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SELMA DE ARAUJO TORRES OMURO
A RECUPERAÇÃO DE CICLO II NA VISÃO DE ALUNOS DA
REDE ESTADUAL PAULISTA DE ENSINO
PUC-SP
São Paulo
2006
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2
SELMA DE ARAUJO TORRES OMURO
A RECUPERAÇÃO DE CICLO II NA VISÃO DE ALUNOS DA
REDE ESTADUAL PAULISTA DE ENSINO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação, no Programa de Estudos
Pós-Graduados em Educação: História, Política,
Sociedade.
Orientação: Profa. Dra. Luciana Maria Giovanni
PUC-SP
São Paulo
2006
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3
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
Profª Drª Luciana Maria Giovanni
PUC-SP – Orientadora
________________________________
Profª Drª Alda Junqueira Marin
PUC-SP
_______________________________
Profª Drª Maria Regina Guarnieri
UNESP
4
OMURO, Selma de Araujo Torres. 2006. A Recuperação de Ciclo II na visão de alunos
da rede estadual paulista de ensino. Dissertação (Mestrado em Educação: História,
Política, Sociedade). São Paulo-SP: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
RESUMO
Esta dissertação refere-se à pesquisa empírica analítico-descritiva da visão
expressa por alunos de Ensino Fundamental II da rede estadual de São Paulo a respeito
do funcionamento de classe de Recuperação de Ciclo II, da qual fazem parte. A
pesquisa tem por objetivo investigar como os alunos encaminhados para essas classes
percebem e analisam sua condição de fracasso escolar (na medida em que não
conseguiram concluir o Ensino Fundamental dentro do Regime de Progressão
Continuada) e o que pensam sobre o projeto em que estão inseridos
a Recuperação de
Ciclo II
sobre a escola e sobre a contribuição dos saberes escolares para a realização
de seus projetos de vida.
Para análise da temática investigada são utilizadas as contribuições teóricas de
Pérez Gómez sobre a cultura experiencial dos alunos e de Bernard Charlot sobre a
noção de relação com o saber.
A pesquisa iniciou-se com um estudo preliminar envolvendo um grupo focal
composto por quatro alunos que freqüentaram uma classe de Recuperação de Ciclo II,
no ano de 2004, em uma escola estadual do Vale do Ribeira. A partir de dados
levantados nesse primeiro estudo, realizou-se a pesquisa principal em outra escola da
mesma região por meio de entrevistas com oito alunos matriculados em classe de
Recuperação de Ciclo II no ano de 2005, análise de seus cadernos e de documentos
escolares (fichas de avaliação individual, históricos escolares, projetos de recuperação
paralela, atas de resultados finais). Para a coleta de dados foram elaborados e testados os
seguintes instrumentos: roteiro para entrevista, questionário sócio-econômico, roteiro
para análise de documentos escolares, roteiro para análise dos cadernos.
Os resultados da coleta de dados foram organizados em quadros-síntese e tabelas
e permitiram concluir que os alunos explicam a situação de fracasso escolar de formas
diversas: alguns responsabilizam a si próprios, outros, a problemas externos,
demonstrando diferentes mecanismos afetivos e disposições para assimilar os resultados
escolares insatisfatórios. Confirmou-se a hipótese inicial de que a maioria revela
dificuldade em estabelecer uma relação significativa com os saberes escolares e, dessa
forma, tem sua permanência na escola constantemente prejudicada. Essa dificuldade
com os conteúdos acadêmicos, associada a outros problemas, decorrentes em grande
parte, de situações relacionadas à origem sócio-econômica desses alunos e às condições
da região em que moram o Vale do Ribeira, uma das regiões mais carentes do Estado
de São Paulo tais como acesso limitado a bens culturais mais elaborados, necessidade
de ingressar precocemente no mercado de trabalho, poucas oportunidades de estudos
profissionalizantes e superiores, contribui para que muitos desses alunos mantenham
freqüência irregular e acabem abandonando a escola.
Palavras-chave: Recuperação de Ciclo
Progressão Continuada
Ensino Fundamental – Ciclo II
5
OMURO, Selma de Araújo Torres. 2006. The Probation of Second Cycle of Elementary
School in the students’ view from São Paulo state school. Dissertation (Master’s degree
in Education: History, Politics, Society). São Paulo-SP: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUCSP.
ABSTRACT
This dissertation refers to the analytical-descriptive empiric research of the
expressed students’ view from the final years of Elementary School (5
th
to 8
th
grades) of
São Paulo state school regarding the operation of Probation class of Second Cycle (as it
is called in Brazil) of Elementary School, which they are part. The research aims to
investigate how the students who were leaded for those classes notice and analyze their
condition of school failure (as they could not conclude the Elementary School inside the
Program of Continuous Progression) and what they think about the project in which
they are inserted - the Probation of the Second Cycle of Elementary School - about the
school and about the contribution of the school knowledges for the accomplishment of
their life projects.
In order to proceed to the analysis of the investigated theme, Pérez Gómez's
theoretical contributions are used on the students’ experiential culture and Bernard
Charlot’s contributions about the notion of relationship to the knowledge.
The research started with a preliminary study accomplished through a focal
group composed by four students that attended a class of Probation of the Second Cycle
of Elementary School, in 2004, in a state school in Vale do Ribeira. From data collected
in that first study, we accomplished the main research in another school of the same
area, through interviews with eight enrolled students in class of Probation of Second
Cycle in 2005, besides the analysis of their notebooks and school documents (records of
individual evaluation, school reports, projects of parallel probation, minutes of final
results of Meeting of Class Council). To accomplish the data collection we elaborated
and tested the following instruments: interview script, socioeconomic questionnaire,
script for analysis of school documents, and script for analysis of the notebooks.
The results of the data collection were organized in synthesis charts and tables
and they allowed us to conclude that the students explain the situation of school failure
in several ways: some make themselves responsible, others make the external problems
responsible, demonstrating different affective mechanisms and dispositions to assimilate
the unsatisfactory school results. The initial hypothesis was confirmed in which the
majority reveals difficulty in establishing a significant relationship with the school
knowledges and, in this way, they constantly have their permanence in the school
jeopardized. That difficulty with the academic contents, associated with other problems,
largely current associated with situations related to those students’ socioeconomic origin
and to the conditions of the area in which they live –Vale do Ribeira area, one of the
poorest areas of São Paulo State - such as limited access to more elaborated cultural
goods, need of precociously entering in the job market, few opportunities of vocational
and superior studies, contributes to the situation in which many of those students
maintain irregular class attendance and give up school.
Keywords: Cycle Probation; Continuous Progression; Elementary School – Second
Cycle (5
th
to 8
th
grades)
6
Dedico este trabalho
À meus pais,
Sergio e Maria Ignez,
pelo amor, carinho, compreensão, dedicação,
pelas orientações, liberdade e oportunidades
e, acima de tudo, pelo exemplo.
e
Ao Professor Juan Casto Garcia Cayuso (in memorian),
um companheiro com quem dividi as angústias
das difíceis mudanças educacionais da década de 1990
e que, com certeza, gostaria de conhecer
este trabalho sobre os jovens alunos das escolas
estaduais do Vale do Ribeira.
7
AGRADECIMENTOS
A realização desse trabalho só foi possível graças ao apoio de muitas pessoas a quem não posso
deixar de agradecer:
Meu esposo, Kenji
pela assessoria em informática e por ter sido pai e mãe de nossos filhos durante estes dois anos e
meio;
Meus filhos, Pedro Ken-iti e Ana Beatriz,
por perdoarem as minhas ausências e o quase monopólio do microcomputador;
Minha mãe e minha sogra, D. Harumi,
pela retaguarda com os netos, especialmente pelas comidinhas deliciosas e providenciais;
Minha grande amiga Marilene Chung,
pelas acolhidas nas noites de segunda e terça-feira e pela amizade de sempre;
Minha Orientadora, Professora Doutora Luciana Maria Giovanni, pelas valiosas orientações e
pela dedicação e paciência com as minhas dificuldades de trabalho e distância;
Professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política,
Sociedade, pela competência, seriedade e envolvimento pessoal com que dedicam à docência e
à pesquisa;
Professor Juno de Azevedo,
pela cuidadosa revisão do texto final;
Meus amigos e colegas da D. E. – Região de Registro:
Professora Reginalice Nakao Ferreira da Silva, Dirigente Regional de Ensino de Registro
por todo apoio;
Equipe de Supervisão de Ensino,
pelo incentivo e compreensão
, em especial, ao Nilton, que me trouxe até a PUC e à Margareth,
pelas valiosas informações sobre as turmas de Recuperação de Ciclo II;
ATPs da Oficina Pedagógica,
pela disponibilização do material pedagógico da RC II e outras informações sobre o projeto;
Sulivan do Amaral,
pelas imagens;
Gestores, professores e alunos das escolas investigadas
,
por permitirem e colaborarem com esta pesquisa;
Todos os meus professores, que me ensinaram a questionar o mundo e sonhar com sua
transformação;
Todos os gestores, professores e funcionários das escolas estaduais em que tive a oportunidade
de trabalhar e, em especial, aos que compartilharam da inesquecível experiência pedagógica do
CEFAM Profª Marina Assanuma;
CAPES e SEE-SP,
pelo financiamento.
8
SUMÁRIO
Resumo....................................................................................................................................................
p. 004
Abstract .................................................................................................................................................
p. 005
Sumário ..................................................................................................................................................
p. 008
Relação de Siglas ...................................................................................................................................
p. 009
Relação de Figuras.................................................................................................................................
p. 010
Relação de Quadros ..............................................................................................................................
p. 010
Relação de Tabelas ................................................................................................................................
p. 011
Relação de Anexos .................................................................................................................................
p. 011
Introdução .............................................................................................................................................
p. 013
1. A Progressão Continuada e a Recuperação de Ciclo II na rede estadual de ensino de São
Paulo........................................................................................................................................................
p. 013
2. Tema e problema a serem investigados...............................................................................................
p. 022
3. Questões de pesquisa...........................................................................................................................
p. 023
4. Objetivos..............................................................................................................................................
p. 024
5. Hipóteses..............................................................................................................................................
p. 024
6. Procedimentos metodológicos.............................................................................................................
p. 024
Capítulo 1 – A visão dos alunos: referencial teórico...........................................................................
p. 031
1.1 – Pérez Gómez e a cultura experiencial.............................................................................................
p. 031
1.2 – Bernard Charlot e a relação com o saber.......................................................................................
p. 035
Capítulo 2 A implantação dos Ciclos escolares no Brasil: otempo de mudar no papel” e otempo
de transformar corações e mentes”.........................................................................................................
p. 040
2.1 – O tema do fracasso escolar a proposta dos ciclos..........................................................................
p. 040
2.2 – Os Ciclos no Brasil.........................................................................................................................
p. 041
2.3 – A Progressão Continuada na rede estadual paulista .....................................................................
p. 054
Capítulo 3 O tempo de mudar no papel”: o processo de implantação dos estudos de
recuperação na rede de ensino paulista e sua legislação...................................................................
p. 064
3.1 – No tempo das Leis 4.024/61 e 5.692/71.........................................................................................
p. 064
3.2 – Em tempos da Lei 9.394/96 ..........................................................................................................
p. 080
Capítulo 4 O que dizem corações e mentesenvolvidos no processo: a Recuperação de Ciclo
II na visão dos alunos de uma escola estadual do Vale do Ribeira...................................................
p. 088
4.1 – O contexto da pesquisa..................................................................................................................
p. 088
4.1.1 O Vale do Ribeira e a Diretoria de Ensino da Região de Registro..............................................
p. 088
4.1.2A escola alvo do estudo preliminar .............................................................................................
p. 091
4.1.3 O estudo preliminar .....................................................................................................................
p. 093
4.1.4A escola alvo do estudo principal................................................................................................
p. 100
4.2 – Primeiros contatos com a escola e a seleção dos alunos e dos documentos escolares..................
p. 104
4.3 – A Recuperação de Ciclo II na escola alvo do estudo principal .....................................................
p. 105
4.3.1A formação da classe e seus professores.....................................................................................
p. 105
4.3.2O material pedagógico da Recuperação de Ciclo II ...................................................................
p. 108
4.3.3As práticas de ensino na RC II segundo os cadernos escolares: ................................................
p. 113
▪ O que os cadernos dizem sobre a prática docente na RC II.................................................................
p. 114
As atividades de Língua Portuguesa....................................................................................................
p. 115
As atividades de Matemática ..............................................................................................................
p. 116
▪ As atividades de Geografia...................................................................................................................
p. 118
▪ Comparando os cadernos dos alunos.....................................................................................................
p. 122
4.4 – Os alunos da RC II: suas vidas, seus sonhos e realidade................................................................
p. 123
4.4.1 O perfil dos alunos entrevistados ................................................................................................
p. 124
4.4.2 O desempenho escolar dos alunos e a participação dos pais na escola.......................................
p. 129
4.4.3 Visão dos alunos sobre a escola e sobre os conteúdos escolares.................................................
p. 133
4.4.4 Visão dos alunos sobre a retenção e suas dificuldades escolares................................................
p. 141
4.4.5 A classe de Recuperação de Ciclo II na visão dos alunos...........................................................
p. 146
4.4.6Visão dos alunos sobre suas relações com os professores..........................................................
p. 151
4.4.7 – Visão dos alunos sobre as faltas e o abandono escolar................................................................
p. 156
Considerações finais..............................................................................................................................
p. 169
Referências Bibliográficas....................................................................................................................
p. 175
Anexos....................................................................................................................................................
p. 180
9
RELAÇÃO DE SIGLAS UTILIZADAS:
ATP – Assistente técnico-pedagógico
CEE – Conselho Estadual de Educação
CEI – Coordenadoria de Ensino do Interior
CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária
CFE – Conselho Federal de Educação
CNE – Conselho Nacional de Educação
DE – Diretoria de Ensino
DRE – Divisão Regional de Ensino
EJA – Educação de Jovens e Adultos
ETE – Escola Técnica Estadual
FUNDEF – Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental
HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LITTERIS – Instituto de Assessoria e Pesquisa em Linguagem
OEA – Organização dos Estados Americanos
OFA – Ocupante de função-atividade
PEC – Programa de Educação Continuada
PNAD – Plano Nacional de Desenvolvimento
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RC II – Recuperação de Ciclo II
SAI – Sala Ambiente de Informática
SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
SE – Secretaria de Educação
SEE-SP – Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
UNICAMP – Universidade de Campinas
USP – Universidade de São Paulo
10
RELAÇÃO DE FIGURAS
Figura 1 – Fachada da escola pesquisada .......................................................
p. 103
Figura 2 – Ambiente escolar remodelado pelos alunos ..................................
p. 104
RELAÇÃO DE QUADROS
Quadro 1 – Síntese das propostas de trabalho de Língua Portuguesa........................
p. 110
Quadro 2 – Síntese das propostas de trabalho de Matemática ..................................
p. 110
Quadro 3 – Perfil dos alunos entrevistados................................................................
p. 124
Quadro 4 – Desempenho dos alunos e a presença de seus pais na escola no ano de
2004 e no 1° bimestre de 2005
..............................................................
p. 130
Quadro 5 – Desempenho dos alunos e a presença de seus pais na escola até o 3°
bimestre de 2005 ...................................................................................
p. 132
Quadro 6 - Visão dos alunos sobre a escola e sobre os conteúdos escolares............
p. 134
Quadro 7 – Visão dos alunos sobre a retenção e sobre suas dificuldades escolares..
p. 141
Quadro 8 –.Visão dos alunos sobre a classe de Recuperação de Ciclo II .................
p. 147
Quadro 9 – Visão dos alunos sobre a relação com os professores ............................
p. 151
Quadro 10 – Visão dos alunos sobre as faltas e o abandono escolar ........................
p. 156
11
RELAÇÃO DE TABELAS
Tabela 1 – Evolução dos índices de desempenho dos alunos da rede estadual
de ensino nos últimos anos ................................................................
p. 021
Tabela 2 – Alunos das 8ª séries do Ensino Fundamental e das classes de RC II
da Diretoria de Ensino de Registro de 2002 a 2005...........................
p. 022
Tabela 3 – Desempenho escolar das 8ª séries da escola alvo do estudo principal
no ano de 2004..................................................................................
p. 107
Tabela 4 – As atividades registradas nos cadernos em relação ao conteúdo e
metodologia propostos no material pedagógico.................................
p. 114
RELAÇÃO DE ANEXOS
Anexo I – Roteiro para realização de estudo preliminar......................................
p. 181
Anexo II – Roteiro para entrevista com os alunos................................................
p. 182
Anexo III – Questionário sócio-econômico.........................................................
p. 184
Anexo IV – Roteiro para análise dos cadernos...................................................
p.185
Anexo V – Exemplos de atividades propostas no material pedagógico e de
Atividades realizadas nos cadernos dos alunos
..................................
p. 186
12
[...]A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte [...]
(Comida – Música e letra: Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sergio Brito)
13
INTRODUÇÃO
1. A PROGRESSÃO CONTINUADA E A RECUPERAÇÃO DE CICLO II NA
REDE ESTADUAL DE ENSINO DE SÃO PAULO
Ao assumir a função de supervisora de ensino na Diretoria de Ensino da Região
de Registro, Vale do Ribeira, Estado de São Paulo, no ano de 2002, tinha interesse em
atuar mais diretamente na área pedagógica e me envolver especialmente na capacitação
de professores
1
. Por um lado, queria retomar uma atividade mais intelectual, pois,
enquanto estive exercendo o cargo de diretora de escola, as atividades burocráticas
absorviam praticamente todo o meu tempo. Por outro lado, a possibilidade de manter
contato com os professores seria uma forma de não perder o nculo com a escola, um
espaço dinâmico que eu ainda hesitava em deixar.
Nessa época, o principal trabalho de capacitação desenvolvido pela Supervisão
de Ensino e Oficina Pedagógica da Diretoria estava voltado para a formação continuada
dos professores das Classes de Aceleração e de Recuperação de Ciclo II. Esse trabalho
era elogiado por todos os ATPs (Assistentes Técnicos Pedagógicos) e supervisores de
ensino envolvidos e também pelos professores que participavam das capacitações na
Diretoria de Ensino com grande freqüência.
Ambos os projetos (Aceleração e Recuperação de Ciclo) faziam parte da política
educacional implantada pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE-SP) a
partir de 1995, e sua justificativa pautava-se na necessidade de melhorar o atendimento
dos serviços de escolarização básica do Estado que, na visão da equipe que estava
assumindo a Secretaria, se caracterizava pela irracionalidade e ineficiência.
Essa política educacional, cujas diretrizes principais foram explicitadas no
Comunicado SE, de 22 de março de 1995 ( Diretrizes Educacionais para o Estado de
São Paulo, para o período de janeiro de 1995 a dezembro de 1998), contemplou uma
série de medidas administrativas e pedagógicas que causaram um grande impacto na
rede estadual de ensino. Parece-me adequado retomá-las brevemente nesta introdução,
1
Cumpre assinalar aqui que, embora a expressão “capacitação de professores” possa encerrar a
concepção de docência e de formação ligadas à idéia de “convencer” e “persuadir” e não de tornar
“tornar capaz” pelo conhecimento e pelo uso da razão, conforme aponta MARIN (1995, p. 17), ela será
mantida, em alguns momentos do texto, porque era a expressão usualmente utilizada nessa época na
Diretoria de Ensino à qual me refiro.
14
com a intenção de explicitar o contexto de mudanças a partir do qual passo a
problematizar o tema em foco neste relato de pesquisa as classes de Recuperação de
Ciclo II sob a ótica dos alunos.
No Comunicado de março de 1995, a nova equipe que assumia a SEE-SP fazia
um diagnóstico da educação básica do Estado de São Paulo, apresentando diversos
dados estatísticos que demonstravam a ineficácia e ineficiência do sistema. Entre os
principais problemas levantados estavam: atendimento de apenas 80% da demanda da
escolaridade básica no estado; 80% do atendimento do ensino fundamental concentrado
da rede estadual de ensino; elevado índice de evasão e repetência verificado no ensino
fundamental 25% no ano de 1992; gigantismo da máquina administrativa, gerando
burocratização e falta de controle, jornadas de trabalho diferenciadas entre as escolas da
rede. Diante de tal quadro se apontava a necessidade de reforma e racionalização da
rede administrativa e de mudança no padrão de gestão das escolas públicas paulistas.
Era preciso, segundo a avaliação da equipe, descentralizar e desconcentrar os recursos e
competências, estabelecer novas parcerias, principalmente com os municípios,
racionalizar o fluxo escolar, avaliar os resultados, organizar o ensino em ciclos,
instrumentalizar os professores para trabalhar com grupos heterogêneos, uniformizar a
jornada de trabalho docente, recompor salários, estabelecer mecanismos de avaliação e
promoção pelo trabalho efetivamente realizado.
Na área administrativa adotaram-se medidas que se apresentavam como formas
de racionalização da rede estadual. Nesse sentido foram realizadas ações como: a
eliminação das Divisões Regionais de Ensino (DREs), a reorganização da rede de
ensino com separação das escolas por nível de ensino (séries iniciais do Ensino
Fundamental, séries finais do Ensino Fundamental, Ensino Médio) e a implantação de
um sistema de informatização de dados educacionais que garantisse um controle
rigoroso e detalhado do atendimento educacional e dos recursos da rede de ensino
2
No plano pedagógico foram implantadas as chamadas políticas de avaliação
externa da qualidade do ensino (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado
de São Paulo, o SARESP, em 1996) e de regularização do fluxo escolar (as Classes de
2
Tais medidas administrativas foram normatizadas pelos seguintes dispositivos legais : Decreto Estadual
n°39902, de 1°/01/1995, Resolução SE-SP n°3, de 06/01/1995 e Decreto Estadual 39925, de
18/01/1995 ( referentes à extinção das Divisões de Ensino); Parecer CEE-SP n°674/95, de 08/11/1995,
Decreto Estadual n°40.473, de 21/11/1995, Resolução SE-SP 265, de 04/12/1995, referentes à
reorganização das escolas por nível de ensino.
15
Aceleração, em 1996 e o Regime de Progressão Continuada, em 1998)
3
.
Outras medidas foram implementadas com a intenção de modificar aspectos
cotidianos da escola: horário de funcionamento das escolas e das aulas, números de
aulas diárias e sua distribuição pelas diferentes disciplinas do quadro curricular, jornada
de trabalho dos professores. Eram medidas apresentadas como necessárias para garantir
a jornada escolar diária de 5 horas em todas as unidades escolares da rede estadual de
ensino que funcionavam no período diurno. Havia também o argumento de se estender a
todos os professores parte das condições de trabalho que eram restritas a professores das
chamadas Escolas-Padrão
4
: o horário de trabalho coletivo e a designação de um
professor para exercer as funções de coordenação pedagógica nas escolas com mais de
12 classes.
Em relação à capacitação dos professores realizou-se, entre 1997 e 1998, o PEC
(Programa de Educação Continuada), um projeto financiado pelo Banco Mundial, cujas
linhas gerais foram elaboradas pela SEE-SP em conjunto com as cinco grandes
universidades paulistas (USP, UNICAMP, UNESP, PUC-SP, UFSCar), mas que teve
sua execução terceirizada para outras universidades, centros de pesquisa e empresas de
consultoria educacional.
Entre todas essas ações, a adoção do Regime de Progressão Continuada foi a de
maior repercussão, chegando até a ser considerada o eixo central das reformas.
A implantação do Regime de Progressão Continuada na rede estadual paulista
apresentou como fundamentação a legislação decorrente da então nova Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n° 9394/96).
De acordo com o Artigo 32 da nova LDB, os sistemas de ensino poderiam, a
partir de então, desdobrar o Ensino Fundamental em ciclos e adotar o Regime de
Progressão Continuada. Na regulamentação deste dispositivo, o Conselho Estadual de
Educação do Estado de São Paulo (CEE-SP) estabeleceu as bases do referido regime no
sistema de ensino paulista por meio da Indicação CEE-SP 8, de 30/08/1997 e da
Deliberação CEE-SP 9, de 04/08 de 1997. Para o CEE-SP, nos termos da Indicação
n° 8, o Regime de Progressão Continuada é uma
“...estratégia que contribui para a
3
Estas medidas foram normatizadas pela seguinte legislação: Resolução SE n° 27 de 29/03/1995,
referente ao SARESP; Parecer CEE 170 de 24/04/1996 e Resolução SE 77 de 03/07/1996, referente
às Classes de Aceleração; Indicação CEE 8 de 30/07/1997, Deliberação CEE nº 9 de 04/08/1997 e
Resolução SE n° 04 de 15/01/1998, referentes ao Regime de Progressão Continuada.
4
Projeto educacional criado no governo anterior pelo Decreto 34.035 de 22/10/1991, que estabelecia
condições especiais de trabalho e remuneração para algumas escolas da rede estadual. As condições
diferenciadas seriam gradualmente estendidas para as demais escolas da rede, mas foram extintas, em
1995, sem chegar a atingir 50% da rede.
16
viabilização da universalização da educação sica, de garantia de acesso e permanência das
crianças em idade própria na escola, de regularização do fluxo dos alunos no que se refere à
relação idade/série e da melhoria geral da qualidade de ensino.”
(São Paulo, 1997, p.150).
Argumenta ainda o Conselho que:
Uma mudança dessa natureza deve trazer, sem dúvida alguma, benefícios tanto
do ponto de vista pedagógico como econômico. Por um lado, o sistema escolar
deixará de contribuir para o rebaixamento da auto-estima de elevado
contingente de alunos reprovados. Reprovações muitas vezes reincidentes na
mesma criança ou jovem, com graves conseqüências para a formação da pessoa,
do trabalhador e do cidadão. Por outro lado, a eliminação da retenção escolar e
decorrente redução da evasão deve representar uma sensível otimização de
recursos para um maior e melhor atendimento de toda a população. A repetência
constitui um pernicioso “ralo” por onde são desperdiçados preciosos recursos
financeiros da educação.(...) (São Paulo, 1997, p. 151-152)
Após recomendar a adoção do Regime de Progressão Continuada, o CEE-SP
estabelece, na Deliberação n° 9, algumas condições que devem constar no projeto
educacional das redes e escolas que optem pelo regime em questão:
Artigo 3° - O projeto educacional de implantação do regime de progressão
continuada deverá especificar, entre outros aspectos, mecanismos que
assegurem:
I – avaliação institucional interna e externa;
II – avaliações da aprendizagem ao longo do processo, conduzindo a uma
avaliação contínua e cumulativa da aprendizagem do aluno, de modo a permitir
a apreciação de seu desempenho em todo o ciclo;
III atividades de reforço e de recuperação paralelas e contínuas ao longo do
processo e, se necessário, ao final do ciclo ou nível;
IV - meios alternativos de adaptação, de reforço, de reclassificação, de avanço,
de reconhecimento, de aproveitamento e de aceleração de estudos;
V – indicadores de desempenho;
VI – controle da freqüência dos alunos;
VII – contínua melhoria do ensino;
VIII – forma de implantação, implementação e avaliação do projeto;
IX – dispositivos regimentais adequados;
X articulação com as famílias no acompanhamento do aluno ao longo do
processo, fornecendo-lhes informações sistemáticas sobre a freqüência e
aproveitamento escolar. (São Paulo, 1997, p.149)
Com base em toda essa fundamentação legal, a SEE-SP adotou, através da
Resolução SE 4, de 15/01/1998, o Regime de Progressão Continuada na rede
estadual de ensino, organizando o Ensino Fundamental em dois ciclos de 4 anos.
De maneira geral, os mecanismos exigidos pelo CEE para a implantação do
regime já haviam sido criados pela SEE-SP desde 1995. Além do SARESP, das Classes
de Aceleração, do sistema de informatização dos dados educacionais, outras medidas
17
legais criaram as formas de recuperação paralela e intensiva
5
, de reclassificação de
alunos
6
e a elaboração das Normas Regimentais Básicas aprovadas pelo Parecer CEE
67, de 18/03/1998, as quais foram referência para que cada escola estadual elaborasse
seu próprio regimento.
É nesse contexto da implementação do Regime de Progressão Continuada que se
situa o tema em foco neste Projeto: a Recuperação de Ciclo. Trata-se de um programa
especial com duração de um ano letivo destinado a alunos que chegaram ao final do
Ciclo I ou do Ciclo II sem aproveitamento satisfatório e condições da continuar seus
estudos no nível de escolaridade subseqüente.
Embora estivessem previstas nas Normas Regimentais Básicas, as turmas de
Recuperação de Ciclo foram efetivamente implantadas em 2002, quando, a partir dos
resultados da SARESP/2001, a própria SEE-SP constatou o baixo aproveitamento dos
alunos ao final do Ciclo I e do Ciclo II.
O SARESP/2001 foi elaborado para ser uma Avaliação dos Ciclos I e II,
atingindo todas as classes de e de série da rede estadual, pois estas turmas eram as
primeiras a concluírem os 4 anos dos respectivos ciclos inteiramente dentro do Regime
de Progressão Continuada.
7
Num processo muito polêmico o que deveria ser uma
avaliação externa tornou-se um instrumento para avaliar o processo de ensino-
aprendizagem dos alunos, determinando encaminhamentos para a Recuperação de
Férias e, após uma nova avaliação externa, o encaminhamento dos alunos para as
turmas de Recuperação de Ciclo.
Vale lembrar que, para implantar as turmas de Recuperação de Ciclo, a SEE-SP
aproveitou a estrutura montada para as Classes de Aceleração
8
.
O referido projeto foi apresentado como uma forma de propiciar que alunos
multi-repetentes e, portanto, com uma defasagem idade/série muito grande, pudessem
avançar seus estudos e, após dois anos de trabalho pedagógico diferenciado, alcançar as
séries mais adequadas para suas idades. Para desenvolver esse trabalho pedagógico
diferenciado as Classes de Aceleração foram organizadas com uma média de 25 alunos,
os professores recebiam capacitação em serviço e contavam com um material de apoio.
5
Resolução SE-SP 49, de 10/05/1996 estabeleceu a possibilidade de oferta da recuperação paralela em
horário diverso das aulas regulares e Resolução SE-SP n°183, de 17/12/1996 criou a Recuperação
Intensiva nas férias escolares de janeiro. Nos anos posteriores a forma de oferta da recuperação paralela
foi alterada e a recuperação de férias foi extinta. Estas mudanças serão abordadas no Capítulo 3.
6
Resolução SE-SP n° 20/98, de 05/02/1998.
7
A Resolução SE-SP n° 14/02, de 18/01/2002
8
Projeto para acelerar alunos do Ensino Fundamental com grande defasagem idade/série. Iniciou-se em
1996 para alunos do Ciclo I e em 2000 para os do Ciclo II.
18
A capacitação e o material de apoio foram desenvolvidos em parceria com o CENPEC
(Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária), organização
não-governamental sediada na cidade de São Paulo.
No Ciclo I, o material utilizado nas Classes de Aceleração foi a Coleção
“Ensinar para Valer”, para os professores, e a Coleção “Aprender para Valer”, destinada
aos alunos. Ambas as coleções foram elaboradas pelo CENPEC especialmente para o
projeto da SEE-SP. Nas Classes de Aceleração do Ciclo II, o material de apoio para os
professores foi a Coleção “Ensinar e Aprender”, composta de 20 livros organizados em
4 volumes para 5 disciplinas diferentes: Língua Portuguesa, Matemática, História,
Geografia e Ciências. Entretanto, essa última coleção foi elaborada originalmente para a
Secretaria de Educação do Estado do Paraná que desenvolvia um projeto semelhante, a
chamada correção de fluxo, e que cedeu seus direitos de reprodução à SEE-SP. O
material que fora elaborado com a participação dos professores do Estado do Paraná,
durante a implantação do projeto paranaense, foi introduzido na rede paulista sem
nenhum tipo de adaptação ou reformulação.
9
A capacitação dos professores consistia em 6 encontros de 28 horas ao longo de
todo o ano letivo, perfazendo um total de 168 horas. Os diretores e professores
coordenadores também participavam das capacitações. Nos encontros, havia espaços
para a discussão da proposta pedagógica do projeto, exploração do material de apoio,
troca de experiências entre as escolas, avaliação das ações desenvolvidas e
planejamento das próximas atuações pelas equipes escolares. Até o ano de 2002, o
CENPEC realizava, em São Paulo, as capacitações de ATPs e supervisores de ensino.
Os ATPs e supervisores, em cada Diretoria de Ensino multiplicavam as capacitações
para os professores, professores coordenadores e diretores das escolas envolvidas no
projeto. A partir de 2003, as Diretorias de Ensino assumiram a capacitação para esse
projeto sem contar com a assessoria do CENPEC.
Essas mesmas condições foram aplicadas às classes de Recuperação de Ciclo,
sendo que a própria capacitação dos docentes, professores coordenadores e diretores de
ambos os projetos foi unificada, gerando certa dificuldade, principalmente no que dizia
respeito ao uso e exploração do material de apoio: enquanto os professores da
Aceleração conheciam os volumes iniciais e queriam avançar no conhecimento e
discussão dos volumes finais, os professores da Recuperação de Ciclo queriam explorar
9
Atualmente a SEE-SP está utilizando o mesmo material para as classes de Educação de Jovens e
Adultos do Ciclo II das escolas da rede.
19
os volumes iniciais
10
. Além disso, vale lembrar que os docentes da Recuperação de
Ciclo II teriam apenas um ano para trabalhar com os 4 volumes elaborados para o
projeto de Aceleração previsto para ser executado em dois anos.
As escolas cuja demanda de alunos com necessidade de “recuperar o Ciclo” não
atinge e nem se aproxima do parâmetro de 25 alunos necessários para formar uma turma
“pura” de Recuperação de Ciclo, estão autorizadas a formar uma classe “mista”,
reunindo alunos das séries regulares e os da recuperação. Os alunos e os professores
das classes mistas também recebem o material e a capacitação da Aceleração e da
Recuperação de Ciclo.
Outra peculiaridade das Classes de Aceleração e das turmas de Recuperação de
Ciclo diz respeito à forma de atribuição das classes e aulas. Os diretores têm mais
autonomia para selecionar os professores que consideram mais adequados aos projetos,
de acordo com seus perfis e experiências, estando desobrigados de seguir as listagens de
classificação de professores organizadas pelas Diretorias de Ensino, que observam
normas legais que priorizam a situação funcional dos professores titulares de cargo,
estáveis e ocupantes de função-atividade - e o tempo de serviço dos mesmos na rede
estadual como critérios para atribuição das classes ou aulas nas escolas estaduais.
11
Se, por um lado, a criação das classes de Recuperação de Ciclo apresentava-se
como uma preocupação da SEE-SP em garantir o efetivo aprendizado de uma
significativa parcela de alunos que não conseguia atingir os objetivos mínimos
esperados para a conclusão dos Ciclos I ou II, por outro lado, essas classes acabam
sendo o reconhecimento de que todas as estruturas criadas nas reformas educacionais
realizadas a partir de 1995 não foram suficientes para garantir a qualidade do ensino. Na
realidade, as classes de Recuperação de Ciclo, que deveriam ser uma exceção, estão
se tornando mais um ou dois anos adicionais ao Ensino Fundamental, como
veremos mais adiante
.
A questão da recuperação é, evidentemente, um aspecto de suma importância
numa concepção do processo ensino-aprendizagem, considerada nova pelos órgãos
10
Esta situação foi vivenciada por esta pesquisadora, quando acompanhava uma capacitação de
professores de Matemática de ambos os projetos, no ano de 2002, na Diretoria de Ensino de Ensino de
Registro.
11
Na verdade, nos diferentes anos em que os projetos de Aceleração e Recuperação de Ciclo funcionaram
a autonomia dos Diretores para selecionar os professores variou de acordo com as normas anualmente
elaboradas pela SEE-SP para o processo da atribuição de Classes e Aulas. Em 2003, por exemplo, a
Resolução SE nº 180/02 não concedeu essa autonomia determinando que a atribuição respeitasse a
classificação dos docentes por faixa e tempo de serviço.
20
oficiais, em que o conhecimento do aluno deve ser um compromisso de todos: da
escola, da família e da sociedade.
A legislação vigente é bastante clara em relação ao tema, a começar pela própria
LDB que, na alínea “e”, inciso V, do Artigo 24, explicita:
V - A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
(...)
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao
período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem explicitados
pelas instituições de ensino em seus regimentos; (Brasil, 1996, p
. 103)
Também, como foi citado no início deste trabalho, a Deliberação CEE-SP
09/97, que institui o Regime de Progressão Continuada no sistema de ensino de São
Paulo, coloca as diferentes estratégias de Recuperação como um dos mecanismos
indispensáveis para o funcionamento do mesmo
12
.
Ao prever a possibilidade de recuperação ao final de um Ciclo, a SEE-SP aponta
para uma situação que também foi pensada pelo Conselho Estadual de Educação na
Indicação CEE-SP n° 08/97:
O ciclo único de oito anos pode ser desmembrado, segundo as necessidades e
conveniências de cada Município ou escola, em ciclos parciais
, como por
exemplo
, da à série e da à série do ensino fundamental, em
consonância com o projeto em curso de reorganização da rede pública estadual.
Com as devidas cautelas, porém, para que na transição de um ciclo parcial para
o seguinte não se instale um novo “gargalo” ou ponto de exclusão. (São Paulo,
1997, p. 154)
A idéia da Recuperação de Ciclo se apresenta, assim, nos documentos legais,
como uma forma de tratamento diferenciado aos alunos que chegam ao final de um
ciclo de estudos sem alcançar um desempenho considerado satisfatório para o
prosseguimento de seus estudos. Estes alunos não teriam que voltar a freqüentar uma
série regular, correndo o risco de repetir “mais do mesmo” e ficarem excluídos no fundo
da classe. Mas essa possibilidade deveria ser excepcional, visto que as escolas
estaduais oferecem outras formas de recuperação. As Normas Regimentais Básicas para
as Escolas Estaduais, em seu Artigo 80, são claras a esse respeito:
12
Ver inciso III do Artigo 3º da mesma Deliberação citada na página 17 deste trabalho.
21
Os critérios para promoção e encaminhamento para atividades de reforço e
recuperação, inclusive as intensivas programadas para o período de férias ou
recesso escolar, serão disciplinados no regimento da escola.
§ 1° - Todos os alunos terão direito a estudos de reforço e recuperação em todas
as disciplinas em que o aproveitamento foi considerado insatisfatório.
§ 2° - As atividades de reforço e recuperação serão realizadas, de forma
contínua e paralela, ao longo do período letivo, e de forma intensiva, nos
recessos ou férias escolares, independentemente do número de disciplinas.
§ - Excepcionalmente, ao término de cada ciclo, admitir-se-á um ano de
programação específica de recuperação do ciclo I ou de componentes do
ciclo II, para os alunos que demonstrarem impossibilidade de prosseguir
estudos no ciclo ou nível subseqüente (São Paulo, 1998
– grifo nosso).
De modo geral, esta descrição do processo de implantação do Regime de
Progressão Continuada na rede estadual de ensino de São Paulo, mostra o quadro de um
projeto tecnicamente elaborado e legalmente bem fundamentado. De acordo com o que
havia sido proposto em 1995, a SEE-SP considerava que a rede estadual fora
racionalizada, as jornadas escolares unificadas, haviam sido implantados programas de
informatização de dados, de avaliação externa, medidas de correção do fluxo escolar,
mecanismos de recuperação para alunos com dificuldades de aprendizagem, professores
e gestores capacitados. Nas palavras da então Secretária da Educação do Estado, Rose
Neubauer, estava se construindo “a escola do sucesso”. E novos índices educacionais
foram reunidos para sinalizar isso, conforme Tabela 1 a seguir:
TABELA 1 – Evolução dos índices de desempenho dos alunos da
rede estadual de ensino nos últimos 10 anos:
Ano % de aprovação
% de reprovação
% de abandono
1992 76,3 13,7 10,1
1993 78,1 11,9 10,0
1994 77,0 14,1 8,9
1995 79,2 11,7 9,1
1996 83,8 8,6 7,6
1997 90,8 3,8 5,4
1998 93,4 2,0 4,6
1999 92,2 3,3 4,5
2000 91,0 4,3 4,7
2001 91,8 5,1 3,1
2002 92,0 5,1 2,9
Fonte: Diagnóstico do Ensino Fundamental – Plano Estadual de Educação
SEE-SP, www.educacao.sp.gov.br
22
Os números da Tabela 1 indicam, de fato, um aumento da promoção e
diminuição da evasão escolar. O índice de reprovação diminui até o ano de 1998, com
um ligeiro aumento que se estabiliza em torno de 5% em 2002. Este crescimento atinge
o seu ponto máximo no ano de 2001, quando se realizou o SARESP de Avaliação de
Ciclo.
Ou seja, a Tabela 1 demonstra que a retenção continua presente na rede estadual
apesar da Progressão Continuada. Os números das classes de Recuperação de Ciclo II
também confirmam que o “sucesso” não ocorreu conforme se esperava. Como foi dito
anteriormente, o projeto que deveria se constituir em medida excepcional está se
tornando uma rotina nas escolas da rede paulista de ensino. Os números de uma das
Diretorias de Ensino do Vale do Ribeira, apresentados na Tabela 2, a seguir, são
exemplo
s disso:
TABELA 2 Alunos das séries do Ensino Fundamental e das classes de
Recuperação de Ciclo da Diretoria de Ensino de Registro
Alunos da RCII
Ano Total de alunos de 8ª série e
RC II
Freqüência Porcentagem
2002
3769 287 7,6
2003
3340 187 5,6
2004
3251 221 6,8
2005
3396 290 8,5
Fonte: Quadros Escolares da Diretoria de Ensino da Região de Registro referentes aos anos de
2002, 2003, 2004, 2005
Além disso, é preciso lembrar que os números constituem indicadores parciais
da realidade educacional. Há que se considerar a possibilidade de que muitos dos alunos
promovidos no regime de Progressão Continuada estejam levando consigo uma série de
dificuldades que podem negar o “sucesso” que os índices da Tabela 1 pretendem
caracterizar.
2. TEMA E PROBLEMA A SEREM INVESTIGADOS
O quadro descrito revela um complexo contexto de mudanças que gerou grande
impacto na rede paulista de ensino e que atingiu diretamente os alunos do Ensino
Fundamental. Entretanto, pouco se sabe sobre como os alunos têm percebido e
elaborado esse processo de transição entre o regime seriado e a Progressão Continuada.
23
Especialmente, pouco se tem investigado sobre a opinião daqueles alunos que, mesmo
dentro da nova organização de progressão escolar, chegam ao final do Ciclo II sem
condições de continuar os estudos em Nível Médio. São alunos que vivenciam uma
situação peculiar, na qual o fracasso escolar foi adiado para se concretizar no final do
Ensino Fundamental, tornando-se mais pesado, na medida em que carrega defasagens
que se acumularam durante vários anos e que foram escamoteadas pelo regime.
Mais do
que números e porcentagens de tabelas e quadros estatísticos, estes alunos, submetidos a
tais processos de mudança, são sujeitos de um momento histórico no qual atuam
consciente ou inconscientemente.
Diante da permanência do fenômeno da retenção e da necessidade constante de
organizar classes de Recuperação de Ciclo, o foco desta pesquisa se volta para a
investigação da visão que os alunos destas classes expressam sobre a sua própria
condição de “alunos em recuperação de ciclo II”, bem como se explicitam as questões a
serem pesquisadas.
3. QUESTÕES DE PESQUISA
Como os alunos das classes de Recuperação de Ciclo II têm vivenciado esse processo de
mudanças?
Como se sentem em relação ao seu desempenho escolar no final do Ensino Fundamental
(em face da perspectiva de fracasso que envolve a constituição dessas turmas)?
Como avaliam o projeto em que estão inseridos – a Classe de Recuperação de Ciclo II?
Quais são e de que forma expressam suas opiniões em relação à escola, ao conhecimento
escolar e à conclusão do Ensino Fundamental?
Como se relacionam com as diferentes disciplinas escolares? Quais são consideradas mais
fáceis? Quais as mais difíceis? Por quê?
Qual a importância que atribuem à escola e aos conhecimentos escolares para a realização
de seus projetos de vida?
24
4. OBJETIVO
Considerando a persistência dos índices do fracasso escolar na rede paulista de
ensino
, mesmo após a implantação do Regime de Progressão Continuada, esta pesquisa
pretende investigar como alunos de uma escola pública estadual paulista de Ensino
Fundamental da Região de Registro, Vale do Ribeira, Estado de São Paulo,
encaminhados para a Recuperação do Ciclo II
percebem e elaboram a sua condição
como membros de um grupo de alunos que, na escola, é considerado expressão de
fracasso escolar; o que pensam sobre o projeto de recuperação em que estão inseridos,
sobre a escola e sobre as contribuições dos saberes escolares para a realização de seus
projetos de vida.
5. HIPÓTESE
A hipótese inicial deste trabalho é a de que esses alunos, geralmente oriundos
das camadas sociais mais desfavorecidas, têm dificuldades em encontrar significado nos
conhecimentos escolares, distintos dos saberes práticos que adquiriram em sua vivência
fora da escola. Muitas vezes entram na escola acreditando nas promessas de ascensão
social que são atribuídas à instituição escolar pela sociedade, mas, no decorrer dos
estudos, começam a perceber que continuam distante desse sonho de ascensão e que
seus investimentos na vida acadêmica não têm o retorno esperado, mesmo porque as
oportunidades reais que a sociedade oferece a eles são bastante limitadas. Esta tensão
entre as promessas escolares e a realidade sócio-econômica e política do país e da região
em que vivem tornam-se mais perceptíveis ao final do Ciclo II, quando esses alunos,
além de se depararem com a retenção que foi adiada pelo regime de Progressão
Continuada, entram numa faixa etária em que devem começar a definir o futuro. Toda
essa complexa gama de fatores interfere em seus resultados escolares, prejudicando sua
permanência na escola.
6. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
6.1.Revisão bibliográfica
Para o desenvolvimento deste estudo realizou-se, inicialmente, um levantamento
sobre o que a bibliografia educacional tem produzido acerca dos temas Ciclos de
25
Aprendizagem e Progressão Continuada, enquanto formas alternativas de organização
do ensino fundamental e, em especial, sua implementação na rede estadual de ensino de
São Paulo. Este recorte deveu-se ao grande número de estudos sobre experiências de
organização do ensino em ciclos em diversas redes de escolas públicas. Trata-se de um
tema polêmico cuja introdução nos sistemas de ensino marcou profundamente a cultura
escolar das escolas brasileiras. Na impossibilidade de abarcar todas as experiências
sobre o tema optou-se por concentrar esse levantamento, com maior intensidade (mas
não só), nas investigações que se referem à realidade paulista, alvo de minha
experiência como profissional em Educação. Neste levantamento foram identificados
alguns estudos que focalizam a visão dos alunos sobre o seu processo educacional no
contexto da implantação do ensino ciclado.
Desenvolveu-se também como parte da pesquisa, levantamento e análise da
legislação de ensino, federal e paulista, resgatando especificamente as orientações,
propostas e mecanismos implantados na rede paulista de ensino para recuperação de
alunos com dificuldades no processo de ensino-aprendizagem, desde os anos 1960 até o
momento atual.
6.2. Definição de referencial teórico
Ao mesmo tempo, foram realizadas leituras para definição de referencial teórico
que pudesse embasar a investigação sobre o tema escolhido: a Progressão Continuada e
a Recuperação de Ciclo sob o ponto de vista do aluno.
O foco na visão dos alunos exige o entendimento de suas formas de pensar,
interpretar e interagir com a sua realidade social e, especialmente, com a cultura escolar.
Nesse sentido foram considerados relevantes, por exemplo, os estudos de Pérez Gómez
(2001) sobre a “cultura experiencial dos alunos”. Este autor entende por “cultura
experiencial”:
(...) a peculiar configuração de significados e comportamentos que os alunos e
as alunas elaboram de forma particular, induzidos por seu contexto, em sua vida
prévia e paralela à escola, mediante os intercâmbios “espontâneos” com o meio
familiar e social que rodeiam sua existência. A cultura do estudante é o reflexo
da cultura social de sua comunidade, mediatizada por sua experiência
biográfica, estreitamente vinculada ao contexto (Pérez Gómez, 2001, p. 205).
Segundo Pérez Gómez (2001) essa cultura peculiar não é apenas fruto de
experiências diferenciadas dos alunos, mas também o resultado de mecanismos próprios
26
de compreender e se relacionar com o universo simbólico que os rodeia. Nesse sentido o
autor apresenta uma série de recursos cognitivos que são as ferramentas básicas dos
alunos para a organização dessa cultura experiencial.
Entre os recursos cognitivos apontados por Pérez Gómez foram considerados
relevantes neste trabalho, para se avaliar o sentimento dos alunos em relação ao fracasso
escolar, aqueles relacionados com as atitudes e disposições, ou seja, os recursos
cognitivos que revelam a carga afetiva contida nas relações humanas que se desenrolam
no contexto escolar. Entre essas atitudes e disposições estão compreendidas as noções
de apego, auto-conceito e auto-estima; as determinações dos lugares de controle:
interno ou externo, as disposições motivacionais-chave: orientações para o domínio e
as orientações para a atuação (ver Pérez Gómez, 2001, p. 232-236).
Também foram considerados pertinentes para o foco de análise desta pesquisa
os estudos de Bernard Charlot (2001) sobre a noção de relação com o saber. Trata-se de
estudos que investigam as razões das diferentes motivações dos indivíduos para com o
aprendizado de algo novo. Nas palavras do próprio autor:
Por que colocar a questão da relação com o saber?
Ela pode ser colocada quando se constata que certos indivíduos, jovens ou
adultos, têm desejo de aprender, enquanto outros não manifestam esse mesmo
desejo. Uns parecem sempre dispostos a aprender algo novo, o apaixonados
por este ou por aquele tipo de saber, ou pelo menos, mostram uma certa
disponibilidade para aprender. Os outros parecem pouco motivados para
aprender ou para aprender isso ou aquilo, e, às vezes, recusam-se
explicitamente a fazê-lo. Por que essa diferença de comportamento diante do(s)
saber(es) ? Costuma-se invocar características que são imputadas ao próprio
indivíduo: ele é preguiçoso, não está motivado, etc. Mas trata-se, na verdade,
das relações entre esse indivíduo e aquilo que se tenta ensinar-lhe; assim “não
estar motivado” é estar em uma certa relação com a aprendizagem proposta. O
que está em questão aqui, portanto, é uma certa relação com o saber com o
saber em geral ou com este ou aquele saber (Charlot, 2001, p. 15-16).
A relação dos indivíduos com o(s) saber(es), especialmente os escolares, pode
ter abordagens diversas: psicológicas, psicanalíticas, didáticas e sociológicas. Como
o presente trabalho volta-se para o estudo de alunos de escola pública e,
particularmente, alunos oriundos das classes populares, o enfoque sociológico
apresenta-se como o mais adequado, desde que, segundo Charlot, não seja tomado
numa visão determinista:
27
Os sociólogos mostraram que os alunos das camadas populares têm
mais dificuldades na escola; portanto, mais reprovações entre eles do que
entre os alunos oriundos dos meios favorecidos. Os debates que visam dar conta
dessa diferença são complexos, (...). Contudo, uma coisa é certa,: a relação dos
alunos com o(s) saber(es) e com a escola o é a mesma nas diferentes classes
sociais. Porém, constatam-se também “êxitos paradoxais”: alguns alunos de
família pobre têm êxito na escola, apesar de tudo inversamente, alguns alunos
de família favorecida, mesmo assim fracassam na escola. Em outras palavras,
trata-se de compreender como se constrói uma relação com o saber que, ao
mesmo tempo, tenha a marca da origem social e o seja determinada por essa
origem (Charlot, 2001, p.16).
Vale lembrar ainda, nesta introdução, que também se considerou a possibilidade
de outras leituras teóricas durante a análise dos dados coletados, incorporando ao
referencial esboçado a contribuição de autores relacionados a estudos sobre a
adolescência, juventude e fracasso escolar com o aporte da sociologia, como Zago
(2000) e Frigotto (2004).
6.3. Realização de estudo preliminar e identificação de indicadores para a coleta de
dados
Este estudo preliminar teve o objetivo de investigar, de forma exploratória
inicial, conforme definição de Selltiz (1965) e Trivinos (1992), as questões que
poderiam emergir em torno da temática em estudo, com vistas à identificação de
indicadores para a pesquisa de campo e coleta de dados. Foi realizado por meio da
técnica denominada grupo focal, tal como define Gatti (2005), reunindo quatro alunos
de classes de Recuperação de Ciclo II (não constantes da amostra de sujeitos a serem
selecionados para a pesquisa principal), escolhidos aleatoriamente para uma primeira
aproximação com o universo das expectativas do grupo, no que se refere às relações que
estabelecem com os professores, as disciplinas, os colegas, as práticas escolares, a
condição de aluno de classe de Recuperação de Ciclo, a percepção dessa condição e das
razões pelas quais não concluíram o Ciclo II, bem como suas perspectivas para o futuro.
6.4. Construção e teste de instrumentos para coleta de dados
Foram construídos e previamente testados os seguintes instrumentos específicos
para a coleta de dados, a partir dos indicadores esboçados com o estudo preliminar:
Roteiro para análise de documentos (da escola, da legislação);
Roteiro para entrevista com alunos;
Roteiro para análise dos cadernos escolares.
28
Serviram de apoio para construção de tais roteiros as recomendações contidas
nos textos de autores como Selltiz (1965), Bogdan e Biklen (1994), Marin (s/d ) e
Giovanni (1998 e 1999) sobre a natureza e características desses dois procedimentos de
coleta de dados e cuidados necessários para sua utilização na pesquisa em educação.
Segundo a proposta desses mesmos autores, tais roteiros foram testados com base em:
análises por pesquisadores experientes na área;
aplicações em documentos e sujeitos não constantes do grupo de alunos e do conjunto de
documentação a serem investigados.
6.5. Definição da Escola e dos sujeitos da pesquisa
A coleta de dados foi realizada em uma escola da rede oficial de ensino do
Estado de São Paulo, localizada na Diretoria de Ensino da Região de Registro. Para a
escolha da escola foram utilizados os seguintes critérios:
aceitação da equipe escolar, após apresentação de proposta de pesquisa pela pesquisadora;
inexistência de vínculos pessoais e profissionais diretos entre a escola e a pesquisadora;
a existência de classe de Recuperação de Ciclo II na unidade escolar
Foram considerados sujeitos potenciais deste estudo os alunos da Turma de
Recuperação de Ciclo II existente na escola alvo do estudo. A participação desses
alunos como sujeitos de pesquisa se deu mediante as seguintes condições:
aceitação do aluno em participar do estudo;
autorização, por escrito, dos pais ou responsáveis.
Os alunos participantes em número de oito foram selecionados com base nos
critérios estabelecidos e nas informações colhidas durante o estudo preliminar. No
referido estudo, verificou-se que a retenção dos alunos no final do Ciclo II ocorria não
por aproveitamento insatisfatório, mas também por freqüência insuficiente e evasão
escolar. Foram então escolhidos para entrevista três alunos retidos por aproveitamento
insatisfatório, três alunos com histórico de evasão escolar e dois alunos retidos por
aproveitamento e freqüência insuficientes.
29
6.6. Coleta dos dados
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com oito alunos da
classe de Recuperação de Ciclo II em funcionamento no ano de 2005 de uma escola
pública estadual da Diretoria de Ensino de Registro, de análise dos documentos
escolares (legislação específica,
histórico escolar e fichas de avaliação individual dos
alunos nos anos letivos de 2004 e 2005, relatórios de projetos de Recuperação Paralela
elaborados pela escola durante o ano de 2004). Embora não estivesse previsto no início
da pesquisa, a necessidade de conhecer melhor o trabalho proposto e desenvolvido pelas
Classes de Recuperação de Ciclo II tornou relevante, também, que se fizesse a análise
do material pedagógico utilizado no projeto e da produção escolar desses alunos
(cadernos escolares)
.
6.7. Procedimentos para organização e análise dos dados coletados
Com base no referencial teórico adotado, nos resultados de outros estudos
realizados sobre a temática e com base na própria configuração dos dados obtidos foram
adotados os seguintes procedimentos para análise:
mapeamento geral dos dados coletados;
organização de quadros/tabelas que sintetizam e reúnem as informações e permitem
expressar, graficamente, os “achados da pesquisa”;
descrição analítica dos resultados.
Também aqui serviram como apoio as recomendações contidas nos textos de
Selltiz (1965), Bogdan e Biklen (1994) e Giovanni (1998).
_____________________________________________
Assim, para apresentação da pesquisa realizada, esta Dissertação foi organizada
em quatro capítulos. O primeiro Capítulo está voltado para apresentação do referencial
teórico norteador da pesquisa. O Capítulo 2 sintetiza resultados de algumas pesquisas já
realizadas sobre a temática em estudo. No Capítulo 3 concentra-se o estudo da
legislação específica sobre Recuperação e sua implantação no Estado de São Paulo. E,
finalmente, o Capítulo 4 traz os resultados já sistematizados e analisados do Estudo
30
Preliminar e do Estudo Principal. Encerram a Dissertação algumas Considerações
Finais, retomando as principais conclusões da pesquisa realizada, ou seja, são
retomadas, de um lado, as evidências de que os alunos explicam a situação de fracasso
escolar de formas diversas, ora responsabilizando a si próprios, ora apontando
problemas externos à escola (demonstrando diferentes mecanismos afetivos e
disposições para assimilar os resultados escolares insatisfatórios e confirmando a
hipótese inicial de que a maioria dos alunos revela dificuldade em estabelecer uma
relação significativa com os saberes escolares e, dessa forma, tem sua permanência na
escola constantemente prejudicada) e, de outro lado, a constatação de que o Projeto da
Recuperação de Ciclo II, que deveria contribuir para o estabelecimento de uma nova
relação dos alunos com o conhecimento escolar, está descaracterizado e não tem
atingido os resultados esperados. Finalmente são apresentadas as Referências
Bibliográficas e os Anexos (contendo os instrumentos utilizados na coleta dos dados e
algumas reproduções do material pedagógico utilizado nas classes de RC II e das
atividades realizadas pelos alunos da RC II em seus cadernos escolares).
31
CAPÍTULO 1
A VISÃO DOS ALUNOS: REFERENCIAL TEÓRICO
A proposta de abordar a temática do fracasso escolar e das políticas educacionais
voltadas para a sua superação o regime de Progressão Continuada e a Recuperação de
Ciclo II sob o ponto de vista dos alunos exigiu a adoção de alguns instrumentos
teóricos que permitissem uma aproximação com o universo mental desses alunos em
suas relações com o ambiente escolar. Foi preciso considerar as especificidades desses
sujeitos que participam de um complexo espaço de interação social que é a escola.
Nesse sentido tornou-se oportuno lançar mão das considerações teóricas de Pérez
Gómez (2001) sobre cultura escolar e sobre cultura experiencial e das pesquisas de
Bernard Charlot (2001) sobre a noção de relação com o saber.
1.1 – PÉREZ GÓMEZ E A CULTURA EXPERIENCIAL
Segundo Pérez Gómez (2001) a escola é um “espaço ecológico de cruzamento
de culturas” (p.17). Ela trabalha com múltiplas influências culturais: as produções
científicas, artísticas e filosóficas elaboradas pelos setores de ponta da intelectualidade
contemporânea; as determinações legais que regulam o funcionamento institucional da
escola desde a configuração dos currículos até os padrões de desempenho socialmente
esperados; as crenças, valores e conhecimentos comuns à maioria da sociedade; as
normas, rotinas e rituais que constituem a tradição da instituição escolar; as ações e
interpretações resultantes da vivência escolar de seus membros, inclusive dos alunos. A
função da escola atual é, segundo o autor, para além das tradicionais funções de
instrução e socialização, mediar as trocas entre as diferentes culturas que permeiam o
cotidiano escolar possibilitando que as novas gerações possam construir sua autonomia
intelectual, moral, política e ideológica para atuar na vida social de modo crítico,
independente e responsável.
32
Nesse complexo cruzamento de culturas, Pérez Gómez define o conceito de
cultura experiencial:
(...) Entendo por cultura experiencial a peculiar configuração de significados e
comportamentos que os alunos e as alunas elaboram de forma particular,
induzidos por seu contexto, em sua vida prévia e paralela à escola, mediante os
intercâmbios “espontâneos” com o meio familiar e social que rodeiam sua
existência. A cultura do estudante é o reflexo da cultura social de sua
comunidade, mediatizada por sua experiência biográfica, estreitamente
vinculada ao contexto (Pérez Gómez, 2001, p. 205).
Em seu estudo sobre a cultura experiencial, esse autor explora os diferentes
recursos cognitivos utilizados pelos sujeitos para dar significado ao mundo em que
vivem: roteiros, conceitos, estratégias, disposições e teorias. Para esta pesquisa
considerou-se especialmente relevante o estudo das disposições, que são os recursos
mentais, citados pelo autor, de natureza afetiva. O próprio Pérez Gómez chama atenção
para a aparente estranheza da vinculação entre recursos cognitivos e as questões
afetivas, mas defende esta aproximação, justificando que toda a ação humana tem um
componente intencional, fundado em desejos, crenças e compromissos, que é sua fonte
mobilizadora. Nas palavras do autor,
“... não se pode entender a peculiar cultura experiencial
dos indivíduos sem identificar a estrutura e a gênese de suas atitudes e demais componentes de
sua dimensão afetiva”
(Pérez Gómez, 2001, p. 232)
A literatura sobre fracasso escolar e a própria discussão em torno da Progressão
Continuada e dos Ciclos de Aprendizagem também têm destacado a influência das
questões afetivas e motivacionais no desempenho escolar dos alunos. As marcas das
experiências de socialização na primeira infância, as relações interpessoais entre
professores e alunos, o peso dos juízos de valor externos na formação das
personalidades são aspectos que interferem diretamente no desempenho escolar dos
alunos. Nesse sentido, as disposições discutidas por Pérez Gómez aplicam-se de forma
adequada a esta pesquisa.
Entre as disposições que interferem na cultura experiencial dos alunos, podemos
destacar o apego, o autoconceito, a auto-estima, os lugares de controle, e as
orientações motivacionais-chave.
O apego constitui, segundo o autor, a disposição que se manifesta na primeira
infância, quando a criança estabelece os primeiros vínculos afetivos com os adultos com
os quais interage de forma privilegiada. Essa primeira experiência relacional é
33
responsável pela segurança afetiva necessária para o desenvolvimento de outras funções
mentais.
Entretanto, parece que as disposições chaves para analisar as relações dos alunos
com o contexto escolar são aquelas denominadas de autoconceito e auto-estima. Estas
duas categorias, que estão bastante relacionadas entre si, precisam ser distinguidas, pois
se referem a instâncias diferentes do processo de auto-avaliação dos indivíduos. Nas
palavras de Palácios e Hidalgo
13
utilizadas por Pérez Gómez (2001):
(...)
O autoconceito refere-se ao conteúdo, às características ou atributos que
utilizamos para descrevermos o conhecimento que temos de nós mesmos, o que
pensamos que somos, enquanto que a auto-estima se refere à valoração ou ao
julgamento que fazemos desse autoconceito, o valor que atribuímos ao que
pensamos que somos (p. 233).
Partindo destes conceitos pode-se afirmar que a questão da auto-estima é bem
mais complexa do que pensamos. Um aluno pode ter consciência de que possui
determinadas características consideradas negativas pela escola, mas, ainda assim, ter
uma auto-estima elevada, pois tem convicção de que as características desvalorizadas
pela escola são positivas para ele. Talvez seja este tipo de fenômeno que explique as
atitudes de rebeldia e enfrentamento que alguns jovens adotam diante das tentativas de
controle e rotulação dos estudantes pela escola. Esta rebeldia pode contribuir, de um
lado, para democratizar a cultura escolar ao quebrar com regras e tradições inflexíveis
que não se justificam mais no contexto atual. Por outro lado, pode também redundar em
pura violência se as diferenças entre a cultura experiencial dos alunos e a cultura
institucional da escola e dos professores não forem discutidas e reavaliadas pelos
envolvidos no processo educativo.
Além disso, Pérez Gómez (2001) alerta para o fato de que as relações entre
autoconceito e auto-estima são fortemente influenciadas pelos juízos e avaliações
externas, muitas vezes inconsistentes, arbitrárias e mutáveis. As relações entre
autoconceito, auto-estima e julgamentos externos têm um peso extraordinário no
desenvolvimento das personalidades, do êxito ou fracasso escolar, das relações sociais e
da saúde mental dos indivíduos:
13
Pérez Gómez refere-se aqui ao seguinte texto: Palácio, J. E. e Hidalgo, V. 1992. Desarrollo de la
personalidade em los años preescolares In: PALACIOS, J.; MARCHESI, A. e COLL, C. (Comps).
Desarrollo psicológico y educación. Madrid: Alianza
34
(...) A auto-estima não apenas potencia ou restringe o volume e a qualidade de
nossas iniciativas sociais, como também, o próprio sentido das expectativas de
nossa vida, a orientação de nossas ilusões e a força de nossa convicção. O
fenômeno da profecia auto-realizadora tem a ver, fundamentalmente, com essa
poderosa ferramenta de previsão de futuro (Pérez Gómez, 2001, p. 233).
As conseqüências do fenômeno da “profecia auto-realizadora” são
particularmente marcantes nos ambientes sociais mais desfavorecidos, onde as crianças
convivem, geralmente, com adultos que desenvolveram um sentimento de
pessimismo e desencanto. Este sentimento de descrença em seu próprio potencial pode
ser reforçado pela escola através de rotulações que marcam o aluno, prejudicando sua
auto-estima. A ausência de expectativas positivas é um fator que inibe o potencial de
crescimento e de aperfeiçoamento contínuo dos indivíduos.
A autoconceito e a auto-estima estão também diretamente ligados às disposições
que determinam os chamados lugares de controle. Segundo Pérez Gómez as pessoas
estabelecem razões para explicar seus êxitos e derrotas. Quando uma pessoa acredita
que seu desempenho resultou de seus próprios méritos ou deméritos, ela tem um lugar
de controle interno. De forma contrária, quando uma pessoa atribui seus fracassos ou
vitórias à ajuda e contribuições de outras pessoas ou circunstancias, ela desenvolveu um
lugar de controle externo. Geralmente as pessoas com alta auto-estima atribuem a si
próprias os méritos do sucesso e, aos outros (pessoas e circunstâncias diversas), a
responsabilização pela derrota. De modo inverso, uma pessoa com baixa auto-estima
costuma atribuir suas vitórias às ajudas externas e seus fracassos, às suas próprias falhas
e dificuldades.
Outro componente importante para compreender as ações e atuações dos
indivíduos no contexto social e escolar são as orientações motivacionais. De acordo
com Pérez Gómez (2001)
, quando agimos e aprendemos motivados pela vontade de
conhecer e dominar uma situação nova e desafiadora estamos desenvolvendo a
orientação para o domínio. Em contrapartida, quando agimos e aprendemos
preocupados com possíveis prêmios e punições, estamos desenvolvendo a orientação
para a atuação.
Sujeitos orientados para o domínio tendem a considerar os resultados positivos
ou negativos de suas ações a seus esforços pessoais e enxergam os professores e os
adultos como guias e facilitadores que ajudam nas ações e aprendizagens desenvolvidas.
Sujeitos orientados para a atuação tendem a considerar que suas vitórias e derrotas são
35
condicionadas por fatores externos e encaram a posição de professores e adultos como a
de um juiz com poder de sancionar erros e acertos. Neste último caso, o indivíduo mira
primeiro os benefícios aos quais pretende conquistar e não o aprendizado do processo
do qual participa, podendo até camuflar seu real desempenho para alcançar o benefício
esperado.
Em relação à orientação para a atuação, Pérez Gómez (2001) ainda destaca que é
uma disposição altamente influenciada pela cultura social predominante em nossa
sociedade no contexto da globalização e do neoliberalismo:
(...)
Como já comentamos (...), as pressões neoliberais da economia globalizada
provocaram uma tendência na ideologia social de favorecer a rentabilidade
sobre a produtividade. O que interessa é o benefício, não importa os meios para
alcançá-lo, até o ponto extremo de que a busca da rentabilidade pode supor o
naufrágio local, regional ou nacional da produtividade. No âmbito de
desenvolvimento individual é fácil encontrar caminhos para transferir esse valor
da ideologia social para a terreno das atitudes assumidas individualmente (Pérez
Gómez, 2001, p.235).
Todas essas categorias elencadas por Pérez Gómez são pertinentes quando se
pretende discutir os sentimentos e opiniões dos alunos em relação ao seu desempenho
escolar:
A que e a quem atribuem o fracasso?
▪ Quais as motivações que os levam a freqüentar a escola e a desenvolver as atividades
escolares?
▪ O que esperam dos professores?
▪ Como encaram e absorvem os resultados das avaliações escolares?
1.2 – BERNARD CHARLOT E A RELAÇÃO COM O SABER
Em relação à temática da motivação dos alunos considerou-se também relevante
as elaborações teóricas de Bernard Charlot (2000 e 2001) sobre a noção de relação com
o saber.
Conforme exposto na introdução deste relatório, a questão da relação com o
saber tem sido colocada diante da constatação de que o interesse pelo conhecimento não
se manifesta de maneira igual entre os indivíduos. Esta proposição vale para qualquer
tipo de conhecimento e também para o conhecimento escolar. Esta temática tem sido
abordada em diferentes campos teóricos: psicologia, psicanálise, didática e sociologia.
36
Na abordagem sociológica há uma recorrente constatação de que os alunos oriundos das
camadas sociais mais desfavorecidas têm maiores dificuldades no processo escolar de
ensino-aprendizagem. Entretanto, ocorrem os chamados “êxitos paradoxais”, ou seja,
casos de alunos de origem popular que alcançam resultados vitoriosos em sua vida
escolar. Da mesma forma, existem alunos de classes sociais mais favorecidas que
fracassam na escola, contrariando as expectativas familiares. Trata-se então de
investigar, nas palavras do próprio Charlot (2001)
“... como se constrói uma relação com o
saber que, ao mesmo tempo, tenha a marca da origem social e não seja determinada por essa
origem”
(Charlot, 2001, p. 16).
Para desenvolver seus estudos sobre a relação com o saber, o citado sociólogo
francês e sua equipe de trabalho
14
desenvolveram um instrumento de pesquisa chamado
de balanço do saber, oriundo do francês bilan de savoir”, que consiste em solicitar
uma produção de texto onde os alunos avaliem os processos e produtos de sua
aprendizagem. A partir desses balanços foi possível estabelecer uma tipologia dos
saberes, que estão sempre presentes nos relatos dos alunos e que permitem algumas
reflexões sobre o significado das aprendizagens escolares para os estudantes.
No Brasil, uma pesquisa nessa linha foi realizada pelo CENPEC
15
em
associação com a LITTERIS
16
(CENPEC e LITTERIS, 2001), em 1997, com um grupo
de jovens da cidade de São Paulo. Foram selecionados 72 jovens, entre 13 e 17 anos,
moradores de bairros centrais, mas com população de baixa renda, estudantes de escolas
públicas. Através de entrevistas e oficinas diversas, os jovens produziram diferentes
textos, verbais e não-verbais, onde expressaram seus “balanços de saber”. A produção
do grupo revelou três tipos de saberes valorizados:
1. Saberes práticos referentes à comunicação e socialização (falar nossa linguagem, ler,
escrever, andar na rua, respeitar as leis do trânsito, trabalhar, namorar, casar, fazer sexo, ter
filhos); aos afazeres cotidianos (mexer com máquinas, lidar com eletricidade, dirigir, filmar,
etc.): aos cuidados pessoais (vestir-se, tomar banho, ir ao médico e ao dentista, alimentar-se,
usar camisinha, não cuspir em locais públicos, não usar drogas, etc.).
2. Saberes ético-morais ligados à afetividade e à boa convivência social: ser educado, gentil,
respeitar e amar o próximo e, especialmente, os mais velhos, não roubar, não mentir, etc.
3. Saberes teóricos e intelectuais: ligados às atividades (escolares ou não) de ler, escrever,
contar e estudar (CENPEC, 2001, p. 38)
.
14
Equipe ESCOL - Educação, Socialização e Coletividades Locais (Departamento das Ciências da
Educação, Universidade de Paris – VII, Saint-Denis).
15
Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária, organização não-
governamental sediada na cidade de São Paulo. Ver página 18 do presente trabalho.
16
Instituto da Assessoria e Pesquisa em Linguagem, organização não-governamental também sediada na
cidade de São Paul, voltada para estudos de cultura e linguagem.
37
Entre os saberes enumerados verificou-se a predominância dos dois primeiros
tipos, ou seja, saberes adquiridos na vida cotidiana, no convívio familiar e social.
Alguns saberes sobre higiene e saúde poderiam ser considerados contribuição da escola,
que também reforça os saberes ético-moral, iniciados pela família. Os saberes teóricos e
intelectuais priorizados pela escola são muito menos citados e de maneira genérica.
Basicamente, somente o ler e escrever são lembrados.
A principal fonte de aprendizado é a família, especialmente as mães. O
aprendizado com “a vida”, ou seja, a experiência pessoal também é muito citada.
E a escola? A escola é vista muito mais como um espaço de convivência social.
Um espaço de vivências positivas (amizades, lazer, encontros) e também de conflitos
(brigas, violência
s, assimetrias entre alguns professores e alunos). Há, entretanto,
algumas menções genéricas à importância da escola para o futuro”, para ser alguém
na vida”. Mas esta é uma crença que não se justifica pelos conteúdos escolares, para os
quais não vêem sentidos. Um depoimento registrado é bem explícito neste sentido:
“...
As coisas que aprendo na escola considero pouco importante (...), pois não se usa em certos
empregos, e sim, só para se formar”(CENPEC & LITTERIS, 2001, p. 46).
Comparando os resultados dessa pesquisa brasileira com outros “balanços de
saber” realizados com alunos de diferentes nacionalidades (França, República Tcheca e
Tunísia) e níveis sociais, Charlot (2001) consegue identificar algumas semelhanças.
Quando, questionados sobre tudo o que aprenderam desde que nasceram e sobre o que
gostariam de aprender, os jovens relacionavam as três categorias de saber anteriormente
citadas saberes práticos da vida cotidiana, saberes ético-morais, saberes teóricos e
intelectuais mas sempre com o predomínio das duas primeiras categorias. Entretanto,
esse predomínio é mais marcante entre os jovens brasileiros de origem popular. Jovens
tchecos e franceses da classe média citam mais freqüentemente os saberes escolares.
Por um lado, verifica-se uma identidade humana: os jovens, no geral, priorizam
os saberes práticos e ético-morais que são aprendizados antropológicos, no sentido de se
tratar
de saberes necessários para ingressar no mundo humano, ou seja, para
“hominizar-se”:
“... O que se trata de aprender, para eles, é fundamentalmente a vida’, ‘as
coisas da vida’, isso que é do mundo humano, dos outros homens, deles mesmos” (Charlot,
2001, p. 147).
Por outro lado, observa-se a marca social e cultural: o significado dos
conhecimentos escolares não é o mesmo para os diferentes grupos e culturas.
38
As pesquisas de Charlot e da equipe ESCOL constatam que esta dificuldade,
encontrada por alguns alunos, de perceber o significado dos saberes escolares implica
uma dificuldade dos mesmos alunos, a “entrar na escola”, em seu sentido simbólico:
(...) Esses jovens, um dia, entram na escola – no Brasil, na França, na República
Tcheca, na Tunísia e em qualquer outra parte. Eles “entram” no sentido em que
se matriculam nela e a freqüentam, mais ou menos regularmente. Mas (...)
alguns entram também no sentido simbólico do termo (entram nas atividades,
nos conteúdos, nos objetivos específicos da escola), enquanto outros, em geral
os de origem popular, “não entram” jamais na escola, no sentido simbólico do
termo, ou, pelo menos entram com dificuldade, em parte e nela sentem-se
sempre mais ou menos estrangeiros (Charlot, 2001, p.149).
Esta estranheza com relação à escola e aos saberes por ela trabalhados deve-se
ao fato de que os alunos aprenderam muitas coisas antes de entrarem para a escola.
Eles já aprenderam e desenvolveram outras relações com o aprender. Não se trata
somente de aprender coisas diferentes, mas também da própria forma de aprender e
de
dar sentido ao aprendizado. Muitas vezes, esta nova forma de aprender entra em conflito
com a forma até então vivenciada de aprendizagem. Nesse momento “entrar na escola”
pode significar também uma ruptura com o seu grupo de origem. Então, a permanência
na escola se torna uma “experiência de tensão”.
Essa permanência tensa dos alunos na escola pode ser uma explicação para a
continuidade dos desempenhos escolares desiguais nas escolas que se propõem a
garantir melhoria de desempenho e continuidade escolar no sistema de Progressão
Continuada. Nesse sentido torna-se pertinente investigar as relações que os alunos das
classes de Recuperação de Ciclo II estabelecem com a escola e com os saberes
escolares.
__________________________________
Os estudos educacionais centrados na compreensão das condições de
aprendizagem do alunado são, ainda, uma tendência pouco desenvolvida no Brasil.
Em
pesquisa voltada para a análise das tendências de investigação das
dissertações e teses defendidas em programas brasileiros de pós-graduação, no período
de 1981 a 1998, Marin, Bueno e Sampaio (2005) constatam que os estudos sobre os
alunos constituem objeto de estudo cerca de 25 % do total da produção acadêmica do
39
período, ou seja, representam um quarto dos estudos realizados sobre a escola nesses 19
anos de produção acadêmica. Entretanto, esses pesquisadores observam que grande
parte dos estudos arrolados dentro da temática em questão não es centrada,
especificamente, na compreensão do alunado, mas visam compreender outros aspectos
da vida escolar. De um total de 1884 trabalhos sobre alunos apresentados no período
questão, somente 819 são voltados para assuntos específicos da vida estudantil:
condições do alunado, desempenho escolar, desenvolvimento psicológico e socialização
no espaço escolar.
Pretende-se compreender melhor a visão dos alunos das classes de Recuperação
de Ciclo II sobre sua vida escolar no contexto da Progressão Continuada. O Capítulo 2,
apresentado a seguir, e em destaque uma parcela dos estudos já realizados sobre a
implantação dos ciclos escolares no Brasil como política para superação do fracasso
escolar nas escolas brasileiras, focalizando com maior ênfase os estudos referentes à
realidade das escolas paulistas.
40
CAPÍTULO 2
A IMPLANTAÇÃO DOS CICLOS ESCOLARES NO BRASIL: O
TEMPO DE MUDAR NO PAPEL” E O “TEMPO DE
TRANSFORMAR CORAÇÕES E MENTES
2.1 – O TEMA DO FRACASSO ESCOLAR E A PROPOSTA DOS CICLOS
“... é bem mais difícil para nós imaginarmos uma escola
organizada de tal modo, que cada aluno seja, tão freqüentemente
quanto possível, colocado em uma situação de aprendizagem
fecunda para ele” (Perrenoud, 2000, p.51).
A temática do fracasso escolar é uma questão relativamente recente na
pedagogia mundial. Segundo Perrenoud (2000), até a década de 50 do século XX, o
desempenho desigual dos alunos na escola era uma realidade “normal”. A idéia
moderna de “escolaridade para todos” se limitava à garantia de acesso a uma instrução
mínima para que os indivíduos se integrassem ao mundo do trabalho, votassem
corretamente, e vivessem sadiamente. Muitos sistemas de ensino mantiveram, até os
anos 1930, redes de ensino distintas para as classes privilegiadas e para as classes
populares
17
. Somente com a unificação e democratização dos sistemas escolares, no
período pós Guerra Mundial, o fracasso escolar começou a ser notado como um
problema e até mesmo como injustiça. Os estudos quantitativos demonstraram que a
desigualdade de desempenho escolar estava relacionada com a origem sócio-econômica
dos alunos. Alguns sistemas de ensino europeus começam então a formular políticas
para aumentar as taxas de escolarização e diminuir o fracasso escolar. Não obstante os
inúmeros avanços, as soluções encontradas não foram suficientes. A questão era
diferenciar o ensino rompendo com a indiferença às diferenças, realidade observada por
Bourdieu
18
, segundo Perrenoud (2000), para denunciar que o tratamento igualitário para
os diferentes reforçava as desigualdades iniciais, levando à reprodução das mesmas
estruturas sociais.
17
No Brasil este sistema dual de ensino no qual se destinava uma educação propedêutica para as elites e
uma educação profissionalizante para as classes populares durou até 1953, quando a Lei 1.921 permitiu a
equivalência de estudos entre os diferentes cursos secundários.
18
Perrenoud se refere aqui ao seguinte artigo: BOURDIEU, P. 1966. L’école conservatrice. L’inégalité
devant l’école et devant la culture. Revue française de sociologie, nº 13, p. 325-34.
41
O desenvolvimento de uma pedagogia diferenciada que garantisse condições de
real aprendizado escolar passou a ser um desafio para os educadores desde finais dos
anos 60. A primeira tentativa foi a de eliminar a reprovação escolar, visto que ela era o
“sintoma mais gritante do fracasso escolar”. Entretanto, essa medida adotada em muitos
países não foi a solução mais adequada, ou não teve os resultados esperados. Nas
palavras de Perrenoud (2000):
...Quando a supressão da reprovação não é acompanhada de nenhuma forma de
diferenciação interna na sala de aula e por nenhuma medida de apoio
pedagógico externo, a heterogeneidade das turmas aumenta, sem nenhum meio
suplementar para afrontá-la. (...) A reprovação é uma medida arcaica de
diferenciação. Todavia, suprimi-la sem nada mudar é uma tática limitada para
os alunos que o têm, simplesmente, necessidade de um pouco mais de tempo
para crescer. O fracasso é diferenciado; não se combateram, no entanto, as
causas (Perrenoud, 2000, p. 35).
Outras soluções propostas, tais como: a discriminação positiva uma atenção
especial para os mais necessitados dentro da própria sala de aula - e a oferta de apoios
externos professores para reforço fora da sala de aula e encaminhamento a serviços
psicológicos, fonoaudilógicos, psicopedagógicos, etc. – também não alcançaram os
resultados esperados. No primeiro caso, os professores não conseguiam gerir todas as
demandas de uma ou mais classes
.
No segundo caso, os professores contratados não
tinham formação diferenciada para atender aos alunos e os profissionais especializados
tendiam a manter uma linha clínica que não respondia necessariamente às necessidades
educacionais.
Para Perrenoud (2000) a pedagogia diferenciada exige uma flexibilização da
estrutura escolar, com a criação dos chamados ciclos de aprendizagem ou de formação.
Entretanto, para esse autor, os ciclos seriam muito mais complexos do que a simples
eliminação da repetência:
(...) Infelizmente, a noção de ciclo é ambígua e pode esconder tanto uma
manutenção mal dissimulada dos graus (sem reprovação, o que não é
negligenciável), quanto uma organização realmente alternativa da formação e
das progressões individuais (Perrenoud, 2000, p. 43-44).
A implantação dos ciclos exigiria, portanto, segundo o autor, uma reorganização
dos espaços e tempos destinados ao processo de ensino-aprendizagem, das formas de
agrupamento dos alunos e das condições e concepções de trabalho do professor. Esta
42
reorganização deveria ser algo totalmente diferente do que existe atualmente e isto é
muito difícil, tal é o nosso grau de envolvimento com o sistema vigente:
(...) Temos uma grande dificuldade em fazer uma tabula rasa da organização
escolar e das práticas pedagógicas atuais, em pensar de outro modo. Ora, no
estado da arte e da teoria, esta é a chave de uma ruptura: tentar repensar
os
percursos escolares, para que sua
individualização não se limite a algumas
variações marginais em relação a uma formação-padrão definida como uma
progressão de grau em grau em um programa estruturado em anos sucessivos.
Para isso, deixemos de encerrar-nos nos mesmos esquemas e tentemos imaginar
uma organização diferente, que assumisse as mesmas funções, produzindo
menos fracassos e desigualdades. (Perrenoud, 2000, p. 51).
2.2 – OS CICLOS NO BRASIL
No Brasil, a discussão sobre o ensino organizado em ciclos tem alcançado uma
grande repercussão nos últimos anos, em função da adoção desse sistema em diferentes
redes públicas de ensino do país a partir dos anos 1990. Na realidade esta discussão
esbarra no próprio caráter experimental dos ciclos. Os ciclos têm sido associados a
diferentes propostas de combate aos elevados índices de repetência no ensino
fundamental, misturados a termos como “promoção automática”, “progressão
continuada”. Os órgãos oficiais dos sistemas de ensino evitam utilizar a expressão
“promoção automática”, mas observa-se que, em alguns casos, a supressão da
reprovação foi o único grande diferencial das reformas propostas.
Barreto e Mitrulis (2001) fazem um histórico das discussões nacionais sobre o
tema e um balanço das principais experiências de implantação desse sistema no Brasil e
das diferentes opiniões sobre o assunto entre intelectuais, professores, pais e alunos nos
dias atuais.
Estas autoras apontam que a preocupação com os efeitos perversos da excessiva
reprovação no ensino fundamental brasileiro começou a ser discutida durante os anos
1920. A partir dos anos 1950, essa preocupação torna-se mais presente e surgem as
primeiras propostas de eliminação da retenção no ensino obrigatório. Nessa época o
Brasil apresentava índices alarmantes de reprovação: 57,4% de retenção na passagem da
1ª para a 2ª série do ensino primário.
Um marco do debate sobre a chamada “promoção automática” foi a Conferência
Regional Latino-Americana sobre Educação Primária Gratuita e Obrigatória, promovido
pela Unesco e pela Organização dos Estados Americanos (O.E.A.) e realizada em Lima,
43
no ano de 1956. Esse conclave continental recomendou a revisão dos sistemas de
promoção no ensino primário e o estudo, com a participação dos docentes, de um
regime de promoção baseado na idade cronológica dos alunos.
De acordo as autoras
, o
s educadores brasileiros começaram a se posicionar sobre
o assunto. Almeida Jr., que participou da Conferência de 1956 e Luís Pereira
concordavam com o objetivo da proposta, mas observavam que o ensino nacional não
estava preparado para sua implantação, ou seja, que era necessário “preparar o espírito”
dos professores e aperfeiçoar as condições do ensino.
Maior apoio à proposta de se rever a retenção escolar, segundo Barreto e
Mitrulis (2001), veio de Dante Moreira Leite que considerou que a excessiva
reprovação nas escolas brasileiras era fruto de dois grandes equívocos da cultura
pedagógica dos professores: a valorização de turmas homogêneas e idéia da que o
prêmio e o castigo seriam formas de promover e acelerar a aprendizagem.
Barreto e Mitrulis (2001) historiam as experiências brasileiras de implantação do
ensino em ciclos, localizando-as em três períodos: os anos das décadas de 1960 e 1970,
os anos da década de 1980 e as experiências contemporâneas.
As primeiras experiências de eliminação da retenção escolar ocorreram no Brasil
nos anos 1960 e 1970 no contexto da ampliação da escolaridade obrigatória decorrente
da Constituição de 1967. Foram elas: a de Pernambuco e de São Paulo, em 1968; a do
município de Juiz de Fora, entre 1970 e 1973; a de Santa Catarina de 1970 até início dos
anos 1980. Criticadas pelos setores conservadores da sociedade essas experiências
foram interrompidas sob os argumentos de rebaixamento da qualidade de ensino e da
falta de condições adequadas para seu funcionamento.
Uma nova onda de experiências com ciclos de ensino iniciou-se na década de
1980, com os ciclos de alfabetização implantados nos Estados de São Paulo, Paraná e
Minas Gerais. Eram propostas mais modestas que visavam eliminar os grandes índices
de reprovação na passagem da para a série, ampliando as oportunidades de
alfabetização de grande parte das crianças que iniciavam o ensino fundamental.
Finalmente, os anos da década de 1990 trazem a expansão dos ciclos de
aprendizagem num grande número de redes blicas de ensino fundamental: Rio de
Janeiro, Prefeitura e Estado, em 1991 e 1994, respectivamente; município de São Paulo,
em 1992; Belo Horizonte, 1994; Porto Alegre, 1997; Blumenau, 1997; e o Estado de
São Paulo, em 1998. São propostas mais radicais que instituem o chamado regime de
progressão continuada em todo o ensino fundamental, subdividindo este nível de ensino
44
em ciclos de três ou quatro anos. Em algumas dessas experiências o ensino fundamental
foi ampliado para nove anos com o atendimento das crianças a partir de seis anos de
idade. Houve ainda sistemas em que a adoção do ciclo foi sendo feita gradativamente,
como no Ceará, que implantou, a partir de 1998, o sistema em 40% de sua rede.
Segundo Barreto e Mitrulis (2001), a grande maioria dos intelectuais brasileiros
contemporâneos é favorável ao regime de ciclos, divergindo apenas em relação à
avaliação dos diferentes modelos de implantação da proposta na prática. Críticos e
defensores dos ciclos defendem que é necessária uma organização da escola centrada no
aprendizado do aluno, propiciando condições para a melhoria permanente do ensino:
capacitação continuada dos professores, novas concepções de avaliação, apoio dos pais
e da comunidade, promoção de eventos motivadores, criação de laboratórios de
aprendizagem. Enfim, todos consideram a idéia válida, a questão seria qual a melhor
forma de realizá-la.
Em relação aos professores, as autoras constatam um sentimento de
descontentamento com o novo regime. A principal crítica se refere aos processos de
implantação dos ciclos, geralmente decisões impostas de cima para baixo, sem ouvir a
opinião daqueles que vão executar a proposta. Argumentam que a medida tem sido
adotada visando apenas à redução de custos e à melhoria dos índices educacionais,
conforme as recomendações de organismos internacionais como o Banco Mundial.
Além de serem excluídos do processo de decisão, os professores percebem que
estão sendo responsabilizados pelo fracasso de seus alunos. Os discursos pedagógicos
que falam da autonomia da escola e do compromisso do professor com a aprendizagem
do aluno acabam tornando o docente o grande herói ou o grande vilão do processo.
Como os resultados qualitativos do ensino brasileiro são ruins, eles se sentem cobrados
por isso. Ao mesmo tempo, afirmam que não estavam preparados para uma mudança
tão grande e tão difícil; reclamam da falta de capacitações antes e durante o processo de
implantação do regime. Criticam também a falta de condições de trabalho: classes
numerosas, falta de estrutura física e de pessoal.
Mas a principal dificuldade dos professores está relacionada à avaliação. Um
grande número dos professores está convencido dos méritos da avaliação contínua e
diagnóstica, mas ainda se sente perplexo com a inexistência da reprovação. Eles sentem
que estão perdendo o controle sobre o processo de ensino. Muitos não vêem a
reprovação como uma arma contra os estudantes, mas como uma nova oportunidade de
aprender. Eles acham que, realmente, em alguns casos, o aluno não conseguirá progredir
45
nos estudos com aproveitamento, se não dominar aquele conceito fundamental e,
mesmo assim, o sistema lhe impõe a progressão sem o necessário aprendizado.
Barreto e Mitrulis (2001) também comentam a opinião de pais e alunos.
Segundo as autoras, os pais também vêem com restrições a não retenção de seus filhos,
pois temem que eles possam sair da escola sem aprender os conteúdos necessários. Por
outro lado, eles têm dificuldade de entender as novas formas de avaliação que se
referem a objetivos muito difusos, baseadas em teorias cognitivas complexas e
desconhecidas. Era mais fácil para eles entender um boletim com notas e conceitos, do
que interpretar uma complicada ficha descritiva.
Com relação aos alunos, as autoras afirmam que indícios de que eles não se
sentem motivados por um sistema sem prêmios e castigos. Os que levam a sério o
estudo não acham justo que os outros estejam em de igualdade com eles. Pode-se
acreditar que isso melhore no futuro, quando as novas gerações ingressarem em escolas
sem conhecer os mecanismos da rivalidade e competição que ela vem contendo até hoje.
Porém, deve-se reconhecer que o estudo não é naturalmente prazeroso e que nem
sempre será cil motivar e mobilizar os interesses e necessidades de todos os alunos.
Além disso, a falta de perspectiva em relação à possibilidade de adquirir uma ocupação
regular num mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, é altamente
desestimuladora para aqueles que viam a escola como um meio de ascensão social.
Finalmente, as autoras concluem que os ciclos o experiências em construção e
que devem ser aperfeiçoadas, não no que se refere a suas condições materiais, mas
principalmente no envolvimento de todos os participantes do processo:
(...) O grau de satisfação dos atores envolvidos é um elemento determinante no
que diz respeito à probabilidade de sucesso na implementação e no
enraizamento de programas nas áreas sociais. No caso dos ciclos, sua adesão
apenas parcial ao regime e os questionamentos que fazem às políticas que
buscam implementa-los, são compreensíveis e até esperados, visto que se trata
menos de uma grande mudança nos detalhes formais da estrutura da escola do
que na de sua cultura. O grande desafio é exatamente o de fazer emergir o novo
em meio a um aparato escolar que tem grande poder de regulação e que
funciona a partir de princípios contraditórios. Tudo indica pois que os ciclos
demandarão muito tempo ainda para serem consolidados, que o tempo de
mudar no papel é muito diferente do tempo de transformar corações e mentes, e
daquele requerido para moldar a nova face da escola (Barreto e Mitrulis, 2001,
p.140).
Entre os intelectuais brasileiros que criticam as iniciativas atuais de introdução
dos ciclos de aprendizagem por meio da progressão continuada ou da promoção
46
automática, está Demo (1998). Este autor alega que a medida pode se tornar apenas uma
forma de escamotear o fracasso escolar dos alunos, transformando-se num modo mais
fácil de os governos melhorarem os índices educacionais do país sem realmente
melhorarem as condições do ensino.
Demo (1998) rebate alguns argumentos utilizados para defender a progressão
continuada, como as idéias de que a reprovação prejudica a auto-estima dos alunos com
dificuldades de aprendizagem e de que estes precisariam de mais tempo para aprender.
Para o autor, a auto-estima não se constrói com uma farsa e recomenda:
“...o que se tem
chamado de pedagogia da verdade, que certamente não pode ser brutal, mas tem que ser
sincera. Assim, o aluno que não aprende necessita absolutamente saber disso” (
Demo,1998, p.
168). Obviamente que se ter um diagnóstico honesto e profundo e intervenções que
garantam o aprendizado do aluno. Nesse sentido alerta para a importância da avaliação
no processo de ensino-aprendizagem.
Com relação à questão do tempo, Demo (1998) afirma que é inconcebível que
no atual estágio do desenvolvimento dos conhecimentos educacionais e com a vivência
numa sociedade letrada, onde as crianças entram em permanente contato com a
linguagem escrita, um professor não consiga alfabetizar em um ano de atividade escolar.
Dessa forma, a teoria que afirma que os alunos precisam de mais tempo para aprender é
“...apenas uma teoria pobre para os pobres” (
Demo, 1998, p. 171). Esta teoria serviria
apenas para escamotear as deficiências de um sistema escolar que não consegue
proporcionar o aprendizado a seus alunos, especialmente daqueles oriundos das
camadas populares.
Enfim, o educador defende que, ao invés de “promoção automática”, os sistemas
de ensino deveriam garantir melhores condições de ensino e, principalmente,
professores bem mais capacitados e melhor remunerados:
É premente a tendência da preferir resultados imediatistas, o que força a assumir
objetivos sem as devidas condições teóricas e práticas. Esta cena já é notória na
esfera da instrumentação eletrônica: empurram-se as antenas parabólicas e
equipam-se as escolas com computador, sem investir em quem os possa manejar
a contento, em particular no professor. (...) Mais importante que o computador
sempre foi o professor que saiba lidar com ele (Demo, 1998, p. 181).
Na mesma linha de raciocínio, pondo em destaque a necessidade de melhorar as
condições do ensino, Grossi (2000) afirma que a organização da aprendizagem em
ciclos ou em séries não é o ponto principal da questão do fracasso escolar. Alega que, na
47
Inglaterra, a experiência da promoção automática foi mantida apenas nas escolas
públicas, numa “manobra antidemocrática” que mantém as crianças sem reprovação,
mas em classes com níveis diferenciados de aprendizagem, concentrando nas classes de
menor rendimento uma grande maioria de alunos pobres:
(...) Em verdade, o que se coloca para o ensino público brasileiro não é a fuga
da não produção de aprendizagens, pela retórica invenção dos ciclos, sem
avaliação anual, mas, sim, a possível produção destas aprendizagens para todos,
conforme os movimentos pedagógicos apresentados no pós-construtivismo, em
cima de dois pré-requisitos: salários dignos para os professores e sua atualização
científica permanente (Grossi, 2000, p.48)
Por outro lado, na defesa do ensino em ciclos, Lüdke (2000) argumenta que a
organização do ensino em séries é uma divisão arbitrária e artificial nascida do esforço
de racionalizar a escola, não considerando a evolução natural dos alunos nas diferentes
matérias. Esta autora concorda que a flexibilização do tempo escolar proporciona o
desenvolvimento de diferentes soluções e estratégias que permitam o percurso escolar
mais adequado para cada aluno. Entretanto, a autora também concorda que o sucesso
dos ciclos depende da existência de algumas condições: autonomia escolar, redefinição
do trabalho docente na busca de uma atuação mais coletiva na gestão do processo
ensino-aprendizagem, participação e comprometimento de toda a comunidade escolar
no processo, recursos materiais e preparação das equipes escolares.
Weisz (2000), por outro lado, considera que as políticas implantadas a partir de
1982 por alguns Estados e municípios visando diminuir a retenção na série do ensino
fundamental têm resultados quase imperceptíveis. Acompanhando um projeto de
formação em serviço de professoras alfabetizadoras em um município nordestino, esta
autora constatou que as docentes tinham dificuldade de avaliar com precisão seus
alunos, retendo e promovendo educandos por critérios superficiais como “letra bonita” e
caderno “bem feito”. Ou seja, a eliminação da reprovação não tem garantido que os
alunos e os próprios professores superem suas dificuldades. Para a autora, os
professores continuam não assumindo a sua parcela de responsabilidade pelo fracasso
dos alunos e, dessa forma, “...
a generosa idéia da progressão continuada está se tornando a
perversa idéia da promoção automática” (Weisz, 2000, p.12).
Se antes os professores
dividiam a classe entre os que “iam passar de ano” e os que ficariam “retidos”, hoje eles
dividem a classe entre os que “vão passar sabendo a matéria” e os que “vão passar sem
saber”.
48
Sousa (2000) afirma que a organização do ensino através de ciclos está se
colocando como uma tendência irreversível na educação brasileira, especialmente no
nível fundamental, a partir da promulgação Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei
Federal 9394/96). Diante desse fato, destaca a necessidade de compreensão dessa
nova organização do ensino enquanto proposta derivada de uma nova concepção de
educação que parte do pressuposto de que todos podem aprender e que o processo de
aquisição do conhecimento seja entendido como uma construção não linear, dinâmica,
contínua e sujeita a diferentes ritmos. Esta nova concepção de ensino exige uma “re-
significação” do processo de avaliação entendido como pilar central que tem sustentado
as relações e interações que se desenvolvem na escolarização seriada.
Sousa (2000) defende que o ensino organizado em ciclos exige uma nova forma
de avaliação que supere o seu tradicional caráter punitivo e classificatório em direção a
uma forma mais diagnóstica e formativa, que forneça elementos para reorganização do
trabalho pedagógico visando garantir ensino de qualidade para todos.
Entretanto para que essas novas concepções de aprendizagem e avaliação se
realizem, a autora julga necessária uma nova organização do trabalho escolar que se
concretize em melhores condições de trabalho para as escolas:
(...) Para que a implantação da progressão continuada não se traduza em um
mecanismo que sirva apenas à regularização do fluxo escolar e à conseqüente
economia de recursos por parte do poder público, é necessário que sejam
garantidas condições às escolas para:
- promoverem um trabalho junto aos profissionais, alunos e pais
direcionado à construção de um novo significado para a avaliação
escolar, pois as mudanças que se exige não são meramente técnicas mas
sim políticas e ideológicas, impondo o confronto com valores arraigados
na cultura escolar;
-
organizarem suas classes com um mero de alunos compatível com a
possibilidade de os professores acompanharem, individual e
coletivamente, os alunos;
-
planejarem uma organização flexível do tempo e do conteúdo do trabalho
escolar, de modo a contemplar programas e atividades diversificadas, que
atendam às necessidades dos alunos;
-
formarem diversos agrupamentos de alunos contando para isso com infra-
estrutura adequada;
-
contarem com disponibilidade de tempo do professor para elaborar
programas de ensino adequados a cada grupo com que trabalha, assim
como um registro sistemático do desenvolvimento que cada aluno vem
apresentando, tendo em vista a programação e reprogramação do
trabalho;
-
promoverem trabalho coletivo para que se viabilize o planejamento
articulado das ações escolares;
49
-
garantirem um novo tempo e espaço para os alunos que não evidenciarem
o desenvolvimento desejado, viabilizando-se condições de aprendizagem
(Sousa, 2000, p.7).
Em outro balanço dos estudos sobre ciclos e progressão escolar, Barreto e Sousa
(2004) constataram que as formas cicladas de organização do Ensino Fundamental
atingem
19,4% das escolas desse nível de ensino. Este número não é preciso, pois
existem muitas escolas e redes de ensino que adotam organização mista, onde ciclos e
séries convivem ao mesmo tempo. Além disso, os ciclos implantados têm durações
diferentes tornando difícil uma avaliação mais segura do impacto do novo regime de
progressão no contexto global do país. De qualquer forma, pode-se afirmar que a grande
maioria dos alunos brasileiros ainda estuda dentro do regime seriado. Sabe-se, porém,
que a maior concentração de escolas cicladas está localizada nos Estados de São Paulo e
Minas Gerais.
Quanto ao impacto dos ciclos nos resultados escolares, as autoras afirmam que
ainda são poucos os estudos que se dedicaram a essa questão. Entretanto, eles
permitem afirmar que os correntes argumentos de que os ciclos rebaixaram o nível do
ensino não se confirmam.
Barreto e Sousa (2004) chamam a atenção para o fato de que as diferentes
durações dos ciclos implantados indicam políticas educacionais distintas motivadas por
concepções pedagógicas ou interesses políticos diversos. Muitas redes de ensino têm
incorporado o último ano da educação infantil ao primeiro ciclo do Ensino Fundamental
numa estratégia que busca aumentar os recursos financeiros oriundos do FUNDEF. A
rigor, a concepção de ensino ciclado não comporta segmentações dentro de um ciclo,
mas algumas redes m justificativas pedagógicas para a criação de diferentes
organizações. Ciclos intermediários são associados a diferentes fases do
desenvolvimento infanto-juvenil (infância, pré-adolescência e adolescência) e também
são apresentados com estruturas que permitem uma transição mais suave entre o
trabalho diferenciado do professor polivalente do início do Ensino Fundamental e o dos
professores especialistas do final.
Entre os estudos sobre o ensino ciclado no Brasil, Barreto e Sousa (2004)
destacam os referentes às experiências implementadas pelas administrações municipais
das grandes capitais como São Paulo (em 1992), Belo Horizonte (em 1994) e Porto
Alegre (em 1997). Cidades com maiores possibilidades financeiras, centros
50
universitários de destaque nacional e redes de ensino menores do que as estaduais, estas
capitais tinham condições privilegiadas para realizar mudanças educacionais
significativas. Entretanto, pela análise das autoras, o fator mais importante para a
consolidação dos ciclos foi a mobilização dos professores na elaboração de propostas
pedagógicas que buscassem uma nova relação com o conhecimento, o compromisso
com a reversão das estruturas educacionais e sociais excludentes e um forte acento no
trabalho coletivo. A construção dessas propostas pedagógicas, no entanto, exigia não
apenas condições mais adequadas de trabalho pedagógico, mas também a continuidade
administrativa que garantisse os compromissos mobilizadores do início. Nesse sentido
as autoras destacam a continuidade das propostas da Escola Plural e da Escola Cidadã,
elaboradas pelas administrações municipais de Belo Horizonte e Porto Alegre,
respectivamente. A experiência paulistana, ao contrário, sucumbiu diante de sucessivas
mudanças administrativas que não extinguiram os ciclos, mas interromperam a
construção de uma proposta pedagógica que sustentasse uma renovação do ensino:
...os
ciclos na capital de São Paulo tendem a funcionar como meros arranjos organizacionais que
impedem a reprovação dos alunos. Continuam assim a reproduzir a lógica da escola seriada,
sem conseguir mudar a sua face” (Barreto e Sousa, 2004, p. 41).
As considerações de Barreto e Sousa (2004) sobre a importância da proposta
pedagógica na implantação dos ciclos podem ser relacionadas com as afirmações e
análises críticas de Freitas (2002 e 2004) sobre as concepções de educação e de
sociedade em que se baseiam as novas organizações do Ensino Fundamental. Este
último autor ressalta as diferenças entre os ciclos e a progressão continuada. Segundo
sua análise, os ciclos representam propostas que avançam numa direção mais
progressista de questionar as finalidades da escola tradicional, criada no contexto
capitalista para instruir e selecionar os melhores. A progressão continuada, adotada nas
escolas paulistas, constitui, ao contrário, uma versão neoliberal da utopia de “ensinar
tudo a todos”, não mais ignorando as diferenças sociais, mas afirmando que estas
podem ser superadas apenas por algumas alterações na organização interna das escolas,
especialmente através da proibição da retenção e do controle dos professores e dos
resultados escolares:
...
A progressão continuada, do ponto de vista curricular, apesar das junções de
séries, continua tratando cada ano escolar de forma seriada e os conteúdos
escolares como conjuntos de competências e habilidades a serem dominados
pelos alunos. A progressão continuada não se contrapõe à seriação como alguns
51
crêem. Ela simplesmente limitou o poder de reprovar que a avaliação formal
tinha ao final de cada série, introduziu recuperação paralela e tentou “gerenciar”
mais de perto o sistema educacional com avaliações de sistema e maior controle
da escola (Freitas, 2004, p.10).
A progressão continuada, segundo o autor, proíbe a retenção na escola, mas não
proíbe a retenção na vida. A escola inclui a todos, oferece reforço e recuperações
diversas, garante a permanência e a conclusão do ensino básico. Se, mesmo assim, os
alunos escolarizados não conseguem sobreviver na sociedade global competitiva, isso
será uma responsabilidade do próprio aluno. E, novamente, a escola legitimará a
desigualdade social, reeditando o ideal da “meritocracia”. Aparentemente a escola está
cada vez mais responsabilizada pelo desempenho escolar dos alunos, mas ela não pode
alterar as condições externas, especialmente se ela não questiona a sociedade desigual e
nem o seu próprio papel na seleção e legitimação social.
Na progressão continuada os sistemas externos de avaliação retiram do professor
o poder de reprovação, mas com isso gera o descompromisso do mesmo para com o
processo de ensino-aprendizagem. Os professores não são envolvidos na construção de
uma nova proposta pedagógica e reagem negativamente a um sistema que lhes é
imposto sem diálogo e sem preparação.
Segundo Freitas (2004), as propostas dos ciclos de aprendizagem desenvolvidas
pela Escola Plural (Belo Horizonte MG), pela Escola Cidadã (Porto Alegre RS) e
pela Escola Cabana (Belém PA) demonstram maior preocupação em transformar as
estruturas da escola capitalista. Propõem a formação integral dos alunos, valorizam suas
experiências sócio-culturais, desenvolvem uma reflexão crítica sobre a produção do
conhecimento, buscam uma avaliação emancipatória e incentivam a gestão democrática
e participativa das escolas. São projetos que apontam para o próprio questionamento da
sociedade:
(...) Do ponto de vista político e ideológico, a proposta de ciclos é herdeira de
uma postura progressista, que vê a escola como um espaço transformador e que
para tal, deve ser igualmente transformado em suas finalidades e em suas
práticas, em seus espaços de gestão e em seus tempos de formação. Para que os
estudantes atuem na vida de forma transformadora, é necessário que o espaço
da escola favoreça a prática transformadora, a começar por ela mesma (Freitas,
2004, p. 15).
52
Em suma, Freitas (2002) aponta a grande contradição das novas formas de
progressão escolar com a estrutura capitalista neoliberal vigente:
(...)
A introdução da noção e da prática de ciclos na rede pública pode ter
conseqüência se acompanhada de uma modificação na concepção de educação,
passando a ser espaço de vivência de experiências socialmente significativas e
úteis para a idade do aluno – mas jamais restritas à noção de instrução.
Entretanto a maior trava para a consecução de um projeto educativo
dessa natureza não está na escola ou no professor, nem mesmo nos alunos. Joga
contra ele a função social atribuída à escola, como selecionadora de alunos mais
esforçados e capazes.
A mera abertura da escola para as camadas mais pobres (...)
não diz
muito se considerarmos as maneiras dissimuladas (e, portanto, muito mais
eficazes) pelas quais este processo de seleção acontece no interior das escolas
(Freitas, 2002, p.13).
Outros estudos sobre ciclos e progressão continuada afirmam que as
novas formas de progressão escolar não podem ser implantadas sem uma re-significação
das estruturas escolares tradicionais e novas. Nesse sentido Marin, Giovanni, Sampaio e
Guarnieri (2004) retomando dados pouco explorados de pesquisas que realizaram nas
décadas de 1980 e 1990, trazendo a perspectiva de professores e professoras paulistas
dos dois segmentos do atual ensino fundamental e buscando ampliar a compreensão
desses traços que vêm sendo detectados, põem em destaque pesquisas que constatam
que as experiências de ensino ciclado não têm apresentado os resultados esperados no
que se refere ao aprendizado dos alunos. Essas pesquisas afirmam que as antigas
práticas, modelos e expectativas dos professores continuam se perpetuando no cotidiano
escolar. Os ciclos promoveram apenas um “afrouxamento dos processos avaliativos”,
mas os professores ainda “trabalham com a lógica do ensino seriado” e “sonham com as
classes homogêneas e com a seletividade”. A permanência dessas características, de
acordo com as autoras, constitui resultado dos “traços de uma cultura escolar
sedimentada e que não pode ser transformada apenas pelos decretos legais”.
Segundo essas autoras, o ensino seriado, efetivamente implantado no Brasil a
partir de 1925, foi incorporado de tal forma na organização escolar que se tornou o pilar
do trabalho pedagógico dos professores. A seriação organizou as seqüências dos
conteúdos para serem desenvolvidos de forma homogênea, para classes numerosas,
onde não são possíveis tratamentos individualizados. Foi uma forma racional de
organizar a chamada “escola de massa” e também um importante meio para controlar as
atividades docentes e discentes, criar regras de disciplina e distribuir os alunos no
53
espaço escolar. Nesse sentido pode-se compreender a resistência dos professores em
adotar
, de fato, uma forma de trabalho que flexibilize os ritmos de aprendizagem e as
programações curriculares:
(...) Entende-se, ainda, que a indicação dos professores a favor da seriação
sustenta-se na segurança que esse parâmetro confere para seqüenciar seu
programa e para normalizar a composição do grupo de alunos. Assim, no
conjunto de séries e em cada uma delas o professor sabe dosar, distribuir e dar
prosseguimento à transmissão. O tempo anual e seu desdobramento até as aulas
em frações de horas representam um regulador indiscutível. Assim também as
avaliações regulares dos conteúdos das séries classificam os alunos e permitem
corrigir, premiar, promover ou reprovar, corrigindo a composição anual dos
grupos. Afastam-se os que destoam ou introduzem diferenças que perturbam o
ensino coletivo e uniforme, e isso facilita o andamento do trabalho docente
(Marin, Giovanni, Sampaio e Guarnieri, 2004, p. 2651).
Sem fazer juízo de valor sobre essa forma de organizar o ensino, as autoras
enfatizam que as mudanças nas práticas escolares não se fazem sem considerar a cultura
dos professores e suas condições de trabalho. Dessa forma, questionam redes de ensino,
como a do Estado de São Paulo, por exemplo, que adotam a Progressão Continuada sem
medidas pedagógicas consistentes, organizando de forma aligeirada os ciclos visando
apenas administrar problemas de fluxo escolar, ou seja, diminuir a evasão e a
repetência.
Entre as pesquisas que investigam o impacto da implantação dos Ciclos de
Aprendizagem nas diferentes redes de ensino público, tendo como foco a cultura
escolar, pode-se destacar a realizada por Knoblauch (2004). Em sua investigação sobre
as mudanças operadas no processo da avaliação nas escolas municipais de Curitiba – PR
após a implantação do ensino ciclado, a autora concluiu que as inovações convivem
com as tradições, ou seja, diante da impossibilidade de reprovar os
alunos com baixo
aproveitamento dentro de um Ciclo de Aprendizagem, os professores introduzem
pequenas mudanças na organização diária de seu trabalho, embora não abandonem suas
crenças e concepções mais arraigadas como, por exemplo, o ideal da classe homogênea
e a lógica do ensino seriado.
Na escola pesquisada, Knoblauch (2004) observou algumas tentativas de
incorporação da idéia de continuidade de estudos presente na proposta dos Ciclos de
Aprendizagem: o acompanhamento das turmas de um ano para o outro por algumas
professoras que consideravam que essa experiência facilitaria a continuidade do
trabalho com os alunos, a organização dos conteúdos com base nas necessidades da
54
maioria da classe e não mais de acordo com a listagem de conteúdos mínimos
obrigatórios por série, a preocupação de desenvolver diferentes estratégias para reforço
e recuperação dos alunos com dificuldades de aprendizagem. Entretanto, as professoras
continuavam acreditando que, em alguns casos, a reprovação era necessária e se sentiam
frustradas por considerar que estavam dando menos conteúdos porque os alunos têm
muitas dificuldades, parece que o trabalho não anda (Knoblauch, 2004, p. 7902).
Além disso, observa que as estratégias de recuperação reforço com as professoras co-
regentes, aulas no contra-turno, reagrupamentos dos alunos e rodízio de professoras
obedeciam a uma lógica identificada, segundo a autora por Ferreira
19
, como “centrífuga-
homogeneizadora”, ou seja, a solução das dificuldades dos alunos deveria ser resolvida
fora da sala de aula. Finalmente, a autora constata que as professoras continuam
responsabilizando os próprios alunos pelo seu fracasso escolar: estes não aprendem na
escola porque são desinteressados”, imaturos”,
têm problemas de saúde ou são
oriundos de famílias também desinteressadas
.
2.3 – A PROGRESSÃO CONTINUADA NA REDE ESTADUAL PAULISTA
No que se refere especificamente à implantação da progressão continuada na
rede de ensino do Estado de São Paulo, várias pesquisas confirmam o descontentamento
que a medida causou entre os professores, que alegam falta de discussão da proposta,
ausência de preparo, orientação e capacitação na sua aplicação e carência de condições
adequadas de trabalho.
Dias-da-Silva e Lourencetti (2002), por exemplo, analisam o impacto das
mudanças ocorridas nas escolas estaduais paulistas no contexto das políticas
educacionais determinadas pelos organismos internacionais como o Banco Mundial na
última cada do século XX. Segundo as autoras, foram políticas marcadas pelo
pensamento neoliberal numa perspectiva que atribui aos professores apenas o papel de
executores ou aplicadores de propostas elaboradas por seus técnicos. Essas políticas se
traduziram em reformas que atingiram diretamente o cotidiano dos professores,
desconsiderando suas experiências e opiniões, duvidando de suas competências e, ao
19
Knoblauch refere-se aqui à seguinte pesquisa: FERREIRA, V. M. R. 2001. Escola em movimento: a
reelaboração da prática pedagógica na implementação da política do ciclo básico de alfabetização do
estado do Paraná. Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade.
55
mesmo tempo, criando a possibilidade de responsabilizá-los pelos maus resultados
alcançados.
Buscando resgatar a visão dos professores, essas autoras mostraram os
problemas enfrentados pelas escolas estaduais, especialmente as de Ciclo II, diante das
medidas adotadas pela SEE-SP a partir de 1995. Na ótica dos docentes, as condições de
trabalho continuaram desfavoráveis, caracterizadas por extensas jornadas em diversos
horários e escolas, com pouco tempo para estudo, reflexão e avaliação da prática. A
reorganização de rede de ensino agravou a persistente desintegração entre as etapas
inicial e final do Ensino Fundamental, levou à aglutinação de jovens com raízes
escolares e sociais diferenciadas nas escolas reorganizadas, o que aumentou os conflitos
e a violência nas grandes escolas. Os Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo se
mostraram insuficientes para elaboração dos Projetos Pedagógicos das escolas e os
Professores-Coordenadores se sentem sobrecarregados tendo, muitas vezes, que assumir
funções outras que não a orientação do trabalho pedagógico escolar. A Progressão
Continuada foi assimilada como promoção automática e a proposta de uma avaliação
mais flexível e voltada para o processo de ensino-aprendizagem de cada aluno foi
percebida como contraditória diante de um sistema de avaliação externa que, nas
palavras de uma professora,
“... julgam os resultados e colocam a escola numa lista de
melhores
e piores desempenhos” (Dias-da-Silva e Lourencetti, 2002, p. 34)
20
.
Nesse contexto,
as pesquisadoras observam um ambiente pouco propício aos progressos pedagógicos:
(...) Mais que angustiados, os professores das séries finais do ensino
fundamental parecem desnorteados... A cada ano mudanças foram sendo
propostas e implantadas sem que eles fossem ouvidos, ou construíssem outros
nortes para sustentar seu ensino. Os impasses detectados são minimizados... As
contradições evidenciadas em seu saber fazer tendem a ser negligenciadas...
Raramente se questiona ou problematiza seus argumentos... (Dias-da-Silva e
Lourencetti, 2002, p. 39).
Freitas (2000), analisando os depoimentos de professores da rede paulista,
também confirma que as experiências e opiniões dos docentes não foram consideradas
na implantação da Progressão Continuada nas escolas estaduais de São Paulo. A
divulgação e o esclarecimento de seu objetivo, pela SEE-SP, foram feitos
superficialmente com um enfoque em números e resultados de desempenho escolar sem
20
Nesta passagem o depoimento de uma professora parece se referir aos resultados do SARESP do ano
2000, que levaram a SEE-SP a classificar o desempenho de todas as escolas estaduais por cores, que
representavam os melhores e os piores desempenhos constatados no processo avaliação externa.
56
considerar as questões que envolviam os currículos e conteúdos escolares. Para este
autor, uma reforma que se propõe a combater o fracasso escolar deveria rever a questão
dos conteúdos culturais selecionados e desenvolvidos pela escola, pois, na maioria das
vezes, estes conteúdos são desprovidos de significados para grande maioria da
população que freqüenta a escola pública, gerando desempenhos escolares desiguais
e
exclusão.
Brito (2001), investigando a contribuição do PEC
21
na implementação do regime
de Progressão Continuada no ensino público oficial do Estado de São Paulo, concluiu
que, na região pesquisada, o programa não garantiu a capacitação necessária para o
novo sistema. O pesquisador observou que o tema da avaliação, um dos eixos da nova
organização do ensino, não foi priorizado durante os encontros, sendo discutido apenas
entre os professores coordenadores e não entre os docentes.
Guilherme (2002), em tese de doutorado sobre a implantação da Progressão
Continuada em escola estadual de Ciclo I, também afirma que a implantação do regime
na rede de ensino paulista foi uma decisão vertical e radical, que não considerou a
opinião e a cultura dos professores nem forneceu subsídios e capacitações que os
preparassem para a proposta. Nesse sentido teve um violento impacto entre os docentes
gerando desestabilização, descontentamentos e inseguranças que se manifestaram de
várias formas. Segundo essa autora, os professores utilizaram-se de “estratégias” e
“táticas” diferenciadas e não aceitaram passivamente as imposições do sistema.
Assim, considerando que a cultura docente não se altera a partir de mudanças
impostas externamente, Guilherme (2002) observa que alguns discursos vão sendo
incorporados às velhas práticas e que as antigas crenças continuam se perpetuando de
formas mais ou menos dissimuladas: a referência à seriação ainda é muito forte na
identificação das classes; a avaliação classificatória prevalece com um menor grau de
exigência; continua a preferência pela formação de classes homogêneas. Entretanto, ao
mesmo tempo, surgem algumas propostas criativas que buscam inovar as práticas em
favor do aprendizado dos alunos, flexibilizando a estrutura escolar para além das
21
Programa de Educação Continuada ou programa de capacitação dos professores da rede estadual de
ensino desenvolvido entre 1997 e 1998. A respeito desse Programa e seus resultados, ver também:
ONOFRE, M. Regina .2000. O Programa de Educação Continuada da Secretaria de Estadual de
Educação (PEC/SEE/SP- 1997-1998) na visão de docentes formadores, professores participantes e
especialistas de ensino. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar). Araraquara, UNESP, cujos
resultados revelam os problemas que interferiram no processo de comunicação entre as orientações
emanadas das instâncias centrais (SEE-SP), os profissionais das instâncias intermediárias (Delegacias de
Ensino) e os profissionais diretamente envolvidos com as ações de formação continuada (docentes
universitários, professores de ensino fundamental e médio participantes dessas ações) e as próprias
escolas de origem desses professores.
57
normatizações legais: formas diferenciadas de organizar o reforço escolar, reapropriação
das metodologias das classes multisseriadas da zona rural, a permanência dos
professores com a mesma turma por dois anos consecutivos para dar continuidade ao
processo de ensino-aprendizagem por um período mais longo. Dessa forma a
pesquisadora conclui que as reformas educacionais deveriam considerar a cultura dos
professores envolvendo-os no processo de mudança e aproveitando seus saberes e
experiências para uma efetiva transformação qualitativa do ensino.
Dentro dessa perspectiva de avaliar o impacto da Progressão Continuada na
rede estadual paulista, Oliveira (2003) constatou, em uma escola estadual de Ciclo II do
Ensino Fundamental, que a cultura escolar se amoldou burocraticamente às propostas da
SEE-SP sem alterar suas práticas. A escola investigada foi indicada por uma Diretoria
de Ensino da rede estadual como uma boa escola que apresentava um trabalho
diferenciado no reforço escolar de alunos com dificuldade de aproveitamento escolar.
Entretanto, a pesquisa conclui que a escola desenvolvia uma “cultura de amoldamento”,
isto é, respondia às demandas burocráticas dos órgãos do sistema, reproduzindo nos
documentos escolares o discurso oficial e ocultando os problemas e conflitos gerados
pela implementação da Progressão Continuada. Na realidade, a instituição continuava
mantendo as práticas tradicionais, sem problematizar suas dificuldades e sem realizar
um debate coletivo para encontrar alternativas para a superação das dificuldades
surgidas no cotidiano escolar.
Da mesma forma, Ravagnani (2004), em pesquisa que investigava a opinião de
professores de Ciências de duas escolas estaduais de Ciclo II, afirma que poucos deles
compreenderam e aprovaram a Progressão Continuada. Os docentes queixam-se da falta
de preparo e de orientação para implantar a nova proposta e das difíceis condições de
trabalho, especialmente do grande número de alunos por sala de aula. Os depoimentos
colhidos apontam que a verdadeira intenção do governo é diminuir os gastos com a
educação, copiando modelos dos chamados “países civilizados”. As falas dos
professores também se referem ao impacto negativo da Progressão Continuada no
aprendizado e no comportamento disciplinar dos alunos. Alguns docentes entendem que
os alunos não estão conscientizados para o novo sistema da avaliação e que a não
reprovação está levando a um desinteresse pelos estudos, desestimulando inclusive os
bons alunos:
58
(...) Eles ainda não têm consciência, para eles tanto faz: ‘Eu estudar e eu não
estudar, eu aprender e eu não aprender, eu vou passar, faltar ou não faltar’.
Eles ainda estão muito nessa. Infelizmente. (...) Os valores, hoje, não tem mais
valor cultural, os valores são totalmente... Disciplina piorou muito. Eles vêm
para se relacionar. Na 8ª série, eles se acham os donos da escola. (Profª Dulce,
46 anos e 22 de serviço) (Ravagnani, 2004, p. 9).
Freitas (2000) também confirma em seu estudo essa interpretação dos
professores a respeito da falta de conscientização dos alunos em relação à Progressão
Continuada. Em sua tese, este autor apresenta uma série depoimentos de docentes com
esta visão sobre os alunos:
(...) Os alunos têm essa consciência da promoção automática e existem aqueles
que não se preocupam
, pois sabem que não irão se prejudicar,
isto é, não
serão reprovados (Freitas, 2000, p. 101).
Foi abolida a pressão” para ser promovido e os alunos se sentem
desobrigados de tudo. É difícil fazer uma “mágica” em cada aula para
despertar a consciência da importância do estudo para aprender (Freitas, 2000,
p.103)
.
À crença dos professores de que grande parte dos alunos não se interessa pelos
estudos sem o medo da reprovação, soma-se a descrença nos processos de recuperação
existentes na rede, especialmente na chamada Recuperação de Férias
22
. É o que afirmam
Dias-da-Silva e Lourencetti (2002):
(...) Na perspectiva desse professor com papel fragilizado e inseguro, talvez
possamos compreender porque o projeto “Escola nas Férias” tenha sido uma das
medidas que maior revolta gerou entre os professores. Para eles, aceitar seus
pressupostos implica negar sua trajetória de trabalho ao longo de um ano letivo
com cada classe. A medida foi considerada uma forma grotesca de dar ao
aluno a oportunidade de recuperar-se , onde o aluno é aprovado mediante o
freqüentar um mês de aula e, no ano seguinte serve de mau exemplo para os
outros alunos daquela classe ... Escola não é férias! Isso pode gerar o
desestímulo aos alunos que estudam durante o ano... (Dias-da-Silva e
Lourencetti, 2002, p.36).
A idéia de que sem o medo da reprovação os alunos não se interessam pelos
estudos também está presente em depoimentos de alguns pais e de alunos que não
entenderam a proposta da progressão continuada e não perceberam na prática os
22
Recuperação Intensiva que era oferecida no mês de janeiro nas escolas estaduais paulistas para os
alunos que não alcançaram desempenho satisfatório no ano letivo anterior. Criada pela Resolução SE-SP
nº 183, de 17/12/1996 e extinta pela Resolução SE-SP nº 84, de 2002.
59
benefícios mais amplos do novo sistema. Foi o que constatou Glória (2003), que
pesquisou a opinião de pais e de alunos da Escola Plural na rede municipal de ensino de
Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Na citada pesquisa, a autora entrevistou quatro alunos do ano do ciclo
(equivalente à 7ª série do ensino fundamental seriado) que haviam sido reprovados antes
da implantação do ensino ciclado. São alunos oriundos de famílias de baixa renda e
baixa escolaridade. Dois deles chegaram a abandonar os estudos, mas foram resgatados
pela escola, entretanto continuavam demonstrando dificuldades no percurso escolar. Os
pais, também entrevistados, consideravam que o ensino não mudou e que o fim da
reprovação não era algo bom. Reconheciam que a medida ajudou seus filhos a
permanecerem na escola, mas acreditavam que a escola estava mais “lenta” e não tinha
a mesma qualidade. Os alunos diziam que a não reprovação lhes tirava a
responsabilidade. Falavam que se houvesse “bomba” brincariam menos. Entretanto,
quando questionados pela pesquisadora, admitiram que não deixaram de brincar e de ir
mal nos estudos na época em que a escola reprovava.
Observa-se, portanto, que a proposta da Escola Plural não está clara para os
alunos e para os seus pais. Estes não entendem nem mesmo a nova nomenclatura das
etapas do ensino ciclado. Também não percebem um trabalho pedagógico diferenciado
que demonstre um melhor aproveitamento escolar dos estudantes.
O estudo também considera a expectativa das famílias em relação à escola e ao
sucesso de seus filhos na instituição. Constata que há uma ambigüidade nessas
expectativas. A escola é vista como uma promessa vaga de melhoria de vida, mas como
os investimentos familiares no estudo dos filhos têm um retorno muito pequeno acabam
se conformando com o fracasso escolar. Lutam para que os filhos se comportem bem na
escola e dominem alguns saberes elementares que os permitam preencher uma ficha de
emprego e arranjar uma vaga de embalador no supermercado.Tudo isso os leva a
desconfiar da nova organização escolar e, mesmo reconhecendo que a antiga escola não
era boa para eles, questionam a qualidade da atual:
(...) Os sentidos conferidos à escola pelos alunos e famílias participantes da
pesquisa parecem ter sido pouco alterados após a adoção do princípio da não
retenção pela escola. Percebe-se que continuam empreendendo os mesmos
esforços e delegando a mesma importância à instituição escolar em termos de
instruir e socializar os educandos. Acreditam, todavia, que a capacidade da
escola para cumprir tais funções é dificultada por não ocorrerem reprovações,
na medida em que os alunos não se esforçam na ausência desse mecanismo
percebido como regulador das aprendizagens e dos comportamentos. Assumem,
60
pois, uma postura reticente quanto às possibilidades de sucesso escolar e social
e conjeturam que a não retenção escolar conduz a uma forma de exclusão ainda
mais perversa que a anterior, por permitir a permanência na escola, mas sem
propiciar uma aprendizagem efetiva. E, ao final do ensino fundamental, escola
outorga um certificado esvaziado de valor social, que atesta, na verdade, mais a
incompetência do que a competência, quer para o prosseguimento de estudos,
quer para facilitar o ingresso no mundo do trabalho (Glória, 2003, p.75).
Todas essas questões, que envolvem as expectativas dos alunos, de suas famílias
e da sociedade em relação à escola e à sua função, bem com à qualidade do ensino que é
oferecido pela instituição, foram também analisadas por Meconi (2004) em sua
dissertação de Mestrado. A autora investiga a visão que alunos do Ciclo II do Ensino
Fundamental de uma escola da rede paulista de ensino acerca da realidade escolar da
qual participam. Em sua pesquisa
Meconi (2004) constatou que os alunos entrevistados,
todos numa faixa etária de 11 a 15 anos, gostam da escola” e esperam que a instituição
lhes garanta um futuro melhorpor meio de sua função instrucional: aprender coisas
novas”, estudar”, fazer lições e atividades”. Ao mesmo tempo, esses alunos afirmam
que as coisas de que mais gostam na escola são os momentos de lazer, a prática de
esportes, as brincadeiras, o contato com os amigos. Os conteúdos escolares
propriamente ditos não parecem ser atrativos no momento presente dos alunos, os
saberes acadêmicos são “promessas para o futuro distante”. No entanto, em sua visão
sobre a realidade escolar apresentam uma percepção bastante aguda dos problemas
escolares:
(...) Os alunos demonstram ainda ter percepção dos aspectos que são
essenciais para a atividade da escola e que têm sido descuidados. Eles
fazem referência a aspectos da estrutura e funcionamento da escola
(aulas vagas, falta de professores nas aulas de Ciências e de Educação
Física, professores substitutos, professores que não sabem explicar,
professores e funcionários “chatos” (...) (Meconi, 2004, p. 61).
Embora os estudantes entrevistados por essa autora não se manifestem
especificamente sobre o regime de Progressão Continuada, seus relatos indicam que o
aprendizado escolar ainda é deficiente:
(...) Ainda que expressem dificuldades em reconhecer e nomear conteúdos e
estabelecer as relações desses conteúdos com o seu dia-a-dia, em seus
depoimentos esses alunos e alunas revelaram saber o que esperar dos
professores e da sala de aula. Revelaram, por exemplo, uma clareza espantosa
acerca da natureza do trabalho docente, quando em seu “retrato” da sala de aula
sabiam exatamente o que “cobrar” dos profissionais docentes: “o saber
ensinar”, o “controle da classe”, a “correção de trabalhos e cadernos”, a
61
“avaliação do desempenho escolar dos alunos” e, sobretudo, o “saber explicar”
sem vida, o elemento essencial do trabalho de ensinar. Segundo os
depoimentos desse grupo de alunos e alunas das, ainda hoje, denominadas a
séries do Ensino Fundamental, essa constitui a “ausência” mais marcante de
que se ressentem no trabalho de seus no trabalho de seus professores e
professoras (Meconi, 2004, p. 125).
Enfim, ciclada ou não, a escola pública de ensino fundamental brasileira não está
conseguindo garantir que a totalidade das crianças e adolescentes que freqüentam esse
nível de escolaridade e que, atualmente, dentro do regime de Progressão Continuada,
permanecem por mais tempo na escola, se apropriem dos conhecimentos necessários
para o exercício da cidadania plena numa sociedade complexa.
Na realidade, como afirmam os diferentes estudiosos citados neste trabalho, a
implantação dos ciclos e da Progressão Continuada no Brasil deveria ser acompanhada
de formas diversificadas de organização dos espaços e tempos escolares, que
permitissem aos professores realizar as intervenções necessárias no processo de ensino-
aprendizagem de cada aluno. Esta organização diferenciada tem sido tentada através das
diferentes formas de estudos de recuperação que são previstas na legislação educacional
desde a década de 70 e que ganharam um novo sentido e importância a partir da nova
LDB Lei 9.394/96. Desde então os sistemas de ensino têm dado ênfase às atividades
de recuperação. Entretanto existem poucos estudos sobre o funcionamento e sobre os
resultados desse tipo de intervenção pedagógica nas escolas.
Entre
os estudos existentes sobre tal temática pode-se destacar o de Pereira
(2005) que realizou uma investigação sobre as práticas de recuperação paralela na rede
estadual paulista. Esta pesquisadora acompanhou o desenvolvimento de projetos de
Recuperação Paralela previstos para funcionar em horário diverso ao das aulas
regulares, nos termos da Resolução SE-SP n° 42/04
23
, em uma escola estadual da
capital. Nesta pesquisa a autora constatou que os projetos são respostas burocráticas da
escola para cumprir as exigências da política educacional vigente, tendo em vista a
implantação da Progressão Continuada. As práticas pedagógicas das aulas de
recuperação repetiam as das aulas regulares; a avaliação no processo de recuperação não
contava para o prosseguimento dos estudos regulares, pois não havia contato freqüente
entre os professores do reforço e os das aulas regulares e, efetivamente, muito poucos
alunos foram recuperados. Finalmente, a autora verificou que a escola continuava
23
Como veremos no próximo capítulo, a legislação sobre projetos de recuperação paralela variou bastante
desde sua implantação definitiva na rede a partir de 1995.
62
oferecendo a recuperação como uma nova chance para o aluno recuperar suas notas,
mantendo a visão equivocada de que o aprendizado é uma responsabilidade do próprio
aluno:
(...)
Contrariando, ainda, o disposto na legislação, a noção da responsabilidade
pela aprendizagem continua sendo dos alunos como pode ser observado nos
discursos dos professores, seja porque não têm interesse, ou possuem problemas
familiares, entre outros, mas nunca é atribuído ao papel da escola ou do
professor (Pereira, 2005, p. 166).
ainda autores que, como Freitas (2003), consideram as diferentes formas de
recuperação e projetos de aceleração de estudos como mecanismos que visam apenas a
correção do fluxo escolar numa perspectiva economicista e neoliberal, ou seja, vêem
esses projetos como formas de reduzir os custos educacionais evitando gastos
desnecessários gerados pelos altos índices de evasão e retenção:
(...) O que está em jogo, portanto não é apenas o lado humano e formativo da
eliminação da reprovação ou da evasão, mas seu custo econômico, sistêmico
ou, como se costuma dizer, o custo-benefício. (...) Essa visão economicista da
qualidade faz com que jamais seja colocada a questão da “escola de tempo
integral”: preferindo-se criar penduricalhos ao redor da escola (programas
remediadores e compensatórios) que são menor custo.(...).
É possível que a ênfase no ajuste do fluxo (Programas de Correção de Fluxo,
Ciclos de Progressão Continuada, Recuperação de Ciclo, entre outras medidas
em voga) vise fazer uma ampla “faxina” no sistema de ensino, de forma a
corrigir seus custos econômicos a preparar processos de privatização por meio
de terceirização, (...) (Freitas, 2003, p. 80-81).
Assim como a Progressão Continuada, a recuperação é apresentada pelos
legisladores como uma “solução mágica” para os problemas da elevada retenção e do
baixo desempenho escolar.
Enfim, os estudos sobre a implantação do ensino ciclado demonstram que as
formas alternativas de progressão escolar têm gerado uma grande polêmica. um
consenso sobre os malefícios do regime seriado, o qual gerou elevados índices de
retenção e evasão escolar que atingiram especialmente os alunos das camadas sociais
mais desfavorecidas. Entretanto, nem sempre os sistemas de ensino têm conseguido
criar e/ou manter as condições diferenciadas necessárias para que os ciclos de
aprendizagem ou a Progressão Continuada tenham os resultados esperados: não a
permanência dos alunos, mas também uma aprendizagem efetiva.
63
Professores se queixam da falta de condições de trabalho, dos processos verticais
de implantação da nova forma de organização escolar adotada, em alguns casos, sem
ouvir as opiniões dos docentes e sem capacitação anterior. Intelectuais apontam a
existência de propostas pedagógicas inconsistentes mascarando a intenção política e
econômica de acabar artificialmente com os baixos índices de desempenho escolar do
país e, ao mesmo tempo, racionalizar os custos com educação fazendo a correção do
fluxo escolar. Pais e alunos não entendem e desconfiam da escola que não retém.
Pesquisas mostram que os espaços e tempos escolares não foram alterados radicalmente
e que os professores continuam mantendo suas antigas concepções de ensino sem alterar
a prática pedagógica dentro da sala de aula.
_________________________________
Retomando Barreto e Mitrulis (2001), voltamos ao título deste Capítulo:
“... o
tempo de mudar no papel é muito diferente do tempo de transformar corações e mentes e
daquele requerido para moldar a nova face da escola” (p. 140).
É para a análise desses tempos de mudança no papele nos corações e
mentes” – que se voltam os Capítulos 3 e 4, apresentados a seguir.
No capítulo 3 apresentar-se-á um histórico das orientações, normas e medidas
legais que objetivaram oferecer oportunidades de recuperação de estudo para alunos
com dificuldades de aprendizagem na rede paulista de ensino desde os anos 1960 até os
dias atuais. São exemplos de “mudanças no papel” propostas algum tempo e que não
lograram os resultados esperados.
No capítulo 4 serão divulgados os resultados da pesquisa de campo na qual
se
procurou investigar como estas mudanças no papel a Progressão Continuada, as
recuperações paralelas e a Recuperação de Ciclo II – foram vivenciadas “nos corações e
mentes” de alguns alunos de escolas estaduais paulistas localizadas no Vale do Ribeira.
64
CAPÍTULO 3
O TEMPO DE “MUDAR NO PAPEL”: O PROCESSO DE
IMPLANTAÇÃO DOS ESTUDOS DE RECUPERAÇÃO NA REDE
ESTADUAL PAULISTA DE ENSINO E SUA LEGISLAÇÃO
Neste capítulo pretende-se reconstruir, por meio do estudo da legislação de
ensino federal e paulista, as diferentes concepções e propostas de recuperação de
aprendizagem que foram idealizadas e implantadas na rede pública estadual paulista, a
partir dos anos 1960, com a implementação da chamada “escola popular de massas”, tal
como a conceituam Paiva e outros (1998) em pesquisa na qual analisam as razões da
reprovação e repetência com base em depoimentos de alunos, pais e professores de
escolas públicas do Rio de Janeiro, no contexto de universalização e massificação do
atendimento escolar, traçando um paralelo entre as características das escolas
denominadas “Tradicional”, de “Transição” e de “Massas”.
O objetivo das autoras nesse estudo foi mostrar, de um lado, que a Escola
Tradicional vai se desintegrando com a universalização das oportunidades educacionais
e se transformando numa massificada Escola Popular e, de outro lado, que essa não é
uma conseqüência necessária de democratização, mas:
(...) É o produto da democratização sem investimento adequado, com redução
de salários e de quadros, com reformas pedagógicas sucessivas e “modernas”
sem continuidade e sem preparo dos docentes, em um período que a vida
urbana tornou-se mais violentes, em que as funções da escola se modificaram e
no qual os padrões de comportamento se modificaram profundamente (Paiva e
outros, 1998, p. 52).
3.1 – NO TEMPO DAS LEIS 4.024/61 E 5.692/71
A oferta de formas de recuperação de aprendizagem de alunos com dificuldades
escolares foi uma preocupação que surgiu no Brasil no contexto da expansão do ensino
básico, especialmente a partir de meados do século XX.
Desde o início do referido século, a universalização do ensino foi considerada
um dos principais fatores para a consolidação do regime republicano no país, mas foi no
desenrolar do processo de expansão do ensino que a temática da recuperação tornou-se
relevante. Na medida em que a escolarização das camadas populares se concretizava, os
65
altos índices de repetência e evasão denunciavam o caráter elitista do sistema escolar
brasileiro. Não obstante esses resultados, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961, ainda manteve um
sistema de avaliação rigoroso, classificatório e excludente que não dava oportunidades
de recuperação aos alunos com dificuldades de aprendizagem. A contradição entre este
sistema de avaliação e a nova realidade do ensino público que se expandia tornava mais
evidentes os baixos resultados da nova clientela escolar. Neste contexto começaram a
surgir as primeiras propostas de mudanças na forma de progressão escolar, entre elas as
idéias de “promoção automática” e de “obrigatoriedade da oferta de estudos de
recuperação” pelos estabelecimentos de ensino.
A expansão da escolarização no Estado de São Paulo foi uma conquista das
camadas populares urbanas que desde os anos 50 começaram a pressionar o poder
público a oferecer não o ensino primário, mas também o ensino secundário. Sposito
(1992) analisa esse processo destacando a importância e o significado dessa expansão
que, embora tenha se configurado numa escolarização improvisada e da qualidade
duvidosa escolas noturnas, aproveitando espaços e tempos ociosos dos Grupos
Escolares, sem professores qualificados, sem funcionários e quadros diretivos efetivos –
demonstrou a força política dos grupos sociais que almejavam melhores condições de
vida e acesso aos direitos sociais fundamentais.
O quadro educacional paulista de meados do século passado começou a
apresentar suas contradições: ao mesmo tempo em que se ofereceu uma escola sem
condições adequadas para uma clientela de origem popular que até então não tivera
acesso ao ensino secundário, a rede de ensino oficial paulista manteve seus conteúdos
acadêmicos e seu gido sistema de avaliação. Como conseqüência verificou-se o
aumento expressivo dos índices de retenção, que foi percebido negativamente pela
própria administração escolar pública.
A rigidez do sistema de avaliação das escolas paulistas pode ser constatada na
leitura das Normas Regimentais dos Estabelecimentos Estaduais de Ensino Secundário,
estabelecidas pelo Decreto Estadual nº. 47.404, de 19 de dezembro de 1966. Nesse
documento a sistemática de avaliação é descrita de forma minuciosa prevendo a
graduação das notas de 5 em 5 décimos, critérios para arredondamento de notas que
escapassem a esse padrão, e peso diferenciado das avaliações parciais. Essa descrição
detalhada se estende por vários artigos: do artigo 67 ao artigo 118.
66
De acordo com as Normas Regimentais, os alunos deveriam atingir a nota final
cinco, numa escala de 0 a 10 pontos em todas as disciplinas do curso. Esta nota final era
obtida através de uma média entre as quatro notas bimestrais e a nota dos exames finais,
onde essas notas tinham pesos diferenciados: peso um para o 1º bimestre, peso dois para
o 2º, e bimestre, peso três para o exame final. Os alunos poderiam ser dispensados
dos exames finais se obtivessem 49 pontos na somatória das notas dos quatro bimestres
escolares, considerando seus respectivos pesos, ou seja, obtenção de notas iguais ou
acima de sete. Após os exames finais, os alunos que não obtivessem a nota cinco em até
três disciplinas poderiam prestar o exame de segunda época, a ser realizado no ano
seguinte, antes do início das aulas.
Esse exame de segunda época era uma nova chance para o aluno ser aprovado,
mas uma chance que dependia dele, pois a escola não oferecia nova oportunidade de
aprendizado. O aluno deveria se preparar sozinho para o novo exame.
O rigor dos procedimentos de avaliação das Normas Regimentais foi logo
percebido pela própria Secretaria de Estado da Educação que, em 1967, encaminha ao
Conselho Estadual de Educação uma proposta de alteração das Normas. Tendo como
argumento o elevado nível de retenção nas escolas secundárias, a SEE-SP propõe um
artifício matemático que possibilitasse a interferência da administração escolar no
cálculo da nota final, no caso de excessiva taxa de reprovação numa única disciplina. A
proposta é analisada no Parecer CEE-SP nº 415, de 16/10/1967:
(...) A alteração proposta consistiria no acréscimo de um parágrafo ao artigo 73
das referidas Normas:
O objetivo da medida é criar a possibilidade de quando for necessário,
possa a Administração do Ensino evitar que se produzam desnecessárias e
onerosas taxas de reprovações no ensino secundário e normal”.
De acordo com a proposta, o Departamento de Educação baixaria
instruções visando permitir correção da discrepância entre o nível médio de
realização do grupo e o ponto central de uma escala de 0 (zero) a 10 (dez),
através de um processo de transposição da média aritmética das notas de uma
classe.
O parágrafo que se quer acrescentar é o seguinte: ‘excepcionalmente,
nos casos em que se verifiquem índices altamente elevados de reprovação numa
única disciplina em determinada classe, a Direção da Escola poderá efetuar
correções estatísticas do conjunto de notas.’
Esclareça-se que o Artigo 73 das Normas Regimentais dos
Estabelecimentos de Ensino Secundário e Normal, (...), diz:
Considerar-se-á aprovado o aluno que obtiver nota igual ou superior a
5 (cinco) em cada disciplina”.
Esta é a proposta (São Paulo, 1976, p.2436).
67
O Conselho Estadual de Educação não aprova a alteração. No citado parecer o
Conselheiro Jair de Moraes Neves apresenta as seguintes objeções: o desrespeito ao
princípio de autoridade de julgamento do professor estabelecido pela LDB em vigor,
Lei Federal 4024/61, e falta de estrutura administrativa de muitas escolas
secundárias. Neste último caso, refere-se explicitamente à rápida expansão do ensino
secundário por meio do artifício da criação de “Seções” e Extensões” das escolas
autorizadas pelo poder legislativo
24
. Segundo o Conselheiro, estas escolas, sem
funcionários e Diretores efetivos, nem teriam condições administrativas de efetuar as
correções estatísticas. Além disso, o parecer aponta as verdadeiras causas dos elevados
índices de retenção nas escolas secundárias estaduais:
(...) Dissemos e repetimos: louvável a intenção, mas errado o caminho.O
problema da avaliação do rendimento escolar deve ser enfrentado de frente e
corajosamente.
As reprovações, além de constituírem pesado ônus para o Estado,
são, inegavelmente, causa de frustração e de evasão escolar de muitos
alunos.
Devem os órgãos técnicos da Secretaria da Educação encontrar
uma solução, que atente também para outro problema levantado a lamentável
formação pedagógica de alguns professores’, pois estamos convencidos que as
reprovações em ‘massa’ refletem antes ‘as precárias condições de ensino’ que
más condições de aprendizagem.
Somos, pois, contrários à inclusão da proposta da Direção Geral do
Departamento de Educação nas Normas Regimentais Gerais, (...)(São Paulo,
1976, p.2437, grifos nossos).
Ao final do Parecer, o Conselheiro Jair de Moraes Neves acrescenta o seguinte
aditamento:
(...) Quanto aos problemas das reprovações na generalidade dos
estabelecimentos oficiais, dentre outras medidas, seria recomendável que se
organizassem no sistema estadual de educação cursos de recuperação,
anuais em julho e em janeiro (São Paulo, 1976, p. 2437, grifo nosso).
Entretanto, a preocupação com a oferta de estudos de recuperação terá uma
atenção especial dos legisladores a partir da promulgação da Lei Federal nº. 5.692, de
24
Sposito (1992) explica que a partir de 1945 a criação dos ginásios estaduais (1º ciclo do Ensino
Secundário) dependia da promulgação de lei aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado. Como o
processo legal era demorado e havia muita resistência das bancadas conservadoras em expandir o Ensino
Secundário, muitos governadores passaram a autorizar a criação de cursos ginasiais noturnos que
funcionavam em prédios dos Grupos Escolares, como “extensões” ou “seções” de Ginásios
autorizados.
68
11 de agosto de 1971, lei que estabeleceu novas diretrizes e bases do ensino de e
graus, alterando a LDB então em vigor Lei 4.024/61. Esta alteração refletia o novo
contexto político e econômico de país resultante da Ditadura Militar que se instalou no
Brasil a partir de 1964.
O projeto de desenvolvimento econômico adotado pelo governo militar exigia
escolarização rápida e básica da população. Era preciso formar mão de obra
minimamente especializada para modernização da produção industrial e, ao mesmo
tempo, conter os movimentos sociais que exigiam cada vez mais o acesso popular aos
níveis mais elevados de ensino. A Lei 5.692/71 atendeu a esses objetivos ampliando a
escolaridade obrigatória para 8 anos o então chamado Grau e tornando todo o
ensino médio – o chamado 2º grau – obrigatoriamente profissionalizante.
No texto legal de 1971, o tema da recuperação aparece em dois momentos,
conforme aponta Rama (1987, p. 129-131):
Artigo 11 – O ano e o semestre letivos, independentemente do ano civil,
terão, no mínimo, 180 e 90 dias de trabalho escolar efetivo, respectivamente,
excluído o tempo reservado às provas finais, caso estas sejam adotadas.
§ - Os estabelecimentos de ensino de e graus funcionarão
entre os períodos letivos regulares para, além de outras atividades,
proporcionarem estudos de recuperação aos alunos de aproveitamento
insuficiente e ministrar, em caráter intensivo
, disciplinas, áreas de estudo e
atividades planejadas com duração semestral, bem como, desenvolver
programas de aperfeiçoamento de professores e realizar cursos especiais
de natureza supletiva.
(...)
Artigo 14 A verificação de rendimento escolar ficará, na forma
regimental, a cargo dos estabelecimentos de ensino, compreendendo a
avaliação do aproveitamento e a apuração de resultados.
(...)
§ - O aluno de aproveitamento insuficiente poderá obter
aprovação mediante estudos de recuperação proporcionados
obrigatoriamente pelo estabelecimento. (grifos nossos)
Cumpre observar que nesta legislação e, especialmente, no § do Artigo 14, o
termo da recuperação aparece associado à questão da aprovação e não, propriamente, ao
processo de ensino-aprendizagem. Pode-se entender que a recuperação ainda era vista
como uma nova chance para passar de ano, como a antiga “segunda época”, com a
diferença de que a escola agora deveria oferecer nova oportunidade de ensino. Além
disso, no § do Artigo 11, o legislador define que a recuperação será oferecida “entre
os períodos letivos regulares”, portanto, em momento diferente das aulas, o que pode
69
também significar uma separação entre o processo de ensino-aprendizagem e o processo
de avaliação que, na época, tinha uma finalidade mais classificatória do que diagnóstica
e formativa.
Por outro lado, que se considerar que, ao determinar as diretrizes e bases do
ensino de 1º e 2º graus, o legislador deixou a regulamentação das mesmas por conta dos
sistemas de ensino, por meio das orientações dos Conselhos Estaduais de Educação, e
das unidades escolares por meio de seus regimentos. Neste sentido, o Parecer do
Conselho Federal de Educação (CFE) 352/72, também citado por Rama (1987, p.
54), que estabeleceu as normas para elaboração dos regimentos escolares, reforça a
autonomia da escola em relação à questão da recuperação:
(...)
A Lei que fixa as diretrizes e bases para o ensino de e graus
deu ao Regimento a função de criar, com força de lei, o organismo escolar.
Ao conferir maior liberdade à escola de organizar-se, a atual Lei
permite que, entre outras medidas, esta prescreva os tipos de ensino que vai
ministrar; o currículo pleno; os períodos letivos, os critérios e normas para
avaliar o aproveitamento de seus alunos; os estudos de recuperação dos alunos
com aproveitamento insuficiente; o desenvolvimento de programas de
aperfeiçoamento de professores.
O Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE-SP) se manifestou sobre a
importância dos estudos de recuperação na Indicação CEE-SP nº. 01/72, que
estabeleceu normas para a elaboração do currículo pleno da escola de 1º grau dentro dos
parâmetros da Lei 5.692/71.
A citada legislação apontou para a necessidade de que os estudos de
recuperação, obrigatórios na Lei, se desenvolvessem durante os períodos letivos,
integrando-se ao processo de ensino-aprendizagem. A recuperação intensiva entre os
períodos letivos a ao final deles deveria ser oferecida também, mas não seria a primeira
medida a ser tomada.
A indicação valorizava também a realização de um detalhado diagnóstico feito
pelos professores através de testes, estudos dirigidos, exercícios individuais e em grupo.
As dificuldades dos alunos deveriam ser classificadas em quatro tipos de categoria:
dificuldades de conhecimento, dificuldades de ajustamento, dificuldades de ajustamento
a técnicas e procedimentos dos professores, dificuldades de habilidades de estudo.
Algumas orientações práticas são recomendadas:
70
(...) 6.4. Medidas corretivas.
6.4.1. O sistema de recuperação deve ser flexível de tal forma que os alunos
possam ser admitidos ou dispensados conforme apontem os dados de
avaliações.
6.4.2. A recuperação deve ser dada individualmente ou em grupos de no
máximo de (15) quinze dias.
6.4.3. A recuperação deve ser dada, preferencialmente, pelo professor da classe,
caso isso não seja possível, o planejamento da recuperação contínua deverá ser
feito em conjunto com o professor que ministrou as aulas regulares.
6.4.4. As horas necessárias para recuperação contínua constar no horário
semanal.
6.4.5. No calendário deverão ser previstas as fases intensivas, fora do turno das
aulas regulares. Recomenda-se que seja de uma semana, no mínimo, para as
fases que forem dadas durante o ano letivo e mais longas para a recuperação de
fim de ano.
6.4.6. Recomenda-se, também, que o serviço de recuperação, com pessoal
treinado especificamente para esse objetivo, funcione anexo a centros de
orientação pedagógica e educacional, atendendo a unidades do bairro ou
localidade (São Paulo, 1976, p. 2111-2112).
É possível observar no texto legal uma série de preocupações com o aprendizado
real do aluno: a idéia de recuperação contínua, a responsabilidade do professor da
classe, a importância do atendimento individualizado e da formação de turmas de
recuperação com poucos alunos, a necessidade de um diagnóstico das dificuldades dos
alunos. Nesse sentido essa Indicação avança em relação ao enunciado da Lei 5692/71.
Além disso, verifica-se ao longo da mesma, a preocupação com os elevados índices de
retenção e com os prejuízos que estas causam aos alunos e ao Estado:
7.4. Considerações fundamentais que devem embasar a construção de critérios
de promoção pelo aproveitamento.
7.4.1. Conscientização da equipe de professores especialistas das conclusões
dos estudos sobre promoção e retenção:
- Extensa pesquisa sobre os problemas de reprovação nos leva a
concluir que a repetição de ano não tem valor educacional especialmente
para as crianças; de fato, os proveitos educacionais auferidos pela maioria dos
estudantes reprovados, depois da reprovação, foram menores do que os
companheiros de mesma idade que foram promovidos (“Blair – Psicologia
Educacional”);
- a retenção é um ônus para os cofres públicos;
- as reprovações costumam trazer problemas emocionais aos alunos
e comprometer a disciplina escolar (São Paulo, 1976, p. 2113, grifo nosso).
Curiosamente, encontramos neste texto legal as mesmas argumentações que
embasarão o sistema de progressão continuada
25
. A própria idéia de promoção
25
Aliás como vimos em outro ponto desse trabalho, a preocupação com os elevados índices de retenção e
as propostas de abolir a retenção já eram discutidas desde a segunda década do século passado.
71
automática era explicitada na indicação:
“7.2.1. Recomenda-se a promoção automática da 1ª
para a 2ª série do 1º grau”(São Paulo, 1976, p. 1112).
Além disso, o Conselho Estadual de Educação também se manifestou sobre a
recuperação na Deliberação CEE-SP 33/72, que estabeleceu normas para a
elaboração dos Regimentos escolares nas escolas do sistema de ensino paulista.
Conforme aponta Rama (1987, p. 56), no referido texto legal, o sistema de avaliação
deve constar no Regimento como parte da organização curricular da escola:
(...)Artigo 12 – O regimento deve fixar, com referência à organização
dos currículos, os seguintes aspectos:
I – Composição do currículo pleno, (...).
II – Os critérios de agrupamento de alunos: (...).
III – O sistema de avaliação, (...)
IV – O sistema de recuperação, especificando:
a) a seleção e agrupamento dos alunos;
b) a sistemática do trabalho;
c) as condições para sua efetivação;
d) os critérios de avaliação.
V – O sistema de promoção, (...).(grifo nosso)
Não obstante tantas recomendações, um exame geral da legislação educacional
do período imediatamente posterior à Lei Federal 5692/71 permite constatar, tanto no
âmbito federal como no estadual paulista, que os novos regimentos, explicitando as
formas de recuperação, demoraram a ser elaborados e que, quando efetivados, os
estudos de recuperação se mostraram acanhados e insuficientes para os resultados
esperados.
Em 1973, através da Indicação CFE nº. 38/73, o conselheiro Vicente Sobrinho
Porto denuncia a aplicação precária da recuperação obrigatória:
(...) Lamentavelmente, o instituto da recuperação – chamemo-lo assim
embora da maior valia não têm sido bem compreendido por parte de
alguns educandários. Tanto assim que, em certas escolas, os estudos de
recuperação das disciplinas, áreas de estudo e atividades, planejadas com
duração semestral, se processam em dois ou três dias, com um total aproximado
de quatro e meia horas-aula, numa interpretação assaz restrita da expressão “em
caráter intensivo”, que aparece na lei.
Na verdade, em um tempo tão exíguo o aluno não se recupera em coisa
nenhuma,(...)
Diante de tais ocorrências, acredito seria da maior conveniência e
oportunidade um Parecer da Câmara de Ensino de e Graus fixando
os requisitos indispensáveis à Recuperação (Brasil, 1973, p. 245, grifo
nosso).
72
A citada Indicação é atendida pelo Parecer CFE nº. 2.194/73, cujo relator, o
Conselheiro Valnir Chagas, faz várias considerações sobre “o que não deve ser a
recuperação”. Insistindo que é difícil estabelecer os “requisitos indispensáveis” para um
assunto que é da competência de cada escola a partir das normas fixadas pelos
Conselhos Estaduais de Educação, Chagas faz as seguintes recomendações:
(...) a) que se caracterizem com nitidez as hipóteses de ‘aproveitamento
insuficiente’ para efeito não de recuperação, a fazer-se no processo regular
da aprendizagem ou em período especial, como de repetição pura e simples da
disciplina, área de estudo ou das atividades;
b) que se atribua a devida importância à recuperação feita no processo de
aprendizagem, encarando como segunda alternativa a que se realize em
período especial;
c) que se conduza a recuperação, em qualquer dos casos, como um trabalho
individualizado de orientação e acompanhamento de estudos, capaz de levar o
aluno a sanar as insuficiências verificadas em seu aproveitamento;
d) que se tenham em conta, na recuperação, os diferentes graus e níveis
escolares e, sobretudo, as características muito especiais dos primeiros anos do
ensino de 1º grau;
e) que se prevejam o mínimo e o máximo de tempo em que se poderá fazer-se a
recuperação no caso de período especial (Brasil, 1973, p.655, grifo nosso).
Em certo ponto do Parecer CFE nº. 2.194/73, o conselheiro relator cobra a
manifestação de algumas grandes redes escolares públicas sobre o tema, matéria de
explícita obrigatoriedade na Lei 5692/71. Talvez a cobrança se refira à própria rede
estadual paulista que manteve, praticamente até o ano de 1978, as antigas Normas
Regimentais de 1966, inadequadas à nova Lei do Ensino de 1º e 2º Graus.
A inadequação das referidas Normas Regimentais é evocada no Parecer CEE-SP
nº. 916/73, que se manifestou favoravelmente ao pedido de reconsideração da retenção
de um aluno da série do Grau, reprovado no exame de segunda época na disciplina
de Língua Portuguesa em uma escola estadual de São Paulo. O Conselho Estadual
propõe que a escola ofereça os estudos de recuperação previstos como obrigatórios na
Lei 5692/71, mas não efetivados na rede estadual paulista.
Somente em 1976, o Governo de Estado de São Paulo começa a alterar o sistema
de avaliação e promoção de alunos nas Escolas Estaduais nos termos da legislação
vigente. Através do Decreto Estadual nº. 7878, de 03/05/1976, os artigos referentes ao
sistema de avaliação das Normas Regimentais dos Estabelecimentos Estaduais de
Ensino Secundário e Normal são revogados. Deixam de existir os critérios rigorosos das
provas e exames com pesos diferenciados e minuciosamente graduados na escala
73
numérica de zero a dez. Caem também os exames de segunda época. Um novo sistema
de avaliação, baseado em conceitos que expressavam o desempenho escolar dos alunos
em relação aos objetivos educacionais propostos pela escola
26
, é estabelecido pela
Resolução SE-SP nº. 134, de 04/05/76. A mesma Resolução também regulamenta a
recuperação na rede de ensino oficial do Estado:
(...)
Artigo 24 Os estudos de recuperação destinam-se aos alunos de
aproveitamento insuficiente.
Artigo 25 A recuperação é um processo contínuo e concomitante ao
desenvolvimento normal do currículo, corrigindo as possíveis distorções de
aproveitamento e intensificando-se obrigatoriamente, em determinados
períodos. Artigo 26 – O planejamento da recuperação deverá envolver:
I a identificação das deficiências do aluno e os conteúdos curriculares em que
demonstrou insuficiência e suas causas;
II – a seleção de estratégias para o desenvolvimento da recuperação.
Artigo 27 Os estudos de recuperação devem ser proporcionados pelo próprio
professor, de preferência, ou por outro, devidamente credenciado e desde que o
plano seja elaborado por ambos.
Artigo 28 Para a avaliação do aproveitamento da recuperação, o professor
deverá utilizar pelo menos dois instrumentos, que o levem a um conceito final.
Artigo 29 Quando a recuperação se processar durante o bimestre, o conceito
obtido pelo aluno deverá integrar a avaliação bimestral.
Artigo 30 – Estarão sujeitos a estudos de recuperação os alunos que não
atingirem, durante o bimestre, a menção ‘C’.
Artigo 31 – Estarão sujeitos à recuperação no final do ano, os alunos que:
I – tiveram freqüência igual ou superior a 75% e aproveitamento inferior a ‘C’;
II – tiveram freqüência igual ou superior a 60% e aproveitamento inferior a ‘A’.
Artigo 32 Para efeito de promoção, após os estudos de recuperação, o aluno
deverá demonstrar melhoria de aproveitamento em relação aos bimestres
cursados, traduzida em mudanças para o conceito superior, desde que, nunca
inferior a ‘C’.
Parágrafo único O conceito final após a recuperação no final do ano será
sempre submetido à apreciação dos Conselhos de Classe para promoção e
retenção.
Artigo 33 ter-se-á por retido o aluno que não comparecer ao processo de
recuperação, comparecendo, não o concluir, ou concluindo não alcançar
melhoria de aproveitamento (São Paulo, 1976, p. 2037, vol. 6).
A nova sistemática de avaliação na rede de ensino paulista foi consolidada no
Regimento Comum das Escolas Estaduais de Primeiro Grau e no Regimento Comum
das Escolas Estaduais de Primeiro e Segundo Graus que foram introduzidos através dos
Decretos Estaduais nº. 10.623 de 26 de outubro, de 1977 e nº.
11.625, de 24 de maio de
1978, respectivamente. Nestes Regimentos, que diferem minimamente entre si em
função da necessidade de regulamentações específicas dos cursos de Segundo Grau,
26
São introduzidos os conceitos A,B,C, D e E com as respectivas significações: plenamente satisfatório,
satisfatório, regularmente satisfatório, pouco satisfatório e insatisfatório.
74
foram mantidas as disposições sobre avaliação constantes na Resolução SE 134/76,
bem como mencionavam o termo recuperação em vários pontos.
No Regimento Comum das Escolas Estaduais de Primeiro Graus foram
estabelecidos os casos em que os alunos deveriam ser encaminhados para os estudos de
recuperação final:
(...) Artigo 86 Os alunos de aproveitamento e/ou freqüência insuficientes
serão submetidos a estudos de recuperação.
§ - Nas quatro séries será submetido a estudos de recuperação final o aluno
de aproveitamento e/ou freqüência insuficientes, ressalvado o disposto no artigo
83.
§ 2º - Nas quatro últimas séries será submetido a estudos finais de recuperação:
I – o aluno que obtiver em uma ou mais disciplinas ou áreas de estudos conceito
final correspondente às menções “B” ou “C” e freqüência igual ou superior a
60%, mas inferior a 75%, computando-se para tanto as atividades de
compensação de ausências, quando for o caso;
II o aluno que obtiver conceito final correspondente às menções “D” ou E”,
em até duas disciplinas ou áreas de estudo e freqüência igual ou superior a 60%
(São Paulo, 1977, p.821).
No Regimento Comum das Escolas Estaduais de Primeiro e Segundo Graus
critérios semelhantes ao previstos para as séries finais do Primeiro Grau são
estabelecidos para encaminhamento dos alunos de 2º Grau para a recuperação.
Além disso, os Regimentos relacionavam entre as atribuições de coordenadores
pedagógicos, orientadores educacionais e professores a responsabilidade de coordenar,
acompanhar e executar, respectivamente, as atividades de recuperação (Artigos 16, 20 e
46). A época, a duração e a sistemática dessas atividades deveriam ser especificadas no
Plano Escolar (Artigos 87 e 94) e programadas bimestralmente pelos Conselhos de
Classe e Série (Artigo 91). Os períodos de recuperação também deveriam estar
indicados no Calendário Escolar (Artigo 95).
Esta regulamentação dos estudos de recuperação não garantiu, entretanto, as
condições de sua efetivação de maneira satisfatória. Escolas com classes numerosas,
espaços físicos limitados e calendários apertados não tinham a estrutura necessária para
flexibilizar o atendimento dos alunos com dificuldades de aprendizagem.
A questão do calendário escolar é bem ilustrativa a esse respeito. A Resolução
SE-SP nº. 72, de 20 de fevereiro de 1976, explicita a dificuldade de se garantir o
cumprimento da carga horária anual mínima de 720 horas de ensino prevista na Lei
5692/71. Escolas que funcionavam em 4 ou 5 turnos diários, ofereciam jornadas de 3
horas e 50 minutos ou 3 horas e 10 minutos de aulas e tinham quem funcionar mais do
75
que os 180 dias letivos. Nestas condições de super-ocupação dos prédios escolares,
tudo indica que os estabelecimentos de ensino limitavam-se a garantir alguns dias, no
final do ano letivo, para oferecer aos alunos alguns dias de estudos para cumprir as
determinações dos Regimentos Escolares em relação à promoção após a recuperação.
Em nível federal o estudo da legislação também nos indica que a efetivação dos
processos de recuperação continuava a ser problemática em todo o país. Por meio do
Parecer CFE nº. 2.164, de 6 de julho de 1978, a Conselheira Eurídes Brito da Silva é
relatora de uma ampla orientação do Conselho Federal sobre a matéria. Após tecer
várias considerações sobre as concepções de aprendizagem e avaliação que embasam a
legislação educacional decorrente da Lei 5692/71, a relatora cita documentos sobre
estudos de recuperação elaborados pelo MEC durante os anos 1970, para discussão em
dois Encontros de Diretores do Departamento de Ensino de Primeiro Grau. Entretanto
as recomendações do MEC e do próprio CFE evitam manifestações a respeito de
tempos mínimos e específicos para a realização de estudos de recuperação. As saídas
apontadas são
: o atendimento individualizado dos alunos durante as aulas ou ao final
das mesmas, o uso de monitoria, a indicação de leituras e exercícios especiais. Além
disso, afirmava-se a necessidade de preparar melhor os professores e os especialistas
para o uso de novas metodologias de ensino e avaliação.
Pereira (2005), em seu estudo sobre as práticas de recuperação paralela nas
escolas estaduais de Ciclo II, relata a existência de muitos documentos elaborados por
técnicos do Ministério da Educação preocupados com os elevados índices de evasão e
repetência no Brasil durante a década de 70. Entre estes documentos a autora põe em
destaque o trabalho de Bacha de 1974
27
, propondo uma série de procedimentos para
serem utilizados na recuperação de estudantes com baixo rendimento escolar. Na
realidade, as técnicas propõem um atendimento paralelo dos alunos com dificuldades de
aprendizagem durante as aulas regulares. Para tanto, aconselhavam os professores a
aplicar atividades individuais para que os demais alunos da classe se mantivessem
ocupados enquanto atendiam os que necessitavam de recuperação. Além disso,
apresentavam um modelo de ficha para registro dos resultados das avaliações desses
alunos com dificuldade.
Outro exemplo de como a questão da recuperação de alunos era um assunto
preocupante nos anos 70, é o minucioso e detalhado Projeto de Recuperação elaborado
27
Pereira (2005) refere-se ao seguinte texto: BACHA, Magdala Lisboa. 1974. Promoção e recuperação.
Brasília: DDP (Educação primária – Guia de Ensino)
76
pela Divisão Regional de Ensino Leste, de Mogi das Cruzes, em 1977. O referido
projeto, também apresentado por Pereira (2005), era composto por vários documentos
que orientavam os procedimentos das escolas da região na organização de estudos de
recuperação desde a definição dos critérios para seleção de alunos até fichas de controle
sobre as atividades desenvolvidas e os resultados obtidos.
O que se observa em todos os estudos, projetos e legislação sobre a temática da
recuperação do ensino é que enfatizam a necessidade de atendimento individualizado
dos alunos com dificuldades de aprendizagem, mas não definem os tempos e espaços
para que esse atendimento individualizado realmente ocorra. Não se considera a
realidade das escolas públicas que funcionavam em três, quatro e, às vezes, em até cinco
períodos diários, com classes superlotadas.
Sampaio (2004) faz uma importante análise do funcionamento das escolas
públicas da rede estadual paulista durante a vigência da Lei 5692/71. A autora afirma
que a crescente expansão escolar gerou a massificação do ensino e a burocratização da
instituição escolar. Para dar conta da crescente demanda educacional a SEE-SP realizou,
em 1976, uma reforma administrativa que reforçou a separação entre órgãos de
planejamento e órgãos de execução do ensino.
No campo curricular, as escolas ainda digeriam uma complexa reforma
curricular iniciada no final dos anos 1960
28
, que envolviam uma gama de novas teorias
sobre desenvolvimento e aprendizagem, desconhecidas pelos professores. Professores,
aliás, muitas vezes formados em cursos de licenciatura curta e contratados em caráter
temporário, com jornadas de trabalho extensas e divididas em mais de uma escola.
A conjunção de todos esses fatores gerou um ensino burocratizado, marcado
pela impessoalidade em seu sentido mais negativo, conforme aponta Sampaio (2004)
citando as palavras de Weber:
sine ira ac studio, sem ódio ou paixões e, portanto, sem
afeição ou entusiasmo”
e acrescentando:
(...)
Ora, o atendimento burocratizado de massa não prevê diferenciação, mas
homogeneização de procedimentos e despersonalização, facilitadas pelo
distanciamento entre as posições ocupadas por professores e alunos, que aparta
essas duas categorias. Instala-se a massificação, que despersonaliza as relações
e as enquadra em categorias abstratas e internamente homogêneas, (...). Assim,
a impessoalidade dos procedimentos de avaliação faz parte das regras do jogo e
também mostra a importância do cumprimento das regras, considerado
suficiente no atendimento aos alunos: a grande justificativa diante da
28
Os chamados Guias Curriculares elaborados pela SEE-SP/CENP e implantados nas escolas da rede
estadual de ensino a partir de 1968.
77
contestação do aluno reprovado é que a escola cumpriu com todas as suas
obrigações (Sampaio, 2004, p. 202-203).
A obrigatoriedade da recuperação determinada na Lei 5.692/71 converteu-se,
portanto, num atendimento burocrático, cujo registro é condição para evitar que o
recurso de um aluno reprovado seja acolhido nas Delegacias de Ensino
29
. Na complexa
organização administrativa e curricular das escolas paulistas durante o período da
ditadura militar, a prática da recuperação converteu-se ao seu sentido mais restrito,
previsto no Artigo 14, § daquela Lei: oportunidade de aprovação para alunos com
aproveitamento insuficiente:
(...) É fato que o se fecham todas as possibilidades aos alunos que
apresentam resultados insatisfatórios: a legislação obriga e a escola oferece
algumas saídas, como a chamada recuperação paralela a cada bimestre e a
recuperação intensiva ao final do ano. O que se depreende, entretanto, é que as
recuperações bimestrais reduzem-se à oportunidade de novas provas, ou de
repetir a prova feita após correção ou explicação do professor, e a
recuperação final consiste em algumas explicações ou exercícios seguidos da
provas, quando não se reduz apenas a estas. A distribuição e organização do
tempo letivo permitem apenas, como recuperação, a oferta de momentos
para novas cobranças; não possibilita recuperar o que foi perdido. Mesmo
quando o calendário de recuperação final prevê algumas aulas para cada
disciplina, a extensão do que ficou para trás não permite falar de recuperação
realmente é o tempo para reler e fazer exercícios, tirar algumas dúvidas e
fazer provas (Sampaio, 2004, p. 89-90, grifos nossos).
Na realidade os autores aqui citados são unânimes em afirmar que existem
poucos estudos sobre a prática de recuperação de ensino nas escolas e que o estudo da
legislação aponta a inexistência de espaços e tempos específicos para que ela se
efetivasse no dia a dia da escola. Somente na década de 1980, começaram a surgir
algumas regulamentações legais para implantar, de fato, atividades escolares
apropriadas para resgate do aprendizado de alunos com dificuldades escolares.
Quase dez anos após a promulgação de Lei 5.692/71 e três anos após a vigência
do Regimento Comum das Escolas Estaduais de e 2 ° Graus, a SEE-SP publica a
Resolução SE-SP 48, de 04/04/81, que regulamenta os estudos de recuperação nas
escolas estaduais:
29
O Regimento Comum das Escolas Estaduais de e 2° Grau previa que os alunos dessas escolas
poderiam recorrer dos resultados da avaliação de seu desempenho. Nas legislações posteriores que
regulamentaram esse direito, o Conselho Estadual de Educação orienta que as escolas devem fazer um
registro completo da avaliação final do aluno, indicando entre outros aspectos “o trabalho diversificado
desenvolvido para promover sua aprendizagem”.
78
(...) Artigo 4° - O processo de recuperação desenvolver-se-á:
I ao longo do ano letivo, sob responsabilidade do professor da disciplina ou
classe;
II – como recuperação final, obrigatória, independentemente do número de
alunos, em época especial, observadas instruções contidas nesta Resolução;
III – em projetos especiais optativos nas disciplinas de Português e Matemática,
para as quatro primeiras séries do ensino de grau, durante o segundo, e
bimestres;
Parágrafo único As aulas referidas no inciso III serão em número de 2 por
semana, para cada disciplina, por série, desenvolvidas em qualquer dia útil ou
aos sábados, respeitando o número de 10 e o máximo de 35 alunos por turma
(São Paulo, 1981, p.377).
Esta Resolução, portanto, abria oportunidade para um atendimento especial aos
alunos das séries iniciais com dificuldades em Português e Matemática, prevendo
inclusive o pagamento de serviço extraordinário para os professores da escola que
assumissem as aulas ou ainda, a contratação de outros professores admitidos por
período determinado.
Sobre a recuperação final em período especial, a Resolução estabelecia que a
mesma fosse desenvolvida em 32 horas distribuídas na segunda quinzena do mês de
janeiro do ano seguinte, estabelecendo também as mesmas condições para pagamento e
contratação de professores.
Observa-se que o dispositivo legal em questão era limitado ao restringir a
recuperação durante o ano letivo somente para as séries iniciais do então ensino de
grau e ao prever a contratação de outros professores que não os da classe, para ministrar
as aulas. Também a recuperação final era limitada a poucos dias, o que não garantia a
correção de defasagens acumuladas durante o ano letivo. Porém, cumpre registrar que,
pela primeira vez, a SEE-SP cria condições para que os alunos tenham um horário
especial com professores remunerados para sanar suas dificuldades de aprendizagem.
As discussões sobre o fracasso escolar, a repetência e a evasão ganharam um
novo sentido político na passagem dos anos 1970 para os anos 1980. Enquanto por todo
o país crescia a mobilização pela redemocratização, os educadores nacionais apontavam
as mazelas da educação nacional denunciando o processo de sucateamento das escolas
públicas e renovando os estudos sobre as causas do mau desempenho escolar do país.
Nesse contexto, partidos de oposição à ditadura militar conquistam o governo de
importantes estados da federação como São Paulo e Minas Gerais. Estes governos
oposicionistas marcaram o início de suas gestões com projetos educacionais inovadores
79
dentre as quais podemos destacar, em São Paulo, a implantação do Ciclo Básico
30
que
pretendia reverter os altos índices de retenção na passagem da 1ª para a 2ª série do então
chamado grau e implantar uma nova proposta de alfabetização baseada nas teorias
psicológicas construtivistas.
Junto com o Ciclo Básico, a SEE-SP iniciou uma série de ações voltadas para
mudar as concepções de ensino-aprendizagem vigentes dando ênfase à questão da
avaliação que deveria ter um caráter mais diagnóstico e menos classificatório. Começou
também a discutir com a rede uma nova proposta curricular que buscasse a adequação
dos conteúdos escolares à realidade de sua clientela popular. Neste contexto, a questão
da recuperação dos alunos passou a ser discutida como uma necessidade inerente ao
processo educacional.
Em 1990 uma nova Resolução da SEE-SP Resolução SE 202, de 13 de
setembro de 1990 estabeleceu a possibilidade da criação de módulos de aulas
especiais para desenvolvimento dos estudos de recuperação, que funcionariam em
horário diverso das aulas regulares. Os módulos deveriam ser organizados de forma
interdisciplinar nas séries iniciais do 1° grau, ou por disciplinas especificas a partir da 5ª
série e no grau. Os alunos deveriam ser agrupados em turmas de 15 a 25 alunos e
cada módulo poderia ter a duração semanal de até duas horas-aula. Os limites desse
trabalho não permitiram que se investigasse a aplicação e o funcionamento desse
formato de recuperação, mas a experiência da autora, que na época já era professora de
rede estadual, indica que poucas escolas se utilizaram desse dispositivo.
Na realidade pode-se inferir que a importância dos processos de recuperação da
aprendizagem se ampliava atingindo as autoridades educacionais que começavam a
criar os primeiros mecanismos concretos para realização de um atendimento
diferenciado para alunos com dificuldades de aprendizagem. As recomendações e
orientações dos eminentes educadores que compunham os Conselhos Federal e
Estaduais de Educação começavam a ser implantadas pelas novas administrações
regionais, especialmente nos Estados oposicionistas. Entretanto, a necessidade da
recuperação não fazia parte da cultura das escolas.
A importância da recuperação se relaciona a uma nova concepção de avaliação.
As teorias pedagógicas passam a valorizar a chamada avaliação diagnóstica, que
objetiva identificar as dificuldades de aprendizagem para reformular as práticas de
30
Ciclo de Alfabetização que instituía a promoção automática na passagem da 1ª para a 2ª série do Ensino
de 1º Grau – Decreto Estadual n° 21.833, de 28/12/83
.
80
ensino e levar o aluno ao conhecimento efetivo. Não mais apenas aplicar provas e
classificar os aptos e os inaptos, mas observar atentamente o aluno e suas produções
escolares e propor estratégias de ensino mais adequadas às suas necessidades
educacionais. Além disso, a persistência dos elevados índices de retenção incentivava os
sistemas de ensino a mudar as práticas de avaliação.
No sentido de diminuir a repetência escolar, o Conselho Estadual de Educação
de São Paulo tomou a iniciativa de regulamentar o direito, previsto no Regimento
Comum das Escolas Estaduais de e Graus, de o aluno recorrer dos resultados da
avaliação de seu desempenho escolar. Através da Deliberação CEE-SP 3/91 e da
Indicação CEE-SP 2/91 foram estabelecidas as normas de tramitação deste tipo de
recursos e traçadas diretrizes para nortear os processos de avaliação do rendimento
escolar de cada aluno. Dentre essas diretrizes pode-se destacar a importância dos
registros de avaliação final onde, entre outras coisas, seja explicitado o trabalho
diversificado desenvolvido pela escola para promover o aprendizado dos alunos.
3.2 – EM TEMPOS DA LEI 9.394/96:
A partir dos anos 1990, as mudanças educacionais no Estado e no Brasil se
sucedem com grande velocidade. Às vésperas da nova LDB, a SEE-SP reorganizou a
sua rede de ensino, implementando uma série de medidas que culminaram na instituição
da Progressão Continuada
31
. Entre essas medidas, uma nova resolução Resolução SE-
SP 49, de 10/05/96 regulamentou a oferta de projetos de reforço e recuperação de
alunos, a serem ministrados em horário diverso das aulas regulares por professores que
tivessem carga horária mínima de 20 horas-aula semanais. Esses projetos deveriam ser
propostos pelo professor ou pelo Conselho de Classe/Série, elaborados pela Direção e
Coordenação da escola, aprovados pelo Conselho de Escola, avaliados pelo Supervisor
de Ensino, homologados pelo Delegado de Ensino e submetidos à apreciação da CEI.
Alguns meses depois, a Resolução SE-SP 183/96, de 17/12/96, cria a
chamada “Recuperação de Férias”, para ser iniciada em janeiro do ano seguinte para dar
uma nova oportunidade de aprendizado aos alunos retidos naquele ano letivo após a
recuperação final prevista para os últimos dias do calendário escolar nos termos do
Regimento Comum das Escolas Estaduais que vigorava na época. Esta nova proposta de
recuperação foi aprovada em parecer específico pelo Conselho Estadual de Educação e
31
Vide Introdução deste trabalho.
81
se baseava numa experiência realizada pelas escolas da rede municipal de Santos. As
escolas e Delegacias de Ensino deveriam garantir que a Recuperação de Férias se
realizasse em, no mínimo, três semanas de aula em carga horária semanal de 25 horas-
aula.
Ainda em 1996, o Conselho Estadual de Educação renovou suas orientações
sobre pedidos de reconsideração e recursos referentes aos procedimentos de avaliação
do rendimento escolar. Através da Deliberação CEE-SP 11/96 e da Indicação CEE-
SP nº. 12/96, o órgão normativo do sistema de ensino paulista deu novas instruções
sobre os procedimentos de avaliação nas escolas, enfatizando a necessidade de
incorporar à cultura da escola o registro sistemático e contínuo dos processos
avaliativos, da sistemática de comunicação com alunos e pais e das práticas
diversificadas de recuperação. Em relação às práticas de recuperação, a Indicação CEE-
SP n° 12/96 faz uma importante conceituação das diferentes possibilidades de sua
oferta:
(...)
3.1.2.4 – Diversificação das práticas de recuperação.
As reuniões pedagógicas periódicas representam momento privilegiado para
que a equipe escolar, a partir dos registros de dificuldades de
ensino/aprendizagem, estabeleça formas diferenciadas de recuperação e reforço
para os alunos. Independentemente da recuperação paralela e da recuperação
final, a recuperação contínua, ligada ao fazer diário do professor, pressupõe
habilidade em trabalhar as dificuldades na aprendizagem. A recuperação
paralela é realizada fora do horário da classe e deve privilegiar métodos e
estratégias diferentes dos costumeiramente utilizados. A recuperação final
representa um último esforço para sanar as dificuldades de aprendizagem
(São Paulo, 1996, p. 143-144- grifo nosso).
As citadas deliberação e indicação foram discutidas e aprovadas no mesmo mês
de dezembro em que foi promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Lei Federal 9.394, de 20 de dezembro de 1996, cujas inovações marcaram
significativamente o ensino do país. No contexto das mudanças propostas pela LDB, a
temática da recuperação ganha um novo enfoque, que já vinha amadurecendo, em
diversas redes de ensino, na passagem dos anos 1980 para os anos 1990.
O processo de tramitação da Lei 9.394/96 foi longo e conturbado. Entre a
Constituição Federal de 1988 e a promulgação da LDB muitos foram os debates na
sociedade civil e no parlamento. Do choque entre diferentes concepções pedagógicas e
tendências políticas e ideológicas chegou-se a um documento de consenso no qual os
princípios mais avançados conquistados pelos setores progressistas da Constituição
82
foram mantidos, porém com o mínimo de regulamentação. Por um lado, segundo a
análise de Cury (1998), abriu-se espaço para autonomia das escolas e dos sistemas. Por
outro, garantiu-se o controle de saída do governo federal a partir das políticas de
avaliação externa dos sistemas.
A avaliação é um dos eixos da LDB, podendo ela ser encarada de duas formas:
avaliação para diagnóstico e aperfeiçoamento constante do processo ensino-
aprendizagem dentro de cada contexto educacional e avaliação como mecanismo de
classificação e “ranqueamento” das instituições de ensino frente ao mercado.
Esta dubiedade reflete-se também nas políticas de implantação dos ciclos no
Brasil e da progressão continuada no Estado de São Paulo. A LDB, sem torná-lo
obrigatório, deu um grande incentivo à implantação do ensino ciclado. Entretanto, como
se discutiu no Capítulo 2 deste trabalho, a grande problemática dos ciclos está nas
condições de implantação dessa forma de organização do ensino e de sua proposta
pedagógica. Nesse sentido o estudo dos diferentes aspectos que cercam a questão da
recuperação se faz pertinente, pois sua efetivação em condições adequadas é um dos
fatores que pode contribuir para que os alunos prossigam seus estudos sem reprovação e
com aprendizagem de conteúdos e habilidades necessários para uma vida digna com
pleno exercício da cidadania.
Fazendo uma comparação entre a Lei Federal nº. 5.692/71 e a Lei Federal nº.
9.394/96 podemos verificar que a obrigatoriedade da recuperação é prevista em ambas,
mas o contexto em que esta medida pedagógica se coloca é outro. Numa organização do
ensino onde a retenção é possível e, dentro de certos limites, normal
32
, a recuperação era
encarada como mais uma oportunidade para o aluno e não uma responsabilidade da
escola. Em outras palavras, a escola generosamente oferecia uma chance qualquer, mas
o aprendizado dependeria exclusivamente do potencial e empenho do aluno. A escola é
responsável pelo ensino e o aluno, pela aprendizagem.
No contexto da Lei nº. 9.394/96 e do ensino ciclado o aluno tem sempre que
aprender e prosseguir nos estudos. Em seu texto, a lei sugere que a escola deve se
responsabilizar pelo ensino e pela aprendizagem. Portanto, a escola não é obrigada
somente a oferecer uma oportunidade de recuperação, mas sim, oferecer a melhor
32
É interessante observar que no Parecer CFE n° 2.194/73 o Conselheiro Valnir Chagas, um dos
mentores da Lei 5.692/71, critica a elevada repetência, mas afirma não acha possível sua exclusão total do
sistema educacional.
83
oportunidade de recuperação, a recuperação que realmente garanta o melhor
aprendizado dos alunos.
O debate sobre a recuperação esteve presente no processo de regulamentação da
atual LDB e o Conselho Nacional de Educação se manifestou algumas vezes sobre o
tema. As dúvidas principais voltaram-se para a questão da oferta obrigatória de estudos
de recuperação, de preferência paralelos ao ano letivo
33
. Era preciso esclarecer o que
seria esta “recuperação paralela”. Pelo Parecer CNE n° 05/97, de 07 de maio de 1997, o
órgão normativo do sistema federal de ensino assim se manifestou sobre a questão:
(...)
Os estudos de recuperação continuam obrigatórios e a escola deverá
deslocar a preferência dos mesmos para o decurso do ano letivo. Antes,
eram obrigatórios entre os anos ou períodos letivos regulares. Esta mudança
aperfeiçoa o processo pedagógico, uma vez que estimula as correções em curso,
enquanto o ano letivo se desenvolve, do que pode resultar apreciável melhoria
na progressão dos alunos que se projetam nos passos seguintes. (...) Aos alunos
que, a despeito dos estudos paralelos de recuperação, ainda permanecem
com dificuldades, a escola poderá voltar a oferecê-lo depois de concluído o
ano letivo regular, por atores e instrumentos previstos na proposta pedagógica
e no regimento escolar (Brasil, 1997, p. 295-296, grifo nosso).
Nos termos desse parecer entende-se que há duas possibilidades de recuperação:
a paralela que se faz ao longo do ano letivo, considerada mais eficaz e recomendável; e
a recuperação final que se realiza, como último recurso ao final dos períodos letivos.
A recuperação paralela foi incentivada, mas o regulamentada. Seu formato
ainda deve ser disciplinado nos regimentos escolares. A única recomendação do
Conselho é de que os estudos de recuperação não podem ser computados no mínimo da
carga horária anual de 800 horas estabelecido na LDB Parecer CNE 12/97, de
08/10/97. Ou seja, a recuperação deve ocorrer durante o ano letivo, mas não ocupar o
tempo destinado ao ensino regular: não se pode utilizar esse tempo de ensino para
atendimento exclusivo dos alunos com dificuldade.
Para solucionar esta questão, o sistema de ensino paulista através do Conselho
Estadual de Educação apresenta uma outra tipologia de estudos de recuperação, que se
aproxima daquela apresentada na Indicação CEE-SP 12/96. Nos termos da Indicação
CEE-SP n° 05/98 existe uma diferença entre recuperação contínua e a recuperação
paralela:
33
Obrigatoriedade de estudos de recuperação prevista no artigo 24, inciso V, alínea e. Vide página 14
deste trabalho.
84
(...) A recuperação da aprendizagem precisa:
- ser imediata, assim que for constatada a perda, e contínua;
- ser dirigida às dificuldades específicas do aluno;
- abranger não só os conceitos, mas também as habilidades, procedimentos e
atitudes.
Quando a recuperação imediata e a contínua não produzem os efeitos desejados,
outros recursos precisam ser utilizados. O modelo de recuperação da escola
deve proporcionar a maior quantidade de situações que facilitem uma
intervenção educativa oportuna e que seja, ao mesmo tempo, o mais integrador
e adequado a todo alunado.
Além da recuperação imediata e contínua, pode-se ter ainda a recuperação
paralela, a recuperação intensiva de final de ano e a intensiva de rias. A
recuperação paralela deve ser preferencialmente feita pelo próprio professor
que viveu aquele momento único de construção de conhecimento.(...). A
recuperação intensiva, no final dos bimestres e trimestres, abrange uma
quantidade maior de conteúdos e deve-se considerar que pode sobrecarregar o
aluno que já está iniciando o novo período. Mas, ainda assim tem o mérito de
não deixar os problemas se acumularem ao longo do ano letivo. A recuperação
intensiva de final de ano,(...) possibilita que o aluno trabalhe os conceitos
básicos necessários para o prosseguimento do curso. A recuperação intensiva de
férias é a última oportunidade de aprender um conteúdo também mínimo, mas
pode renovar a esperança e muitas vezes a vontade daquele aluno voltar a
freqüentar a escola. (São Paulo, 2001, p. 968-969, grifo nosso).
Pelo exposto nesta deliberação a recuperação paralela não é somente um
atendimento individualizado que se durante o período de aulas, mas é um momento
paralelo ao trabalho da sala de aula, em espaços e tempos alternativos.
Nessa linha de garantir momentos específicos para propiciar a aprendizagem de
alunos com dificuldades, a SEE-SP buscou aperfeiçoar e normatizar as formas de
recuperação na rede estadual de ensino.
Assim, a Resolução SE-SP n° 67/98 conceituou três tipos de recuperação na rede
estadual: a contínua, que é o acompanhamento permanente do professor na sala de aula;
a paralela que se faz durante o ano letivo em forma de projetos em horário diverso das
aulas regulares; e a intensiva que se realiza após o término do ano letivo, no mês de
janeiro. A mesma resolução instituiu normas para os projetos de recuperação paralela
que deveriam ser organizados em turmas de, em média, 20 alunos, que funcionariam em
horário diverso das aulas regulares com três horas-aula semanais. Cada escola tinha uma
quantidade de créditos de horas-aula de recuperação (5% da carga horária total da
escola durante o ano) e havia a possibilidade da contratação de professores
exclusivamente para esses projetos. Este modelo de recuperação paralela sofreu uma
série de pequenas alterações nos anos seguintes. Outras resoluções estabeleceram
períodos específicos para os projetos, ampliaram o número de aulas semanais para
85
cinco, introduziram pequenas modificações para o lculo do crédito de horas-aula para
o reforço
34
.
A recuperação intensiva de férias passou por várias regulamentações e contou
com um grande investimento da SEE-SP até ser extinta em 2003, por meio da
Resolução SE-SP nº. 84/03.
Um quarto tipo de Recuperação também aparece nas Normas Regimentais
Básicas, a Recuperação de Ciclo. Como foi relatado na introdução desta dissertação, a
Recuperação de Ciclo deveria ser uma forma excepcional de recuperação para os alunos
que, ao final do Ciclo I ou do Ciclo II, não tivessem condições de prosseguir os estudos
no nível subseqüente. Entretanto foi implementada em 2002, após o SARESP de
2001, que foi utilizado como avaliação das primeiras turmas a completarem os Ciclo I
ou II, inteiramente dentro do sistema de Progressão Continuada. Uma nova resolução da
Secretaria de Educação paulista - a Resolução SE-SP n° 27/02 estabeleceu nova
conceituação das formas de recuperação existentes na rede estadual, incluindo, além das
três formas citadas na Resolução SE-SP nº. 67/98 contínua, paralela e intensiva a
Recuperação de Ciclo:
Artigo 1º - A recuperação da aprendizagem constitui mecanismo
colocado à disposição da escola e do(s) professor(es) da classe para garantir a
superação de dificuldades específicas encontradas pelo aluno durante o seu
percurso escolar e deverá ocorrer:
I. de forma contínua, no desenvolvimento das aulas regulares;
II. de forma paralela , ao longo do ano letivo e em horário diverso ao
das aulas regulares, sob forma de projetos de reforço e recuperação da
aprendizagem;
II. de forma intensiva, nas féria escolares de janeiro ou no recesso de
julho para os cursos de organização semestral;
IV. ao final do ciclo I e do ciclo II do ensino fundamental, para
atender às necessidades reais dos alunos, auxiliando-os na retomada de
habilidades e conteúdos básicos não dominados no ciclo e que constituem
condições indispensáveis para o progresso do aluno, com sucesso, na próxima
etapa da escolaridade.(São Paulo, 2002, p.99-100, grifo nosso)
Finalmente, resta acrescentar que, a partir de
2004, uma outra possibilidade de
recuperação passou a ser oferecida para algumas escolas estaduais que contavam com
Salas Ambiente de Informática (SAI): os Projetos Trilha de Letrase Números em
Ação”. Trata-se de projetos, regulamentados por instruções específicas
35
, que utilizam
softwares produzidos especialmente para o ensino de Português e Matemática para
34
Resoluções SE n° 07/99, n° 25/00, n° 27/02 e n° 42/04
35
Instrução CENP de 07/05/04, revogada pela Instrução CENP de 31/03/05.
86
alunos da e séries e que são desenvolvidos em cinco horas-aulas semanais, em
horário diverso das aulas regulares. Por usarem recursos de informática, esses projetos
tiveram uma grande aceitação entre os alunos, mas infelizmente poucas escolas têm os
equipamentos necessários para desenvolver esses Projetos
36
. que se destacar, ainda,
que os resultados desses diferentes tipos de recuperação foram muito pouco estudados.
Como foi dito no Capítulo 2, Pereira (2005) estudou os projetos de recuperação
paralela e constatou que eles funcionam como uma resposta burocrática da escola à
obrigatoriedade imposta pela legislação. A autora afirma que as práticas pedagógicas
não foram alteradas e os professores ainda agem como se a responsabilidade sobre o
processo de aprendizagem fosse apenas do aluno. Além disso, observou uma série de
problemas práticos que também foram constatados na pesquisa alvo do relatório aqui
apresentado: os projetos de recuperação paralela são, geralmente, atribuídos a
professores em início de carreira e, às vezes até para estudantes
37
; dificuldade em
garantir a freqüência dos alunos em horário diverso das aulas regulares; nem sempre a
escola tem condições de reunir professores dos projetos e professores da classe regular;
a necessidade de a aprovação dos projetos de recuperação ser ato de competência da
Diretoria de Ensino tende a atrasar o início dessas atividades nas escolas.
O que parece estar ocorrendo é que o próprio incentivo aos projetos de
recuperação está sendo menos priorizado na nova gestão da SEE-SP
38
. Outros projetos
de Secretaria estão sendo implantados e os espaços e tempos para a recuperação estão
sendo diminuídos. Em 2003 a recuperação intensiva de férias foi extinta sem que
houvesse uma avaliação aprofundada que justificasse essa extinção. No início de 2005,
a Resolução SE-SP n° 15, de 22 de fevereiro, acaba por restringir a Recuperação
Paralela às classes do Ensino Fundamental e por limitar a organização dos projetos a
duas ou três horas-aulas semanais que se realizam ao final do turno regular.
O próprio projeto de Recuperação de Ciclo continua existindo, mas sem um
acompanhamento mais próximo da SEE-SP. Como já foi dito na Introdução deste
36
A Diretoria de Ensino de Registro, por exemplo, conta com 53 escolas, das quais 22 m SAIs, e, entre
essas as somente 5 têm computadores com configurações apropriadas para rodar os softwares do projeto.
37
Como são projetos temporários, que se iniciam a partir do mês de março, os professores com mais
experiência e formação preferem completar a carga horária máxima com aulas regulares e ficam sem
possibilidade de assumir as aulas de projeto de recuperação. Na realidade não incentivo para que os
professores das classes regulares assumam os projetos. No caso de um professor de Ciclo I, que trabalha
30 horas semanais e que poderia assumir mais algumas aulas em sua jornada, se ele estiver no final da
carreira não terá compensação financeira, pois o que ele ganhar a mais pelas aulas de reforço, perdeos
“tíquetes alimentação” fornecidos pelo governo, na medida em que entra numa faixa salarial que não faz
mais jus a esse benefício.
38
Gestão do Secretario de Educação Gabriel Chalita, iniciada em 2002.
87
Relatório, desde 2003 a capacitação de professores e equipes escolares ficou a cargo das
Diretorias de Ensino. A partir de 2004 a implementação de outros projetos pela
Secretaria tem ocupado sensivelmente o tempo das equipes técnicas das Diretorias de
Ensino, dificultando a realização de todos os encontros de capacitação e avaliação que
caracterizaram o projeto em sua fase inicial. Por um lado, é possível reconhecer que não
sentido em ficar repetindo as mesmas capacitações por anos e anos seguidos, mas,
por outro lado, as equipes escolares estão em constante movimentação e muitos dos
professores que atuam hoje nas classes de Recuperação de Ciclo não passaram pelas
capacitações realizadas no início do projeto. A Secretaria espera que as escolas tenham
se apropriado da proposta e metodologias desenvolvidas em parceria com o CENPEC e
as tenham aperfeiçoado de forma adequada a suas realidades. Ocorre que a própria
introdução de novos projetos dificulta que os estabelecimentos de ensino amadureçam e
ampliem os projetos que consideram prioritários. Desta forma, o projeto de
Recuperação de Ciclo, e as recuperações paralelas continuam se desenvolvendo dentro
das unidades escolares como “obrigações legais” que dependem cada vez mais apenas
do empenho das equipes escolares para atingir resultados satisfatórios, sem que as
demais condições de funcionamento sejam agregadas às escolas.
88
CAPÍTULO 4
O QUE DIZEM “CORAÇÕES E MENTES” ENVOLVIDOS NO
PROCESSO: A RECUPERAÇÃO DE CICLO II NA VISÃO DOS
ALUNOS DE UMA ESCOLA ESTADUAL DO VALE DO RIBEIRA
4.1 - O CONTEXTO DA PESQUISA
4.1.1 O VALE DO RIBEIRA E A DIRETORIA DE ENSINO DA REGIÃO DE
REGISTRO
O Vale do Ribeira é uma região localizada no sul do Estado de São Paulo
abrangendo 13 municípios
39
banhados pelo Rio Ribeira de Iguape e seus afluentes. Parte
desses municípios localiza-se na baixada litorânea e outros nas encostas da Serra do
Mar. A região faz divisa com o Estado do Paraná ao sul, Região Metropolitana da
Baixada Santista à nordeste, Região Metropolitana da Grande São Paulo ao norte e
Região de Sorocaba à oeste. É composto pelos seguintes municípios: Barra do Turvo,
Cajati, Cananéia, Eldorado, Iguape, Ilha Comprida, Itariri, Jacupiranga, Juquiá,
Miracatu, Pariquera-Açu, Pedro de Toledo, Registro e Sete Barras.
Trata-se de uma área de grande importância ambiental devido à riqueza de sua
biodiversidade
– Mata Atlântica, áreas de mangues e restingas, planícies costeiras,
várzeas, grutas e cavernas e ao elevado índice de preservação de seus ecossistemas
50% do total das áreas preservadas do Estado encontram-se no Vale.
A região também tem um rico patrimônio histórico e cultural. Nela se encontram
cidades fundadas no início da colonização portuguesa no Brasil, como Iguape e
Cananéia, e núcleos de imigração européia, Pariquera-Açu, e japonesa, Registro,
fundados no final do século XIX e início do Século XX, respectivamente. A diversidade
cultural também se completa com a presença de populações remanescentes de
quilombos e indígenas guaranis.
Do ponto de vista sócio-econômico, entretanto, a região caracteriza-se por
baixos indicadores. Com a economia dominada por atividades agro-pecuárias e
extrativistas seu Produto Interno Bruto (PIB) corresponde a apenas 0,25% do Estado.
Na agricultura destaca-se o cultivo da banana e, em fase de decadência, o chá.
39
Do ponto de vista hidrográfico a bacia do Rio Ribeira de Iguape abrange 23 municípios no Estado de
São Paulo, mas para este trabalho vamos considerar como Vale do Ribeira as 13 cidades que fazem parte
da região administrativa de Registro. Os demais municípios fazem parte das regiões administrativas de
Sorocaba e da Região Metropolitana de São Paulo.
89
algumas experiências de introdução da bubalinocultura, da piscicultura, do manejo
sustentado de palmito e da produção de plantas ornamentais. A única indústria de porte
localiza-se no município de Cajati, voltada para a mineração e produção de cimento e
fertilizantes, sob controle do Grupo Bunge.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Vale é um dos mais baixos do
Estado. O IDH da região é 0,746 contra 0,814 do Estado. O município com melhor
índice - Ilha Comprida - está abaixo da média do Estado com 0,803. Os municípios de
Eldorado, Sete Barras, Pedro de Toledo e Barra do Turvo estão entre os de pior IDH,
classificados abaixo da 600ª posição entre as 645 cidades paulistas
40
.
Outra característica que diferencia a área geográfica em estudo em relação ao
Estado é a baixa densidade demográfica: 21,91 habitantes por quilômetro quadrado,
enquanto a taxa estadual é de 148,96 habitantes por quilômetro quadrado. A taxa de
urbanização também é significativamente menor: 66,27% contra 93,41% do Estado.
Em relação à educação, a região se subdivide em duas Diretorias de Ensino
sediadas nas cidades de Registro e de Miracatu. Este estudo foi desenvolvido em duas
escolas da Diretoria de Ensino de Registro.
A Diretoria de Ensino de Registro abrange oito municípios do Vale do Ribeira:
Barra do Turvo, Cajati, Cananéia, Eldorado, Jacupiranga, Pariquera-Açu, Registro e
Sete Barras. A maior parte das escolas de Ensino Fundamental e Médio perten
ce à rede
pública estadual, sendo que nos últimos anos as redes públicas municipais têm se
expandido significativamente por meio do processo de municipalização de escolas
estaduais do Ciclo I do Ensino Fundamental (1ª a série). Os municípios de Cajati e
Registro são os que apresentam as maiores redes de ensino atendendo, respectivamente,
100% e 80% da demanda deste nível de ensino. poucas escolas privadas
concentradas nas cidades de Registro, Cajati, Jacupiranga e Pariquera-Açu.
A Diretoria de Ensino de Registro coordena diretamente 53 escolas estaduais,
incluindo nesse total 04 escolas indígenas e uma escola quilombola em processo de
instalação. também 42 escolas unidocentes classes multisseriadas de a série -
para atendimento da população rural em áreas de difícil acesso. Estas escolas reúnem
cerca 816 de alunos.
40
Dados do PNUD relativos ao ano 2000.
90
Apesar do grande número de escolas rurais
41
, uma quantidade significativa de
alunos é transportada diariamente para freqüentar as aulas em unidades escolares da
zona urbana ou dos bairros rurais mais densamente povoados. Esta característica do
atendimento estudantil é, como veremos adiante, um fator que tem influência negativa
no aproveitamento escolar. Segundo dados do Setor de Planejamento da Diretoria de
Ensino da Região de Registro, no ano de 2005, 10.817 alunos dependem de transporte
escolar para freqüentar as aulas, estes representam 39,8 % do total de alunos da
Diretoria, um total de 27.127 estudantes de Ensino Fundamental e Médio
42
.
Em termos de Ensino Profissional e Ensino Superior a região não oferece muitas
oportunidades. Além de poucos cursos e vagas a maioria das instituições destes tipos de
ensino é privada.
A Fundação Paula Souza mantém uma única Escola Técnica no Município de
Iguape, que oferece 120 vagas para os cursos de Técnico Florestal, Gestão Ambiental e
Turismo 40 vagas para cada curso. Mas, além de oferecer poucas vagas, a localização
da Escola Técnica não é de fácil acesso para os alunos da maioria dos municípios da
região
43
. No município de Registro, duas instituições particulares abriram recentemente
cursos técnicos de enfermagem, informática, prótese dentária e radiologia.
O Ensino Superior conta apenas com uma Faculdade privada que oferece
basicamente cursos de licenciatura
44
. Em 2003, a UNESP (Universidade Estadual
Paulista), abriu uma Unidade Diferenciada no município de Registro, com 40 vagas
semestrais para o curso de Engenharia Agronômica.
O estudo preliminar e a pesquisa principal, relatados a seguir, foram realizados,
respectivamente, em uma escola estadual localizada no município de Pariquera-Açu e
em outra, no município de Jacupiranga.
41
também Escolas Estaduais, de porte médio, localizadas na zona rural, que oferecem todo o Ensino
Fundamental e também o Ensino Médio.
42
Números do Quadro Escolar (Q.E.) de previsão para o ano letivo de 2005 da Diretoria de Ensino de
Registro.
43
O município de Iguape localiza-se no limite entre o Vale do Ribeira e a Região Metropolitana da
Baixada Santista e a ETE Engenheiro Narciso de Medeiros localiza-se na zona rural.
44
Além das licenciaturas em Letras, Ciências, Matemática, Biologia, Química, Ed. Física, Pedagogia, a
Faculdade oferece Cursos de Ciências Contábeis, Processamento de Dados e, iniciou em 2005, Nutrição e
Fisioterapia. No segundo semestre de 2005, a Universidade Santo Amaro (Unisa, universidade privada
localizada na capital paulista) abriu um pólo de ensino a distância para ministrar, nesta nova modalidade
de ensino, cursos de graduação em administração, comunicação social, letras, matemática e pedagogia.
91
Com cerca de 17.601 habitantes
45
, o município de Pariquera-Açu apresenta o
melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região: 0,770. Grande parte da
vida da cidade gira em torno do Hospital Regional do Vale do Ribeira, unidade
hospitalar de referência na região, responsável por grande fluxo diário de pessoas ao
município e por uma oferta significativa de empregos públicos.Outra característica da
localidade é ter sediado um núcleo colonial de imigrantes europeus no final do século
XIX.
O município de Jacupiranga tem uma população de aproximadamente 17.019
habitantes e apresenta o maior IDH da região: 0,742. Sua economia se baseia na
agricultura e pequeno comércio local. Até 1993, o município abrangia o distrito
industrial de Cajati, onde se localiza a Bunge, empresa de capital estrangeiro que
explora minérios e produz cimento, fertilizantes e rações animais. Com a emancipação
deste distrito a cidade perdeu grande parte de seus recursos econômicos, mas havia
adquirido uma certa estrutura urbana que explica sua colocação entre os maiores IDHs
da região (ainda que mais baixo em relação à média das cidades paulistas 0,814). A
localização da cidade nas margens da Rodovia Regis Bittencourt – BR 116, que liga São
Paulo a Curitiba, também é um fator que explica a razoável situação do município no
quadro de desenvolvimento regional.
4.1.2 - A ESCOLA ALVO DO ESTUDO PRELIMINAR
A escola alvo do estudo preliminar localiza-se no centro de Pariquera-Açu e
oferece o Ensino Médio e a série do Ensino Fundamental. Trata-se de uma escola de
destaque na Diretoria de Ensino, tendo alcançado, nos últimos anos, muitos prêmios ao
participar de eventos promovidos pela Secretaria da Educação
46
e por outras agências
privadas (Bovespa, Revista Época). Sendo uma escola central e de Ensino Médio
concentra uma equipe docente estável com grande parte dos professores efetivos e
dedicados exclusivamente à escola. A Direção também é estável: a Diretora e o
professor-coordenador estão na escola pelo menos 7 anos. Um de seus projetos de
maior destaque é o Conselho de Classe Participativo: a escola realiza os Conselhos de
45
Dados referentes ao ano 2000. Fonte: Fundação Seade. Os dados são contestados pelos prefeitos locais,
que afirmam que a população dos municípios é bem maior.
46
A escola foi vencedora, por quatro anos consecutivos, da fase regional da Gincana da Cidadania
evento envolvendo todas as escolas estaduais e que visa incentivar ações de cidadania e as diferentes
habilidades dos estudantes, recebendo como premiação viagens para Santa Catarina e Foz do Iguaçu.
92
Classe bimestrais e final com a participação de todos alunos, que discutem seu
desempenho junto com os professores. Para a realização desse projeto a escola se
organiza de forma flexibilizada: enquanto um grupo de professores realiza a reunião
com os alunos de uma classe, as outras classes desenvolvem oficinas e atividades
diferenciadas com outros professores, inspetores de alunos, voluntários e professores
substitutos eventuais.
O prédio escolar tem dois pavimentos. Trata-se de uma construção com fachada
e planta padrão característica das escolas construídas na região durante os anos 1950
para funcionamento de ensino secundário, razão pela qual a construção não conta com
rampas ou elevadores que facilitem o acesso de pessoas com necessidades especiais. A
fachada é revestida de pedra e com uma grande porta principal envidraçada. Tem nove
salas de aula, salas para a Diretoria e para a Coordenação Pedagógica, sala e sanitários
para os professores, Secretaria, Sala Ambiente de Informática, Sala de Multimídia e
Sala para materiais pedagógicos. Na área externa encontram-se os sanitários dos alunos,
o Pátio coberto com um palco em uma de suas extremidades, a cozinha, a despensa, a
cantina, uma salinha para aulas de reforço, um depósito, a Sala de Leitura e uma sala de
aula maior (40 m2), utilizada para a classe de Recuperação de Ciclo. O ambiente escolar
é simples, mas sempre muito limpo. As carteiras estão bem conservadas. Nas portas das
salas de aula, os alunos grafitaram pinturas diversas dando um toque juvenil à escola.
A escola também possui casa para zeladoria e uma quadra esportiva coberta e
outra quadra descoberta.
Os alunos que participaram do estudo preliminar freqüentaram a Recuperação de
Ciclo II no ano de 2004. Naquele ano a escola funcionou em três períodos, com 28
classes e 1074 alunos. Entre as classes, três incluíam alunos de Recuperação de Ciclo II:
uma delas funcionava no período noturno e era “pura”, isto é, todos os 29 alunos eram
de Recuperação de Ciclo; outra classe funcionava no período da tarde era “mista” (9
alunos da Recuperação de Ciclo e 17 alunos oriundos da série regular); a terceira
classe, no período da manhã, também era “mista”, mas incluía alunos de Recuperação
de Ciclo (10) e alunos oriundos de uma Classe de Aceleração em continuidade (21) que
havia sido desmanchada na escola estadual vizinha por não conseguir manter a
freqüência de um número mínimo de alunos.
Embora a escola em questão apresente um trabalho pedagógico de destaque na
Diretoria de Ensino, seus índices de retenção e evasão ainda são altos. No início de
2004, foram matriculados 228 alunos nas séries; destes apenas 158 (69,3%)
93
freqüentaram até o final do ano, sendo que 8 foram retidos (5,9%). A evasão maior se
deu justamente nas classes de Recuperação de Ciclo.
Foi reunido para o estudo preliminar um grupo composto, aleatoriamente, por
quatro alunos do sexo masculino, os quais atualmente freqüentam a série do Ensino
Médio, sendo três deles egressos da classe “pura” de Recuperação de Ciclo do período
noturno, e o outro, egresso da classe mista que reunia alunos de Recuperação de Ciclo e
de Aceleração. A conversa com o grupo foi orientada por um Roteiro de questões (Ver
Anexo I)
4.1.3 – O ESTUDO PRELIMINAR
O estudo preliminar foi realizado num final de tarde na escola de Pariquera-Açu,
durante o primeiro bimestre letivo de 2005, antes do início das aulas do período
noturno. Participaram do grupo focal quatro alunos matriculados na primeira série do
Ensino Médio que freqüentaram classes de Recuperação de Ciclo II em 2004: Eraldo,
18 anos; Estevam, 17 anos e Micael, 16 anos (alunos da classe “pura” de Recuperação
de Ciclo, que funcionava no período noturno e continuam estudando neste período em
2005) e Gustavo, 16 anos (aluno da classe “mista” que agrupava alunos da Recuperação
de Ciclo e da Aceleração e que em 2005 está matriculado no período da manhã)
47
.
A conversa se realizou numa das salas de aula da escola e manteve-se num clima
tranqüilo. Apenas o aluno Micael declarou estar um pouco nervoso, demonstrando certa
timidez. Falava um pouco mais baixo que os demais e hesitou um pouco ao responder
algumas questões.
Nos momentos finais da entrevista, com a proximidade do horário das aulas do
período noturno, o barulho dos alunos que chegavam na escola prejudicou a gravação de
algumas falas, que não puderam ser transcritas.
Durante a conversa foi possível identificar alguns indícios da percepção dos
alunos sobre o seu processo de aprendizagem e sobre sua inserção no regime de
Progressão Continuada.
Os alunos divergem quando questionados sobre o motivo de sua retenção ao
final do Ciclo II, mas todos eximem a escola de responsabilidade sobre o fracasso
47
Em respeito à privacidade dos alunos e à regra sica do anonimato nas pesquisas, todos os nomes são
fictícios.
94
escolar. Micael e Estevam afirmam que foram retidos devido às faltas excessivas, que
justificaram apontando para a necessidade de trabalhar, confirmando toda a literatura
existente sobre os problemas que o trabalho precoce traz ao processo de escolarização
das camadas economicamente mais desfavorecidas da população. O aluno Eraldo atribui
a si próprio a responsabilidade pelo mau desempenho escolar, se auto-classificando
como “um pouco desinteressado” e “bagunceiro”, neste sentido revela baixa auto-
estima. Segundo Pérez Gómez, uma das características da baixa auto-estima é a
determinação interna do lugar de controle: atribuir a si a responsabilidade por seus
desempenhos insatisfatórios.
Para mim era bom, que eu era um pouco desinteressado, bagunceiro,
aconteceu que repeti; fiz a 7ª série, passei para a 8ª. Só que eu não tava
preparado para cursar o Ensino Médio, eu acabei repetindo e fui para a
Recuperação de Ciclo (Eraldo, 2005 – Estudo Preliminar).
Na 8ª normal eu era bom aluno, só que comecei a faltar bastante, porque...tipo
assim...eu faltava na 6ª feira , às vezes, a semana inteira, porque eu fazia
alguns bicos, né. Minha família é um pouco...meio...como posso dizer...carente
na parte financeira, e aí eu faltava, aí repeti um ano, depois eu fui para a classe
do Ciclo (Micael, 2005, Estudo Preliminar).
Eu repeti, essa é a vez. Repeti duas vezes a série. Da passei para a 3ª,
4ª, 5ª, e na meu pai tinha um sítio, a gente trabalhava no sítio, cultivava
gado, né. Nós estudava a tarde, chegava meio cansado, desanimado...
desanimei bastante, ... (Estevam, 2005, Estudo Preliminar).
Somente o aluno Gustavo afirmou considerar que a escola também era
responsável por suas faltas, pois a mesma lhe parecia desinteressante, mas ainda assim,
refer
iu-se a uma escola específica a que cursou antes de ir para a classe de
Recuperação de Ciclo:
Eu sabia (que iria reprovar) na série, porque eu estudava na Escola B e
naquela escola eu não tinha ânimo de ir para a escola, eu ficava em casa. No
final do ano eu vi minhas notas e acabei repetindo (Gustavo, 2005 - Estudo
preliminar).
Mas eu desanimava por causa da escola, eu não agüentava aquela escola
(Gustavo, 2005 - Estudo preliminar).
Ou seja, mesmo com uma percepção mais aguçada de sua própria condição, o
aluno não chega a questionar a qualidade do ensino que lhe foi oferecido. Na seqüência
de seu depoimento o aluno demonstra que seu relacionamento com os estudos está
95
muito associado às questões afetivas e ao seu convívio com os professores e a direção:
“gostar da escola e das disciplinas” depende muito das relações inter-pessoais que de
desenvolvem. Comentando sobre as disciplinas nas quais sente mais dificuldade, o
aluno Gustavo afirma:
É Matemática; não sei nada. Em Português eu tenho (dificuldade) porque eu
não gosto do professor (Gustavo, 2005 - Estudo preliminar).
Além disso, todos os alunos concordam que a retenção na 8ª série foi “merecida”
e que não teriam condições de prosseguir seus estudos sem dominar os conteúdos
daquela série, acham que “não aprenderam mesmo”, mas em momento algum
questionam o ensino que lhes foi oferecido. Por outro lado, parecem não compreender a
própria organização do ensino no regime de Progressão Continuada. Todos descrevem
suas trajetórias escolares como percursos de relativo sucesso até a série
48
, destacando
que “passaram” de uma série para a outra sem considerar que estavam num sistema sem
retenção dentro dos ciclos. Não questionam porque os problemas apareceram apenas na
série final do Ciclo II. É como se essa série fosse mais difícil:
Eu senti dificuldade quando chegou na série; porque mudou todas as
lições... eu era um... sempre fui um pouco desinteressado, eu sentia dificuldade,
não consegui acompanhar os outros alunos na matéria e acabei reprovando
(Eraldo, 2005 – Estudo Preliminar)
A falta de compreensão do sistema fica evidente no caso do aluno Gustavo, que
foi transferido da Classe de Aceleração (Correção de Fluxo) para a Classe de
Recuperação de Ciclo sem se identificar como participante do primeiro projeto, o qual
freqüentou por um ano em outra escola.
Curiosamente, o aluno Eraldo, mesmo assumindo responsabilidade por seu
próprio fracasso escolar é o único que consegue vislumbrar algumas falhas no sistema
de ensino. Em momentos diferentes de seu depoimento fala do “excesso de alunos nas
salas de aula do ensino regular” e da “curta jornada escolar no período noturno”,
indicando percepção da massificação e do aligeiramento do ensino:
48
Os alunos Eraldo e Estevam foram reprovados, respectivamente, na 3ª e na 2ª séries do Ensino
Fundamental, provavelmente antes da implantação da Progressão Continuada e durante a vigência do
Ciclo Básico (o Ciclo da Alfabetização implantado na rede estadual paulista entre 1983 a 1997, que
impedia a reprovação entre a e séries). O aluno Micael não menciona reprovação anterior e o aluno
Gustavo fala de reprovação na 6ª série, mas relata sua trajetória escolar de modo muito confuso.
96
(...)Não é a mesma coisa porque, hoje em dia, a sala é de quarenta e poucos
alunos, a professora passa e explica, quem aprendeu, aprendeu;
ela não
fica com aquele cuidado. na Classe de Ciclo, não; ela vinha na sua mesa,
tava ali, explicando,(...) (Eraldo, 2005 – Estudo preliminar).
(...) O único ruim é que eu cursava o ciclo à noite, então era (só) quatro aulas
e tem bastante coisa (conteúdos), que é desde a 5ª à 8ª e aí acabava não vendo
profundamente os assuntos, por cima... não tinha muito tempo (Eraldo,
2005 – Estudo preliminar).
Sobre a experiência de freqüentar a Recuperação de Ciclo todos afirmam ter sido
positiva. Confirmam que no “Ciclo”
49
os professores dão mais atenção aos alunos bem
como avaliam positivamente os materiais utilizados no projeto – os livros e as fichas de
atividades da Coleção Ensinar e Aprender.
Sobre o processo de aprendizagem, os quatro alunos dizem ter aprendido mais,
entretanto destacam mais os fatores afetivos do processo do que os intelectuais. Os
professores são mostrados como “amigos”, que procuram incentivá-los nos estudos e até
mesmo na vida particular. Eraldo, por exemplo, é grato a um professor que lhe ajudou a
arranjar um emprego e conta que os professores traziam doces para os alunos e
chegaram a fazer uma festinha para a classe.
Eraldo e Micael falam com carinho da professora de Matemática da classe de
Ciclo do período noturno, embora em outro ponto de seus depoimentos afirmem ainda
ter dificuldades nessa matéria. Estevam, por sua vez, destaca em seu depoimento que
valorizou os conselhos da professora de Geografia (que o aconselhou a não abandonar o
curso regular para se matricular no ensino supletivo).
Apenas o aluno Gustavo denuncia explicitamente a existência de alguns
professores das Classes de Recuperação de Ciclo que não mantinham um bom
relacionamento com as classes, demonstrando agressividade e deboche para com os
alunos. Afirma, durante a conversa, que as classes de Ciclo eram malvistas na escola e
que, até alguns professores, discriminavam os alunos:
(...) Os próprios, porque quando eu estudava, né, alguns chegavam e falavam
né... e tem uns professores que falam assim, na cara. Por isso eu não gosto da
professora de Português, porque ela “tirava” meus amigos. Eu não era burro
assim, que eu faltava...Ela chegava para os meus amigos e “tirava” eles:
que era burro (que eles eram burros). E tinha um professor que era chato, e o
49
Na escola, todos, alunos, professores, direção, se referem à Classe de Recuperação de Ciclo como
classe do Ciclo e a seus alunos como alunos do Ciclo.
97
professor chamava os alunos para a “porrada” dentro da sala, professor do
Ciclo (Gustavo, 2005 – Estudo preliminar).
Embora não de forma tão veemente, os outros três alunos confirmam a
discriminação que os alunos das Classes de Ciclo sofrem por parte dos demais alunos e
professores da escola: são vistos como “alunos problema”, “analfabetos” e
“desinteressados”:
(...) É...por alguns (a turma da Recuperação de Ciclo) é bem mal vista.
...Turma de analfabeto...que não se interessou...bem mal vista (Eraldo, 2005 –
Estudo preliminar).
Para esses alunos essa discriminação era agravada pelo fato das turmas de
Recuperação de Ciclo funcionarem numa classe isolada das demais, do outro lado do
pátio escolar, ao lado da cozinha, numa sala ampla, mas gradeada. Segundo a direção da
escola, a sala foi escolhida por ser ampla e por contar com uma salinha anexa onde os
materiais dos alunos – os livros e fichas de atividade da coleção Ensinar e Aprender, os
portfólios dos alunos e outros materiais individuais – podiam ser guardados. Além
disso, de acordo com a diretora, trata-se de um espaço reservado “...onde a produção
dos alunos pode ser exposta sem perigo de ser destruída por outros alunos da escola”.
Essa sala era uma ampliação posterior à construção da escola, feita para abrigar uma
classe de pré-escola, por isso se encontrava isolada das demais classes. As grades
quadriculadas, ainda segundo a diretora, eram “... uma medida de segurança, uma vez
que a classe ficava nos fundos da escola”. Mas, a julgar pelo que indicam os
depoimentos colhidos, isto não era claro para os alunos. Por exemplo, as grades
quadriculadas davam à sala, na visão desses alunos, um aspecto de “prisão”. Novamente
é o aluno Gustavo quem denuncia:
(...) Alguns reclamavam porque...alguns reclamavam por causa da sala.
Ficavam xingando porque a sala era cercada de tela. Falavam que ali parecia
uma prisão. Por causa da tela e do ambiente, no fundo, né? eles
reclamavam. Mas que, para a gente que queria estudar, que queria passar
não tinha problema. A gente tava ali para estudar, mas tinha os que iam para
bagunçar (Gustavo, 2005 – Estudo preliminar).
Apesar dessa “geografia escolar discriminadora” a instituição procurou
desenvolver mecanismos para atrair os “alunos do Ciclo” para a escola: além da postura
“camarada” da maioria dos professores, a equipe docente procurou desenvolver projetos
que atraíssem os alunos para as aulas. Um desses projetos foi o da Horta Escolar que
98
cativou o aluno Gustavo. Apesar de suas denúncias, revela-se um apaixonado pela
escola atual. Gustavo, que estuda no período da manhã, não viu empecilho em participar
da conversa no final da tarde porque costuma estar na escola nesse horário para molhar
a horta. também outros exemplos dessa resposta de envolvimento dos alunos com a
escola e seus projetos. Atualmente, o aluno Estevam é um dos monitores da Sala
Ambiente de Informática da escola no projeto Aluno Monitor (projeto da SEE-SP para
todas as escolas estaduais com equipamentos de informática educacional, no qual a
escola em questão teve um dos melhores retornos na Diretoria de Ensino de Registro
informações dos ATPs responsáveis pelo projeto).
Além disso, os depoimentos dos alunos confirmam os esforços da escola em
resgatar os alunos evadidos. O aluno Estevam conta que durante a série regular,
quando era muito faltoso, seus pais foram contatados pelo Conselho Tutelar do
município. Também o aluno Eraldo relata o esforço da professora coordenadora do
noturno em resgatar os alunos da Classe de Ciclo do referido período:
(...)
Com nós era 28 alunos matriculados, no final do ano ficaram oito.
Todos os oito passaram, acompanharam. E ainda teve o projeto que foi a
coordenadora aqui da escola, Lurdinha; não sei, eu lembro que, bem antes, não
tinha nem esses oito alunos. Era quatro que freqüentavam direto; assim, alguns
vinha e depois faltava, faltava duas semanas e aparecia na escola. ela fez
um projeto de resgatar. Aí nós chegamos a ir na casa dos alunos, bater palma,
conversava: “Volta pra escola, ce ainda tem chance ainda...”. Ainda
conseguimos resgatar alguns e no final do ano tinha oito alunos, todos
passaram, mas foi bem legal (Eraldo, 2005 – Estudo preliminar).
Os depoimentos acabam demonstrando, entretanto, que os esforços da escola
foram praticamente em vão. A evasão nas três classes que envolviam alunos em
processo de Recuperação de Ciclo foi absurdamente grande. Os alunos que
participavam da roda não conseguem explicar tais desistências:
(...)
São vários...Vários amigos que desistiram...Falavam que não dava, que
trabalhavam, que era muito chato e ...vários motivos...(Micael, 2005,
Estudo preliminar).
(...) Ah! A gente incentivava, conversava com os colegas:“Vem, vamo aprender
junto, ai”... mas faltavam, sei lá... desinteresse, ou muitas vezes trabalhavam,
chegavam cansados...Aí não tinha pique para todo dia acompanhar (Micael,
2005, Estudo preliminar).
(...) Acho que não é tanto a dificuldade (de aprendizado). Eles desistem por
causa que eles começam a ver...começou...tipo, a lição da série, eles falam:
99
“Ah! Isso eu sei, ta passando coisas do passado, eu vi isso daí”. que,
às vezes, ele lembra poucas coisas, não sabe tudo, né? Tenho um colega, que
desistiu. Tenho amizade com ele até hoje, agora ele ta pensando em voltar para
a escola, tudo... Desistiu por causa do serviço. Não conseguiu conciliar escola
e o trabalho. Aí desistiu. Optou por ficar empregado e desistiu da escola
(Eraldo, 2005, Estudo preliminar).
Incompatibilidade de horários, cansaço, aulas chatas”, conteúdos repetitivos
não dominados, desinteresse e desânimo. Parece que é muita coisa contra e muito
pouco a favor. Algumas partes destes depoimentos apontam para nossa hipótese inicial:
as poucas oportunidades oferecidas pela sociedade a esses adolescentes acabam por
tornar muito mais pesados os sacrifícios que a rotina escolar lhes impõe.
Afinal, “...é
tudo tão difícil... e o que se pode alcançar é tão pouco...”.
Mesmo assim, os poucos que conseguiram concluir o Ensino Fundamental e que
continuam acreditando nas promessas escolares, freqüentando o Ensino Médio, parecem
continuar a sonhar com tão pouco. Quando questionados sobre o futuro, os quatros
entrevistados hesitam, pensam e afirmam querer algo que, afinal, já não parece mais ser
tão pouco: um emprego estável, passar num concurso, trabalhar na escola como inspetor
de alunos, e, talvez, um dia fazer uma faculdade paralelamente ao trabalho:
(...)
Plano para o futuro...Eu tenho plano assim...porque cursar uma
faculdade, você tem que ter alguém que te ajude. Minha família é
humilde...Então, eu penso em prestar um concurso, fazer um concurso e
procurar um emprego. Por causa que eu não tenho tempo para esperar o
tempo da faculdade, 4 ou 5 anos. Eu não vou ter como me manter também, né?
Então, prestar um concurso e começar a trabalhar e dá para pensar em
procurar uma faculdade (Eraldo, 2005 – Estudo preliminar).
(...)
Espero que Deus me ajude a terminar esse grau e também prestar um
concurso, entrar numa firma aí, que uma pessoa te indica... (Estevam, 2005,
Estudo preliminar).
(...) Eu...eu tenho um plano quando terminar o 3º colegial, fazer um concurso
e ...faculdade é meio difícil, mas fazer um curso, passar, tomara que
passe...mas eu queria mais era trabalhar na escola, eu gosto da escola.
(...)Para mim ta bom e eu queria trabalhar na escola, de inspetor, sei
qualquer coisa, mas ficar na escola... (Gustavo, 2005, Estudo preliminar).
(...)Eu...tipo...eu espero que no futuro...tipo...possa terminar os estudos e
passar num concurso. (Micael, 2005 – Estudo preliminar)
...Um emprego,... a sobrevivência..., a comida..., sem possibilidade de “sonho”,
de diversão e arte”, sem “saídas para qualquer parte” a escola não encanta pelo
100
que, de fato, ela poderia/deveria oferecer o conhecimento. Ela se torna a etapa, o
momento (o “mal”?) necessário para conseguir emprego e (sobre)viver.
4. 1. 4 – A ESCOLA ALVO DO ESTUDO PRINCIPAL
A escola alvo do estudo principal, localizada no município de Jacupiranga,
oferece os cursos de: Ensino Fundamental - Ciclo II regular, Ensino Médio regular e
EJA (Educação de Jovens e Adultos). Neste ano de 2005 a escola atende 1.536 alunos
distribuídos em 39 classes (sendo 14 no período da manhã, 14 no período da tarde e 11
no período noturno). São 21 classes de Ensino Fundamental, 11 de Ensino Médio
regular e 2 de Ensino Médio EJA. A classe de Recuperação de Ciclo funciona no turno
da noite e conta com 32 alunos matriculados.
Trata-se de uma escola bem conceituada na Diretoria de Ensino, com
indicadores de promoção, retenção e evasão que se enquadram na “média” da Diretoria
de Ensino e, em 2004, foi a vencedora regional no Festival de Teatro promovido pela
Secretaria de Educação. No ano de 2005, classificou dois alunos para representar a DE
na fase estadual da Olimpíada de Língua Portuguesa.
Neste ano de 2005, a escola registrou problemas relacionados à falta de vagas no
município, pois, atualmente, somente duas escolas estaduais oferecem o Ensino
Fundamental de Ciclo II e o Ensino Médio na cidade. Como a rede municipal atende
aos alunos do Ciclo I, a demanda por vagas para os referidos níveis de ensino é muito
grande e a escola pesquisada é a mais procurada (pois é maior e localizada na zona
Central da cidade). Para poder acomodar essa demanda, a escola teve que remanejar
alunos do Ensino Médio diurno para o período noturno e, dessa forma, acomodar o
Ensino Fundamental. A escola também recebe uma grande quantidade (181) de alunos
oriundos dos bairros rurais que utilizam o transporte municipal que, por ser oferecido
somente de manhã, acaba congestionando mais a procura de vagas nesse turno de
funcionamento escolar. A falta de vagas no período diurno gerou o descontentamento de
muitos pais no início do ano, mas a própria Diretoria de Ensino não encontrou outra
solução para o problema, que depende da construção de novas salas de aula no
município, o que requer liberação de verbas, autorizações, licitações.
101
A escola conta com 14 salas de aula, sendo 8 no prédio principal, construído no
final da década de 50 do século XX. As demais salas foram construídas posteriormente
para atendimento da crescente demanda escolar nas décadas seguintes.
O prédio escolar localiza-se no centro do município bem próximo à Rodovia
Régis Bittencourt BR 116. Em sua estrutura original, era idêntico ao prédio da escola
do estudo preliminar, contando com a mesma fachada revestida com pedra, com porta
principal grande e envidraçada e com os mesmos espaços e ambientes. Entretanto, com
o passar dos anos, as escolas fizeram modificações nas divisões internas e ampliaram os
espaços externos. Esta escola especificamente fez ampliações maiores, contando com
mais 6 classes fora do prédio principal.
O hall de estrada da escola é simples e agradável. Está sempre limpo e encontra-
se pintado com esmalte sintético azul, com pintura bem conservada. Conta, à direita da
porta de entrada, com uma mesa grande com cadeira para uso dos inspetores de alunos
e, à esquerda, com um lance de escada que leva ao pavimento superior. Esta escola
também não tem rampas e elevadores que facilitem o acesso de pessoas com
necessidades especiais. Ainda no hall de entrada, após a escadaria, um conjunto de
banco de madeira e mesa redonda de estilo antigo compondo um ambiente de recepção.
A mesa redonda é enfeitada com toalha de crochê e um vaso com flores artificiais. No
início do corredor que acesso às salas de aula e à diretoria uma placa metálica
registrando a inauguração do prédio escolar, em 1958, com a efígie do então governador
do Estado, Jânio Quadros. Ao lado da placa, há um retrato do patrono da escola.
O prédio original conta com os seguintes espaços, nos dois pavimentos: hall de
entrada, oito salas de aula, salas para a direção, vice-direção, coordenação, sanitários e
sala de professores, uma Sala Ambiente de Informática (SAI). As salas de aula são
amplas, com piso de cimento liso, bem encerado. As carteiras são revestidas de fórmica
e estão em estado razoável: não são novas, mas estão inteiras.
Na parte externa da edificação um amplo pátio coberto com um palco numa
das extremidades. Ladeando o pátio estão a cozinha, a despensa, a cantina, os sanitários
de alunos, o laboratório, duas salas de aula menores e uma sala de leitura/biblioteca.
Atrás do palco, encontra-se um conjunto de mais quatro salas de aula, que se ligam ao
pátio por um corredor. Essas salas e o laboratório são construções mais recentes
(ampliação necessária para atendimento da crescente demanda escolar). A pintura do
pátio já começa a descascar. Nas paredes do palco, há uma pintura com peixes coloridos
que foi fruto de uma atividade de Educação Artística. Num dos muros internos da
102
escola, os alunos estão pintando uma paisagem como parte de uma tarefa melhoria do
ambiente escolar
proposta pela a Gincana da Cidadania deste ano de 2005. As salas de
aula fora do prédio são menores que as do prédio principal.
A secretaria da escola aloja-se em uma sala bastante ampla, que também é uma
ampliação posterior do prédio principal, ficando entre este e o pátio escolar.
Num outro prédio, ao lado do principal, um anfiteatro com palco, no qual
não se encontram cadeiras suficientes. A vice-diretora explicou que, neste ano, carteiras
e cadeiras que pertenciam ao anfiteatro foram transferidas para as salas de aula, para
substituir as que estavam quebradas e também para atender à demanda crescente de
alunos que são atendidos pela escola.
A escola conta ainda com casa para a zeladoria e com duas quadras, uma coberta
e outra em fase de cobertura.
A Sala Ambiente de Informática (SAI) contém 16 microcomputadores com
configurações bem atualizadas. É a melhor SAI da Diretoria de Ensino pela quantidade
e qualidade de seus equipamentos. Tal fator possibilitou que a unidade fosse uma das
quatro escolas da D.E. a implantar, como piloto, os projetos Números em ação e
Trilha de Letras”. Trata-se de dois projetos elaborados pela Secretaria de Educação,
voltados para a recuperação e reforço de alunos de 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental
nas áreas de Matemática e Português com a utilização de softwares especialmente
elaborados para essas finalidades
50
.
A equipe de gestão escolar conta com diretora, vice-diretora e duas professoras
coordenadoras, uma responsável pelo período diurno e outra pelo período noturno. A
atual diretora, efetiva em escola da Diretoria de Ensino de Miracatu, assumiu o
comando da escola em março de 2005 em substituição ao titular, que se encontra
afastado da rede. A vice-diretora está na escola cerca de cinco anos e respondeu
pela direção da escola em diversos afastamentos dos diretores titulares
51
. A professora
coordenadora do noturno está neste posto de trabalho cerca de três anos e meio e, a
do diurno, há cerca de dois anos e meio.
A equipe docente é composta por cerca de 60 professores, na sua maioria
efetivos. Mesmo os professores ocupantes de função atividade (OFA) são professores
que atuam na escola há muitos anos. Trata-se, portanto, de uma equipe estável.
50
Ver mais informações sobre esses projetos no Capítulo 3.
51
Nos últimos quatro anos, em virtude da realização de concursos de ingresso e remoção de Diretores de
Escola e de Supervisores de Ensino, muitas escolas estaduais têm passado por grande rotatividade de suas
equipe gestora.
103
O quadro de funcionários está completo, mas muitos deles estão afastados. O
maior desfalque está na secretaria, onde quatro funcionários efetivos estão afastados. Na
ativa estão: uma secretária designada, um oficial administrativo, um oficial contratado
pela APM (Associação de Pais e Mestres) e três inspetores de aluno. Quatro professores
readaptados
52
prestam serviço na secretaria para cobrir a ausência dos afastados.
Na área de manutenção dos serviços gerais, seis funcionárias estão em atividade,
garantindo uma boa apresentação da escola.
Figura 1 - Fachada da escola alvo do estudo principal
52
O Estatuto do Funcionalismo Público do Estado de São Paulo prevê que os funcionários que tenham
problemas de saúde que impeçam o exercício das funções específicas de seu cargo ou função, podem ser
aproveitados no exercício de outras funções que não lhe sejam prejudiciais.
104
Figura 2: Ambiente escolar revitalizado pelos alunos da escola
em atividade proposta durante a Gincana da Cidadania
4.2. PRIMEIROS CONTATOS COM A ESCOLA E A SELEÇÃO DOS ALUNOS
E DOS DOCUMENTOS ESCOLARES
O primeiro momento de contato da pesquisadora com essa escola deu-se em
ambiente muito agradável. Estavam todos envolvidos com as atividades da Gincana da
Cidadania, o que criava na escola um sentimento de união e também de descontração.
Os professores da classe de RC se colocaram prontamente à disposição da pesquisa. A
Direção, Coordenação e Funcionários da Secretaria também disponibilizaram os
espaços e os documentos escolares para a pesquisadora.
Foram selecionados para entrevista oito alunos da classe de Recuperação de
Ciclo. Os critérios para a seleção foram definidos a partir do estudo preliminar que
revelou a importância de focalizar a questão de freqüência irregular e da evasão escolar
nesse tipo de classe. Foram selecionados: três alunos com histórico de evasão escolar,
dois alunos que foram reprovados no ano de 2004 por excesso de faltas, três alunos
reprovados por aproveitamento insuficiente no mesmo ano.
Também foram selecionados na pesquisa os seguintes documentos escolares:
prontuários dos alunos, constando documentos pessoais e histórico escolar; ficha
individual e aproveitamento escolar dos anos de 2004 e 2005, projetos de Recuperação
Paralela desenvolvidos pela escola em 2004.
105
Na segunda etapa de pesquisa, entre os meses de outubro e novembro, realizou-
se a análise dos cadernos escolares.
4.3 – A RECUPERAÇÃO DE CICLO II NA ESCOLA ALVO DO ESTUDO
PRINCIPAL
4.3.1 – A FORMAÇÃO DA CLASSE E OS PROFESSORES
A escola alvo deste estudo desenvolve a Recuperação de Ciclo II desde o ano de
2002. Sendo uma escola grande e especializada na oferta do segundo ciclo do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio, sempre teve uma grande quantidade de alunos retidos
ao final do Ciclo para compor pelo menos uma classe “pura” de Recuperação de Ciclo
II.
Neste ano de 2005 a escola tem seis classes de série, sendo que três delas são
salas regulares, duas delas são classes “mistas” atendem alunos da série regular e
alunos retidos ao final do ciclo e uma classe “pura” de Recuperação de Ciclo II, que
funciona no período noturno. A classe “pura” começou o ano com 31 alunos, mas logo
após o início do ano letivo recebeu mais um aluno de série regular que precisava
freqüentar a série final do Ensino Fundamental nesse período por motivo de trabalho.
Ao longo do ano letivo, outros alunos foram matriculados ou transferidos para a classe
que, em novembro, contava com 34 alunos. A classe atende um aluno promovido
parcialmente para a série do ensino médio, que cursa apenas duas ou três disciplinas
na RC II. Portanto, a rigor, a classe já não é mais uma RC pura. Além disso, outros
fatores contribuem para a sua descaracterização: o número de alunos está bem acima da
média prevista no projeto inicial 25 alunos; somente um dos professores trabalha com
a Recuperação de Ciclo II desde o primeiro ano e participou de todas as capacitações
desenvolvidas pela DE; os materiais, livros e fascículos de atividades da Coleção
Ensinar e Aprender, só chegaram na escola no final do mês de março.
Embora a Diretoria de Ensino não ofereça mais todas as horas de capacitação
previstas no início do projeto – 168 horas – foi realizada uma reunião geral, no início do
ano, com participação de professores, diretores e coordenadores pedagógicos das
escolas que oferecem a Recuperação de Ciclo II para alunos retidos ao final desse ciclo
classes “puras”. Nessa reunião foram retomadas as diretrizes gerais do projeto e a
equipe da Oficina Pedagógica e a supervisora responsável pelo projeto se colocaram à
106
disposição para orientações necessárias por meio de visitas especiais nas escolas que
solicitassem apoio. Trata-se do mesmo procedimento adotado em 2004, uma forma que
a equipe da DE local achou para dar algum atendimento às escolas que sentissem
dificuldades em executar o projeto sozinhas.
Os professores da classe de Recuperação de Ciclo II tiveram as aulas atribuídas
na própria unidade escolar de acordo com a Resolução SE 135, de 16/12/2003, que
dispõe sobre o processo de atribuição de classes, turmas e aulas dos projetos
especiais
da SEE-SP - Aceleração, Recuperação de Ciclo, Recuperação Paralela e outros.
Nos
termos dessa legislação, os diretores de escola têm autonomia para atribuir as referidas
classes e aulas a docentes habilitados e regularmente inscritos para lecionar na rede
estadual
“cujo perfil atenda às especificidades do projeto, consideradas as experiências
anteriormente bem sucedidas e a participação do docente em ações de capacitação específica
promovidas pela S.E.”(São Paulo, 2003, p. 169).
Coube, portanto, à direção da escola
escolher os professores da classe. Entretanto, muitos dos professores que haviam
trabalhado com classe de RC II e participado das capacitações iniciais do projeto não
estavam mais no município ou se efetivaram em outras escolas da região. Desta forma
escolheu-se um grupo heterogêneo, no qual nem todos tinham a experiência e a
capacitação esperada. As mais experientes são as professoras de Língua Portuguesa e de
Ciências. O professor de Inglês participou de algumas capacitações em 2003, quando
assumiu uma classe do projeto no meio do ano. A professora de História e Geografia
trabalhou com a RC II no ano passado e participou das reuniões realizadas pela
Diretoria de Ensino no início dos anos de 2004 e 2005 para a retomada das diretrizes do
projeto. Os professores de Matemática e Educação Artística estão iniciando no projeto
neste ano e não participaram sequer da reunião de início do ano. A média de idade é de
34 anos e a maioria tem mais de nove anos de magistério. A mais antiga no magistério
tem 20 anos de carreira e a mais nova, dois anos. Nenhum dos professores é efetivo na
rede e a maioria tem habilitação plena na disciplina que leciona. A professora de
História e Geografia tem licenciatura curta em Estudos Sociais e a de Educação
Artística é habilitada em Língua Portuguesa e leciona em caráter excepcional
53
. Nem
todos trabalham exclusivamente na escola pesquisada e três deles não fazem HTPC na
mesma.
A classe de Recuperação de Ciclo II funciona numa sala do prédio principal da
escola e é utilizada, nos outros períodos, por classes regulares. Não existe uma sala
53
A região tem carência de professores habilitados em Educação Artística.
107
especial para a RCII, como recomenda a Diretoria de Ensino local, que considera
importante que a escola organize um ambiente próprio para a classe, no qual os
materiais didáticos possam estar
disponíveis para uso dos alunos e no qual haja espaço
para a exposição da produção deles. Trata-se de uma classe comum, sem nenhum
recurso pedagógico diferenciado. Por um lado, este fator evita a discriminação da
classe, como ocorria na escola do estudo preliminar. Por outro lado, trata-se de um
ambiente escolar empobrecido, contando apenas com carteiras, cadeiras, mesa do
professor, giz e lousa.
A classe de Recuperação de Ciclo II RC II - é basicamente composta por
alunos da própria escola, inclusive alunos que foram retidos ou evadiram-se da classe de
RC II que funcionou em 2004, também no período noturno. Como observamos na
escola alvo do estudo preliminar, os índices de evasão e retenção nessas classes é muito
grande. Na verdade, de acordo com as Normas Regimentais Básicas, não haveria
possibilidade de reter o aluno que estivesse em Recuperação de Ciclo, mas isso acontece
quando eles não atingem a freqüência mínima de 75% da carga horária anual. A Tabela
3, apresentada a seguir, ilustra a situação de promoção, retenção e evasão das classes de
RC II em comparação com as 8ª séries regulares da unidade escolar em 2004:
Tabela 3 – Desempenho das 8ª séries da escola campo do estudo principal em 2004
Promovidos Retidos Evadidos Alunos
Classe
Total de
Alunos
Freq. % Freq. % Freq. %
A
41
24
58,5%
15
36,5%
2
5,0%
8ª B
40
29
72,5%
10
25,0%
1
2,5%
8ª C
37
25
67,5%
10
27,0%
2
5,5%
8ª RD*
30
13
43,3%
4
13,4%
13
43,3%
Total
148
91
62,0%
39
26,0%
18
12,0%
Fonte: Ata de Resultados Finais de 2004 da escola alvo do estudo principal
Obs.:(*) A 8ª RD era a classe de Recuperação de Ciclo II, que funcionava no período noturno em 2004
O exame dos dados da Tabela 3 permite observar que o índice de promoção nas
séries da escola é baixo, mesmo considerando que isso poderia ser esperado por
tratar-se de uma série de final de Ciclo. Entretanto, fica evidente que no caso da RC II
as perdas se dão mais por evasão do que por retenção. Considerando que na RC II não
retenção por aproveitamento, sabe-se que os retidos tiveram uma freqüência
insuficiente, demonstrando que esses alunos também estavam em processo de evasão
escolar.
108
Esses números apontaram, assim como os do estudo preliminar, um novo
foco de investigação para esta pesquisa: a abstinência escolar, a desistência (voluntária
ou não) do ato de estudar ou da freqüência à escola. Mais do que diante de alunos
fracassados, parece que estamos diante de alunos que apenas desistem de estudar, ainda
que não de forma espontânea, mas levados pelas condições que os cercam. Dessa forma,
reafirma-se a necessidade de compreender como esses alunos encaram o funcionamento
da escola, suas relações com o saber, seus desempenhos escolares e seus projetos de
vida.
4.3.2 - O MATERIAL PEDAGÓGICO DA RECUPERAÇÃO DE CICLO II
Como dissemos na introdução deste trabalho, o material pedagógico utilizado
pelas classes de Recuperação de Ciclo II é o mesmo que fora elaborado pelo CENPEC
para o projeto de Correção de Fluxo da Secretaria de Estado da Educação do Paraná e
que foi disponibilizado para uso das classes de Aceleração do Ciclo II da rede paulista
de ensino e, posteriormente, para o projeto da Recuperação de Ciclo II e para turmas da
Educação de Jovens e Adultos.
O material para o professor é composto por 20 livros, organizados em 4 volumes
Impulso Inicial, Volume 1, Volume 2 e Volume 3 - para cada uma das seguintes
disciplinas: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia. Os volumes
são acompanhados de fichas, cartazetes e jogos para atividades dos alunos.
Os alunos recebem 04 fascículos com as fichas de atividades das cinco
disciplinas: Atividades do Impulso Inicial, Atividades do volume 1, e assim por diante.
Tanto os livros dos professores quanto os fascículos dos alunos são distribuídos
ao longo do curso: o Impulso Inicial, no início do ano; o volume 1, no 2º semestre da
Aceleração e bimestre da Recuperação de Ciclo; o volume 2, no semestre da
Aceleração e no bimestre da Recuperação de Ciclo; e assim por diante. Nas
capacitações realizadas na Diretoria de Ensino no início do projeto, os professores da
Recuperação de Ciclo foram orientados a selecionar os conteúdos e atividades do
material que achassem mais interessantes, pois não haveria condições de trabalhar em
um ano, todos os conteúdos e respectivas atividades,
previstos para dois anos.
Os volumes dos professores apresentam a mesma estruturação básica: um texto
de apresentação comum que fundamenta a proposta pedagógica da Correção de Fluxo e
uma parte específica com os conteúdos e atividades de cada disciplina.
109
A apresentação comum é mais extensa nos volumes chamados de Impulso
Inicial, nos quais se descrevem as linhas gerais do projeto da Correção de Fluxo e que
se divide nos seguintes itens: O projeto Correção de Fluxo: proposta pedagógica”; A
seleção do conteúdo de ensino”; Autoconceito, motivação e aprendizagem”;
Avaliação”; O material de apoio e a atuação docente”; Trabalho com classes
heterogêneas”; Diagnóstico inicial”; O projeto, o sistema de ensino, a escola e a
comunidade”. Nos demais volumes essa apresentação é mais curta e informal: os textos
abordam temas como currículo, avaliação formativa e cumulativa e se dirigem
diretamente ao professor, num formato de diálogo que pressupõe um trabalho em
processo
54
.
Na parte específica de cada disciplina são apresentados os conteúdos a serem
trabalhados com orientação metodológica própria. Cada atividade proposta nas fichas
individuais é comentada e relacionada com os objetivos pretendidos. Trata-se de um
roteiro completo, detalhado e fundamentado, para a atuação do professor em sala de
aula. Enfim o material tem uma grande preocupação em fornecer orientação
pedagógica ao professor, discutindo a metodologia do ensino, as particularidades dos
alunos atendidos pelo projeto e as práticas de avaliação.
Em relação aos conteúdos, o material pretende retomar, por meio da priorização
de alguns conteúdos, os aspectos básicos do currículo do Ensino Fundamental,
“considerando a importância de propiciar o acesso ao saber elaborado e de dosar e seqüenciar o
conteúdo selecionado”(São Paulo, s/d, vol. Impulso Inicial, p. 14).
Para tanto,
“o conhecimento
sistematizado das diferentes disciplinas(...) deve ser selecionado sob o critério de sua
capacidade explicativa, de sua abrangência para apoiar a compreensão e explicação
orgânica dos elementos que compões a prática social”(São Paulo, s/d, vol. Impulso
Inicial p. 14). Entretanto, mesmo se tratando de uma seleção, trata-se de um conjunto
significativo de conteúdos, pois o projeto original foi pensado para um trabalho de dois
anos letivos.
Os Quadros 1 e 2 a seguir apresentam a ntese das propostas de trabalho de
Língua Portuguesa e Matemática previstas nos quatro volumes de cada uma dessas
disciplinas:
54
A primeira edição do material foi elaborada durante a implantação do projeto Correção de Fluxo,
contando com sugestões e críticas dos professores que aplicavam o material em suas aulas. Então, o texto
é formatado como um diálogo direto com os docentes.
110
Quadro 1 : Síntese das propostas de trabalho de Língua Portuguesa
Volume
Proposta de trabalho Noções e conceitos Habilidades
Impulso
Inicial
Projetos de leitura e
escrita:
- Clube de leitura
- Histórias que a família
conta
- Medicamentos
- Ervas medicinais
Diferentes tipos de texto:
- Organização em função de sua
intencionalidade
- Leitura, produção, análise e discussão de
textos narrativos, instrucionais e
persuasivos.
Vol. 1
Projetos de leitura e
escrita:
- Correspondência
- Jornal
- Jornal Mural
Diferentes tipos de texto:
- Organização em função de sua
intencionalidade
- análise lingüística: aspectos de
organização textual; aspectos
morfossintáticos e ortográficos
- leitura, produção (oral e escrita) de textos
informativos, argumentativos e narrativos
- análise lingüística
Vol. 2
Projetos de leitura e
escrita:
- Poesia
- Oficina de sonhos
- Jogo de aventura
Diferentes tipos de texto:
- organização em função de sua
intencionalidade
- recursos de estilo
- elementos da narrativa: enredo,
personagens, tempo, espaço, narrador
- leitura, produção, análise e discussão de
textos poéticos e narrativos
- uso da gramática e do dicionário
- criação de personagens
- desenvolvimento de narrativas
Vol. 3
Projetos de leitura e
escrita:
- Teatro
- História em quadrinhos
- O mundo do trabalho
Diferentes tipos de texto:
- organização em função de sua
intencionalidade
- recursos de estilo
- elementos da narrativa: enredo,
personagens, tempo, espaço, narrador
- recursos específicos do texto
dramático: rubrica, indicação de
cenário, marcação do tempo
- recursos visuais e textuais das
histórias em quadrinhos
- recursos específicos do texto legal
- leitura, produção, análise e discussão de
textos narrativos (teatro e história em
quadrinhos), informativos e instrucionais
- coleta de informações, anotação e resumo
(entrevista e pesquisa bibliográfica)
- revisão e reescrita de texto
Fonte: SÃO PAULO (SEE/CENP). s/d. Ensinar e aprender: construindo uma proposta. Vols. Impulso Inicial,
1,2,3
Quadro 2 – Síntese da proposta de trabalho de Matemática
Volume Proposta de trabalho Noções e conceitos Habilidades
Impulso
Inicial
Resolução de
problemas
Números e álgebra
Medidas e estatística
- operações com
números naturais
- relações entre as
operações numéricas
- leitura, interpretação e
produção de textos
matemáticos
- leitura, interpretação e
construção de gráficos e
tabelas
- resolução de problemas
convencionais e
nãoconvencionais
Vol. 1
Resolução de
problemas
Pré-algebra
Frações e números
decimais
Medidas de
comprimento
Sólidos geométricos
Polígonos
Ângulos
- problemas convencionais e não
convencionais
- relações entre operações numéricas e uso
dos símbolos matemáticos
- fração: parte do todo e quociente de
inteiros; equivalência
- medida: números decimais e unidades
padronizadas
- adição e subtração de frações e decimais
- propriedades geométricas de figuras
simples
- ângulo reto
- leitura, interpretação e
produção de textos
matemáticos
- utilização dos conceitos
matemáticos na resolução de
situações-problema
- leitura, interpretação e
construção de gráficos e
tabelas
- reconhecimento das relações
espaciais
- análise das propriedades
geométricas
111
Vol. 2
Resolução de
problemas:
- convencionais
- não convencionais
Frações e decimais
Números inteiros
Pré-algebra
Álgebra
Medidas de área
Ângulos
Paralelas e
perpendiculares
Triângulos e
quadriláteros
Sólidos geométricos
- propriedade distributiva
- variável
- incógnita
- números inteiros
- regras de sinais
- área: m² e cm²
- multiplicação e divisão de frações e
decimais
- paralelismo e perpendicularismo
- planificações do cubo e de poliedros
- medida de ângulos: o transferidor
- classificação de triângulos e
quadriláteros
- leitura, interpretação e
produção de textos
matemáticos
- utilização dos conceitos
matemáticos na resolução de
situações-problema
- expressão de generalidades pela
linguagem algébrica
- reconhecimento e análise de
relações e propriedades
geométricas em figuras planas e
espaciais
Vol. 3
Resolução de
problemas:
- convencionais
- não convencionais
Números racionais
Cálculo algébrico
Círculo e
circunferência
Comprimento da
circunferência
Polígonos
Cálculo de áreas
Poliedros e corpos
redondos
- números racionais
- área por decomposição de figuras
- número π
- expressões algébricas
- variável como símbolo arbitrário
- fatoração e produtos notáveis
- ângulos e diagonais em polígonos
- círculo e circunferência
- poliedros e corpos redondos
- gráficos de setor
- leitura, interpretação e
produção de textos
matemáticos
- utilização dos conceitos
matemáticos na resolução de
situações-problema
- uso adequado da linguagem
matemática nos temas tratados
- análise de propriedades
matemáticas envolvendo figuras
geométricas, números e variáveis
Fonte: SÃO PAULO (SEE/CENP). s/d. Ensinar e aprender: construindo uma proposta. Vols. Impulso Inicial,
1,2,3
Pode-se observar nos Quadros 1 e 2 apresentados, que a programação das
disciplinas é extensa, entretanto cumpre observar que o material explicita a preocupação
em contextualizar os conteúdos a serem desenvolvidos.
No caso da Língua Portuguesa destaca-se a preocupação com a leitura e a
produção de texto de modo a privilegiar o uso apropriado da língua em diferentes
situações. Todo o material se estrutura em torno dos chamados projetos de leitura e
escrita e não nas propostas de trabalho nenhum tópico específico para as tradicionais
subdivisões da gramática. Nesses projetos de leitura e escrita são trabalhados diversos
tipos de texto: jornais, correspondência pessoal e comercial, propagandas, contos,
crônicas, poesias, história em quadrinhos, etc. Os aspectos formais da língua devem ser
abordados a partir dos problemas verificados nas próprias produções dos alunos. Para
tanto, no volume Impulso Inicial dessa disciplina, existe uma orientação para que os
professores façam em sala de aula atividades de reescrita dos textos produzidos
selecionando as dificuldades mais comuns, discutindo-as no coletivo da classe e
orientando a autocorreção pelos alunos. Nesse sentido, há, também, no volume 2, fichas
de atividade nas quais os alunos são orientados para usar o dicionário e os manuais de
gramática.
112
Nos volumes de Matemática, não obstante a extensa relação de conteúdos,
também se observa que a ênfase é dada para a resolução de problemas. O material
enfatiza que o aluno deve ser levado a (re)construir conceitos básicos relacionados a
números, medidas, álgebra, geometria e estatística por meio de problemas e atividades
lúdicas. Em relação aos números, por exemplo, não preocupação com o treino das
técnicas operatórias, pois o objetivo é que os alunos possam:
(...) desenvolver um raciocínio acerca das operações que lhes permita
selecionar e usar diferentes técnicas de cálculo, avaliar o modo como cada
operação se relaciona com as outras, interpretar resultados obtidos nos cálculos,
fazer estimativas, pensar os diferentes conjuntos numéricos e suas
características, compreender o significado das diferentes operações e ter
segurança sobre o significado das frações e números decimais”. (São Paulo, s/d,
Matemática, vol. 1, p. 23)
Nas demais disciplinas a perspectiva é a mesma: resgatar alguns conteúdos
básicos e significativos e, ao mesmo tempo, instrumentalizar os alunos com as
habilidades fundamentais para aquisição de outros conhecimentos que possibilitem
inserção social e o prosseguimento dos estudos. Para tanto, o material pedagógico inclui
fichas com atividades individuais e em grupo a serem desenvolvidas com os alunos:
As atividades propostas visam instalar uma dinâmica na sala de aula
que favoreça as interações, estimule a participação, mobilize os interesses;
partem sempre da realidade dos alunos, investigando o que já sabem a respeito
do que vai ser estudado, problematizam esse conhecimento, apresentando
diferentes desafios para ampliá-los ou transformá-los, sistematizando sempre, ao
final de cada unidade de estudo, as idéias e conceitos considerados mais
importantes”.(São Paulo, s/d, vol. Impulso Inicial, p. 20)
Não há material específico para o ensino de Educação Artística, Educação
Física e Inglês, mas considera-se que essas disciplinas são fundamentais e devem ser
articuladas ao projeto de acordo com os recursos locais e necessidades dos alunos.
Embora o material pedagógico apresente limitações por não ter sido pensado
originalmente para a realidade do projeto da Recuperação de Ciclo II das escolas
estaduais paulistas, pode-se perceber nele a intenção de trazer para as salas de aula uma
proposta inovadora que estimule uma relação mais significativa dos alunos com os
conhecimentos escolares.
113
4.3.3
– AS PRÁTICAS DE ENSINO NA RC II SEGUNDO OS CADERNOS DOS
ALUNOS
A pesquisa nos cadernos dos alunos foi realizada em três dias não subseqüentes,
entre outubro e novembro de 2005. Nos dias anteriores a esses três dias, solicitou-se à
professora coordenadora do período noturno que recolhesse os cadernos de alguns
alunos da classe de RC II após o término das aulas e os deixasse na sala da coordenação
da escola para que fossem examinados no dia seguinte pela pesquisadora.
Inicialmente foram pedidos os cadernos dos alunos mais freqüentes, pois,
supostamente, estariam mais completos. Foram examinados os cadernos de Miguel e
Silmara, considerados os melhores alunos da classe.
No segundo dia solicitou-se o caderno de dois alunos que tivessem mais
dificuldades de aproveitamento e freqüência para que se pudesse fazer uma comparação.
A professora coordenadora disponibilizou o caderno de Reinaldo e Salete.
Na última visita à escola não foi estipulado nenhum critério para o recolhimento
dos cadernos e foram, novamente, disponibilizados os cadernos de Miguel e Silmara.
Optou-se por analisar os cadernos de Língua Portuguesa e Matemática por serem
estas as disciplinas tradicionalmente mais valorizadas como básicas para o
aproveitamento das demais. Entretanto, durante a pesquisa, percebeu-se a necessidade
de examinar também os cadernos de Geografia e História (área de formação inicial da
pesquisadora). A análise dessas últimas disciplinas ficou restrita a um curto período, de
04/08/2005 a 25/08/2005, e ao caderno da aluna Silmara.
Os períodos pesquisados foram aleatórios. Os cadernos das alunas Silmara e
Salete eram referentes apenas ao segundo semestre. Já os cadernos dos rapazes
abrangiam todo o conteúdo do ano. Procurou-se apenas mapear atividades do primeiro e
do segundo semestre das duas disciplinas priorizadas.
O objetivo principal da análise foi buscar pistas que trouxessem alguns
elementos para entender aspectos da prática dos professores em sala de aula
identificando conteúdos trabalhados e metodologias utilizadas. Tal análise possibilitou
verificar até que ponto o trabalho realizado na RC II era mesmo um trabalho diferente
do realizado nas classes regulares e se possibilitava aos alunos uma nova relação com o
saber. O parâmetro para essa reflexão foi a comparação com o material pedagógico das
114
classes de RC II, cujas características (já descritas), não obstante as limitações
comentadas, fornece subsídios interessantes para a realização de prática pedagógica que
vincule os conteúdos escolares à vivência dos alunos.
A análise dos cadernos também permitiu verificar a assiduidade, organização e
participação dos alunos nas aulas, por meio da comparação dos cadernos de diferentes
alunos durante o mesmo período.
▪ O que dizem os cadernos sobre a prática docente em sala de aula
Procurando-se perceber a pertinência das atividades escolares no tocante aos
conteúdos e metodologias utilizadas, chegou-se aos dados expostos na Tabela 4, a
seguir:
Tabela 4 As atividades registradas nos cadernos em relação ao conteúdo e
metodologia propostos no material pedagógico.
Conteúdo
previsto no
material
pedagógico
Metodologia
prevista no
material
pedagógico
Disciplinas
Nº Atividades
Sim Não Sim Não
Atividade
retirada
do
material
pedagógico
L. Portuguesa
28 28 00 10 18 00
Matemática
27 27 00 10 17 01
Geografia
06 06 00 2 04 01
Total 61 61 00 22 39 02
Observa-se, nos dados da Tabela 4, que os professores trabalham os conteúdos
propostos no material, mas isso também se deve à extensão do mesmo, que abrange
praticamente todo o Ciclo II do Ensino Fundamental. Quanto à metodologia, verifica-se
que a maioria das atividades é trabalhada fora da metodologia indicada pela Coleção
Ensinar e Aprender. Mas entre as que estariam de acordo com o material encontram-se,
na realidade, tarefas tradicionais como resolução de problemas e interpretação de texto.
Não são, portanto, atividades muito diferentes das realizadas nas demais classes. Chama
a atenção o fato de que, praticamente, não há registros de atividades especificas
propostas no material. Pode-se imaginar que os alunos façam as atividades diretamente
nas páginas dos fascículos. Mas, de qualquer forma, ocupam grande parte do tempo
escolar executando essas atividades que não são diferentes em relação às que
desenvolveram durante os anos em que freqüentaram o Ensino Fundamental sem
aproveitamento satisfatório.
115
A seguir serão apresentados as atividades e os conteúdos trabalhados em cada
uma das disciplinas investigadas:
▪ As atividades de Língua Portuguesa
Foram analisadas 28 atividades escolares das aulas de Língua Portuguesa
registradas em dois períodos distintos: de 15/02/2005 a 29/03/2005, nos cadernos de
Miguel e Reinaldo; de 13/09 a 25/10, nos cadernos de Silmara e Salete.
Entre as 28 atividades registradas nos cadernos. predominam as de interpretação
de texto. Estes textos são sempre copiados (10) e na maior parte das vezes interpretados
por meio de questões direcionadas (09) ou atividade de reescrita (01) . Intercalados
entre os textos estão alguns exercícios (07): plural de substantivos, uso de letras
maiúsculas, separação de sílabas, emprego da letra “x” (treino ortográfico) e a cópia de
pequenos textos (02) que são, na verdade “pontos” de gramática sobre os seguintes
assuntos: formação e derivação de substantivos, substantivos coletivos. Os exercícios de
gramática são mais freqüentes no início do ano letivo, quando o material pedagógico
ainda não havia chegado à escola, mas continuam ocorrendo durante todo o 3º bimestre.
A ênfase na interpretação de texto parece estar de acordo com a proposta do
material pedagógico em desenvolver a leitura e sua compreensão, mas entre os textos
copiados no caderno o a mesma diversidade de gêneros literários propostos na
Coleção Ensinar e Aprender: textos informativos vinculados aos interesses práticos dos
alunos (cartas comerciais, requerimentos, bulas de remédio), textos jornalísticos, textos
publicitários, charges, história em quadrinhos, textos poéticos e dramáticos.
Predominam os textos narrativos: crônicas, contos e fábulas. somente um texto
poético: a letra da música
Pivete”, de Chico Buarque de Holanda e Francis Hime.
Entre as crônicas e narrativas são trabalhados autores de expressão na literatura nacional
como Luiz Fernando Veríssimo, Carlos Drummond de Andrade, Moacir Scliar e Cecília
Meireles. Entre as fábulas trabalhou-se um texto de Ana Maria Machado e a tradicional
narrativa A raposa e o corvo”. Apesar de as bulas serem um pouco infantis para a
idade e vivência dos alunos da classe, no geral, os textos são de boa qualidade e as
questões propostas permitem que os alunos expressem sua opinião. Por exemplo, um
texto de Moacir Scliar Mamãe não dorme enquanto eu não chegar”, que permite a
discussão da questão das relações entre pais e filhos na adolescência, quando os filhos
começam a querer sair para programas noturnos. Mas não se sabe como o texto foi
116
trabalhado, se houve alguma forma de debate na classe ou se cada aluno respondeu o
questionário apenas como mais uma tarefa escolar (a análise dos cadernos não permite
inferir isso). Na realidade, o material pedagógico de RC II propõe que os professores
conversem com os alunos sobre o texto e não que o direcione somente com questões.
Além disso, parece que os alunos gastam muito tempo para copiar os textos que, às
vezes, ocupam uma página e meia do caderno (Ver exemplos de atividades apresentados
no Anexo V).
. Nas anotações dos alunos nos períodos citados não se observou nenhuma
atividade que tenha sido proposta no material. Há, somente, duas atividades, que
parecem inspiradas no material: um questionário refletindo sobre as funções e recursos
de um texto de humor e a proposta de ordenação de uma bula copiada da lousa em
seqüência desordenada (Ver exemplos de atividades no Anexo V)
.
Quanto aos exercícios e textos de gramática, constata-se que eles estão bem
distantes da proposta do material pedagógico que, como foi visto anteriormente,
pretende que “... os aspectos formais da língua sejam abordados a partir dos problemas
verificados nas próprias produções dos alunos”. Considerou-se, na elaboração da Tabela
4, que a gramática faz parte do conteúdo proposto no material pedagógico, mas é
importante frisar que ela não deveria ser trabalhada por meio de tópicos específicos.
Na verdade o que se observa nos cadernos é que os professores parecem
trabalhar com a gramática formal, normativa ou “tradicional” (provavelmente
preponderante nas suas próprias trajetórias como alunos nos cursos em que foram
formados) e não com a chamada “gramática gerativa”, proposta no material pedagógico
destinados às
classes de RC II.
▪ AS ATIVIDADES DE MATEMÁTICA:
As anotações das aulas de Matemática analisadas referem-se a quatro momentos
distintos: de 23/03/2005 a 11/04/2005, no caderno de Miguel; de 03/08/2005 a
14/08/2005, no caderno de Silmara; de 19/09/2005 a 03/10/2005, no caderno de
Reinaldo; dia 17/10/2005, no caderno de Miguel.
Entre as 27 tarefas de Matemática, verificou-se a seguinte distribuição: 10
atividades envolvendo a resolução de problemas; sete cópias de pequenos textos –
pontos com definições e explicações de operações matemáticas; sete séries de
117
exercícios de aplicação dos assuntos matemáticos estudados, na maioria das vezes treino
de técnicas operatórias; três atividades de construção de tabelas e gráficos de barra.
A resolução de problemas é assunto presente em todos os volumes de
Matemática da coleção Ensinar e Aprender. O material propõe sempre problemas
convencionais e não convencionais envolvendo não apenas os cálculos numéricos, mas
também interpretação de texto, raciocínio lógico e estratégias informais de resolução.
Os problemas apresentados nos cadernos são, em sua maioria, problemas que envolvem
cálculos numéricos e exigem apenas o domínio da interpretação de texto e das quatro
operações fundamentais. São problemas fáceis, mas exigem cálculos diferentes. Não
uma seqüência mecânica de problemas de mesmo tipo e pode-se imaginar que
objetivam também avaliar, no início do ano, o domínio dos alunos sobre as operações
fundamentais. dois problemas não convencionais envolvendo raciocínio
combinatório e um deles foi sugerido no Volume 2 da coleção. Estes problemas não
convencionais poderiam ser melhor explorados, pois há muitos exemplos deles no
material pedagógico, que são desafiadores e que poderiam levar os alunos a quebrarem
o mito da Matemática como uma disciplina difícil e inacessível
(Ver exemplos de
atividades no Anexo V)
.
As cópias de pequenos pontos explicativos referem-se a conteúdos como frações
e geometria. São abordagens incompatíveis com a proposta do material pedagógico, que
sugere que tais assuntos sejam trabalhados a partir de vivências mais concretas:
dobraduras, tarefas de medição da sala de aula e construção de um modelo de metro
quadrado. Nos textos dos cadernos, entretanto, o professor apresenta algumas definições
prontas sobre o novo conceito ou operação matemática a ser trabalhado nas aulas. Em
seguida, aplica uma série de exercícios treinando técnicas operatórias, o que não é
recomendado na proposta do CENPEC. .(Ver exemplos de atividades no Anexo V)
Por outro lado, as atividades envolvendo gráficos e tabelas parecem adequadas à
proposta do material pedagógico: o professor parte de tabela com informações sobre a
preferência musical e de times de futebol da classe para construir dois gráficos de
barras. Mas, no caderno de Miguel só estão registradas três atividades desse tipo e todas
de confecção de gráficos de barra. Não foram explorados outros tipos de gráfico e nem a
aplicabilidade da estatística na vida social: pesquisas de opinião, cálculo de índices
sociais e econômicos, etc, como sugerem os organizadores do material.
118
▪ AS ATIVIDADES DE GEOGRAFIA
O único caderno de geografia examinado foi o da aluna Silmara e abrangia o
período entre 04/08/2005 a 06/10/2005.
Neste período a aluna registrou seis atividades escolares com a seguinte
distribuição: quatro cópias de textos, uma interpretação de texto com gráfico de
populações, uma atividade de interpretação de imagem fotográfica. Esta última
atividade é proposta em uma das fichas individuais do Volume 1 do material
pedagógico de Geografia (Ver exemplos de atividades no Anexo V)
.
Os textos copiados referem-se a aspectos geográficos do Brasil e são
contemplados no material pedagógico: tipos de vegetação existentes no Brasil, o
processo de urbanização do país, as regiões brasileiras. Mas a Coleção Ensinar e
Aprender propõe que os alunos superem um conhecimento meramente descritivo dos
espaços naturais e sociais do país, propondo atividades que os levem a compreender a
dinâmica de formação desses espaços. Nesse sentido, para trabalhar o tema das
vegetações brasileiras, o material pedagógico propõe que o professor parta do tema
“Considerando a natureza como recurso” e sugere uma série de atividades em grupo
para que os alunos percebam não só as relações entre clima e vegetação, mas também as
ações do homem pela natureza. Para isso o professor deveria usar fichas de trabalho em
grupo e um cartazete que faz parte do material, além de um atlas geográfico que a
escola deve ter, para que os alunos refletissem sobre os aspectos naturais e culturais que
interferem na cobertura vegetal do país (Ver exemplos de atividades no Anexo V)
.
As duas atividades de interpretação de imagem fotográfica e de texto com
gráfico estão bem de acordo com a proposta do material, mas a realização delas pela
aluna demonstra que o aprofundamento das questões trabalhadas não foi suficiente para
que a aluna problematizasse sua realidade social. Na interpretação do texto e do gráfico,
que tratam do processo de urbanização do Brasil entre 1960 e 2000, a aluna responde
ingenuamente a uma questão relacionada diretamente com o seu cotidiano de moradora
da zona rural:
d) Você acha que a vida no campo é melhor que na cidade? Por quê?
119
Quando você tem o seu salário, ou seja, quando você não precisa trabalhar é
melhor. Porque no campo você o precisa pagar água, luz, não tem puluição
(sic).
e) Você acha que a população urbana vai continuar aumentando? Por quê?
Sim. Porque na cidade é que as pessoas procuram emprego, a maioria não
querem (sic) mais trabalhar no campo.
O questionário não está corrigido, embora logo abaixo dessas respostas haja um
visto da professora.
_____________________________________________
Pelo exposto, pode-se observar que os professores da classe de RC II não
utilizam adequadamente o material pedagógico fornecido pela SEE-SP para a realização
do projeto. Isto pode, em parte, ser explicado pela atribuição das aulas a professores não
capacitados para trabalhar com essas classes. Mas este é um fato causado pela própria
dinâmica da rede estadual de ensino que não consegue fixar os professores numa escola
e, também, da própria falta de incentivo para que os professores assumam um trabalho
tão complexo como o exigido para essa classe. Afinal, a classe de RC II agrupa o
conjunto dos alunos mais difíceis da escola, seja por suas dificuldades de aprendizagem,
seja por seus comportamentos de rebeldia e irreverência. Por outro lado, se a existência
do material pedagógico facilita a preparação das aulas com sugestões de atividades, ao
mesmo tempo exige que o professor estude e arrisque mudar a sua prática diante desse
grupo complexo de alunos. Por isso as capacitações periódicas realizadas no início do
projeto eram previstas também com o objetivo de promover a troca de experiências
entre os educadores envolvidos e, dessa forma, fortalecer as equipes pedagógicas.
A inexistência de capacitações ou mesmo de reuniões da própria equipe escolar
acaba por influenciar negativamente até o trabalho dos professores capacitados. Tal
situação foi verificada, como exemplo, por Falsarella (2001) em seu estudo sobre os
efeitos da formação continuada de professores na prática de sala de aula. Neste estudo a
pesquisadora buscava investigar se professores capacitados para o projeto das Classes
120
de Aceleração do Ciclo I, iniciado pela SEE-SP em 1996
55
, haviam incorporado os
princípios e as práticas pedagógicas discutidos durante as capacitações e aplicados
durante a fase de implementação do projeto. Retornando, após quatro anos, a duas
escolas que participaram daquele projeto, Falsarella (2001) constatou que as professoras
capacitadas incorporaram parcialmente a metodologia proposta nas capacitações,
modificando-as e adaptando-as a repertórios anteriores. Constatou também que,
cessadas as condições especiais criadas em sua fase de implantação, o projeto de
Aceleração do Ciclo I foi descaracterizado e empobrecido, não contribuindo para a
ampliação efetiva das políticas de combate ao fracasso escolar e melhoria do Ensino
Fundamental.
Situação semelhante parece estar ocorrendo com a Recuperação de Ciclo II: o
projeto está restrito à distribuição dos materiais pedagógicos e à boa vontade dos
gestores escolares e das equipes das Diretorias de Ensino que, por sua vez, já se
encontram sobrecarregados com os atuais projetos da SEE-SP.
Sem suporte pedagógico adequado, os docentes da RC II, mesmo os
capacitados, recorrem aos recursos tradicionais que sempre lhes permitiram exercer sua
profissão de maneira razoavelmente satisfatória tendo em vista a complexidade do
trabalho docente.
Segundo Gimeno Sacristán (2000), a complexidade do trabalho docente se deve
a uma série de características que lhe são inerentes, tais como multidimensionalidade,
imprevisibilidade, imediatez, simultaneidade, historicidade, envolvimento pessoal e
ausência de controle técnico rigoroso. Não obstante tudo isso, os professores, inclusive
os mais jovens e inexperientes, parecem assumir essa difícil profissão com uma certa
facilidade. Na realidade esses profissionais desenvolvem esquemas práticos que
simplificam a rotina escolar, possibilitando um desempenho docente suficiente para
atender às demandas mais gerais do sistema escolar e da sociedade: transmissão de
alguns conteúdos acadêmicos e de outros voltados para a socialização.
Em suas trajetórias profissionais, os professores constroem seu estilo pedagógico
experimentando, na prática, o repertório tradicional de tarefas escolares básicas até
consolidarem sua forma pessoal de gerenciar as aulas. Ainda segundo Gimeno Sacristán
(2000), a sociologia profissional tem destacado que os professores cristalizam seus
55
O projeto das classes de Aceleração de Ciclo I foi um dos primeiros projetos de regularização do fluxo
escolar criados pela SEE-SP em 1996, também foi realizados em parceria com o CENPEC, contando com
material pedagógico específico e extensa carga horária de capacitação em serviço. Vide contexto e
legislação expostos na introdução desta Dissertação.
121
estilos pedagógicos relativamente cedo em suas carreiras e tendem a estabilizá-los.
Ocorre que os esquemas práticos desenvolvidos durante a docência garantem aos
professores a segurança necessária para enfrentar as complexas exigências da prática de
ensino.
Não é à toa, portanto, que os professores da RC II insistem em utilizar tarefas
tradicionais como a cópia, a aplicação de exercícios de treino ortográfico ou de técnicas
operatórias. São tarefas que fazem parte de um repertório tradicional e que funcionam,
pelo menos, para manter a maioria dos alunos ocupados.
Sobre esse assunto, torna-se relevante observar que, como se verá adiante, na
visão de alguns dos alunos entrevistados, a maior vantagem do material pedagógico era
que ele evitava as desagradáveis e longas cópias. No entanto, os cadernos mostram que
esta é a atividade mais realizada nas aulas.
Segundo Chakur (2000), em estudo sobre as tarefas escolares registradas nos
cadernos de alunos do Ensino Fundamental da rede estadual paulista, as cópias
podem ter algum sentido pedagógico durante a fase de alfabetização, desde que se
considere alguns objetivos bem específicos como aperfeiçoamento da caligrafia ou da
ortografia. Após essa fase, poderia ser justificada como uma prática politicamente
correta para garantir aos alunos, que muitas vezes não têm livros para estudar em casa,
tenham em seus cadernos algumas informações básicas sobre os assuntos trabalhados na
escola. Por isso, talvez, os professores insistam em passar na lousa os textos de
gramática e as descrições geográficas. Mas, sem dúvida
...a cópia é também útil para o
professor para ocupar o aluno e fazê-lo trabalhar de algum modo. É uma atividade que, em
geral, leva tempo e em que professor e aluno sentem que algo está sendo (re)produzido”.
(Chakur, 2000, p. 205).
Em relação aos exercícios de interpretação de texto, gráficos e imagens
trabalhadas nas disciplinas de Português e Geografia, observamos algumas situações
que poderiam ser consideradas positivamente. Esse tipo de atividade, que Chakur
(2000) classifica como atividade criadora, mesmo que executadas por meio de
questionários que direcionam as respostas dos alunos, permitem que, de alguma forma,
os alunos da RC II comecem a expressar suas opiniões. Mas é importante observar que
o tipo de questões propostas pelos professores em alguns desses questionários não
permitem que os alunos realizem a chamada cópia seletiva também segundo
classificação de Chakur (2000). Geralmente, devido a uma série de fatores, os alunos
tendem a responder aos questionários copiando trechos selecionados de um texto. Isso
122
não foi observado nos cadernos examinados. Por mais ingênua que tenha sido a resposta
da aluna na questão referente às vantagens e desvantagens de se morar na zona rural, ela
trazia elementos que poderiam ser trabalhados pela professora no sentido de
problematizar a situação de vida da aluna. Ainda que a problematização não tenha sido
feita ( e é possível, também, que a professora nem tenha lido a resposta), o fato de os
professores, nesse tipo de atividade, não estarem cobrando e aceitando apenas a
reprodução do texto pode ser considerado um pequeno avanço.
COMPARANDO OS CADERNOS DOS ALUNOS
Observando os cadernos de Língua Portuguesa de Miguel e Reinaldo, verifica-se
que o do primeiro aluno é mais completo e que todas as atividades são sempre datadas.
Todos os exercícios propostos pela professora foram realizados e apresentam correções
sinal de certo – que parecem feitas pelo próprio aluno e vistos periódicos da
professora.
O caderno de Reinaldo conta com quatro atividades a menos em relação ao de
Miguel, além disso, apresenta duas atividades não realizadas. Também não é sempre
que o aluno anota a data das lições registradas no caderno. O caderno incompleto se
explica pelas ausências deste aluno que faltou às aulas mais vezes que seu colega, mas
as atividades não realizadas podem indicar que o aluno, algumas vezes, permaneceu em
classe sem realizar as atividades. Há também correções que parecem feitas pelo aluno,
com vistos da professora, mas não, obviamente, nas atividades não realizadas. Deduz-se
que a prática de vistar os cadernos pela professora visa verificar a produção de cada dia
de aula e não para corrigir avaliar a totalidade dos conteúdos e atividades num período
mais longo.
Comparando os cadernos de Língua Portuguesa de Silmara e Salete, observa-se
que o da primeira aluna é bem mais completo embora se verifique que faltam alguns
conteúdos. Entre 14/09/2005 e 27/09/2005, Silmara copiou dois textos sem nenhuma
atividade de interpretação deles, o que não é habitual, pois a professora parece sempre
trabalhar a interpretação de texto. No período entre 13/09/2005 e 25/10/2005, Silmara
realizou sete atividades de português, enquanto Salete duas. A maioria das lições
realizadas por Silmara são datadas, mas nem todas. No caderno de Salete não há
qualquer anotação datada.
123
As diferenças nas anotações escolares confirmam a falta de assiduidade da
segunda aluna, indicam também, como no caso de Reinaldo, que ela não faz as lições
mesmo estando presente nas aulas. No bimestre a aluna faltou em 17 das 49 aulas de
Língua Portuguesa, ou seja, 35 % das aulas, mas ocorre que as duas atividades que
constam no caderno são as únicas até o dia 18/11/2005, data em que esta análise foi
realizada. As atividades citadas são, na verdade, cópia de dois textos que deveriam ser
interpretados. A aluna só copiou os textos e não as questões. Entre um texto e o outro há
um espaço em branco meia página indicando que a aluna tinha intenção de copiar a
matéria perdida. Entretanto não o fez.
No caderno de Matemática da aluna Salete também há registro de uma única
atividade: a cópia de um texto explicativo – definições e exemplos de números decimais
e fracionários.
Enfim, o exame dos cadernos confirma as expectativas positivas da pesquisadora
em relação aos conteúdos completos e organizados de Miguel e Silmara, alunos
considerados, pela equipe escolar, como os melhores da classe. Por outro lado, revela
que a situação da aluna Salete é grave. A aluna, que, como se veadiante, apresenta
muitos conceitos insuficientes e freqüência insatisfatória, está visivelmente desmotivada
para a realização dos estudos e atividades em sala de aula. Parece que Salete, mesmo
estando presente, não entrou realmente na escola.
4.4 – OS ALUNOS DA RC II: SUAS VIDAS, SEUS SONHOS E REALIDADE.
A pesquisa de campo iniciou-se em maio de 2005. Na primeira etapa foram
entrevistados os alunos e analisados alguns documentos escolares: fichas de avaliação
individual dos alunos em 2004 e 2005, as Atas de Resultados Finais de 2004 e os
projetos de Recuperação Paralela desenvolvidos pela escola em 2004.
As entrevistas foram realizadas individualmente, na própria escola, durante o
horário das aulas, com autorização dos professores e da direção. Para sua realização
contou-se com o auxílio de Roteiro elaborado e testado
56
, envolvendo principais itens
postos em destaque no Estudo Preliminar: aplicação do questionário sócio-econômico
56
Agradeço, neste momento, ao auxílio das “pesquisadoras-juízes” do instrumento: Professora Doutora
Luciana Maria Giovanni , professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História,
Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e Professora Doutora Maria Regina
Guarnieri, da UNESP de Araraquara. Agradeço também ao aluno Rafael pela participação na “entrevista-
teste” e colaboração com suas observações.
124
(Anexo III), perfil da vida pessoal e escolar dos alunos, percepção e informações sobre
as classes de Recuperação de Ciclo, aulas, avaliações, relações com os professores e
colegas, disciplina, perspectivas em relação ao futuro.
Numa segunda fase da pesquisa, iniciada no mês de outubro de 2005, foram
analisados os cadernos dos alunos entrevistados. Foram também retomadas as fichas de
avaliação individual para verificar o desempenho e a freqüência escolar dos
entrevistados durante os três primeiros bimestres letivos do ano de 2005.
Os dados obtidos foram organizados em quadros-síntese e tabelas que serão
apresentados e analisados em seguida.
4.4.1. O PERFIL DOS ALUNOS ENTREVISTADOS
O Quadro 3, a seguir, foi organizado com o objetivo de reunir as informações
capazes de traçar o perfil pessoal, familiar e social dos alunos
57
.
Quadro 3 – Perfil dos alunos entrevistados
Aspectos
Alunos
Idade Sexo Cotidiano
fora
da escola
Família: trabalho e
escolaridade
Residência: local
e recursos
Acesso à
informação
Salete
15 feminino - Ouvir
música
- Assistir TV
- 4 pessoas
Mãe: doméstica /
Ensino Fundamental
incompleto
(não mora c/ o pai)
Irmão: ajuda o tio
que é caminhoneiro
Casa própria na
zona urbana
Rádio, TV,
geladeira, chuveiro
elétrico,
Liquidificador
Cerca de 5
livros,
Rádio
(música)
TV (novela)
Adelaide
16 feminino -Ensaiar dança
(axé),
-Estudar,
-Assistir TV
-5 pessoas
Pai: mecânico
Ensino Fundamental
incompleto
Mãe: do lar
Ensino Fundamental
incompleto
Irmão: trabalha
numa academia de
ginástica
Casa própria na
zona urbana
Rádio, TV,
geladeira, aparelho
de som,
vídeo-cassete,
telefone, chuveiro
elétrico,
liquidificador
2 ou 3 livros
Revistas
(femin.)
TV(novela)
Miguel
15 masculino -Ajudar o tio
eletricista
-Jogar bola
e dominó
- 3 pessoas
Tio: aposentado,
faz bicos como
eletricista / E.
Fundamental
Tia: auxiliar de
enfermagem EF ou
EM
Casa própria na
zona urbana
Rádio, TV,
geladeira
aparelho de som,
vídeo-cassete,
DVD,
telefone, chuveiro
chuveiro elétrico,
liquidificador
Mais de 20
livros
Revista (Veja)
TV (filmes)
57
Também aqui os nomes utilizados são fictícios para preservar a regra de anonimato dos sujeitos da
pesquisa
125
Reinaldo
15 masculino -Jogar bola - 4 pessoas
Pai: comerciante / E.
Fundamental
Mãe: caixa posto
de gasolina / E.
Médio
Casa própria na
zona urbana
Rádio, TV,
geladeira
aparelho de som,
vídeo-cassete,
DVD, telefone,
chuveiro,
elétrico,
automóvel,
liquidificador.
Mais de 20
livros
Jornal (da
Região)
TV (jornal e
esporte)
Silmara
17 feminino -Ajudar a mãe
a
cuidar da casa
e da irmã
deficiente
- 7 pessoas
Pai: aposentado
Ensino Fundamental
incompleto
Mãe: do lar
Não estudou
Irmã: aposentada
(deficiente)
Casa própria na
zona rural
Rádio, TV,
geladeira
TV (novela)
Ivo
15 masculino -Trabalhar
com
o pai.no sítio
- 5 pessoas
Pai : agricultor
E.Fundamental
incompleto
Mãe: doméstica
E.Fundamental
incompleto
Casa própria na
zona rural
Rádio, geladeira,
chuveiro
Rádio (música
e jornal)
Edson
21 masculino Trabalha
numa oficina
de reciclagem
-3 pessoas
Esposa: do lar
EF incompleto
Filho: 3 anos
Casa própria na
zona urbana
Televisão,
geladeira, aparelho
de som, chuveiro
elétrico,
liquidificador,
Batedeira de bolo
Mais de 20
livros
TV (Jornal e
programa do
Ratinho)
Ariovaldo
16 masculino Trabalha com
a família no
preparo e
venda de
mudas de
plantas
- 6 pessoas
Pai: freqüentado EF-
EJA
Mãe: freqüentado
EF-EJA
Todos trabalham
com plantas
Casa cedida na
zona rural
Rádio, TV,
geladeira, aparelho
de som, telefone,
chuveiro elétrico,
máquina de lavar
roupa,
liquidificador,
batedeira.
Mais de 20
livros
Jornal s
vezes)
Revistas sobre
plantas (às
vezes)
TV (novela,
Jornal
Nacional)
Os dados reunidos no Quadro 3 permitem observar que, com exceção de um
aluno, os demais estão todos na faixa etária entre 15 e 17 anos. São, portanto, alunos
com pequena defasagem de idade em relação à serie que freqüentam – um ou dois anos.
São alunos que pouco vivenciaram experiências de retenção escolar, pois cursaram a
maior parte do Ensino Fundamental sob o regime de Progressão Continuada e
freqüentaram as séries iniciais desse nível de ensino em Regime de Ciclo Básico
58
. O
atraso escolar desses adolescentes ocorreu exatamente na série, final do Ciclo II, ou
decorreu de evasão e de retenção por faltas. As histórias escolares mais complexas são
58
A maioria cursou o Ciclo Básico (1ª e a 2ª séries) entre 1996 e 1997. Em 1998 entraram no Regime de
Progressão Continuada.
126
as do aluno Edson, que se afastou da escola por vários anos e da aluna Silmara que teve
retenções devido às faltas excessivas.
Do ponto de vista dos recursos econômicos de que dispõem para viver, observa-
se que existem variações entre eles. Alguns alunos Adelaide, Miguel, Reinaldo e Ari
vêm de famílias inseridas no mercado de trabalho em serviços especializados
(mecânico, eletricista) ou atuam no comércio (proprietário e encarregado) e dispõem de
casa própria e alguns confortos domésticos (TV, deo-cassete, DVD, telefone,
geladeira, aparelho de som). Salete e Edson possuem os recursos básicos (TV, geladeira,
chuveiro, som) e têm como fonte de renda familiar empregos pouco especializados
(empregada doméstica e funcionário de uma oficina de reciclagem). Silmara e Ivo são
os mais desfavorecidos economicamente, moram na zona rural, em casas com poucos
equipamentos para conforto doméstico. A família de Ivo também se mantém com
trabalhos pouco qualificados (agricultor e empregada doméstica). A família de Silvana
depende de duas aposentadorias, do pai e da irmã, que é deficiente. Esta última família é
a mais carente, pois além de ser mais numerosa sete pessoas precisa cuidar dos dois
dependentes – o pai tem problemas mentais e a irmã é surda e cega.
Em relação à questão cultural, no entanto, as diferenças são menores. Quase
todos os adultos têm escolaridade limitada ao Ensino Fundamental, muitas vezes
incompleto. Somente a tia de Miguel e a mãe de Reinaldo têm escolaridade média
(como auxiliar de enfermagem e técnico em contabilidade). Nenhuma das famílias tem
microcomputador. Também não compram jornais e revistas regularmente. Somente três
alunos afirmam ter mais de 20 livros em casa.
Vale lembrar que os pais do aluno Ari e a mãe de Edson estão cursando a
Educação de Jovens e Adultos, em nível fundamental. A principal fonte de informação
dessas famílias é a televisão. Os programas preferidos de todos são: novelas, programas
esportivos e o Jornal Nacional.
As opções de lazer são limitadas: além do município não ter espaços culturais,
de recreação e esportivos, os poucos recursos financeiros das famílias não permitem
diversificação das atividades nos dias de folga. O programa de final de semana é a
reunião familiar e a visita a parentes. Somente os alunos Miguel e Ari afirmam fazer
algum passeio familiar diferenciado: ir a um pesqueiro, comer pizza e ir até Cananéia
cidade praiana próxima.
Durante a semana, os alunos que não trabalham ocupam o período em que não
estão na escola ouvindo sica, assistindo à TV, jogando bola e dominó. A aluna
127
Adelaide participa de um grupo de dança (axé). Alguns dos alunos estão no mercado
de trabalho, ainda que atuando com seus pais e familiares. Ivo, de 15 anos, trabalha na
lavoura desde os 13 anos e, sendo esse um serviço penoso, sua atividade não pode ser
considerada trabalho familiar. Ari trabalha com a família que administra um sítio
produzindo mudas de planta para vendas. Miguel ajuda o tio aposentado com o qual
mora, e “faz bicos” como eletricista. Edson, de 21 anos, casado e pai de um filho,
trabalha numa oficina de reciclagem.
O perfil delineado permite supor que os alunos jovens pobres, de uma região
carente do país cresceram em ambientes cujas práticas sociais e culturais mais os
afastam do que os aproximam do universo escolar. Entretanto é preciso evitar que essa
constatação se transforme em perspectiva de análise determinista.
Sem dúvida, o fato de esses alunos terem poucos recursos econômicos dificulta-
lhes o acesso aos meios de comunicação mais modernos (Internet, TV a cabo) e a bens
culturais mais elaborados (livros, jornais e revistas de expressão nacional, produções
artísticas diferenciadas em relação à cultura massificada divulgada pela mídia). Essa
desvantagem no acesso à informação e à cultura elaborada é reforçada pela precária
infra-estrutura de serviços públicos de educação, lazer e cultura da região e cidades
onde vivem. A necessidade trabalhar para ajudar no orçamento familiar ou assumir
responsabilidades domésticas priva alguns desses alunos de se dedicarem aos estudos e,
mesmo, de freqüentarem regularmente a escola. Além disso, há que se considerar as
questões relacionadas à baixa escolaridade das famílias e que implicam no capital
cultural herdado por esses alunos: a diferença entre a cultura familiar e a cultura
acadêmica da escola torna mais difícil o sucesso escolar, na medida em os saberes e as
formas de aprender são diferentes daqueles conhecidos e vivenciados em suas vidas fora
de escola. Todos esses fatores são relevantes, mas não podem explicar, sozinhos, a
situação de fracasso escolar vivenciada pelos alunos da RC II.
Em seus estudos sobre a relação com o saber, Charlot (2000) discute a
interpretação abusiva que a opinião pública e os docentes fizeram das teorias
desenvolvidas pela sociologia dos anos 1960 e 1970 em torno da idéia da reprodução.
Segundo Charlot (2000), esta corrente sociológica, desenvolveu pesquisas interessantes
e chamou atenção para o fato de que existe uma correlação estatística entre a posição
social dos pais e a situação de sucesso ou fracasso escolar dos filhos: os alunos oriundos
das classes sociais mais favorecidas obtêm melhores resultados escolares do que os
alunos das camadas populares. Nesse sentido, admite-se que existe alguma relação entre
128
a origem social e o fracasso escolar, mas essa relação não pode ser simplificada numa
relação de causalidade:
Após ter produzido certo escândalo, a idéia da reprodução foi admitida
e até adquiriu tamanha evidência, que serve amiúde de “explicação” para o
fracasso escolar: se certas crianças fracassam na escola, seria “por causa” de sua
origem familiar; e hoje, de sua origem “cultural” ou “étnica”. Essa interpretação
é inteiramente abusiva. É verdade que o fracasso escolar tem alguma relação
com a desigualdade social. Mas isso não permite, em absoluto, dizer-se que “a
origem social é a causa do fracasso escolar”! (Charlot, 2000, p. 24)
No Brasil as correlações entre a origem social e o fracasso escolar foram alvos
de inúmeras pesquisas. Silva e Davis (1992), em levantamento das publicações sobre o
ensino fundamental nos Cadernos de Pesquisa, no período de 1971 a 1991, verificaram
que os temas relacionados ao fracasso escolar e às características das crianças de meios
populares representaram uma porcentagem significativa dos artigos publicados. Em
estudo mais recente Zago (2000) acompanhou a trajetória escolar dos filhos de 16
famílias da periferia de Florianópolis durante os anos de 1991 a 1998 e constatou que
essa realidade é bastante complexa. Embora a grande parte dos alunos pesquisados
tivesse abandonado a escola sem nenhuma certificação, ou nela permanecido com
grande defasagem entre idade cronológica e série cursada, demonstrando uma trajetória
escolar acidentada, com experiências de retenção e evasão, a citada pesquisadora
verificou que alguns deles conseguiram ultrapassar a barreira do ensino fundamental,
prosseguir no ensino médio e conquistar avanços no processo de inserção social. Esses
casos de sucesso improvável revelam que outros fatores interferem no destino escolar
das crianças e jovens das classes populares:
hoje um consenso, entre os estudiosos da família, sobre as variações
encontradas tanto nas formas de composição do grupo como nas estratégias
educativas, entre outras práticas familiares. Partindo desta consideração,
entendemos que o estudo sobre a realidade escolar nos meios populares, (...),
deve levar em consideração outras dimensões da vida do aluno além da
estritamente escolar, entre elas a participação deste no trabalho e a rede social
da qual faz parte. Neste sentido, nos apoiamos na compreensão dos destinos
escolares, sejam eles de fracasso ou de sucesso, produzidos de forma dialética,
complexa, no quadro de uma configuração de fatores em interdependência
(Lahire, 1997), o que significa adotar uma posição contrária à lógica de fatores
tornados numa relação de causa e efeito. Este procedimento permite observar,
além das variáveis clássicas (como renda, ocupação e escolaridade dos pais),
outros elementos mediadores do curso escolar: as trajetórias sociais, sabendo
que essas produzem diferenças nas experiências e nas visões de mundo; os
129
significados e as práticas de escolarização, entre outros fatores centrais e
periféricos às questões escolares.
(Zago, 2000, p. 20)
Diante do exposto as considerações que se seguem sobre a visão dos alunos da
classe de RC II sobre a escola, seus conteúdos, sua importância e contribuições para o
futuro são importantes pistas para a compreensão das dificuldades enfrentadas pelos
mesmos em suas trajetórias escolares.
4.4.2. O DESEMPENHO DOS ALUNOS E A PARTICIPAÇÃO DOS PAIS NA
ESCOLA
Antes de apresentar e analisar a opinião dos alunos sobre a temática investigada,
considerou-se pertinente conhecer os resultados escolares que determinaram a retenção
dos mesmos no final do Ciclo II, no ano de 2004, e o atual desempenho dos alunos
durante o ano de 2005, em que cursaram o projeto de Recuperação de Ciclo II.
Os Quadros 4 e 5 apresentam dados sobre o aproveitamento e a freqüência dos
alunos entrevistados bem como sobre a presença de seus pais nas reuniões de pais e
mestres, no ano de sua retenção e durante o ano em que se realizou a pesquisa. Eles
procuram mostrar a evolução do desempenho escolar dos alunos em diferentes
momentos de suas trajetórias escolares. O Quadro 5 foi elaborado na primeira etapa da
pesquisa comparando os dados de 2004 com os do 1° bimestre de 2005.
Vejamos:
130
QUADRO 4 : Desempenho dos alunos e presença dos pais às reuniões no ano de
2004 e no 1º. Semestre de 2005
Aspectos
% de
freqüência
Disciplinas
insatisfatórias:
Disciplinas
satisfatórias:
Comparecimento
dos pais às
reuniões
Recuperação Paralela
Ano
Alunos
2004 2005 2004 2005 2004 2005 2004 2005 2004 2005
Salete
90 81 Português
Geografia
Ciências
Mat.
Ed. Fís.
Ed. Art.
História
Mat.
Geografia
História
Inglês
Português
Ed. Art.
Ciências
Inglês
3ª bim.
4° bim.
Comp. Português
1º e 2º
semestre
Mat.
1º e 2º
semestre
Não há
Período
Noturno
Adelaide
88 65 Português
Geografia
Mat.
Ciências
História História
Inglês
Ed. Fis.
Ed. Art.
Português
Geografia
Ciências
Mat.
Ed. Art
Inglês
2º e 3°
bimestre
n. c. Português
1° semestre
Mat.
2° semestre
Não há
Período
Noturno
Miguel
s/ n° 96 Evadiu Nenhuma Evadiu Todas
bimestre
Comp Português
1° semestre
Não há
Período
Noturno
Reinald
o
88 87 Português
Matem.
Geografia
História
Ciências
Ed. Fís.
História
Matem.
Inglês
Ed. Art
Português
Geografia
Ciências
Inglês
Ed. Art
2° e 3°
bimestre
Comp. Português
2° semestre
Mat.
2° semestre
Não há
Período
Noturno
Silmara
60 91 Português
Matem.
Geografia
Ciências
Ed. Fís.
Ed. Art.
Nenhuma História
Inglês
Todas 2° e 4°
bimestre
Comp. Português
2° semestre
Não há
Período
Noturno
Ivo
65 87 Português
Matem.
Geografia
História
Ciências
Inglês
Ed. Art.
Geografia
História
Ed. Fis. Português
Matem.
Ciências
Inglês
Ed. Art
bimestre
Comp. Português
2° semestre
Não há
Período
Noturno
Edson
s/ n° 75 Evadiu Geografia
Evadiu Português
Matem.
História
Ciências
Inglês
Ed. Art
Maior de
idade
Maior
de
idade
Não há
Período
Noturno
Não há
Período
Noturno
Ari
Não
estudo
u
93 Não
estudou
Português
Geografia
História
Ciências
Não
estudou
Ed. Art.
Matem.
Inglês
Não
estudou
n. c. Não
estudou
Não há
Período
Noturno
Na comparação estabelecida no Quadro 4, feita no início do ano, percebia-se que
os alunos estavam apresentando melhor rendimento e freqüência em 2005. Com
exceção de Adelaide, todos os alunos apresentavam presenças iguais ou superiores ao
mínimo exigido pela Lei (75% do total da carga horária prevista no calendário escolar).
A maioria também atingia aproveitamento satisfatório em um maior número de
131
disciplinas neste bimestre do que no final de 2004. Apenas Miguel e Silmara
conseguiram aprovação em todas
as matérias. Ari e Salete eram os que tinham maiores
problemas de aproveitamento com menções insatisfatórias em 4 e 3 disciplinas,
respectivamente.
O Quadro 4 também permite observar que, em alguns casos, não havia muita
coerência entre os resultados de 2004 e 2005. Salete e Adelaide tiveram bom
aproveitamento em História em 2004, mas apresentavam desempenho insatisfatório na
disciplina no início de 2005. Isso pode significar que a recuperação fez as alunas
regredirem em 2005. Pode-se pensar que a queda de rendimento pode ser resultado do
aumento das faltas das alunas? Salete e Adelaide tiveram aumento na porcentagem de
faltas neste ano. Mas por que só há “regressão” na disciplina História?
Constatou-se que todos os alunos tiveram rendimento insatisfatório em
Português e Matemática em 2004 e que, nesse ano, somente Salete, Reinaldo e Ari
apresentavam problemas na última disciplina. Todos, com exceção de Ari, estavam indo
bem em Português.
Os dados referentes à realização de recuperações paralelas demonstram que os
alunos retidos em 2004 tiveram oportunidade de recuperar seu desempenho nos
projetos. Todos, com exceção de Edson e Ari, foram encaminhados para recuperação
em Português durante o ano, mas não conseguiram aproveitamento satisfatório na
disciplina. Apesar de todos terem reprovação em Matemática, só três alunos foram
encaminhados para projetos de reforço na disciplina: Salete, Adelaide e Reinaldo.
Entretanto, os registros disponíveis na escola demonstram que os resultados desses
projetos não têm sido satisfatórios, principalmente devido à baixa freqüência dos alunos
(cerca de 40% dos alunos encaminhados para a recuperação paralela não compareciam
às aulas). Neste caso, a escola alega que a falta de transporte e merenda dificulta a
participação na recuperação paralela, pois a mesma ocorria em horário diverso ao das
aulas até o ano de 2004. Segundo a direção da escola, os alunos da zona rural eram os
mais prejudicados com essa situação. Essas informações confirmam o estudo realizado
por Pereira (2005) e comentado nos Capítulos 2 e 3 desta Dissertação, que concluiu
sobre a ineficiência desse tipo de projeto.
Finalmente, sobre a presença dos pais nas reuniões escolares observa-se que a
freqüência deles não é assídua. Em 2004 os pais mais freqüentes vieram apenas a duas
reuniões durante o ano. Mas no primeiro bimestre de 2005 somente dois pais deixaram
de comparecer à escola para ver o aproveitamento de seus filhos (embora, alguns pais
132
não tivessem comparecido na data da Reunião de Pais e Mestres, estiveram na escola
durante o 2º bimestre letivo).
Verifica-se, não obstante às incoerências anteriormente citadas, que a situação
do desempenho escolar dos alunos era relativamente positiva no início do ano.
Infelizmente essa situação não se manteve nos bimestres posteriores, conforme se pode
observar no Quadro 5, que mostra o aproveitamento e a freqüência dos alunos
entrevistados nos três bimestres já decorridos em 2005, conforme segue:
Quadro 5 : Desempenho dos alunos e presença de seus pais na escola até o 3°
bimestre de 2005
Alunos
Discipl. Bimestre Adel. Ivo Miguel Reinal.
Salete Silm. Ari Edson
1º bim.
B C A C C B
D C
2° bim.
C C A C
D B E C
L. Port.
3º bim.
D C A C D A D D
1º bim.
C C B
D D C C C
2° bim.
E D A D D C C C
Mat.
3º bim.
D E B C D C C B
1º bim.
C B A B C B
D B
2° bim.
E C A D D B C C
Cienc.
3º bim.
D D A B D C D C
1º bim.
D D A D D C D C
2° bim.
E D A D E C E B
Hist.
3º bim.
E D A B E B E C
1º bim.
C
D A C D C D D
2° bim.
E D A D D C C B
Geo.
3º bim.
C
D A A E B D C
1º bim.
A A A A A A A A
2° bim.
B C A C C A C B
Ed. Art
3º bim.
C B A B B A C C
1º bim.
- - - - - - - -
2° bim.
C B - C C A - -
Ed. Fís.
3º bim.
B C - A B C - -
1º bim.
C C A C C C C C
2° bim.
E E A E E B C C
Inglês
3º bim.
E E A C E C C C
Total de conceitos
insatisfatórios.
11
11
0
7
15
0
10
2
1º bim.
65 % 87 % 96 % 87 % 81 % 91 % 93 % 75 %
2° bim.
38 % 73 % 100 % 77 % 62 % 86 % 40 % 57 %
Freq.
3º bim.
50 % 77 % 93 % 92 % 65 % 91 % 48 % 64 %
Freq.
Total 53 % 78 % 96 % 87 % 73 % 90 % 65 % 63 %
n. c. comp comp Comp Comp Comp n. c. maior
n. c. n. c. comp. n. c. Comp Comp n. c. maior
Pais
na
RPM
1º bim.
2° bim.
3º bim.
n. c. n. c. n. c. n. c. Comp n. c. n. c. maior
133
O Quadro 5 revela que, com exceção de Miguel e Silmara, os demais alunos
pioraram em aproveitamento e/ou freqüência.
As situações mais gritantes são as de Salete, Adelaide e Ari. Os três estão com
assiduidade insuficiente e com dez ou mais conceitos insatisfatórios em diferentes
disciplinas. Adelaide e Ari são prováveis candidatos a nova retenção por nota e
freqüência. Salete, embora tenha o pior aproveitamento do grupo de entrevistados, se
melhorar a freqüência às aulas pode até ser promovida, uma vez que as Normas
Regimentais Básicas não prevêem a ocorrência de retenção ao final da Recuperação de
Ciclo, esta ocorre por motivo de freqüência insatisfatória. Dentro desse critério, Ivo,
mesmo apresentando muitas dificuldades em disciplinas como História, Geografia,
Matemática e Inglês deverá ser aprovado se continuar freqüentando a escola
regularmente.
Também merece destaque o caso de Edson que, embora tenha freqüência
insatisfatória, apresenta um aproveitamento escolar relativamente bom: têm conceito
insuficiente em duas disciplinas e em bimestres distintos. Se ele não abandonar a escola,
mais uma vez, o Conselho de Classe poderá promovê-lo, considerando que as faltas não
prejudicaram o seu desempenho escolar a legislação prevê esta autonomia para o
Conselho.
Sobre a presença dos pais nas reuniões escolares, observa-se que houve uma
diminuição no decorrer do ano letivo de 2005. Observa-se, também, que os pais cujos
filhos apresentam os piores desempenhos têm comportamentos distintos. Os
responsáveis por Adelaide e Ari nunca compareceram na escola este ano, enquanto que
a mãe de Salete foi a que mais participou das reuniões escolares. Esta última situação
demonstra que o acompanhamento da vida escolar dos filhos pelos seus pais, embora
muito importante, não garante por si só o bom desempenho dos alunos.
4.4.3. VISÃO DOS ALUNOS SOBRE A ESCOLA E SOBRE OS CONTEÚDOS
ESCOLARES
No Quadro 6, apresentado a seguir, estão reunidas as informações coletadas nos
depoimentos dos alunos acerca de visão que expressam sobre a escola e suas relações
com o universo escolar numa perspectiva que toma o tempo como eixo dessa relação,
isto é, as perguntas solicitavam dos alunos suas lembranças passadas (positivas e
134
negativas) dessa relação com a escola, as relações atuais, a importância dos estudos e
dos conhecimentos adquiridos em relação à vida presente, bem como suas perspectivas
para o futuro.
Quadro 6 : Visão dos alunos sobre a escola e sobre os conteúdos escolares
Aspectos
Alunos
Lembranças
positivas
Lembranças
negativas
Relação atual
com a escola
Aprendizados
importantes
na escola
Perspectivas
de futuro
Relação entre
os conteúdos e a
vida
Salete
Algumas
atividades
escolares.
Festas.
Não tem Gosta da escola
Acha a escola
importante, mas
não sabe dizer
porque.
Lições, estudos
(Não conseguiu
ser mais
específica)
Concluir o
Ensino Médio
Nunca pensou
sobre depois
do Ensino Médio
Matemática:
Para trabalhar
num lugar
precisa fazer
contas.
História e
Geografia: não
consegue
responder.
Adelaide
Não tem Ter repetido
a 8ª série, ser
levada para
a Diretoria
Antes não gostava.
Hoje gosta.
Acha a escola
importante para ter
um futuro melhor
Entender os
outros
Ouvir suas
opiniões
Pensar melhor
na vida.
Concluir o
Ensino Médio
Fazer Faculdade
de Educação
Física
Matemática:
Serve para esse
negócio de
contabilidade.
Miguel
Nas séries
iniciais
aprendia
mais...os
alunos eram
menos
Bagunceiros
Não tem Antes não gostava.
Hoje gosta.
Acha a escola
importante para
conseguir um
serviço
Escrever e ler.
Saber sobre o
planeta, a
civilização e o
sistema
econômico do
país e do mundo.
Concluir o
Ensino Médio
Fazer faculdade
ou cursos de
aperfeiçoamento
Encontrar um
emprego melhor
Não respondeu
Reinaldo
Jogos inter-
classes,
Campeonato
Escolar
Não tem Gosta de escola : é
melhor do que não
fazer nada em casa
Escola é
importante para:
ter futuro melhor,
arrumar emprego
melhor.
Acha que todas
as coisas que
aprendeu
na escola são
importantes
porque estão
servindo...
Concluir o
Ensino Médio
Fazer Faculdade
de Engenharia
Tudo que eu
aprendi ta me
servindo.
Matemática:
Serve pra
arrumar um
emprego melhor
para mim
Silmara
Uma palestra
sobre drogas,
Não tem Gosta da escola
e de estudar.
Acha que ficar em
casa é péssimo.
(O estudo) vai
fazer falta para a
gente. Para
arranjar emprego.
Acha que tudo
vai ser útil
quando for
procurar um
emprego.
Concluir o EM.
Fazer faculdade,
apesar das
dificuldades
econômicas da
família.
Ser radialista
Tudo que a gente
aprende(...)acho
que vai ser útil.
Matemática: em
qualquer área
que a gente
esteja
trabalhando, ela
faz parte.
135
Ivo
Não
respondeu
Professora de
Matemática:
tinha
notas baixas
a professora
não gostava
de mim.
Gosta da escola
Quer estudar de
manhã, porque
trabalhar de dia e
estudar à noite é
puxado. Escola
serve para dar
futuro melhor
Acha que não
aprendeu nada de
importante.
Concluir o EF
para
poder continuar
estudando.
Concluir o EM
para
arrumar um
emprego
e continuar a
vida
Matemática:
ajuda a fazer
contas num
serviço.
Ciências: ajuda
em tudo (não
sabe dizer no
quê)
Edson
As amizades,
os
professores,
os
conheciment
os
Chorava
quando a
mãe o
deixava na
escola.
Gosta da escola
e de aprender:
É bom aprende.
Para você arranjar
um serviço, tem
que ter estudo.
Aprendeu várias
coisas que não
sabia. É a
Matemática
que mais ajuda
no dia a dia.
Português
também ajuda
Concluir o
Ensino
Fundamental e o
Médio.
Ser bombeiro
Matemática:
Tenho que pagar
os empregados.
Aí tem que
somar.
Ari
Não tem Quando foi
acusado
injustamente
de ter
quebrado o
braço de um
moleque
Gosta de vir para a
escola quando está
bem humorado.
Quando tem algum
problema em casa,
no trabalho, ou
quando discute
com uma menina,
não vem para a
escola.
A escola é
importante: se a
gente quer ter algo
no futuro, a gente
tem que começar a
batalhar desde já.
Sobre
preservações...ar
tistas e sobre
épocas passadas.
Fazer faculdade
de
Administração
Os
conhecimentos
escolares
ajudam, eu posso
não precisar
agora...mas
daqui para
frente eu vou até
precisar.
Os dados do Quadro 6 apresentam uma aparente aceitação da escola, pois todos
dizem gostar da escola e acham que os estudos são importantes para se ter um futuro
melhor. Entretanto, numa análise mais atenta, pode-se observar que seus sentimentos e
expectativas em relação à escola são bem mais complexos.
Entre as lembranças e impressões expressas pelos alunos sobre suas experiências
escolares, certo equilíbrio entre os aspectos positivos e negativos citados:
quantitativamente, mais recordações positivas, mas qualitativamente, mais
sentimento nas lembranças negativas.
Embora cinco alunos afirmem ter boas recordações da escola, nem todos
demonstraram o mesmo entusiasmo. Salete e Silmara tiveram que pensar um pouco para
dizer, genericamente, que gostam das atividades daqui da escola e das palestras.
Reinaldo também demorou a lembrar dos jogos escolares, reforçando que era isso.
Somente Miguel e Edson dão depoimentos mais entusiasmados e afetivos. O primeiro
136
fala com saudade dos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos quais havia menos
bagunça e se aprendia mais. O segundo fala das amizades, dos professores e dos
conhecimentos, mas, também, somente após sugestão da entrevistadora. Os demais
alunos dizem claramente que não têm boas recordações das escolas que freqüentaram.
As recordações negativas são em menor quantidade. Apenas quatro, mas são, em
sua maioria, lembranças imediatamente apontadas e visivelmente marcantes. Ivo
demonstra muita mágoa em relação à professora de Matemática que lhe dava notas
baixas”. Ari não esquece a injustiça de que foi vítima quando o acusaram de ter
quebrado o braço de um colega. Edson lembra-se de que, no primeiro ano, ficava
chorando quando a mãe o deixava na escola. Adelaide não gostou de ser reprovada na 8ª
série e das vezes em que foi levada para a Diretoria. Além disso, esta aluna também
afirmou que parou de estudar na série, não aceitou ficar na escola e só no ano
seguinte voltou para cursar a série inicial. Os relatos de Adelaide e Edson indicam que,
apesar da escolarização obrigatória ser um fato socialmente aceito e atingir quase
100% da população, para muitas crianças o momento de ingresso no ambiente escolar
ainda significa uma ruptura.
No que diz respeito à relação atual com a escola, todos dizem gostar da escola
em que estudam, mas pode-se inferir que, muitas vezes, trata-se de uma reposta formal,
induzida pela situação da entrevista: os alunos sabiam que conversavam com uma
professora, que fazia uma pesquisa sobre educação escolar e que essa pessoa
provavelmente valorizava a escola. Mesmo assim, alguns alunos fazem suas ressalvas:
Adelaide, Miguel e Ivo admitem que, antes, não gostavam da escola, mas que agora
estão começando a gostar dela” e que isso se deveu em parte à própria classe de RC,
especialmente aos colegas (no caso de Adelaide) e a certo amadurecimento pessoal (no
caso de Miguel e de Ivo).
o aluno Ari foi mais sincero ao dizer que o é sempre que gosta de vir à
escola. gosta de vir quando está bem humorado, ou seja, quando não tem nenhum
problema em casa e no trabalho ou quando não discute com alguma menina.
Quando questionados sobre o porquê de gostarem da escola, a formalidade da
resposta afirmativa se revela. Salete disse, genericamente, que “gosta de aprender”, mas
não consegue dizer que tipo de conhecimentos adquiriu na escola e que considera
importante. Reinaldo confessou que vir para a escola é melhor do que ficar em casa
sem fazer nada”.
137
Em direção semelhante, mas um pouco mais dramática, Silmara e Ivo, deixaram
claro que a escola era uma realidade bem melhor do que seus cotidianos. Sem fazer
qualquer referência aos problemas de sua família a aluna disse que achava péssimo ficar
em casa. A aluna não diz por que, mas ao empregar a palavra péssimo, talvez, estivesse
se referindo a um cotidiano extremamente pesado para uma adolescente: a vida numa
casa sem conforto e diversões, na zona rural, ajudando a mãe a cuidar da casa e da irmã
deficiente. Entretanto, em nenhum momento da entrevista Silmara demonstrou sinal de
revolta em relação à sua situação familiar. Ivo, por sua vez, deixou bastante claro que é
muito difícil trabalhar o dia inteiro na lavoura e vir estudar à noite. Quer voltar a estudar
de manhã, pois assim trabalhará na lavoura só meio período.
Observa-se nas respostas dos alunos que o “gostar da escola” não é
entusiasmado, que as mágoas e as injustiças são dificilmente esquecidas, que nem
sempre gostaram e gostam da escola, mas que não têm outras opções de vida social.
Nesse sentido aceitam a escola como algo que faz parte de uma realidade à qual estão
acostumados e à qual aprendem a se acostumar. Por outro lado, a escola é,
provavelmente, para muitos desses alunos, o único ambiente em que podem encontrar
amigos, rir, brincar.
Sobre o aprendizado escolar, percebe-se que são pouco significativos. A maioria
acredita que os saberes escolares serão úteis no futuro, mas não são atrativos em si
mesmos. Quando questionados a respeito dos conhecimentos importantes adquiridos na
escola, sentem dificuldade em apontá-los.
Pensando nas categorias de saber criadas por Charlot (2001), pode-se dizer que
Miguel e Ari foram os únicos a valorizar os saberes escolares. Miguel, inicialmente,
destacou a importância de ler e escrever, que considerou como base para os demais
aprendizados e, em seguida, se colocou numa perspectiva de natural curiosidade
humana em relação ao mundo físico, natural e social:
(...)
A coisa mais importante que é ... aprender a ler e escrever. Que é uma das
coisas mais importante. Mas, depois, você vai aprendendo sobre o planeta, a
civilização, como é o sistema econômico do mundo e do país (Miguel, 2005).
Ari também citou conhecimentos da cultura acadêmica, sem, entretanto,
demonstrar entusiasmo:
...
(Aprendi) Sobre...preservações...artistas...sobre épocas passadas (Ari, 2005)
138
Ainda segundo as categorias de Charlot (2001), a aluna Adelaide valorizou os
saberes ético-morais:
(.
..) Eu aprendi a entender os outros...Aprendi a deixar os outros falar também,
dar as opiniões deles. Eu aprendi a pensar melhor na minha vida (Adelaide,
2005)
Os demais alunos não conseguiram sequer citar conhecimentos adquiridos na escola.
Salete disse que “aprendeu muitas lições e estudos”. Edson aprendeu “várias coisas que
não sabia”. Reinaldo falou que tudo que tinha aprendido estava servindo, mas não
soube dizer para quê.
Essa dificuldade em identificar os conhecimentos escolares mais relevantes
também foi percebida por Meconi (2004), em sua pesquisa sobre da visão dos alunos do
Ciclo II do Ensino Fundamental acerca da escola. Quando falam sobre as aprendizagens
escolares mais importantes adquiridas na escola, citam principalmente as que se referem
aos comportamentos e atitudes necessários ao bom convívio social, ou seja, aos saberes
ético-morais: conviver, respeitar o outro, amizade, solidariedade, educação. Poucos
conteúdos escolares propriamente ditos são citados: reprodução humana, reciclagem e
flora. três exemplos de relacionamento entre os conteúdos escolares e os debates
políticos e econômicos do contexto social atual: mencionam a questão do desemprego,
assuntos divulgados na imprensa e a política econômica da Brasil. Entretanto, que se
lembrar que a pesquisa de Meconi (2004) teve como sujeitos alunos selecionados pela
direção e coordenação da escola investigada, considerados como “bons alunos” pela
escola, portanto aqueles que, em tese, conseguem se apropriar com mais facilidade dos
conhecimentos acadêmicos oferecidos pela escola.
Os dados do Quadro 6, também, confirmam os balanços de saber realizados por
Charlot (2001). Segundo esse autor, os jovens valorizam mais os saberes ético-morais
do que os conhecimentos escolares. Mas para alguns alunos os conteúdos
trabalhados pela escola parecem ser totalmente dispensáveis. Tal foi a opinião do
aluno Ivo que, em sua entrevista, chegou a afirmar que não tinha aprendido nada de
importante em todos os seus anos de escola. Da mesma forma se manifestou um dos
entrevistados pelo CENPEC e LITTERIS (2001), as coisas aprendidas na escola são
“pouco importantes, (...) pois não se usa em certos empregos, e sim, para se formar”.
(CENPEC e LITTERIS, 2001, p. 46).
Na pesquisa aqui relatada, a maioria dos alunos não consegue relacionar os
conhecimentos escolares com a vida cotidiana. Apenas Edson consegue estabelecer essa
139
relação com mais facilidade. Este aluno afirma, sem vacilar, que usa a Matemática em
seu trabalho para pagar os empregados. A questão sobre a aplicação prática dos
conhecimentos escolares não foi feita para Miguel, pois ele não vacilou em citar
conteúdos escolares que acha importante. Os demais alunos não conseguem perceber a
aplicação dos conteúdos estudados nas aulas em suas atividades diárias. Para todos, no
entanto, os conhecimentos escolares podem facilitar o acesso ao mercado de trabalho.
Para estimular os alunos a pensar mais sobre a questão, a entrevistadora pedia
exemplos concretos de aplicação dos conhecimentos escolares a partir de diferentes
disciplinas:
Entrevistadora - ...Pense em alguma coisa que você aprendeu.
Reinaldo - Deixa eu ver...As equações de Matemática, eu aprendi bem.
Entrevistadora: E você sabe como elas podem te ajudar na vida?
Reinaldo - Sei.
Entrevistadora: No que?
Reinaldo: Pra arrumar um emprego melhor.
Entrevistadora – Você aprendeu bastante coisas nas aulas de História, de
Geografia. Você percebe que essas coisas ajudam você na sua vida?
Salete - Ajudam.
Entrevistadora – No que, por exemplo?
(Silêncio. Não consegue responder.)
Entrevistadora – A Matemática, então. Você acha difícil, mas acha que é
importante saber Matemática?
Salete – Eu acho.
Entrevistadora – E o que você faz com o que aprende em Matemática?
Salete Ah! Você vai trabalhar num lugar, você precisa fazer algumas
contas...Aí é bastante importante mesmo a Matemática. Você precisa bastante.
Adelaide afirma que a Matemática é importante para usar nesse negócio de
contabilidade”. Ivo diz que a Matemática serve para fazer alguma conta no serviço”.
Silmara acha que a Matemática faz parte de tudo” e que em qualquer área que a
gente esteja trabalhando, ela faz parte, ela sempre vai estar presente”. Curiosamente,
estes jovens acreditam que os conhecimentos matemáticos vão ajudar no trabalho
futuro, mas não lembram que usam a Matemática em muitas outras situações cotidianas.
Considerando outras disciplinas a relação é ainda menos perceptível. Enfim
parece que os conhecimentos escolares não têm significado na realidade presente, são
sempre promessas para o futuro, como resume Ari:
Entrevistadora Em que, você acha, que lhe ajudam os conhecimentos
escolares?
140
Ari Acho que me ajudam...Por exemplo...Eu posso não precisar agora...mas
daqui para frente eu vou precisar até.
Diante de conhecimentos que muitas vezes lhes parecem inúteis, parece que
estes alunos encaram a escola como uma provação a ser premiada com uma certificação
que permitirá um futuro melhor, na medida em que poderá possibilitar uma posição
mais privilegiada no mercado de trabalho. O saber escolar pode não ser o importante,
mas para se ter um serviço melhor
precisa ter estudo(Edson, 2005)
e por isso
a gente
tem que batalhar desde já” (Ari, 2005).
Mesmo questionando-se a ideologia da empregabilidade, a qual será discutida
adiante, que se considerar que a crença nas oportunidades que a escolarização pode
oferecer no processo de inserção mais qualificada no mercado de trabalho é um fator
que dá uma significação mais concreta à vida escolar de alguns alunos. Acreditar ou não
na possibilidade de melhorar de vida por meio dos estudos é um importante fator na
construção de trajetórias escolares diferenciadas dentro das classes populares. Neste
sentido torna-se bastante relevante o fato de a maioria dos alunos da RC II entrevistados
ter projetos de futuro que envolvam o prosseguimento de seus estudos.
Quando questionados sobre suas
perspectivas após a conclusão do Ensino
Fundamental, todos afirmam que pretendem seguir para o Ensino Médio e a maioria
espera cursar o Ensino Superior. Alguns pensam em cursos específicos: Adelaide,
Educação Física; Reinaldo, Engenharia; Ari, Administração. Miguel pensa em fazer
uma faculdade ou cursos de aperfeiçoamento para encontrar um emprego melhor”.
Silmara, mesmo sabendo das dificuldades econômicas de sua família, gostaria de cursar
uma faculdade e ser radialista”. Mesmo assim, a relação que estabelecem entre a
escola e o futuro parece ser, conforme Giovanni (2005), em estudo sobre situações de
desigualdades vividas por alunas de cursos superiores de formação de professores,
muito mais a relação “certificado-emprego” do que a relação “conhecimento-trabalho”.
Três alunos expressam que não pretendem fazer o Ensino Superior. Salete nunca
pensou no que fazer após o Ensino Médio. Edson e Ivo querem concluir o Ensino Médio
para conseguir um emprego melhor, mas enquanto o primeiro ainda pensa em realizar o
sonho de infância, “ser bombeiro”; o segundo não traça planos para o futuro. Parece que
Ivo não acredita que possa alcançar algo muito melhor. Em seu depoimento demonstra
que ficaria feliz apenas em deixar o trabalho agrícola:
141
(...)
Vontade tem, né. que sítio não nada. Quero é mais voltar para a
cidade e continuar a vida de antes (Ivo, 2005).
Sem estabelecer uma relação significativa com os conteúdos acadêmicos
trabalhados na escola e sem as condições escolares e sociais para traçar projetos de
futuro que envolvam o prosseguimento dos estudos, parece ser difícil que alunos como
Salete e Ivo superem sua situação de fracasso escolar.
4.4.4 VISÃO DOS ALUNOS SOBRE A RETENÇÃO E SUAS DIFICULDADES
ESCOLARES
O Quadro 7 a seguir apresenta informações sobre o impacto sentido pelos alunos
e suas famílias diante da retenção ao final do ciclo II, assim como a percepção dos
mesmos sobre suas dificuldades e facilidades em às diferentes disciplinas do currículo
escolar. Tais informações permitem identificar alguns fatores aos quais os alunos
parecem atribuir a responsabilidade pelo fracasso escolar.
Quadro 7 – Visão dos alunos sobre a retenção e suas dificuldades escolares
Aspectos
Alunos
Impacto da retenção para o
aluno e sua família
Matéria mais difícil e motivo Matéria mais cil e
motivo
Salete
Desconfiava.
A mãe ficou superbrava.
Matemática
Por causa das contas, por que
eu sou ruim...”
Inglês
Não sabe explicar porque.
Adelaide
Sabia
Não levou a sério.
A mãe falou um monte.
Matemática
Acho que é por causa que eu
não gosto
Inglês.
Eu acho mais fácil.
Miguel
Não reprovou.
Parou de estudar.
Voltar a estudar foi condição para
ir morar com o “tio”
Matemática
É muita conta, né. Muito
número.
Geografia
Porque é só decorar...
Matemática não tem como
decorar.
Reinaldo
Esperava.
Brincou no começo do ano.
O pai ficou bravo
Matemática
Porque eu não sou chegado
em Matemática. Não gosto
muito
Educação Física
Não respondeu porque.
Silmara
Sabia que as notas eram baixas.
Faltou muito por necessidade.
A família ficou triste, mas
entendeu.
Matemática
Olha, eu não sei como
explicar...
mas, na Matemática eu me
complico.
Eu não gosto, o tenho
facilidade.Mas estudo e tento
superar as dificuldades
Português
Não sabe dizer.
Sempre teve facilidade...
142
Ivo
Não esperava.
Faltou muito.
Perdia o ônibus escolar.
O pai ficou bravo.
Inglês
Ah! Não entra na cabeça.
Português
É mais fácil
Tenho mais liberdade para
responder as questões
Edson
Não reprovou.
Parou de estudar.
Português e Inglês
Sempre teve dificuldade.
Não sabe dizer porque.
Matemática
Tenho mais facilidade para
aprender.
Ari
Esperava reprovar (em 2003)
porque tinha muitas faltas. Os
pais acharam ruim um pouquinho
.
Não respondeu Não respondeu
A leitura do Quadro 7 permite algumas observações acerca das impressões dos
alunos e de suas famílias sobre a retenção ao final do Ciclo II e sobre as dificuldades de
aprendizagem que ainda encontram no processo de escolarização.
Em relação à retenção, constata-se que ela não foi inesperada para maioria dos
alunos. Cientes de suas notas, ou de suas faltas, os entrevistados sabiam ou
desconfiavam que iam ser reprovados no final do Ciclo II.
Entre os que foram reprovados por aproveitamento insuficiente, Adelaide e
Reinaldo assumem a própria responsabilidade pelo fracasso: reconhecem que brincaram
e não levaram a sério os estudos. Salete diz que desconfiava da reprovação, mas achava
que talvez conseguisse passar. Talvez, esta aluna, que na entrevista nunca aprofundava
as respostas, não tivesse refletido sobre a questão durante o ano. Estudando no regime
de Progressão Continuada, Salete poderia estar acostumada a passar de ano sem ter bom
aproveitamento escolar.
Esse é um aspecto importante. Até que ponto os alunos são informados sobre o
próprio funcionamento do sistema escolar do qual fazem parte? As entrevistas
realizadas tanto no estudo preliminar, quanto no estudo principal demonstram que os
alunos não dominam toda a nova terminologia dos mecanismos escolares implantados
na rede estadual com a adoção do regime de Progressão Continuada (vide especialmente
o Quadro 8). Parece que as mudanças decorrentes da implantação do ensino ciclado não
foram suficientemente discutidas e compreendidas pelos alunos. De fato, os alunos
tendem a considerar natural “passar de ano” apesar de seu comportamento e
desempenho pouco esperado para isso.
Ivo é um exemplo dessa situação. Entre os alunos que reprovaram por falta, ele
foi o único a dizer que não esperava reprovação e que esta aconteceu por causa das
faltas. Na verdade, a retenção deste aluno não foi motivada somente pelas faltas, pois
seus conceitos foram insatisfatórios durante todo o ano. Por sua vez a aluna Silmara
143
admite que tinha esperança de passar, mas sabia de suas notas vermelhas. A aluna
reconhece que as faltas refletiam no desempenho escolar:
“Quando a gente falta, a gente
perde explicações e então não tem como (tirar notas boas)”.
Miguel e Edson nem chegaram a ser reprovados, pois abandonaram da escola em
2004. Entretanto, Miguel havia sido reprovado na série, em 2003, por faltas. Ari
não estudou durante 2004, mas foi reprovado na 8ª série em 2003, também por faltas.
Sobre suas dificuldades no estudo, a maioria dos alunos considerou a
Matemática como a disciplina mais difícil: cinco alunos. A outra disciplina apresentada
como difícil foi Inglês: apontada por dois alunos. Somente um dos entrevistados citou
ter dificuldades em Português.
Entre as disciplinas classificadas como fáceis maior variação: duas citações
para Português, duas para Inglês, uma para Geografia, uma para Educação Física e uma
para Matemática.
Se cruzarmos as informações deste quadro com as dos Quadros 4 e 5, que
apresentam o desempenho escolar dos alunos no ano em que foram retidos e nos três
primeiros bimestres do ano em que cursaram a Recuperação de Ciclo II, veremos que
nem sempre as opiniões dos alunos sobre suas dificuldades e preferências se refletem
nos conceitos registrados nos documentos escolares. Se é verdade que todos foram
reprovados em Matemática em 2004, neste ano de 2005 esta não é a disciplina na qual
os alunos têm apresentado pior desempenho. Por outro lado, embora nenhum aluno
tenha se referido às disciplinas História e Geografia como difíceis, o maior número de
conceitos insatisfatórios durante o transcorrer do ano tem sido nestas matérias. Talvez
isso possa ser explicado por questões referentes à sistemática de avaliação dos
professores e da própria metodologia de ensino dos mesmos.
Sobre os motivos das dificuldades, constata-se que os alunos atribuem as
mesmas a si próprios. Pela visão dos entrevistados, nunca o problema está na escola, no
professor e em sua metodologia. Salete afirma que vai mal em Matemática: porque eu
sou ruim”. Silmara diz: na Matemática eu me complico”. Ivo fala que Inglês não
entra na sua cabeça”. Edson não sabe dizer por que, mas sempre teve dificuldade em
Português e Inglês.
Adelaide e Reinaldo têm uma explicação motivacional. Acham que vão mal em
Matemática porque não gostam da disciplina”. Neste caso, assumem a
responsabilidade pelo mau desempenho na disciplina, mas sem se atribuírem falta de
144
capacidade. É como se dissessem que, se gostassem e se dedicassem, teriam condições
de ter melhor aproveitamento.
Somente Miguel tem uma explicação não vinculada a suas características
pessoais. Diz que a Matemática é uma disciplina que exige mais do aluno porque não
pode ser decorada, como a Geografia”. Na verdade o que ele observa é que existem
formas de cobrança diferentes, que podem facilitar ou dificultar os alunos na hora de
uma avaliação: os alunos vão bem em Geografia porque decoram a matéria e isso não
é possível em Matemática”. De qualquer, forma este aluno percebe diferenças nas
habilidades cobradas em cada disciplina e não coloca a sua dificuldade como um
problema pessoal.
Estas considerações sobre como percebem e explicam o fracasso escolar
envolvem dimensões afetivas, os chamados dispositivos destacados por Pérez Gómez
(2002): apego, autoconceito, auto-estima, lugares de controle e orientações
motivacionais.
Assim como foi observado no Estudo Preliminar, a maioria dos alunos atribui a
eles próprios a responsabilidade pela retenção ao final do Ciclo II e pelas atuais
dificuldades de aprendizagem. Neste sentido apresentam lugar de controle interno, ou
seja, acreditam que são responsáveis por seus fracassos e desenvolvem o sentimento de
baixa auto-estima. Alguns não aprendem Matemática, Português ou Inglês porque
consideram que
são ruins na matéria, porque esses conhecimentos “não entram na
cabeça”, porque se complicam, enfim, porque acreditam mesmo não terem capacidade
para dominar os conteúdos das disciplinas.
Zago (2000) também observou o mesmo fenômeno entre os integrantes do grupo
de estudantes que acompanhou entre 1991 e 1999:
“Longe de sentirem-se vítimas, a posição freqüentemente assumida por
aqueles que não obtiveram um certificado escolar é a de transferir para si
mesmos a responsabilidade do fracasso escolar. Muito embora não poupem
críticas à escola pública, ao avaliar sua própria situação, consideram-se os
principais responsáveis pelo baixo nível escolar, e quanto aos resultados
obtidos, os atribuem principalmente às características individuais como
incompetência e desinteresse”. (Zago, 2000, p. 32)
Há, entretanto, diferenças quando os alunos mencionam a situação do
desinteresse pelos estudos. Por exemplo, quando atribuem seus reveses a uma questão
comportamental como brincar”, ou “não levar a sério os estudos” ou ainda,
145
quando os atribuem a problemas externos – como necessidade de faltar, problemas
familiares, problemas no trabalho estão negando a sua própria falta de capacidade
para o estudo.
No primeiro caso continuam assumindo a responsabilidade pelo fracasso, mas
com a diferença de que se trata de uma situação alterável, uma opção relacionada a um
fator motivacional ou a uma mobilização pessoal para o estudo. Por um lado, assumem
o julgamento externo da escola e dos professores
, que exigem dos alunos um
comportamento padrão e um interesse pelos estudos que independem da qualidade e da
metodologia do ensino oferecido os alunos têm sempre que levar os estudos a sério,
fazer todas as atividades, prestar atenção na aula, não conversar durante as explicações,
estudar em casa, etc. Mas, ao mesmo tempo, estes alunos acreditam que serão capazes
de assumir estas posturas quando se sentirem motivados para isso. Adelaide e Reinaldo
admitiram que brincaram” durante a série regular e disseram que vão mal em
Matemática porque não gostam da disciplina”. Nesse sentido demonstram alta auto-
estima, pois não estão preocupados em corresponder aos modelos de comportamento
esperados pela escola e pela sociedade orientação para atuação; mas sim
, em se
dedicar às coisas que lhes interessam, como a dança e o futebol. Estão, na realidade,
orientados para o domínio, ainda que não para o domínio dos conteúdos escolares. São
jovens que percebem que podem se dar bem em outras atividades sociais que não
envolvam a escolarização.
Há, ainda, os casos em que o fracasso escolar é apresentado como conseqüência
de circunstâncias externas
, como a necessidade de faltar e de abandonar os estudos para
trabalhar ou ajudar em casa. Nesses casos, observa-se o que Pérez Gómez caracteriza
como situação onde um lugar de controle externo. Os alunos não se sentem
diretamente responsabilizados pelos maus resultados alcançados, mas têm sua auto-
estima abalada pela impossibilidade de reverter as situações concretas que interferem
em suas trajetórias escolares. O caso de Ivo é exemplar nesse sentido: o jovem atribui
sua retenção às faltas decorrentes de sua condição de vida e trabalho, o cansativo
trabalho na lavoura que o impedia de acordar cedo para tomar o ônibus escolar. Mas não
consegue vislumbrar qualquer outra possibilidade para romper com seu destino. Além
disso, acredita que alguns conteúdos escolares “não entram na cabeça” e parece ter sido
bastante marcado pelas expectativas negativas afirmadas por uma antiga professora de
Matemática que sempre lhe atribuía notas ruins, confirmando um típico caso de
profecia autorealizadora”.
146
O impacto do fracasso também foi sentido pelas famílias. Todos os alunos
entrevistados afirmam que os pais ficaram bravos ou chateados com a retenção escolar
dos filhos. Esta constatação é significativa, pois a maioria dos pais não concluiu o
ensino fundamental, mas, mesmo assim, consideram importante que os filhos estudem.
O que variou foi a forma e a intensidade das reações paternas. Enquanto o pai de Ivo
deu a entender que, em caso de nova reprovação, o filho deixaria de estudar, os pais de
Ari ficaram um pouquinho” chateados com a retenção do aluno. A mãe de Salete
ficou “superbrava” e a de Adelaide “falou um monte”. A família de Silmara ficou triste,
mas entendeu que a aluna não foi reprovada por negligência e sim, pela necessidade de
faltar para ajudar a própria família.
As reações indicam diferentes estratégias das famílias para garantir a
escolarização dos filhos conforme a situação sócio-econômica em que se encontram.
Muitos estudos têm destacado que a escolarização dos filhos é um fator valorizado nas
famílias pobres, entretanto, nem sempre é possível abrir mão da ajuda dos jovens em
atividades que direta ou indiretamente garantam a estabilidade familiar. Dessa forma, as
formas de organização e cobrança variam muito, mas, sempre que possível, as famílias
procuram garantir ao máximo a permanência dos filhos na escola. No entanto como as
condições não são ideais e os resultados nem sempre são alcançados, os pais começam a
reagir diferentemente: cobram mais dos filhos, impõem condições para continuidade
dos estudos ou se conformam com a situação, aceitando a escolarização precária. Diante
de tais circunstâncias é compreensível que a mãe de Salete, que sustenta a casa sozinha
trabalhando como doméstica, fique superbrava” com a retenção da filha. Da mesma
forma pode-se entender que o pai de Ivo estabeleça a promoção do filho mais velho
como condição para a continuidade dos estudos: sua ajuda no sítio faz falta e se
justifica se ele tiver aproveitamento escolar. No caso de Silmara, no qual a família não
tem como garantir uma freqüência escolar regular e tranqüila para a filha, não outra
reação senão a postura de solidariedade e apoio para que a jovem retome os estudos no
ano seguinte e tente outra vez, mesmo correndo o risco de fracassar novamente.
4.4.5. A CLASSE DE RECUPERAÇÃO DE CICLO II NA VISÃO DOS ALUNOS
O Quadro 8, apresentado a seguir, sintetiza as opiniões expressas pelos alunos
acerca da Classes de Recuperação de Ciclo II: seus conhecimentos prévios sobre o
147
projeto, como são as aulas, a avaliação e o relacionamento com os colegas da classe e da
escola como um todo.
Quadro 8 – Visão dos alunos sobre a classe de RCII
Aspectos
Alunos
Informações
sobre a classe de
RC II
O que pensam sobre
a classe de RC II
As aulas/
atividades
Na sala de RC II
O processo de
Avaliação
Relacionamento
com os colegas
e outras classes
Salete
Sabia que era
uma
sala para quem
repetia a 8ª série
e que era a sala
de Ciclo.
Acha que é uma
sala boa.
Eles trabalham
diferente...Explicam
bem...dão
atividades
em grupo,
explicam
falando...Dão mais
trabalhos
individuais
e têm usado o
livro da RC II
Eles não deram
muita prova.
Eles deram
mais trabalho
em grupo
valendo nota.
...têm algumas
fáceis, têm
algumas
difíceis.
Às vezes discute
com os colegas
da classe.
Não percebe
discriminação da
escola com a
classe de RC II.
Adelaide
sabia mais ou
menos, porque a
professora
sempre falava
que quem
repetisse ia ter
que estudar à
noite.
O trabalho é bem
melhor do que na
normal. Porque é
mais fácil passar
para o 1°
Agora eles estão
dando o livro.
fica bem mais fácil,
porque não tem que
ficar escrevendo,
dando as respostas.
Na aula de
Português leitura
e interpretação de
texto.
Alguns deram
provas, outros
deram
trabalhos.
Para quem não
estuda é difícil.
Agora, para
quem estuda é
fácil. Porque é
coisa que a
gente viu,
né?
Reclama de
alguns colegas
que enchiam o
saco, no começo
do ano.
Atualmente tem
muitos amigos.
Não percebe
discriminação da
escola com a
classe de RC II.
Miguel
Sabia que era
uma classe que a
gente ia
reaprendendo as
coisas desde a
até a 8ª
Acha boa.
Como parou de
estudar, desaprendeu
tudo que havia
aprendido.
Afirma não saber
nem a metade do que
eles estão vendo na
É diferente. Passam
mais trabalho, mais
atividade em
leitura...
O certo seria
trabalho em grupo,
mas(...)o pessoal da
sala não quer em
grupo, quer
individual.
aulas
expositivas e, ás
vezes, cópia
Os trabalhos e
atividades são
para a gente ter
nota mais
fácil...Se fosse
passar em
prova mesmo
seria mais
difícil.
Acho que
facilitam para
aprender.
Eles o
trabalhos
grandes, que
para fazer
precisa de força
de vontade
Bom
relacionamento
com todos
Não percebe
discriminação da
escola com a
classe de RC II.
Reinaldo
Não conhecia a
RC II antes de
freqüentá-la
Gosta da sala.
Acha que tem um
pouco de bagunça,
mas dá para levar.
É um pouco
diferente das aulas
normais da 8ª.
Coisas que
vimos, da 7ª, 6ª.
A normal não faz
o que a gente ta
fazendo.
Explicam bem a
matéria, passam
bem a lição.
Nós pegamos (os
livros da RC) nesta
semana e não deu
para entender bem
Trabalho.
Fácil.
Bom
relacionamento
com todos.
Não percebe
discriminação da
escola com a
classe de RC II
148
Silmara
É a recuperação
que pega desde a
e aí, eles
recuperam até a
8ª.
Acha bom para quem
souber aproveitar,
porque dá para tirar
todas as dúvidas da
5ª, da 6ª e da 7ª.
Trabalho e a
matéria no
caderno...Eles dão
exercício e depois
explicam.
Sobre o livro da
RC: Eu acho que é
mais prático para
aprender.
...a gente
estudou...já é
repetido, então, ta
vindo mais fácil.
Não respondeu Apesar de ser
tímida, não tem
nenhum
problema com a
classe.
Não percebe
discriminação da
escola com a
classe de RC II
Ivo
A coordenadora
passava na sala
avisando: se não
estudar, quem
mora no sítio vai
estudar de noite,
na sala de
reclassificação.
Acha boa: porque
têm alunos que, antes
de repetir, não
tiravam nota boa e
nessa sala, a gente
começou a tirar nota
boa.
É uma aula em que
parece que o
professor explica
mais. É bem
diferente das aulas
das outras classe.
Nós copiamos
textos, resolvemos
problemas, contas...
Os trabalhos: às
vezes, nós faz em
grupo, às vezes, é
individual. (sic)
Não respondeu Diz se dar bem
com todos da
classe, mas
brigou com
aluno de outra
sala.
Não percebe
discriminação da
escola com a
classe de RC II
Edson
Não conhecia a
RC antes de
freqüentá-la.
Concorda que é uma
classe onde os
professores fazem
um trabalho
diferente.
Eles mexem mais
com o livro...Pouca
lição na lousa.
As atividades do
livro de RC: Não é
muito diferente,
não.
Aulas expositivas e
mais trabalhos em
grupo.
Não há provas:
É difícil quando
faz prova. Se
houvesse
provas: Ia ser
mais difícil.
Não ia ter
tempo de
estudar.
Bom
relacionamento
com todos.
Não percebe
discriminação da
escola com a
classe de RC II
Ari
Sabia que era
diferente das
outras. Que tinha
que fazer várias
séries num ano...
que era bem
legal.
Às vezes, eu acho
legal, mas, de vez em
quando, os
professores
exageram...Começam
a pegar no do
alunos...Fica chata,
a sala.
As lições são mais
fáceis, eles o
muito mais tempo
para fazer os
trabalhos...Bem
simples, as lições.
São avaliados
pelos trabalhos
e pelo caderno.
É para ajudar o
aluno, para ver
se o aluno ta
aprendendo
mesmo...se o
aluno ta se
esforçando.
se
desentendeu
com colegas por
causa de
bagunça e de
meninas.
Não percebe
discriminação da
escola para com
a classe de RC II
A leitura do Quadro 8 permite verificar o conhecimento dos alunos a respeito do
projeto em que estão inseridos e o que pensam sobre o mesmo, expressando seus
aspectos positivos e negativos.
Em relação ao conhecimento anterior a respeito do projeto Recuperação de
Ciclo, apenas os alunos Reinaldo e Edson o desconheciam totalmente. Os demais alunos
tinham uma noção de que era uma classe que trabalhava com os conteúdos de a
séries”. Entretanto não entendiam bem o significado do termo “Recuperação de Ciclo”.
Isto talvez se deva ao fato de que a escola realmente ainda está muito marcada pelo
regime seriado. Os alunos pareciam não utilizar e não entender bem as expressões
“ciclo” e “progressão continuada”. Os próprios termos “série”, “passar de ano”,
149
“reprovar” ainda mantêm para os alunos o mesmo significado do regime seriado e ainda
são utilizados na escola. Ou seja, parece não haver por parte da escola (ou da própria
Diretoria de Ensino) e de seus profissionais preocupação ou movimentos para
esclarecimento dos alunos e de seus pais a respeito das mudanças. Não nos
depoimentos dos alunos nenhuma referência a isso.
Por outro lado, dois alunos associaram a RC II com o período noturno,
afirmando que uma professora e as coordenadoras avisaram, no ano anterior, que os que
repetissem a série teriam que estudar à noite. Esta associação é evidentemente
equivocada a RC II pode também funcionar no período diurno mas, no contexto da
escola sob estudo, onde dificuldades de vagas nos turnos diurnos, o aviso sobre o
funcionamento desta classe à noite pode soar como uma ameaça ou um castigo para os
que não se esforçam para aprender.
Para Miguel, essa classe que recupera os conteúdos desde a 5ª até a 8ª era muito
boa para ele que tinha parado de estudar e “desaprendido” tudo o que aprendera antes.
Silmara e Adelaide tinham a mesma opinião sobre a facilidade de aprender os
conteúdos que já tinham visto nos anos anteriores. Silmara destaca também que o
projeto é uma boa oportunidade para tirar todas as dúvidas adquiridas nas séries
anteriores”.
O ambiente da classe parece ser bom. Embora alguns alunos admitam terem se
desentendido com os colegas, os problemas parecem ter sido ocasionais. O bom
relacionamento acaba gerando inclusive situações de bagunçacitadas em diferentes
momentos por Reinaldo, Silmara e Ari. Adelaide, que no começo do ano se chateou
com alguns colegas”, afirmou que, atualmente, “acha a classe divertida”.
O relacionamento da turma de RC II com as demais classes da escola parece ser
normal. Não referência ao clima de discriminação tão destacado pelos entrevistados
no estudo preliminar.
Todos os entrevistados disseram gostar de classe de RC II e a maioria concordou
que nela se realizava um ensino diferente”, porém não foram unânimes ao descrever
essa diferença de ensino. As atividades diárias parecem ser as mesmas: aulas
expositivas, exercícios, cópia e leitura de textos. A diferença estaria no material
pedagógico, na maior atenção dispensada pelos professores aos alunos, no conteúdo que
contempla o que foi visto desde a 5ª série, no maior tempo para realizar as atividades, na
realização de muitos trabalhos individuais e em grupo “para facilitar a nota e o
entendimento dos alunos”.
150
Sobre o material pedagógico, apreciam o fato de que, ao utilizá-lo, não precisam
copiar as atividades da lousa. Essa característica é bastante destacada por Adelaide e
Edson, indicando que estes alunos não gostam de copiar lições da lousa.
Cada aluno recebe, bimestralmente, um fascículo da Coleção Ensinar e Aprender
que contém as fichas de atividades das diferentes disciplinas. As fichas trazem pequenos
textos, gravuras, problemas, tabelas, moldes de sólidos geométricos para recortar e
colar. Mas, apesar das atividades do material serem bem diversificadas, os alunos não se
referem a essas características do material. Reinaldo explica que tinham recebido os
fascículos naquela semana e, portanto, não tinham sido muito utilizados até então.
Sobre a atenção dos professores, Ari acha que, às vezes, era exagerada, pois eles
começam a pegar no dos alunos. Segundo esse aluno, a pegação no dos alunos da
classe de RC II é maior do que nas classes regulares. O relacionamento com os
professores exige uma análise mais aprofundada e, talvez, possa ser uma pista para
entendermos o que seria diferente nas aulas de RC II.
Outro aspecto que chama a atenção são os depoimentos a respeito do processo
de avaliação. Todos os entrevistados confirmaram que os professores avaliam mais
através de trabalhos”. Na visão dos alunos isso facilita para que eles consigam notas e
aprovação. Adelaide acha que as provas e trabalhos são difíceis para quem não
estuda”. Reinaldo acha que os trabalhos e avaliações
são fáceis”. Miguel disse que “os
trabalhos são grandes e que, para fazer, precisa ter força de vontade”. Este aluno
concorda com Edson ao afirmar que, se os professores dessem mais provas, seria mais
difícil tirar notas”. Ivo também disse que muitos dos colegas que não iam bem nas
classes regulares, na RC II começaram a “tirar nota boa”.
Essa facilidade no processo de avaliação pode indicar uma tendência de
aligeiramento do ensino a ser oferecido para alunos considerados fracos. Entretanto,
quando essa possibilidade foi sugerida pela entrevistadora ao aluno Edson, este
respondeu sem muita convicção:
Entrevistadora – Mas você acha que estes trabalhos são só para facilitar a nota
dos alunos e ajudá-los a “passar de ano” ou você acha que está mesmo
aprendendo mais?
Edson (pensa um pouco) – Aprende. Aprende o essencial.
151
Embora esta pesquisa não objetive avaliar as práticas pedagógicas e os
resultados do projeto da RC II em termos de aproveitamento dos alunos, os comentários
sobre as atividades diárias e os processos de avaliação provocaram novos
questionamentos a respeito dessas temáticas. Assim, acrescentou-se à metodologia de
pesquisa a análise dos cadernos dos alunos.
4.4.6. VISÃO DOS ALUNOS SOBRE SUAS RELAÇÕES COM OS
PROFESSORES
O Quadro 9, a seguir, ao reunir informações sobre a visão que os alunos
entrevistados expressam acerca de suas relações com os professores na classe de RC II,
permite compreender um pouco mais porque e em que eles consideram o ensino nessa
classe diferente.
Quadro 9 – Visão dos alunos sobre a relação com os professores na classe de RC-II
Aspectos
Alunos
Relações com os professores Professores preferidos
e motivos
Professores que não
gostam e motivos
Disciplina na classe
Salete
Acha que são ruins.
Ás vezes eles falam algumas
coisas e eu respondo.
Não entende tudo o que os
professores explicam. Pergunta
quando tem dúvidas e sempre os
professores respondem.
Não respondeu. Não respondeu Relata conflitos:
...quando o professor está
explicando, tem aluno
que fica conversando. Aí
tem discussão até o
professor mandar ele
para fora.
Adelaide
Tem uns que a gente discute de
vez em quando. Mas tem os que
é legal.(sic)
Entende o que os professores
explicam quando presta
atenção.
Pergunta quando tem vida e
sempre tem resposta.
Não respondeu Não respondeu Sempre tem brigas.
Já se desentendeu com
um colega da classe por
causa de um trabalho.
Miguel
Acho que são boas. Os
professores não reclamam.
Às vezes não entende as
explicações devido ao barulho
da classe. Pergunta quando tem
dúvidas e sempre é atendido
A professora de
História.
Porque ela tem carinho
para explicar as coisas,
chega na carteira,
explica melhor.
Acho difícil
responder. Cita o
Prof. A. porque ele
não tem muita
paciência. Fica
nervoso porque os
alunos bagunçam.
Afirma que: os alunos
gostam de fazer barulho e
que tem professor que
fica nervoso.
Reinaldo
Boas relações com os
professores.
Entende quase tudo o que
explicam. Pergunta quando tem
dúvidas e sempre obtém
respostas.
Não respondeu Não respondeu Não percebe nenhum
problema sério de
disciplina na sala.
152
Silmara
Relações boas com os
professores.
Entende o que explicam,
pergunta quando tem dúvidas,
que sempre são respondidas.
Não tem nenhum que
mais gosta. Gosto de
todos igual. Todos são
bons.
Nenhum Tem bastante aluno que
vem e não quer fazer
nada... os professores
falam, orientem, mas eles
não querem ouvir, então
o professor tem que
mandar para fora.
Quando eles mandam
para fora eu acho até
bom... porque se eles
ficarem lá dentro, eles
vão prejudicar a gente
que ta querendo
aprender....
Ivo
Relações boas com os
professores.
Entende o que explicam.
Pergunta quanto não entende e é
sempre atendido.
Português e Matemática.
Explicam bem e são
legais
Não respondeu Não percebe nenhum
problema sério de
disciplina na classe.
Edson
Relações boas.
Entende o que explicam.
Faz perguntas quando tem
dúvidas e sempre os professores
respondem.
Português
Ela tenta explicar para
mim aprender, mesmo se
eu não
consigo pegar.
Nenhum Percebe que: tem os que
não prestam atenção na
aula, ficam conversando,
bagunçando e que os
professores não gostam,
chamam a atenção e
mandam para fora.
Ari
Bom com alguns professores,
mas com outros não fui com a
cara deles.
Entende o que os professores
explicam, pergunta quando tem
dúvidas e é sempre respondido.
Inglês:
Ele é bem extrovertido.
É uma pessoa alegre.
Bem diferente dos
outros.
Matemática e
Português:
Não me dei bem com
eles, não.
Não percebe nenhum
problema sério de
disciplina na classe. Mas
admite que há
bagunça
No Quadro 9 são sintetizadas as opiniões dos alunos sobre os professores da
Classe de RC II, assim como suas percepções sobre o comportamento disciplinar da
turma.
Observa-se que a maioria afirmou ter bom relacionamento com os docentes.
Salete e Adelaide admitiram que, de vez em quando, respondem” ou discutem” com
os professores. Ari, por sua vez, disse que “não foi com a cara” de alguns professores.
Independentemente desses casos de desentendimentos pessoais, a maioria dos
alunos afirma que os professores explicam bem e que, quando têm dúvidas, perguntam e
obtêm respostas. Salete admite que não entende tudo e Reinaldo afirma que entende
quase tudo. Adelaide conta que entende tudo quando presta atenção”. Miguel, por sua
vez, diz que, às vezes, não compreende as lições por causa do barulho da classe. Mas
mesmo esses alunos, que reconhecem ter dificuldades com a matéria, concordam que os
professores os atendem quando têm dúvidas. Com esses depoimentos, pode-se observar
que, mais uma vez, eles não responsabilizam os professores por eventuais resultados
negativos.
153
Embora a maioria dos entrevistados afirme ter bom relacionamento com os
professores, os relatos de desentendimentos entre professores e alunos são freqüentes.
Na classe, os incidentes sempre se repetem: os alunos conversam durante a aula, os
professores chamam a atenção dos mesmos, os alunos retrucam e são mandados para
fora da sala de aula. Apesar do trabalho supostamente diferente que realizam, os
professores da RC II parecem não conseguir despertar o interesse de todos os alunos e,
diante da bagunça da classe, tomam medidas tradicionais e de confronto.
Sobre os professores preferidos e sobre aqueles dos quais não gostam, nem todos
se manifestaram. O que se percebe é que não um consenso entre os entrevistados.
Tudo indica que há uma análise bastante subjetiva dessa questão que, provavelmente, se
relaciona mais com aspectos relacionados à empatia e afinidades do que propriamente
com a questão do processo de ensino-aprendizagem.
Essa questão da empatia fica evidente nas palavras de Ari, que “não se deu bem”
com os professores de Português e de Matemática. Para Ivo esses mesmos professores
são legais” e explicam bem”. Miguel diz que o professor A é muito nervoso e não
tem paciência com os alunos que bagunçam na aula”. Para Ari, esse mesmo professor é
“alegre e extrovertido, bem diferente dos outros professores”.
Para Silmara todos os professores são bons” e gosta deles por igual”. Miguel
também acha que todos os professores são ótimos, mas que a melhor é a professora de
História
porque ela tem carinho para explicar as coisas, chega na carteira, explica melhor”.
Edson gosta da professora de Português, pois apesar de achar dificuldade nessa
matéria acha que a professora se preocupa com seu aprendizado:
“...Ela tenta explicar pra
mim, pra mim aprender...
De certa forma, todos os depoimentos apresentam uma dimensão afetiva,
chamando a atenção para a valorização que os alunos dão ao contato mais próximo com
os professores. Essa dimensão afetiva tem implicações tanto no que diz respeito ao
aprendizado dos conteúdos acadêmicos, quanto no que tange à da socialização dos
alunos no ambiente escolar. Para muitos alunos a escola é, antes de tudo, um espaço de
socialização: um lugar onde encontram amigos e exercem algumas atividades de lazer e
esporte. Nesse sentido, a avaliação que fazem dos docentes, considera mais o aspecto da
interação social do que o aspecto do aprendizado escolar.
A esse respeito, Meconi (2005), por exemplo, constatou esse mesmo fato em sua
citada Dissertação de Mestrado. Os alunos por ela entrevistados fazem mais
referências aos professores por suas características sociais do que por suas competências
154
profissionais. Nessa pesquisa, a autora tabulou 18 menções positivas em relação aos
aspectos sociais dos docentes:
“são legais/ compreendem, respeitam e ajudam os alunos/ são
alegres/ dizem coisas engraçadas/ são bons/ são amigos/ conversam com os alunos”
;
somente
cinco menções positivas aos aspectos profissionais dos professores:
“explicam direito/
sabem o que estão falando/ sabem o conteúdo/ gostam da matéria/ passam segurança/ sabem
dar aula/ têm jeito para explicar/ ensinam bem/ explicam/ têm vontade de ensinar/ ensinam/ os
alunos aprendem”
e 10 menções negativas aos aspectos sociais dos professores:
“são
chatos/ nervosos/ sem paciência/ xingam/ gritam/ não se fazem como aluno/ deveriam mostrar o
melhor deles/ deveriam explicar melhor/ vivem de mau humor.
Essa valorização do relacionamento social e afetivo que ficou muito bem
marcada no estudo preliminar aparece, agora, evidenciando relações mais tensas e mais
formais. Entretanto o fato dos alunos, em geral, identificarem momentos de bom
relacionamento com os professores é um fator de grande importância para garantir sua
permanência no ambiente escolar.
Em relação ao aprendizado escolar, esse aspecto afetivo é igualmente
importante. Para muitos alunos o gosto pelos estudos depende do relacionamento e da
empatia com o professor. Segundo Pérez Gómez (2001) trata-se da manifestação do
apego, o vínculo emocional estabelecido com as pessoas com quem se interage de
forma privilegiada e que permite
“a segurança afetiva necessária para o desenvolvimento de
outras funções mentais, como também orienta num caminho o sentido dessas mesmas funções
mentais” (Pérez Gómez, 2001, p. 233).
A forma dessa relação entre o indivíduo e os
adultos significativos em sua vida, tais como pais e professores, pode influenciar na
construção de seu autoconceito e de sua auto-estima levando-a a ter confiança ou não
em sua capacidade de aprender. Tal fenômeno tem sido chamado de profecia auto-
realizadora:
É evidente que, nos ambientes sociais mais desfavorecidos, as
interações das crianças com seus adultos mais significativos se impregnam, de
modo geral, do pessimismo que rodeia as peculiaridades existenciais da família
e do grupo marginalizado socialmente, e é fácil compreender que essas
interações de desengano, frustração e desesperança se interiorizem como
vivências de auto-estima deteriorada. (Pérez Gómez, 2001, p. 233).
Na mesma direção podem-se considerar as afirmações de Charlot (2000) sobre a
relação social com o saber. Lembrando que a relação com o saber é também uma
relação com o mundo, consigo mesmo e com o outro, o sociólogo francês alerta:
155
“O mundo” é aquele em que a criança vive, um mundo desigual, por
relações sociais. “Eu”, “o sujeito”, é um aluno que ocupa uma posição, social e
escolar, que tem uma história, marcada por encontros, eventos, rupturas,
esperanças, aspiração a “ter uma boa profissão”, a “tornar-se alguém na vida”,
etc. “O outro” são pais que atribuem missões ao filho, professores que
“explicam” de maneira mais ou menos correta, que estimulam ou, às vezes,
proferem insuportáveis “palavras de fatalidade”
59
. Não relação com o saber
senão a de um sujeito. o sujeito senão em relação com o outro (Charlot,
2000, p. 73).
O
s depoimentos dos alunos sobre os professores da RC II da escola alvo deste
estudo não evidenciaram situações onde os docentes fizessem profecias auto-
realizadoras ou usassem palavras de fatalidade. Ocorre que o próprio material
pedagógico utilizado no projeto orienta os professores no sentido de desenvolverem o
autoconceito dos alunos, estimulando-os a acreditarem em seus potenciais de
aprendizagem. Entretanto, como foi visto nas análises anteriores, muitos dos
entrevistados acreditavam que não eram mesmo capazes de aprender alguns conteúdos.
É possível que o citado fenômeno ocorra de modo menos explícito ou que tivesse
cristalizado seus perversos efeitos ao longo do Ensino Fundamental, como aponta o
relato de Ivo sobre a antiga professora de Matemática que sempre lhe atribuía notas
vermelhas”.
É interessante observar também que todos os alunos avaliaram positivamente a
competência profissional dos professores, que explicam bem e sempre respondem
quando questionados. Ainda assim, observou-se pelos documentos escolares que, no
decorrer do ano letivo, os desempenhos escolares discentes foram piorando. Se os
professores explicam bem e não se recusam a tirar as dúvidas dos alunos, por que esses
alunos não aprendem? Talvez a resposta esteja na própria noção de relação com o saber.
Para cada um dos grupos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem escolar o
sentido do conhecimento é diferentemente percebido, conforme explica Charlot (2000):
Quando começamos nossa pesquisa sobre os “colégios”, pressentíamos
que aprender nem sempre tinha o mesmo sentido para os docentes e os alunos.
Conhecíamos esta cena, quase clássica: o professor envia uma criança para o
quadro e pede-lhe para recitar a lição, o aluno rapidamente perde o pé, o
professor o manda de volta a seu lugar, censurando-o por não ter aprendido
(“como sempre...”), o aluno sai resmungando (“eu tinha aprendido isso...”).
59
O próprio Charlot (2000) explica que deve esta expressão a um estudante, Frédéric Geral. Ela designa
todas essas palavras que atribuem ao aluno um destino: “nunca farás algo de bom”, “sempre serás nulo
em matemática”, “não passarás no BEP”, etc. (Em francês: paroles de destin.)
156
Muitas vezes, o aluno está de boa fé, o professor também: acontece que eles não
dão o mesmo sentido à palavra aprender (Charlot, 2000, p. 72).
Em nota ao final do capítulo em que trata da questão, o autor francês é mais
claro:
Para o aluno, aprender pode ser ler uma ou duas vezes, ingurgitar sem
compreender ou, inversamente, compreender sem memorizar, e, até, amiúde,
passar algum tempo “enfurnado nos livros” (será, então, o tempo utilizado que
atestará a conformidade com a demanda da escola, e, não, a atividade intelectual
efetiva ou o saber adquirido). Para o professor, aprender é compreender +
memorizar + ser capaz de aplicar ou comentar (Charlot, 2000, p. 75).
Enfim, percebe-se que o relacionamento entre professores e alunos da classe de
RC II apresenta aspectos positivos e negativos, mas não conseguiu superar essa
diferença na forma de relação com o saber que distancia os jovens estudantes do
universo escolar. Os professores tratam bem os alunos, procuram explicar os conteúdos,
dão atividades que lhes facilitam obter conceitos satisfatórios, e até os incentivam a
continuar os estudos, mas, mesmo assim, os alunos continuam não atingindo as
expectativas de aprendizagem postas pela escola. Como foi dito no capítulo 1, alguns
alunos:
...em geral os de origem popular, “não entram” jamais na escola, no sentido
simbólico do termo, ou pelo menos entram com dificuldade, em parte e nela
sentem-se sempre mais ou menos estrangeiros (Charlot, 2001, p. 149).
4.4.7. VISÃO DOS ALUNOS SOBRE AS FALTAS E O ABANDONO ESCOLAR
O Quadro 10, apresentado a seguir, expressa a síntese dos depoimentos dos
alunos sobre assiduidade/faltas e sobre permanência/abandono da escola suas próprias
e de seus colegas da classe.
157
QUADRO 10 – Visão dos alunos sobre as faltas e o abandono escolar
Aspectos
Alunos
Assiduidade
do aluno
Assiduidade
da classe
Motivos das faltas
dos colegas às
aulas
Motivos
das faltas
do aluno
às aulas
Casos de
abandono da
escola e motivos
Motivos de
abandono da
escola pelo
aluno
Salete
Afirma
freqüentar
regularmente as
aulas.
Afirma que os
alunos faltam
muito.
Tem uns que falam:
Ah! É muito chato
isso aqui, acho que
vou parar de vir para
a escola.
Não tem Desconhece Não tem
Adelaide
Antes faltava
muito: agora tô
vindo direto.
Identifica
colegas que
faltam bastante.
Tem os que não
querem aula e tem os
que trabalham.
Não tem
Desconhece
Não tem
Miguel
Não tem faltas
Afirma que: a
maioria falta
bastante
Eles faltam porque à
toa, não querem vir p/
escola.
Não tem
Lembra de alguns
casos, mas não
sabe dizer por quê.
Família: Eu tava
meio brigado com
os meus pais. Aí eu
parei de estudar.
Reinaldo
Não tem faltas
Afirma que: tem
bastante colegas
que faltam
Desconhece
Não tem Desconhece Não tem
Silmara
Não tem faltas:
porque é a
noite, então,
minha mãe não
sai.
Identifica alunos
faltosos.
Desconhece
Cuidava da
irmã
deficiente
quando a
mãe
precisava
sair – em
2004
Desconhece
Não tem
Ivo
Afirma
freqüentar
regularmente as
aulas.
Identifica alunos
que faltam
muito
Desconhece
De manhã
perdia o
horário do
ônibus
escolar – em
2004
Desconhece
Não tem
Edson
Só falta quando:
trabalha à noite
ou tem que fazer
horas extras .
Identifica alunos
que faltam.
É p/ bagunçar...
Matar aula p/ ficar
bagunçando
Fazer hora-
extra no
serviço de
vez em
quando.
Lembra de um
colega que parou
na 5ª série por
que: não gosta de
escola, não quer
saber de estudar.
Trabalho: Eu
precisava p/
sustentar família –
tinha “amigado”.
Ari
Afirma
freqüentar
regularmente as
aulas
Identifica alunos
que faltam.
Eles vêm pra
escola, chega na
porta...e não quer
entrar. Volta
embora(sic)
Não tem Desconhece Mudou de
cidade
As informações do Quadro 10 tratam de aspectos cruciais para esta pesquisa: a
questão da freqüência irregular e
a evasão dos alunos. A análise desse quadro considera
também os dados sobre a assiduidade dos alunos e a reação de seus pais contidos nos
Quadros 4 e 5.
No início do ano os alunos entrevistados afirmaram que eram freqüentes às
aulas. Nas fichas de avaliação individual, apenas Adelaide não alcançou a freqüência
mínima de 75% das aulas no 1° bimestre de 2005. Por sua vez, o aluno Edson atingiu 75
158
% de freqüência, ou seja, o limite mínimo. Em toda a classe de RC II, que na época
contava com 32 alunos, 18 alunos, ou seja, 52,25 % da turma, atingiam freqüência igual
ou superior ao exigido pelo sistema educacional.
Naquela ocasião, Adelaide, que em 2004 não teve problemas de freqüência na
escola, disse estar retomando a freqüência: Antes eu faltava bastante, agora eu to
vindo direto”. A motivação para o retorno às aulas, segundo a própria aluna, foi a
companhia dos colegas da classe com quem tem afinidade.
Edson, por sua vez, disse que falta quando precisa fazer horas extras no serviço,
mas que isso ocorria de vez em quando”. Entretanto, a trajetória escolar do aluno e
os índices de freqüência atingidos pelo aluno nos bimestres posteriores mostraram que a
realidade não é bem essa.
Quando a pesquisadora retornou à escola, em outubro de 2005, somente nove
alunos, 26,47 %
60
da turma, ainda mantinham o índice de comparecimento maior ou
igual ao exigido. Onze alunos, ou seja, 32 % da classe, haviam caracterizado evasão
escolar por estarem com menos de 45% de presença durante os três bimestres
transcorridos.
Entre os alunos do grupo dos entrevistado, quatro deles se encontravam na faixa
dos estudantes com freqüência insatisfatória: Adelaide, Ari, Edson e Salete. A primeira
não conseguiu manter sua promessa de retornar às aulas e, pelo contrário, faltou ainda
mais, tendo abaixado seu índice de freqüência de 65 % para 53 %. Edson rompeu o
limite mínimo de faltas permitidas e estava com apenas 63 % de comparecimento às
aulas. Salete, que em 2004 não era uma aluna faltosa, entrou para o grupo dos alunos
com assiduidade insatisfatória, embora tenha condições de recuperar esse índice, pois
conta com 73% dos comparecimentos. Ari despencou de um índice de freqüência muito
bom, 93 %, para 65 %, sendo que este chegou a ter apenas 40 % de freqüência durante o
2° bimestre.
Observa-se, portanto, que a escola não está conseguindo recuperar os alunos
retidos ao final do Ciclo II, seja para colocá-los no fluxo regular do ensino básico, seja
para concluir o Ensino Fundamental. Grande parte de seus alunos está evadida ou em
processo de evasão. Outra parte permanece na escola de maneira irregular, correndo o
risco de ser reprovada novamente. Tal situação reafirma dados levantados no estudo
60
Nesta ocasião, mais dois alunos haviam sido transferidos para a classe de RCII, perfazendo um total de
34 alunos.
159
preliminar e indica a relevância de se investigar os motivos dessa abstinência escolar. A
entrevista trouxe muitos dados a esse respeito.
Edson é um dos alunos evadidos em 2004 da própria classe de RC II. Durante
sua entrevista, no início do ano, o aluno relatou que abandonou a escola cerca de
quatro anos quando se amigou” e teve que ir trabalhar em Santa Catarina. Em seu
depoimento omitiu sua evasão do ano anterior, dando a impressão de que estava
retornando aos estudos naquele ano, consciente de que o estudo é importante para ser
alguém na vida”.
Outro aluno que abandonou a escola em 2004 foi Miguel. Ele justificou o
abandono dos estudos por problemas familiares. Brigou com os pais e retomou os
estudos quando optou por morar com o “tio”, que colocou a freqüência à escola como
condição para adotá-lo”. Na realidade este “tio” não é um parente, mas um amigo da
família que assumiu a responsabilidade pelo adolescente, embora não haja nenhum
processo formal de adoção ou tutela. A direção da escola informou que, antes de morar
com o “tio”, Miguel apresentava muitos problemas disciplinares na escola e que agora é
um ótimo aluno. Como se viu nos Quadros 4 e 5 o aluno tem mantido um excelente
desempenho escolar neste ano de 2005, com poucas faltas e conceitos satisfatórios.
que se destacar também que foi o único a identificar como importante os saberes
escolares como “ler, escrever, conhecer o planeta e a civilização e o sistema econômico
do país e do mundo”. É um aluno mantém uma relação significativa com os conteúdos
acadêmicos oferecidos pela escola.
O aluno Ari não estudou em 2004. Após ser reprovado na série, em 2003,
mudou-se para São Paulo e não se matriculou em nenhuma escola. A mudança não deu
certo e ele retornou a Jacupiranga e para a escola em 2005.
Entre os alunos que foram retidos por faltas, observam-se duas histórias tristes.
Silmara, que faltava freqüentemente para ajudar a cuidar da irmã deficiente, e Ivo, que
trabalhava na lavoura durante a tarde e que, cansado, não acordava de manhã para pegar
o ônibus escolar.
A história de Silmara é particularmente grave. Sua irmã é surda e cega, tem 12
anos e nunca teve um atendimento específico ou freqüentou a escola. É totalmente
dependente da família e quando a mãe precisa sair é Silmara quem fica cuidando da
irmã. O pai também tem problemas mentais. A mãe é analfabeta e a família ainda conta
com mais três filhos menores além de Silmara e da menina deficiente. A aluna e a mãe
parecem aceitar esta situação de vida com muita resignação e conformismo. Sem
160
conhecimentos e recursos, acreditam que o caso da menina deficiente não tem
tratamento, assim como aceitaram a retenção escolar de Silmara como uma fatalidade.
A aluna achava normal que os professores esquecessem” a gravidade de seu problema
familiar que interferia em sua vida escolar:
Entrevistadora – E os professores sabiam dessa situação?
Silmara Bom...Eu falava pra eles...só que...na verdade...os professores
acabam esquecendo, né? ...Que
eles têm os outros alunos
, também. Então
eles acabam esquecendo...
Outras momentos de seu depoimento confirmam o conformismo da família:
Entrevistadora – Escuta, mas ela nunca foi para a escola?
Silmara – Nunca foi. Porque não tem como, né. Por causa do problema dela. É
um caso muito difícil...
Entrevistadora – Não. Mas aqui em Jacupiranga, na Escola F
61
, eles trabalham
com crianças surdas.
Silmara Então, a mãe foi e viu. Eles falaram que tinham que passar num
especialista...que eles não podiam trabalhar com ela.
Entrevistadora – Com onze anos...
Silmara – Doze.
Entrevistadora – E ela não vê nada?
Silmara – Não vê, não fala e não escuta.
Entrevistadora E como é que você ficou sabendo que foi reprovada? Foi você
que veio?
Silmara – Não. Foi a minha mãe.
Entrevistadora – E aí, o que aconteceu? Ela ficou brava?
Silmara - Não, ela não ficou brava, porque não foi uma coisa assim ...que eu
quis, né? Não foi uma coisa que...por exemplo, que eu matei aula...Foi que eu
precisei mesmo faltar. Então todo mundo ficou triste, né?...É lógico. Mas todo
mundo entendeu.
São situações onde claramente se evidencia, segundo Pérez Gómez (2001), que
os envolvidos apresentam serem vítimas de lugares de controle externos. Aceitam sua
realidade como destino, sorte ou acaso com os quais têm que conviver.
Talvez o conformismo da aluna a tenha a tornado “invisível” para uma escola de
1.500 alunos. Talvez ela não tenha descrito com detalhes a deficiência e a falta de
atendimento de que padece a irmã e toda a família. A vice-diretora e os professores
deste ano afirmaram desconhecer o problema. Na ficha de avaliação individual da aluna
referente ao ano de 2004 não havia qualquer observação sobre o motivo de suas faltas.
61
Refiro-me a uma escola estadual de Ciclo I do município que tinha uma sala especial, hoje sala de
recursos, para deficientes auditivos. Obviamente o caso da menina é muito complexo para ser resolvido
por essa escola, mas era uma possibilidade de algum atendimento e encaminhamento.
161
O interessante é que a mesma vice-diretora
62
conhecia bem o problema familiar do
aluno Miguel e isso talvez se deva ao fato de que, segundo essa profissional, o aluno
era, em 2004, rebelde e dava problemas disciplinares para a escola. A rebeldia de
Miguel o tornou visível para a escola.
O caso de Ivo também é digno de atenção, embora trabalhe no sítio em
companhia de seu pai, o trabalho na lavoura, seja em meio período, ou em período
integral, é um trabalho penoso que não pode ser classificado como trabalho familiar.
Além disso, trouxe um prejuízo visível à vida escolar do aluno.
Este ano Silmara e Ivo não estão faltando às aulas porque estão estudando no
período noturno. Como a mãe da menina deficiente não precisa sair de casa à noite, a
aluna não tem necessidade de faltar. Entretanto o aluno Ivo, embora não perca mais o
ônibus, como está trabalhando o dia inteiro, quer voltar a estudar de manhã para
trabalhar só durante meio período na lavoura.
A necessidade de trabalhar também é apontada, por Adelaide, como motivo de
possível abandono da escola por um colega da classe, que está procurando vaga no
diurno (mas a escola a não tem).
Os entrevistados identificam outros colegas que faltam bastante às aulas. Alguns
não sabem os motivos, mas outros apontam para o desinteresse de muitos alunos que
“...faltam à toa, não querem vir para a escola”; “...para bagunçar...matar aula e ficar
bagunçando”, “... não querem aula...”.
Mas o desinteresse também tem uma causa, segundo Salete:
Tem uns que falam:
Ah! É muito chato isso aqui, acho que vou parar de vir para a escola!”.
Enfim, como também se observou no estudo preliminar, as causas da evasão e da
baixa freqüência são várias e parecem estar sempre relacionadas tanto aos problemas
sociais quanto às questões relacionadas à falta de interesse dos alunos, que por sua vez
podem ser atribuídas às dificuldades da escola em criar situações que deêm sentido aos
saberes acadêmicos.
Entre os fatores sociais, deve-se destacar a questão do trabalho precoce. A
necessidade de trabalhar e a dificuldade de conciliar estudo e trabalho são situações
amplamente abordadas na literatura sobre a escolarização dos jovens das camadas
populares e se fizeram presentes, tanto nos relatos dos alunos do estudo preliminar,
quanto do estudo principal. Zago (2000), entretanto, alerta para o fato de que o
62
Refiro-me sempre à Vice-Diretora pelo fato de que está na escola cerca de 5 anos. Como a Diretora
assumiu a escola em março de 2005 a pesquisadora sempre recorria à Vice-Diretora para esclarecer as
dúvidas sobre os alunos e sobre o funcionamento da escola em anos anteriores.
162
fenômeno da inserção precoce no mercado de trabalho começa a se intensificar a partir
dos 14 anos, quando os próprios jovens passam a ter o desejo de independência
financeira. Ocorre que, nessa faixa etária muitos desses alunos ainda não concluíram o
Ensino Fundamental e a própria legislação vigente impede a contratação formal desses
jovens
63
e, por conseqüência, a grande maioria deles ingressa no mercado de trabalho
informal e desqualificado, sendo precariamente remunerados e não contando com
qualquer benefício trabalhista. No caso da região alvo desse estudo, onde grande parte
da população vive na zona rural e a agricultura é a principal fonte de renda, a situação
tem ainda o fato agravante de que muitos dos alunos trabalham no campo, em condições
penosas: o cansaço físico é extremo como relataram Ivo (do estudo principal), e
Estevam (do estudo preliminar).
A inserção precoce no mercado de trabalho prejudica inegavelmente a
escolarização dos jovens e acaba por criar um círculo vicioso: o aluno pouco
escolarizado trabalha em condições precárias e dificilmente, pelas próprias
conseqüências desse trabalho desqualificado, consegue melhorar essa escolarização. O
cansaço, o pouco tempo para estudar, a necessidade de faltar para cumprir as horas-
extras exigidas pelo patrão e à própria falta de disposição psicológica para assistir às
aulas são fatores que levam o aluno trabalhador a uma trajetória escolar acidentada e ao
abandono dos estudos. Os números da escolarização juvenil brasileira apresentados por
Frigotto (2004) confirmam essa situação:
(...)
Tomados os jovens entre 15 e 24 anos, na época do censo [de 2000]
apenas 46,8 % estavam na escola, distribuindo-se da alfabetização à pós-
graduação. A maioria, 53 %, neste intervalo esfora da escola. Em termos
absolutos, 15.971.851 jovens estão em algum vel de escolaridade e
18.119.273 fora do sistema regular. Fica patente a distorção idade/série e todas
as implicações psicossociais e pedagógicas. Na faixa entre 15 e 24 anos,
encontramos quase metade dos jovens, 48,2 %, sendo 6,2 % na alfabetização e
42,6 % no ensino fundamental. Os dados da PNAD do IBGE de 2001 indicam
que existem 10.308.707 jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, considerada
regular para o ensino médio. O Censo escolar do mesmo ano, porém, demonstra
que, desses jovens, somente, 37 % (cerca de 4 milhões) estavam matriculados
no ensino médio, em quanto 1 milhão ainda cursava o ensino fundamental ou
freqüentava cursos na modalidade de educação de jovens e adultos ou
63
Embora a legislação trabalhista vigente proponha a contratação de adolescentes a partir dos 14 anos, na
condição de aprendizes, a regularização desse dispositivo legal é muito recente e exige que as empresas
contratem os adolescentes para atividades que exijam alguma qualificação e que ofereçam serviços e
oficinas que os qualifiquem para essa atividade. Portanto, trata-se de uma condição de trabalho que exige
estrutura e compromisso social dos empregadores, o que o é uma realidade muito comum no país e na
região pesquisada.
163
profissional. Note-se que mais da metade dos jovens dessa faixa etária, que
deveriam estar no ensino médio, nem sequer estão na escola. (Frigotto, 2004, p.
190-191)
Além disso, que se considerar que mesmo entre os que conseguem chegar ao
Ensino Médio existem diferenças. Grande parte do Ensino Médio público brasileiro é
oferecido no período noturno e na modalidade de Educação de Jovens e Adultos e,
portanto, padece de condições desvantajosas em relação ao ensino diurno e regular, a
começar pela própria carga horária que é mais reduzida. Vale lembrar aqui o
depoimento, já citado no estudo preliminar, do aluno Eraldo:
(...) O único ruim é que eu cursava o ciclo à noite, então era (só)
quatro aulas e tem bastante coisa (conteúdos), que é desde a 5ª à e aí
acabava não vendo profundamente os assuntos, só por cima...não tinha tempo
(Eraldo, 2005 – Estudo preliminar)
Essa realidade se torna mais perversa no atual contexto de globalização em que
se veiculam ideologias neoliberais como a chamada “pedagogia das competências” e a
“tese da empregabilidade”. Veicula-se a idéia de que o mercado exclui os
“inempregáveis”, tentando justificar o desemprego e o trabalho precário pela baixa
escolarização da maioria da população. Ocorre que o mercado de trabalho cada vez mais
competitivo não oferece empregos para todos e as condições de acesso à escolarização
são desiguais.
Segundo Frigotto (2004), o trabalho precoce não é natural. O desenvolvimento
capitalista, com sua moderna tecnologia, poderia garantir produtividade com menos
trabalho social: a humanidade poderia trabalhar menos horas por dia e manter todas as
crianças e jovens na escola por mais tempo. Mas como a produtividade e seus lucros são
concentrados nas mãos de uma minoria, a pobreza continua existindo e os melhores
empregos são ocupados pelos que podem estudar em condições ideais:
O trabalho precoce de crianças e jovens e a escolaridade precária ou a
ausência dela são fatos que se correlacionam fortemente, mas um não explica o
outro, e também não podem, linearmente, ser tomados um como solução do
outro. Ambos têm sua determinação fundamental na origem de classe. Ou seja,
os jovens que têm trabalho precoce, de baixa qualidade e remuneração, e os que
têm pouca escolaridade ou estão fora da escola acham-se nesta condição por que
são filhos de trabalhadores com condições de vida precárias. Isso nos mostra
que a tese da “empregabilidade” é falsa e cínica. Falsa porque a escola não tem,
164
(...), capacidade de gerar nem garantir o emprego. Ainda mais falsa no contexto
de crise endêmica de desemprego e, no caso brasileiro, de recessão. Cínica
porque culpa a vítima por ser pobre e por ter baixa escolaridade e mascara a
estrutura social geradora de desigualdade. (Frigotto, 2004, 211-212)
Presos nessa armadilha de buscar a “empregabilidade” e sem contar com
condições adequadas de escolarização, os jovens vivem uma relação contraditória com a
escola. Permanecem na escola, mas, em grande parte, desenvolvem uma trajetória
escolar fragilizada, constantemente ameaçada pelos maus resultados, freqüência
irregular e evasão. A meta de concluir os estudos para ter um futuro melhor acaba,
muitas vezes, sendo esquecida ou adiada mais uma vez. Esta é a situação de Edson, que
aos 21 anos, após sucessivas evasões, ainda não concluiu o ensino fundamental e, este
ano, está, novamente, apresentando uma freqüência escolar insatisfatória.
Zago (2000), em seu estudo sobre escolarização nas camadas populares,
constatou situação semelhante:
(...) Nas camadas populares a relação com a escola é heterogênea e com
freqüência também contraditória, ou seja, apesar do discurso marcadamente pró-
escola, não assimilam subjetivamente, como uma disposição real para os
estudos, adotando comportamentos que podem ser caracterizados de
contracultura escolar, (...). Enquanto para vários de nossos entrevistados o
retorno à escola é uma meta carregada de significado positivo, para outros, o
prolongamento da escolaridade não se constitui necessariamente um projeto de
vida.(...) Mesmo reconhecendo os limites que representa a ausência de um
certificado, quando procuram inserir-se profissionalmente, podem interromper o
ano escolar a poucos meses da sua finalização. Não raro, isso acontece quando
as avaliações parciais sinalizam reprovação e passam a considerar aquele anos
perdido(...). (Zago, 2000, p. 30-31)
Diante de um quadro tão desfavorável, somente algumas condições especiais
permitirão a superação das dificuldades escolares. Entre essas condições poder-se-ia
incluir o apoio da família, a postura não discriminadora da escola e dos professores, as
disposições dos alunos diante dos problemas vivenciados, a relação com os saberes
escolares, a existência de um projeto de vida.
Em relação aos projetos de vida, Zago (2000) faz uma observação interessante
destacando que estes devem ser exeqüíveis:
Apesar dessa valorização pró-escola, o discurso que evidencia o valor
inegável da educação escolar nos meios populares não pode ser sempre tomado
165
como sinônimo de longevidade escolar. Esta observação não é contraditória com
a valorização atribuída aos estudos, uma vez que percepção clara dos limites
impostos pelas condições materiais objetivas. O desejo manifestado pelos filhos
entrevistados é de superação das condições familiares mediante a inserção em
uma atividade profissional mais valorizada que a de seus pais. Não se trata de
projetos ambiciosos, abstratos e distantes das condições materiais. Do mesmo
modo, quando os pais procuram transmitir sua crença num futuro melhor por
meio da escolarização, têm igualmente presente que as condições materialmente
limitadas, sem perspectivas concretas de mudança, limitam projetos futuros.
(Zago, 2000, p. 30)
Trata-se de uma concepção realista que permite que as dificuldades sejam
superadas passo a passo e que evita grandes decepções. É a postura que observamos em
alunos como Miguel e Eraldo, quando questionados sobre seus planos após a conclusão
do Ensino Médio. Enquanto alguns colegas sonhavam com cursos superiores
específicos, Miguel, o melhor aluno da classe de RC II do estudo principal, sem
abandonar definitivamente seu direito de sonhar, previa para si uma segunda opção:
“...eu pretendo prestar uma faculdade ou fazer uns cursinhos, para eu ir me aperfeiçoando
mais. Para depois encontrar um serviço melhor, um emprego melhor(Miguel, 2005).
Igualmente, Eraldo, um dos oito concluintes do ensino fundamental em uma
classe de RC II que iniciou com 29 alunos no ano de 2004 na escola investigada no
estudo preliminar, expressava uma maturidade precocemente adquirida:
(...) Plano para o futuro... Eu tenho plano assim... porque cursar uma
faculdade, você tem que ter alguém que te ajude. Minha família é humilde...
Então, eu penso em prestar um concurso, fazer um concurso e procurar um
emprego. Por causa que eu não tenho tempo para esperar o tempo da
faculdade, 4 ou 5 anos. Eu não vou ter como me manter também, né? Então,
prestar um concurso e começar a trabalhar e para pensar em procurar
uma faculdade. (Eraldo, 2005 – Estudo preliminar)
Ocorre, porém, que nem todos os alunos da RC II são alunos trabalhadores, que
possam justificar suas dificuldades escolares e as faltas excessivas pela necessidade de
trabalhar. São os casos de Ari, Salete e Adriana.
Ari até ajuda a família que administra um sítio, produzindo mudas de plantas
para venda, mas esse caso parece tratar-se de um tipo de trabalho familiar que não
sobrecarrega o aluno, nem o prejudica na escola. Então o jovem reconhece que falta às
aulas quando “não está bem humorado”.
166
Há, ainda, vários relatos sobre colegas que são desinteressados pelos estudos”,
que faltam às aulas porque querem bagunçar”. Zago (2000) também interpretou
situação semelhante:
Os comportamentos de resistência aos estudos, tal como podemos
inferir a partir dos relatos, expressam uma certa negação do mundo da escola,
materializada na prática de gazear aula para encontrar colegas ou distrair-se com
jogos eletrônicos, (...). Uma análise voltada para esses comportamentos
contrários à educação institucionalizada, tão freqüente nos meios populares, não
pode recair em explicações de tipo individualizante, resultado de uma simples
escolha ou tendência particular. Não podemos deixar de considerar que onde
tais comportamentos foram verificados, freqüentemente uma história de
fracasso escolar, e não é precipitado afirmar que o aluno passa anos na escola
vivendo sucessivas derrotas certamente não fica impune. A interiorização do
fracasso, além de outros efeitos relacionados à auto-estima, certamente não
favorecem uma relação positiva com a escola. (Zago, 2000, p. 33)
Zago (2000), baseada nos estudos de Lahire e Bourdieu
64
, considera que a falta
de interesse pelos estudos ocorre pela confluência de fatores diversos, que envolvem
também a mobilização familiar, mas que esta última não é suficiente para garantir a
permanência e o êxito escolar dos filhos: os esforços da família em aconselhar os filhos
a perseverarem nos estudos podem ser neutralizados pelos veredictos da escola se estes
forem negativos.
Glória (2003), em estudo com alunos da Escola Plural e seus familiares,
constatou que os fracassos escolares vão minando os esforços das famílias de origem
popular, as quais têm frágeis condições de dar apoio escolar aos filhos. A própria
família acaba aceitando os maus rendimentos dos filhos e almejando cada vez menos
para eles.
Os pais de Ari e Adelaide nem compareceram à escola durante este ano. Talvez
os alunos não estejam levando para casa os bilhetes das reuniões. É pouco provável que
os pais não valorizem realmente a escolarização dos filhos, mas apesar de serem
trabalhadores e de não terem estudado, encontram-se em situação econômica razoável
para a região. Talvez tenham desistido de brigar com os filhos que parecem serem
jovens com muita personalidade. Embora esses alunos até digam que acreditam nas
vantagens que a escolarização possa lhes trazer, essa promessa, que é bastante
64
Zago (2000) se refere a: LAHIRE, B. (1997). Sucesso escolar nos meios populares: as razões do
improvável. São Paulo: Ática; BOURDIEU, P. (1998). As contradições da herança. In: NOGUEIRA, M.
A. e CATANI, A. (orgs.) Escritos de educação. Petrópolis, Vozes.
167
limitada pelas oportunidades reais, não substitui o sentido maior que o conhecimento
escolar deveria fazer em sua escala de valores. Volta-se aqui, mais uma vez, para a
questão da relação com o saber. É preciso que o aluno consiga dar significado aos
conhecimentos adquiridos na escola, mas não apenas significado no sentido semântico e
sim no sentido de valoração pessoal:
Aqui, no entanto, “fazer sentido” quer dizer ter uma significação e, não,
necessariamente, ter um valor, positivo ou negativo. Por exemplo, a química
orgânica, o alpinismo ou as formas relacionais que caracterizam o gentleman
inglês “fazem sentido” para mim: eu entendo do que se trata, eu sei que isso se
aprende. Mas eu não sou nem “a favor”, nem “contra” (para dizer a verdade,
isso não me importa em nada...) desse ponto de vista, não fazem sentido para
mim. Passar da significação ao valor supõe que se considere o sujeito enquanto
dinâmica de um desejo. (Charlot, 2000, p. 82)
Tudo indica que Ari e Adelaide, que não gostavam da escola desde a infância,
continuam não gostando dela.
O caso de Salete ilustra uma outra situação familiar: embora sua mãe esteja
preocupada com o desempenho escolar da filha e tenha comparecido a todas as reuniões
de pais e mestres neste ano, a aluna vem piorando em freqüência e aproveitamento.
uma grande possibilidade de que essa mãe acabe desistindo de insistir na
escolarização da filha. É comum, segundo a direção da escola, os pais declararem que
não conseguem mais dar conta dos filhos”, até mesmo para garantir a freqüência às
aulas. Curiosamente, um dos alunos com freqüência irregular na classe de RC II é filho
de uma Conselheira Tutelar do município, e nem mesmo ela garante a assiduidade do
aluno.
Tais situações ilustram também as deficiências da escola e das demais
instituições sociais para garantir o cumprimento da legislação nacional que estabelece a
obrigatoriedade do Ensino Fundamental e a progressiva universalização do Ensino
Médio. Embora a escola tenha obrigação legal de tomar providências quando verifica o
excesso de faltas dos alunos tudo indica que isto não ocorre de forma eficiente. Na
verdade, observa-se que a escola atual ainda continua mantendo as mesmas
características de massificação e burocratização detectadas por Sampaio (2004) nas
escolas paulistas no início dos anos 1990:
168
A escola, obrigada a receber uma população urbana desorganizada e
numerosa, valeu-se da organização burocrática para responder a uma situação
caótica. O processo de ensino e aprendizagem, em torno do qual se realiza todo
o seu trabalho, foi se apertando nos limites possíveis, ficando reduzido ao
atendimento da massa. (...)
A escola traduziu como pôde os avanços anunciados em diferentes
propostas que lhe foram sendo apresentadas, por meio de um confuso processo
de comunicação, apesar dos esforços dos órgãos oficiais da administração. Sua
realidade é bastante desconhecida, ou mesmo ignorada, por aqueles que
elaboram e organizam a implementação das propostas, assim como a realidade
dos alunos é desconhecida da própria escola. (Sampaio, 2004, p. 188-189)
A maior vítima dessa situação foi a aluna Silmara, que freqüentou
invisivelmente a escola por quatro anos, sem que a causa de suas faltas fossem sequer
identificadas. E uma vez identificada, não a escola, mas todas as instituições locais
revelam carecer de recursos necessários para dar o atendimento adequado a situações
como essa.
A realidade específica da região, sem muitas oportunidades de emprego e
profissionalização técnica e superior, também reforça a situação de impotência de
alguns desses jovens em buscar uma saída para suas vidas no momento em que
começam a se preparar para a vida adulta. Alguns amadurecem mais cedo e, como
Miguel e Eraldo, conseguem canalizar todos os seus esforços para prosseguir nos
estudos, mesmo com todas as dificuldades. Outros traçam sonhos ambiciosos, mas não
estão dispostos a se submeter às regras e veredictos escolares. Finalmente, ainda,
infelizmente, os que deixam de sonhar.
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos realizados para compor esta Dissertação permitiram uma
aproximação ao tema investigado: a visão dos alunos de uma classe de Recuperação de
Ciclo II sobre a condição de fracasso escolar em que se encontram, sobre o projeto em
que estão inseridos, sobre a escola, os conteúdos escolares e a contribuição dos mesmos
para a realização de seus projetos de vida.
Os alunos entrevistados são, em sua grande maioria, alunos oriundos de famílias
de baixa renda e pouca escolarização, confirmando os estudos que apontam a existência
de uma correlação entre origem social e fracasso escolar. Entretanto, os dados
levantados e a bibliografia que embasa a pesquisa alertam para o fato de que a
correlação verificada o deve ser interpretada como uma relação mecânica de causa e
efeito. Pelo contrário, constatou-se que inúmeros fatores interferem nos resultados
insatisfatórios dos alunos, conforme as considerações que se seguem.
Por meio da pesquisa realizada, foi possível observar que os alunos interpretam a
realidade escolar em que vivem de maneiras diferentes. Essas diferenças, que se
refletem no aproveitamento e na freqüência dos alunos, são resultado de uma complexa
rede de fatores que interfere na trajetória escolar desses alunos: as
condições sócio-
econômicas e culturais, as atitudes e disposições pessoais no envolvimento com a escola
e seus agentes, a relação com os saberes escolares, os projetos de vida e de futuro.
Em relação ao fracasso escolar, constatou-se que os alunos se referem a essa
condição com diferentes explicações. Alguns alunos responsabilizam a si próprios pela
retenção ocorrida ao final do Ensino Fundamental e pelas dificuldades de aprendizagem
em algumas disciplinas. Outros atribuem os seus reveses a fatores externos: faltas
excessivas geradas por problemas familiares, necessidades de trabalho, cansaço
. Entre
os que se responsabilizam pelos maus resultados escolares, os que admitem certa
incapacidade para aprender alguns conteúdos escolares e os que reconhecem sua própria
falta de empenho pessoal e de dedicação aos estudos.
Nessas diferentes explicações observa-se a interferência das disposições
arroladas por Pérez Gómez (2001): autoconceito, auto-estima, lugares de controle
interno ou externo, orientações para domínio ou para atuação.
Os alunos conhecem, percebem e expressam suas dificuldades, bem como sabem
o que a escola exige deles; falam das faltas, dos desentendimentos com alguns
170
professores, das “notas vermelhas”, das idas à Diretoria, da falta de seriedade nos
estudos. Porém, alguns lidam melhor com suas supostas falhas, não se sentem culpados
e, de forma nem sempre
consciente, criticam a escola por meio de atitudes que vão
contra as próprias normas escolares estabelecidas (faltam à escola, não fazem as
atividades, conversam durante as aulas).
Ou seja, esses alunos apresentam um lugar de controle interno”, na medida em
que parecem se sentir “donos da situação” que estão vivendo na escola, sobretudo
porque expressam claramente acreditar que podem ter melhor desempenho escolar
quando se sentirem motivados para as tarefas escolares. De forma semelhante, parecem
mais orientados para domínio”, na medida em que procuram se dedicar a atividades
que lhes trazem realização e prazer e, por isso, não se adaptam à escola.
Embora reproduzam verbalmente opiniões correntes sobre a importância da
escolarização, não conseguem, no dia-a-dia escolar, se orientar para a atuação”, ou
seja, corresponder aos comportamentos exigidos pela comunidade escolar. Muitas
vezes, reconhecem que não são bons alunos, mas isso não significa que tenham baixa
auto-estima, pois, na verdade, valorizam outros comportamentos. Porém, como suas
incompatibilidades com a escola são ainda inconscientes, tendem a abandonar a escola,
deixando de lutar por sua transformação.
Outros alunos assumem os maus resultados com muita culpa ou desesperança.
Além de duvidarem das próprias capacidades para aprender, sentem-se vítimas de
situações externas: a necessidade de trabalhar, a impossibilidade de prosseguir no
ensino superior, as poucas oportunidades de emprego na região. Apresentam,
simultaneamente, “lugar de controle” interno e externo. Por um lado, acreditam que não
aprendem os conteúdos escolares pelas dificuldades de aprendizagem que lhes parecem
ser próprias de sua natureza; por outro lado, reconhecem não ter condições para superar
dificuldades externas sociais e econômicas
que também lhes parecem naturais, ou
ainda, fatalidades do destino contra as quais nada podem fazer. Orientados para a
atuação, agem esperando as sanções escolares (prêmios e castigos) e, também, não
conseguem questionar o ensino que lhes é oferecido pela escola, as limitações desse
ensino e a realidade desigual historicamente construída pela sociedade em que estão
inseridos.
A escola, nas palavras dos alunos, permanece isenta de responsabilidade sobre o
fracasso escolar. Todos dizem gostar da escola e acreditar que os estudos podem lhes
garantir um futuro melhor, principalmente, uma melhor inserção no mercado de
171
trabalho. Porém, no desenrolar das entrevistas e na análise dos resultados de
aproveitamento e freqüência escolar, verifica-se que as relações entre esses alunos e a
escola são bem mais tensas. As lembranças negativas sobre o passado escolar são mais
fortes e presentes que as positivas. Alguns admitem que nem sempre gostaram de
freqüentar a escola. Um aluno reconhece que gosta de vir às aulas quando está bem-
humorado. Os depoimentos revelam que colegas desinteressados e os que acham as
aulas “chatas”. A esse respeito, os dados de freqüência das salas de Recuperação de
Ciclo II, tanto os do estudo principal, quanto os do estudo preliminar, apresentam
elevados índices de evasão que demonstram que a escola não está conseguindo atrair
esses alunos para o estudo, recuperando-os para o ambiente escolar.
Além disso, a análise dos cadernos escolares mostrou que alunos que, mesmo
freqüentando as aulas, deixam de fazer as tarefas escolares. Verificou-se, também, que
durante o ano letivo
, a freqüência e o aproveitamento da classe foram gradativamente
piorando.
Entre os fatores que podem explicar a evasão e a freqüência irregular dos alunos
estão os efeitos perversos do trabalho precoce. Conforme os estudos de autores como
Zago (2000) e Frigotto (2004), alunos que ingressam no mercado de trabalho informal e
desqualificado entram num círculo vicioso
, em que a precariedade do trabalho acaba
resultando numa escolaridade precária que, por sua vez, não lhes permite arranjar uma
ocupação mais qualificada e melhor remunerada. Entre os alunos de ambas as turmas
pesquisadas jovens que trabalham na lavoura e em funções desqualificadas na
reciclagem do lixo. A região não oferece muitas opções de emprego, nem quantidade
significativa de vagas em cursos profissionalizantes e superiores públicos.
Por outro lado, os maus resultados acadêmicos
dos alunos que ainda não estão
no mercado de trabalho podem estar relacionados a questões relativas ao capital cultural
de suas famílias, maior parte delas constituída por adultos que não concluíram o ensino
fundamental. A tais condições associam-se os veredictos escolares negativos, que
acabam convencendo os alunos e suas famílias de que eles não são mesmo capazes de
aprender”.
Segundo o depoimento dos alunos, suas famílias valorizam a escolarização dos
filhos e manifestam descontentamento diante da reprovação dos jovens ao final do Ciclo
II. Entretanto, nem todas podem acompanhar igualmente a vida escolar dos filhos. Da
mesma forma, nem sempre, a freqüência dos pais às reuniões escolares garante o bom
172
desempenho dos alunos, assim como, nem sempre a sua ausência às reuniões significa
desinteresse ou omissão em relação ao desempenho escolar dos filhos.
ainda o peso de chamada relação com o saber. Esta noção, investigada e
teorizada por Charlot (2000 e 2001) pode explicar, em grande parte, o desinteresse dos
alunos pelos conteúdos trabalhados pela escola. Somente um dos alunos entrevistados
no estudo principal valoriza a relevância dos conhecimentos escolares numa perspectiva
de curiosidade humana sobre o funcionamento do mundo natural e cultural e sobre a
própria realidade sócio-econômica brasileira:
...Aprender a ler e escrever. Que é uma das coisas mais importantes. Mas,
depois você vai aprendendo sobre o planeta, a civilização, como é o sistema
econômico do mundo e do país (Miguel, 2005).
Os demais alunos da classe não conseguem ver sentido nos conhecimentos
acadêmicos trabalhados pela escola. Na maioria das vezes, apenas acham que vão
garantir o acesso a um emprego melhor, mas não desenvolvem uma relação prazerosa
com os saberes escolares, nem percebem a aplicação desses conhecimentos em sua vida
cotidiana. A Matemática, por exemplo, serve apenas para se fazer contas em um serviço.
Os conteúdos das diferentes disciplinas são sempre condições para projetos no futuro.
Mas que futuro?
Alguns desses jovens não alimentam planos para além do ensino médio.
Parecem viver a escola como uma etapa a ser cumprida sem uma finalidade específica.
Outros sonham com o ensino superior, mas parecem não perceber a distância e os
obstáculos que os separam desse sonho. Almejam profissões de nível superior,
entretanto, não conseguem se envolver nas atividades cotidianas da escola fundamental,
até porque a escola não consegue introduzir uma nova relação entre esses alunos e os
conhecimentos escolares.
Embora não fosse objetivo deste trabalho avaliar o projeto da Recuperação de
Ciclo II, a pesquisa realizada constatou que esse Projeto está descaracterizado e parece
não ser mais uma prioridade da Secretaria de Educação. Sendo um projeto diretamente
relacionado com a Progressão Continuada e que deveria ser excepcional, ele acabou se
tornando rotina nas escolas estaduais e, nem assim, tem merecido uma política especial.
Aliás, vale lembrar, que desde seu início, a Recuperação de Ciclo II não mereceu um
173
tratamento diferenciado. Foi um projeto que se desenvolveu aproveitando as estruturas
criadas para as Classes de Aceleraçãode Ciclo II. Atualmente, a RC II se resume à
distribuição do material pedagógico elaborado para a Aceleração de Ciclo II. A
discussão e a realização do projeto pedagógico ficaram a cargo das escolas e das
Diretorias de Ensino, que se encontram sobrecarregadas com a diversidade de novos
projetos propostos pela SEE-SP.
Professores sem capacitação e sem espaço específico para discutir e aperfeiçoar
a proposta pedagógica do projeto acabam atuando de modo tradicional, mantendo as
velhas práticas pedagógicas que sempre lhes garantiram segurança para o exercício do
magistério. Embora muitos deles demonstrem, na visão dos alunos, preocupação com o
aprendizado da classe, não conseguem levá-los a desenvolver uma relação mais
significativa com os conhecimentos escolares.
Os alunos dizem que as aulas da RC II são diferentes, mas essa diferença parece
se referir mais aos fatores afetivos do que aos relacionados às práticas de ensino e à
competência profissional dos docentes. Os professores preferidos são os que
demonstram atenção e simpatia pelos alunos.
Os alunos percebem que os conteúdos escolares trabalhados nas aulas referem-se
aos conteúdos das séries anteriores, mas não demonstram compreender bem o regime de
ensino ciclado. Nem todos conheciam o projeto antes de serem encaminhados para a RC
II. A grande maioria não sabia explicar o porquê desse nome, que é diretamente
relacionado com a Progressão Continuada. Alguns alunos desconhecem a própria noção
de Ciclo e fazem confusão no emprego dos
termos que se referem ao novo regime de
progressão escolar: recuperação de ciclo, correção de fluxo, classificação,
reclassificação. Isso parece indicar que as escolas não discutiram de forma satisfatória,
ao longo dessa última cada, a não tão nova organização do ensino (estabelecida a
partir da LDB 9394/96) com os educandos e suas famílias.
Observou-se, também, numa das escolas estudadas, a manutenção do
atendimento burocrático e massificado característico do período de expansão da rede
entre os anos 1960-1970, conforme análise de Sampaio (2004). Devido ao seu grande
porte, diretores, professores e funcionários desconhecem a realidade e necessidades de
seus alunos, deixando de intervir em situações que afetam a freqüência e
aproveitamento dos alunos. As medidas de recuperação previstas na legislação vigente,
ocorrem sem os resultados esperados grande parte dos alunos nem chegam a
freqüentá-las, por falta de transporte.
174
Diante de tantas dificuldades, a permanência e o sucesso desses alunos na escola
parecem bastante prejudicados. Pesam a favor de alguns alunos, como Miguel e Eraldo,
certa perseverança na busca de um projeto realizável, conquistado passo a passo: o
término do ensino médio, o acesso a um emprego mais qualificado e, talvez, um curso
superior que seja conciliável com o trabalho... Uma pequena possibilidade de “...saída
para qualquer parte”.
175
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ensino e fracasso escolar. São Paulo: Iglu, 2ª ed.
SÃO PAULO (Estado), Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas. 1980. Legislação de ensino de e graus (Federal). Compilação e organização
de Leslie Maria José Rama e outros São Paulo: SE/CENP, Vol. 1 a 7
SÃO PAULO (Estado), Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas. 1981 a 1996. Legislação de ensino de e graus (Federal). Compilação e
organização de Leslie Maria José Rama e outros São Paulo: SE/CENP, Vol. 8 a 23
SÃO PAULO (Estado), Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas. 1997 a 2004. Legislação de ensino fundamental e médio (Federal). Compilação e
organização de Leslie Maria José Rama e outros São Paulo: SE/CENP, Vol. 24 a 31.
SÃO PAULO (Estado), Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas. 2001. Diretrizes e bases da educação nacional: legislação e normas para sua
implementação. Compilação e organização de Leslie Maria José Rama e outros São Paulo:
SE/CENP.
SÃO PAULO (Estado), Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas. 1976. Legislação de ensino de 1º e graus(Estadual). Compilação e organização
de Leslie Maria José Rama e outros São Paulo: SE/CENP, Vol. 1 a 7
SÃO PAULO (Estado), Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas. 1977 a 1996. Legislação de ensino de e graus(Estadual). Compilação e
organização de Leslie Maria José Rama e outros São Paulo: SE/CENP, Vol. I a XLII
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas. 1997-2003. Legislação do Ensino Fundamental e Médio (Estadual). Compilação e
organização de Leslie Maria José Rama e outros. São Paulo, SE/CENP. Volumes XLIII a LVI.
SÃO PAULO (Estado) Secretaria de Estado da Educação. 2000. Reorganização da trajetória
escolar: Classes de Aceleração – Proposta Pedagógica. São Paulo: SEE/CENP
SÃO PAULO(Estado) Secretaria de Estado da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas/ CENPEC. s/d. Ensinar e aprender: construindo uma proposta.São Paulo:
SEE/CENP. Matemática.
SÃO PAULO(Estado) Secretaria de Estado da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas/ CENPEC. s/d. Ensinar e aprender: construindo uma proposta.São Paulo:
SEE/CENP. Língua Portuguesa.
179
SÃO PAULO(Estado) Secretaria de Estado da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas
Pedagógicas/ CENPEC. s/d. Ensinar e aprender: construindo uma proposta.São Paulo:
SEE/CENP. Geografia.
SÃO PAULO (Estado). 2003. Secretaria de Estado da Educação. Plano Estadual de Educação.
São Paulo: SEE.
SÃO PAULO (Estado). 2004. Região do Vale do Ribeira. Fórum São Paulo Governo Presente.
São Paulo: Imprensa Oficial.
SÃO PAULO (Estado)/Secretaria da Educação. 2004. Sistema de Cadastro de Alunos
Rendimento Escolar do ano letivo de 2004
SELLTIZ, Claire e outros. 1965. Métodos de pesquisa das relações sociais. São Paulo: EPU.
SILVA, T.R. da e DAVIS, C. 1995. O górdio da educação brasileira: ensino fundamental.
Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 80, p. 28-40, fev.
SOUSA, Sandra M. Zákia Lian 2000. O significado da avaliação da aprendizagem na
organização do ensino em ciclos. Suplemento pedagógico APASE, novembro.
SPOSITO, Marília Pontes. 1992. O povo vai à escola: a luta popular pela expansão do ensino
público em São Paulo.o Paulo: Loyola, Col. Educação Popular, nº 2
TRIVINOS, Augusto N. S. 1992. Introdução à pesquisa em ciências sociais- A pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas.
WEISZ, Telma. 2000. De boas intenções o inferno está cheio ou quem se responsabiliza pelas
crianças que estão na escola e não estão aprendendo. Pátio, Porto Alegre, ano 4, n.14, p. 10-13,
ago./out.
ZAGO, Nadir. 2000. Processos de escolarização nos meios populares: as contradições da
obrigatoriedade escola. In: NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G. e ZAGO, N.(Orgs.). 2000.
Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis:
Vozes.p. 19- 43)
180
ANEXOS
181
ANEXO I
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O ESTUDO PRELIMINAR
I – Introdução:
Meu nome é Selma e sou professora de história. trabalhei em muitas escolas estaduais e
conheço muitos alunos e professores como os desta escola. Atualmente voltei a estudar e estou fazendo
uma pesquisa sobre as Classes de Recuperação de Ciclo. Gostaria de saber o que os alunos pensam sobre
o ensino nessas classes: se acham que estão aprendendo melhor, se estão gostando das aulas, se elas são
diferentes do que as aulas que vocês freqüentaram nos anos anteriores a este.
As informações dessa pesquisa serão utilizadas sem mencionar os nomes dos entrevistados e da
escola. Vocês terão a liberdade de dizer o que pensam e sentem. Os resultados dessa pesquisa ajudarão a
outros professores a entenderem melhor o pensamento e as expectativas de alunos como vocês, que
tiveram algumas dificuldades na vida escolar e foram encaminhados para algum projeto especial.
Nossa conversa será gravada para que seja mais fácil registrar as opiniões de vocês sem perder
nenhuma informação. Assim que transcrita a fita, poderei trazê-la para que vocês possam conferir o que
ficou registrado. Os pais de vocês deverão autorizá-los a participar dessa pesquisa.
Vocês concordam em participar dela?
II – Roteiro para a roda de conversa:
Gostaria que vocês me contassem um pouco sobre a história de suas vidas escolares:
- Com que idade entraram na 1ª série? Freqüentaram creche ou pré-escola antes da 1ª série?
- Sempre estudaram nesta escola? Em caso negativo, onde estudaram e por que mudaram?
- Vocês m recordações boas ou ruins dos anos em que freqüentaram a escola? Contem pelo
menos uma boa e uma ruim
- Que problemas tiveram na vida escolar: brigas, desentendimentos com colegas e professores,
dificuldades no estudo, abandono do curso, reprovação?
- Como era o relacionamento de vocês com os colegas e os professores?
- Durante os últimos anos vocês sentiam dificuldades em aprender as matérias estudadas? Em que
matérias? O que vocês achavam mais difícil?
- No caso de sentirem dificuldades, costumavam pedir ajuda aos professores? Eram atendidos
nessas dificuldades? De que forma?
- Ao final da série vocês perceberam que não conseguiriam concluir o Ensino Fundamental e
passar para o Ensino Médio? Quando vocês perceberam isso?
- Como vocês se sentiram por não concluírem o Ensino Fundamental e serem encaminhados para
a classe de Recuperação de Ciclo?
- Por que vocês acham que não conseguiram concluir a série? O que vocês acham que não
aprenderam?
- Vocês tinham ouvido falar das classes de Recuperação de ciclo antes de freqüentarem uma
delas?
- Em caso positivo: que tipo de informações tinham sobre essas classes?
- Atualmente, o que acham da sua classe de Recuperação de Ciclo? O que pensam dos
professores, dos colegas, do material, da forma do professores ensinarem, etc.? O que vocês
gostam? O que vocês não gostam? Vocês acham que estão aprendendo melhor neste ano?
- Vocês pretendiam continuar estudando no Ensino Médio? Pretendem atualmente continuar
estudando?
- Vocês têm algum plano para o futuro? Quais?
182
ANEXO II
ROTEIRO DE ENTREVISTA DOS ALUNOS DA RC II – ESTUDO PRINCIPAL
Meu nome é Selma. Eu sou professora de História e já trabalhei em muitas escolas estaduais
como esta. Agora voltei a estudar e preciso escrever um trabalho sobre as Classes de Recuperação de
Ciclo II. O objetivo desse trabalho é saber o que os alunos pensam sobre essas classes, se gostam de
estudar nas Classes de Recuperação, se estão aprendendo mais, se isso está ajudando vocês a
prosseguirem nos estudos, ou está ajudando, de alguma maneira, na vida de vocês também. Para isso vou
conversar com vários alunos e você é um deles. Então eu gostaria saber o que você acha das aulas, dos
professores, dos materiais didáticos, das atividades e dos conteúdos que são ensinados.
Além disso, eu também gostaria de conversar com você sobre o que você pensa hoje sobre a
escola, os estudos e quais são as suas expectativas para o futuro após a conclusão do Ensino Fundamental.
Estas informações e opiniões poderão ser muito úteis para que outros professores possam
trabalhar melhor e ensinar melhor alunos que estiverem com dificuldades para concluir o Ensino
Fundamental.
Tudo o que você me contar fará parte do meu trabalho, mas ninguém ficará sabendo o nome de
nenhum de vocês, nem o da escola, nem os dos professores e da direção. O importante é entender melhor
como funcionam as Classes de Recuperação, o que dá certo, o que é bom e o que não tem dado certo, nem
tem sido bom.
Por isso, eu gostaria que você se sentisse tranqüilo para dizer sinceramente o que pensa.
Se você permitir gravarei nossa conversa para não perder nenhuma informação.
Vocês concorda em participar da entrevista?
Gostaria de perguntar alguma coisa sobre nossa conversa?
OBS: Anotar pergunta(s) e resposta(s).
1. Você poderia me contar algumas coisas sobre você e sobre sua vida escolar antes de entrar na
classe de Recuperação de Ciclo aqui nesta escola?
1.1. Quantos anos você tem?
Como é sua vida quando você não está na escola?
Como passa seu tempo?
O que você gosta de fazer?
1.2. Você estudou em outras escolas antes? Quais?
Teve que repetir alguma série ? Qual (is) ?
Você alguma lembrança boa
dessa escola (ou das outras em que você já estudou) p/
contar p/ mim?
E alguma lembrança ruim
dessa escola (ou das outras em que você já estudou) p/
contar p/ mim ? Qual (ais)?
2. Você esperava ser retido(a) na série e ter que freqüentar uma classe de Recuperação de
Ciclo? Quando ficou sabendo disso? Quem contou p/ você? Como foi e como você se sentiu?
3. Você já tinha ouvido falar dessa Classe de Recuperação de Ciclo?
O que ouviu falar sobre ela?
Quem falou p/ você sobre ela?
4. O que você pensa sobre a Classe de Recuperação de Ciclo?
Você acha que criar essas classes foi uma boa idéia? Por quê?
Afinal, para quê serve essa classe?
5. Agora eu gostaria que você me contasse como são as aulas da Recuperação de Ciclo: o que
vocês fazem diariamente na sala?
- Como os professores explicam a matéria?
- Que tipo de exercícios, lições e atividades vocês fazem?
- Trabalham mais em grupo ou individualmente?
- Todos os professores trabalham da mesma maneira ou existem diferenças conforme o
professor e a matéria? Quais são essas diferenças?
6. Como são as avaliações?
183
- Vocês fazem provas ou trabalhos para nota?
- Você acha as provas e trabalhos para avaliação difíceis ou fáceis? Por quê?
7. Como é o seu relacionamento com os professores?
- Você entende direitinho tudo o que os professores ensinam?
- Quando não entende o que você faz?
- Você costuma perguntar para tirar suas dúvidas?
- E quando você pergunta o que os professores costumam fazer?
- Que matéria você acha mais difícil? Por quê?
- Que matéria você acha mais fácil? Por quê?
8. Já houve algum problema sério de disciplina, envolvendo professores e alunos, na classe
esse ano? Como foi? Isso acontece sempre ou só de vez em quando?
- Entre os professores, qual o que você mais gosta? Por quê? O que ele faz p/ você gostar
dele?
- E qual o que você menos gosta e por quê? O que ele faz p/ você não gostar dele?
9. Como é o relacionamento entre você e seus colegas de classe?
- Você se dá bem com todos os alunos?
- Já teve alguma briga com algum colega? Por quê?
- Tem algum colega com quem você se dá melhor? Quem e por quê?
10. Como é o relacionamento entre os alunos da classe de Recuperação de Ciclo e os demais
alunos da escola?
11. No ano passado, muitos alunos que estavam na classe de Recuperação de Ciclo aqui nessa
escola, abandonaram as aulas durante o ano. Você sabe por quê?
- E você? Está vindo regularmente às aulas? (Em caso negativo, perguntar porque).
- Todos os colegas da classe estão freqüentando regularmente as aulas?
- Você tem idéia por que muitos alunos desistem de estudar?
12. Você gosta de vir à escola? Por quê?
- Você acha importante freqüentar a escola e concluir os estudos? Por quê?
- Você acha que aprendeu coisas importantes na escola durante todos esses anos de
estudo? Que coisas? Cite alguns conhecimentos importantes que você adquiriu na
escola.
13. Você pretende continuar seus estudos após concluir a 8ª série?
- O que a sua mãe fala sobre isso?
- E o seu pai? (Ou adultos responsáveis se for o caso).
- E seus professores(as) o que eles(as) costumam dizer sobre isso?
14. Que outros planos você tem para o futuro?
- O que você gostaria de fazer quando terminar os estudos?
184
ANEXO III
QUESTIONÁRIO SÓCIO-ECONÔMICO APLICADO NOS ALUNOS DO ESTUDO
PRINCIPAL
Agora vamos falar mais pouco sobre sua vida fora da escola.
1. Como é sua família?
- Quantas pessoas moram na sua casa junto com você? _______________________
- Quantas pessoas trabalham e ganham p/ ajudar nas despesas? ________________
- No que cada um
deles trabalha?________________________________________
2. Você mora em casa:
( ) própria ( ) alugada ( ) cedida ( ) outro. Especificar: ___________________
3. Onde fica a sua casa?
( ) zona rural ( ) zona urbana Nome de bairro:____________________________
4. Como você vem para a escola?
( )a pé ( )de bicicleta ( )de ônibus escolar ( )automóvel ( )outros.Especificar: _____
Quanto tempo leva para chegar na escola?____________________________________
5. A sua mãe freqüentou escola? ( )sim ( ) não Até que série ?____________________
Ensino Fundamental: ( ) incompleto ( )completo
Ensino Médio: ( ) incompleto ( ) completo
Ensino Superior: ( ) incompleto ( ) completo
Ela sabe ler e escrever? ( ) sim ( ) não
Ela costuma ler e escrever no dia-a-dia? ( ) sim ( ) não
Especificar:-____________________________________________________________
6. O seu pai freqüentou escola? ( )sim ( ) não Até que série?
Ensino Fundamental: ( ) incompleto ( )completo
Ensino Médio: ( ) incompleto ( ) completo
Ensino Superior: ( ) incompleto ( ) completo
Ele sabe ler e escrever? ( ) sim ( ) não
Ele costuma ler e escrever no dia-a-dia? ( ) sim ( ) não
Especificar: ____________________________________________________________
7. Na sua casa vocês têm:
( ) rádio ( ) televisão ( ) geladeira ( ) aparelho de som ( ) vídeo-cassete
( )automóvel ( ) computador com Internet ( ) computador sem Internet
( ) telefone ( ) chuveiro elétrico ( ) liquidificador
( ) batedeira de bolo ( ) máquina de lavar roupa
( ) máquina de lavar louça ( ) outros. Especificar: _____________________________
8. Vocês tem livros na sua casa? Quantos, mais ou menos?
( ) mais de 5 livros ( ) mais de 10 ( ) mais de 20 ( ) mais de 30 livros
9. Na sua casa, você e seus familiares costumam comprar:
( ) jornal ( ) sempre ( ) de vez em quando Qual?___________________________
( ) revista ( ) sempre ( ) de vez em quando Qual?___________________________
( ) gibis ( ) sempre ( ) de vez em quando Qual?___________________________
10. Vocês assistem TV? ( ) às vezes ( ) todos os dias
Em que horário? ( ) o dia todo ( ) de manhã ( ) à tarde ( ) à noite
Que programas mais gostam e assistem? ______________________________________
11. O que vocês costumam fazer nas horas de folga, aos domingos, aos feriados?
Listar:
Costumam sair para passear? ( ) sim ( ) não
Onde costumam ir? Listar: _______________________________________________
E você? Onde costuma ir? Listar: __________________________________________
185
ANEXO IV
ROTEIRO PARA ANÁLISE DE CADERNOS ESCOLARES
Aluno:
Disciplina:_______________________________ Data: _________________________________
Atividade solicitada:_______________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Atividade realizada:________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
Prevista no material pedagógico: ( )sim ( ) não
Conteúdo proposto no material pedagógico: ( ) sim ( )não
Outras observações: _______________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
186
ANEXO V
EXEMPLOS DE ATIVIDADES PROPOSTAS NO MATERIAL PEDAGÓGICO E DE
ATIVIDADES REALIZADAS NOS CADERNOS DOS ALUNOS
187
188
189
190
191
192
193
194
195
196
197
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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