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Universidade
Estadual de Londrina
SANDRA MARIA ALMEIDA CORDEIRO
A BUSCA POR MORADIA: A TRAJETÓRIA DE FAMÍLIAS
MORADORAS EM ÁREAS IRREGULARES NA
POLIGONAL
TURQUINO/MARACANÃ
LONDRINA
2006
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1
SANDRA MARIA ALMEIDA CORDEIRO
A BUSCA POR MORADIA: A TRAJETÓRIA DE FAMÍLIAS
MORADORAS EM ÁREAS IRREGULARES NA
POLIGONAL
TURQUINO/MARACANÃ
D
ISSERTAÇÃO APRESENTADA AO CURSO DE MESTRADO
EM
SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL, DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, COMO
REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO TÍTUTO DE
MESTRE.
O
RIENTADORA: DRA. CÁSSIA MARIA CARLOTO
L
ONDRINA
2006
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2
SANDRA MARIA ALMEIDA CORDEIRO
A BUSCA POR MORADIA: A TRAJETÓRIA DE FAMÍLIAS
MORADORAS EM ÁREAS IRREGULARES NA
POLIGONAL
TURQUINO/MARACANÃ
DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO CURSO DE MESTRADO
EM
SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL, DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA, COMO
REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO TÍTUTO DE
MESTRE.
PROFA. DRA. CÁSSIA MARIA CARLOTO
ORIENTADORA
PROFA. DRA. ROSANGELA DIAS OLIVEIRA DA PAZ
PROFA. DRA. MARIA ÂNGELA SILVEIRA PAULILO
Londrina, ___ de ___________ de 2006.
3
AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus, razão da minha existência.
Ao meu esposo, companheiro de jornada.
Aos meus filhos, genro e neto.
A minha mãe, meu exemplo.
Agradeço a Professora Doutora Cássia pelos valorosos conselhos e ensinamentos que
tornaram possível a conclusão deste projeto.
Agradeço a todos os meus amigos e colegas, imprescindíveis nas situações em que
sempre necessitamos de apoio.
4
CORDEIRO, Sandra Maria Almeida. A busca por moradia: a trajetória de famílias
moradoras em áreas irregulares na Poligonal Turquino/Maracanã. 2006. Dissertação
(Mestrado em Políticas Sociais) – Universidade Estadual de Londrina.
RESUMO
O presente trabalho visa compreender e analisar a trajetória de vida das famílias
remanejadas para a Poligonal Turquino/Maracanã na busca por uma moradia. Através de
pesquisa quanti-qualitativa descreve-se e analisa-se a história de vida de quatro famílias
que moravam em áreas de fundo de vale e institucional do João Turquino, que
participaram do remanejamento proporcionado pelo Projeto Integrado Habitar Brasil BID,
sempre na busca incessante pela moradia. Embora o Programa Habitar Brasil tenha tido
sua eficácia para a população da Poligonal, ainda é muito pontual. A aplicação de uma
política pública de inclusão social deveria ser mais efetiva, para garantir à população,
residente nos assentamentos subnormais, a efetividade do direito social à moradia
Palavras chaves: moradia, desenvolvimento urbano, desenvolvimento sustentável,
assentamento subnormais .
5
CORDEIRO, Sandra Maria Almeida. The search for housing: the trajectory of families
wich live in iirregular áreas in the nesting João Turquino/Londrina. 2006. Dissertação
(Mestrado em Políticas Sociais) – Universidade Estadual de Londrina.
ABSTRACT
The present work aims at to understand and to analyze the trajectory of life of the families
in the Polygon Turquino/Maracanã in the search for a housing. Through quanti-qualitative
research it describes and analyzes the history of life of four families who liveed in deep
and institucional valley areas alocated at Turquino João, who had participated of the
proportionate modification for Integrated Project HBB, in the incessant search for a
housing. Although the Program Habitar Brazil, has had its effectiveness for the population
of the Polygon, it stills very prompt. The application of one public politic of social inclusion,
would have to be more effective, to guarantee to the resident population in the subnormals
nestings, the effectiveness of the social right to the housing.
Words keys: housing, urban development, sustainable development, nesting subnormals.
6
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Reunião com Lideranças das Comunidades – 2002 ................................. 118
Foto 2 – Ocupação em área de fundo de vale – 2002 ............................................. 128
Foto 3 – Imagens de Congelamento da Área em 2002 ........................................... 129
Foto 4 – Vista de uma das Ruas no Turquino em 2002 ........................................... 133
Foto 5 – Vista desta rua após realização do Projeto – 2005 .................................... 133
Foto 6 – Unidade Básica de Saúde – Poligonal Turquino/Maracanã........................ 134
Foto 7 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistado ............................ 154
Foto 8 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistador ........................... 155
Foto 9 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistador ........................... 155
Foto 10 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistador ......................... 156
Foto 11 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistador ......................... 158
Foto 12 – Moradia do Sr. João antes do processo de
remanejamento – 2004 ............................................................................ 164
Foto 13 – Moradia atual do Sr. João – pós remanejamento .................................... 168
Foto 14 – Moradia em área irregular – D. Rosa ....................................................... 176
Foto 15 – Moradia atual de D. Rosa – pós remanejamento ..................................... 183
Foto 16 – Residência antiga de Rita e Carlos .......................................................... 193
Foto 17 – Moradia atual de Rita e Luís – pós remanejamento 2005 ....................... 197
Foto 18 – Rua sem asfalto – 2004 ........................................................................... 206
Foto 19 – Moradia no Fundo de Vale de Sonia e Carlos – 2004 ............................. 208
Foto 20 – Moradia de Sonia pós-remanejamento – 2006 ........................................ 212
7
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 – Localização da Poligonal Turquino/Maracanã ......................................... 123
Mapa 2 – Áreas ocupadas por famílias em fundo de vale e institucionais ............... 124
Mapa 3 – Famílias moradoras das áreas de fundo de vale e
institucionais do assentamento João Turquino ........................................ 127
Mapa 4 – Famílias remanejadas das áreas de fundo de vale e
institucionais da Poligonal Turquino/Maracanã ........................................ 132
Mapa 5 – Equipamentos sociais e públicos localizados na Poligonal ...................... 137
Mapa 6 – Equipamentos sociais públicos e particulares da Poligonal ..................... 140
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – Ocupação em Lotes Parcelados e não Parcelados ............................. 128
Tabela 02 – Remanejamentos efetuados ................................................................ 231
Tabela 03 – Número de Pessoas por Residência .................................................... 142
Tabela 04 – Distribuição da População por Sexo .................................................... 143
Tabela 05 – Composição Familiar ........................................................................... 143
Tabela 06 – Distribuição da População por Faixa Etária ......................................... 144
Tabela 07 – Nível de Escolaridade das Pessoas ..................................................... 145
Tabela 08 – Renda Familiar Bruta ........................................................................... 146
Tabela 09 – Profissões/Habilidades entre as Famílias ............................................ 149
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH Banco Nacional de Habitação
CEF Caixa Econômica Federal
CEM Centro de Estudos Migratórios
CODEL Companhia de Desenvolvimento de Londrina
COHAB/LD Companhia Habitacional de Londrina
COHAB’s Companhias Habitacionais
COTS Caderno de Orientação Técnico Social
CRAS Centro Regional de Assistência Social
DI Desenvolvimento Institucional
EC Estatuto da Cidade
EESC/USP Escola Engenharia de São Carlos – Universidade São Paulo
ESA Educação Sanitária e Ambiental
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMI Fundo Monetário Internacional
GEAIN Gerência Nacional de Acordos Internacionais e Gestão de Cidade
GECOA Gerência Nacional de Controle e Acompanhamento
GIDUR Gerência de Apoio ao Desenvolvimento Urbano
GTR Geração de Trabalho e Renda
HBB Habitar Brasil BID
IBAM Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPPUL Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina
IPPUR Instituo de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional
ITEDES Instituto de Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e Social
MBES Ministério do Bem Estar Social
MC Ministério das Cidades
MNLM Movimento Nacional de Luta por Moradia
MOC Mobilização e Organização Comunitária
OGU Orçamento Geral da União
10
ONU Organização das nações Unidas
PAIH Plano de Ação Imediata para Habitação
PEMAS Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais
PIN programa de Integração Nacional
PNDU Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
PHB Política Habitacional Brasileira
PNH Plano Nacional de Habitação
PPC Projeto de Participação Comunitária
RO Regulamento Operacional
SEDU/PR Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da
República
SFH Sistema Financeiro de Habitação
TPC Trabalho de Participação Comunitária
UAS Urbanização de Assentamentos Subnormais
UEM Unidade Executora Municipal
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNMP União Nacional por Moradia Popular
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 13
1 DIREITO CIDADANIA E EXCLUSÃO SOCIAL .................................................. 19
1.1 A Expansão e a Proteção dos Direitos Humanos ............................................ 19
1.2 Direitos e Cidadania ......................................................................................... 30
1.3 Exclusão Social ................................................................................................ 37
1.4 A Questão do Direito e da Moradia .................................................................. 45
2 POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO ............................ 54
2.1 Políticas de Habitação e Moradia .................................................................... 54
2.2 O Espaço Urbano e a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano ............. 61
2.3 Urbanização e o Processo de Migrações ........................................................ 66
2.4 Assentamentos e Moradias Subnormais ......................................................... 75
2.5 O Desenvolvimento Sustentável e a Moradia .................................................. 88
2.6 O Programa Habitar Brasil BID ........................................................................ 94
2.7 A Política do BID para Habitação .................................................................... 103
2.8 Projeto Integrado Habitar Brasil BID da Poligonal Turquino/Maracanã ........... 109
3 JOÃO TURQUINO: A BUSCA DAS FAMÍLIAS POR UMA MORADIA ............. 122
3.1 Poligonal João Turquino/Maracanã: caracterização do local e dos moradores 122
3.1.1 Histórico do assentamento João Turquino .................................................... 125
3.2 Perfil Sócioeconômico dos moradores da Poligonal ........................................ 139
3.3 As histórias das famílias na busca por uma moradia ....................................... 150
3.3.1 “Assim nasceu o Turquino” história do Sr. João ........................................... 150
3.3.2 “A luta por uma moradia” história de D. Rosa ............................................... 168
3.3.3 “Um pedaço de terreno no João Turquino” história de Rita e Luís ............... 185
3.3.4 “O sonho da casa própria” história de Sonia e Carlos .................................. 199
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 223
ANEXOS .................................................................................................................. 238
Anexos A ................................................................................................................. 239
Anexo A1 – Formulário aplicado nos moradores da Poligonal em 2002 .................. 240
Anexo A2 – Roteiro de entrevista com as famílias ................................................. 244
Anexo B ................................................................................................................... 246
12
Anexo B1 – Barracos de fachada são derrubados pela COHAB-LD ....................... 247
Anexo B2 – Bairro obedece à “Lei do Silêncio” ....................................................... 249
Anexo B3 – Bairros reivindicam terminal de ônibus ................................................. 251
Anexo B4 – Estigma da Pobreza ............................................................................. 253
Anexo B5 – Bairro de cara nova: João Turquino repaginado .................................. 255
Anexo B6 – Miséria atinge 160 mil londrinenses ..................................................... 257
Anexo B7 – A guerra dos meninos .......................................................................... 259
Anexo B8 – Medo expulsa moradores do Maracanã ............................................... 261
Anexo B9 – Morador de assentamento denuncia pedágio ...................................... 263
Anexo B10 – P.M. mantém operação ...................................................................... 265
13
INTRODUÇÃO
O acelerado processo de urbanização no Brasil, nas últimas décadas,
acarretou um quadro de deficiência, no que diz respeito ao desenvolvimento urbano, com
déficit elevado em habitação, saneamento, infra-estrutura e com acesso precário aos
equipamentos públicos e sociais, afetando principalmente a população menos desprovida
de condições econômicas.
O padrão assumido pelo processo de urbanização, juntamente com a
expansão e as transformações no espaço urbano, contribui para a baixa qualidade de
vida de parcela significativa da população, criando nesse espaço formas diferentes de
ocupação.
O período compreendido entre as décadas de 1980 e 1990 reflete as
conseqüências das mudanças que aconteceram em épocas anteriores, Mudanças estas
que intensificaram os desequilíbrios sociais nas cidades e deram visibilidade à
problemática e ao aumento do número de pessoas que vivem em áreas excluídas nos
grandes e médios centros urbanos, principalmente no que se refere à questão
habitacional. Mais precisamente na década de 1990, proliferaram os aglomerados
subnormais
1
, crescendo a ilegalidade e a violência em bairros pobres, o que reforçou e
aumentou a exclusão dessa população.
Porém os grandes centros urbanos, ao longo do tempo, têm sido
percebidos por essa população, como um lugar capaz de propiciar melhoria de qualidade
de vida. Essa perspectiva e o grande número de pessoas em situação de extrema
1
Aglomerado subnormal: assentamento habitacional irregular — favela, mocambo, palafita e assemelhados, localizado
em terreno de propriedade alheia, pública ou particular, ocupado de forma desordenada e densa, carente de serviços
públicos essenciais, inclusive em área de risco ou legalmente protegida (COTS-2003). Tremo utilizado pelo Programa
Habitar Brasil BID
14
pobreza, sem acesso ao mercado formal de moradias, são algumas das causas das
ocupações de áreas consideradas inadequadas para tal.
Segundo dados do IBGE, atualmente na cidade de Londrina, 38,24% da
população ganha até três salários mínimos, existindo muitas moradias em situação de
carência e precariedade de infra-estrutura. No município foram identificadas 9.532
famílias que vivem em assentamentos subnormais, 7.213 dos quais estão localizados em
favelas “regulares”. Isso significa que há cadastro documental desses assentamentos na
Prefeitura, sendo fornecido ao morador um endereço, independente de estar atendido ou
não por infra-estrutura. As demais 2.319 famílias encontram-se em ocupações irregulares
ou clandestinas.
Desde sua criação, Londrina apresentou um crescimento constante,
consolidando-se atualmente como o quarto município do Sul do país e é conceituada
como ponto de referência econômica, política e cultural do Norte do Estado do Paraná,
exercendo grande influência no desenvolvimento regional, no que tange à fatores da
modernização da agricultura, industrialização, comércio e serviços. Tais fatores são
decorrentes da maneira como foi ocupada e colonizada. Além disso, apresenta uma
dinâmica populacional expressiva em razão dos consecutivos processos migratórios,
tanto em nível nacional como estadual, destacando-se, também, os deslocamentos intra-
urbanos.
Pela sua prosperidade econômica, pelo seu crescimento nas atividades
urbano-industriais e pelos excelentes recursos no setor de serviços, associados aos
diversos ramos da economia voltados a suprir as necessidades diversas da população,
Londrina continua atraindo contingente populacional de vários pontos deste imenso país.
São pessoas e/ou famílias que buscam, na maioria das vezes, melhores condições de
15
vida (emprego e moradia) e acabam, diante da impossibilidade de realizar seus sonhos,
experimentando a degradação socioeconômica.
Frente a esse quadro, o objetivo geral deste trabalho é descrever e
analisar a trajetória das famílias moradoras que ocupam áreas irregulares do
assentamento João Turquino no município de Londrina, partindo da experiência
profissional desta autora, como assistente social em projetos habitacionais.
Como objetivos específicos definimos:
Refletir sobre a concepção de Direito e o Direito à Moradia;
Investigar o processo de exclusão das famílias das camadas
populares no espaço urbano, na busca por moradia;
Conhecer a proposta de desenvolvimento urbano do programa Habitar
Brasil BID;
Identificar as propostas de políticas públicas do município relacionadas
à moradia;
Identificar os avanços e conquistas do Programa Habitar Brasil BID
referentes ao acesso a espaço urbano na perspectiva do
desenvolvimento sustentável.
Trata-se, portanto, de uma pesquisa quantitativa e qualitativa, que utiliza a
abordagem sócio-histórica por entender, segundo Freitas (1996), os sujeitos como
históricos, reais, marcados por uma cultura, criadores de idéias e dotados de consciência.
Tais sujeitos ao produzirem e reproduzirem a realidade social, são ao mesmo tempo
produzidos e reproduzidos por ela.
Segundo a autora acima citada, o pesquisador faz parte da própria
situação de pesquisa. A neutralidade é impossível, portanto sua ação e também os efeitos
que esta propicia constituem elementos de análise. Bakhtin (apud FREITAS,1996) fornece
16
subsídios para essas idéias afirmando que o critério que se busca numa pesquisa não é a
precisão do conhecimento, mas a profundidade do alcance e a participação ativa tanto do
investigador quanto do investigado. Portanto o pesquisador, durante o processo de
pesquisa, é alguém que está em processo de aprendizagem, de transformações assim
como o pesquisado. Neste caso, o momento da história está acontecendo na vida das
famílias e a pesquisadora contacta-se com elas profissional e tecnicamente.
Para alcance dos objetivos propostos neste trabalho, foi realizada
pesquisa documental e entrevistas semi-estruturadas. A pesquisa documental deu-se
através da compilação de informações contidas no Projeto de Trabalho de Participação
Comunitária
2
do Habitar Brasil BID da Poligonal
3
Turquino/Maracanã, de documentos
elaborados pela COHAB-LD para realização do convênio junto ao Ministério das Cidades;
do levantamento de reportagens de jornais locais (Folha de Londrina e Jornal de
Londrina), além do material fotográfico e do mapeamento do local.
Para melhor conhecer o universo da pesquisa foi elaborado o perfil dos
moradores da Poligonal Turquino/Maracanã, através da utilização do levantamento
censitário realizado em janeiro de 2002, utilizou-se formulários com questões
estruturadas, aplicados através de entrevistas individuais a 1.178 famílias. Os dados
foram coletados, tabulados e utilizados na época (2002) para compor o diagnóstico
integrado que contribuiu para elaboração do Projeto integrado Habitar Brasil BID da
Poligonal Turquino/Maracanã.
2
O Projeto de Trabalho de Participação Comunitária do HBB da Poligonal faz parte de um Projeto Integrado
elaborado em 2002 e que está atualmente sendo executado na Poligonal Turquino/Maracanã, local onde
residem as famílias que constituem o objeto desta dissertação.
3
O Assentamento João Turquino faz parte da Poligonal Turquino/Maracanã, assim definida para a
intervenção do Poder Público. Chama-se Poligonal por constituir a junção de duas áreas que apresentam
características semelhantes.Esta informação está contida no levantamento feito pela COHAB-LD para o
Habitar Brasil.
17
O número de famílias atendidas pelo processo de remanejamento
4
do
Projeto Integrado Habitar Brasil BID, é 116. Em 1997 essas famílias edificaram suas
moradias em áreas de fundo de vale
5
e institucionais
6
, onde residiram até o ano de 2005.
A partir desse ano, as 116 famílias foram remanejadas dessas áreas para lotes
parcelados dentro da Poligonal Turquino/Maracanã. Destas selecionaram-se quatro para
entrevista.
Para compreensão do processo de ocupação, e da busca dessas famílias
por uma moradia, fez-se necessário, construir tal trajetória, através da “história de vida
tópica”
7
das quatro famílias selecionadas aleatoriamente entre as que tinham mais tempo
de moradia no local e moravam no assentamento desde sua fundação. As entrevistas
foram realizadas individualmente, autorizadas, gravadas e transcritas na sua íntegra.
Foram previamente agendadas com as famílias, através de visitas sendo-lhes exposto o
objetivo da pesquisa. Realizou-se um pré-teste para averiguação da confiabilidade e
objetividade do estudo proposto. Utilizou-se um roteiro prévio. As famílias convidadas
demonstraram satisfação em relembrar e descrever suas histórias. Uma entrevista
ocorreu no Centro Comunitário da Poligonal e três nas moradias dos entrevistados.
Também foi utilizada a observação, por ser este um importante instrumento para o
pesquisador na dinâmica do cotidiano da vida das pessoas.
4
Remoção temporária ou definitiva de famílias, com relocação na própria área, para permitir o
desenvolvimento do projeto de urbanização (COTS – 2003).
5
Fundo de vale ou área de preservação permanente: Plano Diretor (1997) Art. 5º inciso VI reza que área de
preservação ambiental são áreas destinadas a preservar o ambiente natural do terreno com a cobertura
existente, complementando no seu inciso XIV define também que “áreas especiais de fundo de vale são
áreas destinadas à proteção dos corpos d`água“.
6
Área institucional: área destinada a sistemas de circulação, implantação de equipamentos urbanos e
comunitários, bem como espaços livres de uso público, instituídas na aprovação de um loteamento.
7
A história de vida tópica, conforme Denzin (1973)“ apresenta as experiências e as definições vividas por
uma pessoa, um grupo, ou uma organização e como estes interpretam sua experiência”. O trabalho enfoca
o período desde o momento em que essas famílias ocuparam essa área pública e como estas vivenciam o
ato do remanejamento involuntário. A seguir: transcrevem-se as entrevistas na sua íntegra, analisando o
conteúdo e utilizando suas fases para análise e interpretação.DENZIN (apud MINAYO,1999)
18
A análise das entrevistas faz-se a partir das trajetórias individuais,
abordando cada uma em separado, com utilização de nomes fictícios. Em cada história
procurou-se analisar aspectos relevantes da trajetória e do momento em que ocorreu a
ocupação e que, no conjunto, possibilitou reflexões e análise da busca pela moradia.
Nesse sentido, em cada história foram enfatizados determinados aspectos.
Na primeira entrevista, os aspectos valorizados foram a história do
assentamento, bem como o processo de ocupação das áreas irregulares e a luta dos
moradores para dotar de infra estrutura mínima o local.
Na segunda entrevista o relevo esteve na história da família, na expulsão
do campo, na migração para a cidade, na busca por um abrigo e nas dificuldades
encontradas. Depois na nova moradia e no significado dela.
Na terceira entrevista são de importância a migração interna de cidade
para cidade, o aluguel, a invasão, as condições urbanas, a violência, o remanejamento e
o significado da nova moradia para a família.
Na quarta entrevista observa-se o processo de migração urbana para
outro estado, outra cidade, as condições urbanas, as dificuldades encontradas, a questão
do fundo de vale, a posse e titularidade, a mudança e o significado da moradia.
O principal eixo de análise apontada pelas entrevistas foi o processo de
exclusão/inclusão, entendendo-se a busca por moradia no espaço urbano na perspectiva
dos direitos sociais e da cidadania.
Dessa forma, buscou-se, no decorrer das entrevistas e com a
permanência do pesquisador em campo, abordar questões que propiciem reflexões sobre
a situação presenciada na realidade das famílias em estudo, tanto em sua dimensão mais
concreta e visível, quanto em sua dimensão subjetiva, no intuito de apontar indícios de
19
reversão dessa situação, com vistas à busca de soluções para os inúmeros problemas
sociais encontrados no local.
O trabalho está organizado em três capítulos. O primeiro capítulo tem
como proposta conhecer a perspectiva dos direitos sociais, a cidadania e a exclusão
social, vendo a moradia como uma das necessidades básicas para o ser humano na luta
pela sua sobrevivência.
O segundo capítulo é dedicado a mostrar o espaço urbano, a política
nacional de desenvolvimento urbano, bem como o processo migratório e a formação dos
“aglomerados subnormais” e “assentamentos urbanos” em Londrina, segundo
classificações do IBGE e da COHAB-LD. Enfatiza-se, ainda, a intervenção do Poder
Público Municipal, a começar pelas classificações e definições por ele empregadas.
Aborda, brevemente, a trajetória e a gênese desses aglomerados subnormais
(assentamentos urbanos, favelas e ocupações irregulares). Destaca-se ainda, as
estratégias do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com seus objetivos de
desenvolvimento sustentável, de redução da pobreza e promoção da eqüidade, no
desenvolvimento do Programa Habitar Brasil BID com seu processo de implementação no
município de Londrina.
No terceiro capítulo descreve-se a história da Poligonal
Turquino/Maracanã, apresentando as características gerais desse bairro, com um breve
histórico de sua formação, as condições de infra-estrutura e o perfil socioeconômico dos
moradores. Contempla ainda, no referido capítulo, aspectos da história de vida e
dificuldades enfrentadas pelas famílias entrevistadas, através da trajetória em busca de
uma moradia. Além disso, procura-se aprofundar a discussão acerca das relações entre
processos de exclusão social e políticas públicas, como forma de reverter a situação dos
moradores através da operacionalização do Projeto Integrado HBB.
20
1 DIREITO, CIDADANIA E EXCLUSÃO SOCIAL
1.1 A Expansão e a Proteção dos Direitos Humanos
Esse primeiro capítulo tem como proposta entender a questão dos
direitos, fazendo um breve resgate histórico de seus fundamentos, e dos estudiosos que
contribuíram para essa discussão. Neste contexto discutir-se a questão da moradia sob a
perspectiva dos direitos sociais, da cidadania e da exclusão, entendendo-se a moradia
como uma das necessidades básicas para o ser humano na luta pela sua sobrevivência.
Estamos diante de um cenário social que põe para as sociedades e,
conseqüentemente, para os indivíduos questões complexas ligadas a sua condição de
sobrevivência.
O conjunto de direitos humanos fundamentais visa:
[...] garantir ao ser humano, entre outros, o respeito ao seu direito, a vida, a
liberdade. À igualdade, bem como ao pleno desenvolvimento da sua
personalidade. Eles garantem a não ingerência ao estado na esfera individual e
consagram a dignidade humana.
Segundo Bussinger (1997), os direitos do cidadão constituem-se como um
dilema histórico, uma vez que sua resolução não encontrou ainda uma resposta definitiva.
Sua configuração estimula lutas e tem por objetivo abolir ou instituir formas de relações
sociais.
A autora, fundamentada em Marshall, Bobbio, Barbelet, Boaventura, e em
outros, entende os direitos como formação e produtos históricos. São históricos:
21
[...] pois estão invariavelmente relacionados a certas circunstâncias e a
determinada sociedade e também respondem as aspirações concretas do homem
enquanto membro de determinada sociedade (BUSSINGER, 1997 pg.70).
Portanto, para autora, a concretização dos direitos desenvolve-se numa
conjuntura de lutas em defesa de novas liberdades, ou contra velhas formulações de
direitos e deveres que já caducaram no tempo.
Segundo Tavares (2002), a expressão direitos humanos fundamentais é a
que melhor qualifica os direitos humanos:
Muitas têm sido as expressões utilizadas para denominar uma mesma realidade,
no caso, a referente aos direitos fundamentais do homem. Sobre esse aspecto,
Celso Albuquerque Mello indica ao menos uma das razões da confusão: ‘Na
verdade, a imprecisão terminológica não é uma característica do Direito
Internacional dos Direitos do Homem, mas do Direito Internacional Geral que para
obter uma aceitação necessita de uma imprecisão ou ambigüidade (sic). Esta é,
muitas vezes, desejada, como ocorre nos direitos do homem’ [...] Assim é que são
indistintamente empregadas as seguintes expressões: direitos naturais, direitos
humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos
liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem
(TAVARES, 2002, p.356).
Bonavides estabeleceu dois critérios formais para concretização dos
direitos fundamentais:
Pelo primeiro, podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos
ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional.
Pelo segundo, tão formal como o primeiro os direitos fundamentais são aqueles
direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de
segurança; ou são imutáveis ou pelo menos de mudança dificultada, a saber
direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição (2000, pg.
520).
Para o autor, os direitos fundamentais, do ponto de vista material, irá
variar conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios
com que a Constituição os consagra. Segundo ele, os direitos fundamentais, na sua
essência, são os direitos do homem livre isolado, os direitos que ele possui em face do
Estado. E acrescenta:
22
Numa acepção estrita são unicamente os direitos da liberdade, da pessoa, da
pessoa particular, correspondendo de um lado ao conceito do Estado burguês de
Direito, referente a uma liberdade, em princípio limitado, mensurável e controlável
(BONAVIDES, 2000 p. 521).
Para Sugai (2004, p. 17) esta citação ilustra o entendimento de que os
direitos fundamentais representam aspecto importante da organização estatal, porque a
sua instituição implica correspondente limitação dos poderes do Estado, de tal forma que
ao seu efetivo exercício pelo indivíduo corresponde a vigência de regime político
democrático, que preserva os direitos individuais. Com efeito, onde não há respeito aos
direitos fundamentais vigora o arbítrio, o abuso e a violação das liberdades.
Para compreender a idéia que iluminou o movimento de conquista dos
direitos Couto (2004) elenca dois paradigmas que deverão ser observados; o primeiro
defendido pelos jusnaturalistas
8
que compreendem o exercício da cidadania como algo
inerente à condição humana, fundada na lógica apriorística, em virtude da qual a natureza
humana, por si só, é detentora de direitos. O segundo representado pela idéia de que os
direitos são resultado do movimento histórico em que são debatidos, correspondendo ao
homem concreto e às suas necessidades e delimitado pelas condições sociais
econômicas e culturais determinadas pela sociedade (COUTO, 2004, p. 32).
Diz Bobbio:
Os direitos do homem são direitos históricos que emergem gradualmente das lutas
que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das
condições de vida que essas lutas produzem (1992, p. 32).
Segundo o autor, os direitos dos homens não são absolutos, nem
abstratos, pois não estão colocados na “natureza” do ser humano, mas são construções
8
Jusnaturalista – doutrina filosófica do jusnaturalismo defende a idéia dos direitos serem inerentes à
condição humana.
23
históricas, que emergem dos embates das forças sociais presentes na sociedade,
dependendo da forma como eles se relacionam entre si. Eles são:
[...] direitos históricos, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas
em defesa de novas liberdades, contra velhos poderes e nascidos de modo
gradual, não todos de uma só vez e nem todos de uma vez por todos (BOBBIO,
1992, p. 5).
Segundo Marshall (1967), os direitos civis foram conquistas efetivadas no
século XVIII, já os direitos políticos no século XIX, enquanto que os direitos sociais são
conquistas realizadas no século XX.
Couto (2004) diz que a introdução dos direitos sociais como enunciadores
da relação entre Estado e sociedade está vinculada a um Projeto de Estado Social que se
constitui um novo patamar de compreensão dos enfrentamentos da “questão social”
entendida por Iamamoto como:
O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista moderna,
que tem uma raiz comum: a produção social cada vez mais coletiva, o trabalho
torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos
mantém-se privada, monopolizada por parte da sociedade e que incorpora-se às
conquistas dos direitos civis e políticos (1998, p. 27).
É neste contexto que a história do surgimento e consolidação dos direitos
fundamentais previstos nas constituições são referendados por grande parte dos
constitucionalistas como “gerações” dos direitos fundamentais. Mas, segundo Tavares, o
termo “gerações” pode levar ao cometimento do erro:
[...] na medida em que dela se deduz uma geração se substitui, naturalmente à
outra, e assim sucessivamente, o que não ocorre, contudo, com as “dimensões”
dos direitos fundamentais. Daí a razão da preferência pelo termo “dimensão”
(2002, p. 357).
24
Bonavides (2000) arrola quatro grandes diferenciações de sentido e
alcance dos direitos humanos, as quais operam em sucessivos períodos de formação,
não uma em substituição à outra, mas sim, no Estado Social de direito com um
fortalecimento contínuo em face das novas exigências das pessoas e das sociedades
através de uma interpretação integrada, de acordo com a necessidade de harmonia e
concordância prática.
Os direitos da primeira geração, conforme o autor, são os direitos da
liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os
direitos civis, políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico,
àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Complementando Couto (2004)
diz que os direitos civis e políticos são exercidos pelos homens, individualmente, e têm
como princípio opor-se à presença da intermediação do Estado para o seu exercício, pois
é o homem, fundado na idéia da liberdade, que deve ser o titular dos direitos civis,
exercendo-os contra o poder do Estado, ou, no caso dos direitos políticos, exercendo-os
na esfera de intervenção do Estado. Enfim traduzem-se como faculdades e atributos da
pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço característico. São direitos de
resistência ou de oposição ao Estado (COUTO, 2004, p. 34).
Bobbio declara-se convencido de que o problema grave do nosso tempo,
com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-
los. Segundo ele,
não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua
natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos,
absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los
para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam
continuamente violados (1992, p. 25).
25
O autor apresenta um avaliação positiva e otimista: para ele, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem solucionou o problema do fundamento dos direitos
humanos e se constituiu como uma espécie de “certeza histórica” de que a humanidade
como um todo “partilha alguns valores comuns”. Segundo ele, há um consenso geral em
torno da validade e universalidade destes valores e este é um fato altamente significativo
na história mundial contemporânea. Afirma ainda que com esta Declaração, pela primeira
vez na história, um sistema de valores é universal, não em princípio, mas de fato, visto
que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da
comunidade futura de homens foi explicitamente declarado
[...] (assim), podemos, finalmente crer na universalidade dos valores, no único
sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que
universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido
pelo universo de homens (BOBBIO, 1992, p. 28).
Se os direitos civis dominaram os séculos passados, os direitos sociais,
que são os de segunda geração, dominam o século XX. São eles, segundo Bonavides
(2000), os direitos sociais, culturais e econômicos, assim como os direitos coletivos ou de
coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado Social,
depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. “Estão
entrelaçados com o princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo
equivaleria a desmembrá-los da razão de ser e os ampara“ (BONAVIDES, 2000, p. 517).
Segundo o autor, os direitos sociais foram remetidos à esfera
programática, em virtude de não conterem, para sua concretização, aquelas garantias
habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da
liberdade. Atravessaram uma crise de observância e execução, e desde as Constituições,
e aqui se inclui o Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais.
26
Para Bonavides:
Os Direitos Sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto
salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos
da liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e
aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro
tradicional da solidão individualista,onde se formara o culto liberal do homem
abstrato e insulado, sem a densidade dos valores existenciais, aqueles que
unicamente o social proporciona em toda a plenitude (1999, p. 519).
Para Couto (2004), os direitos sociais são exercidos pelos homens por
meio da intervenção do Estado, que é quem deve provê-los. Os homens buscam o
cumprimento dos direitos sociais no âmbito do Estado, embora muitas vezes ainda o
façam de forma individual. Segundo ela, são direitos que se apóiam na idéia de igualdade,
constituída em meta a ser alcançada, em vista da qual busca-se sempre enfrentar ou
minimizar as desigualdades sociais. Representam, segundo Bobbio (1992), poderes, que
são entendidos como direitos de créditos do indivíduo em relação à coletividade.
Expressam-se pelo direito à educação, à saúde, ao trabalho, à previdência, ao lazer, à
segurança, à proteção à maternidade e à infância, à assistência, à habitação.
Couto (2004) ressalta que os direitos sociais possuem caráter
redistributivo e buscam promover igualdade de acesso a bens socialmente produzidos, a
fim de restaurar o equilíbrio para a coesão social.
Para Bobbio (1992), partem das aspirações ideais quê, ao serem
proclamadas, não dão garantias de seu usufruto, pois o direito reivindicado não se traduz
necessariamente em direito reconhecido e protegido.
Já Bonavides (2000, p. 523) entende que os direitos sociais são dotados
de altíssimo teor de humanismo e universalidade e tendem a cristalizar-se enquanto
direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo,
de um grupo ou de um determinado Estado. Tem por destinatário o gênero humano
27
mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em relação à
existencialidade concreta.
Segundo o autor, os que se enquadram nos direitos de terceira geração
são os enunciados como direitos de desenvolvimento, paz, meio ambiente e auto-
determinação dos povos, as que estão calcados na idéia da solidariedade e têm reflexos
na atual Constituição. São de natureza coletiva e também difusa, pois não apenas os
indivíduos assumem a titularidade, mas famílias, povos e nações que o requerem.
Complementa Couto (2004) que os direitos de terceira geração são
entendidos como fruto da evolução das relações entre povos e, principalmente, como
respostas a conflitos gerados por opressão política e ou econômica, que trazem
conseqüências que devem ser assumidas coletivamente.
Bonavides (2000) observa que esse direito é apenas indicativo daqueles
que se delinearam em contornos mais nítidos contemporaneamente; é possível que haja
outros em fase de gestação, podendo o círculo alargar-se à medida que o processo
universalista se for desenvolvendo.
Tratam de um tema ainda controvertido os direitos de quarta geração,
conforme alguns autores, entre os quais Bonavides (2000) coloca que são relativos à
democracia, à informação e ao pluralismo, deles dependendo a concretização da
sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual
parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.
Couto elenca dois documentos que foram essenciais e centrais no
processo de elaboração da garantia legal no campo dos direitos. São eles a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão pela Assembléia Nacional Constituinte Francesa em
1789 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU em 1948 (2004, p. 36).
28
Bonavides (2000, p. 527) destaca que a Declaração Universal dos Direitos
do Homem de 1948, o humanismo político da liberdade, alcançou seu ponto mais alto no
século XIX. Trata-se de um documento de convergência de anseios e esperanças,
porquanto tem sido, desde sua promulgação, uma espécie de carta de alforria para os
povos.
O autor conclui que a partir dessa interpretação se pode partir para a
asserção de que os direitos da segunda, da terceira e da quarta gerações não se
interpretam, concretizam-se, e é nesta concretização:
que reside a globalização política, o seu principio de legitimidade, a força
incorporadora de seus valores de libertação. Muito se tem falado em globalização
econômica, cultural, mas globalização política só se chega o silêncio e o
subterfúgio neoliberal da reengenharia do Estado e da sociedade. Imagens de um
futuro nebuloso onde o homem e sua liberdade; liberdade concreta parece haver
ficado de todo esquecidos e postergados (BONAVIDES, 2000, p. 524).
A história dos direitos para Bonavides (2000) e as dos direitos
fundamentais de três gerações sucessivas e cumulativas, a saber, direitos individuais,
direitos sociais e direitos difusos; é a história da liberdade moderna, da separação e
limitação de poderes, da criação de mecanismos que auxiliam o homem a concretizar
valores cuja identidade jaz primeiro na sociedade, não nas esferas do poder estatal.
Assevera Bobbio:
direitos que vão se expandindo na medida em que determinada fatia da sociedade
tem força e legitimidade para acessar, pois” são direitos históricos, ou seja,
nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas
liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma
vez e nem de uma vez por todas (1992, p. 5).
Quando nos remetemos à realidade brasileira, podemos verificar que
principalmente os direitos sociais foram positivados e ampliados com a Constituição
Federal de 1988.
29
Somente na Constituição é que o acesso universal ao sistema de saúde é
promulgado, a assistência reconhecida como componente da seguridade social, a gestão
administrativa descentralizada inserindo-se o conceito de controle social, a transformação
das creches em um serviço educacional, a gratuidade do ensino público em todos os
níveis, e outros mais.
[...] importantes e significativos avanços foram construídos, acarretando novas
configurações e novas concepções para a área dos direitos civis, políticos e
sociais, expressas numa nova forma de organizar e gestar o sistema de
seguridade social brasileiro, trazendo, para a área, a assistência social como uma
política de natureza pública (COUTO, 2004, p.140).
Sem dúvida alguma, a Constituição de 1988, apelidada então de
“Constituição Cidadã”, trouxe grandes avanços em relação aos direitos sociais, mas
infelizmente a prescrição em lei nem sempre os garante na prática. Desse modo passa-
se, então, a reivindicar não mais a concessão de direitos sociais, mas a qualidade no
momento de sua provisão. Não basta existirem direitos sociais, se os mesmos não são
prestados com qualidade e realmente não garantem integral atendimento às
necessidades dos cidadãos, vindo a tornar-se medidas paliativas.
Dentro deste contexto, Couto (2004) destaca a importante questão dos
direitos, que têm sido campo de lutas nas sociedades modernas, e referida a quem é
portador dos mesmos. Um bom exemplo são as mulheres, os índios, as crianças e as
minoras étnicas e religiosas que foram incorporados como portadores de direitos somente
a partir de grandes discussões, e suas inclusões deram-se em momentos diferentes, em
sociedades distintas.
A autora destaca que com a consolidação do capitalismo, e na relação
contraditória entre as demandas do capital e as dos trabalhadores, é que se criaram as
30
condições objetivas para identificação das lutas das classes trabalhadoras para ver
incluído nas suas pautas de reivindicações o acesso a esses direitos.
Aqui se ressalta a importância de compreender o direito como resultado
de lutas sociais, efetivadas por indivíduos que conduzem, com suas ações, não e como
seres abstratos e sim históricos. Esses indivíduos, históricos, quando se sentem
ameaçados lutam para que o poder vigente intervenha nas relações sociais estabelecidas
garantindo-lhes alguma proteção. Nesta contradição em que a sociedade vive atualmente,
a questão do direito e das ações que visam a sua manutenção é polêmica e leva a
maiores reflexões. É necessário entender que, esses direitos, apesar de serem
universais, quando se faz referencia a universalidade desses direitos, está-se mistificando
as relações que estão por detrás desse debate, e que eles são sempre restritos a grupos
particulares.
A partir desta breve apresentação do tema direitos humanos
fundamentais, tecer-se-ão algumas considerações sobre direitos e cidadania, até porque
o acesso aos direitos humanos é proporcional ao grau de cidadania alcançado por um
grupo social.
1.2 Direitos e Cidadania
Bussinger (1997, p. 40) destaca que os séculos XVIII e XIX consagraram
os direitos civis e políticos ao estendê-los a todos os indivíduos indistintamente e deram
substância e concretude ao que se define como “estatuto da cidadania”. Complementa a
autora que a partir desses direitos se pode estabelecer um plano de liberdade e de
31
igualdade para todos os homens perante a lei; o que valia para um indivíduo passou a
valer também para outro, se um pode alguma coisa, o outro passou a poder também. E
assim estabelecida, a cidadania é um atributo de todos os membros de uma sociedade,
pois define uma “medida efetiva de igualdade”.
A cidadania, enquanto exercício de direitos universal, é orientado por
princípios de igualdade, liberdade e justiça social, é uma invenção da sociedade moderna
e da experiência democrática. Marshall (1967), primeiro teórico a tematizar igualdade
versus desigualdade social na perspectiva dos direitos e de seu caráter universal,
remonta à Inglaterra do século XVIII para desenvolver a idéia de que a cidadania é
produto da história e das relações sociais, da conquista dos direitos civis e evolui
progressivamente pela incorporação de novos direito político no século XIX, e sociais no
século XX.
A Teoria da Cidadania de Marshall compreende a junção de direitos civis,
políticos e sociais, sendo que para a obtenção de uma cidadania plena há
necessariamente que se ter acesso às três categorias de direitos.
A conquista dos direitos não corresponde a uma evolução linear nem no tempo
nem nos países. Bobbio (1992) e Coutinho (2000) apontam a importância do
estudo de Marshall uma vez que o autor vincula a presença dos direitos na
sociedade à questão da cidadania, considerada como: (no caso de uma
democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens
socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização
humana abertas pela vida social em cada contexto, historicamente determinada
(COUTINHO, 2000, p. 50).
Com essa noção ampliada de cidadania, Marshall e outros teóricos, como
Rosanvallon (1981) e Ewald (1986), mostram como se foi desenhando a passagem da
noção de responsabilidade individual, fundamento no Estado Moderno, para a noção de
responsabilidade social, princípio ordenador das relações entre Estado e sociedade, a
partir da constituição do Estado Social.
32
O século XX foi marcado, portanto, pela invenção do princípio da
solidariedade que confere à sociedade e ao Estado a obrigação de cuidar da proteção e
da segurança do indivíduo contra as incertezas e os riscos da vida moderna. Com esse
estatuto, a noção de cidadania se amplia e se universaliza como medida de igualdade e
justiça social, constituindo-se referência na compreensão da trama que engendra as
relações sociais e a democracia nas sociedades contemporâneas.
No que tange à experiência brasileira, o desenvolvimento da cidadania se
construirá sob o princípio da estratificação, materializado através de legislação específica
e de um aparato burocrático estatal e sindical apropriados ao controle da classe
trabalhadora emergente. Tratava-se de uma engenharia montada para sustentar a nova
ordem política e econômica construída no pós-30, que resultou, segundo Santos (1979),
em uma cidadania regulada, sob a qual se constituíram as categorias de cidadãos e não-
cidadãos.
O frágil enraizamento da cidadania nas práticas sociais evidencia que os
direitos nunca fizeram parte das regras que organizam a vida social, senão como reserva
de privilégio de poucos grupos. Por isso, mostra-se débil a noção de público, que, de fato,
nem chegou a se efetivar como referência. Como afirma Oliveira (1988), historicamente o
Estado brasileiro usurpou a representação das classes no seu interior, para inscrever no
centro dos aparatos estatais os interesses da grande burguesia nacional e internacional,
tornando tênues as diferenças entre público e privado, entre Estado e interesses privados.
O autor continua dizendo que nas contradições mesmas da estrutura
social, as classes dominadas buscaram construir, ao longo da história, a experiência
democrática e os direitos de cidadania. Para ele, os anos 80, tornaram-se emblemáticos
no registro de acontecimentos e lutas da sociedade civil em torno da refundação da
ordem democrática e da instituição de novas relações entre Estado e sociedade e trouxe
33
inflexões importantes no que concerne à participação de segmentos organizados da
sociedade civil na formulação e decisões sobre as políticas públicas.
Tal processo que culminou com a Constituição de 1988 ao pôr na agenda
política temas como descentralização, controle social, universalização de direitos e
participação popular, sinalizava com a instituição de um novo campo de referência da
política, esta não mais restrita à esfera estatal, mas construída no cotidiano dos
trabalhadores.
Segundo Couto (2004), ao tempo em que esse cenário trouxe
possibilidades concretas de se realizarem as promessas de modernidade, a sociedade
passou a experimentar o agravamento sem precedentes da “questão social”, expresso na
deterioração crescente das condições de vida e de trabalho da maioria da população. A
despeito da implantação de um Estado de Direito, onde expressa viver formalmente em
uma democracia, os direitos humanos mostram-se distantes da realidade da maioria da
população brasileira.
A autora diz que as contradições entre o que se afirma formalmente como
direito e a sua não efetivação na prática expõem as dificuldades concretas de construir
nessa sociedade uma comunidade humana, em que os dramas individuais não sejam
privatizados, mas digam respeito a algo tão caro ao mundo contemporâneo, que é a
noção de espaço público, um lugar em que as pessoas possam se reconhecer
pertencendo a um grupo social, possam exprimir seus dramas e interpelar a
responsabilidade pública, pois, lembrando Arendt (1976), a privação fundamental dos
direitos humanos reside na ausência de um lugar no mundo que torne a opinião
significativa e a ação eficaz.
Apesar da cidadania ser um dos fundamentos da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, sua amplitude e delimitação não são unânimes,
34
possuindo uma série de interpretações e ideologias embutidas, desde a afirmação de que
a cidadania é sinônimo de igualdade quanto o é idéia de inexistência dela.
Uma das autoras que discute o tema é Dagnino (1994), que traz como
cidadania a garantia de direitos, mas também o direito a ter direitos e reivindicação da
ampliação de direitos, com a participação dos indivíduos na sociedade, complementando
que há também o direito a diferença, à existência da possibilidade de optar pela igualdade
ou pela diferença.
A afirmação da diferença está sempre ligada à reivindicação de que ela
possa simplesmente existir como tal, ao direito de que ela possa ser vivida sem que isso
signifique, sem que tenha como conseqüência, o tratamento desigual, a discriminação.
Não fora a desigualdade construída enquanto discriminação, ela não existiria como
reivindicação de direito. Concebido nessa perspectiva, parece que o direito à diferença,
especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade (DAGNINO, 1994, p. 114).
Outra concepção de cidadania apresentada é a de Demo (2001) que a
trata como uma “qualidade social” de uma sociedade que se organiza a partir de direitos e
deveres reconhecidos em sua maioria. Demo reforça ainda a idéia de direitos e deveres,
como prédefinido na Grécia antiga, não excluindo o cidadão de sua atuação. Percebe-se,
em seu texto, que o cumprimento de deveres é essencial para que haja a cidadania.
Benevides (2003) concorda com Demo, porquanto, ao distinguir a
cidadania em passiva e ativa, dá ênfase a segunda, a qual considera um princípio
democrático e forma de realização concreta da soberania popular.
A cidadania ativa através da participação popular é aqui considerada um
princípio democrático, e não um receituário político, que pode ser aplicado como medida
ou propaganda de um governo, sem continuidade institucional. Não é “um favor” e, muito
35
menos, uma imagem retórica. É a realização concreta da soberania popular
(BENEVIDES, 2003, p.19).
Cidadania ativa, segundo Benevides (1992), é aquela que concebe o
cidadão como portador de direitos e deveres, mas, essencialmente, criador de direitos
para a ampliação de espaços de participação política. Já a cidadania passiva é aquela
outorgada pelo Estado, com a idéia moral do favor e da tutela.
A concepção de cidadania ativa é confirmada pela concepção de
“participação cidadã” de Teixeira (2001).
Segundo Teixeira, a participação cidadã é:
[...] processo complexo e contraditório entre sociedade civil, Estado e mercado, em
que os papéis se redefinem pelo fortalecimento dessa sociedade civil mediante a
atuação organizada dos indivíduos, grupos e associações. Esse fortalecimento dá-
se, por um lado, com a assunção de deveres e responsabilidades políticas
específicas e, por outro, com a criação e exercício de direitos. Implica também o
controle social do Estado e do mercado, segundo parâmetros definidos e
negociados nos espaços públicos pelos diversos atores sociais e políticos (2001,
p.30).
Quando se faz referência a dificuldades da concretização da cidadania,
um fator dificultador do exercício de uma postura cidadã, que se pode citar entre outros,
são com certeza os governos autoritários, nos quais a expressão dos indivíduos é
barrada, embora muitas vezes de maneira sutil e camuflada, impedindo a reivindicação
pelas condições integrais de cidadão.
[...] os esforços no sentido da incorporação dos trabalhadores à cidadania têm
ficado a meio caminho, distorcidos pelo crescimento de um Estado autoritário que
tudo pretende controlar e regular (WEFFORT, 1981, p.143).
Dessa forma a cidadania assume várias configurações, não sendo
desvinculada, entretanto, do indivíduo, portador de direitos. “Isso leva-nos a refletir sobre
como não se trata só do provimento dessas necessidades, mas de um dado importante,
36
que é forma de atendimento das necessidades, ou seja, as condições políticas do
atendimento” (COVRE, 1986, p. 163).
A partir de suas manifestações e existência, os movimentos sociais se
tornam viabilizadores da construção de uma nova cidadania, elaborada a partir de
carências inaceitáveis da população. Por meio de reivindicação, os cidadãos passam a
pleitear a autoria do que julgam direitos necessários.
Mas, verificamos agora a ocorrência, entre nós, de um processo de construção
coletiva de um conjunto de direitos que está sendo realizado pelos movimentos
sociais. E isso não através de uma codificação completa e acabada de uma
realidade existente, mas como o reverso de uma definição cumulativa de
carências que são definidas como inaceitáveis. Isto é, parece que estamos
vivendo um processo de construção coletiva de uma nova cidadania (DURHAM,
1984, p. 29).
Essa nova cidadania nada mais é do que o exercício dos direitos de
cidadão e o fazer concretizar um governo do povo, significado da democracia. É a busca
de uma participação efetiva na realidade social, com o objetivo de mudança social e
construção de uma sociedade com igualdade de condições, fazendo-se com que
soberania popular e cidadania deixem de ser meros fundamentos constitucionais e se
tornem realidade.
Para Koga (2004), o território representa o chão do exercício da
cidadania, pois cidadania significa vida ativa no território, onde se concretizam as relações
sociais, as relações de vizinhança e solidariedade, as relações de poder. Para a autora é
nesse território que as desigualdades sociais tornam-se evidentes entre os cidadãos e as
condições de vida entre moradores de uma mesma cidade mostram-se diferenciadas. É
neste sentido que se enfocar-se-á a seguir mais especificamente a exclusão social
37
1.3 Exclusão Social
A discussão aqui realizada sobre exclusão social não busca definir este
conceito, mas sim contribuir para o debate atual sobre o tema. É um tema que se
encontra em processo de construção e, além disso, segundo Veras (1999), considera-se
que sua multimensionalidade é um pressuposto importante; mas é um tema que traz
dificuldades para a população que pode estar excluída de alguns direitos, e não o estar de
outros.
Diz Dupas (2000), que a preocupação com o processo que se
convencionou chamar de exclusão social surge no contexto complexo do fenômeno de
globalização e de alteração nas atitudes tomadas pelo Estado. E ressalta, ainda, que esse
processo envolve a falta de acesso aos bens e serviços públicos, como moradia, e o
direito a segurança, justiça e cidadania, estando relacionada aos desequilíbrios políticos,
econômicos, culturais e étnicos enfrentados pelo país em décadas anteriores.
Ao gerarem uma massa de pessoas supérfluas ao sistema, as recentes
transformações socioeconômicas redirecionam o foco das discussões sobre os
problemas sociais decorrentes. Se antes a grande preocupação era com as
condições de exploração nas quais a inserção se dava, agora ela se transformou
na dificuldade de encontrar formas de inserção, quaisquer que sejam elas
(DUPAS, 2000, p. 19).
A exclusão social tornou-se, portanto, uma expressão comum para
designar toda e qualquer forma de marginalização, discriminação e desqualificação. No
Brasil, a exclusão social está relacionada com a desigualdade social e a pobreza,
possuindo uma dimensão histórica particular, de certa forma responsável pelas
dificuldades de constituição de um espaço de igualdade, uma vez que se trata da
ausência de perspectivas de inclusão de parcelas da população que nunca chegou, de
38
fato, a ser incluída. Essa abordagem incorpora também a questão da cidadania
(NASCIMENTO, 2000).
Ao longo da história recente do Brasil, a década de 1980, caracterizada
do ponto de vista político pela superação da ditadura militar, socialmente foi marcada não
pela redução da desigualdade, mas pela inversão do processo de diminuição do número
de pobres, tornando estáveis as áreas consideradas como bolsões de pobreza. Na
década de 1990, “o país deixou para trás as discussões em torno das desigualdades
regionais ou sociais, e mesmo o interesse pelo estudo dos pobres e seus modos de vida,
para se concentrar no entendimento de um fenômeno que parecia novo: o da exclusão
social” (NASCIMENTO, 2000, p. 77).
Véras (1999), ao considerar a temática da exclusão social, também
ressalta que a mesma não é um fenômeno novo no Brasil, porém, vem apresentando
novos contornos no período contemporâneo, no qual as favelas, loteamentos
clandestinos, entre outras habitações populares subnormais, entre as quais os
assentamentos urbanos, aparecem como testemunhas dessa dinâmica excludente, o que
pode gerar as mobilizações intra-urbanas. A exclusão abrangeria uma série de fatores
que iriam além da pobreza, como valores culturais (identidade do lugar), abandono, perda
de vínculos, entre outros, envolvendo não apenas a questão financeira e habitacional.
Para Koga (2003), nas áreas metropolitanas ocorrem situações de
territórios que se apresentam, em si mesmos, como excluídos ou sinônimos de exclusão
social. São os morros de favelas e periferias de grandes centros urbanos. Conforme a
autora, trata-se de espaços criados à parte da cidade, estigmatizantes e excludentes na
sua origem, produzidos por uma lógica urbanística perversa que segue o modelo da
concentração econômica para o que é e o que não é cidade, ou quem são ou quem não
são cidadãos.
39
Na caracterização do conceito de exclusão social feita por Bursztyn
(2000), é necessário enfatizar o caráter permanente da desnecessidade apontado, ou
seja, a grande novidade que o conceito de exclusão social expressa é a ausência de
qualquer perspectiva de reincorporação de contingentes crescentes de população.
Como lembra Singer (1996), não se pode esquecer que o Brasil é
considerado o país da desigualdade, devido ao elevado grau de disparidade entre ricos e
pobres. Os excluídos, em relação à aquisição de renda, prestígio social ou direitos legais,
são exatamente aqueles que obtêm menos desses recursos porque outros obtêm demais.
Essa disparidade social é apresentada sob diferentes aspectos: pobreza como fonte de
exclusão; área metropolitana – local de perspectiva de vida, ou seja, ambiente propício
para arrumar emprego e ter uma vida melhor, mas ao chegarem nesta área, os migrantes
deparam-se com as realidades e dificuldades que terão de enfrentar e percebem que
esse lugar, na maioria dos casos, leva à degradação social de suas famílias, que buscam
outras alternativas de sobrevivência, e assim se incorporam ao bloco da exclusão.
As desigualdades sociais assumem dimensões cada vez maiores numa
sociedade em que a exclusão socioeconômica e política não possibilitam a formação de
uma base de participação da população nos diversos setores sociais. Diante disso,
assiste-se:
[...] à precariedade das condições de habitação, alimentação, saúde, transporte,
educação, etc. Ou seja, as demandas sociais não atendidas revelam que o
Estado, uma das vertentes básicas desse modelo de acumulação (as outras duas
são o capital estrangeiro e o capital nacional), não está voltado para a aplicação
da riqueza social (captada através de impostos, taxas e tarifas diversas) naqueles
setores que promoveram o bem-estar da maioria da população (REZENDE, 1993,
p. 116).
Num sentido mais amplo, as discussões realizadas pelo grupo que
elaborou o Atlas da exclusão social no Brasil (CAMPOS et al., 2003 e POCHMANN;
40
AMORIM, 2003) vêm mostrar que a exclusão se constitui com base em um amplo
processo histórico determinado que acompanha a evolução da humanidade, e pode ser
identificada a partir da situação de não ter: Não ter acesso à terra para produzir o
necessário, não ter trabalho, não ter renda suficiente para atender às necessidades
básicas, não ter acesso a determinados equipamentos urbanos, e assim por diante,
tornando-se uma população mais vulnerável ao sistema. “Em síntese as raízes da
exclusão social encontram-se inseridas nos problemas gerais da sociedade” (CAMPOS et
al, 2003, p. 29).
Além disso, entre as décadas de 1980 e 1990 a sociedade brasileira
presenciou o redimensionamento de um fenômeno que ficaria conhecido como violência
urbana, sendo o começo de uma escalada de crescimento do número de homicídios.
Esse fenômeno vem contribuir para ampliar as noções de exclusão, já que as áreas
consideradas violentas são aquelas em que predomina um conjunto de indicadores,
como: níveis baixos de renda e escolaridade, maior desemprego, maior número de
moradores em favelas, piores condições de moradias (MARICATO, 2000).
Koga (2003) complementa e diz que o fenômeno da exclusão social
parece gerar o máximo de efemeridade humana e quê, além desses indicadores citados
acima, traz também a ausência de direitos mínimos de sobrevivência, segurança,
proteção social, discriminação pela cor, raça, sexo, pela condição física, psicológica,
partidária. A autora conclui que o grau de fragilidade a que a situação de exclusão social
expõe o sujeito é tão grande que fere sua própria condição humana, sua condição de ser
no mundo.
Rolnik (1997, p. 7) dá o nome a esses espaços criados à parte das
cidades de “urbanismos de risco”, que são espaços marcados pela insegurança, do
terreno, da posse, da construção ou ainda da condição jurídica da posse daquele
41
território, sem contar os riscos a que essas famílias estão submetidas como
desabamentos, deslizamentos, inundações, além do quê, na maioria das vezes a saúde e
a vida estão ameaçadas. No cotidiano, são horas perdidas no transporte, a incerteza
quanto ao destino daquele lugar, o desconforto da casa e da rua.
A autora utiliza o conceito de “exclusão territorial”, segundo ela, foi
construído para superar as dificuldades encontradas de lidar com índices tradicionais de
cobertura de infra-estrutura e indicadores gerais de condições de domicílios que acabam
não relevando a imagem fiel das diferenças encontradas entre condições urbanas dentro
de um município.
Koga (2003, p. 74) diz quê, na literatura francesa, as novas políticas
sociais são tratadas como políticas de “inserção social”. Outra expressão utilizada é
“integração social”. No quadro analítico da exclusão social, a referência contrária se faz,
portanto, à “inserção social” ou “ integração social”.
A autora explica:
Comparativamente, uma questão inicial que se possa colocar entre a adoção da
“inclusão social” sobre a realidade brasileira e a de “inserção social” na realidade
européia/francesa poderia supor o fato de esta última já ter alcançado um patamar
de direitos sociais ainda não assegurados pela sociedade brasileira. Assim o
termo “inserção” sugeriria um sentido de reingresso em um sistema de seguridade
social instituído, e o termo “inclusão” sugeriria mais um status de conquista de
direitos sociais até então não adquiridos. (ibid, p. 75)
No Brasil, quanto ao fato da exclusão e inclusão serem consideradas
intrinsecamente relacionadas, Roche, declara que elas são partes integrantes da mesma
moeda. ( ROCHE apud KOGA,2003)
Koga (2003) esclarece que a perspectiva da inclusão social é delineada
por três pilares que são: diferenciação territorial, aspecto cultural e cidadania.
42
Parece impossível tratar da exclusão nos territórios da cidade sem tocar na
cidadania, sem indagar as razões pelas quais cidadãos de um mesmo lugar
possuem condições de vida tão desiguais. A relação da parte com o todo, ou a
relação de um território com os demais amplia a visão do espaço vivido,
quebrando a homogeneidade da imagem generalista da cidade. Este processo
pode vir a contribuir para a quebra também da naturalização da exclusão social
(KOGA, 2003, pg.76).
Para a autora, encarar a exclusão social como processo e não
simplesmente como uma caracterização de diferentes situações de pobreza,
vulnerabilidade, estigmatizações contribui para sua interdependência com a inclusão
social. Segundo ela, essa dialética se faz necessária, além que irá considerar a referência
da inclusão social como entendimento da própria exclusão social.
Neste sentido, Paugan (1999) desenvolve o conceito de ”desqualificação
social”
Primeiramente, o alto nível de desenvolvimento econômico do país, associado a
uma forte degradação do mercado de trabalho, quando as pessoas se sentem
humilhadas por necessitarem dos serviços de assistência, até porque já
conheceram tempos muito melhores em suas vidas. O segundo fator, que permite
entender a desqualificação social como uma forma básica de pobreza, é a forte
deterioração dos vínculos sociais. Trata-se de um individualismo que vem
acompanhado da degradação da solidariedade básica entre as pessoas. O
processo de desqualificação social é uma diminuição dos vínculos sociais. O
terceiro fator é a inadaptação aos modos de intervenção social. É a tentativa de
buscar outras soluções para responder aos seus problemas (PAUGAN, apud
KOGA, 2003 p. 79).
Já Castel (1998) trabalha com a noção de “desfiliação social”, para ele o
cerne da problemática da exclusão social não está onde estão os excluídos. Para ele:
Há risco de desfiliação quando o conjunto das relações de proximidade que um
individuo mantém a partir de sua inscrição territorial, que é também sua inscrição
familiar e social, é insuficiente para reproduzir sua existência e para assegurar sua
proteção (CASTEL apud KOGA, 2003 p. 79).
Conforme o entender de Koga (2003), no campo da cidadania há déficit
de lugares, o que faz com que suas longas franjas abriguem parcelas cada vez maiores
43
de população consideradas inúteis para a sociedade regida pelas leis do mercado, sendo
estes lugares de sofrimento, de desfiliação, de desqualificação (KOGA, 2004, p. 79). Para
tanto
Os lugares de exclusão e pobreza revelam uma composição cada vez mais sólida,
onde formam um verdadeiro mar de “déficit de cidadania”, em torno de algumas
ilhas de inclusão e riqueza. Desse ponto de vista, não é admissível se falar de
“bolsões de pobreza”. É esta convivência social, territorial, que marca o desenho
das cidades brasileiras, onde o sofrimento não pode ser tratado como questão
individual, mas genuinamente social (ibid., p. 80).
Segundo Koga (2003), há que se entender melhor as desigualdades que
se mostram concretamente nas condições de vida das populações e necessita ser melhor
compreendida, no seu processo histórico e político.
Os “déficits de lugares” são concretos e revelam a face dos lugares da
cidadania, revelam que medidas socioterritoriais podem contribuir para um maior
aprofundamento de analise desse processo em curso nas sociedades marcadas pelas
desigualdades sociais, trazendo um novo aporte analítico para as condições reais de vida
e para o território usado, do ponto de vista da cidadania e das políticas de redistribuição
no enfrentamento das desigualdades sociais.
Em um país em que as desigualdades sociais crescem a cada dia e a
concentração de renda aumenta promovendo mais exclusão social é de suma
importância estabelecer políticas públicas que tenham como pressuposto a
inclusão da parcela da população que se encontra excluída dos benefícios sociais
(BUARQUE et al, 2001, p 129).
Martins (1997) aponta que não existe uma exclusão e sim uma inclusão
tardia do indivíduo na sociedade, ou inclusão marginal. Observa ainda que ninguém está
totalmente excluído da sociedade capitalista, mas sim inserido num processo de inclusão
precária, podendo ser demorado o tempo entre a exclusão e (re)inclusão. Martins (1997)
destaca
44
A sociedade moderna está criando uma massa de população sobrante, que tem
pouca chance de ser de fato incluída nos padrões atuais de desenvolvimento
econômico. Em outras palavras, o período da passagem do momento da exclusão
para o momento da inclusão está se transformando num modo de vida, está se
tornando mais do que um período transitório (p. 33).
A situação de exclusão social, segundo Koga (2003, p. 48), em que vive a
população brasileira, além de apresentar profundas desigualdades sociais, econômicas,
políticas, entre as classes sociais, produz uma inversão interpretativa em relação às
manifestações de resistência à mesma.
Oliveira (1998) diz que atualmente no Brasil a segregação social
engendrada pela classe dominante tem-se realizado de forma a aumentar as
desigualdades entre as classes.
Este processo de exclusão social não visa incluir ninguém ainda de forma
excludente; pelo contrário trata-se de um processo que objetiva manter
definitivamente e cada vez mais os excluídos enquanto tais. ( OLIVEIRA,
1998,p.216)
A partir desse debate, é importante enfatizar a necessidade de insistir em
abordar a exclusão sempre como um processo, em oposição à sua identificação com um
estado, que se define como algo definitivo, desligado de fatores anteriores, de
desdobramentos posteriores e, sobretudo, ante o qual nada pode ser feito, tornando-se
algo irreversível.
Nas áreas metropolitanas, não raramente consideradas com elevado
padrão de qualidade de vida, Koga (2003), salienta que ocorrem situações de territórios
que se apresentam, em si mesmos, como excluídos ou sinônimos de exclusão social.
Exemplos são os morros do Rio de Janeiro, as periferias de São Paulo, os mangues de
palafitas no Recife. Ela destaca que são espaços criados á parte da cidade,
estigmatizantes e excludentes, produzidos por uma lógica urbanística perversa que segue
45
o modelo da concentração econômica para definir o que é e o que não é cidade, ou quem
são e quem não são cidadãos (KOGA, 2003, p. 72).
É impossível tratar exclusão social nos territórios das cidades sem tocar
na cidadania, sem refletir razões pelas quais os cidadãos de um mesmo lugar possuem
condições de vida tão desiguais. Para tanto, o próximo tema trará algumas reflexões
acerca da questão do direito e da moradia que estão intimamente ligados ao processo de
exclusão social da população carente.
1.4 A Questão do Direito e da Moradia
Os últimos anos têm sido marcados pelo desmonte na estrutura
responsável pela política habitacional brasileira, principalmente a de interesse social. Não
obstante essa situação, acompanhamos um forte empobrecimento da população, com
aumento do desemprego, a informalização do trabalho, a ampliação significativa do
número de famílias submetidas a moradias inadequadas. A desigualdades e a exclusão
socioeconômica exercem um impacto direto na moradia (ESTATUTO DA CIDADE, p. 21).
A imensa e rápida urbanização pela qual passou a sociedade brasileira foi
uma das principais questões sociais experimentadas no país no século XX. Enquanto em
1960, a população urbana representava 44,7% da população total; contra 55,3% da
população rural; dez anos depois essa relação se invertera, com números quase
idênticos: 55,9% da população urbana e 44,1% de população rural. No ano de 2000,
81,2% da população brasileira vivia em cidades. Essa transformação revela também o
crescimento populacional do país como um todo; nos 36 anos entre 1960 e 1996, a
46
população urbana aumenta de 31 milhões para 137 milhões, ou seja, as cidades recebem
106 milhões de novos moradores no período (ESTATUTO DA CIDADE, 2001, p. 23).
Com uma população total, em 2000
9
, de 169,6 milhões de habitantes, um
crescente grau de urbanização e uma elevada concentração de renda, o Brasil enfrenta
graves problemas sociais. Na última década, o percentual da população que vivia em
áreas urbanas passou de 75% para 81%. Quanto à distribuição da renda, observa-se que
o desequilíbrio manteve-se praticamente inalterado nesse período. Em 1992, o
rendimento dos 50% mais pobres correspondia a 14% dos rendimentos totais, enquanto
apenas 1% dos mais ricos concentrava o equivalente a 13%, perdurando esta distribuição
até 1999. No mesmo período, a proporção da renda média familiar dos 10% mais ricos
que era 57 vezes maior que a dos 10% mais pobres diminuiu um pouco, passando para
53 vezes. Ou, conforme Relatório de Desenvolvimento do Banco Mundial, de 1995, o
Brasil se destaca como o país de maior desigualdade no mundo, onde 10% da população
concentra 51,3% da renda, cabendo apenas 2,1% dela aos 20% mais pobres.
A urbanização vertiginosa, coincidindo com o fim de um período de
acelerada expansão da economia brasileira, introduziu no território das cidades um novo e
dramático significado: mais do que evocar progresso ou desenvolvimento, elas passam a
retratar e reproduzir de forma paradigmática as injustiças e desigualdades da sociedade
(IBAM, 2001, p. 7).
Tais desigualdades apresentam-se no território sob várias formas, todas
conhecidas como imensas diferenças entre as áreas centrais e as periféricas dos grandes
centros urbanos: na ocupação precária do mangue em contraposição à alta qualidade dos
bairros da orla nas cidades de estuário; na eterna linha divisória do morro e do asfalto e
em muitas outras variantes dessa cisão, presentes em cidades de diferentes tamanhos,
9
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Censo demográfico, 2000.
47
de diferentes perfis econômicos e de regiões diversas (ESTATUTO DA CIDADE, 2001, p.
23).
As desigualdades e exclusão socioeconômicas também exercem um
impacto direto na moradia e na terra. As estatísticas mostram que o déficit habitacional
afeta 83,2% das famílias de baixa renda que recebem três salários mínimos ou menos;
apenas 2% das famílias que recebem mais de 10 salários mínimos ou mais não são
afetadas. O alto déficit habitacional também é um reflexo do alto número de famílias de
baixa renda que vivem em assentamentos informais e coabitações familiares, onde os
familiares vivem juntos no mesmo quarteirão em moradias improvisadas.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número
de domicílios particulares permanentes, nas áreas urbanas, em 2000, é de 37,3 milhões
de unidades. A necessidade de reposição e incremento deste estoque de domicílios foi
calculada em 5,4 milhões de unidades
10
, cálculo este elaborado pela Fundação João
Pinheiro,
o que representa um déficit habitacional urbano do país, correspondente a
14,5%.
E esta mesma pesquisa apura que, no período de 1991/2000, houve um
aumento de 41,5% no déficit habitacional, correspondendo a uma taxa de 3,9% a.a. Além
do déficit, constata-se a existência de inúmeras moradias que apresentam diferentes tipos
de inadequações e/ou que necessitam de melhorias. Observa-se quê, dos 36,6 milhões
de domicílios duráveis existentes nas áreas urbanas, 5,5% apresentam adensamento
10
Fundação João Pinheiro. Déficit Habitacional no Brasil 2000. Belo Horizonte: Centro de Estatística e
Informações, 2001. In Banco Mundial. Política Nacional para o Brasil. Mantendo o Momentum da Reforma.
Brasília: Relatório interno. 2002, p.1. O déficit levantado subdivide-se nas seguintes categorias: i) habitação
precária: 808 mil; ii) coabitação familiar: 3,3 milhões; iii) reposição por depreciação: 117 mil; e iv) ônus-
excessivo com aluguel: 1,2 milhão. Estes últimos são domicílios ocupados por população com renda de até
3 salários mínimos, que despendam mais de 30% de sua renda com aluguel. Com relação às faixas de
renda da população, observa-se que 84% do déficit correspondem a famílias com rendimentos inferiores a 3
salários mínimos, sem capacidade, portanto, de conseguir uma solução para o seu problema de moradia,
dentro da regularidade. Na faixa de renda de 3 a 5 salários mínimos o percentual do déficit é de 8,4%, e de
5,4% na de 5 a 10 salários mínimos. Tem-se, assim, uma concentração de 97,8% do déficit na faixa de até
10 salários mínimos.
48
excessivo; 28% têm alguma carência de infra-estrutura básica; 4% não dispõem de
instalação sanitária; e 2% apresentam problemas de depreciação. Estima-se, ainda, que
1,5 milhão de casas e cômodos urbanos – o que representa quase 5% do total existente –
encontram-se em situação de irregularidade fundiária.
Ao problema do déficit e das inadequações haveria necessidade de ser
acrescentada a demanda demográfica, a qual não foi, todavia, incluída na atualização do
estudo acima citado.
Apesar de alguns investimentos terem sido desenvolvidos para minimizar
esta situação, ainda está longe de resolvê-la. Por outro lado, a população mais carente,
mais afetada pela grave crise econômica do país, não tem acesso a financiamentos
habitacionais, ou se o tem é restrito a poucos. Os governos municipais e estaduais
estavam comprometidos com outras políticas públicas que não a de garantir uma
condição digna de habitabilidade aos cidadãos, com saneamento básico, saúde,
educação, segurança, atividades culturais e de lazer voltados à população. Os
assentamentos subnormais, que serão melhor definidos e detalhados no presente
trabalho, nada mais são do que o reflexo dessa situação e do descaso das autoridades
governamentais, nos três níveis da Federação, com a dignidade da pessoa humana, com
os direitos fundamentais do homem, com os direitos sociais dessa população carente em
todas as formas, quê, por falta de opção, acaba residindo nas condições mais precárias,
muitas delas muito abaixo do mínimo tolerável ao ser humano (POLÍTICA NACIONAL DE
HABITAÇÃO, 2004, p. 18).
Silva (1995) faz um breve histórico da questão da moradia:
O problema habitacional se tornou agudo com a urbanização da humanidade.
Enquanto predominava a vida rural, o problema não se punha, porque cada qual
cuidava de organizar a sua própria moradia segundo suas condições econômicas,
utilizando para isso terrenos públicos ou particulares, ainda que a população pobre
morasse sempre em condições precárias (SILVA; 1995 p.19).
49
Por outro lado, Osório e Manegassi (2002), apontam como causa da
impossibilidade da maioria da população ter acesso à terra e à moradia urbana residente
nos grande centros urbanos do país: a ocupação desordenada e de forma predatória de
áreas inadequadas, acrescida de um transporte urbano de baixo padrão de eficiência e
acessibilidade, a carência na abrangência e na qualidade dos serviços públicos de infra-
estrutura; e os conflitos sociais e fundiários de difícil solução.
As ações públicas desenvolvidas pelo setor moradia contribuem para
reprodução da propriedade privada da terra urbana e os financiamentos concedidos
atendem a lógica do sistema bancário, agravando assim o perfil da exclusão.
A solução do problema moradia ganha contornos diferenciados, conforme
os segmentos humanos quê, de maneira desigual, participam da vida social.
No Brasil há um conjunto de alternativas, aluguel, compra no mercado
formal, alternativas que também ocorrem no mercado informal, o que não consegue
responder à crescente demanda social por habitações.
A somatória desses problemas, além de outros, acabou gerando grandes
contingentes populacionais que tiveram na ilegalidade a alternativa para assentar-se. São
as ocupações espontâneas, vilas, favelas, cortiços, loteamentos clandestinos, aliados à
autoconstrução da casa .
O reflexo mais claro, segundo Osório (2002, p. 57), é que [...] em diversas
capitais, a partir de 1980, o crescimento da população favelada passa a ser maior do que
o total da população da respectiva cidade.
Sugai (2004) diz quê, além de ser de vital importância analisar a questão
da habitação humana como um fato decorrente do processo histórico, é o também
compreendê-la no contexto de cada época bem como de sua evolução, é importante ao
Estado assegurar, por exemplo, que os recursos articulados pelo Poder Público sejam
50
instrumentos fundamentais para o enfrentamento da questão da moradia, e
principalmente que a prática de programas integrados do Estado promovam a inclusão
social.
O direito à moradia também é reconhecido como um direito humano,
demonstrado em diversas declarações e tratados internacionais de direitos humanos, nos
quais o Estado brasileiro participa. Entre os documentos destacam-se os seguintes:
Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 (artigo XXV, item 1);
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966
(artigo 11);
Convenção Internacional sobre Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a Mulher de 1979 (artigo 14.2, item h);
Convenção de Direitos da Criança de 1989 (artigo 21, item 1);
Declaração sobre assentamentos humanos de Vancouvex, de 1976 (seção III
(8)) e capítulo II (A .3);
Agenda 21 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (capítulo 7, item
6).
Por meio da emenda constitucional 26, o direito à moradia está previsto
expressamente no artigo 6º da Constituição, que dispõe sobre os direitos sociais. O direito
à moradia como integrante da categoria dos direitos sociais, para ter eficácia jurídica e
social, pressupõe a ação positiva do Estado por meio da execução das políticas públicas,
no caso, especialmente da promoção da política urbana e habitacional.
Dois aspectos se destacam nessa obrigação;
O primeiro é o de caráter imediato e visa impedir a regressividade do
direito a moradia. Visa também o impedimento de medidas e ações
que igualmente dificultem ou impossibilitem o exercício do direito à
moradia, como, por exemplo, um sistema e uma política habitacional
que acarretem a exclusão ou medidas discriminatórias de impedimento
de acesso ao direito à moradia para uma grande parcela da população
(ESTATUTO DA CIDADE, 2001, p. 26);
51
O segundo visa promover e proteger o direito à moradia e refere-se à
intervenção e regulamentação das atividades do setor privado sobre a
política habitacional, como a regulamentação do uso e acesso à
propriedade imobiliária, em especial a urbana, de modo a atender á
sua função social, regulamentar o mercado de terra, dispor sobre
sistemas de financiamento de habitação de interesse social e
promover programas de urbanização e regularização fundiária nos
assentamentos informais. Neste caso contribui para a integração
social e territorial das comunidades carentes que vivem em
assentamentos (ESTATUTO DA CIDADE, 2001, p. 26).
O direito à moradia e o direito a cidades sustentáveis, reconhecidos como
direitos humanos pelos sistemas internacional e nacional de proteção dos direitos
humanos, são os fundamentos para a promoção de uma política urbana que prioriza a
urbanização e regularização dos assentamentos precários, visando melhorar as
condições de vida, tanto no aspecto da moradia como no aspecto ambiental. Essa política
urbana deve ter como meta a regularização fundiária, visando conferir a segurança
jurídica à população moradora dos assentamentos.
Os pressupostos para constituição de uma nova ordem legal urbana,
destinadas a legalizar e urbanizar as áreas consolidadas e ocupadas pela população de
baixa renda que tem o direito à moradia como elemento essencial, são os seguintes:
O direito a cidades sustentáveis; entendido como o direito aos meios
de subsistência, à moradia, ao saneamento, à saúde, à educação, ao
transporte público, á alimentação, ao trabalho, ao lazer e á informação.
Inclui também o direito à liberdade de organização, o respeito às
52
minorias e a pluridade étnica, social e cultural, o respeito aos
imigrantes e o reconhecimento de sua plena cidadania;
O desenvolvimento urbano ambiental sustentável voltado a garantir a
articulação das dimensões ambiental e social, e a sua integração ao
conjunto das políticas e planos para a cidade, assegurando o acesso
democrático aos recursos ambientais e paisagísticos e promovendo
uma efetiva melhoria da qualidade de vida;
A gestão democrática da cidade entendida como forma de planejar,
produzir, operar e governar as cidades e povoados, garantindo o
acesso à informação, a participação, o controle social sobre os
processos decisórios em vários campos e o fortalecimento do poder
local;
A garantia das funções sociais da cidade e da propriedade entendida
como de interesse comum sobre o direito individual de propriedade
aqui entendida, como o uso socialmente justo do espaço urbano para
que os cidadãos se apropriem do território, democratizando seus
espaços de poder, de produção e de cultura dentro dos parâmetros de
justiça social e de criação de condições ambientalmente sustentáveis .
Quando nos referimos ao direito à moradia, que visa a proteção de outros
direitos independentes e irrenunciáveis, percebemos que ele tem uma relação direta com
a função social da propriedade.
Enquanto alguns lucram especulativamente com a terra segundo Martins
(2003), nas periferias do outro lado da cidade, as favelas vão crescendo; alastram-se os
assentamentos urbanos carentes de infra-estrutura básica, decorrentes do processo
informal de ocupações coletivas; os cortiços, proliferam; os conjuntos habitacionais são
53
ocupados de modo irregular, fazem-se loteamentos clandestinos periféricos sem
equipamentos e infra-estrutura urbana invadindo-se áreas de preservação ambiental.
Tudo isso é reflexo do não-cumprimento da função social da propriedade, situações em
que poucos e seletos “donos-de-terra”, intencionalmente acabam provocando os
chamados “vazios urbanos”, que desocupados e inabitados constituem reserva de valor
pelos respectivos proprietários. Assim, com a retenção de glebas vazias, esses
especuladores acabam se beneficiando dos investimentos públicos realizados na cidade,
enquanto isso a camada da população mais carente “se vira” como pode para morar
(MARTINS, 2003,p.59).
Para tanto o Estado brasileiro tem a obrigação de adotar as políticas,
ações e demais medidas compreendidas e extraídas do texto constitucional para
assegurar e tornar efetivo esse direito, atendendo especialmente aos que se encontram
em estado de pobreza e miséria nas cidades brasileiras
Pensar no direito à moradia é pensá-lo como um direito de todo cidadão
de ter acesso, manter um lar, protegido, vivendo com dignidade e para garantir essa
efetividade há necessidade emergencial de impulsionar a Política Nacional de Habitação
sobre a qual se tecerão alguns comentários a seguir.
54
2 POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO
2.1 Políticas de Habitação e Moradia
As considerações aqui apontadas sobre a Política Habitacional referem-se
ao período pós-BNH, ou seja mais precisamente após a Constituição de 1988.
Paz (2002) define habitação como um bem de mercado, que movimenta o
setor da construção civil e imobiliário, mas antes de tudo, é uma necessidade humana,
básica, de abrigo, proteção, segurança, privacidade, saúde, conforto, portanto, um direito
social. Porém, moradia teve sentido muito mais amplo do que o de um teto para abrigar;
envolve bens e serviços habitacionais que devem satisfazer estas necessidades
humanas, e também o acesso a serviços urbanos e sociais.
Conforme a autora, o ato de morar implica na articulação de diferentes
processos de vida das pessoas e de suas famílias, como a inclusão no mundo do
trabalho, seja ele formal ou informal, a sociabilidade, o acesso a serviços e ao lazer,
criando-se e recriando-se novas formas de consumo. O lugar da moradia, a possibilidade
de morar decentemente, influencia nos aspectos da vida, no trabalho, escola, saúde,
família, enfim nas relações sociais (PAZ, 2002, p. 71).
Este conceito deve ser pensado no tempo e no espaço, em uma
determinada configuração cultural e espacial, em um meio ambiente e uma sociedade
determinada. Para a autora, a moradia está ligada à cidade e de modo integral, com o
hábitat e, implica em atributos urbanos como solo, meio ambiente, infra estrutura, unidade
habitacional, equipamentos sociais, transporte, serviços e privados (PAZ, 2002, p. 72).
55
Morar com dignidade é um direito reconhecido no artigo 25 da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e ratificado no Tratado dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais e na Agenda Habitat da ONU:
Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua
família saúde, bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais, indispensáveis, e direito a segurança em caso de
desemprego, doença [...].
Moradia é uma das principais reivindicações da população de baixa renda
nas cidades brasileiras. Di Sarno (2004), ressalta importantes mudanças que ocorreram
nos últimos anos, destaca-se á mobilização de movimentos sociais em torno da moradia,
nas quais passa do âmbito político pragmático para o plano dos direitos, sejam eles
considerados direitos sociais, direito à cidade ou direito à moradia. Esta mobilização
resultou em novas práticas sociais e fortaleceu importantes setores da sociedade civil
como agentes e parceiros de uma nova Política Nacional de Habitação. Nascem duas
importantes articulações nacionais de movimentos de moradia, o Movimento Nacional de
Luta por Moradia (MNLM), formado em 1990 e a União Nacional por Moradia Popular
(UNMP), criada em 1994 (DI SARNO, 2004, p. 21).
O quadro de carência habitacional, principalmente para população de
baixa renda, faz com que a habitação, segundo Paz (2002), seja uma política social
voltada prioritariamente para essas populações, principalmente aquelas concentradas nos
grandes centros urbanos, o que não diminui a importância da atuação do governo sobre o
segmento do mercado do setor habitacional, já que este setor é parte significativa da
atividade econômica e responsável por um grande número de empregos no país (PAZ,
2002, p. 75).
Nos anos 90, o quadro de crise na área de habitação se agravou. Santos
(1999) destaca que o período foi marcado pela desvinculação dos programas
56
habitacionais, dos destinados ao saneamento e ao desenvolvimento urbano, dada a
ausência de controle sobre a qualidade das moradias construídas e a irresponsabilidade
na gestão dos recursos do FGTS, contrariando o consenso entre especialistas segundo o
qual a integração destes programas produz resultados socialmente eficientes. ( SANTOS,
apud PAZ, 2002,p.21)
O governo Collor lançou em maio de 1990 um Plano de Ação Imediata
para a Habitação (PAIH) quê, segundo Paz (2002), surgiu como uma medida emergencial
para financiar habitações em 180 dias, mas seu objetivo não foi alcançado. A proposta do
PAIH envolveu o programa de moradias populares, o programa de lotes urbanizados e o
programa de ação municipal para habitações populares.
O relatório da Secretaria da Habitação do Ministério do Bem-Estar Social
(1994) expõe com clareza a crise do período e conclui:
O FGTS teve, no biênio 1990/1991, seus objetivos conspurcados pela atuação de
poderosos interesses. O resultado foi o colapso do segmento habitacionais
patrocinado por fontes oficiais. Excesso de contratações, sobre-preços nos
orçamentos, negligência para com a lei, ordem e justiça, retiraram o fôlego
financeiro do FGTS que se viu, no início de 1993, com quase 300 mil unidades
habitacionais praticamente paralisadas por carência de recursos desde fevereiro
de 1992, os desembolsos vinham sofrendo sensíveis reduções em relação ao
contratado, chegando praticamente ao nível zero em 1993 ( apud PAZ,2002,p.80).
O governo seguinte assumiu e deste quadro de total comprometimento
dos recursos do FGTS, pouco fez no atendimento dessa demanda.
Quando assumiu o governo, Itamar Franco, reformulou os programas de
habitação popular, que passa a ter maior controle social e transparência nos recursos. A
principal contribuição desse período refere-se às novas diretrizes e pressupostos que
passaram a nortear a política habitacional, resultado de um processo de debates com
setores da sociedade civil, expressos em diversos documentos. O Relatório de Produto –
P3 da equipe – EESC USP (1999) aponta:
57
As diretrizes da política apontavam para uma reformulação estrutural no setor,
visando proporcionar um atendimento mais apropriado e mais amplo da demanda
reprimida, reduzir substancialmente a migração de recursos para os custos
agregados (custos de aprovações oficiais, seguros e intermediações financeiras)
que praticamente duplicam o valor da habitação, viabilizar um maior aporte de
recursos privados, ampliar o espaço de participação da sociedade, avançar na
descentralização administrativa através da definição de prioridades e aprovação
de financiamentos em nível local e incrementar o apoio à evolução tecnológica e
gerencial.(apud PAZ,2002 p.81)
Partindo destes pressupostos e diretrizes, Paz (2002) relata quê, na
primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso, avaliou-se que o modelo da política
habitacional baseado no SFH estava esgotado, era insuficiente em face das necessidades
da população brasileira,eram no também chamados programas alternativos, condenando-
se a má utilização dos recursos, a centralização da gestão e a falta de controle social dos
investimentos realizados.
Os princípios de gestão democrática e integração com as políticas afins
representavam um grande avanço na concepção geral da política pública, mas pouco se
concretizou, dados os entraves históricos da máquina estatal como também a ausência
de mecanismos democráticos e de articulação das diversas políticas sociais.
Nasce então um novo modelo de Política Habitacional que tem como
objetivos gerais quatro pontos importantes: a universalização do acesso a moradia; a
articulação das ações de governo com a sociedade civil, incluindo-se aí tanto o setor
privado como a população beneficiada, a democratização da gestão dos programas e a
promoção de um ambiente de eficiência e eficácia no setor.
Segundo Fernandes (2001), a definição de uma Política Habitacional
deveria ter como parâmetro as demandas da sociedade, bem como as características da
cultura e da organização social.
Portanto, a Política Nacional de Habitação do segundo mandato de FHC
teve como uma das premissas, a estruturação de um sistema financeiro que desse
58
efetivamente suporte à provisão da moradia, no seu conceito mais amplo, sem se atribuir
primazia ao financiamento da produção imobiliária. Ao Estado coube assegurar que os
recursos articulados pelo poder público fossem um instrumento fundamental de apoio à
iniciativa e ao investimento do cidadão, no provimento de sua solução habitacional. Este
investimento poderia ser representado tanto por contrapartidas financeiras quanto pela
utilização de sua própria mão-de-obra, estimulando-se as soluções de construção por
mutirão, autogestão ou autoconstrução (P.N.H., 2004, p. 11).
O governo federal manteve um sistema centralizado, com linhas de
crédito sobre seu controle, sem uma política para incentivar e articular as ações dos
estados e municípios no setor habitacional. O que se observa no período de 1996 até
2002 é a desarticulação institucional, em alguns casos com a extinção das Companhias
de Habitação, as COHABs estaduais, e a dependência quase completa dos recursos
federais, verificando-se quase nenhuma priorização, por parte dos Estado, à questão
habitacional (P.N.H., 2004, p. 12).
O governo de Luís Inácio da Silva, em 2003, inicia a implementação de
mudanças nesse quadro, criando o Ministério das Cidades, que passa a ser o órgão
responsável pela Política de Desenvolvimento Urbano e dentro dela, pela Política Setorial.
Integram o Ministério das Cidades: a Secretaria Nacional de Habitação, a Secretaria
Nacional de Programas Urbanos, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental e a
Secretaria Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana (P.N.H., p. 12).
A Política de Habitação inscreve-se dentro da concepção de
desenvolvimento urbano integrado, no qual a habitação não se restringe à casa, mas
incorpora além o direito à infra-estrutura, ao saneamento ambiental, à mobilidade e
transporte coletivo, a equipamentos e serviços urbanos e sociais, buscando garantir
direito à cidade.
59
Dentro de um modelo participativo e democrático que reconhece a
participação nas políticas públicas como direito dos cidadãos, o Ministério das Cidades,
em 2003, articulou a realização das conferências municipais, regionais e estaduais das
cidades, que contou com a participação de amplos segmentos da população, em cerca de
3.400 municípios. Nestas conferências foram debatida os problemas das cidades e
apresentadas sugestões visando-se a elaboração das políticas adotadas pelo Ministério
das Cidades. Em outubro de 2003 foi realizada a Conferencia Nacional das Cidades, da
qual resultou a criação do Conselho das Cidades e a aprovação das diretrizes para a
nova Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (P.N.H., p. 12).
Como fruto desse processo, a proposta da nova Política Nacional de
Habitação é coerente com a Constituição Federal, que considera a habitação um direito
do cidadão, com o Estatuto da Cidade que estabelece a função social da propriedade e
com as diretrizes do atual governo ,que preconiza a inclusão social, a gestão participativa
e democrática, visando:
Promover as condições de acesso à moradia digna a todos os segmentos da
população, especialmente o de baixa renda, contribuindo, assim, para a inclusão
social (MINISTÉRIO das CIDADES, 2004).
Nesta perspectiva, a Política Nacional de Habitação tem como
componentes principais:
Integração Urbana de Assentamentos precários, a urbanização, regularização
fundiária e inserção de assentamentos precários, a provisão da habitação e a
integração da política de habitação à política de desenvolvimento urbano, que
definem as linhas mestras de sua atuação (MINISTÉRIO das CIDADES, 2004).
Os princípios que regem a Política Nacional de Habitação conforme
documento do Ministério da Cidade (2004) sobre habitação são:
60
Direito à moradia, como um direito humano, individual e coletivo,
previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na
Constituição Brasileira de 1988. O direito à moradia deve ter destaque
na elaboração dos planos, programas e ações, colocando-se os
direitos humanos mais próximos do centro das preocupações de
nossas cidades (M.C., 2004, p. 30);
Moradia digna como direito vetor de inclusão social que garantia
padrão mínimo de habitabilidade, infra-estrutura, saneamento
ambiental, mobilidade, transporte coletivo, equipamentos, serviços
urbanos e sociais (M.C., 2004, p. 30);
Função social da propriedade urbana que busque implementar
instrumentos de reforma urbana a fim de possibilitar melhor
ordenamento e maior controle do uso do solo, de forma a combater a
retenção especulativa e garantir acesso à terra urbanizada (M.C.,
2004, p. 30);
Questão habitacional como política de estado uma vez que o poder
público é agente indispensável na regulação urbana e do mercado
imobiliário, na provisão da moradia e na regulação de assentamentos
precários, devendo ser, ainda, uma política pactuada com a sociedade
e valha para mais de uma gestão;
Gestão democrática com participação dos diferentes segmentos da
sociedade, possibilitando controle social e transparência nas decisões
e procedimentos (M.C., 2004, p. 31);
61
Articulação das ações de habitação com a política urbana de modo
integrado com as demais políticas sociais e ambientais (M.C., 2004, p.
31).
Conforme informação do Ministério da Cidade (2004), a política nacional
de Habitação aprovada pelo Conselho das Cidades, deverá ser implementada de forma
gradativa, exigindo um prazo relativamente longo para que se dê a implantação de todos
os seus componentes e instrumentos.
A implantação do Sistema Nacional de Habitação e de seus programas
exige um articulação com a política urbana, particularmente a fundiária que pode criar as
condições de ampliação da oferta de terra urbanizada e ao barateamento dos imóveis e,
conseqüentemente, facilitar à construção de novas moradias (P.N.H., 2004, p. 13).
A seguir discorrer-se-á sobre o espaço urbano e a Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano, a qual deverá ser acompanhada pela PNH.
2.2 O Espaço Urbano e a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
A cidade é fruto do trabalho coletivo de uma sociedade; nela se
materializa a história de um povo, suas relações sociais, políticas, econômicas e
religiosas. Di Sarno (2004) destaca quê, ao longo do tempo, sua existência é determinada
pela necessidade humana de se agregar, de se relacionar, de produzir e trocar bens e
serviços, de criar cultura, arte, de manifestar sentimentos e anseios que só se
concretizam na diversidade que a vida urbana proporciona. Todos buscamos uma cidade
mais justa e democrática, que possa de alguma forma corresponder aos sonhos de seu
62
povo (E.C., 2001, p. 9). A rápida e desenfreada urbanização foi certamente uma das
principais questões sociais experimentadas no século XX.
A década de 1980 apresentou novidades referentes à gestão das cidades,
principalmente com a aprovação da Constituição de 1988. A partir desse momento outros
instrumentos passaram a fazer parte do processo de gestão dos centros urbanos como o
Estatuto da Cidade
11
que regulamenta os artigos 182 e 83 da Constituição Federal,
estabelecendo diretrizes gerais para a política urbana. A lei, delega aos municípios a
incumbência de cumprir a função social em relação à propriedade urbana nas cidades.
Um dos objetivos do texto é
Promover a aplicação do Estatuto da Cidade e de outros instrumentos de política
urbana, garantindo a melhoria da gestão e controle do uso do solo na perspectiva
do cumprimento da função social da cidade e da propriedade (E.C., 2001, p. 10).
A contradição permanente entre ordem urbanística e gestão exigem do
poder público o planejamento por meio do Plano Diretor
12
e de zoneamentos, que virá
estabelecer uma cidade virtual, que não se relaciona com as condições reais de produção
da cidade pelo mercado, ignorando que a maior parte da população urbana tem
baixíssima renda e nula capacidade de investimento numa mercadoria que é o espaço
construído.
A política urbana deve ser compreendida em dois sentidos diferentes
relacionados, porém um com o outro primeiro como estratégia de desenvolvimento da
estrutura física da cidade e segundo como ação política na condução da vida urbana.
Como estratégia de desenvolvimento da cidade, esta política orientada pelo poder
11
Estatuto da Cidade aprovado em 10 de julho de 2001 – Lei nº 10.257.
12
Plano Diretor – A Constituição, em seu artigo 174, considera que o Poder Público, como agente normativo
e regulador da atividade econômica, exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento; em seu capítulo II, Da Política Urbana, concede ao município a competência de estabelecer
um Plano Diretor em virtude do qual lhe é incumbida a tarefa de estabelecer como normas imperativas aos
63
público, seja ele federal, estadual ou municipal, com o fim de fazer a cidade crescer de
maneira organizada. O estabelecimento da política urbana não é a ação, mas sim o
preparo das condições em que o organismo governamental entrará em ação de maneira
inteligentemente unificada (E.C., 2001, p. 12).
Como bem define Yoshida (2001, p. 67) , as funções sociais da cidade:
[...] não se restringem funções urbanas elementares (habitação, trabalho,
recreação e circulação).
[...] Segundo Fiorillo e Abelha, a função social das cidades está ligada às normas
constitucionais mencionadas [...], de forma que ‘o direito à vida com saúde, com
lazer, com segurança, com infância, com a possibilidade de maternidade, com
direito ao trabalho, com direito à propriedade, etc., devem ser condições sine qua
non da própria existência finalística da cidade’
Desta forma a cidade, cumprindo suas funções sociais, estará buscando dar
efetividade ao princípio da dignidade humana, fundamento do Estado Democrático
de Direito [...], traduzido na ‘sadia qualidade de vida’, finalidade última da proteção
[...] e no bem-estar dos habitantes da cidades [...], outro objetivo da política
urbana.
Para a autora, o quadro de contraposição entre uma minoria da
população qualificada e uma maioria com condições urbanísticas precárias reflete a
expressão da desigualdade de renda e das desigualdades sociais e da segregação
espacial.
O ano de 2003 foi marcado pelo processo político de construção de
diretrizes para elaboração de uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU,
através de propostas dos governos federal, estaduais e municipais e da sociedade civil.
O Ministério das Cidades publicou um documento “Construindo uma
política para as Cidades”, o qual resultou em um texto base que orientou a realização das
Conferencias municipais, estaduais e nacional.
A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano a ser construída no governo
federal se insere no esforço da materialização que visa a coordenação e
particulares e agentes privados as metas e diretrizes da política urbana e os critérios para verificar se a
propriedade atende a sua função social.
64
articulação dos interesses públicos e privados no sentido de minimizar as
desigualdades sociais e regionais, redistribuir renda, reduzir o desemprego,
superar a escassez de financiamento, reduzir incertezas e elevar o investimento
publico e privado (M.C., 2004).
O Ministério das Cidades terá como diretrizes, para suas ações a
minimização da pobreza, das desigualdades sociais e regionais e a redistribuição de
renda, entre outros propósitos contidos no documento quê, em sua segunda parte,
apresenta o Texto Para a Deliberação da 1
a
Conferência Nacional das Cidades, indicando
como missão desse momento
,
Garantir o direito a cidade, promovendo a universalidade do acesso a terra
urbanizado e a moradia digna, a água potável e ao ambiente saudável e assegurar
o transito e a mobilidade urbana com segurança, por meio da gestão participativa
(M.C., 2004)
Nesse sentido, é necessário identificar a compreensão que os gestores
das cidades vêm tendo desse momento de revisão da situação atual dos problemas
urbanos, ou seja, qual a concepção de cidade que irá nortear esse processo. Importante
para esse processo é a definição do que vêm sendo entendido por cidade,
compreendendo-se que é essa concepção que definirá a gestão da complexa dinâmica
que envolve o espaço urbano atualmente.
Segundo Rolnik (1995), a lógica capitalista é que define as prioridades e
os parâmetros de utilização da cidade, sendo essas prioridades administradas pelo
Estado, que passa a transformar em mercado o espaço urbano e as relações
estabelecidas entre seus habitantes.
[...] o poder urbano funcional na cidade capitalista como uma instância que
controla os cidadãos, produz as condições de acumulação para o capital e
intervém nas contradições e conflitos da cidade (ROLNIK, 1995, p. 70).
65
Silva (2004) destaca que o Estado tem participado diretamente na
condução da cidade para o favorecimento do capitalismo através dos investimentos e
intervenções realizadas no espaço urbano. As expressões da “questão social” no meio
urbano reafirmam essa relação entre os problemas e a gestão dos mesmos pelo poder
público, como áreas da cidade que são priorizadas em infra-estrutura, enquanto outras
localidades não têm acesso aos serviços básicos como água encanada, calçamento e
equipamentos urbanos essenciais ou seja, escolas, hospitais, transportes, dentre outros.
O poder de acesso define e gera a segregação espacial que se constitui pela
desigualdade na utilização de serviços e equipamentos urbanos , sendo o espaço
da cidade ocupado diferentemente constituindo uma sociedade fragmentada
regida pelos interesses do sistema capitalista (SILVA, 2004, p.16).
Silva (2004) afirma ainda que a cidade enquanto espaço de produção e
reprodução do sistema capitalista, vem sendo pensada atualmente de forma a viabilizar
uma sociedade fundada na justiça social para enfrentar os problemas considerados
fundamentais para a reorganização da vida urbana, como a concentração de renda, a
exclusão social, desemprego, a violência entre outros. Afirma ainda que o
desenvolvimento sustentável das cidades compõe uma das diretrizes que o Ministério das
Cidades elaborou para viabilizar novas formas de gestão, sendo o Estatuto da Cidade o
principal instrumento para a efetivação da proposta, com objetivo de privilegiar o interesse
social na produção de infra-estrutura urbana.
Nesse sentido, torna-se instigante investigar como o discurso oficial do
atual governo se coloca neste momento histórico, no que diz respeito à tentativa de
construção de uma “nova” cidade baseada em princípios já citados anteriormente.
Diz Rolnik,
66
Hoje a imagem da cidade como centro de produção e consumo domina totalmente
a cena urbana. Nas cidades contemporâneas não há praticamente nenhum
espaço que não seja investido pelo mercado (ou pela produção para o mercado).
[...] Sem dúvida é possível dizer que hoje o mercado domina a cidade (1995, p.
28).
O modelo de apropriação do espaço e a ausência de uma política de
desenvolvimento urbano, diante do significativo crescimento da população que migrava
para os grandes centros, provocaram a ocupação desordenada e irregular do espaço
urbano. A seguir abordar-se-á a questão das migrações, pois entender este processo se
faz necessário para entender as ocupações nos grandes centros urbanos.
2.3 Urbanização e o Processo de Migrações
Observamos as cidades como pontos de convergência de fluxos
migratórios do campo para os centros urbanos mais prósperos e próximos em virtude da
expansão e penetração do capitalismo no campo. No ano de 2000, 81,2% da população
brasileira vivia em cidades. Esses dados demonstram a urbanização vertiginosa,
coincidindo com o fim de um período de acelerada expansão da economia brasileira, que
introduziu no território das cidades um novo e dramático significado: mais do que enfocar
progresso ou desenvolvimento, elas passam a retratar e reproduzir, de forma
paradigmática, as injustiças e desigualdades da sociedade.
Segundo Azevedo (1996), a busca de outras alternativas de sobrevivência
nos centros urbanos, ou seja, a migração do campo para a cidade tem contribuído para o
crescimento demográfico no contexto urbano.
67
No entanto, Gonçalves (1998, p. 74) ressalta que migrações e condições
subnormais de moradias não se encontram diretamente relacionadas. Não é o fato de ser
migrante que leva o individuo a ser morador de uma invasão ou favela, mas sim o seu
empobrecimento crescente, em decorrência de uma situação econômica que a cada dia
deteriora seu poder aquisitivo.
As transformações socioeconômicas no Brasil, principalmente o
desenvolvimento industrial associado à modernização da agricultura, proporcionaram não
apenas o progresso para o país, mas também provocaram o aumento da miséria dos
trabalhadores desprovidos de seus meios de produção e que foram obrigados a se
deslocar para outras áreas em busca de sobrevivência, contribuindo para a intensa
urbanização. Esse fator leva ao crescimento e degradação dos centros urbanos, diante da
demanda populacional. Assim, surgem as primeiras expressões da exclusão social, já que
esta população torna-se vítima “de um sistema que impede a fixação do homem na terra e
impede que este mesmo homem encontre condições dignas de trabalho, de moradia e de
vida na cidade” (CEM, 1986, p. 11).
Mudanças estruturais na economia, presenciadas nos últimos anos, e que
transformam as relações de trabalho, principalmente no setor agrícola, aconteceram de
maneira muito repentina, atingindo milhares de pessoas, que tiveram de abandonar suas
terras e atividades e migrar para outras localidades (ALEGRE, 2002). Muitos dos
migrantes, não só os que deixaram o campo, mas também que deixavam outras cidades
e foram para outras áreas rurais, tiveram como alternativa dirigir-se para as cidades e
sujeitar-se a morar nas periferias, na qualidade de bóia-fria, trabalhador informal e/ou
desempregado, tornando-se, assim, marginalizados perante à sociedade em que se
insere. A conseqüência desse deslocamento foi o aumento da dificuldade de integração
social e isso levou as classes menos favorecidas a situações de extrema pobreza. A
68
miséria seria, portanto, um dos resultados dessa nova “civilização moderna industrial”
(RAMIRES e SANTOS, 2001).
Segundo o autor, considerando-se que as indústrias passaram a absorver
cada vez menos mão-de-obra e que o setor terciário se modernizou de tal forma que
passou a exigir empregados qualificados, a conseqüência é que a urbanização brasileira
esteja caminhando lado a lado com o aumento da pobreza e a deterioração crescente das
possibilidades de vida digna dos novos cidadãos urbanos.
Para ele a intensa urbanização brasileira, vista como conseqüência do
processo migratório, associada a outros fatores, como a especulação imobiliária, acaba
sendo acompanhada por diversos problemas sociais, entre os quais a carência de
habitações dignas para a demanda populacional, o que vem multiplicando as habitações
subnormais, como as ocupações irregulares, as favelas e os assentamentos urbanos,
visto que a sub-moradia passou a ser a alternativa dos que chegam à cidade.
A população recém-chegada aloja-se nos centros urbanos, em locais
inadequados (fundo de vales, áreas de preservação permanente, propriedades públicas
e/ou privadas), buscando suas próprias soluções de sobrevivência, diante das condições
que encontram, já que os governos federal, estadual e municipal não fornecem subsídios
necessários para atender a toda essa demanda.
Maricato (1995) destaca que as cidades brasileiras, especialmente as
médias e os grandes núcleos urbanos, concentram um número elevado de miserável
segregado em pontos do seu território ou exilados nas periferias distantes da mesma.
Além disso, considera que uma das faces mais centrais da sua experiência é sem dúvida
a ilegalidade, principalmente na condição de moradia (favela, loteamento ilegal ou aluguel
informal de cômodo) e na relação de trabalho.
69
Di Sarno (2004) chama atenção para outro fenômeno migratório, além da
migração do campo para cidade o da migração de cidade para cidade. A autora reforça
que o desenvolvimento da tecnologia e o surgimento de pólos econômicos refletiram na
organização das cidades e na motivação da população. As cidades que não conseguiram
desenvolver um pólo econômico, garantindo empregos com aquecimento da economia
local, tiveram perda econômica e ou populacional considerável. A sociedade de consumo
fez com que muitas cidades entrassem em descompasso, pois, mesmo com a
permanecia dos habitantes, estes passaram a procurar outros centros para adquirir os
bens desejados.
Alegre (2002) observa que o processo migratório no Brasil tem como pano
de fundo as transformações da estrutura econômica e do ritmo de desenvolvimento das
diferentes regiões do país, pois que o grande ápice do êxodo rural teve início nas regiões
onde primeiramente ocorreu o processo de capitalização e mecanização do campo de
forma mais intensa, ou seja, na região Sudeste do país.
Assim, a história das migrações internas no Brasil torna-se um fator
importante para compreender a formação atual da sociedade brasileira, principalmente no
âmbito socioeconômico.
Refletindo as mudanças ocorridas na agricultura brasileira, nota-se que o
setor agrícola paranaense, a partir da década de 1970, começa a sofrer consecutivas
transformações, como o processo de sua modernização, tida como parcial, conservadora
e dolorosa. Segundo Moro (2001), parcial devido à limitação a algumas regiões e a alguns
produtos específicos; conservadora por não romper totalmente com a tradicional
concentração fundiária e dolorosa porque implicou a expropriação de milhares de
trabalhadores ligados às atividades agropecuárias.
70
Segundo essa perspectiva, o Paraná passou, então, a sofrer as
conseqüências socioespaciais dessa modernização. Emergiram, no cenário rural, os
novos ramos industriais inseridos no setor agrícola e os de fornecimento de matérias-
primas para as mesmas, fazendo-se sentir mudanças qualitativas e quantitativas na forma
de produzir, através da especialização da produção e pela constituição das agroindústrias
e, posteriormente, pela formação dos complexos agroindustriais.
Uma das alterações significativas foi a substituição de culturas perenes
notadamente o café pelas culturas temporárias, como soja e trigo, principalmente
acompanhadas de grandes alterações na base técnica de produção, tornando-se
inevitável a redução da mão-de-obra em atividades ligadas ao campo, modificando, dessa
forma, a estrutura econômica, política e social do Estado e ocasionando os intensos
fluxos migratórios.
A incorporação de novas tecnologias, o uso intensivo de maquinários e o
desenvolvimento de pesquisas relacionadas às inovações biológicas e químicas das
espécies, que acentuaram as modificações na estrutura econômica e social do Estado
(SILVA, 2000; FRANCO, 2001; DELGADO, 1997), vieram a contribuir para a
intensificação do processo de migração rural-urbana, porquanto a integração dos
produtores ao complexo agroindustrial, a incorporação de insumos industrializados e a
adaptação de seus produtos ao mercado, aceleraram o processo de diferenciação
socioeconômica entre estes produtores. Os que não conseguiram manter as condições de
adaptação às novas mudanças, possuindo terras para garantir o crédito rural e manter a
escala de produção exigida por essa tecnologia e para atender a demanda do mercado,
diferenciaram-se dos demais, tornando-se assalariados no campo ou na cidade.
Um fator importante que proporcionou o direcionamento dos fluxos
migratórios a partir da década de 1970 foi a influência de políticas governamentais fiscais
71
e creditícias, que propiciaram a implementação de um sistema de infra-estrutura viária e
energética na Amazônia, tendo como expressão o Programa de Integração Nacional
(PIN), a abertura de rodovias (Transamazônica,Belém-Brasília e Cuiabá), com o objetivo
de interligar as novas áreas de fronteira agrícola e demográfica com outras regiões do
país (BECKER, 1997).
A migração interna, tanto pela busca de terras novas, quanto em direção
aos centros urbanos, tem relação com aspectos econômicos importantes na História do
Brasil: expansão da fronteira agrícola e industrialização. Na década de 1970, observa-se
que esses movimentos sofrem um acréscimo, com a inserção da migração sazonal,
decorrente da proletarização do homem no campo, ou seja, o trabalhador vê-se obrigado
a migrar periodicamente em busca de safras agrícolas (VALIM, 1996).
A década de 1970 apresentou o maior êxodo rural já presenciado no país,
devido ao descompasso entre o ritmo de reprodução da força de trabalho e o crescimento
da oferta de emprego no campo. Seriam aproximadamente 16 milhões de pessoas que
deixaram o campo e destinaram-se aos centros urbanos.
Dessa forma, o êxodo rural afeta o crescimento da população do Paraná,
posto que a consolidação da modernização da agricultura paranaense proporcionou
profundas mudanças na estrutura agrária, na distribuição espacial de sua população,
intensificando o processo de urbanização e elevando o grau de disparidade social e
degradação das condições de vida e sobrevivência dessa população. No tocante aos
deslocamentos internos dos migrantes no Estado do Paraná, parte significativa dos
trabalhadores que saíram do campo deslocou-se para cidades como Cascavel,
Guarapuava, Maringá, Londrina, Umuarama, Apucarana e Ponta Grossa, apresentando
também grande fluxo para a região metropolitana de Curitiba.
72
No Estado do Paraná, verificou-se, segundo Deschamps e Kleinke (1999),
que o processo de migração tem se constituído em um fator de preocupação, tornando-se
objeto de análise na área de estudos populacionais do Ipardes, devido a sua forte
influência na dinâmica da população do Estado. A distribuição espacial que configura
extensas áreas de esvaziamento, em oposição à acentuada e crescente concentração
populacional, evidencia a consolidação de centros urbanos em determinados pontos do
Estado, como Curitiba, Londrina, Maringá, Ponta Grossa e Cascavel.
A década de 1980 é particularmente caracterizada por conseqüências
negativas desse modelo de desenvolvimento urbano-industrial, com o agravamento da
questão da pobreza nas cidades, cuja conseqüência é a exclusão social. Bursztyn (2000)
considera que á medida que seguimos por uma economia capaz de propiciar um notável
incremento da produção, juntamente com uma grande redução do emprego de trabalho
humano, nos deparamos com categorias de trabalhadores desempregados, que se
tornam, desnecessários ao sistema econômico. Trata-se assim da ruptura dos laços de
solidariedade e de pertencimento a uma mesma sociedade. Neste caso, os excluídos são
indivíduos pobres e constituem um mundo à parte, compartilhando o mesmo universo
espacial e temporal, mas não interagindo socialmente com os demais.
Numa perspectiva diferente da corrente representada por Bursztyn (2000),
Maricato (2000) considera que o crescimento urbano sempre se deu juntamente com a
exclusão social. No momento em que as cidades passam a ganhar novas dimensões, tem
início a problemática habitacional. O modo de vida da maior parte da população que mora
nas cidades e muitas vezes constrói suas próprias casas em áreas irregulares, no período
atual, leva a crer que não é possível dissociar esse urbano e essa moradia dessa
sociedade e desse modelo de industrialização, modernização da agricultura e
73
desenvolvimento econômico implementado no Brasil, quê, por sua vez, influenciam
consideravelmente no deslocamento populacional.
Com base em análise das migrações internas no Brasil, que abrange o
estudo de seus diversos fatores, como as características da população que migra, as
condições e os motivos dos deslocamentos e a sociedade na qual será inserida, o
Programa Nacional de Apoio às Migrações Internas apresentava como principal objetivo a
criação de estímulos orientados para melhorar o nível de renda da camada da população
carente, através do aumento das oportunidades socioeconômicas em espaços
diferenciados.
Nas duas últimas décadas do século XX, os deslocamentos populacionais
no Brasil apresentaram novas características. Durante a década de 1980, devido à crise
(estagnação) econômica, multiplicaram-se os contingentes de trabalhadores
desempregados e subempregados (deslocamentos intra-estadual, intramesorregional e
interestadual), com declínio para as migrações inter-regionais.
Neste momento, iniciou-se a migração de retorno para a região Nordeste
(KLEINKE et al., 1999).
No que se refere às trocas interestaduais realizadas no período
correspondente a 1986/1991, o Paraná apresenta um movimento intenso com os estados
de São Paulo e Santa Catarina, compreendendo 63% dos emigrantes e 54% dos
imigrantes desse período. Alguns dos fluxos de longa distância são expressivos, embora
em menor quantidade, como os das áreas de fronteira agropecuária recentes (Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia) e com frentes tradicionais (Rio Grande do Sul e
Minas Gerais), integrando no conjunto 31% dos emigrantes e 34% dos imigrantes
(KLEINKE et al., 1999).
74
Em período mais recente (1999), as preocupações das análises
populacionais do Paraná têm-se voltado para a intensidade da migração interna no
Estado. No movimento intra-regional, entre 1986/91, sobressaem os fluxos migratórios de
origem e destino urbano, representando 54,4% da trajetória dos migrantes. Esses
deslocamentos convergem paras as três mesorregiões mais urbanizadas do Estado
(Metropolitana, Norte Central e Oeste Paranaense) que juntas recebem 70% dos
imigrantes.
Quanto aos fluxos de origem rural e destino urbano, neste mesmo
período, prevalecem as saídas das áreas rurais com destino às cidades, representando
24,7% dos deslocamentos. Os fluxos com destino às áreas rurais representam a menor
parcela (19,9%) e são mais expressivos nas mesorregiões menos urbanizadas, com
ênfase para nas de menor distância.
Com relação aos movimentos migratórios no Paraná, entre 1986 e 1991
verificou-se um intenso fluxo migratório intermesorregional, tendo como principais
destinos a área metropolitana de Curitiba e a mesorregião Norte Central Paranaense, na
qual está inserida a cidade de Londrina, recebendo quantidade significativa de população,
como afirma Kleinke (1999) e Deschamps (2001) no trabalho realizado por Kleinke;
Deschamps e Moura (1999).
Outro dado relevante é que a mesorregião Norte Central do Paraná, na
qual se encontra a cidade de Londrina, é considerada uma das mais dinâmicas do
Estado, devido a sua hegemonia de base agroindustrial, sustentando intensos
movimentos de circularidade com saldos positivos. Em relação às trocas intermunicipais,
esta região, com destaque dos municípios periféricos em relação a Londrina (Cambé e
Ibiporã) e a Maringá (Sarandi e Paiçandu), concentram 48% dos imigrantes da própria
mesorregião e 67% das demais (KLEINKE, et al.,1999).
75
Os fluxos migratórios ocorreram também no espaço interno da cidade, o
que se convencionou chamar de migração intra-urbana, considerada aqui como o
deslocamento da população de um bairro para outro. Essa migração é movida pela
esperança que os migrantes carregam em si de encontrar em outro local, mesmo que em
outro bairro , a solução para seus problemas socioeconômicos.
Embora a busca da cidade ainda reflita a ilusão de muitos migrantes de
conseguir melhores condições de vida, principalmente de emprego, na realidade, sem
qualquer grau de qualificação e deparando-se com uma situação de desemprego, acabam
submetendo-se a subempregos ou vivendo de bicos e, conseqüentemente, transformam
suas habitações provisórias em uma condição definitiva.
O modelo de apropriação do espaço e a ausência de uma política pública
habitacional, diante do significativo crescimento populacional, provocaram a ocupação
desordenada e irregular do espaço urbano com a expansão de moradias precárias,
assentamentos informais e favelas.
Em vista dos problemas graves enfrentados pelo poder público nos dias
atuais que são os assentamentos urbanos, discorrer-se-á a seguir mais especificamente
sobre esse assunto.
2.4 Assentamentos e Moradias Subnormais
Em vista dos problemas graves hoje enfrentados pelo poder público que é
a falta de moradia, passar-se-á discorrer especificamente sobre os aglomerados
subnormais e assentamentos urbanos nos quais mora a população pobre e
especificamente as famílias objeto deste estudo.
76
A necessidade de construção de uma política habitacional com foco na
integração urbana de assentamentos precários, especialmente na garantia de acesso a
saneamento básico, à regularização fundiária e à moradia adequada, articulada a outras
políticas sociais e de desenvolvimento econômico, é essencial a implementação de
qualquer estratégia de combate à pobreza e perspectiva de sustentabilidade urbana. Nos
dias atuais presenciamos cidades com vastas porções de seu território ocupadas por
assentamentos precários que dificilmente podem ser sustentáveis do ponto de vista
socioambiental, caso não se efetivarem intervenções que visem à inclusão sócio-espacial
do expressivo contingente populacional que reside nesses assentamentos.
Para entendermos o direito à moradia e sua aplicabilidade, necessário se
faz identificarmos as diversas formas de ocupação do solo para fins de moradia, recursos
utilizados pela população de baixa renda e pelas famílias alvo desta dissertação.
Ensina Fernandes (2003, p. 47),
Uma dimensão de fundamental importância do Estatuto das Cidades diz respeito
aos instrumentos jurídicos reconhecidos para a promoção pelos municípios de
programas de regularização fundiária dos assentamentos informais, dentro da
proposta mais ampla já introduzida na Constituição de 1988 de que cabe as
políticas publicas municipais promover a democratização das formas de acesso ao
solo urbano e a moradia.
O Estatuto da Cidade reconheceu, segundo Fernandes (2003) que a crise
generalizada de moradia e a proliferação de formas de ilegalidade urbana no que diz
respeito aos processos de acesso ao solo e a moradia, produzidas pela combinação da
falta de políticas habitacionais adequadas com a ausência de opções suficientes e
acessíveis oferecidas pelo mercado imobiliário são, ao mesmo tempo, resultado e causa
de vários problemas urbanos enfrentados pelos municípios.
O autor destaca ainda que a proliferação de formas de ilegalidade nas
cidades especialmente no contexto cada vez mais significativo da economia informal, é
77
uma das maiores conseqüências do processo de exclusão social e segregação espacial
que têm caracterizado o crescimento urbano intenso.
Existem varias formas de referir ao termo subnormalidade habitacional no
Brasil. Essa diversidade de termos decorre das diferenças regionais e culturais e também
do poder publico.
No primeiro recenseamento efetuado pelo Instituto de Geografia e
Estatística (IBGE) na década de 1950, a subnormalidade aparece com a variável
aglomerado subnormal. Segundo Guimarães (2000) conceituados como subnormais eram
aqueles aglomerados que possuíam as seguintes características:
Proporções mínimas agrupamentos prediais ou residenciais formados com
numero de unidades geralmente superior a 50;
Tipo de habitação predominância de casebres ou barracões de aspecto
rústico, construídos principalmente com folhas de flandes, chapas zincadas ou
materiais similares;
Condições jurídica da ocupação construções sem licenciamento e fiscalização,
em terrenos de terceiros ou de propriedade desconhecida;
Melhoramentos públicos ausência, no todo ou em parte, de rede sanitária, luz,
telefone e água encanada;
Urbanização área não urbanizada, com falta de arruamento, numeração ou
emplacamento (GUIMARÃES, 2000, p. 378).
Porém, Sorgi (2004) diz que a definição talvez adequada para a realidade
da época e apropriada para os assentamentos dos grandes centros urbanos como Rio de
Janeiro e Salvador, onde os aglomerados tinham dimensões maiores em virtude do tipo
de ocupação, nos dias de hoje não permite caracterizar completamente o problema
habitacional.
Pouco se evoluiu no conceito da subnormalidade, pois no Censo de 1991,
para o IBGE, aglomerado subnormal incluindo-se favelas e similares continuava sendo:
[...] um conjunto construído por, no mínimo cinqüenta (50) unidades habitacionais
(barracos,casas...), ocupando ou tendo ocupado até período recente, terrenos de
propriedade alheia (publica ou particular) dispostas, em geral, de forma
desordenada e densa, e carentes, em sua maioria de serviços essenciais.
78
Para identificar os aglomerados subnormais, o IBGE segue o seguinte
critério: ocupação ilegal da terra, ou seja, construção em terrenos de propriedade alheia
(publica ou particular), no momento atual ou em período recente (obtenção de titulo de
propriedade do terreno há mais de dez anos ou menos), e que se enquadrem em pelo
menos uma das seguintes características:
a) Urbanização fora dos padrões vigentes – refletido por vias de
circulação estreitas e de alinhamento irregular, lotes de tamanhos e
formas desiguais e construções não-regularizadas por órgãos
públicos;
b) Precariedade de serviços públicos essenciais.
Dessa forma, os aglomerados subnormais, segundo o IBGE, podem
enquadrar-se em: invasão, loteamento irregular ou clandestino e áreas invadidas e
loteamentos irregulares ou clandestinos regularizados em período recente. Portanto, o
que caracteriza um aglomerado subnormal é a ocupação desordenada, por ocasião de
cuja implantação, não tenha havido posse da terra ou titulo de propriedade.
Em virtude de inúmeros conceitos e variáveis, o conceito do IBGE não
pôde retratar efetivamente o que são as situações de subnormalidade. Desta questão
controversa, foram levantadas com maior precisão nos relatórios do programa de
urbanização das áreas subnormais do convênio internacional do Governo federal e do
Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, as características e os conceitos de
aglomerados subnormais, podendo assim ser classificadas:
a) Quanto à irregularidade da titulação dominial ou entraves impostos por
posturas municipais Ocupação de terrenos ou edificações de terceiros,
titulação incompleta, aquisição de imóveis de possuidores não-
proprietários, não-adequação da edificação, do lote ou do
79
assentamento as normas urbanísticas. Neste item podem incluir-se
em: áreas com destinação de uso não residencial (viadutos, ruas,
praças, equipamentos urbanos e comunitários, faixas de domínio e de
servidão, entre outras); áreas com destinação de usos que vede a
possibilidade de ocupação habitacional, como áreas de preservação
ambiental, decorrentes de processo de ocupação de uma fração (do
uso) do solo urbano, que gere padrões de parcelamento, circulação e
edificação inferiores ao mínimo estabelecido na legislação para a zona
em questão; imóveis ou conjunto de imóveis, áreas ou espaços
abandonados e ou condenados, loteamentos que não tenham
cumprido as exigências legais, a aprovação de projeto, licenciamento
e aceite de aluguel cuja disposição de cômodos, dimensionamento e
condições de salubridade e construção não atendam aos dispositivos
estabelecidos pela legislação.
b) Quanto não-conformidade a padrões mínimos de segurança e conforto
das edificações ou à urbanização, como assentamentos em áreas de
risco, utilização de materiais que não ofereçam segurança e
salubridade, inexistência de infra-estrutura adequada;
c) Quanto aos tipos de riscos, domicílios em situação de vulnerabilidade
a acidentes naturais ou de origem humana, com risco de desabamento
de encostas, de enchentes, incêndio, acidentes, ou domicílios em
condição de insalubridade, nos quais haja vulnerabilidade a doenças
de origem ambiental, risco de exposição a substancias tóxicas;
d) Quanto à nomenclatura usual, a subnormalidade habitacional. Quanto
à estrutura física da moradia, são as edificações construídas com
80
materiais improvisados e não-duraveis e denominadas de barracos,
mocambos ou palafitas. Quanto ao local e à forma ilegal como se deu
a ocupação, são comumente chamados de baixadas, alagados,
invasão, loteamento clandestino, favela e assentamentos populares.
Nesse crescente processo de urbanização, presenciado nas cidades de
porte médio e médias, emergiram principalmente e de forma avassaladora as
aglomerações subnormais, desprovidas de serviços urbanos e infraestrutura básica.
Assim, as formas de moradia precárias surgem como alternativas a essa parcela da
população desempregada, como também no caso de migrantes (provenientes tanto do
meio urbano quanto rural), que buscam nas cidades maiores ou que apresentem
perspectivas de crescimento, melhores condições de emprego e moradia. As
aglomerações subnormais acabam, dessa forma, perpetuando as desigualdades sociais
no espaço intra-urbano (P.N.H., 2004, p. 20).
Dores (2005) descreve a situação de Londrina no período posterior à
década de 1970, salientando que as moradias irregulares, principalmente a favela,
passaram a se constituir em um elemento de preocupação para a administração pública,
dado o valor que os terrenos ocupados adquiriram no mercado imobiliário, por causa do
crescimento da cidade. Segundo a autora as razões de seu surgimento, evidenciam as
contradições do sistema capitalista, e as favelas passam a ser vistas, então, como
disfunção do sistema, devendo assim ser erradicadas (IPPUL, 1996).
Segundo COHAB-LD (2002) diante da essa situação, criam-se neste
período, no município, alguns programas que objetivam o enfrentamento da erradicação,
seja urbanizando-se as favelas através da regularização das áreas onde estas se
encontram, e instalando-se a infra-estrutura necessária, seja deslocando o problema, isto
é, transferindo as famílias para uma outra área, nos casos em que essas não apresentem
81
condições aptas para a regularização, constituindo os chamados conjuntos habitacionais
(década de1970) e, mais recentemente, os assentamentos urbanos (década de 1990).
Alves (1991) destaca que os conjuntos habitacionais situam-se, num
primeiro momento, durante a década de 1970, numa política de erradicação das favelas
na cidade de Londrina, bem como de amenização do problema habitacional de grande
parcela da população carente.
O Poder Público local (município) busca simultaneamente neutralizar os
problemas decorrentes da presença de favelas para o restante da cidade e suprir as
necessidades dos moradores das favelas com o mínimo de organização (abertura de ruas
e divisão dos lotes), implantando infraestrutura básica (água e luz) no mesmo local da
ocupação e/ou em outra área, dependendo da situação de legalidade da terra
(propriedade). Esse processo envolve a regularização do terreno onde estão localizadas
as favelas, ou a remoção das famílias que se encontram em situação de risco, para outras
áreas da cidade – os assentamentos urbanos, áreas estas também pertencentes ao poder
público, neste caso, a COHAB-LD (IPUL – 2001).
Segundo informações colhidas na COHAB-LD (2002), pode-se dizer que
os assentamentos urbanos seriam uma alternativa para o processo de desfavelização,
principalmente quando a população de gêneses diversas (rural/urbana) perde poder
aquisitivo, não apresentando condições de pagar as prestações através de financiamento
proposto pelo SFH – Sistema Financeiro de Habitação, vindo, então a se aglomerar em
áreas de condições subumanas.
No caso de Londrina, cidade planejada na década de 1930, para atender
um determinado número de habitantes (cerca de 20 mil), ocorreram inúmeras alterações
no espaço urbano por conta da sua condição de pólo regional, apresentando ela
crescimento no setor de comércio e serviços e exercendo, assim, um poder maior de
82
atração populacional. Porém, foi nas décadas de 1950/1960 que surgiram os primeiros
registros de favelas, localizadas nas áreas periféricas do centro histórico inicial, próximas
à linha férrea (atual Avenida Leste-Oeste, próxima às ruas adjacentes do quadrilátero
central) e a cidade passou a receber considerável contingente populacional em razão das
atividades desenvolvidas para atender a demanda do sistema ferroviário, necessitando,
dessa forma, readaptar seu planejamento urbano para conduzir a ordenação de sua
ocupação pela população que chegava na cidade, proveniente tanto da zona rural como
da urbana, que via em Londrina a imagem de uma cidade de progresso.
Na década de 1960 elaborou-se o Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano, visando-se organizar a ocupação espacial de Londrina, quando ela passa a ser
considerada a segunda maior cidade do Estado do Paraná, pelo seu desenvolvimento
industrial, comercial e de serviços, e pela significância no crescimento populacional.
Nas décadas subseqüentes, com uma população em torno de 400 mil
habitantes, Londrina passa a ser vista como uma cidade que convive com situações
urbanas problemáticas, principalmente nas questões sociais, tornando-se exemplo de
rápidas transformações na malha urbana. Tal característica permanece até os dias mais
recentes, à qual se acrescenta um elevado grau de disparidades sociais associadas à
questão da violência, o que evidencia um contingente populacional crescente que não
consegue sequer atingir o nível de pobreza, sendo considerado como o mais miserável e
excluído (D.I., 2002, p. 37).
Por esse quadro, verifica-se que a cidade de Londrina apresentou, nestes
últimos dez anos, um crescimento significativo no número de habitações destinadas à
população mais carente, principalmente para atender aquelas famílias que buscavam a
cidade como forma de solucionar seus problemas, mas foram forçadas a ocupar terrenos
83
públicos ou privados, por não conseguirem ingressar no mercado de trabalho,
evidenciando o fenômeno das aglomerações subnormais.
O surgimento dos aglomerados subnormais, ocorrido com a constituição
de favelas e ocupações irregulares e, recentemente, caracterizado pela formação dos
assentamentos urbanos, deriva da impossibilidade de pagamento de aluguel, do
desemprego, da desqualificação profissional, estando também associado aos problemas
regionais referentes ao êxodo rural, atrelados à modernização da agricultura e ao
processo de industrialização, tudo isso contribuindo para que esses migrantes, ao
chegarem nesta cidade, vissem aumentando a problemática habitacional. Em face dos
elevados custos dos aluguéis, se viram forçados a se deslocarem para as zonas
periféricas e a se instalarem de forma precária e sub-humana.
Apresentaremos aqui a conceituação adotada pela COHAB-LD para
assentamentos urbanos e aglomerados subnormais.
A expressão aglomerados subnormais é utilizada pela COHAB-LD como
referência aos assentamentos urbanos, favelas e ocupações irregulares de Londrina.
Para o IBGE, essa categoria foi usada para substituir o termo favela no Censo de 2000 e
designa um conjunto de favelas e assemelhados constituídos por unidades habitacionais
dispostas de forma desordenada e densa, carentes de serviços públicos essenciais
(IBGE, 2000).
Segundo a definição produzida por Ferreira:
Os assentamentos urbanos representam locais, cujo histórico de vida de seus
habitantes, também é marcado pela precariedade social e econômica.
Representam a aglomeração de pessoas que se encontram à margem da
capacidade de aquisição de uma moradia, seja através da compra direta ou pela
forma de financiamento. Muitos assentamentos expressam o segundo estágio do
processo de favelização. Tal fato se dá pela regulamentação posterior do processo
de ocupação (invasão), bem como por representar, muitas vezes, o local para
onde as famílias são transferidas, durante os processos de remoção de favelados
(2001, p. 86).
84
Ao defini-los como umas formas de regularização de ocupações
clandestinas e lugar para onde são destinadas famílias sem teto e favelados de outras
localidades, relacionados, portanto, a processos de “desfavelização” ou “desfavelamento”,
Ferreira (2001) também enfatiza a ação estatal, central na sua definição, que contempla
ainda outros aspectos do bairro, em particular, a dinâmica da organização populacional.
Andrioli (2003) faz uma crítica à utilização dessa categoria assentamento
urbano, pois ela considera mais coerente o conceito de ocupações urbanas, por
contemplar o caráter da luta dos sujeitos sociais e das entidades que os defendem. Afirma
a autora que se trata de uma conceituação simplista e carregada de preconceitos,
utilizada de forma intencionalmente errônea pelo Poder Público, com o objetivo de
esconder os reais problemas socioeconômicos presenciados na cidade. Para a mesma, a
expressão assentamento urbano seria uma categoria utilizada pelo Estado, dividida em
etapas para que ocorra e se dê a posse ou propriedade da terra, o que faz concluir que
esta categoria vigora somente num determinado período, ou seja, no tempo necessário
para a conclusão das referidas etapas, as quais são: levantamento da população, número
de famílias que serão beneficiadas, escolha da área e transferência para a mesma,
divisão e distribuição dos lotes, implantação da infra-estrutura básica (água, luz e
ordenamento) e posteriormente mediante pagamento, a propriedade dos lotes
(ANDRIOLI, 2003, p. 61).
Segundo Silva e Melchior (2002), a categoria assentamento urbano foi
usada pela primeira vez em Londrina na gestão municipal de Antônio Casemiro Belinati
(em seu terceiro mandato, iniciado em 1996), com vistas à propaganda política. Esperava
garantir a conquista de votos da população assentada, mesmo que as famílias fossem
apenas removidas das áreas de ocupação ilegal e transferidas para estas áreas cedidas
pela Prefeitura, sem qualquer infra-estrutura, assemelhando-se à das favelas.
85
Em vista dessa diversidade crescente da realidade presenciada em
Londrina, os aglomerados subnormais foram divididos em categorias, embora,
aparentemente, aos olhos de quem chega, a cidade não revele em seu espaço urbano,
por exemplo, o que se convencionou classificar de favela, conforme definido pelo IBGE
(apud RODRIGUES, 2001, p. 36), como “um aglomerado de pelo menos cinqüenta
domicílios – na maioria carentes de infra-estrutura – e localizados em terrenos não
pertencentes aos moradores”, conforme é visível em cidades como São Paulo e Rio de
Janeiro, principalmente.
Assim, buscando-se compreender as distintas formas de moradias
populares e organização espacial das mesmas na cidade de Londrina, faz-se necessário
destacar a diferenciação entre ocupação, favela e assentamento urbano, visando-se
também o entendimento da subnormalidade existente nesta cidade, do ponto de vista
oficial. De acordo com a COHAB-LD (D.I., 2002, p. 32), tem-se a seguinte classificação:
ocupações irregulares, favelas e assentamentos urbanos.
Ocupações irregulares são produto de ocupação de áreas legalmente
impróprias de serem regularizadas, insalubres, de risco e de preservação permanente,
como ruas, lixões, locais de alta declividade, solo instável e fundo de vales, bem como
áreas destinadas à implantação de equipamentos comunitários. Podem ser áreas de
domínio público ou privado.
Favelas seriam núcleos de gênese espontânea, produto de ocupação
organizada ou desorganizada, gradativa, em áreas públicas ou privada; mas que já
possuem infra-estrutura básica como demarcação de lotes, arruamento, implantação de
sistema de abastecimento de água potável e energia elétrica, executada pela COHAB-LD,
com vistas à futura regularização fundiária. A área onde está instalada pode ser ou não
regularizada, conforme a situação legal da mesma. No primeiro caso, torna-se uma favela
86
urbanizada. Os barracos ou similares geralmente não são objetos de intervenção,
ocorrendo apenas a realocação dentro da mesma área. Em razão do adensamento inicial,
quando é feita a demarcação dos lotes, surge um excedente de famílias que podem ser
assentadas em outro local, dependendo de negociação entre a população atingida e o
Poder Público.
Assentamentos urbanos seriam núcleos de gênese planejada pela
COHAB-LD em área pública, normalmente é formada por ocupação na própria área, ou
em outra. No primeiro caso, as famílias são retiradas para a implantação de infra-estrutura
básica, como demarcação de lotes, abertura de ruas, sistema de abastecimento de água
e energia elétrica, em alguns casos pavimentação primária ou asfáltica, executada pela
COHAB-LD. Na área, as famílias vão sendo assentadas de forma organizada podendo
receber excedentes de outros núcleos ou famílias carentes dispersas pela cidade. No
segundo caso, as famílias vão sendo remanejadas e assentadas conforme o término das
obras. O objetivo ainda é a futura regularização fundiária, ou a evitação do agravamento
da situação social, ambiental entre outros. A área pode ou não ser regularizada,
dependendo da fase do processo legal de regularização. Nesta categoria as habitações
são objetos de intervenção, dependendo da viabilização dos recursos, caso isso não seja
possível, deixa-se a construção por conta das próprias famílias (D.I, 2002, p. 33).
Para o Poder Público londrinense, os assentamentos urbanos, as favelas
e as ocupações irregulares não são sinônimos, embora tenham algumas características
comuns, como a não regularização fundiária. Mais do que diferenciação entre o primeiro e
os dois seguintes, pode-se identificar, sempre do ponto de vista oficial, uma oposição,
demarcada exatamente pela intervenção do Poder Público.
Além disso, considera-se que as favelas são caracterizadas pelas
construções de barracos em terrenos de propriedade pública ou particular, dispostos, na
87
maioria, de forma desordenada e densa, carente de qualquer serviço público básico.
Podem originar e evoluir como pontos excluídos e de modo diferenciado de um lugar para
outro. Seu padrão de ocupação pode ser gradual, repentino, organizado, o que gera
influencia, em sua evolução, necessidades e carências.
Dores (2005) observa que os assentamentos do município de Londrina
sofrem com o crescimento populacional, acarretando sua expansão. Esse crescimento,
juntamente com a falta de condições mínimas de sobrevivência, com moradias precárias,
sem saneamento básico, acabam favorecendo as situações vinculadas à violência e
discriminação, que influenciam as relações entre os moradores dessas áreas e os demais
moradores da cidade.
Os diagnósticos evidenciam o agravamento dos problemas urbanos e
ambientais das cidades, decorrentes de adensamentos desordenados, ausência de
planejamento, carência de recursos e serviços, carência da infra-estrutura e de espaços
construídos, decorrentes também de padrões atrasados de gestão e de agressões ao
meio ambiente.
Os investimentos programados por eixos de desenvolvimento nas
grandes metrópoles contribuem para redesenhar espaços dinâmicos, relegando-se áreas
de baixo dinamismo ou estagnadas. Isso acentua a tendência de concentração da
população urbana nas áreas metropolitanas e nas aglomerações urbanas que reforçando
os desequilíbrios da rede de cidades e agudizando os problemas sociais, urbanos e
ambientais dos grandes centros, também porque os investimentos feitos ou programados
nesses eixos não levam em conta os danos ambientais decorrentes (BEZERRA,
FERNANDES, 2000).
As diferentes cidades da rede urbana brasileira, tanto as regiões
metropolitanas e cidades grandes como as médias e pequenas possuem desafios
88
próprios no que concerne ao desenvolvimento sustentável, tema que será tratado a
seguir.
2.5 O Desenvolvimento Sustentável e a Moradia
Uma moradia adequada conforme definição estabelecida em Istambul é:
[...] uma moradia sadia, segura, acessível no aspecto físico, dotado de infra-
estrutura básica como suprimento de água, energia e saneamento e com
disponibilidade de uso de serviços públicos como saúde, educação, transporte
coletivo, coleta de lixo”. Além disso “Privacidade adequado espaço. [...] incluindo a
garantia da posse, durabilidade estabilidade da estrutura física adequada
iluminação, aquecimento e ventilação”.
A Conferencia das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos
(Habitat II) realizada em Istambul em 1996, celebra os objetivos universais que são
assegurar uma moradia adequada para todos e conseguir que os assentamentos
humanos sejam mais seguros, saudáveis habitáveis, eqüitativos, sustentáveis e
produtivos (BARBIERI, 2004).
Um evento mundial, em Estocolmo, em que se reuniram 70 paises em
Estocolmo
13
criou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que tinha como
um dos objetivos estimular os governos a cuidar do meio ambiente. Segundo Barbieri
(2004), o programa associou-se à UNESCO para promover a educação ambiental e
contribuiu de maneira importante para um novo entendimento sobre o processo de
13
Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo (Suécia) em
1972.
89
desenvolvimento e sua relação com o meio ambiente, não sendo mais possível, a partir
deste encontro falar em desenvolvimento sem considerar o meio ambiente.
Este programa ajudou a publicar a estratégia para a preservação do
mundo, precursora da Agenda 21
14
. Segundo Hothausen (2000) esta estratégia ficou
incompleta por deixar de privilegiar o equilíbrio entre proteção do meio ambiente e a
suspensão econômica dos povos.
Em 1987 foi criada a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o
desenvolvimento (ONU) em razão da situação acima citada. O relatório produzido por
este encontro denominou-se “O nosso Futuro Comum”. Nele os governos se
comprometiam a promover o desenvolvimento econômico e social em conformidade com
a preservação ambiental. O documento apresentou os métodos para enfrentar a crise
pela qual o mundo passava na definição oficial do conceito de desenvolvimento
sustentável:
é aquele que atende às necessidades dos presentes sem comprometer a
possibilidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades
(PEDROSO e SILVA, 2004, p 3-4).
Segundo Holthausen (2000), em 1989, a ONU realizou a conferência
sobre o meio ambiente e a partir dessa conferência foi elaborado um documento,
assinado por governos, organizações não-governamentais e especialistas nascendo
assim a Agenda 21, programa com recursos financeiros para o desenvolvimento e meio
ambiente da terra, assinado por 179 países entre os quais o Brasil.
14
Agenda 21 é um plano de ação para ser adotado global, nacional e localmente, por organizações do
sistema das Nações Unidas, governos e pela sociedade civil, em todas as áreas em que a ação humana
impacta o meio ambiente. Constitui-se na mais abrangente tentativa já realizada de orientar para um novo
padrão de desenvolvimento para o século XXI, cujo alicerce é a sinergia da sustentabilidade ambiental,
social e econômica, perpassando em todas as suas ações propostas. Além da Agenda 21, resultaram desse
mesmo processo quatro outros acordos: a Declaração do Rio, a Declaração de Princípios sobre o Uso das
florestas, a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas.
90
Pedroso e Silva classificam em três diferentes correntes o
desenvolvimento sustentável:
A liberal que pretende apenas atribuir taxas, impostos ou bônus ao direito de poluir
ou utilizar os recursos naturais. A culturista, que advoga a mudança de
desenvolvimento vigente, e a estruturação de um novo sistema baseado em
conteúdos culturais, para a promoção do homem. E, por último, a ecosocialista,
que advoga que a defesa da sustentabilidade da natureza é basicamente
ideológica, e por trás dela se encontra a defesa da sustentabilidade do capital,
criticando as políticas do FMI e defendendo uma maior intervenção estatal na
economia (PEDROSO e SILVA 2004, p.5).
No Documento do Ministério do Meio Ambiente, Gomes (1995) formula
uma definição moderna e atual que combina desenvolvimento e sustentabilidade
ecológica. Assim, desenvolvimento sustentável pressupõe a expansão econômica
permanente, com melhorias nos indicadores sociais e a preservação ambiental. Em 1997
foi realizada a Rio+5
15
, um espaço não só para as autoridades locais prestarem contas
das tarefas sobre meio ambiente e desenvolvimento tarefas que lhes eram confiadas
desde o encontro de 1992, mas também servindo para revigorar a Agenda 21 e lembrar
que ela é para ser cumprida.
Nesse encontro os países, estados e municípios, organizações que
tinham como responsabilidade a implementação de políticas públicas, deviam se adiantar
para possíveis exigências de captação de recursos em nível internacional, e dando apoio
a implementação do desenvolvimento sustentável para que tornasse o padrão de
produção e de consumo de cada localidade.
Com isso o Brasil começou a dar o primeiro passo em 1997, com a
criação da Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21 Nacional,
15
Rio+5 em 1997 aconteceu a conferência unida das nações no ambiente e no desenvolvimento (UNCED)
produziu uma visão para guiar a comunidade do mundo para um futuro mais seguro, mais equitable e
sustainable. Essa visão e os acordos que resultaram dela, chamados para um compromisso global novo ao
91
visando o novo padrão de desenvolvimento: cidades sustentáveis, agricultura sustentável,
gestão dos recursos naturais, infra-estrutura e integração regional, ciência e tecnologia
para o desenvolvimento sustentável. Dessa forma os estados também despertaram para
o novo paradigma de atuação de suas atividades produtivas, iniciando suas propostas de
Agenda 21, o mesmo ocorrendo em inúmeros municípios brasileiros (HOLTHAUSEN,
2000).
A Agenda 21 consolidou a idéia de que o desenvolvimento e a
conservação do meio ambiente devem constituir um binômio indissociável, que promova a
ruptura do antigo padrão de crescimento econômico, tornando compatíveis duas grandes
aspirações desse final de século: o direito ao desenvolvimento, sobretudo de países que
permanecem em patamares insatisfatórios de renda e de desenvolvimento, e o direito ao
usufruto da vida em ambiente saudável pelas futuras gerações
(BEZERRA e BURSZTYN,
2000b, p. 13).
O desenvolvimento explicado pela Agenda 21 requer que se ajudem as
pessoas a se tornarem mais aptas a ganhar seus subsídios de maneira satisfatória,
trazendo a idéia de preservar o meio ambiente a qualquer custo, principalmente nos
países pobres e em desenvolvimento. A proposta procura atender as necessidades do
presente, da população que vive hoje, sem comprometer as futuras gerações. A Agenda
21 recomenda que as cidades fortaleçam os órgãos locais de governo para lidar
eficazmente com os desafios do desenvolvimento e do meio ambiente, e se associem a
práticas saudáveis de planejamento urbano. Nesse sentido, torna-se cada vez mais
urgente que os municípios implementem políticas ambientais em uma perspectiva
intersetorial, criando condições para uma gestão ambiental urbana efetivamente
participativa e democrática (GROSTEIN 2001 e JACOBI, 2000).
desenvolvimento sustentável – crescimento econômico que se encontra com necessidades humanas ao
proteger a habilidade da natureza de se renovar.
92
Pedroso e Silva consideram:
O Desenvolvimento Sustentável é na sua essência um desenvolvimento humano,
e as mais diversas formas de organização no mundo têm a responsabilidade de
garantir que a qualidade de vida das pessoas melhore, especialmente daquelas
menos favorecidas, para que elas tenham acesso à uma qualidade de vida
melhor, ou seja, que as pessoas tenham perspectivas de alcançarem a felicidade
(PEDROSO e SILVA, 2004, p. 7 ).
Nas estratégias do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o
crescimento sustentável é um objetivo que coloca como fundamentais as ações de
redução da pobreza, a promoção da eqüidade e o crescimento econômico sustentável.
Segundo o BID (2003o, p. 1), “alcanzar un crecimiento económico
sustentable es necesario para reducir la pobreza”.
O objetivo da Estratégia de Crescimento Econômico Sustentável para o
BID é:
contribuir a elevar las tasas de crecimiento del ingreso y el producto
percápita de los países de la región, en condiciones que conduzcan al
mejoramiento de lacalidad de vida de la problación, a la reducción de la
pobreza y a la preservación o mejoramiento de la base de recursos
naturales
(2003o, p.1).
Bezerra e Fernandes (2000) diz que as particularidades das cidades tanto
regionais como locais, sofrem com problemas intra-urbanos que afetam sua
sustentabilidade, particularmente os decorrentes de dificuldades de acesso à terra
urbanizada, déficit de moradias adequadas, déficit de cobertura dos serviços de
saneamento ambiental, baixa qualidade de transporte público, poluição ambiental,
desemprego e falta emprego, violência, precariedade urbana e marginalização social.
Além destes fatores também são apresentados alguns sinais positivos de
desenvolvimento, tais como maior dinamismo econômico e social, articulação mais ampla
93
entre governo e sociedade, democratização da esfera pública, fruto de experiências
inovadoras e boas práticas de gestão local (BEZERRA, FERNANDES, 2000, p. 17).
Continuando, o autor ressalta que, para desenvolver e estimular a
aplicação de instrumentos econômicos no gerenciamento dos recursos naturais visando à
sustentabilidade urbana, faz-se necessária uma reformulação das políticas públicas de
intervenção no território e nas áreas urbanas, dando-se importância ao planejamento do
desenvolvimento regional, que deve ser o norteador das políticas voltadas para a
transformação das cidades brasileiras em cidades sustentáveis. BEZERRA,
FERNANDES, 2000, p.18).
O desafio, segundo o autor, é imenso e nas regiões metropolitanas a
sustentabilidade do desenvolvimento merece atenção quanto: a) às carências geradas
pela urbanização dos locais ocupados ilegalmente com reassentamento da população nos
casos de área de preservação e risco; b) à preservação das áreas verdes que ainda
existem; c) à avaliação do adensamento entre frota de veículo e espaço de vias, a fim de
evitar e diminuir os enormes congestionamentos no tráfego; d) à busca de soluções para
o destino final do lixo, esgoto, concentração e esforços do setor público e do setor privado
na recuperação de bairros; e) e ao aumento da segurança, reconquista dos espaços
públicos que hoje estão cercados e transformados em terra de ninguém para a criação da
solidariedade e civilidade urbana (BEZERRA e FERNANDES, 2000, p. 33).
Ele chama a atenção para a invasão de áreas públicas, principalmente ao
longo dos rios, córregos e encostas. O cenário precário da população pobre já revela um
problema que só tende a aumentar: a cidade ilegal ou informal, sem infra-estrutura e
representando riscos de alagamento, deslizamento e proliferação de doenças.
A sustentabilidade do desenvolvimento, segundo o autor, é também
dificultada pela migração, temporária ou permanente, de lavradores. Criam-se nas
94
periferias bairros ilegais cuja população é apenas desruralizada e não propriamente
urbanizada, desprovida de todos os direitos de cidadania (BEZERRA, FERNANDES,
2000, p.44).
Trata-se, portanto de um desfio a ser perseguido pelas três esferas do
governo, fazendo-se necessário uma reformulação das políticas públicas de intervenção
no território, principalmente nas áreas urbanas, para o que deva-se dar importância ao
desenvolvimento regional, para que ele seja o norteador das políticas voltadas para a
transformação das cidades brasileiras em cidades sustentáveis.
Dessa forma, o governo federal tem buscado assumir parcerias no intuito
de concretizar esta proposta. Assim, no ano de 1998, através da parceria com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) cria o Programa Habitar Brasil BID, e este será
o próximo assunto a ser tratado.
2.6 O Programa Habitar Brasil BID
Visando criar mecanismos de incentivo para induzir os municípios a
resolver a problemática dos bairros “subnormais”, tanto nos seus efeitos como nas causas
que os originam (SANTOS, 1998), o governo, no contexto da discussão ambiental e em
razão das mudanças ocorridas nas formas de financiamento habitacional, implantou em
1998 o Programa Habitar Brasil BID. O objetivo central é estimular os municípios a
destinar maiores recursos ao financiamento de projetos de regularização dos bairros
subnormais e de atualização dos instrumentos e regulamentações relacionados com a
gestão urbana, das quais foram as que originaram, em grande parte, a sua criação.
95
O Programa é realizado com recursos oriundos do BID, conforme contrato
firmado entre a República Federativa do Brasil e este Banco ,com contrapartida da União
e do agente executor. Atualmente está em andamento na Gerência de Apoio ao
Desenvolvimento Urbano da CAIXA, e tem como objetivo:
contribuir para elevar os padrões de habitabilidade e de qualidade de vida das
famílias, predominantemente aquelas com renda mensal de até 3 salários
mínimos,que residem em assentamentos subnormais, localizados em Regiões
Metropolitanas, aglomerações urbanas, e capitais de Estados; estimular os
governos municipais a desenvolver esforços para atenuar os problemas dessas
áreas, tanto nos efeitos como nas causas, inclusive as institucionais, que os
originam; e aprofundar o conhecimento setorial dos problemas de habitação e
infra-estrutura urbana do país (CAIXA, 2003, p. 2).
Para implementação do Programa no Brasil, foi realizado estudo de
impacto social, em que foram solicitadas informações básicas sobre os projetos da
amostra, através de um documento chamado de Formulário de Apresentação dos
Projetos da Amostra. Foi realizada também análise das informações preliminares e, com
base na definição da amostra, formada por 14 projetos das regiões sul, sudeste, centro-
oeste, nordeste e norte, proceder-se-á a avaliação dos aspectos sociais (CAIXA, 2003B,
p. 5).
O estudo de impacto social teve como propósito analisar as ações do Programa do
ponto de vista social e estabelecer uma metodologia de abordagem e participação
comunitária, incluindo a preparação de planos de reassentamentos e
remanejamentos, os critérios de elegibilidade sociais e os mecanismos
institucionais para a sua implementação, além de cumprir com a política do Banco
com respeito à participação da comunidade, bem como servir às municipalidades,
demais executores de projetos e outros interessados com orientação sobre os
procedimentos sociais do programa (SANTOS, apud MARCHI, 2004, p. 84).
Segundo o documento de contrato entre a República Federativa do Brasil
e o BID (1999), para o alcance dos objetivos propostos foram criados estímulos
necessários que coordenassem as iniciativas do Governo Federal com as dos governos
municipais, onde se concentram as ações do Programa. Os municípios são incentivados a
96
executar projetos integrados de melhoramentos de bairros e atualizar os instrumentos e
normas referentes à gestão urbana, com o propósito de aumentar a sua eficiência, de
acordo com o Regulamento Operacional do Programa (2000). Entende-se por projetos
integrados propostas de intervenção com abrangência das diversas demandas
identificadas na comunidade, ou seja, ações voltadas a aspectos sociais ambientais,
econômicos, culturais, e de urbanização e regularização, entre outros.
Com bases nos dados obtidos das áreas de amostra, que apresentavam
grande disparidade de renda nas diferentes regiões estudadas, o Programa incluiu um
eixo específico para Geração de Trabalho e Renda com a proposta de garantir a
sustentabilidade dos projetos.
O Programa HBB compreende um Subprograma de Desenvolvimento
Institucional (DI) e um Subprograma de Urbanização de Assentamentos Subnormais
(UAS), que deverão assegurar apoio monetário e técnico e contendo com a participação
financeira de municípios e estados em sua execução.
A implantação do Subprograma de Desenvolvimento Institucional (DI) teve
como finalidade capacitar os municípios, pois a grande maioria não dispunha de equipe
atuante na área de desenvolvimento urbano e, conseqüentemente, não conhecia e nem
tinha condições de enfrentar o problema habitacional existente. A partir da solicitação de
composição de uma Unidade Executora Municipal (UEM), as municipalidades passaram a
institucionalizar secretarias responsáveis pela atuação do segmentos de habitação e
desenvolvimento urbano.
No Subprograma de Desenvolvimento Institucional (DI), os recursos
deverão ser utilizados para elaborar o PEMAS
16
e permitir aos municípios atingir as metas
16
PEMAS: Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais. Documento base apresentado
pelo Município ou Distrito Federal, para ingresso no Programa, que encerra análise de sua situação urbana
e habitacional, bem como apresenta as estratégias para a requalificação do setor;
97
nele estabelecidas. Este Subprograma visa a ampliação e modernização da capacidade
institucional dos municípios, a fim de atuarem na melhoria das condições habitacionais,
prioritariamente das famílias de baixa renda, e do Ministério das Cidades, para
fortalecimento da sua capacidade de formulação e gestão de políticas e normas na área
habitacional e urbana, elaborando estudo setorial com análise da questão habitacional no
país (Regulamento Operacional, 2004).
A formulação dos projetos contempla um processo participativo de gestão
com os governos estaduais e municipais e com as comunidades, mediante o qual os
recursos serão canalizados para a população visada. Para terem acesso aos recursos do
Programa, os municípios comprometeram-se a definir, aprovar e implantar o Plano
Estratégico Municipal de Assentamentos Subnormais (PEMAS).
O PEMAS define e estabelece o processo de implantação de ações
específicas que o município se compromete a realizar durante a execução do Programa,
para melhorar as condições habitacionais das famílias de baixa renda. Com a implantação
do Programa, procura-se viabilizar uma maior oferta de habitações de baixo custo,
regularizar os bairros subnormais, implantar estratégias de controle e desestímulo à
criação de novos bairros subnormais e compatibilizar a expansão urbana com a proteção
ambiental (CAIXA, 2003B).
O Subprograma de Urbanização de Assentamentos Subnormais (UAS)
compreende a execução de projetos integrados de urbanização de áreas degradadas ou
de risco, localizadas em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou capitais de
estados, ocupadas por sub-habitações, predominantemente por famílias com renda
mensal de até 3 (três) salários mínimos. Este Subprograma tem como objetivo a
implantação, de forma coordenada, de projetos integrados de urbanização de
assentamentos subnormais, que procuram a regularização fundiária e a implantação de
98
infra-estrutura urbana e recuperação ambiental nessas áreas, assegurando a efetiva
mobilização e participação da comunidade na concepção e implantação dos projetos.
(CAIXA, 2003B, p. 05).
Segundo o Manual de Orientação do Subprograma de Urbanização de
Assentamentos Subnormais da CAIXA (2003E), os itens de investimentos previstos são:
aqueles aceitos exclusivamente como contrapartida do proponente como aquisição de
terreno, regularização fundiária, despesas com remanejamento ou reassentamento de
famílias, alojamento provisório, administração e gerenciamento das obras e serviços
previstos no Projeto Integrado, apoio ao desenvolvimento comunitário, impostos, taxas e
contribuições devidas sobre as obras e serviços contratados, vinculados ao Programa. Os
itens com recursos de repasse pelo Programa compreendem: o abastecimento de água,
esgotamento sanitário, drenagem pluvial, sistema viário, iluminação pública, ligações
intradomiciliares de eletricidade, coleta de resíduos sólidos, contenção e estabilização de
encostas, recuperação de áreas degradadas, obras especiais, provisão de serviços
sociais básicos, unidade habitacional básica, cesta básica de materiais de construção,
módulo hidráulico, recuperação habitacional, melhoria habitacional e apoio ao
desenvolvimento comunitário (CAIXA, 2003B).
Com estes recursos não poderão ser financiados gastos gerais e de
administração dos estados e municípios, aquisição de imóveis, pagamento de dívidas ou
compra de ações. Para o repasse destes recursos os órgãos executores, firmam, com o
agente financeiro, convênio em que são previstas, em todos os contratos, as seguintes
condições: compromisso do estado/município de que as obras e serviços financiados com
os repasses serão adquiridos ou contratados de acordo com os procedimentos
estabelecidos no contrato e serão utilizados exclusivamente na execução do respectivo
Projeto. Também são condições para o repasse dos recursos: o direito do mutuário, do
99
agente financeiro e do Banco de examinar os bens, os locais e as obras do respectivo
projeto; a prestação de todas as informações que o órgão executor e o agente financeiro
razoavelmente solicitarem ao estado/município acerca do Projeto; o direito do agente
financeiro de suspender os repasses do financiamento se o estado/município não cumprir
suas obrigações contratuais e não adotar critérios de eficiência e economia na execução
das obras, na contratação dos serviços e na aquisição de bens para o projeto (BID,
1999N).
Os municípios poderão apresentar ao programa, projetos integrados e
planos de desenvolvimento institucional, para os quais pleitearão financiamento,
procurando esboçar a solução cabível a realidade local da maneira mais conveniente, e
atendendo aos impactos sociais, econômicos, financeiros e ambientais. Desta forma, o
projeto integrado deverá ser composto com os projetos que cumpram os seguintes
requisitos: dominial, urbanístico e de engenharia, social e ambiental.
O Programa Habitar Brasil BID, dispõe em seu subprograma de
Urbanização de Assentamentos Subnormais, de um trabalho social que visa garantir a
participação popular da comunidade atendida. Trata-se de um trabalho desenvolvido por
meio do Projeto de Participação Comunitária, que se desenvolve ao longo de todo o
processo de implementação do Programa.
De acordo com o Manual de Orientação do Subprograma Urbanização de
Assentamentos Subnormais, o Trabalho de Participação Comunitária (TPC) necessita
que a equipe técnica esteja definida na fase de concepção do Projeto Integrado
17
, pois
nessa fase iniciam-se os primeiros contatos com a comunidade buscando-se conhecer as
instituições existentes na área e as representações e lideranças formais e informais, mas
17
Projeto de urbanização que tem por objetivo melhorar a qualidade de vida de populações de
assentamentos urbanos carentes de infra-estrutura e serviços básicos. Sua formulação resulta de um
planejamento realizado em conjunto com a comunidade a ser beneficiada (REGULAMENTO
OPERACIONAL, 2004, p. 09).
100
também estabelecer parcerias com a comunidade e as instituições, assim como preparar
os moradores para as primeiras discussões a respeito do projeto integrado e das
mudanças sociais decorrentes, através de reuniões públicas que deverão contar com a
presença dos demais componentes da equipe multidisciplinar, ou seja, da equipe social
(Regulamento Operacional, 2004).
Sendo assim, na fase inicial do Projeto Integrado, toda a equipe
multidisciplinar deverá estar desenvolvendo ações no intuito de preparar um diagnóstico
integrado da área de intervenção e da população nela residente, bem como desenvolver
uma proposta inicial de intervenção, conforme definições estabelecidas no Plano
Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais.
Para garantir a viabilização deste Projeto, o órgão gestor municipal, como
referido acima, tem como atribuição garantir uma Equipe Executora Municipal (UEM), que
coordene a execução do programa, a implementação dos projetos e ações específicas, as
quais serão financiadas pelos Subprogramas de Desenvolvimento Institucional e de
Urbanização de Assentamentos Subnormais.
De acordo com o Regulamento Operacional do Programa Habitar Brasil
BID (2004), o Projeto de Participação Comunitária tem a finalidade de:
promover a mobilização e organização comunitária, a educação sanitária e
ambiental, a capacitação profissional e a implantação de atividades voltadas à
geração de trabalho e renda para as famílias residentes na área do projeto (COTS
2003).
Para isto, o Projeto de Participação Comunitária contempla três macro-
ações, as quais são:
a) Mobilização e Organização Comunitária (MOC);
b) Educação Sanitária e Ambiental (ESA);
c) Geração de Trabalho e Renda (GTR) (R.O., 2004).
101
Os objetivos propostos pelo trabalho de participação comunitária deverão
contemplar as três macro-ações, e são os seguintes:
fomentar a manifestação dos beneficiários acerca do empreendimento
em todo o seu processo (definição, implantação e pós-ocupação), a
fim de adequá-lo às necessidades e disponibilidades dos grupos
sociais;
incentivar a mobilização da comunidade, potencializando a
participação e a organização dos beneficiários finais;
transferir conhecimentos e habilidades sobre administração e gestão
comunitária, visando ao adequado emprego de recursos na resolução
de eventuais conflitos sociais e/ou institucionais surgidos durante a
implantação do projeto e na pós-ocupação;
incentivar a criação de novos hábitos e atitudes diante da apropriação,
utilização e manutenção dos benefícios implantados, especialmente
quanto ao uso correto das instalações sanitárias;
estimular a defesa dos espaços reorganizados inibindo iniciativas de
invasão e garantindo a manutenção da qualidade de vida conquistada;
fomentar a participação ativa das comunidades na recuperação,
conservação, manejo e defesa do meio ambiente;
incentivar ações adequadas à realidade socioeconômica dos
beneficiários, que favoreçam a geração de trabalho e renda,
promovendo a melhoria econômico-financeira da comunidade e sua
conseqüente fixação na área ( C.O.T.S. 2003, p. 8).
No decorrer da implantação do Projeto de Participação Comunitária, as
ações desenvolvidas deverão passar por avaliações, que deverão ser desenvolvidas pela
102
UEM, com acompanhamento da CAIXA, do Ministério das Cidades e do BID, enfatizando-
se sempre o parecer da comunidade, através de seus grupos representativos. Para isso a
equipe técnica levante indicadores de avaliação que possibilitem uma análise detalhada,
de acordo com as exigências do Manual de Orientação de Urbanização de
Assentamentos Subnormais.
As avaliações e prestações de contas referentes aos gastos feitos nos
eventos e demais ações desenvolvidas pela equipe de Trabalho de Participação
Comunitária deverão ser repassados em relatórios trimestral e semestral, mostrando-se a
evolução das mudanças físicas e socioeconômicas ocorridas na área de atuação do
projeto.
Após o término das obras previstas para o Projeto Integrado, a atuação
do trabalho social junto à comunidade se estende por mais 12 meses, período no qual a
equipe deverá:
assessorar o processo de adaptação dos moradores ao novo ‘habitat’; a difusão
do andamento do processo de regularização fundiária, priorizando a concessão de
títulos ás mulheres chefes de família, ou mesmo àquelas com situação civil
regulamentar; o acompanhamento e assessoria para ampliação e ou melhoria das
unidades habitacionais; a realização de eventos tais como seminários, encontros e
atividades lúdicas que possibilitem aos moradores recontar sua história recente e
fortalecer o seu processo de participação continuada na cidade, como parte de
seu processo de avaliação do projeto (CAIXA, 2003B, p. 30).
O Programa Habitar Brasil BID, além de ter a habitação como um eixo de
atuação essencial para atingir seus objetivos de melhoria da qualidade de vida da
população residente em assentamentos subnormais, é um programa de urbanização, pois
atende não só a provisão de moradias mas também trabalha, interligado a várias ações
de urbanização de acordo com a realidade local a ser atendida.
Assim, a cidade brasileira do século XXI poderá ser palco de uma vida
urbana melhor, desde que se operem as necessárias transformações dos padrões
103
insustentáveis de produção e consumo que resultam na degradação dos recursos
naturais e econômicos do país, afetando as condições de vida da população nas cidades.
No cenário apresentado até o momento, percebe-se que é crescente a
preocupação com o problema da moradia. Neste contexto, principalmente após a
promulgação da Constituição de 1988, houve uma crescente participação dos organismos
internacionais no processo de melhoria das condições de moradia da população de baixa
renda, e, como pode ser observado, houve também uma influência na condução da
política habitacional brasileira.
2.7 A Política do BID para Habitação
Os dois principais objetivos do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) como parte de sua estratégia institucional são: redução da pobreza, eqüidade social
com crescimento sustentável do ponto de vista ambiental. Ele trabalha em quatro áreas
prioritárias:
- Incentivo à competitividade mediante o apoio à políticas e programas que
aumentam o potencial de desenvolvimento de um país numa economia aberta
e globalizada;
- Modernização do Estado pelo fortalecimento da eficiência e transparência das
instituições públicas;
- Investimento em programas sociais que expandam as oportunidades para os
pobres;
- Promoção da integração regional com o estabelecimento de laços entre
países que desenvolvem mercados para bens e serviços (BID, 2003E, p. 1).
Os projetos de desenvolvimento urbano do BID abordam quatro
categorias principais:
104
- programas de desenvolvimento local e regional;
- desenvolvimento integrado de cidades maiores;
- investimento e reforma de políticas no setor da habitação e
- programas de investimento social. (BID, 2003F).
As políticas de desenvolvimento urbano adotadas pelo Banco são
complementadas por outras políticas operacionais, em particular as de desenvolvimento
industrial, transportes e infra-estrutura social, que contêm critérios específicos para
orientar a sua ação nos setores mencionados
Com relação aos objetivos do BID no setor habitacional, estes enfatizam o
melhoramento das condições de moradia das populações de baixa renda, ou em muitos
casos melhorar as moradias existentes, fomentar a construção de moradias de aluguel e
regularizar as ocupações irregulares.
Para o BID (1999), o objetivo principal da reforma do setor público, em
matéria de moradia, deveria consistir em assegurar que suas metas estejam bem
definidas, adotando-se medidas para cumpri-las de forma eficiente. O setor público
deveria ajudar os mercados a conseguir uma maior eficiência na produção e maior
rentabilidade, enquanto que a tarefa de construir moradias e oferecer crédito ao
comprador deveria, em geral, ficar a cargo do setor privado.
Para resolver estes problemas segundo o BID (1999), muitas vezes é
necessário que haja colaboração de instituições comunitárias e governamentais. Seria
necessário também dar atenção prioritária aos grupos extremamente excluídos e à
adoção de medidas que contribuam para geração de emprego bem como para diminuir as
dificuldades pelas quais passam as mulheres chefes de famílias na luta para resolver
seus problemas de moradia.
Conforme o documento do BID sobre a “Política de Desarrollo Urbano y
Vivienda” (1999), em 1985, o BID considerou conveniente restringir as ações direcionadas
à habitação somente para financiamento de programas de lotes com serviços. Este tipo
105
de intervenção provou não ser capaz de, por si só, melhorar a situação de habitabilidade
das populações de mais baixa renda, induzindo a muitos países a considerar reformas
nos sistemas de financiamento e provisão de habitação para facilitar o acesso dos mais
pobres à moradia. O Banco orienta os governos a seguir políticas que mobilizem
efetivamente os recursos públicos e privados para resolver seus problemas habitacionais.
A missão do BID consiste em prover o financiamento de programas e
projetos que melhorem diretamente as condições de moradia da população de baixa
renda, oferecendo soluções
eficientes de moradia e o melhoramento de bairros e
habitações existentes.
El Banco financia programas de subsidios para vivienda cuando se pueda
demostrar que constituyen un medio eficiente y equitativo para estimular el
mejoramiento de las condiciones de vivienda de la población de bajos ingresos
(BID, 1999, p. 1).
Os projetos habitacionais financiados pelo BID, segundo o próprio
documento da Política de Desenvolvimento Urbano (1999), devem levar em conta os
fatores determinantes do desenvolvimento urbano nos mercados habitacionais e os
efeitos da política habitacional sobre o crescimento das cidades.
A Política Habitacional, ainda conforme o documento, tem importantes
efeitos sobre a velocidade e a orientação do desenvolvimento urbano. Seus efeitos sobre
o comportamento das empresas construtoras e dos lugares podem determinar,
primeiramente, a expansão horizontal das cidades ou fazer, nas grandes cidades,
importantes atividades de renovação urbana. O entorno regulador dos mercados de
moradia, incluídos as normas de uso do solo, as regulações dos serviços públicos e as
normas de construção, podem constituir barreiras de entrada ao mercado ou impor
restrições que impedem que a oferta responda, de forma eficiente, à demanda. Neste
sentido, o BID se dispõe a promover um enfoque integrado destes problemas e ajudar a
106
coordenar as políticas de moradia com a urbanização a fim de tornar mais eficientes os
mercados de moradia.
Quanto ao fortalecimento dos sistemas de financiamento para a moradia,
o BID entende que as operações destes sistemas podem ajudar os governos a
estabelecer normas adequadas e proporcionar o fortalecimento institucional necessário
para que as entidades privadas cubram a demanda financeira, incluindo a gestão dos
riscos (BID, 1999).
Em relação ao fomento para o melhoramento de “Bairros Subnormais”, o
BID (1999) esclarece que a provisão de saneamento básico, infra-estrutura e acesso a
assentamentos deficientes tem grande repercussão sobre a qualidade de vida dos
lugares.
Os programas de melhoramento de bairros, segundo o BID, podem ter
grande importância na política dos governos, direciona prestação de serviços de moradia
aos pobres.
Sendo o Brasil um país com grandes dimensões, a presença do Banco,
segundo o BID (2000M), alcança relevância não pelo montante de seu financiamento mas
pela focalização de suas ações, pelo efeito catalítico e caráter inovador. O BID está
presente como contribuinte em ações prioritárias dos programas “Brasil em Ação” e
“Avança Brasil”, que agrupam as estratégias centrais do governo brasileiro. Ao longo de
sua colaboração com o Brasil, segundo o documento do próprio BID (2000M), ele tem
direcionado suas ações para a infra-estrutura produtiva, a infra-estrutura de saneamento,
os temas da cidade e da pobreza, os setores sociais, o trabalho com governos
subnacionais e a reforma do estado.
Com relação ao desenvolvimento urbano e municipal, o BID (2000M)
refere que o nível elevado de urbanização e o alto grau de descentralização obtidos pelo
107
país fazem com que o setor urbano tenha uma importante função nas estratégias de
desenvolvimento. De forma crescente os municípios se encarregam das funções sociais,
responsabilizando-se, pela educação básica, saúde, assistência social e os programas de
combate a pobreza, além de outros. Por outro lado, abrem mão dos investimentos em
infra-estrutura urbana, sendo que as ações dirigidas à melhora das condições de infra-
estrutura e moradia social têm um grande impacto sobre o bem-estar da população.
Devido à dinâmica econômica e demográfica, o país tem apresentado um
grande desequilíbrio entre a demanda de moradia e a oferta de soluções mínimas para a
população de baixa renda, o que resulta numa grande expansão de moradias subnormais
(favelas, lotes irregulares, moradia coletiva). Com base neste diagnóstico o governo tem
impulsionado as reformas dos sistemas de financiamento do setor. Estas, porém
requerem ações específicas que levem os benefícios aos setores mais pobres, definindo
subsídios focalizados e mecanismos que incentivem o esforço familiar e a participação do
setor privado BID (2000M).
Quanto ao saneamento básico o BID, (2000M), tem exposto que a
cobertura urbana dos serviços de água potável atinge a índices de 88% e o de esgoto
40%, caracterizando uma situação que afeta negativamente a saúde e bem-estar da
população. Devido ao escasso tratamento de águas residuais (menos de 20% recebe
tratamento), tem-se um aumento no nível de contaminação nos rios e baías. Segundo o
BID, são necessários investimentos superiores a US$ 2 milhões anuais para eliminar os
déficits e atender o aumento da população esperado para 2010.
As ações do BID em matéria de meio ambiente estende-se através das
áreas de ação prioritária e inclui a importante vertente do saneamento urbano que
incorpora as ações mais tradicionais do BID em água, esgoto e tratamento de efluentes,
com vistas a evitar a contaminação ambiental e os dejetos sólidos, bem como a temática
108
de impacto ambiental das atividades produtivas orientando o manejo do patrimônio
natural. Segundo o BID, estas ações contribuem, de forma importante para a implantação
do Programa Brasil Preservado, sendo um dos componentes centrais do Plano Plurianual
impulsionado pelo governo.
Em muitos dos programas para habitação saneamento e infra-estrutura
financiados pelo BID, assim como nos desenvolvidos pelo Ministério das Cidades em
parceria com os estados e municípios, a Caixa Econômica Federal tem um papel
fundamental no que se refere ao gerenciamento dos recursos.
A seguir detalhar-se-á operacionalização do programa Habitar Brasil BID
no município de Londrina.
109
2.8 Projeto Integrado Habitar Brasil BID da Poligonal Turquino/Maracanã
Neste capítulo será abordada a Política Habitacional de Londrina e mais
especificamente o Projeto Integrado HBB da Poligonal Turquino/Maracanã
18
, que vem
sendo desenvolvido no município.
Para se compreender melhor a Política Habitacional do município de
Londrina, de início fala-se da urbanização que ocorreu de forma semelhante ao restante
do país, porém com algumas particularidades.
Os dados constantes no Plano Diretor 95 dão conta de que, em 1950,
Londrina, segundo os censos do IBGE (1950-60-70-80-01) e a estimativa do IPULL, já
contava, na sua área urbana, com 34.230 habitantes o que representava 47,93% do total
dos 71.412 habitantes do município.
Em 1995 a população urbana alcança a casa dos 431.578 habitantes,
94,89% do total que correspondia a 454.811 habitantes distribuídos pelas zonas urbana e
rural (distritos). A realidade desses dados leva a considerar que a evolução urbana de
Londrina se deu na proporção de quase 100.000(cem mil) habitantes por década.
O IPULL estimava, para o ano de 2000, uma população que extrapolaria a
casa dos 500 mil habitantes, contudo o Perfil da Cidade de Londrina, elaborado em 2003,
registra uma população de 467.332 habitantes. Uma última estimativa do IBGE realizada
em julho de 2004 registra um total de 480.822 habitantes.
18
O Assentamento João Turquino faz parte da Poligonal Turquino/Maracanã, assim definida para a
intervenção do Poder Público. Chama-se Poligonal por constituir a junção de duas áreas que apresentam
características semelhantes.
Esta informação está contida no levantamento feito pela Cohab-Ld para o Habitar Brasil.
110
Londrina é o segundo município mais populoso do Estado, constituindo-se
como cidade pólo da região metropolitana e centro político administrativo. Tem atraído um
grande contingente populacional, a maior parte oriundas do interior do Estado.
Em virtude das grandes transformações na estrutura agrária, cuja
principal conseqüência é o êxodo rural, o percentual da população urbana aumentam a
cada década, subindo para 57,40% em 1960, 71,69% em 1970, 88,48% em 1980, 94,94%
em 1991, chegando a 96% no ano de 2000 (IBGE)
Sem acesso à compra de lotes urbanos ou sem condições de locação de
moradia, estas famílias vêm ocupando irregularmente áreas públicas ou privadas, de que
resulta o aumento do número e na proporção de favelas. Além disso, com baixo nível de
escolaridade e com pouca ou nenhuma qualificação profissional, as encontram
dificuldades para inserção no mercado de trabalho.
Em face dessa situação, criam-se neste período (1970), em Londrina,
alguns programas que objetivam o enfrentamento da erradicação, seja urbanizando as
favelas através da regularização das áreas onde elas se encontram e instalando a infra-
estrutura necessária, seja deslocando o problema; isto é, transferindo as famílias para
uma outra área, nos casos em que essas não apresentam condições para a
regularização, constituindo os chamados conjuntos habitacionais (década de1970).
Alves (1991) destaca que os conjuntos habitacionais inserem-se, num
primeiro momento, durante a década de 1970, numa política de erradicação das favelas
na cidade de Londrina, bem como de amenização do problema habitacional de grande
parcela da população carente.
Conforme informações da COHAB-LD (2002), foram identificados em
Londrina 57 aglomerados subnormais, divididos em 7 favelas urbanizadas, 22
assentamentos urbanos aptos à regularização, 22 ocupações irregulares em áreas
111
públicas e 6 ocupações irregulares em áreas particulares, o que corresponde a cerca de
9.423 unidades habitacionais, que abrigam aproximadamente 47.115 pessoas, o
equivalente a mais de 10% da população total e urbana de Londrina, constituindo os
bolsões de pobreza
19
(D.I., 2002, p. 32).
É de 27.787 o número de famílias que demandam domicílios, sendo
23.576 famílias com renda de até 3 salários mínimos. A estas somam-se mais 2.319
famílias cuja renda familiar não ultrapassa 3 salários mínimos com necessidade
emergencial de relocação, pois estão ocupando áreas insalubres, de risco ou preservação
permanente. Esta situação foi detectada em levantamento realizado no ano de 2001 para
a caracterização da subnormalidade habitacional, conforme quadro I.
Demanda Freqüência
Demanda de domicílios para famílias com renda de até 3 salários
mínimos
23.576
Número de domicílios com famílias em áreas insalubres, de risco e
preservação permanente, de rendimento até 3 salários
2.319
Total 25.895
Fonte : COHAB/LD - 2002
Quadro I – Défict habitacional no município para famílias com renda de até 3
salários mínimos
Considerando-se a população urbana do distrito sede do município de
Londrina em 424.573, os dados acima aponta para um déficit habitacional de 6,54%.
Desses, 5,55% representa as famílias com rendimento mensal de até 03 salários mínimos
(D.I., 2002, p.42).
19
No caso de Londrina, a expressão bolsões de pobreza foi utilizada para indicar um aglomerado de pessoas
identificadas como de baixa renda e carentes, levando-se em conta alguns dos indicadores de pobreza (desnutrição,
condições de saúde precária). Com isso, foram registrados em Londrina, em 1995 (FERREIRA, 1999), três grandes
bolsões de pobreza (A, B, C).
112
A Política Habitacional de Londrina e sua Lei Orgânica do município,
promulgada em 5 de abril de 1989, e ainda posteriores alterações em seu título 5º - Da
Ordem Econômica e Social, Capítulo 8º - Da Habitação artigos 200 a 2002, limitam-se a
estabelecer diretrizes genéricas. Porém tais diretrizes não foram ainda consubstanciadas
efetivamente em uma Política Habitacional Municipal. O artigos da Lei Orgânica que
tratam da política habitacional são os reproduzidos a seguir:
Art.200 – A política Habitacional do Município, integrada à do Estado e à da União,
objetivará a solução da carência habitacional de acordo com os seguintes
princípios e critérios:
1º - oferta de lotes urbanizados;
2º - estímulo e incentivo a formação de cooperativas populares e de habitação;
3º - atendimento, prioritariamente, a família carente que resida no município a pelo
menos 2 anos;
4º - formação de programas habitacionais, pelo sistema de mutirão e auto-
construção;
5º - construção de moradias dentro de padrões de segurança, conforto, saúde e
higiene.
§ único – fica assegurada a participação popular, na formulação e execução da
política habitacional do município.
Art.201 – Na construção de casas populares, observar-se-á a proporcionalidade
da área de construção, em relação ao número de pessoas, que a habitarão
conforme a lei.
Art.202 – O município criará mecanismos de apoio à construção de moradias no
meio rural, para pequenos produtores e trabalhadores rurais, através de recursos
canalizados especificamente para este fim, sejam estes oriundos do próprio
município, do estado ou da união (D.I., 2002, p. 49-50).
A COHAB-LD é o “braço” da organização municipal responsável pela
implementação da política habitacional com ênfase social, apesar de atualmente não
contar com nenhuma fonte de recurso orçamentário municipal, situação que se pretende
mudar nos orçamentos futuros. Como detentora de mais de 99% do capital social da
COHAB-LD, a Prefeitura tem realizado aumento de capital social, através de
integralização, por meio de terrenos.
A Companhia ao longo de sua história, vem desenvolvendo alguns
programas e projetos para amenizar o problema habitacional. Alguns foram desenvolvidos
em parceria com a atividade privada ou através de outras formas. Alguns programas e ou
113
projetos da área habitacional foram e alguns ainda o são, iniciativas do poder público
local, implantados com o fim de tentar suprir parte das demandas existentes, tem em vista
do preço social que a cidade paga pela aceleração da subnormalidade. Embora cada um
dos programas tenha executado ações em uma área e em um momento específico, o
efeito pontual de sua atuação é não integrado ao macro planejamento do município, nem
tão-pouco à política de gestão habitacional, uma vez que a prioridade, em situações
emergenciais, passa a ser socorrer, suprindo uma demanda premente sem que se possa
planejar uma solução a longo prazo.
Em 06 de setembro de 1993 foi editada a Lei n.º 5.526 que dispunha
sobre a criação do Fundo Municipal de Habitação e constituição do Conselho Municipal
de Habitação, com a intenção de propiciar apoio e suporte financeiro à implementação de
Programas de Habitação, voltados à população de baixa renda.
No entanto, a iniciativa de criação do Fundo Municipal de Habitação e
constituição do Conselho Municipal de Habitação foi frustrada, pois os recursos
destinados ao fundo que se criou não chegaram a ser repassados. Em 15 de setembro de
1997 foi editada a Lei n.º 7.153 que extinguiu o Fundo Municipal de Habitação.
O município preocupado com a questão habitacional, principalmente a de
interesse social, faz em 2002, uma parceria com o governo federal através do Programa
Habitar Brasil BID.
Como parte das ações previstas no desenvolvimento do Plano Estratégico
Municipal de Assentamentos Subnormais (PEMAS), documento parte do Subprograma de
Desenvolvimento Institucional (DI), foi realizado pelo poder público local, no período de
29/01/2001 a 28/02/2001, um levantamento da situação das áreas subnormais urbanas,
representadas pelas favelas, assentamentos e ocupações irregulares.
114
A partir deste trabalho e com a “radiografia” da subnormalidade, foi
elaborada a hierarquização das áreas subnormais, através de dados qualitativos e
quantitativos, o que permitiu fazer uma avaliação das ações corretivas do Poder Publico,
bem como desenvolver um processo de congelamento e implantação de políticas de
controle de novas invasões.
No processo de hierarquização, tendo-se por base modelos adotados em
outros Municípios, e as emergências detectadas no levantamento, destacam-se as
questões relativas a:
Urgência em implantar medidas de contenção à expansão da ocupação sobre as
nascentes e margens de mananciais de abastecimento (APP);
Redução de risco social;
Menor renda, respeitando a variação de 0 a 3 s.m., como população beneficiada;
Necessidade de implantar medidas mitigadoras de impacto ambiental;
Possibilidade de legalização fundiária;
Engajamento da comunidade na discussão das questões coletivas, para facilitar
as ações por parte do poder público (D.I., 2002, p.52).
Entendeu-se assim quê, atuando sobre tais pontos estruturais para o
resgate da dignidade e da cidadania, estaria sendo promovida a socialização dos
recursos e, conseqüentemente, sendo atendidas as diretrizes do Programa Habitar Brasil
BIB.
Com os critérios estabelecidos e o levantamento qualitativo e quantitativo
das 43 áreas, passou-se a dar “notas” de 1 a 43 para cada área, partindo-se das
situações mais graves com nota 43 até as situações menos graves categorizadas com a
nota 1. Nos casos em que o problema (critério adotado) não aparece, a nota atribuída foi
0 (zero), formou-se assim o seguinte quadro hierarquizado:
115
N. Nome do Assentamento
Área de reserv.
Perm. Invadida
Degradação
Social
C
Esp. Imediato
ontenção do
Degradação
Ambiental
Facilidade de
Regularização
Comunidade
Organizada
Renda Familiar
Total
Classificação
39 Jardim João Turquino; 35 43 42 41 43 43 37 284 1
38 Jardim Maracanã I e II; 0 42 43 40 42 24 41 232 2
4 Jardim São Jorge 0 37 37 31 39 38 26 208 3
28 Jardim das Bananeiras (assentamento e
ocupação);
42 39 28 7 6 42 43 207 4
9 Fundo de Vale do Jardim Paulista (Cantinho do
Céu);
40 25 15 35 13 34 42 204 5
7 Fundo de Vale do Conj. Hab. Aquiles Stenghel /
Maria Cecília/ Luiz de Sá;
32 26 23 36 12 40 27 196 6
6 Fundo da Rua Ana C. Piacentini (Conj. Hab.
Maria Cecília);
33 27 40 38 11 4 39 192 7
29 Jardim Santa Fé (assentamento, fundo de vale e
área do Centro Comunitário);
43 38 14 42 7 8 38 190 8
34 Terreno paralelo ao Novo Amparo; 0 40 39 30 5 36 40 190 9
13 Jardim Franciscato I e II; 0 24 34 28 34 39 23 182 10
18 Jardim São Marcos 0 33 22 34 41 26 24 180 11
43 Jóquei Clube; 0 35 16 29 16 35 32 163 12
30 Fundo do Conj. Pindorama; 0 28 13 39 4 37 36 157 13
17 Jardim Morar Melhor 0 32 5 33 14 32 35 151 14
5 Quati (assentamento e ocupação); 0 30 35 37 10 5 29 146 15
23 Jardim Cristal; 0 16 21 9 38 41 17 142 16
1 Jardim das Paineiras; 0 12 38 12 33 27 18 140 17
3 Remanescente do Conjunto Vivi Xavier; 0 19 41 2 36 23 19 140 18
8 Fundo de Vale do Conj. José Belinati; 41 4 24 13 32 19 4 137 19
11 Fundo de Vale do Jardim dos Campos; 36 22 25 11 2 1 34 131 20
37 Jardim Nossa Senhora da Paz/Conj. Hab.
Paranoá;
0 41 17 5 3 28 33 127 21
25 Jardim Rosa Branca I e II; 0 31 3 32 1 30 30 127 22
36 Jardim Leste-Oeste/Favela Vila Rica; 0 41 17 5 3 28 33 127 23
116
15 Jardim Novo Perobal; 0 36 10 15 8 29 28 126 24
20 Fundo de Vale do Jardim Novo Perobal; 29 20 12 10 19 13 21 124 25
2 Jardim dos Campos; 0 18 36 1 35 18 15 123 26
33 Vila Ricardo – Escola; 0 15 1 26 40 25 13 120 27
24 Jardim Sérgio Antônio; 0 3 27 17 37 31 3 118 28
41 Favela Colosso; 0 7 29 19 26 21 16 118 29
21 Fundo de Vale da Rua Bélgica (próximo à
CATIVA);
30 9 4 16 31 20 7 117 30
16 Jardim Kobayashi; 0 23 11 27 21 12 22 116 31
27 Jardim Santa Inês (favela e fundo de vale); 0 29 2 43 9 7 25 115 32
19 Jardim União da Vitória; 31 21 6 25 20 3 8 114 33
22 Fundo de Vale do Jardim Franciscato; 0 5 26 22 30 22 9 114 34
42 Rua Pantanal; 0 6 33 20 25 14 12 110 35
31 Jardim San Rafael (Lixão); 0 8 32 18 28 10 11 107 36
26 Jardim Santa Mônica (favela e ocupação); 34 1 20 8 29 11 1 104 37
10 Fundo de Vale do Residencial Santa Mônica
(chácara);
39 10 9 14 24 2 5 103 38
14 Jardim Nova Conquista; 0 11 7 24 22 33 2 99 39
40 Cilo III (próximo ao polo de combustíveis); 0 13 30 3 17 15 20 98 40
32 Lixão Esquina (ao lado da Av. Teodoro Victorelli); 0 2 19 21 27 17 10 96 41
35 Monte Cristo; 0 14 18 6 18 16 14 86 42
12 Fundo da Fazenda Primavera; 0 17 8 23 23 6 6 83 43
Fonte: levantamento 2001.
Quadro II - Hierarquização das Áreas Subnormais da Área Urbana do Distrito Sede de Londrina
A Poligonal Turquino/Maracanã foi priorizada pela Prefeitura para
intervenção através do Projeto Integrado Habitar Brasil Bid, por ser considerada área
de ocupação consolidada, necessitando ser incorporada definitivamente ao entorno
e à cidade como um todo. Implementar o Projeto em questão implicaria assegurar a
permanência da população no local, proporcionando melhorias de qualidade de vida
para os seus moradores.
Sendo assim, no início do ano de 2002, a COHAB/LD, com vistas à
implantação do Projeto Integrado de Urbanização em Assentamentos Subnormais,
pelo Programa Habitar Brasil BID, contratou o Instituto de Desenvolvimento
Econômico e Social da Universidade Estadual de Londrina (ITEDES), para realizar
um levantamento censitário do perfil socioeconômico dessa população, bem como
apontar suas principais dificuldades e, por fim, elaborar um diagnóstico integrado, de
acordo com as exigências contidas no Manual do Programa Habitar Brasil BID. O
instrumento utilizado para realização do levantamento foi um formulário, trabalhado
com as 1. 178 famílias residentes na Poligonal.
Paralelamente à pesquisa, foram feitas reuniões com as principais
lideranças, buscando-se identificar as principais dificuldades que a população
enfrentava na época, na Poligonal, sempre com o acompanhamento dos técnicos
sociais envolvidos na implementação do programa, formados pela UEM, assim como
representantes da Caixa Econômica Federal e SEDU.
118
P.P.C. - 2002
Foto 1 – Reunião com Lideranças das Comunidades-2002
Nessas ações foi realizado um diagnóstico integrado que serviu para
apontar, à equipe de formulação do Projeto Integrado da Poligonal, as principais
reivindicações e necessidades da população da Poligonal e assim transformá-las em
ações.
Afinal, a participação dos beneficiários no projeto e
na sua gestão deve ser considerado um fim em si mesmo, uma vez
que “é impossível promover qualidade de vida, cidadania e
desenvolvimento sem que haja efetivo envolvimento dos potenciais
beneficiários da ação no curso do desenvolvimento do projeto”
(P.P.C., 2002, p. 55).
Pelos dados apontados foram detectados 116 famílias do
Assentamento João Turquino que se encontravam residindo em áreas consideradas
“fundo de vale e “institucional, construídas portanto, em local inadequado de difícil
regularização. Dessas, 13 foram objetos de indenização, pois as unidades
habitacionais apresentavam padrão construtivo melhor. (P.P.C., 2002, p. 22).
Assim, uma das ações apontadas pelo Projeto Integrado foi o
remanejamento das 116 famílias que se encontravam nestas áreas. As moradias
deveriam ser demolidas, e as respectivas famílias remanejadas para lotes
parcelados localizados dentro da Poligonal.
Outras ações foram ainda apontadas pela comunidade e avaliadas
pela equipe de estudo como necessárias. São elas: erradicação de moradias
subnormais; implantação de infra-estrutura como galeria de águas pluviais, asfalto;
arborização e revitalização do “fundo de vale”, juntamente com educação sanitária
ambiental; esgotamento sanitário, desenvolvimento de atividades comunitárias e
áreas destinadas ao lazer; e a disponibilização de equipamentos comunitários como:
uma unidade básica de saúde, quadra de esportes, centro comunitário e espaço
destinado à realização de futuras atividades voltadas a trabalhos de geração de
renda.
Para o desenvolvimento destas ações foi elaborado pela equipe
técnica designada pela Unidade Executora Municipal o Projeto Integrado da
Poligonal João Turquino/Maracanã. Este foi subdividido em 04 subprojetos: Projeto
de Engenharia, Dominial, Ambiental e de Participação Comunitária, os quais estão
sendo viabilizados pela liberação de recursos pelo Programa Habitar Brasil BID.
No ano de 2004, o Projeto Integrado Poligonal Turquino/Maracanã
foi aprovado dando-se início às ações propostas. O valor do investimento liberado
pelo BID monta a R$ 6.634.999,63 milhões, com contrapartida da prefeitura
calculada em R$ 2.720.872,18 milhão, totalizando, R$ 9.355.871,81 milhões em
investimentos (COHAB-LD, 2005 ).
Como o Programa só previa a pavimentação das ruas e avenidas
principais, obtiveram-se recursos do Programa Estadual Paraná Urbano para
finalização da obra, sendo concretizada a pavimentação asfáltica de todas as ruas
da Poligonal.
120
Contudo, apesar do Projeto Integrado englobar os 04 projetos acima
citados, o presente delimita-se a abordar apenas o último que se encontra em
desenvolvimento na Poligonal Turquino/Maracanã, por ele que acompanha o
remanejamento das famílias moradoras em áreas ilegais, foco principal desta
análise.
As exigências para remanejamento das famílias da Poligonal, estão
explicitadas nas diretrizes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da
seguinte forma:
Na impossibilidade de se manter as famílias no assentamento original,
deverá ser preparado um plano de remanejamento que assegure que as
famílias afetadas sejam indenizadas e remanejadas de maneira eqüitativa e
adequada (C.O.T.S. , 2003, p. 30).
Também está explicitados, nos conceitos, os pressupostos,
princípios e diretrizes da Política Nacional de Habitação (2003), que estabelecem
:
O cidadão deve participar da escolha da melhor alternativa de produção e
de acesso à moradia [...].
Nas ações envolvendo a necessidade de remoção de moradores de
habitações ou áreas que apresentem impossibilidade de permanência dos
habitantes no local, deve assegurar-se o respeito aos direitos humanos,
tendo em conta que as pessoas sem moradia não devem ser penalizadas
por sua condição [...].
As transferências devem compreender a disponibilidade de alternativas
apropriadas para realocação em áreas próximas às moradias anteriores
(C.T.O.S, 2003, p. 30).
O remanejamento das 116 famílias do Assentamento João Turquino,
conforme diagnóstico apresentado pelo Projeto integrado, foi decidido porque
estavam enquadradas em situações caracterizadas como: de riscos de incêndio,
inundações, desabamentos, deslizamentos, em áreas de preservação permanente
ou fundo de vale, em áreas imprescindíveis à regularização urbanística do bairro,
121
para implantação de infra-estrutura e/ou sistema viário que são as institucionais.
(P.P.C., 2002, p. 28).
Durante o processo de remanejamento, a equipe técnica do Projeto
de Participação Comunitária prestou atendimento específico a todas as famílias do
remanejamento, levando às famílias afetadas informações claras e precisas a
respeito de todo o processo, em tempo adequado, permitindo um grau de
conhecimento e entendimento satisfatório para a tomada de decisões.
A seguir descrever-se-á a caracterização da Poligonal, bem como o
perfil socioeconômico dos moradores.
122
3 JOÃO TURQUINO: A BUSCA DAS FAMÍLIAS POR UMA MORADIA
3.1 Poligonal João Turquino/Maracanã: caracterização do local e de seus
moradores
A Poligonal Turquino/Maracanã é composta pelas comunidades
João Turquino e Maracanã interseccionada pela Av. Maratona, que separa as duas
comunidades. O assentamento João e Turquino e o Maracanã fazem parte da
Poligonal Turquino/Maracanã, assim definida para a intervenção do Poder Público.
Recebeu o nome de Poligonal por constituir a junção de duas áreas que apresentam
características semelhantes. Está localizada na região Oeste da cidade de Londrina
fazendo divisa com o município de Cambé e com uma propriedade rural cultivada
com café. Os bairros em seu entorno são: Avelino Antonio Vieira, Jardim Olímpico e
Parque Universidade (Mapa 01).
123
P.P.C. – 2002
Mapa 01 - Localização da Poligonal Turquino/Maracanã
As principais vias de acesso à Poligonal Turquino/Maracanã são
pelo Jardim Olímpico, pelo Parque Universidade e Conjunto Avelino Antonio Vieira.
A área formada pela comunidade João Turquino é de 347,15 mil m
2
,
adquirida pela COHAB/LD em 11/06/1991, com 587 lotes oficiais. Além dos lotes
regulares, 116 famílias ocuparam áreas de fundo de vale e institucionais.
A área na qual está inserido o Maracanã era de propriedade
particular, quando foi ocupada, em 1997, por cerca de 100 famílias, das quais a
maioria eram provenientes do fundo de vale do Conjunto João Turquino. Entre essas
famílias estavam não apenas aquelas que buscavam um terreno, que, não obstante
irregular, no início, pudesse vir a ser regularizado pelo poder público.
124
125
Outras famílias do João Turquino, porém foram expulsas por enfrentarem problemas
relacionados com o tráfico de drogas e a violência. Posteriormente, juntaram-se a
elas famílias provindas de outros locais da cidade e de outros municípios. Tais
dados mostram a presença não apenas da violência relacionada à dificuldade de
acesso à moradia na origem da Poligonal João Turquino/Maracanã, mas também da
violência relacionada ao tráfico de drogas.
3.1.1 Histórico do Assentamento João Turquino
Os registros de ocupação do assentamento João Turquino datam do
ano de 1995, quando foi ocupada a área por 70 (setenta) famílias. A partir daí em
razão do agravamento da situação socioeconômica da população que residia em
bairros próximos da área e da região Norte do município, acelerou-se o processo de
ocupação. Eram famílias que haviam adquirido imóveis da COHAB/LD pelo SFH no
núcleo habitacional denominado Jardim Olímpico, bem próximo ao assentamento
hoje denominado João Turquino. Essas famílias, com o decorrer do tempo, já não
conseguiram pagar suas prestações e acabaram sendo expulsas, obrigadas a
desocupar as moradias retomadas pela Companhia, aumentando o contingente de
famílias sem alternativas de moradias, o que resultou no nascimento do
assentamento Turquino. Boa parte das famílias que invadiram os lotes da área,
foram as que estavam residindo em moradias alugadas ou cedidas. Com a crise
econômica, essas famílias não podendo arcar com os encargos dos aluguéis,
126
vislumbraram a possibilidade de ter um “terreninho” e casa própria. Por essa razão
no final de 1995 houve a completa ocupação da área.
O Poder Público, diante do quadro apresentado por essas famílias
em situação de necessidade e cujo último recurso, na ausência de outra perspectiva
era a invasão, resolveu regularizar através da COHAB/LD a ocupação por meio da
aquisição do terreno que era de propriedade particular. Efetivada a aquisição pela
COHAB/LD em 1997, o processo de parcelamento da gleba em lotes e a
demarcação ocorreu até o final de 1997. Somente no final do ano é que o município
realizou oficialmente a abertura de ruas, as demarcações de lotes e a reserva legal.
A partir desta reivindicação de moradores e da entidade, foram
realizados trabalhos de instalação de rede de água, alargamento e abertura de ruas,
e instalação de posteamentos para iluminação pública .
Não obstante, a situação era cada vez mais difícil para a população
que não tinha acesso a uma moradia digna no ano de 1997 iniciaram as primeiras
ocupações em área institucional e de fundo de vale, sendo o poder público
representado pela COHAB-LD, a própria incentivadora do processo (Mapa 3).
No ano seguinte (1998), a Companhia de Habitação de Londrina,
avaliando a condição em que se encontravam algumas famílias moradoras do
loteamento João Turquino; em situação de miserabilidade, morando em barracos
sem as mínimas condições, buscou recursos junto ao Governo Federal, através do
Programa Habitar Brasil
20
, construindo 185 residências de 25,32 m
2
. O
empreendimento contou com a participação de voluntários pertencentes a
Associação dos Funcionários da Sercomtel, companhia de rede telefônica da cidade,
que auxiliaram nas construções.
20
Programa Habitar Brasil BID – programa criado no governo de Itamar Franco. Apesar de ter o mesmo nome,
não é o atual que está em vigor.
127
128
Em janeiro de 2002, através de levantamento constatou-se quê no
assentamento João Turquino residiam 681 famílias, 116 das quais encontravam-se
em áreas de fundo de vale e institucionais, situação retratada na tabela 1. A
Poligonal conta atualmente com 1.178 famílias.
Tabela 01 – Ocupação em Lotes Parcelados e não Parcelados
COMUNIDADE OCUPADOS VAZIOS
EM
EDIFICAÇÃO
TOTAL
João Turquino
565 22 587
João Turquino - área
institucional
46 46
João Turquino - área
de fundo de vale
70 70
Maracanã
497 94 49 639
TOTAL 1.178 *116 49
fonte: COHAB/LD – pesquisa censitária jan/2002
*os lotes vazios foram ocupados pelo remanejamento das famílias que se encontravam em área
institucional e de fundo de vale
P.P.C. – 2002
Foto 2 – Ocupação em área de fundo de vale – 2002
129
A partir deste levantamento, a COHAB/LD procedeu ao
congelamento
21
da área de atuação através de algumas medidas. Primeiro definiu
que as moradias abandonadas e os lotes vagos seriam utilizados para o
remanejamento das 116 famílias e não permitir a entrada de novas famílias,
demolindo as moradias abandonadas conforme foto 03.
Outra medida foi a fixação do cartão de identificação nas moradias
que responderam ao formulário, sendo este o documento a ser utilizado como
trancamento da área e fonte de consulta para implantação das obras físicas
previstas no Projeto Integrado. (Anexo B1)
P.P.C. 2002
Foto 3 – Imagens de Congelamento da Área em 2002
Em relação à dimensão ambiental, o assentamento estava entre os
piores do município; era castigado pelo excessivo calor devido à inexistência de
arborização urbana. Quanto a isso providenciou-se melhora com a arborização das
ruas e revitalização do fundo de vale. A divisão do loteamento João Turquino em
21
Congelamento- termo utilizado pelo poder público local ( COHAB-LD) para sofrer uma intervenção, não
podendo entrar na área mais famílias dos que as que lá estão.
130
duas áreas distintas, parte alta e parte baixa permitiam identificar diferentes
situações socioeconômicas e de infra-estrutura entre elas.
Na parte baixa composta pelas áreas institucionais e de fundo de
vale observaram-se moradias mais precárias, assim como ruas em péssimo estado
de conservação e piores condições econômicas das famílias lá residentes.
As moradias localizadas em lotes parcelados da parte alta do João
Turquino mostravam bom estado de conservação. Das 565 moradias, 555 foram
consideradas boas: padrão convencional de tijolos, com telhado de barro, dotadas
de 01 a 03 cômodos, com banheiro no interior, porém o esgotamento sanitário em
muitas delas era recolhido em fossa rudimentar. Destas, 185 foram construídas pelo
Programa Habitar Brasil no ano de 1997 e muitas ainda continuam como foram
entregues aos seus proprietários. Foram consideradas moradias boas 370,
edificadas por iniciativa dos próprios moradores, ou seja, pelo processo de
autoconstrução. As 10 restantes possuíam padrão de habitabilidade precário,
enquadradas como subnormal, construídas com pedaços de madeira tipo
reaproveitável, latas e lonas velhas, sem cômodos internos e desprovidos de
qualquer sistema de esgotamento sanitário. Algumas famílias faziam uso de
“casinha” “privada” no fundo do quintal ou de valas negras a céu aberto.
As 116 localizadas nas áreas de fundo de vale e institucionais, foram
demolidas. As famílias foram remanejadas dentro da POLIGONAL, permanecendo,
22 delas no João Turquino em lotes regulares, disponibilizados para essa finalidade
e 94 foram para o Maracanã conforme mostra a Tabela 02. Dessas 116 famílias, 13
foram objeto de indenização pela COHAB/LD, pois possuíam padrão construtivo de
boa qualidade tanto em espaço e salubridade quanto em privacidade. A indenização
131
foi paga através de critérios levantados por meio de avaliação técnica de engenharia
e do serviço social.
Tabela 02 – Remanejamentos efetuados
COMUNIDADES
MORADIAS
REMANEJADAS
MORADIAS
SUBSTITUÍDAS
TOTAL
João Turquino
22 10 32
Maracanã
94 161 255
Total 116 171 287
fonte: COHAB/LD. Levantamento socioeconômico 2002.
Neste mesmo levantamento de 2002, foram identificados domicílios
passíveis de risco epidemiológico, insalubres, e com deficiência de saneamento
básico, possibilidade de desabamentos, precariedade de serviços de água e energia
elétrica. Nos bolsões de insalubridade evidenciaram-se problemas diversos desde
superadensamento nos domicílios e lotes irregulares e regulares, precariedade das
moradias e de acessos a ruas, fossas rudimentares, muitas das quais cobertas por
madeiras velhas, valas abertas nos quintais. Tudo isso eram fatores de risco para
seus moradores, principalmente para as crianças. Esta situação está hoje resolvida,
através da execução do Projeto Integrado HBB que concretizou a construção de 795
fossas sépticas para todas as famílias que não dispunham deste recurso e de 169
unidades habitacionais que substituíram as moradias subnormais.
132
133
P.P.C. 2002
Foto 4 – Vista de uma das Ruas no Turquino em 2002
P.P.C. 2005
Foto 5 - Vista desta rua após realização do Projeto-2005
Com relação aos equipamentos urbanos, disponíveis os moradores
são servidos por telefones públicos, sendo três orelhões, que ficam em pontos
134
estratégicos e são tratados com cuidado pela população. Vinte e cinco por cento dos
moradores possuem telefone fixo em suas residências e 4,7% aparelhos celulares.
A região do Turquino/Maracanã possui Unidade Básica de Saúde,
instalada no Conjunto Antônio Avelino Vieira que fica aproximadamente a 2 km. de
distância da Poligonal. Lá são oferecidos os serviços de clínica médica, ginecologia,
pediatria, vacinação, pequenos curativos, injeções, coleta de exames (laboratório),
odontologia e farmácia. Segundo dados da pesquisa de janeiro de 2002, 85% da
população entrevistada utiliza os serviços de saúde desta Unidade Básica (Mapa
05).
Atualmente foi construída pelo Projeto Integrado HBB a Unidade
Básica de Saúde no Maracanã, que atenderá a Poligonal e mais quatro bairros
vizinhos. Esta foi, mais uma das conquistas dessa população de há muito vinha
solicitando a construção deste equipamento público.
T.P.C. – 2005
Foto 6 – Unidade Básica de Saúde – Poligonal Turquino/Maracanã
A Secretaria de Saúde atua na área com o Programa do Governo
Federal Saúde da Família que tem como objetivo definir estratégias para reverter a
forma atual de prestação a assistência à saúde e resolver a maior parte dos
problemas de saúde, atuando na promoção e prevenção de saúde, seguindo os
princípios de SUS – Sistema Único de Saúde de universalização, integralidade,
descentralização, hierarquização e participação popular. As ações são
desenvolvidas por uma equipe formada por enfermeira, médico, auxiliar de
enfermagem e agente comunitário. Na Poligonal o programa foi implantado em
setembro de 2001 e atualmente desenvolve ações com grupos de hipertensos,
diabéticos, planejamento familiar e puericultura além de terapia comunitária.
A Pastoral da Criança coordenada pela Paróquia Nossa Senhora
dos Migrantes do Jardim Bandeirantes liderada pelas Irmãs Claretianas treinou
lideranças na comunidade em 2002, e hoje acompanha a saúde física de crianças,
pesando, entregando multimistura e remédios naturais. Atualmente são 09
moradoras da Poligonal que realizam este trabalho em parceria com a UBS.
A Secretaria de Assistência Social da Prefeitura do Município de
Londrina atua nos Programas de Transferência de Renda e Apoio Sociofamiliar,
sendo prioridade da política municipal o atendimento às famílias em condições de
miserabilidade, desenvolvendo ações de atendimentos nas suas necessidades
básicas.
Em setembro de 2001 foi inaugurada a Creche Menino Deus
construída por iniciativa de 12 empresários da cidade. Atualmente atende 180
crianças de 0 a 6 anos da Poligonal Turquino/Maracanã. Este atendimento necessita
ser ampliado, pois existem muitas crianças nesta faixa etária ainda não atendidas .
Durante a realização da pesquisa verificou-se a permanência de
muitos adolescentes nas ruas. O assentamento não dispunha de equipamento social
para atendimento de contra-turno. Em 2004 a Secretaria de Assistência Social
inaugurou o Projeto “Viva Vida” e atende atualmente 150 crianças e adolescentes de
07 a 12 anos em contra-turno escolar (Mapa 05).
Com relação à equipamentos educacionais há nas proximidades a
Escola Municipal Noêmia Garcia Malanga localizada no Jardim Olímpico, bairro que
faz divisa com o Maracanã. É um estabelecimento público municipal que mantém
turmas de 1
a
. a 8
a
. séries do ensino fundamental. Dos matriculados, a maioria são
moradores da POLIGONAL TURQUINO/MARACANÃ (Mapa 05).
A Escola Estadual Dr. Olavo Garcia Ferreira localiza-se no Conjunto
Antônio Avelino Vieira, próximo à Poligonal. Lá são ofertados as modalidades de
ensino fundamental (de 1ª a 8ª série) e ensino médio (de 1ª a 3ª série). Os
moradores da POLIGONAL TURQUINO/MARACANÃ, após concluírem o ensino
fundamental, procuraram essa escola para continuidade dos estudos.
Com relação aos equipamentos comunitários, quando se realizou a
pesquisa, a Poligonal não possuía centro comunitário. Atualmente dispõe de um,
localizado no Maracanã, juntamente com uma quadra poliesportiva em que se
desenvolvem projetos de esportes com a população e um barracão de geração de
renda localizado no João Turquino, no qual se desenvolvem cursos de capacitação
para a população. Em conseqüência do baixo poder aquisitivo da região como um
todo, a população tem poucas opções de comércio próximo ao local de suas
moradias.
138
Em relação a equipamentos de segurança, na POLIGONAL
TURQUINO/MARACANÃ não existe nenhum específico para esse fim. Os
moradores reivindicam ações que garantam a segurança. O 3º Distrito Policial que
atende a POLIGONAL localiza-se no Jardim Bandeirantes, a aproximadamente 5
km.
O transporte coletivo é o meio mais utilizado pelos moradores. Das
1.023 famílias que responderam à pesquisa, 888 referiram que utilizam o transporte
coletivo; apenas 135 famílias não o utilizam. As linhas de transporte coletivo que dão
acesso à Poligonal Turquino/Maracanã são: 314 e 307. Os moradores que
trabalham nas diversas regiões da cidade levam mais de 50 minutos para chegar ao
local, pois o trajeto percorrido pelo transporte coletivo é tortuoso, longo e demorado.
Atualmente a comunidade reivindica linhas específicas para a Poligonal, com
percursos que encurtem esse trajeto.
A união da população em torno dos problemas das comunidades é
um reflexo da tomada de consciência a respeito das contradições entre as
necessidades que têm e as possibilidades de satisfação das mesmas. As primeiras
lutas, que a comunidade vivenciou para implantação de infra-estrutura básica no
assentamento, propiciou a organização dessa população através da formação da
entidade representativa que surgiu formalmente em 1997, denominada Associação
de Moradores do João Turquino, entidade constituída sob CNPJ 00.360.580/0001-
20, de utilidade pública municipal e estadual. O número de pessoas que participam
das decisões e encaminhamentos dos problemas é pequeno. As eleições ocorrem
de dois em dois anos. Atualmente a Associação também representa os moradores
do Maracanã , estando em discussão o processo da unificação desta entidade
Atua também no assentamento a Associação Ecológica Ambiental,
uma ONG fundada por pessoas atentas aos problemas ambientais. Parte de sua
diretoria é formada por moradores do Turquino/Maracanã e outros são dos bairros
vizinhos. Atualmente é feito um trabalho com pessoas da comunidade que auxiliam
na reciclagem do lixo. É um trabalho árduo que nasceu de um sonho de um dos
moradores, o presidente dessa Associação e também representante do Conselho
Regional da Saúde da região Oeste. ( Mapa 6)
No ano de 2000 um grupo de lideranças do João Turquino participou
da construção do Plano Diretor regional da Região Oeste coordenados por
lideranças dos bairros vizinhos e profissionais voluntários. Através de reuniões
durante vários finais de semana especificaram as necessidades e prioridades. As
mesmas lideranças estiveram presentes em 2001 nas reuniões da microrregião
Oeste para a definição das prioridades a serem atendidas pelo Programa Orçamento
Participativo do município de Londrina. Em 2002 participaram das reuniões em que
foram levantadas as principais reivindicações norteadoras da construção do Projeto
de Participação Comunitária HBB da Poligonal Turquino/Maracanã. Atualmente a
participação dos moradores da Poligonal é maior, pois estão comprometidos com as
atividades desenvolvidas pelo PPC.
3.2 Perfil Socioeconômico dos Moradores da Poligonal
Para traçar o perfil socioeconômico dos moradores da POLIGONAL
TURQUINO/MARACANÃ, foram utilizados os dados da pesquisa realizada em 2002
140
141
Também foram utilizadas as informações obtidas na POLIGONAL dos meses de
janeiro a maio de 2002, as quais demonstraram que a população conviveu com
sérios problemas de falta de segurança, de tráfico de drogas, assaltos, homicídios.
Reportagens dos principais jornais da cidade, relataram que moradores denunciaram
pagamento de “pedágio”, “lei do silêncio”(Anexo B2). No mês de abril de 2002 a
presença de policiais foi constante, pois a Poligonal estava em alerta pelo número
de homicídios que foram registrados no local. Durante a realização do levantamento
em 2002, foram vários os momentos em que a equipe se deparou com situações
desta natureza.
O depoimento a seguir é um relato de uma criança de mais ou
menos 06 anos (2002) feito à pesquisadora por ocasião do levantamento que estava
sendo realizado na Poligonal:
o seu Santa Rosa saiu correndo para o mercado do Jurandir porque
balearam o mercado, ele está no orelhão ligando para polícia, e deram um
tiro no orelhão do Seu Santa Rosa, atiraram nele, se você quiser ver os
buracos das balas ta no orelhão. Os bandidos chegaram e deram um monte
de tiros no mercado, na minha casa, tem até buraco de bala no muro da
vizinha, eles atiraram para matar o Jurandir. Os bandidos atiraram a gente
teve que ficar todo deitado no chão, eu falei pro meu tio não levantar, mas
ele quis ver e aí acertaram o tiro nele, no peito dele, e ele caiu mataram
meu tio e os bandidos tentaram me matar, apontaram o revolver para minha
cara, mas não me mataram, eu não tenho medo deles, ta pla nascer um
cara que vai me matar. O Jurandir saiu correndo, fugido dos bandidos, ele
encheu 3 caminhão de mercadoria do mercado e foi embora (J. M. A.)
A história que esta criança relata é o que ocorreu com seu tio quê,
durante um assalto ao seu supermercado, foi morto por bandidos diante de seus
familiares, inclusive desta criança quê, após o incidente, perambula pelas ruas do
assentamento e diz ser segurança do principal mercado da Poligonal.
Eu sou segulança do mercado Turquino, é aquele mercado grande, ele tem
até máquina de filme, lá o ladrão não entra. Não vai fazer o que fizeram no
mercado do Tio Jurandir (J. M. A.).
142
As crianças e adolescentes convivem com essa realidade e isso foi
confirmado pela reportagem da Folha de Londrina do dia 05 de maio de 2002 com o
título “A guerra dos meninos”. (Anexo B3)
Atualmente, após a chegada do Projeto Integrado HBB, a situação
não é mais a mesma, a violência diminuiu. As crianças e adolescentes estão
participando de programas em contra-turnos e a realidade que eles vivem
atualmente na Poligonal é completamente diferente da que enfrentaram nos anos de
2002 a 2003, apesar de não estarem livres de problemas desta natureza.
Os dados levantados apontam um número médio de habitantes por
domicílio de 3,53 moradores, constituindo uma população de 3.645 habitantes
distribuídos em 1.178 domicílios de uso residencial (Tabela 03).
Tabela 03 – Número de Pessoas por Residência
Comunidades
Número de
famílias que
responderam
Número total de
moradores
Média de
pessoas por
moradia
Turquino
633 2.303 3,44
Maracanã
390 1.342 3,63
Ausentes
155
Total 1.178 3.645
Fonte: COHAB/LD – Levantamento socioeconômico 2002.
Desta população, 49,70% é do sexo feminino e 50,30%, do sexo
masculino, predominando a população masculina.
143
Tabela 04 - Distribuição da População por Sexo
Freqüência %
Feminino
1.815 49,70
Masculino
1.830 50,30
Total 3.645 100,00
Fonte: COHAB/LD – Levantamento socioeconômico 2002.
No tocante à composição familiar, os dados mostram que dos chefes
de domicílio, 53% é do sexo masculino e 47%, do sexo feminino, caracterizando as
famílias denominadas de monoparentais femininas, nas quais as mulheres assumem
a responsabilidade de provimento e administração da família, por causa da
instabilidade das relações conjugais ou da ausência da figura masculina. Durante a
pesquisa constatou-se que muitas mulheres são chefes do domicílio; apesar de não
estarem trabalhando, elas assumem essa função. A Tabela 05 mostra a situação do
indivíduo na família.
Tabela 05 – Composição Familiar
Situação do indivíduo na
família
Poligonal Turquino / Maracanã
Freqüência %
Chefe da família
1.023 28,07
Esposo(a)/Companheiro(a)
667 18,30
Filho(a)
1.692 46,42
2º grau(irmão/cunhado)
61 1,67
Genitor
33 0,90
Outros (sobrinho, enteado,
neto, etc)
169 4,64
Total 3.645 100,00
Fonte: COHAB/LD – Levantamento socioeconômico 2002.
144
Dos 1.023 chefes de domicílios, 388 são casados, 361 vivem uma
união estável, 31 são divorciados, 79 separados, 63 viúvos e 101 solteiros.
O levantamento demonstrou que das 3.645 pessoas cadastradas
18,24 % tem idade de 0 a 6 anos, 32,45% de 7 a 14 anos, 8,39 % de 15 a 18 anos,
33,96% são adultos na faixa de 19 a 40 anos, 6% tem de 41 a 60 anos e 0,96% é
maior de 61 anos, o que confirma um quadro populacional extremamente jovem, em
idade produtiva. No município, conforme o senso do IBGE, de 1999, 38,02% da
população são crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Na Poligonal
Turquino/Maracanã as crianças e os adolescentes representam 59% dos moradores
(Tabela 06). Essas informações demonstram que o número de crianças e
adolescentes é bastante significativo e necessitava de projetos e programas que os
atendam, tanto na proteção, como na prevenção, para terem, efetivamente, a
garantia de seu desenvolvimento e do exercício de sua cidadania. Atualmente
programas estão sendo desenvolvidos na Poligonal, para atendimento desta faixa
etária.
Tabela 06 - Distribuição da População por Faixa Etária
Faixa Etária João Turquino / Maracanã
Freqüência %
De 0 a 05 anos
665 18,24
De 06 a 14 anos
1.183 32,45
De 15 a 18 anos
306 8,39
De 19 a 40 anos
1.238 33,96
De 41 a 65 anos
219 6,00
Mais de 65 anos
34 0,96
Total 3.645 100,00
Fonte: COHAB/LD - Levantamento socioeconômico 2002.
145
Na dimensão cultural, o nível de escolaridade da população pode ser
visto na tabela abaixo.
Tabela 07 - Nível de Escolaridade das Pessoas
Escolaridade Turquino / Maracanã
Freqüência %
Analfabetos
285 21,56
1
o
grau incompleto
859 64,44
1
o
grau completo
102 7,72
2
o
grau incompleto
45 3,40
2
o
grau completo
28 2,12
3
o
grau incompleto
02 0,15
3
o
grau completo
01 0,62
Total
1.322 100
Fonte: COHAB.LD – Levantamento socioeconômico 2.002.
Uma boa parcela da população 21,56% assina o nome, embora não
saiba ler, e outra parcela não sabe nem assinar o nome.
O grau de escolaridade dessa população pode ser considerado
baixo, pois 86% possui até o 1º grau incompleto, e, conforme relato das famílias,
muitos não conseguiram completar a 4ª série do ensino fundamental. Atualmente
foram implementados programas para atendimento desta necessidade.
No levantamento, foi identificado em torno de 180 pessoas que não
possuem documentos pessoais (tais como a cédula de identidade (RG) e carteira do
CPF), muitos os perderam e não conseguem tirar segunda via por falta de recursos
financeiros.
A dimensão econômica coloca a Poligonal Turquino/Maracanã entre
as piores localidades na questão de renda.
146
Londrina, quarta maior cidade do sul do país, apresenta índices
crescentes de desenvolvimento humano (em 1970, o IDHM era de 0,551, passando
a 0,729 em 1980 e 0,792 em 1991), porém, apesar desse crescimento, ainda são
grandes e visíveis os contrastes sociais.
Os dados do censo demográfico do IBGE de 1991 mostram que das
108.014 famílias residentes no município, 20.903 (19,35 %) têm renda de até ½
salário mínimo, cerca de 41.974 (38,86 %) sobrevivem com renda de até 2 salários
mínimos e 60.488 (56 %) com menos de 3 salários mínimos. Além disso, 1.681
famílias no município não possuem rendimentos (P.P.C., 2002, p. 38).
Tabela 08 - Renda Familiar Bruta
Renda Familiar Turquino/Maracanã Londrina
FREQ. % FREQ. %
Inferior a 1 S.M.
249 24,33 20.903 16,94
1 S.M. a 2 S.M.
489 47,8 41.974 34,02
2 S.M. a 3 S.M.
270 26,4 60.488 49,04
Acima de 4 S.M
15 1,47
Total
1.023 100 123.365 100
Fonte: COHAB/LD - Levantamento socioeconômico 2002.
Isso nos permite afirmar que Londrina tem mais da metade de sua
população na linha da pobreza e que um grande número de famílias está na
condição de miserabilidade. Dessa forma, os contrastes sociais se evidenciam e se
agravam, possibilitando concluir que é alto o índice de população excluída em nosso
município. São aproximadamente 160.354 pessoas em situação de risco pessoal e
social, vivendo na linha de pobreza, com renda de até 2 salários mínimos.
147
O levantamento figurado na Tabela 08 apresenta o quadro da
situação econômica das famílias da Poligonal Turquino/Maracanã: 249 famílias
(24,33%) possuem renda inferior a 01 salário mínimo; 489 (47,8%) tem renda entre
01 a 02 salário mínimo; 270 famílias (26,4%) recebem de 02 a 03 SM e 15 famílias
(1,47%) recebem acima de 04 salários (Gráfico 01).
Renda Familiar
24%
49%
26%
1%
Até 1 S.M. De 01 a 02 S.M. De 02 a 03 S.M. Acima de 04 S.M.
Fonte: COHAB/LD- Levantamento socioeconômico 2002.
Gráfico 01 – Renda Familiar dos Moradores da Poligonal
Os dados da situação ocupacional dos responsáveis pelos
domicílios mostram que 17,37% deles estão empregados com carteira assinada,
53,04% estão trabalhando como autônomos nas diferentes profissões, 25,15% estão
desempregados, 4,44% são aposentados e pensionistas.
Respeito dessa situação, destaca-se que o maior número de
desempregados é de homens, mas também é expressivo o número de mulheres que
permanecem em casa realizando os afazeres domésticos. Existem, porém aquelas
quê, além dos trabalhos de casa, ainda fazem “bicos” fora, como domésticas,
diaristas e trabalhos esporádicos na própria moradia; como lavação de roupa.
148
Também destaca-se que é grande o número de famílias que sobrevivem do Projeto
Renda Mínima da PML.
Analisando a renda mensal dos moradores e suas respectivas
ocupações, percebe-se que não possuem condições econômicas financeiras para se
manter em outros locais e sem a interferência do poder público, são levados a fixar
residência nos assentamentos, principalmente em locais irregulares. Pode-se, desta
forma, entender o que expõe Jacobi (1982):
o acirramento nas condições de remuneração soma-se um alto grau de
rotatividade no trabalho o que gradativamente inviabiliza qualquer
possibilidade de inserção nas formas convencionais de moradia na cidade.
Portanto salários baixos, desemprego, rotatividade e o desgaste a que está
sujeito a força de trabalho, acrescidos do tempo de locação despendidas
em transportes coletivos são causas direta ou indiretamente que levam a
favelização (JACOBI, 1982, p. 53).
As profissões mais comuns entre os chefes de domicílio são ligadas
ao setor terciário ou às que não demandam maior qualificação. Na pesquisa de
2002 foram referidas as principais: empregada doméstica, auxiliar de serviços
gerais, pedreiros, serventes de pedreiros, carpinteiros, pintores, eletricista,
borracheiro.
149
Tabela 09 – Profissões/Habilidades entre as Famílias
Profissões/habilidades Freqüência
Pedreiro/servente de pedreiro/pintor 250
Serviços gerais/limpeza/jardinagem 50
Mecânica/borracheiro 25
Carpintaria 55
Eletrônica 22
Eletricidade 35
Serviços domésticos/cozinheiro 333
Cabeleireiro/manicure/pedicure 32
Sapateiro 01
Segurança 01
Babá 05
Motorista 01
Artesanato/bordado 68
Total 878
Fonte: COHAB/LD – Levantamento socioeconômico 2002.
Um dos problemas relevantes da população desse assentamento,
assim como de outros, ou de favelas e vilas do município, diz respeito à renda, uma
vez que em grande medida, elas se encontram em uma situação desfavorecida pela
baixa escolaridade e, conseqüentemente, pela quase nenhuma qualificação
profissional. Tais fatos interferem negativamente nas oportunidades de inserção no
mercado de trabalho e diminuem as alternativas de geração de renda. Neste sentido
o Projeto de Participação Comunitária HBB da Poligonal iniciou, em junho de 2004,
atividades com ênfase nas iniciativas da geração de trabalho e renda, e parcerias
com o Poder Público e com entidades governamentais e não governamentais que
atuam nessa área.
150
A população moradora desta área, como de tantas outras do
município, procura meios de sobrevivência, e uma das formas encontradas é a
ocupação irregular. Essas áreas possuem elementos da tão comumente discutida
“exclusão social” que aqui se vê caracterizada por diversos indicadores entre os
quais: ilegalidade, informalidade, pobreza,escolaridade, domicílios insalubres.
A seguir contar-se-á a história de vida dos quatro entrevistados,
moradores das áreas ilegais do assentamento João Turquino, que são objeto desta
análise, com o objetivo de mostrar a busca destas famílias por uma moradia digna.
3.3 As Histórias das Famílias na Busca por uma Moradia
3.3.1 “Assim Nasceu o Assentamento João Turquino” – a história do Sr. João
O relato dessa ocupação foi objeto da primeira entrevista realizada
com Sr. João, um dos primeiros moradores do assentamento João Turquino. Sua
moradia estava localizada em área institucional no assentamento João Turquino,
portanto considerada inadequada para construção. Passou pelo processo de
remanejamento e atualmente reside no assentamento Maracanã, moradia que
recebeu do Projeto Integrado Habitar Brasil BID. Sr. João relata que já fez de tudo
um pouco em matéria de profissão, foi metalúrgico, pedreiro, pintor e atualmente é
reciclador, estudou até a 7ª série do ensino fundamental, apresenta um grau de
conhecimento bom que não condiz com a sua escolaridade. Sempre envolvido com
151
as questões sociais de seu território e engajado no encaminhamento das soluções
das necessidades da comunidade. Atualmente é presidente de uma organização
não governamental (ONG) ambientalista, faz parte da Associação de Moradores do
Turquino e é representante da região Oeste no Conselho Municipal de Saúde.
A história do Sr. João teve seu início a partir da mudança da cidade
de São Paulo para Londrina. Ele nos relatou que em São Paulo, morava com a
família, mulher e três filhos, quando resolveu deixar a família e tentar uma vida nova
na cidade que ele nascera. Até esse momento, disse ele que nunca tinha passado
por dificuldades financeiras e nem tão pouco pela falta de moradia.
[...] eu morava em São Paulo, era pedreiro, trabalhava e vivia com uma
companheira, tenho três filhos, dois em São Paulo e um em Maringá. Vim
para Londrina [...] (João).
Quando aqui chegou, foi morar nas proximidades dos Cinco
Conjuntos, região Norte do município, em área de fundo de vale no Conjunto Aquiles
Stenguel. Ele e mais 58 famílias, sem condições de conseguir um abrigo, ocuparam
essa área, pois foi a única solução que encontraram naquele momento. Iniciou assim
a caminhada à sobrevivência, trabalhando como prestador de serviços na área da
construção civil
[...] morava numa ocupação lá no Conjunto Aquiles Stenguel, aqui em
Londrina, trabalhava de pintor, pedreiro, nunca me faltou nada, minha
infância nunca passei fome, nunca fiquei sem calçado, até hoje nem sei
andar descalço (João).
Sr. João faz questão de ressaltar que nunca passou fome na sua
infância, porque a partir de um determinado momento de sua vida esta situação se
tornou corriqueira. O contrato com a fome surgiu no momento que perdeu emprego e
não teve um local, uma moradia para abrigá-lo.
152
Passado alguns meses, as famílias que ocuparam essa área,
incluindo Sr. João, foram expulsas do local, a partir disso procuraram a COHAB-LD:
Eu e mais sessenta famílias morávamos numa ocupação lá no Aquiles
Stenguel, a COHAB é que nos tirou de lá e nos colocou no João Turquino
(João).
Ele nos relatou que a COHAB-LD, representando o poder público
local, retirou as famílias dessa ocupação, reassentando-as nas terras que eram de
propriedade dessa Companhia, localizadas na zona Oeste do município, que é hoje
o assentamento João Turquino.
Foi no ano de 1996, quando a COHAB com um caminhão fez as mudanças.
Começaram à noite, cheguei aqui era umas 10 horas da noite, a noite inteira
teve mudança, as famílias ficaram debaixo de uma lona grande, lonas eram
entregues para as pessoas construírem seus barracos (João).
O depoimento do Sr. João nos chama atenção pelo tratamento
contínuo, o mesmo desrespeitado pelo poder público. Tratamento este, improvisado,
realizado no período noturno,ou seja, famílias sendo levadas para um local sem
estrutura física para atendê-los. Este fato narrado, demonstra o descaso e a falta de
comprometimento do poder público com essa população.
Sr. João relata que foram alguns dias de muito trabalho para a
acomodação das famílias, principalmente para as mulheres e crianças. O local
estava abandonado, cercado por mato, pois na época era uma fazenda improdutiva,
a COHAB-LD havia adquirido esta propriedade em 1991.
Aqui era um mato só, era uma fazenda de café (João).
O depoimento mostra como a ocupação tornou-se o único meio de
sobrevivência dessas famílias que se submeteram à situação de privação e de
153
necessidades, não encontrando outra alternativa para moradia. Neste relato,
detectamos que o próprio poder foi o responsável por tal ocupação.
Carlos (2003) diz que são muitas as formas de irregularidade, dentre
elas: favelas, ocupações, loteamentos clandestinos que se configuram de maneira
distintas no país. O autor ressalta que até mesmo loteamentos e conjuntos
promovidos pelo Estado fazem parte do universo de irregularidades.
No relato do Sr. João, verificamos algumas características que são
apontadas por vários autores e que marcam as ocupações. São elas: ocorreram em
bloco, com um certo número de famílias, no mesmo dia, com auxílio ou não do poder
público, a construção dos barracos aconteceram em verdadeiros “mutirões”, com a
ajuda de todos os envolvidos.
[...] as famílias iam atrás de madeiras, ganhamos muitas madeiras,
madeirites, lonas para cobrir os barracos, assim foram construindo, todos se
ajudando (João).
A partir do momento em que as famílias foram colocadas nesta área,
iniciou-se um processo de escolha de lotes para a construção de seus “barracos”.
Foram os próprios moradores que escolheram seus lotes e, como ressaltou Sr. João,
com ajuda da COHAB-LD.
As famílias ergueram seus barracos, relata Sr. João,
improvisadamente, com lonas cedidas pela COHAB-LD, madeiras velhas, papelão e
outros materiais que conseguiam através de doações. Ele relembra que o processo
da construção foi todo em conjunto, uns ajudando os outros, principalmente as
mulheres sem a figura masculina na família.
154
Foto 7 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistado
Sr. João relatou que, na época, se recuperava de um acidente que
lhe causou alguns meses de repouso e foram outras pessoas que construíram seu
barraco.
Uma das estratégias de sobrevivência desenvolvida por essa
população, quando não vê suas necessidades satisfeitas, principalmente a da
moradia, acaba sendo a ocupação e as moradias improvisadas, pois é preciso
morar, da mesma forma que é preciso comer e vestir.
Em alguns dias as pessoas já estavam com seus barracos prontos
para o abrigo das famílias. Com o passar do tempo foram melhorando, ampliando e
mudando o padrão construtivo das moradias, como ressaltava Sr. João, sempre com
materiais reaproveitáveis.
155
Foto 8 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistador
Foto 9 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistador
Todos os dias pessoas procuravam o local em busca de uma
moradia. Eram da região próxima ao assentamento, principalmente dos conjuntos
habitacionais que fazem divisa com essa área. Conforme relato do Sr. João, em
156
pouco tempo o local já estava totalmente ocupado, pois além da procura por parte
de pessoas ligadas aos que já estavam no local, a COHAB-LD indicava tal espaço
para famílias que procuravam por uma moradia.
Foto 10 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistador
Passados os primeiros momentos de distribuição de lotes e de
construção das moradias, iniciaram-se os primeiros dos muitos problemas que
estavam por vir.
O local não possuía infra-estrutura básica para atendimento das
necessidades das famílias que lá se alojaram. Sem água, sem luz, a população
organizou-se e iniciou um caminho para encontrar resposta a suas reivindicações.
A descontinuidade de ações do poder público é percebida através
deste relato, quando diz que por várias vezes encaminhou pedidos, mas que não
encontrou respostas.
157
Londrina, conviveu por anos, com uma administração municipal
22
de
caráter populista e assistencialista, inclusive nos anos de 1996 a 1998 quando do
início deste assentamento.
Essas famílias eram vistas, pelo poder público, como forma de
conquistar votos, pois eram retiradas de áreas consideradas ilegais e levadas para
áreas públicas, com um agravante, sem nenhuma estrutura física. Ele nos relatou
que as famílias acreditavam na mudança de vida, mas com o tempo, perceberam
que isso não ocorreu.
Rolnik (1997) faz considerações sobre os assentamentos precários
que não são objeto de investimentos pela gestão pública cotidiana. Em alguns
casos, a gestão pública incorpora lentamente essas áreas à cidade, regularizando,
urbanizando, dotando de infra-estrutura mínima, mas não eliminando a precariedade
e as marcas da diferença em relação as áreas que nasceram regularizadas. A autora
diz que essa dinâmica tem alta rentabilidade política, pois desta forma o poder
público estabelece uma base política popular, uma vez que os investimentos são
levados às comunidades como “favores” do executivo.
22
Antonio Cassemiro Belinatti – foi prefeito de Londrina de quatro mandatos, sendo que no último,
iniciado em 1996, foi destituído do cargo por irregularidades administrativas e pela utilização da
máquina do poder público municipal para fins de propaganda pessoal.
158
Foto 11 – Início da ocupação – 1996 – cedidas pelo entrevistador
A partir da reivindicação dessas famílias, foi instalado, no final do
ano de 1996, um cavalete coletivo de água, o que não era suficiente, pois a cada dia
crescia o número de famílias que ali se instalava.
Sr. João relata que neste ano (1996), nasceu a Associação de
Moradores do Turquino, da qual até o ano de 2006 faz parte da diretoria. Essa
entidade surgiu a partir de problemas concretos como a falta de água e luz.
[...] aí formamos a Associação de Moradores, e outras pessoas, que se
despontavam como lideranças foram importantes neste processo (João).
Esta organização foi uma forma de mostrar a eles mesmos e ao
poder público o seu potencial de força e a capacidade de intervenção para minimizar
a situação vivenciada pelas pessoas daquele assentamento.
Não foi fácil, essa conquista foi com muita luta, inclusive fomos a Brasília...
(João).
159
O descaso do poder público, aqui retratado por Sr. João, foi o que
essa comunidade vivenciou. Passaram dias nas ante-salas dos governantes e nem
recebidos foram, além de terem sido discriminados, vistos como invasores, pessoas
sem direito a voz.
[...] pois o poder público local nos via como marginais, ladrões, invasores,
eles não davam ouvidos as nossas reivindicações, colocaram as famílias e
abandonaram (João)
Através do relato, observamos que as lideranças procuraram o
poder público local mas não encontraram respostas no encaminhamento das
reivindicações para o atendimento das necessidades básicas, ou seja, a instalação
da água encanada e de energia elétrica. Assim através de um representante do
governo federal, viabilizou-se o encontro dessa liderança com o governo federal
(1997). Sr. João afirma que o poder público local assentou as famílias e as
abandonou.
[...] com a ajuda de um deputado, não recuamos, fomos até Brasília e
Curitiba e pouco tempo depois a situação da água e da luz estava resolvido
(João).
A partir deste encontro, foi em 1997, Sr. João relata que algumas
semanas depois foram instalados as redes individuais de água, energia elétrica e
iluminação pública.
A luta continuou, através da organização para o atendimento das
necessidades básicas da comunidade. Juntos iniciaram a abertura de ruas e
procederam o parcelamento da gleba em lotes. Isso ocorreu por iniciativa de um
morador, reconhecido como “topógrafo”, embora não tivesse a formação técnica,
160
realizou de forma satisfatória as demarcações, pois quando o poder público
oficializou os lotes, encontrou poucas distorções.
Era muito mato, fomos abrindo ruas, os próprios moradores, demarcando
seus lotes, tínhamos um morador que entendia de demarcação, aí ajudava
na demarcação dos lotes para as famílias. Até então o fundo de vale não
estava ocupado (João).
A situação continuou difícil para os moradores, pois a infra-estrutura
ainda era precária, a coleta de lixo não acontecia, o transporte coletivo não atendia o
local, as ruas encontravam-se em precárias condições de conservação. A situação
tornava-se cada vez mais difícil de ser enfrentada.
Não obstante, todas as dificuldades vivenciadas por essa população,
em 1997, iniciou-se o processo de ocupação das áreas de fundo de vale e
institucionais. Essas ocupações ocorreram motivadas pelas entidades que
representavam o assentamento (Associação de Moradores do Turquino e Federação
dos Assentamentos) e principalmente com o consentimento da COHAB-LD.
Novamente, sem uma política para enfrentar o problema da moradia,
com as invasões alastrando-se no município de Londrina, a COHAB-LD retira
famílias que estavam ocupando as áreas próximas ao Cilos III (na época estavam
sendo expulsas do local por um grupo de empresários). Essas famílias foram
reassentadas nas áreas institucionais que eram as quadras 27, 28, 29 do Turquino.
Tais áreas eram destinadas a aberturas de ruas, construção de equipamentos
públicos, bem como espaços para praça e lazer. Assim que essas famílias ocuparam
tais áreas, Sr. João nos relata que foi de imediato a venda de terrenos localizados
no fundo de vale pelas lideranças da época e a COHAB-LD não conseguiu impedir
essa situação, até porque eram muitas as pessoas que se encontravam sem outra
alternativa para abrigar suas famílias.
161
É aí que são as coisas que não concordo, a Federação dos Assentamentos
na figura do seu presidente, juntamente com o presidente da Associação de
Moradores daquela época, começaram a comercializar os lotes (João).
Sr. João diz que foi uma verdadeira especulação, venda de lotes
dessas áreas que não poderiam ser comercializadas e muito menos para a
construção de moradias, pois segundo ele (um ambientalista e defensor das
questões do meio ambiente), era inadmissível o que estava ocorrendo e por vários
vezes tentou denunciar, mas foi ameaçado por essa atitude.
Você nem sabe, era ameaça represália, medo, pressão, mas tudo era
comercializado, vendendo os lotes no fundo de vale.
[...] várias vezes denunciei, mas tive que ficar quieto, porque senão morreria
(João).
Aqui detectamos, além da venda ilegal, a questão ambiental que
implica em harmonizar a distribuição da população, das suas atividades econômicas,
com a preservação e o uso sustentável dos recursos naturais. O processo de
urbanização desordenado e acelerado, sem diretrizes, vem ocasionando a ocupação
desses espaços.
Sr. João possuía uma moradia localizada na Av. Maratona, principal
rua que divide o assentamento João Turquino do Maracanã. Na época em 1998 um
morador da quadra 29, considerada institucional, fez uma proposta de troca para Sr.
João, pois ele necessitava de um lote que abrigasse seu negócio. Foi daí que Sr.
João fez a troca e nos relatou que a moradia dele se encontrava em péssimas
condições ao contrário daquela que estava recebendo, mas foi importante porque
estava atendendo a necessidade de um morador. A troca resultou em uma situação
ilegal, pois o terreno em que estava edificada a moradia recebida era área
institucional.
162
Ele diz que conforme os anos passaram e a administração pública
foi se renovando, a atenção voltou-se para o assentamento, pois já eram mais de
500 famílias que moravam no local. A COHAB-LD, urbanizou, abriu ruas, solicitou
instalação de telefones públicos, transporte coletivo (Anexo B4) e coleta de lixo três
vezes na semana.
Ao final de três anos, Sr. João nos relatou que eram mais de 200
famílias que se encontravam nesta condição, ocupando as áreas irregulares do
assentamento João Turquino.
O local adquiriu alguns aspectos que segundo Sr. João marcam
essa comunidade. Um deles foi a solidariedade, até hoje uma marca forte da
comunidade, e a violência que deixou marcas profundas na vida de alguns
moradores.
A violência, a criminalidade atrelada ao tráfico de drogas,
desenfreadamente tomou conta deste assentamento entre os anos de 1999 a 2002
e várias famílias foram expulsas do local, ocupando o terreno particular ao lado que
hoje é o assentamento Maracanã.
Sr. João nos relatou que com o passar dos anos as famílias
enfrentavam diversos problemas dentre eles: a violência, a falta de equipamentos
públicos, as ruas sem asfalto. Ele nos contou que as pessoas adoeciam e
necessitando de socorro médico durante a noite e muitas ficavam sem o
atendimento, pois a ambulância não transitava, principalmente nos dias de chuva,
nas ruas próximas ao fundo de vale. A ausência de atendimento chegava a gerar a
morte de alguns moradores.
A precariedade e a discriminação que essa comunidade vivenciou
nestes anos foram de conhecimento público, através da veiculação das notícias
163
pelos órgãos da imprensa. O jornal a Folha de Londrina do dia 07 de julho de 2000,
noticiou a seguinte reportagem: “Bairro sofre com a falta de esgoto e pavimentação”.
As condições urbanísticas e ambientais, a precariedade a que eram submetidas
aquelas famílias foi relatada nesta reportagem (Anexo B5).
Sr. João diz que a comunidade estava cansada da situação, o
presidente da Associação deixou o local sem que ninguém ficasse sabendo, foi
então que aclamaram um novo representante e este logo nos primeiros dias, colheu
assinaturas para reivindicar junto ao poder público melhorias no bairro.
Você acha que um presidente de uma Associação como era daqui, saiu
escondido de noite com mudança, foi embora, ninguém sabe onde está, é
porque boa coisa não tinha neste meio, não acha (João).
No ano de 2002, a comunidade tomou conhecimento da
possibilidade da realização de um projeto que vinha ao encontro das necessidades
daquelas famílias.
Sr. João, e algumas lideranças da época (2002) foram os primeiros a
serem informados do projeto, auxiliando, desde então, a equipe técnica no
encaminhamento da pesquisa censitária e das reuniões com a comunidade.
Nesse momento Sr. João tomou conhecimento que faria parte das
116 famílias que seriam retiradas das áreas onde se encontravam e seriam
remanejadas para lotes parcelados dentro da Poligonal Turquino/Maracanã.
[...] reformei pouco minha casa, porque logo fiquei sabendo que a casa não
poderia ficar naquela área (João).
A foto 12 mostra a casa em que Sr. João residia e que não havia
sido ampliada em função da necessidade de sair do local.
164
T.P.C. – 2005
Foto 12 – Moradia do Sr. João antes do processo de remanejamento - 2004
Sr. João, a despeito de todas as privações pelas quais passou como
ameaças de expulsão e represálias confessa o sentimento de pertencimento com
relação ao local, não pretendendo sair da região por dinheiro nenhum.
Uma vez apareceu uma pessoa que me dava R$ 10.000,00 pela minha
casa, mas disse que só sairia daqui levado por quatro pessoas, me
carregando, só morto saio daqui, gosto demais daqui (João).
Um fator importante nesta análise é o que representa a moradia para
Sr. João. Pode-se considerar que o significado atribuído por ele foi socialmente
estabelecido, de acordo com as condições sócio-históricas vivenciadas, isto é, a
realidade social que permeou o seu cotidiano social e familiar.
De acordo com Rodriques (2003), essa forma de morar constitui-se
uma estratégia de sobrevivência. Uma saída, uma iniciativa, levanta o barraco de um
dia para outro. A partir daí são estabelecidos os vínculos sociais, aumentando o
sentimento de pertencimento ao local. Esse fato é comprovada pelo depoimento do
Sr. João que por dinheiro nenhum vende seu barraco. Isto desmistifica o que é dito
165
no senso comum, ou seja, que muitas vezes essa população, na primeira
oportunidade comercializa sua moradia.
Em maio de 2004, um canteiro de obras foi instalado na Poligonal e
teve início o programa de benfeitorias que essa comunidade ansiosamente
esperava.
Sr. João participou como membro da Comissão de
Acompanhamento de Obras – CAO formada com pessoas representantes da
comunidade para acompanhar e fiscalizar as benfeitorias que o local receberia.
Também participou de todas as reuniões sobre o processo de remanejamento,
sempre procurando informações. Gostaria de permanecer em lote no assentamento
Turquino, mas como não havia mais terrenos disponíveis escolheu no Maracanã.
[...] sei que tenho que sair , só que minha moradia é maior do que a que vou
receber, tenho que receber esta diferença [...] (João).
Foi um dos moradores que acompanhou o processo de construção
de sua nova moradia e recebeu uma indenização
23
, pois sua unidade habitacional
era maior do que a que ia receber do projeto.
Sr. João quando se refere a questão da regularização de seu lote e
de sua moradia nos diz que acha:
Muito importante, pois vou dizer que tenho uma casa, tenho documento,
porque aqui o que vale é o papel, então vou deixar para os meus filhos, tudo
certinho, regularizado [...]
(João).
23
O sistema de compensação e ou indenização às famílias afetadas por ações de remanejamento
deverá estar claramente explicitado na fase de intenção e concepção do projeto integrado,
possibilitando a adesão voluntária e formal dos participantes. Toda família que possuir uma unidade
habitacional superior em tamanho ou padrão construtivo terá uma indenização para cobrir essas
diferenças.
166
Para ele, como para essas famílias, a posse jurídica, a legalização
das moradias é de extrema importância, pois traz segurança, eliminando as
ameaças de despejos e ou remoções, evitando a mobilidade e promovendo a
fixação dessa população, principalmente quando a escolha do lote parte do morador,
como é o caso do Sr. João.
Com a chegada do Projeto Integrado HBB da Poligonal
Turquino/Maracanã (2004), tal comunidade pôde desfrutar de uma série de
benfeitorias, segundo Sr. João:
[...] Muitas pessoas receberam uma casa e a maioria moravam em
casas sem condições de abrigo, o projeto beneficiou 280 famílias, as
que estavam em áreas invadidas e as que tinham suas casas muito
precárias em seus lotes. Apesar de algumas pessoas que não
gostaram, todos foram beneficiadas com asfalto, construções do
Posto de Saúde, do Centro Comunitário. Outro ponto positivo é a
desocupação do Fundo de Vale que por muitas vezes tentei
denunciar, mas não fui ouvido, já plantei mais de mil arvores, vou
plantar mais, quero ver esse fundo de vale com pomar e muitas frutas
para abastecer e ajudar essa comunidade (João).
O João Turquino já não é o mesmo local de dois anos atrás, a
urbanização e os equipamentos sociais construídos bem como as moradias, a
revitalização do local trouxeram um novo cenário urbanístico que permite a
população ver e ser vista, através da execução de um programa que difere dos
demais.
O jornal Folha de Londrina do dia 29 de janeiro de 2006 trouxe a
seguinte manchete:”Bairro de cara nova: João Turquino repaginado”:
Para os moradores da zona Oeste de Londrina, mais precisamente
na Poligonal Turquino/Maracanã o lema “Ano Novo – Vida nova”
começou a ser esboçado. Confuso? Não para quem já viveu sob o
medo da violência desenfreada e também com os transtornos nos
dias de chuva e hoje tem uma situação diferente (Jornal Folha de
Londrina - Anexo B5).
167
Sr. João relatou a satisfação de ler reportagens que trazem a nova
realidade do local, “diferente dos anos anteriores que só relatavam as coisas ruins”.
Este é o resultado de um programa de urbanização em que a
moradia é um dos componentes importantes do todo.
Constitucionalmente a habitação é responsabilidade comum da
União, dos estados e municípios. Conforme salienta os documentos da UFRJ (2001)
e IPPUR (2002) o que torna a moradia uma condição básica de existência humana é
a função social do abrigo. A salubridade, definida a partir das condições de higiene
da edificação e segurança como condição de confiabilidade estrutural da construção,
é um aspecto que também deve ser relevante para se determinar a função social da
moradia. A função de abrigo tem também um aspecto psicossocial que não deve ser
deixado de lado. No desenvolvimento do indivíduo, a família tem uma função
estruturante e a qualidade da moradia é uma das variáveis significativa em seu
processo de desenvolvimento (IPPUR/UFRJ, 2001, p.19). Além disso, a moradia tem
a característica que a distancia de outras necessidades básicas, ou seja o acesso à
terra, sendo que a garantia da ocupação da terra sem ameaças de despejos ou
remoções forçadas é elemento básico do direito à moradia. Essa perspectiva
encontra respaldo no debate internacional sobre direitos humanos desde a
Declaração dos Direitos Humanos de 1948, até a Declaração de Istambul sobre
Assentamentos Humanos de 1996 que reafirma o compromisso dos governos
nacionais com a completa e progressiva realização do direito a moradia adequada e
estabelece como objetivo universal que se assegure “abrigo adequado para todos e
que façam os assentamentos humanos mais seguros, mais saudáveis, mais
agradáveis, eqüitativos,sustentáveis e produtivos”.
168
T.P.C. – 2006
Foto 13 – Moradia atual do Sr. João – pós remanejamento
3.3.2 A luta por uma moradia: história de D. Rosa
A segunda entrevista foi realizada com D. Rosa que residia em uma
moradia no assentamento João Turquino, localizada em área institucional, portanto
ilegal. Em 2005, D. Rosa recebeu uma unidade habitacional do projeto integrado
H.B.B. em lote parcelado no assentamento Maracanã. D. Rosa é uma migrante que
veio da zona rural para a cidade, viúva de 65 anos, analfabeta, disse nunca ter
freqüentado uma escola, veio com 17 anos para Londrina, casou após dezoito dias
de sua chegada, partindo para zona rural. Teve onze filhos, dos quais oito estão
vivos, criou quatro netos, cujos pais se separaram. Trabalhou com seu esposo e
filhos na Fazenda Água Nova no município de Uraí, os filhos casaram-se e ela ficou
viúva. Logo a seguir seu filho mais novo morreu em um acidente na fazenda. Algum
169
tempo depois os proprietários da fazenda a expulsam, pois já não podiam contar
com a força de trabalho da família. Assim conta D. Rosa :
[...] meu marido tinha soja, tinha trigo para receber eles deixaram ir pra
justiça e eu pobre, perdi tudo, tudo, fiquei na rua com as crianças, os
gêmeos pequenos, daí tomaram todas as minhas terras, tomaram tudo o
que eu tinha, eles diziam assim” eles perde a metade da fazenda pra um
advogado, mas não perde pra um empregado”, como de fato aconteceu eu
fiquei sem nada (Rosa).
D. Rosa recorreu à justiça para ter o direito pelo menos da safra que
lhe era devido mas conta que perdeu tudo: a justiça a esqueceu. A entrevistada,
relata muito emocionada sobre o momento em que o advogado pronunciou a
sentença do juiz:
[...] o advogado de Londrina bateu na mesa com força e falou: tua causa
está perdida, quem ganhou foi o dono da fazenda, aquilo o coração partiu
pro meio, não sei se tava viva ou morta, porque os momentos que tava
passando ali, eu queria um dinheiro pra comprar uma casa, não ficar
abandonada (Rosa).
Percebe-se, na fala de D. Rosa, o sentimento de derrota por não ter
condições de possuir uma casa, na qual abrigaria a família na tentativa de iniciar
uma nova vida, depois de tantas perdas sofridas no campo, onde gozara de muita
abundância.
Nós tinha uma fartura enorme, enorme na fazenda, não faltava nada a vida
era um anjo [...] (Rosa).
Sabemos que a migração do campo para cidade trouxe
conseqüências não só para as cidades como também para as famílias que eram
expulsas e chegavam sempre sem nada, em busca de melhores condições de vida,
170
como o caso da família de D. Rosa expoliada da vida de fartura que o campo lhe
proporcionara.
O modo de vida urbana contemporânea envolve grandes massas
humanas, que se deslocam para a cidade, gerando imensas concentrações
populacionais. Os problemas manifestados em cidades são resultados do êxodo
rural.
O Brasil passou por importantes e profundas transformações em seu
contexto social econômico, em razão do amplo processo de modernização
implantado no campo. Os trabalhadores rurais foram expulsos, desencadeando um
intenso processo de êxodo rural em todo o país, inclusive no Norte do Estado do
Paraná. A expulsão do campo leva D. Rosa juntamente com sua família a lutarem
por uma moradia.
[...] se quisesse alguma coisa tinha que luta, aí vim pra Londrina, fazendo
essa loucura, tava jogada no mundo (Rosa).
Para Fresca (2002), Londrina, por exercer forte atratividade
econômica, tornou-se um receptor dos principais pontos de convergência desse
fluxo migratório.
Houve uma ampla e acelerada expansão urbana que ganhou grande
impulso a partir de 1970 com a acentuação do êxodo rural, o que contribuiu
significativamente para o crescimento físico-territorial da cidade, oferecendo
condições para rápida incorporação, pelo sistema produtivo, de uma parcela da força
de trabalho recém chegada.
D. Rosa relata que a situação em que se encontrava era
desesperadora. Sem casa para morar, com mágoa, pois seu marido deixou a família
desamparada:
171
[...] porque meu marido neste ponto foi muito cruel comigo, nós tinha casa,
data em Londrina, em Primeiro de Maio, outra em Rancho Alegre e ele
acabou com tudo, ele falava se eu quisesse alguma coisa eu tinha que
trabalhar com os fios (Rosa).
D. Rosa passou por todo tipo de privações. A mulher que sempre
ajudara o marido, trabalhando não só em casa como também na lavoura (contou
que por diversas vezes passava veneno na soja, trigo, plantava feijão), que todos os
dias acompanhava marido e filhos para “roça“, ajudando o companheiro a adquirir
bens, viu-se completamente sozinha e com a responsabilidade da educação dos
filhos e netos, sem uma moradia para abrigar a família. Como ela conta, o marido
perdeu tudo o que tinham, antes de ficar viúva.
D. Rosa, assim como muitas outras mulheres, se vê na condição de
chefe de família por abandono ou perda do companheiro, o que se tem tornado
comum na realidade brasileira (SAFIOTTI ,1992 ).
[ ..]. se quisesse alguma coisa tinha que luta, aí vim pra Londrina, fazendo
essa loucura, tava jogada no mundo, mas tava nas mãos de DEUS. Aí
minha nora falou vem pra Londrina, seus filhos estão aqui, tão pegando
terra pra faze casa e a senhora pega, mas quando eu vim não tinha mais
terra pra mim, já tava vendendo tudo (Rosa).
D. Rosa emociona-se quando relata que trabalhou desde os seis
anos, quando ajudava sua mãe e depois o seu marido nas fazendas por onde
passaram. Por meio de sua nora ficou sabendo da ocupação do João Turquino.
D. Rosa chegou em Londrina na busca de um abrigo para sua
família, encontrou algumas pessoas do João Turquino, que lhe propuseram a venda
de um terreno.
A população expulsa do campo que vem para a cidade é
expressiva,assim como é expressivo o número de aglomerados que vão se
formando, pois diante da falta de moradia, principalmente diante da especulação
172
imobiliária, podemos observar como a entrevistada se vê obrigada a adquirir seu
terreno em loteamento distante da cidade, cuja forma de aquisição acaba sendo
uma transação ilegal.
D. Rosa refere-se ao processo de venda ilegal de lotes, relatado
anteriormente por Sr. João, o que confirma essa prática não só neste assentamento
como em outros.
[...] aí um morador do João Turquino, falo: eu arrumo uma data pra senhora,
mais é R$ 250,00 [...]. Quando ele falo que era esse valor, eu voltei pra casa
do meu filho, não tinha sossego, não dormia, pensando na minha vida, nos
meus filhos, nos netos que estavam comigo, eu achava que estava
abandonada, mas tinha que luta, eu fui uma mulher lutadora por todos os
momentos que fiquei sem marido, fui uma mulher de garra, de luta, eu
trabalhei, sofri para atender essas crianças (Rosa).
Mais uma vez identificamos nesta fala uma mulher que assume para
si as obrigações e responsabilidades pela família, sempre como uma guerreira. A
sua luta continua. Adquire o terreno com muita dificuldade mais não dispõe de
condições financeiras para iniciar a construção, passando a sofrer pressões de
vizinhos e lideranças da comunidade para ocupar logo o terreno, sob a ameaça
poderia perdê-lo.
[...] eu já tava perdendo a minha data, aí o sofrimento aumentou e a mulher
mentiu para mim, falo que era só dá o dinheiro que o documento tava na
minha mão, como eu tava sem lugar pra mora, pensei eu do o dinheiro e ela
passa o documento pra mim (Rosa).
D. Rosa foi enganada pelo marido e expulsa da zona rural, é
novamente enganada quando comprou um terreno irregular quando procura se
estabelecer na cidade. O terreno era considerado área institucional de acordo com a
legislação que preconiza a reserva de terras para praças equipamentos sociais,
ruas, entre outros. A pessoa que lhe havia vendido o terreno não cumpriu a
173
promessa de entregar a documentação, nem podia fazê-lo, pois o terreno estava
localizado em área considerada pelo município como institucional.
O ônus de loteamentos clandestinos, irregulares, tem recaído sobre
os moradores que não possuem condições financeiras para a aquisição de um
terreno regular, sendo assim, não terão a documentação jurídica de posse dessa
propriedade.
Outra questão aqui detectada, além da aquisição ilegal de um
terreno, é a pressão que se sofre para construção imediata de sua moradia, se não
o fizesse poderia perde-lo, e os “oportunistas”, conforme D. Rosa relatou, venderiam
para outra pessoa.
De posse do seu lote, D. Rosa e seus filhos, com muito sacrifício,
iniciaram a construção da casa, contando com a cooperação da família, dos amigos
e vizinhos, pelo longo e penoso processo da autoconstrução, uma situação
vivenciada por muitas famílias pobres.
Todos os filhos vinha no sábado, domingo, feriado pra faze a casa, eu
achava que em quinze dias fazia, mas teve muita chuva, levo mais de um
ano, procurava uma estera ligava e não conseguia, isso aqui era tudo mato,
colonião era pasto pra animal, eu carpia, tinha risco de perde a data que
eles me vendeu. Eu trabalhava a semana inteira, no sábado minha fia fazia
a comida pros irmão, os vizinho ajudava fazia o poço, eles tudo ajudando
[...] (Rosa).
Sabemos que é principalmente através da autoconstrução que
grande parte da população trabalhadora resolve seu problema de moradia. Trata-se
de uma construção que se prolonga por muitos anos e absorve a maior parte do
“tempo livre” da família. O ritmo da construção, além de depender do tempo livre,
depende também do dinheiro da compra do material, que na maioria das vezes é
financiado pelos depósitos de materiais de construção que se localizam no entorno.
174
[...] enquanto os outros ganhava R$ 100,00 eu ganhava R$ 90,00 todo mês
eu chegava nos depósito e comprava [...] daquele pouco que DEUS me
dava eu fazia aquela compra e tirava o dinheiro pra paga os material da
minha casa [...] (Rosa).
D. Rosa conta que levou dois longos anos na construção de sua
casa, horas e horas de tempo livre que deveriam ser destinadas ao descanso para
repor as energias, mas o que lhe coube foi “descansar trabalhando, carregando
pedras”
Na autoconstrução, recai sobre as costas do trabalhador um sobre-
trabalho, como é no caso da família de D. Rosa. Como o salário não permite ter
moradia, utiliza um grande número de horas de trabalho extra para conseguir morar.
Isso significa que o trabalho de 44 horas semanais não faculta um lugar para abrigo
e há que se gastar muito mais horas de trabalho para ter direito de ver atendida uma
necessidade básica.
Dessa forma, o tempo do trabalho para autoconstrução não é
calculado monetariamente, não entra no cômputo do salário, mas faz parte do tempo
de trabalho necessário para a garantia do abrigo, gerando o desgaste do
trabalhador.
Aqui percebemos o paradoxo que é trabalhar para garantir o
sustento e trabalhar durante o descanso para garantir uma das necessidades
básicas de sobrevivência, a moradia, com o material financiado pelo trabalho.
Portanto a autoconstrução reproduz, ao produzir casas em lugares sem infra-
estrutura e com um sobre trabalho individual, as condições gerais de reprodução do
espaço urbano. Onde é possível morar e de que modo é possível morar, acaba
definindo o lugar de cada um na cidade.
175
A luta continuou e D. Rosa mudou-se para sua moradia sem que
esta estivesse pronta, pois a pressão e a ameaça de invasão da sua propriedade era
concreta.
[...] a vizinha falava que eu ia perde a casa, e o presidente da federação
falava a senhora tem que entra na casa eu coloquei os vidro, meu fio até
vendeu o canário pra por os vidro na casa, minha patroa deu a porta da
sala, gente muito boa que estendeu a mão e eu naquela força trabalhando,
ganhando R$ 90,00 e pedindo saúde, força, outras vizinha de olho gordo,
porque morava em barraco e a minha era de material, elas falava todas vez
pra mim, que a COHAB passava lá e que eu ia perde minha casa, eles vão
da a outro se a senhora não entra. [...] logo cheguei aqui de manhã
preparando pra entra, meu coração corto, quebraram todo os vidro, e
coloquei tudo de novo e eu sei que tenho lutado, batalhado (Rosa).
Nesse momento D. Rosa ficou pensativa, emocionou-se,
comentando que a COHAB-LD passava todos os dias para verificar se as pessoas
estavam construindo, porque se não o fizessem, a Companhia oferecia este lote
para outra pessoa.
Aí com medo da COHAB entrei nos puro tijolo, o chão tudo cavocado, chão
batido, mudança tudo jogado, velho, daí minha fia eu entrei nessa casa
pernelongo, fazia barulho, a água puxei com uma mangueira do vizinho,
fiquei tempo assim (Rosa).
D. Rosa recebia recado da vizinha sobre as visitas da COHAB-LD e
viu algumas vezes a Companhia doar os lotes de pessoas que demoravam no
processo de construção. A ordem da COHAB-LD, segundo ela era: ergam seus
barracos o mais rápido possível, para demarcar seu lote, se não ficam sem ele.
A pressão gerou sofrimento, não só os vizinhos pressionaram D.
Rosa para entrar na casa, como o próprio poder público, embora admita haver esse
universo de irregularidades, não possui mecanismos para conter a situação.
Desde momento em que D. Rosa entrou na moradia, já encontrou
problemas, pois o vizinho, sem nenhuma orientação técnica fez retirada de terra,
176
recortando o terreno próximo à localização da moradia de D. Rosa e isso lhe trouxe
sérias dificuldades técnicas e financeiras.
[...] ele planeou a terra dele de lá em baixo, ele não poderia fazer aquilo, ele
deixou no andaime em baixo no alicerce em baixo da minha casa, se desse
um vento ou se fosse uma chuva muito forte a minha casa caía, tudo por
outro lado, eu tinha até medo de por um guarda-roupa grande e pesado, tive
que fazer correndo um muro beirando até na altura que dava onde estava
esbarrancando minha casa, a gente arrodiava, olhava por baixo e via o
cimento da casa feita, que o buraco dava caída da terra, aí fiz esse muro
com muito sacrifício (Rosa) .
T.P.C. 2005
Foto 14 – Moradia em área irregular – D. Rosa
A ilegalidade produz conseqüências que colocam em risco as
famílias que habitam construções edificadas sem os padrões técnicos exigidos para
enfrentar os desafios da natureza. No caso da entrevistada, a falta de conhecimento
do vizinho traz prejuízos financeiros e problemas estruturais em sua moradia.
Assim, aos poucos D. Rosa foi arrumando sua casa, rebocando,
colocando piso, construindo o muro; na busca por um abrigo na sua incessante luta
pela sobrevivência. Essa luta, principalmente a dos mais pobres da busca por uma
177
moradia é sempre marcada pela dinâmica da inclusão/exclusão. Há um movimento
quase permanente de inclusão no espaço urbano e de exclusão, dinâmica que vai
conformando o modo de vida nas cidades.
Koga (2003) diz que a manifestação das situações de exclusão
social se dá em lugares e tempos específicos e com pessoas concretas. A autora
complementa que se trata de um processo social em curso, focalizado muito além
dos problemas conceituais de sua nomenclatura. Interessa-nos, aqui, perceber como
ele se dá nas condições de vida das pessoas; muito mais do que conceituar, vale
entender, procurar desvendar e evidenciar tal processo.
A autora diz ainda que a partir das profundas desigualdades vividas
pelas populações de cidades brasileiras, que se desenvolve o processo de exclusão
social.
O sofrimento traz formas de encarar a realidade e como vimos, é
complexa a questão dos problemas urbanos e das condições vividas pelas famílias
de baixa renda. Além de tudo o que tem de enfrentar para garantir uma moradia, D.
Rosa passou por momentos delicados e traumáticos, quando seu neto envolveu-se
com drogas e acabou perdendo a vida tragicamente.
Como se não bastassem as dificuldades, a violência tomava conta
do local, como relatamos na entrevista anterior. Isso propiciou que o neto de D. Rosa
se envolvesse com perigosas companhias.
A dimensão tomada pela exclusão social tem exigido esforços no
sentido de dar conta da complexidade de um processo que assumiu novas
características expressas, por exemplo, nos indicadores sociais que revelam a
recente associação entre os homicídios e o tráfico de drogas, envolvendo sobretudo
jovens, fato evidente na fala de nossa entrevistada.
178
O Professor de sociologia João Batista em reportagem a Folha de
Londrina do dia 03 de junho de 2001 ressalta:
[...] a população marginalizada está chegando a um ponto de saturação. A
pessoa busca apenas aquilo que é justo e natural, a sobrevivência. Se o
filho – e são mais que um - está passando fome, se não consegue manter a
família alimentada, morando dignamente, vestida e saudável com aquilo
que ganha, tudo isto redunda em que? Em violência, roubos, homicídios,
trafico de drogas (JOÃO BATISTA, 2001) (B6).
Apesar de D. Rosa esforçar-se ao máximo, como ela nos relatou,
mantendo a família unida e com laços afetivos bastante presentes, como pudemos
testemunhar através dos contatos estabelecidos com entrevistada desde o início do
projeto, seu neto envolveu-se com as drogas e quando decidiu abandonar essa
forma de vida foi vítima de uma emboscada fatal. D. Rosa sofreu muito quando nos
relatou esse incidente que lhe deixou marcas profundas, mas em momento algum
pensou em desistir do lugar onde mora.
No processo de inclusão-exclusão uma nova variável surgiu na vida
de D. Rosa, podendo deixá-la sem moradia: a retirada das famílias da área onde
está instalada sua unidade habitacional. Esta é considerada, pela legislação
municipal, área institucional, pois de acordo com a lei que regulamenta e aprova os
loteamentos, existe a reserva de áreas que servirão para aberturas de ruas,
construção de equipamentos sociais e praças.
Quando D. Rosa adquiriu seu lote não teve essas informações, até
porque na época da transação imobiliária, a população desconhecia o fato. Com a
aprovação do Projeto Integrado Habitar Brasil BID para o local, a casa de D. Rosa
estava localizada exatamente onde seria aberta uma rua. D. Rosa que praticamente
tinha terminado a construção de sua moradia, passa novamente por momentos de
insegurança e desespero.
179
A família ficou sabendo do remanejamento na primeira reunião
realizada pela equipe técnica do Projeto de Participação Comunitária do Programa
Habitar Brasil BID, ficou surpresa e o sentimento de tristeza tomou conta de sua
vida.
Foi no dia que teve a reunião lá em cima, o dia que eles falaram que não
era pra ter casa mais aqui, naquele momento eu fiquei desesperada, falei
puxa a vida pra onde eu vou? Não tenho mais dinheiro pra gasta, eu gastei
tudo aqui. Chorei muito, como vou fazer sem casa pra morar, aí vieram voce
e falaram que nos vamo sair daqui, to esperando em Deus que toque o
coração dos representantes da COHAB e dos outros governo, de prefeito,
de quem quer que seja que não deixe o povo desamparado, porque eles
tem prédio, eles tem casa boa, eles pode ter mansão pra morar, mas no não
temos(Rosa).
Aqui nos remetemos ao comentário de Koga (2003) quando se
refere ao território como chão concreto das políticas, a raiz dos números e da
realidade da vida coletiva. A autora refere-se ao território que também representa o
chão do exercício da cidadania, pois a cidadania significa vida ativa no território, no
qual se concretizam as relações sociais, as relações de vizinhança e solidariedade,
as relações de poder. É no território que as desigualdades sociais tornam-se
evidentes entre os cidadãos, as condições de vida entre moradores de uma mesma
cidade mostram-se diferenciados (KOGA, 2003, p. 33).
D. Rosa nos relatou “que sua vida dá um livro”. Quando analisamos
sua trajetória de vida nos deparamos a todo momento com as fragilidades com as
quais a família passou e passa no lugar onde, não por opção, escolhe para viver,
mas por obrigação gerada pela falta de acesso a uma moradia digna.
180
Santos
24
(1987) quando escreve sobre a urbanização, chama a
atenção para o peso do “lugar”, do território, e para a questão da cidadania.
Conforme o autor cada homem vale pelo lugar onde está. O seu valor como
produtor, consumidor, cidadão depende de sua localização no território. Reafirma
ainda que o componente espacial da pobreza resolver-se-ia pelo direito à
mobilidade, e a acessibilidade seria condição de cidadania.
Percebemos que D. Rosa não conseguiu entender a proposta do
remanejamento. Seria necessário que a partir do momento em que o poder público
tem uma proposta para melhoria de uma comunidade, esta deveria ser discutida,
debatida, ampliada, para que famílias como a de D. Rosa participassem ativamente
do processo, com suas opiniões, sugestões. Aqui percebemos que D. Rosa teve
acesso a informações bem mais tarde do que Sr. João.
O direito de permanecer no lugar, no seu território identitário, o
direito a seu espaço de memória está relacionada à cidadania. Como podemos falar
em cidadania, se o povo está a margem do processo de planejamento de um projeto
que chegará e mudará o local onde as pessoas estão inseridas?
Depois de muita luta D. Rosa, pensando estar com sua moradia
pronta, recebe a notícia de um remanejamento, e este se efetiva não onde está
morando, no local em que fatos importantes marcaram a trajetória da família. Ela
será transferida para outro bairro próximo do local, devendo iniciar todo um processo
de descobrimento, de estabelecimento de vínculos sociais no novo endereço. Para
D. Rosa entender tal processo faz-se necessário um tempo, pois em todas as etapas
de sua vida passou por mãos de enganadores, que a deixaram desconfiada e
24
Há em todas as cidades, uma parcela da população que não dispõe de condições para se transferir
da casa onde mora, isto é, para mudar de bairro e que pode ver explicada a sua pobreza pelo fato de
o bairro de sua residência não contar com serviços públicos.
181
aborrecida. Mas como demonstrou no relato parecia pronta para encarar mais este
desafio.
Eu vou esperando o dia que a assistente social chegar com a chave e falar:
D. Rosa sua casa está pronta, com aumento e seu caso foi resolvido, sua
casa foi aumentada, eu não faço guerra, eu não vou briga, eu só coloco nas
mãos de Deus, do representante da COHAB, do meu patrão que tem me
ajudado (Rosa).
D. Rosa tem em sua fala não uma perspectiva de direito e cidadã,
mas a cultura da auto-ajuda, da solidariedade e que delega para os outros o seu
destino, talvez porque a vida tenha sido cruel e não tenham havido a justiça e as
garantias de ver seus direitos básicos efetivados.
A ausência de outras alternativas para habitação popular acabou
empurrando algumas famílias como é o caso de D. Rosa, para essas áreas
ambientalmente mais frágeis. Percebemos, nessa situação, a remoção pura e
simples das famílias para atender ao estabelecido na lei, se mostra socialmente
insustentável, ao mesmo tempo em que a regularização das ocupações não têm
como atender aos parâmetros legais. É um quadro extremamente delicado devido às
dimensões da exclusão habitacional e à incapacidade do poder público de enfrentá-
la.
D. Rosa tem uma atitude de confiança e fé, mas não percebe que
tem direitos, talvez pelas injustiças que ocorreram em sua trajetória, não se vê como
uma cidadã de direitos e prefere falar que não vai “brigar” demonstrando confiança
nas pessoas que representam o poder público, que deverão dar a solução para um
problema que não souberam enfrentar no início das ocupações.
182
Aqui percebemos o total desconhecimento de D. Rosa sobre leis,
dentre elas o Estatuto da Cidade que em sua ordem jurídica reconhece o direito
social dos ocupantes de assentamentos informais.
Wanderley (1999) ressalta que a desigualdade acaba por se misturar
à exclusão, ocorrendo socialmente uma “naturalização do fenômeno da exclusão”. E
ainda diante da total fragilidade e desproteção social do indivíduo, as ações até
então promovidas, acabam subentendidas, tanto no âmbito social, como pelo próprio
indivíduo excluído, em expressões dadas pelo conformismo.
D. Rosa comentou em sua entrevista que a regularização ou a posse
jurídica de seu lote, ou seja, a documentação que deverá receber, trará uma
segurança que há muito tempo não tinha e que ninguém irá ameaçá-la.
[...] é muito importante pra mim esse documento. O dia que receber a
chave, a minha casa com os documentos na mão vou sentir muito feliz, uma
pessoa orgulhosa pela força que tenho em Deus, na garra que sempre lutei.
O dia que tiver com o documento na mão vou ser muito feliz e ninguém irá
me tira deste lugar (Rosa).
A regularização, no caso de D. Rosa, será em dois sentidos,
primeiro o bairro está recebendo um programa de urbanização, através da
implementação de infra-estrutura urbana e de prestação de serviços públicos; e
segundo será usado um instrumento jurídico para legalização fundiária de seu lote.
São duas as dimensões dessa regularização, a urbanística e a jurídica. Através do
Programa Habitar Brasil BID a regularização será concreta para a população que
sempre esteve à margem da cidade.
183
T.P.C. – 2006
Foto 15 – Moradia atual de D. Rosa – pós remanejamento
Toda a trajetória e história do período em que D. Rosa entrou na
comunidade do João Turquino são marcadas pela busca por uma moradia que
assegurasse para sua família condições de sobrevivência. As desigualdades sociais
assumem dimensões cada vez maiores numa sociedade em que a exclusão
sócioeconômica e política não possibilitam a participação e o acesso de populações,
principalmente as dos aglomerados urbanos.
Martins (1997)
25
destaca que não existe exclusão e sim uma
inclusão tardia do indivíduo na sociedade, ou exclusão marginal. Observa,
corretamente, que ninguém está totalmente excluído da sociedade capitalista, mas
sim inserido num processo de inclusão precária, cujo intervalo de tempo entre a
exclusão e a (re)inclusão pode ser demorado.
25
A sociedade moderna está criando uma grande massa de população sobrante, que tem pouca
chance de ser de fato reincluída nos padrões atuais de desenvolvimento econômico. Em poucas
palavras, o período da passagem do momento da exclusão para o momento da inclusão está se
transformando num modo de vida, está se tornando mais do que um período transitório (MARTINS,
1997, p. 33).
184
A partir dessas reflexões, é importante insistir em abordar a exclusão
como um processo, em oposição à sua identificação como um estado, que se define
como algo definitivo, desligado de fatores anteriores, de desdobramentos
posteriores, frente os quais nada pode se fazer, tornando-se algo irreversível.
Compreender a realidade das famílias do assentamento João
Turquino, mas especificamente da nossa entrevistada, é importante para desvendar
que o local apresenta características marcantes das diferentes qualidades e
dimensões da exclusão, ressaltando a dimensão objetiva da desigualdade social, a
dimensão ética da injustiça e a dimensão do sofrimento. Segundo Sawaia (2002)
aqui está centrada a dualidade e a contraditoriedade que constitui a exclusão.
Destaca a autora que a sociedade exclui para incluir e tal transmutação é condição
da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos
estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito
reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade
inserida através da insuficiência e das privações, desdobradas para fora do
econômico.
Fernandes (2003) diz que os assentamentos informais e a
conseqüente falta de segurança na posse, a vulnerabilidade política e a baixa
qualidade de vida dos ocupantes resultam do padrão excludente dos processos de
desenvolvimento, planejamento, legislação e gestão de áreas urbanas. Mercados de
terras especulativos, sistemas políticos clientelistas e regimes jurídicos elitistas não
têm oferecido condições suficientes e adequadas de acesso à terra urbana e à
moradia para os pobres, provocando assim a ocupação irregular e desordenada.
Verificamos que esse comportamento não é exclusivo dos agentes
do mercado informal, mas também do próprio poder público, que muitas vezes tem
185
reforçado os mecanismos de expulsão dos pobres das áreas bem localizadas,
procurando os terrenos mais baratos e periféricos para a construção de grandes e
desoladores conjuntos habitacionais. Dessa forma, os mais pobres são empurrados
para as áreas mais frágeis ou de preservação ambiental caracterizadas por uma
urbanização selvagem e de alto risco.
Felizmente esta história acabou com um final feliz, o que não é
realidade para milhares de famílias obrigadas a buscar formas alternativas para
sobreviver.
3.3.3 Um pedaço de terra no João Turquino: história de Rita e Luís
A terceira entrevista se deu com o casal Rita e Luís, que moravam
em área de fundo de vale do assentamento João Turquino e hoje vivem na unidade
habitacional recebida pelo Projeto Integrado H.B.B. no assentamento Maracanã, na
qual ocorreu esta entrevista. A família de Rita é formada pelo esposo e três filhos,
são oriundos de Londrina, casaram e iniciaram a vida residindo num imóvel alugado
no Jardim Hedy, na qual permaneceram por nove meses. Rita relata que não
estavam suportando as despesas financeiras com o aluguel.
Antes de vir para o João Turquino, a gente morava no Jardim Hedy, ficamo
pagando aluguel por nove meses e aí o aluguel começou a atrasa. Ah morar
como a gente morava não tinha nem condição né, porque a gente pagando
aluguel, que é um dinheiro sem volta, puxa vida teve dia, eu tava pra ganha
essa menina aqui, às vezes com vontade de come alguma coisa, né Luis?
Mas o dinheiro era contado ali certinho, ele falava tem que dá pra mulher,
que chegava três dias antes de vencer o aluguel, o nome dela era Maria
Cinco Mil, olha só o nome dela. Ela vinha cobrar o aluguel e levava todo o
dinheiro, não sobrava nada (Rita).
186
A única opção de moradia, para o casal que estava iniciando a vida,
foi o aluguel. Assistimos, como é o caso dessa família, inquilinos perdendo a
capacidade de pagar os aluguéis e grande quantidade de despejos, como
conseqüência da significativa periferização da população. E o resultado foi uma
população morando em favelas e assentamentos, pois o quadro da moradia popular
revela, de forma inequívoca, os efeitos da situação econômica, em que possuir uma
casa própria tornou-se praticamente impossível para os setores mais pobres da
população.
Nesse processo, os aluguéis foram se tornando inviáveis, pois iam
muitas vezes além da capacidade das famílias de arcar com esse compromisso
financeiro e isso fez com que procurassem outros meios de morar.
A impossibilidade de pagar aluguel ou adquirir um imóvel obriga as
pessoas a morarem em casas “cedidas”, ou de “favor”, na maioria das vezes em
casa de parentes.
[...] Aí o pai dele falou assim para gente construir lá no fundo da casa dele,
aí minha sogra falou pra gente não construir, ah igual eu falei pra você, meu
sogro é aquilo..., mas a gente construimo, teimamo e fomo morar lá.
Ficando, mais ou menos uns cinco anos, vou falar pra você lá não foi
diferente na casa do meu sogro, porque que nem eu falei pra você nós
fomos mora lá e era tipo quase como um aluguel né Luís? As vezes saía
mais caro que o aluguel (Rita).
Rita revela que fora obrigada, por falta de outra opção e pelas
condições financeiras precárias, a aceitar a proposta de seu sogro que lhe viabilizou
a construção de uma casa no fundo de seu quintal.
Rita relatou que contrariada foi morar no fundo do quintal do sogro.
Além de construir, tinha que pagar a água e a luz. Conforme relato de Rita foram
187
anos de muitas dificuldades e humilhações, pois a família não se entendia e Rita diz:
quebramo o pau por causa daquele capeta do meu sogro.
Seu sogro não permitia a visita dos parentes de Rita em seu quintal.
Todas as vezes que alguém vinha visitá-la era recebido com indiferença e desprezo
pelos pais de Luís.
Minha mãe toda vez que ia me visitar ele expulsava ela de lá, minhas irmãs,
sabe, ninguém podia chegar lá que ele não deixava. Aí essa menina aqui
ficou doente pegou um verme de cachorro, porque era um monte de
cachorro sarnento, aí fizemo um portãozinho, eu me lembro até hoje , isso
eu não vou nunca esquecer, eu pedi pro meu sogro fecha o portão
pra
menina não ter contato com os cachorros e ele dizia os cachorros tão na
casa dele, o terreno, a casa é tudo deles, se eu tava incomodada que
caçasse meu rumo (Rita).
Essa fase de sua vida foi permeada por conflitos, intrigas que
resultaram na perda de vínculos familiares e fez Rita tomar uma decisão; abandonar
o marido, deixando parte da família.
[...] aí eu falei pro Luís, a partir de hoje, se você quiser ir comigo e com suas
filhas, eu quero uma casa, aqui não fico mais. Nesta época eu tinha as duas
crianças pequenas, uma era de colo e a outra começando a anda (Rita).
Vemos aqui uma convivência familiar abalada, partilhada por
frustrações, violência psicológica e conseqüentemente fragilizada pela ruptura de
vínculos afetivos, sociais, acumulando problemas, entre eles, a perda de contato
com os familiares.
Luís contou que foi muito difícil enfrentar essa decisão de Rita se
sentiu fracassado, pois na oportunidade não possuía condições financeiras para
arcar com compromissos principalmente de mudança, de pagamento de aluguel e
muito menos para adquirir casa própria.
188
As desavenças familiares e a falta de moradia levaram a esposa a
abandoná-lo e ele se viu totalmente inerte, sem nenhuma opção e a separação
aconteceu.
Rita abandona seu marido e vai com as filhas morar junto com uma
tia, no conjunto “Panissa”, próximo ao assentamento João Turquino, que nessa
época já estava sendo ocupado.
[...] aí uma amiga minha Maria descobriu a invasão, minha prima estudava
no Colégio perto do Turquino e viu um monte de lona estendida, um monte
de gente, facão cortando tudo, aí comentou que tava saindo uma favela lá
do lado da escola (Rita).
A invasão de que fala Rita é um fenômeno que cresceu a partir dos
anos 1990 e levando o nome de ocupações irregulares. Como já assinalamos nos
relatos anteriores, a necessidade de moradia impõe ou induz soluções improvisadas
como é o caso dessa família.
Em Londrina não foi diferente, o acelerado processo de urbanização,
caracterizado pelo desequilibro entre crescimento populacional e oferta de moradias
resultaram no surgimento dos aglomerados, principalmente em áreas irregulares,
surgindo as chamadas invasões caracterizadas por ocupações em bloco, em áreas
ilegais não apropriadas para moradia. Estas de maneira geral têm uma
representação social negativa para o restante da sociedade, pois diante da
impossibilidade do pagamento do aluguel, da condição de desemprego,
desqualificação profissional aprofunda-se o processo de exclusão social desta
população.
A partir do estímulo da amiga Maria, que morava próxima da área do
Turquino, Rita sai em busca de um “pedaço de terra” para abrigar sua família.
189
[...] aí a Maria falou: Rita vamo lá pra gente conseguir um pedaço de terra
também né, o que todo mundo quer é um pedaço de terra (Rita).
Neste momento Rita perguntou para a entrevistadora: Todos querem
um pedaço de terra né? Mas sabemos que para ter um pedaço de terra é necessário
pagar por ela. O município, apesar de possuir nesta época seu Plano Diretor
26
não
previa áreas destinadas primordialmente à construção e manutenção de habitação
de interesse social. O uso do solo é disputado pelos segmentos da sociedade de
formas diferenciadas, gerando muitas vezes conflitos entre os indivíduos e seus
respectivos usos, que na prática são orientados pela lógica do mercado.
Como vimos nos relatos anteriores a ocupação do assentamento
João Turquino foi também objeto de transações ilegais e informais.
Eu vim pra cá num empurrão danado, as datas acabaram, você comprava
uma data até por dez real, por vinte, por trinta, cinqüenta, importante que
você dava cincão e você tinha um pedaço de chão, não foi o que aconteceu
comigo.
[...] Aí foi o que o povo começou a invadir, muitas pessoas estavam
pegando e também pagando pela data, mas na época tinha o Sérgio, quem
mais Luís? Quem comandava o negócio no João Turquino? Carlos era um
morador (Rita).
A reprodução do espaço urbano de maneira irregular passa pela
mão de “atravessadores” ou aproveitadores e, como assistimos neste e nos relatos
anteriores, por pessoas que se organizam através de entidades e que deveriam
orientar a população na realização e conquista do direito à “moradia”, mas que
acabam por explorar as pessoas.
O relato desse casal e de outros, leva-nos a avaliar a situação de
uma população totalmente desinformada e desarticulada, vítima da especulação
26
Plano Diretor – Instrumento Constitucional de Regulação da propriedade urbana. Documento de
1995-2005.
190
informal ilegal, iniciada por uma organização que se pauta por interesses egoístas
sem o mínimo de interesse social.
Percebemos que a “especulação imobiliária”, principalmente a ilegal,
explora a camada mais pobre da população e é praticada de várias formas,
salientando-se entre elas, a venda de terrenos localizados em áreas inadequadas
para moradia, estando totalmente ausente nas transações a legitimidade jurídica da
propriedade de terra.
Alguns meses passaram-se e Luís reata com a esposa. Sem opção
de oferecer à família uma moradia, resolveu encarar a situação e ir em busca de um
“pedaço de terra” no João Turquino, o que estava dentro de suas possibilidades.
Encontra-se com os líderes do local, mas o preço dos lotes já não era o mesmo que
os anteriores. Devido à procura intensa, a quantia paga por Luís ficou dez vezes
mais do que o valor cobrado no início da ocupação.
Quando eu chequei pra pegar um pedacinho de terra, já não tinha mais e a
gente compramo, eu tenho recibo da primeira data que eu tive lá na quadra
31, lá em baixo, aí o Luís pagou R$ 1.000,00 naquela época (Rita).
Rita paga pelo seu “pedaço de terra” aos “atravessadores” e inicia
uma nova vida, deixando para trás os fracassos vivenciados pela família
O fato aqui retratado, assim como os anteriores são de ilegalidade,
realizada por oportunistas que cometeram um movimento duplamente ilegal, o
terreno adquirido pela família encontrava-se em área ambientalmente restrita para
seu uso e totalmente desprovida de infra-estrutura, trazendo muitas dificuldades
para seus moradores.
191
No caso de Rita e Luís que não possuíam recursos para edificar sua
casa, o recurso foi improvisar um barraco, prática comum entre os segmentos mais
pobres.
Rita relata as dificuldades vivenciadas naquela época. Se não
entrassem imediatamente no terreno, como foi também o caso de D. Rosa, poderiam
perdê-lo.
Aí naquela época a gente ficamo, comemo o pão que o diabo amasso, sabe
um barraco de madeira, caindo os pedaços, entrando enxurrada dentro, né
Luís? (Rita)
Em dado momento da entrevista Rita ficou pensativa, distante,
comoveu-se ao lembrar daquela época de sua vida e mostrou indignação, quase
revolta, pela situação a qual foi submetida. Aqui percebemos o quanto esta
população é privada das condições mínimas de sobrevivência, a começar pela
moradia que todo cidadão deveria ter acesso. Esse processo de exclusão vivenciada
pela família não é apenas de desigualdade e pobreza, mas principalmente envolve
sentimentos de desejo, de afetividade. Pensar em exclusão é também pensar no
cuidado que o Estado deveria ter com seus cidadãos.
A situação do início desta “aventura” assim denominada por Rita,
continuou com muitas dificuldades, levando a família a viver períodos ou momentos
de separação, pois Rita passava alguns dias na casa da tia e outros com o marido,
permanecendo na moradia improvisada no João Turquino.
A gente veio com um pouco de coisa, um dia ele dormia lá, revezando sabe,
outro eu dormia com a tia. Não mudamo de uma vez, não porque a gente
tava arrumando as coisas aos poucos, um barraquinho de madeira com lona
esticada pra cima assim, né, não é fácil (Rita).
192
Outra conseqüência da falta de moradia, como mostra o relato, são
as precárias condições em que vive a família, sendo obrigadas a se abrigarem em
barracos improvisados. Construídos com pedaços de latas, madeiras velhas, com
folhas de zinco ou com lonas, sujeitos a inundações, deslizamentos, além de não
haver nenhuma infra-estrutura que fornecesse proteção para os riscos com a saúde.
Quando a gente mudou de tudo pra lá, era só lona, Nossa Senhora sem
água, sem luz apesar que na parte da água gente não reclamava não,
porque não tinha que pagar, então era aquela mangueira, as vezes faltava,
as vezes assim quatro horas da manhã todo mundo já amarrava a
mangueira e já aproveitava pra enche tudo o que tinha que enche, então daí
eu falo assim, apesar de todas as coisas que acontecia na época, eles
incendiavam os barraco, mas era bom [...] (Rita).
Rita relata que a falta de energia elétrica fez com que usasse velas,
o que a levou a ter medo de incêndio. A água, apesar do sacrifício para beber, não
representava ônus financeiro. Então a economia, tanto de energia elétrica, como de
água ajudava na melhoria física de seu barraco.
Diante dessa realidade, as famílias como a de Rita lançaram mão de
soluções improvisadas como, por exemplo, o destino final dos dejetos que se
acumulavam no quintal de suas moradias. Esta área, o nível do lençol freático é alto,
comprometendo o quadro sanitário dos moradores.
Esse depoimento qualifica as precariedades vivenciadas pela
população acerca de seu habitat, ou seja, dos ambientes vividos cotidianamente
sobretudo pelas mulheres e crianças, pois são as que passam a maior parte do
tempo em suas moradias.
Rita relata que após morar um tempo neste local, apareceu uma
oportunidade de comprar uma casa edificada num terreno de melhor localização, e o
padrão construtivo apresentava melhores condições para o abrigo da família.
193
A primeira casa da quadra 31, quando compramo ela só tinha os paus de
madeira e lona esticada, ficamo lá uns três anos. Depois compramo a casa
da quadra 19, aí a gente foi comprando material, passando fome,
procuramo a assistente social pra arruma uma cesta básica, aí ela me
ajudou, ajudou a colocar as crianças no projeto (Rita).
T.P.C. – 2005
Foto 16 – Residência antiga de Rita e Carlos
Aqui percebemos também que assim como Rosa, que Rita não
reconhece seus direitos enquanto cidadã. Para ela a atitude do profissional que a
encaminhou para ser beneficiária de programas sociais, foi benevolente, caridoso,
pois naquele momento teve suas necessidades prontamente atendidas. Essa
situação presenciamos cotidianamente, pois historicamente a relação entre
comunidade e órgãos públicos tem se pautado na apresentação de reivindicações
que não superam o caráter assistencialista.
Além dos programas sociais desenvolvidos na realidade aqui
apresentada, a execução de um programa de urbanização deveria acontecer
sempre primando pela promoção e pelo apoio às intervenções urbanas articuladas,
especialmente programas habitacionais de infra-estrutura, saneamento ambiental,
integrando programas das diferentes políticas públicas, sempre visando garantir o
194
acesso à moradia adequada e à cidade para todos, independente da condição
econômica.
O local continuava precário, sem as mínimas condições para
atendimento das famílias que ali residiam, mas Rita, apesar de todas as dificuldades,
estava sonhando com as melhorias habitacionais.
E então saiu em busca de um emprego para garantir uma renda
familiar, para que pudesse adquirir materiais de construção, e reformar sua moradia.
Arrumei um serviço pra ajuda o Luís e acabamo a reforma. Depois de um
tempo queria reformar de novo aí compramo tijolo, ferro, patente do
banheiro e outros materiais, só que fiquei sabendo que ia ter que sair dali,
vendi todo o material bem baratinho, não sei onda tava com a cabeça (Rita).
Depois de todas as tentativas de melhorar as condições
habitacionais para a família, Rita sofreu novamente quando ficou sabendo que a sua
casa encontrava-se em área ambientalmente protegida. A moradia de Rita e Luís
localizava-se em área institucional e a COHAB-LD orientou a família a não continuar
as reformas.
Não ninguém avisou, só que descobrimos depois a COHAB falava, mas
prometeu que ia da uma solução , aí ficamos com medo, falavam que ia se
um campo de futebol. Antes do povo invadi era um campo de futebol, não
era pra construí casa. A moça da COHAB passava lá direto, medindo com
papelzinho, as casa tava toda prontinha, tudo medido, dividido, certinho, a
COHAB dividiu os terrenos, fez cadastro, deixou a gente morar muito tempo
(Rita).
Rita relatou que ficou sabendo que seu terreno não poderia ser
regularizado a partir das visitas que a COHAB-LD realizava, tentando conter o
processo de ocupação, de vendas ou de transferências dos lotes, pois já havia sido
feito um congelamento da área, para impedir tanto a saída como a entrada de novas
famílias.
195
Rita soube que deveria escolher outro lote, isso a entristeceu,
primeiro porque o Turquino era o local onde escolhera morar e segundo acabara de
investir na reforma da casa. Percebemos o sofrimento de Rita, assim como de outras
famílias, que conseguem a benfeitoria nas suas moradias, que são proprietárias,
mas nunca possuíram a terra onde estão, caracterizando um investimento em
material e mão de obra que perderão com a proposta do remanejamento. Rita não
concordava com a atitude da COHAB-LD porque, para ela, a Companhia não
poderia ter deixado as pessoas comercializarem esses lotes, já que se encontrava
em área que não seria regularizada. Rita participou, assim como Sr. João e D.Rosa,
das reuniões para escolha de seu lote, mas não conseguiu que sua vontade
prevalecesse, pois permanecer no João Turquino era tudo o que desejava. Como
eram muito poucos os lotes no Turquino e outros moradores já os haviam escolhido,
Rita ficou sem essa opção.
Nós batemos o pé e todo mundo falou que não ia saí, ia fica, mas teve um
monte de gente frouxo, medroso. Todo mundo falo que só ía saí, mas todo
mundo assino o papel concordando (Rita).
No assentamento João Turquino, apesar dos desafios, das
frustrações e dos medos; o casal construiu sua história e sua rede de
relacionamentos. Para Rita isso tinha valor e importância. Então quando a COHAB-
LD apresenta a proposta de remanejamento e Rita se deu conta que não
permaneceria no João Turquino, ficou triste e indignada.
Nós tava apegado lá. Desde o comecinho né, aí não é fácil não viu. Ah.
Quando você se acostuma num canto, praticamente eu nasci com o João
Turquino, eu posso falar (Rita).
196
As relações construídas, ao longo dos anos, através dos vínculos
que se estabeleceram com vizinhos, foram importantes na construção do local e no
futuro dessas famílias. A solidariedade, a ajuda mútua sempre presente nas relações
desta comunidade é um fato marcante. O lugar concreto, as vivências, as
frustrações fazem parte do cotidiano dessas pessoas, ajudando na construção da
identidade do local.
Rita e Luís, contrariados, decidiram aceitar a unidade habitacional no
assentamento Maracanã. Como sua moradia era maior do que a recebida do projeto,
tiveram como compensação uma indenização.
Ah com esse dinheiro que recebi da COHAB-LD quero pagar minhas
dívidas, não vai da nem pra aumenta a casa com esse valor, minha casa
era toda cercada, agora vou gastar muito dinheiro, não sei aonde vou
arruma dinheiro pra cercar essa casa, há não sei, mas [...] (Rita).
Rita relatou que com o dinheiro que recebeu da indenização,
priorizou o pagamento de dívidas, pois a família encontrava-se em situação
financeira precária pelas dívidas contraídas, inclusive pela compra dos materiais de
construção, para aumentar a antiga casa. E com tristeza externou que não
conseguiria fazer as benfeitorias ambicionadas na nova unidade habitacional.
A regularização e posse do novo “pedaço de terra” como Rita
sempre se refere ao lote, será uma perspectiva legal para família, mas isso,
percebemos não ser importante no momento. Para Rita a nova moradia representa o
seguinte:
Eu vou falar pra você uma coisa melhoro sim porque hoje tenho a casa
forradinha pras minhas crianças né, que não entra vento nada, só que eu
prefiro o João Turquino, porque eu amo lá de paixão. O asfalto é a primeira
coisa que melhorou um primeiro lugar, que Deus abençoe, foi o asfalto,
porque a vida de barco que todo mundo passou aqui não foi fácil não (Rita).
197
T.P.C. – 2006
Foto 17 – Moradia atual de Rita e Luís – pós remanejamento 2005
Apesar de Rita externar a satisfação com as melhorias na malha
urbana do assentamento, percebemos após o acompanhamento da mudança desta
família, que não houve identificação com o novo local. A família apresentou
resistências e a equipe do Projeto Habitar Brasil nos relatou que já houve várias
tentativas de troca da sua unidade habitacional por outra localizada no João
Turquino.
O significado da moradia para esta família está além da unidade
habitacional, da sua regularização, do padrão construtivo, está muito mais presente
nos vínculos estabelecidos e construídos no João Turquino, e sabemos que
provavelmente fará outras tentativas de troca sem pensar nas conseqüências que
isso poderá causar. Conforme relato de Rita, todos os dias vai para João Turquino
rever os amigos que lá deixou.
Koga (2003) diz que faz parte da cidadania a incorporação do
território como espaço, não somente de habitação, mas também de vivência e
convivência. Além de todas as privações que esta família passou, foi lhes tirado o
198
direito de escolha, de pertencimento, como podemos constatar no depoimento de
Rita:
A gente não queria vir não, de jeito nenhum, se fosse possível, falando a
verdade, eu teria ficado lá até agora. A violência era demais, mais pra quem
deve né? Que graças a Deus do jeito entrei no João Turquino eu saí, saí só
por culpa da COHAB que tirou o povo de lá mesmo, mas saí de cabeça
erguida, hoje eu entro lá de novo, volto graças a Deus, sabe conheço todo
mundo, também gente boa, todo mundo ta aqui porque precisa, não porque
que (Rita).
O direito à moradia está considerado dentro dos Direitos Humanos.
Como vimos na história de Rita e Luís, percebe-se, no direito à moradia, a real
possibilidade de realização da família, de auto-estima, de construção de vínculos
sociais e de cidadania. Ressaltamos a importância, relatada por esta família, do
sentimento de pertencimento ao local onde foram construídos os seus vínculos e
podemos dizer, neste caso, que isso é fator determinante para a fixação desta
família. A liberdade de escolha da residência implica na segurança da fixação de
seus moradores, aqui percebemos que a mudança de local propiciou um
descontentamento da família e que o poder público não conseguirá atingir seu
objetivo que é o da fixação, coibindo assim o processo de migração, que hoje é
intenso. Desmistificamos, aqui, a fala do senso comum, ou seja que as famílias
beneficiárias de um programa de moradia, em sua maioria acabam vendendo seu
imóvel pelo processo de especulação imobiliária. Dessa forma as pessoas não são
ouvidas no processo, não são considerados os vínculos formados, o sentimento de
pertencimento ao local e principalmente a história construída que é sempre de lutas
e desafios.
199
3.3.4 O sonho da casa própria: história de Sônia e Carlos
A quarta entrevista foi realizada com a família de Sônia e Carlos,
constituída pelo casal e dois filhos. Moravam em uma residência localizada em área
de fundo de vale no assentamento João Turquino e hoje estão na unidade
habitacional que receberam do Projeto Integrado H.H.B. no Maracanã. É um casal
que se encontra na faixa etária de 40 a 45 anos. Sônia veio do Ceará tentar a vida
em São Paulo, lá conheceu Carlos, um paranaense que tinha o mesmo objetivo que
ela: melhorar as condições de vida e formar uma família. Depois de alguns meses
casaram-se e iniciaram a trajetória desta história.
Moramos treze anos na cidade de São Paulo, depois de um tempo meu
marido ficou desempregado, aí sem perspectivas convidei ele para morar
no Ceará, minha família é toda de lá. Fomos, só que não tivemos sucesso,
ficamos dois anos por lá, nasceu nosso segundo filho, mas a vida era muito
difícil, não tinha emprego. Resolvemos voltar para São Paulo, onde
começamos a vida (Sônia).
A família procurou formas para sobreviver e satisfazer suas
necessidades básicas, os grandes centros urbanos atraem as pessoas em busca de
melhores condições de vida. A família passou por dificuldades, a perspectiva da
inclusão principalmente no trabalho, não aconteceu.
Quando voltamos para São Paulo moramos no fundo da casa da minha
cunhada. Sempre moramos em casa alugada ou cedida, como é duro, você
nem sabe como é morar de favor (Sônia).
200
Excluídos do mercado de trabalho, conforme o relato de Sônia,
foram cerceados do direito de morar. A única forma encontrada naquele momento foi
aceitar o convite feito pela cunhada para morar em uma dependência no fundo do
quintal dela. Após um tempo de procura pelo emprego, acaba surgindo a
oportunidade e a família permanece por mais três anos em São Paulo. Carlos se viu
novamente diante da terrível realidade que é o desemprego, que fez a família mudar
para Londrina, pois a mãe dele o convidou para procurar emprego e encontrar uma
casa aqui.
A família toda do Carlos é daqui. A mãe foi uma das primeiras moradoras do
João Turquino, ela convidou o Carlos para vir para cá, disse que pelo
menos aqui ele conseguia pegar um barraco, que era bem baratinho (Sônia)
No ato de movimentar-se o homem produz novas especialidades
que são socialmente constituídas na experiência do deslocamento, fazendo com que
lute para produzir meios para sua subsistência. Nessa luta pela sobrevivência, houve
uma proliferação de formas de ilegalidade nas cidades, especialmente no contexto
da economia informal que trouxe como conseqüência o processo de exclusão social
e segregação espacial, caracterizando o crescimento urbano nas grandes cidades.
Destacamos aqui uma característica importante que é a informação
transmitida pelos familiares da ocupação. Isso faz com que os mesmos encontrem
formas de solidariedade, juntem-se para resolver os problemas, no caso aqui, o de
onde morar. Portanto as ocupações ocorrem geralmente através das informações de
familiares como foi o caso de D. Rosa, ou de amigos como o caso de Rita.
Outro importante fenômeno percebido é o processo de migração que
não só ocorre do campo para cidade como foi o caso de D. Rosa, mas
principalmente de cidade para cidade, percebemos aqui que em cinco anos a família
201
percorreu três Estados brasileiros, sendo São Paulo, Ceará e por último o Paraná. A
migração de cidade para cidade é um fenômeno do século XX. As pessoas sentem-
se atraídas pela possibilidade de uma vida melhor, pois certas cidades aparecem
como pólos econômicos.
Carlos aceitou o convite da mãe e veio para Londrina na tentativa de
conquistar um emprego e uma casa própria. Sônia e os filhos permaneceram em
São Paulo, enquanto o emprego não surgia para Carlos. Assim que o marido
começou a trabalhar, Sônia veio com os filhos em busca de uma moradia:
Eu e as crianças viemos visitar o Carlos, pois ele já estava empregado,
minha sogra mostrou uma casa que estava a venda no João Turquino
(Sônia).
Sônia voltou para São Paulo, vendeu o terreno que havia comprado
com o dinheiro do acerto da demissão de Carlos e retornou para aquisição da tão
sonhada casa e de uma vida cheia de esperança, conforme nos relatou.
Era uma casinha de madeira com dois cômodos, estava disponível a venda,
na verdade vim visitar meu marido, porque ele já estava trabalhando aqui,
eu e as crianças viemos conhecer o lugar, então voltei para São Paulo,
vendi o terreno que tinha lá e aí a gente chegou aqui e comprou (Sônia).
Sabemos que um teto é uma segurança para a família,
principalmente para a população carente, pois estando desempregados estarão
seguros pelo fato de terem onde morar. Para Lorenzetti (2001) o padrão adequado
da moradia, tem que ser levado em conta não apenas pelo que ela é, fisicamente,
mas também pelo que ela representa para aqueles que nela habitam, considerando
desta forma os fatores subjetivos, como diferenças culturais, diversidade de
necessidades e preferências.
202
Maricato (1997) destaca que a casa própria, mesmo quando se trata
de um simples embrião de alvenaria, representa motivo de segurança, transmitindo a
sensação de progresso pessoal para o trabalhador.
A família adquiriu a moradia, como as outras que relatamos através
de uma transação ilegal. Sônia comprou uma casa localizada em área de fundo de
vale e não se preocupou, como nos relatou, em saber se a venda era legal, ou
mesmo se possuía débitos de água e luz.
A gente comprou a casa de outra pessoa, pagamos por ela R$ 1.500,00. Na
época quando compramos tinha muita conta de água e luz atrasada, a
gente não sabia, quando compramos, a gente ficou meio “bobo” que nem foi
atrás de nada disso, depois fomos ver que tinha R$ 500,00 para pagar, aí
fomos pagando, pagando até acertar tudo (Sônia).
Sônia relatou que a euforia era tanta que a cegou, pois deveria ter
procurado a COHAB-LD para pedir informações. Apesar de todos esses percalços
diz que a satisfação foi total quando adquiriu a “casa própria” e que parecia
“palácio”, neste momento Sônia se emocionou e demonstrou o valor sentimental da
casa para família. Percebemos o grau de importância da moradia para esta família,
da real possibilidade de realização, do aumento da auto-estima.
O casal e os filhos mudaram-se para o novo lar, atraídos pela
concretização definitiva de um teto que abrigaria a família, apesar de ser esta uma
situação absolutamente frágil, pois até então não sabiam que o local era
considerado impróprio para tal.
Daí, decorre que a luta pela sobrevivência se faz muito mais de
forma individualizada, sem o amparo das políticas públicas, tão escassas e
incapazes de garantir direitos de cidadania.
203
Quando cheguei no bairro não tinha infra-estrutura, esgoto, asfalto, linha de
ônibus, coleta de lixo, quando chovia, a enxurrada descia dentro da minha
casa (Sônia).
Sônia nos diz que por estar localizada a casa em fundo de vale,
próximo ao rio, quando as chuvas eram intensas, a enxurrada descia e passava por
dentro de sua casa, que sempre ficava alagada.
Aqueles que se esforçam, como vemos os relatos das famílias, para
ter uma moradia, mesmo que sendo irregular, não são contemplados com infra-
estrutura mínima e equipamentos públicos e sociais. O poder público demora em
ofertar essa benfeitoria e a população fica à mercê de sua própria sorte.
Sônia nos contou que após o encanto com a moradia, conviveu com
dificuldades das mais diversas e a falta de estrutura física do João Turquino naquela
época comprometia a qualidade de vida da família.
Quando chegamos aqui as crianças reclamavam o dia todo, diziam que
morar nesse lugar sem estrutura era difícil. Morávamos em São Paulo na
periferia, mas tinha estrutura, tinha comércio, tinha lanchonete, sorveteria na
frente de nossa casa. Tudo o que uma família de classe baixa poderia
usufruir, o aqui não tinha (Sônia).
A melhoria de vida da família estava condicionada a dois processos
que eram complementares, primeiro o acesso ao trabalho e a aquisição da casa
própria e o segundo as lutas para obter serviços urbanos adequados.
Aqui a exclusão aparece como não acesso aos benefícios da
urbanização. Esta família, como muitas outras na realidade brasileira, mostra a
situação de periferização, de segregação, frutos da urbanização intensa.
Não obstante as dificuldades pelas quais passava a família, Sônia
relatou os problemas que vivenciou com uma de suas vizinhas. A vizinha alegava
que a casa de Sônia fora construída dentro de seu terreno.
204
[...] inclusive tinha um problema com o vizinho que eu nem conhecia, ela
perguntou de onde eu vim, disse que de São Paulo, ela disse só podia ser
para comprar essa casa só vindo de fora, porque todas as vezes que
alguém vinha ver a casa para comprar eu não deixava, falava que foi
construída no meu terreno. Falei para ela que isso seria resolvido com a
COHAB, quando esta passasse para medir os terrenos, se tivesse diferença
eu não iria resistir, apesar de não ter nada com isso, mas a gente é honesto
(Sônia).
O poder público, aqui representado pela COHAB na época não
conseguiu conter os avanços das ocupações e cada morador demarcou seu lote e
construiu sua moradia. A casa foi erguida na divisa do outro lote porque não houve
uma demarcação oficial, conforme foi relatado, os próprios moradores demarcaram
seus lotes. A Companhia não quis se pronunciar, pois essas famílias estavam
ocupando uma área que não poderia ser regularizada. Sônia nos informou que a
vizinha a incomodou por várias vezes e ela sempre esperou do poder público a
resolução.
Sônia e seu esposo continuaram persistindo, pois não só
vivenciaram a presença da violência relacionada à moradia, mas também, a
violência relacionada ao tráfico de drogas.
[...] o único mercado que tinha na esquina de minha casa, as crianças iam
comprar doce, dois meses depois que a gente chegou quebraram tudo
mataram gente na frente [...] meus filhos falavam como vamos comprar
doce mãe? E isso fez com que a gente não saísse de dentro de casa, para
nada, isso era muito ruim (Sônia).
A violência urbana traz em si várias formas de privações e como
vemos na entrevista Sônia relatou que a família não saía de casa, nos contou que
era a lei do silêncio, ninguém podia falar sobre o que viam e todos permaneciam
inertes diante das situações que vivenciavam cotidianamente (Anexo B8).
A vida nas grandes cidades tem seus desdobramentos, destacamos
aqui as crianças que são privadas do convívio com outras e das brincadeiras de
205
ruas, conforme Sônia disse seus filhos reclamavam, pois em São Paulo eles tinham
liberdade, o que não acontecia aqui. A violência é uma experiência partilhada por
todos, embora vivida sob condições de extrema diferença.
Sônia relembra a cena de violência que vivenciou: um assassinato
que provavelmente nunca esquecerá, marcando profundamente sua chegada no
assentamento João Turquino.
Um dia estava voltando da casa de minha sogra com os dois filhos, o Carlos
estava trabalhando era noite, logo que entrei em casa e ajeitei as crianças
para dormir, ouvi os tiros, bem em frente a minha casa, poucos minutos eu
tinha passado com duas crianças alí, já pensou no que poderia acontecer?
Lá estava mais um jovem morto assassinado (Sônia).
A vontade de Sônia naquele momento, era de abandonar, desistir
daquele local, deixar tudo e ir embora.
[...] a gente ficou doida para ir embora, abandonar tudo, mas aí a gente
pensa se eu estou aqui é porque Deus quis me por aqui e eu tenho a
capacidade de superar. Foi então que comecei a assistir missa que era
realizada dentro da Escola, aí comecei a dizer, vou ter que arregaçar a
manga e fazer alguma coisa, né, comecei a conhecer as pessoas, me
entrosar, fazer amizade, você vai conhecendo as pessoas e vendo que não
é bem assim, acho que todo lugar que você chega e não conhece ninguém,
você vê tudo o que a gente viu você fica apavorado (Sônia).
Percebemos na fala de nossa entrevistada a importância das
instituições como a escola, a igreja, que promovem os encontros, o convívio e
possibilitam a superação das dificuldades, encontrando formas de solidariedade e
principalmente superando os constrangimentos pelos quais as famílias são
submetidas.
[...] aqui a gente bateu de frente com tudo isso faltava tudo, faltava água,
sempre faltava, muita criminalidade, violência, falta de estrutura, cada dia
que chovia tinha que sair com o saco plástico no pé, nossa era uma tristeza
(Sônia).
206
T.P.C. – 2004
Foto 18 – Rua sem asfalto – 2004
A população procura enfrentar esses desafios nos grandes centros
urbanos nos quais estão concentradas enormes contradições e desigualdades. A
discriminação e a vergonha de chegar e até mesmo andar de ônibus como os pés
sujos de barro, fez com que colocassem nos pés sacos plásticos, como maneira de
proteger e não sujar os recintos por onde passavam.
Durante o relato de Sônia e de outros moradores dos quais tivemos
contato, pudemos perceber que o fenômeno da violência urbana tornou-se fato
cotidiano naquela comunidade, em contrapartida o medo passou a ser difuso e a
poderosa sensação de medo que a todos acompanhava. Esses acontecimentos
trouxeram sérios prejuízos para vida daquela coletividade.
A imprensa local noticiava acontecimentos que faziam parte do
cotidiano das famílias. Algumas reportagens traziam a triste realidade do local:
207
Moradores do Conjunto João Turquino (zona oeste) estão abandonando
suas casas pressionados por marginais da região. A denuncia foi feita
ontem a tarde por um trabalhador de serviços gerais - ele pediu para não
ser identificado porque teme represálias, vive no Bairro há um ano e meio e
está sendo vítima de ameaças. Ele vive aterrorizado desde o último dia 25,
quando assaltantes entraram em sua casa, levaram televisão, aparelho de
som e dois celulares (FOLHA DE LONDRINA – 09/04/2002) (Anexo B9).
PM mantém operação em assentamento – Boatos sobre um possível
confronto entre traficantes da zona Oeste apavoram moradores e deixam a
Polícia Militar em alerta (FOLHA DE LONDRINA – 06/04/2002) (Anexo B10).
Sônia diz que os anos de 2000, 2001 e 2002 foram os piores
momentos que a comunidade viveu, sofriam com a discriminação, pois os jornais e
emissoras de televisão noticiavam os fatos ocorridos no assentamento, as pessoas
eram discriminadas, principalmente quando iam em busca de um trabalho, quando
se referiam ao local da moradia, as empresas dificultavam a contratação.
Apesar de todos os acontecimentos, a família manteve-se firme e
confiante que essa realidade um dia iria mudar e superando tais dificuldades iniciou
um processo de melhoria em sua unidade habitacional.
Demos uma arrumada na casa, colocamos piso, cercamos, plantamos mais
coisas, porque as pessoas foram saindo e passavam pela minha casa, aí
fomos obrigados a cercar, também atrás de minha casa tinha uma plantação
de bananeira e a turma descia lá para fumar, então a gente resolveu
plantar, cercar cuidando, pagando sempre alguém para capinar, meu marido
falava que não queria saber de mato atrás da nossa casa, porque só
juntava maloca, a gente começou a cuidar da casa detrás dos terrenos, tudo
plantadinho, arrumadinho (Sônia).
208
T.P.C. – 2005
Foto 19 – Moradia no Fundo de Vale de Sonia e Carlos -2004
A melhoria na unidade habitacional já era sinal de que a família não
pensava em sair daquele local, apesar de todos os impedimentos e percalços por
que passou. Sempre otimistas e esperançosos de que um dia a situação poderia ser
revertida, assim vivem essas famílias, sem o entendimento de que a moradia é um
direito
27
e sempre na espera de um “milagre” e de alguém que olhe por elas.
Mas, ainda não haviam terminado os problemas, Sônia ficou
sabendo que deveria sair daquele lugar, pois ali nunca teria a posse e a segurança
jurídica daquele terreno.
A COHAB passou aqui em 2002 fazendo um cadastro e avisou que nós
íamos ter que sair, que aqui era área de Fundo de Vale, aí deu aquele
alvoroço, muita gente foi embora do João Turquino, aquela violência, mas
nós não saímos dali, era a primeira vez que a gente adquiriu uma casa,
27
São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia... (C.F., 1988, artigo 6º. p. 08).
209
ficamos firme lá, passei por muita coisa, muita coisa mesmo, mas falei daqui
não vou sair (Sônia).
Sônia tinha clareza da irregularidade de sua moradia, mas não
concordou de início quando ficou sabendo que deveria sair daquele local. Alegou
que o poder público representado pelo COHAB-LD dotou de infra-estrutura como
abertura de ruas, de água e luz e principalmente quando os ônibus começaram a
circular no local, a esperança tomou conta dessa família achando que não mais
sairiam dali (Sônia diz não esquecer esse dia).
Os assentamentos precários são objeto de investimento pela gestão
pública, que incorpora lentamente tais áreas à cidade, regularizando, urbanizando,
dotando de infra estrutura, mas nunca eliminando a precariedade e as marcas da
diferença em relação às áreas que nascem regularizadas.
A dinâmica de dotar minimamente os assentamentos, traz
rentabilidade política, conforme relato de Sonia, “na época das eleições, eles fazem
tudo, prometem tudo e depois esquece do povo”. Geralmente com algumas ações
que são abertura de ruas, instalação de água e luz, telefones públicos, coleta de lixo
o poder público estabelece uma base política popular, de natureza quase sempre
clientelista, uma vez que os investimentos são levados às comunidades como
“favores”. Assim, as comunidades tornam-se “reféns” ou “devedoras” de quem as
protegeu, tornando-se moeda de troca nas contabilidades eleitorais.
Quando Sônia foi avisada pela COHAB-LD sobre a desocupação
das moradias, incluindo a dela, houve um sentimento de desânimo, por estar
acostumada a promessas que nunca se cumpriam, também houve muita
desconfiança por parte de algumas famílias.
210
[...] aí surgiu a COHAB, falando do Projeto do HBB e teríamos que sair
daquela área, nós não queríamos sair, tínhamos uma certa desconfiança
naquilo que foi prometido (Sônia).
Sônia tomou uma posição diante do processo de remanejamento, de
participar e acompanhar todas as informações acerca deste, bem como as decisões
que a comunidade tomaria. Foi então que vivenciou o processo de remanejamento
participando de todas as reuniões e pôde escolher seu lote para a nova moradia.
[...] a gente viu que era para melhor, damos graças a Deus, estamos na
nossa casinha, mudamos da última rua do João Turquino para última rua do
Maracanã, estamos muito bem (Sônia).
Sônia refere-se a nova moradia com o mesmo sentimento que
apresentou pela anterior, muito entusiasmo, alegria e diz que aceitou o
remanejamento pois terá sua casa regularizada e que o título de propriedade para
ela significa o seguinte:
É uma garantia que vou ter, tudo documento, legalizado, para mim e para
minha família, acho que todos devem pensar assim, é da gente aquilo que a
gente pode provar que tem né, Sandra? É uma coisa que a gente tinha e ao
mesmo tempo sabia que não tinha, não tinha documento nenhum da
casinha, com ninguém aqui tem, mas a gente pretende assim que
documentar pagar direitinho se Deus quiser, porque é para meus filhos, não
é para gente, a gente tem que pensar no futuro dos nossos filhos (Sônia).
A família de Sônia, como as demais famílias da Poligonal
Turquino/Maracanã será beneficiada com o processo de regularização fundiária, que
não está acontecendo de forma isolada, mas atrelada a um conjunto de medidas de
urbanização que quebra o ciclo da exclusão gerador da informalidade das
ocupações.
Ao saber que a casa agora passou a ser da família, além da
segurança, o pertencimento, leva “à valorização do que é meu”. Ela agora tem um
211
lugar que a identifica e cria estabilidade, ao contrário de Rita, que provavelmente
não permanecerá no local.
Isso foi possível através da intervenção do poder público que deveria
proporcionar esse tipo de atendimento, que é o acesso à terra e a opção de moradia
digna. O título e a posse, ou seja a regularização do lote de Sônia e das demais
famílias, teve como objetivo não apenas o reconhecimento da segurança individual
da posse para seus ocupantes, mas principalmente a integração sócioespacial
desse assentamento que era informal.
Sônia refere-se ao Projeto Integrado do HBB da Poligonal como um
marco na vida de sua família, até porque além da tão sonhada casa própria,
participa ativamente da Pastoral da Criança e também da AMAR – Associação de
Mulheres Artesãs em Reciclagem da Poligonal que é resultado do Projeto de
Participação Comunitária do HBB e a atividade desenvolvida na AMAR completa a
renda familiar.
Todo o Projeto Habitar Brasil aqui foi muito importante, acho que aprendeu
todo mundo né, a conviver mais, perder um pouco o medo, eu penso assim
né que antes aqui vocês não conseguiam fazer nada na rua, todo mundo
tinha muito medo, recuava, isto o projeto veio abrir os olhos das pessoas,
ser mais humilde, a procurar fazer cada um sua parte né, e não difundir, sair
por aí só falando as coisas ruins do bairro, porque aqui tem muita gente boa
como tem todo lugar o que não deve, aqui tem também, a gente sabe disso,
mas explorar o lado bom né, cada um fazer a sua parte eu penso assim se
você não pode ajudar não, então não procura prejudicar né, mostrar o outro
lado da coisa para pessoa né, e é isso que eu tenho aprendido a fazer
desde que cheguei aqui, no Turquino, Maracanã (Sônia).
Ao analisar a trajetória de vida dessas famílias, percebemos nas
falas dos entrevistados as angústias e dificuldades vivenciadas durante anos, no
entanto, após intervenção realizada pelo Projeto Integrado, os moradores
apresentam-se satisfeitos, pois sem a realização deste, não teriam suas moradias
regularizadas.
212
Mas a Cohab para mim tem sido uma benção, ás vezes as pessoas
comentam que graça teve mudar do Turquino para Maracanã, para mim
tem, foi uma benção e continua sendo, eu sempre falo com as pessoas,
pare de reclamar vocês não acham que está na hora de agradecer (Sônia).
Sônia demonstra sua satisfação e diz: “na minha vida nos meus
quarenta e poucos anos eu nunca vi tanta obra junto num lugar só” e complementa:
apesar que tudo o que foi feito é o que precisávamos”.
Gomes (2002) afirma que as demandas da população, quando
atendidas, revestem-se de um caráter paternalista, pois o objeto de negociação
passa a ser oferecido por intermédio de favor e não se configura como contrapartida
dos direitos de cidadania, é isso que encontramos nas falas dos nossos
entrevistados: Sônia diz que a COHAB tem sido uma benção, D. Rosa coloca nas
mãos de Deus e do representante da COHAB.
T.P.C. – 2006
Foto 20 – Moradia de Sonia pós-remanejamento - 2006
213
Ao nos depararmos com uma família com projetos futuros, pensando
nas benfeitorias da nova unidade habitacional, podemos afirmar que aqui se
concretiza um projeto de vida e que a migração deixará de ser a saída, até porque
no João Turquino é que o sonho transformou-se em realidade. O significado da
moradia para Sônia está retratado neste trecho da entrevista:
Significa muito, nossa eu acho (se emocionou e começou a chorar) em
todos os sentidos, porque as pessoas tem liberdade. Eu ainda vou quando
puder nós vamos ampliar a casa, pretendemos fazer uma cozinha e um
quarto para filha por enquanto ela dorme com o irmão (Sônia).
O significado da moradia para Sônia está relacionado ao local que
transmite segurança, identificação e se caracteriza socialmente um símbolo de
status social, pois ter um endereço é uma questão de cidadania. Nesta história, as
representações vividas pela família levaram Sônia e Carlos à incorporação de algo
que sempre foi almejado, sonhado, afinal, quem é que nunca sonhou em ter sua
casa própria? Essa foi a pergunta de Sônia para a entrevistadora, salientando que
ter se livrado da condição de morar de aluguel e da dependência de outros, foi uma
das melhores coisas que aconteceu para a família.
Quando partimos do pressuposto de investigar o significado da
moradia, nos detemos na busca pela interpretação da realidade social na qual o
indivíduo está inserido. Pois como coloca Yazbek (2003, p.25), quando procuramos
“perseguir a contribuição que depoimentos e histórias de vida podem oferecer para o
conhecimento da vida social, implica reconhecer que no fundo da narrativa encontra-
se a realidade social e coletiva incorporada pelo sujeito”.
Sônia expressou o seu sentimento a respeito da sua moradia. Foram
vivências e sofrimentos que expressaram mais do que o “sonho”, principalmente
214
quando é algo que faz parte do espectro das necessidades básicas, que compõe o
necessário, o básico para sua sobrevivência, para sua reprodução, e seu por direito.
Sônia e Carlos colocaram a moradia como sonho que tornou-se
realidade e relataram com entusiasmo o que sempre almejaram, “o sonho da casa
própria”, ou seja o sonho de milhões de brasileiros, que aguardam a chance de um
dia ter acesso à casa própria.
215
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Edésio Fernandes(2003) diz que uma das principais características
do processo de urbanização no Brasil tem sido a proliferação de processos informais
de desenvolvimento urbano. Milhões de brasileiros só tem tido acesso ao solo
urbano e à moradia através de processos e mecanismos informais e ilegais.
Conforme o autor as conseqüências socioeconômicas, urbanísticas e ambientais
desse fenômeno tem sido graves, produz um grande impacto negativo sobre as
cidades e sobre a população urbana como um todo.
A proliferação das ocupações a partir de 1990 intensificou-se
acentuadamente após a redução de ofertas de moradias para a população de baixa
renda.Esse fato associado ao crescimento desordenado das áreas urbanas sem um
planejamento urbano estratégico adequado, sem instrumentos jurídicos efetivos e
não vinculados a uma política responsável voltada a questão da moradia, fez com
que a subnormalidade habitacional crescesse de forma assustadora.
Paradoxamente a essa situação o direito à moradia está assegurado
constitucionalmente como direito social, a partir da Constituição de 1988 e
principalmente por esse garantir o abrigo, compondo o núcleo da dignidade da
pessoa humana. Portanto é dever do Estado assegurar o direito à moradia
principalmente para população de baixa renda.
Através dessa pesquisa entende-se que o espaço urbano em função
das imposições capitalistas, exclui cada vez mais pessoas com baixo poder
aquisitivo, para áreas com condições precárias de sobrevivência. A moradia possível
para essas famílias passou a ser aquela encontrada em ocupações irregulares. A
216
ilegalidade chegou a índices tão altos nas cidades brasileiras que em muitos casos,
superou os índices de ocupações regulares.
Estudos e levantamentos realizados pela COHAB-LD no ano de
2002 apontam que 10% da população de Londrina vivem em ocupações irregulares,
dessas metades estão em área ambientalmente frágeis de difícil regularização.
Enfrentar esses desafios urbanos neste contexto requer uma atuação do poder
público que não podem ser de maneira isolada e sim articuladas com outras políticas
públicas preventivas, minimizando assim o ciclo de exclusão que tem gerado a
informalidade.
Em Londrina o déficit habitacional está diretamente ligado as
famílias com renda de zero a três salários mínimos, que não possuem as mínimas
condições de habitabilidade, exigindo do poder público o repensar das políticas e
programas habitacionais. Ao longo das intervenções do poder público, estas tem
servido apenas para expor a cidade, enquanto território de expressão máxima da
desigualdade, segregação, discriminação e exclusão social.
Nossas entrevistas feitas com famílias em processo de
remanejamento de uma ocupação irregular, buscou resgatar a trajetória dessas na
busca por uma moradia. Esta trajetória foi marcada por um processo de busca
constante de uma casa, um lugar que dê segurança e que possam construir suas
vidas.
Para essas famílias os significados incorporados nas falas
expressam necessidades que se apresentam ao longo de suas vidas, relacionado
com o projeto de vida.
Está relacionado a construção, a formação do local, ao sentimento
de pertencimento e da conquista que foi chegar até aqui, como os próprios
217
entrevistados nos relataram, pois a despeito de todas as privações pelas quais
passaram essas famílias o amor pelo local é algo demonstrado, percebido, sentido
por nós. Rita não esconde o seu amor por esse local quando diz: eu amo de paixão
o João Turquino, Sr. João diz que só sai dali carregado por quatro homens, ou seja
morto, D. Rosa diz: que ninguém irá tira-la desse lugar.
Aqui verificamos que o local, ou seja, o espaço não é somente da
habitação, mas sobretudo de vivência e convivência, onde seus moradores apesar
de todos os percalços e empecilhos vivenciados em seu cotidiano, superaram
trazendo as marcas da solidariedade e de práticas coletivas.
Ao chegarem no assentamento João Turquino, depararam-se com
uma realidade bastante precária, pois o local não apresentava qualquer infra-
estrutura básica como abastecimento de água e energia elétrica. Essas primeiras
lutas propiciaram a organização dessa população e o estabelecimento da construção
de fortes vínculos sociais, presentes até hoje entre os moradores.
Ao analisar os tortuosos e desconexos percursos dessas famílias em
busca por uma moradia, percebe-se um conjunto de elementos que marcaram essa
caminhada, aprofundando ou distanciando o acesso a ela.
A proliferação de formas de ilegalidade urbana no que diz respeito
aos processos de acesso ao solo e à moradia, também se dá através da
impossibilidade da família de arcar com o aluguel. Foram verificadas através das
entrevistas que o ônus excessivo do aluguel, isto é o pagamento mensal da moradia,
sendo essa parte integrante do custo da reprodução da força de trabalho, que de
uma forma ou de outra mantém sob pressão os salários, constitui um limite concreto
permitindo um rebaixamento salarial, deixando muitas vezes a família passar por
necessidades, como a de se alimentar, para honrar com o compromisso do aluguel.
218
Isso fez com que a família procurasse outra alternativa para moradia. As quatro
famílias entrevistadas, todas encontraram no assentamento a única alternativa para
moradia, sendo que todas procuravam o local para diminuir custos com aluguel, ou
porque moravam em casas cedidas e/ou com familiares.
A carência de moradia no município de Londrina na década de 1990,
juntamente com o fluxo de migrantes como registramos nas entrevistas fez acentuar
a crise habitacional.
Os fluxos migratórios ocorreram da zona rural no caso de D. Rosa,
que foi expulsa e se viu abandonada, buscando na cidade o abrigo para sua família.
Sônia e Carlos migrantes de outro Estado foram atraídos pela possibilidade de um
emprego e uma casa própria na cidade em que abrigava a família de Carlos. A
família de Rita e a do Sr. João movimentaram-se dentro do espaço da própria
cidade, este fluxo migratório é chamado de migração intra-urbana. Essas migrações
foram movidas pela esperança que as famílias carregam em si de encontrar um
espaço para fixar moradia.
Outro fator importante de ressaltar nas falas dos entrevistados é a
questão da violência, este aspecto está presente no assentamento João Turquino
desde sua origem, uma vez que era visto como ponto de referência para assuntos
relacionados à violência, drogas, assaltos e seus moradores eram rotulados como
marginais, perigosos como Sr. João nos relatou em sua entrevista.
Além de enfrentar um processo de exclusão materializado na falta
de emprego regular, habitação precária, alimentação deficiente, residência em local
inseguro em função da violência atrelada ao tráfico de drogas, enfrenta ainda o
preconceito dos demais habitantes da cidade, sobretudo quando procuram um
emprego. Esta imagem está diretamente ligada a fatos noticiados em jornais que
219
acabam por influir na opinião pública que sempre será negativa. Sr. João nos relatou
que o endereço é uma barreira para o emprego: Não bastassem as dificuldades do
mercado de trabalho, quando as pessoas falam onde moram, na mesma hora
mudam de cara e dizem que não precisam mais (João).
Neste sentido, talvez uma das contribuições mais significativa para a
comunidade foi as ultimas reportagens veiculadas nos jornais que tem chamado
atenção para o bairro (Anexo B6): Bairro de cara nova: João Turquino repaginado. O
projeto Habitar Brasil trouxe asfalto para ruas da vizinhança, de brinde os moradores
ganharam dias de paz (Folha de Londrina, 29/01/2006). Nesses três anos de
convivência com a comunidade pudemos constatar que a violência diminuiu, pois
aparentemente distintas as melhorias que foram executadas no assentamento João
Turquino inter-relacionam-se, pois o asfalto possibilitou uma maior segurança no
local.
Assim a despeito das pequenas diferenças nas visões da exclusão
social, ressalta-se como elemento comum, o caráter presente na maioria dos
trabalhos que enfatizam as responsabilidades da sociedade e do governo pela
inclusão dos considerados excluídos, por exemplo através de programas sociais
específicos.
A comunidade conquistou um importante projeto de urbanização,
através da parceria com o governo federal e municipal concretizando o programa
Habitar Brasil BID que iniciou suas atividades em 2004 no local. No escopo do
Projeto Integrado estava o remanejamento das famílias que ocupavam áreas de
fundo de vale e institucionais, permitindo tirar essas famílias da clandestinidade, da
ilegalidade e propiciar uma moradia digna e regularizada.
220
O assentamento João Turquino era uma região com uma
configuração bastante diversificada do restante dos bairros da cidade e que pode ter
essa situação revertida a partir da concretização de um projeto que segundo os
entrevistados, nunca tinham visto em um só lugar tanta benfeitoria realizada ao
mesmo tempo.
Pudemos acompanhar esse processo junto as famílias antes e
depois da remanejamento e através da operacionalização de um programa de
urbanização, este eliminou os principais problemas vivenciados por essa
comunidade, inclusive o da moradia.
Após o remanejamento pudemos conferir junto as famílias
entrevistadas, que essa nova moradia representa o concreto, uma aspiração de
longa data, a busca, a conquista e através dos depoimentos, as vivências, os
sofrimentos expressam mais do que o “sonho”, principalmente quando o sonhado é
algo que compõe o necessário, o básico para sua reprodução e seu por direito. O
significado da moradia de maneira geral é entendido envolto a uma valorização
socialmente construída, idealizada enquanto algo que indica segurança, estabilidade
e até mesmo “status social”.
Os desafios enfrentados em Londrina nos setores habitacionais são
imensos e conforme alguns casos são opressivos, com pobreza generalizada e
muita desigualdade.
E quando nos referimos ao direito a moradia, entendemos como
integrante da categoria dos Direitos Sociais, que para ter sua eficácia jurídica e
social, pressupõe ação positiva do Estado por meio da execução da política
habitacional, articulada as outras políticas.
221
Através dos resultados ainda parciais da implementação do projeto
Integrado Habitar Brasil BID, torna-se possível conceber e consolidar novas
estratégias de enfrentamento a grave crise habitacional, a medida que contribuem
com a consolidação de novas perspectivas e programas de interesse social.
222
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238
ANEXOS
239
ANEXOS A
240
ANEXO A1
FORMULÁRIO APLICADO NOS MORADORES DA POLIGONAL EM 2002
241
242
243
244
ANEXO A2
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS FAMÍLIAS
245
ROTEIRO DE PERGUNTAS APLICADOS NAS ENTREVISTAS
1. Antes de vir para o João Turquino, qual era o local da sua moradia, e se era
alugada, cedida ou casa própria.
2. Como era constituída a família antes de vir para o assentamento João Turquino?
E atualmente?
3. Quando e como vieram para o assentamento? Como ficou sabendo da ocupação?
4. Quando chegaram pegaram o inicio da ocupação?
5. Quais eram as condições de infra-estrutura do local?
6. Havia algum grau de parentesco, ou amizade entre as famílias por ocasião da
ocupação?
7. Havia algum pagamento de prestação para COHAB-LD?
8. Foi orientado que a área de ocupação era área de fundo de vale ou área
institucional?
9. Quanto tempo passaram construindo a casa?
10. A família gosta de morar neste local?
11. Quando foram avisados de que deveriam sair do local?
12. Quando soube que ia ser remanejado quais os sentimentos tomou conta da
família?
13. Como recebeu a proposta de mudança para a moradia oferecida pelo poder
público?
14. O que você avalia como importante desse processo de mudança e da
regularização fundiária?
15. O que acha do remanejamento? Quais os pontos positivos e negativos do projeto
como um todo?
16. O que significa a nova moradia e quais seus sonhos e planos com a nova
moradia?
246
ANEXO B
247
ANEXO B1
BARRACOS DE FACHADA SÃO DERRUBADOS PELA COHAB-LD
248
249
ANEXO B2
BAIRRO OBEDECE À “LEI DO SILÊNCIO”
250
251
ANEXO B3
BAIRROS REIVINDICAM TERMINAL DE ÔNIBUS
252
253
ANEXO B4
ESTIGMA DA POBREZA
254
255
ANEXO B5
BAIRRO DE CARA NOVA: JOÃO TURQUINO REPAGINADO
256
257
ANEXO B6
MISÉRIA ATINGE 160 MIL LONDRINENSES
258
259
ANEXO B7
A GUERRA DOS MENINOS
260
261
ANEXO B8
MEDO EXPULSA MORADORES DO MARACANÃ
262
263
ANEXO B9
MORADOR DE ASSENTAMENTO DENUNCIA PEDÁGIO
264
265
ANEXO B10
P.M. MANTÉM OPERAÇÃO
266
Livros Grátis
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Milhares de Livros para Download:
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