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Josyele Ribeiro Caldeira
A redação de vestibular como gênero:
configuração textual e processo social.
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
DEPARTAMENTO DE LETRAS
Programa de Pós-Graduação em Letras
Estudos da Linguagem
Rio de Janeiro
Março de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410517/CA
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Josyele Ribeiro Caldeira
A redação de vestibular como gênero:
configuração textual e processo social.
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre pelo
Programa de Pós-Graduação em Letras do
Departamento de Letras da PUC-Rio.
Orientadora: Profa. Dra. Lúcia Pacheco de Oliveira.
Rio de Janeiro
Março de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410517/CA
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Josyele Ribeiro Caldeira
A redação de vestibular como gênero:
configuração textual e processo social
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de
Pós-Graduação em Letras do Departamento de
Letras do Centro de Teologia e Ciências Humanas
da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Profa. Dra. Lúcia Pacheco de Oliveira
Orientadora
Departamento de Letras – PUC-Rio
Profa. Dra. Maria das Graças Dias Pereira
Departamento de Letras – PUC-Rio
Profa. Dra. Anna Elizabeth Balocco
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de
Teologia e Ciências Humanas– PUC-Rio.
Rio de Janeiro. 15 de março de 2006
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410517/CA
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.
Josyele Ribeiro Caldeira
Graduou-se em Letras (Língua Portuguesa e Literaturas)
pela Universidade Federal de Viçosa (2003). Atualmente é
professor substituto da Universidade Federal de Ouro
Preto. Atua na área de Lingüística, com ênfase em Teoria
e Análise Lingüística, principalmente nos seguintes temas:
gênero discursivo, lingüística sistêmico-funcional,
lingüística aplicada e análise crítica do discurso.
Ficha Catalográfica
CDD: 800
Caldeira, Josyele Ribeiro
A redação de vestibular como gênero:
configuração textual e processo social / Josyele
Ribeiro Caldeira; orientadora: Lúcia Pacheco de
Oliveira. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de
Letras, 2006.
150 f.; 30 cm
Dissertação (mestrado) Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras
Inclui referências bibliográficas.
1. Letras Teses. 2. Redação do vestibular. 3.
Gêneros discursivos. 4. Processo social. 5.
Lingüística sistêmico-funcional. 6. Argumentação. 7.
Discurso acadêmico. I. Oliveira, Lúcia Pacheco de. II.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Letras. III. Título.
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Para minha família e meu amor,
pelo apoio e companheirismo.
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Agradecimentos
Primeiramente a Deus, a quem devo minha existência e o direcionamento da
minha vida.
À minha orientadora, Professora Lúcia Pacheco de Oliveira, não pelo apoio e
estímulo para a realização dessa pesquisa, mas também pelo exemplo de
professora e orientadora que tem sido.
Ao meu pai, José Evânio Alves Caldeira, pela simplicidade, pela doçura no olhar
e, principalmente, pelo exemplo de pessoa que me serviu de modelo para trilhar,
com honestidade e decência, os caminhos da vida.
À minha mãe, Mirná Maria Ribeiro Caldeira, que, embora de forma tortuosa, fez
que julgava certo na condução da minha vida.
À minha orientadora de Iniciação Científica, Gracia Regina Gonçalves, que me
apresentou à prática de pesquisa.
À minha orientadora de Monografia de curso de Graduação, Maria Carmen Aires
Gomes, a quem devo o interesse por questões do Discurso.
À Anita Cristina, que para mim é mais do que gente, pelo carinho, pelo
companheirismo, pela cumplicidade e, principalmente, pelo amor, que é, de certo,
recíproco.
Ao Guilherme Cristino, pelo carinho e amor, nos seus onze anos de existência em
minha vida.
Ao meu namorado, Marcelo Gomes Mendonça, pelo amor que tem dedicado a
mim.
Aos meus colegas de trabalho da UFOP, em especial a Willian Augusto Menezes
e Elke Pena, pelo estímulo e amizade.
À Professora Emérita da UFOP, Hebe Rola, pelo carinho, e, acima de tudo, pelo
exemplo de mulher.
A todos os alunos da UFOP, que, de todas as formas, estão me ensinando, a cada
dia, os significados de ser mestre.
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Aos funcionários da PUC-Rio, em especial à Chiquinha e Didi, que tanto me
apoiaram, sempre com um sorriso no rosto.
Aos professores que participaram da Comissão Examinadora dessa dissertação.
A todos os professores, funcionários e colegas da UFV, a quem devo minha
formação.
A todos os amigos e familiares, que de alguma forma me apoiaram no andamento
dessa pesquisa.
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Resumo
Caldeira, Josyele Ribeiro; Oliveira, Lúcia Pacheco de. A redação de
vestibular como gênero: configuração textual e processo social. Rio de
Janeiro, 2006. 150p. Dissertação de Mestrado Departamento de Letras,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Esta pesquisa tem por objetivo estudar a redação de vestibular enquanto
gênero discursivo, visando caracterizar sua estrutura textual e enfocá-lo como um
processo social dentro do contexto pedagógico. Buscando embasamento teórico
na lingüística sistêmico-funcional (Halliday, 1994, Martin, 1989), nos estudos de
gênero (Marchuschi, 2002) e em teorias de argumentação (Perelman, 1993,
Breton, 1998), coletou-se um corpus de 135 redações, selecionadas de acordo com
as notas a elas atribuídas. Os textos foram escritos por candidatos a cursos de
diferentes áreas de três instituições de ensino superior, duas públicas e uma
particular, localizadas em diferentes Estados do país. Como parte da análise foram
observados os parâmetros de configuração textual do gênero através da
identificação de tipos textuais e da descrição de estruturas argumentativas
presentes nos textos. A redação de vestibular foi também estudada em termos de
processos sociais, a partir da análise da sua relação com o contexto sócio-histórico
e do uso de marcas de subjetividade e identidade discursivas presentes nos textos.
A análise possibilitou ainda a caracterização do nero estudado face ao discurso
acadêmico, situando-o em uma esfera mais ampla, ou seja, partindo de sua
materialização nos textos e relacionando-o ao contexto acadêmico. Os resultados
da pesquisa mostram que os candidatos utilizam em suas redações diferentes tipos
textuais, bem como diversos tipos de argumentos, sendo freqüentes as narrativas e
os argumentos que indicam afetividade. Estas características, bem como o uso
recorrente de um esquema simplificado de argumentação, o uso constante
explicitação do contexto (Biber, 1988, Oliveira, 2002) e o uso pouco constante de
nominalizações que possibilitam a expressão de idéias abstratas em detrimento de
processos, expressos por verbos que retratam ações (Halliday,1994), parecem
contribuir para a caracterização dos textos como pouco acadêmicos, frustrando as
expectativas dos avaliadores, e levando-os a serem avaliados pelas bancas como
pouco eficientes. Por outro lado, o uso de argumentos criativos, dotados de humor
e considerados como eficientes, bem como o uso reduzido de marcas de
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subjetividade demonstram estarem os textos em consonância com exigências do
discurso acadêmico. Esta pesquisa, portanto, mostra ser esse um gênero que
apresenta ao mesmo tempo vários movimentos constitutivos inerentes ao discurso
acadêmico e aspectos dissonantes, típicos de um texto não acadêmico, sendo por
isso relevante o estudo de sua caracterização discursiva e papel social, com vistas
ao ensino de escrita no contexto pedagógico brasileiro.
Palavras-chave
Redação de vestibular; gêneros discursivos, processo social, lingüística
sistêmico-funcional, argumentação, discurso acadêmico.
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Abstract
Caldeira, Josyele Ribeiro; Oliveira, Lúcia Pacheco de (Advisor). The
university composition entrance examination as a genre: textual
configuration and social process Rio de Janeiro, 2006. 150p. MSc.
Dissertation Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro.
The objective of this research is to study university composition entrance
examinations as a discourse genre, in order to characterize its textual structure and
to examine it as a social process in the pedagogic context. Theoretical aspects of
systemic-functional linguistics (Halliday, 1994, Martin, 1989), genre studies
(Marchuschi, 2002) and argumentation principles (Perelman, 1993, Breton, 1998)
were applied to a corpus of 135 assignments. The texts, selected according to a
range of grade variation, were written in Portuguese by applicants for courses of
several areas from three universities located in different Brazilian states, two
public institutions and a private one. As part of the analysis, textual configuration
parameters were observed through the identification of the use of text types and
argumentative structures found in the compositions. The analysis also aimed at the
characterization of that particular genre in terms of academic discourse, leading it
beyond its materialization in texts into the wider perspective of its relationship
with the academic context. Research results show that applicants use different text
types in their assignments, as well as several kinds of arguments, narratives being
frequent as well as arguments with some emotional appeal. These characteristics,
as well as the recurrent use of an oversimplified argumentative scheme and
constant context explicitation (Biber, 1988, Oliveira, 2002) and with the constant
use of nominalizations that refer to abstract ideas rather than processes, expressed
through verbal forms that refer to actions (Halliday, 1994), point towards
academic discourse. seem to contribute towards the characterization of these texts
as not totally fitting academic discourse, thus frustrating examiners’ expectations
and being evaluated by the committees as inadequate, due to lack of efficiency.
On the other hand, the use of creative and humorous arguments, which are
considered efficient, with reduced use of subjectivity marks also demonstrate that
the texts analyzed are in accordance with the requirements of the academic
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context. Therefore, this research leads into the conclusion that university
composition entrance examinations show both constitutive aspects inherent to
academic discourse and also some dissonant characteristics typical of non-
academic texts. These results reinforce the need for the discursive characterization
of this genre and its study as a social process in the Brazilian pedagogic context.
Keywords
University composition entrance examination, discourse genres, social
processes, lingüística sistêmico-funcional, argumentation, academic discourse.
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Sumário
1. Introdução 15
1.1. Histórico 15
1.2. Justificativa e relevância da pesquisa 17
1.3. Áreas de pesquisa 19
1.4. Objetivos e perguntas de pesquisa 19
1.5. Estrutura do trabalho 20
2. Discurso e argumentação 22
2.1. Discurso acadêmico 23
2.1.1. Discurso Escrito 25
2.2. Argumentação 27
2.3. A redação do vestibular 31
2.3.1. Contextualização sócio-histórica 31
2.3.2. Instrumento de avaliação 33
2.3.3. Subjetividade 34
3. Teoria Sistêmico-funcional 36
3.1. Perspectiva histórica 36
3.2. A teoria no contexto educacional 39
3.3. Contexto situacional e cultural 42
3.4. Variáveis de registro 46
4. Gêneros discursivos 50
4.1. Caracterização 50
4.2. Tipo textual e gênero 54
4.3. Gênero e registro na perspectiva sistêmico-funcional 56
4.3.1. Configuração contextual e Estrutura Genérica Potencial 58
4.3.2. Gênero como processo social 59
5. Metodologia 62
5.1. O estudo 62
5.2. Materiais 63
5.2.1. O corpus de dados 63
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5.2.2. Temas propostos 64
5.2.3. Os contextos 68
5.3.- Participantes 68
5.3.1. A banca do concurso e os candidatos 68
5.3.2. As bancas: formação e avaliação 69
5.4. Procedimentos da análise 73
6. Análise 76
6.1. A redação do vestibular em termos de
sua configuração textual 77
6.1.1. Seqüências tipológicas e eficiência dos textos 77
6.1.2. Estrutura argumentativa 89
6.1.2.1. Modelos argumentativos 89
6.1.2.2 . Seqüências argumentativas e eficiência dos textos 100
6.1.2.3 Perguntas retóricas 102
6.1.2.4 – Argumentos criativos e inusitados 114
6.2 . A redação do vestibular em termos de processos sociais 117
6.2.1. O contexto sócio-histórico 117
6.2.2. Análise do mundo criado nas redações 127
6.2.3. A subjetividade e as identidades discursivas 131
6.3. A redação do vestibular e o discurso acadêmico 135
6.3.1. A configuração textual da redação do vestibular
e o discurso acadêmico 135
6.3.1.1. Tipos textuais 136
6.3.1.2. Argumentação 137
6.3.2. A redação do vestibular e o discurso acadêmico 140
6.3.2.1. Marcas de explicitação do contexto 141
6.3.2.2. Nominalizações vs. Processos 141
6.3.2.3. Marcas de expressão da subjetividade 141
7. Considerações Finais 143
8. Referências Bibliográficas 146
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Lista de figuras
Figura 1- Diferenciação entre gêneros e tipos textuais 54
Figura 2- Exemplos de seqüências tipológicas 56
Figura 3 - O corpus de dados 63
Figura 4 - Localização e função das perguntas retóricas 105
Figura 5 - Perguntas retóricas no corpus 106
Figura 6 - Conjunto global de perguntas retóricas localizadas
nos títulos das redações 109
Lista de Tabelas
Tabela 1- Freqüência de referências à realidade social 119
Tabela 2 - Freqüência de referências aos indivíduos 122
Tabela 3 - Freqüência de referências espaciais 123
Tabela 4 - Freqüência de referências temporais 124
Tabela 5 - Freqüência de nominalizações 127
Tabela 6 - Freqüência dos processos 129
Tabela 7 - Freqüência de marcadores de subjetividade:
Pronomes de 1ª pessoa 131
Tabela 8 - Freqüência de marcadores de subjetividade:
Verbos na 1ª pessoa 132
Tabela 9: Freqüência de marcadores de objetividade:
Verbos na 3ª pessoa e formas nominais 132
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Acho que compreender uma coisa qualquer
inteiramente, por insignificante que seja, exige
a compreensão de todas as demais coisas do
mundo.
John Barth, A ópera flutuante.
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1.
Introdução
“Precisamos de um instrumento teórico e pedagógico
que nos leve a pesquisar textos, seus contextos e suas
ideologias – para vermos como gêneros são escritos, usados e
como funcionam como respostas a uma cultura social e
intelectual de um grupo particular em um período histórico”
(Hyland, 2000, p.2).
1.1.
Histórico
A preocupação com a redação do vestibular, incluindo sua configuração
textual, bem como sua instauração enquanto processo social, tem me
acompanhado desde quando me inclui na comunidade acadêmica, ainda quando
vestibulanda. Logo no início do curso de Letras, tive particular interesse por esse
gênero textual, uma vez que comecei a trabalhar em cursinhos pré-vestibulares, no
ano de 2001. Nessa época, comecei a perceber que, além de ser enfatizado um
tipo de estrutura amalgamada, pouco mutável, ou seja, que não se adaptava à
realidade de possibilidades lingüísticas dos vestibulandos, o ensino também não
se voltava ao tratamento da redação do vestibular como um processo social.
Percebia também que a prática docente nesses ambientes de ensino, os
cursinhos pré-vestibulares, tencionava apresentar modelos de construção textual
que tendiam a uma massificação da produção de texto, uma vez que eram
trabalhadas formas únicas e totalizadoras que, segundo os adeptos, serviriam para
trabalhar todo e qualquer tema que fosse exigido pela banca, ou seja, todo e
qualquer tema que “caísse” na prova de redação.
Além disso, observava que era dada, nesse contexto, extrema atenção aos
erros de cunho gramatical, e enfatizados, no processo de ensino, aspectos como:
concordância, regência, colocação, etc. Um outro aspecto trabalhado era a
concepção de texto enquanto uma unidade de sentido. Dentro dessa perspectiva,
eram abordados aspectos inerentes aos processos de coesão e coerência textuais
tais como: unidade, continuidade, progressão, contradição, articulação, dentre
outros.
Há ainda o fato de que eram trabalhadas também questões referentes à
não-marcação da subjetividade nas redações do vestibular, ou seja, por se tratar
de um texto formal, uma vez que é assim concebido, não deveria haver nele
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nenhum tipo de marcação de subjetividade, quer por meio do uso da primeira
pessoa ou por meio da marcação de opinião, dentre outros.
Aproximadamente na metade do curso de graduação em Letras, trabalhei
como monitora do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa,
instituição pela qual conclui o curso de Letras. Nesse novo ambiente, uma outra
realidade foi-me apresentada. A título de esclarecimento, minha função, dentre
outras, era analisar as redações produzidas pelos alunos e tecer comentários sobre
as mesmas, ministrar semanalmente uma oficina de produção de textos, em
horário extra-curricular, bem como prestar atendimento individual aos alunos do
terceiro ano do Ensino Médio dessa instituição. Nessa nova realidade, fui
orientada pela professora das quatro turmas do terceiro ano a, ao invés de corrigir
os textos, tecer comentários acerca não só das ineficiências, mas também de
estratégias textuais eficientes encontradas nos textos dos alunos. Então, pude ter
contato com uma nova forma de olhar o texto do aluno, no processo de ensino-
aprendizagem de textos escritos, incluindo a redação do vestibular.
Após ter concluído o curso de Letras, já no ano de 2005, passei a atuar
como professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de Ouro
Preto, onde ministrei também disciplinas de produção de textos. Além disso,
comecei a participar do processo de avaliação do vestibular da UFOP, como
membro da banca de avaliação da redação. Dentro desse contexto, comecei a
confirmar certas expectativas que trazia desde a época em que era vestibulanda.
Uma delas é o fato de que modelos amalgamados de estruturação textual, que de
tão recorrentes parecem ‘lacunares’, em que os produtores estão somente
preenchendo as lacunas, com relação com o tema, nada além disso, não eram bem
vistos pela banca. Outra é a questão de que um texto dissertativo não se resume a
um texto que traga somente seqüências tipológicas dissertativas (Marcuschi,
2002). Outra é de que aspectos gramaticais têm pouco valor, se comparados a
aspectos argumentativos, por exemplo (vide tabela apresentada no Capítulo 5 –
Metodologia). Outra expectativa era a de que a marcação da impessoalidade não
tem relação direta com o grau de eficiência dos textos.
Dentro dessa perspectiva, a preocupação que fui desenvolvendo em torno
dessa particular produção textual assumiu contornos mais bem definidos quando
passei a participar do outro lado do processo, sendo parte da banca avaliadora.
Assim, posso dizer que o problema enfocado nesse trabalho tem relação direta
com as minhas vivências em ambientes pedagógicos diversos, como vimos, mas
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que retratam a amplitude e a complexidade que giram em torno desse tipo de
produção textual. As dificuldades dos vestibulandos quanto à aquisição do gênero
redação do vestibular, as dificuldades dos docentes no processo de ensino e, por
fim, o manejo do texto do candidato pela banca, com finalidade de avaliá-lo, são,
portanto, temas correlatos ao escopo desse trabalho.
1.2.
Justificativa e relevância da pesquisa
A redação tem se apresentado como um dos itens mais preocupantes do
concurso vestibular, tanto por parte dos alunos, quanto por parte dos profissionais
da educação. Várias abordagens têm sido propostas, visando à adaptação dos
concursos às novas propostas de ensino - optando por questões mais voltadas para
a adequação a um modelo mais interativo e menos tradicionalista - bem como
para o uso de gêneros discursivos pelos estudantes.
Entendendo a estruturação da redação do vestibular como sendo
organizada e recorrente, torna-se relevante que se proponha analisar seus aspectos
constitutivos no tocante à sua configuração textual, ou seja, no que tange à
estrutura do gênero materializada nos textos. Essa análise inclui os participantes,
com suas intenções e objetivos, ou seja, os propósitos comunicativos, sempre
interdependentes do contexto situacional, que se configura como o da seleção para
o ingresso numa instituição superior de ensino, e do contexto cultural, que
corresponde ao conjunto de relações de sentido emergentes em uma dada
sociedade, em um dado espaço temporal.
Meurer (2000, p.29) afirma que:
[C]ada vez mais, evidencia-se a necessidade de novos estudos sobre diferentes
gêneros textuais que desenvolvam instrumentais teóricos e práticos para demonstrar
que, através de textos orais e escritos, criamos representações que refletem, constroem
e/ou desafiam nossos conhecimentos e crenças, e cooperam para o estabelecimento das
relações sociais e identitárias (Meurer, 2000, p.29).
Em se tratando o vestibular de um exame decisivo para a futura carreira
profissional do candidato, e, também, considerando que a redação, principalmente
em reconhecidas instituições de ensino, representa um grande percentual da nota
final do concurso, podendo, na maioria das vezes, ser decisiva para a aprovação
ou não do candidato, é extremamente pertinente o desenvolvimento de uma
pesquisa que enfoque esse tipo de escritura, de forma abrangente. Além disso,
embora já sejam conhecidas muitas pesquisas que trabalhem a redação do
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vestibular, tais como a de Costa Val (1994), Pécora (1992), Barros (1985), ainda
não se tem pesquisas suficientemente abrangentes que abordem estas produções
textuais como gênero, explorando aspectos não só inerentes à sua configuração
textual, mas também inerentes ao processo social que representam.
Vale acrescentar que este trabalho caracteriza-se por seu engajamento
com formas de letramento social e ensino da escrita em contextos reais e materiais
de uso da linguagem. O estudo aqui desenvolvido, portanto, considera a interação
verbal em situação histórico-cultural determinada, e baseia-se em um corpus de
135 redações, que foram escritas nos anos de 2004, 2005.1 e 2005.2,
correspondendo a um total de aproximadamente 30.000 palavras. As
Universidades que nos cederam, gentilmente, o corpus foram a UFV
(Universidade Federal de Viçosa- MG), a PUC-Rio (Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro) e a UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto- MG).
Marcuschi (2005, p.10) diz que “pelo uso de textos, não só organizamos
nossas ações diárias, mas também criamos significações e fatos sociais num
processo interativo tipificado num sistema de atividades que encadeia
significativamente as ações discursivas”. Parece que seria exatamente isso que
ocorre com o gênero redação do vestibular, ou seja, não é suficiente estudar um
gênero em si mesmo, mas é preciso também estudá-lo através do entendimento de
seu funcionamento social e de sua relação com os participantes, estando estes
inseridos em uma cultura e suas respectivas instituições.
A relevância social da pesquisa desenvolvida nesse trabalho justifica-se
porque, segundo Vian Jr. e Lima-Lopes (2005, p.34):
Martin (1992, p.560) aponta que uma grande preocupação dos lingüistas
sistêmicos tem sido estudar a constituição dos gêneros. Tal preocupação existe porque
questões atinentes às relações sociais e aos padrões lingüísticos nelas gerados não estão
completamente resolvidas (Vian Jr &Lima-Lopes, 2005, p.34).
Essa relevância é comprovada tendo-se em vista que
o acesso democrático às recompensas econômicas, sociais e pessoais da
participação nessas atividades letradas especializadas significou a oferta de
oportunidades educacionais para todos, independentemente de suas origens sociais.
Assim, entender as variedades da escrita é muito mais que um problema enigmático da
Lingüística; é um problema urgente para a educação (Bazerman, 2005, p. 15).
Partimos da idéia de que dominar gêneros, principalmente aqueles
realizados na esfera educacional, seria agir politicamente, eticamente,
moralmente. Isso devido à sua extrema relevância na sociedade atual, em que a
procura por cursos universitários, principalmente em instituições renomadas de
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ensino, se acentua cada vez mais, tendo em vista as imposições do mercado, com
sua exigência de profissionais qualificados.
1.3.
Áreas de pesquisa
Para discutir as questões acima levantadas, essa Dissertação baseia-se em
pressupostos teóricos e analíticos de três áreas distintas: a lingüística sistêmico-
funcional, os estudos de gêneros e a teoria da argumentação.
Dentro dos estudos de gêneros, as perspectivas sistêmico-funcional
(Halliday, 1994; Martin, 1989) e nova retórica (Miller, 1984), bem como as idéias
de Bakhtin serviram de base à análise das redações, na tentativa de caracterizá-las
ou descrevê-las como gênero discursivo. No tocante aos movimentos
argumentativos, foram também utilizados alguns autores da área de análise do
discurso de linha francesa. Entendemos os recortes dessas teorias aqui não como
excludentes, mas como complementares.
A perspectiva sistêmico-funcional foi adotada como base do trabalho
devido à necessidade de uma teoria que não se contentasse com a análise textual
pura e simplesmente, mas com a relação do texto com seu contexto situacional e
cultural de produção.
1.4.
Objetivos e perguntas de pesquisa
O objetivo desse trabalho é estudar a redação do vestibular como um
gênero discursivo, considerando aspectos lingüísticos de sua realização, bem
como aspectos sociais de seu uso. Assim, este trabalho visa o estudo da redação
do vestibular como gênero enfocando aspectos discursivos e sociais, através do
estudo de sua configuração textual e de convenções lingüísticas e de sua
realização como processo social.
Visando atingir esses objetivos, as seguintes perguntas de pesquisa são propostas:
1- Como se caracterizam as redações do vestibular em termos de sua
configuração textual?
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2- Como se caracterizam as redações do vestibular em termos de
processos sociais?
3- Como se caracterizam as redações do vestibular em termos do discurso
acadêmico?
Dentro dessa perspectiva, outros temas se colocam para a discussão, a
saber, tais como: a relação do grau de eficiência dos textos com as tipologias
textuais e com os processos argumentativos que apresentam; e a relação da
utilização de marcadores do contexto e de marcadores de subjetividade dos textos
e o seu propósito comunicativo.
Não se objetiva, contudo, traçar um modelo pronto e acabado para a
caracterização deste gênero, uma vez que se admite que gênero seria uma
“categoria essencialmente sócio-histórica sempre em mudança”, mas descrevê-lo
e defini-lo de acordo suas características discursivas e com seu processo de
historicidade constituinte. Dessa forma, se pretende aqui estudar o referido gênero
não apenas postulando seu aglomerado de elementos textuais, mas a relação
desses com a atribuição socialmente condicionada de lugares e papéis de
locutores, ou melhor, de enunciadores, em sua situação real de utilização.
1.5.
Estrutura do trabalho
Este trabalho foi realizado em sete capítulos, dentre os quais o primeiro é
introdutório; o segundo, o terceiro e o quarto são teóricos, onde tratamos de
teorias relativas às temáticas de discurso e argumentação, da lingüística sistêmico-
funcional, e de gêneros discursivos; o quinto descreve a metodologia de análise, o
sexto apresenta a análise dos dados propriamente dita. Por fim, o sétimo e último
capítulo apresenta a conclusão e discussão dos resultados.
No presente capítulo, situamos a motivação da pesquisa por parte da
pesquisadora e expusemos a justificativa e a relevância do trabalho, bem como as
áreas de pesquisa, seus objetivos e sua estrutura.
No segundo, buscamos traçar as diretrizes do que se convencionou
chamar de discurso acadêmico, passando pela discussão da questão da marcação
ou não da subjetividade, incluindo a definição de discurso científico e de escrita
acadêmica. Além disso, são apresentados os parâmetros do que consideramos ser
a argumentação. A noção de topos é também apresentada, já que nos serviu de
subsídio para a análise dos movimentos argumentativos do corpus de análise. Por
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fim, apresentamos uma breve descrição do percurso de constituição do gênero
redação do vestibular.
No terceiro capítulo, é apresentado o histórico da teoria sistêmico-
funcional, tendo sido incluído, nessa parte, um item em que tratamos desta teoria
no contexto educacional, foco dessa pesquisa. Ainda nesse capítulo, fazemos a
exposição do que tratamos por contexto situacional e cultural, termos inerentes a
essa teoria. Por último, são apresentadas as variáveis de registro.
No quarto capítulo, definições de gênero são apresentadas, bem como o
que tratamos por tipos textuais em contraposição à noção de gênero. Além disso,
gênero e registro são definidos dentro da perspectiva sistêmico-funcional; nessa
etapa, apresentamos também as noções de Configuração Contextual e de
Estrutura Genérica Potencial (Halliday e Hasan, 1989), e trabalhamos a idéia de
gênero como processo social.
No quinto capítulo, que trata dos passos metodológicos, foram
apresentados os materiais que constituem o corpus de análise utilizado na
pesquisa, o contexto onde eles foram gerados, ou seja, as universidades, a
localização das mesmas, os critérios de composição das bancas e os temas
exigidos. Além disso, foram retratados os participantes, ou seja, a banca e os
candidatos. Por fim, apresentamos os procedimentos de análise, que incluem
todos os passos da pesquisa, desde a construção do corpus e a elaboração do
arcabouço teórico, até as categorias de análise.
O sexto capítulo divide-se em duas etapas. A primeira apresenta a
identificação de tipos textuais constantes do corpus (Marcuschi, 2002), e a
discussão do uso de diversas seqüências tipológicas e sua relação com o grau de
eficiência dos textos; apresenta ainda a identificação dos movimentos de
constituição da argumentação e a discussão sobre o uso de determinados tipos de
argumentos e sua relação com o grau de eficiência dos textos. Nessa etapa, é
caracterizada a configuração textual do gênero. A segunda etapa trouxe a
identificação e exemplificação de formas de marcação do contexto, a identificação
e exemplificação do uso de nominalizações versus processos, e a identificação e
exemplificação das marcas de subjetividade/não subjetividade nos textos. Nessa
etapa, o gênero redação do vestibular é caracterizado em termos de processo
social e sua relação com o discurso acadêmico é discutida.
O sétimo e último capítulo apresenta as considerações finais do trabalho.
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2.
Discurso e Argumentação
“Em cada sociedade, a produção de discurso é
imediatamente controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por um certo número de procedimentos,
cujo papel é tutelar seus poderes e perigos, domesticar
suas casualidades, escapar da sua ponderável,
formidável materialidade” (Foucault, 1984, p.109).
2.1.
Discurso acadêmico
Neste capítulo, tentaremos explorar os conceitos de discurso científico,
sua relação com o discurso acadêmico e em que medida a constituição da redação
do vestibular ecoa, ou é configurada a partir desses discursos. Ken Hyland (2000)
aborda a escrita acadêmica privilegiando sua função ideacional (Halliday, 1994),
ou seja, como o discurso, nesse domínio, se constitui para construir as
experiências do mundo. Além disso, o discurso da ciência, exteriorizado nos
ambientes acadêmicos, a partir do que se chama discurso acadêmico, relata,
essencialmente, o relacionamento entre pessoas e entre pessoas e idéias. Esse
relacionamento ocorre a partir de práticas institucionalizadas, que demandam
respostas típicas em um determinado contexto. O autor acrescenta que os
enunciadores desse tipo de discurso representam cuidadosamente negociações
com outros da mesma comunidade profissional, a partir de práticas disciplinares
aprovadas, ou seja, referentes a várias disciplinas ou áreas do conhecimento. Os
produtores desse tipo de texto estão inseridos em um mundo particular de escrita,
o qual é refletido e construído através de discursos particulares e aprovados.
Ainda nessa perspectiva, Hyland afirma que “a escrita [acadêmica] deve
ser entendida somente a partir da perspectiva social ao invés de uma visão
individual, onde o conhecimento e a escrita dependem das ações dos membros de
uma comunidade local” (Hyland, 2000, p.1). Acrescenta também o fato de que
“precisamos considerar a escrita acadêmica como uma prática social coletiva, e
tomar os textos como sendo a realização dessa prática” (idem). Ele diz ainda que:
Para estudar as interações sociais expressas pela escrita acadêmica não é
suficiente mostrar como produtores em diferentes disciplinas procedem à construção do
conhecimento. É necessário também revelar instrumentos sancionados por
comportamentos sociais, crenças epistêmicas, e estruturas institucionais de
comunidades acadêmicas (Hyland, 2000, p.1-2).
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Hyland, ainda nessa obra, afirma que produtores e leitores claramente
consideram um ao outro, tentam imaginar propósitos e estratégias, e escrevem e
interpretam um texto a partir dessas especulações (Hyland, 2000, p.2). E, com
isso, propõe algumas indagações a respeito da escrita acadêmica, tais como: o que
motivaria a interação na escrita acadêmica?; quais características lingüísticas
realizam tal interação; quais estratégias são envolvidas e quais princípios são
acionados?; o que a escrita nos diz a respeito das crenças e práticas de suas
disciplinas?
Ele defende ainda que precisamos entender as regularidades do discurso
acadêmico e por que características particulares estão sendo tão utilizadas por
produtores de maneira que se tornam práticas regulares, institucionalizadas como
letramentos disciplinares aprovados. (Hyland, 2000, p.2). Ao mesmo tempo, há,
no espaço da escrita acadêmica, lugar para a demonstração da habilidade de
negociar e estabilizar uma pluralidade de normas culturais em disciplinas
específicas.
A respeito da formação discursiva científica, Possenti (2002) afirma que
esta é imbuída de um rigor formal, que se fundamenta nas regras de produção de
seus enunciados:
Penso que é possível distinguir o discurso científico dos discursos não científicos
por outros critérios que não sejam os correntes, especialmente um deles, segundo o qual
a ciência diz sempre e só a verdade e outros discursos nunca a dizem, são sempre a
manifestação do erro e da ingenuidade. (...) o que distingue os enunciados científicos
dos não científicos são suas condições de produção. A diferença dos dois tipos de
discurso, portanto, tem a ver fundamentalmente com as regras de produção dos seus
enunciados (Possenti, 2002, p.238
).
A noção de disciplina dialoga com a questão das regras do fragmento
acima, assim definida por Foucault (1984):
a disciplina se define por um domínio de objetos, um conjunto de métodos, um
corpo de proposições consideradas verdadeiras, um jogo de regras e definições, de
técnicas e de instrumentos: tudo isso constitui uma espécie de sistema anônimo, à
disposição de quem quer ou de quem pode servir-se, sem que seu sentido ou sua
validade estejam ligados a quem se reconhece ser seu inventor. (...) Os critérios de
julgamento dos discursos científicos são diversos dos critérios de julgamento dos
discursos não científicos- historicamente (Foucault, 1984).
Por outro lado, há outro ponto do discurso científico que opõe-se a estes:
a marca da subjetividade. Apesar de haver uma corrente que defenda a marcação
da subjetividade no discurso acadêmico, como Ivanic e Simpsom (1992), Granger
(1968) afirma que a linguagem estrutura progressivamente o trabalho científico.
Tal estruturação busca eliminar (ou diminuir ao máximo) a relação entre sujeito
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produtor desse enunciado e o enunciado em si. (...) O sistema de produção dos
enunciados científicos não está ligado à subjetividade.
Para Hyland (2000), a importância da escrita acadêmica reside no fato de
essa ser um tipo de “reconhecimento que busca entender que disciplinas envolvem
entendimentos de seus discursos” (Hyland, 2000, p.2). Uma das razões disso seria
o fato de que um discurso disciplinar seria considerado como um rico conjunto de
informações sobre práticas sociais acadêmicas.
Hyland acrescenta que:
no campo acadêmico os significados que os textos incorporam incluem
negociações disciplinares, revelando como o conhecimento é construído, negociado, e
como constrói a persuasão. Ao invés de simplesmente examinar a natureza das coisas, a
escrita é realmente vista como instrumento de construção de uma visão de mundo. (...)
Em outras palavras, o discurso é socialmente construído, ao invés de simplesmente
socialmente compartilhado; a escrita não é simplesmente um aspecto das disciplinas,
mas deve ser vista como produtora das mesmas
(Hyland, 2000, p.3).
Ainda segundo o autor, o que importa para a diferenciação entre as várias
disciplinas seria muito mais como os acadêmicos das diversas áreas escrevem, não
simplesmente o que eles escrevem. Ao percorrer as diferentes áreas, percebe-se
que há várias formas de construção e afirmação do conhecimento, diferentes
estabilizações da verdade, e diferentes formas de engajar o leitor.
Turner (1999) afirma que:
Eu defendo que o letramento acadêmico sempre existiu, entretanto, tem sido
escamoteado em um ‘discurso de transparência’. Esse discurso é um efeito da
conceitualização da linguagem predominante na tradição intelectual do ocidente. Ao
conceituar a linguagem com ‘transparente’, nega-se efetivamente seus funcionamentos.
Em outras palavras, quando a linguagem está operando bem, ela é invisível.
Contrariamente, porém, quando a linguagem torna-se ‘visível’, ela passa a ser um objeto
de censura, assinalando uma deficiência no seu uso individual. Além disso, o uso da
linguagem no discurso acadêmico em associação à racionalidade e à lógica pode limitar
o aluno com deficiência nesses dois aspectos (1999, p.150).
A partir daí, pode-se argumentar a favor de uma nova concepção de
‘discurso acadêmico”. Turner (1999) o define como:
um produto lingüístico cujas características retóricas podem ser analisadas e
demarcadas, e, por outro lado, é um meio de representação do pensamento acadêmico.
O pensamento acadêmico, admitido como tipo de racionalidade e lógica, assume a
possibilidade de uma absoluta clareza de representação do conhecimento. Esse
‘representacionalismo’ está associado à idéia de universalidade, a qual se posiciona
como o centro de um objetivismo epistemológico (idem, p.151).
Esse objetivismo seria, então, a base da ilusão de ser este um discurso
neutro, perfeito, livre de subjetivismo. Entretanto, tenta-se defender nessa
dissertação, que isso definitivamente não procede. A identidade do enunciador
está, a todo momento, demarcada na constituição de seu texto, quer por escolhas
de modos e tempos verbais, quer por sua natureza de representação da realidade,
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quer por meio da configuração de grupos nominais mais ou menos complexos,
dentre uma infinidade de outros recursos ou instrumentos lingüístico-discursivos.
Além disso, Scott (1999) afirma que sujeito pode desfazer a rigidez e as
fortes demarcações de identidade, substituindo-as pelas complexidades da
subjetividade, o que serve para enfatizar ainda mais o foco deste trabalho. A
análise das redações do vestibular, sob esse ponto de vista, abarcará exatamente a
inter-relação entre escolhas lingüísticas – enfatizando a co-construção da
identidade dos participantes - e contexto de situação e de cultura. Desta forma,
veremos como os constituintes materiais do gênero se relacionam com o contexto
acadêmico em que são gerados.
Também a inter-relação entre a estratégia de construção textual-
discursiva e a natureza da experiência lógica, ou da inferência, permite-nos
sugerir que em sua constituição material, a redação do vestibular guardaria forte
relação com a retórica clássica. Por este fato, apresentaremos alguns conceitos da
retórica clássica, sendo esta admitida como crucial para a definição e descrição da
configuração textual do gênero redação do vestibular, bem como esclarecer sua
inter-relação com o discurso acadêmico-científico, que também se filia à tradição
da retórica clássica.
2.1.1.
Discurso Escrito
De acordo com Eggins (2004, p.92-93), o texto escrito, em contraste com
o texto falado, que, por motivo de escopo de pesquisa, não trataremos, não seria
interativo e teria somente um participante; não seria face-a-face e não admitiria a
linguagem como ação imediata; o uso da linguagem seria como reflexo; não seria
espontâneo, mas seria planejado, gráfico e reescrito; não seria casual, mas
ocorreria em ocasiões sofisticadas. Além disso, o discurso escrito teria a seleção
de formas lexicais de prestígio; seria gramaticalmente simplificado, porém,
lexicalmente denso.
Cabe aqui ressaltar que estamos tomando essa diferenciação com o único
objetivo de tratar do nosso corpus de análise, que é, ou pelo menos é pressuposto
que seja, constituído dentro do extremo do contínuo que tenderia a um maior grau
de formalidade do discurso escrito.
Sobre a diferenciação entre linguagem escrita e falada, Eggins (2004)
acrescenta que a linguagem falada carrega processos de ação, por meio de
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seqüências de orações dinâmicas, enquanto que a linguagem escrita se constitui
por idéias e razões mais abstratas, por meio de processos relacionais (verbos de
estado), em sentenças condensadas. Ela diz que: “quando passamos da linguagem
oral para a versão escrita, o principal índice dessa mudança está nas características
dessa que são reconhecidas através das nominalizações: tornar coisas ou eventos
que geralmente não são nomes em nomes, acarreta conseqüências também para as
demais partes da sentença.(p.94). Ainda sobre esse processo, a autora afirma que a
nominalização tem duas principais vantagens textuais: organização retórica e
incrementação da densidade lexical. Sobre a organização retórica, ela afirma que
através do uso de nominalizações de ações e relações lógicas, pode-se organizar
textos não em função da nossa própria realidade, ou seja, em função de nós
mesmos, mas em termos de idéias, reações, causas, etc (p.95). A autora termina
sua incursão a respeito da organização retórica sumarizando que:
O tipo de organização retórica possibilitada por nominalizações torna-se uma
opção apenas porque o texto escrito é elaborado, polido, bem trabalhado: a escrita
permite, devido ao tempo que nos dá, reorganizar nossas frases para dar prioridade a
diferentes partes, enquanto que na fala, a pressão da dinâmica de uma situação significa
que nós geralmente não planejamos o que está por detrás do que falamos (Eggins, 2004,
p.96).
De forma geral, o que Eggins quer dizer é que o uso de nominalizações é
uma característica importante e relevante da escrita e serve também para
diferenciá-la da fala. Isso ocorre devido ao fato de que a nominalização confere à
escrita um aspecto mais abstrato, que não aparece com tanta intensidade na
modalidade oral.
Ainda trabalhando a relação dos processos de nominalização com a
densidade lexical, Eggins (2004, p. 96) diz que esses processos podem ser
definidos como a parte da sentença que contém nomes e palavras que os
acompanham, que têm a função de atribuir quantidade, especificar, descrever,
classificar e qualificar. Os grupos verbais, por outro lado, têm o potencial de
expansão de sentido, porém em outra direção, portanto, o resultado seria de ordem
bem distinta, especificando aspectos tais como tempo, número, aspecto, voz, não
acrescentando, assim, mais “conteúdo” a uma parte da oração. Ela acrescenta que
“a densidade lexical de um texto pode ser calculada através do número de
palavras que expressam conteúdos em função do número de palavras global de um
texto/sentença” (p.97). Palavras, diríamos conteudísticas, incluem nomes, a
principal parte do verbo, advérbios e adjetivos. Palavras não conteudísticas
incluiriam as preposições, as conjunções, os verbos auxiliares e os pronomes.
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Eggins afirma ainda que:
A língua falada possui um nível maior de complexidade gramatical. Essa
complexidade é relacionada ao número de orações por sentença, e pode ser calculada
pelo número de orações em proporção ao número de sentenças num texto. Enquanto na
língua falada nós tendemos a ligar orações, uma após a outra, freqüentemente em longas
sentenças, na língua escrita nós tendemos a usar relativamente poucas orações por
sentença (p.98).
Resumindo, a autora enfatiza que a linguagem escrita possui alta densidade
lexical, ou seja, possui um elevado número de palavras conteudísticas em relação
à gama de palavras existentes no texto ou sentença, bem como um baixo
embricamento gramatical, isto é, poucas orações por sentença. Por outro lado, a
linguagem falada possui alto nível de complexidade gramatical e menor de
densidade lexical.
Essa explanação teórica nos servirá para analisarmos os processos de
nominalização identificados no nosso corpus de análise, porque, uma vez sendo
esse processo um índice de formalização dos discursos, uma vez que retrata muito
mais abstrações do que ações, será de extrema relevância para a definição do
discurso que ocorre nas redações, com relação à sua inclusão ou não no discurso
acadêmico.
2.2.
Argumentação
Como já se sinalizou anteriormente, um dos itens a ser trabalhado nesta
pesquisa é como a argumentação aparece no gênero redação do vestibular, uma
vez que ela está intrinsecamente relacionada ao propósito comunicativo do
mesmo, devido ao fato de ser ele um gênero que serve, dentro do contexto cultural
atual, para atestar a habilidade de adoção de uma tese e desenvolvimento de
argumentos que a sustentem. A redação, intrinsecamente fundamentada na
argumentação, está sendo entendida, aqui, portanto, como meio para se alcançar a
persuasão. Breton (1998) caracteriza a argumentação como atividade inerente ao
ser humano: “Desde quando o homem pratica a argumentação? Estaríamos
tentados a dizer: desde que se comunica” (p.21). No mesmo texto, o autor divide
as práticas argumentativas em dois tipos: como uma prática espontânea, empírica
e como objeto de programa de ensino, como um saber estruturado. Com relação a
este ponto, ele adverte que os estudos dos processos e métodos que tornam a
argumentação mais eficaz são relativamente recentes na história da humanidade e
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nascem com a Retórica, no século V a.c., entendida como a “faculdade de teorizar
sobre o que é adequado em cada caso para convencer” (Aristóteles, 1998).
A retórica clássica, segundo Breton (1998), busca “argumentação,
raciocínio, procura de uma ordem do discurso como manipulação das opiniões e
das consciências”. Além disso, ele diz que “o orador é mais um homem de ética e
de opinião” (p.21 e 22).
Ao tentar descrever o que seria realmente a argumentação, Breton define
três elementos como essenciais. O primeiro seria o fato de que “argumentar é
comunicar”, o segundo de que “argumentar é convencer”, e o terceiro de que
“argumentar é raciocinar”. Voltado para um viés mais político, ele acrescenta que
a retórica clássica privilegia a manipulação, o poder, o convencimento, enquanto
que a boa argumentação [e utópica] privilegia o debate democrático (grifo meu).
Anscombre e Ducrot (no prelo) mencionam a diferença entre o discurso
argumentativo e a inferência ou raciocínio lógico. Define-se inferência como o
movimento que conclui de fatos ou proposições (premissas), outros fatos ou
proposições (a conclusão), de modo que esta conclusão pareça inevitável.
Anscombre e Ducrot, em outro momento, afirmam que argumentação, contudo,
pode conter elementos de inferência, no sentido que exprime uma passagem de
fato para fato. Este aspecto inferencial está acompanhado de forças particulares
suplementares, que o limita sem necessariamente o anular, forças ligadas, por
assim dizer, à roupagem lingüística que se prende à inferência, quando ela se
exprime em um discurso. Segundo a retórica, pode-se ter encadeamentos
discursivos verossímeis onde uma inferência lógica seria impossível. Pode-se
também ter uma inferência lógica e não haver possibilidade de argumentação.
Dessa forma, podemos dizer que a argumentação não depende de uma inferência
lógica, mas que pode trazê-la como instrumento de constituição de movimentos
argumentativos.
Isso não impede de supor, tendo em vista esta proposição, que os
argumentos do discurso contêm inferências, e que sua eficiência persuasiva está
ligada, em parte, a seu elemento inferencial.
Anscombre e Ducrot (no prelo) introduzem, para esclarecer a questão da
constituição da argumentação como sendo além de uma simples inferência lógica,
a noção de topoi, que, grosso modo, significa a ativação, na adoção de
determinado argumento, de um universo de crenças compartilhado por uma dada
coletividade. Dessa forma, podemos dizer que topos são predicados
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metalingüísticos, ou seja, representações intelectuais da realidade. Os topoi que
eles encadeiam, então, devem ser considerados como a expressão de crenças
relativas ao mundo. Por detrás dos encadeamentos discursivos há admissão de
crenças, de opiniões comuns.
Como característica da argumentação, diz-se que esta noção é relativa e
gradual. Anscombre e Ducrot sustentam a abordagem de que todo encadeamento
argumentativo conclusivo se apresenta como a aplicação de um princípio geral,
suposição admitida pela coletividade e que se chama topos: quando se diz “Faz
calor, então vamos à praia”, isso se fundamenta na evidência (em termos técnicos,
também chamada de pressupostos) de que o calor torna o banho agradável.
A esta idéia, acrescenta-se uma segunda, e muito discutida, que seria a de
que estes princípios são graduais, eles consistem em um laço gradual entre dois
predicados. O exemplo precedente ativa o topos “quanto mais calor, mais
agradável tomar banho de mar”.
O discurso conclusivo não muito se assemelha ao raciocínio lógico. A
propriedade de um raciocínio lógico estaria no efeito que suas premissas
pretendem obrigar a aceitar a conclusão. Mas, se o princípio de transferência
utilizado é gradual, a conclusão perde sua característica obrigatória, porque o
destinatário pode sempre se opor, de acordo com o topos utilizado, caso tenha
necessidade de ser persuasivo, fazendo com que as premissas atinjam um grau de
força superior.
A melhor forma de se descrever o parentesco argumentativo entre os
enunciados “Faz relativamente calor”, “Faz calor” e “Faz muito calor” seria dizer
que eles convocam, em graus diferentes, o mesmo ‘topos’ gradual.
Toma-se a idéia da inferência, no logos, concebendo topos como uma
relação gradual entre duas idéias, entre duas noções, e que estas noções parecem
denotar fatos exteriores ao discurso. Assim, voltando ao exemplo, ele se ativa a
partir das noções de calor, que exprime um conjunto de fatos físicos e da noção de
bem-estar, que exprime um conjunto de fatos psicológicos. Dentro dessa
terminologia, volta-se às noções relativas ao topos.
É mantida, nessa perspectiva, a idéia de que os discursos se fundam em
um saber real ou objetivado. É considerada, em uma atividade inferencial
destinada a fazer admitir, justificar, a existência de certos fatos, a legitimidade de
certas proposições. A única diferença da inferência científica seria que ela agencia
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justificações, de uma parte associadas à forma lingüística e, de outra, à
verossimilhança.
Ainda segundo o Anscombre e Ducrot (no prelo), há interdependência
radical entre os diferentes segmentos de uma seqüência argumentativa.
Interdependência radical não significa interdependência lógica ou de verdade que
subordina a verdade de sua conclusão à de suas premissas. Cada um dos
segmentos encadeados faz parte do contexto do outro, e influencia assim, por
estarem inseridos no contexto, a significação do enunciado, à qual se associa no
discurso. Essa interdependência estaria fundada sobre a argumentação. O sentido
intrínseco de cada segmento contém a indicação de que ele serve de argumento
para o outro ou de conclusão do outro.
Outra questão relativa à argumentação seria o fato de o enunciador
incorporar, em seu próprio discurso, os pontos de vista que rejeita, o que contribui
para apoiar a persuasão de que ele tem razão. Isso possibilitará a construção de
uma crença no que é dito, sem ter necessidade de se justificar, bastando a
apresentação, em forma de concessão, do discurso que ele mesmo combate (cf.
Capítulo 6, item 6.1.2)
Desse modo, como estamos vendo, os princípios inerentes à constituição
do modelo da redação do vestibular remontam formalmente aos gregos, no que
tange, principalmente, à composição argumentativa, objetivando a persuasão,
como foi mencionado anteriormente.
Além disso, cabe discutir como a argumentação se constitui, ou seja,
discutir a forma que ela toma com o objetivo de alcançar o outro. Quais seriam
seus aspectos constituintes mais profundos? Isso tem a ver com “a ordem dos
argumentos no discurso”, que tem, na retórica clássica, o propósito de se obter a
adesão do auditório. Com esse intuito, admite-se que se tenha dividido o discurso
em cinco partes: exórdio, narração, prova, refutação e recapitulação. Porém,
Aristóteles, acreditando que essa divisão tão pormenorizada não seria abrangente
o suficiente para abarcar todos ou a maioria dos gêneros, apontou somente duas
partes indispensáveis, que seriam o enunciado da tese e os meios de a provar.
Segundo Perelman (1993, p.159), “a ordem de apresentação dos
argumentos modifica as condições da sua aceitação”. Além da ordem dos
argumentos, na Retórica Clássica, eram utilizadas outras estratégias para que se
convencesse o auditório. Uma delas era o fato de se elogiar o adversário,
enfatizando seu talento como orador, o que tenderá a diminuir, na mesma
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proporção, a força de seus argumentos, porque, quanto mais se enaltece as
qualidades oratórias do outro, mais se insinua que por trás da aparente eficácia do
seu discurso se esconde uma insuficiente argumentação. Outra seria proferir um
argumento original, inovador, em detrimento de um que já seja de domínio
público. Ainda outra seria tomar o argumento do próprio adversário, uma vez que
o tendo defendido, torna-se quase que impossível rejeitá-lo. Outra seria convergir
vários argumentos já ditos, tentando transmitir uma idéia de consenso. Por último,
diante da dúvida de qual argumento será mais eficaz, recorrer a vários, com o
intuito de contrapor, de comparar, visando até mesmo uma dupla argumentação
(cf. Capítulo 6, item 6.1.2.4)
É fato que a retórica toma as verdades lógicas como bases irrefutáveis de
sustentação ou de interferência para se impor um argumento. Mas o mais
relevante dessa vertente não seria unicamente esse ponto, e sim o fato de dever ao
próprio orador a tarefa de avaliar a força dos argumentos em virtude do auditório,
das suas convicções, das suas tradições, dos seus métodos de raciocínio. Assim,
uma coisa é detectar a força de um argumento a priori, outra coisa é saber se ele
será eficiente diante daquele contexto, a posteriori.
2.3.
A redação do vestibular
“O vestibular não é apenas um instrumento de
seleção, mas um evento que pode e deve
sinalizar significativamente para um
direcionamento no ensino precedente e no
conseqüente”.
1
2.3.1.
Contextualização sócio-histórica
A redação do vestibular é um tipo de texto que já acontece no veio
histórico-cultural-social brasileiro há aproximadamente quatro décadas.
Anteriormente, a habilidade textual dos candidatos que desejavam entrar para a
universidade era avaliada de acordo com sua capacidade como orador. O
candidato devia se expressar oralmente, e a avaliação era realizada por meio de
uma argüição oral sobre variados temas, principalmente filosóficos e metafísicos.
Talvez por questões práticas, devido ao aumento de candidatos advindo da
1
Retirado do site abaixo em 16/01/2005
http://www.unicamp.br/unicamp/vida_academica/vida_vestibular_15anos_prova.html
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expansão do sistema educacional superior no Brasil, a avaliação das habilidades
lingüísticas dos candidatos passou a ser realizada a partir das composições
escritas. Durante o desenvolvimento da constituição histórica desse gênero, a
redação do vestibular, tem-se nítida a exigência de aptidões específicas dos
candidatos para com o discurso acadêmico, tais como: o domínio da norma
padrão; a capacidade de construção de períodos elaborados, com encadeamentos
de idéias por meio de períodos compostos, principalmente por subordinação
(Oliveira, 1997); a utilização de um léxico rebuscado, pouco usual em contextos
espontâneos, ou seja, típicos de uma linguagem acadêmica; a utilização de formas
sintáticas pronominais enclíticas, típicas da língua escrita.
Na década de noventa, por exemplo, eram exigidos, pela maioria das
universidades brasileiras, temas relativos à política, às atualidades, o que retrata
nitidamente a preocupação em fazer com que os candidatos se mantivessem a par
dos acontecimentos de sua época. Atualmente, a maioria das universidades, como
é o caso das que escolhemos para colher os dados da análise, optam por exigir
temas mais voltados para a realidade dos candidatos, como discutir os impactos da
globalização sobre as relações interpessoais, como comprova o tema da
Universidade Federal de Viçosa, ano 2004. Depois de várias etapas de
modificações quanto à inserção desse tipo de texto no concurso do vestibular, a
redação do vestibular é hoje a única exigência feita legalmente ao concurso do
vestibular, em todo o território nacional, segundo a portaria MEC nº 2.941/2001,
que estabelece a obrigatoriedade da prova de redação em caráter eliminatório.
Como podemos ver, a redação do vestibular é um tipo de texto que
nasceu de uma necessidade social, cultural e política, e que, como qualquer outro
gênero, retrata o momento sócio-histórico da sociedade na qual ele se insere.
Sendo um dos instrumentos de avaliação do concurso em questão, transforma-se
em ferramenta de inclusão ou exclusão social.
Dessa forma, a atividade social desempenhada por esse tipo de texto seria
uma atividade formal, normativizada por regras muito bem delimitadas, inclusive
tendo claramente expressos os critérios de avaliação no manual do candidato
(item obrigatório), sendo, assim, uma atividade legal, uma vez que sua existência
é imposta por órgãos educacionais do governo, por se tratar de um concurso
público.
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33
2.3.2.
Instrumento de avaliação
Swales (1990), a partir de suas discussões sobre comunidade discursiva e
gênero, enfatiza o propósito comunicativo, e assim define gênero:
Gênero abrange uma classe dos eventos comunicativos, cujos membros dividem
um conjunto de propósitos comunicativos. Esses são reconhecidos por membros
especialistas da comunidade discursiva matriz e, por isso, constituem uma razão para o
gênero – que, por sua vez, forma a estrutura esquemática do discurso, influencia e
contém as escolhas de conteúdo e de estilo. Os propósitos comunicativos são não
somente um critério privilegiado, mas também os que operam a fim de manter o escopo
de um gênero, aqui concebido estritamente no foco da ação retórica compatível. Além
do propósito, modelos de um gênero apresentam vários padrões de semelhança, no
tocante à estrutura, ao estilo, ao conteúdo e ao público pretendido. Se todas as
expectativas de grande probabilidade são realizadas, o modelo será visto pela
comunidade discursiva matriz como um protótipo (Swales, 1990, p.58).
Como se percebe, para o autor supracitado, gêneros compreendem uma
classe de eventos comunicativos, bem como uma classe de membros que possuem
um rol de propósitos comunicativos compartilhados. Esses propósitos são
reconhecidos através de trocas com outros membros da comunidade discursiva. O
gênero também possui uma estrutura esquemática. Além do propósito, vários
exemplares do gênero exibem várias características similares em termos de
estrutura, estilo, conteúdo e interlocutores pretendidos. Se todas as expectativas a
respeito dessa estrutura genérica são realizadas, o exemplar pode vir a se tornar
um protótipo para a comunidade discursiva no seio da qual ele se insere.
Parece ser exatamente isso que acontece com o gênero redação do
vestibular. Há uma comunidade discursiva restrita: banca e candidato, que
participa de forma efetiva do gênero. Não podemos negar que há, a respeito da
redação do vestibular, vários interessados. A instituição superior de ensino, que
precisa selecionar alunos; as famílias, que querem que os familiares passem no
vestibular e se formem; a escola de nível médio, que quer mostrar que preparou
bem seus alunos. Entretanto, os interlocutores específicos desse gênero são a
banca e os candidatos. A banca, por um lado, com o intuito nítido de selecionar
candidatos que apresentem, por meio daquele instrumento, a redação, confinadas
no espaço gráfico de uma lauda, habilidades lingüísticas como: capacidade de
entendimento, assimilação e desenvolvimento do tema proposto; habilidade de se
expressar em língua padrão; adoção de estruturas sintáticas, semânticas e
morfológicas cabíveis e pertinentes; escolhas lexicais pertinentes e condizentes
com o tipo de propósito, capacidade de adequação formal, de articulação de
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idéias, de apresentação de idéias convincentes, dentre inúmeros outros atributos
de um bom escritor. O candidato, por outro lado, mostra a incessante tentativa de
satisfazer as prerrogativas da banca, através do constante movimento de engendrar
a construção de um texto que seja o seu melhor, uma vez que tem, embora por
vezes não consciente, a clareza de que está sendo avaliado.
Além disso, sobre a questão das similaridades apresentadas pelos vários
exemplares do gênero e a realização de todas as características esperadas para o
mesmo, há a criação de um protótipo, que é, no nosso caso, ‘a redação nota
máxima’, ou seja, aquela que cumpriu todas as expectativas negociadas e
legitimadas por aquela comunidade discursiva.
Ainda a esse respeito, apresentaremos a citação de Christie (2004, p.26),
ao afirmar que:
Os teóricos de estudos de gênero argumentariam que isso se dá precisamente
porque os alunos desenvolvem um senso particular sobre como os gêneros são
construídos e para quais propósitos eles servem, podendo eles – os alunos – tanto
manipular quanto usar os gêneros para fins próprios, o que envolverá um conceito de
crítica. Os gêneros de qualquer cultura são em alguns sentidos prototípicos, e como a
maioria dos protótipos, uma vez dominados, eles podem ser manipulados, modificados
e alterados para servirem a objetivos particulares.
Essa citação, de cunho amplamente esclarecedor, chama atenção para o fato de
que os estudantes desenvolvem um cuidadoso senso das maneiras que os gêneros
são construídos e dos propósitos a que servem e que eles podem ao mesmo tempo
manipular e usar os gêneros para seus próprios fins, podendo isso gerar críticas de
alguns. Os estudantes precisam saber brincar com os gêneros, mantendo-os ou
alterando-os, fazendo-os servir a particulares objetivos. Esse seria um ponto
importante deste estudo, ou seja, investigar até que ponto a redação do vestibular
mostra como os estudantes desenvolvem o gênero e os propósitos a que serve,
fazendo, assim, com que os mesmos tenham a possibilidade de jogar com o
gênero, de mantê-lo ou alterá-lo, conforme sua conveniência.
2.3.3.
Subjetividade
Uma vez entendida sua função de atestar eficiência lingüística dos
candidatos, a redação do vestibular pode ser abordada no tocante a seus
elementos intrinsecamente constitutivos, que corroboram para a sua formação
como um todo. A redação do vestibular assume determinadas características por
guardar, por assim dizer, clara relação com o discurso científico, uma vez que há,
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nesse texto, pela institucionalização de sua configuração e por sua função social, a
adoção de uma tese e de argumentos que a sustentem, havendo, assim, um
comprometimento com o valor de verdade das idéias e conceitos apresentados.
Além disso, esse texto é constituído por uma linguagem que, apesar de formal,
guarda ainda resquícios de envolvimento (Oliveira, 1997).
De forma semelhante à idéia de discurso acadêmico, a redação do
vestibular mantém viva a idéia de distanciamento, ou seja, o produtor seria
treinado a manter-se fora daquilo que esteja querendo defender. Cabe ressaltar o
fato de estarmos aqui nos referindo ao tipo textual (Marcuschi, 2002) mais
freqüente nas propostas, aí determinado como dissertação, que será discutido
adiante (ver Capítulo 4, item 4.2). Neste tipo, o produtor deve adotar uma tese,
selecionar argumentos que lhe sirvam de sustentação e, desta forma, deixar
implícita sua marca de subjetividade. Sabe-se que nenhum uso da linguagem é
neutro, isto é, a utopia da imparcialidade se faz conhecida não somente neste
contexto, mas em inúmeros outros. Possenti, ainda sobre essa questão, acredita
que “apesar da inevitável presença dos sujeitos, é crucial a redução do vivido, da
experiência pessoal, do interesse, da ideologia” (Possenti, 2002, p.240)
Outro ponto a ser pensado seria, a partir da motivação social da
existência do gênero, analisar de que forma ocorre a constituição da identidade
discursiva na redação do vestibular. Considerando-se que esta caracteriza-se por
ser formal, escrita, com movimentos de configuração textual muito bem
determinados e delimitados por sua construção sócio-histórica, a afirmação da
identidade nesses textos estaria passando por um processo de tolhimento, de
modelagem, que é, de certo, exteriorizada por meio das marcações textuais.
Pode-se, portanto, pensar a linguagem acadêmica, dentro do nosso
corpus de análise, de duas maneiras diferentes. Primeiro, porque há, nessa
tradição ocidental, uma tentativa oculta de se apagar a subjetividade, devido à
inclusão do discurso acadêmico dentro da concepção de lógica e raciocínio, que,
por serem universais, fazem com que esse discurso não possa ser individualizante.
Como isso é impossível, têm-se uma outra maneira de ver a linguagem acadêmica,
ou seja, não se admite linguagem sem um enunciador, sem um ser que fala de seu
lugar de representação da realidade.
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3.
Teoria Sistêmico-Funcional
3.1.
Perspectiva Histórica
Para o funcionalismo as estruturas fonológicas, gramaticais e semânticas
de uma língua relacionam-se às funções que têm de desempenhar nas sociedades
nas quais operam. Os funcionalistas se ocupam com os aspectos pragmáticos do
uso da língua, bem como concebem-na como uma atividade social. Segundo
Lyons (1987), “os representantes mais conhecidos do funcionalismo são os
membros da Escola de Praga, que teve origem no Círculo Lingüístico de Praga,
fundado em 1926, e particularmente influente na lingüística européia no período
que precedeu a segunda guerra mundial” (Lyons, 1987, p.207).
Segundo Lyons:
Desde o início eles [os funcionalistas] se opuseram não apenas ao historicismo e
ao positivismo da abordagem neogramatical da linguagem, mas também ao
intelectualismo da tradição filosófica ocidental que antecedeu o século XIX. Segundo
tal tradição, a linguagem é a exteriorização ou expressão do pensamento (e
‘pensamento’ aqui significa pensamento em termos de proposição). (...) Na prática,
entretanto, não apenas os lingüistas da Escola de Praga, mas também outros que se
consideraram funcionalistas, tenderam a enfatizar a multifuncionalidade da linguagem,
e a importância das suas funções expressiva, social e conotativa, em contraste com, ou
além de, sua função descritiva (Lyons, 1987, p. 209).
O funcionalismo pode ser subdividido em várias escolas e teorias, desde
a Escola de Praga, passando pela de Genebra, Londres, Holanda, a Escola
Funcionalista norte-americana, os estudos de mudança lingüística e crioulística, os
estudos etno-sociolingüísticos e, por fim, a filosofia da linguagem. Um ponto de
confluência entre todos os funcionalismos seria o fato de acreditarem que a
estrutura dos enunciados é determinada pelo uso que é dado a elas pelo contexto
comunicativo em que ocorrem. Pode-se ainda afirmar que no funcionalismo
houve certa tendência de se tratar a linguagem por seu caráter instrumental. Por
motivo de escopo desse trabalho, será tratada aqui somente a vertente
funcionalista da Escola de Londres, cujo principal representante é Michael
Halliday, com a perspectiva sistêmico-funcional.
Diferentemente das abordagens formalistas, o funcionalismo,
principalmente em Halliday, se baseia na concepção de língua enquanto fenômeno
primordialmente social, tendo que ser internalizada pelos falantes em um processo
de desenvolvimento de necessidades e restrições comunicativas, biológicas,
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psicológicas e contextuais. Assim, o sistema lingüístico existe em função dos usos
que tem em uma dada sociedade; enfim, a língua é tomada como interdependente
e interconstituinte de sua função social.
Weedwood (2002, p. 137), sobre a teoria de Halliday, afirma que “nela, a
gramática é vista como uma rede de ‘sistemas’ de contrastes inter-relacionados;
dá-se particular atenção aos aspectos semânticos e pragmáticos da análise”.
Para instaurar a teoria sistêmico-funcional, Halliday se baseou na teoria
sistêmico-estrutural de Firth, na tradição etnográfica de Boas-Sapir-Worf, no
funcionalismo da Escola de Praga, no funcionalismo etnográfico e no
contextualismo de Malinowski da década de 20. O principal foco dessa teoria
seria estudar como a língua atua no contexto social e como o mesmo a influencia,
tudo isso sustentado pela noção de função, que será trabalhada mais
detalhadamente ainda nesse mesmo item.
Halliday, assim como os demais pesquisadores da LSF, admite a
língua(gem) como sócio-semiótica, e sua concepção de experiência ou realidade
como socialmente construída, e constantemente sujeita a processos de
transformação.
Diferentemente dos estudos tradicionais, em que a gramática procurava
estabelecer regras sintáticas dissociadas de suas considerações sobre o significado
ou dos propósitos sociais, a perspectiva de Halliday de gramática se sobrepõe à
tradicional, com inúmeras vantagens. A primeira porque sua base seria a
semântica e não a sintaxe, o que possibilita considerar e identificar os papéis das
variações lingüísticas no texto, nos termos de sua função na construção do
significado, a partir de sua base funcional. A segunda porque não restringe os
estudos à linguagem escrita, mas inclui a linguagem falada, também com o intuito
de contrastá-las. A terceira vantagem da gramática sistêmico-funcional seria que
ela permite um profícuo movimento de exploração do texto, estudando como a
configuração lingüística é construída num gênero em particular, modelado em
relação ao contexto de situação no qual ele se insere. Aqui, a linguagem deve ser
interpretada em termos de um processo interativo e social, em uma perspectiva
sócio-semiótica, mas sem ser reduzida à simples preocupação com o significado.
Semiótica pode ser definida como “um estudo geral dos signos”, ou ainda
como “um estudo de sistemas de signos”, ou, em outras palavras, “como o estudo
do significado em seus sentidos mais gerais”. Há, no entanto, vários conjuntos de
significado em uma dada cultura, o que possibilita que se defina uma cultura
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como um feixe de sistemas semióticos, como um emaranhado de sistemas de
significação. A linguagem é vista como um entre os vários sistemas de
significação, que, tomados todos juntos, constituem a cultura humana (Halliday,
1989, p.4)
Quanto ao conceito de social, ele abrange simultaneamente dois aspectos.
Um deles seria o fato de que social é usado enquanto sistema social, que pode ser
entendido como sinônimo de cultura. Entretanto, há uma interpretação mais
específica para social, dentro dessa teoria, que diz respeito mais particularmente
ao relacionamento entre língua(gem) e estrutura social, considerando a primeira
como um dos aspectos do sistema social (Halliday & Hasan, 1989, p.4).
Ainda dentro dessa perspectiva, Halliday (1989) define função
inicialmente, da seguinte forma:
No seu sentido mais simples, o termo ‘função’ pode ser entendido como um
sinônimo para a palavra uso. (...) As pessoas fazem diferentes coisas com a linguagem;
ou seja, elas esperam atingir, através da fala e da escrita, do ato de ouvir e da leitura,
um grande número de diferentes objetivos e propósitos (Halliday & Hasan, 1989,
p.15).
Como pôde se perceber, Halliday, no fragmento acima, está tomando
função igualada a uso. Entretanto, ele acrescenta que:
Em todas essas interpretações de funções da linguagem, nós podemos afirmar
que função se iguala a uso: o conceito de função é sinônimo de uso. Porém, a fim de
aprofundar nossas próprias investigações, devemos dar um passo à frente: ao patamar
onde as variações funcionais não são apenas interpretadas como variações no uso da
língua, e sim como algo que é inerente e fundamental à organização da língua, e,
particularmente, à organização do sistema semântico.
Em outras palavras, função será interpretada não apenas como uso da língua,
mas como uma propriedade fundamental da língua, algo que é essencial para a
evolução do sistema semântico (Halliday & Hasan, 1989, p.17).
Assim, faz-se necessário dizer que a função seria o constituinte imediato
de toda a produção de enunciados, corroborando inevitavelmente para a
construção de seu significado. Isso parece muito interessante se pensarmos que os
significados não existem antes dos propósitos, ou seja, que as variações de uso
servem também para construir o sistema da linguagem enquanto um sistema
semântico.
Além disso, Kress (1989) que também se vincula à LSF, afirma que:
A linguagem sempre ocorre como texto, e não como palavras e frases isoladas.
De uma perspectiva estética, social ou educacional, é o texto que se configura como a
unidade básica da língua. Os textos surgem em situações sociais específicas, e são
construídos com propósitos específicos por um ou mais falantes ou escritores. Os
significados encontram sua expressão no texto – embora a origem deles esteja fora do
texto –, e são ‘negociados’ nos textos, em situações concretas de troca social. Os textos
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configuram-se como a forma material da língua; em particular, são os textos que dão
realização material aos discursos (Kress, 1989, p.18).
3.2.
A teoria no contexto educacional
Segundo Frances Christie (2004, p.13), a lingüística sistêmico-funcional,
surgida na Austrália, na década de 60, teve seus interesses voltados tanto para
questões teóricas quanto aplicadas. Talvez por isso, mostrou intensa ligação com
uma teoria de linguagem educacional emergente, tendo investido em um modelo
de linguagem sempre contextualizado. Nessa época, duas questões relevantes para
a teoria envolviam modelos de registro e variação de registro e modelos de uma
gramática funcional. A teoria de registros teve um considerável desenvolvimento,
contribuindo para a constituição de um modelo de estudo da linguagem
relacionado ao processo de ensino e aprendizagem. Já o modelo da gramática
funcional, principalmente com relação às metafunções e às diferenças entre
linguagem escrita e falada, também teve extrema importância teórica e, além
disso, influenciou o desenvolvimento de estudos da linguagem em educação, de
uma forma global.
Ainda de acordo com a autora, um dos primeiros interesses da Lingüística
Sistêmico-funcional é problematizar a prática do ensino de línguas. Halliday,
McIntosh e Strevens (1964) identificaram três tipos de ensino de línguas:
prescritivo, descritivo e produtivo (Halliday, McIntosh & Strevens, 1964, p.226).
Como os dois primeiros tipos são auto-explicáveis, enfatizaremos a definição do
terceiro, o produtivo.
O tipo de ensino de língua produtivo, de acordo com Halliday e seus colegas,
objetiva em particular levar aos estudantes o contato com a linguagem em uso, e
expandir suas capacidades em estabelecer sentido em várias situações de uso da
linguagem. Trabalhando dessa forma, eles acreditam que estariam levando os estudantes
a aprenderem sobre variedades de avaliação da linguagem, e assim estariam
estabelecendo contato com questões de registro e dialeto. Alcance e uso de diferentes
variedades de uma língua natural seriam o foco do ensino produtivo de língua(gem)
(Christie, 2004, p.242)
As décadas de 60 e 70 mostraram, de várias formas, consideráveis
esforços voltados para a pesquisa lingüística no contexto educacional e de
iniciativas de aprimoramento curricular. Halliday atuou, entre os anos de 1964 e
1971, em projetos de desenvolvimento de modelos mais eficientes de linguagem
para propósitos pedagógicos, bem como na reformulação de materiais curriculares
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para o ensino de linguagem e letramento. Todos eles visavam ensinar
conhecimentos importantes sobre linguagem, embora houvesse duas áreas em que
essa preocupação fosse evidenciada de forma mais nítida. Como já dissemos, uma
delas seria a área de registros e variação de registros, e a outra seria a gramática
pedagógica, que teria, por sua vez, o objetivo de apresentar e sistematizar a
linguagem de forma contextualizada.
Segundo Christie (2004, p. 17), o currículo originado dos programas das
décadas de 60 e 70 que Halliday dirigiu representa um ousado e lúdico foco de
ensino de linguagem em uso e para o uso. Um forte senso de significação social
de linguagem e suas variedades emergiram nos materiais curriculares.
A partir da década de 70, Halliday descreveu um modelo de linguagem
desenvolvido em três níveis, envolvendo o aprendizado de linguagem, o
aprendizado através da linguagem e o aprendizado sobre a linguagem. O
aprendizado de linguagem compreenderia os atributos básicos de uma língua:
ouvir, falar, ler e escrever. O aprendizado através da linguagem refere-se a
relevantes atividades sobre o mundo representado através de recursos de
linguagem. E, por fim, o aprendizado sobre linguagem seria tomar a língua em si
mesma como objeto de estudo: aprendizagem sobre seu sistema gramatical
(significado, vocabulário, fonologia e sistema de escrita); sobre seu status como
instituição, sob aspectos de comunidade e cultura; sobre suas variedades, sob
aspectos de registro e variações dialetais. Este modelo de linguagem foi adotado
por um projeto nacional (Language Development Project; Occasional Paper No. 1,
1979) na Austrália.
Já na década de 80, foi desenvolvida por Halliday a discussão original
sobre variações de registro, nos termos de ‘campo do discurso’, ‘modo do
discurso’ e ‘estilo de discurso’. Numa fase posterior, ele propõe outra divisão das
variáveis de registro como ‘campo do discurso’ (atividade social); ‘relações do
discurso’ (o relacionamento dos participantes no discurso); e ‘modo do discurso’
(a maneira e canal de comunicação do discurso). Ainda segundo Christie (2004):
a noção de metafunções foi mencionada no pensamento de Halliday ainda na
década de 60, embora tivesse sido aprimorada no final da mesma. Toda linguagem
natural possui três metafunções fundamentais: a metafunção experiencial (natureza das
experiências representadas na linguagem); a metafunção interpessoal (natureza das
relações realizadas na linguagem); e a metafunção textual (fazer coisas com a
linguagem para organizar o texto como mensagem). (…) A metafunção experiencial
relata, mais fundamentalmente, o campo de atividade; a metafunção interpessoal relata,
mais fundamentalmente, os participantes da atividade; já a metafunção textual relata,
mais fundamentalmente, o modo de comunicação do texto (Christie, 2004, p.21).
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A autora acrescenta ainda que “Halliday enfatiza como a gramática de
uma língua realiza as escolhas com respeito a cada uma das metafunções e como o
texto é construído em sua relação com as variáveis de registro” (idem). Mais do
que a maioria das teorias lingüísticas, a teoria sistêmico-funcional oferece
simultaneamente uma teoria social e uma teoria de ação social, envolvendo uma
teoria de linguagem como um sistema semiótico, como uma teoria sobre a
natureza da vida social e, por fim, como uma teoria de mudança social. Esta
discussão de linguagem como ‘semtica social’ (Halliday & Hasan, 1989)
representa uma guinada fundamental para o desenvolvimento da teoria sistêmico-
funcional
Martin, no início da década de 80, seguindo o que foi formulado até
então por Halliday & Hasan, desenvolve uma teoria de gêneros e registros. Martin
inicialmente se baseia em Gregory (Gregory & Carroll, 1978), que apresenta uma
formulação para registro diferente de Halliday. Gregory propôs que havia quatro
variáveis de registro: campo, relações pessoais, relações funcionais e modo.
Trabalhando juntamente com Rothery (Martin & Rothery, 1980, 1981), Martin
reformulou esta concepção de registro, e propôs três variáveis: campo, relações e
modo. Trabalhando no plano da experiência, ele defendeu, além disso, a
existência de gêneros (Martin, 1985). Martin retomou a distinção original de
Malinowski (1923, 1935) entre contexto de situação e contexto de cultura,
distinção essa que também é utilizada por Halliday & Hasan (1989). Christie
afirma que:
Martin defendeu que um texto envolve um rol de escolhas lingüísticas que dizem
respeito ao campo, relações e modo, e que estes elementos são a condição do contexto
de situação. Além disso, ele afirmou que um texto é uma instanciação de um gênero
particular, onde a escolha do gênero seria uma condição do contexto de cultura
(Christie, 2004, p.23).
Outra colocação relevante, mencionada primeiramente por Halliday
(1994), seria a diferença da constituição da fala e da escrita. Ele explica que a
linguagem oral tem uma organização gramatical diferente da escrita, refletindo
funções muito diferentes que permeiam os dois modos que emergem na espécie
humana. Christie (2004, p.27) diz que “a oralidade é dinâmica, refletindo seu
objetivo como um modo de ação, enquanto a escrita seria sinóptica, refletindo seu
objetivo como um modo de reflexo da ação”. Introduz-se aí a noção de ‘metáfora
gramatical’, que pode, inicialmente, ser definida como uma das principais
diferenças entre a linguagem oral e a escrita, o que mostra o caminho pelo qual as
características gramaticais da escrita sofrem modificações metafóricas em seu
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processo de constituição. Uma dessas modificações estaria ligada às ações da
vida, geralmente expressas por grupos verbais na oralidade, as quais são
recodificadas em grupos nominais na escrita. Além disso, citando Christie (2004):
[C]omo demonstraram claramente Derewianka (1995) e Aidman (1999), o
desenvolvimento da capacidade de produzir formulações com o uso da metáfora
gramatical acontece desde a última infância até a adolescência. Esta é uma descoberta
de total relevância para a pedagogia (cf. Christie 2002), uma vez que revela
características dos estágios de desenvolvimento que os estudantes terão de passar,
influenciando o controle do letramento e as estratégias pedagógicas do ensino. (…) [O]
completo controle de modos de escrita é um desenvolvimento do adolescente e da
educação secundária. (Christie, 2004, p.28-29)
A questão levantada no fragmento acima é extremamente importante para
a nossa pesquisa com redações do vestibular, uma vez que estas são textos
produzidos por indivíduos que se encontram em um estágio de aprendizagem que
se segue à educação secundária, e onde, segundo Christie, ocorre, com freqüência,
o uso da metáfora gramatical. Por isso, nesta pesquisa, analisaremos processos de
nominalização, por serem esses indicadores de mudança de um estágio inicial de
construção textual, baseada em formas verbais, para um estágio em que as
construções são mais elaboradas, caracterizando o discurso acadêmico.
3.3.
Contexto situacional e cultural
A respeito da relação entre texto e contexto, Eggins (2004), diz “[o]s
lingüistas sistêmicos são interessados em explorar justamente como o contexto
adentra o texto”
2
(p.87) [grifo do autor]. Dessa forma, é a maneira como o
contexto, de situação e cultura, se materializa nos textos o que mais interessa a
essa forma de abordagem da linguagem.
Eggins (2004, p.86), a respeito da indeterminação de significados, que só
poderia ser preenchida pelo contexto, comenta que:
Todos os textos envolvem indeterminações de significado. Como leitores de
textos, nós aprendemos o que fazer quando as indeterminações precisam ser resolvidas
por referência ao contexto extra-textual ou quando indeterminações são uma
característica própria do gênero e devem ser entendidas como portadoras de significado
no interior do mesmo (Eggins, 2004, p.86).
De acordo com Motta-Roth e Herbele (2005, p.14-15):
2
“[s]ystemic linguists are interested in exploring just how context gets into text” (p.87)
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A teoria sócio-semiótica da linguagem hallidayana define a ‘ocasião de uso da
linguagem’ (Cloran, Butte & Williams, 1996, p.9) em termos de ‘contexto de situação’
e ‘contexto de cultura’. Cada ‘contexto da situação’ é um sistema de ‘relevâncias
motivadoras’ para o uso da linguagem (Hasan, 1996c, p.37), de forma que uma
determinada atividade humana em andamento e a interação entre os participantes são
mediadas pela linguagem. Por conseguinte, a percepção do que é relevante em termos
de uso da linguagem em dada situação é, ao mesmo tempo, um processo individual
(pelo pensamento) e compartilhado (pela interação), que também define o que conta
como ‘contexto’ (p.38). Assim, numa relação dialética, o contexto de situação se
constitui em uma ‘força dinâmica’ na citação e na interpretação do texto (p.41).
Eggins (2004, p. 87) afirma que
assim como todos os textos apontam para um contexto externo, e dependem dele
para sua interpretação, da mesma forma, todos os textos contêm o contexto dentro deles
mesmos. Quando lemos textos, estamos sempre nos deparando com marcadores do
contexto dentro deles, quer estejamos conscientes quanto a isso ou não.
A noção de contexto engloba tudo o que pode ser falado ou escrito,
incluindo o não-verbal e o ambiente como um todo; serve para fazer uma ponte
entre o texto e a real situação na qual ele ocorre. Quanto ao conceito de contexto
de situação, este inclui o ambiente verbal e, também, a situação na qual o texto se
insere. Nesse tipo de abordagem de língua(gem), admite-se uma postura
amplamente pragmática, uma vez que toma-se a língua(gem) em ação, sendo
impossível interpretar a mensagem sem se ter acesso aos elementos do contexto
que estão representados na produção verbal.
Entretanto, segundo Halliday & Hasan (1989), é preciso mais do que o
ambiente imediato; é preciso incluir na análise um aprofundado conhecimento
cultural, o que leva a que se pense que somente o contexto imediato não é capaz
de fornecer todas as bases para a compreensão e análise da linguagem. Daí lançar-
se mão de toda a história cultural dos participantes, que está por trás dos mesmos,
durante o processo da interação verbal. A isso, dá-se o nome de contexto cultural.
Dessa forma, ‘cultura’ seria um conceito extremamente complexo, a
ponto de ser entendido por Motta-Roth (2005, p.184-185) como:
[O] conhecimento compartilhado, por qualquer grupo social, sobre práticas
sociais, (...) identificado por um recorte geográfico e histórico contra o pano de fundo
dos demais locais e tempos; assim como a cultura acadêmica /universitária pode ser
identificada por um recorte profissional-educacional em relação a outros contextos de
trabalho pedagógico; ou a cultura de um hospital, por um recorte
institucional/profissional, que a diferencia daquela de uma escola ou de uma loja de
departamentos e assim por diante.
Todas essas culturas são estruturadas a partir de atividades que fazem nascer
comunidades.
(...) ‘Cultura’, portanto, é um sistema, um conjunto de processos sociais que são
dinâmicos e sujeitos a mudança, pois, não são fixos dentro de fronteiras sociais,
econômicas ou nacionais. ‘Cultura’ é conhecimento aprendido no processo histórico e
social, uma rede complexa que liga o conhecimento, a moral, as crenças, artes, leis,
comportamentos ou qualquer outra capacidade ou hábito que adquirimos como
membros de um grupo, com caráter local e dinâmico, construído via interação
lingüística (Holliday, 1999; Laraia, 1986, apud Motta-Roth, 2005, pp. 184-185).
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Ainda dentro dessa conceituação, Martin considera a cultura como um
sistema de gêneros e, portanto, de processos sociais (1992, p.494). “De acordo
com essa teoria [LSF], o acesso de um falante ao gênero é mediado pelos diversos
discursos das etnias, classes sociais, sexo, geração, dentre outros” (Vian Jr; Lima-
Lopes, 2005, p.34)
Para determinar um modelo mais apropriado para se descrever a idéia de
contexto de situação, Halliday & Hasan (1989) partem da noção de contrato social
[embora não usem esse termo] para explicar o sucesso da comunicação humana.
Eles o descreve como uma situação na qual a interação lingüística proporciona aos
participantes uma boa negociação de informações e seus respectivos significados,
através da própria troca.
Motta-Roth e Herbele (2005, p.15), com respeito à relação que têm
contextos de situação e de cultura, afirmam que:
Um conjunto compartilhado de contextos de situação constitui um dado contexto
de cultura, sistema de experiências com significados compartilhados. Assim, o sujeito é
constituído pela soma de suas próprias interações e pelos códigos semióticos em
funcionamento nas comunidades de que participa. Cada ato de comunicação, portanto,
vai se somando a todas as outras instâncias discursivas da mesma natureza que o
precederam (Bakhtin, 1986, p.67-69). O contexto da cultura resulta, portanto, da
padronização do discurso em termos dos atos retóricos ou atos de fala realizados por
meio da linguagem em circunstâncias específicas, com características retóricas
recorrentes.
De acordo com Santos (1998),
[a] importância do aspecto social na formação lingüística do ser humano reside
na noção de que o contexto de situação, juntamente com o contexto de cultura, limita e
define as escolhas e as operações lingüísticas (Halliday, 1994, xix), elencadas
paradigmaticamente (vii), em um sistema semântico-lingüístico sócio-semiótico, porque
cada escolha lingüística adquire relevância quando comparada às outras opções
potenciais que poderiam ter ocorrido (Eggins, 1994, p.3). O conjunto desses elementos
sociais e lingüísticos fornece ao falante tanto as condições necessárias para prever um
enunciado, quanto para interpretá-lo (Santos, 1998, p.5).
Para Halliday & Hasan (1989, p.54), esta abordagem considera um tipo
de contexto que pode ser descrito através de seu foco interacional, e, mais
especificamente, ele pode estar presente em qualquer faceta da interação verbal,
onde participantes carregam o papel de agir no mundo. Eles acrescentam que as
situações são culturalmente construídas.
Ainda sobre a idéia de contexto, Eggins (2004) observa o seguinte:
O contexto está no texto: os textos carregam, como parte de si, aspectos do
contexto. (...) Esse exemplo aponta para a questão que é de interesse particular do
lingüista sistêmico: a relação entre língua e contexto (p.7)
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45
Além disso, Eggins (2004, p.86) aborda, de forma mais direcionada, a
questão do contexto de situação, bem como sua relação com o contexto de cultura,
citando, para isso, Malinowski. Ela diz que:
A questão se concentra na observação de que, embora alguns aspectos de
situação parecem ter efeito no uso da língua, isso não ocorre com outros. Por exemplo,
embora os diferentes status sociais dos sujeitos pareçam afetar o uso da língua, não são
muito significativos o clima, as roupas usadas por esses sujeitos nem sua cor de cabelo.
Assim, algumas dimensões da situação parecem ter um impacto significativo no texto
que será realizado, enquanto outras não.
(…) Em parte, Malinowski argumenta que isso indica a necessidade do pesquisador de
entender o contexto cultural no qual a língua está sendo usada: ‘O estudo de qualquer
língua, falada por pessoas que vivem sob condições diferentes das nossas e que
possuem uma cultura diferente, deve ser conduzido junto com o estudo do ambiente’
(Malinowski, 1946). Para que os observadores entendam os eventos que estão sendo
descritos nas tentativas de tradução, por ele produzidas, Malinowski descobriu que tinha
que incluir termos do contexto, isto é, os eventos lingüísticos somente foram
interpretados quando informações adicionais do contexto da situação e da cultura foram
fornecidas. Malinowski afirma que a língua apenas se torna inteligível quando ela é
localizada num contexto de situação (Malinowski, 1946, p.307, apud Eggins, 2004,
p.86)”
De modo semelhante, posiciona-se Bakhtin (2001), ao afirmar que
“nenhuma enunciação verbalizada pode ser atribuída exclusivamente a quem a
enunciou: é produto da interação entre falantes e, em termos mais amplos,
produto de toda uma situação social em que ela surgiu” (Bakhtin, [1929] 2001,
p.79).
Désirée Motta-Roth (2005) faz a seguinte colocação, que é extremamente
relevante para a construção do quadro teórico desta dissertação, uma vez que
trabalha a sistematização metodológica da utilização dos contextos de situação e
de cultura e sua relação com o texto:
No entanto, é importante que possamos construir um arcabouço teórico comum
que nos possibilite responder a perguntas do tipo: Em que medida precisamos conhecer
os contextos de situação e de cultura (Halliday & Hasan, 1989) que geram e são
constituídos pelo texto para podermos perceber e definir que aspectos da linguagem são
relevantes para a análise de um gênero? Como podemos interpretar a interface entre
texto e contexto? Como os procedimentos usados variam na sua ênfase sobre questões
do texto ou do contexto? (179-180)
Dessa forma, ‘contexto’ parece estar sendo visto “como o conjunto de
todos os fatores que dão forma a um momento no qual uma pessoa se sente
compelida a se manifestar simbolicamente” (Bazerman, 1988, p.8, apud Motta-
Roth e Herbele, 2005, p.14)
De acordo com Eggins (2004, p.90-91):
As definições gerais de ‘modo’ se referem simplesmente ao ‘papel que a língua
está desempenhando numa interação’. Martin (1984) sugere que esse papel pode ser
visto como envolvendo dois continua simultâneos que descrevem dois diferentes tipos
de distância na relação entre língua e situação:
1. distância espacial/interpessoal: esse continuum ordena as situações de
acordo com as possibilidades de interação imediata entre os sujeitos. Em um pólo do
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continuum, então, está a situação de uma conversa informal com amigos, na qual há
tanto o contato visual como o auditivo, e, portanto, a interação é imediata. (…) No outro
extremo do continuum estaria o ato de se escrever um livro, em que não há nem contato
visual nem auditivo entre escritor e leitor(es), e, portanto, não há possibilidade de uma
interação imediata, e são limitadas até mesmo as possibilidades de interação retardada.
2. distância experimental: classifica as situações de acordo com a distância
entre a linguagem e o processo social que está ocorrendo. Em um pólo do continuum
nós podemos colocar situações tais como o ato de jogar cartas, em que a linguagem está
sendo usada para acompanhar a atividade na qual os sujeitos estão envolvidos. Nós
podemos descrever o papel da linguagem aqui quase como um tipo de ação. (...)
Contraste-se esse com o outro extremo do continuum, por exemplo, a escrita de um
texto de ficção, em que a língua é tudo que há. Não há nenhum outro processo social
ocorrendo: a língua está, de fato, criando, e, portanto, constituindo o processo social.
Nessas situações, a língua está sendo usada mais para refletir sobre a experiência do que
para realizá-la.
Essa citação mantém relação direta com o objeto da nossa pesquisa: as
redações do vestibular, uma vez que elas ao mesmo tempo em que criam,
constituem um processo social, e, por isso mesmo, podem ser consideradas como
gênero. No momento em que escrevem uma redação, os candidatos usam a
linguagem para refletir sobre suas experiências e não propriamente para atuarem
ou agirem através da linguagem. O próprio processo de produção do texto
converte-se num processo social e por isso caracteriza-se como um gênero (ver
Capítulo 4).
3.4.
Variáveis de registro
Para melhor definir a noção de registro, Santos (1998) relaciona-a com a
noção das variáveis campo, relações e modo:
As categorias de campo, relações e modo são, assim, determinantes e não
componentes da fala; de maneira conjunta, elas servem para prever o texto, uma
intermediação do código, (...) para prever o que é denominado registro (...). Pretende-se
que esses conceitos explicitem os meios pelos quais o observador possa obter, a partir
da situação discursiva, não o texto de fato, mas as normas sistemáticas que determinam
as particularidades dos textos. Essas normas, se tomadas conjuntamente, constituem o
registro. Em outras palavras, pode-se dizer que as subcategorias de campo, relações e
modo associam-se padrões semânticos. (...) Sendo assim, o conceito de ‘registro
fornece um meio de se investigar os fundamentos lingüísticos da interação social
cotidiana, a partir de uma perspectiva complementar à etnometodológica (Halliday,
1978, p.62, apud Santos, 1998, p. 62).
Santos (1998) acrescenta que:
[N]o contexto social da situação, três variáveis contribuem para a diferenciação
entre a linguagem oral e a escrita (Halliday, 1978, p.62) e para a determinação ou
configuração dos padrões semânticos, léxico-gramticais e fonológicos que identificam
um registro: campo (o que está acontecendo), relações [ou participantes] (quem está
participando), e modo ( que papel a língua/linguagem está desempenhando) (Halliday
1989, p.44; Halliday & Hasan, 1989, p.38-39 e 41-42), e o que é reforçado pela
configuração dos significados associada à configuração situacional (p.29).
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47
Desse modo, de acordo com Halliday & Hasan (1989) faz-se relevante
que se descrevam as variáveis do contexto situacional. As características
apresentadas a seguir referem-se às variáveis que servirão para interpretar o
contexto situacional de um dado texto, o ambiente no qual o significado está
sendo negociado. A primeira delas é a noção de campo do discurso (o que está
acontecendo), e remete à natureza da ação social. O campo relaciona-se
diretamente com a metafunção experiencial
3
na semântica. A segunda seria
relações do discurso (quem está participando), e refere-se aos participantes
enquanto seres que assumem status e papéis sociais muito bem definidos. As
relações estão relacionadas diretamente com a metafunção interpessoal
4
na
semântica. E o terceiro seria o modo do discurso (qual a forma que a linguagem
toma), ou como a linguagem está sendo configurada em função da situação; ou
seja, qual seria sua organização simbólica, seu status, sua função no contexto,
incluindo o canal, a forma retórica (ex: persuasão, exposição, didática, dentre
outros). O modo é relacionado diretamente com a metafunção textual na
semântica.
A noção de registro propõe uma relação muito íntima entre texto e
contexto, que, sem dúvida, estão intimamente ligados, sendo que um só pode ser
interpretado com referência ao outro. O significado é realizado na língua(gem), na
forma de texto, o qual é desse modo formado ou configurado como reação ao
contexto de situação no qual ocorre. Para estudar a linguagem, então, deve-se
concentrar na exploração de como ela é sistematicamente configurada rumo a um
importante fim social. Nessa abordagem, é apropriada uma teoria lingüística
admitida, ao mesmo tempo, como um sistema e como uma teoria social, que
propõe, primeiro, que a natureza do comportamento humano de construir a
realidade e/ou a experiência é um processo sócio-semiótico absolutamente
complexo, e segundo, que o principal sistema semiótico disponível ao homem é
sua linguagem.
Tenor, ou relações, definido como “o papel social das relações entre os
participantes” (Eggins, 2004, p.99) pode ser dividido em três diferentes
categorias, a saber: poder, contato e envolvimento afetivo. Poder teria a ver com a
assunção de papéis, que ocorre desde a forma mais equilibrada (amigos) até a
mais desequilibrada (chefe-empregado, professor-aluno, banca-candidato).
3
Conteúdos que devem ser resgatados do mundo real para que possam dar sentido ao texto.
4
Processo de interação social, por meio da semiose verbal.
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48
Contato varia desde freqüente até ocasional. Envolvimento afetivo seria
polarizado em alto e baixo grau. Os três aspectos podem ser descritos com base
nos papéis ocupados pelos interlocutores numa dada situação e têm impacto na
constituição da linguagem. Todas as polarizações dos contínuos acima
explicitados vão desde o mais formal até o mais informal, ou seja, os participantes
encontram-se em situações típicas de linguagem em uso, variando, por isso, ao
longo destes contínuos. No pólo informal haveria equilíbrio de poder, freqüente
contato, alto grau de envolvimento afetivo; ao contrário, no pólo formal haveria
uma relação de poder hierárquica, desequilibrada, um contato não freqüente ou
ocasional, baixo grau de envolvimento afetivo. Por motivo de escopo dessa
pesquisa, nesse trabalho, nosso foco de análise recairá nas realizações lingüísticas
da variável ‘relações’ mais ligadas ao pólo formal, uma vez que estamos tratando
da redação do vestibular que é produzida em situações formais. Algumas dessas
realizações seriam, por exemplo, léxico neutro e formal (formas completas, sem
gírias); formas polidas; expressão de sugestão, em detrimento de expressões de
ordem, etc. A variável ‘field’ ou ‘campo’ do discurso foi inicialmente definida
como a atividade na qual se está engajado. Entretanto, seria mais usual conceber a
variável campo em termos de um foco institucional ou um tipo de atividade social.
De forma resumida, essa variável também seria definida em forma de continuum,
onde os pólos seriam situações técnicas (especializadas) e situações comuns (do
dia-a-dia). A redação do vestibular, por exemplo, estaria mais próxima do pólo
relacionado às situações técnicas e especializadas, já que pressupõe um momento
de realização e um processo de treinamento especiais.
Segundo Eggins (2004, p.110), a variável campo seria realizada na
linguagem através de um sistema gramatical que abrange processos (verbos),
participantes (nomes) e circunstâncias (frases preposicionais de tempo, modo,
lugar). Já a variável relações seria realizada pelo que se chama de modo. Eggins
(2004, p.110) define modo como:
modo refere-se às variáveis tais como os tipos de estrutura da oração
(declarativa, interrogativa), o grau de certeza ou obrigação expresso (modalidade), o uso
de orações, vocativos, palavras de atitude que são carregadas positiva ou negativamente,
e variados tipos de expressões de intensificação e marcadores da forma polida.
De forma resumida, o esquema abaixo se apresenta para sistematizar as
relações entre as variáveis do contexto, as metafunções semânticas e as
realizações lingüístico-gramaticais das mesmas. Assim:
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o campo de um texto pode ser associado à compreensão dos sentidos ideacionais;
esses são compreendidos através dos padrões gramaticais de Transitividade e complexo
oracional.
o modo de um texto pode ser associado à compreensão dos sentidos textuais;
esses são compreendidos através dos padrões gramaticais do Tema.
relações de um texto podem ser associadas à compreensão dos sentidos
interpessoais; esses são compreendidos através dos padrões gramaticais de Modo
(Eggins), [baseado na teoria de Halliday].
.
O quadro abaixo
5
serve para retratar, de forma simplificada, essas inter-
relações.
Contexto de situação
Estruturas semióticas de
situação.
Semântica
Funções da linguagem.
Léxico-gramática
Categoria: Oração.
- Campo do discurso (o que está
acontecendo). Atividade social
em andamento.
- Sentidos ideacionais.
Contexto ideacional
-Estruturas de
Transitividade.
A oração como
representação.
- Relações do discurso (quem
está participando). O papel
implicado pela relação.
- Sentidos interpessoais.
Interação pessoal.
- Estruturas de Modo.
A oração como troca.
- Modo do discurso (o papel
designado à língua). Canal
simbólico ou retórico.
- Sentidos textuais.
Estrutura textual.
- Estruturas de Tema.
A oração como mensagem.
Como vimos, é por meio da linguagem que o falante/escritor manifesta
sua experiência de mundo (Halliday, 1973) e representa relações entre pessoas e
em circunstâncias, tendo como fundamental instrumento o texto. A partir do texto,
então, é possível analisar como ocorre o estabelecimento da relação entre as
pessoas, e com que objetivo esta ocorre.
5
Esquema baseado em explanações orais e rascunhadas pelo Prof. Dr. José Luiz Meurer, em mini-
curso realizado no III Siget (Simpósio Internacional de Gêneros Textuais), Santa Maria- RS, em
setembro de 2005.
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4.
Gêneros
4.1.
Caracterização
Para iniciarmos a conceituação de gênero, citaremos Marcuschi, ao dizer
que gênero é uma condição sine qua non para toda comunicação verbal, ou seja,
não há enunciado que não esteja enquadrado em um tipo específico de gênero. Sua
materialidade é sócio-historicamente definida e seus determinantes, segundo
Marcuschi, são sua forma, suas funções e seu suporte (Marcuschi, 2002, p.20).
Ainda com relação ao conceito, assim Marcuschi se posiciona:
Partimos da idéia de que a comunicação verbal só é possível por algum gênero
textual. Essa posição, também defendida por Bakhtin [1997] e também por Bronckart
(1999) é adotada pela maioria dos autores que tratam a língua em seus aspectos
discursivos e enunciativos, e não em suas peculiaridades formais. Esta visão segue uma
noção de língua como atividade social, histórica e cognitiva. Privilegia a natureza
funcional e interativa e não o aspecto formal e estrutural da língua. Afirma o caráter de
indeterminação e ao mesmo tempo de atividade constitutiva da língua, o que equivale a
dizer que a língua não é vista como um espelho da realidade, nem como um
instrumento de representação dos fatos. (...) É neste contexto que os gêneros textuais se
constituem como ações sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo,
constituindo-o de algum modo (Marcuschi, 2002, p.22).
É interessante nesta definição a idéia de que todos os enunciados
acontecem dentro de um determinado gênero, ou seja, de que não há enunciado
sem gênero, ou com pouco gênero. Dessa forma, podemos dizer que, sendo o
gênero uma atividade sócio-histórica, traz consigo, impreterivelmente,
características culturais, que se manifestam nos contextos de utilização. É
importante ressaltar também que a noção de gêneros entendidos como “ações
sócio-discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de
algum modo” nos remete ao fato de que estes não só nos servem para agir sobre o
mundo, sobre a realidade, mas nos servem também para retratar a realidade e, ao
mesmo tempo, a constituir. Esse movimento dialético da relação gênero-mundo
nos será extremamente útil em três momentos. Primeiro porque através do gênero
redação do vestibular participantes agem no mundo: o candidato quer ser
aprovado, a banca quer avaliá-lo, a instituição de Ensino Superior quer receber
candidatos, as famílias dos candidatos querem que eles obtenham um resultado
satisfatório e assim por diante. Segundo, porque a constituição do gênero, nos
termos não só de sua configuração formal, mas da relação dessa com o propósito
comunicativo, retrata a realidade sócio-histórico-cultural do universo espacial e
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temporal onde a redação do vestibular encontra-se inserida. E, por fim, porque
esse gênero serve para construir uma gama de significações, relacionadas ao
direcionamento da prática de produção de textos na escola fundamental e média.
Ainda segundo Marcuschi (2002), a respeito do conceito de gênero
6
e sua
relação com as formas estruturais e com suas respectivas funções:
os gêneros textuais não se caracterizam como formas estruturais estáticas e
definidas de uma vez por todas. Bakhtin [1997] dizia que os gêneros eram tipos
‘relativamente estáveis’ de enunciados elaborados pelas mais diversas esferas da
atividade humana. São muito mais famílias de textos com uma série de semelhanças.
Eles são eventos lingüísticos, mas não se definem {somente} por características
lingüísticas: caracterizam-se, como já dissemos, enquanto atividades sócio-discursivas.
Sendo os gêneros fenômenos sócio-históricos e culturalmente sensíveis, não há como
fazer uma lista fechada de todos os gêneros (Marcuschi, 2002, p.29) {grifo nosso}.
Ainda sobre a relação entre forma e função, Marcuschi acrescenta que:
Quando dominamos um gênero textual, não dominamos {apenas} uma forma
lingüística e sim uma forma de realizar lingüisticamente objetivos específicos em
situações sociais particulares. Pois, como afirmou Bronckart (1999:103), ‘a apropriação
dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas
atividades comunicativas humanas’, o que permite dizer que os gêneros textuais
operam, em certos contextos, como formas de legitimação discursiva, já que se situam
numa relação sócio-histórica com fontes de produção que lhes dão sustentação muito
além da justificativa individual {grifo nosso} (Marcuschi, 2002, p.29)
Meurer (2005) define gêneros da seguinte forma:
Gêneros textuais ‘são tipos específicos de texto de qualquer natureza (Swales,
1990), caracterizados por funções específicas e organização retórica mais ou menos
típica. São reconhecíveis pelas características funcionais e organizacionais que exibem
e pelos contextos onde são utilizados. São formas de interação, reprodução e possível
alteração sociais que constituem, ao mesmo tempo, processos (Kress, 1993) e ações
sociais (Miller, 1984) e envolvem questões de acesso (quem usa quais textos) e poder’
(Meurer, 2005).
A citação imediatamente acima parece esclarecedora quanto ao fato de
admitir gêneros ao mesmo tempo como processos e ações sociais. São processos
por estarem intimamente relacionados ao social, ou seja, se há mudanças sociais,
por conseguinte, há alterações na constituição do gênero, por não serem entidades
prontas e acabadas. São ações sociais por promoverem modificações no mundo,
na realidade, isto é, através dos gêneros são realizadas ações, coisas são feitas
causando, com isso, mudanças de estado. Soma-se a isso o fato de envolverem
questões de acesso e poder. Usamos a língua com propósitos práticos, mas há
certos usos aos quais os indivíduos ainda não foram expostos, ou seja, ainda não
tiveram acesso não só às formas retóricas, ou seja, à configuração textual, mas
também aos propósitos efetivos para o uso de certos gêneros. Pode-se perceber,
6
Neste trabalho, estaremos usando de forma intercambiável as denominações ‘gênero textual’ e
‘gênero discursivo’, embora haja preferências de diferentes autores por um ou outro termo.
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assim, que questões de acesso estão ligadas a questões de poder, uma vez que há
gêneros que são fechados, ou seja, restritos a uma certa comunidade, a qual tem o
aval de realizar coisas no mundo, excluindo outros indivíduos da mesma tarefa.
Isso se aplica à nossa pesquisa, uma vez que o gênero redação do vestibular
envolve a questão do acesso, não sendo um gênero habitual, da alçada de todos os
indivíduos. Há, nesse gênero, uma restrição não só quanto à forma, mas também
quanto ao propósito comunicativo – obter nota para ser aprovado no concurso.
Dessa forma, podemos dizer que a apropriação ou não do modelo recorrente do
gênero redação do vestibular pode ser determinante para a aprovação ou não do
candidato no referido concurso. O gênero redação do vestibular envolve também
questões de poder, uma vez que é delegado a uma banca o poder de avaliar, dentro
de critérios bem definidos, o grau de eficiência dos candidatos quanto à produção
de textos escritos formais. A avaliação do professor coloca-o em posição de
poder, já que este é um atributo imprescindível para a aprovação do candidato no
concurso do vestibular.
Podemos também perceber, a partir das citações acima, que há certa
recorrência de alguns autores em enfatizar mais a função sócio-comunicativa dos
gêneros do que sua forma. Aceitamos a proposição de que não são formas que
definem um gênero, mas fazemos uma ressalva. Acreditamos que, apesar de não
serem somente formas que definem um gênero, elas também são indicativas de
que há certa regularidade da configuração do mesmo, principalmente quando se
trata de gêneros inerentes à esfera educacional, por exemplo. Há, contudo, outras
esferas que apresentam maior flexibilidade quanto à possibilidade de hibridização
da forma, como, por exemplo, a mídia publicitária, a literatura, os meios digitais
menos formais, dentre uma infinidade de outras. No entanto, há esferas que não
autorizam essa abertura, como por exemplo, a esfera jurídica, a acadêmica e a
educacional, dentro de alguns contextos. Dessa forma, somos levados a tomar
gêneros como formas de ações sócio-comunicativas que, dependendo do contexto
situacional e cultural, demandam respostas mais ou menos institucionalizadas, ou
seja, devem seguir modelos autorizados não só formalmente, mas também
intuitivamente pelos enunciadores.
Discutindo a questão da relativa estabilidade dos gêneros, Motta-Roth
afirma que:
os eventos sociais que constituem uma instituição ou cultura têm diferentes graus
de ritualização. O conjunto dos gêneros que constituem uma dada sociedade, portanto,
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se configuram como um ‘inventário’ dos eventos sociais mediados pela linguagem em
uma dada instituição ou cultura (Kress, 1989, p.19 apud Motta-Roth, 2005, p.183).
Pode-se perceber claramente, através da citação acima, que os eventos sociais são
caracterizados ou constituídos em variados graus de ritualização, ou seja,
dependendo da situação ou da cultura, há diferentes níveis de sofisticação das
características constituintes dos gêneros, e isso pode acarretar um fechamento ou
uma abertura para a configuração, não só formal, mas também sócio-
comunicativa, uma vez que forma e função, no nosso caso, não são dissociáveis.
Além disso, Motta-Roth (2005, p.181) afirma que “vale acrescentar que o
conhecimento humano é construído através de gêneros – linguagem usada em
contextos recorrentes da experiência humana – socialmente compartilhados”.
Mais ainda, ela enfatiza que “é importante encararmos “gêneros” como atividades
culturalmente pertinentes, mediadas pela linguagem num dado contexto de
situação, atravessado por discursos de ordens diversas” (idem). Ela se propõe, no
artigo de referência, a explorar ‘gênero’ como “fenômeno estruturador da ‘cultura’
que, por sua vez, se constitui como um conceito complexo, que pode sofrer vários
recortes” (ibidem).
Motta-Roth (2005, p.184), ainda nessa perspectiva, define gêneros como:
[a]rtefatos culturais (Miller, 1984, p.164), formas recorrentes e significativas de
agir em conjunto, que põem alguma ordem no contexto da vida em coletividade (nos
termos de Clifford Geertz, 1983, p.21); como formas de vida que se manifestam em
jogos de linguagem, de tal sorte que a linguagem é parte integral de uma atividade (nos
termos de Ludwig Wittgenstein ([1953] 1958, p.88, parágrafo 241) a ponto de o gênero
tornar-se um fenômeno estruturador da cultura (Motta-Roth, 2005, p.184).
É importante notar que a definição de gêneros como “artefatos culturais”
nos parece muito interessante para a nossa pesquisa, porque trabalha a noção de
gêneros como inerentes à cultura. Assim, tratar do gênero como recorrências
significativas de agir em coletividade, com função de ordenar o contexto da vida
dos indivíduos que vivem em sociedade, nos parece extremamente relevante para
o nosso contexto de pesquisa, uma vez que a redação do vestibular tem
certamente função de organizar, a partir dos critérios avaliativos, a entrada dos
candidatos nos cursos de graduação. Outra questão relevante é o fato de ser o
gênero um “fenômeno estruturador da cultura”, o que é facilmente observável se
se pensar na constituição dos gêneros e sua relação com as formas de agir no
mundo. Este é o caso da redação do vestibular, que além de ser moldada e
determinada pelos contextos de situação e cultura, os determinam, influenciando e
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modificando o ambiente de ensino-aprendizagem de escrita e até mesmo de
gêneros formais escritos nos contextos escolares.
4.2.
Tipo textual e gênero
Daremos início a esta parte, apresentando a definição do que estamos
tratando por tipos textuais. Segundo Marcuschi (2002), a noção de Tipologia
Textual, exposta a seguir paralelamente à noção de gêneros textuais, é tratada de
forma similar por Douglas Biber (1988), John Swales (1990), Jean-Michel Adam
(1990), Jean-Paul Bronckart (1999):
(a) Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de seqüência
teoricamente definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais,
sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca
de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção.
(b) Usamos a expressão nero textual como uma noção propositalmente vaga para
referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam
características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais,
estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os
gêneros são inúmeros (Marcuschi, 2002, p. 22-23).
A definição de Tipos Textuais tem uma base de natureza estritamente
lingüística, ou seja, são unidades lingüísticas as definidoras de um tipo, ao passo
que gêneros se definem por suas características sócio-comunicativas. Para
esclarecer melhor a definição de tipo textual, Marcuschi (2002, p.23) elabora o
seguinte quadro, no qual tenta apresentar a conceituação de tipo textual em
comparação com a definição de gênero textual:
Tipos Textuais Gêneros Textuais
1- constructos teóricos definidos por
propriedades lingüísticas intrínsecas;
1- realizações lingüísticas concretas definidas
por propriedades sócio-comunicativas;
2- constituem seqüências lingüísticas ou
seqüências de enunciados no interior dos
gêneros e não são textos empíricos;
2- constituem textos empiricamente realizados
cumprindo funções em situações comunicativas;
3- sua nomeação abrange um conjunto
limitado de categorias teóricas determinadas
por aspectos lexicais, sintáticos, relações
lógicas, tempo verbal;
3- sua nomeação abrange um conjunto aberto e
praticamente ilimitado de designações concretas
determinadas pelo canal, estilo, conteúdo,
composição e função;
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4- designações teóricas dos tipos: narração,
argumentação, descrição, injunção e
exposição.
4- exemplos de gêneros: telefonema, sermão,
carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete,
aula expositiva, reunião de condomínio,
horóscopo, receita culinária, bula de remédio,
lista de compras, cardápio, instruções de uso,
outdoor, inquérito policial, resenha, edital de
concurso, piada, conversação espontânea,
conferência, carta eletrônica, bate-papo virtual,
aulas virtuais, etc.
Figura 1: Diferenciação entre gêneros e tipos textuais
Como podemos ver, a definição de tipo textual exposta acima está
relacionada à constituição lingüística dos enunciados que acontecem dentro dos
gêneros. Deve-se inclusive comentar que, de acordo com essa abordagem, tipo é
uma categoria lingüística paradigmática, ou seja, é um conjunto de características
enunciativas delimitadas por suas características lingüísticas constitutivas, que
servirão, inevitavelmente, à realização de textos, isto é, não existe gênero que não
tenha tipo(s) textuais; todo gênero, materializado em alguma configuração textual,
virá, por conseguinte, ‘encarnado’ em uma ou mais seqüências tipológicas.
Ainda com respeito à questão da definição de tipos textuais, agora
estabelecendo relação com a função e utilização dos tipos nos gêneros,
materializados em forma de texto, Marcuschi afirma que:
A rigor, pode-se dizer que o segredo da coesão textual está precisamente na
habilidade demonstrada em fazer essa ‘costura’ ou tessitura das seqüências tipológicas
como uma armação de base, ou seja, uma malha infra-estrutural do texto. Como tais, os
gêneros são uma espécie de armadura comunicativa geral preenchida por seqüências
tipológicas de base que podem ser bastante heterogêneas mas relacionadas entre si
(Marcuschi, 2002, p.27).
Além disso, o autor ressalta que:
Esta é uma posição defendida recentemente também por Jean-Michel Adam
(1999) que julga ser a unidade ‘texto’ muito heterogênea para ser tomada como uma
entidade lingüística. Trata-se, pois de uma entidade comunicativa que é construída com
unidades composicionais constituídas pelas seqüências tipológicas (idem).
Para caracterizar os tipos textuais existentes na realidade enunciativa, é
sugerida por Marcuschi (2002) a identificação das seqüências tipológicas,
exemplos e traços lingüísticos que podem caracterizá-los (baseado em Marcuschi,
2002, p. 28. Apud Werlich, 1973).
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56
1- Descritiva
“Sobre a mesa havia milhares de vidros”.
Este tipo de enunciado textual tem uma estrutura simples com um verbo estático no presente ou
imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial de lugar.
2- Narrativa
“Os passageiros aterrissaram em Nova York no meio da noite”
Este tipo de enunciado textual tem um verbo de mudança no passado, uma circunstância de
tempo ou lugar. Por sua referência temporal e local, este enunciado é designado como enunciado
indicativo de ação.
3- Expositiva
(a) “Uma parte do cérebro é o córtex”
(b) “ O cérebro tem 10 milhões de neurônios”
Em (a) temos uma base textual denominada de exposição sintética pelo processo de composição.
Aparece um sujeito, um predicado (no presente) e um complemento com um grupo nominal.
Trata-se de um enunciado de indicação de fenômenos.
Em (b) temos uma base textual denominada de exposição analítica pelo processo de
decomposição. Também é uma estrutura com um sujeito, um verbo da família do verbo ter (ou
verbos como “contém”, “consiste”, “compreende”) e um complemento que estabelece com o
sujeito uma relação parte-todo. Trata-se de um enunciado de ligação de fenômenos.
4- Argumentativa
“A obsessão com a durabilidade nas artes não é permanente”.
Tem-se aqui uma forma verbal com o verbo ser no presente e um complemento (que no caso é
um adjetivo). Trata-se de um enunciado de atribuição de qualidade.
5- Injuntiva
“pare!”, “seja razoável”.
Vem representada por um verbo no imperativo. Estes são os enunciados incitadores à ação. Estes
textos podem sofrer certas modificações significativas na forma e assumir por exemplo a
configuração mais longa onde o imperativo é substituído por um “deve”. Por exemplo; “Todos
os brasileiros na idade de 18 anos do sexo masculino devem comparecer ao exército para
alistarem-se”.
Figura 2: Exemplos de seqüências tipológicas
4.3.
Gênero e registro na perspectiva sistêmico-funcional
Sobre a diferenciação gênero e registro, Santos (1989, p.31) cita Ventola
(1987) ao dizer que:
(…) gênero e registro estão em dois diferentes níveis de abstração. O gênero, ou
contexto de cultura, pode ser tido como o mais abstrato, mais generalizado – nós
podemos reconhecer um gênero em particular mesmo não estando exatamente certos
sobre o contexto situacional.
O gênero, então, pode ser entendido como a estrutura geral que proporciona uma
razão para as interações de tipos particulares, adaptáveis aos vários contextos
situacionais específicos nos quais elas são usadas.
(...)
[Gênero] é um dos dois níveis de contexto que reconhecemos; sendo o contexto
de cultura (gênero) mais abstrato, mais generalizado do que o contexto de situação
(registro): os gêneros são compreendidos (decodificados) através da língua; e o processo
de compreensão dos gêneros na língua é intermediado pela compreensão do registro
(Ventola, 1987, p.32 e 34, apud Santos, 1989, p. 31).
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57
De acordo com Vian Jr. e Lima-Lopes (2005, p.33), ao tratar da relação
gênero-registro:
Sob o prisma funcional (Martin, 1992, p.594), a partir da inter-relação entre
gênero e registro (e entre contexto de cultura e contexto de situação), o gênero pode ser
considerado a partir de duas perspectivas: a) uma em que o registro é o ponto de partida
para a análise e b) outra em que o registro funciona como instanciação do gênero (Vian
Jr. E Lima-Lopes, 2005, p.33).
Os autores dão andamento à sua explanação explicitando que a primeira
perspectiva, defendida por Halliday &Hasan (1989), “toma o registro como ponto
de partida para a análise, pois considera que a estrutura textual é a realização de
uma série de escolhas no nível do registro, sendo que cada combinação possível
resulta no que ela denomina configuração contextual” (Vian Jr. E Lima-Lopes,
2005, p.33). Em seguida, Vian Jr. e Lima-Lopes (2005) utilizam-se de Martin
(1992, p.504), para complementar que “os elementos obrigatórios, como sugerido
no modelo de Hasan, parecem ser determinados pelo campo do discurso, sendo
que as variações de estrutura seriam controladas pelo modo e pelas relações.
Assim, para Hasan, os estágios de umnero são conseqüência da realização de
uma série de opções envolvendo o contexto de situação”.
Quanto à segunda perspectiva, ou seja, a que defende o registro como
instanciação do gênero, os mesmos autores acrescentam que “isso equivale a dizer
que o registro, organizado de acordo com as escolhas no nível do campo, das
relações e do modo, reflete a diversidade metafuncional no nível da linguagem,
materializada pela léxico-gramática, ao passo que o gênero se faz no nível dos
processos sociais” (p.34) [grifo nosso]. Tanto o modelo de Martin quanto o de
Hasan “propõem uma correlação entre a estrutura esquemática do gênero e as
variáveis de registro. Embora ambas perspectivas pareçam, a priori, muito
diferentes, elas serão consideradas nesse trabalho, não como excludentes, mas
como complementares. Isso torna-se pertinente se se tomar a definição e descrição
do gênero tanto como sendo o gênero instanciado mediante escolhas das variáveis
de registro, bem como tomando as variáveis como realizações do gênero, ou seja,
o gênero pré-seleciona as variáveis de registro, ao mesmo tempo que as variáveis
do registro ecoam a abstração genérica. Na dissertação, daremos importância tanto
à noção de gênero no nível dos processos sociais, como à sua formalização.
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58
4.3.1.
Configuração contextual (CC) e Estrutura Genérica Potencial (EGP)
Halliday & Hasan (1989, p. 56) relacionam a configuração contextual
proposta inicialmente por Halliday com o conceito de estrutura textual proposto
por Hasan. Os autores afirmam que:
Na unidade estrutural de um texto, a configuração contextual toma um papel
central. Se texto pode ser descrito como ‘linguagem realizando algum objetivo, em
algum contexto’, então seria racional descrevê-lo como a expressão verbal de uma
atividade social; a configuração contextual seria um conjunto de atributos significativos
da atividade social. Então, não seria surpresa que as características da configuração
contextual possam ser usadas para construir tipos de predicações sobre a estrutura do
texto. Essas seriam:
1- Quais elementos devem ocorrer;
2- Quais elementos podem ocorrer;
3- Onde eles devem ocorrer;
4- Onde eles podem ocorrer;
5- Com qual freqüência eles podem ocorrer (Hasan, 1989, p.56).
Motta-Roth e Herbele (2005, p.12) afirmam, a respeito dos postulados de
Hasan, que:
existem princípios de coerência, subjacentes à sociedade, para orientar a seleção
e organização dos significados relevantes em uma comunidade e que tais princípios são
expressos por meio de padrões de uso da linguagem. De acordo com Bernstein (apud
Hasan, 1999, p.22), as relações sociais influenciam os padrões de seleção ‘do que é dito
e como é dito’. Tanto a seleção e a organização dos significados relevantes dentro da
estrutura social quanto o próprio sujeito são posicionados em termos da divisão social
do trabalho (Bernstein, 1990, p.28). Segundo o autor: [...] o texto é a forma visível
palpável e material da relação social. Deveria ser possível recuperar a prática
interacional específica original a partir da análise do(s) texto(s) no contexto dessa
prática (Motta-Roth e Herbele, 2005, p.12).
O texto é, assim, uma forma material, visível, palpável que expressa a
relação social, haja vista que é através dos textos do nosso corpus de análise que
estamos buscando recuperar significados inerentes à prática sócio-comunicativa
que os mesmos instauram na realidade social. É por meio dos textos que estamos
procedendo à análise de todo um conjunto de simbólico de concepção do mundo,
de concepção das relações interpessoais, de concepção de conhecimento, de
práticas sociais. Com relação a isso, Motta-Roth e Herbele acrescentam que:
A relação entre três elementos centrais – os significados considerados relevantes,
as formas lingüísticas que realizam esses três significados e os contextos que os evocam
– varia conforme a posição do sujeito, usuário da linguagem, quanto a seu maior ou
menor grau de poder na sociedade (Cloran, 2000, p.155, apud Motta-Roth e Herbele,
2005, p.12).
Retornando ao conceito de gênero e suas especificidades, Halliday e
Hasan (1989) dizem que a Estrutura Genérica Potencial (EGP) de um dado gênero
equivale ao somatório de elementos obrigatórios e opcionais, e fazem uma
ressalva afirmando que a opcionalidade não implica necessariamente total
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liberdade, uma vez que o conceito de recorrência se faz presente. Halliday e
Hasan (1994) afirmam que EGP engloba elementos obrigatórios e opcionais da
estrutura social, bem como sua seqüência e a possibilidade de recorrência.
Dessa forma, as variáveis do contexto definiriam a configuração textual
de um determinado gênero, o que permite que sejam feitas previsões sobre
qualquer “texto apropriado a um dado contexto, i. é, qualquer texto passa a ser
considerado um exemplo ‘em potencial’ de um gênero específico” (Motta-Roth &
Herbele, 2005, p.17).
Motta-Roth e Herbele (2005, p.13), parecem concordar com o acima
exposto:
Hasan (1995, p.183) adota essa teorização [sistêmico-funcional e variáveis de
registro] para discutir o sistema de relações necessárias entre linguagem e seu contexto
de uso. A visão hallidayana de gramática evidencia o caráter dialético entre situação (o
fazer) e sua materialização no léxico, na gramática e em todos os níveis de significação
da linguagem (o dizer). O texto é definido como a ‘instância de uso da linguagem viva
que está desempenhando um papel em um contexto de situação’ (Halliday, 1989, p.10).
4.3.2.
Gênero como processo social
O modelo de Hasan, apesar de extremamente pertinente, não trata da
análise das redes de relações existentes entre os diferentes gêneros, devido ao fato
de isso não poder ser detectado apenas a partir dos elementos do contexto e da
Configuração Contextual (CC). A referida rede permitiria a diferenciação
funcional dos gêneros. O que Hasan propõe parece muito preso às estruturas
genéricas, enquanto que as propostas de Martin (1992) e Kress (1989, 1991,
1993), enfatizam aspectos sociais, indo além do textual, buscando uma relação
entre os gêneros, que ultrapassa o contexto de situação.
Daí vermos a necessidade de incluirmos, nesta pesquisa, a perspectiva de
gênero proposta por Martin
7
, que prevê que o gênero estaria alocado acima e além
das metafunções, uma vez que o relaciona aos processos sociais. Assim, poder-se-
ia, dentro dessa perspectiva mais ampla, tanto predizer quanto descrever gêneros,
possibilitando, com isso, uma melhor abrangência, principalmente no tocante ao
retorno à esfera educacional. Com relação ao processo de ensino-aprendizagem,
teria-se, dessa forma, uma via de mão dupla, em que seria possível tanto partir de
um modelo já recorrente, descrevendo-o, com o intuito de se ter a possibilidade de
7
Martin define gêneros como ‘staged goal oriented social processes’, ou seja, são processos
sociais que acontecem em estágios e são orientados para um propósito.
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prever a estrutura que poderá ocorrer, e, com isso, utilizando-se dela para se
desenvolver o processo de ensino de língua, através de gêneros.
Porém, Halliday e Hasan também afirmam que aprender a construir
textos (gêneros) é uma tarefa da experiência social:
Pensar em estrutura textual – não em termos da estrutura de cada texto individual
como uma entidade separada, mas como uma declaração generalizada do gênero como
um todo – é sugerir que existe uma estreita relação entre texto e contexto. (…) O valor
dessa abordagem está fundamentalmente no reconhecimento da natureza funcional da
língua. Se texto e contexto estão relacionados de acordo com o que defendi acima,
então, entende-se que não pode haver apenas uma maneira correta de falar ou escrever.
O que é apropriado em um ambiente, pode não ser tão apropriado em outro.
Além disso, sugere-se que a habilidade de escrever um excelente ensaio sobre as
causas da Segunda Guerra Mundial não determina que alguém possa produzir uma
reportagem aceitável sobre um caso de tribunal. Isso não ocorre simplesmente porque
um escrito é inerentemente mais difícil ou exigente do que o outro, mas porque o
sujeito pode ter mais experiência naquele gênero em particular (Halliday & Hasan,
1989, p.68).
Vian Jr e Lima-Lopes (2005, p.34) defendem que “[o] gênero deve ser
encarado como um elemento mutável; sofre modificações advindas das interações
nas quais ocorreu. Por conseguinte, cada ação social gerará gêneros que a tornam
particular, em função das variáveis de registro”.
Kress (1993) em seu artigo “Genre as social process”, afirma que se
pensar gênero fora do âmbito social seria algo amplamente errôneo, uma vez que
discursos se constróem em interações condicionadas por um amplo conjunto de
códigos de significação, de relações de poder, representações sociais:
Em uma teoria social da linguagem, contudo, a unidade mais importante é o
texto, sendo este uma completa unidade de linguagem, que se estrutura socialmente e
contextualmente. (...) O texto, originado nesse processo é sempre uma entidade social, e
o é em termos de suas funções. Suas características são específicas para um grupo
cultural particular. (...) O convencionalizado aspecto de sua interação é como o
reconhecimento está se tornando genérico, fazendo desse texto um gênero em particular
(Kress, 1993, p.3-4).
Dessa forma, podemos afirmar que os gêneros são ações sociais,
principalmente por estarem tão intrinsecamente ligados à questão do acesso, o que
se aplica à redação do vestibular, por exemplo, em que somente o candidato que
atestar capacidade suficiente, por meio daquele único instrumento, terá o direito
de ser considerado enquanto indivíduo capaz de ter uma futura vida acadêmica.
De um lado a banca, que por razões já institucionalizadas, exige dos candidatos
estas habilidades, exercendo, assim, seu poder de avaliar e decidir quem deve ou
não ser aprovado, e, de outro, o candidato, que, a todo momento, luta por
conseguir apreender, interpretar, assimilar e racionalizar todas as exigências da
construção de seu texto.
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61
Dentro da postura sistêmico-funcional, com relação à questão do acesso
aos variados tipos de gêneros, o principal objetivo da lingüística educacional deve
ser a busca de igualdade de oportunidade, deve ser atacar o diversificado rol de
problemas sociais, no que tange a igualdade e a justiça. A linguagem é uma
instituição política: quem criteriosamente seguir seu caminho, e for capaz de usá-
la para configurar e alcançar importantes objetivos pessoais e sociais, se tornará
apto a agir sobre o mundo, tornando-se possível que se obtenha alguma mudança
social significativa. Dar acesso a diferentes esferas acadêmicas e profissionais
seria um objetivo extremamente relevante a ser atingido, uma vez que a igualdade
de oportunidades tem um papel crucial na efetivação do processo de democracia
em todos os seus níveis (Halliday & Hasan, 1989, p.X).
Explorando melhor a problemática do acesso, que, apesar de ser muito
polêmica, é extremamente importante, Coe, em seu artigo “Teaching genre as
process”, aborda a inquieta indagação: ensinar ou não, explicitamente, gênero na
escola. Ele diz que:
Porém, há também aqueles que condenam o ensino de gêneros de uma forma
explícita. Costumeiramente, eles nos fazem recordar o dogmatismo neoclássico dos
gêneros escolares. (...) Sob essa perspectiva, defende-se uma objeção ao gênero por se
lembrar dele como algo artificial, procusteano, e até mesmo algorítmico (Dixon, 1987).
E os gêneros ensinados na escola são impostos dogmaticamente – isto é, isentos de
explicações intrínsecas e racionais acerca do motivo pelo qual essas formas devem ser
seguidas – pelas gerações de professores de redação (COE, 1994, p. 158)
Quanto às redações do vestibular, gênero a ser estudado nesta pesquisa,
podemos afirmar que a aquisição do gênero deve ser realizada de forma dialética,
na qual o escritor e o leitor se constroem num processo de interação social, ou
seja, gênero é, antes de tudo, como já foi dito, processo social. Como Paré (1991)
defende, “os alunos precisam saber como os grupos tanto autorizam como
restringem discursos, como eles permitem algumas formas de falar e proíbem ou
desencorajam outras” (Paré, p. 60), ou seja, os estudantes devem ser
conscientizados sobre os papéis socialmente construídos que têm os gêneros, de
forma a poderem interagir de forma ativamente crítica através dos mesmos.
Kress (1993, p.6) defende que: “precisamos considerar a extensão da
aplicabilidade do estudo de gênero para além das questões que envolvem
letramento; na longa jornada à frente, o letramento deve ser tratado junto com
outras questões de língua-na-sociedade” (Kress, 1993, p.6), que envolvem, sem
dúvida, os estudos de gênero.
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5.
Metodologia
5.1.
O estudo
Para trabalhar a redação do vestibular em termos de sua estrutura textual,
em termos de processos sociais e em termos do discurso acadêmico, este estudo
aborda este gênero a partir do contraste entre grupos de textos, visando
estabelecer a variação entre os mesmos. No corpus de dados, foram analisadas
recorrências e exceções, com o objetivo de se descrever o gênero redação do
vestibular.
O estudo comparativo ou contrastivo desenvolvido nesta dissertação, de
forma resumida, consiste na exploração de eventos particulares de linguagem, os
textos, investigando suas especificidades e características, levando ao confronto
entre grupos de redações produzidas em diferentes contextos. A escolha desse
tipo de pesquisa se deveu à necessidade de se descrever o gênero redação do
vestibular, mostrando suas características principais e suas possibilidades de
variação, ou seja, de quebra ou fuga a um modelo recorrente.
Através desta abordagem, visa-se identificar a configuração textual dos
grupos de redações, bem como a possibilidade de análise da ocorrência ou não de
algumas características e sua relação com o grau de eficiência dos textos. Além
disso, nesta pesquisa este gênero será também analisado em termos de processos
sociais, uma vez que, por estarmos tratando de três grupos de textos produzidos
em contextos diferentes, temos a possibilidade de descrever o gênero de forma
mais ampla, obtendo, assim, uma maior abrangência dos resultados.
A análise aqui desenvolvida é de base qualitativa, especialmente quanto
ao estudo da configuração textual das redações de vestibular. Quanto ao estudo
do gênero em termos de processos sociais, foi utilizada uma abordagem
quantitativa sendo verificada a freqüência de certos itens lexicais e interpretados
estes resultados.
Descreveremos, a seguir, a constituição do corpus de análise, incluindo a
natureza dos materiais, os contextos onde foram produzidos, os sujeitos
participantes, seus papéis, e, por fim, os procedimentos da análise, ou seja, as
etapas da pesquisa.
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5.2.
Materiais
5.2.1.
O corpus de dados
Para procedermos ao estudo do gênero redação do vestibular, utilizamos
um corpus compreendendo aproximadamente 30.000 palavras, constituído por
135 redações, que foram escritas nos anos de 2004, 2005.1 e 2005.2. As
Universidades que nos cederam, gentilmente, as redações foram a UFV
(Universidade Federal de Viçosa- MG), a UFOP (Universidade Federal de Ouro
Preto- MG) e a PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-RJ).
O quadro abaixo ilustra os cursos escolhidos, as universidades de onde os
textos foram retirados e o número de textos de cada curso.
Grupo Ano Instituição Curso
Número de
Textos
Direito 15
Pedagogia - Licenciatura 15
Grupo 1 2004 1 Universidade Federal de
Viçosa
Comunicação Social 15
Letras 15
Turismo 15
Grupo 2 2005 2 Universidade Federal de
Ouro Preto
Engenharia de Produção 15
Á
rea de Ciências Contábeis e
Administração
15
Á
rea de Hu
m
anas e Letras 15
Grupo 3 2005 1 Pontifícia Universidade
Católica do Rio de
Janeiro
Área de Engenharias 15
Total 135
Figura 3: O corpus de dados
Os cursos escolhidos foram os de Direito, Pedagogia – Licenciatura e
Comunicação Social, da UFV (Grupo 1); Letras, Turismo e Engenharia de
Produção, da UFOP (Grupo 2); e das áreas de Contábeis e Administração,
Humanas e Letras e Engenharias da PUC-Rio (Grupo 3)
8
;. A principal motivação
da escolha destes cursos/áreas para constituir os grupos de textos de cada
universidade está ligada à variação entre eles, ou seja, há cursos que se repetem e
outros distintos em cada grupo.
8
Nesta Instituição, as redações são avaliadas por áreas, daí não termos tido acesso aos cursos, mas
às áreas do conhecimento dentro das quais se incluem os cursos para os quais os candidatos
realizaram as redações.
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As redações de candidatos ao curso de Letras são comuns aos grupos 2 e
3. Escolhemos as redações do curso de Pedagogia – Licenciatura como
correspondentes a Letras no grupo 1, por ser este também um curso da área de
Ciências Humanas. O par 1-3 possui também cursos de humanas aplicadas
(Comunicação Social, e Contábeis e Administração) como parte diversificada. O
par 2-3 possui Letras e as engenharias como parte comum e as redações para os
cursos de Turismo e Contábeis e Administração como parte diversificada. E o par
1-2 tem somente Letras e o correspondente Pedagogia – Licenciatura como parte
comum e os demais cursos como parte diversificada. A preocupação com a
formação destes núcleos se deve ao fato de se tentar estabelecer a variação de
alguns dados, relativa à diversidade de configurações discursivas que são
inerentes às distintas áreas do conhecimento.
5.2.2.
Temas propostos
A seguir, apresentamos os temas exigidos pelas três universidades das
quais retiramos os textos para a montagem do corpus de análise.
Proposta UFV, 2004:
REDAÇÃO
Tema: Inveja: um “pecado” em tempos de globalização
Considere, para o desenvolvimento do tema proposto, as informações
apresentadas a seguir. Há quatro tipos de textos sugeridos para sua reflexão sobre o tema
da redação. Os textos foram tirados de fontes diversas e apresentam opiniões e argumentos
relacionados com o tema. Consulte a coletânea e utilize-a, segundo suas opiniões e
conhecimentos sobre o assunto. Não a copie!
Produza um texto argumentativo coeso e coerente, com um mínimo de 20 linhas e um máximo
de 25. Dê um título ao seu texto.
01. Inveja: [lat.invidia].1. desgosto ou pesar pelo bem ou pela felicidade de outrem. Desejo
violento de possuir o bem alheio.
(Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa).
02. “A inveja é o pecado mais adequado a um mundo que estimula a competitividade e a
superação, que diz a todo momento: – Seja um vencedor, inveje o próximo para superá-lo e,
se possível, arrasá-lo.”
(VENTURA, Zuenir. A inveja.)
03. “Sim, Senhores, a inveja aquele pecado capital destrutivo, que alguém caracterizou como
mistura de cobiça, impotência e ressentimento niilista contra tudo que é honra de uma
cultura. Infelizmente, como Tocqueville ressaltou, quanto maior a paixão igualitária numa
sociedade, mais se disseminará nela a inveja. Numa cultura em que a noção de distinção
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entre indivíduos foi abolida, é normal que qualquer distinção social ou intelectual dê origem
a uma furiosa onda de ressentimentos e animosidades invejosas.”
(www.oindividuo.com/alvaro/alvaro57.htm)
04. “A finalidade do liberal-capitalismo é a concentração de grandes fluxos de indivíduos
explorados (por outros indivíduos) e politicamente não-pensantes, que têm por único
objetivo a acumulação de capitais financeiros (fundos de pensão, de investimento, etc.) em
detrimento dos fundamentos políticos, morais e sociais indispensáveis numa sociedade que
se queira verdadeiramente humanista. O indivíduo é vítima de uma sociedade que lhe suscita
a inveja pelos outros (levando-o a consumir desenfreadamente para não se sentir inferior a
eles) e a desumanização é assim cada vez maior (daí o interesse em criar-se a idéia de que a
competição é inata ao ser humano, esquecendo-se de que a solidariedade – é o ainda mais).”
(O liberal-capitalismo e a globalização da economia, texto retirado da internet, de autor
desconhecido).
Proposta PUC-Rio, 2005 1:
PUC – Rio 2005
REDAÇÃO
Tema: A efemeridade / transitoriedade dos fatos, dos valores, das relações e seus efeitos no ser
humano.
Verificamos hoje em dia que tudo pode ser acessado de imediato, mas é efêmero /
transitório: pode acabar instantaneamente e ser substituído na mesma velocidade com que foi
descoberto ou vivido. Podemos chegas à constatação de que estamos envolvidos em relações de
superficialidade, em acúmulo de tarefas e imersos numa constante falta de tempo.
Para auxiliar sua reflexão, leia os textos abaixo e a seguir
produza um artigo de opinião, com cerca de 25 linhas, em
que você desenvolva o tema proposto de forma clara,
coerente e com argumentação bem fundamentada. Não
esqueça de dar um título adequado ao seu texto.
Texto 1
“Nunca a questão do olhar esteve tão no centro do debate da cultura e das sociedades
contemporâneas. Um mundo onde tudo é produzido para ser visto, onde tudo se mostra ao olhar,
coloca necessariamente o ver como um problema. Aqui não existem mais véus nem mistérios.
Vivemos no universo da sobreexposição e da obscenidade, saturado de clichês, onde a banalização
e a descartabilidade das coisas e imagens foi levada ao extremo. (...) O indivíduo contemporâneo é
em primeiro lugar um passageiro metropolitano: em permanente movimento, cada vez mais longe,
cada vez mais rápido. (...) A velocidade provoca, par aquele que avança num veículo, um
achatamento na paisagem. Quanto mais rápido for o movimento, menos profundidade as coisas
têm, mais chapadas ficam, como se estivessem contra um muro, contra uma tela. A cidade
contemporânea corresponderia a este novo olhar. Os seus prédios e habitantes passariam pelo
mesmo processo de superficialização, a paisagem urbana se confundindo com out-doors. O mundo
se converte num cenário, os indivíduos em personagens.”
PEIXOTO, Nelson Brissac. O olhar do estrangeiro. In: NOVAES, Adauto. (Org.) O Olhar. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 361.
______________//////////_______________
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Texto 2
“Parece claro que o mundo está passando por uma reconfiguração. Os efeitos das
profundas transformações provocadas pela cultura digital sobre a formação de identidades, as
questões éticas e a variação de papéis sociais do indivíduo contemporâneo foram abordados pelas
duas principais estrelas do Seminário no Rio [“O Eu em rede: A subjetividade na cultura digital”],
os filósofos Edgar Morin e Jean Baudrillard. Uma curiosidade é que o pensador Baudrillard foi
citado/homenageado no primeiro filme da série Matrix, na cena em que o personagem Neo (Keanu
Reeves) esconde seus programas piratas dentro de um exemplar do livro Simulacros e Simulações.
(...) Segundo os filósofos, todos se transformam em atores do espetáculo total da realidade, como
nos atos televisivos imediatos dos reality shows. Cada indivíduo é uma reprodução de um eu
genérico, conectado em rede e em perpétuo feedback comunicacional. É o novo fundamentalismo
do circuito integrado: o indivíduo sozinho já se torna massa. (...) Outro aspecto delicado é que os
critérios pragmáticos e até mesmo o vocabulário operativo da tecnologia se sobrepõem cada vez
mais à reflexão sobre o sentido da vida. A eficácia prevalece sobre os conceitos de justo, certo e
bom.”
TRIGO, Luciano. A realidade existe?. In: Continente Multicultural, edição no. 31, jul 2003.
http://www.continentemulticultural.com.br/revista031/matéria.asp?m-Capa&s=1
Grupos 1, 2 e 3 – 1º. Dia
Proposta UFOP, 2005 2:
Caiu a ficha
Outro dia a rádio que eu ouço sofreu um ataque repentino de bom gosto e resolveu tocar
“Futuros Amantes”, uma das mais lindas canções do lado B de Chico Buarque. Eu fiquei lá,
prestando atenção na letra – O amor não tem pressa/Ele pode esperar/Em silêncio/Num fundo
de armário/Na posta-restante/Milênios, milênios no ar –, quando me sobreveio uma dúvida: será
que alguém ainda sabe o que é “posta-restante”?
Eu sei, é querer demais. Como esperar que alguém saiba o que é posta-restante quando os
mais jovens não conseguirão entender sequer o que significa “lado B”? A posta-restante, pelo
menos, não acabou – ninguém sabe de sua existência, três ou quatro gatos-pingados usam,
mas ela ainda existe. O lado B, não: o lado B tinha muitos fãs e foi-se embora para sempre,
morreu, desencarnou, desde que inventaram o CD.
É uma pena, porque o lado B ajudava a moldar um disco. Era o lado que você ouvia depois
que cansava do A. Então você descobria que a melhor música do disco era a primeira do lado B.
Dali a um pouquinho, no entanto, você reconsiderava. A melhor música era a penúltima do lado
B – aquela que, no começo, você achava meio esquisitinha. Veja bem: a “penúltima do lado B”
tinha personalidade. Não era uma reles “faixa 12”. Ou uma entre 10 mil músicas apinhadas num
iPod. Se inventarem um iPod com lado B, não vai ter graça nenhuma.
De todo modo, é divertido como a tecnologia vai tornando obsoleto o sentido original de
muitas expressões. Será que a próxima geração vai continuar usando “queimar o filme”, mesmo
quando ninguém mais souber que a fotografia dependia de uma película para se realizar? Não,
não, “dar pau no download” não tem o mesmo colorido de “queimar o filme”.
Felizmente, como ocorre há séculos, muitas expressões sobreviverão às circunstâncias em
que foram cunhadas. Tomara que seja o caso de “cair a ficha”. Assim, quando algum de seus
descendentes vier perguntar de onde veio essa expressão esquisita, você pode aproveitar para
dar uma aula de História. “Cair a ficha” quer dizer que o Brasil passou décadas sem ter uma
moeda estável e por isso precisou inventar um orelhão que funcionasse com uma ficha especial
– ah, sim, que só caía depois que a ligação era atendida. Pronto. Aí só vai faltar explicar que
orelhão era um negócio que existia antes de inventarem o celular.
Mas eu fiquei com saudade mesmo foi da época em que era fácil ouvir Chico Buarque (até
mesmo o lado B de Chico Buarque) no rádio. Naquele tempo eu era freguês de posta-restante.
Caso você tenha vindo até o fim deste texto só para saber que diabo é uma posta-restante, eu
explico. Posta-restante é uma caixa postal pública na agência matriz dos correios de uma cidade.
Quando você faz longas viagens ao exterior, sua família e seus amigos podem continuar mantendo
contato, enviando cartas endereçadas a você para a posta-restante dos lugares por onde você
vai passar.
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“Ah, é que nem o Hotmail!”, você vai dizer. Taí. Caiu a ficha. Posta-restante é que nem o
Hotmail.
FREIRE, Ricardo. Caiu a ficha . Época, nº 349, p. 98, jan. 2005.
Com base no texto lido e na sua experiência pessoal, redija um texto dissertativo sobre o tema:
“LINGUAGEM E AVANÇOS TECNOLÓGICOS: ENTRE A PRATICIDADE
E O SAUDOSISMO”
É importante que você exponha o seu ponto de vista em relação ao tema, sem, no entanto, proceder
a meras colagens do texto-base. É obrigatório colocar título na redação.
É interessante notar que, apesar de serem universidades que se localizam
geograficamente em regiões distantes, os temas escolhidos para os exames das
instituições em que foram feitas as coletas dos dados foram muito parecidos.
Todos os três fazem alguma referência a problemas ou a situações atuais que se
relacionam à globalização, à internet, dentre outros. Isso pode retratar uma
tendência atual de selecionar temas que abordem a realidade do candidato, ou
seja, falar de globalização, de avanços tecnológicos, de internet, é falar sobre si
mesmo, uma vez que a maioria da população, principalmente jovem, vive esse
boom da tecnologia, respira msn, orkut, gazzag, e-mail, blog, dentre infinitos
outros. É fato que o concurso do vestibular não se destina unicamente ao público
jovem, mas também é claro que temos a certeza de que, para a banca, é
pressuposto que muitos dos candidatos sejam jovens, o que influencia a seleção e
a adoção do tema. Isso não quer dizer que somente os jovens vivam em sua
realidade, em seu cotidiano, os benefícios dos avanços tecnológicos; mas, é fato
que eles os vivem com maior intensidade, conforme mostra a nossa experiência. É
nitidamente visível nos temas do corpus de análise a tentativa de acionar no
candidato a apresentação de idéias que retratem um paralelo entre passado e
presente, quer na concepção corriqueira e globalizada de inveja (UFV); quer na
relação entre linguagem e avanços tecnológicos, entre a praticidade e o
saudosismo (UFOP); quer na constituição do ser humano na era da internet (PUC-
Rio).
Dessa forma, uma vez tendo sido exigidos temas que retratem a realidade
dos candidatos, podemos dizer que estes referem-se a uma realidade vivida pelos
candidatos, ou seja, não é necessária, nessa perspectiva, uma leitura específica
anterior ao momento de realização da redação por parte do candidato a respeito de
um determinado assunto, para a abordagem do mesmo.
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5.2.3.
Os contextos
A escolha dos contextos se justifica pelo fato de que são Universidades
renomadas, localizadas em dois estados brasileiros distintos, uma particular
confessional (PUC-Rio) e duas federais (UFV e UFOP). Além disso, deu-se
relevância também ao fato de que a PUC-Rio é uma Universidade de capital e as
outras são Universidades de interior, buscando-se, assim, uma maior amplitude e
variedade dos dados da análise. Outra questão seria a facilidade de acesso às
provas, devido a contatos pessoais anteriores e atuais.
Soma-se a isso o fato de que as referidas universidades possuem cursos
de natureza distinta, embora não exclusivos das mesmas, originando, assim, uma
diversidade de textos. Outro ponto importante para a escolha dos contextos é que
os métodos de constituição do processo de ingresso das três Instituições de Ensino
Superior são muito distintos, ou seja, são baseados em critérios de natureza
distinta, possibilitando observar a variação entre os resultados deles decorrentes.
5.3.
Participantes
Neste item, são apresentados os participantes da pesquisa, bem como
suas relações, porque acreditamos serem esses decisivas para a constituição do
gênero redação do vestibular.
5.3.1.
A banca do concurso e os candidatos
Os participantes diretamente envolvidos com este gênero são, de um
lado, a Banca Avaliadora e, de outro, os candidatos. Geralmente, as Comissões do
Vestibular recrutam professores do Departamento de Letras (é o que ocorre nas
três universidades a partir das quais montamos o corpus de análise), cuja função
seria confeccionar as provas de redação. Essa equipe é responsável pela
elaboração da proposta da redação, que é, após esse processo, revisada e
direcionada à gráfica para reprodução
9
.
9
O vestibular da Universidade Federal de Viçosa possui um sofisticado sistema de confecção das
provas, incluindo a redação, constituído por reiteradas etapas de elaboração, correção e dormência
(tempo de, em média, 30 dias) para a passagem para uma nova etapa de reelaboração das provas.
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Tendo em vista a grande quantidade de provas a serem corrigidas, uma
vez que são universidades grandes, com muitos cursos e uma infinidade de
candidatos, são selecionados professores da instituição para comporem as bancas
de correção.
Uma vez que nosso objetivo, como já afirmamos, é descrever o gênero
redação do vestibular em termos de sua configuração textual, de seu processo
social e em termos do discurso acadêmico, não tivemos a pretensão - e também
não tivemos acesso aos dados, por questões institucionais de cunho ético - de
incluir neste trabalho as características dos candidatos, quanto a gênero (sexo),
idade, origem sócio-econômica, raça ou origem étnica, dentre outros.
De uma forma resumida, consideramos, para a realização desse estudo,
três grupos de participantes diretos: aqueles que construíram os textos formadores
do corpus de análise, tanto os professores que elaboraram as propostas, como os
candidatos que escreveram as redações; os que procederam à avaliação dos
textos, ou seja, as bancas; e a pesquisadora, que selecionou e analisou as redações,
considerando o mesmo número de amostras por curso, sendo 15 redações em cada
área de conhecimento por instituição (15 redações de cada curso, sendo três
cursos por instituição, perfazendo um total de 45 textos por universidade).
5.3.2.
As bancas: formação e avaliação
Universidade Federal de Viçosa
Há particularidades, com relação aos critérios de seleção para
composição das bancas das três instituições. A Universidade Federal de Viçosa
seleciona não só professores do Departamento de Letras, mas também quaisquer
outros profissionais lotados na instituição que tenham obtido, na forma de lei,
graduação em Letras ou Secretariado Executivo Trilíngüe. Entretanto, para
poderem fazer parte das bancas, esses profissionais, bem como todos os
professores do Departamento de Letras que ainda não tiverem sido integrantes das
bancas anteriormente, têm que, obrigatoriamente, passar por um curso
preparatório de oito horas, que tem como etapa final um exame de aptidão,
constituído por uma prova escrita e uma dinâmica de grupo, com o objetivo de
avaliar as habilidades dos possíveis membros das bancas, bem como avaliar a
apropriação dos critérios de avaliação por parte dos possíveis avaliadores.
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70
Somente os professores e profissionais que tiverem sido aprovados nesse curso
podem compor as bancas. Nessa instituição, as bancas são formadas por três
avaliadores. Cada um deles tem a função de avaliar as redações com base nos
critérios apresentados no curso preparatório, não podendo ser admitida
discrepância entre os avaliadores que ultrapasse 1 ponto. A variação de pontos é
entre 0,0 e 5,0, sendo zero a nota mínima e cinco a nota máxima, ou seja, de zero
a cem por cento. Somente é atribuída nota zero para as redações que estão
dispostas em menos de 20 linhas ou em mais de 25 linhas - tendo havido, contudo,
variação deste critério em anos anteriores - ou que fujam ao tema e ao gênero
proposto. Quando há discrepância superior a um ponto, os integrantes da banca
são novamente acionados a fim de discutirem as provas discrepantes e
reformularem as notas, chegando, assim, a um consenso.
Um fato peculiar dessa instituição é que as redações são avaliadas
separadamente por curso, isto é, cada grupo de textos realizados por candidatos a
um curso em particular é avaliado de forma a compor uma totalidade, sendo
atribuídas notas máxima e mínima, a partir daquele agrupamento de textos. Isso
ocorre, segundo a coordenação da avaliação da redação, devido ao fato de que
seria injusto justapor uma redação de um candidato a um curso pouco concorrido
a uma redação de um candidato a um curso muito concorrido, o que levaria à
existência de somente baixíssimas notas em um curso pouco concorrido e somente
elevadas notas em um curso muito concorrido. Essa forma de correção por curso
amenizaria, segundo a coordenação, essa discrepância de origem sócio-cultural-
histórica.
Universidade Federal de Ouro Preto
Com relação à Universidade Federal de Ouro Preto, as equipes são
formadas por dois corretores
10
e um coordenador de equipe. Todos os corretores
são professores da instituição, dos Departamentos de Letras e Educação. Cabe ao
corretor a avaliação do texto, devendo ser seguida uma planilha que acompanha a
prova de redação, impressa e anexada à mesma, à qual, inclusive, o candidato tem
acesso, por compor o caderno de prova, como dissemos, que compreende a
seguinte divisão de pontos:
10
Os professores avaliadores são denominados como corretores nessa instituição de ensino.
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Pontos Correção
1- Adequação Conceitual
Adequação ao tema proposto
Até 1,5
Qualidade do texto e adequação ao tipo proposto
Até 1,5
Coerência
Progressão (suficiência de dados) Até 2,0
Articulação (encadeamento entre os elementos novos e os
já compartilhados)
Até 2,0
Consistência argumentativa (relevância dos argumentos
utilizados)
Até 5,0
2 – Adequação Formal
Coesão (uso de articuladores textuais, pronomes anafóricos,
associações semânticas; paralelismo sintático e semântico)
Até 4,0
Concordância, regência e colocação
Até 2,0
Paragrafação e pontuação
Até 1,0
Ortografia e acentuação gráfica
Até 1,0
(quadro retirado da parte anexada à prova de redação da UFOP, ano 2005-2)
Como pode se perceber, a variação de notas vai de 0,0 a 20,0 pontos, ou
seja, zero seria a nota mínima e vinte a nota máxima, que corresponde a 100%. Os
avaliadores da UFOP, segundo exigência da coordenação da redação do
vestibular, atribuem nota zero aos textos dos candidatos apenas em três casos:
quando o candidato foge ao tema; quando há alguma forma de identificação do
candidato no espaço gráfico da redação; e quando a redação não perfaz o
contingente de 120 (cento e vinte) palavras. Nessa instituição, caso haja uma
discrepância superior a 3,0 pontos, o coordenador da equipe é encarregado de
avaliar o texto, tendo, inclusive, o papel de alterar a nota dos
corretores/avaliadores. Sendo assim, é atribuição e responsabilidade do
coordenador aumentar ou diminuir as notas dos avaliadores, com o objetivo de
equilibrar a avaliação dos dois corretores, tendo esta ocorrido de forma
discrepante.
Outro fato interessante seria a disposição dos corretores na sala de
correção. Enquanto que a UFV dispõe de prédio próprio para a correção do
vestibular, tendo, por isso, espaço físico que possibilite, a cada equipe, uma sala,
os professores avaliadores da UFOP possuem uma sala (a sala de reuniões), onde
todos dividem o mesmo espaço, o que possibilita interação entre diferentes
equipes, discussões sobre curiosidades que vão aparecendo nos textos, enfim, há
possibilidade de uma maior interação entre as equipes, o que não ocorre na UFV,
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devido, como dissemos, à natureza do espaço físico destinado às equipes de
avaliação.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Já a PUC-Rio compõe sua banca a partir de uma equipe de professores do
Departamento de Letras, os quais são responsáveis pela elaboração da prova e
preparação do processo. Cabe ressaltar que todos os professores que compõem a
banca, trabalhando juntos na avaliação das redações há aproximadamente 20 anos,
são Doutores, com atuação na área de comunicação e expressão, principalmente
prática de ensino de textos. A avaliação de cada redação é realizada por um
professor apenas, o qual é responsável por atribuir notas de 0,0 a 10,0, sendo zero
a nota mínima e 10,0 a nota máxima, ou seja, 100%. São atribuídas notas zero aos
textos que fujam totalmente: ao tema proposto, e/ou ao gênero proposto e/ou à
estrutura proposta (como poesia, prosa). Os casos tangenciais são avaliados. Cabe
dizer ainda que há uma tentativa da banca de não desclassificar o candidato,
somente estando o texto em um dos casos citados imediatamente acima. Os textos
com indicação à nota zero são avaliados por, no mínimo, três avaliadores, para,
depois disso, ser atribuída a referida nota.
As redações são avaliadas de forma global, ou seja, não há uma
distribuição da nota em quesitos, como acontece na UFOP. Além disso, é sempre
exigido um gênero textual, que, na maioria das vezes, é um artigo de opinião.
Como se trata da exigência de gênero, sempre é explicitado na proposta um
público-alvo virtual, isto é, o público-alvo fictício ao qual o candidato deverá
destinar seu texto.
São considerados os seguintes critérios como preponderantes para a
atribuição da nota: adequação ao tema proposto; adequação à estrutura do gênero
exigido; progressão temática; aspectos de coerência e coesão compatíveis com o
gênero proposto; e, em última instância, adequação à norma padrão.
Ainda com relação às exigências da banca, podemos apontar os quesitos
clareza, coerência e argumentação como relevantes para a avaliação satisfatória,
inclusive tendo sido estes retratados na própria prova de redação.
Quanto à formação das bancas, é importante mencionar ainda que, talvez
por se tratar de uma instituição em que a maioria dos professores vem atuando por
um período de tempo relativamente considerável, os membros das bancas
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geralmente trabalham também juntos em disciplinas de língua portuguesa ou
produção de texto do Departamento. Talvez por isso não haja necessidade de
vários avaliadores para uma mesma prova, já que as possíveis discrepâncias são
minimizadas pelo entrosamento e experiência compartilhada dos docentes em
ensino e avaliação. Em outras instituições, talvez por terem atualmente um grande
contingente de professores substitutos, que cumprem contratos de até dois anos e,
após essa data, são impedidos de retornarem às instituições públicas por um prazo
mínimo de 24 meses – há uma grande instabilidade das equipes, fato que leva à
necessidade de se, pelo menos, tentar amenizar o descompasso de formações, de
visões, de leituras, de abordagens de avaliação que, de uma forma ou de outra,
acabam aparecendo no momento da atribuição das notas. No entanto, apesar da
banca da PUC-Rio ter essa sintonia histórica, há reuniões prévias, nas quais os
avaliadores discutem os critérios que serão utilizados para proceder à avaliação
dos textos dos candidatos.
5.4.
Procedimentos da análise
Após a escolha dos contextos onde foram construídos os dados que
compõem o corpus de análise, ou seja, das instituições e dos cursos para os quais
os candidatos realizaram os textos, deu-se início à seleção das redações, que foi
feita segundo o critério de pontuação. Foram selecionados três grupos de redações
em cada curso em cada universidade, nas faixas que correspondem a textos
insuficientes, medianos e eficientes. Não foi feita nenhuma leitura prévia dos
textos em si, sendo a escolha das amostras baseada exclusivamente nas notas. O
total de 45 redações por universidade visou facilitar a divisão dos textos em sub-
grupos, ou seja, os 45 textos de uma universidade estão divididos em três grupos
de 15 textos que correspondem a três cursos, sendo que há em cada um destes
sub-grupos 5 textos considerados insuficientes, 5 medianos e 5 eficientes. Sabe-se
que, para identificação da variação de traços lingüísticos nos textos, amostras de
10 textos são suficientes (Biber, Conrad e Repen, 1998, p. 249), o que coloca os
três grupos de 45 textos que formam o corpus desta pesquisa em posição
adequada para o estudo de aspectos fundamentais da constituição do gênero.
O fato que determinou a preocupação, nesta pesquisa, com o grau de
eficiência dos textos foi a relação que possa haver entre os índices de avaliação e
a expectativa do que são os aspectos constituintes do gênero, ou seja, verificar se
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alguns graus correspondem a modelos recorrentes, bem como observar se os
desvios, apesar de inusitados, constituem textos eficientes ou não para
representarem o gênero. Cabe ressaltar que toda vez que estamos nos preocupando
com o grau de eficiência dos textos, estamos buscando, de certa forma, a partir de
um grau de eficiência satisfatório, a relação do gênero redação do vestibular com
o discurso acadêmico.
Depois dessa primeira etapa de seleção das redações, foi feita a digitação
do corpus, que foi realizada com o Microsoft Windows, programa Word, fonte
Times New Roman, letra 12, estilo normal, espaçamento simples, justificado. A
digitação do corpus possibilitou a sua análise com o auxílio de ferramenta
computadorizada para buscas em contexto.
A análise do corpus compreendeu, inicialmente, a identificação nas
redações de tipos textuais, visando uma descrição de como ocorriam as tipologias
textuais nas redações. Depois de identificadas as seqüências tipológicas
recorrentes, foi feita a relação dessas escolhas com o grau de eficiência dos textos.
Em um segundo momento, foi descrita a constituição da argumentação
nos três grupos do corpus de análise; para isso foram selecionadas redações que
representavam o modelo de constituição de argumentação recorrente. Após, foram
relacionadas as escolhas de movimentos argumentativos com o grau de eficiência
dos textos. Ainda dentro da análise da argumentação nas redações, procedeu-se à
identificação e análise das perguntas retóricas que apareceram no corpo do texto e
no título, de acordo com a sua função e localização no texto. Em seguida,
procedeu-se a um levantamento quantitativo de itens lexicais
11
que denotassem
alguma referência exofórica, ou seja, alguma referência ao mundo extra-texto.
Para tanto foi calculada a freqüência de certas palavras relacionadas a quatro
grupos distintos, por tratarem de referências: à realidade social, aos indivíduos
(seres humanos), ao espaço e, por fim, ao tempo. Aplicamos o programa de
buscas em contexto aos 135 textos do corpus para obter os resultados
quantitativos. A interpretação destes resultados levou à caracterização do mundo
criado pelos candidatos em seus textos (metafunção ideacional da linguagem).
Logo após, verificamos a freqüência de nominalizações, que foram comparadas ao
uso de processos verbais (Halliday, 1994). Na última fase da análise,
quantificamos as marcações de pessoalização, isto é, de uso de primeira pessoa
11
Para procedermos à quantificação dos itens, utilizamos o programa de busca textual automática
MonoConcPro.
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nos textos. Através destas marcas verificou-se a subjetividade nos textos, estando
esta relacionada com a metafunção interpessoal da linguagem.
Por fim, para procedermos à discussão dos resultados da análise,
exploramos a redação do vestibular em termos do discurso acadêmico.
Discutimos o uso de seqüências tipológicas heterogêneas e a sua contribuição para
a configuração de um texto pouco acadêmico; o uso de um modelo argumentativo
padronizado e as exigências da banca; o uso de argumentos criativos e sua
aceitação pelas bancas. Discutimos também o uso constante de marcas de
explicitação do contexto e sua relação com o discurso acadêmico. Foram também
incluídos nas discussões o uso pouco constante de nominalizações em detrimento
de processos e o uso pouco freqüente de indicadores de subjetividade como
pontos de divergência e confluência com o discurso acadêmico.
Em síntese, o presente trabalho é um estudo contrastivo de grupos de
textos e através dos procedimentos acima indicados, onde se procurou analisar a
redação do vestibular enquanto gênero discursivo, tomando-a em termos de sua
configuração textual, em temos de seus processos sociais e em termos do discurso
acadêmico.
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6.
Análise
Neste capítulo, procederemos à análise do corpus de redações do
vestibular, enfocando aspectos discursivos e sociais, através do estudo de sua
estrutura textual e convenções lingüísticas e de sua realização como processo
social. Para tanto, buscaremos apresentar respostas para as seguintes perguntas de
pesquisa:
1- Como se caracterizam as redações do vestibular em termos de sua
configuração textual?
2- Como se caracterizam as redações do vestibular em termos de processos
sociais?
3- Como se caracterizam as redações do vestibular em termos do discurso
acadêmico?
Para respondermos à primeira pergunta, analisamos os diversos tipos
textuais que ocorreram no corpus de análise, identificando-os e verificando a
relação da escolha tipológica com o grau de eficiência dos textos. Além disso,
analisamos a estrutura argumentativa das redações, identificando as seqüências
argumentativas, as perguntas retóricas constantes do corpo do texto e dos títulos,
identificando-as e discutindo sua relação com o grau de eficiência dos textos.
Para respondermos à segunda pergunta, identificamos e exemplificamos
os itens lexicais que fazem referência às situações vividas pelos candidatos e que
aparecem nos seus textos, ou seja, analisamos a relação do texto com o mundo
extra-texto. Além disso, analisamos a relação do uso desses itens, que fazem
referências exofóricas, com o grau de eficiência dos textos. Procedemos, além
disso, à identificação e exemplificação de nominalizações versus processos,
analisando a relação de preponderância de um sobre o outro e sua relação com o
grau de eficiência dos textos. Outra questão analisada foi a marcação da
subjetividade nos textos, através da identificação do uso da primeira pessoa e da
voz passiva, sendo essa uma forma de não marcação da subjetividade e aquela
uma forma de marcação da mesma.
Para respondermos à terceira pergunta, discutimos que a utilização de
variadas seqüências tipológicas não teriam necessariamente relação com a
constituição de um texto pouco acadêmico; que o uso de argumentos dicotômicos,
que tendem a marcar uma relativização das coisas, pode indicar um texto pouco
acadêmico; que o uso de argumentos criativos, talvez por uma questão cultural, é
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valorizado dentro desse gênero, devido ao fato de retratar um domínio superior e
excepcional do mesmo. Além disso, discutimos que o uso constante de marcas de
subjetividade tende a retratar um texto com envolvimento (Biber, 1988; Oliveira,
1997); que o uso constante de nominalizações atende às exigências do discurso
acadêmico, por transpor fatos para o mundo das idéias, através de abstrações; por
último, que o uso pouco freqüente de marcas de subjetividade traduz as exigências
do discurso acadêmico.
6.1.
A redação do vestibular em termos de configuração textual
6.1.1.
Seqüências tipológicas e eficiência dos textos
Neste item, foi feita, como parte da análise, a identificação e
exemplificação dos diferentes tipos textuais (Marcuschi, 2002), incluindo
descrições, narrações, argumentações, exposições e injunções, que aparecem nos
textos do corpus, sendo esse procedimento realizado nas redações que receberam
diferentes notas, em diferentes universidades. Para identificarmos estas tipologias,
nos baseamos em traços lingüísticos que, segundo Marcuschi (2002) as
caracterizam (cf. Capítulo 4, item 4.2)
Cabe aqui ressaltar que, nos três grupos de textos que compõem o corpus
de análise, foi solicitado que os alunos escrevessem um texto argumentativo,
como ocorre na proposta da UFV, sendo esse geralmente o tipo de texto exigido
pelos vestibulares e concursos acadêmicos atuais.
Marcuschi (2002, p.25) afirma que “[é] evidente que em todos os gêneros
também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero
realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado
(heterogêneo).” (idem, p. 25). Com isso, partir-se-á para a verificação da
ocorrência das tipologias textuais no corpus de análise. Foram enfatizadas
principalmente as seqüências tipológicas argumentativas, narrativas, descritivas e
expositivas, por terem essas maior recorrência. A seqüência injuntiva foi
identificada e, somente por vezes, discutida.
Para melhor sinalizarmos a identificação das seqüências, foram utilizadas
as marcações de negrito para as narrativas, itálico para as descritivas, sublinhado
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para as expositivas e a ausência de marcação especial corresponde às seqüências
argumentativas. Devido à tênue diferença entre as seqüências expositivas e
argumentativas, uma vez que ambas se constituem ou podem se constituir por
grupos nominais-sujeitos, verbos no presente, e complementos compostos por
grupos nominais, que, por vezes, se apresentarão nos textos, acrescentaremos à
proposição de Marcuschi exposta acima o critério do ‘consenso’. Dessa forma, só
serão seqüências tipológicas expositivas aquelas em que se apresentarem
enunciados assertivos, que sejam aceitos sem discussão, ou seja, enunciados que
se impuserem como inquestionáveis, como válidos em qualquer circunstância.
Àqueles que puderem ser colocados em discussão chamaremos de
argumentativos, uma vez que terão, por sua força de proposição, a finalidade
maior de convencer o interlocutor do seu valor de verdade e aceitabilidade.
Procederemos à análise de cada grupo de textos do corpus
separadamente, primeiro identificando as seqüências tipológicas e,
posteriormente, analisando a relação das mesmas com o grau de eficiência dos
textos. Primeiro será analisado o grupo 1 (textos da UFV); em seguida, o grupo 2
(textos da UFOP); e, por fim, o grupo 3 (textos da PUC-Rio).
Grupo 1: Redações da Universidade Federal de Viçosa - UFV
Começaremos, então, essa parte da análise examinando o texto de um
candidato para o curso de Direito, da UFV, cuja nota foi 1.33.
(V1, D1, 1.33)
12
VIRTUDE OU PECADO CAPITAL
A globalização, o capitalismo e o consumismo tornaram pecado em virtude,
transformaram água em vinho. Assim as pessoas foram condicionadas para terem inveja,
dessa maneira sustentando o sistema em que vivem. Porém a inveja é ainda um pecado, do
ponto de vista humanista, e apesar de sustentar o sistema levará o mundo a destruição.
A única maneira de sustentar o capitalismo é sustentar sua superprodução com um
superconsumismo. Por exemplo, a crise da bolsa de valores de Nova York de 1929, em que a
produção superou o consumismo, mostra como é frágil essa meta de sustentabilidade.
Desde 1929 forcou-se ainda mais um condicionamento para se ter inveja e consumir,
utilizando-se o cinema, a televisão e a cultura em geral.
12
A título de explicação V significa que o texto foi do vestibular da UFV, D significa que foi
produzido por um candidato ao curso de Direito e 1.33 foi a nota atribuída ao texto, o que equivale
a 26,66 %. Os percentuais foram calculados por regra de três, com a finalidade de serem
apresentados índices da mesma natureza e, portanto, compatíveis para todos os três grupos.
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Contudo, hoje, o problema não é do lado do consumismo, que está em alta, o
problema está na produção quase continuada esgotará toda natureza da terra, que é sua
matéria-prima, assim destruindo o mundo e paradoxalmente o próprio sistema.
Inveja: pecado ou virtude? Eis a questão, e da resposta virá o futuro da humanidade.
Podemos perceber nitidamente que o candidato se utiliza muito do tipo
textual narração, indicado em negrito, como partes de tipologia textual narrativa,
caracterizada por verbos que indicam mudança no passado conjugados co
marcações de circunstância de tempo e/ou lugar. Em itálico, estão os verbos de
mudança de estado e verbos no passado, por serem, como vimos, indicadores
lingüísticos do tipo textual em questão. Talvez devido à necessidade de
contextualizar historicamente o tema, ou seja, talvez, para atingir uma força
enunciativa de conhecedor de fatos históricos, o candidato opte pela utilização dos
trechos de tipo narração.
Outro fato interessante é a localização desses trechos. Pode-se ver que
eles estão localizados no início do primeiro parágrafo, ou seja, na introdução,
momento da construção textual em que o produtor vai apresentar e situar suas
idéias a respeito do tema, e no final do segundo parágrafo, que está destinado
nesse texto ao desenvolvimento da idéia apresentada no parágrafo introdutório, a
título de exemplificação. O restante do texto, ou seja, as partes que não estão em
destaque, enquadram-se no tipo argumentativo. Como podemos perceber, esse
primeiro texto é constituído por uma heterogeneidade tipológica, uma vez que
apresenta mais de um tipo textual.
Outra questão relativa ao texto acima seria o fato de haver nele apenas
dois tipos de seqüências: as narrativas e argumentativas. Apesar de haver outros
tipos de seqüências como a descrição e a exposição em um grande número de
textos do corpus de análise, a ocorrência desses dois tipos, a narração e a
argumentação, é a que se apresenta com bastante freqüência nos textos. Isso pode
acontecer devido à própria natureza das propostas (vide metodologia), que estão
requerendo textos de base estritamente argumentativa, fazendo ocorrer, assim,
uma intensa utilização desse tipo textual. Quanto à explicação sobre a intensa
ocorrência do tipo narrativo, pode ser inferido que esse tipo tem a motivação de
situar historicamente, de contextualizar os conteúdos e idéias a serem explorados
no decorrer do texto, daí virem intensamente no parágrafo introdutório, quer no
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início ou no final do mesmo. Evidências semelhantes de explicitação do contexto
foram encontradas por Oliveira (1997, 2002) também em redações de alunos,
embora estes já tivessem cursando o primeiro período da universidade.
A redação abaixo, do curso de Comunicação Social, também da UFV,
mostra uma utilização diferenciada de seqüências tipológicas.
(V45, C 15, 4.66)
13
A INVEJA E O DESMORONAMENTO DA SOCIEDADE ATUAL
O mundo tem assistido nas últimas décadas ao fortalecimento da economia
neoliberal. Diante desse fenômeno, expande-se por toda parte a busca desenfreada pelo lucro, o
que modela a sociedade do século XXI nas diretrizes do consumismo.
A globalização tornou-se selo de identificação de muitos países. Sorrateiramente, ela
delimita a maneira de ser, pensar e agir das pessoas. Contudo, essa falsa impressão de promover
a igualdade entre as nações esbarra em um aspecto. Suas influências tanto nas interelações
culturais como nas econômicas e políticas estão, cada vez mais, temperadas pela competitividade
e pela superação. A disseminação desses princípios consolidada dentro da sociedade e prática de
um ato pouco louvável, a inveja.
Os cidadãos, estimulados a vencer e a ter, encaram a conquista do outro como um forte
impulso a superá-lo. Um bom exemplo da ação da inveja está nas relações internacionais. O
crescimento do antiamericanismo, muitas vezes, sustenta-se na atuação de países que, não
conseguindo alcançar a posição hegemônica dos Estados Unidos, acabam se opondo a sua ações.
Essa necessidade de superar e derrotar afirma, pouco a pouco, a construção de uma
humanidade desigual, adormecendo sentimentos importantes como a solidariedade. Com isso, a
globalização, ao estimular a inveja, substitui as bases da sociedade. Essa realidade pode implicar
em um possível desmoronamento.
No texto acima, há uma quase que totalidade de seqüências tipológicas
argumentativas (trechos sem destaque), que se caracterizam pelo uso de verbos no
presente, especialmente o verbo ser, a complementos com atribuição de qualidade.
Há apenas duas pequenas inserções do tipo narração (em negrito), no início do
primeiro e do segundo parágrafo, que foram empregadas talvez com a intenção de
contextualizar a tese a ser defendida e situar o primeiro argumento, por isso, com
esse objetivo, foram incluídas no início da introdução e no início do
desenvolvimento. Não há aqui também a ocorrência de nenhuma das demais
seqüências tipológicas, o que serve para reafirmar a tendência mais marcada nos
textos, que é a ocorrência apenas de seqüências argumentativas e narrativas.
Até o presente momento, a análise da tipologia textual nos mostrou que
há preponderância dos tipos argumentação e narração sobre os demais e que, além
13
C significa que a redação foi realizada por um candidato ao curso de Comunicação Social, nota
equivalente a 93%.
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disso, há posições estratégicas para o uso de certas seqüências. Há também o fato
de que a narração tem funções específicas, como contextualizar o tema,
exemplificar o tema, manter a relação entre as partes do texto, contribuindo para a
manutenção de sua estrutura global. Acima de tudo, a análise nos mostrou que há
heterogeneidade tipológica nos textos.
Sobre o grau de eficiência dos textos e sua possível relação com as
escolhas tipológicas, poderia ser pensado que a ineficiência do primeiro texto
transcrito no item anterior, que obteve apenas 26,6%, pudesse ter relação com a
intensa utilização das seqüências tipológicas narrativas. Com o intuito de
estabelecer uma relação, a fim de verificar se isso realmente procede, veremos,
então, o texto a seguir, por ser um texto eficiente, que obteve nota equivalente a
87%, proveniente da mesma Universidade e do mesmo curso. Primeiro iremos
qualificar e quantificar as seqüências tipológicas e, depois, discutiremos a relação
das tipologias com a nota atribuída.
(V15, D 15, 4.33)
14
INVEJA: O “PECADO” QUE LEVA AO SUCESSO
Condenado pela Igreja durante toda a Idade Média e, com menos intensidade, no mundo
globalizado, a inveja assume uma nova faceta, cada dia mais valorizada e difundida como
estímulo ao sucesso de qualquer indivíduo.
O ínicio das Grandes Navegações e do consequente processo de globalização
marcou a transição de uma sociedade teocêntrica para outra antropocêntrica. Assim, o
homem passou a ser regido por seus próprios princípios, dentre eles a inveja, principal
reflexo de um regime capitalista que começava a se esboçar.
Consolidada e intensificada a globalização, percebe-se que a inveja, na prática,
perdeu seu caráter de pecado condenável, pois tornou-se qualidade indispensável à
sobrevivência do homem numa sociedade regida por um sistema no qual as desigualdades são
necessárias para o sucesso de um seleto segmento social.
Não há dúvidas de que a inveja é a principal “arma” do capitalismo, pois, assumindo a
conotação de desejo, ela impulsiona uma parcela da sociedade ao consumo desenfreado, ao
mesmo tempo que exclui outra parcela que não possui renda para tal, agravando assim as
desigualdades, claro fermento para a inveja.
Portanto, percebe-se que a inveja, denotativamente, permanece um pecado para a
humanidade, mas, conotativamente, é cada vez mais disseminada como forma de o ser global
obter destaque entre os outros, os seus supostos concorrentes.
A respeito do texto acima, há também a utilização apenas de seqüências
tipológicas argumentativas e narrativas. Além disso, podemos apontar o fato de
que, embora tenha apresentado uma grande parte de seqüências tipológicas
14
Nota equivalente a 87%.
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narrativas, semelhantemente ao primeiro texto analisado, esse texto foi avaliado
como eficiente. Há, entretanto, uma diferença, com relação ao primeiro, que é a
localização dessas seqüências (vide trechos em negrito). Ao invés de se
localizarem na introdução e no final do desenvolvimento, como ocorre no
exemplo anterior, essas seqüências aparecem após uma seqüência argumentativa,
cujo papel é introdutório, ou seja, é usada para situar a tese a ser defendida no
decorrer do texto, com o propósito, talvez, de contextualizar historicamente a tese
defendida na seqüência dissertativa que a antecede, ou seja, com o objetivo de
sustentar a idéia proposta. Dessa forma, pode se concluir, de antemão, que não
seria a utilização de seqüências tipológicas de outra natureza, em detrimento da
argumentativa, que definiria o grau de eficiência ou não dos textos, mas sim a
finalidade do uso das mesmas, a relação que elas têm com o todo do texto, e
imediatamente com as partes anteriores e posteriores com que se relaciona. Dessa
forma, podemos supor que é muito mais útil e justificável fazer uso de uma
seqüência narrativa com a função de sustentar uma tese do que simplesmente
situá-la, como ocorre no primeiro texto analisado.
Soma-se a isso o fato de que há, no exemplo supracitado, uma tentativa
de se manter um fio condutor da tese apresentada na introdução, mantendo clara a
motivação do uso da narração.
Pode-se ver, com os exemplos apresentados até agora, que a utilização de
tipologias textuais diversas não está servindo para determinar o grau de eficiência
das redações, tendo em vista o fato de que na primeira (exemplo V1) houve
intensa utilização do tipo narração, e a redação foi avaliada como insuficiente; a
segunda (exemplo V45) não apresentou muitas seqüências tipológicas narrativas e
foi considerada uma redação eficiente; já na terceira (V15) também houve intensa
utilização do tipo narração, com quase a mesma quantidade que na primeira, e a
redação foi avaliada como eficiente. Dessa forma, podemos pensar então que,
como já foi sinalizado anteriormente, não é a utilização ou a não utilização de
tipologias textuais diversas que contribuem para o grau de eficiência do texto ou o
determinam, mas a função que têm essas seqüências com relação ao conjunto, à
globalidade da construção textual elaborada nesse contexto, de acordo com seu
propósito comunicativo. Além disso, o grau de eficiência dos textos estaria ligado
ao modo com que as seqüências estão “costuradas” dentro do texto e por meio de
quais instrumentos. Dessa forma, podemos dizer que há heterogeneidade
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tipológica nos textos, entretanto, ela não está diretamente relacionada à nota das
redações.
Grupo 2: Redações da Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP
O exemplo a seguir, retirado do grupo de textos da UFOP, também nos
parece interessante para discutir principalmente a questão do uso da narração.
(OP8, L08, 9.0)
15
ESSA TAL TECNOLOGIA
Todos os dias estamos evoluindo, cada dia mais rápido, antigamente era o rádio a
manivela, hoje o som de Cd e amanhã, bom amanhão sabemos, o que é certo e amanhã
Teremos outras invenções tecnológicas e junto com esse avanço virão também novas formas de
linguagem.
Não sei onde iremos parar e quantas novas línguas iremos inventar, o certo é que meu
avó, já não entende seus próprios netos e minha tia tem micro-ondas e não usa, ela diz que não
gosta de usá-lo, na verdade ela não sabe nem mesmo liga-lo.
É certo que com tantos avanços a cada dia que passa estamos mais informados dos
acontecimentos pelo mundo como: guerras, assaltos, problemas sociais e econômicos, tudo isso
graças a TV, a internet, falando em internet em meus e-mails (que) descubri que está sendo
criado um novo idioma ontem mesmo descobri que vc significa “você” e até eu que meu avó
me chamava de moderninha tenho que adaptar-me às novas formas de linguagem.
O que é certo que querendo ou não somos obrigados a adaptar-nos a essa tal tecnologia
para que não nos tornemos os chamados analfabetos do futuro ou seria analfabetos tecnológicos.
Ah, sei lá o que certo e que estamos reféns dessa tal tecnologia.
A localização dos trechos narrativos nesse texto é um tanto quanto
curiosa, porque o primeiro encontra-se no início da introdução (o que é
recorrente), e teria a função estabelecer um paralelo entre o ontem (ou
antigamente), o hoje e o amanhã, o que seria absolutamente cabível e aceitável, ou
seja, o que estaria totalmente em confluência com os propósitos comunicativos do
gênero, dentro do contexto situacional e cultural, tendo em vista que esse
movimento de situar a idéia é previsível e esperado, porque sem isso, não haveria
possibilidade de iniciar a apresentação dos argumentos. Isso pode estar
acarretando uma certa falta de clareza quanto à função da utilização da referida
seqüência dentro do conjunto do parágrafo, bem como sua relação com o todo,
devido ao fato de não parecer claramente justificável a utilização desse tipo
textual, o que acarreta certa inadequação com relação ao contexto global da
estrutura textual. O segundo trecho de base tipológica narrativa encontra-se no
15
OP significa textos do vestibular da UFOP, L significa curso de Letras e a nota equivale a 45%.
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final do desenvolvimento, e está servindo como exemplificação da idéia central
que está sendo defendida no texto.
Esse texto (OP8), com relação a essa questão, é muito interessante,
porque, apesar de apresentar somente uma pequena seqüência narrativa (em
negrito), é tido como um texto mediano, porque obteve 45% como nota, o que
serve para reafirmar nossa conclusão inicial a respeito de que a escolha de tipos
textuais não tem relação direta com o grau de eficiência dos textos. Podemos,
assim, afirmar que não seria somente ao emprego de seqüências narrativas que
definiria o grau de eficiência do texto, mas sim, como já dissemos e é comprovado
com o texto imediatamente acima, a utilidade da seqüência e sua relação com os
outros segmentos formadores do todo, da tessitura textual.
Grupo 3: Redações da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –
PUC-Rio
Agora analisaremos um texto da PUC-Rio, que também nos servirá para
a abordagem da utilização da tipologia narrativa.
(P16, E01, 0.0)
IDEOLOGIAS PARA A VIDA
O desenvolvimento tecnológico, aliado a ambição do homem, levou o mundo a
uma era, na qual se pode, em questão de segundos, viajar para qualquer lugar, conhecer
diferentes culturas, viver o período da Primeira Guerra, isso e muito mais sem sair de
casa. Mas, como tudo em excesso faz mal, às vezes essa “ambição do homem” é confundida,
podendo ocasionar um debate que bota em xeque muitas culturas.
Poucos anos atrás, em consequência do monstruoso avanço da genética, o mundo
dava as boas vindas para o primeiro clone criado em laboratório: a ovelha Dolly. Por um
lado, é magnífico ver e imaginar (se for possível) até onde a ciência pode chegar, mas por
outro, eclodiram diversos choques religiosos e culturais entre ocidente e oriente. Os
orientes de religião muçulmana, por exemplo, acreditam que Deus é a origem de
tudo(criacionismo). Deus criou o homem e a natureza que convivem em perfeita harmônia.
Acreditam também que os ocidentais, com essa mania de quererem ser Deus, desafiam-o,
quebrando assim o equilíbrio.
Ainda hoje, os conflitos ideológicos continuam, só que em proporções maiores. O
homem já pode criar o homem. O DNA humano está todo mapeado, só esperando a liberação
para se duplicar. A clonagem é bem vinda, desde que seja para causas nobres como a
cura de doenças, por exemplo.
Embora a ciência seja algo lindo, às vezes ludibria e transforma a maneira de ver o
mundo de alguns indivíduos. Surge o pensamento antropocentrista e o homem acha que é Deus.
Passa por cima de culturas como quem espirra. Não liga para nada nem ninguém.
O desenvolvimento tecnológico é importante porém preocupante. O mundo precisa
desse avanço, um avanço que deve respeitar a crença e os princípios de todos, e se mesmo assim
continuarem as desavenças, a natureza dará seu jeito.
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O texto acima, embora tenha tido nota zero (0%) serve para a
exemplificação de um modelo, que é inclusive recorrente, em que há a utilização
das seqüências narrativas no início do primeiro parágrafo, que é o introdutório, e
no segundo, que é o parágrafo reservado ou destinado ao princípio do
desenvolvimento da idéia/tese. Entretanto, o grau de eficiência do texto, como já
dissemos, não tem relação somente com a escolha dos tipos, uma vez que temos
textos que se utilizam de variadas seqüências e são, mesmo assim, avaliados como
sendo textos satisfatórios. Esse texto é tido pela banca como ineficiente, apesar de
estar dentro de um modelo que é recorrente, talvez pelo fato de não ter sido
cumprido o tema, ou seja, talvez por não ter tratado do assunto exigido pela
banca, na exposição da proposta de redação (cf. Capítulo 5, item 5.2.2). O fato de
tratar satisfatoriamente do tema exigido na prova é determinante da nota, e isso já
é explicitado no manual do candidato e mesmo nas instruções da prova, como
acontece no vestibular da UFOP.
Dessa forma, podemos reafirmar que a “mesclagem” de seqüências
tipológicas não determina o grau de eficiência dos textos, mas a função que têm
essas seqüências em função do todo. Sobre essa questão, Marcuschi afirma que:
Para o caso do ensino, pode-se chamar a atenção da dificuldade que existe na
organização das seqüências tipológicas de base, já que elas não podem ser simplesmente
justapostas. Os alunos apresentam dificuldades precisamente nesses pontos e não
conseguem realizar as relações entre as seqüências. E os diversos gêneros seqüenciam
bases tipológicas diversas (Marcuschi, 2002, p. 29).
Primeiramente, há a questão da dificuldade que têm os candidatos, sendo
antes de tudo alunos, de organização das seqüências tipológicas de base, que se
encontram no interior dos gêneros, constituindo-os. Essa citação parece também
esclarecedora quanto ao fato de que “diversos gêneros seqüenciam bases
tipológicas diversas”, o que nos leva a pensar que há no gênero redação do
vestibular uma expectativa que se apresenta num modelo de recorrência
tipológica, onde há uma maior incidência de alguns tipos, o que é determinado por
seu propósito comunicativo, que é obter nota para ser aprovado no concurso do
vestibular. Para isso, o candidato esforça-se por adequar seu texto ao que ele
imagina que seja o modelo de configuração textual do gênero. Assim, como vimos
nos textos analisados, há uma maior recorrência dos tipos argumentativo e
narrativo, o que é absolutamente justificável tendo em vista a necessidade de
situar proposições no tempo e no espaço, bem como apresentar mudanças de
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estados das coisas, das idéias, das teses (tipos narrativos) e de apresentar
proposições, a tese e seus argumentos de base. Os demais tipos de seqüência
também são autorizados, desde que mantenham clara relação de utilidade para
com o todo da tessitura. Não há grande diferença da utilização dos tipos textuais
em relação às universidades geradoras do corpus de análise, uma vez que
percebemos, com os textos analisados, que nos serviram de amostragem, que há
certa recorrência quanto à escolha e inter-relação das mesmas no interior do
gênero.
Para reforçarmos essa nossa visão, utilizaremos o texto a seguir, em que
há uma intensa recorrência do tipo narração, e cujo grau de eficiência foi tido
como satisfatório.
(OP32, T 17, 17.25
16
)
A LINGUAGEM VIRTUAL
Outro dia, liguei o computador, e disse a mim mesma: chega de medo! a partir de
hoje serei uma internauta. (Confesso que a única coisa que sei fazer é ler os “e-mails”
recebidos e reencaminhá-los).
Chamei minha filha e pedi que me ajudasse nesta árdua tarefa. Prontamente ela
providenciou senhas e códigos para que eu utilizasse o “MSN”, seja lá o que isso for.
Como demonstração, ela começou a conversar com seus amigos. Foi quando eu
perguntei se ela sempre se comunicava em códigos. Suas mensagens eram uma profusão de
“naúm”, “vc”, “pq”, que, creio eu, será necessário criar um dicionário para comunicação
em meios virtuais. Isso sem contar que seus amigos são “artistas”. Surgiram palavras que
eu nunca havia escutado, e nem vou me lembrar delas para escrevê-las aqui.
Comecei a me lembrar de quando tinha sua idade e a maneira como nos
comunicávamos. Não que naquele tempo usássemos uma linguagem rebuscada. Não! Mas
quando deparávamos com alguém que dizia palavras que não eram usuais, já pensávamos
tratar-se de um “hippie” ou classe parecida.
A medida em que a tecnologia avança, trazendo comodidade e encurtando distâncias,
mais se distancia os estilos lingüísticos das gerações.
Como podemos ver, há, nesse texto, uma quase totalidade da utilização
da seqüência tipológica narrativa (trechos em negrito), não significando, por isso,
falta de adequação à proposta exigida pela universidade. Está sendo exigido que o
candidato construa um texto que apresente argumentos a fim de convencer a
banca de sua capacidade de construção textual voltada para a apresentação de uma
tese e de seleção de argumentos que a sustentem. No caso do texto acima, o
candidato apresentou a tese somente no último parágrafo, a título de conclusão.
No entanto, toda a configuração textual, ou seja, todo o fio condutor do texto foi
16
Nota equivalente a 86%.
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desenvolvido com a finalidade de atestar, a partir da vivência do candidato/a, daí a
utilização da narração, a tese a ser realmente apresentada no último parágrafo.
Assim, através da análise dos tipos textuais, podemos confirmar que não é a
utilização desse ou daquele tipo textual que vai significar eficiência ou
ineficiência do texto, mas o uso que os alunos fazem dessas seqüências, como, por
exemplo, para a manutenção do fio condutor do texto, sendo o texto, nessa
perspectiva, concebido em sua totalidade.
A seguir, ainda com relação ao tratamento de seqüências tipológicas e
sua relação com o grau de eficiência dos textos, tomaremos como material de
análise e exemplificação a redação, realizada por um candidato ao curso de Letras
da UFOP, cuja nota foi zero.
(OP1, L 01, 0.0)
PREVISÃO DO TEMPO
“Que saudades da terra e da infância querida”. Para quem nasceu até a década de
noventa sabe como é jogar baralho com cartas, pular corda sem precisar ir a academia;
telefonar para alguém rolando o discador, estudar no caderno brochura encapado com papel
presente; ouvir música pelo rádio doméstico, contar o tempo no relógio com algarismos
romanos, viver cada dia sem saber se amanhã poderia ou não chover. No dia-a-dia, o corre-
corre da mãe de família para preparar o almoço e depois ir lavar as roupas no tanque. Chegar
da escola e ir brincar de pique-pega com os vizinhos na calçada, até chegar a hora do pai
chamar para entrar, tomar banho, jantar e dormir.
Chinelos havaiana nos tempos de hoje, são moda.
Aproveitar um tempo para descanso
no trabalho e jogar paciência no computador. Ligar para o namorado no celular, só para saber
onde ele está. Ir a academia de ginástica para manter a boa forma. Saber as horas no relógio
digital para ir pegar o filho na escola antes que chova; conforme a previsão metereológica para
o dia. Em casa tudo pronto: roupa lavada e seca pelas máquinas de lavagem e secadora. Lanche
preparado pela empregada doméstica. Tempo para agendar encontros sociais e profissionais.
A família vai bem, tem tudo da última geração, o tempo passou muito rápido e não foi
possível prestar atenção na lua e nas estrelas dessa noite.
Podemos ver claramente, com o exemplo acima, que há certa
inadequação das escolhas das seqüências tipológicas e sua relação com o gênero
redação do vestibular. Há uma predominância da utilização de seqüências
tipológicas descritivas, que se caracterizam pela descrição de fatos e coisas no
mundo, através de verbos de estado e ação, mas sem marcação de mudança na
linha do tempo (trechos em itálico) sem que haja visivelmente uma justificativa
para tal. O texto se estrutura da seguinte forma: primeiramente o produtor se
utiliza de uma analogia a um poema do escritor português Almeida Garret. Logo
após, é apresentada uma seqüência narrativa curta, em que será introduzida uma
marcação temporal delimitadora da construção de um espaço em que são incluídas
todas as seqüências descritivas que virão logo após, ou seja, situa o leitor acerca
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do fato de que pessoas que antecedem a década de noventa sabem de fatos que
serão tratados, de forma descritiva, nas seqüências posteriores, e daí inicia a
descrição de todos os hábitos típicos de quem nasceu até a década de noventa. No
parágrafo subseqüente, o produtor, após a introdução por uma curta seqüência
expositiva, contrapõe hábitos que acontecem após a década de noventa, através de
também uma série de outras descrições. Por fim, há a conclusão do texto por meio
de uma curta seqüência descritiva e a finalização mesmo acontece com uma
seqüência narrativa.
O exemplo (OP 1) acima mostra que não há objetivos que justifiquem a
construção tipológica desse texto, por uma série de motivos. Primeiro porque não
é corriqueiro se utilizar de tantas seqüências descritivas em um texto que se
pretende argumentativo, porque, por mais que essas seqüências possam
desencadear idéias a respeito de acontecimentos, de hábitos, como acontece aqui,
é muito mais eficaz a adoção de seqüências argumentativas, ou mesmo
expositivas, que dariam muito mais conta de expor idéias, acontecimentos e
argumentos de fato persuasivos, corroborando para o propósito maior do gênero.
Segundo, porque há inadequação da utilização das seqüências narrativas, uma vez
que a primeira desencadeia espaço para se introduzir a série de descrições, porém
não fornece subsídios suficientes para a apontarmos como realmente
imprescindível para a construção da tessitura do texto; já a segunda seqüência
narrativa é absolutamente despropositada, tendo em vista o fato de não fornecer
nenhuma base para que se promova de fato a conclusão. E por fim, porque não há,
com isso, uma construção textual que sustente uma base predominantemente
argumentativa, como é exigido pela banca. Como podemos ver, esse modelo não é
recorrente no corpus e tampouco justificável, porque há justaposição de
seqüências tipológicas sem que essas estejam em consonância com as demais,
nem com o todo do texto, nem com o propósito comunicativo do gênero, que é
atestar habilidade de produzir um texto com linguagem formal, que, ao mesmo
tempo, demonstre uma unidade, com coesão e coerência, ou seja, articulação de
idéias, concisão, progressão, desta forma possibilitando que o candidato obtenha
nota suficiente para sua aprovação no concurso vestibular.
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6.1.2.
Estrutura argumentativa
Nesta parte da análise, foram examinados os modelos das seqüências
argumentativas ocorridas no corpus de análise. Em um primeiro momento, iremos
identificar as referidas seqüências a partir dos exemplos. Posteriormente,
discutiremos os modelos, bem como a superação dos mesmos.
Há inicialmente, a partir da leitura dos textos do corpus, uma
pressuposição de que pode haver recorrência de um paradigma de constituição das
seqüências argumentativas, determinado pela proposta da redação. Nesse
paradigma argumentativo aparecem argumentos contrários e dicotômicos e, em
fase conclusiva do texto, é acrescida uma carga emotiva. Isso pode acontecer se
tomarmos a idéia de topos, inerente à teoria da argumentação (cf. Capítulo 2, item
2.2.). A relação entre esta pressuposição e a noção de topos é que esse conceito é
tratado tomando-se conjuntos de crenças e costumes, que trazem cargas culturais e
sociais, à escolha de argumentos. No caso das redações, a escolha de argumentos
com carga emotiva pode estar ligada às crenças e costumes da cultura brasileira.
Começaremos pela abordagem de três redações de cada universidade, a
partir das quais discutiremos a existência de modelos recorrentes, e, numa fase
subseqüente, abordaremos três, uma de cada universidade, para explorarmos a
existência de textos que se realizam de forma intensamente dissonante do modelo
de texto recursivo. A seguir, verificaremos a relação de conformidade ou não aos
modelos e a atribuição de notas, que traduzem o grau de eficiência das redações.
6.1.2.1.
Modelos Argumentativos
Grupo 1- Universidade Federal de Viçosa
Na primeira redação a ser analisada abaixo, da Universidade Federal de
Viçosa, curso Pedagogia – Licenciatura, cuja nota foi 3,0, equivalente a 60%,
verificaremos o modelo argumentativo utilizado. Os argumentos dicotômicos
foram destacados em negrito. Os itens em itálico se referem às marcações de
carga emotiva e a relações interpessoais.
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(V23, P08, 3.0)
INVEJA: UM PECADO COM FORÇAS ALIADAS
Desde muitos anos a inveja vem tentando dominar a sociedade e atualmente
encontra-se no auge do seu poder devido às forças aliadas como a globalização, o
consumismo e a difusão das comunicações.
A globalização, embora englobe o consumismo e a difusão das comunicações, ela tem
suas forças baseadas na interação de blocos econômicos integrando países de diversas
economias, despertando o sentimento de diferenças entre ricos e pobres.
A difusão dos meios de comunicação implica a propaganda dos mais variáveis
produtos, atraindo um consumismo desenfreado, ou seja aí entra a ação da inveja, que
impulsiona este consumismo a todo custo, despertando a ganância, onde o indivíduo está
sempre atento em superar o outro, custe o que custar.
Portanto, hoje a inveja se torna cada vez mais forte, e com a ajuda de suas forças aliadas
que impõem suas regras e leis, o indivíduo só tende a competir, superar, enfim estar sempre a
frente, mesmo que para isso tenha que impulsionar o outro para trás.
Como podemos perceber, há um paralelo entre o papel da inveja
antigamente e a força que ela assumiu na sociedade globalizada atual, uma vez
que guarda forte relação com a competitividade, com o consumismo, como o
individualismo, com a ganância. A isso, soma-se a capacidade que têm os meios
de comunicação de massa, segundo os candidatos, de disseminar a lógica
capitalista, aumentando ainda mais a perpetuação da inveja entre os indivíduos.
Esses argumentos que enfatizam as relações interpessoais e que relacionam o
tema com a realidade/sociedade são os mais usuais. Dessa forma, podemos dizer
que essa redação enquadra-se no modelo mais recorrente de constituição da
argumentação nesse grupo do corpus, que são os textos da UFV. Aqui é quase que
esperado encontrar esse tipo de configuração da argumentação. Podemos perceber
também que esse é um texto (V23) que teve uma avaliação mediana, por ter tido
nota equivalente a 60%, ou seja, seguiu o “modelinho” e: conseguiu uma nota
razoável. Sendo assim, pode-se afirmar que a inclusão nesse modelo não garante
eficiência, o que pode ser confirmado por esse texto.
Desse modo, passaremos ao segundo exemplo, agora um texto de um
candidato ao curso de Direito, da mesma universidade.
(V12, D12, 4.0)
AS RELAÇÕES HUMANAS E A GLOBALIZAÇÃO
A consolidação do sistema capitalista e a adoção da ideologia neoliberal proporcionaram
além de profundas alterações sob a ótica econômica, modificações nas relações humanas. Diante
disso, discute-se, atualmente, o desenvolvimento do sentimento de inveja do homem moderno,
visto a valorização da competitividade e do individualismo.
É importante salientar que a abertura de mercados num mundo globalizado é
determinante para o acirramento do mercado de trabalho. Esse fato evidencia tanto a concorrência
entre as empresas globais quanto a disputa entre indivíduos por emprego e participação no
sistema econômico do país.
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Outro fator relevante que incita o surgimento da inveja na sociedade atual consiste na
propagação do consumismo como base de sustentação da ideologia capitalista. É fundamental e
preocupante considerar, ainda, a grave desigualdade na distribuição de renda existente no país
como entrave às efetivas transformações sociais.
Nota-se, dessa forma, a necessidade de combater as disparidades sociais e a subordinação
do bem coletivo em relação aos interesses econômicos, a fim de garantir a inclusão social e o
resgate da cidadania. Para tanto, o respeito aos valores morais e éticos, bem como o
desenvolvimento de programas voluntários de solidariedade se fazem essenciais.
Fica claro, portanto, que a globalização econômica e a padronização de costumes na
sociedade atual confundem a busca por qualidade devida com o conceito de inveja, o que contribui
para formar uma geração alienada politicamente e à problemática social brasileira.
Há, nessa redação, uma constituição argumentativa similar à anterior, em
que se apresentam idéias relativas ao acirramento do sentimento de inveja na
sociedade globalizada atual. Entretanto, nesse texto, ocorre uma diferenciação
muito marcada com relação ao anterior, que é a dosada manipulação dos
argumentos em função do propósito comunicativo do gênero, optando por incluir
a inveja no contexto da globalização, incluindo aspectos sociais, políticos, mais
ligados à realidade sócio-histórica e menos ligados a impressões afetivas sobre a
mesma. No primeiro texto (V23), o produtor opta por se utilizar dos argumentos
afetivos tendendo a uma maior carga de emotividade, optando inclusive por
escolhas lexicais que retratem essa tendência (em itálico), tomando, por exemplo,
inveja como pecado, como impulsionadora de um sentimento de desigualdade
entre ricos e pobres, como despertando a ganância, onde um indivíduo está
sempre tentando superar o outro. Já o segundo texto (V12) constrói sua
configuração relacionando, de forma efetiva, o sentimento de inveja com a atual
situação do mundo globalizado (vide trechos sublinhados), explorando muito mais
esse mundo do que somente as relações interpessoais, como acontece no primeiro.
Podemos perceber inclusive a forma com que o produtor do texto da universidade
de Viçosa (V12) situa a questão da inveja já na introdução de seu texto,
demonstrando primeiro que as modificações sociais contemporâneas modificaram
também as relações interpessoais. Diante disso, tem-se a discussão sobre a inveja,
e sua relação com a competitividade e o individualismo. A partir daí, então, o
texto trabalha as motivações do sentimento de inveja, sempre deixando clara a
relação do sentimento de inveja com acontecimentos e processos sociais.
O terceiro texto a ser analisado, ainda da UFV, servirá para confirmar a
nossa idéia inicial de que há um modelo argumentativo recorrente, mas que ele
não tem imediata relação com o grau de eficiência dos textos.
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Na verdade, o que pensamos ser preponderante para a eficiência do texto
quanto à configuração da argumentatividade, nesse grupo do corpus, é a maneira
com que o produtor trabalha a relação da inveja com a atual conjuntura social, se
ele parte do todo (da sociedade) ou se ele enfatiza as relações interpessoais pura e
simplesmente. Cabe ressaltar que as relações interpessoais estão ligadas à
subjetividade, ao indivíduo, termo aliás, bastante utilizado nos textos. Portanto,
não basta o texto abordar o tema com argumentos plausíveis, mas é preciso que os
argumentos sejam escolhidos em função do propósito comunicativo do gênero,
que é não só abordar o tema, mas fazê-lo de forma clara, com concisão de idéias,
com boa articulação entre as partes, seguindo um fio condutor, para que o texto
seja considerado como eficiente.
(V32, C02, 1.33)
MAL SÓ GERA MAL
Considera-se o mundo de hoje totalmente
desumano, sem amor, valores e respeitos
esquecidos na mente dos indivíduos.
A inveja tornou-se o alvo principal do ser humano que só sente-se realizado com a
derrota e o fracasso do próximo. A cobiça da usurpação do bem alheio esta crescendo a todo
intante ao lado da globalização.
Uns tem demais outros de menos, há os que conseguem tudo através da mentira,
corrupção e até mesmo o roubo para se darem bem, mas não pensam nas consequências futuras,
agem pelo impulso.
O efeito da globalização afeta a toda e qualquer classe social pois há países em que são
pobres e atrazados não tendo acesso a nenhuma inovação tecnológica do planeta.
O grande pecado gira em volta dessa dessa desigualdade em que o poder totalitário
almeja sempre estar competindo com os menos favorecidos.
É nítido o fato de que o escritor desse texto utiliza também argumentos
recorrentes, ou seja, se utiliza da interface da inveja com o mundo globalizado
(vide trechos sublinhados). Entretanto, há uma intensa apresentação de idéias
muito marcadas do ponto de vista afetivo (em itálico), o que pode acarretar
ineficiência do texto. Ao invés de tratar do tema inveja dentro do contexto da
globalização apontando as relações entre os sistemas simbólicos e práticos da
sociedade atual e os sentimentos gerados a partir do contato entre as pessoas,
como o faz o produtor do segundo texto (V12), o autor desse texto trabalha o tema
inveja no mundo globalizado de forma totalmente apreciativa, com julgamentos
de valor, com intensas marcas de afetividade (em itálico), fato que não corrobora
para a eficiência do texto, principalmente quanto ao grau de argumentatividade.
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Grupo 2: Universidade Federal de Ouro Preto
Passaremos agora a abordar textos do vestibular da UFOP, 2005 2, com o
intuito de verificar se há realmente, também nesse grupo de textos do corpus, um
modelo recorrente de constituição da argumentação e, se houver, qual é a relação
entre a adoção desse modelo nos textos e o grau de eficiência dos mesmos.
(OP42, EP 10, 11.2
17
)
DA CARTA AO EMAIL
A cada dia, os avanços tecnológicos tornam nossas vidas mais práticas e dinâmicas, e
junto com os avanços surgem novas expressões e costumes que para os mais saudosistas tiram o
encanto de antigas
práticas.
Quem hoje em dia envia uma carta a um parente querido, ou à namorada que está
viajando sendo que pode enviar um email, muito mais prático e a mensagem chega bem mais
rápido. A expectativa de se revelar um filme para se ver as fotos foi substituida pela praticidade
da câmera digital, onde você ja pode ver a foto poucos instantes após ser tirada, e caso você
não goste da foto você pode apagá-la na mesma hora e tirar outra foto.
Os avanços tecnológicos certamente tornam nossas vidas mais fáceis, no entanto,
relembrar antigos costumes que hoje em dia já não se fazem necessários devido a tecnologia,
será sempre bom pois através deles poderemos perceber a evolução da nossa sociedade.
Esse primeiro texto é elucidativo quanto à questão da apresentação de
argumentos dicotômicos
18
e sua relação com o grau de eficiência dos textos.
Argumentos dicotômicos são aqueles em que são apresentadas idéias contrárias,
mas inter-constituintes, interdependentes, como se fossem duas faces da mesma
moeda, que, embora, contrárias ou opostas, formam uma totalidade. Esse tipo de
argumento pode se materializar em contraposições entre o passado e o futuro,
entre o bem e o mal, entre o avanço e o atraso, dentre várias outras.
Sendo assim, podemos perceber que, logo na introdução, o produtor
apresenta sua tese admitindo que a linguagem acompanha os avanços tecnológicos
da sociedade, mas isso pode causar certo estranhamento nos mais saudosistas.
Logo após, o produtor explora um paralelo entre ações corriqueiras no passado
como enviar uma carta e revelar um filme e ações do presente como enviar um e-
mail e tirar fotos em câmeras digitais, enfatizando os benefícios dos hábitos do
presente em detrimento dos do passado. O autor encerra seu texto com o
argumento de que, embora os avanços tecnológicos tornem nossa vida mais
17
Nota equivalente a 55%.
18
A primeira parte da dicotomia será destacada com itálico e a segunda será destacada com
sublinhado.
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facilitada, é sempre positivo relembramos velhos costumes, com a finalidade de
percebermos a evolução de nossa sociedade. Notamos, com isso, certo apelo à
afetividade, onde relembrar adquire valor muito mais sobre bases emotivas, do
que sobre bases racionalistas.
Dessa forma, podemos dizer que são argumentos afetivos todas aquelas
idéias apresentadas sobre bases não racionalistas, não abrangentes, mas sobre
bases emotivas, nas quais a utilização de itens lexicais com marcada força
semântica de afeto são corriqueiras.
Outra questão é o fato de que não há aqui uma tomada de posição de
forma clara, nem uma seleção de argumentos que a sustentem. A utilização de
argumentos dicotômicos e afetivos colabora com a não tomada de posição porque
estes transmitem impressões emotivas sobre os fatos, o que não é, em nada,
objetivo; e aqueles são, por si só, dúbios. O autor não trabalha o tema de forma
eficiente, uma vez que o produtor se dedica mais à abordagem dos avanços
tecnológicos em si do que sua relação com alterações na linguagem e o
saudosismo. É inclusive recorrente esse fato, uma vez que vários produtores não
trabalharam o tema em sua totalidade. Na UFOP, somente aqueles que não
abordaram nenhuma das partes do tema, tiveram nota 0, por ser considerado fuga
ao tema, ou seja, somente quando houve fuga total ao tema, o texto foi
impossibilitado de ser avaliado, recebendo nota zero.
Dessa forma, podemos dizer que esse texto acima (OP42) apresentou
argumentos dicotômicos e afetivos, e, talvez por isso, devido ao somatório desses
dois tipos de argumentos, ele não foi considerado eficiente, mas mediano, obtendo
nota equivalente a 55%. Outra motivação da ineficiência pode ser o tratamento do
tema, que deveria ter ocorrido de forma mais clara, enfatizando a primeira parte
exigida para sua abordagem, linguagem e avanços tecnológicos. O texto abaixo,
entretanto, recebeu nota equivalente a 84%.
(OP31, T 16, 16.75
19
)
SEM LADO NENHUM
A evolução da linguagem e da tecnologia está diretamente relacionada com a evolução
do ser humano. Num mundo contemporâneo onde um dia quase nunca é igual a outro, a
praticidade e o dinamismo devem ser constantes e não há lugar para o saudosismo.
Por mais que pudesse ser agradável ouvir discos na vitrola e escrever cartas de amor,
a tecnologia fez com que isso tudo retornasse obsoleto. Hoje em dia, o homo sapiens moderno
pode ouvir a música que quiser, onde e quando quiser. Além disso, podemos conversar e trocar
mensagens instantâneas de qualquer lugar do mundo por um custo muito baixo.
19
Nota equivalente a 84%.
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Na saúde e na área do bem estar pessoal a tecnologia também se destaca com
tratamentos e medicações que acabam ou pelo menos amenizam problemas e situações antes
consideradas irreversíveis.
Analisando o aspecto lingüístico, pode-se constatar que assim como a humanidade se
alterou é diversificou, a linguagem não poderia ficar estática, presa no tempo. Cada vez mais
expressões e neologismos são criados para atender a necessidade de uma linguagem dinâmica,
rápida e facilmente compreensível.
Podemos até ter perdido o sabor de ouvir o lado B de um disco do Chico Buarque, mas
agora podemos assistir um evento ao vivo na Austrália enquanto conversamos com alguém na
Suíça e acompanhamos o resultado dos jogos de futebol na Alemanha pela internet. E é claro,
fazemos tudo isso ouvindo música na ordem que bem entendermos, sem ter o trabalho de ter que
trocar lado nenhum.
Podemos perceber, a partir desse exemplo (OP 31), que a constituição da
argumentação nele segue o seguinte esquema: no primeiro parágrafo, há a
apresentação de uma tese favorável aos avanços tecnológicos e contra o
saudosismo. No segundo parágrafo, o autor estabelece um paralelo entre o
passado e o presente, enfatizando a idéia de que a tecnologia é positiva.
Acrescenta, no terceiro parágrafo a amplitude de alcance da tecnologia, dizendo
que até mesmo na medicina há constantes avanços. Somente no quarto parágrafo,
o produtor começa a tratar de aspectos lingüísticos e sua relação com a evolução
do homem, explicitando a necessidade que tem o homem contemporâneo de se
comunicar dinamicamente, rapidamente e de forma facilitada. Por fim, ele conclui
seu texto apresentando exemplos dos benefícios trazidos pelos avanços
tecnológicos, e explora a questão do saudosismo em relação a isso.
Além disso, cabe ressaltar que esse texto também apresenta argumentos
dicotômicos, principalmente no segundo e quinto parágrafos (indicados em itálico
e sublinhado), mas não centra sua constituição argumentativa à apresentação pura
e simplesmente dos mesmos. Ele apresenta coisas relativas ao passado, mas
enfatiza e deixa clara sua preferência pela praticidade das coisas do presente,
tomando uma posição. Quando ele apresenta os argumentos dicotômicos, ele o faz
com conhecimento de causa, mostrando a utilidade desses argumentos em relação
ao todo do texto, deixando a banca à vontade para lhe atribuir nota eficiente.
Devemos ressaltar que o texto OP 31 não se enquadra em um modelo
recorrente de constituição argumentativa nesse grupo de textos do corpus, nem
quanto à defesa de tese a favor dos avanços tecnológicos (é recorrente defender
idéias a favor do saudosismo) nem quanto à disposição dos argumentos no texto.
Porém, como vimos, essa não inclusão no modelo recorrente não implicou em
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ineficiência do texto, uma vez que ele recebeu uma das melhores notas atribuídas
em todo o contingente de textos de candidatos a esse curso, ou seja, 84%.
Dessa forma, podemos afirmar que há, nesse texto, um modelo de
constituição da argumentação: há apresentação de uma tese; há apresentação de
argumentos dicotômicos (a favor e contra a tese); há apresentação de uma
amplificação (exemplificação, generalização); há apresentação de efeitos
(factuais, afetivos, subjetivos); e, por fim, há retomada da tese inicial.
Podemos concluir que quando um modelo existente, como o descrito
acima, inclui seqüências ou argumentos de teor afetivo, ele passa a ser o modelo
recorrente. Como apresentar argumentos de cunho afetivo não está de acordo com
o propósito comunicativo do gênero, que tende ao objetivismo, ele não é bem
aceito, ou seja, não é admitido como ‘eficiente’ pela banca. Assim, podemos
afirmar que o ‘modelo recorrente’, com marcas de afetividade, não é considerado
o ‘modelo eficiente’.
Passamos, a seguir, à análise do terceiro texto dessa universidade, onde
tentaremos aprimorar a discussão sobre a constituição argumentativa nessa parte
do corpus de análise.
(OP5, L 5, 5.65
20
)
O OBSOLETO E A TECNOLOGIA
Com a avançada tecnologia, percebemos o desuso de aparelhos com os quais tínhamos
convívio e que deixaram saudade. É o caso de discos, fitas, computadores arcaicos e obsoletos.
No auge da modernidade, os aparelhos eletroeletrônicos facilitam nossa vida como
computadores com mais funções, máquinas de lavar louças e lavar roupas, sempre com mais
praticidade e garantindo e economizando tempo.
Mas algumas vezes bate uma saudade do arcaico, velho que nas horas de precisão já nos
livrou de apuros. Como os antigos ferro a brasa, que além de muito pesados não precisava se
esperar aquecer. Hoje a praticidade é alvo de preços exorbitantes, mas que nos deixam mais
tranquilos.
Com tudo isso, percebemos que o moderno toma o lugar do antigo, nem sempre com o
brilho, a praticidade e a economia de tempos atrás.
A constituição argumentativa desse texto é bastante interessante. O autor
constrói um quadro de idéias no qual apresenta a existência de aparelhos antigos e
atuais e sua relação com a praticidade e economia de tempo; em seguida, já no
terceiro parágrafo, há uma tentativa de se estabelecer um paralelo entre o arcaico e
o novo, havendo, por isso, um argumento dicotômico (indicado em itálico e
sublinhado); para concluir, é feita uma sobreposição do moderno em detrimento
20
Nota equivalente a 26%.
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do antigo, e, é introduzida uma seqüência de teor afetivo, a partir de palavras
como brilho, praticidade e economia que, segundo o produtor do texto, eram
inerentes a tempos passados. Podemos afirmar, com base no texto acima, que
esse, segundo a nossa observação, é o modelo mais recorrente, embora não seja o
mais valorizado, uma vez que textos que seguem essa estrutura quase sempre são
considerados ineficientes ou, no máximo, medianos.
Dessa forma, pode-se dizer que textos que apresentem argumentos
dicotômicos de forma predominante e central, e que se utilizem de argumentos
afetivos para indicar a definição de qual das partes da dicotomia eles irão de fato
defender, são ineficientes em dois pontos. Primeiro porque quando o interlocutor
opta por esse modelo dicotômico, ele quase nunca tem a oportunidade de expor de
fato o que está defendendo, caracterizando, assim, falta de tomada de posição.
Segundo, porque apropriar-se de argumentos afetivos para concluir a tese que não
foi claramente definida se traduz em falta de objetividade, de racionalidade
quando à seleção de idéias. Nesse texto, vemos que ambas as estratégias são
negativas porque não corroboram para a finalidade do gênero, uma vez que tanto a
apresentação de argumentos dicotômicos quanto a inclusão de argumentos
afetivos não compõem um texto de teor dissertativo-argumentativo, por sua
própria natureza vaga, pouco objetiva.
Grupo 3: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Por fim, analisaremos a constituição da argumentação no grupo de textos
da PUC-Rio (P45), com o mesmo objetivo já exposto acima de discutir a relação
entre o pertencimento ou não a um modelo e o grau de eficiência dos textos. Em
seguida, tomaremos um texto escrito por um candidato a um curso da área de
Administração, que obteve nota 5.0, o equivalente a 50%, sendo, por isso, um
texto mediano.
(P08, CA 08, 5.0)
MUNDO REAL X MUNDO VIRTUAL
A vida dos seres humanos contemporâneos, cada vez mais, parece estar “virtualizada”.
Isto se evidencia no cotidiano das pessoas, pois passam o dia inteiro entrertidas em
computadores e celulares; fazendo parecer que vivem num mundo dentro desses aparelhos.
No dia-a-dia nota-se que os seres humanos, cada vez mais , se comunicam com outros
que estão a quilômetros de distância, mas não falam uma palavra com quem está a seu lado.
Assim como dão importância a fatos que ocorrem em outros países e muitas vezes não
sabem o que está acontecendo na sua cidade ou até mesmo dentro de sua própria casa.
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Este contato intenso que se tem com os meios de comunicação nos dias de hoje, leva a
um desmantelamento das relações familiares e das relações estreitas de amizade.
Portanto, devemos todos nos monitorar no sentido de utilizar os meios de comunicação
a fim de estreitar as relações e não dissipa-las como se tem observado nos últimos anos.
Esse primeiro texto (P8) tem a formulação de seu esquema
argumentativo primeiramente apresentando a idéia de que o ser humano hoje tem
intensa relação com os meios de comunicação virtuais, no entanto, não fala uma
palavra com quem está ao seu lado. Há nessa parte a expressão de um argumento
dicotômico, uma vez que o candidato explora as duas faces da mesma moeda, ou
seja, há um desenvolvimento tecnológico que possibilita a interação entre
indivíduos, entretanto, os mesmos deixam de se comunicar com quem está
próximo. Logo em seguida, o autor se utiliza de um argumento altamente afetivo
ao dizer que o contato intenso com os meios de comunicação causa um
desmantelamento das relações familiares e das relações estreitas de amizade. Por
fim, o produtor, a título de conclusão, afirma que devemos nos monitorar no
sentido de saber utilizar dos meios de comunicação para nos aproximarmos uns
dos outros e não nos afastarmos, como tem acontecido na atualidade.
Podemos perceber que esse tipo de construção argumentativa, em que são
acoplados argumentos dicotômicos e afetivos, ocorre com muita intensidade, não
somente nesse grupo de textos do corpus, que é da PUC-Rio, mas também nos da
UFV e UFOP. Isso pode ser lido como uma tendência de não se posicionar com
relação ao tema, daí a apresentação de argumentos contrários, porém
complementares. O fechamento do texto que se realizou, nesse modelo recorrente,
através de um argumento afetivo também nos mostra a incapacidade que têm os
candidatos de se apropriar de argumentos realmente palpáveis, objetivos,
convincentes. Esses argumentos, entretanto, têm motivações culturais muito
marcadas, uma vez que nossa própria cultura nos direciona a esse não
objetivismo.
Segundo Bastos, Pereira e Fernandez (1989),
a sociedade americana é altamente letrada, enquanto que a sociedade brasileira
privilegia a força da oralidade (cf. também Kato, 1986:40). Como num texto oral, nosso
texto escrito mostra a preocupação com o efeito da fala sobre o ouvinte. Esse efeito é
obtido especialmente por meio de desvios que trazem para o texto acadêmico marcas do
texto literário. No Brasil, escrever/falar bem é, sobretudo, ser original, metafórico,
criativo. Para Kant de Lima, este papel do nosso texto acadêmico é intuído pelos
participantes da academia. Não há um treinamento específico para sua elaboração.
Contudo todos identificam como texto acadêmico brasileiro aquele que apresenta
marcas de literariedade, pessoalização, genialidade, inovação.
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Pode-se dizer, assim, que o modelo real do texto brasileiro inclui
argumentos contrários e complementares que mostram que os alunos brasileiros
não se posicionam de forma efetiva com relação ao tema, o que retrata esse não
objetivismo da cultura brasileira. Soma-se a isso, a preferência por argumentos de
cunho afetivo, que retratam bem esse posicionamento subjetivo dos candidatos ao
vestibular.
Em seguida, será trabalhado o segundo exemplo da PUC-Rio, agora de
um candidato a um curso da área de Humanas e Letras, cuja avaliação foi 85%, ou
seja, foi considerado um texto eficiente.
(P45, HL 14, 8.5)
COMO AGIR PERANTE A VIDA DE HOJE?
Penso que o mundo atual vive um momento único: tudo é muito rápido, há um “mix” de
valores e as pessoas relacionam-se muito superficialmente uma com as outras em geral. Embora
isso seja conveniente muitas vezes, percebo que enquanto avançamos tecnologicamente, vemos
acontecimentos que denotam regressão.
Quando vejo um adulto indo diversas vezes numa semana a um McDonald’s, por exemplo, ou
ainda, uma criança de sete anos usando sapatos altos, entendo melhor a situação de hoje, afinal
os papéis estão trocados. É dessa forma que descubro que a crise paradigmática que o mundo
vem passando, segundo historiadores, vem atingindo as pessoas cada vez mais diretamente.
Para mim, com este cenário globalizado que traz uma riqueza de culturas, conhecimento de
pessoas, porém a incerteza de quem somos, foi gerado o que chamo de “Efeito Adolescente”, no
qual cada indi-
víduo questiona seus valores, seus contatos, sua existência, ou seja, o sujeito tende a não saber ao
certo como agir ou posicionar-se perante as situações, exatamente como a maioria dos
adolescentes.
Com isso, resultamos numa desestruturação da ética social, o que contribui ainda mais para que
esse quadro torne-se um ciclo.
Enfim, a tendência mundial é seguir progredindo em tecnologia, fazendo com que o “de
imediato” prossiga. A crise humana existe, também, a verdade encontra-se atrofiada ou
indefinida e é por isso que caba ao homem avaliar, coerentemente, o que ocorre em sua volta,
para que acompanhe todas as mudanças que já aconteceram e as que virão. Além disso, acredito
ser válida uma retomada dos valores tradicionais para que uma multidão saia da adolescência e
avancemos, dessa maneira, em múltiplos sentidos.
É interessante a constituição argumentativa desse texto, devido ao fato de
apresentar também argumentos dicotômicos. Já no primeiro parágrafo, o autor
discorre sobre a atual conjuntura das relações inter-pessoais e logo em seguida
questiona sua efetividade. Logo em seguida, o produtor embasa sua tese com o
argumento de que há atualmente uma crise de paradigma. No terceiro parágrafo,
ele acrescenta ainda outro argumento dicotômico, em que fala da face positiva e
negativa da globalização e sua influência nos relacionamentos interpessoais. Para
a conclusão, há uma retomada da idéia central, ou seja, retoma-se o fato de que a
evolução da tecnologia tende a manter o imediatismo nas relações, causando, com
isso, uma crise da humanidade com relação a seus valores. Propõe, para encerrar,
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que haja uma retomada de valores tradicionais, para que a multidão possa avançar
em múltiplos sentidos.
Pode-se perceber claramente, com isso, que há uma preocupação em se
manter um fio discursivo que permita a inclusão de idéias variadas, mas que
estejam em consonância com a tese central apresentada no início do texto. Vale
ressaltar também que a escolha dos argumentos ocorre de forma cuidadosa,
sempre relacionando questões relativas aos relacionamentos inter-pessoais ao
contexto sócio-político atual, ou seja, à globalização.
Como já foi dito, textos que apresentem esse tipo de configuração
argumentativa têm a tendência de serem avaliados como eficientes, o que
demonstra que a adoção desse movimento de se tratar a questão dentro de um todo
é interessante porque demonstra habilidade do candidato de perceber que as
relações entre as pessoas são apenas parte de um sistema maior, que é a sociedade,
sendo essa estruturadora de todos os hábitos e manifestações dos indivíduos que a
compõem. Assim, como as redações analisadas por Oliveira (1997, 2002), estes
candidatos vêm a sociedade como uma moldura maior que contextualiza
indivíduos, famílias, grupos, etc.
6.1.2.2.
Seqüências argumentativas e eficiência dos textos
Ainda com relação ao texto acima, podemos afirmar que, em
contrapartida, tratar só do afetivo pura e simplesmente, como vimos, não é o
suficiente para estruturar de fato um texto de base argumentativa. Há também o
fato de que o uso de argumentos de cunho afetivo, principalmente quando usados
para concluir uma argumentação dicotômica, não são apropriados para esse tipo
de configuração textual, tendo-se em vista o propósito comunicativo do gênero;
entretanto, esta utilização pode estar ligada a aspectos culturais, como já
dissemos.
Além disso, podemos afirmar que a própria utilização de argumentos
dicotômicos demonstra que há uma tendência de se tratar a relatividade das
evidências e pode estar ligada à própria construção dos temas propostos pelas
Instituições, que, em si, já trazem consigo a possibilidade de se trabalhar os
extremos de maneira acoplada, interligada. O uso desses argumentos não define o
grau de eficiência dos textos. Entretanto, o corpus nos mostra que a utilização
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desses juntamente com outros argumentos de cunho puramente afetivo, quase
sempre coincide com a atribuição de notas que demonstram serem os textos
ineficientes ou, no máximo, medianos.
Temos outros exemplos de redações que servem para clarificar a relação
dos movimentos argumentativos e o grau de eficiência dos textos. Com relação ao
texto OP42, estudado acima, no Grupo 2, podemos dizer que esse texto
apresentou argumentos dicotômicos e afetivos, e, talvez por isso, devido ao
somatório desses dois tipos de argumentos, ele não foi considerado eficiente, mas
mediano. Outra motivação da ineficiência pode ser o tratamento do tema, que
deveria ter ocorrido de forma mais clara, enfatizando inclusive a primeira parte
exigida para abordagem “Linguagem e avanços tecnológicos”, em detrimento da
segunda parte “entre a praticidade e o saudosismo”, fato que acontece em muitos
textos e que contribui nitidamente para o grau de ineficiência a eles atribuído.
Com relação ao texto OP 31, também enfocado acima, podemos dizer
que quando ele apresenta os argumentos dicotômicos, ele o faz com conhecimento
de causa, de tal forma que deixa clara ao interlocutor a utilidade desses
argumentos em relação ao todo do texto.
Passaremos, então, ao último texto do grupo da PUC-Rio, escrito por um
candidato a um curso da área de Engenharia, cuja nota foi 2.0, ou seja, 20% do
total, sendo considerado, portanto, um texto ineficiente.
(P18, E03, 2.0)
UM FUTURO SEM TEMPO
Atualmente vêem ocorrendo mudanças no comportamento humano. Isto devido a
transitoriedade da vida. As pessoas não possuem mais tempo para si mesmo e, esquecem de
coisas simples como o carinho e o amor. Tudo se tornou superficial e sem significado.
Primeiramente é preciso entender o que causa essas mudanças. Estas são conseqüência
de uma efemeridade dos fatos. Hoje em dia, as informações chagam e saem muito rápido e em
qualquer lugar. A população trabalha vinte e quatro horas por dia.
Em segundo, deve-se saber, também, o que acarreta desses desvios comportamentais.
As pessoas, em geral não possuem tempo para fazer certas coisas, mas que são extremamente
pertinente para o ser humano. Tal como dar atenção aos entes queridos, amar e ser amado e
muitos outros.
Além disso, todo tem se tornado superficial. O que é bom agora, daqui à pouco se torna
ruim e desnecessário. As relações entre as pessoas perderam seu significado e parece que as
pessoas não amam
mais.
Pode-se inferir, então, que a transitoriedade da vida tem causado mudanças no ser
humano. A população não possui mais tempo para dedicar a si e tudo se tornou sem significado,
já que as opiniões mudam rapidamente. As relações perderam o seu valor.
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Nota-se claramente que o texto acima é dotado de um teor extremamente
emotivo, o que pode estar acarretando ineficiência, devido a não preencher o
propósito comunicativo do gênero, que seria construir um texto que atenda às
exigências da banca, a fim de o candidato obter aprovação no concurso do
vestibular. A tese central apresentada nele é o fato de que devido à falta de tempo,
o ser humano passa por um estágio de transitoriedade, causando no ser humano
uma perda de sentimentos nobres; isso advém de relações superficiais, como as
que acontecem na atualidade. Podemos ver que não são apresentados argumentos
que sejam realmente relevantes para o trabalho do tema, mas argumentos
dispensáveis, pouco consistentes, argumentos de teor puramente afetivo e
emotivo, tais como a menção a palavras que denotam afetividade como carinho e
amor; de frases dotadas de afetividade como dar atenção aos entes queridos,
dentre outras. Esse tipo de texto, em que se apresentam, em sua maioria,
argumentos de cunho afetivo, emotivo, é considerado, em geral, ineficiente, ou,
no máximo, mediano.
Assim, podemos concluir que há um modelo ideal de constituição do
gênero redação do vestibular, que se aproxima ao máximo aos propósitos
comunicativos do gênero, que exclui argumentos afetivos e dicotômicos, por estes
irem de encontro ao objetivismo esperado num texto que guarda relações
constitutivas com o discurso acadêmico. No entanto, este modelo não afetivo e
não relativista não é um modelo recorrente, tendo em vista que o modelo real dos
alunos brasileiros, como vimos, é constituído pela utilização de argumentos
contrários, porém, complementares, o que retrata o relativismo, e de argumentos
afetivos, o que pode estar refletindo nossa cultura não objetivista, exteriorizando
nosso não posicionamento diante dos fatos concretos da realidade.
A partir de então, começaremos a tratar de outros tipos de elementos de
configuração textual, ainda relativos à constituição argumentativa dos textos,
como é o caso da ocorrência de perguntas retóricas no corpus de análise.
6.1.2.3.
Perguntas retóricas
Nesse item, nos propusemos a identificar e exemplificar perguntas
retóricas e a trabalhar sua localização no corpo do texto, sendo a localização
entendida como indicadora de sua função argumentativo-persuasiva, por ter
relação de inter-dependência com o restante das partes que compõem o texto.
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Primeiramente serão listadas as perguntas que ocorreram no corpo dos textos e
explicitadas suas respectivas localizações. Numa segunda fase, trabalharemos
aquelas que apareceram nos títulos.
Vale ressaltar que esse tipo de ocorrência de perguntas estaria
relacionado à metafunção interpessoal da teoria sistêmico-funcional, uma vez que
ela serve para travar um enlace entre o escritor e seu interlocutor, trazendo-o para
dentro da própria construção do texto, e fazendo-o de forma evidente, o seu lugar
de participante ativo na construção de sentido do mesmo.
Analisaremos cada pergunta separadamente, porque acreditamos que seja
interessante discorrer sobre a utilização da pergunta em cada texto, devido à
multiplicidade de funções que ela assume dentro dos vários textos em que ocorre.
Primeiramente, analisaremos o emprego da pergunta retórica, que está
localizada no último trecho deste texto.
(V1, D1, 1.33)
Inveja: pecado ou virtude? Eis a questão, e da resposta virá o futuro da humanidade.
(último trecho)
É interessante notar que a pergunta retórica nesse primeiro excerto está
servindo para finalizar o texto do candidato, fato que é muito inusitado.
Constatamos que essa utilização só ocorre em apenas outros dois textos, e as
perguntas estão transcritas logo a seguir.
(V24, P09, 3.0)
Então para compreendermos a está questão, eis a pergunta: “A Inveja é um bem ou um mal?
(última seqüência)
(P29, E14, 8.5)
É isso que queremos? Não. Devemos aproveitar a vida em seu devido tempo,
independente de qualquer inovação que nos aparecer. (último trecho do texto)
Quanto à relação do uso dessas perguntas no final dos textos e o grau de
eficiência dos mesmos, não temos dados suficientes para afirmar se a utilização
dessas perguntas localizadas no último trecho dos textos pode assegurar ou não
uma boa atribuição de notas, uma vez que há apenas três ocorrências de seu uso,
uma em um texto considerado ineficiente (nota equivalente a 26%), a segunda em
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um texto mediano (nota equivalente a 60%) e a terceira em um texto considerado
eficiente (nota equivalente a 85%). Dessa forma, podemos sugerir que não há
relação direta entre a utilização dessas seqüências e o grau de eficiência dos
textos. No entanto, devemos agora explorar a relação que têm as perguntas
retóricas para o todo do texto.
No primeiro exemplo acima (V1), há, logo após a pergunta, um apelo a
um certo sentimentalismo, um argumento dotado de subjetividade. Será mesmo
que o futuro da humanidade virá da resposta à questão do valor da inveja,
entendida como virtude ou pecado? Pode-se perceber aqui que não é somente a
utilização da pergunta retórica que está contribuindo para a construção do bloco
de significação, mas a finalidade de seu emprego, que é a de introduzir um
argumento de cunho afetivo.
No segundo exemplo acima (V24), podemos dizer que o produtor fez uso
da pergunta retórica a partir do grau de inferência que pressupõe ter sido capaz de
incutir no leitor/avaliador, uma vez que a resposta a essa pergunta já está
explicitada anteriormente no decorrer do texto. Com isso, há um movimento de
fechamento da idéia ou de reafirmação da mesma, ou seja, já se sabe que a inveja
é má, porque em um trecho precedente à pergunta retórica, o produtor já anuncia
sua discordância ao poder exercido pela inveja a ponto de afirmar que devemos,
como seres humanos, nos precaver para que a inveja não nos domine. Dessa
forma, podemos afirmar que a utilização da pergunta retórica nesse texto foi
simplesmente para marcar e para enfatizar o conteúdo já compartilhado no
decorrer do texto.
Tomando agora o terceiro exemplo (P29), percebe-se que a pergunta
retórica está sendo usada com o intuito de ligar a idéia anterior, de cunho
possivelmente negativo, à idéia apresentada logo após a pergunta. Esse tipo de
uso, com objetivo de ênfase, é recorrente no discurso político, no discurso
jurídico, no discurso religioso, tendo origem na retórica clássica, em que o orador
apresenta um argumento fraco, com teor negativo, e pergunta à audiência se é isso
que é desejado, ou seja, se é desejado o teor negativo da idéia apresentada
imediatamente antes da pergunta, para, depois disso, explicitar, com muito mais
força, isto é, de forma muito mais enfática, o argumento mais forte, o positivo.
Percebemos, com isso, que a utilização da pergunta retórica aqui é realizada com
conhecimento de causa, sendo por motivo semelhante ao que origina o uso da
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mesma em outras esferas sociais, donde emergem usos da linguagem com
elevados graus de argumentação, e, por conseguinte, persuasão, uma vez que o
discurso argumentativo é admitido enquanto gerador de persuasão, ou seja,
enquanto um meio para se alcançar a persuasão, sendo esta entendida como o final
do processo argumentativo (Breton, 1993).
Passaremos, nesse momento, à apreciação de perguntas retóricas
localizadas no início ou final do primeiro parágrafo, geralmente destinado à
introdução. Percebemos que a utilização das perguntas com essa localização está,
quase sempre, servindo para chamar a atenção do interlocutor para as idéias que
lhes seguem imediatamente no texto. Vejamos o primeiro caso, em que o
candidato não só faz uso da pergunta na introdução, mas também no final do
desenvolvimento da tese de seu texto. É interessante aqui o uso da pergunta
acompanhada da resposta. Em ambas as ocorrências nesse texto é isso que
acontece.
(V3, D3, 1.33)
Mas o que está por traz dessa globalização? O que sente um a pessoa ao ver o que as
outras pessoas no mundo têm e ela não? Inveja. (final da introdução)
e o que interessa no mundo capitalista? Lucro. (final do desenvolvimento)
Há, no nosso corpus de análise, grande utilização da pergunta no final da
introdução, quer no primeiro, segundo, ou até mesmo terceiro parágrafo, com o
objetivo de iniciar o desenvolvimento da tese, ou no final do desenvolvimento,
com o objetivo de introduzir a conclusão; em ambos os casos, percebemos que há,
a partir do uso dessas perguntas, uma tentativa de enfatizar o que será apresentado
após, uma tentativa de travar com o leitor um pacto de atenção, de introduzir o
interlocutor na própria constituição do texto, principalmente no tocante à
relevância dos argumentos que serão apresentados a posteriori.
Dessa forma, apresentaremos, em seguida, um quadro que resume as
funções desempenhadas pelas perguntas retóricas e a relação da função com o
local em que aparecem nos textos.
Local Função
Primeira linha - Iniciar a apresentação da tese.
Início ou final do primeiro
parágrafo
- Chamar a atenção do leitor para o que vem em seguida, ou seja,
para como o texto será introduzido.
Final da introdução - Iniciar o desenvolvimento da tese.
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Metade do texto,
indiferente do parágrafo
- Ligar idéias de peso diferente: idéia fraca ou de teor negativo a
idéia forte ou de cunho positivo.
Final do desenvolvimento - Introduzir a conclusão.
Final do texto - Finalizar o texto
- Fechar ou reafirmar uma idéia já expressa no texto.
Figura 4: Localização e função das perguntas retóricas
Abaixo, estão transpostos todos os trechos do corpus que apresentaram
as referidas perguntas, de acordo com suas funções e localizações nos textos.
Função: Introduzir desenvolvimento e/ou ligar ideais fracas às mais fortes
(V36, C06, 3.0)
Mas porque dizer que os outros são capazes?! Onde estaria neste momento a auto-estima e auto-
confiança, que é o mínimo que se pode ter? É assim que a maioria das pessoas se sentem quando
se julgam incapazes de realizar algo que se deseja.
(segundo parágrafo)
(V38, C08, 3.0)
Qualquer coisa que coloque o outro acima de nós, seja conhecimento, renda familiar, bem de
consumo, faz com que seja despertado em nós um sentimento de inveja e cobiça, além de
tentarmos influenciá-lo até que atrapalhemos o objetivos por ele almejado. É correto?
o, mas é necessário. (segundo parágrafo)
(V40, C10, 3.0)
Ou será que há? A tal inveja boa existe? (terceiro parágrafo)
(V42, C12, 3.66)
Perguntamo-nos então: Por que o desejo de ver o outro derrubado? (terceiro parágrafo)
(V43, C13, 4.0)
O valor pensante dos indivíduos foi dissolvido pelo interesse do burguês. Como ele
acumularia capitais senão pela exploração de seus empregados? (início terceiro parágrafo)
(OP6, L06, 7.75)
O que seríamos sem essa tal tecnologia? (final do segundo parágrafo)
(OP27, T11, 13.15)
Como se acostumar com essa instabilidade? (final do segundo parágrafo)
(OP35, EP 03, 0.0)
seria o eficiente e rápido? Ou o prático e bonito? Não sabemos. (final do segundo parágrafo)
(OP39, EP 07, 9.7)
Porque, apesar de tanta rapidez nos transportes,
comunicações e serviços, parecemos cada vez mais sem
tempo? Eu vou responder tal paradoxo. (segundo parágrafo)
(OP41, EP 09, 11.1)
Para que falar que evoluímos se alguns
acham que os discos de vitrola são mais gostosos de
ouvir que o cd? Para que? (início do segundo parágrafo)
(P06, CA 06, 4.5)
As tecnologias estão encurtando o acesso entre os seres
porém onde irá chegar esse conceito de exposição e da imagem onde
o homem vive o futuro sem, ao menos enxergar o presente? (final do primeiro parágrafo)
(P14, CA 14, 8.5)
O que mudou, se nossos anseios são
os mesmos? (final do primeiro parágrafo)
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(P26, E 11, 8.0)
Afinal, existe uma maneira eficaz de
ter sucesso na vida sem deixar de lado o amor e
a solidariedade? (final do primeiro parágrafo)
(P34, HL 03, 1.0)
É difícil? (meio do segundo parágrafo)
(P36, HL 05, 2.0)
Mas a pergunta é: Tecnologia, beneficíos ou malefícios? (segundo parágrafo)
(P46, HL 15, 8.5)
Se tudo na vida é efêmero, para que se prender a modelos e concep-
ções que, muitas vezes, não agradam ao ser humano?
Por que não aproveitar a vida ao máximo dentro de
seus momentos felizes? É contraditório, porém é isso que a-
contece. (final do terceiro parágrafo)
Função: Introduzir Conclusão
(V8, D8, 2.0)
Mas será que a classe oprimida, de fato não pode reverter tal quadro?
De fato não somente pode, como deve lutar para que valores (final do segundo parágrafo e
início do conclusivo)
(OP27, T11, 13.15)
De que adianta possuir mais conforto se a cada novo termo surgido através da mídia ou nas
lojas informatizadas sentimo-nos diante da despedida de antigos objetos estimados? (quinto e
penúltimo parágrafo)
(OP38, EP 06, 9.25)
Não haveria possibilidade de empresas realizarem negócios
no exterior sem meios de comunicação modernos e como
viajaríamos sem meios de transportes rápidos e eficientes? (início do quarto parágrafo)
(OP41, EP 09, 11.1)
O que faríamos sem a internet? (início do terceiro parágrafo, a conclusão)
(P09, CA 09, 5.0)
Será que vale a pena essa nova era digital? (início do parágrafo conclusivo)
(P34, HL 03, 1.0)
Não deveríamos ser sociedades avançadas? (início da conclusão)
(P40, HL 09, 6.5)
E nessa hora, aonde esta a tecnologia para resolver? (final do penúltimo parágrafo)
(P46, HL 15, 8.5)
E o que o homem faz perante
isso? (meio do quarto parágrafo)
Figura 5: Perguntas retóricas no corpus.
Como vimos, há alguns textos que apresentam mais de uma utilização de
perguntas retóricas, sempre nesses dois momentos: no fim da introdução ou no
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fim do desenvolvimento. Isso demonstra uma certa tendência desses usos, com
uma marcada função argumentativo-persuasiva. Como há ocorrência das
perguntas em todos os três grupos de textos do corpus de análise, não podemos
afirmar que seu uso seja exclusivo de apenas uma região ou estado. Na verdade,
parece ser esse um elemento que transita em várias esferas de uso da linguagem, e
que aparece nesse gênero, uma vez que este tem também marcada função
argumentativo-persuasiva.
Outra questão também relevante é a grande incidência de perguntas
retóricas nos textos de candidatos aos cursos de Comunicação Social da UFV (5
textos), de Engenharia de Produção da UFOP (4 textos) e da área de Humanas e
Letras da PUC-Rio (4 textos). Poderia ser esperado que, por ter maior
probabilidade de ecoar o discurso do meio jornalístico, de cunho altamente
persuasivo, os textos de candidatos ao curso de Comunicação Social
apresentassem um número significativo de ocorrências. Quanto ao grupo de textos
da área de Humanas e Letras da PUC-Rio, por incluir os textos de candidatos de
Comunicação Social, são identicamente esperadas as ocorrências. No entanto,
quando observamos o número de ocorrências de perguntas em textos de
candidatos ao curso de Engenharia de Produção da UFOP, ficamos surpresos e
não temos, em um primeiro momento, subsídios para realizarmos qualquer
interpretação para esse fato.
Além das localizações trabalhadas até agora, temos também a ocorrência
das perguntas retóricas logo no início do texto, em seu preâmbulo. A seguir,
temos a transcrição dos trechos onde elas ocorrem.
Função: Iniciar a apresentação da tese.
(V35, C05, 2.33)
Será que só existe inveja ruim? Não, existe a boa, que seria explicada como admiração. (primeira
linha)
(P01, CA 01, 1.0)
Pressa, para que pressa? (primeira linha do texto)
(P09, CA 09, 5.0)
Estamos realmente virando escravos da nova era digital? (primeira linha)
(P20, E05, 2.5)
Na vida nada se cria tudo se copia sera que
realmente está frase é valida? (primeira linha)
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A utilização das perguntas retóricas logo no início do texto tem a função
de iniciar a apresentação da tese a ser explorada e defendida no decorrer do texto,
não de uma forma corriqueira, mas de uma forma já marcada por um teor
argumentativo. No grupo de textos da UFOP, esse tipo de uso não ocorre, fato que
não é significativo, porque há também nos demais grupos baixíssima ocorrência,
aparecendo apenas uma utilização no grupo de textos da UFV e três no grupo de
textos da PUC-Rio. Devemos atentar, no entanto, sobre a relação que tem a
utilização das perguntas retóricas e o grau de eficiência dos textos, já que todos os
quatro textos que apresentaram usos das perguntas na primeira linha do texto
foram avaliados como ineficientes (1 uso) e medianos (3 usos).
Passaremos agora à abordagem de perguntas retóricas localizadas nos
títulos. Para analisarmos a função das perguntas retóricas que aparecem nos títulos
das redações, utilizamos quatro categorias, que foram identificadas a partir da
apreciação das mesmas: as dicotômicas, que quase sempre intitulam textos que
apresentam argumentos dicotômicos; as reflexivas, que propõem alguma
indagação maior a respeito de alguma questão ampla; as polêmicas, ou seja,
aquelas que sugerem tópicos polêmicos, que não podem ser respondidos apenas
por sim ou não, mas que requerem uma longa discussão a respeito deles; e, por
fim, as criativas, que exprimem algum tipo de humor. As perguntas dicotômicas
estão identificadas em negrito, as reflexivas, em itálico, as polêmicas estão
sublinhadas, e as criativas não têm nenhuma marcação.
(V5, D5, 2.0) “O HOMEM É LOBO DO HOMEM?”
(V9, D9, 2.0) INVEJA: HUMANO OU ANIMAL?
(V24, P09, 3.0) INVEJA: “UM BEM OU UM MAL”?
(V28, P13, 4.33) INVEJA: UM BEM, A QUEM? ATÉ QUAL PONTO?
(V38, C08, 3.0) INVEJAMOS OU SOMOS INVEJADOS?
(V40, C10, 3.0) A TAL INVEJA BOA EXISTE?
(OP14, L14, 16.0) É NÓIS NA FITA ... OU SERÁ NO DVD?
(OP18, T02, 0.0) FUNK OU MPB, QUAL É O SEU FAVORITO?
(P26, E 11, 8.0) INDIVIDUALISMO: SUCESSO OU PRECONCEITO?
(P33, HL 02, 1.0) INTERNET, AVANÇO OU ATRASO?
(P34, HL 03, 1.0) SEM EDUCAÇÃO, QUEM NÃO QUER SEUS 15 MINUTOS DE FAMA?
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(P37, HL 06, 4.5) TECNOLOGIA: NECESSIDADE OU FUTILIDADE?
(P45, HL 14, 8.5) COMO AGIR PERANTE A VIDA DE HOJE?
Figura 6: Conjunto global de perguntas retóricas localizadas nos títulos das redações
É claro que essas categorias não são estáticas, porque uma pergunta
retórica pode ser, ao mesmo tempo, dicotômica, reflexiva e polêmica, por
exemplo; elas são, então, critérios de classificação relativos à maior ou menor
intensidade dos traços expostos nas mesmas, ou seja, é dicotômica a pergunta que
apresenta claramente uma indagação a respeito de duas faces da mesma questão; é
criativa aquela pergunta que apresenta claramente um teor humorístico; é
polêmica uma pergunta em que o traço de fluidez de possibilidades de argumentos
contrários e a favor são múltiplos; é reflexiva a pergunta que está claramente
ativando uma reflexão sobre as coisas do mundo, relativas à tese a ser tratada.
Podemos perceber que as referidas perguntas, independente da sua
natureza, estão servindo para desencadear a construção das idéias dentro do texto,
ou seja, elas servem para preparar o leitor para o modo como ocorrerá a
constituição argumentativa, ou seja, de um modo dicotômico, criativo, reflexivo
ou polêmico.
Outra questão que podemos levantar é a relação da natureza das
perguntas retóricas com o grau de eficiência dos textos.
Exemplos de perguntas dicotômicas
(V9, D9, 2.0) INVEJA: HUMANO OU ANIMAL?
(V24, P09, 3.0) INVEJA: “UM BEM OU UM MAL”?
(P26, E 11, 8.0) INDIVIDUALISMO: SUCESSO OU PRECONCEITO?
(P33, HL 02, 1.0) INTERNET, AVANÇO OU ATRASO?
(P37, HL 06, 4.5) TECNOLOGIA: NECESSIDADE OU FUTILIDADE?
Começaremos pelas perguntas de natureza dicotômica. De fácil definição
e reconhecimento, tratam-se de estruturas de modo interrogativo que se
constituem por meio do questionamento de dois opostos sobre a mesma questão.
Podemos, com o objetivo de analisar a relação dessas perguntas com o grau de
eficiência dos textos, descrever a escolha lexical para denotar os opostos, bem
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como para denotar a própria questão que dá origem à construção argumentativa.
Nos dois primeiros exemplos, podemos ver que a escolha utilizada para situar a
questão foi a palavra “inveja”, central para o desenvolvimento do tema. Podemos
levantar também a questão de que as duas entradas usadas para estabelecer o
paralelo, ou seja, instaurar a dicotomia, pertencem a um mesmo paradigma, que já
faz parte de um sistema de crenças. Dessa forma, apresenta-se o tema “inveja”, e
discute-se se esse sentimento seria humano ou animal (porque são partes opostas
comumente assim relacionadas no sistema de crenças), discute-se também se é um
bem ou um mal (porque essa dicotomia “bem ou mal” também encontra-se situada
num sistema de crenças). Com isso, podemos afirmar que esse tipo de construção
dicotômica remete a uma visão geral do mundo acerca da relatividade das coisas,
uma vez que há uma tentativa de situar a questão dentro dessa totalidade e, dessa
forma, determinar, por meio do movimento argumentativo, a localização da
questão dentro desse todo.
Vemos que o mesmo ocorre nos demais exemplos. Porém, o terceiro
(P26) já teria algo de inesperado, porque a idéia de individualismo não tem uma
relação com o par sucesso-preconceito, inclusive o par não seria de antemão uma
dicotomia. Vemos, então, que não fica, nesse exemplo, tão nítido, tão previsível
quanto nos demais, o direcionamento que terá a construção da argumentação no
decorrer do corpo do texto. Talvez essa quebra de expectativas possa garantir ao
texto um grau de eficiência mais elevado.
Além disso, podemos afirmar que textos que apresentem como título as
perguntas retóricas que trazem dicotomias baseadas em um sistema de crenças já
amalgamado tendem a ser avaliados como menos eficientes, uma vez que a
pergunta pode indicar que o texto será também “amalgamado”, ou pouco
inovador, porque a pergunta traz consigo indícios de como ocorrerá a constituição
argumentativa dos textos. Em contrapartida, o texto que apresentou uma pergunta
retórica dicotômica com elementos que fogem ao referido sistema, foi avaliado
como eficiente, talvez, como já dissemos, por estar apresentando uma quebra de
expectativas, assegurando ao texto uma maior carga argumentativa, por apresentar
o inesperado.
Percebe-se também que a parte positiva da dicotomia aparece sempre
primeiro em todos os casos. A parte negativa vem sempre em acréscimo à parte
positiva, que é enfatizada nesse modelo. Isso talvez ocorra devido ao fato de que
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há uma possível tentativa de expor o que vai ser enfatizado no decorrer do texto.
Percebe-se, com isso, que já há uma preocupação, talvez até inconsciente, já no
título, de se manter uma linearidade textual, apresentando, desde o título dos
textos, a ordem em que as idéias serão colocadas.
Exemplos de perguntas reflexivas
(V5, D5, 2.0) “O HOMEM É LOBO DO HOMEM?”
(V40, C10, 3.0) A TAL INVEJA BOA EXISTE?
(P45, HL 14, 8.5) COMO AGIR PERANTE A VIDA DE HOJE?
Como vemos, esse tipo de pergunta serve para preparar o leitor para a
complexidade dos argumentos que serão apresentados nos textos. Sem maiores
comentários, elas são um índice da estrutura que será construída no decorrer do
texto, da natureza dos argumentos e da reflexividade trazida por eles. São
notadamente reflexivas porque incitam a contemplação de elementos um tanto
quanto profundos, metafísicos, que dizem respeito à existência dos indivíduos
enquanto seres sociais, incluindo valores, moral, atitudes.
As perguntas reflexivas diferem das perguntas polêmicas porque trazem
consigo a possibilidade de desencadearem processos de constituição
argumentativa calcados na reflexão, na busca de um entendimento da relação
entre as coisas, com vistas a uma conclusão quase que já pressuposta por um
sistema de valores, compartilhado socialmente. Por exemplo “O homem é lobo do
homem?” pressupõe uma tendência à reflexão, por meio de preceitos morais e
éticos, ou seja, não é a conclusão o foco do processo de argumentação, mas o
próprio processo em si que rege a constituição do mesmo.
Já as perguntas polêmicas, diferentemente, sugerem possibilidades de
constituição da argumentação que podem tomar infinitos caminhos, gerando uma
gama variada de adoção de idéias, tanto quanto puderem ser sustentadas por
argumentos plausíveis a seu respeito. Por exemplo, “Invejamos ou somos
invejados?” pode originar uma variedade de argumentos que de tão múltiplos não
poderiam se direcionar a um processo de reflexão já pressuposto, como acontece
com as perguntas de cunho reflexivo.
Exemplos de perguntas polêmicas
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(V28, P13, 4.33)
INVEJA: UM BEM, A QUEM? ATÉ QUAL PONTO?
(V38, C08, 3.0)
INVEJAMOS OU SOMOS INVEJADOS?
(OP18, T02, 0.0)
FUNK OU MPB, QUAL É O SEU FAVORITO?
(P34, HL 03, 1.0)
SEM EDUCAÇÃO, QUEM NÃO QUER SEUS 15 MINUTOS DE FAMA?
Sobre as funções das perguntas polêmicas, como já foi mencionado,
podemos dizer que dão direcionamento a amplas possibilidades de condução da
argumentação, que estará ligado à sua natureza.
Terminaremos essa parte com a análise da pergunta abaixo, a única
classificada como criativa.
(OP14, L14, 16.0)
É NÓIS NA FITA ... OU SERÁ NO DVD?
É interessante notar que há nela um movimento claro de apresentação de uma
expressão popular, talvez até mesmo podendo ser admitida como gíria: “É nóis na
fita”. Num segundo momento, há a inclusão inusitada de um questionamento de
uma evolução tecnológica que fez surgir o CD, substituindo a fita cassete, e, por
conseguinte, a criação do DVD, que substitui a fita VHS. Essa evolução
tecnológica está sendo exposta, nesse título, de forma criativa, de forma inusitada,
com teor de humor. Essa redação, como pode se ver, foi avaliada como eficiente,
uma vez que obteve a nota 16,0 que é equivalente a 80%. Vale ressaltar que a
questão do humor será discutida a seguir, uma vez que não somente nos títulos,
mas também no corpo do texto, ela aparece, e poderia estar garantindo a
determinados textos um grau de suficiência elevado.
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6.1.2.4.
Argumentos criativos e inusitados
A título de exemplificação, nesse item, abordaremos a utilização de
argumentos de cunho criativo, inusitado, uma vez que podem estar demonstrando
a capacidade dos candidatos de “manipular” o gênero, o que pode implicar em um
grau elevado de eficiência textual, devido ao uso do humor, em vários casos,
sendo essa uma marca da nossa cultura. Argumentos criativos são aqueles dotados
de alguma quebra de expectativa, de algum efeito de sentido superior ao que
encontramos comumente no modelo de argumentação recorrente no corpus de
análise. Esse efeito de sentido pode ser dotado de humor, de ironia, de paradoxos,
enfim, de variados efeitos de construção inusitados, inesperados.
Segundo Bastos, Pereira e Fernandez (1989), “de todo modo, observamos
que, (...) há um jeito brasileiro de se adaptar ao modelo estrangeiro [de escrita
acadêmica]. Esse ‘jeito’ parece transparecer na preocupação com a originalidade,
com o efeito de sentido, ou nas marcas de prolixidade”. Utilizaremos o texto a
seguir para trabalhar essa questão.
(OP49, EP 21, 20.0
21
)
CHUCHU BELEZA
O ser humano, por instinto, tem necessidade de procurar coisas novas, desconhecidas.
Essa busca leva a sociedade a um tremendo avanço tecnológico, que causa mudanças em todos
os aspectos, inclusive na linguagem.
Essas mudanças tornam-se mais evidentes nos tempos atuais, quando a globalização
bate às nossas portas trazendo informações, diminuindo fronteiras, fazendo o tempo correr mais
rápido. Com tanta tecnologia estrangeira (a maioria com no mês em inglês), o vocabulário fica
cada vez mais americanizado.
Tal fato é satirizado em uma das músicas de Zeca Baleiro – “venha provar meu bread /
Saiba que eu tenho aproach / Na hora do lunch / Eu ando de ferry boat” – que faz humor e ao
mesmo tempo mostra como a linguagem sofre influência das culturas dominantes.
Foi-se o tempo em que brincar na rua era “chuchu beleza”. O chuchu agora é
transgênico e a beleza faz plásticas. Tevê a cabo é que é “maneiro”; tem MTV, HBO e um mon-
te de programas que nos obrigam a seguir a cultura do “amarican way of life”... e esquecemo-
nos do pique esconde.
Com tanta tecnologia, nem sei mais que joga no Flamengo. Assisto, via satélite, aos
jogos do Real Madrid e companhia, todos narrados na língua inglesa. As velhas expressões
que a geração dos meus pais usava, não conheço. As de quando era pequeno, não me lembro.
Posso pesquisar na Internet.
De fato, todo esse avanço tecnológico, principalmente nos meios de comunicação,
contribui para a criação de uma tendência demodè de linguagem que nos faz esquecer que a
cultura linguística brasileira é “supimpa”.
21
Nota equivalente a 100%.
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115
Podemos perceber que, no texto acima, há intensa utilização de
argumentos criativos, ou seja, inusitados, dotados de humor. Esse texto nos serve
para exemplificar uma tendência de uso desse tipo de argumento no corpus de
análise.
Como vemos, os trechos em itálico, que retratam os argumentos criativos
ou inusitados, perfazem quase que metade do espaço do texto. No entanto, cabe
ressaltar que, apesar de apresentar esse contingente de argumentos de cunho
criativo, o restante do texto traz uma configuração séria, madura e que flui com
muita lucidez. Segundo um dos componentes da banca, em conversa informal
durante o processo de avaliação das redações, essa redação, apesar de ter alguns
pequenos problemas formais, deveria ser avaliada como eficiente, com nota
máxima inclusive, por se tratar de um texto extremamente criativo, fato que,
segundo ele, acontece raramente em textos de redação do vestibular, e, quando
acontece, tem que ser valorizado.
Isso parece nos mostrar que, de fato, os argumentos criativos são tipos
que não são recorrentes nesse gênero, não significando que sejam desvalorizados
pelas bancas, que, como vimos, ao contrário, os validam como eficientes.
Passaremos, então, a outro texto, também dotado de argumentos
criativos.
(V29, P14, 5.0
22
)
INVEJA PECADO GLOBAL
Desde os primórdios de nossa era global, a inveja aparentemente nociva e camuflada
tem levado o mundo a várias desgraças. O relato bíblico do primeiro livro da Bíblia revela o
primeiro sangue derramado por consequência da inveja.
Seria possível imaginar um mundo sem olhares invejosos? Sim seria! Seria um mundo
sem homicídios, sem violência verbal e sem tantos outros tipos de violência de que se tem
notícia.
A inveja globalizada não é de agora, ela tem atravessado muitas gerações, tem
destruído reinos e escrito nossa história com sangue.
Ela aparece sutilmente e não se importa com credo, etnia ou posição social. Nestas
últimas décadas se transformou em um monstro, pois ganhou espaço através da globalização e
por meio da competitividade tem espalhado terror por todos os lados.
A inveja global também é capitalista e tem um irmão chamado “interesse próprio”,
quando eles estão juntos o estrago é ainda maior. No romper do capitalismo a inveja e o
interesse próprio prometeram liberdade para mais tarde escravisar, prometeram prosperidade,
para mais tarde oprimir, firmaram alianças para usufruir de poder e mais tarde governar
sozinho.
Hoje nesse mundo globalizado ela esta presente como em todas as mudanças ocorrida
na história e se esse monstro não for vencido, a história futura continuará ser escrita com sangue.
22
Nota equivalente a 100%.
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116
Dotado de um tom trágico, esse texto possui argumentos criativos no
sentido em que apresenta marcas de quebra de expectativa, dotadas de teor
irônico; marcas de exagero, como a atribuição à inveja de ter derramado o sangue,
descrito no primeiro livro da Bíblia, dentre outros; há também pessoalização da
inveja, fazendo com que ela possua poder de ação, como prometer, por exemplo.
Como vemos, essa redação também obteve nota máxima, fazendo com
que se possa pensar, de antemão, que o uso desses argumentos de cunho criativo
estão determinando o grau de eficiência dos textos. Entretanto, apresentaremos a
seguir, um texto, que, apesar de fazer uso dos argumentos criativos, não foi
considerado como eficiente.
(OP1, L01, 0.0)
PREVISÃO DO TEMPO
“Que saudades da terra e da infância querida”. Para quem nasceu até a década de
noventa sabe como é jogar baralho com cartas, pular corda sem precisar ir a academia;
telefonar para alguém rolando o discador, estudar no caderno brochura encapado com papel
presente; ouvir música pelo rádio doméstico, contar o tempo no relógio com algarismos
romanos, viver cada dia sem saber se amanhã poderia ou não chover. No dia-a-dia, o corre-
corre da mãe de família para preparar o almoço e depois ir lavar as roupas no tanque. Chegar
da escola e ir brincar de pique-pega com os vizinhos na calçada, até chegar a hora do pai
chamar para entrar, tomar banho, jantar e dormir.
Chinelos havaiana nos tempos de hoje, são moda. Aproveitar um tempo para descanso
no trabalho e jogar paciência no computador. Ligar para o namorado no celular, só para saber
onde ele está. Ir a academia de ginástica para manter a boa forma. Saber as horas no relógio
digital para ir pegar o filho na escola antes que chova; conforme a previsão metereológica para
o dia. Em casa tudo pronto: roupa lavada e seca pelas máquinas de lavagem e secadora. Lanche
preparado pela empregada doméstica. Tempo para agendar encontros sociais e profissionais.
A família vai bem, tem tudo da última geração, o tempo passou muito rápido e não foi
possível prestar atenção na lua e nas estrelas dessa noite.
Esse texto é, como vemos, constituído única e exclusivamente por
argumentos de cunho criativo, no entanto, foi avaliado como ineficiente, obtendo
nota zero. Talvez pelo fato de apenas retratar ações do passado (primeiro
parágrafo), ações do presente (segundo parágrafo) e uma reflexão sobre a
condição atual da vida (último parágrafo), sem nenhum elo, sem justificativa
alguma que contribua para o andamento da constituição da argumentação, sendo
essa entendida como um caminho para se alcançar a persuasão, o texto tenha sido
avaliado como ineficiente.
Dessa forma, podemos pensar então que, assim como outras categorias
de configuração textual, como o uso de tipos textuais, a adoção de argumentos
criativos, somente é valorizada se estiver contribuindo para a constituição de um
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117
todo, de uma totalidade significante. É preciso que o uso destes argumentos seja
reconhecido como algo que satisfaça as exigências de se ter um texto de base
argumentativa, que esteja em consonância com o propósito comunicativo do
gênero, que, como já foi dito, é atestar, por meio de um texto escrito, formal, visto
como uma totalidade significante, a habilidade e eficiência no trato da linguagem,
com o objetivo de obter aprovação no concurso do vestibular.
6.2.
A redação do vestibular em termos de processos sociais
Esta parte da análise do corpus é complementar à anterior e visa mostrar
como o gênero redação do vestibular pode ser visto em termos de processo social
(Martin, 1993). Nessa parte da análise, daremos um tratamento quantitativo e
qualitativo aos dados.
6.2.1.
O contexto sócio-histórico
Essa parte da análise objetiva a exemplificar os itens lexicais que fazem
referências exofóricas às situações vividas pelos alunos, referentes ao mundo
extra-texto, observando as variações de acordo com as notas e as universidades.
A análise baseou-se no número de ocorrências e nos percentuais de
freqüência de itens lexicais utilizados nos textos como referência ao contexto
23
, e
por isso relacionam-se à visão de mundo (metafunção ideacional) que é construída
nesses textos pelos alunos. Apresentaremos primeiro todas as palavras que se
referem à realidade social, depois todas as que se referem a indivíduos, depois
todas as que fazem referência a questões espaciais e, por último, aquelas relativas
ao tempo. Em cada grupo, procederemos à caracterização da natureza dos itens.
Realidade Social
# % Item lexical
23
Estas freqüências foram calculadas com o auxílio do software MonoConcPro, um programa de
buscas em contexto, tomando-se como base o corpus de 135 redações.
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118
118
1 0,0034% mundiais
10 0,0338% mundial
1 0,0034% mundinho
164 0,5544% mundo
10 0,0338% país
13 0,0439% países
3 0,0101% globais
8 0,0270% global
4 0,0135% globalizada
19 0,0642% globalizado
1 0,0034% globalizados
66 0,2231% globalização
1 0,0034% soceidade
21 0,0710% sociais
35 0,1183% social
1 0,0034% socialismo
2 0,0068% socialistas
2 0,0068% socialmente
100 0,3381% sociedade
5 0,0169% sociedades
1 0,0034% socioeconômicas
15 0,0507% brasil
3 0,0101% brasileira
1 0,0034% brasileiras
3 0,0101% brasileiro
2 0,0068% brasileiros
1 0,0034% brasília
1 0,0034% tecno-científico
94 0,3178% tecnologia
7 0,0237% tecnologias
1 0,0034% tecnologica
2 0,0068% tecnologicamente
1 0,0034% tecnologicas
2 0,0068% tecnologico
1 0,0034% tecnologicos
3 0,0101% tecnológia
9 0,0304% tecnológica
8 0,0270% tecnológicas
21 0,0710% tecnológico
25 0,0845% tecnológicos
1 0,0034% tecnólogicos
2 0,0068% avanso
3 0,0101% avança
2 0,0068% avançada
1 0,0034% avançadas
1 0,0034% avançado
1 0,0034% avançamos
1 0,0034% avançar
27 0,0913% avanço
40 0,1352% avanços
4 0,0135% inovação
10 0,0338% inovações
4 0,0135% modernidade
1 0,0034% moderninha
3 0,0101% modernização
17 0,0575% moderno
4 0,0135% modernos
31 0,1048% evolução
4 0,0135% evoluções
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3 0,0101% lingua
65 0,2197% linguagem
1 0,0034% linguagens
3 0,0101% linguajar
1 0,0034% linguajares
1 0,0034% linguística
3 0,0101% linguísticas
1 0,0034% linguístico
1 0,0034% linguísticos
1 0,0034% lingüís-
1 0,0034% lingüísticas
1 0,0034% lingüístico
1 0,0034% lingüísticos
5 0,0169% expressão
39 0,1318% expressões
1 0,0034% expresões
39 0,1318% comunicação
3 0,0101% comunicações
1 0,0034% informatizadas
2 0,0068% informatizado
2 0,0068% informatização
14 0,0473% informação
26 0,0879% informações
10 0,0338% computador
6 0,0203% computadores
1 0,0034% computadorizado
1 0,0034% computador…
1 0,0034% computação
33 0,1116% internet
12 0,0406% celular
3 0,0101% celulares
25 0,0845% capitalismo
14 0,0473% capitalista
3 0,0101% competitiva
16 0,0541% competitividade
2 0,0068% competitivo
1 0,0034% competitivos
1 0,0034% competitividade
16 0,0541% competição
16 0,0541% consumismo
3 0,0101% consumista
7 0,0237% consumo
12 0,0406% contexto
1 0,0034% situacionais
15 0,0507% situação
7 0,0237% situações
4 0,0135% cotidiana
1 0,0034% cotidianas
16 0,0541% cotidiano
1 0,0034% cotidiano
18 0,0609% cultura
9 0,0304% culturais
7 0,0237% cultural
11 0,0372% culturas
11 0,0372% história
1 0,0034% históricos
Tabela 1: Freqüência de referências à realidade social
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120
120
As ocorrências das entradas que se incluem no primeiro grupo, designado
realidade social, são visivelmente superiores às demais. Isso pode ter acontecido
devido ao fato de que todas as três propostas de redação remetem a questões da
realidade social, tais como globalização e sociedade, dentre outras. Em seguida,
procederemos à descrição da natureza dos termos utilizados para representar esse
mundo extra-texto.
Primeiramente, trabalharemos a natureza dos termos que se referem à
realidade social. Consideraremos os termos a partir de seu número de ocorrências:
aqueles com menos de 10 ocorrências não foram tratados, já que sua freqüência
parece baixa para um corpus de aproximadamente 30.000 palavras analisadas,
correspondendo a percentuais de freqüência inferiores a 0.03%.
Inicialmente, analisaremos a intensa ocorrência do item mundo (e seus
correlatos) que aparecem 176 vezes. Esse item é, de uma forma geral, utilizado
para retratar uma totalidade, uma marcação de generalidade da realidade social.
Isso é interessante se pensarmos que mundo é um item lexical usual, corriqueiro,
facilmente entendido, por retratar o contexto geral. Podemos também dizer que a
idéia de mundo, atualmente, é marcada pela noção de desterritorialização
24
, o que
quer dizer que não existem fronteiras entre as nações, pelo menos em tese. E essa
idéia de um mundo global, sem fronteiras, sem limitações entre os estados-nação é
também materializada na utilização de outros itens, tais como, por exemplo
globalização e seus correlatos, com 101 ocorrências, e país(es), com 23
ocorrências. Há ainda um tipo de entradas lexicais que retratam mais
especificamente a realidade social específica, tais como: sociedade e social e
outros correlatos, com 168 ocorrências.
Percebemos ainda a utilização do item Brasil e correlatos, talvez com o
objetivo de situar, de forma mais objetiva e direta, o contexto da nação em que
vivemos (cf. Oliveira, 2002).
Ainda com relação ao primeiro grupo, podemos propor a existência de
uma natureza comum a algumas das palavras que aí aparecem com freqüências
altas, a que chamaremos de palavras de cunho progressista, que retratam
24
Conceito cunhado por Stuart Hall (2002).
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121
inovações nas mais diversas esferas da realidade social. São elas: tecnologia,
avanços, modernidade, inovação e evolução e seus respectivos correlatos.
Há, também, outro grupo de entradas lexicais que retratam a realidade
social através da linguagem. São elas: linguagem, expressões, comunicação e
informações e seus respectivos correlatos, que refletem um tema dominante da
segunda metade do século XX, a semiótica (Halliday, 1989).
Existe ainda uma outra natureza de entradas que retrata instrumentos
trazidos pelas inovações tecnológicas, representadas por itens como computador,
internet e celular e seus respectivos correlatos. Essas referências representam o
mundo informatizado em que vivem os produtores desses textos.
Cabe ressaltar, contudo, que as entradas lexicais exploradas acima podem
ter ocorrido devido aos temas exigidos, que pediam o tratamento de questões
relativas às mesmas.
Além dessas, há outras que retratam aspectos mais gerais sobre a
existência social, num sentido mais político, relativo a sistemas de trabalho e
forças de coerção social, tais como capitalismo, competitividade e consumismo e
seus respectivos correlatos, que refletem características da sociedade pós-moderna
(Hall, 2002).
Por fim, para concluirmos a descrição da natureza dos itens lexicais nesse
primeiro grupo, apresentaremos entradas que denotam a inserção do indivíduo no
mundo que o cerca. São entradas do tipo: contexto, situação, cotidiano, cultura e
história.
Como podemos visualizar, os itens lexicais agrupados nesse primeiro
bloco, apesar de terem naturezas distintas, apresentam sempre um processo de
referenciação a algo da realidade social, desde a noção global de mundo até a
idéia local de história.
Passaremos, nesse momento, à apresentação dos itens referentes aos
indivíduos.
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Indivíduo
# % Item lexical
20 0,0676% pessoa
1 0,0034% pessoaa
8 0,0270% pessoais
9 0,0304% pessoal
2 0,0068% pessoalmente
130 0,4395% pessoas
80 0,2705% homem
1 0,0034% homem”
2 0,0068% homen
5 0,0169% homens
10 0,0338% humana
10 0,0338% humanas
9 0,0304% humanidade
3 0,0101% humanista
58 0,1961% humano
15 0,0507% humanos
2 0,0068% humanos”
2 0,0068% individuo
13 0,0439% indivíduo
14 0,0473% indivíduos
22 0,0744% relação
42 0,1420% relações
15 0,0507% seres
Tabela 2: Freqüência de referências aos indivíduos
Entradas lexicais relativas aos indivíduos também são muito recorrentes.
A freqüência acentuada destes itens pode estar relacionada às propostas das
redações que, nos três grupos, solicitaram o trabalho da relação dos indivíduos
com a realidade social, quer por meio do tratamento da inveja, sentimento
individual e subjetivo, no contexto da globalização (UFV); quer por meio do
tratamento das inovações da linguagem e o contexto de inovações tecnológicas
atuais, entre a praticidade e o saudosismo, que são posicionamentos subjetivos a
respeito da realidade social (UFOP); quer por meio do tratamento do indivíduo em
meio a inovações tecnológicas, tais como a internet, que remete à realidade social
(PUC-Rio).
Diferentemente do primeiro grupo, este tem entradas que se referem à
constituição dos indivíduos, dos seres sociais. É um grupo que possui apenas seis
entradas, porém com um número grande de ocorrências. Apenas aparecem pessoa,
homem, humano, indivíduos, relação e seres e seus respectivos correlatos. A
natureza desses tipos de entrada é idêntica, ou seja, referem-se aos indivíduos e
suas relações, variando, contudo, quanto ao grau de formalidade de utilização.
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Estas referências relacionam-se à metanfunção interpessoal (Halliday, 1994), já
que mostram os participantes na interação e suas relações.
Parece que pessoas é um tipo de entrada que se caracteriza por um grau
de formalidade inferior ao de homem e este, por sua vez, se caracteriza por um
grau também inferior a humano (que, inclusive, na maioria das vezes, constitui
parte da expressão ser humano). Isso é interessante para percebermos a relação
das escolhas lexicais e o grau de formalidade do gênero, dentro de sua relação
com o discurso acadêmico, sendo o item lexical pessoa e seus correlatos o mais
freqüente, indicando a tendência para a informalidade do gênero, e seu
afastamento dos padrões do discurso acadêmico.
Já o item relação traz consigo subentendida a idéia dos indivíduos, ou
seja, relação entre seres. O item seres é geral, mas indica que são seres humanos.
Em seguida, abordaremos os itens que se referem ao espaço.
Espaço
# % Item lexical
41 0,1386% onde
33 0,1116% lado
4 0,0135% lados
12 0,0406% meio
32 0,1082% meios
14 0,0473% lugar
2 0,0068% lugares
Tabela 3: Freqüência de referências espaciais.
É interessante, dentro dessa perspectiva, que as ocorrências de
referências exofóricas espaciais foram as que menos apareceram no corpus. Isso
pode ter ocorrido devido ao fato de que, além de não ter sido enfatizado nas
propostas um movimento de trabalho de questões espaciais, há também uma
percepção totalizadora do mundo, talvez devido a uma visão globalizada do
espaço, que é também uma característica da sociedade pós-moderna (Fridman,
2000).
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Este é o grupo mais restrito, ou seja, que teve um número restrito de
entradas e número inferior de ocorrências. Como já dissemos anteriormente, isso
pode ter ocorrido devido à questão de que não há, na contemporaneidade, intensa
preocupação com a marcação espacial, tendo em vista a desterritorialização, que
é marcada de forma intensa na cultura globalizada, preponderante na atualidade.
É interessante notar que a marcação espacial mais freqüente foi feita por
meio do item lexical onde, que serve tanto para dar idéia espacial intra-textual, ou
seja, para fazer referência a partes do texto, quanto para estabelecer idéia espacial
extra-textual, isto é, para se referir a algo fora do texto, ou seja, no mundo.
O segundo foi o item lado, que, talvez por ter relação com a utilização
dos argumentos dicotômicos (vide item 6.1.2), e por ter ocorrido, geralmente, em
expressões como por um lado, por outro lado, teve tanta recorrência.
O terceiro foi o item meios, que, por si só, engloba a idéia de direção
espacial. E, por fim, o termo lugar/es que é nitidamente referente à localização
espacial, mas que só aparece 16 vezes no corpus.
Por fim, trataremos dos itens de cunho temporal. Procederemos à
identificação e, posteriormente, analisaremos a natureza dos mesmos.
Tempo
# % Item lexical
4 0,0135% hora
8 0,0270% horas
59 0,1995% dia
8 0,0270% dia-a-dia
3 0,0101% diariamente
17 0,0575% dias
14 0,0473% ano
36 0,1217% anos
14 0,0473% século
2 0,0068% séculos
84 0,2840% vez
38 0,1285% vezes
1 0,0034% momentaneamente
14 0,0473% momento
6 0,0203% momentos
47 0,1589% sempre
43 0,1454% ainda
13 0,0439% enquanto
59 0,1995% quando
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21 0,0710% antes
2 0,0068% passadas
20 0,0676% passado
1 0,0034% passados
13 0,0439% presente
85 0,2874% hoje
13 0,0439% agora
12 0,0406% atuais
30 0,1014% atual
1 0,0034% atualidade
1 0,0034% atualizado
1 0,0034% atualização
11 0,0372% atualmente
10 0,0338% amanhã
12 0,0406% depois
1 0,0034% futura
3 0,0101% futuramente
3 0,0101% futuras
13 0,0439% futuro
Tabela 4: Freqüência de referências temporais
Questões relativas ao tempo foram recorrentes, tendo sido o segundo
grupo com maior número de entradas. Isso pode ter acontecido devido ao fato de
que, também nas propostas de redação dos vestibulares das três universidades
cujos textos compõem o corpus de análise, foi solicitado um trabalho de idéias
que denotasse um movimento de passagem de um estágio anterior para um estágio
atual de desenvolvimento do ser humano, interdependente com as transformações
sociais da realidade.
Notamos que as entradas temporais se subdividem em três grupos,
conforme sua natureza de marcação de uma unidade de tempo, de relação
temporal, e do eixo presente passado e futuro.
No primeiro grupo, incluímos os itens hora, dia, ano e século e seus
correlatos, por se tratarem de entradas que exprimem unidades convencionais de
tempo.
No segundo, temos os itens vez, momento, sempre, ainda, enquanto e
quando e seus correlatos, que, embora não sejam especificamente unidades
temporais, possuem alguma relação com a questão do tempo, quer por meio de
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retratar algum tipo de idéia relativa a um dado ponto na linha do tempo, como
momento e vez; quer por retratar uma idéia de recorrência ou reiteração, como o
sempre; quer por se tratar de uma idéia relativa à continuidade da ação, como o
ainda; quer por apresentar uma idéia de simultaneidade de acontecimentos, como
o enquanto; quer por tratar de uma marcação temporal para situar uma idéia na
linha do tempo, como o quando.
Por fim, chegamos ao terceiro grupo, que trata do eixo passado, presente
e futuro. A idéia de passado é expressa pelas entradas antes e passado e seus
correlatos; a idéia de presente é expressa pelos itens presente, hoje, agora e atual
e seus correlatos. A idéia de futuro, por sua vez, é expressa pelos itens amanhã,
depois e futuro e seus correlatos. É interessante notar aqui que as marcações de
presente são expressivamente mais freqüentes do que as de passado e futuro,
talvez porque haja um maior foco no presente, tendência identitária da
contemporaneidade da superficialidade das coisas, tendência que toma o mundo
numa perspectiva do “aqui e agora” (Hall, 2002). Outra motivação para uma
maior ocorrência de itens que denotem o presente é o fato de que as propostas não
apontaram a necessidade de se trabalhar o futuro, mas sim a relação do passado
com o presente, quanto à constituição dos indivíduos na atualidade e sua formação
enquanto seres históricos. Com relação à ocorrência das marcações de passado,
podemos pensar que, para estabelecer essa idéia, os candidatos, em vários casos,
lançam mão da retratação de momentos históricos passados por meio de locuções
como “Desde sempre, o homem...”, ou “Desde sempre”, dentre outros, não
necessitando, assim, do uso de marcações estritamente temporais para estabelecer
a idéia de passado, tendo em vista que nosso sistema lingüístico possibilita o uso
de outras construções com esta função.
Cabe ressaltar aqui que todas essas entradas temporais tiveram uma
freqüência relativamente baixa, o que pode significar que, devido à sua relação
com o discurso acadêmico, o gênero redação do vestibular apresente baixo índice
de ocorrência de palavras que denotem marcação temporal. Pode-se sugerir que o
objetivismo que permeia o discurso acadêmico está emergindo nesse corpus na
forma da não marcação de tempo.
Como vimos, há uma maior freqüência de marcas exofóricas que
retratem a realidade social, uma ocorrência menos significativa de marcas de
indivíduos e tempo e, por fim, uma baixa marcação de referências espaciais.
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Na última parte desse capítulo, discutiremos a relação da ocorrência de
itens lexicais que remetam à realidade extra-texto e a caracterização do gênero
redação do vestibular com o discurso acadêmico.
6.2.2.
Análise do mundo criado nas redações
Nessa parte da análise, procederemos à identificação e exemplificação do
uso de nominalizações versus processos, que retratam, respectivamente, mundo
das idéias/abstração (nominalizações) e mundo de ações (processos), e que estão
relacionados à metafunção ideacional da teoria sistêmico-funcional (Halliday,
1994).
Segundo Eggins (2004), quanto maior o grau de formalidade do discurso,
maior a tendência desse apresentar graus elevados de nominalização, uma vez que
essas servem para transformar ações em abstrações, em idéias. A ‘redação do
vestibular’, nessa perspectiva, tenderia a uma maior apresentação de
nominalizações em detrimento de processos. Essa parte da análise servirá para
verificarmos se isso ocorre, para, na etapa de discussão dos resultados,
discutirmos a relação desse gênero com o discurso acadêmico.
Para tanto, quantificamos as ocorrências das nominalizações em –ção, -
mento, e –c(i)a, por serem as mais recorrentes em nosso corpus de análise. As
formações regressivas e irregulares não foram consideradas, por terem uma
definição problemática, que fogem do escopo deste trabalho.
O quadro abaixo nos servirá para apresentar o número de nominalizações
versus o número de processos ocorridos em nosso corpus de análise. Cabe
ressaltar que foram quantificadas as nominalizações e processos que tiveram
ocorrência superior a 5, uma vez que consideramos ocorrências inferiores a esse
número pouco relevantes, porque representam apenas 0,0135% do contingente de
palavras do corpus de análise, que se aproxima de 30.000.
Nominalizações
# % Item lexical
66 0,2231% globalização
42 0,1420% relações
22 0,0744% relação
40 0,1352% avanços
27 0,0913% avanço
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39 0,1318% comunicação
39 0,1318% expressões
5 0,0169% expressão
32 0,1082% sentimento
12 0,0406% sentimentos
31 0,1048% evolução
30 0,1014% mudanças
17 0,0575% mudança
26 0,0879% informações
14 0,0473% informação
19 0,0642% desenvolvimento
16 0,0541% competição
15 0,0507% situação
7 0,0237% situações
12 0,0406% superação
11 0,0372% tendência
10 0,0338% conhecimento
10 0,0338% inovações
10 0,0338% produção
10 0,0338% transformação
9 0,0304% transformações
9 0,0304% surgimento
7 0,0237% alterações
7 0,0237% conseqüência
5 0,0169% consequência
7 0,0237% formação
6 0,0203% relacionamento
6 0,0203% solução
6 0,0203% transição
6 0,0203% ações
6 0,0203% utilização
5 0,0169% banalização
5 0,0169% comportamento
5 0,0169% entendimento
5 0,0169% exploração
5 0,0169% influência
5 0,0169% influências
5 0,0169% pensamento
5 0,0169% posição
5 0,0169% preocupação
5 0,0169% substituição
Total:
686
Tabela 5: Freqüência de nominalizações
Como vemos, há um número considerável de nominalizações, com os
sufixos selecionados, constantes do corpus de análise. Agora veremos o número
de processos, que serão apresentados no quadro a seguir. Os verbos foram
agrupados quanto ao seu radical, com todas as suas flexões. Foram incluídos, na
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coluna esquerda da Tabela 6, a natureza, segundo Halliday (1994), e o número dos
processos.
Natureza
# Exemplos
Verbal 43 Falar
Comunicar
Dizer
Existencial 61 Haver
Existir
Mental 209 Ver
Aproveitar
Saber
Querer
Pensar
Olhar
Ouvir
Perceber
Entender
Acreditar
Sentir
Esquecer
Material 793 Fazer
Viver
Ir
Trazer
Levar
Agir
Dar
Escrever
Lutar
Comprar
Consumir
Trabalhar
Relacional 900 Ser
Estar
Poder
Ter
Dever
Parecer
Total 1952
Tabela 6: Freqüência dos processos.
Como podemos notar, há uma maior freqüência do uso de processos
(1952 ocorrências) em detrimento do uso de nominalizações (686 ocorrências) em
nosso corpus de análise. Procederemos à abordagem da natureza dos verbos que
ocorreram. Como vemos, a maioria dos verbos que apareceram são processos
materiais (793 ocorrências) e relacionais (900 ocorrências). Processos materiais
são aqueles que denotam o mundo físico, através de verbos de ação, de
acontecimento, de mudança do estado das coisas. Processos relacionais são
aqueles que atribuem algo, que dão identidade, que simbolizam algo, através de
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130
verbos de estado e de atribuições, retratando um mundo de relações abstratas
(Halliday, 1994).
Outra questão a ser trabalhada é o fato de que, através do corpus de
análise, podemos pensar que a configuração textual desse gênero está dissonante
do discurso acadêmico, uma vez que as redações do vestibular apresentam menor
ocorrência de nominalizações. No entanto, há também grande ocorrência de
processos relacionais, que denotam um mundo de abstrações, o que pode estar
mais de acordo com as propriedades do discurso acadêmico. Já os processos
materiais colaboram para a caracterização das redações do vestibular como mais
concretas, voltadas para ações e não para abstrações e, portanto, mais distantes do
discurso acadêmico.
As ocorrências dos demais processos não tiveram grande expressividade.
Por exemplo, houve baixa ocorrência de processos mentais (209 ocorrências), que
são expressos através de verbos de sensação, pensamento e sentimento. Isso pode
estar em consonância com as proposições do discurso acadêmico, porque implica
em pouca subjetividade. A baixa ocorrência dos demais processos, verbais (43
ocorrências) e existenciais (61 ocorrências), que têm a possibilidade de apresentar
proposições de fatos, de eventos, de coisas e de acontecimentos, parece não
coincidir com expectativas do discurso acadêmico.
Além disso, pode-se dizer que, apesar de menos freqüentes do que os
processos, as nominalizações podem estar indicando, nas redações do vestibular,
a passagem de um discurso menos formal para um mais formal. Essa freqüência,
no gênero redação do vestibular, pode estar indicando que o mundo criado é mais
fortemente caracterizado por ações do que por abstrações.
Sobre a natureza dos processos, pode-se afirmar que: a predominância de
processos materiais pode estar indicando a concepção de um mundo de ações; a
intensa ocorrência de processos relacionais pode estar indicadno um mundo de
abstrações; a baixa ocorrência de processos mentais pode estar indicando um
mundo mais objetivo; a baixa ocorrência de processos verbais e existenciais pode
estar indicando um mundo com poucos referenciais explícitos.
Explorando melhor a noção de nominalização, Fairclough (2001) afirma
que:
Seu objetivo é transformar processos e atividades em estados e objetos, e ações
concretas em abstratas (Fairclough, 2001, p.227).
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Essa citação estabelece uma relação entre nominalizações e processos e a
ocorrência de ambos em um discurso que tenda à formalidade. Como o objetivo
da nominalização, segundo Fairclough (2001), “é transformar processos e
atividades em estados e objetos e ações concretas em abstratas”, podemos dizer
que esse movimento de passagem de um estado mais concreto para um estado
mais abstrato das coisas contribui para a constituição da configuração do discurso
acadêmico. Sobre essa relação, Basilio (1999) afirma que a nominalização é
“enquadramento do verbo numa estrutura nominal”. (Basílio, 1999, p.25).
Além disso, Basílio (1999), a respeito da nominalização, afirma que há
intensa recorrência a este processo no discurso acadêmico (Basilio, 1999, p.25).
6.2.3.
A subjetividade e as identidades discursivas
Nesse item, será realizada a identificação e exemplificação das marcas de
subjetividade, bem como das marcas de não subjetividade ou objetividade mais
recorrentes no corpus de análise. Para retratar a primeira, procederemos a
quantificação do número de ocorrências uso de pronomes de primeira pessoa e,
para a segunda, serão quantificados o número de ocorrência da voz passiva e do
uso da impessoalização, por meio do uso de verbos na terceira pessoa e de formas
nominais.
Para a quantificação do número de marcações de subjetividade, serão
apresentados, no quadro abaixo, primeiramente os itens lexicais que denotam
explicitamente a marcação de subjetividade, como eu e nós. Em seguida, serão
apresentados os verbos em primeira pessoa do singular e do plural.
# % Item lexical
21 0,0710% eu
30 0,1014% nós
7 0,0237% meu
7 0,0237% minha
42 0,1420% nosso
45 0,1521% nossa
Tabela 7: Freqüência de marcadores de subjetividade:
Pronomes de 1ª pessoa
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# % Item lexical
18 0,0609% somos
34 0,1149% estamos
23 0,0778% podemos
24 0,0811% temos
15 0,0507% termos
6 0,0203% tenho
5 0,0169% fazemos
5 0,0169% passamos
5 0,0169% vemos
14 0,0473% devemos
9 0,0304% sei
7 0,0237% sabemos
13 0,0439% vivemos
8 0,0270% percebemos
6 0,0203% acredito
Tabela 8: Freqüência de marcadores de subjetividade:
Verbos na 1ª pessoa
# % Item lexical
98 0,3313% são
44 0,1487% sendo
42 0,1420% seja
41 0,1386% era
29 0,0980% foi
16 0,0541% seria
15 0,0507% foram
14 0,0473% será
12 0,0406% eram
12 0,0406% sejam
8 0,0270% serem
5 0,0169% fosse
78 0,2637% está
37 0,1251% estão
12 0,0406% estar
6 0,0203% estava
70 0,2366% pode
14 0,0473% podem
7 0,0237% pode-se
5 0,0169% podendo
5 0,0169% possa
70 0,2366% tem
46 0,1555% ter
12 0,0406% têm
11 0,0372% tendo
6 0,0203% teve
5 0,0169% tinham
38 0,1285% faz
17 0,0575% fazer
13 0,0439% fazem
10 0,0338% fazendo
6 0,0203% feito
5 0,0169% feita
38 0,1285%
8 0,0270% haver
5 0,0169% havia
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24 0,0811% torna
13 0,0439% tornou-se
10 0,0338% tornou
9 0,0304% tornar
7 0,0237% tornando
7 0,0237% tornaram
6 0,0203% tornam
5 0,0169% torna-se
21 0,0710% passa
12 0,0406% passar
11 0,0372% passam
6 0,0203% passou
20 0,0676% ver
11 0,0372% visto
5 0,0169% vista
5 0,0169%
19 0,0642% deve
17 0,0575% saber
8 0,0270% sabe
8 0,0270% sabem
17 0,0575% viver
13 0,0439% vive
9 0,0304% vivendo
5 0,0169% vivem
16 0,0541% preciso
5 0,0169% precisa
16 0,0541% vão
14 0,0473% vai
9 0,0304% ir
8 0,0270% for
14 0,0473% traz
7 0,0237% trazem
13 0,0439% falar
13 0,0439% quer
9 0,0304% querem
9 0,0304% querer
12 0,0406% acaba
9 0,0304% acabam
12 0,0406% comunicar
12 0,0406% pensar
5 0,0169% pensando
12 0,0406% possuir
7 0,0237% possuem
11 0,0372% deixar
8 0,0270% deixa
7 0,0237% deixando
11 0,0372% leva
6 0,0203% levar
11 0,0372% superar
10 0,0338% existem
10 0,0338% gera
5 0,0169% gerando
10 0,0338% mudar
5 0,0169% mudando
10 0,0338% partir
9 0,0304% fica
8 0,0270% ficar
6 0,0203% ficam
9 0,0304% observar
9 0,0304% olhar
9 0,0304% diz
9 0,0304% dizer
8 0,0270% agir
8 0,0270% ouvir
8 0,0270% parece
7 0,0237% perceber
5 0,0169% percebe-se
8 0,0270% surgem
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134
7 0,0237% chegar
7 0,0237% crescer
7 0,0237% criar
7 0,0237% dar
7 0,0237% entender
7 0,0237% escrever
7 0,0237% lutar
7 0,0237% ocorre
5 0,0169% ocorrem
5 0,0169% ocorrendo
7 0,0237% virou
6 0,0203% acontece
6 0,0203% aumenta
6 0,0203% conseguem
6 0,0203% evoluir
5 0,0169% evoluindo
6 0,0203% facilitar
6 0,0203% perder
6 0,0203% sentir
6 0,0203% sobreviver
6 0,0203% tentam
6 0,0203% transforma
5 0,0169% transformando
5 0,0169% buscando
5 0,0169% causando
5 0,0169% causar
5 0,0169% comprar
5 0,0169% consumir
5 0,0169% continuam
5 0,0169% contribui
5 0,0169% esquecer
5 0,0169% modificando
5 0,0169% resolver
5 0,0169% trabalha
5 0,0169% sofre
5 0,0169% tende
5 0,0169% tomar
5 0,0169% tomou
5 0,0169% aproveitar
Tabela 9: Freqüência de marcadores de objetividade:
Verbos na 3ª pessoa e formas nominais
Como podemos perceber, as entradas lexicais identificadas no corpus que
denotam primeira pessoa, parecem apresentar baixa freqüência. Vemos também
claramente uma tendência maior para o uso de verbos em terceira pessoa e verbos
em formas nominais (infinitivo, gerúndio e particípio).
Finalizando essa parte da análise, reforçamos que houve uma ocorrência
pouco significativa de marcação da subjetividade no corpus de análise em
detrimento da não-marcação, o que pode significar uma aproximação com o
discurso acadêmico.
De forma resumida, cabe dizer que a retratação da redação do vestibular
enquanto processo social está materializada na visão de mundo que têm os
candidatos na produção de seus textos, que pode ser identificada por meio dos
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itens lexicais marcadores de referências exofóricas, por meio da utilização de
processos em detrimento de nominalizações e por meio da marcação ou não da
subjetividade.
Quando os candidatos optam por apresentar um texto que traga
marcações exofóricas, percebemos que há uma tentativa de demonstrarem sua
concepção do mundo, através da linguagem.
Quanto à utilização de processos em detrimento de nominalizações, os
candidatos estão mostrando que constroem o mundo de forma mais concreta e
menos abstrata.
E, por fim, quando há uma maior ocorrência de formas de não marcação
da subjetividade isso quer dizer que os candidatos estão preferindo se manter fora
daquilo que estão dizendo.
Essas três características foram estudadas, portanto, com o objetivo de se
delinear que é a construção do texto das redações do vestibular enquanto processo
social, como vimos, analisando esses índices desses processos.
6.3.
A redação do vestibular em termos do discurso acadêmico
Este item se destina à discussão de questões trabalhadas anteriormente na
análise, buscando relacionar os resultados encontrados para o gênero redação do
vestibular com o discurso acadêmico. Primeiramente, serão sintetizados e
retomados os resultados da análise da redação do vestibular em termos de sua
configuração textual e relacionados ao discurso acadêmico. Após, serão
abordados os resultados da análise da redação do vestibular em termos dos
processos sociais e também relacionados ao discurso acadêmico.
6.3.1.
A configuração textual da redação do vestibular e o discurso
acadêmico
Nessa etapa de apreciação dos resultados, trataremos da questão das
tipologias textuais; da utilização dos movimentos argumentativos padronizados e
a exigência das bancas; e do uso de argumentos criativos ou inusitados que
demonstram que os candidatos sabem utilizar com eficiência o gênero. Todos
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136
136
estes aspectos serão relacionados com a aproximação ou distanciamento do
gênero redação do vestibular com o discurso acadêmico.
6.3.1.1.
Tipos textuais
Neste item, discutiremos o uso de tipologias textuais variadas
(Marcuschi, 2002) e sua relação com o discurso acadêmico, ou seja, se um texto
com base tipológica heterogênea estaria ou não em consonância com as
exigências do discurso acadêmico.
No item 6.1.1, foi feita a caracterização de diferentes tipologias textuais
que aparecem no corpus de análise. Os resultados da pesquisa mostraram intensa
recorrência da mesclagem de tipos textuais na configuração dos textos. Cabe aqui
ressaltar que a tradicional subdivisão de tipos textuais em narração, descrição e
dissertação foi substituída pela abordagem de Marcuschi (2002), a qual aplicamos
à análise do gênero redação do vestibular, sendo identificado no corpus o uso
recorrente de seqüências argumentativas e narrativas.
A partir da análise, pudemos notar que a heterogeneidade tipológica não
se relaciona diretamente com o grau de eficiência dos textos, uma vez que não é a
utilização desta ou daquela tipologia que vai garantir eficiência à redação, mas a
relação que têm as escolhas tipológicas com o todo do texto, admitido enquanto
uma totalidade significante. Dessa forma, houve uso freqüente da seqüência
narrativa tanto no início do texto, no primeiro parágrafo, com o objetivo de situar
a idéia que será apresentada na introdução na linha do tempo e do espaço, assim
como identificamos a recorrência da utilização de seqüências argumentativas nas
etapas de desenvolvimento e conclusão.
No entanto, essa recorrência não tem relação imediata com o grau de
eficiência dos textos, uma vez que tivemos redações que utilizaram quase que
exclusivamente seqüências narrativas (vide exemplo OP32, T 17, 17.25) e que,
ainda assim, obtiveram conceito eficiente (nota equivalente a 86%).
Podemos defender, nessa perspectiva, que o uso de seqüências
tipológicas variadas é uma característica do gênero redação do vestibular e, por
isso, não há necessariamente uma relação do uso de uma seqüência em detrimento
de outras com o grau de eficiência dos textos, uma vez que as escolhas das
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seqüências têm que estar em consonância com o texto em sua totalidade. Este, por
sua vez, tem que estar configurado de forma a atingir seu propósito comunicativo,
que é atestar habilidade lingüística por meio de um texto formal, escrito, a
respeito do tema exigido pela banca, a fim de que o candidato obtenha aprovação
em concurso de vestibular.
Por fim, podemos dizer que o grau de eficiência dos textos está
correlacionado à sua aproximação com o que se convencionou definir como
discurso acadêmico. Entretanto, como vimos, o uso de tipologias textuais variadas
não compromete a realização de um discurso que se aproxima do acadêmico,
porque esse não estabelece distinções quanto ao uso de seqüências únicas,
admitindo a heterogeneidade tipológica constitutiva.
6.3.1.2.
Argumentação
Nessa parte, trataremos dos movimentos argumentativos constantes do
corpus e sua relação com o discurso acadêmico, incluindo a discussão sobre a
adoção de argumentos padronizados, de perguntas retóricas e de argumentos
criativos.
Para procedermos à discussão desses itens, cabe definir que, como vimos
no item 6.1.2, a estrutura argumentativa recorrente em cada grupo da amostragem
é peculiar, apesar de retratarem ou serem materializações de um modelo geral, que
estaria refletindo nossa cultura.
Começaremos pela abordagem da estrutura argumentativa recorrente no
Grupo 1, que compreende os textos da Universidade Federal de Viçosa. Os
resultados da análise mostraram ser relevante para a atribuição do grau de
eficiência dos textos a maneira como o produtor trabalha a relação da inveja, tema
da prova da UFV, com a atual conjuntura social, se ele parte do todo da sociedade
ou se ele aborda simplesmente a inveja no tocante às relações interpessoais. As
relações interpessoais, inclusive, estão ligadas à questão da subjetividade,
relacionadas ao indivíduo, fato que pode contribuir para o distanciamento de
certos textos, que apresentam argumentos de ordem interpessoal, em relação ao
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discurso acadêmico. Isto poderia acontecer, porque, como vimos, este tipo de
discurso tem a pretensão de ocultar o enunciador, produzindo, assim, a utopia da
transparência discursiva, típica desse tipo produção escrita.
Ainda abordando os movimentos argumentativos dos textos do Grupo 1,
identificamos a existência de um modelo argumentativo recorrente, com uma
estrutura em que são acoplados argumentos de teor apreciativo, com intensas
marcas de afetividade, incluindo até julgamentos de valor. Entretanto, este modelo
não está correlacionado à avaliação dos textos como eficientes.
Quanto ao Grupo 2, composto de textos da Universidade Federal de Ouro
Preto, percebemos que é recorrente a justaposição de argumentos dicotômicos e
de argumentos com teor de afetividade. Como vimos, a não inclusão de algumas
redações nesse modelo pode assegurar um diferenciado grau de eficiência destes
textos, fato que foi exemplificado pelas redações OP 31, T 16, 16.75, que
apresentaram uma tomada de posição nítida a favor do desenvolvimento
tecnológico. Embora também apresentem argumentos dicotômicos, os produtores
destes textos não embasam a configuração argumentativa de seus textos nos
mesmos.
Sendo assim, quanto ao Grupo 2, podemos dizer que há um modelo em
que temos: a apresentação de uma tese; apresentação de argumentos dicotômicos
(a favor e contra a tese, sendo isso expresso por algum par dicotômico);
apresentação de uma amplificação (exemplificação, generalização); apresentação
de efeitos (factuais, afetivos, subjetivos); e, por fim, a retomada da tese inicial,
com o objetivo e se apresentar o desfecho do texto. Quando esse modelo inclui
seqüências ou argumentos de teor afetivo, ele passa, então, a pertencer ao modelo
recorrente. E, acima de tudo, esse modelo dotado de teor afetivo, passa a ser
tomado pela banca como não eficiente. Podemos inferir, com isso, que essa
marcação da subjetividade pode estar fazendo com que o texto da redação do
vestibular, no tocante aos movimentos argumentativos, se afaste do que se toma
como discurso acadêmico, por ser este, como vimos, um discurso que tende ao
apagamento do sujeito, incluindo suas percepções valorativas, seus sentimentos,
seus afetos, suas emoções. Uma vez que essa marcação de subjetividade não
garante ao texto um grau de objetividade, típico do discurso acadêmico, pode
haver, por parte da banca, o não reconhecimento da eficiência destes textos.
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Com relação aos movimentos argumentativos no Grupo 3, que
compreende textos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
podemos afirmar que há também recorrência de utilização de argumentos
dicotômicos acoplados a argumentos de teor afetivo. Isso ocorre também, como
vimos, nos outros dois grupos de textos formadores do corpus de análise. Isso
pode ser lido como uma tendência ao não posicionamento com relação ao tema,
daí a apresentação de argumentos que se constituem por dois pólos, contrários,
porém complementares e interdependentes. Essa não tomada de posição pode
retratar um afastamento do discurso acadêmico, uma vez que este tende ao
objetivismo, e, sendo assim, à tomada de posição.
Além disso, o fechamento dos textos, dentro esse modelo de recorrências,
realizado por um argumento de cunho afetivo, também nos indica um afastamento
do discurso acadêmico, devido ao fato e que este pressupõe uma estrutura
argumentativa constituída por argumentos racionais, objetivos e não afetivos.
Em um site direcionado ao público pré-universitário
25
, são apresentadas
dicas de como se estruturar bem uma redação, e, quanto à constituição da
argumentação, enfatiza-se que:
Lidos os textos e entendida a proposta, o estudante pode anotar em um papel as
idéias que vai desenvolver e montar um esquema lógico, lembrando de separar em
tópicos o que quer dizer na introdução e na argumentação.
Dois pontos expressos acima são de extrema relevância para a nossa
discussão. O primeiro é a preocupação com a montagem de um esquema lógico
para o desenvolvimento das idéias acerca do tema proposto, o que demonstra uma
preocupação com a manutenção da lógica na construção das idéias, o que vai
absolutamente ao encontro da concepção de discurso acadêmico. O segundo é a
separação das noções de introdução e argumentação, buscando-se estabelecer uma
diferenciação entre as etapas que denominamos apresentação da tese e
desenvolvimento da mesma. Argumentação, para o autor da reportagem, é o
movimento de apresentação de idéias no decorrer do desenvolvimento do texto,
enquanto que, para nós, é um processo que se relaciona a todas as idéias do texto,
de forma geral, incluindo a configuração da idéias apresentadas na introdução, no
desenvolvimento e no fechamento do texto.
25
Site www.universiabrasil.net, em 20 de dezembro de 2006.
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Podemos afirmar que esse modelo real de textos adotado pelos
candidatos brasileiros para produzirem a redação do vestibular, em que se
acoplam argumentos contrários e complementares a argumentos e cunho afetivo,
retrata o não objetivismo da cultura brasileira.
A citação abaixo, trecho de uma reportagem retirada de um site destinado
também ao público pré-universitário
26
, apresenta de forma nítida o fato de que a
existência da criatividade no gênero redação do vestibular é algo valorizado pelas
bancas, como vimos no item 6.1.2.4, é, por isso, está sendo incentivado:
Ao relacionar as informações, o candidato deve tentar imprimir a sua opinião
sobre o assunto, quase sempre polêmico. Vale ressaltar: a originalidade é um dado
importante. Não é preciso exagerar e correr o risco de se enrolar, mas devem-se evitar
frases-feitas e argumentos prontos. A capacidade crítica do aluno é um grande ponto a
ser levado em conta.
Com relação aos argumentos criativos, podemos afirmar que retratam
também aspectos culturais e são, talvez por isso, valorizados pelas bancas, se
estiverem sendo utilizados juntamente com os outros aspectos constituintes do
gênero redação do vestibular, em sua forma eficiente.
Quanto às perguntas retóricas, cabe salientar que são utilizadas com
propósitos vários, como vimos, o que não compromete sua adequação ao discurso
acadêmico, se estiverem em consonância com o todo do texto e estiverem, acima
de tudo, em consonância com o propósito comunicativo do gênero, que se
relaciona ao poder argumentativo do candidato, por ser este um instrumental para
se interpelar a banca a fim de se obter aprovação em concurso vestibular.
6.3.2.
A redação do vestibular em termos de processos sociais e o
discurso acadêmico
Nessa etapa da discussão dos resultados, abordaremos a redação do
vestibular em termos de processos sociais. Para tanto, discutiremos três principais
questões: se o uso constante de marcas de explicitação do contexto (Biber, 1988,
Oliveira, 1997, 2002) está contribuindo para a construção de um texto pouco
acadêmico; se o uso pouco freqüente de nominalizações (Halliday, 1994) está, da
mesma forma, contribuindo para a realização de um texto pouco acadêmico; e, por
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Site www.universiabrasil.net, em 20 de dezembro de 2006.
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fim, se o uso pouco freqüente de marcas de subjetividade está determinando a
realização de um texto que atende às exigências do discurso acadêmico.
6.3.2.1.
Marcas de explicitação do contexto
Como vimos no item 6.2.1, as marcas de explicitação do contexto foram
muito freqüentes no corpus, o que pode estar retratando um discurso pouco
acadêmico, uma vez que os princípios desse tipo de discurso se baseiam em uma
idéia de universalidade, que, por isso exclui marcas que exteriorizam a realidade
social, os indivíduos, o espaço e o tempo.
No entanto, a natureza das entradas lexicais, juntamente com sua
freqüência, indicam a retratação de um sistema de representações atuais, que
giram em torno da acepção das idéias de realidade social, de indivíduos, de espaço
e de tempo.
Dessa forma, podemos dizer que, embora a intensa ocorrência dessas
marcas retrate a constituição de um texto que não se insere completamente no
modelo do discurso acadêmico, a natureza e a freqüência dessas ocorrências
refletem a nossa realidade, construída por um sistema de representações.
6.3.2.2.
Nominalizações vs. Processos
O pouco uso de nominalizações em oposição ao uso freqüente de
processos (Halliday, 1994), demonstra que a materialização do gênero redação do
vestibular em forma de texto não está em consonância com as exigências do
discurso acadêmico. Este tipo de discurso tende à abstração dos fatos, alcançada
muitas vezes através do uso de nominalizações e não através de processos, que
marcam um discurso mais concreto e informal, centrado em ações.
Cabe ressaltar, no entanto, que, apesar de menos freqüentes do que os
processos, o número de nominalizações é expressivo e pode estar indicando, nas
redações do vestibular, a passagem de um discurso menos formal para um mais
formal. Esse pode ser um fator fundamental que nos leva a considerar a redação
do vestibular como um gênero pré-acadêmico (Oliveira, 1997), ou seja, apresenta
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tanto aspectos de construção formal quanto informal, e outras características que
podem enquadrá-lo parcialmente no discurso acadêmico ou distanciá-lo deste.
Assim, o gênero redação do vestibular pode ser mais especificamente
denominado, em termos do discurso acadêmico, como um gênero pré-acadêmico.
6.3.2.3.
Marcas de expressão da subjetividade
Nessa parte, discutiremos a marcação da subjetividade no gênero
redação do vestibular, confrontando essa questão às exigências do discurso
acadêmico.
Como percebemos, foram observados nos textos poucos tipos de
marcação da subjetividade, ou seja, itens como eu e nós, meu e minha, nosso e
nossa, em comparação com o número de itens que indicam a não marcação da
mesma, como verbos no infinitivo, gerúndio, particípio, verbos impessoais.
A maior freqüência de não marcação da subjetividade pode estar em
consonância com as exigências do discurso acadêmico, por ser este um discurso
que tende a exteriorizar visões universais, olhares generalizadores, que não
estariam cumprindo seus objetivos caso sejam apresentados por meio da
materialização em um texto que explicite a voz do enunciador, por meio das
marcações de subjetividade.
Estes resultados, se relacionados ao discurso acadêmico, servem para
enfatizarmos a classificação do gênero redação do vestibular como sendo um
gênero pré-acadêmico, por mostrar pontos de confluência e pontos e dissonância
com as exigências do discurso acadêmico.
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7.
Considerações Finais
A partir do momento em que a redação, nos concursos vestibulares,
tornou-se obrigatória, várias exigências em torno da realização deste texto têm
sido propostas, causando preocupações para os candidatos. Estas exigências
incluem a abordagem adequada do tema, as escolhas dos tipos textuais, a
estruturação adequada das idéias a partir da adoção de argumentos, a marcação ou
não da subjetividade, a explicitação ou não do contexto extra-texto, bem como a
manutenção de um fio discursivo, em cujas bases toda a configuração do texto se
realizará, e, além disso, o uso da norma padrão.
Esta pesquisa, através do estudo de um corpus de 135 redações,
produzidas em três instituições diferentes, mostrou que o gênero redação do
vestibular possui pontos de confluência e pontos de afastamento em relação ao
discurso acadêmico. Os pontos de afastamento incluem a escolha de seqüências
tipológicas que não contribuem para a configuração do texto enquanto um
construto que indica habilidade no tratamento da tese; o uso de argumentos
dicotômicos e afetivos em detrimento de argumentos racionais e lógicos; a
explicitação do contexto; a predominância de processos em detrimento de
nominalizações, as quais habitualmente caracterizam textos escritos formais. Os
pontos de confluência com o discurso acadêmico identificados nos dados foram,
dentre outros, a não marcação da subjetividade e, em alguns casos, argumentos de
cunho racional, ou seja, argumentos que denotem visões sobre os fatos
fundamentadas em acontecimentos reais, fatídicos, prováveis.
Uma vez que há predominância dos pontos de divergência sobre os
pontos de confluência, neste trabalho, optamos por caracterizar a redação do
vestibular como um gênero que ainda não se enquadra de forma efetiva no
discurso acadêmico, embora também não esteja totalmente afastado deste, devido
à existência concomitante de pontos de confluência.
A tentativa do candidato de se aproximar do modelo esperado pela banca,
uma vez que este quer obter aprovação em concurso do vestibular, faz com que
ele opte entre possibilidades de escolhas desde as formas de constituição de textos
escritos em geral até os critérios de estruturação de um texto acadêmico,
previamente concebido no contrato social e compatível com as expectativas da
banca.
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Dessa forma, podemos dizer que a redação do vestibular é um gênero,
porque possui um movimento de configuração textual recorrente, que reflete um
contexto, uma realidade social, que é, antes de tudo, cultural. Há também o fato de
que este gênero é um dos meios de comunicação de uma comunidade discursiva
particular (Swales, 1990), cujos participantes assumem papéis bem definidos, que
giram em torno dos propósitos comunicativos do gênero, que são principalmente
obter aprovação no concurso do vestibular, por parte do candidato, e selecionar
graduandos, por parte da banca.
Atualmente, pesquisas que explorem a linguagem em sua situação de
uso, ou seja, que tratem da linguagem em sua materialidade sócio-histórica, em
sua aplicabilidade no sistema social, têm grande aceitação no panorama de
estudos lingüísticos voltados para o estudo do discurso no contexto pedagógico.
Dessa forma, esperamos que os resultados dessa pesquisa possam retornar aos
ambientes de ensino, objetivando reflexões sobre a prática pedagógica, uma vez
que, nessa pesquisa, o gênero redação do vestibular foi abordado não somente no
tocante à sua configuração textual, mas também como um processo social,
inerente ao contexto pedagógico brasileiro.
Além disso, cabe ressaltar como este gênero reflete a realidade social. A
questão de maior pertinência é o fato de que as convenções formais da sua
materialização ocorrem devido à sua relação com o social. O cumprimento a um
tema, a seleção de argumentos que o sustentem, a escolha de tipos textuais mais
aceitáveis pertinentes ou recorrentes, a seleção lexical, incluindo aspectos de
explicitação do contexto, bem como de marcação ou não da subjetividade, seriam
nada mais nada menos do que a adequação ao que o candidato imagina ou espera
que seja mais apropriado, visando atingir o objetivo social do referido gênero, ou
seja, ser um instrumento de avaliação da capacidade de produção de textos de
base puramente argumentativa.
Cabe ainda destacar que, a partir do momento em que se entende por
gênero “formas textuais típicas de cada atividade social” (Bazerman, 2005, p.09),
abre-se espaço para se pensar na questão de que todos os gêneros, e, portanto, a
redação do vestibular, seriam “parte de processos de atividades sociais
socialmente organizados” (idem, p.11).
Dentro dessa perspectiva, percebemos uma necessidade futura de
descrever modelos didáticos de ensino de textos escritos e, acima de tudo, de
discutir a aplicabilidade dos mesmos, com o intuito de verificar se esses modelos
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foram utilizados no nosso corpus de análise, ou seja, se os candidatos os usaram e
se as bancas os aceitaram enquanto legítimos e apropriados, atribuindo, assim,
notas satisfatórias.
Segundo Bazerman (2005, p.10), “os gêneros são formas típicas de usos
discursivos da língua desmembradas de formas anteriores, pois os gêneros nunca
surgem num grau zero, mas num veio histórico, cultural e interativo dentro de
instituições e atividades preexistentes”. Por isso, a discussão não só das origens
históricas do gênero redação do vestibular, mas também a sua descrição
lingüística e definição de seu processo atual de modificação, torna-se relevante
para os Estudos da Linguagem, especialmente para os estudos de gênero,
inseridos nesta área de pesquisa. Uma vez que se admite que este gênero é, assim
como qualquer outro, um gênero que possui uma origem sócio-interativa, não
sendo algo estático, cristalizado, amalgamado a um período histórico, espera-se
que outros estudos, no futuro, venham também a enfocá-lo, sob novas
perspectivas, de forma a conhecermos mais ampla e profundamente os aspectos
lingüísticos, sociais e pedagógicos a ele vinculados.
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8.
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