradativamente, a esperar e exigir a ngua oficial da
escola, o português.
Concluo, em relação às funções da alternância de código abordadas no arcabouço
teórico e analisadas quanto à ocorrência ou não nas interações estudadas, que a distinção feita
entre alternância empregada por lacuna lingüística (ASL), alternância empregada para manter
o curso da interação (Auer, 1988 e Gumperz, 1982) e alternância situacional e metafórica
(Blom e Gumperz,2 002) serviu, principalmente para refletir mais uma vez sobre o “mito da
lacuna lingüística”. Embora três alunos não falassem português, ao interpretar as funções a
partir dos segmentos transcritos e dos vídeos, pois a postura corporal, o alinhamento, a
direção do olhar também “falam”, isto é, ilustram a ação em curso e, portanto, são pistas de
contextualização, foram encontradas poucas ocorrências por suposta lacuna lingüística.
179
Essa constatação contribui para a defesa do ponto de vista de que a alternância de
código é uma estratégia da pedagogia culturalmente sensível e que leva, a partir do que
observamos nas interações na sala de aula do presente estudo, ao crescimento lingüístico, à
manutenção da auto-estima, ao respeito ao turno e ao que o aluno quer dizer, mesmo que
ainda não domine o idioma oficial e, especialmente, ao acolhimento. As crianças encontraram
algo familiar nesse novo mundo, a escola, em que ingressaram: o jeito de falar de casa.
Nos segmentos analisados e nos comentários feitos pela professora para incentivar ou
exigir que os alunos comecem a falar mais português, é perceptível que o uso da alternância
de código como estratégia de uma pedagogia culturalmente sensível é, em grande parte,
intuitivo. A professora tinha experiência anterior com creche, isto é, para ela as crianças
devem ser bem recebidas, senão elas não se adaptam. Falar alemão com elas e deixar que elas
falem, foi uma das estratégias que encontrou.
Em suma, mesmo não tendo formação adequada para lidar com algumas das questões
de língua que surgiram em sua aula, a professora consegue evitar, intuitivamente, os conflitos
que surgiriam pelo seu próprio estilo pedagógico e por fazer parte da comunidade e, como tal,
dominar a língua que as crianças falam no lar.
5.2 Das contribuições e limitações do estudo
A reflexão proposta na presente pesquisa, sobre a forma de acolhimento e tratamento
das crianças provenientes de uma realidade lingüística diferente da encontrada na escola,
deveria ser levada aos órgãos formadores de professores. Como Bortoni (1994) já defendia, os
professores fazem mais por intuição do que por formação, isto é, ainda existe uma lacuna. De
nada adianta refletirmos em nível acadêmico sobre as realidades escolares, se isso não chega
aos professores que estão atuando nas escolas.
180
Fiquei particularmente feliz, por ter tido a sorte de assistir a aulas, em que muita coisa
boa estava acontecendo, isto é, o aluno era respeitado, aprendia a respeitar seu ambiente novo
e seus inter-agentes novos. A língua alemã, ao contrário do que eu acreditava anteriormente,
estava muito presente e as pessoas da comunidade se orgulhavam disso. O português é visto
como necessário, mas o alemão não é rechaçado. Houve um progresso gradual de inserção
dos alunos que não falavam português e, também, daqueles para os quais o alemão era mais
familiar, na linguagem da escola. Eu vi crianças felizes, animadas e seguras. Vi uma
professora que agiu mais com o coração do que com a razão e com a qual aprendi uma grande
lição: há um modo de resolver os conflitos lingüísticos, isto é, é só a escola ser mais receptiva
em relação aos alunos que a freqüentam e aos anseios deles.
Eu, pessoalmente, refleti sobre a minha própria prática, que é alemão como LE e
português no EM e aprendi que o acolhimento responsável e respeitoso, ouvindo mais o que
os alunos têm a dizer, bem como seus anseios e objetivos, passa a facilitar o planejamento e o
curso das aulas. certas coisas que, realmente, fazemos intuitivamente, outras acabamos
esquecendo na atribulação diária. Seria muito bom que a pedagogia culturalmente sensível
estivesse mais no centro dos debates sobre o que acontece na sala de aula. Isso significa,
primeiro, conhecer seu grupo de alunos, para depois planejar e saber como ensinar o que está
no programa. Não podemos nos iludir, fazendo um programa especial para cada situação, mas
ter consciência maior do que e de como funcionam as relações e que valores estão em jogo.
Disponibilizo os dados gerados para a presente análise para outros focos de estudo,
visto que apenas uma pequena parte do potencial presente neles foi possível analisar nesta
pesquisa. Durante o desenvolvimento e, principalmente, ao longo da análise foram
aparecendo aspectos que, por ser necessária uma limitação, não foram abordados e podem ser
objetos de futuros estudos.
181
Uma das limitações do trabalho é não ater-se à discussão de identidade, que está
intimamente ligada à questão lingüística, conforme o exaustivo estudo de Jung (2003) a esse
respeito, em um ambiente multilíngüe em certa medida semelhante. Pois, segundo Jung,
revisitando uma citação anterior “as pessoas têm um repertório lingüístico social,
historicamente determinado, que é negociado na interação face a face na construção do
contexto, dos sentidos e das ações que se sedimentam nas suas identidades sociais tornadas
relevantes na interação”.
Outro aspecto em que o trabalho ficou limitado é a continuidade do uso da língua nas
séries subseqüentes, pois foi observado apenas um semestre de uma turma. Embora as
observações tenham ocorrido semanalmente, assisti sempre ao mesmo dia de aula, sendo
que duas vezes a hora da biblioteca foi transferida para segunda-feira (dia da observação) e
pude observá-la.
Quanto às transcrições, apesar de terem sido assistidos por várias vezes os dados
gerados, foram transcritos apenas dias de amostra. De semelhante forma, as transcrições
desses dias ativeram-se principalmente a segmentos em que ocorria a alternância do
português para o alemão e vice-versa.
Mais atividades poderiam ser analisadas. Poder-se-ia, por exemplo, confrontar a hora
da rodinha inicial com a hora da rodinha final, para ver se, apesar de terem características
interacionais semelhantes, outros aspectos surgiriam.
A aula de Educação Física, pela análise superficial feita na geração de dados,
apresenta outras estruturas participativas e um professor que não sabe a língua alemã. Esse
aspecto pode revelar as estratégias empregadas por parte do professor e dos alunos para
sanar eventuais conflitos.
Enfim, fico feliz ainda por poder disponibilizar os dados gerados para futuros estudos
cuja temática nem consiga, no momento, imaginar.
182
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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