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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Escola de Belas Artes
DE SONHO & DRAMA A ZAP 18: A CONSTRUÇÃO
DE UMA IDENTIDADE
Maria Aparecida Vilhena Falabella Rocha
.
Belo Horizonte
2006
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2
Maria Ap
arecida Vilhena Falabella Rocha
DE SONHO & DRAMA A ZAP 18: A CONSTRUÇÃO
DE UMA IDENTIDADE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Escola de
Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes.
Área de Conc
entração: Arte e Tecnologia da Imagem
Orientador: Prof.Dr.Maurilio Andrade Rocha
.
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes da UFMG
2006
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3
Rocha, Maria Aparecida Vilhena Falabella,1960
-
De sonho & drama a ZAP 18: a construção de uma
identidade / Maria Aparecida Vilhena Falabella.
- 2004.
168 f. : il.
Orientador: Maurílio
Andrade Rocha
Dissertação (mestrado)
-
Universidade Federal de Minas
Gerais, Escola de Belas Artes
1. ZAP 18 (Grupo teatral)
História
Teses 2. Companhia. Sonho &
Drama (Grupo teatral)
-
Histó
ria Teses 3. Teatro na periferia
Belo
Horizonte (MG)
-
Teses 4. Teatro de grupo
-
Teses 5. Teatro épico
Pesquisa
-
Teses I. Rocha, Maurílio
Andrade, 1963
-
II. Universidade Federal de Minas Gerais.
Escola de Belas
Artes III. Título
CDD : 792.0981
4
Dissertação defendida e aprovada em 03 de abril de 2006 pela banca examinadora constituída
pelos professores:
Prof.Dr. Maurilio Andrade R
ocha (Orientador)
-
UFMG
Prof.Dr. Antonio Barreto Hildebrando
-
UFMG
_________________________________________________________________________
Prof.Dr.Fernando Antônio Mencarelli
-
UFMG
5
Dedico:
à minha mãe e ao meu pai, pelo amor incondicional que me oferecem,
aos meus irmãos, mais que irmãos, meus amigos,
aos meus filhos, minhas bênçãos,
ao Carlão, por toda nossa vida em comum,
à Elisa, minha companheira de via
gem e amiga,
e especialmente ao Maurilio, além de orientador, um amigo que me compreendeu e
compartilhou minhas dúvidas, minha história e meu desejo
de superar esta etapa.
Devo ao seu companheirismo e sensibilidade a chance de não desistir.
Sem vocês, es
te trabalho não teria sentido.
6
Agradecimentos:
Carlão (o início desta história) e Elisa (o presente),
Meu pai, Francisco (saudade), minha mãe, Cely (exemplo),
Meus irmãos Carmen, Tomaz, Paulo (sempre me estimulando),
Consuelo (além de apoio, carinho e r
evisão)
Marthinha (eficiência total),
Ronaldo (apoio e almoços)
Meus filhos: Gustavo (1º leitor), Francisco (e seu café), Luna (me ajudando na digitação)
Pessoal da ZAP 18: Antônia, Michelle, Wesley, Gustavo, Renato, Ludmilla,
Dona Zilma e todos os alunos
das oficinas (obrigada pelo compromisso).
Meus colegas: Maria Clara (a primeira ajuda), Alexander (com quem divido a lancheira), Marco
Flávio (e seus telefonemas), Rogério (que acabou indo pra Campinas), Garrocho (e suas
provocações), Ricardo (e seus e
-
ma
ils), Flávio (conversas na cantina), Sandra, Juliana, Fernanda,
Carla (mulheres inspiradas) e Dayse Belico (companheira de indagações).
Alunos dos Pequenos Exercícios Cênicos (obrigada pela adesão).
Professores do Mestrado: Hildebrando (apoio e referência
intelectual), Mencarelli (serenidade e
estímulo), Luís Otávio (rigoroso na análise), Lúcia e Evandro (dissipando minhas dúvidas),
Ernane (inteligência e sensibilidade) e Maurílio (orientação sempre).
Pessoal da Escola de Belas Artes: Zina e toda equipe, Maura, Elza, Helvécio, todos.
Marina (colocando meu texto em forma)
Zé Walter (pelo belo poema da Adélia)
Minhas ajudantes: D. Eva, Sirléia e Simone (cuidando da minha casa e de mim).
7
Agradeço mais uma vez à minha família (Carlão, Gu, Pan e Luna) o apoio in
condicional, o
cuidado e a paciência sem limites.
8
RESUMO
Estudo da trajetória do grupo teatral Cia. Sonho & Drama ao longo de 25 anos de história
(1981/2006), abordando sua produção artística, atividades culturais e inserção no panorama mais
amplo da cena mineira e brasileira, assim como sua transformação em ZAP 18. A pesquisa
objetivou responder aos desafios que a mudança do grupo, em 2002, para a periferia da cidade de
Belo Horizonte provocou, traduzida na mudança de foco para a
educação dos sentidos de crianças
e adolescentes e formação de atores. Dentre os cursos oferecidos para a comunidade, o estudo se
concentrou na Oficina de Capacitação e no Módulo de Teatro Épico, apoiado na teoria do
dramaturgo e diretor alemão Bertolt Brecht, no intuito de levar a realidade para a cena teatral. A
pesquisa foi realizada através da consulta ao material do grupo (programas, relatórios, críticas,
roteiros) e do acompanhamento das atividades práticas das oficinas. O resultado nico Você
fo
i ao teatro, hoje? integra este trabalho.
Palavras
-
chave: Teatro de grupo
Teatro na periferia
Teatro Épico
9
A
BSTRACT
Study of the theatrical group Cia Sonho & Drama throughout 25 years of history (1981/2006),
approaching its artistic production, cultural events and its importance on the Minas Gerais State
and also in the Brazilian scene, as well as its transformation into ZAP 18. The research s goal
was to answer to the upcoming challenges the company had faced since it has moved to the
suburb of Belo Horizonte City in 2002, this change of address also brought a new focus on the
company s work: the education of children and teenagers and formatting actors. Among the
classes offered to the community, the research was focused on the Capacitating Work Shop,
especially the Epical Theater Class, based on the theory of German Playwright Bertolt Brecht,
with the goal of bringing reality to the theatrical scene. The research was developed with the
co
mpany s material (play programs, reports, reviews, scripts) and from the observation of the
practice during the Work Shops. The scene Have you gone to theater, today? is part of the
research.
Key Words: Group Theater
Theater in the Suburb
Epical Theater
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FOTO 1 A Metamorfose.....................................................................24
FOTO 2 Grande Sertão: Veredas.........................................................29
FOTO 3 Antígona.
...............................................................................31
FOTO 4 Vida de Cachorro...................................................................34
FOTO 5 A Casa do Girassol Vermelho.............................................
..42
FOTO 6 Caminho da Roça..................................................................55
FOTO 7 Aníbal Machado, quatro, oito , sete.......................................58
FOTO 8 A Bonequinha Preta.........................
.......................................67
FOTO 9 O Sonho de Uma noite de Verão (Mandala)........................71
FOTO 10 A Menina e o Vento..............................................................74
FOTO 11 Superzéroi.............................
................................................75
FOTO 12 O circo dos Pés
-
rapados (Oficina Infante ZAP)....................83
FOTO 13 Brecht, hoje.............................................................................93
FOTO 14
Uma balada...uma p
arábola...................................................99
FOTO 15 Oficina de capacitação (praticando Tai Chi).........................106
FOTO 16 Oficina de capacitação (Dona Zilma contando histórias)......109
FOTO 17 Você já foi ao teatro, hoje?......
..............................................117
FOTO 18 Pequenos exercícios cênicos
...................................................
141
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................10
2 SONHO E DRAMA.............................................................................................14
2.1 De sonhos e dramas
surgimento e consolidação do grupo (1ª fase)...........15
2.2 A era do feminino (2ª fase)................................................................................36
2.2.1 Encontrando outras ilhas...................................................................................43
2.2.2 Uma companhia errante....................................................................................60
2.2.3 A torre ou o casulo
construindo a sede (fase de transição)............................68
2.3 A lua ou como se metamorfosear em borboleta (3ª fase)...............................72
3 TEATRO NA PERIFERIA DE BELO
HORIZONTE
-
A experiência
transformadora da ZAP 18......................................................................................76
3.1 ZAP Teatro Escola &Afins.................................................................................78
3.2
Zarpar
Oficina de Capacitação......................................................................84
3.3
Você já foi ao teatro hoje?...............................................................................100
3.3.1
Preparação dos atores......................................................................................102
3.3.2
A criação das cenas........................................................................................110
3.3.3
O roteiro ou a dramaturgia em processo.........................................................113
4 DIÁLOGO(S) COM A UNIVERSIDADE..........................................................122
4.1 A experiência como professora substituta de Interpretação no Curso de
Artes Cênicas da UFMG.............................................................................................124
4.2
A experiência com a formação de arte
-
educadores no PREPES....................131
4.3
Uma experiência diversa: professora e coordenadora do Curso Seqüencial
de Artes Cênicas do Uni
-BH......................................................................................135
12
4.4
Pequenos exercícios cênicos
de volta às Artes Cênicas da UFMG................138
4.5
Fala final................................................................................................................142
5 CONCLUSÃO...........................................................................................................144
REFERÊNCIAS............................................................................................................146
ANEXOS...........................................................................................
.........................149
13
1 INTRODUÇÃO
Contra a ignorância, o terror, a falta de educação, a propaganda de
promessas, o conforto moral, a ordem acima do progresso, a fome,
a falta de dentes, a falta de amores, o obscurantismo...
nós fazemos teatro.
Nós fazemos teatro
contra o mau teatro que querem fazer da realidade.
Fernando Bonassi
O fazer teatral profissional em Minas Gerais, a partir do fim dos anos 70 vai se caracterizar pela
retomada do trabalho realizado em grupos, que trazem uma dimensão diferenciada para a
questão, ao se preocuparem não só com o resultado do trabalho, mas também com o seu processo
e sua relação com a sociedade.
A necessidade de entender a importância do trabalho teatral no contexto social, resgata uma
função exercida pelo
teatro em diversos períodos da história e se reflete em questões dentro e fora
da cena: passa tanto pelo engajamento político dos integrantes dos grupos, primordial para
exercício consciente do papel de artista, até a questão do uso alternativo do espaço e da
construção do texto dramatúrgico de forma coletiva. A opção predominante pela cena aberta
(inspirada no teatro medieval, no palco elizabetano, nos tablados da commedia dell arte e no
palco tradicional desmascarado de Bertolt Brecht) traduz o desejo d
e se comunicar com o público
e, mais ainda, de reconhecê
-lo como elemento ativo do fenômeno teatral.
14
Essas colocações nos remetem a uma questão maior: qual é o papel da arte, particularmente do
teatro, numa sociedade em que os índices de miséria e violência chegaram a níveis inaceitáveis?
Caberia à arte e ao teatro restabelecer as relações esgarçadas pelo tecido social e instigar o artista
a exercer uma nova/antiga função: humanizar o ser humano através da arte?
O teatro vem sendo redescoberto pelo seu grande potencial agregador como um poderoso
instrumento de educação da sensibilidade. 40 anos, os grupos de teatro pretendiam modificar
o público através do contato com o espetáculo teatral e hoje o que se oferece como possibilidade
de transformação vai além da fruição e do divertimento (no sentido dado por Brecht). Traduz-
se
pelo contato com o fazer teatral, a convivência com os artistas e seus processos de trabalho e por
fim a recepção ao espetáculo, como público privilegiado, que opina e colabora na construção de
uma arte que se funda no coletivo.
Considerando essas questões, como um grupo que se situa na periferia faz suas escolhas técnicas,
éticas e estéticas? Existe espaço para um teatro político que questione valores vigentes na
sociedade e proponha/vislumbre uma nova forma de organização social, em tempos do triunfo da
economia de mercado, inclusive nos antigos países socialistas? Como o teatro pode resgatar o seu
potencial questionador, sem abrir mão da sua expressão artística, já exercitado em ta
ntos períodos
e que teve como principal defensor o diretor e dramaturgo alemão Bertolt Brecht, através de sua
teoria do teatro épico/dialético ?
Um espetáculo não se realiza sem o público e sim na presença dele. A reação desse público (e sua
interação com a apresentação) talvez seja hoje um dos principais eixos de análise, como
anteriormente foram a literatura dramática e a semiologia.
15
Numa época em que a comunicação entre as pessoas se faz numa velocidade crescente, quais
seriam as relações entre o teatro e a realidade e como poderíamos definir o engajamento do fazer
teatro nas questões mais urgentes, que uma sociedade de desigualdades gritantes como a nossa,
suscitam?
Este estudo se propõe a refletir sobre essas questões a partir da história da Cia. Sonho & Drama,
abordando tanto sua produção artística quanto sua relação com os movimentos culturais de Belo
Horizonte, seu deslocamento para a periferia da cidade e sua transformação em ZAP 18,
destacando a ênfase na formação do ator e a influência da teoria do teatro épico-dialético de
Bertolt Brecht, até chegar à Universidade, tanto pública quanto privada, espaço onde os
questionamentos vão ganhar um novo fórum.
Deste modo o estudo foi realizado considerando:
- a trajetória do grupo ao longo de 25 anos de atividades, suas diversas fases, projetos e
produções artísticas.
- sua fase atual, estabelecendo como eixo central as atividades de formação com ênfase nas
oficinas de capacitação ministradas para jovens atores da periferia e seus desdobramentos no
e
spetáculo
Uma balada....uma parábola,
e na intervenção cênica
Você já foi ao teatro, hoje?
- o diálogo com a universidade, em quatro momentos distintos: como professora substituta do
Curso de Artes Cênicas da UFMG (2001-2003), como professora de Teatro no curso de Pós-
16
Graduação em Arte-Educação do Prepes - PUC Minas (julho de 2005), como professora e
posteriormente coordenadora do Curso Seqüencial de Artes Cênicas: Aperfeiçoamento do
Comunicador do Uni
-
BH e como aluna
-
mestranda da Escola de Belas Artes,
no estágio
-
docência,
ministrando a Disciplina Pequenos Exercícios Cênicos no Curso de Artes Cênicas da UFMG (2º
semestre 2005).
- os anexos trazem informações complementares tanto referentes ao grupo, como matérias
jornalísticas, o roteiro do Você já foi ao teatro, hoje? e uma entrevista com Elisa Santana.
17
2 SONHO E DRAMA
A memória é a mais épica de todas as faculdades.
Walter Benjamin
Para chegarmos até aqui um longo caminho foi necessário. Cheio de peripécias, idas e vindas,
perdas e ganhos, atalhos, estradas de terra, retornos. Caminho agora tortuoso das memórias,
do lembrar, do relembrar e do esquecer. Quem fica conta a história? Como ser imparcial se o
verbo se fez carne em nosso corpo? Como saber agora se no quente da hora tomam
os
atitudes corretas, dissemos a palavra certa, traçamos o gesto exato. Muitos vieram abrindo o
caminho, muitos virão, sempre virão...num movimento de redescobrir a roda, a roda do fazer.
Arte escrita no vento, o teatro deixa um rastro tênue sob nossos pés. Cuidadosamente vamos
tentar ler as marcas do passado e escrever um futuro para as próximas gerações.
Para abordar o trabalho da ZAP 18, é necessário percorrer o desenvolvimento do grupo desde os
tempos de Cia. Sonho & Drama, situando
-
o num panorama m
ais amplo do movimento cultural de
Belo Horizonte, e do país, dos fins dos anos 70 até hoje. Para fazer esta retrospectiva e
compreender uma trajetória de 25 anos, cheia de fases distintas, que culmina com a conquista da
sede e mudança do nome para ZAP 18,
podemos destacar as seguintes fases:
18
1ª fase (1979 a 1989)
- De sonhos & dramas -
Surgimento e consolidação do grupo
2ª fase (1990 a 1998)
-
A era do feminino
-
Criação do MTG, Estação Santa Luzia
Fase de transição (1999 /2000)
A torre ou o casulo
construindo a sede
3ª fase (2001 até hoje)
-
A lua ou como se metamorfosear em borboleta.
Outros recortes serão feitos ao longo desta narrativa no sentido de analisar aspectos fundamentais
que vão se consolidando e dando um perfil ao grupo. As questões principais que serão abordadas
ao longo do relato serão: teatro de grupo x teatro de tarefa - companhias x grupos, a questão da
construção da dramaturgia, a relação entre encenador x grupo, a recepção crítica aos espetáculos,
o mercado x as políticas públicas para a área teatral, a questão do espaço sede x questão do
espaço teatral, a formação do ator em grupo.
O panorama segue uma ordem cronológica, até que as questões emergentes suscitem uma análise,
facilitando assim a compreensão da relação entre a pro
dução do grupo e os distintos momentos da
cultura na cidade, e por extensão no país.
2.1 De sonhos
& dramas
surgimento e consolidação do grupo (1ª fase)
A Associação Zona de Arte da Periferia
ZAP 18 se origina da antiga Cia. Sonho & Drama,
grupo
fundado em 1979 por Carlos Rocha, Adyr Assumpção, Luís Maia e Hélio Zollini. O nome
correto de registro é Cia. Sonho & Drama Fulias Banana, sendo a segunda parte uma tradução
19
jocosa e literal dos shows para turistas americanos, os banana s folies, sintonizada com uma
postura antropofágica via movimento tropicalista que, nos fins dos anos 70, ainda pairava no ar.
O Fulias Banana como era conhecido no meio artístico nasce e se consolida em um cenário
teatral em transformação, tendo como pares grupos como Oficina Multimédia, Galpão, Encena,
Patati & Patatá e Cia. Absurda, entre outros. Se oficialmente o grupo passa a existir desde o final
da década de 70, consideraremos o seu nascimento, de fato, em 1981, ano da sua estréia teatral.
É interessante observar que a partir da década de 80, o amadorismo das gerações anteriores, que
não impediu um caráter de pioneirismo e experimentação, é substituído por uma postura de busca
de profissionalismo. Glória Reis em estudo sobre a cena cultural mineira cita Raul Belém
Machado: as pessoas trabalhavam amadoristicamente no sentido pleno da palavra: com muito
amor, mas sem técnica e sem dinheiro. Não existia profissionalismo, o elenco não recebia cachê,
o diretor também não.[...] As pessoas tinham outras profissões. (REI
S, 2005, p.42)
Os grupos que nascem nesta década o aceitam mais para seus integrantes a vida dupla ,
profissional liberal ou funcionário público de dia e artista à noite e começam a aprender a
sobreviver segundo as regras do incipiente mercado que ajud
avam a formar.
Pretendendo ser uma opção pelo teatro de pesquisa, a Cia. Sonho & Drama tinha como objetivo
central se dedicar ao estudo de técnicas corporais e interpretativas. Os dois primeiros anos foram
ocupados com esta pesquisa, sem resultar em nenhu
m trabalho aberto ao público.
20
Um texto escrito por Carlos Rocha, para reflexão interna, já demonstra a postura do grupo frente
à produção da época e seus objetivos a longo prazo. Esta reflexão que tem o sugestivo título Ser
ou não ser - grupo ou tarefa (polêmica) antecipa um diagnóstico da situação cultural da cidade e
as principais características dos grupos que surgem no início dos anos 80:
A relação que as pessoas tem tido com o trabalho (teatral) vem sendo sempre de tarefa, ou seja um
grupo de pessoas se reúnem, quase sempre a convite de quem quer produzir ou dirigir - e que
naturalmente escolheu o que se montará - para cumprir a tarefa de estrear e fazer temporada de
determinado trabalho e quase sempre se separam após.Um dos problemas imediatos
que o trabalho
de tarefa traz é a falta de visão histórica da linguagem teatral. O trabalho de tarefa não permite a
pesquisa e a experimentação da linguagem teatral e artística, pela falta de conhecimento, pelo
pouco tempo de trabalho, pela estréia já marcada, pela falta de continuidade.[.....]E a única
solução forte para o trabalho de tarefa, é a sua contraposição: o grupo. É a única saída para
retomarmos a saúde do nosso teatro, que nunca esteve morto. O grupo é uma saída para a
sobrevivência econômica de todos os seus elementos; tem mais condições de pesquisar, de
experimentar e exercer a diversidade e elaboração da linguagem teatral e artística; tem condições
de investir em um trabalho de base; tem mais condições de dar subsídios (intelectuais) para s
eus
integrantes, não pela pesquisa, mas por um revezamento das funções, como atuação, direção,
produção, divulgação, figurino, técnica, etc.; pode ser a contraposição ao teatro empresarial
(relação patrão x empregado) e que traz a bordo o trabalho superficial e de tarefa.[....] E no mais
tenho a lembrar, que qualquer inovação, que tive notícias, quanto a linguagem teatral, e da
possibilidade de verdadeira profissionalização, foram possíveis através do
grupo.
É realmente
quem traz as novidades.
Assuma
mos a radicalidade artística! temos aqui condições, talentos e cabeças para a formação
de uns quatro grupos, no mínimo, atuantes
(ROCHA, 1978, p. 2, grifos do autor).
Ao colocar em oposição ao teatro de tarefa o teatro de grupo, Carlos Rocha discerne modos de
fazer
distintos interferindo nas características do que é produzido, no caso, o espetáculo teatral.
Aderbal Freire Filho, diretor teatral carioca, responsável pelo projeto do Centro de Construção e
Demolição do Teatro no RJ, comparava os resultados do teatro de tarefa aos de uma fábrica que
era montada exclusivamente para produzir um produto: as companhias são uma fábrica de
21
teatro. As peças avulsas são uma aberração, uma fábrica montada para fabricar um único produto;
esse produto vende ou n
ão e a fábrica acaba depois . (FREIRE FILHO, 2002, p.90)
Com preocupações como essa, denotando a necessidade de dar ao trabalho um caráter de
continuidade e pesquisa, o grupo fugiu dos textos convencionais e estreou em 1981 uma
adaptação do livro O Proce
sso
de Franz Kafka. A adaptação de textos literários não dramáticos
será uma tônica na carreira do grupo, e também uma tendência do teatro naquele momento, sendo
a mais importante referência a montagem em 1978 de
Macunaíma,
o romance do herói sem
nenhum
caráter, de Mário de Andrade, por Antunes Filho e seu grupo. Essa montagem tornou-
se
um marco no teatro brasileiro abrindo uma nova vertente de renovação da cena, ancorada no uso
de textos não teatrais e na construção de uma elaborada linguagem, que abusava da simplicidade
de elementos utilizados com extrema criatividade, além de falar da própria cultura brasileira e
seus marcos referenciais. Sobre o assunto Sebastião Milaré comenta:
Em 1978, com ventos que anunciavam a volta da democracia, o teatro começou a reagir, a
reinventar
-se. O movimento regenerador teve um impulso maravilhoso com a estréia de
Macunaíma , baseado na rapsódia de Mário de Andrade e com a genial direção de Antunes
Filho, que logo conquistou o mundo. Na história do teatro brasileiro Macunaíma significou a
recuperação das utopias que pareciam perdidas. Religou as épocas, em um cerimonial de fé na vida
e no ser humano.
(MILARÉ, 2004, p.29, tradução nossa)
A influência deste espetáculo que se apresentou em 1979 no Palácio das Artes fo
i marcante sobre
a cidade. O teatro se renovava através da criativa utilização de elementos simples, numa
celebração de seu caráter coletivo e transgressor.
22
A história da companhia é uma história de rupturas e recomeços, motivo pelo qual ela também
funcio
nou como um celeiro por onde passaram muitos atores e artistas e surgiram novos grupos e
novas propostas. Na época da estréia de O Processo, na sala Multimeios da Biblioteca Pública
Estadual Luís de Bessa, um espaço interessante para experimentações hoje transformado no
Teatro Usiminas (mais um espaço à italiana) a Sonho & Drama já havia sofrido importante baixa.
Do núcleo básico do qual também fazia parte Nely Rosa, três saíram: Teuda Bara, Adyr
Assumpção e Hélio Zollini, resolveram se integrar à trupe de José Celso Martinez Correa, que de
volta ao Brasil depois do exílio, apresentava em Belo Horizonte, no teatro do DCE da Federal
(hoje Cine Belas Artes/Liberdade), o espetáculo Ensaio Geral do Carnaval do Povo. Os três
foram para São Paulo, Rio de Janeiro e depois migraram para São Luís do Maranhão, onde Adyr
e Helinho fundaram um novo grupo, o Circo Teatro Kuzala, que volta para Belo Horizonte em
1985. Com eles vai-se a segunda parte do nome, as bananas de Carmen Miranda, e o grupo
assume seu lado menos an
árquico.
O Processo traz uma marca forte de linguagem teatral: a opção pelo não realismo, uso de um
espaço não convencional, humor que foge da obviedade das comédias do gênero besteirol (que
começa a se espalhar do Rio de Janeiro para o resto do país), trabalho corporal apurado. No
elenco novas caras: Gil Amâncio, que além de atuar, vai se tornar preparador corporal e criador
de trilhas sonoras, Bernardo Matta Machado, Paulo Lisboa e eu, nos juntamos a Luís Maia, ator
e ilustrador, criador das peças gráficas dos espetáculos e a Carlos Rocha, que a partir de então
assume a direção de todos os espetáculos, além das adaptações literárias. Esta primeira
experiência mereceu o Troféu João Ceschiatti, Prêmio da Associação Mineira de Críticos de
Teatro na Categoria Melhor Texto Mineiro montado (adaptação de O Processo de Kafka).
Bernardes (1981) destacou:
23
Acho o trabalho muito importante por vários motivos.Inicialmente porque o jovem grupo o
esperou as senhas do Rio ou de São Paulo, neste novo momento, para fazer uma montagem nova,
criativa. Depois, porque abrindo-se ao experimentalismo, o Sonho & Drama não se deixou levar
pela euforia da forma, da mera pesquisa de linguagem, como é comum acontecer - e também
saudável, por que não? - mas, aplicou forma/pesquisa a um conteúdo, numa proposta politizada,
mas não didática ou panfletária. Lúdica, como é bom ao teatro, à arte.
(BERNARDES, 1981, p.2)
Desde o primeiro trabalho, dois fatores vão tensionar as relações internas. É que a companhia
nasce em um momento marcado por um lado pela desarticulação da classe cultural, que vive a
ressaca da ditadura militar, deixando a proposta de se trabalhar em grupo desacreditada e por
outro pela valorização da figura do encenador (fenômeno que acontecia na Europa desde a
década de 50) em detrimento das experimentações coletivas, que deram o tom de ousadia na
década de 70, quando as funções se diluíam em busca de uma integração total (que às vezes
redundava em espetáculos caóticos). A Cia. Sonho & Drama se constitui num período que é
considerado como o de um
vácuo
no surgimento de grupos teatrais e tem à sua frente um diretor
com características de encenador, alguém que estimula e organiza o trabalho de criação,
apostando no processo, mas tem a palavra final sobre o que será ou não usado em cena e na
concepção geral dos elementos constituintes do espetáculo, enfim na sua estética. O peso da
estética, ou melhor o rigor estético, é uma das mais marcantes características deste período,
refletida na criação de muitos grupos que
surgiram:
Pilar do melhor teatro produzido nos anos 60-70 o teatro de grupo sofreu uma retração na década
seguinte, dando lugar ao domínio do diretor. Foi também um período fértil, durante o qual
aprendemos muito a respeito das possibilidades da renovação da linguagem cênica, promovida pela
ousadia e internacionalismo de bons diretores em ação.
(GARCIA, 2004, p.25)
24
A geração anterior tinha percorrido o caminho da estética à política e agora o retorno se fazia
num grau de maior apuro, advindo da profissionalização e dedicação (quase integral) ao teatro.
Deste modo, a década de 80 dará contribuições importantes ao terreno teatral, estimulando os
estudos de semiologia, que, começando na literatura, vão se espalhar para todas as artes,
exatamente pelos avanços na qualidade estética dos trabalhos, às vezes em detrimento do texto,
que passa para um segundo plano, e do discurso politizado, que junto com o texto lugar a
questionamentos de ordem mais filosófica. No caso da Cia. Sonho & Drama o delicado equilí
brio
entre forma e conteúdo vai dar ao grupo um perfil diferenciado e, apesar de todas as dificuldades
da época, torná-lo uma referência de qualidade e ousadia na construção de uma linguagem teatral
consistente.
Antes de avançar na trajetória da Sonho & D
rama é preciso compreender a definição que delimita
as fronteiras entre grupo e companhia. Originalmente o termo
companhia
era utilizado na década
de 50 e 60 (do século XX) para designar uma estrutura profissional e capitalista de produção de
espetáculos,
implicando em salários e direitos e na figura de um empreendedor, que não era
necessariamente um artista da área, mas sim um empresário, preocupado sobretudo com a
viabilidade econômica dos seus investimentos. O exemplo mais bem-sucedido deste formato,
div
isor de águas no teatro nacional, foi o Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, tendo à frente o
italiano Franco Zampari. Encontramos também nesta época, como sócios proprietários das
companhias, atrizes e atores de renome, colocando inclusive seu nome à frente do
empreendimento. Mesmo grupos históricos como Oficina, Arena e Opinião, que advogavam um
teatro engajado, funcionavam como companhias, no sentido de querer o máximo de
profissionalização nas suas relações e tendo que conviver com as duras regras do me
rcado,
subordinando
-
se às suas leis implacáveis. Em oposição a este formato a idéia de
grupo
surge nos
25
anos 70, como uma possibilidade de organização cooperativada, que se refletia também na
renovação da linguagem, dando origem às experiências de criação
coletiva.
Grupo
passa a
designar então um coletivo de artistas, com funções mais ou menos definidas, com os integrantes
se revezando nos papéis de diretor, dramaturgo, ator, produtor e dividindo os lucros (ou
prejuízos). Embora toda esta distinção seja fundamental para se entender modos de produzir
diferentes, na verdade em Belo Horizonte os termos
companhia
e
grupo
foram usados
indistintamente (e ainda o são), significando a mesma coisa: um conjunto de artistas imbuídos de
objetivos comuns, mantendo uma formação estável, próximo da definição de Barba (1992), para
quem um grupo se caracteriza por ter uma técnica, uma estética e uma ética.
A Sonho & Drama foi uma das primeiras a retomar o termo companhia dando lhe novo sentido
ainda no final dos anos 70 quando foi fundada. Depois a denominação se popularizou, até atingir
a maioria dos grupos, como podemos ver pelos que o hoje atuantes no teatro mineiro: Cia.
Clara, Cia. Luna Lunera, Cia. Drástica, Cia.Forte, Cia. Acômica, etc.
Depois de
O Processo
uma emp
reitada mal sucedida, com o grupo reduzido a dois atores em cena
(um deles convidado), pois os outros estavam em trabalhos paralelos e eu grávida do primeiro
filho (Carlão e eu nos casamos em 1981 e temos três filhos), o grupo se dedica a montar um texto
teatral, do qual conservou o miolo. Esperando Godot, de Beckett se transformou em Dois pra
lá, dois pra . Em cena, Paulo Lisboa (1961-1996), e o hoje respeitado
videomaker
Éder Santos
se revezavam nos papéis dos dois mendigos, Didi e Gogô, e da dupla Pozzo e Luck. Esperavam
Fortuna, novo nome de Godot.
26
A peça cumpriu curta temporada no Teatro do D.C.E. da UFMG e praticamente se encerrou
depois dela. Apesar do relativo sucesso do espetáculo anterior, a falta de público, a falta de
recursos para a produ
ção, além de um grupo reduzido não sustentaram a continuidade do segundo
trabalho da companhia, embora os planos para ele fossem muitos: atingir o público jovem, fazer
mais apresentações do que o anterior, solidificar o trabalho da companhia. Todo o desgaste de
investir numa montagem que logo foi abandonada contribuiu para que logo depois fosse aceito
um convite para participar de uma montagem encomendada. Tratava-se do texto de teatro do
absurdo
As Pulgas do dramaturgo português radicado em Belo Horizonte, Cunha de Leiradella,
vencedor do concurso da APATEDEMG (Associação dos Profissionais em Artes Cênicas de
Minas Gerais) e Rede Globo Minas de Dramaturgia. Essa associação que deu origem ao SATED
(Sindicato dos Artistas) administrava os recursos da montagem, que era patrocinada pela Rede
Globo e que deveria cumprir temporada no Teatro Francisco Nunes em Belo Horizonte, com
direito a chamadas em horário nobre da TV. Para a direção da montagem foi convidado o Carlão,
como era (e é) conhecido Carlos Rocha no meio artístico. Para interpretar o papel do casal
maduro foram convidados Wilma Henriques e Elvécio Guimarães, nomes de destaque do teatro
mineiro. A montagem não era da Cia. Sonho & Drama, mas o diretor aceitou o convite em troca
da inclusão dos atores da sua trupe, todos de volta à ativa. Depois de alguns problemas gerados
por essa postura, e da troca de Elvécio Guimarães, que tinha um compromisso de viagem, por
Antônio Naddeo, começamos os ensaios, que duraram exatos 30 dias. Apesar do pouco tempo e
das limitações impostas por um texto fechado , a montagem conseguiu refletir alguns
elementos trabalhados pelo grupo nos dois espetáculos anteriores: o humor crítico e uma busca de
ir além do naturalismo na construção de personagens (auxiliado pelo texto com influências do
dramaturgo do absurdo Eugéne Ionesco). O tempo curtíssimo não se adequava às
experimentações do processo de ensaios das montagens anteriores e a concepção de todos os
27
elementos, de toda a estética do espetáculo couberam ao diretor, que deixa mais claro seu perfil
de encenador. Positiva foi a convivência e a troca de experiência entre gerações distintas. Além
desses foi importante o aspecto econômico, que o elenco recebeu pelos ensaios e também um
cachê fixo durante a temporada, propiciando uma reabilitação para o grupo, que voltou a se
reestruturar em torno de seus objetivos de pesquisa.
Em 1984, um projeto apresentado ao Goethe Institut propunha a montagem de
A Metamorfose
e
a remontagem de
O Processo.
A estréia marcaria a inauguração de
um novo espaço alternativo na
FOTO 1 A Metamorfose, 1984. Em cena: Cida Falabella
FONTE: Foto de Paulo Laborne, arquivo ZAP 18
28
cena mineira: a Sala João Ceschiatti, no subsolo do Grande Teatro do Palácio das Artes. Para
essas montagens, a volta de Bernardo Mata Machado e Gil Amâncio deram novo fôlego ao
grupo.
O espaço, segundo Raul Belém Machado, cenógrafo que o concebeu, um teatro de
esporão, era perfeito para a experimentação a que as montagens se propunham. A sala era usada
em
todos os seus recantos, incluindo uma escada que não levava mais a nenhum lugar (já que seu
contato com o foyer do Grande Teatro havia sido fechado) onde acontecia a cena do casamento
de Grete, irmã do
homem
-
barata
Gregor Samsa. As montagens foram apresentadas também em
Salvador, no teatro do ICBA, através de convite do Goethe Institut, período da entrada do ator
Rodolfo Vaz para o grupo, trabalhando na produção.
Neste mesmo ano um vôo maior começa a ser planejado. Desejo de grande parte da classe
artístic
a mineira, e projeto no qual o diretor Antunes Filho trabalhava (sem contudo chegar a um
espetáculo), a adaptação do romance de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, começa a
tomar contornos definidos. Apesar de muita especulação sobre possíveis negociações anteriores
envolvendo os direitos autorais, através de uma conversa com Wilma Guimarães Rosa, filha do
escritor, radicada em Londres, conseguimos, sem muita dificuldade, (principalmente se
comparada com a atual) a autorização para transpô-lo para o palco. As condições eram
extraordinárias: pagamento de apenas 6% da renda da bilheteria (os outros 6% caberiam ao
adaptador, no caso Carlos Rocha), sem a cobrança dos temido
avaloir
, adiantamento exigido por
alguns autores, que muitas vezes inviabilizava as montagens naquela época.Uma grande equipe
foi formada tanto para compor o elenco, como para cuidar da produção e conseguir os recursos
necessários. Um convite foi feito especialmente a Jota D Ângelo, ator e diretor teatral, um dos
interessados em verter para a linguagem teatral o romance. Ele foi convidado a trabalhar no
projeto, colaborando na dramaturgia, que já se afigurava uma empreitada difícil, pela grandeza da
29
obra, tanto no que se refere à sua inegável qualidade literária, como a sua extensão e
compl
exidade lingüística. Apesar de uma primeira sinalização positiva a parceria não se
concretizou, impedindo o grupo de aprofundar o contato com um dos mais importantes homens
de teatro de Belo Horizonte, responsável, entre outras realizações, pela criação do Teatro
Universitário, fundador do Grupo de Teatro Experimental, responsável por espetáculos
antológicos como OH!OH! OH! Minas Gerais,
Numância,
Pelos Caminhos de Minas, etc. O
convite não efetivado comprova uma certa dificuldade de diálogo que existia ent
re as gerações na
época, talvez motivada pela questão das visões teatrais e ideológicas diferentes. Hoje estas
barreiras estão bem mais diluídas, e grupos de faixas distintas de idade trocam experiências com
maior freqüência, resultando em parcerias produt
ivas artisticamente.
Outro apoio buscado, num período em que não existiam leis, nem secretarias de cultura
municipal ou estadual, foi o da Fundação Clóvis Salgado. Um projeto de tamanha extensão e com
o ineditismo que trazia era uma oportunidade de estreitar os laços daquela instituição com o
teatro, fato que vinha ocorrendo com as primeiras tentativas de implantação da escola de
formação de atores (embrião do Centro de Formação Artística - CEFAR ), através de cursos
livres com duração de um ano e da montagem do espetáculo Essa tal de Dona
Beja,
com direção
de Paulo César Bicalho, considerado o
Macunaíma
mineiro.
A idéia era a de uma co-produção, com a Fundação investindo na montagem, apostando na
capacidade do grupo. Depois de intermináveis reuniões, o importante apoio se reduziu à cessão
de uma sala para ensaios, o Pequeno Estúdio. A postura artística do grupo, que com certeza não
admitiria interferências no seu processo de criação, marca a trajetória da companhia, custando
-
lhe
algumas vezes inimizades e até perda de espaço na imprensa, nas concorrências, nos acordos da
30
classe artística. No entanto, são elas que vão ajudar a construir uma carreira coerente tanto
artística, quanto eticamente.
Magda Lenard, jornalista e crítica do Diário da Tarde, incansável defensora de um teatro mineiro
de qualidade, toma para si a defesa do projeto:
Trata
-
se da coisa mais séria surgida no teatro mineiro, talvez. Sempre falamos aqui da necessidade
de um teatro realmente representativo da gente mineira, dos nossos costumes, do nosso linguajar,
dos nossos próprios sentimentos, porque a mineiridade é característica deste povo que vive entre
montanhas.[...] Esta foi sem vida, a melhor notícia que recebemos em 85 e fazemos fé, muita fé,
nesta grande montagem
.(LENARD, 1985,
p.15)
A gestação de Grande Sertão: Veredas durou os nove meses necessários ao nascimento de um
filho, um filho muito desejado. Podemos dizer, sem incorrer em excessos que a peça foi um
marco do teatro mineiro e nacional. No palco, oito atores (Paulo Lisboa, Cida Falabella, Luís
Maia, Rodolfo Vaz, Evandro Rogers, Oswaldo Rosa, Juliana Gontijo e Simone Ordones)
funcionavam como um corpo de baile afinado e múltiplo, dando cor e forma aos sons do sertão,
dando vida aos personagens arquetípicos da obra maior de Guimarães Rosa. Foi um grande
sucesso de público e crítica, dentro e fora do estado.
Muitas temporadas se sucederam, confirmando o acerto e ousadia da idéia. A primeira montagem
do
Grande Sertão: Veredas projetou o grupo nacionalmente. A temporada no Centro Cultural
Vergueiro, em São Paulo, teve excelente público, rendeu as melhores críticas e a elas se
sucederam temporadas no Rio, em Brasília e muitas cidades do interior mineiro.
Seguindo uma das mais sólidas tendências contemporâneas, que coloca o ator no centro do
fenômeno teatral, encarregou seu elenco de criar aos olhos do blico o espaço dos gerais, seus
animais, sua flora e seus cheiros
.(GUZIK,1986, p.5
)
31
O palco, à exceção de um monte de terra vermelha simbolizando o sertão, encontra-se nu e é,
essencialmente, vestido por mímicas e sons onomatopaicos.O resultado é uma cena muito
sofisticada em sua simplicidade, com um clima tensionado e marcado, com freqüência, pela
percussão.
(MARINHO, 1986, p.6)
O sucesso também provocou substituições e novas baixas, incluindo outro casamento no elenco,
entre Luís Maia e Juliana Gontijo, que em seguida se mudam para São Paulo. Ela segue na
carreira de atriz. Ator de delicada sensibilidade, responsável pela criação de personagens
complexos, como o Hermógenes do Grande Sertão, Luís não voltou mais a atuar e abraçou sua
segunda profissão, tornando
-
se um ilustrador de livros respeitado.
Muitas propostas e convites apareceram, trazendo possibilidades inclusive de carreira em
festivais internacionais. Mas a instabilidade do elenco e a necessidade de novas substituições,
além de possíveis ajustes técnicos, que afetariam as características da montagem (o cenário era
um caminhão de uma tonelada de terra vermelha) não seduziram o diretor Carlos Rocha que
resolveu
, apesar de todo o sucesso e das possibilidades de continuidade, interromper as
apresentações, temendo uma descaracterização da montagem original. Esta é uma tônica desse
período: as montagens não conseguiam se transformar de fato em repertório, devido à falta de
uma estrutura maior, que envolvia questões como espaço próprio, elenco coeso, agenda contínua
de espetáculos e a preservação da qualidade cnica das montagens. A falta de apoio aos grupos
que tentavam se manter estáveis era a regra e não a exceção. Sobreviver como coletivo
significava naquela época um esforço infinitamente maior do que poderiam supor os grupos de
hoje. Não havia quase ninguém a se recorrer. E assim muitos grupos morriam de inanição. Em
Reis (2005) o dramaturgo e diretor teatral
Eid Ribeiro comenta os dois lados da questão:
32
A gente fazia teatro amador no sentido da sobrevivência porque todos viviam de outro trabalho, era à
noite que a gente se reunia para ensaiar. Mas considero que éramos profissionais em termos da
criação, do envolvimento, da entrega, da seriedade em que abraçávamos a proposta estético-
ideológica dos grupos. Hoje é diferente e é possível viver de teatro, em condições muito
semelhantes que se vive com outras profissões. O problema é que, ao adquirir uma estrutu
ra
profissional, o teatro acaba virando mercadoria e passa a ter compromisso com o mercado e o
sucesso
...(REIS, 2005, p.43)
FOTO 2 Grande Sertão:Veredas, 1985
Fonte: Foto Dilu, arquivo ZAP 18
De certo modo as peças passam a ter uma vida mais longa, se transformando em repertório, com
a conquista de espaços (ainda que provisórios) para desenvolver os ensaios e atividades de
manutenção. O grupo aos poucos aprende a conviver com a instabilidade, como algo inerente ao
33
fazer teatral, tentando contornar as questões técnicas, sem abrir mão da qualidade e sem deixar
morrer espetáculos ainda recentes, que mantidos vivos ajudavam o grupo a sobreviver.
Para realizar
Antígona
de Brecht contamos de novo com a parceria do Goethe Institut. Em 1986,
completavam
-se os 30 anos da morte de Bertolt Brecht, justificando um grande evento. A
montagem deveria estrear no Palácio das Artes e depois cumprir temporada no Centro Cultural
Vergueiro em São Paulo. Foram seis meses de ensaios resultando numa leit
ura bastante particular
do texto de Brecht, versão moderna da heroína grega, reafirmando os direitos do indivíduo diante
de um estado autoritário. O texto foi enxugado e a cena ganhou influência oriental, refletida na
música, nos objetos cênicos (não existia cenário) e na composição das personagens, estilizada ao
limite. Foi uma radicalização dos elementos existentes no espetáculo anterior, como destaca Gil
Amâncio, citado por Rocha (2005), responsável pela trilha sonora e preparação corporal:
Montar Ant
ígona foi muito excitante, pois pela primeira vez iríamos trabalhar com o texto teatral, e
Carlão para complicar não queria trabalhar com uma referência. E assim partimos para a
leitura do texto de Sófocles, de Bertolt Brecht para criarmos um texto que
permitisse a companhia o
desenvolvimento de sua linguagem. Como responsável pela preparação corporal e composição da
trilha sonora, fui buscar nos dois autores os pontos comuns. Primeiro foi no campo da música que
está presente nos dois textos, no de Sófocles a musicalidade que se expressava através da forma
como foi escrito o texto rítmico, que tem todo um ritmo na sua construção. E em Brecht a influência
que os musicais tiveram em sua obra e também o teatro oriental. Antígona foi realmente um
trabalho de muita pesquisa [...] trabalhava com a idéia de signos que dialogavam em cena, fui
buscando elementos sonoros que fossem dando força ao ator na construção desses símbolos.
Creonte que era o símbolo do poder da Tirania. Chegamos ao som do berimbau que trazia uma
explosão e timbres metálicos que foram ajudando o ator a construir toda a sua movimentação em
cena
.(
ROCHA, 2005, p.47)
A montagem acabou estreando em São Paulo, devido a uma greve do funcionalismo público
que paralisou o Palácio das Artes, espaço previsto para o lançamento. Para a montagem
nova formação: além de mim, Paulo Lisboa e Helvécio Izabel, sobreviventes da travessia do
34
sertão, entraram Elisa Santana, que vinha do grupo
Encena
dirigido por Wilson de Oliveira,
e Jonas Miquéias (que entrara na temporada de Grande Sertão: Veredas no Rio no lugar
de Juliana Gontijo) da Cia. de Teatro Dança Pagu de Carmen Paternostro. O trânsito de
atores (entre grupos) movidos por um desejo pela experimentação de novas linguagens era
uma prática comum na época.
FOTO 3 Antígona, 1986. O ator Paulo Lisboa, no papel de Creonte.
Fonte: Arquivo ZAP 18
35
Elisa Santana conta que se convidou para entrar na Sonho & Drama depois de ter assistido ao
Grande Sertão, espetáculo que para ela foi uma revolução no teatro mineiro, como relata em
entrevista (Anexo B):
Entrei para a Cia. em 1986. Acabara de ver o espetáculo Grande Sertão: Veredas , dirigido por
Carlos Rocha e me encantei com a linguagem. Ao saber que estavam procurando uma atriz para a
montagem da peça Antígona, me ofereci para entrar no trabalho e fui aceita. Desde então passei a
fazer parte da Cia.
Em São Paulo,
Antígona
estreou com muitos ajustes ainda por se fazer e problemas na produção.
As condições do Centro Cultural Vergueiro que haviam sido excelentes no Grande Sertão não se
repetiram. Estreamos em horário alternativo e dividíamos espaço com mais duas produções. Tudo
isso fragilizou o grupo e foram questões contornadas apenas mais tarde, com mudanças na
estrutura do roteiro e o amadurecimento advindo das apresentações. Depois de ter sido incensado
pela crítica em Grande Sertão: Veredas, o grupo enfrentou opiniões que iam das
ponderações
embasadas de Alberto Guzik, que apontou algumas dificuldades na leitura da obra de B
recht até a
rudeza da crítica da Folha da Tarde, Vivien Lando, que estampou, sem dó, no título de sua crítica:
Fuja deste espetáculo . Em Belo Horizonte onde cumpriu temporada, recebeu o apoio de artistas
de outros grupos, como Eduardo Moreira do Galpão:
Em Antígona, vejo além de um belo espetáculo, principalmente uma etapa do processo teatral de
um grupo
o Sonho e Drama. É uma viagem que passa por Kafka, Beckett, Guimarães Rosa,
Brecht, carnaval, batucada, tragédia; num visual extremamente requintado que ao mesmo tempo se
apresenta orgânico no corpo dos atores. É um teatro ao mesmo tempo sofisticado e epitelial; formal
e cheio de um sentido do dia
-a-
dia; emocionante e político vibrante
-
trágico e distanciado. Talvez
um teatro essencialmente brechtiniano. Mas principalmente um teatro que é fruto de uma
incessante e inesgotável pesquisa, que se realiza num trabalho contínuo. Ver esse caminho e essa
disposição a esse teatro, que se propõe num processo sem fórmulas e sem medo de errar. É que
mais nos
emociona nesta Antígona da Sonho e Drama .(MOREIRA, 1987, p.2)
36
Sem dúvida
Antígona
era um estranho espetáculo, sem concessões inclusive aos que se
consideravam herdeiros de Brecht na cidade, que não viram com bons olhos uma certa
liberdade na leitura da obra. Apesar de apoios importantes de outros grupos a recepção crítica
em Belo Horizonte não foi muito favorável e acabou se refletindo em outras searas.
Antígona
recebeu uma ajuda significativa da FUNARTE (Fundação de Arte e Cultura), para a montagem,
mas não conseguiu data em concorrência para o Teatro Francisco Nunes, tendo recebido, do júri,
notas que variavam de 0 a 4, para quesitos como elenco e direção. Concorreu também nesse ano a
todas as categorias do teatro adulto, ficando com os de Melhor atriz coadjuvante para Elisa
Santana,
Melhor ator coadjuvante para Helvécio Izabel e
Iluminação
para Carlos Rocha. Esta
premiação foi interessante pois colocou lado a lado duas maneiras de se fazer teatro na cida
de,
naquele momento, que podemos definir, sob pena de incorrer em um esquematismo, em modo
naturalista
e o modo não naturalista. No primeiro representado pela montagem do texto Lua de
Cetim
de Alcides Nogueira, por Pedro Paulo Cava, a cena causava
identif
icação
e no segundo a
Antígona
de Brecht, pela Sonho & Drama, causava
estranhamento
. Esta questão do não
naturalismo, da experimentação, são marcas que ficarão coladas à imagem do grupo.
O próximo trabalho seria um momento de buscar um público novo: o infantil. O texto escolhido
foi
Vida de Cachorro da artista plástica Ivana Andrés, que assinou junto com Wanda Sgarbi o
cenário da montagem. O espetáculo infantil marcou positivamente a carreira do grupo, sendo o
espetáculo mais duradouro. Começou sem grandes pretensões e ficou em repertório mais de 5
anos e presenciou bons e maus momentos da companhia sem se diluir. Nele toda a pesquisa
ganhou no sentido lúdico, no jogo. O ponto alto da sua carreira foi o convite para o Festival
Internacional de Teatro de C
aracas, em 1992. Foram seis apresentações lotadas e com uma
37
FOTO 4 Vida de Cachorro Em cena: Cida Falabella, Chico Aníbal e Simone Ordones, 1988
Fonte: Foto de Anna Karinna, arquivo ZAP 18
comunicação perfeita com as crianças, apesar da barreira da língua. De pra cá, os espetáculos
infantis passaram a fazer parte do repertório do grupo, sendo além de uma opção
economicamente viável, um espaço para desenvolver a pesquisa de linguagem. O desejo de
participar da formação de platéias fez com que as novas produções, A menina e o vento e
SuperZÉroi
estivessem ancoradas em projetos mais amplos, buscando um diálogo com as
escolas, os professores e se desdobrando em atividades interativas com o público.
38
Depois de experiências plurais - uma adaptação literária, uma releitura da tragédia grega e um
espetáculo infantil, o novo trabalho apontava na direção da construção de um texto original,
durante o processo de ensaio. O roteiro final e a direção seriam de Carlos Rocha. A inspiração
veio
do disco Cabeça Dinossauro do grupo de rock paulistano Os
Titã
s e tinha como fábula a
trajetória de um
yuppie
, que se envolvia com o comércio de armas e que, subitamente começava
a urrar. (O texto pouco conhecido de Eugene O Neill, O Macaco Peludo também foi uma
referência.) A partir daí, uma epidemia ia aos poucos se espalhando pela metrópole, causando
pânico na população. O desejo do grupo era de que o título fosse o mesmo do disco que inspirou
a montagem. A produção travou contato com o integrante da banda, Arnaldo Antunes, para pedir
autorização para usá-lo, mas, apesar da receptividade à idéia, razões contratuais com a gravadora
impediram sua liberação. O nome provisório ficou sendo Mercador de Quimeras.Durante o
processo de ensaio, o grupo viveu seu maior e mais profundo racha . As dificuldades
costumeiras de produção: a falta de recursos, espaço de ensaios inadequado, aliada a uma posição
comum das atrizes que buscavam interferir e questionar o texto em construção geraram
discordâncias nos ensaios, que foram tomando corpo, até que Carlos Rocha e Paulo Lisboa
resolveram abandonar o trabalho. A saída do diretor e principal articulador e de um dos atores
mais antigos apontava para o fim também do grupo. No entanto o desejo de interromper a história
da
companhia não cabia mais a eles, e ainda existiam dívidas da montagem abortada, o que
levou o grupo das mulheres a assumir para si o ônus dos desentendimentos. Vida de
Cachorro
veio em socorro dos que ficaram e ganhou a concorrência para o Projeto Arte Cênica na Escola,
ajudando a sustentar financeira e moralmente o grupo. Saíram duas cabeças pensantes, o diretor e
o ator que melhor traduzia suas proposições artísticas e estéticas, ficou uma tríade: Cida
Falabella, Elisa Santana e Simone Ordones. Três mulheres de diferentes formações, desejos,
idades, mas que tinham em comum o objetivo de continuar a fazer teatro em grupo.
39
2.2 A era do feminino (2ª fase)
A reestruturação do grupo foi lenta, dolorosa, mas também cheia de idéias novas e de um modo
de
fazer preocupado em preservar as produções, e viabilizar o viver de teatro . A busca pela
estabilidade profissional em terreno por natureza instável era permanente. Na direção, por ser a
que tinha mais tempo de casa , fui escolhida. Mas o trabalho e o pensar o grupo era coletivo,
dividido com Elisa Santana e Simone Ordones. O reinado feminino preservou valores e
delimitou objetivos bem claros: o foco central das investigações passa a ser a cultura brasileira e
mineira. Atenção especial também seria dada à formação contínua, vários profissionais, como
Míriam Tavares, Eládio Perez González, Babaya e Luís Herrera passam a trabalhar com o grupo,
oferecendo oficinas para o aperfeiçoamento do corpo, voz, interpretação. O espaço para realizar
as atividades começa a ser perseguido arduamente. O novo desafio em termos de montagem
ainda estava preso ao passado recente: fazia parte da lista de possíveis montagens pertencentes ao
Carlão.
A relação entre Cia. Sonho & Drama e Carlos Rocha nunca se rompeu totalmente. No
entanto as pazes artísticas foram reatadas, em profundidade, em 2004, com a estréia do
trabalho
Uma Balada...Uma parábola
na ZAP 18, que será abordada mais adiante.
A Casa do Girassol Vermelho, nome de um livro e um conto de Murilo Rubião foi o
título
escolhido para a nova montagem. A adaptação, para não fugir da marca do grupo, reunia três
contos do autor: A Lua, Os três nomes de Godofredo
e
Bárbara
. O nome da peça remetia ao
universo de realismo fantástico, abordado pelo escritor em sua obra. Rita Clemente e
Epaminondas Reis, atores que participaram do elenco de Vida de Cachorro e estavam
40
integrados ao grupo, compunham com Simone Ordones e Elisa Santana o elenco. A eles, depois
da estréia, viria se juntar Francisco Aníbal, ator formado pelo CEFAR. O espetáculo conseguiu o
apoio da recém-criada Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte e deu origem a um
projeto que pretendia homenagear nomes representativos da cultura mineira em vida:
Memória
Viva.
Além do apoio financeiro, a montagem s
e apresentaria em oito regionais de Belo Horizonte.
O projeto previa ainda uma exposição no Foyer do Palácio das Artes, com curadoria de Márcio
Sampaio e um vídeo/adaptação do conto O pirotécnico Zacarias. Durante a montagem, dentro da
política de descentr
alização que começava a ser implantada, o grupo dava oficinas de iniciação na
Regional Barreiro para grupos de teatro amadores.
Começa uma nova fase na companhia, que para conseguir sobreviver acrescentou às suas
atividades as oficinas de teatro. Para
isto foi organizada uma divisão de trabalho e funções: corpo,
voz, jogos dramáticos, interpretação. Elisa Santana ficou responsável por desenvolver as
atividades vocais, tanto relativas ao canto, quanto à fala. Simone Ordones, trabalhava com jogos
de aquecimento e eu com interpretação. Participava também da oficina o ator Epaminondas Reis
e Docimar Moreira que auxiliava na produção. Era uma divisão dinâmica, um interferindo no
trabalho do outro, mas com preservação das áreas, para que cada um aprofundasse seus estudos.
As oficinas refletiam a experiência acumulada nos ensaios, baseando-se em muitos exercícios
desenvolvidos por Carlos Rocha e nos exercícios corporais e vocais utilizados por Gil Amâncio.
Muitos desses exercícios e jogos ainda são utilizados hoje em oficinas da ZAP 18. Garrocho
(1998) chama a atenção para a preocupação pedagógica que acompanha o grupo:
Entre nós, Carlos Rocha foi quem primeiro desenvolveu uma pedagogia de formação do ator,
exercitada em grande parte na Cia.Sonho & Drama. O meu contato com Carlão, como seu
assistente num dos estágios profissionalizantes da F.C.S. (Fundação Clóvis Salgado), já havia
41
apontado caminhos que permaneceram como pano de fundo, gerando inquietações. Interessante
observar que o ataque do Carlão é pratic
amente
lúdico
. (GARROCHO, 1998, p.9, grifo nosso)
Nos ensaios de A Casa do Girassol Vermelho, os estudos de Antropologia Teatral, descobertos
pela cidade pouco, influenciaram no treinamento diário e na construção das cenas. Gil
Amâncio foi convocado a fazer a preparação corporal e criar a trilha sonora da peça, Wanda
Sgarbi o cenário e figurino, junto com Marco Paulo Rolla, Carlos Rocha faria a iluminação.
Nossas opções estavam coladas no passado, o que era natural, não só pelo curto tempo da
separação
como pela afinidade artística. Os ensaios eram muito produtivos, com a dedicação de
toda a equipe, numa etapa de descobertas. Tivemos, a exemplo de trabalhos anteriores, a
orientação dos professores e estudiosos da obra de Murilo Rubião, Wander de Mello Miranda e
Eneida Maria de Souza, que realizaram uma série de palestras e estudos dos contos escolhidos.
No entanto, todas as certezas foram abaladas com a estréia. Caótica, é o mínimo que se poderia
dizer dela. Enquanto os ensaios aconteciam num espaço intimista do Centro Cultural da UFMG,
o local da apresentação era o enorme palco do Teatro Chico Nunes. O tempo para ensaios e
montagem no local foi exíguo, os atores se confundiam com as marcações e entradas de cena e
para completar o quadro uma pane no sistema elétrico deixou o teatro às escuras por horas no dia
da estréia. Um atraso de mais de uma hora ultrapassava o bom-tom e tornava todo o elenco ainda
mais nervoso. Na platéia a presença de autoridades, amigos, críticos e da temida Ismarzinha,
personagem
freqüentadora de todos os espetáculos teatrais da cidade, na época. Munida de uma
sacola cheia de comestíveis, que iam de iogurtes a bolachas barulhentas, Ismarzinha era
conhecida por sua crítica implacável, feita ao vivo e sem rodeios, e seus acessos de t
osse,
intermináveis. Foi com um deles que ela nos brindou numa das primeiras cenas da peça. O
espetáculo era feito de muitas imagens e longos silêncios, que ficaram ainda mais longos naquela
noite. Enfim a estréia foi um desastre, só recuperado muito tempo depois, deixando como certeza
42
para as próximas estréias, a realização de ensaios abertos e a preocupação com a transição da sala
de ensaio para o espaço da cena.(Só com o tempo de experiência é que foi possível compreender
melhor que o espaço da cena e do
ensaio devem ter uma estreita sintonia. Que semelhança existia
entre o nosso pequeno laboratório e o palco do Teatro Francisco Nunes? Mesmo que o tempo de
adaptação fosse maior, eram dois espaços completamente diversos. Não pela dimensão do
palco, mas
principalmente pela relação com o público).
Apesar de toda a tensão da estréia, a peça tinha a seu favor uma duração curta e chegou ao fim
provando que tinha qualidades. Com uma estrutura não linear, os contos Os três nomes de
Godofredo
e Bárbara eram encadeados pelo conto A Lua
, fragmentado em três partes. O cenário
se limitava ao mínimo necessário e a iluminação desenhava o espaço cênico, se transformando de
cena para cena. Entre elas, epígrafes retiradas dos contos funcionavam como entreatos. Murilo
Rubião, com quem tivemos um contato amistoso, revelou-se generoso não na cessão dos
direitos autorais como nas declarações à imprensa sobre ser adaptado: Se houver polêmica
ficarei ao lado da Cida , declarou gentilmente. A recepção crítica ao espetáculo não foi das
melhores, recomeçando com a nova diretora os embates anteriores. Ione Medeiros, diretora do
Grupo Oficina Multimédia, um dos mais atuantes e criativos de Minas Gerais, comentou após
assistir o espetáculo: Nós temos que nos juntar . Era uma senha que seria lida algum tempo
depois.
Como pode se notar, a relação com a crítica foi, nesse período, de muita tensão, que não se
limitava apenas à Sonho & Drama, mas se estendia para outros coletivos. Podemos dizer que
existia um descompasso entre crítica e produção teatral na época, agravada por ser um momento
de entressafra na função que havia sido exercida por intelectuais de peso como Paula Lima e
43
João Etienne Filho, e que tinha passado pelo trabalho de jornalistas como Magda Lenard e Luís
Carlos
Bernardes, interessados não apenas em produzir análises dos espetáculos, mas também
acompanhar os processos de montagem. O que passa a vigorar, depois do afastamento desse
grupo, como parâmetro de julgamento é o modelo da peça dramática bem feita , de est
ética
realista/naturalista, bem distante das experimentações dos grupos, que buscavam inspirações
diversas para a sua criação, fugindo dos conflitos psicológicos. A falta de ação do poder público e
uma relação de embate com a mídia rendiam um certo ar de marginalidade aos grupos,
indesejável nesse momento, pois impedia uma solidificação e reconhecimento de seu trabalho
artístico junto ao público, que vinha se afastando crescentemente do teatro nesse período.
De certo modo, com a abertura política, a arena teatral perde a sua importância e parte
considerável de sua platéia¹, nunca totalmente recuperada. O que para os grupos era considerada
uma falta de apoio da imprensa, de uma forma geral, estimulou uma ação conjunta: a Cia. Sonho
& Drama, o Grupo Galpão, que estreava a montagem de Álbum de Família, com direção de Eid
Ribeiro, e a Cia. Absurda, com Josefina, a cantora e A Toca (dirigidos por Carlos Rocha)
resolvem convidar críticos de fora para analisar os espetáculos. (De certo modo uma prática
colonialis
ta que nós mesmos queríamos combater). A expectativa era a de que eles fizessem
críticas para os jornais em que trabalhavam e que isso desse credibilidade ao trabalho dos grupos.
Aimar Labaki e Carmelinda Guimarães, de São Paulo aceitaram o convite. Macksen Luís, crítico
do Jornal do Brasil declinou. Ambos vieram, viram, conversaram com as produções depois, numa
atitude saudável e ficou nisso. A mudança de atitude da crítica em relação aos grupos,
___________
¹Este, no entanto, não é o espaço adequado para
esta questão que mereceria um estudo detalhado
44
considerando a especificidade do seu trabalho e suas proposições dentro de um contexto mais
amplo de estéticas e escolas vai mudar qualitativamente depois da criação do FIT (Festival
Internacional de Teatro) em 1994. A diversidade de linguagens artísticas passa a ser melhor
decodificada pelo jornalismo cultural, que começa a se preparar para falar de teatro no plural.
Neste sentido a ação do FIT e (também do ECUM, FID, etc.) é pedagógica, ela
ensina
a ci
dade
que o papel da atividade teatral vai além da apresentação de espetáculos, abrindo os processos de
trabalho dos grupos, numa troca de experiência salutar para o público, os artistas e os meios de
comunicação. Descobrir que a grande força de renovação do teatro, não só mundial como
brasileiro (e mineiro), passa pelos coletivos, estimula ações concretas também do poder público,
como veremos mais adiante. Sérgio Carvalho, diretor da Cia. do Latão, sobre isto comenta:
O nosso bom teatro de grupos, à revelia das condições gerais da produção cultural do país, tem
uma disposição inventiva que o teatro só atinge raramente, quando o sentido do teatral é
deslocado para as bandas do desconhecido, numa operação que não se dá jamais como ato isolado,
mas como dese
jo de relação com o outro
.(CARVALHO, 1996, p.36)
Com a Casa do Girassol Vermelho tivemos a oportunidade de amadurecer o trabalho de forma
privilegiada: realizando apresentações na periferia e tendo contato com um público de olhar
diferenciado, que não tinha costume de freqüentar o teatro. As lições aprendidas com esta
vivência foram fundamentais para o grupo, que buscava se fir
mar no sentido artístico e no sentido
de forjar uma ética nas relações extra cena. Buscar um público fora do costumeiro público de
teatro (formado em parte pelos próprios fazedores da cidade) tornou-se um dos grandes
objetivos da companhia, refletindo-
se
em iniciativas pioneiras como experimentar horários
inusitados, locais pouco comuns e ingressos a preço de banana . Nesse sentido se o Grande
Sertão
pode ser considerado o grande trunfo da fase comandada por Carlos Rocha, A Casa do
Girassol Vermelho, que aos poucos vai se impondo, traz junto com a montagem outras questões
45
importantes como o treinamento e formação do ator, a questão do espaço cênico e do espaço do
grupo e o questionamento:
Como, Porque e Para quem
queremos fazer teatro?
FOTO 5 A Casa do Girassol Vermelho Em cena: Epaminondas Reis e Elisa Santana, 1990
Fonte: Foto Guto Muniz, arquivo ZAP 18
Um olhar que nos deu também outra dimensão da montagem e do próprio ofício foi o de um
público estrangeiro. Em 1991, tivemos nossa primeira experiência internacional, participando do
Festival Internacional de Teatro de Países Bolivarianos e do Caribe, em Puerto La Cruz,
Venezuela. Nos apresentamos em três cidades, com excelente receptividade, fator muito positivo
para o grupo, pois contrariava as reações da crítica em Belo Horizonte, que considerava o
espetáculo hermético, talvez por sua estrutura fragmentada. Ficamos muito impressionados com o
46
apoio que a atividade teatral tinha na Venezuela, e o grande público interessado em teatro,
enchendo as salas de espetáculo. O intercâmbio Brasil e Venezuela começara dois anos antes,
com a descoberta do mercado internacional pela Cia. Absurda, grupo que Eid Ribeiro fundara e
que acolheu o ator Paulo Lisboa, na montagem de Josefina, a cantora - ou o povo dos ratos e A
toca,
textos de Kafka dirigidos por Carlos Rocha, depois de sua saída da Cia. Sonho & Drama.
Depois de participar de festivais em toda a América Latina e Central o grupo se estabeleceu em
Puerto La Cruz, na Venezuela, e de seg
uiu para Coimbra, em Portugal. Através de seu contato,
outros grupos mineiros se apresentaram neste festival, como o Oficina Multimédia e o Encena.
2.2.1 Encontrando outras ilhas
A partir de 1991, a história da Cia. Sonho & Drama, assim como de outros grupos, se associa
muito estreitamente à do Movimento Teatro de Grupo de Minas Gerais. Compreender a criação
desse importante movimento e sua atuação no panorama teatral da cidade elucida também
aspectos da trajetória da companhia que participou ativamente da associação, desde sua
fundação.
O desejo de unir forças para conseguir ter representação política existia desde o início da década
de 80. Foi numa antiga república de artistas na rua Grão-Pará, no bairro Sana Efigênia, que
surgiu o embrião do que se transformaria, quase dez anos depois, no Movimento Teatro de
Grupo. Ali representantes de grupos, além do nosso, como a Cia. Absurda, Grupo Galpão, Grupo
47
Encena e Patati & Patatá sonhavam em mudar a cara do teatro na cidade.Vale lembrar que não
existia uma política pública definida para a área cultural e os grupos eram discriminados na
ocupação de espaços, e na distribuição das parcas verbas públicas.
Sofrendo igualmente com essas questões, esses grupos se reuniam periodicamente, na tentativa
de articular uma fala comum e uma ação coordenada. Entretanto, as condições ainda não eram
favoráveis. Na busca do propalado profissionalismo, que marca a geração 80, os grupos tinham
que literalmente se virar , dando aulas, buscando recursos através de métodos pouco ortodoxos,
como venda de bônus para montar espetáculos, realizando turnês heróicas pelo interior e
ministrando oficinas de teatro. A luta pela sobrevivência exigia tanto de cada um, que naquele
momento, apesar de ser clara a necessidade de juntar esforços para melhorar os canais de
comunicação com o poder público e com a cidade, não se concretizou numa organização. Mas as
questões estavam detectadas, e pacientemente foram sendo gestadas. Dentro do próprio
Sindicato dos Artistas, o SATED, as divergências tomavam corpo, ficando nitidamente
delimitado duas formas de encarar o ofício, abordadas anteriormente: teatro de grupo,
identificado com a pesquisa artística e o teatro de tarefa, traduzindo o teatro comercial, em
busca do lucro.
No fim da cada de 80, existia na cidade um quadro de polarização entre o trabalho (mais
contínuo) dos grupos e das produções empresariais ou independentes. Essa situação começa a
sofrer modificações com a implantação da Secretaria Municipal de Cultura, durante o governo
Eduardo Azeredo em 1988, quando foi desmembrada da Secretaria de Esportes, Lazer, Turismo e
Cultura e tivemos como primeira secretária a presidente da Fundação de Educação Artística,
Berenice Menegale. A criação de uma Secretaria, por si, seria insuficiente para agregar artistas
48
em torno de propostas concretas de uma política pública de cultura, mas funcionou como um
poderoso catalisador de uma nova possibilidade para a cidade em termos artísticos e culturais,
que o desejo de mudança era real. A desejada abertura política, depois da frustração do
Movimento das Diretas com a eleição para presidente no ano seguinte, também soprou
novos ventos na área cultural.
A Secretaria Municipal, embora não dispusesse de recursos vultosos, abriu um espaço de diálogo
e se posicionou com clareza sobre assuntos espinhosos, que viriam a ser resolvidos na gestão
posterior, como por exemplo a concorrência pública dos teatros (que discriminavam os trabalhos
experimentais). Além disso iniciou um inédito processo de descentralização das ações culturais
com a participação de grupos que se apresentavam e ministravam oficinas em bairros da periferia
de Belo Horizonte.
Em 1991, vários grupos e artistas participavam das oficinas do
Festin,
Festival Internacional
realizado pelo grupo Galpão em parceria com a Prefeitura, acompanhando de perto o trabalho de
grupos como o italiano
Potlach
, que tinham no
training
o seu ponto forte, exigindo um tipo de
dedicação física e pessoal que trazia reflexão para todos os que compartilhavam da idéia da
importância do processo no trabalho final. As idéias do teatro antropológico, sistematizadas por
Eugênio Barba, discípulo de Jerzy Grotowski (que exercera poderosa influência sobre a pesquisa
de vários grupos, através de seu livro Em busca de um teatro pobre) circulavam através de
material xerocado (Anatomia do ator) e do relato de pessoas que tiveram a oportunidade de
participar de encontros fora do país e fervilhavam entre os grupos, confirmando a importância do
trabalho coletivo.
49
A presença de Eugênio Barba, numa palestra realizada pela Secretaria Municipal de Cultura, em
novembro de 1991, quando lançou o livro Além das ilhas flutuantes, com a presença do tradutor
Luís Otávio Burnier, diretor do grupo Lume, de Campinas, foi o detonador da criação do
movimento. Os grupos se viram representados naquela metafórica imagem de ilhas, longe do
continente, da terra firme, porém num espaço que permitia o encontro e a superação dos limites
pessoais. Sentimos através do olhar de um estrangeiro, como o próprio Barba se define, a
extensão ética da nossa escolha e a certeza de que ser um grupo é ter um saber comum, fazer
escolhas artísticas, estabelecer objetivos.
Ainda no final de 1991, dez grupos¹, representativos de diversas tendências e linguagens, se
reuniam com o propósito de fundar uma associação, que não por acaso recebeu o nome de
Movimento, e que em janeiro de 1992, lançava publicamente seu manifesto, um documento
nomeado
Em busca do tempo perdido,
do qual destaco o fragmento:
O teatro está historicamente ligado a movimentos culturais, à pesquisa, à busca de novas e
linguagens e à possibilidade de estímulos e públicos diferenciados, seja para atingir uma
comunidade próxima, seja ao se transformar em referência nacional. Transcende assim seus
li
mites geográficos para acentuar, ainda mais, a manifestação da inquietação do homem no
universo.
A experiência brasileira tem mostrado que a evolução das artes cênicas está virtualmente
associada à existência e permanência de grupos, que têm resistido à invasão comercialesca
mantendo aceso o desejo de ser testemunho cultural e artístico das transformações do seu
tempo.
Dentro desta ótica, é que os grupos aqui representados vêm se reunindo, discutindo, trocando
experiências e lançando a semente de um projeto cultural comum. São grupos que têm atuação
constante no mercado de teatro profissional em Belo Horizonte, sempre buscando e
pesquisando novas linguagens cênicas, tendo inclusive representado em festivais e eventos no
Brasi
l e exterior, o teatro que é feito em Minas Gerais.
___________
¹
Cia. Elétrica, Cia. Sonho & Drama, Circo Irmãos Dourado, Grupo Andante, Grupo deu Palla, Grupo de
teatro de bonecos Patati & Patatá, Grupo Galpão, Grupo Oficina Multimédia, Grupo Cabana e Grupo Encena
constam na ata como fundadores.
50
O poder público
-
Secretarias Municipal, Estadual e Federal de Cultura, tem um papel fundamental
a desempenhar na definição e implementação de uma Política Cultural.
A ação de entidades de classe, SATED e AMPARC, não tem representado para os grupos, os
interesses artísticos e culturais desejados. Temos como objetivo nos transformar em um Movimento
que venha ocupar um espaço político, além do artístico que o nosso trabalho sistemático evidencia.
Representará assim nossos interesses enquanto produtores de cultura junto aos órgãos públicos e
privados.[...]
Propomos
-
nos ao debate aberto e democrático em busca de uma política cultural efetiva
.
Como podemos observar, nele estavam expostas as principais diretrizes
que norteariam o trabalho
da organização, e a constatação de que, apesar da existência e o respeito às entidades existentes,
AMPARC e SATED, os grupos o se sentiam representados por elas, na defesa da
especificidade do seu fazer teatral. Em relação ao sindicato, a convivência foi desde o início
pacífica e até mesmo colaborativa, afinal todos se sentiam como trabalhadores do teatro. em
relação a Associação dos Produtores
AMPARC, hoje transformada em sindicato, SINPARC, a
postura foi, durante alguns a
nos, de confronto, exercido de maneira coerente por ambos os lados.
Além desta renovação no teatro como profissão de , contida no documento, havia propostas
concretas, onde a práxis e o pensamento andariam juntos. Confirmando a visão de longo alcance
do movimento que surgia, entre as ações a serem tomadas estavam medidas que ainda hoje estão
em pauta:
-
elaboração de novos critérios para a ocupação de teatros públicos
-
criação de novos espaços cênicos
-
política de captação e distribuição de verbas p
úblicas e privadas para a área teatral
-
criação de circuitos para apresentação de espetáculos na Grande BH e interior
-
intercâmbio e troca de experiências com grupos do interior, demais estados e países
51
A explosão dos grupos de grupos , não era um fato isolado no contexto cultural da época. No
primeiro número da Revista Ensaio Aberto , publicação que faria parte das atividades de
reflexão do MTG, Rosyanne Trotta, pesquisadora de grupos em todo o Brasil e também na
França e Itália, chama a atenção, para a retomada do trabalho das companhias estáveis como um
fenômeno clico. Nesse sentido, o Movimento Teatro de Grupo de Minas Gerais estaria ligado
ao Encontro Brasileiro de Teatro de Grupo (do qual a Cia. Sonho & Drama passa a fazer parte no
ano seguinte por indicação do grupo Galpão), realizado em Ribeirão Preto, em 1991, inspirado
por sua vez no movimento que aglutinava grupos peruanos em Lima. Na sua opinião o que
caracteriza essa nova onda, que ocorria também na Europa, levando a imprensa a mapear os
grupos no território francês, é uma profunda mudança no ser grupo, pois ele precisa sobreviver
dentro de uma sociedade pensada e estruturada com base na economia:
O desafio do teatro de grupo é o de reunir o máximo de profissionalidade permanecendo grupo.
Se
o grupo deseja a profissionalização, precisa adotar, ainda que com filtragem e restrições um
parâmetro de eficiência , não só em relação ao produto (termo que se torna usual e já evidencia a
inserção do grupo no mercado) mas principalmente à estrutura e à capacidade organizacional da
equipe.
(Trotta, 1992, p.8)
O desafio estava posto para os fundadores do Movimento: continuar grupo, enfrentar o
mercado , manter uma coerência artística, lutar pela valorização da ética nas relações. A partir
desses novos paradigmas, tanto os grupos que faziam parte da nova associação, como outros
tantos que se formavam, se colocaram de forma intensa no dia
-a-
dia cultural da cidade.
Apesar da pertinente análise da pesquisadora Rosyanne Trotta, quanto ao peso das relaçõ
es
econômicas no fazer teatral, a maioria dos grupos não se apercebeu desta questão e as estratégias
52
elaboradas davam mais atenção às duas linhas básicas de atuação definidas na criação do
Movimento: a articulação político - cultural e a troca artística entre os grupos. A primeira visava
propor diretrizes para a elaboração de políticas públicas consistentes na área de artes nicas e a
segunda resultou em memoráveis encontros, onde cada grupo expunha e refletia, junto com os
demais, sobre seus métodos, suas escolhas, sua linguagem. Esses encontros, experiência única e
estimulante, vão desembocar depois nos primeiros espetáculos e intervenções coletivas que
ocorreram durante edições do FIT PALCO & RUA,
evento da Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte, da qual o M.T.G. passa a ser parceiro a partir de 1996. Merece destaque a edição
especial de centenário, em 1997, quando a Praça 7 foi invadida por uma expedição que
apresentava cartões-postais da cidade, batizada de Zum, zum, zum, no meio do mar e que
reun
iu mais de 700 participantes, entre grupos teatrais, entidades civis, grupos folclóricos e
musicais. O evento foi considerado um feito não artístico, mas também histórico, colocando a
produção teatral local face aos grandes espetáculos trazidos pelo FIT, que encantaram a cidade
nas edições anteriores.
O êxito na outra frente de atuação pode ser medido pelo papel que a associação desempenhou nas
relações com o poder público, sendo a reformulação das concorrências públicas, totalmente
descaracterizadas por uma mentalidade mercantilista da arte e do teatro, uma das suas maiores
conquistas.
Outra preocupação do M.T.G. foi com a reflexão sobre o fazer teatral, lembrando que nesse
momento ainda não tínhamos o Curso Superior de Teatro, e que portanto os grupos eram (e
ainda o são) depositários de um conhecimento que ficava restrito aos seus integrantes. O
lançamento da revista Ensaio Aberto (que nunca teve uma periodicidade definida) pretendia
53
cobrir esta lacuna, publicando textos, artigos e entrevistas sobre o teatro e colaborando para a
circulação de informação, além de valorizar o trabalho de pesquisa dos grupos.
Interessante notar que embora apenas 10 grupos assinassem o manifesto de fundação, o
Movimento sempre lutou contra uma atitude corporativa, pretendendo apoiar várias formas
associativas do fazer teatral, independente de ter os grupos como integrantes. Para a organização
o importante era defender um modo de produzir e pensar teatro de forma coletiva. Essa postura
exigia uma permanente discussão in
terna, pois dentro do Movimento, mesmo com a existência de
cargos eleitos, as decisões eram tomadas através de reuniões semanais, com discussões de temas
e também com a formação de grupos de trabalho. Essa forma de tomar decisões, que hoje poderia
ser taxada de assembleismo era um dos motivos da força política do M.T.G.: não havia
delegação de poder, todos estavam conscientes dos objetivos, participavam da construção das
atitudes e a idéia de união e coerência se mantinham nas lutas travadas.
Os grupos trazem em sua concepção uma natural instabilidade, que faz parte da própria atividade
teatral. A possibilidade de repartir e somar dentro de um grupo formado por grupos, com
problemas semelhantes e às vezes soluções diferentes, é o que mantinha o Movimento. Era um
espaço onde se exercia a democracia, onde decidia quem estava presente e atuante, independente
de sua função. As reuniões eram semanais, e o trabalho, voluntário, a não ser quando existiam
projetos específicos, exigindo dedicação exclusiva. As crises que atingiam os grupos também se
refletiam na organização. Alguns grupos saíam, outros entravam, de acordo com seus interesses
no momento. Quem ficava tinha o compromisso e disponibilidade para trabalhar pelo coletivo,
não só defender o seu grupo.
54
A história do Movimento coincide, não por acaso, com uma explosão cultural em Belo Horizonte,
marcada por uma tendência a eventos de grande porte que inseriram a cidade na rota nacional e
internacional, antes restrita ao eixo Rio-São Paulo e sul do país. Nesse período o trabalho dos
grupos se consolidou, ocupou os espaços dos teatros públicos e também das ruas, das empresas,
das iniciativas sociais, enfim houve uma oxigenação nas artes cênicas que passaram a receber
mais atenção das políticas públicas (através da criação de fundos para projetos experimentais) e
até mesmo do investimento das empresas (através das leis de incentivo municipais e estaduais). A
relação ente o MTG e a consolidação de uma cena teatral mineira foi uma via de mão dupla: as
condiçõe
s para que este desenvolvimento acontecesse estimularam a criação da associação, que
por sua vez contribuiu para dar corpo às idéias e projetos amadurecidos ao longo do tempo.
Mas o descuido com as especificidades do produto teatral, artesanal e irreprodutível, foi ao
longo deste período trazendo novas contradições ao ser grupo. Esta questão fica mais clara
quando percebemos que a demora em se implantar dentro do M.T.G. uma linha de trabalho
sintonizada com a comercialização e circulação do produto cul
tural vai revelar essa fragilidade.
Pois se estávamos irremediavelmente dentro de um mercado, era necessário lutar contra seus
efeitos negativos, colocar parâmetros que nos protegessem e onde a união fizesse a diferença.
Muitos grupos integrantes, no entanto, não viam a necessidade desta ação, pois ela significava,
antes de tudo, uma democratização de informações e contatos, organização de uma tabela de
preços de cachês e de porcentagens. Além da luta por um espaço comum para ensaios e apoio e a
realização
de projetos coletivos. O mercado começa a mostrar suas garras: os grupos acabavam
concorrendo entre si na luta por patrocinadores no lugar de tentar êxitos coletivos. E isso
enfraquecia o movimento também nas lutas políticas. Resumindo: o mercado embaralha as cartas
e confunde os jogadores, trazendo conflitos internos e uma sensação de salve-se quem puder .
55
Contudo uma luta importante nesse período foi a que uniu artistas de toda a cidade, do centro e da
periferia, na luta pela criação do Fundo Municipal
de Cultura, importante instrumento regulatório
da Lei de Incentivo, pois permitia a manutenção de grupos e espaços culturais e projetos de
caráter experimental, em todas as áreas. O Fundo, significou um grande avanço conceitual, mas
na prática sempre foi alvo de humores e demandas políticas, não tendo seus prazos cumpridos e
ficando sempre refém do setor jurídico da Prefeitura. No entanto, ele permite uma certa
oxigenação nos vícios do mercado cultural e cumpre, em parte, os compromissos do estado com a
art
e e a cultura.
A linha de atuação do Movimento
a de produção
passa a funcionar a partir de 2000,
quando um escritório foi montado e o primeiro grande evento, fora do FIT, aconteceu. (Em 1999,
uma tentativa de dividir espaço com o Grupo Oficcina Multimédia durou pouco tempo, devido a
falta de consenso entre os integrantes). Em novembro de 2001 foi realizado o evento Estação
em Movimento
1º Encontro de Teatro de Grupo
, que contava com espetáculos de participantes
da associação e grupos convidados. Depois outros projetos coletivos foram desenvolvidos, como
forma de enfrentar a mercantilização excessiva que os produtores culturais e captadores junto às
empresas queriam impor.
Cabe destacar aqui um importante movimento que acontece em São Paulo, em 1998, e que
repercute em vários estados brasileiros: o Arte contra a barbárie . Sem meias palavras, mas após
um longo processo de reflexão, os grupos paulistas detectam o que os daqui apenas intuíam: o
mercado é a barbárie e a arte pode, de fato, comb
atê
-lo(a). Eis os principais trechos de seu
manifesto, lançado em 1999 :
56
O Teatro é uma forma de arte cuja especificidade a torna insubstituível como registro, difusão e
reflexão do imaginário de um povo. Sua condição atual reflete uma situação social e
política grave.
É inaceitável a mercantilização imposta à Cultura no país, na qual predomina uma política de
eventos.É fundamental a existência de um processo continuado de trabalho e pesquisa artística.
Nosso compromisso ético é com a função social da arte.[....]A maior das ilusões é supor a
existência de um mercado. Não há mecanismos regulares de circulação de espetáculos no Brasil. A
produção teatral é descontínua e no máximo gera subemprego. [......] A Cultura é o elemento de
união de um povo que pode f
ornecer
-
lhe dignidade e o próprio sentido de nação. É tão fundamental
quanto a Saúde, o Transporte e a Educação. É, portanto, prioridade do Estado.
A partir desta retomada política do papel dos artistas de teatro várias ações foram propostas. Esse
movimen
to, através de um longo embate com o poder legislativo, criou a Lei de Fomento, esta
sim, um avanço real na cena teatral paulistana, pois aposta na capacidade de transformação da
sociedade através da atividade teatral, praticada em grupo, e com caráter de
investigação.
Durante os quase dez anos em que participamos da organização nosso trabalho cresceu em vários
aspectos, entre os quais se destacam: a questão técnica de preparação contínua do ator, a
definição de uma linha de pesquisa temática mais clara e uma participação política mais
significativa. Foi um período rico em união e solidariedade entre os fazedores de teatro da cidade,
estimulando a produção artística e sua qualidade. Nessa fase produzimos os principais trabalhos
que deram uma nova cara ao grupo, como Caminho da Roça de 1992, para o qual selecionamos
através de audição os atores Glicério Rosário e Carlos Henrique. A história da montagem começa
depois de uma frustrada tentativa de voltar ao universo roseano, com a adaptação do conto
Maria
Mutema,
pérola encravada no Grande Sertão:Veredas, que esbarrou na questão do alto custo dos
direitos autorais. Com esse impedimento buscamos nos inspirar nas histórias anônimas do
interior mineiro, para compor o espetáculo novo. A tese da professora Vera Lúcia Felício
Pereira
, O artesão da memória no Vale do Jequitinhonha
serviu de base teórica para alimentar o
roteiro, e uma das histórias compiladas dos contadores tradicionais e com forte influência da
57
colonização portuguesa,
A peda de oro, se transformou em encenação dentro da peça.
Caminho
da roça, ao contrário do espetáculo anterior, tinha uma comunicação direta com o público e
agradou sobretudo jovens e crianças, atraídos pelo horário vespertino das apresentações, no
Teatro Klaus Vianna, na época chamado de Teatro da Telemig. Mesmo tendo novamente um
palco italiano para a cena, muitas vezes o espetáculo rompia os limites das paredes e se espalhava
pela platéia como na parte final: um leilão de produtos típicos da roça encerrava a peça,
envolvendo o público na brincadeira e assegurava um bom caixinha, às vezes até mais polpudo
que a bilheteria. A pinga era a mais disputada oferta, porque além de ser legítima, ainda remetia a
história contada, na qual as três irmãs, hipnotizadas pela cobiça de possuir a pedra de ouro, se
matavam tomando cachaça envenenada. Antes, aprendemos com Beto Franco, do Grupo Galpão,
casado com a atriz Simone Ordones, que era essencial não leiloar, como servir o precioso
líquido durante o leilão, fator que estimulava ofertas mais generosas. Assim, o que nos ensaios
era uma grande dúvida, nas apresentações se revelara um grande acerto.
No folder em comemoração dos 15 anos do grupo, João das Neves, diretor e dramaturgo radicado
em Minas, fala da peça e do grupo:
Meu primeiro contato com a Cia. Sonho & Drama, em 1992, foi um verdadeiro alumbramento. O
espetáculo que se oferecia aos meus sentidos era simples, direto, mas inovador.Vanguarda sem se
proclamar.Vanguarda sendo: sem sotaques e sem fechamento. Do trabalho dos atores à explora
ção
do espaço cênico, da música à direção, do texto à encenação, tudo me dizia do caminho percorrido
ao longo dos anos; um caminho que se constrói com talento, alegria e perseverança. E com a
noção precisa que informa a existência e a multiplicação de grupos, que, como a Cia. Sonho &
Drama, nos mostram que é possível, e, cada vez mais necessário sonhar...
58
FOTO 6 Caminho da Roça. Em cena: Rita Clemente e Francisco Aníbal, 1992
Fonte: Foto de Anna Karinna, arquivo ZAP 18
Entre nós e João das Neves, um dos mais brilhantes e combativos homens de teatro no Brasil,
existe uma admiração mútua e um eterno romance, que ainda não deu em casamento artístico. Em
1993 entramos em concorrência do Centro Cultural Banco do Brasil para montarmos sob sua
direção e em parceria com o Grupo Poronga, do Acre, o texto, ainda inédito,
Yuraiá
- o rio do
nosso corpo escrito com o apoio da bolsa Vitae e tratando com vigor e poesia a causa dos índios
kaxinauá, com quem conviveu no Acre.
59
Caminho da roça rendeu um convite para que eu dirigisse um trabalho fora do grupo, o primeiro
de uma série que aconteceria nos intervalos da produção da Cia. Sonho & Drama, considerada
prioritária. O Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado dirigido na época po
r
Walmir José, queria alguém para realizar o espetáculo de formatura, do 3º ano².
.
O texto escolhido foi Bodas de Sangue, de Garcia Lorca e a montagem deu espaço para que
outros diretores atuassem e Simone Ordones assumiu a tarefa, montando o espetáculo de rua O
pastelão e a torta, inspirado em um canovaccio
de
comedia dell arte, com parte do elenco:
Glicério Rosário, Adelaide Cristina (que substituíra Rita Clemente), Carlos Henrique e
Epaminondas Reis. Os dois espetáculos foram selecionados para a primeira edição do FIT Palco
& Rua (Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte) evento que unia duas propostas: a de
Carlos Rocha, que assumiu a convite o Teatro Francisco Nunes e a do grupo Galpão, que
realizava o Festin, com o patrocínio da prefei
tura, administrada pela primeira vez por um governo
de esquerda. O FIT desempenhará um papel fundamental na consolidação dos grupos teatrais de
pesquisa na cidade, modificando positivamente o trabalho desses e formando um novo olhar no
público da cidade. O ano de 1994 é marcado por um triste acontecimento: Wandinha (Wanda
Fernandes), atriz do grupo Galpão, morre em um acidente de carro, na volta de Ouro Preto,
deixando toda comunidade artística de Belo Horizonte de luto. Para Cia. Sonho & Drama
momento de uma nova mudança: Simone Ordones é convidada e aceita trabalhar no grupo
Galpão. As apresentações no FIT foram as últimas realizadas por ela no grupo. No seu lugar entra
para atuar e colaborar com sua experiência de produção, Iara Brant.
___________
² Depois, no Teatro Universitário, em 95, dirigi A alma Boa de Setsuan - novo encontro com Brecht; A Hora da
Estrela
- adaptação da obra de Clarice Lispector para a Cia. Acaso, apoiada com o Prêmio Estímulo da Fundação
Clóvis Salgado, em 97; O ensaio sobre a ce
gueira
, da obra de José Saramago, retorno ao Palácio das Artes e ao
CEFAR. Dirigi também
Riobaldiadorim
com o grupo de contadoras de história Tudo era uma vez, em 98; Shirley
Valentine
em 2002 e
Não desperdice sua
única vida ou...
com a Cia. Luna Lunera
em 2005, entre outros
60
Outra montagem importante foi feita sob encomenda. A Secretaria de Cultura de Minas Gerais,
iria realizar uma série de eventos na comemoração dos 100 anos de nascimento do escritor Aníbal
Machado, pai de Maria Clara Machado e avô de um dos integrantes do grupo, o ator Francisco
Aníbal. A ligação com a literatura mineira e brasileira, que na reconstrução do grupo passa a ser
uma escolha preferencial, justificou o convite. Optamos por realizar uma montagem diferenciada,
que não privilegiasse apenas um texto, mas que se transformasse numa viagem poética pela obra
do escritor, que percorreu vários gêneros literários e foi um agitador cultural. O espaço escolhido
foi a Academia Mineira de Letras, cuja sede se situa num dos casarões tombados
pelo Patrimônio
Histórico da cidade, na Rua da Bahia, próximo à Igreja de Lourdes. Quarenta pessoas por noite
compartilhavam da experiência de conhecer a vida e obra de Aníbal Machado, participando da
apresentação, primeiro como cúmplices das histórias e personagens e depois como convidadas
das famosas domingadas , tertúlias culturais, que aconteciam na sua casa no Rio, dos anos 50,
congregando artistas como Portinari, Vinícius de Morais, Paulo Mendes Campos, e também
penetras lendários. Uma boa batida de maracujá era servida seguindo a tradição da casa (Maria
Clara representada por Iara Brant era uma das que a preparavam e serviam).
O grupo de contadoras de história Tudo era uma vez, formado por Dora Guimarães e Elisa
Almeida participava do espetáculo, que tinha ainda, como atriz convidada, Neuza Rocha. O
espetáculo tinha o nome de
Aníbal Machado, quatro, oito, sete,
numa alusão ao famoso endereço
na Rua Visconde de Pirajá, 487. Além de se apresentar em duas curtas temporadas nos salões da
Academia,
a montagem também foi levada a Biblioteca Nacional no Rio e algumas cidades do
interior de Minas. Foi uma interessante experiência, por permitir a saída do palco italiano e
propor uma relação de cumplicidade e proximidade com o público, que se integrava à festa no
decorrer da apresentação.
61
FOTO 7 Aníbal Machado, quatro, oito, sete, 1994. Em cena: Adelaide Cristina, Glicério Rosário e Iara Brant
Fonte: Foto Anna Karinna, arquivo ZAP 18
Em 1996, hora de voltar a atenção para a produção destinada às crianças. Iara Brant atriz e
produtora do grupo, tinha como projeto a adaptação do clássico infantil A Bonequinha Preta,
de
Alaíde Lisboa. O trabalho foi realizado pelo dramaturgo mineiro Sérgio Abritta, e o Sesiminas se
interessou pela montagem, que se comemorava 50 anos de sua publicação. Com patrocínio
direto e ainda a garantia de uma série de apresentações em Belo Horizonte e 20 cidades do
interior de Minas, o grupo teve, para a época, uma condição excepcional de trabalho, que se
reflet
iu na carreira do espetáculo, visto por mais de 30.000 pessoas. Com o fim das apresentações
em 1998, encerra-se a fase Cia. Sonho e Drama e o grupo entra numa espécie de casulo para,
como diz Carlos Rocha, se metamorfosear na ZAP 18.
62
Em relação ao Movimento, que ajudara dez anos antes a fundar, em 2002 a Cia. Sonho e &
Drama, já transformada em ZAP 18, discordando das discussões internas que culminaram com a
saída do MTG do FIT/BH, opta por se desligar da associação, em 5 de setembro de 2002, com o
seguinte
comunicado:
Depois de participar de reunião sobre a participação do MTG no FIT, no dia 4 de setembro, a ZAP
18 (antiga Cia. Sonho & Drama) se reuniu e achou mais coerente com sua posição, de apoio ao
Festival e da continuidade da participação da associação no mesmo, solicitar o seu desligamento.
Esta atitude dolorosa para nós, uma das companhias fundadoras do Movimento, traduz uma
insatisfação com os rumos que a discussão sobre o FIT vem tomando e com o crescente isolamento
que o grupo sofre com sua postura. Acreditamos que não é necessário consenso sobre todas as
questões dentro de uma organização democrática, mas existem pontos que exigem coesão. Sem
querer se transformar em uma pedra no meio do caminho, nos retiramos com a certeza de agirmos
em nome
de nossas convicções.
Apesar desta decisão gostaríamos de participar do projeto Indústria Cultural do Sesi/Fiemg, para o
qual fomos agendados e que seria para o grupo a possibilidade de retomada do espetáculo O
Sonho de Uma noite de Verão , inclusive com substituição de dois atores. No entanto, fiquem a
vontade para decidir ou não sobre nossa participação
.
Não saímos com o sentimento de briga e continuamos respeitando o Movimento como uma entidade
importante na luta por uma cultura mais forte e atuante. Por outro lado, a nossa sede está aberta
para encontros e apresentações.
Desejamos boa sorte aos novos projetos.
Depois da saída do Movimento, as relações continuaram de colaboração. Tentamos sem sucesso
inventar novos movimentos, com grupos semelhantes, que no entanto não vingaram. Num certo
sentido, com a mudança para a periferia nossos objetivos mudaram e exigiam posturas mais
radicais enquanto o MTG, apesar de continuar atuante, se amoldou ao mercado, perdendo um
pouco do seu caráter combativo. Um certo espírito de rebeldia que havia caracterizado os anos
mais heróicos foi dando lugar ao pragmatismo que o mercado cultural exige. Essa investigação
no entanto demandaria um espaço maior, para que fossem expostas todas as questões em
profundidade, e po
r não ser o foco principal deste trabalho se encerra aqui nesta breve reflexão.
63
Recentemente nos integramos ao
Redemoinho
, movimento cultural que, sintonizado com o
espírito do Arte contra a Barbárie , propõe uma rede brasileira de espaços de criação,
co
mpartilhamento e pesquisa teatral, na contramão das exigências do mercado de consumo. Esse
movimento, criado em 2004, tendo como base o Galpão Cine Horto, com certeza trará novos
estímulos aos fazedores de teatro. Fernando Mencarelli coloca a questão:
Tra
balhar coletivamente e sobreviver com autonomia tem sido a tônica dos artistas de teatro que
trabalham em grupos e espaços culturais espalhados pelo país muitas décadas. Suas parcerias
vêm sendo criadas também ao longo destes anos. Formar uma rede permanente, um redemoinho
criativo, é, hoje, a possibilidade de potencializar esses encontros, e afirmar a autonomia e a ação
coletiva transformadora. Como disse o filósofo Luís Fuganti, também presente ao encontro: É
preciso encontrar um plano comum, que não seja universal, e um plano singular, que não seja
individual. Encontrar o meio fértil
. (Mencarelli, 2006, p.3)
Por apostar nesta força coletiva, que de tempos em tempos é redescoberta, acreditamos nessa
possibilidade de união e de trocar experiências (que incluam o público) como um caminho, não
para resolver os nossos problemas enquanto artistas, mas também como cidadãos
comprometidos com uma sociedade mais justa.
2.2.2 Uma companhia errante
Assim como seria impossível contar a história da Cia. Sonho & Drama/ZAP 18 sem relacioná-
la
com a do M.T.G., existe uma questão essencial que atravessa toda sua trajetória e que consiste no
principal problema de grupos teatrais: a questão do espaço.
64
A abordagem dessa questão é tão fundamental que explica a transformação pela qual passou o
grupo depois de concretizar o sonho de sua sede própria, provocando um redirecionamento do
trabalho artístico e cultural, refletido inclusive na mudança de nome e registro.
Todo grupo teatral profissional necessita de um lugar, tanto para realizar seus ensaios (que
costumam se estender por um período maior do que as montagens comerciais) como para a
guarda de material cênico, já que outro diferencial dos grupos face a outras produções é a
formação de repertório, com a manutenção de um mesmo espetáculo por um período médio de
quatro a cinco anos. Essa necessidade levou, por um bom tempo, as companhias a procurarem
abrigo em locais públicos e privados, sempre em condições instáveis, sem a possibilidade de um
convênio ou acordo além do verbal, ocasionando o despejo quando a parceria não interessava.
Nesse sentido a história da Cia Sonho & Drama é exemplar e a aventura começa entre 1977 e
1978. A companhia teve uma relação, desde antes de sua criação oficial, com o prédio da Rua
Carangola, sede da antiga Fafich (Escola de Filosofia da UFMG) local freqüentado neste período
por grande parte da intelectualidade e da classe artística, quando a ditadura militar, sob a égide do
General Figueiredo, ainda mostrava sua força. O grupo usava salas vazias para suas reuniões e
ensaios noturnos assim como outros diretores, como Eid Ribeiro, nos ensaios de Cigarros Souza
Câncer
e Viva Olegário. Em determinado momento, os guardas noturnos começaram a cercear a
liberdade daqueles artistas, que costumavam ficar até a madrugada em suas experimentações, até
impedirem as atividades. Em um segundo momento, Carlos Rocha e Gil Amâncio ocuparam o
antigo Cine Guarani, na Rua da Bahia, onde ensaiavam o espetáculo/intervenção A boca das
coisas
, que ainda não levava a assinatura do grupo. Para a montagem de O Processo de Kafka, o
grupo ocupou um espaço privado, em frente à Fafich, um barracão nos fundos de uma casa onde
funcionava uma associação de médicos, conseguida através de contato realizado por um do
s
65
integrantes. Nesse espaço conseguiram sobreviver por dois anos, até que uma reforma destruiu o
barracão dos ensaios. Durante a remontagem de O Processo e a montagem de A Metamorfose, os
ensaios puderam ser realizados na sede do Instituto Goethe de Belo Horizonte, que patrocinou as
produções. Findo o trabalho, o espaço teria que ser utilizado por outros grupos, já que nesta época
o Goethe, com o diretor Roland Schafner à frente, apoiava inúmeros projetos artísticos na área
de artes cênicas, funcionando como um grande estimulador da cultura em Belo Horizonte. No
trabalho seguinte, a iniciativa inédita de traduzir para a linguagem teatral a obra maior de
Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas contamos com uma parceria com a Fundação Clóvis
Salgado, que apon
tava para uma co
-
produção, mas que acabou se restringindo à cessão da sala de
ensaios, por nove meses, tempo da gestação do projeto. Apesar da excelente repercussão da
montagem, tanto no que se refere à crítica, quanto ao público, e as viagens empreendidas por
capitais como São Paulo, Rio e Brasília, o grupo continuava sem sede no seu retorno a Belo
Horizonte.
Na montagem de
Antígona,
apoiada novamente pelo Goethe Institut, não pudemos usar a sede,
ocupada com outros projetos. A solução foi buscar abrigo em outro espaço público, desta vez o
salão nobre do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, local conseguido com o apoio do teatrólogo
Jota D Ângelo.
No infantil
Vida de Cachorro
voltamos a ensaiar no Palácio das Artes, numa sala minúscula, bem
diferente do Pequeno Estúdio, onde estivemos anteriormente ensaiando
Grande Sertão
:
Veredas.
Em
Cabeça Dinossauro
, o grupo passou a ensaiar em um estúdio fotográfico, que funcionava em
uma garagem de um prédio da Rua Alagoas, próximo ao Colégio Arnaldo. O espaço de e
nsaio
66
era tão inadequado que a asfixiante atmosfera com certeza contribuiu, entre outros motivos, para
o racha do grupo e a interrupção do projeto, em junho de 1989.
Sob nova direção e administrando a crise gerada, o grupo consegue um espaço no Centro
Cultural
da UFMG para os ensaios de A Casa do Girassol Vermelho, iniciados em 1990, com o apoio da
recém
-criada Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte. Dessa vez existia um contrato
com o espaço incluindo um pagamento de taxas para a manutenção, uma curiosa sala cercada de
vidros, semelhante a um laboratório, e que estava em péssimas condições quando assumida.
Infelizmente quando o local tinha se transformado, apesar das limitações, em um lugar limpo e
aconchegante era hora de deixá
-
lo. O acordo
não foi renovado e ficamos de novo na rua.
A próxima parada seria num local conhecido pelo grupo, ou pelo menos por parte dele: a antiga
Fafich, agora transformada em sede de várias escolas públicas da Prefeitura Municipal de Belo
Horizonte. Um grupo de ex-estudantes havia criado uma associação, a COMUNA, para
promover cursos livres em várias áreas e conseguido a cessão de um grande espaço no oitavo
andar, com várias salas, uma delas abrigando uma parceria com a Cia. San Genaro. Como o
grupo logo se dissolveu, assumimos por indicação do ator Francisco Aníbal, novo integrante do
grupo, o seu lugar.
Ocupávamos uma sala imensa, com uma bela vista da cidade e tínhamos grande liberdade no seu
uso, ministrando também, dentro das atividades da Comuna, oficinas de teatro para adolescentes.
Dentro do salão existia uma sala menor, transformada em escritório. Foi um período de relativa
calma e de muitas realizações, incluindo vários encontros do M.T.G - Movimento Teatro de
Grupo de Minas Gerais. Porém, a falta de u
m contrato e a parceria indireta (já que o representante
67
oficial junto à Secretaria Municipal de Educação era a Comuna) começou a trazer necessidades
de adaptações. A primeira foi a perda de parte do salão para guarda de material de cantina.
Tivemos que arcar com o custo de uma divisória, que resolveu o problema provisoriamente.
Poucos meses depois e apesar das tentativas de negociação, veio a ordem para desocupar a sala e
um espaço no subsolo foi oferecido em troca. Uma grande reforma iria acontecer no andar, com
a derrubada de paredes e a divisão do salão em salas menores. Fomos surpreendidos no meio de
uma reunião por marretadas que destruíram o espaço do escritório. Parecia uma cena teatral. Um
pedreiro com uma marreta nas mãos, fura a parede com um golpe mais forte, olha para o grupo
com cara de assustado e diante da visão de um escritório/almoxarifado extremamente organizado
comenta, sem graça: Uai, me disseram que aqui só tinha umas coisinhas do pessoal do
teatro...!
O teatro mais uma vez foi mandado para o porão. No subsolo, tínhamos uma sala para escritório,
contígua a de guarda de material, e o espaço de ensaios não era privativo: podíamos escolher
entre o auditório, usado por toda a escola, ou uma pequena sala com degraus, onde havia
funciona
do anteriormente um anfiteatro. Nesses espaços ensaiamos o espetáculo
Aníbal
Machado, quatro, oito, sete. As condições ficaram piores depois que a Secretária de Educação
requisitou as salas ocupadas para atividades educacionais e nos ofereceu o fim do corredor. A
nova sala parecia um depósito, e na verdade era: o espaço onde guardavam as panelas da cantina
(fechando um ciclo que havia começado no andar). Comprido, com divisórias de alvenaria, e
uma pequena janela ao fundo, foi usado tanto para o escritório, quanto para guardar o material.
Para as atividades práticas dividíamos a sala com um grupo de capoeira que ministrava aulas pela
Comuna. A reforma do piso teve os custos divididos entre os dois grupos, novamente sem
garantia nenhuma de permanência.
68
Nesse período, diante das dificuldades e na expectativa do próximo despejo (que de fato
aconteceu) começamos a pensar numa sede própria ou em parcerias mais consistentes e
duradouras. Começamos a investir em duas frentes: as negociações com a prefeitura de Sa
nta
Luzia, cidade de Elisa Santana, que encabeçava as negociações, com o intuito de desenvolver um
amplo projeto social e cultural e o Sesiminas, interessado na montagem da peça A Bonequinha
Preta
, comemorando 50 anos de sua publicação. Quase simultaneamente esses apoios se
concretizaram....
Com o sinal verde do Secretário de Cultura da Prefeitura de Santa Luzia, José Eustáquio
Giovaninni, e a possibilidade de ocupar a antiga estação de trens, na cidade baixa, que se
encontrava desativada, formatamos um amplo projeto cultural denominado Estação Santa
Luzia . Nele oferecíamos em troca da cessão do espaço e do apoio da Prefeitura, a realização de
atividades culturais, incluindo oficinas para crianças e adolescentes, mostras de espetáculos,
palestras e debates. A idéia era buscar apoio através das leis de incentivo e de parcerias com o
comércio local, além de um amplo envolvimento dos artistas da cidade e região. Fomos bem
recebidos e assinamos um convênio, por um período de 2 anos, tempo complementar da gest
ão na
prefeitura e a partir de então nos dividíamos entre Santa Luzia e Belo Horizonte, onde
conseguimos uma sala para os ensaios do infantil A Bonequinha Preta. O escritório da Fafich
ainda foi mantido até o final de 1998. (De repente um grupo que nunca tivera espaço tinha três
locais para suas atividades!).
Os dois projetos deram bons frutos, mas com certeza o Estação Santa Luzia foi uma revolução,
apontando para uma mudança nos paradigmas do grupo. O contato mais íntimo com a
comunidade de Santa Luzia, o envolvimento com a população de baixa renda que habitava a
69
região em torno da estação de trens, principalmente crianças e adolescentes e a ausência de uma
política cultural fizeram o grupo trabalhar intensamente, tornando-se uma referência para a
quest
ão cultural da cidade. Inúmeras atividades foram realizadas, incluindo a retomada do Festival
de Inverno, a reativação do Teatro Municipal e um contínuo trabalho de formação de público e
assistência a jovens em situação de risco. Ali, naquela estação de tr
ens, o sentido de fazer teatro se
tornou mais agudo. O teatro fazendo parte da vida de pessoas, que nunca tinham sonhado
conhecê
-lo, foi praticado com prazer e aumentou nossa responsabilidade: o nosso papel de artista
estava posto à prova. Neste espaço privilegiado comemoramos em 1996, nossos 15 anos de
atividade, com uma bela exposição de fotos, objetos, figurinos, intitulada Cia Sonho & Drama -
15 anos em cartaz . No programa comemorativo, um balanço do período e um novo
direcionamento:
A Cia. Sonho & Drama celebra seus 15 anos de atividade. Parece muito tempo. E é. Hora de
renovar as esperanças na grande aventura: o teatro, a vida.
Um grupo resistindo a tantos ventos, nem sempre a favor, se assemelha a um ancoradouro - lugar
de chegadas e partidas. De projetos, de idéias, de pessoas.O movimento é a base do teatro. A
transformação seu pré
-
requisito.
Como os que ficaram no barco a Cia. Sonho & Drama lutou pra não perder a cara, mudou para
fortalecer sua vocação: a de escrever sua própria história. Com éti
ca e sinceridade.
Hoje fincados nessa estação - porto de trens - alimentados por novos desejos, estamos prontos para
(re) começar.
Que venha o 3º sinal!
(Sonho e Drama, 1996)
Por outro lado A Bonequinha Preta
obteve grande êxito de crítica e público, dando respaldo ao
grupo. Através do Sistema FIEMG, conseguimos fazer uma ponte entre os projetos, captando
recursos que canalizamos para Santa Luzia. Infelizmente em 1998, com a mudança da
administração na prefeitura, o grupo não conseguiu um novo acordo e teve que interromper o
trabalho. No mesmo período, saímos definitivamente da Fafich, a relação havia se desgastado e
70
não era do interesse de nenhuma das partes a continuidade. O material do grupo ficou guardado
nos fundos da casa de Elisa Santana, em Santa Luzia, esperando melhor sorte. Enquanto isso
cumpríamos uma longa agenda de viagens pelo interior de Minas com A Bonequinha Preta e uma
nova baixa acontecia na formação da trupe: Carlos Henrique, Glicério Rosário e Epaminondas
Reis resolvem sair para formar um outro grupo, o Grupo Trama. Os rapazes do Trama
questionavam essa nova diretriz social do grupo levada ao extremo no Projeto Estação Santa
FOTO 8 A Bonequinha Preta, 1996 . Em cena: Iara Brant, Adelaide Oliveira, Maris
a Círis, Glicério Rosário
Fonte: Foto Mariana Martins, arquivo ZAP 18
Luzia não por se opor a ela, mas por acreditar que ela tomava tempo das atividades artísticas e de
produção. Tudo isso somado ao desgaste das mudanças de casa constantes e ainda aos pr
oblemas
gerados no elenco da Bonequinha Preta, que nos obrigou a substituições e a uma reorganização
71
interna com definição de instâncias de decisão (onde os mais antigos tinham prioridade nas
resoluções), levaram o núcleo a optar pelo caminho solo. Numa separação, sem brigas, eles
ficaram com a produção do espetáculo
O pastelão e a torta
para iniciar o caminho do novo grupo.
Em 2002, juntos realizamos o evento Por cima do temporal em homenagem aos 70 anos de João
das Neves, que contou também com a parceria
do MTG.
2.2.3 A torre ou o casulo
construindo a sede
Em 1999, depois da nova baixa, e do duplo desalojamento, instala-se uma fase de reorganização
interna, nada seria montado e a Biblioteca Infantil e Juvenil de Belo Horizonte (que funcionava no
con
hecido prédio da Rua Carangola), onde havia trabalhado e agora estava Francisco Aníbal,
era usada para as reuniões. A questão da sede própria passou a ser prioridade. Todo o grupo se
envolveu na busca de uma alternativa que não fosse apenas mais uma, mas a definitiva. Entre as
possibilidades existia a de se usar um lote com uma casa em ruínas da família de Iara Brant,
localizado em um ponto nobre da cidade, na Rua Inconfidentes, no Bairro Funcionários. Depois
de algumas visitas ao local, a primeira idéia era fazer um espaço que funcionasse também como
um café ou livraria durante o dia para conseguir cobrir os altos custos, não só do possível
comodato, como da manutenção. Não houve acordo. O padrão de construção necessária para o
bairro, gerando a necessid
ade de se aliar o teatro a outro negócio (de preferência lucrativo) seriam
um entrave ao objetivo central do grupo, o de tornar o seu fazer teatral cada vez mais
72
comprometido com a sociedade. Na zona sul teríamos que lutar com as mesmas armas do teatro
com
ercial. Não era por aí o caminho.
Depois de um tempo surgiu uma nova possibilidade, mais real e mais radical: um lote vago no
bairro Serrano, pertencente a Francisco Falabella, meu pai. Antes de tudo se concretizar, um longo
caminho começa a ser percorrido. Elisa Santana foi convidada para uma visita ao lote, que era
utilizado por um carroceiro para despejar o refugo de seus carretos. Um muro havia sido
construído para evitar o problema, mas o portão foi arrombado menos de uma semana depois. Por
outro
lado o lote era plano, próximo de uma grande avenida, com ônibus parando na esquina.
Elisa aprovou a idéia e nos unimos para convencer os outros, Chico Aníbal e Iara Brant. Esta
cumplicidade torna-se fundamental para o nascimento da ZAP e se reflete na coordenação que
hoje é exercida. Da Savassi direto para a zona Noroeste, fronteira com a Pampulha, região nobre
e...pobre da cidade. Do sonho à dura realidade: com a venda do carro utilitário que restou do
Projeto Santa Luzia inicia-se a construção, com a compra da estrutura metálica do galpão. Para
conseguir recursos para a obra, que se prolongou por dois anos (2000/2002), o grupo consumiu
poupanças, vendeu rifas e camisetas, promoveu espetáculos com renda revertida e contou com a
colaboração de parentes, amigos, artistas e operários. Antes, porém uma ajuda, um
aconselhamento. Para avaliar se o inconsciente desejava (em conjunto) essa nova empreitada, foi
feita uma consulta a uma taróloga, Marília de Castro. A carta principal foi A Torre e falava de
uma obra e da realidade como algo concreto, que deveria ser enfrentado com ações claras. O lote
da rua com nome de personagem de Guimarães Rosa, João do nada, João Donada, abrigaria a
futura sede, através de um regime de comodato (que nunca foi assinado).
73
Enquanto isso, em 2002, na cidade, tivemos um
boom
de inauguração de espaços de grupos, que
cansados de esperar por uma política de cessão de espaços pelo poder público, luta que nunca
chegou a dar bons resultados pela falta de uma visão mais ousada dos dirigentes e a burocracia,
resolveram partir para outras soluções. Os espaços, em geral galpões fora do centro da cidade
que passaram, assim como a ZAP 18 a funcionar e continuam em atividade são: Casa de
Candongas, do grupo Candongas & outras Firulas, no bairro Cachoeirinha, Grupo Oficcina
Multimédia (primeiro em Santa Efigênia e depois na Lagoinha), Spasso Escola de Circo, no
Prado, o galpão do grupo Cabana na Vila Marzagão e o Galpão Cine Horto do Grupo Galpão, o
pioneiro na conquista de casa própria. (Para a novíssima safra de grupos a sede própria tornou-
se
uma exigência, seja própria ou alugada).
O objetivo maior do projeto ZAP, que foi sendo amadurecido durante sua construção física, era
dar continuidade não ao trabalho de produção artística como ao trabalho de formação teatral,
iniciado em 1990, em projetos de descentralização cultural da prefeitura de Belo Horizonte e
consolidado no Estação Santa Luzia. Durante a obra, uma nova parceria artística se estabelece,
com a Cia. Acaso, que havia dirigido em A Hora da Estrela. O texto escolhido foi O Sonho de
uma Noite de Verão de Shakespeare, para o qual contamos com apoio do Fundo de Projetos
Culturais da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. Novos atores são
convidados: Dida Camero, atriz carioca radicada em Belo Horizonte, Anderson Aníbal, de
O
ensaio sobre a cegueira, Herbert Tadeu, de Bodas de Sangue e Ildeu Ferreira, que havia
trabalhado no grupo e voltava da França, além de Antônia Claret e Juliana Martins, da Acaso. A
sede da Cia. Acaso, um velho galpão, ocupado através de um acordo com a Escola Maurício
Murgel foi o local dos ensaios: último lugar de onde seríamos despejados.
74
Nesse período definiu-se também a mudança do nome do grupo. Não dava mais para carregar na
nova formação o peso do nome Sonho & Drama. A inspiração veio da guia de IPTU, o código do
lote era ZAP, e logo se transformou na sigla da associação, fundada legalmente em 2001, como
Associação Zona de Arte da Periferia - ZAP 18. Existia o desejo de que o novo nome
refletisse
tanto este outro lugar do fazer teatral, quanto a mudança do foco, que se amplia, englobando não
a produção de espetáculos como também a formação e o viés social. O número 18 refere-se ao
número do lote. No
Tarot
ele representa a carta da
Lua,
do feminino, da intuição.
FOTO 9 O Sonho de Uma noite de Verão, 2001, atores executam a
Mandala
FONTE: Foto Leandro Couri, arquivo ZAP 18
Em 2001 estreamos, já com novo registro, o espetáculo O Sonho de Uma Noite de Verão,
re
alizando uma temporada no Teatro Francisco Nunes, de enorme sucesso de público, ampliada
pela iniciativa, que causou polêmica no meio teatral, de cobrar às quintas-feiras, apenas R $1,99
75
(um real e noventa e nove centavos) pelo ingresso. Esse fato estimulo
u uma série de apresentações
para escolas da rede pública, que se interessaram pelo espetáculo (e pelo preço). Um dos maiores
objetivos da montagem era exatamente atingir o público jovem. Recebemos muitas críticas de que
estávamos depreciando a arte. No entanto, a coerência da nossa trajetória e a seriedade da
montagem foram avais suficientes para que não nos confundissem com meros aventureiros, em
busca de sucesso fácil.
Junto com a peça, fomos estreitando as relações com nossos futuros vizinhos. A fase final de
ensaios havia sido realizada no Centro Cultural da Pampulha, importante obra que a comunidade
do Bairro Urca, próximo do nosso, havia aprovado, num feito inédito para a cidade, através do
Orçamento Participativo, refletindo o desejo da população po
r espaços para a cultura e a arte.
2
. 3
A lua ou como se metamorfosear em borboleta
(3
ª fase)
Em 13 de julho de 2002, o grupo inaugura sua sede própria. Na abertura da ZAP homenageamos
pessoas e entidades que colaboraram na obra, com uma placa, com a inscrição Eu ajudei a
construir : Artistas como Dora Guimarães e Elisa Almeida do Grupo Tudo era uma vez ;
Antônia Claret, Juliana Martins, Polyana Santos e Márcia Torquato da CiaAcaso , que
reverteram renda de espetáculos para a obra; as ex-
secretári
as de Cultura de Belo Horizonte
Berenice Menegale e Antonieta Cunha; o M.T.G.; pedreiros, engenheiros, vizinhos e associações
culturais da região; como o Centro Cultural da Pampulha e a Associação de Moradores do
76
Residencial Sarandi figuravam na lista dos agraciados. A partir de então inicia-se uma série de
atividades culturais do projeto ZAP Teatro Escola & Afins, oferecendo gratuitamente oficinas de
teatro para crianças, adolescentes, terceira idade e uma oficina de capacitação para jovens atores
da periferia, além de espetáculos variados. Foi um mês repleto de atividades, sempre prestigiadas
pelo público. O projeto foi implantado graças a sua aprovação em 2001 e 2002 no Fundo de
Projetos Culturais da Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte.
Uma nova história distinta da que foi contada até aqui começa a tomar corpo, mas o processo de
mudança de paradigmas vai acontecer paulatinamente. Quando conseguimos enfim realizar o
sonho da sede própria sabíamos que este novo lugar iria mudar a nossa relação com o
fazer
teatro
. E isso vem sendo amadurecido nestes quase 4 anos de trabalho.
Antes porém uma última perda. Em 2003 o grupo começa a preparar o espetáculo infantil
A
Menina e o Vento, de Maria Clara Machado. Durante os ensaios Francisco Aníbal, que havia
proposto a montagem do texto de sua tia Maria Clara Machado, recebe e aceita um convite do
Grupo Galpão para integrar o elenco de O Inspetor Geral. Para não interromper o trabalho a
direção é assumida pelo grupo. Logo depois Chico se afasta das at
ividades, inclusive das oficinas,
que ajudou a batizar e nas quais trabalhava com crianças.
Apesar de termos nos notabilizado pelas adaptações literárias e criações coletivas de texto, a ZAP
18 tem inicialmente em repertório duas montagens de textos clássicos: um da dramaturgia
universal,
O Sonho de Uma Noite de Verão
e outro da dramaturgia infantil brasileira,
A Menina e
o Vento. Para fazer a transição foi necessário um recuo: a passagem impediu uma ousadia maior
nas proposições dramatúrgicas do grupo,
exigindo ancoragem em margens já seguras. Em 2004, a
77
montagem A Menina e o Vento recebe os principais prêmios do teatro infantil de Minas Gerais,
incluindo os de melhor espetáculo e direção e integra vários projetos culturais e sociais, como o
Teatro Cauê nas Escolas, Agenda Infância Brasil e o Caravana Funarte, tendo se apresentado em
12 cidades do interior de Minas, Rio e São Paulo. Podemos dizer que o espetáculo
A Menina
e o
Vento
encerra uma fase e inaugura outra. Neste mesmo ano a desejada contaminação entre o
projeto cultural da ZAP 18 e sua produção artística começa a acontecer, com o retorno de Carlos
Rocha ao grupo, como convidado, para dirigir o elenco formado na
FOTO 10 A Menina e o vento, 2004. Em cena: Tereza Gontij
o e Antônia Claret
Fonte: Foto Guto Muniz, Arquivo ZAP 18
Oficina de Capacitação, na montagem Uma balada...Uma
parábola
. A parceria se repete em
2005 na produção de
SuperZÉroi
, com atores da novíssima geração do grupo: Gustavo Falabella
Rocha e Renato Hermeto (A menina e o vento) se juntam a Wesley Rios, que integrava o grupo
78
desde
O Sonho de Uma Noite de Verão e Ludmilla Ramalho. Em comum o elenco tinha a
passagem pela oficina de capacitação, e a integração às atividades técnicas e de produção.
FOTO 11 SuperZÉRoi, 2005. Apresentação para escolas na ZAP 18
FOTO Antônia Claret, arquivo ZAP 18
A montagem infantil, teve o texto criado por Carlos Rocha, a partir de improvisações sobre o
tema e foi desenvolvida para espaços alternativos pretendendo se apresentar na ZAP 18 para
escolas da região, consolidando o local como um espaço cultural, lugar de encontros e trocas.
Estas questões serão tratadas em seguida.
79
3
TEATRO NA PERIFERIA DE BELO HORIZONTE
-
A EXPERIÊNCIA
TRANSFORMADORA D
A ZAP 18
É, sobretudo, o desejo de desenvolver a nossa arte em diapasão com a época em que ela se
insere que nos impele, desde já, a deslocar nosso teatro, o teatro próprio de uma era científica,
para os subúrbios das grandes cidades; ficará, a bem dizer, inteiramente à disposição das
vastas massas de todos os que produzem em larga escala e que vivem com dificuldades, para
que nele possam divertir-se proveitosamente com a complexidade dos seus próprios problemas
[....] O teatro tem que se comprometer com a realidade, porque assim será possível e será
lícito produzir imagens eficazes da realidade.
Bertolt Brecht
Antes de avançar na questão teatral gostaria de falar sobre a escolha do novo nome do grupo,
ZAP 18
Zona de Arte da Periferia. O termo periferia pode se traduzir por múltiplos sentidos,
dos quais dois são os mais usuais:
sentido espacial
-
local fora do cen
tro, no subúrbio da cidade;
sentido econômico
-
local desprovido de serviços, habitado por moradores de baixa renda.
No nosso caso foi intencionalmente provocativo o uso da palavra periferia, ganhando uma
dimensão
simbólica
de um outro lugar , nas beirad
as da grande cidade, onde pode se fazer teatro
de outro modo. Assinalando ainda que o termo é da periferia e não na periferia, como bem me
lembrou, Elisa Santana.
80
Enquanto os dois sentidos correntes sejam facilmente constatáveis, pelos dados geográficos e
estatísticos, o terceiro norteia o nosso modo de ver e fazer teatro hoje. Uma opção calcada numa
longa história, que sempre buscou compreender o homem contemporâneo, e foi se politizando
cada vez que encontrou públicos diversos nas suas experiências em projetos de descentralização
cultural e no projeto Estação Santa Luzia. Estar nesse novo lugar, trazendo a própria bagagem,
mas abertos para outras interferências, mudou toda a percepção, corroborada pela reflexão do
geógrafo Milton Santos:
A memória olha o passado. A nova consciência olha para o futuro. O espaço é um dado
fundamental nessa descoberta. Ele é o teatro dessa inovação por ser, ao mesmo tempo, futuro
imediato e passado imediato, um presente ao mesmo tempo concluído e inconcluso, num processo
s
empre renovado.
Quanto mais instável e surpreendedor for o espaço, tanto mais surpreendido será o indivíduo, e
tanto mais eficaz a operação da descoberta
. (SANTOS, 1997, p.264)
A mudança de foco, que vai se consolidar depois da inauguração da ZAP 18, e o
desenvolvimento do trabalho artístico e pedagógico será tratado neste capítulo, focando os
seguintes aspectos:
-
O projeto ZAP Teatro Escola & Afins, sua implantação e organização desde 2002.
- O desenvolvimento da Zarpar - Oficina de Capacitação, o módulo Teatro épico e seu
desdobramento na montagem
-
escola
Uma Balada ...uma parábola
- A Oficina de Teatro épico e a montagem Você foi ao teatro, hoje? como pesquisa prático-
teórica para a dissertação.
81
O elo de ligação entre estes espaços e experiê
ncias é o reencontro com a teoria e prática do teatro
épico/dialético de Bertolt Brecht. Sob sua inspiração e averiguando a permanência de suas
formulações vamos analisar, tanto o impacto desse contato com jovens atores, em oficinas
realizadas na ZAP 18,
quanto na montagem que surgiu como seu desdobramento.
3.1 ZAP Teatro Escola & Afins
Segundo a experiência que temos vivenciado na Associação Zona de Arte da Periferia
ZAP 18,
estar, por opção própria, nas bordas de uma grande cidade, como Belo Hor
izonte, nos fez retomar
questionamentos sobre o sentido mais profundo do teatro e refazer um percurso em busca de uma
fundamentação teórica mais consistente. O foco central do grupo que era a produção de
espetáculos vai se deslocando ao longo de duas décadas para a preocupação com a pedagogia do
ator e, por que não dizer, do espectador. Ao lado de educar a sensibilidade das crianças e
adolescentes através de aulas de teatro, nosso desejo inicial era o de possibilitar aos atores
amadores da nossa região um encontro com múltiplas formas da linguagem teatral, através da
oficina de capacitação.
Para compreender o trabalho realizado cabe aqui explicar em linhas gerais a estrutura da oficina,
que integra um projeto mais amplo chamado ZAP Teatro Escola & Afins.
Assim que o espaço da
ZAP 18 foi inaugurado em julho de 2002, iniciamos o projeto. O nome
escola
já revela o desejo
de deslocar o foco da produção de espetáculos para atividades de formação e reflexão atendendo
82
a comunidade da região através da abordagem de dois públicos, que podemos dividir assim: o
iniciante
- crianças, adolescentes e idade, e o
iniciado
- jovens atores amadores, ou
profissionais com experiência de no mínimo 6 meses com teatro.
As oficinas foram oferecidas gratuitamente entre 2002 e 2005, pois contavam com o apoio do
Fundo de Projetos Culturais da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de BH. Destinavam-se à
comunidade do Bairro Serrano e adjacências, região carente de oferta de bens e serviços, com
baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com a Revista da Secretaria
Municipal de Planejamento da Prefeitura de Belo Horizonte,
Planejar
. Região com índice de
desemprego bastante alto, com a presença de tráfico de drogas e a ocorrência de pequenos furtos.
Através de divulgação, eram oferecidas vagas para a comunidade e o período de inscrição e
seleção ocorria entre janeiro e fevereiro. (O nosso calendário tenta se aproximar do calendário
escolar). As atividades oferecidas variaram durante os 3 anos, em função de insuficiência
de
recursos, causada pelo atraso de parcelas da Lei Municipal, mas em geral tinham a duração de um
ano dividido em dois semestres e se organizavam desta forma:
Infante Zap - oficinas de teatro usando diversas técnicas como teatro de sombras, de bonecos,
jogos dramáticos, dirigidas às crianças, divididas em duas faixas de idade: uma turma de 7 a 9
anos e outra turma de 10 a 12 anos
Zap teen
-
oficinas de iniciação teatral para adolescentes entre 13 e 18 anos
Terceira grandeza - oficina de expressão dirigida à idade, utilizando diversas linguagens
artísticas, como o teatro, a música e artesanato (esta oficina só aconteceu em 2004 ).
83
Zarpar
- oficina de capacitação teatral voltada para jovens atores da periferia com alguma
experiência em teatro e interessados em suporte prático e teórico para o desenvolvimento
sistematizado de suas potencialidades, através do exercício de variadas linguagens teatrais.
Zaptraz
- atividades de extensão e reflexão, como palestras, debates e encontros com
profissionais da á
rea artística.
Os objetivos principais da proposta, que integravam o projeto original aprovado, eram:
- Consolidar na região do bairro Serrano, um pólo de criação artística, um núcleo de produção
cultural diferenciado, que contribuísse para alargar o
conceito de mercado.
-
Contribuir para promover a descentralização cultural, aprovada e votada pelos representantes
da área cultural na Conferência da Cidade em 2000 (da qual fui representante na área cultural)
-
Realizar um trabalho artístico de referê
ncia na comunidade, oferecendo oficinas de qualidade a
um público que não pode pagar por elas.
-
Oferecer espetáculos e eventos que sejam uma opção de cultura e diversão, contribuindo para a
formação de cidadãos mais críticos e bem informados.
-
Estimul
ar nas crianças e jovens o desenvolvimento da criatividade através de uma educação da
sensibilidade e do respeito ao coletivo.
- Apoiar a vida produtiva e saudável também na terceira idade através da possibilidade de
práticas artísticas.
-
Estimular a tro
ca e a convivência de vários grupos e artistas da periferia, ampliando seu espaço
de atuação e reconhecimento
.
Os objetivos eram de longo prazo, só possíveis de atingir com um trabalho contínuo. Em relação
ao projeto pedagógico não existia uma linha predeterminada. Imaginar a ZAP como um espaço
84
livre, fora da escola formal, onde o conhecimento seria construído coletivamente era o que nos
movia. Para isso contamos com a nossa experiência com o trabalho teatral, tanto na produção de
espetáculos adultos e infantis, quanto na elaboração de oficinas de iniciação. Trabalhamos com
estagiários que cursavam Licenciatura no Curso de Artes Cênicas da UFMG, com bons
resultados e buscamos sempre ter em nossa equipe professores com uma boa bagagem no
trabalho com crianças e adolescentes. O Grupo Atrás do Pano, com grande experiência em arte -
educação foi nosso parceiro, tendo seus integrantes, Míriam Nacif e Paulo Thielman, ministrado
aulas na ZAP, além de apresentar espetáculos e participar de atividades pedagógicas como os
Encontros de Pais. Antônia Claret, atriz e professora de teatro, também se integrou às atividades
da ZAP, desde o início, ministrando aulas para turmas de crianças e adolescentes. Tivemos
conosco estagiárias da UFMG, como Rosana Machado e Adriana Gontijo. Atualmente
trabalhamos com Michelle Ferreira, que concluiu o Curso de Artes Cênicas na UFMG.
O teatro sempre foi o norteador central, mas usamos recursos da música, da linguagem corporal e
das artes plásticas. O objetivo central era trazer a ludicidade para o espaço coletivo, estimulando
os jovens a criar, respeitando e colaborando com o outro. A cultura brasileira, os valores
artísticos desprezados pela TV, constituíram importante norteador temático. Atividades
complementares como assistir filmes, teatro e exposições aconteciam dentro do espaço da ZAP
(nos finais de semana) e também fora.
O projeto pedagógico da ZAP, em construção, demandava periodicamente reuniões para leitura
de textos e troca de informações, promovendo também atividades de colaboração entre os
professores nas diferentes turmas. Importante trabalho foi realizado com os pais de alunos,
através de encontros, que incluíam atividades de integração, ministradas pelos professores,
85
seguidos de discussões sobre os objetivos do projeto e o papel dos pais no desenvolvimento das
crianças e adolescentes. Para que o dia-a-dia das oficinas fosse uma responsabilidade de todos
criamos, com a ajuda das primeiras turmas um conjunto de regras, as regras do bom
funcionamento:
-
Ser pontual e freqüente
-
Vir com roupa adequada e cabelos presos
-
Estar atento e disposto
-
Respeitar os professores e os colegas
-
Zelar pela limpeza e organização do espaço
-
Tomar água e usar o banheiro apenas nos intervalos
-
Não usar chicletes ou balas durante as aulas
-
Não mexer nos materiais do galpão sem autorização
Os alunos atendidos pelo projeto pertencem à comunidade dos bairros próximos à sede da ZAP
18, na Regional Pampulha, como Sarandi, Serrano, Santa Terezinha. A maioria vem de famílias
com baixo poder aquisitivo. Mas temos também crianças de outros perfis, o que é salutar. A
mistura de origens e interesses torna a convivência mais rica. Não chegamos a atender, até então,
crianças em risco social, pois este público não procura espontaneamente um projeto do gên
ero.
Esses foram (são) os princípios norteadores das atividades, particularmente em relação às
crianças, adolescentes e idade. Embora tivéssemos definido como regra que os alunos deviam
fazer um ano de iniciação e um ano de continuidade, isto nunca funcionou, de fato. Neste ano
além de continuar com as oficinas para crianças e adolescentes, estamos criando o grupo Zap
Mirim (nome provisório) que pretende acolher os ex
-
alunos e trabalhar com montagens curtas,
86
FOTO 12 O CIRCO DOS P
ÉS
-
RAPADOS, 2005
Oficina Infante ZAP
FONTE
Foto Ana Mart
h
a, arquivo ZAP 18
87
unindo as linguagens do teatro, música e narração de histórias para serem apresentadas no espaço
e nas escolas da região, que esta é uma demanda crescente. O grupo ficará a cargo de três
atores, que passaram pela Oficina Zarpar.
A oficina de capacitação tem um enfoque que toca mais diretamente na questão da criação
artística, além da educação da sensibilidade.
3.2 Zarpar
-
Oficina de capacitação
A
Zarpar,
Oficina de Capacitação da ZAP 18, com duração de 1 ano, funcionou no período de
2002 a 2005, em módulos independentes que foram organizados através de um acordo coletivo
com os participantes. Recebemos propostas de vários artistas e escolhemos o que era de interesse
da maioria dos inscritos. na seleção dos alunos acabamos implantando um sistema
diferenciado. Todos os que se inscreveram eram aceitos e a seleção foi acontecendo por um
processo natural, que passava pela afinidade com os objetivos até a questão da disciplina e
interesse pelo fazer teatral. Desse modo pudemos ouvir de Dona Zilma, uma das alunas da
oficina, um tocante depoimento, que contava da alegria de não ter sido excluída de uma oficina
por causa de sua idade, como acontecia com freqüência. Dona Zilma tem 62 anos, e foi uma das
alunas mais interessadas e freqüentes, tendo participado em 2004 e 2005 das oficinas. Sua
presença, assim como de outras senhoras e senhores, acima dos 40 anos, ampliou o termo jovem
88
ator , usado pela ZAP 18. Jovem passa a não se referir a idade e ter o sentido de novo na
atividade teatral.
A oficina tinha o objetivo de ampliar horizontes para pessoas interessadas em teatro, oferecendo
experiências com modos de fazer teatro . Desta forma, queríamos que todos se tornas
sem
responsáveis pelo desenvolvimento dos trabalhos, participando e avaliando cada etapa. Esse
formato pressupunha também uma variação na oferta de um ano para outro, embora alguns
professores tenham participado com mais freqüência das atividades. Entre 2003 e 2005 podemos
citar: Entre a espontaneidade e a precisão , módulos sobre Jerzy Grotowski por Alexander de
Moraes, Percussão com o músico Mateus Bahiense; Expressão vocal com Elisa Santana; Adyr
Assumpção ministrou a oficina prático
-teórica Dos gregos a Shakespeare , Rogério Lopes a de
Máscara neutra , Irene Ziviani se ofereceu para participar com o módulo Consciência
corporal , João das Neves, nas comemorações dos seus 70 anos, participou com A célula rítmica
e a criação de personagens . A coo
rdenação é exercida por mim e Elisa Santana.
Além da parte prática e teórica aconteciam atividades complementares, aproximando os novos
atores de profissionais da cidade, através da realização de ensaios e apresentações seguidas de
debates. Recebemos vários artistas e grupos, como o Grupo Trama, com um ensaio aberto da
peça Tabu , o Grupo Pontífex com o espetáculo Caim e Abel , Oficina de Peripécias Teatrais
com Malassombro e Folia dos Mascarados (apresentação de rua), Grupo Tudo era uma vez
com Mula Marmela , Grupo Atrás do Pano com A Toalha Mágica e 3 ou 4 histórias , entre
outros.
89
Embora todas estas fases sejam passíveis de serem estudadas, dada a riqueza de linhas de
pesquisa e prática teatral, aqui vamos nos ater na recepção da teoria e prát
ica do
teatro épico
, que
foi oferecida na fase final da 1ª e 2ª Oficina de capacitação, como o fechamento de uma primeira
etapa e seu desdobramento em uma montagem teatral. Após três anos podemos dizer que a
influência dos questionamentos de Bertolt Brech
t foi se fazendo presente no trabalho na periferia,
envolvendo alunos e professores, numa descoberta de possibilidades diferenciadas. Portanto sua
teoria foi um parâmetro que se colocou muito claramente, influindo nas nossas escolhas técnicas
e estéticas.
A opção de introduzir esse módulo ao final da oficina se justifica pela necessidade demonstrada
pelos alunos de falar da
realidade
nas suas improvisações, trazendo o dia
-a-
dia da periferia como
tema recorrente, de diversas formas em todos os módulos.
Na periferia o que mais se impôs como matéria bruta, foi o confronto, contato, embate com a
realidade. A necessidade de decifrar este mundo real que teimava em entrar no nosso galpão
traduzida na questão da realidade em cena x espaço da periferia (e na periferia) foi nos
conduzindo ao teatro épico. Não só a forma épica, disseminada no teatro contemporâneo, e
mesmo na linguagem da TV, através da exposição das entranhas dos programas, novelas e até
comerciais (apesar de ser bastante desconhecida enquanto gênero teatral). O interesse não era
usar os efeitos épicos apenas como truques para dar humor a cena. Como sabemos, os elementos
épicos estão presentes em toda a história do teatro, do ocidente ao oriente: na tragédia grega, no
teatro elizabetano, no teatro
nô japonês.
90
Épica pode ser grosso modo definida como a forma que se opõe ao drama, à forma dramática
fechada, na qual o encadeamento dos fatos produzem a ilusão de que o espectador não está no
teatro, de modo a envolvê-lo num turbilhão de emoções. Os cortes da narrativa, os elementos de
teatralidade explícita e a interpretação o naturalista estão ligados à forma épica. A
sistematização do teatro épico será realizada por Brecht ao longo de sua vida, embora ele, a rigor,
não crie suas características e sim lhes confira um sentido mais amplo e científico, tendo sido
influenciado por Piscator e pelos estudos marxistas e sociológicos. Para Rosenfeld (2000) as
razões para o teatro épico em confronto com o teatro aristotélico são:
Duas são as razões principais da sua oposição ao teatro aristotélico: primeiro o desejo de não
apresentar apenas relações inter-humanas individuais- objetivo essencial do drama rigoroso e da
peça bem feita , - mas também as determinantes sociais dessas relações. Segundo a concepção
marxista, o ser humano deve ser concebido como o conjunto de todas as relações sociais e diante
disso a forma épica é, segundo Brecht, a única capaz de apreender aqueles processos que
constituem para o dramaturgo a matéria para uma ampla concepção do
mundo
. (ROSENFELD,
2000, p.147)
Numa definição mais radical temos Costa (1998, p.75): podemos dizer que o teatro épico, [...]
foi uma espécie de arma forjada entre o final do século passado e as três primeiras décadas deste
por artistas adeptos da causa da
revolução proletária no âmbito da luta cultural.
Se o que nos interessava era a questão da abordagem do real , do cotidiano, precisávamos de
ferramentas. Para isso era necessária uma formulação mais complexa: a formulação brechtiana,
que vai além do uso destes elementos, dando-lhe um sentido de politização e reflexão. Ao épico,
Brecht juntou a dialética, definindo seu teatro em um segundo momento como
épico
-
diáletico.
91
Muitos dos alunos conheciam Brecht por suas declarações políticas, ou alguns de seus t
extos, não
sua teoria. O contato com a obra e o pensamento de Brecht representou para esses alunos uma
nova compreensão do fazer teatral como podemos observar através destes depoimentos colhidos
por Rocha (2005), que realizou uma pesquisa sobre a ZAP 18:
Com a oficina de Brecht, o que antes era uma pequena noção sobre Brecht tornou-se uma
noção. (....) descobri alguém que partilha de minhas idéias e não é em relação à política e sim
também em relação ao bom humor (o humor que constrói) e também em relação ao artista, que
ele é um trabalhador como um outro qualquer, e não um mito inalcançável. Percebi que o artista
mesmo que tenha suas convicções ideológicas bem definidas não pode perder a relatividade
histórica dos fatos. Brecht só aumentou a minha con
vicção de que é possível modificar as coisas.
Além dos textos teóricos: fragmentos do Teatro épico de Anatol Rosenfeld, Brecht visto da
rua de Reinaldo Maia e textos da Revista Vintém, como os de Fernando Peixoto e Cia. do Latão,
o material trabalhado nas oficinas se concentrou nos poemas de Brecht, especialmente os poemas
sobre teatro. No desenrolar do capítulo, intitulado Diálogo com a Universidade estão
explicitadas as razões para este caminho pedagógico.Os poemas serviram então como um fio
co
ndutor do trabalho prático, por trazer, de forma lúdica, a formulação teórica do autor,
funcionando como uma síntese de seu pensamento em relação ao trabalho do ator e à função da
arte e do teatro. O primeiro a ser trabalhado merece ser transcrito:
O M
OSTRAR TEM QUE SER MOSTRADO
Mostrem que mostram! Entre todas as diferentes atitudes
Que vocês mostram, ao mostrar como os homens se portam
Não devem esquecer a atitude de mostrar
.
A atitude de mostrar deve ser a base de todas as atitudes.
92
Eis o exercí
cio: antes de mostrarem como
Alguém comete traição, ou é tomado pelo ciúme
Ou conclui um negócio, lancem um olhar
À platéia, como se quisessem dizer:
Agora prestem atenção, agora ele trai, e o faz deste modo.
Assim ele fica quando o ciúme o toma, assim el
e age
Quando faz negócio. Desta maneira
O seu mostrar conservará a atitude de mostrar
De pôr a nu o já disposto, de concluir
De sempre prosseguir. Então mostram
Que o que mostram, toda noite mostram, já mostraram muito
E sua atuação ganha algo do fazer
do tecelão, algo
Artesanal. E também algo próprio do mostrar:
Que vocês estão sempre preocupados em facilitar
O assistir, em assegurar a melhor visão
Do que se passa
-
tornem isso visível! Então
Todo esse trair e enciumar e negociar
Terá algo de uma funç
ão cotidiana como comer,
Cumprimentar, trabalhar. (Pois vocês não trabalham?) E
Por trás de seus papéis permanecem
Vocês mesmo visíveis, como aqueles
Que os encenam
. (BRECHT, 2001, p.241)
Este poema propõe um exercício para o ator, o de revelar a sua função, fazendo da atuação uma
experiência compartilhada com o público, entregando a ele as chaves para a compreensão das
relações sociais e desglamourizando o papel do artista/ator, que passa a ser visto como um
homem comum, um artesão, um operário (
Pois
vocês não trabalham? ) que não separa o
trabalho braçal do intelectual. Eis o exercício:
93
- as turmas lêem o poema, em voz alta , em partes distribuídas aleatoriamente, caminhando
pela sala, explorando seus sentidos.
- em grupos, têm contato com todo o poema e criam uma primeira versão, encenando-o e
usando partes do texto, narradas. Cada grupo apresenta a sua visão.
-
depois as cenas são comentadas e refeitas, colando as partes de cada grupo, até que todo o
poema seja apresentado e encenado.
Outro poema trabalhado, de forma diversa é Sobre o teatro cotidiano construído a partir da
descrição de uma cena acontecida na rua e narrada por homens comuns. O poema se inicia com
uma exortação de Brecht aos artistas, que ao representarem em locais nobres , se isolam do
homem comum, da vida.
Vocês, artistas que fazem teatro
Em grandes casas, sob sóis artificiais
Diante da multidão calada, procurem de vez em quando
O teatro que é encenado na rua.
Cotidiano, vário e anônimo, mas
Tão vívido, terre
no, nutrido da convivência
Dos homens, o teatro que se passa na rua
.
(BRECHT, 2001, p.235)
Eis o exercício:
- A partir dele, os alunos foram estimulados a observar cenas que acontecem no seu dia-a-
dia e trazê
-
las para a oficina.
- As cenas são relatadas, através de uma discussão com o grupo e as melhores são
escolhidas.
94
-
As cenas vão ser decompostas para se transformar em cena teatral.
Os procedimentos utilizados para transformar os relatos em cenas pretendiam manter o caráter de
narrativa, apresentando antes da execução da cena, um prólogo com um breve resumo do que iria
acontecer, estimulando os alunos a mostrar que estavam mostrando, evitando a psicologização na
construção dos personagens e construindo situações socialmente compreensíveis. A intenção er
a
sempre a de desvendar, para quem assiste, o processo de construção da cena. Trabalhamos
também com algumas canções, versões de músicas do espetáculo
A Alma boa de
Setsuan
¹ um dos
mais conhecidos textos de Brecht, que aborda a questão da bondade no mundo
capitalista.
A escolha dessas canções, além de ajudar a introduzir um importante fundamento do teatro em
Brecht, partiu do pressuposto de que por falarem, uma dos explorados e a outra da questão da
(im)possibilidade da bondade nos dias de hoje, eram aplicáveis às cenas e discussões levantadas
no trabalho. Cumpriam a função de agregar valor a cena, iluminando algum aspecto ainda o
revelado.
_________________
¹As canções utilizadas são fragmentos das letras originais de Bertolt Brecht, com arranjo do maestro Rafael
Grimaldi, montado sob minha direção em 1995, no Teatro Universitário, como trabalho de conclusão do
Curso Técnico de Formação de Atores.
Cabe lembrar que a música para Brecht é um recurso fundamental de distanciamento, não se
confundindo nunca com a criação de climas ou fundos musicais para bombear a emoção do
espectador.
63
Canção de Chen tê
Em nossa terra
quem presta mesmo
p
recisa ter muita sorte
Só quando encontra
a ajuda do mais forte
é que seus préstimos pode mostrar
Porque é que os deuses não têm
nem tanques e nem canhões
Para afastar os maus
e proteger os bons
Os bons não sabem
amparar
-
se mutuamente
e os deuses são
impotentes
Dia de São Nunca
O dia que a gente humilde
Conhece de ouvir falar
Sentado no trono de ouro
No trono de ouro
O pobre vai reinar
No dia de São Nunca
De São Nunca
De São Nunca
64
O pobre vai reinar
O pobre vai reinar
O pobre
vai reinar
65
As cenas geradas, junto com canções e fragmentos dos poemas, foram organizadas em um roteiro
teatral, tendo como elos de ligação exercícios inspirados em Viola Spolin, pesquisadora
americana, conhecida por seu método de teatro improvisacional, no qual a capacidade de
experimentar é estimulada através de um processo de fisicalização (pensar com todo o corpo). Os
jogos corporais aplicados foram: equilíbrio do/no espaço , siga o seguidor , apenas um em
movimento . Estes exercícios entre cenas tinham dupla função: reforçar a natureza coletiva do
teatro e remeter tanto aos deslocamentos da população nas grandes cidades quanto aos grupos de
trabalhadores exercendo diversos ofícios. Essa experiência recebeu o nome de Brecht Hoje e
foi apresentada no encerramento do ano de 2004, nas atividades do BAZARP-
Bazar cultural que
acontece em dezembro na ZAP 18, no qual todas as oficinas mostram o resultado do trabalho
realizado, junto com artistas convidados. Este é um momento especial do trabalho realizado
durante todo o ano, hora de abrir nossa casa para a comunidade local e artística da cidade.
66
FIGURA 13 Brecht, Hoje , ensaio Geral . Oficina de Capacitação, dezembro de 2003
FONTE Arquivo ZAP 18
O grande interesse gerado pela o
ficina sobre teatro épico nos fez formatar um projeto e concorrer
ao Fundo Municipal de Cultura com uma montagem que aproveitasse os alunos de capacitação
interessados em continuar. A não aprovação do projeto de montagem do espetáculo
Uma
balada....Uma par
ábola,
para o qual foi convidado para dirigir, um dos fundadores da Cia. Sonho
& Drama, Carlos Rocha, não o inviabilizou. Resolvemos montar com a cara e a coragem. Na
equipe formada, a preparação corporal ficou a cargo de Sérgio Penna, a preparação vocal e
instrumental com Mateus Bahiense e a assistência de direção de Elisa Santana. Quatorze atores
iniciaram o processo de ensaios e estreamos com doze em cena, depois de um trabalho de seis
meses.
67
Nesta montagem, chamada
montagem
-
escola,
a influência de Brecht se fez presente, porque de
novo a realidade se impôs como tema nas discussões dos alunos: a grave questão do aumento e
banalização da violência. A questão afetava a todos, a própria ZAP já contabilizava três roubos
na sua recente história no bairro. Era necessário tratar a violência investigando suas causas, sem
cair no melodramático caminho trilhado, por exemplo, pelo grupo teatral Raízes, ligado ao
Centro Juvenil Salesianos, cujos integrantes participavam da montagem, no espetáculo Cacau
canabis e q
ue abordava um problema correlato, a questão das drogas.
Um dos pontos de partida para as improvisações foi o poema de Brecht A Balada do Soldado
Morto , obra que funciona como estopim de uma perseguição ao autor que questiona a
Alemanha de Hitler, a quem se referia jocosamente com o pintor de paredes , em alusão ao seu
conhecido pendor para as artes plásticas.
No trabalho com os jovens atores esta opção por Brecht é assinalada por Carlos Rocha neste
depoimento em vídeo² elaborado como registro dos en
saios:
Nós começamos a pesquisa, (discutindo) se montaríamos um texto pronto, ou o....aí surgiram
várias idéias. Dentro destas várias idéias tinha a idéia meio consciente, uma vontade de fazer um
poema do Brecht (que nunca tinha sido levado a frente) que era A balada do Soldado Morto .
Que é um poema maravilhoso, que fala sobre a guerra, sobre a estupidez da guerra, sobre a
manipulação da guerra.
A guerra enquanto este elemento de manipulação e de interesse econômico, este poema inclusive
existe gravado pela Cida Moreira que é poema do Brecht e música do Kurt Weill e este poema será
um dos três movimentos [...] E um reencontro com Brecht, que acho de uma importância muito
grande, acho que (talvez) seja o encenador, o dramaturgo, que mais marca o
século, com toda sua
proposta e toda sua busca de compreensão do homem moderno.
68
Na montagem de Uma Balada...Uma Parábola Carlos Rocha situa a fábula em um reino dos
ratos e vai optar pelo caminho da farsa, um recurso poderoso de distanciamento, criando
personagens representando o poder e seu uso abusivo, como o rei, a cortesã, o homem de fraque,
que ao mesmo tempo é homem das finanças, banqueiro e maior credor do reino. Além desses
temos os
clowns
da empresa Reçuçitec que oferece todas as vantagens que o dinheiro pode
comprar, inclusive o ressuscitamento (termo usado na peça no lugar de ressurreição) dos mortos.
Em contraposição o grupo maior representando o povo, o povo dos ratos se divide em dois
blocos: o pacifista e o belicista. Depois do fracasso da guerra os dois lados se unem e lutam,
juntos, pela paz, desafiando o poder instituído. Este grupo representava também o próprio grupo
________________
²
Depoimento gravado em vídeo
para arquivo da ZAP 18
de atores, que se posicionava politicamente em cena sobre as questões levantadas durante o
trabalho. Na cena final cada um trazia um cartaz com frases escolhidas e/ou elaboradas por eles
relacionando o homem, as guerras e suas conseqüências para toda a humanidade.
Além de resultar em cenas que provocam atores e espectadores, o que pudemos observar na
experiência com a teoria e prática de inspiração brechtiana é que ela funciona, para os atores,
como um detonador de uma série de reflexões, que se constroem a partir do próprio trabalho do
ator e a relação que ele tem com o teatro, até chegar ao questionamento do papel do artista,
trazendo um sentido de urgência para o fazer teatral, devolvendo ao teatro um papel de
69
articulador de pensamentos, idéias, proposições, que no Brasil, incluindo Belo Horizonte, ficou
praticamente circunscrito à época da luta contra a ditadura militar.
Apesar dos horizontes que se delineiam como futuro da humanidade parecerem não comportar
mais a utopia socialista, os problemas de desigualdade social e as contradições do
capitalismo
estão cada vez mais agudos (embora cada vez mais bem embalados). Então precisamos observar
o que nos instiga a pensar novos modelos, novas formas, desconstruir para novamente construir.
Quando se observa, da periferia, o circuito comercial do teatro na cidade este sentido se torna
mais agudo. A necessidade de se comunicar com um público novo obriga o artista a se olhar,
buscando clareza e definição no seu trabalho.Trabalhar com o teatro épico com alunos/atores que
tem como referência de interpretação o modelo burguês de dramaturgia, representado pela
telenovela brasileira - produto legítimo de exportação, ainda permite o desmontar de um mundo
fechado, que pressupõe um espectador passivo, e oferecer um modelo, que longe de se esgotar, se
renova, na medida em que, no sistema em que vivemos, os problemas mais elementares dos
homens ainda são desrespeitados.
Por outro lado, o modelo das escolas livres de formação de ator e a prática dos grupos amadores,
que proliferam na periferia de Belo Horizonte, de onde vem a maioria dos nossos alunos, ainda
têm como referência teatral o naturalismo, reforçado pelo modelo de interpretação da telenovela,
muito distante, por exemplo, da formulação minuciosamente elaborada por Constantin
Stanislavski e desenvolvida por Jerzy Grotowski sobre o método das ações físicas, objeto de
estudos relativamente recentes.
Carvalho (1998), diretor da Cia. do Latão, importante grupo paulista que retoma, na cada de
1990, o teatro político, aborda a questão neste depoimento:
70
A
dramaturgia brasileira como um todo, com exceção das comédias de costume, está muito
impregnada do modelo dramático burguês. Não como realidade, mas como um sonho da peça
bem feita a ser conquistada. E o engraçado é que isso poucas vezes foi obtido. Só m
uito
recentemente, e mais na televisão do que no teatro, é que o padrão dramático se impôs. A
telenovela brasileira usa e abusa disso. São todas capazes de manter a audiência de milhões de
espectadores com temas da classe média do Rio de Janeiro, seus desejos de ascensão pela riqueza
e pelo sucesso. São todas especialistas em confundir ficção e realidade. Misturam namoros de
atores na vida real com namoros de personagens da tela. Fazem com que as personagens
comemorem datas como o Carnaval e o Natal ao mesmo tempo que as pessoas da vida real. Em
cena, você sempre acompanha um desejo livre de um jovem em luta contra dificuldades toscas.
Quando nós ensaiamos O Nome do sujeito , percebemos que quando os atores iam improvisar
com um tema brasileiro, era comum a imitação de uma forma dramática vista na televisão.
Procuravámos a realidade, mas só encontrávamos
formas
.(CARVALHO, 2005)
Nesta direção é muito importante também, como reflexão sobre o trabalho realizado, a
observação da recepção do público. A ausência de referência de outros modelos de interpretação
que se aplica aos atores, também se reflete na formação da preferência do público comum, da
periferia da cidade, que não tem o hábito de freqüentar o teatro e que nas poucas oportunidades
de fazê-lo, como nas campanhas de popularização do teatro, escolhe espetáculos do gênero
comédia televisiva , reforçando o êxito do padrão dramático alcançado pela telenovela. Num
certo sentido é como se o espectador afirmasse ao escolher comédias ligeiras no teatro, que sua
cota dramática estivesse suprida pela TV com suas histórias emocionantes. E nesse caso a
exacerbação do modelo dramático não se apenas na novela, seu mais legítimo representante,
pois temos uma tendência cada vez maior de novelização de todos os tipos de programas
produzidos pela televisão, desde os jornalísticos até os reality shows - a novela da vida real.
Diante de um espetáculo que oferece outra linguagem, qual é a atitude do público? Pela nossa
experiência podemos dizer que ele estranha, se sente incomodado, curioso, reflete. Passa de uma
atitude passiva para uma atitude ativa. Os recursos de distanciamento, síntese da formulação de
Brecht, tem assim sua função primordial restabelecida, a de provocar um deslocamento da
71
percepção cotidiana, estimulando no espectador um novo olhar sobre as questões conhecidas.
Brecht (1978) acredita que no seu teatro o espectador poderá recrear-se, como se se tratasse de
uma diversão [...] Num teatro desse tipo o espectador tem a possibilidade de formar a si próprio
da maneira mais simples, pois a forma mais simples de existência é a arte que no
-la proporciona .
Observar a reação do público foi uma experiência multiplicada pelos espaços onde o espetáculo
se apresentou. Essa estratégia também foi um elemento decisivo e integrante da proposta da
montagem
-
escola
: a opção por fugir dos espaços teatrais convencionais e ir buscar o homem
comum na periferia da cidade. Essa preocupação com a recepção do espetáculo é fundamental
para o projeto da ZAP como um todo e trata-se de uma antiga discussão que se coloca desde a
década de 60, pré e pós
-
golpe de 64.
O espetáculo foi apresentado, em setembro de 2004, na sede da ZAP 18 e mais três espaços
alternativos (galpões/salões) em Belo Horizonte (Casa de Candongas no Bairro Cachoeirinha e
Centro Juvenil Salesianos no Bairro Urca) e Nova Lima (Sede do Grupo Atrás do Pano), para um
público formado em sua maioria por estudantes, donas de casa, adolescentes e crianças. Cada
sessão era realizada para aproximadamente 60 pessoas, preservando uma relação de proximidade
entre atores e espectadores.
72
FIGURA 14 Uma Balada...Uma Parábola, A Marcha do Soldado Morto, setembro de 2004
FONTE: Foto Luna Falabella Rocha, arquivo ZAP 18
3.3
Você já foi ao
teatro, hoje?
73
Neste item abordarei a oficina realizada no semestre de 2005 na ZAP 18, cujo foco central foi
o Teatro Épico, com o objetivo de aprofundar o estudo sobre sua teoria e prática e sua relação
com o fazer teatral na periferia.
Em 2005 não conseguimos, por falta de recursos, começar a Oficina de Capacitação no 1º
semestre. Então, o que antes era um módulo foi proposto como oficina, com uma duração mais
longa (em torno de 120 de horas). Parte dos alunos era remanescente da turma da oficina de
capacitação (que não resultou em um trabalho prático). Foi realizada de agosto a dezembro de
2005, com o objetivo de sistematizar a pesquisa, através do acompanhamento de todas as etapas
do trabalho, organizando alguns procedimentos que haviam sido utilizados, visando construir
uma cena-intervenção, que junto com seu memorial descritivo integrassem a dissertação de
mestrado.
A questão central esboçada no capítulo anterior era: Por que um grupo que se muda para a
periferia e cujo foco é a formação de atores tem afinidades com o teatro épico? Apesar de não
esgotar a questão a resposta era:
Por que queremos falar da realidade.
Nesta oficina além da proposta de uma leitura da realidade através dos instrumentos do teatro
épico, aprofundamento de questões vistas nas turmas anteriores, existia uma nova questão:
pensar numa preparação do ator para a cena épica. Enquanto módulo a prática do teatro épico se
beneficiava do instrumental das práticas anteriores, desde a consciência corporal até o
treinamento pré-
expressivo.
O ator chegava com uma certa bagagem, uma percepção maior da
sua capacidade expressiva. Aqui a proposta era uma oficina que funcionasse com todos os
requisitos para colocar um ator consciente em cena.
74
Em termos temáticos a provocação inicial era: pensar na questão do teatro hoje e o lugar que ele
(não) ocupa na sociedade e trazer a rua, a realidade para dentro da cena. Foram propostas aos
alunos/atores práticas que iam no sentido de desconstruir a idéia de teatro como algo definido a
priori,
a partir do questionamento dos seguintes elementos, conhecidos por todos: a forma
dramática fechada, o palco italiano, as personagens naturalistas, os conflitos particulares. Os
correspondentes para construir uma outra realidade em cena propostos seriam: a forma épica, o
espaço/cena aberta, personagens realistas, as questões sociais.
Durante a oficina, nas atividades complementares de reflexão, assistimos aos espetáculos
Um
homem é um homem do Grupo Galpão, O Auto dos bons tratos e a palestra Dramaturgia em
processo
da Cia. do Latão, de São Paulo, que foram essenciais para se compreender sobretudo a
questão da importância e eficácia do princípio da contradição na construção da cena.
3.3.1 Preparação dos atores
Como sabemos não existe em Brecht, a exemplo de outros sistemas e métodos, uma proposição
sistematizada quanto aos exercícios anteriores ao trabalho
em si
, ou seja o trabalho sobre o texto,
(no nosso caso, a criação do texto e cena). Apontamentos diversos e os próprios poemas sobre
teatro tocam no assunto, sem haver uma articulação maior entre eles. Isto não significa, no
entanto, que o haja uma preocupação com uma preparação do ator, mas ela parece deslocar o
75
foco do trabalho do ator sobre si mesmo, que se inicia com as pesquisas de Stanislavski e passa
por Grotowski, Barba e tantos outros, para o trabalho do ator sobre a sociedade/realidade. Em
uma ponta temos a vivência, na outra a arte da observação . Enquanto na primeira linha temos
um mergulho do ator no seu mundo interior, incluindo a averiguação de processos físicos e
psíquicos, em B.B. o ator volta seu olhar para fora, numa tentativa de compreender as relações do
homem em sociedade. Borheim (1992) um dos seus maiores estudiosos no Brasil afirma:
... ..Mas o se pode falar com propriedade na existência de uma teoria do ator brechtiano [...]
O que existe é uma longa prática, e, nos inúmeros textos que Brecht escreveu sobre o assunto, a
maioria deles está voltada para os aspectos práticos, para os exercícios e as técnicas de ensaio
em que se deve
apoiar o ator. (BORHEIM, 1992, p.257)
Então como deve ser a preparação desse ator? O trabalho com o ator se dava de forma artesanal,
minuciosamente, em todo o processo de ensaio, através de experimentos . O sentido prático do
fazer teatral talvez tenha
sido a mais importante lição que Brecht nos deixa.
Esse tema, bastante amplo e complexo está sendo discutido aqui numa perspectiva de aplicação
prática, sem o interesse em esgotá-lo, mas usá-lo como um estímulo para encontrar respostas
dentro de um tempo e um espaço, delimitados previamente: uma oficina de quatro meses de
duração. Deve-se ressaltar que as polarizações cumprem um papel de mostrar um foco maior em
determinados aspectos e não sua exclusão. Um ator deve ser movido pela vontade de se
aperfeiçoar sempre.
76
A preocupação com a sistematização de um trabalho prático e coletivo que estimulasse o de
criação começava pelo corpo. Para realizar o aquecimento usávamos uma seqüência de exercícios
que fazem parte do treinamento da ZAP 18, ministrados por Elisa Santana, com o objetivo de
despertar consciência corporal e vocal e deixar o aluno/ator disponível para a segunda etapa. Aos
domingos, uma das alunas da oficina, Patrícia Melo ministrava aulas de Tai chi chuan, prática
que fez parte das técnicas exercitadas pelo grupo, ainda como Sonho & Drama e que produz
excelentes resultados, tanto na concentração como na flexibilidade.Depois dessa
etapa
que em
geral durava cerca de uma hora o aluno, devidamente aquecido e ligado ao espaço do ensaio,
em um estado
de maior atenção e concentração, estava pronto para começar.
Em seguida começamos a experimentar algo que vinha de uma preocupação antiga, que havia
sido praticada em outras oficinas, uma brincadeira, que pudesse ser conduzida pelos próprios
alunos e que servisse como aquecimento, não do corpo, mas também da atenção, do caráter
coletivo. O exercício, batizado de
Mandala
, era inspirado em jogos já experimentados nos
ensaios do espetáculo O Sonho de Uma Noite de Verão. O nome com a ajuda dos alunos,
foi
mudado depois para
Roda coletiva,
pois nomeá
-
lo fazia parte da proposição.
A
Roda coletiva consistia num jogo grupal que era formado por partes, como um quebra-
cabeça,
sob o comando único do Siga o seguidor entendido como: ninguém comanda, todos são a um
tempo comandantes e comandados. Os exercícios que compunham o jogo eram aprendidos
previamente pela turma, nas aulas iniciais. São eles:
- uma grande roda é formada, ela pode girar em sentido horário ou anti-horário, ou parar de
frente para o
centro;
-
um grande oito é desenhado através do fluxo dos alunos pelo espaço;
77
-
andar em grupo pelo espaço, tentando preencher os vazios;
-
quando um pára todos param;
- apenas um em movimento (o avesso do anterior): uma pessoa se desloca e é interromp
ida
apenas quando outra começa a se movimentar .
As velocidades/qualidades do movimento iniciais eram: a) neutra, b) lenta e pesada, c) rápida e
leve. Os deslocamentos poderiam sofrer estas variações, de acordo com quem iniciava o
movimento.
O jogo começava com a roda e, apenas nas sessões iniciais, era interrompido pelo coordenador,
depois de 15 minutos em média. Era uma interrupção forçada, que funcionava como um corte no
fluxo, de fora para dentro. Em seguida eram avaliados o desenvolvimento do exercício e a
participação de cada um. Todo o grupo, depois de algumas repetições da seqüência e interrupção,
com variações de tempo, passa a ser responsável pelo jogo, que não deve ser interrompido por
falta de entendimento de qualquer ação. Cada um devia se deixar comandar e também assumir o
comando, sem pressa e sem hesitações.Variações ao longo da oficina foram sendo introduzidas,
não no sentido de mudar as regras estabelecidas, mas propondo introdução de intenções
durante sua execução. A Roda Coletiva de ex
ercício passa a contribuir também para a construção
da apresentação, pode ser usada como uma ponte para a cena, incorporando as características dos
personagens. Os alunos/atores aqueciam assim também os seus personagens, demonstrando
antecipadamente seus caracteres. Experimentavam alternar no jogo as duas instâncias: ser ator e
ser personagem. Por este motivo a parte Apenas um em movimento foi modificada para
Apenas um em ação . A diferença entre ação e movimento pode ser grosso modo definida
78
como:
mov
imento
- todo e qualquer impulso executado corporalmente,
ação
- movimento regido
por um verbo.
Aqui cabem as ações socialmente observáveis, o que equivaleria ao sentido de
gestus
. Para
Brecht (1978) ele é mais do que gesticulação, movimento ou ação, é um gesto que expressa a
questão social, as relações sociais entre os homens, numa determinada época.
Ainda na preparação do ator atenção especial foi dada a fala e a expressão vocal. No início do
trabalho tivemos uma oficina com a contadora de história, Elisa Almeida do Grupo Tudo era
uma vez . Com este grupo, que tem também como integrante Dora Guimarães, tive a
oportunidade de realizar espetáculos de narração de história, com destaque para os trabalhos
sobre textos de Guimarães Rosa,
Riobaldiadorim do
G
rande Sertão:Veredas
e
Mula Marmela
do
livro
Primeiras Histórias. O trabalho com as contadoras, que permite a posição privilegiada do
ato de narrar, eliminando a necessidade da construção rígida de um ou mais personagens,
influenciou todo o meu trabalho de direção. Por esse motivo cada vez mais temos estabelecido
esta troca, criando espaços dentro das montagens e oficinas, para o trabalho com a narração,
sejam de histórias pessoais, orais, ou literárias. O ator como narrador é a base para a construção
79
.
FOTO 15 Praticando Tai chi -
Oficina de Capacitação
Fonte: foto Cida Falabella, arquivo ZAP 18
de um ator épico. Este ator não se metamorfoseia por completo ou, melhor, executa um jogo
difícil entre a metamorfose
e o distanciamento, jogo que pressupõe a metamorfose .
(ROSENFELD, 2000, p.161)
Este jogo é estimulado pela oficina de narração que começava com as histórias pessoais de cada
aluno/ator para um colega. Em seguida cada um contava a história que ouviu, se apropriando do
80
relato do outro. Depois dessa fase vieram histórias orais, recolhidas do folclore brasileiro e depois
as literárias. Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo. (BENJAMIN, 1996,
p.205)
Repetir a
narração
de várias formas foi um exercício enriquecedor que acrescentava sentidos aos
relatos, na medida em que o aluno se aproximava e se distanciava das histórias e exercitava entrar e
sair de personagens, que se configuravam nas narrativas.
A narração das histórias pessoais também tem se revelado como um caminho frutífero a ser
trilhado e embora possa parecer incompatível com um fazer teatral que se estrutura sobre a questão
social, permite um reconhecimento inicial do sujeito, um reencontrar-se através do contato com o
outro, para depois abrir o olhar para fora. Contar histórias foi uma descoberta para integrantes da
oficina e a hora do café, batizado de café pedagógico por uma das alunas, era repleta delas,
saborosas como os quitutes trazidos por todos e compartilhados em volta da mesa.
A necessidade de se expressar através da fala, narrando sua experiência faz parte da história do
homem, pois como afirma Saramago:
O ser humano tem sempre necessidade de narrar aquilo que vê, que sente, que observa.Como
resultado da imaginação, cria, inventa histórias, todas elas com uma relação com a realidade.[....]
O ser humano não pode ficar calado, nem é característica da espécie ficar em silêncio. Somos tão
ou mais faladores que os papagaios
.(SARAMAGO, 2005, p.7)
No teatro épico a voz está a serviço de um texto que deve ser compreendido pelo ator e pelo
público. Ela deve ser trabalhada em função tanto da diversidade dos personagens, que
representam funções sociais quanto da neutralidade de um narrador. Assim como deve ser
81
construído pelo corpo o
gestu
s, a voz participa desta elaboração oferecendo elementos para criar
tensões, que tornam mais complexa a estrutura do personagem, a possibilidade de demonstrá-
lo
como é ou como poderia ser. Por exemplo: um gangster pode passar fisicamente a idéia de
truculê
ncia e sua a voz pode ser frágil, oscilante. O ator, que não deve se confundir com o
personagem, apresenta-o com todas as suas contradições e a voz é um importante elemento desta
composição.
Além da voz falada sua passagem ao canto (através de prática do canto coral orientada elo
professor Felipe Vasconcelos) foram elementos trazidos para a oficina, pois a voz no teatro
épico/dialético é também a voz que corpo às canções (
songs
). Sua função é causar, assim
como outros elementos, o estranhamento necessário para impedir a identificação e estimular uma
atitude ativa do espectador:
Concebe
-se dentro deste esquema, que Brecht tenha dado à música - o mais artificial dos
barulhos
- um papel de primeiro plano, e, ao mesmo tempo, completamente diferente do que
lhe
vimos atribuído até agora. Na representação épica, a música intervirá com efeito exibindo-
se
como música de teatro. Se for o caso, ela não hesitará em citar-se a si mesma, em pegar
emprestadas certas fórmulas que remetem a formas tradicionais familiares,conhecidas do
espectador: a ópera, o cabaré, o circo
.
(ROUBINE, 1998, p.161)
A canção como um corte na cena, apresentada muitas vezes, fora da área delimitada da
encenação, como um momento específico do espetáculo, também foram experimentadas na
estrut
uração das cenas. As letras trazem poesia e reflexão, iluminam ou contradizem aspectos
abordados no texto e são um forte elemento de comunicação na construção do teatro épico.
82
Embora, como reiteramos, o exista uma orientação sistematizada para a formação do ator
épico de se supor que o completo domínio vocal, incluindo técnicas destinadas ao canto são
essenciais para atuar dentro de propostas com estas características. A passagem da fala ao canto
(e vice-versa) assim como a transição entre personagem e narrador, exige um escopo vocal
variado, que permita uma riqueza de composições, ainda que a criação neste caso, não deva
deixar em um segundo plano a compreensão do texto.
FOTO 16
Dona Zilma contando histórias, 2005, na
ZAP 18
FONTE: Foto Ana Martha ARQUIVO ZAP 18
83
Em relação ao texto Brecht (1978) propõe que o ator rejeite os primeiros impulsos, evitando a
empatia e trabalhando detidamente sobre o material, guardando as primeiras impressões.
Esse teatro necessita de um ator consciente da sua capacidade expressiva, tanto em relação ao
corpo como também em relação à voz. A observação do teatro da rua , dos personagens e tipos
que a sociedade produz, pode se concretizar como uma importante fonte de estímulo para a
c
omposição vocal e corporal.
3.3.2 A criação das cenas
Toda a preparação descrita era aplicada em seguida na criação de cenas. Os primeiros estímulos
vieram de um texto de Karl Valentin (1998), conhecido ator cômico berlinense, o clown
metafísico , que influencia todo o trabalho de Brecht, chamado Por que os teatros estão vazios,
do qual
reproduzo um curioso trecho, que propõe uma inusitada solução:
0 teatro obrigatório levaria o cidadão a renunciar voluntariamente a todas as outras atrações
estúp
idas, como por exemplo o jogo de peteca, de cartas, as discussões políticas de botequim,
encontros amorosos e todos esses jogos sociais que tomam e devoram nosso tempo.(
VALENTIN,
1998, p. 4)
Por que os teatros estão vazios? Os alunos deveriam usar o texto, que prega, ironicamente, a
criação de um teatro obrigatório (T.O.U), único modo de fazer com que as pessoas freqüentem o
84
teatro, como ponte para tentar explicar a questão. Os grupos então criaram cenas que deslocavam
o sentido de teatro vazio de público para vazio de idéias ou então abordaram a presença de
outros focos de interesse: a TV, a internet, outras diversões.
Diversão.
Esta palavra tornou-se o
foco da discussão na avaliação das cenas. Para Brecht a função mais preciosa do teatro é
divertir . Esta informação trouxe muita polêmica, como assim divertir ? Pois não é isso que
todos querem todo o tempo quando consomem produtos culturais?
O conceito de diversão em Brecht (1978) extrapola os limites do digerível, a diversão é a
diversão no sentid
o mais profundo do termo:
O teatro, tal como todas as outras artes, tem estado, sempre, empenhado em divertir. E é
este empenho, precisamente, que lhe confere e continua a lhe conferir uma dignidade
especial.Como característica específica, basta-lhe o prazer, prazer que terá que ser,
evidentemente, absoluto [....] e a causa do divertimento é dentre todas a que menos
necessita de ser advogada.
(BRECHT,1998, p. 101)
O segundo estímulo para a criação de cenas foram as notícias de jornal. A primeira seleção foi
feita por mim e oferecida a turma para que as notícias fossem escolhidas. Na pauta assuntos
quentes : o plebiscito sobre o desarmamento, a morte do brasileiro confundido com um
terrorista em Londres, a violência nas escolas. A questão da violência voltou a se fazer presente,
na opção dos alunos. O teatro poderia ser um meio para compreendê-la? As cenas deviam tentar
responder essa questão. A orientação na sua elaboração era não transformá
-
la em cena dramática,
manter o caráter de relato, introduzindo
comentários e outros aspectos não abordados na notícia.
Em seguida veio um poema de Adélia Prado,
Diva
, que sintetizava a visão de uma mulher
comum, uma dona de casa, sobre o teatro e que foi trabalhado como um coro, em fila, alternando
as vozes da pers
onagem, narrador e vizinha:
85
Vamos ao teatro, Maria José?
Quem me dera,
desmanchei em rosca quinze quilos de farinha,
tou podre. Outro dia a gente vamos.
Falou meio triste, culpada,
e um pouco alegre por recusar com orgulho.
TEATRO! Disse n
o espelho.
TEATRO! Mais alto, desgrenhada.
TEATRO! E os cacos voaram
sem nenhum aplauso
.
Perfeita
.(PRADO, 1989, p.79)
Depois passamos para a observação de cenas na rua. Esta observação foi um exercício
fundamental na construção das cenas, que o foco da pesquisa era a realidade e a possibilidade
dela ser abordada através do teatro. Em duplas, os alunos saíram como intuito de observar o
comportamento das pessoas em sociedade. Durante a pesquisa, que durava cerca de 40 minutos, e
foi repetida duas vezes, os alunos deviam evitar conversas e comentários. No retorno cada um
fazia separadamente seu relato. Depois cada um era lido, na roda. As percepções de cada dupla
sobre o que tinha visto eram muito distintas, o que rendia discussões. Importante como
metodo
logia foi estimular os participantes na escritura das cenas, feita em grupo. Brecht (1978)
insiste nesse ponto
:
a aprendizagem de cada ator deve-se processar em conjunto com a dos
outros atores [...] É que a unidade social mínima não é o homem, e sim dois
homens. Também na
vida real nos formamos uns aos outros .
86
3.3.3 O roteiro ou a dramaturgia em processo
Aqui merece destaque uma questão que perpassa todo o trabalho do grupo, e que é retomada nas
oficinas: a dramaturgia e seu processo. Na época de Sonho & Drama a elaboração de textos
originais se dava a partir de obras literárias (Grande Sertão: Veredas, A Casa do Girassol
Vermelho
) ou a partir do estudo de um tema ou universo (Caminho da Roça, Aníbal Machado,
quatro, oito, sete). Embora sempre houvesse a figura de um diretor/dramaturgo finalizando os
textos, sua construção era decidida dentro do processo de ensaios. As obras de dramaturgia fechada
corresponderam a momentos específicos e de todo modo também sofreram profundas alterações.
Apesar d
e ter drama no nome nunca montamos um texto do gênero, a cena da companhia sempre
teve forte influência do épico, presente nos prólogos, na construção distanciada dos personagens,
na estruturação das cenas e na escolha dos temas.
No teatro, hoje a dramaturgia é uma questão central e apresenta características próprias: a
construção colada à cena e à criação dos espetáculos, com a explosão da estrutura dramática
tradicional, e a presença constante da narrativa e de elementos epicizantes, como resposta às
indagações da cena contemporânea. Deste modo importa menos produzir textos literários e sim que
a dramaturgia ofereça soluções eficientes para o espetáculo, que vai tomando corpo, quase junto
com ela.
Um dos mais fortes estímulos para a cena contemporânea é a compreensão e/ou leitura da
realidade. Para encontrar a realidade ou estas realidades a construção do texto deve ser
87
entendida como roteiro de toda a poética da cena. Essa diferença fica evidente quando podemos ter
acesso aos materiais resultantes de experiências de grupos importantes na cena brasileira atual
como no caso dos textos que compõe a Trilogia Bíblica do Teatro da Vertigem e o de
Babilônia do Folias D arte, ambos paulistanos e apoiados pela Lei de Fomento. Neles marcação,
texto e interpretação estão tão imbricados, que traduzem as suas construções de caráter coletivo
e/ou colaborativo, retirando o dramaturgo do seu isolamento anterior, além da recusa à forma
dramática. A possibilidade do texto dramático ser feito num processo de criação múltiplo me
parece remota. Os processos colaborativos e/ou coletivos tem como tendência desaguar em textos
polifônicos, com recortes épicos, distantes do drama e dos conflitos particulares.
Costa (2005) refletindo sobre a produção em São Paulo, ch
ama a atenção sobre o espetáculo como
condição de debate público :
Todos esses grupos respondem a primeira pergunta que eu sempre faço e respondem bem. Porque
você quer montar essa peça? [...] O Babilônia é uma reflexão teatral sobre a experiência do Fo
lias
aqui na Santa Cecília.[...] Teatro que me interessa é isso [...].E assim, eu não vou enumerar, mas
todos esses trabalhos correspondem a uma ruptura, em graus variados, com as normas e
pressupostos do drama.Ninguém faz teatro dramático
.(COSTA, 2005, p.
55)
Na oficina de capacitação os alunos são estimulados a participar ativamente da escritura das cenas.
Não podemos dizer que chegamos a um resultado tão complexo, como os exemplos citados, mas o
estímulo à construção de textos próprios é uma questão estrutural dentro da oficina de capacitação.
Nesse tempo de trabalho na periferia detectamos que na escolha do texto, dentro dos grupos
amadores que são formados nos bairros, e dos quais recebemos muitos alunos, acontecem grandes
equívocos, e as tentativas de dramaturgia incorrem em falhas primárias, seja pela falta de um
88
conhecimento maior de textos teatrais, seja pela tendência de se optar pela forma dramática
convencional, que não consegue traduzir determinadas preocupações temáticas.
Você foi ao teatro, hoje? (Anexo A) foi elaborado como roteiro aberto, amarrado por
intervenções coletivas, retomando o exercício da Roda coletiva, que passa a servir ao contexto da
cena. O caráter de fragmentação das cenas segue também a uma lógica da dramaturgia não
aris
totélica, cada cena por si .
No roteiro final Você foi ao teatro, hoje? a estrutura criada segue uma imagem que também foi
desenvolvida nas aulas do Tai chi, as seqüências aprendidas eram depois justapostas formando um
todo. A Roda coletiva era a linha que costurava as partes. Nestas pequenas células ou módulos
cênicos tínhamos:
-
cenas criadas a partir do texto de Karl Valentim (que depois foi reduzida a uma)
-
cenas criadas a partir das notícias de jornal;
-
cenas de rua;
-
cenas reconstruídas a part
ir da vivência e memória de cada um;
-
depoimentos sobre teatro e sua relação com realidade.
Além destas as
cenas corais
:
- o poema da Adélia Prado,
Diva
;
- as canções: duas eram conhecidas e foram trabalhadas na oficina anterior, A canção de
Chen e o Dia de São Nunca, a nova era um fragmento d O canto de Ossanha, de Baden
Powel e Vinícius de Moraes, cantado em forma de pergunta e resposta por dois coros, que
usavam a voz falada entremeada com o canto:
89
Atriz 1(entrando): O homem que diz dou, não dá
A
triz 2: Porque quem dá mesmo não diz
Atriz 3: O homem que diz vou, não vai
Atriz 4: Porque quando foi já não quis
Atriz 5: O homem que diz sou não é
Atriz 6: Porque quem é mesmo é não sou
Atriz 7: O homem que diz tô, não tá
Atriz 8: Porque ninguém tá qua
ndo quer........
Coro 1: Vai vai, vai vai,
Coro 2: Não vou
Coro 1: Vai vai, vai vai,
Coro 2: Não vou....
Coro 1: Vai vai, vai vai,
Coro 2: Não vou...
Coro 1: Vai vai, vai vai,
Coro 2: Não vou...
Coro 1 (fala): Amigo senhor Saravá
Xang
ô me mandou lhe dizer
Coro 2(canta): Se é canto de Ossanha não vá
Pois muito vai se arrepender
Coro 1 e 2: Pergunte ao seu orixá
O amor só é bom se doer
Coro 1: Vai vai, vai vai
90
Coro 2: Amar....
Coro 1: Vai vai,
vai vai
Coro2: Sofrer....
Coro 1: Vai vai , vai vai
Coro 2: Chorar...
Coro 1:Vai, vai
Coro 1 e 2
(falando)
:
Vai, Vai!
.
FOTO 17 Você já foi ao teatro, hoje?, ZAP 18, dezembro de 2005
Fonte: Foto Ana Martha, Arq
uivo ZAP 18
91
As
cenas corais reforçavam o caráter de construção do roteiro/espetáculo, ao dispensar
protagonistas e até mesmo os personagens. Aqui são os atores que se posicionam em cena, que
falam através dos poemas, canções e depoimentos. Todos são pa
rte do todo, são ao mesmo tempo
os atuantes e a platéia que acompanha a cena dos colegas. Não existem coxias onde aos atores se
escondem, à espera da próxima cena, todas as mudanças o realizadas à vista do público, que
desta forma toma parte no processo
de construção da peça. Nenhuma informação lhe é negada, com
o intuito de causar surpresa, espanto, ou levá
-
lo à emoção gratuita.
Você foi ao teatro, hoje? realizou duas apresentações em dezembro de 2005: uma na área
central da cidade, no Centro Cultural de Belo Horizonte, dentro da Mostra de Artes Cênicas do
Uni-
BH e a outra na ZAP 18, no evento Bazarp, de encerramento do semestre.
Avaliando os resultados do trabalho neste período podemos perceber que Brecht coloca-se hoje
para a ZAP 18, como uma inspiração, mais do que uma receita. Não se trata de endeusar Brecht
como alerta Carrera (2000), ao avaliar a produção teatral em Santa Catarina afirmando que o
nome de Brecht se transformou em sinônimo de compromisso político, símbolo de um teatro
politica
mente combativo. A partir deste mecanismo se deu um processo de mitificação....
Neste risco, bastante real, não gostaríamos de incorrer. Para compreender melhor suas causas,
que se desdobram a partir de um ponto de vista errôneo, algumas questões são apo
ntadas por ele
:
Estes são alguns exemplos que servem para demonstrar de como a leitura foi feita de maneira
errática e fragmentada, pois evidenciam que os grupos buscavam no pensamento deste autor
respostas e modelos, mas se aproximaram dele através do valor simbólico [...] interessou menos a
relação dos teatristas com os elementos técnicos e estéticos do teatro dialético, com os conceitos
92
do épico, do que com a compreensão de como operou a referência mítica que estes elementos
representaram
.(
CARRERA
, 2000 p. 30)
Por que e como se apropriar das reflexões brechtianas então? Através da prática e da crítica
renovadas. A sociedade de hoje, com o neoliberalismo e a globalização, estágio avançado do
capitalismo mundial, é muito mais complexa do que 40 anos. Mas se não existe um novo
mundo ao saltarmos fora deste modelo, como se acreditava no período da utopia socialista, isso
não deve nos deixar acreditar que nada possa ser feito. Provocar o pensamento em tempos tão
obscuros é um bom caminho.
O desenvolvimento dos atores, com pouca ou nenhuma experiência teatral, como os que
participaram deste trabalho foi potencializado através das oficinas. Estimulando que as pessoas
pensem através do teatro percebemos os alunos se transformando em donos do instrume
ntal
prático e teórico oferecido. O teatro que queremos praticar na ZAP 18 não requer um ator
virtuosístico, e sim um ator perspicaz, capaz de exercitar um olhar crítico sobre o outro, sobre o
cotidiano, sobre as relações entre os homens e trazer estas impressões para compartilhar com os
colegas na construção de um sentido teatral. Todos podem ser artistas, porque se reconhecem
como homens. Por isso a força poética dos versos de Brecht (2004) no fragmento do poema
Sobre o teatro cotidiano , faz sentido:
Mas não digam vocês: o homem
Não é um artista. Erguendo uma tal divisória
entre vocês e o mundo, apenas se lançam
fora do mundo. Negassem ser ele
93
um artista, poderia ele negar
que fossem homens, e isto
seria uma censura maior. Digam antes:
Ele
é um artista porque é um homem
.(BRECHT, 2001, p.237, grifo nosso)
Do ponto de vista do artista - pesquisador o lugar de onde se fala é fundamental para se
entender as características éticas e estéticas do trabalho realizado. Por estar na periferia e querer
falar deste lugar, é que nós e nossos alunos, praticamos um teatro que vai além da questão
artística. Brecht é um aliado e ainda faz sentido, hoje. Sentido que se renova e multiplica as
possibilidades transformadoras do teatro.Todo o material produzido nas oficinas remete ao
sentido pedagógico do teatro (mesmo não trabalhando com as peças didáticas ou peças de
aprendizagem), revelando uma possibilidade instigante de aprendizado permanente.
Assim como é difícil falar de um novo teatro engajado sem passar por Brecht, a vivência na
periferia tem nos mostrado com freqüência que o fazer teatral fora de locais estabelecidos, para
um público que ainda precisa ser descoberto, conduz, via de regra, à politização da cena, fazendo
-
a resgatar o sentido de diversão mais profundo, tão pouco presente nas diversões
fast
-
food
que
proliferam como produtos descartáveis hoje na sociedade de consumo, perpetuando suas formas
de dominação.
O encontro com Brecht, na verdade foi uma escolha consciente, que reflete um caminho
percorrido ao longo de 25 anos de história. Sempre no interesse de usar seus questionamentos
como algo que nos mova em direção ao fazer, e fazendo contribuir para a construção de um
94
tempo novo. Borheim (1997) salienta: No fundo não existe teoria brechtiana, mas uma prática
brechtiana, que é a reinvenção constante do teatro
Reinventar o teatro, eis o exercício sempre necessário. Na ZAP 18, a construção de uma
identidade, enquanto grupo teatral e espaço artístico e cultural, se em todas as frentes de
trabalho, nas oficinas para crianças ou adolescentes, na oficina para atores ou nas montagens,
feita no dia-a dia, tanto nas discussões como no trabalho prático, unindo arte e realidade. Inclui o
diálogo com a comunidade
alunos, pais de alunos, públi
co, vizinhos, pequenos comerciantes da
região, poder público, além de artistas de grupos como o nosso, que se deslocam para a periferia
buscando um sentido mais concreto para sua arte. Os desafios que se colocam são combustível
para a continuidade, fazendo a roda girar, pois não existem fórmulas prontas nem no teatro, nem
na sociedade, mas a construção de respostas passa, nos dois casos, pelo fortalecimento do sentido
coletivo.
95
4 DIÁLOGO(S) COM A
UNIVERSIDADE
Neste breve capítulo pretendo abord
ar a relação entre o meu trabalho como coordenadora na ZAP
18 e o intercâmbio com experiências docentes na Universidade:
1) como professora substituta no Curso de Artes Cênicas da UFMG entre 2001 e 2003;
2) como professora do Curso de Arte
-
Educação da PU
C MINAS
-
Prepes, na área de Teatro;
3) como professora e coordenadora do Curso Seqüencial Artes Cênicas: Aperfeiçoamento do
Comunicador do Uni
-
BH
4) como aluna/estagiária do Mestrado da Escola de Belas Artes em 2005.
Para um artista, o contato/confronto com a academia é uma pedra no meio do caminho. Não foi
diferente no meu caso. Aluna militante do curso de história da UFMG no final da década de 70,
nos estertores, ainda preocupantes da ditadura militar, acabei optando pelo teatro, numa época em
que a formação nessa área era precária. Sem dúvida a FAFICH (Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da UFMG) abriu para mim o mundo do pensamento, mas, ao final do curso,
esbarrei nos rituais acadêmicos, e conclui apenas a licenciatura. Entre o pensar e o fazer
escolhi o
fazer pensando , acreditando que o fascínio que o teatro exerce seja justamente este: não separar
o trabalho intelectual do prático, nele as questões mais profundas se equilibram com as mais
rústicas. No entanto, o ensinar teatro foi uma atividade que se desenvolveu paralelamente à
carreira do grupo, ao trabalho de atriz e diretora, não como uma opção de sobrevivência, mas
por uma afinidade, que também havia se manifestado nas aulas que comecei a dar logo no
96
período e na escolha da licenciatura como graduação. Esse trabalho, que começa com aulas de
história para o 1º e 2º graus, passa por aulas de educação artística até chegar aos cursos e oficinas
de teatro, acaba me levando de volta à universidade, seja pela porta da Comunicação Social, n
os
cursos de Jornalismo da PUC
-
Minas e Uni
-
BH, entre 1991 e 1993, até chegar em 2001 ao recém
-
criado Curso de Artes Cênicas da UFMG, como professora substituta de Interpretação. Esse
reencontro com o pensamento da academia, que tinha sido essencial na minh
a formação, mas que
foi abandonado em prol de uma carreira artística, foi fundamental na minha trajetória de 25 anos
de teatro. A liberdade criadora de artista foi colocada à prova em cada aula, em cada formulação,
em cada montagem ou exercício realizado em sala de aula. Não era uma exigência de fora, era
um desejo pessoal de reorganizar uma história à luz das teorias, das formulações de tantos que
pensaram o teatro. Encontrar os
porquês
e os
comos...
Esse reencontro coincide com o período de inauguração da ZAP 18, que acontece em 2002,
colocando para o grupo novas perspectivas e desafios que, de certa forma, ecoaram no trabalho
realizado dentro da Universidade. Um canal de comunicação se estabeleceu, e de muitas formas a
prática e a teoria se juntaram, seja na abordagem mais metodizada dos conteúdos, tanto nas aulas
como nas oficinas, seja na participação de alunos da Federal no projeto da ZAP, seja na utilização
do espaço para apresentação da montagem de formatura do 7º período,
A Cozinha
, sob direção do
Professor Luís Otávio Gonçalves, em dezembro de 2004. Mas o mais importante foi sem dúvida a
possibilidade de oferecer o módulo de Teatro Épico na ZAP 18, a partir de 2004, acompanhado
da decisão de retomar de forma sistematizada a pesquisa em teatro, no mestrado. A pedra no
caminho deu frutos.
97
A universidade tem um papel fundamental como espaço para o debate público de idéias, para
pesquisa e o compartilhamento coletivo. Ao tratar o teatro como arte, em toda sua extensão e
complexidade, distingue o fazer comprometido com qualidade e investigação do mero
entretenimento, categorias que o mercado cultural faz questão de colocar na mesma banca,
sempre em prejuízo da primeira. Através de vários focos de interesse na pesquisa de novos e
velhos teatreiros, será possível viabilizar o registro de uma história escrita através do trabalho
incessante de grupos e artistas que fizeram e fazem o teatro resistir. O caminho é longo e estamos
apenas no início. O teatro é múltiplo e o espaço da academia pode e deve acolhe
r a reflexão sobre
a mais antiga forma de expressão artística, pois ela nos revela uma das faces mais instigantes da
humanidade.
4.1 A experiência como professora substituta de Interpretação no Curso de
Artes Cênicas da UFMG
No Curso da UFMG, entre 2001 e 2003, ministrei várias disciplinas, tanto no Bacharelado, como
na Licenciatura, sendo responsável por duas montagens, ambas do 5º período:
Barreado
, texto da
mineira Ana Elisa Gregori
e
Procura
-
se uma rosa
, texto de Vinícius de Morais.
Essas montagen
s
foram um difícil exercício de equilibrar as funções de diretora e professora. Como artista, nunca
pensei em trabalhar com uma linha fechada de interpretação, pois a vivência dentro de um grupo
teatral, minha verdadeira escola de teatro, era uma fusão de idéias, influências, desejos, nem
98
sempre definidos de modo puro . Sempre perseguimos no grupo uma linha que poderia ser
definida como não naturalista, centrada no ator e nas suas possibilidades expressivas. No trabalho
como diretora, nos convites que recebi de trabalho, continuei com esta motivação. Na primeira
montagem por contar no elenco, ou melhor, na turma, com atores experientes, como Míriam
Nacif, Geraldo Peninha e Adyr Assunção, consegui um grande respaldo para encaminhar o
trabalho como se fossemos um grupo, coletivamente, extrapolando a relação professora/alunos.
Na segunda, com uma turma muito jovem, para quem eu era uma ilustre desconhecida, foi bem
mais difícil. Em alguns momentos tive vontade de desistir e perguntava: o que eu estou fazendo
aqui? Parecia que todo o conhecimento acumulado por 25 anos servia pouco. A única relação
possível era a vertical, e com muito esforço conseguimos chegar ao espetáculo, contando com a
valiosa colaboração dos outros professores envolvidos na montagem, Tânia Mara, na parte
corporal e Andréia Amendoeira, voz e canto. Além disso, tivemos músicas compostas por
Maurílio Rocha, que depois se tornaria professor da escola, companheiro de trilhas sonoras em
montagens como A Hora da Estrela e O Sonho de uma Noite de Verão. Neste momento final,
perto da estréia a união aconteceu e como diria o bom e velho Shakespeare: tudo está bem,
quando acaba bem . No programa da Mostra Artes Cênicas no Teatro da Praça essas e outras
dificuldades mais concretas são abordadas no me
u texto de apresentação:
A
montagem de um espetáculo, principalmente dentro de uma escola, mais ainda de um curso em
fase de implantação, como o Curso de Artes Cênicas da UFMG, nos coloca, diretor/professor de
um lado, alunos/atores de outro, diante de questões muito diversas das que encontramos ou
encontraremos no sempre incipiente, mas insistente e em expansão mercado mineiro. Antes de
tudo devemos priorizar o processo [....], fazendo da montagem um aprendizado catalisador do
conhecido adquirido anteriormente. No entanto o resultado, seja ele qual for, é uma questão de
honra [...]. Os recursos limitados, o tempo curto, a ansiedade da turma, as faltas.....
Com esta difícil equação nas mãos, começamos, no início de junho, a trabalhar com o texto
Procura-se uma rosa de Vinícius de Morais.
99
Acho que a questão de honra se referia a mim, a minha honra que no caso era conseguir chegar
ao fim do processo. Todas essas dificuldades me fizeram pensar no trabalho de professora de
teatro, sua relação com o trabalho de artista, as especificidades de cada um. Amadureceu a idéia
de que era preciso fazer escolhas, deixar mais claro, no caso de processos com alunos em
formação, quais são os caminhos que se cruzam dentro de uma montagem e por que estamos
optando po
r eles.
Por esse motivo gostaria aqui de destacar, por seus desdobramentos abordados, no capítulo
anterior, o trabalho realizado na Disciplina Interpretação II, que enfoca o Teatro Épico, sua teoria
e prática. Desde o início do Curso, essa disciplina e
stava sendo ministrada pelo Prof. Dr. Antônio
Hildebrando. O bastão me foi passado para que ele se dedicasse à montagem do período.
Além da orientação sobre os textos teóricos em uma conversa/ritual de iniciação recebi como
senha uma valiosa idéia, qu
e passou a me acompanhar a partir de então: trabalhar com os poemas
de Brecht sobre teatro. Os poemas, citados em outros momentos, constituem o pensamento
vivo de Brecht, um resumo inspirado de sua teoria, tanto no que se refere ao sentido do fazer
teat
ral, como ao comportamento dos atores face ao desafio de criar algo novo na arte de
representar, evitando a identificação que embota os sentidos e o uso da razão. Conceitos como o
distanciamento/estranhamento
, o teatro culinário, o divertimento, a o
bservação
entre outros, são
tratados pelo olhar da poesia, trazendo a força de imagens inspiradas tanto no cotidiano, como na
história, vista sempre pelo lado dos desvalidos. O estudo da própria teoria dava suporte teórico às
atividades práticas, que utilizavam o
s poemas como mote para criação de inúmeras cenas, sempre
em grupos. Depois de uma grande bateria de exercícios cênicos, intercalados por reflexões
conduzidas através de seminários apresentados pelos alunos, tivemos a criação de cenas a partir
100
de textos de
épocas distintas, que tinham em comum a utilização dos elementos épicos: a tragédia
grega, o teatro elizabetano, o teatro brasileiro de resistência. No módulo final devíamos produzir
alguma cena de fechamento. Nos anos anteriores, textos do próprio Brecht foram usados:
Aquele
que diz sim, aquele que diz não, De nada, nada virá, Mahagonny. No entanto uma série de
questionamentos começaram a ser feitos pelos alunos, trazendo muitas dúvidas sobre a escolha
do que montar, inquietações que se mostraram no fundo muito produtivas. A maioria se
questionava: O que isso tem a ver comigo? Sobre o que eu quero falar? Por quê?
Parece que depois de discutir e vivenciar o modo crítico de se fazer teatro, base da compreensão
do modelo brechtiano a discussão se ampliou exigindo uma tomada de posição. Um relatório,
distribuído por mim aos alunos antes de sairmos de férias (o calendário escolar estava atípico em
função da greve das Universidades Federais em 2001) dava conta da perplexidade que havia se
instalado depois de vár
ias rodadas produtivas de trabalho:
As cenas apresentadas não significaram o avanço que imaginamos e uma ampla discussão se
instalou. Tentando responder parte das questões levantadas, na aula seguinte, foi proposta uma
releitura coletiva do Pequeno Organon. Na conversa, surgiram vários pontos de vista, estimulados
pela teoria de Brecht. Para dar um novo rumo ao trabalho foi proposto que cada ator elaborasse
uma cena solo , que traduzisse
teatralmente
as questões levantadas na discussão e que mostrasse
su
as indagações e desejos a respeito do teatro, do seu papel na sociedade, etc.
Este relatório tem o sentido de relatar uma parte do processo prático desenvolvido em sala e assim
fornecer subsídios para continuidade e fechamento do semestre que deve ocorrer na semana pós
carnaval
.(FALABELLA, 2002, p.1)
As perguntas não poderiam ser esgotadas ali, exigiam um tempo e uma maturação maior, mas
podíamos trazer um pouco desse questionamento para o público, compartilhando com ele o que
estávamos aprendendo juntos, com os riscos que isto implicava. Como descrito no relatório e
acatado pelos alunos, a proposta para sair do impasse era simples: cada um devia trazer uma cena
101
individual sobre algo que o estivesse incomodando, se apropriando dos elementos formais
trabal
hados, deixando clara a instância do ator e/ou personagem. Cada um devia se apresentar
livremente, e tinha sua cena analisada pelo grupo, para que pudesse ser aperfeiçoada e
corresponder de fato ao que cada um queria dizer . Alguns retomaram poemas, outros criaram
personagens, a maioria optou por depoimentos pessoais. Um depoimento da aluna Júnia Bessa,
usado em cena, expõe um pouco desta revolução interna provocada pelos parâmetros indicados
por Brecht:
Usar Brecht sem criticá
-
lo é traição.(Heiner Muller
).
A minha cena é uma brincadeira sobre como eu me sinto e sobre como eu penso fazendo essa
disciplina de Interpretação II. Porque eu acho que quando eu estava fazendo Interpretação I, eu
estava aprendendo uma técnica e então o importava o que eu ia fazer com aquela técnica na
vida, eu tinha que mergulhar o máximo no aprendizado, porque era uma aula no sentido de
transmissão de conhecimento. E eu sinto a diferença agora, porque para mim tudo que o Brecht fez
esteticamente até agora foi uma implicação de ideologia, que ele tinha e que tinha a ver com a
época que ele viveu. Então pra mim interessa muito mais fazer uma reflexão....
Interessante essa divisão que a aluna faz entre uma técnica que pode ser aprendida e aplicada e
um outro tipo de conhecimento que implica em compreender, compartilhar e refletir sobre o que
se está fazendo. O ensinamento que Brecht deixa vai além de uma técnica, oferecendo um
caminho para a investigação da realidade e a possibilidade de transformá-la em um teatro, que
transforme
esta mesma realidade.
A ordenação das cenas que foram sendo depuradas pelo olhar de um colega sobre o outro, foi
feita pelas cenas coletivas geradas anteriormente: o poema Mostrem que mostram abria a
apresentação. Na abertura do roteiro cada ator, como se tivesse entrando em uma grande fábrica,
batia o seu ponto e integrava uma linha de produção que ia alternando funções, à medida que o
102
poema tomava forma. Outra cena coletiva era um assalto a um coletivo , editada sem ordem
cronológica, ou seja, o público sabia do fim para depois tentar compreender os
porquês.
Na
seqüência, uma grande movimentação estruturada pela professora de corpo Tânia Mara, -
colaboradora da montagem, expunha os atores como anônimos de uma grande cidade, vendendo
seu
peixe
, ou suas idéias. Demos o nome a estas cenas coletivas de Sociedade Anônima do
Cotidiano . Em um dado momento uma atriz de fora da cena, fazendo às vezes de uma
comissária de bordo, tratava a todos, atores e público, como passageiros de um avião que sofria
uma pane (seria um atentado?), e em intervalos regulares pedia calma. Uma canção criada para a
cena dos coveiros de Hamlet, na época dos seminários, precedia o poema final
Nada é impossível
de mudar
interpretado por uma das atrizes:
Na mocidade eu amava e amava
Com
o era doce passar assim o dia
Olhando o tempo que voava
E eu não via a vida que fugia
E a velhice chega bem furtiva
Na solidão que tarda mas não erra
E nos atira aqui dentro da cova
Como se o homem também não fosse terra
Uma picareta e uma pá
Uma pá e u
ma mortalha
Cova de argila cavada pra enterrar a gentalha
Uma picareta e uma pá
Uma pá e uma mortalha
103
Cova de argila cavada pra enterrar a gentalha!
O trabalho recebeu o nome de
Brechtfastindigestus
, uma brincadeira que remetia aos prazeres
fast
-
food,
mas trazia na justaposição de opostos (rápido e indigesto) uma advertência aos mais
afoitos, além de conter a palavra
gestus
, conceito fundamental para Brecht, citado por Borheim
(1992):
Um homem que compra um peixe, mostra entre outras coisas, o
Gestus
de quem compra peixe.
Um homem que escreve seu testamento, uma mulher que seduz um homem, um homem que faz
um pagamento a dez homens, um policial que espanca um homem
em tudo isso existe o Gestus
social.
(BORHEIM, 1992, p.282)
Como cada um criou sua ce
na
-
solo fui instigada a criar a minha e participar da apresentação. Para
construí
-la falei do prazer (e tristeza) de estar ali, junto com os alunos, na despedida do trabalho
como professora substituta do Curso de Artes Cênicas e encerrava com um texto de Guimarães
Rosa, que apela para que o pensamento passe a fazer parte da vida das pessoas:
Antes de ser diretora e professora eu sou uma atriz. Eu digo isso porque neste momento em que eu
encerro minhas atividades aqui, nesta Escola de Artes Cênicas é o momento em que me sinto mais
próxima de todos e que minha primeira função no teatro
ser atriz
se revela de forma diferente
para mim. Ela foi o ponto de partida para a diretora e a professora. A paixão veio dela. E a reflexão
também. Quando eu penso nesta
trajetória eu me lembro de um texto do Guimarães Rosa que é mais
ou menos assim:
Sou místico. Pelo menos acho que sou. Que seja também um pensador. Noto-o constantemente em
meu trabalho e não sei se devo me alegrar ou me lamentar com o fato. Posso ficar imóvel durante
um longo tempo, pensando em algum problema e esperar...(
fica imóvel)
Nós sertanejos somos muito diferentes da gente temperamental do Rio ou da Bahia. Que não sabe
ficar quieta nem um minuto! Somos tipos especulativos a quem o simples fato de meditar causa
prazer. Gostaríamos de tornar a explicar diariamente todos os segredos do mundo. Chocamos tudo
que falamos ou que fazemos, antes mesmo de falar e de fazer. E também choco os meus livros.
104
Uma palavra, uma única palavra ou frase pode me manter ocupado durante horas....ou dias.
Temos de aprender outra vez a dedicar muito tempo ao pensamento. Daí seriam escritos livros
melhores. Os livros nascem quando a pessoa pensa! escrever é a técnica e a alegria do jogo
com as palavras
...
O pensamento e as transformações que ele provoca, este é um dos prazeres que o teatro me
proporciona. E que esta escola de Artes Cênicas e esta turma de atores, me ajudaram a redescobrir.
Obrigada!
(FALABELLA, 2003, p. 4)
Mutatis mudandi o mesmo podemos dizer do teatro: ele nasce quando as pessoas pensam, em
conjunto. transformar isto em uma montagem é a técnica e o prazer de dividir com o público
nossos questionamentos.
Na apresentação realizada dentro das atividades de encerramento do semestre letivo, tivemos a
gra
ta surpresa de contar na platéia não só com os estudantes do Curso de Artes Cênicas e
professores, mas também com jovens alunos do Centro Pedagógico da UFMG, que não tiveram
nenhuma dificuldade em assistir e reagir ao espetáculo , comprovando que os assuntos tratados
não interessavam apenas ao público iniciado.
Essa disciplina foi fundamental para o desenvolvimento do trabalho na ZAP 18, como pode ser
comprovado no capítulo anterior. Foi a partir dela que vislumbrei a possibilidade de trazer o
Teatro Épico como um dos módulos da Oficina de Capacitação, como uma resposta às
indagações artísticas que o estar na periferia haviam suscitado.
4.2 A Experiência com a formação de arte -
educadores no PREPES
105
Em julho de 2005, fui convidada pela professora Maria
Antonieta Cunha para ministrar o módulo
Teatro no Curso de Especialização da Universidade Católica de Minas Gerais. O curso com
duração de três módulos, que acontecem nas férias de janeiro e julho, recebe pessoas de todas as
partes do Brasil, compondo turmas de grande diversidade de formação, e com focos de interesse,
dentro da arte-educação bastante diferentes. Como é sabido dentro da arte-educação, o teatro é
uma das últimas manifestações a ser incorporada devido a fatores culturais, históricos e que
envolvem a precariedade na formação de profissionais, fator que vem sendo superado, graças à
implantação de inúmeros cursos de licenciatura e da consolidação de outros tantos. Como
decorrência dessas questões, muitos dos teatro-educadores não tiveram uma formação acadêmica
específica, são artistas que vem de uma intensa prática dentro de salas de aula, oficinas livres,
cursos de formação de professores nas redes públicas, seminários, etc. Eles buscam então, no
curso, uma sistematização e aprofundamento de sua prática. Por este motivo a experiência como
professora substituta na UFMG foi fundamental para ministrar este módulo. Menos pela parte de
jogos e exercícios, alguns bastante comuns em aulas para iniciantes e mais pela conjugação entre
prática e teoria, equilíbrio aperfeiçoado por esta vivência na Universidade. Para oferecer uma
oficina de 30 horas, optei por abordar a relação entre teatro dramático e teatro épico, fazendo a
opção pelo segundo modelo e introduzindo, através de exercícios, este modo de se ver e fazer
teatro. Se com alunos de teatro a teoria e prática de Brecht provocam reações de questionamento
e muitas dúvidas, com os professores o efeito foi ainda mais profundo (considerando também a
brevidade do tempo). Muitos não tinham um contato maior com o teatro e foi bom constatar que
não era preciso uma grande vivência anterior para aplicar os conceitos apresentados nas cenas.
Nesta experiência os poemas não foram o mote central. Logo no encontro, onde cada um se
apresenta, ficou claro que a maior riqueza da turma era a sua diversidade, que se manifestava
106
numa profusão de sotaques, de idades, de temperamentos, de histórias. O exercício que tinha sido
feito no fim do trabalho na UFMG foi nosso ponto de partida, com as devidas adaptações. Em
dupla
cada um contava para o colega uma história, algo ligado a infância ou a alguma passagem
de sua vida, fosse triste, trágica, divertida, inusitada. Cada qual fazia sua(s) escolha(s). Ao outro
cabia observar. Depois as funções se alternavam. Dividida a sala em área de atuação e área de
observação, tínhamos então a apresentação de cada dupla para o público. As histórias trocadas
eram apresentadas com variações que buscavam torná-las diferentes da primeira narração, feita
pelo seu dono e transformá-las em histórias que interessassem a todos. As técnicas usadas iam
variando para que não ficassem previsíveis:
- contar a história do outro como se fosse sua na pessoa, acrescentando ou mudando pequenos
detalhes. Um conta e o outro mima as partes mais interessa
ntes.
-
o mesmo com o narrador usando a 3ª pessoa.
- um aluno conta enquanto manipula o corpo do outro, colocando-se atrás dele, como se este
fosse uma marionete.Variações com 1ª e 3ª pessoa.
- um aluno conta e em determinados momentos, combinados anteriormente, é interrompido pelo
colega que diz: Foto 1! E em seguida se posta em determinada ação congelada, que ilustra o
que foi dito (ou que o contradiz). São elaboradas entre 3 e 5 fotos . As fotos podem receber
títulos breves, como por exemplo:
Despedi
da, O dia seguinte, etc. O aluno é estimulado a
explorar títulos instigantes, poéticos, engraçados, que acrescentem sentido à cena. Variações com
1ª e 3ª pessoa.
- um aluno narra e é interrompido por comentários do outro, que acrescenta detalhes, discorda,
etc.
107
Apesar de se conhecerem do semestre anterior, esta rodada de histórias revelou muitas facetas de
cada integrante e estabeleceu um clima de confiança e cumplicidade, essencial para o
desdobramento do trabalho. Mais à frente as histórias foram incorporadas na apresentação final,
que movimentou o campus da PUC Minas, invadindo cantinas, salas de aula e espaços de
convívio. Essa atividade foi realizada em conjunto com o professor de musicalização, Gil
Amâncio, companheiro de outras viagens.
Na seqüência, foram elaboradas cenas com base em relatos. Em grupos de 4 ou 5 pessoas, várias
histórias reais , ou melhor, fatos acontecidos com as pessoas, eram contados e o coletivo
escolhia a que desejava encenar. A cena devia conter elementos de narração, fotos e/ou troca de
personagens/atores. O objetivo era forçar os limites da cena dramática tradicional, invertendo o
seu sentido de criar empatia e comoção. Cada grupo elegia um narrador (que não podia ser o
dono da história) para contar em rápidas passagens o que seria encenado. Em seguida a cena
era apresentada e comentada por todos.
Procedimento semelhante foi aplicado às notícias de jornal. O uso do jornal como combustível
para cena remete a outras experiências, que no Brasil se disseminaram nos tempos da r
esistência
à ditadura militar. O próprio Brecht tem uma peça escrita, no auge do nazismo, toda retirada de
depoimentos e notícias de jornal, Terror e miséria no III Reich. Foi usado como recurso didático
pela primeira vez nesta oficina e depois ampliado no trabalho da ZAP 18 e na disciplina de
estágio docência da UFMG.
O jornal contém um discurso subjacente que veicula uma posição face aos fatos. Não existe
jornalismo isento, as notícias ganham dimensões distintas de acordo com o tipo de diário. Assim
108
o
s alunos, além de terem em mãos retratos instantâneos da realidade, podem contrapor sua versão
dos fatos. Enfim o jornal serve mais uma vez para trazer, assim como os relatos e as observações
das cenas de rua, o real para dentro da cena, a possibilidade de reconstruir a realidade para que
possa ser compreendida de forma mais profunda em toda sua contradição.
A possibilidade de traduzir a realidade em teatro foi uma descoberta produtiva para os
educadores, que dependem, nas salas de aula, de conseguir motivar os alunos na construção de
um sentido para o fazer teatral. Nessa direção o teatro épico pode descortinar uma nova
abordagem, mais concreta e nem por isso menos criativa e instigante, aguçando o espírito crítico,
como o da aluna Osvânia da Silva: não existe um método pronto ou uma cartilha pra se seguir,
até porque teatro é arte, arte é conhecimento e o conhecimento é ilimitado .
O grande interesse gerado pela oficina provocou desdobramentos: duas alunas vieram participar
da turma de capacitação, na ZAP 18, com o intuito de aprofundar seus conhecimentos sobre
teatro épico e recebi da coordenadora da pós-graduação, solicitação de orientação para seis
alunos, que pretendem desenvolver em seus trabalhos de monografia, temas que perpassam
questões abordadas neste módulo. Durante o mês de janeiro de 2006, realizamos encontros para
encaminhar a pesquisa. Sem dúvida será mais um exercício valioso que acrescentará mais falas
ao diálogo com a universidade.
109
4.3
Uma experiência diversa: professora e coordenadora do Curso Seqüencial
de Artes Cênicas do Uni
-
BH
Em 2002, com a abertura do MEC para a criação de cursos de curta duração destinados a
demandas específicas do mercado, denominados seqüenciais, foi criado pela professora, atriz e
bailarina Mônica Ribeiro um curso com um recorte na área de Artes Cênicas em conexão com a
Comunicação Social no Centro Universitário Uni-BH, o Curso Seqüencial de Artes Cênicas:
Aperfeiçoamento do Comunicador.
A expectativa era atrair profissionais como jornalistas, publicitários, relações públicas,
interessados em prosseguir sua formação. As três turmas de egressos, no entanto, tiveram um
perfil bastante heterogêneo, colocando desafios aos professores no sentido de equilibrar uma
carga de exigência mais adequada a um ator, com informações e estratégias para possibilitar a
utilização dos instrumentos do teatro em situações de comunicação. Ou seja, alguns queriam de
fato atuar como atores e outros desempenhar melhor os seus papéis. Sobre esse fio da navalha foi
que trabalhamos. Na estrutura curricular estavam previstas duas montagens, uma no 3º e outra no
período, que tinham como objetivo colocar os alunos em cena. A primeira tinha uma relação
direta com a disciplina Introdução à Interpretação e a segunda com a disciplina Improv
isação.
Como professora pude realizar duas montagens ambas no período, com turmas diferentes. A
montagem inicial partiu de um texto dramático, tendo sido escolhida a farsa de Nelson Rodrigues
Viúva, porém honesta e depois trabalhamos com um trecho do Gr
ande Sertão: Veredas, a história
de Maria Mutema e do padre Ponte, que recebeu o nome de
Mutema
. Foram experiências
110
diversas, com turmas de características bem diferentes: a primeira tinha alunos mais maduros,
muitos com formação em áreas da comunicação e também alguns sem base alguma, tanto em
teatro quanto em formação escolar; a segunda tinha quase na sua totalidade alunos com desejo de
se tornarem atores (e alguma experiência). Como procedimentos comuns aos dois processos
podemos destacar o estímulo ao a
tor como criador da cena, do personagem, pois este ator está em
construção, aprendendo com a prática, fundamental e insubstituível para o teatro. Mesmo que
depois ele não optasse pela carreira artística.
A influência do trabalho com o teatro épico realizado na UFMG, se fez sentir na utilização de
elementos formais narrativos nas duas montagens. No texto de Nelson Rodrigues, Viúva, porém
honesta
, ironicamente denominada farsa irresponsável" em 3 atos,
já existem momentos de corte
na estrutura tradicional, que estimulam a cena aberta, mesmo que em palco italiano, que foi
despido de pernas e rotunda, deixando os bastidores à mostra. Um prólogo foi criado à frente da
cortina, no proscênio, funcionando como um jogo de espelho com o público, que chegava para
as
sistir o espetáculo e encontrava uma platéia, comendo pipocas, conversando, rindo, até que no
sinal todos se apresentavam como atores e como personagens. então, a cortina se abria e a
peça começava.
Em
Mutema
o texto integral de Guimarães Rosa era narrado pelos atores assim que o público
tomava assento na platéia. Depois os atores subiam para o palco e a história da mulher que mata o
marido com chumbo no ouvido, era narrada pelos coveiros de Hamlet, inspirada na cena criada
pelos alunos do curso da UFMG. A música batizada de Uma picareta e uma , versão livre
criada também por eles, completava a cena, que se repetia por três vezes, até fechar o espetáculo.
111
A mistura de Rosa e Shakespeare foi batizada de Os sertanejos de Guimarães Rosa leram
Hamlet
?
Em agosto de 2004, assumi a função de coordenadora do curso e participei ativamente das
montagens da última turma, a cargo da professora Dayse Belico, em parceria com os professores
Juarez Guimarães Dias, responsável pela dramaturgia, Virgínia Lemes pela preparação vocal e
Maria Clara Lemos, pela preparação corporal. Em 2005 o curso formou sua última turma e se
encerrou. A arte não interessa ao mercado e se um curso de teatro quiser sobreviver tem que se
submeter às suas regras.
A relação entre o trabalho da ZAP 18 e o Curso Seqüencial vai se dar através dos alunos que se
interessaram em participar da Oficina de Capacitação, em especial o Módulo Teatro Épico. Estes
alunos que freqüentam dois espaços simultaneamente buscam aprofundar sua relação com o
teatro, pois a multiplicidade de opções e linguagens vai requerer cada vez um maior
conhecimento para permitir escolhas conscientes.
4.4
Pequenos exercícios cênicos: de volta às Artes Cênicas da UFMG
Pequenos exercícios cênicos designavam uma Disciplina Optativa, oferecida junto com o ator,
professor e colega de mestrado Alexander de Moraes. A idéia era trabalhar com pequenas
montagens, inspiradas em crônicas de jornal, no cotidiano.
112
As necessidades de cada um desenvolver estudos específicos para o seu mestrado, fez com que a
disciplina fosse desmembrada em dois módulos: um sobre teatro épico e outro sobre ações
físicas.
A ementa do módulo ficou assim definida:
Como construir cenas ao modo épico
tendo por inspiração a realidade. Uma investigação pr
ático
-teórica sobre as formulações
brechtianas e seus possíveis desdobramentos no teatro contemporâneo.
A turma era composta de 16 alunos de diferentes períodos, enriquecendo a troca de experiências,
nem sempre possível em outras disciplinas do curso. A i
nteração dos alunos possibilitou um olhar
mais crítico e a reciclagem do trabalho teatral.
Aqui surge em paralelo com a oficina da ZAP de Capacitação a questão do treinamento do ator
para a cena épica. O jogo coletivo que se construía com a participação do grupo e que ganhou o
nome de Mandala (ou Roda coletiva) é uma tentativa de estabelecer um aquecimento, que além
do corpo e voz ajudasse na concentração para a cena e no fortalecimento da atuação. O jogo de
regras aprendidas previamente, é assimilado de formas diferentes por grupos diferentes. Nos sete
encontros da disciplina, experimentamos a
Mandala
como um jogo construído e de
responsabilidade do grupo. Apesar de todos os alunos terem acesso durante o curso a uma boa
base de preparação corporal e vocal, desde o primeiro período, o que foi notado, inclusive nas
avaliações é que a aparente facilidade e simplicidade da brincadeira tornava necessário
desenvolver uma escuta coletiva. Em muitos momentos o exercício não fluía, pois cada um
queria inventar regras e desconhecer as previamente combinadas, quando a liberdade era coletiva
e não individual. Não raro os alunos, alguns de períodos avançados, se davam conta de que a falta
de uma consciência coletiva era uma das questões mais presentes no seu ofício, prejudicando o
113
sentido mais genuíno do teatro. Os alunos, nas suas avaliações finais, destacaram a importância
de se jogar; entre as observações encontramos:
A mandala falava muito sobre o estado dos corpos. Era impressionante como quando estávamos
ligados,
sintonizados, as coisas funcionavam em uma harmonia orquestral
.
(Ana Luiza de Melo
Amparado)
A Mandala, por exemplo, é um exercício ótimo para a concentração da atenção, seguir regras,
sentido do grupo, de coletivo
. (Lou Mafra)
O aquecimento coletivo. Esse jogo por mais simples que pareça é precioso, pois nos coloca em
outro estado.
(Adrilene Nunes)
Consciência de si e do outro, de si e do mundo. As etapas desenvolvidas não diferiram muito do
que foi trabalhado também na oficina da ZAP 18 e que foi d
escrito: troca de histórias pessoais,
cenas sobre relatos vivenciados pelo grupo e selecionados por este, cenas estimuladas por
notícias de jornal. Interessante foi observar como turmas tão distintas reagem ao material
apresentado e elaboram novos materiais cênicos, lembrando que muitos deles também eram
alunos da Licenciatura, como Daniel Carvalho Faria:
Trazer a realidade do homem (pesquisada através de notícias de jornal) para a cena teatral foi
muito interessante e abriu um repertório de possibilidades de trabalhar dentro dessa estrutura
também de forma pedagógica em escolas.
ou Zildo Flores:
Além disso o trabalho com as histórias pessoais, narradas e interpretadas em duplas e
principalmente
com notícias de jornal, analisadas e transformadas coletivamente em cenas
teatrais, foram aproveitadas por mim, tanto como estímulo a prática de uma leitura mais crítica
de informações veiculadas pela mídia, quanto no sentido de ter aprendido novas formas de
criação cênica e de ensino de teatro.
114
As referências culturais e sociais determinam o olhar sobre o mundo. Durante as aulas, a
discussão sobre o desarmamento estava na ordem do dia e foi debatida exaustivamente pelos
alunos, revelando o quanto existia de ideologia em cada discurso. Uma das cenas, que
usava uma
chaleira como arma e propunha um pequeno plebiscito sobre o deschaleiramento terminou
com um alto número de votos contra o desarmamento, antecipando um resultado que chocou os
pacifistas. A cena, apresentada 15 dias antes do plebiscito, acabou detectando uma tendência que
foi crescente: a população, descontente com o governo e a corrupção, votou não.
FOTO 18 Pequenos exercícios cênicos, Campus da UFMG, setembro 2005
Fonte: Foto Priscila Cler, arquivo pessoal
115
Em nossos encontros, além da parte prática e das discussões em forma de seminário, essas
questões permearam todo o trabalho de criação, na sala de aula, nos corredores, na hora do
intervalo. Por essas características a aula final se deu em espaço aberto em frente à Escola de
Belas Artes (EBA), com a participação do público.
Este novo contato com o Curso de Artes Cênicas, como aluna e mestranda, dois anos depois da
experiência com professora, significou o fechar de um ciclo, um amadurecimento no trabalho
prático e teórico, com o objetivo maior de tornar o teatro mais próximo das pessoas. Dos atores,
do público. Esse reencontro trouxe como certeza a de que o teatro que busco, no qual acredito e
por isso posso tentar ensiná-lo, é um teatro menos abstrato, profundamente inspirado na vida,
sem, no entanto, querer reproduzi-la. Um teatro concreto, feito de trabalho, espírito coletivo,
senso crítico. E liberdade artística, sem a qual, para Brecht
a arte não seria arte .
4.5 Fala final
Pela diversidade de proposições talvez soe inadequado falar de diálogo no singular. Mas se por
um lado as
falas
foram ganhando acentos diferentes, se adaptando aos lugares, alunos e
condições de trabalho, existe um denominador comum, que poderia ser resumido na pergunta: O
que significa
ensinar teatro? Ou melhor: Qual é o teatro que se pode ensinar?
116
Acho que por vir da prática, com grande experiência em montagens e investigações que tinham
como objetivo chegar a um resultado (ainda que com prioridade ao processo) e resultado neste
caso
significa chegar ao outro, chegar ao público, fui sendo compelida a buscar, no ensino,
preparar os alunos para este fim: comunicar
-
se.
A descoberta do teatro épico dentro de uma interpretação aberta e prática foi me abastecendo para
continuar a ensinar teatro, multiplicando experiências, antes de tudo, humanas. Para modificar o
mundo precisamos modificar nossa postura, agindo através do teatro. Encontrar o ator
(profissional, aluno ou atuante) como dono de sua fala e de sua consciência é um caminho que
tr
az conseqüências não só em relação ao teatro, mas em relação à vida.
O teatro está na contramão do mercado, do descartável, do reprodutível. E, praticar o teatro com
crítica e espírito coletivo, radicaliza essa natureza efêmera do fenômeno teatral. Compar
tilhar
essa experiência é um processo enriquecedor, um aprendizado, que cada um precisa fazer como
indivíduo e como parte de um coletivo. Sinto que os alunos chegam às escolas de teatro muito
preocupados com as técnicas, com a pesquisa, mas pouco preocupad
os com o sentido maior de se
fazer arte. Como tornar o teatro realmente necessário, imprescindível para a sociedade? A escola,
a universidade pública, principalmente, é um lugar privilegiado para essa discussão. Gostaria de
ver essas questões sendo abordadas, na prática. Minha escuta e minhas falas perseguem este
sentido, refletido no depoimento do aluno Cândido Dantas: Apesar da diversidade de como
pensar e fazer o teatro, a lição mais
relevante é a importância da ética no nosso ofício.
117
A questão ética perpassa todo o modo da ZAP 18 encarar o ofício teatral. Sempre foi uma
discussão interna, norteando posturas frente aos desafios colocados no dia-a-dia da profissão.
Antes mesmo de escolher a linguagem, a forma final, devemos pensar no que significa o no
sso
fazer. A ética está acima da técnica e da estética, ela é a escolha de um bem comum.
118
5 CONCLUSÃO
Buscar uma identidade coletiva é um processo bastante complexo e revela que as escolhas de um
grupo teatral ao longo de 25 anos de atividades são o reflexo do seu pensamento e sua forma de
encarar o mundo. Neste sentido, a história da Cia. Sonho & Drama/ZAP 18 reflete a trajetória de
tantos outros grupos, que fazem do teatro um instrumento de interferência na sociedade.
As tra
nsformações do mundo se refletem nos desejos e objetivos de um grupo, assim como o
espaço que ele ocupa. Escrever sua própria história, remando muitas vezes contra a maré do
mercado, dos modismos e das crises internas e externas requer tenacidade, trabalho
e ética. A
ética é o terreno fértil que se traduz em busca técnica e qualidade estética.
O estudo sobre a Oficina de Capacitação, em especial o Módulo Teatro Épico, desenvolvido na
ZAP 18 entre 2002 e 2005, mostrou o potencial pedagógico dos ensinamentos
de Bertolt Brecht e
a possibilidade ilimitada de utilizar a prática brechtiana, tanto na formação de atores, quanto na
formação de cidadãos conscientes, em um processo que pressupõe contínua pesquisa e
experimentação e reforça o caráter coletivo do teatro
. Mostrou ainda ser uma forma privilegiada
de abordagem cênica do material colhido da realidade, através dos instrumentos que nos
permitem decifrá
-
la, para compreendê
-
la e modificá
-
la, sem perder o objetivo maior que é o
prazer artístico e a diversão.
119
A
capacitação de um ator através da sua alfabetização na linguagem épica também conduz a uma
alfabetização do público, tornando
-
o partícipe do fenômeno teatral, não como simples receptor,
mas como agente ativo e fundamental para a plena realização do ato.
A
credito ainda que a universidade é o espaço privilegiado para congregar a pesquisa, a memória
e o debate público, contribuindo para que em nosso país o Teatro passe a ser uma questão de
Estado e não apenas do mercado.
O papel da universidade em relação à
atividade teatral, não apenas como uma instituição, mas um
espaço formado por cidadãos interessados em educação, no seu sentido maior, deve ser contribuir
para dar
-
lhe visibilidade, credibilidade e apoio. Na pluralidade de suas manifestações o teatro
aponta para uma sociedade mais justa, mais democrática e mais rica de sentidos.
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-9, 1998.
123
ANEXO A .
..............Entrevista Elisa Santana
ANEXO B ...............
Texto Você já foi ao teatro, hoje?
124
Questionário
De Sonho & Drama a ZAP 18
-
a construção de uma identidade
ENTREVISTA: ELISA SANTANA
Atriz, professora e coordenadora da
ZAP 18
1) Como você ingressou na Cia.Sonho & Drama?
Entrei para a Cia em 1986. Acabara de ver o espetáculo Grande Sertão : Veredas , dirigido por
Carlos Rocha e me encantei com a linguagem. Ao saber que estavam procurando uma atriz para a
montagem da peça Antígona, me ofereci para entrar para o trabalho e fui aceita. Desde então
passei a fazer parte da Cia.
2) Quais são as principais características da linguagem teatral do grupo?
As principais características da linguagem do grupo sempre foram a de um trabalho centrado no
trabalho do ator, nas adaptações literárias para o palco e na economia de cenários e figurinos, no
sentido do essencial para a compreensão do que está sendo encenado.
3) Em que elementos se apóiam o trabalho de ator na antiga So
nho & Drama? E na ZAP 18?
Tanto na antiga Sonho & Drama como na atual ZAP 18 o trabalho dos atores sempre se apoiaram
nas técnicas vocais, corporais e um burilamento do conhecimento intelectual e do espírito crítico.
4) O que muda no grupo com a inaugura
ção da sede própria e a mudança de registro?
125
A CIA/ZAP sempre teve preocupação com o que levar à cena.O que muda com a inauguração da
nossa sede própria e mudança de registro é, sobretudo, o olhar sobre o que encenar.
Se na antiga sonho e drama encenávamos, principalmente, textos que falavam das mazelas e
inquietações humanas, na atual ZAP18 vamos estar mais direcionados para a realidade e perfil
dos moradores da comunidade à qual passamos a fazer parte.
Nossa sede se situa em um bairro periférico que, como muitos outros existentes em Belo
Horizonte, precisa de quase todos os serviços básicos. Tem o perfil do atual sistema: crianças e
adolescentes de baixa renda soltas nas ruas enquanto os pais trabalham, pouca ou nenhuma forma
de lazer, alta taxa de furto, criminalidade e utilização de drogas.Isto faz com que atualmente
nosso olhar esteja voltado para as necessidades do público ao qual atendemos e as mazelas
sociais que nos cercam.
5) Fale sobre seu trabalho na ZAP 18.
Comecei trabalhando como atriz, mais tarde assumi a responsabilidade como professora pela
preparação vocal nas oficinas que ministramos e no aquecimento vocal durante temporadas de
nossos espetáculos. Hoje, além destas funções, sou uma das fundadoras e coordenadoras da atual
ZAP 18.
126
Oficina de capacitação ZAP 18
-
2º semestre de 2005
Roteiro
Você já foi ao teatro, hoje?
- Na entrada do público Mandala com variações
(Começa na roda, em silêncio)
Termina com a música Dia de São Nunca descrevendo o oito .
Prólogo
Cânone co
m o Poema Diva,
Adélia Prado:
Daniane
-
Vamos ao teatro, Maria José?
Lucy
-
Quem me dera,
Valéria
-
desmanchei em rosca quinze quilos de farinha,
Valeria, Lucy e Renata
-
tou podre.
Daniane
-
Vamos ao teatro, Maria José?
Renata -
Outro dia a gente vamos
.
Alexia
-
Falou meio triste, culpada,
Felipe
-
e um pouco alegre por recusar com orgulho.
Daniane
-
Vamos ao teatro, Maria José?
Patrícia
-
TEATRO!
Zilma e Soelite
-
Disse no espelho.
Zilma
-
TEATRO!
Patrícia e Soelite
-
Mais alto, desgrenhada.
127
Soelite
-T
EATRO!
Patrícia e Zilma
- E os cacos voaram
Daniane
-
sem nenhum aplauso.
Todos
-
Perfeita.
Cena do repórter e a entrevistada
Cena criada a partir do texto de Karl Valentin
Porque os teatros estão vazios?
Repórter
- Podemos começar? Estamos aqui com a Dra. Karla Valentim, especialista em
políticas públicas para a área de cultura e que apresentou neste congresso um Projeto radical: a
implantação do Teatro obrigatório em todo o território nacional. Boa tarde, Dra..
K-
Boa tarde...
Repórter
-
Porque a s
enhora acredita no teatro obrigatório?
K
-
Porque se cada um de nós se visse obrigado a ir ao teatro as coisas mudariam completamente.
Como a escola, a escola não é obrigatória?É difícil instituir o teatro obrigatório, mas nós não
podemos ter tudo se tivermos boa vontade e senso de dever?
Repórter
-
Como seria implantado o t. o. , na sociedade?
Karla
- O teatro não é uma escola? Então...o TOU poderia começar na infância com um
repertório de contos infantis como o grande anão malvado , o lobo e as sete bran
cas
de neve , entre outros..........
Repórter
-
Quais os benefícios que o Teatro Obrigatório nos traria?
K- Quantos atores não teriam emprego? Se fosse instituído a vida econômica mudaria
completamente. As pessoas não perderiam tempo em atividades fúteis como ir ao bar ao
shopping, ao futebol. Não. Elas teriam que ir ao teatro
128
Repórter
-
Já houve outras tentativas de levar o público ao teatro?
K-
Nós tentamos anos a fio convencê
-
los com boas maneiras....... usamos de golpes publicitários
para atrair a multidão como é permitido fumar , ar condicionado perfeito , estudantes pagam
meia . E nada....
Repórter
-
Então o teatro obrigatório será a solução para salvar o teatro?
K
-
O teatro obrigatório universal, o TOU, levará ao teatro milhões de espectadore
s diariamente.
Este seria o modo de salvar o teatro que está à beira da falência.E isso sem precisar de cartazes,
filipetas convites, leis de incentivo. É preciso impor o teatro obrigatório. Apenas deste modo
nunca mais perguntaríamos a alguém: Você já foi
ao teatro? E sim:
Você já foi ao teatro, hoje?
Depoimentos
1ª seqüência
-
5 pessoas
Zilma, Patrícia, Renata, Daniane, Patrícia, Valéria, Patrícia
Seqüência de cenas acontecidas :
O ensaio da cena Do acidente à cena :
Todos andando de um lado pro out
ro.
Zilma entra:
Zilma
- Gente! Vamos preparar para o ensaio. (todos se posicionam). Manhã de domingo,
portaria de um hospital público.Um homem visivelmente bêbado sobe a rampa.
Bêbado
(feito pela Zilma )
-
Eu quero fazer uma ocorrência!
Atendente:
Ocorrên
cia?
Bêbado
-
É, eu tô com o braço cortado.
Atendente
-
Você quer fazer a ficha?
Bêbado
-
É isso.........eu preciso fazer uma sutura no meu braço.
Atendente
-
Documento, por favor!
129
Bêbado
- Não tenho, mas meu amigo vai dar meu nome pra você.(pro guarda) Ô guarda abre
pra mim........
Guarda
-
Não senhor, espere aí....não tá na hora, não!
Bêbado
-
Qual é meu! Não vou esperar, não!Abre esta porta aí que eu vou entrar!
Guarda
-
Você é muito valente...quando eu crescer quero ser igual a você!
Bêbado
-
Tá me ti
rando, né? Tô marcando sua cara...se ocê tá aí dentro quem te paga é a gente!
Guarda
-
Fica quietinho aí...não tá na hora!
Atendente
-
Ernane Souza!
Bêbado
-
Olha lá! chamaram meu nome...amanhã eu te pego!
Guarda
Amanhã não vai dar ....é minha folga...e
u nem venho aqui!
Narradora-
Como se não bastasse entra uma mulher da mesma turma, trêbada!
Trêbada
(entrando)
É assim?
Zilma /narradora
-
Não. (
ajeita o corpo dela)
Menos. Mira o guichê e vai reto.
Trêbada
Tarde.
Atendente
-
Boa tarde!
Trêbada
- É eu
vou entrar de acompanhante do rapaz aí!
Atendente
-
Qual é o nome dele?
Trêbada
-
Nome (olha pra platéia) Ô Joãozinho que nome que você deu aqui?
Bêbado 3
Ernane.
Trêbado
Ernane, senhorita.
Bêbado 3
-
Ô colega você não pode entrar não.......você não é
nada dele! (
Começam a discutir).
Narradora -Vocês estão pensando que essa moça é boazinha e está preocupada com o amigo?
Não é nada disso...
Patrícia
: Não?
130
Zilma
-
Não. É que são 11 horas e está na hora do almoço.
Bêbada 2
-
Sai daqui ô, não intromete não!!
!
Bêbada 3
-
Você ficou brava só porque vai perder o rango!
Bêbada 1
-
Sai fora, me deixa em paz........
Narradora -
Ok, vamos ensaiar de novo!
Edileuza e Tramontina
A cena começa com a narradora e Dona Edileuza no ponto de ônibus.
Dona Edileuza avista Tra
montina e começa a rezar, já esperando ser assaltada
Tramontina chega em Edileuza. abordando
-
a com uma arma.
Tramontina
-
(ameaçando com o revólver) Passa a grana aí dona!
Narradora interrompe a cena para apresentar Edileuza..
Narradora - Dona Edileuza, diarista 45 anos. Acordou hoje as 5 da manhã. Dona Edileuza a 10
minutos atrás.
Edileuza caminha pra trás como se fosse um filme sendo rebobinado e recomeça a cena do
momento em que sai da casa da patroa:
Edileuza
- Ai , graças a Deus....mais um dia.......Vida de diarista não é fácil! A patroa na praia
numa boa e eu aqui ralando.........agora é esperar o ônibus uns 40 minutos. Só vou chegar às nove,
isso se o ônibus não for assaltado ou quebrar pelo caminho.
Vai andando até se encontrar com Tramontin
a, se encaixando na cena.Recomeça a fala:
Tramontina
-
(ameaçando com o revólver) Passa a grana aí dona!
Edileuza
-
Calma!
E a narradora interrompe para apresentar Tramontina
.
Narradora:
Tramontina, 25 anos, ex
-
mecânico, desempregado.Tramontina a 10 minu
tos atrás.
131
Tramontina caminha pra trá,s rebobinando, e recomeça a cena do momento em que sai de casa:
Tramontina
- Quê isso filhão..... Não mexe com isso não, que é do papai. Me aqui, vai.Vou
pro trampo, ganhar o pão de hoje...
Vem caminhando até se encaixar na cena. Repetem a fala se encaixando na cena.Recomeça a
cena do assalto.
Tramontina
- (ameaçando com o revólver) Passa a grana dona! Vamo, vamo logo, cadê?
perdendo a paciência, me dá isso aqui!
Edileuza
Calma....! Calma eu não vou reagir... Num tenho dinheiro, mas leva esses vale
transporte ..........eu tenho saúde graças a deus, posso trabalhar e ganhar outro, leva........
Tramontina
(depois de vasculhar a bolsa) Pensando bem foi mal dona! A senhora não se
encaixa no meu perfil.....
toma aí....pode ficar com sua bolsa!
Edileuza
Não meu filho! Leva a bolsa, você não tá me assaltando?
Tramontina
- Não... é que a senhora não é meu público alvo! Mas aqui meu cartão
Tramontina assaltante profissional . Você pode me indicar pra uma co
lega sua.... ou sei lá.
(vão saindo como amigos)
Edileuza
-
Que susto você me deu! Tá bom , obrigada...deus te abençoe!
Tramontina
-
A senhora me desculpe...a senhora foi muito legal comigo!
Enquanto acontece o diálogo Ed e Tramontina o narrador vai se afastando, observando de
longe.Os dois caminham juntos e vão saindo de cena. Neste momento a narradora se disfarça e
sai de perto pra não ser assaltada e fala ao público.
Narradora:
Dona Edileuza chegou me casa às 9 da noite e ainda foi fazer a janta pro marido e
pros filhos. Tramontina caminhou até o próximo ponto para procurar outra vítima.
132
Se você encontrar Tramontina e quiser denunciar ligue para o telefone tal....a sua identidade se
mantida no mais absoluto sigilo.
Anunciou, dançou....
Um cidadão dirige seu carro ouvindo música (que é cantada por uma atriz), estaciona em frente a
sua casa e entra.
Narradora:
O cidadão chega cansado do trabalho e deixa seu carro na porta da sua casa.Vocês
acham seguro deixar o carro na porta de casa? Não sei não....
Um outro cidadão chega e bate campainha.Cidadão 1 abre a porta
Cidadão 2
-
E aí mano velho, como é que cê tá, beleza?
Cidadão 1
-
Beleza, cara. Nossa quanto tempo, hein? Desde a época do colégio...
Cid 1
-
Pois é cara, desde a nossa época de colégio...... m
as e aí, o que cê tá arrumando?
Cid 2
-
Eu tô trabalhando numa empresa e você?
Cid 1
-
Eu tô desempregado, véio, mas eu tô vendendo umas coisas pra não ficar sem grana. Eu tô
até com esse rádio aqui, eu queria te mostrar, você tem carro?
Cid 2
-
Tenho meu ca
rro é esse aí........
Cid 1
(com cara de surpresa)
-
Ah...seu carro é esse...
Cid 2
-
É pois é mano...eu tenho um rádio igualzinho a esse, num tô precisando não, tá?
Cid 1- Então beleza, sô... eu vim te oferecer, por que achei que você não tinha, mas s
e você
tem tá tudo certo....
Cid 2
-
Se eu souber de alguém que tá precisando eu mando te procurar, tá?
Cid1
-
Beleza, brigado, cara....até mais!
Cid 2
-
Até mais
...(sai)
133
Cidadão 1 entra dentro de casa, muda de idéia e volta.
Cid 1- (para o público) Acho melhor eu colocar esse carro pra dentro, ficando tarde e
depois que eu tomar o meu banho eu só quer ficar sentadinho vendo minha televisão.
(entra no carro e se surpreende.)
Puta merda...! meu rádio foi roubado!!!
Narradora:
E agora vocês vão ver mais um caso fantástico de uma pessoa que anunciou seu
veículo aqui no nosso jornal e rapidinho ficou sem ele. Porque aqui no nosso jornal é assim:
anunciou...dançou!
Aléxia
- Pois é eu anunciei meu carro neste jornal por que eu preciso vendê-lo, pra comprar um
mais novo.Meu carro é esse aqui. Ele tá inteiraço, vocês não acham?...
(o cara aparece todo bem vestido e de óculos escuros)
Cara
-
Oi, tudo bem? Eu é que liguei pra ver o carro....
Alexia
-
Ah, tá...tudo bem? Aqui está o carro, pode olhar à vontade....
Cara
-
É até que ele tá conservado....
Alexia
-
Pois é, a pintura dele é novinha...
Cara
- Eu queria dar uma olhada no porta
malas, porque eu precisando de carro com porta
malas bem grande, eu trabalho com sapatos...
Alexia
Ah, tá.Vou abrir pro s
enhor
.(abre o porta
-
malas).
Cara
-
Nossa realmente é bem grande, do jeito que eu tô precisando.
Alexia
-
O senhor quer checar mais alguma coisa?
Cara
-
Deixa eu só dar uma olhadinha por baixo.
134
(deita no chão e olha debaixo do carro) Não, tudo beleza.Com licença.(abre a porta do carro e
senta o banco do motorista) Nossa!! confortável, hein? (liga o carro e sai dirigindo, liga o rádio
que toca a mesma música da 1ª cena)
Alexia
-
(
para o público)
O cara foi dar uma voltinha, daqui a pouco ele está aqui.
Nar
radora
-
Meia hora depois....
Alexia
- Ah meu deus, o cara inda não voltou! Será que eu fui roubada? Não, não é possível
(para o público) Vocês acham que eu fui roubada, hein? (espera reação) Então é melhor eu ligar
pra polícia. (
liga)
Alô...é da polícia
?
Policial
-
A senhora não ligou 190? Então é da polícia.
Alexia
-
É que eu acho que eu fui roubada....eu queria vender meu carro...
Policial
A senhora acha ou tem certeza?
Alexia
Eu acho que eu tenho certeza....
Policial
Endereço?
Alexia
-
Rua Coron
el de Freitas, 320.
Policial
-
Ok , anotado, mandarei uma viatura assim que possível.
Êta povo otário...! aposto que ela anunciou naquele jornal.....
Música: Canção de Chentê
Alexia entra e fala a primeira estrofe
Em nossa terra
Quem presta mesmo
Precis
a ter muita sorte
Só quando encontra
A ajuda do mais forte
135
É que seus préstimos pode mostrar
Entra música (violão) todos cantam:
Em nossa terra
Quem presta mesmo
Precisa ter muita sorte
Só quando encontra
A ajuda do mais forte
É que seus préstimos pode
mostrar
Porque é que os deuses não tem
Nem tanques e nem canhões
Para afastar os maus e proteger os bons
Os bons não sabem amparar-
se mutuamente
E os deuses são impotentes
Seqüência de cenas de jornal :
Morte do brasileiro em Londres
(Mãe de Jean na s
ala de sua casa tricotando e ouvindo rádio)
MÃE (para o público): Meu filho Jean foi para a Inglaterra tentar a vida. Filho quando cresce,
não ouve mais a gente. Falei pra ele: fica aqui, consegue emprego aqui, mas ele, teimoso,
cismou e foi... Que saud
ade!
RADIALISTA: Boa tarde, caros ouvintes da nossa rádio ZAP 18 FM! Você que está curtindo o
nosso som, chegou a hora de ouvir a sua música favorita... E vem ela : Que saudades da
professorinha/ que me ensinou o be-a-bá/onde andará Mariazinha/ meu primeiro amor onde
andará...
136
E atenção para notícia de última hora: Em Londres, foi morto, confundido com um terrorista, um
homem latino-americano, cujo nome e país de origem ainda não foi revelado. Em breve,
voltaremos com mais notícias.
(volta a programaç
ão musical instrumental.)
Mãe
: Minha nossa senhora! Com essa onda de terrorismo, é tanta morte que a gente escuta. Esses
rapazes vão pra longe da terra e da família deles, olha o que que dá. Eu ainda acho que o Jean
devia ter tentado se arranjar por aqui
, no país dele.
Radialista
: E atenção para novas notícias do rapaz latino-americano baleado com sete tiros na
cabeça pela polícia britânica. O rapaz, confundido com um terrorista, trata-se de um eletricista
brasileiro, é o mineiro Jean Charles de Menezes.
A mãe, ao ouvir a notícia, fica chocada. Deixa seus utensílios de tricô cair.
Com um quepe, entram policial britânico e tradutor do policial. Ambos se dirigem ao público
como que justificando o ato praticado pela polícia britânica.Toda vez que o tradutor falar, o
policial colocará o quepe na cabeça do mesmo.
Policial
: God, good, go!
Tradutor
: Não temos culpa!
Policial
: Drive in, delivery!
Tradutor
: A culpa é dos terroristas.
Policial
: Check
-
up, phone banking, telemarketing!
Tradutor: Mais importante que respeitar a vida de um simples brasileiro é proteger a nação
britânica contra estes monstros terroristas!
137
Policial
: God, good, go!
Tradutor:
E vocês, estão olhando o quê?
Roleta russa
H1
-
Trouxe a neguinha? Já mandei a galera dar um rolé, a escola é só nossa........
(vão para sala e começam a brincadeira)
H2
-
Trouxe a menina, olha que coisa linda.....Foi fácil de conse
guir!
H1
- Que belezura....vamos começar!
H2
A arma já ta pronta...eu começo!
H1 disfarçando o medo atira no outro. H2 atira, e vão se revezando, mirando no , perna, mão,
etc.
H1
-
Maior viagem!!!
H2
-
É legal!
H1
-
Melhor que baseado!
Apontam pra platéia, fingindo que vão atirar...Quando H2 vai atirar mais uma vez H 1 levanta
pra sair
H2
-
E aí vai amarelar?
H1
-
Aí cara já tá legal, né?
138
H2
-
Que isso meu?...agora que tá ficando bacana.......ta´com medo?
H1
- Não num é isso não é que ...olha cara, num lev
a mal não mas eu vou nessa, pra mim já foi,
sacou, num tô a fim de .....
H2
- Olha aqui me deu o maior trampo arranjá essa bichinha e a gente combinou que ia até o
fim.......
H1 levanta decidido a ir embora. H2 atira pelas costas e mata H1.
H2
-
Eu falei
que era brincadeira, não sabe brincar, não brinca
........(confere se o amigo está morto
mesmo e sai pedindo para a platéia não dedurar)
Depoimentos 2ª rodada 5
Arethuza, Soelite, Lucy, Felipe, Aléxia, Sheila
Seqüência de cenas de observação na (de) rua :
A rua e seus personagens
Cena do funk
Bêbado
-
Ôôô...
deixa eu te contar uma coisa, a cabrita da minha avó morreu....
A gostosa não dá bola e continua no celular.
Gostosa
: Tem um bêbado vagabundo aqui....
139
O rapaz que estava observando fala pra platéia:
Rapaz
- É por isso que eu gosto de ficar sentado aqui....vendo as pessoas, todo mundo muito
educado, fino, todos se respeitam (ao ver a gostosa) Olha só que moça bonita, de classe
(
quebrando)
ôôô gostosa! Vem aqui, senta aqui.........vem cá tchutchuca........
A gostosa esnoba e começa a provocar, rebolando e o ra
paz continua:
Rapaz
-
Aí a mina é orgulhosa, meu..........fala sério.....Vem aqui!!! (
provocações recíprocas)
O bêbado levanta, o rapaz e a moça congelam. Faz uma crítica (ainda como bêbado).
Rapaz
: Eu quis conversar com a muié, ela nem me deu bola.Aí o rapazinho playboy mexe com
ela, chama de gostosa, de tchutchuca, ela fica rebolando pra ele..Esse negócio de tchutchuca é
coisa de baile funk, vai lá no funk.....
Neste momento as três atrizes simulam um trio funk, cantando e dançando:
Mulher é bom, mu
lher é muito bom!
Vem tchutchuca linda esse é o bonde do tigrão!
Me joga na parede! Me deixa na parede!
Congelam a cena.
Depois todos começam a andar como no início, andar e parar , apenas um em movimento
relembrando os personagens, suas falas, etc
. Cada um sai até não restar mais ninguém.
Entra Renata e puxa o
Canto de Ossanha
Música:
Canto de Ossanha
1ª grupo (entra cantando)
O homem que diz dou não dá
Porque quem dá mesmo não diz
2º grupo:
O homem que diz vou não vai
140
Porque quando foi já
não quis
3º grupo:
O homem que diz sou não é
Por que quem é mesmo é não sou
4º grupo:
O homem que diz tô não tá
Porque ninguém tá quando quer...
Todos:
Coitado do homem que cai
no canto de Ossanha traidor
Coitado do homem que vai
Atrás de mentira
de amor
Um lado:
Vai, vai, vai, vai
Outro lado:
Não vou
Um lado:
Vai, vai, vai, vai
Outro lado:
Não vou
Um lado:
141
Vai, vai, vai, vai
Outro lado:
Não vou
Um lado:
Vai, vai, vai, vai
Outro lado:
Não vou
Um lado (Falado):
Amigo senhor sarava
Xangô
me mandou lhe dizer
Etc. e tal
Outro lado (Cantado):
Se é Canto de Ossanha não vá
Que muito vai se arrepender
Um lado:
Vai, vai, vai, vai
Outro lado:
Amar
Um lado:
Vai, vai, vai, vai
Outro lado:
Sofrer
Um lado:
Vai, vai, vai, vai
142
Outro lado:
Chorar
TODOS:
VAI, VAI,VAI,VAI.....................VAI!!!!
Todos saem falando seu nome na beirada da área de cena.
FIM
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