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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO
Daiane Scaraboto
COMUNIDADES VIRTUAIS COMO GRUPOS DE REFERÊNCIA NOS
PROCESSOS DECISÓRIOS DO CONSUMIDOR
Porto Alegre
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM ADMINISTRAÇÃO
Daiane Scaraboto
COMUNIDADES VIRTUAIS COMO GRUPOS DE REFERÊNCIA NOS
PROCESSOS DECISÓRIOS DO CONSUMIDOR
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Administração da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Administração.
Área de concentração: Marketing
Orientador: Dr. Carlos Alberto Vargas Rossi
Porto Alegre, março de 2006.
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DAIANE SCARABOTO
COMUNIDADES VIRTUAIS COMO GRUPOS DE REFERÊNCIA NOS
PROCESSOS DECISÓRIOS DO CONSUMIDOR
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Administração da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Administração.
Área de concentração: Marketing
Orientador: Dr. Carlos Alberto Vargas Rossi
Conceito final ..........................................................
Aprovado em ........ de ..............................de............
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Prof. Dr. Luis Fernando Hor-Meyll Alvares – PUC - RJ
____________________________________________________________
Prof. Dr. Cristiane Pizzutti dos Santos – PPGA - UFRGS
____________________________________________________________
Prof. Dr. Walter Meucci Nique – PPGA - UFRGS
____________________________________________________________
Orientador – Prof. Dr. Carlos Alberto Vargas Rossi – PPGA - UFRGS
“Prior to the Internet, the last technology
that had any real effect on the way people
sat down and talked together was the table.”
Clay Shirky
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao CNPQ e ao PPGA;
ao professor e orientador Carlos Alberto Vargas Rossi, por seu interesse e confiança em
meu trabalho;
aos professores do PPGA, especialmente à Cristiane Pizzutti, Walter Nique e Luiz Antônio
Slongo, pelas observações feitas ao longo da elaboração desta dissertação;
aos participantes da comunidade “Gravidez, parto e maternidade”, por sua disponibilidade e
atenção durante a pesquisa;
aos professores Robert Kozinets, da York University e Susan Herring, da Indiana
University, pela prestatividade com que esclareceram dúvidas e ofereceram referências para
esta dissertação;
aos meus colegas de mestrado, por terem feito deste uma experiência enriquecedora,
principalmente à turma de Marketing 2004 e às amigas Jorgelina e Fernanda, com quem
compartilhei todas alegrias e inquietações deste processo;
à minha família e meus amigos, que estiveram sempre por perto.
RESUMO
Os pesquisadores e profissionais da área de marketing conhecem, desde muito, a
importância da influência pessoal no processo de decisão do consumidor. No entanto, a
teoria sobre grupos de referência remonta às décadas de 60 e 70, quando foi elaborada
grande parte das definições e classificações utilizadas até hoje. Considerando o surgimento
da internet como novo meio de interação e socialização, este estudo se propõe a investigar
as comunidades on-line como grupos de referência para os consumidores que delas
participam. A pesquisa foi realizada em uma comunidade on-line cujos temas são a
gravidez e a maternidade utilizando a netnografia, um método qualitativo que adapta as
técnicas de pesquisa etnográfica para o estudo de comunidades virtuais e permite que
acadêmicos e profissionais de marketing investiguem o comportamento do consumidor em
seu ambiente natural. Os dados coletados foram analisados com a ajuda da análise de
discurso mediado por computador (ADMC) e os resultados mostraram que a troca de
informações e de experiências relacionadas a produtos e marcas é freqüente na
comunidade. Os participantes também utilizam os fóruns e debates para manifestar suas
preferências e valores, exercer pressão para a conformidade e publicar mensagens de
aquiescência e reciprocidade. A criação de laços afetivos entre os participantes, bem como
suas demonstrações de confiança nos membros mais experientes podem ser indicativos de
fortes relações de influência na comunidade.
Palavras-chave: grupos de referência, comunidades virtuais, netnografia.
ABSTRACT
Marketing researchers and practitioners have long known the importance of
personal influence on consumer decision process. However, the theory on reference groups
goes back to the 1960’s and 1970’s, when most definitions and classifications still used
nowadays were created. Considering the Internet as a new means of interaction and
socialization, this study investigated an online community to explore its function as
reference groups for consumers who take part in it. The research was performed in an
online community that includes themes such as pregnancy and maternity using
netnography, a qualitative research methodology that adapts ethnographic research
techniques to study computer-mediated communities and cultures, providing marketers a
way to access natural occurring consumer behaviors. Data were analyzed with computer
mediated discourse analysis (CMDA) and results showed a great exchange of information
and experience related to products and brands within the community. Participants also use
community forums to demonstrate their values and preferences, exert pressure for
conformity and post messages of reciprocity and acquiescence. The creation of emotional
ties among participants and their demonstration of trust on more experienced members can
also be indication of strong influence relationships within the community.
Keywords: Reference groups, virtual communities, netnography.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Estudos fundamentais para a teoria de grupos de referência...............................14
Figura 2 – Influência dos grupos de referência relativa ao tipo de produto..........................20
Figura 3 – Evolução das tecnologias de comunicação mediada por computador.................26
Figura 4 – Tipologia das comunidades virtuais de Kozinets................................................29
Figura 5 – Tipologia das comunidades virtuais de Porter.....................................................30
Figura 6 – Tipologias de participantes de comunidades virtuais..........................................33
Figura 7 – Variáveis para a classificação de discursos mediados por computador...............43
Figura 8 – Formas de seleção da amostra para a ADMC......................................................46
Figura 9 – Etapas de Pesquisa...............................................................................................49
Figura 10 – Profile................................................................................................................51
Figura 11 – Comunidade do Orkut........................................................................................53
Figura 12 – Página inicial de “Gravidez, parto e maternidade”............................................56
Figura 13 – Características do Orkut como meio .................................................................76
Figura 14 – Classificação das mensagens de texto...............................................................77
Figura 15 – Extrato da categoria Busca de Informação........................................................78
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................Erro! Indicador não definido.
1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E PROBLEMA DE PESQUISAErro! Indicador não definido.
2 OBJETIVOS DE PESQUISA ................................................Erro! Indicador não definido.
2.1OBJETIVO GERAL.............................................................Erro! Indicador não definido.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS..............................................Erro! Indicador não definido.
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.......................................Erro! Indicador não definido.
3.1 PROCESSOS DECISÓRIOS DO CONSUMIDOR ...........Erro! Indicador não definido.
3.2 GRUPOS DE REFERÊNCIA .............................................Erro! Indicador não definido.
3.2.1 Definição e classificações................................................Erro! Indicador não definido.
3.2.2 Como afetam as escolhas do consumidor.....................Erro! Indicador não definido.
3.3 COMUNIDADES................................................................Erro! Indicador não definido.
3.4 COMUNIDADES VIRTUAIS............................................Erro! Indicador não definido.
3.4.1 Tipologias de comunidades virtuais..............................Erro! Indicador não definido.
3.4.2 Os participantes de comunidades virtuais ...................Erro! Indicador não definido.
3.5 INFLUÊNCIA INTERPESSOAL EM AMBIENTES VIRTUAISErro! Indicador não definido.
4 MÉTODO..............................................................................Erro! Indicador não definido.
4.1 NETNOGRAFIA.................................................................Erro! Indicador não definido.
4.1.1 Entrada..............................................................................Erro! Indicador não definido.
4.1.2 Coleta e Análise dos dados.............................................Erro! Indicador não definido.
4.1.3 Ética e Confiabilidade....................................................Erro! Indicador não definido.
4.2 ANÁLISE DE DISCURSO MEDIADO POR COMPUTADORErro! Indicador não definido.
4.3 ETAPAS DE PESQUISA....................................................Erro! Indicador não definido.
4.3.1 Primeira etapa – Definição do campo...........................Erro! Indicador não definido.
4.3.1.1 O Orkut..........................................................................Erro! Indicador não definido.
4.3.1.2 “Gravidez, parto e maternidade”...................................Erro! Indicador não definido.
4.3.2 Segunda etapa – Entrada na comunidade....................Erro! Indicador não definido.
4.3.3 Terceira etapa – Coleta de dados..................................Erro! Indicador não definido.
4.3.4 Quarta etapa – Análise dos dados.................................Erro! Indicador não definido.
5 RESULTADOS.....................................................................Erro! Indicador não definido.
5.1 BUSCA DE INFORMAÇÕES............................................Erro! Indicador não definido.
5.2 OFERTA DE INFORMAÇÕES..........................................Erro! Indicador não definido.
5.3 COMPARTILHAMENTO DE EXPERIÊNCIAS ..............Erro! Indicador não definido.
5.4. MANIFESTAÇÃO DE PREFERÊNCIAS E VALORES .Erro! Indicador não definido.
5.5 ACEITAÇÃO DE OPINIÕES/INFORMAÇÕES E RECIPROCIDADEErro! Indicador não definido.
5.6 PRESSÃO PARA CONFORMIDADE...............................Erro! Indicador não definido.
5.7 VERIFICAÇÃO DOS RESULTADOS JUNTO AOS PARTICIPANTESErro! Indicador não definido.
6 CONCLUSÕES.....................................................................Erro! Indicador não definido.
6.1 REFLEXÕES SOBRE AS DESCOBERTAS.....................Erro! Indicador não definido.
6.2 IMPLICAÇÕES ACADÊMICAS E GERENCIAIS...........Erro! Indicador não definido.
6.3 LIMITAÇÕES DO ESTUDO .............................................Erro! Indicador não definido.
6.4 SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS.................Erro! Indicador não definido.
REFERÊNCIAS ......................................................................Erro! Indicador não definido.
ANEXOS............................................................................................................................127
INTRODUÇÃO
A tendência à investigação do consumidor isoladamente – como senhor de seus
processos mentais, sem que sejam considerados os elementos com quem interage na
sociedade e as interações em si, acaba por conduzir à compreensão incompleta dos
mecanismos que orientam os indivíduos em suas atividades de consumo. Os pesquisadores
e profissionais da área de marketing conhecem, desde muito, a importância da influência
pessoal nos processos de decisão do consumidor. Sendo direta ou indireta, a influência dos
grupos de pessoas com quem o consumidor se identifica e relaciona é uma das melhores
formas de persuasão já verificadas.
A literatura em fundamentos de comportamento do consumidor (ENGEL,
BLACKWELL; MINIARD, 1995; SCHIFFMAN; KANUK, 2000) identifica duas fontes
principais de influência pessoal: os grupos de referência e os líderes de opinião. Diversos
estudos abordam o papel dos líderes de opinião nos processos decisórios do consumidor,
apresentando modelos teóricos para o desenvolvimento de sua influência, métodos
particulares de pesquisa (p. ex. autodesignação, informante-chave) e implicações gerenciais
detalhadas. A literatura que aborda os grupos de referência, no entanto, é limitada e
remonta aos anos 60 e 70, quando foi elaborada grande parte das definições e classificações
utilizadas até hoje. Alguns dos livros-texto mais atuais sobre comportamento do
consumidor (SOLOMON, 2004; SCHIFFMAN; KANUK, 2000) apenas apresentam, como
principais grupos de referência, a família, as associações profissionais, as organizações
comunitárias e os amigos. São escassos os estudos recentes com a proposição de reavaliar
ou adaptar a teoria existente às profundas transformações sociais das últimas décadas. Se os
consumidores e a sociedade passaram por modificações, por que acreditar que a relação de
influência entre eles permanece a mesma? Os grupos de referência do consumidor atual são
os mesmos que orientavam as decisões dos consumidores de 1960? Qual a importância do
ambiente ou da forma de interação na capacidade dos indivíduos de exercer e sofrer
influências?
Considerando-se o surgimento e disseminação da internet, tecnologia que possibilita
a aproximação de pessoas extremamente diversas em sua localização e características, a
dissolução da família como tradicionalmente concebida, a mobilidade geográfica crescente
dos indivíduos e a tendência à ressocialização dos consumidores pós-modernos, é muito
provável que os grupos de referência não se restrinjam àqueles de há quase meio século.
Sob a luz destas observações, a pesquisa descrita nessa dissertação buscou
investigar, partindo de uma perspectiva que considera o consumidor como indivíduo
socialmente conectado e culturalmente inserido, as comunidades mediadas pela internet (ou
comunidades virtuais) como grupos de referência para os processos decisórios do
consumidor atual. Para tanto, realizou-se estudo das interações entre indivíduos
participantes de uma comunidade virtual, centrada em torno do tema “gravidez, parto e
maternidade”, e dos laços sociais constituídos neste ambiente. Compreendendo as
vantagens da utilização de abordagens qualitativas para investigar processos sociais, optou-
se pela realização de uma etnografia on-line ou netnografia, estudo que consiste na
aplicação do método etnográfico adaptado às particularidades das comunicações mediadas
por computador.
Esta dissertação está organizada em seis capítulos que, respectivamente, delimitam
o tema e o problema de pesquisa; apresentam os objetivos desta investigação; resumem sua
fundamentação teórica; apresentam o método e as etapas de pesquisa; seus resultados e as
conclusões advindas deste processo.
1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA
Nenhum indivíduo é completamente isolado de qualquer influência. Boa parte do
comportamento de uma pessoa, incluindo suas atitudes e escolhas, é moldada pelo ambiente
em que ela vive, definida pela cultura na qual está inserida e referenciada pelos grupos e
indivíduos com os quais tal pessoa se relaciona ou se compara. O mesmo ocorre quanto às
decisões de compra. Além da motivação interna, diversos fatores externos – como as
atividades de marketing e as pressões sociais – podem influenciar, ou mesmo definir, as
escolhas do consumidor. Como variáveis capazes de moldar a tomada de decisão do
consumidor, Engel, Blackweel e Miniard (1995) identificam as diferenças individuais, as
influências ambientais e os processos psicológicos.
As diferenças individuais compreendem cinco categorias: valores e estilo de vida do
consumidor, motivação e personalidade, recursos, conhecimento e atitudes. Os processos
psicológicos dizem respeito ao processamento de informação, à aprendizagem e às
mudanças em atitudes e comportamentos que possam influenciar decisões de compra. Os
fatores ambientais se referem às influências da cultura, classe social, família, situação
momentânea e também às influências pessoais, que normalmente ocorrem através dos
líderes de opinião e dos grupos de referência, sendo os últimos o foco desta pesquisa.
Os grupos de referência de uma pessoa são aqueles que exercem, sobre suas atitudes
ou comportamento, alguma influência direta ou indireta (KOTLER, 2000). Esses grupos
podem expor um indivíduo a novos comportamentos e estilos de vida, influenciar sua auto-
imagem e atitudes, além de exercer pressões sociais capazes de afetar suas escolhas em
relação a marcas e produtos. Os grupos com os quais o indivíduo interage de maneira
contínua e informal são considerados grupos primários (família, vizinhos, colegas de
trabalho). Grupos primários são agregações suficientemente pequenas para facilitar a
interação irrestrita entre seus membros. Neles, há coesão e motivação para a participação
(ENGEL, BLACKWELL; MINIARD, 1995). Já os grupos formais e os que exigem menor
interação são considerados grupos secundários (grupos religiosos, associações). Nestes
casos, a interação é esporádica, menos envolvente, incompleta. Uma classificação diversa
dos grupos de referência consiste na distinção entre aqueles aos quais a pessoa não pertence
e rejeita - grupos de dissociação ou dissociativos - e aqueles aos quais o indivíduo admira e
almeja pertencer - grupos de aspiração ou aspiracionais (TINSON; ENSOR, 2001).
Os conceitos e exemplos de grupos de referência anteriormente citados estão
solidamente definidos, há várias décadas, na literatura de marketing e do comportamento do
consumidor. No entanto, a forma com que as pessoas se relacionam e interagem entre si e
com o restante do mundo tem sofrido grandes modificações desde então. A desconstrução
da família como instituição, a facilidade de mobilidade geográfica da população, a
popularização da internet, bem como a crescente aproximação, através das comunidades
on-line, de indivíduos afastados cultural ou geograficamente, podem indicar a necessidade
de repensar as relações de influência entre indivíduos, uma vez que estas afetam seus
processos de consumo.
Como um recorte dos novos ambientes de interação entre indivíduos presentes na
sociedade atual, optou-se por investigar as comunidades virtuais, ambientes mediados por
computador onde um número crescente de usuários constrói e mantém relações sociais.
Existem numerosas definições e diversos tipos de comunidades on-line. Há autores
que optam pela expressão “comunidades virtuais” (RHEINGOLD, 1993; CARVER, 1999)
ou “comunidades mediadas por computador” (ETZIONI; ETZIONI, 1999) para designar as
comunidades que se formam na Internet. A despeito de diferenças na nominação, verifica-
se a existência de consenso entre pesquisadores de várias áreas na aceitação de que
comunidades on-line podem ser conceitualizadas como “agregações sociais que surgem na
internet quando um certo número de pessoas conduz discussões públicas por um período de
tempo longo o suficiente, com certo grau de sentimento humano, para formar redes de
relacionamentos pessoais no cyberespaço” (RHEINGOLD, 1993).
As comunidades on-line iniciaram como eventos sociais espontâneos em redes
eletrônicas, com a agregação de indivíduos em torno de áreas de interesse comum,
envolvendo-se em debates persistentes e cumulativos ao longo do tempo, conduzindo à
construção de uma rede complexa de relacionamentos interpessoais e, finalmente, à
caracterização do agrupamento como comunidade. A natureza dos relacionamentos nestas
comunidades é bastante variada. Os participantes podem estar buscando e/ou dando
conselhos, trocando informações técnicas e conhecimento, tecendo comentários sobre
outros membros da comunidade, recebendo ou fornecendo apoio moral em situações de
dificuldade, compartilhando sentimentos e segredos, ou ainda “fazendo negócios,
apaixonando-se, enfim: fazendo exatamente as mesmas coisas que as pessoas fazem na vida
real, mas deixando de lado seus corpos físicos” (RHEINGOLD, 1993, p. 3). As
comunidades on-line podem ser puramente instrumentais, o que significa nunca ir além da
troca de mensagens mediada por computador, ou podem se manifestar na vida real através
de encontros, protestos, festas ou reuniões e outros tipos de ações compartilhadas por seus
participantes.
É importante salientar, porém, que nem todos os agrupamentos sociais na Internet
constituem comunidades. Quando há falta de comprometimento e proximidade entre os
membros, os grupos funcionam apenas como meio para comunicação entre pessoas que
dividem alguns interesses. Comunidades on-line são muito mais que simples mecanismos
para a transmissão de informações. São, conforme Carey (apud ALON, BRUNEL;
SIEGAL, 2004), “a sagrada cerimônia que une as pessoas em torno da amizade e da
comunalidade”. Acredita-se, portanto, que a utilização de comunidades virtuais como
campo de pesquisa permite, portanto, obter dados ricos e detalhados sobre as interações de
indivíduos em diversos níveis.
Uma questão a ser considerada, por apresentar-se como fator limitante das
investigações em ambientes virtuais, é o fato de que ainda há barreiras na utilização de
comunidades on-line pelos indivíduos: a dificuldade de acesso aos computadores, por seu
custo ainda elevado; o nível educacional e intelectual exigido para integrar-se à internet e às
comunidades on-line, que restringe seu apelo a uma pequena parcela da população (no caso
brasileiro, pouco mais de dez por cento
1
) e o tempo necessário para tomar parte de
atividades no mundo virtual. De modo geral, pode-se esperar que as pessoas engajadas em
comunidades virtuais sejam as de maior escolaridade e financeiramente favorecidas,
dispondo ainda de tempo livre suficiente para envolver-se em atividades de comunicação e
sociabilidade. Assim, qualquer investigação a ser empreendida em ambientes mediados por
computador deve levar em conta as limitações impostas por essas condições.
Como justificativa para a realização deste projeto de pesquisa, destaca-se a
importância da inclusão de aspectos sociais e culturais nos estudos do comportamento do
consumidor. As preferências de um indivíduo são, em grande parte, moldadas pelos grupos
aos quais pertence, por seu desejo de aceitação social (SOLOMON, 2002) e por suas
crenças e valores – dependentes do contexto cultural em que este indivíduo se insere.
Como forma recente, porém expressiva, de agrupamento humano, as comunidades
on-line são uma rica e abundante fonte de informações sobre os diversos significados e
aspectos simbólicos envolvidos na construção de decisões durante os processos de
consumo. Conforme Solomon (2002, p.260), “as comunidades virtuais ainda são um
fenômeno novo, mas seu impacto sobre as preferências individuais por produtos promete
ser grande”. Além disso, os grupos de discussão mediados por computador têm
características sociais e culturais permanentes, que justificam novas explorações de
questões previamente estudadas em ambientes mais convencionais (GRANITZ; WARD,
1996).
Através de estudos que vinculam comunidades on-line a aspectos do consumo, é
possível obter evidências do papel dessas comunidades no desenvolvimento da lealdade do
consumidor, na atuação de líderes de opinião e na propagação do boca-a-boca (SÉNECAL;
NANTEL, 2001), além de diversos exemplos da utilização de comunidades virtuais na
identificação de valores e significados em segmentos específicos de consumidores
(PORTER, 2004). Alguns autores sugerem a importância de que os profissionais e
acadêmicos de marketing se dediquem à investigação das comunidades on-line
(DHOLAKIA, BAGOZZI; PEARO, 2004; BALASUBRAMANIAN; MAHAJAN, 2001) e
sugerem que esses agrupamentos crescerão em relevância para o comportamento do
1
Fonte: IBOPE, 2005.
consumidor conforme sua velocidade de disseminação e assimilação pelos indivíduos e
também de acordo com a capacidade que acadêmicos e profissionais de marketing
estabelecerem para aprender a lidar com o fenômeno.
Compreendendo o potencial das comunidades on-line na construção de
conhecimento em comportamento do consumidor e a necessidade de atentar para a
influência dos grupos nos processos individuais de consumo, essa dissertação foi construída
buscando atender às seguintes questões:
Como as comunidades on-line atuam como grupos de referência nos processos
decisórios do consumidor? De que forma a influência interpessoal é construída nesses
ambientes mediados por computador?
2 OBJETIVOS DE PESQUISA
Para responder à questão-problema desta pesquisa, anteriormente delimitada,
propõe-se os seguintes objetivos:
2.1OBJETIVO GERAL
Verificar, por meio da etnografia on-line, as interações de membros de uma
comunidade virtual e sua atuação como grupo de referência nos processos de decisão do
consumidor.
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Identificar as características do relacionamento entre membros de
comunidades virtuais;
Verificar a ocorrência de pressão do grupo em comunidades virtuais;
Avaliar a existência de expressões de valor em comunidades virtuais;
Identificar o processo de troca de informações nas comunidades virtuais;
Verificar possíveis diferenças no grau em que consumidores novatos e
experientes são influenciados pelo grupo.
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para melhor compreender os conceitos envolvidos neste estudo, este capítulo
aborda, primeiramente, o processo de decisão de consumo e as principais influências que
neste ocorrem, destacando, dentre elas, as definições e aspectos relativos aos grupos de
referência. Em seguida, são abordadas as comunidades em geral e, de modo específico, as
comunidades on-line e suas peculiaridades. Por fim, este capítulo busca delinear a interface
entre grupos de referência e comunidades virtuais ao tratar da influência interpessoal em
ambientes virtuais.
3.1 PROCESSOS DECISÓRIOS DO CONSUMIDOR
Complexo e variável, o processo decisório de consumo tem mobilizado esforços de
pesquisa e análise em diversas áreas de estudo, uma vez que envolve aspectos psicológicos,
econômicos, culturais e sociais. A compreensão dos processos de decisão dos consumidores
é essencial para o marketing, que busca mapear as etapas (inter-relacionadas e
interdependentes) destes processos com o objetivo de melhor orientar seus esforços e
avançar na otimização de seus resultados.
Um dos primeiros modelos a considerar a decisão de consumo como um processo
composto de diversas etapas inter-relacionadas (e não apenas como a compra em si) foi o
de Nicosia, apresentado em 1966 (LENGLER, 1997). Apesar do pioneirismo, o modelo de
Nicosia recebeu diversas críticas e, levado a campo, não pôde ser comprovado. Mais bem
articulado, o modelo de Howard e Sheth, apresentado em 1969, juntamente com o modelo
de Engel, Blackwell e Kolat, proposto em 1968 e revisto em 1995 por Engel, Blackwell e
Miniard, contribuiu com grande parte das considerações sobre cada uma das etapas do
processo decisório conhecidas hoje (LENGLER, 1997).
Sabe-se que os consumidores atravessam, geralmente, sete etapas em um processo
de decisão de compra: (1) reconhecimento do problema ou necessidade, (2) busca de
informações, (3) avaliação de alternativas, (4) escolha ou compra, (5) consumo, (6)
avaliação pós-compra e (7) descarte (ENGEL, BLACKWELL; MINIARD, 1995). Não se
pretende aqui detalhar cada uma destas etapas, uma vez que o foco de interesse dessa
pesquisa reside nas influências que atuam sobre o consumidor ao longo do processo e não
em sua condução propriamente dita.
É importante considerar, contudo, que nem todas as decisões de compra dependem
desse complexo processo de decisão. O consumidor abrevia seus esforços e elimina
diversas etapas ao fazer compras simples e rotineiras – realizadas quase automaticamente,
minimizando o tempo e a energia gastos com as escolhas (SOLOMON, 2004). Em geral, a
perspectiva tradicional do processo de decisão, com todas as suas etapas, é aplicada pelo
consumidor a partir do momento em que o mesmo identifica um problema importante a ser
solucionado, ou seja, uma necessidade de escolha que compreende riscos e que poderá ter
impacto relevante em sua vida. Para essas questões importantes, de alto envolvimento, o
consumidor procura mais informações e avalia as alternativas cautelosamente, despendendo
mais tempo e esforços na tomada de decisão. Assim, costuma-se fazer distinção entre os
processos decisórios extensos ou de alto envolvimento (DE VALCK, 2005; SOLOMON,
2004), os processos de decisão limitados (que eliminam algumas das etapas para simplificar
as escolhas) e as decisões rotineiras (ENGEL, BLACKWELL; MINIARD, 1995). Embora
cada um destes processos tenha aspectos peculiares, a maior disparidade na configuração da
escolha é percebida entre as decisões de alto envolvimento e as decisões de rotina.
Cada uma das etapas do processo decisório pode ser influenciada por diversos
fatores e essa influência pode ocorrer de maneira diferente para cada um dos três tipos de
processo decisório (DE VALCK, 2005). Os grupos de referência, por exemplo, podem
atuar de maneira mais intensa no reconhecimento de necessidades – ao despertar no
indivíduo o desejo de se assemelhar aos demais membros de um grupo – e na avaliação de
alternativas, ao passo em que os membros costumam compartilhar experiências de consumo
anteriores. Embora importantes, os grupos de referência não são o único fator a influenciar
as decisões do consumidor. Suas escolhas são motivadas e influenciadas por diversas outras
variáveis, que podem ser distribuídas em três categorias: as diferenças individuais, as
influências ambientais e os processos psicológicos (ENGEL, BLACKWELL; MINIARD,
1995). Cada uma dessas categorias se desdobra em um grande número de fatores com o
potencial de interferir nos processos decisórios do consumidor.
As diferenças individuais, por exemplo, compreendem:
a) Recursos: fatores como tempo, dinheiro e capacidades cognitivas; que
apresentam limites distintos e implicação direta na motivação e no comportamento
do consumidor;
b) Conhecimento: aspectos relativos ao conjunto de informações armazenadas na
memória sobre os produtos e compras, além do conhecimento adquirido com as
experiências de uso;
c) Atitudes: compreendidas como as avaliações gerais de um consumidor, que
orientam suas avaliações mais específicas de produtos, lojas, marcas e anúncios e
que dependem basicamente do conjunto de crenças e dos sentimentos de um
indivíduo;
d) Motivação: construída em torno das necessidades, do envolvimento e do
autoconceito, a motivação é uma variável que afeta significativamente todas as fases
do processo decisório e cuja compreensão permite identificar de que maneira o
comportamento do consumidor é ativado e conduzido durante os processos de
decisão;
e) Personalidade, valores e estilo de vida do consumidor, que são características
particulares a cada indivíduo.
Os processos psicológicos, reunidos em outra das categorias que influenciam as
escolhas do consumidor, se referem ao processamento de informação, à aprendizagem e às
mudanças em atitudes e comportamentos do indivíduo que possam influenciar suas
decisões de compra, ao passo em que os fatores ambientais – a terceira categoria de
influência – dizem respeito às influências culturais, sociais, familiares, situacionais e
pessoais. Os fatores ambientais merecem destaque quando a intenção é conhecer o
consumidor como um ser social, ponderando o contexto e a situação em que ocorrem as
interações entre indivíduos.
O mais amplo dos fatores ambientais a influenciar as escolhas de consumidores é a
cultura na qual estão inseridos. Falar em cultura é fazer referência ao conjunto de valores,
crenças, idéias e símbolos que orienta os indivíduos em sua convivência social. Na
amplitude de uma cultura específica, dentro de uma sociedade, divisões como as classes
sociais agrupam indivíduos que possuem valores, interesses e comportamentos
semelhantes. As classes sociais, geralmente diferenciadas em bases econômicas, constituem
outro fator ambiental que interfere nas escolhas do consumidor. Ao estreitar um pouco mais
o foco no ambiente do indivíduo, tem-se a família como fator capaz de atuar moldando as
preferências de consumo. O núcleo familiar apresenta um padrão variado e complexo de
papéis e funções, sendo considerado a unidade primária de decisão (ENGEL,
BLACKWELL; MINIARD, 1995). As decisões de consumo sofrem ainda a interferência
de fatores situacionais, particulares a um momento e lugar específicos, independentes das
características do consumidor, do objeto e de outros indivíduos.
Finalmente, durante o processo de decisão, o consumidor é exposto à influência de
outras pessoas; os indivíduos com quem interage no cotidiano ou que, através de diferentes
meios, afetam suas atitudes, personalidade e comportamento. A influência pessoal pode
ocorrer de duas formas principais: através dos grupos de referência e dos líderes de opinião.
Uma avaliação mais detalhada das características e formas de atuação dos grupos de
referência durante as diferentes etapas e tipos de processos de decisão de consumo será
feita a seguir.
3.2 GRUPOS DE REFERÊNCIA
O termo “grupos de referência” foi cunhado por Herbert Hyman, em 1942, em um
estudo sobre o status social no qual os indivíduos eram solicitados a indicar quais as
pessoas ou grupos com que se comparavam (BEARDEN; ETZEL, 1982). Experimentos
como o de Hyman e o de Venkatesan (1966) – que testou as diferenças de submissão e
reação em situações diversas envolvendo a pressão de um grupo – definiram as principais
classificações dos grupos de referência, que são utilizadas ainda hoje na maioria dos livros-
texto sobre comportamento do consumidor.
Alguns desses livros-texto (SCHIFFMAN; KANUK, 2000; ENGEL,
BLACKWELL; MINIARD, 1995) apenas apresentam, como principais grupos de
referência, a família, as associações profissionais, as organizações comunitárias e os
amigos, sem estabelecer um posicionamento crítico em relação à situação atual dos estudos
sobre o tema. Outros, mais atuais (SOLOMON, 2004), começam a introduzir novas
perspectivas sobre os grupos de referência, mencionando as comunidades de marca, as
tribos e as comunidades virtuais como agrupamentos capazes de influenciar as decisões de
consumo. Em relação às últimas, porém, a constatação é de que os profissionais de
marketing apenas “arranharam a superfície desse intrigante novo mundo virtual”
(SOLOMON, 2004, p. 385).
São escassas as pesquisas recentes com a proposição de reavaliar ou adaptar a teoria
existente às profundas transformações sociais das últimas décadas. Torna-se necessário
compreender a influência dos grupos de referência nos novos espaços de interação
ocupados pelos consumidores, dentre eles os ambientes mediados por computador, onde
um número cada vez maior de indivíduos realiza atividades de seu interesse e constrói laços
sociais. Além disso, as relações de influência entre indivíduos são, essencialmente, relações
sociais.
O que se propõe é que, com vantagens sobre os experimentos e surveys - métodos
que têm sustentado os principais conceitos e definições dos grupos de referência, a
abordagem qualitativa e o método etnográfico, em particular, permitem conhecer, com mais
profundidade e riqueza de detalhes, as interações entre consumidores e o modo como
influenciam uns aos outros enquanto membros de uma comunidade on-line. Para sustentar
esta proposta, realizou-se um levantamento dos principais estudos que basearam a
construção da teoria da influência interpessoal nas decisões de consumo. Considerando-se
os estudos mais citados em livros-texto de comportamento do consumidor quando da
descrição de conceitos e características dos grupos de referência, elaborou-se uma
apresentação-resumo destes estudos (figura 1), que permite visualizar a predominância dos
métodos quantitativos e a utilização de estudantes na maioria de suas amostras de pesquisa.
Estudo País da
pesquisa
Método Amostra/Respondentes Conclusões
VENKATESAN
(1966)
Estados
Unidos
Experimento 144 estudantes da School
of Business
Administration da
Universidade de
Minessota
Em decisões de consumo,
os indivíduos tendem a se
adequar às normas do grupo
na ausência de pressão e a
distanciar-se das mesmas
quando há pressão por parte
do grupo.
MOSCHIS
(1976)
Estados
Unidos
Survey
(questionários
enviados por
correspondência)
408 mulheres,
aleatoriamente
selecionadas dentre as
consumidoras de
cosméticos de
Madison,Wisconsin.
Encontrou suporte para
algumas hipóteses da teoria
da comparação social de
Festinger, indicando o grau
de influência dos grupos
informais nas decisões dos
consumidores.
(continua)
Estudo País da
pesquisa
Método Amostra/Respondentes Conclusões
PARK e
LESSIG (1977)
Estados
Unidos
Survey
(questionários
enviados por
correspondência)
32 estudantes de
marketing da
Universidade do Kansas e
100 donas-de-casa
aleatoriamente
selecionados.
Existem diferenças
significantes entre donas-
de-casa e estudantes em
termos da influência dos
grupos de referência na
escolha de marcas.
FORD e ELLIS
(1980)
Estados
Unidos
Replicação de
experimento
(Stafford, 1966)
43 donas-de-casa de
Ohio, separadas em 10
grupos.
A escolha de produtos
facilmente testáveis e com
baixa complexibilidade e
risco percebido tende a não
ser suscetível à influência
interpessoal.
BEARDEN e
ETZEL (1982)
Estados
Unidos
Survey
(questionários
enviados por
correspondência)
Painel de 641
consumidores, divididos
em 8 grupos. Um estudo
complementar foi
realizado com 151
consumidores.
Diferentes graus de
influência dos grupos de
referência são relacionados
aos tipos de produtos (luxos
x necessidades e consumo
público x privado.
KAPLAN e
MILLER (1987)
Estados
Unidos
Experimento 240 alunas de uma
disciplina de Introdução à
Psicologia, divididas em 6
grupos.
O uso da influência
normativa, quando a
questão exige crítica, e da
influência informacional,
quando exige raciocínio,
tende a aumentar quando a
regra é obter decisões
unânimes.
PRICE e FEICK
(1984)
Estados
Unidos
Survey 86 estudantes de
Marketing.
Fontes interpessoais tendem
a ser mais utilizadas que
outras fontes (p.ex. experts)
na busca por informações.
BEARDEN,
NETEMEYER
e TEEL (1989)
Estados
Unidos
Surveys Diversas amostras (220
consumidores; 141
estudantes; 35 estudantes;
43 estudantes; 72 juízes)
Desenvolvimento de uma
escala para a mensuração da
susceptibilidade do
consumidor à influência
interpessoal.
BEARDEN e
ROSE (1990)
Estados
Unidos
Surveys (Estudos
1 e 2) e
Experimentos
(Estudos 3 e 4)
Estudos 1 e 2 : 62 e 99
estudantes de graduação,
respectivamente.
Estudos 3 e 4: 85
estudantes.
O grau em que os
indivíduos são sensíveis aos
exemplos sociais relevantes
para suas decisões de
consumo é um determinante
da influência interpessoal.
CHILDERS e
RAO (1992)
Estados
Unidos e
Tailândia.
Survey.
Replicação e
extensão do
estudo de
Bearden e Etzel
(1982).
196 estudantes norte-
americanos e 149
estudantes tailandeses.
Diferenças na influência
exercida por colegas de
acordo com o tipo de
família (nuclear ou
estendida) e variações
devidas à cultura.
Figura 1 – Principais estudos da teoria de grupos de referência
O que se tem até então? O que está funcionando bem e o que é necessário
compreender melhor? Quais os pontos da teoria sobre os grupos de referência que, em um
novo cenário, precisam ser repensados? Buscando resposta a essas questões, apresenta-se
uma revisão crítica da literatura em grupos de referência, a começar pela definição dos
mesmos.
3.2.1 Definição e classificações
Os grupos de referência podem ser quaisquer pessoas que sirvam como ponto de
comparação (ou referência) para um indivíduo na formação de seus valores, atitudes ou
comportamentos, tanto gerais quanto específicos (SCHIFFMAN; KANUK, 2000),
influenciando suas escolhas, comportamentos e atitudes.
Esses grupos podem ser categorizados de diferentes formas, embora a terminologia
apresentada por Engel, Blackwell e Miniard (1995) e Solomon (2004) seja a mais usual.
Assim, os grupos com os quais o indivíduo interage de maneira contínua e informal são
denominados grupos primários (p.ex. família, vizinhos, colegas de trabalho), sendo
agregações suficientemente pequenas para facilitar a interação irrestrita entre os membros,
manifestando ainda coesão e motivação para a participação. São esses os grupos que
tendem a exercer uma influência mais expressiva sobre seus participantes, pois fazem parte
de seu dia-a-dia, são importantes na vida dos indivíduos e não podem ser facilmente
ignorados. Geralmente, esses grupos também são considerados referentes normativos, por
serem mais utilizados como fonte de atitudes, normas e valores (SCHIFFMAN; KANUK,
2003).
Já os grupos formais e os que exigem menor interação são considerados grupos
secundários (grupos religiosos, associações, etc). Nesses casos, a interação é esporádica,
menos completa. Os profissionais de marketing, no entanto, têm obtido maior sucesso nas
tentativas de influenciar os grupos formais, que são mais facilmente identificáveis e
acessíveis (SOLOMON, 2004). Os grupos formais são, em sua maioria, comparativos, pois
podem ser usados para avaliação pessoal e sua influência é normalmente orientada para
decisões específicas de produto ou marca. Referências como esportistas e celebridades são
tradicionalmente considerados grupos comparativos, embora não constituam grupos
formais.
Outra possibilidade é a diferenciação entre os grupos de referência aos quais o
indivíduo almeja pertencer, chamados grupos de aspiração, aspiracionais ou positivos e
aqueles a que a pessoa não pertence e rejeita (grupos de dissociação, dissociativos ou
negativos). Os grupos aspiracionais geralmente são trabalhados pelos profissionais de
marketing, que investem esforços em pessoas de alta visibilidade, bem sucedidas e
idealizadas pelo público consumidor, para influenciar suas escolhas por determinadas
marcas e produtos. Contudo, além de almejar parecer-se com alguns indivíduos socialmente
distantes, os consumidores tendem a se comparar com pessoas que lhes são similares. Saber
o que pessoas parecidas consigo estão fazendo, pensando e comprando pode influenciar as
preferências de um indivíduo (SOLOMON, 2004).
Quando os consumidores tentam se distanciar de determinado grupo, diz-se que a
referência deste grupo sobre tais indivíduos é negativa. Um dos exemplos mais evidentes
deste tipo de influência é o esforço com que adolescentes tentam se distanciar dos modelos,
escolhas e opiniões de seus pais, em um reflexo da comum rejeição pela influência familiar
nessa fase da vida. Solomon (2004) afirma que a motivação para distanciar-se de um grupo
pode ser tão ou mais poderosa que o desejo de agradar a um grupo positivo ou de associar-
se a um grupo admirado. Diversas campanhas publicitárias tiram proveito desta relação ao
transmitir as características atribuídas a uma marca ou produto através da associação dos
concorrentes com referências negativas para seu público-alvo, apostando na força da
influência de grupos dissociativos sobre as escolhas de consumo.
3.2.2 Como afetam as escolhas do consumidor
Os grupos de referência podem afetar a escolha do consumidor de três maneiras
distintas: através da influência informacional, da aquiescência normativa (ou influência
utilitária) e da influência da expressão de valor (ENGEL, BLACKWELL; MINIARD,
1995).
A influência informacional predomina em algumas situações, particularmente
quando o consumidor encontra dificuldades em avaliar as características de um produto ou
marca. Nestes casos, a opinião e recomendação por outras pessoas são consideradas
evidências confiáveis e seguras para amparar uma escolha. Geralmente, profissionais ou
experts em determinado assunto são procurados pelo consumidor como fonte confiável de
informações sobre produtos e serviços relacionados a sua área de atuação. Outros
consumidores próximos (vizinhos, parentes, colegas de trabalho) que já tenham tido
experiências com o produto a ser adquirido também são vistos como fontes confiáveis de
informação, uma vez que não estão ligados a empresas fabricantes.
Os consumidores podem utilizar as fontes de informação interpessoal para adquirir
informações sobre os produtos e seus atributos ou transferir sua decisão e solicitar que a
fonte de informações recomende a melhor opção (SÉNÉCAL; NANTEL, 2001). As fontes
de influência informacional podem participar de diversas etapas do processo de decisão: na
estruturação do problema ou necessidade, ao opinar sobre a utilidade do produto e salientar
atributos; na provisão de informações (pontos de venda, preços, outras fontes de
informação); na avaliação de alternativas e mesmo na validação do processo de decisão, ao
confirmar que, por exemplo, todas as opções viáveis foram consideradas e que a escolha
mais razoável foi feita (PRICE; FEICK, 1984).
A aquiescência normativa ou influência utilitária acontece quando os grupos de
referência influenciam o comportamento de um indivíduo pressionando-o para que entre
em conformidade com o grupo. Esse apelo à conformidade ou concordância é mais eficaz
quando existem fortes pressões normativas (como recompensas pela aceitação e símbolos
de estima), forte motivação por aceitação social e uso ostensivo do produto ou serviço. No
entanto, mesmo sem punições ou recompensas explicitamente definidas pelo grupo, um
indivíduo, durante o processo de decisão de compra, tende a adequar suas escolhas às
expectativas do grupo se acreditar que seu comportamento será visível ou conhecido pelos
outros e se ele desejar satisfazer as expectativas dos demais membros do grupo por vê-los
como mediadores de recompensas ou punições (PARK; LESSIG, 1977). Cruz, Henningsen
e Williams (2000) ressaltam que a influência normativa ocorre quando alguém toma
decisões visando, principalmente, à obtenção de respostas positivas dos outros membros do
grupo, ao passo em que a influência informacional predomina quando a principal
preocupação é com a qualidade da decisão. De acordo com os mesmos autores, “muitos
pesquisadores (KAPLAN; MILLER, 1987) concluem que a informação tem um impacto
mais forte nas decisões em grupo do que as normas” (CRUZ, HENNINGSEN;
WILLIAMS, 2000, p.105). Esta, no entanto, é uma das diversas questões sobre grupos de
referência que ainda carece de investigações mais detalhadas, pois a influência normativa –
nem sempre transmitida explicitamente entre os membros de um grupo – pode estar sendo
subestimada.
Diz-se ocorrer influência da expressão de valor quando uma necessidade de
associação psicológica ao grupo é evidenciada através da aceitação de suas normas, valores
e comportamentos, visando à obtenção de uma resposta adequada. Não é necessário que
exista motivação para tornar-se um membro do grupo; a simples exaltação da própria
imagem por outras pessoas pode ser o único resultado esperado. Nesse caso, o indivíduo
acredita que a escolha de determinada marca ou produto poderia ajudá-lo a melhorar sua
imagem; mostrar aos outros o que ele é ou gostaria de ser; ser respeitado e admirado pelos
outros ou, ainda, parecer-se com as pessoas destacadas na publicidade de tal marca ou
produto (PARK; LESSIG, 1977). A influência da expressão de valor opera através do
processo da identificação, que ocorre quando um indivíduo adota o comportamento ou
opinião de outro porque esse comportamento ou opinião é associado com um
relacionamento satisfatório e definidor do self.
Acredita-se que o impacto dos grupos de referência não seja igualmente importante
para todas as etapas e tipos de processo decisório. Espera-se também que o grau de
influência dos grupos de referência varie entre culturas e grupos sociais e ainda com o tipo
de produto ou atividade de consumo (BEARDEN; ETZEL, 1982; CHILDERS; RAO,
1992). É menos provável que as preferências dos outros sejam levadas em conta no caso de
decisões sobre produtos pouco complexos, com baixo risco percebido ou que possam ser
experimentados antes da compra. A familiaridade do indivíduo com a classe de produtos e
sua autoconfiança também são casos em que a importância dos grupos de referência é
minimizada (PARK; LESSIG, 1977).
Em um estudo com usuárias de serviços de maternidades, pertencentes a grupos
sociais distintos, Tinson e Ensor (2001) investigam as diferenças entre consumidoras
novatas e experientes no grau com que sofrem influência de grupos de referência. Os
autores encontram resultados que indicam a variação no grau de influência entre novatas e
experientes, moradoras de áreas residenciais de alto e baixo poder econômico. Blackwell,
Miniard e Engel (2001) também delineiam os casos em que a influência dos grupos de
referência tende a ser mais alta (grande desejo de aceitação social, pouca experiência com a
situação ou decisão, compra ou uso conspícuo e produtos complexos ou itens de luxo) e
aqueles em que a influência interpessoal costuma ser menor (baixo desejo de aceitação
social, muita experiência com a situação ou decisão, uso privado do produto, bens simples
ou de necessidade).
A proposição de que produtos de consumo público (em oposição a bens de consumo
privado) ou artigos de luxo (e não necessidades) sofrem mais intensamente os efeitos de
grupos de referência foi elaborada por Bearden e Etzel (1982), que sugerem ainda possíveis
variações na intensidade da influência para escolhas de marcas ou de produtos em cada uma
das categorias anteriores. É possível perceber essas variações de maneira mais clara através
da figura 2.
Figura 2 – Influência dos grupos de referência relativa ao tipo de produto
Fonte: Adaptada de SOLOMON, 2004, p. 368
E por que as pessoas se deixam influenciar umas pelas outras nos mais variados
tipos de decisões de consumo? Como os grupos de referência podem ser tão persuasivos?
Solomon (2004) propõe como explicação para tais questões a existência do poder social,
que consiste na capacidade de um indivíduo ou grupo de alterar ou influenciar as ações de
outros. Uma classificação das bases de poder ilustra as razões pelas quais tal influência é
Necessidades públicas
Influência fraca para produtos e
forte para marcas.
Ex.: automóveis e relógios.
Luxos públicos
Influência forte para produtos e para
marcas.
Ex.: iates e clubes de golfe.
Necessidades privadas
Influência fraca para produtos e para
marcas.
Ex.: lâmpadas e refrigerador
Luxos privados
Influência forte para produtos e
fraca para marcas.
Ex.: piscinas e home theater
possível nas decisões de consumo, indicando ainda em que grau essa influência é
espontaneamente aceita e quão duradouros são seus efeitos.
Poder referente: os indivíduos modificam seus hábitos e atitudes voluntariamente
para adequar-se a pessoas ou grupos cujas qualidades admiram, elegendo-os como
referentes. As celebridades que endossam marcas e produtos em campanhas publicitárias,
os ídolos da música e da televisão e pessoas proeminentes em qualquer área de interesse do
consumidor podem afetar suas escolhas e decisões de consumo.
Poder informacional: o acesso a informações restritas e a capacidade de compilar
informações diversificadas concedem a determinado indivíduo ou grupo o poder
informacional. Esses indivíduos são capazes de influenciar as opiniões de outros
consumidores e de interferir em suas escolhas, pois aparentam deter a capacidade de
acessar informações verdadeiras sobre marcas, produtos e fatos.
Poder legítimo: poderes concedidos legalmente, por acordos sociais, costumam
estar visivelmente denotados através do uso de uniformes ou insígnias, da posição em
determinado espaço físico, etc. É um tipo de poder que impressiona e inibe
questionamentos.
Poder de expertise: quando um indivíduo é reconhecido por deter conhecimentos
específicos em determinado tema, suas opiniões e atitudes podem influenciar as escolhas de
outras pessoas, envolvidas em processos decisórios em áreas cujas particularidades
desconhecem.
Poder de recompensa: essa espécie de poder implica na concessão de uma
recompensa, tangível ou não (como é o caso da aceitação social), a um indivíduo para obter
dele o que se deseja.
Poder coercivo: é encontrado quando, em vez de uma recompensa, as mudanças
comportamentais são obtidas através de ameaças físicas ou intimidação social. Esse tipo de
poder tende a promover mudanças a curto prazo, mas não permanentes.
Outro conceito no qual se busca explicação para a capacidade de influência dos
grupos sobre indivíduos é a conformidade, que se refere a uma mudança nas crenças e
valores individuais como reação a uma pressão (real ou imaginada) do grupo (SOLOMON,
2004). Diversos fatores contribuem para a probabilidade de que uma pessoa conforme suas
atitudes e ações ao comportamento dos demais.
A conformidade é definida como a necessidade de um indivíduo de identificar ou
aperfeiçoar sua imagem na opinião de outros que lhe importam através da aquisição e uso
de produtos e marcas, isto é, “a propensão a se adequar às expectativas dos outros em
relação a decisões de compra e/ou a tendência a aprender sobre produtos ou serviços
observando os outros ou buscando informações junto a estes” (BEARDEN, NETEMEYER;
TEEL, 1989, p.473). Crenças como “se eu quero ser como alguém, eu freqüentemente tento
comprar as marcas que essa pessoa compra” e “para ter a certeza de comprar o produto ou
marca certos, eu freqüentemente observo o que os outros estão comprando e usando” são
exemplos de alguns dos fatores que influenciam na tendência de um indivíduo à
conformidade. A pressão cultural, o medo de parecer deslocado, o comprometimento do
indivíduo com o grupo e o tamanho, unanimidade e expertise deste grupo contribuem para
a determinação da suscetibilidade do consumidor às influências interpessoais.
De modo semelhante, porém inverso, atua a anti-conformidade, fazendo com que os
indivíduos busquem diferenciar-se, distanciar-se ou mesmo rebelar-se contra as normas e
valores de um grupo ao qual pertencem (BEARDEN, NETEMEYER; TEEL, 1989).
Embora muito já tenha sido pesquisado a respeito das relações pessoais de
influência e, em particular, sobre os grupos de referência, não se tem conhecimento de
estudos que considerem o meio em que essas relações acontecem como condição
importante para a compreensão das mesmas. As interações humanas face-a-face são
substituídas, em muitos casos e cada vez mais freqüentemente, por contatos mediados pela
tecnologia. Conversas familiares têm lugar ao telefone, amizades e relacionamentos
amorosos são construídos em salas de bate-papo na internet; grupos de pesquisa e colegas
de trabalho se reúnem através de teleconferências ou trocam idéias em listas de discussão
na Web. Estas condições são comuns na sociedade ocidental de hoje, consistindo em parte
do cotidiano de uma parcela crescente da população. Diante destas evidências, alguns
autores (DE VALCK, 2005; DHOLAKIA, BAGOZI; PEARO, 2004; SOLOMON, 2004)
passaram a considerar a ocorrência de influência interpessoal sem a necessidade da
existência de grupos fisicamente constituídos.
A percepção dessas novas condições traz consigo questionamentos: ao interagir
nestes ambientes tecnologicamente mediados, as pessoas são capazes de influenciar as
decisões de consumo umas das outras mesmo na inexistência da presença física? Se forem,
como acontecem as relações de influência nesse contexto de mediação tecnológica? E
ainda, é possível que novas formações, como as comunidades on-line, sejam equiparadas
aos grupos de referência tradicionais?
Para entender os novos espaços de socialização humana é necessário absorver,
inicialmente, o conceito de comunidade como originalmente concebido, já que a versão
“virtual” é considerada uma extensão da comunidade física, não uma entidade
completamente distinta e dissociada desta (FOX, 2004). Compreender a natureza das
comunidades físicas permite avaliar, nestes recentes agrupamentos mediados por
computador, a existência de características e atividades que possibilitam lhes conferir o
status de comunidades e, a partir de então, verificar se as relações interpessoais que ali
ocorrem atuam na influência das decisões de consumo de seus participantes.
3.3 COMUNIDADES
Afinal, o que são comunidades? Como se constituem? Quem participa delas e por
quais motivos? Que atividades ocorrem nesses grupos e o que os diferencia dos demais
agrupamentos humanos?
A palavra comunidade é utilizada com diversos significados, que variam de acordo
com a área de conhecimento e com as definições particulares de cada estudo em que o
conceito é aplicado. A noção de comunidade, no entanto, sempre permeou a vida em
sociedade e está ligada à idéia de um espaço de partilha, à sensação de pertencer ao grupo,
de inter-relacionamento íntimo a determinado agrupamento social. Ao analisar o conceito
de comunidade, Bauman (2001, p.196-7) escreve:
“Como observou amargamente Eric Hobsbawn, ‘a palavra
comunidade nunca foi utilizada tão indiscriminadamente quanto nas
décadas em que as comunidades no sentido sociológico se tornaram
difíceis de encontrar na vida real. Homens e mulheres procuram
grupos de que possam fazer parte, com certeza e para sempre, num
mundo em que tudo o mais se desloca e muda, em que nada mais é
certo’. Jack Young faz um sumário sucinto da observação de
Hobsbawn: ‘Exatamente quando a comunidade entra em colapso,
inventa-se a identidade’. [...] E como observou Orlando Petterson
(citado por Eric Hobsbawn),‘embora as pessoas tenham que
escolher entre diferentes grupos de referência de identidade, sua
escolha implica a forte crença de que quem escolhe não tem opção a
não ser o grupo específico a que ‘pertence’”.
Implícito nas definições retomadas por Bauman está o desejo dos seres humanos de
pertencer a um grupo com o qual se identifiquem, em que possam partilhar sentimentos,
crenças e interesses comuns. Considera-se então a idéia de grupo – pessoas que se
comunicam durante algum tempo e que são suficientemente poucas para se comunicarem
diretamente umas com as outras – para compreender uma comunidade como uma
conjugação de participação, relacionamentos, comprometimento e reciprocidade, construída
em torno de valores e práticas compartilhados ao longo do tempo.
Há pouco a sociologia começou a abrir mão do requisito de proximidade física, que
atuava como limitador na definição de comunidades (WELLMAN; GULIA, 1997).
Vizinhança e parentesco deixaram de ser as únicas possibilidades de formação de laços
sociais, uma vez que o telefone, os automóveis e aviões e, mais recentemente, a rede
mundial de computadores, permitem que se mantenham relacionamentos a despeito de
distâncias geográficas. Uma revolução conceitual fez então com que a comunidade deixasse
de ser definida em termos de espaço para ser definido com base nas redes sociais.
Além da interação social devem existir, para que um grupo constitua uma
comunidade, critérios para a aceitação e permanência de seus membros, comprometimento
mútuo e compartilhamento de valores, práticas e bens dentre os participantes. Dentro da
comunidade, em oposição ao que ocorre no “mundo lá fora”, todos se entendem bem, estão
seguros na maior parte do tempo e raramente ficam desconcertados ou são surpreendidos.
As discussões ocorrem, porém são sempre amigáveis, pois visam a alcançar o bem-estar do
grupo (BAUMAN, 2003).
Depreende-se, das características atribuídas à comunidade, que o conceito não é
aplicável a todos os agrupamentos de pessoas. Indivíduos que se encontram pela primeira
vez em uma sala de bate-papo ou que assistem a uma mesma aula, por exemplo, podem
constituir um grupo ou agrupamento – não uma comunidade – pois não compartilham uma
cultura nem constroem ligações sociais. Comunidades também diferem de famílias ou de
grupos íntimos de amigos porque, em regra, possuem um número maior de membros
(ETZIONI; ETZIONI, 1999). Comunicação interativa, memória, acesso (possibilidade de
comunicar-se com os outros membros) e conhecimento interpessoal abrangente
(viabilizador da formação de laços sociais) são alguns dos requisitos necessários para que
uma comunidade possa ser estruturada e se mantenha funcionando bem (ETZIONI;
ETZIONI, 1999).
Com a popularização da internet, uma nova questão sobre as comunidades passou a
atrair a atenção de poderes públicos, organizações sociais e pesquisadores de diversas áreas,
que debatem calorosamente o impacto da rede mundial de computadores na comunidade
como tradicionalmente concebida. A maioria acredita que a internet tem modificado o
conceito de comunidade, mas as reflexões a respeito da natureza e extensão dessas
mudanças são bastante variadas. Wellman, Boase e Chen (2002) apresentam as principais
linhas de opiniões que fomentam esse debate:
A internet enfraquece a comunidade – A natureza envolvente da internet pode ser
tão fascinante que os internautas passem a negligenciar suas famílias, amigos, parentes e
vizinhos em nome dos relacionamentos virtuais.
A internet fortalece a comunidade – As pessoas utilizam a internet para manter
contato com membros de comunidades já existentes, acrescentando o contato on-line ao
telefone e aos encontros face-a-face, ou substituindo outros meios de comunicação pela
internet.
A internet transforma a comunidade – A ótima conectividade possibilitada pelo
meio possibilita que as pessoas desenvolvam amplas comunidades de interesse
compartilhado, possivelmente em detrimento dos contatos locais.
As modificações na comunidade, no entanto, não são exclusividade da internet. O
conceito tradicional de comunidade vem se modificando desde a Revolução Industrial (ver
WELLMAN, BOASE; CHEN, 2002) e é mais proveitoso agora definir as comunidades não
como agregações físicas, mas como redes de laços interpessoais que oferecem
sociabilidade, apoio, informação, senso de pertencimento e identidade social (WELLMAN,
BOASE; CHEN, 2002). Características como essas são salientes em um dos mais recentes
desdobramentos do conceito de comunidade, originado no próprio elemento transformador
em questão – as comunidades on-line.
3.4 COMUNIDADES VIRTUAIS
Existem muitas definições e vários tipos diferentes de comunidades que se formam
na Internet. Mesmo a terminologia utilizada para designá-las carece de consenso. Há
autores que optam pela expressão “comunidades virtuais” (RHEINGOLD, 1993; BELLINI;
VARGAS, 2002), outros as denominam “comunidades on-line
2
” (KOZINETS, 2000) ou
ainda “comunidades mediadas por computador” (ETZIONI; ETZIONI, 1999).
Conquanto haja divergências em relação a definições e terminologia, pesquisadores
de diferentes áreas concordam com a posição mais abrangente, declarada na definição de
Rheingold (1993), um dos pioneiros em pesquisas sobre comunidades on-line, de que estas
podem ser entendidas como “agregações sociais que surgem na Internet quando um certo
número de pessoas conduz discussões públicas por um período de tempo longo o suficiente,
com certo grau de sentimento humano, para formar redes de relacionamentos pessoais no
ciberespaço” (RHEINGOLD, 1993, p.6).
Em um esforço pela unificação das inúmeras definições existentes para as
comunidades virtuais em diversas áreas do conhecimento, Porter (2004, p.2) as descreve
como “agregações de indivíduos ou parceiros de negócios que interagem em torno de um
2
Optou-se pela utilização indiscriminada, neste artigo, dos termos “comunidades on-line” e “comunidades
virtuais”, observando-se, no entanto, que a palavra “virtual” não admite aqui sentido oposto à palavra “real”,
posto que “esses grupos sociais têm uma existência ‘real’ para seus participantes, tendo como conseqüência,
portanto, efeitos em muitos aspectos do comportamento, incluindo o comportamento do consumidor”.
(Kozinets, 2000, p.61)
interesse compartilhado, cuja interação é, ao menos parcialmente, suportada e/ou mediada
pela tecnologia e guiada por alguns protocolos ou normas”. Percebe-se que os elementos
essenciais em ambas as definições são a socialização, a identificação e a mediação da
internet.
Pode-se considerar que a origem das comunidades on-line remonta ao fim da década
de 70, quando a organização de uma rede de computadores pessoais, conectados através de
modems, ampliou a participação dos indivíduos nas discussões virtuais que, até então,
existiam apenas com finalidades militares e de pesquisa (BALASUBRAMANIAN;
MAHAJAN, 2001). Os Bulletin Board Systems (BBSs), pequenas redes locais componentes
do primeiro sistema de troca de mensagens entre usuários através de um modem, foram as
primeiras manifestações de comunidades virtuais.
Sem pormenorizar o desenvolvimento da tecnologia que conduziu ao surgimento da
Wide World Web e da Internet, é possível afirmar que as comunidades on-line iniciaram
como eventos sociais espontâneos em redes eletrônicas e que, quanto mais indivíduos
aderiam a estas redes, mas agrupamentos se formavam, segmentando-os por interesses
comuns, solidificando os laços entre indivíduos e conduzindo, por fim, à caracterização
destes agrupamentos como comunidades.
De Valck (2005) apresenta um interessante quadro com os principais momentos do
desenvolvimento histórico da comunicação mediada por computador, que permite
visualizar o surgimento e disseminação das comunidades virtuais, acompanhando a
velocidade do desenvolvimento tecnológico da informática (para um histórico completo,
ver HERRING, 2002).
1969 Inicia a ARPANET (rede de computadores para a comunicação de bases militares e
departamentos de pesquisa norte-americanos)
1972 O primeiro e-mail é enviado e surgem as listas de e-mails
1976-1977 Criação da EIES, uma comunidade virtual científica
1978-1981 Desenvolvimento do primeiro grupo de notícias USENET, dos BBSs e MUDs
1980-1985 Entrada dos provedores comerciais de serviços on-line (como AOL e CompuServe)
1985 Lançada a WELL - Whole Earth Electronic Link, primeiro fórum de conferências on-line
1988 Desenvolvimento do IRC – Internet Relay Chat (continua)
1990-1991 Desenvolvimento da Wide World Web – WWW. O Brasil entra na internet.
1993 Publicação do livro “The virtual community: Homesteading on the electronic frontier”,
por Howard Rheingold.
1994-1995 Introdução do Netscape; Início das comunidades de transação, como a Amazon.com
1998-1999 Portais como Yahoo e MSN começam a agregar aspectos de comunidades
2000-2001 A bolha da internet estoura
2002-2005 Tendência mais recente: a explosão dos softwares de relacionamentos sociais, como o
Friendster, Multiply e Orkut.
Figura 3 – Evolução das tecnologias de comunicação mediada por computador.
Fonte: adaptada de De Valck, 2005, p. 25.
Torna-se evidente, ao comparar os conceitos, que as definições tradicionais de
comunidade não podem ser inteiramente aplicadas ao ciberespaço, que não possui uma
manifestação física. No entanto, alguns autores (FOX, 2004; WELLMAN; GULIA, 1997)
argumentam que a preocupação em opor o “real” ao “virtual” não tem relevância, pois toda
comunidade é, em grande parte, imaginada, propondo que as interações dos indivíduos com
uma comunidade on-line são uma mescla do físico e do virtual unidos pelo imaginário.
Assim, a realidade de uma comunidade deve ser baseada no que é imaginado e não no
espaço em que ela existe, seja ele real ou virtual.
Entretanto, nem todos os agrupamentos organizados com a mediação de
computadores são comunidades on-line. Herring (2005) identifica, na literatura sobre
comunidades virtuais, seis conjuntos de critérios que podem servir como forma de
determinar se um agrupamento na internet constitui, ou não, uma comunidade virtual:
1. Participação ativa e auto-sustentável; um grupo de participantes regulares;
2. Compartilhamento da história, propósitos, cultura, normas e valores;
3. Solidariedade, apoio, reciprocidade;
4. Críticas, censura, conflitos, formas para a resolução de conflitos;
5. Autoconsciência do grupo como entidade distinta de outros grupos;
6. Surgimento de papéis, hierarquia, controle, rituais.
Dholakia, Bagozzi e Pearo (2004) exploraram os motivos pelos quais as pessoas
participam de comunidades virtuais e os classificaram em individuais e influências sociais.
Os valores individuais que motivam indivíduos a tomar parte nas atividades de uma
comunidade on-line incluem valores objetivos, definidos como valores que derivam da
execução de objetivos instrumentais pré-determinados (incluindo dar e receber informação)
e o valor do auto-conhecimento, que envolve a compreensão de si através da interação com
outras pessoas e que ajuda o indivíduo a formar, definir claramente e elaborar suas próprias
preferências, gostos e crenças (DHOLAKIA, BAGOZZI; PEARO, 2004).
Além destes valores – ambos relacionados ao indivíduo – valores sociais como a
manutenção das ligações interpessoais (que permite obter apoio, amizade e intimidade); a
elevação social e ainda o entretenimento que deriva destas interações são considerados
motivantes para a inscrição e participação em comunidades virtuais.
3.4.1 Tipologias de comunidades virtuais
Da mesma forma com que existem dezenas de definições para comunidades on-line,
cada área de conhecimento classifica-as conforme o critério que julga mais adequado. As
comunidades variam enormemente em relação ao seu propósito, estrutura e funcionamento.
Uma das tipologias mais conhecidas é a de Hagel e Armstrong (1996), que diferencia as
comunidades com base no objetivo em torno do qual se fundamentam. Assim, os autores
consideram a existência de comunidades de fantasia, de relacionamento, de interesse e de
negócios. Diversos outros rótulos são atribuídos a comunidades com propósitos específicos,
como “comunidades de consumo” (KOZINETS, 1999; BERNARD, 2004), comunidades de
marca (McWILLIAM, 2000; COVA; CARRÉRE, 2002), comunidades de prática
(WENGER, 2001) e comunidades de suporte (TURNER, GRUBE; MEYERS, 2001).
Hagel e Armstrong (1997) atribuem ao foco das comunidades on-line a facilidade com que
membros em potencial podem identificar imediatamente o tipo de recursos que será
encontrado no grupo.
Avaliando-as em relação ao meio que as baseia, Kozinets (1999) classifica as
comunidades virtuais em quatro tipos (salas de bate-papo, mundos virtuais, fóruns, listas
de discussão), formados pela combinação de duas formas de estrutura social e dois
possíveis focos para o grupo.
Figura 4 – Tipologia das comunidades virtuais de Kozinets
Fonte: Kozinets, 1999, p. 04
Dholakia, Bagozzi e Pearo (2004) também consideram as características do meio
para estabelecer diferenças entre comunidades virtuais baseadas em redes e comunidades
virtuais baseadas em pequenos grupos. A principal variável considerada nesta classificação,
no entanto, não é o meio e, sim, o relacionamento entre os participantes. Conforme os
autores, as comunidades virtuais baseadas em redes são especializadas, geograficamente
dispersas e se baseiam em uma rede de relacionamentos dinâmica, esparsa e mutável de
participantes que têm um foco em comum. As comunidades virtuais baseadas em pequenos
grupos, por sua vez, são constituídas por indivíduos que já constituem uma rede de
FÓRUNS
SALAS MUNDOS
LISTAS
Estrutura social Solta Estreita
Troca de
informações
Interação
social
Foco do
grupo
relacionamentos densa, com interações freqüentes e em outros meios além da comunidade
on-line, visando a alcançar objetivos comuns.
Outra classificação, proposta por Porter (2004), leva em conta a estrutura
organizacional das comunidades. Para a autora, os pesquisadores da área de administração
têm categorizado as comunidades on-line com base no propósito da comunidade (geração
de lucros, por exemplo) ou de acordo com a utilidade da comunidade na satisfação das
necessidades do consumidor (como fantasia, interação ou transação). Sua tipologia, no
entanto, incorpora muitas das dimensões da estrutura organizacional de comunidades
virtuais compiladas por De Valck (2005), como o grau de “mercantilismo” e a existência de
ligações com empresas.
Porter (2004) divide as comunidades on-line em dois grupos, de acordo com sua
criação: comunidades iniciadas por membros e comunidades patrocinadas por organizações
(sejam elas comerciais ou não comerciais). Em um segundo nível, esta tipologia divide as
comunidades criadas por consumidores, de acordo a orientação do relacionamento entre
seus membros, em comunidades sociais e profissionais. As comunidades patrocinadas por
organizações são reagrupadas em comunidades sem fins lucrativos, governamentais e
comerciais. A figura 5 ilustra a organização das comunidades conforme proposta por Porter
(2004).
De Valck (2005), ao avaliar as tipologias já elaboradas, considera a
impossibilidade de que uma classificação definitiva das comunidades virtuais exista ou
possa ser desenvolvida. Afirma que cada autor tem a possibilidade, no entanto, de utilizar
as classificações existentes para descrever a comunidade que estuda e diferenciá-la das
demais.
Comunidades Virtuais
Iniciadas
p
or membros Patrocinadas
p
or em
p
resas
Social Não-lucrativaComercialProfissional Governamental
Criação
Foco
relacional
Figura 5 – Tipologia das comunidades virtuais de Porter
Fonte: Porter, 2004, p.3
3.4.2 Os participantes de comunidades virtuais
A forma com que os indivíduos se relacionam nas comunidades virtuais varia
bastante. Os membros podem estar buscando ou oferecendo conselhos, trocando
informações técnicas e conhecimento, conversando sobre situações ou sobre outros
membros da comunidade, recebendo ou fornecendo apoio moral em situações de
dificuldade, compartilhando sentimentos e segredos, enfim, realizando atividades que
transformam a comunidade virtual em uma emulação da comunidade física, o que sugere
“uma conexão social e pessoal próxima entre o indivíduo on-line e sua vida fora da
internet” (FOX, 2004, p.50).
A despeito das diferentes atividades que realizam nas comunidades on-line, os
participantes podem ser agrupados em categorias, com base nos critérios mais variados. A
tipologia mais difundida (RHEINGOLD, 1993; HAGEL; ARMSTRONG, 1997) para
agrupar os membros de comunidades on-line é a que os separa em “lurkers” e “posters”,
definindo se sua participação na comunidade em que estão inscritos é passiva ou ativa.
Os lurkers são meros leitores. Normalmente, sua presença passa despercebida nos
grupos, porque apenas observam as interações sem tomar parte dos debates, escrever
mensagens ou se comunicar com os demais participantes. Os posters, por sua vez,
participam criando tópicos de discussão, respondendo mensagens ou usando outras formas
para se comunicar com os participantes do grupo. Sabe-se que os lurkers correspondem a
quase 80% dos membros de comunidades em geral, restando apenas 20% de participantes
que constroem a conversação nos grupos (DE VALCK, 2005). Considerar os lurkers como
parte importante das comunidades é necessário não apenas por seu volume representativo,
mas porque, mesmo “invisíveis”, suas atividades de leitura constituem uma fonte
significante de aproveitamento e acúmulo de informações (BURNETT, 2000).
A intensidade com que um membro se envolve em uma comunidade virtual depende
de dois fatores (SOLOMON, 2002): a importância da atividade para o autoconceito do
indivíduo e a intensidade das ligações sociais construídas com os outros membros da
comunidade. Focado nesses fatores, Kozinets (1999) depreende que, nas comunidades on-
line, existem quatro tipos de participantes: os turistas, que apenas visitam a comunidade
ocasionalmente ou buscam nela solução para alguma necessidade específica; os sociáveis,
que mantêm fortes relações sociais embora não possuam muito interesse na atividade
central da comunidade; os dedicados, que manifestam muito interesse na atividade da
comunidade mesmo não mantendo vínculos fortes com os outros membros e os envolvidos
ou comprometidos, que apresentam fortes ligações com os outros membros e muito
interesse no tema e nas atividades da comunidade on-line.
Em uma comunidade virtual, é usual que os indivíduos iniciem sua participação
como turistas, ampliando a intensidade de seu envolvimento conforme conquistam a
confiança dos outros membros e se comprometem com as atividades do grupo. Essa
característica traz à tona o fato de que as comunidades on-line não são entidades estáticas,
mas grupos dinâmicos de indivíduos que se modificam e desenvolvem velozmente. A
literatura de diversas áreas (administração, sociologia e comunicação, dentre outras) tem
proposto modelos para capturar a natureza dinâmica das comunidades on-line. De acordo
com Alon, Brunel e Siegal (2004), grande parte dos modelos propostos compartilha
diversas concepções: (1) as mudanças que ocorrem nas comunidades on-line seguem um
padrão que pode ser caracterizado em três estágios de desenvolvimento: surgimento,
comprometimento e declínio; (2) os três estágios ocorrem em uma seqüência natural,
hierárquica e dificilmente reversível e (3) esses estágios envolvem um amplo espectro de
atividades e estruturas do grupo.
Considerando a natureza mutante das comunidades on-line, De Valck (2005)
desenvolveu uma nova tipologia para seus membros baseada em cinco dimensões
comportamentais: freqüência e duração das visitas à comunidade e o grau com que os
participantes se engajam na busca, oferta e discussão de informações com o grupo.
Agregando a estas dimensões variáveis relacionadas à participação na comunidade e
características gerais dos consumidores, todas testadas empiricamente, De Valck (2005)
acredita ter obtido uma representação mais realista da participação em comunidades
virtuais.
A autora distribui os membros de um grupo em um círculo imaginário, que
representa a comunidade. Os principais participantes (6% na comunidade investigada por
De Valck) ficam no centro. O próximo anel contém os sociáveis (10%), informantes (14%)
e os recreacionistas (17%). Os funcionalistas (28%) e os oportunistas (25%) ficam na
periferia do círculo. Estar próximo do centro significa um alto nível de participação, níveis
mais altos de busca, oferta e discussão de informação, alto nível de envolvimento social,
maior tempo de afiliação à comunidade e também um nível mais alto de influência da
comunidade nas decisões de consumo do participante.
A comparação de sua tipologia com outras de destaque na literatura sobre
comunidades virtuais (figura 6) permite observar que De Valck (2005) obteve uma
classificação rica, porém complexa, o que pode dificultar sua aplicação em futuros estudos.
Tipologia Foco Dimensão
classificatória
Estática/
Dinâmica
Pesquisa
empírica
Rótulos
Vários
autores
Genérico Comportamento Estática -
Lurkers e Posters
Kozinets
(1999)
Comunidades
de consumo
Envolvimento Dinâmica Não
Turistas, dedicados,
sociáveis e envolvidos
Kim (2000) Genérico
Envolvimento ao
longo do tempo
Dinâmica Não
Visitantes, novatos,
regulares, líderes e
experientes
(continua)
Tipologia Foco Dimensão
classificatória
Estática/
Dinâmica
Pesquisa
empírica
Rótulos
Utz (2000)
Multi-user
Dungeons
Traços individuais
e envolvimento
Estática
Sim
Jogadores céticos,
competidores, role
players e chatters
Mathwick
(2002)
Consumidores
on-line
Traços individuais
e comportamento
Estática Sim
Membros orientados
para compras,
socializadores,
conectores e lurkers
De
Valck(2005)
Comunidades
de consumo
Comportamento e
padrões de
participação
Dinâmica Sim
Centrais, sociáveis,
informantes,
recreacionistas,
funcionalistas e
oportunistas
Figura 6 – Tipologias de participantes de comunidades virtuais
Fonte: Adaptada de De VALCK, 2005, p.133
O que se pode apreender da literatura analisada é o fato de que as comunidades
virtuais são estruturas sociais com desenvolvimento e constituição muito semelhantes às
comunidades físicas. No entanto, as particularidades da mediação por computador fazem
com que as relações sediadas em comunidades on-line assumam características próprias,
com tempo, intensidade e conseqüências distintas das interações no mundo físico. Desse
modo, torna-se imprescindível captar essas diferenças para que seja possível compreender,
em profundidade, as novas condições de influência interpessoal que atuam sobre
consumidores virtualmente conectados. Alguns pesquisadores têm realizado esforços neste
sentido e, para fazer proveito destes esforços, buscou-se na literatura de comportamento do
consumidor o que já é conhecido a respeito das relações de influência entre os indivíduos
em ambientes on-line.
3.5 INFLUÊNCIA INTERPESSOAL EM AMBIENTES VIRTUAIS
“Online social interaction is therefore a unique public-private hybrid never
before encountered in human history. Changes in capitalism, social thought and
new technologies have imploded the boundaries between home and workplace
(and production and consumption). CMC offers ordinary people access to a mass
medium, a stage before global audience… Opportunities abound not only to
broadcast one’s own private information, but also to partake publicly in the
private information of others, and also to commoditise and commercialise these
relationships”. (Kozinets, 1999)
Quando a interação entre indivíduos é mediada por computadores, diversas
características comportamentais, de socialização e da comunicação se modificam. O
comportamento dos indivíduos fora do ambiente virtual não é visível (a não ser que a
interação física também ocorra), portanto, as normas explicitadas e o comportamento auto-
relatado assumem posição central nas relações de influência em grupos virtuais, enquanto
punições e recompensas passam a ter pouco valor (DE VALCK, 2005). Além disso, as
comunidades virtuais têm fracas barreiras de entrada ou saída. Diferentemente dos grupos
de referência tradicionais, um indivíduo que discorde das normas e opiniões de uma
comunidade virtual pode, facilmente, deixar de participar dessa comunidade e aderir a
outra, cujos comportamentos e normas estejam mais de acordo com seus valores pessoais.
Essa característica pode indicar que as influências normativas e de expressão de valor
sejam menos prováveis em comunidades virtuais. Em contraste com as anteriores, a
influência informacional pode ser muito apropriada para explicar os efeitos interpessoais no
comportamento de consumo (off-line) de membros de comunidades virtuais (DE VALCK,
2005).
Ao utilizar fontes de informação interpessoal, os consumidores precisam decidir que
informação querem obter, de quais fontes. Embora os participantes de comunidades virtuais
não tenham, geralmente, acesso ao comportamento off-line uns dos outros (não podendo
assegurar-se da real credibilidade da fonte), o compartilhamento de opiniões, experiências e
conselhos consiste em importante troca de informações. O processo de construção da
credibilidade e confiança em outros membros de comunidades virtuais como fontes de
informação ocorre quando o indivíduo percebe que o emissor das informações tem
conhecimento relevante sobre o assunto e não terá ganho algum (para si ou para terceiros)
na transmissão de informações sobre o tema (DE VALCK, 2005).
Não se tem conhecimento de estudos dedicados a buscar estabelecer comparações
entre a influência interpessoal que ocorre em ambientes físicos com as interações que se
passam em comunidades virtuais. Uma comparação, no entanto, se faz evidente ao
considerar-se que o boca-a-boca e os grupos de referência atuam quase sempre através da
palavra falada. Em contraposição, as discussões on-line envolvem a transmissão de
experiências pessoais e opiniões através do texto escrito. Ao pesquisar os fóruns on-line
como fontes influentes de informação para o consumidor, Bickart e Schindler (2001)
encontraram evidências de que, embora a palavra falada tenha mais habilidade para exercer
impacto imediato, o texto escrito tem permanência e apresenta algumas vantagens.
A primeira é que oferece ao consumidor a possibilidade de adquirir a informação
respeitando seu próprio ritmo, pois, uma vez escrita, ela é facilmente retomável. Assim, o
consumidor pode também absorver uma quantidade maior de informação ou obter
informações mais detalhadas do que seria possível com a exposição apenas à palavra
falada. A segunda vantagem é que, ao observar a comunicação escrita entre os indivíduos,
um pesquisador encontra mais facilidade para compreender as relações de influência que
ocorrem entre eles.
Esta pesquisa faz proveito da última prerrogativa apresentada por Bickert e
Schindler (2001) para investigar as relações interpessoais que ocorrem em ambientes on-
line, particularmente em uma comunidade virtual, através da netnografia, método ancorado
na coleta e análise dos textos gerados pela comunicação mediada por computador. O
capítulo seguinte descreve o método, buscando estabelecer conexões entre suas
características e os aspectos teóricos apresentados até então.
4 MÉTODO
De acordo com Triviños (1987, p.122), “as tentativas de compreender a conduta
humana isolada do contexto no qual se manifesta criam situações artificiais [...] que levam
a interpretações equivocadas”. Acredita-se que a investigação das interações em
comunidades virtuais é capaz de produzir resultados mais interessantes se for empreendida
no próprio meio, o qual, por suas características, imprime às interações sociais ali
desenroladas aspectos peculiares.
Considera-se ainda que interações são processos e, como tais, não podem ser
cristalizadas em um único momento de investigação, devendo ser compreendidas em sua
totalidade, atentando para as causas, motivações, conseqüências e aspectos contextuais.
Assim, o que se julgou mais adequado para a realização desta pesquisa foi a adoção de uma
abordagem qualitativa e de um método que potencializasse as possibilidades de pesquisa
oferecidas pelas comunidades on-line.
Existem diversos métodos de natureza qualitativa capazes de auxiliar na obtenção
de informações estrategicamente importantes das comunidades on-line (p.ex., entrevistas
em profundidade e grupos focais). Dentre eles, Dholakia e Zhang (2004) destacam a
netnografia, desenvolvida por Kozinets (1998) como forma de aplicação do método
etnográfico aos ambientes mediados por computador.
A utilização da netnografia permite menor intrusividade no processo de pesquisa e a
compreensão aprofundada das relações entre os membros de uma comunidade virtual. Por
se tratar de um método relativamente novo, ainda pouco utilizado na pesquisa em
comportamento do consumidor, serão abordadas nesse capítulo, de maneira mais detalhada,
suas características e particularidades.
4.1 NETNOGRAFIA
A netnografia, também conhecida por ciberetnografia (FOX; ROBERTS, 1999) ou
etnografia on-line (CATTERALL; MACLARAN, 2001), consiste em uma adaptação do
método etnográfico para o estudo das comunidades virtuais com a finalidade de investigar o
comportamento do consumidor ou outras questões de interesse para o marketing
(KOZINETS, 2002a). Como método, é mais rápido, mais simples e menos custoso que a
etnografia tradicional, além de mais naturalista e menos intrusivo que grupos focais ou
entrevistas em profundidade.
Semelhante ao método etnográfico tradicional, o estudo de comunidades on-line
pressupõe a participação do pesquisador no grupo a ser investigado e seu reconhecimento
como membro cultural da comunidade (KOZINETS, 1998). Da mesma maneira que a
etnografia orientada para mercado
3
, a netnografia não é apenas uma técnica de coleta de
dados, como o são as entrevistas em profundidade e os grupos focais, mas uma forma
completa de investigação que objetiva esclarecer as formas com que “as culturas
simultaneamente constroem e são construídas pelos comportamentos e experiências dos
indivíduos” (ARNOULD; WALLENDORF, 1994, p. 485).
O método também permite manter um relacionamento próximo com os
consumidores investigados, pois possibilita acesso contínuo aos informantes antes, durante
e após o processo de pesquisa (KOZINETS, 1998). Algumas limitações da netnografia, de
acordo com Kozinets (1998; 2002a), se devem ao seu foco restrito em comunidades on-
line, à necessidade de habilidade interpretativa do pesquisador e à ausência de dados
3
Método abordado por Arnould e Wallendorf (1994), que descrevem-no como fonte para que os profissionais
de marketing obtenham importantes perspectivas estratégicas de comportamentos de seu interesse.
confiáveis que identifiquem os informantes, prejudicando a capacidade de generalização
dos resultados.
A limitação imposta pela ausência de dados identificadores dos informantes é
abrandada no posicionamento de Dholakia e Zhang (2004), que consideram o anonimato
inerente às comunidades on-line uma vantagem, por permitir aos informantes serem mais
abertos, mais verdadeiros em relação aos seus reais pensamentos e por possibilitar o
anonimato também ao pesquisador que, em uma estratégia de investigação conhecida como
lurking, pode “espionar” algumas comunidades interessantes para selecionar aquela que lhe
servirá como campo de pesquisa. No caso desta pesquisa, a investigação de uma
comunidade virtual que não permite a postagem de mensagens anônimas e sediada no
Orkut, uma rede de relacionamento onde cada participante conta com uma página pessoal,
colaborou na redução da incerteza em relação à identidade dos investigados.
Somado às limitações consideradas acima está o fato de que, ao utilizar a
netnografia, não há como estabelecer comparações entre discursos e comportamentos.
Diferentemente da etnografia, em que a interpretação dos dados se dá através da
combinação de dados observacionais e verbais, buscando disjunturas e convergências entre
eles (ARNOULD; WALLENDORF, 1994), a netnografia lida apenas com dados textuais.
O que deve interessar ao pesquisador quando da utilização deste método é a conversação
gerada através do texto escrito, não o comportamento real dos indivíduos que compõem a
comunidade. De acordo com Dholakia e Zhang (2004, p.3), a comunicação escrita difere da
oral no momento em que as pessoas, comunicando-se por textos, podem selecionar
cuidadosamente “o que querem dizer, o quanto querem dizer e como querem dizê-lo - sem
medo de serem interrompidas antes de terem completado seu propósito”.
De maneira semelhante aos estudos etnográficos, a netnografia caracteriza-se como
método capaz de captar informações em fonte primária, sem intermediações e como uma
forma essencialmente aberta de investigação. Ambas as formas de pesquisa permitem que
se investigue por dentro a realidade de um grupo, gerando conhecimento científico a partir
do ponto de vista dos investigados (ROCHA et al.1999). Propondo-se a realizar uma
etnografia, o pesquisador deve reservar para si o direito (e atentar para a necessidade) de
modificar alguns aspectos da pesquisa durante a evolução da mesma, pois a imersão em
campo traz novos conceitos, processos e variáveis a ser abordadas (MARSHALL;
ROSSMAN, 1989). No entanto, a observação de uma seqüência de procedimentos pode
ajudar o pesquisador a não se desviar de seus objetivos ao longo da realização de um estudo
etnográfico em comunidades virtuais: (1) o processo de entrada na comunidade, (2) a coleta
e análise de dados, (3) a realização de uma interpretação confiável, (4) a condução da
pesquisa de maneira ética e (5) a oportunidade de que os membros da comunidade ou
cultura estudada avaliem os resultados e forneçam um feedback (KOZINETS, 1999). Cada
uma destas etapas e as principais atividades a ser conduzidas nessas etapas são abordadas
nos tópicos seguintes.
4.1.1 Entrada
Antes mesmo do processo de entrada em uma comunidade on-line, destaca-se a
importância da observação não-participante que, no contexto da pesquisa mediada por
computadores, é conhecida como lurking (CATTERALL; MACLARAN, 2001;
DHOLAKIA; ZHANG, 2004). Além de auxiliar o pesquisador na escolha da comunidade a
ser investigada, essa “espionagem” consiste em uma valiosa fonte de informações sobre as
regras e atividades de uma comunidade. O conhecimento da linguagem, do estilo e das
normas de um grupo permite que o pesquisador defina a melhor estratégia para inserir-se
nele (KOZINETS, 1999). Ao detectar quem são os membros mais influentes, qual o papel
dos novos membros e como eles se comportam, o pesquisador planeja a entrada de forma a
facilitar sua inserção na comunidade (CATTERALL; MACLARAN, 2001). O processo de
lurking permite ainda identificar o melhor contato para obter informações sobre o grupo e
conseguir o apoio dos demais membros para a realização de uma pesquisa em seu
ambiente.
Por conseqüência da observação não-participante, a primeira etapa “oficial” de uma
etnografia on-line, a entrada, é facilitada. Com o auxílio do lurking, o pesquisador define a
comunidade mais adequada para a investigação de um problema de pesquisa específico
(KOZINETS, 2002a). Alguns critérios que podem facilitar esta seleção são apontados por
Kozinets (2002a, p.63): “(1) um grupo com segmentos ou tópicos de discussão mais
focados e relevantes ao interesse de pesquisa, (2) alto ‘tráfego’ de troca de mensagens, (3)
maior número de membros distintos que trocam mensagens, (4) dados mais detalhados ou
ricos em descrições e (5) maior interação entre os membros, do tipo exigido pelo problema
de pesquisa”.
4.1.2 Coleta e Análise dos dados
Em relação à segunda etapa da realização de uma etnografia on-line, Kozinets
(1998) destaca duas importantes fontes de coleta de dados: as comunicações (mediadas por
computador) entre membros da comunidade on-line, conhecidas como posts ou mensagens,
e as anotações do pesquisador ao observar a comunidade, seus membros, suas interações e
significados.
A etnografia tradicional e a etnografia orientada para mercado possibilitam que a
coleta de dados observacionais e verbais seja complementada com o registro mecânico de
informações em vídeo, áudio e fotografia (ARNOULD; WALLENDORF, 1994), o que não
é possível na etnografia on-line. Como contraponto, tem-se a facilidade de coleta
proporcionada pela natureza eletrônica dos dados, que já surgem registrados, dispensando
transcrições. Mesmo as anotações do pesquisador podem ser inseridas diretamente no
computador, o que facilita a análise das mesmas. No entanto, essa facilidade na aquisição
de dados implica na interação com um imenso volume de informações (KOZINETS,
2002a). Lidar com a sobrecarga de dados, sabendo selecionar os que são mais adequados ao
problema de pesquisa é outro fato relevante para o pesquisador envolvido no estudo de
comunidades on-line. Uma única comunidade virtual é capaz de produzir centenas de
páginas de dados em um curto período. Para auxiliar nessa tarefa, Kozinets (2002a) sugere
que as mensagens coletadas na comunidade on-line sejam classificadas primeiramente
como sociais ou informacionais e, na mesma instância, como “sobre o tópico” e “fora do
tópico”. Geralmente, para o pesquisador que deseja uma análise mais focada no problema
sob investigação, o interessante é manter apenas as mensagens informacionais e sobre o
tópico de pesquisa.
A análise dos dados deve ser iniciada concomitantemente à coleta, com a
contextualização dos mesmos. Para prosseguir, é necessário classificar e codificar os dados
selecionados. Nessa tarefa, é possível utilizar softwares de análise qualitativa para facilitar
o processo, dependendo da quantidade de dados coletados (KOZINETS, 1999). O método
mais comumente utilizado para auxiliar na interpretação dos dados coletados através de
estudos etnográficos (CATTERALL; MACLARAN, 2001), tanto em ambientes virtuais
quanto “reais” é a análise de discurso. Para esta pesquisa, no entanto, tendo em vista as
características do método e a natureza dos dados coletados, optou-se por empregar a técnica
de Análise de Discurso Mediado por Computador (ADMC), que será abordada com mais
detalhes adiante, em uma seção específica.
4.1.3 Ética e Confiabilidade
Ao analisar a confiabilidade da netnografia, é importante levar em consideração as
particularidades do mundo virtual. Nesse ambiente, identidades são criadas, desenvolvidas
e descartadas rapidamente (FOX; ROBERTS, 1999), ou seja, um único indivíduo pode
apresentar inúmeras identidades em uma mesma comunidade ou em várias comunidades. A
informalidade da comunicação mediada por computador e a dificuldade em detectar a
identidade dos indivíduos não dispensam ao pesquisador preocupações em relação à
validade, confiabilidade e ética da pesquisa.
As discussões éticas sobre as pesquisas feitas em comunidades on-line giram em
torno de questões como: os textos publicados nas comunidades são públicos (pois estão
disponíveis na internet) ou são privados? O que é consentimento no ciberespaço? O
consenso entre autores que abordam as questões (KOZINETS, 2001; CATTERALL;
MACLARAN, 2001) é de que o pesquisador deve, antes mesmo de iniciar a investigação,
identificar-se e relatar suas intenções de pesquisa aos membros da comunidade, garantir-
lhes confidencialidade e anonimato e obter, por escrito, a permissão dos membros para citar
seus textos.
Para obter resultados confiáveis com a realização de uma netnografia, o pesquisador
deve envolver-se por períodos de tempo consideravelmente longos em uma comunidade
antes de extrair dela quaisquer soluções de pesquisa. Além disso, se houver a intenção de
generalização das descobertas, a triangulação de fontes – comparando dados observados
com dados obtidos através de entrevistas em profundidade, além do registro das anotações
de pesquisa e a validação dos resultados pelos próprios membros da comunidade
investigada é recomendada para conferir confiabilidade ao estudo (KOZINETS, 1998,
2001). Não menos importante na aferição de confiabilidade a uma netnografia é a
preocupação do pesquisador em manter, durante todo o período de coleta e análise dos
dados, a consciência de que o que está sendo analisado são os atos comunicativos de uma
comunidade on-line, não o conjunto completo de ações e comportamentos de consumidores
em uma comunidade. “Para serem confiáveis, as conclusões de uma netnografia devem
refletir as limitações do ambiente on-line e da técnica” (KOZINETS, 2002a, p.65).
4.2 ANÁLISE DE DISCURSO MEDIADO POR COMPUTADOR
O termo “análise de discurso mediado por computador” foi cunhado em 1995,
embora a técnica venha sendo utilizada em pesquisas desde o início da década de 1990,
tendo acompanhado a evolução e popularização da comunicação mediada por
computadores. A análise de discurso mediado por computador (deste ponto em diante,
ADMC) utiliza métodos adaptados de disciplinas da linguagem, como lingüística,
comunicação e retórica, para analisar a comunicação mediada por computadores
(HERRING, 2002). Pode envolver análises quantitativas ou qualitativas de dados coletados
através de questionários, entrevistas, observação etnográfica ou outros métodos.
O que define a ADMC, consistindo em sua essência, é a análise de blocos de
interação verbal (caracteres, palavras, frases, mensagens, discussões, arquivos, etc.) na
forma de texto. Essa forma de análise permite observar o comportamento on-line através da
perspectiva da linguagem, ou seja, todas as interpretações são baseadas em observações a
respeito da linguagem e de seu uso (HERRING, 2005). Assim, sua orientação metodológica
básica é a análise de conteúdo com foco na linguagem, que pode ser puramente qualitativa
(faz-se observações, ilustra-se e discute-se o fenômeno discursivo em uma amostra de
texto) ou quantitativa (o fenômeno é codificado e contado, com a produção de sumários de
freqüências e outras estatísticas simples) ou ainda uma combinação das duas propostas.
Como em qualquer outra forma de análise de conteúdo ou discurso, alguns
requerimentos são indispensáveis à condução bem sucedida, isto é, válida, coerente e
convincente, de uma ADMC: (a) a questão de pesquisa precisa ser passível de resposta; (b)
o método de coleta de dados deve ser adequado ao problema de pesquisa e precisa ser
aplicado a uma amostra/corpus apropriada; (c) se a codificação for utilizada é preciso
operacionalizar os dados, criando categorias válidas e confiáveis (através da codificação
por mais de um pesquisador, por exemplo); (d) se houver a utilização de métodos
estatísticos, os testes mais apropriados devem ser aplicados aos dados e, finalmente, (e) a
interpretação das descobertas deve ser feita com responsabilidade e manter sua relação com
o problema de pesquisa original (HERRING, 2005).
A abordagem apresenta ainda alguns pressupostos básicos: (1) o discurso exibe
padrões recorrentes; (2) o discurso envolve escolhas do emissor e (3) os discursos mediados
por computador são, embora não inevitavelmente, moldados pelas características
tecnológicas dos sistemas de comunicação mediados por computadores. Em relação a essa
última pressuposição, é necessário que se estabeleçam algumas relações comparativas entre
os discursos “convencionais” e o discurso mediado por computador.
Os analistas de discurso costumam classificar os tipos de discurso de acordo com
vários critérios, como o meio de produção, o número de produtores e seu gênero. Essa
classificação facilita a análise ao passo em que agrupa discursos com características
semelhantes (HERRING, 2005). Assim, classificações como “discurso falado”, “narrativa”
e “discurso expositivo” são bastante freqüentes e estão há muito estabelecidas no campo da
análise de discurso. A classificação dos discursos mediados por computador, no entanto,
mostra-se um pouco mais complexa.
Pode-se afirmar que o discurso mediado por computador contém elementos de
ambos os tipos de discurso, falado e escrito. Seus elementos de escrita advêm do fato de
que é produzido através da digitação de textos que, posteriormente, são lidos na tela de um
computador, podendo mesmo ser impressos. Os elementos de oralidade, por sua vez, se
encontram na alternância de vozes com que é construído e na informalidade de construção
desses textos, típica da linguagem oral.
Conforme Herring (2005), o discurso mediado por computador não é homogêneo e
presta-se a classificações de acordo com uma variedade de fatores técnicos e situacionais,
que o tornam complexo e variável. A autora propõe um esquema para a classificação de
discursos mediados por computador que pode ser aplicado tanto aos discursos produzidos
através de meios existentes quanto de tecnologias futuras, uma vez que não se baseia em
modalidades pré-existentes de classificação. O esquema proposto por Herring (2005),
resumido na figura 7, é baseado em duas listas de dimensões variáveis que afetam as
práticas de discurso: as características tecnológicas dos sistemas de comunicação mediada
por computador (variáveis do meio) e os aspectos sociais relacionados com a situação ou
contexto da comunicação mediada por computador (variáveis situacionais).
Figura 7 – Variáveis para a classificação de discursos mediados por computador
Fonte: Herring, 2005, p. 8.
A primeira variável relativa ao meio se refere à natureza sincrônica ou assincrônica
da comunicação mediada por computador. Sistemas assíncronos não exigem que os
usuários estejam conectados ao mesmo tempo para enviar e receber mensagens, sendo o e-
mail um exemplo desse tipo de comunicação. Os sistemas sincrônicos, por sua vez,
demandam que o emissor e o receptor das mensagens estejam conectados simultaneamente,
Variáveis do meio Variáveis situacionais
Sincronicidade
Transmissão de mensagem de mão única
versus mão dupla
Durabilidade da mensagem
Tamanho de mensagem permitido
Canais de comunicação
Publicação de mensagens anônimas
Publicação de mensagens privativas
Filtro de mensagens
Citação ao responder
Estrutura de participação
Características dos participantes
Objetivo (do grupo, das interações)
Tópico ou tema (do grupo, das interações)
Tom
Atividade
Normas
digo
como no caso dos chats, bate-papos na internet (HERRING, 2005). Essa variável já permite
que se estabeleça alguma relação do discurso mediado por computados com os discursos
falados (geralmente síncronos) e escritos (assíncronos).
Alguns sistemas de CMC permitem que um usuário visualize a mensagem enquanto
está sendo digitada (ou seja, elaborada) por seu interlocutor, o que os caracterizaria como
sistemas de mão-dupla. O ICQ (Instant Relay Chat), o sistema de troca de mensagens mais
popular no Brasil até o surgimento do MSN Messenger, permite que o usuário veja cada
caractere da mensagem sendo produzida em tempo real. Os sistemas de e-mail e a maioria
das salas de bate-papo, por sua vez, permitem a visualização da mensagem apenas depois
desta ter sido concluída e enviada pelo emissor, caracterizando-se, na classificação de
Herring (2005), como sistemas de mão-única.
A durabilidade da mensagem corresponde ao tempo em que esta permanece
armazenada no sistema depois de ser recebida e o tamanho de mensagem é definido através
do número de caracteres permitido pelo sistema para compor cada mensagem. Muitos
chats, por exemplo, limitam o número de caracteres a 130 por mensagem, o que indica que
a comunicação será, provavelmente, mais entrecortada e breve (HERRING, 2005).
Os canais de comunicação são as diferentes as maneiras (considerando a rápida
evolução de sistemas multimídia) de comunicação permitidas pelo sistema. O MSN
Messenger, por exemplo, sistema de mensagens instantâneas que possui mais de 170
milhões de usuários mensais ativos no mundo (13 milhões no Brasil)
4
, permite que o
usuário se comunique, além das mensagens textuais, através de voz, fotografias e vídeo.
Todas as outras variáveis de meio – publicação de mensagens anônimas, publicação
de mensagens privativas, filtro de mensagens e citação ao responder – dizem respeito aos
mecanismos proporcionados (ou não) pelo sistema para que a comunicação mediada por
computador seja facilitada.
Dholakia, Bagozzi e Pearo (2004) afirmam que o grau de interatividade dos
processos de comunicação em uma comunidade virtual é influenciado pelas características
do meio em que essa comunicação ocorre. A sincronicidade, o número de caracteres das
mensagens e os canais disponibilizados pelo meio têm impacto direto na comunicação entre
4
Fonte: www.microsoft.com.br. Acesso em 09 de janeiro de 2006.
os participantes das comunidades. Hoffman, Novak e Chatterjee (1995) encontraram níveis
de envolvimento maiores entre participantes de comunidades com maiores níveis de
interatividade. É mais provável que as trocas e interações entre participantes de uma
comunidade on-line se mantenham e repitam ao longo do tempo quando os participantes
encontram facilidade para manter diferentes tópicos de conversação, mover-se de um tópico
para outro e ter alguma base de conhecimento e história compartilhada.
As variáveis situacionais compreendem, em um primeiro grupo, propriedades do
discurso, como o número de participantes, as taxas de participação, se a comunicação é
pública, semipública ou privada, se os participantes identificam-se ou optam por
pseudônimos e a distribuição da comunicação dentre os indivíduos. Essas variáveis
compõem o que Herring (2005, p.9) denomina “estrutura da participação”. As
características dos participantes são utilizadas para descrevê-los demograficamente e
incluem suas experiências e habilidades, bem como suas normas e padrões de interação que
são trazidos para a comunicação on-line.
Os objetivos se referem tanto aos propósitos do grupo quanto à motivação de cada
indivíduo para interagir. As atividades, como descritas por Herring (2005, p. 9), são formas
para atingir esses objetivos, identificadas por práticas lingüísticas específicas. A definição
dos objetivos do grupo também se relaciona, de forma ampla, aos tópicos ou temas, pois
determina que tipo de assunto é abordado nas interações. Os tons se referem à maneira ou
“ar” conferido aos discursos em determinado grupo (por exemplo, formalidade, seriedade,
descontração) e as normas são as práticas convencionais à comunicação em determinado
grupo. O código, por fim, se refere à língua, à variedade de linguagem e ao tipo de fonte
utilizada para a comunicação no discurso a ser classificado.
De acordo com Herring (2005), a classificação dos discursos mediados por
computador pode ser de grande utilidade para os pesquisadores que coletam dados na
internet ao passo em que sugere possibilidades de resposta para os “porquês” que
costumam surgir ao fim dos processos de pesquisa, auxiliando ainda a evitar generalizações
dos resultados encontrados. A classificação facilita também a identificação de fatores de
similaridade e diferença entre amostras e a seleção da amostra mais adequada a cada
problema de pesquisa.
A amostragem é outra questão bastante presente na literatura sobre ADMC, uma vez
que é praticamente impossível para um pesquisador analisar a totalidade de dados coletados
em um sistema de comunicação on-line, pois mesmo que seu período de coleta seja
temporalmente curto, o volume de dados produzidos costuma ser bastante grande.
Pressupõe-se então que todo trabalho de análise do discurso mediado por computador seja
realizado sobre uma amostra deste discurso.
De acordo com Herring (2005) essa amostra raramente é aleatória, uma vez que a
amostragem aleatória, nesses casos, implicaria na perda do contexto e, para a interpretação
da análise de discurso, o contexto é fundamental. Assim, a autora propõe diversas maneiras
de selecionar uma amostra dentre a totalidade dos dados disponíveis, relatando ainda as
vantagens e limitações de cada opção, sumarizadas na figura 8.
Tipo de amostragem Vantagens Desvantagens
Aleatória
Representatividade
Possibilidade de generalização
Perda do contexto e da coerência
Requer um conjunto completo de
dados para ser extraída
Por tema
Coerência de tópicos
Resulta em um conjunto de dados
livre de mensagens não relevantes
Exclui outras atividades que ocorrem
ao mesmo tempo
Por tempo
Contextualmente rica
Necessária para análises longitudinais
Pode truncar interações e/ou resultar
em amostras muito grandes
Por fenômeno
Permite análises em profundidade do
fenômeno
Perda do contexto
Não é possível elaborar conclusões
relativas à distribuição deste
fenômeno
Por indivíduo ou grupo
Permite focar em um indivíduo ou
grupo
Perda do contexto
Não é possível elaborar conclusões
relativas à interação
Conveniência Conveniência
Não é sistemática
A amostra pode não estar adequada
ao problema de pesquisa.
Figura 8 – Formas de seleção da amostra para a ADMC.
Fonte: Adaptada de Herring, 2005, p.25.
Em relação à quantidade de dados necessários para a realização de uma ADMC, a
autora propõe apenas uma regra genérica, uma vez que é impossível determinar um volume
fixo de dados desconsiderando o problema de pesquisa, a natureza dos dados e as
categorias de análise. Suas proposições afirmam que, “quanto menos freqüente o fenômeno
nos dados e quanto mais variáveis forem consideradas na análise, maior deve ser a
amostra” (HERRING, 2005, p. 27). O respeito a essa regra permite que um número
suficiente de ocorrências do fenômeno de interesse do pesquisador esteja disponível para
análise e que, quando a amostra for dividida em conjuntos menores para a realização de
comparações ainda haja dados suficientes em cada categoria para a condução de análises
estatísticas.
Uma vez selecionada a amostra, existem diversas formas de procedimento da
análise de discurso mediado por computador, dentre as quais alguns paradigmas específicos
da análise de discurso – destacados por Herring (2005). A distinção mais importante a ser
aqui apresentada, no entanto é a que a autora estabelece em relação à natureza dos
fenômenos de linguagem a ser analisados – que podem ser estruturais ou semânticos.
Exemplos de fenômenos estruturais na comunicação mediada por computador são
os emoticons
5
e as abreviações. Esses fenômenos são facilmente classificáveis e podem ser
contabilizados com o auxílio de sistemas computadorizados de análise, com base em
categorias pré-estabelecidas. Os fenômenos semânticos, contudo, possuem significado e
função constantes, mas variam na forma, exigindo interpretação e subjetividade em sua
classificação e análise. Exemplos dessa classe de fenômenos na comunicação mediada por
computador são os atos discursivos e a maioria dos fenômenos sociais como a gentileza, o
conflito e as relações de influência.
Herring (2005) afirma que, embora imponham grandes desafios aos pesquisadores,
os fenômenos semânticos são, geralmente, os mais interessantes para estudar. A autora
alerta para a observação do rigor científico, que pode ser mantido se o pesquisador
estabelecer cada categoria de análise em termos explícitos e aplicá-las consistentemente aos
dados. Medidas de confiabilidade inter-classificadores são extremamente recomendadas,
especialmente quando a codificação implica em julgamentos subjetivos.
5
Símbolos criados com sinais gráficos do teclado, utilizados para expressar emoções nas mensagens textuais.
Exemplos bastante comuns são : ) que simboliza sorriso e :* que significa beijo.
Por fim, uma interpretação responsável dos dados de pesquisa é necessária para
assegurar a validade das descobertas. Para Herring (2005), a interpretação é tanto um ofício
quanto uma arte. Além disso, deve-se relembrar constantemente que o texto é evidência
direta de comportamento, mas só pode servir como evidência indireta do que as pessoas
sabem, sentem ou pensam. Reforçando esse alerta, Rocha, Barros e Pereira (2005)
destacam, ao abordar a interpretação de dados coletados em ambientes mediados por
computador, a importância de uma interpretação metafórica e simbólica do contexto de
produção desses dados, mais do que uma simples classificação e decodificação dos
mesmos.
Herring (2005) acrescenta ainda que a interpretação dos dados de uma ADMC
deveria ser conduzida em três níveis: (1) próxima aos dados, envolvendo a sumarização dos
resultados obtidos com a aplicação desta análise aos dados; (2) próxima do problema de
pesquisa, o que requer que o pesquisador revisite as questões e os objetivos que o
motivaram a realizar o estudo. Neste nível, a autora afirma que é interessante que o
pesquisador aponte quais, dentre os resultados encontrados, eram esperados e quais não
eram, sugerindo explicações para os resultados inesperados; e (3) interpretação além do
problema de pesquisa, uma opção de interpretação na qual o pesquisador pode extrapolar
suas descobertas dos limites teóricos, metodológicos e práticos, embora de forma
especulativa. Essa interpretação ampla permite vislumbrar novas possibilidades de pesquisa
e ajuda os leitores a compreenderem o potencial da análise realizada.
Retomando alguns aspectos da análise do discurso tradicional (GILL, 2002) tem-se
que a interpretação deve ser construída em duas fases após a codificação dos textos.
Primeiramente, o pesquisador deve procurar um padrão nos dados, tanto em forma de
variabilidade quanto de consistência. Alvesson e Sköldberg (2000, p.204-5) chamam a
atenção para a importância da variabilidade na análise de discurso: “A análise de discurso
está interessada apenas no nível discursivo e enfatiza, em vez de buscar minimizar, as
variações na linguagem usada”. Isso implica em assumir que, se em determinado momento
uma pessoa diz uma coisa ou apresenta determinada atitude contrária a que apresentou ou
disse anteriormente, não se pode tomar uma ou outra versão como sendo reflexo do que
esta pessoa realmente pensa ou faz e descartar a outra como sendo não genuína.
Em um segundo momento, deve haver a preocupação com a função, com a criação
de hipóteses sobre as funções de características específicas do discurso e em testá-las junto
aos dados (GILL, 2002). Entende-se então que, diferentemente de outros estilos de análise
que buscam suprimir a variabilidade ou encobrir situações que não se encaixam na história
contada, a análise de discurso – seja ele tradicional ou mediado por computador – exige
rigor a fim de produzir um sentido analítico, verificável, dos textos a partir de seus
fragmentos e contradições.
Conhecendo os fundamentos da netnografia e da análise de discurso mediado por
computador, pode-se passar à apresentação da pesquisa tal como foi conduzida, em uma
seqüência de etapas que será descrita no próximo sub-capítulo.
4.3 ETAPAS DE PESQUISA
Conforme orientações de Kozinets (1999, 2000) para a aplicação etnografia on-line
e de Herring (2002, 2005) para a utilização da abordagem de análise do discurso mediado
por computador, a condução desta pesquisa obedeceu a uma seqüência de cinco etapas,
resumidas na figura 9.
Figura 9 – Etapas de Pesquisa
Uma descrição completa das atividades empreendidas em cada uma das etapas de
pesquisa permite que o leitor acompanhe a condução desta investigação desde seu momento
inicial – a definição do campo mais apropriado ao problema de pesquisa – até a obtenção
dos resultados.
4.3.1 Primeira etapa – Definição do campo
Ao avaliar os diversos tipos de comunidades on-line em que se pode aplicar a
netnografia para investigar o comportamento do consumidor, optou-se, como forma de
delimitar o universo de pesquisa, pelas comunidades sediadas na rede de relacionamentos
Orkut, cujas particularidades ofereciam-se como facilitadores na obtenção de dados, na
Definição, através de observação não-participante, da
comunidade virtual investigada.
Entrada na comunidade, compreendendo a apresentação da
pesquisa aos membros, obtenção de autorização para realizá-la e
incor
p
ora
ç
ão da
p
es
q
uisadora ao
g
ru
p
o.
Coleta dos dados através da observação participante.
Classificação dos dados coletados.
Análise e interpretação dos dados com uso da Análise de
Discurso Mediado por Computador (ADMC).
Validação das descobertas junto a membros da comunidade
investigada.
construção de um perfil dos informantes, bem como na análise e interpretação das
informações demandas pelo problema de pesquisa.
Para possibilitar ao leitor a compreensão deste ambiente, em que milhares de
comunidades on-line são desenvolvidas, bem como tornar claros os mecanismos através
dos quais funciona sua rede de relacionamentos, são apresentadas, na seqüência, as
principais características do Orkut.
4.3.1.1 O Orkut
O Orkut é um sistema de comunidades virtuais ligado a um dos mecanismos de
busca mais utilizados na internet, o Google. Criado pelo turco Orkut Buyukkokten, o
programa foi lançado em janeiro de 2004 e, em menos de seis meses, alcançou o posto de
principal site de relacionamentos do mundo. No Brasil, a novidade foi ampla e rapidamente
adotada, gerando um imenso volume de inscrições. Em doze meses, de novembro de 2004 a
novembro de 2005, a audiência nacional do Orkut cresceu 162,5% e, nesta época, o site era
visitado por mais de 6,5 milhões de brasileiros todos os meses (CESAR, 2006). De acordo
com os dados apresentados na página de estatísticas do Orkut, os brasileiros correspondiam,
em janeiro de 2006, a 73,2% dos usuários mundiais do sistema.
O sucesso do Orkut sinaliza uma mudança de comportamento dos internautas, que
estão mais relaxados, divertidos, menos temerosos e, conseqüentemente, mais propensos a
assumir sua verdadeira identidade enquanto interagem na rede (MATOS, 2004). De acordo
com uma definição do próprio site, o principal objetivo do Orkut é tornar mais ativa e
estimulante a vida social das pessoas e sua missão é ajudar o usuário a criar uma rede de
amizades mais rica e próxima na área social, romântica e profissional. Para compreender
essa complexa rede de relacionamentos é importante conhecer o funcionamento básico do
sistema.
No Orkut, além de criar e participar de comunidades, os usuários podem manter
uma página pessoal com seu perfil, fotos e depoimentos de amigos; buscar pessoas
conhecidas ou conhecer novas pessoas e incorporá-las a sua rede de amigos, além de trocar
mensagens e e-mails. A mais recente opção oferecida pelo sistema possibilita aos usuários
publicar, na seção denominada media, uma coluna ou ensaio fotográfico de sua autoria, que
podem ser acessados por qualquer pessoa na internet.
A página pessoal de cada indivíduo inscrito (chamada de Profile ou perfil) pode
incluir informações como nome, idade, nacionalidade, preferências musicais e alimentares,
etc. A veracidade e quantidade dessas informações dependem unicamente do indivíduo
cadastrado. Uma foto, disponibilizada pelo usuário, identifica-o em todas as comunidades e
redes de amigos de que participa (figura 10).
Figura 10Profile
As redes individuais de amigos interagem entre si possibilitando que um membro
esteja ligado a milhares de outros através de cadeias que incluem seus amigos, os amigos de
seus amigos e assim por diante. Existem desde usuários com quatro ou cinco amigos (em
geral, participantes recentemente cadastrados) até membros com mais de dois mil amigos
em sua rede particular (o que os transforma em celebridades “orkutianas”). Os amigos de
cada indivíduo podem classificá-lo utilizando símbolos (informando se ele é confiável ou
sexy, por exemplo), declararem-se fãs e escrever recados ou depoimentos para o amigo,
ambos visíveis a todos os membros.
O slogan “Quem você conhece?”, apresentado na página de abertura, pode servir
como explicação para a popularidade do Orkut: diferente de outros sites de relacionamentos
(por exemplo: Friendster, Multiply, Tickle), uma pessoa só pode se inscrever no Orkut
mediante o convite de alguém que já seja membro. A idéia de seu fundador era criar uma
comunidade somente para “amigos de confiança”, que crescesse de forma orgânica e
natural (Marthe, 2004). Em proporções bem maiores do que imaginava Buyukkokten, as
redes interpessoais sediadas pelo Orkut se formam e se ampliam rapidamente, compondo
uma espécie de emulação da sociedade física.
Uma das principais atividades do Orkut são as comunidades. O sistema abriga,
atualmente, mais de um milhão de comunidades e dezenas de novos grupos surgem a cada
dia. Com a predominância dos brasileiros no sistema, a maioria das comunidades utiliza
somente a língua portuguesa em suas atividades. Os usuários podem acessar os grupos aos
quais estão cadastrados a partir de sua página pessoal e, na página da comunidade, podem
ler e escrever mensagens em listas de discussão temáticas (figura 11).
A maioria dessas comunidades trata de assuntos cotidianos; muitas se baseiam em
frivolidades. Algumas nem chegam a apresentar discussões freqüentes, servindo
simplesmente para agrupar pessoas com gostos comuns. De acordo com Fontanella e
Prysthon (2004), através das comunidades em que participa, um indivíduo parece pretender
estabelecer novas formas de disseminação cultural e compartilhamento de repertório, o que
é facilmente perceptível no Orkut, onde qualquer pessoa pode criar comunidades (que
muitas vezes tem, como único membro, o próprio criador) para dividir seus gostos e
interesses com o restante da rede.
Dentre essa variedade de motivações, existem também muitas comunidades sérias,
que reúnem pessoas interessadas em assuntos como literatura, negócios, fotografia, direitos
do consumidor, medicina, etc., nas quais os participantes discutem questões polêmicas,
buscam soluções para dúvidas, solicitam e recebem informações e conselhos ou
simplesmente conversam sobre tópicos relacionados ao tema da comunidade.
Figura 11 – Comunidade do Orkut
No Orkut, as comunidades são classificadas em vinte e oito categorias (como
música, negócios, artes e entretenimento, governo e política), de acordo com o julgamento
de quem as cria. O proprietário da comunidade também atua como moderador, possuindo
autoridade para limitar o acesso a membros e bloquear posts com conteúdo considerado
ofensivo ou contrário aos propósitos do grupo. A forma mais freqüente de interação nas
comunidades é a troca de mensagens em tópicos de debate. Qualquer integrante do grupo
tem condições de criar um novo tópico de discussão ou divulgar eventos na comunidade,
em espaços especificamente reservados para tais atividades.
Devido às características apresentadas e à facilidade de inserção da pesquisadora no
meio, o Orkut é considerado o universo desta pesquisa – um conjunto de comunidades
virtuais – das quais uma, “Gravidez, parto e maternidade”, foi selecionada como “campo”
para a realização da netnografia.
4.3.1.2 “Gravidez, parto e maternidade”
Após observar, durante aproximadamente um mês, grupos fundamentados em torno
de assuntos diversos – todos sediados no Orkut – e de levantar considerações teóricas a
respeito do problema de pesquisa, pôde-se identificar um grupo, denominado “Gravidez,
parto e maternidade”
6
, como o mais adequado para a realização deste estudo.
O tema “maternidade” envolve decisões com diferentes níveis de importância.
Considerando decisões de grande porte, que dificilmente são tomadas individualmente, a
maternidade envolve processos decisórios importantes, como a seleção de um hospital, do
médico e da forma do parto. Já no plano de decisões de consumo, referentes à escolha de
produtos ou marcas – que constituem o problema de pesquisa aqui abordado – estar
envolvido com a maternidade implica, para o consumidor, a tomada de diversas decisões ao
longo da gravidez e após o parto. Torna-se necessário fazer escolhas para adquirir roupas,
acessórios, móveis, livros, medicamentos, artigos de alimentação e cosméticos (dentre
outros itens) adequados para a gestante e para o bebê.
Outro fato que ampara a seleção de um grupo relacionado a esse tema é a escassez
de comunidades “reais” compostas, de forma mista, por mães, gestantes, futuros pais e
especialistas na área. Algumas associações ou organizações não-governamentais realizam
atividades que envolvem a maternidade, mas sempre com foco em um segmento específico
da população ou em determinada atividade (como o grupo Amigas do peito, que reúne
mulheres conscientes da importância da amamentação e a APASE, associação que auxilia
pais e mães separados a educar seus filhos). Essa constatação eleva a importância, para os
consumidores, das comunidades virtuais como fonte de informação e como espaço de
interação com outras pessoas envolvidas com o tema.
6
O qual será referido, a partir deste ponto, como “Gravidez...”.
“Gravidez...” difere, no entanto, das comunidades de consumo (KOZINETS,
2002b) e das comunidades de marca (MUNIZ; O’GUINN, 2001) por não ser organizada em
torno de uma marca, produto ou atividade de consumo específica. Seu tema é definido, de
forma ampla, como maternidade, incluindo todos os aspectos que se relacionam com a
gravidez e o parto – incluídos os aspectos de consumo. A amplitude deste tema faz com que
na comunidade convivam diversos grupos de pessoas, bastante heterogêneos entre si.
Mulheres que desejam ser mães, médicos, especialistas em gestação, mães experientes, pais
e estudantes, por exemplo, interagem na mesma comunidade, o que amplia e torna mais
interessantes as possibilidades de observação das relações de influência no grupo.
Para assegurar que o grupo selecionado como unidade de pesquisa seja realmente
uma comunidade virtual, pode-se verificar a existência de socialização, identificação e
apoio mútuo dentre os membros através de seis conjuntos de critérios identificados por
Herring (2005), a partir da literatura que aborda as comunidades virtuais. São eles: (1) a
participação ativa e auto-sustentável e a existência de participantes centrais; (2)
compartilhamento de história, propósitos, cultura, normas e valores; (3) solidariedade,
apoio e reciprocidade; (4) críticas, conflitos e formas de resolução de conflitos; (5)
autoconsciência de grupo; e (6) evidenciação de papéis, hierarquias, rituais e controle.
Alguns desses critérios são mais facilmente identificáveis na comunidade “Gravidez...”
embora todos, em maior ou menor grau, estejam presentes e possam ser ilustrados com os
exemplos apresentados a seguir:
1) Participação ativa e auto-sustentável e a existência de participantes centrais:
Criada em outubro de 2004, a comunidade em questão contava, em março de 2005, com
503 membros. Nos primeiros meses de funcionamento, as intervenções da proprietária da
comunidade eram bastante freqüentes, indicando a necessidade de estímulo para que
ocorressem discussões e atividades no grupo. Durante todo o mês de março de 2005,
quando a comunidade já existia há seis meses, os participantes iniciaram cerca de 80
tópicos sem a necessidade de incentivo da proprietária, demonstrando a participação ativa
dos membros. Em novembro de 2005, “Gravidez...” já contava com quase 2500
participantes, ou seja, o número de inscritos havia quadruplicado em apenas seis meses. Em
outubro de 2005, foram postadas mensagens em mais de 120 tópicos diferentes, o que
evidencia um aumento na circulação de mensagens entre o grupo.
2) Compartilhamento de história, propósitos, cultura, normas e valores: O
compartilhamento de história na comunidade é avaliado pelo armazenamento de arquivos.
O Orkut armazena todos os tópicos, mensagens e eventos publicados na comunidade desde
sua criação, permitindo que os participantes retomem assuntos anteriormente debatidos e
utilizem esses arquivos como fonte de informação e como referência das atividades
anteriores do grupo.
O propósito do grupo, segundo Adriana Malteze, sua proprietária, é discutir o que
acontece com as mulheres durante a gravidez, quais as formas de parto existentes, o que
acontece com os filhos desde o nascimento e outros assuntos relacionados à maternidade.
Uma descrição, em sua página inicial (Figura 12), explicita os objetivos compartilhados
pelos participantes e determina regras para a interação entre os membros:
“Esta comunidade tem o intuito de propor discussões sobre o que acontece com a
mulher durante a gravidez, as formas de parto existentes, o que é um parto
humanizado, o que acontece com nossos filhos, amamentação, enfim é um espaço
para mães e futuras mães conversarem e trocarem experiências que podem
enriquecer essa fantástica e maravilhosa fase da vida da mulher que é a
maternidade.”
Figura 12 – Página inicial de “Gravidez, parto e maternidade”
De acordo com Herring (2005), a cultura do grupo é identificada pelo uso de
jargões, termos, abreviações e hábitos de linguagem específicos. Na comunidade
“Gravidez...”, essas características estão bastante presentes. Uma rápida leitura dos tópicos
e mensagens permite identificar aspectos particulares ao grupo, que indicam a constituição
de uma cultura compartilhada pelos participantes. Ao publicar uma mensagem, os membros
geralmente se referem aos outros participantes – na maioria mulheres – pelo termo
carinhoso “meninas”, denotando proximidade, informalidade e atribuindo jovialidade ao
grupo, como nos exemplos transcritos:
Roupa pra sair da Maternidade!!! 2/8/2005 05:18 . Meninas....estou nos
finalmentes
7
da minha mala da maternidade, mas estou com uma dúvida cruel!!
Não sei que roupa levar pra sair da maternidade!”
“17/8/2005 05:28. Meninas, muito obrigada pela boa notícia,hj pela manhã fiz
outro teste..(rs) deu a mesma coisa, amanhã farei o de sangue...obrigada meninas,
um beijo a todas vcs!!!”
Os textos publicados no fórum da comunidade seguem um padrão em que a palavra
ou frase em negrito que antecede a mensagem corresponde ao título da mesma e os
números que o seguem indicam a data e a hora da publicação do texto. O uso de
abreviações como RN (recém-nascido), dpp (data provável do parto), bb (bebê) é freqüente
durante as discussões. As gestantes que participam da comunidade costumam ainda assinar
as mensagens com seu nome seguido do nome ou apelido do bebê que vai nascer (por
exemplo,“Bianca & bbzinho.” e “Laísa & Miguel”) e, em alguns casos, acrescentam à
assinatura o número de semanas de gestação já completas, como em “Dalila e baby Sofia
(36 semanas).”.
As normas e valores compartilhados pelos membros podem ser apreendidos no tom
com que as mensagens são escritas e na forma com que o grupo se comporta e reage diante
de violações desses valores e normas. No grupo investigado, predomina a linguagem formal
com aspectos de educação, gentileza e delicadeza sempre presentes. Em casos de opiniões
divergentes ou discordâncias em determinado assunto, as manifestações se mantêm polidas,
7
Todos os extratos de texto provenientes de “Gravidez...” foram transcritos exatamente como publicados no
fórum de discussão da comunidade, podendo conter palavras abreviadas, emoticons e falhas gramaticais,
ortográficas e de digitação.
sem quaisquer sinais de agressividade ou desrespeito. Como forma de lidar com quem
destoa desse código implícito de conduta, os participantes costumam ignorar comentários
ásperos, continuando as discussões do ponto onde haviam parado antes da intervenção
inadequada.
Reforçando essas convenções, o grupo não permite a publicação de mensagens
anônimas, ou seja, para participar das discussões é preciso inscrever-se e permitir a
visualização de sua página pessoal aos outros membros, embora a leitura de tópicos e
mensagens seja aberta a qualquer usuário do Orkut. As discussões também são moderadas –
permitindo à proprietária excluir tópicos ou bloquear a participação de membros que não
estejam de acordo com as normas e objetivos estabelecidos para o grupo. Cabe destacar
aqui uma alteração nas normas, publicada pela proprietária na página inicial da comunidade
em 31 de dezembro de 2005, que torna as atividades e debates da comunidade um pouco
mais restritos ao postular:
“Para participar desta comunidade algumas regras devem ser observadas:
1) Propagandas de nenhum tipo serão permitidas, não insista. As pessoas que
postarem propaganda serão comunicadas 1 vez e o tópico apagado, na segunda
será expulsa.
2)Links com imagens fortes que choquem serão deletadas.
3)Não colocar de forma alguma nomes de remédios mesmo homeopatias,
naturais, ervas ou alopatias.
4) Eventos apenas que se relacionem ao assunto gravidez, parto ou maternidade.
5) Discussões com ofensas não serão permitidas, o tópico será apagado e a pessoa
expulsa.”
Ao investigar as influências sociais na participação de membros em comunidades
virtuais, Dholakia, Bagozzi e Pearo (2004) esclarecem as diversas maneiras com que as
normas de um grupo podem ser conhecidas por seus membros. A primeira possibilidade é
de que, ao associar-se à comunidade, um participante busque inteirar-se dos valores,
normas, objetivos e convenções do grupo. Em outros casos, os participantes podem
descobrir aos poucos quais são essas normas através da socialização e da repetição de
participações no grupo, ao longo do tempo. Uma terceira forma é que o indivíduo conheça
as normas do grupo antes mesmo de associar-se a ele e, por conta da similaridade de seus
valores e objetivos com os da comunidade, inscreva-se nela.
Na página inicial da comunidade “Gravidez...” aparecem, além da descrição dos
objetivos do grupo, as comunidades relacionadas, ou seja, links para outras comunidades
cujos temas a proprietária considera complementares a sua e que, provavelmente, são
relevantes para os demais participantes. Em setembro de 2005, as comunidades
relacionadas à “Gravidez...” eram Relatos de parto; Slings
8
, você já slingou hoje?; Cesárea?
Não, obrigada; Grávidas de São Paulo; Grávidas do Distrito Federal; Grávida Carioca;
Mulheres Mamíferas; Parto Humanizado e Amparo Maternal.
3) Solidariedade, apoio e reciprocidade: Estas três características se destacam no
grupo em questão. Na seqüência de mensagens apresentada abaixo, é possível perceber
todos estes aspectos, que estão presentes em grande parte das discussões envolvendo a
busca de soluções para desconfortos físicos e outras preocupações relativas à gestação e ao
parto. Ao procurar descobrir, junto às demais participantes, se o hábito de não beber água
poderia ser prejudicial ao bebê, Melissa recebe o apoio de outras gestantes para que consiga
alterar seu mau hábito, evitando problemas durante a gestação.
O que fazer ???? 21/7/2005 19:17. Odeio água, sempre odiei, o problema é que
estou grávida de 21 semanas e meu médico disse desde o início, que eu devo
beber bastante água, só que se eu bebo forçada eu tenho ânsia, não consigo
mesmo, o máximo que eu bebo é 01 copo por dia !!! Será que trará problemas
para meu bebê ????? Melissa.”
Com certeza 21/7/2005 20:24. Sem querer te desanimar, mas...água é fonte de
vida. Eu sempre tomei pouca água tb, mas durante a gestação aumentei bastante e
tem sido ótimo para o crescimento do bebê. [...] Faça uma forcinha, no início é
ruim, mas vc acaba se acostumando. Me ajudou muito encher uma garrafinha de
500ml (daquelas que vende com água mineral na rua) e deixá-la sempre cheia na
geladeira. [...] Boa sorte! Kênia”
Se esforce um pouquinho... 21/7/2005 13:26.Oi! Veja se consegue ir
aumentando aos poucos o consumo de água! Um copo hoje, um e meio amanhã e
assim por diante. Tente também beber sucos naturais. [...] Espero que
consiga!Beijos, Lara”
Garrafinha mesmo 22/7/2005 07:20. A dica da Kênia é boa! Não que eu
tomasse pouca água, mas eu mesma quis aumentar a quantidade com o verão que
to passando aqui. [...] tb vai ajudar a você conseguir uma boa hidratação, pq com
um copo não é q é pouco, é quase nada! Espero que consiga, é um esforço que
vale a pena pra você e pro bebê. Sabine.”
8
Slings são faixas de tecido, ajustadas ao corpo da mãe através de duas argolas. Uma vez ajustadas ao corpo,
permitem colocar uma criança de 0 a 4 anos lá dentro. (Fonte: Comunidade Slings, você já slingou hoje?
Orkut, 2005).
4) Críticas, conflitos e formas de resolução de conflitos: Criticismo e conflito não
são aspectos facilmente identificáveis em “Gravidez...”. Em alguns poucos tópicos, o
assunto mais polêmico diz respeito às indicações de remédios por participantes e ao
questionamento das prescrições feitas pelos médicos. Com a alteração das normas da
comunidade, que agora passa a impedir a citação de nomes de medicamentos, é provável
que essas discussões cessem. Por não serem intensos ou freqüentes, os conflitos existentes
são facilmente solucionados. A polidez, que consiste em uma das normas da comunidade,
atua nesse ponto e faz com que manifestações conflitantes geralmente se encerram em
acordos, tentativas de explicação ou pedidos de desculpa.
5) Autoconsciência do grupo: manifesta-se quando os membros se referem ao grupo
como tal e quando utilizam “nós” em vez de “eu” (HERRING, 2005). Em “Gravidez...”, a
consciência de que são um grupo se manifesta no discurso das participantes com o sentido
de “nós gestantes” - e não “nós participantes dessa comunidade”. No entanto, em alguns
momentos, a consciência de que a comunidade existe, de que cada um é parte dela e da
relevância do grupo para cada participante surge nas mensagens postadas, como nos
seguintes trechos:
Dr José 21/7/2005 16:47. Muito obrigado pelos esclarecimentos, são muito
importantes para nós neste momento de tantas novidades!!!!”
“7/8/2005 15:42. ai gente, que bom saber q estamos todas no mesmo barco e o
problema n é único... e sim normal mesmo...”
36a semana... mais 3! 22/8/2005 06:05. Todo dia não vejo a hora de ver o que
todas escrevem neste tópico. Acho que me ajuda sabendo que tem mais gente
passando pela mesma coisa...”
6) Evidenciação de papéis, hierarquias, rituais e controle: Os papéis e hierarquias
se apresentam, dentro do grupo, através dos padrões de participação. A reificação de
padrões culturais na forma de rituais e controle aparece, por sua vez, apenas em um estágio
relativamente avançado de uma comunidade e requereria uma observação das práticas do
grupo ao longo do tempo para sua descrição em termos dos significados destas para os
participantes (HERRING, 2005). Os poucos indícios de hierarquia que se pode identificar
em “Gravidez...” são o destaque atribuído à experiência e status da proprietária do grupo
que costuma participar de grande número de discussões e oferecer ajuda direta às
participantes – e a importância atribuída a médicos e mães mais experientes como fontes de
informação em detrimento de informações obtidas em livros, sites, etc. e publicadas no
grupo por outros participantes.
Adriana, a proprietária, é acompanhante de parto, ou doula, profissional treinada
para oferecer suporte físico e apoio emocional às mulheres durante toda a gestação e
realizar o acompanhamento do parto. Na descrição da comunidade, a proprietária também
se apresenta, dispondo seus conhecimentos aos participantes (“Sou Doula e estou à
disposição para tirar dúvidas, conversar e indicar profissionais humanizados”) e relaciona
seu endereço eletrônico e os links para um blog e uma lista de discussão sobre maternidade.
As experiências pessoais e profissionais, bem como a participação intensa na comunidade
conferem à Adriana um alto grau de estima e consideração por parte dos demais
participantes. Várias gestantes, membros do grupo ou visitantes, deixam recados de
agradecimento ou perguntas específicas na página pessoal da proprietária, acrescentam-na à
sua lista de amigos e passam a trocar e-mails ou conversar pelo MSN.
4.3.2 Segunda etapa – Entrada na comunidade
Após três meses de observação não-participante no grupo selecionado para a
realização da pesquisa e da confirmação de que o mesmo consiste, de acordo com os
pressupostos teóricos, em uma comunidade virtual legítima, realizei
9
o primeiro contato
com a proprietária da comunidade. Através de um e-mail que apresentava a intenção de
realizar a pesquisa explicando os motivos para a escolha da comunidade, o método através
do qual seriam coletados os dados e fornecendo uma contextualização do tema de estudo
(sem explicitar, no entanto, seus objetivos), obtive o consentimento para investigar o grupo.
Depois de associada à comunidade, minha primeira ação foi a publicação de um
tópico, denominado “Para entender a comunidade”, através do qual me apresentava aos
demais membros do grupo, descrevia brevemente o projeto de pesquisa e solicitava seu
9
Para possibilitar uma descrição mais precisa dos procedimentos adotados nesta etapa da pesquisa, optou-se
por utilizar, nesta seção, a descrição na primeira pessoa do singular (referindo-se à pesquisadora autora deste
estudo), em detrimento da forma impessoal normalmente adotada em textos científicos.
consentimento para a coleta de dados e para a utilização das mensagens postadas na
comunidade. Apenas seis participantes responderam ao tópico – todas de modo favorável,
dispondo-se a participar da pesquisa. Embora o número de respostas à solicitação tenha
sido pequeno, a obtenção do consentimento da proprietária da comunidade e o fato de não
ter havido manifestações contrárias à pesquisa após a publicação de um tópico ao qual
todos os membros da comunidade têm acesso, foram tomados como evidências suficientes
de aceitação da comunidade para que a pesquisa pudesse ser iniciada.
Minha incorporação ao grupo assumiu caráter tantalizante – sempre que parecia
surgir uma oportunidade adequada para interagir com outros membros, minhas tentativas se
mostravam infrutíferas e todos voltavam a me parecer tão distantes quanto no princípio.
Aos poucos, passei a perceber que, se não tivesse algo de realmente útil para acrescentar
aos tópicos de discussão, seria melhor não interferir – evitando desviar a conversa do
andamento que naturalmente teria. Por não contar com experiência pessoal na maioria dos
assuntos discutidos na comunidade, a busca por outras fontes de informação sobre
maternidade, parto e assuntos relacionados à gravidez – sites especializados, revistas,
livros, listas de discussão na Internet, conversas com gestantes e o acompanhamento de
outras comunidades sobre o mesmo tema – facilitou minha interação com os demais
participantes, ao passo em que me aproximou dos temas abordados e permitiu que
participasse de algumas discussões. O acompanhamento da gestação de uma pessoa
próxima também fez com que eu pudesse lançar tópicos de discussão fidedignos, sem que
os mesmos assumissem o caráter de interferências de pesquisa.
Ao longo da interação com o grupo, algumas situações explicitaram minha
integração à comunidade como membro indistinto dos demais. Uma, em particular, ilustra a
relevância da pesquisa em outras fontes de informação como apoio para a interação com o
grupo. Em um tópico denominado “Lista de enxoval”, uma participante solicita a ajuda da
comunidade:
“Oi meninas, preciso da ajuda de vocês! Será que alguém tem uma relação legal
do que comprar para o enxoval, tenho várias, mas de verdade nenhuma que tenha
me tirado todas as duvidas! [...] Até já comprei alguma coisa nas numerações RN
e P, e gostaria de saber se é o suficiente, e o quanto devemos comprar das outras
numerações também. Beijo carinhoso a todas!!!”
Como eu havia lido sobre o assunto em outra comunidade virtual e recebido, por e-
mail, uma lista de enxoval bastante detalhada e completa, postei-a neste tópico,
respondendo à solicitação da participante. Além da gestante que iniciou o tópico, várias
outras se manifestaram, agradecendo pela lista e aumentando minhas possibilidades de
interação na comunidade.
“Daiane, muito obrigada! [...] Copiei tudo para o word para imprimir e andar
comigo na bolsa... Estávamos meio enlouquecidos aki em casa, porque são todos
marinheiros de primeira viagem e os que não são, nem tem mais idéia do que tem
que ter... completamente perdidos! Beijinhos, Bianca & bbzinho.”
Outra forma de interação que realizei, com sucesso, durante a observação
participante, foi a iniciativa de publicar, na comunidade, um “tópico-problema” – espécie
de manifestação, bastante freqüente no grupo, em que um participante pede que os demais
relatem suas experiências e lhe auxiliem a tomar uma decisão. Para saber a opinião dos
participantes sobre um produto específico, motivando a discussão em torno do tema, postei
a seguinte mensagem:
“Minha cunhada está com quase tudo prontinho pra chegada da
Cecília - agora ela quer comprar as fraldas em um atacado (sai bem
mais barato), mas ficamos na dúvida - quantos pacotes? De que
marca? De que tamanho? Alguém tem uma dica?”
O tópico obteve bastante repercussão, gerando manifestações de 15 participantes,
que sugeriram marcas de fraldas, opinaram sobre a quantidade adequada a ser adquirida e
relataram suas experiências com o produto. Essas e outras situações permitiram que, aos
poucos, eu me tornasse uma participante do grupo e, ao mesmo tempo, passasse a coletar
dados no ambiente natural das interações investigadas com a menor interferência possível
no desenrolar das mesmas.
Ao realizar uma netnografia para verificar os valores pessoais e significados para os
participantes de uma comunidade de consumo dedicada à culinária, De Valck (2005)
identificou quatro linhas gerais de discussão, não mutuamente exclusivas, conduzidas na
comunidade SmullWeb: (1) compartilhamento de conhecimentos, (2) negociação de
normas, (3) oposição de valores e (4) celebração de similaridades. Na comunidade
“Gravidez...”, os debates giram em torno de temas recorrentes que também se manifestam
na forma do compartilhamento de conhecimento e experiências e na celebração de
similaridades. A oposição de valores está presente, porém em um menor número de tópicos,
e uma quarta linha de debates, bastante evidente, é a oferta de apoio emocional.
A negociação de normas que De Valck (2005) encontrou na comunidade SmullWeb
é inexistente em “Gravidez...”, onde a aceitação das normas pelo grupo ocorre de forma
natural e não suscita debates. Com a finalidade de melhor compreender as discussões
conduzidas na comunidade, serão apresentadas, separadamente, as quatro diferentes linhas
de debate e suas principais manifestações observadas no grupo:
Compartilhamento de conhecimento e experiências – A gestação é um período de
muitas mudanças. A mulher precisa se adaptar às modificações do corpo, à instabilidade
emocional provocada pelas alterações hormonais e ajustar seu relacionamento com o
companheiro e com a família. Mulheres que estão na primeira gestação sentem grande
estranheza em relação a estas mudanças e muitas passam por períodos de insegurança
emocional, enfrentam o medo do parto, preocupam-se com o bebê. Compartilhar essas
dúvidas e anseios com outras pessoas que também estão passando pelas mesmas
dificuldades é para elas uma fonte de segurança. A experiência de mulheres que já são mães
é tomada como referência para saber se as sensações, sintomas, transformações são
“normais”. Mesmo algumas recomendações médicas são submetidas aos comentários das
“meninas” da comunidade antes de serem executadas. Em relação a produtos e marcas, o
endosso de uma mãe que já utilizou determinado tipo de fralda, por exemplo, é
extremamente relevante para as novatas que nunca antes lidaram com essas escolhas. As
informações provenientes de fabricantes e vendedores são comumente confrontadas com as
experiências de outras gestantes na comunidade. Diversos tópicos de discussão na
comunidade são baseados, essencialmente, na troca de informações e experiências.
Um exemplo que combina a oferta de informações e o compartilhamento de
conhecimento e experiências é o tópico em que as gestantes debatem o uso da cinta pós-
parto, um acessório que atribui mais conforto à mãe após o nascimento do bebê. Algumas
participantes relatam os resultados obtidos com a utilização da cinta enquanto outras
aproveitam a discussão para obter mais informações sobre o produto. Na última mensagem
do tópico, além de oferecer às demais participantes um link para a página de um
fornecedor, Valentina agradece as opiniões publicadas e, devido às informações obtidas na
comunidade, manifesta sua intenção de usar a cinta, mesmo que seu médico não a tenha
recomendado.
“Marília - Cinta pos parto 06/04/2005 17:37. O que vcs acham da cinta pos
parto?É realmente necessária?”
“Helena - 07/04/2005 01:12. Pra mim tem sido ótimo, meu parto foi cesárea e já
sai da sala de cirurgia de cinta, na hora de levantar e se mexer da uma segurança
[...]. Já tem mais de 1 mês e ainda estou usando,ta sendo bom [...]. Bjinhus.”
“Adriana - 07/04/2005 06:07. Essa cinta só é aconselhável para quem fez cesárea.
Para parto normal não tem necessidade, mesmo porque acaba relaxando a
musculatura da barriga que só fica presa com a cinta, é melhor sem cinta e tentar
ficar com a barriga contraída para ajudar ela a voltar.. Beijos Adri.”
“Maura - vcs compraram qnd??? 07/04/2005 07:31. compraram só qnd sairam
da maternidade??? pq saber o tamanho é dificil, naum é?”
“Betina - 07/04/2005 15:07. Eu já comprei... a vendedora me ajudou bastante. Eu
estou com o quadril muito largo, então pela medida ela aconselhou uma G [...],
mas disse que se caso fique larga é só trocar.... mas por via das dúvidas comprei
uma G e uma M.”
“As duas visões... 08/04/2005 05:44. No 1º parto eu usei a cinta durante 20 dias...
Notei que minha barriga ficou firme. No 2° parto optei por não usar... Estou
barriguda... Portanto, aconselho que tentem usar.”
“Valentina - Loja: Yoga Modeladores 09/04/2005 19:47. Oi Sarah eu estou na
38ª semana e já comprei duas cintas modeladoras a vendedora me orientou
quanto ao tamanho.Visite o site: http://www.yogamodeladores.com.br/
E
meninas, foi um grande alivio ouvi-las, pois meu médico, na última consulta pré-
natal disse que desaconselha, pois não vê resultados. Isso me deixou na maior
dúvida.Mas agora, depois de ler os comentários de vocês, já me decidi... vou usar
mesmo!!Bjos. “
Celebração de similaridades – Em grupos de referência tradicionais, como família,
círculos próximos de amigos e colegas de trabalho, é bastante improvável que uma gestante
encontre outras mulheres na mesma situação ou especialistas com quem possa compartilhar
suas considerações sobre a maternidade. Os depoimentos de duas participantes ilustram
essa situação:
Manoela - ninguém agüenta mais me ouvir falando do nenem...
16/04/2005 07:53. Não sei se acontece com vocês, mas penso no nenem dentro de
mim o dia todo... o que está fazendo, se está mexendo... e no trabalho e em casa,
acabo sempre comentando alguma coisa, e tudo com relação ao nenem. No
trabalho acredito que já pensem "Lá vem ela com esse papo de novo..." ainda
bem que descobri estas comunidades...
“Lavínia – Compartilhar. 2/8/2005 10:30. è tão bom ver que não é só a gente que
está passando por tudo isso...são tantas sensações físicas, emoções e
expectativas...é bom ter a oportunidade de dividir tanta coisa...quem não está
“grávido” dificilmente consegue captar toda essa experiência!!!”
Cada detalhe do processo que as transformará em mães entusiasma as participantes
e, na comunidade, elas encontram outras pessoas com o mesmo ânimo para celebrar a
descoberta da gravidez, a confirmação do sexo do bebê, a escolha do nome e mesmo a
opção por determinada marca de fraldas ou berço. Quando identificam no grupo alguém
com características similares às suas, as participantes criam uma verdadeira celebração,
estendendo seu entusiasmo às colegas de gravidez. Um dos costumes, no grupo, é a criação
de tópicos (ou mesmo de novas comunidades cuja criação é anunciada em “Gravidez...”)
dedicados aos bebês que nascerão nos próximos meses. Nestes tópicos ou comunidades, as
futuras mães compartilham a alegria de esperar o bebê, identificam proximidades nas datas
prováveis para o parto e conversam sobre sua gestação.
“Maura - Bebês de julho agosto e setembro 18/04/2005 19:57. gente vamos
encher a comunidade de bebes para julho agosto e setembro!!!!!!!”
“Maura - 19/04/2005 08:47. ah, e eu terei minha princesa, perto do dia 21 de
setembro”
“Vera - 19/04/2005 11:05. Nossa que legal o meu bebê vai nascer até o dia 19 de
Setembro, mas acho nasce antes.”
“Virgínia - meu baby 22/04/2005 18:25. o meu baby esta previsto para chegar no
final de setembro.. estou ansiosa pois nesta segunda finalmente acho que saberei
se será uma pequena ou pequeno... bjs a todas as mamães!!!!”
“Carmem - SETEMBRO !!! 21/06/2005 11:35. o meu baby, o Pedro Henrique,
vai chegar (pelas contas da médica) entre o dia 23 e 30 de setembro !!!
PARABÉNS Á TODAS AS MAMÃES.”
O simples fato de encontrar outras gestantes que utilizam o mesmo creme hidratante
ou tratamento médico se torna motivo para celebração dentre as participantes. O
compartilhamento de informações como estas reforça o espírito comunal do grupo, uma vez
que hábitos cotidianos passam a ser conhecidos dos demais, de modo semelhante ao que
aconteceria se as gestantes convivessem regularmente em ambientes físicos e pudessem
observar as atividades cotidianas umas das outras, como, a exemplo do tópico transcrito
abaixo, a reação de cada uma ao engolir o comprimido de polivitamínico.
“Tita e Manu - Polivitamínico MATERNA 12/09/2005 06:45. Oiiiee!!! Meu
médico me receitou vitergan pré-natal...más estou tomando
MATERNA...Gostaria de saber qual que vcs tomam?? Bjussssss”
“Camila Vaz - Eu também!!! 12/09/2005 07:36. Eu também tomo Materna e
agora a minha médica mandou eu tomar mais um complexo de ferro [...]. Como
passava muito mal tomando Materna no início da gravidez eu parei de tomar e
agora estou com anemia... Tome-a sempre!!!!”
“Estela - 17/09/2005 12:03. Eu tb tomo Materna!”
"Lavínia - Eu tomo.... 19/09/2005 10:47. No começinho eu tomei Combiron -
Sulfato Ferroso. Agora estou com 17 semanas e estou tomando Materna....Só que
ta meio dificil pra engolir aquele comprimido.....hurgh.....tem gosto de
plastico......”
“Brunna - 20/09/2005 06:40. Já tomei Materna, Femme e agora estou tomando
Natele. Só de olhar aquele comprimido enorme rosa me dá ansia...UGH!!! Pelo
menos o Natele é gelatinoso e cor de chocolate...rs...É um pouco mais fácil de
engolir...”
“Denize - Ola... 20/09/2005 07:31. Estou tomando Materna....vcs tem razão eta
comprimido enorme e ruim.”
“Tita e Manu - hehe 20/09/2005 08:12. Que engraçado ...eu não tenho esse
problema com o comprimido IMENSOOO E ROSA... =) (materna) tomo que
nem sinto... bjinhos a todas as mamães***”
Um dos temas recorrentes em que as gestantes manifestam suas similaridades em
“Gravidez...” é o ganho de peso durante a gestação. A atitude de reclamar do excesso de
peso para mulheres que enfrentam o mesmo problema também pode ser considerada uma
forma de celebração de similaridades. A despeito das diferenças demográficas, culturais e
sociais entre elas, as participantes encontram no aumento de peso, característica normal e
inevitável da gestação, um ponto comum a ser celebrado. Tópicos como “Tamanho da
barriga”, “Ganho de peso” e “Barriga grande” tendem a gerar um elevado número de
mensagens (21, 37 e 27, respectivamente), evidenciando a popularidade do tema entre as
participantes.
Oposição de valores – Um indivíduo se engaja em comunidades virtuais
espontaneamente. Presume-se, portanto, que ao discordar dos valores de um grupo, o mais
fácil para esta pessoa seja dissociar-se deste grupo e procurar outra comunidade, com
valores similares aos seus, para participar. A despeito dessa facilidade de entrada e saída, a
negociação de valores ocorre freqüentemente nas comunidades virtuais, pois mesmo com
um interesse em comum (o tema da comunidade), os participantes diferem entre si em
termos geográficos, educacionais, comportamentais, etc., implicando na convivência de
diferentes hábitos, crenças e valores dentro do grupo. A formação de laços sociais e as
funções utilitárias da comunidade fazem com que seja mais proveitoso negociar alguns
valores do que desligar-se completamente do grupo.
Em “Gravidez...” esta negociação ocorre de forma bastante amigável e polida. Os
participantes apresentam suas diferentes crenças sobre o melhor tipo de parto, a relação que
deve haver entre gestante e médico, o uso ou não de medicamentos, etc. de modo
extremamente aberto, sem descartar opiniões diversas, mas tentando fazer valer seus
próprios valores.
Um tópico, em particular, dedicado ao debate sobre visitas na maternidade, ilustra
essa negociação. Uma das participantes, Mara, inicia o tópico manifestando o desejo de
receber as visitas ainda na maternidade, para que depois, em casa, possa permanecer
tranqüila com o recém-nascido. Diversos outros participantes se manifestam a respeito,
discordando da posição de Mara e afirmando, por vezes enfaticamente, que a maternidade
não é o lugar mais adequado para receber visitas. Percebe-se que cada mensagem, embora
escrita para manifestar valores discordantes, é finalizada com uma expressão ou frase
amigável, que busca amenizar o impacto de uma opinião contrária à dos demais. Por fim, a
participante reafirma sua opção inicial, descartando as manifestações contrárias.
“Mara - Visitas na maternidade???? 26/07/2005 15:08. Como mãe de primeira
viagem... Tenho a impressão que é melhor incentivar que a família e amigos
íntimos nos visitem ainda na maternidade, deixando passar o primeiro dia do
nascimento [...]. Vocês não acham melhor do que depois ficar recebendo todo
mundo em casa com a adaptação do bebê e nossa própria recuperação???? [...].
Penso em ter uma pequena estrutura com algumas coisas pra receber as pessoas
na maternidade (refrigerantes/ whisky para os homens/ bem nascidos/ e alguns
petiscos). Outra ótima opção é escolhermos quartos que tenham uma ante-sala,
para receber as pessoas. Pois assim nós não nos incomodaríamos no caso de ser
um momento que vamos estar dormindo, ou mesmo amamentando o bebê.O que
acham? Beijocas a todas!!!!”
“Rafael - Menos é mais! 26/07/2005 15:57. Eu acho sempre melhor minimizar as
visitas na maternidade. Serão poucos dias, poucas horas, e gente demais causa
tumulto, confusão, e podem te atrapalhar nos cuidados iniciais com o bebê e na
sua recuperação. Claro, será impossível evitar avós e avôs corujas e babões, mas
não faça do nascimento uma festa. [...]. E nada de comes e bebes (whisky?).
Visitas devem ser rápidas e silenciosas. Depois alguém se empolga, bebe todas e
vai querer beijar seu bebê com aquele bafo! :)”
“Mara - Rafael, acho que vc não entendeu o espírito ... 26/07/2005 17:38. Ou
então não teve a oportunidade de visitar alguém na maternidade que tivesse esse
procedimento. [...] o fato de vc ter um whisky a oferecer as pessoas, não quer
dizer que as pessoas "beberão todas" e ficarão com bafo em cima do meu filho.
Realmente vc não entendeu. Só concordo com o início das suas considerações
onde vc fala que é importante termos muita paz e conforto nos primeiros dias
para cuidar de nossos filhotes. [...] Questão de opinião! Um beijo a todas as
mamães!!!!”
“Alice - 26/07/2005 11:01. Pra te ser sincera eu tb acho meio esquisita essa ideia
de servir comes e bebes a quem vem visitar na maternidade. Dá um ar meio de
show pra um momento que eu acho deve ser mais da família. [...] É só minha
opiniao, nao fique chateada.”
“Dalila - 26/07/2005 14:06. Como mamãe de segunda viagem, tbm não me
agrada mto essa coisa de comes e bebes. E acho tbm q as visitas têm q tomar uma
boa dose de simancol antes de visitar, pq os primeiros dias são mto cansativos,
sejam visitas na maternidade, sejam em casa. Mas isso vai do espírito de cada
um... [...].”
“Nanda - 31/07/2005 12:49. Pelo amor de Deus... As visitas devem ser breves,
sem comes e bebes, você estará em recuperação, o nível de hormônio fica uma
loucura. Qdo. tive meu primeiro filho, foi muuuuuuuita visita, eu não aguentava
mais, [...] [...] Sei que é muita felicidade, mas reserve esse momento pra você e
sua família. Amigos em segundo plano... [...] Boa sorte!”
“Mara - 01/08/2005 00:08. Obrigada pela opinião de vocês! Porém como cada
um sabe onde "aperta o seu sapato"..... vou receber as pessoas no hospital do meu
círculo de parentesco e amizade da mesma forma que receberia em casa, e na
nossa visão não trata-se de festa! Mas já avisei a todos que não recebei ninguém
(salvo nossos pais) em casa no primeiro mês do bebê. Beijo a todas!”
Cabe aqui um aparte para relembrar uma proposição da teoria de grupos de
referência relacionada à conformidade e independência dos consumidores (Venkatesan,
1966), a qual afirma que, quando a pressão por conformidade exercida pelo grupo limita a
independência de escolha do indivíduo, o mesmo tende a ser indiferente a essa pressão ou a
fazer, deliberadamente, uma escolha que nega a pressão exercida pelo grupo.
Para algumas mulheres que participam de “Gravidez...”, a maternidade é uma
experiência única e maravilhosa e tudo o que estiver compreendido nela é sagrado, isento
de quaisquer normas sociais. Cuidar do bebê torna-se prioridade acima de qualquer outra e
a amamentação é tida como um gesto inequívoco de amor. Outras, não tão maniqueístas,
aceitam que haja restrições em relação à amamentação em locais públicos. Preferem ser
cuidadosas na hora de amamentar, evitando expor o corpo durante a atividade. A criação
de um tópico questionando o tema debatido em outra comunidade acionou discussões sobre
os valores dos participantes de “Gravidez...” em relação ao respeito diante das opiniões
alheias e à amamentação em público, consistindo em um exemplo interessante da
negociação de valores dentro do grupo.
“Cacá Pereira - ELAS ODEIAM QUEM AMAMENTA EM PÚBLICO
10
13/12/2005 06:02. CADA VEZ QUE VEJO UMA COISA DESSAS, FICO
INDIGNADA. EU AMAMENTO EM QUALQUER LUGAR PORQUE ISSO É
UM DIREITO MEU E PORQUE ISSO ME DÁ PRAZER. NINGUÉM É
OBRIGADA A CONCORDAR, MAS ACHO QUE RESPEITO É BOM, NÉ?
PRINCIPALMENTE NUM MOMENTO DESSES, TÃO SUBLIME, TÃO
ESPECIAL.”
“Não gosto 13/12/2005 08:32. Na realidade meu bebê ainda não nasceu, mas
acho que cada um faz o que achar melhor, desde que não fiquem praticamente
nuas na rua para amamentar. [...] também acho que a amamentação é um
momento de amor entre mãe e bebê e acho mais correto que seja um momento
único entre mãe e filho apenas.”
“Sabine - 13/12/2005 08:35. na verdade nao me choca nada esse tipo de atitude.
Só mostra o quanto essas pessoas sao reprimidas e criaram um canto pra nao se
reprimirem sozinhas hehehehe. Quanto a nós, as "sem vergonha" huehueueuhe
nos resta continuar escancarando a amamentaçao pra quem quiser ver e pra quem
nao quiser que olhem pra outro lado :)”
“Darla - 13/12/2005 10:57. Acho que esse tipo de comunidade não deveria
chocá-las nem fazê-las perder o seu tempo. [...] Relaxem e concentrem-se em
nossa comunidade.[...]”
“Estela Regina - perai meninas 13/12/2005 12:44. tudo bem de vocês
concordarem que amamentar em público é normal, mas acho que a idéia da
pessoa que abriu a comunidade não é dizer NÂO a amamentação, mas sim que
ela não acha legal em público, ponto final. Acho que estão exagerando um pouco,
cada um tem direito de dar sua opinião, e outra tem tantas comunidades muito
piores que ninguem fala nada [...].”
“Manoela - concordo em partes 13/12/2005 18:35. respeitar a opinião dos outros
....é uma coisa que não acontece aqui pelo jeito, afinal aquela é opinião delas
....não tenho nada contra amamentar em público, não creio que seja nada vulgar,
pois amamentar é lindo e saudável ...porém no meu caso, não faria [...] mas
também não acho que brigas mudarão a opinião de ninguém né? Bjus, JUJU. Tô
com a Estela Regina”
“Olga - Me desculpem 14/12/2005 05:21. Mas acho que vcs estão exagerando.
Eu não tenho nada contra quem amamenta em público de forma discreta, e pelo o
que observei naquela comunidade, opinião das pessoas lá tb é esta. Algumas
mães daqui insultaram às pessoas da comunidade lá, por simplesmente não
entenderem o objetivo da comunidade. Acho que cada mãe tem o direito de
amamentar o filho seja onde for, mas tb cada um tem o direito de ter a opinião
que for. O importante é que se respeite as opiniões. [...]”
“Lila - 14/12/2005 10:11. Não sou contra a opinião delas, apenas acho que a
comunidade não tem motivo e utilidade nenhuma para existir. O Orkut é para
gerar informação saudável e a comunidade está longe de ser assim. É um canal
para que as pessoas nojentinhas [...] divulgarem suas idéias podres. [...] Eu entrei
lá não para mudar a opinião da jovenzinha, mas sim para informá-la de certas
coisas úteis.”
10
O uso de letras maiúsculas para escrever um texto, na internet, está relacionado à expressividade do mesmo.
No caso, funciona como se a participante estivesse gritando sua “fala”.
Neste outro caso de negociação de valores, o tom da discussão foi um pouco
alterado. Como o foco do debate não eram valores dos participantes da comunidade
“Gravidez...” e sim valores de membros de outra comunidade, contrária à amamentação em
público, acredita-se que as participantes tenham se sentido menos preocupadas em manter o
tom cordial ao expressar sua contrariedade.
Apoio emocional – A habilidade das comunidades virtuais para oferecer apoio
emocional a seus participantes é bastante citada na literatura que aborda os relacionamentos
on-line (BURNETT, 2000). Do mesmo modo que familiares de portadores de síndromes ou
alcoólatras em recuperação (WELLMAN; GULIA, 1997), as gestantes se utilizam da
comunidade (um grupo de pessoas que, presume-se, estejam enfrentando ou já enfrentaram
as mesmas condições) para obter apoio e conforto emocional durante a gravidez, um
período de grande instabilidade emocional. Os casos em que manifestações de apoio são
mais evidentes ocorrem quando uma participante relata a perda do bebê durante a gestação
ou complicações após o nascimento do filho. Os trechos transcritos abaixo foram
publicados por membros da comunidade como forma de amparar mulheres que declararam
estar passando por dificuldades dessa natureza.
“Virgínia - 3/7/2005 11:25. Que pena...mas tudo tem sua hora, espera em
Deus...minha cunhada teve descolamento de placenta qdo tava gravida da minha
sobrinha, teve que fazer muito repouso e passou dores a gravidez inteira...ela teve
a baby, mas a sua vez ainda chega e ele ou ela vira cheio de saúde!”
“Elza - Gravidez Tubária! 5/7/2005 13:36. Jamile, eu tive uma gravidez tubária
na minha primeira gravidez [...]. Com exatamente uma ano no mesmo dia eu
soube que estava grávida do Pedrinho... e hj mais um ano depois estou grávida
novamente! Agradeço todos os dias a Deus e sei que ele faz as coisas na hora
certa. Por isso, tenta ficar calma que daqui a pouco vem outro lindinho(a) na sua
vida!beijos.Elza Monteiro”
“infelizmente.... 11/7/2005 10:44. é muito triste né Jamile, bem no dia de seu
aniverssário, vc recebe essa noticia triste [...]vc vai conseguir com o tempo
novamente engravidar vc vai ver.... de tempo ao tempo Deus sabe o q. faz . Caso
queira conversar comigo e saber mais a respeito meu e-mail
“Conte conosco... 29/7/2005 16:54.Oi Jacinta!Fiquei muito comovida com a sua
história. Quero dizer que você estará em minhas orações. É difícil dizer algo
nessa hora, pois sei que nada deve te confortar. Só te digo pra cuidar muito de
você nesse momento e pra preencher seu coração e sua vida com muito amor e
muitos amigos. Tenho certeza que você vai superar. O tempo é o nosso melhor
amigo. Dê tempo a você e pode contar conosco. Um beijão, Rosana”
O apoio oferecido geralmente é endossado pela experiência pessoal de cada
participante, o que o torna mais aceitável, pois é presumível que alguém que já tenha
necessitado de apoio possua sensibilidade para saber o que se deve dizer em tais momentos.
A ausência do contato físico reconfortante (abraços, olhares) é parcialmente preenchida por
frases de incentivo, palavras carinhosas e a oferta de disponibilidade para futuros contatos.
As participantes costumam agradecer o apoio recebido e declarar a importância do mesmo,
reforçando – de modo implícito – um dos objetivos fundamentais da existência da
comunidade: a ajuda mútua.
4.3.3 Terceira etapa – Coleta de dados
É preciso destacar aqui a veracidade das considerações teóricas da literatura sobre a
netnografia e, de modo geral, sobre a pesquisa em ambientes mediados por computador, no
que diz respeito à dificuldade com que o pesquisador se depara no momento de retirar-se do
campo. Após meses de acompanhamento quase diário da comunidade pesquisada, é
inevitável a relutância em romper a comunicação com um grupo facilmente acessível e que
continua gerando informações relevantes ao estudo. Como se sabe, no entanto, uma
comunidade virtual é capaz de gerar um enorme volume de dados em curtos períodos de
tempo, o que exige a limitação da coleta assim que a quantidade e a variedade de dados
armazenada for considerada suficiente para a abordagem do problema de pesquisa.
Julgou-se suficiente para análise, em termos de volume e qualidade dos dados
coletados, o conjunto de tópicos obtidos através do arquivamento de todas as mensagens
postadas por membros da comunidade desde a criação da mesma (12 de outubro de 2004)
até o dia 02 de setembro de 2005. Nesse período, 601 tópicos foram criados na comunidade
investigada, compreendendo mais de quatro mil mensagens
11
.
Dois motivos determinaram a definição desse período de coleta. Primeiramente,
optou-se por não limitar a coleta ao período de observação não-participante (fevereiro a
maio de 2005) ou ao período em que a pesquisadora participou, como membro, da
comunidade (junho a setembro de 2005), para que fosse possível, com a análise das
11
Número determinado através do cálculo da média de mensagens postadas nos cinqüenta primeiros e nos
cinqüenta últimos tópicos publicados durante o período de coleta.
mensagens publicadas em períodos anteriores, acompanhar a evolução dos temas e da
participação dos membros na comunidade. Outro fator determinante foi o fato de que os
tópicos, arquivados na página da comunidade, podem ser retomados a qualquer momento,
por qualquer um dos participantes.
Assim, o que determina a atualidade de um tópico – e sua presença no topo da lista
de temas em discussão - é a última mensagem ali postada, não a data de criação do tópico.
Isso permite que assuntos já discutidos e que, no entanto, são novidades para membros
recentes, voltem à discussão. Tópicos antigos com novas contribuições, ao retomar o topo
da lista, promovem mais debate, envolvendo um número maior de participantes. Considerar
todos os tópicos arquivados desde a criação da comunidade ampliou, portanto, as
possibilidades de obter um conjunto de dados consistentes e relevantes para o problema de
pesquisa.
De acordo com os alertas oferecidos por diversos autores (KOZINETS, 2000;
BERNARD, 2004; ELLIOTT; ELLIOTT, 2003) aos pesquisadores que buscam dados na
internet, a quantidade de dados armazenados durante o período de coleta revelou-se de
tamanho volume que tornava impraticável a análise dos mesmos em sua totalidade.
Conforme os pressupostos da Análise de Discurso Mediado por Computador (HERRING,
2005), uma amostra do universo de dados disponíveis foi selecionada para a realização das
análises.
Na medida em que os dados eram coletados na comunidade, recebiam uma
classificação, que determinava se eram relativos ou não ao tema de pesquisa (KOZINETS,
2002a). A ponderação das vantagens e desvantagens de cada uma das formas de
determinação da amostra apresentadas por Herring (2005) reforçou a pertinência da seleção
de dados (isto é, tópicos de discussão) de acordo com seu tema. Desta forma, conforme o
assunto que abordavam, os tópicos eram agrupados em dados “Sobre o tema (de pesquisa)”
e “Outros dados”.
Enquanto as mensagens e tópicos classificados como “Outros dados” compreendiam
informações pessoais, debates sobre problemas de saúde relacionados à gestação,
manifestações dos participantes sobre seus sentimentos em relação à maternidade e outros
assuntos diversos, os dados classificados como “Sobre o tema” eram diretamente
relacionados ao problema de pesquisa, ou seja, que envolviam decisões de consumo ou
manifestavam formas de influência interpessoal na comunidade. Buscava-se ainda dados
que representassem a variabilidade dos participantes que iniciam os tópicos e um número
representativo de mensagens em cada discussão. Com esses critérios, obteve-se um
conjunto de 73 tópicos relevantes para o problema de pesquisa. Devido à grande quantidade
de mensagens compreendidas nestes, os mesmos foram classificados como “Sobre o tema
foram novamente categorizados, sendo divididos em dois grupos: “Produtos e/ou Marcas
(53 tópicos) e “Relacionamento” (20 tópicos).
Os tópicos classificados em “Relacionamentos” são o que Rheingold (1993)
denomina “conversa fútil”. Em uma comunidade virtual, no entanto, as conversas fúteis
estão extremamente vinculadas ao contexto – ao ambiente – uma vez que é através destas
conversas que os participantes se conhecem, descobrem em quem podem e em quem não
podem confiar, identificam os interesses de cada um e descobrem afinidades e simpatias
(ou seus contrários) por um ou outro participante.
Para atender de maneira mais específica ao problema de pesquisa, optou-se por
analisar apenas os dados classificados como “Produtos e/ou marcas” sem que, no entanto,
as informações obtidas nas conversas classificadas como “Relacionamentos” deixassem de
ser consideradas na construção da interpretação dos resultados e na compreensão das
interações sociais entre os participantes da comunidade.
A amostra final dos dados que foram, posteriormente, analisados através da Análise
de Discurso Mediado por Computador, consiste em 505 mensagens, distribuídas em 53
tópicos de discussão, iniciados por 38 diferentes participantes (Anexo A). O conjunto foi
selecionado devido a sua relevância e riqueza de conteúdo, bem como por representar a
participação de diferentes membros da comunidade ao longo do período de coleta de dados.
Acredita-se que a amostra selecionada por tema, embora exclua outras atividades que
tenham ocorrido na comunidade durante o mesmo período (HERRING, 2005), seja a mais
adequada para os objetivos da análise tendo em vista a intenção de pesquisa, que é verificar
as relações de influência em situações específicas – processos decisórios de consumo – e
não oferecer uma descrição geral de todas as atividades e aspectos da comunidade
investigada, nem mesmo uma interpretação aprofundada dos valores e significados de seus
participantes.
Trinta e oito participantes (excluídos a pesquisadora e anônimos) propuseram
tópicos e 137 membros participaram das discussões que compõem o conjunto de dados
selecionados. Dentre os 137 participantes que publicaram as mensagens consideradas na
amostra, 54 colaboraram com apenas uma mensagem e, portanto, poderiam ser
considerados, de acordo com a tipologia para membros de comunidades on-line proposta
por Kozinets (1999), turistas.
No entanto, é importante considerar que a amostra, selecionada por tema, pode não
representar corretamente a participação de membros com forte interesse em outras questões
debatidas na comunidade, como os cuidados médicos durante a gestação e a preparação
para o parto. Além disso, o corte temporal necessário para a delimitação da coleta de dados
pode ter incluído apenas uma mensagem de membros recém inscritos na comunidade, que
começavam a participar das discussões e que, possivelmente, tenham intensificado sua
participação nos tópicos depois de algum tempo. Assim, o número de mensagens postadas
na amostra não representa um bom indicativo para compreender o papel de cada indivíduo
na diversidade de membros que existe na comunidade.
Para conhecê-los melhor, analisou-se então o perfil de cada um dos 38 membros que
iniciaram os tópicos de discussão da amostra. Acrescentou-se a estes outros três
participantes que colaboraram com grande número de mensagens em diferentes discussões
ao longo do período de tempo representado na amostra. Além das informações
disponibilizadas pelos participantes em seu perfil do Orkut, algumas páginas pessoais de
recados foram acessadas, permitindo verificar a existência de interações entre participantes
fora do espaço da comunidade. Algumas pessoas indicam, em seu perfil, o link para uma
página pessoal, blog ou fotolog (respectivamente, diário e álbum de fotos on-line), que
também foram visitadas para obter mais informações a seu respeito.
Uma avaliação geral do perfil destes 41 participantes (Anexo B) revela que as
mulheres predominam (apenas um dos perfis era de um participante do sexo masculino).
Em sua maioria, são mulheres casadas que esperam o primeiro filho. Prevalecem as
participantes com idade entre 20 e 29 anos e diversas delas moram no exterior, em
diferentes países. A predominância de gestantes inexperientes, jovens e distantes da família
é reflexo, provavelmente, da seleção desses perfis, baseada na postagem de novos tópicos
de discussão. As participantes mais experientes costumam colaborar com mensagens ao
longo do desenvolvimento dos tópicos, raramente tomando a iniciativa de postar um novo
tema para debate. Outras implicações determinadas pelo perfil dos participantes serão
abordadas ao longo dos próximos capítulos.
Embora as características dos membros da comunidade possam ser dados
extremamente úteis para a compreensão das relações de influência que ocorrem no grupo, a
opção pela netnografia impede que sejam elaboradas análises mais específicas a esse
respeito, para o que uma coleta de dados quantitativos seria necessária. O que se pretende
aqui é apenas situar o leitor em relação aos atores do discurso produzido na comunidade,
este sim, objeto de análise. Há que se considerar ainda que as informações a respeito dos
participantes advêm da auto-descrição publicada nas páginas pessoais. Não há como
assegurar que sejam representações corretas da identidade de cada um. Algumas
considerações provenientes da relação entre a análise de discurso e as características dos
participantes, podem, no entanto, ser levantadas de modo especulativo.
Os diários de campo, outra forma de obtenção de dados proposta por Kozinets
(2002a) para pesquisadores que empreendem uma netnografia, se mostraram importantes
no período inicial de contato com os participantes. Dados subjetivos, como as apreensões a
respeito da aproximação da pesquisadora com a comunidade, suas impressões a respeito de
alguns membros e as inquietações em relação à espécie de mensagens lidas e publicadas
nos debates foram registradas e retomadas durante as análises. Ao longo da coleta, porém,
as inferências e interpretações construídas pela pesquisadora passaram a ser registradas
diretamente em um relatório de análises preliminares, não mais se caracterizando como
diários de campo.
Levando em consideração esta experiência de coleta e as reflexões teóricas de
outros pesquisadores (HINE, 2004; ARDÈVOL et al., 2003) acredita-se que,
diferentemente da etnografia tradicional – em que os diários de campo são imprescindíveis
para auxiliar o pesquisador a reconstruir os dados obtidos através da observação – na
netnografia a realização de anotações de pesquisa não seja mandatória. A netnografia é
realizada através da internet e, consequentemente, a mediação tecnológica está presente em
todas as etapas da pesquisa. A experiência de observação participante é gravada
automaticamente, não depende da memória e das anotações do pesquisador, como no caso
da etnografia tradicional. Além de minimizar a necessidade dos diários de campo, esta
característica implica ainda em uma vantagem, uma vez que na netnografia não há distância
ou transformação aparente entre o acontecimento (publicação do texto) e seu registro, pois
ambos se constituem de interações textuais (ARDÈVOL et al., 2003).
Kozinets (1998; 2002) não inclui as entrevistas individuais – outra importante forma
de coleta de dados nas etnografias tradicionais – como fonte de dados em netnografias,
embora outros autores (BERNARD, 2004; CATTERALL; MACLARAN, 2001) o façam.
A exceção ocorre quando Kozinets (1998) recomenda que, se houver a intenção de
generalização dos resultados, as entrevistas em profundidade sejam feitas como fonte para a
triangulação dos dados.
Optou-se por não realizar entrevistas para preservar ao máximo o caráter
essencialmente não intrusivo do método. Além disso, os dados obtidos através de
entrevistas on-line não poderiam ser tratados da mesma maneira que os coletados com a
observação participante, uma vez que o sistema mediador de sua produção seria outro. De
acordo com Ardèvol et al. (2003), na realização de entrevistas é importante que o meio
utilizado seja o mesmo utilizado para a coleta de dados. As autoras esclarecem que, nas
ciências sociais, os instrumentos com os quais se faz pesquisa formam sempre parte do fato
a ser investigado e determinam a qualidade dos dados. Estuda-se a interação interagindo; a
linguagem, falando; a narração, construindo narrativas. Neste tipo de pesquisa, o meio
nunca é transparente. A técnica de análise de discurso mediado por computador também
estabelece distinções entre textos produzidos em diferentes meios, como visto
anteriormente. Desta forma, dados coletados no Orkut (observação participante) e dados
coletados no MSN (entrevistas on-line) seriam extremamente diversos em suas
características, demandando precauções diferentes em sua análise e interpretação.
Considerando as entrevistas como uma forma de obter a percepção subjetiva e o
significado que os participantes atribuem às interações na comunidade ou como uma
maneira para proporcionar aos membros da comunidade meios e oportunidades para que
reflitam sobre sua própria prática e expressem suas reflexões, experiências e sentimentos
relativos à comunidade (ARDÈVOL et.al., 2003), pode-se pensar que estas necessidades
tenham sido ao menos parcialmente preenchidas através de uma solicitação feita pela
pesquisadora junto aos participantes para que estes, após a leitura dos resultados
preliminares de pesquisa, manifestassem suas opiniões, sentimentos e reflexões sobre o
texto.
4.3.4 Quarta etapa – Análise dos dados
Durante a realização de uma netnografia, a recomendação é de que a análise dos
dados ocorra concomitantemente à coleta e, embora neste estudo esta análise paralela de
fato tenha ocorrido, optou-se por tratar coleta e análise de dados como diferentes etapas de
pesquisa para possibilitar a melhor compreensão da metodologia de análise aplicada à
amostra.
A primeira providência a ser considerada na análise de dados obtidos através da
comunicação mediada por computador é a classificação destes de acordo com um conjunto
de variáveis do meio e outro grupo de variáveis situacionais (HERRING, 2005). Todos os
dados que compõem a amostra desta pesquisa foram coletados no Orkut, cujas
características como meio são apresentadas de acordo com as dimensões da análise de
discurso mediado por computador (ADMC) previamente consideradas. A figura 13 resume
as principais características do Orkut que interferem no discurso produzido neste sistema.
Variáveis do meio para a amostra de discurso mediado por computador
Assíncrono. As mensagens de texto são publicadas no site e só podem ser lidas posteriormente.
Transmissão de mão-única. As mensagens aparecem apenas depois de completamente escritas, não a cada
caractere.
Altamente duradouro. As mensagens permanecem no site até que sejam removidas por seus emissores, o que
raramente ocorre.
Grande tamanho. O Orkut permite mensagens de até 2050 caracteres e possibilita que um mesmo emissor
envie diversas mensagens seqüenciais, ampliando o tamanho de seu texto.
Único canal de comunicação. O Orkut permite apenas o uso de mensagens de texto para a comunicação entre
os participantes de suas comunidades virtuais.
Mensagem anônima não é uma opção. A proprietária de “Gravidez...” desabilitou a postagem anônima seis
meses depois da criação da comunidade, para evitar a criação de tópicos ofensivos e sem relação com o tema.
Mensagens privadas são opcionais. Os participantes podem escrever recados nas páginas de recados uns dos
outros ou enviar e-mails a partir do Orkut
12
.
O filtro de mensagens é uma opção restrita. Apenas a proprietária da comunidade pode vetar ou excluir
mensagens.
As mensagens anterioreso são citadas, embora os turnos de mensagens constituam uma seqüência
facilmente reconstruída por sua disposição nas páginas de discussão.
Figura 13 – Características do Orkut como meio
Ao analisar essas características compreende-se que os dados gerados na
comunicação mediada por computadores em um sistema como o Orkut estão mais
próximos, por suas características, do discurso escrito do que do falado. É pouco freqüente,
na composição dos textos da amostra, a utilização de abreviações e de palavras escritas
conforme sua sonoridade, linguagem oral comumente empregada na internet. A maioria das
mensagens apresenta frases bem construídas, embora acentos e letras maiúsculas sejam
freqüentemente dispensados. Ao analisar uma seqüência de mensagens, percebe-se a
fluência do discurso em ciclos similares aos de uma conversa. Nem sempre, no entanto, o
participante que inicia o tópico volta a participar do mesmo – e a discussão se desenvolve
sem caracterizar-se como um diálogo.
Considerando-se as características do meio, procedeu-se uma releitura cuidadosa de
todos os tópicos da amostra, buscando identificar similaridades no discurso das
participantes e aspectos relacionados à teoria dos grupos de referência, o que resultou na
elaboração de seis categorias de análise: (1) Busca de informação, (2) Oferta de
informação, (3) Compartilhamento de experiências, (4) Manifestação de preferências e
valores, (5) Aceitação de opiniões, informações e reciprocidade e (6) Pressão para a
aceitação de normas e valores. Acrescentou-se a categoria (7) Outros, para evitar que
12
O sentido de “privado” aqui é tomado apenas como alternativa à publicação de mensagens na página da
comunidade, pois as páginas de recados do Orkut, embora pessoais, são acessíveis a qualquer usuário. O
envio de e-mails, por sua vez, está condicionado à disponibilização do mesmo pelo usuário.
qualquer mensagem da amostra ficasse sem classificação. A figura 14 apresenta o número
de mensagens classificadas em cada categoria.
CATEGORIA MENSAGENS
Busca de informações
87
Oferta de informações
124
Compartilhamento de experiências
185
Manifestação de preferências e valores
34
Aceitação de opiniões, reciprocidade
58
Pressão para conformidade
12
Outros (mensagens repetidas)
2
Figura 14 – Classificação das mensagens de texto
Uma juíza
13
foi solicitada a categorizar um segmento dos dados para validar as
categorias de análise. O conjunto categorizado para validação continha 121 mensagens,
distribuídas em 14 tópicos. Houve coincidência na classificação de 113 mensagens
(93.4%), um índice elevado que permite manter as categorias conforme elaboradas. As
mensagens cujas classificações diferiam foram revistas em conjunto com a juíza e
classificadas novamente, de forma consensual. As discrepâncias mais freqüentes nas
classificações deram-se na opção entre as categorias “oferta de informação” e
“compartilhamento de experiências”, que apresentam semelhanças e potencial
ambigüidade, mas que podem ser diferenciadas entre si desde que sejam considerados
alguns termos específicos, como “recomenda-se que”, “visite o site”, “dizem que” “que eu
saiba” “existe em um site/livro/loja” no caso de oferta de informações e “eu fiz”, “eu
uso/usei” e “eu sugiro que usem” para mensagens que são essencialmente
compartilhamento de experiências.
13
Maura Oliveira Martins, Msc. Ciência da Comunicação – UNISINOS.
Tópico
Mensagem
RESUMO AUTOR
1A
Gostaria de saber qual os cremes que vcs acham q sao bons pra prevenir estrias
na barriga, nos seios...Rsss.. serei mae de primeira viagem, por isso estou
viajando.. rsss nao tenho a minima ideia de qual creme comprar, de como me
cuidar.
Érika
2A
Olá pessoal...Gostaria de saber kais são os cremes que vcs usam na barriga e no
seio.Eu estou grávida de 7 semanas e 5 dias.. descobri ontem e não sei qual
creme usarei... vcs podem me ajudar??Bjoks
Nelma
2D Karima, uma pergunta: por que não se pode aplicar o creme nos mamilos? Helena
3A
Olá meninas... Eu não tenho convênio e gostaria que vocês me ajudassem na
escolha de uma maternidade pública. Bjoks
Clara
4A
Voces estao tendo vasinhos e varizes na gravidez? Eu estou tendo tantos
vasinhos, coisa que eu nunca tive na vida! Alguem aqui sabe se os vasinhos
desaparecem? O que fazer?
Nelma
4C
Meu medico me sugeriu meias com compressao..sera que eh bom? Meias
Kendall?
Nelma
Figura 15 – Extrato da categoria Busca de Informação
Destaca-se que as categorias utilizadas na classificação dos dados não são
mutuamente exclusivas. Uma mensagem, um grupo de mensagens ou um tópico inteiro de
discussão pode conter diversos aspectos característicos de mais de uma categoria
simultaneamente. Após essa classificação, as mensagens alocadas a uma mesma categoria
foram agrupadas em tabelas para facilitar a análise de temas recorrentes e para permitir a
visualização da categoria como um todo. A figura 15 apresenta um extrato da categoria
“Busca de informação”.
Na primeira coluna, à esquerda, o número indica a ordem dos tópicos na amostra –
em relação à data da última postagem – e as letras apresentam a ordem da mensagem em
cada tópico. A segunda coluna apresenta um resumo do texto contido na mensagem e a
terceira indica a autoria do texto.
Com o auxílio dessas tabelas, todas as mensagens foram lidas novamente para
identificar características gerais no discurso dos entrevistados e os recursos de linguagem e
características da retórica utilizados, atentando para as similaridades e contradições nas
diferentes manifestações de um mesmo participante (GILL, 2002). Considerou-se ainda a
manifestação de fenômenos semânticos nos dados analisados, sendo o principal deles – por
consistir no objeto de pesquisa – as relações de influência entre os produtores do discurso.
O perfil dos principais participantes, levantado anteriormente, também foi utilizado
como apoio para a contextualização dos discursos analisados. A interpretação dos dados
levou em conta todos os pressupostos recomendados pela ADMC e pela análise de discurso
tradicional como imprescindíveis para a elaboração de interpretações confiáveis. A quinta
etapa de pesquisa, referente à submissão dos resultados à avaliação dos membros da
comunidade como forma de validação das descobertas, é apresentada no último item do
capítulo que descreve os resultados, ordenamento que se julgou mais pertinente para a
compreensão do estudo pelos leitores.
5 RESULTADOS
A descrição dos resultados da análise dos dados coletados em “Gravidez, parto e
maternidade” foi organizada em torno das categorias de classificação: Busca de
informações, Oferta de informações, Compartilhamento de experiências, Manifestação de
preferências e valores, Aceitação de opiniões e reciprocidade e Pressão para conformidade.
Esta organização não deve encobrir que, na construção das interpretações aqui
apresentadas, as mensagens tenham sido, por vezes, separadas de suas categorias e
reagrupadas de diferentes maneiras para que o conjunto fosse compreendido. Alguns desses
rearranjos consistiram em organizar as mensagens na seqüência temporal de publicação; em
combiná-las de acordo com os temas de discussão aos quais se vinculavam e na
aproximação de mensagens publicadas por participantes com perfis semelhantes.
Dadas essas intervenções e o reconhecimento de que as categorias de análise não
são mutuamente exclusivas, este capítulo de resultados deve ser considerado um texto
único, que objetiva extrair dos dados todos os aspectos relativos à atuação da comunidade
como grupo de referência para os processos decisórios de seus membros, servindo a
segmentação em sub-capítulos exclusivamente como recurso facilitador para a leitura do
mesmo. O último destes sub-capítulos não se refere a uma categoria de análise e, sim, aos
resultados obtidos com a avaliação das descobertas de pesquisa pelos membros da
comunidade.
Cabe aqui ressaltar também que a identidade dos participantes da comunidade
citados ao longo da apresentação dos resultados e foi mantida confidencial através da
substituição de seus nomes por pseudônimos e da eliminação de referências como
endereços eletrônicos ou telefones publicados nas mensagens transcritas. Menções feitas
por consumidores a produtos, marcas, pontos de venda e preços foram mantidas.
5.1 BUSCA DE INFORMAÇÕES
A busca de informações é uma das principais fases do processo decisório, embora
seja frequentemente eliminada para a tomada de decisões simples e rotineiras. Não
obstante, está presente na maioria dos processos de escolha de produtos e marcas, mesmo
nos mais simples, durante a gestação. Além de constituir uma etapa do processo decisório
de consumo, a procura por informações também está presente em outras etapas deste: na
estruturação do problema ou necessidade; na avaliação de alternativas e na validação do
processo de decisão, quando se pode confirmar que, dentre as opções viáveis, a melhor foi
escolhida.
Tudo o que diz respeito ao bem-estar e à saúde do bebê se caracteriza como uma
decisão de alto envolvimento, na qual muita dedicação é investida pelas futuras mães. As
preocupações com o corpo e a caracterização da maternidade como um momento especial
agregam importância também às decisões relacionadas a produtos e serviços consumidos
pela mãe – antes, durante e após a gestação.
Na comunidade “Gravidez...”, a primeira mensagem da maioria dos tópicos costuma
apresentar uma questão, dúvida ou uma solicitação direta pela opinião dos demais membros
ou por informações a respeito de determinado produto, marca ou serviço. Dentre o grupo,
mesmo perguntas que podem ser consideradas ingênuas são respondidas com seriedade e
gentileza. Cautelosas, as participantes costumam se apoiar na própria inexperiência
(alegando viver a primeira gestação) para justificar a busca, na comunidade, de informações
simples que poderiam ser obtidas com relativa facilidade em outras fontes. Os serviços,
produtos e marcas sobre os quais as participantes mais procuram informações junto à
comunidade são cosméticos que possam ser utilizados durante a gestação (por exemplo,
cremes para prevenir estrias e tinturas para cabelo atóxicas); remédios e paliativos para os
sintomas desagradáveis enfrentados ao longo da gravidez (como calmantes, meias elásticas,
ioga, acupuntura) e itens para assegurar o conforto do bebê que esperam (fraldas
descartáveis, roupas, banheira, etc.). As mensagens reproduzidas abaixo são as primeiras
dos respectivos tópicos e ilustram essa espécie de solicitação.
“Cremes. 27/10/2004 06:01. Gostaria de saber qual os cremes que
vcs acham q sao bons pra prevenir estrias na barriga, nos
seios...Rsss.. serei mae de pirmeira viagem, por isso estou viajando..
rsss nao tenho a minima ideia de qual creme comprar, de como me
cuidar..”
Anticoncepcional 28/03/2005 07:43. Gostaria de saber + sobre
anticoncepcionais...Quais engordam? Quais os mais baratos? Os
mais caros? Os mais usados? Os mais indicados? Quais vcs usam
ou usavam? Quais os nomes? Quero saber tudo... Qualquer
informação p/ mim já é válida... Desde já muito obrigada!”
Cinta pos parto 06/04/2005 17:37. O que vcs acham da cinta pos
parto?É realmente necessaria?”
Buscar informações junto a pessoas que já passaram ou estão passando pela mesma
situação é uma possibilidade que tranqüiliza a futura mãe pois, muitas vezes, a gestante não
encontra em outros consumidores próximos (vizinhos, parentes, colegas de trabalho) a
expertise necessária para obter opiniões sobre o assunto. Por reunir pessoas dedicadas ao
assunto e especialistas como doulas, médicos e mães com diversos filhos, é provável que a
comunidade seja considerada, pelas participantes, uma fonte confiável de informação.
Além disso, diversos estudos na área de marketing (BICKART e SCHINDLER, 2001;
SÉNECAL e NANTEL, 2001) indicam que os consumidores atribuem mais confiança a
informações advindas de outros consumidores do que às informações oferecidas por
fabricantes e varejistas.
Burnett (2000) propõe uma tipologia para a troca de informações em comunidades
on-line, segundo a qual a troca de mensagens de conteúdo informacional seria originada de
comportamentos interativos colaborativos, diretamente relacionados à busca de informação
junto a outros membros da comunidade. O autor segmenta a procura por informações em
três tipos: questões apresentadas por outros participantes da comunidade; questões levadas
para além da comunidade e – as mais evidentes – questões apresentadas à comunidade
(BURNETT, 2000).
Ao longo das interações travadas na comunidade, é possível que várias gestantes
tenham uma mesma necessidade de informação ou dúvidas semelhantes ao mesmo tempo,
embora apenas uma manifeste sua inquietação em forma de pergunta. Além dos lurkers, um
membro ativo da comunidade também pode se beneficiar da atividade de busca por
informação realizada por outro participante. No tópico em que uma gestante procura saber
mais sobre o uso de meias de compressão elástica, por exemplo, diversas outras se
manifestam ao desenrolar do debate agradecendo as informações oferecidas ou solicitando
outras complementares, indicando ter uma dúvida semelhante àquela da participante que
iniciou o tópico.
“Roberta - Que tipo de sabão lavar as roupinhas? 19/8/2005
14:53. Que tipo de sabão lavar as roupinhas? 19/8/2005 14:53.
Bom eu fui no supermercado comprar o tal sabão de coco, mas o
cheiro dele é tão ruim...ai achei um azul que se chama vida macia
liquido de roupas infantis, alguem conheçe? Ou alguma dica de
como lavar as roupinhas? sera que posso colocar tudo na maquina
ate os macações de linha? alguem experimentou! por favou me
ajudem!estou sozinha nessa gravidez, sem ninguem, é meu quinto
filho, mas fazem 10 anos que fui mãe a ultima vez! beijos e
obrigadinha! Beta”
“Camila – Sabão de coco? 25/8/2005 09:08. Olá meninas, hoje fui
ao mercado e comprei o OLA líquido (rosa) e uma caixa de sabão
de coco em pó. Qual deles vcs recomendam usar? Acho que vou
lavar na mão mas a idéia de colocar para centrifugar na máquina de
lavar é ótima.Brigadinha meninas!!!Vaz e Mel – 33ª semana de
gestação.”
“Amanda – 25/8/2005 09:21Minha amiga me disse que o segredo é
lavar com sabão de coco liquido...e depois dar uma lavadinha ou
deixar de molho em sabonete líquido para bebês, ela usou o da
Jonhson e disse que as roupinhas ficaram com um cheirinho muito
agradável, além de não dar alergia pois o sabonete é neutro e
antialérgico...o que vcs acham?”
Acredita-se que os casos em que há coleta incidental de informações, através das
atividades de busca de outros participantes, sejam mais numerosos do que os evidenciados
pelos dados, uma vez que a mera leitura dos tópicos publicados na comunidade oferece a
possibilidade de beneficiar-se das respostas, sem que seja necessário manifestar-se como
portadora da mesma dúvida.
Quando os participantes propõem suas questões à comunidade, o tom dado às
mensagens é, na maioria dos casos, polido e formal, semelhante ao das demais atividades
da comunidade. Muitas perguntas são iniciadas com a expressão “Gostaria de saber se...” e
vários participantes reforçam o caráter amigável da questão finalizando a mensagem com
expressões de agradecimento ou expectativa pelas respostas, como “queria muito
descobrir”, “diga lá! Obrigadinha!”, “desde já, muito obrigada” e “aguardo as dicas de
vocês”, dentre outras.
A maioria das mensagens que inicia tópicos buscando informações é direcionada a
toda a comunidade, não a um membro em particular. A utilização de termos como
“alguém”, “gente”, “vocês” e de expressões semelhantes a “alguma de vocês” indica essa
generalização na busca por informações. É possível que, ao dirigir-se ao grupo como um
todo, as participantes sintam que alguns membros terão conhecimento suficiente para
responder sua questão, embora não saibam identificar, antes de obter as respostas, quais são
essas pessoas.
Ao longo das discussões, ao se deparar com algo questionável, novo ou
desconhecido, as participantes costumam intervir no debate solicitando mais informações,
referências e parâmetros para comparação. Nesses casos, é comum que um participante
dirija sua questão a outro membro, que demonstra conhecimento no assunto, para buscar
mais detalhes sobre uma informação oferecida anteriormente. Esse processo ocorre, por
exemplo, no conjunto de mensagens iniciado por uma gestante que busca, de modo geral,
informações sobre cremes hidratantes na comunidade. A partir de uma informação
oferecida por outra participante (Karima) como resposta, uma terceira gestante (Helena) se
manifesta, apresentando sua dúvida diretamente àquela (Karima):
“Cremes 12/1/2005 06:28.Olá pessoal...Gostaria de saber kais são
os cremes que vcs usam na barriga e no seio. Eu estou grávida de 7
semanas e 5 dias.. descobri ontem e não sei qual creme usarei... vcs
podem me ajudar??Bjoks, Nelma.”
“Karima – 13/1/2005 16:29.Além de cremes tbém é bom usar um
óleo durante o banho, existem vários no mercado, eu uso um da
Natura (Seve), é o q eu achei melhor até agora. Cremes tbém
existem vários. Sou farmacêutica e manipulei um pra mim, com
óleo de amêndoas 5%, óleo de semente de uva 5%, óleo de rosa
mosqueta 5%, óleo de macadâmia 3% e Vitamina E 3%. É super
nutritivo e hidrata profundamente, qualquer farmácia de
manipulação pode fazer. Só não esqueça que nos seios não se deve
aplicar óleos ou cremes nos mamilos, somente ao redor.”
“Helena – 14/1/2005 17:54. Olá, eu estou usando um da Palmers
que é especial para as estrias tem até a figura de uma grávida no
rótulo. Ainda não sei se dá resultado pois acabei de comprar. Me
falaram também que vaselina com óleo de amêndoas é ótimo.
Karima, uma pergunta: porque não se pode aplicar o creme nos
mamilos?
Outra característica recorrente no discurso das participantes é a inclusão de diversas
perguntas em uma única mensagem. Ao lançar o tema a respeito do qual desejam obter
informações, as gestantes costumam direcionar as respostas indicando quais são suas
necessidades específicas a respeito do assunto. A grande quantidade de perguntas inclusas
em uma única mensagem, em conjunto com o excesso de pontos de interrogação aplicado
ao final das mesmas atribui um tom dramático às mensagens, indicando a urgência em
obter informações e destacando a importância da obtenção de respostas.
“Karima – cabelos alisados 3/3/2005 11:31.meninas o que fizeram
para relaxar os cabelos após o terceiro mês??? Quem fez???o q
usaram??? bejoKas Karima”
“Julinha – 07/04/2005 10:30. pois eh..q tamanho eu compro??? tb
tem varios tipos??qual eh a melhor??Pode mesmo usar assim q fizer
a cesarea???naum dói os pontos???”
“Isabella – Qual é o Tonalizante Ideal? 04/04/2005 10:14.Olá,
Gente, [...] o que farei pra farei pra nao ficar horrivel meu cabelo?
Escurece-lo nem pensar!Gente, será que Tonalizante resolveria meu
problema? Qual seria o ideal? Marca e onde comprar? ME
AJUDEM PLEASE!”
“Évelyn’ – Estilo Chá-bar 18/8/2005 15:05. Olá, Meninas. Estou
pensando em fazer um Chá de bebê estilo “Chá-bar”. Assim os
homens podem participar também. É uma reunião com os amigos
do casal onde fazemos brincadeiras com os homens também. O que
vocês acham da idéia????? Pensei também em fazer numa casa de
chá, aqui em São Paulo tem várias como a Noviças em Moema. O
que vocês acham????????”
Muitas vezes, a busca por informações se transforma em uma demanda por
opiniões. As participantes procuram saber o que as demais pensam sobre certa idéia ou
opção de consumo e solicitam que as participantes relatem suas experiências com um
produto ou marca específicos.
A gravidez não é um período para experimentar novidades, pois diversas
substâncias encontradas em produtos de beleza, alimentos ou remédios são prejudiciais ao
desenvolvimento do bebê no útero. O risco percebido na escolha de novas marcas ou
produtos diferentes, portanto, se eleva (LOPES, 2005) e a busca por informações torna-se
mais importante no processo decisório. Algumas participantes apresentam tal receio em
fazer uma escolha de consumo equivocada que expõem seu dilema à comunidade, instando
as “meninas” a recomendarem a melhor solução – em uma espécie de transferência da
decisão de consumo.
Em um dos tópicos publicados na comunidade, uma gestante apresenta sua dúvida
em relação à instalação ou não de vidros anti-ruído no quarto do bebê. Ela solicita a opinião
das demais e, no mesmo dia, depois que três participantes publicam mensagens com
opiniões contrárias à instalação, a gestante anuncia sua decisão, não sem sugerir que, caso
os outros membros tivessem recomendado a colocação do vidro, ela provavelmente o faria.
“Lara – Janela anti-ruído – dúvida!!! 11/04/2005 08:22.Talvez
alguém possa me ajudar...Moro num local movimentado [...].
Enfim, devo colocar a janela anti ruído para diminuir essa
barulheira ou a neném tb se acostuma com o som??? Obrigada pela
atenção, bjs Lara.”
“Lara – 11/04/2005 13:16. Obrigada pelas opiniões...talvez sejam
neuroses desnecessárias...fora o preço, que é outra discussão!!! Se
houvesse uma unanimidade dizendo para colocar a tal janela
teríamos que sambar nos gastos, que não estão poucos...valeu de
novo! Bjs.”
A proposição de questões junto à comunidade também é utilizada como recurso
para a verificação da credibilidade de informações obtidas em outras fontes. Embora não
seja possível, através deste estudo, verificar qual o papel da comunidade dentre as demais
fontes na busca de informação, mensagens como as transcritas na seqüência indicam a
relevância do grupo, uma vez que informações obtidas junto a amigos, médicos e
familiares, fontes consideradas importantes durante a gestação (LOPES, 2005) são
submetidas à aprovação da comunidade antes de serem levadas em conta.
“Michelly 16/2/2005 01:23. Meu medico me sugeriu meias com
compressão elástica..sera que eh bom? Meias kendall”
“Azia...num gueeeento mais! 29/6/2005 18:17. Olá Meninas!! Eu
estou na 23 semana...e tenho muuuuuuuita azia! Quase todos os
dias!É horrível pra dormir!Meu médico mandou tomar
Mylanta...mas eu acho ruim tomar remédio todos os dias e às vezes
fico aguentando a queimação só pra não ter que tomar todo dia e
fazer algum mal pro bb...Alguém tem alguma dica de como não
sofrer tanto com a maldita da azia???”
“Mirela – Vou começar. Moro na Arábia Saudita e conheci uma
professora de Yoga, acho que a única por aqui, mas li em um site
que devemos esperar acabar o primeiro trimestre pra começar.
Alguém sabe dizer se é verdade? Estou louca pra começar...
A procura por informações na comunidade é fácil e rápida, pois as mais diversas
dúvidas em relação a remédios, exames e tratamentos; roupas e acessórios, cosméticos e
produtos de higiene, móveis, etc. podem ser sanadas em um único lugar. A gestante não
precisa esperar pela próxima consulta para perguntar ao médico, nem pesquisar em
diferentes lojas, informar-se em revistas, livros, checar informações junto a familiares.
Questões como as apresentadas acima costumam ser respondidas por algum participante
apenas algumas horas após terem sido publicadas na comunidade e, em média, após três ou
quatro dias da publicação de um tópico, o número de respostas acumuladas é considerado
suficiente para sanar a questão inicial (o que fica evidente quando a autora do tópico
agradece pelas informações obtidas e o debate se encerra).
A comunidade reúne informações atualizadas e um banco de experiências pessoais
sobre todos os assuntos relacionados à maternidade, tornando-se uma fonte de referência
informacional importante para seus participantes. O fato de tais questões serem publicadas
ali indica que os participantes esperam obter, junto aos outros membros, respostas úteis,
percebendo a comunidade como o local adequado para a procura de informações
relacionadas à maternidade e gestação.
5.2 OFERTA DE INFORMAÇÕES
Considerando a existência de sobreposição, ou, ao menos, de algumas ambigüidades
entre as mensagens classificadas nas categorias “oferta de informações” e
“compartilhamento de experiências”, é necessário retomar alguns aspectos de cada uma das
categorias antes de apresentar as respectivas análises. Os dois tipos de texto, informacionais
e relatos de experiências, têm um objetivo comum: compartilhar o conhecimento a respeito
de marcas e produtos com os demais participantes da comunidade. A diferença essencial
entre as duas categorias reside na natureza do conhecimento compartilhado, que pode ter
sido adquirido através do acúmulo de experiências pessoais (compra e uso) ou através do
contato com outras fontes de informação. Além disso, o compartilhamento de experiências
também pode ocorrer devido a outras motivações (por exemplo desejo de obter prestígio,
oferta de apoio emocional) que não a de oferecer conteúdo útil a alguém necessita de
informações para realizar decisões de consumo.
Quando aborda a oferta de informações em comunidades virtuais, Burnett (2000)
indica alguns tipos específicos de comportamentos orientados especificamente para troca de
informações: os anúncios, as respostas a questões apresentadas à comunidade e os projetos
de grupo. Conforme o autor, as comunidades on-line são espaços ideais para a publicação
de anúncios voltados a um púbico-alvo específico. A publicação de anúncios (geralmente
não-comerciais) em comunidades temáticas é uma forma importante de oferta de
informações, uma vez que o participante que possui tal informação acredita que ela seja de
interesse e utilidade para os demais (BURNETT, 2000). Em “Gravidez...”, há um grande
número de mensagens desta espécie, como as seguintes:
“Adriana -Revista Crescer 21/3/2005 07:43. Eu e meu pimpolho
estamos na Revista Crescer deste mês (Março) na matéria sobre
mãe aos 20, 30 e 40. Beijos, Adri”
“Adriana - Indicação de livro 28/03/2005 05:26.Uma boa
indicação de livro, escrito pela minha querida Doula Ana Cris e a
Simone Diniz: Parto normal ou cesárea? O que toda mulher deve
saber (e todo homem também)Vale a Pena conferir!!!Vcs podem
comprar no site: www.maternidadeativa.com.br.”
“Felipe - acupuntura 21/3/2005 19:09. alguém aqui já fez
acupuntura enquanto grávida? pode até assustar um pouco, mas é
uma das melhores coisas a serem feitas durente a gestação.... tanto
para mãe quanto para o bebê...querendo saber mais ,.. estamos aí”
“Virgínia - Programa Linduuu 23/7/2005 05:43. Hj para quem
tem tv a cabo irá passar na National Geografic, um programa que
fala da gravidez desde o começo... irá passar as 20:00, aqui em
Santos, eu tenhoa a Vivax, nela o canal é o 52!!! bjos e assistam, pq
é linduuu... “
Nos primeiros meses de funcionamento da comunidade, a proprietária tomava a
iniciativa de publicar tópicos com anúncios, para motivar as discussões entre as
participantes. Presume-se que, por ter criado a comunidade, bem como determinado seus
objetivos e finalidades, Adriana tenha mais presente a intenção de apresentar aos membros
do grupo tudo o que possa lhes interessar ou ser útil. Ao longo do tempo, a comunidade
passa a funcionar com mais independência em relação à proprietária e os participantes
começam também a atuar como ofertantes, não apenas consumidores, de informação.
O espírito de troca permeia as atividades de oferta de informação na comunidade.
Parece haver uma norma implícita indicando que as informações devem ser dadas
voluntariamente e aceitas espontaneamente quando recebidas. Retomando as características
das comunidades, tanto físicas quanto virtuais, a existência desta disposição para a troca de
informações pode ser facilmente compreendida, uma vez que o comprometimento mútuo e
os objetivos comuns permeiam o grupo.
Quando são publicados na comunidade tópicos que solicitam informações, o
conteúdo das respostas costuma ultrapassar as necessidades declaradas na questão inicial.
Ao responder a dúvida de uma gestante que solicita a opinião das demais sobre cremes a ser
utilizados durante a gravidez, outras participantes oferecem, além do nome, informações
como preço, local para compra, fórmula do produto e indicações de uso dos produtos que
sugerem. As informações tendem a vir acompanhadas por recomendações, implícitas ou
não, para que a gestante opte pelo produto que cada uma julga ser o mais adequado. A
primeira das respostas a um tópico intitulado “cremes”, por exemplo, é finalizada por Maria
Luísa com uma frase de efeito, que poderia ter sido extraída da publicidade do hidratante:
“Você vai sentir sua pele uma seda!”
“Maria Luísa = Olá Jamile 27/10/2004 10:27. Olha conheço dois
cremes Mater Skin (fabricante COSMIATRIC 120G), ESSE
VENDE EM FARMACIAS GRANDES. Aqui no Rio eu pago 17
reais. Tem outro que é o Payot Maternité, esse é mais caro, mas
vem 370 ml ou g. Tb em farmacias grandes. Vc vai sentir sua pele
uma seda!!! Beijinhos”
Em outra resposta, algumas das informações oferecidas, de teor técnico, têm sua
credibilidade defendida pela informação “sou farmacêutica”. A participante também sugere
que seja utilizado, além do creme, outro produto com a mesma finalidade: o óleo de banho.
“Karima - 13/1/2005 16:29. Além de cremes tbém é bom usar um
óleo durante o banho, existem vários no mercado, eu uso um da
Natura (Seve), é o q eu achei melhor até agora. Cremes tbém
existem vários. Sou farmacêutica e manipulei um pra mim, com
óleo de amêndoas 5%, óleo de semente de uva 5%, óleo de rosa
mosqueta 5%, óleo de macadâmia 3% e Vitamina E 3%. É super
nutritivo e hidrata profundamente, qualquer farmácia de
manipulação pode fazer. Só não esqueça que nos seios não se deve
aplicar óleos ou cremes nos mamilos, somente ao redor.”
Percebe-se, através desta mensagem, que a oferta de informações exerce influência
não apenas na fase de busca de informações do processo decisório, mas atua também no
reconhecimento de necessidades. No caso apresentado, ao obter as informações desejadas, a
gestante pôde optar por um dos cremes sugeridos e deparou-se com uma nova situação:
além do creme, foi recomendado que usasse outro produto, o óleo. Mais um exemplo
significativo desta influência é a publicação de listas de enxoval no fórum de discussões da
comunidade. Gestantes inexperientes ou as que têm dúvidas em relação aos itens
necessários para o enxoval do bebê se beneficiam das listas divulgadas por outras
participantes. Essas listas consistem em longas relações de produtos necessários após o
nascimento do bebê, especificando quantidades, tamanhos, forma de utilização, marcas e
opções para substituição de cada item.
O mesmo mecanismo implícito de troca que guia a publicação de anúncios parece
funcionar como motivação para a oferta de informações que respondem a solicitações de
outras participantes. Presume-se que, quando uma participante oferece informações à
comunidade, espera obter também informações úteis advindas do grupo quando precisar
delas. Em alguns momentos, porém, transparece a intenção de obter prestígio junto ao
grupo através da publicação de mensagens que demonstram a posse de conhecimentos e
informações restritas. Além disso, nos casos analisados, é possível que a motivação para a
oferta de informações sofra interferências do perfil dos membros.
Gestantes costumam ser mais desprendidas, oferecendo dados e conhecimentos a
suas semelhantes em textos amigáveis, sem denotar superioridade ou intenção de obter
prestígio. Muitas vezes, acrescentam às mensagens expressões como “espero ter ajudado
em algo” ou “sou mãe de primeira viagem, mas sei que...” que reduzem a possibilidade de
uma interpretação errônea de suas intenções ao oferecer a informação. Além desse cuidado
com o tom dos textos, suas ofertas de informação são finalizadas, na maioria das vezes,
com saudações como “beijos”, “boa sorte” ou “abraços”. Por sua vez, as mensagens
publicadas por médicos ou outros profissionais apresentam características diferentes. A
oferta de informações é feita de modo objetivo, sem preocupações com amenidades como
gentileza e cumprimentos. O status de quem publica a mensagem transparece na escolha
das palavras, na construção formal das frases, na finalização concisa e definitiva e na
ausência de saudações, que não deixa margem para hesitações ou questionamento. Em um
tópico onde a troca de informações era centrada no tema “acupuntura”, a professora de
medicina Melania utiliza termos técnicos bastante específicos em uma mensagem que
encerrou o debate:
“Melania - Felipe 23/3/2005 19:01. [...] Lembrar que, além do uso
para tratar os diversos sintomas que podem acontecer na gravidez, a
acupuntura também pode ser usada para induzir o parto [...]. O uso
de moxabustão no ponto de acupuntura BL67 também se mostrou
eficaz, em ensaios clínicos randomizados, para promover a versão
do bebê em apresentação pélvica (sentado). Há até um protocolo de
revisão sistemática da Biblioteca Cochrane sobre moxabustão usado
com essa finalidade. Aliás, para quem se interessar, há várias
revisões sistemáticas da Cochrane sobre acupuntura. Confiram! A
MBE está atenta para a Medicina chinesa...”
Em outro debate, ao responder à solicitação de uma gestante que buscava algum
remédio ou atividade como alívio para a dor nas costas, o médico José responde:
“José - 22/8/2005 15:40. Caras grávidas... Não adianta dizer que
não está acima do peso. O que importa é que muda a distribuição
desse peso. Ou, em outras palavras, muda o centro de gravidade. O
corpo não "procura" esse centro. Ele sempre dá um jeito de achá-lo.
Quando não acha você cai. Para manter o equilibrio, a musculatura
mais solicitada é a da região lombar, bem onde a dor parece ser
mais forte. Quebra galho: deite-se numa cama e faça ficar parte da
perna para fora da cama. Da metade da canela pra frente. Essa é a
posição de maior relaxamento da musculatura afetada. Fortificar
essa musculatura melhora muito o quadro. Isso é feito com os
abomináveis abdominais.
Neste caso, é preciso levar em conta ainda as diferenças com que homens e
mulheres se comportam na comunicação mediada por computador. É de conhecimento
geral que, entre os gêneros, há diferenças no estilo de utilização da internet, preferências
por sites, etc. Em comunidades virtuais, no entanto, uma das principais diferenças envolve
o tom das mensagens postadas – homens publicam mais textos questionadores,
conflituosos, fazendo uso de sarcasmo, auto-promoção e afirmações irredutíveis, além de
ser responsáveis pela maior parte dos casos de hostilidade na internet, conhecida como
flaming (HERRING, 1994). Mulheres, por sua vez, costumam escrever mensagens mais
curtas, contribuem mais com expressões de concordância, apreciação e apoio, desculpam-se
com mais freqüência e apresentam sugestões ou afirmações indiretamente (HERRING,
1994).
Boa parte das informações ofertadas pelos participantes é acompanhada de um
comentário que identifica a fonte original da informação. As mais citadas são médicos
(obstetras, dermatologistas, etc.), jornais, livros e a internet. O conteúdo das mensagens,
como as transcritas abaixo, reforça a impressão de que a comunidade também atua fazendo
um clipping, funcionando como um arquivo que reúne informações sobre produtos e
serviços relacionados à maternidade, provenientes de diversas fontes.
Ácido fólico 22/02/2005 05:40. Saiu uma matéria na Folha de
São Paulo deste domingo (20/02/2005) falando da importância
do ácido fólico para prevenir defeitos do tubo neural. Ele deve
ser tomado antes mesmo da mulher engravidar, assim que é
interrompido o método contraceptivo e tomar até os 3 meses de
gravidez. Beijos, Adri”
“Isabella - 04/04/2005 10:51. [...]. Devido ao meu grande
interesse em descobrir tudo sobre como evitar essas terriveis
estrias, pesquisei na NET sobre como evitar... Segue abaixo
algumas informações, espero estar ajudando a quem tem as
mesmas dúvidas...Um abraço a todas”
“Aline - 09/6/2005 07:51. Ontem eu assisti uma palestra e a
enfermeira disse que a banheira é ótima para um banho
terapêutico (relaxar o bebê) mas que não é muito boa para um
banho de verdade,para mães sem prática (como eu)... de
qualquer maneira acho que vou comprar...”
Mesmo que em tópicos isolados, a troca de informações em uma comunidade on-
line tende a conduzir o grupo a elaborar projetos designados a satisfazer suas necessidades
de conhecimento, seja viabilizando o acesso a informações que não estão facilmente
disponíveis fora do grupo, seja impactando em eventos ou reações externas à comunidade.
Essas atividades são denominadas por Burnett (2000) como projetos de grupo. Os projetos
de grupo estão frequentemente relacionados às áreas de interesse da comunidade e à vida
pessoal de um ou mais participantes. Um exemplo interessante desta modalidade de oferta
de informações ocorreu em “Gravidez...” motivado pelo depoimento de uma gestante que
pretendia obter mais informações para se defender das restrições abusivas impostas por seu
plano de saúde.
Além de ilustrar o comportamento dos participantes em um projeto de grupo, esse
tópico indica a existência de busca por informações na comunidade também na fase pós-
compra do processo decisório, quando a gestante, supondo não ter tomado a melhor decisão
de compra, considera novas informações obtidas junto aos demais participantes na
avaliação da escolha feita.
“Tati - Samcil nao cobre parto normal 6/7/2005 13:04.Gente
estou revoltada, acabei de ter a informaçao de que a Samcil nao
tem disponibildiade de medico que acompanhe o pre-natal e
faça o parto se for normal. Só se for cesarea. [...] Só a Samcil
pra me alegar que o medico obstetra nao pode se responsabilisar
pelo parto normal, pois senao teria de sair correndo e desmarcar
as consultas. Estou achando isso um absurdo. Vou entrar com
um processo contra eles. Por favor, me ajudem. O que vcs
acham disso???Beijos Mil.”
A partir da solicitação de Tati, diversos membros manifestam seu apoio,
compartilham experiências com o mesmo ou com outros planos de saúde e oferecem
informações úteis para que a gestante leve a cabo sua intenção: exigir que seus direitos
sejam respeitados e processar a empresa. As ofertas de informação são bastante variadas e
direcionadas especificamente ao problema, de modo que coletar os mesmos dados fora da
comunidade exigiria muito mais tempo e esforço.
“Dalila - Eu recomendo entrar em contato com a ANS e com o
Ministério da Saúde, através da Secretaria de saúde da sua cidade.
Não se pode cobrar nenhuma taxa, nem impor q uma mulher
"escolha" a forma do parto por simples motivos financeiros... Isso é
caça-níquel!!Uma boa sorte prá vc!”
“Brunna - 7/7/2005 16:47. A maioria dos convênios que não são
TOP não querem pagar os honorários médicos para que eles façam
partos fora dos dias que estão de plantão. [...]. Além disso, tem
médicos que cobram R$1000 por fora para te fazer o parto seja ele
normal ou cesária.A maioria dos convênios pagam de R$500 a
R$700 um parto [...].Infelizmente é um absurdo!!! [...]
“Tati - Consegui uma posiçao 8/7/2005 12:57. Entrei em contato
com o Departamento Juridico da Samcil, pois já tive um problema
com eles, aonde atraves do Procon consgui o reembolso de quase
R$ 2.000. [...].O tel do Departamento juridico é (11) 3351-2924.Por
favor quem for conveniada Samcil entre em contato direto comigo,
pra podermos nos unir e fazer valer nossos direitos.Beijos à todos
mamaes e seus bebes.”
Conte comigo 8/7/2005 15:06. Xará, Sou repórter do Estadão e
acho que posso te ajudar, caso eles insistam mesmo em querer te
empurrar a cesária. É impressionante como qdo sai no jornal tudo se
resolve. Se quiser me escrever em pvt, meu e-mail é
xxxxxx@yahoo.com.br
. bjs”
Tati 10/7/2005 06:59.Uma opção para vc conseguir um parto
normal é chegar no hospital em trabalho de parto avançado, se seu
médico apóia o parto normal, vc pode contratar uma doula e deixar
ele de alerta via telefone para saber a hora de ir para a
maternidade... Depois conta para gente o que vc consegiu com a
samsil. BEIJOS, Adri”
“Mirela - 13/7/2005 13:26. Você já pensou em ter seu bebê em Casa
de Parto? Talvez seja uma alternativa até que tudo se resolva. Bjos”
Embora se acredite que a comunidade on-line atue como importante fonte de
informação, é relevante lembrar que os participantes podem ampliar sua busca para além da
comunidade e procurar em outros lugares da internet ou em fontes consideradas tradicionais
(contatos pessoais, lojas, etc.). A não ser em situações nas quais os participantes explicitam
em suas mensagens que estão procurando informações em outros lugares (como Tatiana
que, a respeito das meias de compressão afirma: “Vou ver se consigo mais informações
sobre o uso, pois como achei que por enquanto não iria usar, não pedi maiores
informações.”) tais atividades permanecem invisíveis para o pesquisador e para a
comunidade como um todo. Conforme Burnett (2000), no entanto, as comunidades tendem
a reconhecer e tirar proveito de sua posição como parte de um ambiente maior de
informações e, por serem auto-selecionados, seus membros tendem a possuir algum grau de
conhecimento e competência na utilização de recursos externos, mantendo os demais
atualizados e providos de informações externas através da comunidade.
Como as decisões de consumo também são realizadas off-line, extrapolando os
limites visíveis da comunidade, é difícil determinar se as sugestões e recomendações
oferecidas pelo grupo foram levadas em conta, exceto nos casos em que as participantes
revelam, em mensagens de reciprocidade, as decisões tomadas. Ainda assim, é importante
lembrar que a declaração (em forma de texto) de um comportamento pode não ser igual ao
comportamento em si, o que permite apenas que se façam suposições a esse respeito.
5.3 COMPARTILHAMENTO DE EXPERIÊNCIAS
Em algumas situações particularmente vivenciadas por mulheres que estão na
primeira gestação, isto é, inexperientes, as dificuldades em avaliar as características de um
novo produto ou marca são aliviadas com a ajuda de outras participantes da comunidade
que contam com mais conhecimento no tema. Suas opiniões e recomendações parecem ser
consideradas evidências confiáveis e seguras para amparar uma escolha. Uma vez que não
estão ligadas a empresas fabricantes, as participantes da comunidade podem recomendar
marcas e lojas com isenção e propriedade, pois se acredita que a recomendação tem base
nos bons resultados obtidos com experiências anteriores e não em interesses comerciais.
Um dos tópicos da amostra apresenta a troca de experiências em quase todas as
mensagens publicadas e é de grande valia para ilustrar o funcionamento desta modalidade
de influência dentro do grupo. As fraldas descartáveis são um dos produtos mais adquiridos
pelas futuras mães ao longo do período gestacional. É importante ter um estoque razoável
de fraldas antes do nascimento do bebê para evitar imprevistos, uma vez que são
consumidas diariamente, em grande quantidade e, embora tenham conquistado as mães por
sua praticidade, seu preço ainda é considerado elevado por grande parte dos consumidores
brasileiros. A escolha da marca das fraldas também exige cuidados, pois o mercado – em
expansão no Brasil – fez com que dezenas de novos fabricantes surgissem nos últimos
anos, complexificando a escolha. Pequenas diferenças entre as marcas podem representar
economia ou riscos – como o desencadeamento de alergias na pele do bebê, de modo que a
opção entre uma ou outra marca de fralda descartável gera tópicos extensos em
“Gravidez...”. Cada mãe ou gestante procura relatar sua experiência dando a entender que
fez a escolha correta – e pelos motivos certos, ou seja, antes da intenção de economizar,
deve vir a preocupação com a saúde e o conforto do bebê. Nina, por exemplo, relata às
demais que tem comprado as fraldas com as quais é menos provável o desencadeamento de
alergia, mesmo que estas sejam mais caras.
“Nina - Fraldinhas 15/08/2005 16:42. Logo no início da gravidez,
uma colega me falou q é muito comum os bebês terem alergias, e
que a Pampers é a que dá menos alergia. E a que apresenta maior
rejeição por alergia são as da Turma da Mônica. Então as que
comprei, já escolhi Pampers prá não correr o risco. [...]. O q tô
pensando em fazer é o seguinte, como já tenho um pouco, agora
vou esperar até o Gabriel nascer, assim, se ele não tiver alergia
posso comprar das outras q não são tão carinhas qto as Pampers.”
Quando a gestante menciona, no fim de sua mensagem, que comprará fraldas das
marcas mais baratas caso o bebê não tenha alergias, outra participante reage:
“Amanda - Nina 4/9/2005 12:35.Cuidado com marcas muito
baratinhas, porque o barato pode sair caro. Primeiro porque as
fraldas baratas, geralmente se desfazem rapidamente, o gel é uma
porcaria e consequentemente vc tem que trocar muito mais. Então
realmente o melhor é usar marcas mais conhecidas. Agora quanto a
Pampers vermelha e a Jhonsons laranja darem alergia só por causa
da diferença do pacote, ou se tem creme, instansec etc, parece não
ter muito a ver. Isso depende mais da criança mesmo. Eu pesquisei
bastante e comprei mais Pampers básica. é a mais usada por todos
que conheço, família, amigos e comprei umas 100 P e agora estou
comprando M, e estou ganhando M também da mesma marca.[...].”
Ao utilizar expressões como “eu pesquisei” e “é a mais usada por todos que
conheço”, Amanda manifesta a intenção de conferir credibilidade a seu relato e, embora
ainda não seja mãe, afirma já saber como escolher a fralda certa. Sua mensagem desvenda
ainda algumas fontes que utilizou para tomar sua decisão de consumo: família e amigos.
Repudiando a intenção de Nina, de comprar marcas mais baratas, Amanda reforça um dos
valores presentes entre as participantes e, acredita-se, entre as gestantes em geral: para o
bebê, o melhor possível (COLLETT, 2005). Outra gestante, Ana Cristina, chega a brincar
com a questão “economia versus alergia”, sem deixar de avisar a todas que não estava
falando sério, provavelmente para evitar reações exasperadas das demais participantes.
“Ana Cristina - 13/9/2005 05:13. Vários sites nos ajudam qto a isso,
desde que soube estar grávida comecei a me preocupar c/ as fraldas
pq sou muito cismada c/ o futuro. [...] sempre que encontro uma
promoção eu compro um pct...rs. Espero que meu baby não tenha
alergia, pq filho de pobre tem que usar o que tem, rs. É claro que
estou brincando, quero o melhor p/ meu filhote...e p/ o de vcs tb!
Beijos meninas”
Nos demais relatos de experiência publicados no tópico “fraldas”, transparece a
intenção de reafirmar a boa escolha realizada – nas mensagens das que já são mães – e de
estar bem informada, certa de que a melhor escolha será feita – nos textos das que ainda
esperam pelo bebê. Samara, por exemplo, sugere marcas e tamanhos endossando suas
recomendações com uma experiência bem sucedida: Eu fiz um estoque enorme! Meu bb
está c/ 6 meses e meio e ainda não comprei nenhum pacote de fraldas! Hehehe. Passei a
gravidez toda estocando. Assim consegui comprar em boas promoções e economizar”. Lia,
mãe de dois filhos, transforma sua escolha acertada em “regrinhas básicas para o tamanho
da fralda” e finaliza a mensagem afirmando que, com tais regras “é fácil fazer as contas
pois se usa em média 6 fraldas por dia no início e assim por diante. Eu usei esses cálculos e
não tive desperdícios...às vezes pode funcionar com vcs...”. Brunna, mãe de um bebê e à
espera do segundo filho, retoma a mensagem de Amanda, que afirmava não haver diferença
entre as fraldas “básica” e “instantsec” da mesma marca para relatar sua experiência :
“Brunna - Amanda 13/9/2005 07:14. A diferença entre Pampers
Básica e Instantsec é enorme. [...] Eu sempre usei Pampers
Instantsec pq tento usar outras e vaza rapidinho. Aí não vale a pena
pois tenho que trocar toda hora. Noturna da Pampers é excelente, é
a única que nunca vazou e fica no minimo 10 horas...Para recem-
nascido eu gosto da Johnson ou da Monica que é menorzinha que a
Pampers [...]”.
Mesmo participantes que não contam com experiências pessoais tão evidentes como
as mulheres que já têm filhos publicam suas opiniões e relatam suas escolhas, muitas vezes
baseadas em recomendações obtidas junto a amigas e familiares mais experientes:
“Michela - 13/9/2005 09:30Gente, sou mãe de primeira viagem,
mas o que a Brunna falou ouvi de todas as mães...pra P, ok a
Pampers básica pois troca toda hora mesmo, mas pra depois falaram
mesmo que não tem comparação a Pampers vermelha da Verde, a
verde é bem melhor! falaram muito bem das da Turma da Monica
tb. eu já estou com um estoquinho!! pedi no chá! beijinhos,Michela
e Verônica - 32ª semana”
“Fraldas 16/08/2005 04:32. Fiz meu chá de fraldas nesse último
fim-de-semana (estou com 35 semanas). O que as minhas amigas
com recém-nascidos têm dito é que a Pampers básica (vermelha) dá
muita alergia, assim como a Jonnson básica (laranja). Todas, sem
exceção, me recomendaram a Pampers verde e a Turma da Mônica.
Então pedi essas marcas no chá e estou com 1200 fraldas de vários
tamanhos...rs...Vale a pena fazer chá de fraldas e não de bebe...
bjos, Nat”
“Rosana - ??? 5/9/2005 16:50 oi joia sou nova por aqui to gravida
de 4 meses ( 21 semanas acho), e depende muito do bebe se vai da
alergia ou nao minha cunhada ganhou muitas fraldas de marcas
baratinhas e nao deu alergia [...] nenem tem uma pele muito
sensível. tadinhos..acho q nao tem nada a ver com fraldas
nao...abraços”
Percebe-se, dentre as participantes que compartilham seus conhecimentos na
comunidade, a preocupação em convencer os outros membros de que têm experiência e,
portanto, podem opinar com domínio. Para tanto, as mães descrevem o número e o tamanho
das fraldas que devem ser adquiridas, o intervalo entre as trocas, qual a quantidade
adequada para cada fase de crescimento do bebê e tecem comparações detalhadas entre
marcas e modelos – informações que só podem ser obtidas através do consumo do produto.
As que ainda esperam seus bebês publicam mensagens cujo teor afirmativo é amenizado
com a opção por termos semelhantes a “eu acho”, “me parece”, “não é isso?”.
Em um dos tópicos classificado como “Outros dados” na primeira categorização que
antecedeu as análises dos dados coletados para este estudo, as participantes da comunidade
se apresentam, fazendo-se conhecer pelos demais membros através de características como
profissão e idade e indicando se estão ou pretendem ficar grávidas, se já são mães ou têm
conhecimentos profissionais relacionados à maternidade. Além desta apresentação, parece
existir na comunidade uma norma implícita no que diz respeito às “credenciais” das
participantes. Quem publica uma mensagem quase sempre faz saber se já é mãe ou, no caso
de ser gestante, em qual das semanas de gestação se encontra, o que faz com que a
indicação de expertise de cada membro no assunto anteceda as demais informações em seu
relato, indicando a atenção e importância que devem ser atribuídas às mesmas. A
mensagem de Verônica ilustra tal sistema de credenciamento. A participante publica o
“segredo” para lavar as roupinhas do bebê e recomenda uma marca de sabão, mencionando
ser mãe de mais de um be. Tita age da mesma maneira ao compartilhar sua experiência
(de mãe e novamente gestante) com as demais:
“Verônica - 24/8/2005 13:01. Roberta, o segredo do sabão de coco é
tirá-lo completamente da roupa. Tem que lavar até não ter mais
aquele cheiro. Só lavo as roupas dos meus bebês à mão e com sabão
de côco da marca Ruth.”
“Tita - OLA 24/8/2005 10:14. Eu usei sabão de coco OLA com as
roupinhas do meu primeiro filho, sempre lavei na mão e quando o
tempo estava ruim eu torcia na maquina para secar + rapido, essa
semana ja lavei todas as roupinhas da nenen dessa mesma maneira.”
O compartilhamento de experiências, além de influenciar nas decisões de consumo
de participantes que buscam informações, atua – na fase de pós-compra – como mecanismo
de endosso ou reflexão sobre as escolhas feitas. Em um tópico atípico na comunidade, uma
participante relata sua experiência pós-compra, bastante negativa, com uma marca de
móveis e acessórios para bebês, alertando as demais para que não adquiram produtos da
mesma empresa.
“Lu - Móveis KOKADA, cuidado!! 25/7/2005 18:33. Meninas,
estou aqui muito triste em vir contar prá vocês a enorme decepção
com o berço que comprei da Kokada, do qual fiz a maior
propaganda. Estava toda feliz, achando que tinha comprado um
excelente berço para o meu bebê, feito de acordo com normas
técnicas e tal. Uma boa loja, não muito barata [...].6a. feira [...] fui
colocar o Arthur no berço e alguma coisa não me soou bem [...]e
praticamente arranquei o Arthur de lá. [...] o estrado foi com tudo
para o chão!! O berço desmontou!! [...] Conclusão: vou ter que
comprar outro berço!! Dessa vez da Per Bambini, que é mais cara,
mas é uma loja tradicional, muito antiga e da qual só ouço falar
muuuuito bem!! [...] Eu gostaria de ter meu dinheiro de volta, estou
indignada!! Ah, e isso não foi tudo! Começou com um relógio de
parede que comprei, troquei 2 vezes e nunca funcionou [...]. Não
me devolveram o dinheiro, apenas me deram crédito para a compra
de outras mercadorias. [...] Pena mesmo, eu tinha adorado a loja e
adoraria estar falando bem deles, mas com tudo isso é impossível,
né.[...] Mas eu estou brava e decepcionada e agora só posso dizer:
cuidado, não comprem nada lá!!”
A participante descreve a história de maneira bastante detalhada e, embora se diga
indignada e manifeste a intenção de obter ressarcimento pela mercadoria quebrada,
percebe-se que a motivação para compartilhar essa experiência não é a mesma que motivou
outra participante a publicar sua experiência negativa com o plano de saúde. É possível que
Lu tenha sido movida a relatar sua insatisfação pelo desejo de evitar que outras mães
passem por situações semelhantes – uma vez que a queda do berço representa grande perigo
para os bebês. O título da mensagem (e do tópico) já atua como alerta: “Móveis KOKADA,
cuidado!!!” e, ao fim do relato, a participante reforça a recomendação sugerindo às outras
que “não comprem nada lá!!”.
Curiosamente, o relato de Lu não motivou a publicação de outras mensagens
semelhantes nem de manifestações de apoio à autora. Apenas uma participante da
comunidade sugeriu que a consumidora recorresse ao Procon para exigir o dinheiro de volta
e respondeu ao alerta afirmando “Eu não compraria nem um puxador lá!!”.
De modo geral, pode-se considerar que a troca de experiências enriquece o papel da
comunidade como fonte de informações, uma vez que seus participantes diferem entre si
em termos de idade, localização geográfica, renda e expertise no tema. Tomar
conhecimento de experiências de consumo vividas por pessoas que não estariam acessíveis
fisicamente pluraliza as informações e avaliações disponíveis às gestantes que precisam
optar, minimizando o risco o quanto possível, por determinado produto ou marca.
5.4. MANIFESTAÇÃO DE PREFERÊNCIAS E VALORES
Ao longo da permanência na comunidade para a coleta de dados, foi possível
identificar alguns dos valores que o grupo possui em relação ao consumo de produtos
durante a gestação ou após a maternidade. Debates sobre os mais diversos temas foram
pontuados por manifestações – explícitas ou não - de valores e preferências de alguns
participantes. Destacam-se, pela freqüência com que estiveram presentes no fórum de
“Gravidez...” e pela intensidade com que inflaram debates, os cuidados com a aparência e
a intenção de evitar o uso de medicamentos.
Em um estudo realizado para explorar a relação da maternidade com o conceito de
beleza e o consumo de produtos relacionados à aparência, LOPES (2005) identificou,
dentre suas entrevistadas, o uso de cremes, bem como a prática de exercícios físicos e
cuidados com a alimentação como os principais cuidados das mulheres com o corpo
durante a gestação. Em “Gravidez...”, quando temas como alimentação, cosméticos e
ginástica são publicados, as reações das participantes são bastante semelhantes entre si e a
maioria das mensagens publicadas se enquadra nas categorias anteriormente discutidas:
tratam-se de ofertas de informação ou compartilhamento de experiências.
Em algumas mensagens, no entanto, as participantes evidenciam sua preocupação
com a manutenção da aparência e descrevem o quanto investem nos cuidados com o corpo.
Ao responder à preocupação de uma gestante, que ouvira da médica não haver forma de
evitar o aparecimento de estrias, Estela afirma que, em seu corpo “tá tudo lisinho,
bonitinho” e reafirma a necessidade de cuidar da pele para prevenir as estrias.
“Estela - nao é bem assim 3/3/2005 02:02. Olha Eduarda, eu tô
na 29 semana e passo quase que todo dia óleo e creme no corpo
todo, principalmente barriga, seios e quadris! E tá tudo lisinho,
bonitinho! E olha que eu tenho a maior propensao pra
estrias...Se fosse verdade que nada adiantava, entao era só
deixar tudo "cair"??? Ah nao! Tem que se cuidar sim! Beijinhos
e boa sorte pra vc!
Outra gestante responde ao tópico dizendo ter ouvido o mesmo conselho da médica, o
que não a impediu de manter a determinação em cuidar da aparência da pele durante a
gravidez:
“Inês - óleo de bebe 4/3/2005 15:11.eu estou gravida de 31
semanas. e desde o inicio da gravidez eu passo todo dia óleo
de nenem no meu corpo, nao tenho estrias até agora.. nada... e
minha barriga todo mundo fala que ta enorme... minha medica
tb falou pra mim que se vc estiver tendencia para ter estrias
nao adianta... vc vai ter. mas vc pode tentar ter menos... vc
passando oleo todo dia sua pele fica mais macia... se vc ficar
só com estrias fininhas pode até ser que depois da gravidez
some.um abraço.”
Ao buscar manter bonitos também os cabelos, as participantes da comunidade
procuram a maneira mais segura de colori-los durante a gravidez, uma vez que diversas
substâncias químicas encontradas em tinturas são prejudiciais ao feto. As gestantes
recomendam umas às outras possíveis formas de cuidar dos cabelos e, embora todas
priorizem a saúde do bebê, afirmam que irão tingir, alisar ou tratar os fios assim que
possível, como relatam Aline (“eu também adorava a [escova] progressiva, mas...já
comprei minha chapinha, meus creminhos e tenho me virado em casa...”); Ana (“meu
cabelo não mudou em nada a não ser o fato de estar há 3 meses sem pintar, como queria
fazer minha progressiva e pintar porque está um horror!”) e Julinha (“Minha médica
liberou. Fiz luzes essa semana e estou me sentindo beeeeeeeeeeeeem melhor...tava com
uma raiz enorme..ninguém merece!!!Me cuido bastante..não quero parecer uma mamãe
desleixada...”).
Diversos debates realizados na comunidade se originam de queixas das participantes
a respeito dos sintomas característicos do período gestacional, como dores de cabeça,
inchaço, nervosismo, azia, etc. Entre sugestões de produtos e medicamentos e
recomendações de hábitos capazes de aliviar tais incômodos, as participantes manifestam a
preferência pelo uso de medicamentos naturais. Algumas gestantes chegam a demonstrar
desconsideração pelas prescrições médicas em prol da intenção de evitar ao máximo o uso
da alopatia. Ao recomendar soluções para uma gestante que enfrentava insônia e
instabilidade emocional, a proprietária da comunidade enfatiza seus valores pessoais, que
são reforçados por outras participantes, como Ana:
“Naturais. 29/4/2005 11:36. Sou da opinião que devemos
principalmente durante a gravidez buscar por tratamentos e
terapias naturais. Um bom chá de Camomila atua como
calmante e não faz mal. Tem também Florais, homeopatia,
cromoterapia, enfim um monte de formas de se sentir bem sem
precisar colocar uma droga no seu organismo que poderá fazer
mal não só par o bebê como também para vc. Um beijo Adri”
“Ana - 26/5/2005 08:08. oi Vivian, eu antes de saber q estava
grávida era a verdadeira mulher tarja preta, 4 tipos de remédio
por dia eu tomava, parei de um dia pro outro, maluquice....mas
estou aqui, tem horas q acho q vou surtar?....sim......mas tem
alguém mais importante dentro de mim, depois q ele nascer , se
eu precisar ok, mas agora, não.....tenta os naturais.bjs!”
A escolha do termo “droga”, de sentido correto, porém ambíguo, para designar os
medicamentos, reforça a preferência de Adriana pela não-utilização dos mesmos durante a
gravidez. Um conflito decorre do encontro entre a determinação de algumas participantes
em não utilizar remédios e o costume médico de receitar medicamentos (formulações que
podem ser utilizadas por gestantes) para solucionar as queixas de suas pacientes. Os
dilemas das gestantes diante dessa situação são perceptíveis nas mensagens postadas no
fórum de “Gravidez...”:
“Estela. 29/4/2005 13:30 . [...] a médica receitou Pasalix ou
passiflorine a cada 6hs. Eu comprei mas não tomei, optei por chá de
camomila [...]; mais para frente, já com uns quatro meses de
gestação eu não agüentei e tomei uns quatro comprimidos (1 a cada
8hs), quando vi que estava mais calma, guardei de novo e não tomei
mais [...].
“Vivian - 2/5/2005 04:49. Meninas, meu médico falou para eu
tomar lexotan, mas não tive coragem. Ele falou que eu estava muito
nervosa e que era pior para o bebê e como vou entrar na 12 semana,
não teria problema algum. Resolvi tomar 4 gotas de rivotril, eu já
tomava antes e ele resolveu legal.”
“Eu tb tive muita azia :( E o medico tb pediu pra eu tomar um
remedio, mas nao tomei tb...evito tomar remedios nem q eu passe
dor...O q fiz foi mudar minha alimentação [...]”
“Dylana. 29/6/2005 18:17. Meu médico mandou tomar
Mylanta...mas eu acho ruim tomar remédio todos os dias e às vezes
fico aguentando a queimação só pra não ter que tomar todo dia e
fazer algum mal pro bb...”
Quando um participante expõe seus valores e crenças na comunidade, pode estar
atuando na formação de valores conjuntos e na adaptação dos valores pessoais de outros
participantes (DE VALCK, 2005). Embora os participantes de “Gravidez...” difiram em
termos de características sociais e demográficas, seus valores se apresentam bastante
semelhantes, minimizando o surgimento de debates exaltados a esse respeito. Algumas
vezes, no entanto, despontam no fórum discussões normativas sobre, por exemplo, a
utilização ou não de determinado medicamento para aliviar a dor de cabeça das quais
derivam debates travados entre participantes com diferentes opiniões e valores. A atmosfera
aberta da comunidade (qualquer um pode afastar-se do grupo no momento em que desejar)
facilita a ocorrência dessas discussões, o que enriquece as possibilidades individuais de
obter informação e diferentes avaliações para quaisquer situações relacionadas à
maternidade, inclusive situações de consumo.
5.5 ACEITAÇÃO DE OPINIÕES/INFORMAÇÕES E RECIPROCIDADE
A literatura de marketing já realizou alguns esforços no sentido de compreender
porque as pessoas compartilham suas experiências e conhecimentos com as demais. No
caso de uma comunidade on-line, onde, a priori, os participantes não têm laços sociais
estreitos, é preciso pensar em uma explicação alternativa à simples benevolência ou
vontade de ajudar. A expectativa de obter reciprocidade, ou seja, de ser atendido com
ofertas de apoio ou informações úteis caso venha a precisar de ajuda é uma das possíveis
motivações para o compartilhamento de conhecimento e experiências em comunidades
virtuais. No entanto, essa justificativa só parece viável em comunidades com identidades
fixas – como “Gravidez...” – pois é preciso que o participante seja reconhecido ao longo do
tempo por suas participações para que a reciprocidade ocorra. Se as mensagens forem
muito esporádicas ou publicadas anonimamente, é improvável que tal participante receba a
ajuda do grupo quando precisar. Além disso, explicitar o que se sabe também pode resultar
na sensação de prestígio ou popularidade junto ao grupo (BURNETT, 2000).
Ao receber informações e opiniões que lhes são úteis, os participantes da
comunidade costumam publicar no fórum mensagens de agradecimento. Outras vezes, além
de agradecer pelas informações recebidas, os participantes complementam as mesmas
oferecendo retorno ao grupo, como forma de demonstrar seu comprometimento com quem
lhes presta auxílio. Comportamentos como estes, desenvolvidos por consumidores com a
expectativa de beneficiar os demais, podem ser explicados pela teoria das normas sociais
(WIERTZ, RUYTER; STREUKENS, 2002), segundo qual as expectativas a respeito de
como um indivíduo deve ou deveria se comportar são impingidas pela promessa de
recompensas ou pela ameaça de sanções por parte do grupo ou do próprio indivíduo.
Conforme Wiertz, Ruyter e Streukens (2002), a norma da reciprocidade é capaz de
explicar comportamentos socialmente favoráveis (como os encontrados em “Gravidez...”)
ao passo em que especifica que as pessoas deveriam ajudar aqueles que as ajudaram, ou
seja, que um retorno deve ser oferecido em troca de benefícios recebidos. Em alguns casos,
um participante pode colocar uma informação no local exato (no caso, o fórum da
comunidade) para ser encontrada por centenas de pessoas que ele não conhece, mas que
estão extremamente interessadas no tópico e, em outros casos, centenas de pessoas
desconhecidas fazem a mesma coisa por este participante. Os autores afirmam ainda que as
normas individuais, além das sociais, também parecem ser importantes para a determinação
de comportamentos socialmente favoráveis como a gratidão e a reciprocidade.
Em relação às mensagens postadas na comunidade, manifestações desta espécie não
servem apenas para identificar comportamentos favoráveis e normas sociais, mas indicam
ainda a possível consideração das informações recebidas pela gestante em sua tomada de
decisão. Os depoimentos de algumas gestantes ilustram essa possibilidade:
“Susanna - obrigada! :) já liguei pra me informar nas clínicas... to
pensando em fazer uma vez por semana tb, pelo menos agora no
inicio.obrigada, meninas!bjos a todas”
“Maura - que bom saber que o matherskin é bom creme.estou no
terceiro mes e estou usando ele tb... mas como minha barriga é
muito pequena ainda. naum dava p saber se ele era bom....Gostei da
noticia... beijos. ah, dizem que o da payot tb é muito bom.”
Obrigada meninas Acho que vou esperar mesmo [para iniciar as
aulas de yoga], afinal são só mais 15 dias... Melhor não
arriscar.Beijinhos.
Obrigada pela dica!!!! Obrigada amiga!!! Com certeza vou
comprar esse livro, pois realmente as dúvidas são muitas!!! [...] e o
desconhecido dá medo, insegurança. Mas tenho certeza de que
optarei pela melhor escolha. Beijos
Adriana Obrigada pela dica. O GAMA fica pertíssimo da minha
casa! – Ana Lúcia.
A reciprocidade nem sempre aparece de forma imediata e, portanto, só pode ser
apreendida com o acompanhamento dos debates no fórum da comunidade ao longo do
tempo. Por vezes, no entanto, um participante revela sua intenção de auxiliar os demais em
troca das informações recentemente obtidas (no mesmo tópico ou seqüência de mensagens).
Após receber informações de várias participantes sobre a prevenção de estrias, Isabella
publica a seguinte mensagem, através da qual agradece e atua de modo recíproco:
“Isabella - 04/04/2005 10:51.Muito obrigada pelas dicas... serao
muito uteis. Devido ao meu grande interesse em descobrir tudo
sobre como evitar essas terriveis estrias, pesquisei na NET sobre
como evitar... Segue abaixo algumas informações, espero estar
ajudando a quem tem as mesmas dúvidas... Um abraço a todas.”
As mensagens podem conter ainda pistas que permitem acreditar no efeito da norma
de reciprocidade ao longo do tempo de participação da gestante na comunidade, como nos
casos de Dylana, que promete publicar mais alguma receita para o alívio da azia em troca
das recebidas e de Samara, que assegura retornar ao fórum para contar os resultados da
experiência com um produto sugerido pelas demais participantes:
“Dylana - Obrigada meninas!! 30/6/2005 18:10. Olá! Obrigada
pelas dicas! Vou testar o tomate e o chá após as refeições! Tenho
tomado água gelada e com um pouco de limão, é horrível mas dá
uma aliviada (não por mto tempo...) Se eu encontrar mais alguma
receitinha eu posto aqui tb! Valeu meninas!! Dyla e Mayara (24
semanas)”
“Samara - Gostei da idéa, vou tentar... 31/8/2005 13:12. O meu
Guilherme está com quase 7 meses, mas não dorme bem a noite.
Vou experimentar fazer isso com um balde [...] p/ ver se ele relaxa
mais e dorme melhor... Depois conto o resultado...”
Embora não haja evidências conclusivas, pois as decisões de consumo são tomadas
além dos limites da comunidade, mensagens contendo agradecimentos, manifestando a
aceitação das informações recebidas e sugerindo reciprocidade são indícios de que a
comunidade pode atuar na modificação de comportamentos e conhecimentos de seus
participantes, influenciando suas decisões de consumo.
5.6 PRESSÃO PARA CONFORMIDADE
A pressão para a conformidade existe, na comunidade “Gravidez...”, mas aparece de
forma bastante diluída dado o tom cordial que guia os debates e as atividades mantidas na
comunidade e também devido ao caráter aberto do grupo (bem como da maioria das
comunidades virtuais), que permite a fácil saída de um indivíduo caso este se sinta
demasiadamente pressionado a acatar opiniões, idéias ou valores de outros participantes. A
dificuldade em avaliar o perfil dos membros do grupo também interfere no mecanismo de
pressão para conformidade, uma vez que, em comunidades virtuais, a imagem do indivíduo
é construída apenas com base em suas declarações e não há como confirmar o prestígio ou
status de um indivíduo através de suas escolhas de consumo sendo as mesmas não
verificáveis. Não obstante, a pressão para conformidade ocorre quando o grupo incita um
de seus membros a adotar comportamentos ou opiniões associadas com o perfil de uma boa
gestante ou mãe.
A importância de ser uma “boa mãe”, de fazer o melhor possível pelo bebê e
também de manter-se bela, emocionalmente equilibrada e ainda produtiva ao longo desse
processo faz com que as gestantes não descuidem de nenhum aspecto, por menor que este
seja, referente ao bem-estar e à saúde de seu bebê. Collet (2005) descreve uma tendência,
conhecida entre as norte-americanas como “new momism”, que torna imprescindível, para
uma boa mãe, devotar completamente seu físico, mente e intelecto, em tempo integral, a
seus filhos – e apreciar cada minuto dessa dedicação.
Algumas participantes acrescentam a suas mensagens fortes asserções cuja
finalidade é, possivelmente, a de pressionar outras participantes a agirem conforme
determinada opinião ou crença sua. Mesmo que de maneira sutil, amenizada por expressões
de gentileza e apoio, as mensagens publicadas por Lara e Kênia em resposta à reclamação
de uma participante que afirmava não ter vontade de beber água durante a gestação contêm
aspectos que indicam pressão para conformidade:
“Lara - Se esforce um pouquinho... 21/7/2005 13:26. Oi!Veja se
consegue ir aumentando aos poucos o consumo de água! Um copo
hoje, um e meio amanhã e assim por diante. Tente também beber
sucos naturais. O de limão, além de não engordar quase nada, é rico
em vitamina C e, no meu caso, tirava todo o enjôo e a azia. Ele é
prático e barato pode ser feito rapidinho em qualquer lugar! É uma
maneira de se manter hidratada e hidratar o bebê! Espero que
consiga!Beijos, Lara
“Kênia - Com certeza 21/7/2005 20:24. Sem querer te desanimar,
mas...água é fonte de vida. Eu sempre tomei pouca água tb, mas
durante a gestação aumentei bastante e tem sido ótimo para o
crescimento do bebê. Além do que, a água ajuda a formar o líquido
aminiótico, que em pouca quantidade acaba ocasionando partos
precoces. Faça uma forcinha, no início é ruim, mas vc acaba se
acostumando. [...] Boa sorte!”
Além desta tendência, transparece em “Gravidez...” um dos valores da proprietária
da comunidade, defensora do parto humanizado ou natural, opção também feita por
diversas das participantes. Quando surgem tópicos com dúvidas a respeito de qual
maternidade ou tipo de parto escolher, a pressão para conformidade a esse valor se faz
presente nas mensagens:
“Adriana - 31/03/2005 07:17.Concordo com a Lu e a Patricia, só
não esqueça de questioná-los também sobre parto, fuja dos que
forem a favor da cesárea.Beijos,Boa sorte!Adri”
“Anônimo - Já li o livro e pude comprovar 03/04/2005 23:10.
Já li o livro e pude comprovar, ele é ótimo e realmente te ajuda
a fazer uma escolha informada. O importante é saber que nós é
que estamos no controle da nossa gravidez, acima de tudo, não
podemos engolir goela abaixo tudo que alguns médicos nos
impõem, só porque têm um diploma!
Ao analisar a influência das comunidades virtuais para diferentes tipos de
participantes, De Valck (2005) busca possíveis explicações para a existência de pressão
para conformidade nas comunidades mesmo diante da impossibilidade de verificar o
comportamento real (em oposição ao relatado) dos membros. Na avaliação dos resultados
de seu estudo, De Valck (2005, p. 236) se surpreende com a evidência de que os membros
que desejam se adequar às expectativas dos outros e que procuram se identificar com as
pessoas ao seu redor sofrem mais influência da comunidade virtual do que os membros que
não são suscetíveis às opiniões e pressões alheias.
A autora acredita que as comunidades on-line possam ser utilizadas apenas como
mais uma fonte de informação para que o indivíduo se assegure de que seus padrões
estejam em concordância com o que está “in” e “out” em relação ao tema tratado ou, ainda,
que os indivíduos mais suscetíveis à pressão para conformidade procurem, na comunidade
virtual, uma voz alternativa que esteja de acordo com suas próprias normas e a utilizem
para endossar suas crenças e comportamentos junto a seus grupos de referência
tradicionais.
Em “Gravidez...” a segunda explicação para a existência de pressão parece ser mais
adequada, uma vez que as recomendações e valores postulados pelos participantes diferem
das manifestações normalmente encontradas em grupos de referência tradicionais, como
quando as gestantes se referem às recomendações médicas e declaram a decisão de não
acatá-las em conformidade com os valores defendidos pela comunidade, o que se percebe
na mensagem de Clarissa:
“3/5/2005 10:00. Mil tnks pelas respostas!!! A principio vou tentar
essa dica do mamao e da agua que me parecem as mais simples, e
se nao der certo vou ver se encontro aqui esse travesseiro, ja que
esses remédios nem devem existir onde eu moro (genebra) e mesmo
assim quero evitar ao maximo! beijos e obrigada!”
5.7 VERIFICAÇÃO DOS RESULTADOS JUNTO AOS PARTICIPANTES
A verificação dos resultados junto aos participantes de “Gravidez...” deu-se através
de um tópico, publicado pela pesquisadora no fórum de debates da comunidade, que
retomava os principais objetivos da pesquisa e convidava os membros do grupo a ler os
resultados e opinar sobre eles. Ao longo de três semanas, mais de quarenta participantes
solicitaram o envio do texto, que consistia em uma versão resumida do capítulo de
resultados. Apenas quatro, no entanto, ofereceram retorno, enviando e-mails com suas
opiniões sobre as descobertas de pesquisa. Seus comentários foram bastante favoráveis e as
participantes que opinaram concordam que a interpretação da pesquisadora faz jus às
atividades da comunidade, como afirma, por exemplo, Marina:
“Daiane, eu acho q é assim mesmo que a comunidade funciona. A
gente tah sempre se ajudando com informações e trocando idéias
sobre as coisas, os medos da gente...eu tbem sempre agradeço a
ajuda das outras mamães e sempre tenho algum apoio pra dar nos
momentos dificies. Então, minha opinião é q está bom o teu texto,
descreve direitinho.”
Os participantes de comunidades virtuais estão sempre mudando. Uma gestante,
após ter seu bebê, vai procurar comunidades sobre amamentação ou cuidados com bebês,
por exemplo, às quais possa se afiliar. Assim, os membros que fizeram a leitura não são,
necessariamente, os mesmos que produziram os dados coletados. Em um dos casos, a
leitura e avaliação dos resultados da netnografia foi a primeira atividade da participante na
comunidade e auxiliou-a a integrar-se no grupo.
“Pra falar a verdade foi assim: eu me inscrevi no orkut na
metade da minha gravidez, daí passei a fazer parte da comunidade,
mas, por falta de tempo não lia os tópicos nem participava de
debates ou fóruns. Só fui participar depois q vc me mandou seu
texto. É realmente mto bom e está perfeito, acho q assim mesmo q
acontece. Aliás, tenho q agradecer, pq tive algumas dificuldades, e
por estar participando recebi ajuda de muitas das meninas...
Obrigada, parabéns e boa sorte...”.
Acredita-se que o baixo índice de resposta à solicitação de avaliação do texto se
deva ao fato de que muitas das participantes ativas na comunidade durante o período de
observação participante sejam agora mães e dediquem-se em tempo integral aos cuidados
com os recém-nascidos. Outra possibilidade é que, mesmo com a eliminação de referências
teóricas e simplificação dos termos, o texto descritivo dos resultados tenha parecido
demasiadamente complexo às participantes, não habituadas a refletir sobre suas próprias
práticas na comunidade. Como não houve manifestações contrárias às descrições do texto
durante o período determinado para a obtenção da avaliação das descobertas pelos
membros, considerou-se os depoimentos recebidos como evidências suficientes da
verificação e aceitação dos resultados de pesquisa pelos participantes da comunidade.
Ao retomar os resultados encontrados em cada uma das categorias de análise, é
possível perceber, a despeito da não obtenção de confirmações diretas dos participantes
para os resultados, a influência exercida pela comunidade nas diferentes etapas do processo
decisório e identificar as principais formas desta influência. Estas considerações, bem como
as limitações do estudo e suas implicações para acadêmicos e profissionais de marketing
serão abordadas no capítulo seguinte, que trata das conclusões deste estudo.
6 CONCLUSÕES
Esta dissertação tem como propósito a investigação das comunidades virtuais em
sua atuação como grupos de referência para o consumidor e buscou compreender sua
influência nos processos decisórios deste. Dada a natureza essencialmente qualitativa da
pesquisa conduzida, e sendo a mesma baseada em apenas uma comunidade on-line, as
conclusões aqui apresentadas não devem ser tomadas como resposta única e definitiva ao
problema proposto. Soube-se, desde a opção pela netnografia como método de pesquisa,
que os resultados obtidos seriam de ordem exploratória e que seu valor residiria no fato de
que este tipo de pesquisa, ao descrever os processos de interação que ocorrem em um
grupo, “ilumina”; esclarece o dinamismo interno das situações, freqüentemente invisível
para observadores externos (TRIVIÑOS, 1987).
Este capítulo apresenta, portanto, à guisa de conclusão, uma retomada dos objetivos
específicos de pesquisa e as reflexões da autora sobre as descobertas feitas com o estudo,
além de abordar as limitações do mesmo, bem como suas implicações gerenciais e
acadêmicas. Por fim, são oferecidas sugestões para futuras pesquisas – que permitirão
aprofundar e ampliar as descobertas desta – e algumas considerações finais.
6.1 REFLEXÕES SOBRE AS DESCOBERTAS
A busca por identificar as características do relacionamento entre membros de
comunidades virtuais salientou diversos aspectos relevantes para a compreensão das
relações de influência entre consumidores. Para entender estes aspectos, é útil lembrar que
a adesão às comunidades on-line é espontânea e qualquer participante pode desligar-se do
grupo com a mesma facilidade com que entrou – diferentemente dos vínculos estabelecidos
com os grupos de referência tradicionais, que costumam ser duradouros e cujo rompimento
pode implicar em diversas sanções sociais.
Uma das diferenças essenciais no relacionamento de indivíduos em grupos de
referência tradicionais e nas comunidades on-line se deve à variabilidade de interações –
agregando indivíduos diferenciados social e demograficamente – possibilitada por grande
parte dos grupos mediados por computador. Tradicionalmente, os grupos de referência se
constituem de pessoas geograficamente próximas, com valores, hábitos e padrões de
comportamento semelhantes. A dispensa da proximidade física torna as comunidades
virtuais locais onde o indivíduo pode trocar informações e compartilhar experiências com
pessoas extremamente diversas dele, enriquecendo suas interações e ampliando as
possibilidades de que seus valores e crenças sejam questionados e de que novas atitudes ou
comportamentos sejam conhecidos e eventualmente adotados.
Ao mesmo passo em que está presente a diversidade, em uma comunidade todos
compartilham ao menos um mesmo interesse, o que confere aos participantes entusiasmo
para debater o tema com quem tem paixões e inclinações similares às suas. Um grupo de
referência tradicional nem sempre comporta membros com interesses similares. No caso da
maternidade, por exemplo, uma gestante pode não encontrar, dentre suas familiares, amigas
e colegas de trabalho, outra mulher grávida com quem possa dividir suas inquietações ou a
quem possa pedir informações. Além disso, a comunidade “Gravidez, parto e maternidade”
também mostrou haver, dentre seus participantes, várias mulheres que moram no exterior e
que, estando distante de seus grupos de referência tradicionais, tomam a comunidade como
uma fonte confiável para obter o apoio que necessitam. Para estas gestantes, obter
informações acessando a comunidade, que está disponível 24 horas por dia e 7 dias por
semana através da internet, se torna mais fácil, mais rápido e mais barato do que realizar
qualquer contato com os amigos ou familiares que ficaram no Brasil.
O relacionamento dentre os membros da comunidade (e aqui é possível imaginar
que o mesmo ocorra em outras comunidades com características similares às de
“Gravidez...”) assume, portanto, os mesmos aspectos do relacionamento de indivíduos
pertencentes a grupos “físicos”, atuando como substituto ou complemento a estes, com o
atenuante de que, em comunidades virtuais, os participantes são livres para romper o
vínculo com o grupo e procurar outro, mais de acordo com seus valores e opiniões, caso
haja divergências ou conflitos em excesso. A despeito desta liberdade de entrada e saída,
uma vez tendo estabelecido vínculos com outros participantes e alinhado seus objetivos
com os do grupo, é mais provável que um indivíduo busque resolver suas insatisfações e
permaneça na comunidade em vez de abandoná-la assim que surgir a primeira
contrariedade (DE VALCK, 2005). Em “Gravidez...”, os debates em que há oposição de
valores são indícios desta tendência.
A ausência de questionamentos diretos aos participantes em relação a suas
atividades na comunidade não permite identificar, com precisão, a freqüência com que os
membros visitam o ambiente. Contudo, a publicação de tópicos, com dezenas de
mensagens que se sucedem em um mesmo dia, indica alta freqüência em “Gravidez...” e, a
análise dos tópicos publicados desde o surgimento da comunidade permite verificar que a
participação de certos membros, além de freqüente, é contínua, ou seja, se mantém ao longo
dos meses. Assim, pode-se tomar “Gravidez...” como um grupo com o qual os indivíduos
interagem de maneira contínua e informal, sendo, ao mesmo tempo, uma agregação
suficientemente pequena para facilitar a interação irrestrita entre os membros –
manifestando ainda coesão e motivação para a participação. Acredita-se, portanto, que
“Gravidez...” possa ser considerada um grupo de referência primário, ao menos para os
participantes que incorporam o grupo em seu dia-a-dia e atribuem a ele grande importância.
Conforme as considerações estabelecidas ao longo do referencial teórico, sabe-se
que alguns fatores são indicativos da atuação de um agrupamento como grupo de
referência. A ocorrência de pressão para conformidade e aquiescência normativa, as
manifestações de preferências e expressões de valor e a troca de informações foram os
principais fatores incluídos nesta investigação.
Em comunidades virtuais, a pressão por parte do grupo é amenizada pela facilidade
de rompimento de vínculo encontrada pelos participantes. Encontrou-se em “Gravidez...”
apenas manifestações sutis em que uma ou outra participante pressionava as demais a agir
conforme o que julgava mais adequado. A pressão, além de não ser muito freqüente,
também tem sua eficácia como mecanismo de influência reduzida em “Gravidez...” e em
outras comunidades puramente virtuais, pois o comportamento (a escolha, a decisão de
consumo) de participantes destas comunidades, cujos membros não se encontram off-line,
ocorre além do conhecimento dos demais e não é verificável, a não ser por declarações do
próprio consumidor. Assim, pode ocorrer falsa aquiescência, como quando um membro
simplesmente declara modificação em suas atitudes e opiniões para adequá-las às do grupo
– como se houvesse cedido à pressão – e, no entanto, mantém suas convicções e escolhas
anteriores.
As expressões de valor, por seu turno, são freqüentes em “Gravidez...”os valores
declarados não variem muito. A necessidade de associação psicológica ao grupo
transparece na exaltação de suas crenças por parte de algumas participantes. Alcançar uma
imagem positiva junto aos demais pode ser o único resultado esperado, mas é possível que
estas manifestações de valores influenciem outros participantes, também desejosos de
melhorar sua imagem e de serem respeitados e admirados na comunidade. Na comunidade
investigada, valores como “cuidar do corpo durante a gestação” e “evitar remédios”,
expressos em diversas mensagens, tornam-se parâmetros para novas participantes, para
gestantes inexperientes e, possivelmente, também para os lurkers que, sem debater, apenas
apreendem essas informações junto ao grupo. Quando as participantes manifestam sua
satisfação com a boa forma obtida através de muitos cuidados estéticos ao longo da
gravidez, por exemplo, é possível que um membro associe esse comportamento com um
relacionamento satisfatório e definidor do self, passando a adotá-lo através do processo de
identificação.
A troca de informações e o compartilhamento de experiências são as atividades
essenciais da comunidade, uma vez que a intenção de boa parte dos participantes, ao
inscrever-se no grupo, é a de se engajar nessas trocas para ajudar a si e aos demais. Alguns
depoimentos, publicados em um dos primeiros tópicos de debate em “Gravidez...”, ilustram
essa concepção:
Daniele - Apresentação 1/11/2004 05:20. [...] Espero poder
compartilhar experiências e ajudar no que for possível.Um grande
abraço a todas.Pra quem quiser visitar meu blog, o endereço é:
www.xx.weblogger.com.br
.”
Apresentação 2/11/2004 14:48.Apesar de nunca ter ficado
"gravido", resolvi ser o primeiro homem a me escrever nessa
comunidade por ser apaixonado pela obstetrícia e um entusiasta do
parto normal. [...] Meus interesses nessa comunidade são: entender
um pouco mais esse periodo fantástico da vida da mulher pela ótica
feminina e se possível contribuir com alguma informação.
Abraços.”
Adri e todas(os) 3/11/2004 12:19.[...] Hahh, estou adorando a
comunidade.. Ainda me sinto meia perdida e não sei direito onde
devo escrever.. rss [...] Certamente vamos trocar muitas
experiências... Abraços a todas(os)”
Oi 3/11/3004 12:39.[...]. Não se preocupe com regras, o
importante e vc compartilhar experiências e contar com todos os
membros dessa comunidade para tirar dúvida ou apenas bater-papo.
Conte comigo!!!Um beijo,Adri
“NOVA GRÁVIDA NO PEDAÇO 3/11/2004 15:22.Como a
diferença para a minha filha vai ser grande, preciso me reciclar para
começar tudo de novo. Gostei muito da comunidade e da
oportunidade de trocar informações com todas vcs.Um Grande
beijo”
A troca de informações e o compartilhamento de experiências dentro de
“Gravidez...” ocorrem em todas as fases de processos decisórios diversos, com destaque
para as fases pré-compra – busca de informação e avaliação de alternativas em decisões
simples de produtos e marcas. Ao solicitar informações à comunidade, os participantes
obtêm respostas de membros com as mais variadas opiniões e experiências, conseguindo
ampliar seu espectro de conhecimento e incluindo novas alternativas a ser avaliadas na
decisão de consumo.
De modo geral, as informações obtidas junto à comunidade parecem ser
consideradas confiáveis pelas gestantes e o conhecimento proveniente de alguns
participantes em especial, como a proprietária da comunidade, Adriana, ou outras mães
experientes, é levado em alta consideração pelas futuras mães que participam do grupo. A
comunidade parece ainda ajudar seus membros a lidar com a sobrecarga de informações
provenientes de diversas fontes. Especificamente em relação à internet, os membros mais
experientes podem atuar como filtros, para identificar quais as informações realmente
relevantes e interessantes para as gestantes, dentre todos os conselhos, dicas e dados
disponíveis na rede. As “experts” ainda confirmam ou desmentem conselhos de amigos,
crenças e superstições sobre a gestação, recomendações médicas e também de fabricantes e
vendedores sobre algum produto, serviço ou marca.
Diferentes tipos de processos decisórios surgem dentre os debates da comunidade e
as opiniões e informações dos participantes parecem ser levadas em conta, com a mesma
confiança, para a tomada de decisões relativamente simples, como a escolha de um creme
hidratante, ou mais complexas, de maior risco, como a escolha de um hospital ou
maternidade para o parto. Decisões de tal importância, no entanto, são submetidas ao
julgamento da comunidade com menos freqüência, geralmente por participantes muito
inexperientes ou por gestantes inseguras quanto a uma escolha já feita. Cabe aqui relembrar
a impossibilidade de verificar, através dos textos publicados na comunidade, o
comportamento e as decisões de consumo (off-line) dos participantes.
O compartilhar de experiências se mostra de grande importância para as
participantes, ao passo em que permite corroborar explicações médicas, aliviar o medo que
surge ao lidar com transformações desconhecidas e minimizar os riscos implícitos na
tomada de decisões adequadas durante o período gestacional. É comum que uma gestante
inexperiente valorize o conhecimento de mulheres que já são mães, apreciando ouvir seus
relatos (ao exemplo de uma participante, que afirma: Sim, estou tendo todo
acompanhamento necessário com meu médico, mas é que as mães já experientes têm
sempre um segredo guardado para melhorar a ansiedade da hora...). Encontrar centenas
delas reunidas em um único ambiente, dispostas a dividir suas vivências e auxiliar as menos
experientes, pode ser extremamente reconfortante para quem busca informações, apoio e
segurança no período gestacional. Uma gestante até indica à outra visitas à comunidade
como forma de reduzir a ansiedade provocada pela espera do bebê: “Ah! Já ia esquecendo,
entre bastante no Orkut, leia todos os tópicos, dê bastante opinião, fique horas navegando...
Vai te fazer muito bem!!! Bom, espero que tenha ajudado!!! Beijinhos!!!!”.
A maior parte dos tópicos analisados nesta pesquisa foi iniciada por mulheres que
estavam em sua primeira gestação. As respostas às dúvidas e solicitações, por sua vez,
advêm das participantes mais familiarizadas com a maternidade, indicando uma
hierarquização dos membros do grupo, como ocorre em grupos de referência tradicionais. É
provável que a influência desta comunidade on-line como grupo de referência varie para
diferentes participantes – mães de primeira viagem, mulheres que moram longe da família,
mães experientes, etc. – e não de acordo com o tipo de bem de consumo, como na
proposição de Bearden e Etzel (1982), pois a convivência em ambientes virtuais não sofre a
interferência da conspicuidade do consumo (produtos de consumo público x bens de
consumo privado) ou da natureza deste (artigos de luxo x necessidades). Sabendo que suas
decisões de consumo não são visíveis aos demais membros da comunidade, a probabilidade
de que um participante seja mais ou menos influenciado pela comunidade pode ser
atribuída a outros motivos, tais como seu desejo de aceitação social, sua experiência com a
situação ou decisão e seu nível de autoconfiança.
Além disso, os diversos tipos de poder se materializam em determinados
participantes da comunidade, ampliando sua capacidade de influenciar os demais. Médicos
podem ser considerados detentores de poder referente; jornalistas, acupunturistas,
farmacêuticos, esteticistas, etc., detêm o poder informacional, pois são capazes de acessar
informações “verdadeiras” sobre produtos, marcas e fatos, enquanto doulas e mães
experientes são consideradas experts em maternidade e possuem conhecimentos específicos
sobre o tema.
Acredita-se, contudo, que o mais relevante, para se pensar em “Gravidez...” como
um grupo de referência, é que os próprios participantes concebem este espaço como seu.
Consideram-no um grupo isolado do “mundo lá fora” e percebem a si mesmos como parte
deste grupo, indissociando-se dos demais participantes na constituição da comunidade. Essa
percepção se evidencia em depoimentos de membros do grupo, como: “Mande beijinhos
para ela e diga-lhe que ela tem muitas "tias" corujas aqui no Orkut.”; “Estamos com certeza
todas as mamães muito felizes com a noticia!!”; “É claro que você pode contar conosco
sempre que precisar..” ou “ Não deixe de nos contar como foi tudo. Afinal, nós que
queremos ter filhos de parto normal estamos muito ansiosas!”. O reconhecimento de que
pertencem a um grupo pode ser tomado como ponto de partida para que estes participantes
considerem “Gravidez...” como grupo de referência, atribuindo-lhe importância e peso em
suas decisões de consumo.
Buscando compreender os agrupamentos virtuais como fontes de influência
interpessoal, Bickart e Schindler (2001) procuraram, em fóruns on-line, três características
que os fariam influentes: empatia, credibilidade e relevância. Em “Gravidez...” estes três
fatores estão presentes e foram identificados no discurso dos participantes, em descrições
feitas ao longo da apresentação dos resultados desta pesquisa. No Orkut, a existência de
uma página com informações pessoais de cada participante e de fotos que acompanham
cada mensagem publicada ajuda a aumentar a credibilidade das informações oferecidas e
das experiências compartilhadas na comunidade. Além disso, pode aumentar também a
relevância do grupo para os membros (ao destacar similaridades entre eles) e reforçar o
surgimento de empatia entre os participantes, uma vez que as fotos selecionadas pelas
gestantes costumam mostrar seus bebês, sua barriga durante a gravidez ou um casal feliz –
ilustrações bastante simpáticas às mulheres que vivem a mesma fase.
É possível compilar estas observações sobre os resultados em uma concepção de
“Gravidez...” como um grupo de referência que atua em diferentes intensidades para
diferentes participantes, influenciando suas decisões de consumo – principalmente nas fases
pré-compra dos processos decisórios – através da troca de informações e do
compartilhamento de experiências, o que caracteriza a comunidade como um grupo de
referência primário e de influência essencialmente informacional. Estas considerações
encontram endosso na afirmação de Cruz, Henningsen e Williams (2000), que atestam a
predominância da influência informacional quando a principal preocupação do consumidor
é com a qualidade da decisão – fator facilmente percebido nas considerações das gestantes
durante seus processos decisórios.
6.2 IMPLICAÇÕES ACADÊMICAS E GERENCIAIS
Uma vez conhecida a relevância dos ambientes virtuais na vida cotidiana (incluídas
aí as relações sociais) dos indivíduos que utilizam a internet, pode-se conceber o quanto é
importante que as principais teorias de toda área de marketing e do comportamento do
consumidor empreendam esforços com o objetivo de revisar suas proposições – para
conhecer e abarcar as modificações ocasionadas pela disseminação das atividades de
interação mediada por computador.
Ao que se sabe, esta é a primeira pesquisa realizada no Brasil a utilizar a netnografia
como método de investigação do comportamento on-line dos consumidores. Apesar de
carecer de alguns ajustes e de muito aperfeiçoamento (como qualquer novo método de
pesquisa), mostra-se bastante eficiente e promissor – dada sua multiplicidade de aplicações
– para que acadêmicos e profissionais de marketing investiguem diversos fenômenos do
comportamento do consumidor.
No caso desta dissertação, a netnografia permitiu obter resultados que apontam,
como diversos outros estudos da área (DE VALCK, 2005; BICKART; SCHINDLER,
2001; BURNETT, 2000), para a importância atribuída pelos consumidores às informações
e conhecimento que obtêm ao interagir uns com os outros em ambientes virtuais. É
importante que as interações entre os consumidores, ocorram elas em ambientes físicos ou
virtuais, sejam valorizadas. Em consonância com a crescente adesão dos indivíduos às
interações sociais mediadas por computador, ao apoiar o desenvolvimento de comunidades
virtuais temáticas em sites de empresas, os administradores podem gerar interesse adicional
dos consumidores pela categoria do produto. De modo mais simples, uma empresa pode
optar por incluir, em seu site, links para comunidades virtuais cujos temas estão
relacionados aos seus produtos ou serviços ou patrocinar comunidades independentes. Em
todos os casos, é muito importante que a comunidade não seja abertamente manipulada pela
empresa, para que não perca sua credibilidade junto aos membros. O desafio aos
gerenciadores dos grupos passa a ser permitir que informações não favoráveis à empresa,
marca ou produto, surjam nos debates, uma vez que qualquer manifestação de censura ou
defesa que afete um fórum de discussão de outra forma que não sendo a intervenção de um
simples participante pode destruir a credibilidade e bloquear a habilidade da empresa para
incentivar que o consumidor utilize essa ferramenta importante na produção de
informações.
O conhecimento adquirido com a investigação de comunidades virtuais, próprias ou
independentes, pode auxiliar os profissionais de marketing a identificar os temas mais
relevantes para um público específico, necessidades particulares a pequenos grupos de
consumidores, acessar temas delicados (como, em “Gravidez...”, tomar conhecimento das
reclamações que as gestantes publicam sobre aspectos da gestação que lhes constrangem)
ou mesmo obter sugestões diretas para a modificação ou desenvolvimento de produtos.
Além destas possibilidades, as comunidades virtuais permitem que se acompanhe, de modo
não intrusivo, a ocorrência de recomendações boca-a-boca dentre os consumidores,
dificilmente observáveis em ambientes físicos.
Gerenciadores de comunidades on-line podem obter, através desta pesquisa ou da
utilização da netnografia, pistas para aperfeiçoar os ambientes que sediam as comunidades,
facilitando a interação entre os membros, a pesquisa no arquivo de discussões,
possibilitando novas formas de construção de relacionamento e agregando valor às
comunidades ao acrescentar conteúdo e dispositivos que as tornem atraentes para diferentes
tipos de pessoas.
Por fim, percebe-se que o potencial econômico das comunidades virtuais já
existentes é ainda pouco explorado. Um exemplo estridente é o próprio Orkut que, mesmo
sendo um fenômeno de audiência no Brasil, ainda não gera dividendos à empresa ao qual
pertence, o Google. Os dados dos mais de seis milhões de usuários não podem ser vendidos
a outras empresas, o que feriria a política de privacidade do site, enquanto a inserção de
anúncios em comunidades provocaria evasão massiva dos participantes. O Google destacou
uma equipe de pesquisadores para tentar encontrar uma forma de lucrar com o Orkut, mas
ainda não tem solução prevista. Encontrar maneiras de criar e manter comunidades on-line
rentáveis e atraentes é o maior desafio dos profissionais da área.
6.3 LIMITAÇÕES DO ESTUDO
Como em qualquer projeto de pesquisa, as escolhas metodológicas e os
procedimentos adotados implicam em diversos pontos limitantes nesta dissertação. Discuti-
los, no entanto, pode abrir perspectivas para a continuidade desta investigação e para a
realização de novas pesquisas sobre o tema.
A primeira limitação a ser abordada é a incapacidade de generalização dos
resultados obtidos, uma vez que, dentre milhões de comunidades virtuais em atividade na
internet, este estudo baseou-se na avaliação das interações entre participantes de apenas
uma. Embora não seja a principal preocupação de pesquisadores dedicados à investigação
qualitativa, a possibilidade de generalização dos resultados contribui para a construção e
consolidação de teorias em qualquer área de estudo. Acredita-se que a comparação dos
resultados aqui obtidos com dados provenientes de outras comunidades permitiria ampliar
as descobertas e dar um passo na elaboração de acepções sobre as relações de influência
entre consumidores nas comunidades on-line. A opção de realizar a pesquisa em uma única
comunidade, além de viabilizar sua realização no tempo disponível, permitiu mais
dedicação à análise dos dados que, coletados em diversas comunidades multiplicar-se-iam
exponencialmente, exigindo esforços e recursos com os quais não se podia contar quando
da realização desta dissertação.
Outra opção de pesquisa consistiu em focar o estudo em uma comunidade não
dedicada a produtos ou marcas. “Gravidez, parto e maternidade” não é propriamente uma
comunidade de consumo. Conquanto possa limitar a aplicabilidade gerencial deste estudo, a
opção por não investigar uma comunidade de consumo tem justificativas que descortinam
outras possibilidades de aplicação dos resultados. Ao propor a utilização da netnografia
como método para obter informações interessantes para profissionais de marketing,
Kozinets limitou sua área de aplicabilidade às comunidades de consumo ou comunidades
de marca. Os resultados deste estudo indicam que é possível explorar diversos aspectos do
comportamento dos consumidores, inclusive sua relação com marcas e produtos, em
comunidades de interesse geral (predominantes na internet), cujos temas são amplos e
diversificados.
Implicações de estudos como este não se restringem à uma marca ou produto
específico, incorporando questões de interesse de diversas categorias de produtos, múltiplas
marcas dentre uma mesma categoria e também serviços e outras atividades associadas ao
tema. Acredita-se ainda que o estudo do comportamento do consumidor deva se concentrar
não apenas em suas relações com marcas, produtos e fabricantes visando a alcançar a
compreensão destas para aperfeiçoar as estratégias e práticas de marketing. É interessante
investigar as formas com que os indivíduos escolhem, adquirem e usam produtos e
serviços, mas é possível fazer descobertas ainda mais interessantes ao dedicar esforços ao
estudo de suas relações com o mundo; ao empenhar-se em conhecer seus valores, suas
formas de comunicação, seus afetos e amizades, sua cultura, interesses e motivações – não
apenas para incentivá-los a consumir mais ou melhor, mas para não esquecer que, detrás da
tela do computador ou em representações estatísticas, os consumidores não são unidades
isoladas; mas seres completamente imbuídos do todo que os cerca.
Uma terceira limitação pode ser atribuída à ausência de outras fontes de dados,
como entrevistas em profundidade, complementares aos dados obtidos através da
observação participante. Conforme se afirmou quando da descrição da coleta de dados,
optou-se por não realizar entrevistas para preservar ao máximo o caráter não intrusivo do
método e facilitar a análise e interpretação dos dados. Buscou-se atenuar esta ausência
através da solicitação de depoimentos das participantes após a leitura dos resultados de
pesquisa pelas mesmas, embora tal prática não tenha oferecido, como retorno, um número
considerável de manifestações. No entanto, como não há a intenção de generalizar os
resultados deste único estudo, acredita-se que tal providência seja suficiente para assegurar
a confiabilidade da interpretação proposta.
Ainda há que se considerar, ao avaliar os resultados deste estudo, algumas restrições
impostas pela predominância de mulheres na comunidade investigada. Como destacado ao
longo do texto, são conhecidas as diferenças entre homens e mulheres em relação a suas
práticas de utilização da internet, bem como em relação ao modo com que cada gênero faz
uso da linguagem para comunicar-se com a mediação do computador. Como as mulheres
costumam ser mais cooperativas e atenciosas com os outros de modo geral e na internet, é
provável que as relações interpessoais em comunidades onde os homens são maioria, ou
onde há equilíbrio na distribuição dos participantes em relação ao gênero, apresentem-se de
maneira diversa das interações identificadas neste estudo.
Ao avaliar os resultados de sua pesquisa em fóruns on-line, Bickart e Schindler
(2001) descobriram também haver a possibilidade de que as mulheres sofram mais os
efeitos da participação em fóruns na Internet do que os homens, isto é, mulheres tendem a
ser mais influenciadas por outros participantes, possivelmente devido ao papel da empatia,
que se desenvolve mais facilmente entre mulheres. As mulheres compram de maneira
diferente; seu processo decisório varia conforme seus valores sociais (mulheres costumam
ser mais voltadas ao outro, enquanto os homens tendem ao individualismo), sua alocação
do tempo (elas assumem múltiplos papéis e tarefas ao passo em que eles priorizam um a
cada vez), sua capacidade de síntese (consumidoras são capazes de integrar tudo o que está
ao redor enquanto eles mantêm o foco e a determinação) e sua forma de comunicar –
mulheres procuram detalhes, fazem da troca de informações um momento de socialização e
relacionamento, enquanto os homens buscam resolver seus problemas objetivamente
(JOHNSON; LEARNED, 2005; POPCORN; MARIGOLD, 2001).
É provável também que a coincidência de gênero entre pesquisador e pesquisados
tenha interferido de modo a facilitar a etapa de entrada em campo. Pode-se pensar ainda
que as intervenções da pesquisadora durante sua participação na comunidade – em que
predominam as mulheres – tenham sido menos intrusivas do que o seriam caso fosse um
homem o responsável pela pesquisa.
6.4 SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS
Mesmo que, ao tratar das limitações deste estudo, algumas possibilidades para
futuras pesquisas tenham sido levantadas, é importante destacar que os acadêmicos de
marketing (e mesmo os de outras áreas como a comunicação, a antropologia e a sociologia)
estão apenas à superfície da compreensão das interações construídas por indivíduos quando
estes estão separados – e, simultaneamente, conectados – por computadores.
Em toda a área de marketing, sabe-se da importância das comunidades on-line e da
necessidade de dedicar esforços ao seu conhecimento (DHOLAKIA, BAGOZZI; PEARO,
2004; BALASUBRAMANIAN; MAHAJAN, 2001). Em relação ao comportamento do
consumidor, é necessário investigar melhor o papel dessas comunidades no
desenvolvimento da lealdade do consumidor, sua influência na atuação de líderes de
opinião e na propagação do boca-a-boca (SÉNECAL; NANTEL, 2001). É preciso avaliar
ainda qual o papel das comunidades on-line em comparação com grupos de referência
tradicionais, para que não se superestime ou, o que também implica em riscos, ignore seu
potencial de interferir nas decisões do consumidor. Acredita-se que a condução de estudos
empregando uma combinação de métodos que permita acessar a tomada de decisão dos
consumidores e suas interações com os grupos tradicionais e virtuais, simultaneamente,
seria bastante esclarecedora no sentido de compreender o alcance e a intensidade da
influência de cada um dos tipos de grupos de referência.
Conforme sugerem as tipologias de participantes de comunidades virtuais
(RHEINGOLD, 1993; HAGEL; ARMSTRONG, 1997; KOZINETS, 1999; DE VALCK,
2005), investigar para que grupos de consumidores a influência das comunidades virtuais é
mais importante e quais são os membros, dentro de um mesmo grupo, que exercem e
sofrem dele mais influência auxiliaria na identificação de consumidores-chave, ou líderes
de opinião, capazes de atuar fortemente na formação e modificação dos valores, atitudes e
comportamentos dos demais em um grupo.
Deve-se pensar ainda na realização de estudos paralelos em diferentes tipos de
comunidades virtuais, como as comunidades dedicadas a uma marca específica
(McWILLIAM, 2000; COVA; CARRÉRE, 2002) e comunidades de interesse geral,
comunidades iniciadas por membros e comunidades patrocinadas por organizações
(PORTER, 2004) e comunidades sediadas em diferentes ambientes virtuais, como as salas
de bate-papo, mundos virtuais, fóruns e listas de discussão (KOZINETS, 1999), para
identificar fatores que influenciem na construção e natureza do relacionamento entre
participantes de uma mesma comunidade.
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ANEXOS
Anexo A - Lista de tópicos incluídos na amostra
Tópico Autor Postagens Última postagem
Creme Jamile 3 27/10/2004
Cremes Clara 5 15/01/2005
Maternidades Públicas Clara 4 22/01/2005
Vasinhos e varizes Nelma 10 19/02/2005
Drenagem linfática Serena 7 22/02/2005
Vcs usam ou usaram cinta??? Angélica 4 08/03/2005
Amaciante de roupas Clarissa 4 09/03/2005
Enxoval – SP Eloísa 3 10/03/2005
Cremes Lara 14 15/03/2005
Cabelos alisados Karima 16 21/03/2005
Ácido fólico Bel 13 21/03/2005
Acupuntura Felipe 9 23/03/2005
Revista Crescer Adriana 5 24/03/2005
YOGA Angélica 12 28/03/2005
Indicação de livro Adriana 3 29/03/2005
Anticoncepcional Anônimo 11 01/04/2005
Com qual médico devo me consultar? Diana 9 03/04/2005
Como evitar as “ESTRIAS”? Isabella 7 04/04/2005
Tintura X cabelos Alessandra 12 05/04/2005
Tratar a pele durante a gravidez Angélica 8 07/04/2005
Cinta pós-parto Marília 18 11/04/2005
Janela anti-ruído – dúvida!!! Lara 6 11/04/2005
Lembrancinha Isabella 5 18/04/2005
Yoga para gestantes Ana Lúcia 8 25/04/2005
Azia, help! Clarissa 12 03/05/2005
Vocês tomaram algum calmante? Camila 12 27/05/2005
Tummy tub Aline 12 22/06/2005
Azia...num gueeeento mais! Dylana 16 11/07/2005
Chá de bebê – NOVA GERAÇÃO *Flaviana* 14 16/07/2005
PRÉ-NATAL ODONTOLÓGICO!!! Carmem 3 18/07/2005
Gravidez X Comida japonesa Melissa 14 21/07/2005
Feira de gestante e bebê Melissa 4 22/07/2005
Móveis KOKADA, cuidado!!! Lu 2 26/07/2005
AZIA no terceiro trimestre Alice 11 26/07/2005
Dor de cabeça Gabrielle 8 27/07/2005
Programa Linduuu Virgínia 6 28/07/2005
Lista de Enxoval Mara 11 29/07/2005
O que fazer???? Melissa 9 01/08/2005
Como e com o que lavas as roupas do b
b
ê? Roberta 6 03/08/2005
Ganhei muito peso durante a gravidez! Michelly 8 05/08/2005
Funchicória Alice 13 11/08/2005
Será indelicado? Priscila 5 15/08/2005
Samcil não cobre parto normal Fla 32 19/08/2005
Vocês já ouviram falar???? Melissa 6 19/08/2005
Alguém comprou fralda RN Giana 9 19/08/2005
Chá de bebê será que é demais... Melissa 17 27/08/2005
LISTA DE ENXOVAL Tamara 11 28/08/2005
Dor nas Costas, ai, ai, ai... Melissa 15 31/08/2005
Banheira TUMMY TUB, é útil? Nina 18 31/08/2005
Alguém vai ter (ou teve) bebê na
Perinatal?
Andrea 7 01/09/2005
Que tipo de sabão lavar as roupinhas? Roberta 13 01/09/2005
Anexo B – Perfil dos principais participantes
Participante Gênero Idade Local Características
*Flaviana* F
18
casada
- Primeira gestação.
Adriana P F
34
casada
São Paulo
Proprietária da comunidade. Mãe de duas
crianças. Doutora em Desenvolvimento
Infantil e em Relações Humanas. Doula no
Amparo Maternal e particular. Educadora
Perinatal.
Alessandra F solteira Curitiba Primeira filha.
Alice F casada Alemanha Primeira gestação
Aline F - -
Primeiro filho. Recados de outras
participantes em sua página.
Ana Lúcia F casada Curitiba
Recados de outras participantes da
comunidade em sua página.
Andrea F casada RJ
Participa de diversas comunidades sobre
maternidade.
Angélica F Casada Lisboa
Acaba de ter o primeiro filho. Mora em
Portugal, longe da família.
Bel F
27
casada
Suécia Primeira gestação. Mora no exterior.
Camila F
34
Casada
Recife Primeira gestação.
Carmem F casada SP
Participa de diversas comunidades sobre
maternidade.
Clara F - -
Adolescente. Perdeu o bebê e deixou de
participar da comunidade.
Clarissa F casada Suíça Mora no exterior. Primeiro filho.
Cris
F
31
casada
Campinas Primeira gestação.
Dalila F
29
casada
São Paulo Primeira gestação.
Diana F casada São Paulo Primeira gestação.
Dylana F casada SP
Primeira gestação. Disponibiliza o
endereço de seu blog.
Eloísa F casada
Rio de
Janeiro
Primeiro filho.
Felipe M - Brasília
Acupunturista. Interesse profissional na
comunidade.
Fla F
27
solteira
SP Primeiro filho.
Flaviana F
29
casada
-
Primeiro filho. Participa de diversas
comunidades relacionadas à gestação e
maternidade.
Gabrielle F
21
casada
São Paulo Primeira gravidez.
Giana F
22
solteira
Curitiba
Primeiro filho. Participa de outras
comunidades sobre maternidade.
Isabella F - - Pretende engravidar.
Jamile F casada Exterior Um filho. Mora no exterior.
Karima F casada Salvador Primeira gestação
Lara F casada São Paulo
Primeiro filho. Tem um blog para relatar as
novidades do bebê.
Lu
NASCEU
F casada São Paulo
Primeiro filho. Engenheira, mas trabalha
com culinária.
Mara F casada SP Primeira gestação
Marília F - São Paulo -
Marinna F
25
casada
SP Primeira gravidez.
Melissa F casada - Primeira gestação
Michelly F
19
casada
Jundiaí
SP
Primeira gestação
Nelma F
22
casada
Oregon
Mora nos EUA. Primeira gestação.
Diversos recados de outras participantes
em sua página de recados.
Nina F
25
casada
Lages -
SC
Segunda gestação.
Priscila F solteira Salvador Primeira gestação
Roberta F Solteira -
Espera o quinto filho – é jovem. Sua última
gravidez foi há dez anos. Vive longe da
família.
Sabine F casada Espanha Primeiro filho. Mora no exterior.
Samara F 27
Porto
Alegre
Primeira gestação
Serena F -
Belém do
Pará
Primeira gestação.
Tamara F casada -
Recados de outras participantes da
comunidade em sua página.
Virgínia F
22
casada
Exterior Mora no Japão. Primeiro filho.
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